“COM A CORAGEM DE DOM BOSCO NAS NOVAS FRONTEIRAS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL”
1. Aproximação histórica. Compromisso de fidelidade. Valorização da nossa memória histórica. Uma nova mentalidade. Uma conversão cultural. Urgência da formação dos salesianos. Resposta organizativa e institucional. Novos estímulos ao nosso caminho. 2. Desafios provenientes da comunicação social.
Desenvolvimento tecnológico. Novidades midiáticas em nível técnico e estrutural.
Características da nova cultura digital. Alguns desafios em perspectiva educativa.
Alguns desafios em perspectiva institucional. 3. Orientações operativas. 3.1 Mudança de estratégia. 3.2 Instrumentos de trabalho. 3.2.1 Carta do padre Vecchi sobre a comunicação social. 3.2.2 Sistema Salesiano de Comunicação social. 3.2.3 Orientações para a formação dos salesianos em comunicação social. 4. Conclusão.
Roma, 24 de junho de 2005
Natividade de S. João Batista
Caríssimos Irmãos,
eu vos escrevo após a solenidade de Maria Auxiliadora, que vivi em Valdocco, onde, juntamente com numerosos participantes, inaugurei, antes com uma concelebração Eucarística, depois com um ato cultural, os restauros da Basílica até então realizados. Agora, na parte renovada, a Basílica resplandece de luz e de cores. Muitos de nós nunca tínhamos podido ver tanta beleza, que os anos haviam deteriorado na estrutura e na decoração. Como já fiz durante as celebrações de Turim, esta carta me oferece a oportunidade de agradecer a todas as inspetorias, à Família Salesiana e às instituições civis, assim como às comunidades, aos numerosos devotos e benfeitores, que quiseram manifestar o amor a Maria com sua contribuição econômica.
No período transcorrido após minha última carta circular, tive numerosos compromissos; entre eles, de modo particular, algumas
Visitas de Conjunto. Vivemos, sobretudo, dois acontecimentos de alcance mundial, que merecem um comentário: a doença, morte e funerais de João Paulo II, e o conclave, a eleição, a inauguração do pontificado de Bento XVI.
No testemunho que escrevi um dia antes da morte de João Paulo II manifestei com reconhecimento e admiração alguns traços que, na minha opinião, fizeram do Papa Wojtyla uma das figuras importantes do século XX e um dos pontífices maiores, a ponto de ser já chamado com o apelativo de “Magno”. Sua morte despertou um envolvimento de numerosas pessoas, que superou toda expectativa.
Não foi a mídia que produziu tal fenômeno, mas ela o noticiou.
Uma autêntica multidão de homens e mulheres, de todas as partes do mundo, de diversas confissões, classes sociais, idades, encheu a Praça de São Pedro e as ruas adjacentes, numa prova inimaginável de admiração, de gratidão, de fé, de Igreja. A isso devem acrescentar-se os milhões de pessoas que em todas as partes do mundo se reuniram para as celebrações e acompanharam os vários acontecimentos através dos meios de comunicação.
É paradoxal ter sido a morte de João Paulo II que tornou evidente sua grandeza de homem, de crente, de pastor. O que disse aos jovens no fim de sua vida – de acordo com o que afirma seu secretário pessoal, que lhe havia contado que a Praça de São Pedro estava repleta de jovens – poderia ser válido para todos: “Fui encontrar-vos em todas as partes do mundo. Hoje vindes encontrar-me e vos agradeço”.
Parecia que a fragilidade física e a doença, que o privaram da palavra, mas não lhe dobraram a vontade férrea de cumprir a missão que Deus lhe havia confiado, o tornaram mais belo, mais atraente, mais eloqüente. Lembro, a propósito, as palavras de Paulo aos Coríntios: “De fato, sabemos que, se a tenda em que moramos neste mundo for destruída, Deus nos dá outra morada no céu, que não é obra de mãos humanas, e que é eterna”; “Sim, nós que moramos na tenda do corpo estamos oprimidos e gememos, porque, na verdade, não queremos ser despojados, mas sim sobrevestidos, de modo que o que é mortal em nós seja absorvido pela vida” (2Cor 5,1-4).
Ora ele vive em plenitude junto de Deus. A nós não deixa apenas uma memória, carregada de lembranças, mas um testamento espiritual, o seu testemunho de amor até o fim ao Senhor Jesus, à Igreja, ao homem. A nós e aos jovens em particular deixa aquela mensagem, que tornamos programa de animação e governo do sexênio: “Queridos salesianos, sede santos!”.
Nos dias da sede vacante, a Igreja intensificou sua oração. Como de costume, o Conclave despertou muitas expectativas. Isso é natural.
Mas esta vez a espera foi grande como nunca, também pela presença maciça da mídia e sua influência através de jornais, revistas, redes de televisão, internet. A comunicação chegava até a apontar o programa, as prioridades e a agenda do novo Papa. Em clima de oração e discernimento, os cardeais participantes elegeram aquele que Deus havia escolhido, o cardeal Josef Ratzinger, que escolheu o nome programático de Bento XVI.
Suas primeiras intervenções, de modo particular a homilia de inauguração do pontificado, fizeram-nos ver um Papa de mente brilhante, com profunda formação humanista e vasta preparação teológica e cultural, que prefere a essencialidade à retórica, mas sobretudo revelaram o homem o crente. Não admira, pois, que não tenha sentido “a necessidade de apresentar um programa de governo” e que sua opção fundamental tenha sido a de colocar-se “à escuta da palavra e da vontade de Deus” e deixar-se guiar por Ele, “de modo que Ele próprio guie a Igreja nesta hora da nossa história”. [1] Todavia, explicando os sinais que caracterizam o ministério petrino, o pálio e o anel, traçou com clareza os desafios: “Conduzir os homens para fora do deserto – o deserto da pobreza, da fome e da sede, do abandono, da solidão, do amor destruído, da obscuridade de Deus, do esvaziamento das almas já sem consciência da dignidade e do caminho do homem – para o lugar da vida, para a amizade com
6 ATOS DO CONSELHO GERAL o Filho de Deus, para Aquele que nos dá a vida, a vida em plenitude”; e “Levar os homens, com a rede do Evangelho, para fora do mar salgado de todas as alienações para a terra da vida, para luz de Deus”.
É o ministério do pastor e do pescador. Se essa é a tarefa que o Papa se sente chamado a cumprir na Igreja, a todos lembrou o apelo de João Paulo lI, dirigido há 26 anos: “Abri, antes escancarai as portas para Cristo!”; e acrescentou: “Quem faz entrar Cristo, não perde nada, nada, absolutamente nada do que torna a vida livre, bela e grande”.
Hoje, enquanto damos boas-vindas ao Papa Bento XVI, o acolhemos com afeto e acompanhamos o seu ministério com a oração, como faria Dom Bosco, e lhe prometemos fidelidade e colaboração.
Vamos agora ao tema desta carta circular: “Com a coragem de Dom Bosco nas novas fronteiras da comunicação social”.
Alguém perguntará que tem a ver uma carta sobre a comunicação social com as reflexões e estímulos que expus até agora em minhas cartas. Levaram-me a essa escolha várias razões. A primeira, mais substancial, reside no fato que a comunicação social (CS) é um dos campos prioritários da missão salesiana (cf. C 5). Ela é de tal importância que finalmente o último Capítulo Geral decidiu eleger um conselheiro geral somente para essa dimensão. O segundo motivo, mais ocasional, é a ocorrência do 120º aniversário da carta de Dom Bosco, de 19 de março de 1885, sobre a “Difusão dos bons livros”, [2] verdadeiro manifesto da comunicação social para a Congregação. A última razão, mais programática, é a Carta Apostólica de João Paulo II, O rápido desenvolvimento, publicada em 24 de janeiro de 2005, para lembrar o Decreto do Concílio Ecumênico Vaticano II Inter Mirifica, que havia sido promulgado por Paulo VI há mais de quarenta anos.
Pois bem, esse conjunto de fatores convenceu-me da oportunidade de escrever sobre esse tema.
Partindo de quanto escrevi nas cartas anteriores, poderia ainda acrescentar: pouco serviria uma santidade que não é testemunhada, visível e legível. Seria quase inútil uma vida consagrada salesiana que não consiga ser comunicada e proposta a outros. Mesmo o encontro com o Cristo de Dom Bosco se tornaria irrelevante se essa experiência não fosse conhecida, não se tornasse pública. Por fim, a escuta de Deus é autêntica se se transforma em testemunho, porque toda anunciação é portadora de uma vocação a ser vivida e de uma missão a ser desenvolvida.
Lembrando a carta de Dom Bosco aos salesianos sobre a boa imprensa, queremos trazer à mente e fazer ressoar no coração o insistente apelo com que o nosso Pai nos confia uma “parte importantíssima da nossa missão”, “um dos fins principais da nossa Congregação”, “um entre os principais empreendimentos” que lhe confiou a Divina Providência, um dos meios melhores, antes, um meio “divino” para tornar frutuoso o nosso ministério.
Nesse autêntico “testamento” ditado pelo seu espírito pastoral, Dom Bosco quer despertar a nossa consciência quanto à irrenunciabilidade do empenho da comunicação social para o cumprimento da missão salesiana. A linguagem que ele usa não deixa possibilidade a dúvidas e a interpretações redutivas. Fala-nos de “parte importantíssima”, de “fim principal”, de “importante empreendimento”.
O aspecto mais surpreendente, todavia, é justamente a clareza da sua compreensão do alcance da comunicação social nos processos de renovação do seu tempo e a sua opção genial de estar dentro desse processo inovador. Desse modo, ele pode dar alimento cultural aos jovens e às classes populares, que mais que os outros correm o risco de serem arrastados pelo novo. Fazer obra cultural, oferecer instrumentos válidos de conhecimento e de formação, proporcionar ocasiões de descanso, são ao mesmo tempo modos para realizar uma educação eficaz e evangelização e para envolver os próprios jovens como apóstolos na difusão dos bons livros.
1. APROXIMAÇÃO HISTÓRICA COMPROMISSO DE FIDELIDADE
Considerando o espírito do que escreve, a paixão pela salvação dos jovens, que sempre o impulsionou, Dom Bosco, há 120 anos, não nos confiou apenas a “difusão dos bons livros”. Chamounos a uma “fidelidade” que devemos saber interpretar e tornar “coordenada” e “completa em todas as suas partes”, no nosso tempo e em qualquer contexto, para a realização eficaz da missão salesiana.
Não podemos educar, não podemos cooperar com a realização do Reino de Deus sem um compromisso sério com a difusão da cultura cristãmente inspirada entre os jovens e o povo. É preciso encontrar maneiras eficazes para semear e levedar “um pensamento de Deus” entre os que são agredidos pela “impiedade e heresia”.
A genialidade do seu compromisso com a imprensa é expressa pela estratégia de formar “um sistema ordenado” com as publicações.
Para Dom Bosco isso significa não descuidar ninguém e nenhum aspecto da vida: atrair à virtude com leituras edificantes, instilar o espírito de piedade, preservar do erro, acompanhar nas horas serenas, fazer dos meninos salvadores de outros meninos.
Na carta encontramos expostas com bastante precisão as opções operativas feitas por Dom Bosco no campo da imprensa, e sabemos quanta questão fazia de estar, nesse campo, “sempre na vanguarda do progresso”. A nós nos pede que nos empenhemos em “coordenar” este seu projeto para que se torne “completo em todas as suas partes”. Trata-se de uma tarefa empenhativa, que devemos ser capazes de interpretar com genialidade e de tornar eficaz, segundo as exigências dos tempos e dos lugares em que atuamos.
Isso é o que a Congregação procurou fazer na fidelidade ao nosso Pai, e é o que também nós hoje somos chamados a realizar com capacidade criativa e eficácia operativa, justamente à luz da circular de 1885 que sempre orientou a ação educativa e pastoral salesiana e que foi definida pelo CGE a “magna charta da ação salesiana neste setor” (n. 450).
Em alguns momentos, a nossa atitude foi especialmente defensiva; procurou-se proteger do dano que podiam causar os meios de comunicação; era mais uma luta contra tais meios do que um empenho por sua valorização. Isso, todavia, não impediu que reitores- mores de grande visão e coragem criassem editoras que permitiram dar continuidade à obra de Dom Bosco: basta pensar na fundação da SEI pelo padre Rinaldi e da LDC pelo padre Ricaldone. A preocupação deles não foi somente a de criar editoras, mas também de “preparar escritores, formar técnicos, aperfeiçoar e multiplicar as nossas tipografias e livrarias”; e isso aconteceu em toda a Congregação, não apenas na Itália.
VALORIZAÇÃO DA NOSSA MEMÓRIA HISTÓRICA A primavera conciliar e os estímulos do decreto Inter Mirifica, aprovado em 4 de dezembro de 1963, levaram a refletir no Capítulo Geral 19, de 1965 sobre os instrumentos de comunicação social, sua importância no nosso apostolado, seu uso e funcionamento.
Viu-se também a necessidade de preparar salesianos e leigos especializados, para poder valorizar da melhor maneira as produções nesse campo, para realizar uma pastoral juvenil e popular mais eficaz, para poder colaborar com instituições, associações ou entidades de comunicação social (cf. CG19, n. 171). No Capítulo Geral 19, de 1965, quarenta anos faz, mostrou-se evidente a não plena consciência do empenho que o uso de tais meios comportava e evidenciou-se sobretudo a falta de pessoal qualificado. Na esteira do decreto conciliar deu-se, pois, uma dupla tomada de consciência da importância enorme dos instrumentos de comunicação social e a necessidade de pessoas qualificadas para a sua valorização em nível educativo e pastoral. A partir de então percorreu-se muito caminho, muito embora, algumas vezes, as declarações tenham sido mais audazes que as realizações.
À luz das novas indicações eclesiais da Communio et Progressio que apresentam uma visão positiva da nova era dos meios, o Capítulo Geral Especial 20, de 1971-72, destaca a importância do extraordinário fenômeno dos instrumentos de comunicação social e evidencia sua grande incidência na história e na vida do homem. Para evitar que se sucumbisse diante do domínio enorme que exercem sobre as pessoas, o Capítulo pede que se faça um trabalho significativo em nível cultural e educativo. É mister ajudar os jovens a serem conscientes e a livrar-se dos condicionamentos, para que sejam capazes de opções livres e responsáveis. Trata-se de percorrer um caminho com os jovens para que amadureçam opções, desenvolvendo, também em referência aos instrumentos de comunicação social, talentos individuais (CGE20, n. 458).
A nova perspectiva de interpretação e compreensão, a reflexão atenta sobre o ensinamento eclesial, a experiência e as recomendações de Dom Bosco na circular de 1885 estão na base das orientações presentes nas Constituições renovadas, que chegam à sua definitiva aprovação no Capítulo Geral 22, de 1984. Segundo o novo texto constitucional, a comunicação social se torna um caminho privilegiado para a nossa missão de “educadores da fé em ambientes populares” (C 6). Também o artigo 43, retomando a reflexão aprofundada no CG21, aponta a comunicação social como “campo de ação significativo que se coloca entre as prioridades apostólicas da missão salesiana”.
O Capítulo Geral 21, de 1978, já tinha reconhecido e ressaltado o alcance da comunicação social (n. 148). Nas Constituições renovadas, inspiradas também na reflexão eclesial da Evangelii Nuntiandi (n. 45), se reafirma de maneira eficaz e fiel o angustiado apelo de Dom Bosco e se confia à Congregação “um campo de ação” de extraordinária eficácia, a serviço da educação e da evangelização. Ela já não é apenas “veículo” ou “conjunto de instrumentos”, não é somente atividade apostólica particular ou parte dela, mas também “estrada real que se deve percorrer para realizar com plenitude a nossa missão de educadores- pastores-comunicadores”. [3] Il Progetto di Vita dei Salesiani di Don Bosco – Guida alla lettura delle Costituzioni, Roma, 1986, p. 363. O Capítulo Geral Especial 20, de 1971, 72.
Nesse percurso realizado pela Congregação rumo à reafirmação de quanto o nosso pai Dom Bosco tinha profeticamente preanunciado e realizado, não podemos esquecer dois documentos que contribuíram notavelmente para enriquecer de atenção e de realizações positivas o caminho: trata-se dos dois escritos, do padre Viganó e do padre Vecchi, sobre a comunicação social.
Já o Reitor-Mor padre Luís Ricceri, por ocasião do centenário de fundação do Boletim Salesiano, em 1977, havia escrito uma carta sobre o significado e a importância da informação salesiana: “As notícias de família”. Nela lembrava a necessidade do empenho no campo da informação e em tudo o que se refere à comunicação social. O cuidado com a comunicação das notícias de família serve para cultivar o sentido de pertença, para “sentir a alegria de ser filhos de Bosco” e para tornar conhecidas as coisas que se fazem para criar uma imagem positiva e aumentar, como dizia Dom Bosco, o número dos benfeitores da humanidade. Mas são sobretudo a carta do padre Viganó e a do padre Vecchi sobre a comunicação social que deram estímulo, profundidade e organicidade à reflexão e às realizações nesse campo. Entrementes, também o CG23 e o CG24 davam a tal propósito notável contribuição.
UMA NOVA MENTALIDADE A carta do padre Egídio Viganó, de 1981, “A comunicação social nos interpela”, [4] interpreta o significado da longa reflexão do CG21 e apresenta fortes provocações à ação dos salesianos no campo da comunicação social. O Padre Viganó convida os salesianos a uma mudança de mentalidade em relação à comunicação social.
Não podemos avaliá-la sem mergulhar na nova realidade; não podemos considerá-la somente algo de que nos defender. É preciso 4 Publicada nos ACS n. 302, 1º de outubro de 1981.
conhecê-la e sobretudo valorizá-la. Devemos tornar-nos sempre mais conscientes dela. É mister reconhecer a comunicação social como presença educativa de massa, plasmadora de mentalidade e criadora de cultura. A nossa missão educativa e evangelizadora radica- se necessariamente na área cultural. Portanto devemos estar atentos aos dinamismos da atual transformação cultural, para ser capazes de uma presença significativa que nos permita difundir nossos modelos e valores.
O Capítulo Geral 23, de 1990, demonstra plena consciência das novas condições sociais e culturais, em que as comunidades salesianas estão a desenvolver sua missão. Entrados num mundo em que as distâncias se anulam pela facilidade dos transportes e das comunicações, em que se difundem e se fundam tendências culturais e modalidades de vida, devemos encontrar capacidade de atenção aos diversos contextos, trata-se de captar os problemas e de sabê-los assumir para solidarizar-se com a condição juvenil (CG23 n. 17).
Sobre os jovens, em particular, influem notavelmente as linguagens e os modelos de vida propostos pela comunicação social. Eles se movem com naturalidade no uso de tais instrumentos, mesmo que tal uso seja marcado por ambigüidades (CG23 n. 63).
Para acompanhar os jovens no crescimento e no caminho da fé, para entrar em sintonia com eles, é preciso encontrar modalidades novas e eficazes de comunicação. Como Dom Bosco, devemos ser capazes de “empreendimentos apostólicos originais para defender e sustentar a fé” (C 43; CG23 n. 256). A partir de tais situações e exigências, o Capítulo evidencia a necessidade de um novo empenho em valorizar a comunicação social para a educação dos jovens na fé.
É preciso diferenciar as intervenções: em nível local é preciso cuidar a capacidade de utilizar a CS por parte das comunidades; em nível inspetorial é necessário um encarregado para a CS a fim de acompanhar as comunidades. Em nível central é importante a animação do conselheiro para a CS para a formação dos salesianos e o encaminhamento de projeto capazes de responder às exigências atuais.
UMA CONVERSÃO CULTURAL
O destaque e a insistência quanto à importância da comunicação no Capítulo Geral 24, de 1996, estão certamente ligados à nova perspectiva da partilha carismática entre salesianos e leigos. O envolvimento dos leigos no espírito e na missão de Dom Bosco requer particular empenho na comunicação para amadurecer capacidade de relações, uma presença ativa em meio aos jovens, atitudes culturais e espirituais indispensáveis para uma comunicação eficaz. Não se trata, todavia, apenas de uma reflexão funcional. Está presente a consciência da situação cultural e social em profunda mudança e da própria novidade e incidência dos meios de comunicação: nesse campo, os leigos podem dar uma notável contribuição.
Para a plena valorização da comunicação social indicam-se iniciativas nos vários níveis que juntam as exigências da formação, da organização e do uso dos meios de comunicação social. Insiste-se de modo particular em que cada inspetoria, acompanhada do conselheiro geral para a CS, crie um plano de comunicação social. O próprio Reitor-Mor juntamente com o seu Conselho é convidado a estudar “um plano operativo de valorização, promoção e coordenação da comunicação social, campo significativo de ação que está entre as prioridades apostólicas da missão salesiana (C 43)”. [5] A uma verdadeira conversão cultural convida a carta do Reitor- Mor padre Juan E. Vecchi, de 8 de dezembro de 1999: “A comunicação na missão salesiana”. [6] A CS é invasiva. Ela conota toda a presença salesiana, devemos saber assumir novos pontos de vista, prestando atenção sobretudo “à capacidade comunicativa e envolvente do contexto sobre os valores típicos da missão e da espiritualidade salesiana” (p. 16). O espaço oferecido pelas técnicas modernas de comunicação deve encontrar-nos prontos a inserir- nos nelas e a apreciar quanto nos permitem em nível de informação instantânea em todo o mundo.
O padre Vecchi convida a considerar que novos pontos de vista podem enriquecer o nosso empenho pela comunicação social, mediante a colaboração leiga e a atenção ao território. Com efeito, a colaboração com os leigos estimula uma integração de vistas e de experiências, que resultam eficazes à medida que são fruto de verdadeira reciprocidade e sinergia. A atenção ao território pede ainda capacidade de comunicação fora da comunidade religiosa e dos colaboradores; estimula a perguntar-nos como qualificar a presença salesiana no território em nível de atenção aos jovens e aos marginalizados. Interroga-nos sobre como tornar a comunidade educativa pastoral uma presença significativa, capaz de envolver e de irradiar sensibilidades novas.
URGÊNCIA DA FORMAÇÃO DOS SALESIANOS Essa progressiva compreensão do alcance e do significado da comunicação social tem feito também tomar consciênci a da necessidade de uma adequada formação por parte dos salesianos.
O documento do CG21, após a precisão iluminadora da importância e da valorização da CS, apresenta de maneira severa a leitura da situação da formação dos salesianos, falando do diletantismo e pioneirismo de cada indivíduo e da “preocupante escassez de pessoas e grupos de salesianos capazes de elaborar, mediante as novas linguagens da CS, os conteúdos e as mensagens de uma evangelização adaptada ao homem do nosso tempo. Faltam ou são absolutamente insuficientes os grupos de reflexão, de pesquisa, de experimentação e de elaboração fundados em sérias bases científicas” (CG21 n. 151).
Sobre a necessidade de formação, estudos, pesquisa e programação orgânica para dar um mínimo de competência aos irmãos, insiste também o padre Viganó na sua carta. Nesse campo específico da formação, a Congregação fez opções empenhativas como na atual Faculdade de Ciências da Comunicação Social da UPS. Criaram-se estruturas de animação em nível central e inspetorial; realizaram-se estruturas de animação em nível central e inspetorial; multiplicaram se as iniciativas; providenciaram-se novos instrumentos e canais de comunicação. Mas não somos ainda capazes de construir um novo areópago nos contextos concretos da nossa vida e da nossa ação.
Devemos ainda encontrar a maneira eficaz de confrontar-nos e de entrar na nova cultura, de conseguir integrar o nosso pensar e agir nas linguagens e estilos de comunicação, de ajudar a amadurecer uma mentalidade crítica e criativa em relação a mensagens, linguagens, atitudes, comportamentos etc.
Na sua carta, o padre Vecchi, como antes o padre Viganó, ressalta a necessidade de um caminho formativo adequado; se as nossas competências não evoluem com a mudança, cedo ou tarde ficaremos de fora. Exige-se, pois: • uma formação de base: trata-se de aprender a ler e a avaliar o que todos usamos habitualmente, isto é, de formar-se para saber usar bem os novos meios e estar capacitados a formar criticamente; • um segundo nível de formação para os animadores e operadores educativos e pastorais: eles devem ser capazes de integrar nas opções educativas e pastorais os critérios da comunicação social; não é somente uso de meios e capacidade de uso; trata-se de uma obra de inculturação, de educação e pastoral na nova cultura dos meios de comunicação (ACG 370, p. 34); • um terceiro nível de formação para os especialistas: é preciso prepar irmãos no campo da CS, com um convite formal a valorizar a nossa faculdade universitária.
Justamente na perspeciva de uma adequada formação, o padre Vecchi oferece também orientações práticas muito significativas e iluminadoras em nível de comunidade (p. 29-37) e em nível de inspetoria (p. 37-43).
RESPOSTA ORGANIZATIVA E INSTITUCIONAL Essas opções para a comunicação social feitas pelos Capítulos Gerais ou pelos reitores-mores certamente não se reduziram à reflexão ou às declarações de intenções, talvez com realizações operativas, mas se concretizaram numa resposta sempre mais orgânica e institucional.
Assim, no CG23, de 1984, formou-se o Dicastério da Comunicação Social e o setor foi confiado a um membro do Conselho Geral.
Além disso, em 8 de dezembro de 1989, iniciou-se o Instituto de Comunicação Social na nossa Universidade Pontifícia Salesiana, como empenho ligado ao centenário da morte de Dom Bosco e como atualização do carisma do nosso querido Pai, que foi um grande educador e comunicador. No discurso de inauguração, o padre Egídio Viganó ressaltava: “Estamos convencidos de que com a criação do ISCOS – que se soma a outras instituições católicas já beneméritas ou nascentes – estamos fazendo algo importante, ainda que humilde, para a evangelização e a educação dos jovens e do povo: ajudar a fazer crescer a capacidade de comunicar com modernidade, de dialogar eficazmente com o homem de hoje”. [7] Dessa nova fundação, a Congregação espera a formação em alto nível dos educadores e dos comunicadores da Família Salesiana e a pesquisa corajosa e abrangente no campo da comunicação social, com atenção à teologia e pastoral da própria comunicação social, ao estudo das teorias sociais dos meios, às novas linguagens da catequese e da comunicação religiosa, à produção de programas religiosos e educativos.
Hoje o ISCOS tornou-se uma faculdade; isto implica o empenho da Congregação e da Família Salesiana de preparar um pessoal adequado à nova tarefa. É evidente que o apoio a uma faculdade de tamanha relevância requer a colaboração e a co-responsabilidade de toda a Congregação, à qual faço aqui um apelo.
No CG23 indicou-se a necessidade de um delegado inspetorial da comunicação social e no CG24 se ressaltou a exigência de um plano inspetorial de comunicação social, juntamente com a de reforçar a animação inspetorial com a ação atenta do delegado. Essas duas orientações foram bem aplicadas, com sucesso, em algumas inspetoria. Noutras, ao invés, é matéria pendente.
Considerando a importância crescente do setor da comunicação no contexto da atividade da Congregação Salesiana, no espírito dos já citados artigos 6 e 43 das Constituições, o nosso recente CG25 decidiu ter um conselheiro geral dedicado exclusivamente à Comunicação Social. Após o Capítulo, no Projeto de animação e governo do Reitor-Mor e do seu Conselho, foi dada uma atenção pontual a este setor, indicando objetivos, processos e intervenções em quatro áreas: a visão de conjunto, a animação e formação, a informação e as empresas.
NOVOS ESTÍMULOS AO NOSSO CAMINHO
O apelo à “nova mentalidade” e à “conversão cultural” a que nos convidaram os anteriores reitores-mores, veio-nos ultimamente do Santo Padre João Paulo II, o qual na já citada Carta Apostólica de 24 de janeiro de 2005, O rápido desenvolvimento, destacou que o empenho da Igreja hoje não consiste apenas em usar a mídia, mas exige que “se integre a mensagem salvífica na ‘nova cultura’ que os poderosos instrumentos da comunicação criam e amplificam” ( n. 20).
Isto significa naturalmente que o uso das técnicas e tecnologias atuais da comunicação social faz parte da missão da Igreja; nesta nossa era, tal uso diz respeito a diversos campos de ação: a informação religiosa, a evangelização, a catequese, a formação dos operadores do setor, a educação.
Estamos todavia conscientes de que hoje a comunicação social não se reduz ao uso da mídia; com efeito, ela se tornou uma poderosíssima agência que propõe e veicula formas de vida e comportamento pessoal, familiar e social. Por isso não podemos ignorar – diz-nos o Papa – que “tal cultura, antes ainda dos conteúdos, nasce do próprio fato que existem novos modos de comunicar com técnicas e linguagens inéditas” (n. 2). Na nossa “época de comunicação global” a existência humana é chamada a confrontar-se com os “processos midiáticos”. Desse confronto nascem convergências para a “formação da personalidade e da consciência, a interpretação e a estruturação dos laços afetivos, a articulação das fases educativas e formativas, a elaboração e a difusão de fenômenos culturais, o desenvolvimento da vida social, política e econômica” (n. 3).
Tudo isso representa um verdadeiro desafio, sobretudo para os que têm responsabilidades formativas em relação a meninos e jovens (n. 7). Também por isso devemos advertir a nossa responsabilidade no campo da comunicação social, realizar uma “revisão pastoral e cultural a fim de estar capacitados a enfrentar de maneira adequada a passagem epocal que estamos vivendo” (n. 8).
Para estar capacitados a assumir a responsabilidade na atual cultura midiática, o Papa nos convida a uma “vasta obra formativa para fazer com que os meios de comunicação sejam conhecidos e usados de maneira consciente e apropriada” (n. 11); uma “participação co-responsável na sua gestão”, fazendo um apelo a uma “cultura da co-responsabilidade” (n. 11); a valorizar “as grandes potencialidades que a mídia tem em favorecer o diálogo, tornando-se veículos de conhecimento recíproco, solidariedade e paz” (n. 11).
Também esse documento eclesial, como aconteceu nos decênios anteriores, é para nós um estímulo a colher o novo do nosso tempo e fazer opções com a força e o espírito de Dom Bosco hoje.
2. DESAFIOS PROVENIENTES DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Querendo viver na fidelidade a Dom Bosco e ao seu carisma e assumir o último apelo de João Paulo II sobre a comunicação social, que apareceu na Carta Apostólica O rápido desenvolvimento, gostaria de partilhar convosco os desafios que a cultura midiática nos apresenta hoje. Dessa forma poderemos depois definir melhor quais orientações operativas tomar, em vista da realização da nossa missão salesiana.
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
[8] Olhando para a comunicação como para um sistema complexo, pode-se dizer que o nascimento de uma nova tecnologia não acontece nunca independentemente do contexto social, no qual os fatores políticos, econômicos e culturais desenvolvem um papel determinante. É igualmente verdade, porém, que quando uma nova tecnologia entra a fazer parte do uso social, ela fornece uma nova linguagem de interpretação da vida. Neste sentido, os vários meios de comunicação ajudam a interpretar de forma nova a existência humana e ao mesmo tempo revelam a compreensão que o homem tem de si mesmo e do mundo.
Por exemplo, o livro deu origem e impulso à individualidade, privilegiando a aproximação lógico-linear e enfatizando a racionalidade. Dentro do texto escrito podemos mover-nos para a frente e para trás; todavia, a organização expositiva é seqüencial e pressupõe uma concatenação entre o que vem antes e o que vem depois. O poder da escrita confere ao texto escrito o primado da precisão na transmissão de conteúdos literários, poéticos, filosóficos, teológicos, políticos. Isso não é facilmente substituível pela pura linguagem visual.
A televisão prefere a repetição à analise, os mitos aos fatos.
Ela visa à espetacularização, desempenha, pois, o papel de bumbo, a fim de atrair a atenção de muitos na grande praça televisiva, onde se pede mais o consenso coral que o pessoal. É a tagarelice e a mudança de imagem que produzem o perene encanto. A sincronização do uso gera grupos de partilha das emoções; os jovens se encontram, discutem seus programas preferidos, repetem frases e maneiras de dizer; os adultos trocam opiniões em relação à pertença a um programa ou a outro. A força da televisão está na magia do ver a imagem e o movimento; por mais habituados que se esteja a ela, a caixinha mágica encanta a todos.
Há outras tecnologias correlatas à televisão, que desenvolveram um processo de interatividade sempre maior e independente, introduzindo modalidades operativas que se poderiam agrupar sob a palavra controle.
O videocassete, por exemplo, deu ao usuário a possibilidade de mudar o tempo e o lugar de fruição de um programa e, além disso, favoreceu a difusão de material de vídeo em contextos diversos do lugar de produção.
O controle remoto desenvolveu o estilo do zapping, que não é simplesmente o passear de um canal a outro, mas pode tornar-se uma montagem ao vivo de pedaços de programas e muitas vezes é uma escapatória à invasão publicitária.
A câmara de vídeo, da já ultrapassada VHS à atual digital, transformou o usuário em pequeno produtor de cenas da vida cotidiana.
O computador juntou em si as várias linguagens dos meios clássicos de comunicação: escrita, imagem, som, animação, vídeo, gráfica etc., dando origem a uma forma de comunicação que desenvolveu os conceitos de multimidialidade, interatividade, interface, não linearidade, navegação, hipertexto, acesso etc. Hoje, com uma despesa moderada um usuário pode montar uma estação de composição de vídeo ou áudio, tornando-se ele próprio um produtor.
Internet, definida também como a rede das redes, é a metáfora da nova comunicação. Internet, como o telefone, aniquilou o espaço e o tempo; mas enquanto pelo telefone passa somente a voz, na internet estruturou-se uma nova maneira de viver e pensar. Não linear, bidirecional, ilimitada, interativa, mutante, flutuante, a rede é um lugar, uma linguagem um modo de ser e de pensar a comunicação, que desperta notável interesse e preocupação.
Através da rede, centenas de milhões de usuários trocam cotidianamente todo gênero de mensagens, têm acesso a documentos, participam de grupos de bate-papo, encontram-se através de conferências eletrônicas, discutem qualquer tipo de argumento. Cada vez mais a internet se torna um espaço para a própria promoção pessoal, de grupo, empresarial ou institucional. [9]
Com internet tornaram-se virtuais todas as atividades humanas, mas sobretudo se iniciou um processo de descentralização do poder e controle comunicativo, como nunca havia acontecido na história. No lado positivo pode-se olhar a internet como a grande ocasião de crescimento intelectual da humanidade. Se não prevalecerem totalmente as razões econômicas, a rede é como um fluxo de saber no qual, com opções políticas e econômicas, todos poderão haurir.
Dois especialistas do tema[10] afirmam que se quiser compreender a realidade virtual é importante compreender como nós percebemos a realidade cotidiana que nos cerca. A realidade virtual é um modo para visualizar, manipular e interagir com o computador e com informações extremamente complexas.
O método que se interessa pela interação entre máquina e homem chama-se comumente interface.
A realidade virtual não é senão o método mais novo numa longa cadeia de interfaces. Ela em certo sentido quereria tornar invisível o computador, transformando a complexidade dos dados em representações tridimensionais com as quais se possa interagir, para dar espaço maior à liberdade e criatividade do usuário. Isso não quer dizer que a liberdade e a criatividade do usuário sejam garantidas ou acrescidas pela realidade virtual. Pode-se dizer que ela é de maneira indireta o reconhecimento da complexidade com a qual o homem interage e age num ambiente, para conhecer, comunicar e representar- se a si mesmo e o mundo. O serviço maior que a realidade virtual pode dar à cultura de hoje talvez seja a recuperação da realidade.
NOVIDADES MIDIÁTICAS EM NÍVEL TÉCNICO E ESTRUTURAL
O rádio e a televisão tinham introduzido o modelo cultural do consumismo de massa. A digitalização leva a uma forma de consumismo pessoal e, segundo alguns, também a uma verdadeira cultura digital.
A tal propósito convém evidenciar algumas transições de tipo técnico e estrutural, que a difusão da digitalização favoreceu.
1. Do um-muitos ao muitos-muitos. O fluxo da transmissão dos meios e comunicação era do tipo um-muitos, unidirecional, intransitivo e tendencialmente receptivo, se não passivo. O dos meios de comunicação digitalizados é, ao invés, do tipo muitos-muitos, um-um, todos-todos. O fluxo é transitivo, interativo, bidirecional, antes reticular. É possível a reciprocidade e o intercâmbio e podese receber e ao mesmo tempo dar novamente.
2. Da centralização à descentralização. Europa e Estados Unidos tiveram dois desenvolvimentos diversos no que tange aos meios de comunicação, em particular rádio e televisão. A Europa tem uma história de monopólios de estado, ao passo que os Estados Unidos tiveram logo o monopólio do mercado. Todavia, a partir dos anos setentas nasceram na Europa as emissoras de rádio e televisão independentes; no correr de poucos anos multiplicaram-se as vozes e as imagens do éter, com uma progressiva passagem de uma cultura midiática controlada e gerida por poucos a uma cultura controlada e gerida por muitos. Verificou-se um caminho progressivo para formas comunicativas mais pluralistas e participativas. Com o advento da digitalização, a descentralização é o status vivendi da forma comunicativa.
Em nível radiofônico, por exemplo, é possível hoje ouvir na rede centenas de rádios de todas as partes do mundo.
3. Da comunicação local à internacional. A substituição progressiva das antigas antenas pelas parabólicas é índice de uma ampliação da oferta de propostas em nível televisivo, que supera os confins nacionais e culturais. A digitalização através da rede não faz outra coisa que não amplificar essa tendência à globalização.
4. Dos mass media aos personal media. A construção de mídia de pequenas dimensões e a progressiva diminuição dos preços ampliaram a possibilidade de uso dos personal media. Computador pessoal, celular, palmtop, cartão de crédito, carteira de identidade viajam todos em ritmo de bit e garantem um controle contínuo e pessoal sobre nossas escolhas e ações. O reverso da medalha é que a digitalização permite também o controle por parte de poderes ocultos, como os serviços secretos, ou por parte os grandes centros comerciais para destacar o perfil da clientela. Como conseqüência, a digitalização exige que se tenha sempre desperta a consciência do direito à privacidade dos cidadãos e da defesa da democracia.
5. Da programação de massa à programação pessoal. A multiplicação das ofertas e dos canais midiáticos, de modo particular na internet, está desenvolvendo novos estilos de consumo e novos hábitos culturais. A rede testemunha um novo modo de trocar informações e de tratar objetos culturais como a música e os filmes. Isso cria não poucos problemas em nível jurídico e moral. Nessa vertente abriu-se há tempo o grande debate cobre a cifração das linguagens, a defesa dos direitos autorais, a propriedade cultural, a privacidade do usuário.
6. Do software proprietário ao open source. A respeito do software existem duas concepções diversas. A visão da “fonte fechada”, ou seja, do software proprietário, baseia-se em critérios predominantemente empresariais e econômicos, reivindica a profissionalidade e a marca de garantia, garante aos usuários a facilidade do uso. A visão da “fonte aberta”, dita também open source, afirma que o código do software deve ser conhecido para deixar a liberdade ao usuário não somente de usá-lo e adaptá-lo às suas exigências, mas também de melhorá-lo, pondo à disposição dos outros a própria contribuição. A visão de um saber partilhado é benéfica para todos. A superação da “diversidade digital” entre norte e sul do mundo passa também através da escolha de uma tecnologia que permita o acesso à informação como direito de todos e não somente dos que têm a possibilidade de desfrutá-lo. A “fonte aberta” é um modo de caminhar para uma democratização da informação e da cultura.
CARACTERÍSTICAS DA NOVA CULTURA DIGITAL
O uso dos novos meios de comunicação fez emergir uma cultura que apresenta algumas características que merecem atenção, porque indicam tarefas para a educação e a formação.
1. Vivemos numa cultura da velocidade. A comunicação viaja muito velozmente. Basta pensar no correio eletrônico. Mesmo quando paradoxalmente dizemos que a internet é lenta, ele viaja com uma rapidez até pouco tempo faz impensável. A magia de uma tecnologia como a internet consiste no sentir mediante simples movimentos o prolongamento do nosso corpo ao redor do mundo.
Clico um endereço e me encontro no Vaticano, clico outro endereço e descarrego atualizações para um programa ou documentos.
Tudo acontece instantaneamente. A velocidade é uma característica que se integrou com muitas outras realidades: automóveis, aviões, esporte, medicina, economia etc. Há também problemas ligados à velocidade. Sobretudo para os que não conseguem andar veloz mente cria-se a marginalização. Hoje, categorias como idosos, deficientes, pobres, ou os que não se inserem no modelo social dominante, são marginalizados.
2. Em segundo lugar, o método da interface está criando novas atitudes e mentalidades. A interface é o meio de interação entre homem e máquina. O desenvolvimento da interface pôs em relevo a necessidade por parte da pessoa de agir. Essa atitude é depois reproduzida também em âmbito social. Cada um, hoje, quer ser sujeito ativo da própria vida e da vida social. A interface se torna, pois, metáfora dos ambientes, do design, da educação, da vida social etc. Ligado ao conceito de interface há o de modelo comunicativo.
É preciso dizer que ainda vivemos dentro de modelos pseudodemocráticos, nos quais se oferece a ilusão de participação.
Na realidade, o cidadão hoje tem uma capacidade prevalente de consumo. Somos livres para decidir o que queremos comprar, mas temos muito menos poder ao decidir o que se deve produzir.
3. Em terceiro lugar, a nova cultura apresenta uma visão polifônica da realidade. Hoje é mais difícil atingir certezas ou verdades, porque se encontram imersas no mar de todas as verdades reivindicadas como absolutas. A instituição que hoje quer sustentar a sua unicidade encontra-se em confronto com mil outras. Ao site de uma igreja juntam-se muitíssimos sites de igrejas, religiões e seitas, das mais tradicionais às mais extemporâneas. É cultura da copresença, potencialmente cultura do diálogo, mas também do ódio.
O relativismo é uma conseqüência fácil dessa cultura. A rede põe em evidência como hoje se vive na co-presença dos contrários.
Que existam diversos modos de ver a coisas, testemunham-no as diversas culturas. Todavia hoje a oferta indiscriminada de tudo e do seu contrário está ao alcance de um clique. É uma cultura que pressupõe somente adultos e que não respeita o desenvolvimento evolutivo da pessoa, descarregando sobre cada um individualmente a responsabilidade por suas opções.
4. Muito ligada ao ponto anterior é a atitude do nomadismo, que a rede pode desenvolver. Na rede se navega. Essa passagem de um ponto a outro da rede reflete-se às vezes também no estilo de vida como passagem de uma experiência a outra. Na sua forma positiva é uma cultura do desapego, da pesquisa, da oferta; todavia na rede pode-se encontrar também o abuso e a prevaricação. Desse ponto de vista, a experiência da rede põe em evidência a necessidade de formar pessoas responsáveis. Não são suficientes os sistemas de controle; hoje é preciso educar para a maturidade e para a capacidade de fazer opções coerentes com a própria visão de fé e com os próprios projetos de vida.
5. A própria rede pode ser um instrumento de educação e formação. As novas técnicas de aprendizagem eletrônica oferecem a regiões distantes a possibilidade de serem atingidas por programas e ofertas de educação dificilmente realizáveis sem rede. A rede, além disso, torna possível o contato, o conhecimento e a denúncia de fatos que acontecem no mundo, como as guerras, os abusos ambientais, os ódios raciais etc. A própria comunidade científica colabora hoje muito mais vivamente através da rede. A open source é possível graças à rede, assim como é possível conhecer formas associativas como as ONGs, Médicos Sem Fronteiras, Amnesty International, instituições como a FAO, a Unesco e as infinitas organizações de voluntariado.
6. É preciso reconhecer que esse ambiente altamente midiatizado nos leva cada vez mais a uma quase total dependência tecnológica. O aspecto menos visível, mas mais interessante é que o computador está se tornando cada vez mais um componente ambiental. Os escritórios estão cada vez mais computadorizados; a própria casa, partindo do micro ondas da cozinha até ao controle vocal da luz, está se tornando progressivamente um ambiente computadorizado. Os celulares são cada vez mais computadores ao alcance da mão. Todo o comércio eletrônico viaja na rede; as inovações tecnológicas viajam em rede. Para poder comunicar, por tantos aspectos, temos necessidade de uma tecnologia sempre mais sofisticada.
7. Precisamente porque a rede está se tornando o lugar em que se coloca o futuro, ela própria está gerando o que hoje se chama exclusão digital (digital divide). Basta ver algumas estatísticas que dizem respeito à penetração da internet no mundo: África 1,5%, Oriente Médio 7,5%, Ásia 8,4%, América Latina e Caribe 10,3%, Europa 3,5%, Austrália e Oceania 48,6%, EUA 64,7%. Só na cidade de Nova York há mais acessos que em toda a África. Dos países desenvolvidos, 15% de população mundial usa mais da metade das linhas telefônicas fixas e 70% das móveis; 60% da população mundial, dos países em via de desenvolvimento, usa somente 5% das conexões internet mundiais. Além do “sul” do mundo existem os vários “sul” das nações, das regiões, das cidades e dos bairros. Tudo isso leva novamente a refletir sobre a importância de não separar o problema da cultura digital da relação com a economia, a política e a justiça, seja em nível local seja em nível internacional.
Neste sentido, a nova situação cultural e tecnológica nos interroga sobre a exclusão e a marginalização.
8. A mídia eletrônica influencia a maneira de realizar o controle na vida social; isso põe em discussão o conceito de autoridade numa sociedade midiática. Num modelo social baseado no papel impresso, são dois os requisitos para acessar o foro público e os encargos de autoridade: saber ler e escrever. Quem não sabe não pode ter acesso ao debate público. Ora a mídia eletrônica pode favorecer o acesso de todos aos mundos informativos; desse modo se desestabiliza a relação de controle informativo hierático. Isso provoca situações não facilmente controláveis. Por uma parte, com efeito, as instituições, que detinham o controle da informação, são hoje facilmente colocadas de lado e, assim, o próprio conceito de autoridade e de verdade entra em crise. Por outro lado, por causa dessa provisoriedade, há uma corrida das instituições para entrar no jogo com a espetacularização, típica da linguagem midiática, numa laboriosa caça à audiência, ligando perigosamente o conceito de verdade com o de quantidade.
ALGUNS DESAFIOS EM PERSPECTIVA EDUCATIVA
Esse novo ambiente cultural é fruto de mudanças sociais, culturais, tecnológicas, políticas e econômicas. Tem ele uma característica fundamental muito importante: a capacidade de fazer convergir o uso das diversas linguagens e de criar uma cultura sempre em evolução e tensão entre ordem e caos ou, se mais agrada, entre já e não ainda. Das características dessa nova cultura poderiam nascer algumas atitudes e modalidades interessantes para quem trabalha em campo educativo, pelo que diz respeito seja ao modo de ver seja ao modo de situar a própria intervenção.
A cultura dos meios de comunicação é cultura da ação, de participação, interação, construção da realidade e da vida; portanto está mais perto dos verbos que dos substantivos. Urge comunicar mais que falar de comunicação.
É cultura dos processos, que têm certamente na base estruturas também complexas, mas que devem tornar capazes o indivíduo ou a comunidade de agir, comunicar, construir. É muito mais importante o envolvimento das pessoas no intervir sobre o processo, que os resultados do próprio processo.
É cultura do encontro. O conceito de “desterritorialização” indica a não necessidade do lugar físico; o que importa é a atividade que se vem a estabelecer entre os participantes do encontro. Devem- se, sim, pensar os lugares do encontro educativo, mas antes ainda as modalidades comunicativas do encontro e o porquê as pessoas deveriam encontrar-se.
Na sua versão utópica é cultura da partilha e da anulação da propriedade intelectual, em vista da co-participação e do acesso de todos ao bem da cultura. Tal bem na sua multiformidade e multiexpressividade histórica e geográfica deveria ser fortemente partilhado, interpretado, dialogado, criticado e construído mediante processos dinâmicos de participação intercultural.
Não se subtrai à acusação de ser uma cultura da informação e de produzi-la em quantidade tão abundante que se lhe faz perder o valor. Todavia, a tecnologia da rede gera por sua natureza uma cultura do intercâmbio mais que da informação centro-periferia. Por causa de visões político-econômicas pode ser também uma tecnologia que gera uma cultura da exclusão, digital divide, mas por sua natureza é uma tecnologia que pode favorecer o encontro, o diálogo e a comunicação para além dos confins territoriais, culturais, religiosos, políticos e econômicos.
A cultura de hoje está tentando com dificuldade harmonizar as propriedades lógico-racionais desenvolvidas no decorrer dos séculos com as dos novos meios eletrônicos. É uma cultura dos sentidos.
O que se está experimentando é a labuta que toda metamorfose cultural traz em si, com o esforço de se repensar não apenas em nível individual, mas também em nível coletivo.
Não é um caso que se viva o paradoxo da globalização e contemporaneamente do insurgir de nacionalismos exasperados. Todas as mudanças trazem consigo conflitos; a procura do diálogo pode atenuá-los e abri-los a uma descoberta recíproca. Para isso é importante adotar uma ótica pluralista, na qual se acolhem pontos de vista e modos diversos de expressão. Os meios de comunicação podem ajudar a desenvolver uma cultura do pluralismo justamente porque eles são uma pluralidade de linguagens.
Por isso fala-se de “democracia dos sentidos” [11] como condição para a superação de uma cultura altamente orientada ao visual e ao racional. A arte e os meios de comunicação são talvez os dois âmbitos em que mais se percebeu essa urgência de harmonizar e integrar a complementaridade dos sentidos e, pois, das linguagens.
Eis aqui, queridos irmãos, um imenso campo de trabalho e, ao mesmo tempo, uma grande fonte na medida que os desafios que nos apresenta a cultura midiática influem na nossa pedagogia e se tornam propostas educativas. De outra sorte, apenas lhes sofremos as conseqüências, mas não provocam em nós a mudança que tornaria mais eficaz a nossa ação educativa. Não podemos esquecer que a nossa Congregação “evangeliza educando e educa evangelizando”.
ALGUNS DESAFIOS EM PERSPECTIVA INSTITUCIONAL
Naturalmente a comunicação social apresenta também desafios à Congregação, à sua vida e à sua formação. Devemos repensar a nossa existência dentro dessa cultura midiática, mas devemos prestar atenção também ao que comunicamos. Podemos transmitir muitíssimas informações e conhecimentos através das novas tecnologias, mas é também verdade que comunicamos principalmente o que somos. Podemos, pois, ser peritos e profissionalmente preparados, mas ao mesmo tampo comunicar a nossa mediocridade e mesquinhez ou então a nossa coerência e honestidade.
O desafio da comunicação do carisma. Todos nós deveríamos nos perguntar sobre o que estamos comunicando como Congregação com o nosso estilo de vida e com as nossas opções institucionais: estamos comunicando a opção radical por Deus e pelo Senhor Jesus, a fraternidade da vida comunitária, a opção privilegiada pelos jovens pobres e abandonados, o sentido da vida e a esperança, a dedicação incondicional e a beleza do dom gratuito? Não se trata somente, pois, de ver como comunicamos: que meios utilizamos, a que linguagens recorremos, com qual cultura comunicamos; é preciso também pensar se estamos comunicando o carisma.
Um elemento que caracteriza o estilo de vida é o teor de como vivemos. O desafio hoje é a essencialidade das opções. À imagem da gratuidade da vida religiosa deveria corresponder um estilo de vida que testemunha que Deus é suficiente e que os jovens, aos quais somos destinados, são mais importantes que muitas outras coisas. Numa cultura do supérfluo deveríamos testemunhar a cultura do essencial. A nossa comunidade e o nosso carisma devem ser visíveis, mas a nossa visibilidade é o testemunho: “Ser sinais e portadores do amor de Deus aos jovens” (C 2). Ela desafia todo o caminho de santidade, de primado da vida espiritual, de aplicação do CG25, que deverá encontrar expressão também na comunicação social. Neste sentido todas as cartas anteriores, traduzidas na vida, encontram uma expressão na comunicação social.
É mister a coragem de uma revisão séria do estilo de vida.
Deveríamos ser testemunhas da gratuidade do Reino de Deus, pessoas que afirmam na vida e nas opções que a coisa mais importante são Deus e os irmãos. De um ponto de vista comunicativo, isto é muito mais importante do que todos os sites, rádios, televisões ou jornais que podemos ter, porque de fato se não muda a mentalidade, também o que produziremos com os instrumentos da comunicação não fará senão refletir o que somos. A comunicação não é somente feita de palavras ou de imagens, mas também de opções e comportamentos que implicam a coerência entre o que afirmamos e o que fazemos.
A novidade não se encontra mediante um lifting de fachada, mas na vontade renovada de jogar o tudo e por tudo nos problemas concretos dos jovens e das novas pobrezas emergentes. A credibilidade da Igreja, como a da Congregação, jogamo-la mediante um processo de aquisição de coerência e radicalidade evangélica.
A comunicação social poderá ajudar a fazer os jovens descobrirem o fascínio da vocação salesiana e será uma forma de proposta vocacional.
O desafio da tecnologia. Este é um campo muito importante.
Em nível de meios de comunicação deveríamos refletir sobre a metáfora de “Davi e Golias”. A nossa Congregação, como de resto a Igreja, diante dos gigantes e dos impérios da comunicação deve escolher terrenos e estratégias diversas para poder propor algo de alternativo à cultura dominante. Em outras palavras, temos necessidade de estruturas leves de comunicação, fortemente motivadas, mas extremamente flexíveis. A rede oferece certamente espaços mais acessíveis; mas também instrumentos como o rádio, sobretudo em áreas de desenvolvimento, podem dar uma ótima contribuição, como demonstram as emissoras de rádio em algumas das nossas missões.
Não devemos esquecer, antes, é preciso reavaliar toda a tradição da comunicação salesiana, que vai da animação de rua, ao pátio, ao teatro, à música, à liturgia. O problema mais urgente é o de cultivar o desejo de estar com os jovens e o povo. A força das formas de comunicação interpessoal e de grupo é insubstituível a qualquer forma de mediatização tecnológica, por mais refinada que seja; ambas são formas de comunicação a serem desenvolvidas, dando, de qualquer forma, o primado à relação e ao encontro pessoal.
O desafio do emprego do tempo. Hoje é essencial educar-se no emprego do tempo à disposição. Está aumentando estatisticamente o tempo utilizado pelos jovens diante e com a mídia; pelo fato de que vivemos numa cultura midiática, penso que também nós salesianos não permanecemos imunes. O desafio é formativo, não somente no sentido de educação para os meios de comunicação, mas, antes, de uma formação para a responsabilidade na gestão da própria vida. Os anos da formação são essenciais e deveriam ser tempo para investir numa preparação cultural e profissional séria.
As próprias comunidades deveriam ser arenas de comunicação e de encontro, mais que lugares de intercâmbio e de fruição de informações.
O excesso de informações nos faz viver na fragmentação; devemos encontrar unidade e síntese na nossa vida mediante a concentração da formação.
O desafio dos meios de comunicação social. Do que até aqui tratamos é evidente que nos meios de comunicação social que usamos manifesta-se o que somos. A Congregação deve estar presente no mundo da mídia. Trata-se de habilitar-se ao uso dos instrumentos; mas se trata também de refletir sobre o modelo comunicativo que estamos utilizando para fazer crescer a própria Congregação e a sua comunicação.
O risco neste momento é que nós focalizamos a nossa atenção sobre o uso dos instrumentos e sobre a sua eficácia, quando, ao invés, devemos primeiro concentrar-nos sobre a nossa capacidade de comunicar e criar comunicação, e sobre o que comunicamos. É a tensão e a paixão pela missão que sinaliza o que somos e o que comunicaremos. Parece-me que Dom Bosco, pela paixão que tinha pelos jovens mais necessitados, conseguiu excogitar e inventar formas de agregação e comunicação que funcionavam. Onde estão hoje as nossas paixões? Onde está nosso coração? Quais os nossos reais interesses? Em que nos empenhamos totalmente? O desafio da formação. Os meios de comunicação social e a cultura que veiculam exigem um notável empenho formativo. Uma primeira tarefa é sem dúvida a formação para um uso crítico dos meios de comunicação social e, pois, a formação da consciência.
Por um lado deve-se aprender a apreciar esta “escola de massa” (C 43) como um dom de Deus, que oferece grandes possibilidades para a educação e a evangelização. Por outro lado, porém, é preciso tornar-se conscientes de como os meios são utilizados para desfrutar, manipular, dominar e corromper. Requer-se, pois, a formação para um bom espírito de discernimento e, mais amplamente, uma compreensão informada acerca da natureza dos meios de comunicação de massa, as técnicas por eles empregadas e o impacto que elas têm sobre os receptores. Faz-se necessário inculcar o princípio ético fundamental, e, isto é, que a pessoa humana e a comunidade humana são o fim e a medida do uso dos meios de comunicação social. A comunicação deveria ser feita por pessoas em benefício do desenvolvimento integral das pessoas.
Não basta ser bons “consumidores” dos meios de comunicação social. É preciso sabê-los usar como instrumentos de educação e pastoral. Isso requer competência e emprego dos vários instrumentos; é preciso também capacidade de integrar a mensagem educativa e evangélica na mesma cultura da mídia. Isso supõe não apenas que se conheçam bem as técnicas, mas que se saiba ler em profundidade a atualidade social e cultural.
O campo da comunicação social não se esgota nos meios de comunicação social. A comunicação social produz, antes é, uma cultura, e esta constitui um grande desafio a ser enfrentado especialmente no campo da formação, a qual não consiste simplesmente em distribuir conhecimentos e capacidades, mas essencialmente em ajudar a efetuar uma transformação no profundo de si mesmo, no nível dos próprios afetos, convicções, motivações. Existem aspectos da cultura moderna da comunicação social que criam problemas para a formação, ao passo que existem outros aspectos que a promovem.
A cultura da comunicação social, por exemplo, tende a ignorar a dimensão interior e transcendente da pessoal, e procura construir a identidade da pessoa em termos da sua resposta à situação que vive.
Sendo ela uma cultura da imagem, é efêmera e não leva a uma verdadeira introspecção; antes, tende à superficialidade. Além do mais, a cultura da comunicação social tende a um relativismo, substituindo a verdade pela opinião, e oferecendo informações e opiniões de todo tipo, deixando tudo à livre escolha dos receptores; torna-se difícil então ver claro, e a verdade muitas vezes é ofuscada por sondagens públicas. E dado o imediatismo cultivado pela cultura da comunicação social, não é favorecida a formação, que é um trabalho lento e paciente, exigindo muito esforço e duro trabalho.
Por outro lado, há aspectos da cultura da comunicação social que levam a um melhoramento de modo especial da metodologia do trabalho formativo. Por exemplo, é típico da cultura da comunicação social pensar sempre em termos das reações dos receptores. É-se muito sensível à sua condição e capacidades, às suas necessidades e interesses. E isso é um aspecto necessário no trabalho formativo; trata- se de tomar como ponto de partida o sujeito, as suas capacidades e possibilidades, as suas possíveis reações, não o currículo que se deve transmitir.
Mais: a cultura da comunicação social é mais intuitiva que analítico- sistemática; não se perde em longos e abstratos discursos que comprometem a cabeça, mas usa mensagens breves, simples e claras e que comprometem também as emoções, isto é, toda a pessoa. E aqui, de novo, haveria um campo enorme sobre o qual refletir, se se pensa na metodologia do ensino empregada nas casas de formação. Além disso, a cultura da comunicação social baseia-se na imagem mais que nas palavras. A imagem do rosto sofredor de um Papa João Paulo II é mais eloqüente que um rio de palavras sobre seu sofrimento.
3. ORIENTAÇÕES OPERATIVAS
3.1 MUDANÇA DE ESTRATÉGIA
Chegamos assim – nesta última parte da carta – às opções operativas, isto é, ao momento de assumir o exemplo de Dom Bosco, de fazer frutificar a riqueza e a fecundidade do carisma salesiano, de tentar dar respostas apostólicas novas e criativas diante dos desafios da cultura da comunicação social e diante das novas necessidades dos jovens, a porção mais delicada e preciosa da sociedade humana. [12] Tendo de apresentar algumas orientações operativas que brotam da reflexão anterior, penso seja importante realizar uma mudança de estratégia, que possa ajudar-nos a melhorar a nossa reflexão e ação.
A idéia dessa estratégia nasce de uma dupla constatação. Por uma parte, encontramo-nos diante de uma produção de documentos da Congregação, também sobre o tema da comunicação social, variada, rica e potencialmente fecunda, que constitui uma sábia tradição de análises e interpretação da realidade, uma criteriologia baseada nas nossas fontes carismáticas e um verdadeiro programa de ação apostólica da missão salesiana renovada. Por outra parte, nos encontramos com a dificuldade, a fadiga e o risco de não sermos tão criativos, propositivos e eficazes na capacidade de fazer dessa doutrina uma realidade de vida e ação.
O que está escrito talvez não seja lido; o que se lê por vezes não se torna reflexão fecunda; aquilo sobre o qual se reflete muitas vezes não arrasta para a ação transformadora da realidade. Como partir essa cadeia que aprisiona tanta energia apostólica? Como derrotar esse bloqueio na comunicação? Como tornar significativos e operativos os nossos documentos? Como fazer, pois, para tornar significativa e operativa também esta carta do Reitor-Mor? Num ambiente camponês de gente simples, sábia e capaz de brincar, da mesma maneira como habituada ao trabalho, ouvi um dito popular, que primeiro me fez sorri e depois me convidou a pensar. Partilho-o convosco, com a intenção de acender um sorriso e de vos propor uma estratégia. Dizia assim um velho camponês: Não podes comer uma fritada se antes não quebrares os ovos.
Grande parte da riqueza nutritiva de uma fritada está encerrada dentro do ovo; evidente, não? Mas, se se deixa ali, nunca se torna um alimento delicioso, e até, antes ou depois, apodrece, perde sue poder alimentício, e nesse ponto seu conteúdo se torna desagradável e pode até fazer mal.
A estratégia que vos proponho consiste então em não criar novas orientações operativas, mas antes em dar passos concretos para libertar a vida que se encontra latente no patrimônio doutrinal da Congregação e projetar as maneiras de encarná-lo nas nossas comunidades educativas pastorais e no território. Há tanta luz, tanta inspiração carismática, tanta energia apostólica nas propostas dos nossos documentos! Todavia eles correm o risco de não se tornarem um verdadeiro alimento para a vida e a ação. Convido-vos, pois, a encontrar tempo para reler os documentos e aprofundar a realidade da cultura contemporânea; de dispor-nos a refletir pessoalmente, em comunidade e na comunidade educativa pastoral; de confrontar as idéias com a realidade dos jovens; de ter a coragem de decidir um plano de ação que se traduza na vida pastoral cotidiana.
Algumas inspetorias já fizeram muito neste setor da nossa missão; outras estão fazendo opções corajosas e criativas; outras acham-se ainda no começo. Na intenção de ser realistas, generosos, mas concretos, é preciso fazer opções O inspetor e o seu Conselho , o delegado inspetorial para a Comunicação social e a sua equipe, em coordenação com os delegados inspetoriais para a Pastoral Juvenil e para a Formação, o diretor com a comunidade salesiana e a comunidade educativa pastoral, empenhem-se em encontrar as modalidades prática mais adequadas à própria realidade.
Por isso, eu vos proponho, como estratégia, melhorar e pôr em prática o plano inspetorial de comunicação social, que faz parte do Projeto Educativo Pastoral inspetorial. Convido-vos a trabalhar criativa e operativamente nesses três documentos: a carta do padre Vecchi, A comunicação na missão salesiana (ACG 370); o subsídio operativo apresentado no início deste ano pelo Dicastério para a Comunicação Social, intitulado Sistema Salesiano de Comunicação Social; e as Orientações para a Formação dos Salesianos na Comunicação Social, elaborado em sinergia pelos Dicastérios da Comunicação Social, da Formação e da Pastoral Juvenil, que será publicado durante este ano. Estimulados por esses documentos, teremos um diagnóstico da realidade, escolheremos os passos concretos a serem dados através do plano inspetorial, poderemos dar tais passos em sinergia e verificar periodicamente o caminho percorrido.
Nos parágrafos seguintes permito-me apresentar esses documentos, fazendo algumas sublinha, especialmente quanto a seus aspectos operativos, e convidando-vos a realizar essa proposta estratégica a serviço dos jovens. Estou certo da vossa disponibilidade em compreender a urgência dessa opção.
3.2 INSTRUMENTOS DE TRABALHO
3.2.1 Carta do padre Vecchi sobre a comunicação social
Na sua carta “A comunicação na missão salesiana. ‘É extraordinário! Faz os surdos ouvir e faz os mudos falar’”, O padre Vecchi nos deixou um conjunto de reflexões e uma série de propostas operativas, que podem e devem iluminar e animar a nossa missão salesiana. Cada salesiano, cada comunidade e todas as inspetorias são chamadas a tomar consciência da importância da comunicação e a colocá-la como ponto constante de sua agenda apostólica. Sublinho duas idéias e as orientações práticas desse documento, ao mesmo tempo que vos estimulo a voltar ao texto original e a transformá-lo em vida.
A novidade cultural, com os vários meios e as novas tecnologias, é importante na nossa vida e na nossa missão – escrevia o padre Vecchi, seguindo o Magistério da Igreja – , não somente porque dá a possibilidade de difundir a educação e a evangelização a milhões de pessoas, mas sobretudo porque constitui uma “central de cultura”, uma escola de modelos de comportamento, de percepção do sentido da vida, de ética que reinterpreta os valores, de exer-cício do poder e da economia. Essa novidade é significativa e decisiva: como disse repetidamente nesta carta, não basta usar as novas linguagens e os novos meios de comunicação; é necessário, sobretudo, integrar a mensagem na nova cultura.
Esta novidade cultural nos desafia a uma mudança de mentalidade, a uma verdadeira “conversão cultural”. Não é suficiente fazer o bem dentro das nossas casas; somos chamados a projetar a nossa ação “a partir de fora”, ouvindo as expectativas e solicitações da sociedade e interagindo de maneira que se transforme positivamente a sociedade. É preciso construir diálogo, integração e reciprocidade com os leigos e toda a comunidade educativa; ser animadores do território e envolver outras instituições sociais numa sinergia em favor dos jovens; usar os novos meios, inclusive a rede web, para criar espaços de encontro e ser fermento neste novo areópago.
Propunha, depois, o padre Vecchi, uma dupla série de orientações práticas: a primeira mais ligada à comunidade local e à urgência de educar para a comunicação em nossa casa; a segunda, confiada a toda a inspetoria e à necessidade de transformar a situação social e a cultura para o bem dos jovens.
Toda comunidade é convocada a melhorar a comunicação institucional; a projetar e realizar nas comunidades educativas pastorais a educação para a comunicação e a educação com os meios, a educomunicação, que inclui a educação ao uso das linguagens e dos meios; a utilizar a mídia na educação e na evangelização na escola, na paróquia, no oratório etc.; a manter-se em diálogo com os comunicadores, os artistas e os editores, especialmente se são jovens; a ajudar os novos pobres, os novos excluídos das tecnologias comunicativas, a melhorar a competência midiática.
E simultaneamente cada inspetoria é chamada a projetar e exercitar os direitos e os deveres de cidadania conhecendo e fazendo respeitar as leis e os direitos dos cidadãos e das instituições; desenvolvendo, por exemplo, ação de tutela dos direitos dos meninos, da família etc.; abrindo-se a outras instituições que agem em favor do bem comum. Sob esse perfil, a comunicação social é uma grande oportunidade para educar e para criar ocasiões de cidadania ativa.
Para animar tais iniciativas, já os nossos capítulos gerais haviam instituído a função do Delegado inspetorial para a comunicação social (cf. CG23), da sua equipe e do plano inspetorial de comunicação social (cf. CG24).
Isso não é um trabalho somente para peritos, é um trabalho de todos, os peritos são bem-vindos, porque ajudam no trabalho participativo, mas todos têm uma parte por desenvolver. Se falamos de meios e de novas tecnologias é porque nos interessa a cultura e a qualidade de vida, a construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Os meios se tornam mediações do Reino.
As reflexões e as propostas operativas que nascerão da releitura desta carta nas comunidades locais sejam partilhadas com os órgãos de animação e governo da inspetoria, para que se tornem parte do plano inspetorial de comunicação social a serviço da educação e da pastoral.
3.2.2 Sistema Salesiano de Comunicação Social Conhecemos todos o Sistema Preventivo: nós o aprendemos na experiência vivida com os salesianos que nos educaram e formaram; o aprofundamos com o estudo científico; o realizamos e comunicamos continuamente com o testemunho, partilha de vida, prática educativa, palavra e ensinamento. Sabemos também que o Sistema Preventivo, que Dom Bosco sonhou e viveu, evidentemente não é redutível às clássicas páginas escritas em 1877, mas antes é – como escrevia o padre Egídio Viganó – “um conjunto orgânico de convicções, atitudes, ações, intervenções, méritos, métodos e estruturas, que constituiu progressivamente um modo característico geral de ser e de agir, pessoal e comunitário – de Dom Bosco, de cada salesiano e da Família” (ACG 290, p. 10).
Sonho semelhante – e não é casual a escolha do termo “sistema” – se concretizou nas páginas do Sistema Salesiano de Comunicação Social (SSCS), que apresenta as linhas orientadoras para a Congregação Salesiana. O Dicastério para a Comunicação social recolheu a tradição doutrinal e operativa deste setor da vida e da missão salesiana e, depois de um diálogo fecundo de consulta, construiu este instrumento de trabalho. Tenho a esperança de que estas páginas se tornem iluminantes e fecundas. Trata-se de um instrumento de trabalho, com o quadro de referência histórico e doutrinal e as linhas políticas congregacionais de funcionamento da comunicação social, para a construção e a atualização constante do plano inspetorial de comunicação social e a sua realização. É confiado particularmente ao inspetor e ao seu Conselho, ao delegado inspetorial para a Comunicação Social e a sua comissão, para que o tornem objeto de estudo.
O próprio conselheiro geral para a Comunicação Social apre senta o Sistema Salesiano de Comunicação Social “como um projeto orgânico e unitário, com uma visão partilhada de valores e de missão nitidamente salesiana, com políticas e ações planificadas nas áreas de animação e formação, informação, produção, e com a gestão das estruturas organizativas e dos processos de comunicação e articulação em rede com os vários setores dentro da Congregação e da Família Salesiana e, externamente, com os organismos da Igreja, com o território e com a sociedade em sentido mais amplo” (SSDC 9). Nesse instrumento de trabalho encontramos delineadas a identidade (seus destinatários, metas, convicções, missão, políticas e critérios de ação, sujeitos), o funcionamento e a organização do Sistema Salesiano de Comunicação Social.
Não é minha intenção apresentar em detalhes esse instrumento de trabalho; devemos ver o texto, deixar-nos guiar pelo texto e, movidos pelo espírito do texto, dar respostas aderentes às necessidades reais das nossas comunidades educativas pastorais. Gostaria de evidenciar algumas páginas que, pela sua simplicidade e praticidade, podem escapar à atenção. No documento do SSCS encontramos dois anexos: o primeiro diz respeito a uma lista sintética das principais fontes congregacionais: Constituições, Regulamentos, Capítulos Gerais, Atos do Conselho Geral etc., que nos apresentam a comunicação social em perspectiva salesiana; o segundo é um quatro sinóptico, um mapa para a construção do Plano Inspetorial de Comunicação Social.
Esses anexos são um símbolo eloqüente e um urgente programa.
São um símbolo que nos estimula a voltar sempre às fontes, às nossas raízes. Por exemplo, reler os artigos 6 e 43 das nossas Constituições e aceitar o desafio da comunicação contemporânea renovam a nossa consciência de estar animados pelo Espírito que levou Dom Bosco a estar na vanguarda dos tempos no uso da comunicação social para a educação e a evangelização dos jovens pobres e dos ambientes populares. O mesmo Espírito nos move hoje a ser criativos, corajosos e organizados. Os anexos exprimem também um programa; seguindo os aspectos enumerados e as orientações sugeridas nesse mapa, somos chamados a diagnosticar, planificar, realizar e verificar sistematicamente a comunicação social nas nossas inspetorias. Ajudam-nos a planificar e administrar a animação e a formação na comunicação social, a informação e as relações públicas, as nossas empresas de comunicação social com a mesma caridade pastoral de Dom Bosco.
Acrescento ainda duas indicações metodológicas. O Plano Inspetorial de Comunicação Social deve ser construído e realizado com a maior e melhor participação possível, nos diversos níveis, e deve ser constantemente animado e periodicamente verificado pelo órgão de animação e governo da inspetoria. Não interessa tanto um plano bem estruturado quanto um plano partilhado, que ajude a caminhar, a servir os jovens e o povo, a fermentar a cultura para transformar a sociedade. Essa insistência pode talvez parecer a alguns excessiva. Mas há uma grande diferença entre o chegar à meta sozinhos e caminhar juntos. Quanto mais nos sentirmos e formarmos parte de um projeto comum tanto mais nos tornamos capazes de construir comunidade e qualidade de vida.
Uma segunda indicação respeita à variedade das situações das nossas inspetorias. O mapa proposto pelo documento não implica que todos devemos fazer tudo e logo; é preciso, porém, escolher com realismo e generosidade os passos que podemos dar, segundo as necessidades e as nossas forças. Não temos o poder dos Golias da comunicação social, mas nas nossas comunidades educativas, nos nossos grupos, com os nossos meios alternativos temos muitas oportunidades de Davi de evangelizar, de educar, de construir uma sociedade mais justa e mais fraterna. Reconhecer os nossos valores, os nossos meios e as nossas competências, organizar-nos e criar sinergias, convocar outros fora de nossa casa, que têm boa vontade e colaborar com eles, é uma sabedoria e uma política que nos faz tocar com a mão “a bondade das pombas unida à esperteza das serpentes” para encarnar o Reino na diversidade do contexto em que nos encontramos. O Plano Inspetorial de Comunicação Social quer tornar-se expressão da nossa esperança no dinamismo do evangelho, que Jesus comparou à energia do fermento na massa (cf. Mt 13,33).
3.2.3 Orientações para a formação dos salesianos em comunicação social
Não há comunidade salesiana ou comunidade educativo-pastoral salesiana mais comunicativa do que aquela que testemunha o seguimento de Cristo no serviço dos jovens pobres. Portanto, o testemunho de Cristo e do seu Evangelho é a mensagem fundamental de toda comunicação. Se ela falta, não existe teoria, nem técnica ou meio de comunicação que a possa substituir. A fidelidade a Dom Bosco e aos jovens pobres nos pede que comuniquemos, através do testemunho, a partilha, a total dedicação à missão, “até ao último respiro”.
Justamente por esse motivo, Dom Bosco não poupou linguagem, meio ou instrumento, tradicional ou de vanguarda, com os quais pudesse testemunhar e anunciar aos jovens e ao povo a boa-nova, a fim de que pudessem tornar-se honestos cidadãos e bons cristãos. Quando lemos a descrição que o padre Egídio Viganó faz de Dom Bosco como genial comunicador social, ficamos impressionados (cf. ACG 302, p. 8-12). A fidelidade a Dom Bosco e aos jovens nos leva a sermos testemunhas transparentes, e, pois, também bons comunicadores sociais, desenvolvendo os nossos dons de natureza com uma boa formação.
Já em 1981, o padre Egídio Viganó apresentava uma proposta sintética de formação em comunicação social para os salesianos, desenvolvida em três níveis: nível geral de base; nível dos animadores e dos operadores educativos e pastorais; nível de preparação especializada (cf. ACG 302). O padre Vecchi, em 2000, retomava essa proposta na carta que citamos acima, e nos falava da urgência de nos qualificarmos: “O único caminho útil que devemos seguir é o da formação.
A nova alfabetização, isto é, a capacidade de ler e escrever na cultura da mídia, diz respeito a todas as pessoas e, no que concerne à fé, todos os crentes. Quanto mais deverá interessar a educadores e evangelizadores!” (ACG 370, p. 22).
O Dicastério para a Comunicação Social assumiu em forma renovada esse tema em 2004: estudou a história dos diversos programas congregacionais de formação para a comunicação social; fez um levantamento dos dados sobre que formação em tal fase se dá na formação inicial em toda a Congregação; convocou a Consultoria Mundial de Comunicação Social, que se reuniu em Roma em julho de 2004. Essa Consultoria refletiu sobre o projeto de um itinerário de formação em comunicação social e entregou ao Dicastério uma análise e uma interpretação dos dados da realidade da formação em comunicação social na Congregação, com alguns critérios que deveriam guiar tal formação e algumas opções operativas possíveis em relação ao itinerário.
O Dicastério para a Comunicação Social, juntamente com o Dicastério para a Formação, partindo da reflexão feita pela Consultoria, elaborou Orientações para a formação dos salesianos em Comunicação Social, que brevemente serão publicadas. Trata-se de uma das intervenções previstas no Projeto de Animação do Sexênio (cf. ACG 380, p. 48). Desde agora convido os formadores a acolher esse subsídio, que procura garantir sempre melhor a formação do salesiano como educador e pastor, e por isso como comunicador.
O delegado inspetorial para a Formação e a sua equipe, juntamente com o delegado inspetorial para a Comunicação e sua equipe, iluminados por essas Orientações, procurarão os conteúdos e as modalidades da sua realização. Elas dizem respeito seja à formação inicial, seja à permanente. Para a formação inicial não se tratará somente de inserir uma nova disciplina – justamente de comunicação – em cada fase do currículo formativo projetado pela Ratio, mas de dar grande e múltipla atenção: à insistência sobre o estilo comunicativo; à animação de experiências e reflexões de vida e trabalho salesiano, profundamente ligados à cultura juvenil e popular, e, pois, fortemente comunicativas; ao desenvolvimento da dimensão comunicativa dos cursos já previstos pela Ratio; à organização de laboratórios de educomunicação para quem não teve essa oportunidade na própria educação prévia à formação inicial; à criação de espaço de formação em comunicação social para os formadores e para os professores dos formandos; a realização de oficinas e estágios de linguagens, artes e mídia, de novas tecnologias, especialmente as mais adequadas para a interação educativa, para o anúncio e a celebração da fé, para a exposição e a partilha dos valores, para a comunicação simbólica e ritual; ao aprendizado e melhoramento da competência comunicativa popular; ao aprendizado da gramática da linguagem digital e seus múltiplos usos para o conhecimento, a comunicação e a criação de espaços de encontro etc.
Também nesse caso, quanto mais se consegue envolver os próprios formadores, professores e formandos na construção de um Itinerário “à medida” da comunidade formativa e na sua realização, mais plenamente se atingem os objetivos dessas Orientações. Nenhum mestre pode ensinar aquilo que o aluno não está disposto a ensinar a si mesmo, sobretudo na sabedoria e na arte de comunicar, que é participação e comunhão de vida. O mesmo se diga para a formação permanente.
4. CONCLUSÃO
Concluo esta minha carta na data da natividade de São João Batista, “o maior entre os nascidos de mulher” (Mt 11,11), o homem da austeridade e do essencial, da palavra franca e da abertura ao novo, do amor à verdade e à autenticidade, do testemunho forte e transparente. Eis “a voz que grita no deserto” anunciando a Palavra que vem. Eis o mestre que aponta aos seus discípulos o Cordeiro de Deus presente no meio deles. Um esplêndido ícone para o comunicador! O nosso querido Dom Bosco celebrava exatamente nessa data o seu onomástico, verdadeira festa de família, dos jovens, dos salesianos, dos cooperadores, dos ex-alunos, que porfiavam em expressar seu amor e reconhecimento ao “pai”. Eis o homem que tinha compreendido que não bastava fazer o bem, mas que ele devia ser conhecido, que a educação é questão do coração e, por isso, não bastava amar: os outros deviam sentir que eram amados.
Esta é a linguagem salesiana da comunicação.
Também nós hoje nos juntamos espiritualmente ao redor dele, como seus filhos, para agradecer-lhe de quanto significou na vida de todos e de cada um de nós, que não nos explicamos sem ele, desde o momento em que fizemos nossa a sua experiência de fé, o seu projeto de vida, a sua paixão pela salvação dos jovens. Naturalmente o nosso afeto é acompanhado do nosso renovado compromisso de sermos fiéis a ele, ao seu carisma, à sua missão, às suas opções, como esta da “difusão dos bons livros” a serviço da Igreja e da sociedade, e fiéis aos jovens de hoje tão influenciados pelos meios modernos de comunicação social, tão sensíveis às novas linguagens, e tão necessitados de educadores e guias competentes.
Não nos faria mal ler de novo aquela carta programática de Dom Bosco para nela encontrar luz e estímulo para essa dupla fidelidade, e colocar-nos com a sua coragem nas novas fronteiras da comunicação social.
A Maria Santíssima, Mãe e Mestra, confio as vossas pessoas, as vossas intenções e esforços para serdes bons educadores-pastorescomunicadores.
Pe. Pascual Chávez V.
Reitor-Mor
[1] BENEDETTO XVI, 1Homilia para o solene início do Ministério Petrino, OR, 25.04.2005.
[2] Epistolario di S. Giovanni Bosco (a cura di E. CERIA), vol. IV, pp. 318-321
[3] Il Progetto di Vita dei Salesiani di Don Bosco - Guida alla lettura delle Costituzioni, Roma 1986, p. 363.
[4] Pubblicata in ACS n. 302, 1 ottobre 1981
[5] CG24, n. 137
[6] Publicada em ACS n. 370, 8 de dezembro de 1999.
[7] Cf. F. LEVER, aos cuidados de, I programmi religiosi alla radio e televisione, LDC, Turim, 1991, p. 138.
[8] Cf. F. PASQUALETTI, “New Media e cultura digital: um desafio à educação”, Orientamente Pedagogici, vol. 51, janeiro-fevereiro de 2004.
[9] Cf. G. S. JONES (aos cuidados de), Virtual culture: identity & communication in cybersociety, London, Sage, 1997.
[10] S. AUKSTAKALNIS - D. BLATNER, Silicon mirage. The art and science of virtual reality, Berkeley (CA), Peachpit Press, 1992.
[11] Cfr. J. E. BERENDT, The third ear. On listening to the world, New York, Henry Holt & Company, 1992.
[12] MB II, 45. Cf. Cost. 1