A COMUNICAÇÃO NA MISSÃO SALESIANA
“É
extraordinário! Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem!”[1]
1.Coloquemo-nos em onda - ...com a
Igreja - ...e com o Carisma - A comunicação interpessoal. - A
comunicação social. 2. “Fazer os surdos ouvirem e os
mudos falarem”. - Mudar de mentalidade. - Condições para
comunicar. - A urgência do momento: qualificar-se. - Uma competência
comunitária. 3. Orientações práticas. - Esforços
das comunidades. - Esforços das Inspetorias. - Conclusão.
Roma,
8 de dezembro de 1999
Solenidade da Imaculada
Conceição
Queridos irmãos,
O ano 2000 está às
portas. Vô-lo desejo feliz no espírito do Jubileu extraordinário,
que marca o divisor de águas entre séculos e milênios. Nele,
haverão de acompanhar-vos a reflexão sobre a Penitência já
transmitida[2]
, a estréia sobre a Reconciliação e a Paz, a Carta
sobre a Eucaristia que vos chegará em maio e o subsídio preparado
para as nossas celebrações comunitárias[3]
.
Desejo desenvolver nesta carta, com calma, um
ponto da nossa programação sexenal[4]
.
Quando procuramos imaginar como será a nossa
vida e a dos jovens no próximo século, vem-nos espontâneo o
pensamento do desenvolvimento que a comunicação social poderá
ter.
Os meios de comunicação social já são em parte
indispensáveis em nossos equipamentos pessoais, quase incorporados
ao nosso modo de viver: nossos dias são marcados pelos jornais,
rádio, TV, celular, computador, internet, congressos e encontros,
espetáculos, eventos culturais e acontecimentos editoriais.
A
comunicação social enche o mundo e determina a forma da convivência
humana. Interessa, de perto, então, à vocação do salesiano como
discípulo de Cristo e, de forma ainda mais urgente, como alguém que
atua com mentalidade de educador nas frentes da promoção e da
evangelização.
Chamamo-nos, com convicção e satisfação
interior, filhos de um Santo que soube dar ouvidos às muitas vozes
que provinham dos jovens e da cultura do seu tempo; e que conseguiu
comunicar com gestos, palavras e com a própria estrutura que tinha
criado. Ela tornou-se, de fato, “mensagem” justamente porque
exprimia com clareza a finalidade e o espírito da sua missão.
Dom
Bosco ligava-se, nisso, à espiritualidade de São Francisco de
Sales, indicado hoje como Patrono dos jornalistas católicos pela
capacidade de falar e escrever sobre a vida cristã, fazendo-se
entender pelos pequenos e grandes, letrados e simples, homens de
Igreja e pessoas alheias a qualquer forma de religião.
Se
passarmos a examinar a vida dos jovens do nosso tempo, a partir
destas considerações, surgirão dois sentimentos em nós:
descobrimos com pesar que a sua linguagem, aprendida da mídia, corre
o risco de já ser incompreensível para nós; e sentimos a urgência
de recuperar terreno no emprego da comunicação, como reposta à
nossa vocação de Salesianos.
Trata-se de chegar antes e de
manter o passo de uma realidade que está em evolução contínua e
que, por sua vez, se torna motor de uma igual ininterrupta mudança
global.
1. Coloquemo-nos em onda
... com a
Igreja
Falou-se muito deste tema em documentos oficiais
recentes da Igreja e nos comentários para a jornada anual da
Comunicação Social.
O material é abundante e toca os vários
aspectos da comunicação social: da teologia[5]
à dimensão sócio-cultural; da formação dos
sacerdotes[6]
à instrução dos fiéis; da preparação de
programas à organização pastoral das dioceses para uma intervenção
orgânica nesse campo[7]
.
Não faço a síntese da doutrina. Contento-me
apenas com alguns aspectos, para levar o tema a uma consideração
que acredito ser a mais importante para nós, tanto no plano da
reflexão, como no operativo.
Paulo VI intuíra a passagem de
época que a evangelização do mundo estava atravessando e, como
conseqüência, as novas formas exigidas pelo anúncio do
Evangelho.
“Em nosso século- afirma na Evangelii
Nuntiandi -, marcado pela mídia ou instrumentos de
comunicação social, o primeiro anúncio, a catequese ou o
aprofundamento ulterior da fé não podem desprezar estes
meios.
Colocados a serviço do Evangelho, eles são
capazes de estender quase ao infinito o campo de escuta da Palavra de
Deus, e fazem chegar a Boa Nova a milhões de pessoas.
A
Igreja sentir-se-ia culpável diante do seu Senhor se não se
servisse desses poderosos meios, que a inteligência humana torna a
cada dia mais aperfeiçoados; servindo-se deles a Igreja “prega
sobre os tetos”[8]
a mensagem de que é depositária; neles, ela
encontra uma versão moderna e eficaz do púlpito. Graças a eles
consegue falar às multidões”[9]
A indicação parte do mandato, entregue à
Igreja por Jesus, de fazer chegar o Evangelho ao mundo inteiro:
trata-se de falar a multidões, de estender ao infinito o campo da
escuta da palavra, de chegar com a boa nova a milhões de pessoas e,
também, de ajudar povos inteiros a viver com lucidez a fé recebida
numa cultura nova. É um primeiro elemento do qual tornar-se
definitivamente conscientes: os púlpitos, as cátedras, as praças e
os canais do anúncio mudaram, com vantagens para todos.
Tomamos
do abundante magistério de João Paulo II, não por acaso
considerado um grande comunicador, um segundo ponto que vai além da
capacidade extensiva dos MCS e nos introduz numa visão mais
substancial: a comunicação social como cultura.
“É um
problema complexo, pois esta cultura nasce, menos dos conteúdos do
que do próprio fato de existirem novos modos de comunicar com novas
linguagens, novas técnicas, novas atitudes psicológicas.
O
meu predecessor Paulo VI dizia que «a ruptura entre o Evangelho e a
cultura é, sem dúvida, o drama da nossa época», e este juízo é
plenamente confirmado pelo campo da comunicação moderna”[10]
.
A conclusão é peremptória. A
simples utilização dos instrumentos e técnicas de comunicação
social não é suficiente para chegar à integração entre mensagem
evangélica e cultura atual. Devem-se descobrir concepções de vida
e valores, não digamos difusos, mas até mesmo internos aos novos
modos de comunicar. “Não basta, portanto, usá-los para
difundir a mensagem cristã e o Magistério da Igreja, mas é
necessário integrar a mensagem nesta “nova cultura”, criada pela
comunicação moderna”[11]
.
É um esforço maior, mas
indispensável e, de muitos pontos de vista, sedutor pela novidade de
panoramas que oferece.
,
Concluo esta rápida resenha,
trazendo ainda um texto da Exortação Apostólica Vita
Consecrata, que nos diz respeito muito de perto. A ele a União
dos Superiores Gerais quis dedicar a sua 50ª Reunião[12]
. A comunicação social é colocada na Exortação
entre os areópagos modernos que mais desafiam a mentalidade cristã
e portanto, tem mais necessidade de audácia, criatividade,
competência e capacidade de novas colaborações de pessoas
carismáticas.
“As pessoas consagradas, sobretudo quando
operam neste campo por carisma institucional, devem adquirir um
conhecimento sério da linguagem própria destes meios, para falar
eficazmente de Cristo ao homem de hoje, interpretando «as alegrias e
as esperanças, as tristezas e as angústias»[13]
dele, e contribuir assim para a edificação de
uma sociedade onde todos se sintam irmãos e irmãs a caminho de
Deus[14]
.
...e com o Carisma
Recordei
brevemente a experiência de Dom Bosco. Poder-se-ia contar a sua
história de comunicador, descobrir os códigos da sua comunicação,
comentar os seus projetos. Podemos encontrar a tradução fiel do seu
pensamento nas Constituições que, justamente referindo-se a ele,
colocam a comunicação na perspectiva que comentávamos acima: como
grande possibilidade de educação e evangelização e como central
de cultura.
Transcrevo literalmente o artigo das Constituições:
“Trabalhamos no setor da comunicação social. É um campo
significativo de ação, que está entre as prioridades apostólicas
da missão salesiana.
Nosso Fundador intuiu o valor dessa
escola de massa, que cria cultura e difunde modelos de vida, e
lançou-se a empresas originais apostólicas para defender e
sustentar a fé do povo.
Seguindo-lhe o exemplo,
valorizamos como dons de Deus as grandes possibilidades que a
comunicação social nos oferece para a educação e a
evangelização”[15]
.
A orientação estava presente no
primeiro texto constitucional preparado por Dom Bosco para
apresentá-lo à Santa Sé[16]
. Desde então, a obrigação de empenhar-se na
comunicação social era reconhecido como parte importante do nosso
apostolado.
As áreas típicas da missão confiada aos
Salesianos: a educação, a evangelização, a comunicação social,
devem ser relacionadas entre si e, para chegar a decisões operativas
concordes com o carisma, devem ser referidas também aos
destinatários preferenciais da nossa missão e aos serviços que
lhes queremos oferecer[17]
.
Estes esclarecimentos ajudam de um lado, a
considerar a comunicação social não simplesmente como um conjunto
de instrumentos ou meios materiais a utilizar, ou como uma atividade
autônoma, embora no interior do carisma. Ela reveste toda a presença
salesiana empenhada na educação e evangelização, quer através de
obras específicas, quer através de outras formas de ação que
influem na cultura popular e na promoção de formas sociais
adequadas[18]
.
Por outro lado as mesmas orientações
constitucionais circunscrevem, orientam e finalizam as muita
finalidades, modalidades e campos da comunicação social aos
objetivos da nossa missão, livrando-a do risco da dispersão nas
mensagens e iniciativas.
A comunicação é assim entendida como
“via mestra” para a realização das diversas áreas da missão.
Consequentemente, emerge como competência necessária que entra na
identidade do salesiano educador, pastor, evangelizador, promotor
vocacional[19]
. Ele realiza estes aspectos da sua missão “em
particular com a comunicação social”, afirma o artigo 6 das
Constituições, em linha com a carta circular de Dom Bosco de
19 de março de 1885: “Eu vos peço-vos e esconjuro, pois, a não
descuidar dessa parte importantíssima da nossa missão. Iniciai-a
não só entre os próprios jovenzinhos que a Providência vos
confiou, mas com as vossas palavras e o vosso exemplo fazei deles
outros tantos apóstolos da difusão dos bons livros”[20]
.
A insistência de Dom Bosco deveria
ser hoje mais urgente. Ele colocar-se-ia ainda uma vez “na
vanguarda do progresso”, para influir sobre os critérios com que
são utilizados hoje os novos instrumentos técnicos e para difundir
através deles e sobre eles propostas educativas e culturais
próprias.
Eu tinha isso em mente quando, no final do CG24,
propus a comunicação social como um dos principais pontos de
atenção do sexênio[21]
e quando, com o Conselho Geral, integrávamos na
programação geral algumas orientações sobre a comunicação, que
considerávamos prioritárias, além de um adequado programa setorial
confiado ao dicastério correspondente[22]
. “Habilitar – dizia-se entre as estratégias para
tornar mais significativa a presença salesiana – as comunidades e
as CEP a comunicar-se com o próprio contexto oferecendo mensagens
eficazes (tipo de presença, testemunho, intervenções,
participação) para a promoção humana e a evangelização”[23]
.
Comunicação interpessoal
Como
educadores, interessa-nos antes de tudo a comunicação
interpessoal entre adulto e jovem, entre leigos e religiosos,
entre os que são ricos de experiência e aqueles que dão os
primeiros passos na vida, entre todos os que têm dons a
compartilhar.
Já tive a oportunidade de entreter-me convosco
sobre ela a propósito da comunidade “núcleo animador”[24]
. Retomo-a brevemente por pertencer ao tema que
estamos tratando e porque, no seu contexto, revela novas
dimensões.
Falou-se que o Sistema Preventivo reconhece sua
eficácia educativa principalmente ao encontro direto, face a face. E
trata-se de um encontro de confiança, de amizade. Para que o jovem
se entregue com confiança, também o educador deve entregar
espontaneamente aquilo que vive. O espírito de família favorece
encontros para crescer juntos: do pátio aos momentos programados de
diálogo. São aspectos variados de comunicação interpessoal.
Isso
deve ser entendido de forma análoga também pelos agentes,
colaboradores, co-responsáveis. Todo projeto e comunidade educativa
exige o confronto sincero das situações nas quais atua, a
verificação do caminho proposto e realizado, a responsabilização
naquilo que vai brotando no coração das pessoas envolvidas enquanto
procuram realizar a missão comum.
As diversas formas de
envolvimento dos irmãos e comunidades justificam, para a comunidade
religiosa, a importância dada pelas Constituições aos
encontros comunitários: conselhos de comunidades, assembléias
comunitárias, momentos de oração participada e outros.
Reduzir
as possibilidades de diálogo e intercâmbio na comunidade religiosa,
como nas comunidades educativas, levaria a não desenvolver e não
acompanhar os processos de crescimento dos jovens e pessoas com as
quais trabalhamos.
Acrescento duas notas. A nova tonalidade e a
nova situação da vida fraterna estimulam a criar espaços de
conversação em nossas comunidades. Muitas vezes, a pressa e as
muitas coisas programadas não deixam respiro suficiente à
conversação repousante, não estruturada, em que se pode fazer
intercâmbio e colocar à prova a nossa capacidade de partilha.
Quando não cai no banal ou na murmuração, na fofoca e no lamento,
a conversação oferece condições para uma forma nova de estar
juntos, de comportar-se, de escutar, responder, conhecer-se e
conhecer; enfim, de viver.
A segunda nota é para sublinhar a
importância da escuta atenta e interessada na comunicação
interpessoal. Dar a palavra, deixar falar! A comunicação é
perturbada não só por aqueles que se fecham no silêncio, mas
também por aqueles que não favorecem ou não dão espaço à
manifestação dos demais. “Todo Superior (...) deixe falar muito,
mas ele fale pouco”[25]
, recomendava Dom Bosco ao educador. Hoje, a
tendência, talvez aprendida da TV e dos espetáculos, leva em
direção contrária.
O esforço exigido à competência
educativa no âmbito da comunicação é, portanto, amplo. Inclui uma
reforma de atitudes e hábitos, além das relações e das formas de
colaboração.
Comunicação social
A comunicação
social vai além da interpessoal. Projeta-nos no mundo das
tecnologias que nos permitem dirigir simultaneamente com uma mesma
mensagem a grande número de pessoas e estabelecer ligações e
contatos sem fronteiras. Nesse sentido, é um fenômeno “novo” e,
em seu âmbito, continuam a ser produzidas inovações que nos
questionam.
Vivemos, repete-se, numa aldeia global, no país
“eletrônico”. Tais expressões poderiam ser discutíveis.
Apresentam, porém, de modo adequado, uma idéia: a comunicação
envolve a todos, alcança os extremos do mundo, aproxima povos e
pessoas: o universo que habitamos está sempre mais unido por cabos.
À rede dos meridianos e paralelos foi sobrepujada pela rede das
linhas de comunicação e das ondas eletromagnéticas que propagam
impulsos, imagens e vozes.
Os próximos anos prometem outras
revoluções ainda. O que já foi realizado no campo da comunicação
social terá um desenvolvimento tanto quantitativo quanto qualitativo
que hoje é apenas “simulado”. Fazem-no entender a pesquisa, o
mercado e a publicidade: tão logo adquirimos um celular, um
televisor ou um computador, já ouvimos falar do próximo modelo com
novas possibilidades.
Estamos ainda nos primeiros passos. As
próximas novidades não serão as últimas. Poderiam até mesmo
provocar uma aceleração nessas transformações. Tudo isso
representa uma oportunidade e um condicionamento cujo valor não se
pode correr o risco de subestimar.
Três aspectos das nossas
comunidades educativas e religiosas devem ser examinados
seriamente.
O primeiro é a nova relação entre meio e
mensagem. Isso talvez ainda não tenha sido entendido ou aceito
pela nossa mentalidade, habituada a distinguir matéria e forma,
conteúdo e estilo.
Uma notícia, um evento, uma mensagem
assumem diferentes características, segundo o instrumento utilizado.
Um é o efeito quando se comunica à viva voz e face a face. Diversos
são o valor, o conteúdo da notícia e a reação dos ouvintes, se a
mesma realidade chegar através de um ou muitos jornais. Muda ainda
quando é usado um anúncio radiofônico. Se nos servimos, então, da
televisão, os resultados são ainda diversos.
Quanto mais vasto
for o raio de intervenção, quanto mais atraente a forma de
apresentação, quanto mais distante o interlocutor, muito mais
“incontestável” será a comunicação.
Há um segundo
aspecto que nos diz respeito muito de perto. Nossas comunidades,
obras e atividades às quais damos origem, entram como qualquer
instituição, num sistema mais vasto de comunicação, com
que se confrontam e dentro do qual interagem. Parecem realidades
físicas e mudas; entretanto emitem mensagens ainda antes que nós
peguemos a caneta ou o microfone para explicar-nos e falar de nós.
É
indispensável, então, ter cuidado, não apenas quanto ao feito no
interior da obra. Deve ser considerada a imagem que se mostra, o
reflexo que a nossa ação produz fora da obra. Fala o edifício
material com a sua sobriedade e bom gosto; fala o tipo de jovem que
prevalece na obra; comunica o programa e o estilo educativo; fala o
ambiente experimentado diretamente ou conhecido por outras vias. De
acordo, depois, com a nossa comunicação, com e no contexto, aquilo
que realizamos pode expandir-se ou ser condicionado
negativamente.
Por último, deve ser percebido e valorizado o
serviço à comunidade.
A urgência de entrar na
sociedade da comunicação com vigor maior vem do fato que a
informação e a comunicação, enquanto ocupam um lugar sempre mais
invasor na vida do homem, parecem dar lugar a uma Babel, onde gente
de um mesmo povo e língua não consegue se entender, mais do que a
praça de Jerusalém, onde o Espírito inspirou uma mensagem
entendida unitariamente por gente de diversos povos e línguas.
Fala-se muito, de fato, e atingem-se muitos com a comunicação
social, mas a interpretação dos fatos e aspectos importantes da
vida são muitas vezes dispersivos e contraditórios. É preciso,
portanto, orientar para a unidade aquilo que ela tem de bom.
Como
ser educadores e evangelizadores numa aldeia global dessas dimensões?
Como ser eficazes quando muitos mestres concorrem à formação dos
mesmos jovens, mas com propostas diferentes entre si?
O problema
não está no fato de usar instrumentos, mas na capacidade de
exprimir-nos adequadamente através deles. Imersos numa rede
universal, somos chamados a criar, a permutar, a armazenar
conhecimentos e riquezas culturais que se tornam comuns.
Uma
pessoa e um povo são tais por serem capazes de produzir o necessário
para conhecer e ser conhecidos; por saberem aprender dos outros
aquilo que serve para viver, e saberem oferecer aos outros o que pode
ajudar a viver melhor; por serem capazes de acumular informações,
notícias, fatos e experiências que constróem a própria história
e servem para caminhar na direção do futuro.
Há um patrimônio
que se transmite, de informações, conhecimentos e imagens úteis. A
comunicação atual, porém, pode levar, se não se conhecem as suas
leis, tanto ao descuido do que é importante, como ao esquecimento do
que se elaborou com esforço.
2. “Fazer os surdos ouvirem e
os mudos falarem”
Jesus é a Palavra. Como vive uma
inefável comunicação com o Pai e o Espírito, Ele comunica Deus ao
homem e fá-lo perceber, à luz de Deus, em seu justo sentido e
dimensão, pessoas, acontecimentos e coisas. E esta palavra penetra
no universo e difunde-se na história.
O homem deve aprender a
dispor-se em acolhe-la e depois comunicá-la.
Há páginas
evangélicas que bem exprimem a tarefa educativa que temos no âmbito
da comunicação. São aquelas nas quais se narra como Jesus abre as
capacidades dos sentidos: olhos, ouvidos, língua ,e habilita a
perceber o mundo, os outros e si mesmo;
“Trouxeram-lhe um
homem surdo e mudo, e pediram que lhe impusesse a mão. Levando-o à
parte, longe da multidão, colocou os dedos nos ouvidos dele e, com
saliva, tocou a sua língua. Erguendo os olhos ao céu, deu um
suspiro e disse-lhe: ‘Effatá’, isto é, ‘Abre-te’.
Abriram-se imediatamente os seus ouvidos, e desatou-se o
nó de sua língua, de modo que ele falava corretamente. Jesus,
porém, recomendou que não dissessem nada a ninguém. Entretanto,
quanto mais insistia, mais eles proclamavam o fato.
Cheios
de admiração, todos diziam: ‘Ele tem feito bem todas as coisas!
Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem’”[26]
.
Os milagres são uma epifania de
Jesus e colocam em evidência aspectos do seu poder de salvar o
homem. A abertura dos órgãos e a recuperação dos sentidos
permitem comunicar com a realidade total da qual tinham sido
afastados: a realidade física do mundo, a das pessoas, a interior, a
transcendente. Fazem-nos, por primeiro, observadores e ouvintes
atentos dessa realidade e, depois, permitem-nos interpretá-la e
proclamá-la. Assim, o cego de nascença começa vendo os homens
“como se fossem árvores” e acaba vendo Jesus como Messias, Filho
de Deus[27]
.
Notemos que o milagre se realiza sem qualquer
palavra de Jesus. Ele faz gestos concretos, simples, de compreensão
imediata, que não precisam de comentários. A voz individual de quem
foi curado é logo amplificada pela “informação” de todas as
testemunhas que começam a falar para contar o que aconteceu.
Somos
chamados a dar a palavra, a abrir os olhos, a informar sobre o dom de
Deus. Como dispor-nos? Vivendo em boa comunicação com as realidades
que contam e sendo bons comunicadores, não simplesmente técnicos
dos instrumentos.
Mudar de mentalidade
A comunicação
social, dizíamos, investe toda a presença salesiana. Entrar nela
comporta, não só retocar alguns elementos dessa presença, deixando
os demais invariáveis; ela exige a realização de uma conversão
cultural, que se traduz em empenho espiritual e novidade de visão
pastoral.
A preocupação prevalecente no trabalho era, até
hoje, voltada ao rendimento que se podia obter no interior das
obras.
Conseguimos criar nelas, com a graça do Senhor e com a
ação dos irmãos e colaboradores, um ambiente satisfatório e
sereno e comunicar aos jovens convicções, atitudes e valores.
As
comunidades salesianas, além disso, relacionavam-se com o contexto
social em que se encontravam, segundo as modalidades possíveis na
era pré-informática: oferta de momentos culturais, participação
em acontecimentos religiosos e sociais, relação direta com as
famílias, contato com organismos e instituições civis e
eclesiásticas.
Era uma práxis formulada e praticada. Hoje, na
era informática, intervêm novos fatores que devem fazer crescer a
consciência e atenção diante das repercussões amplificadas da
própria presença, atitudes e intervenções.
A comunidade
salesiana é chamada a projetar, olhando para o próprio trabalho
também a partir de fora. É um recolocar-se, não tanto
geograficamente como migração de um lugar a outro, quanto
mentalmente, isto é, sabendo considerar as coisas de pontos de vista
que vão além do espaço material e das finalidades imediatas.
Isso
exige passar das preocupações elaboradas em seu interior à escuta
das sensibilidades e expectativas que provêm do contexto. Passar do
fazer muito e com empenho, só entre os muros domésticos, a pôr em
relevo o que e como os outros podem perceber da nossa ação e
presença; passar do simples desenvolvimento acurado das atividades à
capacidade comunicativa e envolvente do contexto sobre valores
típicos da missão e espiritualidade salesiana.
Há uma palavra
de Dom Bosco que nos pode ajudar a compreender o significado disso
tudo, para que a presença salesiana, em seu esforço de mostrar-se
ou falar de si, não se reduza a aspectos de fachada nem se
centralize na auto-apresentação.
“Vivemos em tempos, nos
quais é precisa agir. O mundo tornou-se material; é preciso, por
isso, trabalhar para tornar conhecido o bem que se faz. Se alguém
faz também milagres rezando dia e noite e ficando em sua cela, o
mundo nem percebe e não acredita mais. O mundo precisa ver e
tocar”[28]
.
É uma expressão arrojada, de uma
solidez que desconcerta. Exige um modo diverso de olhar à mesma
organização da vida comunitária e ação apostólica. É
indispensável pensar na presença, na comunidade e na obra salesiana
“em rede”, como uma emissora, intercomunicada.
O CG24
indicou novas aberturas nesse sentido. A primeira refere-se aos
colaboradores leigos. Não se trata apenas, já foi repetido
muitas vezes, de ter pessoas externas na comunidade, que vêm
trabalhar conosco na educação e evangelização dos jovens. A sua
presença significa, da nossa parte, acolhida de outros pontos de
vista: as modalidades típicas de intervenção.
Esta mudança
de mentalidade e de modelo operativo tem um nome: comunidade
educativa. Ela não é um fato puramente técnico, uma nova
estrutura; ela é, justamente, uma realidade de comunicação interna
e externa. Não se reduz à expressão de conteúdos bem articulados,
com clareza verbal e corretamente colocados no tempo. É, antes de
tudo, capacidade de relação, de informação real, pertinente e
oportuna, de partilha vital, de opção comum dos critérios
educativos e pastorais.
O salesiano presente na comunidade
educativa com uma responsabilidade específica, deverá aprender as
muitas estradas e variações do diálogo com os leigos e com o
conjunto da mesma comunidade educativa.
Um segundo âmbito, que
interessa a mudança de mentalidade, é o contexto em que somos
chamados a agir: o território mais vasto em que a obra
salesiana é colocada como centro de agregação.
A redescoberta
desta função convida a alargar o diálogo às instituições
educativas, sociais e religiosas atuantes na mesma área. O confronto
com elas é o banco de prova do que somos capazes de comunicar além
da comunidade religiosa e dos colaboradores mais estreitos.
O
que é percebido fora do projeto educativo dos salesianos, das opções
de valores privados e sociais que eles fazem si próprios e propõem
aos jovens?
Como a obra salesiana está qualificada no
território, nos setores que lhe são mais congeniais
carismaticamente: atenção à condição dos jovens, acompanhamento
do desenvolvimento da camada popular, proximidade de quantos
sentem-se e vivem isolados e marginalizados? A CEP torna-se
significativa no território e, portanto, a mensagem é
compreensível, quando é capaz de associar os que estão
interessados em iniciativas educativas e culturais e apresenta-se
como centro de irradiação de sensibilidade, propostas e agentes que
se ligam a ela.
Pode-se referir, também, a uma terceira
abertura à qual impele o mesmo CG24: é o espaço criado pelas
técnicas modernas, capazes de construir relações, oferecer uma
imagem de si e iniciar um diálogo efetivo com interlocutores
invisíveis mas reais.
Exige-se, aqui, sobretudo uma mudança de
mentalidade, tanto porque o espaço virtual não nos é familiar,
como porque é preciso aprender formas novas de comunicação e
encontro. Não faltam exemplos de realizações que, em se dando
possibilidades, são levadas adiante também por jovens cheios de boa
vontade ou colaboradores profissionais. Multiplicaram-se as web
e algumas delas apresentam uma qualidade educativa e alcançam um
número de pessoas que duplicam o influxo da obra.
Somos parte,
consciente ou não, de uma grande rede que nos envolve. Pode-se ficar
estranhos a ela ou inserir-se nela, oferecendo, também neste campo,
os dons que temos como educadores e evangelizadores.
Não se
considere coisa de pouco valor o fato de poder difundir
instantaneamente, no mundo todo, informações e comunicações.
Comentamos com frequência mais os riscos do que os valores dessa
situação. Se quisermos, porém, que o mundo da comunicação seja
modificado pelo fermento evangélico devemos sentir-nos interpelados
a intervir e interagir com aqueles que vão às praças ou areópagos
“para falar e ouvir falar”[29]
.
Condições para comunicar
Considerando-se
as coisas de uma perspectiva imediata, as condições principais para
a comunicação social parecem ser a espetacularidade e a venda dos
produtos.
É suficiente dar um pouco de atenção àquilo que a
televisão oferece, como o mais poderoso dos mass media, para
nos convencermos disso. A TV tende, pela sua natureza, a fazer de
qualquer acontecimento um espetáculo. Todos os programas são
organizados ao redor dessa exigência. A própria informação deve
ser espetáculo.
Para ser interessante na TV é preciso suscitar
emoções, impressionar, ser apresentado como imagem forte a golpes
de luz, cor, originalidade, sucessão rápida de fotogramas e
comentários.
A comunicação, dessa forma, é hoje um grande
mercado. Definimos a nossa como uma sociedade de informação e
imagem. A informação é a principal matéria prima da economia:
trocamos muito mais dados do que produtos. A audiência é disputada
sem exclusão de golpes. A propaganda visa mais a imagem do que o
produto oferecido. A mesma comunicação, em todos os seus aspectos,
é produção de grandes empresas, com o relativo jogo de pesquisa e
oferta, concorrência de preços e qualidade.
A comunidade
salesiana vê-se em ação, nessa situação, com intenção
educativa. Também ela deve, em certo sentido, impressionar e vender.
Procura, pois, entender como funciona a comunicação, mas sublinha a
exigência de ela ser colocada a serviço do crescimento humano, e
que realize comunhão entre os homens.
Para ser capaz de
propostas e eficaz, a comunidade visa outras condições: quer do
ponto de vista pessoal e quer, mais ainda, do ponto de vista
institucional, ela aposta na autenticidade e na transparência.
São
essas as qualidades exigidas por aqueles que nos consideram ponto de
referência para a vida e a experiência humana e cristã num
território. Não só, para nós, discípulos de Cristo, são também
requisitos e fatores vencedores da comunicação.
Reconheço que
nos é pedida a aquisição de algumas atitudes pessoais e
comunitárias. Vivemos, quase de forma reservada, opções e
projetos, realizações e orientações culturais. Os outros deviam
descobrir a alma interior das nossas atividades. Não era nossa
intenção mantê-los escondidos, mas não estávamos nem mesmo
preocupados em ser “transparentes”, em deixar-nos conhecer.
O
discurso não é só moral. Pertence ao universo da comunicação:
para estar presentes, é preciso ser legíveis; para ser eficazes, é
preciso ser autênticos, ou seja, comunicar experiências e
convicções profundamente sentidas e vividas.
Os instrumentos
da comunicação, particularmente os mais recentes, representam um
supermercado de idéias. As visões da vida e as propostas que
oferecem são muitas, fáceis de acolher e fáceis de abandonar.
O
perigo é perder o sentido da diferença entre necessário e
supérfluo, entre importante e efêmero. Sendo tudo objeto de
consumo, tudo pode ser objeto de permuta. E nesse “tudo” podem
acabar também a autenticidade e a transparência. A “ficção
agradável” em vista da venda substitui a verdade e a sinceridade:
a busca obsessiva de audiência torna-se norma em vez de propósito
de gerar convergência e resposta responsável.
Conscientes,
também desses riscos e tendências reais, exprimimos um juízo
positivo sobre o mundo todo da comunicação, pelas “vantagens que
esses instrumentos podem proporcionar à família humana, quando bem
utilizados; de fato, eles servem admiravelmente para elevar e
enriquecer o espírito, como também propagar e reforçar o Reino de
Deus”[30]
.
Jesus, Apóstolo do Pai, vindo ao mundo para
comunicar a vida de Deus, uniu de forma nova os três elementos da
expressão humana: a palavra, a ação e os gestos simbólicos. A
palavra como apoio do gesto, para que este não ficasse mudo; o gesto
como complemento da palavra, para que ela se enchesse de visibilidade
e consistência (“A Palavra fez-se carne”[31]
, diz-se de Jesus que vem ao mundo); a ação como
realização na história da riqueza do gesto e do significado da
palavra.
Autenticidade e transparência não são, pois, uma
utopia irrealizável. São os critérios de avaliação do que é
oferecido para construir comunhão e responsabilidade. Medem, com
outras palavras, se a vontade de comunicar é verdadeira e as
intenções que a orientam estão na linha da ética e do amor.
Constituem, então, o empenho do crente que quer entrar em relação
com os outros.
A urgência do momento: qualificar-se
Torna-se
necessário, então, um caminho formativo adequado a fim de responder
ao desafio da comunicação atual.
Com a evolução da mídia
surge um conflito entre as possibilidades internas às mesmas
tecnologias e a aceitabilidade humana do que é oferecido através
dela. Não é automático, de fato, a relação entre crescimento
técnico e amadurecimento humano, entre desenvolvimento tecnológico
e progresso civil.
Notemos que enquanto a técnica se desenvolve
com extrema rapidez, o desenvolvimento das competências individuais,
de aprendizagem e uso das novas técnicas é muito lento e
desigual.
Já faz parte da experiência de nossas comunidades
uma dupla velocidade: alguns têm dificuldade de adaptação e
afastam até mesmo o pensamento de pôr-se a aprender o uso e a
avaliação do que se refere aos instrumentos informáticos; outros,
diversamente, vêem-se facilmente nas novas linguagens e
possibilidades oferecidas por elas e mantêm facilmente o passo do
seu desenvolvimento. É, de certa forma, o espelho do que está
acontecendo na realidade social, em dimensões muito maiores.
O
que fazer, então? A única estrada útil a seguir é a da formação.
A nova alfabetização, isto é, a capacidade de ler e escrever na
cultura da mídia, refere-se a todas as pessoas e, no que concerne à
fé, a todos os crentes. Quanto mais deverá interessar a educadores
e evangelizadores!
Desde há alguns anos, a Igreja, através dos
dicastérios competentes da Santa Sé, propõe um caminho que
contempla três diversos níveis de formação: um de base, um
segundo “pastoral”, o terceiro de preparação especializada.
O
mínimo exigido coloca-se no nível de base. Cada um de nós
consome quotidianamente informações que o atingem através de mil
caminhos: do jornal ao livro, do rádio ao vídeo, do cinema à
Internet.
Aprender a ler e avaliar é o primeiro passo. Não se
pode expor ao bombardeamento comunicativo, sem ter os necessários
anticorpos e chaves de leitura para não se deixar cooptar de maneira
ingênua; para não ver apenas com os olhos dos outros e julgar com a
cabeça dos outros. Não se pode nem sequer ser apenas audiência num
momento em que a interatividade é generalizada e cada cidadão tem o
direito e a possibilidade de exprimir-se imediatamente sobre o que
lhe é oferecido.
No caminho formativo das comunidades,
religiosas salesianas ou educativas, dever-se-ão considerar as
orientações da Igreja[32]
, para não exprimir unicamente apreciações
negativas genéricas, mas ajudar a saber dar juízos motivados sobre
os produtos da comunicação. É preciso fazer, então, o esforço de
forma-se para poder servir-se ordinariamente dos novos meios,
técnicas e linguagens: verbal, de gestos, audiovisual, simbólico;
discurso, rádio, televisão.
O espaço é amplo para propostas
formativas e também para iniciativas de intervenção regular e
ordinária, correspondente às exigências dos diferentes lugares em
que se trabalha. Penso no quanto as comunidades educativas poderiam
influir na defesa dos direitos dos mais fracos e dos valores das
culturas locais, se soubessem inserir-se nos circuitos de comunicação
com avaliações justas sobre aquilo que acontece e com propostas
oportunas sobre as coisas a serem feitas.
Uma função
permanente de “comunicação” ao externo, também com despesas
econômicas, é tudo mais que supérflua ou marginal à comunidade
educativa.
O segundo nível de formação refere-se
àqueles que têm responsabilidades particulares na animação da
comunicação social no território.
Não se trata ainda do
nível de especialistas, mas de agentes educativos e pastorais que
devem entrar na rede de comunicação com o próprio profissionalismo
e segundo a própria missão. Interessa, então, aos animadores
inspetoriais da comunicação social, às comunidades religiosas e
educativas.
Trata-se de conhecer, antes de tudo, os
influxos reais e efetivos que as novas tecnologias da informação e
da mídia exercem sobre os processos educativos de indivíduos e
grupos.
Nasce daí uma exigência nova de projeto educativo:
integrar explicitamente os critérios da comunicação nas opções
pastorais. Ontem, era suficiente que o conteúdo fosse bem definido e
confeccionado. O instrumento teria servido só para fazer “passar”
a mensagem com eficácia ao maior número possível de
destinatários.
O novo modelo põe em evidência que a mídia
não é apenas “meios”, mas comporta uma cultura, uma filosofia
de vida, uma ética que reinterpreta e relê os valores, uma
espiritualidade que pede uma síntese dos aspectos novos da vida
humana e cristã. O uso dos instrumentos e a forma determinam, na
ordem mais específica da elaboração e apresentação das
mensagens, algumas características e significados não secundários
da própria mensagem.
Esta obra de inculturação é
indispensável hoje, e orienta de maneira diferente o ser educador e
pastor.
Existem outros elementos desse nível formativo, que
exigem atenção como importantes e atuais.
A comunidade
educativa deve estar pronta a “dispensar o seu ministério tanto
aos que são ricos de informação, como ao que são pobres dela;
[...] saiba como convidar ao diálogo, evitando um estilo de
comunicação que faça pensar em domínio, manipulação ou proveito
pessoal”[33]
.
A comunidade salesiana e a comunidade educativa
devem saber acompanhar, de modo particular, os que vivem ativamente
empenhados no trabalho com a mídia. Não sejam deixados a sós.
Sejam encorajados e apoiados em sua atividade. Sejam convocados, em
algumas circunstâncias, para um diálogo franco e para uma ajuda
recíproca em vista da compreensão e revisão do próprio caminho e
propostas[34]
. Eles, por outro lado, procurarão escutar avaliações
e pareceres, agindo segundo um projeto comunitário e trabalhando em
equipe de maneira co-responsável e participada.
O terceiro
nível de formação refere-se aos especialistas de
comunicação social. Interessa diretamente às comunidades
inspetoriais e, de reflexo, também às locais.
No plano de
qualificação de uma Inspetoria, pedido pelos Regulamentos[35]
e insistido na carta Por vós estudo[36]
, adquire hoje um relevo particular a
preparação de irmãos no campo da comunicação social.
Alcançada
a qualificação, estes irmãos colocarão a própria competência a
serviço da Inspetoria, agindo no contexto de um projeto inspetorial
e respondendo às exigências das diversas dimensões: da pastoral
juvenil, que dará maior atenção às perspectivas da comunicação,
à economia que cuidará dos aspectos financeiros e empresariais das
estruturas de comunicação presentes em muitas instituições
salesianas.
O esforço feito pela Congregação para dotar-se de
uma faculdade universitária de comunicação social deve ser
valorizado para preparar irmãos que ajudem a Congregação a
colocar-se no nível das novas exigências.
Voltando o olhar à
nossa história recente, devo reconhecer a grande parte que tiveram
os Salesianos para o crescimento da sensibilidade eclesial ao redor
da pastoral juvenil.
Poderá ser iniciado um caminho semelhante
com a comunicação social? Não se trata, também neste caso, de
jovens que precisam ser acompanhados em seu desenvolvimento, ou de
camadas populares a serem apoiadas em seu esforço de promoção?
“A
comunicação é a dimensão do espírito em que nós nos elevamos
acima da nossa constituição biológica e do fato de estarmos
vinculados à natureza. Possui, por isso, uma função fundamental
para o desenvolvimento da compreensão de nós mesmos e do mundo”[37]
.
O consenso que damos às comunicações que
chegam até nós oferece confirmação e oportunidade de
amadurecimento à identidade pessoal. O intercâmbio comunicativo
desenvolve a compreensão do valor e significado da própria
existência.
É verdade que ninguém pode delegar aos outros a
tarefa de interpretar a vida, mas é igualmente verdade que nenhum
ser humano vive só para si mesmo. E, sobretudo, ninguém é capaz de
descobrir sozinho as chaves para compreender a vida.
Insere-se
aqui o serviço prestado ao ser humano pelos comunicadores
especializados. Esforçar-se para fazer com que seja um ministério
eclesial reconhecido, poderá dar dignidade à intervenção daqueles
que são adidos ao trabalho.
Uma competência comunitária
As
coisas afirmadas nas páginas precedentes não são estranhas à vida
quotidiana. O aprendizado do modo de confeccionar uma mensagem, para
que seja eficaz, faz parte da missão pastoral. De outra forma, a
comunidade corre o risco de fazer esforços que resultarão
inúteis.
Não basta ter tesouros; devemos sabe-los utilizar. Se
ficassem escondidos e incomunicáveis seriam como dinheiro
bloqueado.
Não se alcançam, muitas vezes, os objetivos que a
comunidade religiosa e a comunidade educativa se prefixaram porque as
formas de comunicação não centraram o núcleo da mensagem, não
atraíram suficientemente a atenção e não envolveram os
destinatários: não falamos à experiências deles.
É verdade
que nem todos somos chamados a ser especialistas em comunicação
social. Temos obrigação, porém, de ser bons comunicadores.
As
duas coisas não estão necessariamente relacionadas. Há entre elas
a diferença que corre entre a posse teórica do saber e o saber
fazer de maneira suficiente. Cada salesiano educador e evangelizador
precisa da competência prática em comunicação para todas as suas
intervenções: quando encontra pessoalmente o jovem ou o irmão,
quando é chamado a falar em público, quando anuncia a palavra de
Deus a um grupo ou a um vasto auditório, num retiro ou num debate,
quando é oferecida uma ocasião de intervir na comunicação de
massa.
A cada dia é mais evidente que entra já no ordinário
estar preparado para intervir, ocasionalmente ou com uma certa
regularidade, através da imprensa, rádio, TV.
O CG23 já indicara os âmbitos possíveis. “A Congregação –
lemos no documento capitular – empenha-se numa adequada utilização
da Comunicação Social para a transmissão da mensagem cristã e a
educação dos jovens à fé. A comunidade local busque, por isso, a
própria capacidade comunicativa: ajudando cada salesiano a ser um
bom comunicador, capaz de usar uma linguagem adaptada aos jovens e ao
povo, especialmente na liturgia e na catequese; servindo-se de todos
os meios (relações, aspecto da casa, teatro, vídeo, música,
salas...) através dos quais são emitidas mensagens para predispor à
fé e difundir a mensagem da salvação; cuidando, particularmente,
da educação dos jovens às diversas formas de comunicação e à
leitura crítica das mensagens”[38]
.
Se as comunidades locais, fazendo uma revisão,
perceberem que não se levaram ainda em consideração essas
orientações do Capítulo Geral, programem um caminho para
realizá-los.
Orientações práticas
Apresento-vos,
agora, uma série de indicações operativas. Não se deve tomá-las
como um pacote indivisível, como se cada Inspetoria e cada
comunidade devesse realizar todas elas.
A Congregação
apresenta-se variegada quanto à comunicação social. Existem
Inspetorias que possuem pessoas qualificadas, estruturas que atuam
como empresas já afirmadas, caminhos experimentados de formação de
irmãos, organismos inspetoriais, múltiplas atividades juvenis e
assim por diante. Outras, diversamente, trabalham em níveis mais
modestos.
Será tarefa dos Conselhos Inspetoriais adequar o
programa de ação às exigências do contexto e às reais
possibilidades da Inspetoria. Não se pode ignorar, porém, ou
remeter essa dimensão para o futuro. É clara, entretanto, a opção
fundamental e a direção dos nossos esforços: predispor equipes e
centrais dedicadas à elaboração das mensagens, mais do que
preocupadas com o processo de instrumentos ou a gestão de estruturas
materiais. Estas tornam-se logo obsoletas e muitas vezes, uma vez
adquiridas, devemos empregá-las em trabalhos que não se referem
estritamente à nossa missão. Os serviços que esses complexos
técnicos prestam, podem ser solicitados a terceiros, pelo menos nas
regiões normalmente providas, enquanto nós nos concentramos nas
mensagens.
Em nenhum campo da vida existem receitas simples e
imediatamente aplicáveis. Muito menos num âmbito que está em
contínua expansão e de que é difícil prever os desenvolvimentos
ulteriores, mesmo em breve tempo. Não é secundário, porém,
conhecer as mil possibilidades que se abrem diante da nossa ousadia
apostólica.
Recolho-os ao redor de dois núcleos: o empenho
educativo de cada presença salesiana e a responsabilidade
institucional das Inspetorias diante da cultura da comunicação.
Os
dois aspectos são complementares entre si: deve-se agir no imediato
e no pequeno, mas não deve ser desleixada a preocupação mais vasta
pela situação juvenil e a cultura, que exigem ações programadas
também em grande raio e longo tempo.
Estes últimos poderão
parecer esforços que nos superam, e talvez sejam-no. Se não
começarmos, porém, como cidadãos e como salesianos, a assumir
maiores responsabilidades, apesar das dificuldades conaturais a esse
trabalho, e as acrescentadas pela concorrência leal e desleal,
jamais se poderá influir no curso das coisas: ou seja, sobre os
critérios dos utentes, sobre a ética dos produtores, sobre a
mentalidade dos educadores, sobre a sensibilidade dos pastores.
Saberemos, menos ainda, enfrentar o desafio, inédito e imprevisível,
da complexidade cultural que a comunicação comporta.
O carisma
salesiano, justamente pela sua experiência direta dos jovens e do
povo, pode sugerir projetos para orientar positivamente a comunicação
de massa e participar em sua realização com contribuições de
competência educativa e pastoral.
Esforços das
comunidades
A comunicação social é, hoje, o maior
fator de socialização e educação. É uma escola sem limites de
horário e espaço, de onde recebem-se informações e modos de agir,
orientações de pensamento e soluções práticas para os problemas
que a vida apresenta. Seja considerada, portanto, como um campo de
intervenção para nós Salesianos, sempre atentos à dimensão
educativa.
Eis, portanto, alguns possíveis empenhos a serem
postos à atenção das comunidades para que entrem novamente no
projeto educativo e sejam considerados nas programações
anuais.
Ativar a comunicação salesiana
A
Congregação e a Família Salesiana atualizaram-se quanto aos meios
e modalidades de comunicação interna. Ela circula nos diversos
níveis (casa, inspetoria, região, congregação) e leva material
abundante, correspondente a variadas urgências e necessidades.
Há
a comunicação institucional que faz chegar, com a autoridade que
lhe dão as Constituições e a ampla experiência da vida salesiana,
orientações carismáticas em termos de motivações e indicações
operativas: compreende as Cartas do Reitor-Mor, as comunicações dos
Conselheiros Gerais para a animação do setor que lhes é confiado e
as que vão do Centro Inspetorial às comunidades locais. Tal
comunicação já possui muitos elementos de espiritualidade.
Há,
depois, a comunicação fraterna sobre os acontecimentos da
Congregação, que podem interessar de modo maior pelo seu
significado ou reflexo sobre a opinião pública. O artigo 59 das
Constituições indica-o como um dos elementos principais para criar
unidade e sentido de pertença. O mesmo acontece e exige-se em nível
inspetorial.
São exemplos. Poderiam ser multiplicados, fazendo
também um discurso análogo sobre a Igreja. Imagino as dificuldades
que se possam interpor: o acúmulo de documentos e comunicações, a
escassez de tempo para comunicar, o interesse diversificado dos
irmãos.
Viu-se que é possível gerir a complexidade que deriva
desses três fatores com uma atenção maior por parte do
superior-animador, conservando as oportunidades de comunicar
(boa-noite, leitura espiritual, dia da comunidade, refeições,
reuniões), predispondo um lugar onde os órgãos de comunicação
sejam dignamente expostos ao interesse de cada um (sala da
comunidade, biblioteca), fazendo uma seleção inteligente para
apresentar na comunidade o que é mais relevante e interessante, de
acordo com critérios objetivos de vida salesiana ou situação
comunitária com um comentário oportuno.
Educar ao uso da
mídia
Os termos utilizados nos vários Países poderão
mudar, assim como são diversos os níveis técnicos e as
disponibilidades de programas e instrumentos. Fica para todos a
vontade de empenhar-se: os que trabalham na educação e na
evangelização devem sentir-se chamados a elaborar uma pedagogia que
leve à compreensão e utilização da mídia.
Não basta dotar
as comunidades juvenis ou de adultos com instrumentos, até
refinados, para fazer crescer a comunhão. Não será a simples
conexão com as redes nacionais e internacionais que garantirão a
difusão adequada de conhecimentos e o aumento das relações, mas,
sim, o uso mirado e racional dessa possibilidade. A orientação
educativa é, ao menos, muito conveniente, também para o adulto.
Vem
de aqui a exigência de os educadores terem a possibilidade de
conhecer a fundo as problemáticas que nascem do contato com as novas
tecnologias. É preciso fazer o esforço de aplicar ao mundo da mídia
os princípios e critérios da nossa pedagogia preventiva.
Isso
corresponde ao nosso carisma. Devemos, então, perseguir as suas
expressões e, onde for o caso, recuperar o tempo perdido.
Oratórios,
escolas, paróquias, grupos juvenis sejam ajudados, não digo a
entrar na cultura medial, porque talvez já estejam imersos nela, mas
a viver nela com clareza de orientação, a organizar um programa
eficaz de educação, com práticas e revisões adequadas.
Recorde-se
que existem os “meios pequenos”, à medida doméstica e à mão
de todos, que representam sempre uma riqueza comunicativa e servem à
qualidade do ambiente: folhetos, revistas, momentos celebrativos mais
ou menos formais e outros semelhantes.
Não fiquemos satisfeitos
com a crítica fácil sobre o que nos vem da comunicação de massa.
Percorramos com decisão e de modo sistemático, o caminho de
preparação de jovens e adultos à responsabilidade e conhecimento
da mídia, correspondente ao seu crescimento.
Aplicar as
novas tecnologias ao ensino
Falo de ensino, incluindo aí
tudo o que uma presença salesiana realiza de educativo e pastoral:
as relações interpessoais de amizade, de papéis ou de ministério
sacerdotal, o ensino formal na escola, o debate nos grupos, a
proposta evangélica através da pregação, o momento celebrativo,
ordinário ou extraordinário, seja ele cultural ou religioso.
Hoje
é necessário colocar-se na perspectiva de uma comunicação global,
perguntar-se como ser eficazes na proposta que se está oferecendo. A
comunidade deverá verificar a coerência entre a linguagem verbal,
as mensagens que se quer comunicar e os significados
preterintencionais. Não basta selecionar os conteúdos; sejam
estudadas igualmente as referências e modalidades de apresentá-los
e o contexto no qual faze-los ressoar. As novas tecnologias mediais
servem justamente para centrar e melhorar a elaboração dos
conteúdos escolhidos.
Exige-se, aqui, uma mudança no modo
pessoal e comunitário de trabalhar que nos pode se difícil. Será,
porém, em vantagem dos destinatários e dos valores que entendemos
apresentar.
O CG24 indicava esse objetivo: “Valorizar a
comunicação em todas as suas formas e expressões: comunicação
interpessoal e de grupo, produção de mensagens, uso crítico e
educativo dos meios da comunicação social”[39]
.
Desenvolver todas as potencialidades
comunicativas das pessoas
A educação salesiana inseriu
na sociedade civil muitos ex-alunos que se distinguiram no âmbito da
comunicação social. Seria difícil apresentar um elenco completo de
nomes, de setores da comunicação onde eles estão inseridos, dos
papéis assumidos. Podemos indicar o teatro, o canto, o espetáculo,
a récita, o show, a música, e muitos outros aspectos do
entretenimento e da cultura popular. Podemos recordar os inúmeros
escritores que se prepararam no ambiente salesiano: jornalistas,
autores de textos escolares, romances, leituras educativas e
formativas, poetas em vernáculo e em língua culta.
Não sejam
esquecidas ainda as pessoas criativas que pertencem à nossa Família,
que, quando colocadas na ocasião, souberam aproveitar os dotes
pessoais para criar empresas de comunicação: revistas, editoras com
finalidades culturais e educativas variadas, redes de rádio e de
televisão, agências de notícias.
Tudo isso é um sinal de que
muitos jovens encontraram entre nós espaços e apoio para
desenvolver capacidades que, de outra forma, teriam ficado
sepultadas.
Seria realmente uma grande perda se falhassem essas
riquezas da nossa tradição educativa!
Demos, pois,
confiança aos jovens!
É maciça a presença deles no
areópago da comunicação. Eles sentem a urgência de acolher a
diversidade, de entrar em contato com quem tem uma cultura ou
sensibilidade diversa, de comunicar experiências, de animar
encontros. Eles já crescem equipados com o conhecimento de mais de
uma língua. Exprimem uma surpreendente capacidade de colocar-se no
interior das novas tecnologias e linguagens. Não se pode deixar de
ficar satisfeito com isso; mas, justamente por essas suas capacidades
devemos confiar neles[40]
.
Os jovens, dizia a mensagem para a 24ª Jornada
da comunicação social, “tiveram a vantagem de crescer juntos com
o desenvolvimento das novas tecnologias, e será tarefa deles
empregar esses novos instrumentos para um diálogo mais amplo e
intenso entre todas as diversas raças e classes que habitam este
“mundo sempre mais pequeno”. Caberá a eles descobrir os modos
com que os novos sistemas de conservação e intercâmbio de dados
podem ser utilizados para contribuir à promoção de uma maior
justiça universal, de um maior respeito dos direitos humanos, de um
sadio desenvolvimento de todos os indivíduos e povos, e das
liberdades que são essenciais para uma vida plenamente humana”[41]
.
Sabendo-os orientar no uso desses instrumentos,
poderão tornar-se protagonistas no percurso que nos deve guiar a
objetivos educativos de grande peso no novo milênio.
Refiro-o
em primeiro lugar aos jovens salesianos. É necessário que alguns ou
muitos entre eles, oportunamente preparados, sejam orientados para
ocuparem no âmbito da mídia os espaços que se referem aos meninos
e jovens. Trata-se de uma “ocupação” correspondente à pastoral
e ao espírito salesiano de vasta incidência educativa e
evangelizadora.
Ajudar os novos pobres
Vez
por outra parece que se queira carregar de aspectos novos o projeto
formativo dos Salesianos e o educativo dos jovens. É um fato que vão
se acrescentando em nossa vida novas dimensões e novas
problemáticas, e a necessidade de responder-lhes exige novas
atenções.
A comunicação social – mensagens, instrumentos,
cultura – abre ou impede caminhos para interpretar e forjar a vida.
Deduzem-se dela, com facilidade, a visão do mundo e os modelos de
comportamento. A qualidade da vida fica ligada àquilo que os meios
de comunicação apresentam diretamente ou de forma oculta.
A
pessoa qualifica-se pela sua liberdade de autodeterminar-se, pelas
opções concretas e pela contribuição que oferece à convivência
e à sociabilidade. Esse relevo exigiria uma reflexão mais ampla e
mais detalhada. As poucas afirmações anteriores servem-me para
tirar uma conseqüência prática que confio às comunidades
locais.
Preparar as pessoas ao uso dos instrumentos oportunos
para exercer a própria liberdade e viver de forma mais completa as
exigências da sociabilidade, investe diretamente a responsabilidade
de uma instituição que se apresenta com finalidades
educativas.
Exigir a inserção da comunicação no projeto
educativo e pastoral, considerando seus aspectos, possibilidades e
riscos, não significa outra coisa que pedir às comunidades
salesianas e educativas que adquiram e ofereçam competências diante
da cultura em que estamos imersos e da sociedade em que devemos
viver.
Os leigos poderão desenvolver uma tarefa específica
nesse setor. Eles, de fato, podem individualizar e elaborar mensagens
que respondam mais de perto à situação e às necessidades atuais
do povo e dos jovens. Eles possuem facilmente uma linguagem mais
adaptada para exprimir valores ou convicções porque forjada na
experiência secular, ligada ao conhecimento direto das condições
ordinárias da vida. Particularmente, os que, dentre eles, têm uma
profissão específica podem ser colaboradores preciosos da missão
de Dom Bosco[42]
.
Em tema de competência medial hoje, parece-me
indispensável gastar algumas linhas sobre a última revolução
informática: a Internet.
A grande rede estende-se sempre mais e
nos envolve. Estamos aprendendo a usá-la; devemos aprender a
apreciar a sua utilidade e a não ficar emaranhados nela; devemos,
sobretudo, conseguir orientar os meninos e jovens que correm o risco
de perder-se em seus labirintos e chegar a espaços que certamente
não os ajudam a crescer.
Para nós, existe a grande tarefa
educativa diante de um espaço que é, sim, virtual, mas que pode ter
sérios reflexos sobre a vida real de meninos e jovens; há ainda uma
tarefa de confronto cultural e ético sobre o uso, a regulamentação,
as responsabilidades às quais não nos podemos subtrair e que
podemos promover.
A Internet coloca conhecimentos à disposição,
cria contatos diretos, oferece espaços amplos de comunicação e
difusão de mensagens. Não podemos ser distraídos quanto às suas
potencialidades; devemos assumir atitudes justas diante dela e saber
avaliar o influxo que produz na vida concreta e em nossa ação
educativa.
Não há dúvidas de que a Internet, embora
atualmente de modo submerso, está produzindo uma espécie de
revolução antropológica, que não se refere apenas às habilidades
de uso, mas toca as formas de pensamento, os hábitos de vida e a
própria consciência. A rede dá um aspecto novo às noções de
espaço e tempo, elimina limites e barreiras entre nações, torna
possíveis interações nas quais todos se sentem em paridade. Está
nascendo um mundo aberto em que desaparecem as barreiras geográficas
entre as pessoas, um mundo interativo e, portanto, vivo e variegado.
Muitas coisas mudaram e outras mudarão em nível relacional,
cultural, comercial; todos os setores de serviços, de atividades de
intermediação, de trabalho, de entretenimento e dos transportes
sofrerão perturbações [43]
.
Não é possível avaliar plenamente, ainda, o
peso dessa revolução, mas está nascendo o “cidadão eletrônico”
que devemos ajudar a ser “honesto”, a abrir-se ao “além” da
rede e reconhecer a paternidade de Deus, para ser “bom
cristão”.
Esforços das Inspetorias
Podem-se
exprimir muitos esforços na vertente institucional em relação à
comunicação social. Recolho-os ao redor de alguns temas e
confio-os, neste caso, às comunidades inspetoriais, aos seus
organismos, às comissões de comunicação que trabalham no interior
das Inspetorias.
Conhecer as leis e os próprios
direitos
O ofício inspetorial de comunicação social,
entre outros empenhos, assuma o de conhecer as leis sobre a
comunicação vigentes no País. Ali são também expressos os
direitos dos cidadãos, instituições reconhecidas e grupos de
fato.
A partir das diversas legislações podem-se percorrer
muitos caminhos para individualizar aspectos urgentes do bem comum e
concorrer para apoiá-los.
Desenvolvem-se ao redor das
estruturas de comunicação de massa interesses econômicos,
políticos, culturais, religiosos, de poder oculto. Não é fácil
entrar em seus dinamismos. O primeiro passo a dar, porém, é o
conhecimento das leis para mover-se com honestidade e segurança e
não colocar em dificuldade nem a si próprios nem, muito menos, a
ação apostólica ou a instituição salesiana. Hoje, de fato,
existem muitos aspectos “regulados” pelas leis cuja violação
comporta sanções além de serem desonestidade (direitos de autor,
de imagem, respeito da privacidade, taxas e impostos, declarações
variadas, reproduções, etc.).
É preciso, porém, fazer com
que a legalidade seja respeitada por todos, pelas pessoas comuns e
por quem exerce o poder. Uma consciência que deve crescer entre nós
e em nossas comunidades educativas é o direito de tutela. O bem
comum e a defesa da dignidade da pessoa exigem com frequência,
intervenções claras e públicas. O cidadão individualmente e as
associações têm o direito e o dever de exprimir-se com suas
tonalidades próprias, junto às sedes e através dos meios que
julguem mais oportunos e eficazes.
O argumento é vasto e com
muitos aspectos de tipo ético e legal. Ele, porém, barra a estrada
a uma atitude: a aceitação passiva, resignada ou impotente diante
das grandes organizações.
Desenvolver algumas
atenções
Em continuidade à linha da reflexão
anterior, enuncio várias atenções a serem desenvolvidas. Estão
todas em linha com a prioridade juvenil, de educação e
evangelização, que determina os nossos objetivos.
A primeira é
a tutela dos direitos dos meninos e dos jovens. A experiência
dos últimos anos apresentou-nos com frequência o sofrimento dos
mais pequenos e dos mais fracos diante dos conteúdos mediais e de
organizações criminosas interligadas através desses meios.
A
violência, o ódio racial, a sedução moral, a própria publicidade
voltada ao público juvenil ofendem a pessoa humana e influem
negativamente no desenvolvimento intelectual, emotivo, moral e
psicológico.
Nossas comunidades educativas podem intervir,
singular ou coletivamente, em defesa da legalidade, além de educar
jovens e famílias ao uso adequado do zapping.
Vem
depois, a tutela da família. Muitos espetáculos, que chegam
em casa através dos meios da comunicação de massa, não facilitam
as relações cordiais entre seus membros, não apoiam a fidelidade
no amor, não se harmonizam com os critérios evangélicos da vida de
casal.
Os produtores de espetáculos não podem descarregar toda
a responsabilidade nos que se servem da mídia, como se a democracia
comunicativa não devesse ter critérios de auto-regulamentação
interna.
Os grupos que trabalham em nossos ambientes têm o
direito legal de intervir e dar a conhecer as expectativas dos
utentes da mídia.
Há ainda, a tutela da qualidade do
serviço. Afirma-se com frequência, como pretexto, que a
qualidade é um conceito nitidamente subjetivo, que a cada um agrada
“um determinado tipo de qualidade”, que é pedida por ele. É,
entretanto, sem dúvida possível indicar e definir alguns
indicadores que ajudem a julgar objetivamente os produtos oferecidos.
O nível técnico, o profissionalismo, a maestria na interpretação
dos personagens e situações, o rigor da trama, a dimensão ética
da narração são alguns critérios de julgamento da oferta feita
pela TV. Convém dar a todos conhecimentos para que possam avaliar
com competência e intervir sem complexos.
Configura-se, também
aqui, um âmbito em que os leigos atuantes nas estruturas salesianas
podem oferecer uma válida contribuição.
Por último, coloco a
tutela da privacidade. A busca do lucro econômico não pode
ser a única preocupação dos grandes instrumentos de
comunicação.
Assistimos com frequência à concorrência
desapiedada, em busca de fatias de mercado de ouvintes, à
manipulação de dados pessoais com a finalidade de impressionar o
público.
Verificam-se assim violações patentes dos direitos
das pessoas e infrações de normas estabelecidas pela lei. Sabe-se
que o “scoop” não é apenas uma técnica; é uma tentação em
vista de um lucro maior.
É justa a reação espontânea que nos
vem diante de informações que não tutelam os dados pessoais. Todos
têm o direito de decidir quais os dados que podem ser tornados
públicos e quais devam permanecer reservados. Cabe-nos ver se numa
“questão social” como a comunicação, as nossas “justas”
reações permanecem sempre privadas e individuais ou conseguem
influir no costume e nos comportamentos.
São exemplos. O fato
de ter indicado o tema sirva de ajuda na reflexão das questões que
são novas, e que se tornarão, nos próximos anos, sempre mais
urgentes e necessitadas, portanto, de uma organização clara, de
atitudes adequadas e de soluções originais.
Abrir-se a
sinergias e colaborações
Lemos nos Regulamentos: «Tais
serviços (de comunicação) assentem-se em seguras bases jurídicas
e econômicas e encontrem formas de entrosamento e cooperação com
centros de outras inspetorias e com o conselheiro geral para a
Família Salesiana e a comunicação social»[44]
. «Os centros editoriais que atuam na mesma nação
ou região busquem formas convenientes de colaboração para formular
um projeto unitário»[45]
.
Um primeiro comentário refere-se à gestão
das empresas de comunicação. Olho com atenção particular para as
casas editoras, que são numerosas na Congregação. Devem
corresponder primeiramente aos critérios que orientam a nossa missão
educativa e pastoral. Tenha-se, também, presente que a atividade
editorial, organizada com critério de empresa, deve ser gerida com
profissionalismo bem definido, objetivos claros e um controle
eficiente e freqüente por parte da instituição salesiana.
A
segunda observação que se tira do texto dos Regulamentos é que a
comunicação social ultrapassa os limites restritos de uma
Inspetoria. Deve ser pensada, portanto, em rede. O que não
pode ser feito com as forças de uma única inspetoria, pode ser
realizado com a participação de várias. São variados os aspectos
em contínua e rápida mudança, que se não forem observados no
momento oportuno, de forma ótima e com custos proporcionados,
esvaziam a empresa e colocam-na fora do mercado. De aí a urgência
de não sobrepor, de não repetir esforços que se possam fazer em
comum.
Deram-se na Congregação algumas reuniões que viram
várias editoras juntas para programarem um futuro de colaboração e
ligação.
O caminho deve ser continuado e incrementado,
experimentando e confrontando também modalidades concretas de
realização. Hoje, é indispensável a união para estar presentes
de maneira eficaz e competitiva. Observamos continuamente, em todas
as partes do mundo, fusões, acordos, ligações entre empresas de
todo gênero (ban