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ALDO GIRAUDO
PADRE PAULO ALBERA
MESTRE DE VIDA ESPIRITUAL
SETTORE FORMAZIONE
SOCIETÀ SALESIANA DI SAN GIOVANNI BOSCO
ROMA

1.4 Page 4

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Versión original: Don Paolo Albera, maestro di vita spirituale
Traducción: Dom Hilário Moser
En la portada: ilustración de Cyril Uhnák
Procesamiento electrónico: Sede Centrale Salesiana
–––––––––––
© 2021 Settore Formazione della Società Salesiana di San Giovanni Bosco,
Sede Centrale Salesiana, Via Marsala 42, 00185 Roma
Tel. 06 656 121, email: formazione@sdb.org, https://www.sdb.org

1.5 Page 5

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3
INTRODUÇÃO
O carisma de um Fundador implica, não somente um modo original
de imitar o Senhor, mas também a capacidade de transmitir o seu espírito
e de envolver os outros na missão que lhe foi confiada. Em Paulo Albera
temos um homem formado pessoalmente por Dom Bosco, e um dos seus
filhos que mais contribuíram para a transmissão e difusão do seu espírito
e de sua missão.
O livro de Aldo Giraudo, P. Paulo Albera. Mestre de vida espiritual
oferece-nos um retrato muito expressivo da personalidade e da admirável
contribuição com que o segundo sucessor de Dom Bosco contribuiu para
o desenvolvimento do carisma Salesiano. Podemos afirmar, sim, que o P.
Albera de algum modo ficou na sombra até hoje; agora, porém, graças ao
ano dedicado a ele no centenário da sua morte, está retornando luminosa-
mente, como uma figura fascinante e atraente.
É conhecido o texto em que Paulo Albera descreve o irresistível fascínio
exercido por Dom Bosco sobre seus meninos. Menos conhecido é o fato
de o próprio Dom Bosco ficar impressionado com as qualidades humanas
e a sensibilidade espiritual deste jovem, de aspecto gentil e fisicamente
um tanto frágil, que com 13 anos entrou para o Oratório de Valdocco e
se entregou a ele como a seu verdadeiro pai, deixando-se guiar pelos
caminhos do Espírito. É o que podemos descobrir na primeira parte do
livro do P. Giraudo, de natureza biográfica, rica de muitas outras notícias,
que iluminam a vida deste jovem que se tornará sucessor de Dom Bosco.
A gentil timidez de Paulo Albera contrasta com a energia de João
Cagliero, extrovertido e vigoroso. No entanto, este Salesiano dos primeiros
tempos – o mais jovem dos que assinaram a lista dos primeiros sócios Sale-
sianos, em junho de 1860, e entre os pioneiros em Mirabello, sob a guia
do jovem P. Rua – manifesta, não só um destacado espírito de iniciativa
e uma invejável capacidade de conquistar os corações como Fundador da
obra salesiana de Gênova e na França, mas também uma surpreendente
tenacidade de caráter, que demonstra, por exemplo, na longuíssima viagem
de três anos na América, onde visita todas as presenças salesianas como
representante do P. Rua.
Talvez o âmbito em que Albera mais se revela seja o que ele vive como
Diretor Espiritual da Congregação nascente. Da pena de Giraudo emerge
um homem que cuidou com particular atenção dos Salesianos em formação,
por meio de visitas às casas de formação, a preparação dos formadores, a
vigilância na aplicação das Constituições, dos Regulamentos e das Delibe-

1.6 Page 6

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4
rações Capitulares em assuntos de formação e de estudos. Particularmente
impressionante é seu hábito de ler, meditar, tomar nota e fazer próprios os
numerosos escritos de espiritualidade que ele procura aprofundar. Desta
sua intensa e constante dedicação, colhem-se os frutos no serviço que ele
oferece como guia espiritual e nos incontáveis Exercícios Espirituais que
ele pregava.
Como Reitor-Mor, o P. Albera continuou a dar grande valor à vida de
orfação e de estudo como fonte de fecundidade apostólica. Eram temas
sobre os quais muito insistia. Apelava seguidamente a Dom Bosco, aquele
Dom Bosco que o tinha guiado desde menino a uma verdadeira sequela de
Jesus: “Tudo e somente por Jesus!”. O amor do estudo levou-o a abrir-se e
a apreciar de uma forma nova o que São Francisco de Sales fora para Dom
Bosco. É o que se constata particularmente na segunda parte do livro de
Giraudo, que nos leva a observar o fogo que arde por baixo de uma expe-
riência de vida muito intensa e plena; o mesmo se constata na antologia dos
escritos de Paulo Albera, na terceira parte.
Os primeiros Salesianos eram homens profundamente tocados por
Dom Bosco, mas cada qual reflete o seu carisma de forma diversa, como
se pode ver na profunda fidelidade de Rua e no dinamismo missionário de
Cagliero, no primeiro formador Barberis e no gênio literário de Francesia.
Entre esses pais da Congregação Salesiana, Paulo Albera distingue-se,
segundo Giraudo, como mestre de vida espiritual, pela sua capacidade
de colher no coração de Dom Bosco e transfundi-lo nos Salesianos e nos
membros da crescente Família Salesiana.
Por meio de Albera podemos entrar em contato com as fontes do carisma
Salesiano de uma forma até agora inexplorada. Seus diários pessoais,
escritos em italiano, francês e também em inglês, são como um raio de luz
que abre nossos olhos para o diálogo contínuo entre graça e liberdade no
coração humano, uma janela que se abre à capacidade e vitalidade formativa
que o carisma de Dom Bosco traz consigo, um testemunho comovedor de
como a nossa humanidade continua sempre a mesma, mas, no entanto,
pode ser transformada em instrumento do Espírito. Albera se distinguia
por um matiz de melancolia; apesar disso, sua personalidade emerge como
um dom constante de amabilidade, delicadeza e bondade.
Destaca-se a devoção de Albera pelo P. Rua: ele compreendeu que o
sucessor de Dom Bosco não era simplesmente uma pálida imitação do
Fundador. O P. Albera pergunta: “Por que Dom Bosco foi tão amado?
Porque estavam com ele todos os corações? Porque teve a sorte de ter ao
seu lado um P. Rua, que sempre assumiu pessoalmente todas as odiosi-

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5
dades”. E depois acrescenta: “Quando [Rua] foi eleito Reitor-Mor, houve
quem temesse um governo rigoroso: depois pôde-se ver quanta bondade
havia no seu coração. Esta será umas das mais belas páginas da sua vida,
e com o tempo se verá quanto ele contribuiu para a auréola que envolvia
Dom Bosco”.
A Dom Bosco e ao P. Rua devemos agora acrescentar o P. Albera, “le
petit Don Bosco”, que marcou seu Reitorado mediante a familiaridade
pessoal com as obras salesianas dispersas pelo mundo e uma sensibilidade
especial para com os novos contextos e situações. A doçura do seu caráter
e a sua sensibilidade se evidenciaram particularmente na maneira com que
ele soube acompanhar a dificílima situação pela qual a sociedade Salesiana
passou durante a primeira guerra mundial, quando metade dos seus quase
3.000 membros foi diretamente envolvida nas campanhas militares.
“Quando você tiver a felicidade de poder rezar a Primeira Missa
– Dom Bosco tinha sussurrado ao ouvido de Paulinho – peça a Deus a
graça de nunca desanimar”. Este conselho revelou-se precioso durante os
quatro longos anos da guerra, quando Albera soube encorajar a todos, os
chamados às armas e os que ficaram em casa, que tiveram de multiplicar
de forma heroica seu trabalho. Não só não permitiu o fechamento de nem
mesmo uma só casa, mas não duvidou em abrir orfanatos e outras obras de
assistência aos jovens. E isto em ambos os lados do conflito.
Exprimo sincera gratidão a Aldo Giraudo em nome de todos os que
por meio de sua obra poderão conhecer melhor Paulo Albera. Meu desejo
e minha oração é que, ao mesmo tempo, possamos continuar a viver da
melhor forma o patrimônio espiritual entregue ao mundo e à Igreja por
meio de Dom Bosco e dos que se deixaram formar por ele, como este
companheiro de Miguel Magone que se tornou seu segundo sucessor.
Mudam os tempos e os contextos, mas o essencial permanece em toda
a sua veridicidade e vitalidade: vale sempre a pena colhê-lo, ou melhor,
deixar-se colher por eles e surpreender, como costuma acontecer quando
se meditam as páginas dos Evangelhos e da vida dos santos. É o que deveria
acontecer quando olhamos com o coração para Dom Bosco a para os
homens formados por ele. Que o Dom que é Paulo Albera nos pegue de
surpresa, reaqueça os nossos corações e renove em nós o desejo de seguir o
Senhor pelo caminho traçado por Dom Bosco. Isto é o que P. Paulo Albera
desejava ardentemente para os seus irmãos e sem dúvida é o que deseja
para todos nós.
P. Ivo Coelho
Conselheiro-Geral para a Formação

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6
Todos os que se encontraram com o segundo sucessor de Dom Bosco,
P. Paulo Albera (1845-1921) nos diversos períodos de sua vida, tiveram
a impressão de ver nele uma criatura transbordante de doçura. Seu
semblante jovem, iluminado por um sorriso permanente, manteve-se tal
também na velhice. Somente os cabelos ficaram brancos como a neve. Os
olhos límpidos fixavam o interlocutor com a gentileza e a luminosidade de
uma criança. Seu modo de falar lento e penetrante ia direto ao coração. Era
magrinho, delicado de saúde.
Quando refletia sobre si mesmo, muitas vezes invadia-o um senso de
melancolia. Sentia-se inepto, sem as qualidades necessárias para ser o
sucessor de Dom Bosco, longe da perfeição requerida por um religioso.
Quando se relacionava com os outros, porém, vinha à tona toda a sua
amabilidade, a delicadeza, a bondade de sua humanidade. Era dotado de
uma profunda capacidade de ouvir e tinha o dom do discernimento.
Todavia, se considerarmos suas atividades, as viagens incansáveis,
o fervor do seu apostolado, a profundidade dos seus ensinamentos, a
multiplicidade das fundações, então ele surge diante de nós um homem
completamente diverso: uma criatura ardente. Seríamos injustos com este
Salesiano tão doce, amável e indulgente para com o próximo, se não recor-
dássemos que ele foi um dos mais firmes, sólidos e tenazes temperamentos
que soube guiar, com visão de futuro e firmeza, a Sociedade Salesiana num
dos períodos mais difíceis da sua história.
****
Este volume está dividido em três seções.
A primeira apresenta uma breve biografia do P. Paulo Albera, segundo
sucessor de Dom Bosco. Fontes principais desta seção são: a superdocu-
mentada biografia publicada por Domingos Garneri em 1939; as Cartas
Circulares e a correspondência com o P. Júlio Barberis durante sua visita
canônica nas Américas; o Boletim Salesiano e as anotações autógrafas
do “diário espiritual” conservadas no Arquivo Salesiano Central (ASC
B0320101-109).
A segunda seção expõe os pontos principais do seu magistério espi-
ritual.
A terceira seção contém uma antologia dos seus escritos mais significa-
tivos extraídos das Cartas Circulares aos Salesianos (Turim 1922).

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7
ABREVIAÇÕES E SIGLAS
AAT Arquivo Arquiepiscopal de Turim
ACS Atos do Capítulo Superior (1921ss)
ASC Arquivo Salesiano Central
BS
Boletim Salesiano (1877ss)
Garneri D. GARNERI, Don Paolo Albera secondo successore di don Bosco.
Memorie biografiche, Turim, Società Editrice Internazionale 1939.
Em
G. BOSCO, Epistolario. Introdução, textos críticos e notas aos cuidados de
F. Motto, 8 vol., Roma, LAS 1991-2019.
L
P. ALBERA-C. GUSMANO, Lettere a don Giulio Barberis durante la loro
visita alle case d’America (1900-1903). Introdução, texto crítico e notas aos
cuidados de B. Casali, Roma, LAS 2000.
Lasagna P. ALBERA, Mons. Luigi Lasagna. Memorie biografiche, S. Benigno
Canavese, Scuola Tipografica Salesiana 1900.
LC
Lettere circolari di don Paolo Albera ai salesiani, Turim, Società Editrice
Internazionale 1921.
LCR Lettere circolari di don Michele Rua ai salesiani, Turim, Tip. SAID “Buona
stampa” 1910.
Lm
ASC E444, Lettere mensili ai salesiani soldati (1916-1918)
Manuale P. ALBERA, Manuale del direttore, S. Benigno Canavese, Scuola Tipo-
grafica Salesiana 1915.
MB
Memorie biografiche del venerabile servo di Dio don (del beato … di san)
Giovanni Bosco, voll. VI-XVI, S. Benigno Canavese-Turim, Scuola Tipo-
grafica Salesiana-Società Editrice Internazionale 1907-1935.
ms
manuscrito
Nota do Tradutor:
1. Eventuais palavras e traduções latinas entre colchetes [ ] são do
Tradudor; as que estão entre parêntesis ( ) ou fora deles são do próprio
Autor.
2. Reservou-se a palavra Oratório com letra maiúscula somente para
o Oratório de Valdocco ou no caso de nome oficial de uma obra (por
exemplo: Oratório do Anjo da Guarda, etc.); caso contrário, sempre com
letra minúscula: oratório festivo, oratórios, etc.

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Primeira parte
A VIDA (1845-1921)

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Capítulo 1
OS ANOS DA FORMAÇÃO (1845-1868)
Dom Bosco confessa o jovem Paulo Albera
(foto Francisco Serra, 21 de maio de 1861)
Infância e adolescência
Paulo Albera nasceu no dia 6 de junho de 1845 em None, município
agrícola do Piemonte, a meio caminho entre Turim e Pinerolo. Pela
documentação apresentada à Cúri para o exame de admissão à vestidura
clerical,1) sabemos que os pais se chamavam João Batista e Margarida
Dell’Acqua. Casaram-se em 1825. O pai era camponês, dono de uma
1 AAT 12.17.4, Elenco dos jovens aspirantes ao estado clerical 1855-1867, ano de 1861.

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12 Capítulo 1
modesta propriedade agrícola (aproximadamente seis hectares), valendo
mil e trezentas liras piemontesas. Tinham sete filhos, seis homens e uma
mulher. Paulo era o último. Foi batizado no mesmo dia do nascimento com
os nomes de Paulo Sebastião Norberto. Três dos seus irmãos optaram pela
vida religiosa: Ludovico fez-se Fanciscano (frei Telésforo), Luís, Padre da
Congregação da Missão, e Francisca, Filha da Caridade (irmã Vicentina).
O clima sereno e afetuoso da família teve um benéfico influxo sobre
a formação do menino e o desenvolvimento de seus dotes pessoais. O P.
João Mateus Abrate, Pároco, acompanhou-o com particular atenção. Ensi-
nou-lhe a ajudar a Missa, preparou-o para o Sacramento da Confirmação
(1853) e para a Primeira Comunhão recebida com a idade de onze anos,
segundo a praxe do tempo.
Paulo frequentou a escola de sua terra com brilhantismo. No fim dos
cursos elementares dedicou-se aos trabalhos do campo, pois a família
não dispunha de recursos econômicos para que ele pudesse continuar os
estudos. O P. Abrate, que intuía sua vocação, admirado com a bondade
de ânimo e as qualidades do rapaz, procurou ajudá-lo. Em 1858 convidou
Dom Bosco a None para a festa de Nossa Senhora do Rosário, que naquele
ano se celebrava no dia 3 de outubro. Após a celebração da tarde apre-
sentou-lhe o rapaz, recomendando: “Leve-o com o senhor”. Dom Bosco,
conquistado pela fisionomia inteligente do menino, pelo seu olhar pene-
trante e sereno, concordou.
No dia 18 de outubro de 1858, acompanhado pelo Pároco, Paulo entrou
para o Oratório de Valdocco. Tinha acabado de completar treze anos.
Inseriu-se na animada comunidade juvenil da “casa anexa ao Oratório”,
composta por cento e vinte estudantes e oitenta aprendizes. Eram todos
jovens da classe popular, acolhidos gratuitamente ou quase, intensamente
envolvidos no clima familiar e fervoroso criado por Dom Bosco.
A presença ativa do santo entre os jovens, sua ação educativa envolvente,
motivadora, o relacionamento amorável com cada um, que se tornava rela-
cionamento íntimo no Sacramento da Confissão, criavam um ambiente
educativo único, muito eficaz. Dom Bosco era ajudado pelo Prefeito, o
benévolo P. Vitório Alasonatti, e por um grupo de clérigos que cresceram
no Oratório, impregnados de sua vitalidade e de seu método. Miguel Rua,
João Cagliero, João Batista Francesia, João Bonetti, Celestino Durando...
tinham poucos anos mais do que os colegas, mas com as suas atividades
multiformes, a exemplaridade do seu comportamento, seu espírito de
doação e de sacrifício, eram o fermento vivo da casa, um modelo admirado
pelos mais jovens.

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Os anos da formação (1845-1868) 13
Na casa de Dom Bosco respirava-se uma atmosfera espiritual intensa,
mas sem exageros. O P. João Batista Lemoyne, referindo um testemunho
do próprio P. Albera, escreveu: “No Oratório, as grandes virtudes ficavam
como que escondidas. Mergulhados num ambiente de ideais espirituais,
com surpresas contínuas de acontecimentos, sonhos com caráter de coisa
sobrenatural, previsões, revelações de consciências, anúncios de mortes
próximas, que poderiam excitar a fantasia, nunca houve entre os milhares
de jovens educados no Oratório visionários, maníacos por religião, carolas,
pusilânimes ou supersticiosos”.2)
Quando Paulo entrou para o Oratório, Dom Bosco estava coletando
documentos para a biografia de Domingos Savio, falecido em março de
1857. Muitos colegas tinham sido testemunhas das virtudes e do fervor
apostólico daquele adolescente maravilhoso. Falavam dele e procuravam
imitá-lo. O recém-chegado logo sentiu-se bem naquele ambiente fervoroso
e criou grande amizade com alguns colegas, entre os quais o exuberante
Miguel Magone.
Precisamente naqueles anos, o ginásio interno do Oratório se conso-
lidava aos poucos. No outono de 1858, às classes de latinidade inferior
somou-se a primeira série ginasial, e, no ano escolar sucessivo, Dom Bosco
conseguiu ter em casa todo o curso ginasial, com professores próprios.
As primeiras três classes eram confiadas aos clérigos Celestino Durando,
Segundo Pettiva e João Turchi; as últimas duas, a João Batista Francesia.
A partir daquele momento, a seção dos estudantes foi adquirindo sempre
maior destaque. Quase todos os alunos eram aspirantes ao sacerdócio, sele-
cionados com cuidado, entusiastas pela própria formação cultural e espi-
ritual. Dom Bosco acompanhava pessoalmente o amadurecimento de cada
um, com dedicação e constância, com delicadeza e respeito. Albera ficou
fascinado.
À distância de sessenta anos, ele recordará a força transformadora
do amor: “Dom Bosco nos amava de forma única, totalmente sua: nós
ficávamos irresistivemente fascinados... Ainda agora parece-me vivenciar
toda a suavidade da sua predileção para comigo, quando jovenzinho: eu
me sentia como que aprisionado por uma potência afetiva que alimentava
meus pensamentos... Eu sentia que era amado de forma jamais experi-
mentada antes, que, inclusive, nada tinha a ver com o vivo amor com que
meus inesquecíveis pais me amavam.
O amor de Dom Bosco por nós era algo singularmente superior a
2 MB VI 971-972.

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14 Capítulo 1
qualquer outro afeto: envolvia-nos inteiramente, quase numa atmosfera
de contentamento e de felicidade, que afastava para longe penas, tristezas,
melancolias; penetrava nosso corpo e nossa alma de tal forma que não se
pensava mais em nada; estávamos certos de que o bom Pai pensava em
tudo por nós, e esse pensamento nos deixava perfeitamente felizes. Oh! Era
seu amor que atraía, conquistava e transformava os nossos corações!...
Não podia ser diversamente, porque de cada palavra sua e de cada ato
seu emanava a santidade da sua união com Deus que é a caridade perfeita.
Ele nos atraía a si pela plenitude do amor sobrenatural que incendiava
seu coração e que com suas chamas absorvia, unificando-as, as pequenas
cintilas do mesmo amor suscitadas pela mão de Deus em nossos corações.
Éramos seus, porque em cada um de nós havia a certeza de que ele era
verdadeiramente homem de Deus, homo Dei, no sentido mais expressivo e
compreensivo da palavra”.3)
Aqueles rapazer, quando ouviam a palavra de Dom Bosco, quando o
viam rezar e celebrar a Eucaristia, sentiam-se como que capturados pela
energia espiritual que emanava da sua pessoa. “Tendo entrado joven-
zinho no Oratório – escreveu o P. Albera em 1912 – recordo que, desde os
primeiros dias, ao ouvir suas palavras no boa-noite, eu não pude deixar de
dizer a mim mesmo: como Dom Bosco deve querer bem a Nossa Senhora!
Entre os mais antigos, quem não observou com que sentimento, com que
convicção nos falava das verdades eternas, e como era frequente acontecer
que, referindo-se especialmente aos novíssimos, ele se comovesse ao ponto
de sua voz ficar embargada? Nem podemos esquecer a fé com que celebrava
a Santa Missa”.4)
Paulinho (assim o chamava Dom Bosco) entregou-se ao santo educador
com confiança ilimitada e docilidade amorosa. O superior, conquistado
por tamanha bondade de ânimo, pelas qualidades morais e intelectuais
do rapaz, correspondeu com igual e afetuosa confiança. Tornou-se amigo
da sua alma. Introduziu-o passo a passo nos caminhos do Espírito. Ensi-
nou-lhe a maneira de entregar-se à ação interior da graça. Temperou seu
ânimo e plasmou seu coração com discrição e equilíbrio, como fizera com
Domingos Savio e com todos os que lhe abriam a alma para que os ajudasse
a “doar-se inteiramente a Deus”.
3 LC 341-342.
4 LC 98

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Os anos da formação (1845-1868) 15
Entre os Salesianos das origens
Não sabemos se o jovem Albera fez parte da Companhia da Imaculada,
viveiro de vocações salesianas, cenáculo de santidade. O certo é que depois
de um ano e meio de sua chegada, por proposta do próprio Dom Bosco,
no dia 1º de maio de 1860 foi admitido à Congregação Salesiana, fundada
em dezembro de 1859. Ainda não tinha completado quinze anos. No
mês seguinte, o manuscrito das primeiras Constituições foi enviado ao
Arcebispo Luís Fransoni para a aprovação.
A carta que as acompanhava era assinada por Dom Bosco, pelo P. Alaso-
natti, pelo P. Ângelo Savio, pelo diácono Miguel Rua e pelos demais “Sócios
Salesianos”: dezenove clérigos, dois coadjutores e um jovem, o nosso Paulo,
“estudante do primeiro ano de retórica”. “Nós, abaixo-assinados, movidos
unicamente pelo desejo de assegurar a nossa salvação eterna, unimos-nos
para viver vida comum a fim de poder, atender com mais comodidade a
tudo o que se refere à glória de Deus e à salvação das almas. Para conservar
a unidade de espírito e de disciplina e pôr em prática os meios que são úteis
para o objetivo proposto, formulamos algumas regras a modo de sociedade
religiosa, que, excluindo qualquer assunto de ordem política, vise unica-
mente a santificar os seus membros, especialmente mediante o exercício da
caridade para com o próximo...”.5)
A partir daquele momento, Albera se sentiu inseparavelmente unido
a Dom Bosco, que o tratou com certa predileção em relação aos compa-
nheiros. Talvez vislumbrasse sua futura missão. Podemos deduzi-lo de um
sonho na noite entre o dia 1º e 2 de maio de 1861: “Viu o seu Oratório de
Valdocco e os frutos que produzia, a situação dos alunos diante de Deus;
os que eram chamados ao estado eclesiástico ou ao estado religioso na Pia
Sociedade, ou a viver no mundo, e o futuro da Congregação nascente”.
Sonhou um vasto campo de verduras e legumes, no qual trabalhavam
os alunos de Valdocco chamados a viver no mundo. Ao lado, num amplo
campo de trigo, colhiam e peneiravam o trigo os que eram chamados à
vocação eclesiástica e religiosa. Ao longe via-se subir ao céu uma fumaça
preta. “Era obra – Dom Bosco explicou – dos que recolhiam a cizânia, que,
fora do campo de trigo, a amontoavam e queimavam; significava os que
são especialmente destinados a tirar os maus do meio dos bons, indicando,
assim, os Diretores das nossas futuras casas; entre eles, viam-se os PP.
Francisco Cerruti, João Tamietti, Domingos Belmonte, Paulo Albera e
5 Em I 406.

2.8 Page 18

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16 Capítulo 1
outros, que atualmente são ainda jovens e estudam nas primeiras séries
ginasiais...
Em meio àquela multidão de jovens, vi alguns que carregavam uma
lâmpada na mão, com a função de iluminar, mesmo em pleno meio-dia: são
os que haveriam de dar bom exemplo aos outros operários do evangelho
e, assim, iluminar o clero; entre esses, estava Paulo Albera que, além de
carregar a lâmpada, também tocava o violão: isto significa que ele mostrará
o caminho aos sacerdotes e lhes infundirá coragem para ir para frente no
cumprimento da sua missão”.6) Observe-se que esses futuros “Diretores”,
naquele momento eram muito jovens: Belmonte tinha dezoito anos, Cerruti
dezessete, Albera dezesseis e Tamietti somente treze.
As crônicas do Oratório narram que alguns dias depois, no dia 19 de
maio, Francisco Serra, fotógrafo amador, ex-aluno do Oratório, quis foto-
grafar Dom Bosco. Antes fotografou-o sozinho, depois entre os jovens
Albera, Jarach, Costanzo e Bracco; por fim, com mais de cinquenta alunos.
Dois dias mais tarde, “fotografou-o no ato de confessar: os penitentes mais
próximos dele eram Reano, Albera e Viale; vários outros estavam mais
atrás, como que preparando-se para a Confissão”.7) Conserva-se ainda
hoje essa foto, símbolo eloquente da recíproca confiança entre o santo e o
adolescente que haveria de ser seu segundo sucessor.
Em setembro de 1861, no final do curso ginasial, Albera esteve na Cúri
para o exame da vestidura clerical. No registro do arquivo arquiepiscopal
lemos que ele se apresentou ao Vigário Geral com as referências fornecidas
por Dom Bosco a seu respeito; diziam: “Distingue-se pela piedade e pela
inteligência. Completou o segundo ano de retórica no Oratório de São
Francisco de Sales”. Albera superou otimamente o exame de catecismo e
de vocação. Só cometeu um erro de gramática na prova de italiano, dois
na tradução do latim, mas para ambos os textos, bem como no exame
oral sucessivo, obteve nota optime. Foi admitido à vestidura clerical “sob
Dom Bosco”, isto é, aos seus cuidados quanto à formação, como os demais
clérigos diocesanos que residiam em Valdocco.8) O rito da vestidura foi
celebrado pelo seu Pároco na igreja de None no dia 29 de outubro. O P.
Abrate sonhava tê-lo em breve como seu colaborador.
Em novembro de 1861 começou a frequentar as aulas de filosofia no
6 MB VI 898 e 910.
7 ASC A008, Crônica do Oratório de São Francisco de Sales n. 1, ms P. Ruffino, 61-62.
8 AAT 12.17.4, AAT 12.17.4 Elenco dos jovens aspirtantes ao estado clerical 1855-1867,
ano de 1861.

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Os anos da formação (1845-1868) 17
Seminário. No restante do tempo era assistente dos estudantes do Oratório
e colaborava com o Prefeito. Júlio Barberis, que chegou a Valdocco naquele
ano, recorda-o assim: “Ele era bastante quieto, preferia passear ou ficar
retirado no escritório do P. Alasonatti, que ele ajudava em pequenos
serviços. Era muito estudioso e ocupava um dos primeiros lugares nas
aulas, demostrando muita capacidade intelectual e grande força de vontade:
mas distinguia-se particularmente pela piedade, razão pela qual era muito
amado por Dom Bosco. Obedecia a Dom Bosco e aos demais superiores
sem nenhuma reserva”.9)
Naqueles dois anos de estudo filosóficos ele se deixou plasmar por Dom
Bosco, cuja ação formadora do primeiro grupo de jovens Salesianos era
intensa e particularmente eficaz, como escreverá ele mesmo à distância
de cinquenta anos: “Os mais velhos entre os irmãos recordam com que
santas estratégias Dom Bosco nos preparava a sermos seus colaboradores.
Costumava reunir-nos de quando em quando no seu humilde quarto
depois das orações da noite, quando os demais já repousavam, e lá ele nos
fazia uma conferência, breve, mas muito interessante. Éramos poucos a
ouvi-lo; precisamente por isso, nós nos considerávamos felizes em ouvir
suas confidências, em sermos postos a par dos grandiosos planos do nosso
dulcíssimo Mestre. Não nos foi difícil compreender que ele era chamado
a realizar uma missão providencial para o bem da juventude, e era para
nós uma não pequena glória ver que ele nos escolhia como instrumentos
para executar seus maravilhosos ideais. Assim, pouco a pouco íamos nos
formando à sua escola, tanto mais que os seus ensinamentos exerciam uma
atração irresistível sobre nós, admirados com o esplendor de suas virtu-
des”.10)
Assim, no contato pessoal e confidencial com a personalidade extraor-
dinária do Fundador e com suas amplas visões apostólicas, dia a dia eram
formados espiritualmente seus filhos. Quando ele julgou que estavam
preparados, reuniu-os para oficializar a sua consagração religiosa. Conser-
vamos a ata redigida naquela ocasião: “1862, 14 de maio. Os irmãos da
Sociedade de São Francisco de Sales foram convocados pelo reitor; a maior
parte deles, ao emitir formalmente os votos, confirmou permanecer na
Sociedade nascente; o que se deu da seguinte maneira: o Sr. Dom Bosco,
revestido de sobrepeliz, convidou todos a se ajoelharem, e deu início à récita
do Veni Creator, que foi cantado alternativamente até o fim. Dito o Oremus
9 Garneri 18.
10 LC 54-55.

2.10 Page 20

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18 Capítulo 1
do Espírito Santo, recitaram-se as Ladainhas da Bem-aventurada Virgem
Maria com o Oremus. Em seguida, os irmãos... pronunciaram todos juntos
a fórmula dos votos, cada qual assinando em seguida o próprio nome num
livro apropriado”.11)
Foi um momento muito intenso, uma experiência espiritual caris-
mática e envolvente. O clérigo João Bonetti, naquela noite, escreveu em
seu diário: “Naquela ocasião, reunidos num belo grupo, fizemos os nossos
votos segundo o Regulamento. Sendo muitos, repetimos todos juntos a
fórmula que o sacerdote [subdiácono] Rua pronunciava. Depois disto, o Sr.
Dom Bosco nos dirigiu algumas palavras para a nossa tranquilidade e para
infundir em nós mais coragem para o futuro.
Entre outras coisas, disse-nos: “Meus caros, vivemos tempos difíceis;
quase parece presunção tentar criar uma nova comunidade religiosa nesses
tempos tão tristes, enquanto o mundo e o inferno, com todas as suas forças,
se empenham em eliminar da terra as que já existem. Não importa: eu tenho
argumentos, não só prováveis, mas seguros, de que é vontade de Deus que
a nossa Sociedade comece e continue... Não acabaria nunca de falar esta
noite se eu lhes quisesse narrar todos os sinais especiais de proteção que
recebemos do céu desde que iniciou o nosso Oratório. Tudo nos faz crer
que temos Deus conosco e que podemos ir para frente nos nossos empreen-
dimentos com confiança, sabendo que estamos cumprindo a sua vontade.
Entretanto, ainda não são estes os argumentos que me fazem esperar
pelo bom êxito desta Sociedade: há outros maiores, entre os quais o único
objetivo que nos propusemos, que é a maior glória de Deus e a salvação das
almas. Quem sabe se Deus não queira servir-se desta nossa Sociedade para
fazer muito bem na sua Igreja? Daqui a vinte e cinco ou trinta anos, se Deus
continuar a nos ajudar como fez até agora, a nossa Sociedade, espalhada
por diversas partes do mundo, também poderá crescer em número até
chegar a ter mil sócios.
Entre esses, alguns se dedicarão a pregar e a instruir o povo simples;
outros, à educação dos meninos abandonados; alguns, a dar aula, outros,
a escrever e divulgar bons livros; enfim, todos a defender a dignidade do
romano pontífice e dos ministros da Igreja. Quanto bem se fará! Pio IX
acredita que nós já temos tudo em ordem: eis, pois, que nesta noite nós
estamos em ordem, combatamos com ele pela causa da Igreja, que é a causa
de Deus. Tenhamos coragem, trabalhemos de todo coração. Deus, como
bom patrão, saberá pagar-nos como convém. A eternidade será bastante
11 ASC D868, Atas do Capítulo Superior (1859-69), 9-10.

3 Pages 21-30

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3.1 Page 21

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Os anos da formação (1845-1868) 19
longa para podermos descansar”. No final Bonetti anotou: “Notamos
que nessa noite Dom Bosco mostrava uma satisfação inexprimível, não
conseguia ficar longe de nós, assegurando-nos que estaria disposto a
conversar conosco a noite inteira. Ainda narrou-nos muitas coisas bonitas
que se referem de modo especial aos inícios do Oratório”.12)
Assistente no Pequeno Seminário de Mirabello (1863-1868)
Em 1859 o governo saboiano impôs uma reforma radical das escolas
que laicizava o ensino público. Nessa circunstância, os Bispos piemonteses
sentiram a urgência de revitalizar seus Seminários Menores para garantir
uma sólida formação cristã dos futuros sacerdotes. Naqueles anos de
tensões políticas e de crise econômica, não dispunham de meios para fazer
frente a esse empreendimento. Dom Bosco imediatamente pôs-se à dispo-
sição para ajudar a sua Diocese.
Com o consentimento do Arcebispo Fransoni exilado em Lião, obteve
o encargo de organizar um pequeno Seminário em Giaveno. Nomeou
reitor um sacerdote de confiança e, para a assistência, enviou um grupo de
clérigos que cresceram em Valdocco. Os anos letivos de 1860-1861 foram
muito positivos. Mas, por ocasião da morte do Arcebispo, em março de
1862, surgiram dificuldades; para evitar maiores tensões com os superiores
da Cúri de Turim, o santo retirou-se e entregou à Diocese um Seminário
bem organizado e animado.
Essa experiência ensinou-lhe três coisas: que estavam maduros os
tempos para exportar sua própria experiência educativa; que ela era neces-
sária para o bem dos jovens, da sociedade e da Igreja; que em Valdocco
havia jovens Salesianos dotados do seu mesmo espírito e em condições
de garantir o bom êxito do empreendimento. Tinha aprendido também
que nas futuras fundações era fundamental garantir total independência
quanto à administração, ao modo de educar e à organização escolar.
A oportunidade se apresentou muito rapidamente, quando da solici-
tação de abrir um colégio em Mirabello Monferrato, Diocese de Casale.
Dom Bosco dispunha de um terreno e de uma casa, posta à disposição pelo
pai do Salesiano Francisco Provera. Obteve a confiança e o apoio incondi-
cionado do Bispo Dom Luís Nazari di Calabiana. Era-lhe concedida ampla
liberdade de ação. Dom Bosco aceitou imediatamente. Ampliou o edifício
12 ASC A0040604, Anais III 1862/63, ms J. Bonetti, 1-6

3.2 Page 22

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20 Capítulo 1
existente e apresentou a nova Instituição como “Pequeno Seminário”
Diocesano.
A composição do grupo dos formadores enviados para lá no dia 13 de
outubro de 1863 demonstra a coragem e a confiança de Dom Bosco nos
seus homens. Diretor era o P. Miguel Rua, único sacerdote: tinha vinte
e seis anos. Os demais eram todos clérigos: o Prefeito, Francisco Provera
(vinte e seis anos), o Diretor Espiritual, João Bonetti (vinte e cinco anos),
os assistentes, Francisco Cerruti (dezenove anos), Paulo Albera e Francisco
Dalmazzo (ambos com dezoito anos). Nas semanas seguintes, a eles se
juntaram alguns rapazes de Valdocco entre os quinze e dezesseis anos,
improvisados como clérigos. Pode parecer uma operação temerária, mas
certamente sua maturidade era superior à idade.
Em Mirabello foram abertas três classes elementares e cinco ginasiais.
Os problemas de organização, de natureza educativa e didática foram
progressivamente resolvidos graças à competência do grupo e ao trabalho
do P. Rua, que conseguiu reproduzir naquela casa o espírito e o clima
familiar de Valdocco. Dom Bosco entregou-lhe uma carta-memorial com
orientações espirituais, normas de governo e diretrizes pedagógicas, consi-
derada um documento fundamental do Sistema preventivo Salesiano.13)
Uma versão ampliada em 1870, intitulada Lembranças confidenciais, será
entregue pelo santo aos Salesianos enviados a dirigir novas fundações.
Albera transcorreu em Mirabello cinco anos maravilhosos, devendo
responder por muitos compromissos: assistia o estudo, o refeitório, o pátio
e o dormitório; ensinava e ao mesmo tempo estudava teologia. Um trabalho
superlativo para ele e para os colegas, mas sustentado por um generoso
espírito de sacrifício e de entusiasmo, com a alegria de ter sido escolhidos
por Dom Bosco para realizar os seus projetos.
Para superar a oposição das autoridades escolares, que não queriam
conceder o reconhecimento legal da escola, Dom Bosco pediu a Albera e
aos demais que se preparassem para o exame de habilitação. No dia 10 de
outubro, Paulo Albera superou com sucesso a prova de magistério para o
ensino elementar, e no dia 10 de dezembro do ano seguinte conseguiu o
diploma de professor do ginásio inferior pela Régia Universidade de Turim.
Como Cerruti e Dalmazzo, teria podido continuar o percurso acadêmico
até a láurea, mas não quis “por temor de prejudicar a vocação e a virtude”,
como confidenciou ao amigo P. João Garino.
Em setembro de 1865, o P. Miguel Rua foi chamado a Turim para subs-
13 Em I 613-617.

3.3 Page 23

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Os anos da formação (1845-1868) 21
tituir o falecido P. Alasonatti. Todos sentiram profundamente sua ausência,
por causa da amizade espiritual que tinham com seu Diretor e Confessor.
Foi substituído pelo P. João Bonetti, sacerdote com vinte e sete anos, que
continuou o caminho traçado pelo P. Rua, sem mudar nada, de modo que
o clima de Mirabello não sofreu alterações.
Dom Bosco visitava com frequência o pequeno Seminário, encontra-
va-se com os irmãos, falava aos meninos, contagiava a todos com o seu
entusiasmo. Todos os anos convocava os Salesianos para os exercícios espi-
rituais, ocasião preciosa para uma direção espiritual mais incisiva. “De
1866 em diante, – escreve o P. Albera – tendo começado a reunir-nos para
os exercícios espirituais, a ação de Dom Bosco pôde exercer-se em escala
muito mais vasta.
Todos os anos, nessa feliz ocorrência era-nos dada a oportunidade
de passarmos juntos certo tempo, o que era motivo de grande conforto
para Dom Bosco ver-nos sempre mais numerosos. O bom Pai, com suas
instruções tão densas de santos pensamentos e expostas com inefável
convicção, abria continuamente a novos horizontes as nossas mentes exta-
siadas, tornava cada vez mais generosos os nossos propósitos e mais estável
a nossa vontade de permanecer sempre com ele e de segui-lo por toda parte,
sem nenhuma reserva e ao custo de qualquer sacrifício”14).
O santo ficava feliz em ver a generosidade dos jovens colaboradores. O P.
Tiago Costamagna, futuro Bispo missionário, escreveu: “Na noite de 3 de
maio de 1867, no trem, retornando a Turim, Dom Bosco abriu seu coração;
ele exultava por tantas graças que Deus lhe concedia, especialmente por
ter-lhe dado jovens colaboradores dotados de exímias virtudes, e citava
Durando, Francesia, Cagliero, Cerruti, Bonetti, Albera, Ghivarello, etc.
Dizia: “Este é um valente gramático, aquele é um literato, o outro é músico,
fulano é escritor, sicrano é um santo...”. De alguns, apontava específicas
habilidades nas quais mais tarde haveriam de se distinguir e que então
ninguém podia entrever”.15)
Nesse tempo, Paulo Albera, ao trabalho educativo somava o estudo
da teologia. À medida que se aproximava o tempo das ordenações, maior
era a insistência do Pároco de None para tê-lo como coadjutor paroquial.
Ele não tinha compreendido que a Congregação de Dom Bosco era uma
Congregação Religiosa, não uma simples sociedade eclesiástica. Como
narra Lemoyne, o P. Abrate “tinha movido céus e terra para que o clérigo
14 LC 55.
15 MB VIII 773.

3.4 Page 24

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22 Capítulo 1
Paulo Albera, seu paroquiano, entrasse para o Seminário; quando o dito
clérigo, professor no colégio de Mirabello, estava próximo das sagradas
ordenações, fez de tudo para alcançar seu intento... – Afinal, dizia, o
Seminário é para os clérigos, e lá é que devem receber sua instrução; por
que Dom Bosco o retém no seu Oratório? O meu clérigo Albera, eu o quero
para mim e não para Dom Bosco” . Foi lamentar-se com o Vigário Geral
da Diocese, insistiu com o próprio Dom Bosco; por fim compreendeu que
Paulo Albera tinha decidido responder a um chamado especial de Deus.
Resignou-se e parou de pressionar...

3.5 Page 25

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23
Capítulo 2
PREFEITO EM VALDOCCO
E DIRETOR EM GÊNOVA
(1868-1881)
P. Paulo Albera entre os órfãos de Sampierdaren
Ordenação e primeiros anos de sacerdócio
O novo Arcebispo de Turim, Dom Riccardi di Netro, no momento
de conceder as cartas dimissórias para a ordenação dos Salesianos, seus
diocesanos, opôs resistência. Estava preocupado com a escassez de padres e
queria que os clérigos de Dom Bosco entrassem para o clero diocesano. Por

3.6 Page 26

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24 Capítulo 2
fim, diante da decisão daqueles jovens e das razões apresentadas por Dom
Bosco, cedeu. No fundo, fez-lhe notar o santo, grande parte dos semina-
ristas diocesanos provinham dos Institutos Salesianos de Valdocco e de
Lanzo Torinese, e ele precisava daqueles jovens para continuar a fornecer
boas vocações de padres seculares. No dia 25 de março de 1868, na igreja
da Imaculada, anexa ao palácio episcopal, Dom Riccardi conferiu a Paulo
Albera, Tiago Costamagna e Francisco Dalmazzo as ordens menores;
depois de três, dias o subdiaconato; no dia 6 de junho seguinte ordenou-os
diáconos.
Paulo preparou-se para as ordenações com grande fervor. Conserva-se
ainda hoje um caderninho de apontamentos escritos durante os exercícios
espirituais em preparação ao subdiaconato (18-28 de março de 1868). No
alto da página lemos: “O vosso Coração, meu querido Jesus, só está aberto
para preparar-me um refúgio, não para outras coisas: para cá correrei, aqui
encontrarei paz e espero que jamais eu me afaste daqui. Doce Coração do
meu Jesus, fazei que eu vos ame sempre mais!”.
Depois da primeira meditação anotou: “Desta pregação, que Deus por
suma bondade dignou-se fazer-me ouvir, colherei os seguintes frutos: 1.
Pensarei com frequência no meu nada. 2. Terei sempre em mente a grandeza,
a onipotência de Deus. Com estes dois pensamentos bem fixos dentro de
mim, espero, meu Jesus, que jamais me aconteça ofender-vos com pecados
de soberba, e que todas as minhas ações sejam para a vossa maior glória.
Grave-se na minha mente, em cada minha ação, este propósito: Tudo por
Jesus”.
No final dos exercícios, Dom Bosco lhe sugeriu algumas “lembranças”:
“Três especialmente são as virtudes que devem ornar a vida de um
sacerdote: caridade, humildade, castidade. Praticarás a caridade mediante
um amor nobre para com todos, fugindo das amizades particulares, de
toda palavra e ação que, se fosse feita ou dita a ti, te desagradaria. Prati-
carás a humildade, considerando todos os teus companheiros como supe-
riores, para poder depois tratá-los como iguais, com toda caridade. Recor-
darás os teus pecados, a humildade e a mansidão do Coração de Jesus, e
serás verdadeiramente humilde. Praticarás a castidade trabalhando o mais
que puderes e somente para a glória de Deus, com a oração feita de coração,
com a fé, a temperança no comer e grande mortificação dos olhos”.1)
Depois de dois meses, Albera fez mais dez dias de exercícios espiri-
tuais (18-28 de maio de 1868) para preparar-se à ordenação diaconal. Ele
1 Garneri 35-36.

3.7 Page 27

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Prefeito em Valdocco e Diretor em Gênova (1868-1881) 25
escreveu: “Começarei meus exercícios imprimindo bem na mente o que me
é dito na Confissão pelo meu Diretor Espiritual. É necessário que eu evite
cuidadosamente as faltas pequenas, pois já são faltas gravíssimas contra
a bondade de Deus e nos privam de grandes graças; e também porque
costumam levar a faltas graves.
Com a ajuda de Deus, cumprirei esse propósito sempre e em tudo; espe-
cialmente quando se trata da modéstia. Fugirei de qualquer tipo de relacio-
namento muito próximo, de todo olhar, escrito, qualquer gesto que possa
ofender esta belíssima virtude. Coração do meu Jesus, o mais puro de todos
os corações, tornai-me semelhante a Vós. Virgem puríssima, Rainha das
virgens, que tanto fizestes e ainda mais teríeis feito para vos conservardes
casta, eis aos vossos pés um pobrezinho que desejaria imitar-vos, mas não
pode: ajudai-me em tudo, atraí-me todo a Vós. Auxilium Christianorum,
ora pro nobis!”.
Também naquela ocasião Dom Bosco lhe deu algumas lembranças: “1.
Meditação apela manhã, visita ao Santíssimo ao longo do dia, leitura espi-
ritual, mesmo breve, mas sem falta, pelo fim do dia. 2. Aceitar com respeito
todos conselhos e agradecer às pessoas que os derem. 3. Avisar com bons
modos os companheiros, sem ofender ninguém, dar bons conselhos,
zelar pela salvação do próximo. 4. Ter o máximo cuidado com as coisas
pequenas, especialmente em questão de modéstia”. Albera encerrou o retiro
com esta invocação: “Sangue preciosíssimo de Jesus Cristo, caí, senão sobre
esta página, no meu coração, que é mais importante, e selai estes meus
propósitos. Fazei que seja constante e duradouro o fruto destes exercícios.
Virgem Santíssima, não me abandoneis enquanto não me virdes no céu a
louvar-vos por todos os séculos dos séculos. Amém. Amém!”.2)
No dia 9 de junho de 1858 o diácono Paulo Albera, junto com os irmãos
e os alunos de Mirabello, participou da solene consagração do santuário de
Maria Auxiliadora em Valdocco. Foi uma experiência intensa. À distância
de cinquenta anos, reevocou as emoções: “Recordo como fosse agora o
momento solene em que Dom Bosco, todo radiante de alegria e ao mesmo
tempo com os olhos marejados de lágrimas por causa da profunda emoção,
subiu por primeiro ao altar-mor para celebrar, diante dos olhares piedosos
da sua grande Auxiliadora, o santo sacrifício da Missa... Os mais crescidos
dentre nós não deixaram de notar como sua fisionomia parecia quase
transfigurada, e como ele não se cansasse de falar da sua Nossa Senhora.
E conservamos ciosa recordação do que ele, lendo o futuro, disse naquela
2 Garneri 36-37.

3.8 Page 28

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26 Capítulo 2
circunstância a respeito das maravilhas que Maria Auxiliadora haveria de
operar em favor dos seus devotos”.3)
Naquele mesmo dia Dom Bosco convidou Paulo a preparar-se para a
ordenação sacerdotal. Foi ordenado em Casale Monferrato, no dia 2 de
agosto de 1868 pelas mãos de Dom Pedro Maria Ferrè, novo Bispo da
Diocese. Na véspera, Dom Bosco dissera-lhe: “Quando tiveres a felicidade
de poder dizer a Primeira Missa, pede a Deus a graça de nunca desanimar”.
À distância de anos, numa conferência aos Salesianos, o P. Albera confi-
denciou: “Então não compreendi a importância dessas palavras: somente
mais tarde é que compreendi todo o seu valor”.
No dia 19 de setembro de 1868 emitiu os votos perpétuos na casa de
Trofarello. Em seguida, Dom Bosco o quis consigo em Turim. Ali perma-
neceu quatro anos, durante os quais pôde “gozar da intimidade de Dom
Bosco e haurir do seu grande coração preciosos ensinamentos, que tanto
mais eram eficazes em nós – escreveu ele – quanto mais nós os víamos
postos em prática por ele no seu agir diário”. Ficando perto dele, Albera
persuadiu-se de que “a única coisa necessária para ser seu digno filho era
imitá-lo em tudo”.
Sendo assim, de acordo com o exemplo de outros Salesianos da primeira
hora, “que já reproduziam em si o modo de pensar, de falar e de agir do
Pai”, esforçou-se também ele para fazer o mesmo.4) Tinha vinte e três anos.
Foi-lhe confiado o encargo da prefeitura externa, com a missão de receber
os visitantes e aceitar os alunos. Era a pessoa mais indicada. Quem entrava
no seu escritório pela primeira vez saía conquistado pelo seu doce sorriso
e suas maneiras gentis.
Em janeiro de 1869 a Santa sé aprovou definitivamente a Sociedade
Salesiana. Voltando de Roma, Dom Bosco foi acolhido triunfalmente em
meio à alegria dos Salesianos e alunos.
Por ocasião da abertura do Concílio Vaticano I (8 de dezembro de 1869),
o P. Albera escreveu um hino em honra de Pio IX, musicado por João
Cagliero. Dois dias depois, foi eleito membro do Capítulo Superior, órgão
central de governo da Congregação, em substituição ao seu antigo professor
P. Francesia, enviado a dirigir o colégio de Cherasco. Como Conselheiro,
participou de um acontecimento importante. Ele mesmo narra: “Em maio
de 1871, Dom Bosco, reunido o Conselho, recomendou que se rezasse a
fim de obter as luzes necesárias para saber se devia ocupar-se também das
3 LC 262.
4 LC 331.

3.9 Page 29

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Prefeito em Valdocco e Diretor em Gênova (1868-1881) 27
meninas, como de quando em quando era solicitado a fazer. Terminado o
mês, reuniu de novo o Conselho, perguntando a cada um o próprio parecer;
todos estiveram de acordo”. Então o santo acrescentou: “Pois bem, agora
podemos ter certeza de que esta é a vontade de Deus, que nos ocupemos
também das meninas”.
Naqueles anos foram tomadas outras decisões importantes para o
desenvolvimento da Sociedade Salesiana: a abertura dos colégios de Alassio
(1870) e de Varazze (1871), a ampliação do colégio de Lanzo Torinese, a
transferência do Pequeno Seminário de Mirabello para Borgo San Martino
(1870), a fundação de um Internato para órfãos em Gênova-Marassi (1871),
a aceitação do ginásio-liceu de Valsalice (1872).
Fundador da obra salesiana de Gênova
Em 1871, os membros das Conferências de São Vicente de Paulo de
Gênova propuseram a Dom Bosco abrir um Internato para órfãos na cidade
lígure. Dispunham-se a cobrir as depesas para a manutenção dos meninos
e pagar o aluguel do local. O senador José Cataldi punha à disposição uma
casa por 500 liras anuais. O edifício se situava na região de Marassi, sobre
uma colina, a ocidente, entre o centro da cidade e o cemitério de Staglieno.
Não era totalmente adequada para o escopo, todavia o santo, encorajado
pelo Arcebispo Dom Salvador Magnasco, aceitou com a aprovação do seu
Conselho.
O P. Albera foi enviado como Diretor, junto com dois clérigos, três coad-
jutores e um cozinheiro. No momento da partida, Dom Bosco pergun-
tou-lhe se precisava de dinheiro. Respondeu que não era necessário, pois
o Ecônomo lhe tinha dado 500 liras. O santo respondeu que iniciar uma
obra de caridade com essa quantia era sinal de falta de confiança na Provi-
dência. Pediu-lhe que entregasse aquela soma e deu-lhe uma quantia muito
inferior; também lhe entregou algumas cartas para os benfeitores.
Partiram de Turim no dei 26 de outubro de 1871. Na estação de Gênova
não encontraram ninguém a esperá-los. Pediram informações aos tran-
seuntes e finalmente chegaram à casa destinada a eles. Um camponês que
trabalhava no terreno vizinho perguntou quem eles eram. Apresenta-
ram-se. “Ah, vocês são aqueles dos moleques”, respondeu, e os fez entrar
no edifício totalmente vazio, sem cadeiras, sem mesas, sem camas e sem
comida. O P. Albera não desanimou. Deu ao cozinheiro o dinheiro para que
fosse à cidade fazer a primeira provisão. Pelo caminho, este encontrou um

3.10 Page 30

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28 Capítulo 2
grupo de mulas que levava para a nova casa salesiana objetos de primeira
necessidade, enviados pelo presidente da conferência de São Vicente; foi o
primeiro sinal da Providência.
Nos dias seguintes, outras expedições completaram o que faltava para
encaminhar a obra, que foi chamada de Internato São Vicente de Paulo.
Chegaram os dois primeiros órfãos, depois outros mais. Os inícios foram
duros, mas não faltaram os benfeitores, em primeiro lugar os moradores da
região. Domingos Canepa, que morava ali perto, à distância de cinquenta
anos, conta: “Lembro quando o P. Albera e seus companheiros chegaram a
Marassi. Nós olhávamos para os recém-chegados com certa desconfiança.
Talvez por causa do vizinho Instituto de Meninos Abandonados, situado
no vale do Bisagno, aplicou-se esse qualificativo também aos primeiros
jovens que, recomendados pela Conferência Vicentina, foram acolhidos em
Marassi. Todos, porém, rapidamente se convenceram de que esse apelido
não lhes era nada conveniente.
Com grande maravilha e certo desprazer, as pessoas observavam a fami-
liaridade que havia entre os superiores e os alunos: conversavam, brincavam
junto, e à noite, no terraço, entoavam belíssimos cânticos a Nossa Senhora,
que agradavam imensamente aos moradores das vizinhanças, e cujo eco
chegava prazerosamente até o santuário de Nossa Senhora do Monte, que
se via ao longe, do lado oposto, como que olhando para o Internato. A nossa
maravilha maior era especialmente ver aqueles jovens jogar ou passear
em meio aos vinhedos, sem que nenhum deles apanhasse algum daqueles
magníficos cachos de uva: por mais que tenhamos controlado esse detalhe,
nunca conseguimos vê-los cometendo essa falta”.5)
Também Domingos Canepa era órfão. Ajudava um tio no trabalho dos
campos ao lado da casa salesiana. Uma noite, enquanto estava apoiado ao
portão do Internato, sentiu que alguém lhe batia no ombro. Era o P. Albera,
que lhe perguntou sorrindo: “Você quer ficar comigo?”. Conquistado por
tamanha cordialidade, respondeu imediatamente: “Sim, senhor!”. Alguns
meses mais tarde, quando o Instituto foi transferido para Sampiedarena, o
garoto entrou para a comunidade e com o tempo se fez Salesiano.
No dia 1º do ano foram acolhidos uns quarenta jovens, número máximo
que a casa podia conter. Dividiam-se em três oficinas: alfaiates, sapateiros
e marceneiros. O P. Albera, único sacerdote, celebrava, pregava, confessava
e dava aula. O número reduzido de alunos permitiu-lhe dedicar-se total-
mente à sua formação. Os resultados não faltaram: pouco a pouco, aqueles
5 Garneri 48.

4 Pages 31-40

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4.1 Page 31

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Prefeito em Valdocco e Diretor em Gênova (1868-1881) 29
rapazes irrequietos tornaram-se educados, respeitosos, laboriosos e
devotos.
Dom Bosco visitou Marassi por duas vezes durante o ano letivo. Logo
se deu conta de que o edifício, situado na zona periférica, era inadequado e
tinha poucas possibilidades de desenvolvimento. Apoiado pelo Arcebispo,
encontrou um lugar mais apto em Sampierdarena. A estação ferroviária
em construção haveria de favorecer a transformação industrial do lugar,
tornando-o um importante centro comercial, bem interligado com Riviera
di Ponente e com o interior do Piemonte e da Lombardia.
Dom Magnasco o ajudou a adquirir o antigo convento dos Teatinos e a
igreja anexa de São Caetano, que estava em péssimo estado. O convento,
suprimido em 1796, tinha sido usado como depósito, quartel, hospital,
fábrica de cola, escuderia. Não tinha um pátio. Dom Bosco comprou um
terreno espaçoso colado ao convento. A aquisição do edifício, do terreno
e a restauração dos locais comportou uma despesa para além de setenta
mil liras: cifra enorme, coletada graças à generosidade dos benfeitores
genoveses, motivados pessoalmente pelo santo, com a ajuda do jovem
Diretor P. Albera, cuja amabilidade e humildade conquistou a simpatia
geral.
Dom Bosco não olhou para despesas na restauração da igreja. Ampliou
o local da orquesta, instalou um órgão novo, construiu uma ampla sacristia.
Sob a direção do arquiteto Maurício Dufour e a supervisão do P. Albera,
tudo foi restaurado: as paredes, o teto, as portas, as janelas, a cornija
interna, os assentos da retro-capela; fizeram-se novos altares de mármore,
com balaustradas; por fim, o mármore cobriu todo o pavimento.
Após a transferência para Sampierdarena (novembro de 1871), o número
de alunos cresceu. Com o serviço religioso na igreja pública, o trabalho
do P. Albera aumentou. Aos poucos, na medida em que os trabalhos
de restauração prosseguiam, o povo do quarteirão começou a compa-
recer. Gostavam das celebrações litúrgicas bem cuidadas, com execuções
musicais, o pequeno clero e os ministros. Tudo dirigido pelo jovem e
dinâmico Diretor, de quem se apreciava a pregação, bem preparada, rica de
reflexões, convicta e ao mesmo tempo comedida.
Em torno da obra cresceu um nutrido grupo de cooperadores, animados
pelo P. Albera. Também o Arcebispo Magnasco fez parte deles. Sua contri-
buição permitiu desenvolver a nstituição. Aumentaram os pedidos para
a aceitação de jovens pobres e foi preciso levantar um novo edifício. O
Acebispo abençoou a pedra fundamental no dia 14 de fevereiro de 1875.
A construção foi concluída em dois anos. Aos primeiros três laboratórios

4.2 Page 32

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30 Capítulo 2
foram acrescentados os de encadernadores, mecânicos, tipógrafos e compo-
sitores. Começaram também as aulas das séires ginasiais para jovens desti-
nados à vocação sacerdotal.
Com seu zelo operoso e amabilidade de caráter, P. Albera conseguiu
reproduzir em Sampierdarena o modelo e o espírito de Valdocco. Os
ex-alunos do tempo testemunham de forma unânime “seu modo de tratar,
delicadamente paterno, que lhe afeiçoava todas as pessoas; a bondade de
coração, que o tornava muito sensível às mais variadas necessidades dos
seus filhos; a piedade profunda e viva, que edificava e arrastava ao bem; a
mente culta e aberta, pronta a captar as disposições psicológicas de cada
um e a proporcionar-lhe sua ajuda”.
O coadjutor Carlos Brovia escreveu: “No P. Albera não havia somente o
Diretor, havia também um pai extremamente terno. Afeiçoado aos alunos,
não se cansava de exortá-los, educá-los nos seus deveres, com a caridade
de Dom Bosco. Os jovens correspondiam plenamente, propiciando-lhe as
mais suaves satisfações. Como ele sabia estimular à piedade, e que alegria
ele sentia por casião das festas, se podia ver um belo número de comunhões
ou dizer que a Comunhão tinha sido praticamente geral!”.6)
Em 1875, Dom Bosco teve a ideia de criar a Obra dos Filhos de Maria
Auxiliadora, uma espécie de Seminário para vocações adultas. Foi uma
intuição genial e inovadora que ao longo dos anos forneceu abundantes
vocações para as Dioceses e para a Congregação Salesiana. A dita Obra
Previa um percurso de formação mais rápido, mas muito empenhador
(era chamada a prova de fogo), adaptado a jovens adultos que não tinham
podido frequentar os estudos na adolescência. Não foi possível instaurá-la
em Turim por causa da oposição da Cúria; então, Dom Bosco encarregou o
P. Albera de obter a aprovação de Dom Magnasco e confiou a ele (P. Albera)
sua concretização. Foi uma escolha acertada. No ano escolar de 1875-1876,
o Instituto de Sampierdarena se enriqueceu com esta nova seção, que
prosperou graças ao zelo apostólico e à energia espiritual do Diretor.
A sobrecarga de trabalhos, junto com a preocupação diária para
enfrentar os problemas econômicos e a inadequação do pessoal, cresceu
desmedidamente. A saúde do jovem Diretor pagou o preço. Deram-se
conta disso os membros do Capítulo Superior. Na ata da reunião do dia
18 de setembro de 1875, lê-se que o P. Rua perguntou aos presentes “se era
o caso de aliviá-lo do cargo de Diretor de Sampierdarena, porque parecia
que o clima de lá lhe fosse nocivo, dado que há três anos não goza mais de
6 Garneri 54.

4.3 Page 33

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Prefeito em Valdocco e Diretor em Gênova (1868-1881) 31
boa saúde. Alguém propôs fazer antes uma consulta médica, para ver se de
fato era o clima que o prejudicava; entretanto, todos estiveram de acordo
em afirmar que o que o deixava fragilizado na saúde eram especialmente as
preocupações. Ele é tão sensível; além disso, não é um tipo expansivo e será
muito difícil que possa resistir”. O P. Albera, no momento, estava ausente.
Decidiu-se esperar pelo seu retorno para “perguntar-lhe o que ele consi-
derava mais conveniente para sua saúde”.7) A crônica não diz mais nada.
Provavelmente ele redimensionou os problemas e se dispôs a continuar.
Em novembro daquele ano, a casa de Sampierdarena hospedou o
primeiro grupo de missionários que partia para a América sob o comando
do P. João Cagliero. Chegaram na quinta-feira, dia 11, à meia-noite. Nos
dois dias seguintes completaram os preparativos para a viagem e as forma-
lidades legais. No Domingo, foram acompanhados até o porto. Dom Bosco
e o P. Albera subiram ao navio para a despedida. Foi uma cena comovedora,
narrada amplamente em seus particulares pelo P. Lemoyne.8)
No dia 2 de fevereiro de 1876, durante as tradicionais Conferências de
São Francisco de Sales, nas quais se reuniam os Diretores para informar
os irmãos a respeito da situação dos seus Institutos, o P. Albera apresentou
uma sóbria relação da obra de Sampierdarena. A casa, disse, está em pleno
crescimento, os aprendizes e os estudantes acolhidos no novo edifício são
cento e vinte e em breve poderão ser “mais do que o dobro”. Os irmãos
“trabalham muito pelo bem das almas”. A saúde de todos é boa. “Traba-
lha-se muito e também muito se estuda. Grande é a piedade dos irmãos,
especialmente em frequentar a Comunhão; por sinal, muitos foram atraídos
à Igreja por esse exemplo.
Aliás, tivemos a felicidade de trazer de volta ao redil alguma ovelha que
se tinha afastado e também alguma que tinha dado o próprio nome às
sociedades secretas: agora, abandonado o pecado, vive como bom cristão.
Alguns irmãos vão também a outras igrejas da cidade para dar catecismo.
Muitos jovens frequentam a casa nos dias festivos e, dado que não se pode
dar catecismo e fazer o sermão na igreja por ser muito pequena, tanto mais
que nos dias festivos ela fica apinhada de gente, são levados para alguma
sala de aula e, depois do catecismo e um pouco de pregação, vão para a
igreja para a bênção eucarística. O povo está muito contente e nos acolhe
muito favoravelmente. Todas as manhãs há muitas comunhões, especial-
mente por parte dos Filhos de Maria, que no momento são aproximada-
7 ASC D869, Atas das reuniões capitulares 1884-1904, 15-16.
8 MB XII 391-394.

4.4 Page 34

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32 Capítulo 2
mente trinta”.9)
No dia 6 de fevereiro de 1877, na conferência geral dos Diretores, foi o
P. Rua quem apresentou uma por uma as obras salesianas. Da casa dirigida
pelo P. Albera disse: “Eu devo falar com um pouco de inveja de Sampier-
darena, porque ela ameaça passar na frente do Oratório. Cinco anos atrás,
era uma casa pequenina, onde uns poucos ambientes serviam como sala
de aula, dormitório, cozinha e estudo... Havia muitos pedidos. Os externos
eram muitíssimos. Havia necessidade de um edifício correspondente às
necessidades, mas em Sampierdarena, cidade famosa pela irreligião e pela
maçonaria, tratava-se de um empreendimento arriscado.
A providência, porém, queria aquela obra. O nosso superior não olhou
para dificuldades e construiu um belo e grande edifício, tanto para os
internos quanto para os externos. Dois anos depois terminou-se a obra.
Em pouco tempo, o número de jovens cresceu e hoje são 260 ou 300: quase
alcança o Oratório. Este incremento deve ser atribuído também à Obra de
Maria Auxiliadora, na qual os jovens já estudam latim, para dotar a Igreja
e a Congregação de bons ministros de Deus. Neste ano, há setenta em
Sampierdarena. Dos alunos do ano passado, quase todos vestiram o hábito
clerical; a maior parte pediu para pertencer à Congregação e se encontra
aqui em Valdocco. Neste ano, Sampierdarena deu também alguns clérigos,
dos quais alguns estão no Seminário, outros se encontram aqui conosco.
Começou-se também neste ano o oratório festivo: de um corredor fez-se a
capela para o catecismo e a bênção; além disso, oferece-se a comodidade
de aproximar-se dos Sacramentos. É também digna de nota a tipografia,
da qual já saíram diversos livros bons, cuja difusão fará muito bem entre
o povo”.10)
O ano de 1877 foi um ano memorável para o P. Paulo Albera. Os Filhos
de Maria cresciam e os pedidos de aceitação se multiplicavam, também
quando o ano escolar já estava em andamento. Dom Bosco queria que se
aceitassem todos os que tinham os devidos requisitos, sem levar em conta
o tempo do ingresso. O Diretor estava preocupado com a sua formação
escolar e por causa da insuficiência do pessoal. O problema foi discutido no
Capítulo Superior e decidiu-se que os retardatários deviam ser ocupados
em trabalhos manuais e receber um pouco de aulas preparatórias a fim de
que, aumentado o número, estivessem em condições de formar uma classe
para a qual se designaria um professor.
9 ASC A0000306, Boas-noites, Quad.1 1876, ms F. Ghigliotto, 19.
10 ASC A0000301, Conferências e sonhos 1876, ms G. Gresino, 52-54.

4.5 Page 35

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Prefeito em Valdocco e Diretor em Gênova (1868-1881) 33
Nos primeiros dias de junho desembarcou em Gênova o Arcebispo
de Buenos Aires à frente de uma peregrinação argentina que se dirigia a
Roma. Dom Bosco o aguardou na casa de Sampierdarena. Quando Dom
Frederico Aneyros chegou, ele estava na sacristia para o agradecimento
após a Missa. O P. Albera correu para avisá-lo, mas o Arcebispo o deteve:
“Não se perturbe um santo enquanto está com Deus após a Santa Missa!”. E
esperou que Dom Bosco retornasse à igreja; foi um encontro comovedor.11)
Naquele mesmo ano, o P. Albera teve algum aborrecimento por causa
de um pequeno volume das Leituras Católicas sobre graças concedidas por
Maria Auxiliadora aos seus fiéis, impresso na tipografia de Sampierdarena.
Em Turim, Dom Gastaldi contestava a publicação, pois considerava ser
sua competência o direito de julgar a respeito da autenticidade de supostos
milagres ocorridos numa igreja da sua Diocese. Considerava ilegítimo o
imprimatur concedido pela Cúri de Gênova. Albera fez-se de mediador.
Encontrou-se diversas vezes com Dom Magnasco para informá-lo quanto
às reais intenções de Dom Bosco, o que contribuiu para baixar a tensão
entre Turim e Gênova.
A tipografia de Sampierdarena, por decisão de Dom Bosco, tinha sido
dotada de máquinas modernas muito caras; fizeram-se dívidas ingentes.
Para pagá-las, o P. Albera organizou uma rifa, autorizada pelo Prefeito de
Gênova, que deu bons resultados. No dia 10 de agosto de 1877, da tipografia
do Internato São Vicente de Paulo, saiu o primeiro número do Boletim
Salesiano. Haveria de ser impresso naquela sede até setembro de 1882,
quando diminuíram os contrastes com Dom Gastaldi.
Entre 5 de setembro e 5 de outubro, o P. Albera participou do primeiro
Capítulo Geral da Congregação Salesiana. Foi membro de três importantes
comissões: da terceira, sobre a vida comum; da quarta, sobre a organi-
zação das inspetorias e as tarefas do inspetor Salesiano; da sétima sobre
as Filhas de Maria Auxiliadora. Voltando a Sampierdarena, acolheu os
missionários da terceira expedição, que zarparam no dia 14 de novembro.
Levou Dom Bosco até o navio Savoie para a despedida. Naquela circuns-
tância teve também a oportunidade de se encontrar com a irmã Maria
Domingas Mazzarello, que tinha acompanhado até Gênova as primeiras
irmãs missionárias.
A complexidade da obra e as preocupações derivadas da gestão de uma
comunidade tão variegada foram desgastando o físico do seu Diretor.
Dom Bosco, que conhecia sua sensibilidade, foi muito gentil para com
11 MB XIII 133.

4.6 Page 36

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34 Capítulo 2
ele. Animou-o, aconselhou e apoiou mediante cartas e frequentes visitas.
Apesar da saúde precária, os anos passados pelo P. Albera em Gênova
foram fecundos de iniciativas e de trabalho intenso. Não se poupava: todos
os meses recebia para o colóquio os Salesianos, os Filhos de Maria e cada
aluno; cada quinze dias fazia para a comunidade a conferência prescrita
pelas Regras; todas as manhãs, durante a Missa Comunitária, punha-se
no confessionário; todas as noites dava o boa-noite; aos Domingos fazia a
explicação do Evangelho pela manhã e a instrução religiosa à tarde.
Prestava-se também para o ministério externo, quando compatível
com seus compromissos prioritários. Visitava regularmente benfeitores e
cooperadores. Sentia-se, porém, constantemente oprimido pelo peso das
dívidas. Ajudou-o a superar todos os obstáculos, sua fé robusta, a entrega
à Providência e a confiança em Maria Auxiliadora. Com frequência, os
irmãos puderam vê-lo no silêncio da noite ajoelhado diante da imagem da
Virgem Maria, invocando a graça de providenciar pão para o dia seguinte.
“Conquistou todos os corações: todas as portas dos grandes senhores
genoveses e das pessoas do povo estiveram sempre abertas ao jovem
sacerdote, tão modesto e tão amável na sua austeridade”.12)
O P. Rafael Crippa, depois missionário entre os leprosos na Colômbia,
em março de 1879 foi acolhido pelo P. Albera entre os Filhos de Maria.
Ele narra: “Por dois anos fiquei encarregado de acordá-lo todas as manhãs
antes das cinco horas, porque, além de ser confessor dos de casa, confessava
também muitos externos: seu confessionário era muito assediado todos os
dias. Um sacerdote da casa sugeriu-me que, quando eu soubesse que o P.
Albera estava indisposto, só o chamasse mais tarde para a Missa dos apren-
dizes; entretanto, apenas pus em prática o conselho recebido, ele me deu
ordens para que eu fosse pontual, sem preocupações, à hora marcada...;
quanto ao descanso, ele providenciaria por conta própria... Era muito vivo
nele o espírito de pobreza.
Uma manhã veio tomar café antes dos outros e, não estando aí o respon-
sável pelo refeitório, eu me dispus a servi-lo. Enquanto lhe preparava
o lugar, distraidamente me caiu no chão um pedacinho de pão: imedia-
tamente ele me chamou antenção, e quando o recolhi, pediu-me para o
desse a ele. Eu hesitava, mas ele insistiu, dizendo-me que comia de bom
grado os pedacinhos, porque lhe poupavam um pouco de fadiga; e com um
belo sorriso, acrescentou: “Além disso, nós somos pobres e não devemos
desprezar nada”. Essas últimas palavras me convenceram: uma conferência
12 Garneri 68.

4.7 Page 37

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Prefeito em Valdocco e Diretor em Gênova (1868-1881) 35
espiritual não me teria feito maior impressão; nunca mais esqueci aquela
pequena lição”.13)
Uma das principais preocupações do jovem Diretor era o cuidado das
vocações religiosas e eclesiásticas. Durante os anos do seu governo, saíram
da casa de Sampierdarena numerosos sacerdotes diocesanos e muitos
ótimos Salesiano, eficazmente plasmados pela sua direção espiritual.
13 Garneri 69.

4.8 Page 38

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36 Capítulo 2

4.9 Page 39

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37
Capítulo 3
INSPETOR DAS CASAS SALESIANAS
DA FRANÇA (1881-1892)
P. Paulo Albera Diretor da obra de Marselha
e inspetor das casas salesianas da França e da Bélgica
(1881-1892)
1881-1884
No outono de 1881 Dom Bosco o destinou a dirigir as instituições sale-
sianas da França. Ele precisava de um homem inteligente, prudente, sufi-
cientemente conhecedor da língua, para expandir a obra salesiana naquela
nação e adaptar o espírito e o método de Valdocco ao caráter francês. No

4.10 Page 40

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38 Capítulo 3
início de outubro o P. Paulo Albera passou ao P. Domingos Belmonte a
direção da casa de Sampierdarena. Depois foi a Turim para encontrar-se
com o Fundador. Ele esperava que lhe fosse poupada aquela obediência,
para a qual não se considerava apto. “Como? Você ainda não foi a Marselha?
– disse-lhe Dom Bosco. – Vá imediatamente!”. Fazia um ano que o santo
projetava aquela transferência, sabendo que deveria prevenir a oposição
de uma grande benfeitora de Gênova e de outras pessoas afeiçoadas ao
Diretor de Sampierdarena. Preparou-as à distância, com grande tato.
Avisou também o P. Albera para que dispusesse as coisas de modo a poder
deixar a obra sem inconvenientes.
Ouvida a ordem de Dom Bosco, o P. Albera voltou imediatamente
para Gênova. Apresentou o novo Diretor aos benfeitores, especialmente às
principais cooperadoras reunidas na Vila Fanny Ghiglini. Depois partiu.
Naqueles dez anos conquistara a estima e o afeto do clero genovês, da Cúri
e do Arcebispo. O Vigário Geral, na despedida, abraçou-o em lágrimas:
“Perco um amigo!”. Também o P. Albera sentiu a dor da separação, mas
fez com grande generosidade o sacrifício que lhe estava sendo solicitado.1)
Tinha trinta e seis anos quando chegou a Marselha na segunda metade
de outubro de 1881. As quatro casas salesianas da França – o Patronato
São Pedro de Nice, o Oratório de São Leão de Marselha, o Orfanato Santo
Isidoro de Saint-Cyr-sur-Mer e o Orfanato São José de La Navarre – tinham
sido separadas da inspetoria lígure para constituir uma circunscrição
independente, sob a direção do P. Albera, nomeado inspetor. Os irmãos
confiados a ele, quarenta e três professos e dezesseis noviços, estavam a
esperá-lo confiantes. O P. José Bologna, Diretor de Marselha, escreveu a
Dom Bosco para agradecer-lhe: “A experiência do P. Albera, sua bondade
e sua virtude fazem-nos suspirar pelo momento em que poderemos tê-lo
conosco”.
Não era um momento feliz para as comunidades religiosas francesas.
No ano anterior o governo francês tinha decretado a expulsão das Congre-
gações não autorizadas. Até o fim de 1880 foram suprimidos 260 conventos
e expulsos 5.643 religiosos. Os Salesianos tinham-se estabelecido na
França sem uma autorização governamental oficial. Dom Bosco afirmava
que a Sociedade Salesiana era uma simples sociedade de beneficência, cujos
membros gozavam de todos os direitos civis. Ao mesmo tempo, garantiu
para os seus a proteção de Maria Auxiliadora: “Não tenham medo. Tereis
aborrecimentos, amolações e incômodos, mas não vos expulsarão! Vi
1 MB XV 455-456.

5 Pages 41-50

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5.1 Page 41

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Inspetor das casas salesianas da França (1881-1892) 39
em sonho que Nossa Senhora estendia o seu manto sobre as nossas casas
da França...”. Os jornais anticlericais de Marselha tinham lançado uma
aguerrida campanha contra os Salesianos, mas quando o P. Albera chegou
à sua sede as águas se acalmaram.
Por dois anos esteve ao lado do P. Bologna na direção da casa, até quando
este foi enviado a guiar a nova obra de Lille. Então assumiu plenamente as
suas funções de inspetor e Diretor, retomando o estilo de vida que tivera
em Sampierdarena. Multiplicou os esforços para reproduzir no Oratório de
São Leão o clima que tinha vivenciado em Valdocco na sua adolescência.
Conseguiu. Soube fazer crescer nos jovens a virtude e a piedade. Os frutos
apareceram nas muitas vocações florescidas naquela casa durante a sua
permanência. Um Salesiano francês escreveu: “Talvez nunca mais houve
tantas vocações como nos tempos do P. Albera: os ex-alunos que mais se
distinguiram por piedade e solidez de vida cristã foram os seus”.
Outro irmão, que era aluno em Marselha quando o P. Albera chegou,
refere: “Fiquei muito edificado com o comportamento modesto e humilde
do nosso superior, com seu constante sorriso que encorajava e seus modos
suaves, amáveis, que atraíam. Não havia recreio em que ele não estivesse
conosco: também quando nos encontrávamos em outros ambientes ele
vinha visitar-nos, especialmente no refeitório e na capela. Falava pouco,
mas bastava sua presença para tornar-nos respeitosos. O P. Albera foi o
meu confessor durante todo o tempo em que estive no Oratório: ele me
fez progredir na vida religiosa e sacerdotal, mediante bons conselhos e
paternos encorajamentos, ajudando-me a superar as inevitáveis dificul-
dades. Os membros da Companhia de São Luís e do Santíssimo Sacra-
mento viram-no participar com frequência de suas reuniões semanais,
e sua palavra foi para eles motivo de grande incitamento à piedade e à
virtude”.2)
Ele não fez mais do que aplicar “as santas indústrias” recomendadas
por Dom Bosco nas Lembranças confidenciais aos Diretores: conhecer os
jovens e dar-se a conhecer a eles, ficando com eles todo o tempo possível;
de tanto em tanto sussurrar alguma palavra afetuosa ao ouvido; conquistar
os corações com a bondade e os modos gentis...
Era um homem de grande piedade; propagou a devoção ao Sagrado
Coração, que ele muito apreciava. O P. Albera gostava de meditar os
autores espirituais franceses, particularmente as obras de São Francisco de
Sales. Seus dotes, a bondade e o zelo, seu amor à juventude e a santidade
2 Garneri 80-81.

5.2 Page 42

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40 Capítulo 3
de sua vida brilharam de tal modo aos olhos dos marselheses que logo
começaram a chamá-lo de le petit don Bosco (o pequeno Don Bosco),
como sendo autêntica expressão da sua imagem.
Mostrou ser um excelente superior. Os dotes organizativos, o agir
ordenado e inteligente, o cuidado das relações produziu efeitos surpree-
dentes. Nos anos do seu inspetorado, as casas salesianas na França, de
quatro passaram a treze, apesar do clima de desconfiança e de perseguição
contra os religiosos.
No dia 7 de janeiro de 1882 o Fundador lhe escreveu: “Espero estar com
vocês para a festa de São Francisco de Sales, para que este nosso protetor
quebre os chifres a um exército de diabos que não nos deixam em paz”.3)
Manteve a palavera. A presença do santo em Marselha tornou possível
adquirir dois edifícios adjacentes ao Oratório, que mostraram ser preciosos
para a ampliação da obra. Dom Bosco permaneceu ali até o dia 20 de
fevereiro. O P. Albera não o abandonou um instante. Junto do Fundador,
ele procurava ficar em segundo plano para não obscurecer sua presença,
embora seguindo-o e estando sempre com ele em numerosas reuniões.
No dia 24 de fevereiro o P. Albera enviou ao Cardeal Lourenço Nina
um relatório impressionante a respeito de todos os prodígios de que ele
tinha sido testemunha ao acompanhar Dom Bosco, especialmetne as
muitas curas operadas mediante a bênção de Maria Auxiliadora. Naquela
oportunidade experimentou também a generosidade da Providência, pois
as ofertas para a casa de Marselha ultrapassaram os quarenta e dois mil
francos. A esta grande liberalidade ele respondeu aumentando a acolhida
gratuita dos jovens mais pobres e reduzindo o valor da pensão.
A senhora Eudóxia Olive, benfeitora da obra salesiana de Marselha,
pediu a Dom Bosco um conselho quanto à escolha de um Diretor Espi-
ritual. O santo se recolheu um momento, depois respondeu: “Tome como
Diretor o P. Albera: é um homem que na direção das almas faz milagres!”.4)
Essa lisonjeira apreciação é confirmada pela correspondência com as não
poucas pessoas que o tinham como seu guia espiritual. Sabia acompa-
nhá-las com prudência iluminada, discrição, mão segura e, se necessário,
também com energia e firmeza.
No ano seguinte, Dom Bosco voltou à França. No dia 29 de março de
1883, na capela da casa de Marselha, benzeu a estátua de Maria Auxi-
liadora do escultor Gallard. Depois fez uma conferência aos cooperadores
3 MB XV 476.
4 MB XV 490-491.

5.3 Page 43

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Inspecteur des maisons salésiennes de France (1881-1892) 41
da cidade, recomendando a obra dirigida pelo P. Albera, em dificuldades
por causa da dívida contraída para a construção do novo edifício destinado
a acolher outros cem jovens pobres. Em seguida foi a Lião e Paris, onde
permaneceu de 18 de abril até 25 de maio. Foi uma viagem triunfal. Diante
da estátua abençoada por Dom Bosco, o P. Albera fazia todos os dias uma
breve, mas apaixonada locução que aquecia o coração dos jovens. Em
junho, no mês do Sagrado Coração de Jesus, pregou com tal fervor que
uma cooperadora, conquistada por suas reflexões, doou ao Instituto uma
imagem do Sagrado Coração. No dia 22 de julho, o P. Albera benzeu-a
solenemente, fazendo uma instrução sobre a essência e a importância de
tal devoção.
Em setembro de 1883 participou do terceiro Capítulo Geral celebrado
em Turim-Valsalice. Foi membro de duas comissões: da terceira, encar-
regada de preparar o Regulamento para as Paróquias dirigidas pelos Sale-
sianos, e da quinta que estudava “a orientação a ser dada aos operários
nas casas salesianas, e os meios para cultivar a vocação nos jovens apren-
dizes”. Quando se discutiu o artigo relativo à casa do noviciado, apresentou
“as dificuldades de os aspirantes franceses fazerem o noviciado na Itália,
por causa da língua, da respectiva instrução e especialmente da antipatia
nacional”. Dessa forma chegou-se à decisão de abrir na França dois novi-
ciados, um para os Salesianos, outro para as Filhas de Maria Auxiliadora.
O noviciado dos Salesianos foi inaugurado no dia 8 de dezembro daquele
ano, em Sainte-Marguerite, não longe de Marselha, numa propriedade
orferecida por uma benfeitora de Paris.
Por causa da fama conquistada por Dom Bosco na França e na Bélgica,
favorecida pela ação incansável e zelosa do P. Albera e pelos bons resultados
educativos obtidos nas obras salesianas, a opinião pública católica consi-
derou a jovem Congregação como um instumento providencial, oferecido
à Igreja num momento histórico problemático. Assim, as propostas de
fundações se multiplicaram. Em janeiro de 1884 o P. Albera assumiu o
orfanato de Lille, antes administrado pelas Filhas da Caridade, e o confiou
à direção do P. Bologna, relançando a nstituição como escola profissional.
No mês de dezembro seguinte assumiu o Patronato São Pedro de Ménil-
montant, bairro popular de Paris, que Dom Bosco quis que se chamasse
Oratoire Salésien de Saint-Pierre et de Saint-Paulo.
No início de 1884 faleceu sua querida mamãe. Paulo Albera só chegou
a None para participar do funeral. Não pôde ficar muito tempo com os
familiares, porque naqueles dias se inaugurava a obra de Lille.
Também naquele ano, apesar das dificuldades de saúde, Dom Bosco

5.4 Page 44

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42 Capítulo 3
quis visitar a França. Chegou a Nice no dia 5 de março. Do dia 15 ao dia
25 ficou em Marselha. O P. Albera procurou garantir-lhe momentos de
repouso. Organizou também uma consulta com o doutor Paul-Matthieu
Combal, da Universidade de Montepellier, que examinou o santo, notando
nele um grave desgaste físico. O P. Barberis, companheiro de viagem
de Dom Bosco, dá este testemunho: “Nessa oportunidade, vi de forma
muito especial quanto o P. Albera amava Dom Bosco: quantas gentilezas
e atenções usou para com o querido Pai! Ele levou Dom Bosco a visitar
diversas famílias, que nos detiveram para o almoço; nessas ocasiões, o P.
Albera sabia manter maravilhosamene a conversa, com brio e gentileza”.
Em junho de 1884, Marselha foi vítima do cólera-morbo. Ele avisou
imediatamente Dom Bosco, que prometeu orações especiais para os Sale-
sianos e os seus alunos. Garantiu a incolumindade de todos os que usassem
a medalha de Maria Auxiliadora, repetissem a jaculatória Maria Auxilium
Christianorum ora pro nobis e frequentassem os santos Sacramentos. Mais
tarde, o P. Alberta referiu aos membros de sua comunidade as palavras do
santo, e ninguém na casa foi afetado pelo cólera-morbo. Depois escreveu
ao amado Pai para informá-lo do recrudescimento do cólera-morbo, da
fuga de Marselha de mais de cem mil pessoas e do número dos mortos na
cidade: de noventa a cem por dia.
Acrescentou: “No nosso Oratório, graças à proteção de Maria Auxi-
liadora que o senhor nos prometeu, e graças às precauções que tomamos
em tempo para evitar o contágio, não tivemos nenhum caso. Digo mais:
quatro vezes nos aconteceu ver em algum jovem todos os sintomas do
cólera-morbo, mas, para nosso conforto, esses sintomas desapareceram
completamente em questão de horas... É um milagre de Nossa Senhora.
Em casa temos mais de cento e cinquenta jovens, que não ficarão aqui
porque são da própria cidade de Marselha ou porque seus parentes não
podem assumi-los. Também entre os que voltaram para as próprias casas a
situação de saúde é ótima e até agora nenhum foi vítima do cólera... Outra
notícia confortadora; nenhum dos nossos benfeitores e amigos até agora
ficou doente”.5)
Em setembro a epidemia se exauriu, deixando muitos órfãos sem
nenhum apoio. O P. Albera acolheu um bom número deles. A fim de provi-
denciar seu sustento, lançou um apelo aos cooperadores franceses, que
vieram generosamente em sua ajuda. No dia 3 de dezembro Dom Bosco
falou ao P. Viglietti a respeito dos problemas econômicos do inspetor da
5 Bulletin Salésien 1884, 91.

5.5 Page 45

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Inspetor das casas salesianas da França (1881-1892) 43
França: “Como é grande a Providência! O P. Albera me escreveu que não
podia mais ir adiante e precisava imediatamente de 1.000 francos; uma
senhora de Marselha, que muito desejava rever um seu irmão religioso em
Paris, contente por ter obtido essa graça de Nossa Senhora, no mesmo dia
levou a ele os 1.000 francos de que precisava”.6)
1885-1888
No dia 28 de fevereiro de 1885 alguns jornais franceses anunciaram a
morte de Dom Bosco. Era uma notícia falsa, no entanto suscitou grande
desconforto. O P. Albera a desmentiu prontamente numa reunião das
benfeitoras e anunciou o desejo do Fundador de visitar Marselha por
ocasião da Páscoa. Todavia, a voz da morte do Pai querido foi um duro
golpe para a sua saúde frágil. “Nesta manhã – escreveu no dia 3 de março o
P. João Batista Grosso a uma benfeitora – o P. Albera sofreu muito ao rezar
a Missa. Quase não pode falar, por causa de problemas na garganta, e esta
noite não dormiu. Não está acamado, porque, deitado, a dor nos rins, da
qual sofre há muito tempo, causa maior sofrimento ainda”.
Dom Bosco manteve a palavra. Chegou a Marselha no dia 3 de abril,
dois dias antes da Páscoa, e isso foi motivo de grande festa para todos.
Durante aqueles dias o P. Albera não o abandonou um instante. Na quar-
ta-feira, dia 8, acompanhou-o ao almoço na casa da família Olive. Depois
da refeição, os cinco filhos e as quatro filhas, conversaram individualmente
com o santo para discernir quanto à própria vocação. Ele ficou edificado
com a qualidade espiritual daqueles jovens. Três deles se tornarão sacer-
dotes e duas, Filhas de Maria Auxiliadora. Na sexta-feira, dia 10, visitou os
noviços de Sainte-Marguerite.
No Domingo, dia 12, o P. Albera organizou um almoço em honra de
Dom Bosco para os benfeitores da casa salesiana. No discurso de ocasião,
o senhor Bergasse elogiou o alunos do Instituto: “Estes queridos jovens são
amados e admirados por todos... Basta ouvir como cantam, basta vê-los
na igreja, respeitosos, modestos, disciplinados, para que se diga: Eis os
filhos de Dom Bosco!”. Era um elogio indireto ao seu Diretor, tão solícito
na educação dos jovens e tão apto para formá-los à piedade, ao amor da
liturgia, ao canto gregoriano.
O P. Grosso, maestro de música da casa e Fundador da Schola cantorum
6 MB XVI 389.

5.6 Page 46

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44 Capítulo 3
do Instituto, escreveu a respeito do P. Albera: “Um dos sinais do seu espírito
de piedade era o grande empenho que tinha para promover o decoro das
celebrações sagradas; ficava feliz quando, cuidadosamente preparadas,
resultavam solenes e devotas. Nas solenidades, assistia de bom grado às
celebrações na Paróquia de São José, na qual os jovens do Oratório de São
Leão em Marselha prestavam serviço para o canto e as sagradas cerimônias;
era generoso no encorajar e louvar os alunos e os mestres. Mostrava todo
o seu entusiasmo e a sua satisfação ao ouvir as melodias gregorianas, que
precisamente naqueles anos, por obra do beneditino Dom José Pothier e
do seus monges de Solesmes, eram restabelecidas na sua antiga pureza e
expressão”.7)
Na manhã do dia 20 de abril Dom Bosco partiu para Turim. O P. Albera
não pôde reter as lágrimas. Nos primeiros dias de julho o Oratório de São
Leão foi atingido pela epidemia da varíola. Dom Bosco assegurou a todos
a sua oração, e os trinta jovens doentes se curaram. Depois voltou o cóle-
ra-morbo. O P. Albera escreveu ao P. Bonetti: “Não aguento mais... Não
me sinto de continuar até setembro desse jeito... Mas seja feita a vontade
de Deus”. À preocupação pela saúde dos alunos somavam-se os problemas
econômicos, sempre prementes. Dado que a maioria dos jovens era de
órfãos, sua manutenção pesava sobre os ombros do Diretor, constante-
mente em busca de ajuda.
Na meade de março de 1886, apesar da fraqueza física, Dom Bosco se
pôs novamente em viagem à França, em pequenas etapas. Parou nas casas
da Ligúria. No dia 20 estava em Nice. Segunda-feira, dia 29, foi para Toulon.
Chegou a Marselha no dia 31 de março. Os jovens o acolheram com uma
grandiosa academia e lhe ofereceram mil francos para a igreja do Sagrado
Coração em Roma, fruto de suas economias. Era uma ideia do P. Albera.
No dia 7 de abril, o santo continuou viagem para a Espanha, onde recebeu
solenes acolhidas. No dia 8 de maio, voltou a Montpellier e dali enviou ao
P. Albera uma oferta de doze mil liras para as necessidades da inspetoria.
No dia 16 de maio retornou a Turim. Foi sua última viagem à França.
Cada visita de Dom Bosco suscitava entusiasmo e estimulava o zelo dos
seus filhos. Naquele ano o P. Albera inaugurou as oficinas de marcenaria,
alfaiataria e sapataria na casa de Paris, depois benzeu os novos edifícios
e as oficinas de Lille. Em agosto, em Marselha, convidou autoridades,
amigos e benfeitores para a exposição dos trabalhos dos alunos aprendizes
e a distribuição dos prêmios. Depois partiu para Turim, onde se celebrou
7 Garneri 91.

5.7 Page 47

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Inspetor das casas salesianas da França (1881-1892) 45
o quarto Capítulo Geral. Temos um seu testemunho do método seguido
nas discussões capitulares: “Cada qual expunha com calma e gentileza o
próprio modo de ver; terminada a discussão, esperava-se que Dom Bosco
solucionasse as dificuldades, decidisse as questões e com segurança e
precisão indicasse o caminho a seguir. Essas assembleias eram como
escolas nas quais o venerado Mestre, sentindo próximo o dia em que
deveria deixar seus queridos discípulos, parecia que quisesse condensar em
poucas palavras seus ensinamentos e toda a sua longa experiência”.8)
Em 1887, Dom Bosco, que não podia mais viajar, quis assim mesmo
encontrar-se periodicamente com o P. Albera, convocando-o a Turim cada
dois meses. Na última parte do ano, ele esteve em contínua apreensão pelo
estado de saúde do querido Pai. Quando no final da visita de novembro
se despediu dele, viu-o chorar e lamentar-se porque não tinha forças para
dizer-lhe tantas coisas que teria gostado de comunicar. Foi uma separação
dolorosa para ambos. No dia 5 de dezembro, o santo celebrou a sua última
Missa e no dia 21 pôs-se de cama definitivamente. O P. Albera foi visitá-lo
no dia 28 de dezembro. Retornou no dia 12 de janeiro. Escreveu à senhora
Olive: “Tenho a felicidade de ver o nosso venerado Dom Bosco. Que conso-
lação e que pena ao mesmo tempo! Está extremamente fraco: quase não
pode alimentar-se e descansa muito pouco. É preciso rezar por ele; estamos
bem longe de constatar os sintomas de uma desejada cura”.
Depois narrou o que ocorrera entre eles naquele último encontro: “Depois
de ter-lhe manifestado o sofrimento de todos os filhos de Marselha pela
sua doença, falei-lhe dos nossos queridos benfeitores e cooperadores. Citei
o nome de diversas famílias muito afeiçoadas à sua obra e, entre outras,
também o nome da família Olive. Não podia deixá-lo ignorar quanto
se tinha rezado por ele e como alguém teria querido oferecer a própria
vida para obter a sua cura. O venerado Pai olhou-me sorrindo, e depois
de alguns instantes de silêncio, dominando com dificuldades a comoção,
respondeu-me: “Sei que em Marselha se quer muito bem a Dom Bosco e
que se reza por mim; quando a família Olive é boa para comigo! Mas...
mas”. Essas reticências e o movimento da cabeça com que as acompanhou
fizeram-me compreender que para a sua cura não havia mais esperança”.
Não teve a consolação de encontrar-se em Valdocco no dia 31 de janeiro
de 1888 quando o santo expirou. Dom Bosco teria gostado de tê-lo perto.
Na noite do dia 28 sussurrou diversas fezes: “Paulinho!... Paulinho, onde
você está... porque não vem?”. O P. Grosso, Vice-Diretor de Marselha,
8 Lasagna 214.

5.8 Page 48

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46 Capítulo 3
escreveu: “A última vez que o P. Albera viu Dom Bosco ficou extremamente
emocionado: não conseguia decidir-se a voltar para a França, temendo não
poder mais revê-lo: e também Dom Bosco compreendia o que sofria inte-
riormente o P. Albera e não tinha coragem de impor-lhe esse sacrifício.
Interveio para uma decisão um antigo companheiro e amigo – o P. Cerruti
– que garantiu ao P. Albera que o avisaria telegraficamente em caso de
perigo. Ele, confiando nessa promessa, partiu; mas quando no dia 31 de
janeiro recebeu, sem pré-aviso, a notícia da morte, não conseguia mais ter
paz”. Chegou a Turim apenas em tempo para ver o corpo do santo e parti-
cipar dos funerais no dia 2 de fevereiro. Desconsolado, voltou logo para
Marselha, para a comemoração que ocorreu no dia 8, na Paróquia de São
José, com a participação do Bispo, dos cônegos da catedral, do colégio dos
Párocos e dos representantes das ordens religiosas.
A morte de Dom Bosco não freou o desenvolvimento da obra salesiana
na França, que se tornou mais florescente pelo impulso do P. Albera. Nos
primeiros meses de 1888 ele promoveu uma série de iniciativas que tiveram
fecundas consequências pastorais. O P. Luís Mendre, Pároco de um subúrbio
operário de Marselha, onde viviam muitos imigrantes italianos, pediu-lhe
para enviar aos os Domingos um sacerdote que cuidasse deles. Imedia-
tamente ele mandou um irmão a pregar e confessar em italiano; muitas
vezes ele foi pessoalmente, apesar da saúde precária. Aceitou também o
ministério pastoral entre os mineiros italianos de Valdonne. Ele mesmo
quis pregar as santas missões aos operários das fábricas de Mondredon
no tempo pascal. Ia na tarde do sábado e confessava noite adentro. No
Domingo levantava-se antes das quatro da manhã. Punha-se logo no
confessionário. Às cinco horas celebrava a Missa, distribuía a Comunhão e
concluía com uma breve exortação e a bênção eucarística.
Usou de particulares atenções também com os numerosos padres
italianos, emigrados da Itália Meridional para Marselha como padres
auxiliares. Pregou-lhes os exercícios espirituais em italiano e ajudou-os
em circunstâncias delicadas com conselhos e subsídios materiais. Pelo
seu zelo pastoral, pela delicadeza de tato, pela cultura e o fascínio espi-
ritual que exercia foi escolhido como Diretor Espiritual de vários sacer-
dotes franceses, por muitas famílias do laicato católico de Marselha e por
grande parte dos Cooperadores Salesianos. Temos traços desta realidade
na correspondência que conseguiu sobreviver, que revela a robustez das
suas orientações espirituais.
Deve-se à sua atividade também a fundação de novas instituições
salesianas. Em fevereiro de 1888 abriu a escola agrícola de Grevigny na

5.9 Page 49

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Inspetor das casas salesianas da França (1881-1892) 47
Borgonha. Nos meses seguintes encontrou meios para a reconstrução e
modernização das oficinas da casa de Lille, destruídas por um incêndio.
Outras obras foram abertas nos anos seguintes: Le Rossignol em 1889,
Dinan em 1890; quatro casas em 1891: Liège (Bélgica), Oran (Argélia),
Ruitz e Saint-Pierre de Canon.
1889-1892
O P. Albera tornou-se ponto de referência do movimento de cooperação
salesiana na França e na Bélgica. Quando em abril de 1889 foi convocado a
Turim pelo P. Rua para tratar de assuntos urgentes, sua partida de Marselha
causou emoção entre os membros do Comitê das Benfeitoras. Receavam
perdê-lo. Desde Valdocco, ele as tranquilizou: “Não foi questão de transfe-
rência. Não tenham medo. Não há nada a temer a esse respeito”. A secre-
tária do Comitê escreveu na ata da reunião: “A presença e a experiência do
P. Albera são indispensáveis nas dificuldades sempre novas do momento
presente. Enviado por Dom Bosco, ele continua e representa no Oratório
de São Leão sua paternal solicitude e parece que ele, melhor do que outros,
traga para nós sua especial proteção...”.9)
Participou do quinto Capítulo Geral em setembro de 1889. Apresentou
a relação sobre o estado das casas de noviciado e foi membro da comissão
encarregada de redigir o Regulamento das Casas Salesianas. Voltando à
França, cuidou pessoalmente de vários projetos: a reforma das oficinas de
Marselha, a abertura de um novo oratório festivo na cidade, o encaminha-
mento da Obra dos Filhos de Maria para as vocações adultas, a organi-
zação do orfanato agrícola de Le Rossignol.
Quando o P. Miguel Rua, em fevereiro de 1890, empreendeu a primeira
viagem como Reitor-Mor à França, Espanha, Bélgica e Inglaterra, o P.
Albera o acompanhou a La Navarre, a Toulon, a Marselha e ao noviciado.
Em fevereiro de 1891 o P. Rua esteve novamente em Nice; foi quando o
P. Albera aproveitou para propor-lhe a transferência do noviciado para a
antiga abadia beneditina de Saint-Pierre de Canon. A transferência foi feita
no mês seguinte e a casa de Santa Margarida se tornou o noviciado das
Filhas de Maria Auxiliadora.
No fim de abril de 1890 passou por Marselha o abade de Solesmes, Dom
José Poithier, promotor da reforma do canto gregoriano. Esteve na casa
9 Garneri 117.

5.10 Page 50

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48 Capítulo 3
salesiana para dar uma conferência teórico-prática sobre o método inter-
pretativo do canto litúrgico. O inspetor quis que tomassem parte todos
os irmãos, noviços e muitos convidados. O ato teve vasta ressonância. O
Oratório Salesiano era famoso naqueles anos pela qualidade alcançada
pela sua schola cantorum, inspirada precisamente no método de Solesmes
e dirigida pelo P. Grosso, Fundador de uma schola análoga na Paróquia
diocesana de São José, que se tornou um modelo imitado em outras
Paróquias e Dioceses francesas.
No dia 1º de julho de 1891 morreu improvisamente o P. João Bonetti,
Diretor Espiritual da Congregação Salesiana. Era amigo íntimo do P. Albera
desde os tempos da série ginasial. Tinham partilhado os anos mais belos
da sua juventude. Com ele, Albera tinha estado no Pequeno Seminário de
Mirabello entre 1863 e 1868. Sua morte o deixou muito sentido.
No dia 15 de agosto o P. Albera foi a Paris para a colocação da primeira
pedra dos novos edifícios de Ménilmontant, enquanto em Marselha três
Salesianos, todos ex-alunos do Oratório de São Leão, se preparavam para
zarpar a fim de abrir uma nova obra em Oran, na Argélia, a primeira no
continente africano. O P. Albera voltou a Marselha e no dia 22 de agosto
celebrou o envio dos missionários diante de um público numeroso, com
um dircurso sobre a beleza sobrenatural da evangelização.10)
Também o ano de 1892 foi rico de iniciativas promovidas por ele: uma
grande exposição profissional na casa de Nice; a inauguraão de um novo
oratório festivo na mesma cidade, com a presença do P. Rua; a imposição do
véu às primeiras postulantes francesas no noviciado de Santa Margarida.
Em agosto, em Turim, houve o sexto Capítulo Geral. Na noite do dia 29,
o P. Albera foi eleito por unanimidade Diretor Espiritual Geral da Congre-
gação, em substituição ao P. Bonetti. A notícia foi recebida em Marselha
com muita pena. Especialmente a senhora Olive ficou muito sentida porque
perdia seu guia espiritual. O P. Albera escreveu-lhe uma carta que revela a
qualidade do seu ministério de acompanhamento.
“Sei que estais muito aflita por causa da minha nomeação... Sei que
o vosso bom coração é ferido pelo pensamento do meu afastamento de
Marselha. As palavras de conforto certamente não produzem efeito nesta
circunstância... Limito-me somente a dizer-vos, senhora, que o bom Deus
não ficará muito contente se nesta circunstância vos comportardes como
uma jovem que não tem uma piedade bem formada e uma virtude bem
sólida. Vós chegastes a certa idade; sois mãe de numerosa família, que
10 Bulletin Salésien 1891, 180.

6 Pages 51-60

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6.1 Page 51

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Inspetor das casas salesianas da França (1881-1892) 49
com a graça de Deus educastes na piedade e na virtude; sois esposa de um
grande cristão. A vossa situação vos obriga a ter certo grau de virtude. No
caso presente, vós deveis demonstrar a todos esta virtude, submetendo-vos
corajosamente à vontade de Deus. É preciso que a vossa mente vença o
coração; particularmente seria estranho se manifestásseis a outros a vossa
dor.
Quanto ao mais, sofro também eu por dever cedo ou tarde separar-me
de tantas pessoas que a Divina Providência colocou no meu caminho para
ajudar-me a fazer um pouco de bem. O sacrifício, portanto, é recíproco e é
preciso que nós o realizemos de uma forma cristã meritória.
Para a direção da vossa alma, Deus não vos deixará em dificuldades.
Todo bom padre pode dirigir-vos tão bem quanto o pobre P. Albera: é
necessário, portanto, que façais um pouco de violência sobre vós mesma
para pôr em prática o que sempre vos tenho recomendado. Aproximai-vos
com confiança dos Sacramentos e não penseis que o bom Deus exija de vós
disposições impossíveis: eles foram instituídos para os homens, não para os
anjos, que não precisam deles.
Vós tendes necessidade de uma piedade calma e confiante: um abandono
total à vontade do confessor, que vos dirige em nome de Deus. Eu chegarei
logo e poderemos conversar sobre isso com calma, mas desejo de vós uma
coisa, ou seja, encontrar-vos calma e resignada. Rezai todos os dias por
mim: da minha parte asseguro-vos que a distância não modificará em nada
meus pensamentos, sentimentos e particularmente as minhas orações por
vós e por vossa família”.11)
O Comitê das Benfeitoras saudou-o na reunião do dia 14 de outubro,
expressando sua profunda pena por perdê-lo. Ele confortou-as e encorajou
a preparar o iminente cinquentenário da obra salesiana com solenidade.
Participou daquelas festas, depois partiu para Turim. De lá, escreveu uma
carta que nos permite intuir quanto lhe custou abandonar um lugar e uma
comunidade a que se sentia profundamente afeiçoado: “Cheguei a Turim
durante as belas festas do Natal: isso, todavia, não poderá fazer-me esquecer
Marselha: pelo contrário, parece-me que, como das outras vezes, eu só me
encontro aqui de passagem e que de um momento para outro deverei voltar
para Marselha. Doce ilusão, mas a desilusão que se segue, às vezes, é muito
cruel. Aqui vivo de recordações de Marselha; a cada momento, tantas coisas
trazem à minha mente a vossa bondade e a vossa caridade...”.12)
11 Garneri 124-125.
12 Garneri 126.

6.2 Page 52

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50 Capítulo 3
Quando partiu para Turim, quem o acompanhou à estação notou sua
dor e viu-o chorar enquanto saía do Instituto tão amado por ele. No Boletim
Salesiano francês lemos o seguinte balancete de dez anos transcorridos
por ele na França: “O Oratório de São Leão de Marselha teve o seu Dom
Bosco, e é isto que explica os admiráveis progressos de que nós somos afor-
tunadas testemunhas. Amado pelos nossos jovens alunos, venerado pelos
nossos queridos cooperadores, conselheiro iluminado de todos os nossos
irmãos da França, este filho de Dom Bosco foi o motor sobrenatural, graças
ao qual tudo procedeu lentamente sem incertezas (tão grandes foram os
obstáculos e as dificuldades que se sucederam continuamente), mas com
segurança: ou, para dizer com as palavras do Espírito Santo, suave e forte-
mente”.
Eis o segredo do seu sucesso na França: “Foi um homem de ação, parti-
cularmente de ação interior – escreveu o P. Luís Cartier depois da sua morte
–. A formação espiritual e sobrenmatural dos seus irmãos e da juventude
foi sem dúvida sua maior preocupação. Dedicou-se imediatamente ao
estudo dos autores ascéticos e formou-se de acordo com os melhores deles.
Era ávido de conhecer todas as obras ascéticas publicadas pelos melhores
engenhos; não somente lia, mas tomava nota, extraía apontamentos que
lhe serviam utilmente para as conferências mensais aos irmãos e às várias
companhias religiosas.
Nas suas conferências, sólidas e frequentes, ele expunha aos irmãos a
beleza, a grandeza e a dignidade da sua vocação e fortalecia suas palavras
com o exemplo pessoal, encontrando tempo em meio às múltiplas ocupações
para atender escrupulosamente aos deveres da vida religiosa. Guarda
vigilante da disciplina religiosa, visitava frequentemente as diversas casas e
ali fazia reinar o espírito de caridade e de sacrifício do Fundador: a Regra e
o Regulamento eram para ele algo sagrado, mas queria que fossem obser-
vados com amor e com alegria. Conforme o caso, sabia compadecer-se da
fraqueza humana e relevar tantas pequenas fragilidades inevitáveis”.13)
O P. Albera tinha o dom da paternidade espiritual e foi um guia eficaz
no caminho da perfeição. Foi o primeiro a pôr em prática o artigo das
Constituições em que se recomendava durante o dia de retiro mensal
(naquele tempo chamava-se Exercício da boa morte) meia hora de reflexão
sobre o progresso ou a declínio na virtude. Cada quarta-feira visitava os
noviços: ouvia-os, encorajava-os, instruí-os com pregações e conferências,
aconselhava-os. Assim fez também com os irmãos das casas, que nutria
13 L’Adoption, dezembro de 1921.

6.3 Page 53

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Inspetor das casas salesianas da França (1881-1892) 51
espiritualmente e exortava a serem exemplares e zelosos em seus deveres.
Cuidou com amor da formação cristã dos jovens. O P. Barberis confessa:
“Em Marselha ouvi várias vezes a pregação do P. Albera e fiquei edificado
e admirado pela praticidade do que dizia, pelo zelo que demonstrava em
estimular os jovens à virtude... Tinha enorme ascendente sobre os jovens,
fruto não só de sua virtude, mas também da força persuasiva e da dignidade
da sua palavra, que espelhava muito bem o seu caráter calmo e forte ao
mesmo tempo”.
Foi um apaixonado promotor de vocações, como testemunha o P.
Grosso: “Escolhia os melhores entre os estudantes das classes superiores
que prometiam ter bom êxito... Com frequência reunia-os em conferência,
admitia-os aos exercícios espirituais dos irmãos, ajudava-os e aconselhava
paternalmente, como costumava fazer Dom Bosco no Oratório de Turim.
Favoreceu também as vocações para as Filhas de Maria Auxiliadora. As
irmãs que foram para Marselha em 1881, por alguns anos, não tiveram
a facilidade de abrir na sua residência provisória o oratório festivo: o P.
Albera providenciou também essa obra... Preparou uma casa suficiente-
mente espaçosa para as irmãs para que pudessem abrir o oratório festivo
que, tendo florescido bastante, foi um viveiro de vocações religiosas”.
Para sustentar as obras, manter os noviços e tantos órfãos que a Provi-
dência lhe confiava, ele era muito ativo em busca de meios. Punha em
ação todos os recursos da sua criatividade para ampliar a ação caritativa
dos Salesianos. Os cooperadores, fascinados pelas suas qualidades, parti-
cularmente pela afabilidade do sorriso, lhe queriam muito. Desejavam
suas visitas e gostavam de sua conversa agradável, “marcada de certa
austeridade, que, todavia, não era vazia de importância, nem de humor,
conforme a ocasião, mas sempre edificante, porque possuía o segredo de
elevar o ânimo para Deus”, como recorda o P. Cartier.14)
O decênio francês fora fecundo de experiências e de cultura. O contato
com diversos ambientes eclesiais e religiosos, com personalidades da cultura
e da administração tinha enriquecido suas competências. Na qualidade
de inspetor, o P. Paulo Albera tinha desenvolvido uma ação incessante
de promoção da família salesiana e de serviço pastoral: frequentes visitas
às casas, circulares mensais, pregação de exercícios espirituais, colóquios
pessoais e conferências aos cooperadores... De tudo se serviu para formar
os irmãos no espírito Salesiano, aumentando sua fé, incrementando o
empenho educativo e caritativo, para orientá-los ao serviço de Deus e do
14 Garneri 130-131.

6.4 Page 54

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52 Capítulo 3
próximo.
Mediante a direção espiritual dos Salesianos e das irmãs, dos jovens e
de toda categoria de pessoas, tornou-se experiente guia das almas. Empe-
nhou-se particularmente na formação dos noviços e dos jovens sacerdotes,
com o objetivo de plasmá-los como discípulos de Dom Bosco e de conso-
lidar sua vida interior. Provas e dificuldades de todo gênero tinham robus-
tecido a sua piedade pessoal e confiança em Deus. Agora Deus lhe confiava
a delicada missão de dirigir espiritualmente toda a Congregação.

6.5 Page 55

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53
Capítulo 4
DIRETOR ESPIRITUAL
DA CONGREGAÇÃO SALESIANA
P. Paulo Albera (segundo da esquerda na primeira fila)
com os membros do X Capítulo Geral (1904)
1893-1895
Nos primeiros anos do novo cargo sentiu-se um tanto perdido. Por um
período de uns vinte anos, fora sempre muito ativo. Desenvolvera uma
ação direta de animação das pessoas. Agora era obrigado a uma vida prefe-
rivelmente retirada, com pouco ministério pastoral.
As Notas Confidenciais, começadas em fevereiro de 1893, escritas em

6.6 Page 56

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54 Capítulo 4
francês até 1899 e em inglês desde 1903, revelam seus sentimentos e seu
sofrimento. São também um precioso testemunho do incessante trabalho
de aperfeiçoamento de si mesmo. Graças a esse documento espiritual,
podemos segui-lo passo a passo durante os dezoito anos do seu encargo
como Diretor Espiritual da Congregação.1)
O diário começa no dia 17 de fevereiro com a seguinte anotação:
“Hoje começa o mês de São José: proponho-me imitar este grande santo
na união com Deus. Quando será que poderei dizer: mortui estis et vita
vestra abscondita est cum Christo Jesu? [vós morrestes, e a vossa vida
está escondida com Cristo em Deus] (Col 3,3)”. Aguns dias mais tarde,
repreende a si mesmo por “ter passado o dia na dissipação”, por “ter-se
sentido fraco em certas lutas”, por “não ter trabalhado de forma útil”.
Mas acrescenta: “Prometi cumprir verdadeiramente só a vontade
de Deus manifestada por meio dos meus superiores. Os outros, no seu
caminho, não encontram somente rosas... a virtude e a paciência dos
outros devem servir-te de encorajamento”. No dia 27 de fevereiro comenta:
“Faz três meses que parti de Marselha. Ainda não fiz muito progresso para
mim mesmo, e nada, quase nada, para os outros! Na vigília da festa de São
José colhemos uma nota de tristeza: “Eu não posso defender-me de uma
profunda melancolia. Fico pensando no que eu fazia nos outros anos nesse
dia! Como sou miserável!”.2)
Aceitou com alegria o encargo de pregar os exercícios espirituais nas
casas de formação em Foglizzo, Ivrea, Valsalice e San Benigno, embora
estivesse convencido de ter “pouca aptidão” para esse tipo de ministério.
Conserva-se parte dos apontamentos dessas instruções, nas quais as
temáticas clássicas da vida consagrada são reunidas em torno de uma ideia
fundamental: “Tudo e somente por Jesus!”.
Depois de presidir ao serviço fúnebre em sufrágio do príncipe P. Augusto
Czartoryski, no dia 27 de abril escreveu no seu diário: “Meditei bastante
sobre o sacrifício que ele fez para ser Salesiano: e você?... Quais são os seus
sacrifícios por Deus e pela salvação das almas? Pense com frequência na
morte. O príncipe Czartoryski edificou-me muito com a sua simplicidade.
Como ele fazia pouco caso de sua posição, de sua nobreza! Que lição para
o seu orgulho!”. No dia seguinte celebrou a Missa em sufrágio do P. Ângelo
1 ASC B0320101-105, Notes confidentielles prises pour le bien de mon âme, ms
autógrafo P. Albera 1893-1899; B0320106-109, Notes usefull for my soul, ms P. Albera
1902-1910.
2 ASC B0320101, Notes confidentielles…, 17.02.1893.

6.7 Page 57

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Diretor espiritual da Congregação Salesiana 55
Savio, falecido no Equador: “Outra ocasião para refletir sobre mim mesmo.
Meu Deus! A morte se aproxima também para mim. Terei feito um pouco
de bem? Estarei tranquilo naquele momento?”. No dia 29 de abril, assistiu
à bênção do sepulcro dos Salesianos no cemitério de Turim. Escreveu: “Lá
há um lugar preparado para mim!”.
O pensamento da morte ocorre com frequência nos primeiros anos em
Turim, todas as ocasiões lho recordam, talvez pela melancolia que o oprime
ou pelos incômodos de saúde que começam a atormentá-lo. No dia 6 de
maio: “Hoje meditei sobre a morte do mau P.: assustei-me. Meu Deus! Terei
eu a desgraça de encontrar-me tão mal naquele terrível momento? Rezarei
muito ao bom Deus para que me preserve disso. Hoje sinto muita melan-
colia: a causa foi algum pensamento de orgulho que não afastei. Deti-me
tempo demais a pensar em Marselha”.
No fim do mês o P. Rua enviou-o à França. Chegou a Marselha no dia
29 de maio. Visitou o noviciado de Santa Margarida. “Satisfiz um pouco
demais meu coração, senti alegria um pouco além da medida: o afeto a
essa casa deve tornar-se mais puro”. Falou às irmãs sobre a importância
da meditação: é mais útil, disse, a meditação quotidiana do que a própria
comunhão: de fato, esta pode ser feita até em estado de pecado, “ao passo
que não se encontra uma alma que faz bem a sua meditação e possa viver
em pecado mortal”.3) Depois pregou os exercícios espirituais aos noviços e
visitou as diversas casas salesianas daquela nação.
Em julho retirou-se para Rivalta, perto de Turim, para redigir o texto
das Deliberações do último Capítulo Geral e escrever uma circular sobre
os exercícios espirituais. Naqueles dias tinha começado a ler as Meditações
para exercícios espirituais para o clero do P. Cafasso, publicadas pelo
cônego José Allamano. Sentiu-se profundamente envolvido. Escreveu no
seu diário que o tinham convencido da necessidade de dedicar-se exclu-
sivamente ao serviço de Deus. Entre agosto e setembro pregou os exer-
cícios espirituais aos Salesianos sacerdotes, aos ordenandos e aos irmãos
franceses. No dia 12 de outubro acompanhou o P. Rua e Dom Cagliero a
Londres para a consagração da igreja de Battersea, dedicada ao Sagrado
Coração. Naquela ocasião anotou no diário a “necessidade de aprender
inglês”.
Na viagem de volta visitou as casas da Bélgica e presidiu os exercícios
espirituais dos irmãos daquela nação. Costumava fazer a introdução com
uma instrução sobre a importância dos exercícios espirituais: “Neles reco-
3 ASC B0320101, Notes confidentielles…, 29.05.1893.

6.8 Page 58

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56 Capítulo 4
lhemos nosso espírito, entramos nas profundezas do coração, perscrutamos
todos os seus recantos, e com a graça de Deus saímos renovados de mente
e de coração. Verdade é que nós passamos o ano todo ocupados com as
coisas de Deus...; verdade é também que são prescritas práticas especiais de
piedade, a oração é o nosso alimento quotidiano... Sim, o ano inteiro traba-
lhamos para Deus, acumulamos tesouros de méritos, mas, pobre de mim!
Somos homens e basta isso para sermos frágeis. Com o tempo, o nosso
fervor diminui, definha e quase por inclinação da natureza cede à tibieza”.
Sugeria as disposições indispensáveis de ânimo: vontade resoluta de fazer
bem os exercícios; grande recolhimento, junto com o silêncio; exata obser-
vância do horário; absoluta confiança em Deus; coragem e generosidade.4)
Na noite de 31 de dezembro de 1893 redigiu um balancete espiritual do
ano que terminava, sublinhando os aspectos que queria corrigir: “Último
dia do ano. Refleti um pouco sobre o meu passado. Fui pouco fiel à minha
vocação. Eis um ano que eu deveria ter empregado melhor. Todas as minhas
ocupações deviam levar-me à piedade, à união com Jesus Cristo. Tudo o que
vi neste ano, particularmente no P. Rua, devia edificar-me e encorajar-me
a fazer o bem. Aqui tenho menos preocupação com questões materiais,
que antes absorviam toda a energia do meu espírito: portanto, eu deveria
ter feito muito mais progresso pessoal, combater mais as minhas paixões,
aprofundar-me mais na espiritualidade. Por que não o fiz? Também com o
meu cargo não estou contente: tenho muito medo do sofrimento, ainda não
consegui vencer totalmente a minha excessiva timidez. Quanta tendência
ao desânimo, por considerar sempre mal feito tudo o que eu faço, e (coisa
inaudita!), com tão grande orgulho!... Vejo que também o meu coração não
está ainda verdadeiramente livre, não é igual em suas afeições; ainda tenho
muitas simpatias e antipatias. Miserere mei, Deus… Não estou contente
comigo mesmo”.5)
Teve uma gripe muito forte nos primeiros dias de 1894. Carregará as
consequências por um ano inteiro: fraqueza, incômodos físicos, melan-
colia. Apesar disso, levou a termo os encargos que lhe foram confiados
pelo P. Rua entre abril e junho: a visita das casas e a pregações dos exer-
cícios espirituais na França, na Argélia e na Sicília. Voltou a Turim com a
saúde comprometida e com incômodos de estômago. Em setembro pregou
os exercícios aos ordenandos.
4 ASC B0480111, Tudo por Jesus; Instruções para os Exercícios Espirituais, ms aut. P.
Albera, 4-6.
5 ASC B0320101, Notes confidentielles…, 31.12.1893.

6.9 Page 59

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Diretor espiritual da Congregação Salesiana 57
Em fevereiro de 1895 acompanhou o P. Rua à Terra Santa. Foi uma
viagem com muitos compromissos, mas que espiritualmente encheu sua
alma. Desembarcaram em Alexandria do Egito no dia 24 de fevereiro e
foram hóspedes dos jesuítas. No dia 27 zarparam para Jafa. Acolheu-os o P.
Carlos Gatti, que mais tarde testemunhará: “Pela primeira conversa com o
P. Albera compreendi que estava na presença de um superior que me falava
candidamente e que benignamente ouvia minhas conversas e as expressões
um pouco fortes ditadas pela minha (talvez demasiada) sensibilidade. Por
isso, pus nele toda a minha confiança e comecei a escrever-lhe em seguida
com liberdade e sem nenhum temor, porque estava certo de que ele se
teria servido do que lhe escrevia somente para meu bem. Quantas vezes a
confiança no P. Albera e sua bondade foram meu conforto, minha salvação!
P. Albera possuía a intuição que falta a quem nunca esteve no exterior por
algum tempo: compreendia a razão pela qual eu me dedicara ao estudo
das línguas e não me repreendia por isso, pelo contrário ,me encorajava a
servir-me delas para fazer o bem”.6)
Nas semanas seguintes visitaram os lugares santos e as obras fundadas
pelo cônego Antônio Belloni, confiadas à Congregação Salesiana: Belém,
Jerusalém, Cremisan e Beitgemal. O P. Albera teve a alegria de poder
celebrar no Santo Sepulcro, depois de ajudar a Missa do P. Rua. Durante a
peregrinação, escreveu muitas cartas que testemunham a emoção de poder
rezar e meditar o Evangelho nos lugares da vida de Jersus.
No termo da viagem, no fim de março, parou na França para os exer-
cícios espirituais dos noviços. No dia 23 de maio, em Turim, assistiu à
consagração episcopal de Dom Tiago Costamagna, eleito Vigário Apos-
tólico de Mendez y Gualaquiza no Equador. “Acompanhei com gosto as
cerimônias, refleti e me senti humilhado, comparando-me com ele, tão
digno e tão humilde ao mesmo tempo”.7) Depois voltou à França: pregou os
exercícios espirituais às noviças e visitou os irmãos de Marselha e Nice. No
fim de agosto estava em Turim para os exercícios dos ordenandos.
Em setembro de 1895 participou do sétimo Capítulo Geral. Presidiu a
comissão encarregada de estudar como tornar a instrução religiosa nas
escolas salesianas “mais correspondente às necessidades particulares dos
nossos tempos e aos deveres atuais de um jovem católico”. Sua experiência
e a inteligente intuição dos problemas que deveriam enfrentar as novas
gerações permitiram-lhe sugerir algumas normas que permaneceram em
6 Garneri 148.
7 ASC B0320101, Notes confidentielles…, 23.05.1895.

6.10 Page 60

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58 Capítulo 4
vigor por vinte anos.
Depois do Capítulo Geral dirigiu os exercícios espirituais em San
Benigno Canavese, em seguida pregou aos noviços franceses. Voltou a
Turim na metade de outubro num estado de saúde sempre mais frágil:
noites insones e opressão nas horas da tarde. No dia 7 de novembro chegou
a notícia da morte trágica de Dom Luís Lasagna, perecido num acidente
ferroviário no Brasil. Fora seu aluno em Mirabello e era-lhe profundamente
afeiçoado. Ficou desnorteado: “No começo não queria acreditar. Aquele
intrépido missionário, que com passos de gigante percorria a América,
semeando Institutos e obras de religião e de civilização; aquele missionário
que nunca dizia basta!; cuja mente sonhava outros planos maravilhosos
para conquistar almas para Deus, para salvar a juventude pobre e aban-
donada; aquele Bispo, em cujo apostolado o próprio Ancião do Vaticano
tinha posto nele tantas belas esperanças; aquele apóstolo que se encontrava
na plenitude de suas forças e da sua operosidade parecia que não deveria,
que não poderia morrer. Mas no fim foi forçoso reconhecer a realidade
da imensa tragédia”.8) No dia 4 de dezembro, durante a função fúnebre
na igreja de Maria Auxiliadora, o P. Albera fez uma comemoração que foi
muito apreciada. O P. Rua encarregou-o de recolher a documentação para
escrever uma biografia.
Em dezembro de 1895 dirigiu os exercícios espirituais dos ordenandos
e anotou no seu diário: “Estou ainda longe de ser um bom Diretor de
exercícios. Quero trabalhar melhor para tornar-me apto para uma tarefa
tão importante”.9) Sentia-se sempre inadequado, mas à distância de trinta
anos, um dos participantes deixará o seguinte testemunho: “Nos exer-
cícios de preparação para a ordenação sacerdotal, feitos em Avigliana em
1895 (éramos sete ou oito ordenandos), além do zelo em pregar sozinho o
longo turno de exercícios, admiramos também a amorosa familiaridade
e a simpatia com que o P. Albera se entreteve conosco naqueles dez dias,
fazendo o que fazia Dom Bosco nos primeiros anos do Oratório com os
seus primeiros clérigos. Com pena e admiração éramos testemunhas da
sua serena desenvoltura com que dissimulava os incômodos do frio, da
alimentação e do cansaço, ao passo que era atentíssimo a fim de que nada
viesse a nos faltar”.10)
No balancete pessoal traçado no dia 31 de dezembro o P. Albera escreveu:
8 Lasagna 8.
9 ASC B0320101, Notes confidentielles…, 8.12.1895.
10 Garneri 152.

7 Pages 61-70

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7.1 Page 61

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Diretor espiritual da Congregação Salesiana 59
“O ano de 1895 desemboca na eternidade. Para mim foi rico de alegrias e
dores. Pude rever a casa de Marselha, onde deixei grande parte do meu
coração. De lá fui à Terra Santa e me edifiquei com a companhia do P. Rua.
Que piedade, que espírito de sacrifício e de mortificação! Que zelo pela
salvação das almas; e particularmente, que igualdade de humor! Vi Belém,
Jerusalém, Nazaré; que doces recordações! Pude tomar parte no Congresso
de Bolonha. Conservo dele uma redordação inesquecível...
Pude pregar os exercícios às irmãs na França. Isso fez bem à minha
alma. Pude ocupar-me com os ordenandos e fiquei bem mais satisfeito do
que nos anos anteriores. Mas também o ano de 1895 termina sem que eu
me tenha corrigido dos defeitos mais graves. O meu orgulho encontra-se
ainda no grau mais elevado. Meu caráter é sempre difícil, também com o
P. Rua. Minha piedade é sempre superficial e não exerce grande influxo no
comportamento, nas minhas ações, que são ainda todas humanas e pouco
dignas de um religioso. Minha caridade é caprichosa e repleta de parcia-
lidade. Não sou mortificado nos olhos, no gosto, nas palavras...
As enfermidades aumentaram bastante: não é uma ideia, é a realidade,
tenho consciência disso. No novo ano quero começar a viver melhor, para
morrer melhor. Recordo-me ter dirigido dois meus irmãos que fizeram o
voto de escravidão a Maria. Edificaram-me com seu zelo, com sua devoção.
Seu sangue selou seu compromisso, e eu assumi ares de ser seu mestre e
Diretor em tudo isso, ao passo que não sou nada... Maria, minha mãe, não
permitais que eu sofra a vergonha de reconhecer-me inferior em virtude
aos meus subalternos: dai-me um grande amor por vós. Domina mea,
numquam quiescam donec obtinuero verum amorem erga te”.11)
1896-1900
Começou o ano de 1896 com o seguinte programa de ação: “Quero a
todo custo progredir na piedade, na humildade e no espírito de sacrifício”.
Seu estado de saúde começava a preocupá-lo: “Hoje não me sinto bem.
Meu Deus, ponho tudo nas vossas mãos: seja feita a vossa vontade! Aceito a
morte no momento e da forma que vós quiserdes”. No dia 31 de janeiro: “É o
oitavo aniversário da morte de Dom Bosco. Pensei que eu também poderia
morrer de um momento para outro com a minha doença. Estou preparado?
Penso que não: é preciso, portanto, que comece atrabalhar”. Não sabemos
11 ASC B0320101, Notes confidentielles…, 31.12.1895.

7.2 Page 62

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60 Capítulo 4
qual fosse essa doença. No dia 7 de fevereiro confessa: “Não consigo deci-
dir-me se falo com o P. Rua: em consciência sinto-me obrigado...”. Falou-lhe
dois dias depois: “Estou contente por ter conversado; qualquer coisa que
aconteça agora, não será motivo de maravilha”. Consultou o doutor Fissore
no dia 10 de fevereiro: “Fez-me compreender que é preciso resignar-se: não
posso mais fazer como no passado: e é inútil tentar uma operação”.12)
No dia 28 de fevereiro o P. Rua o encarregou de compilar o Manual do
Diretor. Pôde iniciar o trabalho somente no dia 1º de novembro, porque
impedido pela doença e pelas frequentes ausências de Turim. Começou
recolhendo material das Constituições Salesianas, das deliberações capi-
tulares, das cartas circulares de Dom Bsoco e do P. Rua. Acumulou uma
documentação ingente, mas a sensação de inadequação e a preocupação
pela fidelidade absoluta à tradição carismática do Fundador prolon-
garam os tempos do trabalho, que virá à luz somente em 1915: “Confesso
candidamente – escreveu na introdução – que misturar os meus pobres
conselhos com os ensinamentos de Dom Bosco e do P. Rua parecia-me
quase uma profanação; apesar disso, eu o fiz com não pequena resistência
e somente para ater-me ao conselho e às orações de alguns bons e respei-
táveis irmãos”.13)
Entre março e abril pregou os exercícios espirituais em Avigliana,
Ivrea, Foglizzo, onde substituiu por várias semanas o Diretor gravemente
enfermo; “Ficou conosco um tempo notável – escreveu o P. Cimatti, então
noviço – e nos mantinha alegres contando episódios engraçados de sua
vida na França. Não parecia mais o asceta, mas o mais afável e generoso dos
irmãos”. O P. Ludovico Costa acrescenta: “Recordo a impressão favorável
que fazia em todos a palavra edificante, douta, profunda do P. Albera, que
todos ouviam de boa mente e visível satisfação... Aquele seu modo de tratar,
gentil e supereducado, aquela sua modéstia e humildade, sem descuidar a
postura e o decoro senhoril, impunham respeito, enquanto conquistavam
o afeto e a confiança dos que dele se aproximavam. Em vários casos refe-
rentes a abusos e inobservâncias corrigidas por ele no caso de algum irmão
eficazmente convidado ao cumprimento do dever, ouvi comentar favora-
velmente a sua energia, quase surpreso de ver nele, tão delicado e gentil,
tanta firmeza e força de vontade”.14)
No dia 6 de março viajou para a França, onde permaneceu até a vigília
12 ASC B0320102, Notes confidentielles…, 31.01.1896.
13 Manuale 6.
14 Garneri 157.

7.3 Page 63

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Diretor espiritual da Congregação Salesiana 61
da festa de Maria Auxiliadora. O mal continuava a atormentá-lo e no dia 3
de junho foi operado no hospital de Chieri. Depois de longa convalescença,
no dia 5 de julho pôde retornar a Valdocco. Nos meses seguintes pregou os
exercícios espirituais na Itália e na França.
No último dia de 1896 escreveu em seu diário: “No ano passado a minha
saúde era muito ruim, no entanto eu sentia ter mais coragem e energia. Os
diversos retiros espirituais que preguei traziam a marca de certo fervor.
Agora, para dizer a verdade, estou melhor, apesar de alguma miséria, mas
sou fraco de espírito... Durante o ano preguei dois turnos de exercícios em
Avigliana, dois nos noviciados, dois durante as férias. Deus me ajudou visi-
velmente... Tive a força de obedecer ao P. Rua em suportar uma dolorosa
operação e a graça de Deus me ajudou: quanto ao mais, conheci quanto a
minha natureza é frágil e lhe repugna o sofrimento. Fui a Marselha três
vezes: é extraordinário. Fui talvez demasiadamente entusiasta: um pouco
de bem foi feito, graças a Deus, por toda parte, especialmente no noviciado
dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora. Prometo-vos, meu Deus,
não ter mais preferências. Irei para onde vós quiserdes e trabalharei igual-
mente de boa vontade em qualquer lugar...
Para o novo ano gostaria de obter de Maria Auxiliadora mais coragem e
energia. Rezarei também para ter um pouco de conhecimentos adequados
em função do que meu cargo exige. Meu Deus, como é que vós suportais
um servidor tão estúpido, tão negligente? Tenho vergonha de falar aos
outros do zelo para salvar as almas, eu que passo a minha vida sem fazer
nada para a salvação das almas. Por isso, Maria, minha boa e doce mamãe,
dai-me um pouco de zelo”.15)
No dia 1º de janeiro de 1897 formulou os seguintes propósitos: “Transmiti
aos irmãos o programa do ano e quero ser o primeiro a colocá-lo em prática:
1. Mais boa vontade de evitar o pecado, de corresponder às graças de Deus
e de avançar pelo caminho da perfeição. 2. Servir melhor à Congregação,
que é minha mãe, praticando seu espírito e tomando a peito seus interesses.
3. Trabalhar melhor para a salvação das almas. Piedade, humildade, sacri-
fício”.16)
Apesar da saúde frágil, entre março e junho pregou vários turnos de
exercícios espirituais aos jovens Salesianos de Avigliana, Foglizzo, Ivrea,
Valsalice, Sainte-Marguerite, Saint-Pierre de Canon e novamente em
Avigliana. Em julho participou das festas jubilares do Internato de Sampier-
15 ASC B0320102, Notes confidentielles…, 31.12.1896.
16 ASC B0320103, Notes confidentielles…, 1.01.1897.

7.4 Page 64

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62 Capítulo 4
darena, obra iniciada por ele vinte cinco anos antes. Sentiu-se muito
confortado: “Foi uma das festas mais belas. Deus abençoou realmente os
esforços de Dom Bosco e dos seus filhos em Sampierdarena: 5.000 alunos
e 300 sacerdotes!”. Em seguida pregou novamente aos ordenandos na Itália
e na Bélgica. Em novembro, o P. Rua enviou-o à França como seu repre-
sentante para a bênção de uma nova casa das Filhas de Maria Auxiliadora.
Em novembro pregou novamente aos ordenandos. Temos o testemunho
do P. Terrone: “Que belos foram para nós aqueles dias de dezembro de
1897! O P. Albera presidia os exercícios, pregava três vezes ao dia, passava
conosco todos os recreios, tratando-nos com grande afabilidade e alegran-
do-nos com seus agradáveis episódios da vida salesiana. O inverno era rigo-
rosíssimo, mas não se podia pensar em aquecimento: o P. Albera sentia-se
mal por causa de nós, tinha pena, perguntava se estávamos suficientemente
defendidos do frio, se precisávamos de alguma coisa; exatamente como
faria a mais terna das mães... Sua pregação era preparada, elevada, sempre
densa de conteúdo”.17)
Durante o mês seu estado de saúde piorou. Pensou que tinha chegado
ao fim do seu caminho terreno. No primeiro dia de 1898 escreveu no seu
diário pessoal: “Este ano deve ser particularmente consagrado a prepa-
rar-me para a morte. Receio-a demais, e não fiz nada para me apresentar
convenientemente diante do juiz divino. Este pensamento da morte deve
fazer-me agir com mais fervor nos exercícios de piedade, com mais zelo
nas minhas ocupações ordinárias, e fazer-me fugir com mais delicadeza
de consciência de todo pecado, mesmo venial. Sagrado Coração de
Jesus, confio a Vós estas minhas resoluções”.18) As anotações das semanas
seguintes refletem o empenho de pôr em prática os propósitos. Notamos
um fervor constante, uma atividade alegre, uma escrupulosa delicadeza em
repreender-se por causa de pequenas coisas.
No dia 1º de fevereiro de 1898 partiu para a visita das casas da França,
da Espanha e da Bélgica. Voltou a Turim no dia 10 de abril, exausto. Mas
depois de só dois dias, retomou a pregação de retiros. Nos meses seguintes
foi atormentado por grandes dores e por uma sensação de desânimo. Teve
também a impressão de que o P. Rua não estava contente com seu serviço.
Pensava que fosse culpa do seu “amor próprio” e resolveu atirar-se “aos
pés de Jesus Cristo e dizer-lhe com todo coração, como Santo Agostinho:
Hic ure, hic seca, hic non parcas, dummodo in aeternum parcas (Senhor,
17 Garneri 162-163.
18 ASC B0320104, Notes confidentielles…, 1.01.1898.

7.5 Page 65

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Diretor espiritual da Congregação Salesiana 63
queima aqui, corta acolá, não me poupes, contanto que me perdoes na eter-
nidade)... Jesu, fili David, miserere mei!” [Jesus, filho de Davi, tem piedade
de mim] (31 de maio).
Em junho foi novamente para a França e a Bélgica. Voltou a Turim
mais sereno e em situação melhor de saúde: “O meu espírito está mais
calmo. Aceitei com mais alegria certas coisas que antes me teriam causado
problemas” (1° de julho). No dia 30 de agosto, durante o oitavo Capítulo
Geral, apesar do desejo de ser dispensado do seu cargo, foi reeleito Diretor
Espiritual Geral, com duzentos votos de um total de duzentos e dezessete.19)
Entre os dias 4 e 17 de setembro participou do Terceio Congresso
Mariano celebrado em Turim. Anotou no seu diário: “Quando será que
também eu amarei a Santa Virgem Maria com todo coração, como tantos
padres e tantos seminaristas fiéis?”.20) Domingo, dia 18, foi a Castelnuovo
para a inauguração do monumento a Dom Bosco. A saúde tinha piorado
um pouco. P. Rua o mandou a Marselha para descansar. Teve que ficar
acamado muitos dias e submeter-se a visitas médicas. Teria querido voltar
para Turim, mas o Reitor-Mor lhe ordenou que ainda permanecesse na
França. Pouco a pouco a saúde melhorou. Voltou a Valdocco para o Natal.
Em janeiro de 1899 começou a leitura de uma obra em três volumes
de recente publicação, Le prêtre [O padre], de Romain-Louis Planus.
Saboreou-a intensamente e sentiu-se encorajado a um zelo pastoral mais
ardente. No dia 8 de janeiro, depois de ter meditado sobre a importância do
ministério da reconciliação, anotou: “Como me fez bem confessar: nessa
hora sinto que sou P. e que posso ajudar alguma pobre criatura a romper
as cadeias que a escravizam ao pecado. Oh, se pelo menos eu me tornasse
capaz de realizar um pouco melhor meu ministério sacerdotal! A leitura
de Planus enche-me de confusão: conheço tão pouco a dignidade do P.... e
encontro-me tão distante de possuir as virtudes que lhe correspondem”.21)
As leituras espirituais eram o seu alimento interior, ofereciam-lhe matéria
substanciosa para a pregação e o confortavam nas fadigas e nos contínuos
incômodos de saúde.
Enquanto isso, procurava levar adiante a biografia de Dom Lasagna,
continuamente interrompida pela pregação de exercícios espirituais: entre
fevereiro e abril, pregou retiros em Avigliana, Ivrea, Valsalice, San Benigno
e Nizza Monferrato. Depois parou alguns dias para redigir os atos do oitavo
19 ASC B0320104, Notes confidentielles…, 31.05.1898; 1.07.1898; 30.08.1898.
20 ASC B0320104, Notes confidentielles…, 6.09.1898.
21 ASC B0320105, Notes confidentielles…, 8.01.1899.

7.6 Page 66

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64 Capítulo 4
Capítulo Geral. Retomou a pregação nos meses do verão e do outono. Em
novembro, o P. Rua confiou-lhe a tarefa de exorcizar uma senhora ator-
mentada pelo demônio. Tentou diversas vezes, mas com escassos resul-
tados. No dia 18 de novembro anotou: “O demônio me humilhou, mas não
foi embora”.22)
Na metade de dezembro terminou a redação da vida de Dom Lasagna.
Foi publicada no início do novo ano, com o título: Dom Luís Lasagna.
Memórias biográficas. Esse livro de quatrocentos e cinquenta páginas
custou-lhe muitas fadigas, mas ele se sentia plenamente satisfeito. Anotou
no diário: “Reconheço que é fácil criticar, mas é difícil fazer melhor do que
os outros!”.
22 ASC B0320105, Notes confidentielles…, 18.11.1899.

7.7 Page 67

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65
Capítulo 5
A VISITA ÀS CASAS SALESIANAS
DA AMÉRICA (1900-1903)
P. Albera fotografado junto com uma delegação de índios Bororo
(Cuiabá, maio de 1901)
Argentina, Uruguai e Paraguai
Por ocasião do jubileu das missões salesianas (1875-1900) o P. Rua
encarregou o P. Albera, na qualidade de seu representante, de visitar as
obras salesianas do continente americano. A viagem durou dois anos
e oito meses. Foi uma experiência importante que colocou novamente à
prova sua resistência física. Durante esse tempo foi substituído no cargo
de Diretor Espiritual Geral pelo P. Júlio Barneris, com o qual se manteve
em constante relação epistolar durante a longa viagem. Suas cartas e as

7.8 Page 68

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66 Capítulo 5
do secretário – publicadas pelo Instituto Histórico Salesiano – são um
documento eloquente de tudo que foi feito naquela viagem extraordinária
e cansativa.
O P. Albera partiu de Turim no dia 7 de agosto de 1900. Passando pela
França alcançou Barcelona e participou do primeiro Capítulo Inspetorial
espanhol. No dia 16 chegou o jovem secretário P. Calógero Gusmano e no
dia seguinte zarparam juntos no navio Perseu. Chegaram a Montevidéu
no primeiro Domingo de setembro. Nos dias seguintes visitaram as obras
salesianas da região. Os irmãos os acolheram com alegria e descobriram
que ele falava corretamente o espanhol.
Terça-feira, 11 de setembro, passaram para Buenos Aires. Foram
recebidos pelos Salesianos e pelos jovens das cinco casas da capital. Perma-
neceram na região um mês inteiro, visitando as obras da cidade e da
província. O P. Albera acolhia para o colóquio cada um dos Salesianos e
das irmãs. Foi visitado por autoridades civis e eclesiásticas, que lhe mani-
festaram apreço e reconhecimento pela atividade dos irmãos e das irmãs.
O P. Gusmano escreveu ao P. Rua: “Pelo P. Albera fazem-se coisas
incríveis: são as pessoas mais notáveis em cada lugar aonde ele chega que
vêm para encontrá-lo, que se consideram felizes por conhecê-lo pessoal-
mente; são jornalistas, membros da suprema Corte de Justiça, Bispos que
lhe fazem visita e querem que, numa igreja pública, ele abençoe o povo e a
eles mesmos, porque, dizem, o P. Albera é o representante do P. Rua e o P.
Rua herdou plenamente o espírito de Dom Bosco”.1)
O visitador ficou impressionado pelo grande trabalho desenvolvido pelos
Salesianos. Confidenciou ao P. Barberis: “Tanto em Montevidéu quanto
em Buenos Aires vimos coisas extraordinárias. A Providência serviu-se da
nossa humilde Congregação para fazer coisas incríveis. Vou considerando
tudo o que vejo e entendo, reservando-me pronunciar meu pobre parecer
mais tarde... Em geral, fazem-se bem as práticas de piedade e se trabalha
com muito entusiasmo... Isso não quer dizer que aqui tudo seja ouro do
mais elevado quilate; haverá também as inevitáveis misérias dos pobres
filhos de Adão, mas o bem é tão grande que largamente as compensa...
Creio que minha tarefa será mais a de constatar com os meus olhos o bem
feito e encorajar a fazer sempre muito bem no futuro. Reze para que eu
corresponda aos planos do P. Rua ao mandar-me à América”.2)
Constatou logo quais eram os pontos nevrálgicos: “Aqui eu estou
1 BS 1990, 338.
2 L 78.

7.9 Page 69

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A visita às casas salesianas da América (1900-1903) 67
sempre mais maravilhado pelo bem que já se fez; mas assusta-me a abun-
dância da messe e a escassez dos trabalhadores. É algo do que dificilmente
os membros do próprio Capítulo Superior podem formar uma ideia. Casas
importantes sem Prefeito, com um Catequista pouco adequado, ocupado
a dar aula regularmente; casas com centenas de jovens com professores
muito limitados e nenhum coadjutor; os funcionários são todos pagos, mas
não têm espírito de piedade; Paróquias com poucos padres para confessar,
pregar e dar aulas: são situações comuns. A necessidade de pessoal é
extrema”.3)
No dia 12 partiram para a Patagônia. Foram acolhidos em Bahía Blanca
com todas as honras. O P. Albera inaugurou a seção dos ex-alunos. Nos
dias seguintes foi até Fortín Mercedes, Patagones, Viedma, viajando em
parte de trem, em parte em incomômodos meios de transporte ou a cavalo.
Voltaram a Buenos Aires no dia 8 de novembro, onde o visitador parti-
cipou do Segundo Congresso Americano dos Cooperadores Salesianos. No
dia da Imaculada esteve em San Nicolás de los Arroyos para a inauguração
do novo colégio e da igreja. Pregou aos numerosos quinteros e camponeses
que participavam da celebração com suas famílias.
No dia 20 voltaram para Montevidéu. Permaneceram três semanas
na República Uruguaia. Foram dias de trabalho incansável: pregação,
confissões, colóquios com cada irmão, desde a manhã até tarde da noite.
Aqui, como em todos os lugares visitados durante aquela longa viagem, o
P. Albera se encontrou com os cooperadores, os benfeitores e as pessoas
ligadas à comunidade local. Quis visitar os alunos nas suas classes, nas
oficinas e nos locais do Oratório. Os jovens ficavam conquistados pelo
fascínio espiritual que sua pessoa inspirava, rodeavam-no com afeto e
admiração. Muitos pediam para ser ouvidos em Confissão e ele se prestava
a isso de bom grado.
O secretário observou: “É incível como o senhor P. Albera sabe
conquistar o afeto dos jovens; eu nunca tinha tido ocasião em Turim de
observar isso porque ele nunca descia para a hora do recreio... Muitos
jovens vão ao quarto do P. Albera, pedindo-lhe que os confesse; falam dele
com entusiasmo; quando desce para o recreio é rodeado por quase todos
esses jovens”.4) O mesmo aconteceu durante a visita às obras das Filhas
de Maria Auxiliadora: suscitava veneração e confiança nas irmãs e nas
meninas internas e externas.
3 L 106.
4 L 82.

7.10 Page 70

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68 Capítulo 5
Entre os dias 26 e 28 de janeiro de 1901 em Buenos Aires celebrou-se
o primeiro Capítulo Sul-americano dos Diretores Salesianos. O P. Albera
os estimulou a servirem de exemplo e de guia na fidelidade ao espírito de
Dom Bosco. No prefácio das Atas escreveu: “À medida que vou visitando
as casas salesianas da América sinto crescer em mim a estima e o afeto que
eu já sentia tão vivo por vós todos. Enquanto admiro sempre mais a obra
de Dom Bosco e me orgulho de ser seu filho, admiro também a virtude de
que são adornados muitos Salesianos da América e fico edificado com os
sacrifícios que eles se impõem para a glória de Deus e a salvação das almas.
O número desses verdadeiros filhos de Dom Bosco irá crescendo ainda
mais; imensos serão os frutos de suas fadigas, se se observarem escrupu-
losamente as Constituições que Dom Bosco nos deu e as deliberações dos
Capítulos Gerais. Com a graça de Deus farão também algum bem as reco-
mendações do Primeiro Capítulo Americano”.5)
No dia 31 de janeiro o visitador, em companhia do P. Gusmano, zarpou
para a Terra do Fogo. Fez uma parada em Montevidéu e chegou a Punta
Arenas no dia 10 de fevereiro, depois de uma furiosa tempestade. Perma-
neceu ali cinco disas, em seguida viajou para a ilha de Dawson e para a
missão da Candelária. Lá permaneceu dezoito dias e pregou os exercícios
espirituais aos missionários e às irmãs. Voltou a Punta Arenas na metade
de março. Depois visitou as missões de Mercedes e Paysandú no Uruguai.
Esteve ali durante a semana santa, pregando e confessando. Em abril voltou
a Buenos Aires, em seguida embarcou para o Brasil, na companhia do P.
Antônio Malan.
Brasil, Chile, Bolívia e Peru
A viagem durou vinte dois dias sobre embarcações superlotadas e
incômodas. No dia 7 de maio chegou a Cuiabá, capital do Estado do Mato
Grosso. Uma multidão de gente e quinhentos rapazes, alunos e alunas das
obras salesianas, atendiam-no no cais do porto, ao som da banda musicais
salesiana e a da marinha militar. Todos o acompanharam até o colégio. Foi
visitado pelo Bispo, pelo Presidente do Estado e por outras autoridades. Os
quarenta dias de permanência no Mato Grosso foram densos de encontros
e de ministério sacerdotal. Durante a festa de Maria Auxiliadora recebeu a
profissão religiosa de quatro novos Salesianos locais e de algumas irmãs, e
5 Garneri 185.

8 Pages 71-80

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8.1 Page 71

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A visita às casas salesianas da América (1900-1903) 69
benzeu a batina de cinco noviços.
Encontrou-se também com um grupo de índios Bororo, vindos para
conseguir do Presidente do Estado serem liberados da dependência dos
militares e confiados aos missionários Salesianos. Visitou também a missão
de Corumbá. “Que bom espírito reina nesta inspetoria – escreveu o secre-
tário –. Em nenhuma delas encontrei tanta harmonia, tanta submissão aos
superiores, tanto espírito Salesiano, os Salesianos tão amados pelos coope-
radores... O P. Malan é um verdadeiro Salesiano, muito apto para desem-
penhar o papel de inspetor, apegadíssimo aos superiores. Como ficariam
contentes o P. Luís Nai, o P. Bertello, se vissem os coadjutores desta casa:
são modelos de piedade e de trabalho”.6)
Naquele tempo não havia ainda ligação ferroviária com São Paulo.
Assim, o P. Albera teve que descer o rio Paraguai, “numa pequena embar-
cação de 14 metros de comprimento, em meio a cento e vinte duas vacas e
milhões de pernilongos que nos devoravam”, anota o secretário.7) Visitou
Concepción e no dia 29 de junho chegou a Assunção, onde celebrou a Missa
na presença do Bispo, com cento e quarenta primeiras comunhões. Nos
dias seguintes continuou viagem para Buenos Aires. De lá pôde embarcar
para Montevidéu e alcançar novamente o Brasil.
Desembarcou em Santos no dia 14 de julho, acolhido pelo inspetor P.
Carlos Peretto. De trem, chegou a São Paulo, distante uns oitenta quilô-
metros, e depois Lorena, donde começou a visita à inspetoria brasileira,
que durou quatro meses. O P. Albera passou por todas as casas e as missões
salesianas. Após os encontros oficiais com as autoridades e as populações,
dedicava todo o tempo a receber os irmãos e ao ministério da pregação e
das confissões. Por toda parte foi acolhido com entusiasmo, mas aquelas
viagens lhe custaram fadigas indizíveis por causa do calor e da poeira.
Visitou Guaratinguetá e Juiz de Fora, lugar do acidente em que perderam a
vida Dom Lasagna, algums irmãs e dois sacerdotes.
Foi a Ouro Preto, Cachoeira do Campo, Ponte Nova, Niterói, Ipiranga,
Campinas, Araras, Rio de Janeiro, Bahia, Jaboatão, Pernambuco. Apesar
dos problemas que encontrou, teve uma impressão muito positiva. “Visito
agora as casas do Brasil – escreveu ao P. Barberis –. Convenço-me que Dom
Bosco, em espírito, conheceu a terra e o coração dos habitantes. Assis-
timos espetáculos muito comoventes. Que missão têm aqui os Salesianos”.
Nas casas faz-se um grande bem, embora não sejam bem organizadas...
6 L 188.
7 L 191.

8.2 Page 72

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70 Capítulo 5
O P. Zanchetta, aqui em Niterói, faz maravilhas. Se visse a ordem desta
casa! Reina uma piedade muito edificante. Os irmãos se matam de tanto
trabalhar, e apesar disso não se queixam...”.8)
De Pernambuco partiu para Niterói no dia 26 de outubro a bordo do
Alagoas. Durante os cinco dias de navegação foi tomado por dores lanci-
nantes. Não pôde continuar até São Paulo, onde era esperado para a bênção
da estátua monumental do Sagrado Coração. Parou em Niterói por nove
dias para tratamento. No dia 9 de novembro zarpou para Montevidéu e
depois para buenos Aires, onde permaneceu por uns dez dias.
Na capital argentina aguardava-o Dom Tiago Costamagna, que devia
acompanhá-lo até o Chile, passando pelos Andes. Partiram no dia 25 de
novembro. Foi uma viagem supercansativa para o P. Albera, não acos-
tumado a andar a cavalo. Pararam alguns dias em Mendoza para pregar os
exercícios espirituais aos jovens, aos irmãos e às irmãs. Depois da visita a
Rodeo del Medio, no dia 5 de dezembro chegaram a Santiago do Chile. O
P. Gusmano enviou ao P. Barberis o programa das visitas: “Já estamos do
lado do Pacífico. Passamos a Cordilheira otimamente... O senhor P. Albera
suportou bem a travessia e a cavalgada, sem consequências.
Aqui passamos dois dias para cada casa, a fim de vê-las em seu
andamento regular. Já visitamos as duas de Santiago e Milipilla. Amanhã
iremos a Talca, no dia 13 a Concepción, no dia 18 a Valparaíso, no dia
20 a La Serena e depois do Natal veremos Macul. Na primeira semana de
janeiro começarão os exercícios para os irmãos; talvez será preciso fazer
dois turnos e um para as irmãs... Visitadas as casas do Chile, iremos à
Bolívia, mas provavelmente deixaremos Sucre, porque muito distante ou
porque será tempo das chuvas e, por consequência, muito difícil de ir até
lá. Da Bolívia iremos ao Peru, onde talvez poderemos nos estar ainda no
mês de abril”.9)
Depois de alguns dias de descanso em Santiago, o P. Albera, em três
meses, visitou os Salesianos e as irmãos de Melipilla, Talca, Concepción,
Valparaiso, La Serena, Iquique e Macul. Com tristeza deu-se conta de
que na inspetoria do Chile havia tensões por causa dos limites de alguns
Diretores, mas particularmente pelo temperamento muito forte de Dom
Costamagna, que exercia o cargo de superior, enquanto aguardava para
entrar no Equador.
O P. Gusmano, desconcertado, escreveu sobre isso ao P. Barberis, carre-
8 L 212-213.
9 L 243-244.

8.3 Page 73

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A visita às casas salesianas da América (1900-1903) 71
gando notavelmente as cores: “O Bispo não é amado por ninguém na inspe-
toria... porque chama atenção continuamente e em público; não é amado
porque demonstra não ter o coração aqui, mas do outro lado dos Andes;
não é amado porque repete à exaustão que não tem nenhuma estima pelos
chilenos... Não se conversa com ele com o coração na mão, mas devem-se
estudar as palavras e sente-se sempre medo de ser repreendido; assim, em
geral as pessoas saem do seu aposento mais despeitadas e menos persua-
didas... É certo que que todos pedem que o Bispo vá para o Equador, que
venha um bom inspetor que seja prudente... que ouça as necessidades
das casas sem levantar a voz e decidir abruptamente, que seja um pouco
político e não manifeste e atire os defeitos na cara em público...”.
Depois concluiu: “Não se pode duvidar que seja um santo; mas preci-
saria que fossem santos também os outros para resistir ao seu modo de
tratar; precisaria que tivessem mais fé e ver no superior a autoridade que
representa e não os modos... Quem não sabe que é todo zelo, que trabalha
continuamente e pode-se dizer que não há crisma em Santiago e fora de lá
que não seja ele a fazer? É incansável, mas está quase sempre fora; aqui não
conseguiu enraizar seu coração…”.10)
Noa dia 14 de fevereiro de 1902, o P. Albera, após pregar os exercícios
espirituais aos irmãos, partiu de Santiago com o secretário. Pararam alguns
dias em Valparaíso para a inauguração das novas oficinas e chegaram a
Iquique no dia 28. Retomaram o caminho novamente depois de dez dias
para Arequipa, no Peru: “É uma verdadeira casa salesiana; reina ordem,
trabalho, espírito Salesiano... A colônia agrícola, pequenina, é uma autêntica
joia, científica, verdadeiro msdelo de tudo – anota o P. Gusmano – o P.
Albera está mais ou menos: o estômago está com problemas; eu insisto
para que use certos cuidados; agora ele aceita, mas antes não queria”.11)
No dia 24 de março chegaram a La Paz, onde encontraram uma casa
bem ordenada e um ótimo espírito Salesiano. Permaneceram ali toda a
semana santa. No dia 1º de abril retomaram o caminho do Peru. Pararam
em Lima até 26 de maio. Visitaram os lugares de Santa Rosa, e o P. Albera
celebrou a Missa junto à sua urna. Ele desejava partir do Equador e visitar
o Vicariato Apostólico de Mendez y Gualaquiza, mas o inspetor do lugar
desconselhou a viagem por causa do mau tempo que deixava os caminhos
intransitáveis. Ficou em Lima durante todo o mês mariano e fez os próprios
exercícios espirituais.
10 L 256-257.
11 L 285-286.

8.4 Page 74

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72 Capítulo 5
O P. Gusmano escreveu: “Pareceu-lhe que, por dois anos, gastar quase
dias inteiros e com frequência parte das noites em ouvir e confortar os
irmãos, em estimular ao bem e sugerir o modo de crescer sempre mais no
espírito de Dom Bosco, fazer conferências e pregar até mesmo doze turnos
de exercícios espirituais em poucos meses, não era suficiente para dispen-
sá-lo do retiro espiritual anual prescrito pelas nossas Regras. Por oito dias
nós o vimos recolhido em profundas meditações, passar longas horas
diante de Jesus Sacramentado, pensando unicamente na própria alma”.
Naqueles dias o P. Albera escreveu no diário; “Hoje começo os exer-
cícios espirituais: sinto realmente necessidade. Depois de vinte e um meses
de viagem, minha mente está dissipada, o meu coração frio. Desejo entrar
em mim mesmo e implorar o orvalho do céu... Proponho fazer este retiro
como se fosse o último da minha vida. A minha idade e as contínuas
viagens, me inspiram a fazer realmente bem estes exercícios... Exami-
nando a minha consciência vi que as causas dos meus defeitos são três: 1.
Falta de humildade; 2. Falta de mortificação; 3. Falta de piedade. Agora que
conheço os meu inimigos proponho-me combatê-los”.12)
Depois dos exercícios espirituais pessoais ocupou-se com os dos alunos,
dos irmãos e das irmãs. Visitou também todas as Congregações Religiosas
da cidade e concluiu sua permanência em Lima com a festa de Maria Auxi-
liadora. No dia 26 zarpou do porto de Callao. Fizeram uma parada em
Paita, último porto peruano, onde participaram da procissão de Corpus
Christi.
Equador
No dia 30 de maio desembrarcaram em Guayaquil, no Equador. Perma-
neceram dois dias, depois tomaram o caminho do Oriente. O percurso
aventuroso é descrito minuciosamente pelo biógrafo. Viajaram de trem
até Huigra, onde dormiram numa tenda. De noite, a umidade excessiva
provocou no P. Albera um incômodo torcicolo. Pela mahnã, trocada a
roupa, começaram uma viagem a cavalo que deveria durar cinco semanas,
com cavalgadas de dez, frequentemente de catorze horas por dia. Tiveram
que arregaçar a batina, apertada nos flancos por um cinturão de couro,
vestir um poncho que cobria todo o corpo, grossas calças de pele de cabra,
grande lenço ao pescoço, na cabeça amplo chapéu de palha revestido de
12 ASC B0320106, Notes usefull…, 2.05.1902.

8.5 Page 75

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A visita às casas salesianas da América (1900-1903) 73
tela encerada.
Pararam em Guatasí, na casa de um cooperador, onde encontraram o
inspetor, P. Fusarini, vindo de Riobamba. Ele descreveu em detalhes os
perigos do Oriente Equatoriano e as dificuldades da missão, talvez para
desencorajar o superior a continuar aquela viagem perigosa, mas ele se
confirmou ainda mais no propósito de continuar se entregando à Provi-
dência. Queria absolutamente encontrar-se com os irmãos missionários
para confortá-los em suas fadigas. O inspetor os acompanhou por um
trecho, depois teve que voltar para a sede. Começaram longas e intermi-
náveis cavalgadas através de uma floresta belíssima, mas repleta de perigos,
subindo montes íngremes, entre precipícios e pântanos com água até os
joelhos.
O P. Gusmano escreveu: “Ninguém que conhece o P. Albera ficará mara-
vilhado, se um homem de sua idade, de saúde precária, delicadíssimo, às
vezes chegando ao tambo (lugar de repouso do missionário) devia ser lite-
ralmente tirado do cavalo e posto sobre uma cadeira ou sobre algo parecido,
porque as pernas se negavam a mantê-lo em pé e o corpo inerte desabava.
No tambo, se o índio que responde pelo local tiver sido avisado, haverá
alguma coisa quente, único meio de satisfazer o estômago que imperio-
samente solicita algo: pode ser simples água com sal ou então misturada
com um pouco de farinha de milho, de batata ou de yucca; tudo é bom,
contanto que esteja quente. Quantas vezes que o prato supersaboroso foi
um pouco de milho, nem sempre bastante condimentado com sal! E se
se chega sem ser esperados, é preciso aguardar horas e horas por aquela
magra refeição...
O tambo ou rancho é um espaço de três ou quatro metros quadrados,
coberto por folhas de palma, sustentado por paus a pique... O chão ordi-
nariamente fica a alguns metros do solo úmido; também este é coberto de
folhas secas ou de esteiras; não há paredes laterais: tudo é aberto. Acoco-
rados ambos num pequeno espaço, às vezes, com um pequeno movimento
eu me acordava assustado, olhando ansiosamente para o P. Albera, com
medo de que, virando-se em cima da dura e não poucas vezes espinhosa
cama, não se movesse muito de cá para lá, indo além da indefesa beirada,
com evidente perigo de vida. O rancho defende da água, não, porém, do
ar...
Nos eternos e monótonos dias passados sobre o dorso daqueles pobres
animais, cavalgando atrás do P. Albera, com frequência eu o via que ele se
agitava, incapaz de encontrar uma posição cômoda no dorso do cavalo; via
que com dificuldade conseguia manter-se ereto, ou então éramos obrigados

8.6 Page 76

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74 Capítulo 5
a atrvessar precipícios que de um momento para outro podiam pôr em
risco sua preciosa existência. Confesso que repetidamente senti vontade de
aconselhar que voltássemos...”.13)
No maciço do Azuay, feito de rochas e abismos, o P. Albera caiu do
cavalo e quase rolou precipício abaixo. Antes de chegar a Cañar vieram
ao seu encontro muitos notáveis, entre eles o irmão do ex-presidente da
República doutor Luís Cordero, acompanhado pelo P. Francisco Mattana,
incansável missionário dos Jívaro. Retomaram o caminho no dia seguinte
para Cuenca, aonde chegaram no Domingo dia 8 de junho.
Também lá uns cinquenta cavaleiros foram acolher o visitador a algumas
horas da cidade e quiseram que mudasse de cavalgadura. Ao movimen-
tar-se, caiu desajeitadamente e o pé inchou. Teve que passar três dias em
repouso, hospedado pelos Padres Redentoristas. Retomou a viagem no
dia 11 e depois de treze horas chegaram a Sígsig, última etapa antes das
florestas orientais. Continuaram o caminho no dia seguinte. Foram três
dias de cavalgada debaixo de chuva ininterrupta. Finalmente, no Domingo,
dia 15 de junho, chegaram a Gualaquiza, onde permaneceram oito dias. O
secretário enviou ao P. Barberis o informe da viagem:
“Escrevo-lhe enquanto os Jívaro, diante da minha porta, dançam e
cantam com toda força dos pulmões, segundo seu costume, para festejar
o senhor P. Albera. Alguns estão como Adão antes do pecado; os homens,
mesmo grandes, vestem o estritamente necessário, as mulheres um pouco
mais; apesar disso, aqui nada chama a atenção. Entretanto, entre todos
esses gritos, o meu pensamento corre a Turim...
A nossa viagem a Gualaquiza foi discreta. Em Sígsi, último povo cristão,
acolheram-nos ao toque dos sinos... Ao passar por povoados interme-
diários, em toda parte encontrávamos a imagem de Maria Auxiliadora. O
Pároco de São Bartolomeu nos narrou dezenas de graças e, se for verdade
o que dizem, não se podem deixar de admitir o milagre. É precisamente
Nossa Senhora quem abre o caminho à obra de Dom Bosco, do contrário
não se saberia como explicar tanto entusiasmo pelos filhos de Dom Bosco,
em tantos países onde não prestou outro benefício que o de pedir esmola
para a missão...
De Sígsig a Gualaquiza não há mais nenhum povoado, e são três dias
de caminho por precipícios, descidas horríveis, subidas íngremes como
paredes. As chuvas nos acompanharam durante dois dias, a lama chegava
até a barriga do animal, nós estávamos enlameados até os cabelos. Em
13 BS 1904, 109.

8.7 Page 77

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A visita às casas salesianas da América (1900-1903) 75
alguns lugares era preciso abaixar-se até o nível da mula para passar por
certos arcos que as árvores, arrancadas pela chuva, tinham criado. Em
outras partes, a passagem era tão apertada que era preciso levantar os pés
porque não passavam, em outras, passar um pé depois do outro...
O pior para o P. Albera eram os saltos mortais que algumas vezes a
mula dava quando encontrava a passagem obstruída: recomendavam-lhe
que se mantivesse bem firme na sela. Em algumas descidas seguravam-se
as rédeas da mula; mas era impossível governá-la e iam por terra cavalo,
cavaleiro e guia. Chegando molhados à noite, depois de doze horas de
cavalgada como descrevi, só se encontrava como cama uma esteira de canas
ao aberto, posta a vários metros acima do chão, sustentada por pequenos
apoios de madeira. O P. Albera ficava no meio e eu devia estar atento a não
me mover, porque do contrário não me teria mais levantado...”.14)
A residência missionária era uma construção muito simples: uma
capela, com duas construções aos lados. Tudo construído em madeira
rebocada com lama, com janelas sem persianas. O P. Albera entoou o Te
Deum de agradecimento na capela. Quando saíu, os Jívaro lhe apresen-
taram como presente yucca e bananas. Com grande desgosto contatou que
os missionários eram muito fracos e sem forças, por causa das fadigas, do
clima e da pouca alimentação. Falou pessoalmente com cada um, confor-
tou-os. Durante a semana visitou os assentamentos dos Jívaro da região
para ter uma ideia de sua vida. No Domingo, dia 22, celebrou a festa de
Maria Auxiliadora, com Missa Cantada e procissão.
Partiu novamente, acompanhado por um bom trecho pelos Sale-
sianos e pelos indígenas. A viagem de volta “foi muito pior que a de ida
e durou dez dias a cavalo, com três momentos de descanso. Até Cuenca,
nada de extraordinário: dormimos como de costume ao ar livre e sobre
camas perigosas, comemos sem líquidos, o que contribuiu a prejudicar o
já problemático estômago do P. Albera”. Chegaram a Riobanba no dia 5
de julho. Nos dias seguintes reuniu-se o Capítulo Inspetorial e o visitador
pôde tomar conhecimento dos progressos e das dificuldades.15)
No dia 14 de julho, deslocaram-se até Ambato, sede do noviciado; de
aqui finalmente chegaram a Quito, onde os Salesianos tinham construído
uma igrejinha e um pequeno colégio. O P. Albera benzeu os edifícios e a
nova oficina de curtume.
14 L 307-308.
15 L 310-312.

8.8 Page 78

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76 Capítulo 5
Colômbia, Venezuela, México e Estados Unidos
No dia 25 foram para Guayaquil e de lá zarparam para a Colômbia,
perturbada por uma guerra civil. Não puderam desembarcar no Panamá,
por causa de uma epidemia de febre amarela; passando por Colón e
Cartagena, chegaram a Barranquilla no dia 8 de agosto.
A navegação pelo rio Madalena rumo a Honda durou dezessete dias, em
meio a núvens de pernilongos que nos atormentavam. Em Puerto Berrio
os viajantes foram bloqueados por um general que queria apoderar-se da
embarcação para suas tropas. Depois de longas tratativas ele se contentou
em requisitar quase todas as reservas alimentares. A parada forçada
permitiu ao P. Albera e ao secretário dar assistência a diversos soldados
moribundos por causa da febre amarela.
Finalmente, no dia 24 de agosto, desembarcaram em Honda. De aqui,
acompanhados pelo Coadjutor Salesiano Ângelo Colombo, prosseguiram
a cavalo rumo a Bogotá, sem escolta, “porque – escreveu o P. Gusmano
– uma escolta pode ser ainda mais perigosa: as forças revolucionárias a
atacam”. Na primeira estação ferroviária encontraram irmãos e alunos a
aguardá-los com um trem especial posto à disposição pelo governo, e em
duas horas chegaram à capital. “Pensávamos encontrar na Colômbia a paz,
ao passo que lá estão ainda no sicut erat [como sempre foi].
Especialmente as guerrilhas estão mais aguerridas do que antes.
Ao longo da nossa viagem pudemos contemplar o triste espetáculo de
povoações incendiadas, de vilegiaturas destruídas, de passageiros roubados
e privados da própria vida”. Permaneceram doze dias e visitaram as obras
salesianas da cidade e dos arredores. O P. Albera, apesar dos perigos, quis
chegar também até os Salesianos que trabalhavam nos dois leprosários de
Contratación e de Agua de Dios.16)
Deixaram Bogotá no dia 9 de setembro. Em dez dias percorreram a
cavalo duzentos e noventa quilômetos, atravessando uma zona alta monta-
nhosa intensamente fria. A três horas e meia de Contratación, extenuado
pela fadiga, o P. Albera desmaiou. Assim, foram obrigados a passar a noite
numa cabana. No dia seguinte ele quis continuar a viagem em jejum para
poder celebrar a Missa. Chegaram ao lazareto pelas 11 horas da manhã.
O primeiro encontro com os leprosos foi comovente. O visitador disse
a cada um uma palavra de conforto e distribuiu dinheiro e víveres ofere-
cidos pelos benfeitores. Nos dias seguintes pregou uma missão de oito
16 L 318.

8.9 Page 79

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A visita às casas salesianas da América (1900-1903) 77
dias, da qual participaram todos os que não estavam acamados. Durante
a primeira pregação o P. Albera teve um desmaio por falta de ar, por causa
da multidão que lotava a igreja. Também no último dia desmaiou quando
se apresentou ao confessionário um leproso que tinha a carne das pernas
caindo aos pedaços.
Depois de voltar a Bogotá por alguns dias, no dia 8 de outubro partiu
para Agua de Dios, aonde chegou após três dias de caminho. Começou
com a pregação de uma missão aos leprosos. A igreja estava atapetada de
gente: “Vós sofreis tanto no corpo, procurai pelo menos não sofrer na alma,
reconciliando-vos com Deus, pois isto depende de vós. Nós não temos como
curar-vos da lepra material; permiti que vos curemos daquela espiritual”.17)
O P. Albera pregou todos os dias, embora a hora fosse incômoda (uma da
tarde) e o calor insuportável. Todos o ouviam com grande atenção. Já no
terceiro dia as confissões empenharam cinco sacerdotes até às 11 horas da
noite. O P. Albera passou de casa em casa para visitar as famílias, distri-
buindo ajuda econômica e palavras de conforto. A missão foi concluída
no dia 19 de outubro com uma comunhão geral. Também os mais relu-
tantes, que havia anos não frequentavam os Sacramentos, receberam-nos
com devoção: um verdadeiro milagre da graça. O dia terminou com uma
procissão em honra de Maria Auxiliadora.
Depois de voltar a Bogotá encontrou-se com o delegado apostólico, com
o Arcebispo e os principais benfeitores. Também o presidente da República
quis encontrar-se com ele antes da partida. A viagem de retorno até a costa
foi péssima. Depois de duas horas de trem, usaram os cavalos, sob um sól
tórrido e entre os perigos da guerrilha. Quando chegou a Honda no dia
29 de outubro, o P. Albera estava exausto. Tiveram que esperar cinco dias
antes de poder embarcar num barco-hospital sem a mínima comodidade.
No dia 12 de novembro chegaram a Barranquilla. Pararam poucas horas e
foram novamente para a Venezuela a bordo do navio Montevidéu.
Domingo, dia 16 de novembro, deserbarcaram em La Guaira, principal
porto da Venezuela. No dia seguinte foram para Caracas, onde havia
“uma bela casa, mas quase vazia”. No dia 21, após uma viagem de cento e
cinquenta quilômetros, estavam em Valência. Encontram a obra salesiana
em condições melhores, graças a um trabalho de saneamento do P. Miguel
Foglino. Voltaram a Caracas no sábado, 29 de novembro, em seguida foram
a San Rafael e Santa Rosa, duas pequenas obras muito pobres.
A travessia noturna do lago Maracaibo foi desagradável para o P. Albera
17 Garneri 215.

8.10 Page 80

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78 Capítulo 5
por causa do vento muito forte, do frio intenso e do cheiro de peixe podre
que impregnava a embarcação. No dia 5 de dezembro zarparam para
Curaçao e de lá para La Guaira. O porto estava ocupado por embarcações
militares estrangeiras atracadas ali para a tutela dos interesses das respec-
tivas nações. No dia 15 de dezembro os navios ingleses bombardearam
Puerto Cabello, a duzendos quilômetro de Caracas. Por este motivo o P.
Albera decidiu partir imediatamente. Tomou um navio direto a Porto Rico.
Depois de cinco dias de quarentena na ilha de Miraflores, no dia 22 de
dezembro atracaram em São João de Porto Rico. Hospedaram-se numa
pensão. O programa previa uma visita à Jamaica, mas as dificuldades de
transporte e a péssima situação de saúde do P. Albera convenceram o
secretário a viajar diretamente para o México. Celebrada a Missa de Natal
na igreja dos padres Lazaristas, zarparam pelo navio espanhol Leão XIII. A
bordo tiveram a alegria de encontram um grupo de missionários salesianos
e de irmãs. O P. Albera recebeu um por um para conversar. A viagem, de
modo geral boa, durou dez dias, mas a saúde do superior não melhorou.
Tinha problemas no estômago e não conseguia reter o alimento.
Desembarcaram em Veracruz no dia 8 de janeiro de 1903. No porto
foram acolhidos pelo inspetor do México, P. Luís Grandis e outros irmãos.
Na Cidade do México encontraram um belo colégio. Visitaram as obras
salesianas de Morelia e de Puebla. No dia 31celebraram a Eucaristia
no santuário de Guadalupe. A visita às casas mexicanas foi de grande
conforto. O P. Albera constatou a simpatia das autoridades e do povo pela
obra salesiana. O inspetor lhe apresentou vinte dois pedidos de abertura de
casas que lhe tinham chegado das principais cidades da nação, desolado
porque lhe faltava o pessoal necessário.
No dia 9 de fevereiro partiram par a Califórnia. Fizeram uma etapa em
Los Angeles e chegaram a San Francisco no sábado, dia 14. O P. Albera
pregou e confessou longas horas nas duas Paróquias confiadas aos Sale-
sianos, exortando os imigrados italianos a manterem-se fiéis à fé dos pais.
Mas depois de trinta meses de viagem sentia-se fraco e exausto. Desejava
voltar quanto antes para Turim. Partiram no Domingo dia 1º de março.
Fizeram etapa em Chicago. Alcançaram Nova Iorque no Domingo, dia
8. Depois de dez dias de intenso ministério pastoral, embarcaram para a
Inglaterra.
A travessia durou uma semana. Na Grã-Bretanha o P. Albera visitou as
casas salesianas de Londres, o noviciado de Burwash, dirigido pelo jovem
e cordialíssimo P. William Brown, o Instituto de Farnborough, onde dois
anos atrás fora aberto um orfanato para meninos abandonados e órfãos

9 Pages 81-90

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9.1 Page 81

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A visita às casas salesianas da América (1900-1903) 79
militares, a escola e a Paróquia de Wandsworth. Ficou particularmente
satisfeito com o florescente desenvolvimento das obras inglesas e o bom
espírito que animava os irmãos.
No dia 1º de bril os dois viajantes chegaram a Paris. Encontraram uma
situação precária por causa da lei das associações, em vigor desde 1901, que
obrigava ordens e Congregações Religiosas a escolher entre secularização
ou a autorização do governo. O inspetor, P. José Bologna, tinha preferido
a segunda opção, uma opção que resultou fatal. De fato, a autorização foi
recusada e durante o ano de 1903 foi preciso abandonar quase todas as
obras. Pelo contrário, o inspetor de Marselha, tinha optado pelo caminho
da secularizçaão, e nesse ponto obteve maior êxito.
O P. Albera deixou Paris na noite da sexta-feira santa, 10 de abril, e
na tarde do dia seguinte estava finalmente em Valdocco, cansadíssimo
e depauperado, mas contente. Antes de ir repousar, escreveu no diário:
“Como se sinto feliz em voltar a este querido Oratório que foi minha casa
durante os anos mais belos. Hoje foi para mim um verdadeiro aleluia! Os
superiores me acolheram com ardoroso afeto, especialmente o P. Rua”. O
P. Tiago Ressico contará, vinte anos mais tarde: “Quando ele voltou de sua
longa viagem eu estava junto com os meus colegas de quarta ginasial do
Oratório para acolhê-lo. Vendo-o ao lado do P. Rua fiquei profundamente
admirado de sua figura doce e paterna... Minha admiração foi ao máximo
quando, do balcão do segundo andat, a nós jovens que queríamos ouvir
uma sua palavra, ele disse com duçura e humildade: “O representante
diante do representado não é mais nada”, e indicando o P. Rua, com una
inclinação retirou-se”.18)
Nos dias seguintes apresentou ao P. Rua uma minuciosa exposição do
estado das obras e dos irmãos da América. O P. Gusmano, depois da morte
do P. Albera, escreveu uma prestação de contas sintética da visita:
“Do que fez o P. Albera nos três anos (de 7 de agosto de 1900 até 11 de
abril de 1903) passados em visitar as 215 casas dos Salesianos e das Filhas
de Maria Auxiliadora, percorrendo as Repúblicas do Uruguai, Paraguai,
Argentina, [Brasil], Chile, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela,
Centro América, México e América do Norte, foi referido amplamento no
Boletim Salesiano; todavia, não posso deixar de fazer alguma observação
de maior importância.
Nota característica da sua viagem foi particularmente o entusiasmo
despertado pela sua visita em todos os lugares. As demonstrações recebidas
18 Garneri 222.

9.2 Page 82

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80 Capítulo 5
tinham em toda parte algo de extraordinário, de incrível: autoridades
eclesiásticas, civis e militares corriam ao seu encontro à frente das suas
povoações e o cobriam de honras, como pessoa de grande celebridade.
À medida que a visita caminhava, uma expressão era comum nos lábios
de todos: “Não se podia escolher uma pessoa que representasse melhor
Dom Bosco!”. De Dom Bosco com quem conviveu por tantos anos, o P.
Albera falava sempre. Em qualquer discurso, em qualquer recomendação
sua, entrava naturalmente Dom Bosco, seu pensamento, sua palavra; isto
explica a eficácia persuasiva que da palavra do P. Albera.
Os cooperadores e as pessoas que se aproximavam dele, não sabiam
mais como separar-se dele, tanto as atraía com seu aspecto sorridente, sua
nobreza de trato, o encanto da sua humildade, e particularmente com a
sua palavra insinuante que tornava dóceis os ânimos ao seu zelo e à sua
caridade.
A bênção de Maria Auxiliadora estava em suas mãos como um instru-
mento de graças e prodígios, às vezes extraordinários, para as almas que
piamente a recebiam. Incrível a dedicação do P. Albera para com os pobres
leprosos dos lazaretos da Colômbia... Não houve obra pela qual não se
interessasse. Quis visitar todos os doentes que não podiam deixar a cama,
ouvindo com profunda compaixão a história dos seus sofrimentos, os
episódios de sua vida, e com palavras maternais confortando-os e encora-
jando-os a sofrer com resignação cristã.
A visita às casas era um trabalho de outro tipo, não menos pesado,
porém. O P. Albera tinha como norma deixar aos irmãos a mais ampla
liberdade de dizer-lhe tudo o que quisessem. Se não era suficiente o dia,
consagrava a isso boa parte da noite, mas desejava que todos pudessem ter
essa satisfação. “Não se vem da Itália, dizia, enfrentando tantos incômodos,
para não deixar plenamente satisfeitos os irmãos!”.
Sem dúvida, deve-se a uma assistência particular da Santa Virgem
Maria, se o P. Albera pôde resistir por três anos a um trabalho tão intenso
e contínuo sem adoecer, ele que tinha uma saúde tão delicada. Passar dias
inteiros a cavalo, viajar debaixo de chuva torrencial por quinze dias; dormir
às vezes numa estrebaria abandonada ou sobre uma esteira levantada um
metro do chão; alimentar-se mal só com espigas de milho cozido; ter as
pernas duras, quase enregeladas no alto da Cordilheira: são alguns dos
inumeráveis incômodos que ele teve de enfrentar, sustentado por uma
força arcana”.19)
19 Ibid. 223-225.

9.3 Page 83

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A visita às casas salesianas da América (1900-1903) 81
Aqueles trinda e dois meses de viagem em condições incômodas
tinham-no submetido a forte provação no seu físico, mas também libertado
da melancolia dos anos anteriores. Sua visita foi providencial para os
irmãos, as irmãs e as instituições. As detalhadas relações enviadas por ela
ao apdre Rua põem em evidência a realidade concreta da obra salesiana no
Novo Mundo. Luzes e sombras, heroísmos e misérias, sucessos e falências
tinham-lhe inspirado ações bem calibradas, que revelam seu ponderado
juízo crítico, uma prudência impregnada de caridade, um discernimento
respeitoso das pessoas e das situações locais, mas também uma grande
força de caráter e uma rápida capacidade de tomar decisões, dotes pecu-
liares do superior religioso inteligente e equilibrado.
Sua visita foi muito útil para os irmãos e as irmãs, nutridos com suas
substanciosas pregações, confortados e encorajados com sua amável pater-
nidade nos colóquios pessoas. Foi muito útil para ele mesmo. Crescera seu
conhecimento do coração humano e do carisma Salesiano. Ampliou sua
visão, constatando a fecundidade do espírito de Dom Bosco enxertado
nas diversas culturas. Deu-se conta da providencialidade e da urgência da
missão educativa salesiana. Também compreendeu quanto era necessário
encaminhar processos formativos mais sólidos para formar Salesianos
equilibrados e virtuosos. Sem dúvida, Deus preparava-o para a sua futura
missão.

9.4 Page 84

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82 Capítulo 5

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83
Capítulo 6
JUNTO AO P. RUA ENTRE 1903 E 1910
1903-1907
Em Turim retomou seu trabalho depois de poucos dias de descanso.
Em maio participou do Terceiro Congresso dos Cooperadores. Levou a
saudação dos cooperadores da América e fez uma relação sobre sua longa
viagem. O Boletim Salesiano sintetiza assim seu discurso: “O P. Albera
traz a saudação dos cooperadores da América. Narra as viagens feitas em

9.6 Page 86

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84 Capítulo 6
doze Repúblicas, e o que viu com seus olhos no outro lado do oceano...
Ele descreve alguns episódios que lhe aconteceram ao atravessar aqueles
espaços intermináveis, visitando as casas salesianas e os frutos abundantes
que se recolhem naquelas regiões distantes para a glória imortal de Dom
Bosco...
Com palavras simples, mas escolhidas, segue passo a passo o caminho
da obra salesiana... Fala dos efeitos produzidos entre aqueles povos para o
reflorescimento da piedade: desde os indígenas, que deposta a antiga fero-
cidade, sob a direção das irmãs de Maria Auxiliadora realizam trabalhos
ao modo dos europeus, até os leprosos, em Agua de Dios, a cidade da dor,
onde se assiste à decomposição do próprio corpo antes de morrer. Narra
episódios tocantes e heroísmos que somente uma graça divina pode levar a
operar, até o de pedir como suma graça poder viver e morrer entre aqueles
leprosos. Explode um longo aplauso quando narra a respeito do missio-
nário Evásio Rabagliati, que consagrou a própria vida a essa obra”.1)
No dia 17 de maio de 1903 celebrou-se a coroação de Nossa Senhora
Auxiliadora. O P. Albera escreveu no seu diário: “Grande dia!... Foi
realmente um triunfo da devoção de Maria Auxiliadora. Assisti as funções
de igreja e passei momentos deliciosos”. Nos dias seguintes representou o
P. Rua em Lombriasco e em Lanzo Torinese para as celebrações em honra
de Maria Santíssima. Depois vieram os meses dos exercícios espirituais:
“Como Diretor Espiritual da nossa Pia Sociedade tenho o dever particular
de rezar pelo bom êxito dos exercícios espirituais”, escreveu.2) Pôs-se total-
mente à disposição para as longas horas de colóquio com os retirantes, a
ponto de sua saúde se ressentir. Em dezembro foi obrigado a retirar-se para
a casa salesiana de Mathi a fim de refazer as forças.
Retomou as visitas canônicas em fevereiro de 1904. Antes visitou as
casas do Piemonte, depois foi a Roma, onde no dia 11 de abril participou
da Missa do Papa Pio X, animada por um coro de mil seminaristas. Em
seguida viajou até Caserta, Nápoles e Messina. Na Sicília permaneceu
um mês visitando todas as obras dos Salesianos e das irmãs. O P. Argeu
Mancini, que naquele ano era noviço, narra: “Foi então que eu tive uma das
mais belas impressões.
O P. Albera fora afetado por um terrível reumatismo no braço direito,
que lhe causava fortíssimas dores e que lhe imobilizou o braço. Naquela
ocasião admirei a sua paciência. Ele quis assim mesmo sair de São Gregório,
1 BS 1903, 165.
2 ASC B0320106, Notes usefull…, 17.05.1903; 9.08.1903.

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Junto ao P. Rua entre 1903 e 1910 85
onde se encontrava, para continuar a dar um giro pelas casas; mas o braço
continuava a doer-lhe terrivelmente... Nessa circunstância e em outras pude
compreender que a sua piedade, que parecia conferir-lhe um aspecto rígido
que me tinha impressionado no começo, não lhe impedia a familiaridade
nas conversas e a manifestação de sua extrema bondade...!”.3) Depois de São
Gregório visitou Bronte, Randazzo, Siracusa, Palermo, San Giuseppe Jato,
Marsala. Daí passou a Túnis e finalmente a Marselha. Em seguida voltou a
Turim no dia 1º de julho.
Em agosto estava em Sampierdarena para acolher Dom Calgliero e
acompanhá-lo até Turim por ocasião do décimo Capítulo Geral. Naqueles
dias o P. Rua não estava bem. O para Albera escreveu no diário: “O nosso
superior P. Rua etá doente: ofereço a minha vida para que ele obtenha a
saúde”. O superior se refez e pôde participar do Capítulo, que foi celebrado
em Valsalice de 23 de agosto a 13 de setembro de 1904. No dia 24 de agosto
o P. Albera foi confirmado no cargo de Diretor Espiritual Geral. Naquela
noite anotou: “Fui reeleito Diretor Espiritual como antes. Mas não posso
me alegrar com esta eleição; aliás, sinto pena porque tenho consciência de
toda a minha incapacidade”.4)
Depois do Capítulo Geral foi enviado à França, porque se temia o açam-
barcamento de outras obras por parte do governo. Na volta retomou a
visita canônica às casas salesianas: esteve em Verona, Gorizia, na Áustria e
na Polônia; retornou a Turim no dia 10 de dezembro.
Sua saúde tinha piorado a ponto de nos inícios de fevereiro dee 1904, por
ordem do P. Rua, ter que transcorrer um mês no clima suave de Marselha.
Voltou na metade de março, pouco aliviado. Sentia forte dor de estômago.
Por obediência aceitou ir tratar-se em Recoaro. De lá visitou as casas do
Vêneto. Voltando ao Piemonte, na segunda metade de setembro, transfe-
riu-se a Mathi para continuar as terapías. Incomodava-o essa inatividade
forçada. Escreveu à senhora Olive: “Agradeço as orações que fez pela minha
saúde. Agora estou melhor. Mas preciso que Deus me conceda a graça de
poder trabalhar um pouco para sua glória e para o bem das almas. Até
agora não fiz nada. O que haverei de apresentar ao seu tribunal?”.
No dia 6 de janeiro de 1906 acompanhou até Sampierdarena os missio-
nários que deviam zarpar. Entre eles se encontrava seu ex-aluno de
Marselha, o P. Ludofico Olive. Depois permaneceu na França até a metade
de março. Entre agosto e setembro, graças à melhora do seu estado físico,
3 Garneri 229.
4 ASC B0320106, Notes usefull…, 24.08.1904.

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86 Capítulo 6
pôde participar de vários turnos de exercícios espirituais. No di 23 de
agosto, na conclusão do retiro de Lanzo, deixou aos irmãos as seguintes
três lembranças: “1. Amor à vocação e à Congregação. 2. Cuidar da nossa
perfeição. 3. Zelo pela salvação das almas”.
No final dos exercícios reservados aos Diretores, no dia 1º de setembro,
recomendou-lhes: “Recordai-vos que somos religiosos; que somos sacer-
dotes; que somos filhos de Dom Bosco”.5) Na segunda metade daquele
mês foi enviado a Paris em apoio ao P. Bologna para resolver os problemas
daquela inspetoria. Visitou também as obras da Bélgica. Transcorreu os
últimos meses do ano em Turim e pôde prestar-se ao ministério pastoral
em favor dos jovens de Valdocco e de outras casas.
Os últimos três anos como Diretor Espiritual Geral foram os mais cansa-
tivos. A saúde continuava a atormentá-lo, a ponto de pensar que já estava
próximo da morte. No dia 1º de janeiro de 1907 escreveu no seu diário:
“Este ano, que pode ser o último da minha vida, deveria ser empregado
em fazer o bem para a glória de Deus e a salvação da minha alma. Para
isto, tomei as seguintes resoluções: 1. Este ano será consagrado de modo
especial ao Sagrado Coração de Jesus. 2. Terei continuamente diante dos
olhos o pensamento da morte. 3. Aceito desde hoje o tipo de morte que
Deus quiser que eu tenha. 4. Aceito desde hoje os sofrimentos que Deus
quiser me mandar e todas as penas que Ele julgar que serão úteis para mim.
5. Prometo praticar melhor a humildade, a caridade, a mortificação e todas
as virtudes que convêm a um religioso e a um sacerdote”.6)
Sofreu também pela morte de pessoas queridas. O primeiro foi o P.
Bologna, falecido repentinamente no dia 4 de janeiro enquanto se encon-
trava em Valdocco: “Sofri muitíssimo porque amei muitíssimo este irmão,
com quem passei muitos anos na França”. Poucos dias depois expirou uma
senhora da família Olive, por ele dirigida espiritualmente. Nos inícios
de março morreram, em poucas horas de diferença, dois irmãos do P.
Gusmano: um deles era Diretor do colégio de Messina. No dia 27 de março
foi a vez do P. Celestino Durando, membro do Conselho Superior e seu
companheiro desde menino. Ficou profundamente emocionado: “Creio
que o próxomo sepultamento que haverá no Ortório será o meu!”.7)
Nesse meio tempo o P. Rua lhe confiou o encargo de escrever uma
carta circular sobre a pobreza. Aplicou-se a essa tarefa inspirando-se no
5 ASC B0320107, Notes usefull…, 23.08.1906.
6 ASC B0320107, Notes usefull…, 1.01.1907.
7 ASC B0320107, Notes usefull…, 4.01.1907; 27.03.1907.

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Junto ao P. Rua entre 1903 e 1910 87
livro de Dom Carlos Luís Gay, Da vida e das virtudes cristãs vividas no
estado religioso. Terminou a redação no dia 27 de janeiro e a apresentou
ao Reitor-Mor. “O P. Rua foi muito indulgente para com o meu pequeno
trabalho: aceitou-o com satisfação e me agradeceu. Mas eu sei como é fraca
a minha conferência na sua substância, na forma e no sentimento: outros
teriam sabido fazê-la muito melhor do que eu”.8) A carta sobre a pobreza,
assinada pelo P. Rua no dia 31 de janeiro dee 1907, foi enviado aos irmãos no
dia 13 de fevereiro.9) É considerada uma das circulares mais importantes.
Esse encargo deixou-o confortado, pois ele tinha na cabeça a ideia de que
o P. Rua não estivesse contente com seu trabalho. Não sabemos o motivo
dessa percepção, talvez devida a um simpes mal-entendido, ampliado pela
situação de fragilidade em que se encontrava. Confidenciou-se com o P.
Barberis e este conseguiu convencê-lo de que não havia motivos para se
afligir. Pedia insistentemente a Deus que dissipasse esse mal-entendido.
A situação se resolveu. Aquele foi para ele um dos períodos mais duros.
Considerou-o uma purificação por parte de Deus.
No dia 23 de julho de 1907 o Papa proclamou Dom Bosco venerável. A
alegria dos Salesianos foi grande, mas de breve duração. Pocuos dias depois,
de fato, explodiu um escândalo calunioso contra o colégio de Varazze. O P.
Ceria fala disso como de uma maquinação diabólica, destinada a demolir
a Congregação Salesiana. Eram gravíssimas as acusações de imoralidade,
totalmente inventadas. A notícia dos “fatos de Varazze” foi maliciosamente
inflada pelos jornais anticlericais. A autoridade judiciária decretou por
algum tempo o fechamento da obra.
Num primeiro momento os Salesianos ficaram transtornados. Depois,
apoiados por ex-alunos e amigos, reagiram, denunciaram a calúnia e
pediram justiça. O tribunal reconheceu a total inconsistência das acusações;
todavia, nesse meio tempo tinham transcorrido meses difíceis. O diário do
P. Albera reflete a dor do P. Rua, o espanto, a ansiedade de todos, a firmeza
e a energia dos superiores maiores para a tutela do bom nome Salesiano.
Foram tomadas precauções. No dia 12 de agosto o Reitor-Mor o encar-
regou de comunicar aos inspetores as decisões do Conselho Superior para
evitar no futuro de dar qualquer margem a ataques desse tipo.
Apesar da tesmpestade daqueles dias, o P. Albera participou de todos
os turnos de exercícios espirituais que era costume fazer entre o verão e o
outono. Fazia um ano que substituía também o P. Carlos Baratta, superior
8 ASC B0320107, Notes usefull…, 27.03.1907.
9 LCR 360-377.

9.10 Page 90

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88 Capítulo 6
da Inspetoria Subalpina, ausente por enfermidade. Assim, participou dos
encontros dos inspetores em Valsalice. Em outubro esteve na França para
pregar retiros. Depois continuou até a Espanha, onde se celebravam gran-
diosas festas em honra de Dom Bosco venerável.
1908-1910
Iniciou o ano de 1908 sempre em situação de saúde precária. Apesar
disso, levou a termo todos os encargos que o P. Rua lhe tinha confiado.
Escreveu a circular que anunciava a próxima visita canônica extraordi-
nária a todas as casas da Congregção por parte de delegados do Reitor-Mor.
Presidiu na França às festas em honra do venerável Dom Bosco. Visitou
algumas casas do Piemonte e os Institutos de Parma, Bolonha e Pisa.
Pregou exercícios espirituais em Lanzo, Valsalice e Lombriasco. No dia 18
de outubro escreveu no seu diário: “Hoje faz cinquenta anos que cheguei
ao Oratório. Penso com tristeza que não aproveitei das graças de Deus
durante 50 anos!”. Naquele dia o P. Rua começou a sentir-se mal: “O P. Rua
está doente. Rezo muito ao bom Deus para que lhe conceda saúde melhor
para o bem da nossa Pia Sociedade”.10)
No dia 12 de novembro foi até sua terra natal para visitar os irmãos e
rezar junto ao túmulo dos pais: “Vejo os meus irmãos: talvez seja a última
vez que eu vejo toda a minha família”.11) Voltava-lhe novamente o pensa-
mento do seu fim próximo, especialmente quando sofria do estômago que
o atormentava muito depois do almoço e de noite.
No dia 28 de dezembro de 1908 um terrível terremoto em poucos
segundos devastou as cidades de Messina e de Reggio Calabria. A imensa
catástrofe causou mais de cento e vinte vítimas. No Colégio Salesiano de
Messina morreram nove irmãos, trinta e nove rapazes e quatro operários.
O diário do P. Albera traduz o espanto e as preocupações daqueles dias:
a partida do P. Gusmano e do P. Bertello para a Sicília, o tamanho do
desastre, o número de mortos.
O P. Rua enviou imediatamente um telegrama aos Bispos e aos Prefeitos
das duas cidades devastadas: “Ansioso pela sorte dos meus irmãos e alunos
da Calábria e da Sicília, penso em implorar sobre eles a bondade de Deus,
abrindo novamente as portas dos meus Institutos aos jovens órfãos por
10 ASC B0320107, Notes usefull…, 18.10.1908.
11 ASC B0320107, Notes usefull…, 12.11.1908.

10 Pages 91-100

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10.1 Page 91

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Junto ao P. Rua entre 1903 e 1910 89
causa do terremoto. Telegrafei a Catânia ao Inspetor Salesiano, P. Barto-
lomeu Fascie, para que se ponha à disposição de V. E. e do Ex.mo Prefeito
para providenciar às necessidades mais urgentes dos jovens que estão
sofrendo...”.12)
Houve imediata mobilização de todos os Colégios Salesianos da Itália
para acolher os órfãos. Na noite do dia 31 de dezembro, apesar das péssimas
condições de saúde, o P. Rua desceu até o teatro de Valdocco para falar aos
seus. Entre a comoção geral, leu o telegrama que tinha chegado poucas
horas antes e que relatava com exatidão a respeito das numerosas vítimas
do Instituto de Messina. Apresentou a estreia. O tom de voz, o tremer
das mãos e toda a pessoa, a dor intensa que sentia no coração, fizeram
profunda impressão no P. Albera e em todos os presentes. Entre os dias 4 e
5 de janeiro de 1909, no santuário de Maria Auxiliadora, foram celebrados
ofícios fúnebres em sufrágio dos Salesianos, dos alunos, dos cooperadores
defuntos e de tantas outras vítimas. O P. Rua, fraquíssimo, não pôde cantar
a Missa Solene, como teria desejado. Durante a celebração permaneceu
de joelhos, com o corpo e o rosto marcados pelo sofrimento. Estava para
completar setenta e dois anos e notava-se a iminência do seu fim.
Nos meses seguintes o P. Albera ficou em Valdocco junto ao P. Rua,
enfermo, para ajudar o Prefeito Geral, P. Felipe Rinaldi, na gestão dos
assuntos mais urgentes. Apenas o superior se recuperou, foi a Roma. No
dia 21 de abril representou o Reitor-Mor na tomada de posse do novo
Pároco da basílica de Santa Maria Libertadora no Testaccio. Participou de
beatificação de João Eudes, o apóstolo da devoção do Sagrado Coração.
Assistiu ao consistório no qual Pio X nomeou o Salesiano P. João Marenco
Bispo de Massa.
No dia 1º de maio foi recebido em audiência privada pelo Papa e
referiu-lhe a situação de saúde do P. Rua e a situasção da Congregação.
Continuou viagem até Nápoles e a Sicília. No dia 19 embarcou em Palermo
rumo a Túnis, onde permaneceu até o dia 9 de junho. De lá foi para
Marselha, para uma rápida visita às casas salesianas francesas. Voltou
a Turim no dia 23 de junho, em tempo para participação da tradicional
“festa da gratidão” em honra do Reitor-Mor. Depois se dedicou à costu-
meira pregação de exercícios espirituais.
No dia 22 de novembro de 1909 foi a San Benigno Canavese para as
reuniões do Conselho Superior. Escreveu no diário: “A saúde do P. Rua não
é nada boa”. Acompanhou-o de volta a Turim. “O P. Rua é sempre obrigado
12 BS 1909, 35.

10.2 Page 92

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90 Capítulo 6
a ficar acamado – anotou no dia 14 de dezembro –. Meu Deus, eu te peço,
concede a saúde ao nosso Pai”. No último dia do ano anotou: “Passei um
pouco de tempo examinando meu comportamento. Sinto grande vergonha
em reconhecer que a minha piedade fica marcando passo. Veja que a minha
caridade é muito imperfeita. Falto também à humildade. As decisões do
ano passado ficaram infrutuosas. Meu Deus, tende piedade de mim!”.13)
O primeiro sucessor de Dom Bosco ia piorando gradualmente. Pareceu
melhorar em janeiro de 1910. Mas em fevereiro recomeçou a declinar. Todas
as cartas do P. Albera naquele período solicitam orações para o superior.
“Ele está gravemente enfermo – escreveu no dia 28 de fevereiro ao inspetor
do Brasil. –. Hoje houve uma leve melhora, mas não é tudo o que o nosso
afeto deseja. Espero que tenha recebido a última circular mensal em que
são dadas notícias do querido enfermo. Informaremos novamente, e queira
Deus que possamos dar notícias melhores. O P. Rua está calmo e sereno.
Seu comportamento na doença é o de um santo...”.14) Os médicos diagnos-
ticaram uma “miocardite senil”, que exauria inexoravalemtne as energias
do seu corpo. No dia 14 de março, sentindo que o fim se aproximava, pediu
que se fizesse o inventário das estantes e das gavetas da sua escrivaninha.
No Domingo de Ramos o rosto e as mãos do P. Rua começaram a
inchar. Depois de três dias pediu o viático para o dia seguinte. A Eucaristia
foi levada na quinta-feira santa pelo Prefeito Geral, P. Rinaldi, precedido
processionalmente por outros Salesianos. Antes de receber a hóstia, o P.
Rua falou aos presentes: “Nesta circunstância sinto o dever de dirigir-vos
algumas palavras. A primeira é de agradecimento pelas vossas contínuas
orações: muito obrigado, Deus vos recompense também pelas que fareis
agora... Eu sempre pedirei a Jesus por vós...
Tenho muito a peito que todos nós nos tornemos e conservemos dignos
filhos de Dom Bosco. Dom Bosco no leito de morte nos marcou um
encontro: até logo no Paraíso! Esta é a lembrança que nos deixou. Dom
Bosco fazia questão de querer no céu todos os seus filhos; por isso, reco-
mendo-vos três coisas: grande amor a Jesus sacramentado; viva devoção
a Maria Santíssima Auxiliadora; grande respeito, obediência e afeto aos
pastores da Igreja, especialmente ao Sumo Pontífice. Esta é a lembrança
que vos deixo. Procurai tornar-vos e ser dignos filhos de Dom Bosco. Eu
não deixarei de rezar por vós...”.15)
13 ASC B0320108, Notes usefull…, 14.12.1909.
14 Garneri 241-242.
15 LCR 534.

10.3 Page 93

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Junto ao P. Rua entre 1903 e 1910 91
O P. Albera naqueles dias estava em San Benigno para a conclusão dos
exercícios espirituais. Voltou a Turim e no dia 29 de março administrou
a unção dos enfermos ao superior que estava morrendo. Várias vezes
ao dia ia até o leito do enfermo para confortá-lo. No dia 2 de abril o P.
Rua lhe perguntou: “Depois da minha morte, onde vão me colocar?”. Ele
respondeu bastante impressionado: “Oh, senhor P. Rua, nós não pensamos
nessas coisas. Aliás, esperamos que o senhor possa sarar e fazer ainda um
grande bem”.
O P. Rua continuou brincando: “Veja, eu lhe fiz essa pergunta porque
não gostaria que no dia do juízo tivesse de procurar meus pobres ossos
num lugar, ao passo que estão em outro, devendo girar muito para encon-
trá-los!”. Na noite do dia 4 de abril o P. Rua mandou chamar seu confessor,
P. Francesia, que acorreu imediatamente: “Apanhe o ritual e leia as orações
da recomendação da alma”. No dia 5 fez a Comunhão, era a última de sua
vida. O recolhimento e a devoção com que a recebeu impressionou a todos
os presentes.16)
Faleceu na manhã da quarta-feira, dia 6 de abril de 1910, depois de
algumas horas de agonia. O P. Albera anotou no seu diário: “Hoje é um
dia semelhante ao dia 31 de janeiro de 18888: somos novamente órfãos!”.17)
O funeral foi celebrado no sábado, com uma participação imensa de povo.
No dia seguinte escreveu ao P. Peretto: “Temos mais do que razões para
chorar um superior tão bom e tão santo. Sua morte e seus funerais nos
fizeram conhecer o grande tesouro que ele era e quanto perdemos com
a sua morte...”. No Domingo, dia 1º de maio, comentou numa carta ao P.
Vespignani: “Era preciso esperar fatalmente esta perda, mas nós não nos
tínhamos preparado a sofrê-la. Quanto mais formos para frente, mais
sentiremos quanto nós perdemos”.
No dia 10 de junho, com o P. Felipe Rinaldi, Prefeito Geral dos Sale-
sianos, foi recebido em audiência pelo Papa Pio X. Ele “lamentou profun-
damente a morte do nosso falecido Reitor-Mor e manifestou sua elevada
estima por ele; ao mesmo tempo usou afetuosas e paternais expressões de
encorajamento para toda a família salesiana”.18)
16 Garneri 242-243.
17 ASC B0320109, Notes usefull…, 6.04.1910.
18 BS 1910, 205.

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92 Capítulo 6

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93
Capítulo 7
OS PRIMEIROS ANOS DE REITORADO (1910-1913)
P. Paulo Albera com o novo Cardeal João Cagliero
e o P. Pedro Ricaldone (Roma, dezembro de 1916)
Segundo sucessor de Don Bosco (1910)
No dia 15 de agosto de 1910, em Valsalice, iniciou o décimo primeiro
Capítulo Geral, com os exercícios espirituais pregados pelo P. Albera, como
estabelecera o próprio P. Rua. No início dos trabalhos chegou uma carta

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94 Capítulo 7
autógrafa de Pio X que exortava os membros a eleger como Reitor-Mor
aquele que julgavam in Domino mais apto para manter o verdadeiro
espírito da regra, para encorajar e dirigir à perfeitção as múltiplas obras de
caridade e de religião”, às quais os Salesianos se consagram. Em seguida
foi lida a mensagem do Cardeal Protetor, Mariano Rampolla, que fazia
votos em favor de “um digno sucessor de Dom Bosco e do P. Rua, que
saiba sabiamente conservar sua obra, aliás, fazê-la crescer com novo incre-
mento”. No dia seguinte, dia 16 de agosto, procedeu-se à votação. Como
lemos no Boletim Salesiano, no primeiro escrutínio foi eleito com ampla
maioria o P. Albera.
“Explodiu um caloroso aplauso e todos se levantaram para prestar a
primeira homenagem ao segundo sucessor de Dom Bosco, enquanto o
novo eleito explodia em prantos... “Eu vos agradeço a demonstração de
confiança e de estima que me destes, mas receio que em breve tenhais que
fazer outra eleição!”. A comoção dos presentes cresceu diante da humilde
declaração do novo reitor, mas se transformou em alegre entusiasmo
quando o P. Rinaldi, levantando um envelope selado, disse que ele continha
uma afetuosa memória. E narrou que no dia 22 de novembro de 1877, feste-
jando-se São Carlos no homônimo colégio de Borgo San Martino, perto
de Casale Monferrato, ele [P. Rinaldi], jovem de 20 anos, sentado à mesa
com Dom Ferré e com Dom Bosco, rodeados por poucos outros convi-
dados, tinha-os ouvido recordar as graves dificuldades apresentadas contra
o jovem clérigo Paulo Albera por parte do seu Pároco e do Arcebispo, para
não se fazer Salesiano.
Dom Ferré, perguntando a Dom Bosco se aquele seu discípulo tivesse
sido vitorioso em meio a todas essas oposições, ouviu Dom Bosco responder
nos seguintes termos: “O P. Albera, não só superou aquelas dificudlades,
mas superará muitas outras e será o meu segundo...”. Não completou a
frase com voz clara, mas passando a mão sobre a fronte, o venerável ficou
um instante como que absorto numa visão distante e depois concluiu: “Oh,
sim, o P. Albera será para nós de grade ajuda”. O P. Rinaldi terminou sua
narração dizendo que jamais tinha esquecido esse dia... que, pelo contrário,
desde aquele tempo, esteve sempre convencido de que o P. Albera, não outro,
seria o segundo sucessor de Dom Bosco. De fato, bem antes da morte do
P. Rua, ele tinha posto por escrito as palavras de Dom Bosco, dando-as a
conhecer a vários Salesianos, entre os quais o secretário geral, P. Lemoyne,
a fim de que aqueele anúncio profético jamais pudesse ser esquecido”.1)
1 BS 1910, 267-268.

10.7 Page 97

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Os primeiros anos de Reitorado (1910-1914) 95
Conserva-se ainda o envelope e o autógrafo do P. Rinaldi, datado em
27 de fevereiro de 1910, com a “profecia” de Dom Bosco.2) Na realidade,
o P. Albera ficou profundamente perturbado pela escolha dos membros
do Capítulo Geral. Não se considerava apto. Naquela noite ele escreveu no
diário: “Este é um dia muito infeliz para mim. Fui eleito Reitor-Mor da
Pia Sociedade de São Francisco de Sales. Que responsabilidade sobre meus
ombros! Agora mais do que nunca devo gritar: Deus, in adiutorium meum
intende! [Vinde, ó Deus, em meu auxílio!]. Chorei muito, especialmente
diante do túmulo de Dom Bosco”.3)
Os órgãos de imprensa deram relevo ao acontecimento e puseram em
evidência as qualidades do novo Reitor-Mor. “Homem de temperamento
suave, mas de pulso firme, tem nos olhos, na voz e no gesto lento a suavidade
do seu predecessor... Ri raramente, mas sorri sempre. No sorriso, no olhar e
no gesto lento transparece a grande bondade do seu coração” (Il Momento).
“O cargo de Diretor Espiritual conferiu ao P. Albera uma espécie de fisio-
nomia mística; sua obra, porém, desenvolvida na França e na América,
está aí para demonstrar que ele saberá com igual competência, serenidade
e amplidão de horizontes, guiar a grande família salesiana pelas pegadas
deixadas por Dom Bosco e pelo P. Rua” (La Stampa).
“O P. Paulo Albera é um dos mais antigos alunos e foi um dos mais apre-
ciados por Dom Bosco... É um homem de visão larga e moderna, um tanto
magro, de estatuda média e fisionomia de asceta” (Il Corriere della Sera).
“O P. Albera, no ambiente em que vive e onde desenvolve sua obra muito
ativa, é considerado como pessoa de inteligência não comum e de opero-
sidade incansável” (La Gazzetta del Popolo). “A grande bondade, uma visão
precisa do que se refere aos espíritos e um modo delicadíssimo na formação
das almas é uma das características principais do venerando sacerdote, que
também demonstrou grande competência e habilidade em levar a cabo
tarefas muito difíceis referentes ao desenvolvimento da Sociedade, que lhe
foram confiadas peloa P. Rua e por Dom Bosco” (L’Unione). “Na opinião
de todos os que puderam se aproximar dele, no P. Albera Dom Bosco
transfundiu grande parte do seu espírito. Basstaria dizer que na França
era chamado de le petit don Bosco! A Sociedade Salesiana continuará sob
a sua direção a percorrer os caminhos dos triunfos da Igreja e da pátria”
(L’Osservatore Romano).
Nos dias após a eleição o Papa enviou a sua bênção. O P. Albera escreveu
2 ASC B0250218, ms. F. Rinaldi.
3 ASC B0320109, Notes usefull…, 16.08.1910.

10.8 Page 98

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96 Capítulo 7
o seguinte programa num folheto que conservará sempre consigo: “Terei
sempre Deus diante dos olhos, Jesus Cristo como modelo, a Auxiliadora
como ajuda, a mim mesmo em sacrifício”.
No dia 17 de agosto foram eleitos os demais membros do Conselho
Superior: o Prefeito Geral, P. Felipe Rinaldi; o Diretor Espiritual Geral, P.
Júblio Barberis; o Ecônomo Geral, P. José Bertello; o Diretor dos Estudos, P.
Francisco Cerruti; o Diretor das Escolas Profissionais, P. José Vespignani; o
Conselheiro [Secretário] Geral, P. Luís Piscetta.
Numa circular aos Salesianos o P. Albera manifestou seus sentimentos
no momento da eleição: “Pareceu-me ficar esmagado sob o peso de tão
grande responsabilidade. Teria querido subtrair-me a um encargo que eu
sabia há muito tempo que era superior a minhas fraquíssimas forças físicas,
inteletuais e morais. Via-me rodeado de muitos outros mais preparados
para assumir o governo da nossa Pia Sociedade, mais dotados de virtudes
e saber... Mas temendo resistir à vontade Deus, que naquele instante
parecia manfistar-se, embora com imenso sacrifício, abaixei a cabeça e me
submeti. Sabe Deus, porém, a angústia que torturou meu coração naquela
conjuntura, quantas lágrimas derramei, que sensação de desânimo tomou
conta de mim.
Apenas tive oportunidade, corri a atirar-me aos pés do nosso venerável
Pai... A ele, mais com o pranto do que com palavras, expus minhas preo-
cupações, meus temores, minha extrema fraqueza, e dado que era neces-
sário carregar a pesada cruz que tinha sido posta sobre meus ombros vaci-
lantes, com todo o fervor pedi que viesse em minha ajuda. Levantei-me
daquele sagrado sepulcro de Valsalice, senão totalmente tranquilo, pelo
menos mais confiante e resignado. Não é necessário que eu acrescente que
prometi a Dom Bosco e ao P. Rua que nada pouparia para conservar na
nossa humilde Congregação o espírito e as tradições que deles aprende-
mos...”.4)
Na conclusão do Capítulo Geral iniciou seu serviço: o da visita às
várias obras, das viagens na Itália e na Europa, dos encontros públicos; o
menos visível, mas determinante, de animação e governo da Congregação
mediante reuniões do Conselho Superior, encontros com os inspetores
e Diretores, colóquios pessoais, asta correspondência epistolar e cartas
circulares.
Prosseguiu o modelo de governo inaugurado pelo P. Rua, aperfei-
çoando-o gradualmente: promoveu uma gestão colegial, segundo as linhas
4 LC 13.

10.9 Page 99

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Os primeiros anos de Reitorado (1910-1914) 97
de ação copartilhadas com os membros do Conselho Superior, e assegurou
amplo espaço de ação a cada um dos Conselheiros nas próprias áreas de
competência estabelecidas pelas Constituições e pelas deliberações capitu-
lares. Ao Prefeito Geral, P. Felipe Rinaldi, que fazia de vigário do Reitor-Mor,
confiou a responsabilidade dos assuntos ordinários, dos aspectos adminis-
trativos gerais, das intervenções disciplinares, do apoio aos missionários, das
relações com os ex-alunos e os cooperadores, da gestão do Boletim Salesiano.
Ao Diretor Espiritual Geral, P. Júlio Barberis, era “especialmente
confiado o cuidado dos noviços”, a promoção geral das vocações, “o perfil
moral e espiritual da Pia Sociedade e dos seus membros”, a difusão do culto
a Maria Auxiliadora e a alta direção dos oratórios festivos. O Ecônomo
Geral, P. Clemente Bretto, superintendia ao “estado material de toda a
Sociedade”, executava “as compras, as vendas, as construções”. Ao Conse-
lheiro Escolar, P. Francisco Cerruti, foi “delegado o cuidado geral de tudo
o que se referia ao ensino literário e científico, filosófico e teológico nas
casas da Pia Sociedade, tanto em relação aos sócios quanto em relação aos
alunos”. O Conselheiro Profissional, P. Pedro Ricaldone, tinha a responsa-
bilidade da “formação do pessoal adido às escolas profissionais e agrícolas,
aos trabalhos Domésticos e à instrução dos alunos”.
A primeira parte do Reitorado do P. Albera foi a mais dinâmica, cheia
de longas viagens, de encontros e grandes eventos. Terminado o Capítulo,
foi a Roma para receber a bênção do Papa e apresentar-se aos cardeais das
Congregações Romanas. No início de setembro participou do Congresso
Catequístico celebrado em Milão. Voltando a Turim, acompanhou os
preparativos para a expedição missionária anual. A despedida aconteceu
no dia 11 de outubro de 1910 na igreja de Maria Auxiliadora. Abraçou um
por um os cem missionários que partiam, deixando a cada um uma recor-
dação especial. Depois preparou um volume com a coletânea completa das
cartas circulares do P. Rua.
Na apresentação escreveu: “A vida do P. Rua foi um contínuo esforço
para imitar o venerável Dom Bosco. A isto é devido aquele incessante
progresso na perfeição, que nele foi admirado por todos os que se aproxi-
maram dele... Entre as virtudes que brilharam de vivíssima luz na vida do
nosso venerável Pai e Mestre, o saudoso senhor P. Rua disse que nenhuma
o tinha impressionado tanto quanto o zelo incansável de que estava
inflamado seu coração, e pareceu que ele se propôs copiar esse zelo em si
mesmo de modo especial; sendo assim, tinha em mente promover em toda
a parte e sempre a glória de Deus, salvar o maior número possível de almas:
a isso se destinavam todas as suas palavras e consagrava as suas atividades.

10.10 Page 100

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98 Capítulo 7
Este foi o único fim, a única aspiração de toda a sua vida laboriosíssima”.
Convidava, pois, “todos os os Salesianos desejosos de fazer todos os dias
algum passo na perfeição” a reler e meditar as circulares do P. Rua: “Elas
são como a quinta essência do espírito religioso, o compêndio dos tratados
de ascética, obras primas da pedagogia salesiana...”.5)
1911-1912
Na primeira carta circular, datada de 25 de janeiro de 1911, o novo
Reitor-Mor deeclarou que não queria apresentar-se “com a linguagem de
um superior e de um mestre, mas com a simplicidade e o afeto de um irmão
e de um amigo”, tentando unicamente ajudar a todos “a se mostrarem
sempre mais dignos filhos do nosso venerável Fundador e Pai”. Recordava
as virtudes e a obra do predecessor, e agradeceu ao Prefeito, P. Rinaldi,
por ter guiado a Congregação durante a enfermidade e depois da morte
do P. Rua. “Durante o governo do P. Rinaldi, escreveu, tudo correu em
ordem e regularidade, tanto no dentro da Congregação anterior, quanto
nas relações com os externos...
Nele encontraram um bom superior e um irmão afetuoso todos os inspe-
tores e os delegados que vieram dos lugares mais distantes para o nosso
Capítulo Geral XI”. Depois sintetizou os trabalhos do Capítulo, expressou
seus sentimentos e o sentido de inadequação para o cargo para que tinha
sido eleito, narrou a audiência pontifícia e o programa traçado pelo Papa:
“Recordai aos vossos dependentes que aquele a quem servem, Dominus est.
Mantenham fixo na mente o pensamento da presença de Deus, sejam todos
guiados pelo espírito de fé, com fervor realizem as suas práticas de piedade
e ofereçam a Deus seus trabalhos e sacrifícios. Deus esteja sempre na sua
mente e no seu coração”.
Finalmente, depois de apresentar as tristes consequências da revolução
em Portugal e em Macao, concluiu anunciado seu programa imediato:
diante do grande e providencial desenvolvimento da obra salesiana no
mundo, considerava que no momento não se deviam começar obras novas
– “mesmo que fossem ótimas e de grande utilidade para as almas” – mas
de preferência trabalhar para “consolidar as obras que nos foram deixadas
por Dom Bosco e pelo P. Rua”.6)
5 LCR 5.
6 LC 9-21.

11 Pages 101-110

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11.1 Page 101

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Os primeiros anos de Reitorado (1910-1914) 99
Sua principal preocupação, motivada pela experiência acumulada nos
anos anteriores, foi a de ajudar os irmãos a manterem um adequado equi-
líbrio entre ação e contemplação; fora um programa do seu serviço como
Diretor Espiritual Geral; agora sentia de forma mais intensa a urgência.
Assim, dedicou a segunda carta circular (15 de maio de 1911) ao espírito
ede oração, nota característica que explica a fecundidade prodigiosa da
ação de Dom Bosco e constitui “o fundamento do sistema preventivo”. Os
Salesianos devem compreender quanto é necessário este “espírito” para
santificar as ações diárias, para contrapor-se à “doença da agitação” e viver
fervorosos de espírito.7)
No dia 20 de fevereiro de 1911 participou da introdução da causa de
beatificação do P. andré Beltrami em Novara. No dia 6 de maio visitou
o Comitê das Obras Salesianas e Milão e deixou profunda impressão nas
pessoas presentes: “Saudando-o, pareceu-nos ter novamente diante de
nós as venerandas figuras do seus predecessores... Amplidão elevada de
visão, grande sentido prático e firmeza maravilhosa de propósitos aliam-se
a uma piedade profunda e exemplar modéstia; nele também intui-se,
sente-se o verdadeiro homem de Deus... Nenhum gesto, nenhum pose,
nenhum palavra solene..., mas, sem pretensões, uma aura de santidade que
vos fascina, uma palavra serena que toca toca as fibras mais recônditas do
coração…” (L’Unione).
Entre os dias 10 e 12 de maio esteve em Sampierdarena, a casa fundada
por ele e dirigida de 1871 a 1882. Participou ativamente do quinto Congresso
dos Oratórios Festivos e das Escolas de Religião nos dias 17 e 18 de maio.
Depois da festa de Maria Auxiliadora visitou as obras salesianas do Vêneto:
esteve em Trieste, Gorizia, Mogliano e Schio.
Em junho começou a viagem para a Espanha em companhia do P.
Pedro Ricaldone, ex-inspetor naquela nação, que poucos meses antes fora
eleito Conselheiro Profissional Geral. Depois de breves passagens pelas
casas da França, chegaram a Barcelona no dia 10 de junho. Hospedaram-se
na escola de Sarriá. Sábado, dia 17, participaram da bênção da cripta do
santuário dedicado ao Sagrado Coração no monte Tibidabo. Voltando a
Turim, presidiu o primeiro Congresso Internacional dos Ex-alunos Sale-
sianos celebrado em Valsalice em setembro. Os participantes eram um
milheiro, de diversas nacionalidades.
No dircurso conclusivo disse: “Assistimos a uma nova Pentecostes! Todas
as línguas que ouvimos ressoar neste ambiente, todas têm um só objetivo,
7 LC 25-39.

11.2 Page 102

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100 Capítulo 7
a glorificação de Dom Bosco. Eis que se verifica o que ele dizia quando
o consideravam maluco! Não tinha um palmo de terra onde instalar seu
primeiro oratório e dizia que um dia teria tido casas em todas as partes do
mundo! Seu sonho se realizou. Nós vemos aqui representantes dos alunos
educados nessas casas e ouvimos suas palavras emocionadas”.8)
Em outubro, depois da celebração de despedida de cinquenta missio-
nários destinados especialmente à China e ao Congo, o P. Albera partiu
para a Áustria, a Polônia e a Ucrânia. Visitou Oświęcim, Leópolis, Daszawa,
Przemyśl, Tarnow e Cracóvia. No dia 28 de outubro foi acolhido em Viena
com grandes honras pelos cooperadores e por personalidades do clero e
das instituições civis. Continuou viagem para Lubiana. Voltou a Turim na
metade de novembro.
Dedicou a carta circular de 25 de sembro de 1911 à Disciplina religiosa.
Explicou o significado que Dom Bosco atribuía à disciplina para “a
formação do homem interior”. Nas comunidades religiosas disciplinadas
– como tinha constatado em todas as partes do mundo – reina “a ordem
perfeita”, as mentes e os corações são unidos pelos vínculos da caridade. Ao
passo que onde falta a disciplina diminui o fervor, a unidade e a concórdia,
pouco a pouco esfria a piedade e o ardor pastoral. Sem a disciplina, tudo
vem abaixo, enquanto que a observância das Constituições e dos Regula-
mentos, a obediência pronta e alegre aos superiores transformam a comu-
nidade num paraíso e tornam fecunda a missão salesiana.9)
Na circular aos cooperadores de janeiro de 1912, depois de enumerar as
fundações e as realizações do ano anterior, o P. Albera propôs um intenso
programa operacional: promoção das vocações, abertura de oratórios
festivos, ajuda ao emigrados e amor ao Papa. Recomendou à caridade dos
cooperadores duas grandes igrejas em contrução, a Sagrada Família de
Florença e Santo Agostinho de Milão.10)
Para sustentar o desenvolvimento da Congregação e sua consolidação
convocou em Turim os inspetores da Europa, de 18 a 22 de março. Em
abril pôs-se em viagem para a Grã-Bretanha. Parou em Paris dois dias
para reeencontrar amgios e benfeitores. Permaneceu alguns dias na ilha
de Guernsey, onde os Salesianos administravam três Paróquias, e chegou
a Londres-Battersea ao entardecer do dia 17. Dedicou a maior parte do
tempo aos irmãos e aos alunos das três casas salesianas de Londres. Visitou
8 BS 1911, 316.
9 LC 55-62.
10 BS 1912, 6-8.

11.3 Page 103

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Os primeiros anos de Reitorado (1910-1914) 101
as autoridades eclesiásticas e os amigos da obra. Passou dois dias com
os noviços de Burwash no Sussex oriental, depois esteve no colégio de
Farnborough no Hampshire e nas escolas de Chertsey, confiadas às Filhas
de Maria Auxiliadora.
No dia 27 foi para a Bélgica: esteve em Tournai, Melle, Antoing e
Bruxelas, onde se encontrou com o Cardeal Mercier, o núncio e os ministros
do Exterior e das colônias, para tratar de questões relativas à presença dos
Salesianos no Congo. Visitou Groot-Bijgaarden e Sint-Denijs-Westrem.
No dia 10 de maio chegou a Liège para celebrar os vinte e cinto anos da
fundação do orfanato, inaugurar a exposição das escolas profissionais da
Bélgica e coroar a imagem de Maria Auxiliadora. De Liège escreveu à madre
Eulália Bosco, sobrinha do santo: “Por toda parte aonde vou, ouço falar de
Dom Bosco com indizível entusiasmo. A cada passo encontro provas da
sua santidade: alegro-me imensamente, como vos alegrais vós que sois da
sua família. Se para vós Dom Bosco é tio, para mim ele é Pai. A ele devo
tudo: por isso, como me alegro com a sua glorificação!”.
Depois de visitar o Instituto de Hechtel, voltou a Valdocco na manhã
do dia 23 de maio. Após a festa de Maria Auxiliadora dedicou-se a ofercer
hospitalidade nos Institutos Salesianos para os filhos dos italianos expulsos
da Turquia. No dia 29 partiu para a Emília. Parou em Bolonha, Faença,
Lugo na Romanha, Ravena, Ferrara e Módena. Voltou a Turim em tempo
para, no dia 9 de junho, celebrar a Missa de Ouro de Dom Cagliero e do
P. Francesia. Depois visitou as obras salesianas de Parma, Florença, Pisa,
Livorno e La Spezia. No dia 24 de junho estava em Turim para a festa anual
da gratidão.
As manifestações de afeto dos irmãos e dos jovens o confortavam, mas
sentia-se pouco à vontade quando se louvavam suas qualidades e virtudes.
Naquela ocasião, respondendo a uma carta do P. João Branda, escreveu:
“Você recorda coisas muito antigas, gratas ao meu coração; você fala
também de ascensões! Oxalá fossems mesmo a de que falava Davi, isto é, de
progressos verdadeiros na piedade e na virtude! Infelizmente tenho muitos
motivos para me humilhar: as próprias festas, o que me disseram e leram,
fazem-me refletir muito para o bem da minha alma. Você, ajude-me com
a oração e oferecendo a Deus os sacrifícios que faz pelo bem das almas”.11)
Em outubro de 1912 saudou e abençoou a nova expedição missionária.
Entre os que partiam estava o jovem Inácio Canazei, que depois sucederá
a Dom Versiglia como Vigário Apostólico de Shiuchow (Shaoguan), e que
11 Garneri 276.

11.4 Page 104

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102 Capítulo 7
haverá de narrar em 1929: “Antes de partir para a China, o P. Albera convi-
dou-nos a assistir a Santa Missa que ele mesmo celebraria na capela de
Dom Bosco. Depois, paternalmente dirigiu-nos a palavra.
Entre outras coisas, disse-nos: “Agora vós estais partindo para as missões.
No princípio encontrareis muitas dificuldades, mas com o andar do tempo
adquirireis prática na língua, nos costumes, conhecereis muita gente, e,
depois de uns dez anos, o novo país se tornará para vós uma segunda pátria:
nem mais querereis voltar para a própria pátria...”. As palavras ditas pelo
nosso venerado superior maior verificaram-se ao pé da letgra. Na verdade,
quanto maiores foram as dificuldades dos primeiros anos, tanto mais fui
me afeiçoando a este grande e distante país da China, para onde Deus me
havia enviado como missionário. E antes que tivessem passado dez anos,
eu não sentia mais nenhuma necessidade de voltar para a minha pátria”.12)
Depois da visita às casas da Ligúria enviou aos Salesianos uma carta
circular sobre a Vida de fé (21 de novembro de 1912), pequeno tratado
doutrinal que termina com a recordação da vivíssima fé de Dom Bosco,
inspiradora de toda a sua ação, e com a exortação a reavivar a própria fé,
tornar-se instrumentos eficazes nas mãos de Deus para alimentar a chama
da fé nas novas gerações e “para a restauração do seu Reino nas almas”.13)
Um ano muito intenso (1913)
No início de 1913 empreendeu uma viagem de cinco meses à Espanha
que – como escreveu o cronista do Boletim Salesiano – “foi um triunfo
grandioso e solene, de proporções espetaculares, que em vários lugares
competiu com o entusiasmo de Paris (em 1883) e de Barcelona (1886) por
Dom Bosco. A imprensa se interessou pela sua passagem como de impor-
tantíssimo acontecimento..., enquanto ativos Comitês de exímios benfei-
tores trabalhavam alegremente para prestar honras ao sucessor de Dom
Bosco... Milhares e milhares de pessoas o homenageavam na chegada e
na partida, e durante todo o tempo de sua permanência era uma contínua
e incrível aglomeração de senhores e de pessoas do povo no Instituto
Salesiano, tendo à frente as autoridades eclesiásticas, civis e militares...
Viram-se inteiros povoados acorrer às estações onde o P. Albera se
encontrava apenas de passagem, unicamente para vê-lo e ser por ele aben-
12 Garneri 278-279.
13 LC 82-100.

11.5 Page 105

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Os primeiros anos de Reitorado (1910-1914) 103
çoados em nome de Maria Auxiliadora; e onde ele parou, em vários lugares
foi obrigado a percorrer as ruas da cidade em carro aberto, ao som festivo
dos sinos e foguetes de alegria....14) Há muita ênfase jornalística nessas
expressões, mas a visita do P. Albera foi de fato uma ocasião de mobilização
dos católicos espanhóis, no clima social e político efervescente daqueles
anos. Ele se sentiu confortado e ao mesmo tempo oprimido: “Aqui na
Espanha a força das festas me esmagam. Não há um momento de paz e de
repouso. Assusta-me o pensamento que terei que levar essa vida por ainda
três meses”. Apesar do enorme cansaço, ficou profundamente comovido
pelo desejo que todos tinham de ouvi-lo falar de Dom Bosco e de Maria
Auxiliadora.
Chegou a Barcelona no sábado, dia 11 de janeiro de 1913; depois de uma
semana esteve na ilha de Minorca e no dia 24 se encontrava de novo em
Barcelona, onde permaneceu alguns dias. No dia 30 prossegiu para Alicante
e Campello. Foi acolhido na estação de Valência no dia 6 de fevereiro e
acompanhado à casa salesiana num cortejo com bandas musicais. Segunda
feira, dia 10, retomou a viagem para Córdova. Depois, por etapas, passou
por Montilla, Málaga, Ronda, Ecija, Utrera, Sevilha, Cádiz, Jerez de la
Frontera, San José del Valle, Caramona, Madri e Carabanchel Alto. No dia
3 de abril chegou a Salamanca. Ali permaneceu dez dias, visitando também
Ávila e Bejar. Domingo, dia 13, partiu para Orense e Vigo. Depois foi para
Pontevedra, Santiago de Compostela, La Coruña, Santander, Baracaldo,
Bilbao, Huesca, Saragoça e Gerona; de aqui, um benfeitor o conduziu em
automóvel até o mosteiro de Monte Serrat. No dia 15 de maio deixou a
Espanha e, depois de uma parada de dois dias em Marselha, retornou a
Turim na tarde de segunda-feira, dia 19 de maio.
No fim do mês enviou aos irmãos a carta sobre os oratórios festivos.
O oratório, ele escrevia, “pedra angular” de toda obra salesiana, está
destinado indistintamente a todos os meninos “dos sete anos em diante;
não se exige a situação regular da família ou a apresentação do jovem por
parte dos parentes; única condição para ser admitido é a de vir com boa
vontade para divertir-se, instruir-se, e cumprir junto com os outros os
deveres religiosos... Todos os jovens, também os mais abandonados e mise-
ráveis, devem sentir que o oratório é para eles a casa paterna, o refúgio, a
arca de salvação, o meio seguro de se tornarem melhores sob a ação trans-
formadora do afeto mais do que paterno do Diretor”.
E referindo palavras do P. Rua, escreveu: “Junto a cada casa salesiana,
14 BS 1913, 131-132.

11.6 Page 106

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104 Capítulo 7
deve surgir um oratório festivo”, confiado a um irmão zeloso e dedicado,
que saiba encontrar e formar seus auxiliares entre os próprios jovens e
outros bons leigos. “Deem-me um Diretor de oratório repleto do espírito
do nosso venerável Pai, sedento de almas, rico de boa vontade, ardente de
afeto e de interesse pelos jovens, e o oratório florescerá maravilhosamente
mesmo que faltem os meios materiais... É assim mesmo: o afeto sincero do
Diretor e dos seus ajudantes supre muitas coisas. Não creiamos ter criado
o oratório como o queria Dom Bosco quando organizamos somente um
recreatório, onde se recolhem algumas centenas de jovens. Por mais que
se deseje que o oratório seja abundantemente fornecido de todo tipo de
comodidades e de divertimentos, a fim de aumentar o número de rapazes,
tudo isso nunca deve ser separado das mais industriosas solicitudes para
torná-los bons e bem alicerçados na religião e na virtude”.15)
Por ocasião dos vinte e cinco anos de consagração da igreja do Sagrado
Coração, o P. Albera ficou em Roma quinze dias. Foi recebido em audiência
pelo Papa (9 de junho de 1913) e se encontrou com várias personalidades.
Estava acompanhado pelo P. Barberis, que escreveu a um amigo: “Conver-
sou-se longamente de modo especial com o Cardeal Francisco Cassetta –
Prefeito da Congregação dos Estudos – em função da faculdade teológica
de Foglizzo, e agora estamos encaminhando os trâmites necessários; há
grandes esperança de bom êxito. Até hoje o senhor P. Alvera visitou dez
cardeais, tratando com eles de assuntos da Congregação, e eu que o acom-
panhei, tive a oportunidade de constantar quanto a nossa Pia Sociedade
é apreciada e amada por todos, e quanto são conhecidas nossas coisas e a
ação prudente do P. Albera em tudo”.
No dia 14 de junho iniciou a visita às obras salesianas da inspetoria
romana e napoletana: Frascati, Genzano, Macerata, Gualdo Tadino, Trevi,
Caserta, Nápoles e Castellammare di Stabia. Na volta parou em Milão,
onde se encontrou com os cooperadores, os sacerdotes ex-alunos Salesianos
e os responsáveis que trabalhavam pelo acabamento da igreja de Santo
Agostinho. No dia 29 de junho estava em Turim para a festa da gratidão e
a academia em sua honra. Nos dias seguintes se encontrou com o Comitê
Executivo do monumento a Dom Bosco, que escolheu entrre os diversos
projetos apresentados o do escultor Caetano Cellini.
Em setembro, como delegado da Santa Sé, presidiu o sétimo Capítulo
Geral das Filhas de Maria Auxiliadora. Narrou às irmãs: “Tive a sorte de
estar presente na reunião do Capítulo Superior em que o nososo venerável
15 LC 112-118.

11.7 Page 107

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Os primeiros anos de Reitorado (1910-1914) 105
Pai Dom Bosco falou pela primeira vez (1871) de forma decidida das Filhas
de Maria Auxiliadora e, como ouvi diratemente dos seus lábios, pude em
seguida constantar que realmente o vosso Instituto é obra querida por Deus
e por Maria Auxiliadora. Disto pude também persuadir-me nas minhas
visitas às vossas casas, e agora tenho a sorte de poder afirmá-lo a cada uma
de vós aqui reunida enquanto representantes da Congregação inteira...
Vós poderíeis ter encontrado, inclusive entre os Salesianos, pessoas
que, mais do que eu, conhecem o vosso Instituto, mais capazes do que eu
de dar-vos conselhos e ajuda; todavia, penso que não encontrareis outra
pessoa que mais do que eu vos queira bem e aprecie a vossa obra. Agrade-
ço-vos por ter-me chamamo para tão elevado encargo. Mediante a ajuda
divina faremos o possível para que tudo o que for feito neste Capítulo seja
realmente para a glória de Deus e a salvação das almnas, como quer Maria
Santíssima Auxiliadora”.16)
Quando as irmãs capitulares passaram à discussão sobre o modo de
aplicar o Sistema Preventivo nos seus Institutos, fez uma intervenção que
nos ajuda a compreender a sua visão da pedagogia salesiana: “O Sistema
Preventivo foi muito louvado por todos os melhores pedagogistas, inclusive
protestantes, por causa Da sua dimensão altamente educativa e da sua
eficácia na educação moral. Nós, porém, devemos admirá-lo especialmente
por causa da sua dimensão religiosa. O sistema de Dom Bosco impede a
ofensa de Deus. O que se ganha em punir o mal depois que foi cometido?
Ao passo que, se se consegue impedi-lo, tudo é vantajoso, para alma, para
o corpo, para a família, para a sociedade. Portanto, vigilância, assistência
materna, não militar, solícita e repleta de afeto.
Outra característica de Dom Bosco e incarnada no seu sistema é a que
conquistou tantos corações e tanta veneração. Os seus primeiros jovens,
ocupando postos importantíssimos na sociedade, depois de 55 anos,
conservam dele uma recordação comovedora. Os numerosos ex-alunos
e ex-alunas são uma prova eloquente dos milagres obtidos pelo Sistema
de Dom Bosco. Ele divinizou a pedagogia, disse alguém, e é verdade,
porque ele teve em mente sempre Deus; era isto que sobretudo ele buscava:
conduzir as almas a Deus”.17)
Em outubro de 1913 a saúde do P. Albera voltou a piorar: “Sofri bastante
do estômago... O médico me mantém com suas injeções. Estou muito
atribulado”. Todavia, não deixou de se dedicar ao trabalho de animação
16 Garneri 292.
17 Garneri 293-294.

11.8 Page 108

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106 Capítulo 7
da família salesiana, levado pelo seu férvido desejo de fazer o bem. Na
carta anual aos cooperadores de janeiro de 1914 escrevia: “Nós tomamos
cuidado para não nos deixarmos levar de olhos fechado a novos empreen-
dimentos; aliás, falando humanamente... quereríamos pôr um freio em
toda e qualquer nova atividade, para limitar-nos ao já extremamente vasto
campo de ação.
Mas quando, diante do mal que se difunde e o bem que urge realizar,
desce claro do céu o convite a novas obras para a glória de Deus e a salvação
das almas, não duvidamos, conforme o exemplo de Dom Bosco, de sermos
inclusive um pouco santamente audazes. Por isso, os nossos Internatos,
embora desprovidos de qualquer renda, vão se enchendo sempre mais de
jovens, muito dos quais totalmente pobre e abandonados...”.18)
Apesar dos incômodos físicos, no dia 30 de janeiro partiu para visitar
as obras salesianas da Sicília. Foi uma viagem cansativa, mas gratificante.
Parou em Massa Carrara, em Roma e em Nápoles, donde embarcou
para Palermo. No Sicília permaneceu dois meses. Por toda parte recebia
acolhidas como as da Espanha: em Palermo, Mazzara del Vallo, Marsala,
Messina, Catânia, Alì Marina, Taormina, Acireale, Pedara, Bronte,
Randazzo, Módica e Caltagirone. Esteve também em Malta. Voltando a
Catânia, participou do encontro dos ex-alunos da Sicília e da Calábria.
No dia 24 de março deixou a ilha para alcançar Bova Marina, onde os
Salesianos dirigiam o Seminário Diocesano e o oratório festivo. Fez uma
etapa de dois dias em Soverato. Transferiu-se para o planalto para visitar o
Oratório de Borgi, depois continuou para Reggio Calabria. Daqui, no dia
2 de abril, passou a Roma. Quinta-feira, dia 16, foi recebido em audiência
privada por Pio X, que lhe deixou como recordação para os Salesianos e
alunos: “Dizei-lhes que vivam sempre na presença de Deus!”.19)
18 BS 1914, 7.
19 BS 1914, 129.

11.9 Page 109

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107
Capítulo 8
O DRAMA DA GUERRA (1914-1918)
P. Albera com um grupo de Salesianos-soldados reunidos em Valdocco
para os exercícios espirituais (Turim, 13 de outubro de 1916)
A explosão da guerra
No fim de julho de 1914 desencadeou-se a tremenda primeira guerra
mundial, que em breve envolveu as maiores potências mundiais e terminará
somente em novembro de 1918, com o horrendo balancete de nove milhões
de soldados mortos e sete milhões de vítimas civis. No dia 20 de agosto,
enquanto se desenvolviam as primeiras batalhas no front belga e francês,
Pio X, que não conseguira esconjurar o conflito, faleceu colhido pela dor.
Depois da eleição do sucessor, Bento XV, o P. Albera esteve em Roma. Foi

11.10 Page 110

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108 Capítulo 8
admitido à audiência no dia 14 de outubro, acolhido com grande afeto
pelo Papa. Entretanto, a guerra se ampliava desastrosamente e o Conselho
Superior decidiu adiar o Capítulo Geral e as festas previstas para o cente-
nário do nascimento de Dom Bosco.
Na circular de janeiro de 1915 o P. Albera encorajou os cooperadores
a multiplicarem as orações: “Uma guerra horrenda ameaça mergulhar no
sangue a prosperidade de muitas nações com as quais a família salesiana
tem fortíssimos vínculos de reconhecimento; por outro lado, as conse-
quências do imenso conflito paralizam a vitalidade de tantos outros povos...
Muitos irmãos estão envolvidos no vórtice da guerra, portanto, expostos a
morte trágica (e mortos já choramos diversos); vários Institutos, outrora
alegres e florescentes, agora estão vazios de jovens ou reduzidos a uma vida
miserável... Por toda parte, aterrorizados com a notícias da vasta confla-
gração, desde o dia 2 de agosto começamos diante do altar de Maria Auxi-
liadora as mais fervorosas preces, invocando a paz; e as humildes súplicas
continuarão a elevar-se todos os dias, com fervor sempre crescente, até que
a divina clemência se digne ouvi-las...
O momento é grave: é hora de uma grande expiação social. Deus quer
fazer compreender aos povos que a sua felicidade temporal e eterna está
contida na prática dos ensinamentos do Santo Evangelho: quando eles
tiverem compreendido esta verdade, não demorará a despontar o dia da
restauração de todas as coisas em Jesus Cristo... Por isso, caros coopera-
dores e pias cooperadoras, cuidemos para não nos entregar-nos ao medo
e ao desânimo; pelo contrário, redobremos os nossos humildes esforços
para que reine Jesus Cristo em meio à sociedade moderna...”.1) Aquele era
só o início do conflito. O Reitor-Mor não podia prever o que teria acon-
tecido nos anos seguintes, os horrores dos campos de batalha e os lutos que
haveriam de afetar a família salesiana.
No dia 13 de janeiro um forte terremoto atingiu a a região dos Abruzos.
Entre as vítimos houve também duas Filhas de Maria Auxiliadora. O P.
Albera escreveu aos irmãos: “Inclinamos a nossa fronte diante das divinas
disposições e rezamos também pelas muitas vítimas desse cataclismo.
Mas o coração me diz que Dom Bosco e o P. Rua não ficariam contentes
só com isso, por isso disponho-me a acolher, nos limites da caridade que o
Senhor nos enviar, uma parte dos pequenos órfãos supérstites”.2) Estimu-
lados pelo seu convite, os Salesianos puseram mãos à obra imediatamente.
1 BS 1915, 1-2.
2 LC 171.

12 Pages 111-120

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12.1 Page 111

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O drama da guerra (1914-1918) 109
Foram acolhidos cento e setenta órfãos nas diversas casas salesianas da
Itália.
No fim de janeiro imprimiu-se o Manual do Diretor, no qual o P. Albera
trabalhava havia vários anos, com as normas para ajudar cada Diretor
a “conservar o espírito de Dom Bosco” na própria casa. Na introdução,
escrevendo aos Diretores, afirmava: “Este Manual não só será de grande
utilidade para você, porque, pondo de parte as disputas teóricas, desce à
vida prática e lhe recorda tudo o que você deve fazer para cumprir o seu
dever da maneira mais vantajosa para você mesmo e para todos os que
dependem de você; mas será também muito apreciado e espero que não
ficará sem produzir frutos porque as exortações, os conselhos e os avisos
que contém foram hauridos de fontes preciosas”.
Trata-se de fato de indicações deduzidas do “que Dom Bosco e o P.
Rua nos deixaram escrito como norma para os Diretores” e de algumas
diretrizes do próprio P. Albera, sugeridas “pela necessidade dos tempos e
das novas condições” dos Institutos Salesianos.3) O volume está dividido
em duas partes. A primeira elenca as qualidades que devem caracterizar
o Diretor segundo o espírito de Dom Bosco; são elas: empenho em aper-
feiçoar a si mesmo; o estudo e a observância das Constituições; a obediência
aos superiores; o espírito de disciplina e sacrifício; o amor da pobreza; o
estudo das ciências sagradas; a vida de fé e o zelo.
A segunda parte, aplicativa, apresenta as tarefas do Diretor para com
os irmãos, os jovens e os externos. O texto foi enviado aos Diretores Sale-
sianos junto com uma carta autógrafa pessoal do P. Albera. A um escreveu:
“Como Diretor de Viedma, terá ocasião de trabalhar muito e também de
contribuir a conservar sempre mais o espírito de Dom Bosco. Esforce-se
por reproduzir em você mesmo as virtudes e o modo de governar que,
mediante o exemplo e a palavra, nos ensinaram Dom Bosco e o P. Rua.
Todo o bom andamento de uma casa depende do Diretor. Se algumas
casas não vão muito bem é porque o Diretor não tem a calma, a caridade,
a doçura e a paciência dos nossos pais. Com certas explosões estraga-se
tudo, em vez de ajudar; com um zelo brusco e não igual alienam-se os
ânimos: pretendendo que os irmãos sejam muito perfeitos, eles se irritam
e desanimam”.4)
Dedicou os meses de abril, maio e junho a visitar as casas salesianas
do Piemonte, da Lombardia e do Vêneto. No fim da visita estava exausto.
3 Manuale 4-5.
4 Garneri 314.

12.2 Page 112

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110 Capítulo 8
Foi obrigado a quinze dias de descanso em Oulx, no Val di Susa. Nesse
meio tempo, no dia 24 de maio de 1915, também a Itália entrou em guerra
ao lado da Tríplice Aliança. O governo iniciou o recrutamento militar em
massa. Foram imediatamente recrutados centenas de jovens Salesianos. Na
reunião dos inspetores da Europa, convocada para o fim de julho, deci-
diu-se a reabertura das escolas, apesar das dificuldades da guerra, falou-se
da assistência aos Salesianos militares e da mobilização dos cooperadores
para sustentar as obras em graves dificuldades econômicas.
As celebrações previstas para a data centenária do nascimento de Dom
Bosco foram redimensionadas. No dia 15 de agosto, no pátio de Valsalice,
diante da sua tumba, celebrou-se uma Missa com a participação de muitas
pessoas. Na parte da tarde houve a comemoração civil. No dia seguinte,
junto à casa dos Becchi, depois da celebração eucarística, o P. Albera
benzeu a primeira pedra do pequeno templo de Maria Auxiliadora que se
quis erigir ali como oferta votiva para impetrar a paz.
A seis meses do início da guerra, a situação se agravava. Na carta circula
do dia 21 de novembro lê-se: “Uma grandíssimo número de caríssimos
Salesianos, entre os quais muitos jovens sacerdotes, se encontraram diante
da dura necessidade de abandonar o hábito religioso para vestir o uniforme
militar: tiveram que deixar seus amados estudos para manejar a espada e
o fuzil; foram arrancados dos seus pacíficos colégios e das escolas profis-
sionais para viver nos quartéis e nas trincheiras, ou, como enfermeiros,
foram ocupados no cuidado dos enfermos e dos feridos. Temos um não
pequeno número no front, onde alguns deixaram a vida e outros retor-
naram horrivelmente mutilados”.
Apesar de tudo, o P. Albera encorajava todos a continuar com confiança
a própria missão: “Seremos homens de pouca fé, se nos deixarmos vencer
pelo desânimo. Mostraríamos que ignoramos a história da nossa Pia
Sociedade, se diante das dificuldades que parecem querer barrar-nos o
caminho, parássemos, desanimados. O que nos diria do céu, donde nos
contempla amorosamente, nosso dulcíssimo Pai, se nos visse fracos e
descanimados por ver-nos menos numerosos para cultivar o campo que
a Providência confiou à nossa atividade? Oh, recordai-vos, caríssimos,
que Dom Bosco nos reconhecerá como verdadeiros filhos seus somente
quando a nossa coragem e a nossa força estiverem no mesmo nível das
graves dificuldades que devemos superar. Essa coragem e essa energia que
nos é necessária, devemos hauri-la antes do mais da piedade...”.5)
5 LC 182-183.

12.3 Page 113

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O drama da guerra (1914-1918) 111
No ínicio de 1916 o conflito recrudesceu. O P. Albera comunicou
aos cooperadores seu sofrimento: “Cresce ddia a dia o número de vidas
colhidas pela morte, enquanto começam a declinar muitíssimas indústrias
e o comércio internacional ameaça extinguir-se – o que é ainda mais triste
– enfraquece-se sempre mais aquele sentimento de caridade cristã e verda-
deira fraternidade que deveria unir todos os povos... Graves são também
as angústias da família salesiana... Iniciada a guerra, vimos partir para as
armas nutridos grupos de Salesianos... nas várias frentes de combate, perfi-
lados sob bandeiras rivais!... Todos suportam com admirável fortaleza os
inivitáveis incômodos da guerra, e com a palavra e o exemplo procuram
realizar um amplo apostolado de bem entre seus companheiros, não
somente nos quartéis e nos hospitais, mas também no front, em meio às
rudes fadigas dos campos, entre os furores dos combates e na própria vida
cansativa das trincheiras”.
Houvera pesadas repercussões da situação em relação às obras sale-
sianas: “Em parte foi preciso suspender e em parte elas iriam definhar, se
os Salesianos que ficaram não multiplicassem as suas atividades. E com que
sacrifícios! Interrompidas temporariamente as relações com um grande
número de zelosos cooperadores e cooperadoras, reduziram-se os meios
de subsistência; por isso, embora o trabalho aumentasse, fomos obrigados a
enfrentar uma série de privações. Possam também os sacrifícios dos filhos
de Dom Bosco, tanto quanto dos que dão a vida pela pátria, como daqueles
que a despendem totalmente em favor da juventude mais necessitada de
ajuda, apressar na terra o retorno da paz!
Naquele dia nós continuaremos a redobrar os nossos esforços para
tornar mais profícuos e duradouros os benefícios da paz. Oh, se essas
palavras pudessem chegar a todos os cooperadores e determiná-los desde
agora a tomar o propósito de um trabalho mais intenso de restauração
cristã segundo o espírito de Dom Bosco!... Coragem, meus caros coope-
radores! As ocasiões de multiplicar as obras de misericórdia corporal e
espiritual, especialmente em favor dos nossos pequenos irmãos, isto é, os
jovens e de todos os que têm necessidade de especiais solicitudes, não faltam
nestes nossos dias. Trabalhemos, portanto, e trabalhemos concordes, se
quisermos conseguir mais, seguindo fielmente as pegadas de Dom Bosco.
Deus não deixará de nos abençoar”.6)
6 BS 1916, 2-3.

12.4 Page 114

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112 Capítulo 8
O cuidado dos Salesianos-soldados
Com o passar dos meses, um número crescente de irmãos foi obrigado
a vestir o uniforme militar e partir para o front. Desvanecida a ilusão
de uma guerra de breve duração, além das iniciativas encaminhadas no
ano anterior para apoiar, acompanhar e ajudar “moral e materialmente”
os chamados às armas, no dia 15 de fevereiro de 1916 o P. Albera propôs
que o Capítulo Superior empreendesse uma ação coordenada entre os
vértices da Congregação, os inspetores e Diretores locais para cuidar dos
Salesianos que foram recrutados. Estes eram convidados a manter um
contato epistolar regular com os superiores e os irmãos, a enviar cada dois
meses um detalhado rendiconto pessoal ao próprio Diretor. Cada qual
recebia todos os meses o Boletim Salesiano acompanhado por uma carta
do Reitor-Mor. A primeira dessas circulares mensais traz a data de 19 de
março de 1916:
“Nas santas e profícuas batalhas do ensino vós fostes incansáveis...
Agora a Pátria vos pede também as forças físicas; vós respondestes com
entusiasmo a essa solicitação, e com a alegria que vos é habitual vos
dispusestes a qualquer sacrifício. Tão grande nobreza de intentos, tanta
galhardia de virtude vos colocou numa situação, numa dignidade muito
elevada, da qual derivam para vós novos deveres. E são esses deveres que eu
vos recomendo manter continuamente diante dos olhos, para manter-vos
sempre e em todas as circunstâncias dignos filhos de Dom Bosco.
Procurai, portanto, meus caríssimos filhos, santificar todas as vossas
ações, vivendo em união com Deus. A Ele dirigi constantemente os vossos
pensamentos e os vossos afetos, e Ele vos conservará firmes na virtude, vos
infundirá força e coragem nas horas de abatimento e desconforto, nem vos
deixará faltar por um só instante a energia necessária para realizar honro-
samente todos os vossos deveres. Talvez não podereis dispor de muito
tempo para dedicar à piedade; por isso dedicai-lhe todo o vosso tempo
por inteiro, de modo que a vossa piedade seja uma piedade de ação, que
compreende e permeia, eu diria, todos os instantes da vossa vida.
O estrépito das armas não vos perturbe, a novidade e a variedade da vida
não vos distraia, os sacrifícios contínuos que devereis enfrentar, em vez
de enfraquecer o vossos caráter, em vossas mãos se tornem meios eficazes
para fortalever-vos sempre mais na fé e superar vitoriosamente qualquer
perigo que pudesse insidar a vossa perseverança no bem.
Resplandeça em todos os vossos atos a bondade e a doçura do vosso
coração. Este deve ser o vosso caráter habitual, para este caráter vós fostes

12.5 Page 115

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O drama da guerra (1914-1918) 113
formados, nisso deveis perseverar, este deve ser o sinal que vos tornará
conhecidos como filhos de Dom Bosco. Portanto, continuando a tradição
da vossa vida, sede sempre prontos a qualquer serviço para com os vossos
camadadas, sede os primeiros a correr para socorrê-los em todas as suas
necessidades, que todos possam ver resplandecer no vosso coração uma
chama de caridade ardente que vos torna incansáveis para toda obra boa.
As ocasiões não vos faltarão, e vós não as deixareis fugir, pelo contrário,
aproveitai-vos de todas elas e vos assegirareis as bênçãos do céu e o amor
dos vossos irmãos, de tal modo que sereis fachos luminosos de bom
exemplo e, quase inconscientemente, fareis um grande bem, imitando o
Apóstolo, que se fazia tudo para todos a fim de conquistar a todos para
Jesus Cristo”.7)
As numerosas correspondências de Salesianos-soldados conservadas
no arquivo demonstram a eficácia da iniciativa. Por meio da carta do
Reitor-Mor eles se sentiram unidos em espírito à Congregçaão e à sua
missão, sentiram-se apoiados moral e espiritualmente, estimulados a se
manterem fiéis à própria consagração, a mostrar-se em toda parte dignos
filhos de Dom Bosco, modelos de virtude para os companheiros, apóstolos
incansáveis para o bem das almas. Um clérigo escreveu ao P. Albera: “Que
sorte quando nos momentos tranquilos fico relendo suas preciosíssimas
circulares. Que mina de conselhos, de força, de incitação à luta; que desejo
ardente de perseverar, de manter levantado e honrado o estandarte em
torno do qual Dom Bosco nos chamou; que alegria sentir a consciência
tranquila, o coração afervorado a cada boa palavra sua. Então, a nossa
vida revive. Dormir à noite com suas circulares entre as mãos e poder
sonhar os queridos irmãos distantes é uma felicidade em meio à grande
saudade”.8)
Outros confiam-lhe suas fadigas: “Ontem recebi sua caríssima carta. Reli
afetuosamente e quanto mais a examinei, mais me reconheço distante do
mesmo espírito. Oh, quanto a gente perde afastando-se da fonte! Lamento
muito causar-lhe sofrimento, mas para honra da verdade é mesmo assim.
Para conforto do seu grande e bom coração asseguro-lhe que seus conselhos
e exortações são para mim de grande ajuda no trabalho de enfrentar as
minhas más inclinações. Com grande ansiedade aguardo suas caríssimas
cartas que são para mim a stella maris e procuro praticá-las, mas dado o
mau terreno e os grandes incômodos, logo quase tudo se esvai. Quando
7 Lm n. 1.
8 ASC B0421101, P. Di Cola, 04.01.1918.

12.6 Page 116

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114 Capítulo 8
estou no descanso, de tal modo que posso servir-me dos meios da nossa
santa religião, parece-me reviver, mas de modo geral sinto-me estéril. Oh,
que sede!”.9)
Muitos declaram sentir-se confirmados na própria vocação entre os
horrores quotidianos: “O sacerdote com frequência passa abençoando os
corpos estraçalhados pela metralhadora, corpos transpassados. A minha
oração mais comum são os inumeráveis requiem que recito pelos caros
falecidos que estão perto de mim, apagados pelo chumbo inimigo. Dizem
que a vida militar é um grande perigo para a vocação religiosa. Eu, graças
a Deus, posso dizer que nunca a senti tão enraizada em mim, nunca senti
a necessidade de voltar à minha Congregação, entre meus queridos jovens,
entre meus caros irmãos. Sempre recordo as saudosas solenidades, os pátios
barulhentos, as horas inesquecíveis da oração da manhã na igreja e as grandes
dores, que se tornam belas ao pé daquele altar! Leio com avidez o Boletim que
me chega regularmente, mais ainda as suas circulares, amado Pai, que sempre
me causam um frêmito novo de vida, mesmo que as lesse cem vezes”.10)
“Querido Pai, não o hábito, mas o afeto sincero e a gratidão levam-me
a escrever-lhe. Oh, se eu pudesse estar-lhe perto, abrir-lhe meu coração,
dizer-lhe tantas coisas, que o amo tanto, que pelo senhor, pela Congre-
gação, pelo bem sofro e cumpro da melhor forma possível o meu dever. A
situação é terrível, mas até agora com a ajuda de Deus tudo correu bem.
Coragem, amado superior, na terrível provação atual; sirva-lhe de conforto
saber que os filhos distantes apreciam sempre mais a sua bela vocação e se
sentem sempre mais apegados à Congregação e suspiram pelo dia em que
poderemos retornar às nossas saudosas ocupações”.11)
Também nos momentos mais dramáticos, os Salesianos no front senti-
ram-se confortados, assistido pela Divina Providencia, prontos a oferecer
os próprios sofrimentos pelo bem da Congregação: “Superabundo gaudio
in omni tribulatione mea [Extravaso de alegria em todas as minhas tribu-
lações] – escreveu um irmão sacerdote depois do desastre de Caporetto
–. Agradeço de coração a Deus, que tanto me fez sofrer. Isto para mim é
o melhor sinal de que não só Deus não se esquece de mim, mas me quer
bem. E por isto lhe sou agradecidíssimo. Nos momentos em que a exaustão
tinha chegado ao ponto de tornar-me incapaz de engolir um pedação de
pão... e enquanto dezenas de milhares de pessoas, aglomeradas nas ruas
9 ASC B0410679, G. Conti, 20.02.1918
10 ASC B0420502, E. De Angelis, 28.06.1917.
11 ASC B0440538, E. Provera, 20.04.1916.

12.7 Page 117

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O drama da guerra (1914-1918) 115
e nas praças de um povoadozinho procuravam com que matar a fome,
a Providência enviava ao abaixo-assinado uma xícara de caldo, de uma
forma que realmente tinha algo de inexplicável. Faço questão de assegu-
rar-lhe que nunca me esqueço de ser filho de Dom Bosco; que enquanto
Salesiano sofro de muito boa vontade, muito contente em cumprir em tudo
a vontade de Deus, convencido de que meus sofrimentos também servirão
para o bem da minha querida Sociedade, que amo como minha família”.12)
A enorme perda de vidas humanas multiplicava o número dos órfãos. No
dia 6 de abril de 1916 comunicou ao presidente do Conselho dos Ministros
a decisão de fundar em Pinerolo uma casa para acolher os órfãos de guerra:
“Apesar de que mais de um quarto dos meus professores e assistentes tenha
sido chamado ao serviço militar e tenham desaparecido quase completa-
mente os recursos da beneficência pública, todavia, confiando na Divina
Providência, na caridade das almas generosas e no apoio das autoridades,
decidi abrir um Instituto específico para rapazes de oito aos doze anos de
idade, que se encontram abandonados, porque órfãos de mãe e com o pai
na guerra, ou porque perderam o pai na guerra... Tenho firme esperança
de que estará disposto a prestar todos os apoio de sua autoridade em favor
desta obra... que tem como escopo a educação e a instrução dos jovens para
formar honestos e laboriosos cidadãos”.13) Demonstraram a mesma dispo-
nibilidade as Filhas de Maria Auxiliadora.
O último ano da guerra
Os poucos irmãos que ficaram nas casas estavam sobrecarregados
de trabalho. O Reitor-Mor exortava-os seguidamente a uma disponibi-
lidade heroica no serviço aos jovens. Seus sofrimentos e as fadigas podiam
tornar-se um instrumento de purificação e aperfeiçoamento espiritual.
Nessa conjuntura era preciso que os Diretores e Inspetores se tornassem
mestres e modelos de vida religiosa, de espírito de piedade, de observância,
de caridade e de zelo.
Em agosto de 1917 a situação começou a se agravar: “A chamada a
uma nova inspecção dos reservistas nos levará embora muitos outros
irmãos. Os nossos clérigos, que antes em grande parte carregavam o peso
da assistência, não podem mais fazê-lo porque nessa altura quase todos
12 ASC B0440224, P. Osenga, 15.11.1917.
13 BS 1916, 131.

12.8 Page 118

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116 Capítulo 8
estão prestando serviço militar”. Começou a faltar o pessoal indispensável
para o funcionamento normal das obras. Em novembro de 1917 foi feito
recurso ao presidente do Conselho de Ministros para obter a exonerão de
uns vinte Salesianos “indispensáveis e insubstituíveis como Diretores e
administradores dos Institutos”, para não evitar o fechamento de dezessete
obras “deixando na rua 4.000 meninos, em sua maior parte necessitados
de internação”.14)
A derrota de Caporetto (24 de outubro de 1917) constituiu para a Itália
um drama de proporções imensas, com milhares de refugiados. “Assis-
tindo nestes dias ao doloroso espetáculo de tão pobres prófugos, que das
regiões onde ferve a batalha afluem para as nossas cidades e os nossos
povoados, chegando em tais condições a ponto de não terem possibilidade
de providenciar as mais imperiosas necessidades da vida, – escrevia o P.
Albera aos Salesianos-soldados no dia 24 de novembro – logo determinei
que no Oratório fossem hospedados quase cem meninos prófugos entre os
12 e 14 anos; ao mesmo tempo fiz um apelo a todos os Diretores das nossas
casas da Itália para que acolhessem o maior número possível de jovens”.15)
Naqueles dias foram internados mais de 400 rapazes nos diversos colégios.
Outros, para além de um milheiro, serão acolhidos gratuitamente pelos
Salesianos e pelas Filhas de Maria Auxiliadora nos meses e nos anos suces-
sivos. Onde a situação permitia, faziam o mesmo os Salesianos da França,
Bélgica, Grã-Bretanha, Polônia, Áustria, Eslovênia e Croácia.
Na carta aos cooperadores de janeiro de 1918 o P. Albera escreveu:
“Nas circunstâncias anormais em que nos encontramos, tanto os oratórios
festivos, quanto os Internatos e Colégios e outros Institutos Salesianos
florescem e regurgitam de jovens. Se isso poderia ser considerado admirável
em países que mantiveram a neutralidade, deve ser considerado prodi-
gioso em países onde se combate... A um gesto tão magnífico da Divina
Providência deve-se somar a estima em que universalmente se conserva
a memória do venerável Dom Bosco e do seu apostolado... Não há casa
da obra de Dom Bosco que não tenha aberto as suas portas aos filhos do
que foram convocados ou dos mortos na guerra ou dos refugiados, ou aos
próprios soldados”. Exortava os cooperadores a imitar o zelo de Dom Bosco
na devoção a Maria Auxiliadora e a Jesus Sacramentado e no empenho em
fazer florescer as vocações e as obras salesianas.16)
14 ASC E443, A. Conelli, 14.11.1917.
15 Lm n. 20.
16 BS 1918, 1-2.

12.9 Page 119

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O drama da guerra (1914-1918) 117
Naquele ano ocorria o jubileu de ouro da sua ordenação sacerdotal.
Foram organizadas diversas manifestações em sua homenagem. Os Salesia-
nos-soldados lhe ofereceram um cálice de ouro. Agradeceu-lhes na circular
do dia 24 de janeiro, aproveitando a oportunidade para exortá-los a se
manterem fiéis ao espírito das origens: “Como a água que, quanto mais se
distancia da sua fonte, mais perde sua limpidez natural para se tornar uma
onda lamacenta, assim o espírito de um Instituto Religioso, quanto mais se
distancia do Fundador ou dos que tiveram a sorte de conviver longos anos
com ele, mais vai perdendo sua primitiva integridade... Quantas coisas
estranhas, se não estivermos atentos, irão se infiltrando aos poucos entre
nós; e quantas, próprias do espírito do venerável Dom Bosco, cá e lá vão
sendo deixadas para trás!
Tendo tido a imensa felicidade de conviver muitos anos com o nosso
venerável Pai e de gozar de sua confidente intimidade, posso dizer que tive
a oportunidade de conhecer em profundidade o espírito que o animava...
Dom Bosco escolheu como patrono de sua obra São Francisco de Sales,
porque quis que os seus filhos copiassem em todo tempo a grande atividade
no bem, o ardente amor de Deus e a inalterável doçura para com o próximo.
E para tornar mais eficaz esse modelo, copiou-o em si mesmo, conferin-
do-lhe toda a modernidade requerida pelos nossos tempos. Portanto, se
quisermos poder dizer que somos verdadeiramente Salesianos, não só
devemos procurar possuir estes três constitutivos do espírito de Dom
Bosco: atividade, amor de Deus e doçura para com o próximo, mas também
possuí-los juntos, harmoniosamente, como se encontravam nele”.17)
No dia 24 de maio de 1918 celebraram-se cinquena anos da consagração
do santuário de Maria Auxiliadora. Houve celebrações especial e pere-
grinações de diversas partes do Piemonte. Depois das festas, o P. Albera,
exausto, teve que retirar-se para Oulx, para um pouco de repouso. No dia
1º dse agosto teve a alegria de assitir à bênção do templo de Maria Auxi-
liadora nos Becchi, diante da pequena casa de Dom Bosco. No dia seguinte
celebrou ali a Missa, na presença do Capítulo Superior, do Conselho Geral
das Filhas de Maria Auxiliadora e de uma representação dos órfãos de
guerra e dos alunos dos Institutos Salesianos.
No dia 12 de novembro de 1918, com a capitulação da Áustria, terminou
“o imenso massacre” da guerra. Os Salesianos contaram suas perdas: sobre
dois mil Salesianos europeus chamados às armas, os irmãos mortos foram
aproximadamente oitenta; muito mais numerosos os feridos. Alguns,
17 Lm n. 22.

12.10 Page 120

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118 Capítulo 8
perturbados na alma e no espírito, tiveram que abandonar a Congregação.
Mas os que retornaram, em grande parte vieram reforçados no espírito e
no caráter, animados de generosos propósitos. Muitos deles, no decênio
seguinte, constituíram o núcleo principal das expedições missionárias
na Ásia, na África e na América, demostrando incrível capacidade de
adaptação e generosidade. Todos deixaram testemunhos de caridade apos-
tólica e de santidade. Entre muitos, podem-se recordar os futuros Bispos
Caetano Pasotti, Estêvão Ferrando, Luís Mathias, João Lucato; monsenhor
João Batista Couturon; os sacerdotes Pedro Gimbert, José Augusto Arribat,
Constantino Vendrame, Carlos Crespi, Carlos Braga, Antônio Cavoli, João
Tanguy, Luís Albisetti e dezenas de outros.

13 Pages 121-130

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13.1 Page 121

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119
Capítulo 9
O SERENO DECLÍNIO (1919-1921)
1919-1920
Terminada a guerra, em janeiro de 1919 o P. Albera convidou os coope-
radores a rezar para que se pudesse ter “uma paz justa e duradoura”.

13.2 Page 122

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120 Capítulo 9
Recordava tudo o que fora feito no ano anterior, particularmente a acolhida
de trezentos órfãos de guerra e de quinhenos pequenos refugiados. Elencava
as novas fundações: os oratórios turinenses de Borgo San Paolo e no bairro
de Monte Rosa, o Instituto de Livorno, a escola agrícola de Mandrione em
Roma, o oratório e Internato de Fiume, a casa para jovens operários em
Würzburg na Baviera, o orfanato de Kielce e o estudantado de Cracóvia na
Polônia, a casa de formação de Cold Spring e o colégio de Williamsbridge
nos Estados Unidos.
Recordava também o programa de ação para o novo ano, particular-
mente nos países de missão, e exortava os cooperadores a multiplicarem
seu zelo na educação da juventude “para a restauração cristã da sociedade”.
“Lembrai-vos, beneméritos cooperadores, que a sadia educação das novas
gerações será sempre o meio mais simples e mais prático para tornar cristã a
sociedade. Mas para que os frutos de uma boa educação consigam triunfar
em meio ao mal que há no mundo, é preciso multiplicá-los, multiplicando
os batalhadores incansáveis e os propagandistas zelosos por este santo
ideal. Se os Cooperadores Salesianos, por exemplo, que só na Itália chegam
a mais de cem mil, assumissem como próprio este santo apostolado, como
seria imenso o bem que fariam à Religião e à Pátria!”.1)
No dia 15 de março, enquanto celebrava a Missa de trigésimo dia de
falecimento do Ecônomo Geral, P. Clemente Bretto, o P. Albera sofreu um
pequeno infarto. Foi forçado a repousar um pouco mais pela manhã e a
passear um pouco na parte da tarde. Apenas esteve melhor, retomou seu
ritmo costumeiro, com um horário bem determinado: levantar às 5 horas;
meditação às 5,30; Missa às 6; das 7 às 9 no escritório para a correspon-
dência; depois audiências até o meio-dia. Na parte da tarde, depois de um
quarto de hora de repouso, trabalho no escritório das 14,20 até a leitura
espiritual e à bênção eucarística no fim do dia.
No dia 20 de abril enviou uma circular aos inspetores e Diretores sobre
a doçura a praticar no exercício da autoridade, propondo como modelos
Jesus Cristo, São Francisco de Sales e Dom Bosco. No dia 17 de maio viajou
para Florença e Faença. Voltou a Valdocco para a novena de Maria Auxi-
liadora. Em junho participou do encontro especial dos ex-alunos de Turim.
Sua saúde, porém, declinava sempre mais.
Em julho escreveu a uma superiora das Irmãs Salesianas: “Segunda-
-feira, oito dias atrás, senti-me de novo incomodado. Por toda a semana
quase não foi possível escrever: com muita dificuldade só pude assinar
1 BS 1919, 2-7.

13.3 Page 123

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O sereno declínio (1919-1921) 121
alguma carta importante. Hoje é a primeira vez que tento escrever, e estou
escrevendo à senhora. Como vê, começo a manejar pouco a pena, muito
devagar e com esforço. Escrevo-lhe para dizer-lhe que não deve crer que
eu esteja muito mal. Talvez um pouco de descanso faça tudo voltar ao seu
lugar. Por ordem do médico, amanhã, se Deus quiser, irei a Cuorgnè e ali
permanecerei oito ou dez dias; espero que os ares das colinas me façam
bem. Não tenho apetite e custo a dormir. Os aborrecimentos não faltam e
muitas vezes são muito graves... Espero muito em suas orações. Em tudo
faça-se a vontade de Deus”.2)
Depois de alguns dias de repouso foi a Pinerolo para a premiação dos
meninos órfãos. Em seguida esteve em Nizza Monferrato para os exercícios
espirituais das Diretoras. Estava sempre mais fraco. O médico lhe impôs
repouso absoluto de quatro semanas em Cuorgnè, mas quinze dias depois
já estava novamente em Turim. No fim de setembro foi novamente a Nizza
Monferrato para pregar.
Na carta circular de 24 de setembro recomendou aos Salesianos o
cultivo das vocações. Com grande pena, escreveu, que se deviam recusar
as numerosas propostas de fundações por falta de pessoal: “Quando se
renovará o fato consolador de que cada casa, cada oratório festivo, dará
sua contribuição de vocações salesianas?... Não se trabalha completamente
segundo o espírito do nosso venerável Pai Dom Bosco, se não se tiver todo
o empenho em cultivar as vocações”.3)
Voltando à sua sede em Valdocco, o Cardeal Cagliero convidou-o a
passar alguns dias de paz em Castelnuovo. Não melhorou com isso, pelo
contrário, aumentou a paralisia do braço direito. Apesar disso, na segunda
metade de novembro foi a Roma para tratar de assuntos da Congregação.
No dia 30 de novembro foi recebido pelo Papa. Escreveu aos inspetores:
“Não saberia expressar-vos plenamente a íntima satifação provada por
mim quando pude dizer pessoalmente ao Santo P. que os Salesianos
tinham prevenido o caloroso apelo dirigido por ele a todo o mundo em
favor dos meninos pobres da Europa central mediante a paterna encíclia
de dez dias antes. Pois, precisamente nessas mesmas regiões eles tinham
aberto, durante este ano de 1919, novos e amplos Institutos para acolher o
maior número possível de meninos necessitados...”.4)
Referia-se à encíclica Paterno iam diu [Com ânimo paternal] de 24
2 Garneri 373.
3 Garneri 375.
4 Garneri 376.

13.4 Page 124

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122 Capítulo 9
de novembro, na qual o Pontífice apresentava ao espiscopado católico
a situação dramática dos meninos na Europa central, que viviam em
condições de extrema miséria e de fome, e os convidava a se mobilizarem.
Os Salesianos já o tinham feito organizando em todas as nações atingidas
pela guerra orfanatos e centros de assistência. Mas o P. Albera quis acres-
centar alguma coisa a mais para responder ao apelo Papal e destinou
para acolhida e cuidado dos órfãos da europa central outro Instituto no
Piemonte, o de Perosa Argentina.
No dia da Imaculada, na basílica do Sagrado Coração, o Cardeal
Cagliero celebrou o trigésimo quinto aniversário de ordenação episcopal.
O P. Albera teria querido voltar a Turim para o Natal, mas foi retido na
capital até os inícios do mês de fevereiro.
Na carta aos cooperadores de janeiro de 1920 narrou a audiência ponti-
fícia e anunciou que a inauguração do monumento a Dom Bosco fora
fixada para maio, em concomitância com o encontro internacional dos
cooperadores, dos ex-alunos e das ex-alunas. Apresentou as obras abertas
em 1919: seis na Itália, quatro na Baviera, duas em Viena, uma na Hungria,
uma na Jugoslávia e uma na Irlanda. Recordou que a maior parte das casas
salesianas da Europa estavam mobilizadas “para aliviar os extraordinários
apuros de tantos jovens pobres da Europa central, cujas graves necessi-
daades foram o objeto da última encíclica do Santo Padre”.
Depois acrescentou: “A ressurgida Polônia viu chegar os Salesianos a
seis centros para assumir obras diversas: em Różanystok (Grodno), uma
Paróquia e um grande Instituto com capacidade para 700 jovens para escolas
profissionais e agrícolas; em Aleksandrów, outra Paróquia e um ginásio
com 300 jovens; em Varsávia, uma igreja pública com escolas populares
externas e escolas profissionais; em Cracóvia, uma quarta Paróquia e um
oratório festivo; em Przemyśl, um Internato para jovens pobres e abando-
nados; finalmente em Klecza Dolna, uma casa para a formação de novo
pessoal Salesiano. Deus abençoe a fé viva e suavize os sofrimentos daquelas
generosas populações”. Outras três casas foram abertas nas Américas
e novas residências missionárias no vicariato de Shiu-Chow e no Chaco
Paraguaio. Elencou também as vinte e uma novas obras das Filhas de
Maria Auxiliadora.5)
Voltando a Turim em fevereiro escreveu uma carta circular na qual,
depois de falar do monumento a Dom Bosco querido pelos ex-alunos,
exortava os Salesianos a ser monumentos vivos do Fundador, isto é, “a
5 BS 1920, 3-6.

13.5 Page 125

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O sereno declínio (1919-1921) 123
fazer viver em si mesmos as suas virtudes, o seu sistema educativo, todo o
seu espírito, de modo a transmiti-lo sempre fecundo e vital de geração em
geração”. Convidava-os particularmene a imitar “aquele afetuoso interesse
pelos jovens, que foi o segredo do seu maravilhoso ascendente sobre eles”,
seguindo as indicações oferecidas pela carta de Roma de 10 de maio de
1884.6)
A inauguração do monumento na praça de Maria Auxiliadora foi
associada a uma série de eventos com o objetivo de revitalizar a família
salesiana depois da convulsão da guerra. No dia 19 de maio inaugu-
rou-se uma exposição dos programas das escolas profissionais e agrícolas
salesianas, que pretendia “dar uma ideia precisa e orgânica do que os
Salesianos querem alcançar” para responder às novas necessidades e
para “cooperar na formação de mão de obra tecnicamente perfeita e de
cidadãos de sentimentos cristãos”.7) Entre os dias 20 e 22 de maio aconte-
ceram, contemporaneamente, os Congressos Internacionais dos Coopra-
dores, dos Ex-alunos e Ex-alunas, em reuniões separadas e em momentos
comuns.
O P. Albera passou de um Congresso a outro. Interveio com breves
discursos, mas fez grande impressão, apresentando a atualidade do espírito
de Dom Bosco e da sua obra. A cerimônia de inauguração do monumento
aconteceu no dia 23 de maio, solenidade de Pentecostes, na presença de seis
mil alunos Salesianos, trêz mil congressistas, autoridades religiosas, civis
e militares. No dia seguinte celebrou-se a festa de Maria Auxiliadora com
extraordinária participação de devotos e peregrinos.
Em seguida, o P. Albera quis ir a Milão para a consagração da igreja de
Santo Agostinho. Passou também por Verona. Foi uma viagem incômoda
por causa das greves e das violentas agitações operárias daquele período,
que os historiadores chamarão de “biênio vermelho” (1919-1920). No dia
28 de junho chegaram a Valdocco cem meninos da Europa central para
encontrar-se com o Reitor-Mor. Cinquenta estavam para voltar para a
própria pátria, depois de ter transcorrido alguns meses na casa de Perosa
Argentina, para reforçar a saúde. Outros cinquenta tinham chegado de
Viena para substituí-los.
O evento foi documentado pelo Bollettino Salesiano com uma foto de
todo o grupo: “Os cem meninos vienenses confraternizaram por diversos
dias com os jovens do Oratório e, antes que a primeira caravana voltasse
6 LC 312.
7 BS 1920, 191.

13.6 Page 126

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124 Capítulo 9
para Viena e a segunda partisse para Perosa Argentina, a fim de ali passar
alegremente os meses do verão, quiseram ser fotografados junto com seu
benfeitor, o sucessor de Dom Bosco. Não é possível transmitir a alegria do
coração do P. Albera ao ver a modesta, intensa e comovida gratidão dos
pequenos beneficiados”.8)
No mês de junho publicou-se o primeiro fascículo dos Atos do Capítulo
Superior, órgão de imprensa oficial da Direção Central Salesiana. No dia
4 de outubro, em Mondonio, foi abençoado o monumento a Domingos
Savio, com a presença do Reitor-Mor e do Cardeal Cagliero. No dia 18 foi
publicada a intensa circular, na qual o P. Albera propunha aos Salesianos
Dom Bosco como “modelo de aquisição da perfeição religiosa, no educar
e santificar a juventude, no tratar com o próximo e em fazer bem a todos”.
Nela se encontram testemunhos autobiográficos muito intensos a
respeito da vida interior do Fundador, sobre sua eficaz potência afetiva,
sobre a extraordinária capacidade de infundir no coração dos jovens o amor
de Deus, seu ardor apostólico e educativo. Entre outras coisas escreveu:
“O conceito animador de toda a sua vida era o de trabalhar pelas almas
até a total imolação de si mesmo, e assim queria que fizessem seus filhos.
No entanto, esse trabalho ele o fazia com perene tranquilidade, sempre
igual a si mesmo, sempre imperturbável, tanto nas alegrias, quanto nos
sofrimentos; porque, desde o dia em que foi chamado ao apostolado, ele se
entregara totalmente nos braços de Deus! Se trabalhar sempre até a morte
é o primeiro artigo do código salesiano, escrito por ele mais com o exemplo
do que com a pena, atirar-se nos braços de Deus e nunca mais se afastar
dele foi o seu ato mais perfeito. Ele o cumpriu diariamente, e nós devemos
imitá-lo da melhor maneira possível, para santificar o nosso trabalho e a
nossa alma”.9)
Nodia 24 de outubro, em companhia do Cardeal Cagliero, presidiu a
celebração de despedida dos missonários. No dia 8 de dezembro partiu
para Roma. Encontrou-se com o Papa, ao qual apresentou a nova edição
em dois volumes da Vida do Venerável Servo de Deus João Bosco, do P.
João Batista Lemoyne.
Durante seu Reitorado tinha insistido com frequência sobre a impor-
tância da formação dos Salesianos. Voltou a esse tema numa longa circular
reservada aos inspetores em novembro de 1920. Recordou a sua responsa-
bilidade na formação “dos irmãos jovens, sejam clérigos ou coadjutores:
8 BS 1920, 198.
9 LC 335.

13.7 Page 127

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O sereno declínio (1919-1921) 125
eles, de fato não podem ter a formação religiosa e salesiana que é tão neces-
sária para fazer o bem entre os jovens. Portanto, toca aos Diretores usar
com diligência todos os meios, como faria um pai, até eu diria uma mãe,
para com seus filhos, para formar o coração e a mente segundo o coração
e a mente de Dom Bosco.... Precisamos agradecer de todo coração a Maria
Santíssima Auxiliadora pela visível proteção concedida a estes nossos bons
filhos durante a terrível provação da guerra... Seja nosso empenho nutri-los
agora de abundante e sadio espírito eclesiástico e de abundante e sadia
ciência eclesiástica”.
Depois acrescentou uma anotação que deve ser entendida no contexto
dos esforços realizados por ele para dotar a Congregação de casas de
formação bem organizadas: “Agora, felizmente, quase todos os clérigos
podem ser acolhidos nos estudantados de filosofia e grande parte nos de
teologia, apesar da grande falta de pessoal... Tende o máximo cuidado em
escolher os irmãos peritos nas disciplinas eclesiásticas que devem ensinar,
defini um horário suficiente para o desenvolvimento das matérias, exigi
rigorosamente que todos possam frequentar e frequentem realmente com
toda regularidade as diversas lições, e informai-vos de quando em quando
como caminham essas aulas, com que diligência se ensina e qual é o apro-
veitamento por parte dos clérigos”. Recomendou, além disso, que se desse
especial atenção ao ensino da teologia dogmática e da moral, pois “os
nossos sacerdotes, além de se tornarem bons professores, bons educadores,
devem ser também bons confessores e pregadores, todavia, não poderão
ser nem uma nem outra coisa se não estudarem profundamente essas duas
matérias fundamentais”.10)
1921
As forças iam diminuindo, o mal-estar da saúde aumentava dia a dia e
ele sentia que seu fim estava próximo. Todavia, em relação aos anos ante-
riores, uma profunda serenidade enchia seu coração. Na carta aos coope-
radores de janeiro de 1921 sentiu a necessidade de reevocar seu primeiro
e providencial encontro com o Fundador: “Quando penso no dia em que,
quando menino de treze anos, fui caridosamente acolhido por Dom Bosco
no Oratório, invade-me um frêmito de comoção, e uma por uma surgem na
minha mente as graças praticamente inumeráveis que Deus reservou para
10 ASC E223, texto datilografado com firma autógrafa, 4.11.1920.

13.8 Page 128

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126 Capítulo 9
mim na escola deste dulcíssimo Pai! Mas, comigo, quantos devem repetir:
“De tudo somos devedores ao venerável Dom Bosco! A nossa educação,
a nossa instrução, e, não poucos, a própria vocação ao sacerdócio, tudo
devemos às paternas solicitudes dquele homem de Deus, que nutria pelos
seus filhos espirituais santo e insuperável afeto”.
É por isso que, acima de toda e qualquer pessoa por mais querida que
seja, vive em nós sua lembrança, junto com a mais alta admiração pela sua
extraordinária santidade e pela grandeza da sua missão, à qual – como não
reconhecer? – Deus o chamou. Cada ano que passa, sua imagem paterna,
não só nada perde da sua luz encantadora que no-la tornava tão venerada,
pelo contrário, aparece mais luminosa e se torna mais viva em nós a
lembrança de suas virtudes heroicas, enquanto sua obra, consolidando-se
e ampliando-se com o apoio de todas as pessoas honestas, faz-nos repetir
do fundo do coração: digitus Dei est hic! [Aqui está o dedo de Deus!]. A
obra de Dom Bosco foi verdadeiramente querida por Deus e Ele continua a
cuidar dela com bênçãos perenes”.11)
O último ano de sua vida foi denso de atividades. No fim de janeiro
foi à França. Visitou Nice, La Navarre e Saint-Cyr. Aqui aconteceram
coisas extraordinárias. Apresentaram-lhe uma aluna das irmãs que devia
ser operada na garganta: deu-lhe a bênção e na manhã seguinte ela estava
perfeitamente curada. Uma filha de Maria Auxiliadora, que tinha uma
ferida numa das pernas, aplicou sobre a ferida o algodão usado para esfregar
a mão dolorida do P. Albera, e a ferida progressivamente desapareceu. De
Saint-Cyr, o sucessor de Dom Bosco, foi para Marselha, onde encontrou
uma centena de cooperadores que queriam a sua bênção.
Em Montepellier foi acolhido com grande cordialidade pelo Cardeal
Anatole de Cabrières. Depois de visitar Savigny e Morges, teria querido
continuar viagem para Paris, mas a saúde piorou. Foi visitado por um espe-
cialista, que diagnosticou problemas circulatórios: “É uma arterioesclerose
cerebral, que, porém, deixou intactas as faculdades mentais... Memória,
inteligência, lucidez de espírito são as de sempre; aliás, é surpreendente ver
como se recorda de coisas de mais de trinta anos atrás”.12) Teve que voltar
a Turim.
Em março escreveu uma ampla circular sobre Dom Bosco, modelo
do sacerdote salesiano. Nela convidada todos os irmãos a serem, como o
Fundador, “sempre P.s em todos os momentos”, empenhados “num estudo
11 BS 1921, 1.
12 ASC B0250605, cópia datilografada.

13.9 Page 129

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O sereno declínio (1919-1921) 127
assíduo e amoroso dos lineamentos morais” a serem reproduzidos em si
mesmos. Exortava-os a tender “a uma perfeição sempre mais elevada” na
observância das Constituições, na oração, na celebração da Eucaristia e
no Sacramento da Penitência, e entregar-se à direção espiritual, praticar o
exame de consciência diariamente para crescer no exercício das virtudes e
na santidade.13)
No dia 10 de março escreveu ao Diretor de San Nicolás de los Arroyos:
“Deus lhe confia o ministério mais delicado e mais caro ao seu divino
coração! Por isso, corrresponda com amor e reconhecimento, redobrando
seu zelo. Antes de tudo, procure aprofundar-se no conhecimento da direção
das almas, que, pela sua dificuldade, é qualificada como ars artium [a arte
das artes]; de modo que depois possa dizer a Jesus: “Todos os transviados
que vós me mandastes, todos, graças à vossa ajuda, eu coloquei no bom
caminho!” Aconselhe a oração como meio indispensável para corrigir-se,
aliás, você mesmo faça uso muito frequente desse meio, lembrando-se das
palavras: Sine me, nihil potestis facere…” [Sem mim, nada podeis fazer...].14)
A partir de abril seu estado de saúde agravou-se e teve que limitar suas
atividades. Na metade de maio escreveu a auma pessoa: “Sinto-me sem
forças. Tudo o que se refere ao meu ofício me é pesado. É um mal-estar
em parte físico, proveniente também dos muitos sofrimentos inevitáveis
próprios do meu cargo...”. Teve um pouco de paz durante as festas de Maria
Auxiliadora. Assim, todas as noites pôde ir até o santuário para longas
e devotas visitas. No dia 31 de maio visitou o estudantado internacional
de Foglizzo, acolhido por clérigos de dezessete nacionalidades. Durante
a academia, dominado pela comoção, foi obrigado a retirar-se. No dia 2
de junho, em Parma, fez uma conferência aos irmãos e às damas benfei-
toras: todos viram-no cansadíssimo. Continuou viagem para Módena,
onde estavam festejando seus setenta e seis anos. Durante a academia de
homenagem não teve forças para falar em público e teve que fazer grandes
esforços para manter-se acordado.
No dia 12 de junho dez mil jovens das associações católicas se reuniram
na praça de Maria Auxiliadora no cinquentenário da fundação do primeiro
círculo católico juvenil turinense, para “prestar uma homenagem ao mais
moderno apóstolo da juventude” e exprimir “ardorosa vontade de bem e de
amor que a juventude cristã dedica ao futuro... diante do monumento de
Dom Bosco, que foi o salvador de tantas gerações, que é e será no tempo o
13 ACS 2, 134-172.
14 Garneri 396-397.

13.10 Page 130

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128 Capítulo 9
farol luminoso da juventude que acredita no bem e que se dedica ao bem!”.
O P. Albera assistiu à cerimônia desde as janelas do Oratório; foi reco-
nhecido e várias vezes aclamado. Comoveu-se profundamente.15) Naquela
noite escreveu: “Estou muito fraco... O P. Gusmano continua sempre a
dar-me assistência e ajudar-me como o filho para com seu pai. Deus o
recompense!”.
No dia 19 de junho assistiu à colocação da pedra fundamental da igreja
do Oratório “Miguel Rua” no bairro de Monterosa. No dia 2 de julho parti-
cipou da festa titular do novo Oratório de Borgo San Paolo. As duas obras,
situadas nas periferias da imigração operária, tinham sido expressamente
queridas por ele. Ele mesmo escolheu os Salesianos destinados a dirigi-las,
homens dotados de grande energia e criatividade, animados de genuíno
espírito salesiano. Esses novos oratórios serviram como estímulo para
a revitalização inteligente e criativa do espírito, do método e da missão
oratoriana, reformulada pelo irrequieto contexto sócioeconômico daqueles
anos. Serviram como modelo para as novas gerações salesianas.
Apesar do grande calor do verão, quis permanecer em Turim para
não interromper o trabalho de correspondência. No dia 10 de setembro
chegou a notícia da morte de Dom Costamagna. No sua carta mortuária
escreveu: “Das muitas perdas sofridas pela Congregação durante estes anos
do meu Reitorado, esta me aflige de forma muito particular, porque com
Dom Costamagna desaparece um dos meus mais querido colegas da mida
vida de estudante aqui no Oratório, e, portanto, também um dos já rarís-
simos irmãos que mais tempo e mais intimamente estiveram próximos e
conviveram com o nosso venerável Pai...”.16) No dia 22 de outubro morreu
também Dom João Marenco. “Essa morte – escreveu a uma irmã – me fez
sofrer profundamente. Chorei muito. Seja feita a vontade de Deus!”. Sentia
que aqueles eram os últimos dias de sua vida.
No dia 23 de outubro saudou os missionários que partiam para o Assão,
na Índia. No dia 24 assistiu aos funerais de Dom Marenco. No dia 27 parti-
cipou da comemoração fúnebre de Dom Costamagna. Na parte da tarde
deu um passeio de carruagem até Nossa Senhora da Campanha. O dia 28
foi um dia de relativo bem-estar. Celebrou a Missa às seis da manhã, depois
deu audiência toda a manhã. Entre outras coisas, sugeriu ao P. Rinaldi que
transferisse o estudantado teológico internacional de Foglizzo para Turim.
Ao Ecônomo Geral disse: “Devemos fazer todos os esforços para multi-
15 BS 1921, 170-171.
16 ACS 7, 274.

14 Pages 131-140

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14.1 Page 131

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O sereno declínio (1919-1921) 129
plicar as vocações, não somente para a nossa Pia Sociedade, mas também
para as Dioceses. É esta uma grande necessidade da Igreja no momento
presente. Se Dom Bosco vivesse, se vivesse o P. Rua, não sossegariam
enquanto não tivessem providenciado essa necessidade com todas as suas
forças. Nós devemos fazer o mesmo. Infelizmente as ofertas de alguns
meses para cá foram desaparecendo sensivelmente: mesmo assim, vamos
em frente... Se chegar alguma oferta generosa, procuremos consagrá-la
a esta finalidade”.17) Depois acertou com o Prefeito Geral a maneira de
celebrar o terceiro centenário da morte de São Francisco de Sales em 1922.
O P. Barberis narra: “No fim do dia eu passeava com ele e ele brincou
alegremente às minhas costas, recordando-me uma aventura ocorrida anos
atrás...”. Passou uma noite tranquila. Mas às quatro horas da manhã foi
tomado por forte angústia. Levantou-se, chamou o secretário, P. Gusmano.
Foi convocado o médico, que constatou a gravidade da situação. O P.
Rinaldi administrou-lhe a Unção. Enquanto os irmãos se apertavam em
torno de seu leito, rezando por ele, o P. Albera expirou. Eram as cinco e um
quarto do dia 29 de outubro de 1921.
Na parte da tarde daquele dia o corpo do P. Albera, revestido de sobre-
peliz e estola, foi posto na igreja sucursal da praça de Maria Auxiliadora.
Foi visitado por uma multidão de Salesianos, Filhas de Maria Auxiliadora,
ex-alunos, cooperadores, alunos e alunas, autoridades religiosas e civis,
amigos da obra salesiana, pessoas de todas as classes sociais.
Os funerais foram celebrados na tarde do dia 30 de outubro. O imponente
cortejo fúnebre percorreu as ruas de Turim durante duas horas e meia.
O Cardeal Cagliero abençoou o féretro, que permaneceu toda a noite na
igreja de Maria Auxiliadora. No dia 31 celeboru-se a Missa Fúnebre Solene.
Depois o corpo foi levado até Valsalice e tumulado junto à tumba de Dom
Bosco.
No Boletim Salesiano o P. Rinaldi traçou um retrato muito eficaz do
P. Albera: “Dotado de engenho sólido e profundo e de memória forte e
precisa, desde jovem orientou toda a sua atividade a formar seu espírito a
uma piedade sólida e iluminada que haveria de ser para toda a sua vida.
Formou-se, antes de tudo mais e sempre, na escola de Dom Bosco, de quem
estudava ciosamente todos os seus ensinamentos... Também os demais
estudos ele os orientou para essa finalidade (como era estudioso, assíduo
e amante de todo sadio conhecimento!): para que nutrissem a piedade e
sempre tivessem a marca da piedade. A piedade foi o segredo do seu êxito...
17 Garneri 415.

14.2 Page 132

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130 Capítulo 9
Tantas obras realizadas por um homem tão parco em palavras, tão
sóbrio nos gestos, tão comedido nos movimentos, quase nos surpreendem;
no entanto, adquirem ainda maior valor e eficácia quando são vistas em sua
raiz, que é a vida interior de piedade, na qual toda a sua vida se concentrava
e da qual recebia aquela marca de simplicidade e compostura que nele foi
tão característica. O dito de São Paulo: pietas ad omnia utilis est encontrou
nele a plena comprovação, que transparecia a cada momento na sua vida
prática… A grandeza da figura moral do P. Albera como Reitor-Mor dos
Salesianos sintetiza-se no firme propósito de pisar fielmente, sem restrições
e nenhum tipo de desvio, as pegadas de Dom Bosco e do P. Rua. Esta é a
verdadeira glória dos onze anos do seu Reitorado...”.18)
O P. Rinaldi escreveu também um amplo necrológio para os Salesianos,
no qual apresentou os traços mais relevantes da pessoa e da obra do P.
Albera. Evidenciou seu empenho para manter intacta a marca impressa
por Dom Bosco na obra salesiana, seu espírito de oração, a ardente devoção
eucarística e mariana, o amor ao Papa e à Igreja, a constante ação de
promoção dos oratórios festivos, das missões e das vocações. Concluía com
um balancete do seu Reitorado: “Deus lhe deu a consolação de ver aben-
çoadas as suas fadigas no número dos sócios que durante seu Reitorado
aumentou de 705 membros, apesar dos vazios causados pela guerra; e no
número das casas, que aumentou de 103; nas novas missões abertas na
África (no Congo Belga), na Ásia (na China e no Assão-Índia), no Chaco
Paraguaio, nas novas casas de noviciado e nos novos e florescentes oratórios
festivos...
Viu honrados pela Santa Sé seus irmãos, mediante a púrpura cardina-
lícia conferida a Dom Cagliero, a dignidade episcopal conferida a cinco
Bispos residenciais, a três vigários apostólicos, a um prelado-nullius, a
nomeação de um internúncio e dois Prefeitos apostólicos. Viu reconhecida
e honrada também pelo mundo a modéstia da sua virtude nos diversos
títulos e honorificências que lhe foram conferidas por academias, socie-
dades, cidades, associações, governo italiano... Por fim, Deus lhe concedeu
a graça de superar a árdua prova da guerra e ver a Pia Sociedade retomar o
ritmo da sua vida, de chegar lá onde não tinham podido chegar nem Dom
Bosco, nem o P. Rua – isto é, à celebração do jubileu de ouro – e terminar,
assim, sua vida abençoada – in senectute bona. Esta última circunstância
providencial nos induz a pensar que o P. Rua e o P. Albera não devem ser
considerados como simples sucessores de Dom Bosco, mas como conti-
18 BS 1921, 314-315.

14.3 Page 133

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O sereno declínio (1919-1921) 131
nuadores da sua vida, que neles continua e se desenvolve e chega a pleno
florescimento...”.19)
O P. Luís Cartier oferece o seguinte belo perfil do P. Albera: “Foi mara-
vilhosamente dotado por Deus de dons excelentes: inteligência viva e pene-
trante, memória tenaz e fiel nos mínimos detalhes, bem como no conjunto,
vontade forte a serviço de uma doçura inalterável de tom de voz e de
modos, coração sensibilíssimo, afetuoso, compassivo. O desenvolvimento
desses talentos naturais mediante um trabalho assíduo tornou-o mestre
nas ciências profanas e religiosas, e lhe propiciou o conhecimento apro-
fundado do coração humano, o discernimento dos espíritos e o ascendente
sobre os homens, que com justiça lhe conquistaram a simpatia, o respeito
e o afeto de altas personalidades eclesiásticas e leigas. Espírito observador,
refinado e delicado, dava-se conta até dos mínimos detalhes. Os olhos
baixos e semiabertos, que pareciam não ver nada, mas que nada deixavam
fugir, o ajudavam a formar-se uma ideia clara e profunda das coisas”.20)
19 ACS 9, 310-311.
20 L’Adoption, dezembro de 1921.

14.4 Page 134

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132 Capítulo 9

14.5 Page 135

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133
Segunda parte
A CONTRIBUIÇÃO DO P. ALBERA
PARA A ESPIRITUALIDADE SALESIANA

14.6 Page 136

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134 Segunda parte

14.7 Page 137

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 135
1. O magistério da vida
Depois de receber a notícia da morte do P. Albera, o P. José Vespignani
escreveu da Argentina: “Estamos convencidos de que o saudoso Reitor-Mor
foi a continuação da vida, do espírito e da ação de Dom Bosco e do P.
Rua; e que os três formam uma tríade esplêndida, sumamente providencial
e admirável em nossa Congregação”.1) É verdade. Provavelmente, sem
a doação e o carisma destes seus discípulos, colaboradores e sucessores,
após a morte do Fundador o empreendimento salesiano teria rapidamente
esgotado sua carga.
O P. Rua foi escolhido por Dom Bosco como vigário com a missão
de estruturar a Sociedade Salesiana nascente, organizá-la, assegurar seu
desenvolvimento orgânico e a compacidade disciplinar. Por sua vez, o P.
Rua nomeou o P. Albera como Diretor Espiritual da Congregação para
consolidar a vida interior dos irmãos, infundir neles o “espírito” herdado
do Pai e garantir às novas gerações percursos formativos mais lineares.
Tornando-se reitores-mores, ambos mostraram uma viva responsabilidade
de conservar e incrementar o patrimônio espiritual e pedagógico de Dom
Bosco. Para essa finalidade é que se empenharam com a palavra e a ação,
mas particularmente com o testemunho de vida.
O P. Albera tinha especial consciência da missão recebida. Sentiu-se
inclusive angustiado porque considerava não estar à altura da tarefa.
Os cadernos de anotações pessoais testemunham sua constante tensão
espiritual, seu incessante trabalho ascético para alimentar em si o fogo
da caridade que Dom Bosco acendera em seu coração desde os anos da
adolescência, e para atingir a competência e a santidade requeridas pelo seu
cargo. A intimidade de vida e de trabalho com o Fundador convencera-o
de que a melhor maneira de prolongar no tempo seu espírito e assimilar
seu carisma era o de reproduzir em si mesmo suas virtudes, seu zelo e sua
santidade. Dom Bosco foi seu constante ponto de referência. Ao longo de
todo a sua vida procurou modelar-se de acordo com os ensinamentos, com
o exemplo e as ações do Pai, para ajudar os Salesianos a fazerem o mesmo.
Na circular enviada por ocasião da inauguração do monumento a Dom
Bosco, recordou os anos da juventude vividos junto dele, “respirando quase
a mesma alma”. Reevocou o período transcorrido em Valdocco após a
ordenação, durante o qual tinha podido “gozar da sua intimidade e haurir
do seu coração preciosos ensinamentos”. Depois acrescentou: “Principal-
1 Garneri 431.

14.8 Page 138

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136 Segunda parte
mente durante aqueles anos, e também em seguida, nas sempre desejadas
ocasiões que tive de estar com ele ou de acompanhá-lo nas suas viagens,
persuadi-me de que a única coisa necessária para se tornar seu digno filho
era imitá-lo em tudo: por isso, seguindo o exemplo de numerosos irmãos
idosos, os quais já tinham reproduzido em si mesmos o modo de pensar, de
falar e de agir do Pai, esforcei-me para também eu fazer o mesmo. E hoje,
à distância de mais de meio século, repito a todos vós que sois seus filhos
como eu, e que a mim, filho mais idoso, fostes confiados por ele: imitemos
Dom Bosco na aquisição da nossa perfeição religiosa, na educação e santi-
ficação da juventude, no tratar com o próximo, em fazer o bem a todos”.2)
Com essa finalidade ele insistia sobre a necessidade de conhecer o
Fundador, de estudar com amor sua vida e seus escritos, de falar dele com
frequência aos jovens e aos cooperadores. Teve também uma veneração
profunda pela pessoa do P. Rua, particularmente pelo cuidado com a
perfeição nas pequenas coisas, o que o caracterizava na prática. Queria que
os Salesianos o considerassem organicamente unido a Dom Bosco: “Por
que Dom Bosco foi tão amado? Por que todos os corações estavam com
ele? – disse durante o sétimo Capítulo Geral das Filhas de Maria Auxi-
liadora – Porque teve a sorte de ter ao seu lado um P. Rua, que assumiu para
si todas as odiosidades... Quando este foi eleito Reitor-Mor houve quem
temesse um governo rigoroso: ao passo que se constatou quanta bondade
havia em seu coração. Esta será sempre como uma das mais belas páginas
da sua vida, e se verá quanto ele contribuiu para a auréola que envolvia
Dom Bosco”.3)
Segundo o P. Luís Terrone, “o conceito principal que as pessoas tinham
a respeito do P. Albera era que fosse um verdadeiro homem de Deus, um
sacerdote exemplar, uma alma profundamente interior”. Essa dimensão
espiritual nele foi particularmente evidente: seu comportamento, seu olhar,
seu modo de falar e de pregar revelavam o religioso constantemente preo-
cupado com as coisas do céu.4) Teve o Dom de uma grande bondade natural,
que ele aperfeiçoou trabalhando sobre si mesmo a ponto de se tornar uma
pessoa com uma gentileza finíssima que impressionava. Insistiu constante-
mente sobre a importância que Dom Bosco atribuía à gentileza e ao modo
de tratar as pessoas, sem distinção de condição e de temperamentos. Citava
São Francisco de Sales para defender o valor e a eficácia da boa educação
2 LC 331.
3 Garneri 437-438.
4 Garneri 485.

14.9 Page 139

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 137
como expressão da caridade cristã, pois ela “serve admiravelmente para
evitar atritos, limar arestas do caráter, conservar a paz, o mútuo enten-
dimento e certa hilaridade interior e nos relacionamentos Domésticos”.5)
Ele era o primeiro a dar exemplo com sua presença amabilíssima que
conquistava jovens e adultos.
Os irmãos que conviveram com ele testemunham a riqueza das suas
virtudes: era prudente nas palavras e nas decisões, humilde e paciente.
Demonstrou constante espírito de abnegação: apesar da saúde frágil, nunca
se subtraiu aos seus deveres e se manteve extremamente temeprante em
tudo.6) Suas anotações íntimas revelam o esforço em corrigir e aperfeiçoar
a própria pessoa, em alimentar a vida interior. Tinha também uma grande
capacidade de escuta, uma empatia que suscitava confiança.
Mediante a prática da Confissão e da direção espiritual tornou-se
“perito” em compreender o coração humano. Mas sentiu a necessidade
constante de aprofundar seu conhecimento da vida espiritual mediante
o estudo e a meditação de autores espirituais. Como testemunhou o P.
Francisco Scaloni, os irmãos franceses e belgas estavam convencidos de
que ele tivesse lido “todas as obras ascéticas de valor”, a respeito das quais
sabia emitir um parecer ponderado. Ele não lia de forma superficial, mas
acompanhava a leitura com a meditação “para nutrir a sua mente e o seu
coração”.7) Depois, dessas leituras e reflexões extraía matéria para o minis-
tério da pregação e do acompanhamento espiritual.
O P. João Batista Grosso, seu próximo colaborador durante os anos
em Marselha, narra que “em meio às várias preocupações de inspetor e
de Diretor do Oratório de São Leão... encontrava tempo para ler muito, e
quase exclusivamente livros de ascética; era ávido dessas leitura e ficava
atento para providenciar para si todos os livros novos de ascética publi-
cados pelos melhores autores franceses; não só lia, mas também anotava,
fazia resumos ou extratos, que depois se mostravam tão úteis nas confe-
rências mensais aos irmãos e nas que com frequência ele aceitava de bom
grado fazer às diversas companhias da casa”.8)
Este gosto pela vida espiritual, este desejo de compreendê-la em profun-
5 Garneri 467.
6 Garneri 475-484.
7 Garneri 452-453. No diário espiritual do Padre Albera e nos seus apontamentos de
pregação ele se refere a cerca de oitenta autores, cf. J. BOENZI, Reconstructing Don
Albera’s Reading List, in “Ricerche Storiche Salesiane” 33 (2014) 203-272.
8 ASC B0330314, P. Paulo Albera. Recordações pessoais, ms G. B. Grosso, 1.

14.10 Page 140

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138 Segunda parte
didade está ligado à sua admiração pessoal pela santidade e pela profunda
piedade de Dom Bosco. Desde menino tinha procurado reproduzir em si o
espírito de oração e a constante união com Deus. Com o passar dos anos,
ele também adquiriu o Dom da oração e da contemplação. Sua piedade
sincera, sem forçar nada, impressionava os que o viam rezar ou celebrar
a Eucaristia: todo mergulhado na adoração, tinha uma atitude de grande
doçura, um recolhimento tão intenso que comovia. “Empenhava-se de
modo especial em fazer a meditação e o agradecimento após a Missa, e
recomendava com frequência a prática do exame de consciência”.9) Sua
piedade era terna, afetiva e intensamente comunicativa, sustentada espe-
cialmente mediante a meditação do Evangelho e das cartas de São Paulo.10)
A tendência preDominante à intimidade divina e o gosto pela piedade
não diminuíram, pelo contrário, alimentaram constantemente seu espírito
de iniciativa, o serviço pastoral e o entusiasmo no trabalho. Estava
convencido de que uma piedade autêntica gera o zelo apostólico, ilumina a
ação educativa, inspirando-a e tornando-a fecunda, como acontecera com
Dom Bosco.
Na preocupação dinâmica de seguir os exemplos do Fundador e do
P. Rua, para “conservar na nossa Congregação o espírito e as tradições
que deles nós aprendemos” – escreveu na primeira circular apresentando
o compromisso assumido no momento da eleição – o P. Albera sentiu a
necessidade de acentuar alguns temas que ele considerava basilares, junto
com outros afins à sua sensibilidade ou requeridos pelas contingências
históricas, pelo contexto em que agiram seus interlocutores e pelo íntimo
conhecimento dos irmãos. Suas densas cartas circulares são de caráter exor-
tativo, sapiencial, não doutrinal ou sistemático, mas revelam uma grande
familiaridade com a teologia da vida consagrada e a espiritualidade cristã.
Delas emergem alguns núcleos temáticos frequentes que desejamos relevar.
Espírito de oração
É significativo observar que o primeiro tema abordado pelo P. Albera
para estimular os irmãos a se apropriarem do “espírito do venerável
Fundador e Pai Dom Bosco” foi o espírito de piedade, que ele considerava
elemento marcante e basilar da identidade salesiana. Na carta circular de
9 ASC B0330109, Para as memórias do P. Paulo Albera [1923], ms G. Barberis.
10 ASC B0330109, Para as memórias do P. Paulo Albera [1923], ms G. Barberis.

15 Pages 141-150

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15.1 Page 141

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 139
15 de maio de 1911,11) afirmou que a estima universal de que gozavam os
Salesianos pelo seu empreendedorismo e atividade no campo educativo,
era devido aos frutos abundantes que amadureceram por obra da incan-
sável operosidade de Dom Bosco, do P. Rua e de tantos outros irmãos,
como também da “rápida difusão das obras salesianas na Europa e na
América”. Sem dúvida, tão grande ardor e tanto trabalho eram motivo de
honra, provas evidentes da vitalidade da Sociedade Salesiana e da especial
proteção da Auxiliadora. Todavia, sentia-se na obrigação de recordar
aos irmãos “que esta tão celebrada atividade dos Salesianos”, este “zelo”,
este “caloroso entusiasmo” um dia poderiam desaparecer, se “não fossem
fecundados e purificados por uma verdadeira e sólida piedade”.12)
Partindo dessa preocupação, desenvolveu um discurso sobre a neces-
sidade prática do “espírito de piedade”, situando-o num sólido quadro
doutrinal inspirado nos ensinamentos de São Francisco de Sales: “É
a piedade que regula sabiamente todas as nossas relações com Deus e o
nosso relacionamento com o próximo... As almas verdadeiramente pias
possuem asas para se elevarem a Deus na oração e têm pés para caminhar
entre os homens por meio de uma vida amável e santa”. Essa atmosfera
evocada pelo santo patrono ajuda os Salesianos a distinguir as práticas reli-
giosas diárias do “espírito de piedade que deve acompanhar-nos todos os
momentos e que tem por escopo santificar cada pensamento, cada palavra
e ação, embora diretamente não faça parte do culto que prestamos a Deus”.
A aquisição desse espírito preserva o entusiasmo operativo dos Salesianos
da superficialidade estéril, da dispersão e da fragmentação.
Os exercícios de piedade são meios indispensáveis para conseguir a
finalidade principal, que é o espírito de oração. É deles que se alimenta “a
íntima relação, o inefável parentesco que Jesus Cristo quis estabelecer com
as almas mediante o santo batismo”. Sem o espírito de oração “desapare-
ceria o espírito de fé, pelo qual estamos de tal modo convictos a respeito
das verdades da nossa santa religião, a ponto de conservar sempre viva a
memória, de sentir seu salutar influxo em toda e qualquer circunstância
da vida”.
Sem ele, nos tornaremos insensíveis às inspirações do Espírito Santo, às
suas consolações e aos seus dons. “Pelo contrário, se esse espírito for bem
cultivado, fará com que jamais se interrompa a nossa união com Deus; ele
comunica a cada ato, mesmo profano, um caráter intimamente religioso,
11 LC 24-40.
12 LC 26.

15.2 Page 142

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140 Segunda parte
eleva-o a mérito sobrenatural” e o transforma em culto gradável a Deus. Só
assim é possível transformar o trabalho em oração. Esta é uma lei da vida
espiritual, válida para qualquer cirstão, particularmente para aqueles que
com sua profissão dos votos se entregaram sem reservas a Jesus Cristo, a ele
consagraram as próprias faculadades, os próprios sentidos, a vida inteira.
O religioso deveria possuir o espírito de piedade a ponto “de comunicá-lo
a todos os que dele se aproximam”.13)
“Por graça de Deus – observou o P. Albera – podemos contar com
muitos irmãos, sacerdotes, clérigos e coadjutores, que quanto ao espírito de
piedade são verdadeiros modelos e provocam a admiração”. Infelizmente
isso não ocorre com todos. Há alguns que consideram as práticas de piedade
como um peso e buscam todos os meios para se ausentarem delas. Assim,
pouco a pouco se tornam relaxados e frios, “infelizmente vegetam numa
deplorável mediocridade e nunca produzem frutos”. É uma contradição:
são consagrados, vivem e trabalham numa comunidade religiosa, mas sem
espírito interior, sem fazer nenhum progresso na perfeição, expostos a mil
tentações e em constante perigo de “sucumbir às seduções das criaturas e
ao assalto das paixões”. A única defesa, a força essencial dos religiosos é
a piedade verdadeira, que ajuda a “retemperar o nosso espírito, a corres-
ponder à graça de Deus e alcançar o grau de perfeição que Deus espera de
nós”.14)
O P. Albera é pragmático. Dado que aos Salesianos “é confiada a porção
mais eleita do rebanho de Jesus Cristo”, a juventude, e seu empenho educativo
obtém bons frutos, não faltarão os ataques dos inimigos: “Devemos estar
prontos para a luta... Convençamo-nos bem de que somente do espírito
de piedade poderemos haurir força e conforto”. Além disso, sabemos que
“todo o sistema de educação ensinado por Dom Bosco se apoia sobre a
piedade”; portanto, se não estivermos “abundantemente provisionados”
desse espírito, ofereceremos aos nossos alunos uma educação incompleta.
Se “o Salesiano não for solidamente piedoso, jamais será apto para a missão
de educador”, como o demonstrou Dom Bosco, excelente modelo de piedade
e incomparável educador cristão. Nota característica de toda a sua vida e
segredo da sua eficácia educativa foi “uma piedade fervorosa”, unida a uma
sincera devoção mariana: “Poder-se-ia dizer que a vida do servo de Deus
foi uma contínua oração, uma união com Deus jamais interrompida... Em
qualquer momento que recorrêssemos a ele para algum conselho, parecia
13 LC 29-30.
14 LC 30-31.

15.3 Page 143

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 141
interromper os seus colóquios com Deus para dar-nos atenção, e que por
Deus lhe eram inspirados os pensamentos e os encorajamentos que ele nos
dava. Que edificação para nós ouvi-lo recitar o Pai-nosso, o Angelus!”.15)
Dessas premissas espirituais, o P. Albera extrai três sugestões opera-
tivas:
1. “Tomemos o propósito de sermos fiéis e exatos em nossas práticas de
piedade”: são poucas e fáceis as que a Regra nos impõe, “uma razão a mais
para fazê-las com a maior diligência”.
2. “Prometamos santificar as nossas ações diárias”, mediante frequentes
“atos de amor, de louvor e de agradecimento”, com pureza de intenção,
com “uma santa indiferença por tudo o que Deus, por meio dos superiores,
dispõe”, com a generosa aceitação dos sofrimentos da vida. Esta é a piedade
ativa sugerida por São Francisco de Sales, que nos permite cumprir “o
preceito da oração contínua” e nos ajuda a evitar “a grande enfermidade de
muitos que se entregam ao serviço de Deus, que é a agitação e o demasiado
ardor com que se ocupam das coisas exteriores”. Portanto: “Os Salesianos
continuem a dar exemplo de espírito de iniciativa, de grande atividade,
mas que esta seja sempre e em tudo a expansão de um zelo verdadeiro,
prudente, constante e sustentado por uma sólida piedade”.
3. “Esforcemo-nos a fim de que a nossa piedade seja fervorosa”, isto é
caracterizada por “um ardente desejo, uma generosa vontade de agradar a
Deus em tudo... Vigiemos para que não sejamos vítimas daquela preguiça
espiritual, que tem horror por tudo o que impõe algum sacrifício”. Na
escola de São Francisco de Sales “esforcemo-nos para temperar o nosso
trabalho com a elevação da mente a Deus e breves impulsos de afeto, para
não permitir que desanimemos”.16)
2. Vida de fé
Premissa indispensável para obter o espírito de oração é a fé. A expe-
riência ensina que “se num religioso a fé é viva, mesmo que se devesse
deplorar algum defeito em sua vida, ele não tardará a se emendar, dará
passos gigantescos no caminho da perfeição e se tornará um instrumento
apto a buscar a salvação de muitas almas”. Esse estado é o tema da circular
de 21 de novembro de 1912, elaborada em forma de instrução, com uma
15 LC 31-34
16 LC 35-39

15.4 Page 144

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142 Segunda parte
primeira parte doutrinal (sobre a necessidade da vida de fé, seus diversos
graus, seus frutos, o valor que confere às ações humanas, seu inseparável
liame com a oração e a vocação) e uma seção prática, na qual, depois de
evocar a fé ardorosa de Dom Bosco, o P. Albera exorta os irmãos a “reavivar”
a própria fé, para conferir fecundidade ao próprio ministério.17)
A fé ilumina a inteligência e permite aos homens “caminhar com
segurança, apesar das trevas e dos perigos neste vale de lágrimas”. Ela
nos faz perceber “a finalidade pela qual Deus nos criou e a obra maravi-
lhosa realizada por Jesus Cristo”. Revela-nos “a beleza da virtude, a precio-
sidade da graça divina, inspirando-nos horror ao pecado, propiciando-nos
mediante os santos Sacramentos muitos meios de santificação”. Faz-nos
considerar a vocação religiosa como um Dom especial, um ato de predi-
leção de Deus para conosco. Vive de fé aquele que “com decisão” acredita
todas as verdades reveladas, com alegria “acolhe a luz da divina revelação e
adere completamente aos ensinamentos de Jesus Cristo, transmitidos pela
Igreja, à qual se entrega com a simplicidade de uma criança”.18)
O Salesiano é homem de fé quando se mantém constantemente na
presença de Deus e assim “impregna e santifica toda a sua vida”. A fé
ilumina a sua mente e o seu coração, atrai-lhe as bênçãos do Senhor, ajuda-o
a superar as tentações, a enfrentar com força e constância as provas da vida
e as dificuldades que se encontram na missão educativa: “É somente com a
luz da fé e a intuição da caridade cristã que nós, sob a presença desfigurada
de jovens pobres e abandonados, entrevemos a própria pessoa de quem foi
chamado o homem das dores... É a palavra da fé que nos sopra aos ouvidos:
tudo o que tiverdes feito a um destes meus pequenos irmãos, foi a mim o
que o fizestes”. É ainda a fé que ajuda a superar o cansaço, o desânimo e a
ingratidão, “recordando-nos que trabalhamos para Deus”. Só ela infunde
em nosso coração “uma calma e uma paz inalterável”, deixa-nos “sempre
igual no contínuo suceder-se de acontecimentos ora alegres ora tristes”.19)
A essas considerações o P. Albera acrescenta algumas indicações espiri-
tuais práticas: “Quem vive de fé, alegra-se ao contemplar Jesus que habita
no próprio coração, ora glorioso, como no céu, ora escondido, como na
sagrada eucaristria, e nessa contemplação se acende nele o desejo de tornar
sempre mais agradável esta sua morada, ornando-a com as mais belas
virtudes. Começa por esvaziar seu coração de todo sentimento de amor
17 LC 82-100.
18 LC 88.
19 LC 88-93.

15.5 Page 145

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 143
próprio, de vanglória e de soberba, para que Jesus seja seu único dono.
Considera-se como templo vivo do Espírito Santo; portanto, terá cuidado
para que esse templo não seja profanado, mesmo pelo mínimo afeto impuro.
Haverá de se condiderar feliz por faltar-lhe, não somente o supérfluo,
mas até o necessário para não se discípulo indigno de quem quis por comp-
nheira a inseparável pobreza... Particularmente se esforçará para manter
vivo o fogo sagrado da caridade, virtude que mais nos torna semelhantes
ao próprio Deus”. O espírito de fé se alimenta mediante a oração fervorosa
e confiante, a meditação e a leitura espiritual, os Sacramentos da Eucaristia
e da Penitência, a visita a Jesus presente no tabernáculo, o cuidado dos
mínimos detalhes quando celebramos os mistérios divinos.20)
Em seguida o P. Albera passa a ilustrar as consequências operativas da
vida de fé: os Salesianos animados pela fé sentirão crescer no coração a
gratidão a Deus por terem sido chamados a fazer parte da Congregação;
considerarão a casa onde a obediência os colocou “como casa do próprio
Deus”, e a tarefa a eles confiada “como a porção da vinha que o patrão nos
confiou para cultivar”; verão nos superiores “os representantes do próprio
Deus”; reconhecerão “as Constituições, os Regulamentos, o horário, como
manifestações da vontade de Deus”; acolherão os jovens como “um sagrado
depósito, do qual Deus pedirá estreitíssimas contas”; olharão para os irmãos
como “imagens vivas do próprio Deus, encarregadas por ele mesmo, ora
para edificar-nos com suas virtudes, ora para fazer-nos praticar a caridade
e a paciência com seus defeitos”.
“Oh! Quando chegará o dia em que nós, segundo a imaginativa expressão
de São Francisco de Sales, nos deixaremos carregar por Nosso Senhor
como uma criança nos braços de sua mãe? Quando, caríssimos irmãos,
nos acostumaremos a ver Deus em cada coisa, em cada acontecimento; que
nós deveríamos considerar como espécies sacramentais sob as quais ele se
esconde? Assim nos persuadiremos de que a fé é um raio da luz celeste que
nos faz ver a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.21)
Como todas as intervenções do P. Albera, a carta circular termina,
remetendo para o exemplo de Dom Bosco. Tudo nele foi inspirado e
alimentado pela fé: a inexaurível dedicação à educação cristã dos jovens,
a pregação concreta e apaixonada, “seu admirável sistema preventivo”,
a presença contínua enrtre os jovens, a assistência incansável. Por fim,
convida os irmãos à ação apostólica, considerando “a situação da sociedade
20 LC 93-95.
21 LC 95-96.

15.6 Page 146

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144 Segunda parte
atual”, onde também nos que se proclamam cristãos “a chama da fé se
enfraqueceu de tal modo que ameaça apagar-se de um momento para
outro”; onde “um número interminável de jovens frequenta as assim ditas
escolas laicizadas, em que muitas vezes é delito pronunciar o nome de
Deus”: talvez no futuro “tenhamos uma geração interiamente privada do
sopro vital da fé”. Esse pensamento deve sacudir os discípulos de Dom
Bosco: “Deus, que costuma escolher os meios mais pobres para realizar as
obras maiores”, chamou-nos a colaborar na restauração do reino nas almas
e conta “com a nossa vontade e a nossa humilde colaboração... Portanto,
metamos imediatamente mãos à obra; a partir de hoje, a nossa vida seja
realmente vida de fé”.22)
3. Dom Bosco, modelo do Salesiano
A preocupação fundamental do P. Paulo Albera – como também do
P. Rua – foi a de preservar intato na Congregação Salesiana o “espírito do
Fundador”. Ele voltava constantemente a este ponto ao tratar temas ligados
à identidade e ao carisma salesiano: a piedade, a disciplina, a fé, os oratórios
festivos, as missões, as vocações, os votos, a devoção mariana, a doçura, o
amor aos jovens, a aplicação do sistema preventivo...
Na circular de 23 de abril de 1917 propôs aos inspetores e aos Diretores
uma série de “conselhos e avisos para conservar o espírito de Dom Bosco
em todas as casas”.23) Antes de tudo, recordou o dever de um superior de
ser modelo e mestre dos irmãos, de dar-lhes bom exemplo mediante uma
conduta virtuosa e de cuidar de sua formação e do seu progresso espiritual.
Em seguida, elencou uma série de âmbitos e virtudes, que na prática ele
considerava concretizarem o espírito de Dom Bosco. No primeiro lugar
situou o espírito de piedade e a observância exata das Constituições.
Depois passou em resenha os três votos, retomando os pontos essen-
ciais propostos nas circulares anteriores. Por fim, elencou alguns deveres
ligados ao ministério do Superior Salesiano: a correção fraterna feita em
tempo oportuno e in camera charitatis; o exercício da paterniade amorosa,
paciente e benévola; a conduta humilde, serena e educada entre os irmãos.
Particularmente evidenciou a importância de ser zelosos em cumprir a
missão salesiana: “O Diretor, mais que os demais filhos de Dom Bosco,
22 LC 97-100.
23 Cf. LC 214-230.

15.7 Page 147

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 145
deve tomar como objeto de suas meditações as palavras que o nosso bom
Pai adotou como lema da nossa Pia Sociedade: Da mihi animas”.
O zelo do Superior Salesiano deve expressar-se particularmente nos
âmbitos em que mais se empenhou Dom Bosco: 1) Ajudar os irmãos “a
perseverar na vocação e a progredir cada dia no caminho da perfeição”. 2)
Amar os jovens “com um amor santo e intenso”, para fazer deles honestos
cidadãos, “mas especialmente bons cristãos”, e mantê-los unidos também
nos anos seguintes mediante a associação dos ex-alunos. 3) Promover
todos os anos alguma vocação para a Congregação e para a Igreja, “mesmo
que tivesse de arrancar essa graça do Coração de Jesus mediante muitos
sacrifícios e orações”. 4) Incrementar os Cooperadores Salesianos “a fim de
que vá crescendo sempre mais o números do que participam do espírito de
Dom Bosco e com meios materiais e espirituais se tornem seus promoto-
res”.24)
Na mente e nas palavras do P. Albera, a figura atraente de Dom Bosco,
o exemplo de sua vida e o fascínio exercido pelas suas virtudes, consti-
tuíram sempre o ponto principal de referência e o estímulo mais eficaz.
Quanto mais o P. Albera avançava em idade, mais sentia a necessidade de
insistir sobre a imitação do Fundador, como testemunham as circulares
dos últimos dois anos. Sublinhou sua doçura paterna, a familiaridade e
a intimidade com os jovens, seu amor pelas almas, o abandono a Deus,
a exemplaridade pastoral. Intimamente convencido que Dom Bosco “foi
enviado por Deus para regenerar a sociedade atual”, para reconduzi-la
às fontes puras “do amor e da paz cristã”, o P. Albera nunca cessou de
convidar os Salesianos a se mostrarem dignos de seu Pai: “Nós somos os
seus filhos e, se filhos, também herdeiros deste sagrado depósito que em
nós não pode tornar-se estéril; para mostrar-nos seus filhos dignos e estar à
altura da nossa missão no tempo atual, antes de tudo devemos manter-nos
firmes na vocação”.25)
No dia 18 de outubro de 1920 enviou uma carta circular sobre Dom Bosco
modelo na perfição religiosa, na educação e santificação da juventude, no
tratar com o próximo e em fazer o bem a todos,26) tomando como ponto de
partida a experiência inesquecível da sua própria intimidade de vida com
o Fundador. São páginas de grande poder evocativo, um documento de
natureza carismática entre os mais importantes da tradição salesiana, que
24 LC 228-229.
25 LC 323-324.
26 LC 329-350.

15.8 Page 148

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146 Segunda parte
pode ser considerado como o testamento espiritual do P. Albera, a síntese
do seu pensamento.
De fato, nele encontramos expressos todos os núcleos dinâmicos da
exemplaridade de Dom Bosco: a ação apostólica como meio para a própria
santificação, “porque o apostolado não é outra coisa senão uma contínua
efusão de virtudes santificadoras para a salvação das almas”; o dom total
de si a Deus “até alcançar a íntima união habitual com Deus em meio a
ocupações ininterruptas e muito diversificadas”; a prática das virtudes
salesianas, representadas no Fundador pelo sonho dos diamantes, pois
“a perfeição religiosa é o fundamento do apostolado”; colocar como base
da educação e da santificação da juventude a santidade da própria vida; o
amor de predileção aos jovens, que “é um dom de Deus, é a própria vocação
salesiana”, mas que exige constante crescimento e aperfeiçoamento; a soli-
citude perseverante para impedir o pecado, para ajudar os jovens a viver na
presença de Deus e salvar suas almas; o trato “gentil e educado com todos”,
junto com a disponibilidade a sacrificar-se para fazer o bem ao próximo.
O ato mais perfeito de Dom Bosco
Segundo o P. Albera, o dinamismo fundamental da vida de Dom Bosco
foi sua viva consciência de ser chamado a “trabalhar pelas almas até a
total imolação de si mesmo”.27) Assim devem fazer também seus filhos,
mas buscando antes de tudo conquistar a sua tranquilidade de espírito,
a igualdade de caráter e a imperturbabilidade que o caracterizavam em
toda e qualquer circunstância, alegre ou triste. Essa serenidade era fruto
do radical processo interior de entrega a Deus, do abandono confiante nas
mãos da Providência que marcou a vida espiritual de Dom Bosco desde
os primeiros passos do seu caminmho vocacional. Como resulta evidente
de sua biografia – escreve o P. Albera – “ele atirou-se em Deus desde sua
primeira infância, e depois pelo resto de sua vida não fez outra coisa senão
aumentar esse seu elã, até alcançar a íntima união habitual com Deus em
meio a ininterruptas e diversificadas ocupações”.
Sintoma evidente desse estado de contínua comunhão com Deus era “a
inalterável igualdade de humor, que transparecia do seu rosto invariavel-
mente sorridente”. A união habitual com Deus era nele fonte de iluminação
e inspiração; ela conferia às suas palavras uma profundidade e uma força
27 LC 335.

15.9 Page 149

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 147
tais que quem o ouvia se sentia “melhor e elevado a Deus”. Além disso, o
amor a Deus era nele tão ardoroso “que não podia deixar de falar dele”.28)
A evocação da caridade ardente de Dom Bosco inspirou ao P. albera uma
série de conclusões práticas. Antes de tudo, ele convidou os Salesianos a se
atirarem confiantes “nos braços de Deus, como fez nosso bom Pai; então
se formará em nós também a doce necessidade de falar dele e não conse-
guiremos mais fazer algum discurso sem começar ou terminar com ele”.
Desse modo, não somente os pensamentos e as palavras, mas também as
ações serão fecundadas pelo fogo do amor divino. Sentir-se-á a conatura-
lidade e a necessidade dos “exercícios ordinários da perfeição religiosa” e se
terá o desejo de não descuidar de nenhum deles. De fato, enquanto outros
se servem das práticas de piedade como meio de alcançar a perfeição, os
discípulos de Dom Bosco, seguindo o exemplo do Pai, procuram vivê-las
“como atos naturais do amor divino”: “Para nós elas devem ser, não a lenha
para acendar e alimentar em nosso coração o fogo divino, mas as próprias
chamas desse fogo”.29)
O Salesiano que se entrega confiante aos braços de Deus conseguirá
facilmente manter-se longe do pecado, desenraizar do próprio coração as
más inclinações e os maus hábitos; haverá de conhecê-lo e amá-lo sempre
melhor; praticará com alegria a santa lei e os conselhos evangélicos; ligar-
-se-á mais estreitamente a ele mediante a oração e o recolhimento de
espírito, no incessante desejo de “agradar a Deus” e de conformar-se em
tudo com a sua santa vontade. Assim, Deus se tornará “o objetivo direto
das suas ações” e se submeterá em todas as circunstâncias da vida à vontade
divina, como se submeteu Dom Bosco, com “rosto alegre” e coragem, sem
perturbações, lamentos, tristezas, medos e trepidações: “Nada te perturbe:
que tem Deus, tem tudo”. Quantas vezes – escreve o P. Albera – “fui teste-
munha desta sua total submissão às disposições divinas!”.
Além disso, se imitarmos Dom Bosco na entrega a Deus, alcançaremos,
como ele, “um grande recolhimento na oração”: “Nós, ao vê-lo rezar,
ficávamos como que hipnotizados e quase extasiados. Nada havia nele de
forçado, nada de singular; mas quem lhe estava perto e o observava, não
podia deixar de rezar bem também, observando em sua face um insólito
esplendor, reflexo da sua fé viva e do seu ardente amor de Deus... Jamais se
apagará da minha memória a impressão que eu tinha ao vê-lo dar a bênção
de Maria Auxiliadora aos enfermos. Enquanto recitava a Ave-Maria e as
28 LC 335-336.
29 LC 337.

15.10 Page 150

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148 Segunda parte
palavras da bênção pode-se dizer que seu rosto se transfirurava: seus olhos
se enchiam de lágrimas e a voz lhe tremia nos lábios. Para mim, aqueles
eran indícios de que virtus de illo exibat (dele saía uma força); por isso, eu
não me admirava dos efeitos milagrosos que aconteciam, isto é, se os aflitos
eram consolados e os enfermos curados”.30)
Amor aos jovens
Por ocasião da inauguração do monumento a Dom Bosco na praça em
frente à igreja de Maria Auxiliadora, o P. Albera escreveu aos Salesianos
que ele não podia contentar-se com aquele sinal externo. Dom Bosco quer
receber de seus filhos outro monumento, isto é, que eles façam “reviver em
si mesmos as suas virtudes, seu sistema educativo, todo seu espírito, de
modo a transmiti-lo sempre fecundo e vital de geração em geração”. Fazer
reviver Dom Bosco em nós é a única maneira de honrar sua memória e
de torná-la fecunda no tempo.31) Devemos imitá-lo “no seu zelo ardoroso
e desinteressado pela salvação das almas, no seu amor e na sua ilimitada
devoção à Igreja e ao Papa, em todas as virtudes de que nos deixou tantos
exemples admiráveis”.
Devemos guardar como tesouros seus ensinamentos, que certamente
foram fruto de inteligência e de experiência, “mas também de luzes sobre-
naturais que ele pedia mediante insistente oração” e que lhe eram conce-
didos “como prêmio da sua inalterável fidelidade em trabalhar no campo
que o Senhor lhe confiou”. Temos particularmente o dever de estudar e
aplicar o seu sistema educativo que, “para nós, persuadidos da intervenção
divina na criação e no desenvolvimento de sua obra, é pedagogia celeste”.32)
O P. Albera recorda o dinamismo central do sistema preventivo de
Dom Bosco: era “aquele amor, aquele afetuoso interesse pelos jovens,
que foi o segreedo do seu maravilhoso ascendente sobre eles”. E para dar
um conteúdo concreto ao amor educativo que Dom Bosco recomendava
aos Salesianos, refere uma ampla citação da carta que o nosso Fundador
escreveu aos Salesianos e aos jovens de Valdocco no dia 10 de maio de 1884:
“A familiaridade gera amor, e o amor gera confiança. Ela abre os corações,
e os jovens manifestam tudo sem temor aos mestres, aos assistentes e aos
30 LC 337-338.
31 LC 308-318 (6 aprile 1920).
32 LC 311-312.

16 Pages 151-160

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16.1 Page 151

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 149
superiores. Tornam-se sinceros... e prestam-se de boa mente a tudo o que a
pessoa da qual estão certos de ser amados quiser mandar...
Que os jovens não sejam somente amados, mas que eles mesmos sintam
que são amados... Que eles conheçam que, sendo amados nas coisas que
lhes agradam, participando das suas inclinações infantis, aprendam a ver
o amor nas coisas que pouco lhe agradam naturalmente, como a disciplina,
o estudo, a mortificação de si mesmos, e que aprendam a fazer com amor
essas coisas... Para romper a barreira da desconfiança é necessária a fami-
liaridade com os jovens, especialmente no recreio. Sem familiaridade não
se demonstra amor, e sem essa demonstrção não pode haver confiança”.33)
Paulo Albera, que na adolescência experimentara a potência generativa
do amor educativo de Dom Bosco, consegue descrevê-lo e caracterizá-lo
com grande eficácia, particularmente na carta circular de 18 de outubro
de 1920.34) A predileção de Dom Bosco pelos jovens – escreve – foi um
Dom de Deus ligado à sua vocação específica, mas foi também fruto da
sua inteligência, que ele desenvoveu refletindo sobre a “grandeza do minis-
tério de instruir a juventude e de formá-la à virtude verdadeira e sólida”,
e que ele aperfeiçoou no exercício da caridade. “É preciso, caríssimos, que
nós amemos os jovens que a Providência confia aos nossos cuidados como
sabia amá-los Dom Bosco”. Não é fácil – admite o P. Albera – recordando a
maneira “única e todo sua” da predileção do santo em relação a eles, “mas
é aqui que está todo o segredo da vitalidade expansiva da nossa Congrega-
ção”.35)
A experiência que os jovens faziam do amor de Dom Bosco era única
e muito intensa: “Ele nos envolvia a todos e de forma total numa quase
atmosfera de contentamento e de felicidade, donde eram eliminadas penas,
tristezas, melancolia: essa atmosfera como que impregnava nosso corpo
e nossa alma”. Um afeto singular – recorda o P. Albera – que “atraía,
conquistava e transformava os nossos corações”, porque “de sua palavra
e de seus atos emanava a santidade da união com Deus, que é caridade
perfeita. Ele nos atraía a si pela plenitude do amor sobrenatural que ardia
no coração, e que com suas chamas absorvia e unificava as pequenas
cintilas do mesmo amor, suscitadas pela mão de Deus nos nossos corações.
Éramos seus porque em cada um de nós havia a certeza de que ele era
verdadeiramente o homem de Deus”. Este fascínio exercido pelo amor de
33 LC 312-314.
34 LC 329-350.
35 LC 340-341.

16.2 Page 152

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150 Segunda parte
Dom Bosco, tornado sobrenatural pela santidade de sua vida, era o ponto
de partida para uma obra sábia de formação e transformação: “Ele, apenas
tinha conquistado os nossos corações, plasmava-os como queria mediante
o seu sistema (de fato totalmente seu na maneira de praticá-lo), que quis
que se chamasse preventivo”; que “não era outra coisa senão a caridade, isto
é, o amor de Deus que se dilata para abraçar todas as criaturas humanas,
especialmente as mais jovens e inexperientes, para infundir nelas o santo
temor de Deus”.36)
Portanto, o dinamismo fundamental do sistema preventivo de Dom
Bosco é duplo: antes de tudo, é animado pela caridade, entendida como
amor de Deus e do próximo “levados à perfeição exigida pela nossa
vocação”; depois é orientado pela inteligência que usa criativamente todos
os meios e iniciativas de que é fecunda a caridade. Nessa perspectiva marca-
damente espiritual, o P. Albera formula uma definição sintética do sistema
preventivo, que deve ser compreendida no contexto do sentido em que ele a
situa: “Meditai seriamente e analisai o mais minuciosamente que puderdes
esta Magna Charta da nossa Congregação, que é o sistema preventivo,
apelando para a razão, a religião e a bondade; mas em última análise
devereis concordar comigo que tudo se reduz a infundir nos corações o
santo temos de Deus: infundi-lo – digo – enraizá-lo de tal modo que ali
permaneça para sempre, mesmo em meio ao infuriar das tempetades e
furacões das paixões e das vicissitudes humanas”.37)
A Virgem de Dom Bosco
A cinquenta anos de distância da consagração da basílica de Maria Auxi-
liadora o P. Albera escreveu uma circular para comemorar aquela “data
memorável para a história da nossa Pia Sociedade”, mas particularmente para
falar “desta nossa dulcíssima Mãe, Maria Auxiliadora”,38) para com a qual
todos os Salesianos tem um dever de gratidão “pelos grandes e inumeráveis
benefícios que quis tão generosamente conceder-nos durante estes cinquenta
anos”. Não obstante as dramáticas circunstâncias do momento e os graves
lutos causados pela guerra, o P. Albera considera ser obrigatória a celebração:
“As nossas festas, por isso, serão feitas com piedade e recolhimento”.
36 LC 341-342.
37 LC 343.
38 LC 258-273 (31 marzo 1918; festa di Pasqua).

16.3 Page 153

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 151
Começou recordando que “as múltiplas obras iniciadas e realizadas”
por Dom Bosco, filho de um humilde camponês, pobre de todos os meios
econômicos, embaraçado em seu caminho por mil obstáculos, podem
parecer um “enigma inexplicável” para quem não tem fé na ação da divina
Providência. Ao passo que a biografia de Dom Bosco demonstra que ele
nunca teve “nenhuma dúvida quanto à contínua intervenção de Deus e
da Santíssima Virgem Auxiliadora nas variadas vicissitudes da sua vida
laboriosíssima”.
Desde o momento em que, no sonho dos nove anos, foi dada a ele como
guia e mestra, Maria; “guiou-o em todos os acontecimentos mais impor-
tantes de sua carreira, fez dele um sacerdote douto e zeloso, preparou-o
a ser o pai dos órfãos, o mestre de inumeráveis ministros do altar, um
dos maiores educadores da juventude, e por fim Fundador de uma nova
Sociedade Religiosa, que devia ter como missão propagar por toda parte
o seu espírito e a devoção a ela sob o belo título de Maria Auxiliadora”.39)
Dom Bosco sempre reconheceu a inspiração e o apoio da Auxiliadora,
por isso não se deixou desencorajar pelas oposições e pelas dificuldades
encontradas. Confideinciou-o aos seus primeiros discípulos em maio de
1864, fazendo uma síntese da história do Oratório. Eram os dias em que
se cavavam os alicerces do santuário da Auxiliadora: um empreendi-
mento temerário para quem, como ele, estava totalmente desprovido de
cobertura econômica. “Mostrava-se assim – comenta o P. Albera – verda-
deiro discípulo do nosso São Francisco de Sales, que escreveu: Conheço
plenamente a fortuna que é ser filho, embora indigno, de Mãe tão gloriosa.
Confiados à sua proteção, podemos até empreender grandes coisas; se a
amarmos com ardoroso afeto, ela nos obterá tudo o que desejamos”.40)
Comemorou a cerimônia da consagração, ocorrida no dia 9 de junho de
1868, e a primeira celebração eucarística: “Eu recordo como fosse agora o
momento solene em que Dom Bosco, radiante de alegria, com seus olhos
banhados pelo pranto por causa da profunda comoção, subiu por primeiro
os degraus do altar-mor para celebrar, sob o piedoso olhar da sua grande
Auxiliadora, o santo sacrifício da Missa”. Falou do semblante “quase trans-
figurado”, do ardor “ao falar da sua “Madonna” e das “maravilhas que Maria
Auxiliadora teria operado em favor dos seus devotos”: “Como é consolador
para nós ver agora que suas predições se verificaram!”.
Recordou também que, além do monumento material, ele quis “levantar
39 LC 259-260.
40 LC 261-262.

16.4 Page 154

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152 Segunda parte
outro, vivo e espiritual, instituindo a Congregação das Filhas de Maria
Auxiliadora, à qual confio a missão de formar à piedade e à virtude as ninas
e propagar em todo o mundo a devoção à sua potente Padroeira”. Depois
da consagração do santuário, na Sociedade Salesiana multiplicaram-se as
vocações, surgiram “como por encanto” numerosos colégios, oratórios
e escolas profissionais, resolveram-se dificuldades para a aprovação da
Congregação e se iniciaram numerosas expedições de missionários para
a América: “Ia-se assim verificando a predição de Maria Santíssima, que
daquele templo sairia a sua glória: inde gloria mea” [daqaui sairá a minha
glória]. Os cinquenta anos transcorridos daquele dia foram uma série inin-
terrupta “de prodígios operados por Maria Auxiliadora em favor dos seus
devotos”, como o demonstra a “maravilhosa difusão” da família salesiana.41)
Em seguida o P. Albera passa a resumir a “mariologia” do Fundador:
“Todos nos recordamos de como Dom Bosco nos repetia com frequência o
mote ad Jesum per Mariam, querendo assim ensinar-nos que é vã a nossa
devoção a Maria, se não levar a Jesus, se não nos obtiver a força necessária
para vencer os inimigos da nossa alma, a fim de caminhar nas pegadas do
seu divino Filho. E para reavivar a nossa confiança em Maria, ele mandou
escrever nas medalhas comemorativas da consagração do templo o dito
de São Bernando: Totum nos habere voluit (Deus) per Mariam: tudo o
que é necessário para a nossa salvação, Deus quis que nós o recebêssemos
por meio de Maria. No mesmo sentido ele nos explicava a afirmação dos
doutores, de que a devoção a Maria é um sinal de predestinação”.42)
Mediante a “consagração de nós mesmos a Jesus pelas mãos de Maria”
nós honramos a Mãe celestial melhor do que por meio de qualquer outra
prática devota. Com as outras devoções nós oferecemos à Virgem uma
parte do nosso tempo, das nossas obras, das nossas mortificações; ao passo
que mediante esta oferta radical “nós lhe damos tudo de uma só vez”.
Persuadamo-nos de que, passando pelas mãos de Maria, as nossas ações
“serão purificadas de toda mancha com que o nosso orgulho e a nossa
concupiscência pudessem tê-las contaminado”. Os nossos pobres dons não
serão rejeitados por Deus “se lhe forem apresentados pela sua dulcíssima
Mãe”, como assegura São Bernardo, que acrescenta: “Se ela te protege, nada
tens a temer; se ela te guia, não te cansarás; se ela te é propícia, chegarás ao
porto da salvação”.43)
41 LC 262-363.
42 LC 266.
43 LC 266-267

16.5 Page 155

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 153
Dom Bosco recomendava que se levasse sempre sobre o peito a medalha
da Auxiliadora como expressão do amor a Maria, reconhecimento de sua
maternidade e realeza, defesa contra o inimigo infernal e recordação “da
nossa pertença a um Instituto especialmente amado por ela e destinado
a torná-la conhecida e honrada por toda parte sob o glorioso título de
Auxílio dos Cristãos”.44)
O P. Albera conclui recordando os motivos de gratidão que os filhos de
Dom Bosco têm em relação a Maria e o dever, enquanto discípulos daquele
grande educador da juventude – “que considerou a devoção a Nossa
Senhora como meio eficacíssimo para preservar do vício os seus jovens” –
de “pedir a Maria a graça de poder ter noção e sentimentos retos e dignos a
respeito dela”. Dom Bosco teve sempre em mente honrar Maria, falar dela,
recorrer a ela, celebrar com alegria as suas festas. O mesmo devemos fazer
também nós, amando-a intensamente, vivendo sempre sob o seu olhar,
“como uma criança que não pode passar um momento separado de sua
mamãe”, mas particularmente fazendo “alguma coisa de mais concreto”,
como Dom Bosco exortava: “Mais fatos e menos palavras”.
Isto implica – recorda o P. Albera – o empenho para vivermos sempre
conforme à imagem do seu Filho: “É, portanto, nosso dever seguir as
pegadas do nosso divino modelo Jesus”. O meio mais adequado é o de
imitar Maria, “que foi a cópia mais fiel e perfeito daquele divino exemplar”.
É a melhor prova de amor que podemos dar à nossa Mãe celeste. Sua vida
foi um contínuo progredir; assim nós também, não podemos dizer de
imitá-la, se nos contentarmos em não cometer pecados graves, mas não
fizermos nenhum esforço para “avançar no caminho da perfeição”.45)
As virtudes do Salesiano
Por experiência pessoal e por conhecimento direto do mundo Salesiano
o P. Albera convenceu-se de que a vitalidade e fecundidade apostólica da
Congregação, alimentadas pelo espírito de oração e pela fé de cada um
dos irmãos, tornam-se também mais fortes e duradouras quanto mais
forem reguladas inclusive sob o aspecto disciplinar. Este foi o segundo
núcleo temático oferecido por ele à meditação dos Salesianos no dia 25
de dezembro de 1911: a “disciplina religiosa”, entendida como observância
44 LC 267.
45 LC 268-272.

16.6 Page 156

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154 Segunda parte
pontual e alegre de tudo o que é exigido por parte de quem se consagra ao
serviço de Deus e das almas numa Congregação Religiosa.46)
Vida disciplinada
Tomou como ponto de partida a maneira como Dom Bosco tinha
formado os seus discípulos, para ilustrar o sentido peculiar e as conse-
quências práticas da disciplina salesiana. Reevocou as reuniões noturnas
no quarto do Fundador e os exercícios espirituais anuais: momentos
privilegiados nos quais “o bom Pai, mediante suas instruções, tão densas
de santos pensamentos e expostas com inefável intensidade, abria conti-
nuamente as nossas mentes atônitas a novos horizontes, tornava sempre
mais generosos os nossos propósitos e mais estável a nossa vontade de
permanecer sempre com ele e de segui-lo por toda parte, sem nenhuma
reserva e ao custo de qualquer sacrifício”. Naqueles primeiros anos Dom
Bosco nunca pronunciou a palavra disciplina, mas ensinou seu significado
essencial.
Somente em 1873 – “quando a Pia Sociedade Salesiana já possuía sete
casas na Itália – ele escreveu uma carta circular sobre a disciplina, que
definiu como “um modo de viver conforme as Regras e os costumes de um
Instituto”. E dado que o escopo da Sociedade Salesiana fixado no primeiro
artigo das Constituições é “a perfeição dos seus membros e o meio para
alcançá-lo, particularmente mediante o apostolado em favor da juventude
pobre e abandonada”, disciplina é tudo o que contribui ao aperfeiçoamento
interior e exterior “de cada um dos membros e de toda a Sociedade..., não
um aperfeiçoamento omum a qualquer família religiosa, mas adaptado ao
caráter especial da Sociedade Salesiana e às Regras que a governam”.47)
Em seguida, P. Albera traçou um eficaz confronto entre uma comu-
nidade exemplar e uma comunidade indisciplinada. Na casa religiosa
disciplinada “reina a ordem mais perfeita em todas as coisas e pessoas”; a
regularidade contribui “para manter recolhido o espírito e tornar fecundo
o trabalho” dos irmãos. Nela, cada religioso vive com simplicidade e espon-
tânea alegria a própria vocação, sem críticas, murmurações ou lamentos, e
os superiores não têm aborrecimentos no cumprimento da própria missão,
pois encontram uma colaboração cordial. “A caridade é o vínculo que
46 LC 53-70.
47 LC 55-56.

16.7 Page 157

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 155
mantém unidas as mentes e os corações; totalmente uniformes são também
os pensamentoos, os sentimentos e até mesmo as palavras”.
Pelo contrário, numa comunidade religiosa indisciplinada, onde “as
Regras e as Constituições são letra morte e as tradições de família foram
esquecidas ou inteiramente modificadas”, a vida comum torna-se um peso
insuportável, os deveres são descuidados, as pessoas descontentes perdem
pouco a pouco “o fogo sagrado da piedade”. Se por acaso o religioso indisci-
plinado for também educador, as consequências poderiam ser dramáticas:
“talvez os jovens confiados aos seus cuidados crescerão na ignorância e no
vício; em vez de encontrar nele um pai, um amigo, um mestre, encontrarão
uma pedra de tropeço, um perigo para a sua inocência”.48)
Dessa contraposição o P. Albera deduz a necessidade de que dentro de
uma casa salesiana haja “um conjunto de normas reguladoras dos deveres
e dos direitos” e convida os irmãos a observá-las, vencendo a si mesmos,
Domando as próprias paixões, tornando mais sólida a sua comunhão com
Deus. Somente asism é possível construir a vida de família querida por
Dom Bosco, caracterizada por um clima de relacionamento, graças ao qual
“os sócios têm para com os seus superiores os afetos e as relações que os
filhos têm para com o próprio pai; com os colegas de trabalho vínculos
de verdadeiros irmãos”, compartilhando alegrias e sofrimentos, oração e
trabalho. Na Sociedade Salesiana “todos têm a obrigação da solidariedade”.
Todo aquele que tiver caridade e respeito para com a própria Congre-
gação, deve ser um homem de disciplina, e é obrigado a observar também
os mínimos detalhes da vida comum. De fato – acrescenta o P. Albera
– “bastaria que mesmo um só membro de uma comunidade se deixasse
levar a um deplorável relaxamento quanto à disciplina, para que todo
corpo sofresse as tristes consequências”, como afirmava Dom Bosco. Pelo
contrário, “um Salesiano que for modelo na vida regular, embora medíocre
de engenho, dotado de conhecimentos e habilidades, será o sustentáculo da
nossa Pia Sociedade”.49)
Depois, o P. Albera desce à prática: o Salesiano bom observa as leis da
Igreja e pratica com exatidão as Constituições da Pia Sociedade, os regu-
lamentgos e as prescrições dos superiores. Guarda da disciplina salesiana
numa comunidade o Diretor, que – como ensinaram Dom Bosco e o P.
Rua – deve ser o primeiro a observá-la, “a regra vida, a personificação da
virtude, uma espécie de moral em ação, a fim de que possa em tudo servir
48 LC 57-60.
49 LC 60-62.

16.8 Page 158

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156 Segunda parte
de modelo aos seus dependentes”. Ele tem a missão de “vigiar para que não
se introduzam abusos entre os seus subalternos, não seja minimamente
alterado o espírito do Fundador, nem modificado o escopo do Instituto
confiado aos seus cuidados, e deve corrigir os defeitos dos irmãos, com
prudência, mansidão e doçura, segundo o exemplo do Fundador.50)
Obediência
Na mente do P. Albera a insistência sobre a disciplina religiosa não é
somente funcional para atingir os objetivos apostólicos da missão salesiana.
De fato, ele parte de uma visão da vida consagrada, caracterizada por um
amor a Deus tão totalizador que gtera no coração do religioso o desejo
de uma perfeita comunhão de vontade de uma obediência “mais íntima e
mais ativa” da que é exigida de cada ser humano, porque intencionalmente
modelada segundo o exemplo de Jesus, “o obediente perfeito em todas as
circunstâncias da vida e até mesmo na sua paixão e morte”. É o que o P.
Albera quis ilustrar na circular sobre a obediência de 31 de janeiro de 1914.51)
O Salesiano – ele escreveu – consagra-se para tornar seu comporta-
mento sempre mais “semelhante ao de Jesus”. Nesse processo de confor-
mação, a alma é progressivamente liberada “de tudo o que pode cons-
tituir obstáculo à sua generosidade”, a fim de poder realizar a obediência
perfeita e unir-se de tal modo a Deus “a ponto de ter direito a fazer suas as
palavras de São Paulo, nas quais está expressa a verdadeira fórmula da mais
elevada santidade: Vivo autem, iam non ego, vivit vero in me Christus: Eu
vivo, mas já não sou eu que vivo, em mim vive Jesus... Por isso, obedecer
significa destruir em nós tudo o que há de egosísmo e de capricho, para
substitui-lo com a vontade do próprio Deus”. A obediência é uma virtude
que “estabelece entre Deus e nós uma comunicação íntima, segura e jamais
interrompida”.52)
Nesta acepção da vida consagrada, o P. Albera projeta a missão e a
responsabilidade do Superior Salesiano, dotado por Deus “do poder de
representá-lo junto a nós, de falar a nós em seu nome”, e, para tal fim,
contemplado com as graças necessárias. A ele podem-se aplicar as palavras
de Jesus aos apóstolos: “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita,
50 LC 62-67.
51 LC 134-153.
52 LC 138.

16.9 Page 159

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 157
a mim rejeita” (Lc 10, 16). Cada qual deve levar em conta essas palavras
para realizar a missão confiada por Deus, não as qualidades da pessoa:
“Como a indignidade do sacerdote celebrante não altera a presença real de
Jesus Cristo na sagrada hóstia; como a mesquinhez e, pior ainda, a eventual
agressividade do pobre não impede que ele represente Jesus Cristo, assim
também os defeitos do superior, mesmo que fossem reais... jamais serão
suficientes para anular a garantia que nos deu o Divino Salvador de que
quem ouve o superior ouve o próprio Deus”.
Não é linguagem figurada – afirma o P. Albera – ou expressão teórica
dizer que os superiores são os representantes de Deus, o instrumento de
que Deus se serve para guiar-nos: quem vive de fé compreende essas coisas
e tem a força para superar o amor próprio e evitar o perigo da rebelião”.53)
O religioso que, animado pela caridade e motivado pela fé, “vive intei-
ramente submisso ao seu superior, adquire a verdadeira liberdade que
só podem gozar os filhos de Deus” e caminha pela estrada que o conduz
“àquela áurea indiferença, que São Vicente de Paulo comparava com a
situação dos anjos, sempre prontos a executar a vontade divina ao primeiro
sinal que lhes é dado, seja lá qual for o ofício a que são destinados”. Nessa
perspectiva compreende-se o que ensinam os autores espirituais: que o voto
de obediência é o mais excelente e “compreende os outros dois”. De fato,
como escreveu São Francisco de Sales, a virtude da obediência “é como o
sal que dá gosto e sabor a todas as nossas ações. Ela torna meritórios todos
os pequenos atos que nós fazemos durante o dia”, a ponto de “a pessoa
obediente ter até o mérito do bem que quereria fazer por iniciativa própria
e que por obediência teve que deixar”.54)
A este conjunto de considerações extraídas dos clássicos da vida consa-
grada, o P. Albera acrescenta uma série de considerações pessoais. O que
sustenta a obediência do Salesiano, além da fé, é “a caridade fraterna e o
amor à nossa Congregação”. Quando “todos os sócios, assumindo como
própria a vontade do superior, forem um só coração e uma só alma, perma-
necerão unidos a ponto de formar uma legião compacta e invencível contra
os assaltos dos seus inimigos, a Pia Sociedade, sempre jovem e robusta,
ampliará sempre mais seu campo de ação, comabaterá vitoriosamente
contra todos os abusos e o relaxamento e se conservará fiel ao espírito do
seu venerável Fundador”.55)
53 LC 139-140.
54 LC 141-143.
55 LC 144.

16.10 Page 160

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158 Segunda parte
O Salesiano deve olhar para Dom Bosco, “modelo de obediência desde
a infância”, e em toda a sua vida submisso aos pastores da Igreja, mesmo
quando “para manter-se sujeitar-se a eles teve que impor-se graves sacri-
fícios e profundas humilhações”. Medite-se o que ele escreveu na intro-
dução das Constituições, no seu capítulo terceiro e no “testamento espiri-
tual”.56)
Dos ensinamentos de Dom Bosco provêm quatro indicações práticas
sobre as qualidades distintivas da obediência salesiana. Antes de tudo, ela
deve ser “total, ou seja, sem reservas”, isto é, não somente exata material-
mente, mas acompanhada pelo “sacrifício da vontade” e pelo “sacrifício
da inteligência”, superando os pretextos inventados pelo orgulho. Dom
Bosco disse na conferência em Varazze, no dia primeiro de janeiro de 1872:
“Pratique-se a obediência, não, porém, a que discute e examina o que é
mandado, mas a verdadeira obediência, isto é, a que nos faz abraçar o que
nos foi mandado e abraçá-lo como coisa boa porque mandada por Deus”.
Em segundo lugar, a obediência salesiana é feita “de bom grado”,
“pronta e docilmente”, porque animada pela fé. A terceira qualidade da
obediência salesiana é a alegria, isto é, ela deve ser realizada com o coração
alegre: “Esta qualidade é tão importante – escreve o P. Albera – que, sem
ela, não se pode dizer que se possua de fato esta virtude”. Se não houver
alegria significa que “se obedece somente porque não se pode fazer de outra
maneira” e falta o espírito de fé: “Ai de quem no serviço de Deus é guiado
pela tristeza e pela necessidade”. A quarta característica da obediência
salesiana é a humidlade, porque o Salesiano “sabe que é seu dever ser
humilde instrumento nas mãos dos seus superiores; seu comportamento
é a prática jamais interrompida da máxima do nosso santo protetor [São
Francisco de Sales]: nada pedir, nada recusar”.57)
Castidade
No dia 13 de abril de 1916 o P. Albera enviou aos Salesianos uma carta
“para inculcar a prática de uma virtude que mais do que todas as outras, era
querida por Dom Bosco... e que por ele foi declarada indispensável a quem
pretende alistar-se sob sua bandeira... a angélica virtude da castidade”.58)
56 LC 145-146.
57 LC 147-152.
58 LC 194-213.

17 Pages 161-170

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17.1 Page 161

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 159
Como nas demais circulares, no começo ele traça um quadro doutrinal.
Parte da exortação de São Paulo que convida os crentes a oferecer seus
corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus (Rm 12, 1). É um
ensinamento que só pode ser bem compreendido “pelos afortunados que,
iluminados pela luz celeste, consagraram alma e corpo ao serviço de Deus...
dedicando-se às práticas religiosas, ocupados unicamente no exercício da
caridade para com o próximo, sempre prontos ao sacrifício”.
Cita São Basílio, segundo o qual a castidade comunica ao homem “uma
quase incorruptibilidade celestial”, de modo que “parece-lhe caminhar
como os demais sobre a terra, mas com o coração e o espírito está sempre
no alto, a ponto de vonversar com Deus”. E exclama: “Que sorte para nós
sermos Salesianos! Como tais, devemos viver em perfeita pureza... Por esta
virtude, que traz o nome de angélica, nós que fizemos votos diante do altar,
nos aproximamos mais do que outros dos espíritos celestes”.59)
Recorda-nos que Dom Bosco considerava a virtude da castidade como
a fonte de todas as demais virtudes. De fato, o Salesiano “verdadeira-
mente cioso de se conservar casto” vive de fé, aspira ao paraíso, “não ama
senão Deus, e Deus é suficiente para a sua felicidade”. Sente-se bem em
qualquer parte, sabe suportar os defeitos dos irmãos, enfrenta generosa-
mente qualquer incômodo e sacrifício para a glória de Deus e a salvação do
próximo. “O Salesiano fiel ao seu voto ama o trabalho e o estudo, e encontra
suas delícias nas práticas de piedade, que são para ele fonte de coragem, de
força e de vida”. Dom Bosco cultivava o amor à castidade mostrando a
predileção de Jesus pelas almas puras e recordando que o Senhor confiou
aos nossos cuidados “a parte mais eleita das almas que ele resgatou com o
seu preciosíssimo sangue: isto é, as que em grande parte ainda conservam
intata a estola da inocência e dão esperanças de alistar-se sob a bandeira
da virgindade, levantada por Jesus e por sua puríssima Mãe”. Essa missão
pode ser realizada com fruto somente pelos que amam e praticam a casti-
dade.60)
O P. Albera retoma também outra afirmação do querido Fundador:
“Quanto mais puro for o espírito e mortificado o corpo, tanto mais
estaremos aptos ao trabalho intelectual”. É um fato confirmado pela expe-
riência e pela tradição cristã; luminosa prova disso são Santo Tomás de
Aquino, Pedro Lombardo, Francisco Suarez e Santo Afonso de Ligório. A
prática da castidade ajuda “a adquirir a ciência necessária para instruir os
59 LC 194-197.
60 LC 197-199.

17.2 Page 162

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160 Segunda parte
jovens que a Providência envia aos nossos Institutos”. Mas os Salesianos
devem amar a castidade particularmente contemplando os exemplos e os
ensinamentos de Dom Bosco, que sempre manteve uma atitude digna de
um ministro de Deus, correto no falar e no escrever, mestre em conquistar
o coração dos jovens sem nunca recorrer “a carícias melosas, expressões
mundanas”, reservadíssimo no tratar com o próximo. “Ai da Pia Sociedade
Salesiana, se viesse a perder a fama que ela conquistou em questão de
moralidade!”.61)
Finalmente passa a sugerir os meios propostos pelos mestres de vida
espiritual para conservar e fazer crescer a virtude da castidade: a oração,
a Confissão semanal, a Comunhão diária, a devoção, mariana a mortifi-
cação dos sentidos. O P. Albera indica também alguns “meios negativos”
úteis para se conservar fiel à profissão religiosa: evitar o orgulho e praticar
a humildade, fugir do ócio e cultivar a laboriosidade, eliminar as leituras
“muito livres ou frívolas”, não conceder familiaridade excessiva às “pessoas
de outro sexo”, fugir particularmente das “amizades particulares com os
jovens que são confiados aos vossos cuidados”. “Oh! Quantas são as vítimas
das amizades particulares que o demônio colhe nas casas de educação”.62)
Pobreza
Não encontramos entre as circulares do P. Albera uma carta sobre a
pobreza, provavelmente porque ele mesmo a tinha escrito a pedido do P.
Miguel Rua em 1907.63) Por isso, parece-nos útil acenar aos pontos prin-
cipais daquela circular que exprime a sua visão da pobreza salesiana.
Começou com uma instrução sobre o valor e a necessidade da pobreza
religiosa. Disse que a pobreza em si não é uma virtude. Torna-se tal somente
“quando é voluntariamente abraçada por amor de Deus”. Mas também
neste caso não deixa de ser pesada, porque impõe muitos sacrifícios. Certa-
mente continua sendo “o ponto mais importante e ao mesmo tempo mais
delicado da vida religiosa”; de fato, por ela, pode-se “distinguir uma comu-
nidade florescente de uma relaxada, um religioso zeloso de um negligente”.
É o primeiro dos conselhos evangélicos, porque é o primeiro ato que
61 LC 199-200.
62 LC 202-209.
63 Cartas circulares do P. Miguel Rua aos Salesianos, Turim, Tip. S.A.I.D. “Buona
Stampa” 1910, 360-377 (31 de janeiro de 1907).

17.3 Page 163

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 161
deve realizar quem é chamado a seguir e imitar o Senhor mais de perto.
Jesus pronunciou ameaças terríveis contra os ricos, proclamou bem-aven-
turados os pobres; declarou que quem não renuncia a tudo o que possui
não é digno dele, e a quem lhe pedia o que devia fazer para ser pefeito,
respondeu: “Vá, venda o que possui e venha em meu seguimento”. Todos os
discípulos de Jesus e todos os santos ao longo dos séculos “praticaram este
despojamento voluntário de todos os bens terrenos”.64)
Por isso, o valor da pobreza deriva essencialmente do fato de ser um
meio privilegiado para o seguimento de Cristo e a conformação com ele.
Ensinou-o Santo Tomás de Aquino: “O primeiro fundamento para chegar
à perfeição da caridade é a pobreza voluntária, pela qual alguém vive
sem possuir nada como próprio”. Demonstrou-o São Francisco de Sales,
que tinha “um santo terror” das riquezas, e pediu a quem queria fazer-se
religioso “possuir um espírito despido, ou seja, despojado de todo desejo e
inclinação, exceto do desejo de amar a Deus”. Praticou-a Dom Bosco, que
viveu pobre até o fim da vida, nutriu um amor heroico pela pobreza volun-
tária, foi desapegado dos bens e, embora “tendo tido em suas mãos grande
quantidade de dinheiro”, jamais buscou para si a mínima satisfação. Ele
dizia aos Salesianos que “a pobreza é preciso tê-la no coração para prati-
cá-la”, e na circular de 21 de novembro de 1886 escreveu: “Desta obser-
vância depende em máxima parte o bem-estar da nossa Pia Sociedade e o
bem da nossa alma”.65)
Em seguida são enumeradas as motivações principais para a prática
escrupulosa da pobreza. Em primeiro lugar, a obrigação assumida com
a profissão dos votos, que comporta o dever de respeitar as Regras da
Sociedade Salesiana e de viver fielmente seu espírito. Em segundo lugar,
deve-se considerar “a íntima relação que corre entre a prática desta virtude
e o nosso progresso individual na perfeição”: se vivemos apegados aos bens
do mundo “subtraímos aos vícios todo alimento e todos os meios de se
expandirem”, pois, a pobreza nos separa das principais fontes do pecado,
que são a soberba e a concupiscência.
Além disso – como ensina Santo Ambrósio – a pobreza é “mãe e nutriz
da virtude”: quando o religioso esvazia seu coração de todo afeto das coisas
terrenas, Deus o enche com seus dons. Essa é a primeira bem-aventurança
envangélica, “o fundamento sobre o qual se apoiam os outros sete degraus
pelos quais se chega ao cume da perfeição”. A história da Igreja demonstra
64 LCR 362-363.
65 LCR 363-366.

17.4 Page 164

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162 Segunda parte
que as pessoas mais desapegadas dos bens do mundo “distinguiram-se
pela sua fé, esperança e caridade” e sua vida “foi uma sequência de boas
obras e uma série de prodígios para a glória de Deus e para a salvação do
próximo”.66)
Além disso, sendo nós Salesianos, devemos considerar que fomos
chamados para a salvação dos jovens pobres e abandonados. “Tabalha-
ríamos inutilmente, se o mundo não visse e não se convencesse de que
nós não buscamos riquezas e comodidades, que nós somos fiéis ao mote
de Dom Bosco: Da mihi animas, caetera tolle!”. De fato – como ensinava
São Francisco de Sales – “não somente os pobres são evangelizados, mas os
próprios pobres que nos evangelizam”. No ministério para a salvação das
almas não obtém nenhum resultado quem “não calca sob os pés as coisas
terrenas... Não serão os Salesianos desejosos de levar uma vida cômoda
que empreenderão obras verdadeiramente frutuosas, que irão ficar em
meio aos sevagens do Mato Grosso ou da Terra do Fogo, ou se meterão ao
serviço dos pobres leprosos. Esta será sempre a glória dos que observarão
generosamente a pobreza”.
Finalmente é preciso “levar em conta que as obras de Dom Bosco são
fruto da caridade”. Ao empreender suas obras, ele confiou unicamente na
Providência representada pelos seus cooperadores. Ora, é preciso saber “que
muitos dos nossos benfeitores, eles mesmos pobre ou apenas modestamente
bem-colocados, impõem-se gravíssimos sacrifícios para poder nos ajudar”.
Portanto, “devemos mar a pobreza e praticar a economia... Esbanjar o
fruto de tantos sacrifícios, mesmo somente fazendo gastos inconsiderados,
é uma verdadeira ingratidão para com Deus e com os nossos benfeitores”.
“Quem não vivesse segundo o espírito de pobreza, quem na alimentação,
no vestuário, no quarto, nas viagens, na busca de uma vida confortável
passasse os limites que nos impõe o nosso estado, deveria sentir remorso de
ter furtado da Congregação o dinheiro que tinha sido destinado a dar pão
aos órfãos, favorecer alguma vocação e estender o reino de Jesus Cristo;
reflita que deverá prestar contas no tribunal de Deus”.67)
Na conclusão da circular composta pelo P. Albera para o P. Rua, elenca
as expressões práticas da pobreza salesiana: cumprir o que está precrito
pelas Constituições e pelas deliberações capitulares; viver a vida comum,
adequando-se às suas exigências; evitar exceções e abusos no uso do
cinheiro. Em seguida são recordadas três atitudes indispensávei: a) Não
66 LCR 366-368.
67 LCR 369-371.

17.5 Page 165

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 163
se limitar à observância formal do voto, mas praticar a virtude, isto é,
desapegar o coração das coisas. b) Contentar-se com o necessário e evitar
o supérfluo. c) Aceitar as privações e os incômodos que não inevitáveis na
vida comum, escolher generosamente para o próprio uso as coisas menos
belas e menos cômodas.
O P. Albera retomou algumas destas reflexões na circular de 23 de abril
de 1917, na qual oferecia aos inspetores e Diretores alguns “conselhos e
avisos para conservar o espírito de Dom Bosco em todas as casas”. Como
conclusão da parte reservada ao espírito de pobreza escreveu: “Portanto,
quem exerce alguma autoridade preocupe-se: 1) Em amar e fazer amar a
pobreza, e não ter vergonha de praticá-la, mesmo quando na própria casa
faltasse o necessário. 2) Em aceitar de bom grado e generosamente as
consequências da pobreza em espírito de penitência. 3) Em não conceder
licenças que acabem abrindo o caminho a abusos contrários à pobreza e
que vão além das faculdades concedidas pelos superiores maiores. 4) Em
não tomar para si liberdades que se negariam aos próprios dependentes”.68)
A busca da perfeição
Não se deve esquecer que o objetivo das circulares do P. Albera não era
simplesmente o de delinear o perfil do Salesiano segundo a doutrina homogênea
ou de oferecer uma série de instruções a modo de manual. Ele tinha em
mente de modo especial encorajar os irmãos na generosidade para com Deus,
“a caminhar a grandes passos no caminho da perfeição”, a “combater com
energia a sistemática mediocridade de comportamento”, a forma puramente
exterior de legalidade, pela qual o religioso se limita à observância do estrito
dever, busca evitar as faltas graves, “mas não se esforça para fazer todos os dias
um pequeno progresso na perfeição própria do seu estado”.69)
Quem, como ele, foi formado por Dom Bosco à plenitude do dom de
si, a fazer sempre mais e sempre melhor para corresponder ao chamado
divino e à missão salesiana, considerava com decepção a difusão, entre as
novas gerações, de certa mediocridade, de uma observância meramente
exterior. Por isso, no dia 25 de junho escreveu uma carta circular contra o
perigo de um condenável “legalismo”.70)
68 LC 221.
69 LC 231-232.
70 LC 231-241.

17.6 Page 166

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164 Segunda parte
Reevocou as revelações do Sagrado Coração a Santa Margarida Maria
Alacoque: os espinhos que rodeiam o coração divino simbolizam os que,
consagrados ao seu serviço, “não mostram, todavia, a devida preocupação
em corrigir-se dos próprios defeitos, e recaem neles com muita facildiade,
nem se esforçam por reparar, mediante santidade da vida, os ultrajes com
que o afligem tantos infelizes pecadores”.71) Por isso, exortou os irmãos
a considerarem a inexaurível generosidade do Senhor em relação a eles,
tanto na ordem da natureza, quanto na da graça: diante de tão infinito
amor, como poderá um religioso “pôr limites à sua gratidão? Como
poderá negociar a manifestação do seu amor?”. No entanto, é assim que se
comporta o Salesiano “que em questão de práticas de piedade se acomoda
a uma inqualificável mediocridade”, que evita fazer o mínimo esforço do
que não for obrigatório pela Regra e pelo horário.72)
Convidou a refletir que, além do dever de responder com a máxima gene-
rosidade ao amor de Deus, o religioso tem também a missão de interceder
pelo próximo. Dom Bosco obteve graças e curas, inclusive extraordinárias,
precisamente porque nunca negou nada a Deus e a Maria Santíssima. De
fato, as suas orações “eram acompanhadas por muitos e generosos sacri-
fícios, por frequentes atos de virtude, que comunicavam a elas uma eficácia
irresistível”, especialmente na formação dos jovens. Ele mostrou aos seus
discípulos que “no ensino e na educação da juventude, mais do que sobre as
estratégias usadas por nós para o progresso dos nossos alunos, ele contava
com as nossas orações e a bondade da nossa vida”, com um comporta-
mente agradável a Deus.73)
O P. Albera insiste particularmente sobre o preceito de Jesus aos discí-
pulos: “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito”. Haverá de progredir
no caminho da perfeição somente quem “mantiver vivo no próprio coração
esse desejo, que ajuda a vencer as dificuldades, diminui os obstáculos,
aumenta as nossas forças e nos faz perseverar no bem até a morte”. Por outro
lado, a profissão religiosa não garante a salvação: “enquanto durar a nossa
vida permanecemos sempre submetidos à lei do combate”, pois permanece
vivo em nós o velho homem e ninguém pode alcançar vitória, se parar de
lutar, se “não se mantiver em equilíbrio mediante o empenho em progredir
todos os dias na perfeição” e, cansado de lutar, disser: basta!.74)
71 LC 232.
72 LC 234.
73 LC 235-236.
74 LC 236-237.

17.7 Page 167

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 165
Recorda a passagem evangélica da pesca milagrosa. Depois de uma noite
de fadigas inúteis, Jesus disse aos discípulos: “Duc in altum: levai a barca
para o alto mar”. Apesar do seu cansaço, obedeceram e foram premiados.
Assim – escreve o P. Albera – também a nós o Senhor repete: “Levai a barca
para o alto mar, isto é, lançai-vos com ardor no vasto campo da perfeição,
não limiteis as vossas fadigas ao que é estritamente necessário, sede gran-
diosos em vossas aspirações quando se trata da glória de Deus e a salvação
das almas. Afastai-vos da praia que tanto restringe os vossos horizontes
e vereis como será abundante a pescaria de almas, e quanta consolação
provará o vosso coração”. Este é o ideal do bom Salesiano, mesmo quando
se encontra “esmagado sob o peso das cruzes, das tribulações e dos sacri-
fícios”: manter-se generoso e totalitário no dom de si, conservando os olhos
fixos nas perfeições do Pai celeste e no exemplo de Dom Bosco, o qual
“jamais estacionou no caminho da perfeição e da conquista das almas!”.75)
A vida de Dom Bosco – recorda o P. Albera – foi caracterizada por
dois poderosos dinamismos: “um incessante e laboriosíssimo apostolado”
unido ao ardente desejo de conquistar a perfeição. “Nele, perfeição religiosa
e apostolado foram uma coisa só”. Ele ensinou aos discípulos que a obser-
vância pura e simples da Regra não basta: “Nós devemos, caríssimos, ser,
sim, como ele, trabalhadores incansáveis no campo que nos foi confiado,
iniciadores fecundos das obras mais adequadas e oportunas para o maior
bem da juventude de todos os países, para conservar na Congregçaão
aquele primado de sadia modernidade que lhe é próprio; nunca, porém,
esqueçamos que tudo isto ainda não nos daria o direito de chamar-nos
filhos de Dom Bosco: para ser tais, devemos crescer cada dia na perfeição
própria da nossa vocação salesiana, esforçando-nos com todo cuidado para
copiar em nós o espírito de vida interior do nosso Venerável”.76)
Doçura salesiana
Expressão da caridade e da “amorevolezza” [amabilidade] educativa
é a doçura salesiana. O P. Albera falou disso explicitamente numa carta
dirigida aos inspetores e aos Diretores,77) mas as suas considerações são
válidas para todos que têm responsabilidades educativas e pastorais. A
75 LC 238-240.
76 LC 334-335.
77 LC 280-294 (20 de abril de 1919).

17.8 Page 168

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166 Segunda parte
doçura – ele escreveu – não é simplesmente facilidade de caráter “pela
qual acaba-se cedendo com certa complacência, embora sem se rebaixar,
à vontade dos outros”. Ela comporta um contínuo esforço “para Dominar
a vivacidade do caráter, reprimir qualquer movimento de impaciência e
também a indignação que às vezes parece tão santa, justificada pelo zelo
e autorizada pela gravidade da culpa”; requer a aptidão virtuosa de frear
a língua e evitar a mínima palavra “que possa desagradar à pessoa com
quem se está tratando”; implica “aquele olhar sereno e cheio de bondade,
que é o verdadeiro e límpido espelho de um ânimo doce e unicamente
desejoso de fazer feliz quem de nós se aproxima”.78)
Essa virtude é fruto de exercício ascético e expressão de tal desapego
de si “de modo que o espírito permanece sempre inalterado, na honra e
no desprezo, nos sofrimentos e nas alegrias”. Trata-se, portanto, de uma
atitude conquistada dia a dia, sob o impulso da caridade, que ajuda a
manter-nos humildes, calmos, doces e sempre donos de nós mesmos no
tratar com o próximo, no corrigir os defeitos, em suportar as fraquezas
alheias. É amabilidade de palavras e suavidade de modos. São Francisco
de Sales definiu-a como “a mais excelente das virtudes morais, porque é o
complemento da caridade, que, precisamente, é perfeita quando é doce e ao
mesmo tempo vantajosa para o próximo”.79)
A doçura é virtude necessária particularmente para quem tem a
responsabilidade da direção das almas ou da educação dos jovens: uma
tarefa que comporta o dever “de conservar-se sempre igual de caráter e em
pleno Domínio de si mesmo”, livre de qualquer forma de ressentimento,
despojado de todo amor próprio, movido somente pelo amor a Deus e às
almas. As palavras agressivas, o comportamento grosseiro e a impaciência
sempre trazem tristes consequências. “Ao passo que, quantos bons pensa-
mento são inspirados, quantos sábios propósitos são confirmados por uma
acolhida afável, por um rosto aberto e sorridente, uma palavra doce, uma
renovada garantia de estima e de afeto!”.80)
A experiência ensina que “por mais que um superior (e o mesmo se
pode dizer de cada educador) seja estimado por sua ciência, habilidade e
prudência; por mais que se tenha feito amar por sua generosidade, basta
que ele, mesmo uma só vez, trate os [jovens] com dureza ou arrogância nas
relações quotidianas... para que se perca para sempre a estima e a benevo-
78 LC 280-281.
79 LC 282-283.
80 LC 283.

17.9 Page 169

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A contribuição do P. Albera para a espiritualidade salesiana 167
lência que com tanto esforço tinha sido conquistada”. Ao passo que com
a mansidão e com a doçura se conquistam os corações, dissipam-se os
preconceitos, vencem-se as repugâncias, corrigem-se os defeiros.81)
Jesus é o modelo de todo pastor e superior: “Aprendei de mim que sou
manso e humilde de Coração. Com estas palavras o Divino Salvador nos
aponta a doçura e a humildade como os dotes mais típicos e característicos
do seu Sacratíssimo Coração, portanto, também os dotes em que mais se
devem distinguir os que caminham no seu seguimento e, finalmente como
o meio mais eficaz para agradar a Deus e conquistar o coração das pessoas”.
Quem quiser ver as pessoas confiadas aos seus cuidados “crescer todos os
dias na virtude”, mostre-se sempre amável, deixe-as contentes e alegres,
“praticando sempre e em toda parte a doçura que Jesus deseja que apren-
damos do seu dulcíssimo Coração”. Assim reinará o espírito de família.
De fato, o que tornou eficaz a escola de Jesus Cristo foi seu exemplo,
sua paciência e a doçura com que tratou a todos. Também no momento
presente ele prefere “convidar os pecadores à penitência mediante os
atrativos da sua misericórdia, mais do que assustá-los com os raios de sua
justiça! E no Sacramento da Eucaristia ele “continua a dar-nos as provas de
sua bondade, apesar dos muitos e graves pecados que se cometem; e até a
consumação dos séculos ele se oferecerá ao Pai Eterno como vítima expia-
tória das nossas culpas”.82)
São Francisco de Sales foi escolhido como protetor da Sociedade
Salesiana precisamente por causa da sua doçura exemplar; e Dom Bosco,
oprfundo conhecedor da natureza human, compreendeu desde o início
que “para fazer o bem era necessário encontrar o caminho cos corações”,
por isso “estudou com particular empenho e amor as obras e os exemplos
daquela mestre e modelo de mansidão, e se esforçou para seguir suas
pegadas praticando a doçura”.83)
Eis, pois, – conclui o P. Albera – o nosso modelo insuperável da doçura
que conquista o coração: “De índole intimamente boa, ele demonstrava
estima e afeto para com todos os seus jovens, disfarçava os defeitos, falava
deles elogiando-os; de tal modo que cada um deles pensava ser seu melhor
amigo, até diria, seu predileto. Para aproximar-se dele não era preciso
escolher o momento mais oportuno, nem era necessário recorrer a alguma
pessoa influente para fazer-se apresentar. Ouvia a todos com paciência, sem
81 LC 284-285.
82 LC 286-288.
83 LC 288-289.

17.10 Page 170

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168 Segunda parte
interromper e sem demonstrar pressa e tédio, a ponto de fazer acreditar a
muitos que ele não tinha nada a fazer”. Quando devia corrigir um irmão,
usava palavras muito doces e encorajadoras; quando propunha algum
trabalho, mesmo pesado e repugnante, fazia-o com “tamanha graça e
humildade” que ninguém ousava dizer de não.84)
Portanto, para saber dosar a doçura e a firmeza no exercício do próprio
ministério – conclui o P. Albera – “cada qual estude bem o próprio caráter
e, se descobrir que é naturalmente suave, esforce-se para ser firme; se pelo
contário reconhecer que é naturalmente firme, esforce-se para praticar
a doçura. Dessa forma se evitarão os dois extremos, e se chegará àquele
perfeito desejável equilíbrio de uma autoridade doce e firme ao mesmo
tempo”, como foi a de Dom Bosco.85)
84 LC 289-291.
85 LC 293.

18 Pages 171-180

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18.1 Page 171

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169
Terceira parte
TEXTOS SELETOS DO P. PAULO ALBERA

18.2 Page 172

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170 Tercera parte

18.3 Page 173

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Textos seletos do P. Paulo Albera 171
1. O espírito de oração1)
A quem de nós não aconteceu milhares de vezes ouvir falar do espírito
de iniciativa e de ação dos Salesianos? Podiam ser elogios sinceros de
pessoas benévolas que queriam estimular-nos sempre mais ao bem. Como
também podiam ser insinuações malignas de algum invejoso ou arte
satânica dos nossos adversários, com o objetivo de criar obstáculos à nossa
missão providencial em favor da juventude. Seja lá como for, o certo é que
por toda parte se comentou e também se exagerou.
Isso não nos deve maravilhar, dado que a Divina Providência nos
enviou a cultivar um campo vastíssimo que, por estar exposto aos olhares
de todos e por ter dado desde os inícios frutos ubertosos, não tardou a
atrair a atenção das pessoas, inclusive das mais indiferentes.
De fato, depois da graça de Deus e da proteção de Maria Santíssima
Auxiliadora, é à incansável operosidade e admirável energia de Dom
Bosco, do P. Rua, de Dom Cagliero e de muitos outros filhos que se deve
atribuir a rápida expansão das obras salesianas na Europa e na América.
Foi seu zelo incansável, foram suas santas iniciativas que em todo o tempo
fizeram desabrochar no seu caminho numerosas vocações, surgir tantos
e tão variados Institutos, a ponto de a nossa humilde Sociedade ser consi-
derada um verdadeiro prodígio. (...)
Não há dúvida de que o espírito de iniciativa, o ardor e a jamais inter-
rompida operosidade resultaram em grande honra para a nossa Pia
Sociedade e atraiu a admiração e o louvor de muitas pessoas boas. Também
atualmente esta é a prova mais confortadora da vitalidade da nossa
Sociedade, ou melhor da singular proteção e assistência da poderosa Auxi-
liadora sobre ela. Considerando esse fato, quem de nós não sente abrir-se
o coração às mais alegres esperanças para o porvir? Todavia, falando-vos
com o coração na mão, confesso que não posso livrar-me do doloroso
pensamento e do temor de que esta celebrada atividade dos Salesianos, este
zelo que até agora pareceu inacessível a qualquer tipo de desânimo, este
ardoroso entusiasmo que até agora foi sustentado por felizes sucessos, um
dia venham a declinar, se não forem fecundados, purificados e santificados
por uma verdadeira e sólida piedade. (...)
Antes de mais nada, procuremos ter uma ideia adequada da piedade.
1 Da carta circular sobre o espírito de piedade (15 de maio de 1911), em Cartas circu-
lares do P. Paulo Albera aos Salesianos, Turim, SEI, 1922 (daqui para frente: LC), pp.
25-35.

18.4 Page 174

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172 Tercera parte
Essa palavra foi usada na língua latina (pietas) para indicar o amor, a
veneração e a assistência que um filho deve aos que foram os autores da sua
existência. Era o mais belo elogio que se podia fazer a um jovem, dizendo
que ele tinha grande piedade para com seus pais.
Entretanto, essa palavra na linguagem da Igreja assumiu um significado
imensamente mais nobre e sublime: foi usada para significar o conjunto
dos atos com que o cristão honra a Deus, considerando-o seu Pai. Disto
facilmente se deduz a diferença entre a virtude da religião e a piedade.
A primeira é uma virtude que nos leva a realizar todos os atos que se
referem ao culto de Deus, o qual, tendo-nos criado, tem o direito de ser
reconhecido por nós e adorado como supremo Senhor e Dominador do
universo. Ao passo que a piedade faz-nos honrar a Deus, não somente
como criador, mas também como dulcíssimo Pai, que voluntarie genuit
nos verbo veritatis, voluntariamente nos deu a vida mediante a onipo-
tência da sua palavra, que é palavra de Verdade. É pela piedade que nós
não nos satisfazemos somente com o culto, eu diria, quase oficial, que a
religião nos impõe; pela piedade sentimos dentro de nós a obrigação de
servir a Deus com um afeto muito terno, uma atenciosa delicadeza, uma
profunda devoção, que é a essência da religião, um dos mais preciosos dons
do Espírito Santo e, segundo São Paulo, a fonte de toda graça e bênção para
a vida presente e futura. (...)
Por isso tinha razão monsenhor de Ségur que escreveu: “A piedade cristã
é a união dos nossos pensamentos, dos nossos afetos, de toda a nossa vida
com os pensamentos, os sentimentos e o espírito de Jesus. É Jesus vivendo
em nós”. É a piedade que regula sabiamente as nossas relações com Deus,
que santifica todos os nossos relacionamentos com o próximo. Segundo
afirma São Francisco de Sales: “As almas verdadeiramente pias possuem
asas para elevar-se a Deus na oração, e pés para caminhar entre os homens
por meio de uma vida amável e santa”.
Esse conceito imaginativo do nosso santo doutor nos ensina a distinguir
as práticas religiosas que estamos habituados a realizar em determinadas
horas do dia, do elã da piedade que deve acompanhar-nos em todos os
momentos, e que tem como objetivo santificar todos os nossos pensa-
mentos, palavras e ações, embora diretamente não faça parte do culto que
prestamos a Deus. É precisamente este espírito de piedade que eu gostaria
de inculcar a mim e a todos os meus caríssimos irmãos, dado que os limites
desta circular não me permitem tratar de cada prática religiosa que as
Constituições prescrevem.
O espírito de piedade deve ser considerado como o fim; os exercícios

18.5 Page 175

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Textos seletos do P. Paulo Albera 173
de piedade são somente o meio para adquiri-lo e conservá-lo. Feliz de
quem o possui, pois em tudo só mirará Deus, haverá de se esforçar para
amá-lo sempre mais ardentemente, procurará agradar somente a ele. Pelo
contrário, como é deplorável a situação de quem não possui esse espírito!
Mesmo que realizasse vários atos de piedade durante o dia, segundo o
testemunho de São Francisco de Sales, não passaria “de um simulacro, de
um fantasma da verdadeira piedade”.
Afirmando isso, não pretendo absolutamente diminuir a elevada estima
que devemos ter pelas diversas formas exteriores que a piedade assume, as
quais são necessárias para a alma como a lenha é para o fogo, a água para
as flores; o que eu quero dizer é que o espírito de piedade é a base e o funda-
mento, e que também pode ser um meio de compensação para pessoas que,
por trabalhos imprevistos ou particulares exigências da sua condição, não
poderiam cumprir as práticas religiosas que a Regra impõe.
Há mais. Se nós deixássemos transcorrer um tempo notável sem
nenhuma exteriorização desse espírito de piedade, se desgraçadamente
permitíssemos que ele se apagasse dentro de nós, como poderia subsistir a
íntima relação, o inefável parentesco que Jesus Cristo estabeleceu entre ele
e as almas mediante o santo batismo? Não haveria mais nenhuma relação
entre o Deus que nós chamamos com o suavíssimo nome de Pai, e nós que
temos a felicidade de sermos chamados e sermos de fato seus filhos.
Além disso, não é verdade que se apagaria também o espírito de fé,
pelo qual estamos de tal modo convencidos das verdades da nossa santa
religião que devem ser guardadas sempre vivas na memória, a ponto de
fazer sentir sua influência salutar em todas as circunstâncias da vida? Sem
esse espírito, nem se dá atenção ao Espírito Santo, que com frequência nos
visita, instrui, aliás, consola e socorre nas nossas fragilidades: adiuvat infir-
mitatem nostram.
Ao passo que, se o espírito de piedade for bem cultivado, fará com
que jamais se interrompa nossa união com Deus. Esse espírito comunica
a cada ato, mesmo profano, um caráter intimamente religioso, eleva-o a
mérito sobrenatural, de tal modo que, como perfumado incenso, faz parte
do culto jamais interrompido que devemos prestar a Deus. Segundo São
Gregório Magno, praticando o espírito de piedade, a nossa vida se torna
um começo da felicidade de que gozam os bem-aventurados habitantes do
céu: inchoatio vitae aeternae.
Além disso, os vínculos que ligam a alma cristã a Deus tornam-se bem
mais solenes para quem teve a felicidade de fazer a profissão religiosa.
Mediante esse ato, a alma une-se a Jesus Cristo como esposa, a ele se dedica

18.6 Page 176

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174 Tercera parte
sem reservas, a ele consagra suas faculdades, seus sentidos, toda a sua vida.
Ela passa a ser totalmente de Deus. Precisamente por isso, se há alguém
que deva ter o espírito de piedade é o religioso. Ele deveria possuí-lo de tal
modo a ponto de comunicá-lo a quantos dele se aproximam.
Por graça de Deus, nós temos muitos irmãos, P.s, clérigos e coadjutores
que, quanto ao espírito de piedade, são verdadeiros modelos e causam
admiração a todos.
Devo, porém, acrescentar, et flens dico [digo-o chorando], que há
também Salesianos que neste ponto muito deixam a desejar. Infelizmente,
alguns deles, quando noviços, tinham edificado seus companheiros com
seu fervor.
Não mais poderiam ser chamados de filhos de Dom Bosco alguns que
consideram as práticas de piedade um peso insuportável, usam de pretextos
para se livrar delas e por toda parte oferecem o espetáculo do seu relaxa-
mento e da sua indiferença. São plantas delicadas que a geada queimou;
são flores que o vento atirou ao chão; ou então são ramos que, se ainda não
foram totalmente separados da videira, vegetam desventuradamente numa
deplorável mediocridade e nunca darão frutos. (...)
Sem espírito de piedade, o religioso não terá como sacudir da alma o
pó do mundo que infelizmente vai-se depositando sobre ele dia a dia por
estar em contato contínuo com o mundo, como nos avisa São Leão Magno.
Apesar da nossa profissão, aliás, da nossa mesma sagrada ordenação,
verdade é que não deixamos de ser filhos de Adão, de estarmos expostos
a mil tentações; a qualquer momento podemos sucumbir às seduções das
criaturas e aos assaltos das nossas paixões.
Só podemos sentir-nos seguros se estivemos defendidos pelo escudo de
uma verdadeira piedade; somente com as práticas religiosas poderemos
retemperar o nosso espírito, corresponder à graça de Deus e alcançar o
grau de perfeição que Deus espera de nós. Esta é a razão pela qual os que
foram suscitados por Deus para reformar as Congregações Religiosas que
tinham decaído do primitivo fervor, antes de mais nada voltaram suas
solicitudes para fazer reflorescer entre elas a piedade. Qualquer tentativa
diferente teria sido vã, se antes não se tivesse preparado o terreno. (...)
Será no dia da provação que poderemos convencer-nos melhor de como
é necessário o espírito de piedade. Precisamente porque trabalhamos
incansavelmente, porque é confiada a nós a porção mais eleita do rebanho
de Jesus Cristo e porque conseguimos colher algum fruto, contra nós serão
dirigidos os dardos dos nossos inimigos.
Infelizmente chegará a hora da tempestade. Devemos estar prontos

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Textos seletos do P. Paulo Albera 175
para a luta. Nós nos veremos abandonados por aqueles mesmos que profes-
savam ser nossos amigos; só veremos ao nosso redor adversários ou indi-
ferentes. Inclusive, quem sabe, permitindo Deus, não tenhamos que passar
per ignem et aquam [pelo fogo e pela água], isto é, por graves sofrimentos
físicos ou morais?
Em tão dolorosa conjuntura, persuadamo-nos bem, somente do espírito
de piedade poderemos haurir força e conforto. Essa foi a fonte da qual o
nosso venerável Dom Bosco extraiu a inalterável igualdade de caráter, a
pura alegria que, como resplendente auréola, parecia ornar de forma mais
fulgente sua fronte nos dias de maiores sofrimentos. (...)
A falta de piedade tornaria infrutuoso de nossa parte o ministério
em favor das almas, e as próprias nossas grandes solenidades nos seriam
atiradas na cara como lama repugnante, tal como Deus protestou por boca
de Malaquias (Ml 2,3).
A respeito disso não posso passar em silêncio um assunto que mais do
que outro qualquer deveria fazer com que os Salesianos sejam eficazes em
sua ação. Todo o sistema de educação ensinado por Dom Bosco se apoia
sobre a piedade. Onde a piedade não for devidamente praticada, viria a faltar
todo ornamento, todo prestígio dos nossos Institutos, que se tornariam até
mesmo inferiores aos próprios Institutos laicais.
Pois bem, não poderemos inculcar nos nossos jovens a piedade, se nós
mesmos não formos abundantemente repletos desse espírito. Seria incom-
pleta a educação que ministramos aos nossos jovens, pois o mais leve
sopro de impiedade e imoralidade cancelaria neles os princípios que, com
tantos suores e com longos anos de trabalho, tentamos imprimir em seus
corações. O Salesiano que não for solidamente piedoso, nunca está apto
para o ofício de educador. O melhor método para ensinar a piedade é o de
dar exemplo dela aos outros.
Recordemo-nos de que não haveria elogio mais belo a ser dado a um
Salesiano do que poder dizer dele que é verdadeiramente piedoso. É por
isso que no exercício do nosso apostolado devemos ter sempre diante dos
olhos o nosso venerável Dom Bosco, que, antes de tudo o mais, se apresenta
a nós como modelo de piedade. (...)
Os que o conheceram lembram-se de sua atitude sempre devota, não
afetada, com que Dom Bosco celebrava a Santa Missa; por isso, não era de
se admirar que os fiéis se juntassem em torno do altar para contemplá-lo.
Muitas vezes, sem sabe quem ele era, retiravam-se dizendo: aquele padre
deve ser um santo.
Pode-se dizer que toda a vida do Servo de Deus era uma oração

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176 Tercera parte
contínua, uma união com Deus jamais interrompida. Prova disto era a sua
inalterável igualdade de humor que transparecia do seu semblante invaria-
velmente sorridente. Em qualquer momento que nós recorrêssemos a ele
para algum conselho, parecia que interrompesse seu colóquio com Deus
para nos atender, e que por Deus lhe fossem inspirados os pensamentos
e os encorajamentos que nos dava. Como era edificante ouvi-lo rezar o
Pai-nosso, o Ângelus!
Jamais se apagará da minha memória a impressão que eu tinha no
momento em que ele dava a bênção de Maria Auxiliadora aos doentes.
Enquanto pronunciava a Ave-Maria e as palavras da bênção, podia-se dizer
que seu semblante se transfigurava; seus olhos marejavam de lágrimas e
tremia-lhe a voz nos lábios. Para mim eram indícios de que virtus de illo
exibat [dele saía uma força]; por isso não me admirava dos efeitos mila-
grosos que se seguiam, isto é, se os aflitos eram consolados, curados os
enfermos... (...)
Portanto, tomemos algumas resoluções práticas: 1. Façamos o propósito
de sermos fiéis e exatos nas nossas práticas de piedade. 2. Prometamos
santificar as nossas ações diárias... Os Salesianos continuem a dar exemplo
de espírito de iniciativa, de grande atividade, mas que seja sempre e em
tudo expansão de um zelo verdadeiro, prudente, constante, sustentado por
sólida piedade. 3. Empenhemo-nos para que a nossa piedade seja fervorosa.
Chama-se fervor um desejo ardente, uma generosa vontade de agradar a
Deus em tudo.
2. Na escola de Dom Bosco2)
Os mais antigos entre os irmãos se recordam das santas iniciativas
com que Dom Bosco nos preparou para sermos os seus colaboradores.
Costumava reunir-nos de quando em quando no seu humilde quarto
depois das orações da noite, quando os outros já estavam dormindo, e lá
nos fazia uma breve, mas interessantíssima, conferência.
Éramos poucos a ouvi-lo, mas, precisamente por isso éramos felizes
por ele se confidenciar conosco, por conhecermos os grandiosos planos do
nosso dulcíssimo mestre.
Não nos foi difícil compreender que ele tinha sido chamado a cumprir
uma missão providencial em favor da juventude, e para nós não era pequena
2 Da carta circular Sobre a disciplina religiosa (25 de dezembro de 1911), em LC 54-56.

18.9 Page 179

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Textos seletos do P. Paulo Albera 177
glória ver que nos escolhia como instrumentos para executar seus maravi-
lhosos ideais.
Assim, pouco a pouco, nós nos formávamos à sua escola, tanto mais que
seus ensinamentos exerciam uma atração irresistível sobre nós, admirados
com o esplendor das suas virtudes.
De 1866 em diante, tendo começado a reunir-nos para os exercícios espi-
rituais, a ação de Dom Bosco pôde desenvolver-se numa escala muito mais
vasta. Todos os anos, naquela feliz ocorrência, tínhamos a oportunidade
de reunir-nos e verificar o nosso número, o que resultava em sempre maior
conforto o fato de ver-nos sempre mais numerosos.
O bom Pai, com suas instruções tão densas de santos pensamentos e
expostas com inefável unção, abria continuamente as nossas mentes atônitas
a novos horizontes, tornava sempre mais generosos os nossos propósitos e
mais estável a nossa vontade de permanecer sempre com ele e de segui-lo
por toda parte, sem nenhuma reserva e sem olhar para qualquer sacrifício.
Já se passaram cinquenta anos desde aqueles tempos felizes, mas o tempo
transcorrido não conseguiu cancelar dos nossos corações a impressão que
em nós deixava a palavra de Dom Bosco.
Com frequência, alguns artigos das Constituições, que ele lia num
manuscrito, era o objeto da sua conferência e lhe ofereciam a oportunidade
de descer a considerações práticas, verdadeiramente preciosas para a nossa
formação espiritual.
Não recordo que ele tenha pronunciado alguma vez a palavra disci-
plina: não a teríamos compreendido; mas com muito jeito ele nos ensinava
o que ela significava, traçava-nos o caminho por onde devíamos andar e
finalmente vigiava atentamente para que o nosso comportamento estivesse
de acordo com os seus ensinamentos.
Com frequência lhe escapavam dos lábios claras alusões ao rápido e
extraordinário desenvolvimento que a Congregação nascente haveria de
assumir, à infindável multidão de meninos que povoariam as suas casas;
era precisamente isto que mais excitava o nosso estupor, conhecendo as
inumeráveis e gravíssimas dificuldades que devia superar para sustentar a
única e pequena casa do Oratório.
Somente no dia 15 de novembro de 1873, quando a Pia Sociedade contava
com sete casas na Itália, Dom Bosco escreveu aos seus filhos uma circular
cujo assunto era a disciplina. Consegui encontrar uma cópia, que tenho
sobre a minha mesa enquanto escrevo estas poucas páginas, para que me
sirva de guia. Ele definia a disciplina como um modo de vida segundo as
Regras e os costumes de um Instituto. Esse Instituto – é fácil compreender

18.10 Page 180

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178 Tercera parte
– na mente de Dom Bosco era a Pia Sociedade Salesiana; seu objetivo,
como consta do primeiro artigo das Constituições, era a perfeição dos seus
membros e o meio para alcançá-lo era sobretudo o apostolado em favor da
juventude pobre e abandonada. (...)
Por isso, o aperfeiçoamento de cada um dos membros e da inteira
Sociedade Salesiana devia ser efeito da disciplina que Dom Bosco inculcava
nos seus filhos; não, porém, um aperfeiçoamento que fosse comum a
qualquer família religiosa, mas adaptado ao caráter especial que ela revestia
e às Regras que a governava. Não é de admirar se, sob o comando de um
mestre tão sábio e tão dotado de luzes sobrenaturais, muitos dos primeiros
discípulos de Dom Bosco dessem passos de gigante na piedade, na virtude,
no espírito de sacrifício e no exercício do zelo. Certamente ninguém se
admirará se aqueles foram chamados os tempos heroicos da nossa Pia
Sociedade.
3. Viver de fé3)
Se tivermos a felicidade de viver de fé, sentiremos no coração imensa
gratidão a Deus por nos ter chamado à Pia Sociedade Salesiana, tão provi-
dencialmente fundada pelo venerável Dom Bosco; haveremos de conside-
rá-la a arca de nossa salvação e o nosso refúgio, e a amaremos como nossa
dulcíssima mãe; olharemos para as casas aonde a obediência nos enviou
a trabalhar como casa do próprio Deus; nosso ofício, seja qual for, como
porção da vinha que o dono nos confiou para cultivar.
Na pessoa dos superiores veremos os representantes do próprio Deus,
em cuja fronte a fé nos fará ler as palavras: qui vos audit, me audit; qui vos
spernit, me spernit (Lc 10,16): quem vos ouve, a mim ouve; quem vos rejeita,
a mim rejeita; por isso, suas ordens serão consideradas como ordens do
próprio Deus, e nos preocuparemos em executá-las, tendo muito cuidado
para nada julgar inoportuno e nada criticar.
Reconheceremos as Constituições, os Regulamentos, o horário como
manifestações da vontade de Deus a nosso respeito e teremos o cuidado de
segui-los. Os jovens dos nossos oratórios e Institutos, aos olhos da nossa fé,
serão um depósito sagrado do qual Deus nos pedirá estreitíssimas contas.
Os nossos irmãos que conosco partilham sofrimentos e alegrias, com
quem rezamos e trabalhamos, serão imagens vivas do próprio Deus, encar-
3 Da carta circular Sobre a vida de fé (21 de novembro de 1912), em LC 95-99.

19 Pages 181-190

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19.1 Page 181

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Textos seletos do P. Paulo Albera 179
regados por ele mesmo de edificar-nos com suas virtudes ou fazer-nos
praticar a caridade e a paciência com os seus defeitos.
Oh! Quando chegará o dia em que nós, segundo a imaginativa expressão
de São Francisco de Sales, nos deixaremos carregar por Nosso Senhor como
uma criança nos braços de sua mãe? Quando, caríssimos irmãos, nos acos-
tumaremos a ver a Deus em cada coisa, em cada acontecimento, que nós
consideraremos como se fossem espécies sacramentais sob as quais ele se
esconde? Assim nos persuadiremos de que a fé é um raio de luz celeste que
nos faz ver a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus.
É precisamente isto que admiramos na vida do nosso venerável
Fundador. Por que, quando rapaz, usou de tantas iniciativas para atrair a
si os meninos do humilde povoado dos Becchi? Todos nós o sabemos; era
para instruí-los e mantê-los longe do pecado. Qual foi a finalidade que ele
se propôs para abraçar o caminho do sacerdócio, superando inumeráveis
obstáculos? Está muito bem expresso no mote: Da mihi animas. Queria
salvar as almas que a fé lhe apresentava como resgatadas pelo preço do
sangue do próprio Jesus Cristo.
Ordenado sacerdote, consagrou-se ao cuidado dos meninos pobres,
porque via-os abandonados por todos e crescer na ignorância e no vício.
Como era edificante para nós contemplá-lo ocupado, horas a fio, em ouvir
as confissões de tantos jovens, sem jamais dar o mínimo sinal de cansaço
por tão penoso ministério! Isto acontecia porque a sua fé viva levava-o a
contemplar o confessor no ato de curar as feridas das almas, de romper as
cadeias a que estavam atadas, de encaminhá-las pelo caminho da piedade
e da virtude.
Ele não queria absolutamente que os jovens confiados a ele permane-
cessem, nem mesmo por poucas horas, com o pecado na alma; por isso,
usando palavras fortemente eficazes, exortava-os, caso tivessem cometido
alguma culpa, a se confessarem quanto antes, mesmo que tivessem de se
levantar durante a noite.
O que a fé sugeriu a Dom Bosco para tornar mais frutuosa a sua
pregação? Impôs-se a lei de evitar toda palavra ou frase que não fosse
perfeitamente compreendida por seus jovens ouvintes, por mais elegante
que fosse. Evitava qualquer expressão abstrata e de difícil compreensão;
habituou-se a uma linguagem, eu quase diria, concreta, com que ele falava
aos sentidos dos meninos, atraía sua atenção e dominava sua vontade. A
essa arte e à sua santidade é devida a singular eficácia da sua palavra.
Foi igualmente o espírito de fé que lhe inspirou seu admirável sistema
preventivo, o qual, segundo o parecer dos estudiosos, enquanto lhe conferiu

19.2 Page 182

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180 Tercera parte
um lugar muito honroso entre os educadores da juventude, é para nós a
prova mais contundente do seu ardente zelo para impedir o pecado.
Por que será que jamais quis que os jovens fossem postos na moral
impossibilidade de cometer faltas? Unicamente pelo desejo de que fosse
evitada qualquer ofensa a Deus.
Ele mesmo demonstrou como era custosa a assistência para quem quer
seguir o sistema preventivo, e enquanto teve forças, precedia seus filhos
com seu exemplo e os estimulava mediante suas calorosas exortações.
Recordo que a certo indivíduo que, por cansaço, tinha deixado os jovens
do oratório sozinhos num Domingo de agosto, disse com energia: Quando
há tantos jovens no recreio, devemos assisti-los custe o que custar. Descan-
saremos em outra hora.
Teve o cuidado específico de nunca manter uma conversa ou de escrever
uma carta sem temperá-la com algum pensamento religioso, e fazia isto
com tanta elegância e fineza que jamais alguém se sentiu aborrecido. Por
isso, pode-se dizer que jamais alguém se aproximou dele sem se sentir
melhor. A fé lhe ensinava que um sacerdote faltaria ao seu dever se fizesse
de outra forma.
Estive várias vezes em sua companhia quando no navio dizia adeus aos
seus missionários, e foi nesses preciosos instantes que pude ter a melhor
prova da sua fé viva e do seu ardente zelo. A um ele dizia: Espero que
você salve muitas almas. A outro sugeria ao ouvido: Você terá que sofrer
muito, mas lembre-se de que o seu prêmio está no paraíso. A quem deveria
assumir a direção de Paróquias, recomendava ter cuidados especial com as
crianças, os pobres e os doentes.
A todos repetia: Não busquemos dinheiro, procuremos almas. A um
sacerdote no dia da Primeira Missa desejava que fosse o mais fervoroso
na fé e na devoção ao Santíssimo Sacramento. A outro inculcava que não
fizesse uma pregação sem falar de Maria. E ele dava o exemplo dessas
coisas.
Tendo entrado jovenzinho para o Oratório, recordo que desde os
primeiros dias, ao ouvir o boa-noite no fim do dia, eu não pude deixar de
dizer a mim mesmo: Como Dom Bosco deve amar Nossa Senhora!
E quem, entre os mais antigos, não observou com que sentimento, com
que convicção nos falava das verdades eternas, e como era frequente que,
falando especialmente dos novíssimos, se comovesse a ponto de embargar
sua voz?
Nem podemos esquecer com que fé celebrava a Santa Missa e com que
diligência realizava as cerimônias, a ponto de trazer sempre no bolso o

19.3 Page 183

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Textos seletos do P. Paulo Albera 181
livrinho das rubricas, precisamente para recordá-las de quando em quando.
Era também a sua fé que lhe fazia considerar a sua Congregação, as suas
casas, como o efeito de uma especial proteção de Maria Santíssima Auxi-
liadora, à qual professava a mais profunda gratidão. Foi ouvido exclamar:
Quantos prodígios Deus operou entre nós! Mas quantas maravilhas a mais
ele teria realizado, se Dom Bosco tivesse tido mais fé; e dizendo isso, seus
olhos marejavam de lágrimas! (MB VIII, 977).
4. O oratório é a alma da nossa Pia Sociedade4)
Pela leitura dos primeiros volumes da vida do nosso venerável Pai, escrita
com tão grande amor e escrupulosa exatidão pelo caríssimo P. Lemoyne,
fica luminosamente evidente que a primeira dentre as obras de Dom Bosco,
aliás, por muitos anos a única, foi o oratório festivo, o seu oratório festivo,
tal como ele o tinha entrevisto no sonho misterioso aos nove anos e nos
seguintes que, aos poucos, foram ilustrando a sua mente a respeito da obra
confiada a ele pela Providência.
Jamais podemos esquecer, caríssimos irmãos, que o oratório festivo de
Dom Bosco é uma nstituição toda sua, que se diferencia das demais obras
similares, tanto pela finalidade a que tende, quanto pelos meios de que se
serve.
Segundo Dom Bosco, o oratório não é para uma dada categoria de
jovens, de preferência a outros, mas para todos indistintamente, dos sete
anos para cima; não é requerido saber a situação da sua família ou exigir
a apresentação do jovem por parte dos parentes: única condição para ser
admitido é a de vir com boa vontade para divertir-se, instruir-se e cumprir
junto com os outros os deveres religiosos.
Razões para afastar algum jovem do oratório não podem ser a viva-
cidade de temperamento, alguma momentânea insubordinação, a falta de
bons modos, nem qualquer outro defeito juvenil causado pela leviandade
ou por natural teimosia; mas somente a insubordinação sistemática e
contagiosa, a blasfêmia, as más conversas e o escândalo. Excetuando esses
casos, a tolerância do superior deve ser ilimitada.
Todos os jovens, inclusive os mais abandonados e miseráveis, devem
sentir que o oratório é para eles a casa paterna, o refúgio, a arca de salvação,
4 Da carta circular Os oratórios festivos – As missões As vocações (31 de maio de
1913), em LC 111-113, 117-119.

19.4 Page 184

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182 Tercera parte
o meio seguro de se tornarem melhores, sob a ção transformadora do afeto
mais que paterno do Diretor.
“Estes jovens (escrevia Dom Bosco em 1843, precisamente quase no
início da sua obra) têm verdadeiramente necessidade de uma mão benéfica
que cuide deles para encaminhá-los para a virtude e afastá-los do vício. A
dificuldade consiste em encontrar o modo de reuni-los, de poder falar a
eles, de moralizá-los. Esta foi a missão do Filho de Deus: isto só pode ser
feito pela santa religião. Esta religião, que é eterna e imortal em si, que foi e
sempre será em todos os tempos a mestra dos homens, contém uma lei tão
perfeita que sabe adaptar-se às vicissitudes dos tempos e à índole diversa de
todos os homens. Entre os meios aptos a difundir o espírito de religião nos
corações incultos e abandonados estão os oratórios festivos... Quando eu
me entreguei a esta parte do sagrado ministério tive em mente consagrar
todas as minhas canseiras à glória de Deus e para o bem das almas, de
empenhar-me para os jovens se tornasse bons cidadãos aqui nesta terra e
depois dignos habitantes do céu. Deus me ajude a poder continuar assim
até o último respiro da minha vida”.
Deus o ajudou, não somente a perseverar até o último respiro da vida
nessa sua aspiração apostólica, mas a perpetuá-la prodigiosamente em
meio aos povos ao fazer brotar do seu coração magnânimo a Pia Sociedade
Salesiana que, nascida no seu oratório e para o oratório, não pode viver e
prosperar senão por meio dele.
Por isso, o oratório festivo de Dom Bosco, que se difunde sempre mais,
reproduzindo-se em mil lugares e tempos diversos, mas sempre único em
sua natureza, é a alma da nossa Pia Sociedade. Se formos verdadeiros filhos
de tão grande Pai, devemos conservar esta herança preciosa e vital na sua
genuína integridade e esplendor.
Em todos os lugares onde se encontram os filhos de Dom Bosco deve
florescer o seu oratório, aberto a todos os jovens, para poder reuni-los,
falar-lhes, moralizá-los e torná-los, não somente dignos cidadãos da terra,
mas particularmente dignos habitantes do céu.
Embora a nossa Pia Sociedade se dedique a grande variedade de
empreendimentos, convém que todas mirem a produzir o fruto precioso
e natural da mesma Sociedade, que é o oratório festivo: fazendo diversa-
mente, não merecemos ser considerados como verdadeiros filhos do Pai
Dom Bosco. (...)
Um dia, o P. Rua dizia a um Salesiano que foi enviado a abrir um
oratório festivo: “Lá não há nada, nem mesmo terreno e o local para reunir
os jovens, mas o oratório festivo está dentro de você: se você é verdadeiro

19.5 Page 185

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Textos seletos do P. Paulo Albera 183
filho de Dom Bosco, encontrará onde plantá-lo e fazê-lo crescer como
árvore magnífica carregados de belos frutos”. E assim foi, porque em
poucos meses surgiu um belo e espaçoso oratório, repleto de centenas de
jovens, onde os maiores se tornaram os apóstolos dos pequenos.
É claro que o oratório tem necessidade de pessoal e de subsídios, mas
não são esses os fatores principais. Dai-me um Diretor repleto do espírito
do nosso venerável Pai, sedento de almas, rico de boa vontade, ardente
de afeto e de interesse pelos jovens, e o oratório florescerá maravilhosa-
mente, mesmo faltando muita coisa. O próprio P. Rua, depois de acenar
aos múltiplos e salutares frutos que se tinham colhido em vários oratórios,
continua:
“Vós podereis crer que só se podem relatar êxitos tão grandes por parte de
oratórios que possuem um local adequado, isto é, uma capela conveniente,
um pátio bem amplo, um teatrinho, aparelhos de ginástica e numerosos
e atraentes brinquedos. Certamente esses são meios muito eficazes para
atrair muitos jovens aos oratórios e para que os bons princípios semeados
em seus corações criem raízes profundas: todavia, devo dizer-vos com a
mais viva alegria que em muitos lugares o zelo dos irmãos supriu a falta
desses meios. Começaram-se oratórios do mesmo jeito que Dom Bosco
começou no Refúgio: um ambiente qualquer ou uma paupérrima sala que
servisse como capela, enquanto um pequeno espaço de terreno sem muros
servia como pátio, e a todos parecia impossível continuar. No entanto, os
jovens, atraídos pelos bons modos dos Salesianos, acorreram numerosos.
O interesse que lhes demonstravam, arrancou de seus lábios estas palavras:
em outros lugares encontraremos vastas salas, amplos pátios, belos jardins,
jogos de todo tipo: mas nós preferimos vir aqui onde não há nada, porque
sabemos que aqui nos querem bem”.
É mesmo assim: o afeto sincero do Diretor e dos seus ajudantes supre
muitas coisas. Não pensemos ter feito o oratório como queria Dom Bosco,
só por termos criado um parque de diversão onde se reúnem algumas
centenas de jovens.
Por mais que se deseje que o oratório seja abundantemente fornecido de
toda espécie de comodidades e de divertimentos com o fim de aumentar o
número dos jovens, no entanto, tudo isto nunca deve ser separado das mais
criativas solicitudes para torná-los bons e bem fundamentados na religião
e na virtude.
Não se pense que, ao pregar, seja suficiente dizer a eles o que tendes
na mente; preparem-se bem a instruções, as explicações do evangelho, até
mesmo os catecismos; dizei-lhes coisas adaptadas às suas necessidades e da

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184 Tercera parte
forma mais interessante que for possível, para a santificação individual e
para a restauração de todas as coisas em Jesus Cristo.
Quando um Diretor de oratório festivo tiver obtido como resultado
que cada Domingo haja certo número de comunhões, pode estar certo de
que o seu oratório não será mais frequentado somente por meninos, mas
também por jovens muito afeiçoados que serão como o núcleo central das
companhias religiosas, dos círculos e de todas as obras de aperfeiçoamento
que devem ornar o oratório como os frutos ornam a planta, e dos quais
se fala largamente no relatório a respeito dos oratórios e das escolas de
religião; relatório que espero que cada Diretor tenha recebido e que relerá
quando for necessário.
Se o estudo e a experiência vos sugerirem alguma modificação prática
ou acréscimo, por favor, informai-me. Nesse relatório podereis encontrar
um vasto repertório de tudo o que se pode fazer para atrair os adultos ao
oratório. Não esqueçais, porém, que todas essas obras são somente um meio
para alcançar a vitalidade do oratório, ao passo que a Sagrada Comunhão
é a própria vida.
5. Sede todos missionários!5)
As missões eram o argumento predileto das falas de Dom Bosco, e sabia
infundir nos corações um desejo tão vivo de sermos missionários que nos
parecia a coisa mais natural do mundo. Quando o cônsul da República
Argentina, em Savona, maravilhado por tudo o que vira no Oratório,
pediu-lhe uma nstituição semelhante para a província de Buenos Aires, ele
aceitou imediatamente o plano de fazer ouvir a palavra divina até mesmo
na Patagônia e na Terra do Fogo.
Esse pensamento, falando humanamente, tinha sabor de grande teme-
ridade, porque os missionários que antes tinham tentado penetrar naquelas
vastas regiões quase inexploradas tinham sido barbaramente trucidados.
Todavia, para Dom Bosco, as missões deviam ser a segunda finalidade da
sua Congregação e nada o detinha de abraçá-la em toda sua extensão.
Aprovado e encorajado altamente seu projeto por Sua Santidade Pio IX,
Dom Bosco preparou a primeira expedição de alguns dos seus filhos, sob a
guia do P. João Cagliero, para o dia 11 de novembro de 1875. Ele se privou
5 Da carta circular Os oratórios festivos – As missões – As vocações (31 de maio de
1913), em LC 121-124.

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Textos seletos do P. Paulo Albera 185
dos melhores Salesianos; submeteu-se a apuros de todo tipo para preparar
todo o necessário; traçou minuciosamente o itinerário e providenciou as
mínimas coisas, inclusive materiais, daquela longa viagem.
Quem pode referir os cuidados e as solicitudes de Dom Bosco para esta
primeira expedição, que deveria ser logo seguida por numerosas outras,
sempre portadoras de um número maior de generosos apóstolos em meio
às tribos selvagens? Quem poderia exprimir o contentamento do seu
coração quando soube que chegaram ao destino em solo americano? E seu
júbilo, quando viu seus filhos penetrarem nos Pampas e na Patagônia, e
lançarem-se intrepidamente pela Terra do Fogo até a ponta extrema austral
do estreito de Magalhães?
Quando viu a Patagônia Setentrional erigida em Vicariato Apostólico
mediante a consagração do primeiro dos seus Bispos que ele tanto amava;
a Patagônia Meridional e a Terra do Fogo erigida em Prefeitura Apostólica;
e alguns daqueles pobres silvícolas, convertidos, prostrados a seus pés
para testemunhar-lhe gratidão, ele provou tais delícias que ninguém neste
mundo poderia expressar e que o consolaram abundantemente por todos
os sofrimentos pelos quais teve que passar. (...)
Desde então as missões foram o coração do seu coração e parecia que
vivesse somente para elas. Não que descuidasse as outras numerosas obras,
mas a preferência era para os pobres patagões e os fueguinos. Falava deles
com tamanho entusiasmo que ficávamos maravilhados e muito edificados
ao constatar seu aceso ardor pelas almas.
Parecia que cada batimento do seu coração repetisse: Da mihi animas!
O fascínio da sua voz ao falar das missões fazia despertar imediatamente
no coração dos filhos prodigiosas vocações ao apostolado, e os benfeitores
não podiam deixar de colaborar eficazmente com generosas doações para
essa obra da salvação das almas: Divinorum divinissimum est cooperari in
salutem animarum [A coisa mais divina que pode existir é colaborar na
salvação das almas], como disse o Areopagita.
Deus abençoou copiosamente sua ardente sede de almas ao conceder
aos seus filhos, graças às suas orações, vastas e numerosas missões que
produziram rapidamente frutos de santidade e de civilização.
Na visita às casas e às missões da América, realizada há dez anos, pude
tocar com a mão a realidade do que estou dizendo. Depois das missões da
Patagônia e da Terra do Fogo vieram as dos Bororo do Maro Grosso no
Brasil, depois as dos Jívaro no Equador Oriental e ultimamente as novas e
imensas missões da Índia e da China.
Este é o campo sem fim em que a nossa Congregação deve derramar,

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186 Tercera parte
junto com o sangue redentor de Jesus Cristo, os suores das fadigas apostó-
licas e, se for preciso, como já aconteceu na Patagônia, também o sangue
dos seus filhos.
Por isso, não será difícil, caríssimos irmãos, compreender a grave incum-
bência que pesa sobre o vosso Reitor-Mor para fornecer essas missões de
pessoal seguro e zeloso e de meios materiais. Aliás, as necessidades, tanto
de pessoal quanto de meios, são cada vez mais prementes, de tal modo que
eu sinto a necessidade de fazer apelo ao vosso coração, queridos irmãos,
para conseguir ajuda.
Sim, partilhai comigo tão grande peso, tomando seriamente a peito as
nossas missões, em primeiro lugar com a oração e depois com as obras. A
oração, que é a potência de Deus nas nossas mãos, suba incessante para
impetrar a graça da vocação ao apostolado missionário sobre nós e sobre
os jovens confiados aos nossos cuidados. Rezemos intensamente com fé
e afeto para esta finalidade, interpondo a mediação poderosa da nossa
querida Mãe Auxiliadora e do nosso venerável Pai.
A oração, porém, não basta; convém unir também as obras. Estas podem
consistir, antes do mais, em procurar enriquecer-vos com as virtudes do
missionário, que devem ser uma piedade profunda e um grande espírito de
sacrifício por toda a vida, não somente por alguns anos.
O inimigo das almas parece ter encontrado o modo de impedir o fruto
do apostolado ao colocar no coração de alguns dos chamados para as
missões mil dificuldades; mais ainda de apresentar as próprias missões sob
o aspecto de uma viagem científica ou de lazer, ou então de uma prova:
se der certo, bem, do contrário volta-se para casa... Fatal ilusão que este-
riliza na fonte o apostolado e cria um multidão de mercenários de almas!
Quando num coração se acendeu a chama do apostolado, jamais deveria
apagar-se.
As vossas obras se estendam também a outros, quer falando sempre com
entusiasmo das nossas missões, evitando repetir: pode-se ser missionário
em toda parte (porque isto é absolutamente falso para os chamados ao
apostolado entre os infiéis), seja descrevendo a beleza deste apostolado aos
jovens dos nossos oratórios, seja economizando. a fim de guardar alguma
coisa para as missões ou recolhendo a pequena contribuição dos nossos
jovens ou a oferta generosa dos cooperadores.
Muitas casas se lamentam de não encontrar mais ofertas: a verdadeira
razão talvez não esteja na falta de benfeitores, mas em ter pretendido fazer
convergir todas as esmolas par as necessidades locais, sem mais preocu-
par-se com as missões. Esses Diretores que se encontram nessa situação

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Textos seletos do P. Paulo Albera 187
pensem um pouco e vejam como reanimar nos seus benfeitores a vontade
de ajudar também as nossas missões, que constituem a maior glória da
nossa Congregação.
Sim, trabalhai, bons irmãos, com estes e outros meios em favor das
nossas missões, mas que o vosso trabalho mire particularmente suscitar
entre os jovens confiados aos nossos cuidados, sinceras e sólidas vocações.
6. A Virgem de Dom Bosco6)
As numerosas obras começadas e terminadas pelo nosso venerável Pai e
Fundador são objeto da admiração dos que leem a história; mas o que mais
impressiona os que a examinam atentamente é ver como esses prodigiosos
empreendimentos foram idealizados e conduzidos a termo pelo filho de um
humilde camponês dos Becchi, que não só não dispunha de meios prove-
nientes da própria família, mas que inclusive teve necessidade da ajuda de
vários benfeitores para poder chegar ao sacerdócio e que, mesmo assim,
viu-se a cada passo retido em seu caminho por obstáculos que pareciam
intransponíveis.
É por isso que sua vida, a quem a vê com simples olhar humano e natural,
apresenta-se como um enigma inexplicável. Ela não pode ser compreendida
e degustada senão por parte de quem souber elevar-se com as asas da fé às
esferas sobrenaturais, e com espírito cristão constatar que à obra frágil e
deficiente do homem veio em socorro a mão onipotente da Providência
Divina, a única capaz de sobrepujar as dificuldades e as barreiras com
tanta frequência interpostas pela fraqueza e pela malícia humana. Dom
Bosco não pôde ter nenhuma dúvida a respeito da contínua intervenção de
Deus e da Santíssima Virgem Auxiliadora nas variadas vicissitudes da sua
vida laboriosa. Basta dar uma olhada nos grossos volumes da sua biografia,
para encontrar neles inumeráveis provas convincentes.
Com a idade de nove anos ele viu em sonho uma grande multidão de
jovens pobres, que a ignorância e o vício tinham assemelhado a animais,
e recebeu por parte de misterioso personagem, que era o próprio Jesus
Cristo, a ordem de tomar conta deles e de transformá-los em bons cristãos.
Confessando-se incapaz de realizar tão árduo mandato, foi-lhe dada como
guia e mestra a Rainha do céu e da terra; foram precisamente seus preciosos
6 Da carta circular Sobre o Cinquentenário da Consagração do Santuário de Maria
Auxiliadora em Valdocco (31 de março de 1918), em LC 259-265.

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188 Tercera parte
e sublimes ensinamentos que lhe permitiram transformar aqueles seres
transviados em dóceis cordeiros.
A partir daquele dia, foi a Mãe de Deus a guiá-lo em todos os aconte-
cimentos mais importantes da sua caminhada, que fez dele um sacerdote
douto e zeloso, e que o preparou para ser o pai dos órfãos, mestre de inume-
ráveis ministros do altar, um dos maiores educadores da juventude, e final-
mente Fundador de uma nova sociedade religiosa, que devia ter a missão
de propagar por toda parte seu espírito e a devoção a ela, sob o belo título
de Maria Auxiliadora.
Falando aos seus filhos espirituais, ele não se cansava de repetir que a
obra a que se dedicou foi inspirada por Maria Santíssima, que Maria era
seu poderoso sustentáculo, e que por isso nada havia a temer das oposições
dos seus adversários.
Permiti-me somente que eu vos recorde a conferência feita por ele no
Domingo, dia 8 de maio de 1864, aos Salesianos de Turim.
Naquela reunião revelou coisas que nunca tinha dito até então, fez um
resumo da história do Oratório, das várias e dolorosas peregrinações reali-
zadas antes de encontrar um lugar estável na casa de Valdocco: narrou
como a mão do Senhor tinha atingido todos os que se opuseram aos seus
empreendimentos, revelou os sonhos em que tinha visto os seus futuros
padres, clérigos e coadjutores, e até mesmo os incontáveis jovens que a
Providência haveria de confiar aos seus cuidados; narrou também o sonho,
que melhor se diria ser uma visão, em que aparecera diante de seus olhos
uma igreja alta e magnífica, trazendo escrito no frontispício: Hic Domus
mea, inde gloria mea [Aqui está a minha casa, daqui sairá a minha glória].
Enumerou as dificuldades que surgiram desde o início e que foram vencidas
com a ajuda de Deus.
Acrescentou que ele tinha revelado tudo ao Santo Padre Pio IX, e que por
ele foi encorajado a fundar a nossa Pia Sociedade. Tendo feito a si mesmo
a objeção de que talvez ele não deveria contas essas coisas, que pareceriam
redundar em sua própria glória, rejeitou-a peremptoriamente e com toda
energia, protestando que, longe de ter o de que se gloriar, pelo contrário,
ele deveria prestar tremendas contas, se não tivesse feito o que dependia
dele para realizar a vontade de Deus. “Não se pode descrever – diz o P.
Lemoyne – a profunda impressão que fez e o entusiasmo que despertou
essa revelação” (MB V, 664).
Naqueles mesmos dias víamos começar, por ordem de Dom Bosco, as
escavações para lançar os alicerces do novo grandioso templo, com que
ele queria testemunhar a Maria Auxiliadora a sua vivíssima gratidão pelas

20 Pages 191-200

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20.1 Page 191

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Textos seletos do P. Paulo Albera 189
graças e favores recebidos.
Somente quem foi testemunha pode fazer uma ideia adequada do
trabalho e dos sacrifícios que o nosso venerável Pai se impôs durante três
anos para conduzir a termo essa obra. Como um mendigo, andou batendo
de porta em porta, não somente em Turim, mas também em quase todas
as cidades principais da Itália, a fim de recolher os meios necessários
para aquela construção, por muitos considerada um empreendimento
temerário, muito superior às forças do humilde sacerdote que tinha
iniciado os trabalhos. Sustentava sua maravilhosa energia a certeza de que
o que já fora realizado era efeito da proteção de Nossa Senhora, e que a inci-
piente Sociedade Salesiana teria assumido um desenvolvimento prodigioso
quando Maria Santíssima Auxiliadora tivesse um templo e um trono conve-
niente nos prados de Valdocco. Mostrava-se assim verdadeiro discípulo do
nosso São Francisco de Sales, que tinha deixado escrito: “Conheço plena-
mente qual é a sorte de ser filho, embora indigno, de um Mãe tão gloriosa.
Confiados à sua proteção, podemos realizar grandes coisas: se a amarmos
com ardente afeto, ela nos obterá tudo o que nós desejamos”.
No dia 9 de junho de 1868, para maravilha de todos, a nossa majestosa
basílica era consagrada por Dom Alexandre Riccardi di Netro, Arcebispo
de Turim; eu recordo como fosse agora o momento solene em que Dom
Bosco, radiante de alegria, com os olhos velados pelo pranto por causa
da profunda comoção, subia por primeiro os degraus do altar-mor para
celebrar, sob o olhar piedoso da sua grande Auxiliadora, o santo sacrifício
da Missa. Às festas solenes, que duraram oito dias, somou-se o esplendor
da presença de oito Bispos que, com a sua sublime dignidade, celebraram
pontificalmente e anunciaram com eloquência e muito fruto a palavra
divina à multidão extraordinária de fieis, que acorrera de lugares distantes.
Os que entre nós eram mais adiantados em anos, não deixaram de
observar que o semblante do nosso venerável Pai se mostrava como
que transfigurado e que ele era incansável em falar da sua Virgem; nós
guardamos ciosa recordação do que ele, lendo o futuro, nos disse naquela
circunstância a respeito das maravilhas que Maria Auxiliadora operaria
em favor dos seus devotos. Como nos conforta agora ver realizadas as suas
predições!
Isso tudo não foi suficiente para satisfazer plenamente seu grande desejo
de testemunhar a própria gratidão a Maria Santíssima, pois, além deste
monumento material e inanimado, ele quis levantar em sua honra outro
monumento, vivo e espiritual, instituindo a Congregação das Filhas de
Maria Auxiliadora, à qual deu como missão formar à piedade e à virtude as

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190 Tercera parte
meninas e propagar em todo o mundo a devoção à sua poderosa padroeira.
O desenvolvimento prodigioso em pouco tempo desse Instituto, como
também o grande bem que realizou em todos os lugares, são a melhor
prova de que também ele foi fundado por inspiração celeste.
Voltando ao nosso querido santuário de Maria Auxiliadora, é um fato
que logo após a sua consagração, na Sociedade Salesiana se multiplicaram
prodigiosamente as vocações, a pequenos intervalos surgiram, como por
encanto, numerosos colégios, oratórios festivos e escolas profissionais,
verdadeiras arcas da salvação para muitos jovens, subtraídos assim ao
perigo da corrupção e da impiedade. Desapareceram imediatamente
as graves dificuldades que retardavam a aprovação da nossa humilde
Congregação por parte da Santa Sé; e se fizeram numerosas expedições
de missionários para a América. Verificava-se assim a predição de Maria
Santíssima, que daquele templo haveria de sair a sua glória: inde gloria
mea.
Com razão, portanto, podemos afirmar que a consagração do templo
marcou realmente época na história das obras de Dom Bosco; e que a nossa
doce Mãe quis, assim, recompensar o seu servo fiel pelos sacrifícios feitos
para providenciar em Valdocco uma casa menos indigna dela.
Logo mais se completarão cinquenta anos desde que fomos testemunhas
daqueles acontecimentos aqui brevemente recordados, e nos alegramos em
poder dizer que todo este período de tempo não foi outra coisa senão uma
série jamais interrompida de prodígios operados por Maria Auxiliadora
em favor dos seus devotos: precisamente como nos tinha preanunciado o
nosso venerável Pai.
Pela proteção da nossa poderosa padroeira, a humilde Sociedade
Salesiana atravessou montes e mares, estendendo-se em quase toda
a terra. Essa maravilhosa propagação não pode ser atribuída unica-
mente à atividade e ao espírito de iniciativa dos filhos de Dom Bosco:
nós, que por experiência conhecemos a fragilidade das nossas forças,
mais do que outros devemos convencer-nos de que de tudo somos
devedores à Virgem Auxiliadora. O que faremos para demonstrar-lhe
a nossa gratidão?
Pois bem, o vivo desejo que temos de tornar conhecido, se possível, no
mundo inteiro que todas as obras salesianas devem sua origem e seu desen-
volvimento unicamente à proteção de Maria, e ao mesmo tempo a nossa
esperança de que ela continue a sustentar-nos, guiar-nos e defender-nos no
futuro, sugeriram-nos o ousado plano de colocar na mão da nossa podero-
síssima Auxiliadora um rico cetro de outro, adornado de pedras preciosas,

20.3 Page 193

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Textos seletos do P. Paulo Albera 191
entendendo com este ano proclamá-la, com a maior solenidade possível,
nossa Augusta Rainha. (...)
Essa cerimônia exterior, é fácil compreender, será acompanhada pela
solene consagração da nossa Pia Sociedade à Rainha Celeste. O Reitor-Mor
pronunciará diante de sua imagem taumaturga uma oração, na qual apre-
sentará todos e cada um dos Salesianos, as Filhas de Maria Auxiliadora, a
Pia União dos cooperadores, e todos os nossos Institutos, suplicando-lhe
que aceite a nossa oferta, que continue a considerar como coisa sua todas
as obras de Dom Bosco e a conservá-las sempre dignas da sua proteção e
do seu afeto.
Esta consagração será renovada em cada casa, da maneira que os supe-
riores locais considerarem oportuno. Creio que não erro ao pensar que
essa homenagem agradará mais do que outra coisa à nossa Rainha, que ela
fará chover grandíssima abundância de graças e bênçãos sobre as nossas
obras.
Aliás, não se tratará de nenhuma novidade para nós, dado que há
vinte e cinco anos, em cada uma das nossas casas recita-se todas as
manhãs, após a meditação, uma devotíssima oração intitulada: Consa-
gração a Maria Santíssima Auxiliadora. Fazia tempo que todos sentiam
a necessidade de dispor, além das orações vocais comuns, de uma oração
especial dos Salesianos, na qual fossem apresentadas nossas peculiares
necessidades e por ela pedíssemos as graças que mais correspondem à
nossa situação e à nossa missão. No ano de 1894, o inesquecível P. Rua,
de cuja perspicácia nada escapava do que pudesse ser útil às nossas almas,
julgou oportuno colmar essa lacuna e nos propôs a sobredita consagração,
que foi sumamente apreciada, que em breve e com grande facilidade foi
aprendida de cor.
Como é doce para o Salesiano, seja qual for nação onde deva encon-
trar-se e a língua a falar, ouvir todas as manhãs, em determinada hora
do horário do dia, um numeroso coro de vozes devotas que repete esta
oferta à Mãe Celeste, implorando sua proteção para todas as nossas casas
e os nossos trabalhos! Ora, o que estamos acostumados a fazer diaria-
mente nas nossas humildes e devotas capelas das nossas comunidades é
bem justo que no cinquentenário da consagração da nossa igreja se realize
com toda solenidade e fervor possível diante da imagem taumaturga de
Maria, proclamada a nossa Augusta Rainha, e adornada com o cetro áureo,
símbolo de sua régia dignidade e poder!

20.4 Page 194

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192 Tercera parte
7. A doçura do Salesiano7)
Ao dispor-me a escrever-vos sobre este argumento que, como sabeis,
tem uma importância capital, e é a conhecida característica do espírito
de Dom Bosco, atirei-me aos pés de Jesus e pareceu-me ouvi-lo dizer-me:
Discite a me quia mitis sum et humilis corde [Aprendei de mim que sou
manso e humilde de coração] (Mt 11,29): aprendei de mim a ser mansos e
humildes de coração. Vamos então à sua escola e acolhamos seus ensina-
mentos e exemplos. (...)
Nós conseguimos formar com certa facilidade a ideia do que seja a
doçura, mas encontramos grave dificuldade em tentar defini-la. As palavras
com que gostaríamos de revestir os nossos pensamentos, têm sempre
alguma coisa de incompleto e de pouco preciso, de modo que quase nunca
terminam por satisfazer-nos. Há, por exemplo, quem a definiu como uma
inclinação do caráter, pela qual se cede com certa complacência, mas sem
se humilhar, à vontade dos outros.
Ora, quem não percebe que nesta definição nem se acena à auréola, eu
diria divina, que envolve o vulto de uma pessoa, talvez pobre de qualidades
exteriores, mas que tem a felicidade de praticar habitualmente a doçura?
Nada se diz desse esforço, que eu qualificaria como heroico, que é neces-
sário em muitas ocasiões para dominar a vivacidade do temperamento,
para reprimir qualquer movimento de impaciência e também aquela
indignação, que às vezes parece santa, justificada pelo zelo e autorizada
pela gravidade da culpa. Aqui nem se acena àquela virtude tão rara, que
impõe um freio à língua e que não lhe permite pronunciar nem mesmo
uma palavra que possa desagradar à pessoa com que se está relacionando.
Além disso, parece que não deveria faltar, numa definição da doçura, um
aceno àquele olhar sereno e cheio de bondade, que é o verdadeiro e límpido
espelho de um ânimo sinceramente doce e unicamente desejoso de tornar
feliz a pessoa que se aproxima.
Muito mais completa é a definição de São João Clímaco (Grad. XII),
segundo o qual, a doçura é a disposição pela qual o espírito permanece
sempre igual, na honra e no desprezo, nos sofrimentos e nas alegrias. Com
essas expressões, o santo compara muito eficazmente o homem suave a um
escolho que, emergindo acima do mar, resiste à fúria das ondas, de modo
que estas vêm quebrar-se aos seus pés, sem nunca conseguir arrancar nem
mesmo um grão daquela rocha indestrutível de que é composto.
7 Da carta circular Sobre a doçura (20 de abril de 1919), em LC 280-283, 288-291.

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Textos seletos do P. Paulo Albera 193
Esta é a doçura e a mansidão praticada por muitos santos que Deus quis
afinar na virtude, fazendo-os passar através de gravíssimas tribulações.
Talvez ele não mande provas dolorosas para vós todos, caríssimos irmãos
destinados pela obediência ao exercício da autoridade nas nossas casas;
mas certamente exige que vos mantenhais calmos, suaves e sempre donos
de vós mesmos ao dirigir os vossos dependentes, corrigir os seus defeitos,
suportar suas fraquezas: o que é tanto mais difícil e meritório enquanto
deverá ser esse o vosso trabalho no dia-a-dia, aliás, em cada momento.
Sem número são as misérias humanas, e não é possível que elas não
sejam sentidas também nas próprias comunidades religiosas, por mais que
seus membros estejam animados pela maior vontade de tender à perfeição;
entretanto, quantas se poderiam evitar ou ao menos diminuir, se em quem
dirige houvesse sempre doçura de palavras e suavidade de modos!
Para nos persuadirmos desta verdade basta que alguma vez entremos
em nós mesmos, perguntando-nos como gostaríamos que fossem os nossos
superiores. Como ajudaria se nos colocássemos no lugar dos nossos irmãos
e deixar-nos penetrar pelos seus pensamentos e sentimentos! Como seria
útil a nós mesmos e ao nosso próximo recordar e praticar a máxima da
caridade cristã, de não fazer nem dizer aos outros o que não gostaríamos
que não fizessem a nós ou dissessem de nós!
Esta reflexão afastaria da nossa mente as tentações do orgulho que
poderiam nascer por causa do cargo honorífico de que estamos revestidos;
haveria de salvar-nos do perigo de comprazer-nos com as manifestações
de respeito e de veneração que os nossos dependentes creem serem obri-
gatórias para com os seus superiores; numa palavra, nos inspiraria sempre
mais a caridade e a doçura que torna tão bela e alegre a convivência dos
irmãos na mesma casa. De tudo isso compreende-se como tinha razão
o nosso São Francisco de Sales quando escrevia que “a doçura é a mais
excelente das virtudes morais, porque é o complemento da caridade, a qual
precisamente é perfeita quando é suave e ao mesmo tempo vantajosa para
o nosso próximo».
Quem é posto à frente dos seus irmãos recorde-se de que especialmente a
ele foi confiada a atuação da solene promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo
de dar aos religiosos desde esta vida o cêntuplo do que abandonaram no
mundo para segui-lo.
É o superior que, com todas as iniciativas da sua paterna e inexaurível
bondade, deve fazer de tal modo que as vantagens da vida religiosa, tão
decantadas nos livros, não pareçam pios exageros, sedutores enganos
tendidos à credulidade das almas simples e cândidas.

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194 Tercera parte
Sem dúvida, a isto se voltava o pensamento do nosso venerável Fundador
e Pai, quando escrevia as áureas páginas que precedem as nossas Consti-
tuições; certamente para ele seria um doloroso desmentido o Diretor ou
Superior que por falta de doçura não oferecesse aos irmãos confiados aos
seus cuidados o conforto que deles esperam. (...)
Falando, porém, de doçura, poderíamos esquecer o título de “Sale-
sianos” que temos a alegria de usar? Esse nome, atualmente conhecido em
qualquer parte do mundo e rodeado de tantas simpatias, recorda-nos como
o nosso venerável Fundador e Pai, não sem razão, escolheu São Francisco
de Sales como protetor da Pia Sociedade que devia iniciar. Profundo
conhecedor da natureza humana, ele compreendeu desde o princípio que
nesses tempos atuais, para fazer o bem, era preciso encontrar o caminho
do coração. Por isso estudou com particular empenho e amor as obras e
os exemplos desse grande mestre e modelo da mansidão e procurou seguir
suas pegadas praticando a doçura.
Aliás, uma voz bem mais autorizada lhe tinha imposto que praticasse
a doçura. Naquele sonho que fez à idade dos nove anos, pareceu-lhe ver
uma grande multidão de jovens que brigavam entre si até chegar às vias de
fato: blasfemavam e tinham más conversas. Levado pelo seu temperamento
sanguíneo e explosivo, o menino teria querido impedir todo aquele mal,
servindo-se de fortes chamadas de atenção e até mesmo de pancadas.
Mas aquela voz disse-lhe que não era este o meio pelo qual conseguiria
seu intento, e o convidou a voltar-se para uma grande senhora (Maria
Santíssima), que haveria de ensinar-lhe o modo mais eficaz para corrigir
e tornar melhores aqueles moleques. Todos sabemos que este meio não era
outra coisa senão a doçura: e Dom Bosco ficou tão persuadido disto, que
logo começou a praticá-la com ardor, e se tornou um verdadeiro modelo.
Todos os que tiveram a felicidade de viver ao seu lado testemunham que
seu olhar era cheio de caridade e ternura, e que precisamente isto exercia
sobre os jovens um atrativo irresistível.
De índole intimamente boa, ele demonstrava estima e afeto para com
todos os seus jovens, disfarçava seus defeitos, falava elogiando-os; de
tal modo que cada qual pensava ser seu melhor amigo, eu diria, o seu
predileto. Para aproximar-se dele não era necessário buscar o momento
mais propício, nem se precisava recorrer a alguma pessoa influente para
fazer-se apresentar. Ouvia a todos com paciência, sem nunca interromper
e sem demonstrar pressa ou tédio: tanto que muitos pensavam que ele não
tinha nada para fazer.
Quando recebia o rendiconto de algum irmão, longe de aproveitar dessa

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Textos seletos do P. Paulo Albera 195
ocasião para chamar-lhe atenção (por mais que fosse merecida) e fazer
severas correções, não visava outra coisa senão inspirar-lhe confiança e
animá-lo a melhorar para o futuro o próprio comportamento.
Um nosso ótimo colega contava que, deixando-se impressionar pelas
qualidades intelectuais e exteriores de um seu aluno, se tinha afeiçoado
a ele a ponto de perder a paz e ter a consciência perturbada. Decidido
por fim, não sem pena e com grande esforço, a comunicar tudo a Dom
Bosco, apresentou-se a ele com o rosto afogueado e os lábios tremendo e lhe
manifestou o estado de sua alma. De quando em quando ele olhava para
o venerável Pai, temendo que ele se maravilhasse e se sentisse desgostoso
pelo que ouvia; mas sempre via que seu semblante era igual e sorridente.
Quando terminou seu rendiconto, esperava uma dura e justa reprimenda;
ao passo que ouviu palavras muito doces, que permaneceram sempre
impressas no coração e na memória; ele as repetia a mim, exaltando a
bondade do venerado superior.
“Caríssimo – disse-lhe Dom Bosco – eu percebia muito bem que você
se tinha afastado do bom caminho e receava muito pela sua vocação; mas
agora você veio espontaneamente revelar-me suas penas; este seu rendi-
conto sincero afugenta da minha mente todos os temores; a confiança com
que me falou me faz esquecer todo o seu passado, aliás, torna ainda mais
vivo meu afeto por você. Portanto, coragem, Deus o ajudará a perseverar
nos seus bons propósitos”.
Não é preciso dizer que esta linguagem realmente paterna fez um bem
imenso àquele irmão, que até a morte se manteve fiel às suas promessas,
e trabalhou muito para a própria santificação e a salvação das almas. Oh!
Se as paredes do modesto quarto de Dom Bosco pudessem falar, quantos
milagres nos revelariam operados pela sua doçura e afabilidade!
Costumamos chamar heroicos os anos em que Dom Bosco e os seus
primeiros filhos tanto tiveram que sofrer e trabalhar. Pois bem, o que
tornava tão corajosos e constantes na sua vocação aqueles jovens clérigos e
coadjutores, que inclusive deviam vencer muitas dificuldades para perma-
necer com Dom Bosco? Era a palavra sempre doce e encorajadora do nosso
venerável Pai. Ele se dizia feliz por ser rodeado por tais filhos, e nós consi-
derávamos ser uma glória sermos chamados filhos e colaboradores de tal
Pai.
Quando ele nos propunha algum trabalho, mesmo pesado e repug-
nante, quem teria ousado dizer não a ele, que o solicitava com tanta graça
e humildade?
Persuadamo-nos muito bem disto: segundo o pensamento do nosso

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196 Tercera parte
venerável Pai, o verdadeiro segredo para conquistar os corações, a qualidade
característica do Salesiano consiste na prática da doçura.
8. Fazer reviver Dom Bosco em nós8)
Nós, por bondade do Senhor, chamados a sermos filhos de tão grande
Pai e continuadores da sua missão, o que devemos fazer da nossa parte
nesta memorável circunstância da inauguração do monumento de Dom
Bosco em Valdocco?
Estou certo de que vós vos tereis grandemente empenhado em recolher
o maior número possível de adesões para as próximas festas, mediante
reuniões preparatórias dos vossos respectivos ex-alunos, aos quais tereis
feito compreender a suma importância do acontecimento; por isso, sobre
este assunto não vou me deter.
Todavia, seria muito pouco se nos limitássemos a isto e a procurar que
as festas resultem esplêndidas e satisfatórias sob todos os aspectos; eu creio
não errar muito afirmando que Dom Bosco, nesse caso não estaria contente
conosco. Outro monumento ele quer dos seus filhos, um monumento
imortal, aere perennius [mais durável do que o bronze]: que nesta ocasião
solene e ao ver o monumento de pedra e de bronze todos procurem
sentir-se entusiasmados a fazer reviver em si mesmos suas virtudes, seu
sistema educativo, seu espírito por completo, a ponto de transmiti-lo
sempre fecundo e vital de geração em geração.
Fazer reviver Dom Bosco em nós é o mais belo monumento com que
podemos honrar sua memória e torná-la preciosa e benéfica também nos
séculos futuros. Leiamos, estudemos com amor incansável sua vida, esfor-
cemo-nos para imitá-lo no seu zelo ardoroso e desinteressado pela salvação
das almas, no seu amor e na sua ilimitada devoção à Igreja e ao Papa, em
todas as virtudes de que nos deixou tantos preclaros exemplos.
Acolhamos os seus ensinamentos, recordando-nos de que eles não eram
somente fruto do seu engenho não comum e da sua profunda experiência,
mas também das luzes sobrenaturais que ele pedia com insistentes orações,
e que lhe eram concedidas como prêmio da sua inalterável fidelidade em
trabalhar no campo que o Senhor lhe confiou.
O sistema educativo de Dom Bosco – para nós, que estamos persua-
8 Da carta circular Para a inauguração do monumento ao venerável Dom Bosco (6 de
abril de 1920), em LC 311-315.

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Textos seletos do P. Paulo Albera 197
didos da intervenção divina na criação e no desenvolvimento dessa sua
obra – é pedagogia celeste. De fato, não foram já dados ao pastorzinho dos
Becchi, no sonho que ele teve aos nove anos, os principais fundamentos
do sistema preventivo, quando lhe foi dito pelo misterioso e venerando
personagem: “Não com pancadas, mas com a mansidão e com a caridade
deverás conquistar estes teus amigos?”.
Naturalmente eu não pretendo enumerar aqui todas as normas educa-
tivas que o nosso bom Pai nos deixou: vós podeis lê-las no seu áureo
pequeno tratado sobre o “Sistema Preventivo”, que precede o Regulamento
para as casas salesianas, e que agora determinei que seja impresso à parte
em formato cômodo e distribuído a todos os que desejarem. Por outro lado,
sua vida não é outra coisa, pode-se dizer, senão uma contínua, admirável
aplicação dessas normas.
Uma coisa, porém, me está particularmente a peito recomendar à vossa
imitação nesta circunstância: o amor, o afetuoso interesse pelos jovens, que
foi o segredo do seu maravilhoso ascendente sobre eles. E aqui parece-me
não poder fazer coisa melhor do que deixar falar o nosso mesmo Dom
Bosco. Eis o que ele escreveu de Roma no dia 10 de maio de 1884 aos seus
filhos do Oratório, narrando uma das costumeiras ilustrações mentais a
que acenamos acima:
“A familiaridade cria amor, e o amor, confiança. É o que abre os
corações, e os jovens manifestam tudo sem temor aos mestres, assistentes
e superiores. Tornam-se sinceros na Confissão e fora da Confissão, e se
apresentam dóceis a tudo o que quiser determinar aquele pelo qual estão
certos de serem amados... Que os jovens não sejam somente amados, mas
que eles mesmos saibam que são amados... Que eles saibam que sendo
amados nas coisas que lhes agradam, ao participar de suas inclinações
infantis, aprendam a ver o amor nas coisa que naturalmente pouco lhes
agradam; como são a disciplina, o estudo, a mortificação de si mesmos,
e que aprendam a fazer essas coisas com amor... Que os superiores amem
o que agrada aos jovens e os jovens amarão o que agrada aos superiores.
Deste modo será fácil seu trabalho. (...) Para romper a barreira da descon-
fiança é necessária a familiaridade com os jovens, especialmente no pátio.
Sem familiaridade não se demonstra amor, e sem essa demonstração não
pode haver confiança. Quem quer ser amado deve mostrar que ama. Jesus
Cristo se fez pequeno com os pequenos e carregou as nossas enfermidades.
Eis o mestre da familiaridade (...)”.
Amemos os nossos jovens, rodeemo-los de cuidados pressurosos; não
pensemos ter feito todo o nosso dever dando-lhes a instrução necessária

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198 Tercera parte
para o estado de vida que pretendem abraçar; mas procuremos uni-los
indissoluvelmente a nós com o vínculo do amor. Eles, então, sentirão
uma irresistível necessidade de abrir-nos seu coração, de informar-nos a
respeito de suas aspirações, dos seus projetos para o futuro, de recorrer a
nós para conselhos e conforto nas dificuldades e nas lutas; nós nos torna-
remos desse modo seu confidentes e amigos, e poderemos exercer sobre
eles um benéfico influxo, temperando seus modos inconvenientes e reani-
mando as energias vacilantes nos momentos de desânimo.
Tudo isto nós devemos fazer, não somente para com os jovens dos
nossos colégios, mas também para com os dos oratórios festivos; todos
os que trabalharam neles, mesmo por breve tempo, sabem quantos frutos
consoladores podem ser colhidos mediante a familiaridade e a confiança.
9. Ser digno do nosso Pai Dom Bosco 9)
O bronze e o mármore, elementos dentre os mais frios e inertes, são
frios e inertes muitas vezes também quando são usados para reproduzir
os grandes homens ou os grandes fatos da história, mas para Dom Bosco
não é assim. Aquele bronze, aquele mármore, não são elementos inertes,
frios e sem vida: não! Pela a arte e pelo hálito arcano que deles emana,
assumem movimentos vitais; o amor e o reconhecimento que os escul-
piram, imprimem novas energias, eu diria misteriosas, que fazem deles um
símbolo perenemente vivo: o símbolo do amor das almas!
«Pone me ut signaculum ... quia fortis est ut mors dilectio», está escrito
no inspirado Cântico dos Cânticos (Ct 8,6): “Guarda-me como um sinete...
porque o amor é forte como a morte!”. Aqui são simbolizados dois amores
e, por isso mesmo, eternizados: o amor do Pai para com os filhos, e o amor
que dos filhos retorna ao Pai, na expressão de um reconhecimento impe-
recível; amores fortes, indestrutíveis, imutáveis, que tiveram necessidade
de serem plasmados na matéria mais resistente às forças destruidoras do
tempo, quia fortis est ut mors dilectio!
Aquela coroa de meninos que rodeia Dom Bosco e que constitui o grupo
central do monumento é a expressão plástica desses dois amores, e a mim
parece que daquele grupo se desprende uma voz que repete o lema que para
Dom Bosco foi um programa: “Da mihi animas!”, e as almas ouvem a voz
9 Da carta circular sobre O monumento de Dom Bosco, símbolo de amor e síntese da
nossa obra (24 de junho de 1920), em LC 322-324.

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Textos seletos do P. Paulo Albera 199
paterna, acorrem sedentas de bem, apertam-se em torno do Pai que as guia
para a vida, para a verdadeira vida, que é a fé!
Todo o monumento é uma grandiosa síntese da obra de Dom Bosco. E
é aqui que a minha mente, a um simples olhar, se enche de recordações. A
Divina Providência dispôs para meu bem que também eu fosse parte da
afortunada multidão, que por primeiro se aproximou de Dom Bosco e a ele
se afeiçoou de maneira imutável. Quis Deus incluir-me entre os primeiros
filhos de tão grande Pai, e por isso eu vejo com a minha mente toda uma
vida, toda uma história e, diria, toda uma grandiosa epopeia esculpida no
monumento: epopeia, porque o elemento humano na vida e na história de
Dom Bosco está de tal forma entrelaçado com o elemento divino que a sua
vida e a sua história, mais do que humana, é divina.
Eu não irei repetir as páginas imortais desta história: vós a conheceis,
aliás, fazeis parte dela de forma viva e ativa, porque perpetuais Dom Bosco
com suas manifestações de bem em meio à juventude do nosso tempo.
Como também eu me dispenso de descrever-vos os dias inesquecíveis,
tanto dos Congressos Internacionais do Cooperadores e Cooperadoras e
Ex-alunos Salesianos, bem como da inauguração do monumento a Dom
Bosco e a solenidade de Maria Auxiliadora. O nosso Bollettino levará até
vos a crônica desses dias, que permanecerão memorandos na história da
nossa Pia Sociedade.
Somente quero dizer-vos que naqueles dias, em torno de Dom Bosco não
houve uma voz discordante, nenhuma tomada de posição menos adequada
e isto não só entre os seus íntimos, mas entre todos, sem nenhuma exceção,
dos mais elevados aos mais humildes, até mesmo entre os seguidores de
princípios e teorias adversas; isto em todos, no mundo inteiro, porque de
todas as partes se aclamava o grande benfeitor da humanidade. Parecia
que cada pessoa provava o influxo benéfico, o fascínio potente do seu
espírito, bom e amoroso, e que se sentia atraída a apertar-se junto dele,
como formando uma coroa, tal como o grupo de meninos que o circunda
no monumento.
Há motivos para nos sentirmos orgulhosos por sermos filhos de Dom
Bosco! Considerando o doloroso contraste que ainda hoje constatamos
na humanidade, que sofre e sangra, quase extremada de forças, depois do
trágico flagelo que a feriu (a Primeira Guerra Mundial), e que em quase
todo lugar ainda se debate, estraçalha e contorce de ódio, a aura de paz,
de amor e de concórdia que rodeou todos os filhos e admiradores de Dom
Bosco, que acorreram de todas as partes do mundo para honrá-lo, é sempre
mais profunda a convicção que o nosso venerável Pai foi enviado por Deus

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200 Tercera parte
para regenerar a sociedade atual, fazendo-a voltar às puras fontes do amor
e da paz cristã.
Nós somos os seus filhos e, se filhos, também herdeiros deste sagrado
depósito, que em nós não pode tornar-se estéril; e para mostrar-nos seus
filhos e à altura da nossa missão no tempo presente, antes de tudo perma-
neçamos firmes na vocação: Unusquisque in qua vocatione vocatus est in
ea permaneat [Cada um permaneça na vocação a que foi chamado] (1Cor
7,20).
Assim como o bronze e o mármore do monumento resistem à ação
dissolvente de todo elemento adverso, também nós permaneçamos firmes
diante de qualquer dificuldade, de qualquer influxo malsão que tendesse a
separar-nos do nosso Pai.
Em segundo lugar, conservando a nossa vocação, procuremos aper-
feiçoá-la, a fim de caminharmos de modo digno dela: ut digne ambuletis
vocatione, qua vocatis estis [a levardes uma via digna da vocação que rece-
bestes] (Ef 4,1); tenhamos, portanto, sempre presente o programa de Dom
Bosco: Da mihi animas, sacrificando por ele todo o nosso ser, começando
pelos nossos pontos de vista pessoais, que, afagados e seguidos mesmo sob
a aparência de um bem maior, poderiam tornar-se, até mesmo inconscien-
temente, força desagregadora em vez de elemento de união.
Para salvar essas almas, aperfeiçoando a nossa vocação, revistamo-nos
do espírito do nosso venerável Pai, que é espírito de fé, espírito de piedade,
espírito de sacrifício e de trabalho constante e incansável. Somente forman-
do-nos no espírito de Dom Bosco é que poderemos agir como Dom Bosco,
e obter, em nossa obra de educadores, os frutos maravilhosos de regene-
ração espiritual que Dom Bosco colheu.
Mas para isto é preciso conhecer Dom Bosco. Infelizmente é preciso
dizer que há muitos, inclusive entre nós, que falam de Dom Bosco só com
base no que ouviram dizer; daí a necessidade verdadeira e urgente de que
com grande amor se leia a sua vida, com profundo interesse sigam seus
ensinamentos, com afeto filial imitem os seus exemplos.
Precisaria que cada Salesiano sentisse constantemente no seu coração
o impulso profundo e eficaz de tornar-se tal, a ponto de merecer um
monumento, como o mereceu nosso Pai. O ideal é por demais elevado,
poderá dizer alguém. Por mais alto que seja, não é menos verdadeiro, ao
passo que está ao alcance de todos, porque é próprio dos filhos tornarem-se
semelhantes ao pai. E se não for erigido por alguém um monumento para
cada um de nós, seremos nós mesmos os escultores e construtores do
monumento indestrutível da nossa santificação, impregnando toda a nossa

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vida com as virtudes de Dom Bosco.
Textos seletos do P. Paulo Albera 201
10. Dom Bosco nosso modelo 10)
Assim como Dom Bosco, para estar mais seguro de copiar em si o
modelo divino, pisou as pegadas do manso São Francisco de Sales, que
depois escolheu como padroeiro de sua obra, assim nós, por nossa vez,
devemos situar diante de nós como modelo único da nossa vida religiosa
o nosso bom Pai, bem convencidos de que, fazendo assim, haveremos de
reproduzir o mais perfeitamente possível em nós o Divino Exemplar de
toda santidade. Dom Bosco, portanto, seja o nosso modelo, e procuremos
copiá-lo em nós com todo empenho, para fazê-lo reviver em nós, sempre
fecundo de novas energias no apostolado da sua obra redentora em favor
da juventude pobre e abandonada. (...)
Todavia, desejo que noteis, meu caríssimos filhos e irmãos, que o que eu
escrever será muito pouca coisa em comparação com a vastidão do assunto:
este de fato abarca toda a vida de Dom Bosco e o espírito que ele imprimiu
em sua obra, tão variada e multiforme. Creio, porém, poder falar dele com
algum conhecimento de causa, pertencendo eu também ao afortunado
grupo dos que devem a Dom Bosco tudo o que são, que o viram com os
próprios olhos e ouviram com os próprios ouvidos: vidimus oculis nostris,
audivimus, perspeximus et manus nostrae contrectaverunt [o que vimos
com os nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam] (1Jo
1,1); e eu vos garanto que escrevo com uma alegria inefável e com a mais
profunda convicção de dizer-vos somente coisas observadas e ouvidas por
mim, que guardo ciosamente no meu coração. (...)
Quando tive a felicidade de ser acolhido pelo Oratório no dia 18 de
outubro de 1858, já fazia mais de três lustros que o nosso venerável Pai
exercia aqui em Valdocco o seu apostolado, num crescendo maravilhoso
de iniciativas e de obras juvenis tão geniais e fecundas, que a fama pública
o proclamava desde então como o apóstolo moderno da juventude pobre
e abandonada. Convivi cinco anos com o bom Pai; pode-se dizer sem
exagero que quase respirávamos sua própria alma, pois vivíamos inteira-
mente da vida dele, que possuía em grau eminente as virtudes conquista-
10 Da carta circular sobre Dom Bosco nosso modelo na aquisição da perfeição religiosa,
na educação e santificação da juventude, no tratar com o próximo e no fazer o bem a
todos (18 de outubro de 1920), em LC 330-335.

21.4 Page 204

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202 Tercera parte
doras e transformadoras dos corações.
Também os cinco anos sucessivos, que passei no primeiro colégio de
Borgo San Martino, pode-se dizer que foram uma continuação da convi-
vência com ele, porque aquela casa formava com o Oratório quase uma
só família: vivíamos separados materialmente, não, porém, pelo espírito,
porque Dom Bosco era sempre a alma de tudo e de todos. Em seguida, no
ano da consagração do santuário de Maria Auxiliadora, voltei para cá e
por mais quatro anos pude gozar da sua intimidade, e haurir do seu grande
coração os preciosos ensinamentos que eram tanto mais eficazes em nós,
quanto melhor os víamos já postos em prática por ele na sua conduta diária.
Principalmente durante aqueles anos, e também depois, nas sempre
desejadas ocasiões que tive a oportunidade de estar com ele ou de acompa-
nhá-lo em suas viagens, persuadi-me que a única coisa necessária para se
tornar seu digno filho era imitá-lo em tudo: por isso, seguindo o exemplo
de numerosos irmãos idosos, que já reproduziam em si o modo de pensar,
de falar e de agir do Pai, esforcei-me para fazer também eu o mesmo.
Hoje, à distância de mais de meio século, repito também a vós, que sois
filhos como eu, e que a mim, filho mais velho, fostes confiados: – Imitemos
Dom Bosco na aquisição da nossa perfeição religiosa, na educação e santi-
ficação da juventude, no tratar com o próximo, em fazer o bem a todos.
O fato de sermos chamados a fazer parte da Congregação fundada por
Dom Bosco para a continuação da sua obra nos tempos futuros, foi para
todos nós uma graça muito assinalada do Senhor, o qual na sua bondade
quis tirar-nos da vida de simples cristãos e chamar-nos a abraçar a perfeição
própria do nosso estado, a qual está contida por inteiro na Regra que
professamos. Essa Regra deverá ser a norma e a medida da nossa santidade;
e nós devemos amá-la, meus caríssimos filhos, com o mesmo amor que
temos por Dom Bosco, porque ela é, eu diria, a essência da sua alma, ou
pelo menos o fruto mais precioso da sua ardente caridade e da sua amável
santidade.
Quem pode enumerar os estudos, as orações, as mortificações, a expe-
riências feitas pelo bom Pai enquanto aos poucos ele a preparava e praticava
pessoalmente? Quem poderia enumerar as penas, as contrariedades e difi-
culdade de toda espécie, encontradas por ele e felizmente superadas, para
fazê-la aprovar pela suprema autoridade da Igreja?
O germe da Regra se encontrava no profundo do seu coração, desde
quando sonhos misteriosos faziam-lhe entrever, ainda menino e jovem,
a sua futura missão: desde quando, para corresponder ao chamado do
Senhor que o convidava sensivelmente ao estado de perfeição, ele pensava

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Textos seletos do P. Paulo Albera 203
em fazer parte de uma Ordem Religiosa; desde quando, iniciada a sua
missão, entrevia-a nas suas numerosas visões, imensa, interminável através
dos séculos futuros; o que ele bem sabia que não poderia realizar-se, caso
ele não tivesse encarnado, por assim dizer, essa missão num corpo moral
propositadamente constituído na Igreja para conservá-la e propagá-la de
geração em geração.
Os que são movidos pela suprema virtude a realizar um novo apostolado
correspondente às necessidades espirituais da sociedade cristã no próprio
tempo, normalmente primeiro vivem por anos a fio na solidão e na oração
para preparar a Regra a ser praticada; depois, procurados os primeiros
companheiros, dedicam-se com eles ao apostolado entrevisto como meta
atribuída pelo Senhor, na observância da Regra adotada.
Ao passo que o nosso venerável Pai, apenas conheceu claramente ser
vontade de Deus que ele se fizesse o apóstolo da juventude mais pobre e
abandonada, e que nesse apostolado obtivesse a própria santificação, logo
pôs mãos à obra; a Regra e os ajudantes haveriam de vir em seguida, como
o fruto da planta. Quis antes de tudo realizar ele mesmo o que posterior-
mente seria pedido aos seus filhos: por assim dizer, ele quis viver a sua
Regra antes de escrevê-la e de fazê-la aprovar pela Igreja.
Os Fundadores de instituições religiosas miram em primeiro lugar a
santificação pessoal, e somente depois disto ao apostolado em favor dos
outros; por isso, quem quiser abraçar o Instituto, antes de tudo, deve
consagrar muito anos a santificar-se. É coisa mais do que razoável, porque
ninguém pode dar o que não tem. Dom Bosco, porém – embora conser-
vando a ideia fundamental de que a santificação pessoal deve preceder o
apostolado – com finíssima intuição dos tempos e do espírito moderno,
que não suporta certas mediocridades não essenciais à consecução do
fim, compreendeu que com um pouco de boa vontade era possível fazer
caminhar pari passu [ao mesmo tempo] a santificação própria e o apos-
tolado.
De acordo com isto, ele, por primeiro, fez a experiência e depois dispôs
que os seus filhos fizessem o mesmo, conferindo, aliás, ao apostolado uma
preferência tal que os observadores superficiais podiam crer que ele tivesse
criado uma sociedade de zelosos sacerdotes e leigos de boa vontade unica-
mente com o escopo de consagrar-se à educação dos jovens.
Pode parecer que insinue a mesma coisa o 1º artigo das nossas Consti-
tuições, no qual o fim primário da própria santificação é declarado somente
mediante uma proposição secundária: “Os sócios, enquanto se esforçam
para adquirir a perfeição cristã, exerçam todo tipo de obra de caridade, etc.”

21.6 Page 206

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204 Tercera parte
A nossa Regra, assim como a vida do nosso Fundador, faz caminhar
simultaneamente a própria santificação e o apostolado; aliás, faz até do
apostolado, em certo sentido, a causa eficiente da perfeição religiosa: isto é,
enquanto quem se consagra ao apostolado salesiano deve necessariamente
apoiar com o próprio exemplo os ensinamentos que ministra aos outros e
as virtudes que inculca. Quem não sentisse essa necessidade, não pode ser
apóstolo, porque o apóstolo não é outra coisa senão uma contínua efusão
de virtudes santificadoras para a salvação das almas. Qualquer apostolado
que não mire esta efusão santificadora não merece absolutamente um
nome tão glorioso.
Ora, toda a vida do nosso venerável Pai foi um incessante laboriosíssimo
apostolado: simultaneamente ele se dedicou com tanto ardor à aquisição da
perfeição, que não se pode dizer se pensava mais nesta ou a fazer o bem aos
seus caros jovens: nele a perfeição religiosa e o apostolado foram sempre
uma só coisa durante toda a sua vida!
Quanto mais estudarmos, caríssimos, essa vida abençoada e maravi-
lhosa, melhor nos convenceremos de que, para ser seus verdadeiros filhos, é
preciso empenhar-nos como ele na nossa perfeição religiosa pelo mais ativo
e fecundo exercício do apostolado que nos é imposto pela nossa vocação.
A observância pura e simples da Regra não bastaria para santificar-nos,
caso não fosse vivificada pela imitação assídua de tudo quanto fez nosso
bom Pai. O que a Regra determina quanto à finalidade, à forma, aos votos,
ao governo religioso e interno da nossa Sociedade, está contido em artigos
tão gerais, que poderia sem problemas aplicar-se também a outras Congre-
gações afins.
Ora, se nos contentássemos com a observância legal desses artigos,
conseguiríamos sem dúvida plasmar um belo corpo, mas sem alma. O
espírito que deve informar o corpo, devemos hauri-lo dos exemplos do
nosso Fundador.
Caríssimos, nós devemos ser, sim, como ele, trabalhadores incansáveis
no campo que nos foi confiado, iniciadores fecundos das obras mais aptas
e oportunas para o maior bem da juventude de todos os países, a fim de
guardar para a Congregação o primado de sadia modernidade que lhe é
próprio; por outro lado, nunca esqueçamos que tudo isto não nos daria o
direito de proclamar-nos verdadeiros filhos de Dom Bosco: para sermos
tais, devemos crescer todos os dias na perfeição própria da nossa vocação
salesiana, esforçando-nos com todo cuidado para copiar o espírito de vida
interior do nosso venerável Pai.
De acordo com seu exemplo, tornemos familiares nas nossas ocupações

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Textos seletos do P. Paulo Albera 205
alguma das muitas expressões que com tanta frequência floresciam espon-
taneamente sobre seus lábios, verdadeiras vozes do seu coração, cujo som
ainda agora me parece uma suavíssima carícia: “Trabalhe-se sempre pelo
Senhor! – No trabalho, elevemos sempre nosso olhar para Deus! – Que o
demônio não nos roube o mérito de nenhuma ação. – Coragem! Traba-
lhemos, trabalhemos sempre, porque lá em cima teremos um repouso
eterno. – Trabalhe, sofra por amor de Jesus Cristo, que tanto trabalhou
e sofreu por ti. – Descansaremos no paraíso! – Um pedaço de paraíso
conserta tudo. – As nossas férias haveremos de fazê-las no paraíso! Etc.”.
Trabalho e paraíso eram para ele insuperáveis; deixou escrito nas suas
últimas lembranças: “Quando acontecer que um Salesiano deixe de viver
trabalhando pelas almas, então direis que a Congregação obteve um grande
triunfo, e sobre ela descerão copiosas as bênçãos do céu!”.
11. Atirar-se nos braços de Deus 11)
O conceito animador de toda a sua vida era o de trabalhar pelas almas
até a total imolação de si mesmo, e assim queria que fizessem também seus
filhos. Mas esse trabalho, ele o realizava sempre com tranquilidade, sempre
igual a si, sempre imperturbável, nas alegrias e nas penas; porque, desde o
dia em que foi chamado ao apostolado, ele se atirou nos braços de Deus!
Se trabalhar sempre até a morte é o primeiro artigo do código salesiano
escrito por ele mais com o exemplo do que com a pena, atirar-se nos braços
de Deus e nunca mais se afastar foi seu ato mais perfeito. Ele o realizou
diariamente, e nós devemos imitá-lo da melhor maneira possível, para
santificar o nosso trabalho e a nossa alma.
Atirar-se nos braços de Deus é o primeiro e mais natural gesto de cada
alma, apenas ela se abre à inteligência do conhecimento do seu Criador;
mas se todas as almas sentem este impulso inicial na direção de Deus,
nem todas sabem corresponder-lhe generosamente. A maior parte se deixa
dissipar pelos atrativos das coisas exteriores, às quais se agarra como a
seu próprio fim, ou pelo menos como meio indispensável para chegar aos
poucos até Deus.
Ao passo que o nosso venerável Pai se atirou em Deus desde a sua
11 Da carta circular sobre Dom Bosco nosso modelo na aquisição da perfeição religiosa,
na educação e santificação da juventude, no tratar com o próximo e em fazer o bem a
todos (18 de outubro de 1920), em LC 335-338.

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206 Tercera parte
primeira infância, e depois pelo resto da sua vida não fez outra coisa senão
aumentar ainda mais esta sua entrega, até alcançar a íntima união habitual
com Deus em meio a ocupações ininterruptas e diversíssimas: união da
qual era indício a inalterável igualdade de humor, que transparecia do seu
semblante invariavelmente sorridente.
Em qualquer momento que recorrêssemos a ele para algum conselho
parecia que interrompesse seus colóquios com Deus para nos atender, e
que por Deus lhe fossem inspirados os pensamentos e os encorajamentos
que não oferecia.
Essa íntima união imprimia às suas palavras um tal acento, que ao
ouvi-lo, mesmo por breves instantes, nos sentíamos melhores e elevados
até Deus, mesmo quando (coisa rara) não tivesse terminado sua fala com
o pensamento de Deus ou de seus benefícios. Tão grande era o ardor do
seu amor a Deus que não podia ficar sem falar dele; e não poucas vezes ele
transparecia também da expressão do semblante e do trêmulo da voz sobre
os lábios.
Caríssimos, atiremo-nos confiantes entre os braços de Deus, como fez
nosso bom Pai; então se formará em nós também a doce necessidade de
falar dele, e não saberemos mais fazer qualquer conversa sem começar e
terminar com ele.
Então, não somente os nossos pensamentos e palavras, mas também as
nossas ações se ressentirão um pouco do fogo do amor divino, para salutar
edificação do próximo; então, particularmente, se tornarão naturais, como
eram em Dom Bosco, os exercícios ordinários da perfeição religiosa, e
empenharemos todo nosso esforço para não deixar nenhum.
Outros se servem desses mesmos exercícios como meios para alcançar
a perfeição; ao passo que nós, filhos de Dom Bosco, devemos, de acordo
com o seu exemplo, praticá-los como atos naturais do amor divino, que
já é vivo em nós, por nos termos atirado inteiramente e amorosamente
entre os braços de Deus. Para nós eles devem ser, não a lenha que serve
para acender e alimentar no coração o nosso fogo divino, mas as próprias
chamas desse fogo.
Atiremo-nos entre os braços de Deus e conseguiremos facilmente manter-nos
longe do pecado e desenraizar do nosso coração qualquer inclinação má e
hábito, eliminando assim os mais graves obstáculos à perfeição religiosa.
Haveremos de conhecê-lo e amá-lo sempre mais, praticando sua santa
lei e os conselhos evangélicos; haveremos de nos apegar mais estreitamente
a ele mediante a oração e o recolhimento do espírito, trabalhando incessan-
temente a realizar em nós o volo placere Deo in omnibus [quero agradar a

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Textos seletos do P. Paulo Albera 207
Deus em tudo], conformando-nos com a sua santa vontade.
Então, com o exercício assíduo das virtudes próprias do nosso estado,
não nos será difícil orientar continuamente o coração e o espírito para
Deus, que se tornará desse modo o objetivo das nossas ações.
E, como nosso bom Pai, em cada contingência da vida estaremos sempre
submissos à vontade divina. Nas maiores desgraças e tribulações, ele nunca
usava uma palavra de lamento, nem se mostrava triste, medroso, trepidante,
mas com semblante alegre e com a sua palavra suave infundia coragem nos
outros: “Sicut Domino placuit ... sit nomen Domini benedictum! [Como
aprouve a Deus... bendito seja o nome do Senhor!]. Nada te perturbe: quem
tem Deus, tem tudo. O Senhor é o patrão da casa, eu sono seu humilde servo.
O que agrada ao patrão, deve agradar também a mim”. Quantas vezses eu
fui testemunha desta sua total submissão às disposições divinas!
Possuiremos também, como ele, um grande recolhimento na oração. Nós ao
vê-lo rezar, ficávamos como que hipnotizados e quase extasiados. Nada havia
de afetado nele, nada de singular; mas quem lhe estava perto e o observava,
não podia deixar de rezar bem também, notando no seu semblante um insólito
esplendor, reflexo da sua fé viva e do seu ardente amor de Deus.
Quando rezava conosco (Oh! Inefável lembrança que ainda me enche
o coração de doçura!), a sua voz se distinguia em meio das nossas vozes,
tão harmoniosa e com uma tonalidade singular que nos movia à ternura e
nos excitava poderosamente a rezar com mais ardor. Jamais se apagará da
minha memória a impressão que eu sentia ao vê-lo dar a bênção de Maria
Auxiliadora aos doentes. Enquanto recitava a Ave-Maria e as palavras da
bênção, podia-se dizer que seu semblante se transfigurava: seus olhos se
enchiam de lágrimas e a voz lhe tremia nos lábios. Para mim, eram indícios
que virtus de illo exibat [dele saía uma força] (Lc 6,19); por isso eu não me
admirava dos efeitos milagrosos que aconteciam em seguida, isto é, se os
aflitos eram consolados e os enfermos curados. (...)
12. Como nos amava Dom Bosco12)
Em segundo lugar devemos imitar Dom Bosco na educação e santi-
ficação da juventude. Como nele apostolado e perfeição religiosa foram,
12 Da carta circular sobre Dom Bosco nosso modelo na aquisição da perfeição religiosa,
na educação e santificação da juventude, no tratar com o próximo e em fazer o bem a
todos (18 de outubro de 1920), em LC 340-346.

21.10 Page 210

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208 Tercera parte
como acima dissemos, dois atos simultâneos e quase fundidos num só,
assim acontece com frequência que ao imitá-lo se dê o primeiro lugar ao
apostolado entre os jovens porque é o que dá mais na vista.
Entretanto, não esqueçamos: a perfeição religiosa é o fundamento do
apostolado, e se falta o fundamento, o nosso edifício educativo ruirá no
primeiro enfurecer da tempestade. Quem sabe, se algum de vós, carís-
simos, não teve que fazer a si mesmo uma vez ou outra essa pergunta: “Por
que, embora eu me canse dia e noite para educar bem os jovens que me
foram confiados, recolho frutos tão escassos? Nos estudos, de tanto bater, a
coisa ainda caminha; mas não consigo formá-los no caráter, nem cultivar
boas vocações; os meus jovens, antes ainda de completar os seus estudos
no mundo, esquecem facilmente os princípios sadios que instilei neles! Por
quê?”.
Penso que a resposta pode ser encontrada nestas linhas. O grande
sucesso de Dom Bosco na educação da juventude deve-se atribuir mais à
santidade da sua vida do que à intensidade do seu trabalho ou à sabedoria
dos seus ensinamentos e do seu sistema educativo.
Bem esclarecido este ponto, direi que para recopiar o apostolado do
Pai entre os jovens, não basta sentir por eles certa atração natural, mas é
preciso verdadeiramente sentir predileção por eles. Esta predileção, no seu
estado inicial, é um Dom de Deus, é a mesma vocação salesiana; mas cabe
à nossa inteligência e ao nosso coração desenvolvê-la e aperfeiçoá-la.
A inteligência reflete sobre o ministério recebido no Senhor, para poder
realizá-lo convenientemente: vide ministerium quod accepisti in Domino,
ut illud impleas [considera atentamente o ministério que recebeste no
Senhor, a fim de o desempenhares bem] (Cl 4,17). Ela pensa na grandeza
do ministério de instruir a juventude e de formá-la à virtude verdadeira e
sólida: isto é, de extrair do menino o homem inteiro, como o artista extrai
do mármore a estátua: de fazer passar os jovens de uma situação de infe-
rioridade intelectual e moral a um estado superior: de formar o espírito, o
coração, a vontade e a consciência por meio da piedade, da humildade, da
doçura, da força, da justiça, da abnegação, do zelo e da edificação, enxer-
tados mediante o exemplo também neles. Em síntese, a inteligência, nesta
luz do apostolado juvenil, intui, medita e compreende toda a beleza da
pedagogia celeste de Dom Bosco, e inflama com ela o coração, a fim de que
a pratique amando, atraindo, conquistando e transformando.
A predileção é perfeição de amor: portanto, é sobretudo no coração que
se forma, e forma-se amando. Caríssimos, é preciso que nós amemos os
jovens que a Providência confia aos nossos cuidados, como sabia amá-los

22 Pages 211-220

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22.1 Page 211

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Textos seletos do P. Paulo Albera 209
Dom Bosco. Não vos digo que seja coisa fácil, mas é aqui que está todo o
segredo da vitalidade expansiva da nossa Congregação.
É preciso, porém, dizer que Dom Bosco tinha predileção por nós de
uma forma única, totalmente sua: provava-se uma fascinação irresistível,
mas a língua não encontra palavras para fazê-la compreender a quem não
a experimentou em si, e nem a mais férvida fantasia sabe representá-la com
imagens aptas a dar uma ideia adequada.
Ainda agora parece-me sentir toda a suavidade desta sua predileção para
comigo, jovenzinho: eu me sentia como que prisioneiro de uma potência
afetiva que me alimentava os pensamentos, as palavras e as ações, mas não
saberia descrever melhor essa situação do meu coração, que era também a
dos meus colegas de então... eu sentia que era amado de uma forma jamais
provada anteriormente, que nada tinha a ver nem com o vivíssimo amor
que me dedicavam meus inesquecíveis pais.
O amor de Dom Bosco por nós era alguma coisa singularmente superior
a qualquer outro afeto: envolvia-nos a todos e totalmente numa atmosfera
de contentamento e de felicidade, da qual eram excluídas as penas, as
tristezas, as melancolias: penetrava-nos o corpo e a alma de tal modo que
nós não pensávamos mais nem numa coisa nem noutra: estávamos certos
de que nisso pensava o nosso bom Pai, e este pensamento nos deixava
perfeitamente felizes.
Oh! Era o seu amor que atraía, conquistava e transformava os nossos
corações! O que se diz na sua biografia a propósito disso é bem pouca
coisa, comparada com a realidade. Tudo nele tinha para nós uma poderosa
atração: seu olhar penetrante e às vezes mais eficaz do que uma pregação; o
simples movimento da cabeça; o sorriso que lhe florescia perenemente nos
lábios, sempre novo e variadíssimo, e no entanto sempre calmo; a flexão da
boca, como quando se quer falar sem pronunciar as palavras; as próprias
palavras cadenciadas, num momento de um modo, em outro de outro; o
porte da pessoa e seu modo de caminhar rapido e desimpedido; todas essas
coisas agiam sobre os nossos ocrações juvenis como um ímã do qual era
impossível subtrair-se; e também se tivéssemos podido subtrair-nos, nunca
o teríamos feito por todo o ouro do mundo, tão felizes éramos por este seu
singularíssimo ascendente sobre nós, que nele era a coisa mais natural, sem
afetação nem esforço algum.
E não podia ser diversamente, porque de cada palavra sua e de cada
ato emanava a santidade da união com Deus, que é caridade perfeita. Ele
nos atraía a si pela plenitude do amor sobrenatural que ardia no coração,
e com as suas chamas absorvia, unificando-as, as pequenas cintilas do

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210 Tercera parte
próprio amor, suscitadas pela mão de Deus nos nossos corações. Éramos
seus, porque em cada um de nós havia a certeza e ser ele verdadeiramente
o homem de Deus, homo Dei, no sentido mais expressivo e compreensivo
da palavra.
Desta singular atração brotava a obra conquistadora dos nossos
corações. O atrativo pode-se exercer às vezes também mediante simples
qualidade naturais de mente e de coração, de trato e comportamento, que
tornam simpático quem as possui; mas semelhante atrativo depois de um
pouco de tempo se enfraquece até desaparecer por completo, se é que não
acaba deixando lugar a inexplicáveis aversões e contrastes.
Não era assim que nos atraía Dom Bosco: nele os múltiplos dons
naturais tinham-se tornado sobrenaturais pela santidade da sua vida, e
nesta santidade estava todo o segredo daquela sua atração que conquistava
para sempre e que transformava os corações.
Por isso, ele, apenas tinha conquistado os nossos corações, plasmava-os
como queria mediante o seu sistema (de fato inteiramente seu quanto
ao modo de praticá-lo), que quis chamar de preventivo em oposição a
repressivo. Este sistema, porém – como ele mesmo declarava nos últimos
anos de sua vida mortal – não era outra coisa senão a caridade, isto é o
amor de Deus que se dilata a ponto de abraçar todas as criaturas humanas,
especialmente as mais jovens e inexperientes, para infundir nelas o santo
temor de Deus.
Oh! O nosso bom Pai sempre foi adiante (ele memso o confessava com
simplicidade) como o Senhor lhe inspirava e as circunstâncias exigiam,
movido unicamente pelo seu ardente desejo de salvar as almas e infundir
nos corações o santo temor de Deus!
Toda a sua pedagogia é inspirada pelo Senhor e, portanto, é a nossa
herança mais preciosa. Mas ela, caríssimos, se resume em somente dois
termos: a caridade e o temor de Deus, Primeiro a caridade em nós (e notai
que, dizendo caridade, entendo o amor de Deus e do próximo levados à
perfeição querida pela nossa vocação), e depois o uso de todos os meios –
e são sem número – e de todas as santas iniciativas das quais sempre foi
fecunda a caridade para infundir nos corações o santo temor de Deus.
Meditai seriamente e analisai mais minuciosamente que puderdes esta
Magna Charta [documento básico, pétreo] da nossa Congregação, que é o
sistema preventivo, fazendo apelo à razão, à religião e à “amorevolezza”; mas
em última análise devereis concordar comigo que tudo se reduz a infundir
nos corações o santo temor de Deus: infundi-lo, digo, isto é, enraizá-lo de
tal modo que ali permaneça para sempre, mesmo em meio ao enfurecer

22.3 Page 213

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Textos seletos do P. Paulo Albera 211
das tempestades e às tormentas das paixões e das vicissitudes humanas.
Isto fez o nosso venerável Pai durante toda a sua vida; isto ele quis que
seus filhos tenham em mente na prática do sistema preventivo. Todo o seu
estudo, todos os seus cuidados mais que maternos miravam diretamente só
a impedir a ofensa de Deus e a fazer-nos viver na presença de Deus, como
se o tivéssemos realmente visto com os nossos olhos.
Deus te ve! Era a palavra misteriosa que sussurrava frequentemente aos
ouvidos de muitos: Deus te vê! Repetiam cá e lá cartazes apropriados; Deus
te vê! Era, podemos dizer, o único meio coercitivo do seu sistema para obter
a disciplina, a ordem a aplicação ao estudo, o amor ao trabalho, a fuga dos
perigos e das más companhias, o recolhimento na oração, a frequência dos
Sacramentos, a alegria expansivamente clamorosa nos recreios e nos diver-
timentos.
Em seguida, ao pensamento da divina presença ele unia o da salvação
da alma. Salvar as almas! Foi a palavra de ordem que ele quis impressa no
brasão da sua Congregação, foi, pode-se dizer, a única razão de sua exis-
tência; entende-se, salvar primeiro a própria alma e depois a dos outros.
Ajudá-lo a salvar a nossa alma era o presente mais precioso que pode-
ríamos fazer-lhe, era a graça, o favor que nos pedia com inefáveis insi-
nuações, porque era sua única aspiração, o fim único do seu apostolado em
meio a nós, era o de conduzir todas as nossas almas para o paraíso e ver
Deus face a face.
Infundia estes três pensamentos com tanta doçura e suavidade, que
não se podia não se sentir impregnado pelos seus próprios pensamentos:
e recebiam salutares impressões também os mais refratários, com sinceros
arrependimentos e retorno ao bem, como muitas vezes eu pude tocar com
a mão, com imensa consolação do meu coração, também durante estes
anos de Reitorado.
Nós também, caríssimos, devemos mirar, antes de qualquer outra coisa,
a infundir nos nossos jovens estas três verdades de modo que elas saltem
facilmente aos seus olhos, mesmo sem fazermos argumentações muito
precisas com os nossos discursos. Por outro lado, não devemos ter medo
de falar disso com frequência, especialmente nas conversas familiares no
pátio, nas individuais e mais íntimas, às vezes necessárias para trabalhar
melhor uma alma.
Se não ficarmos atentos, há muito a temer que alguns de nós, embora
animados de ótima vontade de zelar pelo bem, não saibamos cumprir
convenientemente esta parte principalíssima, essencial da nossa educação
salesiana.

22.4 Page 214

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212 Tercera parte
Há o perigo de que os educadores se deixem transportar demais pela
paixão pelo estudo clássico ou profissional, ou por jogos e sociedade espor-
tivas, e que reduzam a formação espiritual dos jovens a ensinar-lhes uma
instrução religiosa momentânea, inconstante, e por isso nem convincente
nem duradoura, e ao cumprimento das poucas práticas de piedade diárias
e Dominicais, feita às pressas e por costume, quase para desfazer-se de um
tédio ou de um peso.
Não que se devam aumentar as práticas de piedade; estas devem ser
nem mais nem menos as prescritas, mas é preciso fazer com que sejam
animadas da profunda convicção, que só se obtém quando se consegue
fazê-las estimar pelos jovens, como sabia fazer Dom Bosco.
Não julgueis que este perigo esteja tão remoto, nem o considereis como
um pio exagero de quem vos escreve. Oh, não, infelizmente! Há na atmosfera
que se respira todos os dias a tendência a satisfazer-se com as aparências
exteriores na educação dos nossos jovens, que facilmente descuidam as
mil iniciativas que usava o nosso Dom Bosco para infundir nas almas um
santo horror ao pecado e uma singular atração pelas coisas espirituais.
O nosso modelo de educação não consiste talvez em “pôr os jovens,
quanto possível, na impossibilidade de ofender a Deus?”. Ora, isto não se
obtém ao reprimir as desordens depois que aconteceram, porque então,
dizia Dom Bosco, Deus já foi ofendido; nem ao buscar todos os outros
modos para preveni-lo, sendo moralmente impossível prevenir todos,
apesar da vigilância mais escrupulosa.
É preciso que nos corações juvenis seja infundido o temor de Deus,
alimentado pelo desejo vivo de salvar a própria alma. Só assim se
conquistam e se transformam realmente os corações dos jovens; só assim
poderemos dizer que nós educamos e santificamos a juventude que acorre
aos nossos oratórios festivos e diários, nos colégios, nos pensionatos e nos
demais Institutos que a Providência aos poucos vem confiando aos nossos
cuidados.
Este ponto é a chave para aplicar bem o sistema preventivo; mas talvez
acabamos perdendo-o um pouco de vista, não por falta de boa vontade,
mas porque se refere a coisas que transcendem a órbita dos sentidos, coisas
que para poder comunicá-las eficazmente aos outros, primeiro é preciso
senti-las profundamente na alma de nós mesmos.
Sem este profundo sentido da vida sobrenatural, em vão procuraremos
ser valiosos professores, aliás, especialistas na arde de ensinar; em vão assi-
milaremos os ensinamentos e as máximas educativas do nosso venerável
Pai; em vão nos esforçaremos por copiar e reproduzir em nós a condescen-

22.5 Page 215

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Textos seletos do P. Paulo Albera 213
dente bondade e a prudente firmeza: poderemos talvez obter resultados
na aparência, mas os frutos não corresponderão às fadigas: Hic labor, hoc
opus est! (Este é o trabalho, esta é a fadiga!).
Procuremos, pois, caríssimos, que a nossa missão educativa seja
eminentemente sobrenatural, como a de Dom Bosco, e veremos que o
sistema preventivo é muito fácil e frutuoso também nas mais específicas
particularidades: reinará em nós e em torno de nós a “amorevollezza” e a
familiaridade tanto inculcada pelo venerável Fundador na carta-visão que
escreveu de Roma a todos os seus filhos do Oratório, quatro anos antes de
deixar este mundo.
13. A ciência necessária ao Salesiano sacerdote13)
Todos os que entram a fazer parte da nossa Pia Sociedade, com isso
assumem a obrigação de viver segundo o espírito, os exemplos e os ensina-
mentos do seu venerável Fundador. Entretanto, este dever não obrigada a
todos na mesma medida; aos superiores ele obriga mais gravemente que aos
simples padres, e a estes mais do que aos clérigos e aos irmãos aos leigos.
Portanto, somente o padre salesiano pode fazer reviver em si Dom
Bosco na sua total personalidade, porque somente quem é padre pode
copiar integralmente outro padre. Repito, porém: além de ele ter a possi-
bilidade, ele tem o estrito dever. Se os Santos Padres da Igreja diziam que
o sacerdote deve ser outro Jesus Cristo: Sacerdos alter Christus [Sacerdote,
outro Cristo], não me parece pedir demais a cada um de vós. “O sacerdote
Salesiano deve ser em tudo e sempre outro Dom Bosco!”.
Ora, o nosso venerável Pai, com aquelas suas palavras: “O padre é
sempre padre, e tal deve mostrar-se em todo momento”, queria, antes de
tudo, que os seus filhos sacerdotes compreendessem bem a grandeza e a
sublimidade do seu caráter, dos seus ofícios, do seu poder; porque, quanto
mais se conhece e se estima a dignidade de que são revestidos, tanto maior
diligência se aplicará em conservar íntegro e puro o esplendor. Acreditai,
meus caríssimo, a primeira coisa que devemos fazer para traduzir em
realidade o dito do nosso Fundador é a de tornar familiar, eu diria tornar
diária, a meditação da excelsa dignidade sacerdotal, não para nos orgu-
lharmos, mas para sentir o incentivo a comportar-nos da maneira digna
13 Da carta circular sobre Dom Bosco modelo do Sacerdote Salesiano (19 de março de
1921), em LC 388-400.

22.6 Page 216

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214 Tercera parte
dela. Repitamos com frequência a nós mesmos as belas palavras de Santo
Efrém: “Que inefável poder, que profundidade no formidável e maravi-
lhoso sacerdócio da nova lei! – O potestas ineffabilis! O quam magnam in
se continet profunditatem formidabile et admirabile sacerdotium!”.
Esta assídua consideração terá a virtude de produzir aos poucos em nós,
meus caros sacerdotes, a profunda e íntima convicção da nossa verdadeira
grandeza, que é sumamente necessária particularmente nos dias atuais,
a fim de que possamos conservar-nos padres, sempre padres em cada
instante, como foi Dom Bosco, como foi o venerando P. Rua, como foram
tantos outros nossos irmãos, que já nos precederam na pátria bem-aven-
turada.
Mas isto não é, por assim dizer, senão o pano de fundo do quatdo, a
condição preliminar para a imitação perfeita do nosso modelo; nós não
devemos, portanto, limitar-nos a isto, mas dedicar-nos também a um
estudo assíduo e amoroso dos lineamentos morais que devemos reproduzir
em nós. (...)
Labia sacerdotis custodient scientiam, et legem requirent ex ore eius
[Os lábios dos sacerdotes gurdam o conhecimento e a instrução busca-se
em sua boca]. Com estas palavras, o profeta Malaquias (Ml 2,7) adverte-nos
de que uma das qualidades do sacerdote é a ciência. Ora, se isto é verdade
para todos os sacerdotes em geral, é verdade de modo particular para os
que, como nós, nos consagramos à educação e à instrução da juventude.
E dado que a ciência não se adquire a não ser com o estudo, deduz-se que
devemos estudar. Sim, meus caros, devemos estudar, a fim de que não se
realize em nós o terrível vaticínio de Oseias (Os 4,6): Quia tu scientiam
repulisti, repellam te, ne sacerdotio fungaris mihi: dado que tu rejeitaste a
ciência, eu te rejeitarei do meu sacerdócio. (...)
O estudo é necessário do ponto de vista moral e sobrenatural para
alimentar a nossa piedade e valorizar o nosso apostolado no meio dos
jovens; e do ponto de vista intelectual, para não deixar entorpecer na
inércia as nossas faculdades, a fim de completar, segundo as exigências
dos tempos, a primeira formação intelectual que recebemos na escola, e
também para manter-nos ao seguro das traições da memória, e guardar
intacto o tesouro dos conhecimentos já adquiridos.
Ao estudo devemos atender com seriedade, vontade firme e constância,
procurando determinar-lhe um lugar fixo no nosso horário diário, segundo
as possibilidades e as exigências do próprio ofício, e não somente o tempo
em que não se tivesse nada a fazer. Pouco ou muito, convém estudar todos
os dias, porque um estudo feito de maneira momentânea não alcança seu

22.7 Page 217

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Textos seletos do P. Paulo Albera 215
intento, e pouco a pouco termina-se por abandoná-lo completamente. (...)
É preciso, porém, evitar também o excesso oposto: o de se apaixonar
pelo estudo de tal forma que resulte em detrimento da nossa vida interior
e dos demais deveres do nosso ministério. (...)
O estudo da Sagrada Bíblia, o liber sacerdotalis [livro do sacerdote] por
excelência, deve ter a precedência sobre todos os demais livros, porque,
como ensina o Apóstolo, ela é útil para ensinar, convencer, corrigir, formar
à justiça. Omnis scriptura divinitus inspirata utilis est ad docendum, ad
arguendum, ad corripiendum, ad erudiendum in iustitia [Toda Escritura
é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir,
para educar conforme a justiça] (2Tm 3,16). Os Santos Padres se formaram
meditando sobre a Sagrada B´bilia; e sempre os grandes Fundadores de
Ordens Religiosas deram como regra aos seus seguidores o compromisso
de ler todos os dias alguma parte dela. Isto é recomendado também a nós
por Dom Bosco, que fez deste ponto uma precisa prescrição nas Consti-
tuições, onde lemos que os sacerdotes, e todos os sócios que aspiram ao
estado clerical, devem orientar, com todo empenho, seu estudo principal à
Sagrada Bíblia (artigos 101-102).
Sejam, pois, os livros sagrados o nosso alimento diário: leiamo-los,
não como faria uma pessoa curiosa, um simples literato ou um simples
historiador, mas com profundo respeito religioso, em forma de meditação
afetiva mais do que por simples estudo, esforçando-nos por penetrar bem
aquelas expressões tão luminosas e profundas, e até mesmo aprendendo de
cor os versos que melhor nos podem servir nas meditações e no exercício
do ministério.
Junto com o estudo amoroso da Sagrada Bíblia de caminhar o da
Teologia Dogmática, nos nossos dias mais do que necessário, não somente
para conhecer a fundo as verdades da fé, sua racionalidade, sua necessidade
para o nosso verdadeiro bem temporal e eterno, mas também para saber
dar razões aos que nos contradizem: ut potens sit exhortari in doctrina
sana, et eos, qui contradicunt, arguere [para que seja capaz, tanto de
exortar na sã doutrina, como de refutar os que a contradizem] (Tt 1,9), e
isto da maneira adaptada à condição de cada um, seja douto ou ignorante,
porque: sapientibus et insipientibus debitor sum [porque sou devedor aos
letrados quanto aos sem ionstrução] (Rm 1,14), diz São Paulo; e particular-
mente para tornar-nos mais idôneos a realizar eficazmente a nossa missão
de educadores cristãos. (...)
O estudo da Teologia Moral, da Pastoral, da Ascética e Mística, bem
como do Direito Canônico conforme o novo Código, como necessita ser

22.8 Page 218

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216 Tercera parte
bem aprofundado! De acordo com o venerável Cafasso, como “a Teologia
Moral, considerada na sua aplicação, pode ser inexaurível e infinita, como
infinitos são os contextos e as circunstâncias que podem modificar cada
uma das ações e o julgamento que delas se deve fazer”; assim o sacerdote
deve estudá-la a vida inteira.
O mesmo deve ser dito da Teologia Pastoral, da Ascética e da Mística, as
quais, por certos aspectos, podem ser consideradas como o complemente
e a perfeição da Teologia Moral. Infelizmente estes três ramos da Teologia
não todos são apreciados convenientemente, ou pelo menos são conside-
rados apanágio de poucos padres privilegiados. É este um erro, pelo qual
não poucos sacerdotes, descuidando tal estudo, permanecem ineptos a
dirigir as almas e a elevá-las àquele grau de santidade a que Deus as chama.
Na direção das almas convém cuidar não somente do minimum da
obrigação, mas também do maximum da perfeição possível; isto vale
igualmente em relação aos jovens confiados aos nossos cuidados. Nós
devemos ter como objetivo fazer deles santos, apesar de não terem tais
aparências; mas não o poderemos conseguir, se não conhecermos bem a
teologia ascética e a mística. Dizendo mística, entendo não me referir aos
fatos extraordinários da vida sobrenatural, mas somente à perfeição cristã
alcançada mediante a oração vocal, meditativa, afetiva e contemplativa,
como ensina o nosso dulcíssimo São Francisco de Sales (...)
O nosso venerável Pai possuía a fundo essa ciência, e tinha também
o segredo de a instilar nos jovens corações, sem mesmo citá-la; assim ele
nos deu um Domingos Savio, um Francisco Besucco, um Miguel Magone,
e toda uma falange de jovens e irmãos santos. Mas este segredo não se
pode ensinar com palavras: é um tesouro precioso que se encontra somente
mediante a leitura assídua, atenta e amorosa da vida dele: felizes são os que
se dedicam a ela! Que maravilhas poderão realizar no campo da educação!
Não menos recomendável é o estudo da História Sagrada, eclesiástica
e profana que fornecerá as armas poderosas para defender a religião contra
os ataques dos adversários, que com frequência fazem da história “uma
conjuração contra a verdade”, segundo a expressão de De Maistre. (...) Ora,
se conhecermos bem a história, poderemos confutar facilmente esses erros
e impedir que se difundam em meio ao povo. Assim fez o nosso venerável
Pai, que sempre se empenhou em fazer conhecer ao povo as grandezas da
Igreja Católica e do Papa; assim devemos fazer também nós.
O estudo da Sagrada Liturgia é também indispensável. É este estudo
mais do que qualquer outro que concorre para nutrir o espírito eclesiástico
e sacerdotal, que infunde na alma amor e reverência pelas sagradas ceri-

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Textos seletos do P. Paulo Albera 217
mônias e pelas celebrações da Igreja, que faz penetrar o sentido íntimo das
solenidades que se sucedem nos diversos tempos do ano eclesiástico, que,
numa palavra, nos faz viver da própria vida da Igreja, nossa mãe. (...)
Por causa da nossa condição especial de educadores devemos também
cultivar as ciências profanas naturais. Por isso, mediante a leitura de
alguma obra dos mestres do pensamento contemporâneo e de alguma
boa revista católica, seguimos, com sadio critério e sábia orientação, o
movimento das ideias dos novos tempos, as descobertas feitas pelo mundo
das ciências, a tática atual dos inimigos da Igreja, as novas formas de que
se reveste o erro, as objeções contemporâneas contra as verdades cristãs, e
assim por diante.
Mas também aqui damos a preferência ao estudo das ciências que mais
diretamente concorrem para fazer-nos alcançar melhor a finalidade que
Dom Bosco teve ao fundar a Pia Sociedade. Penetramos, assim, de forma
afetuosa o pensamento educativo do nosso venerável Pai, e procuramos
aprofundar os nossos conhecimentos pedagógico-didáticos, inspiran-
do-nos sempre nos conceitos e nas diretrizes que constituem a base do
nosso sistema de educação.
Além disso, cultivamos com amor e com vivo interesse os estudos
clássicos, especialmente de latinidade, fazendo reflorescer os clássicos
cristãos, a fim de que seu pensamento penetre nas jovens almas e sirva
como contraveneno ao pensamento dos clássicos pagãos. Recordemos
a este respeito quantos sacrifícios fez Dom Bosco para difundir as obras
desses grandes mestres nas letras e na vida cristã. (...)
Persuadamo-nos bem, meus caros, que o estudo nos é absolutamente
necessário para conservar-nos sacerdotes de Jesus Cristo, sacerdotes no
espírito e na orientação habitual dos pensamentos, sacerdotes no coração e
no ministério: sacerdotes como nos quer e como foi Dom Bosco!
14. O aperfeiçoamento da própria vida espiritual 14)
O ardor pela cultura da nossa vida intelectual não bastaria, caríssimos
irmãos, a tornar-nos dignos filhos de Dom Bosco, se não nos estimulasse
ao mesmo tempo e com dobrada intensidade a aperfeiçoar a nossa vida
moral, religiosa e apostólica.
14 Da carta circular sobre Dom Bosco modelo do Sacerdote Salesiano (19 de março de
1921), em LC 401-405, 418-421.

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218 Tercera parte
Das várias finalidades do estudo enumeradas por São Bernardo, somente
as duas últimas são dignas de nós: ut aedificentur, et prudentia est; ut aedi-
ficent, et hoc caritas est [para se santificar, isso é prudência; para santificar
os outros, isso é caridade]. Por isso, a prudência nos guie agora ao recordar
e ao reconhecer o que devemos fazer ut aedificemur, para santificar-nos:
somente quando tivermos providenciado a nossa santificação, poderemos
conseguir santificar os outros. Mais precisamente, se quisermos que o
apostolado entre os jovens seja frutuoso, devemos fazer com que os nossos
estudos busquem a aquisição da vida interior.
O abade Chautard, no seu livro A alma de todo apostolado, escreve
oportunamente:
Viver consigo mesmo, em si, dirigir a si mesmo, e não se deixar dirigir
pelas coisas exteriores, reduzir a imaginação, a sensibilidade e também
a inteligência e a memória ao estado de servas da vontade, e conformar
continuamente esta vontade com a de Deus, é um programa que se aceita
sempre menos, neste século de agitação, que viu nascer um ideal novo: o
amor à ação pela ação. Negócios, preocupações pela família, higiene, boa
fama, amor pela pátria, prestígio da corporação, pretensa glória de Deus,
porfiam para impedir-nos de viver em nós mesmos. Esta espécie de delírio
da vida exterior chega também a exercer sobre nós uma atração irresis-
tível”.
Não pretendo aqui falar da necessidade da vida interior: seja-me
permitido, porém, acenar às coisas mais importantes para a sólida formação
da nossa vida moral e religiosa de sacerdotes salesianos, para animar a
mim e a vós a colocá-las em prática. Nessa formação, meu caros, devemos
antes de tudo ter sempre bem claro diante da nossa mente o escopo da
nossa vida, que é unicamente a glória de Deus mediante a nossa santifi-
cação e salvação.
Com a consideração da finalidade deve caminhar junto a estima sobre-
natural da nossa vocação sacerdotal, e a consciência perene do grave dever
que ela nos impõe de servir as almas para conquistá-las para Deus, de ser
mediadores entre Deus e os homens, redentores e santificadores em união
com Jesus Cristo, sacerdote eterno.
Além disso, não esqueçamos que devemos alcançar esta finalidade
essencial do sacerdócio na obediência que nos é dada pelos superiores
e segundo a medida dos nossos talentos e das graças recebidas. Não há
necessidade de realizar coisas grandiosas ou atos heroicos de virtude que
não são exigidos pelo nosso estado: basta que nos apliquemos a viver e agir

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Textos seletos do P. Paulo Albera 219
na obediência com espírito de perfeita conformidade com a vontade divina
e de íntima união com Jesus Cristo, fazendo da melhor maneira possível
todas as nossas ações ordinárias e elevando, com a intenção, também as
ações menores e indiferentes ao grau de obras meritórias para a vida eterna.
(...)
Evitemos, porém, o erro muito comum e pernicioso de parar nesta
prática das virtudes ordinárias e nesta luta contra as más inclinações, sem
o vivo desejo de uma perfeição mais alta e sem o esforço constante para
alcançá-la.
Esse tipo de inércia costume provocar a preguiça espiritual e também
um falso conceito do que exige a vocação. Não basta um programa
mínimo de virtudes, um grau de moralidade suficiente para manter a
alma na graça santificante, uma observância medíocre das normas
gerais da vida sacerdotal, comuns a todos os padres diocesanos. A nossa
vocação nos obriga, não só a tender à santidade: Haec est enim voluntas
Dei, sanctificatio vestra [Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação]
(1Ts 4,3): ut essemus sancti, et immaculati [para que sejamos santos e sem
mancha alguma] (Ef 1,4), mas também a adquiri-la no grau mais perfeito
que nos for possível, tendo horror a todo mal e amor a todo bem, pois,
como diz Santo Tomás, a santidade amovet a malo, facit operari bonum,
et disponit ad perfectum [afasta do mal, leva a fazer o bem e dispõe a
buscar a perfeição]..
Um dos meios mais válidos nesta obra da nossa santificação nós o
encontramos nas Constituições que nos deu o nosso venerável Fundador.
O sacerdote salesiano que medita profundamente as Constituições e se
esforça por praticá-las com exatidão, pode em pouco tempo elevar-se até a
mais perfeita união com Deus, à união que é a essência da santidade e que
em Dom Bosco era contínua, apesar da multiplicidade das suas ocupações.
(...)
A Regra, porém, não determina senão as linhas gerais em ordem à nossa
santificação; é preciso, pois, integrá-la e vivificá-la com a genuína tradição
salesiana, tradição que encontramos nos Regulamentos, nas primitivas
Deliberações Capitulares, nas cartas e circulares mensais dos superiores
maiores; e naquele conjunto de particularidades específica e de costumes
especiais que são transmitidos à viva voz e que se conservam na casa-mãe.
(...)
Nós devemos permanecer tais como Dom Bosco nos quis; mudaríamos
a fisionomia que ele imprimiu à Pia Sociedade, se, movidos por demasiado
zelo por santidade interior, quiséssemos dar à nossa vida uma multipli-

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220 Tercera parte
cidade de práticas devotas, as quais, embora sendo ótimas para outros
Institutos, tendem a desnaturar o caráter de espiritualidade íntima e não
visível que Dom Bosco imprimiu ao seu. Seria pior ainda se se passasse ao
extremo oposto e, interpretando mal as intenções do Fundador, se consi-
derasse que para ser seus seguidores basta ter a paixão pela juventude, a
tendência à escola e a vida barulhenta em meio às turbas juvenis, embora
não haja diligente preocupação em exercitar-se ativamente na própria
santificação. (...)
Junto com o Sacramento da Misericórdia de Deus e, de certo modo,
quase como seu complemento, como remédio ou como conforto nas
múltiplas dificuldades que a aquisição da perfeição religiosa oferece, existe
a direção espiritual e, da qual também desejo falar-vos rapidamente, meus
queridos sacerdotes.
A direção espiritual é o conjunto de conselhos, normas teóricas e
práticas, que uma pessoa sábia e experimentada nos caminhos do espírito,
dá a uma alma que deseja progredir na perfeição.
Nos antigos mosteiros, essa direção formava uma coisa só com o rendi-
conto: o religioso manifestava ao superior com filial confiança toda a sua
consciência e era dirigido no foro externo e no foro interno.
A Santa Igreja, porém, para tutelar a liberdade de consciência, esta-
beleceu que o rendiconto se refira unicamente a coisas externas, como
advertem expressamente as nossas Constituições; não excluindo, porém,
que o religioso possa, por livre vontade, abrir-se inteiramente com o seu
superior. Quem, pois, tem no superior uma confiança ilimitada e se sente
de revelar-lhe também os assuntos mais íntima da sua alma, pode fazê-lo,
que obterá inestimáveis vantagens.
Quem prefere limitar-se às coisas exteriores no seu rendiconto (que
ninguém deve jamais omitir de fazer mensalmente), recorde-se de que uma
direção espiritual lhe é indispensável, mesmo sendo já sacerdote; procure,
por isso, recebê-la por parte de quem lhe inspirar maior confiança.
Naturalmente, o confessor, não sendo somente juiz, mas também
médico e mestre, amigo e pai, conhecendo mais do que outro qualquer
as nossas qualidades espirituais e todo o conjunto da nossa vida, pode, no
Sacramento e fora dele, ser o nosso guia no caminho da perfeição religiosa,
tanto mais que, no nosso caso, ele mesmo é obrigado a buscar a nossa
mesma perfeição e a viver do mesmo espírito religioso.
Eu disse, meus caros, que a direção espiritual é indispensável também
nós sacerdotes: o sacerdócio e a profissão religiosa obrigam-nos a ela ainda
mais, enquanto que, como sacerdotes e como religiosos, somos obrigados a

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Textos seletos do P. Paulo Albera 221
uma perfeição mais alta do que a que se podia exigir dos simples cristãos.
De fato, sem uma sólida direção espiritual, é quase impossível tornar-nos
perfeitos: este é o sentimento unânime dos padres e dos Doutores da Santa
Igreja, e de todos os homens espirituais que floresceram ao longo dos
séculos cristãos. – Quem se apoia sobre o próprio juízo, afirma Cassiano,
nunca chegará à perfeição, e não poderá fugir das insídias do demônio
(Conf. II, 14, 15). E São Vicente Ferrer: – Nosso Senhor, sem o qual nada
podemos, nunca concederá a sua graça à pessoa que, tendo à sua dispo-
sição um homem capaz de instruí-lo e de dirigi-lo, descuida este poderoso
meio de santificação, julgando bastar a si mesmo e poder com as próprias
forças buscar e encontrar as coisas que lhe são úteis para a perfeição da
alma.
O da direção espiritual é o caminho real que guia seguramente os
homens até o alto da escada misteriosa onde se encontra o Senhor: é o
caminho que percorreram os santos: hanc viam tenuerunt omnes sancti
[Esse foi o caminho percorrido por todos os santos]. Só poucas almas
escolhidas, privadas sem culpa própria de um Diretor Espiritual, foram
guiadas imediatamente por Deus mediante ilustrações pessoais; mas esta é
uma exceção, não a regra. (De vit. sp., II, I).
Antes de tudo, diz São Gregório Magno, é preciso aplicar-se a encontrar
um bom guia e um bom mestre (Lib. de Virg., c. 13). – É grande orgulho,
continua São Basílio, crer não ter necessidade de conselhos (In cap. I
Isaiae). – São pobres iludidos, exclama por usa vez São João Clímaco, os
que, confiando em si mesmos, creem que não precisam de guia (I Grado,
c. 2). – Quem presume ser mestre e guia de si mesmo, diz São Bernardo,
faz-se discípulo de um estulto (Epist. 87).
Em síntese, meus caros sacerdotes, de todos os escritos dos homens
espirituais eleva-se uma voz concorde para dizer-nos da necessidade da
direção espiritual, a qual, se quisermos penetrar bem no espírito das nossas
Regras, nos é inculcada também pelo artigo 18, onde somos convidados a
manifestar aos superiores com simplicidade e de modo espontâneo as infi-
delidades exteriores cometidas contra as Constituições, e também o nosso
aproveitamento na virtude, a fim de que possamos receber deles conselhos
e conforto e, se for necessário, também as convenientes admoestações.
Melhor do que assim não podia ser insinuada a prática da direção espi-
ritual.
Não são necessárias mais palavras para demonstrar sua necessidade;
todavia, é útil observar que, quando ouvimos de alguém que se afastou
da vida religiosa que tinha professado, enquanto lamentamos tão grande

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222 Tercera parte
desgraça, invocando com a oração a misericórdia de Deus sobre esse pobre
infeliz, devemos pensar que tal desventura não lhe teria certamente acon-
tecido, se ele se tivesse confiado a um bom Diretor Espiritual e se tivesse
seguido seus conselhos e suas exortações.
Mas a direção espiritual, meus caros sacerdotes, não deve ser uma coisa
momentânea e sujeita a mudanças contínuas; pelo contrário, deve subme-
ter-se a um único e constante comportamento, teórico e prático ao mesmo
tempo, apto a nos guiar à santidade.
A tarefa do Diretor Espiritual é a de fazer-nos conhecer o que Deus quer
de nós, as virtudes que devemos praticar, os meios a que devemos recorrer,
os perigos contra os quais devemos premunir-nos para não naufragar na
nossa vocação salesiana.
É ele que deve despertar-nos quando caímos no relaxamento e mode-
rar-nos nos momentos de ardores indiscretos; é ele que deve frear a nossa
imaginação e apontar-nos a medida certa a manter na prática da virtude,
na escolha das leituras e nas relações com o próximo, a verdadeira natureza
das tentações e as armas mais oportunas para combatê-las.
É ele que nos deve instruir a respeito dos melhores meios para desen-
raizar os defeitos e adquirir as virtudes; que deve medir a nossa exatidão
nas práticas de piedade, na observância das Regras e no cumprimento dos
deveres inerentes à vocação. Ora, essas coisas não podemos dispor delas se
não tivermos um guia estável e repleto de espírito salesiano.
Nosso patrono São Francisco de Sales diz belíssimas coisas a respeito
do Diretor Espiritual, e muitas se referem ao nosso caso. Entre outras na
Filoteia (I, 4) diz:
“Não o consideremos como um simples homem e não coloquemos a
nossa confiança nele como tal e no seu saber humano, mas em Deus, que
nos comunicará os seus favores e as suas inspirações mediante o minis-
tério desse homem, pondo no seu coração e nos seus lábios o que se requer
para nosso bem... Conversemos com ele de coração aberto, com toda since-
ridade e fidelidade, manifestando-lhe claramente o bem e o mal, sem fingi-
mentos nem dissimulações: dessa forma, o bem será mais examinado e
tornado mais seguro, e o mal mais corrigido e remediado: assim também
nos sentiremos aliviados e fortalecidos nas nossas penas, e nos conserva-
remos modestos e moderados em nossas alegrias”.

23.5 Page 225

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Textos seletos do P. Paulo Albera 223
15. Vocações e espírito salesiano15)
Quanto mais se estuda a vida de Dom Bosco, mais emerge a genia-
lidade da sua criação. Vendo ele o ódio encarniçado que fervia nos seus
tempos contra a nossa santa religião, de modo particular contra as Ordens
e Congregações Religiosas, que a revolução ia suprimindo mediante leis
iníquas inclusive nos Estados até aquele momento católicos; e intuindo que
não lhe seria possível dar existência a uma nova família religiosa caso a
modelasse segundo as já suprimidas, ele pôs de lado tudo o que era pura
forma exterior, e iniciou a sua Sociedade com o que era estritamente neces-
sário para a perfeição religiosa.
À tradicional terminologia das Congregações de um tempo ele subs-
tituiu nomes comuns e que davam menos na vista; a sua devia ser só
uma pia sociedade de pessoas consagradas à educação da juventude
pobre e abandonada; os sócios deviam conservar, com os direitos civis,
o Domínio radical dos seus bens, embora estando vinculados com voto
à prática dos conselhos evangélicos e, portanto, sendo realmente pobres
na prática, não podendo fazer uso de nenhum ato de propriedade sem
autorização; deviam unir ao espírito pessoal de iniciativa a submissão
ao superior: e deste espírito precisamente é que a nossa Sociedade extrai
aquela genial modernidade que lhe possibilita fazer o bem requerido
pelas necessidades dos tempos; por fim, embora os sócios tenham dito
adeus aos parentes, aos amigos, ao mundo, este desapego não devia
impor uma separação violenta que os obrigasse quase a romper os liames
de natureza e todo tipo de relação exterior: podendo a vontade estar
totalmente desapegada de tudo e de todos, sem necessidade de sepa-
rações materiais.
Todo o seu sistema educativo se reduz a formar vontades capazes de
realizar o próprio dever e de praticar os conselhos evangélicos em grau
heroico, não por temor humano, não por coerção exterior, não por força,
mas livremente por amor.
Sua nstituição é uma família formada unicamente por irmãos que
aceitaram os mesmos deveres e direitos na mais perfeita liberdade de opção
e no amor mais vivo a tal gênero de vida.
Por isso, ele queria absolutamente excluir de suas casas as determinações
e disposição disciplinares que limitassem de algum modo a liberdade
própria dos filhos de família: cada qual deveria observar o horário e o
15 Da carta circular Sobre as vocações (15 de maio de 1921), em LC 447-462, 464-469.

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224 Tercera parte
Regulamento, não constrangido por agentes extrínsecos, mas espontanea-
mente por livre decisão do próprio querer.
Ora, este espírito de família, no qual a autoridade dos superiores não se
faz sentir com imposições militaristas, mas que é o amor filial que move a
vontade dos súditos a prevenir até mesmo seus mais simples desejos, este
espírito de família é o terreno mais propício para as vocações; por isso, meu
caros, nós devemos ciosamente conservá-lo e fazê-lo crescer.
Falando com amigos, conhecidos, estranhos, fazemos resplandecer este
nosso espírito em toda a sua luz, seja com a nossa postura sempre jovial
e alegre, seja exaltando a felicidade do nosso estado, sempre que se nos
apresenta alguma oportunidade.
Assim, quase sem se dar-nos conta, prepararemos o terreno para as
vocações, porque não poucos insensivelmente serão induzidos a depor os
seus preconceitos a respeito do estado religioso, e oportunamente louvarão
o nosso gênero de vida, ou até quem sabe o aconselharão a quem ainda se
encontra em dúvida quanto à escolha do próprio estado. Não é isso indire-
tamente um apostolado pelas vocações?
Sobretudo, meus caros, devemos conservar este espírito de família nos
oratórios festivos, nas casas, nos colégios e internatos em que trabalhamos,
porque somente onde reina este espírito podem florescer as vocações.
Portanto, façamos viver entre nós a familiaridade que o nosso bom Pai
tão calorosa e eficazmente descreveu na sua memoranda carta de Roma
de 10 de maio de 1884, que é o comentário mais autêntico do seu sistema
preventivo. (...)
Os verdadeiros apóstolos das vocações fazem como o escultor, que, antes
de começar a obra idealizada, procura ele mesmo o bloco de mármore mais
adequado, e depois o faz transportar para o seu ateliê para trabalhá-lo com
intelecto de amor.
Durante estes anos do meu Reitorado assisti com alegria o grande
movimento juvenil dos alunos e ex-alunos dos nossos Institutos; e do
fundo do coração elevei muitas vezes um hino de agradecimento a Deus
e à potente nossa Auxiliadora por esta abundância de jovens corajosos,
acorridos com entusiasmo a se alistarem sob a bandeira que leva a todos os
países do mundo o Da mihi animas! de nosso bom Pai.
Sempre que nas nossas casas me encontrei rodeado da alegre multidão
dos alunos, ao observar seu semblante bom, ingênuo, sobre o qual apareciam
claramente as belas qualidades de que estavam dotados, vinha-me espon-
tâneo o pensamento de que muitíssimos deles haveriam de consagrar-se
ao Senhor, caso fossem bem orientados e ajudados e escolher a que Jesus

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Textos seletos do P. Paulo Albera 225
chamou de “a melhor parte”.
Nas memoráveis reuniões dos ex-alunos, em meio a grande brilho de
tantas belas qualidades de mente e de coração na plenitude do seu desen-
volvimento, eu pensava que talvez muitos e muitos deles teriam abraçado
a carreira do apostolado das almas, se tivessem sido bem acompanhados e
trabalhados pelos seus superiores e mestres.
Meus bons irmãos, estas coisas não são simples suposições e pios desejos:
é um fato que quando o terreno bem preparado e adubado não produz
frutos, a culpa deve ser atribuída ao camponês, que não semeou, ou que
espalhou semente ruim, ou não cuidou de vigiar para que crescesse bem e
não fosse comida pelas aves e sufocada pela cizânia.
Entre a imensa turba de jovens que a Providência envia às nossas casas,
numerosos são o que oferecem um terreno muito apto a produzir a flor da
vocação sacerdotal-religiosa, que têm especiais qualidades para o estado
de perfeição; mas, como já se disse acima, é preciso que haja quem saiba
orientá-los e guiá-los convenientemente. Isto é o que devemos fazer nós,
se quisermos mostrar-nos filhos afeiçoados da Santa Igreja e da nossa
Congregação.
Quais são, pois, as almas jovens que oferecem um terreno mais propício
para as vocações? Nós, meu caros, devemos pousar o olhar, como fazia
como verdadeiro especialista o nosso venerável Pai, sobre os que possuem
especial atrativo pela pureza.
Não falo daquela pureza negativa, inconsciente, que é devida unica-
mente ao equilíbrio ou à calma do temperamento, ou a um afortunada,
mas efêmera, ignorância de certos mistérios da vida, Falo de uma pureza
positiva, consciente, querida, do adolescente que já sabe ou pelo menos
começa a suspeitar da existência e da natureza daqueles prazeres; que
talvez sente sua natureza inferior arrastada para eles, mas que, todavia,
na sua razão, no seu coração, na sua alma prova desdém, desgosto por
tais coisas, e portanto um desejo, uma necessidade de manter-se distante,
para poupar aos seus olhares, à sua fantasia, à vida o hálito contami-
nador. (...)
Outro caráter que o jovem deve ter para poder ser um terreno propício
para a vocação é aquela elevação que lhe faz sentir que aborrece tudo o
que há de medíocre, banal e vulgar, e deseja coisas grandes; que diante
dos bens e das honras terrenas ele é levado a dizer, com os olhos cintilantes
de nobre orgulho: Excelsior! Ad maiora natus sum! [Para o alto! Nasci para
empreendimentos maiores].
Evidentemente, o estado sacerdotal-religioso não pode deixar de ter

23.8 Page 228

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226 Tercera parte
fortes atrativos para esses jovens, porque é um estado superior a qualquer
outros, mesmo do ponto de vista puramente humano. Mas neles, tal
elevação de alma, em geral só existe em embrião, e cabe a nós desenvolvê-la
mediante a educação.
Aqui principalmente, meus caros, deve-se manifestar toda a valentia do
educador salesiano e a bondade do sistema preventivo. Este sistema – que
é a nossa mais preciosa herança – quando é bem interpretado e melhor
aplicado, nos fará facilmente distinguir os diversos caracteres dos nossos
jovens, e nos indicará os meios para melhorar a todos, embora elevando a
uma maior perfeição os que se sentem chamados a coisas mais elevadas.
Permiti-me que vos recorde quanto eu já tive a oportunidade de dizer
ao descrever-vos Dom Bosco como nosso modelo na educação e santifi-
cação da juventude: lá pode-se encontrar também a norma do que devemos
fazer para plasmar os nossos jovens em conformidade com os exemplos
paternos.
Mediante a prática do nosso sistema, não permitiremos que se
corrompam os caracteres já bons por natureza e por educação familiar,
vigiando a fim de que os colegas de natureza mais terrena não os arrastem
atrás de suas ideias, dos seus gostos, dos seus projetos para o futuro, em
síntese, a nada de baixo, nem mesmo de comum, como seriam as aspi-
rações de enriquecimento, de luxo, de bem-estar e de comodidades, de
prazeres vultares, sucessos e vaidades mundanas.
Com muito jeito, induzamo-los a elevar o olhar para um ideal superior,
para o bem e a virtude, para as alegrias árduas, mas tão mais suaves, propi-
ciadas pelo dever cumprido e pela paz com a própria consciência, para uma
vida séria, útil e digna.
De quando em quando na escola, nas conferências, nos boas-noites, nos
recreios, falemos com entusiasmo desses nobres ideais; e se alguma vez
nas conversas familiares dos recreios alguém manifestar preocupações de
amor próprio ou de interesse, não deixemos de condená-las abertamente,
dizendo: “O que é baixo, mesquinho, é banal, e não é digno de um coração
generoso”. É particularmente nessas conversas que podemos encontrar
a ocasião de repetir sob mil formas diversas a santa palavra do Sursum
corda!
Nos primeiros volumes da vida do nosso bom Pai podemos encontrar,
lendo-os com amor, uma mina preciosa de normas e de exemplos para o
exercício prático deste apostolado, maravilhosamente fecundo de ótimas
vocações.
Sirvamo-nos dele todos, meus caros, tendo presente, porém, uma coisa

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Textos seletos do P. Paulo Albera 227
muito importante para nós: para Dom Bosco ofereciam bom terreno para
a vocação os jovens mais birichini [moleques], como ele costumava chamá-
los, isto é, irrequietos e vivazes, mas ao mesmo tempo ardorosos e de tão
grande coração a ponto de se sentirem levados a sair de si mesmos, a amar
e, por consequência, a dar, depois a doar-se, e finalmente a sacrificar-se
totalmente pelo bem dos outros.
Suas conquistas maiores de fato ocorreram em meio aos meninos
desse tipo; muitos que ainda vivem podem dar testemunho autêntico, e se
pusessem por escrito as lembranças dos seus primeiros anos e a gênese da
sua vocação, como resultaria mais fúlgida a arte do venerável no elevar os
corações ao desejo e à busca perfeição!
Também nós, todos os dias, esforcemo-nos por procurar esses jovens de
coração ardente e generoso: uma palavra, um gesto, um ato de gentileza
ou de caridade em favor de algum companheiro, podem ser as primeiras
revelações: cultivando-os com sábio amor, um dia ou outro receberemos
deles a confidência de um início de aspiração para a vida eclesiástico-reli-
giosa, porque um pouco por vez haverá de surgir neles o pensamento que
só nesse estado poderão satisfazer plenamente a necessidade que sentem de
doar-se e de sacrificar-se pelos outros.
Eu disse “cultivando-os com amor”; porque isso é indispensável para a
nossa obra, seja para combater sem tréguas neles o egoísmo, corrigindo as
menores manifestações, seja para habituá-los a realizar frequentes pequenos
atos de generosidade, mostrando-lhes, até mesmo com um simples olhar,
que estamos contentes e que os aprovamos.
Estimulemo-los a serem generosos em dar aos colegas e aos pobres, mas
principalmente em doar-se, isto é, em ser serviçais e cheios de atividades
para o bem. Façamos com que amem o estudo e o trabalho como caminho
mais seguro para chegar logo a fazer o bem.
Iniciemo-los aos pequenos encargos das várias companhias religiosas,
à vigilância nos recreios, nos jogos, como meios para fazer um pouco de
bem aos companheiros. Estimulemo-los a dar conselhos, a protestar ener-
gicamente contra as más conversas, a difundir o bom espírito e a piedade
de todas as maneiras...
E se para dar alguma coisa for preciso privar-se, e se para se doar e
agir for necessário incomodar-se, cansar-se, tomar a iniciativa vencendo a
timidez e o respeito humano, às vezes expondo-se também à zombaria e ao
desprezo dos outros, então a formação será melhor e mais segura.
Entretanto, os nossos jovens, por mais amantes que sejam da pureza,
da elevação moral e da abnegação mais generosa, nunca serão um terreno

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228 Tercera parte
propício para as vocações, se não possuírem um profundo espírito sobre-
natural.
Sabemos que toda a nossa obra de educadores nas pegadas de Dom Bosco
deve mirar a formar cristão convictos, praticantes, o que não poderemos
obter sem que eles se impregnem muito bem do sobrenatural. Este espírito
é tanto mais necessário nos jovens dotados pelo Senhor das qualidades
necessárias para o apostolado das almas.
Seja nosso empenho dar a eles ideias sobrenaturais: impregnemos suas
mentes com as grandes verdades da fé, principalmente com as que se
referem mais de perto à direção da nossa vida, como: a grandeza de Deus,
seus benefícios e outros muitos títulos que lhes conferem o direito absoluto
de dispor de nós para o seu serviço; – a sua infinita amabilidade, a doçura
do entregar-se totalmente a ele; – a certeza da morte, unida à incerteza
da sua hora e do juízo divino que fixará para sempre a nossa sorte feliz
ou infeliz; – a vaidade e fragilidade das coisas terrenas; – a importância
capital da salvação da alma; – a dignidade e os méritos dos esforços que
o homem faz para se salvar, a necessidade de seguir Jesus o mais de perto
possível.
Aproveitemos todas as oportunidades propícias par instilar profun-
damente no coração dos nossos jovens estas verdades supremas, e isto de
forma natural e persuasiva, mais com o exemplo da nossa fé do que com
conversas.
Acostumemo-los a fazer uma breve leitura espiritual diária em forma
de meditação, como sugere o nosso venerável Pai no Jovem Instruído.
Como são belas e amáveis as leituras e as considerações escritas por ele
nos primeiros anos do seu apostolado em meio aos jovens! Como nelas ele
revela toda a sua ardente caridade e o seu método educativo inteiramente
inspirado no sobrenatural!
Com as ideias sobrenaturais suscitamos neles os sentimentos correspon-
dentes: um forte temor de Deus (Oh! O Deus te vê! de Dom Bosco, como
era eficaz!), temor temperado, porém, por uma piedade filial; o horror a
tudo o que pode ofender a Deus, o medo do inferno, um vivo desejo do
paraíso; o desprezo do mundo, dos seus prazeres, das suas pompas, das
suas máximas e do seu espírito.
Estimulemo-los particularmente a uma amor viril e ao mesmo tempo
terno para com Nosso Senhor Jesus Cristo, o Jesus do presépio, do calvário,
da Eucaristia; a estudar no santo evangelho a sua vida, a sua fisionomia
sublime e doce; a visitá-lo no tabernáculo, a unir-se a ele com frequência,
aliás, todos os dias, mediante a Santa Comunhão, pelo menos espiritual; a

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Textos seletos do P. Paulo Albera 229
amar a Santa Igreja com entusiasmo, e aos poucos as suas mentes vão se
abrindo às glórias maravilhosas da sua história, de suas obras excelsas, dos
seus santos.
Além disso, as ideias e os sentimentos sobrenaturais devem fazer florescer
nos jovens – em medida compatível com a sua idade – as virtudes sobre-
naturais: a caridade, a humildade, a mortificação, da qual é treino diário a
observância exata do Regulamento; a abnegação, o zelo pelas almas.
Para a aquisição destas virtudes, e antes do mais, para a correção dos
defeitos, que é sua condição indispensável, ensinemos os nossos jovens a
manejar as armas poderosas do exame de consciência geral e particular.
Assim, insensivelmente irão se formando neles os gostos sobrenaturais;
o gosto pela oração, pela palavra de Deus, pelas leituras devotas, pelas
funções de igreja; e serão desejosos, felizes de ajudar a Missa, sempre que
se lhes for oferecida oportunidade.
Lede, lede, meus caros, aquelas verdadeiras joias que são as biografias
de Domingos Savio, Miguel Magone, Francisco Besucco, Luís Colle, e
vereis que Dom Bosco, para reunir ao seu redor aquelas belíssimas flores
de santidade, fez precisamente o que eu vos tenho digo até agora.
Não se pense que esta formação sobrenatural dos nossos jovens caiba
unicamente ao Diretor, ao Catequista, ao Confessor; não, não; ela exige
o concurso de todos e, portanto, também dos professores e dos chefes de
oficina, dos quais, aliás, muitas vezes, talvez dependa em máxima parte,
estando eles mais do que qualquer outro em contínuo contato com os
jovens.
Os mestres, os professores, os chefes de oficina, os assistentes, se
estiverem à altura da sua missão e souberem aproveitar das ocasiões que
têm continuamente, podem, melhor do que qualquer outro, infundir o
sobrenatural, primeiro na inteligência, depois no coração e na vida interior
dos seus alunos.
O mestre salesiano deve estar bem convencido da necessidade de dar
aos alunos uma sólida instrução religiosa; a história, a literatura, a filosofia,
as ciências, as matemáticas, a geografia, etc. oferecem-lhe a cada momento
a oportunidade de insinuar pelo menos indiretamente alguma verdade
religiosa.
Este é um dos pontos capitais do nosso sistema educativo: se o descui-
darmos, inevitavelmente as vocações nos nossos Institutos acabarão.

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230 Tercera parte
16. Semeadores de vocações 16)
Meus caros, se estivermos bem convencidos da nossa missão educativa,
tal como a quer Dom Bosco, não podemos contentar-nos em preparar o
terreno propício às vocações, assunto de que vos falei até agora: devemos
também semeá-las e cultivá-las amorosamente.
Antes de tudo, semeá-las, isto é, fazer uso dos meios de que dispomos
para que no terreno propício a vocação realmente nasça e tome forma. Estes
são os meios: a oração, as exortações, as leituras ascéticas, as mil piedosas
inciativas de que Dom Bosco foi para nós mestre incomparável. “Os Sale-
sianos terão muitas vocações mediante seu exemplar comportamento”,
disse-lhe o misterioso personagem do sonho; portanto, para fazer nascer
numerosas vocações ao nosso redor, devemos orientar para isso o nosso
comportamento, a nossa vida inteira à finalidade da Pia Sociedade, que
é a aquisição da perfeição mediante o exercício de todo tipo de caridade,
seja espiritual, seja corporal para com os jovens, especialmente os mais
pobres, e também a educação do jovem clero.
Por que Dom Bosco, no 1º artigo: Da finalidade da Sociedade Salesiana,
quis determinar que os sócios se ocupem também com a educação do
jovem clero? Não porque tenhamos que ocupar-nos diretamente com os
Seminários Diocesanos – assunto que, aliás, o artigo 77 nos proíbe, sem a
expressa autorização da Santa Sé em cada caso – mas para que tenhamos o
máximo cuidado em cultivar na piedade e na vocação os que se mostrassem
de modo especial recomendáveis no estudo e na piedade (artigo 5). (...)
O venerável Dom Bosco fazia depender muito da oração as numerosas
vocações que ia formando. Se agora faltam as vocações, quem sabe se não
é porque não rezamos bem? Muitas vezes também nós rezamos mecanica-
mente, por hábito, sem refletir: então, como podem as orações atingir o seu
escopo? Ponhamos nelas intenções bem determinadas, unidas ao maior
fervor que nos for possível, e experimentaremos a poderosa eficácia que
elas têm sobre o coração de Deus. (...)
A essas orações pelas vocações unamos o espírito de mortificação,
porque a generosidade de Deus é proporcional à dos nossos desejos e das
nossas súplicas. Os desejos que consistem só em palavras custam pouco e
valem menos; mas o que nos tornam fortes a nós mesmos, que nos fazem
vencer as repugnâncias, resistir às más tendências, praticar deveres pesados,
suportar os defeitos do próximo, manifestam a Deus toda a autenticidade
16 Da carta circular Sobre as Vocações (15 de maio de 1921), em LC 469-473.

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Textos seletos do P. Paulo Albera 231
das nossas aspirações e o inclinamos mais fortemente para que nos atenda.
Não pretendo dizer que devamos fazer penitências especiais para obter
vocações; nosso trabalho assíduo e a observância regular já são por si
mortificações não pequenas; mas certamente fariam obra grandemente
meritória e eficaz os bons irmãos que, não podendo fazer outras coisas,
imitassem o exemplo do nosso venerável Pai, o qual, quando precisava
de alguma graça muito importante, impunha-se especiais austeridades,
conseguindo assim obter seu intento.
As almas mortificadas sempre exerceram extraordinário ascendente
sobre o coração de Deus; por isso não vos maravilheis desta minha
afirmação: o Salesiano humilde, escondido, continuamente atento a
cumprir o próprio dever, que de quando em quando se mortifica corajosa-
mente para obter vocações para a Pia Sociedade, consegue suscitá-las sem
mesmo dar-se conta. (...)
Todavia, orações e mortificações valeriam pouco, sem o comportamento
exemplar e a santidade pessoal de cada Salesiano. É um fato inegável, meus
caros, que nas comunidades religiosas as vocações existem em proporção
direta do fervor e da santidade dos seus membros.
O nosso bom Pai sempre nos inculcou esta verdade em suas exortações,
e mais ainda mediante o exemplo prático da sua santidade, que fazia
florescer por toda parte as vocações, induzindo os corações generosos a
segui-lo pelo áspero caminho por ele batido.
Nos primeiros tempos da minha juventude, nós considerávamos ser
para nós uma grande honra ver-nos incluídos entre seus filhos, e havia
em nós a firme vontade de consagrar-nos ao Senhor inteiramente e não
somente pela metade, não pelas vantagens temporais, mas par a alegria de
poder conduzir, como ele, uma vida feita de sacrifícios, embora aparente-
mente ordinária e comum.
A santidade do Pai foi a causa efetiva da vocação de todos os seus filhos:
nós queríamos segui-lo, porque dele emanava uma virtude secreta que nos
deixava o coração mais ardente, o espírito mais iluminado, as paixões mais
calmas, estimulando-nos ao mesmo tempo a imitá-lo em tudo.
Esta virtude secreta transluzia tão habitualmente do seu olhar sereno,
do seu perene sorriso e da toda a sua fisionomia, que nós o víamos já trans-
figurado em Deus e na plena posse daquela paz divina e daquela coragem
sobre-humana que são próprias dos santos; por isso, os nossos corações
ardiam do desejo de ser como ele e de estar com ele, ao custo de qualquer
sacrifício.
Pois bem, também nós, meus caros, mediante a observância das Regras,

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232 Tercera parte
o exercício das mais sólidas virtudes, o amor da virtude, o amor da nossa
vocação, a caridade fraterna, a evangélica familiaridade e a ininterrupta
união com Deus, podemos conquistar esta virtude secreta da santidade
do nosso venerável Pai, e como ele suscitar numerosas vocações em torno
de nós. Nosso teor de vida deve ser tão atraente a ponto de fazer desejar
aos nossos jovens a genial atividade, a inalterável alegria. Dom Bosco nos
queria sempre alegres, apesar de estar em meio às maiores fadigas e aos
aborrecimentos mais preocupantes, às privações e aos sacrifícios.
Além disso, falemos com frequência da vida salesiana, pondo em relevo
as inumeráveis vantagens, as múltiplas variedades de ocupações adaptadas
a todas as índoles e para os mais diferentes temperamentos; o grande
número dos Institutos e das casas, de modo que, quando um não pudesse
trabalhar com fruto num lugar, seria fácil transferi-lo para outro a fim de
que possa continuar a ser útil; a beleza do nosso apostolado, a suavidade do
espírito que o anima; a modernidade e a vastidão das obras.
Eu estou certo de que ninguém, diante dos jovens, quererá mostrar-se
descontente da própria vocação, desacreditar de alguma maneira a Congre-
gação que o acolheu entre seus filhos.

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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 3
ABREVIAÇÕES E SIGLAS.................................................................................. 7
Primeira parte
A VIDA (1845-1921)
Capítulo 1: OS ANOS DA FORMAÇÃO (1845-1868)..................................... 11
Infância e adolescência..................................................................................... 11
Entre os Salesianos das origens........................................................................ 15
Assistente no Pequeno Seminário de Mirabello (1863-1868)........................ 19
Capítulo 2: PREFEITO EM VALDOCCO E DIRETOR DE GÊNOVA
(1868-1881)........................................................................................................ 23
Ordenação e primeiros anos de sacerdócio.................................................... 23
Fundador da obra salesiana de Gênova-Sampierdarena............................. 27
Capítulo 3: INSPETOR DAS CASAS SALESIANAS DA FRANÇA
(1881-1892)......................................................................................................... 37
1881-1884............................................................................................................ 37
1885-1888........................................................................................................... 43
1889-1892........................................................................................................... 47
Capítulo 4: DIRETOR ESPIRITUAL DA CONGREGAÇÃO
SALESIANA .................................................................................................... 53
1893-1895............................................................................................................ 53
1896-1900........................................................................................................... 59
Capítulo 5: A VISITA ÀS CASAS SALESIANAS DA AMÉRICA
(1900-1903)........................................................................................................ 65
Argentina, Uruguai e Paraguai....................................................................... 65
Brasil, Chile, Bolívia e Peru............................................................................. 68
Equador.............................................................................................................. 72
Colômbia, Venezuela, México e Estados Unidos........................................... 76

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Capítulo 6: COLABORADOR DO P. RUA ENTRE 1903 E 1910.................. 83
1903-1907........................................................................................................... 83
1908-1910........................................................................................................... 88
Capítulo 7: OS PRIMEIROS ANOS DE REITORADO (1910-1913)............. 93
Segundo sucessor de Dom Bosco (1910).......................................................... 93
1911-1912............................................................................................................ 98
1913..................................................................................................................... 102
Capítulo 8: O DRAMA DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
(1914-1918)......................................................................................................... 107
A explosão da guerra........................................................................................ 107
O cuidado dos Salesianos-soldados................................................................. 112
O último ano de guerra.................................................................................... 115
Capítulo 9: O SERENO DECLÍNIO (1919-1921).............................................. 119
1919-1920............................................................................................................ 119
1921..................................................................................................................... 125
Segunda parte
A CONTRIBUIÇÃO DO P. ALBERA PARA
A ESPIRITUALIDAD SALESINA
1. O magistério da vida.................................................................................... 135
2. Espírito de oração......................................................................................... 138
3. Vida de fé....................................................................................................... 141
4. Dom Bosco, modelo do Salesiano ............................................................... 144
O ato mais perfeito de Dom Bosco............................................................ 146
Amor aos jovens........................................................................................... 148
A Virgem de Dom Bosco............................................................................ 150
5. As virtudes do Salesiano.............................................................................. 153
Vida disciplinada......................................................................................... 154
Obediência.................................................................................................... 156
Castidade....................................................................................................... 158
Pobreza.......................................................................................................... 160
A busca da perfeição.................................................................................... 163
Doçura salesiana.......................................................................................... 165

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Terceira parte
TEXTOS SELETOS
DO P. PAULO ALBERA
1. O espírito de oração...................................................................................... 171
2. Na escola de Dom Bosco............................................................................... 176
3. Viver de fé...................................................................................................... 178
4. O oratório é a alma da nossa Pia Sociedade.............................................. 181
5. Sede todos missionários!............................................................................... 184
6. A Virgem de Dom Bosco............................................................................... 187
7. A doçura do Salesiano.................................................................................. 192
8. Fazer reviver Dom Bosco em nós................................................................ 196
9. Ser dignos filhos do nosso Pai Dom Bosco.................................................. 198
10. Dom Bosco nosso modelo............................................................................. 201
11. Atiremo-nos nos braços de Deus.................................................................. 205
12. Como nos amava Dom Bosco...................................................................... 207
13. A ciência necessária para o Salesiano sacerdote........................................ 213
14. O aperfeiçoamento da própria vida espiritual........................................... 217
15. Vocações e espírito salesiano........................................................................ 223
16. Semeadores de vocações................................................................................ 230

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