CATEQUISTAS DE UM TEMPO NOVO
Carta Pastoral por ocasião do dia do Catequista 2008
Irmão catequista, caro colaborador na tarefa de evangelizar o nosso povo de Moxico, neste tempo novo: anunciar a Palavra é uma tarefa que recebemos do nosso Pai; estamos felizes de poder servi-lo em cada um dos nossos irmãos e irmãs levando-lhes o mais precioso que temos: o Senhor Jesus.
Esta carta está endereçada a ti de modo pessoal, nesta semana dedicada ao ministério do catequista, daquele que foi colocado à frente de uma pequena comunidade como servo.
COM SENTIMENTOS DE GRATIDÃO
No dia 9 de Junho deste ano completam-se dezasseis anos daquele encontro memorável do Papa João Paulo II com os catequistas em Benguela. As suas palavras de alento foram o reconhecimento da igreja, na voz do Santo Padre, ao trabalho paciente e sacrificado dos catequistas, verdadeiros obreiros do evangelho.
A vossa coragem permitiu edificar comunidades vivas, foi através de vós que se consolidaram novas comunidades cristãs, e, por vezes fostes vós a fazer o primeiro anúncio do evangelho àqueles que não o conheciam, dizia o Papa.
E ainda acrescentou: “fostes vós, os catequistas, quem sustentou e formou os catecúmenos, preparou o povo cristão para os sacramentos, ensinou a catequese, assumiu a animação da vida cristã da sua aldeia ou do seu bairro”.
O tempo da guerra colocou em evidência a profundidade da fé dos nossos catequistas: “ Como não louvar a maturidade cristã e o sentido da responsabilidade, que vós manifestastes nas grandes provações que se abateram sobre vós e sobre a vossa gente, durante a guerra dos últimos anos?! Isto para citar apenas uma das últimas páginas, por vós escrita com lágrimas e até com sangue. …O povo cristão agradece a Deus o exemplo e o apego, à Santa Igreja, dos seus Evangelistas e Catequistas. Deus não deixa sem recompensa um copo de água dado por amor; muito menos deixará sem recompensa, caros catequistas, o vosso glorioso serviço ao Evangelho e às comunidades cristãs, durante estes anos de sofrimento”.
“Quero exprimir-vos aqui, caríssimos catequistas, a mais profunda gratidão da Igreja e do Papa por tudo quanto fizestes pelos vossos irmãos. …Sei dos grandes sofrimentos e enormes humilhações, infligidos quer a vós próprios quer aos vossos familiares: à vossa esposa, aos vossos pais, aos vossos filhos... Como não pensar nas dezenas de catequistas vítimas da guerra ou do totalitarismo?! Sacrificaram a vida, apenas porque se recusaram a abandonar a fé ou a deixar de alimentar a sua comunidade com a Palavra de Deus. Vós já sabeis o que é sofrer por Cristo: raptados, ultrajados, flagelados, muitos até assassinados... e tudo perdoastes! Sacrificastes-vos com uma dignidade cristã admirável... sem odiar ninguém. Destes um verdadeiro testemunho de Cristo! Glória a vós, por este testemunho de responsabilidade e maturidade cristã! O Papa devia-vos esta homenagem de louvor!”
Jamais esqueceremos esta página da nossa evangelização.
NO 75º ANO DA PRESENÇA MISSIONÁRIA NA NOSSA DIOCESE
Neste ano celebramos o 75º ano da presença missionária na nossa diocese, mas já antes o evangelho tinha chegado trazido da mão pelos catequistas. Nem a igreja nem o povo angolano esquece a bravura dos catequistas. Tu, catequista de hoje, és filho directo e herdeiro dessa geração de catequistas.
Na verdade, trata-se de uma realidade mais vasta: não estamos sozinhos, são 380.000 os catequistas que vão carregando o “suave jugo” deste ministério em toda a África.
NAS PEGADAS DE S. CARLOS LWANGA
É significativo que o padroeiro dos catequistas angolanos seja um catequista africano mártir: São Carlos Lwanga, de quem quero sublinhar algumas características.
Ele foi catequista num período de primeira evangelização; o anúncio de Cristo era recente em Uganda, mas mesmo assim ele fez surgir em adolescentes, jovens e adultos uma tal convicção no seguimento de Cristo, que foram até às últimas consequências e de um modo surpreendente: os catecúmenos deixaram a poligamia, práticas feiticistas e crenças supersticiosas, aceitando a morte antes de voltar atrás na sua decisão por Cristo. Sublinho este ponto porque no nosso meio há uma espécie de convicção contrária; pensa-se que é necessário sei lá quantas gerações para que o evangelho penetre em profundidade nos costumes das mesmas comunidades cristãs. A vida destes mártires africanos proclama que nós somos capazes do evangelho, somos capazes de aceitá-lo integralmente desde a primeira geração cristã! Com maior razão se poderá viver no nosso meio, onde há mais de 75 anos que chegou o evangelho. Durante a guerra, por quantos sofrimentos não passaram catequistas e comunidades inteiras para serem fiéis à sua fé! E agora, quando estamos em paz e temos a liberdade de anunciar o evangelho é que vamos receber um espírito de medo que faz recuar? O Espírito que recebemos é, pelo contrário de fortaleza. Não podemos voltar atrás no seguimento de Cristo face ao medo de causas ocultas, como se estas estivessem fora do omnipotente poder de Cristo: “Todo o poder foi-me dado no Céu e na terra”, repete hoje com mais força que nunca, e ainda mais “ Eu estarei convosco todos os dias até ao fim do mundo”.
A verdadeira inculturação é deixar que a luz de Cristo ilumine todos os esconderijos da nossa cultura, fazendo com que tudo fique nela plenificado, valorizado, transformado, redimido!
Em segundo lugar, chama a atenção a sua juventude: ele morreu com apenas 28 anos! A juventude carrega a força dos ideais, do heroísmo. Nas fileiras dos nossos catequistas há homens de muito mérito, há também mulheres, cujas comunidades são robustas e animadas, mas, infelizmente ainda vejo poucos jovens já casados, que, ajudados pelos sekulos e mais velhos podem imprimir um novo dinamismo às comunidades. Não tenhas medo de aceitar, acompanhar e encorajar os casais jovens para assumir este ministério.
Finalmente, o rei queria a todo o custo satisfazer os seus apetites sexuais desordenados, mas o grupo dos catecúmenos resistiu. Donde tiravam eles a sua força? Da oração. Por isso o rei lhes proíbe rezar. Não renunciemos a falar do projecto de Deus em relação à vida do homem e da mulher, principalmente aos jovens. Este anúncio não é feito de proibições, mas, pelo contrário, é verdadeiramente libertador e será acompanhado de frutos excelentes: veremos famílias unidas, saudáveis, filhos a crescer próximos dos seus pais, com o carinho e o afecto deles, com o espírito de fé a permear quase que naturalmente a vida toda, ultrapassando dificuldades e vencendo tentações, a que estamos sujeitos pela moda, o ambiente e até pelos meios de comunicação social. Não queremos condenar ninguém, antes mostrar a beleza deste plano de Deus realizado na vida prática, no testemunho firme e gozoso de tantos casais que optaram por uma vida a dois em Cristo.
Como será possível tudo isto? O cardeal Ratzinger, no ano 2000, o ano do grande jubileu, teve um encontro com os catequistas, particularmente profundo. Num determinado momento o nosso actual Papa revela o segredo do bom catequista, que forjou também o coração de Carlos Lwanga, e que, tem sua origem na prática de Jesus. Dizia ele: “Jesus pregava de dia, de noite rezava… Jesus devia obter de Deus os discípulos. Isto é válido sempre. Nós não podemos ganhar os homens. Devemos obtê-los de Deus para Deus. Todos os métodos são vazios sem o fundamento da oração. A palavra do anúncio deve estar sempre imersa numa intensa vida de oração.” Não se trata da quotidiana oração comunitária ou litúrgica, válida e importante, mas a oração da intimidade, da noite, das lágrimas e gozos interiores, das angústias e da serenidade vivida na frente daquele que nos remiu derramando o seu sangue, que nos amou até o incompreensível, até ao escândalo, da oração feita na presença do Pai que o enviou. Só o amor experimentado pode compreender o amor louco que este Pai sente por nós. Essa oração constitui o lugar mais íntimo, o fogo sagrado do catequista, que não pode deixar apagar. Ali, o catequista está a sós com Deus. Como no Monte das Oliveiras, os outros dormem, mas ele não, está a orar. Sobre isto, poderíamos escrever tanto, mas é uma linguagem que só a experiência poderá levar-nos à compreensão daquilo de que verdadeiramente se trata: “nós falamos do que vimos e ouvimos”. Em muitos catequistas há uma sensação de cansaço, de infecundidade espiritual do seu serviço. Mais que ver novas estratégias, dever-se-ia discernir se este fundo espiritual está saudável, senão padecemos de uma anemia espiritual… Se faltou alimentar esse fogo interior, não procuremos feiticeiros.
CATEQUISTAS DE UM TEMPO NOVO
Estamos a viver um tempo novo: durante a guerra as nossas comunidades eram impedidas de muita coisa. As mesmas capelas eram feitas às pressas, em espaços pequenos, cuja organização estava centralizada na figura do catequista, que apenas tinha adjunto, fazia a oração da manhã e às vezes da noite, ensinava algumas perguntas e respostas a que chamava de “catequese” que era uma condição para receber o baptismo.
Mas o tempo mudou: hoje estamos em paz, temos a liberdade de manifestar, proclamar e espalhar a fé.
O Sínodo africano disse que somos família de Deus: “um mesmo sangue corre pelas nossas veias e é o sangre de CRISTO”. (Mensagem dos padres sinodais) E nossas famílias não são pequenas: a comunidade cristã hoje deve capacitar-se para receber a todos.
A capela manifesta esta nova característica: simples, mas bela, arranjada, enfeitada com flores. A cruz que nos identifica como igreja católica seja digna.
Que tudo na nossa capela fale de beleza: não colar na frente avisos, calendários nem papéis, se for possível, algum artista local exprima a sua fé numa cruz com um Cristo que mova à oração. Onde for possível, façamos verdadeiras igrejas.
Somos Família de Deus e isso expressa-se na grande diversidade de funções e ministérios que as comunidades devem ter para que todos possam ser acolhidos nela.
Isto expressa-se também no espaço físico: amplo, vasto, sem encurralar as capelas no meio das casas. Se no bairro há espaço, deixemos um lugar livre na frente, para que as pessoas possam se encontrar, vedá-lo com uma cerca viva, plantar alguma árvore, como corresponde aos locais revestidos de importância: é o criador a quem fazemos presente na comunidade.
Com o tempo, a comunidade organizada pode construir algumas salas hoje de pau a pique, amanhã de adobe, ou de adobe queimado, BTC, poderá rebocar ou até construir mesmo com blocos. Estas salas acolherão diversas actividades: grupos de jovens de catequese, da Legião de Maria, Justiça e Paz, etc. Quem sabe se em algum lugar poderão aproveitar essas estruturas para colocar lá alfabetização, escola, sala de enfermagem?
Porque não fazer uma pequena sala para as confissões e atendimento pastoral quando o padre está de visita? E se o local for distante da sede paroquial, poderá ficar hospedado lá.
Essas salas permitem fazer cursos para organizar melhor as actividades na comunidade.
De facto, nesse ponto precisamos crescer bastante:
CARITAS. Sinto pena quando alguns velhos batem à minha porta porque na sua comunidade os cristãos não se organizaram para ajudar os seus pobres. Toda a bênção de Deus passa pelos pobres, não só para o tempo que passarmos na terra, mas para toda a eternidade. CARITAS significa caridade e a caridade não se faz com o que recebemos, mas com o que damos. A CARITAS não é opcional para as nossas comunidades, mas constitui a nossa marca, o nosso Bilhete de Identidade cristão. Construir uma casa para um velho abandonado, dar um casaco, acartar água para um aleijado, fazer uma colecta em géneros para o nosso necessitado faz parte da prática normal de qualquer comunidade cristã, até à mais pobre. “A mim o fizestes” deveria ser estar escrito na primeira página do nosso catecismo. Quantos testemunhos revelam que muitos católicos que deixaram a sua fé fizeram-no porque se sentiram eles mesmos desamparados pela comunidade na doença, nos hospitais, ou aquando da morte de alguém próximo, abandonados no momento da aflição. “Sozinho-faz-tudo” não pode ser catequista: o bom catequista anima, chama, procura quem possa assumir este serviço da comunidade cristã, mesmo que ainda não seja muito assíduo na oração, porque se o pobre não for atendido, a quem pedirá contas o Senhor, senão a quem já O conhece? Isto sem falar das oportunidades que cada comunidade tem no sentido de ajudar ao desenvolvimento do povo, através de cooperativas, associações de camponeses que aumentem a produtividade, diversifiquem os produtos do campo para melhorar a qualidade da vida, a organização de campanhas para a prevenção de doenças, entre outras a SIDA.
Organizar a catequese de crianças e jovens, junto às dos adultos, se possível com catequistas próprios. Chama a atenção o retrocesso da evangelização da camada jovem. Para recuperar o terreno perdido, devemos começar a trabalhar de um outro modo nas comunidades, descobrindo e formando quem tem capacidade para ajudar na catequese, sem medo de convocar alguém, de ensinar como deve transmitir a fé e acompanhá-lo para que faça bem o seu serviço dentro da comunidade.
A Pastoral bíblica. Foi relançada esta pastoral a nível da nossa diocese a pedido da última assembleia diocesana: o défice da Palavra de Deus nas comunidades, do conhecimento e da leitura orante da Bíblia é uma das causas do abandono da fé por parte de muitos dos que foram baptizados na nossa igreja. A renovação das comunidades passa pelos grupos de reflexão e de oração bíblica, e para isso o catequista deverá procurar quem poderá ser formado para levar para frente esta equipe na sua comunidade.
Fico contente ao ver jovens nas nossas comunidades; ainda aquelas que há 20 ou 30 anos não recebem a visita do missionário, têm jovens. Urge dar-lhes um alimento consistente; não basta cantar, cantar e cantar, é preciso uma formação mais completa, com temas adequados e actividades apropriadas para os jovens. Grupos como a IAM (Infância e Adolescência Missionária) podem ajudar a espalhar métodos de trabalho com jovens até aos confins da Diocese. Para isso cada comunidade deve abrir os olhos para escolher bem quem ficará à frente dos jovens e acompanhá-lo.
Justiça e paz: como é importante que a nível local, em cada comunidade exista esta comissão, para que se possam resolver os conflitos pacificamente, para que cada um, cada uma, conheça os seus direitos e deveres e assim possa contribuir para o crescimento da sociedade.
Onde houver um número consistente de baptizados comungantes, é bom organizar a Legião de Maria ou algum grupo como o Apostolado da oração para que, unindo a oração e a acção, o cristão assuma um compromisso mais profundo.
Uma comunidade organizada pode albergar múltiplas actividades, entre outras, a alfabetização, que abre as portas da cultura, de um outro tipo de saber a tantos jovens e adultos que não puderam estudar durante a guerra. Esse contributo gratuito que um cristão pode dar nos seus tempos livres, para o desenvolvimento do seu povo é inestimável, e criará um reconhecimento social que ultrapassará qualquer recompensa humana.
Estes são apenas alguns exemplos: um coração cheio de Deus transborda, um coração que evangeliza desde o oceano infinito da misericórdia divina vê mais longe, torna-se ousado, mas sem violência, generoso sem orgulho, activo sem agitação.
O sinal da verdade de que tudo quanto falamos se realiza no coração do catequista é a capacidade de comunhão: unido a Deus, permanece unido aos membros da sua comunidade, constituindo o conselho da comunidade e trabalhando com ele, unido aos colegas catequistas, ajudando aos mais fracos e encorajando os vacilantes, unido ao seu pároco e outros missionários da paróquia, unido ao Bispo e a toda a Igreja.
Pede a graça de ser um catequista segundo o coração de Deus para estes novos tempos.
Feliz dia.
+ Tirso
Bispo do Lwena
03 de Junho de 2008