Bakaru Rowatsu's (noticias misionarias)| 03


Missão Salesiana de Mato Grosso

ANIMAÇÃO MISSIONÁRIA INSPETORIAL

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO INDÍGENA

Av. Tamandaré, 6000 - Jd. Seminário

Caixa Postal 100 - UCDB

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E-mail lachnitt@ucdb.br








Coordenação: Delegado Inspetorial de Animação Missionária:

Pe. Georg Lachnitt SDB





Digitação e Diagramação: Georg Lachnitt





Impressão: Mariza Etelvina Rosa Irala

Centro de Documentação Indígena

UCDB - Campo Grande MS





Capa:

BAKARU, palavra Bororo, significa: o que se conta, notícia

ROWATSU'U, palavra Xavante, significa: o que se conta amplamente, notícia

Apresentação


Ao concluir o Mês das Missões, podemos apresentar reflexões importantes sobre o tema da Animação Missionária.

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) realizou sua 15ª Assembléia Nacional. Foi eleita uma nova diretoria nacional, dentro das exigências do estatuto ainda em vigor. Foi concluída também a atualização do Estatuto que deverá ser aprovado pela CNBB, conforme as exigência do novo estatuto da CNBB. Os missionários representantes dos 11 regionais do CIMI elaboraram uma Mensagem para assim tornar públicas as preocupações daqueles que dispõem a vida em atividades junto aos povos indígenas.

Durante a Assembléia Nacional ocorreu um Seminário Nacional, com ampla participação de autoridades dos diversos níveis e indígenas que por sua vez manifestaram suas preocupações quanto à causa indígena e a situação mais ampla do país.

Em Roma foi realizado o primeiro Encontro de Missiólogos SDB a nível mundial para refletir sobre a inculturação do Carisma Salesiano e dar sugestões sobre a Animação Missionária nos diversos níveis da congregação. Disso podemos ter uma imagem aproximativa pelo discurso introdutório do Pe. Francis Allencherry, Conselheiro Geral pelas Missões, e pelas sugestões dos participantes sobre o modo de promover a Animação Missionária.

Depois de dar continuidade na reflexão sobre o significado de cultura, reproduzimos dois artigos de jornal: o primeiro trazendo críticas ao trabalho missionário desenvolvido em Sangradouro e o segundo mostrando o parecer da maioria dos indígena daquela missão, em dicordância com uma pequena minoria anônima de descontentes.

Desejamos a todos um feliz final do ano de 2003 com alguns dias de férias após as festas de Natal. Não se esqueçam, porém, de comemorar o dia 11 de cada mês recordando o primeiro envio de missionários por Dom Bosco.

Pe. Georg Lachnitt SDB

1. MENSAGEM da 15ª Assembléia Geral do Conselho lndigenista Missionário/Cimi

realizada em Luziânia/GO, de 4 a 8 de agosto 2003

Missionárias e missionários, bispos e líderes indígenas avaliaram a atuação do CIMI junto aos povos indígenas no atual contexto político brasileiro. Contaram o mito da refundação da ação missionária, a partir de 1972, e a história profética de sua presença nas aldeias indígenas. Essa nova presença era e é um dique contra a integração subordinada e assimétrica dos povos indígenas no Estado brasileiro, luta que hoje também está presente no combate à proposta da ALCA que visa à mesma integração subordinada dos países latino-americanos ao império capitaneado pelo governo dos Estados Unidos.

As notícias trazidas dos quatro cantos do país, pelos participantes da Assembléia, configuraram um quadro preocupante de um continuísmo político inerte. Causaram profunda indignação:

- os 18 assassinatos de lideranças indígenas nos primeiros sete meses deste ano;

- a ausência completa de uma nova política indigenista ou, ao menos de sinais que apontem para as "substanciais mudanças" no trato com os povos indígenas, como prometeu o "Compromisso com os Povos Indígenas", parte integrante do Programa de Governo 2002 do presidente Lula;

-o fortalecimento dos setores antiindígenas em diferentes Estados, diante da indefinição da política indigenista do governo federal;

-a protelação de decretos de homologação e demarcação de terras indígenas já delimitadas, por exemplo, Raposa Serra do Sol, em Roraima e La Klanõ do povo Xokleng, em Santa Catarina, bem como a protelação da assinatura do decreto que incorpore ao ordenamento jurídico nacional a Convenção 169 da OIT;

-terras indígenas sendo usadas como moeda de troca para negociar uma suposta governabilidade;

-o não reconhecimento étnico e territorial dos "povos resistentes", a exemplo do povo Anacé, no município de São Gonçalo do Amarante/CE;

-a presença militar nos territórios indígenas da Amazônia, amparada pelo decreto inconstitucional 4412/02, reproduzindo a dominação colonialista;

-o progressivo fechamento de canais de comunicação entre instâncias do governo ao movimento indígena e indigenista;

-a ausência de proteção a grupos "isolados" que estão em situação de risco de extermínio nos Estados do Mato Grosso, Rondônia, Acre e Amazonas;-a continuidade da migração indígena para as cidades, devido à desassistência dos povos indígenas em suas aldeias.

-o agravamento da situação de saúde em muitas áreas indígenas;


Diante do quadro exposto, o CIMI exige a revogação dos decretos 1775/96 e 4412/02, cobra as promessas de mudanças estruturais do governo Lula e espera a ruptura com o continuísmo inerte que recai sobre a vida dos mais de 250 povos indígenas, e intensifica sua ação formativa junto às comunidades indígenas. Já se esgotou a paciência de aguardar soluções nas ante-salas dos gabinetes do governo Lula. Vale também, na atual conjuntura, o aprendizado destes 30 anos de luta que mudanças substanciais, na condução da política indigenista, não são dádivas dos governos, mas resultado da articulação e organização dos próprios povos indígenas. Somente sua ampla mobilização será capaz de decidir os novos rumos de uma política indigenista que favoreça seu projeto.

O núcleo de inspiração mística do CIMI, configurado na construção do Reino de Deus, coloca os missionários e as missionárias ombro a ombro com o movimento indígena. O projeto de Deus encontra seus protagonistas fora dos conchaves políticos, dos convênios inconvenientes, das parcerias oportunistas e da governabilidade de um projeto ainda orientada pelas amplas negociações com as elites.

Na luta pelos direitos dos povos indígenas, nos move a fé na vitória, porque essa luta representa a causa universal de um mundo para todos. Venceremos essa luta pelo protagonismo dos povos indígenas e a sua autonomia, não porque vencer seja nosso destino, mas sim porque estamos trabalhando, diariamente, ao lado dos povos indígenas por este objetivo e porque somos muitos e unidos. No sonho de um outro mundo possível antecipamos o óbvio de um mundo para todos que virá.

Os participantes da 15ª Assembléia Geral do CIMI

Luziânia/GO, 8 de agosto 2003



2. Documento Final Seminário Nacional:

Os Problemas Brasileiros e Perspectivas


Por ocasião de sua XV Assembléia Geral, o Conselho lndigenista Missionário, juntamente com o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, realizaram no auditório da Procuradoria Geral da República, em Brasília, o Seminário Nacional: "OS Problemas Brasileiros e Perspectivas (Terra, Meio Ambiente, Economia e Política)".

Preocupados com a situação em que vivem os povos indígenas, os trabalhadores rurais sem terra, os pequenos agricultores familiares, os quilombolas e demais povos do campo, apresentamos ao governo e à sociedade brasileira, propostas para enfrentar os graves problemas que atingem estas populações.

O presidente Lula foi eleito como o primeiro governo popular depois de 503 anos de domínio absoluto dos poderosos, do Império e da República, sobre o Estado Nacional. Devido aos seus compromissos de campanha e à sua origem popular, este governo gerou fortes expectativas na sociedade no rumo dos resgates das dívidas que o Estado brasileiro possui com os setores populares e os excluídos de maneira geral.

Vivemos um momento extremamente delicado e de fortes angústias frente à conjuntura nacional e, particularmente, frente às políticas públicas do atual governo que têm sido voltadas ao sistema financeiro internacional e pouco direcionadas às grandes questões sociais do país.

Estarrecidos, acompanhamos os relatos de todo o Brasil sobre o aumento da violência contra trabalhadores rurais, quilombolas, povos e comunidades indígenas. Nestes sete meses de governo, dezoito lideranças indígenas e vinte e oito trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados em função da luta pela terra.

As concessões e vistas grossas feitas ao avanço indiscriminado da exploração dos recursos naturais preocupam os povos indígenas e as mulheres e os homens do campo. Pois estes sabem que da preservação do meio ambiente depende a sobrevivência da vida humana.

Ainda assim, indústrias nacionais e multinacionais insistem em defender dentro do governo seus interesses predatórios, como nos casos da privatização das águas, o plantio de sementes transgênicas e dos riscos do "deserto verde", e programas de gigantesco impacto ambiental, como a construção de barragens, hidrovias, hidroelétricas e transposição de rios, que tem tido continuidade.

Estes fatos não nos fazem esmorecer e, muito menos, desistir da luta. É a História e suas contradições que estão em curso e nelas os povos indígenas, os trabalhadores rurais sem terra, os pequenos agricultores familiares e seus aliados sempre inscreveram suas lutas e arrancaram suas vitórias. No presente e no futuro isso não será diferente.

Lutaremos para que o governo popular de Lula tenha, como elemento primordial da sua agenda política, o combate à violência no campo e o resgate das dívidas com aqueles que sempre foram agredidos, violentados, usurpados e expropriados pelo Estado Nacional.

Para nós, trata-se de definirmos melhor nossas estratégias e construirmos com maior clareza nossas alianças. É tarefa urgente aprofundarmos nossa capacidade de análise, de mobilização social e de intervenção política para recuperarmos a iniciativa, reafirmando o protagonismo dos setores populares e dos povos indígenas.

Diante do exposto propomos:

1. A criação e implementação de um Piano Nacional de Reforma Agrária tendo como base a desapropriação dos latifúndios como o caminho constitucional para garantir a função social da terra; uma legislação que limite o tamanho das propriedades rurais, através de emenda constitucional, e o confisco integral de todas as terras onde houver trabalho escravo, exploração de trabalho infantil, cultivo de plantas psicotrópicas e daquelas usadas para práticas de contrabando ou adquiridas mediante práticas ilegais;

2. O planejamento da produção familiar que leve em consideração as diversidades regionais, sua viabilidade e sustentabilidade econômica, social e ambientar com linhas de crédito de custeio e investimento acessíveis, com programas de seguro agrícola e de serviços de assistência técnica pública, gratuita e de qualidade e com garantia de preços mínimos justos e de comercialização da produção;

3. Que no decorrer deste governo, as terras indígenas sejam integralmente demarcadas, de acordo com os limites aceitos pelos povos ou comunidades indígenas que as ocupam tradicionalmente, conforme determina a Constituição Federal. E, de imediato, que seja garantida a posse plena das comunidades indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e que se encontram envolvidas em graves e prolongados conflitos, a exemplo das seguintes terras: Raposa/Serra do Sol (RR), Caramuru Catarina Paraguaçu (BA), Pataxó da região do Monte Pascoal (BA), Cerro Marangatu (MS), Guarani do Araça'í (SC), Xokleng La Klafio (SC), Toldo lmbu Kaingang (SC), Alto Rio Guamá (PA), Xukuru (PE), Guajá (MA) e Roosevelt (ROIMT);

4. A assinatura de decreto que incorpore ao ordenamento jurídico nacional a Convenção 169 da OIT, cujo texto já foi aprovado pelo Senado Federal através do Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002;

5. A imediata proteção jurídico-administrativa e judicial às comunidades indígenas, onde existem conflitos pela posse da terra, bem como rápido e eficiente combate à violência contra os povos indígenas e trabalhadores rurais e punição dos responsáveis por esses atos;

6. Respeito aos territórios tradicionais indígenas onde foram ou estão sendo sobrepostas Unidades de Conservação Ambiental, com especial observância ao disposto no art. 231, § 61, da Constituição Federal, quanto à nulidade imediata e independentemente de declaração judicial ou administrativa, dos seus respectivos atos de criação;

7. Recomposição territorial das áreas indígenas atingidas por grandes projetos, a exemplo do povo Tuxá (BA), Avá-Canoeiro (GO) etc.;

8. Providências deverão ser tomadas para estruturar uma política indigenista que assegure aos povos indígenas o atendimento de suas legítimas reivindicações e direitos, de acordo com os princípios norteadores definidos pela Constituição Federal. E que seja criado um conselho indigenista com poder deliberativo, do qual participem representantes dos povos indígenas, das entidades de apoio, da comunidade acadêmica e jurídica, da Ministério Público Federal e dos ministérios que atuem de forma permanente, através de órgãos próprios, em ações de proteção e assistência aos povos indígenas;

9. A criação de programa nacional de titulação de terras de quilombos e de um programa de promoção do desenvolvimento sustentado das comunidades quilombolas.

Por fim, nos colocamos abertos ao diálogo com vistas à construção de um futuro digno para a sociedade brasileira e para os povos indígenas. Comungamos dessa esperança viva e presente em incontáveis companheiros e companheiras de todo o nosso Brasil.

Brasília, 05 de agosto de 2003.



3. Introdução ao Encontro de Missiólogos

- Roma - Pisana, 14-17 de setembro de 2003

Pe. Francis Allencherry, Conselheiro Geral das Missões

Antes de tudo desejo estender as cordiais boas-vindas a cada um de vocês que vieram para participar neste encontro de missiólogos. Já tivemos ocasião de nos apresentar e estou seguro que já se encontram bem acomodados. Neste grupo há muitos missiólogos experimentados, algum principiante e outros que têm experiência prática vindo do campo da ação missionária Juntos teremos ocasião de nos enriquecer reciprocamente.

Esta é a primeira vez que um encontro de Missiólogos Salesianos está sendo organizado e nível mundial. Penso que no mundo salesiano há muitos outros irmãos com qualificação acadêmica em missiologia. Espero que nalgum dia possamos envolver todos estes irmãos numa permanente reflexão sobre vários temas conexos com a missão ad gentes e com aquela salesiana.

Este encontro surgiu em vista do Projeto de Animação Missionária para as Missões para esse sexênio. Sob o título de Animação Missionária são previstos encontros de missiólogos salesianos para o sexênio. Agradeço a cada um de vocês pelo transtorno que enfrentaram para vir a este encontro de três dias. Espero que seja uma experiência frutuosa para cada um de vocês e para a Congregação em geral.

Natureza deste encontro

O que nos propomos para este encontro? Evidentemente não estamos aqui para avaliar, criticar ou aprovar resoluções que os outros deverão levar adiante.

A finalidade primária é refletirmos juntos sobre a realidade missionária salesiana, inserida com é na missão ad gentes da Igreja. Esta reflexão deveria orientar nos a propostas concretas entendidas a reavivar o empenho missionário da Congregação, seja no interior dela mesma, seja com outros empenhados na missão ad gentes.

Podemos dizer que este encontro tem um aspecto reflexivo-explorativo e um outro programático.

Os desafios diante de nós

Estamos no início de um novo milênio e de um novo século. O progresso material e econômico alcançado no século passado, em vez de resolver os problemas da humanidade em geral parece tê-los aumentado, resultando a divisão anda muito mais evidente do que antes entre poucos ricos e muitos pobres.

A globalização do pensamento leigo, de um lado, há o aumento impressionante do fundamentalismo religioso e, de outro lado, têm conseqüências de vastas dimensões sobre o modo de pensar da sociedade. O cristianismo parece ser o mais vulnerável a esses fenômenos.

Estas e outras realidades semelhantes, presentes no mundo de hoje, levantam grandes desafios à evangelização. surgem continuamente novas situações e é preciso encontrar respostas novas juntamente com metodologias novas.

Na relação apresentada no último Capítulo Geral, Don Luciano Odorico, meu antecessor, fez algumas observações úteis a serem relembradas.

Já faz uma dúzia de anos, ele observa que havia um cansaço a respeito à evangelização.

"Todavia se evidenciava então um irenismo mal interpretado nos contextos interreligiosos e um certo cansaço evangelizador".

A respeito do empenho de evangelização e à harmonização desta ação com outros aspectos do carisma salesiano ele observava:

"Certamente a Ásia, na perspectiva da 1ª Evangelização, é o continente a ser privilegiado (vejam-se as indicações do Santo Padre aos Bispos da Ásia ao entregar o testo sobre o Sínodo para a Ásia em Nova Delhi, novembro de 1999). Todavia o drama da pobreza sobretudo a tragédia da AIDS nos levam também ao continente africano para um empenho renovado".

"No campo da 1ª Evangelização e Diálogo interreligioso emerge a urgência de aprofundar o estudo dos contextos multi-étnicos, dos novos areópagos sociológicos e culturais do ocidente europeu, americano e australiano.

"Na ação concreta de uma obra, e especialmente no projeto inspetorial, deve-se tender a uma bem sucedida harmonização no empenho pela 1ª Evangelização, Educação e Promoção humana: esta unidade é uma expressão do estilo missionário salesiano."

Esta idéias não são novas, mas demonstram que a questão da missão ad gentes é sempre viva e de relevância. Se não tivermos constantemente na mira, tendemos a esquecer-nos dela em favor das necessidades mais prementes.

Um outro aspecto sublinhado por Don Odorico é a necessidade de trabalhar em colaboração com outros que estão empenhados no campo da Evangelização e da Promoção Humana.

"No contexto atual da globalização, a dimensão missionária da Congregação deve expressar-se profeticamente e em forma "de rede" com outros Institutos Missionários, a solidariedade com o pobres e os últimos da terra. A nossa Congregação, mesmo que não estritamente missionária, dá uma contribuição de primeiro plano à presença missionária da Igreja universal. Não pode por isso ignorar responsabilidades diretas em intervenções públicas em ambiente continental e mundial sobre temas da Solidariedade, paz, inculturação e diálogo entre as Religiões."

Há também aspectos específicos de envolvimento missionário sobre os quais ele chama atenção:

"No campo das novas fronteiras certamente há necessidade prestar atenção ao drama de milhares de órfãos vítimas de AIDS e retomar com vigor salesiano o Projeto Refugiados. A dimensão da novidade, traduzida em novos projetos missionários é fonte de iniciativas de cooperação missionária, de ofertas de novos candidatos missionários e de renovada fidelidade a Dom Bosco, profeta-sonhador da expansão missionária da Congregação".

(A Sociedade de São Francisco de Sales no sexênio 1996-2002: Relação do Vigário do Reitor Maior don Luc Van Looy, CG 25, Roma 2002, p. 191-199).

Pode ser útil re-evocar algumas características do tempo presente:

- A globalização em todos os aspectos da vida é um dado de fato e não podemos firmar o processo já iniciado. Há também uma globalização do indiferentismo religioso e da secularização. Para muitos no mundo desenvolvido, Deus não ocupa mais o lugar de honra que ocupava nos séculos passados. Este fato atinge também as sociedades subdesenvolvidas.

- Parece que existe um sceticismo difuso a respeito da necessidade da evangelização.

A preservação de culturas indígenas, o respeito à liberdade individual, a necessidade de sociedade heterogêneas e semelhantes argumentos estão sendo adotados a favor de uma falta de empenho na proclamação do Evangelho àqueles que ainda não o conheceram. Uma coexistência pacífica parece ser o modelo seguido por muitos hoje.

- O flagelo da pobreza na África, Ásia e América do Sul moveu a muitos a tomar a via do desenvolvimento humano e a atenuação da pobreza em detrimento, bastante freqüente, da Proclamação do Evangelho.

- A Igreja celebrou com grande entusiasmo o Jubileu do Milênio. Sínodos foram realizados em todos os continentes e documentos foram divulgados. Estes tês orientações para a evangelização. Todavia é para se perguntar se estes documentos tiveram impacto que se esperava sobre a prática missionária.

- Nos últimos Capítulos Gerais, a nossa Congregação enfatizou a necessidade de aprofundar a fé nas pessoas a nós confiadas (CG 23), apreciando e promovendo o envolvimento dos leigos (CG 24) e reforçando a base da comunidade salesiana (CG 25). Quais efeitos tiveram esses Capítulos sobre a prática missionária da Congregação?

- Em tempos passados se costumava distinguir entre terras cristãs e terras de missão. Se considerarmos a atual situação social e religiosa das nações tradicionalmente cristãs, damo-nos conta de que tal distinção não é mais válida. Hoje o mundo inteiro é terra de missão e devemos pensar em estratégias que levem a Cristo a terras cristãs enquanto ele é anunciado àqueles que ainda não o conhecem.

- A inculturação ainda é o grande desafio que enfrentam os missionários. Parece que em muitas partes do mundo nós Salesianos ainda não fizemos muito progresso neste empenho.

Eu sublinhei estes pontos para contextualizar o trabalho que está na nossa frente nos próximos dias. Dever-se-ia pensar em outros problemas conexos, mas estes são suficientes para darmos início ao trabalho.

A nossa reflexão deveria conduzir-nos a encontrar modos e meios par suscitar um novo entusiasmo pela evangelização segundo espírito das nossas Constituições:

"Os povos ainda não evangelizados fo­ram objeto especial dos cuidados e do ardor apostólico de Dom Bosco. Eles con­tinuam a solicitar e a manter vivo o nosso zelo; reconhecemos no trabalho missioná­rio um traço essencial da nossa Congre­gação..." (Const. 30).

Precisamos também explorar modos como contribuir para a animação missionária da Congregação. O fervor missionário é, em certo sentido, o termômetro da nossa vitalidade apostólica.

Além disso, devemos considerar também como trabalhar em rede para contribuir para uma permanente reflexão sobre a prática da evangelização missionária.



4. URGÊNCIAS apresentadas no Encontro de Missiólgos

Participantes do Encontro

Os participantes do Encontro de Missiólogos, Roma 14-17 de setembro de 2003, elaboraram em dois grupos, de língua inglesa e italiana, as seguintes urgências para servir ao Dicastério das Missões para o serviço de Animação Missionária.

1. Animação Missionária

A desenvolver em três âmbitos:

1.1. Criar um centro / instâncias de reflexão, coordenação, produção, estudos sobre temas missionários a nível central

1.2. Regionalização da Animação Missionária

1.3. Envolver na Animação Missionária todos os setores da pastoral (formação, comunicação, vocações, famílias salesiana, pastoral juvenil).

2. Formação Missionária

2.1. Envio anual de missionários: pensar num programa de formação mais consistente e efetivo do que o atual;

2.2. Formação universitária nos campos da missiologia e antropologia com aplicações à atividade missionária;

2.3. Formação missionária continuada: começando no Pré-Noviciado até o teologado com experiências sobre as necessidade concretas dos povos;

2.4. Produzir e fazer conhecidos modelos de missionários salesianos e não-salesianos;

2.5. Tornar conhecidas situações novas emergentes (ex. "meninos de rua", AIDS etc.);

2.6. Estudar temas relativos à missiologia com (1) pluralismo religioso, (2) novos movimentos religiosos, (3) problemas socio-culturais emergentes, (4) diálogo interreligioso, (5) inculturação.

3. Voluntariado missionário

Alguns critérios para levar em conta:

3.1. Privilegiar o voluntariado local e religiosamente empenhado;

3.2. Estabelecer um "iter" formativo mínimo para os voluntários missionários;

3.3. Privilegiar o voluntariado "vocacionável", mas também aquele laical em geral;

3.4. Facilitar os três tipos de relacioamento do leigo com a comunidade missionária: (1) convivência plena, (2) total independência, (3) alguns relacionamentos com a vida comunitária salesiana.

4. Meios de comunicação social

4.1. Colocar os meios de comunicação social ao serviço da missão, especialmente para os jovens;

4.2. Uso dos meios eletrônicos para a difusão da Boa Nova.


5. Trabalhos em "rede" como uma forma de animação

5.1. Para garantir as relações entre os dicastérios e nível de congregação, inspetorias e comunidades locais em vista da animação missionária;

5.2. Para manter as relações com ONGs particularmente significativas e empenhadas na ação missionária.

6. Espiritualidade missionária salesiana

6.1. Definir os elementos específicos da espiritualidade missionária salesiana;

6.2 Promover uma reflexão sobre esses elementos em todos os níveis da Congregação.

7. Métodos de evangelização

7.1. "Socializar" / tornar conhecidos os métodos de evangelização usada pelos salesianos a nível mundial.

8. Inculturação

8.1. Expor aos irmãos a teoria e a prática da inculturação.

9. Diálogo

9.1. Expor aos irmãos a teoria e a prática do diálogo interreligioso.

10. Pluriculturalidade

10.1. Valorizar a realidade pluricultural do carisma salesiano e dos contextos nos quais trabalhamos.

10.2. Partindo da experiência das realidades pluriculturais, desenvolver a formação à interculturalidade.

11. Formação dos ministérios nas Igrejas Locais

11.1. Favorecer a criatividade para a formação e instituição dos ministérios no serviço à Igreja Local.



5. O que é Cultura (II)

Pe. Georg Lachnitt

Crítica ao Evolucionismo

A crítica ao evolucionismo acima delineado veio por meio de Franz Boas (1858-1943),1 não só por ele mesmo, mas também pela escola de Antropologia Cultural Americana de que foi o iniciador.2 Ele rejeita o evolucionismo unilinear de Tylor e de seus seguidores e propõe o evolucionismo multilinear.3 Estava convencido de que o processo histórico envolvia a difusão de traços culturais e não de complexos culturais maiores.4

Conforme comenta Terrin, foi um dos seus discípulos, Alfred. L. Kroeber (1876-1960), que desmantelou o evolucionismo, embora divergindo do seu mestre quanto à metodologia.5

Laraia relaciona resumidamente a contribuição de Kroeber pelo seu conceito ampliado de cultura:

1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações.

2. O homem age de acordo com os seus padrões culturais. Os instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo por que passou.

3. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos.

4. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais para transformar toda terra em seu habitat.

5. Adquirindo a cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas.

6. ... é este processo de aprendizagem (socialização ou endoculturação ...) que determina o seu comportamento.

7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo.

8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes que têm a oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor, construído pelos participantes vivos e mortos de seu sistema cultural ...6

O termo acima mencionado (no 6.), "endoculturação", ou também chamado de "enculturação", foi usado por um outro aluno de Boas, Melville Herkovits, que definiu tal termo como a aprendizagem ou a socialização de uma pessoa na própria cultura.7 Esses autores citados, Boas, Kroeber e Herkovits, sem omitir R. Benedict, são representantes do difusionismo, teoria que, em suas linhas principais, está delineada na definição de cultura de Kroeber acima citada.8

O Difusionismo, resultante da Crítica ao Evolucionismo

Linton comenta amplamente o fato da difusão no seu estudo: O Homem, uma Introdução à Antropologia.9 Alguns dos elementos novos em relação ao evolucionismo podem ser considerados os que se seguem. Em oposição à unilinearidade das culturas, por parte de Tylor, ele declara sua multilinearidade. Não há, portanto, uma só cultura que em cada caso se encontra num estado mais ou menos desenvolvido, mas há muitas culturas que estão em permanente evolução. Estas culturas não estão isoladas umas das outras, mas se intercomunicam. Malinowski afirma que a difusão como processo cultural é tão real e inatacável como a evolução.10

O difusionismo não deixa de ser uma continuação do evolucionismo, embora melhor determinado em seus conceitos. Linton comenta que pela difusão como transmissão de elementos culturais de uma sociedade para outra (...) realiza-se o crescimento relativamente rápido da cultura humana como um todo, o que é devido à capacidade que todas as sociedades humanas têm de tomar emprestados elementos de outras culturas e incorporá-los à sua.11 Linton analisa pormenorizadamente de como se processa esta difusão.

Uma sociedade, diante da novidade, pode comportar-se favorável ou desfavoravelmente. A relutância em aceitar um elemento novo, segundo Linton, constitui-se em prejuízo e retardamento do crescimento.12 Mesmo assim, a proposta de receber um elemento novo poderá repetir-se posteriormente. Mesmo rejeitando, o elemento em questão não fica perdido, mas continua na cultura original.13

Ao aceitar um elemento novo, a sociedade pode comportar-se de diversas maneiras. Sociedades de traços culturais mais comuns, devido à origem comum, ou sociedades mais abertas a contatos recíprocos oferecem mais possibilidades de intercâmbios culturais.14

Como toda a cultura é uma configuração cujas partes se ajustam reciprocamente umas às outras, a introdução de qualquer novo elemento cultural imediatamente perturba o equilíbrio.15

O processo de integração do elemento novo é lento e admite vários graus de integração. O prestígio do grupo doador e do intermediário têm papel importante na integração do elemento novo. Sociedades que têm um complexo de inferioridade em relação a outra estão bem abertas a receberem muitos elementos dela.16

Todo o elemento ou traço cultural não vem, na realidade, sozinho, mas existe e se insere num complexo de elementos, incluindo várias associações e idéias a respeito da maneira pela qual deve ser empregado.17

A interpretação tampouco se dá de maneira mecanicista, quem sabe, transferindo-se em sua originalidade, mas sempre sofre uma reinterpretação, em maior ou menor profundidade, a partir do receptor, dentro do complexo cultural próprio.18 Após um tempo de tolerância inicial, se não for integrado na nova configuração, o elemento novo pode ser rejeitado definitivamente: nunca fica por muito tempo numa situação intermediária. Ao ser integrado na cultura receptora, suplanta o elemento equivalente preexistente.

A difusão ainda inclui três processos distintos:

1o a apresentação do elemento novo,

2o a aceitação do mesmo experimentalmente e

3o a integração na cultura já existente.19

Até aqui apenas falamos de elementos periféricos das culturas, elementos tecnológicos etc. Conforme o autor, há uma outra parte da cultura, como valores e atitudes, geralmente não conscientizados e raramente verbalizados, como padrões de comportamento social, conceitos religiosos e filosóficos, que é simplesmente não-suscetível de difusão.20 Caso se tentar transmití-los, isto sempre se dará apenas parcialmente e de maneira incompleta.

Por ora fico nesses traços gerais ao respeito do conceito de difusão cultural que, porém, ainda merece um aprofundamento mais pormenorizado quando for tratado das mudanças culturais mais profundas.



6. Sangradouro, acusação e respostas

No intúito de informar os nossos leitores, publicamos um artigo na FOLHA PRIMAVERA de 17/10/2003, que muitos leram e ficaram impressionados. Por isso acrescentamos também uma entrevista dos mesmos indígenas à FOLHA PRIMAVERA de 05/11/2003 que retifica umas tantas afirmações levianas.


A NOTÍCIA:

IMPRENSA DE PRIMAVERA DO LESTE (MT) PUBLICA MATÉRIA SOBRE NOSSAS MISSÕES

(Notícia repassada à MSMT pelo Me. Marquez Jonni Ortega Padilha, de Poxoréo)

Indígenas criticam ação de missionários nas aldeias

Em contados mantidos com a reportagem da Folha, lideranças indígenas da Nação Xavante informaram estar indignadas com a atitude dos missionários para com a comunidade que vive numa situação de miséria. As lideranças revelaram ontem o que acontece nas aldeias e que muitos desconhecem, segundo eles. Conforme esses líderes que pediram para não serem identificados com medo de represálias, os índios recebem um salário mínimo para trabalhar de forma intensa para os padres onde estes descontam dos mesmos o que eles comem e no final do mês não recebem nem R$ 50,00 que no final das contas acaba sendo “mínimo mesmo”. Das cestas básicas que os missionários recebem e deveriam repassar aos índios, os mesmos cobram R$ 200,00 por elas ou as trocam por artesanatos que os índios produzem e que, segundo ele, são comercializados com visitantes estrangeiros em dólar. Conforme eles, o valor de um arco e flecha de R$ 300,00 chega a ser vendido aos turistas que visitam a aldeia por não menos de US$ 1.000,00. “Estamos sendo explorados e nosso povo não quer mais isso, eles se escondem em nome de uma religião, mas o que querem é dificultar a vida do nosso povo e ganhar nas custas do índio”, disse a liderança.

Outro fato apontado pelos indígenas é quanto às roupa que como a comida, são doados aos padres e freiras, mas que são vendidas aos índios na aldeia ou trocadas por artesanato que será exportado a “preço de ouro”. “Pagamos cerca de R$ 5,00 por essas peças e às vezes, bem mais por roupas usadas que são doadas a eles. Os missionários que deveriam ser a ponte entre os índios e as doações estão é ganhando nas custas do sofrimento do nosso povo. Estão usando os índios para satisfazer os seus próprios interesses”.

Outra revelação que eles fizeram foi com relação ao gado doado por produtores rurais há anos atrás aos índios da aldeia, mas que ficou sob responsabilidade da missão salesiana. Segundo eles, antes o rebanho era de 5 mil cabeças e hoje é de apenas 2 mil cabeças – “esse gado deveria ser para o índio e nada chega até nós”, disse um deles. Outro problema apontado se refere ao fato de não poderem desmatar para plantar, mas ninguém “dá de comer, vestir e morar”. “Dizem que não podemos desmatar, queimar, que temos que preservar a natureza, mas vamos comer o quê? Não tem mais caça e pesca, acabou tudo, estamos morrendo de fome e aqueles que deveriam nos repassar as cestas básicas que nos são doadas, são os primeiros a nos explorar, quando deveriam nos ajudar”, disse a liderança.

Eles reclamam também do Conselho Missionário Indigenista (CIMI) que também está ganhando às custas do índio. “O CIMI está mentindo para nosso povo. Ficam nos colocando contra os produtores, pois o medo deles é que os produtores possam se aproveitar do acordo que fizeram conosco, mas não é isso que acontece. Estamos aprendendo como nos sustentar usando a terra que possuímos e com isso vamos nos tornar independentes num futuro próximo. E é exatamente nesse ponto que mora a preocupação do CIMI, dos missionários, dos antropólogos e outros, pois a partir do momento que não precisamos mais da ajuda deles, eles passarão a não receber mais verba com a desculpa de ajudar o índio, que na verdade nem vê a cor do dinheiro”, disse.

As lideranças voltaram a colocar que a comunidade Xavante está de acordo com a parceria que está sendo realizada nas aldeias com os produtores, para o plantio de lavouras que proporcionarão a subsistência de toda a comunidade. “Se dependermos só do CIMI, dos antropólogos e da missão não mataremos a fome do nosso povo, não chegaremos a lugar algum e sim assistiremos a nação Xavante morrer de fome. Estamos parados porque não temos máquinas, se nos derem máquinas irão ver que não ficamos parados. Mais uma vez repetimos que não queremos ampliação de terras, apenas plantar e comer. E não mais ver nossas crianças chorando de tanta fome”, finaliza uma das lideranças.

A reportagem tentou na noite de ontem entrar em contato com a missão salesiana e o CIMI, porém, não foi possível. A reportagem volta a buscar contato no dia de hoje e na próxima edição seguiremos no caso”. (Até aqui a reportagem).


RESPOSTA:

MISSÃO DE SANGRADOURO

Duas semanas atrás foi publicado artigo da Folha de Primavera do Leste que falava das nossas Missões e dos nossos Missionários. Esta semana saiu outro artigo totalmente contrário, que é reproduzido na íntegra.

"A Missão sempre desenvolveu trabalhos em benefício dos indígenas"

Cacique Alexandre esteve ontem na redação da Folha e expôs seu ponto de vista com relação as denúncias feitas por outros índios.


DA REDAÇÃO

O leitor da Folha acompanha nesta quarta-feira (05) uma entrevista com o Cacique Alexandre Tsereptsé, um forte líder da Comunidade Xavante, que fala do trabalho da Missão Salesiana sempre voltado a defesa e aos interesses dos povos indígenas.

O Cacique nos revela que as denúncias que foram feitas contra a Missão, veiculada pela Folha, partiu de uma pequena minoria de índios da aldeia que estão descontentes, mas deixa claro que a maioria do povo Xavante está a favor e apóia o trabalho da missão que é feito nas comunidades indígenas.

Fala também que a Missão sempre desenvolveu trabalhos para ajudar o povo indígena, com educação, saúde e que muitos índios aprenderam a ler e escrever graças à missão, e que se hoje são alfabetizados devem ao esforço e dedicação dos missionários nas aldeias. Falou também do apoio a parceira firmada entre o governo, produtores, índios, entidades, mas ressalta que se o projeto não seguir adiante ao longo dos anos, no futuro podem pedir uma ampliação das terras. Mas acreditam que o projeto vai dar certo por muitos anos, como já está dando neste momento. O Cacique colocou-se contrário a posição de uma minoria dentro da aldeia que está descontente com os trabalhos desenvolvidos pelos missionários.

Folha - Com relação a matéria que foi veiculada, o que a Missão fez pelos índios? Qual a sua posição frente a tudo isso?


Cacique Alexandre - A missão sempre esteve lutando pelo bem do índio, nos orientando e nos ensinando, nos evangelizando para o bem da nossa comunidade. Estamos bem mais esclarecidos com os ensinamentos missionários que estão lutando, trabalhando e apoiando os índios. Estiveram lutando junto com nosso povo pela demarcação da terra, e agora, depois de demarcado as terras de Sangradouro, estamos trabalhando juntos com os missionários para

benefício de toda a comunidade. Nos ajudando na área da saúde, curando as doenças do nosso povo. Eles nunca fizeram mal algum aos índios.

 

Folha - Então a Missão em momento algum fez mal aos índios e sim desenvolve ações em prol das comunidades indígenas?

Cacique Alexandre - Sim, sempre procurou nos ajudar, e outros por aí inventam por falta de consideração, e isso nós reprovamos. A maioria de nós estamos sempre ao lado da missão porque eles nos mostram os caminhos certos, e quando solicitamos apoio somos atendidos. Eles não usam o nome do índio à toa, mas para o bem do índio, para defender os interesses da comunidade.

 

Folha - A maioria dos Xavantes é favor dos trabalhos da missão. E essa minoria, como o senhor mesmo disse, que falou coisas que a missão teria feito. Ela não fez?

Cacique Alexandre - Um grupinho que está descontente falou essas coisas, mas a maioria do povo tem uma consideração muito grande pelo trabalho voltado aos índios. Eles nos catequizam, nos orientam não para brigarmos, não cometermos erros, para não fazer guerra. Mas um grupo morde de raiva disso. Mas é um erro, e a maioria está apoiando a missão que abriu a escola de 2º Grau, está preparando a faculdade, forrando as casas dos indígenas. Os missionários estão abrindo bons caminhos para a comunidade indígena. Mas por falta de merenda escolar, que eles estão batalhando para conseguir, falta de uma escola maior que também está sendo buscada pela ação dos missionários, estão batalhando tudo isso.


 Folha - E com relação ao caso do gado?

Cacique Alexandre - Com relação ao gado, já existe nas aldeias desde o século passado e quando realizamos grandes festas na aldeia (Natal, Páscoa, Nossa Senhora Auxiliadora, aniversários), a missão nos doa algumas cabeças de gado para nossas festas. Os missionários continuam lutando e sofrem pelo bem do índio. Eu como liderança do meu povo e a grande maioria da comunidade Xavante discordamos que a missão tenha praticado roubo, missão é correta e procura agir sempre em favor dos índios.

 

Folha - O gado pertence a quem? Pertence a Missão ou ao índio?

Cacique Alexandre - O gado pertence à missão e a comunidade indígena em geral. É dos índios, mas a missão administra, toma conta do gado para nós, e nos repassa sempre que precisamos. O gado está em cerca de 2.000 cabeças. Quando temos festas nos doam cabeças de gado, e também quando precisamos recebemos doação de gado para a nossa alimentação.

 

Folha - Como é a questão do artesanato indígena?

Cacique Alexandre - O artesanato que preparamos é para trocar por alguma coisa, não compramos nada, fazemos trocas por roupas. O índio dá o artesanato em forma de presente para a missão. Mas os índios que não sabem trabalhar e ficam esperando só as custas dos outros, é que devem estar falando mal do trabalho que está sendo desenvolvido pelos missionários. Que ficam apenas nas custas do trabalho de outros esperando para comer.

 

Folha - Então é uma minoria que está descontente? A maioria está satisfeita com o trabalho desenvolvido?

Cacique Alexandre - A maioria está contente e uma minoria está em desacordo com as ações realizadas nas aldeias. Fazemos trocas por roupas, por comida não. Quando podem os padres e irmãs nos ajudam, mas trabalhamos para conseguir sustentar as nossas famílias, em roças com plantações de milho, mandioca, abóbora para comermos. Damos presentes para a missão, já doei do meu plantio para a missão, e tudo que sabemos devemos em grande parte ao trabalho e esforço deles. E um grupinho apenas está descontente. As doações são feitas da sociedade brasileira como um todo para nosso povo e a missão nos distribui.

 

Folha - E quanto as doações de roupas?

Cacique Alexandre - As doações de roupas eles estão nos repassando. As roupas de doação não estão recolhendo na missão Sangradouro, as roupas arrecadadas na Igreja e são usadas não podem distribuir para o povo indígena porque nos dá doenças e alergias. Temos que usar roupas novas, pois conservam a nossa saúde, e isso nós precisamos e não roupas usadas para distribuir para o povo indígena que não podemos vesti-las.

 

Folha - A missão então recebe doações de roupas novas e as repassam para os índios?

Cacique Alexandre - Eles recebem e nos repassam, não pagamos nada pelas roupas, elas nos são doadas pela missão. Se alguém reclama não sabe ao certo o que está dizendo. Estamos aqui para defender aqueles que nos ajudam.

 

Folha - O senhor falou que os projetos de parceria com os produtos estão se desenvolvendo bem, mas que no futuro gostariam de que as terras da reserva fossem ampliadas? Seria isso?

Cacique Alexandre - Futuramente gostaríamos de aumentar um pouco a área da reserva, mas isso é para daqui alguns anos. O governo do Estado fechou essa parceria e aderimos a ela, mas futuramente quem sabe seria bom uma redemarcação das terras, se o governo não cumprir com o que foi combinado e assinado, vamos renovar o pedido de ampliação das áreas das reservas.

 

Folha - O projeto de parceria está sendo desenvolvido nas aldeias? Está dando certo? Vocês estão gostando?

Cacique Alexandre - Sim está sendo bem desenvolvido. O projeto que o governo do Estado prometeu em público, está dando certo, a terra está sendo gradeada, preparada, as sementes já chegaram e logo estaremos plantando. Mas queremos que esse não seja um projeto de apenas um ano e que futuramente nossas crianças não morram de fome. Porque gerações e gerações estão sendo preparadas e não mais passaram fome, e é isso que mais queremos não ver nosso povo morrer de fome e que não fiquem doentes por falta de comida.

 

Folha - Esse projeto é uma maneira de não faltar comida para as comunidades e principalmente dos jovens estarem aprendendo a lidar com a terra para cuidar disso depois?

Cacique Alexandre - Com isso temos um caminho para não mais passarmos fome e dificuldades. E se o governador, que é um grande produtor de soja, nos ajudar todos os anos, nós acreditamos nele.

 

Folha - Então, os indígenas da comunidade Xavante são a favor do projeto desde que se repita ao longo dos anos e que não fique apenas neste primeiro ano?

Cacique Alexandre - Que o projeto se repita todos os anos para que nossos jovens possam aprender e depois ter como cuidar das terras das reservas, para que produzam para a nossa subsistência.

 

Folha - Para finalizar essa nossa conversa, nos diga o que a missão já fez e o que está fazendo de bom para a comunidade indígena de Sangradouro?

Cacique Alexandre - Os missionários estão dando ensinamento e educação, nos ensinam respeitar os nossos semelhantes, ter respeito pelos mais velhos. E nos ajudam com relação a saúde, sempre um índio fica doente e nos ajudam. Missão não pára, continua trabalhando e lutando em prol dos indígenas. Nos ajudam a preservar a nossa cultura, todos os projetos são para colaborar com o povo indígena. E estamos aqui para defendê-los.


7. Agenda

7-9 novembro, em Jardim: Assembléia Diocesana.

7-9 novembro, em Dourados: Assembléia Diocesana.

14-14 novembro, em Campo Grande: Assembléia Diocesana.

21-23 novembro, em Barra do Garças MT: Assembléia Diocesana.

24-27 novembro, em Luziânia: Encontro sobre os Índios na Cidade, CIMI.

04 dezembro, em Merúri: Encontro de reflexão sobre Educação Escolar Indígena, MSMT.

08-12 dezembro, em São Marcos: Curso de Agentes de Pastoral Xavante.

14-21 dezembro, em Luziânia: Atualização de Missionários, CIMI-Nacional.

1Cf. Roque LARAIA, Cultura, um conceito antropológico, p. 36-37.

2Cf. Aldo Natale TERRIN, in: NDL p. 115.

3Cf. Reinholdo Aloysio ULLMANN, Antropologia: O homem e a cultura, p. 21.

4Ibid. p. 22.

5Cf. Aldo Natale TERRIN, in: NDL p. 115.

6Roque LARAIA, Cultura, um conceito antropológico, p. 49-50.

7Cf. Reinholdo Aloysio ULLMANN, Antropologia: O homem e a cultura, p.312.

8Cf. Aldo Natale TERRIN, verbete "Antropologia Cultural" in: NDL,p.115-117.

9Cf. Ralph LINTON, O homem, uma introdução à antropologia, p. 311-330.

10Bronislaw MALINOWSKI, Uma teoria científica da cultura, p. 26.

11Ralph LINTON, O homem, uma introdução à antropologia, p. 331.

12Cf. ibid. p. 311, 317.

13Cf. ibid. p. 326.

14Cf. ibid. p. 315.

15Ibid. p. 332.

16Cf. ibid. p. 328.

17Ibid. p. 331.

18Cf. ibid. p. 321.

19Cf. ibid. p. 321.

20Ibid. p. 324.