CARTA DA MISSÃO DA FAMÍLIA SALESIANA
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Apresentação
AOS RESPONSÁVEIS CENTRAIS
DOS GRUPOS DA FAMÍLIA SALESIANA
EM SUAS SEDES
Irmãs e Irmãos caríssimos.
Celebramos, dias atrás, os 125 anos de expedições missionárias na Congregação e na Família de Dom Bosco.
Desejo exprimir, mais uma vez, com a gratidão a Deus por toda a ajuda que nos concedeu, o meu agradecimento sentido aos missionários que partem para várias regiões da presença salesiana e a quantos, próximos ou distantes, prepararam o encontro de Turim.
Fomos confortados pela palavra do Papa, que recordou na carta enviada ao Reitor-Mor para a circunstância, a experiência significativa das “missões salesianas” no mundo inteiro.
Ser missionário tem sempre dois âmbitos de intervenção: aqui e lá. Em Turim, fomos orientados a levar em consideração a exigência de viver “lá”, ou seja, nos territórios missionários. Ir em missão é parte viva do carisma de Dom Bosco e da vida salesiana. Não seríamos fiéis ao dom do Espírito se faltasse generosidade missionária.
O texto “Carta da missão da Família Salesiana” traz-nos “aqui”, à vida quotidiana, tecida de comunhão, trabalho apostólico, convergência de projetos, responsabilidade compartilhada na difusão do Reino de Deus, espiritualidade salesiana. Trata-se de uma maneira diversa, mas não secundária na realização do sonho de Dom Bosco educador e evangelizador, especialmente dos jovens.
Confiando-vos, hoje, Responsáveis Centrais dos Grupos da Família Salesiana, a Carta da Missão, revivo a riqueza do encontro dos Conselhos Gerais, realizado em junho passado na Pisana. Recordo com alegria a presença numerosa, a participação ativa de todos os Grupos, o desejo do conhecimento recíproco sempre mais fraterno e profundo, a vontade de caminhar em comunhão de espírito e em convergência de esforços. Sois promotores, portanto, cada qual no âmbito do próprio Grupo, da reunião de Roma e do resultado mais importante representado hoje pela Carta da Missão.
Ela nasceu do trabalho de muitos. Não quer ser um texto doutrinal e de novidades. Apresenta, de maneira ampla, a orientação e a sensibilidade dos Grupos da Família Salesiana diante da missão apostólica. Podemo-lo definir, corretamente, um texto inspirador.
A Carta pede de cada membro dos Grupos da Família, um esforço que se caracteriza como esforço salesiano: pela opção dos destinatários, pela proposta de promoção e evangelização que oferece, pela vontade de aprofundar as grandes intuições do Sistema Preventivo, pelo envolvimento laical, pela tradução ligada ao contexto espacial e cultural do carisma salesiano.
Os responsáveis e as responsáveis locais e nacionais, internacionais e mundiais, são os primeiros chamados à tarefa de difusão dos critérios e das orientações contidas no presente texto. Algumas palavras retornam com freqüência: missão, comunhão, apostolado, salesianidade, jovens, desafios, educação, promoção, evangelização, Sistema Preventivo, Espírito e espiritualidade. Alguns critérios aparecem como já adquiridos, mas devem ser continuamente esclarecidos e levados ao nível de realização: autonomia e co-responsabilidade, comunhão e originalidade.
Cada realidade mencionada precisaria de um comentário adequado. Não é função minha, no momento em que estou apresentando a Carta da Missão. Será, entretanto, a vossa principal função como Responsáveis nos diversos níveis da vida de cada Grupo.
Estamos preparando-nos para a festa da Imaculada, sempre muito cara a Dom Bosco. Maria Imaculada marcou muitas etapas da vida e da expansão do carisma salesiano. Rezemos a Ela com essa intenção. Seja para todos, Mãe e Auxiliadora.
Desejo-vos um bom trabalho.
P. Juan E. Vecchi
Reitor-Mor
Roma, 25 de novembro de 2000
PROÊMIO
A Família Salesiana está consciente de ter sido querida e enviada pelo Senhor para a salvação da juventude e dos ambientes populares.
Para responder às exigências dos diversos ambientes e tempos em contínua mudança, os Grupos que se referem a Dom Bosco colocam-se à escuta da Palavra de Deus e ao serviço dos irmãos e irmãs necessitados.
A missão que a Família realiza é resposta concreta ao Espírito do Senhor e aos seus dons, à força que atua através do sacramento da Confirmação e à Igreja que envia.
Reunidos em assembléia de comunhão, ao redor do Reitor-Mor sucessor de Dom Bosco – nos dias 1-5 de junho de 2000 –, os Grupos da Família Salesiana quiseram colher as inspirações fundamentais da missão comum.
O texto CARTA DA MISSÃO DA FAMÍLIA SALESIANA deve ser lido à luz do caminho de convergência entre todos e da originalidade de cada um, para uma presença apostólica mais eficaz na situação atual.
É confiado, por isso, aos Conselhos Gerais de cada Grupo para a sua adequada aplicação nos diversos contextos de vida.
CAPÍTULO 1º
A FAMÍLIA SALESIANA NA MISSÃO DA IGREJA
1.
A Igreja para uma nova evangelização
A Igreja foi missionária desde a sua fundação.
Habitada pelo Espírito Santo e enriquecida pelos seus dons, ela vive no mundo para dar a vida e dá-la em abundância.
A Igreja está vivendo uma estação missionária particular, denominada “nova evangelização”.
Trata-se de uma mobilização das forças eclesiais para realizar a palavra do Senhor: “Ide e ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-as a observar tudo que vos ordenei. Eis que estarei convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mateus 28,19-20).
Os crentes que têm consciência de ser parte viva da Igreja colocam-se ao serviço de sua missão, dando uma contribuição original, de acordo com os dons recebidos.
A Família Salesiana coloca-se neste vasto movimento apostólico eclesial.
2.
A ação do Espírito Santo
O Espírito do Senhor deu a Dom Bosco um olhar penetrante do mundo juvenil, das necessidades, expectativas e urgências dos jovens “pobres e em perigo”.
Ele deu início, na Igreja e na sociedade de Turim, a um vasto movimento de pessoas que, de vários modos, trabalham pela salvação da juventude, logo difundido em outras cidades.
O mesmo Espírito recolhe hoje ao redor de um projeto apostólico, sacerdotes e leigos, religiosos e consagrados, adultos e jovens, homens e mulheres, pessoas de pertença social variada. São Todos responsáveis pela realização de um sonho, iniciado na colina dos Becchi, feito experiência viva no Oratório de Valdocco e difundido no mundo com a força de uma espiritualidade original, inspirada em São Francisco de Sales.
3.
Os Grupos da Família Salesiana empenhados na missão eclesial
Da espiritualidade apostólica, típica de Dom Bosco, cada Grupo da Família Salesiana, assume e define de maneira original o próprio trabalho na Igreja.
Vivem, atualmente, na Família Salesiana grupos de sacerdotes, reunidos em comunidades religiosas ou atuantes nas dioceses.
Há, depois, os grupos de leigos, homens e mulheres, que pertencem a associações leigas, ou institutos de consagração secular, oficialmente reconhecidos pela Igreja e pelo Reitor-Mor.
São numerosos, enfim, os institutos de vida religiosa feminina, que surgiram em diversos lugares e circunstâncias como resposta às novas urgências da missão eclesial.
Cada pessoa e os vários grupos que se colocam docilmente à escuta e em busca de Deus, recebem a luz e a força necessárias para realizar a própria vocação no mundo e na Igreja.
O Espírito de Deus difunde seus dons no mundo, de forma original e diversificada.
Cada carisma é adaptadoa às situações humanas e históricas, em vista do desenvolvimento do Reino de Deus.
4.
As dimensões do empenho apostólico da Família de Dom Bosco
A Família Salesiana reafirma, no contexto do mundo contemporâneo, a fidelidade à riqueza profética de Dom Bosco, como resposta de fidelidade ao plano de Deus.
São três os âmbitos nos quais ela intervém:
promoção humana,
educação,
evangelização.
Dirigindo-se de maneira privilegiada aos jovens pobres e ao povo simples, os membros da Família Salesiana trabalham, antes de tudo, para criar as condições favoráveis de um crescimento digno das pessoas.
Nascem assim muitas atividades de inserção nas situações de pobreza.
A presença dos leigos é particularmente necessária para as iniciativas de promoção.
A educação de jovens e adultos é força eficaz e indispensável para o processo de crescimento.
As realizações de educação formal são muitas na Família Salesiana.
São igualmente numerosas as de educação não formal.
A colaboração entre os diversos Grupos da Família é essencial e significativa no âmbito da educação.
A evangelização direta empenha muitos Grupos: ou inseridos nas Igrejas Locais e, por isso, partícipes dos projetos diocesanos, ou dando vida a programas concretos e particulares, para responder a exigências de categorias de pessoas e a problemas de vida quotidiana.
A presença de Grupos, com clara identidade cristã, produz evangelização, também em contextos onde a evangelização direta não é fácil ou permitida.
5.
Uma missão particularmente adaptada aos leigos
A vastidão do empenho apostólico dado por Dom Bosco aos seus colaboradores traz consigo a exigência de multiplicar os recursos humanos e as forças disponíveis.
Dom Bosco recorria à ajuda e ao apoio de leigos e leigas como, também, de eclesiásticos e religiosos.
São numerosos os educadores e educadoras, agentes sociais, catequistas, adultos profissionais, políticos simpatizantes das iniciativas salesianas, jovens com talentos de animação, que encontram nas obras de Dom Bosco a possibilidade concreta de exprimir capacidades profissionais, carismas e profecias.
Assiste-se, nas atividades salesianas, a uma verdadeira mobilização do laicato, mesmo sem a qualificação de crente praticante, em determinadas circunstâncias, mais pela exigência de braços a empenhar do que por opção ideal e teológica.
Inicia assim o vasto movimento de pessoas que se organizam, coordenam e compartilham um projeto para a salvação da juventude e do povo.
O movimento é mais amplo de quanto se define como Família Salesiana, mas esta tem responsabilidades diante de todos os amigos de Dom Bosco.
6.
O Sistema Preventivo
Dom Bosco viveu o dom de Fundador de uma Família espiritual, iniciando alguns Grupos como expressão concreta do seu sonho de salvação para todos.
Deixou em herança a todos nós a riqueza do Sistema Preventivo.
Ele representa, na experiência da Família Salesiana,
a modalidade do empenho de promoção humana,
a opção de conteúdo da intervenção educativa e apostólica,
a espiritualidade apostólica da ação, inspirando-se em Francisco de Sales.
CAPÍTULO 2º
A MISSÃO DA FAMÍLIA SALESIANA
NO NOVO CONTEXTO RELIGIOSO CULTURAL
7.
O trabalho apostólico interpela a Família Salesiana
A Igreja do Concílio Vaticano II, através do magistério do Papa, dos Sínodos dos Bispos e do Grande Jubileu da Redenção, levou as comunidades dos crentes a retomarem com entusiasmo e novidade o anúncio da salvação ao mundo todo.
A Família Salesiana, no caminho de renovação e comunhão de todas as forças que a compõem, oferece aos seus membros algumas opções fundamentais para viver, de maneira eficaz, o empenho missionário e apostólico.
Parte de novo de algumas intuições típicas da experiência de Dom Bosco.
8.
Cidadão honesto e bom cristão
Uma expressão, utilizada com freqüência por Dom Bosco para definir o significado do seu trabalho na Igreja e na sociedade, atravessou os limites do seu tempo e da experiência em Valdocco.
“Cidadão honesto e bom cristão” tem conteúdos tradicionais e novos.
Refere-se ao desejo de colaborar na nova ordem da sociedade que nascia naqueles anos, inserindo os valores permanentes do viver e agir moral nos processos de mudança.
Reconhece, quase de forma empática, o valor da nova ordem que a sociedade vai exprimindo.
Reconhece a riqueza da nova cultura que está nascendo e os esforços para dar à humanidade um bem-estar mais amplo e mais seguro.
Reconhece a força contida na religiosidade que se renova à luz dos problemas e expectativas do povo, particularmente das pessoas mais necessitadas.
Representa, por isso, o enunciado sintético do manifesto educativo de nosso Pai.
A síntese deve ser buscada não só na brevidade da expressão, como também e primariamente na capacidade de não separar o que está unido na vida quotidiana.
Somos todos, ao mesmo tempo, cidadãos e crentes.
A intuição de Dom Bosco era de indicar a interdependência dos dois conceitos.
A honestidade do cidadão leva à fidelidade para com os valores evangélicos.
A vida de bom cristão é fundamento para a honestidade social do cidadão.
9.
O humanismo salesiano
A acolhida de tudo que seja integralmente humano é o conteúdo imediato percebido na palavra de Dom Bosco.
Antes de tudo, tender ao cidadão honesto e ao bom cristão é evidenciar a dignidade da pessoa humana.
O Concílio Vaticano II, em sua constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, afirma com clareza: “De acordo com a sentença, quase concorde, dos crentes e não crentes todas as coisas existentes na terra são ordenadas ao homem como a seu centro e ponto culminante” (Gaudium et Spes, 12)
Os educadores e os apóstolos têm a tarefa de despertar e mobilizar todas as potencialidades juvenis: as faculdades do conhecimento e da razão, o variado patrimônio afetivo, a vontade fortificada da liberdade.
O humanismo salesiano considera, além disso, as realidades quotidianas: do trabalho à cultura, da alegria da amizade ao compromisso civil, da natureza em que estamos imersos à educação pessoal e social, da competência profissional à honestidade moral e dos próprios gestos e opções. Todas elas, realidades que constituem a vida, como valores a serem defendidos e ajudados a crescer na experiência universal.
O esforço de promoção humana na história salesiana leva em grande consideração as pequenas realidades que constituem a experiência das pessoas.
Ainda, o humanismo salesiano atua na perspectiva de dar um sentido à vida de cada dia.
A educação através da razão, da religião e do carinho de Dom Bosco tende a preencher a história da pessoa de esperança e futuro.
O trabalho apostólico salesiano de todos os Grupos da Família é definido pela educação como conteúdo da própria missão, pela modalidade de intervenção para ser eficaz e pela opção espiritual dos agentes.
Enfim, o humanismo salesiano tem como meta ajudar a cada um no encontro do próprio lugar na sociedade e na Igreja.
A vocação de cada um é o ponto mais importante da vida.
Somos colocados no mundo não para nós, mas para os outros, trabalhando numa missão específica como serviço aos irmãos.
O apelo é à urgência de trabalhar, em tudo e sempre, com caridade evangélica.
Os crentes, adultos e jovens, consagrados e leigos, homens e mulheres, exprimirão de mil maneiras o dom da caridade: alguns, através da esmola, outros, em atividade educativa, outros ainda no empenho de evangelização, até à doação missionária.
10.
Trabalhar pela pessoa humana hoje
O objetivo da missão da Família Salesiana, na simplicidade da sua formulação “cidadão honesto e bom cristão”, tornou-se complexo e difícil no contexto social e religioso de hoje.
Motivações históricas, culturais e religiosas não tornam fácil a intervenção apostólica.
A carta encíclica de João Paulo II, Redemptoris Missio, responde a muitos interrogativos colocados pelo apóstolo.
A Família Salesiana que vive nas várias regiões do mundo é convidada, por isso, à leitura atenta e ao aprofundamento adequado das várias situações do documento eclesial.
Dom Bosco recordava aos seus colaboradores que trabalhassem com caridade exercida “segundo as exigências do tempo”.
São essas, na verdade, as exigências que dão consistência aos objetivos da missão.
Tentemos indicar algumas direções possíveis.
11.
Significativos no território
“O cidadão honesto e o bom cristão” são medidos, primeiramente, com a sua presença significativa no território.
Isso comporta a inserção efetiva nos contextos de vida da gente simples e dos jovens em particular.
Torna-se significativo tanto pelo testemunho de partilha que se oferece, como pelas propostas operativas que se formulam, em resposta aos interrogativos que nascem quando se busca o crescimento em humanidade.
Esses interrogativos referem-se aos problemas de relacionamento, em raio curto ou longo, com pessoas e instituições; às questões de valores humanos e morais a apelar e promover, no respeito de posições diferentes e contrastantes e em coerência com a própria consciência; às soluções novas a buscar, partindo de experiências passadas e olhando para o futuro; aos direitos a defender, particularmente daqueles que são os mais fracos e mais expostos; à presença eficaz em sede política onde são elaboradas as estratégias educativas; à convergência de forças para promover uma opinião pública nutrida de valores evangélicos e salesianos.
O critério da significatividade tem aplicações diferentes em contextos geográficos e culturais diversos.
Não exige as mesmas coisas em lugares diferentes.
Não indica o mesmo caminho a pessoas diversas.
12.
Graduais na busca do objetivo integral
O “cidadão honesto e bom cristão” exprime a maturidade alcançada, ou seja, a abertura à verdade inteira e à liberdade pessoal responsável.
O salesiano de qualquer Grupo da Família está, ao mesmo tempo, atento aos processos de educação e pronto a acompanhar o caminho, como animador, em vista do objetivo.
Isso exige gradualidade no caminho.
As Constituições dos Salesianos de Dom Bosco exprimem claramente essa exigência:
“Imitando a paciência de Deus, encontramos os jovens no ponto em que se acha a sua liberdade. Acompanhamo-los para que eles amadureçam convicções sólidas e se tornem progressivamente responsáveis no delicado processo de crescimento de sua humanidade na fé”.
A igreja serviu-se de algumas determinações, úteis de serem retomadas neste contexto. A Catechesi tradendae recorda:
a integridade do conteúdo a ser transmitido com “todo o seu rigor e todo o seu vigor”;
o equilíbrio na organização dos conteúdos a serem apresentados;
a organicidade entre as várias partes, dando o relevo que cada parte exige;
a hierarquização respeitosa da centralidade de alguns conteúdos em relação a outros, e por isso fundamentais e condicionantes;
a linguagem a utilizar, inspirada pela preocupação humilde de fazer com que se perceba melhor a riqueza dos conteúdos.
A aplicação correta do Sistema Preventivo responde às exigências do anúncio evangélico, para que resulte completo, claro e eficaz.
13.
Complementares na convergência das forças.
O “cidadão honesto e o bom cristão” apresenta uma riqueza de conteúdos a redescobrir continuamente.
A experiência na educação reconhece que, para realizar os objetivos, é indispensável a sinergia de muitas intervenções, particularmente hoje.
A co-presença de muitos pontos de referência sobre os mesmos problemas de vida; a diversidade de visão da pessoa humana na cultura atual; a quantidade indefinida de mensagens que alcançam o mesmo sujeito, através de uma comunicação que se tornou policêntrica exigem uma organização mais ampla e rigorosa do fato educativo.
São muitas as forças chamadas em causa.
Elas devem ser coordenadas para a obtenção do objetivo comum.
A Família Salesiana, com os vários Grupos que a compõem, pode garantir, do modo mais competente, a cobertura dos vários setores educativos, a partir da identidade dos Grupos e da especificidade na realização da missão.
Percebe-se, nesse âmbito, a riqueza e a eficácia das diferenças, dentro da comunhão mais profunda e substancial.
14.
Educar evangelizando, evangelizar educando
É uma segunda formulação do trabalho apostólico da Família Salesiana de Dom Bosco.
Será objeto de reflexão em seguida, no capítulo que apresentará a espiritualidade salesiana na ação apostólica.
Esse apelo serve para sublinhar um outro elemento novo.
A unidade da missão salesiana, complexa em seus componentes, precisa de missionários que vivam a unidade interior.
Ou seja, que saibamos abrir a educação, particularmente da juventude, à evangelização. Não se pode dizer que se educou ficando pela metade do caminho: da oferta, contemplando os conteúdos, da responsabilidade que se deseja desenvolver, contemplando o destinatário, da substância do fato educativo e do fato evangelizador, reduzindo-os a bens privados e individualistas.
Saibam os apóstolos, abrir a evangelização às exigências da educação, reconhecendo a importância de dar respostas a problemas reais, para não fazer um anúncio distante da vida quotidiana.
CAPÍTULO 3º
FRONTEIRAS PARA A MISSÃO EDUCATIVO-PASTORAL
DA FAMÍLIA SALESIANA
15.
Coração da missão salesiana: da mihi animas, coetera tolle
Partamos novamente do centro da realidade salesiana, quer considerando a história de Dom Bosco, quer examinando a experiência de sua Família apostólica.
Da mihi animas é como uma pedra miliar, carregada de conseqüências e perspectivas.
Nela está todo o espírito salesiano. É o nosso “distintivo salesiano por excelência”.
Coloca em primeiro plano a exigência da missão.
Exprime o ardor do apóstolo.
É a caridade apostólica, disposta a tudo perder para salvar a todos.
Diz-se, nos documentos constitucionais, em vista da referência à palavra de Dom Bosco “da mihin animas”, que somos “sinais e portadores do amor de Deus”.
Poderíamos dizer de forma imediata: “Tudo, tudo, até dar a vida por Cristo e pelos jovens”1.
16.
Acolhida dos desafios da vida
A capacidade de chegar ao coração da vida, à experiência quotidiana dos destinatários da nossa missão, exige colocar-se dentro da realidade, particularmente hoje, contraditória e de conflitos, para acompanhar, compartilhar e ajudar.
As problemáticas mais urgentes, para a ação dos crentes, que nascem da cultura contemporânea, são, entre outras coisas:
o desafio da complexidade
Interessa a todos os âmbitos da vida, compreendido o da experiência religiosa.
Há uma co-presença de muitas religiões no mesmo território.
A missão entra, dessa forma, em relação e confronto com movimentos e inspirações de vida, múltiplas e diversas.
Os jovens, também, são sempre mais freqüentemente tentados pela indiferença e pela a-religiosidade, com o risco de reduzirem a fé a um assunto privado e irrelevante nas opções a fazer.
Deriva daí a desorientação moral, que desafia o carisma salesiano, empenhado na Igreja a educar os jovens e as jovens à vida a ser acolhida e à relação interpessoal.
17.
a fragilidade social da instituição familiar
O contexto social e cultural de hoje não favorece o desenvolvimento da família natural.
A Igreja recorda aos crentes algumas convicções fundamentais;
o desenvolvimento da sociedade e da Igreja depende da família;
a família é um laboratório, o lugar primário, de humanização e de verdadeira solidariedade;
a família, no plano de Deus, é um grande dom, originário e abençoado desde o início, berço da vida e do amor.
Todos os que se inspiram em Dom Bosco sentem-se interpelados pela situação atual, porque reconhecem à família uma função educativa, o ambiente para preparar os jovens ao amor e à acolhida da vida, a primeira escola de solidariedade entre as pessoas e os povos.
Os membros da Família Salesiana, leigos e consagrados, assumem sobre si o compromisso específico de dar dignidade e solidez à família, para que se torne, de maneira sempre mais evidente, “pequena Igreja, Igreja doméstica”.
Aliam-se aqui as novas problemáticas que se referem aos dinamismos que presidem a procriação, o desenvolvimento da vida humana, a manipulação do homem.
“Abriram-se hoje, sobre as fronteiras da vida humana, possibilidades e responsabilidades novas, com o enorme desenvolvimento das ciências biológicas e médicas, unidas ao surpreendente poder tecnológico”2.
18.
a nova consciência do papel da mulher na Igreja e na sociedade
A experiência da vida salesiana nasceu e enriqueceu-se com a contribuição significativa e eficaz de muitas mulheres.
Dom Bosco não teria podido conceber o Sistema Preventivo sem a formação recebida de Mamãe Margarida.
Madre Mazzarello soube fazer a leitura no feminino da experiência de Dom Bosco.
As primeiras Voluntárias de Dom Bosco, ao redor do P. Filipe Rinaldi, inauguraram na Família Salesiana a secularidade consagrada feminina.
Hoje, as mulheres que pertencem à Família Salesiana, nos vários Grupos que a compõem, empenham-se na partilha do gênio feminino na reciprocidade com os irmãos.
Mudanças particulares do nosso mundo exigem clareza quanto à dignidade da mulher e da sua vocação.
Repetimos aqui uma palavra do Concílio Vaticano II em sua conclusão3: “No momento em que a humanidade conhece uma transformação tão profunda, as mulheres, iluminadas pelo espírito evangélico, podem muito trabalhar para ajudar a humanidade a não decair”.
19.
o desafio da comunicação social
Os instrumentos técnicos e informáticos tornam imediatamente público tudo o que antigamente era considerado privado.
Superando todas as barreiras físicas, a comunicação e seus conteúdos, as propostas de modelos e de consumo, tornam-se penetrantes em toda a vida.
A nova situação da cultura da comunicação, por outro lado, oferece possibilidades inéditas de educação e evangelização.
A comunicação social, hoje, é o caminho obrigatório para a difusão da cultura e dos modelos de vida.
É parte significativa da experiência juvenil.
Dom Bosco intuiu a sua eficácia e deixou em herança à sua família espiritual a missão de valorizar a comunicação social como instrumento de crescimento pessoal e comunitário, e, ao mesmo tempo, como defesa da fé entre as camadas populares.
20.
as novas formas de solidariedade
A interdependência entre as pessoas e os povos é um sistema determinante de relações no mundo contemporâneo. Chega à esfera econômica, cultural, política e religiosa.
A resposta à interdependência pode ser dupla, criando duas atitudes opostas: a busca do domínio do outro ou o serviço evangélico.
Este último assume o nome de solidariedade.
“A solidariedade não é um sentimento vago de compaixão ou ternura superficial pelos males de tantas pessoas, próximas ou distantes. Ao contrário, ela é a determinação firme e perseverante de trabalhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque somos todos realmente responsáveis por todos”.
Torna-se solidário através;
da assistência salesiana, quando compreendida e realizada segundo as múltiplas atitudes a ela relacionadas.
Hoje, pode ser também chamada de “ética do estar próximo”; empenha a buscar intervenções personalizadas, relações de amizade e confiança, para escutar as expectativas mais profundas dos jovens e das jovens, especialmente se pequenos e pobres.
do voluntariado civil, social e missionário, que se apresenta muito difundido entre jovens e adultos.
Ele é, para a pessoa, uma possível vocação significativa e de empenho.
Entendido como disponibilidade de tempo, de apoio às iniciativas promocionais, educativas e pastorais, habilita as pessoas à co-responsabilidade.
do compromisso social e político.
O tema merece muitos esclarecimentos.
Define-se, habitualmente, nos textos institucionais dos Grupos da Família Salesiana, com o distanciamento dos Grupos, enquanto grupo salesiano, de qualquer organização de partido político.
Em muitas regiões parece perceber algum ceticismo e absenteísmo dos crentes pela coisa pública.
Recordem-se, porém, dois critérios expressos pela Igreja:
“A Igreja considera digno de louvor e consideração o trabalho daqueles que se dedicam ao bem da coisa pública, a serviço dos homens, e assumem os trabalhos deste cargo”4.
Os fiéis leigos não podem, de maneira alguma, abdicar da participação na “política”, ou seja, à múltipla e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover o bem comum orgânica e institucionalmente5.
da nova evangelização.
A Família Salesiana, atenta à voz do Espírito, percebeu o apelo à ação pastoral e espiritual mais profunda:
em vista da personalização da fé dos destinatários e agentes, através da catequese sistemática,
em vista do anúncio explícito da mensagem evangélica na vida quotidiana e das exigências operativas que nascem do mistério da encarnação,
em vista da comunhão de fraternidade e apostolado que coordene os muitos recursos do carisma salesiano,
em vista do acompanhamento dos jovens que buscam o sentido a dar à própria vida, até à acolhida do dom de Deus que chama com uma vocação de consagração especial ao seu Reino.
CAPÍTULO 4º
A ESPIRITUALIDADE APOSTÓLICA
21.
Os horizontes da espiritualidade.
Do carisma salesiano, emana uma espiritualidade.
Ela dá uma nova visão da realidade, com a capacidade de lê-la não só no que aparece, mas também no que está por debaixo dos eventos.
Enche o crente de uma força que se traduz em entusiasmo irreprimível no dom de si aos outros, como caridade operativa.
Sugere aspectos do mistério de Deus que se tornam critérios para relacionar-se com Ele, com a criação, com a história e com os irmãos e irmãs.
Unifica toda a existência, dando-lhe uma alma, um centro e uma motivação.
22.
Evangelizar educando e educar evangelizando
É a fórmula típica que exprime a unidade da espiritualidade vivida na Família Salesiana.
É uma maneira diversa de exprimir o Sistema Preventivo, não só em sua dimensão de pedagogia e metodologia, mas também de espiritualidade.
Ajuda a compreender a espiritualidade como um dom, enquanto indica a unidade da vida e da ação no apostolado, como fruto que nasce do Espírito e leva ao Espírito.
Exige que nos façamos testemunhas da força educativa que reside no Evangelho.
Somos chamados, ao mesmo tempo, como filhos e filhas espirituais de Dom Bosco, a mostrar a riqueza evangelizadora da educação.
Declaramo-nos, por isso, “sinais e portadores do amor de Deus” aos jovens, especialmente, os mais necessitados, e às camadas populares.
É um desafio, hoje, para todos os Grupos da Família, porque a tendência a simplificar a missão apostólica é forte, reduzindo-a, algumas vezes, apenas à perspectiva promocional, outras vezes, somente à evangelização explícita.
A educação, contudo, exige que se dê expressão a tudo que ainda não se conseguiu exprimir, em nível humano e em nível espiritual.
É original a consideração dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, enquanto sinais da graça e instrumentos de educação.
23.
Cristo Bom Pastor
O ícone do Bom Pastor aplica-se a todos os crentes que fazem a animação em vista dos outros, particularmente, pequenos e pobres.
Este ícone indica duas preciosas perspectivas de espiritualidade apostólica.
Primeira: em qualquer gênero de trabalho e empenho nós crentes devemos “entrar em nome de Jesus”.
Ou seja, deve-se colocar no centro da atenção, das preocupações e dos esforços a pessoa como, valor supremo, ao qual dedicar-se sem limites.
O apóstolo ama, ama totalmente, ama sem preconceitos: o Bom Pastor comportou-se assim, também com a ovelha perdida.
Segunda: perceber e viver do Senhor Jesus como o único que dá significado e plenitude à vida quotidiana.
Ele é o lugar da vida salva da precariedade e do vazio.
Ele é a garantia da liberdade, porque deixa a passagem livre para entrar e sair, segundo a expressão de João.
Ele é o exemplo da solidariedade, e oferece prados verdejantes e seguros.
Pela nossa experiência salesiana, o ícone do Bom Pastor orienta conteúdos, metodologia e projetos de vida espiritual.
Propõe, de maneira nova, uma releitura do Sistema Preventivo, através
do conhecimento recíproco e pessoal,
do acompanhamento que se reveste de encorajamento e otimismo nas dificuldades ligadas à obra pastoral e adapta-se às situações e circunstâncias de cada um,
da responsabilidade de uns para com os outros, convidando a todos a assumirem atitudes de simpatia e intervenção concreta para com os distantes e os estranhos.
24.
A caridade pastoral dinâmica
A caridade pastoral dinâmica representa o coração do espírito de Dom Bosco, a substância da vida salesiana, a força do trabalho apostólico dos membros da Família Salesiana.
O termo “caridade” deve ser preenchido não só das forças do coração humano, da simpatia dos educadores, da alegria do saber-se útil. A caridade é participação do mesmo coração de Cristo e da misericórdia preveniente do Pai.
O sonho dos nove anos já tem em si esta exigência.
A caridade “pastoral”, depois, é a participação da alma interior do Senhor Jesus, da sua missão de salvação, do empenho manifestado pelo Bom Pastor para salvar a todos.
Esta dimensão reforça, no coração do apóstolo salesiano, o seu amor pelo Pai, a sua glória, e o seu amor pelos irmãos, particularmente os mais necessitados, que devem ser salvos.
A caridade pastoral “dinâmica” exprime a exigência de viver um pouco acima da norma, com vivacidade e uma pitada de loucura, mais sábia do que a sabedoria humana6.
A caridade salesiana segue o dinamismo inovador, típico dos jovens: não pode contentar-se com a rotina, mas busca a novidade da profecia contida na juventude.
25.
Espiritualidade da ação
São Francisco de Sales é mestre reconhecido de uma nova espiritualidade na Igreja: o êxtase da ação e da vida.
Podem-se realizar três formas de êxtase na experiência cristã empenhada:
intelectiva, que nasce da admiração do plano e da ação de Deus, e se apresenta como luz que ilumina o caminho da fé;
afetiva, que encontra a força da oferta dos talentos e da vida ao Senhor e ao seu Reino, e se manifesta no fervor e no entusiasmo do amor;
da ação e da vida, que tem sua origem na atividade concreta e quotidiana, e se alimenta com as obras de bem, realizadas com cuidado, freqüência e prontidão.
Para São Francisco de Sales, esta última é a mais alta e é toda voltada à percepção da presença de Deus na vida do povo e da Igreja.
A Família Salesiana, na releitura de Dom Bosco Fundador de uma família espiritual, tem traduzido as exigências da espiritualidade e da mística, considerando o nível juvenil, com uma formulação simples e empenhativa: a espiritualidade do quotidiano.
26.
Carinho salesiano
O carinho exige a superação do próprio egoísmo, para abrir-se às necessidades do outro.
É um verdadeiro êxodo.
Exige um grande amor, uma esperança a toda prova, uma confiança que não se deixa abater pelas dificuldades.
Os jovens devem ser tomados no ponto em que se encontram, como experiência humana e como experiência religiosa.
Tomá-los onde são, para levá-los para onde são chamados.
As forças interiores do bem, da justiça, do amor que existem neles buscam educadores capazes de acolhê-las e desenvolvê-las.
“A caridade de Cristo impele-nos continuamente”: repetem o educador e o pastor salesiano.
O carinho é sinal visível e humano do amor de Deus.
É instrumento para faze-lo nascer e crescer no coração de quanto são alcançados pelo carinho de Dom Bosco.
É a manifestação de Deus Pai que ama, de Jesus que assume sobre si toda a experiência humana, do Espírito do Senhor que acompanha como amigo e defensor dos pobres.
O carinho caminha lado a lado com a razão, para evitar que se possa perder na simples emoção.
27.
A oração salesiana.
Chamamo-la, ordinariamente, de oração apostólica.
As referências exemplares são, para todos nós, São Francisco de Sales e Dom Bosco.
Na questão da oração, não é fácil julgar Dom Bosco com o parâmetro tradicional.
Em seu modo de agir, ele demonstra-se muito diferente dos demais santos: unia um trabalho extraordinário e contínuo à oração profunda, mas simples e reduzida no tempo.
Em seu tempo, para muitos irmãos sacerdotes, resultou pouco edificante a quantidade e o tipo de trabalho de Dom Bosco, e a sua escassa evidente oração formal.
Entretanto, ele foi sempre encorajado pelo papa a continuar com o seu estilo.
Três características devem ser consideradas em conjunto na história de Dom Bosco, santo e homem espiritual:
A harmonia entre periferia e centro de sua vida.
Periferia entendida como trabalho indefeso.
Centro entendido como recolhimento místico.
Sempre ocupado em tantas atividades, a periferia não perturbava o centro, e o centro não criava demoras à periferia.
A harmonia é expressão da síntese alcançada, da maneira ensinada por Francisco de Sales.
A própria denominação da obra mais significativa da sua experiência apostólica e de mestre de vida espiritual: o Oratório.
Dom Bosco mesmo comentou que o termo queria indicar, de forma clara, a finalidade substancial da obra dos oratórios.
Exprimia também o fundamento da sua instituição: a oração!
A exigência feita aos seus filhos: fazer bem as práticas do bom cristão.
A reta compreensão da palavra de Dom Bosco é possível num contexto de Palavra de Deus.
As práticas do bom cristão não podem ser reduzidas apenas às práticas exteriores de piedade.
Levam-nos, porém, a um horizonte mais amplo, descrito pelo evangelista Mateus no juízo do fim da vida.
Práticas do bom cristão são a busca e a realização da vontade de Deus, a invocação e o trabalho pela construção do seu Reino.
28.
Maria Mãe e Mestra
Muitos Grupos da Família Salesiana têm alguma referência a Maria no próprio título oficialmente reconhecido: Maria, Maria Imaculada, Maria Auxiliadora, Maria Rainha, o Coração de Maria.
Dom Bosco, desde a infância, desde o primeiro sonho dos nove anos, referiu-se a Maria como Mestra e Mãe, porque assim lhe fora indicada pelo Personagem do sonho.
Em sua primeira experiência educativa, colocando-se no interior do caminho da sua Igreja local, relacionou a sua obra à Virgem Consoladora.
O fato de sentir-se protegidos por uma Mãe Consoladora correspondia plenamente às necessidades dos jovens, “pobres e em perigo”.
Quando recolheu os jovens, de modo estável em Valdocco, com um projeto integral de educação e evangelização, vivendo na Igreja universal o momento espiritual da definição do dogma, propôs-lhes a imagem de Maria Imaculada.
A Dom Bosco, parecia ser a educadora mais eficaz para jovens que deviam superar as dificuldades do seu crescimento humano e cristão.
Enfim, como Fundador de uma Família apostólica, empenhada na educação e evangelização dos jovens e dos pobres, e sentindo que “Maria tudo fez” em sua vida, vindo tempestivamente em seu socorro, propôs e difundiu a devoção à Virgem sob o título de Auxílio dos Cristãos.
Observando o quadro querido por Dom Bosco para a basílica, e relendo a descrição proposta ao pintor para realizar o seu plano, Maria Auxiliadora aparece em seu mistério de maternidade eclesial e em seu papel de educadora e auxílio poderoso.
CAPÍTULO 5º
FORMAÇÃO À MISSÃO APOSTÓLICA
29.
Trabalhar em comunhão
A comunhão é a primeira e fundamental obra apostólica.
Os apóstolos estão preparados para uma missão compartilhada com outros agentes.
Ser solitários neste âmbito significa correr o risco da falência.
É necessário cultivar os dons recebidos, para que cresçam e se multipliquem.
É indispensável, porém, saber colocar em comum perspectivas e projetos.
Qualquer família é tal quando consegue viver unida e organizar-se como um todo orgânico.
Fomos, nós também, chamados juntos, e juntos somos enviados.
Não se anulem as diferenças e as originalidades.
Sejam, porém, apoiadas e potenciadas.
A dispersão das forças apostólicas e o individualismo no bem reduzem o testemunho evangélico e a eficácia operativa.
Trabalham juntos na Família Salesiana sacerdotes e leigos, religiosos e consagrados, homens e mulheres, jovens e adultos.
Cada um deve aprender a reconhecer-se na multiplicidade das relações, construí-las na fraternidade e dar espaço aos carismas dos outros.
O bem dos jovens e das camadas populares está acima e além das preocupações do crescimento e da imagem de cada grupo.
Formar-se juntos
Critério na vida salesiana é fazer das experiências o conteúdo da formação. Indicam-se dois níveis de formação em comum, reconhecendo que existem muitos outros horizontes possíveis.
Um nível teórico.
1º - Aprender a pensar juntos, para não reduzir a realidade ao próprio ponto de vista. Isto é:
superar o egoísmo e o individualismo ao organizar a ação;
vencer o medo de ter que confrontar-se e compartilhar;
olhar ao bem dos destinatários em vez do próprio sucesso;
descentrar-se de si para concentrar-se nos outros.
2º - Organizar-se para trabalhar juntos.
os vários Grupos da Família Salesiana devem assumir o empenho de uma aplicação prática do que está contido na Carta da Missão. Por isso:
encontrar-se;
considerar, particularmente, o bem dos jovens, das jovens e do povo;
buscar um campo comum, porquanto possível, em vista de uma intervenção educativa e apostólica significativa.
Um nível prático.
As indicações seguintes são exemplificativas. A vida é muito mais rica.
A criatividade é fruto precioso da fidelidade a Dom Bosco.
É tradição em muitos lugares viver juntos:
exercícios espirituais
acampamentos escolares
retiros espirituais
escola de animadores
escolas de oração apostólica
jornadas de reflexão...
31.
Abrir-se aos contextos pessoais e sociais dos jovens
A missão apostólica está na capacidade de chegar ao coração das pessoas e ao cerne de sua experiência quotidiana, reconhecendo urgências e necessidades dos diversos contextos culturais e sociais.
“Amai o que os jovens amam, para que os jovens aprendam a amar o que nós amamos!”: repete Dom Bosco ainda hoje.
O amor jamais pode ser considerado e vivido de modo instrumental, como para capturar a pessoa e atraí-la ao próprio mundo.
É expressiva a atitude da encarnação do Senhor, que ama as realidades humanas, colocando-se dentro delas como força dinâmica na história das pessoas e do mundo, levando-os à realização total.
Exige-se do apóstolo capacidade de adaptação.
Realizar a inculturação que a Igreja pede hoje a todos os missionários é desvestir-se de alguns julgamentos e preconceitos, superar sensibilidades pessoais para acolher todos os outros, compartilhar os problemas, perspectivas e expectativas dos jovens e do povo.
32.
Aprender a metodologia da colaboração
A atividade educativa e apostólica tem suas leis internas que devem ser respeitadas, particularmente quando são muitos os agentes chamados a intervir.
Aprender na prática essas leis é parte substancial do tempo de formação dos membros dos diversos Grupos.
A primeira lei é a da coordenação
A convergência das forças em vista de um objetivo concreto nunca é um fato automático. Exige que seja previsto e programado.
Para uma coordenação eficaz, cada um deve conhecer exatamente
o problema que se quer resolver,
as possibilidades concretas que têm para uma intervenção de qualidade,
a vontade de dar e receber.
A segunda lei é a da reciprocidade
Dar e receber não devem ser lidos em sentido único, como se alguns fossem chamados a dar sempre e outros sempre a receber.
A reciprocidade é
acolhida do dom do outro,
reconhecimento do valor do outro,
colaboração oferecida com competência.
A terceira lei é a da responsabilidade compartilhada
A conseqüência das duas leis anteriores é dada pela capacidade de assumir uma responsabilidade primária, e realizá-la.
Assumir uma responsabilidade apostólica não é nunca uma forma de domínio.
É sempre um serviço a prestar ao Reino de Deus.
É reconhecer a responsabilidade do outro, dando espaço a todos para que participem ativamente da realização do plano comum.
33.
O papel específico do sacerdote formador
O Concílio Vaticano II apresenta os presbíteros como guias e educadores do povo de Deus.
Escreve: “De bem pouca utilidade serão as cerimônias mais belas ou as associações mais florescentes, se não estiverem voltadas a educação dos homens à maturidade cristã”7.
E justifica a afirmação: “Cabe aos sacerdotes, em sua qualidade de educadores da fé, cuidar, por si ou por meio de outrem, que cada um dos fiéis seja conduzido no Espírito Santo a desenvolver a própria vocação pessoal segundo o Evangelho, a praticar uma caridade sincera e ativa, a exercitar a liberdade com que Cristo nos libertou”8.
O sacerdote salesiano é chamado assim às suas responsabilidades mais significativas no setor da formação.
A Palavra de Deus, os sacramentos e, particularmente, a Eucaristia, o serviço da unidade e da caridade representam o maior tesouro da Igreja.
Parafraseando uma palavra conciliar, pode-se afirmar que não é possível formar espiritualmente uma família apostólica a não ser assumindo como raiz e eixo a celebração da Sagrada Eucaristia, da qual deve movimentar-se qualquer educação que tenda a formar o espírito de família9.
Os grupos da Família Salesiana sempre evidenciaram esta exigência formativa e voltam a propô-la através deste documento.
CAPÍTULO 6º
COMUNHÃO NA MISSÃO APOSTÓLICA SALESIANA
34.
Horizontes da comunhão pastoral na Família Salesiana
A comunhão é primária numa visão compartilhada ao redor de dois elementos:
o significado de missão apostólica e
o conhecimento de uma prioridade no interior do amplo campo apostólico que Dom Bosco nos deixou.
A missão, em nossa linguagem de Família Salesiana, é especificada e determinada por uma série de indicações, como:
os destinatários que alcançamos na ação apostólica,
os conteúdos gerais e particulares das intervenções,
o espírito que anima a atividade e as opções pastorais,
as áreas específicas e originais que são programadas,
as estruturas e as obras que exprimem, apóiam e dão uma fisionomia concreta à presença e à ação pastoral,
o clima educativo e familiar criado nas atividades.
Por isso, a missão para nós, não é só uma atividade material.
Além disso, é clara e convicta a consciência da Família Salesiana de que
os jovens, especialmente os que vivem em maior necessidade, e a gente do povo são parte prioritária da herança apostólica salesiana,
a presença educativa e pastoral entre os destinatários que o Espírito de Deus confia aos nossos cuidados, é parte significativa do carisma salesiano.
35.
Comunhão na autonomia pastoral
A comunhão apostólica deve ser entendida como reforço da originalidade e da autonomia de cada um, na comunhão fraterna de família.
Reafirmamos a autonomia dos Grupos.
Referimo-nos aqui à autonomia apostólica, não só espiritual.
Não se trata da uniformidade de intervenção entre todos: todos fazem a mesma coisa!
Não se busca o nivelamento das diferenças, origem de confusões e incertezas pastorais: todos fazem tudo!
Volta-se para a coordenação dos dons: cada qual harmoniza a própria intervenção no conjunto de um projeto. A cada um o seu âmbito!
Os Grupos não são idênticos entre si, nem como fisionomia interior, nem como capacidade apostólica concreta.
Consideramos importante a originalidade de cada um.
A riqueza do carisma salesiano manifesta-se mais completo e atraente quando concorrem as características de cada um.
A complexidade do fato educativo atual e o crescimento integral do jovem e da jovem levam à criatividade e, ao mesmo tempo, à convergência.
É um direito dos jovens poder usufruir do serviço específico de cada Grupo.
É, em definitivo, uma riqueza da Igreja.
A comunhão na autonomia deve ser buscada para ser eficaz na ação e multiplicar as forças que trabalham pelo bem da juventude.
36.
Objetivos da comunhão pastoral
Os Grupos são chamados a difundir os traços característicos do carisma salesiano, com os valores do Evangelho do Senhor Jesus.
Estes pertencem a toda a Família.
Não podem, por isso, ser preocupação de apenas alguns Grupos.
Todos e, também, cada membro, são responsáveis, em primeira pessoa, pela animação e promoção da herança espiritual recebida.
Todos assumimos, portanto, nos diversos lugares geográficos do nosso trabalho, e nos diversos contextos culturais onde a vida nos colocou, a responsabilidade;
da preocupação educativa no contexto atual.
Ajudamos a fazer reconhecer a fragilidade e a força que reside na educação especialmente dos jovens;
do Sistema Preventivo.
Razão, religião e carinho ainda são, talvez mais do que ontem, suportes indispensáveis para uma sociedade mais humana e na medida das novas gerações;
do espírito salesiano.
O humanismo salesiano é a premissa para a nova civilização do amor, com o respeito da pessoa mais simples e pobre, com a confiança em seu crescimento contínuo quando há o acompanhamento de um educador, com o encorajamento de todos os que estão em busca de um sentido na vida.
do movimento salesiano.
É difusa a necessidade de agregar-se ao redor de realidades significativas para quem as realiza e para quem as recebe.
Dom Bosco envolvia a muitos em seu plano educativo: pedia, em todos os níveis, atenção pelos seus jovens.
O amplo movimento salesiano e a ligação entre as muitas forças são uma oferta útil para todos.
37.
Organização da comunhão apostólica
Este documento espera, agora, a prova dos fatos.
Em nível local, devem ser relidas as várias indicações do texto para estudar em comum uma possível implicação operativa.
Cada Grupo, preparando as próprias programações, considere o aspecto da colaboração e co-responsabilidade possíveis.
Pode-se pensar em colaborações e co-responsabilidades:
entre dois ou mais Grupos que compartilham a exigência e a urgência de uma intervenção comum em vista dos destinatários de uma região;
entre todos os Grupos que vivem e trabalham num mesmo território, quando se perceba sua utilidade e eficácia apostólica.
Jamais falte uma intensa comunicação entre os Grupos, porque se trata da premissa para chegar à co-responsabilidade apostólica.
CONCLUSÃO
38.
Em louvor da Trindade
“Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a Vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda honra e glória, agora e para sempre”.
Como crentes, conscientes e empenhados, renovamos todos os dias, na Eucaristia, a fé na obra do Senhor e apresentamos a Ele o nosso louvor.
A Família Salesiana reafirma a consciência de viver e trabalhar na Igreja, dando a sua modesta, mas original contribuição, para que “seja santificado o seu Nome, venha o seu Reino, seja feita a sua Vontade”.
A preparação espiritual para o terceiro milênio, desejada e orientada pela Igreja, indicou a todos os cristãos a verdadeira vida: aquela que brota do Pai, se manifesta no Filho e é sustentada pelo Espírito.
Retornar à raiz trinitária é compreender a urgência da comunhão e da missão apostólica, para alargar o círculo da filiação e da fraternidade.
Cremos no amor de Deus, por isso gostamos de difundi-lo.
Roma, 15 de novembro de 2000.
ÍNDICE
PROÊMIO
Capítulo 1º
A FAMÍLIA SALESIANA NA MISSÃO DA IGREJA
1. A Igreja para uma nova evangelização
2. A ação do Espírito de Deus
3. Os Grupos da Família Salesiana empenhados na missão eclesial
4. As dimensões do empenho apostólico da Família de Dom Bosco
5. Uma missão particularmente adaptada aos leigos
6. O Sistema Preventivo
Capítulo 2º
A MISSÃO DA FAMÍLIA SALESIANA
NO NOVO CONTEXTO RELIGIOSO CULTURAL
7. O empenho apostólico interpela a Família Salesiana
8. Cidadão honesto e bom cristão
9. O humanismo salesiano
10. Empenhar-se pela pessoa humana hoje
11. Significativos no território
12. Graduais na busca do objetivo integral
13. Complementares na convergência das forças
14. Educar evangelizando, evangelizar educando
Capítulo 3º
FRONTEIRAS PARA A MISSÃO EDUCATIVO-PASTORAL
DA FAMÍLIA SALESIANA
15. Coração da missão salesiana: da mihi animas
16. Acolhida dos desafios da vida:
o desafio da complexidade
17. a fragilidade social da instituição família
18. uma nova consciência do papel da mulher na Igreja e na sociedade
19. o desafio da comunicação social
20. as novas formas de solidariedade
Capítulo 4º
A ESPIRITUALIDADE APOSTÓLICA
21. Os horizontes da espiritualidade
22. Evangelizar educando e educar evangelizando
23. Cristo Bom Pastor
24. A caridade pastoral dinâmica
25. Espiritualidade da ação
26. Carinho salesiano
27. A oração salesiana
28. Maria Mãe e Mestra
Capítulo 5º
FORMAÇÃO À MISSÃO APOSTÓLICA
29. Trabalhar unidos
30. Formar-se juntos
31. Abrir-se aos contextos pessoais e sociais dos jovens
32. Aprender uma metodologia de colaboração
33. Um papel específico do sacerdote formador
Capítulo 6º
COMUNHÃO NA MISSÃO
34. Horizontes da comunhão pastoral na Família Salesiana
35. Comunhão na autonomia pastoral
36. Objetivos da comunhão pastoral
37. Organização da comunhão apostólica
CONCLUSÃO
38. Em louvor da Trindade
1 Card. Anastasio Ballestrero, Don Bosco prete per i giovani, Ed. ELLEDICI, 1987, pág. 37
2 João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal, Christifideles laici, n. 38
3 Mensagem às Mulheres, 8 de dezembro de 1965
4 Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, n. 75
5 Christifideles Laici, n. 42
6 cf. 1Cor 1,25
7 Presbyterorum Ordinis, n. 6
8 Ib.
9 Referir-se ao texto conciliar Presbyterorum Ordinis, ainda no n. 6