A ESPIRITUALIDADE SALESIANA
PASCUAL CHÁVEZ VILLANUEVA
MARIA, A MÃE DE TODOS OS DIAS
Tomou-me bondosamente pela mão
Há uma belíssima e delicada recordação da minha infância. Tinha apenas 9-10 anos quando sonhei. Foi um sonho que deixou um sinal indelével na minha vida. Tinha visto um grupo de jovens atentos à brincadeira; de repente, porém, o passatempo degenerara numa luta furiosa: voavam socos, pontapés, palavrões e, infelizmente, também blasfêmias. Eu partira para o ataque. Em seguida, um Senhor majestoso interrompeu-me, indicando-me uma maneira bem diferente de fazer com que melhorassem. E apareceu uma maravilhosa Senhora, afetuosa e bela: fez um sinal para que me aproximasse dela. Como eu estivesse confuso com a rápida sequência de cenas, tomou-me pela mão. O gesto de delicada bondade materna conquistou-me para sempre. Com muita simplicidade, posso dizer-te que jamais me separei dessa mão; ou melhor, sempre a tive bem apertada, até o fim...
Quando vieste ao mundo…
Desde criança, fui embebido pelo clima religioso e devocional mariano do meu tempo. Entre nós, Maria era de casa. Sei de um bom salesiano que escreveu sobre mim: “Maria estava sempre ao seu lado”. Deu-me prazer ler essa afirmação porque era assim mesmo. Havia, todas as noites, a récita cotidiana do terço em família. A oração do Ângelus marcava pontualmente a nossa jornada, às seis da manhã, ao meio-dia e às seis da tarde. Aprendi de minha mãe a venerar e festejar Nossa Senhora através das devoções populares dos lugares onde vivi: a Virgem do Rosário, Nossa Senhora do Castelo, a Virgem da Escada, Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora da Consolação. Muitas formas de tê-la pela mão...
Recordo ainda a última noite anterior ao meu ingresso no seminário de Chieri. Na humilde e pequena casa dos Becchi, minha mãe estava dobrando minha roupa. Escolheu aquele momento para uma importante revelação, um segredo entre mãe e filho: “Meu Joãozinho, quando nasceste eu te consagrei a Nossa Senhora; quando começaste os estudos, eu te recomendei a devoção a nossa Mãe. Pois agora também te recomendo que sejas todo dela”. Minha santa mãe sabia como naqueles tempos era tremendamente elevada a mortalidade infantil, tanto na choupana dos pobres como no palácio do rei. “Eu te consagrei”, queria dizer: entreguei-te a Maria, ofereci-te a Ela, és dela! Um ato de entrega confiante à Mãe que tudo pode. “Muito esperamos de quem muito pode”: eu repetia aos outros aquilo que ouvira muitas vezes de minha mãe. Assim quando estive entre os jovens, eu lhes transmitia o mesmo estilo de devoção: não como uma roupa de festa, que se usa apenas aos domingos, mas como encontro cotidiano, familiar, ferial com Maria, a mãe de todos os dias!
Imaculada e Auxiliadora: foi ela quem tudo fez
Era uma devoção muito concreta, sólida, muito simples, jamais inconsistente, sem afetação. Recordava constantemente aos jovens: “Maria quer a realidade e não a aparência”. Por isso, insistia: “Para ser predileto de Nossa Senhora, é preciso honrar o seu Filho”. Maria era apresentada por mim como aquela que nos leva a Jesus. Condensava tudo no “fugir do mal e fazer o que é bom, por amor a Maria”. Mais prático e concreto do que isso...
Duas certezas me sustentavam.
Primeiramente, eu insistia em apresentar Maria como a Imaculada. Havia muitos motivos históricos para isso, como a definição desse dogma (1854) e, depois, quase como confirmação, as aparições em Lourdes (1858). Eram datas importantes. Na minha pequena experiência, não podia esquecer aquele 8 de dezembro de 1841, quando acontecera o providencial encontro com Bartolomeu Garelli. Quarenta e cinco anos depois, quando entrava no trem da Espanha para Turim, recordava aquele encontro com comoção e gratidão: “Todas as benções que choveram do céu sobre nós, são fruto daquela primeira Ave-Maria dita com fervor e com reta intenção”.
Havia ainda motivos pastorais: em contato com a fragilidade juvenil, percebia a imensa necessidade que os meus jovens tinham de fixar o seu olhar em Maria, a cheia de graça e dela acolher uma mensagem atraente de pureza e santidade a fim de poderem viver a alegria de se sentirem filhos de Deus.
Em Valdocco, em 1854, podia contar com Domingos Sávio, o admirável garoto que se propusera o ideal de ser “uma bela roupa para Nosso Senhor”. Com ele, outros jovens (quase todos eles futuros salesianos!) faziam parte da Companhia da Imaculada sendo precioso fermento de bem na massa dos jovens do Oratório. Em seu Regulamento, propunham-se a ser “superiores a qualquer obstáculo, tenazes nas resoluções, rígidos conosco mesmos, amáveis com nosso próximo, e exatos em tudo”. Graças a eles, estava nascendo um novo caminho de santidade juvenil.
Depois, com o passar dos anos, percebendo que a fé estava em diminuição, também entre o povo simples, sentia que era sempre mais urgente difundir a devoção a Nossa Senhora com o título de Auxiliadora, aquela que nos toma pela mão, que nos ajuda, que jamais nos perde de vista, que nos mantém unidos à Igreja. Não fui eu que inventei a devoção à Auxiliadora; fui seu incansável e convicto divulgador, isso sim. Explicava aos meus primeiros salesianos: “Não são mais os mornos a serem inflamados, os pecadores a serem convertidos, os inocentes a serem preservados, mas é a mesma Igreja católica que está sendo atacada”.
Recordo-me, embora um tremor de medo ainda hoje me assalta, daquela manhã em que dei início às escavações para construir o belo santuário a Ela dedicado. Com toda solenidade esvaziei nas mãos do chefe de obras o meu pobre porta moedas: dele saíram oito míseras moedinhas de cobre; era a primeira antecipação pela obra. Mas havia em mim uma certeza: “Nela eu coloquei toda a minha confiança”. Na mesma manhã, as várias cartas que eu tinha escrito na noite anterior ainda estavam na minha mesa; não tínhamos dinheiro em casa nem sequer para comprar os selos! Nossa Senhora haveria de ser a minha “mendicante”. Posso-te garantir: revelou-se uma mendicante muito capaz!
Quando consegui concluir a construção, podia dizer aos fiéis que ali acorriam: “Vede esta igreja? Maria a fez construir, diria, a força dos milagres”.
Agora e na hora da nossa morte
Os estudiosos salesianos que com tanto amor e obstinada exatidão escreveram muitas coisas sobre mim, perceberam que nas últimas orações feitas no leito da agonia, não é a habitual invocação Maria Auxiliadora que brota dos meus lábios, mas a súplica: Mãe, Maria Santíssima, Maria. Maria. Esquecimento meu? Não! Uma explicação certamente existe.
Ao final da vida, nos últimos estertores da agonia, chegara finalmente a tudo compreender. Queria morrer justamente como a criança do sonho de 62 anos atrás. Com Nossa Senhora que me tomava bondosamente pelas mãos, enquanto eu sussurrava: “Oh Mãe... Mãe... abri-me as portas do paraíso”.