Levantai vossos olhos e vede os campos |
que estão brancos, prontos para a colheita1
1 O nosso empenho missionário em vista do ano 2000 |
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P. Juan Edmundo Vecchi
Atos do Conselho Geral 362
1. Com o olhar de Cristo – 2. Uma Família missionária. – 3. Uma nova fase em nossas práxis missionárias. – 4. O primado da evangelização. – 5. Uma tarefa necessária e delicada: a inculturação. 5.1 Aprofundamento do mistério de Cristo; 5.2. Compreensão adequada da cultura; 5.3. Em comunidade; 5.4. O processo de inculturação; 5.5O. Os percursos. – 6. O diálogo inter-religioso e ecumênico. 7. Atitudes e modalidades salesianas no diálogo – 8. Uma palavra de ordem: consolidar. – 9. Novas fronteiras. – 10. Juntos rumo ao ano 2000. 11. Conclusão.
Roma, 1º de janeiro de 1998
1.1 Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus |
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1. Com o olhar de Cristo.
«Levantai vossos olhos e vede os campos»,2 é o convite de Jesus aos discípulos, quando após o diálogo com a Samaritana, eles sugerem que se alimente. Misterioso o olhar do Senhor, que vê o mundo como uma messe pronta para a colheita!
Encontramos o segredo desse olhar em suas palavras: «Meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que me mandou e cumprir sua obra até o fim».3 A vontade do Pai é a salvação de toda pessoa. Com Cristo, Salvador universal, ela é anunciada e estendida a todas as nações e a todos os tempos.
Enquanto vai-se realizando, o Pai age na humanidade. Prepara o coração de muitas pessoas e mantém vivas as expectativas dos povos, para que consigam ler os sinais da própria salvação. Inspira a intervenção daqueles que aderem à sua vontade e possuem o mesmo amor de Cristo pelo homem. Por isso há sempre muito a colher no mundo. Jesus afirma-o no presente: «É o momento de colher».4
O amadurecimento da messe deve-se também à comunhão admirável que o Espírito cria entre as gerações numa história real de salvação. «Outros trabalharam antes de vós, e vós viestes recolher os frutos do seu esforço».5 Nada se perdeu dos esforços e dos tempos anteriores, apesar das aparências de infecundidade e lentidões.
A missão de Jesus em terra samaritana é como o prelúdio da evangelização dos povos. Sugere o espírito com que será realizada. Aos discípulos, ignaros do projeto de Deus, Jesus indica o tempo no qual realizá-lo: agora!
É preciso aprender a olhar e pôr-se em ação sem esperar, como eles pensam, outras fases de amadurecimento. Já está tudo pronto, predisposto pelo Pai, pelo Filho, pelo Espírito Santo. Deve-se proceder à colheita e fazer novas sementeiras: «Um semeia e outro recolhe».6 Serão o olhar e a confiança a guiar a empresa que Ele lhes confiará: «Ide ao mundo todo, anunciai o evangelho a toda criatura».7
Jesus também ensina a perceber os “sinais” da maturidade dos tempos. O dom de Deus chega àqueles que eram tidos como excluídos e torna-se, neles, fonte interior de inteligência, de amor e de paz; eles, por sua vez, tornam-se anunciadores de Jesus pelo testemunho e pela palavra; há um novo espaço no qual se dá o encontro do homem com Deus, acima, e independente de qualquer lei e experiência religiosa anterior, válido para todos. É o espaço criado pela oferta de Deus e pela acolhida sincera do homem: «Vem a hora em que não será mais neste monte, nem em Jerusalém, que adorareis o Pai… Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em Espírito e verdade».8 Afirma-se, ao mesmo tempo, o caráter histórico e único do acontecimento que marca a manifestação de Deus: «A salvação vem dos Judeus».9
Eu também, com o olhar sugerido aos discípulos pelo Senhor, pude perceber a abundância da colheita a ser feita hoje e a extensão das terras a serem semeadas para o futuro. Entrevi a obra de preparação que o Pai realizou e está realizando à espera daqueles que ele mandará ao trabalho.
Os tempos estão maduros. Isso se percebe na escuta que tantas pessoas dão ao anúncio do Evangelho, na acolhida que têm as propostas de bem, na generosidade dos que se unem a nós em iniciativas apostólicas e missionárias. Frutos são recolhidos em todas as partes, mesmo quando os campos, conforme o Senhor já tinha predito, possuem também espaços áridos e infecundos.
Em 28 de setembro passado, na Basílica de Maria Auxiliadora, entreguei o crucifixo a 33 novos missionários. Era a 127ª expedição que nos ligava à primeira, cheia de audácia e profecia, que Dom Bosco preparou e enviou em 11 de novembro de 1875. Enquanto fazia o gesto, agradecia ao Senhor pelos sinais de nova fecundidade que brotavam no grupo. Os missionários vinham de todos os continentes e contavam-se entre eles também alguns leigos. Em algum caso (um jovem casal!), a vocação missionária estava unida e como que integrada na promessa matrimonial. Alguns eram destinados à continuação de um trabalho iniciado anteriormente, enquanto se confiava a outros lavrar terrenos novos e fundar novas presenças: colher e semear!
Pensava então na “lei” que se verifica sempre no trabalho apostólico: «A messe é grande, poucos os operários».10 É uma constante da evangelização. O Pai preenche o mundo com os seus dons e os seus convites. A riqueza de Cristo é imensa. Os operários, mesmo que se centuplicassem seriam sempre poucos para dispensar tanta abundância.
Os mesmos pensamentos ocuparam a minha mente enquanto visitava a nossa antiga missão na China ou alegrava-me com os irmãos pela nova semeadura no Camboja; quando na África do Sul constatava a abundância dos resultados (particularmente na Suazilândia e Lesoto) e quando detinha-me prevendo o que estaria acontecendo em outros lugares que hoje estão nas primeiras fases do trabalho.
2. Uma Família missionária
Dom Bosco sentiu-se atraído pelo trabalho missionário. O seu desejo e intenção não se traduziram de imediato numa “partida geográfica” como pensara. O discernimento iluminado do seu confessor entreviu outras estradas preparadas para ele.
O espírito missionário, entretanto, permaneceu nele com a mesma intensidade e inspirou a sua visão, o seu impulso e a sua localização pastoral: ele foi missionário em Turim. Foi ao encontro das camadas marginalizadas e esquecidas dos jovens; laçou-se às fronteiras urbanas da evangelização e da educação.
Realizou mais tarde também o propósito missionário em terras distantes, através de muitos caminhos: enviando todos os anos, desde 1875, expedições missionárias, acendendo nos jovens e nos irmãos a paixão pela difusão do evangelho e o entusiasmo pela vida cristã, sonhando de dia e de noite novas empresas, difundindo através do Boletim a sensibilidade missionária, criando recursos e cultivando relações que facilitassem a obra dos missionários.
O traço missionário tornou-se, dessa forma, típico de cada salesiano, porque enraizado no mesmo espírito salesiano. Não se trata, pois, de algo acrescentado por alguns. É como o coração da caridade pastoral, o dom que caracteriza a vocação de todos.
Cada um, onde se encontre, considera «a sua ciência mais eminente conhecer Jesus Cristo, e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério».11 Pensa por isso naqueles que precisam da luz e da graça de Cristo; não se contenta em cuidar dos que já “estão aí”; mas vai às fronteiras sociais e religiosas.
Não foi por acaso que Paulo VI nos chamou de “missionários dos jovens”: catequistas para alguns e portadores do primeiro anúncio de vida para tantos outros; educadores nas instituições e também itinerantes no vasto campo das situações juvenis não alcançadas por essas instituições.
Dom Bosco uniu as duas direções da missionariedade nas mesmas expedições missionárias. O P. Ceria quis documentá-lo nos Anais: «Premia-o também, escreve, a condição dos italianos que em número muito grande e sempre mais crescente, viviam dispersos (…). Exilados voluntários em busca de sucesso, sem escolas para as crianças, longe de qualquer possibilidade de práticas religiosas, tanto pela distância quanto pela falta de bons padres que falassem a sua língua, corriam o risco de formar amontoados de população sem fé e sem lei».12 O projeto missionário compreendia também “os cristãos” afastados, esquecidos, abandonados, emigrantes.
Falou-se nos últimos tempos de “terras de missão”, e não só pelo gosto de imaginar, em relação aos contextos marcados pela tradição cristã. A paróquia foi definida “comunidade missionária”, a escola, “ambiente de missão”. Salvas as distinções técnicas, é evidente que cada uma de nossas comunidades encontra-se hoje em fronts muito semelhantes aos de primeira evangelização.
Como o sentido missionário não é um traço opcional, mas pertence à identidade do espírito salesiano em todas as épocas e situações, propusemo-la na programação do Reitor-Mor e do seu Conselho, a todas as Inspetorias como área de atenção para o sexênio 1996-2002.
Indicamos entre as intervenções operativas, através das quais realizar a significatividade, reforçar o empenho da Congregação em relação aos mais necessitados, ter em vista uma educação mais intensa dos jovens à fé, fazendo com que surjam vocações, e orientar com decisão o maior volume de energias possíveis (pessoas, projetos, meios) para as missões “ad gentes”.
O espírito e o estilo missionário têm o próprio sinal eloqüente na disponibilidade de muitos irmãos a trabalharem em zonas de primeiro anúncio e de fundação da Igreja; são, porém, assumidos e vividos por todos no desenvolvimento da própria missão. A vontade de evangelizar e a capacidade de exprimir com transparência a mensagem evangélica é o ponto em que se unem as suas diversas realizações.
Os irmãos que se encaminham às fronteiras sentem-se apoiados pela oração, pela proximidade, pela colaboração concreta de todos os outros que, com eles, partilham a mesma paixão. As Constituições afirmam, por isso, que no trabalho missionário reconhecemos um “traço essencial da nossa Congregação”.13
Já tive a oportunidade de exprimir-me sobre o nosso movimento para os mais pobres na carta intitulada “Teve compaixão deles”,14 e este continua um dos critérios fundamentais de realocação. Trata-se, de fato, do traço que marca o momento nascente do nosso carisma e revela a força que move a comunidade dos discípulos de Cristo: a caridade.
A missão “ad gentes” é o objeto desta carta. Entendo propor algumas orientações em duas linhas de ação, que hoje parecem mais urgentes: qualificar as presenças missionárias existentes e caminhar para novas fronteiras. Consolidar e caminhar; dar consistência “pastoral” ao que se iniciou ultimamente e lançar-nos em terras ainda não batidas e destinatários não alcançados, para que a luz do evangelho chegue a todos.
Tenho sempre presente, e é um ponto firme também pelos acenos que lhes ofereço, uma particularidade da obra missionária dos Salesianos: ela empenha-se na primeira evangelização e na fundação das Igrejas; mas é chamada, desde o início, a enriquecer a comunidade cristã com um carisma singular: o da predileção pelos jovens, na vertente educativa e popular.
O carisma determina, sem fechá-la, a modalidade e a direção da obra missionária, enquanto ela dá vitalidade ao carisma levando-o de novo ao seu vigor evangélico e ao seu sentido eclesial.
Gostaria de suscitar em todas as Inspetorias um entusiasmo renovado pelas missões e convidar os irmãos, de qualquer idade, a considerarem a possibilidade do trabalho missionário.
Permita o Senhor que aconteça hoje o que aconteceu em Valdocco quando Dom Bosco imaginou, preparou e enviou a primeira expedição e as que se sucederam imediatamente.
«Entretanto, narram os Anais, as ações e as palavra de Dom Bosco sobre as Missões tinham lançado um fermento novo entre alunos e sócios. Viram-se, então, multiplicar-se as vocações ao estado eclesiástico; cresceram sensivelmente, também, os pedidos para inscreverem-se na Congregação e o ardor do apostolado apossou-se de muitos que nela estavam inscritos».15
3. Uma nova fase em nossa práxis missionária
A nossa práxis missionária encontra-se hoje no sulco de uma tradição de empreendimento, zelo, tenacidade e criatividade; os resultados são inegáveis. Mereceria um estudo mais cuidadoso, a fim de podê-la entender a fundo e fazê-la frutificar. Ela inseriu-se e foi comprovada em áreas geográficas e culturais muito diversas ao longo de um arco de tempo que dá segura garantia da sua consistência. O primeiro projeto missionário de expansão na América (1875-1900), o que levou a difusão da Congregação na Ásia (1906-1950) e a recente expansão na África plasmaram uma modalidade típica de ação missionária cujos traços foram recolhidos sinteticamente nas Constituições e Regulamentos.16
Pede-se hoje um repensamento dessa práxis. A reflexão do Concílio Vaticano II e os aprofundamentos da teologia deram novas perspectivas à missiologia, diante de acontecimentos que marcam a vida da Igreja e o mundo atual: o movimento ecumênico, o despertar e a valorização das religiões, o valor humano e social das culturas, a intercomunicação em nível mundial, o crescimento das novas Igrejas e sua vivência de fé em interação com o contexto, o declínio de antigas zonas de cristandade.
Fenômenos, esses, que provocaram um aprofundamento a respeito da graça da criação e da obra do Pai na salvação de toda pessoa assim como na presença do Espírito na vida da humanidade.
Ao lado das novas perspectivas surgem interrogativos, que devem ser por nós conhecidos e devidamente resolvidos do ponto de vista doutrinal e prático. Dizem respeito ao valor do cristianismo para a salvação do homem, a dimensão da mediação universal de Cristo, o papel da Igreja e, como conseqüência, o mesmo sentido da evangelização e de seus caminhos atuais.
Perspectivas e interrogativos que foram enfrentados pela carta encíclica Redemptoris Missio, cujo estudo atento torna-se indispensável. Sobre os mesmos argumentos vão-se expressando, com riqueza de reflexão e análises circunstanciadas, os Sínodos convocados em vista da nova evangelização.
Indicações para a nossas práxis missionárias também vêm hoje das solicitações da Exortação Apostólica Vita Consecrata. Ela, com efeito, confia aos religiosos a atenção de alguns aspectos que emergiram nos últimos anos.
Paulo VI já sublinhara a participação dos religiosos na obra missionária: «Eles são empreendedores, e o seu apostolado é marcado muitas vezes pela originalidade, a genialidade que levam à admiração. São generosos: são encontrados nos postos avançados da missão, e assumem grandes riscos para a própria saúde e a própria vida».17
João Paulo II iluminou-o na Redemptoris Missio: «A história atesta a extraordinária e benemérita ação das Famílias religiosas, em favor da propagação da fé e da formação de novas Igrejas: das antigas Instituições monásticas às Congregações modernas, passando pelas Ordens medievais».18
Com uma expressão mais direta, Vita Consecrata considera a “missio ad gentes” uma dimensão de todos os carismas, porque compreendida na doação total suposta pela consagração. A sua missão – afirma – explica-se não só através das obras próprias de cada Instituto, mas sobretudo com a participação na grande obra eclesial da “missão ad gentes”.19
A Igreja espera hoje dos consagrados “a máxima contribuição possível”20 e confia-lhes a tarefa específica de anunciar Cristo a todos os povos com entusiasmo renovado.
Além da contribuição quantitativa, realizada no passado, verificável no presente e desejada para o futuro, a Exortação Apostólica sublinha alguns aspectos atuais da ação missionária para os quais os religiosos parecem particularmente dotados.
Atribui aos consagrados uma capacidade particular de inculturar o evangelho e o carisma nos diversos povos. «Com o apoio do carisma dos fundadores e fundadoras, muitas pessoas consagradas souberam aproximar-se das diversas culturas, com a atitude de Jesus que “se despojou a si mesmo assumindo a condição de servo” (Fl 2,7), e, com um paciente e audacioso esforço de diálogo, estabeleceram contatos proveitosos com os povos mais diversos, anunciando a todos o caminho da salvação».21 Espera-se muito deles, portanto, quanto ao esforço e à direção da inculturação.
Algo de semelhante é afirmado a respeito do diálogo religioso. Uma vez que a experiência de Deus é o centro da vida dos consagrados, eles têm uma particular disposição para entrar em diálogo com outras experiências, igualmente sinceras, presentes nas diversas religiões.22
Corresponde, por outro lado, ao novo peso adquirido pela vida consagrada, o renovado impulso dado à condição laical. Se as Igrejas fundadas devem, desde o seu início, manifestar a santidade e a novidade de vida do povo de Deus, a formação cristã dos crentes é primordial. Os leigos, por sua vez, são chamados a desenvolver a própria capacidade de participação ativa na comunidade e de serviço ao mundo. A nova dimensão do laicato modifica a própria imagem da comunidade cristã e o seu funcionamento. Os leigos, insiste a Exortação Apostólica A Igreja na África, «serão ajudados a tomar sempre mais consciência do papel que devem ocupar na Igreja (…). Consequentemente devem ser formados para isso».23
Ordenam-se diversamente, nesse quadro de referência, os esforços e competências dos consagrados e dos sacerdotes.
Examinemos algumas questões à luz desses estímulos, supondo conhecida a práxis salesiana ordinária.
4. O primado da evangelização
A evangelização implica uma pluralidade de aspectos: presença, testemunho, pregação, apelo à conversão pessoal, formação da Igreja, catequese; e ainda: diálogo inter-religioso, educação, opção preferencial pelos pobres, promoção humana, transformação da sociedade. A sua complexidade e articulação foi relevada e apresentada de forma autorizada pela Evangelii Nuntiandi.24
Há, porém, um núcleo principal, sem o que a evangelização não é tal, que dá sentido e orienta o conjunto e dita até mesmo os critérios e modalidades segundo os quais tudo o mais deve ser realizado: é o anúncio de Cristo, o primeiro anúncio que apresenta Jesus Cristo a quem ainda não o conhece e o caminho posterior com que o seu mistério é aprofundado até levar ao apostolado.
O Sínodo da Igreja na África diz que «evangelizar é anunciar através da palavra e da vida a boa nova de Jesus Cristo crucificado, morto e ressuscitado, caminho, verdade e vida».25 Anunciar a boa nova é convidar cada pessoa e cada sociedade ao encontro personalizado e comunitário com a pessoa viva de Jesus Cristo.26
De que modo os aspectos enunciados acima devem ser considerados ou resultam, na realidade, complementares e convergentes rumo à única meta que é justamente o conhecimento sempre mais profundo de Cristo, a adesão de fé à sua pessoa e a participação na sua vida? É uma questão que não deve ser resolvida apenas de modo doutrinal pelas comunidades missionárias, mas também no projeto quotidiano de ação.
Podem existir, de fato, na práxis missionária, desequilíbrios quanto à opção, aos limites de visão ou capacidade, à falta de atenção. É preciso, para preveni-los, estabelecer algumas prioridades e cuidar de algumas medidas. Uma delas é a justa relação entre o anúncio explícito de Cristo em suas diversas formas (o primeiro anúncio, a catequese, o cuidado pela comunidade dos crentes, a formação cristã das pessoas) e a promoção humana. A Exortação Evangelii Nuntiandi apresentou com clareza definitiva as suas “ligações profundas” e a sua distinção; ofereceu também os princípios iluminadores para perceber o alcance e o sentido profundo da libertação, como a anunciou e realizou Jesus de Nazaré e como a Igreja a pratica.27
A tradição e o espírito salesiano sublinham a harmonia e a referência recíproca entre essas dimensões da evangelização colocando, ao mesmo tempo, às claras a sua hierarquia de significado. Encontramos uma formulação mais clara nas Constituições: «Educamos e evangelizamos segundo um projeto de promoção integral do homem, orientado para Cristo, homem perfeito»;28 «também para nós a evangelização e a catequese são a dimensão fundamental da nossa missão».29 O nosso empenho pelo homem toma o seu significado a partir dela e d’Aquele que é o seu objeto.
É preciso, pois, dar prioridade à evangelização em suas diversas formas: na nossa preparação, na nossa dedicação, no emprego do nosso tempo, do pessoal e dos recursos.
O ideal da situação missionária é o que fora projetado pelas orientações operativas do CGE quando pediam que a Inspetoria se tornasse “comunidade a serviço da evangelização”,30 que toda comunidade salesiana se tornasse “comunidade evangelizadora”,31 que todo salesiano fosse “evangelizador”.32
Há outro equilíbrio a se estabelecer no interior disso: entre primeiro anúncio e cuidado pelo crescimento na fé dos indivíduos e da comunidade cristã, entre esforço de difusão e consolidação. Este último compreende a educação dos jovens na fé, a formação dos adultos segundo suas diversas situações, a preparação dos agentes e ministros, a unidade e o testemunho das comunidades cristãs, o empenho apostólico pelos crentes.
Os dois aspectos devem ser convenientemente satisfeitos: estender o anúncio e dar consistência à comunidade. Trata-se de uma tarefa das Inspetorias, de cada comunidade e de cada pessoa, que se devem tornar capazes de conduzir o processo de evangelização até seus níveis excelentes.
Há, enfim, a dosagem oportuna entre meios e anúncio, entre estruturas e presença entre o povo, entre organização das obras e comunicação direta, entre serviço e inserção. Meios, estruturas e organização são funcionais ao anúncio, à presença e à comunicação. Deveriam ser-lhes proporcionais e correspondentes no estilo. É preciso repensar estruturas e meios à luz de um projeto mais centrado no essencial, quando eles são muito grandes e pesados, ou quando para criá-los e mantê-los devemos limitar excessivamente a nossa meditação da Palavra a ser proclamada, a comunicação direta, a dedicação ao anúncio e à formação das pessoas.
5. Uma tarefa necessária e delicada: a inculturação
Trata-se de um tema hoje muitas vezes enfocado e aprofundado. É apresentado de forma orgânica em diversos documentos eclesiais. Os Sínodos continentais ocuparam-se extensivamente dele. Os textos preparatórios, as discussões e as Exortações que seguiram falaram dele com clareza suficiente, sublinhando a sua urgência, explicitando os seus fundamentos teológicos, indicando critérios e caminhos de sua realização e individualizando os campos preferenciais de sua aplicação.33
A nossa síntese típica entre educação e evangelização faz-nos particularmente sensíveis à inculturação; por isso, também, nós Salesianos damos-lhe atenção. O P. Egídio Viganò tratou dela em diversas cartas.34 O CG24 fez-lhe referência como exigência e caminho para educar e fazer participar na missão e na espiritualidade salesiana.35
O risco para agentes práticos como nós é que depois de tantas iluminações, necessárias, mas também articuladas e aplicáveis em diversas direções, não encontremos as linhas comunitárias de realização e, consequentemente, renunciemos ao esforço ou nos dispersemos em pequenas experiências pessoais nem sempre avaliadas convenientemente. É, pois, oportuno apelar para algumas orientações práticas.
A primeira, embora evidente, é fundamental no discurso da inculturação. Refere-se à realidade histórica e ao caráter único do acontecimento Cristo.
Cristo não é uma realidade simbólica, objeto genérico do sentimento religioso, somatória das aspirações da humanidade, síntese do que se encontra de nobre e generoso nas culturas. Ele é uma pessoa concreta, histórica, com uma biografia singular, diversa também por todos os elementos adquiridos e expressos pela humanidade colocados juntos. Manifestou-se como um evento único e não repetível. Dele testemunham os Apóstolos. O Jesus que contemplaram com seus olhos e que suas mãos tocaram36 é o Cristo Senhor, o mesmo em qualquer lugar, ontem, hoje e sempre, que permanece conosco até o fim do mundo.
O Reino que Ele prega e a vida que propõe não são o acúmulo ou a somatória dos bens que o homem pode desejar e experimentar. São a comunicação gratuita de Deus, concretizada numa aliança e numa promessa que tiveram realização histórica na sua pessoa.
Ele não deixa atrás de si apenas uma “doutrina” que somos encarregados de traduzir em palavras ou conceitos adequados, uma moral a ser adaptada às diversas situações, mas oferece gestos e fatos salvíficos a serem “vividos” e “celebrados” numa relação vivida pessoalmente e compartilhada em comunidade.
Pode assumir todas as “sementes” de verdade e de bem, espalhados na história humana, mas não de qualquer modo. Critério e modelo para a inculturação são a encarnação, morte e ressurreição de Cristo, eventos definitivos para a salvação do homem.
Inculturar a fé significa fazer penetrar a verdade proposta por Cristo na vida e no pensamento de uma comunidade humana, de modo que consiga exprimir-se com os elementos da cultura e tenha também uma função inspiradora, estimuladora, transformadora e unificadora dessa cultura.
A Encarnação não é a fusão de dois elementos de igual dignidade e energia, mas acolhida da natureza humana por parte de uma pessoa divina. O Verbo, que tem uma personalidade própria divina e completa na Trindade, faz-se homem. Há pois um sujeito determinante que assume a humanidade e uma natureza que, purificada e redimida, lhe dá possibilidade histórica de expressão.
Derivam daí algumas indicações para a práxis da inculturação. Uma vez que a pessoa, a vida e a mensagem de Cristo têm uma identidade própria e um papel essencial, deve-se dar-lhe uma atenção contínua e principal. Seria inútil, e até perigoso, querer inculturar o evangelho sem o aprofundamento permanente do mistério de Cristo, sem a experiência de relação pessoal com Ele e a comunhão com o seu corpo, a Igreja. Infelizmente percebe-se amiúde uma limitada compreensão dos mistérios que se gostaria de comunicar ou uma mediação muito pessoal, com escassa referência às fontes da fé.
É necessário, por outro lado, o conhecimento da cultura que vem do estar imersos nela por um tempo suficiente e do ter estudado, de modo reflexo e orgânico, os seus aspectos significativos, como são apresentados em estudos adequados e vividos pela comunidade.
É preciso ter presente, porém, que nenhuma cultura é monolítica e uniforme. Em qualquer âmbito, especialmente hoje, convivem diversas modalidades culturais. A cultura não é nem mesmo uma realidade “fixa”. Está sempre em evolução, pelo desenvolvimento de seus elementos próprios e em força de intercâmbios com outras culturas. Está sujeita a mudanças, transformações, processos evolutivos, que acontecem através de passagens progressivas, mas também através de saltos devidos sobretudo a causas livres.
Sobre a cultura, portanto, é preciso considerar não só o que foi e o que é, mas o que virá a ser.
Há, depois, de se levar em conta que a inculturação acontece numa comunidade, que é ao mesmo tempo sujeito da cultura e da experiência de fé. Vai-se atuando nela a compenetração de ambas. Colaboram nisso os fiéis que no quotidiano, sem teorizarem, fundem vida e exigências evangélicas; também influem os especialistas que refletem sobre a fé, perscrutam e interpretam as formas culturais; intervêm os Pastores que acompanham e educam o povo à sequela de Cristo segundo o próprio contexto; são determinantes os “espirituais” que, mais que os outros, intuem, possuem a capacidade de sintonia, descobrem as sementes de evangelho que existem em determinados filões culturais.
Indica-se com razão, então, como critério fundamental a comunhão eclesial. Transferido para o âmbito salesiano, esse critério sugere enfrentar o problema através de uma reflexão da comunidade, inspetorial e local, a fim de caminhar na direção certa.
Outro fator, que é preciso considerar na inculturação, é o tempo. Não se trata tanto do tempo “cronológico”, isto é, unicamente do passar dos anos, quanto do tempo preenchido pela presença de Cristo, no qual age o Espírito Santo. A expressão eficaz do mistério cristão numa cultura é a “plenitude” dos tempos. A rapidez do processo depende da intensidade com que a comunidade cristã vive o mistério de que é portadora e da sua capacidade de tornar-se “fermento” na sociedade.
Isso leva a entender como acontece o processo de inculturação para não se deixar tentar por desvios impraticáveis.
Inculturar o evangelho comporta evangelizar a cultura. O que segue um caminho não certamente rígido, historicamente observável: a fé é recebida com a veste cultural daquele que a anuncia. A acolhida da mensagem, segundo as palavras e propostas de quem já a vive, é o primeiro passo necessário para inserir o evangelho numa cultura.
A assimilação profunda do anúncio vai produzindo nas pessoas que o acolhem uma mudança de mentalidade; a conversão progressiva vai transformando os hábitos pessoais e modificando aos poucos as relações e a vida do grupo cristão, até que a fermentação evangélica de tudo que seja humano lhe dá uma fisionomia original, assim como a humanidade de Jesus caracterizou a presença histórica de Deus. A fé assume, então, as formas típicas de um povo e torna-se nele fermento de mudança. O processo não é linear, mas circular. Isso evidencia que quanto mais intensamente se trabalha na conversão da pessoa, tanto mais rápida e eficazmente serão atingidos os níveis de inculturação.
A inculturação, enfim, apresenta alguns percursos típicos. Substancialmente são a continuidade, a contestação profética, a criação.
A continuidade leva a assumir os “semina Verbi” que se encontram num determinado contexto corrigindo-os, purificando-os, dando-lhes novos significados ou abrindo para eles uma fase nova de desenvolvimento. Pode-nos servir o exemplo de São Paulo no Areópago de Atenas. A religiosidade dos atenienses oferecia espaço ao anúncio e por isso o Apóstolo apoia-se nela. Chega, porém, para os atenienses, o tempo em que aquela religiosidade já não basta nem sequer do ponto de vista humano, em força de um evento que marca uma nova fase: «Deus, porém, não levando em conta os tempos de ignorância, faz saber agora aos homens que todos, em todos os lugares, devem converter-se, porque ele fixou o dia…».37 São muitos os aspectos que se podem assumir numa cultura, mas não sem discernir os seus significados e confrontá-los com o mistério de Cristo.
Nem tudo numa cultura é compatível com o evangelho. Podem existir nela realidades e concepções inconciliáveis com a experiência cristã. E existem também “sistemas”, “conjuntos”, “constelações de elementos” cujo próprio ponto de coerência interna é “não-evangélico”. O cristão e a comunidade, então, são convidados também mediante um confronto com o evento de Cristo, a abandonar, a deixar alguns elementos solidamente radicados numa cultura. Se o fato da Encarnação sugere a condescendência de Deus, que se revestiu da natureza humana, a morte e a ressurreição de Cristo indicam a passagem pela qual a mesma natureza pode alcançar a forma à qual é destinada e pela qual foi assumida.
Por último, a fé cristã, por não ser só sentimento subjetivo, mas confissão de fatos históricos e mistério salvífico real, é capaz de produzir expressões culturais próprias. A Eucaristia carrega uma cultura, tem significados humanos, palavras, gestos, comportamentos, formas de sociabilidade relacionados indissoluvelmente à sua natureza e ao momento histórico da sua instituição. Essa cultura atravessa por isso o universo cristão no sentido do espaço e do tempo. Lemos ainda com comoção a narração do que Paulo diz ter recebido do Senhor a respeito da celebração eucarística38 e vemo-lo repetido hoje nas comunidades cristãs espalhadas sob todos os céus.
O mesmo acontece com a oração, que se insere naquela de Jesus, e com os outros sinais nos quais a comunidade cristã se reconhece. É o universalmente válido da experiência cristã, que brota da verdade histórica e da unicidade do evento de Cristo. O Espírito Santo, para exprimir esse unum, dá à comunidade eclesial diversidade de línguas, dons, carismas, culturas. O princípio cristológico é critério de unidade, a referência ao Espírito Santo afirma a pluralidade.
Existe uma evidente interação entre fé, cultura da fé e culturas. Quanto mais se medita o mistério cristão e o significado dos gestos e das palavras com que ele foi expresso no momento “nascente”, tanto mais se percebe a sua novidade e, portanto, a sua exigência interna de “converter” a cultura. Quanto mais se aprofundam a estrutura e os elementos de uma cultura particular, tanto mais se compreendem os caminhos pelos quais um povo busca plenitude de humanidade e, portanto, quais são as expressões, intuições, modelos aptos a exprimirem o evangelho.
A dialética é permanente. Não pode existir paz, no sentido de ausência de desafios recíprocos ou uma espécie de convivência definitivamente tranqüila que elimine o confronto.
A inculturação representa não só o caminho de penetração do evangelho num grupo humano, mas também a conversão completa da comunidade cristã. Ela resulta evangelizada, não de maneira decorativa, como uma pintura superficial, quando se chega em profundidade e até às raízes da sua cultura, partindo da pessoa e retornando sempre às relações das pessoas entre si e com Deus.39
A inculturação é sentida, por isso, como urgente em todos os lugares. Não podemos deixar de nos preocuparmos com ela em comunhão com as nossas Igrejas.
6. O diálogo inter-religioso e ecumênico
As considerações precedentes sobre a Encarnação, a unicidade de Cristo e a necessidade da sua mediação para a salvação total do homem servem também para iluminar uma outra linha de trabalho, a do diálogo com outras religiões e confissões cristãs.
O diálogo inter-religioso é complementar ao anúncio. Aproxima aqueles que de algum modo sentem a presença de Deus, valorizam as sementes de verdade presentes nas diversas religiões, favorecem a aceitação recíproca e a convivência pacífica. Recorda-nos as interpelações e as questões colocadas por Jesus aos seus contemporâneos sobre as práticas e crenças religiosas (judeus, gregos, samaritanos, siro-fenícios).
É também parte importante do processo de inculturação, se é verdade, como pensam não poucos estudiosos, que a religião represente o aspecto mais profundo das culturas e, em algumas fases, forma com elas uma única realidade para a gente pobre.
Talvez nunca como hoje se teve uma experiência tão imediata da pluralidade das religiões. Os meios de comunicação favoreceram ao menos uma sumária informação sobre elas. As possibilidades de deslocamento permitiram fazer experiências parciais e temporárias delas, também por parte de quem pretendia apenas tirar benefício de algumas manifestações ou satisfazer as próprias curiosidades. São conhecidos os fenômenos relacionados às religiões, como a busca de espiritualidade, o despertar de crenças tradicionais e o integralismo.
Fez-se, na Igreja, um longo e paciente caminho de encontro, compreensão e valorização das diversas religiões. Colabora-se com elas em causas comuns, como a busca da paz, a superação da pobreza, a defesa dos direitos humanos. Temos todos ainda na memória as imagens do encontro de Assis, da visita do Papa a Marrocos e o seu discurso aos muçulmanos ou, mais recentemente, dos funerais de Madre Teresa de Calcutá.
Os Salesianos trabalham em contextos pluri-religiosos nos quais com freqüência os católicos são minoria. A fim de educar e evangelizar, devem conhecer de forma adequada o fato religioso do próprio contexto e a incidência que ele tem sobre as pessoas e a cultura para poder interagir em relação às atitudes, tradições, crenças e práticas religiosas.
O diálogo não diz respeito só à formulação da verdade. Inclui também acolhida, coexistência respeitosa nos ambientes educativos e sociais, experiências compartilhadas no campo promocional, testemunho, serviço. Não é praticado, pois, só em circunstâncias formais, mas desenvolve-se também no quotidiano. Essas modalidades já estão presentes em não poucos ambientes onde atualmente trabalhamos com jovens e gente de outras religiões. Exige-se, agora, que se acrescentem outras mais explícitas quanto ao conteúdo doutrinal, moral, cultual das religiões. Abatem-se assim os preconceitos, adquire-se uma compreensão mais adequada do sentido e das normas propostas em cada religião, favorece-se a liberdade religiosa e a sinceridade de consciência.
A experiência diz-nos que essa forma de diálogo nem sempre é fácil. A suspeita de que a religião cristã esteja relacionada ao predomínio cultural do ocidente cria não poucas barreiras. A convicção de que Cristo seja mediação necessária e universalmente válida de salvação, apresenta-se como obstáculo quase intransponível. Vai-se insinuando o pensamento de que qualquer expressão religiosa, seguida com sinceridade de consciência, tenha valor igual para o homem.
O diálogo inter-religioso perde assim interesse e decaem o desejo e a capacidade do anúncio. Não estamos totalmente imunes desse risco.
Outra dificuldade vem dos novos movimentos religiosos, genericamente chamados “seitas”. A sua variedade e diversidade não permite distinguir qual o diálogo que se possa manter com eles. O Instrumentum Laboris do Sínodo para a América repete, em reiteradas oportunidades, que o proselitismo agressivo, o fanatismo, a dependência que criam nas pessoas através de formas de pressão psicológica e constrição moral, a crítica e ridicularização injusta das Igrejas e de suas práticas religiosas parecem tornar impossível qualquer forma de diálogo, confronto e colaboração.40 Somos, entretanto, convidados a compreender as razões de certa incidência delas, favorecer a liberdade de consciência e a convivência pacífica.
Com as devidas distinções supostas nos comentários acima, devemos inserir o diálogo inter-religioso também em nossa pastoral missionária. Somos nisso apoiados por algumas convicções.
A luz e a graça trazidas por Jesus não excluem os caminhos válidos de Salvação presentes em outras religiões.41 Melhor ainda, assumem-nos, purificam-nos e aperfeiçoam-nos. «O Verbo encarnado é a realização da aspiração presente em todas as religiões da humanidade: essa realização é obra de Deus e vai além de qualquer expectativa humana. É mistério de graça».42
O Espírito está presente e age em cada consciência e em cada comunidade que se encaminha para a meta da verdade. Ele precede a ação da Igreja e sugere a cada pessoa o caminho para o bem. Leva, ao mesmo tempo, a Igreja a evangelizar os grupos e os povos que Ele, interiormente, já prepara à acolhida. É uma afirmação insistida em muitos documentos recentes do Magistério. «O Espírito, lemos na encíclica Dominum et Vivificantem, manifesta-se particularmente na Igreja e em seus membros: a sua presença e ação, entretanto, são universais, sem limites de espaço ou tempo».43 Ele está na origem da própria questão existencial e religiosa do homem, que nasce não só de situações contingentes, mas da mesma estrutura do seu ser… O Espírito está na origem dos nobres ideais e das iniciativas de bem da humanidade em caminho… É ainda o Espírito que espalha as “sementes do Verbo” presentes nos ritos e nas culturas, e os prepara para amadurecer em Cristo.44
Tal leitura leva, de um lado, a superar o relativismo religioso que considera as religiões aproximações e caminhos igualmente válidos para a salvação, ignorando, com não leve detrimento dos destinatários, a plenitude de revelação e a singularidade da graça saneadora trazida por Cristo. Por outro lado, encoraja-nos a oferecer com entusiasmo a nossa experiência e a da Igreja com atitudes de respeito e espera, conscientes das dificuldades das mudanças, abertos às surpresas da graça, gratos e alegres de tantas respostas mesmo apenas parciais, ou até pequenas.
Acrescento somente um aceno ao diálogo ecumênico, que se realiza com as outras igrejas cristãs. A unidade é uma das metas insistidas com premência por João Paulo II. É condição e sinal da nova evangelização. A oração, as atitudes e os esforços para construí-la são parte essencial da pastoral atual porque correspondem ao desejo de Jesus e às necessidades do mundo. Toda comunidade é chamada a empenhar-se. Com algumas dessas confissões já se fez um caminho e está aberta a via de intercâmbio na oração e de colaboração na ação.
Admitida a conveniência de incorporar o diálogo inter-religioso e ecumênico à nossa práxis missionária, é útil indicar algumas atitudes e modalidades para nele intervir com espírito salesiano.
Coloco em primeiro lugar a capacidade, típica do Sistema Preventivo, de descobrir e valorizar o positivo onde quer que se encontre. O que é proposto pelas Constituições a todos os Salesianos: «Inspirando-se no humanismo de S. Francisco de Sales, (o salesiano) acredita nos recursos naturais e sobrenaturais do homem, embora não lhe ignore a fraqueza. Acolhe os valores do mundo (…): conserva tudo o que é bom…».45 Referem-no particularmente aos missionários quando afirmam que «a exemplo do Filho de Deus assumem os valores desses povos e partilham suas angústias e esperanças».46
Há, depois, o desejo de encontro com as pessoas, inspirado na confiança e na esperança. O salesiano toma a iniciativa de caminhar na direção de cada destinatário, seja ele cristão ou fiel de outras religiões. Vai com a sua carga de humanidade (a bondade!) e convicto de que há em cada coração um terreno fértil para a revelação da verdade e a generosidade no bem.
Recordo, por último, a paciência que sabe alegrar-se com os pequenos passos, esperar frutos futuros, acompanhar intuições ou descobertas, entregar a Deus o momento do amadurecimento da fé, aproveitar qualquer ocasião para comunicar, através da amizade e da palavra, a experiência pessoal do evangelho.
As comunidades têm uma particular importância no diálogo religioso. Ele é, de fato, uma obra coral, mais do que de pioneiros solitários. A comunidade eclesial é “sinal e instrumento” de salvação e comunica-se sem interrupção com a sociedade, emitindo sinais com o seu ser, mais ainda do que com suas pregações. Todas as comunidades, no interior da Igreja, como as dos consagrados e as educativas, abrem ou fecham as possibilidades de diálogo com o seu estilo de vida e a sua capacidade de acolhida.
É acertado que nas comunidades educativas plurirreligiosas, animadas pelos nossos irmãos, convive-se, aprende-se a tolerância, conhecem-se e valorizam-se elementos de outras religiões, tornam-se presentes sinais e práticas cristãs, prestam-se ao diálogo profundo com os que desejam conhecer melhor Jesus Cristo.
A respeito das comunidades dos consagrados, por outro lado, a Exortação Vita Consecrata sublinha o papel particular que elas podem ter na comunicação com outras experiências religiosas através do conhecimento e respeito recíprocos, da amizade e sinceridade cordiais, «da comum solicitude pela vida humana, que vai da compaixão pelo sofrimento físico e espiritual ao empenho pela justiça, a paz e a salvaguarda do criado»,47 do diálogo de vida e da experiência espiritual.
Será importante, nos lugares de missão, neste como nos outros aspectos da vida missionária (inculturação, formação, etc.), cuidar de uma constante e ampla colaboração com os demais missionários, religiosos ou leigos, para dar uma contribuição mais rica ao empenho comum pelo Reino.
8. Uma palavra de ordem: consolidar
A Congregação, apesar da escassez de vocações em vastas zonas, abriu-se com generosidade nos últimos vinte anos para novas presenças missionárias. O carisma salesiano foi levado a numerosos países. Ao Projeto África, somou-se, logo depois, um intenso movimento para o Leste europeu e a expansão no Sudeste da Ásia (Indonésia, Camboja).
Concluída felizmente a fase de fundação, está agora em andamento, em alguns desses contextos, a fase da consolidação quanto às comunidades, às estruturas, ao projeto pastoral.
Justamente em vista dessa consolidação e reconhecendo os resultados já alcançados, quero indicar algumas urgências. Confio-as particularmente aos missionários que trabalham no lugar e às Inspetorias responsáveis pelas presenças missionárias.
O esforço principal deve ser dirigido à formação. Quanto ao que se relaciona com a formação inicial, já construídas as sedes e fundadas as comunidades formadoras, é necessário prover à preparação de pessoal e à constituição de equipes suficientes do ponto de vista numérico e qualitativo. Será conveniente criar ao mesmo tempo a comissão para a formação e ativar a elaboração do Diretório prescrito pelas Regulamentos.48 Assumindo as orientações normativas comuns e a experiência do lugar, o diretório haverá de tornar-se um instrumento de inculturação segundo o que comentei nas páginas anteriores.
Vai-se impondo em todos os lugares a necessidade de conhecer o substrato cultural e religioso dos candidatos para fazer um cuidadoso discernimento de suas capacidades e motivações e acompanhá-los pedagogicamente, para que interiorizem as atitudes de vida consagrada e vivam de maneira personalizada o genuíno espírito salesiano, convenientemente contextualizado. A verdadeira fundação do carisma num país consiste na assimilação profunda e convicta do espírito, além da prática externa. As comunidades de formação sejam cuidadas, portanto, em particular quanto ao pessoal, a partir daquele do noviciado.
A formação inicial busca hoje o seu modelo e perfil na permanente, e visa torná-la geral e eficaz. A formação permanente é, pois, um aspecto indispensável de consolidação. Compreende o empenho pessoal de oração e vida espiritual, de reflexão e estudo, de qualificação e preparação progressiva para a missão, do que jamais o trabalho de evangelização pode se separar. Compreende também a qualidade da vida da comunidade local e inspetorial. Verificou-se sempre e em todos os lugares que a eficácia evangelizadora depende do estilo comunitário da vida fraterna, da oração e de um projeto ordenado mais do que do ativismo individualista.
A Exortação Apostólica Vita Consecrata recorda que a comunhão já é missão pela sua força de testemunho evangélico. As “comunidades missionárias” talvez mais do que as outras são chamadas a tornarem-se lugar de crescimento permanente.
Acrescentam-se para cada um os tempos extraordinários de atualização, síntese e recarga. Eles são pensados em vista de um conveniente repouso periódico; mas sobretudo para dar nova profundidade à vida quotidiana e ao empenho de evangelizadores. Será conveniente torná-los regulares e específicos.
Uma segunda atenção deve ser voltada à qualificação do nosso trabalho educativo e pastoral. Indico, à luz da experiência, alguns elementos a serem cuidados de modo especial.
Um deles é a harmonia e a integração entre evangelização, promoção humana e educação.
A primeira, evangelização, constitui a principal finalidade. É a razão da nossa vida e das nossas obras. Dê-se, portanto a ela, como dissemos, a preferência nos tempos, meios, emprego de pessoas, qualificações e planos.
A educação é, para nós, caminho e modalidade típica. Refere-se principalmente aos jovens, mas dita-nos o estilo a seguir também com os adultos. Dirige-se, pela sua natureza, também àqueles que não são cristãos e não pretendem assumir a fé. Aos cristãos, oferece uma formação humana completa, que se integra com o caminho catequético e de iniciação à fé.
A promoção humana é aspecto indispensável da evangelização. Também ela se refere ao homem e à sociedade enquanto tal; tem finalidade, métodos e dinamismos próprios e pode assumir orientações diversas. Por isso Paulo VI qualifica a promoção favorecida pela Igreja como “evangélica”, “fundada no Reino de Deus”. Isso deve demonstrar-se na constância e no modo de agir, tornando evidente a finalidade especificamente religiosa da evangelização, que perderia a sua razão de ser caso se distanciasse do eixo que a governa: o Reino de Deus, antes de qualquer outra coisa, em seu sentido plenamente teológico.49
Isso tudo encontra um instrumento de clareza, orientação e convergência no Projeto Educativo Pastoral, que motiva e sintetiza as diversas dimensões do nosso trabalho: educativa e cultural, de evangelização e catequese, comunitária e associativa, vocacional.
Sua elaboração e realização parecem necessárias para superar a improvisação e as visões muito individuais que desequilibram numa vertente e levam para fora das finalidades. Trabalhar na sua preparação e atuação será uma oportunidade de repensamento da ação, de acordo comunitário e de formação permanente.
A pastoral não alcança os seus fins e o projeto não tem garantia de funcionamento se não se coloca a qualificação do pessoal no centro da atenção. Referimo-nos nesse caso aos neófitos, fiéis, colaboradores, animadores, pais e, em geral, às pessoas disponíveis a processos formativos. Para algumas dessas categorias será preciso dedicar cuidados particulares. A experiência que fazem oferece-lhes a oportunidade de entrar mais profundamente em relação com Cristo, e o trabalho que realizam incide de forma determinante na comunidade cristã. Refiro-me aos catequistas e educadores.
Entendo na prática apelar com insistência para que todos invistam principalmente na formação das pessoas: o maior número possível e no nível mais elevado possível.
Verifique-se o emprego do dinheiro para distribuí-lo como apoio das atividades mais importantes e reveja-se o emprego das estruturas e a orientação das nossas ocupações a fim de que o que for só instrumental não impeça o principal. Mesmo nas missões, a comunidade deve funcionar como “núcleo animador”.
Uma terceira atenção volte-se às condições para que o evangelho e o carisma salesiano se enraízem nos diversos contextos. A inculturação não é uma operação feita por alguns especialistas à escrivaninha. É a vida cristã e salesiana que progride e vai produzindo uma interpretação típica entre evangelho e costumes.
Vai-se realizando antes de tudo em nós. Exige um sentido de pertença ao lugar, de aprendizado e uso quotidiano da língua, de acolhida dos costumes, melhorados se for necessário, de participação nas relações mais simples e humildes, de compreensão e apropriação da religiosidade popular. Numa palavra, pertencer ao lugar e ser percebidos como tais, “fazer-se tudo para todos”.
Esse caminho (pertença, língua, costumes, inserção popular) já empreendido por aqueles que dão o primeiro impulso a uma missão, facilitará a convivência com as gerações nativas e a transmissão a elas desse empenho no momento oportuno.
A isso visa a criação de circunscrições que agrupem presenças, reforcem o sentido de pertença, criem corresponsabilidade e permitam a constituição de comunidades compostas por irmãos vindos de diversas nações, que deverão modelar o tipo de vida segundo o critério da inserção e inculturação.
Os arquivos, as bibliotecas especializadas sobre a cultura local, a coleta de material etnográfico e de tudo que documente a caminhada missionária concorrem também para a inculturação, a qualidade da evangelização, a comunicação do espírito salesiano, a transmissão da memória.
As missões salesianas do primeiro tempo preocuparam-se muito com a dimensão histórica, que correspondia às recomendações dos superiores, a partir de Dom Bosco, e à preparação cultural dos pioneiros. É uma preocupação a ser retomada hoje.
9. Novas fronteiras
Temos vários projetos missionários no estaleiro, todos prometedores. Encorajam o seu empreendimento as expectativas que se manifestam nas zonas onde serão iniciados, a riqueza humana e cultural com que se entra em contato e as extremas necessidades às quais se dará resposta. São campos preparados para a colheita. Apresento-os para tornar o discurso mais concreto e compartilhar convosco a alegria da visão voltada para o futuro.
Caminhamos na África, além do reforço e da organização das presenças já estabelecidas, inserindo-nos em novos contextos: Zimbábue, Malauí e Namíbia.
Na Ásia, está em plena atividade a primeira presença no Camboja: um vasto e moderno centro de formação profissional com 500 jovens com possibilidade de um centro juvenil e de ação missionária. Inicia-se uma segunda obra, enquanto exploram-se as possibilidades oferecidas pelo Laos. Recentemente estabeleceram-se comunidades nas Ilhas Salomão e no Nepal, e tem-se em vista uma fundação no Paquistão, para onde serão enviados quatro irmãos no segundo semestre de 1998. Todas as Inspetorias da Índia empreenderam novas iniciativas missionárias.
Há, depois, a China, onde apresentam-se novos tempos repletos de promessas pelas dimensões do território e da população, as características humanas, os antecedentes missionários e os fermentos religiosos. O trabalho no momento desenvolve-se em formas muito originais e atípicas. O futuro apresenta sinais de esperança e interrogativos. Em todo caso, a Congregação acompanha os acontecimentos políticos para dar os passos em vista de uma presença consistente, logo que surjam as condições. Acolhem-se já com essas perspectivas os pedidos de candidatos que se sintam chamados a trabalhar lá.
Na Europa, deve-se apoiar algumas comunidades de recente fundação, como na Albânia, enquanto se caminha para estabelecer a obra na Romênia, com o envolvimento das Inspetorias de Veneza e da Áustria. Dom Bosco precedeu-nos e a difusão da sua biografia suscitou vocações locais, que já estão percorrendo as primeiras fases de formação.
Na América, olhamos para Cuba, onde tivemos nos últimos anos o sinal positivo do surgimento de vocações e onde as necessidades do contexto cristão parecem imensas devido à escassez das forças. E, no novo clima de colaboração e solidariedade acenado no CG24 e reafirmado no Sínodo da América, projetamos algumas presenças entre os imigrantes hispânicos dos Estados Unidos.
Há, depois, os indígenas no interior das nações, aos quais demos atenção no passado e que continuamos a acompanhar. Hoje, somam-se a eles os numerosos grupos afro-americanos, pelos quais, seguindo as linhas das Igrejas da América, temos algum projeto no estaleiro.
Concluo a lista acenando ao doloroso problema dos refugiados, que são milhões, especialmente na África, entre os quais as conseqüências mais graves caem sobre as crianças e os jovens. Confiei ao Dicastério para as missões a elaboração de uma hipótese de ação, partindo do conhecimento do fenômeno em cada continente, para chegar a iniciativas significativas no front educativo e pastoral.
“A messe é grande”. Seguindo o exemplo de Dom Bosco e de seus sucessores, que apresentaram à Congregação novas empresas missionárias para suscitar generosidade, também eu faço um apelo aos irmãos que sentem o desejo e o chamado a colocar-se à disposição do Senhor. Dirijo-o a todos. A presença dos anciãos pode resultar providencial, pelo testemunho, oração e contribuição de sabedoria em comunidades missionários muito jovens. Pode ser igualmente precioso para as missões aquele tempo de vida que em muitas nações não é mais empenhado em obras educativas. Gostaria, contudo, que este apelo fosse ouvido particularmente pelos jovens.
A generosidade missionária foi uma das razões da boa saúde e da expansão da Congregação durante o primeiro século e meio de vida. Estou persuadido de que acontecerá o mesmo no futuro.
Gostaria de fazer duas acentuações particulares neste apelo. A primeira diz respeito às Inspetorias que hoje gozam de abundância de vocações. Por muito tempo foram as Inspetorias da Europa a fornecerem o maior número de missionários e, graças a elas a Congregação foi implantada nos outros continentes. Constatou-se, no recente congresso europeu sobre as vocações, realizado em Roma, que a contribuição das Igrejas européias à missão “ad gentes” nos últimos vinte e cinco anos diminuiu em 80%, enquanto ainda continua por parte delas uma exemplar solidariedade econômica e de assistência variada. Ao mesmo tempo a contribuição de outros continentes vai-se fazendo consistente, como pude verificar na entrega do Crucifixo aos que partiam na 127ª expedição missionária.
João Paulo II, no final da Encíclica Redemptoris Missio afirma: «Vejo romper uma nova época missionária, que se tornará dia radioso e rico de frutos, se todos os cristãos e, em particular, os missionários e as jovens Igrejas responderem com generosidade e santidade aos apelos e desafios do nosso tempo».50 Também nós devemos difundir mentalidade e entusiasmo nas Inspetorias de recente florescência e abrir aos jovens a possibilidade do mundo.
A reciprocidade missionária deve-nos tornar disponíveis a compartilhar reciprocamente meios, pessoal e ajudas espirituais.
A segunda acentuação diz respeito ao envolvimento dos leigos na missão “ad gentes”. No contexto do crescimento geral da consciência do laicato e da sua participação na comunhão e missão da Igreja foi aumentando a sua atenção à missão “ad gentes”. Difunde-se o desejo, crescem os pedidos, vai-se melhorando a preparação dos candidatos e procuram-se formas de tornar-lhes possível a participação com a peculiaridade de suas condições. Anunciar a boa nova é um dever-direito dos leigos, fundado na dignidade batismal. Assistimos a uma mobilização sem precedentes de voluntários empenhados em primeira linha na pastoral das igrejas e na promoção humana desenvolvida com sentido cristão.
O CG24 insistiu de muitas maneiras na possibilidade de empenho missionário dos leigos. É hora de ir além das realizações e caminhar para formas amplas e organizadas de laicato missionário salesiano.
10. Juntos rumo ao ano 2000.
Somos todos convocados à obra de consolidação e às novas empresas para a extensão do Reino. As “missões” fazem parte da única missão eclesial. As missões salesianas fazem parte da única missão salesiana. Realizam-se, sem solução de continuidade, em todos os lugares onde a Igreja deve anunciar o Evangelho ou a Congregação é chamada a oferecer o próprio carisma.
Entre aqueles que trabalham nas diversas missões dá-se uma profunda comunhão de bens e uma misteriosa solidariedade de esforços e resultados.
Compartilhemos o aspecto missionário da espiritualidade salesiana, desejando que a luz do Evangelho chegue a todos. Compartilhemos a práxis missionária para que a prioridade do anúncio, a abertura ao diálogo religioso, o movimento de inculturação e o esforço de consolidar a comunidade através da formação das pessoas sejam assumidos na medida exigida em cada situação. Compartilhemos a vida missionária, participando dos acontecimentos consoladores e tristes e procurando ver neles a vontade do Senhor, através da informação, da leitura evangélica dos acontecimentos. Mantenhamo-nos em comunhão com os missionários, sobretudo com a oração quotidiana e em datas ou circunstâncias marcadas pela nossa memória, pelas indicações da Igreja ou por eventos particulares.
Expressão da mesma participação é a pastoral juvenil, que faz viver intensamente a dimensão missionária da Igreja no caminho de fé. Há lugar para variados estímulos vindos do mundo das missões nos caminhos de amadurecimento humano, de aprofundamento da fé, de experiência eclesial e de orientação vocacional. Encontram-se no associacionismo juvenil, espaços para grupos de finalidade apostólica variada, que se inspiram no interesse pelas missões. Cultivam-se e florescem neles atitudes e hábitos cristãos, como a prontidão na doação, a estima pelas diversas culturas, a capacidade de ir além das aparências pessoais, o sentido comunitário do trabalho e da ação, o gosto pela comunicação, a mundialidade.
Expressão de participação é, ainda, a difusão da sensibilidade missionária ou o testemunho da nossa vida pobre, entre a gente cristã ou simplesmente de bom coração. Essa sensibilidade seja manifestada de acordo com os princípios e finalidades da evangelização, mais do que apenas com as técnicas da publicidade e da captação de consenso. A contribuição das Procuradorias missionárias, mundiais, interinspetoriais e inspetoriais, tornou possível o início e o crescimento de muitos projetos missionários e ainda continua a ser sinal do envolvimento de muitas pessoas na empresa missionária e do sentido concreto que nos caracterizou desde a primeira expedição.
Isso tudo deve ser vivido, é quase supérfluo dizê-lo, não com uma mentalidade puramente funcional, mas com o desejo de não descuidar de nada para que muitos tenham a felicidade de experimentar a salvação de Cristo.
A proximidade do ano 2000 convida-nos a dar uma nova prova da nossa capacidade de empreender juntos iniciativas missionárias de vasto respiro.
Ocorrerão então os 125 anos da primeira expedição missionária. Não se deixou passar, em nossa história, nenhuma das ocorrências importantes desse acontecimento sem marcá-las com celebrações particulares.
Coube ao P. Rua, no início do século, comemorar o 25º aniversário. Os Salesianos da América desejavam ardentemente a sua presença naquele continente e interpuseram importantes influências com essa finalidade, que, porém, não chegaram ao resultado desejado ardentemente.51 As celebrações, entretanto, foram realizadas com a presença do Catequista geral, P. Paulo Albera, no contexto do Congresso internacional dos Cooperadores de Buenos Aires, o segundo após o de Bolonha.52
Mais lembrada é a comemoração do cinqüentenário, em 1925, desejada pelo Beato Filipe Rinaldi, e que coincidia com um ano jubilar. O primeiro ponto de seu programa consistia em “uma grande função e uma grande expedição missionária”.53 A expedição foi de fato preparada. Compunha-se de 172 Salesianos e 52 Filhas de Maria Auxiliadora. Coube ao Card. Cagliero abençoá-la e entregar o crucifixo aos missionários que partiam.
O P. Pedro Ricaldone, no 75º aniversário, pediu uma contribuição extraordinária de pessoal às Inspetorias que tinham sido destinatárias dos primeiros esforços missionários e impulsionou a fundação de alguns aspirantados missionários fora da Europa.
Em 1975, a cem anos da data que nos é tão cara, o P. Luís Ricceri convidou a recordá-la com algumas iniciativas práticas das quais a segunda era uma expedição missionária digna do centenário. «Venho agora – dizia – fazer-vos não uma proposta, mas um fervoroso convite. A Congregação, agradecida ao Senhor por todo o bem que pode fazer às almas nestes cem anos e consciente do muito que resta a fazer, confiante na Providência que saberá recompensar o gesto de quem deixa a Inspetoria pelas missões, suscitando nelas novas e generosas vocações, propõe-se realizar uma expedição digna do acontecimento».54
As dimensões da Congregação e a vitalidade das novas Inspetorias, o alargamento do mundo e as novas zonas de semeadura convidam-nos a colocar em prática a reciprocidade missionária.
Proponho-vos, em vista do ano 2000, formar um manípulo, com a contribuição mínima de um irmão por Inspetoria, para consolidar as obras iniciadas há pouco e avançar nos espaços que se vão abrindo. As Inspetorias favorecidas com muitas vocações poderão contribuir segundo a própria riqueza, começando desde agora a obra de sensibilização e motivação entre os jovens irmãos. Uniremos assim o apelo do Papa para uma nova evangelização com o agradecimento ao Senhor pelas quase 10.000 vocações missionárias enviadas à nossa Congregação.
Concluindo esta reflexão, o meu pensamento volta-se a Maria Auxiliadora. Não foi por acaso que nossas expedições partiram da Basílica dedicada a Ela como centro de irradiação da fé e da Congregação. Mesmo que hoje, por causa da descentralização missionária, os pontos de partida sejam muitos, a entrega do Crucifixo diante de Maria Auxiliadora será sempre o gesto com que a Congregação Salesiana renova como tal o seu empenho missionário.
O quadro que a representa dá-nos uma síntese de espiritualidade missionária com referência ao Papa que está na origem da missão, à Encarnação do Filho, que é a primeira missão fonte de todas as outras, e à presença do Espírito enviado a animar a Igreja, enviada por sua vez a evangelizar o mundo.
Maria faz-nos pensar na palavra acolhida na Anunciação, no anúncio alegre levado na Visitação, na Palavra meditada no nascimento de Jesus e progressivamente feita vida na participação do ministério público, plenamente realizada na união à paixão, morte e ressurreição de Jesus.
Os territórios onde semeamos estão hoje quase todos marcados por um santuário de Maria Auxiliadora. As comunidades que se formaram aprenderam a invocá-la. As três comunidades cristãs com que celebramos a eucaristia na China pediram espontaneamente na despedida a bênção de Maria Auxiliadora. É uma prática e uma lembrança que tantos anos de isolamento não conseguiram cancelar e à qual a fé está apegada.
A Ela, que abriu e guiou a nossa história missionária, confiamos o nosso presente e os nossos projetos futuros.
Juan E. Vecchi
1 Jo 4,35
2 Jo 4,35
3 Jo 4,34
4 cf. Jo 4,35
5 cf. Jo 4,38
6 cf. Jo 4,37
7 Mc 16,15
8 Jo 4,23
9 Jo 4,22
10 Mt 9,37
11 cf. Const. 34
12 CERIA E., Annali, Vol. I, pág. 252.
13 Const. 30
14 cf. ACG 359, abril-junho 1997
15 CERIA E., Annali, Vol. I, pág. 252
16 cf. Const. 30; Reg. 11. 18. 20. 22
17 EN 69
18 RM 69
19 cf. VC 72. 78
20 VC 78
21 VC 79
22 cf. VC 79. 102
23 EA 90
24 cf. EN 17
25 EA 57
26 cf. ib.
27 EN 31
28 Const. 31
29 Const. 34
30 CGE 337
31 CGE 339
32 CGE 341
33 Cf. EA 59-64
34 cf. ACG 316, 336, 342
35 cf. CG24 15. 55. 131. 255
36 cf. 1Jo 1,1
37 At 17,30
38 cf. 1Cor 11,23-26
39 cf. EN 20
40 cf. cf. VC 72.78
41 cf. LG 16
42 TMA 6
43 cf. DEV 53
44 cf. LG 17; AG 3. 15; RM 28
45 Const. 17
46 Const. 30
47 cf. VC 102
48 cf. Reg. 87
49 cf. EN 32
50 RM 92
51 cf. CERIA E., Annali, vol. III, pág. 106
52 cf. ib., pág. 104-128
53 Atos do Conselho Superior, 17.6.1925
54 Lettere circolari di don Luigi Ricceri ai Salesiani, Lettera 35, “Nel Centenario delle missioni salesiane”, Vol. 2, pág. 779.