401-450|pt|419 Pertencer mais a Deus, mais aos irmãos, mais aos jovens

1. Carta do Reitor-Mor



PERTENCER MAIS A DEUS, MAIS AOS IRMÃOS, MAIS AOS JOVENS



Roma, 16 de agosto de 2014.

Início do Bicentenário do Nascimento de Dom Bosco



1. Nos passos dos meus predecessores. 2. Um presente a ser vivido na fé, com esperança, com realismo e caminhando juntos. 3. Pertencendo mais a Deus. 4. Façamos com a ‘utopia’ da fraternidade segundo o Evangelho seja uma realidade. 5. Com os jovens, pelos jovens “nossos patrões”. 6. Congregação missionária: quando a diversidade é riqueza. 6.1. Porque existem campos de missão pastoral aonde somos muito necessários neste momento… - 6.2. ...E porque a diversidade é riqueza. 7. Celebrando o Centenário do Nascimento de Dom Bosco. 8. “Levemos Nossa Senhora para casa”: “E desde aquele momento o discípulo levou-a consigo” (Jo 19,27).




Meus caros Irmãos,


Já se passaram três meses e meio desde o final do CG27 e, mesmo que me tenha comunicado convosco por escrito ou com uma mensagem audiovisual, a carta do Reitor-Mor publicada nos Atos do Conselho Geral é um momento especial.

Escolhi como título desta primeira carta o mesmo da minha intervenção no encerramento do CG27, porque acredito que há no conteúdo do Capítulo um programa de reflexão e de ação para o sexênio, que devemos aprofundar em momentos e modos diversos. Entendo referir-me a alguns núcleos do Capítulo Geral, mas em primeiro lugar e, sobretudo, gostaria de expressar a todos e a cada um de vós, meus Irmãos salesianos, todo o afeto e o desejo de, algum dia, em algum lugar do nosso ‘mundo salesiano’, podermos nos encontrar. Será um verdadeiro presente e uma alegria para mim.

Quero dizer também que, ao pensar na maneira de manifestar-vos o que representa para mim este momento em que vos escrevo e este serviço que me foi solicitado, pensei em procurar e ler como foi a primeira comunicação de cada um dos Reitores-Mores que me precederam. Devo dizer-vos que foi um verdadeiro prazer e um presente para a alma encontrar-me com estes testemunhos, e não posso deixar de compartilhar convosco o que percebi, e que fala por si só.



1. NOS PASSOS DOS MEUS PREDECESSORES


Devo confessar-vos que só o fato de escrever este relato me comove, pensando justamente nos Reitores-Mores que tivemos. Percebe-se em todos eles que o início do seu serviço foi realmente algo muito especial.


Padre Miguel RUA (Beato) escreve sua primeira carta como Reitor-Mor em 19 de março de 1888, após o reconhecimento e o decreto da Santa Sé que o confirmava como Reitor-Mor, e se expressa dizendo que, depois da carta enviada pelo Capítulo Superior, ele, pela primeira vez, escreve em sua nova qualidade de Reitor-Mor e que, “apesar da minha indignidade, fui conduzido pela Divina Providência na maneira como foi manifestada a todos vós”.1 Dito isto, Padre Rua comunica que, depois da audiência pessoal com o Papa Leão XIII, o Cardeal-Vigário lhe disse como últimas palavras: “Recomendo-lhe a causa de Dom Bosco; recomendo-lhe a causa de Dom Bosco”.2 Em seguida, expressa a sua profunda convicção de que os Salesianos devem ser dignos filhos de um Pai tão grande com foi Dom Bosco, de modo que o empenho principal deve ser apoiar e ao mesmo tempo desenvolver ainda mais as obras iniciadas por ele, seguindo fielmente os métodos praticados e ensinados pelo próprio Dom Bosco. Depois, agradece por todas as cartas recebidas, cheias de sentimentos de respeito e de afeto, e reconhece que tudo isso serve de conforto para a sua dor (entende-se, pela perda de Dom Bosco) e infunde no seu coração a confiança de que seja menos difícil o seu caminho: “Não obstante não posso esconder nem a mim nem a vós a grande necessidade que tenho das vossas orações. Recomendo-me, pois, à vossa caridade para que todos vós me sustenteis com vossas válidas orações. De minha parte, asseguro-vos que, tendo a todos no meu coração, vos recomendarei todos os dias na S. Missa ao Senhor, para que vos assista com a sua santa graça, vos defenda de todos os perigos e, sobretudo, nos conceda encontrar-nos um dia todos juntos, sem excluir ninguém, a cantar os seus louvores no Paraíso, onde nos espera, como no-lo escreveu o nosso amantíssimo Pai Dom Bosco”.3


Padre Paulo ALBERA escreve a sua primeira carta em Turim no dia 25 de janeiro de 1911. O Capítulo Geral XI terminara em 31 de agosto de 1910. Nessa carta, com toda a sua simplicidade, Padre Albera começa dizendo estar ciente de que se esperava com certa impaciência a primeira circular do novo Reitor-Mor e reconhece que, tão logo concluído o Capítulo Geral, deveria ter informado sobre as eleições dos Superiores e outras coisas importantes.4

Com a simplicidade que reconhecemos no Padre Albera, ele manifesta na carta que escreve numa data próxima ao aniversário da morte do Venerável Dom Bosco, data que o Padre Rua escolhia com frequência para escrever alguma de suas ‘admiráveis circulares’, e está convencido de que “a partir desta memorável data mais do que de outra coisa, brotará autoridade e eficácia à minha pobre e desordenada palavra. Eis, portanto, que eu me apresento a vós não com a linguagem de um superior e de um mestre, mas com a simplicidade e com o afeto de um irmão e de um amigo. Pretendo revelar-vos os meus pensamentos, com o coração na mão e certo de que a minha voz encontrará eco fiel em todos os Salesianos e servirá a todos de estímulo para vos demonstrardes sempre mais dignos filhos do nosso Venerável Fundador e Pai”.5 Dito isto, mais adiante, na mesma carta, intitulada “...Sob o peso da responsabilidade”, Padre Albera escreve uma belíssima página, em que expressa sentir-se sob um grande peso e que gostaria de subtrair-se a “um encargo que eu sabia muito além das minhas fragilíssimas forças físicas, intelectuais e morais”.6

Via-se rodeado – são palavras suas – por muitos outros mais bem preparados para assumir o governo da nossa Pia Sociedade, mais bem dotados de virtude e de sabedoria... Logo que pôde, correu a Valsálice para lançar-se aos pés de Dom Bosco, lamentando-se por ter deixado cair em suas mãos o timão da nave salesiana... expondo-lhe, mais com o pranto do que com as palavras, as suas ansiedades, os seus temores, a sua fragilidade.7


Padre Felipe RINALDI (Beato) escreve sua primeira carta, publicada nos Atos do Capítulo Superior, ‘Atos’ que, com o Padre Albera, surgiram três anos antes e dos quais tinham sido publicados 13 números. Na primeira frase desta carta, ele escreve: “É a primeira vez que vos escrevo como Reitor-Mor, e gostaria de poder manifestar-vos em toda a sua plenitude os sentimentos e os afetos que a nova grande responsabilidade suscitou no meu coração nestes dias memorandos. Mas é fácil entender não ser isso possível: em nossa vida acontecem, às vezes, acontecimentos tão imprevistos e imponentes, que as palavras não conseguem exprimir e colorir de modo adequado o que despertam em nós. Deixo, por isso, à vossa experiência e bondade interpretar estes meus sentimentos e afetos”.8

Em seguida, Padre Rinaldi escreve que, não podendo agradecer individualmente a cada salesiano, nem mesmo com uma simples palavra, confia o próprio agradecimento às poucas linhas que escreve a todos, acrescentando que no anterior dia 24 de abril, acompanhado pelos Inspetores e Delegados do Capítulo Geral, e rodeado por irmãos e jovens do Oratório, prostrara-se, comovido, diante da sorridente imagem da nossa Auxiliadora no seu belo Santuário, sentindo que todos eram confiados ao seu coração, como filhos amados.9


Padre Pedro RICALDONE escreve sua primeira carta, com uma saudação, em 24 de junho de 1932, iniciando assim: “A minha primeira saudação é um pedido. A nossa Sociedade não está mais nas mãos competentes e santas do Beato Dom Bosco, do Padre Rua, do Padre Albera, do Padre Rinaldi: ajudai-me a obter do Senhor que, nas mãos do vosso novo Reitor-Mor, não se atenue o fervor do seu zelo e o ritmo da sua expansão”.10

Padre Ricaldone pede desculpas por não ter podido escrever imediatamente a sua afetuosa e paterna saudação, embora o seu pensamento tenha corrido logo a todos eles, mas fora impedido pelo Capítulo Geral e os assuntos urgentes a tratar com os Inspetores, além da viagem a Roma. Agradece pelas adesões tão cordiais recebidas e acompanhadas da promessa de tê-lo presente diante de Deus e de se manterem fiéis à observância das Constituições e apegados intensamente ao espírito do Beato Dom Bosco.


Em 24 de agosto de 1952, o Padre Renato ZIGGIOTTI escreve sua primeira carta dizendo ter esperado a conclusão do Capítulo Geral XVII e que fossem festejadas as datas de 15 e 16 de agosto com as novas profissões na memória do nascimento do nosso amado Pai e Fundador, “antes de vos enviar esta minha primeira carta, que coloco sob a proteção especial da nossa Mãe Maria SS. Auxiliadora, no dia consagrado à sua comemoração mensal”.11

O Reitor-Mor agradece, em seguida, pelos cumprimentos que lhe foram enviados por ocasião da sua nomeação e garante a sua lembrança na oração por todos e cada um, particularmente no caso de, entre a grande quantidade de cartas recebidas, não tivesse chegado a alguém a devida resposta.

Mais adiante conta aos irmãos como foi o momento da sua eleição em 1º de agosto. “E foi pelas 13 horas daquele dia que, completados os longos preparativos necessários, o juramento dos eleitores e o solene escrutínio, coube ao pobre abaixo-assinado a honra incomparável para um Salesiano e ao mesmo tempo a gravíssima responsabilidade de ser o quinto sucessor de São João Bosco. Caríssimos Irmãos, não vos falo da minha confusão e, ao mesmo tempo, da minha alegria ao ver-me aplaudido, festejado, abraçado com visível comoção por todos os Membros do Capítulo Geral e, de modo particular, por vários dos meus antigos Superiores e companheiros, pelos anciãos e pelos jovens, que viam encerrado o período de luto e iniciado o novo Reitorado”.12


Padre Luís RICCERI escreve as suas primeiras palavras como Reitor-Mor, datando-as naquele que ele chama de ‘glorioso aniversário’, 16 de agosto de 1965, dizendo: “Apresento-me pela primeira vez a vós num dia tão caro ao nosso coração de filhos. Ocorre hoje o 150º aniversário do nascimento do nosso dulcíssimo Pai”.13

Em seguida, ele fala da emoção vivida ao celebrar a Santa Missa na igreja inferior do Templo do Colle, rodeado pelos Superiores, com o Padre Ziggiotti, o Padre Antal, as Madres do Conselho Geral das Filhas de Maria Auxiliadora, os irmãos, noviços, irmãs, cooperadores, ex-alunos, devotos e amigos de Dom Bosco, Missa transmitida para milhões de pessoas em onze nações, por meio da televisão, em ‘Eurovisão’. O seu pensamento corria ao contraste com aquele humilíssimo e desconhecido natal do nosso pai há 150 anos. A sua mente voava a pensar na Providência e a entoar com o coração o Magnificat.

Mais adiante, sob o título de ‘motivos de confiança’, afirma: “Certamente, olhando para Dom Bosco, e também para os seus Sucessores, sinto toda a minha pequenez e o quanto seja inadequado colocar-me nos seus passos”.14 Padre Ricceri manifesta que lhe é dado certo conforto diante da sensação de pequenez ao pensar que foi chamado àquele posto na Congregação através do voto expresso pelos Capitulares. E que o Senhor, que trilha caminhos diversos daqueles dos homens, dispôs que fosse chamado a governar a Congregação. “Façamos juntos a sua vontade; a mim não resta senão ser sempre mais dócil, porquanto modesto, instrumento nas mãos do bom Deus”.15

Outro motivo de conforto para ele é a afetuosa e sincera caridade e a grande confiança daqueles que estão ao lado do novo Reitor-Mor para ajudá-lo, confortá-lo e serem, como verdadeiros filhos e irmãos, seus cordiais e ativos colaboradores.

Enfim, manifesta o seu Coração de Pai dizendo: “De minha parte, abrindo-vos todo o meu coração, desejo dizer-vos que me sinto a serviço de cada um de vós, com o coração de um pai. A autoridade, estou profundamente convencido disso, especialmente hoje, não é exercício de poder, mas exercício daquela caridade que se torna serviço, como o que um pai e uma mãe prestam aos seus filhos. (...) Gostaria, numa palavra, de fazer com que cada um de vós sentisse o meu vivíssimo desejo, a minha vontade, de ser e demonstrar-me sempre pai; por isso, rezo insistentemente a Dom Bosco e ao Padre Rinaldi, que me deem algo do seu coração”.16


Na solenidade da Anunciação, 25 de março de 1978, o Padre Egídio Viganò escreve a sua primeira carta aos Irmãos, dizendo-lhes: “Cumprimento-vos com alegria e esperança, e desejo partilhar fraternalmente convosco alguns pensamentos que trago no coração. (...) A Providência transtornou há alguns meses a minha existência designando-me para vosso Reitor-Mor. Já se está tornando um hábito para mim a consciência das graves responsabilidades inerentes a este ‘serviço de família’, que exige verdadeira paternidade espiritual em profunda sintonia com Dom Bosco”.17

Padre Viganò sublinha em seguida a certeza de que, entretanto, o Senhor o ajuda a perceber a beleza e a abundância de graça deste serviço e, em particular, a ajuda materna de Maria que acompanha tal ministério, com a alegria de poder entrar em comunhão com cada um dos irmãos e com cada comunidade, para refletirem e crescerem juntos na gratidão e na fidelidade.

E, referindo-se a si mesmo, exprime o que segue: “Queria que o estilo claro e penetrante de Dom Bosco e a facilidade de comunhão que possuíam os outros sucessores, mas à míngua de afabilidade e simplicidade, supra ao menos sinceridade e solidez”.18


Coube ao Padre Juan Edmundo VECCHI, na sua função de Vigário, transmitir a mensagem de esperança em memória do Padre Egídio Viganò, depois da sua morte acontecida em 23 de junho de 1995. Após a serena despedida do sétimo sucessor de Dom Bosco, ele orientou a Congregação para a celebração do CG24, que inaugurou em 18 de fevereiro de 1996 com a sessão de abertura e com o encerramento em 20 de abril, agora como Reitor-Mor.

É compreensível, então, que, tendo assumido o governo da Congregação previamente ao Capítulo, a sua primeira carta, de 8 de setembro de 1996, sobre a Exortação Apostólica “Vita consecrata”, não tenha qualquer referência ao início do seu serviço como Reitor-Mor. Neste sentido há uma diferença em relação a todas as situações anteriores.



Enfim, o Padre Pascual CHÁVEZ, eleito Reitor-Mor no CG25, inicia a sua primeira carta a todos os irmãos depois de um período de tempo após o encerramento do Capítulo, que ele qualifica como forte experiência espiritual salesiana. Os documentos capitulares já tinham chegado naquele momento às Inspetorias e deseja – escreve – colocar-se “em contato convosco por meio desta minha primeira carta circular. Escrever cartas foi a forma apostólica empregada por São Paulo, para superar a distância geográfica e a impossibilidade de estar presente nas suas comunidades, para acompanhar-lhes a vida. Com as devidas diferenças, também as cartas do Reitor-Mor entendem criar proximidade com as inspetorias mediante a comunicação, partilhando o que acontece na Congregação e iluminando a vida e a práxis educativo-pastoral das comunidades”.19

A carta traz a data da vigília da Assunção de Maria e a dois dias da data que recorda o nascimento de Dom Bosco. Nela, o P. Pascual deseja exprimir o seu desejo de estar próximo de todos: “Não vos escondo que muito me agradaria estar perto de vós e partilhar os vossos trabalhos atuais e os vossos melhores sonhos. De modo particular, sinto no profundo do coração o desejo de rezar por cada um de vós. O Senhor vos encha de seu Dom por excelência, o Espírito Santo, para que vos renove e santifique à imagem do nosso Fundador”.20

Depois de expressar este desejo, Padre Pascual manifesta a sua intenção de, nesta primeira carta, querer falar à Congregação sobre a santidade, não tanto como um pequeno tratado, quanto apresentá-la como dom de Deus e urgência apostólica.



2. UM PRESENTE A VIVER NA FÉ, COM ESPERANÇA, COM REALISMO, E CAMINHANDO JUNTOS


Posso dizer-vos com plena sinceridade, caros Irmãos, que, ao fazer este percurso através da nossa História de Congregação me comovi em diversos momentos. Este percurso, após aquele 31 de janeiro de 1888, quando Dom Bosco nos deixou, convida-me (creio que nos convida) a um profundo agradecimento por tudo o que foi a nossa história. Uma história que seria superficial contemplar com triunfalismo e que, todavia, devemos ler com um olhar de Fé, que nos fala de como o Senhor quis escrever belas páginas a favor dos jovens por meio de tantos irmãos que nos precederam.

Pensando na minha pobre pessoa, posso dizer-vos que gostaria para mim mesmo – para melhor servir a Congregação e a Família Salesiana da qual fazemos parte – todos e cada um dos traços mais característicos que distinguiram cada um dos Reitores-Mores anteriores, no âmbito do seu contexto teológico, social e de desenvolvimento da Congregação.

Não se pode exprimir em poucas linhas o caminho que fizemos em nossa Congregação. Seria preciso uma inteira publicação histórica muito cuidadosa; em todo caso, também os estudiosos da história da nossa Congregação admitirão ser possível falar de momentos tão característicos: de Fundação, de Consolidação e Estruturação (com forte crescimento e expansão), de Revisão Pós-Conciliar e Definição Teológica, de Projeção Pastoral da Missão, e a etapa da Identidade Salesiana e Radicalidade Evangélica da nossa vida de Consagrados. Tudo isso, entende-se, enriquecido pelos muitos destaques e opções feitos pelos Capítulos Gerais que, em seguida, os diversos Reitores-Mores tornam próprios.

É belo e muito rico o patrimônio recebido, e torna maior a nossa responsabilidade diante do Senhor, diante de Dom Bosco e também diante daqueles que em épocas anteriores deram o melhor de si mesmos.


Perguntareis como me sinto diante desta realidade e qual o programa de animação e governo que se entrevê. Pois bem, pessoalmente posso compartilhar convosco o que disse em 25 de março. Sinto que estou a viver assim:

  • Do ponto de vista da Fé, abandono-me ao Senhor.

  • Porque sei que não estou sozinho, pois verdadeiramente se experimenta a vivência da ‘força interior’ que vem do Espírito (“Basta-te a minha graça”), que é presença da Mãe (“Filho, eis tua mãe”...). E não só porque se experimenta a comunhão fraterna e de ajuda da parte dos Irmãos Salesianos (de vós que estais ao meu lado no cotidiano e de vós que estais em tantas partes do mundo como outros tantos ‘Dom Bosco hoje’ para os jovens que vos esperam). E não estou sozinho porque também experimento o calor afetivo e as atenções que recebo da nossa Família Salesiana.

  • E vivo trazendo os jovens no coração. Sinto-o muito vivamente, e de modo especial os mais pobres, os mais carentes, os últimos.


Quanto ao Programa de Animação e Governo do sexênio, ele está esplendidamente definido no CG27, e não duvido que tudo o que podemos querer, de alguma maneira, está contido nele.

Será programa do sexênio:

  • Continuar a cuidar da nossa Identidade Carismática em plena fidelidade a Dom Bosco, uma identidade nova nas formas e nas expressões 200 anos depois do seu nascimento, mas idêntica na pureza e essencialidade do seu carisma, que recebemos em herança.

  • Garantir em todas as partes da nossa Congregação a nossa condição de Consagrados, como homens que escolhemos realmente viver na Trama de Deus, sendo místicos na nossa cotidianidade.

  • Cuidar da realidade humana, afetiva e vocacional de cada irmão e das nossas Comunidades. Queremos realmente sonhar a Utopia de uma Fraternidade irresistível a partir do Evangelho.

  • Testemunhar de modo muito eloquente e evidente a nossa sobriedade e austeridade de Vida, a nossa Pobreza que é Trabalho e Temperança.

  • Viver a opção pelos jovens mais pobres, até as últimas consequências que se apresentam. Com humildade, sem qualquer triunfalismo, mas, como nos tempos de Dom Bosco, devemos distinguir-nos principalmente por estas opções, decisões e ações.

  • Tudo isso, porém, não o fazemos sozinhos. Participamos da grande Família Salesiana que deve, ela também, crescer em identidade e pertença, e dispomos da grande força de um laicato bem formado e empenhado na Missão Compartilhada. Traduzo numa expressão pessoal o que foi expresso pelo CG24 há dezoito anos: Tendo chegado este momento, a missão compartilhada com os leigos não é mais opcional, é uma exigência carismática.



3. PERTENCENDO MAIS A DEUS


Devo confessar-vos, caros Irmãos, que algumas expressões, como Primado de Deus, Místicos no Espírito, Trama de Deus, Proximidade de Deus, União com Deus, Buscadores de Deus... são expressões que tocam profundamente o meu coração, dizendo-me que há aqui algo importante, que esta é a chave, que tudo o mais em que gastamos tantas energias ‘foi-nos dado por acréscimo’, ou ‘cai como fruto maduro’, ou seja, é uma consequência, é garantido.

Confesso-vos, ao mesmo tempo, com grande sinceridade, um temor que experimentei igualmente nos meus anos de serviço como Inspetor: sinto que ao falar disso haja irmãos que simplesmente se afastem, que o qualifiquem ‘a priori’ como teologia ultrapassada, como paradigma que ‘já não serve’, que ‘já está fora de uso’... Contudo, encontram-se estas mesmas expressões nos mais diversos lugares, em textos teológicos e em revistas de atualidade nas quais se sente a pulsação da vida religiosa.

Em nosso CG27, recolhendo a experiência de toda a Congregação, a diagnose entre nós era coincidente e com leituras variadas.


Creio realmente, irmãos, que a vida espiritual deve vir em primeiro lugar,21 uma vida espiritual que é antes de tudo busca de Deus no cotidiano, no meio das coisas que fazemos, das nossas ocupações. E o digo por que para nós, como foi para Dom Bosco na busca do melhor para os seus jovens, para a salvação deles, e para toda a vida religiosa de hoje, o seu elemento fundamental foi, continua a ser e será a pessoa do Senhor Jesus e a sua mensagem. Decisivamente, a centralidade de Jesus Cristo em nossa vida. Pode acontecer também que isso jamais tenha sido posto em dúvida, mas não é a mesma coisa que torná-lo vida e critério da própria vida.

Nossa vida religiosa – porque não devemos nos esquecer de que a nossa vida não é só vida salesiana, mas vida religiosa como consagrados Salesianos – não encontra sua razão de ser no que fazemos, nem nos modos de nos organizarmos, nem na eficiência dos nossos projetos e planejamentos. Ou a nossa vida religiosa de consagrados nos faz ser sinais (comunidade de homens crentes ao serviço do Reino) ou corremos o risco de nos preocuparmos mais com a nossa força (caso a tivéssemos) do que com a mensagem de Deus.

O perigo natural em toda vida religiosa é perder o frescor carismático. É possível que nos envolvamos tanto nos trabalhos, nas atividades, nas tarefas (pastorais ou não)... e possamos perder o valor simbólico da nossa vida. Por exemplo, quando sinto, como me aconteceu recentemente, que num determinado país com grande presença de obras salesianas, obtemos um grande reconhecimento pelas nossas obras sociais, e, diversamente, a nossa condição de salesianos como pessoas crentes de vida consagrada é pouco valorizada, devo confessar-vos que me preocupo e me pergunto: o que é que não fazemos bem? O que é que não conseguimos testemunhar?

Por isso... quando nos perguntamos o que é o essencial na nossa vida, o caminho é o do retorno ao encontro com Aquele que dá significado a cada instante, perguntando-nos o por que, o para o quê, e o para quem fazemos as coisas, com base em qual critério realizamos as nossas opções e vivemos como vivemos.

Por isso tudo, podemos dizer que o núcleo da nossa identidade e a razão de ser da nossa vida religiosa é, decisivamente, a experiência de Deus. E a questão sobre a qualidade de vida na vida religiosa torna-se de modo determinante a questão sobre a qualidade desta experiência de fé.22 E é neste quadro e neste contexto que o nosso Capítulo, no número 32, sublinha que assim como para Dom Bosco, também para nós o primado de Deus é o fundamento que dá razão da nossa presença na Igreja e no mundo. Este primado dá significado à nossa vida consagrada, evita o perigo de nos deixarmos absorver pela atividade, esquecendo que somos essencialmente ‘buscadores de Deus’ e testemunhas do seu amor entre os jovens e os mais pobres.

Por isso, novamente, precisamos ajudar-nos uns aos outros a crermos realmente que esta é a experiência-base da nossa vida, a experiência de Deus em nós ou, dito de outro modo teológico, vivendo toda a nossa existência ‘em Deus’. Caros Irmãos, quaisquer que sejam as palavras com que quisermos exprimi-lo, a raiz da nossa vida salesiana, como de toda a vida consagrada, é mística, porque se o que nos sustenta, que nos move, não for uma experiência real e nutritiva do Senhor, tudo o mais não nos levará muito longe. E, todos os dias, o cansaço, as personalidades aos pedaços, os vazios existenciais – mesmo se acreditávamos viver tudo por Deus – etc., que tão frequentemente vemos em alguns irmãos nossos, são uma prova dolorosa, mas irrefutável, de que isso realmente acontece.

Queira o Senhor conceder-nos o Dom de sermos realmente mais ‘buscadores d’Ele’, dando plenitude de sentido, antes de tudo, ao nosso ser, e, depois, ao nosso viver e fazer.


4. FAÇAMOS COM QUE A ‘UTOPIA’ DA FRATERNIDADE SEGUNDO O EVANGELHO SEJA UMA REALIDADE


Casa’ e ‘família’ – lemos no número 48 do nosso CG27 – são duas palavras frequentemente usadas por Dom Bosco para descrever o ‘espírito de Valdocco’, que deve resplandecer em nossas comunidades.

A assembleia capitular fez uma leitura aberta à esperança, mas também realista da nossa vida comunitária (com suas luzes e sombras), dimensão da nossa vida que, embora podendo ter a maior força profética, é seguramente a que tem a ‘saúde mais frágil’ no mapa da nossa Congregação.

Diz-se, no documento capitular, que a partir do CG25 cresce o empenho de viver de forma mais autêntica a nossa vida comunitária (n. 8) embora se constatem, por trás do ‘respeito’ e da ‘tolerância’, indiferenças e falta de cuidado em relação ao irmão (n. 9). O comodismo e o ativismo levam a ver o tempo dedicado à comunidade como tempo ‘roubado’ tanto ao âmbito da ‘esfera pessoal’ quanto à missão (n. 9). Se, com dificuldade, respondemos ao chamado de Deus de modo radical, isso se deve em parte a uma fraca convicção... na realização da comunhão em comunidade (n. 36).

Ao mesmo tempo, e com olhar positivo e esperançoso, reconhecemos que a vida de comunidade é um dos modos de fazer experiência de Deus. Viver a “mística da fraternidade” é um elemento essencial da nossa consagração apostólica (n. 40).

Viver a espiritualidade da comunhão... e construir a comunidade, supõe passar da vida em comum à comunhão de vida (n. 45).

Encontramos estas e outras constatações na reflexão capitular que, sem dúvida, estamos lendo e meditando. Não me detenho mais longamente sobre este ponto. Não é necessário recolher outras citações para demonstrar todo um mosaico de luzes e sombras. A questão, à luz do nosso CG27, é: do que devemos cuidar, o que precisamos mudar, o que devemos continuar a fazer ou não, para que realmente a nossa vida comunitária tenha toda a força de atração que tem a Fraternidade vivida segundo o Evangelho, a ponto de ser ‘irresistível’ na sua atração?

A vida comunitária tem certamente, como escreveu um autor, “todo o encanto do que é difícil e do que é possível, da graça e da fragilidade. Somente com a graça de Deus é possível permanecer em comunidade e aprofundar esta experiência... E é uma penitência e uma ascese que purifica e exercita na colaboração, na participação e na comunhão. Mas é também e, sobretudo, um encanto. Vive-se em comunidade para se ser feliz e são muitos os que o conseguem (...) e se quisermos falar do encanto da vida comunitária é preciso dizer uma palavra sobre as distâncias curtas do amor fraterno. Ele supõe presença, afeto recíproco e correção fraterna, interessar-se uns pelos outros, ajudar-se reciprocamente; em última análise, o amor fraterno em todo o seu desdobramento. O coração pede e exige. A vida comunitária do futuro será fraterna ou não o será realmente.23 Este é um dos ingredientes mais buscados pelos candidatos de hoje, e nem sempre é o que encontram em medida grande”.24

Esta dimensão da vida religiosa é hoje, sem dúvida, uma grande força testemunhal. Como em grande parte dos nossos contextos sociais, há, ao lado de realidades positivas, uma crescente incomunicabilidade, um isolamento, um individualismo que vai aumentando e uma solidão que, em muitas culturas, é a grande doença do nosso tempo, assim como a sua irmã gêmea, a depressão. O testemunho das comunidades religiosas, também das nossas, deveria ser um verdadeiro anúncio evangélico, uma boa notícia, autêntica provocação ou questionamento.

Por isso, confesso-vos que uma das minhas maiores inquietudes é pensar, ver, imaginar, comunicar-nos sobre o modo de caminhar na direção adequada, diante desta realidade frágil de não poucas de nossas presenças. Irmãos, a nossa comunhão de vida é muitas vezes sacrificada por outras coisas! Pergunto-me, por exemplo, por que nós, que deveríamos ser especialistas em humanismo, sobretudo pela nossa condição de educadores dos jovens, temos ao nosso lado em nossas comunidades, às vezes no refeitório ou em ambientes próximos, irmãos que vivem feridos no seu coração, dilacerados pela solidão ou pela desilusão, irmãos que quiseram ser felizes como salesianos e não o são. É verdade que esta não é toda a realidade da nossa Congregação, pelo contrário, mas é também uma realidade presente e deveria bastar-nos um único caso, um único irmão ferido para que sangrasse um pouco o coração de todos. Em nosso caso, creio que se poderia qualificar como pecado se respondêssemos, com palavras ou com fatos ou com silêncios, como Caim diante da pergunta do Senhor “Onde está o teu irmão”. “Não sei” – respondeu – “Serei eu por acaso guarda do meu irmão?” (Gn 4,9). Sim, nós o somos! Não guardas, mas seus cuidadores.

Nosso grande desafio, caros Irmãos, para cada Inspetor, Conselho, Diretor e para cada um dos nossos irmãos em cada uma das comunidades do mundo salesiano é este: Fazer da nossa Comunidade um verdadeiro espaço de vida de comunhão. Como passar de uma vida em comum com momentos estabelecidos, regulamentos, planejamentos – que certamente podem ser de ajuda – a uma vida de comunhão? Isso, sem dúvida, haverá de supor conversão pessoal e, portanto, comunitária, será preciso um empenho afetivo e efetivo para levar adiante este intento; trata-se de um processo que exige de nós admitir que cada uma das etapas da nossa vida é uma oportunidade para crescer, para abrir-se à novidade de um encontro mais autêntico com os Irmãos com a força dada por Deus, para tornar mais visível a sua presença entre nós.


5. COM OS JOVENS, PARA OS JOVENS “NOSSOS PATRÕES”


A expressão não é minha, é de Dom Bosco, muito frequente nele: “Os jovens são os nossos patrões”;25 e em suas abordagens, ele sempre manteve uma atitude de autêntico servidor.

É fascinante, caros Irmãos, tudo o que possuímos de textos no patrimônio da nossa Congregação, desde o próprio Dom Bosco até hoje, em relação à nossa prioridade: os jovens, e especialmente os mais pobres. Isso se deve ao fato de termos essa prioridade realmente no nosso coração, no nosso DNA, como eu disse várias vezes. E se deve também ao fato de, às vezes, precisarmos reconhecê-lo para que seja mais evidente esta nossa predileção, recordar-nos e recordá-lo a outros para não esquecê-lo.

Dom Bosco, recorda-nos o CGE XX, deu uma prescrição muito particular entre as lembranças aos primeiros missionários, que conserva a sua plena atualidade para todos nós: “Fazei com que o mundo veja que sois pobres nas roupas, na alimentação, na moradia, e sereis ricos perante Deus e vos tornareis senhores do coração dos homens”.26

Tendo sido assim ao longo de toda a nossa história de Congregação, à luz do CG27, caros Irmãos, e com a decidida opção de ser servidores dos jovens, esta opção pelos jovens, e especialmente pelos mais pobres, é, deve ser de modo imperativo, o maior esforço e o traço distintivo da Congregação neste sexênio, com um profundo sentido de Deus e verdadeira profecia de fraternidade, em que a nossa opção pelos mais carentes seja tão evidente a ponto de não serem necessárias palavras para explicá-lo. “O mundo nos receberá sempre com prazer, enquanto nossas solicitudes forem orientadas para os jovens mais pobres, mais em perigo. Esta é a nossa verdadeira riqueza, que ninguém nos quererá arrebatar”.27

A opção pelos pobres será então a versão mais evangélica do nosso voto de pobreza, e nos ajudará certamente a superar a inclinação tão natural que nós humanos, pessoas e instituições, temos de associar-nos com o poder e os poderosos, de ter e possuir em excesso, inclinação totalmente contrária ao Evangelho e à práxis de Jesus.

Irmãos, quando o nosso recente Capítulo Geral afirma que queremos ser uma Congregação de pobres e para os pobres, porque cremos como Dom Bosco que este deve ser o nosso modo de viver o Evangelho com radicalidade e a maneira de viver mais disponíveis às exigências dos jovens, não está pensando que seja apenas uma sugestão para os salesianos mais sensíveis ou um pouco mais generosos, mas projeta-o como a realização de um autêntico êxodo em nossa vida.28 Deve ser algo essencial para o nosso ser Salesianos de Dom Bosco, e aquilo que deve estar a peito para todo salesiano. A exceção deverá ser a dos irmãos que não se sentem capazes – porque algo não está bem em suas vidas – e então poderão contar com a nossa fraternidade e a nossa ajuda, mas jamais deveria ser uma opção pela indiferença, pela mediocridade na entrega, pelo subtrair-se à opção pelos mais pobres, e menos ainda deveria dar-se o caso de um jovem, uma jovem, um adolescente ter que deixar a casa de Dom Bosco porque não dispõe de recursos econômicos para pagar isto ou aquilo.

Haverá, talvez, quem pense que se trate de algo bonito, mas irrealizável; alguém dirá que devemos sustentar escolas, despesas, e eu lhes digo que com a generosidade, com a clareza da opção, com a busca de ajuda, com recursos para bolsas de estudo, com a capacidade que certamente temos de gerar solidariedade quando se trata de ajudar os que menos possuem, poderemos tornar realidade que a casa salesiana jamais seja inacessível para aqueles que menos possuem (seja uma escola, um oratório, uma casa-família, um centro juvenil...). Gostaria de recordar o que já disse nas palavras conclusivas do Capítulo Geral: São os jovens, especialmente os mais pobres, que nos salvarão. Eles são um dom para nós salesianos, eles são realmente “a nossa sarça ardente” diante da qual devemos tirar as sandálias.29 Esta é a chave da nossa paternidade como educadores, doadores de vida, até dar a nossa vida, entregá-la pelos últimos, porque, respondendo ao chamado do Senhor, decidimos doá-la. Tendo sido capazes do mais (o ‘sim’ por toda a vida) não é para permanecermos no menos, deixando de ser alternativa para alguém, sendo um sinal de coisa nenhuma.

Estou convencido – sem ainda conhecer toda a Congregação – que é muita a dedicação e a generosidade existentes, mas aquilo que já está bem centrado em Deus e nos últimos não nos pode tranquilizar e compensar as realidades nas quais não estamos respondendo ao que Dom Bosco faria hoje. É neste sentido que, como nos pede o CG27, encorajo a todos os irmãos a nos colocarmos numa verdadeira atitude de conversão a Deus, aos irmãos e aos jovens.

Somos para os jovens verdadeiros pais e irmãos, como o foi Dom Bosco e como no-lo recordou, no seu tempo, João Paulo II, quando nos disse no CG23: “Portanto, no centro das vossas atenções estejam sempre os jovens, esperança da Igreja e do mundo, para os quais todos olham com confiança e trepidação. Nas nações mais ricas, como nos países mais pobres, permanecei sempre ao serviço deles; ficai especialmente atentos àqueles que são mais fracos e marginalizados. Levai a cada um deles a esperança do Evangelho, para que os ajude a enfrentarem a vida com coragem, resistindo às tentações do egoísmo e do desânimo. Sede para eles pais e irmãos, como Dom Bosco vos ensinou”.30



6. CONGREGAÇÃO MISSIONÁRIA: QUANDO A DIVERSIDADE É RIQUEZA


Sob este título ou epígrafe quero dizer alguma coisa simples e clara: A dimensão missionária faz parte da nossa IDENTIDADE e a diversidade cultural, a multiculturalidade e a interculturalidade são uma riqueza para a qual caminhar neste sexênio.

Segundo a ‘Evangelii Gaudium’,31 o anúncio do Evangelho é missão de todo o povo de Deus e é anúncio para todos, onde “não há nem judeu nem grego... porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3,28). Envolve ser fermento de Deus em meio à humanidade, uma humanidade e um Povo de Deus com muitas faces, com muitos desenvolvimentos históricos e culturas diversas, onde todos somos discípulos missionários.

O Papa faz um apelo à Evangelização de todos os povos e, sempre para nos reconhecermos na nossa identidade, dirigimos o olhar para o caráter missionário da nossa Congregação. Dom Bosco quis que a Sociedade Salesiana fosse decididamente missionária. Em 1875, dentre o pequeno grupo dos primeiros salesianos, escolheu dez deles para que fossem à América; antes da sua morte já tinha enviado 10 expedições missionárias, e 153 salesianos estavam na América no momento da sua morte, quase 20% dos salesianos do momento, segundo o catálogo da Congregação de 1888.

Esta identidade missionária, conservada e cuidada com o passar dos anos, levou o Capitulo Geral Especial a fazer um apelo especial que eu gostaria de renovar hoje, às portas do Bicentenário do nascimento de Dom Bosco e como homenagem viva a ele: “O Capítulo Geral Especial lança um apelo a todas as Inspetorias, mesmo às mais pobres de pessoal, para que, em obediência ao convite do Concílio e consoante com o ousado exemplo de nosso Fundador, contribuam com pessoal próprio definitiva ou temporariamente, para o anúncio do Reino de Deus”.32

Creio com sinceridade, caros Irmãos, que este apelo tenha hoje plena atualidade na realidade da nossa Congregação. Quando falo de homenagem a Dom Bosco na celebração do Bicentenário do seu nascimento, não o digo num contexto celebrativo vazio ou para fazer estatísticas, mas porque creio realmente – e esta foi a sensibilidade do CG27 – que uma grande riqueza da nossa Congregação é justamente a sua capacidade missionária, a possibilidade de estar aonde se tem maior necessidade de nós na Evangelização, embora todas as forças sejam muito válidas em qualquer lugar em que vivemos. Neste sentido, sirvo-me desta ocasião para convidar todos os salesianos SDB – e estendo de coração o meu convite a toda a Família Salesiana – para que, no momento oportuno, a ‘Evangelii Gaudium’ seja lida, meditada e compartilhada. Certamente nos fará muito bem; em muitos lugares, ela ainda não é conhecida.



6.1. PORQUE EXISTEM CAMPOS DE MISSÃO PASTORAL NOS QUAIS SOMOS MUITO NECESSÁRIOS NESTE MOMENTO…


Neste sentido, e não só para o ano 2015, mas para todo o sexênio, queremos que se traduza em realidade a ajuda real em algumas áreas de missão que apresentam maior fragilidade neste momento, por exemplo, entre outras:

  • O trabalho missionário na Amazônia, especialmente em Manaus, em Campo Grande, e na Venezuela.

  • O trabalho missionário no Chaco Paraguaio.

  • O trabalho missionário em algumas regiões dos Pampas e da Patagônia Argentina.

  • A presença missionária entre as comunidades de imigrantes nos Estados Unidos.

  • A presença missionária no Oriente Médio, tremendamente castigada, sobretudo pelos diversos conflitos bélicos, como bem conhecemos.

  • A presença missionária entre os muçulmanos, desde a África do Norte até os países do Golfo Arábico ou o Paquistão...

  • A nova presença missionária exigida pelo Projeto Europa e que tem muito a ver com os últimos, atraídos pelas diversas migrações.

  • Reforçar as jovens presenças missionárias de primeira Evangelização na Ásia e Oceania: Mongólia, Camboja, Bangladesh, Laos...



6.2. …E PORQUE A DIVERSIDADE É RIQUEZA


Em minha vida salesiana, em mais de uma ocasião, ouvi alguém dizer que havia mais vocações no próprio país ou Inspetoria do que em outros, e que não havia necessidade de ajuda, pois havia um número suficiente de vocações. Mas, justamente por isso, e porque a diferença, a diversidade, a multiculturalidade e a interculturalidade é uma riqueza, torna-se sempre mais necessária essa ajuda, também para garantir a identidade do carisma salesiano, para que não seja monocromático, para favorecer o intercâmbio de irmãos entre as Inspetorias por alguns anos, para oferecer temporariamente irmãos às Inspetorias mais carentes, além dos que se oferecem como missionários ‘ad gentes’, em resposta a este apelo e a outros que virão; e, dessa forma, também preparar os irmãos, em todas as partes do mundo, com visão global e universal. Nós Salesianos de Dom Bosco, embora tenhamos uma organização jurídica que se concretiza nas Inspetorias, não fazemos profissão religiosa para um determinado lugar, uma terra ou uma pertença. Somos Salesianos de Dom Bosco na Congregação e para a Missão, aonde haja necessidade de nós e aonde o nosso serviço seja possível.

Estou ciente de que esta mensagem possa ser surpreendente, mas devemos ser corajosos no sonhar, caros Irmãos, e não ter medo da novidade, porquanto exigente seja, se for boa em si mesma. Uma concretização simples, mas imediata daquilo que digo é, por exemplo, a necessidade de preparar os jovens salesianos na aprendizagem das línguas; quanto mais línguas, tanto melhor. Passou o tempo, vivido pessoalmente por mim, em que aprender uma língua estrangeira era algo supérfluo e ir ao país vizinho, mesmo se a fronteira distasse apenas cinquenta quilômetros, era ‘ir ao exterior’ e era muito difícil obter as licenças no interior da Congregação. Devemos preparar as nossas novas gerações, portanto, na aprendizagem dos idiomas e, entre eles, o aprendizado da língua italiana para que, com o tempo, não aconteça que o acesso às fontes e aos escritos originais do nosso Fundador e da Congregação, devido à ignorância, seja algo proibitivo.

Quero sublinhar, também, que não devemos ter medo e criar resistência para os nossos jovens irmãos estudarem fora da própria Inspetoria. Não se ama menos a própria terra, as próprias raízes e as próprias origens pelo fato de não se estudar no próprio lugar. Não é verdade, e não há qualquer perigo de perder o sentido da realidade. Pelo contrário, alarga-se muito a visão e a capacidade de entender a diversidade e a diferença, algo essencial no nosso mundo de hoje e de amanhã.


7. CELEBRANDO O BICENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE DOM BOSCO


Quando esta minha carta estiver sendo lida por vós, já teremos inaugurado o ano do Bicentenário do nascimento de Dom Bosco, no dia 15 de agosto em Castelnuovo Don Bosco e, no dia 16 de agosto, no Colle Don Bosco. Sob a guia do nosso Reitor-Mor Emérito, Padre Pascual Chávez, vivemos um intenso triênio de preparação em toda a Congregação, aprofundando a realidade histórica, a pedagogia e a espiritualidade do nosso Fundador.

Parece-me oportuno dizer que o ano de celebração que iniciamos tem uma dupla face. Uma exterior, mais pública e oficial, e outra interior, mais íntima.

Duzentos anos desde o nascimento de Dom Bosco, suscitado pelo Espírito Santo com a intervenção de Maria (cf. Const. 1), é um tempo suficiente para ver e compreender o que herdamos. Primeiramente, a vida de um homem de Deus, um Santo que com coração de pai viveu o que prometera: “Prometi a Deus que até meu último alento seria para meus pobres jovens”.33 E herdamos a responsabilidade de viver e de fazer com que seja realidade, a autenticidade de um carisma que nasceu não de projeto humano, mas da iniciativa de Deus para colaborar na salvação da juventude (cf. Const. 1).


Celebrar o Bicentenário do nascimento de Dom Bosco na sociedade, nas cidades, com o povo de Deus, permite-nos reconhecer o que significa para nós ter Dom Bosco como Pai.

  • É a oportunidade de nos sentirmos agradecidos ao Senhor porque, duzentos anos depois do nascimento de Dom Bosco, estamos aqui, como dom de Deus para os jovens. Oportunidade de reconhecer Deus presente em nossa história, pois constatamos que Ele (o Deus da Vida), sempre nos precedeu.

  • É o momento de nos comprometermos mais com a força do Evangelho que deve chegar de modo especial aos jovens e, entre eles, aos mais humildes, àqueles que, sem terem feito nada para isso, foram excluídos da festa da vida.

  • É o momento oportuno de propor novamente a atualidade de um carisma que se coloca no centro dos problemas do mundo de hoje, de modo especial do mundo dos jovens. Porque Dom Bosco continua a ter hoje palavras e propostas para os jovens do mundo, pois, embora tenham sido alteradas as situações e os contextos, o coração dos jovens, de cada jovem, continua a ter as mesmas palpitações de entusiasmo e de abertura à Vida.

  • O carisma salesiano foi e é o dom que o nosso Deus faz ao mundo, tendo escolhido Dom Bosco para isso. Portanto, insistamos muito, com convicção, no fato de Dom Bosco ser um bem da Igreja e de toda a Humanidade.34 Ele formou-se ao longo dos anos, dos primeiros momentos da existência nos braços de Mamãe Margarida à amizade com bons mestres de vida e, sobretudo, na vida cotidiana com os jovens que, plasmando no cotidiano o seu coração, ajudaram-no a ser mais de Deus, mais dos homens e mais para os próprios jovens.


Celebrar o Bicentenário na interioridade da nossa Congregação e da nossa Família Salesiana, significa viver aquilo que São Paulo recomendava a Timóteo pedindo-lhe que ‘reavivasse o Dom recebido’. Por isso, sempre que um salesiano, um membro da nossa Família Salesiana, vive em plenitude a própria vocação, é, por sua vez, um presente de Deus para o mundo.

Celebrar o Bicentenário na intimidade do lar (como devem ser todas e cada uma das nossas comunidades) significa deixar-nos interpelar no nosso ser e no nosso viver, até podermos dizer, com olhar límpido e transparente, que “a santidade dos filhos seja prova da santidade do Pai”.35

Esta celebração significa também reevocar duzentos anos da história de homens e mulheres que deram a vida por este ideal, muitas vezes de maneira heroica, em condições difíceis, às vezes também extremas. Este é um tesouro inestimável que só Deus pode valorizar na justa medida e a Ele o confiamos.

Nós estamos entre os que acreditam que 1815, com o chamado de Joãozinho Bosco à vida e a sua eleição da parte do Senhor, foi apenas o início de uma longa corrente de testemunhas e que também nós, como Dom Bosco, queremos esforçar-nos para ajudar a escrever o futuro da vida, e vida de crentes, dos jovens e, entre eles, dos mais carentes, com as cores da esperança.

Enfim, e brevemente para não me prolongar muito, desejo sublinhar a singularidade do carisma salesiano em nossa peculiaridade conhecida como Sistema Preventivo, que é muito mais do que um método educativo. É uma verdadeira e rica forma de espiritualidade, um modo extraordinário de conceber o sentido da vida na ótica de Deus, sendo um grande dom da nossa Congregação e Família à Igreja. Contudo, sobre isso escreverei mais amplamente na carta sobre a Estreia no final do ano.



8. “Levemos Nossa Senhora para casa”:E desde aquele momento o discípulo levou-a consigo” (Jo 19,27).


Quis concluir esta minha primeira carta circular com as mesmas palavras usadas pelo Padre Egídio Viganò em sua primeira carta sobre Maria que renova a Família Salesiana de Dom Bosco.36 Conta-nos o Padre Viganò que enquanto ouvia na noite da Sexta-feira Santa daquele ano a narração evangélica da morte do Senhor segundo João, com Maria e o Discípulo aos pés da cruz, ficou particularmente impressionado, com uma convicção que o leva a dizer: Sim! Precisamos repetir uns para os outros como programa da nossa renovação a afirmação do evangelista: “Levemos Nossa Senhora para casa”.

Dom Bosco teve uma vivíssima consciência da presença pessoal de Maria na própria vida, na sua vocação e na sua missão apostólica. “Maria Santíssima é a fundadora e será o sustento das nossas obras”,37 e nós Salesianos, como parte da nossa Família Salesiana, estamos convencidos do papel indiscutivelmente especial que Maria teve na vida de Dom Bosco e da Congregação. Maria foi para Dom Bosco a Mãe atenta dos seus jovens e a educadora interior deles. E sempre foi para ele a Mãe por quem teve uma devoção terna e viril, simples e verdadeira.

Ao mesmo tempo, Dom Bosco, como verdadeiro educador e catequista, conseguiu fazer de maneira excepcional que em casa, na casa dos seus jovens, Valdocco, o clima de família fosse sempre envolvido por uma presença materna: Maria.

Hoje, duzentos anos depois do nascimento de Dom Bosco, podemos dizer que a devoção a Maria, sobretudo para nós como Auxiliadora, é de fato um elemento constitutivo do ‘fenômeno salesiano’ na Igreja, e faz parte imprescindível do nosso carisma: permeia a sua fisionomia e lhe dá vitalidade.

Maria, que é a Mulher da Escuta, Mãe da nova comunidade e Serva dos pobres acompanhe-nos e abençoe-nos. A Ela nos dirijamos com a mesma oração do Papa Francisco:38


Estrela da nova evangelização,

ajudai-nos a refulgir com o testemunho da comunhão,

do serviço, da fé ardente e generosa,

da justiça e do amor aos pobres,

para que a alegria do Evangelho

chegue até aos confins da terra

e nenhuma periferia fique privada da sua luz.


Mãe do Evangelho vivente,

manancial de alegria para os pequeninos,

rogai por nós.

Amém. Aleluia!


C umprimento-vos fraternamente, com afeto,




Ángel Fernández Artime, sdb

Reitor-Mor

1 Lettere Circolari di Don Michele Rua ai Salesiani, Direzione Generale Opere Don Bosco, Turim, 1965, p. 25.

2 Ibidem, p. 26.

3 Ibidem, p. 27.

4 Lettere Circolari di Don Paolo Albera ai Salesiani, Direzione Generale Opere Don Bosco, Turim, 1965, p. 6.

5 Ibidem, p. 8.

6 Ibidem, p. 13.

7 Ibidem, p. 13.

8 Atti del Capitolo Superiore della Pia Società Salesiana, Anno III, n. 14, 1922, p. 4.

9 Ibidem, p. 4-5

10 Atti del Capitolo Superiore della Società Salesiana, Anno XIII, n. 58, 1932, p. 2.

11 Atti del Capitolo Superiore della Società Salesiana, Anno XXXII, n. 169, 1952, p. 2.

12 Ibidem, p. 3.

13 Atti del Capitolo Superiore della Società Salesiana, Anno XLVI, n. 262, p. 2.

14 Ibidem, p. 4.

15 Ibidem, p. 5.

16 Ibidem, p. 5.

17 Atos do Conselho Superior da Sociedade Salesiana, Ano LVII, 1978, n. 289, p. 1.

18 Ibidem, p. 2.

19 Atos do Conselho Geral da Sociedade Salesiana, Ano LXXXIII, n. 379, p. 3.

20 Ibidem, p. 4.

21 CG27, Introdução, p. 21, in Giovanni Paolo II, ’Vita consecrata’, n. 93: “A vida espiritual deve estar sempre no primeiro lugar… Desta opção prioritária, desenvolvida no compromisso pessoal e comunitário, depende a fecundidade apostólica, a generosidade no amor pelos pobres, a própria atração vocacional sobre as novas gerações”.

22 A citação textual é como segue: “O núcleo da identidade e a razão de ser da vida religiosa e de toda vida cristã é a experiência de Deus. Pode-se falar de experiência de Deus, de fé radical, de prioridade absoluta do Reino de Deus e da sua justiça, de viver a vida em chave escatológica... Pouco importa os nomes. O importante é ter bem presente que é esta experiência nuclear o que dá significado a todo este gênero de vida, é o que dá qualidade de vida aos seus membros e faz com que se trate realmente de vocação e não de simples profissão. A questão sobre a qualidade da vida religiosa é a questão sobre a qualidade desta experiência de fé” (cf. FERNANDO PRADO (ed.), Adonde el Senhor nos lleve, Publicaciones Claretianas, Madri, 2004, 31).

23 Esta frase em cursivo é uma opção pessoal minha, devido à importância que lhe atribuo. O autor não a evidenciou de modo particular.

24 J. M. ARNAIZ, ! Que ardan nuestros corazones. Devolver el encanto a la vida consagrada!, Publicaciones Claretianas, Madri, 2007, 95.

25 Capítulo Geral Especial Salesiano, Roma, 1971, Atos, n. 351.

26 Ibidem, n. 597, citando MB XI, 389-390.

27 Ibidem, n. 597, citando MB XVII, 272.

28 Cf. CG27, n. 55. O negrito é opção minha.

29 CG27, n. 52, citando Ex 3,2 e “Evangelii Gaudium”, n. 169.

30 JOÃO PAULOI II, Discurso aos Capitulares, in CG23, n. 331.

31 Cf. Evangelii Gaudium, n.111, 115 e 120.

32 CGE, n. 477

33 Const. 1, cf. MO, 16

34 Como diz o Papa Francisco na ‘Evangelii Gaudium’, n. 130: “O Espírito Santo enriquece toda a Igreja evangelizadora também com diferentes carismas. São dons para renovar e edificar a Igreja. Não se trata de um patrimônio fechado, entregue a um grupo para que o guarde; mas são presentes do Espírito integrados no corpo eclesial, atraídos para o centro que é Cristo, donde são canalizados num impulso evangelizador. Um sinal claro da autenticidade dum carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de se integrar harmoniosamente na vida do povo santo de Deus para o bem de todos”.

35 Conselho dado por um piedoso e benévolo cooperador e que o Padre Rua cita e põe como palavra de ordem na carta de 8 de fevereiro de 1888, oito dias depois da morte de Dom Bosco, na carta dirigida aos diretores das casas salesianas comunicando os sufrágios para Dom Bosco. Cf. Lettere circolari di Don Michele Rua ai salesiani, Direz. Generale Opere Don Bosco, Turim, 1965, p.14.

36 Atos do Conselho Geral da Sociedade Salesiana, Ano LVII, n. 289, p. 4.

37 Sistema Preventivo. Regulamentos, n.92

38 ‘Evangelii Gaudium’, n. 288

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