SANTIDADE E MARTÍRIO AO ALVORECER DO TERCEIRO MILÊNIO


SANTIDADE E MARTÍRIO AO ALVORECER DO TERCEIRO MILÊNIO





1.CARTA DO REITOR-MOR




Uma beatificação quase de surpresa – Santidade e martírio no ano santo – O martirológio do século XX – Santidade e martírio na Família Salesiana – O martirológio da Família Salesiana. – Padre José Kowalski: um caminho “salesiano” de crescimento – Caridade pastoral até à oferta da vida – O inconfundível toque mariano – Um testemunho excepcional. – Um grupo juvenil salesiano – Prisão e martírio. – Conclusão.



Roma, 29 de junho de 1999

1 Solenidade dos Santos Pedro e Paulo

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Uma beatificação quase de surpresa.


Queridos irmãos,


Escrevo-lhes ao retornar de Varsóvia, Polônia, onde, no dia 13 de junho, pude participar da Beatificação de 108 mártires, entre os quais o nosso irmão P. José Kowalski e cinco jovens do nosso Oratório-Centro Juvenil de Poznan: uma graça e um motivo de alegria, quase de surpresa para a nossa Família.

O início do processo, de fato, remonta há apenas sete anos podendo-se chegar à Beatificação neste ano de vigília do grande Jubileu. Os nomes dos candidatos não figuravam na lista das nossas Causas de beatificação e eram conhecidos somente na própria pátria.

O itinerário da causa é curioso e tem um percurso providencial. Em 14 de junho de 1987 era beatificado em Varsóvia o bispo de Wladislawa Dom Miguel Kozal, morto em Dachau em 1943. A beatificação reacendeu o entusiasmo pelos não poucos mártires daquele mesmo período e exterminados, in odium fidei, em campos de concentração. Como a diocese que sofrera mais perdas (um sobre dois sacerdote) era também a do novo beato Miguel Kozal, a Conferência episcopal da Polônia confiava ao Bispo de Wloclawek-Vladislawa a tarefa de instruir o processo de todos os mártires poloneses caídos nos campos de extermínio de Dachau e Oswiecim. Estávamos em 1991.

Pessoas de várias categorias foram interessadas nessa vicissitude: bispos, sacerdotes diocesanos, religiosos, leigos, num total de mais ou menos cento e noventa, pertencentes a dezessete dioceses. Foram excluídos, na primeira fase dos trabalhos processuais, cerca de sessenta, por defeito de documentação suficiente e, posteriormente, outros vinte.

O grupo de candidatos à beatificação ficou então em cento e oito: três Bispos, cinqüenta e dois sacerdotes diocesanos, vinte e seis religiosos, três clérigos, sete religiosos irmãos, oito irmãs e nove leigos. À frente do grupo, o título oficial traz quatro nomes representativos de quatro categorias (bispos, sacerdotes, religiosos, leigos): Antônio Juliano Nowowiejski, Arcebispo; Henrique Kaczorowski, sacerdote; Aniceto Koplinski, religioso; Maria Ana Biernacka, leiga, e cento e quatro companheiros.

Entre os religiosos, estão representados muitos institutos, masculinos e femininos: Dominicanos, Franciscanos OFM, Franciscanos Conventuais, Capuchinhos, Carmelitas Descalços, Marianistas, Clarissas, Micaelitas, Oblatos, Concepcionistas, Orionitas, Palotinos, Irmãos do Coração de Jesus, Servas da Imaculada, Escolásticas de Notre Dame, Ursulinas, Irmãs da Redenção, Verbitas e nós Salesianos. É fácil imaginar a grande participação na beatificação, devida justamente ao amplo panorama de dioceses e Congregações.

O decurso veloz da Causa – o Decreto sobre o martírio foi lido só no último dia 26 de março1 – não deu muito tempo aos preparativos, mas a notícia foi dada tempestivamente no número precedente dos Atos do Conselho Geral e no Boletim Salesiano2.

Multiplicam-se, agora, as iniciativas voltadas a tornar conhecidos os nossos novos beatos e buscar motivos para a nossa espiritualidade e estímulos para a nossa missão.

Também eu entendo inserir-me nesse movimento. Seguindo o propósito de dirigir-lhes algumas cartas de comunicação familiar, gostaria de traçar a figura espiritual dos beatos e colher o significado da sua glorificação na história da nossa Congregação.


Santidade e martírio no Ano Santo.


A referência à santidade está contida na própria denominação do Jubileu, chamado de Ano “Santo”. Ele é a celebração da santidade de Deus, como Senhor misericordioso do acontecimento humano, que Ele torna história sagrada, de salvação, com a sua presença e revelação.

O Jubileu comporta consequentemente um olhar atento à santidade da Igreja. «O agradecimento dos cristãos, diz o Papa, estender-se-á aos frutos de santidade amadurecidos na vida de tantos homens e mulheres que, em todas as gerações e em todas as épocas históricas, souberam acolher sem reservas o dom da Redenção»3 .

À luz desse convite o Santo Padre acrescenta um dado, comentado até pelos jornais, e dá a sua explicação: «Multiplicaram-se nestes anos as canonizações e beatificações. Elas manifestam-se muito mais numerosas hoje do que nos primeiros séculos e no primeiro milênio»4.

A luz de Cristo Ressuscitado reflete-se hoje intensamente em numerosas testemunhas distribuídas nos vários contextos e nas mais variadas condições. Elas tornam-se ponto de referência para a busca de sentido da existência humana e do discipulado de Cristo.

A Igreja também considera a santidade como carta vencedora para a nova evangelização do mundo que se apresenta em 2000. Trata-se de uma indicação, tudo mais que prevista, para pensar a nossa renovação, o nosso testemunho, o nosso futuro. «A maior homenagem que todas as igrejas prestarão a Cristo às portas do Terceiro Milênio, será a demonstração da presença onipotente do Redentor, mediante os frutos de fé, de esperança e de caridade em homens e mulheres de tantas línguas e raças, que seguiram a Cristo nas várias formas de vocação cristã»5.

Sublinha-se com força insólita, a lembrança dos mártires no contexto de ação de graças e do testemunho de santidade. Trata-se de um ponto que caracteriza o Jubileu, e tem uma certa importância entender-lhe o porquê. Ele é enumerado entre os grandes sinais da fase preparatória e de celebração, ao lado da oração de ação de graças6, da reconciliação e da penitência7, do pedido de perdão pelas responsabilidades nos males deste século8, da promoção da unidade dos cristãos9, da celebração dos sínodos continentais10.

A Bula de Convocação do Jubileu insere uma outra série de exigências que compreende a purificação da memória e o pedido de perdão11, a caridade pelos pobres e marginalizados e a cultura da solidariedade12.

A memória dos mártires não é, portanto, uma tarefa reservada a especialistas da história ou apenas uma celebração inserida na Liturgia, mas como que uma dimensão da pertença à Igreja.

De fato, na experiência de fé e na história da Igreja, o martírio aparece como o sinal das horas fecundas. Foi assim no nascimento e na primeira difusão do Cristianismo. Uma hora igualmente fecunda faz pressagiar o século XX em que a comunidade cristã «tornou-se novamente Igreja de mártires»13.

O martírio é a participação de forma viva e real do sacrifício de Cristo, quase uma Eucaristia. Exprime de forma extrema uma dimensão conatural e necessária da vida cristã que todos devemos entender, aceitar e assumir: a oferta da vida.

A existência cristã está, por isso, permanentemente aberta à eventualidade do martírio14, que se apresenta como uma graça que vem ao nosso encontro, mais do que como meta a aspirar, conquistar ou propor-se. Representa, também, o embate profético mais frontal entre o Espírito, a graça, as intenções e o estilo de vida proposto por Cristo e aquilo que é do mundo, entendido como conjunto de potências malignas.


1.1 O martirológio do século XX

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Característica do século XX é, em primeiro lugar, a quantidade daqueles aos quais foi pedido o testemunho do sangue. «As perseguições relativas aos crentes atuaram uma grande semeadura de mártires em várias partes do mundo», afirma a TMA15, e acrescenta que essa quantidade fez com que muitos ficassem incógnitos «como soldados desconhecidos da grande causa de Deus»16.

Não é menos impressionante, porém, a variedade dos mártires, em relação à sua condição: entre eles estão bispos e sacerdotes, religiosos e leigos, homens e mulheres, jovens e anciãos, intelectuais e camponeses, profissionais e artistas.

Mais expressiva do que a hora jubilar que nos preparamos para viver é a união das diversas confissões cristãs no único testemunho de Deus e da dignidade do homem: católicos dos diversos ritos, ortodoxos, protestantes de diversas denominações. «O ecumenismo dos santos, dos mártires é, talvez, o mais convincente. A communio sanctorum fala com voz mais alta do que os fatos de divisões»17.


O testemunho dos mártires do século XX reveste-se também de um profundo significado antropológico, para o indivíduo e para a civilização, em vista das coordenadas do tempo e as circunstâncias do seu martírio: o contexto das grandes guerras, os sistemas totalitários, as ideologias atéias com pretensões e promessas de libertação e desenvolvimento, os fundamentalismos religiosos, os humanismos fechados e temporais. «Do ponto de vista psicológico, o martírio é a prova mais eloqüente da verdade da fé, que sabe dar uma face humana à mais violenta das mortes e manifesta a sua beleza também nas perseguições mais atrozes»18.

Recordando os mártires, retornamos à atormentada história deste século, caracterizado pelas grandes aspirações coletivas que pareciam justificar todo holocausto, pela luta sem quartel pelo domínio do mundo, pelos desvios com pretensões científicas.

«É um testemunho que não pode ser esquecido»19. «A Igreja, em todas as partes da terra, deverá continuar ancorada no seu testemunho e defender ciosamente a sua memória»20. Eles recordam, de fato, o sentido absoluto de Cristo na história do homem, «sinal daquele amor maior que compendia qualquer outro valor»21.

Insistiu-se repetidamente, a serviço da memória dos mártires, a intenção de escrever o martirológio do século XX, fazendo referência ao cuidado afetuoso com que a Igreja primitiva recolheu as atas e conservou a memória daqueles que tinham dado a vida por Cristo: «A Igreja dos primeiros séculos, embora encontrando notáveis dificuldades de organização, esforçou-se por fixar o testemunho dos mártires em martirológios apropriados. Esses martirológios constituíram a base do primeiro culto dos santos, no qual “entraram depois”, também, os mestres da fé, missionários, confessores, bispos, presbíteros, virgens, casais, viúvas, filhos»22.


A convergência sobre essa sensibilidade e a importância que o martírio tem na evangelização é percebida particularmente nos Sínodos.

Pude não só escutar as palavras, mas perceber o tom comovido da lembrança, a unção e a veneração com que o Sínodo da América, e sobretudo o da Ásia, nomeavam as grandes testemunhas da fé.

Foram recordados, no primeiro Sínodo, aqueles que deram a vida na primeira evangelização e os que pereceram em conflitos sociais ou sob as ditaduras. Tudo foi acolhido nesta passagem do documento A Igreja na América: «Entre os santos, a história da evangelização da América reconhece numerosos mártires, homens e mulheres, bispos, presbíteros e leigos… É necessário que o seu exemplo de dedicação sem limites à causa do Evangelho sejam não só preservados do esquecimento, com também mais conhecidos e difundidos entre os fiéis do continente»23.

A respeito do Sínodo da Ásia, quero trazer o que se refere à China, porque nos toca de perto. É conhecido o desejo do Papa de canonizar todos os atuais Beatos mártires da China, que são 120. Ele exprimiu esse auspício na homilia de Canonização do mártir Jean Gabriel Perboyre em 2 de junho de 1996: «Recordando Jean Gabriel Perboyre, desejamos unir todos os que deram testemunho no nome de Jesus Cristo em terras da China nos séculos passados. Penso particularmente nos Beatos mártires cuja canonização comum, desejada por numerosos fiéis, poderia ser um dia sinal de esperança na Igreja que está presente no seio daquele povo do qual permaneço próximo com o coração e a oração»24.

Reforçados também por esse pronunciamento, os padres sinodais pediram que fosse dado esse passo. Atraiu-me a atenção e a de muitos outros a intervenção de Dom Joseph Ti-Kang, Arcebispo de Taipé (Taiwan), que refletia o sentimento de muitos.

Os bispos da China – disse – manifestaram há tempo o vivo desejo de que estes heróis da fé cristã, os mártires, sejam declarados Santos.

Já em fevereiro de 1996 o Presidente da nossa Conferência Episcopal fizera um pedido nesse sentido a Sua Santidade, e Ele havia manifestado a intenção de satisfazê-lo. Informada disso, a Congregação das Causas dos Santos encarregou os Postuladores das Causas dos Grupos de Beatos Mártires Chineses a redigirem dossiês para comprovar a existência da fama signorum em substituição à prova de um milagre físico, pela impossibilidade de fazer na China uma pesquisa canônica a respeito.

Nós Bispos Chineses, contudo, declaramos a nossa persuasão de que «a perseverança dos cristãos chineses na fé vivida sob longa e brutal perseguição por quase meio século – como também o crescimento do número dos cristãos – constitui por si mesma um grande milagre concedido por Deus através da intercessão dos Beatos Mártires Chineses» aos quais os fiéis se dirigem em oração. A declaração oficial da nossa Conferência Episcopal acompanha os dossiês preparados pelos Postuladores.

Ousamos, portanto, pedir a Sua Santidade que proceda num futuro próximo à solene Canonização dos Beatos Mártires Chineses25.


Entre os mártires de todos os tempos e de todos os continentes, não poucos pertencem à Vida Consagrada. Também para eles augura-se uma atualização do martirológio. Sem dúvida, o carisma evidencia-se com particular clareza no martírio e dá a ele um caráter original. «Neste século, como em outras épocas da história – afirma Vita Consecrata – homens e mulheres consagrados deram testemunho a Cristo Senhor com o dom da própria vida. São milhares aqueles que, obrigados às catacumbas da perseguição de regimes totalitários ou de grupos violentos, hostilizados na atividade missionária, na ação em favor dos pobres e marginalizados, viveram e vivem a sua consagração no sofrimento prolongado e heróico, e muitas vezes com a efusão do próprio sangue, plenamente configurados ao Senhor crucificado. De alguns deles, a Igreja já reconheceu oficialmente a santidade honrando-os como mártires de Cristo. Eles iluminam o nosso caminho com o seu exemplo, intercedem pela nossa fidelidade, esperam-nos na glória.

É vivo o desejo de que a memória de tantas testemunhas da fé permaneça na consciência da Igreja como incitamento à celebração e à imitação. Os Instituto de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica contribuam nessa obra, recolhendo os nomes e os testemunhos de todas as pessoas consagradas, que possam ser inscritas no martirológio do século vinte»26.


1.2 Santidade e martírio na Família Salesiana

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Os novos beatos poloneses entram a fazer a parte da já numerosa constelação de santos e candidatos aos altares da Família Salesiana. São trinta e nove ao todo, as causas de beatificação e canonização encaminhadas pela nossa Congregação. Eles referem-se a cento e trinta e nove filhos e filhas espirituais de Dom Bosco. Se acrescentarmos outros que, por diversos títulos, estão relacionados à Família Salesiana, embora suas causas sejam levadas adiante pelas respectivas dioceses ou pelos Institutos Religiosos (por exemplo, Pier Giorgio Frassati, Alberto Marvelli, Giuseppe Guarino…) o número chega perto dos cento e cinqüenta. Acrescentem-se aos atuais três canonizados e doze Beatos, outros doze dos quais já foi declarada a heroicidade das virtudes, enquanto dos demais, com sucesso, leva-se adiante o processo com a escuta das testemunhas, a redação da Positio ou o seu exame por parte dos competentes.

O panorama dos nossos santos é representativo dos diversos ramos da Família Salesiana: cento e dezesseis, incluindo os mártires, são membros da Congregação Salesiana e dez as Filhas de Maria Auxiliadora (entre as quais as duas mártires espanholas). Os jovens, com os novos mártires poloneses, chegam a oito e cobrem a adolescência e a juventude, dos 13 aos 24 anos. A sua santidade amadureceu em internatos e ambientes escolares, mas também no oratório e nos grupos juvenis. Os Cooperadores estão amplamente representados por quatro mulheres de diversas condições: Margarida Occhiena, mãe camponesa, Dona Dorotea de Chopitea, nobre mulher benfeitora, Alexandrina da Costa, pobre, sofredora e mística, Matilde Salem, também ela culta, de posição social rica. Acrescente-se Attilio Giordani, animador do Oratório. Há, depois, os ex-alunos, como Alberto Marvelli, Piergiorgio Frassati, Salvo d’Acquisto.

A geografia da santidade salesiana aparece também como universal, levando-se em consideração tanto os lugares de origem como os lugares onde os candidatos desenvolveram a própria missão por longos anos até à morte: a Europa apresenta-se com Itália, Espanha, Portugal, França, Bélgica, Eslováquia e República Checa. A América é representada pela Argentina, Chile, Peru, Brasil, Equador, Nicarágua, Colômbia. A Ásia, pela Palestina, Síria, Japão, China, Índia.

Não é menos admirável a diversidade de condições de vida e de trabalho. Contam-se Reitores Mores (três), Bispos (seis), fundadores de Institutos de vida consagrada (sete), inspetores e inspetoras, grandes missionários e missionárias, coadjutores, educadores e educadoras, professores de teologia em nível universitário. Para alguns não basta indicar genericamente a condição, porque a sua biografia é marcada por manifestações especiais de santidade: P. Elia Comini, morto num massacre de guerra, P. Komorek, já muito venerado em vida como santo pelo povo simples, Ir. Eusebia Palomino, típica figura de simplicidade e sabedoria evangélica.

As experiências em que a santidade exprimiu-se de modo especial são: a animação dos irmãos e irmãs na missão e na guia das comunidades, a caridade pelos pobres e doentes (Zatti, Srugi, Variara), o sofrimento pessoal levado com sentido visível de participação na paixão de Cristo (Beltrami, Czartoryski, Alexandrina da Costa), o trabalho missionário e as expressões originais da caridade pastoral.

Sob essa diversidade de origem, estados de vida, papel e nível de instrução, proveniência geográfica, existe uma única inspiração: a espiritualidade salesiana. Nela os candidatos às honras dos altares são como que a ponta de um icebergue que se apoia numa ampla plataforma formada por muitos irmãos e irmãs consagrados pela graça especial da consagração que os faz morada de Deus e santificados pelo empenho de tornar visível e próxima aos jovens essa presença nos passos de Dom Bosco. São, no conjunto, um tratado completo da nossa espiritualidade. Esta pode ser proposta de forma doutrinal, mas também pode ser narrada com vantagem através das biografias que aproximam muito mais os seus traços às circunstâncias quotidianas da existência.


O martirológio da Família Salesiana


Em nossa fileira de “santos” existem também nomes para um martirológio: centro e três são os mártires registrados. Outros, que pereceram em represálias de guerra ou em situações de conflito social, permanecem anônimos. Os cento e três correspondem a três grupos. O primeiro, em ordem de tempo quanto ao martírio e à beatificação, compreende os mártires da China: Dom Versiglia e P. Calisto Caravário. O caminho da sua causa é em andamento como o de todos os mártires da China.

Vêm depois os mártires espanhóis: noventa e cinco ao todo. Os de Valença e Barcelona, com o P. José Calasanz Marques à frente, somam trinta e dois; os de Madri, chefiados pelo P. Henrique Saiz Aparicio, são quarenta e dois; os de Sevilha, com o P. Luis Torrero à frente, são vinte e um.

No grupo dos noventa e cinco encontramos: trinta e nove sacerdotes, vinte e cinco coadjutores, vinte e dois clérigos, duas irmãs FMA, três cooperadores (entre os quais uma mulher), duas postulantes, um operário e um familiar ligados à comunidade salesiana.

A causa de martírio do grupo de Valença e Barcelona foi examinada pela comissão dos consultores teólogos em 22 de fevereiro de 1999 com resultado positivo. Prevê-se que a beatificação deles possa dar-se durante o ano santo, na data prevista para a beatificação de todos os mártires cujo processo de martírio já tenha sido concluído.

A maior celeridade tida pelo processo deste grupo, deve-se à iniciativa da Arquidiocese e à colaboração de sete famílias religiosas interessadas: Jesuítas, Menores Franciscanos, Capuchinhos, Dominicanos, Dehonianos, Capuchinhos da Sagrada Família e nós Salesianos.

A terceira área geográfica onde os acontecimentos históricos do século XX submeteram a Igreja, e nela a Congregação, à prova do martírio é o Leste Europeu: martírio publicamente consumado e portanto conhecido, mas em tantos casos desconhecido e parcial: cárcere, interrogatórios, sofrimentos, perseguições civis, supressão clandestina. A paixão teve início em 1917 para alguns nações e durou até à queda do muro de Berlim (1989), com pontos altos de particular dificuldade durante a guerra e no imediato após guerra. Nossas comunidades foram suprimidas ou limitadas em sua vida, meios e ações. Muitos de nossos irmãos foram levados temporariamente a campos de concentração, vigiados e interrogados. De todos eles queremos “conservar ciosamente a memória” como uma riqueza da nossa história de fidelidade.

O martirológio salesiano, variado pelos cenários, circunstâncias, causas imediatas do martírio e pelos irmãos que lhe são interessados, serve para muitas reflexões.

O visual “alegre” do salesiano, a sua profissão de bondade e a vontade de concordar, as suas atividades promocionais tornam quase distante a idéia do martírio. Contudo, o serviço pastoral ao povo e a dedicação educativa aos jovens não podem ser realizados sem a disposição que constitui internamente o martírio, ou seja, a oferta da vida e a conseqüente aceitação da cruz. A nossa missão, de fato, é dom de nós mesmos ao Pai para a salvação dos jovens segundo a modalidade que ele mesmo disporá. Pode-se dizer o mesmo da fidelidade à nossa consagração já comparada antigamente ao martírio cruento pelo seu caráter de oferta total e incondicional.

Vivemos o espírito do martírio na caridade pastoral quotidiana da qual Dom Bosco afirmava: «Quando um salesiano sucumbir trabalhando para as almas, a Congregação terá alcançado um grande triunfo»27. É interessante sublinhar, também, como ele recomendasse no contexto dessa oferta quotidiana, a disponibilidade à eventualidade do martírio cruento: «Se o Senhor, em sua Providência, quisesse dispor que alguns de nós sofressem o martírio, deveríamos assustar por isso?»28.


1.3 P. José Kowalski

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O grupo de mártires do Leste Europeu, que recordávamos, tendo à frente o P. José Kowalski, como representante de todos, atrai hoje a nossa atenção, graças à recente beatificação.

José Kovalski nascera em Siedliska, pequena cidade camponesa nas proximidades de Rzeszów, em 13 de março de 1911, filho de Wojciech e Sofia Borowiec, numa família de fé profunda e praticante. Foi batizado em 19 de março, festa de São José, na igreja paroquial de Lubenia, distante cerca de quatro quilômetros da cidade natal que, naquele tempo, não tinha uma igreja. Hoje, num terreno doado pela família Kowalski, surge uma moderna igreja em que foi colocada uma lápide comemorativa com a foto do P. José com o uniforme de prisioneiro do campo de concentração e com o número de encarcerado: 17.350.

Concluída a escola elementar, foi com 11 anos, segundo o desejo dos pais, para o Colégio São João Bosco de Oswiecim, onde ficou por cinco anos.

Recorda-se desses anos que ele “se distinguia por uma piedade não comum ”, que era hábil, diligente, alegre e serviçal; era amado por todos e colocado no número dos jovens melhores. Pertencia à companhia da Imaculada, era presidente do grupo missionário e animava iniciativas religiosas e culturais entre os companheiros. Disse uma testemunha do processo que ele e outros jovens como ele eram chamados de “santinhos”29.

Nada de estranho que amadurecesse nele o desejo de seguir os passos de seus educadores, e que estes vissem como graça os sinais de uma verdadeira vocação.

Pediu, com efeito, para ser salesiano e, em 1927, entrou no noviciado de Czerwinsk. Seguiram-se os anos de ginásio e filosofia em Cracóvia (1928-1931), o tirocínio que coroou com a profissão perpétua (1934) e o curso teológico normal com a ordenação sacerdotal em 1938.

Foi logo chamado pelo Inspetor P. Adam Cieslar como secretário e, nesse serviço, ficará nos três anos seguintes, até o dia da prisão. Ele é descrito como um irmão que se distinguia “por um surpreendente domínio de si e pela excepcional estima em relação a todos os irmãos”. Serviçal, gentil, sempre sereno e sobretudo muito trabalhador. Na medida em que o seu dever lhe permitia, dedicava-se ao estudo das línguas (italiano, francês, alemão), lia com interesse a vida do Fundador e preparava escrupulosamente suas homilias.

Os compromissos de secretário inspetorial não lhe impediam o ministério pastoral. Estava sempre disponível para pregações, conferências, sobretudo nos ambientes juvenis, e para o serviço das confissões. Dotado de um elevado senso musical, tendo também uma bela voz, ocupava-se na paróquia com um coro juvenil para dar solenidade às celebrações litúrgicas.

Será justamente a zelosa atividade sacerdotal entre os jovens a colocá-lo à vista e a motivar a sua prisão por parte dos nazista em 23 de maio de 1941, juntamente com outros onze salesianos.

Encarcerado provisoriamente em Cracóvia na prisão de Montelupi, foi transferido depois de um mês, com outros, ao campo de concentração de Oswiecim. Aqui viu quatro irmão serem morto. Entre eles o diretor P. José Swiere e o seu confessor P. Inácio Dobiaz. Marcado com o Nº 17.350, passou um ano de trabalhos forçados e mal tratamentos na assim chamada “companhia de rigor”, onde poucos conseguiam sobreviver.

Foi decidida a sua transferência a Dachau, mas no último momento foi detido em circunstâncias bem descritas pelas testemunhas30, que depuseram em seu processo, e que são apresentadas também no processo de beatificação do Padre Maximiliano Kolbe31. Permaneceu na “companhia de rigor” no campo de Oswiecim.

Graças à nutrida documentação a seu respeito e graças também a alguns aspectos significativos, ligados à modalidade da sua morte, o nosso Beato resulta uma figura muito evidenciada no número de seus companheiros mártires.


A sua memória conservou-se fresca na Polônia durante todos estes anos. É documentada nos atos processuais uma verdadeira fama sanctitatis. Já falam dela as testemunhas diretas do martírio: «Considerando a vida do servo de Deus Józef Kowalski – diz um dos textos – e sobretudo o seu comportamento nos últimos momentos de vida antes da morte, creio que ele seja realmente mártir da fé e que mereça plenamente ser elevado à glória dos altares»32. Tal convicção levou nossas comunidades polonesas, logo depois da sua morte, a recolher a documentação ligada à sua vida e atividade, com a intenção de introduzir sua Causa de beatificação. Isso correspondia à convicção do povo. Os fiéis da cidade natal Siedliska, tendo-o como verdadeiro mártir, de acordo com o Bispo Tokarczuk, construíram no lugar do nascimento, como se disse, uma igreja dedicada a São José, na qual desde 1981 rezam pela Beatificação do seu conterrâneo33.

O P. Francisco Baran, pároco de Krolik Polski podia afirmar, em 1968, em sua deposição: «A morte do P. José mártir, segundo a minha persuasão, tornou-se em nossa paróquia de Lubenia um germe providencial de muitas vocações para a Igreja. Bastará recordar que saíram desta paróquia, depois da última guerra, 27 zelosos sacerdotes diocesanos e religiosos»34.


Também eu desejo dar uma contribuição apresentando alguns traços da sua vicissitude terrena concluída com o martírio, assim como percebi numa leitura atenta dos documentos à disposição. Entre eles pude consultar também o Processo de São Maximiliano Kolbe, com o qual o nosso irmão compartilhou parte da prisão tendo com ele contatos significativos. O seu nome aparece em alguns testemunhos desse processo embora apenas indiretamente.


Um caminho “salesiano” de crescimento


Foi dito com acerto que o «martírio não se improvisa»35. Não é atuado pelo carnífice, mas é uma graça operada pelo Espírito. Não são, de fato, o suplício e as torturas infligidas de fora que fazem um mártir, mas o ato interior da oferta. O martírio, portanto, é um dom tão grande que não acontece por acaso, supondo que alguma coisa possa acontecer sem motivo no reino da graça. O martírio é uma vocação e é preparado misteriosamente ao longo de toda a vida.

Como a morte é “única” para cada um, assim também cada um dá o seu toque de originalidade ao martírio. Além do fato da oferta, há o estilo particular com que cada mártir enfrenta o momento supremo da prova.

Quem adentrar-se na embora breve existência terrena deste nosso novo Beato, não se esforçará por encontrar os sinais de uma santidade robusta, externamente reconhecível como tal e de eminente conotação salesiana.

O ambiente educativo e as propostas de formação cristã da sua adolescência, que recordamos acima, trazem todos os elementos característicos do sistema preventivo: ambiente juvenil, relacionamento de confiança com os educadores, grupos de empenho, responsabilidade dos mais maduros, devoção a Maria Auxiliadora, freqüência aos sacramentos.

Que nesse ambiente, José percorresse o seu caminho pessoal de santidade como “êmulo de Domingos Sávio”, revelam-no entre outras, algumas páginas de seus “canhenhos reservados”.

«Antes morrer do que ofender-te com o mais leve pecado». «Ó, meu bom Jesus, dá-me vontade perseverante, firme, forte, para que eu possa perseverar nas minhas santas resoluções e chegar ao meu sumo ideal: a santidade que me prefixei. Eu posso e devo ser santo»36.

Os próprios canhenhos documentam a sua adesão personalíssima a Jesus Cristo, que vai amadurecendo com os anos, particularmente depois da profissão: «Jesus, quero ser fiel verdadeiramente, e fielmente servir-te […]. Entrego-me totalmente a Ti […]. Faz com que eu não me separe de Ti e que Te seja fiel até à morte e mantenha o meu juramento: “antes morrer do que ofender-te com o mínimo pecado” […]. Devo ser um salesiano santo, como santo foi o meu Pai Dom Bosco»37.

Desde jovem estudante de filosofia em 1930, tinha escrito, com o sangue, numa página do diário, depois de desenhar uma pequena cruz: «Sofrer e ser desprezado por ti, Senhor […]. Com conhecimento pleno, com vontade decidida e pronta a todas as conseqüências, abraço a doce cruz do chamado de Cristo, e quero levá-la até o fim, até à morte»38.


1.4 Caridade pastoral até à oferta da vida

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O seu amor de imitação de Cristo e a sua adesão a Dom Bosco como Pai levavam-no a exprimir o esforço espiritual com serena disponibilidade ao empenho apostólico. Já recordamos o seu envolvimento na animação dos companheiros e a sua dedicação às atividades oratorianas no tempo do seu breve sacerdócio. À medida que progredia, a sua presença entre os jovens ganhava em bondade.

É interessante o testemunho de um sacerdote, P. Francisco Baran, da diocese de Przemysl: «Encontrei o P. José Kowalski pela primeira vez em junho de 1938. Não me lembro, hoje, da data precisa do alegre acontecimento. Sendo eu um estudante de segunda elementar, voltava da escola para casa. Depois da Santa Missa retornava também o P. José, a pé, da Igreja paroquial, distante quatro quilômetros da casa natal. Entreteve-se benevolamente comigo por algum tempo, perguntou o meu nome e sobrenome, depois deu-me alguns santinhos da sua primeira Missa, acarinhou-me docemente e disse que também eu seria padre. Não me recordo, porém, exatamente das suas palavras»39.

O campo de prisão tornou-se para ele o campo “pastoral”. Uniu o sofrimento à diligente atenção aos companheiros, sobretudo para confortar-lhes a esperança e sustentar-lhes a fé. «Os chefes do SK – lemos entre os testemunhos – sabendo que Kowalski era padre, atormentavam-no a cada momento, batiam-lhe em qualquer ocasião, mandavam-no aos trabalhos mais pesados»40.

Ele, entretanto, jamais deixou de oferecer aos companheiros todo o possível serviço sacerdotal: «Apesar da severa proibição, absolvia os moribundos dos pecados, confortava os desencorajados, elevava espiritualmente os pobrezinhos à espera da sentença de morte, levava clandestinamente a comunhão, conseguia até organizar a Santa Missa nas barracas, animava a oração e ajudava os que precisavam»41. «Naquele campo de morte no qual, segundo a expressão dos chefes, Deus não existia, ele conseguia levar Deus aos companheiros de prisão»42.

Sua atitude interior e exterior durante todo o calvário manifesta-se numa carta aos pais: «Não vos preocupeis por mim, estou nas mãos de Deus […]. Quero garantir-vos que, a cada passo, sinto a ajuda dele. Apesar da situação presente, estou feliz e totalmente tranqüilo; estou persuadido de que onde quer que me encontre e qualquer coisa me aconteça, tudo provém da paterna Providência de Deus, que de modo justíssimo dirige a sorte de todas as nações e de todos os homens».


Dois fatos falam eloqüentemente do seu zelo pastoral heróico. O primeiro é a organização da oração diária no campo. Eis uma sugestiva descrição de um testemunho: «Pela manhã, apenas saídos dos isolamentos recolhíamo-nos, ainda no escuro (às 4,30 horas), formando um pequeno grupo de 5-8 pessoas, ao lado de um dos blocos, num lugar menos visível (a descoberta do encontro poderia custar-nos a vida), para rezar as orações que repetíamos depois dele. O pequeno grupo foi aumentando aos poucos, apesar de ser muito arriscado»43.

Muito mais trágicas as vicissitudes de seu último dia de vida, entregues à história por testemunhas oculares, que saindo vivas daquele inferno, puderam depor sob juramento durante o Processo.

Era o dia 3 de julho de 1942. Cada gesto e cada palavra daquelas últimas 24 horas revestem-se de um significado particularmente importante. É justo reviver, mesmo nos particulares, o momento culminante da paixão deste nosso irmão.

«Terminado o trabalho – narra uma das testemunhas – os companheiros levaram o P. Kowalski ao bloco, sendo maltratado pelos chefes. Depois do seu retorno, passei com ele os últimos momentos. Tínhamos consciência de que depois do assassinato dos companheiros da nossa maca (dos cinco, dois já tinham sido mortos), agora tocava a nós. Naquela situação o sacerdote Kowalski recolheu-se em oração. Num determinado momento voltou-se para mim dizendo: “Ajoelha-te e reza comigo por todos os que nos matam”. Rezávamos em dois, concluída a chamada, tarde da noite sobre a maca.

Pouco depois veio Mitas e chamou o P. Kowalski. O sacerdote Kowalski desceu da maca com espírito tranqüilo, pois estava preparado para o chamado e para a morte que lhe seguiria. Deu-me a sua porção de pão, recebida para a ceia dizendo: “Come-o tu, eu já não precisarei”. Depois dessas palavras caminhou conscientemente para a morte»44.

Antes do epílogo, porém, que aconteceria na madrugada de 4 de julho, no dia 3 foi feita a encenação de uma ação sagrada em que se revela toda a dignidade heróica de uma verdadeira testemunha da fé. Ela é referida por testemunhas oculares com riqueza de particulares. Ouçamo-la:

«Ficou-me impresso na memória um dia, ligado à lembrança do P. Kowalski, que foi o último dia da minha estada na SK. Estávamos nos primeiros dias de julho de 1942. A jornada era muito quente. Os chefes estavam furibundos em sua frenesi de matar. Das crueldades, faziam alegres espetáculos. Nesse dia não repousaram nem sequer no intervalo do almoço, continuando os divertimentos sádicos da manhã. Ora afogavam alguns no esgoto próximo, ora jogavam outros da alta terraplanagem ao fundo de um imenso canal que estavam escavando, cheio de lama argilosa. Alguns dos massacrados que, ainda gemendo, não tinham expirado, eram lançados num grande tonel sem fundo, tonel que servia como refúgio aos cães, que vigiavam junto às SS. Obrigavam-nos a imitar os cães ladrando e depois, lançando a sopa pelo chão, obrigavam aqueles moribundos a lambê-la no solo. Um dos esbirros (o chefe), alemão, grita rindo com voz rouca: “Onde está aquele padre católico? Dá-lhes a tua bênção para a viagem à eternidade”. Entretanto outros carnífices lançavam o P. Kowalski (dele justamente perguntara o chefe) do alto na lama para divertir-se. Agora, apenas semelhante a um homem, levam-no ao tonel. Nu, tirado para fora do charco lodoso, com restos de trapos de calças por cima, gotejando todo da cabeça aos pés daquela feia, viscosa mistura de lama e estrume, acossado furiosamente por bastonadas, foi ao tonel onde jaziam alguns moribundos, outros mortos. Os carnífices batendo no P. Kowalski, escarnecendo-o como padre, ordenaram-lhe que subisse no tonel e desse aos moribundos “segundo o rito católico, a última bênção para a viagem ao paraíso”.

P. Kowalski ajoelhou-se sobre o tonel e persignando-se começou com voz alta, quase inspirada, a rezar lentamente o Pater noster, a Ave Maria, o Sub tuum praesidium e a Salve Regina. As eternas palavras de verdade encerradas nas divinas estrofes da oração dominical impressionaram vivamente os prisioneiros que dia a dia, ora a hora, esperavam aqui uma morte pavorosa, semelhante a daqueles aos quais agora num canil deixavam este vale de lágrimas, desfigurados a ponto de perderem as aparências de homens. Encolhidos na relva, não ousando levantar a cabeça para não expor-nos aos olhares dos carnífices, degustávamos as penetrantes palavras do P. Kowalski como alimento material de uma paz desejada. Naquela terra embebida do sangue dos prisioneiros, penetravam agora as lágrimas brotadas dos nossos olhos, enquanto assistíamos ao sublime mistério celebrado pelo P. Kowalski no fundo daquela cena macabra. Aninhado perto de mim sobre a relva, um jovem estudante de Jaslo (Tadeu Kokosz) sussurrou-me aos ouvidos: “Oração como essa, o mundo ainda não ouviu… talvez nem sequer nas catacumbas se rezava assim”»45.


De uma atenta reconstrução resulta que ele foi morto na noite entre o dia 3 e 4 de julho de 1942. Foi afogado na cloaca do campo. Atesta-o sob juramento o seu companheiro de prisão Estêvão Boratynski, que viu o seu cadáver todo sujo abandonado diante do bloco da chamada “companhia punitiva”.


O inconfundível toque mariano


É conhecida a devoção do povo polonês à Nossa Senhora, que tem a sua expressão e o seu centro no santuário de Czestokowa. Ela é semeada no espírito de cada batizado. Aflora presente nos momentos cruciais da história da Igreja e do País como fonte de inspiração e energia, de sabedoria e esperança.

Este traço, comum a muitas regiões cristãs, constitui um interessante ponto de encontro entre a fé popular e a espiritualidade salesiana qualificada justamente como espiritualidade mariana.

Encontramos nos apontamentos do Beato José, intensos sentimentos de devoção a Maria quando ainda era aluno de Oswiecim: «Ó, minha Mãe, eu devo ser santo porque esse é o meu destino. Jamais quero dizer que progredi bastante; não, jamais direi basta. Faz, ó minha Mãe, que a idéia da santidade que resplende aos olhos da minha alma jamais se escureça, mas pelo contrário, cresça, reforce-se e resplenda como sol»46.

A sua via crucis é constelada de estações marianas. Em 23 de maio de 1941, vigília de Maria Auxiliadora, acontece a previsível, embora repentina prisão. Ele mesmo recorda o conforto que lhe vinha quando via a torre da Igreja de Maria Auxiliadora, próxima ao campo, que os Salesianos herdaram dos Dominicanos e transformaram em santuário mariano.

Esse traço emerge, porém, sobretudo no momento do supremo sacrifício. O rosário acompanhava-o nos dias da prisão. Recitava-o individualmente e com os companheiros. A ele relaciona-se a sua destinação à “companhia de rigor” e o último heróico trajeto da sua existência. Lemos nos atos do martírio: «Entre os 60 sacerdotes e frades preparados para o transporte (a Dachau) havia o P. Józef Kowalski. Estávamos em pé, nus, no banheiro do campo.

Veio o oficial Plalitzsch – um dos maiores criminosos do campo de Oswiecim, anotam os atos – encarregado de fazer os relatórios. Dá a ordem. “Atentos!”.

O comandante passa entre os prisioneiros. Percebe que o P. Kowalski tem algo fechado no punho.

O que tens na mão?”, pergunta. P. Kowalski cala-se. O comandante bate fortemente com a mão; cai por terra a coroa do rosário.

“Pisa-a”, grita o oficial enraivecido.

P. Kowalski não o faz. O comandante irritado pela atitude firme do P. Kowalski, separou-o do nosso grupo. O fato impressionou-nos profundamente. Entendíamos que por causa do rosário esperavam-no castigos severos»47.


Um testemunho excepcional


Sua Santidade João Paulo II conheceu pessoalmente o nosso Beato porque, durante a perseguição nazista, ele morava em nossa Paróquia de S. Estanislau Kostka em Cracóvia. Nessa mesma igreja, como Cardeal, num discurso de 30 de janeiro de 1972, referindo-se aos Salesianos mortos, falou assim:

«Comemoro aqueles tempos também por motivos pessoais. Estou persuadido que à minha vocação sacerdotal, justamente naqueles tempos e justamente nesta paróquia, à qual pertencia quando jovem, contribuíram também as orações e os sacrifícios dos meus irmãos, das minhas irmãs e destes pastores de então que, pela vida cristã de cada paroquiano, sobretudo dos jovens, pagaram com o sangue do martírio».

Não admiramos, por isso, se numa carta do P. Rokita de 29 de novembro de 1971, lemos: «O Arcebispo de Cracóvia, o Card. Carlos Wojtyla, que bem conhecia pessoalmente o P. Kowalski, insiste muito para apressar esta causa». Ele viu hoje a sua realização, declarando-o Beato.

Este humilde e reconhecido testemunho do Papa, apenas citado, referido ao plural – “estes pastores” –, faz-nos alagar o olhar até alcançar todos os irmãos e membros da Família Salesiana que estão por detrás da figura do Beato José Kowalski. Agrada-nos, hoje, vê-lo não só em sua singularidade, mas também como representante de todos os que, como ele, pelos mesmos motivos, na mesma terra, no mesmo período histórico deram a própria vida.

Pensamos, antes de tudo, nos irmãos presos com ele em Cracóvia. Deles, alguns morreram no campo de extermínio de Oswiecim entre 1941 e 1942. Entre eles também o diretor e o confessor do P. Kowalski, como se disse.

Se nos referirmos depois a todos os mortos na Polônia durante o último período bélico, o elenco sobe a oitenta e oito. Sobre eles o P. Tirone publicou em 1954 um suculento livrete, no qual apresenta o perfil biográfico de cada um: Medalhões de oitenta e oito irmãos poloneses perecidos em tempos de guerra. São cinqüenta e cinco sacerdotes, vinte e seis coadjutores, sete clérigos.

Um círculo mais vasto, porém, que compreende todas as terras do Leste, leva-nos à cifra de 183: da Polônia à República Checa, da Eslováquia à Eslovénia, da Croácia à Hungria, da Alemanha à Lituânia e Ucrânia.

A todos esses irmãos ia o meu pensamento durante a Beatificação do P. José Kowalski, todos personificados nele e – como ele – testemunhas fúlgidas da dimensão martirial da Congregação.

Recordemo-los com veneração e com profundo reconhecimento interior, bem sabendo quanta fecundidade espiritual eles mereceram para nossa família religiosa com o seu martírio. Se pensarmos no desenvolvimento vocacional que distinguiu os anos, embora difíceis, do após guerra, e se pensarmos na rápida expansão da nossa presença naquelas áreas geográficas, não poderemos deixar de colocar em relação o mistério do crescimento com o mistério do sangue derramado.


Um grupo “juvenil” salesiano.


Figuram no grupo de mártires beatificados, cinco jovens de Poznan. São eles: Eduardo Klinik (23 anos), Francisco Kesy (22 anos), Jarogniew Wojciechowski (20 ano), Czeslaw Jozwiak (22 anos), Eduardo Kazmierski (23 anos).

Apresentam dados comuns: os cinco eram oratorianos, conscientemente empenhados no próprio crescimento humano e cristão, envolvidos na animação dos companheiros, ligados entre si por interesses e projetos pessoais e sociais, visados quase juntos e aprisionados em sedes diversas, mas num brevíssimo período de tempo. Tiveram um percurso carcerário comum e padeceram o martírio no mesmo dia e do mesmo modo. A amizade oratoriana permaneceu viva até ao último momento.

A presença comum dos jovens e do P. Kowalski numa única beatificação é significativa: jovens evangelizados por nós, envolvidos no apostolado, seguem-nos até ao martírio e sobem às honras dos altares ao lado de seus educadores.

Unidos na prisão e na morte, cada um deles tem, porém, uma biografia singular que se liga à dos demais pela pertença ao ambiente salesiano.


Eduardo Klinik era o segundo de três filhos. Seu pai era um mecânico. Concluído o ginásio em nossa casa de Oswiecim e sucessivamente em Poznan superou o exame de maturidade. Durante a ocupação trabalhou numa empresa de construção. Sua irmã, Ir. Maria, professa das Ursulinas de Jesus Agonizante, atesta: «Quando Edward foi ao oratório, a sua vida religiosa aprofundou-se muito. Começou a participar da missa como coroinha. Envolveu também o irmão menor na vida oratoriana. Era bastante sereno, tímido; tornou-se mais vivo a partir do momento da entrada no oratório. Era um estudante sistemático, responsável»48.

Distinguia-se no grupo dos cinco porque era muito empenhado em qualquer campo de atividade e dava a impressão de ser o mais sério e profundo. Sob a orientação dos mestres salesianos, a sua vida espiritual torna-se sempre mais sólida, tendo no centro o culto eucarístico, uma vivíssima devoção mariana e o entusiasmo pelos ideais de São João Bosco.


Francisco Kesy nascera em Berlim, onde estavam os seus pais por motivos de trabalho. Seu pai era carpinteiro, mas transferindo-se a Poznan trabalhava na central elétrica da cidade.

Francisco tinha a intenção de entrar entre os candidatos ao noviciado salesiano. Durante a ocupação, não podendo continuar os estudos, empregou-se num estabelecimento industrial. O tempo livre era passado no oratório onde, em estreitíssima amizade de ideais com os outros quatro, animava as associações e atividades juvenis. Era o terceiro dos cinco filhos de uma família pobre.

Dele, recorda-se que era sensível e frágil, e adoentava-se com freqüência; ao mesmo tempo, porém, era alegre, tranqüilo, simpático, amava os animais, e estava sempre disposto a ajudar os outros. Pela manhã, ia à igreja e recebia quase todos os dias a comunhão; à noite rezava o rosário.


Jarogniew Wojciechowski vinha de Poznan. O pai administrava um negócio de cosméticos. A vida de família foi marcada longamente por situações traumáticas por causa do alcoolismo do pai, que acabou por abandonar a família. Jarogniew foi obrigado a mudar de escola ficando sob a tutela da irmã maior. Nessa situação, encontrou apoio no oratório salesiano, de cujas atividades participava com entusiasmo.

Dele, as testemunhas recordam que era coroinha dos salesianos, participava dos passeios e colônias de férias, tocava cantos religiosos ao piano, participava da vida religiosa da família, recebia todos os dias a comunhão e, como os outros companheiros do grupo, distinguia-se pela fraternidade, bom humor e empenho nas atividades, deveres e testemunho.

Sobressaia-se entre os demais porque parecia mais meditativo, tendia a aprofundar a visão das coisas, procurava entender os acontecimentos, sem porém cair na melancolia; era um dirigente no melhor significado da palavra49.


Czeslaw Jozwiak estava ligado ao oratório salesiano de Poznan desde a infância. Tinha dez anos quando ali colocou os pés pela primeira vez. Seu pai trabalhava como funcionário da polícia judiciária. Ele freqüentava o ginásio “São João Kanty” e, ao mesmo tempo, desenvolvia a tarefa de animador de um círculo juvenil no oratório. Ao estourar a guerra, também ele pôs-se a trabalhar numa loja de cosméticos pela impossibilidade de continuar os estudos.

Diz-se dele que era colérico de natureza, espontâneo e cheio de energia, mas senhor de si mesmo, constante, pronto ao sacrifício e coerente50. Orientado pelo diretor P. Agostinho Piechura, era visto aspirar conscientemente à perfeição cristã e nela progredir. Gozava de indiscutível autoridade diante dos mais jovens.

Um companheiro de cárcere exprimia-se assim: «Era de bom caráter e de bom coração, tinha a alma como de cristal… quando abriu-se diante de mim, entendi que o seu coração estava livre de qualquer mancha de pecado e de qualquer maldade… confiou-me um pensamento que o preocupava, de não manchar-se de qualquer impureza»51.


Por último, Edward Kazmierski, nascido em Poznan, provinha de uma família pobre. Seu pai era sapateiro. Logo que concluiu a escola elementar, foi obrigado a trabalhar numa casa de comércio e depois numa empresa mecânica. Inseriu-se logo no oratório salesiano e nesse ambiente pode desenvolver insólitos dotes musicais.

Afirma-se dele: a religiosidade viva que bebeu da família levou-o muito cedo, sob a guia dos salesianos, à maturidade cristã. Passava o tempo livre, depois do trabalho, no ambiente do oratório, e crescia na devoção eucarística e mariana. Com 15 anos participou da peregrinação a Czestokowa fazendo a pé uma distância de mais de 500 km. Foi presidente do círculo São João Bosco e entusiasmou-se com os ideais salesianos.

Vivo, constante nas decisões, coerente, gostava de cantar na igreja, no coro ou como solista. Com quinze anos escreveu algumas composições musicais. Caracterizavam-no a sobriedade, a prudência, a benevolência. Demonstrou na prisão um grande amor pelos companheiros. Ajudava de boa vontade os mais velhos e esteve totalmente livre de qualquer sentimento de ódio pelos perseguidores52.


Individualmente e como grupo, esses jovens fazem emergir a força plasmadora da experiência oratoriana, quando ela pode contar com um ambiente, uma comunidade juvenil co-responsável, uma proposta personalizada, um ou mais irmãos capazes de acompanhar os jovens num caminho de fé e de graça. Os cinco jovens provinham de famílias cristãs. Sobre esse fundamento, a vida e o programa do oratório estimularam a generosidade pelo Senhor, o amadurecimento humano, a oração e o empenho apostólico.

O grupo, como lugar de crescimento e de empenho, foi determinante. São sempre nomeados como o grupo dos “cinco”. Comove ler sobre cada um: «Ele fazia parte dos chefes de grupo do oratório, estando estreitamente ligados por vínculos de amizade e por aspirações a altos ideais cristãos com os outros quatro»53.

A experiência oratoriana produziu entre eles uma solidariedade juvenil baseada em ideais e projetos, que se manifestou na partilha sincera, no recíproco apoio para enfrentar as provas, na espontaneidade e na alegria.

A amizade levou-os a continuar os encontros quando as forças de ocupação requisitaram o oratório, deixando aos Salesianos somente dois quartos e transformando todo o edifício e a igreja em depósitos militares.

Num quarto, e com um piano, que os irmãos do Sagrado Coração colocaram à disposição continuaram as atividades corais e os encontros de amizade. Mais tarde, privados também dessa possibilidade, os lugares de reunião foram os pequenos jardins da cidade, os prados junto ao rio e os bosques próximos. Nada de estranho que a polícia os identificasse e os confundisse com os que se tinham constituídos como associações clandestinas. A amizade tornou-se apoio recíproco durante a passagem através dos vários cárceres até à morte.


Prisão e martírio


Os cinco foram presos em setembro de 1940. Eduardo Kazmierski diretamente no lugar de trabalho, sem a possibilidade de despedir-se dos próprios caros. Era domingo. Segunda-feira, 23, à noite, depois do toque de recolher, quando estava chegando em casa, foi a vez de Francisco. Em casa, e em geral no coração noite, foram também presos os outros três, na presença dos familiares.

Reencontraram-se na fortaleza VII de Poznan. Passaram pelo cárcere de Neukoln, próximo a Berlim, e depois ainda em Swikau na Saxônia, onde sofreram interrogatórios e torturas sendo, depois, destinados a trabalhos pesados.

Foi possível seguir o caminho pelos diversos lugares de prisão, graças aos preciosos bilhetes que eles conseguiram escrever. Contêm frases breves, mas suficientes para abrir-nos uma espiral sobre os acontecimentos da prisão e revelar aos nossos olhos que se trata de gigantes do espírito. «Só Deus sabe o quanto sofremos. A oração foi-nos a única ajuda no abismo das noites e dos dias». E num outro: «Deus nos deu a cruz, está dando-nos também a força para carregá-la».

Em primeiro de agosto de 1942 foi pronunciada a sentença: condenação à morte por traição ao estado. Eles escutaram-na em pé. Seguiu-se um longo silêncio interrompido apenas pela exclamação de um deles: «Seja feita a tua vontade».

A motivação política oficial não deve enganar. Os testemunhos e, em seguida, a Positio detêm-se em documentar o fato material do martírio, isto é, que a morte lhes foi infligida pelos perseguidores. O caminho carcerário foi marcado por torturas e interrogatórios, por pesados trabalhos forçados, fome até à inanição, tratamento inumano, companhia de delinqüentes comuns que acrescentavam novos sofrimentos aos já comportados pela condenação.

Os mesmos documentos, porém, esclarecem a mentalidade e a intenção anti-religiosa dos perseguidores que procuravam a destruição humana dos prisioneiros. É certo que esses jovens pensavam com legitimidade, como qualquer cidadão, no renascimento do seu país em termos de cultura, valores, convivência na justiça. Neles, porém, não foi encontrada qualquer ação delituosa. Foram visados e condenados sem defesa pela pertença a movimentos católicos, dos quais se suspeitava pudessem nascer resistências. Recorrem entre as testemunhas avaliações como estas: «O motivo da condenação à morte não era absolutamente o que foi publicado pelas autoridades…»54. «Os nazistas sabiam-no e, embora não o dissessem diretamente, levavam avante uma perseguição por motivos de fé, ficavam enervados pelos sinais de cristianismo, pelas orações em voz alta, pelos cantos religiosos…»55. «Da fé, eles recebiam a força para permanecer fiéis a Deus e à pátria»56.

Acrescente-se, enfim, o que lhes foi infligido em direta e imediata relação com suas manifestações de adesão à fé e de piedade, como irritação despótica daqueles que os vigiavam e como resultado de um regime anticristão e ateu. Eram perseguidos «por causa do comportamento religioso e patriótico»57. »Depois de terem ocupado Poznan, os nazistas impuseram a proibição de celebrar a Santa Missa na igreja e de reunir os jovens no oratório»58.

É também abundante a documentação sobre o martírio formal por parte das vítimas, ou seja, a sua consciência de que ofereciam a vida como confissão da fé, como aceitação filial da vontade de Deus, a ausência de qualquer rancor ou ressentimento por aqueles que lha infligiam, mais ainda, o amor cristão por eles.

E assim é realçada também a fama martyrii, isto é, a convicção daqueles que os tinham conhecido e acompanhado a sua vicissitude, do caráter martirial da sua morte, manifestado no pedido de intercessão e de graças. Entre estes, encontram-se companheiros de juventude, mas também testemunhas diretas do cárcere. Uma voz que vale por todas diz: «Quem quer que conhecesse os nossos cinco jovens vê-los como mártires pelo amor de Deus e da pátria»59. «Estou pessoalmente convencido de que o seu sofrimento no cárcere e, sobretudo, a morte, enfrentada por Ele mesmo como prova da fé, reúne as condições para reconhecê-lo como mártir. Os encontros anuais […] freqüentados pelos ex-alunos do oratório falam-nos que os «cinco» são modelos não só do amor da pátria, mas da fé»60.

Depois de três semanas foram levados ao pátio da prisão de Dresden, onde fora preparada a guilhotina, e decapitados. Era o dia 24 de agosto e, nas nossas comunidades, celebrava-se a comemoração mensal de Maria Auxiliadora.

Antes de morrer tiveram a possibilidade de escrever aos pais. Lendo seus últimos escritos fica-se como mudos diante da estatura dos grandes. São documentos preciosos de vida espiritual, que poderão ser difundidos a seu tempo. Sirva como exemplo o de Józwiak Czeslaw: «Cabe-me deixar este mundo. Digo-vos, meus caros, que com alegria vou embora dele para o outro de lá, mais de quanta alegria experimentaria numa eventual libertação. Sei que Nossa Senhora Auxiliadora dos cristãos, que honrei por toda a vida, haverá de obter-me o perdão de Jesus…

O sacerdote dará a sua bênção durante a execução. Temos esta grande alegria de estar juntos antes da morte. Estamos os cinco numa cela. São 19.45. Às 20.30 vou-me embora deste mundo. Peço-vos, não choreis, não desespereis, não vos preocupeis. Deus quis assim…»61.

Como para o P. Kowalski, também para os cinco jovens, há um comovente cenário relacionado à coroa do rosário. Quando foram capturados, foram privados de tudo o que tinham consigo. A coroa do rosário que carregavam foi jogada no lixo. Aproveitando, porém, um momento de distração dos carcereiros, eles retomaram corajosamente aquela coroa que lhes será uma preciosa companhia nos períodos mais difíceis.

Acrescentam-se hoje aos nossos três jovens São Domingos Sávio, a Beata Laura Vicuña e o Venerável Zeferino Namuncurà, estes cinco jovens mártires, como a completar a tipologia hagiográfica com a preciosa pedrinha que ainda faltava: o martírio. A nós, cabe colher todo o significado destas primícias na área juvenil. Neles queremos ver o modelo de tantos jovens que sofrem por causa da fé cristã em não poucas partes do mundo. Indiquemo-los como intercessores além de como ideais dos valores mais árduos.


Conclusão


À tarde de 13 de junho, depois da solene concelebração na praça Józef Pilsudski, estivemos reunidos com os jovens vindos de diversas partes da Polônia, Eslováquia e Rússia para a beatificação. Acompanhavam-nos salesianos e animadores, entre os quais noviços, jovens irmãos em formação e postulantes das FMA.

Foi uma manifestação propriamente “oratoriana”, realizada em nossa basílica do Sagrado Coração de Varsóvia. A alegria de estar juntos sob a guia inspiradora de Dom Bosco era percebida em cada rosto e era sentida no ambiente. Os sinais do caminho “oratoriano” de crescimento encontraram aí uma expressão viva e completa: companhia, música, oração, projetos, grupos.

Nesse mosaico, a imagem do P. José Kowalski e dos cinco jovens, delineada através de uma leitura calma e expressiva, parecia transportada ao seu ambiente natural. No oratório, de fato, desabrochara e crescera a sua santidade, evidenciada pelo martírio. O sistema preventivo torna santo o educador, propõe a santidade e ajuda os jovens a serem santos: o seu lugar de nascimento e de renascimento é o oratório.

Numa hora como esta, em que dirigimos aos jovens um novo olhar de esperança, o Senhor e Maria ajudem-nos a descobrir as suas possibilidades e a ver o seu espírito.

Saúdo-vos e abençôo-vos

P. Juan E. Vecchi

2 Reitor-Mor

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1 cf. o texto do decreto apresentado no n. 5.1 destes ACG

2 cf. ACG 367, n. 5.1; Bollettino Salesiano, giugno 1999

3 TMA 32

4 Tm 37

5 Ib.

6 cf. TMA 32

7 cf. ib.

8 cf. TMA 33-34

9 cf. TMA 34

10 cf. TMA 38

11 cf. Incarnationis Mysterium, Bula de Convocação do Jubileu, 11

12 cf. Incarnationis Mysterium 12

13 TMA 37

14 cf. Incarnationis Mysterium 13

15 cf. TMA 37

16 TMA 37

17 Ib.

18 Incarnatinis Mysterium 13

19 TMA 37

20 Incarnationis Mysterium 13

21 cf. Incarnationis Mysterium 13

22 TMA 37

23 cf. Ecclesia in America 15

24 Osservatore Romano 6/7 de junho de 1997

25 cf. Osservatore Romano 25 de abril de 1998

26 VC 86

27 cf. Texto do “Testamento Espiritual de São João Bosco”, apresentado em Apêndice às Constituições, pág. 258

28 MB XII, 13

29 Testemunha XX, Summ., pág. 1676 § 5893

30 cf. Testemunha XIV, Summ., LXXX, pág. 1671, § 5876

31 C. P. pág. 65

32 Prof. Zygmunt Kolankowski, Summ., Doc. VI

33 cf. Positio, LXXXV, pág. 10

34 Deposição do P. Francisco Baran

35 Pio XII, AAS 32, 1950, pág. 958

36 Testemunha XX, Summ., pág. 1676, § 5893

37 Summ., LXXXV, pág. 1678, § 5897; ib. Pág. 1680, § 5904, § 5908

38 Summ., LXXXV. Pág. 1680, § 5902

39 Deposição do P. Francisco Baran em 30 de agosto de 1971

40 Testemunha XIX, Summ., LXXXV, pág. 1676, § 5892

41 cf. Testemunha XIV, Summ., pág. 1671, § 5875

42 Testemunha XVII, Summ., pág. 1675, § 5887

43 Carta do Prof. José Kret, testemunha ocular

44 Summ., LXXXV, pág. 1685, § 5920s

45 José Kret

46 Testemunha XX, Summ., pág. 1676, § 5893

47 Testemunha XIV, Summ. LXXXV, pág. 1671, § 5876

48 Positio, pág. 758

49 cf. Positio, pág. 766 ss.

50 cf. Positio, pág. 730

51 Positio, pág. 731

52 cf. Positio, pág. 742.

53 Positio, pág. 741

54 Testemunha I, Summ., pág. 1695

55 Positio, pág. 734

56 Ib.

57 Testemunha 2 IV, Summ., pág. 1700

58 Ib.

59 Positio, pág. 738

60 Ib.

61 Summ., pág. 1707

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