351-400|pt|351 - O Sínodo sobre a Vida Consagrada

Egídio Viganò


O SÍNODO SOBRE A VIDA CONSAGRADA


Atos do Conselho Geral


Ano LXXVI – janeiro-abril, 1995


N. 351



Introdução – A mais numerosa Assembleia sinodal – A ótica eclesial na organização do tema – A natureza íntima da Vida consagrada – A importância do monaquismo – A mulher consagrada – A plena dignidade dos Religiosos “Irmãos” – A inserção na Igreja particular – Os desafios da Nova Evangelização – O primado urgente da “vida no Espírito” – A força da vida fraterna em comunidade – Conclusão.


Roma, 8 de dezembro de 1994.

Solenidade da Imaculada



Queridos irmãos,



uma saudação fraterna, também dos membros do Conselho geral, especialmente do P. Martin McPacke que, infelizmente, já há algum tempo não está tão bem de saúde; ele se recomenda de modo especial à intercessão de Dom Rua; acompanhamo-lo com a nossa oração.

Como já sabeis, entre os serviços do Conselho geral, incluíram-se nestes meses várias visitas de conjunto; elas permitem constatar, de um lado, o bem enorme promovido na Congregação desde o último Capítulo geral (CG23) e, de outro, algumas imperfeições ou lacunas que nos obrigam a não esquecer, olhando adiante, da indispensável urgência da evangelização dos jovens. Felizmente o tema do CG24 não nos afasta de modo algum dos compromissos desta missão, ou melhor, estimula-nos a saber comprometer neste sentido outras numerosas forças complementares.

Já estamos no início do novo ano de ‘95; um ano que, para nós, terá como característica o empenho na preparação do CG24, que haverá de levar a Congregação à grandiosa e profética comemoração bimilenar da encarnação do Verbo e introduzirá o carisma de Dom Bosco no terceiro milênio da fé.

A leitura da recente carta apostólica Tertio millennio adveniente faz-nos perceber a magnanimidade da visão de fé de João Paulo II e o extraordinário compromisso eclesial na preparação das celebrações do Grande Jubileu do 2000.

A carta apostólica fala de duas fases de preparação. A primeira, que poderíamos chamar de “ante preparatória”, vai até 1996. A celebração do nosso CG24 inclui-se justamente nessa fase. É bom ter presente a sua colocação como projeção de futuro. A preparação do Capítulo (‘95) e sua realização (‘96) far-nos-ão sentir protagonistas no esforço de incorporar aos frutos do Grande Jubileu o carisma de Dom Bosco, genuinamente renovado e feito contemporâneo na capacidade de responder aos desafios dos tempos.

O futuro do mundo e da Igreja - escreve o Papa - pertence às jovens gerações que, nascidas neste século, estarão maduras no próximo, o primeiro do novo milênio. Cristo espera os jovens!”.1 O projeto apostólico do nosso Fundador é todo voltado para os jovens e penetrado constitutivamente pela virtude da esperança. Os Capítulos do pós-concílio impeliram-nos a ser, sempre com maior concretitude, “missionários dos jovens”.

Peçamos a Nossa Senhora, que está no centro do grande acontecimento do 2000, que nos acompanhe nos trabalhos dos próximos Capítulos inspetoriais e nas demais iniciativas de preparação para aquele que será o último Capítulo Geral do século.

Um acontecimento de Igreja e de família, particularmente significativo para nossos propósitos de renovação, foi a beatificação da Irmã Madalena Catarina Morano por parte do Santo Padre João Paulo II, no dia 5 de novembro passado em Catânia. Uma nossa irmã consagrada que faz brilhar na Igreja, como contribuição da nossa Família, o autêntico espírito salesiano de Dom Bosco. Olhando de novo para ela a fim de ler o seu testemunho espiritual, transmitido numa laboriosa existência de caridade apostólica, haverá de ajudar-nos a dar validade operativa aos nossos propósitos de melhor qualidade salesiana.

Impele-nos de modo particular a este empenho de identificação carismática o recente Sínodo dos Bispos (outubro ‘94). Convido-vos, pois, nesta circular, a juntos considerarmos alguns de seus aspectos estimulantes.

É um Sínodo que entra certamente – se pensarmos na Exortação apostólica que aguardamos para proximamente do Santo Padre – na fase ante preparatória do Grande Jubileu. Façamos tesouro de seus conteúdos e orientações para intensificar e melhorar o nosso processo de renovação.



A mais numerosa Assembleia sinodal



Neste recente Sínodo ordinário, o nono, foi batido o recorde de participantes: mais de 240 “padres sinodais” (todos Bispos, com alguns Superiores religiosos sacerdotes), 75 “ouvintes” (dos quais 53 mulheres) convidados pelo Santo Padre, 20 “especialistas” (colaboradores do Secretário geral), uma dezena de “ouvintes” de outras Igrejas não católicas; ao todo quase 350 membros.

Como é sabido, o tema era “Vida consagrada”, mais amplo que “Vida religiosa”; as contribuições oferecidas na fase de preparação por parte de todas as Igrejas estavam contidas num precioso “Documento de trabalho”, que foi explicitamente muitas vezes valorizado e que orientou as intervenções em aula e o frutuoso diálogo de busca nos 14 grupos linguísticos e na comissão para a elaboração da Mensagem. Estavam presentes 55 Institutos masculinos e 53 femininos.

Entre os “padres sinodais” havia dois cardeais salesianos (suas Em.cias Castilho e Javiere), oito dos nossos bispos (suas Ex.cias Charles Bo, Héctor López, Juan Mata, Basilio Mwe, Zacarías Ortiz, Oscar Rodríguez, Tito Solari, Ignazio Velazco) e também o Reitor-Mor; entre os “ouvintes” havia o Inspetor da Venezuela, P. José Divassón; e entre os “especialistas”, P. Vittorio Gambino e Ir. Enrica Rosanna FMA. Pudemos todos reunir-nos, além dos trabalhos quotidianos, numa ceia familiar em nossa comunidade do Vaticano – tão hospitaleira – com alegria, cantos, vivas conversações e convivência cheia de alegria e de esperança, que ainda hoje trazemos no coração: uma pausa carismática por ocasião do Sínodo!

Além das contribuições de cada um nos círculos linguísticos, todos estes nossos irmãos apresentaram em aula intervenções qualificadas de acordo com o País de onde vinham, no clima comum a todos do espírito de Dom Bosco (só não pode intervir Dom Charles Bo, que chegou atrasado por dificuldades de autorizações).

O Santo Padre participou de todas as assembleias gerais com fidelidade quotidiana, com interesse e bom humor.

Uma presença particularmente admirada e ao mesmo tempo humildemente modesta foi a de Madre Teresa de Calcutá, sempre atenta e em oração; ela teve uma comovente intervenção na assembleia, que fez pensar na genialidade feminina no testemunho do valor da consagração religiosa tanto para a Igreja como para o mundo.

João Paulo II, armado de bengala, foi centro de comunhão e também de alegria, com seu humorismo; sua afabilidade e senso de diálogo levaram-no a tomar contato com cada um, convidando para o almoço e a ceia – todos os dias – pequenos grupos de oito ou dez e, no último dia, reunindo a todos num grande almoço.

Reconheça-se que a mesma celebração do Sínodo, com a convivência, o ambiente de cordialidade, os encontros, os diálogos, as discussões, o clima de convergência na fé, apesar das numerosas diferenças de proveniência, constituiu uma preciosa experiência de comunhão na Igreja e uma positiva constatação das sábias preocupações pastorais do Papa e dos Bispos. É certamente uma graça do Senhor o fato de ter podido participar ativamente num acontecimento de comunhão que se pode considerar único no mundo.



A ótica eclesial na organização do tema



Em Congregação já fizemos juntos algumas reflexões úteis2 sobre a importância deste Sínodo e sobre o caráter de suas conclusões. Relendo a circular de ‘92 fiquei impressionado pela sua aderência ao que de fato foi o Sínodo.

Como dizíamos, não se pode considerar esta Assembleia episcopal à medida de um Capítulo geral para cada Instituto; os Bispos não partiram do âmbito da especificidade dos carismas, mas do significado global e vital que todos juntos têm na Igreja. Escrevíamos: “De certo modo somos convidados (nós Religiosos) a fazer um caminho inverso ao dos últimos Capítulos gerais: lá estávamos empenhados – partindo dos estímulos conciliares – em definir o nosso carisma herdado do Fundador (passávamos do patrimônio conciliar comum ao específico da índole própria); aqui, diversamente, deveremos saber levar – partindo da experiência da nossa identidade carismática – luzes e aprofundamentos sobre os valores comuns de eclesialidade (ou seja, passar do específico da índole própria ao patrimônio vital comum)”.3

Por isso não se devia esperar do Sínodo – que, além do mais, é um acontecimento de colegialidade episcopal de caráter propriamente pastoral para toda a Igreja – nem a formulação de uma definição técnica da Vida consagrada, bastando a afirmação clara de seus elementos constitutivos, nem a solução de determinados problemas próprios dos vários Institutos, nem uma censura pelos eventuais erros e desvios de grupos de consagrados no período pós-conciliar. Mas esperar, sobretudo em profundidade, a afirmação de sua dimensão eclesial, sua vinculação à santidade, seu papel de protagonismo na Nova Evangelização, sua preciosidade de dom do Espírito Santo à Igreja e ao mundo em perspectiva de futuro: perscrutar os grandes valores comuns, evitando, contudo, o perigo de um genericismo rasteiro.

Poderíamos dizer – escrevíamos – que esperamos, como fruto global, o decidido relançamento da Vida consagrada em seus aspectos essenciais e vitais. Ela, de fato, é chamada através da ação fecunda do Espírito Santo nos Fundadores e nas Fundadoras ao longo dos séculos, a manifestar a riqueza do mistério de Cristo fazendo resplender na Igreja – seu ‘Corpo’ na história – a multiforme graça de Cristo-Cabeça”.4

É interessante reler hoje aquela circular que poderia parecer ter sido escrita após a celebração do Sínodo; posso dizer-lhes em confidência que nós Salesianos, durante os trabalhos sinodais, nos sentimos em feliz sintonia com a orientação da assembleia e positivamente estimulados a prosseguir o caminho com forças renovadas e com um profundo reconhecimento ao Espírito Santo que nos tem guiado nos empenhos de renovação pós-conciliar.

O Sínodo alegrou-nos e nos fez sentir no caminho certo, embora nos convide a intensificar os esforços de renovação para atingir também as várias metas ainda em aberto.

Somos convidados a escutar no Sínodo a voz do Episcopado preocupado em bem orientar o Povo de Deus. Depois da reflexão sinodal sobre o laicato na Igreja,5 e daquela sobre o ministério sacerdotal,6 os Bispos com o Papa aprofundaram agora a natureza e o papel da Vida consagrada. Suas considerações colocam em relevo a eclesialidade dos carismas e as responsabilidades de serviço que eles mesmos deverão ter para com a Vida consagrada, considerada um dom preciosíssimo do Espírito Santo para todo o Povo de Deus.

A ótica com que os Bispos consideram a Vida consagrada é, de certo modo, anterior àquela que cada Instituto segue por si mesmo, dá-lhe legitimidade e riqueza, garantindo uma melhor visão global, unitária e integral.

Conforta-nos e estimula-nos saber que os Pastores consideram como um dever próprio a privilegiar aquele do serviço ministerial à Vida consagrada: “de re nostra agitur” (= “trata-se de um tesouro nosso”), afirmou o Card. Hume, relator geral, em sua primeira relação de encaminhamento dos trabalhos; e dedicou toda a primeira parte de sua relação para explicar esta afirmação. Propõe uma série de seis verbos que desenvolveu em seguida: “É missão do Episcopado em comunhão com o Romano Pontífice e de cada Bispo em sua respectiva diocese: reconhecer, discernir, tutelar, promover, harmonizar” a Vida consagrada.

O papel do Bispo diante da Vida consagrada vai, portanto, além da programação pastoral. Ele é pastor e guardião também das pessoas consagradas e do dom da Vida consagrada, de modo diverso segundo se trate de Institutos de direito pontifício ou diocesano ou isento: mas sempre ‘de re nostra agitur!’“. E insiste: “o dom da Vida consagrada feito à Igreja é confiado ao nosso cuidado e à nossa caridade pastoral”.7

Por isso, afirma o Card. Hume, a finalidade e os objetivos deste Sínodo deverão ser:

fazer entender, valorizar e acolher a Vida consagrada por parte de toda a Igreja;

promovê-la em sua autenticidade teologal, apostólica e missionária;

facilitar a sua expansão qualitativa e quantitativa.



Certamente escutaram-se em aula também algumas intervenções críticas sobre alguns aspectos negativos experimentados aqui e ali em grupos de consagrados inquietos. Pensemos, por exemplo, em certas formas de “paralelismo pastoral”, em atitudes de independência em relação ao Magistério do Papa e dos Bispos, em influxos de ideologias de moda, em imprudências na programação da formação, em modalidades secularistas no estilo de vida, em abusos de liberdade na liturgia, em pusilanimidades no exercício da autoridade, em superficialidade espiritual com queda da contemplação, da ascese e da disciplina religiosa. É preciso reconhecer, porém, que estas intervenções não deram o tom ao conjunto das reflexões, que permaneceram claramente ancoradas nos três objetivos indicados acima para ajudar a Vida consagrada num tempo de renovação.



A natureza íntima da Vida consagrada



A “Mensagem” sinodal sublinhou com clareza que na Assembleia “se fez ressaltar uma distinção importante: aquela entre a ‘Vida consagrada’ enquanto tal em sua dimensão teológica, e as ‘formas institucionais’ assumidas por ela ao longo dos séculos. A Vida consagrada enquanto tal é permanente, jamais poderá faltar na Igreja. As formas institucionais, diversamente, podem ser transitórias e não possuem garantias de perenidade”.

Isto significa que é preciso considerar a Vida consagrada não simplesmente como uma realidade presente “na” Igreja, mas como um elemento constitutivo da natureza “da” Igreja. Esta ótica vincula constitucionalmente a Vida consagrada ao mistério mesmo de Cristo, ao estilo de vida de Maria e dos Apóstolos. Não é, portanto, uma realidade eclesial que começa simplesmente com o monaquismo; este de fato é uma “forma institucional” da Vida consagrada, mesmo se muito benemérita desde os primeiros séculos.

Dessa forma entende-se melhor como a consagração através dos conselhos evangélicos (votos ou outros vínculos eclesiais) esteja vitalmente enraizada no Batismo: sacramento que incorpora diretamente a Cristo; n’Ele tem a sua fonte.

De aqui surge a visão nova do modo com que devemos orientar em profundidade a nossa renovação na fidelidade às primeiríssimas origens: ocorre referir-se diretamente à fonte, que é o mistério de Cristo. Os próprios Fundadores não inventaram a Vida consagrada, mas receberam-na da tradição viva da Igreja; revestiram-na, depois, com um projeto original de participação na missão do Senhor.

Esta visão teologal da Vida consagrada imerge-nos diretamente no Evangelho; faz-nos pensar em nosso Fundador, não tanto como num monge modernizado, mas como um incansável colaborador dos sucessores dos Apóstolos, e orienta a nossa busca de modelos a contemplar e seguir nos umbrais mesmos da Páscoa e de Pentecostes.

Com a nossa profissão religiosa empenhamo-nos em reproduzir o estilo de vida testemunhado por Cristo, obediente, pobre e casto, participado esplendidamente por Maria, transmitido aos Apóstolos, florescido na primeira comunidade cristã (“um só coração e uma só alma”). Na profissão somos inseridos no mistério de Cristo e na íntima natureza da Igreja e nos sentimos levados a não defraudar a quem nos olha como “sinais e portadores” do amor de Deus.

Daí deriva a urgência de concentrar a renovação naquilo que aproxima mais de Cristo, sobretudo em fazer da Eucaristia o centro quotidiano da vida interior das pessoas e das comunidades, recordando quanto afirma o Evangelho: “Os discípulos reconheceram Jesus, o Senhor, no partir o pão”.8

Ao lado da Eucaristia merece um cuidado especial, como empenho de contato com Cristo – sublinhou-o o Card. Baum –, a frequência ao sacramento da reconciliação através do qual vemos n’Ele o nosso pobre rosto nem sempre limpo por causa de tanta poeira da cotidianidade; ele dá atualidade à dimensão penitencial e à indispensabilidade da ascese e da práxis vivida de uma disciplina religiosa segundo uma Regra professada.

Discutiu-se entre os padres sinodais sobre o significado preciso de alguns termos muito usados, como “carisma”, “consagração”, “sacramentalidade”, “profissão”, sem se chegar, porém, a uma convergência total. Pediu-se9 para confiar a uma comissão de especialistas o esclarecimento desta terminologia antes da publicação da Exortação Apostólica.

Entre nós, na Congregação, o uso de termos tão significativos possui há tempo uma valência pacífica, como se pode ver na circular de ‘92.10



A importância do monaquismo



A consideração teologal da Vida consagrada em si mesma determina a autenticidade de sua natureza, e orienta nossa busca em referência ao primeiro modelo histórico. Deve-se certamente reconsiderar com cuidado a relação que se costuma fazer de todas as formas de Vida religiosa com o monaquismo. Não se trata de tirar dessa forma clássica de “Vida religiosa” a sua importância histórica e o seu influxo objetivo. O monaquismo oferece, sem dúvida, uma praxe aprovada em linhas substanciais, naquilo que deve ser uma concreta Regra de vida.

No Sínodo havia uma qualificada presença monástica que ofereceu intervenções de grande valor; havia monges do Oriente e do Ocidente, também monges ortodoxos. Pode-se apreciar o seu extraordinário testemunho de consagração e a sua eficácia na evangelização ao longo dos séculos, admirando os profundos aspectos de seu estilo de vida.

Alguém, entre os padres sinodais pertencentes a formas de vida apostólica, teve até mesmo receio de que o peso destes valores monásticos pudesse desequilibrar o significado global do Sínodo. Na realidade, a contribuição dos monges foi enriquecedora, fazendo ver que as Regras de vida dos vários Institutos de Vida Religiosa têm, de fato, uma particular ligação com os fortes valores e as grandes tradições da vida monástica. Por isso, também na “Mensagem” sinodal, desejou-se reservar um parágrafo ao monaquismo oriental: “os Padres do deserto e os monges do Oriente expressaram a ‘espiritualidade monástica, que depois se estendeu ao Ocidente’. Ela é nutrida pela lectio divina, pela liturgia, pela oração incessante e é vivida na caridade fraterna da vida comum, na conversão do coração, na separação da mundanidade, no silêncio, nos jejuns e nas longas vigílias. A vida eremítica floresce ainda hoje ao redor dos mosteiros. Esse patrimônio espiritual forjou as culturas dos relativos povos e, ao mesmo tempo, foi por elas inspirado”.11

Afirma-se em uma das Propositiones (6ª) que se tem em grande estima “os elementos originários do monaquismo das Igrejas orientais, ou seja: a imitação da kénosi do Verbo, que constitui a raiz do monaquismo oriental; a transformação em imagem de Deus, ou deificação; a renúncia; a vigilância; a compunção; a tranquilidade; a oblação total de si e de tudo que se lhe refere em holocausto perfeito”.

É interessante notar que no Oriente e entre os Ortodoxos jamais existiu outra forma de Vida religiosa que não a monástica. Existe ali uma praxe secular de radicalidade na sequela de Cristo; ali existe uma especial capacidade de diálogo ecumênico entre os vários mosteiros; ali existe uma grande possibilidade de influxo sobre toda a Igreja local, mesmo porque entre os melhores monges costumam ser escolhidos os membros da Hierarquia.

Nós, em nossa vida consagrada apostólica, olhamos antes de tudo para as origens apostólicas, mas não podemos prescindir de aprender da vida monástica o senso de escuta contemplativa, as exigências concretas da kénosis, o exercício da vigilância, o empenho da vida comum com o papel vital da autoridade e o estilo da oblação total de si; precisamos revalorizar nas pessoas e nas comunidades a dimensão ascética: urge – como já recordamos em outra ocasião – saber vigiar, cingidos os rins e as lâmpadas acesas!12



A mulher consagrada



As mulheres consagradas são, na Igreja, muito mais numerosas que os homens consagrados: constituem 72,5 por cento. Contam-se mais de 3.000 Institutos femininos de direito pontifício ou diocesano. E se deve observar que hoje, entre os sinais dos tempos, surgiu muito viva a promoção da mulher, embora marcada em alguns ambientes por formas de feminismo desviante. É significativo, por isso, que no Sínodo se tenha refletido bastante sobre a dignidade da mulher consagrada, sublinhando antes de tudo a sua multiforme capacidade de manifestar ao povo o rosto materno da Igreja, mas também de reconhecer-lhe um papel mais adequado nas responsabilidades eclesiais.

A “Mensagem” sinodal afirma que: “As mulheres consagradas devem participar mais, nas situações exigidas, das consultas e da elaboração de decisões na Igreja. A sua participação ativa no Sínodo enriqueceu sobretudo a reflexão sobre a Vida consagrada e sobre a dignidade da mulher consagrada e de sua colaboração na missão eclesial”.

Pela primeira vez em um Sínodo puderam intervir, durante seis minutos, os ouvintes e as ouvintes, entre os quais estavam também representantes de Igrejas protestantes. Foram escutados em aula belíssimos testemunhos das ouvintes, algumas desejando um próprio mais adequado empenho de responsabilidade, mas na maior parte manifestando a própria especial disposição interior do coração e a heroica sensibilidade no serviço aos necessitados. Particularmente comovente a intervenção de Madre Teresa de Calcutá em uma “audição” (exposição especializada de um tema pelo espaço de 15 a 20 minutos).

Irmã Stéphanie-Marie Boullanger iluminou, em sua intervenção, “a sensibilidade (das consagradas) diante das realidades da criação, o seu senso inato de vida, de senso de escuta, de respeito pela pessoa, de diálogo, que lhes permitem instaurar relações humanas autênticas e serem instrumento de comunhão”. O Bispo de Bordeaux recordou que as mulheres consagradas possuem o carisma comum da feminilidade orientada para Cristo em vista da fecundidade da Igreja; a consagração delas, disse, “sustenta a consagração de todos os membros do Povo de Deus”.

O testemunho evangélico feminino, a capacidade contemplativa, a intuição e a delicadeza, a facilidade de diálogo e a coragem de responder aos desafios mais exigentes, constituem um dos aspectos mais significativos e relevantes no Povo de Deus. É verdade que, em tempos passados, recordou a Ir. Boulanger, o modo de vida e de ação delas em geral dependeu muito dos homens; a partir do Vaticano II, porém, várias portas foram abertas.

Os sinais dos tempos exigem hoje, também na Igreja, uma revisão desta situação, reconhecendo a dignidade e as riquezas femininas próprias das mulheres consagradas e dando-lhes maior confiança e espaços de responsabilidade. Certamente um dos frutos do Sínodo será o de abrir a Igreja para esta novidade dos tempos com mais convicção e concretude.

Isso tudo fez-me pensar em nossas responsabilidades e modalidade de animação na Família Salesiana. Existem nela vários grupos de mulheres consagradas; pensamos de modo particular nas FMA. Depois do Vaticano II entendeu-se melhor a importância de sua mais justa autonomia. Isto solicita nelas crescimento de responsabilidade e em nós compreensão e conversão à eclesiologia conciliar.

Trata-se de profundas mudanças de mentalidade, para elas e para nós; nem sempre é fácil caminhar com rapidez e verdade.

O problema é um pouco o seguinte: uma autonomia não adequada poderia anuviar a comunhão, que é o aspecto mais importante; a autonomia, com efeito, não é a meta final; ela é um horizonte desejável para apontar validamente para a meta final, que é justamente a “Comunhão”: justa autonomia em vista de uma mais autêntica comunhão! Comunhão que não é só aquela eclesial ampla, mas que se concentra para nós no carisma comum, legado a nós por Dom Bosco como dom precioso à Igreja para a evangelização da juventude, sobretudo pobre e popular.

O Sínodo deve-nos empenhar com mais inteligência e eficácia na consecução desta comunhão de Família.

Apraz-me recordar aqui o que Madre Ersília Canta escreveu por ocasião do centenário da morte de Madre Mazzarello: “Se pensarmos no profundo significado que tem na revelação o binômio ‘homem-mulher’, parecer-nos-á mais perfeita uma Família espiritual composta dessa forma... (De fato), nas grandes Famílias espirituais, a começar da de S. Agostinho e de sua irmã (não nomeada, mas que deu início, com algumas companheiras, à experiência feminina da Regra agostiniana), e depois em seguida com S. Bento e Sta. Escolástica, S. Francisco de Assis e Sta. Clara, e outras santas duplas de fundadores, a presença da complementaridade feminina é sinal de uma peculiar plenitude e importância do carisma, de sua longevidade fecunda e de sua riqueza de contribuições à missão da Igreja.

Sendo verdade, isso tudo quererá dizer que a contribuição feminina de S. Maria Domingas Mazzarello e do espírito de Mornese ao carisma salesiano apenas começou no passado e deve crescer no futuro”.13



A plena dignidade dos Religiosos “Irmãos”



Tratando da vida religiosa masculina, várias intervenções colocaram em relevo a figura do assim chamado religioso “irmão”;14 melhor, em uma das audições o Irmão Pablo Basterrechea, ex-Superior Geral dos Irmãos das Escolas Cristãs, apresentou particularmente “a vocação do Irmão nas Congregações laicais, clericais ou mistas”.

O assunto em si mesmo serviu para iluminar a maneira correta de conceber a natureza própria da Vida consagrada. Circula, com efeito, em muitos ambientes (mesmo entre os Pastores) uma concepção superficial da Vida consagrada masculina; ela é identificada com a do monge ou do religioso-padre e facilmente se coloca a do “irmão” em um nível inferior, esquecendo qual é a fonte, a dignidade e a vitalidade da Vida consagrada enquanto tal, para todos. O fato de ter concentrado a atenção na figura dos “Irmãos” significou levar a sério o enraizamento batismal de toda Vida consagrada: a grande dignidade para todos de participar de modo peculiar do sacerdócio, da profecia e da realeza de Cristo. Este é o fruto maior da iniciação cristã (Batismo e Crisma) intensificada pela nova consagração carismática através da profissão dos conselhos evangélicos.

Partem de aqui as contribuições espirituais específicas para os empenhos da própria missão, também daquela ministerial do padre, enriquecida pelos dons da ordenação. Por isso, insistiu-se sobre a indispensabilidade de uma profunda e integral formação para todos na comum dignidade e responsabilidade dos consagrados.

É uma pena, porém, que no Sínodo nem sequer se tenha acenado à delicada e complexa problemática do religioso padre. Quem sabe, os tempos ainda não sejam maduros e haja necessidade, antes, de ulteriores pesquisas doutrinais. O fato, porém, que existam Institutos propriamente “clericais” (ou seja, vinculados de forma característica ao sacerdócio ministerial, como, por ex., a Companhia de Jesus), nos quais este aspecto é constitutivo da índole própria e do tipo da peculiar missão a realizar, levou pelo menos a não reunir os Irmãos de todos os Institutos em um único tipo, em vista de uma eventual revisão.

Vários padres sinodais, sobretudo da corrente franciscana, insistiram no aspecto da assim chamada “paridade jurídica” dos Irmãos em referência ao exercício da autoridade. Fizeram-se, porém, algumas explicitações (eu mesmo entreguei uma intervenção escrita a respeito) para maior esclarecimento daquilo que se entendia pedir para o futuro, levando em conta a especificidade de cada carisma.

Nesta linha, entre as Propositiones a serem apresentadas ao Santo Padre existe uma (10ª) que, antes de tudo, pede o reconhecimento oficial de alguns Institutos masculinos que possam ser chamados de “mistos” (dos quais nada se diz no cânon 588 do Código). Nestes Institutos deveria ser clara a vontade do Fundador de não ver que influencie na índole própria do Instituto a diferença entre “padres” e “não-padres”; e, depois, nesses Institutos – por determinação dos próprios Capítulos Gerais – que o acesso ao exercício da autoridade em todos os níveis possa ser aberto a todo tipo de membros. (É de se esperar a resposta – que podemos crer positiva – aprovada pelo Santo Padre).

O que conta de fato em todo este problema é a plena dignidade, a formação integral, a indispensabilidade e o correspondente papel de responsabilidade da figura do Irmão, na fidelidade ao Fundador e à índole própria do seu carisma.

Deste ponto de vista, emerge a importância da índole própria de cada carisma. O tipo de missão de acordo com o projeto do Fundador deve interessar a todos os membros: cada um entra no Instituto para colaborar com todas as forças – mesmo se com modalidades diversas e complementares – para a realização da missão específica comum a todos.

As nossas Constituições apresentam-nos autorizadamente o respectivo trabalho feito a respeito nos grandes Capítulos pós-conciliares. Trata-se de perceber sua originalidade e beleza em favor de uma pastoral juvenil que reúne sob o primado da caridade pastoral um tipo de evangelização dos jovens que incorpore também a promoção humana e a cultura: sempre com intencionalidade pastoral.



A inserção na Igreja particular



Os Bispos afirmam na “Mensagem” sinodal, que “em espírito de fraternidade, entre outras dificuldades encontramos a da necessária integração das comunidades e pessoas de Vida consagrada no interior das Igrejas particulares”.15

É um dado de fato que a eclesiologia do Vaticano II promoveu a importância da Igreja particular ou local; e é também um dado de fato que, infelizmente, nem sempre os Institutos “isentos” assumiram com generosidade, em harmonia com o próprio carisma, as corresponsabilidades concretas da pastoral local. Igualmente os Pastores nem sempre consideraram os Institutos de Vida consagrada como verdadeiros carismas para suas Igrejas locais.

Já o documento Mutuae relationes (no n. 22) havia sublinhado a renovação trazida pelo Concílio a respeito do conceito de “isenção”.

É neste esforço de genuína inserção que se realiza de forma concreta o sentire cum Ecclesia”, na fidelidade ao magistério do Papa e dos Bispos, em solidariedade de empenho pela Nova Evangelização, em comunhão operativa ao redor do Bispo, com o clero, com os leigos e com os outros consagrados do território.

A atenção apostólica ao território concreto onde se realiza a própria missão leva a considerar com maior interesse da parte dos pastores e dos fiéis os diversos carismas como dons preciosos para a Igreja.

A Propositio sinodal 29,2 sublinha a importância para os consagrados de mais profundo conhecimento da teologia da Igreja particular para pôr a serviço dela o próprio carisma, e para os Bispos, o clero e os leigos a urgência de conhecer de verdade e estimar os grupos de Vida consagrada a fim de lhes dar espaço nos projetos pastorais e nos programas de ação.

Recomenda-se a respeito o válido funcionamento da “Comissão mista” entre Bispos e Superiores maiores e também o recíproco intercâmbio de delegados entre as Conferências episcopais e as Conferências de superiores.

Para nós, o empenho desta inserção leva a pensar também na maior comunhão operativa que devemos fazer crescer em um território que vê presentes vários grupos da Família Salesiana.

O empenho na missão vai mais além de cada obra e impele-nos não só a formar leigos cooperadores, como também e sobretudo, a saber criar novas iniciativas com um empreendimento particularmente sensível às necessidades da Igreja local.

Uma inserção assim vivida servirá para testemunhar a vantajosa inclusão da Igreja universal na particular, como dizia o documento Mutuae relationes: “Os Bispos certamente saberão reconhecer e muito apreciarão a contribuição específica, com que os consagrados virão em ajuda às Igrejas particulares, em cuja isenção encontram de certo modo também uma expressão daquela solicitude pastoral, que os une estreitamente ao Romano Pontífice pelo diligente universal cuidado por todos os povos”.16







Os desafios da Nova Evangelização



Deu-se no Sínodo uma importância especial à “missão” em relação aos desafios atuais e à urgência de novas ou renovadas formas de apostolado.

Neste sentido pediu-se antes de tudo aos consagrados que saibam analisar os desafios com ótica teológica. Não basta descrever sociologicamente (mesmo sendo certamente útil) as diversas situações de novidade ou de injustiça ou de urgência.

Os desafios não constituem simples dados estatísticos, mas devem ser considerados como interpelações de Deus, que vai demonstrando com esses sinais determinadas exigências aos vários carismas. Há necessidade de uma pedagogia dos sinais dos tempos, já indicada no Concílio, que faça descobrir nas situações de fato a voz do Senhor que encaminha para novos areópagos.

O mesmo Espírito Santo guiou os Fundadores neste sentido. Confiando no Espírito será bom cultivar a audácia da criatividade.

Os padres sinodais propuseram igualmente uma criteriologia que seja momento oportuno para discernir os desafios. Eis os pontos considerados:

  • consciência clara das interpelações feitas pelo Espírito à missão da Igreja;

  • determinação cuidadosa das prioridades a serem privilegiadas nas respostas;

  • competência suficiente, em fidelidade dinâmica ao carisma do Fundador;

  • comunhão sincera com outros agentes eclesiais empenhados no mesmo campo

  • consideração atenta dos homens de boa vontade empenhados na renovação da sociedade.



Além da pedagogia dos sinais, a Nova Evangelização supõe outras exigências importantes de mudança de mentalidade.

Antes de mais nada, diga-se que mesmo na chamada “primeira evangelização” há necessidade de uma verdadeira mentalidade “nova” adaptada, decerto, às várias culturas dos povos: também na “primeira” existe, hoje, uma “nova evangelização”. Entre os elementos desta mentalidade no Sínodo foram sublinhados alguns aspectos de especial atualidade.

Primeiro entre todos, o esforço de inculturação que saiba cuidar ao mesmo tempo da capacidade de perceber e promover “os sinais do Verbo” nas diferentes culturas, e perspicácia e coragem crítica para individuar e corrigir os eventuais e infalíveis desvios, mesmo se ancestrais.

Como também “o interesse pelo diálogo ecumênico e também inter-religioso, que é um dos ferventes desejos do Sínodo dirigido aos consagrados em seus diferentes países”.17

Em seguida, é preciso privilegiar a competência educativa, que toca justamente o coração de toda cultura, relacionando evangelização e promoção humana. Em uma das Propositiones os padres sinodais recomendam o apostolado da educação, chamando para esta prioridade os Institutos que possuem este carisma e para ele preparando também muitos leigos. O Sínodo reconhece a importância e a atualidade da Escola católica, das Universidades e Faculdades católicas sem se esquecer de iniciativas e empenhos que ultrapassam a educação formal.18

A comunicação social19 é um areópago importante ao qual dedicar-se com sempre maior competência em sintonia e colaboração com a Igreja local, tendo a preocupação de preparar o maior número de pessoas competentes.

Importância especial foi reservada à missio ad gentes que constitui a ponta de diamante de toda evangelização e que viu e vê Institutos de Vida consagrada em primeira fila com heroica generosidade, não só os dedicados especificamente às missões, como também todos os demais que realizam com coração missionário a própria vida de oração e de trabalho, como egregiamente testemunhou Sta. Teresinha de Lisieux.



O primado urgente da “vida no Espírito”



Na circular de ’92, citada anteriormente, falávamos de grandes “metas em aberto” e colocávamos na primeira fila a “vida no Espírito”; à questão, depois, sobre o que esperávamos do Sínodo, respondíamos que era de se esperar uma renovada presença do mistério de Cristo no mundo, intensificando o empenho para debelar a perigosa superficialidade que danifica a vitalidade do carisma. O Sínodo veio justamente para proclamar a todos os consagrados o urgente primado desta vida no Espírito.

O Card. Hume, em sua primeira relação em aula, afirmou que “o primeiro grande desafio feito à Vida consagrada diz respeito à espiritualidade, justamente porque é o seu coração, e indica a contribuição prioritária (dos consagrados) à Igreja. Com ela indica-se a relação pessoal com Cristo através da sequela, o primado dado a Deus através da consagração, a disponibilidade à ação do Espírito. Ela exprime-se na contemplação, na oração, na escuta da Palavra de Deus, na união com Deus, na integração das diversas dimensões da vida pessoal e comunitária, na observância fiel e alegre dos votos”.20

Toda Vida consagrada está enraizada na espiritualidade e jamais poderá prescindir dela; e o tipo peculiar da própria espiritualidade é importante também para muitos outros.

Um pouco em todo lugar, também nas outras religiões e na variada busca religiosa, o tema da espiritualidade apresenta-se hoje como uma das mais importantes frentes da mesma missão.

O fato que o Sínodo tenha sublinhado a distinção entre natureza teológica da Vida consagrada e suas formas institucionais nos séculos, serve para acentuar com maior clareza ainda a centralidade do mistério de Cristo e a participação de sua santidade.

Deve-se referir a prática dos conselhos evangélicos a uma profunda e quotidiana amizade pessoal e comunitária com Cristo para se tornarem de fato sinais e portadores do seu amor. A espiritualidade de toda Vida consagrada, embora diferenciada entre os numerosos carismas, consiste em saber testemunhar um estilo de vida que torne visível, hoje e aqui, o estilo de vida de Cristo obediente, pobre e casto; um estilo intimamente vinculado, ou melhor, que brota daqueles dinamismos profundos da filiação divina que preenchem o consagrado do absoluto de Deus.

As Propositiones apresentadas ao Papa prolongam-se neste tema porque considerado vital e o mais significativo da consagração. Sublinham a importância de garantir o primado deste aspecto na formação, adequando o aprofundamento de cada um dos conselhos evangélicos também às novidades e diferenças culturais hoje em evolução. Esclarecem ainda alguns dos principais meios a serem seguidos para isso; são eles:

  • centralidade da celebração da Eucaristia e da liturgia das horas;

  • frequência do sacramento da reconciliação e revisão de vida;

  • retorno às fontes do Evangelho e ao espírito do Fundador;

  • lectio divina” na escuta da Palavra de Deus;

  • capacidade de comunicar as riquezas do mistério de Cristo aos fiéis.21



O esforço quotidiano de intensificar este exercício de “vida no Espírito” leva-nos a sublinhar o aspecto pneumatológico de toda espiritualidade. É preciso redescobrir a missão da Pessoa-Dom da Trindade, que é protagonista da consagração e está presente para levar-nos a Cristo, o concebido do Espírito Santo, e n’Ele levar-nos ao Pai. O Espírito é a alma da renovação de toda espiritualidade; sua presença e ação misteriosa, iniciada no acontecimento da consagração por ocasião da profissão dos conselhos evangélicos, leva a uma relação íntima, pessoal e comunitária, com Cristo, Amigo e Senhor. A reciprocidade de amizade com Cristo amadurece aquela conversão de mentalidade e de vida que nos faz testemunhas especiais da santidade da Igreja na órbita apostólica traçada pelo Fundador.

A intimidade com o Espírito Santo, que é Amor, e a docilidade a suas inspirações, ou seja, a nossa vida inteira que palpita espiritualmente no coração, leva-nos às origens quer do mistério da Encarnação como do carisma do Fundador; recorda-nos que justamente no Espírito começou o papel de Maria, mãe e modelo da Igreja; recorda-nos também que a santidade na Igreja é obra do Espírito Santo; Ele, por isso, permeia e guia os consagrados na fermentação da missão de todo o Povo de Deus.22

Este primado da vida no Espírito, hoje tão urgente, leva também a fazer da Vida consagrada um centro dinâmico de difusão da espiritualidade. Na relação citada, o Card. Hume afirmava explicitamente que “este é um campo a ser cultivado com atenção, às vezes a ser semeado sabendo ver longe. Não seria oportuno multiplicar escolas de espiritualidade, em que se transmita não só o ensino da doutrina, mas se dê prioridade à iniciação e à experiência? A espiritualidade do Instituto poderia irradiar melhor não só entre os próprios membros, mas também na Igreja, que foi sempre enriquecida e renovada pelas espiritualidades dos santos e das famílias religiosas”.23

Dessa forma, o Sínodo reforça a caminhada de nossa renovação, da primeira “meta em aberto”24 para crescer no futuro: garantir que o espírito de Dom Bosco seja vivo nas pessoas e nas comunidades, e se difunda com vigor e autenticidade para além de nossas casas.

Neste sentido, o Movimento juvenil salesiano tem como alma de vitalidade uma espiritualidade juvenil inspirada em Dom Bosco; e a comunhão e envolvimento de inúmeros leigos (tema do CG24) têm como prioridade a ser garantida com descortino justamente a difusão da espiritualidade apostólica salesiana.

Devemos agradecer ao Sínodo por este seu autorizado impulso de mostrar-nos o núcleo central no qual o futuro explode com vitalidade.



A força da vida fraterna em comunidade



A dimensão da comunhão de vida fraterna – insistiu-se no Sínodo – é um empenho necessário em todos os Institutos de Vida consagrada, mesmo quando os membros não vivem em comunidade, como nos Institutos seculares. Para as Congregações “religiosas”, porém, é uma comunhão vivida em comunidade: constitui para elas uma característica própria e distintiva. Cada Instituto religioso, com efeito, é sempre estruturado, embora com modalidades diversas, por uma concreta vida fraterna em comunidade. O Sínodo explicitou-o, recomendando também o estudo do recente documento vaticano A vida fraterna em comunidade.

O Card. Hume em sua já citada relação considera este como o “segundo grande desafio da Vida consagrada”;25 ela compreende também a consideração e o reto exercício do indispensável serviço da autoridade.

A força da vida fraterna em comunidade manifesta-se antes de tudo com o testemunho de comunhão na convivência, que é um dos aspectos de que têm mais nostalgia a família e a sociedade de hoje.

Sublinhou-se a interdependência entre vida fraterna e fidelidade à prática dos conselhos evangélicos.

Valorizou-se a sua validade e eficácia, sobretudo nas situações de opressão e de totalitarismo que irmãos e irmãs puderam experimentar positivamente apesar das gravíssimas dificuldades.

Sua força projeta-se, particularmente, na maior eficácia e criatividade da evangelização; a comunidade aparece como o verdadeiro sujeito de missão que multiplica as energias apostólicas num projeto comum.

Uma comunidade que se faz escola de formação permanente, consciente também dos limites de cada um dos membros, da necessidade de paciência e de perdão, de consciência que a comunidade está sempre em construção porque aquela perfeita será somente a escatológica na comunhão dos santos. Uma comunidade que exprime e vive a si mesma, antes de tudo na celebração da Eucaristia e que sabe demonstrar a “espiritualidade da comunhão” no intercâmbio de dons no interior da Igreja local, com disponibilidade de colaboração, com sinceridade no diálogo, com busca de harmonia e de unidade, com relações recíprocas com os demais membros da Igreja.26

A alegria do testemunho comunitário é também portadora de fecundidade vocacional para garantir à Igreja o futuro do próprio carisma.



Conclusão



Muitos outros aspectos importantes foram enfrentados no Sínodo; esta nossa reflexão limita-se a alguns dos mais significativos para nós.

Foi belo e estimulante, no entanto, ver confirmadas e aprofundadas as linhas diretivas próprias do nosso processo de renovação: não caminhamos em vão, melhor ainda, caminhamos pela estrada certa.

Da celebração deste Sínodo devemos dizer que foi de fato um acontecimento de Igreja para o futuro, um verdadeiro momento de graça, ou, como expressou-se o Santo Padre: “uma experiência de Pentecostes. Sentia-se a ação do Espírito presente com sua incessante obra que dá à Igreja tantos carismas de Vida consagrada. Dele participando se era levado progressivamente para aquilo que há de mais íntimo na vida da Igreja: o seu chamado à santidade”.27

Isto quer dizer, queridos irmãos, que agora estamos mais que iluminados sobre o que constitui a nossa identidade na Igreja e que nossa busca e nossos empenhos devem voltar-se com todas as forças a fazer-nos caminhar para aquelas “metas em aberto” que aparecem ainda incompletas no horizonte de nossa renovação.

Tanto a educação dos jovens à fé (CG23), como o envolvimento de muitos leigos no espírito e na missão de Dom Bosco (CG24) exigem que concentremos nossos esforços de formação permanente na intensificação da vida no Espírito e no cuidado prioritário da vida fraterna em comunidade. A estrada para o terceiro milênio passa por aqui: trata-se de um momento germinal para nele entrar com autenticidade.

Entreguemos estes nossos propósitos a nossa Senhora: Ela está na origem do nosso carisma e maternalmente empenhada conosco em sua renovação. O Sínodo mostrou-nos a Sua plenitude de vida consagrada como “primeira discípula e mãe de todos os discípulos, modelo de fortaleza e de perseverança na sequela de Cristo até a cruz. A Virgem Maria é o protótipo da Vida consagrada porque é a mãe que acolhe, escuta, intercede e contempla o seu Senhor com o louvor do coração”.28

Pensemos na sua intimidade com Deus na obediência (“Faça-se em mim segundo a tua Palavra!”), na pobreza (“Colocou-O numa manjedoura”), na virgindade (“Cheia de graça” e sem mácula alguma); o seu coração contemplava incessantemente os acontecimentos de Cristo; a sua permanente união com Deus, particularmente na ampla visão dos tempos, no Magnificat.

É belo imaginar Maria assunta ao céu; enquanto se vê coroada entre os anjos e santos, não há um mínimo aceno de vangloria. Podemos imaginá-la, na alegria da mais verdadeira humildade, colocando-se a proclamar diante de todos o seu cântico que é o hino da bondade de Deus na história. “... Me chamarão de bem-aventurada”: eis a alegria da humildade que nos ensina a capacidade de louvar a Deus no interior dos dons da própria consagração e santidade.

A Virgem Maria ajude-nos a fazer frutificar em nós, com alegria e consciência, os múltiplos dons deste Sínodo e disponha-nos a acolher com propósitos de vida a desejada Exortação apostólica com que o Sucessor de Pedro nos oferecerá autorizadamente a carga pentecostal deste acontecimento de graça.

Aproveito para apresentar a todos os mais fraternos votos para o novo ano em caminho: Dom Bosco nos guie e estimule.

Cordiais saudações.

Com afeto no Senhor,



P. Egídio Viganò

Reitor-Mor

1 Tertio millennio adveniente, 58.

2 Cf. ACG 342.

3 ACG 342.

4 Ib.

5 Exortação Apostólica Christifideles laici.

6 Exortação apostólica Pastores dabo vobis.

7 HUME, Relatio ante disceptationem, 4.

8 Lc 24,35.

9 Cf. Propositio 3ª D.

10 ACG 342.

11 Mensagem, VII.

12 Cf. ACG 348.

13 ACG 301, Redescobrir o espírito de Mornese.

14 NB: Este é o termo que os padres sinodais quiseram usar para evitar a terminologia ambígua de Institutos “laicais” e de consagrados “leigos”; cf. Propositio 8.

15 Mensagem, V.

16 MR 22.

17 Mensagem, VIII.

18 Propositio 41.

19 Propositio 44.

20 Relatio ante disceptacionem, 19.

21 Propositio 15 B.

22 NB: Vale a pena reler a Encíclica Dominum et vivificantem.

23 Relatio ante disceptationem, 19.

24 Cf. ACG 342.

25 Relatio ante disceptationem, 20.

26 Cf. Propositiones 28, 29, 31, 32, 33, 34.

27 29 de outubro, palavras do Papa no almoço de encerramento.

28 Mensagem, IX

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