301-350|pt|307 - Missão Salesiana e mundo do trabalho


Egídio Viganò



MISSÃO SALESIANA E MUNDO DO TRABALHO



Atos do Conselho Superior



Ano LXIV – JANEIRO-MARÇO, 1983



N. 307





Reflexões depois de uma viagem. — Um clamor que vem do Hemisfério Sul. — A importância do Mundo do trabalho. — Desafio apaixonante e inevitável. — Trata-se de propensão inata. O “Evangelho do trabalho”. — Desafio apaixonante e inevitável. —Projeções práticas da nossa “dimensão laical”. — Algumas sugestões de estratégia para o futuro. — Entrega confiante em Nossa Senhora Auxiliadora.





Roma, Festa de Cristo Rei

21 de novembro de 1982



Queridos irmãos,

voltei há pouco de cansativa viagem — a mais longa de todas! — que me fez dar uma volta ao mundo. Tenho agora uma visão direta (conquanto incompleta) da nossa presença entre os vários povos da terra. Ouvi de maneira par­ticular os fortes apelos que nos chegam mais intensos hoje do Hemisfério Sul: além do Projeto-África, as recentes presenças na Polinésia, na Melanésia, na Indonésia, em Sri Lanka. Para além do horizonte tão vasto em que já estamos empenhados, há ainda um amplo horizonte missionário, que interpela a nossa generosidade. Um futuro não de parada, nem de aburguesamento, mas de arregaçar as mangas e requalificar as presenças: mais espiritualidade, mais vocações, mais atualidade apostólica, mais magnanimidade.



Reflexões depois de uma viagem



De novo em Roma, quis reler, nas Memórias Biográficas, as preocupações de Dom Bosco com as regiões que havia visitado pela primeira vez. Impressionou-me profundamente a releitura do sonho missionário de 1885.1 Diz nosso Pai que existe “uma zona circular em torno da parte meridional da esfera terrestre (é o Hemisfério Sul!)... Partiu de Santiago (Chile)... e con­cluiu a peregrinação retornando a Santiago”.

Viu de modo especial — era o que eu pro­curava — a Austrália e “os grupos de incontáveis ilhas” com uma multidão de meninos, que, com as mãos estendidas, exclamavam: “Venham em nossa ajuda! Por que não realizam a obra que seus pais começaram?”. Dom Bosco comenta: “Parece-me que esse conjunto todo queria significar que a Divina Providência oferecia uma porção do campo evangélico aos Salesianos, mas para o futuro”.

Neste sonho, afirma o biógrafo, nosso Pai “pensava muitas vezes, dele falava com muito gosto, via nele uma confirmação dos sonhos precedentes sobre as Missões”.

Meditei também sobre os trechos que falam de preocupações explícitas de Dom Bosco com relação à Austrália2 e ao Ceilão — hoje Sri Lanka —.3 Vale a pena rever as páginas profé­ticas das Memórias Biográficas, sobretudo as que se referem aos últimos anos de vida do nosso Pai.

Vejo diante de mim — diz Dom Bosco — o progresso que fará a nossa Congregação... De aqui a cem anos, que desenvolvimento maravi­lhoso (que nós hoje bem podemos verificar)... a nossa (Congregação) é instituída para as neces­sidades presentes e se propagará por todo o mundo com rapidez incrível”.4

Pudesse embalsamar e conservar vivos uns cinquenta Salesianos dentre os que agora estão entre nós, daqui a quinhentos anos (que antevidência, quanta esperança!) veriam o estupendo destino que nos reserva a Providência, se formos fiéis”.5

Foi uma viagem que fiz após haver visitado afinal todos os continentes. Senti mais do que nunca como Dom Bosco foi deveras um homem de Deus e como o Espírito do Senhor quis por meio dele suscitar uma Família apostólica de estofo popular, que dá o primeiro lugar à dedi­cação aos jovens: “Seremos sempre bem vistos, mesmo pelos maus — afirma expressamente —, porque nosso campo especial é de tal natureza que atrai as simpatias de todos, bons e ímpios”.6

Somos uma Congregação do povo e para os povos, em sintonia de vida com os pequenos e os pobres, portadora de uma missão evangeli­zadora de atualidade, com um profundo sentido da dignidade da pessoa, da dimensão antropo­lógica da cultura e da urgência de uma adequada promoção humana, sobretudo entre os humildes e necessitados, à luz concreta do mistério de Cristo.

Cardeais e Bispos falaram-me, com admi­ração e gratidão, da sintonia e eficácia popular da nossa Vocação. Insistiram que é indispensá­vel aumentar o número das nossas presenças em suas Igrejas locais.



Um clamor que vem do Hemisfério Sul



Pude constatar mais de uma vez que é de modo especial urgente nosso empenho educati­vo, particularmente no “mundo do trabalho”. Quanta pobreza e subdesenvolvimento em tantas zonas do Hemisfério Sul! Há nele uma verda­deira urgência de ensinar a trabalhar, levando também as vantagens do progresso para enfren­tar, com um pouco de mais êxito, os graves problemas da desigualdade econômica. Tantas situações de atraso fizeram-me pensar que é preciso saber valorizar também as contribuições de um trabalho mais racionalizado, mesmo da técnica propriamente dita, sem pretender, é claro, visar suas mais recentes e sofisticadas invenções.

A técnica é um produto da inteligência hu­mana, é progresso, é promoção, é possibilidade de crescimento em dignidade e em eficácia de convivência social. Seria um erro identificá-la com usurpações ideológicas de tipo capitalista ou marxista. Lamentavelmente a grande contri­buição da inteligência que é a técnica, põe-se, de fato, mais a serviço do egoísmo (de grupo ou de Estado) que da fraternidade. Não é assim, todavia, pela própria natureza, mas, sim, pela apropriação indébita por parte dos que têm posses e poder. Dessa maneira, desde o século passado, veio-se criando e desenvolvendo uma crescente mentalidade a respeito do traba­lho, animada mais pelo interesse do que pela moral, mais pelo poder de domínio do que pela justiça social.

Pensava então que uma das mais urgentes tarefas a ser enfrentada no trabalho de evange­lização é a de libertar eticamente o progresso técnico e a organização do trabalho das malhas do egoísmo, para colocá-los verdadeiramente a serviço de toda a humanidade, esforçando-nos por recolocar essa importante atividade huma­na no campo da ética e da caridade. É mister incorporar o trabalho numa verdadeira civiliza­ção do amor! Como nos ensina a rezar a liturgia das horas: “Ó Deus, que confiaste ao homem a obra da criação e pusestes a vosso serviço as imensas energias do cosmo, fazei que colabore­mos hoje para um mundo mais justo e fraterno para louvor da vossa glória”.7

Pois bem: constatei que a nossa Vocação salesiana está humilde, mas concretamente em­penhada nessa urgente e vasta tarefa. Entre os povos economicamente mais necessitados, pro­movendo seus filhos à crescente consciên­cia e ao profissionalismo no mundo do trabalho; entre os povos industrializados, onde abre a educação dos jovens a um processo crítico e propulsivo capaz de evangelizar corajosamente, com percepção aguda da mensagem de Cristo, a “cultura do trabalho”.

Somos chamados a colaborar, na Igreja, para a formação das consciências, a fim de ajudar a recolocar o trabalho na órbita de uma moral orientada e vivificada pelo amor e ampa­rada pelo poder do Espírito Santo.

Quantos pedidos me foram feitos de centros profissionais; quanta necessidade de Salesianos Coadjutores numerosos e competentes; que urgência em saber envolver a Família Salesiana e o Laicato católico num compromisso tão extraordinariamente atual!

Pareceu-me oportuno, por isso, convidar-vos a refletir juntos sobre um aspecto concreto da nossa missão entre os jovens, o da evangeliza­ção do trabalho; se o tema interessa mais diretamente a um grande número de Irmãos, inte­ressa a todos de pleno direito. Já havia sido solicitado por vários Salesianos reunidos em encontro de reflexão sobre a nossa presença apostólica na educação ao trabalho, a aprofun­dar um pouco esse tema. Além disso a impor­tante encíclica do Papa, Laborem Exercens, merecia cuidadosa meditação de nossa parte, no que diz respeito aos empenhos educativos da presença que já temos ou projetamos ter nesse setor.

O tema é de tal importância e atualidade que nos envolve a fundo. À primeira vista, po­deria também assustar-nos pela sua vastidão, complexidade e constante evolução. Mas não pretendemos, em absoluto, fazer um estudo sobre ele; propomo-nos simplesmente (e já é muito!) despertar a sensibilidade do nosso “coração oratoriano”. Estou convencido de estar lançando um verdadeiro grito de alarme diante de um sinal dos tempos, como se fora um insistente convite do Espírito do Senhor, que deve ser tomado muito a sério.



A importância do mundo do trabalho



Sabemos que o trabalho, em todas as suas formas, constitui uma experiência fundamental da existência humana. Concorreu para modelar a pessoa e a sociedade, não só externamente, mas no núcleo existencial com que o homem elabora a si próprio e a civilização. Fala-se jus­tamente de um “mundo” e de uma “cultura” do trabalho, para indicar que sua influência ultra­passa a simples produção de bens económicos. Em torno ao trabalho agregam-se forças diver­sas, surgem valores e desvalores, elaboram-se normas e relações, amadurece uma visão do homem e do seu destino. É compreensível, assim, que o trabalho tenha atraído a atenção não só dos que buscam estruturar melhor a sociedade, mas também dos que anunciam a mensagem divina da salvação.

O Magistério da Igreja interveio frequente­mente, neste século, dirigindo-se ora aos tra­balhadores, ora aos autores da evolução social, ora aos agentes de pastoral com documentos ricos de sabedoria e perspectivas. Recentemente o Papa João Paulo II brindou-nos uma rica visão magisterial mediante importante carta encíclica.8 Ela procura desvendar o sentido hu­mano do trabalho, fundar uma ética renovada, que substitua a já desgastada pelas ideologias temporalistas, e indicar aos cristãos a missão urgente de fazer crescer uma “espiritualidade do trabalho”, enquanto participam, por outros as­pectos, nos esforços de todos para a consecução das justas metas que o movimento dos traba­lhadores se propõe.

Assim, o trabalho, juntamente com o tema da família, da vida e da liberdade civil, passa a fazer parte do conteúdo da visão pastoral do Homem que o atual Papa inaugurou com a Redemptor Hominis.

A Congregação jamais permaneceu insensí­vel diante de tais urgências e hoje se esforça por responder a tais apelos. Nos últimos meses (desde 1980) desenvolveu-se em algumas áreas uma crescente reflexão sobre a presença sale­siana no mundo do trabalho; recolheram-se es­tatísticas, fizeram-se encontros, elaboraram-se Projetos Educativos específicos. Às densas reu­niões da Espanha (setembro de 1981) e da Itália (fevereiro de 1982), seguiu-se um Congresso europeu sobre a nossa missão entre os jovens trabalhadores da Europa (maio de 1982), e depois a reunião da região do Prata (agosto de 1982), em Buenos Aires.

Trata-se, com efeito, de um tema parti­cularmente vinculado com o nosso tipo de ação evangelizadora, com a dimensão laical da nossa comunidade apostólica, com os destinatários preferenciais da nossa missão e com o pedido angustiado sobretudo da nossa presença entre os povos mais necessitados.



Releitura das origens salesianas



Vale a pena recordar o passado para orien­tar o futuro.

Dom Bosco lançou-nos em órbita. Vemos que uma estreita afinidade ligou o nosso Pai ao mundo do trabalho; do contexto rural aos inícios urbanos da época pré-industrial e in­dustrial.

Os problemas de emprego e de ocupação para sobreviver eram rotineiros na família Bosco quando João veio à luz. Os últimos estu­dos históricos reconstruíram os movimentos dos antepassados de Dom Bosco em busca de emprego, aluguel de terra e prestação de serviço. Joãozinho nasce e cresce familiarizando-se com os temas e as experiências de trabalho rural, percebidas do ponto de vista de quem deve sofrer as consequências de uma situação desfa­vorável, ainda que vivida e aceita como situação normal de vida.

Sua infância é dominada por essas realida­des, e os fatos lembrados na sua autobiografia (morte do pai, primeiros estudos) estão forte­mente vinculados com o trabalho, como aliás toda a vida dos camponeses. Nos dez anos de vida transcorridos em Chieri como estudante, ganhou o pão trabalhando. Vêm em seguida os anos do seminário, que representam uma quase total dedicação ao “estudo”, sem diminuir, entre­tanto, o seu interesse, nos períodos de verão, pelo trabalho manual; percebia a sua dignidade, e neles exprimia sua praticidade criativa.

Os primeiros anos de sacerdócio e sua opção de ser missionário da juventude colocam-no em contato com turbas de jovens tare­feiros, que vinham procurar trabalho na ci­dade de Turim, que ia crescendo, enfrentando destarte os fenômenos de uma era já pré-industrial: migração, trabalho juvenil, exploração, ignorância.

O desejo de enfrentar os problemas de vida dos jovens leva-o a tomar iniciativas destinadas a resolver os problemas mais urgentes do pre­sente, enquanto vai amadurecendo decisões mais substanciais para a promoção humana, cultural, espiritual desses jovens, contribuindo humilde, mas concretamente para a transformação da sociedade.

O primeiro Oratório aberto a todos foi na realidade, acima de tudo, uma iniciativa para os jovens trabalhadores. O menino sobre o qual começou a edificar a obra moral e religiosa do Oratório apresenta esta carta de identi­dade: Bartolomeu Garelli, órfão, analfabeto, emigrante, ajudante de pedreiro. “De modo geral — escreverá Dom Bosco — o Oratório era formado por canteiros, pedreiros, estucadores, calceteiros, gesseiros e de outros que vinham de povoados distantes”.9

A população oratoriana estava de tal modo caracterizada que no ano 1842 celebrou-se so­lenemente no Oratório a festa do pedreiro.10 Em favor dos pequenos trabalhadores Dom Bosco empreenderá, com outros sacerdotes, a escola noturna e iniciativas de educação social, os contratos de trabalho e as visitas no lugar de trabalho.

A atenção aos jovens “aprendizes”, como então se dizia, fez amadurar uma segunda fase. Consistiu em oferecer-lhes uma residência. Os jovens endereçados ao trabalho viviam com Dom Bosco e iam à cidade para aprender um ofício, da mesma maneira como os estudantes iam re­ceber aulas de determinados professores. Inte­ressa aqui relembrar o processo seguido por Dom Bosco em favor dos seus “aprendizes”. À saída para a cidade seguiu-se a criação das oficinas na própria casa, uma humilde e corajosa epopeia em pequena escala. Inicia-se em 1853, ano em que nasce uma sapataria com alguns metros quadrados à disposição, com os instrumentos mais simples e baratos, poucos alunos e Dom Bosco como mestre. “Com a ajuda de benfeito­res, comprados alguns banquinhos e os apetre­chos necessários, colocou a oficina de sapateiro num pequeno corredor da casa Pinardi, junto à torre da igreja... Quando os estudantes estavam em aula na cidade, Dom Bosco sentava-se no banquinho para ensinar a trabalhar com a sovela e o barbante untado de breu para remen­dar os calçados”.11

Esse corajoso período de busca encerra-se em 1862, ano em que o “modelo” das primeiras escolas salesianas assume fisionomia própria. A história está repleta de casos, iniciativas e peri­pécias que os limites desta carta não permitem lembrar. Sorrimos ao pensar que a primeira alfaiataria nasceu nos ambientes que ficaram livres após a mudança da velha cozinha, e que teve como primeira mestra Mamãe Margarida!; faz-nos também sorrir a precária instalação da tipografia sobre a qual Dom Bosco fundava seus sonhos de editor e publicista.

Tratava-se de oficinas incipientes, cujo pri­meiro e total responsável era Dom Bosco. Haviam nascido dos multíplices e convergentes pedidos feitos naquela comunidade juvenil e naquela casa, já berço de uma Congregação projetada para espalhar-se pelo mundo: prover à inserção cristã dos meninos do mundo do tra­balho, reduzir os custos daquela colmeia juve­nil, apoiar os planos apostólicos e prover ao alargamento das estruturas de uma Congrega­ção em expansão. Cada oficina marca uma etapa não só da evolução educativa em Dom Bosco, mas também da aquisição de uma con­creta capacidade técnica a serviço da sociedade.

A princípio o pessoal era externo, e Dom Bosco com eles tentou diversos contratos, che­gando à conclusão de que a eficácia educativa e a possibilidade de crescimento só podiam ser adequadamente sustentadas com pessoal reli­gioso. Pensou então numa proposta e itinerário vocacional para os aprendizes do mundo do tra­balho (o Salesiano Coadjutor), como fazia com os estudantes no âmbito do ministério eclesial.

A fase final é a da escola de artes e ofícios com pessoal, fisionomia, projeto educativo pró­prios, coroada no Capítulo Geral IV. A figura do Salesiano Coadjutor tinha já um perfil e a nossa Congregação, após uma experiência de quase trinta anos, recolhia no documento “Orientação a ser dada à parte operária nas casas salesianas e meios de desenvolver a vocação dos jovens aprendizes” o conjunto de orientações e progra­mas: amadureciam os germes organizativos que haviam nascido com o primeiro regulamento das oficinas (ano 1853).12

Por ocasião da morte do Fundador, a So­ciedade de São Francisco de Sales, então também intensamente missionária, apresentava-se com tipos vários de atividade educativa, mas dois a caracterizavam a ponto de estarem estrei­tamente ligados à sua imagem e à consciência dos que levavam a Obra para outros países: o Oratório, e a Escola profissional.

Dom Bosco havia levado a termo a sua res­posta a uma urgência e deixava sólidas orienta­ções para uma eficaz atuação apostólica dos Sa­lesianos entre os jovens aprendizes: um modelo de escola (Valdocco); um projeto educativo (o Documento do Capítulo Geral IV); alguns prin­cípios de organização (Regulamento das ofici­nas); um encargo a nível de direção geral (Conselheiro profissional); uma figura de mem­bro da comunidade salesiana pensada parti­cularmente em função dessas presenças, em­bora aberta a variadas possibilidades outras (o Irmão Coadjutor); um espírito peculiar e adequado que compreende, em particular, o profissionalismo, o trabalho, o espírito de sacrifício, o sentido social.

Seria interessante percorrer a evolução que aconteceu na Congregação após a morte de Dom Bosco e na primeira metade do nosso século, história que em muitos lugares assume características de pioneirismo e de atenção ao progresso técnico e pedagógico.

Impressiona uma coincidência. Em grande parte dos novos Países que desejavam a pre­sença salesiana, a obra preferencialmente solicitada era a escola profissional.

Não seria difícil descobrir qual é o conjunto de fatores que determinaram os momentos feli­zes de crescimento e desenvolvimento e os tempos de estagnação, e, em alguns casos, de mudança de direção ou de involução em algu­mas regiões.

A sensibilidade de Dom Bosco pelo mundo do trabalho inclui também o seu vivo interesse com relação a certos fenômenos a ele ligados, tais como a emigração para outros continentes, as vicissitudes dos incipientes problemas sociais e as múltiplas iniciativas de tipo cultural e de evangelização das classes populares.


Trata-se de propensão Inata


A experiência espiritual e apostólica do Fundador e a opção da Congregação na história sucessiva guiam-nos na reflexão sobre os com­promissos concretos da nossa missão. À luz das circunstâncias hodiernas, sobretudo em vista da juventude dos povos mais necessitados, desco­brimos na nossa Vocação, entre outros valores, uma afinidade carismática ou uma congênita proximidade ao fenômeno do trabalho e às ne­cessidades dos jovens que a ele se encaminham.

Percebemos, dentro de uma predileção fun­damental pela juventude, sobretudo mais neces­sitada (e sem esquecer outras características da nossa missão), uma inclinação, diria, vocacionalmente conatural para o complexo mundo do trabalho no qual urge fazer brilhar o Evangelho e que hoje se impõe como uma exigência priori­tária dos tempos.

Reconhecemo-lo 1) quer na consideração da nossa missão específica, 2) quer no espírito pe­culiar que nos anima, 3) como na própria forma da Congregação e nos pedidos atuais de urgentes opções pastorais neste setor. Vamos ver bre­vemente como.



1) Podemos perceber essa inclinação congênita, primeiramente aprofundando a nossa missão específica. Desde o manuscrito constitu­cional de 1859, os jovens “encaminhados para alguma arte ou ofício” e as presenças a eles des­tinadas são mencionadas logo em segundo lugar entre os destinatários e as obras da Congregação, imediatamente após os Oratórios. Essa coloca­ção conserva-se sucessivamente em todas as re­formulações. As Constituições atuais, após se referirem de forma geral aos adolescentes e aos jovens como destinatários da nossa missão, esbo­çam a figura do jovem encaminhado ao mundo do trabalho: “Os jovens da classe popular que se encaminham ao trabalho, se bem que não vivam em condições de miséria, acham muitas vezes difícil inserir-se na sociedade e na Igreja. Imitando a solicitude de Dom Bosco pelos apren­dizes, levamo-los a assumir seu lugar na vida social, cultural e religiosa de seu ambiente”.13

Essa preocupação de compromisso estende-se também aos adultos das classes populares. Deles assim nos diz o Capítulo Geral Especial: “Não somos enviados para uma ação direta a qualquer categoria indiscriminada de adultos. Mas é bem claro que somos enviados aos adultos do “povo humilde”. Essa categoria designa hoje “ambientes específicos, diferentes uns dos outros, rurais, de migração”.14

Entre os conteúdos da missão, conteúdos que envolvem simultaneamente a evangelização e a promoção humana, diz expressamente: “Oferecemos, segundo as circunstâncias, o pão do corpo, a competência profissional, a cultura intelectual”.15

Dentro da variedade e criatividade com que a Congregação se empenhou em vários Países, há “tipos” de presenças entre os jovens especial­mente vinculadas ao mundo do trabalho; elas atravessaram tempos e fronteiras e constituem uma verdadeira “característica salesiana”.


2) Percebemos, além disso, essa inclinação, analisando a originalidade do nosso espirito. Ele está centrado de maneira muito concreta na operosi­dade, que nos aproxima, diria quase por natu­reza, da praticidade do trabalho para encontrar nele uma adequada encarnação apostólica.

Verdade é que, no âmbito do nosso espírito, Dom Bosco com o termo “trabalho” entende significar toda forma apostólica e de serviço na ocupação do tempo: por certo é trabalho, também, pregar, escrever, estudar, administrar os sacramentos (especialmente ouvir confis­sões), etc. Mas é igualmente verdade que o nosso Fundador levou aos altares a maneira de viver e os valores do bom povo trabalhador do seu tempo, secularmente cristão, com uma cul­tura já em lento declínio, mas verdadeiramente impregnada de Evangelho (alegria, sacrifício, serviço, praticidade, competência, solidariedade, religiosidade, etc.), para que nos tornássemos “profecia” viva de determinadas virtudes, que devem permanecer e adaptar-se ao irrequieto e crescente novo mundo do trabalho. Ele experi­mentou, de fato, a originalidade do seu espírito também num contínuo contato apostólico com os jovens aprendizes mais necessitados. Assim, no espírito de Dom Bosco, a insistência sobre os valores humanos e cristãos do trabalho assume ressonâncias práticas, de significado manual e técnico, que levará vitalmente a Congregação a interessar-se generosamente pela evangelização de uma época que nasce marcada justamente por um crescimento do trabalho humano.

O “trabalho”, juntamente com a “tempe­rança”, constituirá o lema da Congregação.16 “O trabalho assíduo e sacrificado — dizem-nos hoje as Constituições — é uma característica que nos foi legada por Dom Bosco e é expressão con­creta da nossa pobreza. Na quotidiana ope­rosidade, associamo-nos aos pobres que vivem da própria laboriosidade e testemunhamos aos homens de hoje o sentido humano e cristão do trabalho”.17

Esse espírito peculiar, que admira e assimila os valores do trabalho em geral, nos dá e ali­menta em nós uma especial sensibilidade apos­tólica para as urgências juvenis no mundo do trabalho.

Levou nosso Pai a forjar uma pedagogia concreta de encaminhamento ao trabalho: “Lembrai-vos, queridos jovens — dizia —, que o homem nasceu para trabalhar!”. E em seguida propunha-lhes o trabalho, não como castigo, mas como valor intrínseco ao desenvolvimento integral da própria pessoa, portanto da própria retidão moral e da própria capacidade de amar.

A Congregação cresceu nesse clima. Com razão o Capítulo Geral 21, falando da especifici­dade da presença salesiana na escola, enumera, entre as constantes que a devem caracterizar, a seguinte: Escola de trabalho porque ensina a viver a característica espiritual do trabalho, mantém ligação habitual e cordial com o mundo do trabalho; mas, sobretudo, porque em muitos lugares realiza cursos de alfabetização e cursos noturnos para trabalhadores; prepara, com a formação profissionalizante, os jovens aprendi­zes a entrarem no mundo do trabalho, com uma qualificação”.18



3) Mais ainda. Para compreender essa pro­pensão inata devemos considerar também a própria forma da Congregação. Ela é constituída de “eclesiásticos e leigos”, comporta a presença substancial de “mestres”, de “técnicos” e de “aprendizes”, que lhe imprimem uma fisionomia de vida e de ação própria. Já tive a oportunidade de falar amplamente sobre “O componente leigo da comunidade salesiana”.19

É oportuno sublinhar que se trata de uma peculiaridade da própria “forma” da nossa Con­gregação, e não de um aspecto que se referiria simplesmente a um grupo de Irmãos.

A nossa Vocação, radicalmente comunitá­ria — dizia então —, exige uma comunhão efetiva não apenas de fraternidade entre as pessoas, mas também, e de modo altamente exigente, de mútua referência dos seus dois componentes fundamentais: o ‘sacerdotal’ e o ‘laical’..., eles se desenvolvem numa simbiose comunitária, segundo uma dosagem harmônica que procura compenetrar a partir de dentro um com o outro no projeto daquela genial modernidade e missão comum que constitui ‘a índole própria’ da nossa Congregação religiosa”.20 Ela sempre implicou uma comunhão de vida, na qual o Salesiano Coadjutor desenvolve também atividades tipicamente pastorais, e o Salesiano Sacerdote uma espontânea capacidade de trabalho também ma­nual, que, algumas vezes, especialmente em regiões de missão, é digna de quanto os Benedi­tinos fizeram em outras épocas da história.

O componente leigo impregna a própria forma da Congregação e, por consequência, dá um toque concreto à vida e missão de todos nós. Não se trata simplesmente de uma colaboração “lateral” por parte de um grupo, mas de uma orientação “intrínseca” ao nosso tipo de comu­nidade apostólica, com uma função pastoral, que inclui uma específica “consciência de abertura secular”,21 que estimula vocacionalmente (e, por isso, comunitariamente) a interessar-nos seria­mente pelos graves problemas juvenis do mundo do trabalho.

O apelo é urgente! Com efeito, como vos dizia, “a civilização da sociedade industrial... é rica de técnica, mas pobre de sabedoria: aberta ao consumismo e fechada ao sacrifício; ela enche sobretudo o mundo do trabalho de uma atmosfera materialista muito subtil e pe­netrante”.22



4) E, por fim, podemos considerar essa inclinação na nossa especial sensibilidade para a atual urgência de determinadas opções pas­torais em tal setor. Os nossos últimos Capítulos Gerais propuseram-nos critérios concretos de renovação.

O Capítulo Geral Especial insiste sobre “uma atenção para com a realidade social e his­tórica do mundo dos operários; o esforço para descobrir-lhe os valores educativos, humanos e evangélicos; a preocupação de colaborar com os movimentos que se voltam para a evangelização desse ambiente”.23

Lembra-nos que “a ação pastoral e de tes­temunho no meio dos trabalhadores é um dos empenhos que caracterizam nossa vocação a serviço das classes mais necessitadas. Os sacer­dotes e irmãos que forem chamados a esta missão devem, primeiramente, aprofundar o co­nhecimento das massas operárias, dos seus pro­blemas, anseios e aspirações, das causas da sua atitude perante a Igreja e a Fé”.24

E o Capítulo Geral 21 exorta-nos a ser espe­cialistas da condição juvenil e a dar às Igrejas locais a contribuição de uma ação concreta, le­vando em grande consideração “a pertença ao mundo do estudo ou da fábrica, ao mundo do campo ou do emprego. Ter-se-á cuidado espe­cialíssimo dos meninos e jovens que vivem em contexto de subdesenvolvimento económico e de marginalização”.25

Além disso, o Capítulo Geral 21 faz refletir sobre a direção em que se deve orientar apostolicamente a Comunidade salesiana, em atenção a certas propensões concretas do seu compo­nente leigo; com efeito, o mundo do trabalho constitui o setor mais significativo para o Sale­siano Coadjutor: “Se se olhar para a importân­cia e incidência que o ‘mundo do trabalho’ tem em muitas nações, é claro que as atividades re­lativas à área do trabalho não são as únicas, mas certamente das mais significativas para a ação apostólica do Salesiano Coadjutor nesses lugares... Já Dom Bosco havia relevado que uma das tarefas características do Salesiano Coadjutor devia ser a de animar cristãmente o mundo do trabalho”.26

Como vedes, pois, queridos Irmãos, há, na nossa Vocação, uma verdadeira inclinação con­gênita, que nos impulsiona a cultivar peculiar atenção à juventude mais necessitada do mundo do trabalho. E é o caso de perguntar se Nosso Senhor não chama, hoje, a Congregação a privi­legiar, pela sua imensa atualidade, este campo de compromisso apostólico.

Um olhar às nossas atuais obras revela uma gama interessante e vária de presenças físicas neste setor: escolas profissionais e agrícolas, internatos para jovens operários, centros juve­nis, paróquias, animação de movimentos espe­cializados, centros promocionais e outras mul­típlices atividades confiadas a pessoas que ope­ram individualmente com o apoio das respecti­vas comunidades. Os programas são diversos. A finalidade é única: levar a mensagem de Cristo a libertar e a aperfeiçoar o trabalho humano.



O “Evangelho do trabalho”



Infelizmente parece que há anos o Evange­lho parou à soleira dos numerosos e vastos am­bientes do trabalho, embora atinja ainda muitos trabalhadores em suas famílias e em outros setores privados e individuais. Com razão, pois, a Laborem Exercens propõe como tarefa impor­tante dos fiéis, hoje, o saber proclamar o “Evan­gelho do trabalho”27 para procurar um novo modo de pensar, avaliar e agir, e dar ao traba­lho o valor que tem aos olhos de Deus.

O Papa insiste, portanto, na proclamação do Evangelho do trabalho. Mas o que é que exige saber anunciar esse “Evangelho”?

Em primeiro lugar, exige se reconheça a consistência própria e objetiva do mundo do trabalho, seja como fator de humanização pes­soal e social e de progresso, seja nas suas ambivalências e perigos, seja nas hegemonias ideoló­gicas predominantes que o deturpam. Ele é a manifestação histórica da vocação do homem no universo. Não é uma matéria amorfa, ordinária e fácil, sem emergência com relação às outras: a tarefa da sua uma adequação à ética e às exi­gências da caridade é assaz difícil.

Não basta propor uma vaga moral do “dever de estado”. Tem suas leis, suas relações, suas vantagens e a sua racionalidade intrínseca que desaguou no fenômeno, de modo algum secundário, que chamamos de “técnica”.

Se as palavras bíblicas, ‘submetei a terra’, dirigidas ao homem desde o início, são entendi­das no contexto de toda a época moderna, indus­trial e pós-industrial, então, sem dúvida, elas encerram em si uma relação com a técnica. . . que é o fruto do trabalho da inteligência huma­na e a confirmação histórica do domínio do homem sobre a natureza”.28

O Evangelho do trabalho mais que uma temática particular implica a “pastoral da so­ciedade industrial”, à qual é mister reconhecer sinceramente um lugar na história do cresci­mento do homem, no qual relações e costumes típicos das sociedades rurais mudaram e não necessariamente contra o homem. O Evangelho do trabalho é também mensagem profético-crítica do progresso humano e das tecnologias. Enquanto não formos capazes de entrar neste vasto e dramático mundo, não seremos capazes sequer de evangelizá-lo, assim como não foi pos­sível evangelizar o mundo rural, enquanto a Igreja não se inseriu nos seus dinamismos e na sua mentalidade.



Mas dentro da complexidade e dos pro­blemas desse “mundo” deve-se destacar o lugar central do Homem como sujeito, origem e fina­lidade do todo: “Quer isto dizer que o primeiro fundamento do valor do trabalho é o próprio homem... Chega-se, pois, a reconhecer justa­mente a preeminência do significado subjetivo do trabalho sobre o objetivo”.29

Ele deve ser destacado a nível de reflexão humana, e a palavra de Deus o ilumina de ma­neira determinante, fazendo que se tornem as “conclusões do intelecto” uma “convicção de fé”.30

Jesus Cristo veio encarnar-se numa história humana real, e não num consórcio humano ideal e abstrato. Em Cristo revela-se o plano de Deus e o projeto histórico e eterno do Homem verdadeiro e completo. “Sendo Deus, tornou-se semelhante a nós em tudo, dedicou a maior parte dos anos da sua vida sobre a terra ao trabalho manual, junto a um banco de carpinteiro. Esta circunstância constitui por si mesma mais eloquente ‘Evangelho do tra­balho’”.31

O Seu não é apenas um exemplo moral, mas a primeira revelação do genuíno plano de Deus sobre o Homem e a sua presença salvífica nos nossos esforços de domínio e transformação da criação.

Por isso, o trabalho incorporado à existên­cia de Cristo ontem e hoje adquire outra densidade. O mistério da sua morte e ressur­reição32 dá ao trabalho um sentido definitivo; os seus resultados, inspirados pelo amor ao Homem e pela obediência ao Pai, sugerem os limites do tempo.


Por fim, do Evangelho do trabalho emerge a exigência de uma espiritualidade, tarefa principal da Igreja.33 A descontinuidade, de per si intransponível, que há na criação entre “matéria”, “espírito” e “graça ou vida divina” requer a presença ativa do homem para dar ao mundo um verdadeiro sentido de unidade orgâ­nica e de admirável transcendência. É no homem, como num núcleo atômico, que o Criador con­densou a unidade orgânica e dinâmica de “ma­téria”, “espírito” e “transcendência divina”: somente ele é capaz de explicitar na história o projeto integral de Deus sobre a criação.

A espiritualidade, portanto, não deve ser entendida como um extrato mais ou menos subtil de ações ou palavras religiosas a serem aplica­das a uma realidade estranha, como se se tra­tasse de dourar uma estátua de bronze; deve entender-se, ao invés, como uma fermentação de “espírito” e de “graça” no interior concreto das suas características e exigências, sem diminuir a justa autonomia que as caracteriza, mas fermentando-as com a caridade do Espírito.

As bases principais desta espiri­tualidade acham-se descritos na “Laborem Exercensnos números 24-27: capacidade de leitura e de participação do plano de Deus na história, competência e compromisso nela, decidida to­mada de posição por parte do homem, transfi­guração do mundo e sua oferta ao Pai, união com o amor redentor de Cristo.

É preciso que especialmente na época atual a espiritualidade do trabalho manifeste a matu­ridade que exigem as tensões e inquietudes dos corações. Os cristãos, portanto, não somente não pensam em contrapor as conquistas do engenho e da potência do homem à potência de Deus...; mas ao contrário eles estão persuadidos de que as vitórias da humanidade são sinal da grandeza de Deus e fruto do seu inefável desígnio”.34



É justamente isso que andava repensando em minha viagem ao considerar a necessidade de iluminar com uma adequada mensagem evangélica o trabalho humano e o progresso técnico para resolver certos proble­mas graves de desigualdade.

Há um Evangelho e há uma Espiritualidade do trabalho que devem crescer com urgência nas consciências. O progresso técnico, fruto da inte­ligência humana, não é, de per si, o inimigo dos pobres; tem necessidade, porém, da mensagem evangélica para tornar-se amigo deles!

O Evangelho (o educador) age em contex­tos concretos, segundo as exigências do momento, mas como o “fermento” superior que trans­cende a história e a contingência momentânea (mesmo sem se desarraigar e abstrair delas). De modo que, quem olha a Igreja, os Santos e em particular Dom Bosco com sua contribuição específica ao mundo do trabalho, é obviamente levado a notar que a intervenção evangelizadora e educadora se une — em meados e final do século 19 — a perspectivas agrárias, artesanais, quando muito “pré-industriais” ou se quisermos “neoindustriais”. Mas sem se limitar preconceituosamente a tais limites. Dom Bosco (e mais do que nunca o Evangelho de que ele é portador) lançou-se no mundo do trabalho no sentido mais aberto, nas perspectivas mais progressistas e ricas de futuro, portanto sintoniza também com a era pós-industrial caracterizada pelos compu­tadores, pela telemática, pelas tecnologias mais sofisticadas e avançadas que parecem quase substituir-se à mão do homem para, ao invés, empenhar-se a inteligência na criatividade e fun­cionamento das próprias técnicas...

Não se trata de ligar a evangelização e a educação do mundo do trabalho nem ao arte­sanato primitivo nem ao último desenvolvimento tecnológico; mas de propor a libertação de Cristo e a promoção do Homem em qualquer situação, a todos os níveis e fases do fenômeno “trabalho”.

Assim o Salesiano, disponível para o tra­balho “primitivo” (agrário, pré-industrial e arte­sanal, neoindustrial...) no Terceiro Mundo e onde for mister, está também disponível para o trabalho nas mais avançadas situações de desen­volvimento nas quais os jovens são chamados a inserir-se.

Com particular atenção, o Salesiano sabe que sobretudo aos pobres deve ser anunciada a boa nova. Consiste ela em libertar sempre mais, e em realizar o direito dos marginalizados a conquistarem por sua vez o uso dos bens e das tecnologias que não são absolutamente patrimô­nio somente das sociedades mais industrializa­das da terra. De modo que (e é também um conceito de “missão” a ser aprofundado) a “boa nova” a ser anunciada é — para o Salesiano em­penhado no mundo do trabalho — a promoção do homem, a sua habilitação ao trabalho, a conscientização do direito à técnica, a destinação dos bens econômicos para todos como irmãos, a pregação da igualdade dos filhos de Deus, jun­tamente com quanto é mais essencial para o Evangelho: a salvação integral da pessoa e da humanidade.



Desafio apaixonante e inevitável



O mundo do trabalho está aberto a muitos jovens, tanto nas sociedades subdesenvolvidas como nas mais progredidas. A condição deles nos interpela. Os jovens encaminhados ao mundo do trabalho requerem a ajuda de uma educação integral para se inserir sem traumas em situa­ções difíceis e problemáticas e para compreen­der e viver a mensagem autêntica de Cristo num contexto que, à primeira vista, se lhes apresenta quase como incompatível. Há todo um conjunto de fatores e condicionamentos objetivos (aper­feiçoamento progressivo dos meios e dos siste­mas de trabalho, variabilidade e novidade nas profissões) que exige, especialmente nos países de maior desenvolvimento, sempre melhores níveis de preparação profissional e requer flexibilidade e capacidade de adquirir novos conheci­mentos e técnicas renovadas. A isso acresce uma verdadeira erosão da ética tradicional do traba­lho, à qual foi sucedendo uma visão utilitarista do indivíduo, dos grupos ou do Estado, pelo que o trabalho é apenas instrumento de bem-estar a vários níveis e causa de duros conflitos. As desigualdades, os abusos, os desencontros, os ódios, as violências levaram de fato a uma dura e contínua conflitualidade, terrivelmente neces­sitada de justiça, verdade e fraternidade.

A pesada mole desses problemas e situações foi despertando a consciência dos trabalhadores. Vai-se exigindo uma redefinição do trabalho hu­mano, considerando-o não já como intervenção material na produção dos bens, mas também como verdadeira participação ativa e consciente no próprio processo produtivo e no consequente progresso sociocultural. O que significa poder intervir na determinação das finalidades e da justa destinação dos produtos e da inserção da sua função num conjunto social de fra­ternidade. Por isso a educação para o trabalho necessita hoje também de ampla formação social para a consciência política e a comunhão e participação civil.

Ser trabalhador, com efeito, implica hoje mais do que nunca ter um sentido social da jus­tiça e saber tomar parte ativa na construção da cidade conhecendo o significado humano e a utilidade da própria contribuição.

Se não se tomar em consideração este amplo, novo, delicado e difícil aspecto da educação, produzir-se-á uma separação ou cisão entre a preparação dos jovens e uma condição social que evolui continuamente.

Em resumo: entrando no mundo do traba­lho, a juventude encontra-se, nas sociedades subdesenvolvidas como nas desenvolvidas, ainda que de maneira diferente, com fenômenos que põem em dura prova a sua qualidade humana e de cidadão e a sua fé cristã, e que agigantam a dificuldade de reduzir a síntese existencial as necessidades pessoais, as instâncias sociais e as exigências do Evangelho.

Este simples e muito incompleto esboço do quadro ambiental lança um desafio apaixonante à nossa missão educativa e de catequese, suposto que a intervenção formativa salesiana não seja simplesmente uma área de estacionamento, na qual os jovens param antes da sua vida real.

É inevitável para nós aceitarmos, em soli­dariedade comunitária, o desafio, por árduo e exigente que seja. Devemos aprofundar e fazer progredir a reflexão educativo-pastoral que nestes anos, sobretudo depois do Capítulo Geral 21, nos esforçamos por promover, isto é: um progresso educativo pensado, amadurecido e continuamente atualizado. Devemos sentir-nos chamados a ser frequentadores e colaboradores, mesmo que humildemente, mas com grande es­perança, da elaboração de uma nova e verda­deira “cultura do trabalho”. Isto significa esfor­ço permanente de informação, de discernimento e de confronto crítico com relação a tudo o que nasce e se exprime no mundo do trabalho, supe­rando certa ignorância sistemática e o juízo habitudinário e leviano.

Mas uma cultura do trabalho, elaborada por educadores, não pode reduzir-se a belas pa­lavras; deve ser traduzida numa metodologia pedagógica que repensa a organização da ins­tituição educativa (o funcionamento de uma apropriada “comunidade educativa”!) e procura praticamente uma orientação formativa unificante entre preparação técnica, visão humanista da existência e projeto cristão de vida.

Reatualizando com constante empenho o Sistema Preventivo, como metodologia pedagó­gica que procura uma síntese vital entre fé e trabalho, um diálogo constante entre Evangelho e técnica, para formar firmemente nos jovens aprendizes uma adequada mentalidade cristã.

Foi observado, com razão e há muitos anos, que os catecismos para a juventude, que circu­lavam e circulam, empregam uma linguagem e procuram iluminar antes as experiências do jovem estudante, ao passo que se mostram um tanto afastados da realidade do jovem traba­lhador.

Merecem ser louvados, pois, os esforços que vários Irmãos, em diversas regiões, fizeram ou estão a fazer para propor convenientemente aos jovens aprendizes o Evangelho do trabalho.


Projeções práticas da nossa “dimensão laical”


O desafio é verdadeiramente vasto e apai­xonante.

Todos, no Povo de Deus, nos sentimos in­terpelados, mas o problema é imenso. A Igreja inteira procura enfrentá-lo entre dificuldades sem conta. Nós, Salesianos, somos por certo cha­mados a colaborar. As nossas forças são peque­nas: parece-nos ter na mão apenas as cinco pedras de Davi. Meditemos e peçamos, com in­sistência, mais ardor de esperança e mais inicia­tiva de caridade ao Criador, para fazer crescer em nós a magnanimidade prática e empenhadora que guiava a genialidade apostólica de Dom Bosco. Estamos certos de que, “por meio de Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo”, Deus Pai faz viver e santifica o universo.35 Assumamos com coragem as nossas responsabilidades e empenhemo-nos! Sejamos, de ma­neira realista, concretos!

Comecemos por cuidar melhor da “dimen­são laical” da nossa Vocação!

Para tal fim quereria concentrar a vossa atenção sobre três projeções práticas que dela derivam.



1) Primeiramente com relação aos Sale­sianos Coadjutores. Lembramos acima a importância do componente leigo na própria forma da nossa Congregação. E fizemo-lo para confir­mar a nossa propensão inata de empenhar-nos apostolicamente no mundo do trabalho. “A Con­gregação de S. Francisco de Sales — disse Dom Bosco — é uma reunião de padres, clérigos, leigos, especialmente aprendizes, que desejam unir-se, procurando assim fazer o bem entre si e também fazer o bem aos outros”.36

Refletindo sobre este projeto de Dom Bosco um nosso competente estudioso recolheu, alguns anos faz, a documentação produ­zida até então sobre o Salesiano Coadjutor para “introduzir historicamente a um rápido e pre­ciso conhecimento da gênese e do desenvolvi­mento da ideia e da realidade” dessa figura ori­ginal de Irmão, e para dele tentar “um primeiro e rápido perfil, à luz dos seus compromissos religiosos e educativos essenciais”. Pois bem, resulta muito sugestivo o título que, como des­crição sintética do todo, quis dar ao livro: “Re­ligiosos novos para o mundo do trabalho”.37

Penso que é sobretudo nesse famoso mundo do trabalho que se aplica com maior frequência e maiores exigências peculiares de mentalidade específica e de aprofundada qualificação a densa afirmação do nosso Pai: “Há coisas que os padres e os clérigos não podem fazer, e vós a fareis”.38

Como também as afirmações do P. Rua e do P. Albera quando falam do Salesiano Coadjutor: “uma das necessidades maiores da socie­dade moderna — fala o P. Rua — é educar cris­tãmente o operário”;39 as vocações de Salesia­nos Coadjutores “são uma das necessidades mais imperiosas para a nossa Pia Sociedade, a qual sem elas — escreve o P. Albera — não po­deria conseguir as altas finalidades sociais que lhe são impostas pelos tempos”.40

Portanto, uma primeira exigência concreta, ao refletir sobre o papel que toca a nós Sale­sianos no mundo do trabalho, é que toda a Con­gregação tome a sério a necessidade de rever e renovar profundamente a nossa mentalidade a respeito do componente laical da Comunidade Salesiana, e consequentemente fazer conhecer, promover e consolidar sempre mais a figura do Salesiano Coadjutor.

Esse empenho exige, na sua base, nada menos que uma verdadeira mudança de mentali­dade: procurei descrevê-lo na já citada circular de 1980.41 Seria oportuno relê-la com atenção para meditar sobre seu conteúdo enriquecedor e suas exigentes consequências. A dimensão laical da índole própria de nós Salesianos é um aspecto essencial que atinge intimamente todo Irmão (não só o Salesiano Coadjutor), porque é um elemento vital do nosso modo de “ser co­munitário” e da nossa ação apostólica. A figura do Coadjutor estimula-nos a lembrar uma mo­dalidade explícita e típica do nosso apostolado na Igreja e a empenhar-nos com todas as forças para superar uma crise que nos mutila, causando-nos muita pena e cortando as asas de nossa possibilidade de ação.


2) Mas devemos também considerar um segundo aspecto: a importância e o papel dos numerosos Leigos seja na Família Salesiana seja no vasto âmbito de simpatia e de colaboração que a circunda.

A Congregação insiste, há anos e de ma­neira coerente, sobre o papel eclesial deles e sobre suas multiformes capacidades de partici­pação e colaboração. A validez da presença deles, o fundamento da sua inserção, a necessidade de formação contínua, as relações entre eles e as nossas Comunidades foram temas repisados em dissertações e projetos.

Recentemente um novo Documento da Santa Sé, “O leigo católico, testemunha da fé na escola”,42 ajuda-nos a sintetizar quanto se vinha recomendando. Ele nos proporciona um reforço autorizado do que nestes anos se vinha repe­tindo, isto é, que a presença dos Leigos, con­quanto se originasse da necessidade de pessoal qualificado, dados os níveis e a quantidade dos compromissos educativos, superou hoje esse motivo inicial e encontra fundamento em consi­derações teológicas: uma visão de Igreja como comunhão operativa de diversas vocações, uma nova compreensão do agir pastoral, e uma nova consideração do Leigo no interior de ambas.

O motivo fundamental da importância do laicato católico, que a Igreja considera como positiva e enriquecedora, é de ordem teológica”, diz-nos o Documento;43 a sua presença é neces­sária;44 trata-se de um importante “sinal dos tempos”:45 “a presença simultânea (na escola católica) de sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos consti­tuirá para o aluno um reflexo vivo desta rique­za, facilitando-lhe uma assimilação maior da rea­lidade da Igreja”.46 A vocação educadora envolve o leigo no “dever de formar homens que reali­zem a civilização do amor”,47 através da comu­nicação da cultura em perspectiva de fé.48

Dessa rápida indicação veem-se desde já quais serão as contribuições dos Leigos nas nossas comunidades educativas: experiência de vida, profissionalismo, testemunho cristão. Veem-se também quais são os pontos delicados sobre os quais prestar atenção: escolha cuida­dosa em função do projeto educativo particular, formação contínua, envolvimento ativo.

Recomendo a todas as comunidades um bom aprofundamento desse importante Documento para ser aplicado na prática: não se trata, com efeito, de simplesmente assumir “pessoal exter­no”, mas de envolver “Leigos” verdadeiramente crentes e, além disso, inspirados na pedagogia de Dom Bosco.


3) Com relação justamente à inserção de verdadeiros “Leigos” apresenta-se um terceiro elemento concreto a ser promovido: o papel ani­mador da Comunidade Salesiana.

Na atual estrutura educativa, de tarefas complexas, de influências múltiplas, de pluralis­mo vital, de aberturas indispensáveis, da livre circulação das contribuições, tornou-se neces­sária e preciosa a função de orientação qualifi­cada, de animação das pessoas e de sábia coor­denação do todo. A educação, com efeito, é cons­tantemente ameaçada, por certas ideologias que dominam a opinião pública e certas organiza­ções sociais, mas também por períodos de frag­mentação, ecletismo, funcionalismo, e infelizmente, algumas vezes, de incompetência no campo específico.

Uma visão clara e constantemente revista dos valores que se propõe, uma convergência metodológica e, sobretudo, um reforço da qua­lidade das pessoas são deveres educativos prin­cipais, não adicionais.

Os Irmãos responsáveis, ainda que não exclusivamente eles, devem desempenhar com bondade e constância o ministério de animado­res: é um dever de competência e de conteúdo e não somente de fervor, ou de simples organi­zação. Esse empenho exige um nível mais alto de qualificação profissional, maior clareza com respeito à originalidade da própria missão, pro­funda consciência da finalidade pastoral do todo, e principalmente uma experiência comunitária de base que torne conatural a participação.

Os Diretores, de modo particular e segundo a tradição salesiana, deverão saber guiar de tal forma a vida da sua casa que transforme os Irmãos em uma verdadeira “comunidade de animadores”.



Algumas sugestões de estratégia para o futuro



De quanto viemos dizendo, emergem não poucas sugestões para as Inspetorias e, de modo especial, para as presenças dedicadas a esse tipo de destinatários. No momento, parece-me interessante sublinhar e recomendar poucas, mas grandes orientações, que se encontram na raiz de tantas outras.

1) A primeira frente de uma estratégia re­novada é a preparação específica de mais pessoal salesiano para o mundo do trabalho. Foi prer­rogativa de longos períodos da nossa história preparar um número notável de Irmãos justa­mente para este setor. Recentemente, em vir­tude da crise de vocações e também da urgência de privilegiar certos aspectos reli­giosos e pastorais surgidos na Igreja e na socie­dade, as instâncias deslocaram-se um tanto para outros setores, ao passo que este, que já parecia adquirido, ficou um pouco em segunda linha. Assim é que aumentavam outras qualificações e presenças, enquanto permaneceu mais ou menos no “statu quo” a qualificação do pessoal com vistas ao empenho no mundo do trabalho, talvez também pela dificuldade de adequação que ela representa.

Poder-se-ia pensar, à maneira de hipótese estimulante para provocar reações, que enquanto a nossa capacidade de resposta se mantém diante de desafios mais simples, o elevar-se do nível das competências requeridas nem sempre nos encontra prontos a responder adequadamente.

A preparação específica dos Irmãos neste campo compreende hoje vários aspectos: a cons­ciência e o sentido pastoral, a sensibilidade aos sinais dos tempos e aos valores da cultura do trabalho, a qualificação profissional, a ca­pacidade de envolvimento do laicato, a perícia na animação sobretudo de comunidades educa­tivas, o diálogo no bairro, a comunhão na Igreja local etc.

Fala-se há anos dessas novas exigências e sem dúvida se caminhou. Hoje podem-se ver exemplos e modelos de comunidades que fun­cionam com eficiente qualificação dos Irmãos e com boa integração e animação dos colaborado­res, com orientação, corresponsabilidade, diálo­go no bairro e em comunhão com a Igreja local.

Mas é um fato também que não poucas vezes enfrentou-se a situação apenas como autodidatas. Louvor a essa gente de boa vontade! Mas será bom fazer com que as programações de formação (inicial e permanente) prevejam e provejam, antes preparem, para uma maior com­petência em todos esses aspectos.


2) Uma segunda frente estratégica, igual­mente importante, é a revisão das obras, sua visão de conjunto com um equilibrado desen­volvimento orgânico nas Inspetorias, em conso­nância com a identidade e a originalidade sale­siana. Refiro-me à quantidade de presenças entre os trabalhadores que cada Inspetoria tem hoje e prepara para o futuro, particularmente de caráter educativo. Sabe-se que em algumas Ins­petorias, por obra de um desenvolvimento que se foi processando mais com base apenas em ocasiões que se ofereciam e escolhiam do que em critérios salesianos, nosso empenho no mundo do trabalho foi-se progressivamente apequenando.

É imperioso pensar nisso. Os nossos últi­mos Capítulos Gerais insistiram que se preferissem os ambientes populares e neles “apro­fundar o conhecimento das massas operárias, dos seus problemas, anseios e aspirações, das causas da sua atitude perante a Igreja e a Fé”.49

A descentralização devolveu às Inspetorias, responsabilizando o Inspetor com o seu Conse­lho, o dever de cuidar da adequação da nossa missão com as necessidades locais, garantindo uma correta encarnação e um equilíbrio harmô­nico dos nossos vários empenhos apostólicos.



3) E, por fim, outra frente vital é a da renovada pastoral vocacional em favor do já muitas vezes recordado Salesiano Coadjutor. O futuro das nossas presenças educativas no mundo do trabalho está fortemente ligado, como vimos, à Vocação do Salesiano Coadjutor.

A sua figura de Irmão nasceu e exprimiu-se nestas presenças, mesmo sem se limitar a elas. Os períodos mais flóridos das escolas profis­sionais e agrícolas coincidem também com uma presença quantitativa e qualitativa de Coadjuto­res e com o florescimento de ambientes parti­cularmente dedicados à preparação deles: cursos profissionais, encontros e confrontos, perma­nência no setor etc.

Não estou a repetir quanto foi dito acima: lá falava de “mudança de mentalidade”; falo aqui de “pastoral vocacional” como empenho estratégico de uma Inspetoria.

É, pois, premente, a respeito, a necessidade de pensar corajosamente e com criatividade em iniciativas de pastoral vocacional verdadeira­mente renovadas. Através de modelos de expe­riências e propostas, elas devem colocar diante dos jovens, em toda a sua riqueza e sem neces­sidade de condicionamentos particulares, esta maneira moderna e genial de ser salesianos.

Toda Inspetoria deve fazer com que os jovens, chamados por Nosso Senhor a esse tipo de compromisso, encontrem pontos de referên­cia, orientação, animação e assistência para uma opção livre, atraente, clara e alegre.

Nas Inspetorias onde se trabalha neste campo com estruturas concretas e adequadas (aspirantados, comunidades, organizações e gru­pos apropriados) percebem-se quase imediata­mente os frutos.

Voltemos a ouvir o P. Rinaldi: “Façamos conhecer toda a beleza e grandeza do Coadjutor Salesiano e preparemos muitos deles para todas as profissões, artes e ofícios”.50






Entrega confiante a Nossa Senhora Auxiliadora


Concluamos.

Começamos por falar de uma viagem do Reitor-Mor, particularmente significativa. Lem­bramos aquela surpreendente volta ao mundo feita por Dom Bosco no sonho missionário de 1885: um longo percurso profético, praticamente no Hemisfério Sul.

De aí, desse hemisfério, ouvimos o clamor do Terceiro Mundo, que vê, entre seus caminhos práticos de saída do subdesenvolvimento e da desi­gualdade que o atormenta, um crescimento na competência e na técnica do trabalho, iluminada e guiada pela moralização e pela evangelização do processo industrial em todo o globo. O pro­gresso técnico é um bem em si, mas está engaiolado em estruturas e ideologias não objetivamente éticas, nem muito menos cristãs, que o põem a serviço de egoísmos de grupos e de Estados.

O Papa lembrou-nos o fato de que “o traba­lho humano é uma chave, provavelmente a chave essencial, de toda a questão social, se nós pro­curarmos vê-la verdadeiramente sob o ponto de vista do bem do homem. E se a solução — ou melhor, a gradual solução — da questão social, que continuamente se reapresenta e vai-se tor­nando cada vez mais complexa, deve ser buscada no sentido de ‘tornar a vida humana mais hu­mana’, então por isso mesmo a chave, que é o trabalho humano, assume uma importância fundamental e decisiva”.51

Urge, pois, na missão da Igreja, evangelizar com oportuna atualidade a cultura do trabalho. Mesmo adequando-se à situação existencial do pobre (especialmente nas missões e no Terceiro Mundo), é preciso entregar também aos pobres (aos jovens necessitados) as chaves de abertura para um justo progresso ao qual todo homem e todo povo tem direito, para a própria liberta­ção social e espiritual.

E nós, Salesianos, temos, nesse dever eclesial, um lugar nosso, humilde, mas exigente, como vimos.

É uma missão exigente, complexa, difícil. Nem por isso podemos desertar.

Renovemo-nos; busquemos forças; reorga­nizemos a colaboração; sejamos magnânimos e corajosos como o nosso Pai e Fundador!

Não contamos tão-somente com as nossas energias, muito limitadas, mas confiamos com coração iluminado n’Aquele que quis a nossa Vocação e que nos dá a força para vivê-la e fazê-la crescer.

E essa confiança no Cristo exprimimo-la filialmente através da nossa específica devoção mariana: a Cristo por Maria! A Auxiliadora interceda, nos guie e ampare num compromisso tão árduo, mas angustiosamente premente.

Paulo VI, na Marialis Cultus, diz que deve­mos olhar para Maria tendo presentes as várias situações do mundo contemporâneo, a fim de descobrir como Ela “pode considerar-se modelo naquilo por que anelam os homens do nosso tempo”. Assim constataremos “com agradável surpresa que Maria de Nazaré, apesar de completamente abandonada à vontade de Deus, longe de ser uma mulher passivamente submissa ou de uma religiosidade alienante, foi uma mulher que não duvidou em proclamar que Deus é de­fensor dos humildes e dos oprimidos e derruba dos seus tronos os poderosos do mundo; ... uma mulher forte, que conheceu a pobreza e o sofri­mento, a fuga e o exílio... e cuja função ma­terna se dilatou, assumindo no Calvário dimen­sões universais”.52

Nós a veneramos justamente como “Auxi­liadora”, porque ressaltamos n’Ela tanto a labo­riosa condição dos pobres (esposa de carpinteiro e dona de casa), como a solicitude de serviço e colaboração (lembrando, por exemplo, suas atenções para com Isabel), como ainda, sobre­tudo, a solícita laboriosidade materna, tão aberta à universalidade que constituiu, para além do Calvário, o seu modo de ser como ressuscitada na assunção aos céus: vive com Cristo Senhor, qual Ajuda da Humanidade e Mãe da Igreja.

Ela é, pois, totalmente ativa, dedicada aos homens ainda viajores, tão preocupada com os pobres e necessitados que poderíamos também chamá-la “A Virgem do trabalho”, como a subli­nhar um aspecto da sua atitude de Auxiliadora.

Pois bem: considerando a necessidade ur­gente que temos de saber reinserir-nos valida­mente hoje no mundo do trabalho, entregamos com confiança a Ela, nossa Mãe e Mestra, o relançamento de um aspecto tão essencial da nossa missão na Igreja.

Exprimimos neste ato de entrega confiante a Maria Auxiliadora o nosso propósito sincero de ser portadores aos jovens do “Evangelho do trabalho”, aprofundado e proclamado à luz do mistério de Cristo, apresentado como mensagem de resposta ao apelo dos sinais dos tempos e da atual condição sobretudo dos povos mais necessitados.

Dom Bosco interceda por nós!

Desejo a todos um Bom Natal, com os me­lhores votos para o Ano Novo.

Cordialmente no Senhor,

1 MB XVII, 643-647.

2 MB X, 1268; XVIII, 378.

3 MB XII, 314-315; XIII, 161; XVII, 30-31.

4 MB XVII, 31.

5 MB XVII, 645.

6 Ib.

7 Breviário, oração da manhã de segunda-feira da 4ª semana.

8 Laborem Exercens, 14 de setembro de 1981.

9 Cf. Memórias do Oratório, p. 127 (Edição de 2012).

10 Ib., p. 128.

11 MB IV, 659-660.

12 De 1853 é o REGULAMENTO para os Mestres (MB IV 661)

Do mesmo tempo, mas com data não definida porque recebeu diversos acréscimos com o correr do tempo, é: “O PRIMEIRO PLANO DE REGULAMENTO PARA A CASA ANEXA AO ORATÓRIO DE SÃO FRANCISCO DE SALES”. Já trata de:

O Assistente de oficina — Cap. V, art. 9.

Responsável de oficina — Cap. VII, art. 1.

Mestres de oficina — Cap. IX.

Entre 1853 e 1861 aperfeiçoa-se a regulamentação (MB IV 735-755).

13 Const. 11.

14 CGE, 54.

15 Const. 18.

16 Cf. MB XII, 466-467; XIII, 326.

17 Const. 87.

18 CG21, 131 – 2.3.6.

19 ACS 298, 1980.

20 ACS 298.

21 Ib.

22 Ib.,

23 CGE, 74.

24 CGE, 413.

25 CG21, 29.

26 CG21, 183; cf. n. 184.

27 Cf. Laborem Exercens, 7, 26.

28 Ib., 5.

29 Laborem exercens, 6.

30 Ib., 4.

31 Ib., 6.

32 Ib., 27.

33 Cf. Ib., 24.

34 Laborem exercens, 25.

35 Oração eucarística 3a.

36 MB XII, 151.

37 P. BRAIDO, Roma, PAS, 1961.

38 MB XVI, 313.

39 Lettere Circolari di don Michel Rua ai Salesiani, Turim 1965, p. 207, circular de 2-6-1898.

40 Lettere Circolari di don Palo Albera ai Salesiani, Turim 1965, p. 505, circular de 15-5-1921.

41 ACS 298.

42 S. Congregação para a Educação Católica, Roma, 15-10-1982.

43 Ib., 2.

44 Ib., 3.

45 Ib., 4.

46 Ib., 43.

47 Ib., 19.

48 Ib., 20.

49 CGE, 413.

50 ACS 24-7-1927, p. 577.

51 Laborens Exercens, 3.

52 MC, 37.


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