301-350|pt|348 - Vigiai com as lâmpadas acesas

Egídio Viganò


VIGIAI, CINGIDOS OS RINS E AS LÂMPADAS ACESAS!”


Atos do Conselho Geral


Ano LXXV – abril-junho, 1994


N. 348




Um tema de atualidade – “Vida e disciplina religiosa” – Relutância ao conceito de “disciplina” – Significado espiritual da “Regra de vida” – As razões da Eucaristia – As exigências da Profissão religiosa – Formar para a “liberdade consagrada” – A autoridade é um serviço de animação e governo – Temas para um exame de consciência – José e Maria.



Roma, 19 de março de 1994

Solenidade de São José



Queridos Irmãos,

estou apenas retornando da Etiópia onde, com alegria, vi uma porção viva e cheia de esperança do nosso vasto Projeto-África. Impressiona muito conviver com os noviços e os jovens irmãos etíopes, que garantem o futuro do carisma de Dom Bosco neste grande País. Deve-se dar graças a Deus e aos generosos missionários que ali trabalham com fidelidade e entusiasmo.

A esta minha experiência e motivo de esperança devem ser acrescentados nos próximos meses outros dois acontecimentos portadores de fortes estímulos de crescimento: o Sínodo especial dos Bispos africanos e a beatificação da Filha de Maria Auxiliadora Irmã Madalena Catarina Morano.



O Sínodo africano acontecerá em Roma no mês de abril. Em seu documento de trabalho são apresentadas as grandes linhas pastorais de futuro para todo o continente (inculturação, diálogo ecumênico e inter-religioso, justiça e paz – dignidade da pessoa e promoção da mulher –, e meios de comunicação social). Deve-se sublinhar neste documento o interesse em vista de uma mais adequada pastoral juvenil, uma vez que mais de 40% da atual população da África e Madagascar têm menos de dezoito anos. Esperemos com particular atenção as orientações a respeito. O Pe. Luciano Odorico, Conselheiro geral para as nossas missões, foi escolhido como um dos peritos a serviço do Sínodo.



A Irmã Madalena Morano será a primeira beata FMA depois da canonização de Madre Mazzarello. Será beatificada em Catania no próximo dia 30 de abril, durante a visita do Papa àquela histórica cidade italiana. Irmã Madalena é modelo eminente de vida salesiana autêntica, iniciada pelo contato pessoal com Dom Bosco e portadora de uma peculiar interioridade apostólica, tanto no estilo de união com Deus como no espírito de iniciativa e na operosidade e magnanimidade de visão. Leva-nos às fontes do nosso carisma e estimula-nos a renovar o seu ardor; é como se nos convidasse a fazer do próximo Sínodo sobre a Vida consagrada, em outubro, uma espécie de plataforma de lançamento para viver com maior fidelidade e coragem a herança do nosso Fundador.



1. Um tema de atualidade



O recente documento vaticano sobre A vida fraterna em comunidade, muito concreto e atualizado, ao falar do caminho de libertação que leva os religiosos à comunhão fraterna, sublinha a necessidade também de um empenho corajoso de renúncias e de fidelidade às exigências da própria profissão religiosa: o descuido neste campo é deletério. “Notou-se em muitas partes – lê-se no documento – que isto tem sido um dos pontos frágeis do período de renovação destes anos. Aumentaram os conhecimentos, pesquisaram-se diversos aspectos da vida comum, mas cuidou-se menos do empenho ascético necessário e insubstituível para toda libertação capaz de fazer, de um grupo de pessoas, uma fraternidade cristã. A comunhão é um dom oferecido que também requer resposta, paciente tirocínio e combate, para superar o espontaneísmo e a inconstância dos desejos”.1

Partindo também deste convite proponho-me a chamar a atenção sobre o tema vital de nossa ascese sob o aspecto de “disciplina religiosa” e de aprofundar os seus conteúdos.

O título que dei à circular recorda algumas expressões significativas de Paulo2 e de Lucas3 como oportuna advertência para contestar, hoje, com consciência evangélica, o clima cultural de permissivismo que nos circunda. É certamente útil e também urgente considerar ao mesmo tempo a importância da ascese a fim de viver o precioso dom da consagração apostólica com autenticidade.







2. “Vida e disciplina religiosa”



O artigo 134 das Constituições, descrevendo o papel próprio do Vigário geral, não lhe entrega um setor específico como aos demais Conselheiros, mas confia-lhe o cuidado de um aspecto global de peculiar importância em nossa vida. Este aspecto é expresso com dois termos que se relacionam entre si e não podem ser dissociados: “vida consagrada” e “disciplina religiosa”.

Não devem ser dissociados porque expressam uma única realidade carismática: de fato, quando o artigo da Regra se refere à Vida consagrada, o faz a partir da ótica da disciplina religiosa; e quando se refere à disciplina religiosa o faz a partir da ótica da Vida consagrada. Desta forma se concretiza de um lado um aspecto típico de nossa vida de consagrados: o de ser uma práxis vivida segundo uma determinada Regra. E, de outro lado, alarga-se positivamente o sentido que se quer dar ao termo “disciplina” porque este se refere à autenticidade da mesma Vida religiosa.

Mais que confundir-se com a tarefa formativa dada especificamente ao Conselheiro para a formação, o empenho confiado ao Vigário geral reforça e integra a preocupação global própria do Reitor-Mor (de quem é justamente o Vigário) de “promover, em comunhão com o Conselho Geral, a constante fidelidade dos sócios ao carisma salesiano”.4

Justamente a partir das considerações sobre o artigo 134 das Constituições, na última sessão do Conselho Geral (terminada no dia 7 de janeiro passado) estudou-se, entre os vários temas, o da “Vida e disciplina religiosa”, pedindo depois ao Reitor-Mor que tecesse algumas conclusões numa de suas circulares.

Nas sessões plenárias do Conselho Geral entre outros compromissos, costuma-se também aprofundar alguns temas de estudo que sirvam para iluminar a animação dos irmãos. Os Conselheiros se dividem em pequenas comissões para uma primeira elaboração do tema a ser levado depois à reunião plenária para, juntos, encaminhá-lo para conclusões operativas. Os eventuais temas de estudo são escolhidos dentre as prioridades surgidas nos contatos com as Inspetorias e nas análises das visitas.

Embora tendo constatado que, em geral, o estado de saúde da Congregação no campo da “vida e disciplina religiosa” é suficientemente positivo (apesar de existirem, infelizmente, indivíduos fora da estrada e situações a melhorar), pareceu que este tema fosse de particular atualidade.

Os motivos que urgem a refletirmos juntos, devem ser buscados mais que diretamente no interior da Congregação, num certo clima de poluição cultural: de permissivismo, de frouxidão ética, de atenuação da tensão carismática, que cresceram na sociedade atual e que abrem a porta a um secularismo muito perigoso também para os Institutos de Vida consagrada.

Sobre isto escreve um autor: “Aludo ao relaxamento que se verifica em âmbito de pobreza, castidade e obediência: votos interpretados hoje em muitas partes com critérios acentuadamente psicológicos e sociológicos, inculturados de maneira laicista. Aludo ainda ao confinamento que valores como oração pessoal, meditação, ascese, direção espiritual, serviço, estão sofrendo por parte de uma vontade muito humana de autorrealização, de arrivismo, de auto-gestão, de protagonismo”.5

Trata-se de um clima que nos envolve, feito de relativismo e também de horizontes simplesmente antropológicos donde emerge como urgente e vital para os Religiosos o tema da ascese exigida pelo próprio carisma.



3. Relutância ao conceito de “disciplina”



Entre as aceleradas mudanças destas últimas décadas, há também a de ter tornado pouco simpáticos (ou até mesmo antipáticos) à linguagem corrente vários termos em uso entre os Religiosos como, por exemplo: “mortificação”, “observância”, “disciplina”.

O termo “mortificação”, segundo alguns, seria portador de uma antropologia dualista, já ultrapassada, em detrimento do corpo.

O termo “observância” seria de sabor legalista pondo em primeiro lugar de consideração não os valores, mas a norma. O nosso Comentário ao texto das Constituições, considerando o que existe de verdade nesta forma de reducionismo, afirma: “Nossas Constituições não entendem levar-nos ao convento para viver como ‘observantes’, mas nos pedem de ‘estar com Dom Bosco’ para sermos ‘missionários dos jovens’”;6 o que pede uma ascese ainda mais exigente.

E o termo “disciplina”, que embora derive de “discere” (aprender) e evoque o estado do “discípulo” que deve modelar sua vida segundo um ensinamento e uma correspondência prática,7 viu restringir e empobrecer na prática, ao longo dos séculos, o próprio significado para chegar a indicar simplesmente normas regulamentares, e até mesmo punições concretas, ou os instrumentos que se usavam para as flagelações ascéticas (assim se dizia, por exemplo, dar ou receber tantos golpes de disciplina!).

Evidentemente não nos referimos a estas restrições de significado. Não falamos de disciplina militar e nem mesmo de disciplina simplesmente pedagógica ou esportiva. Referimo-nos ao âmbito bíblico do discípulo que está à escuta e segue o Cristo-Mestre para d’Ele aprender como comportar-se e para adequar o estilo da própria vida às grandes exigências do seu mistério.

Recordemos algumas afirmações muito expressivas a favor da ascese do discípulo; aquela trazida pelo evangelista Lucas: “Quem não carrega sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo”;8 a de Mateus: “Quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os homens a fazer o mesmo, será tido como o menor no Reino de Deus”;9 a exortação de São Pedro: “Cingindo os rins da vossa mente, sede sóbrios, tende esperança”;10 de São João: “Por este sinal sabemos que já O conhecemos: se cumprirmos seus mandamentos”;11 de São Paulo: “Vigiai, permanecei firmes na fé, sede corajosos, sede fortes!”.12

Poder-se-iam multiplicar as citações, mas estas já são suficientes para fazer entender o significado geral que damos ao tema.

Referimo-nos a uma ascese concreta, a uma vigilância espiritual, a uma Regra de vida, a uma modalidade concreta de discipulado.



4. Significado espiritual da “Regra de Vida”



Quando falamos de “consagração religiosa” colocamo-nos bem acima de uma simples órbita legal ou jurídica; entramos no conceito bíblico de “Aliança”, pessoal e comunitária, entre o Senhor e nós. Ele nos inunda com a potência e as riquezas do seu Espírito, e nós nos entregamos a ele com radicalidade. Aquilo que prometemos, porém, supera de per si, as nossas capacidades de fidelidade, e por isso empenhamo-nos em seguir uma determinada modalidade ou Regra de vida apoiando-nos na potência do Espírito para pô-la em prática. Assim ligamos também os grandes valores da consagração a determinadas mediações normativas que servem de sustento, defesa e exame quotidiano na atuação do nosso projeto específico de vida evangélica.

Na interessante “Introdução” ao Comentário das nossas Constituições diz-se justamente que nós entendemos por Regra de vida “não só a descrição da própria inspiração evangélica, mas também a normativa prática da conduta religiosa, ou seja, um itinerário concreto de sequela do Senhor com uma ‘disciplina’ espiritual e uma particular metodologia apostólica, que orienta na existência quotidiana a conduta pessoal e comunitária dos professos”.13

Prescindir destas mediações significaria tornar vão aquilo que prometemos. Como se vive, por exemplo, a radicalidade da obediência, da pobreza e da castidade, descuidando de certas normas específicas do nosso estilo de vida?

Mais que às letras destas normas olha-se para as exigências vitais da “graça da consagração” que impelem e permeiam o esforço de ser coerentes: a verdadeira “observância religiosa” procede de um nível mais alto e mais convicto daquele de uma simples “observância legal”.

Com razão, o Concílio Vaticano II e o magistério posterior dos Papas têm insistido sobre a importância deste tema.

Lê-se no proêmio do decreto Perfectae caritatis: “O Concílio entende ocupar-se agora da vida e da disciplina dos Institutos, cujos membros fazem profissão de castidade, de pobreza e de obediência, e ao mesmo tempo prover às suas necessidades segundo as exigências atuais”.14 No texto, a disciplina religiosa é referida à observância fiel da Regra de vida.

O Papa Paulo VI em sua bela Exortação apostólica Evangelica testificatio, acenando aos perigos a serem superados no ambiente de hoje, diz aos Religiosos: “Quem não vê toda a ajuda que vos oferece o contexto fraterno de uma existência regular, com suas disciplinas de vida sempre mais necessárias a quem ‘retorna ao seu coração’, no sentido bíblico da palavra?”.15

E mais adiante: “Este é o sentido das observâncias que marcam o ritmo da vossa vida quotidiana. Longe de considerá-las sob o único aspecto da exigência de uma regra, uma consciência vigilante julga-as a partir dos benefícios que elas trazem, enquanto garantem uma maior plenitude espiritual. É preciso afirmá-lo: as observâncias religiosas exigem, muito mais que uma instrução racional ou uma educação da vontade, uma verdadeira iniciação que tenda a cristianizar o ser, até às suas profundezas, segundo as bem-aventuranças evangélicas”.16

Olhamos para a disciplina religiosa justamente como para uma mediação indispensável para “cristianizar” o nosso ser.

Para melhor entender as suas motivações podemos olhar para dois grandes polos de referência: a Eucaristia e a Profissão religiosa.



5. As razões da Eucaristia



A Eucaristia é certamente o momento mais qualificado para cristianizar o nosso ser. É ali que quotidianamente nos tornamos “discípulos”, desenvolvendo em nós os mesmos sentimentos de Cristo. Sabemos que os primeiros seguidores de Jesus não apareceram de início como especiais observantes de uma disciplina ascética: “Por que é que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus não?”.17 Eles já não pertenciam ao Antigo Testamento, quando o jejum e a penitência eram substancialmente uma impetração da vinda do Messias; não tinham necessidade dele porque “o Esposo estava com eles”. Depois da Páscoa, porém, ao descobrir a realidade de um “tempo da Igreja” em que se espera e se prepara a vinda definitiva do Senhor na Parusia, “virá um tempo em que o Esposo lhes será tirado e então jejuarão”.18

Neste tempo caracterizado pela dimensão escatológica, a disciplina ascética não será abolida mas terá que adquirir modalidade e sentido novos, como testemunho do viver e sentir com Cristo que, da Eucaristia, continua a difundir a graça de ser verdadeiros “discípulos” para enfrentar os desafios dos tempos e vencer as iniciativas do pecado.

Diante das práticas ascéticas do judaísmo e de outras religiões, o cristão manifesta o empenho ascético com um espírito novo mesmo se as práticas possam parecer iguais.

É, pois, importante perceber a novidade deste espírito.

Na Eucaristia, que nos assimila a Cristo, para constituir ao mesmo tempo o seu Corpo místico na história, podemos facilmente individuar as profundas razões do espírito novo. Consideremos duas delas: a “filiação divina” e a “solidariedade humana”.



A FILIAÇÃO DIVINA. De um lado, Jesus é o Unigênito do Pai; vive na mais alta comunhão com Ele a ponto de exprimi-la, enquanto homem, numa perfeita obediência, isto é, naquele amor filial que foi o dom total de si no sacrifício do Calvário.

O coração humano de Jesus é o do obediente até a morte, mas o é pela intensidade de sua filiação e não pelas práticas legais: é o Filho que se alegra intimamente em seguir o projeto do Pai: “Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice! Entretanto, não se faça como eu quero, mas como tu queres”.19



A SOLIDARIEDADE HUMANA. De outro lado, Jesus é o Segundo Adão, irmão solidário de todos os homens, seu representante e cabeça diante de Deus; é o Redentor que luta contra o Maligno e se sente plenamente corresponsável pelo pecado dos irmãos. O pecado do homem é muito grave se a infinita misericórdia do Pai não o perdoa a não ser por meio da cruz. Pela sua solidariedade radical, o coração de Jesus – embora de Cordeiro inocente – considera sua missão e dever inerente à sua fraternidade verdadeira e radical expiar o mal da história do homem.

Estas duas motivações fundamentais representam a novidade do mistério da Encarnação e, portanto, a originalidade da nova Aliança, em que o fazer-se “discípulo” para “cristianizar o próprio ser” comporta um espírito novo em todo o âmbito ascético penitencial. Na Eucaristia tudo é orientado para fazer-se “discípulo” a fim de nutrir no coração os mesmos sentimentos de Cristo, de sua filiação divina (“filii in Filio”!) e também de sua solidariedade humana para ser corresponsáveis com Ele na Redenção.

A atitude do verdadeiro “discípulo” (a sua “disciplina”!) é toda enquadrada num amor que é dom de si na filiação obediente ao Pai e na solidariedade redentora dos pecados, sobretudo daqueles dos próprios destinatários e irmãos.

A disciplina religiosa confrontada atentamente com o mistério eucarístico é uma mediação concreta para “cristianizar” a nossa vida: não deixa espaço para ausências ascéticas, individualismos, independências arbitrárias, compensações mesquinhas contrárias à radicalidade dos conselhos evangélicos, um estilo superficialmente mundano carente do espírito das bem-aventuranças (Jesus nem sequer sonhou em dizer: “a disciplina, eu a vivo à minha maneira!”).



6. As exigências da Profissão religiosa



A Profissão é, para nós, outro grande polo de referência em vista da valorização da disciplina religiosa: “as Constituições obrigam todos os sócios em virtude dos compromissos livremente assumidos perante a Igreja com a profissão religiosa”.20

Sobre isto já acenamos acima e falamos em duas circulares: uma de 1986 em preparação às celebrações do primeiro centenário da morte de Dom Bosco,21 e outra de 1987 apresentando o “Comentário” às Constituições.22

Em relação à Profissão podem-se considerar dois aspectos particularmente significativos: o da consagração como “pacto de Aliança” e o de uma determinada práxis de vida que representa a nossa “Carta de identidade na Igreja”.



A especial consagração que tem lugar na Profissão religiosa une num pacto de mútua Aliança a iniciativa de Deus (que garante a assistência e a potência do Espírito Santo) e o dom feito de si mesmo a Ele por quem professa: é um pacto definido por uma missão específica, por uma determinada dimensão comunitária e por uma prática radical dos conselhos evangélicos.23

A Aliança comporta da parte de Deus, fidelidade indefectível ao seu gesto consagrante e, de nossa parte, o empenho por entregar todas as próprias forças24 seguindo o projeto de vida evangélica do Fundador (o “patriarca” da nossa Aliança).

Trata-se de um pacto totalmente livre, onde os empenhos assumidos não são de per si obrigatórios para todos os fiéis, mas que se tornam tais para os consagrados precisamente em força do pacto da Profissão. Esta exige lealdade por ser expressão concreta de uma amizade desejada como indissolúvel. O religioso faz crescer a sua Aliança exercitando quotidianamente a própria “liberdade consagrada”; a consagração, com efeito, adestra e intensifica a liberdade por meio de uma peculiar disciplina evangélica. Sobre a relação entre liberdade e disciplina, porém, diremos alguma coisa mais adiante; aqui é suficiente sublinhar que a Profissão religiosa como pacto de amizade recíproca comporta de nossa parte uma verdadeira “fidelidade ao compromisso assumido” como “resposta sempre renovada à Aliança especial que o Senhor fez conosco”.25

Dessa forma, o descuido pela disciplina religiosa torna-se, de fato, um atentado contra a Profissão e uma deslealdade à amizade que iniciamos publicamente com o Senhor.



A “Carta de identidade” entregue a quem faz a Profissão, costuma ser chamada de “Regra de vida”: ela define quer as “riquezas espirituais” do carisma do nosso Fundador na Igreja, quer todo “o projeto apostólico da nossa Sociedade”,26 com disposições concretas a respeito das modalidades de convivência, das normativas comunitárias, das formações, da corresponsabilidade no exercício dos vários papéis.

A mesma fórmula com que se emite a Profissão declara explicitamente um empenho concreto: “segundo a via evangélica traçada nas Constituições Salesianas”.27 Constituições estas que representam “o nosso código fundamental” completado pelos “Regulamentos Gerais”, pelas “deliberações do Capítulo Geral”, pelos “Diretórios gerais e inspetoriais” e por outras “decisões das autoridades competentes”.28

A Regra propõe assim uma concreta disciplina religiosa que guia efetivamente “a vida e a ação das comunidades e dos irmãos”29 numa prática vivida que é “muito mais que uma simples observância (legal): exige uma fidelidade sustentada pelo testemunho pessoal, pela comunhão de vida em casa, pela inventiva pastoral que responda aos desafios dos tempos, pela consciência de Igreja local e universal, pela predileção da atual juventude carente, por um incansável espírito de sacrifício em cada dia do ano”.30

Por que fazemos da Regra a nossa “Carta de identidade na Igreja”? Porque ela é a descrição autorizada, aprovada pela Sé Apostólica e professada pelos irmãos, da específica tipologia do carisma salesiano de Dom Bosco.

Sabemos que a Igreja é, no mundo, o “sacramento” universal de salvação, ou seja, um sinal visível que comunica o seu mistério com determinadas e perceptíveis modalidades existenciais. São inumeráveis no Povo de Deus as modalidades através das quais é significada a missão eclesial de salvação, num exercício multiforme da única santidade; aos Religiosos, em particular, cabe testemunhar que o mundo não pode ser salvo sem o espírito das bem-aventuranças.

Ora, são vários os carismas de vida religiosa, cada qual com sua própria práxis peculiares de vida, com que manifesta aos outros a identidade da própria vocação e missão. A prática das orientações e disposições da Regra de vida entra assim, globalmente, no âmbito daquela característica “sacramental” com que a Igreja apresenta ao mundo o mistério de Cristo “enquanto Ele contempla no monte, ou anuncia o Reino de Deus às multidões, ou cura os doentes e os feridos e converte para uma vida melhor os pecadores, ou abençoa as crianças e faz o bem a todos, sempre obediente à vontade do Pai que o enviou”.31

Com a prática da Regra de vida nós apresentamos visivelmente ao mundo um aspecto bem definido da natureza sacramental da Igreja, como “sinal” universal de salvação.

Evidentemente na Regra de vida, segundo a complexidade indicada no art. 191 de nossas Constituições, dão-se diferentes níveis de referência à disciplina religiosa, a ponto de ser possível, em circunstâncias especiais, a dispensa temporária, “de artigos disciplinares”32 por parte dos superiores maiores. O adjetivo “disciplinares” é tomado aqui em estrito sentido jurídico para indicar alguma norma concreta e uma disposição regulamentar que não atinge necessariamente o próprio projeto de nossa Carta de identidade.33

Estas exceções eventuais não diminuem, todavia, a importância global da disciplina religiosa, ou melhor, confirmam sua validade e seu profundo significado teológico e eclesial. No-lo recordam com clareza e com convicção transmitida em família de geração em geração, as palavras iniciais do texto constitucional: “O livro da Regra é para nós salesianos o testamento vivo de Dom Bosco. Ele nos diz: “Se me amastes no passado, continuai a amar-me no futuro mediante a observância exata das nossas Constituições”.34

Estar com Dom Bosco” significa fazer da Profissão a fonte de nossa santidade: “Os irmãos que viveram ou vivem em plenitude o projeto evangélico das Constituições são para nós estímulo e ajuda no caminho da santificação. O testemunho desta santidade... é o dom mais precioso que podemos oferecer aos jovens”.35

A disciplina religiosa é, desta forma, para nós, parte caracterizante daquela indispensável ascese cristã própria do “discípulo” que quer, como Dom Bosco, participar vitalmente do mistério do seu Mestre.





7. Formar para a liberdade consagrada



A nossa liberdade de discípulos é “consagrada”, ou seja, purificada, robustecida pelo Espírito Santo e elevada à maior autenticidade humana. Talvez seja útil refletir brevemente sobre as relações da liberdade com a disciplina porque, à primeira vista, podem parecer a alguns como que dois polos em contraste; alguém poderia dizer: quanto mais liberdade, tanto menos disciplina; e quanto mais disciplina, tanto menos liberdade.

Muitos consideram “livre” aquele que tem o poder de decidir sempre de modo autônomo segundo a própria vontade e os próprios gostos, quem pode escolher e mudar quando lhe convenha, quem é dono das próprias decisões sem depender de outros. Esta é, evidentemente, uma caricatura, que não respeita a realidade das coisas, embora apresente aspectos verdadeiros.

A liberdade certamente é um valor fundamental do homem; merece uma atenção privilegiada porque o constitui em seu ser mais profundo. A pessoa aperfeiçoa a si mesma por meio de iniciativas da liberdade, mas com uma consciência reta iluminada pela “verdade” objetiva e um agir verdadeiramente livre, não escravo de paixões, ideologias, injustiças, condicionamentos ou enfermidades ou carências no próprio desenvolvimento.

“A liberdade – afirma o Santo Padre na Carta às famílias – não pode ser entendida como faculdade de fazer o que quer que seja: ela significa dom de si. Mais: significa disciplina interior do dom. No conceito de dom, não está inscrita apenas a livre iniciativa do sujeito, mas também a dimensão do dever. Tudo isto se realiza na ‘comunhão das pessoas’. ... O individualismo supõe um uso da liberdade onde o sujeito faz o que quer, ‘estabelecendo’ ele mesmo ‘a verdade’ daquilo que lhe agrada ou se lhe torna útil. Não admite que outros ‘queiram’ ou exijam algo dele, em nome de uma verdade objetiva. Não quer ‘dar’ a um outro em base à verdade, não quer tornar-se um dom ‘sincero’. O individualismo permanece, por conseguinte, egocêntrico e egoísta”.36

De fato, a liberdade humana tem inúmeros limites quer pela natureza, quer pela dimensão dramática de sua própria existência. De qualquer modo surge sempre “prisioneira de si mesma” e o seu desenvolvimento em plenitude exige todo um esforço de libertação.

O pecado, de um lado, constitui uma verdadeira tragédia para a liberdade; e de outro, querer atingir uma meta e realizar uma missão exige que se garanta à liberdade determinados comportamentos, mesmo além de certas inclinações naturais. Existe, pois, uma “liberdade de” algo que seja de freio e opressão por parte do pecado, e uma “liberdade para” atingir uma meta, ambas exigindo todo um processo de libertação e de reforço a ser obtido com empenho.

Entra assim em relação com a liberdade um tipo de disciplina que ajuda a realizar um processo concreto de libertação “de” e de libertação “para”.

A antinomia entre liberdade e disciplina é superada por meio da mediação da consciência, que interioriza a conveniência e a necessidade da disciplina para depois atuá-la na liberdade, como vontade própria e não como imposição externa. É preciso por isso formar adequadamente a consciência a respeito do significado e das contribuições da disciplina; urge cultivar uma formação concreta para a ascese, ligada existencialmente ao mistério eucarístico e à consagração na Profissão religiosa. Se repensarmos a nossa disciplina a partir da ótica da Eucaristia e da Profissão percebemos logo sua racionalidade, necessidade e originalidade.

Existe hoje um perigo de superficialidade na formação da consciência, o de não dar importância à ascese. Não se trata de ligar-se por razões de ascese a uma mentalidade ou a práticas de outros tempos; nem se pretende formar uma espécie de servilismo próximo à hipocrisia. Trata-se, ao contrário, de tornar concretamente praticável o dom total de si no amor consagrado.

Certamente a disciplina sem liberdade é inaceitável, mas a liberdade sem disciplina é arbitrária e desviante. Somente a consciência é capaz de promover uma disciplina sustentada pela liberdade, de forma a não existir imobilismo conformista ou uma espécie de farisaísmo legal. É preciso construir um equilíbrio harmônico entre liberdade e disciplina (não, portanto, liberdade ou disciplina) para superar vitalmente a insinuação de uma contraposição irredutível entre as duas.

Escreve um autor: “Jesus põe-se diante de Deus como ser obediente e livre. Enquanto filho obediente, realiza a vontade do Pai, seguindo cegamente a lei que lhe é imposta; enquanto ser livre adere àquela vontade por convicção íntima, em plena consciência e com ânimo alegre; ele, por assim dizer, a recria em si mesmo. A obediência sem liberdade é escravidão, a liberdade sem obediência é arbítrio. A obediência caminha cegamente, a liberdade abre os olhos. A obediência age sem fazer perguntas, a liberdade quer saber o significado do que se faz”.37

O “discípulo” olha para Cristo (“via, verdade e vida!”) como para modelo de perfeita harmonia entre obediência e liberdade, concentra a formação da própria consciência neste aspecto que está na raiz de toda ascese cristã e, enquanto salesiano, esforça-se quotidianamente por recompor a contradição aparente entre disciplina e liberdade para viver na fidelidade o projeto evangélico de sua Profissão religiosa.

A luta pessoal contra o mal, contra as paixões e inclinações, contra a invasora mentalidade mundana (= liberdade “de”) e, de outro lado, as exigências da comunhão com os irmãos em vista da projetação para realizar concretamente a missão salesiana (= liberdade “para”), têm necessidade de uma constante ascese e de uma adequada disciplina – uma espécie de adestramento quotidiano – levadas adiante com coragem e com semblante alegre para evitar, de um lado, as infidelidades, os individualismos, as superficialidades do permissivismo etc., e, de outro, para promover ao mesmo tempo a peculiar Aliança com Deus e a comum missão na Igreja.

Deste modo a formação de uma consciência de “discípulo” enriquecerá o irmão com luzes e estímulos que iluminem e guiem a liberdade em sua condição de “consagrado”, fazendo suas as exigências ascéticas de uma disciplina assumida e praticada por convicção e vontade pessoal na harmonia da vida comunitária.



8. A autoridade é um serviço de animação e governo



O modo evangélico com que falamos da disciplina religiosa supõe e exige comunhão recíproca entre os irmãos, fruto da renovação quer do exercício da autoridade quer da corresponsabilidade na prática da obediência. Não se obtém a assimilação das linhas pós-conciliares de renovação simplesmente com ordens do alto, mas com uma inteligente e constante obra de animação que ajude a formar convicções renovadas. A estrada mestra da educação de verdadeiros “discípulos” está, hoje, na relação entre animação e formação permanente. Mais do que falar de “superior” e “súditos”, é preciso insistir sobre a corresponsabilidade de irmãos em recíproca comunhão e com funções complementares: “a vocação comum importa a participação responsável e efetiva de todos os membros na vida e na ação da comunidade”.38

O que não exclui nem a ação de governo nem a atitude de obediência, mas transforma-lhe profundamente o exercício num modo mais compartilhado e ativo. É evidente que se deve formar cada uma das pessoas para o próprio papel concreto em harmonia com o papel dos demais, em particular no que diz respeito ao superior.

É problemático notar, às vezes, certo distanciamento motivado por prevenções em relação a quem é portador do serviço de autoridade. Para desenvolver este papel não se procura o “chefe do time”, mas o pastor que é irmão, amigo e pai.

Percebe-se, infelizmente, cá e lá, em alguns, certa desorientação quanto ao exercício do papel da autoridade: uma resistência em assumir encargos ou também, em prescindir das exigências da responsabilidade pelo que se renuncia a “promover a caridade, a coordenar o empenho de todos, a animar, orientar, decidir, corrigir”.39 E, às vezes, também o descuido no funcionamento adequado de organismos de participação e corresponsabilidade (conselhos, assembleias etc.), ou o desconhecimento da facilidade com que algum irmão tende a libertar-se de obrigações explicitamente indicadas (consultas, processo a ser seguido para as nomeações etc.).

A falta do reto exercício da autoridade influi, de certo, negativamente sobre a disciplina religiosa. Um superior que interpretasse o seu papel com uma mentalidade de “complexado”, com uma visão superficial de democratismo, reduziria a comunidade religiosa a uma convivência desorganizada, fazendo-a perder a justa direção na programação pastoral e a vitalidade orgânica na comunhão; não influiria para que se evitassem os individualismos.

Deve interessar a cada um dos membros o papel do outro e, em particular, deve interessar-lhe a função coordenadora de quem exerce o serviço da autoridade. Trata-se de uma recíproca indispensável ajuda a ser incrementada num clima de sincera fraternidade. O esforço por parte de todos para cultivar tal coordenação tornou-se uma prioridade daquela metodologia espiritual que faz das comunidades um núcleo de amigos-irmãos harmonicamente dedicados a uma mesma missão.

Fazer comunidade não é apenas estar juntos, mas também apreciar e tornar complementares os papéis de uns e de outros, dando um lugar privilegiado ao exercício da autoridade.



9. Temas para um exame de consciência



O argumento da disciplina religiosa não é abstrato e vago. Ele se refere a aspectos muito concretos, precisados pela tradição salesiana e pela nossa Regra de vida. Vale a pena, pois, de vez em quando, fazer um exame de consciência pessoal e um escrutínio comunitário.

Indicarei, aqui, alguns temas geradores de um exame de consciência sobre o que se refere à nossa disciplina religiosa. São eles: a. a vigilância ascética da pessoa; b. a prática dos conselhos evangélicos; c. as exigências da vida comum; d. a corresponsabilidade; e. o projeto educativo pastoral.



a. A vigilância ascética da pessoa.



A nossa vida espiritual tem sempre dois aspectos complementares, que não se identificam, mas jamais se separam; acompanham-se constantemente no espaço de toda a existência. São eles, o aspecto místico e o aspecto ascético. O primeiro é participação viva no alegre mistério do amor de Deus e de Cristo ressuscitado; o segundo evidencia o esforço redentor de colaboração com Cristo na luta contra o pecado; e é indispensável para fazer com que o primeiro possa ser realizado em nossa condição humana.

Preocupar-se em garantir a consistência deste segundo aspecto, que implica o empenho da própria vontade, não constitui realmente uma espécie de concessão ao pelagianismo, mas é um prolongamento em nós das concretas exigências históricas da encarnação redentora vivida por Cristo.

Na vida consagrada sempre se deu especial importância à práxis ascética, sobretudo entre os monges (o “mosteiro” chamava-se também “ascetério”). Existem, certamente, vários tipos de ascese, não só segundo os diferentes carismas, mas também em consideração da concepção antropológica dos tempos e culturas diversos.

Nós salesianos temos um carisma especial de vida apostólica, e o vivemos num momento em que, segundo as ciências antropológicas, pode-se falar de uma nova tipologia cultural. A ascese da nossa espiritualidade tem, por isso, uma mentalidade específica que deve ser hoje cuidada e intensificada; e isto a partir da pessoa de cada um; de suas convicções, de suas reflexões sobre o espírito salesiano, de seu confronto sincero com a Regra de vida.

Dom Bosco “modelo”40 lança raios de luz a respeito.

No famoso sonho do Personagem dos 10 diamantes41 ele acena à nossa “mística” nos diamantes colocados sobre o peito, centrados no “da mihi animas”, ou seja, sobre a caridade pastoral acompanhada da forte vitalidade das outras duas virtudes teologais; e se detém atentamente em nossa “ascese” nos diamantes das costas e, sobretudo, nos dois diamantes colocados sobre os ombros, que sustentam todo o manto. Estes dois diamantes são como que o fecho entre os aspectos místico e ascético, traduzindo-os ao mesmo tempo na vida quotidiana como “trabalho e temperança”.

Não é o momento, aqui, de desenvolver seus ricos conteúdos, mas, sim, de indicar sua importância espiritual: trata-se de um tema verdadeiramente fecundo para nós. O artigo 18 das Constituições oferece uma síntese na qual conduzir o relativo exame de consciência. Vê-se logo que se trata, aqui, de uma disciplina “espiritual”, não medida simplesmente pela observância de uma determinada norma; não se trata com efeito de um artigo simplesmente “disciplinar” – como dizíamos acima – do qual se possa ser dispensado ainda que só por exceção, mas de uma dimensão da santidade salesiana.

O escrutínio a fazer refere-se, pois, antes de tudo a uma atitude evangélica de fundo, em que se poderão inserir também normas concretas, ainda que pequenas, mas que constituem a dimensão concreta do quotidiano.



b. A prática dos conselhos evangélicos.



Um importante tema gerador de especial vigilância ascética é o da prática dos três conselhos evangélicos emitidos como votos na Profissão religiosa: a obediência, a pobreza, a castidade. Eles exprimem a radicalidade com que desejamos ser “discípulos” do Senhor.

A grande disciplina religiosa concretiza-se aqui em atitudes permanentes, bem determinadas na regra de vida: “Seguimos Jesus Cristo e participamos mais estreitamente do seu aniquilamento e da sua vida no Espírito”.42



A OBEDIÊNCIA. No sonho do Personagem dos 10 diamantes Dom Bosco coloca a obediência no centro do quadrilátero das costas; para nós religiosos de vida apostólica, com um carisma totalmente caracterizado pela missão, a obediência tem uma prioridade que orienta toda a vida consagrada. Vale a pena que nos examinemos atentamente considerando os artigos da Regra que tratam deste voto; com ele revivemos – “com espírito livre e responsável” – “a obediência de Cristo, cumprindo a missão que nos é confiada”;43 colocando nossas qualidades e nossos dons “a serviço da missão comum”;44 “em vez de fazer obras de penitência, diz-nos Dom Bosco, fazei as da obediência”;45 e nesta ótica cultivamos o colóquio fraterno com o superior46 para confrontar existencialmente a nossa fidelidade à Profissão e a maneira de realizar a missão comum.

E o superior, num clima de família,47 estará “no centro da comunidade, irmão entre irmãos, que lhe reconhecem a responsabilidade e autoridade”.48

No atual contexto cultural que circunda a vontade humana e a sua liberdade com um clima de autorrealização, de autogestão, de protagonismo individual, o discípulo de Cristo obediente deverá convencer-se de que deve aperfeiçoar a sua liberdade como consagrado; deve-o fazer “pessoalmente”, e jamais “individualisticamente”.

De aqui a importância de uma obediência profundamente convicta, que empenhe as “forças de inteligência e vontade, os dons de natureza e graça”.49



A POBREZA do salesiano, como “discípulo” de Cristo, tem um realismo próprio muito prático e também uma modalidade original de realização. Refletimos sobre ela numa recente circular50 aprofundando o projeto evangélico de nossa Regra de vida. Indicamos também sugestões para um “scrutinium paupertatis” (precisado com um apelo do Ecônomo geral numa intervenção muito prática); graças a Deus, não poucas comunidades já realizaram exames frutuosos a respeito.

Há aqui toda uma grande disciplina religiosa - acompanhada de normativas até mesmo detalhadas - que garante a radicalidade da sequela do Senhor.

Uma pobreza rica de iniciativa e de desapego do coração, que se serve dos bens de forma generosa segundo a própria missão a serviço dos pobres. “Lembrai-vos bem - diz-nos Dom Bosco - que tudo o que temos não é nosso, mas dos pobres; ai de nós se não fizermos bom uso disso”.51

Não esqueçamos o que nosso Pai deixou escrito em seu Testamento espiritual: “Quando começarem entre nós comodidades ou fartura, nossa pia sociedade terá terminado sua carreira”.52



A CASTIDADE entre nós é “a virtude que se deve cultivar de modo todo particular” (Dom Bosco). “A nossa tradição considerou sempre a castidade como virtude irradiante, portadora de mensagem especial para a educação da juventude”.53

Ela comporta uma disciplina pessoal e comunitária não indiferente. A prática da castidade atinge, de fato, “inclinações das mais profundas da natureza humana”;54 ela “liberta e potencia a nossa capacidade de fazer-nos tudo para todos. Desenvolve em nós o sentido cristão das relações pessoais, favorece amizades verdadeiras e contribui para fazer da comunidade uma família”.55

Sabemos que os votos que professamos constituem três aspectos complementares de uma única atitude de fundo: o dom total de si ao Senhor em vista da missão. Pode-se, de fato, experimentar mais concretamente a realidade e a totalidade deste dom na sinceridade e na alegria com que vivemos o nosso celibato pelo Reino: “os conselhos evangélicos, favorecendo a purificação do coração e a liberdade espiritual, tornam solícita e fecunda nossa caridade pastoral”.56 Tanto mais se pensarmos que uma atitude conatural ao Sistema Preventivo é a de “fazer-nos amar” como sinais e portadores do amor do Senhor aos nossos destinatários. Um cuidadoso e contínuo exame de consciência sobre isto garante a radicalidade não só da castidade, mas também da pobreza e da obediência.

A disciplina da guarda do coração é um aspecto ascético fundamental que defende e promove a Aliança da consagração; é um aspecto religioso indispensável a ser cuidado quotidianamente porque “a castidade não é conquista feita de uma só vez por todas. Tem momentos de paz e momentos de prova”.57

De aqui a necessidade de cultivar determinadas atitudes e recorrer a meios práticos e apropriados numa sociedade hedonista, caracterizada pela pseudolibertação do sexo. É preciso a máxima sinceridade consigo mesmo sobre os afetos e também a coragem de cortar desde o início certas compensações desviantes.

As Constituições oferecem-nos um quadro sobre o que nos examinar:

- viver no trabalho e na temperança;

- praticar a mortificação e a guarda dos sentidos;

- servir-se discreta e prudentemente dos instrumentos de comunicação social;

- não descuidar dos meios naturais que servem à saúde física e mental;

- intensificar a união com Deus na oração;

- alimentar o amor por Cristo na mesa da Palavra e da Eucaristia;

- frequentar sinceramente o sacramento da Reconciliação;

- abrir-se a um guia espiritual;

- refazer-se constantemente no exemplo de Dom Bosco;

- recorrer com filial confiança a Maria Imaculada e Auxiliadora.58



c. As exigências da vida comum.



A opção comunitária é elemento essencial de nossa consagração religiosa. A comunidade não é uma realidade acabada, mas uma tarefa a ser realizada todos os dias. Justamente o recente documento vaticano dedica um capítulo à “comunidade religiosa lugar onde nos tornamos irmãos”. Nossa comunidade salesiana tem uma originalidade e um estilo próprios, que é preciso saber conservar e incrementar. A Regra de vida oferece-nos vários elementos importantes em vista de seu ordenamento específico.

Com o CG23 indicou-se também o “dia da comunidade”, que, periodicamente, pode facilitar um cuidadoso exame de consciência sobre este ponto vital.

Os vínculos para viver e trabalhar juntos em comunhão de irmãos são “a caridade fraterna, a missão apostólica e a prática dos conselhos evangélicos”,59 ou seja, as mesmas componentes de nossa consagração60 a serem assumidas e cuidadas “pessoalmente” – como já dissemos – sem “individualismos”.

Nossa comunidade apostólica “se caracteriza pelo espírito de família que anima todos os momentos de sua vida: trabalho e oração, refeições e tempos de lazer, encontros e reuniões. Em clima de fraterna amizade comunicamo-nos alegrias e dores, e partilhamos corresponsavelmente experiências e projetos apostólicos”.61

Deve-se rever e garantir, de maneira particular, a dimensão comunitária da oração, tão fundamental e vital para a construção de uma comunidade cujos vínculos não procedem nem da carne nem do sangue.

Para construir a comunidade é preciso sem mais uma metodologia que treine para a bondade, o perdão, a amizade em casa, às virtudes sociais da convivência, à comunicação, à prática dos conselhos evangélicos em relação à mesma comunidade; e que meça sua fraternidade também no crescimento de comunhão com a Igreja local, com a Família Salesiana e, em particular, com os fiéis leigos que nos são mais próximos.



d. A corresponsabilidade.



A dimensão comunitária de nossa disciplina religiosa deve saber incrementar quotidianamente a corresponsabilidade. O sujeito primeiro da missão salesiana é a comunidade inspetorial e local;62 deve-se, por isso, refletir juntos e rever juntos a atividade e a eficácia de nossa presença no território.

Dever-se-á fazer, pois, um exame de consciência a respeito do exercício da autoridade e do projeto apostólico da comunidade. Cada irmão deve sentir-se “membro” com funções complementares à dos demais, em verdadeira sintonia com o superior, que é um membro que trabalha “corresponsavelmente para a missão apostólica”.63

A corresponsabilidade se traduz em participação ativa e séria nos vários níveis em que se estende a dimensão comunitária: a vida e a atividade da casa, a participação a determinados empenhos e iniciativas inspetoriais e também a colaboração sincera em atividades especiais do Reitor-Mor com o seu Conselho (como, por exemplo, a consulta para a escolha dos responsáveis de governo, Const. 123).

Será conveniente examinar nível por nível para promover e purificar a disciplina da corresponsabilidade.



e. O projeto educativo-pastoral.



À primeira vista poderia parecer que a consideração de um projeto operativo não entre no âmbito do exame de consciência sobre a nossa disciplina religiosa. Entretanto, diz-lhe respeito, quer porque a nossa vontade de renovação se concentra em grande parte no projeto, quer porque a disciplina mesma como atitude espiritual não se refere somente à pratica de normas, mas também ao despertar da criatividade, do espírito de iniciativa e da corresponsabilidade em determinados espaços de nossa missão.

Como vimos, somos chamados a educar e a evangelizar comunitariamente; o CG23 recordou-nos de forma muito concreta os empenhos operativos da comunidade,64 que deve apresentar-se como um “sinal de fé”, uma “escola de fé” e um “centro de comunhão e participação”, o que exige sem mais dos irmãos, não poucas atitudes de disciplina espiritual, concretizadas em programas adequados de formação permanente.

D’outra parte colocar em prática o art. 31 das Constituições a fim de colaborar na Igreja em vista da nova Evangelização é deixar-se guiar pelas indicações normativas do segundo capítulo dos Regulamentos gerais: os artigos de 4 a 10, que oferecem um exigente panorama de revisão. Como fazer, então, com que a comunidade seja, de verdade, “núcleo animador”65 da mais vasta comunidade educativo-pastoral?

A mesma elaboração do “projeto” exige presença e “corresponsabilidade”, que se prolonga depois num sincero e constante empenho de realização e de revisão. Com efeito, ativar o projeto exige disciplina de colaboração; ou seja, que cada um realize com dedicação e competência a própria parte, dela prestando contas a quem se deve; que não assuma de forma independente da comunidade (do superior) empenhos que o afastem ou limitem na realização do projeto.

Deste modo, preparar-se para realizar um escrutínio atualizado sobre a nossa disciplina religiosa leva-nos até o centro vivo da renovação pós-conciliar onde, com o aprofundamento da índole própria do nosso carisma, abrem-se horizontes mais vastos por tantos termos e conceitos usados de hábito em forma redutiva, como “consagração”, “missão”, “comunidade”, “votos”, “fraternidade”, “autoridade”, “formação” etc. Entre estes termos há também o conceito de “disciplina”, elevado ao nível espiritual de agir como “discípulo” convicto e fiel, empenhado em viver e incrementar o carisma do Fundador.

Qual seria hoje, então, o perigo de “indisciplina” para um irmão, para uma comunidade, para uma Inspetoria, para a Congregação?

Além da não-observância de normas precisas da Regra de vida, por exemplo, a respeito da prática dos conselhos evangélicos, dever-se-ia sublinhar a preguiça ou o descuido em assumir as novas órbitas conciliares nas quais nos lançaram os últimos Capítulos gerais. As racionalizações para desculpar-se da lentidão em seguir as linhas concretas desta renovação escondem uma carência da atitude de “discípulo” porque se tornou distraído por outras curiosidades, ou estático nos hábitos, ou enfraquecido na comunhão mundial do próprio carisma.

Quem assimila as grandes linhas renovadoras, já verificadas e aprovadas pela renovada Regra de vida, testemunha convicções pessoais e comunitárias que se traduzem em disciplina operativa.



10. José e Maria



Concluamos estas reflexões sobre o valor da disciplina religiosa recordando o exemplo de José (em cuja festa concluí a circular) e de Maria, e também o testemunho dos Apóstolos.

Jesus sem dúvida mudou radicalmente a observância da Lei segundo os fariseus; não a suprimiu, porém; levou-a a pleno cumprimento: “Eu não vim revogar, mas levá-la à perfeição. Portanto, quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os homens a fazer o mesmo, será tido como o menor no Reino de Deus, mas aquele que o cumprir e ensinar, este será tido como grande no Reino de Deus. Porque eu vos digo: se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino de Deus”.66

Não, portanto, à não-observância; mas não também a uma observância com falsa mentalidade legalista. Jesus condena severamente esta última nos fariseus e nos mestres da lei: “Ai de vós, hipócritas! Pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho, mas desobedeceis aos pontos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade”.67

Podemos admirar o verdadeiro significado da observância da Lei em José e Maria, que se dirigem ao templo para a purificação e a apresentação do primogênito.68 A razão imediata deste gesto dada pelo hagiógrafo é a prescrição da Lei. Isto, porém, transforma-se, na prática, numa mediação providencial que faz entrever a realidade insondável da Nova Aliança. A observância da Lei resulta a serviço de valores superiores que fazem com que José e Maria descubram um panorama de graça: o mistério do templo e o início de uma nova liturgia; a alegria profética de Simeão e de Ana, agradecidos a Deus pela fidelidade à Promessa, que se tornam anunciadores de sua realização numa nova Aliança; a misteriosa perspectiva sacrifical no futuro da vida de Jesus, inserida na oferta deste primogênito (o primogênito era considerado memorial da libertação da escravidão) que levará a cumprimento a história da salvação, ulterior especial manifestação do alto para dar um sentido especialíssimo à existência de Maria e de José, escolhidos para cuidar com solícito afeto d’Aquele que será a luz dos povos e a meta ardentemente desejada de toda a sofrida aventura humana.

A leitura meditada deste acontecimento de observância à lei pode servir para iluminar as novas perspectivas de toda a disciplina cristã. Recordávamos acima a singular maravilha de alguns observadores contemporâneos de Jesus que, ao verem os discípulos de João e os dos fariseus jejuarem enquanto os de Jesus não o faziam, lhe perguntarem o porquê. E a resposta acenou à presença do Esposo;69 era o momento da passagem da antiga à nova Aliança, e “não se coloca vinho novo em odres velhos”.70

Existe na nova Aliança um outro tipo de obediência a Deus e de exercício ascético muito mais comprometedor e radical. Jesus mesmo o ensinou e viveu até o derramamento de seu sangue.

Tudo se projeta numa órbita sacrifical durante a apresentação do menino Jesus ao templo: a oblação de si a Deus em atitude filial. O que comporta necessariamente uma atitude permanente de ascese contra todo egoísmo, que ultrapassa as normas legais, mas as inclui e santifica, envolvendo também as disposições disciplinares próprias de um genuíno projeto de discipulado. A órbita sacrifical da vida cristã faz com que cada um tome a sua cruz para, de verdade, seguir a Jesus.

Os apóstolos entenderam com perfeição o sentido concreto de ser discípulos e levaram o próprio testemunho até ao martírio.

São Paulo aprofundou a necessidade desta atitude ascética em vista também da presença do velho Adão em cada um: desejaríamos o bem, mas depois não o realizamos; contudo “estamos empenhados em não seguir a voz do nosso egoísmo, mas a do Espírito”.71

O Apóstolo exorta por isso os fiéis a se empenharem como atletas que correm no estádio; para vencer é preciso adestrar-se: “sabeis que todo atleta se priva de tudo durante seu adestramento, para ter como prêmio uma coroa que se acaba; e nós para ter uma coroa que dura para sempre. Por isso, eu corro no rumo certo e luto sem dar golpes no ar. Mas castigo o meu corpo e o domino para que não venha a ser reprovado depois de ter pregado aos outros”.72

Esta atitude foi sempre viva na vida da Igreja. Particularmente na multissecular experiência da Vida religiosa a práxis ascética, confirmada expressamente por uma Regra de vida adaptada a cada um dos carismas, é um aspecto constitutivo da sequela de Cristo. A validade e a importância da observância não é calculada com a medida do pecado, mas com a medida da coerência do discípulo que ama. As Constituições renovadas não terminam mais, como antigamente, com um artigo dedicado a declarar, com preocupação legal discutível, que “as presentes regras não obrigam, por si mesmas, sob pena de pecado”, mas sublinham a concreta “Aliança” da profissão e as suas exigências de fidelidade. A Aliança implica, da parte de Deus, o dom da graça da consagração; ela dá a força que torna possível a prática integral da Regra de vida. E, da parte do consagrado, comporta a oferta total de si, não simplesmente com a emissão dos votos, mas com a assunção global de todo o projeto evangélico do Fundador. O texto da Regra agora termina assim: “meditamos (as Constituições) na fé e comprometemo-nos a praticá-las. São para nós, discípulos do Senhor, um caminho que nos leva ao Amor”.73

Trata-se de um caminho experimentado e aprovado por tantos irmãos santos e autenticada pela específica autoridade da Sé Apostólica.

Que o Espírito do Senhor nos ajude a entender toda a renovação trazida pelo Concílio Vaticano II a respeito da Vida religiosa hoje; ela será certamente aprofundada e relançada pelo próximo Sínodo ordinário de outubro.

O convite feito com esta circular para refletir sobre a disciplina religiosa leve-nos a maior seriedade de empenho, a mais consciente corresponsabilidade e a mais alegre comunhão de vida.

A Auxiliadora, com sua diligência materna, obtenha para nós a intensificação da especial Aliança que temos com o Senhor, tornando-nos mais coerentes e generosos também na prática da ascese salesiana.

Uma cordial saudação a todos em união de orações.

Cordialmente em Dom Bosco,

Pe. Egídio Viganò

Reitor-Mor

1 A vida fraterna em comunidade, Congregação para os Institutos de Vida consagrada e as Sociedades de Vida apostólica, 23.

2 Cf. 1Cor 16,13.

3 Lc 12,35.

4 Const. 126.

5 VALENTINO BOSCO, Per una vita consacrata in difficoltà: strategia di governo, LDC Turim 1992, p. 104.

6 O Projeto de vida dos Salesianos de Dom Bosco, Roma 1986, p. 29. [Edição em português pela EDEBE de Brasília, 2016]

7 Cf. ACG 293, 1979, circular sobre a Disciplina religiosa.

8 Lc 14,27.

9 Mt 5,19.

10 1Pd 1,13.

11 1Jo 2,3.

12 1Cor 16,13.

13 O Projeto de vida dos Salesianos..., o.c., p. 26.

14 PC 1.

15 ET 34.

16 ET 36.

17 Mc 2,18.

18 Mc 2,20.

19 Mt 26,39.

20 Const. 193.

21 Cf. ACG 319.

22 Cf. ACG 320.

23 Cf. Const. 3.

24 Cf. Const. 24.

25 Const. 195.

26 Const. 192.

27 Const. 24.

28 Const. 191.

29 Ib.

30 O Projeto de vida dos Salesianos..., o.c., p. 29.

31 LG 46.

32 Const. 193.

33 Vale a pena ler o comentário ao art. 193: O Projeto de vida dos Salesianos..., o.c., p. 936-939.

34 Const. Proêmio.

35 Const. 25.

36 JOÃO PAULO II, Carta às famílias, 14.

37 D. BONHOEFFER, Etica, Bompiani Milão 1969, p. 211-212.

38 Const. 123.

39 Const. 121.

40 Cf. Const. 21.

41 Cf. ACS 300.

42 Const. 60.

43 Const. 64.

44 Const. 69.

45 Const. 71.

46 Cf. Const. 70.

47 Cf. Const. 16.

48 Const. 55.

49 Const. 67.

50 Cf. ACG 345.

51 Const. 79.

52 Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales, Ed. Salesiana, São Paulo 1984, p. 294.

53 Const. 81.

54 Const. 82.

55 Const. 83.

56 Const. 61.

57 Const. 84.

58 Cf. ib.

59 Const. 50.

60 Cf. Const. 3.

61 Const. 51.

62 Cf. Const. 44.

63 Const. 175.

64 CG23 215ss.

65 Reg. 5.

66 Mt 5,17; 19-20.

67 Mt 23,23.

68 Cf. Lc 2,22-24.

69 Cf. Mc 2,18ss.

70 Mt 9,17.

71 Rm 8,12.

72 1Cor 9,25-27.

73 Const. 196.

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