Egídio Viganò
o capítulo geral XX
Atos do Conselho Superior
Ano LXIII – JULHO-SETEMBRO, 1982
N. 305
Introdução. – Convocação. – Um evento que interpela a nossa maturidade espiritual. – Várias etapas de um longo processo de “accommodata renovatio”. – Empenho conclusivo de relançamento do próximo Capítulo Geral. – As Constituições, “pacto da nossa Aliança com Deus. – A aprovação das Constituições por parte da Santa Sé. — Os Capítulos Inspetoriais. – Concluindo.
Roma, 1º de maio de 1982
Queridos irmãos,
já se aproxima a data para a reunião do próximo Capítulo Geral. Trata-se, desta vez, de um prazo decisivo no caminho de quase vinte anos de reflexão e de renovação percorrido depois do Concílio Vaticano II pela Congregação.
Convido-vos, pois, a que vos empenheis seriamente na preparação do Capítulo Geral XXII.
As nossas Constituições sublinham o caráter espiritual e o valor histórico de todo Capítulo Geral (CG)1 e ao mesmo tempo determinam as normas fundamentais para a sua realização.
O artigo 155 das Constituições estabelece que o CG seja “convocado pelo Reitor-Mor”, e o artigo 99 dos Regulamentos fixa as condições da convocação: ao menos um ano antes da abertura, com carta circular, indicando “escopo, lugar e data da abertura”.
Esta minha carta circular vos leva justamente a comunicação oficial da convocação do próximo CG e oferece-vos algumas pistas para refletir sobre sua finalidade, alcance e peculiaridade, a fim de que toda a Congregação, “deixando-se guiar pelo Espírito do Senhor”, procure com solicitude conhecer, nesta hora importante da história, “a vontade do Pai celeste, para um melhor serviço à Igreja”.2
Convocação
O Capítulo Geral XXII (CG22) terá início no dia 9 de janeiro de 1984; realizar-se-á em Roma, na Casa Geral da Congregação, Via della Pisana, 1111. Começará com os Exercícios Espirituais dos Capitulares. Terá como tema único e principal finalidade: O estudo do texto renovado das Constituições e dos Regulamentos para sua aprovação conclusiva por parte da Santa Sé.
O Capítulo, seguindo quanto estabelecem as Constituições,3 elegerá também, de acordo com os prazos indicados, o Reitor-Mor e os membros do Conselho Superior para o sexênio seguinte.
Além disso estudará e aprofundará o “Relatório Geral sobre o estado da Congregação” apresentado pelo Reitor-Mor de acordo com o art. 106 dos Regulamentos.
Já vos comuniquei a designação do Regulador4 na pessoa do P. João Vecchi, Conselheiro. Geral para a Pastoral Juvenil. Para qualquer informação e apresentação de propostas ou contribuições de estudo, podemo-nos dirigir a ele.
Foi também oportunamente constituída a Comissão Técnica que, juntamente com o Regulador, estabeleceu o iter de preparação do Capítulo e estudou a maneira de promover “ativamente a sensibilização e participação dos sócios”.5 O conteúdo deste número dos Atos é fruto do trabalho da Comissão Técnica.
Será outrossim necessário acompanhar com particular atenção as ulteriores comunicações do Regulador e o que vier sendo apresentado nos próximos fascículos dos Atos do Conselho Superior.
Um evento que interpela a nossa maturidade espiritual
O CG não é primariamente uma determinação constitucional a ser observada. É, isso sim, um momento privilegiado de fidelidade à nossa vocação, e, portanto, um evento eclesial que nos coloca frente ao Povo de Deus enquanto Salesianos: “fiéis ao Evangelho e ao carisma do Fundador, sensíveis às necessidades dos tempos e lugares”.6
Como religiosos, sintamo-nos convocados pelo Espírito do Senhor para oferecer à juventude um empenho válido e atual de salvação na fidelidade à inspiração profética de Dom Bosco. O Vaticano II foi um desafio e uma interpelação a todos os Institutos religiosos para reprojetar, na fidelidade e com santa audácia, a peculiar missão salvífica do Fundador. A profecia que o mundo juvenil espera de nós Salesianos hoje é, em primeiro lugar, a novidade do coração inflamado pelo ardor daquela caridade pastoral que Dom Bosco definiu no seu “da mihi animas, caetera tolle”.
O CG será a medida do nível da nossa maturidade espiritual, da nossa genuinidade apostólica, da capacidade de reprojetar juntos a nossa peculiar santidade, em resposta às mudanças culturais e às novas exigências dos jovens.
Deverá ter uma profunda sintonia com o Espírito do Senhor e levar a Congregação a uma reflexão atenta sobre o momento da história, a solidariedade com as urgências do mundo e as necessidades dos pequenos e dos pobres, em crescimento homogêneo com a identidade do projeto inicial e dos seus valores originais, suscitados pelo Espírito e destinados a um desenvolvimento vital para lá das roupagens caducas.
Os aspectos espirituais que deverão caracterizar o evento capitular são o encontro fraterno dos Salesianos que virão das mais diversas experiências culturais e apostólicas, a clareza radical da sequela de Cristo, a predileção espiritual pela juventude, o sentido de unidade vocacional pela qual todos se sentem chamados a “ficar com Dom Bosco”, a reflexão séria, espiritualmente livre e convergente, a abertura pessoal e a docilidade comunitária ao Espírito Santo como verdadeiro protagonista da unanimidade a ser construída na assembleia.
Ora bem: para que o próximo CG seja deveras um “dom do Espírito Santo” e um evento eclesial” devemos colocar, já desde agora, a Congregação e toda a Família Salesiana “em estado de adoração”: intensificar a oração pessoal e comunitária, ouvir os irmãos e discernir os tempos, enriquecer com um particular significado litúrgico os nossos sofrimentos, multiplicar a oferta de sacrifícios quotidianos e de generosas iniciativas de caridade.
Várias etapas de um longo processo de “accommodata renovatio”7
O CG22 não começa de zero. Situa-se no vértice de um delicado processo querido pela Igreja para colocar adequadamente a Congregação na órbita histórica do Vaticano II. O trabalho que somos convidados a fazer sobre o texto das Constituições e dos Regulamentos revê, coordena, aprofunda e conclui um trabalho de mais de 15 anos, precedido e desenvolvido por três Capítulos Gerais de particular incidência na vida da nossa Vocação salesiana.
As principais etapas deste caminho são identificáveis. Desenvolveram-se com particulares perspectivas e assumiram determinados estímulos no momento concreto em que se realizaram e do nível de reflexão atingido pela Congregação. Mais de 15 anos de elaboração, numa época de aceleração da história, não são poucos. Os quatro Capítulos Gerais que mutuamente se completam não podem ser fruto de arbitrariedade: o CG19 “toma consciência e prepara”; o CGE20 “lança em órbita”; o CG21 “revê, retifica, confirma e aprofunda”; o CG22 é chamado a “reexaminar, precisar, completar, aperfeiçoar e concluir”.
Vejamos brevemente as etapas precedentes, sem pretensões de juízo global, mas com a intenção de iluminar melhor as metas do próximo Capítulo.
* O CG19 (8.4 – 10.6.1965) realizou-se enquanto o Vaticano II se preparava para encerrar seus trabalhos. O Concílio já havia expressado grande parte da sua visão de renovação e das suas linhas de força, mas faltava ainda a última sessão com a promulgação de documentos importantes. Sentia-se no ar que a Igreja, e, portanto, a Congregação, “encontravam-se numa virada”. “Durante os trabalhos capitulares teve-se a sensação de que todos os presentes olhavam ansiosamente para o Concílio Ecumênico Vaticano II. A atmosfera de Roma evidentemente alimentou esse clima de tensão primaveril, cheio de promessas”.8 O CG19 recolheu, portanto, os primeiros estímulos do grande evento conciliar sobre o sentido renovado da missão da Igreja no mundo, sobre os dinamismos da Vida Religiosa e a sua dimensão comunitária e eclesial, sobre a revisão da pastoral e suas exigências de pluralismo e de descentralização. Mas a percepção das exigências do Concílio, pela situação histórica geral, era um tanto limitada; pois nem todos tinham ainda tido a possibilidade de captar a profunda renovação eclesiológica do Vaticano II. Todavia a assembleia capitular respirou a sua atmosfera.
De modo particular estudou e aprofundou a tomada de consciência da responsabilidade própria de um CG como detentor da autoridade suprema sobre a Congregação. Isso absorveu um tempo notável dos trabalhos capitulares dedicado à compilação de um Regulamento que adequasse o funcionamento da assembleia capitular à grave tarefa que a aguardava nos anos seguintes. Além dos temas da Vida Religiosa, da direção espiritual, do Salesiano Coadjutor, e do encaminhamento das primeiras experiências novas respeitantes às estruturas de governo (Conselho Superior, Regionais, Vigários, melhor participação nos Capítulos), iniciaram o processo geral de atualização. A convocação, com o motu próprio Ecclesiae Sanctae, de um Capítulo Geral Especial para todos os Institutos religiosos, feita, pode-se dizer, em cima do CG19, deslocou a atenção mais sobre o futuro do que sobre o presente, distraindo, digamos assim, da aplicação de muitas orientações capitulares posteriormente retomadas.
* O CGE20 (10.6.1971 – 5.1.1972) foi o Capítulo “Especial” convocado para atender às exigências do motu próprio Ecclesiae Sanctae9 isto é, proceder à revisão e adequada renovação das normas e costumes da Congregação, adaptando-os aos tempos segundo o espírito do Fundador, através de “ampla e livre consulta aos membros” e mediante a obra de um CG extraordinário com o mandato de fazer a revisão das Constituições, “contanto que sejam respeitados o fim, a natureza e o caráter do Instituto”.
Assim o CG “Especial” era chamado a promover nos Institutos religiosos a renovação específica querida pelo Concílio.10
O nosso CGE20 foi preparado por dois Capítulos Inspetoriais e seguido de um terceiro, com um intenso trabalho de mentalização dos irmãos. Foi por certo um dos mais fortes momentos de reflexão comunitária salesiana na história da Congregação. Levou a efeito uma ampla e profunda análise dos vários aspectos que dizem respeito à nossa vida evangélica, à experiência de comunhão, aos critérios de trabalho pastoral, à Família Salesiana etc., procurando iluminar cada um destes temas com o Evangelho e os ensinamentos do Concílio, com a genuína tradição, com os novos valores que fluíam dos sinais dos tempos.11
Reformulou o “texto constitucional”, adaptando a linguagem e o enfoque orgânico às orientações do Concílio, e fundindo num texto único as riquezas espirituais da vocação salesiana e as normas fundamentais que lhe regulam a vida.12 Codificou nos “Regulamentos” a maneira prática universal de viver as Constituições, deixando às Inspetorias a tarefa de estabelecer e regular o que é próprio de um lugar ou exigido por situações particulares (Diretórios inspetoriais).
Fez um trabalho enorme e substancialmente bem-sucedido, julgado positivamente também por estudiosos e especialistas não salesianos.
* O CG21 (23.10.1977 – 12.2.1978) recolheu os resultados do primeiro período de “experimentação” das Constituições renovadas. Foi preparado por uma “verificação”, baseada na comparação entre a realidade da vida concreta e o texto constitucional; mas preocupou-se também com aprofundar alguns temas substanciais para nós: o Sistema Preventivo, a Formação para a vida salesiana, o Salesiano Coadjutor e a reestruturação da Universidade Pontifícia Salesiana; deu à Congregação mais um sexênio de experimentação prática.13
No que diz respeito ao texto constitucional fez emergir tanto os aspectos claros e positivos do texto, infelizmente nem sempre aplicados na vida, quanto as formulações e enfoques ainda necessitados de esclarecimento, como os vazios de inspiração e de normas com relação a alguns argumentos. Com base nessa verificação o CG21:
Constatou a aceitação global que as Constituições renovadas tinham tido por parte das Inspetorias e dos irmãos14 “com espírito de fé e vontade de vivê-las como um dom do Espírito Santo que continua a tornar presente e operante o espírito de Dom Bosco no nosso tempo”.
Revelou um conhecimento, uma assimilação e experimentação ainda não suficientes15 do texto constitucional.
Emitiu emendas urgentes, sugeridas pela experiência de vida; emendas que estão contidas no documento 5º dos Atos.
Individuou alguns pontos sobre os quais era preciso proceder a uma ulterior reflexão para uma definição mais satisfatória.
Empenho conclusivo e de relançamento do próximo CG
O CG22 representará, como dizíamos, o esforço conclusivo da pesquisa pós-conciliar para definir bem, de harmonia com a vida da Igreja, as linhas de renovação da nossa Vocação salesiana no limiar do ano 2.000. Por isso não será tão-somente um ponto de chegada, mas antes uma plataforma autorizada de relançamento. Daí a extraordinária importância dos seus trabalhos, como verificação do longo processo empreendido e como definição adequada das linhas mestras que haverão de guiar o futuro da Congregação na órbita conciliar.
Ter um projeto vocacional esclarecido, atualizado e redefinido, que garanta a identidade salesiana no confronto com o complexo desafio dos tempos, é um bem muito precioso, é patrimônio recebido das origens e herança sagrada oferecida às novas gerações.
As Constituições – projeção do espírito permanente do Fundador e sua prática determinação no tempo – foram uma viva preocupação para o nosso Pai. Tratava-se, também para ele, de esboçar a identidade original da sua “Sociedade de S. Francisco de Sales” e garantir o futuro de uma experiência de santidade apostólica já vivida em Valdocco; isto é, exprimir num texto o que era realidade comprovada pela vida e inspiração íntima do coração. Conhecemos o trabalho sofrido que a redação e a aprovação das Constituições deram a Dom Bosco; as humilhações e numerosas dificuldades e o árduo caminho dentro da Igreja e da Sociedade civil do século passado. Ele, porém, jamais desistiu do empreendimento, convencido que estava para realizar uma obra que Nosso Senhor queria para a salvação de muitos jovens.
Empenho análogo e fundamental será enfrentado pela Congregação no CG22, concluindo um processo de renovação bastante longo e não menos rico de desafios e possibilidades.
A continuidade substancial e a fidelidade dinâmica entre o texto constitucional querido por Dom Bosco, o das Constituições renovadas no CG20 e o que deverá resultar dos trabalhos do CG22 garantem-nos a união com nosso Pai e Fundador, com a sua inspiração primigênia, com o dom de que foi enriquecido em favor da Igreja para o serviço dos jovens e do povo.
No volume XI das Memórias Biográficas16 encontramos um curioso diálogo entre Dom Bosco e o P. Barberis. Estamos no ano 1875, pouco depois da aprovação das Constituições.
Dom Bosco: “Havereis de completar a obra que eu estou começando: eu esboço, vós colocareis as cores”.
P. Barberis: “Contanto que não estraguemos o que Dom Bosco faz!”.
Dom Bosco: “Oh, não! Agora eu faço o rascunho da Congregação e deixarei aos que vierem depois o trabalho de passar a limpo”.
Sentimo-nos interpelados e assumimos a responsabilidade da tarefa que nos apraz considerar como que prevista profeticamente por Dom Bosco!
O longo processo destes anos, centrado na redação renovada das Constituições, a oportunidade realista de “experimentá-las por doze anos”, buscando em profundidade de espírito a correspondência entre a palavra e a vida, entre a vida e o ideal salesiano, farão delas, nos anos futuros, uma plataforma de lançamento para maior genuinidade e eficácia do carisma de Dom Bosco na Igreja.
Por um espaço de tempo, que será necessariamente longo, a palavra “fim” ou “conclusão” colocada no período de aprofundamento e de experimentação que permitiu a assimilação do espírito do Vaticano II, deveria abrir para a Congregação uma fase mais intensamente espiritual (ou, se se quiser, mais carismática, no seu sentido conciliar) de experiências fortes e convincentes, profundamente renovadas e ao mesmo tempo autenticamente salesianas. O futuro da Congregação está ligado à vitalidade do carisma descrito nas Constituições, mas deve explodir e ser vivido com exuberância nas nossas comunidades. O CG22 deveria colocar as bases de uma desejada fase de mais intensa genuinidade salesiana.
As Constituições, “pacto da nossa aliança com Deus”
Nós consideramos o texto das Constituições sob a ótica da fé. Com efeito, ele “traça a fisionomia de nossa vocação e nos propõe uma Regra de vida”.17 Nele se formula o nosso projeto de sequela do Cristo para os jovens. Nele se resume e exprime a doutrina espiritual, os critérios pastorais, as tradições originais, as normas de vida, ou seja, a índole própria e o itinerário concreto da nossa santidade!
Formamos na Igreja um grupo espiritualmente bem definido que olha para Dom Bosco como para o seu “patriarca” e vê nas Constituições a descrição do “pacto da nossa aliança com Deus”.18
Cada um de nós firmou esse pacto com o ato mais expressivo da nossa liberdade batismal: a profissão religiosa. Com ela não fizemos uma promessa evangélica genérica e vaga, mas nos empenhamos em seguir Jesus Cristo e viver seus Conselhos segundo as Constituições salesianas.
Elas tornaram-se assim a medida qualificada e exata do nosso amor e da nossa fidelidade e nos estimulam também com clareza e objetividade no caminho quotidiano de conversão como contestação evangélica de nossas fraquezas.
São a “Regra de vida” da Congregação. A única que a Igreja examina quando discerne o nosso carisma e a nossa vida para inserir a comunidade salesiana na sua obra de salvação.
Há “Regras” que atravessaram os séculos, formando gerações de homens de diferentes culturas na experiência de Deus, porque nelas se exprimiu, se codificou e se propôs um tipo concreto de “sequela Christi”, sem por isso aprisionar os dons pessoais nem prescindir das exigências dos tempos. Também entre nós, quantas gerações de Salesianos aprenderam a seguir Jesus Cristo segundo o caminho evangélico traçado por Dom Bosco nas Constituições da Sociedade de S. Francisco de Sales! Erraria quem ainda pensasse que as nossas Constituições se reduzem a um simples código de normas, antes que ver nelas a vasta órbita de um peculiar projeto de santidade. O Proêmio do texto atual exprime-lhe bem a natureza e finalidade: “Para nós, discípulos de Nosso Senhor, a lei é caminho que conduz ao Amor. Nossa Regra viva é Jesus Cristo, o Salvador anunciado no Evangelho, que vive hoje na Igreja e no mundo, e que descobrimos particularmente presente em Dom Bosco que dá sua vida aos jovens”. É Ele, o senhor, o centro vital em torno do qual se constrói todo o projeto. Por Ele são motivadas as “rupturas”, assumindo com radicalidade um modo de viver consonante ao ideal de um discípulo fascinado e convicto. N'Ele encontramos a força e a alegria de recomeçar todos os dias o árduo caminho da santidade.
Mas o projeto evangélico das Constituições não é genérico. Evita apresentar a nossa “experiência de Deus de forma abstrata, como se fosse um pequeno tratado doutrinal de Vida Religiosa: não organiza de forma lógica princípios gerais, mas descreve fielmente uma tipologia de vida concreta, objetivamente vivida como “experiência de Espírito Santo”; ou seja, a vida empenhada de Dom Bosco e dos primeiros Salesianos, capaz de ainda inspirar e guiar a nossa existência e as nossas opções de ação. Diziam então em Valdocco: “Eu quero ficar com Dom Bosco”, e de Dom Bosco Fundador reviviam o espírito.
Portanto: o texto renovado, ao termo do longo processo de revisão, será válido e eficaz na proporção que for espiritual e concreto, de modo a estimular os irmãos a “reprojetar juntos a santidade”, na medida das instâncias evangélicas vividas por Dom Bosco e exigidas pelos tempos pós-conciliares. Seremos desta forma “evangelizadores dos jovens”, aos quais somos enviados por Cristo e pela sua Igreja para torná-los “honestos cidadãos e bons cristãos”.
A aprovação das Constituições por parte da Santa Sé
Dom Bosco tinha um profundo sentido do mistério da Igreja e, nela, do ministério peculiar de Pedro, querido por Cristo. Unia seus filhos em redor do Papa com motivações diversificadas, mas tendentes todas à adesão mais completa, evidenciando as “convicções de fé” e os “vínculos de afeto”. Sua atitude não era, digamos assim, política e de circunstância, mas uma linha mestra do seu espírito. Mais que uma modalidade eclesiológica, marcada talvez pelo contexto histórico da sua época, era uma opção de espiritualidade, querida como componente explícito da sua experiência do mistério eclesial. Repetia que o Romano Pontífice é a rocha fundamental da nossa fé e sublinhava pedagogicamente para seus jovens e para os irmãos que o Papa era o maior benfeitor da Congregação.
Buscou com todo esforço o reconhecimento da Congregação por parte da Santa Sé. Estava convencido de que os laços de união com ela eram segurança de sobrevivência na tormentosa história do seu século e dos outros que se haveriam de seguir. Quanta alegria naquele famoso 3 de abril de 1874, quando foi aprovado o texto das Constituições! “Devemos saudar esse acontecimento como um dos mais gloriosos para a nossa Sociedade, pois nos afiança que, observando as nossas Regras, nos apoiamos em bases estáveis e seguras”.19
A aprovação por parte do Papa não era para Dom Bosco, e não será para nós hoje, somente um ato formal, mas o selo com o qual Deus através do ministério de Pedro dá autenticidade ao nosso projeto evangélico de vida e ação.
Cabe ao Papa e à sagrada Hierarquia a tarefa de discernir os carismas20 e “regular sabiamente com as suas leis a prática dos conselhos evangélicos”.21
O Papa é de modo particular assistido pelo Espírito Santo na aprovação dos carismas religiosos para dar um juízo autêntico “sobre sua genuinidade e seu ordenado exercício”. Um CG, ainda que “tenha autoridade suprema sobre a Sociedade”,22 está sujeito ao superior ministério de Pedro e à autoridade da Santa Sé na aprovação do texto das Constituições.
O Concílio Vaticano II habituou-nos a colocar-nos, como religiosos, no mistério da Igreja. Nascidos por obra do Espírito que habita na Igreja, desenvolvemo-nos organicamente n’Ela, e por Ela operamos.
A isenção, neste sentido, é uma expressão da nossa eclesialidade: “O Sumo Pontífice, tendo em vista a utilidade da Igreja23... concede a isenção, para que os Institutos possam mais adequadamente exprimir a própria identidade e dedicar-se ao bem comum com particular generosidade e em campo mais vasto (cf. n. 8)”.24
Trabalhamos, pois, na revisão de um texto constitucional que está a serviço de um carisma próprio da Igreja (o nosso, de Salesianos de Dom Bosco); temos em vista a sua aprovação por parte da Santa Sé, porque nos ajudará a viver hoje mais intensamente a originalidade da nossa Vocação e a oferecer, com reconhecida identidade, às igrejas locais, nesta hora de mudança cultural, o projeto típico da nossa missão salesiana.
Os Capítulos Inspetoriais
Uma simples palavra para acentuar a importância do próximo Capítulo Inspetorial previsto pelas Constituições nos art. 177-180.
A comunidade salesiana tem uma dimensão mundial25 estruturada em Inspetorias que vivem em comunhão. São as Inspetorias que inserem a Congregação nas diferentes culturas e a põem em contato com as diversas situações, construindo uma unidade mundial rica de variedade.
Eis por que não é possível um verdadeiro CG sem uma séria e consciente realização dos Capítulos Inspetoriais. Estes, no nosso caso concreto de revisão do texto Constitucional, são ordenados e estreitamente ligados ao CG, e têm como finalidade principal ajudar os irmãos a participarem e sentirem-se envolvidos nesta histórica responsabilidade congregacional e a viverem-lhe a comunhão em nível mundial.
Vistos do ponto de vista das Comunidades Inspetoriais, representam uma ocasião para fazer crescer os valores fundamentais da nossa identidade: “O Capítulo Inspetorial é a reunião fraterna em que as Comunidades locais fortalecem o sentido de sua pertença à Comunidade Inspetorial, mediante a comum solicitude pelos problemas gerais”.26
O tema proposto para o CG22 é particularmente capaz de intensificar tais valores.
E se for vivido como momento de revisão pessoal e comunitária e discernimento da própria genuinidade salesiana, como uma avaliação da eficácia do texto constitucional no renovar a própria vida, o resultado da reflexão capitular será ainda mais abundante.
Para que dê o seu fruto, o Capítulo Inspetorial precisará ser preparado em todas as Comunidades e por todos os irmãos. O Inspetor, o Conselho Inspetorial, os vários organismos atuantes em cada Inspetoria tomarão iniciativas oportunas, capazes de empenhar as comunidades locais e os irmãos num sério aprofundamento e aperfeiçoamento do texto constitucional.
É um compromisso obrigatório para o bom êxito do próximo CG, que manifestará a comunhão e a maturidade da Congregação. A experiência acumulada nestes anos em cada Inspetoria será a contribuição preciosa e significativa a ser oferecida ao Regulador, como material de base para os trabalhos do CG22.
E concluo
Queridos irmãos, preparemos o próximo CG com os olhos voltados para o nosso Pai Dom Bosco. Ele viveu o longo período de redação das Constituições aprovadas em 1874, preocupado em colher os sinais do Espírito na vida simples de todos os dias, nos momentos mais graves de encontro com o Papa, com os responsáveis civis e com as exigências eclesiásticas dos organismos encarregados da aprovação do texto.
Nós também devemos construir um clima oportuno junto de Deus, que fala nas circunstâncias atuais.
A contribuição fundamental pedida aos irmãos consiste, como dizia, em estudo, participação ativa, oração intensa e especial generosidade impetratória nos sacrifícios, no confronto entre o que o Espírito diz hoje à Congregação através de suas inspirações e dos sinais dos tempos e o texto das Constituições, para ver se concordam.
Com viva fé medite cada um dos irmãos o texto das Constituições e dos Regulamentos, para renovar a adesão cordial e operativa ao projeto evangélico salesiano. Ninguém se dispense do trabalho que as Comunidades haverão de empreender para a sensibilização e revisão de documentos tão importantes para a nossa Vocação na Igreja.
A participação pessoal seja fecundada pelo empenho no trabalho, pela oferta a Deus das dificuldades e dos sofrimentos externos e internos, pela oração sincera, renovadora, pela fraternidade na qual se oferece a contribuição da reflexão pessoal.
Para que essas sugestões não se reduzam a puras exortações, os Inspetores com os seus Conselhos desçam a algumas determinações práticas, como seria uma especial invocação nas Laudes e nas Vésperas, a récita mais frequente dos hinos do Espírito Santo, alguma celebração da Palavra programada em tempos oportunos, uma ênfase especial das pequenas penitências da sexta-feira, da Quaresma e do Advento etc. Tudo isso não por um mal-entendido pietismo, mas pela riqueza de significado que podem exprimir, e pelo desejo e fervoroso pedido de que o Espírito Santo seja deveras o protagonista do nosso próximo CG.
Maria, que encontramos como Mãe nas origens da Congregação, e que reconhecemos como Mestra e Guia, Ela, Esposa do Espírito Santo e Auxiliadora, nos assista.
Fraternalmente em Dom Bosco,
P. Egidio Viganò
Reitor-Mor
1 Const. 151.
2 Const. 151.
3 Const, 152. 132. 145. 147.
4 Reg. 100.
5 Ib.
6 Const. 151.
7 PC 2.
8 CG19, apresentação, p. 5-6.
9 ES II, I, n. 3. 4. 6.
10 Cf. LG 44; PC 2. 3. 4.
11 Cf. CGE 20.
12 Cf. Const. 200.
13 CG21 373.
14 Cf. CG21 372.
15 Cf. Ib.
16 MB XI, 309
17 Const., proêmio.
18 M. RUA, Lettere circolari, 1.12.1909.
19 Const. apêndice, p. 229.
20 Cf. LG 12.
21 LG 45; cf. MR 8. 9c.
22 Const. 152.
23 Cf. LG 45; CD 35-3.
24 MR 22.
25 Cf. Const. 56.
26 Const. 177.