301-350|pt|324 - A Eucaristia no espírito apostólico de Dom Bosco

Viganò Egídio



A EUCARISTIA NO ESPÍRITO APOSTÓLICO DE DOM BOSCO



Atos do Conselho Geral

Ano LXIX – janeiro-março, 1988

N. 324



O tema vital que mede o nosso espírito e a nossa ação — Dom Bosco e a Eucaristia: Missa, Comunhão, Adoração — A perspectiva eucarística do Concílio Vaticano II — A obra-prima do Pai: “fazer do Cristo o coração do mundo” — A insuperável obra pascal de Cristo — A permanência viva dos acontecimentos da Nova Aliança — As maravilhas da “sacramentalidade” eclesial — A adoração e a missão — O compromisso pastoral de “gerar” Igreja — Algumas exigências concretas da pedagogia eucarística de Dom Bosco — Uma devoção a Nossa Senhora que leva à Eucaristia.



Roma, Solenidade da Imaculada, 8 de dezembro de 1987.


Caros Irmãos,



escrevo-lhes na solenidade da Imaculada, grande aurora do Natal de Cristo. É um dia extraordinariamente significativo para a Família Salesiana: enquanto nos leva com gratidão às origens, nos lança mais corajosamente nas maiores realidades. Possa chegar a cada um de vocês a minha saudação, portadora das esperanças do Advento.

Iniciamos um novo ano particularmente dedicado à memória profética do nosso Fundador. Sentimo-nos mandados por ele para preencher com a interioridade e a criatividade apostólica a reno­vação da Profissão salesiana no próximo dia 14 de maio: uma escolha entre as mais altas, que reconfirma o ministério da nossa Aliança com Deus para uma sua expressão mais íntima e plena.1



O tema vital que mede o nosso espírito e a nossa ação



Gosto de refletir com vocês, neste Ano de graça, sobre um aspecto que considero central na personalidade de Dom Bosco e no patrimônio apostólico que ele nos deixou como herança: o lugar que deve ocupar a Eucaristia no nosso espírito e na nossa ação.

Já lhes falara “inicialmente” deste assunto na minha carta circular sobre o “Projeto educativo salesiano”, refletindo sobre o significado do “educar evangelizando”.2

É o tema mais vital que nos avalia. A Eucaristia, de fato, como lemos no cap. 2º das Constituições, é a fonte da caridade pastoral salesiana,3 a nossa participação ao coração de Cristo,4 a experiência da nossa união com Deus,5 a comunhão viva de cada um de nós com a Igreja,6 a confirmação do peculiar dom da nossa predileção pelos jovens,7 a energia da bondade, da amizade, do otimismo, da alegria, do compromisso cotidiano de trabalho e temperança e da praticidade criativa da nossa atitude apostó­lica:8 ou seja, o grande motor do “espírito salesiano”.

As Constituições, em particular, lembram que a Celebração da Eucaristia é o ato central cotidiano de toda a comunidade salesiana” e que a presença do tabernáculo em casa é “motivo de frequentes encontros com Cristo, do qual “haurimos dinamis­mo e constância em nosso trabalho a favor dos jovens”.9

Estamos profundamente conscientes daquilo que afirma o Concílio Vaticano II, que a liturgia, da qual a Eucaristia repre­senta a expressão máxima, é o “cume para o qual tende a ação da Igreja e ao mesmo tempo, é a fonte de onde emana toda a sua força”.10

Os Padres já afirmavam que a liturgia “é ao mesmo tempo ponto alto da sabedoria e cume da religião”, “salvação dos fiéis e seu progresso espiritual”.

As numerosas palavras de Cristo “quem come a minha carne e bebe o meu sangue, vive em mim e eu vivo nele”,11 são, em todos os séculos, a verdadeira medida da fé cristã. Como na primeira hora, também hoje muitos não compreendem: “a partir desse momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com Jesus”.12

O enfraquecimento da centralidade da Eucaristia no espírito e no apostolado salesiano resultaria, queridos irmãos, num desvio da tradição viva de Dom Bosco (unida naquela perene da Igreja) e numa expressão muito perigosa de superficialidade pastoral e pedagógica.







Dom Bosco e a Eucaristia



Um perfil da vida de Dom Bosco em seu aspecto eucarístico teria um brilho estimulante. Aqui lembraremos brevemente alguns aspectos já conhecidos, mas seguramente orientadores.

O Cristo que domina a existência de Dom Bosco é, geralmen­te, o Cristo vivo e presente na Eucaristia, o “dono da casa” (como costumava dizer), o centro de atração para o qual tudo tende, o “pão da vida”, o “Filho de Maria”, Mãe de Deus e da Igreja. Dom Bosco viveu desta presença e nesta presença ao seu alcance.

Muitas vezes, quando falava de Deus, lembrava a presença de Jesus-Eucaristia, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, descido do céu para nos salvar, morto na cruz por nós e sempre vivo no altar e nos tabernáculos. Nada de mais acessível e ao mesmo tempo mais exaltante. Ter Jesus em Casa, de fato, queria dizer poder encontrar-se com Ele à hora que se quer, participar da sua Páscoa, falar-lhe de coração a coração, recebê-Lo na comu­nhão, deixar-se transformar pelo seu Espírito a favor da missão.13

A vida do nosso querido Pai, desde os anos da meninice, e a história do primitivo Oratório são um verdadeiro hino à Euca­ristia. Que sentimentos experimentavam os seus melhores jovens o podem fazer intuir as seguintes vibrantes afirmações de Do­mingos Savio: “Quando passo perto d’Ele (Jesus na Eucaristia) não só me jogaria na lama para honrá-lo, como também me jogaria no fogo, porque assim participaria do fogo de caridade infinita que O inspirou a instituir este grande Sacramento”.14

Atrás deste garoto santo estava Dom Bosco, seu guia espiri­tual, que lhe transmitia o seu fogo eucarístico. De fato, “muitas vezes — escreve o Pe. Lemoyne — fazendo sermões, ao descrever o enorme amor de Jesus pelos homens, chorava ele e fazia chorar os outros de santa emoção. Também no recreio falando às vezes da SS. Eucaristia o seu rosto se iluminava de um santo ardor e dizia muitas vezes aos jovens: — Queridos jovens, queremos estar alegres e contentes? Amemos com todo o coração a Jesus no Sacramento. — E às suas palavras os corações todos eram com­penetrados pela verdade da presença real de Jesus Cristo. Nin­guém pode descrever a sua alegria quando na igreja podia conseguir ter todos os dias um certo número de jovens que comungavam revezando-se”.15

Lembramos algumas das mais significativas afirmações de Dom Bosco com relação aos três grandes momentos da Eucaris­tia: a celebração da Missa, a Comunhão sacramental e a Adoração eucarística.



A Missa. “O sacrifício do altar — escreve Dom Bosco — é a glória, a vida, o coração do cristianismo”.16 “Como não se pode imaginar coisa mais santa, mais preciosa do que o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Jesus Cristo, assim quando vós irdes à santa Missa — afirma aos jovens — quero que estejais persuadidos que fazeis uma ação a maior, a mais santa, a mais gloriosa a Deus e a mais útil à vossa alma. Jesus Cristo vem Ele mesmo pessoalmente para aplicar a cada um em particular os méritos daquele Sangue adorabilíssimo, que derramou por nós sobre o Calvário na cruz”.17

E mais eloquente do que as palavras era o seu exemplo. Escrevia o Pe. Ceria: “Celebrava recolhido, devoto, exato; pronun­ciava as palavras com clareza e unção; gostava visivelmente de distribuir a santa comunhão, não conseguindo disfarçar o fervor do espírito. Nada de esquisito ou que chamasse a atenção, mas também nem lento, nem rápido, comportava-se do começo ao fim com calma e naturalidade... Assim o viram no altar os Salesianos da primeira geração, assim o vimos nós últimos chegados”.18

A sua união com Cristo na celebração da Eucaristia tocava alturas sublimes: “de vez em quando o seu rosto ficava molhado de lágrimas... Aconteceu também que após a elevação parecesse tão extasiado ao ponto que dava a impressão estivesse vendo Jesus Cristo com os próprios olhos”.19 Isto lhe acontecia mais frequentemente nos últimos anos.20 A sua era verdadeiramente a celebração de um fiel e não poucos também de longe vinham para assisti-la e os cooperadores e benfeitores que tinham o privilégio da capela em casa o disputavam.

A sua grande preocupação pedagógica era aquela de ajudar os jovens a perceber a realidade sacramental da Missa: “Com­preendei, ó filhos, que assistindo à santa Missa é o mesmo que vísseis o divino Salvador sair de Jerusalém e carregar a cruz em direção ao monte Calvário, onde ao chegar foi... crucificado, derramando até a última gota o seu sague. Este mesmo sacrifício renova o sacerdote enquanto celebra a santa Missa, de maneira, porém, incruenta”.21

A Missa depois era o grande centro das festas celebradas entre os jovens, que eram realizadas com verdadeira solenidade de clero, de música e de canto. Descia-se até Valdocco de dife­rentes bairros da cidade para participar da festiva celebração eucarística.



A Comunhão. O momento do banquete sacramental é um outro ponto central do espírito e da ação de Dom Bosco. Ele define a Comunhão eucarística como “o cerne do bom andamento da casa;22 a “grande coluna que sustenta o mundo moral e material”;23 “o mais válido sustento da juventude”;24 “o alicerce das vocações”.25

Estas expressões são significativas, mas não encerram todo o pensamento de Dom Bosco, que na Comunhão vive em primeira pessoa o encontro mais íntimo com Jesus Cristo que o incorpora a Si e o torna apóstolo com o poder do Seu Espírito.

Podemos perceber um eco longínquo nas palavras que con­cluem a sua conferência feita na Arcádia (Roma) em 1876: “Concedei-nos, ó Deus, reza a Santa Igreja, que participando dos méritos do corpo e do sangue imolado na Cruz mereçamos ser inscritos entre os vossos membros... Feitos membros do Sacra­tíssimo Corpo de Jesus, devemos permanecer intimamente unidos a Ele, mas não abstratamente, mas concretamente, no crer e no trabalhar”.26

Não existe “felicidade” maior na terra — dizia aos jovens — do que aquela que traz a Comunhão bem-feita: “Oh que felici­dade poder receber no nosso coração o Divino Redentor! Aquele Deus que nos deve dar a fortaleza e a constância necessárias em cada momento da nossa vida.27

As biografias de Comollo, Savio, Magone, Besucco todas elas trazem, entre outras, palavras ardentes sobre a Missa, a Comu­nhão, o Viático, que transforma o medo da morte num abraço com Jesus. “Se quero algo grande — dizia Domingos Savio — vou receber a Hóstia santa, onde encontra-se ‘corpus quod por nobis traditum est’, isto é, aquele corpo, sangue, alma e divindade que Jesus Cristo ofereceu ao seu eterno Pai por nós sobre a cruz. O que me falta para ser feliz? Nada neste mundo; falta-me só poder gozar plenamente no céu Aquele que agora com olhar de fé admiro e adoro sobre o altar”.28

À escola de Dom Bosco, promotor da Comunhão frequente, cresciam realmente jovens com fé viva, forte, que através da Eucaristia galgavam os cumes da santidade.



Pode ser significativo a este propósito a inserção no seu “Jovem Instruído” da tradução do texto do Concílio de Trento, até agora apresentado só em seu sentido geral, mas que expressa­do na sua integridade adquiria maior valor: “Seria algo suma­mente desejável que cada fiel cristão se mantivesse em tal situa­ção de consciência assim que pudesse fazer a santa Comunhão toda vez que assiste à santa Missa. E isto não só com relação à Comunhão espiritual, mas também à Comunhão sacramental, para que seja mais abundante o fruto que se recebe deste Sacramento”.29

Também ele estava entre os mais convictos e válidos sustentadores da Primeira Comunhão antecipada a uma idade mais jovem: “afaste-se como a peste a opinião dos que pretendem diferir a primeira comunhão para uma idade demasiado adian­tada”.30



A Adoração. A consciência da presença viva de Cristo na Hóstia consagrada estimula a uma atitude consciente de adora­ção. É esta uma peculiar característica da piedade católica do século XIX em particular em Turim, cidade do SS. Sacramento. No Oratório de Valdocco, esta piedade brota do coração eucarís­tico de Dom Bosco, das convicções que ele sabe criar nos seus jovens que Jesus mora na casa: está presente, com o seu amor infinito, para ser o Amigo de cada dia.

É verdade que as modalidades de piedade eucarística vividas no Oratório são aquelas que floresciam na época em toda a diocese e nas paróquias: horas de adoração, tríduos eucarísticos, bênção do Santíssimo, procissões e sobretudo, pelo seu valor pedagógico, visitas individuais e coletivas; porém Dom Bosco sabia motivá-las inteligentemente com uma validade santificadora que ainda hoje nos questiona.

Se Jesus, com sua presença permanente, está no centro e no coração da casa salesiana, não é possível esquecê-lo. Por isso a importância de cultivar diferentes expressões de piedade contem­plativa na vida e na ação dos seus. O convite que Dom Bosco faz aos próprios jovens para que visitem muitas vezes Jesus no Sacramento, a Lhe pedir graças espirituais e materiais, a dialo­gar, a contemplar a sua Páscoa, a ficar um pouco com Ele, é entre os mais frequentes: “Lembrai-vos — escreve —, ó filhos, que Jesus se encontra no SS. Sacramento rico de graças a serem distribuídas para quem as pede”.31

E ainda: “Recomendo-vos a visita ao SS. Sacramento: ‘O amável Nosso Senhor Jesus Cristo está aí pessoalmente’ exclama­va o vigário de Ars; vamos aos pés do Tabernáculo somente para rezar um Pater, Ave e Glória quando não pudéssemos rezar mais. É suficiente isto para nos tornarmos fortes”.32

E numa Boa-noite33 insistiu com paternal convicção: “Não há coisa que o demônio tenha mais medo do que estas duas práticas: a Comunhão bem-feita e as visitas frequentes ao SS. Sacramento. Quereis que Deus vos faça muitas graças? Visitai-O muitas vezes. Quereis que Ele vos faça poucas? Visitai-O poucas vezes”. As visitas, acrescentava, são uma arma infalível contra os ataques do inimigo: “Meus queridos, a visita ao Santíssimo é um meio muito útil para vencer o demônio. Ide, portanto, muitas vezes visitar Jesus e o demônio não vos vencerá”.34

É certo que o espírito e a pedagogia de Dom Bosco dão particular importância à amizade, à adoração do Cristo presente na Eucaristia. Domingos Savio, Magone, Besucco fizeram disso tesouro; e se isto não se pode dizer de todos os jovens do Orató­rio, não eram certamente poucos aqueles que os imitavam.

Esta dominante manifestação eucarística combina, porém, com a prática educativa que visa a formação integral dos jovens. Nela as exigências e as instâncias humanas são tomadas a sério, de acordo com todo o seu conteúdo. Desde as necessidades primárias e materiais — casa, comida e roupa — até aquelas intelectuais, morais, culturais; desde a educação ao trabalho, ao estudo, à arte, para uma digna inserção na sociedade, à satisfação das necessidades fundamentais da idade juvenil, como o desejo da própria afirmação, o uso correto da liberdade (“ampla liber­dade de pular, correr, gritar à vontade”), a promoção de atividades de lazer, o teatro, a música etc.

Uma educação, portanto, completa e alegre, cujo segredo, porém (como aparece nos modelos por ele cuidadosamente des­critos) nos fala de corações juvenis concentrados na Eucaristia (na Missa, Comunhão, Adoração), ou seja, sobre Jesus vivo e presente, conhecido, amado e visitado como Amigo mais querido. Jovens dos quais transparecia a bondade, o ardor, a alegria que brotava de uma experiência sacramental com Cristo, cuja influên­cia benéfica sobre toda a conduta era evidente.

Podemos concluir este rápido resumo sobre a centralidade da Eucaristia no espírito e na ação de Dom Bosco lembrando o que significou de compromisso heroico uma devoção para ele insepará­vel da Eucaristia, aquela do Sagrado Coração, concretizada — com a entrega de suas últimas energias — na construção do seu Templo em Roma. Ele mesmo afirmara que a “devoção ao Sagrado Cora­ção de Jesus todas as encerra” e que a fonte desta devoção se encontra exatamente no SS. Sacramento. “Tende sempre diante de vós — disse em Paris — o pensamento do amor de Deus na Santa Eucaristia”.35

As constituições nos asseguram que “Dom Bosco viveu e nos transmitiu um estilo original de vida e da ação: o espírito salesiano”.36

Este espírito “encontra seu modelo e fonte no próprio cora­ção de Cristo, apóstolo do Pai”.37

Assim, nós podemos acrescentar que para Dom Bosco esta realidade de vida e de participação aos anseios redentores do Coração de Jesus concentra-se concretamente, com intensidade interior, no grande e inefável mistério da Eucaristia.



A perspectiva eucarística do Concílio Vaticano II



Costuma-se afirmar que a mentalidade, a linguagem e a cate­quese do século passado em relação ao mistério eucarístico estão marcadas por uma visão não orgânica e um tanto restritiva. Sabemos que por razões históricas a cristandade medieval inten­sificou o culto sobre a permanência da presença real nas espécies consagradas. O mesmo Concílio de Trento, herdeiro daquele passado, trata separadamente da Eucaristia como Sacramento permanente38 e do Sacrifício da Missa;39 os intérpretes posterio­res acentuaram pastoralmente uma certa separação na piedade popular entre “Sacrifício da Missa” e permanência da presença real nas espécies consagradas. Os piedosos exercícios de então, sem menosprezar o valor da Missa, foram-se orientando mais sobre a permanência do Sacramento com expressões culturais variadas e múltiplas.

Para nós hoje o tempo do século XIX é “coisa do passado”; devemos, porém, reconhecer que nele amadureceu uma santidade concreta nos educadores e nos jovens.

Na Igreja, após o Concílio Vaticano II, existe um autêntico progresso de qualidade eclesiológica na doutrina, fortemente orgânica, do mistério pascal (da qual a Eucaristia é Sacramento) e em todo o culto litúrgico. Encontramos um novo aprofunda­mento dos conceitos da Páscoa, da Nova Aliança, do Sacerdócio, da presença real, do Corpo de Cristo, da Comunhão e Missão, numa palavra, de “Sacramento” que reapresenta o culto eucarís­tico numa perspectiva litúrgica e de “piedade” fortemente reno­vadas.

Deve-se também acrescentar, em todo caso, que as diretrizes pós-conciliares40 consentem recuperar, renovando-os, não poucos valores devocionais do passado, também se indiretamente ligados a uma visão imperfeita.

Mas aqui se apresenta um desafio: diante de uma visão eucarística mais rica e orgânica, lançada pelo Concílio Vaticano II, deveriam corresponder uma prática espiritual e uma pedago­gia pastoral muito mais intensas e marcantes.

O que se vê, no entanto, ao menos n’alguns ambientes que se consideram de vanguarda e supervalorizam de maneira uni­lateral os aspectos culturais humanos, sem terem feito um indispensável e atento discernimento dos valores proféticos testemunhados por Dom Bosco sobre a absoluta centralidade da Eucaristia, exatamente para uma mais autêntica e válida for­mação do homem?

Encontramo-nos, às vezes, diante de uma atividade pedagó­gica que empobreceu e está carente de dinamismo genuinamente “pastoral”; para nós, ela não responde suficientemente ao estí­mulo salesiano do “Da mihi animas”.

O Concílio Vaticano II não veio eliminar, mas sim intensi­ficar e relançar mais autenticamente a formidável eficácia da Eucaristia no nosso espírito e na nossa ação.

Somos chamados, hoje, a valorizar a prática que nos foi deixada por Dom Bosco com as propostas conciliares do mistério eucarístico. Devemos conhecer e saber traduzir na vida cotidiana esta ampliação de horizontes.

Como ficaria feliz o nosso Pai e como traduziria em inicia­tivas pedagógicas as afirmações do Concílio! “A Sagrada Euca­ristia — afirma, por ex., o Decreto “Presbyterorum Ordinis” — contém todo o bem espiritual da Igreja. A Eucaristia se apresenta como fonte e ápice de toda evangelização, e os fiéis, uma vez assinalados pelo santo Batismo e Confirmação, são plenamente inseridos no Corpo de Cristo pela recepção da Eucaristia. É, pois, a Assembleia Eucarística o centro desta comunidade de fiéis. A casa de oração — na qual se celebra e guarda a SS. Eucaristia, onde ainda se congregam os cristãos e é venerada, para auxílio e consolação dos fiéis, a presença do Filho de Deus nosso Salva­dor, oferecido por nós no altar do sacrifício — deve mostrar-se luzente e apta para a oração e as celebrações religiosas. Nela, Pastores e Fiéis são convidados a corresponder com gratidão ao dom d’Aquele que pela sua humanidade, infunde continuamente a vida divina nos membros do seu Corpo. Esforcem-se os Presbíteros por cultivar retamente a ciência e a arte litúrgica”.41

Dom Bosco tornou-se o grande Pastor juvenil que conhece­mos, exatamente pela sua profunda adesão e participação ao mistério eucarístico. Se uma certa mentalidade e uma certa lin­guagem do seu século necessitam de atualização, isto não deve fazer empobrecer o seu papel de Fundador profético.

Somos chamados a reler na prática os valores formativos da Eucaristia na sintonia de uma mesma fé que o torna, também hoje para nós, um insuperável modelo de pastor e educador com um constante estímulo para santas iniciativas. O essencial, de fato, é: Jesus Cristo conosco! O acontecimento pascal colocado à nossa disposição aqui e agora! O Emanuel que intervém cotidianamente na formação do Homem novo!

Vale, portanto, queridos irmãos, que aprofundemos um tema tão essencial; ele poderia qualificar o nosso Ano centenário com a redescoberta em profundidade daquela “Pedagogia da bondade” que nos é proposta pela Estreia para celebrar a memória e a profecia de Dom Bosco.

As reflexões que lhes ofereço servirão para lembrar e sinte­tizar tantas meditações feitas por cada um ao longo da própria vida salesiana, para perceber melhor e para relançar tudo o que não caiu — e é o essencial — na prática eucarística do nosso Pai. Só assim seremos capazes de renovar com autenticidade uma pastoral e uma pedagogia que, sem a centralidade da Eucaristia, deixaria de ser aquele precioso patrimônio que herdamos.

Iniciaremos desde o início para estarmos seguros de ter uma visão justa e, por quanto possível, adequada ao tema tão vital.



A obra-prima do Pai: “fazer do Cristo o coração do mundo”



Se procurássemos no universo qual seja a expressão mais perfeita da genialidade e da habilidade do Criador, nos encontra­ríamos, num primeiro momento, mais do que confusos.

Olhando a imensidão do macrocosmo ficaríamos boquia­bertos e pasmados, admirando e deixando a fantasia rolar, impres­sionados pelo universo em movimento, do que preocupados em julgar e comparar, como se costuma fazer num museu. Tudo supera incrivelmente as medidas do tempo e do espaço no qual imaginamos e pensamos, assim que evitamos a tentação de esco­lher um qualquer astro como o melhor.

Olhando, depois, as maravilhas do microcosmo ficamos ainda mais admirados e quase incrédulos em descobrir nele uma perfei­ção antes imperceptível, e ainda, tamanho poder e maravilhosa vitalidade.

Estamos na verdade colocados diante de uma superior e infalível capacidade de projetar que nos leva a concluir, sem possibilidade de escolha, que tudo aquilo que o Criador produz supera a nossa imaginação. De fato, as ciências, nos seus pro­gressos, buscam simplesmente aprender, esforçando-se em pene­trar os segredos e as leis da criação.

Todavia, também diante das maravilhas do mundo, constata­mos possuir como “pessoas” um dom superior: a acuidade de espírito, assim que nos projetamos muito mais além das perfei­ções da natureza; a nossa inteligência vai sempre além das colu­nas de Hércules com uma coragem que supera a lenda de Ulisses.

Assim, enquanto pessoas, encontramos presente na criação, o tesouro do amor, que vale mais do que o macro e o micro­cosmos porque transcende a matéria introduzindo-nos no mistério íntimo da vida do Criador.

Aí descobrimos, sem muita dificuldade que a verdadeira obra-prima de Deus é o Homem, criado à Sua imagem, síntese viva das maravilhas cósmicas, livre e audaz, que pensa, que julga, que cria, que ama e que é, por isso, destinado a ser o liturgo de toda a criação, voz de louvor, mediador de glória, num diálogo de felicidade com o próprio Criador.

Infelizmente a história do homem e o mesmo significado do cosmos foram deformados pelo pecado. São Paulo afirma, de fato, que “entregue ao poder do nada — não por sua própria vontade, mas por vontade daquele que a submeteu —, a criação abriga a esperança, pois ela também será libertada da escravidão da corrupção para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus”.42

E é exatamente na nossa história que Deus, chegada a pleni­tude dos tempos, faz surgir o “Homem novo”, que é a sua defi­nitiva obra-prima: Jesus Cristo!

Ele é o grande ápice de toda a obra da criação. N’Ele — diz o Concílio — “torna-se verdadeiramente claro o mistério do homem... Imagem de Deus invisível, Ele é o homem perfeito... uniu-se de alguma maneira a todo homem... primogênito entre muitos irmãos”.43

Em sua vida terrena sentiu-se solidário com cada um dos homens de todos os séculos, desde o primeiro Adão (seu primeiro pai) até o último seu irmão, gerado no final dos tempos. Solidá­rio no bem e no mal, venceu o pecado com o poder do seu grande amor, testemunhado com o dom da própria vida no maior de todos os acontecimentos, a Páscoa. Através da permanência sacra­mental da Páscoa na Eucaristia vai gerando, unido com a Igreja sua Esposa, o Homem novo na história até quando voltará vitorioso no final dos tempos. Deus Pai “nos escondeu — como nos diz a liturgia — o dia e a hora, em que Cristo, Senhor e Juiz da história, aparecerá nas nuvens do céu com poder e majestade. Naquele dia terrível e glorioso passará o mundo presente e apare­cerão novos céus e nova terra’’.44 E então o Cristo oferecerá o seu Reino ao Pai.

Com razão, portanto, o Concílio afirma que Ele constitui “o fim da história humana, ‘o ponto para o qual convergem as aspi­rações da história e da civilização’, centro da humanidade, alegria de todos os corações e plenitude de todos os seus desejos... O desígnio de amor (do Pai é) ‘reunir todas as coisas em Cristo, as que estão no céu e aquelas que estão na terra’... E o próprio Senhor diz: ‘Eis que venho em breve e a minha recompensa está comigo... Eu sou o alfa e o ômega, o primeiro e o último, o princípio e o fim!’“.45

Considero importante, queridos irmãos, avaliar continuamen­te esta síntese de fé para podermos compreender o inefável valor do mistério eucarístico e para convencer-nos de que não é possível deixar de lado o Cristo na promoção do homem e no desenvolvimento de uma verdadeira pedagogia salesiana.

É certamente necessário assumir tudo o que há de positivo nos vários processos dos sinais dos tempos, mas é também importante saber distinguir as suas ambivalências e colocar os aspectos positivos da sua novidade em sintonia com a imensa e definitiva novidade da Páscoa.



A insuperável obra pascal de Cristo



Jesus Cristo teve consciência de ter uma vocação muito pessoal que o chamava a uma missão humanamente impossível: enfrentar radicalmente o mal, restabelecer a Aliança de toda a humanidade com Deus, devolver o sentido ao cosmos, proclamar a verdade sobre o significado da vida e da história, indicar a estrada concreta a ser seguida, favorecer uma superabundante energia de propulsão para a caminhada do Homem ao longo dos séculos.

Jesus compreendeu sempre mais claramente que o projeto do Pai dirigia a sua vocação e missão para uma hora estratégica, que teria sido o ponto mais alto da sua existência histórica: a “Sua” hora!

Ele, a obra-prima do Pai na criação, devia realizar a maior obra de todos os séculos e alcançar assim o ápice mais alto de toda obra humana. Só Ele podia fazê-lo porque o seu “ser Deus” lançava o seu “ser Homem” além dos limites do possível.

A sua grande hora histórica é chamada “Páscoa”. É uma obra-prima do Cristo-Homem dentro da obra maravilhosa do Pai. É tão sublime que nem o Criador podia inventar algo maior, como felizmente foi dito: id quo maius fieri nequit! (aquilo do qual é impossível realizar algo maior). É o gesto máximo que a genia­lidade onipotente do amor criador do Pai podia imaginar como possível na história humana.

Jesus, nascido de Maria por obra do Espírito Santo, é, como verdadeiro e solidário descendente de Adão, síntese viva das maravilhas cósmicas; ele devolve ao homem a vocação de liturgo da criação, voz de louvor e mediador de glória, através do seu amor sacrificado e convalidado pela ressurreição.

Esta obra fundamental foi realizada por Ele como Um de nós, o melhor, fraternalmente solidário com todos. Fez isto “uma vez por todas”.46 Fez isto imprimindo-a permanentemente também na sua existência humana de ressuscitado. Os acontecimentos históricos da Páscoa, de fato, deram uma Constituição definitiva à alma e ao corpo de Cristo, aperfeiçoaram a sua natureza humana individual dando-lhe uma atitude e traços que permanecem n’Ele para sempre, como vencedor. Estabilizaram, podemos dizer, a alma de Cristo (o seu coração) no ato supremo de oblação de si no máximo amor e caracterizaram o seu corpo físico com os traços da sua total doação, visíveis nos sinais da sua cruenta imolação.

O homem Cristo — proclama a Escritura — está diante do Pai como “um Cordeiro imolado, mas de pé... e um coro procla­mava em voz alta: ‘O Cordeiro imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor’”.47

Estes acontecimentos pascais são a realização litúrgico-sacrifical da Nova Aliança, aquela última e eterna, que dá lugar ao Homem novo, aos novos Céus e à nova Terra.

A penetrante carta aos Hebreus nos assegura que “Cristo veio como sumo sacerdote dos bens futuros. Ele atravessou uma tenda muito maior e mais perfeita, não feita por mãos humanas, isto é, ele atravessou uma tenda que não pertence a esta criação. Ele entrou uma vez por todas no santuário, e não com sangue de bodes e novilhos, mas com o seu próprio sangue, depois de conseguir para nós uma libertação definitiva”.48

Diante dos acontecimentos pascais e da ordem de Cristo para que se faça contínua “memória sacramental” na celebração da Eucaristia, os Apóstolos admiraram e contemplaram a realização da Nova Aliança prometida. Eis o sentido total da sua “presen­ça”! A Páscoa e a Eucaristia significam para eles, antes de tudo, a grande e a tão esperada hora da Aliança definitiva.

Esta Aliança acabava com a perda de sentido do cosmos e do antigo culto, infelizmente insuficiente, e dava começo a um novo, criado, projetado e realizado só por Cristo, pelo seu amor e pela sua solidariedade como Segundo Adão É, este, um culto novo onde sacerdote, vítima, templo, altar, sacrifício e banquete litúrgico se concentram na única realidade do Cristo.

Assim é Ele, Jesus Cristo, o seu coração, o seu amor, a sua palavra, o seu corpo, o seu sangue, a sua consagração sacerdotal (na união hipostática), que constitui o grande tesouro da Nova e Eterna Aliança. Um só Amor, um só Evangelho, um só Sacer­dote, uma só Vítima, um só Altar, um só Sacrifício, uma só Comunhão, para sempre: o único objetivo válido de esperança do homem e do cosmos.

Eis a obra-prima do Pai: “fazer do Cristo o coração do mundo”! Ele é o homem novo, Ele é a verdade, Ele é a vida e o caminho, Ele oferece a sua carne para comer e o seu sangue para beber e assim fazer nascer e crescer o Homem novo.

É bom refletir muitas vezes e ter presente para nós e para os jovens esta máxima e vital obra histórica de Cristo. Não se pode passar objetivamente por cima desta realidade: seria igno­rância, esvaziamento da fé, ingenuidade secularista e superficialidade imperdoável esquecer esta realidade a favor de uma moda transitória e que mundaniza, que revestiria de velhice a nossa vocação e missão.

Os máximos acontecimentos pascais de Cristo, no contexto da obra-prima do Pai no ilimitado e maravilhoso universo da sua criação, constituam o ponto mais alto da grandeza, do amor e da beleza de toda a obra do Criador.

Quem poderia aceitar que ele não estivesse no centro da vida dos fiéis e, em particular, da espiritualidade, da pastoral e da pedagogia da Família Salesiana de Dom Bosco?



A permanência viva da Nova Aliança



A renovação da Aliança do Senhor com os homens na Euca­ristia — nos assegura o Concílio Vaticano II — solicita e estimula os fiéis para a caridade imperiosa de Cristo.

Da Liturgia, portanto, mas principalmente da Eucaristia, como de uma fonte, brota para nós e com a maior eficácia se obtém aquela santificação dos homens e a glorificação de Deus em Cristo, para a qual, como a seu fim, tendem todas as demais obras da Igreja”.49

É esta uma afirmação solene que deve orientar todo nosso projeto pastoral e pedagógico se não quisermos perder tempo seguindo as modas da hora.

A Eucaristia torna presente de maneira real, através de uma ação sacramental, para nós — agora e aqui —, as mesmas reali­dades substanciais dos acontecimentos pascais de Cristo, reno­vando continuamente e comunicando as definitivas riquezas da Nova Aliança.

Houve com relação à “presença real” do Cristo pascal entre nós algumas negações ou tentativas de explicação que vieram a desestabilizar de fato, através dos séculos, a integridade e a organicidade do culto eucarístico, diminuindo às vezes, ou o ministé­rio presbiteral, ou o aspecto sacrificai, ou o crescimento eclesial, ou a transformação em liturgia da própria vida e da história que devolvem o seu verdadeiro sentido ao cosmos.

É necessário recuperar a verdade orgânica da doutrina na espiritualidade, na catequese, na pedagogia em toda a complexa e renovada atividade pastoral.

É este o grande tesouro da Igreja: a Eucaristia é o “Bem-comum” lançado ao futuro para toda a obra da salvação.

E “para realizar uma obra tão importante — afirma ainda o Concílio — Cristo está sempre presente em sua Igreja: está presente no sacrifício da Missa seja na pessoa do ministro... seja sobretudo nas espécies eucarísticas... Está presente pela sua palavra... Está presente quando a Igreja ora, salmodia... Cristo associa sempre a si a Igreja sua Esposa diletíssima... Portanto (a Eucaristia) enquanto obra de Cristo sacerdote e do seu corpo, que é a Igreja, é ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja”.50

O tema da presença viva da Nova Aliança entre nós é exatamente um dos aspectos centrais do mistério eucarístico que o Concílio quis focalizar em toda a sua grandeza e admirável fecun­didade.

O Papa Paulo VI na sua encíclica Mysterium fidei sobre a doutrina e o culto eucarístico,51 enquanto por um lado expõe motivos de solicitude pastoral e de austeridade por eventuais interpretações redutivas sobre a permanência real do corpo e do sangue de Cristo nas espécies consagradas, insiste por outro lado, sobre a objetividade de outras modalidades da presença “real” do Cristo na celebração da fração do pão:

Todos bem sabemos — afirma — que várias são as modali­dades de acordo com as quais Cristo está presente em sua Igreja”; a apresenta uma lista. “Estas várias maneiras de presença preen­chem a alma de maravilha e oferecem à contemplação o mistério da Igreja.52

A nós, aqui, interessa considerar aquelas modalidades de presença que estão diretamente vinculadas à celebração da Euca­ristia. Fixemos o olhar sobre três que asseguram a permanência viva entre nós da Nova Aliança.



  • A primeira refere-se a Cristo enquanto “está presente no Sacrifício da Missa na pessoa do ministro, “pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na Cruz”;53 quem preside a Eucaristia desenvolve, portanto, um papel sacramental.



  • A segunda sublinha que Cristo “está presente sob as espé­cies eucarísticas”.54 Paulo VI comenta na encíclica “Mysterium fidei”: “Esta presença fala-se ‘real’ não por exclusão, quase que as outras não fossem ‘reais’, mas por antonomásia porque é tam­bém corporal e substancial, e em força disso Cristo, Homem-Deus, todo inteiro se torna presente. Erradamente, portanto, alguém explicaria esta forma de presença imaginando o coroo de Cristo glorioso de natureza ‘pneumática’ onipresente; ou reduzindo-a nos limites de um simbolismo”.55



  • A terceira afirma que Cristo está ainda presente “quando a Igreja ora e salmodia, Ele que prometeu ‘onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei eu, no meio deles’ (Mt 18,20)”.56 E os sacerdotes que celebram representam também a Igreja que, em união com Cristo, se dirige ao Pai.

Estas modalidades de “presença real” oferecem uma admi­rável originalidade ao mistério. É necessário concentrar sobre elas a reflexão para iluminar melhor a nossa consciência eucarística.

Sabemos que os acontecimentos redentores da Páscoa se realizaram historicamente uma só vez para sempre e que, portanto, a oblação pessoal e a imolação de Cristo são o grande e único acontecimento sacrificai da Nova Aliança.

Cristo — nos assegura a carta aos Hebreus — não teve que se oferecer muitas vezes, como sumo sacerdote que todos os anos entra no santuário com sangue que não é seu. Se assim fosse, ele deveria ter sofrido muitas vezes desde a criação do mundo. Entre­tanto, ele se manifestou uma vez por todas no fim dos tempos, para abolir o pecado pelo sacrifício de si mesmo”.57

Para compreender este mistério é preciso partir do fato concreto que considera a própria ressurreição de Jesus como fundamento indispensável da liturgia da Sua Igreja.

O ponto central de nossas explicações — afirma ainda a carta aos Hebreus — é este: nós temos um sumo sacerdote tão grande que se assentou à direita do trono da majestade de Deus no céu. Ele é ministro do santuário e da verdadeira tenda, que foi construída pelo Senhor, e não por um homem”.58

Eis a imensa originalidade! O sacrifício da Nova Aliança não é um simples fato do passado, mas é renovado “sacramentalmente” agora e aqui; enquanto celebramos a Eucaristia, age diante do Pai o próprio Cristo; Ele é agora conosco “o Mediador da Nova Aliança entre Deus e os homens”.59

Na liturgia eucarística está ativamente participando o pró­prio Cristo, que torna a sua Páscoa uma ação viva ao longo de todo o tempo da Igreja.

É preciso experimentar fechando os olhos e meditar, durante as nossas celebrações eucarísticas, para esforçar-nos e perceber a transcendente densidade do mistério ao qual participamos.

No próprio desenvolvimento da celebração, após a consagra­ção do pão e do vinho, interrompemos até a solene oração ao Pai para exclamar cheios de admiração: “Eis o mistério da fé! Anun­ciamos a vossa morte, Senhor, e proclamamos vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”.

Tornam-se indispensáveis, ao longo da celebração da Euca­ristia, alguns silêncios vitais. Alguns momentos de íntimo reco­lhimento são necessários ao coração do fiel. O mistério requer também silêncio: não como pausa, mas como escuta do Espírito. É um espaço de tempo reservado ao êxtase do amor para uma penetração pessoal do mistério sacramental.

Onde mais rico é o mistério, mais necessário torna-se o silêncio contemplativo.

Trata-se de “saborear” a presença envolvente de Cristo na Nova Aliança.



As maravilhas da “sacramentalidade” eclesial



Procuremos aprofundar esta presença viva de Cristo na Nova Aliança.

Observemos as componentes.

O único Sacerdote, com o seu ato de entrega total (“estando para ser entregue e abraçando livremente a paixão” — Oração eucarística II) é Cristo Sumo Sacerdote que está diante do Pai.

A única Vítima imolada é a carne e o sangue do seu corpo humano, ressuscitado, mas que continua a se apresentar no céu como o “Cordeiro imolado”.60

O Banquete sacrificai é incorporação verdadeira, através da mediação sacramental, no próprio corpo de Cristo, que vai assim crescendo misticamente ao longo da história. De fato, diz são Paulo: “O cálice da bênção que nós abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? E como há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, pois participamos todos desse único pão”.61

Temos que descobrir na verdade um conjunto de autênticas maravilhas, contidas e manifestadas (mas também escondidas) na extraordinária “sacramentalidade” da Igreja, quando celebra a Eucaristia.

A expressão conciliar que define a própria Igreja o grande “Sacramento de salvação”, não se esgota num puro simbolismo; ela ultrapassa objetivamente os limites do tempo e do espaço. Somente a ótica da fé percebe a realidade pascal.

Na conclusão da Oração eucarística dirigida pessoalmente ao Pai, de fato, proclamamos: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, ó Pai todo poderoso, toda honra e toda a glória agora e para sempre na unidade do Espírito Santo. Amém!”.

O todo se realiza pela presença real de Cristo.

Meditemos brevemente sobre estes três momentos da cele­bração eucarística para aprofundar a sua densidade de “presença real” do Cristo.



Em primeiro lugar os Sacerdotes que presidem a celebra­ção eucarística cumprem um altíssimo papel “sacramental”. Tornam presente o próprio Cristo e renovam os conteúdos de oblação que se imola, de adoração, de louvor, de aliança e de compromisso apostólico.62 E ainda representam a Igreja. Em nome de Cristo e representando a Sua Igreja falam ao Pai; de fato, como afirma Paulo VI, “Cristo está presente na sua Igreja que rege e governa o Povo de Deus, porque o sagrado poder vem de Cristo e Cristo, ‘Pastor dos Pastores’, assiste os pastores que a exercem, de acordo com a promessa feita aos Apóstolos”.63

Com este papel sacramental, os presbíteros unem e inserem a vida cotidiana dos fiéis no mesmo amor de Cristo; é a entrada de cada geração humana na obra pascal do Senhor, como sacrifí­cio espiritual em solidariedade com Ele. É a hora sublime da transformação da história em liturgia. Não se trata de um rito alienante, mas sim da máxima celebração do mais concreto realis­mo do amor humano no devir do cotidiano e em todos os aconte­cimentos da existência para o autêntico significado do próprio universo.

E, no interior desta representatividade eclesial, existe um papel sacramental especialíssimo no ministério dos Presbíteros celebrantes. Enquanto fazem memória litúrgica dos acontecimen­tos pascais eles agem diretamente “in persona Christi”, oferecem-lhe a própria voz, sustentados por um especial “sagrado poder”. Aqui eles — diz o Concílio — “realizam o sacrifício euca­rístico na pessoa de Cristo”;64 “agindo na pessoa de Cristo — repete o Concílio — e proclamando o seu mistério, unem os votos dos fiéis ao sacrifício do seu Chefe e no sacrifício da Missa tor­nam presente e aplicam até a vinda do Senhor, o único sacrifício do Novo Testamento”.65

Quanto é grande este mistério!



Em segundo lugar, devemos considerar que a atividade ministerial do sacerdote está envolvida pelo “poder do Espírito Santo” para consagrar o pão e o vinho “a fim de que se tornem para nós o corpo e o sangue de Jesus Cristo”,66 e pela invocação da plenitude do Espírito Santo sobre a assembleia.

A modalidade sacramental desta presença é sacrifical; sob os sinais sacramentais do corpo e do sangue (que foram de fato separados na imolação cruenta do Calvário) torna-se presente, “verdadeiramente, realmente e substancialmente”67 o corpo ressus­citado de Cristo atualmente diante do Pai com as cicatrizes de vítima imolada e aceita impressas. A realidade contida nas espé­cies eucarísticas — dizia santo Ambrósio — “não é o que a natureza formou, mas o que a bênção consagrou”.68

Eis, novamente, um outro aspecto do grande mistério!



Em terceiro lugar, a presença real e substancial do corpo ressuscitado de Cristo traz consigo um novo e admirável efeito sacramental: o da assimilação a Ele no banquete da comunhão. Aí “participando do corpo e sangue de Cristo somos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo”.69

É uma visão de fé verdadeiramente profunda. O rito sacra­mental do comer e beber comporta, a semelhança do processo assimilativo natural, uma incorporação vital de nós mesmos no próprio Cristo, assim que formamos com Ele um único Corpo no devir da história: “de fato, ‘a participação ao corpo e sangue de Cristo — diz Leão Magno — não faz outra coisa senão transformar-nos naquilo que tomamos”.70

Quando o Concílio fala da Igreja como “Corpo de Cristo” não pretende simplesmente utilizar uma “figura” ou uma “metáfora”. A “Lumen Gentium” claramente distinguiu entre “imagens da Igreja”71 e a expressão mais profunda de “Igreja-Corpo de Cris­to”.72 Esta expressão indica de fato uma realidade objetiva que não pode ser reduzida simplesmente ao grau de uma metáfora; através dela afirma-se que a Igreja é de verdade um organismo visível de vida espiritual que se torna globalmente, enquanto assembleia de pessoas em comunhão com Cristo, o “Sacramento universal de salvação”.

No Corpo Místico — afirma a “Lumen Gentium” — “a vida de Cristo difunde-se nos fiéis, que através dos Sacramentos são unidos de maneira misteriosa, mas real, a Cristo que sofreu e foi glorificado... Na fração do pão eucarístico participando nós realmente do corpo do Senhor, somos elevados à comunhão com Ele e entre nós... Cabeça deste Corpo é o Cristo: Ele está antes de todas as coisas e tudo subsiste n’Ele... Por Ele todo o Corpo, através de juntas e nervos recebe o aumento desejado por Deus (Cl 2,19)... E para que nos renovássemos continuamente n’Ele deu o Seu Espírito, que, único e igual na Cabeça e nos membros, dá a todo o Corpo, a unidade e o movimento, assim que os santos Padres puderam comparar a sua tarefa com aquela que exerce o princípio vital, isto é, a alma no corpo humano”.73

Esta descrição realista, enquanto nos faz penetrar na insupe­rável originalidade da dimensão sacramental da Nova Aliança, nos faz tomar mais clara consciência do porque o Concílio nos falou do “mistério da Igreja”.

É na Eucaristia que se percebe com mais admirada contem­plação a imensa novidade de “sermos cristãos”. Justamente, deve-se ter consciência de que “todos os sacramentos como também todos os ministérios eclesiais e as obras de apostolado estão estri­tamente unidos à sagrada Eucaristia e a ela ordenados. De fato, a santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja.74



A adoração e a missão



As maravilhas de uma semelhante e múltipla “Presença real” nos impulsionam a colocar no centro da vida de fé uma atitude de adoração. Os vários momentos da celebração eucarística e a presença das espécies consagradas convidam a um culto de con­templação na fé. É realmente algo de sublime que estimula um inteligente silêncio de adoração, enquanto contempla as suas várias dimensões: de culto, de santificação, de profissão de fé, de testemunho até o martírio, de compromisso apostólico, de aprofundamento da verdade, de triunfo do amor.



Na Missa, deve-se contemplar quem é o sacerdote que realiza (“agora e aqui”) a verdadeira oblação sacrifical. Como vimos, é o próprio Cristo; e o faz por nós e juntamente conosco para incorporar no Seu oferecimento também as contribuições da nossa vida cotidiana e da nossa angustiosa existência.

Aqui, a meditação deve descobrir o “específico cristão”, vivi­do e revelado por Cristo na Páscoa. Na Eucaristia não há perigos de interpretações ambíguas ou erradas. O específico cristão não se mede com uma visão veterotestamentária ou com impacientes expressões temporais; apresenta-se na sua plena originalidade como dom de si no amor feito sacrifício: a capacidade de oferecer com alegria o compromisso concreto e generoso do próprio amor.

O homem novo, fruto da Páscoa, vive em plenitude o amor da caridade não violenta, dirigindo-se ao mesmo tempo aos seus dois polos, Deus e o Homem, através de uma intrínseca “graça de unidade” que brota do coração de Cristo onde o amor do Pai é a causa, a fonte e a força do amor ao próximo, aos pobres, aos jovens, aos necessitados.



  • Nas Espécies consagradas, depois, deve-se contemplar a maneira com a qual Cristo se oferece a nós sob a forma de vítima, convidando-nos a compreender as riquezas do sofrimento na vida quando a fazemos crescer no amor através do dom de si no sacri­fício. Eis porque Cristo permanece sempre, também depois da Ascensão, como o verdadeiro “Emanuel, isto é, o ‘Deus conosco’, porque dia e noite — nos lembra Paulo VI — está em nosso meio, mora em nós cheio de graça e de verdade; restaura os costumes, alimenta as virtudes, consola os aflitos, fortifica os fracos e con­vida para que O imitem todos aqueles que d’Ele se aproximam”.75

Por isso, o mesmo grande Papa Paulo VI exortava para que se promovesse “sem medir palavras e esforços, o culto eucarís­tico, para o qual devem convergir finalmente todas as outras formas de piedade”.76

E João Paulo II nos lembrou que não se compreende uma comunidade religiosa local a não ser reunida com fé contemplativa ao redor do tabernáculo.



  • Na Comunhão sacramental, por fim, devemos contemplar a maravilha da nossa assimilação a Cristo pela qual nos tornamos seu Corpo para continuar a missão redentora no mundo.

No banquete de comunhão devemos meditar dois aspectos admiráveis: a fecundidade da Eucaristia que gera todos os dias a Igreja, e, ainda, o seu convite a uma missão concreta e histó­rica para a salvação dos homens.

São verdadeiramente fascinantes estas duas considerações.

A Igreja, pela força do Espírito, nasce sempre de Cristo a cada dia; nasce de sua mediação sacerdotal; com a Igreja, sua Esposa, Ele une-se misticamente, na Eucaristia, formando um só Corpo fecundo para dar vida nova a tantos filhos. Só aqui encontra-se a autêntica matriz do início da Igreja! Ela não nasce das bases quase por autogeração; nasce pela ação sacramental que insere vitalmente num organismo pré-existente e estruturado como é o Corpo de Cristo. Não se recebe a comunhão simples­mente porque se tomou parte a uma celebração ritual, mas “entra-se” com ela na participação viva “no específico cristão” para sentir-se mandados na missão de salvação.

Eis porque a comunhão suscita decisões de vida, estimula critérios apostólicos de ação e fortalece com energia pascal de crescimento e de perseverança.

Na adoração eucarística, portanto, pode-se perceber clara­mente que a Nova Aliança não é um fato do passado ou uma simples doutrina ou só uma celebração ritual, mas que é a fonte permanente do Homem novo num Povo reunido por Deus para ser artífice do verdadeiro progresso humano e da recapitulação de toda a criação em Cristo.



A tarefa pastoral de gerar “Igreja”



A este ponto, queridos irmãos, devemo-nos perguntar se um panorama tão denso de maravilhas pascais esteja guiando de verdade a nossa vida consagrada e os nossos compromissos de pastoral juvenil e popular.

Ninguém de nós tem o direito de esquecer ou de silenciar os riquíssimos conteúdos deste “mistério da fé”. Esquecer-se da Eucaristia na vida salesiana e na nossa ação pastoral e pedagó­gica seria trair o sentido e o projeto da nossa consagração apostólica.77

Dom Bosco espera de nós, no ‘88, uma revitalização profunda do seu Sistema Preventivo. Os jovens reclamam um nosso sincero testemunho e relançamento da autenticidade do mistério cristão. Eles têm o direito que nos apresentemos a eles como sinais e portadores das maravilhas da Nova Aliança. O eludir, o camuflar, o pretender passar como inovadores, nos desclassificaria como discípulos de Cristo e como herdeiros de Dom Bosco.

O ‘88 questiona: ou com Dom Bosco pelos séculos ou com certas modas por uma breve hora passageira!

Devemos saber viver e comunicar aos jovens uma autêntica experiência de Igreja na grande hora histórica da sua renovação conciliar na aurora do Terceiro milênio da fé cristã.

Existe um aspecto delicado e muito importante que sempre tive presente, como questionamento ao longo destas reflexões: o que pensar e como agir com a juventude não-cristã que frequenta em muitas partes do mundo os nossos centros de educação?

Evidentemente, não se pode agir com eles com os mesmos métodos de “iniciação cristã” com os quais devem ser educados os batizados. Mas então, neste caso, o Sistema Preventivo de Dom Bosco perderia o seu significado?

Ninguém pode duvidar do fato que a pedagogia salesiana funciona com uma sua peculiar eficácia entre numerosos jovens de outras religiões. A experiência nos assegura com uma resposta plenamente afirmativa a favor deste compromisso, enquanto nos estimulou e nos convida para avaliações e reflexões inéditas sobre o assunto.

Nós nos lançamos neste trabalho seguindo indicações claras das Constituições: “Os povos ainda não evangelizados — elas nos dizem — foram objeto especial dos cuidados e do ardor apostó­lico de Dom Bosco. Eles continuam a solicitar e a manter vivo o nosso zelo: ... o missionário salesiano assume os valores desses povos e partilha suas angústias e esperanças”.78

Ainda mais, falando da promoção humana as Constituições nos lembram que “trabalhamos em ambientes populares e em favor dos jovens pobres. Colaborando com eles, educamo-los para as responsabilidades morais, profissionais e sociais, e contribuímos para a promoção do grupo e do ambiente... Conservando-nos independentes de qualquer ideologia e política partidária, recusamos tudo o que favorece a miséria, a injustiça e a violência, e colaboramos com quantos constroem uma sociedade mais digna do homem. A promoção, à qual nos dedicamos em espírito evangé­lico, realiza o amor libertador de Cristo e constitui um sinal da presença do Reino de Deus”.79

E mais: “Imitando a paciência de Deus, encontramos os jovens no ponto em que se acha a sua liberdade”.80

Nossa ação apostólica — afirmam ainda — realiza-se em pluralidade de formas, determinadas em primeiro lugar pelas exigências daqueles a quem nos dedicamos. Trabalhamos... sen­síveis aos sinais dos tempos, com espírito de iniciativa e cons­tante flexibilidade”.81

Devemos, portanto, agir com modalidades diferentes, mas sempre como “missionários”.

O espírito missionário não deixa de lado a Eucaristia nem reduz a sua centralidade. De fato, os missionários, como agentes deste compromisso educativo, dedicam-se ao seu trabalho “em espírito evangélico” imitando a “paciência de Deus” e sendo educadores “na plena fidelidade de Dom Bosco”. Por outro lado, junto com a massa juvenil não cristã, educam e formam também grupos de batizados e de fiéis.

Portanto, seja para alimentar a vida espiritual dos irmãos neste seu difícil apostolado, seja para fazer crescer os jovens já batizados, seja para fazer ver concretamente aos outros qual é o motor secreto de toda a sua bondade e atividade e do signifi­cado último do seu projeto educativo, é preciso que seja alimen­tada entre eles (diria aliás, especialmente entre eles), certamente de maneira adequada, a absoluta centralidade do mistério euca­rístico.

O que meditamos até aqui, queridos irmãos, nos assegura que existe uma relação objetiva e de causalidade mútua entre celebra­ção eucarística, espírito apostólico e missionário e experiência de Igreja. É uma relação vital: o único verdadeiro e o único aberto para o futuro. Falou-se que “a Igreja faz a Eucaristia e a Eucaris­tia faz a Igreja”.

Para “sermos cristãos” é preciso sermos membros da Igreja de Cristo. Mas a relação de mútua causalidade entre Eucaristia e Igreja não será vibrante e fecunda se os pastores e os destina­tários não forem atingidos e questionados pelos seus conteúdos pascais. A introdução a esta sublime realidade cristã desafia hoje com particular urgência a capacidade pedagógica de mediação das nossas comunidades e de todos os agentes de pastoral. É necessá­rio entre outras coisas, para todos, um maior conhecimento e competência litúrgica.

Formar verdadeiros cristãos significa introduzi-los numa experiência de Igreja. E toda verdadeira experiência de Igreja faz participar o fiel das realidades do Mistério. É verdade que hoje é preciso saber partir da sensibilidade hermenêutica dos sinais dos tempos para que trouxeram à atual mudança cultural; porém se quisermos introduzir os jovens na Nova Aliança será preciso colocar sempre a imensa novidade da Páscoa diante das tão inte­ressantes, mas pequenas novidades da nova visão antropológica. A novidade pascal supera infinitamente e julga e assume no tempo tantas progressivas novidades culturais, que apesar de serem preciosas, resultam sempre de bem pequena estatura diante dela.

Os agentes de pastoral são convidados a se habilitarem “ao mesmo tempo” seja com a cultura em formação, e sobretudo com um mais preciso e profundo sentido do mistério pascal, sempre atentos ao “sentire cum Ecclesia”, sem mesquinhas manipulações. Ninguém mais poderá apresentar algo maior e mais novo do que a Páscoa de Cristo, a grande obra-prima do Pai e a obra suprema do Homem.

Portanto, através das mediações culturais mais adequadas será indispensável introduzir aos grandes conteúdos da Eucaris­tia. Certamente hoje as novidades culturais são desafiadoras; mas o objetivo que se busca será sempre o de fazer perceber, aproxi­mar e fazer participar do mistério pascal de Cristo.

É nossa tarefa individualizar o caminho pedagógico-pastoral apto a uma verdadeira iniciação cristã (a “mistagogia”, tão que­rida aos Pastores da Igreja). É necessário, em cada aspecto pas­toral, encontrar o caminho que conduza ao indispensável encontro entre a sensibilidade contemporânea e a dimensão salvadora, indispensável e necessária, da Nova Aliança.

A caminhada pastoral a ser percorrida para gerar “Igreja” exige um forte compromisso de renovação, seja na catequese sobre a Eucaristia, seja na sua celebração litúrgica.

Nessa celebração, ela proclama ao mesmo tempo o mistério da sua própria natureza (= eclesiológica) e a fecundidade da sua missão específica (= eclesiogênesis). Ela é a Segunda Eva, com a qual Cristo, Segundo Adão, dá origem ao novo gênero humano.

Não se tratará, portanto, de buscar na Eucaristia qual­quer informação nova sobre Deus ou sobre o homem; não fica­remos numa simples introdução aos ritos (também se necessária), nem será suficiente celebrar simplesmente alguns valores huma­nos, juvenis ou sociais, mas será necessário fazer uma verdadeira introdução ao mistério de Cristo.

Assim a celebração eucarística aparecerá como o verdadeiro encontro entre fé e vida, entre o cotidiano e o Evangelho, entre verdade salvadora e questionamento atual.

Juntamente com a “memória pascal” crescerá a descoberta do amor e a preciosidade da vida; será urgente educar à sensi­bilidade sacramental com a sua original riqueza simbólica; será necessário que se intensifique a atitude de adoração contempla­tiva. A pedagogia pastoral terá o cuidado de promover a partici­pação, a consciência da filiação no Cristo, os valores tipicamente cristãos da gratidão, os aspectos da solidariedade, as exigências históricas da missão.

É esta a maneira concreta de gerar “Igreja”, que oferece à sociedade “honestos cidadãos”, competentes, responsáveis, com­prometidos. É através da Eucaristia que se forma aquele sólido Laicato, finalidade do recente Sínodo dos Bispos.

Nós filhos de Dom Bosco, herdeiros de um precioso patrimô­nio pedagógico, deveríamos saber propor e comunicar sempre aos jovens o “específico cristão” da Páscoa oferecido por eles na Eucaristia.



Algumas exigências concretas da pedagogia eucarística de Dom Bosco



A Estreia deste ano jubilar convida-nos a promover a “peda­gogia da bondade” característica do Sistema Preventivo.

Permitam-me, queridos irmãos, que lhes faça uma pergunta séria: que lugar ocupam hoje, nos nossos projetos educativos, o mistério e a celebração eucarística?

Sejamos sinceros! Talvez não poucos de nós estão perdendo tempo. Dom Bosco não está de acordo com certas racionalizações. É urgente rever seriamente e comprometer-nos com coragem. O Sistema Preventivo, na sua expressão mais genuína, apoiar-se-á sempre na caridade pastoral sustentada por dois grandes centros sacramentais, o da Reconciliação e o da Eucaristia. Estas afirma­ções não são resquício de uma cultura religiosa ultrapassada, mas perspectivas proféticas do Concílio Vaticano II.

Da herança espiritual e pedagógica do nosso Fundador sur­gem, entre outras, as seguintes exigências práticas para termos em consideração.



Primeiro para nós. O espírito de Dom Bosco, como já vimos, está todo ele centralizado no Jesus-Eucaristia, do qual irradia-se o fogo do “Da mihi animas”. As nossas comunidades devem crescer ao redor do altar, buscar nas riquezas da convi­vência conosco do Emanuel.

Cristo não é só a grande personagem dos nossos ideais, mas o Amigo que está em casa conosco e para nós. Olhemos continua­mente para Ele na expressão máxima da sua Páscoa. Dom Bosco nos deixou escrito no seu precioso testamento: “Morreu o vosso primeiro Reitor. Mas o nosso verdadeiro superior, Jesus Cristo, não morrerá. Ele será sempre nosso mestre, nosso guia, nosso modelo. Não vos esqueçais, porém, de que, a seu tempo, ele mesmo será o nosso juiz e remunerador da nossa fidelidade ao seu serviço”.82

A centralidade de Cristo é vivida, no nosso espírito, com uma extraordinária sensibilidade de contemplação e de amizade para com a Eucaristia. Portanto, com um sentido particular e com um cuidadoso respeito para com a sua humilde dimensão sacramen­tal, ela deverá ser adornada pela arte, pela dignidade dos para­mentos litúrgicos, por uma elegância de culto que não pode aceitar os esquecimentos, o mau gosto, a vulgaridade, a degra­dação das mensagens simbólicas que fazem parte dela.

Na Eucaristia, do ponto de vista simplesmente exterior, é tudo quase insignificante: a pessoa do padre (um de nós com os outros), um pedaço de pão, um pouco de vinho, algumas palavras de oração. Se não elevarmos estes elementos para a alta e digna dimensão eclesial de suas expressões sacramentais, se a apresenta­mos fazendo pouco caso das pessoas dos celebrantes, se banali­zamos o rito da Missa, se manipulamos a Oração litúrgica com arbitrariedades pessoais chatas e transitórias ou até ideológicas, afastamos o coração e a força contemplativa do rito litúrgico do conteúdo do mistério, que, no entanto, está presente substancial­mente nele.

A Eucaristia é, queridos irmãos, não o esqueçamos, o que há de mais sublime; e isto o é como realidade para toda a Igreja: “na Igreja, com a Igreja, para a Igreja”!

Isto exige uma especial capacidade contemplativa nos sacer­dotes, cuja vitalidade interior deve ser concentrada sobre o Cristo pascal (o único Sacerdote) e sobre a Igreja Sua Esposa para servi-la e torná-la fecunda.

E aqui permitam-me, queridos irmãos sacerdotes, que lhes lembre a importância de uma atitude esponsal cotidiana profun­damente ligada à Eucaristia: trata-se da oração Litúrgica das Horas. Nós sacerdotes rezamos com a Igreja e em seu nome a favor de todos. Infelizmente alguém não se preocupou em ter consciência clara da sua natureza e do seu valor eclesial e passa por cima como se se tratasse simplesmente de uma oração indi­vidual a ser escolhida a seu gosto.

O artigo 89 das nossas Constituições diz explicitamente que “a Liturgia das Horas estende às diversas horas do dia a graça do mistério eucarístico”.83 Ainda lembra aos sacerdotes e diáco­nos (“os clérigos”) “as obrigações assumidas na ordenação”.84

Considero útil citar aqui integralmente um trecho do decreto sobre “Princípios e normas para a Liturgia das Horas”85 que trata exatamente da relação entre esta oração oficial e a Eucaristia.

A Liturgia das Horas — lê-se — estende para as diversas horas do dia os louvores e as ações de graças, as petições e aquele antegozo da glória celeste que encontramos no mistério euca­rístico.

A celebração da Eucaristia, por sua vez, é insuperavelmente preparada por meio da Liturgia das Horas. Nesta se despertam e se alimentam adequadamente as disposições necessárias para celebrar com proveito a Eucaristia, quais são a fé, a esperança, a caridade, a devoção e o espírito de sacrifício”.86

A atitude sacerdotal de Jesus Cristo está concentrada, sem dúvida, na oração. Ele mesmo afirmou que “é necessário rezar sempre sem desanimar”.87 Sabemos ainda que com Ele e “por meio d’Ele oferecemos continuamente um sacrifício de louvor a Deus”:88 devolvemos o seu verdadeiro sentido ao universo, porta-vozes de louvor de toda a criação.

Será necessário, portanto, que para esta íntima relação entre Eucaristia e Liturgia das Horas haja um maior cuidado, especial­mente por parte dos sacerdotes e dos diáconos, na oração eclesial do Ofício Divino.

(N.B.: Será conveniente reler pessoal e comunitaria­mente o que foi apresentado pelo Conselheiro para a Formação, Pe. Paulo Natali, no nº 321 dos ACG — abril-junho 87, pp. 44-54 — sobre as nossas celebrações litúrgicas. São orientações e diretrizes atuais e necessárias.)

Portanto, Dom Bosco nos pede maiores alturas espirituais e celebrativas em liturgia. Não importa se outros seguem modas empobrecidas e infelizmente também banais, justificando-as com algumas afirmações pseudoculturais. O grande critério que deve iluminar as nossas celebrações e a nossa oração é o valor inefável e definitivo dos acontecimentos pascais.

Devemos ter a coragem de assumir os desafios educativos desse critério se quisermos ter êxito no trabalho pedagógico em fazer viver a Eucaristia entre os jovens.

Eis então um segundo grupo de exigências práticas que nos são exigidas pela herança profética do nosso Fundador.



Para a educação dos jovens e do povo. A ação apostólica de Dom Bosco está voltada para levar os destinatários até a Eucaristia. Na biografia de Francisco Besucco, no capítulo 19, ele escreve esta categórica frase: “Fale-se o que se quiser sobre os vários sistemas de educação, mas eu não encontro segurança alguma, a não ser na frequência da Confissão e Comunhão; e acredito não estar falando nenhum despropósito afirmando que omitidos estes dois elementos a moralidade fica comprometida”.89

Uma linguagem tão categórica não é muito comum em Dom Bosco; explica-se no contexto polêmico em que nasce, mas reflete o seu verdadeiro sentimento.

O sacramento da Reconciliação unido à viva participação na Eucaristia nas mãos de Dom Bosco era “o meio pedagógico por excelência capaz de corrigir os seus jovens e alicerçar a verda­deira e firme piedade: isto é, aquela que é correspondida pela vida e compenetrada na mesma”.90

A riqueza da pedagogia do nosso Pai abraça certamente hori­zontes muito amplos, mas é difícil constatar que estes dois sacra­mentos (Reconciliação e Eucaristia) sejam o seu verdadeiro “ápice” e a “fonte”.

As nossas próprias Constituições (que meditamos em prepa­ração ao grande acontecimento do próximo 14 de maio) nos lembram isto em vários artigos.

Nossa ciência mais eminente é, pois, conhecer Jesus Cristo; e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério. Caminhamos com os jovens para conduzi-los à pessoa do Senhor ressuscitado, a fim de que cresçam como homens novos”.91

Encaminhamos os jovens a fazer experiência de vida eclesial mediante o ingresso e a participação numa comunidade de fé”.92

A Eucaristia e a Reconciliação, celebradas assiduamente, oferecem recursos de valor excepcional para a educação à liber­dade cristã, à conversão do coração e ao espírito de partilha e serviço na comunidade eclesial”.93

Devemos, portanto, repensar a prática cotidiana da nossa pastoral juvenil; tomemos também em consideração a metodolo­gia da gradualidade: “imitando a paciência de Deus, encontramos os jovens no ponto em que se acha a sua liberdade. Acompanha­mo-los para que eles amadureçam convicções sólidas e se tornem progressivamente responsáveis no delicado processo de cresci­mento de sua humanidade na fé”;94 mas que seja sempre claro, nos nossos projetos educativos, que “iniciamos os jovens numa participação consciente e ativa na liturgia da Igreja, ponto culmi­nante e fonte de toda a vida cristã”.95

Este “iniciar os jovens para participar de maneira consciente e ativa na liturgia da Igreja” significa, concretamente, introdu­zi-los pedagogicamente ao mistério pascal. Na prática educativa de Dom Bosco se faz isso alicerçando a consciência de fé e a amizade de convivência com Jesus Cristo na Eucaristia.

Uma semelhante atitude fundamental exige entre outras coisas, o cuidado pedagógico em “seis momentos eucarísticos”:

  1. a “conversão”: sem o sentido do pecado não se com­preenderá jamais a centralidade e a indispensabilidade de Cristo; e por outro lado, se não se aprofunda a verdade sobre o amor não se saberá o que é pecado;

  2. a “iluminação” da Palavra de Deus: só a luz do Evange­lho oferece respostas válidas aos prementes problemas da vida;

  3. a consciência da “presença real” de Cristo na Nova Aliança: nunca será suficiente insistir, em fazer perceber e no aprofundar as maravilhas da “sacramentalidade” da Igreja na celebração do sacrifício da Missa;

  4. a “viva incorporação a Cristo”: a comunhão sacramental é o verdadeiro berço do Homem novo; deve ser apresen­tada e inculcada continuamente como fonte de profundas convicções e como energia de corajosa vida cristã;

  5. a “missão”: ser Corpo de Cristo no mundo exige compro­missos cotidianos de participação na sua atividade salva­dora; o nosso trabalho educativo deve caracterizar-se no futuro dos jovens ao apostolado;

  6. por fim, a amizade de “adoração” também com a sua dimensão reparadora. Dom Bosco dava particular impor­tância ao fato de estar Jesus perto, em casa, à nossa disposição; fazer compreender o mistério do Emanuel significa derrotar nos corações as depressões da solidão e assegurar a cada um seu lugar estratégico de retomada do bem na própria vida.

Eis algumas indicações para programações concretas.



Falei-lhes um pouco mais acima da gradualidade pedagógica. A iniciação ao mistério eucarístico é um processo dinâmico e pedagogicamente criativo, que avança gradualmente como o pro­gressivo crescimento dos destinatários apreciando os aconteci­mentos pascais e suas exigências de fé na vida pessoal e social.96

A gradualidade, porém, não é uma desculpa para parar na metade do caminho ou até, para nem começar. Tem sempre diante de si com clareza a meta para a qual tende e deixa de ser gradualidade se não se movimenta continuamente em direção a ela. Supõe, portanto, sempre e concretamente, um caminhar peda­gógico de crescimento que acompanha e estimula aqueles que querem de verdade ser cristãos e viver da Eucaristia.

Isto me leva a repetir, com profunda convicção, o que dizia no começo: o tema da Eucaristia é para nós o mais vital; é a medida do nosso espírito e da nossa ação!



Uma devoção a Nossa Senhora que leva à Eucaristia



Para concluir, queridos irmãos, lhes aponto um aspecto sugestivo, apropriado para o Ano mariano que estamos vivendo. Não o desenvolvo; só um breve aceno. Trata-se da perspectiva eucarística que tinha a devoção a Nossa Senhora em Dom Bosco.

No século passado os anos sessenta foram um momento crucial do Risorgimento italiano, especialmente no Piemonte. Tudo parecia conjurar contra a Igreja. Dom Bosco observava atenta­mente, sofria, agia. Percebia no renascimento do culto eucarístico e da devoção à Auxiliadora as “duas colunas” sobre as quais se apoiar para evitar a derrocada.

Inserido num contexto político-cultural que obrigava o Papa e a Igreja a viver num “estado de sítio”, não encontrava algo melhor do que confiar plenamente no mistério da Eucaristia e na poderosa intercessão do “Auxílio dos Cristãos”.

Ele, que não era um teólogo profissional, intuiu como pastor e educador que a linha de força da fé passa sempre através da Eucaristia com a mediação maternal de Maria.

A 30 de maio de 1862 (o ano e o mês da primeira Profissão salesiana!) Dom Bosco narra o seu famoso “sonho das duas colu­nas”, que se levantam no meio da “imensidão do mar”. Numa encontra-se uma estátua de Nossa Senhora Imaculada com um grande cartaz e a escrita “Auxilium christianorum”; na outra “muito mais alta e bem maior, está uma Hóstia de grandeza proporcional à coluna e abaixo um outro cartaz com as palavras ‘Salus credentium’“.97 São os dois ressuscitados: Cristo e Maria, o novo Adão e a nova Eva que guiam a Igreja! O “grande navio” — símbolo da Igreja “única arca de salva­ção” do qual “o Romano Pontífice é comandante” —, após uma luta acirrada contra o mar em tempestade e os assaltos concen­trados dos navios inimigos, resiste e vence logo que consegue se firmar entre as duas colunas, isto é, na Eucaristia e na Auxiliadora.

O sonho tem inegavelmente um forte aspecto apologético, mas expressa a situação da alma e as profundas convicções de Dom Bosco.

No mês de dezembro do ano seguinte, 1863 — escreve o Pe. Ruffino — o nosso Pai apresenta como Estreia para o ano de 1864 a devoção ao SS. Sacramento e a Nossa Senhora, retomando o sonho das duas colunas: “Estejam bem atentos para me entender: Imaginem ver um grande globo suspenso nos dois polos por duas colunas. Em cima de uma está escrito: ‘Regina mundi’; noutra: ‘Panis Vitae’ “. As colunas emanam “fulgidíssima luz”, longe delas não havia senão “densas trevas”.98

Jesus e Maria para Dom Bosco estão vivos e presentes na história; intervêm poderosamente a favor da Igreja. Nossa Senho­ra leva a Jesus. Mas a modalidade da presença real de Jesus, à qual Nossa Senhora leva, é aquela do mistério eucarístico.

Para além de uma situação sociopolítica contingente e limi­tada, permanece viva e atual a dimensão profética e perene das duas colunas, a que hoje nós devemos saber olhar com a nossa vida interior e com o nosso compromisso pastoral e pedagógico para a educação do Homem novo.

Considero comovedor e significativo relembrar aqui o episó­dio da fundação da casa de Liége na Bélgica, que mostra esta relação. Mons. Doutreloux, dinâmico bispo da cidade, fora até Turim no dia 7 de dezembro de 1887. Dom Bosco estava grave­mente enfermo. Os Superiores, que já tinham discutido com o próprio Dom Bosco o pedido para esta fundação, lhe tinham respondido que era preciso adiar o início por causa da falta de pessoal. Na manhã seguinte, Solenidade da Imaculada, o Bispo vai pessoalmente saudar Dom Bosco, o qual, entre a admiração de todos, lhe dá logo uma resposta afirmativa. O que acontecera neste intervalo? O nosso Pai naquela manhã dissera ao seu secre­tário Pe. Viglietti: “Pega a caneta, tinteiro e papel, e escreve o que te vou dizer. E ditou: ‘Palavras textuais que a Virgem Imaculada, aparecendo-me nesta noite, me disse: — É do agrado de Deus e da Bem-aventurada Virgem Maria que os filhos de S. Fran­cisco de Sales abram uma casa em Liége em honra do Santíssimo Sacramento. Aqui terão início as glórias de Jesus publicamente, e aqui deverão dilatar as mesmas suas glórias em todas as suas famílias e particularmente entre os inúmeros jovenzinhos que nas várias partes do mundo são e serão confiados aos seus cuidados. Dia da Imaculada Conceição de Maria, 1887. Aqui parou. Ditando, chorava e soluçava; a emoção o sacudiu também depois”.99

Não lhes parece que seja este um fato emblemático, que enquanto revela, em seu leito de morte, o coração mariano do nosso Pai, indica a orientação viva e concreta da sua devoção a Nossa Senhora e a Jesus-Eucaristia?

Devemos fazer votos, queridos irmãos, que Dom Bosco, mais além da mentalidade e da linguagem do seu século, permaneça sempre — já faz cem anos de sua morte — o nosso Mestre e o nosso Guia em direção à presença viva e envolvente de Cristo no admirável dom sacramental da Nova Aliança.

Maria nos leve cotidianamente ao Cristo. E Cristo seja sempre para nós o Emanuel da liturgia eclesial e do tabernáculo.

Queridos irmãos, que o ‘88 desperte em nossos corações o “espírito salesiano” de maneira tão intensa que saibamos renovar, com inteligência e coragem através da Eucaristia, a herança de Dom Bosco na nossa pastoral juvenil e popular.

Saúdo a todos cordialmente.

Felicitações efusivas, especialmente pelo dia 14 de maio!

Com tanta esperança no Senhor

Pe. Egídio Viganò



1 Cf. Const. 23.

2 Cf. ACS n. 290.

3 Cf. Const. 10.

4 Cf. Const. 11.

5 Cf. Const. 12.

6 Cf. Const. 13.

7 Const. 14.

8 Cf. Const. 15, 16, 17, 18, 19.

9 Const. 88.

10 Sacrosanctum Concilium.

11 Jo 6,56.

12 Jo 6, 66.

13 Cf. p. ex. G. Bosco, Il Giovane Provveduto, Turim, 1863, p. 129.

14 Opere e Scritti Editi e Inediti di Don Bosco... aos cuidados da Pia Sociedade Salesiana (introduções, estudos e comentários de Alberto Caviglia), v. VI, Turim, 1929-1965 = citado: ed. Caviglia, v. 4, Savio, c. a14, p. 37.

15 MB 4, 457-458.

16 G. Bosco, II Cattolico Istruito nella sua Religione = Leituras Católi­cas I (1853-1854) 9, p. 191.

17 G. Bosco, II Giovane Provveduto, Turim, 1847, em “Opere Edite”, v. II, p. 265.

18 E. Ceria, Don Bosco con Dio, Colle Don Bosco (Asti) 1947, p. 97-98; cf. MB I, 520.

19 MB IV, 454; cf. MB XIII, 897.

20 Cf. MB XVII, 558-559.

21 G. Bosco, Il Giovane Provveduto, Turim, 1847, p. 84-85, o. c., p. 264-265.

22 MB VII, 795.

23 Epistolario di S. G. Bosco, aos cuidados de E. Ceria, SEI, Turim, 1955, v. I, p. 299.

24 Cf. MB VI, 145.

25 Cf. MB XIV, 44.

26 MB XII, 641.

27 MB XII, 29.

28 Ed. Caviglia, v. 4, Svio, c. 14, p. 35.

29 G. Bosco, Il Giovane Provveduto, Turim, 1885, p. 108, em “Opere Edite” v. XXXV; cf. Concílio de Trento, Sess. XXII, c. 6, em Denzinger-Rahner 1955, n. 944; cf. também G. Bosco, Il Sistema Preventivo... 2, VII (apêndice Const. p. 234).

30 G. Bosco, Il Sistema Preventivo... 2, VII (ib.).

31 G. Bosco, Il Giovane Provveduto, Turim, 1847, p. 103.

32 MB IX, 355.

33 24 de fevereiro de 1865.

34 MB VIII, 49.

35 MB XVI, 195.

36 Const. 10.

37 Const. 11.

38 Concílio de Trento, sess. XXI.

39 Concílio de Trento, sess. XXII.

40 Cf. p. ex. Eucharisticum Mysterium, Instrução da S. Congregação dos ritos, 25 de maio de 1967.

41 Presbyterorum Ordinis, 5.

42 Rm 8,20-21.

43 Gaudium et Spes, 22.

44 Prefácio do Advento I/A, missal italiano.

45 Gaudium et Spes, 45.

46 Hb 9,12.28.

47 Ap 5,6.12.

48 Hb 9,11-12.

49 Sacrossanctum Concilium, 16.

50 Sacrossanctum Concilium, 7.

51 3 de setembro de 1965.

52 Mysterium fidei, em “Enchiridion Vaticanum, Ed. Dehoniane, Bolonha, v. 2, 1976, n. 422.

53 Sacrossanctum Concilium, 7.

54 Ib.

55 Mysterium fidei, o. c. n. 424.

56 Sacrosanctum Concilium 7.

57 Hb 9,25-26.

58 Hb 8,1-2.

59 Hb 9,15.

60 Ap 5,6.

61 1Cor 10,16-17.

62 Presbyterorum Ordinis 2.

63 Mysterium fidei o.c., n. 422.

64 Lúmen Gentium 10.

65 Ib. 28.

66 Oração Eucarística II.

67 Denzinger — Rahner, “Enchiridium symbolorum” 1955, n. 874.

68 Mysterium fidei o.c., n. 429..

69 Cf. Oração Eucarística II.

70 Lumen Gentium 26.

71 Ib. 6.

72 Ib. 7.

73 Ib. 7.

74 Presbyterorum ordinis 5.

75 Mysterium fidei, o. c., n. 438.

76 Ib. n. 436.

77 Cf. Const. 3.

78 Const. 30.

79 Const. 33.

80 Const. 38.

81 Const. 41.

82 F. Motto, Memorie dal 1841 al 1884-85-86 (Testamento spirituale), ed. LAS, Roma, 1985, p. 31.

83 Const. 89.

84 Cf. CIC can. 1174, 1.

85 2 de fevereiro de 1971.

86 Institutio generalis de Liturgia Horarum, n. 12.

87 Lc 18,1.

88 Hb 13,15.

89 Ed. Caviglia, v. 6, Besucco, c. 9.

90 Ed. Caviglia, v. 4, Savio, Studio, p. 355.

91 Const. 34.

92 Const. 35.

93 Const. 36.

94 Const. 38.

95 Const. 36.

96 Cf. Ef 4,13.

97 MB VII, 169ss.

98 MB VII, 585-586.

99 MB XVIII, 438-439.

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