1. CARTA DO REITOR-MOR_____________________________________________
"Sucessor de Dom Bosco: filho, discípulo, apóstolo"
A FIGURA HUMANA E ESPIRITUAL DO BEATO MIGUEL RUA
no centésimo aniversário da sua morte
1. Padre Rua, "o fidelíssimo de Dom Bosco". As seis palavras misteriosas que retornam. - Dois negócios urgentes: um para Dom Bosco e outro para Miguel. - Uma carta profética sobre a mesa. - Ser Dom Bosco em Mirabello Monferrato. - "Ser Dom Bosco aqui, no Oratório". 2. Padre Rua, "a regra viva". O trabalho acabou. Acaba também o padre Rua? - Dom Bosco comunica-lhe a sua mente e o seu coração. - Ser Dom Bosco dia após dia. - As 'Regras' aprovadas tornam-se caminho de santidade. - "O padre Rua estudava-me e eu estudava o padre Rua". - A mão de Dom Bosco na do padre Rua. 3. Padre Rua, fidelidade à vida consagrada "por toda a vida". Fidelidade fecunda a Dom Bosco. - Jesus: alimento na Eucaristia e amor misericordioso no seu Coração. - "Tudo o que temos, nós o devemos a Maria Santíssima Auxiliadora". - Obediência. - Pobreza. - Castidade. 4. Padre Rua, o "evangelizador dos jovens". Novos campos de trabalho pastoral. - Entre os operários e filhos de operários. - Entre os escavadores na Suíça. - Emigrante entre os emigrantes. - Arriscar tudo que se podia arriscar como Dom Bosco. - "A simplicidade com que procurava acompanhar as suas obras". Conclusão. - Oração para pedir a canonização do Beato Miguel Rua.
Roma, 16 de agosto de 2009
Caríssimos Irmãos,
já faz algum tempo que não lhes escrevo. Não foi descuido meu, e menos ainda falta de vontade; antes, todos sabem o quanto lhes quero bem e como os levo no coração. Ao visitar as Inspetorias, percebo sempre mais que as cartas circulares, como também os vários documentos da Congregação, caminham com velocidades diversas; isso se deve a muitas causas, não última a do atraso nas traduções. Acontece, então, que as intervenções se acumulam e, afinal, correm o risco não imaginário de não serem lidas; perde-se assim uma oportunidade de reforçar a nossa identidade carismática e compartilhar a reflexão sobre a nossa vida e missão. Tratando, então, com o Conselho Geral, tomei a decisão de reduzir a três – em vez das quatro atuais – as cartas circulares de cada ano, uma das quais será dedicada à apresentação e ao comentário da Estreia. Os Atos do Conselho também terão uma cadência quadrimestral, com publicação em janeiro, maio e setembro. Espero que esta opção ajude a valorizar mais a nossa literatura salesiana, aprofundá-la e fazer que seja vida. Só assim ela será capaz de alcançar seu objetivo fundamental de criar uma "cultura salesiana" na Congregação.
Aconteceram neste período eventos muito significativos e interessantes, que envolveram o Reitor-Mor de modo particular, e que já puderam acompanhar através de ANS em nosso sítio sdb.org e, em alguns casos, por meio da transmissão televisiva ou o streaming em direta. Recordo-lhes alguns deles: a pregação dos Exercícios Espirituais aos Diretores das Inspetorias ICC, ICP, ILE, INE, pertencentes à Região Itália e Oriente Médio, que é um dos serviços mais qualificados de animação do Reitor-Mor, cuja finalidade é promover o crescimento vocacional; a participação na 'Festa dos Jovens' da Inspetoria INE, em Jesolo, que me deu a oportunidade de ver e apreciar uma das experiências de pastoral juvenil de maior sucesso; o encontro com os Inspetores da Polônia e da Circunscrição do Leste: nele refletimos sobre a relação dessas Inspetorias com as da Região Europa Norte, com o restante da Europa e com o Reitor-Mor e o Conselho Geral, seu novo contexto, muito diverso daquele dos anos do nazismo e do comunismo, nos quais essas Inspetorias se veem a viver hoje o carisma salesiano, sobre o papel dessas Inspetorias no 'Projeto Europa'; a visita à Circunscrição do Leste, que teve por finalidade rever a caminhada feita desde o momento da sua criação, aprofundar os desafios e propostas feitas pelo Conselho Inspetorial e pela Delegação ucraniana e demais partes da Circunscrição, indicar as linhas a assumir no momento presente.
Houve, depois, outros acontecimentos dos quais participei: a celebração dos 150 anos de fundação da Congregação Salesiana na Inspetoria ICP em Turim; ela, de algum modo, foi sinal daquilo que as Inspetorias estão a viver, e que alcançará o seu cume em 18 de dezembro, data em que somos convidados a renovar a nossa Profissão; a participação no primeiro Fórum do MJS (AJS) da nova Circunscrição ICC, por ocasião do 50º aniversário da inauguração do Templo de Dom Bosco em Cinecittà e do início da peregrinação da urna de Dom Bosco; o encerramento do Congresso Nacional ADMA da Espanha em Albacete; a pregação dos Exercícios Espirituais à Inspetoria de Valência e a visita à Inspetoria de Sevilha; a participação nos vários encontros da União dos Superiores Gerais, na veste de Presidente, e na Assembleia Semestral sobre o tema "Alterações geográficas e culturais na Igreja e na vida consagrada: desafios e perspectivas"; a sessão plenária do Conselho Geral de junho e julho, também com a peregrinação nos passos de São Paulo; a acolhida do Santo Padre em nossa casa de Les Combes; enfim, a primeira reunião da Comissão para o 'Projeto Europa'.
Alegra-me iniciar a nova etapa da nossa comunicação com uma carta sobre o primeiro Sucessor de Dom Bosco, iniciando assim o Ano dedicado ao Padre Rua no Centenário da sua morte, que se deu em 6 de abril de 1910. A fim de aprofundar a sua figura, teremos proximamente em Turim o V Congresso Internacional de História da Obra Salesiana, organizada pela ACCSA e pelo ISS, em preparação ao Congresso Internacional da Congregação Salesiana que celebraremos em Roma em 2010. Agradeço desde já à Associação dos Cultores da História Salesiana, ao Instituto Histórico Salesiano e à Comissão para o Congresso Internacional que assumiram com dedicação, responsabilidade e competência este trabalho que lhes tinha confiado.1
"Recordando o Padre Rua", poderemos conhecer uma parte fundamental da história da nossa Congregação e uma figura que ilustra a sua identidade. Esta minha carta não pretende ser uma minibiografia alternativa à obra escrita pelo padre F. Desramaut, que os convido a ler, mas uma aproximação do seu perfil humano e espiritual, através do estudo do que foi escrito até agora e tirando algumas inspirações, sobretudo da "Positio" preparada em vista da sua causa de beatificação.2 Esperamos ver o padre Rua logo canonizado; por isso o invocaremos pedindo a Deus ajudas e graças por sua intercessão.
1. Padre Rua, "o fidelíssimo de Dom Bosco"
"Padre Rua, o fidelíssimo, por isso o mais humilde e ao mesmo tempo o mais valoroso filho de Dom Bosco"3. Com estas palavras ditas com acentuação decidida, em 29 de outubro de 1972, o Papa Paulo VI esculpiu para sempre a figura humana e espiritual do padre Rua. O Papa, naquela homilia cadenciada sob a Cúpula de São Pedro, delineou o novo Beato com palavras que martelavam esta sua característica fundamental: a fidelidade. "Sucessor de Dom Bosco, isto é, continuador: filho, discípulo, imitador... Fez do exemplo do Santo uma escola, da sua vida uma história, da sua regra um espírito, da sua santidade um tipo, um modelo; fez da fonte, uma torrente, um rio". As palavras de Paulo VI elevavam a uma altura superior a vicissitude terrena deste "frágil e consumado perfil de padre". Descobriam o diamante que brilhara na trama delicada e humilde dos seus dias.
Havia começado num dia distante com um gesto estranho. Oito anos, órfão de pai, com uma grande fita negra fixada pela mãe na jaqueta, estendera a mão para ganhar uma medalhinha de Dom Bosco. Contudo, em vez da medalha, Dom Bosco oferecera-lhe a mão esquerda, enquanto com a direita fazia o gesto de cortá-la ao meio. E repetia-lhe: "Toma-a, Miguelzinho, toma-a". E diante daqueles olhos límpidos que o fixavam admirados, dissera seis palavras que haveriam de ser o segredo de sua vida: "Nós dois faremos tudo meio a meio".
E, num lento processo, começou aquele formidável trabalho compartilhado entre o mestre santo e o discípulo que fazia meio a meio com ele, tudo e sempre. Dom Bosco quis, nos primeiríssimos anos, que Miguel estivesse com ele, mas voltasse à noite para jantar e dormir em casa de sua mãe, a Sra. Joana Maria. Quando, porém, vinha ao Oratório, Dom Bosco já naqueles primeiros anos queria que estivesse ao seu lado, também à mesa.4 Miguel começava a assimilar assim o modo de pensar e comportar-se de Dom Bosco. "Causava-me mais impressão – dirá mais tarde – observar Dom Bosco em suas ações, mesmo pequenas, do que ler e meditar qualquer livro devoto".5 Estando com Dom Bosco, devia acumular naquele minúsculo corpo tanta serena força que lhe bastasse para a vida inteira, na qual haveria de exprimir uma contínua energia.
As seis palavras misteriosas que retornam
Em 3 de outubro de 1852, no passeio que faziam os melhores jovens do Oratório todos os anos aos Becchi para a festa de N. Sra. do Rosário, Dom Bosco fez com que vestisse o hábito eclesiástico. Miguel tinha 15 anos. À tarde, ao retornar a Turim, Miguel venceu a timidez e perguntou a Dom Bosco: "Recorda-se dos nossos primeiros encontros? Pedi-lhe uma medalha, e o senhor fez um gesto estranho, como se quisesse cortar a sua mão e dá-la a mim, e disse-me: 'Nós dois faremos tudo meio a meio. O que queria dizer?". E ele: "Meu caro Miguel, não o entendeste ainda, mas é claríssimo. Quanto mais avançares nos anos, melhor compreenderás o que eu lhe queria dizer: Na vida, nós dois faremos sempre meio a meio. Dores, preocupações, responsabilidades, alegrias e tudo o mais será em comum para nós". Miguel ficou em silêncio, cheio de silenciosa felicidade: Dom Bosco, com palavras simples, fizera dele o seu herdeiro universal.6
O padre Júlio Barberis fora escolhido primeiro mestre dos noviços salesianos, porque Dom Bosco descobrira nele um finíssimo explorador e educador de almas. Dez anos mais jovem, viveu ao lado de Miguel Rua por 49 anos como discípulo, irmão, confidente, amigo. E no processo de beatificação fotografou assim a sua personalidade íntima: "Seu empenho foi sempre entrar nas ideias de Dom Bosco, renunciar aos próprios pontos de vista e aos próprios pareceres, para conformar-se" à visão de Dom Bosco. "Tão logo soube que ele tinha intenção de fundar a Congregação Salesiana, por primeiro, fez-lhe voto de obediência". Era 25 de março de 1855, e Miguel tinha 18 anos. "Desde então, não pensou noutra coisa que fosse colocar sua vontade de lado, para fazer a vontade do Senhor expressa por Dom Bosco".7
Dom Bosco não lhe ordenava nada; dava-lhe apenas a conhecer os seus desejos. E para Miguel eram ordens, sem pensar no que lhe teriam custado. Foram desejos de Dom Bosco, prontamente atendidos por Miguel: o ensino de religião aos jovens internos; o cuidado dos coléricos na terrível pestilência de 1854; o ensino do novíssimo e complicado sistema métrico decimal; a assistência constante no vastíssimo refeitório, no pátio, na igreja; a direção do Oratório dominical de S. Luís, quando o padre Leonardo Murialdo teve que se retirar; a transcrição, feita à noite com sua nítida e ordenada caligrafia, das páginas da História da Itália de Dom Bosco e das páginas atormentadas das primeiras Regras da Sociedade de São Francisco de Sales.
No início de 1858, Dom Bosco deve ir a Roma para ver o Papa e leva Miguel Rua consigo. Ele tem a memória fresca e ágil dos seus 21 anos, que registra qualquer particular. Escuta o Papa falar com Dom Bosco. Nos dias seguintes, acompanha Dom Bosco em visita a Cardeais e grandes personalidades, e vê a extraordinária estima que todos lhe têm.
Dois negócios urgentes: um para Dom Bosco e outro para Miguel
Quando, em abril de 1858, retornam a Turim, há dois negócios urgentes a resolver. Dom Bosco toma um para si enquanto confia o outro a Miguel. Ao partir para Roma, Dom Bosco confiara a direção do Oratório ao padre Vitório Alasonatti, um padre piedoso, mas muito rígido, que tinha três anos a mais do que ele e viera ajudá-lo. Dom Bosco sempre quis o Oratório como uma grande família. O padre Alasonatti, nos meses da ausência de Dom Bosco, transformara-o num disciplinado quartel. Dom Bosco diz a Miguel: "É preciso reconstruir o quanto antes a grande família. Pensa nisso". E ele pensa. Assume o compromisso de 'ser Dom Bosco'.
Dom Bosco que, satisfeito, acompanha o seu trabalho, deve dedicar-se completamente ao segundo negócio urgente: agora que tem o encorajamento do Papa, deve fundar a Congregação Salesiana. Muitos bons jovens, crescidos e ajudados por ele, prometeram-lhe no passado dedicar-se ao seu lado aos jovens mais pobres, reunindo-se numa Sociedade. Entretanto, tendo chegado ao momento da decisão não tiveram coragem de ir adiante, e o deixaram sozinho. Dom Bosco, agora, nos meses que seguem, deve restringir os tempos, encontrar face a face os vinte juveníssimos que parecem decididos a formar a primeira Sociedade Salesiana. Deve reuni-los frequentemente, falar calmamente, explicar, esclarecer, tirar dúvidas, vencer perplexidades. Às vezes, consegue, como com João Cagliero; outras vezes não consegue, como com José Buzzetti.
Com Miguel Rua, nem é preciso falar. Os dias de dezembro de 1859, muito próximos da primeira reunião oficial dos 'inscritos' na Sociedade Salesiana, Miguel Rua os passa fazendo os Exercícios Espirituais para ser ordenado subdiácono em 17 de dezembro. Para ele, é óbvio: será o quanto antes um padre de Dom Bosco.
18 de dezembro de 1859 é um domingo. À noite, dezoito pessoas reúnem-se no quartinho de Dom Bosco, que naquele momento é a Belém salesiana. Realiza-se a reunião de fundação da "Pia Sociedade de São Francisco de Sales", ou seja, dos Salesianos. Os dezoito rezam, declaram querer reunir-se em Sociedade para santificar-se e dedicar a vida aos jovens abandonados e periclitantes. Acontecem as primeiras eleições. Dom Bosco, o fundador, é chamado por todos a ser o primeiro Superior geral. O subdiácono Miguel Rua, com 22 anos, é eleito Diretor Espiritual da Sociedade. Deverá, com Dom Bosco, trabalhar na formação espiritual dos primeiros Salesianos. Miguel não assume a nova tarefa como encargo 'ad honorem'. Júlio Barberis, que está entre os mais jovens e frequenta suas aulas formativas, testemunha: "Era aplicadíssimo em preparar-se para as aulas e incitar-nos ao estudo".8
Uma carta profética sobre a mesa
Em 29 de julho de 1860 Miguel Rua é ordenado sacerdote. João Batista Francesia, que, como sempre, está ao seu lado, testemunha: "Sua preparação foi extraordinária. Passou a noite da vigília em orações e piedosas meditações".9 À noite daquela jornada festiva e importantíssima, o padre Rua sobe à mansarda que lhe serve de quarto de dormir, e encontra sobre a mesa uma carta de Dom Bosco. Lê: "Verás melhor do que eu a Obra Salesiana ultrapassar os confins da Itália e estabelecer-se em muitas partes do mundo. Terás que trabalhar muito e sofrer muito; mas, tu o sabes, só através do mar Vermelho e do deserto, chega-se à Terra Prometida. Sofre com coragem; e, mesmo aqui embaixo, não te faltarão as consolações e as ajudas do Senhor".
Tendo-se tornado 'padre Rua', retoma prontamente todas as suas ocupações. João Batista Francesia, a quem parece excessiva a carga de trabalho do padre Rua, diz a Dom Bosco naqueles dias: "Mas, porque o fazes ocupar-se de tantas coisas?". Ouve como resposta: "Porque de padre Rua só tenho um".10 Ano após ano, o Oratório torna-se uma casa imensa. A cada ano os jovens aumentam em número de maneira incrível. Chegarão a 800, dos quais 260 aprendizes. Os Salesianos, que também crescem ano após ano, trabalham nas salas de aula, nas oficinas, nos vastos pátios. A trabalhar e coordenar o trabalho de todos, com a supervisão de Dom Bosco, está o padre Rua.
O padre Júlio Barberis, que se tornou um sábio mestre de noviços testemunhará à distância de anos: "Tantas ocupações poderiam tirar, a qualquer um, espaço à oração e ao espírito religioso. No padre Rua, porém, o espírito de oração e meditação era como que inato. A obediência ao Superior era de nível admirável. Tinha iniciado naquele tempo uma vida de mortificação e negação de si realmente extraordinária. Eu, que entrara há pouco tempo na Casa de Dom Bosco, estava admirado. Recordo que, falando com os amigos, estávamos todos convencidos de que fosse um Santo. E também Dom Bosco estava convencido disso, e no-lo dizia".11
Ser Dom Bosco em Mirabello Monferrato
Em 1863, Dom Bosco fez sua Obra dar um passo decisivo. Ela funcionava bem em Valdocco, porque a regê-la havia a figura carismática e paterna de Dom Bosco. Mas, transplantada para outro lugar, teria funcionado sem Dom Bosco? Na primavera daquele ano, Dom Bosco teve um encontro confidencial e intenso com o padre Rua, que tinha 26 anos: "Devo pedir-lhe um grande favor. De acordo com o bispo de Casale Monferrato decidi abrir um 'Pequeno Seminário' em Mirabello. Penso enviar-te para dirigi-lo. É a primeira obra que os Salesianos abrem fora de Turim. Teremos um milhar de olhos sobre nós. Eu tenho plena confiança em ti. Dou-te três auxílios: cinco dos nossos Salesianos mais sólidos, entre os quais o padre Bonetti que será o teu 'vice'; um grupo de jovens escolhidos entre os melhores que irão de Valdocco para continuar lá os estudos e ser fermento entre os novos jovens que receberás; e irá contigo também tua mãe".
O padre Rua parte em outubro. Dom Bosco escreveu-lhe quatro páginas de conselhos preciosos que serão depois transcritos para cada novo diretor salesiano: são tidos como um dos documentos mais claros do sistema educativo de Dom Bosco. Entre outras coisas, escreveu: "Deves dormir ao menos seis horas por noite. Procura fazer-te amar antes de fazer-te temer. Procura passar entre os jovens todo o tempo do recreio. Se surgirem questões sobre coisas materiais, gasta tudo o que for preciso, desde que se conserve a caridade". O padre Rua resume todos esses conselhos, que para ele são mandamentos, numa só frase: "Procurarei ser Dom Bosco em Mirabello".
Alguns meses depois, a crônica do Oratório, sob a pena do padre Ruffino, registra: "O padre Rua em Mirabello comporta-se como Dom Bosco em Turim. Está sempre rodeado de jovens, atraídos pela sua amabilidade, e também porque lhes conta sempre coisas novas. No início do ano escolar, recomendou aos professores que, por enquanto, não fossem muito exigentes". Dois anos depois, o 'Pequeno Seminário' transborda de jovens que dão boas esperanças de vocações sacerdotais para a Diocese de Casale e para a Congregação Salesiana. Entre eles está Luís Lasagna, menino muito vivo que se tornaria o segundo bispo missionário salesiano na América do Sul.
No verão de 1865, as coisas não caminham bem na Obra Salesiana de Valdocco. O administrador geral padre Alasonatti está à morte; virá a faltar no dia 7 de outubro. Quatro outros Salesianos entre os mais válidos ficaram fora de combate devido ao trabalho estressante. O número de jovens passou de 700. A construção do Santuário de Maria Auxiliadora cresce velozmente e exige despesas sempre maiores. Dom Bosco está absorvido pela necessidade de esmolar com viagens, loterias, com enorme quantidade de correspondência. É preciso uma pessoa que segure bem as rédeas da situação: a vida disciplinada dos jovens, a gestão material das oficinas e aulas, o controle dos trabalhos do Santuário. Pessoa desse calibre Dom Bosco só conhece uma: o padre Rua. E o manda logo chamar.
O P. Provera, grande salesiano semi-inválido a quem Dom Bosco confia as tarefas mais delicadas e difíceis, chega a Mirabello. Entra na diretoria do Pequeno Seminário e encontra o padre Rua a escrever uma carta. "Dom Bosco te pede que deixes a direção ao padre Bonetti e venhas logo a Valdocco. O padre Alasonatti está a morrer. Quando estiveres pronto, partiremos". O padre Rua chama o padre Bonetti e entrega-lhe o bastão. Em seguida, vai despedir-se dos jovens que estão nas aulas. Abraça sua mãe dizendo-lhe: "Dom Bosco me chama. Por enquanto continuas aqui: a cozinha e a lavanderia precisam de ti. Depois te farei saber". Toma o Breviário e diz ao padre Provera: "Estou pronto, vamos".
Wirth anota argutamente: "A experiência de Mirabello serviu para desenvolver o seu espírito de iniciativa pessoal, que talvez tivesse ficado um tanto reservado se jamais se tivesse afastado de Dom Bosco.12
Contudo, na ação do padre Rua em Mirabello há mais do que isso: era a prova de que a Obra de Dom Bosco podia ser transplantada, podia viver e prosperar mesmo sem a presença física de Dom Bosco, desde que houvesse na direção uma pessoa salesianamente válida; por isso, o bom resultado da experiência do padre Rua abriu horizontes sem limites para as Obras Salesianas.
"Serás Dom Bosco aqui, no Oratório"
O padre Rua chega a Valdocco sem rumor. Tem um longo colóquio com Dom Bosco que, em síntese, lhe diz: "Foste Dom Bosco em Mirabello. Agora o serás aqui, no Oratório". Com confiança coloca toda a responsabilidade em seus frágeis ombros: aulas, oficinas, jovens salesianos a formar e exortar aos estudos e aos exames, a publicação das Leituras Católicas que devem chegar todos os meses a milhares de assinantes, a imponente construção do Santuário, a maior parte da correspondência endereçada a ele, que o padre Rua deve ler, anotar e entregrar a um Salesiano de confiança para que responda. "Eu devo ir novamente a Roma para a aprovação das nossas Regras. Ficarei ausente mais ou menos dois meses, e levarei o padre Francesia comigo. Deixo-te tudo. Ao teu lado há ótimos Salesianos. Vê quais são os seus dotes, escolhe-os e põe-nos a trabalhar onde melhor te parecer. Além de trabalhar, deverás coordenar o trabalho dos outros".
O padre Rua levanta-se muito cedo. Diz a Missa, faz a meditação de joelhos e reza como um anjo. Em seguida, põe-se ao trabalho com aquela concentração especial que só ele possui. Os Salesianos e jovens, que não o viam há dois anos, percebem que algo de profundo mudou nele. Não é mais o 'prefeito de disciplina'. Entre os oitenta jovens de Mirabello, e agora entre os setecentos de Valdocco, aprendeu a ser como Dom Bosco o 'diretor-pai'. A mão que impunha o comando é firme, mas o modo é gentil e amável.
Os compromissos são realmente muitos. Tornam-se penosos nos meses em que se deve concluir a construção do Santuário de Maria Auxiliadora: outono de 1866, colocação da última pedra da cúpula; oito meses de trabalhos intensos para as construções e os acabamentos internos; 9 de junho de 1867, solene inauguração seguida de oito dias de funções de altíssimo nível. "Ao longo de todo o mês de junho – anota o atento A. Auffray – não dormiu mais do que quatro horas por noite. A tudo devia prever, organizar, decidir, controlar, animar",13 enquanto Dom Bosco vivia envolvido por uma multidão de pessoas que queriam falar com ele, receber sua bênção, obter uma graça de Nossa Senhora, levar uma oferta.
2. Padre Rua, "a Regra viva"
O trabalho acabou. Acaba também o padre Rua?
Quando acabaram os trabalhos do Santuário, pareceu ter acabado também o padre Rua. Certa manhã de julho, no tórrido calor de um julho turinense, no portão do Oratório, ao sair, cai nos braços de um amigo que estava ao seu lado. "Peritonite fulminante", sentenciou o médico chamado de imediato. "Nada mais a fazer. Dai-lhe o Óleo Santo". A penicilina ainda devia ser inventada, a cirurgia ainda estava nos inícios. O padre Rua, febre alta e com muito sofrimento, invocava Dom Bosco; este, porém, estava na cidade. Foi logo procurado. Quando chegou e foi-lhe dito que o padre Rua estava no fim, fez alguns gestos incompreensíveis. Os jovens estavam na igreja para o retiro mensal e ele foi direto a confessá-los. "Ficai tranquilos, o padre Rua não parte sem a minha permissão", disse ao entrar na igreja. Saiu dali muito tarde e, em lugar de ir à enfermaria, foi à modesta ceia colocada de lado. Em seguida, subiu ao quarto para colocar a bolsa com os papéis; finalmente, enquanto todos pisavam sobre espinhos, foi à cabeceira do padre Rua. Viu o vaso do Óleo Santo e quase se enfureceu: "Quem foi o grande homem que teve essa ideia?". Senta-se depois ao lado do padre Rua e diz-lhe: "Ouve-me bem. Eu não quero, entendes isso? não quero que morras. Deves sarar. Deverás trabalhar e trabalhar muito ao meu lado, outra coisa que morrer! Ouve-me bem: mesmo se te lançasses da janela assim como estás, não morrerias".14 Francesia e Calgiero viram e ouviram tudo, e amadureceram a convicção de que Dom Bosco, que falava nos sonhos com Nossa Senhora e arrancava dela favores impossíveis, tivesse obtido a garantia de que 'aquele menino', único sobrevivente de todos os irmãos, Nossa Senhora o teria deixado ao seu lado por toda a vida.
Em 14 de agosto de 1876, um Salesiano, depois do jantar, perguntou-lhe a queima-roupa: "É verdade que vários Salesianos morreram pelo excesso de trabalho?". Dom Bosco respondeu: "Se fosse verdade, a Congregação não teria sofrido nenhum dano; pelo contrário... Mas não é verdade. Só um poderia merecer o título de vítima do trabalho, e esse é o padre Rua, o vedes muito bem; mas para a nossa fortuna, o Senhor no-lo conserva forte e vigoroso".15
Dom Bosco comunica-lhe a sua mente e o seu coração
Após três semanas de convalescência, o padre Rua volta a ser, delicado e forte como antes, o fidelíssimo de Dom Bosco, que lhe confia de ano em ano os encargos mais importantes: a escolha e formação dos que pedem para entrar entre os Salesianos; a destinação dos irmãos às várias Obras que se vão abrindo no norte da Itália; a primeira visita a essas Obras em 1872 para orientá-las e mantê-las no caminho da salesianidade autêntica. Em 1875 compartilha com ele a preparação da primeira expedição missionária à América do Sul. Em 1876, em substituição ao padre Cagliero que partira para as missões, confia-lhe a direção geral das Filhas de Maria Auxiliadora, fundadas quatro anos antes. Ele o quer consigo nas longas e extenuantes viagens que faz, esmolando na França e Espanha. Dia após dia, Dom Bosco 'faz' do padre Rua o seu sucessor à frente da Congregação Salesiana. Mais com atitudes que com palavras, transmite-lhe seus pensamentos, suas orientações, sua maneira de enfrentar as situações, sua confiança total e serena em Deus e em Maria Auxiliadora. Sobretudo nas últimas viagens, Dom Bosco entretém-se com ele na intimidade, fala-lhe do presente e do futuro, da Congregação Salesiana que é obra de Nossa Senhora. Os dois não devem considerá-la obra suas, mas apenas amá-la e preservá-la do mal e da decadência, aproximando-se dos irmãos, encorajando-os a observarem as Regras como caminho que leva à salvação e à santidade. Numa palavra: Dom Bosco comunica-lhe a sua mente e o seu coração. "O padre Rua encontrou o seu caminho espiritual na contemplação de Dom Bosco".16
Ser Dom Bosco dia após dia
Em meio ao acúmulo de atribuições daqueles anos o padre Rua é sempre o Diretor de inúmeros jovens que abarrotam Valdocco: estudantes, artesãos, aspirantes salesianos, Salesianos muitíssimo jovens. O padre Rua esforça-se por 'ser Dom Bosco' em tudo, até no comportamento externo. É certo que o aspecto físico e o temperamento são diversos. "Suas maneiras, sua voz, sua fisionomia, seu sorriso não tinham aquele fascínio misterioso que atraía e ligava os jovens a Dom Bosco. Mas para todos era o pai atento e afetuoso, preocupado em compreender, encorajar, apoiar, perdoar, iluminar, amar", como começara a ser em Mirabello.17 E os jovens de Valdocco, rabdomantes infalíveis como todos os jovens do mundo quando devem entender quem lhes quer bem e, quem ao contrário, 'faz de conta', demonstraram com os fatos que reconheciam nele um amigo paterno.
Ao lado do confessionário de Dom Bosco, na sacristia do Santuário de Maria Auxiliadora, havia também o do padre Rua. E por trinta anos os jovens o procuravam toda manhã, apinhando-se naquele confessionário quase como no de Dom Bosco. Quando sarou milagrosamente da grave doença e voltou a apresentar-se sob os pórticos, ele foi rodeado pela alegria comovida de ondas de jovens. Na hora dos recreios, como fazia estavelmente em Mirabello, voltou a estar presente entre os jovens, o mais alegre e o mais animado dos Salesianos. De início, não ousou lançar-se nas tumultuadas corridas da 'barra comprida', mas acocorava-se entre os pequenos, atento a lançar também ele os pequenos cilindros de barro com o dedo nervoso, e nas belas tardes daquele verão, sob o céu coberto de estrelas, confuso em meio aos coros de vozes juvenis, cantava com toda a alma e com imensa felicidade.
Animar essa multidão de jovens fazendo deles uma grande família, como Dom Bosco sempre queria, porque era este o seu sistema educativo, nem sempre era coisa fácil. Era preciso estimular os melhores, encorajá-los a unir-se em grupos apostólicos, como a Companhia da Imaculada, do Santíssimo Sacramento, de São José, de São Luís, do Pequeno Clero, pedir-lhes que indicassem com votações secretas gerais os mais valorosos na conduta, dignos de pequenos prêmios, e apresentá-los discretamente como exemplos a seguir. São essas elites que arrastam a massa! O padre Rua e os Salesianos conheciam e se serviam muito bem desses instrumentos educativos, que Dom Bosco usara com eles quando meninos.
Era também preciso estimular os medíocres e manter no freio os piores, que sempre existem na massa. Para tanto, o padre Rua presidia todas as semanas uma reunião de assistentes e professores. Anotavam-se num registro as correções a fazer, as desordens a prevenir, os esforços a recomendar. O próprio padre Rua pensava na maior parte disso nos dias seguintes. Escreve um discípulo seu daqueles tempos: "Era amado porque tratava bem a todos. Mesmo quando devia fazer uma correção, uma reprovação, ou infligir uma punição, sabia atenuar o amargor com a doçura e costumava antepor ao corrigendo os louvores às críticas, recordando seus merecimentos anteriores e esperanças futuras. E o culpável demonstrava-se comovido e arrependido, e propunha emendar-se, em geral, antes mesmo da censura ou do castigo, que frequentemente se tornavam inúteis e eram evitados com grande prazer de quem os deveria sofrer e que, assim, sentia-se levado ainda mais a amar e admirar a bondade do seu superior".18
Seria erro grave, porém, considerar o Oratório como lugar onde se devia recorrer aos castigos para manter os jovens em ordem. Entre aqueles jovens cresciam os grandes Salesianos, que ano após anos levavam e haveriam de levar a luz da fé a toda a América meridional, até as portas do Polo Sul. A segunda geração de Salesianos, que haveria bem logo de espalhar-se por uma dúzia de nações da Europa, América e Ásia, estava crescendo naquela massa de jovens; jovens que apinhavam as salas de aula e os grupos apostólicos, gritavam alegres nas tumultuadas partidas de 'barra comprida' e, na igreja, rezavam como anjos, na merenda esvaziavam os grandes cestos de pão perfumado saído dos fornos localizados sob o Santuário e, à noite, cantavam alegremente sob as estrelas. Era uma constelação de nomes prestigiosos: dos 'já grandinhos' Unia, Milanesio, Balzola, Gamba, Paseri, Rota, Galbusera, Rabagliati, Fassio, Caprioglio, Vacchina, Forghino... às 'crianças' Versiglia e Variara, que veneramos hoje entre os santos e beatos. Entre eles havia jovens que nada tinham a invejar a S. Domingos Sávio.
Em 1876 – narra o padre Vespignani numa página memorável do seu "Um ano à escola de Dom Bosco" – o bispo do Rio de Janeiro Pedro Lacerda veio do Brasil para visitar Dom Bosco. Tinha lido a vida de Domingos Sávio e ficara tocado pelos dons extraordinários que Deus lhe tinha concedido. Fez um pedido desconcertante a Dom Bosco: poder conversar com alguns meninos que fossem bons como Domingos, "porque preciso que me esclareçam sobre alguns temores sobre minhas responsabilidades diante de Deus. Dom Bosco fez com que viessem até ele cinco meninos de semblante sereno, todos respeitosos para com o bispo, e abertos e francos".19 O bispo do Rio expôs a cada um "a sua condição: uma imensa cidade, quase um milhão de almas a salvar, pouquíssimos sacerdotes, muitos inimigos de Deus reunidos em seitas; enquanto pregava fora pego a pedradas... Ele, bispo, tinha responsabilidade, culpas?... Ficaram quase transtornados diante daquele quadro horrível. Todos, porém, absolveram-me de qualquer culpa – contou-me o bispo – e tiraram-me o grande peso da responsabilidade, prometendo-me que teriam rezado".20 Eram estes os meninos que viviam em Valdocco sob a direção amável de Dom Bosco e do padre Rua. Contudo, Dom Bosco entendeu que a tarefa de 'censor' podia prejudicar a figura do padre Rua, no qual devia brilhar apenas a paternidade doce e amável, para ser logo o 'segundo Pai' da Congregação. E aquele encargo foi confiado a outros.
As 'Regras' aprovadas por Roma tornam-se caminho de santidade
Em 3 de abril de 1874 Valdocco encheu-se de festa: um telegrama de Dom Bosco enviado de Roma anunciava que a Santa Sé aprovara definitivamente as Regras da Pia Sociedade de São Francisco de Sales. Os Salesianos nasciam oficialmente na Igreja e colocavam-se ao lado das grandes famílias religiosas nascidas ao longo dos séculos: beneditinos, franciscanos, dominicanos, jesuítas... Aquele livreto delgado de 47 páginas, dividido em 15 pequenos capítulos, era o caminho que o Senhor, por meio do Papa, entregava aos Salesianos como 'caminho de santidade'. Entre os 15 pequenos capítulos destacavam-se os três centrais, que fixavam as linhas da consagração ao Senhor por meio dos votos de obediência, pobreza e castidade. Na carta em que apresentava as Regras a seus filhos, Dom Bosco escrevia: "Observando as nossas Regras, nos apoiamos em bases estáveis, seguras, e podemos dizer também infalíveis, pois é infalível o juízo do Chefe Supremo da Igreja, que as sancionou".
A partir daquele momento – depõem as testemunhas – o padre Rua foi fidelíssimo na observância. Toda norma, na prática, foi traduzida por ele com extraordinária exatidão. Foi até mesmo rebatizado 'a Regra viva'. Para ele não havia distinção entre regras mais ou menos importantes. Afirmava: "Coisa alguma pode ser chamada de pequena desde que contida na Regra".
O padre Júlio Barberis testemunhou no processo de beatificação do padre Rua: "Quando as Regras foram aprovadas pela Santa Sé, considerou como se o próprio Senhor as tivesse redigido, e achar-se-ia gravemente culpável se tivesse transgredido mesmo que fosse uma só delas... Não podemos afirmar, nem eu nem os companheiros com os quais tive que tratar, que o vimos cometer uma desobediência... Foi sempre de admirar a prontidão que teve em obedecer mesmo às pequenas regras, por exemplo no silêncio... Jamais pensou em outra coisa senão em destruir em si mesmo a própria vontade, para fazer em tudo a vontade do Senhor".21 "Ele insistia em dizer-nos que o Senhor não pretende de nós coisas extraordinárias, mas a perfeição nas pequenas coisas; que ele quer a execução de cada regra, dando a cada regra uma grandíssima importância, e que é este o meio de erguer o grande edifício da santidade".22
O padre João Batista Francesia, seu companheiro desde os primeiríssimos dias do Oratório e amigo íntimo, testemunhou: "Foi muitíssimo exemplar na observância das Regras da nossa Pia Sociedade... A obediência às Regras era para ele superior a qualquer consideração. O amor que tinha pelas Regras tirava-lhe do coração uma linguagem muito terna: 'Deus nos deu um código que nos serve de guia pelos caminhos do Paraíso. Amemos muito este código, consultemo-lo com frequência, e quando acabarmos de lê-lo beijemo-lo como expressão de amor e reconhecimento a Deus'".23
"O padre Rua estudava-me e eu estudava o padre Rua"
O padre José Vespignani, que será um grandíssimo Salesiano e missionário na América do Sul, chegou a Valdocco em 1876. Novel sacerdote de 23 anos, viera de Faenza para ficar com Dom Bosco. Em seu singelo "Um ano à escola de Dom Bosco" deu-nos um quadro vivíssimo da atividade do padre Rua, de quem foi um dos secretários nos primeiros tempos. Com a sensibilidade que, em geral, não possui quem vive a normalidade da vida de todos os dias, fotografou a atmosfera e o ambiente de Valdocco, animados pela presença de dois santos, Dom Bosco e o padre Rua.
"Desde o primeiro dia – escreve – coloquei-me de coração às ordens do meu caro superior padre Rua. Quantas coisas eu aprendi àquela escola de piedade, caridade, atividade salesiana! A sua era uma cátedra de doutrina e santidade; mas era, sobretudo, uma escola de formação salesiana. A cada dia admirava sempre mais no padre Rua a pontualidade, a constância incansável, a perfeição religiosa, a abnegação unida à mais suave doçura. Quanta caridade, que belas maneiras para encaminhar um dependente seu no serviço que lhe queria confiar! Que estudo delicado, que compenetração em conhecer e experimentar suas atitudes para educá-las de maneira a torná-las úteis à Obra de Dom Bosco!...".
"O escritório do padre Rua era lugar de piedade e oração. Assim que chegava, ele recitava devotamente a Ave Maria e lia um breve pensamento de S. Francisco de Sales; terminava da mesma maneira, com a leitura de uma máxima do nosso Santo e a Ave Maria. Pela manhã tinha-nos preparado um bom número de cartas apostiladas por ele. Muitas vezes, eram apostiladas pelo próprio Dom Bosco, que remetia ao critério do padre Rua a prática de incumbências, aceitações gratuitas de jovenzinhos, agradecimento por ofertas, pedidos de aspirantes. Eu respondia segundo as indicações marginais, considerando-me feliz por poder interpretar o pensamento e os sentimentos dos Superiores e também por imitar o seu estilo breve, doce e substancioso, que via ser próprio dos Salesianos. Dessa forma, o padre Rua estudava-me para tornar-me hábil nos deveres da minha vocação; eu, porém, estudava-o e, nele, Dom Bosco, de quem ele aparecia como intérprete fiel e retrato vivo em todos os aspectos da sua conduta... O próprio trabalho era alternado e condimentado com sentimentos de piedade, porque todas as anotações de Dom Bosco e do padre Rua, que eu devia desenvolver nas cartas de resposta, inspiravam-se na fé e na intimidade com o Senhor e Maria Santíssima: eram verdadeiros estímulos a rezar, resignar-se, receber tudo da mão de Deus, repousar na divina Bondade; consolava-se, encorajava-se, aconselhava-se; prometiam-se orações, garantiam-se as orações dos jovenzinhos e a bênção de Dom Bosco. Não raramente se davam pareceres e sugestões para vocações, indicavam-se as condições para ser aceito como aspirante ou filhos de Maria... Exercia-se nisso, portanto, um verdadeiro apostolado de piedade e de caridade, enquanto ali se assistia ao comando supremo, ou seja, à direção geral de toda a Obra de Dom Bosco".
"Aquela sala era visitada também por Sacerdotes e Diretores, Cooperadores de todas as condições, como também jovenzinhos. Quando não se tratava de assuntos reservados, também o secretário escutava os visitantes, completando sempre mais suas noções sobre o movimento interno e externo do Oratório e aprendendo como se faz para buscar em tudo a glória de Deus e o bem das almas...; o quarto-escritório do padre Rua foi para mim um posto elevado de observação, de onde percebia todo o movimento característico da Sociedade Salesiana; foi como a ponte de uma grande nave, onde fica o capitão, que estuda a rota para evitar os escolhos e ter seguramente em mira o porto, e, ao mesmo tempo, dá as ordens para o governo de toda a sua gente... Ao lado do padre Rua eu ia construindo uma ideia grandiosa e bela de toda a Congregação e de toda a Obra de Dom Bosco".24
Lá de cima, Vespignani pôde observar os pátios cheios de meninos, que, unidos a seus assistentes, atendiam aos vários jogos ou à alegre conversação. Ele continua: "Foi-me explicado que aqueles sacerdotes e clérigos tinham nas aulas e no estudo um sistema ou método especial para levar os seus discípulos ao cumprimento dos próprios deveres. O mesmo nas oficinas. O padre Rua tinha muito a peito a formação dos clérigos, cuja escola de filosofia e de teologia era objeto das suas solicitudes. 'Eis, pensava, como se trabalha da parte de todos estes Salesianos, sacerdotes, clérigos e coadjutores, com a mesma finalidade e todos de acordo no único intento de salvar as almas'".25 Ele também aprendeu o modo com que se vivia entre os Salesianos. Quando o padre Rua mandou-o ao Prefeito externo padre Bologna, para que seus dados pessoais fossem inseridos no registro geral, ouvindo a idade, 23 anos, o padre Bologna fixou-o e com palavras alegres "disse-me: 'E como é que o senhor se apresenta tão circunspecto?' (ensinava-se, então, nos Seminários que os padres deviam manter a 'seriedade sacerdotal'). Aquelas palavras fizeram-me refletir sobre a aparência a evidenciar no rosto, nas palavras e nos modos para ter o aspecto salesiano e de verdadeiro filho de Dom Bosco. Ao meu redor todos sorriam, também Dom Bosco: olhavam-me e vinham-me ao encontro como amigos e irmãos; pareciam conhecidos e amigos de longa data".26
"Eu lera nas Regras que convinha, de vez em quando, que os Salesianos conversassem de coisas espirituais com seu Superior e Pai". Dom Bosco, porém, era muito ocupado e pediu ao padre Rua, que era o Diretor, que eu pudesse conversar com ele. Ele devia ir a Valsalice para confessar os meninos. Disse-me: "Toma o teu chapéu e vamos. Ao longo do caminho, conversaremos". "Aconteceu assim o meu primeiro rendiconto". O padre Rua perguntou-lhe o que lhe dera boa impressão nos primeiros dias, e não o que o impressionara mal.
"Causou-me admiração não só ver a santidade de Dom Bosco, mas também encontrar em todos os lugares superiores tão unidos a ele, ou melhor, digamo-lo também, tão semelhantes a ele no comportamento, no modo de agir e de tratar, de modo que em tudo e por tudo se entrevê o espírito do Fundador e do Pai". "Tens razão, meu caro; esta unidade de pensamento, de afeto e de método provém da educação de família que Dom Bosco deu aos seus, conquistando o nosso coração, e imprimindo neles todo o seu ideal. E de desagradável?" "Para mim, foi tudo edificante. O pequeno clero, a banda de música, e, sobretudo, as Companhias de S. Luís, de S. José, do SS. Sacramento... Seus sócios exercem uma influência salutar sobre os colegas".27
A mão de Dom Bosco na do padre Rua
De 1875 a 1885, Dom Bosco vive o seu decênio mais intenso, mas também queima inexoravelmente a sua vida. Ao lado dele, sempre mais seu braço direito, o padre Rua trabalha com intensidade e silêncio, recebendo sempre maiores responsabilidades. Dia após dia torna-se aos olhos de todos 'o segundo Dom Bosco'. Em 1875 a primeira expedição missionária salesiana parte para a América do Sul. Nos anos seguintes, Dom Bosco funda os Cooperadores Salesianos e dá início ao 'Boletim Salesiano'; as primeiras Filhas de Maria Auxiliadora, das quais o padre Rua é o Diretor geral, partem para as missões; o padre João Cagliero torna-se o primeiro bispo salesiano; e o padre Rua é eleito pelo Papa 'Vigário' de Dom Bosco, pronto a suceder-lhe. É ele quem, na noite entre 30 e 31 de janeiro de 1888, toma a mão de Dom Bosco moribundo e a guia na última bênção à Família Salesiana. A mão que Dom Bosco que se estendia a um jovenzinho dizendo-lhe: "Toma, Miguelzinho, toma", agora aperta pela última vez a mão de Miguelzinho que se tornou seu vigário; e entrega-lhe tudo, tudo o que ele realizou na terra pelo Reino de Deus.
3. Padre Rua, fidelidade à vida consagrada "por toda a vida"
Na carta enviada aos Salesianos em 30 de dezembro, para dar as últimas notícias sobre a saúde de Dom Bosco, o padre Rua escrevia: "Ontem à noite, num momento em que podia falar com menos dificuldade, enquanto estávamos ao redor do seu leito, D. Cagliero, padre Bonetti e eu, [Dom Bosco] disse entre outras coisas: Recomendo aos Salesianos a devoção a Maria Auxiliadora e a Comunhão frequente. Eu acrescentei então: Isto poderia servir como estreia do novo ano a se mandar a todas as nossas Casas. Ele retomou: Isto seja por toda a vida".28 Qualquer recomendação de Dom Bosco era uma ordem para o padre Rua. Aquelas palavras, que eram o complemento coerente de uma vida inteira, foram impressas pelo padre Rua no coração: aqueles eram os caminhos pelos quais Dom Bosco lhe ordenava que fizesse caminhar a Congregação 'por toda a vida'. O padre Rua foi, como sempre, fidelíssimo àquela ordem: Jesus Eucaristia, Maria Auxiliadora, juntamente com os três votos e a fidelidade total a Dom Bosco. Com seu exemplo heroico, além de com sua palavra, haveria de atestar incessantemente que era este o caminho salesiano de santidade.
Fidelidade fecunda a Dom Bosco
Mais de um Cardeal em Roma, à morte de Dom Bosco, que se deu em 31 de janeiro de 1888, estava persuadido de que a Congregação Salesiana estaria rapidamente exaurida; o padre Rua só tinha 50 anos. Seria melhor enviar a Turim um Comissário pontifício que preparasse a união dos Salesianos com outra Congregação de tradição comprovada. "Com grande pressa – testemunhou o padre Barberis sob juramento – D. Cagliero reúne o Capítulo (ou seja, o Conselho Superior da Congregação) com alguns dos mais velhos e redigiu-se uma carta ao Santo Padre; nela, os Superiores e os mais velhos declararam que todos, de acordo, haveriam de aceitar o padre Rua como Superior, e não só lhe seriam submissos, como o teriam aceitado com grande alegria. Eu estava entre os que assinaram... Em 11 de fevereiro, o S. Padre confirmava e declarava o padre Rua no cargo por doze anos, de acordo as Constituições".29
O Papa Leão XIII conhecera o padre Rua pessoalmente e sabia que os Salesianos sob a sua direção haveriam de continuar a própria missão. E assim se deu. Os Salesianos e as obras multiplicaram-se como os pães e os peixes nas mãos de Jesus. Dom Bosco fundara em sua vida 64 obras; o padre Rua levou-as a 341. Os Salesianos, à morte de Dom Bosco, eram 700; o padre Rua, em 22 anos de direção geral, levou-os a 4 mil. As missões salesianas, que Dom Bosco quisera e iniciara tenazmente, estenderam-se durante sua vida à Patagônia e à Terra do Fogo; o padre Rua multiplicou a ousadia missionária, e os Salesianos missionários chegaram às florestas do Brasil, ao Equador, ao México, à China, à Índia, ao Egito e a Moçambique.
Para que não diminuísse a fidelidade a Dom Bosco naquelas distâncias enormes, o padre Rua não teve receio de viajar em todas as direções nos incômodos trens do tempo, sempre em classe popular. Sua vida inteira foi constelada de viagens. Testemunha o padre Barberis: "Levou-me consigo em várias de suas peregrinações. O padre Rua alcançava os seus Salesianos onde quer que estivessem, falava-lhes de Dom Bosco, reavivava neles o seu espírito, informava-se paterna, mas cuidadosamente, da vida dos irmãos e das Obras, e deixava escritas diretrizes e advertências para que florescesse a fidelidade a Dom Bosco". "Não se interessava apenas pelo bem da Congregação exteriormente – continua a testemunhar o padre Barberis – mas o seu primeiro pensamento era consolidar a Congregação mais em seu interior. Com essa finalidade, em 1893 tomou por companhia a mim e mais outros dois superiores e levou-nos a Rivalta Torinese, a fim de que, juntos, criássemos vários meios que fizessem a Congregação progredir sempre mais, retocando os regulamentos e acrescentando outros que fossem julgados como necessários".30
Jesus: alimento na Eucaristia e amor misericordioso no seu Coração
Na carta-testamento, escrita aos Salesianos antes de sua morte, Dom Bosco afirmava: "Morreu o vosso primeiro Reitor. Mas o nosso verdadeiro superior, Jesus Cristo, não morrerá. Ele será sempre nosso mestre, nosso guia, nosso modelo. Não vos esqueçais, porém, de que, a seu tempo, ele mesmo será o nosso juiz e remunerador da nossa fidelidade ao seu serviço".31
Esta foi convicção de Miguel Rua, desde sua infância. Na carta circular que enviou em 21 de novembro de 1900, ele ecoa e desenvolve essas palavras dizendo aos Salesianos: "O que há de mais sublime no mundo do que exaltar em nós e tornar conhecido e exaltado pelos outros o imenso amor de Jesus na redenção; exaltar em nós e tornar conhecido e exaltado pelos outros o amor de Jesus em seu nascimento, em sua morte, em seus ensinamentos, seus exemplos, seus sofrimentos...; em instituir a Santíssima Eucaristia, suportar a dolorosíssima paixão, deixar-nos Maria por mãe, morrer por nós... e, diria, ainda mais em querer estar conosco até o fim dos tempos no adorável Sacramento do Altar?"32
Sobre o seu amor a Jesus Eucaristia, as testemunhas no processo de beatificação são muito explícitas. O padre João Batista Francesia e o padre Barberis afirmam que, ao chegar a uma casa salesiana, seu primeiro pedido era: "Levai-me para cumprimentar o Dono da casa". Entendia com isso ir à igreja, onde se ajoelhava longamente diante do tabernáculo. O padre Francesia acrescenta que passava com frequência 'grande parte da noite' a fazer companhia – como ele dizia – ao Solitário do Tabernáculo. Testemunha ainda: "Queria que o SS. Sacramento fosse o centro de todos os nossos corações. Repetia continuamente: 'Criemos um tabernáculo em nosso coração e fiquemos sempre unidos ao SS. Sacramento'".33
A festa do Sacratíssimo Coração de Jesus, instituída em 1856, difundiu sempre mais no mundo cristão o culto a este símbolo do amor misericordioso de Jesus. O Papa Leão XIII deu um impulso particular a esse culto, especialmente nos dias que marcavam a passagem entre os séculos 19 e 20; ele exortou os cristãos a se consagrarem ao Coração de Jesus, compondo pessoalmente uma extensa fórmula de consagração. O padre Rua quis que na noite entre 31 de dezembro de 1899 e 1º de janeiro de 1900 os Salesianos, as Filhas de Maria Auxiliadora, os Cooperadores e os jovens das obras salesianas fizessem essa consagração. No Santuário de Maria Auxiliadora, ele, os Superiores maiores, Salesianos e jovens passaram aquela noite em oração e, à meia noite, a sua voz unida a de todos os presentes, pronunciou lenta e solenemente o ato de Consagração.
"Tudo o que temos, nós o devemos a Maria Santíssima Auxiliadora"
Miguel Rua tornou-se o primeiro Salesiano no dia da Anunciação do Anjo a Maria. Ele mesmo o recorda na deposição do Processo de beatificação de Dom Bosco: "Em 1855, dia da Anunciação de Maria SS.ma, eu por primeiro, a cursar o primeiro ano de filosofia, emiti os votos por um ano". Vivendo ao lado de Dom Bosco por 36 anos, ele absorveu o seu espírito, do qual uma componente essencial era a devoção a Maria Auxiliadora. A testemunha Lourenço Saluzzo afirma: "Recordo de modo especial ter ouvido do Servo de Deus estas palavras: 'Não se pode ser bom Salesiano, se não se é devoto de Maria Auxiliadora'".34
Dom Bosco construiu o Santuário de Maria Auxiliadora, o padre Rua o restaurou, embelezou, decorou. A solene 'coroação' da imagem de Maria Auxiliadora no Santuário de Valdocco em 1903 foi obtida do Papa por ele e feita pelas mãos do Card. Richelmy, Legado Pontifício. Em 17 de fevereiro anunciava aos Salesianos o grande evento dizendo: "Procuremos ser menos indignos da nossa celeste Mãe e Rainha e, com zelo sempre maior, divulguemos as suas glórias e a sua ternura materna. Ela inspirou e guiou prodigiosamente o nosso Dom Bosco em todas as suas grandes empresas; Ela continuou e continua ainda hoje a assistência materna em todas as nossas obras, e por isso podemos repetir com Dom Bosco que tudo o que temos, nós o devemos a Maria SS.ma Auxiliadora".35 O dia da coroação, 17 de maio, foi soleníssimo, entre um verdadeiro mar de pessoas. Testemunha o padre Melquior Marocco: "Padre Ubaldi e eu éramos os padres de honra do Legado Pontifício; por isso pudemos observar a expressão realmente estática do padre Rua; este, quando viu pousar-se sobre a cabeça do Menino e de Nossa Senhora as sagradas coroas pela mão de Sua Eminência, desmanchou-se num pranto irrefreável, o que nos causou não pouca admiração, porque conhecíamos o domínio absoluto que tinha de si mesmo".36
Em 19 de junho, prestando contas dos acontecimentos aos Salesianos do mundo, o padre Rua escrevia: "É doce para mim, pensar que a coroação da imagem taumaturga de Maria Auxiliadora produzirá fecundíssimos frutos entre os Salesianos no mundo. Ela aumentará o nosso amor, a nossa devoção e o nosso reconhecimento à celeste Patrona, a quem somos devedores de todo o bem que se pôde fazer... Em nossas memoráveis solenidades, o nome de Maria Auxiliadora esteve sempre unido ao de Dom Bosco; ele elevou este Santuário com sacrifícios, fez-se apóstolo da sua devoção com a palavra e a pena e colocou toda a confiança em sua poderosíssima intercessão. Que doce espetáculo ver tantos peregrinos, depois de terem satisfeito a própria piedade na igreja, desfilarem todos e visitarem com profunda veneração os aposentos de Dom Bosco! Não tenho dúvidas de que com o aumento da devoção a Maria Auxiliadora entre os Salesianos, crescerá também a estima e o afeto por Dom Bosco, não menos do que o esforço de conservar-lhe o espírito e imitar-lhe as virtudes".37
Nós Salesianos devemos ao padre Rua a récita cotidiana da oração de consagração a Maria Auxiliadora após a meditação, e também a procissão da estátua de Maria Auxiliadora pelas ruas de Turim, desejada por ele pela primeira vez em 1901, e que se tornou rapidamente uma tradição bela e veneranda na cidade e em todo o Piemonte.
Lê-se nos apontamentos de suas pregações ao povo: "Temos Maria SS.ma a nossa advogada em todas as necessidades; e ainda é preciso encontrar quem a Ela recorreu em vão. Portanto, somos afortunados por sermos filhos de tal mãe… Honremo-la, amemo-la nós e façamos com que seja amada pelos outros; trabalhemos para torná-la conhecida como auxílio dos cristãos; recorramos a Ela como proteção segura nas doenças, nos infortúnios, nas famílias que vivem em discórdia, para impedir certos graves escândalos nos países, nas cidades. Mas, se quisermos fazer-lhe um presente realmente agradável, procuremos ter um cuidado todo especial pela juventude... Cuidemos de modo especial da juventude pobre".38
As Filhas de Maria Auxiliadora, chamadas pelo povo 'as irmãs de Dom Bosco', foram fundadas pelo Santo em 1872 e chamadas por ele de "o monumento vivo da sua gratidão à Virgem Santa".39 Multiplicaram-se muito rapidamente, e fizeram um bem incalculável à juventude pobre e marginalizada. O padre Rua, devotíssimo de Maria Auxiliadora, ligou o seu nome estreitamente às suas 'Filhas'. À morte de Dom Bosco, a Superiora geral Madre Daghero escreveu ao padre Rua entregando-lhe o Instituto das FMA com plena confiança. Ele, que vira o Instituto nascer e o acompanhara em seu crescimento gradual, cuidou dele como herança sagrada deixada por Dom Bosco e prodigalizou-lhe com empenho assíduo a riqueza do seu pensamento e do seu coração. Sua figura é encontrada em cada página da história das FMA por mais de vinte anos. É um período muito rico de expansão e atividade. Abrem-se casas em muitas nações da Europa, na Palestina, na África e em várias repúblicas da América do Sul. Surgem obras novas requeridas pelas exigências dos tempos, especialmente para a assistência das jovens operárias; abrem-se novos campos missionários em primeira linha; sistematizam-se melhor as escolas.
Em suas muitas viagens, o padre Rua estende suas visitas também às casas das FMA: deixa a sua palavra de Santo, ilumina, sustenta, orienta onde quer que seja. Em todos os lugares interessa-se de cada coisa, jamais cansado ou às pressas. Oferece sugestões e conselhos voltados somente e sempre à busca do bem. Suas cartas, redigidas com caligrafia clara e miúda, até mesmo em retalhos de papel, têm o dom da simplicidade... e o perfume da interioridade.
Obediência
A consagração de todo religioso a Deus articula-se na oferta de si mesmo através dos conselhos evangélicos de obediência, pobreza e castidade. O primeiro desses conselhos, segundo a tradição salesiana, é a obediência.
Em fins de 1909, o padre Rua já tinha 72 anos e a sua saúde estava gravemente comprometida. Em 1º de janeiro daquele ano escreveu sua penúltima carta aos Salesianos. Nela, ele dizia: "As Constituições saídas do coração paterno de Dom Bosco, aprovadas pela Igreja infalível em seus ensinamentos, serão a vossa guia, a vossa defesa em todos os perigos, em todas as dúvidas e dificuldades. Com São Francisco de Assis, eu vos direi: Bendito seja o religioso que observa suas santas Regras. Elas são o livro da vida, a esperança da salvação, o cerne do Evangelho, a via da perfeição, a chave do Paraíso, o penhor da nossa aliança com Deus".40
Ao longo de toda a sua vida o padre Rua manifestara uma obediência absoluta, tão 'absoluta' que Dom Bosco algumas vezes brincava sobre isso. Na deposição para o processo de beatificação, o Reitor-Mor padre Filipe Rinaldi testemunhou: "Dom Bosco chegou a dizer: 'Ao padre Rua não se dão ordens, nem mesmo de brincadeira', tanta era a prontidão em executar qualquer coisa que lhe fosse dita pelo Superior... Ao padre Rua a obediência era muito fácil, porque era profundamente humilde. Humilde no comportamento, humilde nas palavras, humilde com os grandes e com os pequenos".41 Entretanto, também a humilde obediência do padre Rua foi submetida a duas duríssimas provas. Ele recebeu da Santa Sé duas ordens que feriram vivamente a sua sensibilidade.
Até 1901 "os superiores e diretores salesianos, fiéis ao exemplo de Dom Bosco, viam grandes vantagens em confessar eles mesmos quer os religiosos quer os alunos da própria casa. O padre Rua gostava de confessar no Oratório e em outros lugares, pois estava convencido de que essa tradição era um dos eixos do método salesiano. Por isso, ficou dolorosamente surpreso quando um decreto de 5 de julho de 1899 proibiu aos diretores das casas de Roma de confessarem os alunos. Segundo o Santo Ofício essa norma tinha em vista salvaguardar a liberdade dos penitentes e evitar eventuais suspeitas sobre o governo do superior. Temendo, justamente, que se chegasse a disposições mais extensas, o padre Rua procurou temporizar. Contudo, um segundo decreto, de 24 de abril de 1901, proibia explicitamente a todos os superiores salesianos ouvir em confissão qualquer pessoa que lhes fosse dependente. Vendo-se preso, então, entre duas fidelidades, tentou alguma coisa, o que lhe rendeu uma convocação a Roma, onde ouviu a reprimenda pessoal do Santo Ofício; foi-lhe intimado depois que deixasse Roma imediatamente. Ele submeteu-se sem hesitação, mas com o espírito profundamente amargurado".42
O padre Barberis, que viveu ao lado do padre Rua aquelas jornadas dolorosas e tensas, testemunhou: "Talvez eu seja o único a conhecer as coisas em todas as suas particularidades... Dom Bosco introduziu em nossas Casas o uso de o Diretor ser também Confessor, mas não o fez como obrigação; não está indicado em nenhum artigo das Constituições, nem dos Regulamentos, mas introduziu-se por si e não se percebeu nenhum inconveniente... Tratando-se de uma rotina introduzida por Dom Bosco, foi rotina imperturbada por cerca de 70 anos, e estando anotado no Decreto 'Os Superiores provejam até o final do ano...', o padre Rua acreditou-se autorizado a temporizar um pouco... para ter tempo de aconselhar-se... com importantíssimos personagens, entre os quais recordo o Card. Svampa, Arcebispo de Bologna... Mas tão logo advertiu em toda a sua extensão o peso do Decreto, imediatamente se dispôs a comunicá-lo a toda a Congregação, em 6 de julho de 1901".43
Em 1906, outra decisão da Santa Sé levou a sua obediência a nova dura prova, aceitando que a herança recebida de Dom Bosco fosse novamente atacada. Desde a fundação, o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora esteve agregado aos Salesianos. A união das duas Congregações era garantida pela direção comum. "O Instituto das FMA – diziam suas Regras – está sob a alta e imediata dependência do superior geral da Sociedade de S. Francisco de Sales... Em concreto, este superior delegava seus poderes a um sacerdote salesiano, que tinha o título de Diretor geral do Instituto FMA. Em contexto local, ele se fazia representar pelos Inspetores. O governo interno do Instituto, porém, estava nas mãos da Superiora geral e do seu Capítulo. Dom Bosco era apegado a esse regime".44
A fim de pôr ordem nas famílias religiosas que proliferavam nos últimos decênios, a Santa Sé emanou um Decreto que ordenava: uma Congregação feminina de votos simples não devia depender de modo algum de uma Congregação masculina da mesma natureza. O quinto Capítulo geral das FMA, reunido em 1905, manifestou temor e inquietação diante daquela decisão. Embora declarando a devida obediência à disposição da Igreja, com votação unânime, declaravam que era sua vontade depender do Sucessor de Dom Bosco: sob essa dependência o Instituto tivera o seu rápido e inesperado desenvolvimento, aos Salesianos elas recorreram sempre que surgiam dificuldades com as autoridades civis e religiosas, e sentiam nisso a sua segurança quanto ao futuro, no espírito do comum Fundador. Roma, porém, respondeu apelando à obediência. Quando o Capítulo geral foi informado disso, escreveu o padre Ceria, foi como um raio em céu sereno. O Papa Pio X, recebendo a Madre Geral e as Conselheiras, com sentido de grande e quase aflita compreensão, disse: "Ficai tranquilas: trata-se apenas de uma separação material e não de outra coisa".
Em 1906 a Santa Sé transmitiu ao padre Rua o texto modificado das Constituições das FMA. Em 1907 o texto foi entregue ao Capítulo extraordinário das FMA. "A disposição fundamental referia-se à total independência das duas Congregações, tanto em relação ao governo quanto à administração e à contabilidade. Os Salesianos ocupar-se-iam das FMA – limitadamente ao campo religioso – só se isso fosse pedido pelos bispos".45
O beato padre Filipe Rinaldi, Reitor-Mor dos Salesianos, depôs sob juramente em relação ao padre Rua: "Recordo a sua submissão sem reservas ao Decreto para a separação das Irmãs de Maria Auxiliadora do Instituto Salesiano. Após o Decreto manteve-se tão reservado que não ousava mais intervir em seus negócios, a menos que fosse convidado pelas Superioras ou fosse consultado nos assuntos de alguma importância. A discrição foi mantida até quando Pio X disse-lhe que as Irmãs ainda e sempre precisavam da direção dos Salesianos, particularmente na gestão dos negócios materiais, no andamento escolar e para conservar o espírito de Dom Bosco. Retomou-lhe, então, o ânimo, e voltou a ser não só pai, mas também diretor".46
Pobreza
O padre Francesia conta que certo dia o clérigo Rua, tendo encontrado um pedaço de tapete vermelho, pensou em colocá-lo em seu escritório. Dom Bosco viu e disse-lhe sorrindo: "Ah! padre Rua! Agrada-te a elegância, hein?". Rua, confuso, disse que se tratava apenas de um trapo, mas Dom Bosco observou: "Se não estivermos atentos, o luxo e a elegância facilmente se introduzem". O padre Rua jamais se esqueceu dessa palavra, e fez dela tesouro por toda a vida.47
A pobreza foi a divisa do padre Rua. Vestia-se pobremente, jamais buscou comodidades, economizava em qualquer pequena coisa. E cuidava para que todos os Salesianos amassem e praticassem a pobreza com espírito de fé, como queria Dom Bosco. Suas batinas eram cheias de remendos. Um par de sapatos durava-lhe anos; embora caminhasse muito a pé para não tomar o bonde e dar em esmola os dez centavos da passagem. Em casa, até a morte, vestiu um velho capote já usado por Dom Bosco, e o vestia com devoção.
Uma Filha de Maria Auxiliadora, que por muitos anos remendava as roupas dos Salesianos do Oratório, declarou que muito raramente era-lhe entregue alguma coisa do padre Rua; e quando lhe traziam sua batina, diziam-lhe para remendá-la com urgência, pois o padre Rua estava a trabalhar no quarto vestido com o capote, pois jamais tivera uma batina alternativa.
Durante a viagem a Constantinopla, em 1908, depois de muitas visitas pela cidade, voltou com as pernas inchadas e os pés molhados. Pediu ao diretor dos Salesianos, por caridade, um par de meias de lã para vestir. Não se encontrou um par de meias de lã em toda a casa. Então, o padre Rua sorriu e disse: "Estou contente! Esta é a verdadeira pobreza salesiana".48
Durante os 23 anos em que foi Reitor-Mor, o padre Rua enviou 56 cartas circulares aos Salesianos. Condensou nelas todo o seu amor por Dom Bosco e todo o espírito salesiano. Entre essas cartas, considera-se como sua 'obra-prima' a circular intitulada "A pobreza". Ocupa vinte páginas e traz na abertura: "Turim, 31 de janeiro de 1907, aniversário da morte de Dom Bosco". Reproduzo alguns trechos dessa sua atualíssima carta,49 a fim de reavivar em nós o verdadeiro espírito de pobreza salesiana.
"É natural considerar a pobreza uma desgraça"
A pobreza, em si mesma, não é uma virtude; ela é uma legítima consequência da culpa original, destinada por Deus à expiação dos nossos pecados e à santificação das nossas almas. É, pois, natural que o homem tenha horror a ela, considere-a como desgraça e faça de tudo por evitá-la. A pobreza só se torna virtude quando abraçada voluntariamente por amor de Deus, como fazem aqueles que se entregam à vida religiosa. Entretanto, mesmo então a pobreza não deixa de ser amarga; também para os religiosos a prática da pobreza impõe graves sacrifícios, como nós mesmos fizemos mil vezes experiência disso.
Não é de admirar, portanto, que a pobreza seja sempre o ponto mais delicado da vida religiosa, que ela seja como a pedra de toque para distinguir uma comunidade florescente de uma relaxada, um religioso zeloso de um negligente. Ela será, infelizmente, o escolho contra o qual irão chocar-se tantos propósitos magnânimos, tantas vocações que tinham algo de maravilhoso em seu surgimento e em seu desenvolvimento. De aqui a necessidade dos Superiores falarem dela com frequência e, da parte de todos os membros da família salesiana, manter vivo seu amor por ela e íntegra a sua prática.
"O primeiro conselho evangélico"
A pobreza é o primeiro dos Conselhos evangélicos. Desde o início da sua vida pública, Jesus Cristo lança as mais terríveis ameaças contra os ricos que encontram na terra as suas consolações. Por outro lado, os sofrimentos dos pobres movem à piedade o seu dulcíssimo Coração, consola-os e chama-os bem-aventurados garantindo que o reino dos céus pertence a eles. A quem lhe pergunta o que fazer para ser perfeito, responde: "Vai, vende tudo o que tens e segue-me". Aos Apóstolos que se oferecem para segui-lo ele impõe como primeira condição abandonarem as redes, a banca de impostos e o que possuem. E o despojamento voluntário de todos os bens da terra foi praticado por todos os discípulos de Jesus Cristo, por todos os santos que ilustraram a Igreja em tantos séculos.
"A pobreza de Dom Bosco"
Nosso venerado Pai viveu pobre até o fim da vida. Tendo muito dinheiro entre as mãos, jamais se viu nele o mínimo esforço de buscar para si alguma satisfação momentânea. Costumava dizer: "A pobreza é preciso tê-la no coração para praticá-la". E Deus recompensou-o largamente pela sua confiança e pela sua pobreza, de modo que conseguiu iniciar obras que os próprios príncipes não teriam ousado. Falando do voto de pobreza, Dom Bosco escrevia: "Recordemo-nos de que desta observância depende em máxima parte o bem-estar da nossa Pia Sociedade e a vantagem da nossa alma".
"Os pobres não só são evangelizados, mas são os pobres que evangelizam"
A História eclesiástica ensina-nos que foram os mais desapegados do mundo aqueles que mais se distinguiram pela fé, esperança e caridade, cuja vida foi uma trama de obras boas e uma série de prodígios para a glória de Deus e a salvação do próximo
Haveríamos de trabalhar inutilmente se o mundo não visse e não se convencesse de que não buscamos riquezas e comodidades. Fique bem firme em nossa mente o que São Francisco de Sales escreveu: os pobres não só são evangelizados, mas são os próprios pobres que evangelizam.
Também entre nós, não são certamente os Salesianos desejosos de vida cômoda que iniciarão obras realmente frutuosas, que irão entre aos selvagens do Mato Grosso ou à Terra do Fogo ou se colocarão a serviço dos leprosos. Isso será sempre orgulho daqueles que observarem generosamente a pobreza.
"As obras de Dom Bosco são fruto da caridade"
Deve-se levar ainda em conta que as obras de Dom Bosco são fruto da caridade. É preciso saber que muitos dentre os nossos benfeitores, eles mesmos pobres ou apenas modestamente ricos, impõem-se gravíssimos sacrifícios para poder ajudar-nos. Com que coração usaríamos esse dinheiro buscando para nós comodidades não adequadas à nossa condição? Desperdiçar o fruto de tantos sacrifícios, até mesmo gastá-lo sem consideração, é uma verdadeira ingratidão para com Deus e para com nossos benfeitores.
Seja-me lícito fazer-vos uma confidência. Muitos, talvez, vendo que nossas obras vão se estendendo sempre mais, pensam que a Pia Sociedade dispõe de muitos meios, e que, por isso, são inoportunas as minhas repetidas e insistentes exortações a fazer economia, a observar a pobreza. Quão distantes estão da verdade! Poder-se-ia mostrar-lhes os muitos jovenzinhos que estão inteiramente ou em grande parte a cargo da Congregação para o alimento, as roupas, os livros etc. Quem acompanha com a mente o nosso crescimento, pode tomar consciência das casas e igrejas que se vão construindo, dos danos sofridos que é preciso reparar, das viagens a pagar aos missionários, das ajudas a mandar às Missões, das imensas despesas que é preciso sustentar para a formação do pessoal.
Qualquer um que não vivesse segundo o voto de pobreza na alimentação, nas roupas, no alojamento, nas viagens, nas comodidades da vida e ultrapassasse os limites que o nosso estado nos impõe, deveria sentir remorso por ter subtraído à Congregação o dinheiro que fora destinado a dar pão aos órfãos, favorecer alguma vocação, aumentar o reino de Jesus Cristo. Pense que deverá prestar contas disso no tribunal de Deus.
"Os tempos heroicos da Congregação"
O bom Salesiano chegará a ter espírito de pobreza, isto é, será realmente pobre nos pensamentos e desejos, aparecerá tal em suas palavras, comportando-se realmente como pobre. Aceitará de boa vontade as privações e os incômodos que são inevitáveis na vida comum, e generosamente escolherá para si as coisas menos belas e menos cômodas.
Concluo trazendo novamente à memória aqueles que chamamos 'tempos heroicos' da nossa Pia Sociedade. Passaram-se muitos anos nos quais era necessária uma virtude extraordinária para nos conservarmos fiéis a Dom Bosco e resistir aos insistentes convites que nos faziam de abandoná-lo, e isso pela pobreza extrema em que se vivia. Sustentava-nos, porém, o amor intenso que tínhamos por Dom Bosco; davam-nos força e coragem as suas exortações a permanecermos fiéis à nossa vocação apesar das duras privações, dos grandes sacrifícios. Por isso, estou certo de que se o nosso amor a Dom Bosco for mais vivo, será mais ardente o desejo de nos conservarmos como seus dignos filhos e de corresponder à graça da vocação religiosa, praticando o espírito de pobreza em toda a sua pureza.
Castidade
João Batista Francesia, pequeno operário, entrou no Oratório de Dom Bosco aos 12 anos. Ali encontrou o estudante Miguel Rua, que só tinha 13 anos. Era 1850. A partir daquele momento foram companheiros e amigos inseparáveis, por sessenta anos, até o dia 6 de abril de 1910. Na manhã daquele dia João Batista Francesia estava sentado ao lado de Miguel Rua que estava a morrer, e sugeriu-lhe a primeira invocação que, juntos, ainda jovenzinhos, tinham aprendido de Dom Bosco: "Querida Mãe, Virgem Maria, fazei que eu salve a minha alma". E Miguel respondeu-lhe: "Sim, salvar a alma é tudo!".
Quando em 1922, aos 82 anos, o padre João Batista Francesia foi chamado a depor sob juramento sobre o que pensava da santidade do padre Rua, à palavra 'castidade', comoveu-se, e a voz baixa faz sair de seus lábios um testemunho que ainda hoje, a lê-lo, comove e encanta: "O esplendor da virtude angélica transparecia de toda a pessoa do padre Miguel Rua. Bastava olhar para ele para compreender o candor da sua alma. Parecia que mais do que nas coisas deste mundo, tivesse os olhos continuamente fixos nas coisas celestes. O padre Rua era o verdadeiro retrato de S. Luís, e eu posso atestar que em todo o tempo que o tive próximo, jamais encontrei nele uma palavra, um gesto, um olhar que não fosse marcado por essa virtude. Seu modo de agir e comportar-se em qualquer tempo e em qualquer lugar era sempre conforme a mais amável delicadeza e modéstia. Por isso, era sempre edificante, tanto em público quanto em privado, no pátio e na rua, na igreja ou no quarto. Em suas longas audiências, com quem quer que conversasse, mantinha um comportamento tão recolhido e ao mesmo tempo tão paterno que edificava e arrebatava os corações... Era tão cheio de delicadeza e de atenções pela angélica virtude que, ao inculcá-la, a sua palavra tinha uma eficácia especial. São amáveis e cheios de sabedoria os conselhos que costumava dar aos Salesianos para se comportarem entre os jovens: 'Amai muito os jovenzinhos confiados aos vossos cuidados, mas não apegai a eles o vosso coração'... Outras vezes dizia... que se deve ter cuidado com todas as almas, mas não se deixar roubar o coração por nenhuma delas... Ao pregar, fluíam do seu coração as mais suaves palavras, e as belas e caras imagens conquistavam os jovens para a bela virtude angélica que parecia um verdadeiro Anjo do Senhor... Essa virtude, pelo testemunho que posso dar por conhecimento próprio, ele a cultivou de modo perfeito desde jovenzinho até a morte".50
Os dias de agonia
Apesar disso tudo, justamente no campo da moralidade, que ele considerava o valor mais precioso para um instituto educativo como a Congregação Salesiana, o padre Rua teve que sofrer o ataque mais ignominioso que, literalmente, arrasou a sua vida. Aqueles momentos tenebrosos são recordados como os 'fatos de Varazze'. A escola salesiana daquela cidade era dirigida pelo padre Carlos Viglietti, o último secretário pessoal de Dom Bosco. Na manhã de 29 de julho de 1907 a polícia irrompe em casa. Os Salesianos são presos, os jovens – poucos, porque os outros já tinham partido para as férias – foram levados ao quartel. O padre Viglietti deve ouvir uma acusação infamante: um garoto, Carlos Marlario, 15 anos, órfão adotado pela viúva Besson, hospedado gratuitamente na escola, escreveu um 'diário' que agora está nas mãos da polícia. A casa salesiana é nele descrita como um repugnante centro de pedofilia. De nada servem os desmentidos vigorosos do padre Viglietti e dos Salesianos e nem mesmo a negação unânime dos alunos submetidos a ingentes interrogatórios.
A notícia transpira. Toda a impressa anticlerical inicia uma insistente campanha de vilipêndio contra os Salesianos e as escolas dos padres. Numerosos grupos de delinquentes abandonam-se a atos de violência em Savona, La Spezia e Sampierdarena. Outros movimentos violentos contra padres e círculos católicos verificam-se em Livorno e Mântua. Entregam-se à caça ao padre. Pede-se o fechamento de todas as escolas mantidas pelos religiosos na Itália.
"Durante aquela prova terrível, algumas testemunhas contaram que o padre Rua estava deprimido, irreconhecível".51 Naqueles meses ele fora atacado por uma forma grave de infecção, estava muito debilitado, e viram-no chorar como uma criança. Entretanto, a armação esvaziou-se. Advogados entre os mais famosos da Itália ofereceram o seu patrocínio gratuito aos Salesianos. Deputados, ex-alunos dos Salesianos, assumiram no Parlamento a defesa das escolas salesianas. Em 3 de agosto, cinco dias apenas depois do início do vilipêndio, o padre Rua, ajudado por outros Superiores a reagir ao desconforto, apresentou denúncia por difamação e calúnia, assistido por três ilustres advogados. O Tribunal de 1ª instância de Gênova, quando o processo se concluiu, declarou que o diário era um conjunto de invenções fantásticas, escrito por "instigações incessantes de estranhos interessados em suscitar um escândalo anticlerical".52
Em 31 de janeiro de 1908, acalmada a borrasca, o padre Rua enviava aos Salesianos uma carta circular cujo título já dizia tudo: "Vigilância". Nela, ele resumia brevemente os acontecimentos, convidava a agradecer a Deus e Maria Auxiliadora, e pedia a todos que refletissem sobre dois trechos das palavras de Dom Bosco, pronunciadas em 20 de setembro de 1874, e sobre um artigo das Constituições: "Às vezes, a voz pública lamenta fatos imorais acontecidos com a ruína dos costumes e escândalos horríveis. É um grande mal, é um desastre; e eu peço ao Senhor que faça com que se fechem todas as nossas casas antes que nelas aconteçam semelhantes desgraças".53 E ainda: "Pode-se estabelecer como princípio invariável que a moralidade dos alunos depende de quem os educa, assiste e dirige. Quem não tem não pode dar, diz o provérbio. Um saco vazio não pode fornecer trigo, nem um frasco cheio de escória produzir bom vinho. Por isso, antes de nos propormos como mestres aos outros, é indispensável que nós possuamos aquilo que queremos ensinar aos outros".54 Em seguida, comenta o artigo 28 das Constituições dizendo: "Apesar do seu (de Dom Bosco) intenso desejo de ter muitos colaboradores para sua obra, também não queria professos nesta Sociedade quem não tivesse fundada esperança de poder conservar, com a ajuda divina, a virtude da castidade, quer nas palavras, quer nas obras, quer mesmo nos pensamentos".55
4. Padre Rua, "o evangelizador dos jovens"
O Papa Paulo VI, na homilia da beatificação – como eu já acenava em parte – afirmou num certo momento: "Meditemos um instante sobre o aspecto característico do padre Rua, o aspecto que no-lo permite entender... Filho, discípulo, imitador (de Dom Bosco), fez do exemplo do Santo uma escola, da sua obra pessoal uma instituição estendida, pode-se dizer, à terra inteira... fez da fonte uma torrente, um rio... A fecundidade prodigiosa da Família Salesiana teve em Dom Bosco a origem, no padre Rua a continuidade. Este seu discípulo serviu à Obra Salesiana em sua virtualidade expansiva, desenvolveu-a com coerência textual, mas com sempre genial novidade... O que o padre Rua nos ensina? A ser continuadores... A imitação do discípulo não é passividade, nem servilismo… A educação (é) arte que guia a expansão lógica, mas livre e original, das qualidades virtuais do discípulo... O padre Rua qualifica-se como o primeiro continuador do exemplo e da obra de Dom Bosco... Percebemos que temos diante de nós um atleta da atividade apostólica, que (age) sempre segundo a forma de Dom Bosco, mas com dimensões próprias e crescentes... Nós rendemos glória ao Senhor que quis... oferecer à sua ação apostólica novos campos de trabalho pastoral, que o impetuoso e desordenado desenvolvimento social abriu diante da civilização cristã".56
Novos campos de trabalho pastoral
A ler, mesmo apenas rapidamente a quantidade impressionante das cartas do padre Rua, das suas circulares, dos volumes que resumem a sua obra de Sucessor de Dom Bosco por 22 anos descobre-se de maneira imponente que aquilo que o Papa afirma é verdade: sua fidelidade a Dom Bosco não é estática, mas dinâmica. Ele percebe realmente o fluir do tempo e das necessidades da juventude, e, sem temor, expande a obra salesiana a novos campos de trabalho pastoral.
Entre operários e filhos de operários
Nos últimos decênios de 1800 e nos primeiros de 1900 multiplicam-se em todos os lugares as lutas sociais dos trabalhadores das fábricas. As condições dos operários são míseras: horários insuportáveis, condições higiênicas péssimas, previdência social e aposentadoria inexistente. Sob o estímulo do padre Rua, os Salesianos e as FMA dão vida ao florescimento de obras sociais: orfanatos, escolas profissionais, escolas agrícolas, paróquias de periferia com oratórios para filhos de famílias operárias: oratórios que vêm jogar sobre o campo verde e rezar nas capelas trezentos, quinhentos, mil meninos. O padre Rua está feliz com isso, e exorta os Inspetores a terem um olho atento a essas 'obras fundamentais de Dom Bosco'.
Turim, nos últimos anos do século, torna-se berço doloroso do proletariado italiano. Em maio de 1891 Leão XIII publica a encíclica Rerum Novarum. Nela, o Papa denuncia a situação em que "um pequeníssimo número de super-ricos impôs um estado de semi-escravidão à infinita multidão dos proletários" (RN 2). A encíclica tem logo um forte impacto no mundo cristão, e o padre Rua sente que chegou para os Salesianos a hora de alargar e intensificar a sua ação social.
Em 1892 realiza-se em Turim Valsalice o 6º Capítulo Geral da Congregação. Entre as questões a tratar, o padre Rua coloca a aplicação prática dos ensinamentos do Papa sobre a questão operária. Os Salesianos assumem o compromisso de introduzir nos programas escolares dos jovens alunos a instrução sobre capital e trabalho, direito de propriedade e greve, salário, repouso, poupança. Sugere-se solicitar aos ex-alunos que se inscrevam nas Sociedades Operárias Católicas.
Entre os escavadores na Suíça
Em 1898 teve início o túnel do Sempione entre a Suíça e a Itália: uma das galerias mais longas do mundo, dois túneis lado a lado de 19.800 metros. Na vertente suíça forma-se uma colônia de mais de dois mil trabalhadores italianos: piemonteses, lombardos, vênetos e, sobretudo, abruzesses e sicilianos, com mulheres e filhos. O padre Rua não hesita em mandar entre aqueles trabalhadores os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora. Ali ficaram por sete anos, ou seja, até o fim dos trabalhos. As notícias de como acudiam às necessidades daquelas pobres famílias são escassas: faziam o bem e ninguém tinha tempo de manter uma crônica. Um deputado socialista, Gustavo Chiesi foi certo dia observar a situação. Viu o que os Salesianos e as Irmãs faziam, o Círculo operário que tinham fundado, lugar de encontro muito frequentado pelos italianos; mandou uma correspondência publicada no jornal Tempo de Milão. Ali se lê: "Temos declamado muito sobre as condições dos nossos operários no Sempione, muito escrevemos e protestamos. Mas nenhuma ação prática foi feita até agora para o bem deles. O pouco que foi feito até agora, fizeram-no os padres... Em todas as ocasiões eles são sempre os primeiros a fazer, ajudar, aliviar as penas alheias. Assim no Sempione, assim em todos os lugares".
Emigrantes entre os emigrantes
Outras ondas bem mais numerosas de emigrantes partiam da Itália para fugir da miséria das terras do sul. Para a América do Norte e do Sul, no decênio 1880-1890, segundo as estatísticas do economista Clough, emigravam em média 165 mil pessoas todos os anos. Só para a Argentina emigraram 40 mil italianos a cada ano. No decênio seguinte a multidão dos emigrantes aumentou: tocava-se e superava-se o meio milhão a cada ano. O hon. José Toscano referindo-se na Câmara dos Deputados à extrema pobreza do sul havia declarado em 1878: "Desesperado, o que quereis que o proletariado faça? Não lhe restam senão dois caminhos: o caminho do delito e do banditismo ou o da emigração". Doze anos depois a situação não mudara, e o hon. Vitório E. Orlando, de Palermo, gritou no mesmo Parlamento que para os seus conterrâneos o dilema resumia-se em duas palavras: "Ou emigrantes ou meliantes!".
O padre Rua, enquanto cobria a Itália de uma teia de obras para os jovens das famílias mais modestas, mandou missionários salesianos à América do Norte em 1897 e 1898. Em Nova Iorque, Paterson, Los Angeles, Troy os nossos irmãos esforçavam-se para acolher os emigrantes que não conheciam a língua, não sabiam onde se alojar e encontrar trabalho. Lado a lado com as heroicas irmãs de Madre Cabrini e de tantos outros missionários e missionárias, procuravam ajudá-los a estruturar-se, a inscrever-se nos sindicatos do povo. Acolhiam seus filhos nas escolas, garantiam assistência religiosa. Ao mesmo tempo, reforçou e multiplicou as presenças salesianas na América do Sul, que prosperavam sob a guia de D. Cagliero e do novo bispo salesiano D. Luís Lasagna.
Os Salesianos faziam-se ver em novos continentes. Obras sociais, orfanatos, escolas profissionais, paróquias e oratórios de periferia eram abertos em terras muito distantes: Cape Town, Tunis, Izmir, Constantinopla. Novas obras abriram-se em série na Europa do norte e do oeste. Uma das consequências benéficas foi que as missões salesianas puderam logo contar com irmãos de várias nacionalidades. Os poloneses emigrantes em Buenos Aires podiam encontrar um Salesiano polonês chefiando um secretariado para eles; em Londres, a colônia polonesa dispunha de uma igreja oficiada por um Salesiano polonês; os alemães emigrados nos Pampas ou no Chile encontravam ali Salesianos alemães. Em Oakland, na Califórnia, um bairro inteiro de portugueses era assistido por um Salesiano português.
Arriscar tudo que se podia arriscar como Dom Bosco
O dinamismo apostólico levou o padre Rua a apoiar as empresas mais difíceis. Com a mesma coragem de Dom Bosco arriscou tudo que se podia arriscar para levar o Reino de Deus e o amor de Maria Auxiliadora a todos os cantos.
Na Palestina, não hesitou em aceitar entre os Salesianos a bem enraizada Família religiosa do padre Antonio Belloni, que se dedicava às crianças mais miseráveis. Na Polônia, não se opôs à difícil e problemática personalidade do padre Bronislaw Markiewicz, que parecia querer rebelar-se à autoridade dos Superiores, mas que é hoje venerado como beato e fundador de uma Congregação que faz parte da Família Salesiana. Na Colômbia, apoiou o apostolado novo, e embaraçante para diversas pessoas, entre os leprosos de Água de Diós, iniciado pelo padre Unia e continuado pelo padre Rabagliati e padre Variara. Apoiou o padre Balzola e o padre Malan que procuraram entrar entre os indígenas Bororos do Mato Grosso, no Brasil. Encorajou as difíceis tentativas de implantar uma missão entre os indígenas Shuar do Equador. Enviou sete Salesianos para abrir oratório e escolas em Oran, na Argélia, onde muitas crianças vagavam pelas ruas.
Em 1906, abençoou os primeiros Salesianos que partiam para fundar missões na Índia e na China, aqui chefiados pelo juveníssimo padre Luís Versiglia que veneramos hoje como mártir e santo. Era um início muito tímido, quase temerário, entretanto, agora, a obra de Dom Bosco na Índia, na China e em toda a Ásia desperta admiração em todos.
Às vésperas da sua 'Missa de ouro', pré-anunciada pelo Boletim Salesiano e prelibada por todos os Salesianos, uma grave infecção que o atormentava há anos e o tinha coberto de feridas dolorosas, truncou-lhe a vida. Deus veio ao seu encontro na manhã de 6 de abril de 1910.
"A simplicidade com que procurava acompanhar as suas obras"
Quem explora mesmo apenas os últimos vinte anos de vida deste frágil padre, tem a impressão invencível de uma atividade incansável e gigantesca. Realmente, como afirmou Paulo VI na homilia de beatificação, "jamais poderemos esquecer o aspecto operativo deste pequeno-grande homem, tanto mais que nós, não estranhos à mentalidade do nosso tempo, inclinados a medir a estatura de um homem pela sua capacidade de ação, percebemos ter diante de nós um atleta da atividade apostólica".
Toda essa atividade humana e espiritual, porém, foi realizada pelo padre Rua no silêncio e na humildade. Tanto que o seu caríssimo padre Francesia, preparando-se para compor a sua biografia, usando o 'plural majestático' usado então pelos autores, escreveu: "Nós que nos acostumamos a viver com ele, que o ouvíamos falar quase a cada momento, que tratávamos com ele como se costuma fazer com uma pessoa íntima e confidente, víamos tudo como natural e sem distinção. 'Eu farei assim! – dizia para si mesmo –; Dom Bosco teria feito assim. O que há de extraordinário? Não me parece que seja importante'. Contudo, pensando sobre isso, dever-se-ia dizer que a simplicidade com que procurava acompanhar suas obras, dizer continuamente 'tudo para o Senhor e nada mais que para o Senhor' já despertava admiração em nós, e será sempre o elogio mais belo da laboriosa e humilde vida do padre Miguel Rua".57
Conclusão
Como conclusão, gostaria de retomar o que lhes escrevi na carta de 24 de junho de 2009, com o título "Recordando o Padre Rua". Dizia-lhes que queremos viver o ano de 2010 especialmente como um caminho espiritual e pastoral. A fim de fazer com que este ano dedicado ao primeiro Sucessor de Dom Bosco frutifique, indicava na carta "algumas atenções a terem presentes em suas programações espirituais e pastorais do próximo ano na caminhada pessoal, comunitária e inspetorial".
A primeira é reforçar o nosso ser discípulos fiéis de Jesus, modelo de Dom Bosco, redescobrindo os caminhos para conservar a fidelidade à vocação consagrada, com um convite concreto a beber nas fontes da vida do discípulo e do apóstolo, nas fontes cotidianas da fidelidade vocacional: a Sagrada Escritura mediante a "lectio divina" e a Eucaristia na celebração, na adoração e nas visitas frequentes.
A segunda atenção a ter é assumir a atitude do padre Rua que, enviado a Mirabello, resumiu os conselhos recebidos de Dom Bosco numa só expressão: "Em Mirabello, procurarei ser Dom Bosco". E Dom Bosco por inteiro está nas nossas Constituições. Ser Dom Bosco, dia após dia, é exatamente o que as Constituições concretamente nos indicam. Levado pelo testemunho particular do primeiro Sucessor de Dom Bosco eu os convido neste ano, sobretudo durante os Exercícios espirituais, a redescobrir a importância e o espírito das nossas Constituições salesianas e a repensar o próprio projeto pessoal de vida, com referência particular ao capítulo quarto: aquele que se refere à nossa missão e tem como título: "enviados aos jovens".
Em terceiro lugar, recordando como o padre Rua, impelido pela paixão do Da mihi animas, deu grande impulso à missão salesiana, convidava-os a imitá-lo na sua dedicação em responder às necessidades dos jovens e encontrar os caminhos pastorais adequados para alcançá-los com o anúncio do evangelho. O entusiasmo apostólico do padre Rua pede-nos, então, para concretizar durante este ano o esforço de evangelização dos jovens. No-lo pede o segundo núcleo do CG26; no-lo propõe a Estreia de 2010, que nos convida a nos deixarmos envolver na ação evangelizadora como Família Salesiana, da qual o padre Rua foi um promotor convicto.
Olhemos todos, neste Ano Sacerdotal, para o padre Rua como para um modelo de Salesiano padre. Descubramos novamente e aprofundemos a sua identidade marcada pela experiência da vida consagrada apostólica, feita de fervor espiritual e zelo pastoral no exercício do ministério.
O Espírito de Cristo anime-nos em nosso caminho de renovação pastoral e Maria Auxiliadora sustente-nos no trabalho apostólico. Dom Bosco seja sempre nosso modelo e nosso guia.
Cordialmente no Senhor
P. Pascual Chávez Villanueva
Reitor-Mor
Oração para pedir a canonização do Beato Miguel Rua
Deus onipotente e misericordioso,
pusestes no seguimento de São João Bosco
o Beato Miguel Rua, que imitou-lhe os exemplos,
herdou-lhe o espírito e propagou-lhe as obras;
agora, que com a beatificação, o elevastes à glória dos altares,
dignai-vos multiplicar o seu patrocínio a quantos o invocam
e apressar a sua canonização.
Nós vos pedidos pela intercessão de Maria Auxiliadora,
que ele amou e honrou com coração de filho,
e pela mediação de Jesus Cristo, nosso Senhor.
Amém.
1 A Comissão para o Congresso Internacional sobre o Padre Rua, presidida pelo padre Francisco Motto, também promoveu a digitalização de todas as cartas do padre Rua, realizada pelo Salesiano Coadjutor Sr. Giorgio Bonardi e colocada à disposição no sítio da Direção Geral, e a biografia escrita pelo padre F. Desramaut, com o título "Vie de Don Michel Rua, Premier successeur de Don Bosco", publicada em francês pela livraria Ateneo Salesiano e de próxima tradução e impressão em outras línguas.
2 Sacra Rituum Congregatione. Taurinen. Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Michaëlis Rua – Positio super virtutibus – Romae, Typis Guerra et Belli 1947.
3 PAULO VI, Homilia para a beatificação do Padre Rua, Roma, 29 de outubro de 1972.
4 M. WIRTH, Da Don Bosco ai nostri giorni, LAS Roma 2000, p. 265.
5 A. AMADEI, Il Servo di Dio Michele Rua, vol I, SEI Torino 1931, p. 30.
6 Cf. A. AUFFRAY, Don Michele Rua, SEI Torino 1933, p. 30.
7 Positio, p. 912.
8 Positio, p. 51.
9 Positio, p. 72.
10 Cf. Positio, p. 71.
11 Positio, pp. 48-49.
12 M. WIRTH, o. c., p. 267.
13 A. AUFFRAY, o. c., p. 104.
14 Cf. A. AUFFRAY, o. c., p. 104; E. CERIA, Vita del Servo di Dio Don Michele Rua, SEI Torino 1949, p.71.
15 A. AUFFRAY, o. c., p. 136.
16 M. WIRTH, o. c., p 273.
17 A. AUFFRAY, o. c., p. 151.
18 A. AUFFRAY, o. c., p. 103.
19 G. VESPIGNANI, Un anno alla scuola di Don Bosco, Scuola Tipografica Don Bosco, San Benigno Canavese 1930, pp. 29-30.
? G. VESPIGNANI, o. c., p. 30.
20 G. VESPIGNANI, o. c., p. 30.
21 Positio, pp. 912-913.
22 Positio, p. 699.
23 Positio, p. 923.
24 G. VESPIGNANI, o. c., pp. 19-22 passim.
25 G. VESPIGNANI, o. c., pp. 37, 41.
26 G. VESPIGNANI, o. c., p. 12.
27 G. VESPIGNANI, o. c., pp. 23-24.
28 Memorie Biografiche XVIII, pp. 502-503.
29 Positio, pp. 54-55.
30 Positio, p. 57.
31 Do Testamento espiritual de São João Bosco, cf. "Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales", Edição 2003, p. 292 (DB, Memorie dal 1841 al 1884-5-6, ASC 132, quaderni-taccuini 6)
32 Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani, Direzione Generale delle Opere Salesiane, Torino 1965, pp. 276-277.
33 Positio, p. 306.
34 Positio, p. 339.
35 A. AMADEI, o. c., vol III, p. 12.
36 Positio, p. 426.
37 A. AMADEI, o. c., III, p. 43.
38 A. AMADEI, o. c., III, pp. 746, 748.
39 ISTITUTO FIGLIE DI MARIA AUSILIATRICE, Cronistoria I, Roma 1974, p. 298.
40 Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani, o. c., p. 499.
41 Positio, pp. 979, 981.
42 M. WIRTH, o. c., p. 272.
43 Positio, pp. 292-294.
44 M. WIRTH, o. c., p. 399.
45 M. WIRTH, o. c., p. 400.
46 Positio, p. 979.
47 Cf. Positio, p. 924.
48 Cf. A. AMADEI, o. c., III, pp. 104-121.
49 Todos os trechos abaixo que se referem à pobreza foram tirados das Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani, o. c., pp. 430-445.
50 Positio, pp. 928-930.
51 M. WIRTH, o. c., p. 273.
52 A. AMADEI, o. c., III, p. 348.
53 Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani, o. c., pp. 464-465.
54 Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani, o. c., p. 465-466.
55 Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani, o. c., p. 467.
56 PAULO VI, Homilia para a beatificação do padre Rua, Roma, 29 ottobre 1974.
57 G.B. FRANCESIA, Don Michele Rua, Torino 1911, p. 6.