1. CARTA DO REITOR-MOR
“E vós, que dizeis? Quem sou eu?” (Mc 8,28)
Contemplar Cristo
com o olhar de Dom Bosco
1. Contemplar Jesus Cristo com olhar salesiano – 2. Jesus Cristo na vida de Dom Bosco – 2.1 O Cristo do evangelho – 2.2 A configuração a Cristo – 3. Jesus Cristo “Apóstolo do Pai e Bom Pastor” – 3.1 A gratidão ao Pai pelo dom da vocação divina a todos os homens – “A gratidão ao Pai...” – “... pelo dom da vocação divina a todos os homens” – 3.2 A predileção pelos pequenos e pelos pobres – 3.3 A solicitude no pregar, curar, salvar sob a urgência do Reino que vem – “A solicitude no pregar...” – “... curar...” – “... e salvar...” – “... sob a urgência do Reino que vem” – 3.4 A atitude do Bom Pastor que conquista com a mansidão e o dom de si – 3.5 O desejo de reunir os discípulos na unidade da comunhão fraterna – 4. Jesus Cristo “nossa Regra Viva” – na realização da missão – na vida de comunidade – nos conselhos evangélicos – na vida de oração – na formação – Conclusão: “Sejam imitadores de Dom Bosco, como ele o foi de Cristo!”
Roma, 25 de dezembro de 2003.
Solenidade do Natal do Senhor
Caríssimos irmãos,
Celebramos o Natal do Senhor, memória do acontecimento da Encarnação, que no Filho tornou visível a própria realidade de Deus e manifestou a partilha da natureza humana. É bonito – antes, bom, porque essa é justamente a boa nova, este é o evangelho – saber que Deus não está longe, mas perto, que depois de haver-nos criado não nos abandonou, que se tornou um de nós, assumiu a nossa carne, fez-se homem para que nós nos tornássemos seus filhos. O Homem-Deus é a revelação mais completa do homem e de Deus, a sua Palavra definitiva sobre o homem e sobre Deus. Deus, com efeito, “muitas vezes e de muitos modos falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,1.2a).
O Filho de Deus quis viver a nossa experiência e fazer parte da nossa família; isso lhe deu o nome de Jesus e o rosto de Nazareno, mas também tornou-o semelhante a nós e próximo de nós. Talvez por isso, a atmosfera do Natal se caracteriza por um forte sentido de família e de proximidade. As casas se vestem de luz, voltam-nos à mente lembranças de família, desejamos encontrar as pessoas mais queridas, procuramos estar com os amigos ou pelo menos tornamo-nos presentes a eles enviando boas-festas. A representação natalícia do presépio contribuiu sem dúvida para criar este clima de calor humano, de profundidade de afetos, a proximidade familiar.
O Natal é uma grande festa: os anjos anunciam a alegria do nascimento do Salvador e a paz para os homens de boa vontade. Os Evangelhos, porém, não escondem o fato de que o nascimento de Jesus se deu num estábulo, porque Maria e José “não tinham encontrado outro lugar” (Lc 2,7); não escondem nem mesmo que os seus pais tiveram de fugir para o Egito, porque “Herodes procurava o menino para matá-lo” (Mt 2,13). A mensagem natalina é, pois, tão fascinante quão trágica. Com a Encarnação, a dignidade de toda pessoa é elevada à condição divina, que permanece, porém, sempre exposta ao risco da recusa (cf. Jo 1,10): desde quando Deus quis tomar o caminho do homem, o homem é o caminho para encontrar Deus, caminho por vezes oculto e acidentado (cf. Jo 19,5).
Esse o contexto, queridos irmãos, no qual me ponho novamente em comunicação convosco, em primeiro lugar para desejar-vos um bom Natal e um feliz ano novo, cheio de graças e bênçãos, especialmente as que Deus nos doou na Encarnação do Filho. Em segundo lugar, para continuar convosco a reflexão sobre a nossa vocação à santidade e sobre a nossa vida consagrada salesiana como caminho específico para atingi-la.
Para tanto convido-vos a refletir sobre como responder às perguntas feitas por Jesus aos seus discípulos. “Quem dizem as pessoas que eu sou? E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,27.28). São perguntas fundamentais para a nossa condição de crentes e de consagrados. Não se pode, porém, reconhecer adequadamente a identidade dAquele que nos chamou e a cujo seguimento nos colocamos, se não vivemos uma forte experiência de fé e se não nos sentimos por Ele benquistos. É esse o sentido das palavras com as quais Jesus, segundo o evangelho de Mateus, acolhe a reposta de Pedro: “Bem-aventurado és tu, Simão filho de Jonas, porque não descobriste essa verdade com forças humanas, mas ela te foi revelada pelo meu Pai que está no céu” (Mt 16,17). Lucas segue também a mesma trilha, colocando essas perguntas quando Jesus se encontra com os discípulos num lugar afastado para rezar (cf. Lc 9), indicando assim que somente iluminados pelo Espírito podemos reconhecer quem é deveras Jesus. “Ambas as indicações convergem para fazer-nos tomar consciência do fato que não chegamos somente com as nossas forças à contemplação plena do rosto do Senhor, mas deixando que a graça nos tome pela mão.”1
Marcos, por sua vez, fazendo repetidas vezes a pergunta: “Mas, quem é ele, então?” (Mc 4,41; cf. 1,27.2,6.12.6,48-50), parece dizer que Jesus escapa a resposta definitiva, e que o homem não consegue aferrá-lo de uma vez por todas. Jesus pode ser identificado somente por Deus, como aconteceu no batismo no Jordão. Este é o meu Filho predileto, no qual ponho as minhas complacências” (Mt 3,17). E na transfiguração no Tabor: “Este é o meu Filho, que eu amo. Ouvi-o!” (Mc 9,7). Jesus pode ser reconhecido como Cristo e Filho de Deus somente por crentes, somente quem professa e vive a fé “vai ao coração, atingindo a profundidade do mistério: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” (Mt 16,16)”.2
Não é outro o conteúdo do evangelho que, no primeiro versículo de Marcos, se poderia exprimir assim: “Início da boa nova: Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”. Não é outra é a finalidade da narração dos evangelhos: “Esses sinais foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e crendo tenhais nele a vida eterna” (Jo 20,31).
Faz pouco tempo, eu vos escrevia que “o verdadeiro desafio atual da vida consagrada é o de restituir Cristo à vida religiosa e a vida religiosa a Cristo”.3 Pois bem, “Cristo dá à pessoa duas certezas fundamentais: de ter sido infinitamente amada e de poder amar sem limites”.4 Queridos irmãos, quanta necessidade temos dessas certezas! “Graças a elas, a pessoa consagrada se liberta progressivamente da necessidade de colocar-se no centro de tudo e de possuir o outro, e do medo de doar-se aos irmãos. Aprende, sim, a amar como Cristo a amou, com aquele amor que agora se efundiu no seu coração e a torna capaz de esquecer-se e de doar-se como fez o seu Senhor”.5 Justamente por isso quereria indicar-vos na contemplação do Cristo o meio mais seguro para ter êxito nessa tarefa: “o caminho que a vida consagrada é chamada e empreender no início do novo milênio é guiado pela contemplação de Cristo”.6
1. Contemplar Jesus Cristo com olhar salesiano
A contemplação do rosto de Cristo seja para nós a primeira paixão e ocupação, tal como nos indica a Regra de Vida. “Nossa ciência mais eminente é, pois, conhecer Jesus Cristo; e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério” (Const. 34). Esse texto é tanto mais significativo se lembrarmos que se encontra no capítulo das Constituições em que se descreve o nosso serviço educativo pastoral. Convido-vos a realizar a belíssima tarefa de contemplar o amado por excelência. Aquele que nos fascinou e continua a fascinar-nos, com um olhar salesiano, com os próprios olhos de Dom Bosco, para que como ele e nas suas pegadas “na leitura do Evangelho somos mais sensíveis a certos traços da figura do Senhor” (Const. 11).
A contemplação de Cristo é o ponto de partida do caminho espiritual e do programa pastoral traçado na Exortação apostólica Novo Millennio Ineunte, que nos lança o apelo a termos o olhar “mais do que nunca “fixo no rosto do Senhor”.7 A instrução Partir novamente de Cristo retomou o mesmo objetivo estratégico, indicando-nos os diversos rostos a serem contemplados e os lugares onde fazer experiência de Cristo: “São estes os caminhos de uma espiritualidade vivida, empenho prioritário neste tempo, ocasião de reler na vida e na experiência cotidiana as riquezas espirituais do próprio carisma num contato renovado com as mesmas fontes que fizeram surgir da experiência do Espírito dos fundadores e das fundadoras, a centelha da vida nova e das obras novas, as releituras específicas do Evangelho que se encontram em cada carisma”.8 A contemplação de Cristo nos insere assim, como salesianos, no caminho pós-jubilar da Igreja e no atual compromisso da vida consagrada.
Contemplar Cristo significa conhecê-lo mais profundamente, amá-lo mais fielmente, segui-lo mais radicalmente. Com efeito, não se pode amá-lo, se não se conhece, e não se conhece, se não se segue (cf. Jo 1,38-39); e não se segue, se não se está de tal modo enamorados dele a ponto de deixar tudo para “estar com ele” (Jo 21,15-19). Conhecimento, amor e seguimento de Cristo são realidades inseparáveis, que se chamam mutuamente.
As duas perguntas que Jesus fez aos discípulos – “Quem sou eu, segundo as pessoas?” e “Vós, que dizeis? Quem sou eu?” – levam a esta interpretação da contemplação de Cristo. Elas poderiam ser expressas com estas paráfrases: “Quem dizem que eu sou, aqueles que não me amando e, pois, não me seguindo de perto não podem conhecer-me?”; “Quem dizeis que eu sou, vós que, me amando muito e julgando tudo como lixo para me seguir, estais em condição de conhecer a identidade mais profunda da minha pessoa?”.
As respostas dadas pelos discípulos legitimam a mesma interpretação: a cristologia não é fruto apenas de conhecimento, mas também de amor a Jesus e de seqüela. No pensamento do povo, Jesus é João Batista, ou o profeta Elias, ou um dos profetas (cf. Mc 8,28). No curso da história, Jesus também foi qualificado de maneiras muito diferentes. Ele é um revolucionário, um romântico, um comunista, um libertador, um liberal, um superstar, um judeu devoto ...; mas nenhum desses títulos faz justiça ao mistério da pessoa de Jesus. Somente os discípulos podem afirmar: “Tu é o Messias, o Cristo, o Filho do Deus Vivo” (Mt 16,16). No transcorrer dos tempos, também os crentes procuraram aprofundar essa confissão de fé com a reflexão teológica e com a história do discipulado. Os que melhor conhecem Jesus são os que mais o amam e mais de perto o seguem, procurando configurar-se a Ele.
Não basta, pois, ser “admiradores” de Cristo, mas deve-se procurar ser “imitadores”. Como observa um grande teólogo, enquanto “um imitador aspira a ser o que admira, um admirador, ao invés, permanece pessoalmente fora..., evita ver que aquele objeto contém a seu respeito a exigência de ser ou pelo menos de aspirar a ser o que ele admira”.9
Contemplar Cristo não é, pois, divertimento estético, nem livre passatempo e nem sequer curiosidade intelectual, é, sim, paixão nunca satisfeita e necessidade urgente de conhecimento, amor, seqüela: queremos contemplar sempre melhor Aquele a quem quereríamos aderir mais, pois “aderir sempre mais a Cristo” constitui o “centro da vida consagrada”.10
Nós, salesianos, contemplamos Jesus com uma especificidade nossa bem precisa. A nossa forma de vida realiza o projeto apostólico de Dom Bosco: “ser na Igreja sinais e portadores do amor de Deus aos jovens, especialmente aos mais pobres” (Const. 2); cumprindo essa missão “encontramos o caminho da nossa santificação” (Const. 2). A missão salesiana, que “dá a toda a nossa existência o seu tom concreto” (Const. 3), nos torna mais “sensíveis a certos traços da figura do Senhor” (Const. 11) e faz com que o nosso contemplar Cristo e o nosso agir cristão sejam permeados de paixão por Deus e de compreensão pelos jovens. Nós salesianos conhecemos, amamos e seguimos Jesus, estando entre os jovens. Imersos no mundo e nas preocupações da vida pastoral, aprendemos a encontrar Cristo através daqueles aos quais fomos enviados (cf. Const. 95). O nosso acesso a Cristo passa através dos jovens. Nós salesianos não podemos pensar, ver, encontrar, amar e seguir o Cristo sem estar rodeados pelos jovens ou pelo menos sem estar conscientes de sermos enviados a eles. Os jovens são a nossa missão e “a sorte que nos coube, a herança que recebemos” (Sl 16,6). Longe dos jovens, não conseguimos contemplar Cristo ou pelo menos não olhamos para o Cristo contemplado por Dom Bosco. Os jovens aos quais somos enviados são o lugar e a razão da nossa experiência cristã. Isso significa que existe um caminho salesiano para contemplar e, pois, para conhecer, amar e seguir Jesus.
Como a cristologia é a reflexão sistemática sobre a pessoa e sobre a obra de Jesus de Nazaré, o Cristo, o Filho de Deus, alguém poderia perguntar se pode haver uma “cristologia salesiana”, ou, então, se, para ser autêntica, a cristologia deve estar desacompanhada de qualquer adjetivo.
É claro que, para ser ela mesma, a reflexão cristológica deve ser fiel à sua tarefa, que diz respeito à compreensão e à inteligência na fé da pessoa real, concreta e histórica de Jesus de Nazaré, confessado como Cristo e Filho de Deus. Ela deve também permanecer fiel ao modo como a tradição normativa cristã compreendeu e explicou ao longo dos séculos tal figura.
Todavia, essa fidelidade não exclui aproximações diversas à pessoa e à obra de Jesus, sem jamais exaurir-lhe a riqueza, o próprio mistério pessoal de Cristo as exige e torna inevitáveis. Se é verdade que nenhuma pessoa humana pode ser definida com uma só frase, nem fixada numa só atitude, nem contemplada de uma única perspectiva, isso vale mito mais para Jesus, filho de Maria e Filho de Deus, verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Quanto mais nos aproximamos tanto mais percebemos a figura de Cristo como mistério. Por isso, não perde atualidade nem urgência a pergunta que Jesus dirigiu aos seus discípulos e continua a dirigir também a nós: “E vós, que dizeis? Quem sou eu?” (Mc 8,29).
Entre os muitos fatores que “diversificam” as perspectivas e, pois, multiplicam as respostas à pergunta cristológica, podemos mencionar:
a permanente profissão eclesial de fé que, ao longo de dois mil anos, serviu-se de conceitos e termos diversos para compreender e exprimir a experiência da salvação em Cristo e na qual aparece, mais que a imutabilidade das fórmulas, o empenho de fidelidade dos crentes;
os diversos contextos geográficos e culturais nos quais cresceu e desenvolveu-se a fé em Cristo, com atenção também à religiosidade popular, que particularmente em campo cristológico apresenta uma amplíssima e inexaurível variedade de expressões e simbologias;
a sensibilidade carismática da vida consagrada, que “fez surgir, da experiência do Espírito dos fundadores e fundadoras, (...) as específicas releituras do evangelho que se encontram em cada carisma”;11 os carismas, dons do Espírito Santo à Igreja, têm na base uma “intuição cristológica” e tendem ao seguimento e imitação do Senhor Jesus de uma perspectiva própria, sem a pretensão de ser exaustiva ou exclusiva.
Dessa sensibilidade carismática estamos conscientes e orgulhosos: “o Evangelho é único e o mesmo para todos, mas existe uma ‘leitura salesiana do Evangelho’, da qual deriva uma maneira salesiana de vivê-lo. Dom Bosco dirigiu o olhar a Cristo para procurar assemelhar-se a ele nos traços do rosto que mais correspondiam à sua missão providencial e ao espírito que deve animá-la”.12 Não exprime isso, talvez, a necessidade de viver uma nossa própria e específica experiência de Cristo, nascida na missão juvenil que, narrada, se torna necessariamente “cristologia salesiana”? Precisamente por isso parece-nos justificado falar de uma “cristologia salesiana”, justamente aquela que põe em relevo os “traços da figura do Senhor” aos quais a nossa missão nos tornou “mais sensíveis” (cf. Const. 11). Sobre esta releitura cristológica salesiana fundamenta-se uma profunda espiritualidade e uma práxis eficaz pastoral, todas centradas em Cristo e com clara identidade carismática. Isto é: é preciso uma contemplação de Cristo, explicitamente salesiana, para viver uma experiência espiritual e para realizar uma práxis pastoral com clara identidade.
2. Jesus Cristo na vida de Dom Bosco
No início de um carisma que Deus dá à sua Igreja e, por ela, ao mundo inteiro, encontra-se sempre um fundador ou uma comunidade fundadora. Justamente por ser um dom que caracteriza de maneira especial a vida cristã, o carisma privilegia no crente que o recebe traços específicos na sua forma de compreender, amar e viver o Cristo.
O espírito salesiano, o “estilo original de vida e de ação” que “Dom Bosco viveu e nos transmitiu sob a inspiração de Deus” (Const. 10), “encontra seu modelo e fonte no próprio coração de Cristo, apóstolo do Pai” (Const. 11). É verdade que “nós descobrimos [Cristo] presente em Dom Bosco que doou sua vida aos jovens”. Mas “para compreender o nosso espírito no seu elemento central, é preciso ir mais além da pessoa de Dom Bosco. É preciso ir à Fonte em que ele se abeberou: a pessoa mesma de Cristo”. 13
Por isso interessa-nos conhecer e amar o Cristo que Dom Bosco viveu e pensou, identificar os traços da sua pessoa aos quais como salesianos “somos mais sensíveis” (Const. 11) e, depois, capturados por Ele e por Ele fascinados, colocar-nos em seu seguimento. E precisamente porque em Dom Bosco se nos faz presente o modo de conhecer, amar e seguir Cristo, é em Dom Bosco, através de sua vida espiritual e apostólica, que somos chamados a aproximar-nos de Cristo Jesus como salesianos.
O Cristo do evangelho
Mais que a fé professada por Dom Bosco e o seu credo cristológico, interessa-nos lembrar sua fé vivida e a atitude fundamental que sua relação pessoal assumiu com o Senhor Jesus. Ou seja: é mais importante referir-nos à “fides qua” do que à “fides quae” de Dom Bosco. Dessa perspectiva, parece que a sua formação teológica tem um valor relativo em relação à sua experiência cristã.
Cristo era para Dom Bosco uma pessoa viva e presente em cada instante da sua vida e ação; para ele jamais foi apenas uma verdade abstrata ou um ideal por atingir. Diria que a atitude que distinguiu sua fé cristã é a do relacionamento – proximidade – amizade. É o que se pode verificar no primeiro artigo das Constituições de 1858, onde escrevera: “O fim desta Sociedade é reunir juntos os seus membros... a fim de aperfeiçoar-se a si mesmos imitando as virtudes do nosso Divino Salvador, especialmente na caridade para com os jovens pobres”.14
Essa relação é caracterizada pela convicção de que Jesus é o Filho de Deus feito Homem. Antes, de acordo com a teologia do seu tempo, Dom Bosco identifica praticamente Jesus Cristo com “Deus”, mesmo não ignorando a realidade trinitária do Mistério Divino. E assim em Dom Bosco os termos “Jesus Cristo” e “Deus” tornam-se praticamente intercambiáveis.
Dentro dessa mesma “contemporaneidade” com Cristo, não encontramos em Dom Bosco uma sensibilidade pelo Jesus histórico, nem, pois, a preocupação de chegar ao “Jesus de Nazaré”, como tentam fazer a exegese e a teologia atual. Para ele não há outro Jesus que não o Senhor Jesus dos Evangelhos.
2.2 A configuração a Cristo
Para traçar um perfil da atitude de Dom Bosco diante da pessoa de Jesus Cristo, parece-me esclarecedor lembrar o sonho dos dez diamantes, no qual Dom Bosco quis reproduzir “a identidade do salesiano”, como nos lembrou também o recente CG25.15 Com o Pe. Rinaldi pode-se afirmar que Dom Bosco “foi sempre em toda a sua vida a encarnação viva desse personagem simbólico”.16 Pois bem, na descrição do personagem, modelo do salesiano, encontramos uma diferença entre a parte frontal do manto e a dorsal. Nesta segunda estão presentes as atitudes ocultas, que de certo modo sustentam e fortificam a fé, a esperança e a caridade, nas quais consiste propriamente o testemunho visível.
Na apresentação do Senhor Jesus que Dom Bosco faz aos seus meninos e ao povo ao qual dirige a própria pregação e os próprios escritos, ele dá ênfase sobretudo à dimensão mística da contemplação de Cristo, ou seja à bondade inexaurível do Mestre, à sua misericórdia, à sua capacidade de perdão. De modo especial nas “Vidas” dos jovens exemplares de Valdocco, mortos prematuramente, põe em relevo um aspecto tipicamente salesiano: a amizade com Jesus. Valha como exemplo para todos a frase programática de Domingos Sávio no dia da Primeira Comunhão: “Os meus melhores amigos serão Jesus e Maria”. Essa realidade é, por assim dizer, a parte frontal do manto.
Em compensação, nos escritos para os sócios salesianos, a começar pela “Introdução” às Constituições e nas próprias Constituições, Dom Bosco acentua a dimensão ascética, que implica o seguimento e a imitação de Jesus Cristo nas diversas dimensões da vida consagrada e de modo particular nos conselhos evangélicos. O fato é tão evidente que, se não se levar em conta a diversidade dos destinatários, poderia dar a impressão que Dom Bosco se contradiga a si mesmo.
Por exemplo, falando de obediência, Dom Bosco escreve: ela “deve ser como a do nosso Divino Salvador, que a praticou mesmo nas coisas mais difíceis, até à morte de cruz”. Quanto à pobreza, escreve: “O salesiano segue o exemplo do nosso Salvador, que nasceu na pobreza, viveu na privação de tudo e morreu despido numa cruz”. E ao falar da fidelidade à vocação, dá esta indicação: “Procure cada um perseverar até a morte na sua vocação, lembrando-se sempre das gravíssimas palavras do Divino Salvador... Ninguém, que põe mão ao arado e olha para trás, é apto para o Reino de Deus” (Constituições de 1874, art. 21).
Embora esteja claro, é preciso sublinhar que o seguimento e imitação de Jesus Cristo não se devem entender como uma renúncia custosa, mas como uma oferta livre e alegre. Não como uma ocupação pontual, mas como uma consagração total. “Não seguimos uma virtude (obediência, pobreza, castidade) ou uma atividade (a educação, as missões etc.), mas seguimos uma Pessoa que queremos imitar na sua plenitude e um Evangelho que queremos viver na sua globalidade”.17 Eu mesmo escrevia, pouco tempo faz: “Não nos fazemos religiosos ‘por’ alguma coisa, mas por ‘causa de’ alguém: de Jesus Cristo e do fascínio que ele exerce”.18
Essa aparente dicotomia não é tal se tivermos presente a relação íntima e inseparável entre evangelho e vida, entre fé e moral, da maneira como a entendeu e viveu Dom Bosco. Na sua vida e no seu sistema educativo, a moral nunca é fim de si mesma; o cumprimento do dever, por exemplo, não deriva de um “imperativo categórico” de estilo kantiano, mas do desejo de realizar por amor a vontade de Deus em tudo, mesmo nos detalhes mínimos da vida. Ao contrário, essa amizade com Deus não desce jamais a um “camaradismo” que passa por cima da observância dos mandamentos; quem ama se empenha em realizar a vontade expressa e até os desejos ocultos da pessoa amada. Disse-o Jesus: “Se me amais, observareis os meus mandamentos” (Jo 14,15). É esse, usando uma imagem tipicamente salesiana, o paradoxo do caramanchão de rosas.
Em particular, a insistência de Dom Bosco sobre a prática do sacramento da Reconciliação é muito significativa: ela constitui um dos pilares do seu edifício educativo. Nas “Vidas” por ele escritas isso é muito evidente, em certos pontos até insistente: a confiança é tanto mais forte quanto maior é esta consciência.
Finalmente, a relação que Dom Bosco tem e inculca com o Senhor Jesus é inseparável da devoção à Santíssima Virgem Maria. Na realidade, para ele, na sua proposta educativa da fé, torna-se um mote seguro a expressão tão cara a São Luís Maria Grignion de Monfort: Ad Iesum per Mariam. A esse respeito – como de muitos outros pontos de vista – o sonho dos 9 anos é exemplar: Jesus e Maria aparecem juntos, mas Ela lhe é dada como mestra, justamente para torná-lo discípulo de Jesus e para ajudá-lo a tornar-se “humilde, forte e robusto”.
3. Jesus Cristo “Apóstolo do Pai e Bom Pastor”
Após haver aprofundado a legitimidade de uma “cristologia salesiana”, no sentido de uma releitura carismática de alguns aspectos da cristologia, e depois de haver aludido à centralidade da relação com Cristo e à importância da configuração a Ele na experiência de Dom Bosco, chegou o momento de destacar os traços específicos que nós salesianos acentuamos na contemplação de Cristo. Encontramo-los, de maneira muito densa, conquanto breve, no artigo 11 da nossa Regra de Vida; logo “se nota a estreita ligação que existe entre eles e com a pessoa de Cristo na linha da ‘caridade’ do bom Pastor”.19
Embora se trate de aspectos evangélicos que todo salesiano deve procurar cultivar na própria “identidade carismática”, nós os encontramos em Dom Bosco de forma quase “co-natural” e, além disso, com uma característica extraordinária: resulta praticamente impossível separar nele a riqueza dos dons do Espírito Santo e a “infra-estrutura humana” que os sustém. Pode-se falar, por isso, de “uma perfeita harmonia de natureza e graça” (Const. 21). Ao analisar esses traços dou como indiscutível que eles são centrais na vida de Jesus. Seria muito enriquecedor analisá-los enquanto tais. Aqui os vemos somente enquanto vividos e refletidos no nosso Pai e Fundador; limitar-me-ei, por isso, a oferecer uma simples glosa.
3.1 A gratidão ao Pai pelo dom da vocação divina a todos os homens
“A gratidão ao Pai...”
Em Dom Bosco a gratidão é um dos sentimentos mais marcados e mais nobres da sua personalidade humana, que ele quis transfundir em altíssimo grau em seus filhos. Trata-se, porém, de uma atitude derivada, pois é a resposta à gradualidade, tanto no campo das relações humanas quanto sobretudo na relação com Deus. No desenvolvimento de tal atitude, a figura de Mamãe Margarida teve grande importância: ele, com efeito, associa-se ao forte sentido da Providência que a mãe lhe inculcou, tanto na contemplação da natureza, como na avaliação da própria vida.
Na fusão dos dois aspectos – humano e cristão – “num projeto de vida fortemente unitário: o serviço dos jovens” (Const. 21), a gratuidade ocupa um lugar essencial. O artigo 20 das Constituições apresenta-a como o primeiro traço do Sistema Preventivo, que “era para ele um amor que se doa gratuitamente, nutrindo-se da caridade de Deus que se antecipa a toda criatura com a sua Providência, segue-a com a sua presença e salva-a com a doação da própria vida” (Const. 20).
Quando estudava filosofia, João Bosco acompanhou jovens de classe alta numa casa de veraneio dos jesuítas situada nas imediações de Turim, à qual eles tinham enviado seus internos durante uma epidemia. Se é verdade que ele não encontrou dificuldade no relacionamento com eles, antes encontrou nesses jovens amigos que lhe queriam bem e o respeitavam, convenceu-se de que o seu “método” não se adaptava a um sistema de “compensação recíproca”. “Em Murialdo [...] percebi a dificuldade de alcançar sobre aqueles jovens uma influência plena, necessária para fazer-lhes o bem. Convenceu-se, então, de não ser chamado para ocupar-se de jovens de famílias abastadas.”20
É impensável o sistema educativo pastoral de São João Bosco sem a vivência da gratuidade de ambas as partes: as demonstrações de gratidão dos seus meninos são inumeráveis e comoventes, justamente porque não agradeciam aquilo que Dom Bosco lhes dava, mas agradeciam ao próprio Dom Bosco que se dava a eles, como expressão do amor gratuito e preveniente de Deus. E ele mesmo se considerava assim, como testemunham as Memórias biográficas, que nos dizem que em 1859 Dom Bosco deu-se a si próprio como estréia: “O pouco de ciência, o pouco de experiência que adquiri, o que sou e o que possuo, orações, fadigas, saúde, a minha própria vida, tudo desejo empregar para vosso serviço. Por minha parte, dou-vos como estréia todo eu mesmo; será uma coisa mesquinha, mas quando vos dou tudo, quero dizer que nada reservo para mim”.21
“... pelo dom da vocação divina a todos os homens”
Há um pressuposto fundamental, densamente teológico, no pensamento e na práxis educativa pastoral do nosso Fundador: a certeza de que toda pessoa não é apenas sujeito de direitos e deveres, ou então objeto de filantropia “horizontal”, mas em qualquer situação e não obstante qualquer limite, deficiência ou pecado, ela é imagem de Deus, todos são filhos e filhas de Deus, chamados à sua amizade e à vida eterna. Dessa convicção de fé brotava em Dom Bosco a esperança e as suas energias de bem. Essa centelha de bondade que ele não somente encontrava, mas pressupunha em cada jovem, até naqueles que podiam ser considerados por outros como irrecuperáveis, é a sua típica expressão pedagógica. É muito importante para todos nós que cremos e levamos na nossa práxis educativa pastoral esta convicção do nosso amado pai, que dizia: “Em todo jovem, mesmo no mais desgraçado, há um ponto que, oportunamente descoberto e estimulado pelo educador, reage com generosidade”.22
Por outro lado, mesmo com os limites da eclesiologia do seu tempo, esta convicção foi para Dom Bosco a fonte do seu “ecumenismo” e do seu ardor missionário: não achava que poderia descansar enquanto não tivesse anunciado a todos os homens e a todas as mulheres do mundo, sem distinção de raça ou de língua, a Boa Nova do Amor de Deus em Cristo, que nos chama a formar a grande Família dos seus filhos e das suas filhas, que é a Igreja. Esta é de fato a fonte da qual jorrava a sua incansável atividade e a sua prodigiosa fantasia pastoral.
Deve-se dizer que Dom Bosco encarnou plenamente a intuição teológica de São Paulo, que nos lembra como do Pai “procede toda paternidade no céu e na terra” (Ef 3,15): ele soube ser uma mediação excepcional do amor paterno-materno de Deus para aqueles que se sentiam menos dignos dele ou para aqueles que não tinham vivido uma experiência positiva de um pai ou de uma mãe.
3.2 A predileção pelos pequenos e pelos pobres
Não há necessidade de demonstrar essa atenção aos pequenos e aos pobres, seja em referência à atitude de Jesus, porque são numerosos a respeito os textos evangélicos e central sua importância, seja em referência ao empenho de Dom Bosco. Em todo caso convém fazer notar que essa predileção de Dom Bosco não deriva somente da magnanimidade do seu coração paterno, “grande como a areia do mar”, nem da situação desastrosa da juventude do seu tempo – como também do nosso –, nem muito menos de uma estratégia sociopolítica. Há em sua origem uma missão de Deus: “O Senhor indicou a Dom Bosco os jovens, especialmente os mais pobres, como primeiros e principais destinatários da sua missão” (Const. 26). E é bom lembrar que isso aconteceu “com a maternal intervenção de Maria” (Const. 1); com efeito Ela “indicou a Dom Bosco seu campo de ação entre os jovens e constantemente o guiou e sustentou” (Const. 8).
Nesse sentido é “normativa”, e não um simples episódio, a atitude que Dom Bosco assumiu num momento decisivo da sua existência sacerdotal, diante da marquesa de Barolo e da oferta, certamente apostólica e santa, de colaborar em suas obras, abandonando os meninos esfarrapados e sós. “A senhora tem dinheiro; com facilidade encontrará quantos padres forem necessários para os seus institutos. Com os pobres meninos não é assim... Deixarei o emprego regular e me dedicarei inteiramente ao cuidado dos meninos abandonados.”23
Seria muito interessante aprofundar as características típicas dos destinatários preferenciais da nossa missão: “jovens pobres, abandonados e em perigo”. Mesmo que hoje se fale de “novas pobrezas” dos jovens, a pobreza refere-se diretamente à sua situação sócio-econômica.O abandono reporta-se à “qualificação teológica” de privação de sustento por falta de uma mediação adequada do Amor de Deus; o perigo remete a uma fase determinante da vida, a adolescência – juventude, que é o tempo da decisão, depois da qual muito dificilmente se podem mudar os hábitos e as atitudes adotadas. Tal aprofundamento serve como ponto de partida para determinar em cada inspetoria (cf. Reg. 1) e comunidade, quais são os destinatários prioritários no hic et nunc concreto, tendo em conta, certamente, critérios há pouco assinalados.
A predileção é estimulada em alguns contextos em que se desenvolve a nossa missão, onde a pobreza, sobretudo juvenil, é cruel. O salesiano, ainda menos que qualquer outro, não tenciona criar colisões ou “luta de classe”. A predileção não é somente uma escolha ou uma “opção”. Ela pressupõe um “amor universal”, que, porém, comporta alguns destaques. Não exclui ninguém, mas não privilegia a todos: seria contraditório. O que importa no testemunho é que fique bem claro que a nossa predileção é evangélica, que realiza a prática de “de dar o máximo àquele que na própria vida recebeu o mínimo”. A caridade salesiana entende começar não pelos primeiros, mas pelos últimos, não pelos mais ricos do ponto de vista econômico ou espiritual, os quais já têm atenção e serviços, mas pelos que têm necessidade de nós para suscitar esperança e despertar energias.
3.3 A solicitude no pregar, curar, salvar sob a urgência do Reino que vem
“A solicitude no pregar...”
“A vida inteira de Dom Bosco imita e prolonga, especialmente em favor dos jovens, o ardor apostólico manifestado por Cristo na sua vida pública.”24
Logo no início do seu Evangelho, Marcos nos diz: “Depois que João foi preso, Jesus veio para a Galiléia, proclamando a Boa Nova de Deus” (Mc 1,14). Existem também outros textos nos quais a atividade de Jesus se manifesta em três ações – pregar o Evangelho, expulsar os demônios, curar as doenças e sofrimentos (cf. Mc 3,13; Mt 9,35) – não há dúvida que a sua missão principal era a de “proclamar a Boa Nova, a alegre mensagem de Deus”.
Para Dom Bosco é tão importante esse elemento, que chega a inspirar seu principal pedido no dia da sua primeira Missa: “É piedosa crença que o Senhor concede infalivelmente a graça que o novo sacerdote lhe pede ao celebrar a primeira Missa. Eu pedi ardentemente a eficácia da palavra, para poder fazer o bem às almas. Parece-me que o Senhor ouviu minha humilde prece”.25
Esse aspecto está relação íntima com o caráter educativo do método preventivo, particularmente da razão, parte do trinômio fundamental, com a religião e a amorevolezza... “A ‘razão’, na qual Dom Bosco crê como dom de Deus e como dever insubstituível do educador, indica os valores do bem, assim como os objetivos a serem atingidos, os meios e modos a serem usados.”26 Faz também com que a vida dos sacramentos, colunas do seu edifício educativo pastoral, não degenere em “sacramentalismo”, mas se transforme em verdadeira vida de comunhão com Deus.
Dom Bosco certamente não empregou o termo “evangelizar”; ele falava em dar o catecismo aos meninos e pregar ao povo. Com isso entendia o que Paulo VI definiu como a razão de ser da Igreja (cf. EN 15). E nesse sentido a preocupação do nosso fundador foi acolhida na nossa Regra de Vida num artigo que começa precisamente citando uma sua frase: “‘Esta sociedade, em seu início, era um simples catecismo’. Também para nós a evangelização e a catequese são a dimensão fundamental da nossa missão” (Const. 34).
“... curar...”
Não se faz mister ressaltar a centralidade desse aspecto na vida e na práxis de Jesus; basta lembrar a sua resposta aos enviados de João Batista: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: cegos recuperam a vista, paralíticos andam, leprosos são curados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e aos pobres se anuncia a Boa Nova” (Mt 11,4-5). No evangelho de João, toda a primeira parte centra-se nos “sinais” de Jesus, a maior parte dos quais entra neste campo.
Mesmo não esquecendo que Dom Bosco recebeu de Deus também o carisma da cura, não é a isso que se refere o artigo 11 das Constituições, muito menos em relação à atuação dos seus filhos. Não somos uma Congregação que se dedica preferivelmente aos doentes.
Trata-se, não obstante, de um ponto essencial do nosso carisma, que destaca duas dimensões. Atualmente, tanto no campo psicológico como no da medicina, ampliou-se o conceito de “saúde” e de “cura”. É indubitável que os nossos destinatários prioritários são, em geral, meninos e meninas “doentes” por causa de sua situação de abandono: dos traumas infantis e familiares até às dependências e hábitos físicos ou psicossomáticos. “Tudo isso nos levou – escrevia o Pe. Vecchi – a repensar o conceito de ‘prevenção’ e ‘preventividade’. Para muitos talvez significava ocupar-se somente de meninos e jovens não ainda atingidos pelo mal. Antecipar é certamente uma regra de ouro. Mas ‘prevenir’ quer dizer também impedir a ruína definitiva de quem já está no mau caminho mas tem ainda energias sadias a serem desenvolvidas ou recuperadas. Na reflexão sociopedagógica atual se fala de uma prevenção primeira e de base, de uma segunda, de recuperação e reforço, e de uma última que consegue estancar as conseqüências extremas do mal.”27
Por outro lado, não devemos esquecer o significado dos milagres de Jesus. Um dos melhores especialistas do tema escreve: “O milagre é destinado à salvação de todo o homem: o seu coração e o seu corpo. Jesus, perdoando e curando o homem de suas misérias, fá-lo tomar consciência da própria impotência perante o pecado, a doença, a morte. [...] O milagre é o sinal concreto daquilo que talvez Jesus representa para o homem: aquele que salva total, física e espiritualmente”.28
Nessa perspectiva coloca-se plenamente o carisma salesiano. Dom Bosco procura, com o “critério oratoriano” (cf. Const. 40), a promoção integral dos seus meninos. Os que negam a realidade dos milagres, muitas vezes o fazem em nome de um “espiritualismo”, como se a Deus só interessasse “a alma” e as atividades religiosas.
“... e salvar...”
Os três verbos pregar, curar e salvar colocam-se em clara progressão, até chegar ao cume: a salvação dos meninos, que é o cume da atenção de Dom Bosco, como testemunha o Pe. Rua: “Não deu passo, não pronunciou palavra, nada empreendeu que não visasse à salvação da juventude. Realmente tinha a peito somente as almas”.29
Quando esquecemos que o escopo último do trabalho salesiano é, a exemplo de Jesus, a salvação, caímos num reducionismo que representa uma traição ao sistema preventivo. Ao invés, a relação com quanto dissemos acima nos fala de uma salvação integral, que se concretiza no lema fundamental: “da mihi animas”. O termo “alma” não quer por certo expressar uma dicotomia, mas é metonímico: para Dom Bosco, “alma” significa toda a pessoa, na perspectiva do plano de Deus. E a “santidade” que vem a ser sinônimo de “salvação”, é a realização da vocação divina de todo ser humano.
Impelidos por essa concepção antropológica integral, no nosso trabalho educativo pastoral, jamais podemos parar no limiar da evangelização, mas em qualquer contexto devemos procurar abrir os jovens à transcendência religiosa, que não só é aplicável a todas as culturas, mas adaptável com fruto também às religiões não cristãs.
“... sob a urgência do Reino que vem”
Sobre este ponto, central na pregação e na práxis de Jesus, não podemos dizer que Dom Bosco tenha insistido explicitamente: seria anacrônico esperar dele um destaque que foi retomado somente no século XX, ainda que mais na exegese e na teologia que na vida ordinária da Igreja. Entretanto, não se trata somente de uma expressão retórica: de alguma maneira a intuição fundamental que inclui o Reino está presente, com outras palavras e outras atitudes em Dom Bosco e no seu carisma.
Tomemos, entre outros textos evangélicos, um dos mais importantes: o Sermão da Montanha (Mt 5-7). Do ponto de vista formal, ele inclui diversos gêneros literários: bem-aventuranças, “normas”, novas, em relação à Lei antiga, oração do Pai-nosso etc. O todo, porém, é unificado pela centralidade do Reino: por isso foi chamado a “carta magna da proclamação do Reino”. Um Reino no qual a paternidade de Deus não se caracteriza pelo seu domínio, mas, ao contrário, o seu domínio se qualifica pela paternidade, de modo que no “Reino dos céus” não há escravos, nem servos, mas filhos.
Quando esquecemos essa perspectiva, todos os seus elementos se dissociam, até a proposta de Jesus, contraposta à lei antiga, torna-se uma carga impossível de carregar: se esta mata, aquela aniquila. É o que um autor chama “a teoria da não factibilidade (irrealizabilidade) do preceito”, representada pela ortodoxia luterana. “Jesus exige que nos libertemos totalmente da ira: uma simples palavra hostil merece até a morte. Jesus exige uma castidade que evita também o simples olhar impuro. Jesus exige uma veracidade absoluta, amor para com os inimigos.”30 Segundo esse modo de compreender, a Nova Lei nos é dada somente para que compreendamos de maneira vital que não podemos cumpri-la, e afim de que, por conseqüência, recorramos com humilde confiança à misericórdia de Deus.
Quando, ao invés, se centra tudo isso no Reino, compreende-se o que constitui a “alegre notícia” de Jesus. “O Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). É uma situação nova, dom de Deus com a colaboração humana, que afunda as raízes na metanoia. À medida que se torna realidade o domínio paterno do Deus-Abbá, e no qual nós humanos vivemos como irmãos, a utopia se torna realidade. Não se “constrói” o Reino juntando os trechos do Sermão da Montanha. Ele jorra, ao invés, como de uma nascente, do anúncio do Reino.
Não é talvez aquilo que Dom Bosco procurava criar nas suas obras e se inclui no termo “ambiente”?31 Trata-se de uma situação constituída por pessoas, recursos, valores, atividades, que permitem ao jovem – mesmo ao mais pobre e abandonado – experimentar “a beleza da virtude, a feiúra do pecado”. Compreende-se assim a famosa frase de Dom Bosco: “colocar o jovem na impossibilidade moral de pecar”, não coarctando-lhe a liberdade, mas, ao contrário, fortalecendo afetivamente sua vontade e sua vida cristã, de modo que possa viver, em plena liberdade, seu caráter de filho/a de Deus e de irmão/irmã dos outros. A importância desta “ecologia” educativa pastoral poderia ser a tradução, em chave salesiana, da centralidade do Reino e da urgência da sua vinda.
3.4 A atitude do Bom Pastor que conquista com a mansidão e o dom de si
É óbvio o caráter simbólico da figura do pastor, aplicada às pessoas que têm a seu cargo a responsabilidade e o cuidado de outros, com a ambivalência que tal figura implica: pode-se servir os outros ou servir-se deles. Tal ambivalência apresenta-se também na Revelação, desde o Antigo Testamento. Um dos textos mais importantes a respeito, apresentado também em chave messiânica, é o de Ezequiel 34, que em alguns dos seus versículos aparece como citação no começo das Constituições. É uma ousada aplicação a Dom Bosco, chamado a ser “pastor dos jovens” e, pois, aplicável a todo salesiano convidado a fazer sua a missão de Dom Bosco: “Eis que eu mesmo buscarei minhas ovelhas e tomarei conta delas... Estabelecerei sobre elas um único pastor... Ele as apascentará e lhes servirá de pastor” (Ez 34,11.23).
Na pregação de Jesus, essa figura ocupa um lugar relevante, sobretudo na apresentação do Senhor como Bom Pastor em João 10,1-18; 25-30, como também na parábola da ovelha perdida, em Lucas 15,4-7 e Mt 18,12-24 com contextos literários e teológicos muito diferentes.
Juntando esses textos, encontraremos algumas características muito interessantes do Bom Pastor, que Dom Bosco assumiu no seu seguimento e imitação de Jesus Cristo. Lembremos que, no sonho dos nove anos, a imagem do bom pastor qualifica a visão da missão juvenil; a imagem voltará a apresentar-se anos mais tarde, no segundo sonho, que incluirá uma leve reprimenda pelo fato de não confiar suficientemente em Deus.
Jesus, o bom pastor, é a porta das ovelhas. O exegeta católico Raymond Brown refere que E. F. Bishop “oferece um interessante exemplo moderno do pastor que se põe a dormir atravessado no limiar da porta, assim fazendo, ao mesmo tempo, as vezes do pastor e da porta para o gado”.32 Poderíamos pôr na boca do pastor e também nos lábios de Dom Bosco, estas palavras: “se quiserem chegar às minhas ovelhas, deverão passar por cima de mim”.
Ele conhece as suas ovelhas e as chama uma a uma pelo nome; as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Esse trecho evita o proverbial mal-entendido da massificação e do gregarismo: a “carneirada”. Num belo comentário exegético-espiritual do encontro de Jesus Ressuscitado com Maria Madalena, escreve outro exegeta: “Mas quando (Jesus) se voltou para ela e lhe disse esta palavra: ‘Maria!’, então foi páscoa para ela. Lembremos as palavras de Jesus que nos foram transmitidas pelo mesmo evangelista: ‘As minhas ovelhas ouvem a minha voz e eu as conheço’ (...). Sem dúvida, João quer que pensemos nessas consoladoras palavras”.33
Dom Bosco realizou, de maneira excepcional, esse conhecimento pessoal dos seus jovens: cada um deles se sentia conhecido e amado pessoalmente, a ponto de discutirem entre si sobre quem era o predileto do Pai; estavam todos convencidos de serem os prediletos. Lembremos a “palavrinha ao ouvido” e o conhecimento da situação deles; “lia-lhes na fronte”, diziam os jovens cheios de admiração. Isso se deve, pelo menos em grande parte, à sua presença no meio deles, uma presença típica, chamada na tradição salesiana “assistência”; não somente física, mas sobretudo pessoal, afetuosa e preventiva. mediação humana do “Deus te vê”.
Ele sai à procura, com predileção, da ovelha perdida. É o trecho típico e mais escandaloso da parábola sinótica, com nuances diversas em Lucas e Mateus. Em Jesus ela exprime, entre outros, dois aspectos principais:
o “maior amor” àquele que mais necessita dele: o mais pobre, o último, o pecador; não é somente o amor pastoral: “ágape”, diríamos; é também amor íntimo: “filia”; isso significa o “carregar sobre os ombros”, cheio de amorevolezza, a ovelha tresmalhada, uma vez encontrada;
a “reviravolta” dos critérios quantitativos por causa do critério qualitativo da situação de quem está “perdido”: “Eu vos digo que haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converte que por noventa e nove justos que não têm necessidade de conversão” (Lc 15,7); em Dom Bosco é tão notória tal predileção que decerto não faltam exemplos.
Ele dá vida às suas ovelhas e dá a vida por elas. Parece um simples jogo de palavras, mas exprime uma dupla realidade muito profunda. Jesus veio “para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Mas essa plenitude de vida é inseparável do dom da própria vida: “Por isso que o Pai me ama, porque dou a minha vida” (Jo 10,17). É a antítese absoluta do pastor mercenário, que não procura o bem das próprias ovelhas, e menos ainda pensa em sacrificar-se por elas. Essa palavra de Jesus tem duplo cumprimento no Mistério Pascal, no qual Jesus nos dá a plenitude da vida dando plenamente a sua vida por nós.
Foram muito oportunamente aplicadas a Dom Bosco estas palavras de São Paulo: “Quanto a mim, de muito boa vontade gastarei o que for preciso e me gastarei inteiramente por vós” (2Cor 12,15). O já citado texto do Pe. Rua (Const. 21) implica também este aspecto: “Não deu passo, não pronunciou palavra, nada empreendeu...”. Como diz ele mesmo: “Por vós estudo, por vós trabalho, por vós eu vivo, por vós estou disposto até a dar a vida” (citado nas Const. 14).
3.5 O desejo de reunir os discípulos na unidade da comunhão fraterna
Em todos os Evangelhos, antes ou imediatamente após o anúncio da Boa Nova, Jesus “chamou aqueles que quis (...) para que ficassem com Ele e para mandá-los proclamar o Evangelho” (Mc 3,13-14; citado em Const. 96).
As discussões insolúveis sobre o sentido da fundação da Igreja por parte de Jesus durante a sua vida pública, levam talvez a esquecer o essencial, isto é, que o anúncio da salvação implica, na palavra e na práxis de Jesus, a dimensão comunitária. Nesse sentido, muitos milagres de Jesus desempenham também a função de reintegrar as pessoas na comunidade humana, familiar, social e religiosa, como no caso dos endemoninhados ou dos leprosos.
Mas é sobretudo no seu relacionamento com os discípulos, particularmente com “os Doze”, que aparece mais nítido esse aspecto de Jesus, que culmina no relato joaneu da Última Ceia. “Ninguém tem amor maior do que este: dar a vida pelos próprios amigos (...). Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu patrão, mas vos chamei amigos, porque tudo o que ouvi do Pai eu vos dei a conhecer. Não fostes vós quem me escolhestes, mas eu escolhi a vós e vos constituí para que vades e produzais fruto e o vosso fruto permaneça” (Jo 15,13-16a).
E posteriormente, na Oração sacerdotal, Jesus pede: “Pai, quero estejam comigo aqueles que me deste” (Jo 17,24a); impossível imaginar uma expressão mais simples e mais profunda do amor do que a de estar com aquele que se ama.
Um dos paradigmas bíblicos que melhor expressa a salvação é precisamente a comunhão fraterna. A propósito da “predição” de Caifás, diz o evangelista: “... profetizou que Jesus devia morrer pela nação e não somente pela nação, mas também para reunir os filhos de Deus que estavam dispersos (Jo 11,51b-52). Lamentavelmente, uma visão individualista da salvação obscureceu essa perspectiva e reduziu também a dimensão eclesial a uma pertença jurídica, por vezes até exclusiva, como acontece em alguma interpretação do aforisma “extra ecclesiam nulla salus”.
Em Dom Bosco tudo isso é tão evidente que não podemos sequer imaginá-lo como uma pessoa solitária, exceto quando rezava, mesmo que na realidade esse fosse justamente o momento em que estava menos solitário. Podem aplicar-se, por analogia, ao nosso Pai as palavras que Urs Von Balthasar diz a propósito da oração de Jesus, graças à qual Ele “pode chegar a ser ‘o homem para os homens’ (para todos) [...]. Se Jesus não se tivesse retirado para uma solidão tão profunda com Deus, não teria nunca chegado tão longe na comunhão com os homens”.34
Daí vem a dedicação de Dom Bosco aos jovens, tão plena e extraordinária que se chegou a pôr em seus lábios, num canto em sua honra, que não poderia ficar no céu sem os jovens; para ele não seria céu. Mesmo no seu exagero, essa frase põe em destaque a paixão de Dom Bosco pela convivência fraterna entre os seus jovens e evidentemente pela fraternidade comunitária com os seus filhos salesianos. Se relemos as expressões de Dom Bosco sobre os “cinco defeitos que devemos evitar” na Congregação, a maior parte deles se refere precisamente à vida comunitária.35
Concluindo a apresentação desses traços marcantes da figura de Jesus, presentes na vida de Dom Bosco e em nós, devemos evidenciar que eles são expressão irradiante de uma realidade nuclear e original: a caridade pastoral (cf. Const. 10). Em sua íntima unidade, eles podem também ser considerados, seguindo o estilo do CG25, como cinco fichas para um esboço de uma “cristologia salesiana”. De tal cristologia nasce para nós uma vida religiosa, uma experiência espiritual e uma prática pastoral, centradas em Cristo e com clara identidade carismática. “Jesus Cristo é a lei viva e pessoal”,36 Ele é “a nossa regra viva” (cf. Const. 196).
4. Jesus Cristo “nossa Regra Viva”
“Quando a Igreja reconhece uma forma de vida consagrada ou um Instituto, garante que no seu carisma espiritual e apostólico existem todos os requisitos objetivos para atingir a perfeição evangélica, pessoal e comunitária”.37 Como não existe outra perfeição evangélica que não seja a “configuração a Cristo” (Rm 8,29), que implica o seguimento e a imitação do Senhor Jesus, a Regra de Vida de um Instituto deve pressupor, pelo menos implicitamente, uma cristologia carismática. Para nós salesianos ela tinha sido precisada de maneira essencial por Dom Bosco no já citado primeiro artigo das Constituições de 1858 e está presente como dimensão transversal e de modo explícito no atual texto constitucional.
Quanto ao seguimento de Cristo, deve-se lembrar que “na origem da consagração religiosa há um chamado de Deus, que se explica somente com o amor que ele tem pela pessoa chamada. Esse amor é absolutamente gratuito, pessoal e único. [...] O chamado de Cristo que é a expressão de um amor redentor, abraça a pessoa inteira, alma e corpo seja homem seja mulher, no seu único e irrepetível ‘eu pessoal’”.38 E, com efeito, as nossas Constituições, reportando-se a João 10,3.14, falam da “predileção do Senhor Jesus, que nos chamou pelo nome” (Const. n. 196). Esta vocação não acontece somente com vistas à realização de uma missão ou de um trabalho por desenvolver, mas é principalmente uma vocação à intimidade e a comunidade de vida com Jesus. Ele “chamou pessoalmente seus apóstolos para que ficassem com ele e para enviá-los a proclamar o Evangelho” (Const. n. 96, citando Mc 3,14).
Este chamado que o Senhor nos dirige para dar uma resposta às “necessidades do seu povo” (Const. 28), sobretudo dos jovens mais necessitados, e a resposta do discípulo que acolhe o convite encontram sua máxima expressão na profissão religiosa, “sinal do encontro de amor entre o Senhor que chama e o discípulo que responde” (Const. 23).
Na fórmula da profissão, que é – não o esqueçamos – inserida num contexto de oração, se diz: “respondendo ao amor do Senhor Jesus... que me chama a segui-lo mais de perto” (Const. 24; cf. Const. 3); desse modo se ressalta expressamente o caráter dialógico da vocação, não como acontecimento pontual na vida do salesiano, mas como situação permanente que o caracteriza. A nossa resposta se concretiza seguindo Jesus Cristo “nossa regra viva” (Const. 196) e praticando as Constituições Salesianas (cf. Const. 196), que são o nosso projeto evangélico de vida.
Este caráter dialógico se exprime muito melhor na Profissão Perpétua que, servindo-se de um termo de inexaurível e vocação bíblica, é apresentada como Aliança: por isso a nossa fidelidade “é resposta sempre renovada à aliança especial que o Senhor fez conosco” (Const. 195).
Quanto à imitação do Senhor Jesus, encontramos no contexto do nosso trabalho missionário uma referência de extraordinária densidade bíblica, que sublinha o sentido do caminho da encarnação: “A exemplo do Filho de Deus que em tudo se fez semelhante aos seus irmãos...” (Const. 30); ele parece ecoar dois trechos paradigmáticos sobre aniquilação de Cristo e sobre sua solidariedade extrema com o homem (Fl 2,7; Hb 2,14-18; 4,15).
O seguimento e imitação de Jesus Cristo se concretizam nos diversos aspectos da vida salesiana, tal como aparecem hoje no texto constitucional: missão, vida comunitária, conselhos evangélicos, oração e formação.
– Em primeiro lugar estamos envolvidos na realização da missão que o próprio Jesus nos confia, colaborando com ele no seu plano de salvação, “o espírito salesiano encontra seu modelo e fonte no próprio coração de Cristo apóstolo do Pai” (Const. 11); “centro e síntese desse espírito é a caridade pastoral” (cf. Const. 10).
Trabalhamos com Ele na construção do Reino (Const. 3), que constitui a preocupação principal da vida de Jesus de sua ação e de sua palavra. No primeiro capítulo das Constituições, onde é definida a nossa identidade, lemos que orientamos “nossa ação pastoral para o advento de um mundo mais justo e mais fraterno em Cristo”, procurando responder às necessidades dos jovens e dos ambientes populares, com “a vontade de agir com a Igreja e em seu nome (Const. 7), contribuindo para edificar a Igreja como Corpo de Cristo, a fim de que também por meio de nós seja realmente “sacramento universal de salvação” (Const. 6).
Aqui se encontra a dimensão mística do trabalho salesiano: sabemos que com este trabalho, participamos “na ação criadora de Deus e cooperamos com Cristo na construção do Reino” (Const. 18). Esta construção do Reino de Deus se manifesta na multiplicidade de atividades que procuram a promoção integral dos jovens mais pobres e dos ambientes populares, cooperando com aqueles que criam uma sociedade mais digna do homem (cf. Const. 33). Apraz-me sublinhar que nesta tarefa o salesiano coadjutor desempenha uma função própria e insubstituível que deve ser valorizada e promovida: com efeito, a sua laicidade consagrada torna-o “de modo específico testemunha do Reino de Deus no mundo, mais próximo dos jovens e das realidades do trabalho” (Const. 45).
O conteúdo da missão é muito claro: testemunhar o amor de Cristo. Mesmo não esquecendo que somos sinais de um Deus trinitário (cf. Const. 2), concretamente somos enviados a ser continuadores da missão de Jesus. A exemplo e sob a proteção de Maria, somos “entre os jovens testemunhas do amor inexaurível do seu Filho” (Const. 8), um amor que é autêntico na medida em que se manifesta e é tanto mais eficaz quanto mais é percebido como expressão de amor por parte de nossos destinatários.
A salvação não é somente transcendência da libertação, como se nesta terra não devêssemos empenhar-nos até o fundo para levar alívio a quantos sofrem as conseqüências do pecado, do egoísmo, da injustiça; a libertação não é também apenas imanência da salvação, como se fosse possível trabalhar somente para criar o paraíso aqui na Terra. As nossas Constituições fazem uma síntese esplêndida desses dois elementos quando dizem que o amor de Cristo é libertador e salvífico. Ele se concretiza na promoção integral de nossos destinatários (cf. Const. 33) e assim “realizamos a caridade salvífica de Cristo, organizando atividades e obras de escopo educativo-pastoral” (Const. 41), centradas na evangelização e na catequese porque “a nossa ciência mais eminente é conhecer Jesus Cristo, e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério. Caminhamos com os jovens para conduzi-los à pessoa do Senhor ressuscitado a fim de que, descobrindo nele e em seu evangelho o sentido supremo da própria existência, cresçam como homens novos” (Const. 34).
Essa tarefa é, ao mesmo tempo comunitária e pessoal: a comunidade enquanto tal deve ser “sinal revelador de Cristo e da sua salvação” (Const. 57), que nos liberta do egoísmo e nos torna irmãos, germe da nova humanidade. Também os conselhos evangélicos estão a serviço da missão: com a obediência cada um põe qualidades e dons a serviço da missão comum (Const. 69); a pobreza “nos leva a ser solidários com os pobres e a amá-los em Cristo” (Const. 79); e a castidade “faz de nós testemunhas da predileção de Cristo pelos jovens” (Const. 81).
Os destinatários desta missão são os jovens, sobretudo os mais pobres, abandonados e em perigo (cf. Const. 2 e 26). Já no “sonho dos 9 anos” foi o próprio Jesus que mostrou a Joãozinho Bosco o campo de trabalho: “o Senhor indicou a Dom Bosco os jovens, especialmente os mais pobres, como primeiros e principais destinatários da sua missão” (Const. 26). É o próprio Senhor que “nos deu Dom Bosco como pai e mestre” (Const. 21).
Enfim, as Constituições nos convidam a ter sempre presente que, seja qual for a atividade que realizamos, “educamos e evangelizamos segundo um projeto de promoção integral do homem, orientado para Cristo, homem perfeito” (Const. 31). Isso significa que a evangelização é uma mediação extraordinária da humanização da pessoa, justamente porque a educação visa à construção da pessoa mediante o desenvolvimento de todas as suas dimensões e se realiza comunicando valores, sentimentos, convicções, ideais, além de conhecimentos, atitudes e habilidades. Por outro lado, a evangelização implica toda a contribuição da educação como metodologia, no sentido que o que desejamos que os jovens interiorizem é possibilitado pela disposição favorável, da experiência alegre, da iluminação da mente, da predisposição da vontade, até tornar-se mentalidade prática cristã, inserção na comunidade dos crentes, compromisso na história. Tal é o significado da expressão de Dom Bosco “a educação é coisa do coração”.
– A centralidade de Jesus Cristo se manifesta também na vida de comunidade. Antes de mais a experiência da comunidade enquanto tal baseia-se em Cristo: o irmão ama a sua comunidade, ainda que imperfeita, porque “sabe que nela encontra a presença de Cristo (Const. 52); é ele que se identificou com o membro mais fraco e necessitado entre nós (cf. Mt 25,31-46); enquanto houver entre nós alguém que se encontre em necessidade, Cristo terá necessidade de nós. A prática dos conselhos evangélicos ajuda a viver na comunidade como numa família que se alegra com a presença do Senhor (Const. 61, citando Mt 18, 20). Essa experiência da comunidade unida em Cristo (cf. Const. 89) encontra sua máxima expressão na oração comunitária, pois ela manifesta de maneira visível que ela “não nasce na vontade humana, mas é fruto da Páscoa do Senhor (Const. 85; cf. Jo 1,13).
A própria vida da comunidade se torna formadora, enquanto “unida em Cristo e aberta às exigências dos tempos” (Const. 99). Com maior razão isso se diz das comunidades formadoras: nelas “o nosso espírito é vivido de modo mais intenso: todos os membros formam juntos uma família, fundada na fé e no entusiasmo por Cristo” (Const. 103).
No interior da comunidade quem exerce o carisma da animação e do governo fá-lo “em nome e a imitação de Cristo, como um serviço aos irmãos” (Const. 121): “representa Cristo que une os seus no serviço do Pai” (Const. 55). Exercer a autoridade na comunidade salesiana é, pois, viver como ícone do Cristo.
Naturalmente não basta essa concentração cristológica nos artigos constitucionais que dizem respeito à comunidade para garantir a sua identidade “cristã”. Esta deve ser sempre verificada pela real centralidade que Cristo ocupa dentro dela, na maneira de pensar, de julgar, de avaliar, de integrar, de perdoar, de amar, até tornar-se verdadeiramente “corpo” de Cristo.
– É indubitável, além disso, que os conselhos evangélicos apresentam um caráter explícito de conformação a Cristo. Antes, sem essa referência cristológica eles não teriam sentido: “Seguimos Jesus Cristo, que, casto e pobre, remiu e santificou os homens com a sua obediência, e participamos mais estreitamente do mistério da sua Páscoa, do seu aniquilamento e da sua vida no Espírito” (Const 60).
Falando da Obediência, o mesmo artigo em duas ocasiões apresenta-nos Jesus como modelo. “Nosso Salvador assegurou-nos ter vindo à terra não para fazer a sua vontade, mas a vontade do seu Pai que está nos céus. (...) Revivemos na Igreja e na Congregação a obediência de Cristo, cumprindo a missão que nos é confiada” (Const. 64). Tudo isso é ainda retomado com a afirmação sintética que se encontra no parágrafo seguinte “tomamos o Evangelho como regra suprema de vida” (Const. 64), o que quer dizer, segundo a carta aos Gálatas, que para nós é importante “obedecer à lei de Cristo” ou melhor ainda “ter Cristo como lei” (cf. Gl 6,2).
Também a nossa Pobreza manifesta uma forma do seguimento concreto de Jesus, o qual “sendo rico se fez pobre, para que nos enriquecêssemos com a sua pobreza... nasceu na pobreza, viveu desprovido de tudo, e morreu despojado na cruz (Const. 72; cf. 2Cor 8,9). Assim somos convidados a participar da felicidade prometida por Deus aos “pobres em espírito” (Const. 75; cf. Mt 5,3; Lc 9,57-58).
Finalmente, por meio da Castidade “seguindo de perto a Jesus Cristo” (Const. 80) e mediante a sua prática concreta chegamos a ser “testemunhas da predileção de Cristo pelos jovens; [ela] permite-nos amá-los sinceramente de modo que saibam que são amados” (Const. 81).
A visão cristológica dos conselhos evangélicos não quer negar seu valor antropológico e sua potencialidade humanizante; antes, elas ficam fortalecidas, como esclarece o artigo 62 das Constituições: “Num mundo tentado pelo ateísmo e pela idolatria do prazer, da posse e do poder, o nosso modo de viver testemunha, especialmente aos jovens, que Deus existe e o seu amor pode saciar uma vida; que a necessidade de amar, a ânsia de possuir e a liberdade de decidir da própria existência adquirem em Cristo Salvador o sentido supremo”. É estimulante constatar que Deus não é afirmado em prejuízo do homem, mas, mais exatamente, que Cristo leva o homem à sua plenitude.
– Também na vida de oração, pessoal e comunitária, lindamente descrita como um diálogo com o Senhor, encontramos a plenitude da nossa relação com o Senhor Jesus, enquanto “filhos no Filho”. Cada um de nós “alimenta o amor a Cristo na mesa da Palavra e da Eucaristia” (Const. 84); de modo particular, os momentos explícitos de oração manifestam essa intimidade com o Senhor “restituem ao nosso espírito profunda unidade no Senhor Jesus” (Const. 91).
Como manifestação da amizade com Ele, o salesiano “torna-se consciente da necessidade de rezar sem interrupção em diálogo simples e cordial com o Cristo vivo” (Const. 12). Essa necessidade manifesta-se nas freqüentes visitas a Jesus Sacramentado, do qual “haurimos dinamismo e constância em nosso trabalho em favor dos jovens” (Const. 88). Por último, como a maior expressão da nossa atividade pastoral com os jovens, nós os encaminhamos ao encontro com Cristo, na escuta da Palavra, na oração e no sacramento (cf. Const. 36).
– Por fim a formação é vista como a resposta contínua a este amor de predileção do Senhor que nos chama; por isso o texto constitucional afirma que, como a formação é fazer “experiência dos valores da vocação salesiana”, empenhamo-nos num processo que dura toda a vida, “iluminados pela pessoa de Cristo e pelo seu Evangelho (Const. 98). Isso nos permite conformar-nos mais profundamente a Cristo e renovar a fidelidade a Dom Bosco, para responder às exigências sempre novas da condição juvenil e popular” (Const. 118).
“Olhar para Cristo modelo quer dizer lembrar que o caminho de santificação ao qual somos chamados é um caminho de ‘cristificação’ (Ef 4,19).”39 E esta é a função da formação, e por essa mesma razão não pode reduzir-se às fases iniciais, mas deve continuar por toda a vida do salesiano no processo nunca acabado, enquanto não estivermos todos nEle.
Em particular as “situações limite” da nossa vida são ocasião de uma decidida e definitiva conformação a Cristo. Embora os artigos relativos a esse tema no CG22 tenham sido transferidos do contexto da formação ao da vida comunitária, deslocando-lhe levemente o acento, nem por isso deixo de representar ocasiões de formação pessoal.
De modo semelhante, a condição de ancianidade e doença permite “unir-se à paixão redentora do Senhor” (Const. 53). A morte caracteriza-se como a hora em que se dá à própria vida consagrada a realização suprema, participando em plenitude da Páscoa de Cristo (cf. Const. 54). Assim, tanto na vida como na morte (cf. Const. 94), somos sinais da força da Ressurreição de Cristo.
Podemos sintetizar esse seguimento-imitação de Jesus, no qual se enraíza o caráter formativo de toda a nossa vida, no belo artigo conclusivo das Constituições, no qual se diz que elas são “para nós, discípulos do Senhor, um caminho que leva ao Amor” (Const. 196).
As nossas Constituições ajudam-nos pois, a realizar o seguimento e imitação de Cristo em todos os aspectos da nossa vocação: missão, vida fraterna,conselhos evangélicos, oração, formação. Com a certeza que vem da fé podemos, por isso, professar que nas nossas Constituições “a norma última da vida religiosa é o seguimento de Cristo tal como o propõe o Evangelho”.40 Não é outro o significado do programático artigo 196 com o qual termina a nossa Regra de Vida. Essa afirmação torna mais encorajante e compromissiva a nossa vida que é essencialmente “cristíca”. Nada mais exigente que o professar Jesus Cristo como “nossa regra viva”. Nada mais carismático que o saber que “nós o descobrimos presente em Dom Bosco, o qual deu a vida aos jovens”. Nada mais autêntico do que o escolher as “Constituições como testamento de Dom Bosco, como livro de vida para nós e penhor de esperança para os pequenos e para os pobres” (Const. 196).
Conclusão
“Sejamos imitadores de Dom Bosco, como ele o foi de Cristo!”
“O caminho que a vida consagrada é chamada a empreender no início do novo milênio é guiado pela contemplação de Cristo.”41
Nós salesianos fomos todos convidados a contemplar Cristo com o olhar de Dom Bosco, que não tinha outra meta que não fosse a salvação dos jovens. Para nós a sua “cristologia” apostólica é a nossa cristologia. Nós somos sensíveis a determinados traços característicos de Jesus, que para o nosso querido pai foram como um programa de vida. Ele não escreveu nenhum tratado de cristologia, mas se a cristologia é também a história do seguimento de Cristo, ele viveu e inaugurou um caminho particular, caminho que nós decidimos publicamente percorrer com a nossa profissão.
Dizia no começo desta carta que a contemplação de Cristo se concretiza em três elementos inseparáveis: conhecê-lo mais profundamente, amá-lo mais intensamente, segui-lo mais radicalmente. Sem negar – antes! – a importância do conhecimento teológico e particularmente da cristologia quereria reafirmar que o segmento é o método mais seguro e insubstituível para conhecer e amar Cristo; para nós essas exigências passam através da experiência salesiana, isto é, através do seguimento de Dom Bosco. Nós nos colocamos em seguimento de Cristo na esteira de Dom Bosco.
Em 1986, centenário da histórica fotografia feita em Barcelona, o Pe. Viganó escreveu a seguinte dedicatória: “Esta é a melhor foto de Dom Bosco! Há cem anos os jovens que não existiam esperam pelas ruas e pelos continentes o dom da apaixonante missão salesiana! Sejamos imitadores de Dom Bosco, como ele o foi de Cristo!”.
Com razão as nossas Constituições terminam com um artigo que faz uma síntese admirável desta imitação de Cristo através de Dom Bosco: “A nossa regra viva é Jesus Cristo, o salvador enunciado no Evangelho que hoje vive na Igreja e no mundo, e que descobrimos presente em Dom Bosco, o qual deu a sua vida aos jovens” (Const. 196). Dificilmente se poderia expressar melhor o nosso compromisso e a nossa recompensa.
Confio a Maria cada um de vós e os jovens do mundo. Ela, que contemplou Cristo com o seu olhar e coração materno, nos ensine a contemplá-lo até a identificar-nos plenamente com ele, e nos configure a Dom Bosco para continuar a ser para os jovens do mundo “sinais e portadores do amor de Deus”.
A todos, bom Natal e Feliz 2004!
Pe. Pascual Chávez V.
Reitor-Mor
1 NMI n. 20.
2 NMI n. 19.
3 ACG 382 (2003), p. 20.
4 CIVCSVA, La vita fraterna in comunità, n. 22.
5 CIVCSVA, La vita fraterna in comunità, n. 22.
6 CIVCSVA, Ripartire da Cristo, n. 23.
7 NMI n. 16.
8 CIVCSVA, Ripartire da Cristo, n. 23.
9 S. Kirkegaard, Esercizio del cristianesimo [Opere]. Tradução aos cuidados de C. Fabro. Florença, Sansoni, 1972, p. 8112.
10 CIVCSVA, Ripartire da Cristo, n. 21.
11 CIVCSVA, Ripartire da Cristo, n. 23.
12 Il progetto di vita dei Salesiani di Don Bosco, p. 154.
13 Il progetto di vita dei Salesiani di Don Bosco, p. 152.
14 MB V, p. 933. Cf. Costituzioni della Società di San Francesco di Sales: testi critici. Roma, LAS, 1982, p. 72.
15 Cf. CG25, n. 20.
16 F. Rinaldi em ACS 55 (1930), p. 923. Cf. E. Viganò, “Profilo del salesiano nel sogno del personaggio dai dieci diamanti”, ACS 300 (1981), p. 753-819.
17 Il progetto di vita dei Salesiani di Don Bosco, p. 153.
18 ACG 382 (2003), p. 19.
19 Il progetto di vita dei Salesiani di Don Bosco, p. 154.
20 MB I, p. 395.
21 MB VI, p. 362.
22 Cf. MB V, p. 367.
23 G. Bosco, Memorie dell’Oratorio di San Francesco di Sales. Edição crítica. Roma, LAS, 1991, p. 151.
24 Il progetto di vita dei Salesiani di Don Bosco, p. 155.
25 MB I, p. 519.
26 João Paulo II, Juvenum Patris, n. 10.
27 J. E.Vecchi, Spiritualità salesiana. Turim, Elledici, 2000, p. 114.
28 R. Latourelle, Milagros de Jesús y teologia del milagro. 2ª ed. Salamanca, Sigueme, 1997, p. 288.
29 M. Rua, citado em Const. 21.
30 J. Jeremias, Abba: el mensaje central del Nuevo Testamento. 4ª ed. Salamanca, Sigueme, 1993, p. 240.
31 Constituições e Regulamentos, “O Sistema Preventivo na educação dos jovens” [Escritos de Dom Bosco], p. 266-274.
32 R. E. Brown, Evangelio de San Juan. Madri, Cristiandad, 1979, p. 632.
33 G. Von Rad, Sermones. Salamanca, Sigueme, p. 26.
34 H. Von Balthasar, “Relación inmediata del hombre con Dios”, Concilium 29 (1967), p. 418.
35 Constituições e Regulamentos, “Aos sócios salesianos”, p. 263-265.
36 Veritatis Splendor, n. 15.
37 VC n. 93.
38 CIVCSVA, Potissimum Institutioni, n. 8-9, citando Redemptionis Donum, n. 3.
39 Il progetto di vita dei Salesiani di Don Bosco, p. 153.
40 CIVCSVA, Potissimum Institutioni, n. 8.
41 CIVCSVA, Ripartire da Cristo, n. 23.