351-400|pt|381 “Perto ou longe, eu penso sempre em vós”

PERTO OU LONGE, EU PENSO SEMPRE EM VÓS”



1. Um canto de louvor – 2. Primeiros meses de trabalho no Conselho Geral – 3. A atividade de orientação doutrinal – 4. Visita às inspetorias – 4.1 Na Itália – 4.2 Na França – 4.3 Na Polônia – 4.4 Na Argentina – 4.5 Nas Filipinas e na Tailândia – 5. Conclusão


Roma, 25 de março de 2003.

Solenidade da Anunciação do Senhor


perto ou longe, eu penso sempre em vós”1 [1]. Começo esta carta fazendo minhas as palavras do nosso querido pai Dom Bosco, primeiro porque partilho com ele os mesmos sentimentos para convosco, e também porque esta carta tem uma natureza particular. Como vereis, é menos doutrinal e mais familiar. Fala da vida da Congregação, assim como a estou encontrando nas visitas às inspetorias, e propõe algumas reflexões que nascem dos reclamos da realidade e dos seus desafios.

Com isso entendo também satisfazer um pedido do CG25 que, falando das Cartas circulares do Reitor-Mor, dizia: “para melhor valorizá-las nas várias comunidades, sugere-se que sejam escritas numa linguagem simples e discursiva e que se alternem as ricas de conteúdo sobre temas compromissivos com outras familiares e informais sobre a vida da Congregação” (CG25, 101). Procurarei ser fiel a esse pedido, a fim de ajudar a desenvolver mais o sentido de Congregação e estimular a refletir sobre o carisma, duas coisas indispensáveis para garantir a unidade na diversidade, tarefa das mais preciosas que me cabe executar. Assim, a comunicação do Reitor-Mor será posta a serviço da animação e do governo, partindo do que se fez ou se está fazendo na Congregação e das suas necessidades e dos seus desafios.

Depois da Carta sobre a santidade, que foi acolhida como um texto programático e despertou em muitos irmãos e comunidades o desejo de trabalhar mais seriamente para esta nossa vocação fundamental, publicamos o “Projeto de animação e governo do Reitor-Mor e do seu Conselho para o sexênio 2002-2008”. Todos os conselheiros o estão apresentando nas diversas inspetorias, procurando colocá-las em sintonia com as grandes linhas prioritárias. Chegou, pois, o momento de partilhar convosco as minhas impressões e avaliações deste já primeiro ano de reitorado. Falei disso, depois de minhas viagens, nas “boas noites” dadas na Casa Geral e no encontro com os irmãos da Visitadoria da UPS nos primeiros dias de dezembro de 2002. Penso, porém, que vale a pena recolher de forma mais sistemática esse conteúdo e torná-lo conhecido a toda a Congregação.


1. UM CANTO DE LOUVOR


O primeiro pensamento que julgo dever expressar é o de dar graças a Deus, do fundo do coração, pelo crescimento do carisma de Dom Bosco a serviço dos jovens nos mais diversos contextos e condições.  Estamos em contextos de elevado bem-estar, de sociedades desenvolvidas, de tecnologia avançada, e em outros, ao contrário, de extrema pobreza, de subdesenvolvimento, de técnica atrasada; contextos de democracias consolidadas, nos quais se pode praticamente fazer tudo no campo da missão, e outros de regimes totalitários, nos quais se faz o que se pode; contextos de população de maioria cristã e católica, e outros em que o número dos católicos não chega sequer a um por cento, mas onde o nosso trabalho educativo é muito significativo do ponto de vista cultural, à maneira de um fermento capaz de levedar a cultura do país. Presenças de rica tradição salesiana e outras em que se sente mais a distância das origens da Congregação.

Este agradecimento se estende aos irmãos missionários, os da primeira hora enviados por Dom Bosco e os da segunda, terceira ou quarta hora, enviados pelos seus sucessores. Eles desempenharam e continuam a desempenhar um papel imprescindível, como é o da implantação do carisma salesiano, que é essencialmente educativo- pastoral em favor dos meninos, especialmente os mais pobres, abandonados e em situação de risco psicossocial. Desse ponto de vista, é preciso lembrar que somos herdeiros e transmissores de um carisma, de um espírito, de uma espiritualidade, de uma missão, e não simplesmente operadores diocesanos ou agentes sociais, ainda que muito empenhados no campo da construção da igreja local e da promoção humana. Essa afirmação não significa que nós salesianos somos um grupo fechado. Jamais! Como religiosos, somos homens de Igreja. Como apóstolos, estamos profundamente inseridos na história humana.

O nosso tipo de presença é, porém, orientado a levar à Igreja e à sociedade a contribuição específica dada por Dom Bosco. Os critérios de avaliação de um bom êxito do carisma são o aumento do número de presenças, onde é possível, fruto do dinamismo interno que leva a expandir-se, o crescimento qualitativo e quantitativo das vocações, o desenvolvimento da Família Salesiana, a relevância evangélica social e eclesial, a vida de santidade. Isso se pode constatar, graças a Deus, aqui e ali. Os missionários e a missionariedade são, pois, dois elementos necessários do carisma que devem ser cuidados e promovidos em cada uma das inspetorias.

O meu agradecimento dirige-se naturalmente a todos vós, queridos irmãos, pelo dom da vossa vida ao Senhor na casa e na escola de Dom Bosco. A maior riqueza da Congregação não são as estruturas, por maiores e mais fascinantes que possam ser ou parecer, mas os seus membros. É importante envolver colaboradores na gestão das nossas obras, fazer crescer a Família Salesiana, procurar pessoas sempre mais identificadas com a nossa proposta educativo-pastoral. Todavia o bem mais precioso que a Congregação possui é a vida de cada um dos irmãos, seja o que exerce cargos de animação ou governo, seja o que trabalha em serviços pouco vistosos, o jovem e pleno de energias, como o idoso e talvez doente. Devemos ser muito gratos a todos os irmãos. Sem eles a Congregação poderá ter muitos amigos de Dom Bosco, mas não salesianos. Isso nos faz pensar, sim, no cuidado das vocações, mas também no acompanhamento de cada um dos professos.

O irmão não é alguém que partilha casa ou trabalho, mas “alguém que me pertence”, “um dom do Senhor” (NMI 43), com o qual é preciso criar comunhão e comunidade, pois “Deus nos chama a viver em comunidade, confiando-nos irmãos para amar” (Const. 50). Sobre este tema o CG25 e a estréia 2003 tornam-se um estímulo e um programa. Estou certo que as inspetorias saberão explorá-los para a renovação das comunidades.

Este canto de louvor faz-me pensar, em particular, no nosso centro de referência, Dom Bosco, que deve sempre ser estudado e imitado, como nos propõe o artigo 21 da nossa Regra de Vida. Trata-se de conhecer a fundo sua vida, sua história, seu projeto apostólico, tal como aparece nas Constituições e no desenvolvimento da Congregação através dos Capítulos Gerais, especialmente os dos últimos trinta anos. Trata-se de caminhar no mesmo ritmo, em sintonia de sensibilidade e de opções, embora em circunstâncias muito diversas.

Visitando as inspetorias, dou-me conta de que as que se esforçaram por assumir os Capítulos Gerais e as grandes propostas levadas adiante pelo Reitor-Mor com o seu Conselho nos campos da formação, da pastoral juvenil, da Família Salesiana, da comunicação social, das missões, da economia, se sentem mais inseridas no movimento da Congregação. Basta pensar no cuidado de algumas inspetorias em traduzir os documentos mais importantes, para torná-los acessíveis a todos os irmãos.

Não falta, porém, algum caso de resistência à mudança, como se se tratasse de algo facultativo, com o risco de isolar os irmãos individualmente e toda a inspetoria. Sob este perfil considero que uma das tarefas não delegáveis dos superiores das circunscrições jurídicas (inspetorias, visitadorias, delegações) é o de garantir a identidade e criar sentido de Congregação. Estou consciente de que os mais próximos ao centro têm mais possibilidades, também de meios, e que os mais distantes são muitas vezes os que têm mais dificuldades. Por  isso aprecio muito quanto se faz nesse sentido e fico reconhecido.


2. PRIMEIROS MESES DE TRABALHO NO CONSELHO GERAL


Dizia no começo que já são passados onze meses desde o momento em que fui eleito Reitor-Mor. Talvez queirais saber o que fiz nesse período. Digo logo que o trabalho mais forte nesses primeiros meses foi feito em nível do Conselho Geral, como é normal, também porque fiz desde o início a opção de trabalhar muito mais colegialmente. O que significa que, em temas que de hábito não eram tão examinados ou estudados em nível de Conselho – porque se julgava que estava bem assim –, houve de minha parte a opção de envolver muito mais cada um dos conselheiros.

Um exemplo desse envolvimento diz respeito à reflexão sobre a relação do Reitor-Mor e do Conselho Geral com a UPS. Sobre esse ponto fizemos um primeiro estudo, tanto em nível institucional como em nível operativo. Tivemos sempre em mente três grandes elementos: a identidade da UPS e a sua especificidade; o projeto orgânico da nossa Universidade, com um empenho sério na escolha do pessoal para as diversas faculdades; e, enfim, a reestruturação edilícia, já realizada em parte com as novas residências para as comunidades de estudantes, a nova biblioteca, a renovação de algumas áreas, e que deverá ser levada adiante no futuro com a nova sede para a Faculdade de Ciências da Comunicação Social e adequação às normas da segurança.

Fizemos também uma avaliação institucional da Universidade, começando pela Faculdade de Letras Cristãs e Clássicas, e levamos a termo uma das orientações da última visita de conjunto, relativa à unificação numa única pessoa do ecônomo da Visitadoria e do ecônomo da Universidade. Justamente porque a UPS é a Universidade da Congregação, aproveito a ocasião para agradecer à Universidade e à Visitadoria o serviço tão apreciado que prestaram ao longo de todos estes anos. Também agradeço a todos os professores que contribuíram com seu trabalho intelectual e profissional para formar os quadros das inspetorias e dioceses e fazer com que a nossa Universidade viesse a ocupar o lugar que tem hoje entre as Universidades Pontifícias. Quereria fazer sentir esta nossa Universidade como uma realidade que pertence a todos nós, e por isso convido a ser muito abertos e generosos na colaboração para o pessoal. Até poucos anos atrás, os Reitores-Mores sabiam que podiam facilmente encontrá-lo nas inspetorias da Itália que, nesta área específica como em outras, foram sempre muito generosas e solidárias. Chegou o tempo em que o caráter pluricultural da Congregação e da própria Universidade, além da falta de pessoal na Itália, obriga a ser  co-responsáveis por levar adiante a nossa Universidade com qualidade e competência. O empenho de renovação da nossa Universidade exige também o envolvimento da Congregação na valorização desta nossa benemérita instituição com o envio de irmãos de todas as regiões da Congregação para a sua qualificação.

Além da administração ordinária, no Conselho especial foi dada atenção nestes meses à nomeação dos inspetores. Já nomeamos, neste período, quase trinta inspetores. Sabeis que são 95 os inspetores na Congregação, quer dizer que praticamente nomeamos uma terça parte. Influiu talvez para tão grande número de nomeações em período tão breve também a doença do padre Vecchi, no final do último ano. Com efeito, embora tivessem sido feitas consultas em várias inspetorias, o Conselho Geral precedente tomou naquele momento a decisão de procrastinar a nomeação até que se tivesse um novo Reitor-Mor, conscientes de que se trata de uma tarefa muito específica do Reitor-Mor. A nomeação do inspetor cria uma relação de todo particular entre o Reitor-Mor e o inspetor ao qual é confiada uma inspetoria ou uma visitadoria.

Todavia, mais trabalhosa e diria até mais importante nesse período foi a elaboração do Projeto de animação e governo do Reitor-Mor e do seu Conselho. Foram vários meses de trabalho: quis-se envolver, com efeito, os diversos Dicastérios dentro da Casa Geral e, em nível de Congregação, as Regiões e os inspetores. Foi uma experiência muito proveitosa. Não quero repetir aqui o que escrevi na apresentação do Projeto no número 380 dos ACG. Convido-vos antes a lê-la e a conhecer bem o Projeto da Congregação para esses seis anos. É bom – antes, necessário! – saber para onde estamos caminhando, com que opções prioritárias, quais metas atingir, quais estratégias empregar, qual tipo de intervenções. Congratulo-me com as inspetorias que fizeram a própria programação tendo presente o Documento do CG25 bem como o nosso Projeto histórico. Espero que as inspetorias que não o fizeram se sintam estimuladas.

Outros temas ocuparam a nossa atenção e o nosso tempo. Além de quanto lembrei a respeito da UPS, iniciamos também o estudo da valorização de Cremisan. Levamos em consideração o presente e o futuro imediato, deixando para outro momento mais favorável uma perspectiva de longo prazo, já conjeturada pelo padre Vecchi. Sabemos todos quão incerta é a situação política na Terra Santa. Decidimos robustecer a comunidade formativa e o centro de estudo de Cremisan, tornando-os sempre mais internacionais. Cremisan é uma proposta formativa para as oito Regiões da Congregação, como o é a comunidade para teólogos do Gerini em Roma. Num mundo pluricultural e globalizado reconhecemos a importância de experiências de internacionalidade e de interculturalidade, a partir dos estudos teológicos. Visamos também iniciar nos próximos anos o uso da língua inglesa.

Concluímos e aprovamos os documentos sobre a identidade das Instituições Universitárias Salesianas (IUS), e sobre a política da Congregação a esse respeito. Termina assim um período extraordinário, com uma delegação pessoal dependente diretamente do Reitor-Mor, que teve como escopo o levantamento de dados sobre nossas Universidades e Institutos de educação superior. Esse período mostrou-se muito enriquecedor, porque nos permitiu conhecer melhor uma realidade existente na Congregação, e porque atingiu um nível exemplar de coordenação e de sinergia. Começa agora uma nova fase, mais institucional, com a inserção deste setor no Dicastério da Pastoral Juvenil, com um projeto e uma programação bem definidos, a fim de garantir sempre melhor as condições que tornem significativas estas presenças e usufruir mais de sua contribuição. A Congregação não pretende levar todas inspetorias a ter a própria Universidade, mas quer fazer-se responsável por tais instituições, estabelecendo com clareza sua identidade e definindo os critérios que a tornem possível. Estes serão de fato tomados em consideração como quadro de referência, quando houver o pedido de ereção de uma nova Universidade.

Estudamos e definimos a política administrativa e financeira, tratando-se de um elemento importante, não somente para o bom funcionamento da economia, mas também para sua adequação à criteriologia salesiana. Além da previsão orçamentária (budget) para 2003, aprovada pelo Reitor-Mor com o seu Conselho, estudou-se também o balanço de 2001. A propósito, muitas inspetorias estão caminhando sempre mais sobre esta mesma linha, tanto em nível provincial como local. Outras, ao invés, têm ainda caminho pela frente para superar o risco, não irreal, da falta de uma administração profissional e salesiana.

Na mesma linha, muito embora o argumento se refira mais freqüentemente ao Dicastério das Missões, definimos os critérios para a distribuição de fundos, tendo presente que a Congre­gação, ano após ano, através das procuradorias missionárias, distribui uma soma consistente, para levar adiante o trabalho que fazem as inspetorias nos diversos contextos, especialmente os mais necessitados de subsídio e de solidariedade. Foi enviado aos inspetores um comunicado, que os irmãos devem conhecer, seja pelo que se refere aos pedidos de ajuda, seja pelo que diz respeito à prestação de contas. Maior responsabilidade no uso do dinheiro e a prestação de contas dele é um dever moral em relação aos benfeitores e os diretores das grandes Procuradorias – Bonn, Madri, New Rochelle, Turim – que assim poderão também informar os próprios benfeitores.

Tivemos, além disso, um primeiro contato com o esboço para a avaliação dos Capítulos Gerais, pedido pelo CG25, n. 136. Na assembléia capitular sentiu-se a urgência de rever o modelo com que se desenvolveram os últimos Capítulos Gerais do CG23 ao CG25. Eles continuaram a utilizar um modelo que se mostrou válido para os Capítulos Gerais extraordinários – 19, 20, 21 e 22 – que tinham como escopo a redefinição da identidade da Congregação e que se considerou concluída com a aprovação do atual texto constitucional. Os Capítulos seguintes tiveram um tema sobre o qual refletir. Os capitulares fizeram sentir a necessidade de tomar como ponto de partida a Relação que é apresentada sobre o estado da Congregação, para especificar juntos as grandes opções a serem tomadas, as grandes áreas a serem priorizadas, confiando posteriormente ao Reitor-Mor e ao seu Conselho a tarefa de traduzi-las operativamente num projeto de animação e governo. No âmbito do Conselho Geral se continuará a reflexão, para depois comunicar às inspetorias o resultado da avaliação e eventuais propostas, sabendo que tais propostas deverão ser feitas não além da metade do sexênio.

Outros temas de estudo focalizaram a necessidade de renovar o portal internet da Congregação, procurando torná-lo mais completo, ágil e interativo; subsídios para os diversos projetos pedidos pelo CG25: o projeto orgânico inspetorial, o projeto pessoal de vida e o projeto de vida comunitária; Don Bosco International (DBI), o escritório fundado há anos e que quer desempenhar o papel de rosto civil da Congregação diante das instituições da Comunidade Européia para tudo quanto diz respeito à juventude, e Don Bosco Network¸ que é a rede das procuradorias missionárias operantes sob a égide do DBI; a atenção aos bens culturais da Congregação, pelo que se pensa na coordenação de alguns dicastérios para cuidar das bibliotecas, museus,  arquivos, obras de arte, produção de comunicação social; a atualização do Vademecum do Conselho Geral, que recolhe a codificação das Constituições e Regulamentos sobre as diversas tarefas do Reitor-Mor e do Conselho e ao mesmo tempo as sugestões que vêm da experiência, a sondagem feita em toda a Congregação sobre a conveniência de um lugar comum; enfim, o tema da comunidade da Casa Geral.
Como estais vendo, dedicamos grande parte do trabalho do Conselho ao estudo. É este um elemento que não se deve subestimar, sobretudo porque nos diz que a animação e o governo da Congregação, de uma inspetoria e de uma comunidade, têm necessidade de reflexão, mas também porque é imprescindível fixar as políticas de governo e definir os critérios de identidade e de avaliação. Não foi um tempo perdido. Antes! Penso que essa é uma tarefa que dá frutos a longo prazo, porque são os projetos comuns, além do afeto para com cada irmão, que verdadeiramente ajudam a criar comunhão e unidade.


3. A ATIVIDADE DE ORIENTAÇÃO DOUTRINAL


A segunda grande área do meu trabalho durante esse período situou-se sem dúvida no campo da orientação doutrinal – espiritual, comunitária e pastoral – que deve ser entendida sempre como um elemento de governo e não como simples animação.

Nesse aspecto específico gostaria de retomar um elemento que o padre Juan Vecchi, e já antes o padre Egídio Viganó, sublinhava muito. Quando apareciam suas cartas, ele dizia explicitamente que elas não eram escritas apenas para fazer delas uma leitura espiritual, mas para estudá-las, torná-las parte da cultura salesiana, entendida não do ponto de vista nocional, mas antes do ponto de vista da Gaudium et Spes, isto é, como a maneira salesiana de ser, de reagir, de enfrentar a realidade, de relacionar-se mutuamente.

Nesse período escrevi somente uma carta circular, a que tratou da santidade. Redigi, outrossim, a apresentação do documento do CG25; elaborei o comentário escrito da Estréia e uma sua apresentação em vídeo; redigi a introdução ao projeto de animação e governo do Reitor-Mor e do Conselho Geral, que apareceu no número anterior dos Atos do Conselho Geral. Evidentemente houve também muitas outras intervenções: conferências, saudações, mensagens, inclusive para o Boletim Salesiano, para a Família Salesiana e para o Movimento Juvenil Salesiano, entrevistas para jornais, rádio, televisões, que verdadeiramente exigem muito tempo e preparação. Agora conheço de modo mais direto o ritmo de vida e o horário de trabalho de Dom Bosco e dos meus predecessores, e a insistência de um deles que dizia que o Reitor-Mor deve dedicar grande parte do tempo ao estudo, para poder oferecer uma doutrina sólida, de modo que as mensagens que escreve possam ser iluminadoras e propositivas, e não uma palavra meramente formal e conseqüentemente pouco incisiva.

Vejo, de qualquer maneira, que os documentos salesianos não chegam oportunamente a todas as inspetorias, ou pelo menos não a todas as comunidades, criando uma situação um tanto singular: acontece, de fato, que enquanto um documento não foi ainda lido, o Reitor-Mor já está escrevendo um outro. A solução não é certamente a de deixar de escrever, porque o superior que presta este serviço não escreve para a própria glória, mas para guiar e acompanhar o curso da vida humana, eclesial e salesiana. Pode-se certamente fazer uma pausa e não escrever, mas com isso não se detém a história, nem se enfrentam os problemas, nem se ilumina a vida.

Penso que sobre este ponto todos, a começar pela Direção Geral, estamos chamados a fazer um esforço para favorecer o acesso imediato às diversas comunicações. Estamos procurando colocar os textos no nosso site, para que sejam transmitidos diretamente pela internet. Cabe naturalmente às inspetorias preocupar-se com a distribuição, o estudo e alguma vez também com a avaliação, procurando sempre que sejam conhecidos e assumidos. Nessa linha, um bom irmão da Casa Geral me sugeria que não escrevesse uma nova carta, senão depois de ter feito uma avaliação da maneira como tinha sido acolhida e tornada programa de vida a carta sobre a santidade. Embora não tenha julgado oportuno assumir esta sugestão, a preocupação permanece válida.

Por ora antecipo a intenção de orientar as cartas e outras comunicações importantes durante o sexênio pelos objetivos do Projeto de animação e governo e à luz do CG25. Será uma forma de aprofundar e iluminar a práxis.


4. VISITAS ÀS INSPETORIAS


Não visitei ainda todas as inspetorias. Digo “ainda”, porque olhando a agenda fico até um pouco assustado. Por um lado dou-me conta de que a presença nas inspetorias torna-se um meio privilegiado de animação, sobretudo quando as visitas são bem preparadas. Por outro lado estou consciente de que não posso ficar muito tempo fora da Casa Geral, porque devo atender a muitas outras responsabilidades. Ponho-me à vossa disposição e peço a vossa compreensão se nem sempre o Reitor-Mor pode visitar todas as inspetorias. Lembro que o vigário também desempenha esse papel em muitos casos; além disso, há no Conselho a preocupação de que todas as inspetorias possam ser visitadas pelos diversos conselheiros de setor, além dos conselheiros regionais.

Na Europa visitei várias inspetorias da Itália: a Inspetoria Lombardo-Emiliana, no início do meu mandato, e muito brevemente, por ocasião da festa do Beato Artêmides Zatti em Boretto, pelo que deverei voltar ainda; o Piemonte e o Valle d’Aosta, inspetoria que visito muitas vezes, pois nela se encontra a casa-mãe e os lugares de referência das nossas origens; a Lígure-Toscana, a Sardenha, a Inspetoria Romana, na qual participei de muitos eventos, e a Vêneta. Visitei a França, a Espanha, em particular Salamanca para a colação da cidadania, tendo estudado naquela Universidade, a Polônia e a Albânia. Na América, estive no México, na Argentina e no Brasil (Inspetoria de Recife). Na Ásia visitei as Filipinas  e a Tailândia. Não estive até agora em nenhum país da África nem da Oceania.

Também a respeito dessas visitas, desejo partilhar convosco algumas experiências, mas sobretudo alguma reflexão que fiz, ao entrar em contato e conhecer algumas dessas inspetorias. Não falarei evidentemente de todas.


4.1 Na Itália


Começo pela reflexão sobre a visita às inspetorias italianas. Elas têm o privilégio de terem sido herdeiras diretas do carisma de Dom Bosco. E verdadeiramente souberam acolhê-lo muito bem e também transmitir. Em síntese, poderia dizer que a organização e a vida pessoal e comunitária dessas inspetorias procura ser fiel à criteriologia salesiana presente nas Constituições.

Quando se tem a visão de conjunto da Congregação que se acha presente em cerca de 130 países do mundo, quando se tem a oportunidade de participar, por exemplo, numa experiência como a do CG25, no qual a mundialidade é verdadeiramente bem representada, damo-nos conta de que há uma identidade dentro da diversidade cultural da nossa Congregação Salesiana. Isso se deve atribuir, em grande medida, antes de tudo à capacidade de transmissão fiel de um carisma, à sua implantação, ao seu arraigamento e à sua capacidade de difusão nos diversos países e contextos em que se desenvolveu a Congregação. Deve-se dizer que houve uma sábia política de governo no não concentrar todos os salesianos italianos no mesmo país, no não multiplicar sem medida as inspetorias na Itália, no trabalhar a missionariedade na Itália e depois a mundialidade na Congregação.
Sob esse perfil, a atuação clarividente de Dom Bosco desde o início, quando em 1875 enviou a primeira expedição missionária, revelou-se dinâmica, corajosa e adivinhada. Com esse impulso continuou-se através dos anos, e por vezes até com duas expedições missionárias anuais. Esta missionariedade pode explicar a nossa difusão mundial, mas também a configuração atual da Congregação, que tem uma presença, afinal, bem proporcionada nos cinco continentes. É verdade que hoje não tem havido muitas vocações na Itália, pelo menos não tão numerosas como no passado; é verdade que a presença salesiana em países de antiga tradição cristã da Europa deverá assumir uma nova configuração, mas é igualmente verdade que a nossa Congregação continua a crescer em toda a Ásia, e não somente na Índia, e na África, ao passo que na América Latina os números são mais ou menos constantes.

Essa presença da Congregação no mundo é devida de modo especial, embora não exclusivo, aos salesianos da Itália. Desde a primeira “boa noite” quis agradecer aos salesianos italianos a transmissão fiel e dinâmica do carisma. Nessa mesma ocasião evidenciei que essa tarefa passou hoje para todos os salesianos, sobretudo pelo fato que a Congregação já não é – ou somente – italiana, mas realmente mundial, e também pelo fato que a responsabilidade deve agora passar às inspetorias nos diversos contextos.

A missionariedade da presença salesiana italiana, que continua a ser muito forte, desempenhou um papel importante também na inculturação do carisma. Vós encontrareis os missionários italianos em algumas das mais bem-sucedidas experiências de inculturação na Congregação, porque estudaram a antropologia aplicada, procuraram penetrar a cultura dos povos, aprenderam a língua, escreveram gramáticas e criaram dicionários, promoveram e acompanharam seus processos. Seria miopia não valorizar o que a presença salesiana italiana deu à Congregação: entre outras coisas, um sentido muito forte de Congregação e exemplos válidos de inculturação.

Mas que significa a afirmação que agora a tarefa da transmissão do carisma deve passar a todas as inspetorias? Que cada inspetoria deve desenvolver e cultivar esses elementos, e em primeiro lugar um profundo conhecimento de Dom Bosco. Dom Bosco deve ser conhecido! Não se pode viver de “lugares comuns” ou de episódios, sem descobrir onde se encontram critérios e leis de vida salesiana. Deve-se estudar Dom Bosco! Há sem dúvida uma transmissão vital do carisma, do espírito, da espiritualidade, da missão. É uma espécie de hermenêutica existencial do que significa hoje ser salesiano. Esta experiência deve ser, porém, codificada e ter um quadro de referência. Em vista desse trabalho tão fundamental, houve na Itália um investimento muito consistente de pessoal, no campo da história, tanto a da biografia como a da historiografia crítica, no campo da pedagogia e das ciências da educação, no campo da espiritualidade. Trata-se de três elementos essenciais para um conhecimento aprofundado e uma transmissão fiel do carisma. Portanto, a passagem da responsabilidade da transmissão do carisma a todas as inspetorias do mundo não pode ser um slogan privado de conteúdo; implica conseqüências. E essas conseqüências devem ser explicitadas, justamente porque depois se deve verificar se realmente as inspetorias são capazes de tomar nas mãos o testemunho.

Há um outro elemento muito importante: a santidade. Para ser exatamente fiel, a transmissão de um carisma tem necessidade de testemunho, de santidade. Penso que estamos todos cons­cientes de pertencermos a uma família de santos, irmãos, membros da Família Salesiana, educandos que atingiram uma medida elevada de vida espiritual. É muito bonito visitar as inspetorias e descobrir esses modelos, próximos à realidade de todos, a ponto de poder dizer: olhai o que conseguiram fazer esses irmãos ou esses meninos e o que estamos chamados a fazer ou a ser nós também.


4.2 Na França


Digo logo que tinha ido à França essencialmente para aprender um pouco de francês, portanto não para fazer uma visita. No fim, porém, o objetivo primário juntou-se a um programa de visitas às comunidades da Alsácia, da Bretanha e Normandia. Foi uma experiência muito agradável, interessante e enriquecedora.

Três elementos sobretudo me causaram impressão. Primeiramente um grande amor a Dom Bosco. Sabemos que Dom Bosco foi à França em busca de fundos para pagar as despesas da Igreja do Sagrado Coração, e sobre isso ele foi muito explícito. A coisa mais bonita é que, além de alcançar a ajuda que pedia, Dom Bosco tornou-se uma atração para o povo francês, que ficou encantado com ele. Lendo alguns documentos da primeira visita de Dom Bosco, percorrendo as páginas de algumas de suas falas nas igrejas, vê-se como conseguiu suscitar e despertar grande maravilha e admiração no povo francês.

Em segundo lugar, impressionaram-me os centros de formação profissional e as escolas agrícolas de alto nível, algumas delas com um número muito grande de internos. Não teria imaginado esse tipo de presenças num país que está entre os mais evoluídos da Europa. As escolas técnicas industriais assim como as agrícolas, além do fato de estarem em linha com um setor tipicamente salesiano, nos permitem acompanhar e educar os jovens do mundo do trabalho e do campo, também em contextos ricos e abastados; o que não é indiferente, malgrado o desequilíbrio entre os recursos humanos disponíveis e as tarefas a enfrentar. Parece-me ter descoberto um grande sentido de responsabilidade no campo da missão salesiana.

A terceira iniciativa interessante é a construção de um centro de formação salesiana para os leigos em Lyon, que deverá ser inaugurado dentro de um ano. É um sinal da identidade salesiana que se verifica na missão, do amor a Dom Bosco a que aludimos, da capacidade de acreditar no seu carisma e do empenho em partilhá-lo e difundi-lo, em linha com a práxis de Dom Bosco e fiel às orientações dos últimos Capítulos Gerais, particularmente – em referência à iniciativa de Lyon – o CG24.


4.3 Na Polônia


Na Polônia visitei as quatro inspetorias: Cracóvia, Pila, Varsóvia, Wroclaw. A visita a cada inspetoria tinha sido cuidadosamente preparada, e não obstante a dificuldade da língua transcorreu muito bem.


Contato com as origens

Primeiramente, a visita a Cracóvia. A experiência que mais me impressionou foi talvez a visita a Oswiecim, a obra inicial da presença salesiana na Polônia. Um lugar donde o carisma salesiano difundiu-se por toda a nação, e também pelo Leste da Europa, de uma maneira tão fecunda que hoje temos mais de mil salesianos na Polônia. Oswiecim torna-se eloqüente também pela sua mesma situação. Encontra-se muito perto, distante não mais de 5 quilômetros do campo de concentração de Auschwitz, onde esteve o maior cemitério do mundo nos anos 40-45! É estimulante pensar que nos arredores desse grande cemitério, a expressão mais trágica de uma anticultura de morte,  havia uma obra onde a vida, à maneira de uma semente, crescia contemporaneamente e se desenvolvia gerando esperança.

Causa surpresa ver a fecundidade vocacional do passado e também do presente, o profundo sentido religioso do povo, a tenacidade em conservar a própria identidade. Os salesianos estão conscientes de que o ingresso da Polônia na comunidade européia trará juntamente com o bem-estar uma mudança cultural; eles estão prontos para bem enfrentá-la.


Dinamismo da Família Salesiana e do Movimento Juvenil Salesiano


Em Wrocla, o evento principal foi uma grande e solene celebração no renomado Santuário de Nossa Senhora de Czestochowa. É o coração espiritual da Polônia, onde se pode sentir sua densidade religiosa. Foi para mim um momento pessoal de grande emoção. Todavia, do ponto de vista da animação, o momento mais interessante foi o encontro com toda a Família Salesiana, do qual participavam alguns jovens oratorianos do oratório de Poznam. Eles nos mostraram a primeira parte do filme que estão produzindo sobre os cinco jovens mártires de Poznam. Foi um prazer ouvir-lhes a narração, a maneira como se sentem identificados com aqueles jovens mártires. Sabem que são verdadeiramente herdeiros de um tesouro espiritual que deve ser transmitido! Não penso que seja um exagero dizer que, depois do oratório de Valdocco, o oratório de Poznam deve ser tido como o oratório mais famoso de todo o mundo, no qual floresceu a santidade, não somente pelo martírio, mas pela qualidade de vida salesiana. A beatificação dos jovens mártires evidenciou os traços de personalidade que eles tinham desenvolvido no oratório. Disso estavam conscientes aqueles jovens que, apresentando o filme, confessavam: “Somos depositários de um tesouro que deve ser transmitido aos jovens do mundo”. Foram esses jovens que apresentaram a mensagem e o testemunho, e eu dizia de mim para mim: que mais posso acrescentar? Ouvimos o que é capaz de fazer um oratório salesiano: criar personalidades robustas que se manifestam justamente nos tempos de crise, jovens que tiveram um encontro com Cristo, jovens que aprenderam a servir, jovens que sabiam que sua fé podia levar até ao martírio, jovens de uma grande esperança, a da vitória do bem sobre o mal. A história deu-lhes razão. Três anos apenas após seu sacrifício, o nazismo acabou. Assim aconteceu anos depois com a ideologia comunista, o que significa que naqueles oratorianos temos uma santidade juvenil madura.


Um “novo” campo da missão salesiana


Em Pila. Tivemos uma celebração estupenda, com tamanha participação que a igreja, magnífica, era insuficiente para acolher a todos. Mas a experiência que mais me tocou foi o encontro com toda a comunidade educativa da escola de Aleksandrów Kujawski, porque me fez ver a nova posição dos salesianos da Polônia no campo da escola, com grande sucesso. Veio falar a senhora ministra da Cultura, que agradeceu em nome do governo polonês o trabalho que os salesianos da Polônia estão desenvolvendo no setor educativo. Há apenas dez anos que os irmãos voltaram a operar no mundo da escola, e em dez anos houve uma virada profunda e de futuro. Trata-se de um fato relevante, porque os salesianos jovens não tinham experiência no campo da educação formal, e descobriram que é um campo muito promissor e que se pode fazer ainda muitíssimo pelos jovens e com os jovens nesse contexto.


Casas de formação e centros de estudo


A visita a Varsóvia concentrou-se no dia passado em Czerwinsk, com a possibilidade de um encontro com a maior parte dos irmãos, mas que me deu também a oportunidade de fazer uma idéia mais completa e apreciar melhor as casas de formação da Polônia: os noviciados de Kopiec (PLO) e de Czerwinsk, e os centros de estudo em Cracóvia, Lodz e Lad (PLN).

Este último celebrava seu 50º aniversário. Após a solene celebração religiosa e acadêmica, que coincidia com a inauguração do ano, tive um encontro com o grupo de professores que trabalham nos nossos centros de estudo e no mundo universitário. Vendo seu número e a qualidade do serviço que prestam, pude verificar que as inspetorias souberam investir na preparação do pessoal em tempos assaz difíceis, e têm irmãos muito qualificados, tornando muito importante nossa presença no setor universitário salesiano e eclesial.


4.4 Na Argentina


Na viagem à Argentina visitei as cinco inspetorias seguindo esta ordem: Buenos Aires, Bahia Blanca, La Plata, Córdoba, Rosario.

Foram dois os motivos que me levaram a aceitar o convite que me foi feito durante os dias do Capítulo, ainda que inicialmente houvesse fixado como critério para as visitas dar prioridade às inspetorias que não tinham sido visitadas nem pelo padre Vecchi, nem, no seu último sexênio, pelo padre Viganó, justamente por causa das doenças que os acometeram.

A primeira razão era a homenagem que os irmãos e membros da Família Salesiana da Inspetoria de Bahía Blanca queriam prestar ao padre Vecchi, ao qual dedicaram uma escola em Viedma e um museu em Fortín Mercedes, e ao senhor Zatti, com cujo nome intitularam  outra escola, também em Viedma.
O segundo motivo era o desejo de estar junto aos irmãos da Argentina na difícil situação econômica que o país está vivendo.

Sem entrar nos detalhes da visita, descobri na Argentina uma presença de Congregação muito significativa, não somente pelo número das inspetorias, embora algumas delas sejam agora numericamente pequenas, mas sobretudo por uma realidade reconhecida por todos – autoridades civis e eclesiais, empresários e mundo inte­lectual, gente do lugar e de outras partes –, isto é, a capacidade de haver criado cultura na Patagônia. É um juízo que já tinha ouvido de

alguns jesuítas anos atrás, quando fazia uma visita a Punta Arenas. Torna-se difícil para quem nunca visitou a Patagônia imaginar a contribuição, em termos de civilização e de cultura, dada pelos nossos irmãos. Devo reconhecer que me senti orgulhoso deles!

Também nessa terra o carisma foi fielmente implantado e frutificou. Pode-se vê-lo no desenvolvimento vocacional que teve no passado, também com a presença de missionários argentinos em várias partes do mundo; a Argentina – lembremos – deu o primeiro Reitor-Mor nascido fora da Itália. Sobretudo deu frutos de santidade, que é a verdadeira prova da inculturação de um carisma: a santidade de Laura Vicuña, chilena, que amadureceu e morreu nessa terra, e cujos restos mortais se encontram em Bahia Blanca. Assim também a santidade de Zeferino Namuncurá, que é um fenômeno religioso social muito maior do que possamos imaginar, como o demonstra a parede de inscrições de agradecimento por graças recebidas pela sua intercessão, que se encontra em Fortín Mercedes; e, naturalmente, a santidade  do senhor Artêmides Zatti.


4.5 Nas Filipinas e na Tailândia

Motivos da viagem

A primeira motivação da viagem prendia-se à celebração do 50º aniversário do início da presença dos salesianos nas Filipinas, que ocorria dois anos faz. Padre Vecchi tinha assumido o compromisso de estar presente nas inspetorias para essa importante ocasião, mas a doença não permitiu que as celebrações fossem feitas nas datas precisas.

Deve-se também dizer que os primeiros salesianos que chegaram às Filipinas tinham sido dois irmãos procedentes do México muitos anos antes: padre Guilherme Piani, que foi como delegado apostólico e depois retornou  ao México como núncio apostólico; ele levou consigo um padre mexicano que nasceu no Texas mas viveu na cidade de Puebla (México), Luís Laravoire Morrow, que anos depois se tornaria bispo da Diocese de Krishnagar, Índia. Oficialmente os salesianos chegaram às Filipinas em 1950. De qualquer maneira, minha presença celebrou também, de modo particular, a ocorrência do 50º aniversário da escola de Mandaluyong, o Don Bosco Tecnological Center.

Na Tailândia celebrava-se o 75º aniversário da presença salesiana. Os primeiros missionários que lá chegaram foram os irmãos expulsos da China. É fato muito interessante, digno de uma reflexão histórica: a China, providencialmente, está se revelando como a inspetoria-mãe de várias outras inspetorias da Ásia, pois tendo sido expulsos, os salesianos desembarcaram em outras nações. O êxodo da China produziu a plantatio do carisma em outras terras, ampliando destarte a presença salesiana na Ásia. Provavelmente o estudo histórico que um irmão está elaborando em preparação da celebração do centenário da presença salesiana na China nos oferecerá  idéias e elementos sobre estas páginas de história salesiana. O tema certamente merece uma verdadeira pesquisa.

Último motivo, “last but non least”, na base de minha viagem no Extremo Oriente, esteve o convite para pregar os exercícios espirituais aos inspetores e aos delegados das inspetorias e delegações das duas regiões da Ásia. Este é um elemento que considero muito importante do ponto de vista da animação do Reitor-Mor, pelo efeito multiplicado que pode ter tal intervenção.


A visita nas Filipinas


O fato mais importante dos dias que passei na Inspetoria de Manila foi sem dúvida a visita feita a quase todas as obras. Acho que me encontrei com todos os irmãos, os diretores e as comunidades, os formadores e os jovens salesianos em formação, os doentes e também a Família Salesiana.

As presenças mais marcantes na Inspetoria de Manila são, em minha opinião, os Technological Training Centres, que os irmãos desenvolvem tanto na cidade como no campo, dando preferência e atenção aos meninos marginalizados pela educação sistemática institucional. Existe de fato o empenho de tornar operativa a decisão tomada no último Capítulo Inspetorial de fortalecer os centros de formação profissional no campo, tendo em consideração o fato de as Filipinas continuarem a ser um país fundamentalmente agrícola, com os 75% da população juvenil que vive no campo. Encontrei também uma presença consistente entre os meninos de rua, com três obras significativas. De modo particular destacaria a obra de Tondo, verdadeiro “slum”, um dos bairros mais pobres, populosos e populares de Manila, onde a presença salesiana é sinal de esperança e de vida. Confesso que me emocionei profundamente ao ver a vontade de viver dessa gente, a capacidade de acreditar no próprio futuro, enquanto se sabe acompanhada e benquista pelos nossos irmãos salesianos e irmãs salesianas.

Na Inspetoria de Cebu comecei a visita na primeira casa salesiana das Filipinas. Victorias, na ilha de Negros, presença muito próxima à diocese que foi confiada ao ex-inspetor padre Patrick Buzon, consagrado em 19 de fevereiro passado.

Também nessa inspetoria a presença em favor dos meninos de rua e da população mais abandonada é significativa.

Visitando o oratório de Pasil, num dos bairros mais pobres de Cebu, dei-me conta do trabalho fecundo que os irmãos realizam entre os meninos, e de como está bem desenvolvida a religiosidade entre aquela gente, embora seja ainda preciso fazer muito do ponto de vista da promoção social. É uma obra bastante semelhante à de Tondo. Ver os nossos irmãos nesses lugares, o que fazem com os jovens e pelos jovens, nos liga às nossas humildes origens e nos garante o sucesso que é fruto da fidelidade. Não vos escondo que entre eles me senti orgulhoso de ser salesiano!


Algumas considerações

Impressiona, por um lado, a imensa religiosidade popular do povo filipino; de certo modo é uma expressão inculturada da fé, que, entretanto, ainda precisa ser evangelizada até atingir maior unidade entre fé e vida. Por outro lado impressiona constatar na juventude certa perda de identidade cultural. Pareceu-me que o povo filipino tem uma rica raiz cultural, mas ao mesmo tempo se sente muito condicionado pelo modelo de vida ocidental.

A presença maciça dos jovens nas nossas obras e sua abertura disponível à proposta religiosa, causa certamente satisfação, mas faz também refletir sobre o porquê da atual escassez de vocações. Basta pensar que este ano há apenas cinco noviços: um da Inspetoria de Manila, dois da Inspetoria de Cebu e dois da China. Creio que se deveria aprofundar a reflexão. A primeira consideração espontânea que surge é a da falta seja de um acompanhamento mais qualificado e propositivo dos numerosos jovens e grupos que, certamente e com espírito de sacrifício, cuidamos nos nossos ambientes, seja de uma proposta muito mais clara, decidida e convincente. Faz-se mister a presença no meio dos meninos, a credibilidade e o testemunho, um ambiente que educa, no qual se respire a salesianidade, uma grande profissionalidade no “management”, mas sobretudo na mística e na espiritulidade do “Da mihi animas”, em suma,  comunidades que amem os jovens e sejam sinais do amor de Cristo para com eles. A vocação implica a proposta, mas é fruto de uma presença atraente, espiritualmente intensa, apostolicamente empenhada. É o que chamamos de Pastoral Juvenil de qualidade. Isso vale, evidentemente, para qualquer inspetoria e para qualquer comunidade.

Não devemos esquecer que as Filipinas – juntamente com o Timor Leste – são o único país católico da Ásia. Este dado confere  à Igreja do país uma grande responsabilidade histórica, que deveria traduzir-se não tanto, ou não antes de tudo, no esforço de converter ao cristianismo os outros países do continente quanto em ser paradigma, modelo de coisa. Significa ser um país católico, rico de valores cristãos.


A visita na Tailândia


Os primeiros dois dias na Inspetoria da Tailândia caracterizaram-se pelas grandiosas celebrações organizadas para o jubileu da presença salesiana, muito bem preparadas tanto as religiosas como as civis, das quais participaram milhares – não exagero! – de meninos. Entre as primeiras, a missa presidida pelo cardeal Michael Kitbunchu no dia da Festa de São Francisco de Sales. Entre as segundas, a que teve como cenário o estádio coberto de Bangcoc, com uma participação de mais de 8 mil jovens, representando 22 escolas que os grupos da Família Salesiana dirigem na capital: Salesianos, Filhas de Maria Auxiliadora, Irmãs do Imaculado Coração de Maria, Filhas da Realeza de Maria, estas últimas fundadas, as primeiras por dom Pedro Carretto, e as segundas pelo padre Carlos Della Torre.

Deve-se salientar esse testemunho de sinergia e de colaboração de toda a Família Salesiana, na qual se destaca, sem mais, o envolvimento muito forte dos ex-alunos, tanto católicos, uma minoria, como budistas. O presidente anterior da Associação dos Ex-alunos era budista, e esteve conosco todos os dias da visita, conhece e ama muito Dom Bosco. É muito empenhado e foi aluno não só na Tailândia, mas também na Austrália, para onde se transferiu como emigrante, lá reencontrando os salesianos.

Na sua fala, o vice-primeiro ministro, também ele ex-aluno e budista, fez um elogio extraordinário de Dom Bosco – e suas palavras têm um significado ainda mais forte justamente porque provêm de um não-católico – e da contribuição dada pelos salesianos em sentido amplo ao desenvolvimento da sociedade tailandesa.

Foi entretanto  o último dia de visita que me deu um quadro efetivo e uma imagem mais completa da história dos salesianos na Tailândia, da influência de sua presença na Igreja e na sociedade, de sua significatividade. Foi um dia que começou muito cedo, de manhã, e se encerrou à noite, quando chegamos ao aeroporto para voltar a Roma. Passamos de uma casa a outra. Pude conhecer melhor a estatura e a importância de dois grandes homens como dom Gaetano Pasotti e dom Pedro Carretto, ambos de grande visão. Assim que chegaram através do rio, haviam-se instalado numa aldeia chamada Bangnokkuek, onde agora se encontra a catedral, e donde a presença salesiana se estendeu a outras cidades do país. Anos depois, com efeito, dom Caretto deu-se conta de que aquele lugar oferecia poucas possibilidades de expansão, também pela limitação territorial do rio, e decidiu mudar o centro da diocese para Ratburi, onde construiu o grande templo dedicado a Dom Bosco e uma escola que hoje tem 10 mil meninos. A coisa talvez mais interessante é que os padres diocesanos aprenderam de dom Carretto a trabalhar no campo da educação. Sinceramente devo dizer que se não tivesse visto pessoalmente quais foram as origens da presença salesiana na Tailândia, a evolução que houve com a conseqüente opção de ir a outras cidades como Bangcoc, Banpong, Sampram e Huya Hin, não teria suficientemente aprofundado o conhecimento da presença na Tailândia, onde encontrei obras de fato muito significativas no campo da educação. Desta vez não pude visitar os irmãos que trabalham com muito zelo em Camboja.


Algumas considerações


Na Tailândia fiquei impressionado sobretudo com o desenvolvimento social e econômico de um país que há apenas trinta anos era muito pobre e atingiu um nível econômico superior ao de muitos países da América Latina. Isso ajuda a compreender o deslocamento de interesse econômico, mas também teológico, da América Latina para a Ásia.

Os grandes centros educativos com escolas como os Technological Training Centres, que tinha visto nas Filipinas, e duas presenças em favor de cegos, uma dirigida pelas FMA e outra pelos SDB, são verdadeiramente significativas. A presença católica na nação é muito reduzida: os católicos são apenas 400 mil, isto é, 0,5% da população, que é na maioria budista. Mas é muito importante a inserção dos católicos em geral, e dos salesianos de modo especial, no tecido da sociedade, sobretudo através da educação.

Nesse contexto creio que os salesianos têm tríplice grande desafio para acolher e enfrentar: antes de tudo a identidade carismática, que se deve cultivar com um conhecimento sempre maior e sempre mais aprofundado de Dom Bosco, o cuidado dos mais pobres, como um elemento que pode tornar-nos mais significativos num contexto budista, também porque se torna uma opção contracultural; e as vocações, das quais depende sempre a vitalidade e o futuro das inspetorias.

Esta primeira experiência no mundo oriental salesiano fez-me compreender sobretudo duas coisas. Em primeiro lugar, o interesse que a Ásia está despertando em nível econômico, social, religioso e teológico. Em segundo lugar, a urgência da questão da inculturação do carisma, que será sempre mais forte e sentida, e que implica de um lado grande identidade cultural, mas de outro uma igualmente grande identidade salesiana. Trata-se de um processo que deve ser absolutamente iluminado e acompanhado. Propus-me escrever uma carta circular sobre o tema.


5. CONCLUSÃO


Concluo esperando ter atendido às expectativas de todos vós, interessados como estais em tudo quanto acontece na Congregação. Nada dela deveria ser indiferente para nós. O Reitor-Mor desenvolve uma tarefa carismática e institucional; é importante que os irmãos estejam informados do exercício de seu papel. A visita às comunidades representa o contato com a vida da Congregação; ela se faz sempre mais rica com a melhor relação que se possa fazer. As reflexões que apresento não querem exprimir um juízo de valor, mas entendem ser uma leitura salesiana da nossa realidade, para iluminar e estimular não somente cada uma das inspetorias mas toda a Congregação.

Ao longo do sexênio, nas cartas familiares sobre a nossa vida, pedidas pelo CG25, penso apresentar cada uma das oito Regiões, porque considero muito importante que todos os salesianos tenham uma visão ampla da Congregação.

Faço votos por que esta partilha produza frutos de crescimento do sentido de Congregação e da co-responsabilidade em todos nós. Estas comunicações ajudam de fato a reforçar a comunhão afetiva e efetiva, a pertença carismática e o espírito de família; justamente por isso, julgo que este gênero de comunicação deveria realizar-se em todos os níveis, inclusive o inspetorial e local.

Comecei esta carta com as palavras de Dom Bosco “perto ou longe penso sempre em vós”. Quero concluí-la garantindo minha permanente lembrança no afeto e na Eucaristia de cada dia.

Enquanto vos escrevo, sopram fortes ventos de guerra e não posso deixar de lembrar as mensagens que me dirigiram os jovens de Bagdá, que sonham um mundo de paz, onde possam também eles desenvolver todas as suas potencialidades e atingir a plenitude de vida. Neste ano do Rosário rezemos pela paz do mundo; con­fiemos a Maria, à Virgem da Anunciação, a graça de trazer-nos a boa nova da paz, que é dom e tarefa, que é “compromisso permanente”, como nos disse João Paulo II na Mensagem para o Dia da Paz deste ano de 2003, que cria as condições melhores para crescer em comunhão e fraternidade. “Façamos de cada família e de cada comunidade ‘a casa e a escola da comunhão’.”

 P. Pascual Chávez Villanueva

1 “Carta de Roma”, Atos do Capítulo Superior da Pia Sociedade Salesiana 1 (1920), n. 1