Nº 379
ano LXXXIII
outubro-dezembro
2002
1. CARTA DO REITOR-MOR
2. ORIENTAÇÕES
E DIRETRIZES
2.1 Padre Antonio DOMENECH O Capítulo
Geral 25, um compromisso para a
comunidade salesiana local ............................. 37
4. ATIVIDADES DO
CONSELHO GERAL
3. DISPOSIÇÕES E NORMAS
Não constam deste número
4.1 Crônica do Reitor-Mor ................................... 43
4.2 Crônica do Conselho Geral ........................... 62
5. DOCUMENTOS E NOTÍCIAS 5.1 Estréia do Reitor-Mor para o ano 2003 ......... 67
5.2 Saudação do Reitor-Mor ao cardeal
Oscar Andrés Rodrigues Maradiaga
na colação do Doutorado Honoris Causa
.....
67
5.3 Palavras do Reitor-Mor na posse
do novo superior da
Visitadoria UPS ............................................. 68
5.4 Orações (coletas) em honra dos
três recentes beatos ...................................... 74
5.5 O novo Conselho Geral ................................. 75
5.6 Novos inspetores ........................................... 80
5.7 Novos bispos salesianos ............................... 88
5.8 Irmãos falecidos ............................................ 92
1.1 Padre Pascual CHÁVEZ VILLANUEVA
“Queridos salesianos, sede santos!” .............. 3
2002 © Editora Salesiana
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Tradução: Pe Fausto Santa Catarina
1. CARTA DO REITOR-MOR
“QUERIDOS SALESIANOS, SEDE SANTOS!”1
Um conjunto de felizes coincidências. – 1. A santidade, permanente patrimônio
de família – 1.1 Na esteira de Dom Bosco – 1.2 A nossa santificação – 2. Educadores
para a santidade – 2.1 A santidade, proposta da educação salesiana – 2.2 Um caminho
educativo à luz da espiritualidade salesiana – 3. A santidade floresce na comunidade
– 3.1 Ecoando o CG25 – 3.2 Estimulados pelos recentes beatos – 4. Convite à
revisão – Os nossos nomes estão escritos no céu – 4.1 Uma homenagem à concretude
– 4.2 Uma revisão que se faz oração
Roma, 14 de agosto de 2002
Vigília da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria
Caríssimos Irmãos,
quatro meses são passados desde o encerramento do CG25,
que foi uma forte experiência espiritual salesiana. Tendes à mão
os documentos capitulares A comunidade salesiana hoje, que –
estando pelo que dizem os irmãos que escrevem – foram bem
acolhidos pelas inspetorias e são objeto de estudo e de assimilação,
com vistas à renovação das nossas comunidades. Colocome
agora em contato convosco por meio desta minha primeira
carta circular.
1 “Discurso de S. S. João Paulo II na audiência aos capitulares de 12 de abril de 2002”.
In: Capítulo Geral 25 dos Salesianos de Dom Bosco, A comunidade salesiana hoje:
documento capitular. São Paulo, Salesiana, 2002, n. 170 (citado de agora em diante
com a sigla CG25).
4
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 5
Escrever cartas foi a forma apostólica empregada por São
Paulo, para superar a distância geográfica e a impossibilidade de
estar presente nas suas comunidades, para acompanhar-lhes a vida.
Com as devidas diferenças, também as cartas do Reitor-Mor entendem
criar proximidade com as inspetorias mediante a comunicação,
partilhando quanto acontece na Congregação e
iluminando a vida e a práxis educativo-pastoral das comunidades.
Escrevo na vigília da Assunção de Maria e a dois dias da
data que lembra o nascimento do nosso querido pai Dom Bosco.
Não vos escondo que muito me agradaria estar perto de vós e
partilhar os vossos trabalhos atuais e os vossos melhores sonhos.
De modo particular, sinto no profundo do coração o desejo de
rezar por cada um de vós. O Senhor vos encha de seu Dom por
excelência, o Espírito Santo, para que vos renove e santifique à
imagem do nosso fundador, que nos foi dado como modelo (cf. C
21). Maria, a aberta ao Espírito, vos ensine a acolhê-lo e deixarlhe
espaço para que vos torne fecundos na missão apostólica e
crentes felizes em Cristo, Palavra do Pai.
É justamente de santidade que vos quero falar hoje, em continuidade
com algumas das minhas intervenções nos últimos dias
do Capítulo, especialmente após a audiência com o santo padre e
a beatificação do senhor Artêmides Zatti, da irmã Maria Romero
e do padre Luís Variara. O objetivo não é tanto produzir um pequeno
tratado sobre a santidade quanto de vo-la apresentar como
dom de Deus e urgência apostólica, oferecer-vos alguma motivação
que vos empenhe na sua prática e aludir à metodologia que a facilite.
UM CONJUNTO DE FELIZES COINCIDÊNCIAS
O fato de ter sido eleito num Capítulo Geral que teve como
tema a comunidade salesiana, lugar da nossa santificação cotidiana,
e que se encerrou “com o dom da beatificação de três membros
da Família Salesiana”2 – um salesiano padre, um salesiano
coadjutor e uma irmã salesiana – impõe-me o tema da santidade
ou, como disse no discurso de encerramento do CG25, do primado
de Deus: “Deus deve ser a nossa primeira ‘ocupação’”.3 Com
o apelo feito no discurso aos capitulares, o santo padre confirmou
com a sua suprema autoridade o objetivo da santidade. Já na mensagem
enviada por ocasião da abertura do Capítulo, nos havia lembrado
que “tender à santidade” é “a principal resposta aos desafios
do mundo contemporâneo”, e que “se trata, em conclusão, não tanto
de empreender novas atividades e iniciativas, mas de viver e
testemunhar o Evangelho, sem compromissos, de modo a estimular
os jovens à santidade”.4 Na audiência quis resumir toda a sua
mensagem no forte convite: “Queridos salesianos, sede santos! É a
santidade – vós bem o sabeis – a vossa tarefa essencial”.5
É um conjunto de coincidências, que me agrada ler não como
casuais – para um cristão nada é casual – mas como inscritas no
plano de Deus, devendo, por isso, ser interpretadas com espírito de
fé: porque, então, não fazer da santidade um programa de vida e de
governo? Era justamente esse o meu propósito quando disse, no
discurso final do Capítulo, que “a santidade é também o objetivo
deste Capítulo, que se encerra com o dom de três novos beatos”.6
Um alvorecer do meu serviço iluminado por tal luz é para
mim um convite mais eloqüente que qualquer estímulo verbal.
Lembra a meta por excelência. É uma mensagem certamente
exigente, porque aponta “a meta mais alta” em sentido
absoluto, mas que abre à esperança e ao otimismo, indicando-
nos muitos irmãos e irmãs nossos que atingiram a colina
das bem-aventuranças. Referindo-nos a eles, nossos consangüíneos
no espírito, podemos dizer, parafraseando a liturgia:
“Não olheis, ó Pai, os nossos pecados, mas a santidade da
nossa Família!”.
2 “O CG25 à Família Salesiana”, 137.
3 “Discurso do Reitor-Mor Pe. Pascual Cháves Villanueva no encerramento do
CG25”, 191.
4 “Mensagem de S.S. João Paulo II para o início do CG25”, 143.
5 CG25 170.
6 CG25 196.
6
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 7
Foi por tais circunstâncias, todas significativamente convergentes,
que pensei dedicar a minha primeira carta a esse tema.
1. A SANTIDADE, PERMANENTE PATRIMÔNIO DE FAMÍLIA
Não daremos nunca suficientes graças a Deus pelo dom dos
santos da nossa Família carismática. A nossa – escrevia-nos o
papa – “é uma história rica de santos, muitos dos quais jovens”.7
Na audiência falou-nos novamente de “numerosos santos e beatos
que constituem a legião celeste dos vossos protetores”.8 O
que está a demonstrar que o carisma salesiano não somente é
capaz de apontar o caminho da santidade, mas também, se vivido,
de atingir sua meta, como de fato já aconteceu com não poucos
dos nossos irmãos e irmãs.
Várias vezes, os meus predecessores detiveram-se
prazerosamente diante de tal panorama.9
Desejo também eu contemplar este nosso “não pequeno grupo
de santos e beatos salesianos”,10 e fazer-vos participantes de
quanto, ao lembrá-los, mais vivamente me interessa.
1.1 Na esteira de Dom Bosco Os nossos santos são certamente “as testemunhas” mais qualificadas
da nossa espiritualidade, porque a viveram e a viveram heroicamente.
Interessa-me de modo particular o fato de que em cada um
deles se encarne um aspecto específico do nosso carisma. Acentuando-
o, eles tornaram-no mais visível, mais luminoso, mais explícito.
Apoderaram-se dele e o aprofundaram, a ponto de se poderem definir
como “aprofundamentos monográficos” do fundador.
Um grupo deles deu até origem a novas congregações religiosas
na Igreja, como ramos brotados no mesmo tronco. Explicitaram, desta
sorte, potencialidades latentes, mas congênitas à semente originária.
Cada um deles destaca-se por uma mensagem particular.
Do conjunto pode extrair-se a visão mais autêntica e mais
completa da nossa experiência espiritual. São notas diversas que
contribuem para formar uma única harmonia. Notas as mais várias:
das mais conhecidas às menos destacadas, pronunciadas quase
em surdina; das, diríamos, mais óbvias às tidas como mais insólitas,
como se fossem estranhas à nossa espiritualidade. Essas
diversas reedições de Dom Bosco, oficialmente reconhecidas pela
Igreja, têm todas elas direito de cidadania entre nós. Apresentam-
no vivo à nossa atenção e ao nosso cuidado. E nós, seus filhos,
herdeiros de tão rico patrimônio, sentimo-nos felizes por
colher nelas este ou aquele dado, que reconhecemos logo como
um dos traços fisionômicos do nosso Pai.
Gostaria de apresentar, à guisa de exemplo, alguns desses traços
do modo original de reproduzir a comum herança de família,
a santidade salesiana.
– Uma espiritualidade que sabe fazer a síntese entre trabalho
e temperança. E lembramos o padre Rua, modelo de rara abnegação,
cujo melhor elogio foi feito por Paulo VI: “Se de fato o padre
Rua se qualifica como o primeiro continuador do exemplo e da
obra de Dom Bosco, será interessante repensá-lo sempre e venerálo
nesse aspecto ascético de humildade e de dependência”.11
7 CG25 143.
8 CG25 171.
9 Lembramos, à maneira de exemplo, algumas intervenções significativas dos últimos
Reitores-Mores sobre os nossos santos e sobre a santidade. Juan E. Vecchi: “Especialistas,
testemunhas e artífices de comunhão”, ACG 363; “O Pai nos consagra e envia”,
ACG 365; “Santidade e martírio no alvorecer do terceiro milênio”, ACG 368; “Rumo
ao Capítulo Geral 26”, ACG 372; “Beatificação do coadjutor Artêmides Zatti: novidade
explosiva”, ACG 376. Egídio Viganò: “Reprogramemos juntos a santidade”, ACG
303; “Dom Bosco santo”, ACS 310; “Padre Rinaldi, genuíno testemunha e intérprete
do carisma salesiano”, ACG 332. Luís Ricceri: “O padre Rua apelo à santidade”, ACS
263.
10 CG25 144. 11 Paulo VI, “Homilia da Beatificação”, em 29 de setembro de 1972.
8
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 9
– Uma espiritualidade que nasce da caridade pastoral, que
consegue fazer-se amar e manifesta a paternidade de Deus.12 E
a lembrança volta-se para o padre Rinaldi: “Quem dele se aproximava
– lemos nos atos do Processo – sentia que se aproximava
de um papai”.13
– Uma espiritualidade que se expressa pela humildade operosa
e que se torna “sinal inequívoco da lógica de Deus, que se
contrapõe à do mundo”.14 Foi esse o exemplo luminoso de Maria
Domingas Mazzarello.
– Uma espiritualidade do cotidiano e do trabalho.15 Nesse
panorama observa-se a identidade laical, tanto a consagrada como
a não consagrada. Quanto ao primeiro grupo podemos pensar logo
nas duas figuras de “bom samaritano”, Simão Srugi e Artêmides
Zatti. Quanto à identidade laical não consagrada, o nosso pensamento
vai à primeira de todas as cooperadoras – Mamãe Margarida
– cuja figura desperta sempre maior simpatia, que floresce
em devoção e em graças.
– Uma espiritualidade que harmoniza contemplação e ação.16
E parece-nos ver o retrato da irmã Maria Romero Meneses, recentemente
beatificada, animadora de trinta e seis oratórios e de
uma série de instituições pastorais que nasciam com inesperada
oportunidade e se tornavam tradições. Ou então Atílio Giordani,
modelo esplêndido de cooperador salesiano, vulcão de iniciativas
entre os seus oratorianos.
– Uma espiritualidade das relações e do espírito de família,
que o reveste todo de alegria.17 E pensamos num dom Cimatti:
“Quando ele aparecia – afirma incisivamente uma testemunha –
até as paredes sorriam.”
– Uma espiritualidade do equilíbrio. E o nosso pensamento
volta-se para o padre Quadrio, ímã irresistível dos seus clérigos,
maravilhoso entrelace de natureza e graça.
– Uma espiritualidade que assume a dimensão oblativa. Basta
ler as biografias do padre Beltrami, padre Czartoryski, padre Variara
para ver como eles fizeram do sofrimento a estrada real de
sua santificação, nele encontrando também – como no caso de
Variara – um novo carisma congregacional. Olhando para Dom
Bosco sofredor, eles chegaram a “desejar” a cruz e a retirar dela
gozo interior.
– Não podemos, por fim, deixar de destacar o grupo já tão
numeroso dos nossos mártires – irmãos, irmãs, e jovens! – cuja
beatificação marcou o fim e o início dos dois séculos. Orgulhosa
por ter mais de cem anos, a Família Salesiana é feliz por ter mais
de cem mártires (hoje são 111),18 e se sente responsável por esse
fato: o martírio, o derramamento cruento do sangue como também
o dom da própria vida no sacrifício cotidiano, é conatural
ao espírito salesiano. Compreenderemos a mensagem de tal dom?
Assumiremos as conseqüências? Na homilia proferida no domingo
11 de março de 2001, quando beatificou 233 márites espanhóis,
32 dos quais salesianos, disse o santo padre: “No início do
terceiro milênio, a Igreja que peregrina na Espanha é chamada a
viver uma nova primavera de cristianismo”.19 Por que não contarmos
também nós com a ajuda inigualável dos nossos mártires
“para encher de esperança as nossas iniciativas apostólicas e os
esforços pastorais na tarefa, nem sempre fácil, da nova
evangelização”?20 Também para nós salesianos deve ser verdade:
Sanguis martyrum, semen christianorum. O sangue dos már-
12 Cf. C 10, 11; CG24 90.
13 Summarium, n. 425.
14 Istituto Figlie di Maria Ausiliatrice, Strumento di lavoro del Capitolo
Generale XXI. Roma, 2002, p. 46.
15 Cf. CG24 97-98.
16 CG23 167-168.
17 Cf. CG23 165-166; CG24 91-93.
18 95 espanhóis, 14 poloneses, 2 na China.
19 João Paulo II, L’Osservatore Romano, 12-13/3/2002, p. 6-7.
20 Idem.
10
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 11
tires é semente dos novos cristãos.21 Não desanimemos, pois,
diante das dificuldades: enfrentamos o futuro em boa companhia!
São estas as pétalas da flor da nossa santidade, que – graças a
elas – se apresenta estimulante e convincente na policromia da
idade, das formas de vida e de serviço, dos tempos, das mensagens,
das etnias, das culturas.
Sob tal diversidade de origem, estados de vida, papel e nível de instrução,
proveniência geográfica há uma inspiração única: a espiritualidade
salesiana. Ela pode ser proposta de forma doutrinal; mas também podese
contar com vantagem mediante as biografias, que aproximam muito
mais seus traços às circunstâncias cotidianas da existência.22
1.2 A nossa santificação, dom e desafio
Os irmãos e as irmãs, que acabamos de lembrar, representam
a santidade já realizada e já fixada para sempre no grau de crescimento
atingido. A nossa santidade, ao invés, está ainda em devir.
Eles trilharam um caminho, chegaram à meta. Conhecendo-lhes
a vida e percorrendo sua estrada, também nós aprendemos como
responder à graça de Deus e ao dom da santidade. Cada um deles
é um exemplo dos diversos percursos de vida salesiana, e do seu
seguro sucesso. Eu me pergunto se – e quando – eles influem no
nosso peregrinar terreno.
Os irmãos e as irmãs, que a atingiram, garantem-nos que a
santidade é possível, mas sobretudo nos mostram caminhos diferentes,
e ao mesmo tempo fascinantes, para conquistá-la. Não
encontraremos nós o mais adaptado às nossas possibilidades, o
mais consoante à nossa situação pessoal, o mais congruente com
o nosso estado de vida? Faço votos por que se cumpra quanto
21 Tertuliano, Apol 50, 13; CCL 1, 171.
22 ACG 368, p. 13.
afirma a nossa Regra de Vida: “Os irmãos que viveram ou vivem
em plenitude o projeto evangélico das Constituições são para nós
estímulo e ajuda no caminho da santificação”.23
Da vida dos nossos santos aprendemos três importantes verdades,
que devemos fazer nossas:
– A nossa santificação é “a tarefa essencial” da nossa vida,
segundo a expressão do papa. Se atingida, tudo estará atingido;
se fracassar, tudo estará perdido, como se afirma da caridade
(cf.1Cor 13,1-8), essência da santidade. Contra a tendência à
mediocridade espiritual, temos necessidade de insistir cada dia
na prioridade dessa meta: a nossa santificação, que outra coisa
não é senão a “medida alta da vida cristã ordinária” indicada por
João Paulo II na Novo Millenio Ineunte.24 “Deus deve ser a nossa
primeira preocupação – lembrei aos capitulares prestes a partir –.
É ele que nos envia e nos confia os jovens... Deus nos espera nos
jovens para dar-nos a graça de um encontro com Ele”.25 Se a
nossa vida é iluminada por esse anseio, ela tem tudo, não obstante
as suas carências. Mas se esse ímpeto se atenua, o nosso caminho
torna-se incolor, e inútil a canseira em percorrê-lo, apesar da aparência
de certa eficiência.
A santificação é dom de Deus. A iniciativa foi e continua
sempre de Deus: a certeza de poder mudar a nossa vida baseia-se
na certeza de já ter sido objetivamente transformados nele, pelo
que a santidade é – para usar as palavras do cardeal Suenens –
“uma assunção, mais que ser uma ascensão”.26
Há uma tentação que sempre insidia todo o caminho espiritual e também
a ação pastoral: pensar que os resultados dependem da nossa capacidade
de agir e programar. É certo que Deus nos pede uma
23 C 25.
24 NMI 31.
25 CG25 191.
26 Cardeal Suenens, Lo Spirito Santo nostra speranza. Roma, Pauline, p. 88.
12
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 13
colaboração real com a sua graça, convidando-nos, por conseguinte, a
investir, no serviço pela causa do Reino, todos os nossos recursos de
inteligência e de ação; mas ai de nós se esquecermos que “sem Cristo,
nada podemos fazer” (cf. Jo 15,5).27
Na santidade procurada resplandece, indiscutível, o primado
de Deus: ela nunca é um projeto pessoal, programado e executado
segundo tempos, metodologias e opções fixados por nós; mais
que um desejo genérico de Deus, é a sua vontade expressa sobre
cada um de nós (1Ts 4,3); pura graça, sempre dom, não podemos
conquistá-la sozinhos, mas também não podemos rejeitá-la sem
sérias conseqüências. Deus nos criou bons, antes, muito bons (cf.
Gn 1,26-31), e nos pensou santos “antes da criação do mundo”
(Ef 1,4); permanece, porém, a nossa parte: podemos ajudar a Deus
a completar em nós a sua obra criadora se o deixamos realizar
seu plano maravilhoso, o mais originário, sobre nós. Não nos
pede demais, mas não espera menos.
– A santidade, para nós salesianos, constrói-se na resposta
cotidiana, como expressão e fruto da mística e da ascese do Da
mihi animas cetera tolle. Dada como garantida a parte de Deus,
fonte de toda santidade, é a nossa resposta que deve ser cotidianamente
estimulada para que, com diz o nosso São Francisco de
Sales, “por abundante que seja a fonte, suas águas entrem num
jardim não segundo a sua quantidade, mas somente segundo a capacidade,
grande ou pequena, do canal pelo qual vos são levadas”.28
De aí, o indispensável recurso à mortificação, ou seja à morte
de tudo o que fecha o nosso ser ao dom; de tudo quanto em nós
coloca Deus em segundo lugar, não merece cuidado nem atenção.
A nossa é uma existência pascal; o caminho para a Páscoa –
bem o sabemos – passa necessariamente pelo Calvário (cf. Mt
16,21-23): foi ressuscitado quem antes havia sido crucificado.
Para o cristão, pois, a mortificação não é o objetivo, mas o meio;
não é meta, mas caminho; não é preciso procurá-la, mas não é
possível evitá-la.
Os nossos santos são um testemunho vivo desse anseio pela santidade
e desse caminho para a vida e para a ressurreição. Vêm-me à
mente, a propósito, algumas expressões da beata Maria Romero:
Tira-me, Senhor, tudo o que até aqui me deste e não mo devolvas
mais para o futuro, mas concede-me a graça de viver cada dia
mais intimamente unida a ti, num ato ininterrupto de amor, de
abandono, de confiança e nunca perder um instante sequer a tua
presença.29
Amar-te, fazer-te amar e ver-te amado, meu Deus adorado, é o
meu único desejo, satisfação, ambição, preocupação e obsessão.30
2. EDUCADORES PARA A SANTIDADE
Já que, como salesianos, não podemos jamais separar a nossa
identidade de religiosos da de educadores, nem a nossa consagração
religiosa da missão apostólica, o discurso sobre a nossa santificação
implica necessariamente a proposta de santidade para os nossos jovens.
Também para nós “o caminho pastoral é o da santidade”.31
O papa quis lembrar-nos que “a nossa santidade constitui a
melhor garantia de uma evangelização eficaz, porque nela está o
testemunho mais importante a ser oferecido aos jovens destinatários
das nossas várias atividades”.32 As palavras do santo padre
27 NMI 38.
28 Tratado do amor de Deus, livro II, cap. 11.
29 D. Grassiano, Con Maria tutta a tutti come Don Bosco, p. 228.
30 Idem, p. 417.
31 NMI 30. “Apontar a santidade permanece mais do que nunca uma urgência da pastoral”
(ivi).
32 CG25 170.
14
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 15
parecem uma paráfrase de quanto afirmam as nossas Constituições
no artigo antes citado: “O testemunho dessa santidade, que se realiza
na missão salesiana, revela o valor único das bem-aventuranças, e
é o dom mais precioso que possamos oferecer aos jovens”.33
Santificar-nos, pois, também com vistas à santificação dos
nossos jovens, crescer no espírito também visando ao crescimento
deles, tornando-nos sempre mais e sempre melhor educadores
de santos, capazes de pôr a santidade como meta explícita dos
nossos programas educativos pastorais é para nós tarefa que nos
compromete. O santo padre colocou esta pergunta: “Pode-se programar
a santidade?”. E respondeu: “Não hesito em dizer que a
perspectiva em que se deve colocar todo o caminho pastoral é a
da santidade”.34 Palavras que deveriam ser particularmente sugestivas
ao nosso coração de educadores.
Educadores atentos e acompanhadores espirituais competentes que sois
– dizia-nos ainda o papa – sabereis ir ao encontro dos jovens que desejam
ver Jesus. Sabereis conduzi-los com suave firmeza para metas
empenhativas de fidelidade cristã.35
Salesianos do terceiro milênio! Sede apaixonados mestres e guias,
santos e formadores de santos, como o foi são João Bosco.36
Dentro de tal programa, a primeira convicção a ser veiculada
é que a santidade é acessível a todos, “o caminho incomparavelmente
superior”37 a ser percorrido. Com efeito, para Paulo o amorágape
é antes do mais o elemento indispensável para a construção
da Igreja, e a sua superioridade brota do fato de que nunca terá
fim e que nos torna semelhantes a Deus que é Amor.
33 C 25
34 NMI 30-31.
35 CG25 141.
36 CG25 143.
37 1Cor 12, 31b.
2.1 A santidade
, proposta da educação salesiana
Todos somos chamados à santidade. É – como sabemos – a
vocação de toda vida humana, que no Batismo se torna idônea
para tal objetivo. “Todos os fiéis de qualquer estado ou ordem
são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”.
38 Paulo VI afirmou que a proclamação da vocação de todos
os batizados à santidade “é o elemento mais característico de todo
o magistério conciliar e, por assim dizer, o seu fim último”.39
João Paulo II, por sua vez, pôde dizer a toda a Igreja na
Novo Millennio Ineunte: “É hora de repropor a todos, com convicção,
esta ‘medida alta’ da vida cristã habitual”.40 É um texto
que ecoa a exortação de São Paulo aos Efésios41 e que o CG23
tinha assumido como orientação, falando da meta da educação
dos jovens na fé: “Fazer crescer os jovens em plenitude segundo
a medida de Cristo, homem perfeito, essa é a meta do trabalho
do salesiano”.42
Isso, que às vezes pode parecer-nos ainda algo extraordinário,
ou não adequado ao nosso tempo, ou não ajustado a todos é,
ao invés, muito apreciado por quem leva a própria vida a sério.
Eis um testemunho que pode ser partilhado por muitos irmãos e
leigos comprometidos seriamente na sua maturidade cristã. “Superei
uma importante etapa espiritual: estou disposto a considerar
a santidade não como um luxo, mas como a única possibilidade
da nossa vida terrena”.43
A nossa proposta educativo-pastoral oferece um caminho de
espiritualidade:
38 LG 40.
39 Paulo VI, Sanctitas clarior, 19 de janeiro de 1969.
40 NMI 31.
41 Cf. Ef 4,13b.
42 CG23 160.
43 Henri d’Hellencourt, Diario di Bordo.
16
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 17
O caminho de educação para a fé revela progressivamente aos jovens
um projeto original de vida cristã e ajuda-os a dele tomarem consciência.
O jovem aprende a expressar um modo novo de ser crente no mundo,
e organiza a vida em torno de algumas percepções de fé, escolhas
de valores e atitudes evangélicas: vive uma espiritualidade.44
Essa proposta exigente desperta nos jovens expedientes
insuspeitados. Não é a mediocridade o atrativo e o anseio do coração
humano, mas a “qualidade alta” da vida. Esta, antes ainda
de ser um imperativo que vem de fora, é uma exigência interior
da natureza humana que, embora ferida pelo pecado, sente o eco
do estado primordial, anterior à culpa original. É dessa santidade
originariamente participada que brotam no homem desejos pungentes
e infinda saudade.
Os que com maior radicalismo caminham nessa direção – os
santos – nos proporcionam profunda e misteriosa saudade, porque
nos remetem às raízes do nosso ser e nos fazem intuir que
todos somos feitos para esse caminho excelente. Seguir essa saudade
é o segredo da verdadeira grandeza e se torna fonte de energias
impensadas.
Isso vale também e sobretudo para os jovens. É próprio de
sua idade sentir o fascínio dos valores penosos, mesmo que depois
– sobretudo hoje – venham a experimentar a própria fragilidade.
Cabe a nós, “educadores da juventude para a santidade”,45
valorizar e ajudar a desenvolver esse anseio, inato em todos eles.
Foi-nos “confiada a tarefa de ser educadores e evangelizadores
dos jovens do terceiro milênio”.46 Não podemos silenciar diante
dos nossos jovens que o fato de aspirar à santidade satisfaz-lhes
as mais profundas aspirações e sacia-lhes o desejo de felicidade.
44 CG23 158.
45 CG25 143.
46 CG25 146.
Seguimos o exemplo de João Paulo II, que, em Toronto, animado
de coragem evangélica disse a eles: “Não espereis ter mais anos
para vos aventurardes ao caminho da santidade! A santidade é
sempre jovem, assim como eterna é a juventude de Deus”.47 Seguiremos,
dessa maneira, o exemplo de Dom Bosco, que estava
convencido de que os jovens podiam ser santos. “Sede acolhedores
e paternos”, exortou-nos ainda João Paulo II, “preparados em
qualquer ocasião para perguntar aos jovens com a vossa vida (o
itálico é meu): Queres ser santo?”.48
Dom Bosco, educador bem-sucedido, não teve medo de apontar
altas metas. Tenhamos, pois, “os olhos fixos em Dom Bosco”.49
Pode-se afirmar que a data de nascimento da santidade de
Domingos Sávio foi marcada pelo sermão que Dom Bosco fez
sobre a santidade acessível a todos. Tomo a liberdade de reproduzir,
embora um tanto longo, todo o texto que nos foi transmitido
pelas Memórias Biográficas, porque nos faz ver, por um lado,
a genialidade educativa de Dom Bosco que sabe propor “uma
medida alta” também aos seus meninos, e, por outro, a
cotidianidade do modelo de santidade que a torna possível de ser
proposta a todos.
Dom Bosco, num desses domingos, fazia um sermão sobre o modo de
ser santos e desenvolveu mais detidamente três pensamentos: é vontade
de Deus que todos sejamos santos; é muito fácil chegar a tanto; um
grande prêmio está preparado no céu para quem se faz santo. Essas
palavras causaram grande impressão no ânimo de Sávio, que dizia depois
a Dom Bosco:
47 João Paulo II, “Discurso durante o encontro no Downsview Park – Toronto”,
L’Osservatore Romano, 29-30 de julho de 2002, p. 5.
48 CG25 143.
49 CG25 146.
18
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 19
– Sinto um desejo, uma necessidade de ser santo; eu não pensavam
que poderia ser santo com tamanha facilidade; mas agora que compreendi
que isso pode realizar-se mesmo continuando alegre, quero absolutamente
ser santo.
Dom Bosco animou-o no seu propósito, mostrou-lhe como Deus queria
dele em primeiro lugar uma constante e moderada alegria; e recomendou-
lhe que participasse sempre do recreio com seus
companheiros. Ao mesmo tempo proibiu-lhe qualquer penitência rígida
como também orações muito prolongadas, porque não compatíveis
com sua idade e saúde nem com suas ocupações.
Sávio obedeceu, mas um dia Dom Bosco encontrou-o todo aflito, que
ia exclamando:
– Pobre de mim! Estou realmente confuso. Nosso Senhor diz que se
não faço penitência não irei para o céu; e eu estou proibido de fazê-la.
Que paraíso terei, pois?
– A penitência que o Senhor quer de ti, disse-lhe Dom Bosco, é a
obediência. Obedece e para ti basta.50
2.2 Um caminho educativo à luz da espiritualidade
salesiana O texto supracitado evidencia que a santidade é um processo
que se desenvolve dentro de uma experiência espiritual. Esta
é como clima, estrada, nutrimento. Uma espiritualidade é um
caminho particular e concreto para a santidade. Nós temos a
nossa espiritualidade juvenil. Trata-se de uma espiritualidade
que coloca os jovens no centro, mas se destina a todos, sobretudo
aos mais pequenos e necessitados. Hoje gozamos de uma
suficiente visão sistemática de tal espiritualidade, graças aos
estudos até agora realizados. Basta pensar em quanto disseram
o CG23, o CG24 e o padre Vecchi, que fez dela objeto de um
50 MB V, p. 209.
curso de exercícios espirituais e dela falou também nos diversos
encontros do Movimento Juvenil Salesiano.51
Será útil recordar seus traços essenciais:
– Uma espiritualidade do cotidiano. Agrada-me sublinhar o
espaço privilegiado conferido ao humilde cotidiano, porque foi
essa uma nota predileta de Dom Bosco. “Dom Bosco por toda a
vida encaminhou os jovens pela estrada da santidade simples,
serena e alegre, juntando numa única experiência vital o ‘pátio’,
o ‘estudo’ e um constante sentido do dever”.52
Ele jamais nutriu simpatia por gestos excepcionais. Apontou,
ao invés, aos seus meninos a via régia do próprio dever, convencido
de que, se abraçado com amor e alegria, ele contém todo
o necessário para crescer espiritualmente. Bem sabemos que tal
predileção vinha-lhe de longe. Referindo-se a são Francisco de
Sales – um apóstolo do chamado universal à santidade, de qualquer
categoria e idade – gostava de destacar a preferência por
aquilo que Deus nos dá, mais que por aquilo que nós mesmos
escolhemos. Aquele “nada pedir e nada recusar” possui um conteúdo
pedagógico e uma sabedoria teológica realmente preciosos.
A insistência no amor, que é como o conteúdo em relação ao
continente (para nós às vezes tão atentos às formas em prejuízo
da substância), foi a mesma insistência de Dom Bosco educador.
– Uma fina sabedoria pedagógica. Quanto à proposta de santidade,
Dom Bosco demonstrou-se um verdadeiro pedagogo, um
mestre. Diz explicitamente a palavra santidade àquele menino,
Domingos Sávio, que já era capaz de compreendê-la, porque ele
próprio já a havia pronunciado. A Miguel Magone, ao invés, na
estação de Caragnola diz: “Escuta, vem ao oratório. Lá poderás
estudar, brincar e encontrarás companheiros”.
51 Cf. Juan Vecchi, Andate oltre: temi di spiritualità giovanile. Torino, Elledici, 2002.
No Brasil, esse movimento é chamado de “Articulação Juvenil Salesiana”.
52 CG23 166.
20
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 21
Isto significa que é importante que nós educadores saibamos
que há um caminho feliz de santidade capaz de satisfazer as expectativas
de um coração juvenil, e, então, saibamos, com oportunas
palavras, propô-lo a cada menino do nosso oratório, centro
juvenil ou escola. Poderá acontecer que num grupo de jovens
oratorianos falemos expressamente da santidade ou da vocação,
certos de que haverão de compreender. Em outros casos, se deverá
partir do começo, desestruturando a mentalidade, purificando
as imagens falsas de Deus ou destruindo os ídolos que criaram e
estão procurando reproduzir na sua vida.
A coisa mais importante é que, como educadores, estamos
conscientes de que Deus chama todos à santidade, isto é, a uma
resposta jubilosa a ele, e que ela é um caminho possível de percorrer,
sabendo depois que deveremos acompanhar os meninos,
a partir da situação em que os encontramos: “os percursos da
santidade são pessoais”.53 Por isso é necessária uma verdadeira
pedagogia da santidade, que seja capaz de adaptar-se aos ritmos
de cada pessoa individualmente;54 como salesianos deveremos
refletir sobre ela, e experimentá-la na prática do acompanhamento.
55 Lembremos que o primeiro passo de Dom Bosco foi convidar
os meninos a irem no domingo ao oratório para se divertirem
com muitos outros colegas. Era o seu primeiro apelo à “santidade
da alegria” e à vida santa.
Dom Bosco intuiu, desde os primeiros anos do seu sacerdócio,
a possibilidade de acompanhar os jovens para a plenitude da
vida cristã, proporcionada à idade deles, com um tipo de
espiritualidade juvenil organizada em torno de algumas idéiasforça
abertas à fé, tributárias, sem dúvida, do seu tempo, mas
também proféticas e levadas adiante com ardor e genialidade
pedagógica. Fator decisivo dessa genialidade foi, justamente, a
53 NMI 31.
54 Idem.
55 Cf. idem.
capacidade de envolver os jovens na aventura e torná-los os primeiros
beneficiários e ao mesmo tempo verdadeiros protagonistas.
Os próprios jovens ajudaram Dom Bosco “a iniciar, na
experiência diária, um estilo de santidade nova, na medida das
exigências típicas do desenvolvimento do menino. Foram assim,
de alguma maneira, contemporaneamente discípulos e mestres”.56
A nossa santidade é uma santidade para os jovens e com os jovens;
porque também na procura da santidade, “os jovens e os
salesianos caminham juntos”.57 Ou nos santificamos com eles,
caminhando e aprendendo com eles, ou jamais seremos santos.
As etapas desse caminho já foram definidas com clareza. O
CG23, sobretudo, no-las apresentou de maneira sintética e assaz
estimulante, convidando-nos a organizar a vida dos jovens em torno
delas e a insistir nelas com escolhas de valores e atitudes evangélicas.
Eu vo-las recordo, pedindo com insistência que tenhais à
mão o documento, para um comentário mais aprofundado:58
• uma base de realismo prático centrado no cotidiano, que é
o lugar onde se reconhece a presença de Deus e se descobre a sua
incansável operosidade, como já lembrei antes. “Na experiência
salesiana esta é uma intuição jubilosa e fundamental ao mesmo
tempo: não há necessidade de nos apartarmos da vida ordinária
para procurar o Senhor”.59 Por isso, Dom Bosco falava muitas
vezes do “sentido religioso do dever” em cada momento do dia.
• uma atitude de esperança, impregnada de “alegria”. “Quero
ensinar-vos – tais as suas primeiras palavras no Giovane Provveduto
– um modo de vida cristã que vos possa... tornar alegres e contentes”.
60 Oferecer aos jovens a possibilidade de experimentar a vida
56 CG23 159.
57 CG25 145.
58 Cf. CG23 158-180.
59 CG23 162.
60 João Bosco, Il Giovane Provveduto. OPERE EDITE, vol. XXVI, p. [5]. Cf. MB III, p. 9.
22
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 23
como festa e a fé como felicidade é, decerto, um
estilo de santidade [que] poderia surpreender alguns peritos em
espiritualidade e em pedagogia, preocupados com que venham a diminuir
as exigências evangélicas e os compromissos educativos. Para
Dom Bosco, porém, a fonte da alegria é a vida da graça, que empenha
o jovem num difícil tirocínio de ascese e bondade;61
• uma amizade forte e pessoal com o Senhor Ressuscitado
(cf. C 34), “Aquele que dá ao homem a possibilidade de reencontrar
sua identidade na mesma medida de Deus”.62
Porventura Cristo não é o segredo da verdadeira liberdade e da alegria
profunda do coração? Não é Cristo o maior amigo e ao mesmo tempo
o educador de toda amizade autêntica? Se Cristo for apresentado com
seu verdadeiro rosto, os jovens reconhecem-no como uma resposta
convincente e conseguem acolher sua mensagem, ainda que exigente e
marcada pela Cruz.63
“Em contato com o Senhor Ressuscitado, os jovens renovam
um amor mais intenso pela vida”;64 chegados a uma relação de
estreita amizade, que ultrapassa a simples admiração e a simpatia
inoperante, aprofundam o conhecimento e a adesão à pessoa
de Cristo e à sua causa, se abrem ao radicalismo evangélico e
respondem com empenho e generosidade.
Para conduzir a essa relação amigável requer-se oração pessoal,
centrada na escuta da Palavra, para ajudar a amadurecer “a
visão da fé, aprendendo a olhar a realidade e os acontecimentos
com o mesmo olhar de Deus, até se chegar a ter ‘o pensamento
61 CG23 165.
62 X Simpósio dos Bispos da Europa. Mensagem final, 2, a.
63 NMI 9.
64 CG23 168.
de Cristo’ (1Cor 2,16)”.65 Dom Bosco pensou numa “pedagogia
da santidade”, na qual se privilegia “o influxo educativo da Reconciliação
e da Eucaristia”;66 elas, com efeito, “oferecem recursos
de valor excepcional para a educação da liberdade cristã, da
conversão do coração e do espírito de partilha e de serviço na
comunidade eclesial” (C 36);
• um sentido, cada vez mais responsável e corajoso, de pertença
à Igreja, tanto particular como universal. Apoiados pelo
relacionamento que nasce entre pessoas que encontram em Cristo
o amigo comum e o único Salvador, “os jovens dos ambientes
salesianos sentem grande necessidade de estar juntos”,67 de formar
comunidade e tornar-se “sinal eficaz da Igreja que se quer
construir juntos”.68
Que significa isso concretamente? [...] Significa, em primeiro lugar,
ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade, que habita
em nós e cuja luz deve ser percebida também no rosto dos irmãos
que estão em nosso redor... Significa, além disso, capacidade de sentir
o irmão de fé [...] como “alguém que faz parte de mim”, para saber
partilhar suas alegrias e sofrimentos, para intuir seus desejos e atender
às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda
amizade;69
• um “empenho” concreto e operante de bem, segundo as
próprias responsabilidades sociais e as necessidades materiais e
espirituais dos outros. Ajudai os jovens, pediu-nos o papa, “a
65 Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica,
Partir de Cristo: um renovado compromisso da vida consagrada para o terceiro
milênio. Vaticano, 2002, n. 24.
66 CG23 173.
67 CG23 169.
68 CG23 170.
69 NMI 43.
24
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 25
serem, por sua vez, apóstolos dos seus amigos e coetâneos”.70 “A
história dos jovens no Oratório, quando Dom Bosco vivia, é rica
desse aprendizado da vida cristã: estar a serviço dos outros de
maneira ordinária e em formas por vezes extraordinárias.”71 O
serviço ao irmão mede o caminho da santidade pessoal, e esta,
diante de tantas dificuldades, desperta
uma nova “criatividade da caridade”, que se manifesta não tanto nem
somente na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de estar
próximos, solidários com quem sofre, de modo que o gesto de ajuda seja
sentido não como óbolo humilhante, mas como partilha fraterna.72
• “A espiritualidade juvenil salesiana dá um lugar privilegiado
à pessoa de Maria”,73 cuja presença materna domina o processo
no seu conjunto e inspira cada uma de suas etapas. “Ela
representa ao vivo o caminho fadigoso e feliz de cada homem e
da humanidade com vistas à própria realização. Nela, os caminhos
do homem se cruzam com os de Deus. É, pois, uma chave
interpretativa, um modelo, um tipo e um caminho.”74 Nossa Senhora,
com efeito, tem uma energia educativa excepcional dos
filhos de Deus e dos discípulos do Senhor Jesus: onde está a mãe
de Jesus, os discípulos tornam-se crentes (Jo 2,1-11) e conseguem
ser fiéis (Jo 19,25-27).
3. A SANTIDADE FLORESCE NA COMUNIDADE
Terminamos há pouco um Capítulo inteiramente centrado no
tema da comunidade. Relendo sinteticamente o percurso feito
70 CG25 145.
71 CG23 179.
72 NMI 50.
73 CG23 177.
74 CG23 157.
em dois meses de trabalho, eu indicava o caminho comunitário
traçado dentro dos cinco módulos operativos:
A comunidade salesiana é o sujeito principal, ao qual este texto se
dirige. Assumindo-o, ela é convidada a acolher o chamado que Deus
lhe dirige por meio dos acontecimentos históricos e eclesiais, das indicações
da Palavra de Deus e da nossa Regra de vida, dos apelos dos
jovens, das necessidades dos leigos e da Família Salesiana. A comunidade
aprofunda, a seguir, a leitura da própria situação, descobrindo as
disponibilidades e as resistências, os recursos e as carências, as possibilidades
e os limites. Aprende ainda a reconhecer os desafios fundamentais
e a enfrentá-los com coragem e esperança; sabe também
interrogar-se com perguntas apropriadas e buscar as respostas. Finalmente,
a comunidade se confronta com as orientações operativas propostas
e determina as condições para traduzi-las em prática.75
3.1 Repercutindo o CG25
A comunidade é deveras berço e crisol da nossa santificação.
Gostaria de sublinhar que santidade comunitária e santidade individual
iluminam-se reciprocamente. Se é justo esperar comunidades
que facilitam e apóiam os próprios membros na busca
incessante de Deus, é também verdade que são os membros individualmente
que com sua santidade pessoal permitem atingir juntos
tal objetivo.
O padre Vecchi falou muito bem sobre isto quando, na sua conhecida
carta “Peritos, testemunhas e artífices de comunhão”, descrevia
a comunidade de Valdocco como o nosso modelo comunitário:
É uma comunidade de forte carga espiritual, caracterizada pelo Da mihi
animas. Dom Bosco forja seus primeiros colaboradores com simplicidade
75 CG25 184.
26
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 27
e concretude segundo o programa: trabalho, oração, temperança.
Pede-lhes que façam um “exercício de caridade” em favor do próximo.
O amor a Jesus Cristo e a confiança na sua graça inspiram a
preocupação pelo bem dos meninos, a partir das suas necessidades
humanas e espirituais. Os mais abandonados são ajudados a tomar
contato com Deus e com a Igreja, e os que demonstram particulares
disposições são explicitamente orientados para a santidade. Tornase
quase sensível a proximidade de Deus e a presença de Maria
Santíssima.76
A missão educadora e evangelizadora em favor dos jovens
levou Dom Bosco a criar uma escola de espiritualidade, na qual
“a santidade era construída conjuntamente, partilhada,
comunicada reciprocamente, tanto que não se pode explicar a
santidade de uns (a dos jovens) sem a dos outros (a dos
salesianos)”.77 E o padre Vecchi continua:
Construir e gozar desse clima de “santidade” partilhada é um empenho
dos consagrados. A comunidade é lugar de uma experiência
de Deus. Tudo foi pensado e predisposto para isto. “A vida espiritual
deve estar em primeiro lugar no programa das Famílias de vida
consagrada... Dessa opção prioritária, desenvolvida no compromisso
pessoal e comunitário, dependem a fecundidade apostólica, a generosidade
no amor pelos pobres, o próprio atrativo vocacional para
as novas gerações” (VC 93).78
O CG25 retomou o tema, de maneira muito específica, no
segundo módulo “Testemunho evangélico”, sublinhando a primazia
de Deus, o seguimento de Cristo e a graça da unidade:
76 ACG 363, p.17.
77 CG24 104.
78 ACG 363, p. 23-24.
Vivemos essa opção na certeza de que ela concorre para construir um
modelo alternativo de humanidade e de família humana, na perspectiva
da esperança cristã. Respondemos assim ao dom de Deus com um
caminho comunitário e pessoal de santidade em direção à plena maturidade
de Cristo, por meio do qual nos tornamos sinal e profecia dos
valores últimos do Reino de Deus, no espírito das bem-aventuranças.79
Vista sob essa luz, talvez a melhor leitura da expressão “a
comunidade é o lugar privilegiado de formação permanente”
poderia ser feita reformulando-a da seguinte maneira: “a comunidade
é o lugar privilegiado do crescimento na santidade”,
para fazer entender o significado mais profundo do que é
realmente para nós a comunidade e o que se entende por formação
permanente.
3.2 Estimulados pelos três recentes beatos
Se lançarmos ainda uma vez nosso olhar sobre nossos santos,
veremos logo como se impõe a contribuição que ofereceram à
comunidade na qual a obediência os colocou. A exemplificação
seria muito abundante. Limito-me aos últimos nossos três beatos
para evidenciar as notas originais de cada um, convergentes para
o objetivo de edificar a comunidade: são “três esplêndidos modelos
de santidade, [que] queremos viver nas nossas comunidades
de hoje”.80
O beato Artêmides Zatti
Embora ocupado num trabalho que poderia distraí-lo da vida
comunitária, ele foi descrito com um dos que mais nela partici-
79 CG25 25.
80 CG25 168.
28
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 29
pava. A começar pela sua presença pontual nos atos comunitários.
Extraio da “Positio” para a Causa de Beatificação:
Muitas vezes na comunidade quem cuida de pessoas externas se
afasta dos próprios irmãos. Zatti, ao invés, estava intimamente integrado
na sua comunidade. Estava infalivelmente presente nas práticas
de piedade, na mesa e nas reuniões. Cuidava, como enfermeiro,
de irmãos e jovens. Era sobretudo um elemento de união espiritual
e fraternidade.81
Era fonte de otimismo e serena alegria entre os irmãos, antes
de o ser entre os seus doentes. Foi intermediário excelente entre a
instituição salesiana e as categorias dos leigos: médicos, enfermeiros.
Em suma, sentiu-se membro da comunidade, mesmo nos
momentos em que outros poderiam sentir-se traídos, como quando
foi demolido o hospital. Lemos, com efeito, na carta à irmã
Ildegarda em Bahia Blanca:
Tendo sido demolido o hospital no centro, ao lado da Igreja, para dar
lugar ao palácio episcopal, fomos transferidos de corpo e alma para a
Escola Agrícola, onde nos encontramos como num paraíso terrestre,
e quando forem feitos os trabalhos projetados e que nestes dias irão
começar, não haverá hospital nem santuário que nos supere!!! Seja
dado a Deus o mais cordial agradecimento.82
O beato Luís Variara
Fez das dificuldades asas para voar. E infundiu esse espírito
nas suas irmãs. É exemplar ver a atitude diante das adversidades,
tanto que o beato chama paraíso o que o inspetor
81 Positio, p. 253.
82 Positio, p. 182.
chama pequeno inferno, e ele diz que está muito bem, quando,
naquele mesmo dia, o seu diretor escrevia ao inspetor mostrando
preocupação com a sua saúde e, além disso, porque em
Agua de Dios continuavam encontros entre armados. Escreve
o padre Variara:
Os trabalhos prosseguem lentamente porque não se encontram operários.
Passaram quinze dias sem progresso e depois veio a chuva.
Os operários que permanecem têm tanto medo que, ao cair das folhas,
põem-se em fuga... e assim vai-se para a frente... Aqui todos
bons, contentes, parece até um paraíso. O Senhor nos ajude com suas
bênçãos, porque com este trabalho não descansa um momento. Nunca
me senti tão contente por ser salesiano como neste ano e bendigo
o Senhor por haver-me mandato a este leprosário, no qual aprendi a
não me deixar roubar o céu. O Sagrado Coração me abençoe sempre
e eu farei o possível por contentá-lo.83
Sem dúvida, a prova máxima chegou justamente quando recebeu
a ordem de deixar Agua de Dios; ele demonstrou, então,
que sabia renunciar a si mesmo para conformar-se à vontade de
Deus. Foi naquela circunstância que confiou a um irmão: “Olha,
José Joaquim, para mim seria a morte ir embora de Agua de
Dios, mas obedecerei”.84 E efetivamente obedeceu à ordem do
seu superior.
O padre Variara foi fundador, continuando a ser salesiano;
dois papéis que poderiam parecer contrastantes, com tentações
de assumir atitudes autônomas. Mas ele foi sempre fiel
ao seu diretor e ao seu inspetor, do qual, aliás, provinham as
maiores incompreensões.
83 Positio, p. 88.
84 Positio, p. 151.
30
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 31
A beata Maria Romero
Suas muitas atividades nunca se transformaram em álibi em relação
à vida comunitária. Demonstrou desde o noviciado possuir
um dom que se revelaria muito útil para a dimensão comunitária:
a visão positiva de todas as irmãs.
Dizia à irmã Ana Maria:
Como eu era feliz no noviciado. Todas as irmãs me pareciam santas,
sobretudo a minha madre mestra... Quanto lhe devo! Que alma pura,
observante da pobreza, delicada e compreensiva. Quando a lembro,
vejo-a como uma verdadeira santa: o seu porte digno, o recolhimento
refletiam a sua contínua união com Deus. Os seus conselhos expressavam
o que ela própria praticava. Impressionava o seu falar sempre tão
correto, o domínio de si, a sua piedade. Sempre sorridente e amável,
não deixava, todavia, passar nada em nós que não fosse como devia
ser. O seu exemplo era uma escola.85
Com uma visão assim, podemos imaginar como se relacionava
com todas as irmãs.
4. CONVITE À REVISÃO
Partimos da jubilosa certeza de que somos todos chamados à
santidade. Aplicamo-la a nós, para que a nossa responsabilidade
se sinta interpelada. Aplicamo-la aos jovens, porque, como educadores,
podemos apontar-lhes esta meta, por árdua que seja,
convencidos de que oferecemos um programa de bem-aventurança
que poderá ajudá-los a fazer escolhas e projetos de vida.
Aplicamo-la, enfim, à comunidade: lugar imprescindível no qual
se realiza o processo da nossa santificação, convencidos como
85 D. Grassiano, Con Maria tutta a tutti come Don Bosco, p. 40-41.
estamos de que “o futuro da nossa vitalidade se joga na nossa
capacidade de criar comunidades carismaticamente significativas
hoje”, e que “a condição de fundo é o renovado compromisso
da santidade”.86
Repito aqui o que disse no encerramento do Capítulo Geral:
A santidade é o caminho mais exigente que queremos realizar juntos
nas nossas comunidades; é ‘o dom mais precioso que podemos oferecer
aos jovens’ (C 25); é a meta mais alta que devemos propor com
coragem a todos. Somente num clima de santidade vivida e experimentada,
os jovens terão a possibilidade de fazer escolhas corajosas
de vida, de descobrir o plano de Deus sobre o seu futuro, de apreciar e
acolher o dom das vocações de especial consagração.87
Os nossos nomes estão escritos no céu
Convido-vos agora a fixar os olhos naqueles que souberam
voar mais alto. Temos um céu estrelado acima de nós. Olhandoo,
podemos todos dizer em verdade que também os nossos nomes
estão escritos no livro da vida (cf. Ap 13,8; 17,8). À sua
imitação, tornemo-nos educadores propositivos na condução dos
jovens pelas veredas da montanha da santidade, profeticamente
voltados para aqueles que parecem ser os mais refratários.
4.1 Uma homenagem à concretude
Tem um valor pedagógico o forçar-nos a um toque de realismo
e o submeter-nos a alguma pergunta concreta, que desça ao nível
da vida cotidiana e interpele diretamente a nossa experiência. Foi
assim que fizemos no último Capítulo Geral; de fato, em cada um
86 CG25, “Apresentação”, p. 20.
87 CG25 196.
32
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 33
dos módulos operativos são propostas perguntas às quais se deve
dar resposta. É um modo para fazer com que a comunidade tome
consciência da própria situação, reconheça os desafios e aprenda a
encontrar com coragem e esperança as respostas justas.
Quereria que o tema da santidade, como o das próximas cartas,
fosse motivo de uma revisão de vida, para favorecer-lhe mais
concretamente a assunção e a aplicação. Pode-se fazer isso individualmente
ou também comunitariamente. Querendo, e seria
aconselhável, poder-se-ia partir para uma revisão comunitária em
voz alta.
Tentarei apresentar algumas perguntas mais diretamente ligadas
a quanto foi dito anteriormente:
Santidade e projeto pessoal de vida
• Sinto-me chamado por Deus e pelos jovens a ser santo? Se
abandonei esse projeto de Deus, quais foram as razões? Se
continuo a desejá-lo, que faço para realizá-lo?
• Qual é a minha atitude diante do quadro dos santos da nossa
Família? Que relação mantenho com esses modelos de Família?
Conheço-os suficientemente?Inspiro-me na sua vida?
Santidade e vida comum
• Estou convencido de que “o primeiro serviço educativo que os
jovens esperam de nós é o testemunho de uma vida fraterna”,88
que “é a eloqüência da santidade que torna fecunda a nossa
missão”,89 e que, enfim, a santidade “é o dom mais precioso que
podemos oferecer aos jovens” (C 25)? Como fazer para que a
santidade seja objetivo privilegiado no projeto de vida comum?
88 CG25 7.
89 Istituto Figlie di Maria Ausiliatrice, Strumento di lavoro del Capitolo Generale XXI.
Roma, 2002, p. 48.
• Na comunidade em que me encontro faz-se memória dos nossos
santos? Valoriza-se a sua data em chave pastoral? Há alguma
iniciativa de atualização a respeito?
Santidade e missão apostólica
• Como valorizo essas “palavras de fogo” no meu serviço
educativo-pastoral? E, de modo particular, na minha atuação
entre os jovens?
• Acredito que a santidade, isto é, uma medida alta de vida cristã, é
a meta à qual Deus chama cada menino? Falo disso aos jovens
com palavras oportunas e propostas concretas e adequadas?
4.2 Uma revisão que se faz oração
“Queridos salesianos, sede santos!”. “Sede apaixonados mestres
e guias, santos e formadores de santos, como foi São João
Bosco”. Acolhamos o convite do papa, ao mesmo tempo que
confiamos a esses profetas do futuro, os santos, o momento póscapitular
que estamos a viver e do qual esperamos poder retirar
um impulso forte para um futuro melhor, no qual resplandeça
com mais transparência o primado de Deus em nós e partilhemos
com Deus a sua paixão pelo mundo.
“Nada como crer profundamente numa realidade e
acompanhá-la com a oração e o sacrifício, para que ela a pouco e
pouco viva no meio de nós. Assim viveu Dom Bosco!”.90 Contemplando
quanto já fez o Senhor, as maravilhas que operou na
Família Salesiana, podemos imaginar quanto ainda quererá fazer,
se nos encontrar com o ânimo aberto e bem disposto.
Este plano amorável de Deus convida à oração.
90 “Discurso do cardeal Eduardo Martínez Somalo, Prefeito da Congregação
para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica”,
CG25 150.
34
ATOS DO CONSELHO GERAL
CARTA DO REITOR-MOR 35
91 “Escritos de Dom Bosco V: do testamento espiritual de São João Bosco”. In: Constituições
e Regulamentos da Sociedade de São Francisco de Sales. São Paulo, 1985,
p. 252-255.
Meu Senhor e meu Deus! Obrigado pela vocação para participar de
tua mesma vida divina e pela efusão do teu Amor nos nossos corações.
Quantas maravilhas operaste ao longo da história da humanidade
e da Igreja, suscitando homens e mulheres que atingiram um
grau sublime de maturidade. Fizeste-os florescer também no jardim
salesiano, a começar por Dom Bosco e continuando com o grupo de
santos e santas que fizeram da vocação salesiana um caminho de aperfeiçoamento
no amor, mártires que deram testemunho a Cristo até à
morte cruenta, jovens que encontraram na educação salesiana um
caminho de santidade.
Eu te bendigo, Senhor, pelos irmãos e pelos membros da Família
Salesiana que continuam a crer em ti e se abrem à escuta da tua Palavra
e à ação do teu Espírito. São um sinal do teu amor pelos jovens,
especialmente por aqueles que mais necessidade têm de experimentar
a tua proximidade, a tua preocupação por eles, o teu desejo de que
sejam felizes. Louvo-te pelas vocações que continuas a semear no
campo do mundo, pelas famílias que delas cuidam e pelas comunidades
que as fazem crescer.
Agradeço-te, Pai, porque nos permites viver nesta hora estimulante e
desafiadora da história e nos convidas a avançar para águas mais
profundas e lançar as redes. Quereria que todos os que ouvem este
apelo sentissem um sentido vivo de agradecimento para continuar a
acreditar em nós e a contar conosco, e recuperassem a fé, a esperança
e a coragem para aventurar-se no mar aberto da realidade juvenil
com profundidade de vida.
A constatação da grandeza dos teus dons não esconde os nossos
limites; por eles sinto a necessidade de pedir perdão.
Pesam sobre nós não somente as faltas pessoais mas também as
institucionais, quando, como Congregação, verificamos que nem sempre
fomos capazes de tomar a sério as recomendações que Dom Bosco
nos deixou no seu testamento espiritual: “Vigiai e fazei que nem o
amor do mundo, nem o afeto aos parentes, nem o desejo de uma vida
mais confortável vos levem ao grande despropósito de profanar os
votos sagrados e assim trair a profissão religiosa com a qual nos consagramos
ao Senhor... Façam-se sacrifícios pecuniários e pessoais,
mas pratique-se o sistema preventivo e teremos vocações em abundância...
Quando começarem entre nós comodidades ou riquezas, a
nossa pia sociedade terá encerrado a sua carreira... Não devemos
esquecer que somos feitos para os meninos pobres e abandonados”.91
Deixamo-nos, por vezes, enganar pelo espírito mundano na concepção
e organização da nossa vida pessoal e comunitária. Tem-nos faltado
zelo pastoral e vivemos a missão em tempo parcial, reservando
mais tempo para os nossos interesses pessoais. Temos sido pouco audazes
no propor Cristo aos jovens como valor supremo de sua vida, e
o seu evangelho como caminho para atingir a plenitude. Temos, lamentavelmente,
algumas vezes feito mal aos meninos que nos foram
confiados e em vez de estampar nos seus corações a Tua imagem,
deixamos neles a marca do nosso egoísmo.
Reconheço que algumas vezes as nossas comunidades não tiveram
identidade religiosa e as nossas obras não foram sempre verdadeiramente
educativas e pastorais, e peço perdão com humildade e com
dor. Peço perdão a todos aqueles que desiludimos com as nossas atitudes:
benfeitores, colaboradores, destinatários. Peço perdão, de modo
especial, aos jovens aos quais tenhamos causado algum tipo de mal,
justamente porque são eles a razão de ser da nossa vida salesiana,
porque nos foram confiados por ti, porque nos chamastes em Dom
Bosco para oferecer a eles “casa, pátio, escola e paróquia”. Peço
perdão, enfim, pelo bem que podíamos fazer e não fizemos.
Confiamos em ti, Senhor, na certeza da tua presença e do teu acompanhamento
ao longo da história, assim como conduziste a Congregação
e a Família Salesiana até este momento.
Cremos em ti, esperamos em ti, amamos somente a ti.
36 ATOS DO CONSELHO GERAL ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 37
Maria, Mãe e Mestra, abre-nos à ação do Espírito, tu experiente do
Espírito, para que opere em nós as maravilhas da graça que já operou
nos nossos santos. Assim poderemos ser dignos da vocação a
que fomos chamados e da plenitude de vida que o Pai preparou para
cada um de nós. Amém.
Saúdo-vos com afeto e vos desejo um ano educativo e pastoral
rico de frutos de santidade, para vós e para os vossos jovens.
O Senhor vos acompanhe e abençoe.
P. Pascual Chávez Villanueva
O CAPÍTULO GERAL 25, UM COMPROMISSO PARA A
COMUNIDADE SALESIANA LOCAL
Pe. Antônio DOMENECH
Conselheiro geral para a Pastoral Juvenil
Todas as comunidades e inspetorias estão comprometidas
nestes meses no estudo e aprofundamento do documento do Capítulo
Geral 25.
Fiel às indicações do Reitor-Mor na sua convocação, este último
Capítulo não quis repetir a doutrina, mas oferecer às comunidades
motivações e sugestões para renovar com simplicidade e
clareza sua identidade religiosa nas novas situações e “determinar
as condições ou critérios essenciais que permitam, antes estimulem
a viver de maneira feliz, humanamente significativa, a
nossa fraternidade professada no seguimento de Cristo”.1
Por isso, o Capítulo entregou à Congregação não tanto um
texto doutrinal quanto um instrumento de trabalho, por meio das
cinco fichas ou módulos operativos que o compõem. Neles propõe-
se um caminho de reflexão e de discernimento que, partindo
da Palavra de Deus (veja-se a citação dos Atos dos Apóstolos que
abre cada ficha), convida a descobrir na própria situação e na
social e eclesial o chamado de Deus e as esperanças dos jovens.
A partir desse chamado, a comunidade é convidada a fazer uma
avaliação da própria situação, descobrindo os seus recursos e fraquezas,
para chegar a determinar os desafios fundamentais de
1 J. E. Vecchi, “Rumo ao Capítulo Geral 25”. ACG 372, p. 14.
2. ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES
38 ATOS DO CONSELHO GERAL ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 39
renovação a serem enfrentados com coragem e esperança. O texto
capitular oferece algumas linhas operativas e em cada uma
delas várias sugestões, para que as comunidades escolham as mais
convenientes.
Cabe, pois, a cada comunidade retomar as reflexões e as sugestões
capitulares, a fim de torná-las operativas nas próprias e
específicas situações. Diz o Reitor-Mor: “O primeiro destinatário
do texto capitular é, evidentemente, a própria comunidade, à
qual são oferecidos estes cinco itinerários, para que os estude,
aprofunde e torne operativos”.2
UM CAMINHO PARA SER REALIZADO EM CADA INSPETORIA
Para ajudar as comunidades a realizar esse caminho de reflexão
e aprofundamento, convém que o inspetor com o seu conselho,
com a colaboração da comissão inspetorial para a formação,
pense num plano ou processo concreto de entrega, estudo e aplicação
da reflexão capitular em cada comunidade. Eis alguns aspectos
que merecem atenção nesse processo.
1. Uma entrega significativa a cada irmão do texto
capitular O modo com que se apresenta um texto aos irmãos e às comunidades
pode ajudar muito a compreender-lhe a importância, a abrirse
ao seu conjunto e captar suas linhas fundamentais, a promover o
desejo de o estudar e aprofundar. É, pois, importante estudar com
cuidado especial o momento da entrega do documento capitular,
que pode utilmente compreender os seguintes elementos:
• uma breve mas significativa apresentação da experiência capitular
feita pelo inspetor e pelo delegado ao CG25;
• uma visão de conjunto do conteúdo dos documentos do CG25;
• a apresentação do plano de aprofundamento comunitário pensado
pela inspetoria ao longo deste ano, com as diversas etapas
e intervenções;
• e, por fim, a entrega a cada irmão do texto capitular num ambiente
de oração e celebração.
A entrega faz os irmãos compreenderem que o processo iniciado
pelo CG25 para a renovação da vida comunitária salesiana
não terminou, e agora cabe a cada comunidade, em comunhão
com as outras comunidades da inspetoria, realizá-lo no cotidiano
da própria vida. A esse esforço creio que se possam aplicar ainda
as palavras do Reitor-Mor padre Vecchi na carta de convocação
do CG25, referindo-se à sua preparação:
Que este tempo seja, pois, para as inspetorias um momento de graça,
na verificação da fidelidade à nossa vocação religiosa e comunitária,
na busca de uma maneira mais significativa de viver em comunidade
como “sinal de fé”, “escola de fé” e “centro de comunhão”, como já
nos convidava o CG23.3
2. Um processo de reflexão Ao discutir o tipo de documento que queria produzir, a assembléia
capitular escolheu o esquema que agora temos, por coerência
com o processo de reflexão que havia sido feito pelas
inspetorias na etapa de preparação e também para facilitar o estudo
e a reflexão sobre o tema pelas comunidades no pós-Capítulo.
Pensou-se num texto breve e evocativo, capaz de guiar as comunidades
a realizar em primeira pessoa o processo realizado no Capítulo.
Não se trata, pois, somente de ler o texto, como se fosse um texto
doutrinal, mas de seguir os três pontos de reflexão que o texto sugere:
2 P. Chávez, “Apresentação”. In: Capítulo Geral 25 dos Salesianos de Dom Bosco, A
comunidade salesiana hoje: documento capitular. São Paulo, Salesiana, 2002, p. 16
(citado de agora em diante com a sigla CG25).
3 ACG 372, p. 33.
40 ATOS DO CONSELHO GERAL ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 41
a) Primeiramente, colocar-se em atitude de escuta da Palavra
de Deus e das nossas Constituições, para individuar os elementos
nos quais reconhecemos o chamado de Deus hoje para nós: os
aspectos do nosso patrimônio espiritual e pedagógico que partilharmos
e queremos que inspirem e guiem a nossa vida e a nossa
ação cotidiana.
A citação da Palavra de Deus que precede cada núcleo e lembra
o modelo da primeira comunidade apostólica, e as abundantes
citações das Constituições na primeira parte de cada núcleo,
podem ser para cada comunidade referência e guia para a sua
reflexão nesta fase.
É importante que neste momento a comunidade possa expressar
com suas palavras e partilhar as experiências e convicções
que motivam e guiam as suas opções e os seus esforços.
b) À luz deste chamado, atualizado no hoje da comunidade,
ela lê a sua situação, individuando seus recursos e fraquezas,
olha para a situação dos jovens e do seu mundo, descobrindolhe
as possibilidades e os limites. O texto capitular pode ser
uma guia nessa leitura, que cada comunidade deve fazer no concreto
da sua situação. O importante é que, ao cabo, a comunidade
chegue a descobrir os desafios fundamentais que deve
enfrentar neste momento e que exigem dela uma resposta urgente
e decidida.
No texto do Capítulo, os desafios foram formulados normalmente
em forma de pergunta, porque se desejava convidar as comunidades
a responder a elas.
c) Individualizar os desafios que exigem resposta. A comunidade
deve determinar os passos que se devem dar e as iniciativas
que se devem realizar a fim de caminhar para as metas previstas.
Nas orientações operativas, o documento capitular apresenta
algumas grandes indicações para o caminho e em cada uma delas
muitas sugestões concretas, para que cada inspetoria e comunidade
escolha as sugestões que reputa mais conformes e aderentes
à própria situação e às próprias possibilidades, respeitando os
grandes rumos comuns a todos.
Todo esse processo de reflexão oferecerá certamente à comunidade
material abundante para preparar ou rever o seu projeto
comunitário, um dos instrumentos importantes que o CG25 propõe
às comunidades para a sua renovação.4
A elaboração desse projeto pode ser a meta concreta do processo
de estudo e de aplicação da reflexão capitular em cada comunidade.
3. Acompanhamento por parte da inspetoria
Com seus órgãos de animação e governo – o inspetor com o
seu Conselho, as várias comissões inspetoriais, os diretores etc.
– a inspetoria deve acompanhar e orientar as comunidades no
caminho acima indicado, oferecendo sugestões metodológicas,
promovendo momentos de partilha e intercâmbio e, de modo particular,
orientando-as na elaboração e avaliação dos projetos comunitários
de cada comunidade.
Mas a ajuda mais importante que a inspetoria pode oferecer é
decerto a de criar as condições reais para que cada comunidade
possa viver a fraternidade salesiana com serenidade, profundidade
e de modo significativo para os jovens. Tais condições devem
estar garantidas no Projeto Orgânico Inspetorial que o Capítulo
propõe sejam elaboradas ou avaliadas nos próximos três anos.5
Entre as condições a serem garantidas são importantes:
• a consistência qualitativa e quantitativa da comunidade salesiana,
superando situações comunitárias de fragmentação, de dispersão
e inconsistência numérica;
• a possibilidade de uma vida religiosa fraterna segundo o estilo
salesiano, legível e significativa para os jovens e para os leigos
colaboradores;
4 Cf. CG25 72-74.
42 ATOS DO CONSELHO GERAL ATIVIDADES DO CONSELHO GERAL 43
• a presença entre os jovens, especialmente os mais pobres e necessitados,
vivendo intensamente o Sistema Preventivo;
• a capacidade de agregar outras forças e de despertar vocações
eclesiais, com uma atenção particular à Família Salesiana.
A renovação da vida comunitária salesiana é um longo caminho
para o qual nos orientou o CG25. Nos próximos anos, as
inspetorias deverão orientar suas energias e sua atenção sobretudo
nessa direção, conscientes de que a renovação da vida comunitária
é o primeiro sinal e o primeiro dom pastoral que devemos
oferecer aos nossos jovens: uma casa para eles e com eles. E, ao
mesmo tempo, é o caminho mais urgente para o apoio e o crescimento
vocacional dos salesianos e para tornar-se uma proposta
crível e atraente para os jovens.
Portanto, todos os outros aspectos da nossa vida e ação – a
formação, a atenção aos mais pobres, a evangelização, a presença
entre os jovens etc. – devem ligar-se a esta renovação, como
caminhos para promovê-la ou como fruto e manifestação dela.
CONCLUSÃO
O Reitor-Mor, na apresentação dos documentos do CG25 afirma:
“O futuro da nossa vitalidade depende da nossa capacidade
de criar comunidades carismaticamente significativas hoje. A
condição de fundo é o renovado empenho da santidade”.6 Seguindo
essa linha, sua primeira carta circular é um convite a todos
os salesianos a que sejam santos, como o caminho mais
exigente que queremos realizar juntos nas nossas comunidades:
uma santidade apostólica, segundo o estilo vivido e transmitido
por Dom Bosco. Na sua carta, o Reitor-Mor oferece-nos abundantes
indicações para aprofundar este estilo salesiano de santidade
e para traduzi-lo em prática em nossas comunidades.
5 Cf. CG25 82.
6 CG25 p. 20.