251-300|pt|294 - Grupos e Movimentos de Jovens

Egídio Viganò


Grupos e Movimentos de Jovens



Atos do Conselho Superior


Ano LX – OUTUBRO-DEZEMBRO, 1979


N. 294



Introdução. – Convite autorizado e de atualidade. – Inspiração original. – Exigência do Sistema Preventivo. – A Proposta Associativa hoje. – Conclusão.



Roma, 24 de agosto de 1979


Caríssimos,



Notícias positivas com respeito ao relançamento do Sistema Preventivo de Dom Bosco vêm chegando das várias Regiões Salesianas.

Quase todas as Comunidades Inspetoriais empenharam-se nesse campo com iniciativas oportunas, seguindo as orientações do CG21, as reflexões da circular sobre o Projeto Educativo Salesiano e o convite feito pela “lembrança”.

E em muitos lugares celebrou-se o 25° aniversário da canonização de Domingos Savio, pondo em evidência algumas modalidades típicas da nossa experiência apostólica.

Em Roma, tivemos a peregrinação da juventude sale­siana, meninos e jovens de todas as províncias, para um encontro memorável com o Papa.

A alocução do S. Padre estimulou algumas prioridades para o nosso compromisso pedagógico-pastoral.

Esses dois fatos oferecem-me a oportunidade de falar-lhes da importância dos “Grupos e dos Movimentos de jovens”.

O florescimento e a atualidade do desenvolvimento deles serão expressão concreta do relançamento do Sistema Preventivo (cf. ACS 290, p. 36).

Ofereço-lhes, a propósito, algumas breves reflexões.

O Conselheiro da Pastoral Juvenil, P. João Vecchi, insistirá, agora e durante o próximo ano, sobre o tema, e, com a ajuda dos seus colaboradores, oferecerá subsí­dios de aprofundamento, informação e programação.

Eu lhes dizia na minha circular sobre o Projeto Educa­tivo Salesiano (ACS 290) que “a renovação do Sistema Preventivo está ligada, na nossa tradição viva, ao emprego de algumas modalidades de convivência e comunhão que parecem sim­ples na sua formulação, mas são ricas de possibilidades educativas”.

Entre essas “modalidades típicas” somos convidados a privilegiar o empenho com “Grupos e Movimentos de Jovens”.

Já no discurso de encerramento do CG21 eu havia salientado a importância que o Capítulo dá à qualificação dos “ambientes” de evangelização, sobretudo “na linha do associacionismo juvenil”.



Convite autorizado e de atualidade



Mas o convite mais autorizado nos veio recentemente do Papa.

Na peregrinação da juventude salesiana de 5 de maio passado o S. Padre João Paulo II, dirigindo-se aos nume­rosos meninos e jovens reunidos na praça de S. Pedro, dizia:

Esperais do Papa uma palavra de orientação e encora­jamento (...) (Pois bem:) A segunda sugestão do Papa para vós e para quantos cuidam de vossa educação humana e cristã diz respeito à urgente necessidade do renascimento, sentida em quase todas as latitudes, de modelos válidos de associações juvenis católicas.

Não se trata de criar expressões militantes privadas de estímulos ideais e baseadas na força do número, mas de animar verdadeiras comunidades, impregnadas de espírito de bondade, de respeito recíproco, e de serviço, e sobretudo se intimamente ligadas por uma mesma fé e uma única esperança (...).

Na adesão a um grupo, na espontaneidade e homogenei­dade de um círculo de amigos, na confrontação construtiva de ideias e iniciativas, no apoio mútuo pode estabelecer-se e conservar-se a vitalidade da renovação social a que vós todos aspirais.

Vós, jovens, tendeis à exigência preciosa do coroamento comunitário, da conversação, da amizade, do dar e receber, do amor. As associações juvenis estão reflorescen­do: o Papa vos exorta a serdes fiéis, perspicazes, ricos de genialidade nesse esforço de dar vitalidade cada vez maior a tais sodalícios.

É um convite insistente que dirijo a todos os responsá­veis pela educação cristã da juventude, isto é, dos homens de amanhã” (L’Osservatore Romano, 7-8 de maio de 1979).

Esse “insistente convite” do Papa deve ser assumido por nós com seriedade e coragem.



  • O Concílio Ecumênico Vaticano II também insistira sobre a atualidade e eficácia do associacionismo: na Declaração sobre a Educação Cristã, falando de metodo­logia educativa, afirma-se que a Igreja valoriza e tende a penetrar de seu espírito e a elevar, entre outros meios, o das “associações juvenis” (GE 4).

No Decreto sobre a Formação Sacerdotal são convida­das “especialmente as associações católicas” a cultivarem a dimensão vocacional entre os adolescentes (OT 2). E sobre­tudo no Decreto sobre o Apostolado dos leigos, desenvolve-se o tema da importância da forma associativa, da sua multi­plicidade também no campo do apostolado, e da estima e cuidado com que se devem acompanhar as associações dedicadas especialmente a objetivos apostólicos (AA 18, 19, 21).



  • O nosso CG21, por sua vez, refletindo sobre a reno­vação da ação evangelizadora e procurando ajustar ao hoje da condição juvenil a nossa presença entre os meninos e os jovens, quis insistir sobre a retomada da experiência associativo-comunitária convenientemente renovada.

O Capítulo considera esta modalidade como um elemen­to inerente a toda presença salesiana de evangelização,1 como uma constante nas nossas experiências mais genuínas, como um dos “lugares privilegiados” para as nossas propostas, como um “ambiente” para garantir o estilo salesiano de ação.



  • As próprias Constituições renovadas no-lo recordam nos artigos 22 e 28: devemos promover e animar Grupos e Movimentos de jovens para a formação, para a atividade apostólica e para a ação social.

Tal empenho requer por certo especial adequação à condição juvenil hodierna segundo a situação cultural de cada região e nação, seguindo os critérios pastorais amadu­recidos na ação apostólica das experiências associativo-comunitárias, segundo as condições da Igreja particular em que trabalhamos; mas também uma recuperação genial da inspiração original própria do nosso carisma de predileção pelos jovens.

Urge, para isso, recuperar uma dupla característica salesiana das origens:

* primeiro, o coração oratoriano do qual eu falava no discurso de encerramento do Capítulo (CG21 565-568).

A expressão quer sublinhar o primado que se dá na atitude educativa do salesiano ao “impulso pastoral” como princípio inspirador de qualquer presença nossa entre os jovens; os Grupos e os Movimentos juvenis devem sentir, acima de tudo, a palpitação de um coração apostólico ena­morado de Cristo: não somos simplesmente “professores” entre os jovens, mas discípulos do Senhor Ressuscitado, “missionários” verdadeiros e entusiastas;

* e em segundo lugar a concretização da novidade de presença salesiana, ou seja, do espírito de iniciativa ou inventiva pastoral (CG21 156-159).

Ela é um critério metodológico, “fruto da criatividade pastoral que sabe cobrir em favor especialmente dos jovens, espaços de atuação até hoje tidos em pouca consideração”.

A título de exemplo, lembra-nos o Capítulo, entre os espaços a cobrir, “a animação de movimentos juvenis, enquanto se assiste à procura e ao desejo dos jovens de uma união que supere os limites da própria região” (CG21 158).

Portanto: sentimo-nos autorizadamente convidados, e com urgência, a empenhar seriamente a nossa identidade e as nossas iniciativas na promoção e animação dos Grupos e Movimentos juvenis, com genuíno coração oratoriano e com metodologia atualizada.



Inspiração original



A tendência associativa, a vida de grupo, a aspiração comunitária foi uma experiência quase espontânea na vida do nosso santo Fundador Dom Bosco: uma inclinação da sua índole naturalmente levada à sociabilidade e à amizade.

Desde o início, porém, como por intuito vocacional, a sua sociabilidade endereçou-se em sentido religioso-apostólico, sem atenuar o calor humano, a vivacidade temperamental como a espontaneidade e o espírito empreendedor juvenil.

As iniciativas industriosas entre os meninos dos Becchi e dos povoados vizinhos, a Sociedade da alegria na escola de Chieri, a experiência de vida em comum e amizade no seminário, contêm já em forma embrional o apreço e interesse pelo associacionismo que se concretizará na fórmula característica das “Companhias”.

Possuía Dom Bosco abundantes qualidades naturais e aguda intuição educativa, enriquecida por progressivas experiências positivas, para saber comunicar aos jovens as alegrias e vantagens de partilhar fraternalmente o próprio caminho para o Senhor e de colocar-se a serviço dos outros no “quotidiano”, na simplicidade e autenticidade das mani­festações ordinárias e com o equilíbrio dos vários elementos positivos de quem assume a vida à luz totalizadora da fé.

Sua autobiografia, tão cheia de vida, nos mostra, numa de suas páginas, o tipo de componentes da Sociedade da alegria: “Como — escreve Dom Bosco — os companheiros que me queriam arrastar ao relaxamento eram os mais descuidados nas tarefas escolares, começaram a recorrer a mim, para que fizesse uma caridade escolar emprestando e ditando para eles o tema de aula.

Isso desagradou ao professor (...). Agarrei-me então a um caminho menos perigoso, isto é, a explicar as dificul­dades, e também a ajudar os que tivessem necessidade.

Com tal recurso agradava a todos e conquistava a benevolência e afeto dos companheiros. Começaram a vir para brincar, depois para ouvir fatos e para fazer a tarefa de aula, e finalmente vinham sem sequer procurar um motivo, como faziam antes os de Murialdo e Castelnuovo.

Para dar um nome àquelas reuniões costumávamos chamá-las Sociedade da alegria” (Memorie dell’Oratorio, p. 52).

Assim, a primeira experiência de associação começou para Dom Bosco não tanto como uma convocação dos “melhores”, mas como uma iniciativa em favor dos mais necessitados de ajuda e de concretização de ideais, e desa­brochou logo numa ação no ambiente mediante o testemunho e a iniciativa da caridade.

Mas a experiência associativa propriamente dita, no âmbito do Sistema Preventivo, foi a das “Companhias Religiosas”.

Ela nasce como proposta educativa no tempo em que o Oratório se firmou assumindo as suas finalidades e caracte­rísticas e participando dinamicamente do seu espírito.

Uma vez instalado regularmente em Valdocco, pus-me — é Dom Bosco ainda que escreve — a promover as coisas que podiam contribuir para conservar a unidade de espírito, de disciplina e de administração” (MO p. 195).

A primeira Companhia é a de S. Luís, iniciada pelo próprio Dom Bosco, depois vem a da Imaculada fundada (como nos garante Dom Bosco) por Domingos Sávio, e depois outras. Seis ao todo (MB XI 225). Elas se inserem intimamente no ambiente educativo como elemento dinâmico de participação ativa e de penetra­ção capilar, ajudam sobretudo a potencializar os valores pedagógico-religiosos de todo o Sistema Preventivo, ao passo que desenvolvem também um papel integrador e de suplência em vista das eventuais e inevitáveis deficiências no ambiente.

É de notar que elas não são concebidas como algo em si, fechadas sobre determinados membros simplesmente para privilegiar uma atividade ou a formação deles, mas como grupo-fermento em vista do ambiente global para proporcionar testemunho e serviço a todos os companheiros.

A “Companhia da Imaculada”, por exemplo, à qual pertenciam membros “escolhidos com cuidado”, estava toda ela em função do projeto educativo e pastoral do conjunto, para fermentar a massa.

Cada Companhia tinha “objetivos” particulares que correspondiam às situações de vida e à gradualidade de amadurecimento, mas reproduzia uma matriz espiritual e organi­zadora comum.

O elemento tonificante eram os valores pedagógico-religiosos que se partilhavam. A articulação entre os Grupos era feita “pelo ambiente e pela comunidade educativa”, dentro da qual surgiam e a serviço da qual se punham como expressão de participação ativa e organizada no projeto global de educação: não se tratava somente de participar na programação das atividades, mas sobretudo de sentir-se envolvidos ativa e responsavelmente nos grandes ideais comuns de um mesmo Projeto educativo e pastoral.



Exigência do Sistema Preventivo



O associacionismo entre os jovens é uma exigência indispensável no tipo de projeto preventivo e popular que­rido por Dom Bosco.

Ele próprio escrevia numa carta circular aos Salesianos em 12 de janeiro de 1876: “Haja em todas as casas a maior preocupação em promover as pequenas associações (...). Ninguém tenha medo de falar delas, de recomendá-las, favo­recê-las e de expor a finalidade delas (...). Eu acredito que tais associações possam chamar-se chave da piedade, defesa da moralidade, apoio das vocações eclesiásticas e religiosas” (Epistolário, vol. 3, p. 7-8).

O empenho educativo-pastoral de Dom Bosco dirige-se às massas juvenis do povo; não chegaria a alcançar uma obra eficaz de prevenção e de penetração capilar de “um por um”, sem a participação ativa e organizada dos próprios jovens: de aí a indispensabilidade de um tipo particular de associacionismo pedagógico-religioso.

Compreenderam-no claramente os primeiros colabora­dores do nosso Pai, os Salesianos das primeiras gerações e todos os sucessores de Dom Bosco. Seria longo enumerar aqui quanto disseram e escreveram a respeito o P. Rua, o P. Albera e o P. Rinaldi, que conviveram com Dom Bosco, e depois todos os demais.

O P. Rinaldi dizia, por exemplo, que o Diretor deve pôr o cuidado solícito das associações de jovens entre os seus deveres ministeriais mais importantes.

Se o estilo educativo do Sistema Preventivo não se basear somente nas relações individuais, mas cuidar com particular solicitude da criação de um “ambiente” e de um “clima” educativo, isso comportará necessariamente um papel determinante das associações dos próprios educandos.

Tais associações apresentaram, no Sistema Preventivo, várias características de tipo tanto pedagógico, como reli­gioso e espiritual.

Entre as características de tipo “pedagógico” podemos lembrar as seguintes:

  • pressupõem uma clara liberdade de participação;

  • entendem ser autenticamente “obra dos jovens”;

  • têm um escopo educativo preciso;

  • salientam a sensibilidade do serviço aos outros, sobretudo aos companheiros de educação.

Trata-se, pois, de associações, de “educandos”, ou de associações de jovens “para a educação”: tal especificação comporta essencialmente uma comunhão de intentos e de empenho com os educadores.

Ao dizer “obra dos jovens” e “comunhão” com a ação dos educadores, indica-se a dinâmica e o conteúdo pedagó­gico de tais associações juvenis e delineia-se outrossim um papel particular do Assistente na sua função de animador-educador.



Entre as características de tipo “religioso” podemos lembrar as seguintes:

  • a influência concreta da fé sobre a vida diária: presença clara do fim último;

  • o cumprimento do dever como missão religiosa;

  • o discernimento, o cuidado e amadurecimento das vocações;

  • a caridade serviçal e generosa para com os mais necessitados, mesmo de forma heroica;

  • a corresponsabilidade batismal do apostolado.

Trata-se, pois, de associações de explícita inspiração religiosa e cristã e não simples e exclusivamente de grupos promocionais ou culturais.

Vê-se assim aplicada nelas a compenetração, sem disso­ciação, entre evangelização e educação. Manifestam por isso, a peculiar simbiose, viva e prática do Sistema Preventivo, expressa no slogan “evangelizar educando e educar evangelizando”.

Portanto: não um grupo ou movimento qualquer, mas um gênero especial de associacionismo.



Enfim, entre as características de tipo “espiritual” podemos lembrar as seguintes:

  • as associações juvenis de Dom Bosco inserem-se na espiritualidade global do Sistema Preventivo;

  • estão centradas no mistério de Cristo amigo dos jovens e na figura de Maria, Auxílio dos Cristãos e Mãe da Igreja;

  • não formulam, pois, uma espiritualidade à parte, mas a comum de todo o ambiente educativo, mesmo se cada associação tem objetivos e metas próprias.

Encontramo-nos, pois, diante de associações caracteris­ticamente impregnadas da espiritualidade salesiana de Dom Bosco que é, por natureza, uma espiritualidade juvenil.

O P. Caviglia escreveu páginas muito perspicazes sobre este argumento no seu apreciado estudo sobre “Savio Domenico e Don Bosco” (cf. Livro X, especialmente o cap. II).

Julgo importante sublinhar esse aspecto: na origem e no crescimento das associações de jovens do Oratório havia uma forte e fecunda espiritualidade salesiana, ou seja, um intenso potencial do peculiar espírito de Dom Bosco que impregnava o ambiente e garantia um clima educativo de genuína santidade.

Vale a pena repetir aqui quanto eu dizia na circular sobre o Projeto educativo salesiano (ACS 290): “A originalidade e a audácia da proposta de ‘santidade juvenil’ é intrínseca à arte educativa de Dom Bosco. O seu grande segredo foi não só o de não desiludir as profundas aspirações do espírito juvenil (necessidade de vida, expansão, alegria, liberdade, futuro etc.), mas de haver levado os jovens de maneira gradual e realista a experimen­tarem que somente na ‘vida em graça’, isto é, na amizade com Cristo, fonte de alegria perene, os seus ideais mais autênticos eram interpretados e exaltados: ‘aqui fazemos consistir a santidade em estar sempre alegres’”.

Quis recordar esses fatos e ajudá-los a refletir sobre o seu conteúdo2 com o objetivo preciso de levar-nos a des­cobrir uma preciosa “inspiração” da nossa experiência

A forma concreta de pôr em execução tal inspiração passou por diversas fases, segundo a evolução dos nossos ambientes e também segundo os critérios que amadureciam na Igreja. Também nisto não se trata, hoje, de reproduzir a materialidade de uma fórmula, mas de colher, com ver­dade e praticidade, a sua inspiração educativa e pastoral.

Saber fazê-lo comportará consequências operativas de discernimento, de escolha e de programação que evitarão desvios do Projeto educativo de Dom Bosco e perda de identidade na sua espiritualidade salesiana.



A Proposta Associativa hoje



Quer-se falar de cansaço associativo da juventude de hoje; mas os fatos contradizem esta afirmação.

Houve, sem dúvida, uma crise das formas associativas ligadas a estruturas ou preocupações culturais superadas. Também entre nós as beneméritas “Companhias religiosas” sofreram um declínio.

Não seria exato, porém, afirmar que a experiência associativa hoje foi abandonada na Família Salesiana.

Um olhar mesmo rápido sobre o vasto campo das nossas presenças faz-nos constatar um florescimento de iniciativas neste setor (cf. Subsídio do Dicastério da Pasto­ral Juvenil, que será enviado logo às Inspetorias).

Talvez em algum caso é um tanto carente e arbitrária a escolha de novas iniciativas, a clareza da orientação sale­siana, a adaptação aos tempos em fidelidade ao genuíno Projeto educativo de Dom Bosco, a constância e a corresponsabilidade comunitária e inspetorial.

Devemos também reconhecer que o “espontaneísmo”, a “descontinuidade” e a “independência” são, mais de uma vez, os fenômenos que caracterizam certas experiências de alguns Irmãos, criadas à força de vontade após a queda da estrutura associacionista precedente.



Para fazer bem as coisas, convirá tomar consciência de que se deram, neste setor, mudanças não indiferentes.

A emergência dos sinais dos tempos abalou as culturas com seus esquemas sociais e morais e obriga a repensar e reconstruir uma hierarquia de valores em consonância com a nossa fé pascal. Urge formar modelos autenticamente cristãos de atitude para cada camada social, sobretudo para a juvenil.

Nessa passagem cultural há necessariamente um forte repensamento educativo, que acentua mais os valores circu­lantes e a serem postos em circulação, do que incorporação a um esquema cultural ou uma disciplina de conduta e de organização.

Há, além disso, um forte repensamento pastoral, que acentua a historicidade da fé, a Igreja enquanto incoação do mistério do Reino de Deus, a unidade da comunhão na pluralidade e complementaridade das diferenças, um sentido particularmente vivo da “Igreja local” como ponto de unidade e de referência para cada grupo ou movimento que nasça ou se desenvolva em determinado lugar.

Há também uma importante revisão da dimensão co­munitária local e inspetorial e o aprofundamento capitular do Projeto educativo de Dom Bosco.

Numa hora tão densa de novidade mudou por certo também a sensibilidade juvenil: por consequência deve-se rever em profundidade o estilo do associacionismo, a escolha dos “objetivos” nos vários Grupos e Movimentos, a presença e o papel neles assumido pelo “animador”, a dosagem, a graduação e a variedade a estabelecer na simbiose viva entre educação e evangelização.

Essa enumeração dos fatores de mudança não pretende ser completa, nem individuar ou explicar todos os aspectos da situação atual.

Quer simplesmente sublinhar como, justamente no setor do associacionismo, é forçoso repensar uma “síntese” que recolha a inspiração fundamental do Projeto educativo de Dom Bosco e a adapte a uma situação profundamente nova.

Em várias zonas da Família Salesiana, após alguns anos de incerteza e de experimentação, conseguiu-se reorientar a experiência associativa recompondo uma unidade atualizada entre Cultura e Evangelho, um conveniente equilíbrio entre o protagonismo dos meninos e dos jovens e a urgência de animação espiritual e pedagógica de apoio e interligação: uma renovada harmonia entre a responsabilidade de uma justa autonomia por parte dos jovens e as contribuições da presença e do papel animador dos educadores: um inter­câmbio espontâneo entre a circulação das experiências con­cretas dos jovens e a resposta programada de conteúdo iluminado.

Conseguiu-se dessa maneira, em muitos casos, infundir nos ambientes das nossas obras o que o CG21 destaca falan­do da Escola e do Centro Juvenil:

  • quanto à “Escola salesiana” diz o Capítulo que ela “procura criar uma comunidade juvenil (...). Dessa comuni­dade participam pais e educadores: nelas os jovens encon­tram espaço para grupos organizados com finalidades for­mativas e funcionais” (CG21, 131, 2.3.4);

  • e para o “Centro Juvenil” o Capítulo afirma que se quiser “ser proposta e ambiente de promoção cristã integral para os jovens deverá proceder a escolhas metodológicas precisas tais como a organização em grupos preferindo os de caráter formativo e apostólico e desenvolvendo neles uma educação explícita para a fé” (CG21 126, 1.5.3).

Esse apelo do Capítulo nos chega enquanto em nível de Povo de Deus se retomam com inteligente revisão as inicia­tivas associacionistas, se estuda com cuidado o modo de de­finir os princípios inspiradores de cada movimento, propon­do também uma “espiritualidade” adequada, e se estreitam as ligações a fim de alargar a eficácia das experiências e favorecer a circulação de valores e propostas.



Queridos Irmãos, repensemos, ao concluir, no ardente apelo que nos dirigiu o S. Padre em 5 de maio passado: há hoje uma “urgente necessidade de renascimento de modelos válidos de associações juvenis católicas!”

Sintamo-nos chamados deveras a criar, neste campo, “uma nova presença” (cf. CG21 158), que saiba traduzir em propostas concretas e atuais, a riqueza do nosso patrimônio educativo-espiritual e subsídios tanto da realidade juvenil atual quanto da pastoral renovada da Igreja universal e das Igrejas locais.

Seja-nos de estímulo Domingos Sávio no 25º aniver­sário da sua canonização. A sua santidade de menino do Oratório culmina na fundação da “Companhia da Imaculada”.

O seu estudioso, P. Alberto Caviglia, considera essa iniciativa associacionista como “o ponto de chegada”, a maturação espiritual e apostólica, “o fato que personifica e completa a obra da sua “santidade” salesiana.

Pois bem: é sintomático constatar que “a origem, o escopo, os meios” dessa associação juvenil, “são todos de devoção mariana, unida naturalmente à prática eucarística” (A. Caviglia, o. c. p. 447).

Quer dizer que Domingos Sávio, no ápice da sua sensi­bilidade espiritual, nos convida a ver em Maria uma ajuda especial para um célere renascimento de válidas associações juvenis salesianas.

Faço votos que todas as Inspetorias e Conferências Inspetoriais ou Regiões consigam aprofundar, com os pró­prios agentes e atendendo as exigências locais, esse impor­tante argumento e revitalizar uma das mais eficazes “moda­lidades típicas” (ACS 290) do estilo salesiano consti­tutivo do Sistema Preventivo de Dom Bosco.

Desejo a todos um verdadeiro êxito em campo tão urgente.

Ao mesmo tempo que lhes garanto a minha oração diária, saúdo-os com alegria fraterna e com esperança.



P. Egídio Viganò

Reitor-Mor



1 Cf. CG 21, 90. 102. 115. 126. 131: 2.3.3.4. 132, 158c.

2 Sobre o tema “Companhias Religiosas” na tradição salesiana vejam-se as seguintes obras:

1) Memorie Biografiche, índice: verbete “Compagnie religiose”

2) A. CAVIGLIA, Savio Domenico e Don Bosco, Studio pp. 441-464 in “Opere e Scritti editi e inediti di D. Bosco”, vol. 4 Turim, 1935.

3) E. CERIA, Annali della Società Salesiana, vol. I pp. 641-643 Turim, S.E.I., 1961.

4) PIETRO BRAIDO, Il Sistema Preventivo di D. Bosco, Le Compagnie, pp. 377-387, PAS-Verlag 1964, edição.

5) PIERO STELLA, Don Bosco nella storia delia religiosità cattolica, vol. II, pp. 346-357 — “Le associazioni religiose”; PAS-Verlag, 1969.


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