ACG439_Artime_Zatti


ACG439_Artime_Zatti

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 43
1.2. CARTA DO REITOR-MOR, P. ÁNGEL FERNÁNDEZ
ARTIME, A POUCOS DIAS DA CANONIZAÇÃO DE
ARTÊMIDES ZATTI
SOCIETÀ DI SAN FRANCESCO DI SALES
SEDE CENTRALE SALESIANA
Via Maria Ausiliatrice, 32 - 10152 Torino
Il Rettor Maggiore
Prot. 22/0329
«ACREDITEI, PROMETI, SAREI!»
Artêmides Zatti: Evangelho da Vocação e Igreja do Cuidado
«O mosaico dos nossos santos e beatos, embora muito rico quanto
à representatividade — fundador, cofundadora, reitores-mores, mis-
sionários, mártires, sacerdotes, jovens — ainda estava sem a pedrinha
da preciosa figura do coadjutor. Isso, agora, está sendo realizado».48
Assim o P. Juan Edmundo Vecchi, oitavo Sucessor de Dom Bosco,
começava a sua carta na ocasião da beatificação de Artêmides Zatti.
Se no “mosaico dos nossos santos” faltava uma pedrinha, hoje ele
tem um brilho muito especial porque, em poucas semanas, ser-nos-á
dado viver um grande presente do Senhor: ver um dos filhos de Dom
Bosco, salesiano coadjutor, emigrante italiano na Argentina e enfer-
meiro, canonizado pelo Papa Francisco em 9 de outubro de 2022.
48 J. E. Vecchi, Beatificazione del coadiutore Artemide Zatti: Una novità dirompen-
te, in ACG 376 (2001), 3.

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44 ATOS DO CONSELHO-GERAL
Artêmides Zatti será, portanto, o primeiro santo salesiano não
mártir a ser canonizado. Sem dúvida, a canonização do primeiro
santo salesiano e de um salesiano coadjutor dá e dará um toque de
completude à série de modelos de espiritualidade salesiana que a
Igreja declara oficialmente como tais.
Relato o belo testemunho pessoal, cheio de profundidade espiritual
e fé, dado por Artêmides Zatti em 1915, em Viedma, por ocasião da
inauguração de um monumento funerário colocado sobre o túmulo do
Padre Evásio Garrone (1861-1911), salesiano missionário benemérito
e considerado por Artêmides como um insigne benfeitor.
«Se estou bem, saudável e em condições de fazer algum bem
ao meu próximo doente, devo isso ao Padre Garrone, médico,
que, vendo piorar dia a dia a minha saúde, pois sofria de tuber-
culose com hemoptise frequente, me disse decisivamente que,
se eu não quisesse acabar como muitos outros, eu deveria fazer
uma promessa a Maria Auxiliadora de permanecer sempre ao
seu lado, ajudando-o no cuidado dos doentes, que ele, confian-
do em Maria, me curaria.
ACREDITEI, porque sabia, pela fama, que Maria Auxiliadora
o ajudava de forma visível.
PROMETI, porque sempre foi meu desejo ser útil em algo ao
meu próximo.
E, tendo Deus escutado o seu servo, SAREI. [Assinado]
Artêmides Zatti».
Vemos que a vida salesiana de Artêmides Zatti, segundo este teste-
munho, se fundamenta em três verbos que testemunham a sua genero-
sa e confiante solidez. Para valorizar o dom da santidade deste grande
salesiano coadjutor, gostaria de meditar sobre esses três verbos e seus
extraordinários frutos de bem, para que possam tocar profundamente
os desejos, os sonhos e os trabalhos da nossa Congregação e de cada
um de nós, e promover em todos uma renovada e fecunda fidelidade
ao carisma de Dom Bosco.

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Perfil de Artêmides Zatti49
1. CARTAS DO REITOR-MOR 45
Artêmides Zatti nasceu em Boretto (Reggio Emilia), em 12 de de-
zembro de 1880, de Albina Vecchi e Luigi Zatti. A família camponesa
educou-o para uma vida pobre e laboriosa, iluminada por uma fé sim-
ples, direta e robusta que orienta e nutre a vida.
Aos nove anos de idade, a fim de contribuir para a economia fami-
liar, Artêmides trabalhava como empregado em uma família rica.
Em 1897, a família Zatti emigrou para a Argentina, estabelecendo-
-se em Bahia Blanca. Artêmides chegou ali com 17 anos e, no ambien-
te familiar, aprendeu logo a enfrentar as dificuldades e responsabili-
dades do trabalho. Ele encontra trabalho em uma olaria e, ao mesmo
tempo, cultiva e amadurece um profundo relacionamento com Deus,
sob a orientação do salesiano P. Carlos Cavalli, seu pároco e diretor
espiritual. Artêmides encontrou nele um verdadeiro amigo, um sábio
confessor e um autêntico e experiente diretor espiritual, que o for-
mou no ritmo diário da oração e da vida sacramental semanal. Com o
P. Cavalli, estabeleceu uma relação espiritual e de colaboração.50 Na
biblioteca do pároco, teve a oportunidade de ler a biografia de Dom
Bosco e ficou fascinado por ele. Foi o verdadeiro início da sua voca-
ção salesiana.
Em 1900, agora com 20 anos, Artêmides, convidado pelo P. Cavalli,
pediu para entrar no aspirantado salesiano de Bernal, localidade perto
de Buenos Aires.
No entanto, em 1902, perto de entrar no noviciado, Artêmides con-
traiu a tuberculose. P. Vecchi relata em sua carta: «Certos da sua res-
ponsabilidade, os superiores confiaram-lhe os cuidados de um jovem
padre doente de tuberculose. Zatti realizou a tarefa com generosidade,
mas mais tarde apresentou a mesma doença».51
49 Decidi traçar um perfil breve e sóbrio. Aqueles que quiserem saber mais sobre a
vida de Artêmides Zatti podem encontrar várias biografias sobre o próximo Santo
e também ler o perfil biográfico na carta do P. Vecchi, à qual me referi anterior-
mente.
50 Cf. Positio, p.35.
51 Cf. J. E. Vecchi, o.c., p. 15 e Cf. Positio, p. 47.

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46 ATOS DO CONSELHO-GERAL
Gravemente doente, voltou para Bahía Blanca e P. Cavalli enviou-o
a Viedma, confiando-o aos cuidados do salesiano P. Evásio Garrone,
competente — graças à longa experiência — na arte da medicina e
diretor do hospital São José, fundado por Dom Cagliero.
Creio ser muito significativo que Artêmides, em Viedma, encontre
Zeferino Namuncurá — hoje beato —, proveniente de Buenos Aires
e que, como ele, sofreu de tuberculose. Os dois, embora de idades di-
ferentes, viveram relações de amizade até quando Zeferino partiu, em
1904, para a Itália com Dom João Cagliero.
Após dois anos de tratamento em Viedma com resultados insatis-
fatórios, P. Garrone convidou Artêmides a pedir a cura por intercessão
da Virgem Santa, fazendo voto de dedicar toda a sua vida ao cuidado
dos doentes. Tendo feito o voto com viva fé, Artêmides ficou curado e,
em 1906, iniciou o noviciado.
Devido aos riscos associados à sua condição anterior de saúde, Ar-
têmides deve renunciar à sua intenção de ser padre e professa como
coadjutor entre os Salesianos de Dom Bosco em 11 de janeiro de 1908.
Este fato trouxe a Artêmides um grande crescimento na fé. Na verda-
de, ele não abandonou o seu desejo de ser salesiano padre e continua
a pensar na vocação sacerdotal na Congregação Salesiana, especial-
mente quando sua saúde parecia melhorar. Por isso, «é comovente
constatar o apego inquebrantável à própria vocação, manifestado tam-
bém quando a doença parecia impedir absolutamente esse caminho.
Lemos, por exemplo, o que escreve aos seus em 7 de agosto de 1902:
“Far-vos-ei saber que não só era meu desejo, como também dos meus
Superiores, vestir o sagrado hábito; entretanto, há um artigo da Santa
Regra que diz não poder receber o hábito quem tenha a menor coisa
em relação à saúde. É assim que, se até agora, Deus não me encontrou
digno do hábito, confio em vossas orações para curar-me logo e assim
satisfazer os meus desejos”».52
Contudo, os superiores, dadas todas as circunstâncias da sua
doença e também a sua idade (23-24 anos), tiveram que propor a
Zatti que professasse como salesiano coadjutor. O certo é que «era
a doação total a Deus na vida salesiana que Artêmides aspirava em
primeiro lugar».53
52 J. E. Vecchi, o.c., p. 17 e Positio, p. 79.
53 J. E. Vecchi, o.c., p. 18.

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 47
Mesmo neste ponto decisivo da sua vida, Zatti faz um caminho de
amadurecimento. Lemos mais na carta do P. Don Vecchi: «Sacerdote?
Coadjutor? Ele mesmo dizia a um irmão: “Pode-se servir a Deus tanto
como sacerdote quanto como coadjutor: diante de Deus uma coisa vale
quanto a outra, desde que seja vivida como vocação e com amor”».54
Em 11 de fevereiro de 1911, emitiu os votos perpétuos e, no mes-
mo ano, após a morte de P. Garrone, substituiu-o, primeiro como en-
carregado da farmácia ligada ao hospital São José de Viedma, e depois
— a partir de 1915 — como responsável do mesmo hospital. Hospital
e farmácia tornaram-se o campo de trabalho de Artêmides.
E assim, a partir de 1915, durante 25 anos, com grande energia,
sacrifício e profissionalismo, Zatti foi a alma do hospital que, no
entanto, em 1941, precisou ser demolido: os superiores salesianos
decidiram usar o terreno até então ocupado pelo centro de saúde para a
construção da residência episcopal. Artêmides sofreu intensamente ao
pensar na demolição, mas em espírito de obediência, aceitou a decisão
e transferiu os doentes para as instalações da Escola Agrícola Santo
Isidro, onde criou uma nova estrutura para o cuidado e assistência aos
doentes e pobres.
Após outros anos de intenso serviço, agora exonerado das respon-
sabilidades da administração sanitária, em 1950, após uma queda du-
rante um trabalho de manutenção, os exames clínicos revelaram um
tumor hepático para o qual o tratamento foi em vão. Ele aceita e vive
consciente da evolução da doença.
De fato, ele mesmo prepara para o médico o certificado do pró-
prio óbito! Não são poucos os sofrimentos, mas ele passa seus últimos
meses esperando o momento final preparado para o encontro com o
Senhor. Ele mesmo diz: «Há 50 anos eu cheguei aqui para morrer e
vim até este momento, o que mais eu poderia querer? Por outro lado,
passei toda minha vida me preparando para este momento...».55
Sua morte ocorreu em 15 de março de 1951 e a divulgação da no-
tícia mobilizou a população de Viedma inteira para prestar uma ho-
menagem de gratidão a este salesiano que dedicou toda a sua vida
aos doentes, especialmente os mais pobres. De fato, «Viedma inteira
saudou o “parente de todos os pobres”, como o chamavam há tempo;
54 J. E. Vecchi, o.c., p. 20 e Summarium, p. 310, n. 1224.
55 Positio, p. 198.

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48 ATOS DO CONSELHO-GERAL
aquele que estava sempre disponível para acolher os doentes especiais
e o povo que vinha dos campos distantes; aquele que podia entrar na
menor das casas em qualquer hora do dia ou da noite sem que alguém
pudesse insinuar a mínima suspeita sobre ele; aquele que, embora es-
tando sempre “no vermelho”, mantivera uma relação singular com as
instituições financeiras da cidade, sempre abertas à amizade e à co-
laboração generosa com aqueles que compunham o corpo médico da
pequena cidade».56
O funeral, com um imponente afluxo de povo, confirmou a fama
de santidade em torno de Artêmides Zatti, o que motivou a abertura do
processo diocesano em Viedma (22 de março de 1980). Em 7 de julho
de 1997, Zatti foi declarado venerável e, em 14 de abril de 2002, foi
proclamado beato por São João Paulo II.
A pedagogia de Deus nos seus santos
Para abordar a figura de Artêmides Zatti, é valiosa a orientação de
um princípio teológico, denso de significado e repetido por Hans Urs
von Balthasar:
«Somente a imagem [de Jesus] que o Espírito apresenta à Igre-
ja tem sido capaz, ao longo de milênios de história, de trans-
formar homens pecadores em santos. É precisamente por este
critério do poder de transformação que se deve medir o valor
de uma interpretação de Jesus que pretenda transmitir-nos um
conhecimento d’Ele».57
Com estas palavras, Balthasar enfatiza uma evidência que sempre
acompanhou a história da Igreja: a ação do Espírito manifesta-se
como poder transformador na vida humana, testemunhando a perene
relevância e vitalidade do Evangelho. Desse modo, a boa-nova de
Jesus continua a viver e difundir-se segundo a regra da Encarna-
ção e, sobretudo, na carne e na vida dos santos, pelo seu profundo
consentir ao Espírito, a Páscoa resplende na atualidade histórica do
56 J. E. Vecchi, o.c., p. 25.
57 H. U. von Balthasar, Gesù ci conosce? Noi conosciamo Gesù? Morcelliana (= Il
Pellicano), Brescia 1981, 95.

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 49
aqui e agora sempre novos, em que amadurecem prodígios que con-
firmam a fé da Igreja.
Os santos são, então, realizações do Espírito que oferecem, com
a simplicidade de uma vida transfigurada, esboços precisos do Filho,
dados pelo Pai à labuta do mundo, na atualidade de um tempo e na
proximidade de lugares necessitados de salvação e esperança.
Se Deus guia a sua Igreja através da vida obediente de seus filhos
mais dóceis e aguerridos, os reflexos do Evangelho devem brilhar, an-
tes de tudo, na história de cada um deles, transformando uma ferial
biografia em hagiografia e, depois, devemos reconhecer as semen-
tes pascais, capazes de desencadear renovados caminhos eclesiais no
Povo de Deus.
Artêmides Zatti confirma esta regra de santidade: a hagiografia
é a luz do Espírito liberada pela simplicidade da sua biografia, tão
convincente porque é habitada em plenitude de humanidade e tão
surpreendente que torna visível «um novo céu e uma nova terra»
(Ap 21,1); assim, as sementes pascais, dadas pela vida deste sale-
siano coadjutor ao campo do mundo, transformaram lugares de so-
frimento — os hospitais de São José e Santo Isidro — em viveiros
extraordinariamente radiantes de esperança cristã. «Foi uma presen-
ça ativa na esfera social, toda animada pela caridade de Cristo que o
impulsionava interiormente».58
É possível meditar então sobre o dom que o Espírito oferece ao
mundo, à Igreja, à Família Salesiana com a santidade de Zatti, deten-
do-nos primeiro na luminosidade da sua biografia — um Evangelho,
plenamente encarnado da vocação, da confiança e da dedicação —
para depois considerar a força pascal de seu apostolado que construiu,
em seus hospitais, a Igreja do cuidado, da proximidade, da salvação,
da corredenção, para alimentar a fé do povo de Deus.
Se quisermos expressar concisamente o segredo que inspirou e
guiou a vida, os passos, os trabalhos, os esforços, a alegria, as lágri-
mas... de Artêmides Zatti, as palavras de P. Vecchi para este fim são
exaustivas: «No seguimento de Jesus, com Dom Bosco e como Dom
Bosco, em toda parte e sempre».59
58 J. E. Vecchi, o.c., p. 26.
59 J. E. Vecchi, o.c., p. 27.

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50 ATOS DO CONSELHO-GERAL
1. UM HOMEM DE EVANGELHO
1.1. O Evangelho da vocação: «Acreditei»
A história de Artêmides Zatti causa admiração sobretudo pela sua
particularidade vocacional. Uma vocação luminosa porque é purifi-
cada pela misteriosa pedagogia de Deus que se desdobra em sua vida
através de diferentes e exigentes mediações e situações. A vida cristã é
o respiro compartilhado da família de Artêmides, que lê tudo à luz do
mistério de Deus; será a segunda pátria argentina, alcançada através
da emigração, que mostrará o enraizamento dos Zatti em uma fé inco-
mum. Card. Cagliero escreve:
«Os nossos compatriotas, mesmo aqueles que pertencem às po-
pulações mais religiosas da Itália, parecem mudar sua natureza
quando chegam aqui. O amor imoderado pelo trabalho, a indi-
ferença religiosa prevalecente nestes países, os maus exemplos
muito frequentes [...] provocam uma incrível transformação no
espírito e no coração dos nossos bons camponeses e artesãos,
que às custas de alguns escudos que ganham, perdem a fé, a
moralidade e a religião».60
A família Zatti não cederá à influência do meio ambiente, sem
qualquer respeito humano, sobressaindo-se, pelo contrário, por uma
prática religiosa fervorosa, franca e corajosa; e Artêmides continuou a
cultivar um relacionamento intenso com Deus no interior da família,
substanciado pela oração, laboriosidade e retidão, assim,
«tudo leva a crer [...] que a formação religiosa que o Servo de
Deus recebeu quando criança e na juventude [...] deve ter sido
privilegiada e tal a explicar as atitudes espirituais que manteve
depois ao longo de sua vida».61
A experiência de Artêmides reflete a luminosa discrição da «“me-
dida alta” de vida cristã ordinária» (Novo Millennio Ineunte, 31), fruto
de um enraizamento exclusivo em Deus, de uma fé vivida como obe-
diência corajosa e radiante porque é livre, alegre e fecunda.
60 Positio, 31.
61 Positio, 21.

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 51
Quando o salesiano P. Cavalli, pároco e guia de Artêmides nos ca-
minhos do Espírito, tiver que apoiar a sua orientação definitiva de vida,
o seu discernimento será sóbrio e límpido: constatará que o chamado
a entregar-se totalmente a Deus, como sacerdote, ressoa no coração
daquele jovem de forma integral e pura, não contaminado pela busca
de si e dos próprios interesses, mas abrasado pelo desejo de servir ao
Evangelho do Reino.
E Deus, pela singular disponibilidade de Artêmides ao dom de si,
não se limita a chamar, mas pode expandir-se com o sinal incontro-
verso da sua presença: a cruz do Filho. Assim, no âmago do discer-
nimento vocacional deste jovem ansioso para ser sacerdote, a marca
da predileção de Deus torna-se reconhecível: Artêmides, recebido em
Bernal como aspirante, é solicitado para um serviço arriscado, o cui-
dado de um sacerdote doente de tuberculose, como mencionado ante-
riormente. O serviço sem cálculos leva Artêmides a contrair por sua
vez a doença que exigirá o sacrifício do sonho vocacional: Zatti será
salesiano, mas não sacerdote.
Reconhecemos aqui o poder do Evangelho acolhido incondicional-
mente na vida dos santos; um poder que provoca uma resposta voca-
cional pura, porque é conservada em um coração não apenas desape-
gado do mal — condição essencial para ouvir a voz de Deus —, mas
também capaz de liberdade em relação ao bem, condição essencial de
uma fé sólida e rochosa no Absoluto de Deus.
Caminhando nas trevas luminosas da fé, Artêmides sacrifica o de-
sejo de servir à Igreja na forma ministerial do sacerdócio, enquanto
abraça a sua essência, segundo Cristo, «que, movido pelo Espírito
eterno, ofereceu-se a si mesmo sem mácula a Deus» (Hb 9,14).
As características do evangelho da vocação são assim reconheci-
das, de forma indelével, na plenitude do autossacrifício que selou o
início da vida salesiana de Zatti bem antes de coroar a sua plenitude.
E a fidelidade à forma laical da vida salesiana, abraçada por puro
amor a Deus, será plena e convicta, distante de qualquer arrependi-
mento, desdobrada em uma existência convincente e contente.
Este é o evangelho da vocação, a boa-nova do chamado de Deus
reservado individualmente a cada um de seus filhos, chamado do
qual só Deus conhece o alcance, as razões, o destino, o desdobra-
mento concreto. Chamado que se torna perceptível apenas na pura

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52 ATOS DO CONSELHO-GERAL
correspondência do amor que, por sua vez, «quer se livrar do adver-
sário mais perigoso: a própria liberdade de escolha. Todo verdadeiro
amor, portanto, tem a forma interior do voto: liga-se ao amado por
amor e no espírito do amor».62
O evangelho da vocação, na santidade de Zatti, é o evangelho da
pura fé: a boa-nova do sopro saudável do coração que saboreia a liber-
dade em obediência ao plano de Deus, guardião do mistério de toda
vida chamada a ser um ramo fecundo da verdadeira Videira, confiada
à sabedoria do «Agricultor» (Jo 15,1).
Assim sendo, a santidade de Artêmides Zatti provoca o temor vo-
cacional do nosso tempo, temor que prende o coração na desconfiança
diante do mistério de Deus. O evangelho da vocação anunciado pela
vida deste santo salesiano coadjutor mostra que somente correspon-
dendo ao sonho de Deus é possível, em qualquer idade e em qualquer
situação, superar a paralisia do ego, com a pobreza do seu olhar e das
suas medidas, com a angústia da sua incerteza e do seu temor.
Quando P. Garrone — um salesiano de eminente virtude, assim
como de grande competência médica, adquirida através do serviço ge-
neroso aos doentes — exortou Artêmides, doente de tuberculose, a
pedir a graça da recuperação por intercessão da Virgem Maria e com
o voto de dedicar a vida aos doentes, a fé de Zatti dá uma boa prova
de si: simples, desinteressada, sem reservas, encapsulada em uma pa-
lavra: “Acreditei!”
“Acreditei”, ou seja, quando uma palavra é suficiente para afir-
mar a fé, porque a fé é pura; e somente esta fé é vocacionalmente
generosa, pela leveza da sua pureza que “dá asas ao coração e não
correntes aos pés”.
A santidade de Artêmides Zatti atinge os nossos itinerários voca-
cionais às vezes cansados e sombrios com a força explosiva de um
«acreditei» que jamais falha: o presente da fé que é contínuo ao longo
da vida e o torna credível. A sua foi uma fé com uma contínua união
com Deus. Nos testemunhos recolhidos, Dom M. Pérez assim se ex-
pressou: «A impressão que tive foi a de um homem unido ao Senhor.
A oração era como o respiro da sua alma, o seu comportamento de-
monstrava que vivia plenamente o primeiro mandamento de Deus: ele
62 H. U. von Balthasar, Gli stati di vita del cristiano, Jaca Book, Milano 1985, 34.

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2.1 Page 11

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 53
O amava com todo o seu coração, com toda a sua mente e com toda a
sua alma».63
Somos chamados a valorizar o testemunho de Zatti para renovar o
ardor da nossa pastoral vocacional e oferecer aos jovens o exemplo da
vida que a solidez da fé torna plena, simples, corajosa pelo poder do
Espírito e pela docilidade de quem é chamado.
1.2. O Evangelho da confiança: «Prometi»
O Evangelho da vocação, do qual Zatti dá testemunho, anima um
segundo verbo de importância fundamental: prometer.
Hoje, experimenta-se com frequência a fragilidade das promessas
humanas, teme-se a falta de confiabilidade, constata-se a incapacidade
de serem definitivas: daí os invernos vocacionais que estão afetando
a família, as Congregações em muitas partes do mundo, a Igreja, e
que tornam urgente proclamar o Evangelho do chamado de Deus e da
resposta do crente.
Von Balthasar, refletindo sobre a essência da vocação, fruto de
um crer autêntico, escreve: «Não há como caminhar em direção ao
amor sem pelo menos uma pitada desse gesto de entrega. [...] [O
amor] definitivamente quer se colocar de volta, entregar-se, confiar-
-se, encerrar-se. Quer depositar sua liberdade de movimento junto ao
amado de uma vez por todas, para deixar-lhe uma garantia de amor.
Assim que o amor desperta verdadeiramente para a vida, o momento
temporal quer ser superado em uma forma de eternidade. O amor por
algum tempo, o amor intermitente nunca é um amor verdadeiro».64
Artêmides Zatti, mesmo ainda jovem e precisamente em um gran-
de momento de provação, sentiu o chamado à plenitude do empenho
de si em uma promessa irrevogável e radical; quando na idade madu-
ra, testemunhando sua gratidão ao P. Evásio Garrone, seu benfeitor,
recordou os inícios do seu caminho de consagração, Zatti poderia ser
lapidário ao apresentar o coração da sua adesão juvenil ao chamado do
Senhor: «acreditei, prometi».
63 Summarium, p. 43, n. 160.
64 H. U. von Balthasar, Gli stati di vita del cristiano, 34.

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54 ATOS DO CONSELHO-GERAL
O “prometi” de Zatti acompanha o seu “acreditei”, mas também
molda a sua radicalidade e qualidade humana e cristã. Artêmides acre-
dita porque promete e não só promete porque crê: nele vemos reali-
zada a regra da fé, que, se não pode contar com a disponibilidade à
promessa, à entrega de si, decai no interesse espiritual, na cautela e na
acomodação religiosa.
Zatti não espera garantias para arriscar a sua vida, não requer o
direito de colher o “cem vezes mais aqui” como condição prévia para
lançar suas redes; antes, «ofereceu-se prontamente para ajudar um sa-
cerdote doente de tuberculose contraindo também a doença: não disse
uma palavra de lamento, aceitou a doença como um dom de Deus e
suportou as suas consequências com fortaleza e serenidade».65
Assim, a generosidade de Artêmides é retribuída mesmo antes da
profissão religiosa, e o preço é elevado: uma doença debilitante, um
sonho vocacional despedaçado, um sofrimento agudo e — acima de
tudo — uma incerteza total. Mas na encruzilhada entre fé e promessa,
o evangelho da vocação realiza desde a juventude prodígios de santi-
dade nesta vida.
A promessa de Zatti é pura, desinteressada, como a sua fé, e ela
faz brilhar a integridade do abandono ao plano de Deus e a generosi-
dade do dom e entrega de si que mostram uma genuína profundidade
teológica: Artêmides faz sua a vida do Filho obediente que se per-
mite ser totalmente decidida e destinada pelo amor do Pai à salvação
do mundo.
O alfabeto vocacional de Zatti é tão profundo quanto simples e
claro: «Acreditei, prometi. Zatti crê e promete com radicalidade
evangélica porque já havia praticado a Paixão do Senhor como regra
da sua fé e dedicação, como nunca se cansou de repetir em suas cartas
à família: “As nossas alegrias são as cruzes, o nosso conforto é o
sofrimento, a nossa vida são as lágrimas, mas com o companheiro
sempre querido e inseparável ao nosso lado, a esperança de alcançar o
belo paraíso, quando for concluída a nossa peregrinação na terra”».66
A cruz é a regra da fé e ensina como o crer cristão não é sim-
plesmente conhecer alguma coisa, mas entregar-se a Alguém prome-
tendo-Lhe não alguma coisa, mas a si mesmo. Formado pela cruz,
65 Positio, 206 (Perfil espiritual do Servo de Deus).
66 Positio super scriptis 12.

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 55
Artêmides, mesmo antes de embarcar no caminho da vida religiosa,
não promete, mas se promete, não faz um voto, mas faz um voto de si,
e assim reflete as características do Filho que «entrando no mundo,
[...] diz: não quiseste nem sacrifício nem oferta, mas me formaste um
corpo. Não apreciaste nem holocaustos nem sacrifícios pelo pecado.
Então eu disse: “Eis que venho, pois está escrito de mim no rolo do
livro, para fazer, ó Deus, a tua vontade”» (Hb 10,5-7).
E, ainda na escola do Senhor Jesus, Zatti aprende que à radicalidade
da promessa de si corresponde à ousadia crescente da fé. Quem se
entrega completamente a Deus pode abandonar-se à certeza de receber
tudo d’Ele, e Artêmides não se cansa de recordá-lo em suas cartas:
«Recomendo a não terdes medo ou vergonha de pedir graças. Pedi
e obtereis; e quanto mais pedirdes, mais obtereis; pois quem pede
muito, recebe muito, quem pede pouco, recebe pouco, e quem não
pede nada, não recebe nada. [...] Não ficarei enumerando as graças que
deveis pedir; bem o sabeis. Eu só coloco diante de vossos olhos uma:
que todos nós possamos amar e servir a Deus neste mundo e depois
usufruí-lo no outro».67
1.3. O Evangelho da entrega: «Sarei»
«Sarei» é o verbo com que Zatti sigila o evento que o introduz na
vida salesiana.
O que significa «sarei»? Certamente a tuberculose que havia preju-
dicado sua saúde foi superada por Zatti, e de uma forma que surpreen-
deu os médicos: «No processo de Viedma, o tribunal perguntou-se se
a cura foi milagrosa. Tanto quanto sabemos, faltou para qualificá-la
como tal a sua instantaneidade, mas, segundo os médicos [...] que co-
nheceram bem Zatti até sua morte, foi extraordinária devido à escassez
e ineficácia das curas de então, pela continuidade da cura e a robustez
física mais que normal que o Servo de Deus sempre desfrutou, ape-
sar de sua vida de privações. A intervenção de Nossa Senhora parece
inegável, quer tenha sido um milagre ou uma graça extraordinária».68
67 Carta ao pai, Viedma, 15 de junho de 1908.
68 Positio, 75-76.

2.4 Page 14

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56 ATOS DO CONSELHO-GERAL
O dedo de Deus, entretanto, agiu de acordo com o seu estilo
inconfundível: ele não extirpou o mal restaurando a vida de Artêmides
às condições anteriores à doença, nem desvendou o mistério típico de
todo plano divino e de toda existência humana. Assim, como sabemos,
«os superiores, embora observando a melhora na saúde do Servo de
Deus, não estavam plenamente convencidos de suas possibilidades
futuras. A tuberculose, naqueles tempos, nunca possibilitou a certeza
da recuperação e da cura definitiva; o currículo de estudos que o Servo
de Deus deveria enfrentar, na sua idade (23-24 anos), ainda era longo
e certamente não adequado para um tísico; ele, por outro lado, já havia
começado a trabalhar, e tudo leva a crer, com sucesso e satisfação
recíproca, na Farmácia em uma profissão adequada a um leigo; talvez
P. Garrone estivesse exercendo alguma pressão para mantê-lo em
seu trabalho. Os superiores, então, dadas todas essas circunstâncias,
precisaram propor ao Servo de Deus — que certamente, por tudo o que
aparece em seus escritos, tinha decidido deixar o mundo e consagrar-
-se a Deus — ser um religioso salesiano, mas como coadjutor (irmão
leigo): a solução parecia a mais prudente em vista da saúde ainda
incerta: o trabalho material exigia menos esforço do que um longo
período de estudos rigorosos».69
O mistério de Deus aprofunda-se com a cura, e à fé de Artêmi-
des é solicitada uma purificação talvez mais severa do que aquela
imposta pela perda da saúde: o sacrifício da orientação vocacional.
Assim, Artêmides é levado a aprofundar o caminho de esvaziamento
que Deus exige dele: a libertação da doença não é uma reconquista
de forças que permite a um jovem empreendedor “retomar a vida em
suas mãos”. A cura, à sua maneira, é o deserto de uma nova pobreza,
para que a vida de Zatti seja um espaço livre a Deus, na radicalidade
de um novo abandono.
Deus cura Artêmides da tuberculose para renovar nele o prodígio
da salvação do apego a si mesmo, do desapego até mesmo dos seus
próprios projetos de bem: «É de se acreditar que abandonar a aspi-
ração ao sacerdócio foi para o Servo de Deus um grande sofrimento
espiritual, tal foi o ímpeto e o espírito de sacrifício com o qual ele
empreendeu o caminho para esse objetivo. No entanto, é maravilhoso,
e indicativo de extraordinária força espiritual, que jamais surja uma
69 Positio, 80.

2.5 Page 15

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 57
palavra de queixa ou mesmo arrependimento ou nostalgia [...] por esta
inversão na perspectiva de sua vida”.70
«Sarei»: é, portanto, a voz da coerência no alfabeto vocacional de
Zatti. Quando Deus chama e a sua criatura responde, o Espírito não se
limita a reparar a precariedade humana, mas realiza o sonho de Deus
«Eis que faço novas todas as coisas» (Ap 21,5). Assim, se a doença
inclina o coração humano a dobrar-se sobre si mesmo, o crer e o pro-
meter de Zatti, nutridos pelo amor ao Senhor Jesus e à Cruz, produz
a verdadeira saúde: um maior esquecimento de si e uma condescen-
dência incondicional a Deus, que o leva a ser o humilde apóstolo dos
mais pobres, dos doentes e a tornar-se, entre eles, o apóstolo dos casos
mais difíceis; em suma, dos abandonados e descartados deste mundo.
Artêmides, renascido para uma pobreza maior, rende-se, em con-
fiança plena e operosa, ao plano do Pai: «Ex auditu posso dizer que [na
vida do Servo de Deus] houve uma vontade geral de que Deus deveria
ser glorificado. Até onde eu o pude conhecer, posso assegurar que ele
viveu para a glória de Deus».71
A subordinação de tudo à glória de Deus e o sacrifício dos próprios
modos de ver — inclusive dos próprios projetos de bem — para ir ao
encontro da sabedoria de Deus, que por si só realiza a plenitude do
Amor, será essencial não só à experiência espiritual deste salesiano
extraordinário, mas também à pedagogia da dor que ele terá de
praticar em razão da especificidade da sua missão.
Naquele “sarei” de Zatti, realiza-se não só uma graça, mas uma
escola, e ambas são moldadas pelo dedo de Deus para o bem dos
irmãos: livre de doenças, Artêmides servirá aos doentes por toda a
vida, depois de passar pela verdadeira cura que fará dele o verdadeiro
médico das criaturas sobre as quais ele se inclinará.
«Ele fazia frequentemente o sinal da Santa Cruz e fazia com que os
doentes o fizessem; ele gostava de ensiná-lo às crianças. Nele, a fé e
os medicamentos formavam uma simbiose; sem a fé ele não curava, e
nem sequer sem os medicamentos. Da mesma forma, ele não via uma
dicotomia entre a alma e o corpo; o homem era um só, e ele curava
este homem: corpo e alma».72
70 Positio, 81.
71 Summarium 15.
72 Summarium 80.

2.6 Page 16

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58 ATOS DO CONSELHO-GERAL
Somente por ser conduzido pela mão de Deus a viver o sarar como
morrer a si mesmo, Zatti poderá aproximar-se dos doentes com a
medicina do Amor Encarnado e Crucificado, oferecendo conforto,
luz e esperança.
2. TESTEMUNHA DA PÁSCOA
Se na vida de Zatti — devido à forma como ele foi alcançado pelo
chamado de Deus — o Evangelho da vocação brilha de forma original
e muito atual, a sua semeadura apostólica realiza-se como a arte de
cuidar à luz da Páscoa.
A coerência pascal é a regra de fidelidade de todo apostolado
cristão: nos santos, a prática desta regra atinge o esplendor, trazendo
a vida de Deus para os trabalhos dos homens, da história, do mundo,
construindo assim a Igreja.
Zatti praticou com paixão pascal a coragem do sofrimento humano
e assim construiu a Igreja como verdadeiro hospital de campo (como o
Papa Francisco continua a repetir hoje), precisamente transformando
em células vivas da Igreja dois hospitais que surgiram “no fim do
mundo”.
O hospital São José e, depois, o hospital Santo Isidro foram, entre
o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, um re-
curso sanitário precioso e único para o cuidado, sobretudo dos pobres
de Viedma e da região do Rio Negro: o heroísmo de Zatti fez deles
lugares de irradiação do amor de Deus, onde o cuidado com a saúde
torna-se uma experiência de salvação.
Zatti dedicou a sua vida à parábola do Bom Samaritano. O samari-
tano é Cristo, o Deus próximo (no seu Filho Amado) que não conhece
a indiferença e o desprezo, mas oferece-se a si mesmo, antecipada-
mente, para curar até o último de seus filhos e filhas, através da pro-
ximidade do amor, para que o mal da história não condene nenhum
desses pequenos a perecer fora de Jerusalém.
Eis o milagre de Deus: naquele pedacinho de terra patagônica, onde
a vida de Zatti flui, ganhou vida uma página do Evangelho. O Bom
Samaritano encontrou rosto, mãos e paixão, sobretudo pelos peque-
nos, os pobres, os pecadores, os últimos. Assim, um hospital tornou-se

2.7 Page 17

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 59
Estalagem do Pai, tornou-se sinal de uma Igreja que queria ser rica de
dons de humanidade e Graça, morada do mandamento do Amor de
Deus e do Irmão, um lugar de saúde como garantia de Salvação.
São numerosas as testemunhas que nos permitem contemplar a
experiência de uma Igreja acessível naquele hospital de campo trazida
à vida pelo coração inflamado de Zatti: dando-lhes a palavra, surge
mais uma vez o encanto de Artêmides preocupado em curar aqueles
que confiaram nele, tanto com os medicamentos da arte médica
quanto com a presença, a simpatia, a oração por todos e com todos, e
com a expressão quotidiana da fé deste humilde salesiano. Tudo isso
certamente provou ser mais eficaz do que muitos medicamentos.
2.1. Cura pascal e serviço (diakonia) da vida ferida
Onde há santidade, a Igreja se difunde, e há santidade onde se
edifica a Igreja. Aqueles que conheceram Zatti, aqueles que foram
acolhidos em seu hospital, experimentaram a fraternidade e nessa
fraternidade experimentaram a Igreja.
Zatti viveu com radicalidade evangélica a certeza de que o serviço,
que era a sua característica vocacional — uma diakonia — torna a
face da Igreja credível, reconhecível, amável. A porta do serviço atrai
o coração humano, especialmente quando provado pela vida e pelo
sofrimento, e abre-se para a experiência de um encontro com Jesus,
o verdadeiro Bom Samaritano, e Zatti fez o seu melhor para viver
como um Bom Samaritano. «O hospital e as casas dos pobres, visita-
dos noite e dia viajando de bicicleta, agora considerado um elemento
histórico da cidade de Viedma, foram a fronteira de sua missão. Ele
viveu a doação total de si mesmo a Deus e a consagração de todas as
suas forças ao bem do próximo».73
Zatti é testemunha de serviço e, assim como Jesus, se entregou até
o fim, Zatti realizou até o heroísmo, nos passos de seu Senhor, uma
entrega e diakonia plenamente cristã. Merecem ser ressaltadas, com as
palavras unânimes das testemunhas, as características extraordinárias
da diakonia evangélica de Zatti: a universalidade da sua dedicação, a
73 J. E. Vecchi, o.c., p. 21.

2.8 Page 18

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60 ATOS DO CONSELHO-GERAL
totalidade do dom de si, a generosidade nascida com Deus ao lado, em
obediência a Ele, realizada n’Ele e para Ele.
Que o serviço de Zatti não conhecia nenhum particularismo e não
tinha preferência de pessoas está sob os olhos daqueles que o conhe-
ciam: «Sei que ele visitava a prisão para cuidar dos doentes. Com os
descrentes e inimigos da Igreja, ele era disponível e amável. Lem-
bro-me de um médico comentando o título do livro do P. Entraigas,
O parente de todos os pobres, dizendo que ele deveria ser corrigido
para “o parente de todos” pela equidade com que ele [Zatti] não fazia
distinção entre todos os que o procuravam».74
Se no serviço e na doação de si da parte de Zatti havia uma prefe-
rência por alguém, esta era a preferência ensinada pelo Bom Pastor,
sensível sobretudo à sorte das ovelhas mais feridas e dispersas: «Foi
uma das predileções [de Zatti] a sua total entrega a Deus nas pessoas
humildes, indefesas ou com enfermidades repugnantes a tal ponto que
quando alguém queria enviá-las a um asilo porque estiveram muitos
anos no Hospital São José, ele respondia que esses verdadeiros para-
-raios do Hospital não deveriam ser abandonados».75
Zatti servia com tudo o que era, consumindo-se em uma
generosidade não calculada nas formas mais díspares de uma atividade
febril, orientada apenas a responder aos pedidos de todos: «Como
todos estavam conscientes da sua bondade e da sua boa vontade
em servir aos outros, todos se voltavam para ele com as coisas mais
diversas. [...] Os diretores das Casas da Inspetoria escreviam para
obter conselhos médicos, enviavam-lhe irmãos a serem assistidos,
confiavam-lhe pessoas de serviço que tinham ficado incapacitadas por
serem doentes crônicos. As Filhas de Maria Auxiliadora não ficavam
atrás dos salesianos ao pedir favores. Os emigrantes italianos pediam
ajudas, escreviam para a Itália, solicitavam documentos, os que
tinham sido bem cuidados no hospital, como se fosse uma expressão
de gratidão, enviavam-lhe parentes e amigos para ajudá-lo por causa
da estima que tinham pelos seus cuidados. As autoridades civis tinham
frequentemente pessoas incapacitadas para dar atenção e recorriam a
Zatti. Os presidiários e outras pessoas, vendo-o em boas condições com
74 Testemunho de Carlo Tassara, Summ. 126-127.
75 Testemunho de Dom Carlos Mariano Pérez, Summ. 52.

2.9 Page 19

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 61
as autoridades, recomendavam-se a ele para que pedisse clemência
para eles ou resolvesse alguns de seus problemas».76
O serviço de Zatti era então contínuo e esquecido de si e,
precisamente por esta razão, não se detinha pela suscetibilidade,
ingratidão, correspondência perdida ou exigências incômodas: «No
servo de Deus, a preocupação com o próximo era extraordinária em
seu trabalho diário; de manhã à noite ele vivia para os seus amados
doentes. Estas circunstâncias se multiplicavam à noite, quando, a
qualquer hora que o chamassem, ele acorria rapidamente. [...] Sei
que muitas vezes ele sofreu pelas exigências excessivas de alguns
doentes, necessidades desordenadas, caprichos, como no caso [...]
de pacientes com doença mental. O Servo de Deus jamais perdeu a
paciência. Lembro-me de vê-lo em mais de uma ocasião sair com
mau tempo, frio e chuva com seu veículo, uma bicicleta que não
era o último modelo, para cuidar dos doentes entre a população,
percorrendo estradas pouco transitáveis».77
O que marcava profundamente a diakonia, o serviço de Zatti a to-
dos, era o seu estar sempre na companhia do Senhor. Ninguém podia
deixar de notar a competência deste generoso enfermeiro, mas igual-
mente evidente era o seu estar em missão com Jesus: «Um fato pessoal
muito concreto: quando eu era noviço e, depois, neossacerdote, vim
a Viedma por causa de alguns pequenos furúnculos que apareciam
especialmente no pescoço e no rosto, o Servo de Deus sempre me re-
cebia com um sorriso, curava-me cauterizando com uma agulha muito
quente, cantarolando o Magnificat enquanto operava e depois incenti-
vando-me a oferecer aqueles sofrimentos pela santa perseverança em
minha vocação».78
Ainda em Zatti brilharam a obediência a Deus e ao seu plano, como
alma de um serviço humilde e confiante, que devia inspirar nos pobres
e nos enfermos sentimentos de abandono em Deus. Tudo encontrava
inspiração em Deus, e tudo o que Zatti realizava era de acordo com o
mandato de Deus, de modo que o serviço deste grande salesiano foi
uma prática contínua e fascinante do preceito do amor: ele «amou a
Deus acima de todas as coisas. Para ele, todas as coisas desta terra eram
transitórias e secundárias. Para mim, Zatti era constante, inabalável em
76 Luís Fiora, Biografia, Positio 132.
77 Testemunho de Dom Carlos Mariano Pérez, Summ. 43-47.
78 Testemunho de Dom Carlos Mariano Pérez, Summ. 43.

2.10 Page 20

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62 ATOS DO CONSELHO-GERAL
seu amor a Deus e em sua piedade. Não apenas nos atos de piedade,
mas em todo serviço ao próximo, ele sempre manteve o nome de Deus
em seus lábios. Ele exortou a todos os que lhe eram próximos a viver
a piedade. Zatti foi permanentemente um exemplo, sua piedade estava
acima do ordinário».79
A diakonia de Zatti, porém, como sempre acontece com os
santos, é um serviço realizado certamente em obediência a Deus,
mas sobretudo em nome de Deus, emprestando a Deus o seu
rosto, o seu coração, as suas mãos, na certeza — fonte de gran-
de audácia — de ser um pequeno instrumento de seu grande
Poder e Providência. Assim, Zatti trabalha com extraordinária
generosidade, mas com abandono total porque sabe que é o seu
Senhor quem age nele: «Ele sempre esperou e confiou em Deus.
A serenidade com que ele superou as dificuldades foi uma de-
monstração da sua esperança em Deus. Ele sempre dizia: “Deus
proverá”, mas o dizia com total confiança e esperança».80
Zatti, verdadeiro crente e homem, é «movido pela caridade
para com o próximo porque via em cada doente o Cristo sofredor.
Tal foi a gentileza que ele usou com os doentes que nada lhes
negava»;81 «para o Servo de Deus, o amor se manifestava na
caridade com a qual ele ajudava os “outros Cristos”. Em sua
concepção evangélica de que tudo o que seus discípulos farão
ao próximo estarão fazendo ao próprio Cristo, o Servo de Deus
se comportava habitualmente com caridade para com todos,
mesmo quando se tratava de incrédulos ou indiferentes».82
Seja vivendo “em saída” em uma Igreja de serviço, capaz de
alcançar os seus pobres com a bicicleta, seja servindo aqueles
que batiam à porta do seu hospital — primeiro em São José e
depois em Santo Isidro — para que pudessem encontrar ali o
amor de Deus, Zatti entregou-se totalmente a Deus, tornando-
-se um servo do Senhor, um autêntico missionário da Igreja em
nome do Senhor Jesus.
79 Testemunho de Oscar Giovanni García, Summ. 113.
80 Testemunho de Ferdinando Enrique Molinari, Summ. 151.
81 Testemunho de Noélia de Tofoni Morero, Summ. 259.
82 Testemunho do P. Luís De Roia, Summ. 271.

3 Pages 21-30

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3.1 Page 21

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 63
2.2. Fraternidade pascal e comunhão (koinonia) na vida
compartilhada
A santidade de Zatti leva-nos ao coração da Igreja não só
pela singularidade da sua diakonia, mas também pela qualidade
da comunhão que floresceu pela entrega de si aos outros. O que a
comunhão fosse para Zatti é atestado tanto pelos testemunhos daqueles
que testemunharam a sua ação como pela forma com que ele passou
pelos momentos mais difíceis que marcaram a sua vida.
Um acontecimento particularmente doloroso para ele ocorreu
quando os superiores optaram pela demolição do Hospital de São
José, ao qual Artêmides havia consagrado toda a sua energia; em
Viedma não faltavam ambientes para o bispo, mas para construir
uma residência episcopal adequada, foi decidido demolir o antigo
hospital, com o ônus de transferir todos os serviços de saúde para as
instalações da Escola Agrícola de Santo Isidro, local de outra obra
salesiana em Viedma.
Para Zatti, a demolição não era uma simples operação edilícia, era
uma provação aflitiva e crucificante: diante dos seus olhos não havia
apenas os escombros de um velho hospital, mas a dúvida de que com
aquelas paredes também tivesse desmoronado a sua vida e ali tivessem
terminado também as suas renúncias e privações, incompreensões e
vigílias, dores de cabeça e suores, dedicação aos outros e autossacri-
fício. Zatti não foi poupado do cálice, mas permaneceu de pé, com
fortaleza e doçura cristãs: «No tempo da demolição do hospital de São
José, ele propusera que o palácio episcopal fosse construído em outro
lugar e o terreno fosse permutado; depois, dada a inexorabilidade da
demolição, que [...] ele sentia enormemente dada a sua extrema sensi-
bilidade humana, ele não se rebelou ou protestou; pelo contrário, ele
acalmou aqueles que tentaram fazê-lo rebelar-se».83
Como sempre acontece na vida dos santos, a provação é ao mesmo
tempo um caminho escuro e uma demonstração luminosa: Zatti, com a
sua serenidade de espírito e alacridade na instalação da nova sede dos
serviços de saúde, demonstrou o fundamento da sua entrega: o verda-
deiro hospital que construiu não podia ser reduzido a escombros por-
que era uma invenção da caridade, daquela caridade que «jamais terá
83 Testemunho de Enrique Mário Kossman, Summ. 10

3.2 Page 22

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64 ATOS DO CONSELHO-GERAL
fim» (1Cor 13,8), e que expressa o milagre da comunhão, um reflexo
da Vida eterna de Deus. O verdadeiro hospital de Zatti não era um edi-
fício terreno, dedicado a São José ou Santo Isidro; naqueles ambientes
o seu profissionalismo acolhia a todos pela porta do serviço para que
pudessem ter uma experiência verdadeira e plena da ternura de Deus.
Zatti não pregou o catecismo da comunhão, mas com a sua santi-
dade ele o encarnou; e o seu hospital não era um edifício imponente,
mas um milagre evidente e quotidiano de serviço e comunhão. Aqui
«o Servo de Deus dirigia o pessoal, composto por várias pessoas que
viviam no hospital, como o superior de uma comunidade religiosa.
[...] O pessoal o amava, venerava e seguia à risca as regras. A cada
um nunca faltou o necessário: moral, espiritual e técnico para o cum-
primento de seus deveres, e isso pela preocupação pessoal do Servo
de Deus».84
É persuasão de todos que justamente a estatura espiritual de Zatti
fizesse dele o artífice da comunhão: «Durante os anos em que estive
na escola do Colégio São Francisco de Sales, o Hospital era uma de-
pendência do Colégio e tudo o que acontecia aqui e ali era conhecido.
Jamais ouvi falar de quaisquer brigas ou mal-entendidos entre os co-
laboradores de Zatti que pudessem ter alguma relevância e ser a causa
de fofocas na cidade ou na escola».85
A comunhão cristã, quando realizada, não passa inobservada pela
sua beleza que choca o mundo prostrado pelo rancor e pela divisão;
são apenas os santos, porém, que conhecem o preço da comunhão, a
sua estranheza ao espontaneísmo, ao imediatismo da simpatia, à fa-
cilidade sem sacrifício. Os santos sabem quanto custa a comunhão
porque sabem qual é a sua fonte: o Peito aberto do Senhor, que realiza
o trabalho de reconciliação entre os homens e com os homens.
Zatti sabe que somente o Sangue do Senhor cria comunhão, e ele
escolhe o caminho da participação fiel e quotidiana no sacrifício do
Filho, com o sorriso no rosto, a fortaleza na alma, a paz no coração,
as mãos trespassadas pelo trabalho e pelo cansaço. Tornando quase
imperceptível o empenho exigido pela sua imolação, Zatti «foi um ho-
mem que irradiava paz, [homem] de ação, dinâmico, sem demonstrar
nervosismo, alegre. Com frequência improvisava um chiste [...] para
84 Testemunho do P. Antonio F. Fernández Prieto, Summ. 61.
85 Testemunho do P. Mario Brizzola, Summ. 75.

3.3 Page 23

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CARTAS DO REITOR-MOR 65
animar o doente [...]. Foi um homem que não vacilou em suas práticas
religiosas, [...] sinal do seu esforço para melhorar a si mesmo. Pes-
soalmente, o que eu mais notei nele foi a sua caridade e humildade».86
A humildade de Zatti constrói a Igreja e faz do cristão a comunhão
da qual ele mesmo é o artífice; quem não morre todos os dias a si mes-
mo traz consigo o peso do egoísmo que fere a comunhão; só a humil-
dade cura as relações e supera as adulações do poder, do controle, da
sedução, da prevaricação. Zatti, sem multiplicar palavras ou discursos,
sabe que somente a humildade pode criar a verdadeira koinonia, fruto
e condição de uma diakonia eficaz e discreta, que não cria dependên-
cia, mas restaura a dignidade; somente a humildade serve de maneira
generativa, promovendo uma comunhão que cura a relação e promove
a autonomia. A humildade é a virtude de Deus, porque é o segredo do
pai, a esperança do filho, o espírito da verdadeira vida.
Zatti pode ser servo e artífice de comunhão pela humildade que
fez dele um simples filho de Deus, vivo da Vida do Espírito e pai de
todos: «Creio que no relacionamento de Zatti com seus colaboradores
nunca houve problemas porque ele era como o pai de todos. Lembro
que todos sentiram muito a sua ausência quando esteve em Roma para
a canonização de Dom Bosco»;87 «a relação do sr. Zatti com o hos-
pital era como o de um pai. Desconheço qualquer mal-entendido ou
dificuldade: se houve alguma, acredito que não foi da sua parte. Das
enfermeiras com quem lidei [...], jamais ouvi algo além de elogios e
nenhuma reclamação».88
2.3. Proximidade pascal e martyria da vida sem fim
Nosso irmão Artêmides Zatti testemunhou realmente com a vida
(martyria) que o Senhor ressuscitou. «Eu sou a luz do mundo» (Jo
8,12), diz o Senhor de si mesmo. O Evangelho é Luz que quer penetrar
na vida das pessoas, e Luz para o mundo é a Igreja, sacramento vivo
de Deus. A santidade de Zatti, alimentada pela Páscoa de Jesus, é luz,
e sobretudo os pobres e doentes de Viedma fazem experiência disso.
Zatti recebe-os através da porta do serviço, mantém-nos dentro das
86 Testemunho de Oscar João Garcia, Summ. 113.
87 Testemunho de José Nicola Costanzo, Summ. 103.
88 Testemunho de Amália Teresa Giraudini, Summ. 117.

3.4 Page 24

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66 ATOS DO CONSELHO-GERAL
paredes da comunhão, mas para oferecer-lhes, com o seu testemunho de
vida, a luz do Evangelho, o esplendor da Páscoa que ilumina a Igreja.
Crentes e não crentes ficam fulgurados pelas palavras e gestos de
Zatti; o seu testemunho não tem sombras, é extraordinariamente sale-
siano, chega a todos e anuncia, através de dois nomes, duas caracterís-
ticas decisivas do Deus de Jesus: Providência e Paraíso.
Não há Igreja onde não houver um anúncio explícito do nome de
Deus, um anúncio saldado com o martírio da vida, com o sangue ou
com a caridade; aonde vão o serviço e a comunhão de Zatti, ressoa a
proclamação do nome de Deus, desses dois nomes, tão cristãos e tão
salesianos: Providência e Paraíso.
Zatti anuncia com a sua vida que tudo em Deus é amor, mas amor
concreto, atento, sem limites, minucioso para cada criatura: o amor de
Deus é Providência. A Providência de Deus, porém, não é por algum
tempo, mas eterna, e aqui está o segundo nome: Paraíso; Paraíso é o
nome próprio do desejo de Deus na história de prover suas criaturas
para tê-las com Ele para sempre, pela eternidade.
Zatti é mestre deste alfabeto cristão: «Era seu desejo constante que
o Senhor fosse conhecido e amado. Atestava-o pela alegria que ex-
pressava quando um novo paciente, que nada sabia de Deus, torna-
va-se cristão devoto. Sua primeira preocupação era curar e inspirar
confiança na Divina Providência».89
O sentido de Providência não era resposta obrigatória às condições
precárias, uma espécie de último recurso oferecido aos náufragos para
não afundar nos momentos difíceis. Testemunhar a Providência para
Zatti significava ensinar as pessoas a falar com Deus, a chamá-lo pelo
nome, com confiança cristã, porque «estava muito convencido dos
princípios evangélicos, e o que estava firmemente esculpido em seu
coração e mente era “buscai antes de tudo o Reino de Deus e a sua jus-
tiça, e tudo o mais vos será dado em acréscimo” (Mt 6,33). Ele tinha
aprendido na escola de Dom Bosco — tendo lido muito a sua vida — a
jamais desconfiar da ajuda de Deus, especialmente quando é honrado
como deseja, no nosso próximo».90
89 Testemunho de Manuel Linares, Summ. 92.
90 Testemunho de Dom Carlos Mariano Pérez, Summ. 36.

3.5 Page 25

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 67
Contudo, uma Providência sem Paraíso não permitiria o anúncio
do nome de Deus para suportar o impacto da história, com seu
fardo de trabalho, sofrimento e morte. Zatti animou, dentro e fora
do hospital, uma Igreja sempre visitada pela dor e pela morte, e isso
exigia plenitude de fé e testemunho, exigia anunciar o nome do único
desejo de Deus para o homem: o Paraíso. Quando dava testemunho do
Paraíso, Zatti mostrava a certeza «da vida eterna e da sua aquisição
pela graça e pelas boas obras; o que ele manifestava especialmente
diante da morte [...]. Eu pessoalmente o vi alegrar-se por poder dar
ajuda religiosa aos doentes e exclamar [...]: “Hoje enviamos dois ou
três deles para o céu”».91
Com estes dois nomes de Deus, Zatti evangelizou a vida e a morte,
a alegria e a dor, a saúde e a doença como verdadeira testemunha
cristã, como um mártir, no martírio quotidiano da caridade. O anúncio
de Zatti e a martyria não divulgam um evangelho de circunstância
ou de oportunidade, mas espalham Sal, Luz, Fermento, emprestam
rosto, coração e mãos a um Evangelho que pede vida e permeia tudo,
dissolve enigmas e vence a angústia com o calor da Verdade: «Desde
quando o conheci, ele sempre deu mais importância às práticas
religiosas do que ao seu trabalho, embora o fizesse com perseverança.
Muitas vezes ele citava as Escrituras, especialmente os Evangelhos,
para consolar os doentes ou incentivar a virtude [...]. Era muito difícil
para ele não inserir um pensamento espiritual em suas conversas. Uma
vez, enquanto falava com ele, mencionei a descoberta de alguns novos
medicamentos como a penicilina e as sulfonamidas; o Servo de Deus
ouviu-me e, quando terminei de falar, ele disse: «É verdade, é verdade,
mas as pessoas continuarão a morrer»».92
De fato, a verdade do Evangelho, em sua plenitude, ilumina o hos-
pital de Zatti, como havia iluminado o Oratório no tempo de Dom
Bosco: é por isso que no hospital de Viedma, como no interior das
paredes de Valdocco, não se teme a morte, nem se multiplicam os
expedientes para suavizar o seu escândalo ou esconder as suas evi-
dências, enganos perigosos para o coração humano. Zatti enfrentou
a morte com o testemunho do Evangelho da vida: uma vida com os
pés no chão, e por isso industriosa e concreta, mas com o coração no
céu, e por isso confiante e sereno: «O único motivo da sua vida foi
91 Testemunho de Enrique Mário Kossman, Summ. 14.
92 Testemunho do P. Mário Brizzola, Summ. 79-80.

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68 ATOS DO CONSELHO-GERAL
precisamente a expectativa do prêmio celeste; nunca agiu para ganhar
dinheiro ou reputação, fez tudo na esperança da felicidade futura».93
O seu empenho foi colocado, embora com simplicidade, em viver
o Evangelho com o coração enraizado no Prêmio final e levar o Deus
da Providência e do Paraíso a cada ferida e cada morte humana, para
que ali florescessem a Vida e a Ressurreição. Isso tornava abençoado o
testemunho de Zatti e ele invocava a sua presença quando eram indis-
pensáveis os medicamentos preciosos e raros da esperança e da con-
solação. Toda a cidade de Viedma sabia disso, como confirmaram com
surpreendente unanimidade as testemunhas: Zatti era sempre chama-
do, e ele apressava-se a confortar e consolar, oferecendo este medica-
mento cristão que ele recolhia, pela vida na Graça de Deus, do mesmo
Espírito, o Consolador. Tornava-se, assim, «extraordinária no Servo
de Deus a capacidade de incutir esperança nos doentes, um fato que
contribuía quase milagrosamente para elevar a alma do sofredor».94
Zatti dá testemunho, até o martírio da caridade, que o Senhor é Deus
do céu e da terra. Zatti dá testemunho disso, com a paixão dos santos,
que não conhece medida: «Lembro-me de um paciente dizer a Zatti
que ele estava sempre o preparando para o céu e que devia prepará-lo
um pouco para a terra. Outro fato mostra a atmosfera do hospital: uma
enfermeira, certa vez, insistiu em preparar para a morte um paciente
que não estava tão doente e que, de fato, ainda está vivo».95
2.4. Alegria pascal e liturgia da vida redimida
Artêmides Zatti, com a sua extraordinária fidelidade aos compro-
missos centrais da vida cristã, nutre-se do Pão da Palavra, do Pão do
Perdão, do Pão do Céu, e a sua vida foi transfigurada, cada vez mais
profundamente, para benefício de uma missão rica de frutos cres-
centes. Assim, a vida da Graça, vivida intensamente por este filho de
Dom Bosco, chega a todos aqueles que o encontram, indistintamente:
doentes e colaboradores, irmãos e autoridades, pobres e benfeitores,
em Zatti, tocam a vida do Senhor através do poder do mistério sacra-
mental que é compartilhado entre as pessoas na comunhão do povo de
93 Testemunho do P. Mário Brizzola, Summ. 80.
94 Testemunho de João Cadorna Guidi, Summ. 218.
95 Testemunho do Dr. Pascoal Atílio Guidi, Summ. 100.

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 69
Deus. E assim toda a Igreja, nos sacramentos, pelo poder do Espírito
Santo, celebra o mistério Pascal e assegura aos homens o alimento
para o caminho e os remédios que curam as feridas do mal e da morte.
Esta é a Igreja: ela floresce e cresce onde o serviço e a comunhão
anunciam o nome de Deus, dão testemunho da Palavra de Jesus, são
nutridos pelo Seu Corpo, curados pelo Seu Perdão. Zatti simplesmente
não faz tudo isso, ele é tudo isso; por causa da correspondência
à Graça, que torna sua vida santa, nele se reconhece não apenas os
gestos e palavras do Senhor, mas experimenta-se a sua mesma Vida:
Zatti é um “tabernáculo vivo”, e o seu testemunho radiante suscita
questionamentos, propósitos, conversão, mesmo naqueles que estão
distantes de uma participação íntima no mistério do Senhor.
A dedicação de Zatti, revelando uma raiz mais do que humana,
torna-se uma prova universalmente convincente do poder sobrenatural
dos sacramentos; o seu, de fato, é «um amor sobrenatural e extraordi-
nário ao próximo. [...] Ele estava disposto a fazer qualquer sacrifício
e é por isso que o difícil parecia fácil para ele. Penso que as circuns-
tâncias difíceis do seu trabalho caritativo foram a escassez de pessoal,
a demanda por assistência em todos os momentos, não ser afetado
pelo mau tempo, servir a todos os tipos de pessoas. Lembro-me de um
parente meu, doente, a quem veio visitar em um dia em que o tempo
estava muito ruim, e quando lhe disseram: “Sai com este tempo, sr.
Zatti?”, ele respondeu: “Eu não tenho outro!”».96
É uma regra da liturgia cristã saber dar uma boa prova de si na vida
do crente com a ordem, a harmonia, o dinamismo eficaz e sobrenatural.
Zatti é cristão, leigo consagrado, salesiano de Dom Bosco, é uma
pedra viva da Igreja, é testemunha da Páscoa, porque em suas obras
se torna visível o mandamento do Amor, que faz reconhecer Deus no
próximo e o próximo em Deus; mas Zatti ensina, com a sua vida, que
a força necessária para praticar esse mandamento é sobrenatural, e
só pode vir de Deus, dos seus sacramentos e da oração e união com
ele. «Zatti exerceu a caridade em circunstâncias difíceis devido à falta
de recursos financeiros. Também porque a sua atividade excedia o
normal, devido à quantidade de horas que dedicava aos seus trabalhos
sem omitir os seus deveres religiosos. Por aquilo que conhecíamos
96 Testemunho de Oscar João Garcia, Summ. 114.

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70 ATOS DO CONSELHO-GERAL
dele, nos perguntávamos como poderia manter um esforço tão grande
sem o repouso que normalmente é considerado necessário».97
Dois episódios merecem ser lembrados como exemplo da litur-
gia da vida pela qual Zatti é primeiro discípulo e depois apóstolo do
Senhor Crucificado e Ressuscitado; primeiro, a demolição do antigo
hospital de São José, com a necessidade de transferir os doentes para
Santo Isidro: «Não tenho informações de que Zatti tenha recebido
uma data para o despejo, e certamente não recebeu nada do seu Ins-
petor, caso contrário eu teria sabido [...]. O estado emocional em que
Zatti caiu quando os doentes tiveram que ser removidos, para que os
escombros não caíssem sobre eles, poderia ter sido psicologicamente
fatal. Chorou amargamente, mas depois de rezar diante do Santíssimo
Sacramento, começou a trabalhar com serena energia»;98 e também o
serviço aos moribundos: «um jovem estava prestes a morrer, e Zatti
estava conversando com ele depois de tê-lo feito receber a comu-
nhão; a certa altura o jovem começou a gritar “Zatti, vou morrer!” e,
no mesmo momento, alçava-se da cama; Zatti, olhando-o nos olhos,
sorriu e disse: “Que bom, vais para o paraíso!” e o jovem deixou-se
cair com um sorriso que retratava o de Zatti, e que ficou impresso em
seu rosto».99
É o que acontece quando a Eucaristia se torna vida e o Mistério
Pascal se torna prática diária: as grandezas humanas transformam-se
pelo poder do Espírito e toda ação do crente é realizada em Cristo, por
Cristo e com Cristo, fazendo da vida uma liturgia e transformando os
santos dons da liturgia em vida.
O nosso querido Artêmides Zatti, devedor em tudo dos Mistérios
do Senhor, sabe que tudo só pode ser feito graças a Ele; daí a sua
humildade: «Lembro-me que, como meu irmão Salvador estava muito
doente com febre tifoide, o Servo de Deus ia tratá-lo várias vezes ao
dia. Em uma ocasião, encontrando-se com ele a caminho da casa de
Salvador, angustiado, eu lhe disse: “sr. Zatti, por favor, salve meu
irmão! Ele virou-se e olhou-me nos olhos dizendo com severidade:
“Não seja blasfemo, só Deus salva!”»! 100
97 Testemunho de Luís De Palma, Summ. 135.
98 Testemunho do P. Feliciano López, Summ. 178.
99 Testemunho do P. Feliciano López, Summ. 174.
100 Testemunho de Pedro Echay, Summ. 211-212.

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 71
A vida de Artêmides Zatti foi uma vida de doação, comunhão e
testemunho do Senhor ressuscitado. Uma vida cheia de graças que o
levou a uma morte plenamente cristã: «Perguntado se suas dores eram
contínuas, fortes ou não, sem dar uma resposta direta, ele me disse:
“Elas são um meio de purificação e eu estou feliz porque percebo que
estou completando a Paixão de Cristo, algo que tanto inculquei nos
doentes”».101
E a oferta de Zatti foi plena, discreta, serena e alegre, como sigilo
da sua liturgia. Merece ser retomada em um florilégio em que, por
atrás do véu da simpatia, Zatti dá a quem o assiste o sentido da sua
vida, que Deus foi capaz de espremer até o fim, porque estava madura
e plena. Alguns meses antes da sua morte, sorrindo da sua doença —
um tumor no fígado, tornando seu rosto amarelo —, Zatti diz a uma
enfermeira que em breve ele também ficará colorido, com a maquia-
gem! A sua, porém, terá, como nos limões, a cor da maturidade, o
que faz com que essa fruta esteja pronta para ser espremida até o fim:
«Você usa maquiagem? Eu também! Dentro de seis meses eu darei a
demonstração. O limão não tem utilidade se não for amarelo».102
3. CONVITE PARA UM EMPENHO EXTRAORDINÁRIO
Este era o título da última parte da carta de Padre Vecchi, à qual me
referi várias vezes, e que gostaria de conservar e compartilhar agora.
Nas páginas anteriores, tentei esboçar a figura extraordinária do nosso
irmão salesiano coadjutor Artêmides Zatti de uma maneira simples,
mas incisiva. O seu caminho de vida, impregnado e cheio de Deus,
é um exemplo para todos. Assim como a sua santidade. Diante desta
grande figura, acende-se em nossa Congregação uma consciência
muito viva da necessidade e da importância de um empenho especial
para promover hoje essa bela vocação. Faço minhas as palavras de
P. Vecchi para pedir a cada inspetoria, a cada comunidade e a cada
irmão nos próximos anos, a partir de agora, «um empenho renovado,
extraordinário e específico pela vocação do salesiano coadjutor
no interior da pastoral vocacional, rezando por ela, anunciando-a
101 Testemunho de Francisco Erasmo Geronazzo, Summ. 274.
102 Testemunho do P. Feliciano López, Summ. 193.

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72 ATOS DO CONSELHO-GERAL
e propondo-a, chamando, acolhendo e acompanhando, vivendo-a
pessoalmente e no conjunto da comunidade».103
Existem ricas publicações sobre a figura do salesiano coadjutor;104
talvez o que precisemos neste momento seja tornar o nosso empenho
mais convincente. Tenho lembrado com frequência em minhas visitas
às inspetorias e também em minhas cartas que devemos, antes de tudo,
ser homens de fé, hoje mais do que nunca entregues no Senhor. Muitas
outras estratégias e planos podem ajudar-nos, mas somente a confiança
no Senhor e o recurso a Ele nos farão sair de uma profunda dificuldade.
O testemunho a seguir, de um irmão coadjutor, tem, em minha opinião,
uma força particular: «Ainda hoje ressoa o “Vem e segue-me”. E é
sempre admirável constatar que também hoje existem jovens aos quais
nada faltaria para orientar-se ao sacerdócio e, contudo, fazem a opção
de leigo consagrado também na Congregação Salesiana. É preciso,
por isso, na pastoral vocacional, crer nessa vocação, completa em si, e
transmitir a sua estima por osmose, sem forçar e distorcer em direção
da figura clerical. É preciso estarmos convencidos de que existem
jovens que não se identificam no modelo presbiteral, enquanto sentem-
-se atraídos pelo modelo do leigo consagrado. Quais os motivos dessa
opção? Todas as motivações são insuficientes: permanece, no fundo, o
mistério da Graça e da liberdade».105
A esta altura, gostaria de convidar-vos a dar uma olhada mais
atenta nas próximas publicações que sairão tanto sobre Santo
Artêmides Zatti como sobre a vocação do salesiano coadjutor em
nossa Congregação, nas diversas regiões e nas propostas dos dois
setores da Pastoral da Juventude e da Formação. Não faltarão
estímulos, reflexões e sobretudo os dons de intercessão do novo
santo, de modo particular pelos seus irmãos salesianos coadjutores
ao redor do mundo, por aqueles que já estão conosco e por aqueles
que virão com a Graça de Deus.
103 J. E. Vecchi, o.c., p. 47.
104 As oferecidas por P. Vecchi estão disponíveis em ACG 373 (2000) e em La
Vocazione del salesiano coadiutore nella pastorale vocazionale, em “Il salesiano
coadiutore. Storia, identità, pastorale vocazionale e formazione”, Editrice SDB,
Roma 1989, 133-161.
105 J. E. Vecchi, o.c., pp. 49-50.

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 73
A força e a beleza de um convite
Creio que não podemos terminar esta abordagem da vida de
Artêmides Zatti sem evocar, mais uma vez, uma carta de 1986, do
Cardeal Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco, escrita a um
salesiano, testemunhando uma graça recebida por intercessão de Zatti.
A história é bem conhecida: quando era Provincial dos Jesuítas da
Argentina, Padre Bergoglio confiou a Zatti um pedido ao Senhor de
santas vocações para a vida consagrada leiga na Companhia de Jesus,
e em uma década a sua Província foi abençoada com 23 novas voca-
ções de religiosos irmãos.
Surpreende que o primeiro salesiano a ser canonizado não devido
ao martírio de sangue seja um coadjutor, e um coadjutor que renun-
ciou, em obediência radical a Deus, à forma de vocação pela qual fora
fascinado, a do sacerdócio, para ficar com Dom Bosco, realizando en-
tão um serviço sacrifical no mundo da doença e do sofrimento.
No entanto, a intensa beleza deste testemunho não pode nos es-
capar; nele brilham os amores fundamentais que devem inflamar o
coração do salesiano: o amor a Deus e à sua vontade, o amor ao pró-
ximo, que em seus membros sofredores é o Rosto próximo de Jesus
Crucificado, o amor à Mãe do Senhor, Mediadora de todas as graças, o
amor a Dom Bosco que promete ao salesiano pão, trabalho e Paraíso.
Esses amores brilham na grandeza luminosa da vida religiosa de
Artêmides, abraçados com alegre radicalidade e generosa laboriosidade.
Nosso irmão Artêmides Zatti mostra-nos como o mundo é sensível
ao testemunho da vida religiosa, desde que esse testemunho seja ver-
dadeiro, confiável, autêntico: o triunfo do seu funeral, a fama da sua
santidade, a veneração do seu túmulo são sinais claros do quanto to-
dos reconheceram o dedo de Deus em ação neste salesiano generoso
e fiel: «Proporcional aos habitantes de Viedma, o número de pessoas
que compareceram ao funeral foi impressionante. De todos os lugares,
pessoas humildes acorriam com pequenos buquês de flores. Além das
autoridades, havia muitas outras pessoas. Nos dias [sucessivos à morte],
as pessoas estavam convencidas de que havia morrido um santo; alguns
iam ao o túmulo esperando milagres: rezavam, levavam flores».106
106 Testemunho de Amália Teresa Giraudini, Summ. 115-116.

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74 ATOS DO CONSELHO-GERAL
A vida de Artêmides Zatti despertou uma cidade e hoje toca o mun-
do inteiro, porque falava de Deus: ele trouxe entre os pobres e os doen-
tes, com a prática exemplar da castidade, o perfume do amor virginal e
fecundo de Deus; ele deu a todos a riqueza da fé, saldando-a com uma
pobreza amada até o ponto de ceder o próprio quarto a um doente ou le-
var para ele um morto a fim de retirá-lo da vista dos outros doentes em
um gesto final de ternura e piedade; ele ensinou a verdadeira liberdade,
obedecendo à custa de lágrimas amargas a vontade dos superiores, re-
conhecendo-os como mediadores do plano de Deus.
Religioso exemplar, com este testemunho, ele ensina a todos que a
saúde a ser conservada acima de todo bem é a da alma, da nossa alma,
tão preciosa porque vem de Deus e a Ele aspira, muitas vezes incons-
cientemente, no desejo de encontrar em Seus braços o Amor eterno.
Possam os amores de Zatti acender os nossos amores; possa o seu
testemunho do Absoluto de Deus, da grandeza da alma e da nossa
verdadeira pátria inspirar os nossos gestos e a nossa paixão pastoral
para uma nova fidelidade apostólica e uma renovada fecundidade
vocacional. Jamais nos falte, como Artêmides Zatti sempre buscou,
a proteção materna de Maria Auxiliadora, e que a devoção à Mãe em
cada casa salesiana do mundo e em cada canto onde a Família de Dom
Bosco está presente, seja um caminho seguro que nos ajude a viver
uma santidade como a deste nosso irmão.
Concluo estas palavras propondo uma oração ao Pai por intercessão
do novo santo salesiano coadjutor, Santo Artêmides Zatti.
Oração de intercessão
para pedir vocações de salesianos leigos
Ó Deus, que em Santo Artêmides Zatti
nos destes um modelo de salesiano coadjutor,
que, dócil ao vosso chamado
com a compaixão do Bom Samaritano
fez-se próximo de cada ser humano,
nos ajude a reconhecer o dom desta vocação,

4.3 Page 33

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1. CARTAS DO REITOR-MOR 75
que testemunha para o mundo a beleza da vida consagrada.
Concedei-nos a coragem de propor aos jovens
esta forma de vida evangélica
a serviço dos pequenos e dos pobres,
e fazer com que aqueles a quem chamais para este caminho
responda generosamente ao vosso convite.
Nós vo-lo pedimos por intercessão de Santo Artêmides Zatti
e pela mediação de Cristo Senhor.
Amém.
Saúdo-vos com verdadeiro afeto e unidos no Senhor com a oração
recíproca.
Turim, 24 de setembro de 2022.
P. Ángel Fernández Artime, S.D.B.
Reitor-Mor