ACG 335 - O que mais vivamente nos interessa e o padre de 2000_Vigano-pt


ACG 335 - O que mais vivamente nos interessa e o padre de 2000_Vigano-pt

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VIGANÒ Egídio
O QUE VIVAMENTE NOS INTERESSA
É O SACERDOTE DO ANO 2000
Atos do Conselho Geral
Ano LXXII – janeiro-março, 1991
N. 335
Introdução – O sesquicentenário da ordenação sacerdotal de Dom Bosco – O Sínodo 90, sobre a
formação do Sacerdote hoje – A “corajosa clareza” dos padres sinodais – A absoluta originalidade do
“sacerdócio” da Nova Aliança – A consagração batismal e o ministério ordenado – O delicado tema do
“Religioso-Presbítero” – Dom Bosco: Padre e Fundador para os jovens – Urgência de uma melhor
formação salesiana – O CG23 e o nosso crescimento pastoral – Gratidão ao Pai e entrega a Maria.
Roma, 8 de dezembro de 1990
Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria,
.
Queridos Irmãos,
o novo ano seja para todos um tempo de intensificação do espírito de Dom Bosco
nos corações. Assim poderemos, dia após dia e de maneira gradual, tornar realidade as
perspectivas pedagógico-pastorais do CG23.
Seja dada importância ao “dia da comunidade”.1 Será oportuno, naquela reunião
comunitária que é momento vital de formação permanente, rezar como “oração” o
que diz o documento capitular no n. 95: “Nós cremos que Deus ama os jovens...
Cremos que Jesus quer partilhar ‘sua vida’ com os jovens... Cremos que o Espírito
Santo se faz presente nos jovens... Cremos que Deus nos está a esperar nos jovens
para oferecer-nos a graça do encontro com Ele e para dispor-nos a servi-Lo neles...”.
Rezando juntos por inteiro este texto, cresceremos na nossa característica experiência
que nos faz considerar o momento educativo como o lugar para nós privilegiado do
encontro com Cristo.
Gostaria de exortar os Inspetores e os Diretores para que insistam sobre a
formação permanente de maneira que o “da mihi animas” seja, além do lema que nos
caracteriza, também e sobretudo o clima ideal de saúde das casas ou, como dizia o P.
Rinaldi, o pulmão do nosso “respiro pelas almas”.2
1 CG23 222.
2 Cf. ACG 332, p. 38-41.
1

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Para favorecer este clima considero útil convidar-vos a refletir sobre o recente
acontecimento eclesial do Sínodo dos Bispos, voltado exclusivamente para a formação
sacerdotal. Todo acontecimento verdadeiramente eclesial é por si mesmo um fato
familiar. E um tema que nos interessa como Congregação, por vários motivos.
O sesquicentenário da ordenação sacerdotal de Dom Bosco
Temos primeiramente uma comemoração significativa que nos convida a repensar
as origens históricas do nosso carisma: dia 5 de junho próximo completa-se o
sesquicentenário da ordenação sacerdotal de Dom Bosco. E uma data particularmente
significativa na vida do nosso Fundador e, por ele, muito bem preparada e esperada.
Ela ajuda-nos a compreender melhor o seu coração pastoral. É através da peculiar
fisionomia do sacerdote, própria de Dom Bosco, que nós devemos aprofundar a nossa
missão juvenil e popular.
Se depois somarmos os jovens irmãos que aspiram e se preparam na Congregação
para o ministério sacerdotal, desde os pós-noviços aos tirocinantes e estudantes de
teologia, chegamos ao considerável número de mais de três mil. E se acrescentamos
mais quatrocentos e cinquenta noviços aspirantes ao presbiterado, chegamos ao total
de três mil e quinhentos. São dados que lembram a grave responsabilidade que temos
diante da Igreja e que nos fazem pensar em tantas expectativas de amizade com Cristo
que se multiplicam (também anonimamente) no coração dos jovens. Estes números
levam-nos ainda a um profundo sentido de agradecimento e de humilde alegria
quando os consideramos como um sinal mais do que consistente da bondade e
vontade de Deus em favor da continuidade e crescimento do carisma do Fundador.
“Cada vocação — afirmam as Constituições — manifesta que o Senhor ama a
Congregação, deseja-a viva para o bem da sua Igreja e não cessa de enriquecê-la com
novas energias apostólicas”.3
Nós nascemos do coração ardente de Dom Bosco sacerdote. Partilhamos com ele
uma missão “pastoral” que assume a responsabilidade pela vida de fé dos jovens e das
classes populares. Vivemos e trabalhamos juntos,4 animados, sustentados e
orientados, em nível mundial, inspetorial e local, por um irmão que se inspira
constantemente no seu zelo sacerdotal “pela graça do ministério presbiteral e pela
experiência pastoral”.5
O rosto da nossa Congregação possui fisionomia original, em cujos traços (vividos
em fraterna complementariedade entre irmãos leigos e padres) é nota constitutiva de
sua identidade. Somos uma comunidade de “clérigos e leigos que vivem a mesma
vocação em fraterna complementariedade”.6
3 Const. 22.
4 Const. 49.
5 Const. 121.
6 Const. 4.
2

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O argumento estudado no Sínodo toca-nos, pois, de perto.
Mas além disso, e sobretudo, ele insere-nos vitalmente, com todos os fiéis, no
inefável mistério de Cristo, no centro mais intenso de seu amor e da sua missão.
Transfere-nos aos acontecimentos da Páscoa e à celeste mediação do Ressuscitado
que intercede sem cessar por nós diante do Pai. A ação litúrgica da Igreja está
enraizada n’Ele e incorpora todo dia, através da Eucaristia, a nossa criatividade e a
nossa vida no sublime ato sacrifical que permanece definitivamente no céu como ápice
do amor humano na história.
Tudo isto estimula-nos fortemente a considerar o Sínodo como fato providencial
que ajuda a melhorar a qualidade de vida espiritual dos irmãos e das comunidades.
Queremos neutralizar a forte afirmação que entre nós haveria “muitos sacerdotes,
mas pouco sacerdócio”. Trata-se evidentemente de um paradoxo; contudo, só a
suspeita de que exista algo de verdade nos entristece e nos obriga a uma séria revisão.
O recente Sínodo, considerado aqui de maneira inicial, indica um apoio para ir
adiante.
O Sínodo-90, sobre a formação do Padre hoje
Seguimos este oitavo Sínodo ordinário dos Bispos através dos jornais. Não é
suficiente. Queremos aproximar-nos um pouco mais dele para ler sua mensagem em
seu interior.
Iniciamos com alguns dados que servem para melhorar o nosso ponto de
observação.
O Sínodo-90, longamente preparado também com a contribuição das Conferências
episcopais, realizou-se no Vaticano de 30 de setembro a 28 de outubro. Participaram
238 padres sinodais, 17 peritos e 43 observadores de diferentes nacionalidades.
Estavam presentes também quatro bispos salesianos: o card. Rosálio Castillo e os
bispos Óscar Rodriguez, Basílio Mvé e Juan Abelardo Mata.
Pela primeira vez estavam presentes todos os representantes do episcopado do
Leste europeu, tanto que entre os grupos linguísticos foi inaugurado o “círculo menor
eslavo” (formado por ucranianos, checoslovacos, um letão, um bielorrusso, iugoslavos
e polacos). O que estes bispos falaram sobre as vicissitudes de suas Igrejas foi motivo
de emoção e de longos aplausos. Por exemplo, Dom Alexandre Todea (metropolita de
Fagaras e Alba Julia na Romênia) descreveu com muito realismo os sofrimentos
causados pelas perseguições: um total de mil anos de cárcere para bispos, sacerdotes,
fiéis; sete bispos mortos nas prisões e uma ditatorial e opressora organização ateia da
sociedade.
O tema de estudo no Sínodo era: A formação dos sacerdotes nas circunstâncias
atuais. Durante as quatro intensas semanas de trabalho foram formuladas quarenta e
uma “Proposições” para serem entregues ao Papa (com outras contribuições) para a
redação da Exortação apostólica pós-sinodal.
3

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Mais do que propostas sintéticas, estas “Proposições” constituem temas bem
definidos com indicações para um ulterior desenvolvimento. Apresentam brevemente
os contextos culturais em que vivem hoje os cristãos, com uma visão daquilo que
pensam os Pastores sobre a evolução da sociedade. Tratam depois das vocações e do
seu discernimento, do sacerdócio comum no Povo de Deus e da identidade e missão
do serviço próprias do presbítero, dos meios e dos conteúdos da formação inicial, da
importância da formação permanente e de vários problemas inerentes à vida dos
padres.
Recorde-se, em particular, a relação do pró-prefeito da Congregação para a
Educação Católica, Dom Pio Laghi, sobre a situação atual das vocações: lenta e difícil
retomada na Europa e na América do Norte, constante incremento e diferenciado
aumento na África, América Latina e regiões asiáticas.
Evidentemente, no centro de tudo (e é o aspecto que mais nos interessa) está a
consideração do sacerdócio da Nova Aliança em seus dois aspectos de consagração
batismal (ou seja, do sacerdócio comum a todos os fiéis) e de ministério ordenado (ou
seja, próprio dos sacerdotes e dos bispos).
Infelizmente, a imprensa em geral não apresentou os valores e a riqueza
renovadora deste Sínodo; e não era mesmo fácil fazê-lo por várias razões. Não poucos
jornais e revistas de inspiração mais ou menos laicista, sempre atrás do
sensacionalismo, fizeram avaliações superficiais e desatualizadas com juízos bem
negativos.
Os nossos contatos diretos com os padres sinodais, no entanto, oferecem outra
avaliação: extraordinária convergência dos participantes e serena perspectiva para o
futuro. O Secretário Dom João Schotte, no último encontro com a imprensa, falou de
“forte convergência”, de “fraterna colegialidade efetiva e afetiva”. E o card. Godofredo
Danneels, arcebispo de Bruxelas, que já tinha participado de vários Sínodos anteriores
afirmou que este fora o melhor Sínodo de que participara.
Pode-se sublinhar dois aspectos característicos do clima sinodal. O primeiro é o fato
de que quase dois terços dos bispos participavam pela primeira vez de um Sínodo e a
maioria não tinha tomado parte do Vaticano II (com exceção de vinte), de maneira que
o secretário Dom Schotte afirmou que este poderia ser considerado o primeiro Sínodo
de fato “pós-conciliar”. No entanto brilha nele uma forte fidelidade aos grandes
conteúdos do Vaticano II.
O segundo aspecto é a ótica de esperança, alimentada pela confiança na
intervenção do Espírito Santo em favor das vocações e da santidade do clero. Os
padres sinodais puseram-se acima de maliciosas e costumeiras afirmações
propagandistas de enfraquecimento ou de atraso sociológico, e também além dos
fantasmas do envelhecimento: foi um Sínodo aberto à juventude da Igreja, em nada
desconfiado de sua caminhada em direção do terceiro milénio.
4

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O Papa quis explicitamente sublinhar os frutos espirituais da vocação ao sacerdócio
ministerial com a beatificação de dois sacerdotes muito beneméritos: José Allamano
(ex-aluno de Valdocco) e Aníbal Maria Di Francia.
Portanto, um Sínodo rico de esperança que confia na presença e no poder do
Espírito Santo que renova o sacerdócio na Igreja.
A “corajosa clareza” dos padres sinodais
O secretário Dom Schotte, apresentando sua avaliação global sobre o Sínodo, falou
entre outras coisas de “corajosa clareza” ao dar uma resposta adequada às várias
teorias e dúvidas suscitadas sobre a identidade do ministério sacerdotal e, portanto,
sobre a formação do presbítero. Circulam, de fato, já há vários anos, algumas in-
terpretações que projetam a renovação do “ministério” insistindo sobretudo em
princípios sociológicos, para chegar à conclusão que deve ser considerado como uma
“função” da comunidade em lugar de ser uma “consagração” sacramental. Tal
interpretação funcional marginalizaria a doutrina tradicional sobre o sacerdócio
ministerial, pois apresenta o ministério como uma tarefa delegada pela comunidade
local. O sacerdócio, assim, não estaria relacionado com o caráter indelével, nem com a
lei do celibato; estaria aberto a todos e teria uma grande variedade de formas de
acordo com as exigências culturais dos lugares e dos tempos. Não seria mais uma
“mediação sagrada” (como afirmam), sobrecarregada por uma estrutura de “poder e
dignidade” que se foi acumulando com o passar dos séculos, mas um serviço simpli-
ficado que responderia, segundo as atuais exigências da socialização humana, a uma
participação que nasce da base, significando, de fato, partilha e corresponsabilidade
democrática de todo o Povo de Deus. A identidade do ministério, portanto, deveria ser
buscada mais nas leis específicas da sociedade humana do que na relação sacramental
com Cristo; seria assim posta em discussão a sucessão apostólica visando uma
estrutura não mais hierárquica da Igreja.
Não devemos nos espantar se este tipo de teoria, juntamente com as grandes
mudanças socioeclesiais do nosso tempo, tenha trazido consigo uma crise da
identidade sacerdotal, de modo que na lista das “circunstâncias atuais” a serem
estudadas encontra-se — também e sobretudo — a redefinição da identidade
sacerdotal.
Além da confusão que nasceu com estas teorias, circulam também algumas
posturas metodológicas sobre o processo de formação. Apesar da reta intenção, elas
privilegiam a práxis de quem está na vanguarda entre os destinatários de forma tal que
não se respeita — nos vários casos e de fato — os passos da gradualidade, as
exigências espirituais da incorporação ministerial ao sacerdócio de Cristo e as
competências específicas da missão pastoral.
Eis porque, para os padres sinodais, devia-se considerar entre “as circunstâncias
atuais” do tema em estudo também, e primariamente, estas sérias dificuldades. Deste
5

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ponto de vista, o Sínodo pode ser considerado uma profecia bem atual em favor do
Padre do Ano Dois Mil. Sentia-se a sua necessidade!
Sem dúvida, nas quatro semanas de trabalho, foram apontados alguns limites na
elaboração do tema, que em si é muito vasto. Falou-se quase somente do sacerdote
“diocesano”; e não se falou muito dos questionamentos que as situações pastorais
hoje apresentam. Devemos, todavia, salientar que existe uma variedade tão ampla de
carismas sacerdotais e de contextos socioculturais que era impossível ver tudo num
espaço de tempo tão reduzido. A nós interessa lembrar aqui as palavras do card. Jean
Jérôme Hamer, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada.
Afirmou: “Nos Institutos religiosos ‘clericais’, o exercício do ministério sacerdotal
pertence à natureza mesma destes Institutos. Para estes religiosos-sacerdotes, o
exercício da Ordem sagrada não é um elemento a mais, exterior, de uma vida religiosa
já completa. Este fato tem uma importância notável nos vários campos, mas
especialmente no campo da formação. Cada superior-maior é responsável pela
manutenção da perfeita unidade de formação ao sacerdócio e de formação à vida
religiosa, de acordo com a própria identidade (carisma) do Instituto.7
Estas considerações ajudam-nos a desenvolver algumas reflexões principalmente
sobre a originalidade da nossa Congregação. É bom que sejamos nós mesmos a
enfrentar os aspectos da índole própria do nosso carisma.
Em todo caso, encontramos no Sínodo uma Proposição que trata das relações entre
sacerdotes seculares e religiosos, insistindo sobre a importância do documento
Mutuae Relationes8 Outras Proposições falam do envolvimento pastoral que deriva
concretamente do território (Igrejas particulares e Conferências episcopais). Isto
envolve diretrizes também para religiosos. Acenou-se ainda ao significado eclesial do
“presbitério” para todos os sacerdotes.
Fazemos votos que a Exortação apostólica do Papa nos dê como presente alguma
orientação a mais.
Por outro lado, o argumento das “circunstâncias atuais” será tratado numa
perspectiva mais ampla nas próximas reuniões episcopais: o Sínodo especial para a
Europa no ano de 1991, a 4ª Assembleia do Episcopado latino-americano em 1992 e o
Sínodo especial para África em 1993.
O próprio Santo Padre reconheceu a necessidade que se prossiga neste sentido a
reflexão iniciada com este Sínodo. Na alocução de 27 de outubro no encerramento da
última assembleia geral, o Papa, depois de ter falado da “grandíssima importância” da
formação sacerdotal, acrescentou: “Os problemas lembrados interessam à Igreja
universal. A reflexão deve ser continuada e aprofundada de acordo com as
orientações elaboradas pela assembleia sinodal, visando sua aplicação às diferentes
situações das Igrejas locais. Este aprofundar insere-se normalmente na lógica da
7 L’Osservatore Romano, 12 de outubro de 1990.
8 Roma, 14 de maio de 1978.
6

1.7 Page 7

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atividade sinodal. Esta última só dará seus frutos nas realizações que tiver inspirado e
orientado”.9
A absoluta originalidade do “sacerdócio” na Nova Aliança
Sem dúvida, o surgimento dos sinais dos tempos, a nova relação da Igreja com o
mundo e as exigências de renovação do ministério ordenado nascidos dos
compromissos da nova evangelização, exigem uma atenta e profunda reconsideração
da natureza e do exercício do sacerdócio cristão. Isto o Concílio de Trento por especiais
contingências históricas não apresentou em toda sua amplitude.
A todo o Povo de Deus interessa enormemente a clareza e a certeza sobre um dos
aspectos mais vitais e constitutivos da Igreja. Ter uma visão de fé em relação à
identidade sacerdotal significa intuir mais profundamente, na medida do possível, o
mistério de Cristo. Tendo, pois, clara a identidade, resultará mais fácil abrir-se na busca
de novas modalidades para o exercício ministerial sem correr graves riscos de desvios.
O ponto de referência buscado pelos padres sinodais nesta consideração foi a
doutrina presente nos grandes documentos do Vaticano II. É útil lembrar as linhas
principais. Será alimento cotidiano da contemplação da nossa fé.
A noção de “sacerdócio” cristão na Nova Aliança não pertence à concepção própria
das religiões; elas situam o sacerdócio no contexto do sagrado e dos ritos. Na Nova
Aliança, no entanto, ele é um elemento histórico que vem diretamente do homem
Jesus Cristo através dos fatos pascais de salvação. Não é, pois, uma expressão religiosa
de sacralidade, mas fundamenta-se sobre um acontecimento histórico, localizado, que
atinge toda a realidade do homem. Influi, de fato, sobre a significação global de sua
existência e de sua vocação como pessoa no mundo. O Cristianismo mais do que
“religião” vive de “fé”; nele existe um único verdadeiro “Sacerdote” com um único e
eficaz “Sacrifício”: é Cristo com sua Páscoa!
“Ele não foi constituído Sacerdote por motivo de uma regra humana, mas segundo
o poder de uma vida imperecível”.10 Do ponto de vista religioso da tradição hebraica
Jesus Cristo era, diríamos hoje, um “leigo”: “pertencia a outra tribo que não tinha
membro algum a serviço do altar. Pois é notório que nosso Senhor surgiu de Judá,
tribo da qual Moisés nada disse ao falar dos sacerdotes”.11
E também o seu “Sacrifício” é único e realiza-se nos acontecimentos históricos da
sua paixão, morte e ressurreição: “ofereceu-se em sacrifício uma só vez”,12 e não num
templo ou em lugar sagrado, mas na colina do Calvário num acontecimento social de
condenação no patíbulo da cruz. Daí passou uma vez por todas ao verdadeiro
9 L’Osservatore Romano, 28 de outubro de 1990.
10 Hb 7,16.
11 Hb 7,14.
12 Hb 9,28.
7

1.8 Page 8

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santuário, foi colocado ao lado de Deus para realizar a mediação definitiva.
“Atravessando a tenda maior e mais perfeita, não constituída por mãos humanas,
entrou de uma vez para sempre no santuário”.13 A paixão e a morte são em Cristo
expressão do mais alto amor que um homem jamais poderá demonstrar, e a
ressurreição traz este supremo sacrifício diante do Pai de maneira perene e
continuamente ativa.
Nunca houve e nunca poderá haver um sacerdócio mais original do que este. Ele
atinge, dizíamos, a própria realidade do homem no interior de sua própria natureza e
em seu devir na história. Cristo é sacerdote enquanto homem; e como homem pascal
é o “segundo Adão”, ou seja, o primogênito da “nova humanidade”. Revela seu
mistério e renova-o segundo a plenitude de suas possibilidades de rei da criação.
Restitui-Ihe, de fato, aquela dignidade de liturgo do universo que perdera com o
pecado do primeiro Adão. Sim, o homem era chamado, desde o primeiro ato criador, a
ser o intérprete do mundo junto de Deus; a verdadeira liturgia devia ser “o homem
vivo” com sua consciência, sua gratidão, sua fraternidade e toda a sua história.
Que desastre trouxe o pecado! Só Cristo, com seu único e indefectível sacerdócio,
pôde reabilitar maravilhosamente (“mirabilius”!) o homem e restabelecê-lo em sua
dignidade e vocação. O seu sacerdócio, portanto, entra a fazer parte de uma
antropologia objetiva e integral que deveria interessar todo homem e todas as
criaturas.
O sacerdócio de Cristo, apesar de ser único, não é uma realidade isolada como se
Ele fosse o herói exclusivo; pelo contrário, é a expressão da mais profunda e universal
solidariedade, a do primogênito entre muitos irmãos, de verdadeiro “chefe” do corpo
de toda a humanidade: é, n’Ele e por Ele, o sacerdócio e o sacrifício “do homem”, de
todos os homens.
A consagração batismal e o ministério ordenado
Para alcançar este objetivo de envolvimento de todos, Cristo instituiu, como
trâmite visível para quem crê n’Ele, a “sacramentalidade” da Nova Aliança, ou seja, a
mediação de sinais (pessoas e coisas) portadores de sua Páscoa. Mandou depois o
Espírito Santo para que com a força suave incorpore no Povo de Deus um por um
todos os homens e os faça agir na história como sinais-pessoas do “Homem novo”.
Jesus quis para todos um “sacerdócio-comum” que transforme a vida pessoal em
hóstia agradável, e toda a história em liturgia do homem vivo. “Pois os batizados, pela
regeneração e união do Espírito Santo, são consagrados como casa espiritual e
sacerdócio santo, para que por todas as obras do homem cristão ofereçam sacrifícios
espirituais e anunciem os poderes d’Aquele que das trevas os chamou à sua admirável
luz. Por isso, todos os discípulos de Cristo, perseverando em oração, e louvando juntos
a Deus, ofereçam-se como hóstia viva, santa, agradável a Deus. Por toda parte deem
13 Hb 9,11.
8

1.9 Page 9

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testemunho de Cristo. E aos que o pedirem deem as razões da sua esperança da vida
eterna”.14 E uma meta sublime!
Para tornar visível e operante este sacerdócio comum, o Senhor torna presente o
seu único sacrifício pascal através da sacramentalidade da celebração eucarística. O
sacerdócio comum faz entrar cada geração, com as obras do próprio amor, no ato
supremo da liturgia da cruz.
De fato, o Concílio proclamou que a “Liturgia é o cume para o qual tende a ação da
Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força”.15 O trabalho de
evangelização e as fadigas apostólicas são, em si, endereçados para isso: participar do
sacerdócio de Cristo, lutar com Ele para vencer o mal, amar como Ele e expressar na
vida o que se experimenta sacramentalmente com a fé. Portanto, o sacerdócio
comum, aquele que todos devemos viver como discípulos do Senhor e membros vivos
de seu Corpo, é a expressão suprema da dignidade humana, a reintegração em sua
missão de homem no mundo, a modalidade histórica para sentir-nos envolvidos na
redenção e na salvação.
Pois bem, para realizar esta participação universal no sacerdócio de Cristo, Ele
mesmo instituiu o ministério ordenado. Fez isso escolhendo e consagrando os Doze.
Eles continuam nos séculos através da sucessão apostólica. O sacramento da Ordem
consagra os seus sucessores (os bispos) dando-lhes um especial poder de serviço para
viabilizar o exercício do sacerdócio da comunidade: Ele mesmo os chama e os habilita
com a “unção” do Espírito Santo.
Os padres, por sua vez, são ordenados como colaboradores do Episcopado e
recebem, em sua consagração, uma participação no poder sacramental da Ordem. Esta
os habilita para o serviço da comunidade com duas atividades entre si
complementares: agir na pessoa do próprio Cristo-Cabeça através do ministério da
palavra, da reatualização sacramental do único sacrifício pascal na Eucaristia e através
da administração dos sacramentos de salvação; e, além disso, agir na pessoa da Igreja,
representando-a diante de Deus e dedicando-se a seus filhos com o amor e a atenção
de um esposo fiel e empreendedor.
Este poder, que é dado ao sacerdote pela Ordem, não é um “poder” de tipo
sociológico imposto aos fiéis como se fosse uma dignidade superior, mas é um serviço
indispensável, instituído por Cristo, para o funcionamento do sacerdócio comum.
Por isso, falou-se sinteticamente no Sínodo que o sacerdócio ministerial pertence
aos elementos constitutivos da Igreja; relaciona-se simultaneamente com Cristo e a
Igreja; ou seja, com Cristo enquanto Cabeça, Pastor e Esposo da Igreja. O ministério,
portanto, não é só a atuação de uma tarefa orgânica na Igreja, mas é também uma
doação de si aos batizados visando sua vida e atividade de fé na história.
Tudo isto nos faz pensar, não só que o sacerdócio ministerial é constitutivamente
ordenado em vista do sacerdócio comum,16 mas que no coração do padre, a
14 LG 10.
15 SC 10.
16 LG 10.
9

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característica espiritual de seu ministério específico é ter uma consciência e um sentir
interior que o vinculam inseparavelmente à porção do Povo de Deus à qual foi
enviado. Se existe um mal verdadeiramente pernicioso a ser eliminado no ministro
ordenado é a de uma eventual modalidade “clericalista” (da qual não faltam exemplos
na história) que o leve a ser o “dono” do Povo de Deus. Ela em nada se coaduna com o
Cristo Bom Pastor, que é o “Servo de Javé”. O padre que a assumisse demonstraria não
ter entendido o sacerdócio da Nova Aliança.
Quem possibilita a autenticidade constitutiva e espiritual do sacerdote (padre e
bispo) como “ministro da comunidade”17 é o Espírito Santo que torna eficaz a
consagração da Ordem e infunde no coração uma peculiar “caridade pastoral”
acompanhada por diferentes carismas de acordo com as necessidades do Povo de
Deus. É muito importante este aspecto de diversificação na caridade pastoral em
relação às múltiplas urgências das pessoas.
Constata-se, portanto, nos sacerdotes, uma identidade comum fundamental, mas
diferenciada por dons pastorais que comportam uma multiformidade de maneiras no
serviço ministerial. Se, depois, a esta diferenciação carismática acrescentam-se as
exigências próprias dos destinatários aos quais são enviados determinados grupos de
padres, percebe-se claramente que sua identidade ministerial não pode ser descrita de
maneira unívoca, mas deverá considerar as exigências que vêm do Espírito e também
dos tempos e das necessidades dos destinatários.
Com razão, pois, o tema do Sínodo faz alusão também às “circunstâncias atuais”,
que será preciso continuamente estudar. O tipo de formação que deve ser cuidada, de
fato, deve relacionar-se também com as modalidades concretas do ministério que o
padre deverá assumir como resposta às necessidades humanas.
Uma vez descrita sinteticamente a identidade do sacerdote, os padres sinodais
insistem sobre a peculiar interioridade que deve permear sua identidade ministerial.
Certamente, entre “ministério” e “pessoa” existe uma clara distinção. Todavia, como o
ministério sacerdotal não é uma simples “função” intermitente, mas comporta uma
“consagração” especial da pessoa, pelo caráter permanente da Ordem, nasce no padre
uma forte conexão entre ministério e pessoa, vivificada pela caridade pastoral, que
une a pessoa ao ministério no íntimo do coração, suscitando nele os sentimentos do
Bom Pastor. O sacerdote não é um funcionário com horário marcado, mas um
consagrado com tempo integral e durante a vida toda: é só olhar para os Apóstolos!
A insistência sobre esta interioridade específica tem uma importância
extraordinária, porque vai relacionando a alma do padre seja com o Pai rico em
misericórdia, seja com o Cristo Eterno Sacerdote, seja com o Espírito Santo fonte da
caridade pastoral, seja com a comunidade eclesial da qual se torna “servo”, seja com o
Bispo e o Papa sendo um solícito colaborador deles, seja com os outros padres da
Igreja particular com os quais trabalha e forma um fraterno presbitério.
17 LG 20.
10

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2.1 Page 11

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Contudo, como o seu sacerdócio ministerial está a serviço do Povo de Deus, sua
interioridade comporta, necessariamente, a formação para a bondade, o perdão, a
serviço, o discernimento dos corações, a sensibilidade diante das necessidades dos
outros, o ardor missionário, a responsabilidade na construção da comunidade, o
espírito de iniciativa, a coragem e o sacrifício, a compreensão e comunicação da
Palavra de Deus, a leitura dos sinais dos tempos, o testemunho das bem-aventuranças,
as exigências da solidariedade e da justiça, numa palavra, a viver pessoalmente uma fé
que assuma incansavelmente a fé dos outros, constitui sem dúvida o ponto de chegada
a que visa o estilo de vida evangélica dos padres.
Esta formação espiritual pressupõe, evidentemente, um concreto crescimento
humano e cristão, uma não indiferente preparação intelectual e, sobretudo, uma
sentida e crescente vontade pastoral em relação às circunstâncias atuais.
O delicado tema do “Religioso-Presbítero”
A atenção do Sínodo concentrou-se, como dizíamos, sobre o padre “diocesano”.
Mas é claro que, sobre o alicerce de uma interioridade própria da identidade de um
ministério substancialmente comum a todos os padres, insere-se a possibilidade de
ulteriores traços espirituais e pastorais diferenciados entre si, segundo a
multiformidade dos carismas com que o Espírito Santo vai enriquecendo o exercício do
ministério. Surgiu assim ao longo dos séculos entre os presbíteros uma variada e
complementar convergência de fisionomias diferentes que tornam mais atraente, mais
flexível e mais apropriado o exercício do ministério. Entre outras coisas, é constitutivo
de uma Igreja que só não é “bem estruturada para edificar o Corpo de Cristo”, mas
que também é “enriquecida com variedade de dons” para manifestar “a multiforme
sabedoria de Deus”.18
E aqui podemos pensar na fisionomia sacerdotal própria dos membros dos
Institutos de vida consagrada que são definidos canonicamente, ou seja, com a palavra
técnica: “clericais”. Neles — como afirmou o card. Hamer — o exercício do ministério
pertence (com modalidade peculiar a cada um) à própria natureza de seu carisma. É
um elemento concreto que tem uma importância notável seja na própria Igreja, seja
sobretudo no interior da vida desses Institutos.
É um tema delicado sobre o qual ainda não se refletiu direta e suficientemente. O
Sínodo deixou-o em aberto, todavia reconheceu sua existência e sua importância,
falando das mútuas relações a serem intensificadas entre sacerdotes religiosos e
seculares. Além disso, pode-se também dizer que se inspirou em alguns aspectos da
prática formativa em ato nos Institutos religiosos para determinar iniciativas de
renovação visando melhor formação do padre diocesano.
Nós, na Congregação, já temos elaborado algumas reflexões sobre o irmão-
sacerdote, sobretudo quando aprofundamos a qualidade pastoral da missão salesiana.
18 Cf. PC 1.
11

2.2 Page 12

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Sabemos que a consagração própria da nossa profissão religiosa está fundamentada
na dignidade batismal e nos faz crescer na fé e no seguimento de Cristo com um
particular “espírito salesiano” para sermos sinais e portadores do amor de Deus aos
jovens.19 Temos apresentado justamente esta característica espiritual colocando a
palavra “Salesiano” como elemento básico; cada irmão é “Salesiano-padre” ou
“Salesiano-leigo”. Temos ressaltado o impacto que tem a “missão” juvenil e popular
em toda a nossa identidade, a ponto de caracterizar a vida religiosa não só como
“consagração apostólica”,20 mas também determinar que o sujeito da missão, mais do
que o indivíduo, é a comunidade,21 e uma comunidade cujo rosto apresenta uma
fisionomia de indispensável complementariedade entre padres e coadjutores, animada
e sustentada em sua tarefa pelo diretor, isto é, por um irmão enriquecido pelo dom da
Ordem.22
Para o Salesiano-padre isso significa que nele, por um lado, a consagração
presbiteral é assumida, qualificada e vivificada pelo espírito e pela missão próprios da
profissão salesiana e, por outro, que ela assegura, enriquece e torna fecunda a
identidade pastoral de sua vocação e a de toda a comunidade.
Existem ainda outras coisas. Se consideramos historicamente como nasceu e como
se desenvolveu o nosso carisma salesiano, veremos que ele brotou, por obra do
Espírito Santo e pela intervenção maternal de Maria,23 do coração apostólico de um
“padre diocesano”, Dom Bosco, inspirando-se no zelo e na bondade pastoral de um
“bispo residencial” de vanguarda, São Francisco de Sales. Um carisma, pois, que
afunda vitalmente suas raízes históricas no zelo sacerdotal do ministério ordenado,
íntima e explicitamente vinculado ao exercício do sacerdócio-comum de tantos
colaboradores.
Cada sócio na Congregação é, primeiramente, um membro da comunidade
salesiana, que é, de fato e na sua originalidade, formada por “eclesiásticos” e “leigos”,
iguais em dignidade e complementares na tarefa pedagógico-pastoral.24
Pela consciência que cada irmão deve ter ao se sentir membro vivo e
corresponsável de uma comunidade com esta peculiaridade carismática, nasce uma
convicção e uma mentalidade de complementariedade, de maneira que cada sócio
sente em si mesmo a indispensabilidade da mútua e enriquecedora relação entre
dimensão “sacerdotal” e dimensão “laical”. “Desta maneira — escrevia eu na circular
citada — o Salesiano sacerdote deve sentir-se espontaneamente relacionado, pela for-
ça de comunhão na mesma salesianidade, com o Coadjutor; e o Salesiano-leigo deve
experimentar o mesmo em relação ao irmão sacerdote. A nossa vocação, radicalmente
comunitária, exige uma comunhão efetiva não só de fraternidade entre as pessoas,
mas também, e de maneira altamente significativa, de mútua relação entre suas duas
19 Cf. Const. 2.
20 Cf. Const. 3.
21 Cf. Const. 44.
22 Cf. Const. 121.
23 Cf. Const. 1.
24 Cf. ACS n. 298.
12

2.3 Page 13

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componentes fundamentais”.25 No coração de cada sócio, enquanto “salesiano”, há o
eco vocacional do outro tipo de irmão que constitui a comunidade.
Não que a “dimensão sacerdotal” seja exclusiva dos irmãos sacerdotes e a
“dimensão laical” dos irmãos coadjutores. A comunidade salesiana não é a soma mais
ou menos artificial de duas categorias de sócios que se esforçam para viverem juntos.
O que se afirma, isso sim, é que no coração de cada irmão vibram juntas as duas
dimensões, sublinhadas de maneira diferente pelos dois tipos de vocação salesiana,
mas intimamente unidas entre si pela própria natureza carismática. O padre cultiva
como bom salesiano também a dimensão laical da missão comunitária, e o coadjutor
cultiva também ele como bom salesiano a dimensão sacerdotal da missão comum.
Compreende-se assim porque ambas as dimensões são simultaneamente
importantes para a elaboração e a realização do projeto educativo-pastoral. Sem a
dimensão laical perderíamos aquele aspecto positivo de sadia “secularidade” que nos
caracteriza na escolha das mediações educativas. E sem a dimensão sacerdotal
correríamos o risco de perder a qualidade pastoral de todo o projeto. Desestruturando
a complementariedade poderíamos cair, por um lado, numa espécie de ativismo social
pragmático e, por outro, num tipo de trabalho pastoral muito genérico que não seria
mais a autêntica missão de Dom Bosco.
O Sínodo convida-nos a repensar com clareza o significado global da nossa missão, a
perceber onde está a síntese vital que assegura a identidade da nossa consagração
apostólica.
Por isso, interessa-nos vivamente o tema do Sínodo. Também nós na Congregação,
em harmonia com os bispos, estamos pensando como deve ser claramente o
Sacerdote do Ano Dois Mil. Queremos colaborar, como autênticos salesianos, para o
crescimento da fé na nova época histórica que está se iniciando. Conosco olham com
esperança todos os membros da Família Salesiana e sobretudo um número cada vez
maior de jovens que se sentem atraídos pelo coração amigo de Dom Bosco sacerdote.
Propomo-nos, então, desde já a encontrar luzes e diretrizes na Exortação apostólica
que o Papa está preparando, para continuar com maior seriedade e compromisso no
crescimento do sacerdócio comum na Congregação e, em particular, na formação do
Salesiano-sacerdote, tendo clara a originalidade e as exigências do nosso carisma. É a
própria Igreja que nos quer genuinamente fiéis à identidade da nossa índole própria.26
Agrada-me concluir este ponto importante lembrando que a intensidade da
caridade pastoral e, portanto, o grau de santidade não depende, por si mesmo, nem
do ministério ordenado, nem dos vários serviços de corresponsabilidade apostólica,
mas, sim, da vitalidade interior do sacerdócio comum que nos une a Cristo (ou seja, da
vida de fé-esperança-caridade) com que serão executados todos os ministérios e
serviços.
25 ACS 298, p. 5-6.
26 Cf. MR 11.
13

2.4 Page 14

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A vida de graça, ou seja, de caridade pastoral, possui — como disse S. Tomás de
Aquino — um valor que é por si mesmo maior do que todas as coisas criadas. Seremos
todos julgados sobre o amor. Na Jerusalém celeste não haverá necessidade nem da
Bíblia, nem de Bispos e Padres, nem de Magistério, nem de Sacramentos, nem de
Coordenação, nem de tantos serviços mútuos que são indispensáveis aqui na história.
Por isso já e agora, na comunidade eclesial, a ordem das realidades institucionais,
hierárquicas e operacionais passa em segundo plano (se assim pode-se falar; é
suficiente pensar onde foi colocado na Lumen Gentium o capítulo sobre o Povo de
Deus!) diante do Mistério a que elas servem e revelam para quem vive a fé. A
santidade afunda suas raízes no grau de participação e comunhão com a vida trinitária.
Vemos a intensidade da santidade representada em Maria; e em Pedro a autenticidade
ministerial. Ambos grandes santos, mas vê-se neles que o grau de santidade não se
identifica com o hierárquico e ministerial.
Dom Bosco: Padre e Fundador para os jovens
Comemoramos neste ano (como já acenei) o sesquicentenário da ordenação
sacerdotal de Dom Bosco. A consagração da Ordem foi um acontecimento de graça
não só para a sua vida pessoal, mas também para toda a sua Família Salesiana. O
Espírito de Deus lançou-o como sacerdote, sustentado pela direção espiritual de São
José Cafasso, para interpretar e realizar o seu ministério em sintonia com as
circunstâncias da época em evolução e com os graves problemas socioculturais da
cidade de Turim. Fez isso com audácia e originalidade através da opção preferencial
pelos jovens especialmente os mais necessitados.
Durante a celebração do Sínodo pensei mais de uma vez em duas declarações sobre
o tipo de vida sacerdotal de Dom Bosco, formuladas por duas pessoas estranhas à
reflexão que acostumamos ouvir em nossa casa.
Uma (que já conhecemos) é a resposta dada pelo famoso estudioso P. M. D. Chenu,
OP, a um jornalista que lhe perguntava quem seriam, para ele, os novos santos para
estes tempos pós-conciliares: “Gosto de lembrar inicialmente — disse — aquele que
precedeu o Concílio de um século: Dom Bosco. Ele, profeticamente, já é um novo
modelo de santidade pela sua obra que é ruptura com a maneira de pensar e de
acreditar dos seus contemporâneos”.27
Encontrei a outra durante o Sínodo num recente artigo; apresenta dele um juízo
substancialmente negativo: o Sínodo, influenciado pela política da Cúria, teria
defendido a figura tradicional do pobre “tridentino”, em lugar de lançá-lo em direção
das novas exigências sociais dos tempos. Pois bem, o autor, embora não nutrindo
muita simpatia por Dom Bosco, afirma dele que “preconizava já naquele tempo no
Piemonte do século passado uma figura de sacerdote muito diferente... Os padres do
seu oratório viviam entre os garotos acostumados aos mais humildes serviços,
27 Avvenire, 22 de fevereiro de 1984.
14

2.5 Page 15

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arregaçavam a batina para brincar com eles, e a isto Dom Bosco preparava os jovens
aspirantes ao sacerdócio; o seu bispo não quis portanto ordená-los. Tratava-se, de
fato, de uma novidade inusitada”.28 O escritor constata este fato real para depois
chegar às suas conclusões.
Interessa-nos entender a ideia de uma concreta peculiaridade inculcada por Dom
Bosco ao salesiano sacerdote. Fazemos isso pensando na multiformidade reconhecida
pelo Vaticano II e no modo de exercer o ministério sacerdotal. A tarefa comum
ministerial da edificação do Corpo de Cristo, de fato, exige múltiplas funções e novas
adaptações, sobretudo nestes tempos.29
Hoje olhamos para os horizontes do terceiro milênio. Assistimos a mudanças muito
rápidas e profundas. Vemos como a irrelevância da fé na cultura emergente é deletéria
para a juventude e para as classes populares. Preocupa-nos o vasto e complexo setor
da educação porque está submetido a uma espécie de bombardeamento por tantas
novidades que lhe infundem dinamicidade sem as luzes da evangelização e, portanto,
o estonteiam. A consideração atenta da originalidade do estilo pastoral de Dom Bosco
deve-nos guiar na busca dos critérios com os quais enfrentar os atuais desafios.
Primeiramente, o Salesiano-sacerdote é enviado (em solidariedade com o
Salesiano-leigo) a uma missão no meio do mundo juvenil e popular; ela exige dele
várias atitudes próprias da área educativo-cultural, do mundo do trabalho, na direção
dos destinatários muitas vezes afastados da Igreja ou pertencentes a outras religiões.
Ele deve sentir-se além disso colaborador, na comunidade, do Salesiano-leigo, em co-
munhão de vocação e solidariedade na elaboração e realização de um único projeto
comum. É sua tarefa também participar ativamente da animação dos vários Grupos da
Família Salesiana, consagrados e leigos. Tudo isso requer uma adequada preparação,
um atento cuidado e um modo peculiar de exercício ministerial.
Por isso será conveniente que se relacione constantemente com Dom Bosco como
seu modelo;30 deverá repensar, olhando para ele, as grandes possibilidades da
“caridade pastoral” como fonte inesgotável de criatividade apostólica.
A caridade pastoral levou Dom Bosco, por especial iniciativa do Espírito Santo, a ser
Fundador, ou seja, a comunicar a muitos, como herança a ser desenvolvida, sua
específica missão juvenil e popular. Justamente por ter um carisma relacionado com
seu ardor sacerdotal ele deu início a uma florescente Família apostólica, envolvendo
homens e mulheres, leigos e religiosos. Demonstrou assim que o seu tipo de caridade
pastoral pode ser “o centro e a síntese” de um “espírito salesiano partilhado por um
vasto movimento de bem”.31
A vida consagrada dos Institutos religiosos fundados por Dom Bosco não se insere
no modelo dos monges do deserto ou dos contemplativos dos mosteiros (que
costumam ser apresentados como o início histórico da vida religiosa). Inspira-se, sim,
28 SERGIO QUINZIO, L’Espresso, 21 de outubro de 1990.
29 Cf. PO 8.
30 Cf. Const. 21.
31 Cf. Const. 10.
15

2.6 Page 16

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na vida apostólica dos Doze e nas preocupações pastorais dos bispos (São Francisco de
Sales) e dos sacerdotes interessados no trabalho entre o povo (Dom Bosco); portanto,
um tipo de consagração religiosa peculiar e estritamente, vinculada com a “caridade
pastoral” do ministério ordenado.32
A verdadeira identidade do Salesiano-padre interessa muito, não só aos irmãos da
Congregação, mas também a todos os membros da grande Família Salesiana. Seu zelo
ministerial e a profundidade de sua interioridade pastoral asseguram e alimentam a
espiritualidade de todos. Mas o contrário também é verdade: se ele fosse um padre
espiritualmente superficial, não um homem Deus; se a sua atividade ministerial fosse
frágil, sem força interior, seriam perdidas, infeliz e inevitavelmente, as próprias fontes
do carisma de Dom Bosco.
Por isso, já há vários anos na Congregação estamos seriamente preocupados com
uma melhor formação dos nossos sacerdotes.
Urgência de uma melhor formação salesiana
Uma parte notável dos trabalhos sinodais foi dedicada ao problema da formação
dos sacerdotes. Depois de ter pesquisado os ambientes de surgimento das vocações,
insistiu-se sobre a necessidade do “ano propedêutico” (uma espécie de noviciado),
sobre as comunidades formadoras ou Seminários (em particular o Seminário maior),
sobre a importância decisiva dos estudos apropriados em relação aos novos progres-
sos científicos e às atuais exigências pastorais, sobre a competência e o sentido eclesial
dos docentes, o clima humano, cristão e espiritual das comunidades formadoras, sobre
a indispensabilidade da formação permanente em sintonia com o processo de
inculturação. Falou-se também dos seminaristas vindos dos Movimentos e formados
com seu espírito característico, mas que deverão relacionar-se naturalmente com o
bispo e seu presbitério em plenitude de comunhão e de direção.
Para nós, os critérios de formação do Salesiano sacerdote, segundo sua peculiar
vocação, estão na Ratio, promulgada a 8 de dezembro de 1985;33 o Sínodo estimula-
nos a sublinhar sua atualidade e importância. Devemo-nos alegrar constatando sua
plena conformidade de inspiração com aquilo que se refere aos fundamentos da
identidade do ministério ordenado, e sua clara percepção daquilo que é característico
do nosso carisma. Devemos ser muito gratos àqueles que contribuíram na sua
elaboração, revisão e aperfeiçoamento.
Temos na Congregação uma linha segura a ser seguida; dediquemo-nos a
aprofundá-la e a colocá-la em prática! Só através de sua plena atuação será possível
convergir em pontos centrais irrenunciáveis do nosso espírito.
Se olhamos, porém, para a realidade concreta da vida, devemos confessar,
infelizmente, que nestes anos de renovação observou-se com preocupação, aqui e ali
32 Cf. EGIDIO VIGANÒ, Per una teologia delia vita Consacrata, LDC, Coleção “Vita consacrata”, 1986, p.
10-11 e 33-34.
33 FSDB, 2ª edição, EDB, São Paulo, 2ª ed. 1986.
16

2.7 Page 17

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nalgumas Inspetorias, algumas falhas: seja na formação imediata ao sacerdócio, seja
no acompanhamento dos primeiros cinco anos após a ordenação, seja na intensidade
e adequação da formação permanente.
O apelo à formação permanente foi um ponto forte nas preocupações dos padres
sinodais. Disto já se falou em vários documentos do Magistério e também em nossos
Capítulos Gerais, de maneira particular no CG23, nas Constituições, na Ratio, nos
Diretórios inspetoriais, mas nem todos — parece — compreenderam sua verdadeira
natureza e normatividade. No campo profano, sem dúvida, é considerada o princípio
ou o ponto de vista que regula o inteiro processo formativo-cultural, visto em sua
globalidade e interdisciplinaridade, não mais fixado sobre um determinado segmento
da pessoa ou mesmo um período de existência. É um processo que envolve todas as
expressões e os momentos do ato educativo desde a infância até a velhice. Isto é,
atinge toda a existência, com os problemas que ela comporta, de cada homem (jovem
ou adulto) segundo modalidades próprias e a nova modalidade de transmissão
pedagógica, com os seus vários envolvimentos e outras coisas mais.
No contexto da nossa vida salesiana, o conceito de formação permanente faz-se
presente na globalidade da Ratio. Antes da atualização contínua nos vários campos da
ação e missão salesiana (que deve ser considerada indispensável) ela vê através das
Constituições34 a nossa vida como “caminho de santificação” a ser percorrido no
esforço cotidiano de “crescer no perfeito amor a Deus e aos homens”. Vê uma
“resposta sempre renovada” à “especial aliança que Deus fez conosco”; uma vida de
“docilidade ao Espírito Santo num esforço constante de conversão e de renovação”.35
A consequência destes breves acenos é esta: o período de formação inicial é sim
caracterizado por específicos processos de crescimento, ricos de conteúdos próprios,
mas sobretudo pela aprendizagem dos critérios e da metodologia que deverão
acompanhar, dinamicamente e nas modalidades próprias, todas as fases da vida,
privilegiando a dimensão da espiritualidade, razão primeira e final de tudo. A lógica do
Batismo ou da Profissão religiosa, sendo incorporação à vida divina no seguimento de
Cristo, por sua natureza visa o crescimento e o exige, como muitas vezes afirma em
suas cartas o apóstolo Paulo.
E aqui ainda gostaria de acrescentar que, se é verdade que através dos estudos das
etapas formativas iniciais visa-se desenvolver uma adequada capacidade crítica e uma
indispensável competência pedagógico-pastoral (infelizmente, porém, nem sempre
cuidadosa diante das teorias deste ou daquele pesquisador), continua nalgum caso o
perigo de não se cuidar adequadamente da competência e do fervor ministeriais
próprios do espírito salesiano. O padre deve ser o homem de Jesus Cristo e da Igreja,
enviado ao mundo para comunicar a salvação, a verdade integral, a misericórdia do
Pai, a redenção do Filho, o poder interior do Espírito; por isso, deve ser entusiasta e
incansável em levar a esperança: um homem-sacramento, um sinal-pessoa.
34 Const. 118, 119, 96, 98, 25.
35 Cf. FSDB 488ss.
17

2.8 Page 18

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Os padres sinodais trabalharam para apresentar a mais genuína identidade
sacerdotal exatamente para poder melhor insistir sobre a indispensabilidade de uma
espiritualidade adequada, nascida da caridade pastoral, que torne constantes no
ardor. Os Institutos religiosos devem acrescentar a este dinamismo pastoral, para os
seus padres, a peculiaridade do espírito do próprio carisma.
Sublinhou-o o card. Hamer, nas palavras citadas anteriormente, fazendo observar
também concretas dificuldades: “Quando os futuros sacerdotes (religiosos) recebem
toda sua formação institucional no âmbito do Instituto a que pertencem, a tarefa dos
superiores é relativamente fácil. Mas não é o mesmo quando os superiores mandam
os seus religiosos a Centros de estudos eclesiásticos fora do próprio Instituto. Neste
caso, a responsabilidade dos superiores, em lugar de diminuir, aumenta notavelmente.
De fato, a participação em tal Centro de estudos pede que os jovens possam viver
numa casa religiosa do seu Instituto, no seio de uma comunidade formadora viva, com
a presença permanente de formadores qualificados, capazes de ajudar os jovens a
integrar na própria vida religiosa o ensinamento filosófico-teológico que recebem nos
Centros de estudo. Isto envolve grandes sacrifícios para os Institutos. E este é um alto
preço que se paga para assegurar a unidade entre sacerdócio e vida religiosa. Ora, esta
unidade é um grande bem para o Corpo Místico”.36
A nossa reflexão sobre o acontecimento sinodal seja de verdade convite e estímulo
para reconsiderar com atenção os conteúdos e as grandes linhas orientadoras da nossa
Ratio, e sobretudo para rever, tanto nos Conselhos inspetoriais como nos “Curatórios”
e em cada uma das Comunidades formadoras, a prática diária, com a finalidade de
corrigir os defeitos de aplicação e de relançar a qualidade.
A Ratio faz parte do “Direito próprio” da Congregação e é portanto elemento vital
da nossa Regra de vida;37 foi redigida com a contribuição de toda a Congregação, em
especial acordo com o texto renovado das Constituições e com o Novo Código de
Direito Canônico. Ela fundamenta-se na identidade vocacional salesiana e apresenta
um projeto formativo fortemente unitário.38 Colocando em prática os princípios e as
normas (escrevia apresentando-a) “ter-se-á mais claro o sentido da vocação, um dom
historicamente atual, fecundo e original; encontrar-se-á a possibilidade de unificar a
própria vida através do desenvolvimento integrado dos diferentes aspectos formativos
(crescimento humano, preparação intelectual e profissional, vida religiosa e
apostólica); sentir-nos-emos úteis socialmente, significativos e fecundos
apostolicamente; desenvolver-se-á uma típica espiritualidade, o sentido de pertença à
Congregação e o da comunhão eclesial, uma originalidade de serviço aos jovens e à sua
condição”.39
Os Inspetores, Diretores e Formadores considerem sua tarefa prioritária
reconsiderar muitas vezes os princípios e as normas deste nosso importante
36 L’Osservatore Romano, 12 de outubro de 1990.
37 Cf. Const. 191.
38 FSDB, 2ª ed. EDB, São Paulo 1986.
39 Ib., p. 18-19.
18

2.9 Page 19

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Documento e cumpram as tarefas nele indicadas com cuidado e inteligência. Através
desse seu constante interesse brotará “o bem para as Inspetorias, a Congregação, e
seu futuro. Será um semear entre dificuldades, mas na certeza de colher com alegria.
Estas nossas escolhas importantes, estudadas e realizadas para todos, na vida da
Congregação são como atos da sua renovação, aquela cópia ‘passada a limpo’ de que
falava Dom Bosco quando a deixou em herança à nossa responsabilidade de discípulos,
seus continuadores”.40
O CG 23 e o nosso crescimento pastoral
Realizamos o Capítulo Geral 23 que, sem tratar explicitamente da específica
vocação do Salesiano-sacerdote, descreveu os horizontes da missão salesiana nas
circunstâncias atuais: sua peculiaridade original, a leitura pastoral da atualidade, e a
metodologia pedagógica para a evangelização.
Tudo isso interessa ao “Salesiano” enquanto tal, seja ele sacerdote ou coadjutor: e
tudo isto fala da relação especial com a dimensão sacerdotal comum.
À luz do Sínodo, podemos, portanto, falar da peculiaridade “sacerdotal” (mais
ampla do que a palavra “clerical”) a ser melhorada na Congregação. Indico três
aspectos que acredito fundamentais e envolventes; são eles: a “qualidade pastoral”, a
“espiritualidade salesiana” e a “corresponsabilidade da comunidade” como sujeito da
missão. O fato de considerar estes aspectos na ótica do sacerdócio (seja batismal seja
ministerial), evidencia alguns aspectos de sadia novidade que nos ajudará a aprofundar
os valores.
— A qualidade pastoral é uma nota fundamental que envolve todo o documento
capitular. As propostas de estudo da realidade, as análises dos contextos e a
programação da caminhada e dos itinerários a serem percorridos, são apresentados
todos como “uma reflexão pastoral”.41
Esta qualidade vem do vigor do “da mihi animas” (o lema de São Francisco de Sales
e de Dom Bosco “pastores”!), preocupa-se com a educação à fé, interessa-se em
estudar a realidade concreta, utiliza os melhores meios humanos para conhecê-los e
discerni-los, e estimula-nos a estarmos atentos e não nos deixarmos envolver por
interesses que não sejam genuinamente eclesiais. Poderíamos dizer que é uma atitude
tipicamente “sacerdotal” no sentido pleno da palavra, enquanto envolve todos a se
comprometerem em múltiplos serviços pedagógico-pastorais com a finalidade de fazer
chegar aos destinatários a capacidade de celebrar a liturgia da própria vida
incorporando-a na Eucaristia de Cristo. Por isso, a solicitude pastoral não para
unicamente no conhecimento e no aprofundamento dos grandes princípios doutrinais
ou do mesmo Evangelho (que evidentemente aprecia, ama e aprofunda), mas dedica-
se também, e de maneira muito atenta e constantemente flexível, à percepção das
40 Ib., p. 20.
41 CG23 16.
19

2.10 Page 20

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circunstâncias concretas, a pesquisar os conteúdos e as motivações, a analisar as
interpelações e a individuar o gênero dos desafios que deles surgem para a
evangelização.
Com vistas à formação do Salesiano-padre, a ótica pastoral é sem dúvida elemento
constitutivo e diretivo de todo o seu agir apostólico.
— O segundo aspecto a ser considerado é o da espiritualidade salesiana como
interioridade dinâmica que vem da “caridade pastoral”.42 Já vimos que o nosso carisma
nasceu do coração de Dom Bosco sacerdote. Sua espiritualidade é radicalmente
“sacerdotal” que se inspira em Pedro, em Paulo, nos santos Pastores e em seus
colaboradores. E uma espiritualidade que faz pensar naquilo que afirma Santo
Agostinho comentando o Evangelho de João43 sobre o mandato pastoral dado a Pedro;
ele sente-se interpelado pelas “palavras que Cristo lhe repete com insistência: ‘Me
amas? Apascenta as minhas ovelhas!’, que significam: se me amas, não pensa em
apascentar a ti mesmo, mas apascenta as minhas ovelhas, e apascenta-as como
minhas, não como tuas; procura nelas a minha glória não a tua, o meu domínio não o
teu, o meu lucro, não o teu, se não queres estar no número daqueles que pertencem
aos ‘tempos difíceis’, isto é, daqueles que amam a si mesmos com tudo aquilo que vem
deste amor de si, fonte de todo mal”.44
É, como se vê, a espiritualidade salesiana do “da mihi animas”. Traz consigo uma
dupla e simultânea inclinação vital: crescer continuamente no amor que flui do
coração de Cristo-Salvador, participando e fazendo participar os outros, qualquer que
seja o seu estado de vida, no sacerdócio da Nova Aliança; e sentir-se mandado a apas-
centar os pequenos e os pobres com generosa doação de si. É uma espiritualidade
alimentada pela caridade pastoral com modalidade própria, que cultiva “a atitude do
Bom Pastor que conquista com a mansidão e dom de si”.45 A expressão “união com
Deus”, “respiro pelas almas”, “trabalho e temperança”, “fazer-se amar”, “servir o
Senhor em santa alegria”, “todo sacrifício é pouco quando se trata da Igreja e do
Papado”, “basta que sejais jovens para que eu vos ame”, “clima de família”, “espírito
de iniciativa”, “sistema preventivo” etc., relacionam todo salesiano (portanto o irmão
padre) ao modelo do coração sacerdotal de Dom Bosco “profundamente homem
aberto às realidades terrestres, e cheio dos dons do Espírito Santo” a ponto de viver na
realidade cotidiana “como se visse o invisível”.46
— Enfim, o tema da corresponsabilidade na comunidade como sujeito da missão,
enquanto faz pensar na intercomunicação recíproca entre “dimensão sacerdotal” e
“dimensão laical”, leva todos os irmãos, sob a direção daquele que representa Dom
Bosco (um irmão padre), a agir tendo como objetivo uma síntese vital que saiba
42 Cf. Const. 10.
43 Jo 21, 17.
44 Tratados sobre São João 123, 5.
45 Const. 11.
46 Cf. Const. 21.
20

3 Pages 21-30

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3.1 Page 21

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aproveitar constantemente a energia dos dois polos em tensão: a promoção humana e
o crescimento na fé. É uma “graça de unidade” específica da vocação salesiana, que
impulsiona todo irmão a ter, como Dom Bosco, uma atitude “sacerdotal” sempre e em
todo lugar: o ardor pastoral do educador. Todo salesiano de fato, padre ou leigo, vai-se
modelando tendo diante de si Cristo Bom Pastor, de quem é sinal-pessoa a serviço da
juventude.
O CG 23 insiste sobre a formação permanente para que toda comunidade seja
“sinal e escola de fé”. É próprio do sacerdócio da Nova Aliança assumir a
responsabilidade da fé dos outros. A comunidade salesiana faz isso continuando
inserida no mundo juvenil, onde encontra também o campo propício para desenvolver
sua formação permanente: “vivendo entre os jovens e em constante relação com os
ambientes populares, o Salesiano se esforça para discernir nos acontecimentos a voz
do Espírito, adquirindo assim a capacidade de aprender da vida”.47 Sim: a comunidade
salesiana olha para a vida como para o grande livro de leitura e como para o
verdadeiro altar do sacrifício.
— Das reflexões sobre o CG23, mesmo breves, percebe-se imediatamente a
importância extraordinária que a Congregação dá à formação inicial e permanente do
Salesiano-padre para a fisionomia das nossas comunidades e para os seus múltiplos
serviços, seja aos jovens, seja aos vários Grupos da Família Salesiana. Interessa a todos
o seu crescimento na interioridade sacerdotal, com especial competência na
contemplação e anúncio da Palavra de Deus, na valorização pedagógica e vital da
liturgia, na direção espiritual através do sacramento da Reconciliação, na competência
evangelizadora e catequética e, em geral, na habilidade de incorporar as iniciativas de
promoção humana na síntese orgânica da fé cristã.
As indicações do caminho formativo e da metodologia a serem seguidas,
manifestadas com autoridade pela Ratio, adquirem hoje uma validade particularmente
atual à luz do CG23.
Gratidão ao Pai e entrega a Maria
Para concluir, queridos irmãos, são sugestivos os pensamentos contidos nas últimas
Proposições dos padres sinodais.
Antes de tudo, a proclamação pública da gratidão para com o Padre: o seu
ministério é necessário para o bem da Igreja; a sua virtude faz crescer os outros em
espiritualidade; através dos seus serviços, especialmente da administração dos
sacramentos,48 infunde-se dinamicidade na consagração batismal que fez de todos um
47 Const. 119.
48 Cf. LG 11.
21

3.2 Page 22

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povo sacerdotal para a liturgia da vida. O padre é servidor em tempo integral da nossa
dignidade cristã de verdadeiros filhos de Deus.
Brota, pois, espontâneo do coração um forte sentimento de gratidão para com
todos aqueles que seguiram o chamado do Senhor entregando-se com generosidade à
obra ministerial. O padre interessa vivamente aos fiéis; é um dom de Deus a ser
apreciado, amado, considerado como parte viva da nossa existência.
Na beatificação dos dois sacerdotes, José Allamano e Aníbal Maria Di Francia, o
Papa disse com efeito: “o maior castigo com o qual o Altíssimo atinge os povos é
quando não lhes manda seus ministros, melhor, ministros segundo o seu coração”.
Sintamo-nos convidados a intensificar as nossas orações pelas vocações sacerdotais,
pela sua ótima formação segundo as circunstâncias atuais e pela perseverança e
santidade dos padres. E procuremos fazer crescer nas pessoas que se esqueceram a
grandeza e a necessidade do padre na sociedade. Demonstraremos assim que nos
interessa o Padre do Ano Dois Mil!
Outro pensamento, contido na última Proposição, está relacionado com a Santa
Virgem Maria, “Mãe de Cristo e Mãe dos sacerdotes”. Cristo foi consagrado sacerdote
da Nova Aliança em seu seio. Maria acompanhou-o aos pés da Cruz no ato supremo do
novo e único sacrifício. Partilhou com os apóstolos no cenáculo a espera da efusão do
Espírito Santo para dar início ao ministério. Elevada ao céu, acompanha Cristo Eterno
Sacerdote em sua permanente mediação. Sendo Mãe e Ícone da Igreja, reserva suas
solicitudes para os amigos de seu Filho que, através do ministro ordenado, participam
de maneira peculiar no sacerdócio para o bem dos demais.
A formação do sacerdote relaciona-se com Ela, seja por ser a pessoa humana que
melhor e mais plenamente respondeu à vocação de Deus, seja por ser a discípula que
aceitou a Palavra do Pai em si e a gerou para todos. Maria, que é a Rainha dos
Apóstolos, aparece como fúlgido estímulo e auxílio da comunidade cristã e ilumina
constantemente a sua missão com sua maternidade virginal.
Confiamos em sua solícita intercessão e em seu atento interesse pastoral pelas
vocações, pela formação de todos nas atuais circunstâncias, a interioridade dos padres
de todas as Igrejas particulares e, de maneira especial, dos Salesianos-padres para que
seu espírito apostólico e sua competência ministerial cresçam segundo o modelo
admirável dos dois ardentes corações sacerdotais de São João Bosco e de São
Francisco de Sales.
Assim, toda a Congregação, a Família Salesiana inteira e os grupos cada vez mais
numerosos de jovens e do povo compreenderão e celebrarão no cotidiano o
sacerdócio batismal que incorpora os atos de amor de cada um no supremo ato pascal
de Cristo, que é tão excelso que ninguém pode fazer algo maior.
Sim, o sacerdócio da Nova Aliança leva verdadeiramente a história do homem a
concentrar-se no ponto alto do amor, construindo gradualmente ao longo dos séculos
aquele Reino de Deus em que o Amor será tudo em todos.
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Que o sesquicentenário da ordenação de Dom Bosco desperte na Congregação o
íntimo apreço e o sentido vivo do sacerdócio comum, através de maior autenticidade
do ministério!
Cordiais saudações no Senhor,
P. Egídio Viganò
Reitor-Mor
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