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A Santa Sé
CARTA ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM
1. «LAUDATO SI’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor», cantava São Francisco de Assis.
Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma
irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços:
«Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz
variados frutos com flores coloridas e verduras».[1]
2. Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso
dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e
dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo
pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres
vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra
oprimida e devastada, que «geme e sofre as dores do parto» (Rm 8, 22). Esquecemo-nos de que
nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o
seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.
Nada deste mundo nos é indiferente
3. Mais de cinquenta anos atrás, quando o mundo estava oscilando sobre o fio duma crise
nuclear, o Santo Papa João XXIII escreveu uma encíclica na qual não se limitava a rejeitar a
guerra, mas quis transmitir uma proposta de paz. Dirigiu a sua mensagem Pacem in terris a todo

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o mundo católico, mas acrescentava: e a todas as pessoas de boa vontade. Agora, à vista da
deterioração global do ambiente, quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta. Na
minha exortação Evangelii gaudium, escrevi aos membros da Igreja, a fim de os mobilizar para
um processo de reforma missionária ainda pendente. Nesta encíclica, pretendo especialmente
entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum.
4. Oito anos depois da Pacem in terris, em 1971, o Beato Papa Paulo VI referiu-se à problemática
ecológica, apresentando-a como uma crise que é «consequência dramática» da actividade
descontrolada do ser humano: «Por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, [o ser
humano] começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa
degradação».[2] E, dirigindo-se à FAO, falou da possibilidade duma «catástrofe ecológica sob o
efeito da explosão da civilização industrial», sublinhando a «necessidade urgente duma mudança
radical no comportamento da humanidade», porque «os progressos científicos mais
extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais
prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente
contra o homem».[3]
5. São João Paulo II debruçou-se, com interesse sempre maior, sobre este tema. Na sua primeira
encíclica, advertiu que o ser humano parece «não dar-se conta de outros significados do seu
ambiente natural, para além daqueles que servem somente para os fins de um uso ou consumo
imediatos».[4] Mais tarde, convidou a uma conversão ecológica global.[5] Entretanto fazia notar o
pouco empenho que se põe em «salvaguardar as condições morais de uma autêntica ecologia
humana».[6] A destruição do ambiente humano é um facto muito grave, porque, por um lado,
Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve
ser protegido de várias formas de degradação. Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo
requer mudanças profundas «nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas
estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades».[7] O progresso humano
autêntico possui um carácter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve
prestar atenção também ao mundo natural e «ter em conta a natureza de cada ser e as ligações
mútuas entre todos, num sistema ordenado».[8] Assim, a capacidade do ser humano transformar
a realidade deve desenvolver-se com base na doação originária das coisas por parte de Deus.[9]
6. O meu predecessor, Bento XVI, renovou o convite a «eliminar as causas estruturais das
disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento que parecem incapazes de
garantir o respeito do meio ambiente».[10] Lembrou que o mundo não pode ser analisado
concentrando-se apenas sobre um dos seus aspectos, porque «o livro da natureza é uno e
indivisível», incluindo, entre outras coisas, o ambiente, a vida, a sexualidade, a família, as
relações sociais. É que «a degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda
a convivência humana».[11] O Papa Bento XVI propôs-nos reconhecer que o ambiente natural
está cheio de chagas causadas pelo nosso comportamento irresponsável; o próprio ambiente
social tem as suas chagas. Mas, fundamentalmente, todas elas se ficam a dever ao mesmo mal,

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isto é, à ideia de que não existem verdades indiscutíveis a guiar a nossa vida, pelo que a
liberdade humana não tem limites. Esquece-se que «o homem não é apenas uma liberdade que
se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também
natureza».[12] Com paterna solicitude, convidou-nos a reconhecer que a criação resulta
comprometida «onde nós mesmos somos a última instância, onde o conjunto é simplesmente
nossa propriedade e onde o consumimos somente para nós mesmos. E o desperdício da criação
começa onde já não reconhecemos qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente
a nós mesmos».[13]
Unidos por uma preocupação comum
7. Estas contribuições dos Papas recolhem a reflexão de inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e
organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões. Mas não
podemos ignorar que, também fora da Igreja Católica, noutras Igrejas e Comunidades cristãs –
bem como noutras religiões – se tem desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão
valiosa sobre estes temas que a todos nos estão a peito. Apenas para dar um exemplo
particularmente significativo, quero retomar brevemente parte da contribuição do amado Patriarca
Ecuménico Bartolomeu, com quem partilhamos a esperança da plena comunhão eclesial.
8. O Patriarca Bartolomeu tem-se referido particularmente à necessidade de cada um se
arrepender do próprio modo de maltratar o planeta, porque «todos, na medida em que causamos
pequenos danos ecológicos», somos chamados a reconhecer «a nossa contribuição – pequena
ou grande – para a desfiguração e destruição do ambiente».[14] Sobre este ponto, ele
pronunciou-se repetidamente, de maneira firme e encorajadora, convidando-nos a reconhecer os
pecados contra a criação: «Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de
Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a
mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas
húmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar... tudo isso é
pecado».[15] Porque «um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado
contra Deus».[16]
9. Ao mesmo tempo Bartolomeu chamou a atenção para as raízes éticas e espirituais dos
problemas ambientais, que nos convidam a encontrar soluções não só na técnica mas também
numa mudança do ser humano; caso contrário, estaríamos a enfrentar apenas os sintomas.
Propôs-nos passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à
capacidade de partilha, numa ascese que «significa aprender a dar, e não simplesmente
renunciar. É um modo de amar, de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo
de Deus precisa. É libertação do medo, da avidez, da dependência».[17] Além disso nós, cristãos,
somos chamados a «aceitar o mundo como sacramento de comunhão, como forma de partilhar
com Deus e com o próximo numa escala global. É nossa humilde convicção que o divino e o
humano se encontram no menor detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus, mesmo no

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último grão de poeira do nosso planeta».[18]
São Francisco de Assis
10. Não quero prosseguir esta encíclica sem invocar um modelo belo e motivador. Tomei o seu
nome por guia e inspiração, no momento da minha eleição para Bispo de Roma. Acho que
Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral,
vivida com alegria e autenticidade. É o santo padroeiro de todos os que estudam e trabalham no
campo da ecologia, amado também por muitos que não são cristãos. Manifestou uma atenção
particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e abandonados. Amava e era amado pela
sua alegria, a sua dedicação generosa, o seu coração universal. Era um místico e um peregrino
que vivia com simplicidade e numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a
natureza e consigo mesmo. Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela
natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior.
11. O seu testemunho mostra-nos também que uma ecologia integral requer abertura para
categorias que transcendem a linguagem das ciências exactas ou da biologia e nos põem em
contacto com a essência do ser humano. Tal como acontece a uma pessoa quando se enamora
por outra, a reacção de Francisco, sempre que olhava o sol, a lua ou os minúsculos animais, era
cantar, envolvendo no seu louvor todas as outras criaturas. Entrava em comunicação com toda a
criação, chegando mesmo a pregar às flores «convidando-as a louvar o Senhor, como se
gozassem do dom da razão».[19] A sua reacção ultrapassava de longe uma mera avaliação
intelectual ou um cálculo económico, porque, para ele, qualquer criatura era uma irmã, unida a ele
por laços de carinho. Por isso, sentia-se chamado a cuidar de tudo o que existe. São Boaventura,
seu discípulo, contava que ele, «enchendo-se da maior ternura ao considerar a origem comum de
todas as coisas, dava a todas as criaturas – por mais desprezíveis que parecessem – o doce
nome de irmãos e irmãs».[20] Esta convicção não pode ser desvalorizada como romantismo
irracional, pois influi nas opções que determinam o nosso comportamento. Se nos aproximarmos
da natureza e do meio ambiente sem esta abertura para a admiração e o encanto, se deixarmos
de falar a língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo, então as nossas
atitudes serão as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais,
incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos. Pelo contrário, se nos sentirmos
intimamente unidos a tudo o que existe, então brotarão de modo espontâneo a sobriedade e a
solicitude. A pobreza e a austeridade de São Francisco não eram simplesmente um ascetismo
exterior, mas algo de mais radical: uma renúncia a fazer da realidade um mero objecto de uso e
domínio.
12. Por outro lado, São Francisco, fiel à Sagrada Escritura, propõe-nos reconhecer a natureza
como um livro esplêndido onde Deus nos fala e transmite algo da sua beleza e bondade: «Na
grandeza e na beleza das criaturas, contempla-se, por analogia, o seu Criador» (Sab 13, 5) e «o
que é invisível n’Ele – o seu eterno poder e divindade – tornou-se visível à inteligência, desde a

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criação do mundo, nas suas obras» (Rm 1, 20). Por isso, Francisco pedia que, no convento, se
deixasse sempre uma parte do horto por cultivar para aí crescerem as ervas silvestres, a fim de
que, quem as admirasse, pudesse elevar o seu pensamento a Deus, autor de tanta beleza.[21] O
mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozoso que contemplamos na
alegria e no louvor.
O meu apelo
13. O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a
família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as
coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projecto de amor, nem
Se arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na
construção da nossa casa comum. Desejo agradecer, encorajar e manifestar apreço a quantos,
nos mais variados sectores da actividade humana, estão a trabalhar para garantir a protecção da
casa que partilhamos. Uma especial gratidão é devida àqueles que lutam, com vigor, por resolver
as dramáticas consequências da degradação ambiental na vida dos mais pobres do mundo. Os
jovens exigem de nós uma mudança; interrogam-se como se pode pretender construir um futuro
melhor, sem pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos.
14. Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o
futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental,
que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós. O
movimento ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas
agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização. Infelizmente, muitos esforços na
busca de soluções concretas para a crise ambiental acabam, com frequência, frustrados não só
pela recusa dos poderosos, mas também pelo desinteresse dos outros. As atitudes que dificultam
os caminhos de solução, mesmo entre os crentes, vão da negação do problema à indiferença, à
resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções técnicas. Precisamos de nova
solidariedade universal. Como disseram os bispos da África do Sul, «são necessários os talentos
e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de
Deus».[22] Todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada
um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades.
15. Espero que esta carta encíclica, que se insere no magistério social da Igreja, nos ajude a
reconhecer a grandeza, a urgência e a beleza do desafio que temos pela frente. Em primeiro
lugar, farei uma breve resenha dos vários aspectos da actual crise ecológica, com o objectivo de
assumir os melhores frutos da pesquisa científica actualmente disponível, deixar-se tocar por ela
em profundidade e dar uma base concreta ao percurso ético e espiritual seguido. A partir desta
panorâmica, retomarei algumas argumentações que derivam da tradição judaico-cristã, a fim de
dar maior coerência ao nosso compromisso com o meio ambiente. Depois procurarei chegar às
raízes da situação actual, de modo a individuar não apenas os seus sintomas, mas também as

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causas mais profundas. Poderemos assim propor uma ecologia que, nas suas várias dimensões,
integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a
realidade que o rodeia. À luz desta reflexão, quereria dar mais um passo, verificando algumas das
grandes linhas de diálogo e de acção que envolvem seja cada um de nós seja a política
internacional. Finalmente, convencido – como estou – de que toda a mudança tem necessidade
de motivações e dum caminho educativo, proporei algumas linhas de maturação humana
inspiradas no tesouro da experiência espiritual cristã.
16. Embora cada capítulo tenha a sua temática própria e uma metodologia específica, o
sucessivo retoma por sua vez, a partir duma nova perspectiva, questões importantes abordadas
nos capítulos anteriores. Isto diz respeito especialmente a alguns eixos que atravessam a
encíclica inteira. Por exemplo: a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a
convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e
das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de
entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da
ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política
internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida. Estes temas
nunca se dão por encerrados nem se abandonam, mas são constantemente retomados e
enriquecidos.
CAPÍTULO I
O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA
17. As reflexões teológicas ou filosóficas sobre a situação da humanidade e do mundo podem
soar como uma mensagem repetida e vazia, se não forem apresentadas novamente a partir dum
confronto com o contexto actual no que este tem de inédito para a história da humanidade. Por
isso, antes de reconhecer como a fé traz novas motivações e exigências face ao mundo de que
fazemos parte, proponho que nos detenhamos brevemente a considerar o que está a acontecer à
nossa casa comum.
18. A contínua aceleração das mudanças na humanidade e no planeta junta-se, hoje, à
intensificação dos ritmos de vida e trabalho, que alguns, em espanhol, designam por
«rapidación». Embora a mudança faça parte da dinâmica dos sistemas complexos, a velocidade
que hoje lhe impõem as acções humanas contrasta com a lentidão natural da evolução biológica.
A isto vem juntar-se o problema de que os objectivos desta mudança rápida e constante não
estão necessariamente orientados para o bem comum e para um desenvolvimento humano
sustentável e integral. A mudança é algo desejável, mas torna-se preocupante quando se
transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade.

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19. Depois dum tempo de confiança irracional no progresso e nas capacidades humanas, uma
parte da sociedade está a entrar numa etapa de maior consciencialização. Nota-se uma
crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce uma
sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta. Façamos uma
resenha, certamente incompleta, das questões que hoje nos causam inquietação e já não se
podem esconder debaixo do tapete. O objectivo não é recolher informações ou satisfazer a nossa
curiosidade, mas tomar dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento pessoal aquilo
que acontece ao mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar.
1. Poluição e mudanças climáticas
Poluição, resíduos e cultura do descarte
20. Existem formas de poluição que afectam diariamente as pessoas. A exposição aos poluentes
atmosféricos produz uma vasta gama de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais pobres,
e provocam milhões de mortes prematuras. Adoecem, por exemplo, por causa da inalação de
elevadas quantidades de fumo produzido pelos combustíveis utilizados para cozinhar ou aquecer-
se. A isto vem juntar-se a poluição que afecta a todos, causada pelo transporte, pelos fumos da
indústria, pelas descargas de substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água,
pelos fertilizantes, insecticidas, fungicidas, pesticidas e agro-tóxicos em geral. Na realidade a
tecnologia, que, ligada à finança, pretende ser a única solução dos problemas, é incapaz de ver o
mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e, por isso, às vezes resolve um
problema criando outros.
21. Devemos considerar também a poluição produzida pelos resíduos, incluindo os perigosos
presentes em variados ambientes. Produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas
de resíduos, muitos deles não biodegradáveis: resíduos domésticos e comerciais, detritos de
demolições, resíduos clínicos, electrónicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e
radioactivos. A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de
lixo. Em muitos lugares do planeta, os idosos recordam com saudade as paisagens de outrora,
que agora vêem submersas de lixo. Tanto os resíduos industriais como os produtos químicos
utilizados nas cidades e nos campos podem produzir um efeito de bioacumulação nos
organismos dos moradores nas áreas limítrofes, que se verifica mesmo quando é baixo o nível de
presença dum elemento tóxico num lugar. Muitas vezes só se adoptam medidas quando já se
produziram efeitos irreversíveis na saúde das pessoas.
22. Estes problemas estão intimamente ligados à cultura do descarte, que afecta tanto os seres
humanos excluídos como as coisas que se convertem rapidamente em lixo. Note-se, por
exemplo, como a maior parte do papel produzido se desperdiça sem ser reciclado. Custa-nos a
reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam
substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros

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que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova
geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo,
não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias. Ainda não se
conseguiu adoptar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as
gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis,
moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e
reciclando-os. A resolução desta questão seria uma maneira de contrastar a cultura do descarte
que acaba por danificar o planeta inteiro, mas nota-se que os progressos neste sentido são ainda
muito escassos.
O clima como bem comum
23. O clima é um bem comum, um bem de todos e para todos. A nível global, é um sistema
complexo, que tem a ver com muitas condições essenciais para a vida humana. Há um consenso
científico muito consistente, indicando que estamos perante um preocupante aquecimento do
sistema climático. Nas últimas décadas, este aquecimento foi acompanhado por uma elevação
constante do nível do mar, sendo difícil não o relacionar ainda com o aumento de acontecimentos
meteorológicos extremos, embora não se possa atribuir uma causa cientificamente determinada a
cada fenómeno particular. A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de
mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou,
pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam. É verdade que há outros factores
(tais como o vulcanismo, as variações da órbita e do eixo terrestre, o ciclo solar), mas numerosos
estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas é
devida à alta concentração de gases com efeito de estufa (dióxido de carbono, metano, óxido de
azoto, e outros) emitidos sobretudo por causa da actividade humana. Concentrando-se na
atmosfera, estes gases dificultam a evasão do calor que a luz do sol produz sobre a superficie da
terra. Isto é particularmente agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo
de combustíveis fósseis, que está no centro do sistema energético mundial. E incidiu também a
prática crescente de mudar a utilização do solo, principalmente o desflorestamento para finalidade
agrícola.
24. Por sua vez, o aquecimento influi sobre o ciclo do carbono. Cria um ciclo vicioso que agrava
ainda mais a situação e que incidirá sobre a disponibilidade de recursos essenciais como a água
potável, a energia e a produção agrícola das áreas mais quentes e provocará a extinção de parte
da biodiversidade do planeta. O derretimento das calotas polares e dos glaciares a grande
altitude ameaça com uma libertação, de alto risco, de gás metano, e a decomposição da matéria
orgânica congelada poderia acentuar ainda mais a emissão de dióxido de carbono. Entretanto a
perda das florestas tropicais piora a situação, pois estas ajudam a mitigar a mudança climática. A
poluição produzida pelo dióxido de carbono aumenta a acidez dos oceanos e compromete a
cadeia alimentar marinha. Se a tendência actual se mantiver, este século poderá ser testemunha
de mudanças climáticas inauditas e duma destruição sem precedentes dos ecossistemas, com

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graves consequências para todos nós. Por exemplo, a subida do nível do mar pode criar
situações de extrema gravidade, se se considera que um quarto da população mundial vive à
beira-mar ou muito perto dele, e a maior parte das megacidades estão situadas em áreas
costeiras.
25. As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais,
económicas, distributivas e políticas, constituindo actualmente um dos principais desafios para a
humanidade. Provavelmente os impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os
países em vias de desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afectados
por fenómenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem
fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a
pesca e os recursos florestais. Não possuem outras disponibilidades económicas nem outros
recursos que lhes permitam adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações
catastróficas, e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de protecção. Por exemplo, as
mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem
adaptar-se; e isto, por sua vez, afecta os recursos produtivos dos mais pobres, que são forçados
também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos. É trágico
o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não
sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua
vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente, verifica-se uma indiferença geral
perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo. A
falta de reacções diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido
de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil.
26. Muitos daqueles que detêm mais recursos e poder económico ou político parecem concentrar-
se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas, procurando apenas reduzir
alguns impactos negativos de mudanças climáticas. Mas muitos sintomas indicam que tais efeitos
poderão ser cada vez piores, se continuarmos com os modelos actuais de produção e consumo.
Por isso, tornou-se urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer com
que, nos próximos anos, a emissão de dióxido de carbono e outros gases altamente poluentes se
reduza drasticamente, por exemplo, substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes
de energia renovável. No mundo, é exíguo o nível de acesso a energias limpas e renováveis. Mas
ainda é necessário desenvolver adequadas tecnologias de acumulação. Entretanto, nalguns
países, registaram-se avanços que começam a ser significativos, embora estejam longe de atingir
uma proporção importante. Houve também alguns investimentos em modalidades de produção e
transporte que consomem menos energia exigindo menor quantidade de matérias-primas, bem
como em modalidades de construção ou restruturação de edifícios para se melhorar a sua
eficiência energética. Mas estas práticas promissoras estão longe de se tornar omnipresentes.
2. A questão da água

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27. Outros indicadores da situação actual têm a ver com o esgotamento dos recursos naturais. É
bem conhecida a impossibilidade de sustentar o nível actual de consumo dos países mais
desenvolvidos e dos sectores mais ricos da sociedade, onde o hábito de desperdiçar e jogar fora
atinge níveis inauditos. Já se ultrapassaram certos limites máximos de exploração do planeta,
sem termos resolvido o problema da pobreza.
28. A água potável e limpa constitui uma questão de primordial importância, porque é
indispensável para a vida humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos. As
fontes de água doce fornecem os sectores sanitários, agro-pecuários e industriais. A
disponibilidade de água manteve-se relativamente constante durante muito tempo, mas agora, em
muitos lugares, a procura excede a oferta sustentável, com graves consequências a curto e longo
prazo. Grandes cidades, que dependem de importantes reservas hídricas, sofrem períodos de
carência do recurso, que, nos momentos críticos, nem sempre se administra com uma gestão
adequada e com imparcialidade. A pobreza da água pública verifica-se especialmente na África,
onde grandes sectores da população não têm acesso a água potável segura, ou sofrem secas
que tornam difícil a produção de alimento. Nalguns países, há regiões com abundância de água,
enquanto outras sofrem de grave escassez.
29. Um problema particularmente sério é o da qualidade da água disponível para os pobres, que
diariamente ceifa muitas vidas. Entre os pobres, são frequentes as doenças relacionadas com a
água, incluindo as causadas por microorganismos e substâncias químicas. A diarreia e a cólera,
devidas a serviços de higiene e reservas de água inadequados, constituem um factor significativo
de sofrimento e mortalidade infantil. Em muitos lugares, os lençóis freáticos estão ameaçados
pela poluição produzida por algumas actividades extractivas, agrícolas e industriais, sobretudo em
países desprovidos de regulamentação e controles suficientes. Não pensamos apenas nas
descargas provenientes das fábricas; os detergentes e produtos químicos que a população utiliza
em muitas partes do mundo continuam a ser derramados em rios, lagos e mares.
30. Enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente, em alguns lugares cresce a
tendência para se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do
mercado. Na realidade, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial,
fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição
para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com
os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado
na sua dignidade inalienável. Esta dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições
económicas para prover de água limpa e saneamento as populações mais pobres. Entretanto
nota-se um desperdício de água não só nos países desenvolvidos, mas também naqueles em
vias de desenvolvimento que possuem grandes reservas. Isto mostra que o problema da água é,
em parte, uma questão educativa e cultural, porque não há consciência da gravidade destes
comportamentos num contexto de grande desigualdade.

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31. Uma maior escassez de água provocará o aumento do custo dos alimentos e de vários
produtos que dependem do seu uso. Alguns estudos assinalaram o risco de sofrer uma aguda
escassez de água dentro de poucas décadas, se não forem tomadas medidas urgentes. Os
impactos ambientais poderiam afectar milhares de milhões de pessoas, sendo previsível que o
controle da água por grandes empresas mundiais se transforme numa das principais fontes de
conflitos deste século.[23]
3. Perda de biodiversidade
32. Os recursos da terra estão a ser depredados também por causa de formas imediatistas de
entender a economia e a actividade comercial e produtiva. A perda de florestas e bosques implica
simultaneamente a perda de espécies que poderiam constituir, no futuro, recursos extremamente
importantes não só para a alimentação mas também para a cura de doenças e vários serviços. As
diferentes espécies contêm genes que podem ser recursos-chave para resolver, no futuro,
alguma necessidade humana ou regular algum problema ambiental.
33. Entretanto não basta pensar nas diferentes espécies apenas como eventuais «recursos»
exploráveis, esquecendo que possuem um valor em si mesmas. Anualmente, desaparecem
milhares de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os nossos filhos
não poderão ver, perdidas para sempre. A grande maioria delas extingue-se por razões que têm a
ver com alguma actividade humana. Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a
Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos
direito de o fazer.
34. Possivelmente perturba-nos saber da extinção dum mamífero ou duma ave, pela sua maior
visibilidade; mas, para o bom funcionamento dos ecossistemas, também são necessários os
fungos, as algas, os vermes, os pequenos insectos, os répteis e a variedade inumerável de
microorganismos. Algumas espécies pouco numerosas, que habitualmente nos passam
despercebidas, desempenham uma função censória fundamental para estabelecer o equilíbrio
dum lugar. É verdade que o ser humano deve intervir quando um geosistema cai em estado
crítico, mas hoje o nível de intervenção humana numa realidade tão complexa como a natureza é
tal, que os desastres constantes causados pelo ser humano provocam uma nova intervenção dele
de modo que a actividade humana torna-se omnipresente, com todos os riscos que isto implica.
Normalmente cria-se um círculo vicioso, no qual a intervenção humana, para resolver uma
dificuldade, muitas vezes ainda agrava mais a situação. Por exemplo, muitos pássaros e insectos,
que desaparecem por causa dos agro-tóxicos criados pela tecnologia, são úteis para a própria
agricultura, e o seu desaparecimento deverá ser compensado por outra intervenção tecnológica
que possivelmente trará novos efeitos nocivos. São louváveis e, às vezes, admiráveis os esforços
de cientistas e técnicos que procuram dar solução aos problemas criados pelo ser humano. Mas,
contemplando o mundo, damo-nos conta de que este nível de intervenção humana, muitas vezes
ao serviço da finança e do consumismo, faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente

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12
menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o
desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem limites. Assim,
parece que nos iludimos de poder substituir uma beleza insuprível e irrecuperável por outra criada
por nós.
35. Quando se analisa o impacto ambiental de qualquer iniciativa económica, costuma-se olhar
para os seus efeitos no solo, na água e no ar, mas nem sempre se inclui um estudo cuidadoso do
impacto na biodiversidade, como se a perda de algumas espécies ou de grupos animais ou
vegetais fosse algo de pouca relevância. As estradas, os novos cultivos, as reservas, as
barragens e outras construções vão tomando posse dos habitats e, por vezes, fragmentam-nos
de tal maneira que as populações de animais já não podem migrar nem mover-se livremente, pelo
que algumas espécies correm o risco de extinção. Existem alternativas que, pelo menos, mitigam
o impacto destas obras, como a criação de corredores biológicos, mas são poucos os países em
que se adverte este cuidado e prevenção. Quando se explora comercialmente algumas espécies,
nem sempre se estuda a sua modalidade de crescimento para evitar a sua diminuição excessiva
e consequente desequilíbrio do ecossistema.
36. O cuidado dos ecossistemas requer uma perspectiva que se estenda para além do imediato,
porque, quando se busca apenas um ganho económico rápido e fácil, já ninguém se importa
realmente com a sua preservação. Mas o custo dos danos provocados pela negligência egoísta é
muitíssimo maior do que o benefício económico que se possa obter. No caso da perda ou dano
grave dalgumas espécies, fala-se de valores que excedem todo e qualquer cálculo. Por isso,
podemos ser testemunhas mudas de gravíssimas desigualdades, quando se pretende obter
benefícios significativos, fazendo pagar ao resto da humanidade, presente e futura, os altíssimos
custos da degradação ambiental.
37. Alguns países fizeram progressos na conservação eficaz de certos lugares e áreas – na terra
e nos oceanos –, proibindo aí toda a intervenção humana que possa modificar a sua fisionomia ou
alterar a sua constituição original. No cuidado da biodiversidade, os especialistas insistem na
necessidade de prestar uma especial atenção às áreas mais ricas em variedade de espécies, em
espécies endémicas, raras ou com menor grau de efectiva protecção. Há lugares que requerem
um cuidado particular pela sua enorme importância para o ecossistema mundial, ou que
constituem significativas reservas de água assegurando assim outras formas de vida.
38. Mencionemos, por exemplo, os pulmões do planeta repletos de biodiversidade que são a
Amazónia e a bacia fluvial do Congo, ou os grandes lençóis freáticos e os glaciares. A
importância destes lugares para o conjunto do planeta e para o futuro da humanidade não se
pode ignorar. Os ecossistemas das florestas tropicais possuem uma biodiversidade de enorme
complexidade, quase impossível de conhecer completamente, mas quando estas florestas são
queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em poucos anos perdem-se inúmeras
espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos desertos. Todavia, ao falar sobre estes lugares,

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13
impõe-se um delicado equilíbrio, porque não é possível ignorar também os enormes interesses
económicos internacionais que, a pretexto de cuidar deles, podem atentar contra as soberanias
nacionais. Com efeito, há «propostas de internacionalização da Amazónia que só servem aos
interesses económicos das corporações internacionais».[24] É louvável a tarefa de organismos
internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de
forma crítica, inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão, para que cada governo
cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do
seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais.
39. Habitualmente também não se faz objecto de adequada análise a substituição da flora
silvestre por áreas florestais com árvores, que geralmente são monoculturas. É que pode afectar
gravemente uma biodiversidade que não é albergada pelas novas espécies que se implantam.
Também as zonas húmidas, que são transformadas em terrenos agrícolas, perdem a enorme
biodiversidade que abrigavam. É preocupante, nalgumas áreas costeiras, o desaparecimento dos
ecossistemas constituídos por manguezais.
40. Os oceanos contêm não só a maior parte da água do planeta, mas também a maior parte da
vasta variedade dos seres vivos, muitos deles ainda desconhecidos para nós e ameaçados por
diversas causas. Além disso, a vida nos rios, lagos, mares e oceanos, que nutre grande parte da
população mundial, é afectada pela extracção descontrolada dos recursos ictíicos, que provoca
drásticas diminuições dalgumas espécies. E no entanto continuam a desenvolver-se modalidades
selectivas de pesca, que descartam grande parte das espécies apanhadas. Particularmente
ameaçados estão organismos marinhos que não temos em consideração, como certas formas de
plâncton que constituem um componente muito importante da cadeia alimentar marinha e de que
dependem, em última instância, espécies que se utilizam para a alimentação humana.
41. Passando aos mares tropicais e subtropicais, encontramos os recifes de coral, que equivalem
às grandes florestas da terra firme, porque abrigam cerca de um milhão de espécies, incluindo
peixes, caranguejos, moluscos, esponjas, algas e outras. Hoje, muitos dos recifes de coral no
mundo já são estéreis ou encontram-se num estado contínuo de declínio: «Quem transformou o
maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos despojados de vida e de cor?»[25] Este
fenómeno deve-se, em grande parte, à poluição que chega ao mar resultante do
desflorestamento, das monoculturas agrícolas, das descargas industriais e de métodos de pesca
destrutivos, nomeadamente os que utilizam cianeto e dinamite. É agravado pelo aumento da
temperatura dos oceanos. Tudo isso nos ajuda a compreender como qualquer acção sobre a
natureza pode ter consequências que não advertimos à primeira vista e como certas formas de
exploração de recursos se obtêm à custa duma degradação que acaba por chegar até ao fundo
dos oceanos.
42. É preciso investir muito mais na pesquisa para se entender melhor o comportamento dos
ecossistemas e analisar adequadamente as diferentes variáveis de impacto de qualquer

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14
modificação importante do meio ambiente. Visto que todas as criaturas estão interligadas, deve
ser reconhecido com carinho e admiração o valor de cada uma, e todos nós, seres criados,
precisamos uns dos outros. Cada território detém uma parte de responsabilidade no cuidado
desta família, pelo que deve fazer um inventário cuidadoso das espécies que alberga a fim de
desenvolver programas e estratégias de protecção, cuidando com particular solicitude das
espécies em vias de extinção.
4. Deterioração da qualidade de vida humana e degradação social
43. Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que tem direito a
viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar de considerar
os efeitos da degradação ambiental, do modelo actual de desenvolvimento e da cultura do
descarte sobre a vida das pessoas.
44. Nota-se hoje, por exemplo, o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que
se tornaram pouco saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente de emissões
tóxicas mas também ao caos urbano, aos problemas de transporte e à poluição visiva e acústica.
Muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam, gastando energia e água em excesso.
Há bairros que, embora construídos recentemente, apresentam-se congestionados e
desordenados, sem espaços verdes suficientes. Não é conveniente para os habitantes deste
planeta viver cada vez mais submersos de cimento, asfalto, vidro e metais, privados do contacto
físico com a natureza.
45. Nalguns lugares, rurais e urbanos, a privatização dos espaços tornou difícil o acesso dos
cidadãos a áreas de especial beleza; noutros, criaram-se áreas residenciais «ecológicas» postas
à disposição só de poucos, procurando-se evitar que outros entrem a perturbar uma tranquilidade
artificial. Muitas vezes encontra-se uma cidade bela e cheia de espaços verdes e bem cuidados
nalgumas áreas «seguras», mas não em áreas menos visíveis, onde vivem os descartados da
sociedade.
46. Entre os componentes sociais da mudança global, incluem-se os efeitos laborais dalgumas
inovações tecnológicas, a exclusão social, a desigualdade no fornecimento e consumo da energia
e doutros serviços, a fragmentação social, o aumento da violência e o aparecimento de novas
formas de agressividade social, o narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os mais
jovens, a perda de identidade. São alguns sinais, entre outros, que mostram como o crescimento
nos últimos dois séculos não significou, em todos os seus aspectos, um verdadeiro progresso
integral e uma melhoria da qualidade de vida. Alguns destes sinais são ao mesmo tempo
sintomas duma verdadeira degradação social, duma silenciosa ruptura dos vínculos de integração
e comunhão social.
47. A isto vêm juntar-se as dinâmicas dos mass-media e do mundo digital, que, quando se tornam

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omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver com sabedoria,
pensar em profundidade, amar com generosidade. Neste contexto, os grandes sábios do passado
correriam o risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação. Isto
exige de nós um esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural
da humanidade, e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda. A verdadeira sabedoria,
fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas, não se adquire com uma
mera acumulação de dados, que, numa espécie de poluição mental, acabam por saturar e
confundir. Ao mesmo tempo tendem a substituir as relações reais com os outros, com todos os
desafios que implicam, por um tipo de comunicação mediada pela internet. Isto permite
seleccionar ou eliminar a nosso arbítrio as relações e, deste modo, frequentemente gera-se um
novo tipo de emoções artificiais, que têm a ver mais com dispositivos e monitores do que com as
pessoas e a natureza. Os meios actuais permitem-nos comunicar e partilhar conhecimentos e
afectos. Mas, às vezes, também nos impedem de tomar contacto directo com a angústia, a
trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal. Por isso, não
deveria surpreender-nos o facto de, a par da oferta sufocante destes produtos, ir crescendo uma
profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo isolamento.
5. Desigualdade planetária
48. O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos
enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que
têm a ver com a degradação humana e social. De facto, a deterioração do meio ambiente e a da
sociedade afectam de modo especial os mais frágeis do planeta: «Tanto a experiência comum da
vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas
as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres».[26] Por exemplo, o
esgotamento das reservas ictíicas prejudica especialmente as pessoas que vivem da pesca
artesanal e não possuem qualquer maneira de a substituir, a poluição da água afecta
particularmente os mais pobres que não têm possibilidades de comprar água engarrafada, e a
elevação do nível do mar afecta principalmente as populações costeiras mais pobres que não têm
para onde se transferir. O impacto dos desequilíbrios actuais manifesta-se também na morte
prematura de muitos pobres, nos conflitos gerados pela falta de recursos e em muitos outros
problemas que não têm espaço suficiente nas agendas mundiais.[27]
49. Gostaria de assinalar que muitas vezes falta uma consciência clara dos problemas que
afectam particularmente os excluídos. Estes são a maioria do planeta, milhares de milhões de
pessoas. Hoje são mencionados nos debates políticos e económicos internacionais, mas com
frequência parece que os seus problemas se coloquem como um apêndice, como uma questão
que se acrescenta quase por obrigação ou perifericamente, quando não são considerados meros
danos colaterais. Com efeito, na hora da implementação concreta, permanecem frequentemente
no último lugar. Isto deve-se, em parte, ao facto de que muitos profissionais, formadores de
opinião, meios de comunicação e centros de poder estão localizados longe deles, em áreas

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urbanas isoladas, sem ter contacto directo com os seus problemas. Vivem e reflectem a partir da
comodidade dum desenvolvimento e duma qualidade de vida que não está ao alcance da maioria
da população mundial. Esta falta de contacto físico e de encontro, às vezes favorecida pela
fragmentação das nossas cidades, ajuda a cauterizar a consciência e a ignorar parte da realidade
em análises tendenciosas. Isto, às vezes, coexiste com um discurso «verde». Mas, hoje, não
podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma
abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir
tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres.
50. Em vez de resolver os problemas dos pobres e pensar num mundo diferente, alguns limitam-
se a propor uma redução da natalidade. Não faltam pressões internacionais sobre os países em
vias de desenvolvimento, que condicionam as ajudas económicas a determinadas políticas de
«saúde reprodutiva». Mas, «se é verdade que a desigual distribuição da população e dos
recursos disponíveis cria obstáculos ao desenvolvimento e ao uso sustentável do ambiente, deve-
se reconhecer que o crescimento demográfico é plenamente compatível com um
desenvolvimento integral e solidário».[28] Culpar o incremento demográfico em vez do
consumismo exacerbado e selectivo de alguns é uma forma de não enfrentar os problemas.
Pretende-se, assim, legitimar o modelo distributivo actual, no qual uma minoria se julga com o
direito de consumir numa proporção que seria impossível generalizar, porque o planeta não
poderia sequer conter os resíduos de tal consumo. Além disso, sabemos que se desperdiça
aproximadamente um terço dos alimentos produzidos, e «a comida que se desperdiça é como se
fosse roubada da mesa do pobre».[29] Em todo o caso, é verdade que devemos prestar atenção
ao desequilíbrio na distribuição da população pelo território, tanto a nível nacional como a nível
mundial, porque o aumento do consumo levaria a situações regionais complexas pelas
combinações de problemas ligados à poluição ambiental, ao transporte, ao tratamento de
resíduos, à perda de recursos, à qualidade de vida.
51. A desigualdade não afecta apenas os indivíduos mas países inteiros, e obriga a pensar numa
ética das relações internacionais. Com efeito, há uma verdadeira «dívida ecológica»,
particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no
âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efectuado historicamente
por alguns países. As exportações de algumas matérias-primas para satisfazer os mercados no
Norte industrializado produziram danos locais, como, por exemplo, a contaminação com mercúrio
na extracção minerária do ouro ou com o dióxido de enxofre na do cobre. De modo especial é
preciso calcular o espaço ambiental de todo o planeta usado para depositar resíduos gasosos
que se foram acumulando ao longo de dois séculos e criaram uma situação que agora afecta
todos os países do mundo. O aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países ricos
tem repercussões nos lugares mais pobres da terra, especialmente na África, onde o aumento da
temperatura, juntamente com a seca, tem efeitos desastrosos no rendimento das cultivações. A
isto acrescentam-se os danos causados pela exportação de resíduos sólidos e líquidos tóxicos
para os países em vias de desenvolvimento e pela actividade poluente de empresas que fazem

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nos países menos desenvolvidos aquilo que não podem fazer nos países que lhes dão o capital:
«Constatamos frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais, que
fazem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos ou do chamado primeiro mundo.
Geralmente, quando cessam as suas actividades e se retiram, deixam grandes danos humanos e
ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, esgotamento dalgumas reservas naturais,
desflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras, colinas devastadas,
rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar».[30]
52. A dívida externa dos países pobres transformou-se num instrumento de controle, mas não se
dá o mesmo com a dívida ecológica. De várias maneiras os povos em vias de desenvolvimento,
onde se encontram as reservas mais importantes da biosfera, continuam a alimentar o progresso
dos países mais ricos à custa do seu presente e do seu futuro. A terra dos pobres do Sul é rica e
pouco contaminada, mas o acesso à propriedade de bens e recursos para satisfazerem as suas
carências vitais é-lhes vedado por um sistema de relações comerciais e de propriedade
estruturalmente perverso. É necessário que os países desenvolvidos contribuam para resolver
esta dívida, limitando significativamente o consumo de energia não renovável e fornecendo
recursos aos países mais necessitados para promover políticas e programas de desenvolvimento
sustentável. As regiões e os países mais pobres têm menos possibilidade de adoptar novos
modelos de redução do impacto ambiental, porque não têm a preparação para desenvolver os
processos necessários nem podem cobrir os seus custos. Por isso, deve-se manter claramente a
consciência de que a mudança climática tem responsabilidades diversificadas e, como disseram
os bispos dos Estados Unidos, é oportuno concentrar-se «especialmente sobre as necessidades
dos pobres, fracos e vulneráveis, num debate muitas vezes dominado pelos interesses mais
poderosos».[31] É preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não
há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo,
também não há espaço para a globalização da indiferença.
6. A fraqueza das reacções
53. Estas situações provocam os gemidos da irmã terra, que se unem aos gemidos dos
abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo. Nunca maltratámos e
ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos. Mas somos chamados a tornar-nos
os instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao criá-lo e
corresponda ao seu projecto de paz, beleza e plenitude. O problema é que não dispomos ainda
da cultura necessária para enfrentar esta crise e há necessidade de construir lideranças que
tracem caminhos, procurando dar resposta às necessidades das gerações actuais, todos
incluídos, sem prejudicar as gerações futuras. Torna-se indispensável criar um sistema normativo
que inclua limites invioláveis e assegure a protecção dos ecossistemas, antes que as novas
formas de poder derivadas do paradigma tecno-económico acabem por arrasá-los não só com a
política, mas também com a liberdade e a justiça.

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54. Preocupa a fraqueza da reacção política internacional. A submissão da política à tecnologia e
à finança demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente. Há
demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse económico chega a
prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afectados os seus
projectos. Nesta linha, o Documento de Aparecida pede que, «nas intervenções sobre os
recursos naturais, não predominem os interesses de grupos económicos que arrasam
irracionalmente as fontes da vida».[32] A aliança entre economia e tecnologia acaba por deixar de
fora tudo o que não faz parte dos seus interesses imediatos. Deste modo, poder-se-á esperar
apenas algumas proclamações superficiais, acções filantrópicas isoladas e ainda esforços por
mostrar sensibilidade para com o meio ambiente, enquanto, na realidade, qualquer tentativa das
organizações sociais para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por
sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar.
55. Pouco a pouco alguns países podem mostrar progressos significativos, o desenvolvimento de
controles mais eficientes e uma luta mais sincera contra a corrupção. Cresceu a sensibilidade
ecológica das populações, mas é ainda insuficiente para mudar os hábitos nocivos de consumo,
que não parecem diminuir; antes, expandem-se e desenvolvem-se. É o que acontece – só para
dar um exemplo simples – com o crescente aumento do uso e intensidade dos condicionadores
de ar: os mercados, apostando num ganho imediato, estimulam ainda mais a procura. Se alguém
observasse de fora a sociedade planetária, maravilhar-se-ia com tal comportamento que às vezes
parece suicida.
56. Entretanto os poderes económicos continuam a justificar o sistema mundial actual, onde
predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o
contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente. Assim se manifesta
como estão intimamente ligadas a degradação ambiental e a degradação humana e ética. Muitos
dirão que não têm consciência de realizar acções imorais, porque a constante distracção nos tira
a coragem de advertir a realidade dum mundo limitado e finito. Por isso, hoje, «qualquer realidade
que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado,
transformados em regra absoluta».[33]
57. É previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário
favorável para novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações. A guerra causa sempre
danos graves ao meio ambiente e à riqueza cultural dos povos, e os riscos avolumam-se quando
se pensa na energia nuclear e nas armas biológicas. Com efeito, «não obstante haver acordos
internacionais que proíbem a guerra química, bacteriológica e biológica, subsiste o facto de
continuarem nos laboratórios as pesquisas para o desenvolvimento de novas armas ofensivas,
capazes de alterar os equilíbrios naturais».[34] Exige-se da política uma maior atenção para
prevenir e resolver as causas que podem dar origem a novos conflitos. Entretanto o poder, ligado
com a finança, é o que maior resistência põe a tal esforço, e os projectos políticos carecem
muitas vezes de amplitude de horizonte. Para que se quer preservar hoje um poder que será

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recordado pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e necessário fazê-lo?
58. Nalguns países, há exemplos positivos de resultados na melhoria do ambiente, tais como o
saneamento de alguns rios que foram poluídos durante muitas décadas, a recuperação de
florestas nativas, o embelezamento de paisagens com obras de saneamento ambiental, projectos
de edifícios de grande valor estético, progressos na produção de energia limpa, na melhoria dos
transportes públicos. Estas acções não resolvem os problemas globais, mas confirmam que o ser
humano ainda é capaz de intervir de forma positiva. Como foi criado para amar, no meio dos seus
limites germinam inevitavelmente gestos de generosidade, solidariedade e desvelo.
59. Ao mesmo tempo cresce uma ecologia superficial ou aparente que consolida um certo torpor
e uma alegre irresponsabilidade. Como frequentemente acontece em épocas de crises profundas,
que exigem decisões corajosas, somos tentados a pensar que aquilo que está a acontecer não é
verdade. Se nos detivermos na superfície, para além de alguns sinais visíveis de poluição e
degradação, parece que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta poderia subsistir
ainda por muito tempo nas condições actuais. Este comportamento evasivo serve-nos para
mantermos os nossos estilos de vida, de produção e consumo. É a forma como o ser humano se
organiza para alimentar todos os vícios autodestrutivos: tenta não os ver, luta para não os
reconhecer, adia as decisões importantes, age como se nada tivesse acontecido.
7. Diversidade de opiniões
60. Finalmente reconhecemos, a propósito da situação e das possíveis soluções, que se
desenvolveram diferentes perspectivas e linhas de pensamento. Num dos extremos, alguns
defendem a todo o custo o mito do progresso, afirmando que os problemas ecológicos resolver-
se-ão simplesmente com novas aplicações técnicas, sem considerações éticas nem mudanças de
fundo. No extremo oposto, outros pensam que o ser humano, com qualquer uma das suas
intervenções, só pode ameaçar e comprometer o ecossistema mundial, pelo que convém reduzir
a sua presença no planeta e impedir-lhe todo o tipo de intervenção. Entre estes extremos, a
reflexão deveria identificar possíveis cenários futuros, porque não existe só um caminho de
solução. Isto deixaria espaço para uma variedade de contribuições que poderiam entrar em
diálogo a fim de se chegar a respostas abrangentes.
61. Sobre muitas questões concretas, a Igreja não tem motivo para propor uma palavra definitiva
e entende que deve escutar e promover o debate honesto entre os cientistas, respeitando a
diversidade de opiniões. Basta, porém, olhar a realidade com sinceridade, para ver que há uma
grande deterioração da nossa casa comum. A esperança convida-nos a reconhecer que sempre
há uma saída, sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para
resolver os problemas. Todavia parece notar-se sintomas dum ponto de ruptura, por causa da alta
velocidade das mudanças e da degradação, que se manifestam tanto em catástrofes naturais
regionais como em crises sociais ou mesmo financeiras, uma vez que os problemas do mundo

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20
não se podem analisar nem explicar de forma isolada. Há regiões que já se encontram
particularmente em risco e, prescindindo de qualquer previsão catastrófica, o certo é que o actual
sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista, porque deixamos de pensar
nas finalidades da acção humana: «Se o olhar percorre as regiões do nosso planeta,
apercebemo-nos depressa de que a humanidade frustrou a expectativa divina».[35]
CAPÍTULO II
O EVANGELHO DA CRIAÇÃO
62. Por que motivo incluir, neste documento dirigido a todas as pessoas de boa vontade, um
capítulo referido às convicções de fé? Não ignoro que alguns, no campo da política e do
pensamento, rejeitam decididamente a ideia de um Criador ou consideram-na irrelevante,
chegando ao ponto de relegar para o reino do irracional a riqueza que as religiões possam
oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do género humano; outras vezes,
supõe-se que elas constituam uma subcultura, que se deve simplesmente tolerar. Todavia a
ciência e a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num diálogo
intenso e frutuoso para ambas.
1. A luz que a fé oferece
63. Se tivermos presente a complexidade da crise ecológica e as suas múltiplas causas,
deveremos reconhecer que as soluções não podem vir duma única maneira de interpretar e
transformar a realidade. É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos povos,
à arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade. Se quisermos, de verdade, construir uma
ecologia que nos permita reparar tudo o que temos destruído, então nenhum ramo das ciências e
nenhuma forma de sabedoria pode ser transcurada, nem sequer a sabedoria religiosa com a sua
linguagem própria. Além disso, a Igreja Católica está aberta ao diálogo com o pensamento
filosófico, o que lhe permite produzir várias sínteses entre fé e razão. No que diz respeito às
questões sociais, pode-se constatar isto mesmo no desenvolvimento da doutrina social da Igreja,
chamada a enriquecer-se cada vez mais a partir dos novos desafios.
64. Por outro lado, embora esta encíclica se abra a um diálogo com todos para, juntos,
buscarmos caminhos de libertação, quero mostrar desde o início como as convicções da fé
oferecem aos cristãos – e, em parte, também a outros crentes – motivações altas para cuidar da
natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis. Se pelo simples facto de ser humanas, as pessoas se
sentem movidas a cuidar do ambiente de que fazem parte, «os cristãos, em particular, advertem
que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em relação à natureza e ao Criador fazem
parte da sua fé».[36] Por isso é bom, para a humanidade e para o mundo, que nós, crentes,

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3.1 Page 21

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21
conheçamos melhor os compromissos ecológicos que brotam das nossas convicções.
2. A sabedoria das narrações bíblicas
65. Sem repropor aqui toda a teologia da Criação, queremos saber o que nos dizem as grandes
narrações bíblicas sobre a relação do ser humano com o mundo. Na primeira narração da obra
criadora, no livro do Génesis, o plano de Deus inclui a criação da humanidade. Depois da criação
do homem e da mulher, diz-se que «Deus, vendo a sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1, 31).
A Bíblia ensina que cada ser humano é criado por amor, feito à imagem e semelhança de Deus
(cf. Gn 1, 26). Esta afirmação mostra-nos a imensa dignidade de cada pessoa humana, que «não
é somente alguma coisa, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de livremente se
dar e entrar em comunhão com outras pessoas».[37] São João Paulo II recordou que o amor
muito especial que o Criador tem por cada ser humano «confere-lhe uma dignidade infinita».[38]
Todos aqueles que estão empenhados na defesa da dignidade das pessoas podem encontrar, na
fé cristã, as razões mais profundas para tal compromisso. Como é maravilhosa a certeza de que
a vida de cada pessoa não se perde num caos desesperador, num mundo regido pelo puro acaso
ou por ciclos que se repetem sem sentido! O Criador pode dizer a cada um de nós: «Antes de te
haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia» (Jr 1, 5). Fomos concebidos no coração de
Deus e, por isso, «cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é
querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário».[39]
66. As narrações da criação no livro do Génesis contêm, na sua linguagem simbólica e narrativa,
ensinamentos profundos sobre a existência humana e a sua realidade histórica. Estas narrações
sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente
ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a Bíblia, estas três
relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de nós. Esta ruptura é o
pecado. A harmonia entre o Criador, a humanidade e toda a criação foi destruída por termos
pretendido ocupar o lugar de Deus, recusando reconhecer-nos como criaturas limitadas. Este
facto distorceu também a natureza do mandato de «dominar» a terra (cf. Gn 1, 28) e de a
«cultivar e guardar» (cf. Gn 2, 15). Como resultado, a relação originariamente harmoniosa entre o
ser humano e a natureza transformou-se num conflito (cf. Gn 3, 17-19). Por isso, é significativo
que a harmonia vivida por São Francisco de Assis com todas as criaturas tenha sido interpretada
como uma sanação daquela ruptura. Dizia São Boaventura que, através da reconciliação
universal com todas as criaturas, Francisco voltara de alguma forma ao estado de inocência
original.[40] Longe deste modelo, o pecado manifesta-se hoje, com toda a sua força de
destruição, nas guerras, nas várias formas de violência e abuso, no abandono dos mais frágeis,
nos ataques contra a natureza.
67. Não somos Deus. A terra existe antes de nós e foi-nos dada. Isto permite responder a uma
acusação lançada contra o pensamento judaico-cristão: foi dito que a narração do Génesis, que
convida a «dominar» a terra (cf. Gn 1, 28), favoreceria a exploração selvagem da natureza,

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apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador. Mas esta não é uma
interpretação correcta da Bíblia, como a entende a Igreja. Se é verdade que nós, cristãos,
algumas vezes interpretámos de forma incorrecta as Escrituras, hoje devemos decididamente
rejeitar que, do facto de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se
deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas. É importante ler os textos bíblicos no seu
contexto, com uma justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a «cultivar e guardar» o
jardim do mundo (cf. Gn 2, 15). Enquanto «cultivar» quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno,
«guardar» significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade
responsável entre o ser humano e a natureza. Cada comunidade pode tomar da bondade da terra
aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e
garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última análise, «ao Senhor
pertence a terra» (Sl 24/23, 1), a Ele pertence «a terra e tudo o que nela existe» (Dt 10, 14). Por
isso, Deus proíbe-nos toda a pretensão de posse absoluta: «Nenhuma terra será vendida
definitivamente, porque a terra pertence-Me, e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes»
(Lv 25, 23).
68. Esta responsabilidade perante uma terra que é de Deus implica que o ser humano, dotado de
inteligência, respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo,
porque «Ele deu uma ordem e tudo foi criado; Ele fixou tudo pelos séculos sem fim e estabeleceu
leis a que não se pode fugir!» (Sl 148, 5b-6). Consequentemente, a legislação bíblica detém-se a
propor ao ser humano várias normas relativas não só às outras pessoas, mas também aos
restantes seres vivos: «Se vires o jumento do teu irmão ou o seu boi caídos no caminho, não te
desvies deles, mas ajuda-os a levantarem-se. (...) Se encontrares no caminho, em cima de uma
árvore ou no chão, um ninho de pássaros com filhotes, ou ovos cobertos pela mãe, não
apanharás a mãe com a ninhada» (Dt 22, 4.6). Nesta linha, o descanso do sétimo dia não é
proposto só para o ser humano, mas «para que descansem o teu boi e o teu jumento» (Ex 23,
12). Assim nos damos conta de que a Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico, que
se desinteressa das outras criaturas.
69. Ao mesmo tempo que podemos fazer um uso responsável das coisas, somos chamados a
reconhecer que os outros seres vivos têm um valor próprio diante de Deus e, «pelo simples facto
de existirem, eles O bendizem e Lhe dão glória»[41], porque «o Senhor Se alegra em suas
obras» (Sl 104/103, 31). Precisamente pela sua dignidade única e por ser dotado de inteligência,
o ser humano é chamado a respeitar a criação com as suas leis internas, já que «o Senhor
fundou a terra com sabedoria» (Pr 3, 19). Hoje, a Igreja não diz, de forma simplicista, que as
outras criaturas estão totalmente subordinadas ao bem do ser humano, como se não tivessem um
valor em si mesmas e fosse possível dispor delas à nossa vontade; mas ensina – como fizeram
os bispos da Alemanha – que, nas outras criaturas, «se poderia falar da prioridade do ser sobre o
ser úteis».[42] O Catecismo põe em questão, de forma muito directa e insistente, um
antropocentrismo desordenado: «Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias. (...)
As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, reflectem, cada qual a seu modo, uma

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centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a
bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas».[43]
70. Na narração de Caim e Abel, vemos que a inveja levou Caim a cometer a injustiça extrema
contra o seu irmão. Isto, por sua vez, provocou uma ruptura da relação entre Caim e Deus e entre
Caim e a terra, da qual foi exilado. Esta passagem aparece sintetizada no dramático colóquio de
Deus com Caim. Deus pergunta: «Onde está o teu irmão Abel?» Caim responde que não sabe, e
Deus insiste com ele: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim. De
futuro, serás amaldiçoado pela terra (…). Serás vagabundo e fugitivo sobre a terra» (Gn 4, 9-12).
O descuido no compromisso de cultivar e manter um correcto relacionamento com o próximo,
relativamente a quem sou devedor da minha solicitude e custódia, destrói o relacionamento
interior comigo mesmo, com os outros, com Deus e com a terra. Quando todas estas relações
são negligenciadas, quando a justiça deixa de habitar na terra, a Bíblia diz-nos que toda a vida
está em perigo. Assim no-lo ensina a narração de Noé, quando Deus ameaça acabar com a
humanidade pela sua persistente incapacidade de viver à altura das exigências da justiça e da
paz: «O fim de toda a humanidade chegou diante de Mim, pois ela encheu a terra de violência»
(Gn 6, 13). Nestas narrações tão antigas, ricas de profundo simbolismo, já estava contida a
convicção actual de que tudo está inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e
das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos
outros.
71. Embora Deus reconhecesse que «a maldade dos homens era grande na terra» (Gn 6, 5),
«arrependendo-Se de ter criado o homem sobre a terra» (Gn 6, 6), Ele decidiu abrir um caminho
de salvação através de Noé, que ainda se mantinha íntegro e justo. Assim deu à humanidade a
possibilidade de um novo início. Basta um homem bom para haver esperança! A tradição bíblica
estabelece claramente que esta reabilitação implica a redescoberta e o respeito dos ritmos
inscritos na natureza pela mão do Criador. Isto está patente, por exemplo, na lei do Shabbath. No
sétimo dia, Deus descansou de todas as suas obras. Deus ordenou a Israel que cada sétimo dia
devia ser celebrado como um dia de descanso, um Shabbath (cf. Gn 2, 2-3; Ex 16, 23; 20, 10).
Além disso, de sete em sete anos, instaurou-se também um ano sabático para Israel e a sua terra
(cf. Lv 25, 1-4), durante o qual se dava descanso completo à terra, não se semeava e só se colhia
o indispensável para sobreviver e oferecer hospitalidade (cf. Lv 25, 4-6). Por fim, passadas sete
semanas de anos, ou seja quarenta e nove anos, celebrava-se o jubileu, um ano de perdão
universal, «proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam» (Lv 25, 10). O
desenvolvimento desta legislação procurou assegurar o equilíbrio e a equidade nas relações do
ser humano com os outros e com a terra onde vivia e trabalhava. Mas, ao mesmo tempo, era um
reconhecimento de que a dádiva da terra com os seus frutos pertence a todo o povo. Aqueles que
cultivavam e guardavam o território deviam partilhar os seus frutos, especialmente com os
pobres, as viúvas, os órfãos e os estrangeiros: «Quando procederes à ceifa das vossas terras,
não ceifarás as espigas até à extremidade do campo, e não apanharás as espigas caídas. Não
rebuscarás também a tua vinha, e não apanharás os bagos caídos. Deixá-los-ás para o pobre e

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para o estrangeiro» (Lv 19, 9-10).
72. Os Salmos convidam, frequentemente, o ser humano a louvar a Deus criador: «Estendeu a
terra sobre as águas, porque o seu amor é eterno» (Sl 136/135, 6). E convidam também as outras
criaturas a louvá-Lo: «Louvai-O, sol e lua; louvai-O, estrelas luminosas! Louvai-O, alturas dos
céus e águas que estais acima dos céus! Louvem todos o nome do Senhor, porque Ele deu uma
ordem e tudo foi criado» (Sl 148, 3-5). Existimos não só pelo poder de Deus, mas também na sua
presença e companhia. Por isso O adoramos.
73. Os escritos dos profetas convidam a recuperar forças, nos momentos difíceis, contemplando a
Deus poderoso que criou o universo. O poder infinito de Deus não nos leva a escapar da sua
ternura paterna, porque n’Ele se conjugam o carinho e a força. Na verdade, toda a sã
espiritualidade implica simultaneamente acolher o amor divino e adorar, com confiança, o Senhor
pelo seu poder infinito. Na Bíblia, o Deus que liberta e salva é o mesmo que criou o universo, e
estes dois modos de agir divino estão íntima e inseparavelmente ligados: «Ah! Senhor Deus,
foste Tu que fizeste o céu e a terra com o teu grande poder e o teu braço estendido! Para Ti,
nada é impossível! (...) Tu fizeste sair do Egipto o teu povo, Israel, com prodígios e milagres» (Jr
32, 17.21). «O Senhor é um Deus eterno, que criou os confins da terra. Não se cansa nem perde
as forças. É insondável a sua sabedoria. Ele dá forças ao cansado e enche de vigor o fraco» (Is
40, 28b-29).
74. A experiência do cativeiro em Babilónia gerou uma crise espiritual que levou a um
aprofundamento da fé em Deus, explicitando a sua omnipotência criadora, para animar o povo a
recuperar a esperança no meio da sua situação infeliz. Séculos mais tarde, noutro momento de
prova e perseguição, quando o Império Romano procurou impor um domínio absoluto, os fiéis
voltaram a encontrar consolação e esperança aumentando a sua confiança em Deus
omnipotente, e cantavam: «Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus todo-
poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos!» (Ap 15, 3). Se Deus pôde criar o universo
a partir do nada, também pode intervir neste mundo e vencer qualquer forma de mal. Por isso, a
injustiça não é invencível.
75. Não podemos defender uma espiritualidade que esqueça Deus todo-poderoso e criador.
Neste caso, acabaríamos por adorar outros poderes do mundo, ou colocar-nos-íamos no lugar do
Senhor chegando à pretensão de espezinhar sem limites a realidade criada por Ele. A melhor
maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador
absoluto da terra, é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso
contrário, o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e
interesses.
3. O mistério do universo

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76. Na tradição judaico-cristã, dizer «criação» é mais do que dizer natureza, porque tem a ver
com um projecto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado. A natureza
entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação
só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma
realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal.
77. «A palavra do Senhor criou os céus» (Sl 33/32, 6). Deste modo indica-se que o mundo
procede, não do caos nem do acaso, mas duma decisão, o que o exalta ainda mais. Há uma
opção livre, expressa na palavra criadora. O universo não apareceu como resultado duma
omnipotência arbitrária, duma demonstração de força ou dum desejo de auto-afirmação. A
criação pertence à ordem do amor. O amor de Deus é a razão fundamental de toda a criação:
«Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa,
não a terias criado» (Sab 11, 24). Então cada criatura é objecto da ternura do Pai que lhe atribui
um lugar no mundo. Até a vida efémera do ser mais insignificante é objecto do seu amor e,
naqueles poucos segundos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho. Dizia São Basílio
Magno que o Criador é também «a bondade sem cálculos»,[44] e Dante Alighieri falava do «amor
que move o sol e as outras estrelas».[45] Por isso, das obras criadas pode-se subir «à sua
amorosa misericórdia».[46]
78. Ao mesmo tempo, o pensamento judaico-cristão desmitificou a natureza. Sem deixar de a
admirar pelo seu esplendor e imensidão, já não lhe atribui um carácter divino. Deste modo,
ressalta ainda mais o nosso compromisso para com ela. Um regresso à natureza não pode ser
feito à custa da liberdade e da responsabilidade do ser humano, que é parte do mundo com o
dever de cultivar as próprias capacidades para o proteger e desenvolver as suas potencialidades.
Se reconhecermos o valor e a fragilidade da natureza e, ao mesmo tempo, as capacidades que o
Criador nos deu, isto permite-nos acabar hoje com o mito moderno do progresso material
ilimitado. Um mundo frágil, com um ser humano a quem Deus confia o cuidado do mesmo,
interpela a nossa inteligência para reconhecer como deveremos orientar, cultivar e limitar o nosso
poder.
79. Neste universo, composto por sistemas abertos que entram em comunicação uns com os
outros, podemos descobrir inumeráveis formas de relação e participação. Isto leva-nos também a
pensar o todo como aberto à transcendência de Deus, dentro da qual se desenvolve. A fé
permite-nos interpretar o significado e a beleza misteriosa do que acontece. A liberdade humana
pode prestar a sua contribuição inteligente para uma evolução positiva, como pode também
acrescentar novos males, novas causas de sofrimento e verdadeiros atrasos. Isto dá lugar à
apaixonante e dramática história humana, capaz de transformar-se num desabrochamento de
libertação, engrandecimento, salvação e amor, ou, pelo contrário, num percurso de declínio e
mútua destruição. Por isso a Igreja, com a sua acção, procura não só lembrar o dever de cuidar
da natureza, mas também e «sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo».[47]

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80. Apesar disso, Deus, que deseja actuar connosco e contar com a nossa cooperação, é capaz
também de tirar algo de bom dos males que praticamos, porque «o Espírito Santo possui uma
inventiva infinita, própria da mente divina, que sabe prover a desfazer os nós das vicissitudes
humanas mais complexas e impenetráveis».[48] De certa maneira, quis limitar-Se a Si mesmo,
criando um mundo necessitado de desenvolvimento, onde muitas coisas que consideramos
males, perigos ou fontes de sofrimento, na realidade fazem parte das dores de parto que nos
estimulam a colaborar com o Criador.[49] Ele está presente no mais íntimo de cada coisa sem
condicionar a autonomia da sua criatura, e isto dá lugar também à legítima autonomia das
realidades terrenas.[50] Esta presença divina, que garante a permanência e o desenvolvimento
de cada ser, «é a continuação da acção criadora».[51] O Espírito de Deus encheu o universo de
potencialidades que permitem que, do próprio seio das coisas, possa brotar sempre algo de novo:
«A natureza nada mais é do que a razão de certa arte – concretamente a arte divina – inscrita nas
coisas, pela qual as próprias coisas se movem para um fim determinado. Como se o mestre
construtor de navios pudesse conceder à madeira a possibilidade de se mover a si mesma para
tomar a forma da nave».[52]
81. Embora suponha também processos evolutivos, o ser humano implica uma novidade que não
se explica cabalmente pela evolução doutros sistemas abertos. Cada um de nós tem em si uma
identidade pessoal, capaz de entrar em diálogo com os outros e com o próprio Deus. A
capacidade de reflexão, o raciocínio, a criatividade, a interpretação, a elaboração artística e
outras capacidades originais manifestam uma singularidade que transcende o âmbito físico e
biológico. A novidade qualitativa, implicada no aparecimento dum ser pessoal dentro do universo
material, pressupõe uma acção directa de Deus, uma chamada peculiar à vida e à relação de um
Tu com outro tu. A partir dos textos bíblicos, consideramos o ser humano como sujeito, que nunca
pode ser reduzido à categoria de objecto.
82. Mas seria errado também pensar que os outros seres vivos devam ser considerados como
meros objectos submetidos ao domínio arbitrário do ser humano. Quando se propõe uma visão
da natureza unicamente como objecto de lucro e interesse, isso comporta graves consequências
também para a sociedade. A visão que consolida o arbítrio do mais forte favoreceu imensas
desigualdades, injustiças e violências para a maior parte da humanidade, porque os recursos
tornam-se propriedade do primeiro que chega ou de quem tem mais poder: o vencedor leva tudo.
O ideal de harmonia, justiça, fraternidade e paz que Jesus propõe situa-se nos antípodas de tal
modelo, como Ele mesmo Se expressou ao compará-lo com os poderes do seu tempo: «Sabeis
que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre
elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se
grande, seja o vosso servo» (Mt 20, 25-26).
83. A meta do caminho do universo situa-se na plenitude de Deus, que já foi alcançada por Cristo
ressuscitado, fulcro da maturação universal.[53] E assim juntamos mais um argumento para
rejeitar todo e qualquer domínio despótico e irresponsável do ser humano sobre as outras

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criaturas. O fim último das restantes criaturas não somos nós. Mas todas avançam, juntamente
connosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus, numa plenitude transcendente onde
Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina. Com efeito, o ser humano, dotado de inteligência e
amor e atraído pela plenitude de Cristo, é chamado a reconduzir todas as criaturas ao seu
Criador.
4. A mensagem de cada criatura na harmonia de toda a criação
84. O facto de insistir na afirmação de que o ser humano é imagem de Deus não deveria fazer-
nos esquecer que cada criatura tem uma função e nenhuma é supérflua. Todo o universo material
é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as
montanhas: tudo é carícia de Deus. A história da própria amizade com Deus desenrola-se sempre
num espaço geográfico que se torna um sinal muito pessoal, e cada um de nós guarda na
memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem. Quem cresceu no meio de montes, quem na
infância se sentava junto do riacho a beber, ou quem jogava numa praça do seu bairro, quando
volta a esses lugares sente-se chamado a recuperar a sua própria identidade.
85. Deus escreveu um livro estupendo, «cujas letras são representadas pela multidão de criaturas
presentes no universo».[54] E justamente afirmaram os bispos do Canadá que nenhuma criatura
fica fora desta manifestação de Deus: «Desde os panoramas mais amplos às formas de vida mais
frágeis, a natureza é um manancial incessante de encanto e reverência. Trata-se duma contínua
revelação do divino».[55]Os bispos do Japão, por sua vez, disseram algo muito sugestivo: «Sentir
cada criatura que canta o hino da sua existência é viver jubilosamente no amor de Deus e na
esperança».[56] Esta contemplação da criação permite-nos descobrir qualquer ensinamento que
Deus nos quer transmitir através de cada coisa, porque, «para o crente, contemplar a criação
significa também escutar uma mensagem, ouvir uma voz paradoxal e silenciosa».[57] Podemos
afirmar que, «ao lado da revelação propriamente dita, contida nas Sagradas Escrituras, há uma
manifestação divina no despontar do sol e no cair da noite».[58] Prestando atenção a esta
manifestação, o ser humano aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras
criaturas: «Eu expresso-me exprimindo o mundo; exploro a minha sacralidade decifrando a do
mundo».[59]
86. O conjunto do universo, com as suas múltiplas relações, mostra melhor a riqueza inesgotável
de Deus. São Tomás de Aquino sublinhava, sabiamente, que a multiplicidade e a variedade
«provêm da intenção do primeiro agente», o Qual quis que «o que falta a cada coisa, para
representar a bondade divina, seja suprido pelas outras»,[60] pois a sua bondade «não pode ser
convenientemente representada por uma só criatura».[61] Por isso, precisamos de individuar a
variedade das coisas nas suas múltiplas relações.[62] Assim, compreende-se melhor a
importância e o significado de qualquer criatura, se a contemplarmos no conjunto do plano de
Deus. Tal é o ensinamento do Catecismo: «A interdependência das criaturas é querida por Deus.
O sol e a lua, o cedro e a florzinha, a águia e o pardal: o espectáculo das suas incontáveis

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diversidades e desigualdades significa que nenhuma criatura se basta a si mesma. Elas só
existem na dependência umas das outras, para se completarem mutuamente no serviço umas
das outras».[63]
87. Quando nos damos conta do reflexo de Deus em tudo o que existe, o coração experimenta o
desejo de adorar o Senhor por todas as suas criaturas e juntamente com elas, como se vê neste
gracioso cântico de São Francisco de Assis:
«Louvado sejas, meu Senhor,
com todas as tuas criaturas,
especialmente o meu senhor irmão sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumia.
E ele é belo e radiante com grande esplendor:
de Ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã lua e pelas estrelas,
que no céu formaste claras, preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão vento
pelo ar, pela nuvem, pelo sereno, e todo o tempo,
com o qual, às tuas criaturas, dás o sustento.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água,
que é tão útil e humilde, e preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo,
pelo qual iluminas a noite:
ele é belo e alegre, vigoroso e forte».[64]
88. Os bispos do Brasil sublinharam que toda a natureza, além de manifestar Deus, é lugar da
sua presença. Em cada criatura, habita o seu Espírito vivificante, que nos chama a um
relacionamento com Ele.[65] A descoberta desta presença estimula em nós o desenvolvimento
das «virtudes ecológicas».[66] Mas, quando dizemos isto, não esqueçamos que há também uma
distância infinita, pois as coisas deste mundo não possuem a plenitude de Deus. Esquecê-lo,
aliás, também não faria bem às criaturas, porque não reconheceríamos o seu lugar verdadeiro e
próprio, acabando por lhes exigir indevidamente aquilo que, na sua pequenez, não nos podem
dar.
5. Uma comunhão universal
89. As criaturas deste mundo não podem ser consideradas um bem sem dono: «Todas são tuas,
ó Senhor, que amas a vida» (Sab 11, 26). Isto gera a convicção de que nós e todos os seres do
universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma
espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado,

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amoroso e humilde. Quero lembrar que «Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos
rodeia, que a desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a
extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação».[67]
90. Isto não significa igualar todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar
que, simultaneamente, implica uma tremenda responsabilidade. Também não requer uma
divinização da terra, que nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua
fragilidade. Estas concepções acabariam por criar novos desequilíbrios, na tentativa de fugir da
realidade que nos interpela.[68] Às vezes nota-se a obsessão de negar qualquer preeminência à
pessoa humana, conduzindo-se uma luta em prol das outras espécies que não se vê na hora de
defender igual dignidade entre os seres humanos. Devemos, certamente, ter a preocupação de
que os outros seres vivos não sejam tratados de forma irresponsável, mas deveriam indignar-nos
sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós, porque continuamos a tolerar que
alguns se considerem mais dignos do que outros. Deixamos de notar que alguns se arrastam
numa miséria degradante, sem possibilidades reais de melhoria, enquanto outros não sabem
sequer que fazer ao que têm, ostentam vaidosamente uma suposta superioridade e deixam atrás
de si um nível de desperdício tal que seria impossível generalizar sem destruir o planeta. Na
prática, continuamos a admitir que alguns se sintam mais humanos que outros, como se tivessem
nascido com maiores direitos.
91. Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se
ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres
humanos. É evidente a incoerência de quem luta contra o tráfico de animais em risco de extinção,
mas fica completamente indiferente perante o tráfico de pessoas, desinteressa-se dos pobres ou
procura destruir outro ser humano de que não gosta. Isto compromete o sentido da luta pelo meio
ambiente. Não é por acaso que São Francisco, no cântico onde louva a Deus pelas criaturas,
acrescenta o seguinte: «Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor».
Tudo está interligado. Por isso, exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor
sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade.
92. Além disso, quando o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal, nada
e ninguém fica excluído desta fraternidade. Portanto, é verdade também que a indiferença ou a
crueldade com as outras criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercutir-
se no tratamento que reservamos aos outros seres humanos. O coração é um só, e a própria
miséria que leva a maltratar um animal não tarda a manifestar-se na relação com as outras
pessoas. Todo o encarniçamento contra qualquer criatura «é contrário à dignidade humana».[69]
Não podemos considerar-nos grandes amantes da realidade, se excluímos dos nossos interesses
alguma parte dela: «Paz, justiça e conservação da criação são três questões absolutamente
ligadas, que não se poderão separar, tratando-as individualmente sob pena de cair novamente no
reducionismo».[70] Tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos
como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a

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cada uma das suas criaturas e que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua,
ao irmão rio e à mãe terra.
6. O destino comum dos bens
93. Hoje, crentes e não-crentes estão de acordo que a terra é, essencialmente, uma herança
comum, cujos frutos devem beneficiar a todos. Para os crentes, isto torna-se uma questão de
fidelidade ao Criador, porque Deus criou o mundo para todos. Por conseguinte, toda a abordagem
ecológica deve integrar uma perspectiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos
mais desfavorecidos. O princípio da subordinação da propriedade privada ao destino universal
dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é uma «regra de ouro» do
comportamento social e o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social».[71] A tradição cristã
nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a
função social de qualquer forma de propriedade privada. São João Paulo II lembrou esta doutrina,
com grande ênfase, dizendo que «Deus deu a terra a todo o género humano, para que ela
sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém».[72] São palavras densas
e fortes. Insistiu que «não seria verdadeiramente digno do homem, um tipo de desenvolvimento
que não respeitasse e promovesse os direitos humanos, pessoais e sociais, económicos e
políticos, incluindo os direitos das nações e dos povos».[73]Com grande clareza, explicou que «a
Igreja defende, sim, o legítimo direito à propriedade privada, mas ensina, com não menor clareza,
que sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens
sirvam ao destino geral que Deus lhes deu».[74] Por isso, afirma que «não é segundo o desígnio
de Deus gerir este dom de modo tal que os seus benefícios aproveitem só a alguns poucos».[75]
Isto põe seriamente em discussão os hábitos injustos duma parte da humanidade.[76]
94. O rico e o pobre têm igual dignidade, porque «quem os fez a ambos foi o Senhor» (Pr 22, 2);
«Ele criou o pequeno e o grande» (Sab 6, 7) e «faz com que o sol se levante sobre os bons e os
maus» (Mt 5, 45). Isto tem consequências práticas, como explicitaram os bispos do Paraguai:
«Cada camponês tem direito natural de possuir um lote razoável de terra, onde possa estabelecer
o seu lar, trabalhar para a subsistência da sua família e gozar de segurança existencial. Este
direito deve ser de tal forma garantido, que o seu exercício não seja ilusório mas real. Isto
significa que, além do título de propriedade, o camponês deve contar com meios de formação
técnica, empréstimos, seguros e acesso ao mercado».[77]
95. O meio ambiente é um bem colectivo, património de toda a humanidade e responsabilidade
de todos. Quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos. Se não o
fizermos, carregamos na consciência o peso de negar a existência aos outros. Por isso, os bispos
da Nova Zelândia perguntavam-se que significado possa ter o mandamento «não matarás»,
quando «uns vinte por cento da população mundial consomem recursos numa medida tal que
roubam às nações pobres, e às gerações futuras, aquilo de que necessitam para sobreviver».[78]

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7. O olhar de Jesus
96. Jesus retoma a fé bíblica no Deus criador e destaca um dado fundamental: Deus é Pai (cf. Mt
11, 25). Em colóquio com os seus discípulos, Jesus convidava-os a reconhecer a relação paterna
que Deus tem com todas as criaturas e recordava-lhes, com comovente ternura, como cada uma
delas era importante aos olhos d’Ele: «Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas
moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc 12, 6). «Olhai as aves
do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as»
(Mt 6, 26).
97. O Senhor podia convidar os outros a estar atentos à beleza que existe no mundo, porque Ele
próprio vivia em contacto permanente com a natureza e prestava-lhe uma atenção cheia de
carinho e admiração. Quando percorria os quatro cantos da sua terra, detinha-Se a contemplar a
beleza semeada por seu Pai e convidava os discípulos a individuarem, nas coisas, uma
mensagem divina: «Levantai os olhos e vede os campos que estão doirados para a ceifa» (Jo 4,
35). «O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou
no seu campo. É a menor de todas as sementes; mas, depois de crescer, torna-se a maior planta
do horto e transforma-se numa árvore» (Mt 13, 31-32).
98. Jesus vivia em plena harmonia com a criação, com grande maravilha dos outros: «Quem é
este, a quem até o vento e o mar obedecem?» (Mt 8, 27). Não Se apresentava como um asceta
separado do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis da vida. Falando de Si mesmo, declarou:
«Veio o Filho do Homem que come e bebe, e dizem: “Aí está um glutão e bebedor de vinho”» (Mt
11, 19). Encontrava-Se longe das filosofias que desprezavam o corpo, a matéria e as realidades
deste mundo. Todavia, ao longo da história, estes dualismos combalidos tiveram notável
influência nalguns pensadores cristãos e desfiguraram o Evangelho. Jesus trabalhava com suas
mãos, entrando diariamente em contacto com matéria criada por Deus para a moldar com a sua
capacidade de artesão. É digno de nota que a maior parte da sua existência terrena tenha sido
consagrada a esta tarefa, levando uma vida simples que não despertava maravilha alguma: «Não
é Ele o carpinteiro, o filho de Maria?» (Mc 6, 3). Assim santificou o trabalho, atribuindo-lhe um
valor peculiar para o nosso amadurecimento. São João Paulo II ensinava que, «suportando o que
há de penoso no trabalho em união com Cristo crucificado por nós, o homem colabora, de alguma
forma, com o Filho de Deus na redenção da humanidade».[79]
99. Segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira passa pelo mistério
de Cristo, que nela está presente desde a origem: «Todas as coisas foram criadas por Ele e para
Ele» (Cl 1, 16).[80] O prólogo do Evangelho de João (1, 1-18) mostra a actividade criadora de
Cristo como Palavra divina (Logos). Mas o mesmo prólogo surpreende ao afirmar que esta
Palavra «Se fez carne» (Jo 1, 14). Uma Pessoa da Santíssima Trindade inseriu-Se no universo
criado, partilhando a própria sorte com ele até à cruz. Desde o início do mundo, mas de modo
peculiar a partir da encarnação, o mistério de Cristo opera veladamente no conjunto da realidade

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natural, sem com isso afectar a sua autonomia.
100. O Novo Testamento não nos fala só de Jesus terreno e da sua relação tão concreta e
amorosa com o mundo; mostra-no-Lo também como ressuscitado e glorioso, presente em toda a
criação com o seu domínio universal. «Foi n’Ele que aprouve a Deus fazer habitar toda a
plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas (…), tanto as que estão na terra como
as que estão no céu» (Cl 1, 19-20). Isto lança-nos para o fim dos tempos, quando o Filho entregar
ao Pai todas as coisas «a fim de que Deus seja tudo em todos» (1 Cor 15, 28). Assim, as
criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente natural, porque o
Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores
do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos, agora estão
cheias da sua presença luminosa.
CAPÍTULO III
A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA
101. Para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a raiz humana da crise
ecológica. Há um modo desordenado de conceber a vida e a acção do ser humano, que contradiz
a realidade até ao ponto de a arruinar. Não poderemos deter-nos a pensar nisto mesmo?
Proponho, pois, que nos concentremos no paradigma tecnocrático dominante e no lugar que
ocupa nele o ser humano e a sua acção no mundo.
1. A tecnologia: criatividade e poder
102. A humanidade entrou numa nova era, em que o poder da tecnologia nos põe diante duma
encruzilhada. Somos herdeiros de dois séculos de ondas enormes de mudanças: a máquina a
vapor, a ferrovia, o telégrafo, a electricidade, o automóvel, o avião, as indústrias químicas, a
medicina moderna, a informática e, mais recentemente, a revolução digital, a robótica, as
biotecnologias e as nanotecnologias. É justo que nos alegremos com estes progressos e nos
entusiasmemos à vista das amplas possibilidades que nos abrem estas novidades incessantes,
porque «a ciência e a tecnologia são um produto estupendo da criatividade humana que Deus
nos deu».[81] A transformação da natureza para fins úteis é uma característica do género
humano, desde os seus primórdios; e assim a técnica «exprime a tensão do ânimo humano para
uma gradual superação de certos condicionamentos materiais».[82] A tecnologia deu remédio a
inúmeros males, que afligiam e limitavam o ser humano. Não podemos deixar de apreciar e
agradecer os progressos alcançados especialmente na medicina, engenharia e comunicações.
Como não havemos de reconhecer todos os esforços de tantos cientistas e técnicos que
elaboraram alternativas para um desenvolvimento sustentável?

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103. A tecnociência, bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a
qualidade de vida do ser humano, desde os objectos de uso doméstico até aos grandes meios de
transporte, pontes, edifícios, espaços públicos. É capaz também de produzir coisas belas e fazer
o ser humano, imerso no mundo material, dar o «salto» para o âmbito da beleza. Poder-se-á
negar a beleza de um avião ou de alguns arranha-céus? Há obras pictóricas e musicais de valor,
obtidas com o recurso aos novos instrumentos técnicos. Assim, no desejo de beleza do artífice e
em quem contempla esta beleza dá-se o salto para uma certa plenitude propriamente humana.
104. Não podemos, porém, ignorar que a energia nuclear, a biotecnologia, a informática, o
conhecimento do nosso próprio DNA e outras potencialidades que adquirimos, nos dão um poder
tremendo. Ou melhor: dão, àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder económico
para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do género humano e do mundo
inteiro. Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará
bem, sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer. Basta lembrar as bombas
atómicas lançadas em pleno século XX, bem como a grande exibição de tecnologia ostentada
pelo nazismo, o comunismo e outros regimes totalitários e que serviu para o extermínio de
milhões de pessoas, sem esquecer que hoje a guerra dispõe de instrumentos cada vez mais
mortíferos. Nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder? É tremendamente
arriscado que resida numa pequena parte da humanidade.
105. Tende-se a crer que «toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso, aumento de
segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de plenitude de valores»[83], como se a
realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia
e da economia. A verdade é que «o homem moderno não foi educado para o recto uso do
poder»,[84] porque o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um
desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência. Cada
época tende a desenvolver uma reduzida autoconsciência dos próprios limites. Por isso, é
possível que hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe
apresentam, e «cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do seu poder»
quando «não existem normas de liberdade, mas apenas pretensas necessidades de utilidade e
segurança».[85] O ser humano não é plenamente autónomo. A sua liberdade adoece, quando se
entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência
brutal. Neste sentido, ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer,
sem ter os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas
podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe
ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si.
2. A globalização do paradigma tecnocrático
106. Mas o problema fundamental é outro e ainda mais profundo: o modo como realmente a
humanidade assumiu a tecnologia e o seu desenvolvimento juntamente com um paradigma

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homogéneo e unidimensional. Neste paradigma, sobressai uma concepção do sujeito que
progressivamente, no processo lógico-racional, compreende e assim se apropria do objecto que
se encontra fora. Um tal sujeito desenvolve-se ao estabelecer o método científico com a sua
experimentação, que já é explicitamente uma técnica de posse, domínio e transformação. É como
se o sujeito tivesse à sua frente a realidade informe totalmente disponível para a manipulação.
Sempre se verificou a intervenção do ser humano sobre a natureza, mas durante muito tempo
teve a característica de acompanhar, secundar as possibilidades oferecidas pelas próprias coisas;
tratava-se de receber o que a realidade natural por si permitia, como que estendendo a mão.
Mas, agora, o que interessa é extrair o máximo possível das coisas por imposição da mão
humana, que tende a ignorar ou esquecer a realidade própria do que tem à sua frente. Por isso, o
ser humano e as coisas deixaram de se dar amigavelmente a mão, tornando-se contendentes.
Daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os
economistas, os teóricos da finança e da tecnologia. Isto supõe a mentira da disponibilidade
infinita dos bens do planeta, que leva a «espremê-lo» até ao limite e para além do mesmo. Trata-
se do falso pressuposto de que «existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a
serem utilizados, que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeitos negativos das
manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos».[86]
107. Assim podemos afirmar que, na origem de muitas dificuldades do mundo actual, está
principalmente a tendência, nem sempre consciente, de elaborar a metodologia e os objectivos da
tecnociência segundo um paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o
funcionamento da sociedade. Os efeitos da aplicação deste modelo a toda a realidade, humana e
social, constatam-se na degradação do meio ambiente, mas isto é apenas um sinal do
reducionismo que afecta a vida humana e a sociedade em todas as suas dimensões. É preciso
reconhecer que os produtos da técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba por
condicionar os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de
determinados grupos de poder. Certas opções, que parecem puramente instrumentais, na
realidade são opções sobre o tipo de vida social que se pretende desenvolver.
108. Não se consegue pensar que seja possível sustentar outro paradigma cultural e servir-se da
técnica como mero instrumento, porque hoje o paradigma tecnocrático tornou-se tão dominante
que é muito difícil prescindir dos seus recursos, e mais difícil ainda é utilizar os seus recursos sem
ser dominados pela sua lógica. Tornou-se anticultural a escolha dum estilo de vida, cujos
objectivos possam ser, pelo menos em parte, independentes da técnica, dos seus custos e do
seu poder globalizante e massificador. Com efeito, a técnica tem tendência a fazer com que nada
fique fora da sua lógica férrea, e «o homem que é o seu protagonista sabe que, em última
análise, não se trata de utilidade nem de bem-estar, mas de domínio; domínio no sentido extremo
da palavra».[87] Por isso, «procura controlar os elementos da natureza e, conjuntamente, os da
existência humana».[88] Reduzem-se assim a capacidade de decisão, a liberdade mais genuína
e o espaço para a criatividade alternativa dos indivíduos.

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109. O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a
política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar
atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano. A finança sufoca a economia
real. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente, se aprende a lição
do deterioramento ambiental. Nalguns círculos, defende-se que a economia actual e a tecnologia
resolverão todos os problemas ambientais, do mesmo modo que se afirma, com linguagens não
académicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simplesmente
com o crescimento do mercado. Não é uma questão de teorias económicas, que hoje talvez já
ninguém se atreva a defender, mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da economia.
Aqueles que não o afirmam em palavras defendem-no com os factos, quando parece não
preocupar-se com o justo nível da produção, uma melhor distribuição da riqueza, um cuidado
responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras. Com os seus
comportamentos, afirmam que é suficiente o objectivo da maximização dos ganhos. Mas o
mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão
social.[89] Entretanto temos um «superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta,
de modo inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora»,[90] mas não se
criam, de forma suficientemente rápida, instituições económicas e programas sociais que
permitam aos mais pobres terem regularmente acesso aos recursos básicos. Não temos
suficiente consciência de quais sejam as raízes mais profundas dos desequilíbrios actuais: estes
têm a ver com a orientação, os fins, o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e
económico.
110. A especialização própria da tecnologia comporta grande dificuldade para se conseguir um
olhar de conjunto. A fragmentação do saber realiza a sua função no momento de se obter
aplicações concretas, mas frequentemente leva a perder o sentido da totalidade, das relações
que existem entre as coisas, do horizonte alargado: um sentido, que se torna irrelevante. Isto
impede de individuar caminhos adequados para resolver os problemas mais complexos do mundo
actual, sobretudo os do meio ambiente e dos pobres, que não se podem enfrentar a partir duma
única perspectiva nem dum único tipo de interesses. Uma ciência, que pretenda oferecer
soluções para os grandes problemas, deveria necessariamente ter em conta tudo o que o
conhecimento gerou nas outras áreas do saber, incluindo a filosofia e a ética social. Mas este é
actualmente um procedimento difícil de seguir. Por isso também não se consegue reconhecer
verdadeiros horizontes éticos de referência. A vida passa a ser uma rendição às circunstâncias
condicionadas pela técnica, entendida como o recurso principal para interpretar a existência. Na
realidade concreta que nos interpela, aparecem vários sintomas que mostram o erro, tais como a
degradação ambiental, a ansiedade, a perda do sentido da vida e da convivência social. Assim se
demonstra uma vez mais que «a realidade é superior à ideia».[91]
111. A cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para
os problemas que vão surgindo à volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas
naturais e da poluição. Deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um

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programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço
do paradigma tecnocrático. Caso contrário, até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar
bloqueadas na mesma lógica globalizada. Buscar apenas um remédio técnico para cada
problema ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão interligadas e esconder
os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial.
112. Todavia é possível voltar a ampliar o olhar, e a liberdade humana é capaz de limitar a
técnica, orientá-la e colocá-la ao serviço doutro tipo de progresso, mais saudável, mais humano,
mais social, mais integral. De facto verifica-se a libertação do paradigma tecnocrático nalgumas
ocasiões. Por exemplo, quando comunidades de pequenos produtores optam por sistemas de
produção menos poluentes, defendendo um modelo não-consumista de vida, alegria e
convivência. Ou quando a técnica tem em vista prioritariamente resolver os problemas concretos
dos outros, com o compromisso de os ajudar a viver com mais dignidade e menor sofrimento. E
ainda quando a busca criadora do belo e a sua contemplação conseguem superar o poder
objectivador numa espécie de salvação que acontece na beleza e na pessoa que a contempla. A
humanidade autêntica, que convida a uma nova síntese, parece habitar no meio da civilização
tecnológica de forma quase imperceptível, como a neblina que filtra por baixo da porta fechada.
Será uma promessa permanente que, apesar de tudo, desabrocha como uma obstinada
resistência daquilo que é autêntico?
113. Além disso, as pessoas parecem já não acreditar num futuro feliz nem confiam cegamente
num amanhã melhor a partir das condições actuais do mundo e das capacidades técnicas.
Tomam consciência de que o progresso da ciência e da técnica não equivale ao progresso da
humanidade e da história, e vislumbram que os caminhos fundamentais para um futuro feliz são
outros. Apesar disso, também não se imaginam renunciando às possibilidades que oferece a
tecnologia. A humanidade mudou profundamente, e o avolumar-se de constantes novidades
consagra uma fugacidade que nos arrasta à superfície numa única direcção. Torna-se difícil parar
para recuperarmos a profundidade da vida. Se a arquitectura reflecte o espírito duma época, as
mega-estruturas e as casas em série expressam o espírito da técnica globalizada, onde a
permanente novidade dos produtos se une a um tédio enfadonho. Não nos resignemos a isto nem
renunciemos a perguntar-nos pelos fins e o sentido de tudo. Caso contrário, apenas
legitimaremos o estado de facto e precisaremos de mais sucedâneos para suportar o vazio.
114. O que está a acontecer põe-nos perante a urgência de avançar numa corajosa revolução
cultural. A ciência e a tecnologia não são neutrais, mas podem, desde o início até ao fim dum
processo, envolver diferentes intenções e possibilidades que se podem configurar de várias
maneiras. Ninguém quer o regresso à Idade da Pedra, mas é indispensável abrandar a marcha
para olhar a realidade doutra forma, recolher os avanços positivos e sustentáveis e ao mesmo
tempo recuperar os valores e os grandes objectivos arrasados por um desenfreamento
megalómano.

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3. Crise do antropocentrismo moderno e suas consequências
115. O antropocentrismo moderno acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da
realidade, porque este ser humano «já não sente a natureza como norma válida nem como um
refúgio vivente. Sem se pôr qualquer hipótese, vê-a, objectivamente, como espaço e matéria
onde realizar uma obra em que se imerge completamente, sem se importar com o que possa
suceder a ela».[92] Assim debilita-se o valor intrínseco do mundo. Mas, se o ser humano não
redescobre o seu verdadeiro lugar, compreende-se mal a si mesmo e acaba por contradizer a sua
própria realidade. «Não só a terra foi dada por Deus ao homem, que a deve usar respeitando a
intenção originária de bem, segundo a qual lhe foi entregue; mas o homem é doado a si mesmo
por Deus, devendo por isso respeitar a estrutura natural e moral de que foi dotado».[93]
116. Nos tempos modernos, verificou-se um notável excesso antropocêntrico, que hoje, com
outra roupagem, continua a minar toda a referência a algo de comum e qualquer tentativa de
reforçar os laços sociais. Por isso, chegou a hora de prestar novamente atenção à realidade com
os limites que a mesma impõe e que, por sua vez, constituem a possibilidade dum
desenvolvimento humano e social mais saudável e fecundo. Uma apresentação inadequada da
antropologia cristã acabou por promover uma concepção errada da relação do ser humano com o
mundo. Muitas vezes foi transmitido um sonho prometeico de domínio sobre o mundo, que
provocou a impressão de que o cuidado da natureza fosse actividade de fracos. Mas a
interpretação correcta do conceito de ser humano como senhor do universo é entendê-lo no
sentido de administrador responsável.[94]
117. A falta de preocupação por medir os danos à natureza e o impacto ambiental das decisões é
apenas o reflexo evidente do desinteresse em reconhecer a mensagem que a natureza traz
inscrita nas suas próprias estruturas. Quando, na própria realidade, não se reconhece a
importância dum pobre, dum embrião humano, duma pessoa com deficiência – só para dar alguns
exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está interligado. Se
o ser humano se declara autónomo da realidade e se constitui dominador absoluto, desmorona-
se a própria base da sua existência, porque «em vez de realizar o seu papel de colaborador de
Deus na obra da criação, o homem substitui-se a Deus, e deste modo acaba por provocar a
revolta da natureza».[95]
118. Esta situação leva-nos a uma esquizofrenia permanente, que se estende da exaltação
tecnocrática, que não reconhece aos outros seres um valor próprio, até à reacção de negar
qualquer valor peculiar ao ser humano. Contudo não se pode prescindir da humanidade. Não
haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia sem uma
adequada antropologia. Quando a pessoa humana é considerada apenas mais um ser entre
outros, que provém de jogos do acaso ou dum determinismo físico, «corre o risco de atenuar-se,
nas consciências, a noção da responsabilidade».[96] Um antropocentrismo desordenado não
deve necessariamente ser substituído por um «biocentrismo», porque isto implicaria introduzir um

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novo desequilíbrio que não só não resolverá os problemas existentes, mas acrescentará outros.
Não se pode exigir do ser humano um compromisso para com o mundo, se ao mesmo tempo não
se reconhecem e valorizam as suas peculiares capacidades de conhecimento, vontade, liberdade
e responsabilidade.
119. A crítica do antropocentrismo desordenado não deveria deixar em segundo plano também o
valor das relações entre as pessoas. Se a crise ecológica é uma expressão ou uma manifestação
externa da crise ética, cultural e espiritual da modernidade, não podemos iludir-nos de sanar a
nossa relação com a natureza e o meio ambiente, sem curar todas as relações humanas
fundamentais. Quando o pensamento cristão reivindica, para o ser humano, um valor peculiar
acima das outras criaturas, suscita a valorização de cada pessoa humana e, assim, estimula o
reconhecimento do outro. A abertura a um «tu» capaz de conhecer, amar e dialogar continua a
ser a grande nobreza da pessoa humana. Por isso, para uma relação adequada com o mundo
criado, não é necessário diminuir a dimensão social do ser humano nem a sua dimensão
transcendente, a sua abertura ao «Tu» divino. Com efeito, não se pode propor uma relação com o
ambiente, prescindindo da relação com as outras pessoas e com Deus. Seria um individualismo
romântico disfarçado de beleza ecológica e um confinamento asfixiante na imanência.
120. Uma vez que tudo está relacionado, também não é compatível a defesa da natureza com a
justificação do aborto. Não parece viável um percurso educativo para acolher os seres frágeis que
nos rodeiam e que, às vezes, são molestos e inoportunos, quando não se dá protecção a um
embrião humano ainda que a sua chegada seja causa de incómodos e dificuldades: «Se se perde
a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento duma nova vida, definham também outras formas
de acolhimento úteis à vida social».[97]
121. Espera-se ainda o desenvolvimento duma nova síntese, que ultrapasse as falsas dialécticas
dos últimos séculos. O próprio cristianismo, mantendo-se fiel à sua identidade e ao tesouro de
verdade que recebeu de Jesus Cristo, não cessa de se repensar e reformular em diálogo com as
novas situações históricas, deixando desabrochar assim a sua eterna novidade.[98]
O relativismo prático
122. Um antropocentrismo desordenado gera um estilo de vida desordenado. Na exortação
apostólica Evangelii gaudium, referi-me ao relativismo prático que caracteriza a nossa época e
que é «ainda mais perigoso que o doutrinal».[99] Quando o ser humano se coloca no centro,
acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses contingentes, e tudo o mais se torna
relativo. Por isso, não deveria surpreender que, juntamente com a omnipresença do paradigma
tecnocrático e a adoração do poder humano sem limites, se desenvolva nos indivíduos este
relativismo no qual tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante.
Nisto, há uma lógica que permite compreender como se alimentam mutuamente diferentes
atitudes, que provocam ao mesmo tempo a degradação ambiental e a degradação social.

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123. A cultura do relativismo é a mesma patologia que impele uma pessoa a aproveitar-se de
outra e a tratá-la como mero objecto, obrigando-a a trabalhos forçados, ou reduzindo-a à
escravidão por causa duma dívida. É a mesma lógica que leva à exploração sexual das crianças,
ou ao abandono dos idosos que não servem os interesses próprios. É também a lógica interna
daqueles que dizem: «Deixemos que as forças invisíveis do mercado regulem a economia,
porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza são danos inevitáveis». Se não há
verdades objectivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações próprias e das
necessidades imediatas, que limites pode haver para o tráfico de seres humanos, a criminalidade
organizada, o narcotráfico, o comércio de diamantes ensanguentados e de peles de animais em
vias de extinção? Não é a mesma lógica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres
com a finalidade de os vender ou utilizar para experimentação, ou o descarte de crianças porque
não correspondem ao desejo de seus pais? É a mesma lógica do «usa e joga fora» que produz
tantos resíduos, só pelo desejo desordenado de consumir mais do que realmente se tem
necessidade. Portanto, não podemos pensar que os programas políticos ou a força da lei sejam
suficientes para evitar os comportamentos que afectam o meio ambiente, porque, quando é a
cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objectiva ou quaisquer
princípios universalmente válidos, as leis só se poderão entender como imposições arbitrárias e
obstáculos a evitar.
A necessidade de defender o trabalho
124. Em qualquer abordagem de ecologia integral que não exclua o ser humano, é indispensável
incluir o valor do trabalho, tão sabiamente desenvolvido por São João Paulo II na sua encíclica
Laborem excercens. Recordemos que, segundo a narração bíblica da criação, Deus colocou o ser
humano no jardim recém-criado (cf. Gn2, 15), não só para cuidar do existente (guardar), mas
também para trabalhar nele a fim de que produzisse frutos (cultivar). Assim, os operários e os
artesãos «asseguram uma criação perpétua» (Sir 38, 34). Na realidade, a intervenção humana
que favorece o desenvolvimento prudente da criação é a forma mais adequada de cuidar dela,
porque implica colocar-se como instrumento de Deus para ajudar a fazer desabrochar as
potencialidades que Ele mesmo inseriu nas coisas: «O Senhor produziu da terra os
medicamentos; e o homem sensato não os desprezará» (Sir 38, 4).
125. Se procurarmos pensar quais possam ser as relações adequadas do ser humano com o
mundo que o rodeia, surge a necessidade duma concepção correcta do trabalho, porque, falando
da relação do ser humano com as coisas, impõe-se-nos a questão relativa ao sentido e finalidade
da acção humana sobre a realidade. Não falamos apenas do trabalho manual ou do trabalho da
terra, mas de qualquer actividade que implique alguma transformação do existente, desde a
elaboração dum balanço social até ao projecto dum progresso tecnológico. Qualquer forma de
trabalho pressupõe uma concepção sobre a relação que o ser humano pode ou deve estabelecer
com o outro diverso de si mesmo. A espiritualidade cristã, a par da admiração contemplativa das
criaturas que encontramos em São Francisco de Assis, desenvolveu também uma rica e sadia

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compreensão do trabalho, como podemos encontrar, por exemplo, na vida do Beato Carlos de
Foucauld e seus discípulos.
126. Algo se pode recolher também da longa tradição monástica. Nos primórdios, esta favorecia
de certo modo a fuga do mundo, procurando afastar-se da decadência urbana. Por isso, os
monges buscavam o deserto, convencidos de que fosse o lugar adequado para reconhecer a
presença de Deus. Mais tarde, São Bento de Núrsia quis que os seus monges vivessem em
comunidade, unindo oração e estudo com o trabalho manual («Ora et labora»). Esta introdução
do trabalho manual impregnada de sentido espiritual revelou-se revolucionária. Aprendeu-se a
buscar o amadurecimento e a santificação na compenetração entre o recolhimento e o trabalho.
Esta maneira de viver o trabalho torna-nos mais capazes de ter cuidado e respeito pelo meio
ambiente, impregnando de sadia sobriedade a nossa relação com o mundo.
127. Afirmamos que «o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-
social».[100] Apesar disso, quando no ser humano se deteriora a capacidade de contemplar e
respeitar, criam-se as condições para se desfigurar o sentido do trabalho.[101] Convém recordar
sempre que o ser humano é «capaz de, por si próprio, ser o agente responsável do seu bem-
estar material, progresso moral e desenvolvimento espiritual».[102] O trabalho deveria ser o
âmbito deste multiforme desenvolvimento pessoal, onde estão em jogo muitas dimensões da
vida: a criatividade, a projectação do futuro, o desenvolvimento das capacidades, a exercitação
dos valores, a comunicação com os outros, uma atitude de adoração. Por isso, a realidade social
do munda actual exige que, acima dos limitados interesses das empresas e duma discutível
racionalidade económica, «se continue a perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao
trabalho para todos».[103]
128. Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Não se deve procurar que o progresso
tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano: procedendo assim, a humanidade
prejudicar-se-ia a si mesma. O trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta
terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal. Neste sentido,
ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar
emergências. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através
do trabalho. Mas a orientação da economia favoreceu um tipo de progresso tecnológico cuja
finalidade é reduzir os custos de produção com base na diminuição dos postos de trabalho, que
são substituídos por máquinas. É mais um exemplo de como a acção do homem se pode voltar
contra si mesmo. A diminuição dos postos de trabalho «tem também um impacto negativo no
plano económico com a progressiva corrosão do “capital social”, isto é, daquele conjunto de
relações de confiança, de credibilidade, de respeito das regras, indispensável em qualquer
convivência civil».[104] Em suma, «os custos humanos são sempre também custos económicos,
e as disfunções económicas acarretam sempre também custos humanos».[105]Renunciar a
investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a
sociedade.

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129. Para se conseguir continuar a dar emprego, é indispensável promover uma economia que
favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial. Por exemplo, há uma grande
variedade de sistemas alimentares rurais de pequena escala que continuam a alimentar a maior
parte da população mundial, utilizando uma porção reduzida de terreno e de água e produzindo
menos resíduos, quer em pequenas parcelas agrícolas e hortas, quer na caça e recolha de
produtos silvestres, quer na pesca artesanal. As economias de larga escala, especialmente no
sector agrícola, acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as suas terras ou a
abandonar as suas culturas tradicionais. As tentativas feitas por alguns deles no sentido de
desenvolverem outras formas de produção, mais diversificadas, resultam inúteis por causa da
dificuldade de ter acesso aos mercados regionais e globais, ou porque a infra-estrutura de venda
e transporte está ao serviço das grandes empresas. As autoridades têm o direito e a
responsabilidade de adoptar medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à
diversificação da produção. Às vezes, para que haja uma liberdade económica da qual todos
realmente beneficiem, pode ser necessário pôr limites àqueles que detêm maiores recursos e
poder financeiro. A simples proclamação da liberdade económica, enquanto as condições
reaisimpedem que muitos possam efectivamente ter acesso a ela e, ao mesmo tempo, se reduz o
acesso ao trabalho, torna-se um discurso contraditório que desonra a política. A actividade
empresarial, que é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para
todos, pode ser uma maneira muito fecunda de promover a região onde instala os seus
empreendimentos, sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte imprescindível
do seu serviço ao bem comum.
A inovação biológica a partir da pesquisa
130. Na visão filosófica e teológica do ser humano e da criação que procurei propor, aparece
claro que a pessoa humana, com a peculiaridade da sua razão e da sua sabedoria, não é um
factor externo que deva ser totalmente excluído. No entanto, embora o ser humano possa intervir
no mundo vegetal e animal e fazer uso dele quando é necessário para a sua vida, o Catecismo
ensina que as experimentações sobre os animais só são legítimas «desde que não ultrapassem
os limites do razoável e contribuam para curar ou poupar vidas humanas».[106] Recorda, com
firmeza, que o poder humano tem limites e que «é contrário à dignidade humana fazer sofrer
inutilmente os animais e dispor indiscriminadamente das suas vidas».[107] Todo o uso e
experimentação «exige um respeito religioso pela integridade da criação».[108]
131. Quero recolher aqui a posição equilibrada de São João Paulo II, pondo em destaque os
benefícios dos progressos científicos e tecnológicos, que «manifestam quanto é nobre a vocação
do homem para participar de modo responsável na acção criadora de Deus», mas ao mesmo
tempo recordava que «toda e qualquer intervenção numa área determinada do ecossistema não
pode prescindir da consideração das suas consequências noutras áreas».[109] Afirmava que a
Igreja aprecia a contribuição «do estudo e das aplicações da biologia molecular, completada por
outras disciplinas como a genética e a sua aplicação tecnológica na agricultura e na

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indústria»,[110] embora dissesse também que isto não deve levar a uma «indiscriminada
manipulação genética»[111] que ignore os efeitos negativos destas intervenções. Não é possível
frenar a criatividade humana. Se não se pode proibir a um artista que exprima a sua capacidade
criativa, também não se pode obstaculizar quem possui dons especiais para o progresso
científico e tecnológico, cujas capacidades foram dadas por Deus para o serviço dos outros. Ao
mesmo tempo, não se pode deixar de considerar os objectivos, os efeitos, o contexto e os limites
éticos de tal actividade humana que é uma forma de poder com grandes riscos.
132. Neste quadro, deveria situar-se toda e qualquer reflexão acerca da intervenção humana
sobre o mundo vegetal e animal que implique hoje mutações genéticas geradas pela
biotecnologia, a fim de aproveitar as possibilidades presentes na realidade material. O respeito da
fé pela razão pede para se prestar atenção àquilo que a própria ciência biológica, desenvolvida
independentemente dos interesses económicos, possa ensinar a propósito das estruturas
biológicas e das suas possibilidades e mutações. Em todo o caso, é legítima uma intervenção que
actue sobre a natureza «para a ajudar a desenvolver-se na sua própria linha, a da criação,
querida por Deus».[112]
133. É difícil emitir um juízo geral sobre o desenvolvimento de organismos modificados
geneticamente (OMG), vegetais ou animais, para fins medicinais ou agro-pecuários, porque
podem ser muito diferentes entre si e requerer distintas considerações. Além disso, os riscos nem
sempre se devem atribuir à própria técnica, mas à sua aplicação inadequada ou excessiva. Na
realidade, muitas vezes as mutações genéticas foram e continuam a ser produzidas pela própria
natureza. E mesmo as provocadas pelo ser humano não são um fenómeno moderno. A
domesticação de animais, o cruzamento de espécies e outras práticas antigas e universalmente
seguidas podem incluir-se nestas considerações. É oportuno recordar que o início dos progressos
científicos sobre cereais transgénicos foi a observação de bactérias que, de forma natural e
espontânea, produziam uma modificação no genoma dum vegetal. Mas, na natureza, estes
processos têm um ritmo lento, que não se compara com a velocidade imposta pelos avanços
tecnológicos actuais, mesmo quando estes avanços se baseiam num desenvolvimento científico
de vários séculos.
134. Embora não disponhamos de provas definitivas acerca do dano que poderiam causar os
cereais transgénicos aos seres humanos e apesar de, nalgumas regiões, a sua utilização ter
produzido um crescimento económico que contribuiu para resolver determinados problemas, há
dificuldades importantes que não devem ser minimizadas. Em muitos lugares, na sequência da
introdução destas culturas, constata-se uma concentração de terras produtivas nas mãos de
poucos, devido ao «progressivo desaparecimento de pequenos produtores, que, em
consequência da perda das terras cultivadas, se viram obrigados a retirar-se da produção
directa».[113] Os mais frágeis deles tornam-se trabalhadores precários, e muitos assalariados
agrícolas acabam por emigrar para miseráveis aglomerados das cidades. A expansão destas
culturas destrói a complexa trama dos ecossistemas, diminui a diversidade na produção e afecta

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o presente ou o futuro das economias regionais. Em vários países, nota-se uma tendência para o
desenvolvimento de oligopólios na produção de sementes e outros produtos necessários para o
cultivo, e a dependência agrava-se quando se pensa na produção de sementes estéreis que
acabam por obrigar os agricultores a comprá-las às empresas produtoras.
135. Sem dúvida, há necessidade duma atenção constante, que tenha em consideração todos os
aspectos éticos implicados. Para isso, é preciso assegurar um debate científico e social que seja
responsável e amplo, capaz de considerar toda a informação disponível e chamar as coisas pelo
seu nome. Às vezes não se coloca sobre a mesa a informação completa, mas é seleccionada de
acordo com os próprios interesses, sejam eles políticos, económicos ou ideológicos. Isto torna
difícil elaborar um juízo equilibrado e prudente sobre as várias questões, tendo presente todas as
variáveis em jogo. É necessário dispor de espaços de debate, onde todos aqueles que poderiam
de algum modo ver-se, directa ou indirectamente, afectados (agricultores, consumidores,
autoridades, cientistas, produtores de sementes, populações vizinhas dos campos tratados e
outros) tenham possibilidade de expor as suas problemáticas ou ter acesso a uma informação
ampla e fidedigna para adoptar decisões tendentes ao bem comum presente e futuro. A questão
dos OMG é uma questão de carácter complexo, que requer ser abordada com um olhar
abrangente de todos os aspectos; isto exigiria pelo menos um maior esforço para financiar
distintas linhas de pesquisa autónoma e interdisciplinar que possam trazer nova luz.
136. Além disso, é preocupante constatar que alguns movimentos ecologistas defendem a
integridade do meio ambiente e, com razão, reclamam a imposição de determinados limites à
pesquisa científica, mas não aplicam estes mesmos princípios à vida humana. Muitas vezes
justifica-se que se ultrapassem todos os limites, quando se faz experiências com embriões
humanos vivos. Esquece-se que o valor inalienável do ser humano é independente do seu grau
de desenvolvimento. Aliás, quando a técnica ignora os grandes princípios éticos, acaba por
considerar legítima qualquer prática. Como vimos neste capítulo, a técnica separada da ética
dificilmente será capaz de autolimitar o seu poder.
CAPÍTULO IV
UMA ECOLOGIA INTEGRAL
137. Dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas actuais requerem um olhar
que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a
reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as
dimensões humanas e sociais.
1. Ecologia ambiental, económica e social

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138. A ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente onde se
desenvolvem. E isto exige sentar-se a pensar e discutir acerca das condições de vida e de
sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de
desenvolvimento, produção e consumo. Nunca é demais insistir que tudo está interligado. O
tempo e o espaço não são independentes entre si; nem os próprios átomos ou as partículas
subatómicas se podem considerar separadamente. Assim como os vários componentes do
planeta – físicos, químicos e biológicos – estão relacionados entre si, assim também as espécies
vivas formam uma trama que nunca acabaremos de individuar e compreender. Boa parte da
nossa informação genética é partilhada com muitos seres vivos. Por isso, os conhecimentos
fragmentários e isolados podem tornar-se uma forma de ignorância, quando resistem a integrar-
se numa visão mais ampla da realidade.
139. Quando falamos de «meio ambiente», fazemos referência também a uma particular relação:
a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza
como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela,
somos parte dela e compenetramo-nos. As razões, pelas quais um lugar se contamina, exigem
uma análise do funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu comportamento, das suas
maneiras de entender a realidade. Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar
uma resposta específica e independente para cada parte do problema. É fundamental buscar
soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas naturais entre si e com os
sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e
complexa crise sócio-ambiental. As directrizes para a solução requerem uma abordagem integral
para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da
natureza.
140. Devido à quantidade e variedade de elementos a ter em conta na hora de determinar o
impacto ambiental dum empreendimento concreto, torna-se indispensável dar aos pesquisadores
um papel preponderante e facilitar a sua interacção com uma ampla liberdade académica. Esta
pesquisa constante deveria permitir reconhecer também como as diferentes criaturas se
relacionam, formando aquelas unidades maiores que hoje chamamos «ecossistemas». Temo-los
em conta não só para determinar qual é o seu uso razoável, mas também porque possuem um
valor intrínseco, independente de tal uso. Assim como cada organismo é bom e admirável em si
mesmo pelo facto de ser uma criatura de Deus, o mesmo se pode dizer do conjunto harmónico de
organismos num determinado espaço, funcionando como um sistema. Embora não tenhamos
consciência disso, dependemos desse conjunto para a nossa própria existência. Convém
recordar que os ecossistemas intervêm na retenção do dióxido de carbono, na purificação da
água, na contraposição a doenças e pragas, na composição do solo, na decomposição dos
resíduos, e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou ignoramos. Quando se dão conta
disto, muitas pessoas voltam a tomar consciência de que vivemos e agimos a partir duma
realidade que nos foi previamente dada, que é anterior às nossas capacidades e à nossa
existência. Por isso, quando se fala de «uso sustentável», é preciso incluir sempre uma

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consideração sobre a capacidade regenerativa de cada ecossistema nos seus diversos sectores
e aspectos.
141. Além disso, o crescimento económico tende a gerar automatismos e a homogeneizar, a fim
de simplificar os processos e reduzir os custos. Por isso, é necessária uma ecologia económica,
capaz de induzir a considerar a realidade de forma mais ampla. Com efeito, «a protecção do meio
ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser
considerada isoladamente».[114] Mas, ao mesmo tempo, torna-se actual a necessidade
imperiosa do humanismo, que faz apelo aos distintos saberes, incluindo o económico, para uma
visão mais integral e integradora. Hoje, a análise dos problemas ambientais é inseparável da
análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa
consigo mesma, que gera um modo específico de se relacionar com os outros e com o meio
ambiente. Há uma interacção entre os ecossistemas e entre os diferentes mundos de referência
social e, assim, se demonstra mais uma vez que «o todo é superior à parte».[115]
142. Se tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições duma sociedade tem
consequências no ambiente e na qualidade de vida humana: «toda a lesão da solidariedade e da
amizade cívica provoca danos ambientais».[116] Neste sentido, a ecologia social é
necessariamente institucional e progressivamente alcança as diferentes dimensões, que vão
desde o grupo social primário, a família, até à vida internacional, passando pela comunidade local
e a nação. Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as instituições que
regulam as relações humanas. Tudo o que as danifica comporta efeitos nocivos, como a perda da
liberdade, a injustiça e a violência. Vários países são governados por um sistema institucional
precário, à custa do sofrimento do povo e para benefício daqueles que lucram com este estado de
coisas. Tanto dentro da administração do Estado, como nas diferentes expressões da sociedade
civil, ou nas relações dos habitantes entre si, registam-se, com demasiada frequência,
comportamentos ilegais. As leis podem estar redigidas de forma correcta, mas muitas vezes
permanecem letra morta. Poder-se-á, assim, esperar que a legislação e as normativas relativas
ao meio ambiente sejam realmente eficazes? Sabemos, por exemplo, que países dotados duma
legislação clara sobre a protecção das florestas continuam a ser testemunhas mudas da sua
frequente violação. Além disso, o que acontece numa região influi, directa ou indirectamente, nas
outras regiões. Assim, por exemplo, o consumo de drogas nas sociedades opulentas provoca
uma constante ou crescente procura de produtos que provêm de regiões empobrecidas, onde se
corrompem comportamentos, se destroem vidas e se acaba por degradar o meio ambiente.
2. Ecologia cultural
143. A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado um património histórico,
artístico e cultural. Faz parte da identidade comum de um lugar, servindo de base para construir
uma cidade habitável. Não se trata de destruir e criar novas cidades hipoteticamente mais
ecológicas, onde nem sempre resulta desejável viver. É preciso integrar a história, a cultura e a

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arquitectura dum lugar, salvaguardando a sua identidade original. Por isso, a ecologia envolve
também o cuidado das riquezas culturais da humanidade, no seu sentido mais amplo. Mais
directamente, pede que se preste atenção às culturas locais, quando se analisam questões
relacionadas com o meio ambiente, fazendo dialogar a linguagem técnico-científica com a
linguagem popular. É a cultura – entendida não só como os monumentos do passado, mas
especialmente no seu sentido vivo, dinâmico e participativo – que não se pode excluir na hora de
repensar a relação do ser humano com o meio ambiente.
144. A visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada
actual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um
tesouro da humanidade. Por isso, pretender resolver todas as dificuldades através de normativas
uniformes ou por intervenções técnicas, leva a negligenciar a complexidade das problemáticas
locais, que requerem a participação activa dos habitantes. Os novos processos em gestação nem
sempre se podem integrar dentro de modelos estabelecidos do exterior, mas hão-de ser
provenientes da própria cultura local. Assim como a vida e o mundo são dinâmicos, assim
também o cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico. As soluções meramente técnicas
correm o risco de tomar em consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais
profundas. É preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim
provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo histórico no
âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o protagonismo dos actores sociais locais
a partir da sua própria cultura. Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas
deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano.
145. Muitas formas de intensa exploração e degradação do meio ambiente podem esgotar não só
os meios locais de subsistência, mas também os recursos sociais que consentiram um modo de
viver que sustentou, durante longo tempo, uma identidade cultural e um sentido da existência e
da convivência social. O desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o
desaparecimento duma espécie animal ou vegetal. A imposição dum estilo hegemónico de vida
ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas.
146. Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes
com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se
os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projectos que afectam
os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem económico, mas dom gratuito de
Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de
interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus
territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objecto de
pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projectos extractivos e agro-
pecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura.
3. Ecologia da vida quotidiana

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147. Para se poder falar de autêntico progresso, será preciso verificar que se produza uma
melhoria global na qualidade de vida humana; isto implica analisar o espaço onde as pessoas
transcorrem a sua existência. Os ambientes onde vivemos influem sobre a nossa maneira de ver
a vida, sentir e agir. Ao mesmo tempo, no nosso quarto, na nossa casa, no nosso lugar de
trabalho e no nosso bairro, usamos o ambiente para exprimir a nossa identidade. Esforçamo-nos
por nos adaptar ao ambiente e, quando este aparece desordenado, caótico ou cheio de poluição
visiva e acústica, o excesso de estímulos põe à prova as nossas tentativas de desenvolver uma
identidade integrada e feliz.
148. Admirável é a criatividade e generosidade de pessoas e grupos que são capazes de dar a
volta às limitações do ambiente, modificando os efeitos adversos dos condicionalismos e
aprendendo a orientar a sua existência no meio da desordem e precariedade. Por exemplo,
nalguns lugares onde as fachadas dos edifícios estão muito deterioradas, há pessoas que cuidam
com muita dignidade o interior das suas habitações, ou que se sentem bem pela cordialidade e
amizade das pessoas. A vida social positiva e benfazeja dos habitantes enche de luz um
ambiente à primeira vista inabitável. É louvável a ecologia humana que os pobres conseguem
desenvolver, no meio de tantas limitações. A sensação de sufocamento, produzida pelos
aglomerados residenciais e pelos espaços com alta densidade populacional, é contrastada se se
desenvolvem calorosas relações humanas de vizinhança, se se criam comunidades, se as
limitações ambientais são compensadas na interioridade de cada pessoa que se sente inserida
numa rede de comunhão e pertença. Deste modo, qualquer lugar deixa de ser um inferno e torna-
se o contexto duma vida digna.
149. Inversamente está provado que a penúria extrema vivida nalguns ambientes privados de
harmonia, magnanimidade e possibilidade de integração, facilita o aparecimento de
comportamentos desumanos e a manipulação das pessoas por organizações criminosas. Para os
habitantes de bairros periféricos muito precários, a experiência diária de passar da superlotação
ao anonimato social, que se vive nas grandes cidades, pode provocar uma sensação de
desenraizamento que favorece comportamentos anti-sociais e violência. Todavia tenho a peito
reiterar que o amor é mais forte. Muitas pessoas, nestas condições, são capazes de tecer laços
de pertença e convivência que transformam a superlotação numa experiência comunitária, onde
se derrubam os muros do eu e superam as barreiras do egoísmo. Esta experiência de salvação
comunitária é o que muitas vezes suscita reacções criativas para melhorar um edifício ou um
bairro.[117]
150. Dada a relação entre os espaços urbanizados e o comportamento humano, aqueles que
projectam edifícios, bairros, espaços públicos e cidades precisam da contribuição dos vários
saberes que permitem compreender os processos, o simbolismo e os comportamentos das
pessoas. Não é suficiente a busca da beleza no projecto, porque tem ainda mais valor servir outro
tipo de beleza: a qualidade de vida das pessoas, a sua harmonia com o ambiente, o encontro e
ajuda mútua. Por isso também, é tão importante que o ponto de vista dos habitantes do lugar

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contribua sempre para a análise da planificação urbanista.
151. É preciso cuidar dos espaços comuns, dos marcos visuais e das estruturas urbanas que
melhoram o nosso sentido de pertença, a nossa sensação de enraizamento, o nosso sentimento
de «estar em casa» dentro da cidade que nos envolve e une. É importante que as diferentes
partes duma cidade estejam bem integradas e que os habitantes possam ter uma visão de
conjunto em vez de se encerrarem num bairro, renunciando a viver a cidade inteira como um
espaço próprio partilhado com os outros. Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria
considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo, sentido pelos habitantes como
um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de ser
estranhos e podemos senti-los como parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma
razão, tanto no meio urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem
intervenções humanas que os alterem constantemente.
152. A falta de habitação é grave em muitas partes do mundo, tanto nas áreas rurais como nas
grandes cidades, nomeadamente porque os orçamentos estatais em geral cobrem apenas uma
pequena parte da procura. E não só os pobres, mas uma grande parte da sociedade encontra
sérias dificuldades para ter uma casa própria. A propriedade da casa tem muita importância para
a dignidade das pessoas e o desenvolvimento das famílias. Trata-se duma questão central da
ecologia humana. Se num lugar concreto já se desenvolveram aglomerados caóticos de casas
precárias, trata-se primariamente de urbanizar estes bairros, não de erradicar e expulsar os
habitantes. Mas, quando os pobres vivem em subúrbios poluídos ou aglomerados perigosos, «no
caso de ter de se proceder à sua deslocação, para não acrescentar mais sofrimento ao que já
padecem, é necessário fornecer-lhes uma adequada e prévia informação, oferecer-lhes
alternativas de alojamentos dignos e envolver directamente os interessados».[118] Ao mesmo
tempo, a criatividade deveria levar à integração dos bairros precários numa cidade acolhedora:
«Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são
diferentes, fazendo desta integração um novo factor de progresso! Como são encantadoras as
cidades que, já no seu projecto arquitectónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam,
favorecem o reconhecimento do outro!»[119]
153. Nas cidades, a qualidade de vida está largamente relacionada com os transportes, que
muitas vezes são causa de grandes tribulações para os habitantes. Nelas, circulam muitos carros
utilizados por uma ou duas pessoas, pelo que o tráfico torna-se intenso, eleva-se o nível de
poluição, consomem-se enormes quantidades de energia não-renovável e torna-se necessário a
construção de mais estradas e parques de estacionamento que prejudicam o tecido urbano.
Muitos especialistas estão de acordo sobre a necessidade de dar prioridade ao transporte
público. Mas é difícil que algumas medidas consideradas necessárias sejam pacificamente
acolhidas pela sociedade, sem uma melhoria substancial do referido transporte, que, em muitas
cidades, comporta um tratamento indigno das pessoas devido à superlotação, ao desconforto, ou
à reduzida frequência dos serviços e à insegurança.

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154. O reconhecimento da dignidade peculiar do ser humano contrasta frequentemente com a
vida caótica que têm de fazer as pessoas nas nossas cidades. Mas isto não deveria levar a
esquecer o estado de abandono e desleixo que sofrem também alguns habitantes das áreas
rurais, onde não chegam os serviços essenciais e há trabalhadores reduzidos a situações de
escravidão, sem direitos nem expectativas duma vida mais dignificante.
155. A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é indispensável para se
poder criar um ambiente mais dignificante: a relação necessária da vida do ser humano com a lei
moral inscrita na sua própria natureza. Bento XVI dizia que existe uma «ecologia do homem»,
porque «também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como
lhe apetece».[120] Nesta linha, é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação
directa com o meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como
dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa
comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica,
por vezes subtil, de domínio sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a
respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana. Também é
necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder
reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com
alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se
mutuamente. Portanto, não é salutar um comportamento que pretenda «cancelar a diferença
sexual, porque já não sabe confrontar-se com ela».[121]
4. O princípio do bem comum
156. A ecologia integral é inseparável da noção de bem comum, princípio este que desempenha
um papel central e unificador na ética social. É «o conjunto das condições da vida social que
permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria
perfeição».[122]
157. O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos
fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral. Exige também os
dispositivos de bem-estar e segurança social e o desenvolvimento dos vários grupos intermédios,
aplicando o princípio da subsidiariedade. Entre tais grupos, destaca-se de forma especial a
família enquanto célula basilar da sociedade. Por fim, o bem comum requer a paz social, isto é, a
estabilidade e a segurança de uma certa ordem, que não se realiza sem uma atenção particular à
justiça distributiva, cuja violação gera sempre violência. Toda a sociedade – e, nela,
especialmente o Estado – tem obrigação de defender e promover o bem comum.
158. Nas condições actuais da sociedade mundial, onde há tantas desigualdades e são cada vez
mais numerosas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o
princípio do bem comum torna-se imediatamente, como consequência lógica e inevitável, um

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apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais pobres. Esta opção implica tirar as
consequências do destino comum dos bens da terra, mas – como procurei mostrar na exortação
apostólica Evangelii gaudium [123] – exige acima de tudo contemplar a imensa dignidade do
pobre à luz das mais profundas convicções de fé. Basta observar a realidade para compreender
que, hoje, esta opção é uma exigência ética fundamental para a efectiva realização do bem
comum.
5. A justiça intergeneracional
159. A noção de bem comum engloba também as gerações futuras. As crises económicas
internacionais mostraram, de forma atroz, os efeitos nocivos que traz consigo o desconhecimento
de um destino comum, do qual não podem ser excluídos aqueles que virão depois de nós. Já não
se pode falar de desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade intergeneracional. Quando
pensamos na situação em que se deixa o planeta às gerações futuras, entramos noutra lógica: a
do dom gratuito, que recebemos e comunicamos. Se a terra nos é dada, não podemos pensar
apenas a partir dum critério utilitarista de eficiência e produtividade para lucro individual. Não
estamos a falar duma atitude opcional, mas duma questão essencial de justiça, pois a terra que
recebemos pertence também àqueles que hão-de vir. Os bispos de Portugal exortaram a assumir
este dever de justiça: «O ambiente situa-se na lógica da recepção. É um empréstimo que cada
geração recebe e deve transmitir à geração seguinte».[124] Uma ecologia integral possui esta
perspectiva ampla.
160. Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a
crescer? Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se
pode pôr a questão de forma fragmentária. Quando nos interrogamos acerca do mundo que
queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua orientação geral, ao seu sentido, aos seus
valores. Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo, não creio que as nossas preocupações
ecológicas possam alcançar efeitos importantes. Mas, se esta pergunta é posta com coragem,
leva-nos inexoravelmente a outras questões muito directas: Com que finalidade passamos por
este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade
tem de nós esta terra? Por isso, já não basta dizer que devemos preocupar-nos com as gerações
futuras; exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo. Somos
nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai
suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto chama em causa o significado da
nossa passagem por esta terra.
161. As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. Às próximas
gerações, poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O ritmo de consumo,
desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta,
que o estilo de vida actual – por ser insustentável – só pode desembocar em catástrofes, como
aliás já está a acontecer periodicamente em várias regiões. A atenuação dos efeitos do

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6.1 Page 51

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desequilíbrio actual depende do que fizermos agora, sobretudo se pensarmos na
responsabilidade que nos atribuirão aqueles que deverão suportar as piores consequências.
162. A dificuldade em levar a sério este desafio tem a ver com uma deterioração ética e cultural,
que acompanha a deterioração ecológica. O homem e a mulher deste mundo pós-moderno
correm o risco permanente de se tornar profundamente individualistas, e muitos problemas
sociais de hoje estão relacionados com a busca egoísta duma satisfação imediata, com as crises
dos laços familiares e sociais, com as dificuldades em reconhecer o outro. Muitas vezes há um
consumo excessivo e míope dos pais que prejudica os próprios filhos, que sentem cada vez mais
dificuldade em comprar casa própria e fundar uma família. Além disso esta falta de capacidade
para pensar seriamente nas futuras gerações está ligada com a nossa incapacidade de alargar o
horizonte das nossas preocupações e pensar naqueles que permanecem excluídos do
desenvolvimento. Não percamos tempo a imaginar os pobres do futuro, é suficiente que
recordemos os pobres de hoje, que poucos anos têm para viver nesta terra e não podem
continuar a esperar. Por isso, «para além de uma leal solidariedade entre as gerações, há que
reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da
mesma geração».[125]
CAPÍTULO V
ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO
163. Procurei examinar a situação actual da humanidade, tanto nas brechas do planeta que
habitamos, como nas causas mais profundamente humanas da degradação ambiental. Embora
esta contemplação da realidade em si mesma já nos indique a necessidade duma mudança de
rumo e sugira algumas acções, procuremos agora delinear grandes percursos de diálogo que nos
ajudem a sair da espiral de autodestruição onde estamos a afundar.
1. O diálogo sobre o meio ambiente na política internacional
164. Desde meados do século passado e superando muitas dificuldades, foi-se consolidando a
tendência de conceber o planeta como pátria e a humanidade como povo que habita uma casa
comum. Um mundo interdependente não significa unicamente compreender que as
consequências danosas dos estilos de vida, produção e consumo afectam a todos, mas
principalmente procurar que as soluções sejam propostas a partir duma perspectiva global e não
apenas para defesa dos interesses de alguns países. A interdependência obriga-nos a pensar
num único mundo, num projecto comum. Mas, a mesma inteligência que foi utilizada para um
enorme desenvolvimento tecnológico não consegue encontrar formas eficazes de gestão
internacional para resolver as graves dificuldades ambientais e sociais. Para enfrentar os

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problemas de fundo, que não se podem resolver com acções de países isolados, torna-se
indispensável um consenso mundial que leve, por exemplo, a programar uma agricultura
sustentável e diversificada, desenvolver formas de energia renováveis e pouco poluidoras,
fomentar uma maior eficiência energética, promover uma gestão mais adequada dos recursos
florestais e marinhos, garantir a todos o acesso à água potável.
165. Sabemos que a tecnologia baseada nos combustíveis fósseis – altamente poluentes,
sobretudo o carvão mas também o petróleo e, em menor medida, o gás – deve ser,
progressivamente e sem demora, substituída. Enquanto aguardamos por um amplo
desenvolvimento das energias renováveis, que já deveria ter começado, é legítimo optar pela
alternativa menos danosa ou recorrer a soluções transitórias. Todavia, na comunidade
internacional, não se consegue suficiente acordo sobre a responsabilidade de quem deve
suportar os maiores custos da transição energética. Nas últimas décadas, as questões ambientais
deram origem a um amplo debate público, que fez crescer na sociedade civil espaços de notável
compromisso e generosa dedicação. A política e a indústria reagem com lentidão, longe de estar
à altura dos desafios mundiais. Neste sentido, pode-se dizer que, enquanto a humanidade do
período pós-industrial talvez fique recordada como uma das mais irresponsáveis da história,
espera-se que a humanidade dos inícios do século XXI possa ser lembrada por ter assumido com
generosidade as suas graves responsabilidades.
166. O movimento ecológico mundial já percorreu um longo caminho, enriquecido pelo esforço de
muitas organizações da sociedade civil. Não seria possível mencioná-las todas aqui, nem
repassar a história das suas contribuições. Mas, graças a tanta dedicação, as questões
ambientais têm estado cada vez mais presentes na agenda pública e tornaram-se um convite
permanente a pensar a longo prazo. Apesar disso, as cimeiras mundiais sobre o meio ambiente
dos últimos anos não corresponderam às expectativas, porque não alcançaram, por falta de
decisão política, acordos ambientais globais realmente significativos e eficazes.
167. Dentre elas, há que recordar a Cimeira da Terra, celebrada em 1992 no Rio de Janeiro. Lá
se proclamou que «os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável».[126] Retomando alguns conteúdos da Declaração de Estocolmo
(1972), sancionou, entre outras coisas, a cooperação internacional no cuidado do ecossistema de
toda a terra, a obrigação de quem contaminar assumir economicamente os custos derivados, o
dever de avaliar o impacto ambiental de toda e qualquer obra ou projecto. Propôs o objectivo de
estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera para inverter a
tendência do aquecimento global. Também elaborou uma agenda com um programa de acção e
uma convenção sobre biodiversidade, declarou princípios em matéria florestal. Embora tal cimeira
marcasse um passo em frente e fosse verdadeiramente profética para a sua época, os acordos
tiveram um baixo nível de implementação, porque não se estabeleceram adequados mecanismos
de controle, revisão periódica e sanção das violações. Os princípios enunciados continuam a
requerer caminhos eficazes e ágeis de realização prática.

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168. Como experiências positivas, pode-se mencionar, por exemplo, a Convenção de Basileia
sobre os resíduos perigosos, com um sistema de notificação, níveis estipulados e controles, e
também a Convenção vinculante sobre o comércio internacional das espécies da fauna e da flora
selvagens ameaçadas de extinção, que prevê missões de verificação do seu efectivo
cumprimento. Graças à Convenção de Viena para a protecção da camada de ozono e a
respectiva implementação através do Protocolo de Montreal e as suas emendas, o problema da
diminuição da referida camada parece ter entrado numa fase de solução.
169. No cuidado da biodiversidade e no contraste à desertificação, os avanços foram muito
menos significativos. Relativamente às mudanças climáticas, os progressos são, infelizmente,
muito escassos. A redução de gases com efeito de estufa requer honestidade, coragem e
responsabilidade, sobretudo dos países mais poderosos e mais poluentes. A Conferência das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, chamada Rio+20 (Rio de Janeiro 2012),
emitiu uma Declaração Final extensa mas ineficaz. As negociações internacionais não podem
avançar significativamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses
nacionais sobre o bem comum global. Aqueles que hão-de sofrer as consequências que tentamos
dissimular, recordarão esta falta de consciência e de responsabilidade. Durante o período de
elaboração desta encíclica, o debate adquiriu particular intensidade. Nós, crentes, não podemos
deixar de rezar a Deus pela evolução positiva nos debates actuais, para que as gerações futuras
não sofram as consequências de demoras imprudentes.
170. Algumas das estratégias para a baixa emissão de gases poluentes apostam na
internacionalização dos custos ambientais, com o perigo de impor aos países de menores
recursos pesados compromissos de redução de emissões comparáveis aos dos países mais
industrializados. A imposição destas medidas penaliza os países mais necessitados de
desenvolvimento. Assim, acrescenta-se uma nova injustiça sob a capa do cuidado do meio
ambiente. Como sempre, a corda quebra pelo ponto mais fraco. Uma vez que os efeitos das
mudanças climáticas se farão sentir durante muito tempo, mesmo que agora sejam tomadas
medidas rigorosas, alguns países com escassos recursos precisarão de ajuda para se adaptar a
efeitos que já estão a produzir-se e afectam as suas economias. É verdade que há
responsabilidades comuns, mas diferenciadas, pelo simples motivo – como disseram os bispos da
Bolívia – que «os países que foram beneficiados por um alto grau de industrialização, à custa
duma enorme emissão de gases com efeito de estufa, têm maior responsabilidade em contribuir
para a solução dos problemas que causaram».[127]
171. A estratégia de compra-venda de «créditos de emissão» pode levar a uma nova forma de
especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes. Este sistema
parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência dum certo compromisso com o meio
ambiente, mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das
circunstâncias. Pelo contrário, pode tornar-se um diversivo que permite sustentar o consumo
excessivo de alguns países e sectores.

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172. Para os países pobres, as prioridades devem ser a erradicação da miséria e o
desenvolvimento social dos seus habitantes; ao mesmo tempo devem examinar o nível
escandaloso de consumo de alguns sectores privilegiados da sua população e contrastar melhor
a corrupção. Sem dúvida, devem também desenvolver formas menos poluentes de produção de
energia, mas para isso precisam de contar com a ajuda dos países que cresceram muito à custa
da actual poluição do planeta. O aproveitamento directo da energia solar, tão abundante, exige
que se estabeleçam mecanismos e subsídios tais, que os países em vias de desenvolvimento
possam ter acesso à transferência de tecnologias, assistência técnica e recursos financeiros, mas
sempre prestando atenção às condições concretas, pois «nem sempre se avalia adequadamente
a compatibilidade dos sistemas com o contexto para o qual são projectados».[128] Os custos
seriam baixos se comparados com os riscos das mudanças climáticas. Em todo o caso, trata-se
primariamente duma decisão ética, fundada na solidariedade de todos os povos.
173. Urgem acordos internacionais que se cumpram, dada a escassa capacidade das instâncias
locais para intervirem de maneira eficaz. As relações entre os Estados devem salvaguardar a
soberania de cada um, mas também estabelecer caminhos consensuais para evitar catástrofes
locais que acabariam por danificar a todos. São necessários padrões reguladores globais que
imponham obrigações e impeçam acções inaceitáveis, como o facto de empresas ou países
poderosos descarregarem, sobre outros países, resíduos e indústrias altamente poluentes.
174. Mencionemos também o sistema de governança dos oceanos. Com efeito, embora tenha
havido várias convenções internacionais e regionais, a fragmentação e a falta de severos
mecanismos de regulamentação, controle e sanção acabam por minar todos os esforços. O
problema crescente dos resíduos marinhos e da protecção das áreas marinhas para além das
fronteiras nacionais continua a representar um desafio especial. Em definitivo, precisamos de um
acordo sobre os regimes de governança para toda a gama dos chamados bens comuns globais.
175. A lógica que dificulta a tomada de decisões drásticas para inverter a tendência ao
aquecimento global é a mesma que não permite cumprir o objectivo de erradicar a pobreza.
Precisamos duma reacção global mais responsável, que implique enfrentar,
contemporaneamente, a redução da poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres.
O século XXI, mantendo um sistema de governança próprio de épocas passadas, assiste a uma
perda de poder dos Estados nacionais, sobretudo porque a dimensão económico-financeira, de
carácter transnacional, tende a prevalecer sobre a política. Neste contexto, torna-se indispensável
a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com
autoridades designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre os governos nacionais e
dotadas de poder de sancionar. Como afirmou Bento XVI, na linha desenvolvida até agora pela
doutrina social da Igreja, «para o governo da economia mundial, para sanar as economias
atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e consequentes maiores
desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a
paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a

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presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor,
[São] João XXIII».[129] Nesta perspectiva, a diplomacia adquire uma importância inédita,
chamada a promover estratégias internacionais para prevenir os problemas mais graves que
acabam por afectar a todos.
2. O diálogo para novas políticas nacionais e locais
176. Há vencedores e vencidos não só entre os países, mas também dentro dos países pobres,
onde se devem identificar as diferentes responsabilidades. Por isso, as questões relacionadas
com o meio ambiente e com o desenvolvimento económico já não se podem olhar apenas a partir
das diferenças entre os países, mas exigem que se preste atenção às políticas nacionais e locais.
177. Perante a possibilidade duma utilização irresponsável das capacidades humanas, são
funções inadiáveis de cada Estado planificar, coordenar, vigiar e sancionar dentro do respectivo
território. Como pode a sociedade organizar e salvaguardar o seu futuro num contexto de
constantes inovações tecnológicas? Um factor que actua como moderador efectivo é o direito,
que estabelece as regras para as condutas permitidas à luz do bem comum. Os limites que uma
sociedade sã, madura e soberana deve impor têm a ver com previsão e precaução,
regulamentações adequadas, vigilância sobre a aplicação das normas, contraste da corrupção,
acções de controle operacional sobre o aparecimento de efeitos não desejados dos processos de
produção, e oportuna intervenção perante riscos incertos ou potenciais. Existe uma crescente
jurisprudência que visa reduzir os efeitos poluentes dos empreendimentos. Mas a estrutura
política e institucional não existe apenas para evitar malversações, mas para incentivar as boas
práticas, estimular a criatividade que busca novos caminhos, facilitar as iniciativas pessoais e
colectivas.
178. O drama duma política focalizada nos resultados imediatos, apoiada também por populações
consumistas, torna necessário produzir crescimento a curto prazo. Respondendo a interesses
eleitorais, os governos não se aventuram facilmente a irritar a população com medidas que
possam afectar o nível de consumo ou pôr em risco investimentos estrangeiros. A construção
míope do poder frena a inserção duma agenda ambiental com visão ampla na agenda pública dos
governos. Esquece-se, assim, que «o tempo é superior ao espaço»[130] e que sempre somos
mais fecundos quando temos maior preocupação por gerar processos do que por dominar
espaços de poder. A grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com
base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem muita
dificuldade em assumir este dever num projecto de nação.
179. Nalguns lugares, estão a desenvolver-se cooperativas para a exploração de energias
renováveis, que consentem o auto-abastecimento local e até mesmo a venda da produção em
excesso. Este exemplo simples indica que, enquanto a ordem mundial existente se revela
impotente para assumir responsabilidades, a instância local pode fazer a diferença. Com efeito,

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56
aqui é possível gerar uma maior responsabilidade, um forte sentido de comunidade, uma especial
capacidade de solicitude e uma criatividade mais generosa, um amor apaixonado pela própria
terra, tal como se pensa naquilo que se deixa aos filhos e netos. Estes valores têm um
enraizamento muito profundo nas populações aborígenes. Dado que o direito por vezes se mostra
insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão política sob pressão da população. A
sociedade, através de organismos não-governamentais e associações intermédias, deve forçar os
governos a desenvolver normativas, procedimentos e controles mais rigorosos. Se os cidadãos
não controlam o poder político – nacional, regional e municipal –, também não é possível
combater os danos ambientais. Além disso, as legislações municipais podem ser mais eficazes,
se houver acordos entre populações vizinhas para sustentarem as mesmas políticas ambientais.
180. Não se pode pensar em receitas uniformes, porque há problemas e limites específicos de
cada país ou região. Também é verdade que o realismo político pode exigir medidas e
tecnologias de transição, desde que estejam acompanhadas pelo projecto e a aceitação de
compromissos graduais vinculativos. Ao mesmo tempo, porém, a nível nacional e local, há
sempre muito que fazer, como, por exemplo, promover formas de poupança energética. Isto
implica favorecer modalidades de produção industrial com a máxima eficiência energética e
menor utilização de matérias-primas, retirando do mercado os produtos pouco eficazes do ponto
de vista energético ou mais poluentes. Podemos mencionar também uma boa gestão dos
transportes ou técnicas de construção e restruturação de edifícios que reduzam o seu consumo
energético e o seu nível de poluição. Além disso, a acção política local pode orientar-se para a
alteração do consumo, o desenvolvimento duma economia de resíduos e reciclagem, a protecção
de determinadas espécies e a programação duma agricultura diversificada com a rotação de
culturas. É possível favorecer a melhoria agrícola de regiões pobres, através de investimentos em
infra-estruturas rurais, na organização do mercado local ou nacional, em sistemas de irrigação, no
desenvolvimento de técnicas agrícolas sustentáveis. Podem-se facilitar formas de cooperação ou
de organização comunitária que defendam os interesses dos pequenos produtores e
salvaguardem da predação os ecossistemas locais. É tanto o que se pode fazer!
181. Indispensável é a continuidade, porque não se podem modificar as políticas relativas às
alterações climáticas e à protecção ambiental todas as vezes que muda um governo. Os
resultados requerem muito tempo e comportam custos imediatos com efeitos que não poderão
ser exibidos no período de vida dum governo. Por isso, sem a pressão da população e das
instituições, haverá sempre relutância a intervir, e mais ainda quando houver urgências a
resolver. Para um político, assumir estas responsabilidades com os custos que implicam não
corresponde à lógica eficientista e imediatista actual da economia e da política, mas, se ele tiver a
coragem de o fazer, poderá novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e
deixará, depois da sua passagem por esta história, um testemunho de generosa
responsabilidade. Importa dar um lugar preponderante a uma política salutar, capaz de reformar
as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e
inércias viciosas. Todavia é preciso acrescentar que os melhores dispositivos acabam por

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sucumbir, quando faltam as grandes metas, os valores, uma compreensão humanista e rica de
significado, capazes de conferir a cada sociedade uma orientação nobre e generosa.
3. Diálogo e transparência nos processos decisórios
182. A previsão do impacto ambiental dos empreendimentos e projectos requer processos
políticos transparentes e sujeitos a diálogo, enquanto a corrupção, que esconde o verdadeiro
impacto ambiental dum projecto em troca de favores, frequentemente leva a acordos ambíguos
que fogem ao dever de informar e a um debate profundo.
183. Um estudo de impacto ambiental não deveria ser posterior à elaboração dum projecto
produtivo ou de qualquer política, plano ou programa. Há-de inserir-se desde o princípio e
elaborar-se de forma interdisciplinar, transparente e independente de qualquer pressão
económica ou política. Deve aparecer unido à análise das condições de trabalho e dos possíveis
efeitos na saúde física e mental das pessoas, na economia local, na segurança. Assim os
resultados económicos poder-se-ão prever de forma mais realista, tendo em conta os cenários
possíveis e, eventualmente, antecipando a necessidade dum investimento maior para resolver
efeitos indesejáveis que possam ser corrigidos. É sempre necessário alcançar consenso entre os
vários actores sociais, que podem trazer diferentes perspectivas, soluções e alternativas. Mas, no
debate, devem ter um lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam
sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades
que transcendem o interesse económico imediato. É preciso abandonar a ideia de «intervenções»
sobre o meio ambiente, para dar lugar a políticas pensadas e debatidas por todas as partes
interessadas. A participação requer que todos sejam adequadamente informados sobre os vários
aspectos e os diferentes riscos e possibilidades, e não se reduza à decisão inicial sobre um
projecto, mas implique também acções de controle ou monitoramento constante. É necessário
haver sinceridade e verdade nas discussões científicas e políticas, sem se limitar a considerar o
que é permitido ou não pela legislação.
184. Quando surgem eventuais riscos para o meio ambiente que afectam o bem comum presente
e futuro, esta situação exige «que as decisões sejam baseadas num confronto entre riscos e
benefícios previsíveis para cada opção alternativa possível».[131] Isto vale sobretudo quando um
projecto pode causar um incremento na exploração dos recursos naturais, nas emissões ou
descargas, na produção de resíduos, ou então uma mudança significativa na paisagem, no
habitat de espécies protegidas ou num espaço público. Alguns projectos, não apoiados por uma
análise bem cuidada, podem afectar profundamente a qualidade de vida dum lugar, devido a
questões muito diferentes entre si, como, por exemplo, uma poluição acústica não prevista, a
redução do horizonte visual, a perda de valores culturais, os efeitos do uso da energia nuclear. A
cultura consumista, que dá prioridade ao curto prazo e aos interesses privados, pode favorecer
análises demasiado rápidas ou consentir a ocultação de informação.

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185. Em qualquer discussão sobre um empreendimento, dever-se-ia pôr uma série de perguntas,
para poder discernir se o mesmo levará a um desenvolvimento verdadeiramente integral: Para
que fim? Por qual motivo? Onde? Quando? De que maneira? A quem ajuda? Quais são os
riscos? A que preço? Quem paga as despesas e como o fará? Neste exame, há questões que
devem ter prioridade. Por exemplo, sabemos que a água é um recurso escasso e indispensável,
sendo um direito fundamental que condiciona o exercício doutros direitos humanos. Isto está, sem
dúvida, acima de toda a análise de impacto ambiental duma região.
186. Na Declaração do Rio, de 1992, afirma-se que, «quando existem ameaças de danos graves
ou irreversíveis, a falta de certezas científicas absolutas não poderá constituir um motivo para
adiar a adopção de medidas eficazes»[132] que impeçam a degradação do meio ambiente. Este
princípio de precaução permite a protecção dos mais fracos, que dispõem de poucos meios para
se defender e fornecer provas irrefutáveis. Se a informação objectiva leva a prever um dano grave
e irreversível, mesmo que não haja uma comprovação indiscutível, seja o projecto que for deverá
suspender-se ou modificar-se. Assim, inverte-se o ónus da prova, já que, nestes casos, é preciso
fornecer uma demonstração objectiva e contundente de que a actividade proposta não vai gerar
danos graves ao meio ambiente ou às pessoas que nele habitam.
187. Isto não implica opor-se a toda e qualquer inovação tecnológica que permita melhorar a
qualidade de vida duma população. Mas, em todo o caso, deve permanecer de pé que a
rentabilidade não pode ser o único critério a ter em conta e, na hora em que aparecessem novos
elementos de juízo a partir de ulteriores dados informativos, deveria haver uma nova avaliação
com a participação de todas as partes interessadas. O resultado do debate pode ser a decisão de
não avançar num projecto, mas poderia ser também a sua modificação ou a elaboração de
propostas alternativas.
188. Há discussões sobre problemas relativos ao meio ambiente, onde é difícil chegar a um
consenso. Repito uma vez mais que a Igreja não pretende definir as questões científicas nem
substituir-se à política, mas convido a um debate honesto e transparente, para que as
necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum.
4. Política e economia em diálogo para a plenitude humana
189. A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao
paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje precisamos
imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço
da vida, especialmente da vida humana. A salvação dos bancos a todo o custo, fazendo pagar o
preço à população, sem a firme decisão de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um
domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma
longa, custosa e aparente cura. A crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o
desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova

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regulamentação da actividade financeira especulativa e da riqueza virtual. Mas não houve uma
reacção que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo. A
produção não é sempre racional, e muitas vezes está ligada a variáveis económicas que atribuem
aos produtos um valor que não corresponde ao seu valor real. Isto leva frequentemente a uma
superprodução dalgumas mercadorias, com um impacto ambiental desnecessário, que
simultaneamente danifica muitas economias regionais.[133] Habitualmente, a bolha financeira é
também uma bolha produtiva. Em suma, o que não se enfrenta com energia é o problema da
economia real, aquela que torna possível, por exemplo, que se diversifique e melhore a produção,
que as empresas funcionem adequadamente, que as pequenas e médias empresas se
desenvolvam e criem postos de trabalho.
190. Neste contexto, sempre se deve recordar que «a protecção ambiental não pode ser
assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O ambiente é um
dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promover
adequadamente».[134] Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do
mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos
lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a
maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas
gerações? Dentro do esquema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos
seus tempos de degradação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que podem ser
gravemente alterados pela intervenção humana. Além disso, quando se fala de biodiversidade, no
máximo pensa-se nela como um reservatório de recursos económicos que poderia ser explorado,
mas não se considera seriamente o valor real das coisas, o seu significado para as pessoas e as
culturas, os interesses e as necessidades dos pobres.
191. Quando se colocam estas questões, alguns reagem acusando os outros de pretender parar,
irracionalmente, o progresso e o desenvolvimento humano. Mas temos de nos convencer que,
reduzir um determinado ritmo de produção e consumo, pode dar lugar a outra modalidade de
progresso e desenvolvimento. Os esforços para um uso sustentável dos recursos naturais não
são gasto inútil, mas um investimento que poderá proporcionar outros benefícios económicos a
médio prazo. Se não temos vista curta, podemos descobrir que pode ser muito rentável a
diversificação duma produção mais inovadora e com menor impacto ambiental. Trata-se de abrir
caminho a oportunidades diferentes, que não implicam frenar a criatividade humana nem o seu
sonho de progresso, mas orientar esta energia por novos canais.
192. Por exemplo, um percurso de desenvolvimento produtivo mais criativo e melhor orientado
poderia corrigir a disparidade entre o excessivo investimento tecnológico no consumo e o escasso
investimento para resolver os problemas urgentes da humanidade; poderia gerar formas
inteligentes e rentáveis de reutilização, recuperação funcional e reciclagem; poderia melhorar a
eficiência energética das cidades... A diversificação produtiva oferece à inteligência humana
possibilidades muito amplas de criar e inovar, ao mesmo tempo que protege o meio ambiente e

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60
cria mais oportunidades de trabalho. Esta seria uma criatividade capaz de fazer reflorescer a
nobreza do ser humano, porque é mais dignificante usar a inteligência, com audácia e
responsabilidade, para encontrar formas de desenvolvimento sustentável e equitativo, no quadro
duma concepção mais ampla da qualidade de vida. Ao contrário, é menos dignificante e criativo e
mais superficial insistir na criação de formas de espoliação da natureza só para oferecer novas
possibilidades de consumo e de ganho imediato.
193. Assim, se nalguns casos o desenvolvimento sustentável implicará novas modalidades para
crescer, noutros casos – face ao crescimento ganancioso e irresponsável, que se verificou ao
longo de muitas décadas – devemos pensar também em abrandar um pouco a marcha, pôr
alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde. Sabemos que é
insustentável o comportamento daqueles que consomem e destroem cada vez mais, enquanto
outros ainda não podem viver de acordo com a sua dignidade humana. Por isso, chegou a hora
de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos
para que se possa crescer de forma saudável noutras partes. Bento XVI dizia que «é preciso que
as sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer comportamentos
caracterizados pela sobriedade, diminuindo as próprias necessidades de energia e melhorando
as condições da sua utilização».[135]
194. Para que apareçam novos modelos de progresso, precisamos de «converter o modelo de
desenvolvimento global»[136], e isto implica reflectir responsavelmente «sobre o sentido da
economia e dos seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações».[137] Não é
suficiente conciliar, a meio termo, o cuidado da natureza com o ganho financeiro, ou a
preservação do meio ambiente com o progresso. Neste campo, os meios-termos são apenas um
pequeno adiamento do colapso. Trata-se simplesmente de redefinir o progresso. Um
desenvolvimento tecnológico e económico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de
vida integralmente superior, não se pode considerar progresso. Além disso, muitas vezes a
qualidade real de vida das pessoas diminui – pela deterioração do ambiente, a baixa qualidade
dos produtos alimentares ou o esgotamento de alguns recursos – no contexto dum crescimento
da economia. Então, muitas vezes, o discurso do crescimento sustentável torna-se um diversivo e
um meio de justificação que absorve valores do discurso ecologista dentro da lógica da finança e
da tecnocracia, e a responsabilidade social e ambiental das empresas reduz-se, na maior parte
dos casos, a uma série de acções de publicidade e imagem.
195. O princípio da maximização do lucro, que tende a isolar-se de todas as outras
considerações, é uma distorção conceptual da economia: desde que aumente a produção, pouco
interessa que isso se consiga à custa dos recursos futuros ou da saúde do meio ambiente; se o
derrube duma floresta aumenta a produção, ninguém insere no respectivo cálculo a perda que
implica desertificar um território, destruir a biodiversidade ou aumentar a poluição. Por outras
palavras, as empresas obtêm lucros calculando e pagando uma parte ínfima dos custos. Poder-
se-ia considerar ético somente um comportamento em que «os custos económicos e sociais

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61
derivados do uso dos recursos ambientais comuns sejam reconhecidos de maneira transparente
e plenamente suportados por quem deles usufrui e não por outras populações nem pelas
gerações futuras».[138] A mentalidade utilitária, que fornece apenas uma análise estática da
realidade em função de necessidades actuais, está presente tanto quando é o mercado que
atribui os recursos como quando o faz um Estado planificador.
196. Qual é o lugar da política? Recordemos o princípio da subsidiariedade, que dá liberdade
para o desenvolvimento das capacidades presentes a todos os níveis, mas simultaneamente
exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem tem mais poder. É verdade que, hoje,
alguns sectores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados. Mas não se pode
justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para
governar os vários aspectos da crise actual. A lógica que não deixa espaço para uma sincera
preocupação pelo meio ambiente é a mesma em que não encontra espaço a preocupação por
integrar os mais frágeis, porque, «no modelo “do êxito” e “individualista” em vigor, parece que não
faz sentido investir para que os lentos, fracos ou menos dotados possam também singrar na
vida».[139]
197. Precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação
integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise. Muitas vezes, a
própria política é responsável pelo seu descrédito, devido à corrupção e à falta de boas políticas
públicas. Se o Estado não cumpre o seu papel numa região, alguns grupos económicos podem-
se apresentar como benfeitores e apropriar-se do poder real, sentindo-se autorizados a não
observar certas normas até se chegar às diferentes formas de criminalidade organizada, tráfico
de pessoas, narcotráfico e violência muito difícil de erradicar. Se a política não é capaz de romper
uma lógica perversa e perde-se também em discursos inconsistentes, continuaremos sem
enfrentar os grandes problemas da humanidade. Uma estratégia de mudança real exige repensar
a totalidade dos processos, pois não basta incluir considerações ecológicas superficiais enquanto
não se puser em discussão a lógica subjacente à cultura actual. Uma política sã deveria ser
capaz de assumir este desafio.
198. A política e a economia tendem a culpar-se reciprocamente a respeito da pobreza e da
degradação ambiental. Mas o que se espera é que reconheçam os seus próprios erros e
encontrem formas de interacção orientadas para o bem comum. Enquanto uns se afanam apenas
com o ganho económico e os outros estão obcecados apenas por conservar ou aumentar o
poder, o que nos resta são guerras ou acordos espúrios, onde o que menos interessa às duas
partes é preservar o meio ambiente e cuidar dos mais fracos. Vale aqui também o princípio de
que «a unidade é superior ao conflito».[140]
5. As religiões no diálogo com as ciências
199. Não se pode sustentar que as ciências empíricas expliquem completamente a vida, a

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essência íntima de todas as criaturas e o conjunto da realidade. Isto seria ultrapassar
indevidamente os seus confins metodológicos limitados. Se se reflecte dentro deste quadro
restrito, desaparecem a sensibilidade estética, a poesia e ainda a capacidade da razão perceber
o sentido e a finalidade das coisas.[141] Quero lembrar que «os textos religiosos clássicos podem
oferecer um significado para todas as épocas, possuem uma força motivadora que abre sempre
novos horizontes (...). Será razoável e inteligente relegá-los para a obscuridade, só porque
nasceram no contexto duma crença religiosa?»[142] Realmente, é ingénuo pensar que os
princípios éticos possam ser apresentados de modo puramente abstracto, desligados de todo o
contexto, e o facto de aparecerem com uma linguagem religiosa não lhes tira valor algum no
debate público. Os princípios éticos que a razão é capaz de perceber, sempre podem reaparecer
sob distintas roupagens e expressos com linguagens diferentes, incluindo a religiosa.
200. Além disso, qualquer solução técnica que as ciências pretendam oferecer será impotente
para resolver os graves problemas do mundo, se a humanidade perde o seu rumo, se esquece as
grandes motivações que tornam possível a convivência social, o sacrifício, a bondade. Em todo o
caso, será preciso fazer apelo aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria fé e não
a contradigam com as suas acções; será necessário insistir para que se abram novamente à
graça de Deus e se nutram profundamente das próprias convicções sobre o amor, a justiça e a
paz. Se às vezes uma má compreensão dos nossos princípios nos levou a justificar o abuso da
natureza, ou o domínio despótico do ser humano sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a
violência, nós, crentes, podemos reconhecer que então fomos infiéis ao tesouro de sabedoria que
devíamos guardar. Muitas vezes os limites culturais de distintas épocas condicionaram esta
consciência do próprio património ético e espiritual, mas é precisamente o regresso às
respectivas fontes que permite às religiões responder melhor às necessidades actuais.
201. A maior parte dos habitantes do planeta declara-se crente, e isto deveria levar as religiões a
estabelecerem diálogo entre si, visando o cuidado da natureza, a defesa dos pobres, a
construção duma trama de respeito e de fraternidade. De igual modo é indispensável um diálogo
entre as próprias ciências, porque cada uma costuma fechar-se nos limites da sua própria
linguagem, e a especialização tende a converter-se em isolamento e absolutização do próprio
saber. Isto impede de enfrentar adequadamente os problemas do meio ambiente. Torna-se
necessário também um diálogo aberto e respeitador dos diferentes movimentos ecologistas, entre
os quais não faltam as lutas ideológicas. A gravidade da crise ecológica obriga-nos, a todos, a
pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do diálogo que requer paciência, ascese e
generosidade, lembrando-nos sempre que «a realidade é superior à ideia».[143]
CAPÍTULO VI
EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS

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202. Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que
precisa de mudar. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum
futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas
convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e
educativo que implicará longos processos de regeneração.
1. Apontar para outro estilo de vida
203. Dado que o mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para vender os
seus produtos, as pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão das compras e gastos
supérfluos. O consumismo obsessivo é o reflexo subjectivo do paradigma tecno-económico. Está
a acontecer aquilo que já assinalava Romano Guardini: o ser humano «aceita os objectos comuns
e as formas habituais da vida como lhe são impostos pelos planos nacionais e pelos produtos
fabricados em série e, em geral, age assim com a impressão de que tudo isto seja razoável e
justo».[144] O referido paradigma faz crer a todos que são livres pois conservam uma suposta
liberdade de consumir, quando na realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o
poder económico e financeiro. Nesta confusão, a humanidade pós-moderna não encontrou uma
nova compreensão de si mesma que a possa orientar, e esta falta de identidade é vivida com
angústia. Temos demasiados meios para escassos e raquíticos fins.
204. A situação actual do mundo «gera um sentido de precariedade e insegurança, que, por sua
vez, favorece formas de egoísmo colectivo».[145] Quando as pessoas se tornam auto-
referenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio
está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objectos para comprar, possuir e consumir.
Em tal contexto, parece não ser possível, para uma pessoa, aceitar que a realidade lhe assinale
limites; neste horizonte, não existe sequer um verdadeiro bem comum. Se este é o tipo de sujeito
que tende a predominar numa sociedade, as normas serão respeitadas apenas na medida em
que não contradigam as necessidades próprias. Por isso, não pensemos só na possibilidade de
terríveis fenómenos climáticos ou de grandes desastres naturais, mas também nas catástrofes
resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo
quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição
recíproca.
205. Mas nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da
degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de
qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto. São capazes de se olhar a si
mesmos com honestidade, externar o próprio pesar e encetar caminhos novos rumo à verdadeira
liberdade. Não há sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza,
nem a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos corações. A
cada pessoa deste mundo, peço para não esquecer esta sua dignidade que ninguém tem o direito
de lhe tirar.

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206. Uma mudança nos estilos de vida poderia chegar a exercer uma pressão salutar sobre
quantos detêm o poder político, económico e social. Verifica-se isto quando os movimentos de
consumidores conseguem que se deixe de adquirir determinados produtos e assim se tornam
eficazes na mudança do comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar o impacto
ambiental e os modelos de produção. É um facto que, quando os hábitos da sociedade afectam
os ganhos das empresas, estas vêem-se pressionadas a mudar a produção. Isto lembra-nos a
responsabilidade social dos consumidores. «Comprar é sempre um acto moral, para além de
económico».[146] Por isso, hoje, «o tema da degradação ambiental põe em questão os
comportamentos de cada um de nós».[147]
207. A Carta da Terra convidava-nos, a todos, a começar de novo deixando para trás uma etapa
de autodestruição, mas ainda não desenvolvemos uma consciência universal que o torne
possível. Por isso, atrevo-me a propor de novo aquele considerável desafio: «Como nunca antes
na história, o destino comum obriga-nos a procurar um novo início (...). Que o nosso seja um
tempo que se recorde pelo despertar duma nova reverência face à vida, pela firme resolução de
alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa
celebração da vida».[148]
208. Sempre é possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo rumo ao outro.
Sem tal capacidade, não se reconhece às outras criaturas o seu valor, não se sente interesse em
cuidar de algo para os outros, não se consegue impor limites para evitar o sofrimento ou a
degradação do que nos rodeia. A atitude basilar de se auto-transcender, rompendo com a
consciência isolada e a auto-referencialidade, é a raiz que possibilita todo o cuidado dos outros e
do meio ambiente; e faz brotar a reacção moral de ter em conta o impacto que possa provocar
cada acção e decisão pessoal fora de si mesmo. Quando somos capazes de superar o
individualismo, pode-se realmente desenvolver um estilo de vida alternativo e torna-se possível
uma mudança relevante na sociedade.
2. Educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente
209. A consciência da gravidade da crise cultural e ecológica precisa de traduzir-se em novos
hábitos. Muitos estão cientes de que não basta o progresso actual e a mera acumulação de
objectos ou prazeres para dar sentido e alegria ao coração humano, mas não se sentem capazes
de renunciar àquilo que o mercado lhes oferece. Nos países que deveriam realizar as maiores
mudanças nos hábitos de consumo, os jovens têm uma nova sensibilidade ecológica e um
espírito generoso, e alguns deles lutam admiravelmente pela defesa do meio ambiente, mas
cresceram num contexto de altíssimo consumo e bem-estar que torna difícil a maturação doutros
hábitos. Por isso, estamos perante um desafio educativo.
210. A educação ambiental tem vindo a ampliar os seus objectivos. Se, no começo, estava muito
centrada na informação científica e na consciencialização e prevenção dos riscos ambientais,

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agora tende a incluir uma crítica dos «mitos» da modernidade baseados na razão instrumental
(individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) e tende
também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o
solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus. A educação
ambiental deveria predispor-nos para dar este salto para o Mistério, do qual uma ética ecológica
recebe o seu sentido mais profundo. Além disso, há educadores capazes de reordenar os
itinerários pedagógicos duma ética ecológica, de modo que ajudem efectivamente a crescer na
solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão.
211. Às vezes, porém, esta educação, chamada a criar uma «cidadania ecológica», limita-se a
informar e não consegue fazer maturar hábitos. A existência de leis e normas não é suficiente, a
longo prazo, para limitar os maus comportamentos, mesmo que haja um válido controle. Para a
norma jurídica produzir efeitos importantes e duradouros, é preciso que a maior parte dos
membros da sociedade a tenha acolhido, com base em motivações adequadas, e reaja com uma
transformação pessoal. A doação de si mesmo num compromisso ecológico só é possível a partir
do cultivo de virtudes sólidas. Se uma pessoa habitualmente se resguarda um pouco mais em vez
de ligar o aquecimento, embora as suas economias lhe permitam consumir e gastar mais, isso
supõe que adquiriu convicções e modos de sentir favoráveis ao cuidado do ambiente. É muito
nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas acções diárias, e é maravilhoso que a
educação seja capaz de motivar para elas até dar forma a um estilo de vida. A educação na
responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência directa e
importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de plástico e papel, reduzir o
consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer,
tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo
veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias… Tudo isto faz
parte duma criatividade generosa e dignificante, que põe a descoberto o melhor do ser humano.
Voltar – com base em motivações profundas – a utilizar algo em vez de o desperdiçar
rapidamente pode ser um acto de amor que exprime a nossa dignidade.
212. E não se pense que estes esforços são incapazes de mudar o mundo. Estas acções
espalham, na sociedade, um bem que frutifica sempre para além do que é possível constatar;
provocam, no seio desta terra, um bem que sempre tende a difundir-se, por vezes invisivelmente.
Além disso, o exercício destes comportamentos restitui-nos o sentimento da nossa dignidade,
leva-nos a uma maior profundidade existencial, permite-nos experimentar que vale a pena a
nossa passagem por este mundo.
213. Vários são os âmbitos educativos: a escola, a família, os meios de comunicação, a
catequese, e outros. Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes que podem
produzir efeitos durante toda a vida. Mas, quero salientar a importância central da família, porque
«é o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os
múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um

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crescimento humano autêntico. Contra a denominada cultura da morte, a família constitui a sede
da cultura da vida».[149] Na família, cultivam-se os primeiros hábitos de amor e cuidado da vida,
como, por exemplo, o uso correcto das coisas, a ordem e a limpeza, o respeito pelo ecossistema
local e a protecção de todas as criaturas. A família é o lugar da formação integral, onde se
desenvolvem os distintos aspectos, intimamente relacionados entre si, do amadurecimento
pessoal. Na família, aprende-se a pedir licença sem servilismo, a dizer «obrigado» como
expressão duma sentida avaliação das coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou a
ganância, e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal. Estes pequenos gestos de sincera
cortesia ajudam a construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia.
214. Compete à política e às várias associações um esforço de formação das consciências da
população. Naturalmente compete também à Igreja. Todas as comunidades cristãs têm um papel
importante a desempenhar nesta educação. Espero também que, nos nossos Seminários e
Casas Religiosas de Formação, se eduque para uma austeridade responsável, a grata
contemplação do mundo, o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente. Tendo em
conta o muito que está em jogo, do mesmo modo que são necessárias instituições dotadas de
poder para punir os danos ambientais, também nós precisamos de nos controlar e educar uns
aos outros.
215. Neste contexto, «não se deve descurar nunca a relação que existe entre uma educação
estética apropriada e a preservação de um ambiente sadio».[150] Prestar atenção à beleza e
amá-la ajuda-nos a sair do pragmatismo utilitarista. Quando não se aprende a parar a fim de
admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objecto de uso e
abuso sem escrúpulos. Ao mesmo tempo, se se quer conseguir mudanças profundas, é preciso
ter presente que os modelos de pensamento influem realmente nos comportamentos. A educação
será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo
modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Caso contrário,
continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicação social e
através dos mecanismos eficazes do mercado.
3. A conversão ecológica
216. A grande riqueza da espiritualidade cristã, proveniente de vinte séculos de experiências
pessoais e comunitárias, constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a
humanidade. Desejo propor aos cristãos algumas linhas de espiritualidade ecológica que nascem
das convicções da nossa fé, pois aquilo que o Evangelho nos ensina tem consequências no
nosso modo de pensar, sentir e viver. Não se trata tanto de propor ideias, como sobretudo falar
das motivações que derivam da espiritualidade para alimentar uma paixão pelo cuidado do
mundo. Com efeito, não é possível empenhar-se em coisas grandes apenas com doutrinas, sem
uma mística que nos anima, sem «uma moção interior que impele, motiva, encoraja e dá sentido
à acção pessoal e comunitária».[151] Temos de reconhecer que nós, cristãos, nem sempre

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recolhemos e fizemos frutificar as riquezas dadas por Deus à Igreja, nas quais a espiritualidade
não está desligada do próprio corpo nem da natureza ou das realidades deste mundo, mas vive
com elas e nelas, em comunhão com tudo o que nos rodeia.
217. Se «os desertos exteriores se multiplicam no mundo, porque os desertos interiores se
tornaram tão amplos»,[152] a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior.
Entretanto temos de reconhecer também que alguns cristãos, até comprometidos e piedosos,
com o pretexto do realismo pragmático frequentemente se burlam das preocupações pelo meio
ambiente. Outros são passivos, não se decidem a mudar os seus hábitos e tornam-se
incoerentes. Falta-lhes, pois, uma conversão ecológica, que comporta deixar emergir, nas
relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a
vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da
experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa.
218. Recordemos o modelo de São Francisco de Assis, para propor uma sã relação com a
criação como dimensão da conversão integral da pessoa. Isto exige também reconhecer os
próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de coração, mudar a partir de
dentro. A Igreja na Austrália soube expressar a conversão em termos de reconciliação com a
criação: «Para realizar esta reconciliação, devemos examinar as nossas vidas e reconhecer de
que modo ofendemos a criação de Deus com as nossas acções e com a nossa incapacidade de
agir. Devemos fazer a experiência duma conversão, duma mudança do coração».[153]
219. Todavia, para se resolver uma situação tão complexa como esta que enfrenta o mundo
actual, não basta que cada um seja melhor. Os indivíduos isolados podem perder a capacidade e
a liberdade de vencer a lógica da razão instrumental e acabam por sucumbir a um consumismo
sem ética nem sentido social e ambiental. Aos problemas sociais responde-se, não com a mera
soma de bens individuais, mas com redes comunitárias: «As exigências desta obra serão tão
grandes, que as possibilidades das iniciativas individuais e a cooperação dos particulares,
formados de maneira individualista, não serão capazes de lhes dar resposta. Será necessária
uma união de forças e uma unidade de contribuições».[154] A conversão ecológica, que se
requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária.
220. Esta conversão comporta várias atitudes que se conjugam para activar um cuidado generoso
e cheio de ternura. Em primeiro lugar, implica gratidão e gratuidade, ou seja, um reconhecimento
do mundo como dom recebido do amor do Pai, que consequentemente provoca disposições
gratuitas de renúncia e gestos generosos, mesmo que ninguém os veja nem agradeça. «Que a
tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita (...); e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-
te» (Mt 6, 3-4). Implica ainda a consciência amorosa de não estar separado das outras criaturas,
mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal. O crente
contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços
com que o Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a conversão ecológica, fazendo crescer as

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peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade e
entusiasmo para resolver os dramas do mundo, oferecendo-se a Deus «como sacrifício vivo,
santo e agradável» (Rm12, 1). Não vê a sua superioridade como motivo de glória pessoal nem de
domínio irresponsável, mas como uma capacidade diferente que, por sua vez, lhe impõe uma
grave responsabilidade derivada da sua fé.
221. Ajudam a enriquecer o sentido de tal conversão várias convicções da nossa fé,
desenvolvidas ao início desta encíclica, como, por exemplo, a consciência de que cada criatura
reflecte algo de Deus e tem uma mensagem para nos transmitir, ou a certeza de que Cristo
assumiu em Si mesmo este mundo material e agora, ressuscitado, habita no íntimo de cada ser,
envolvendo-o com o seu carinho e penetrando-o com a sua luz; e ainda o reconhecimento de que
Deus criou o mundo, inscrevendo nele uma ordem e um dinamismo que o ser humano não tem o
direito de ignorar. Porventura uma pessoa, ouvindo no Evangelho Jesus dizer – a propósito dos
pássaros – que «nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc12, 6), será capaz de os
maltratar ou causar-lhes dano? Convido todos os cristãos a explicitar esta dimensão da sua
conversão, permitindo que a força e a luz da graça recebida se estendam também à relação com
as outras criaturas e com o mundo que os rodeia, e suscite aquela sublime fraternidade com a
criação inteira que viveu, de maneira tão elucidativa, São Francisco de Assis.
4. Alegria e paz
222. A espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida,
encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem
estar obcecado pelo consumo. É importante adoptar um antigo ensinamento, presente em
distintas tradições religiosas e também na Bíblia. Trata-se da convicção de que «quanto menos,
tanto mais». Com efeito, a acumulação constante de possibilidades para consumir distrai o
coração e impede de dar o devido apreço a cada coisa e a cada momento. Pelo contrário, tornar-
se serenamente presente diante de cada realidade, por mais pequena que seja, abre-nos muitas
mais possibilidades de compreensão e realização pessoal. A espiritualidade cristã propõe um
crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco. É um regresso à
simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas, agradecer as possibilidades
que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entristecermos por aquilo que não
possuímos. Isto exige evitar a dinâmica do domínio e da mera acumulação de prazeres.
223. A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora. Não se trata de menos vida, nem
vida de baixa intensidade; é precisamente o contrário. Com efeito, as pessoas que saboreiam
mais e vivem melhor cada momento são aquelas que deixam de debicar aqui e ali, sempre à
procura do que não têm, e experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada
coisa, aprendem a familiarizar com as coisas mais simples e sabem alegrar-se com elas. Deste
modo conseguem reduzir o número das necessidades insatisfeitas e diminuem o cansaço e a
ansiedade. É possível necessitar de pouco e viver muito, sobretudo quando se é capaz de dar

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espaço a outros prazeres, encontrando satisfação nos encontros fraternos, no serviço, na
frutificação dos próprios carismas, na música e na arte, no contacto com a natureza, na oração. A
felicidade exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim
disponíveis para as múltiplas possibilidades que a vida oferece.
224. A sobriedade e a humildade não gozaram de positiva consideração no século passado. Mas,
quando se debilita de forma generalizada o exercício dalguma virtude na vida pessoal e social,
isso acaba por provocar variados desequilíbrios, mesmo ambientais. Por isso, não basta falar
apenas da integridade dos ecossistemas; é preciso ter a coragem de falar da integridade da vida
humana, da necessidade de incentivar e conjugar todos os grandes valores. O desaparecimento
da humildade, num ser humano excessivamente entusiasmado com a possibilidade de dominar
tudo sem limite algum, só pode acabar por prejudicar a sociedade e o meio ambiente. Não é fácil
desenvolver esta humildade sadia e uma sobriedade feliz, se nos tornamos autónomos, se
excluímos Deus da nossa vida fazendo o nosso eu ocupar o seu lugar, se pensamos ser a nossa
subjectividade que determina o que é bem e o que é mal.
225. Por outro lado, ninguém pode amadurecer numa sobriedade feliz, se não estiver em paz
consigo mesmo. E parte duma adequada compreensão da espiritualidade consiste em alargar a
nossa compreensão da paz, que é muito mais do que a ausência de guerra. A paz interior das
pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum, porque,
autenticamente vivida, reflecte-se num equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de
admiração que leva à profundidade da vida. A natureza está cheia de palavras de amor; mas,
como poderemos ouvi-las no meio do ruído constante, da distracção permanente e ansiosa, ou do
culto da notoriedade? Muitas pessoas experimentam um desequilíbrio profundo, que as impele a
fazer as coisas a toda a velocidade para se sentirem ocupadas, numa pressa constante que, por
sua vez, as leva a atropelar tudo o que têm ao seu redor. Isto tem incidência no modo como se
trata o ambiente. Uma ecologia integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a
harmonia serena com a criação, reflectir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais,
contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja presença «não precisa
de ser criada, mas descoberta, desvendada».[155]
226. Falamos aqui duma atitude do coração, que vive tudo com serena atenção, que sabe
manter-se plenamente presente diante duma pessoa sem estar a pensar no que virá depois, que
se entrega a cada momento como um dom divino que se deve viver em plenitude. Jesus ensinou-
nos esta atitude, quando nos convidava a olhar os lírios do campo e as aves do céu, ou quando,
na presença dum homem inquieto, «fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele» (Mc 10, 21). De
certeza que Ele estava plenamente presente diante de cada ser humano e de cada criatura,
mostrando-nos assim um caminho para superar a ansiedade doentia que nos torna superficiais,
agressivos e consumistas desenfreados.
227. Uma expressão desta atitude é parar e agradecer a Deus antes e depois das refeições.

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Proponho aos crentes que retomem este hábito importante e o vivam profundamente. Este
momento da bênção da mesa, embora muito breve, recorda-nos que a nossa vida depende de
Deus, fortalece o nosso sentido de gratidão pelos dons da criação, dá graças por aqueles que
com o seu trabalho fornecem estes bens, e reforça a solidariedade com os mais necessitados.
5. Amor civil e político
228. O cuidado da natureza faz parte dum estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e
de comunhão. Jesus lembrou-nos que temos Deus como nosso Pai comum e que isto nos torna
irmãos. O amor fraterno só pode ser gratuito, nunca pode ser uma paga a outrem pelo que
realizou, nem um adiantamento pelo que esperamos venha a fazer. Por isso, é possível amar os
inimigos. Esta mesma gratuidade leva-nos a amar e aceitar o vento, o sol ou as nuvens, embora
não se submetam ao nosso controle. Assim podemos falar duma fraternidade universal.
229. É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma
responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos. Vivemos
já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade;
chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal
destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocar-nos uns contra os outros na
defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e
impede o desenvolvimento duma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente.
230. O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do
amor, a não perder a oportunidade duma palavra gentil, dum sorriso, de qualquer pequeno gesto
que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos,
pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo. Pelo contrário, o mundo
do consumo exacerbado é, simultaneamente, o mundo que maltrata a vida em todas as suas
formas.
231. O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político,
manifestando-se em todas as acções que procuram construir um mundo melhor. O amor à
sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade, que toca não
só as relações entre os indivíduos, mas também «as macrorrelações como relacionamentos
sociais, económicos, políticos».[156] Por isso, a Igreja propôs ao mundo o ideal duma «civilização
do amor».[157] O amor social é a chave para um desenvolvimento autêntico: «Para tornar a
sociedade mais humana, mais digna da pessoa, é necessário revalorizar o amor na vida social –
nos planos político, económico, cultural – fazendo dele a norma constante e suprema do
agir».[158] Neste contexto, juntamente com a importância dos pequenos gestos diários, o amor
social impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação
ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade. Quando alguém
reconhece a vocação de Deus para intervir juntamente com os outros nestas dinâmicas sociais,

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deve lembrar-se que isto faz parte da sua espiritualidade, é exercício da caridade e, deste modo,
amadurece e se santifica.
232. Nem todos são chamados a trabalhar de forma directa na política, mas no seio da sociedade
floresce uma variedade inumerável de associações que intervêm em prol do bem comum,
defendendo o meio ambiente natural e urbano. Por exemplo, preocupam-se com um lugar público
(um edifício, uma fonte, um monumento abandonado, uma paisagem, uma praça) para proteger,
sanar, melhorar ou embelezar algo que é de todos. Ao seu redor, desenvolvem-se ou recuperam-
se vínculos, fazendo surgir um novo tecido social local. Assim, uma comunidade liberta-se da
indiferença consumista. Isto significa também cultivar uma identidade comum, uma história que se
conserva e transmite. Desta forma cuida-se do mundo e da qualidade de vida dos mais pobres,
com um sentido de solidariedade que é, ao mesmo tempo, consciência de habitar numa casa
comum que Deus nos confiou. Estas acções comunitárias, quando exprimem um amor que se
doa, podem transformar-se em experiências espirituais intensas.
6. Os sinais sacramentais e o descanso celebrativo
233. O universo desenvolve-se em Deus, que o preenche completamente. E, portanto, há um
mistério a contemplar numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do pobre.[159] O ideal não é
só passar da exterioridade à interioridade para descobrir a acção de Deus na alma, mas também
chegar a encontrá-Lo em todas as coisas, como ensinava São Boaventura: «A contemplação é
tanto mais elevada quanto mais o homem sente em si mesmo o efeito da graça divina ou quanto
mais sabe reconhecer Deus nas outras criaturas».[160]
234. São João da Cruz ensinava que tudo o que há de bom nas coisas e experiências do mundo
«encontra-se eminentemente em Deus de maneira infinita ou, melhor, Ele é cada uma destas
grandezas que se pregam».[161] E isto, não porque as coisas limitadas do mundo sejam
realmente divinas, mas porque o místico experimenta a ligação íntima que há entre Deus e todos
os seres vivos e, deste modo, «sente que Deus é para ele todas as coisas».[162] Quando admira
a grandeza duma montanha, não pode separar isto de Deus, e percebe que tal admiração interior
que ele vive, deve finalizar no Senhor: «As montanhas têm cumes, são altas, imponentes, belas,
graciosas, floridas e perfumadas. Como estas montanhas, é o meu Amado para mim. Os vales
solitários são tranquilos, amenos, frescos, sombreados, ricos de doces águas. Pela variedade das
suas árvores e pelo canto suave das aves, oferecem grande divertimento e encanto aos sentidos
e, na sua solidão e silêncio, dão refrigério e repouso: como estes vales, é o meu Amado para
mim».[163]
235. Os sacramentos constituem um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e
transformada em mediação da vida sobrenatural. Através do culto, somos convidados a abraçar o
mundo num plano diferente. A água, o azeite, o fogo e as cores são assumidas com toda a sua
força simbólica e incorporam-se no louvor. A mão que abençoa é instrumento do amor de Deus e

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reflexo da proximidade de Cristo, que veio para Se fazer nosso companheiro no caminho da vida.
A água derramada sobre o corpo da criança baptizada, é sinal de vida nova. Não fugimos do
mundo, nem negamos a natureza, quando queremos encontrar-nos com Deus. Nota-se isto
particularmente na espiritualidade do Oriente cristão. «A beleza, que no Oriente é um dos nomes
mais queridos para exprimir a harmonia divina e o modelo da humanidade transfigurada, mostra-
se em toda a parte: nas formas do templo, nos sons, nas cores, nas luzes, nos perfumes».[164]
Segundo a experiência cristã, todas as criaturas do universo material encontram o seu verdadeiro
sentido no Verbo encarnado, porque o Filho de Deus incorporou na sua pessoa parte do universo
material, onde introduziu um gérmen de transformação definitiva: «O cristianismo não rejeita a
matéria; pelo contrário, a corporeidade é valorizada plenamente no acto litúrgico, onde o corpo
humano mostra sua íntima natureza de templo do Espírito Santo e chega a unir-se a Jesus
Senhor, feito também Ele corpo para a salvação do mundo».[165]
236. A criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. A graça, que tende a manifestar-se
de modo sensível, atinge uma expressão maravilhosa quando o próprio Deus, feito homem,
chega ao ponto de fazer-Se comer pela sua criatura. No apogeu do mistério da Encarnação, o
Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de
dentro, para podermos encontrá-Lo a Ele no nosso próprio mundo. Na Eucaristia, já está
realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida
sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus.
Com efeito a Eucaristia é, por si mesma, um acto de amor cósmico. «Sim, cósmico! Porque
mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja da aldeia, a Eucaristia é sempre
celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo».[166] A Eucaristia une o céu e a terra, abraça
e penetra toda a criação. O mundo, saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena
adoração: no Pão Eucarístico, «a criação propende para a divinização, para as santas núpcias,
para a unificação com o próprio Criador».[167] Por isso, a Eucaristia é também fonte de luz e
motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a ser guardiões da
criação inteira.
237. A participação na Eucaristia é especialmente importante ao domingo. Este dia, à
semelhança do sábado judaico, é-nos oferecido como dia de cura das relações do ser humano
com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o mundo. O domingo é o dia da Ressurreição,
o «primeiro dia» da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do
Senhor, garantia da transfiguração final de toda a realidade criada. Além disso, este dia anuncia
«o descanso eterno do homem, em Deus».[168] Assim, a espiritualidade cristã integra o valor do
repouso e da festa. O ser humano tende a reduzir o descanso contemplativo ao âmbito do estéril
e do inútil, esquecendo que deste modo se tira à obra realizada o mais importante: o seu
significado. Na nossa actividade, somos chamados a incluir uma dimensão receptiva e gratuita, o
que é diferente da simples inactividade. Trata-se doutra maneira de agir, que pertence à nossa
essência. Assim, a acção humana é preservada não só do activismo vazio, mas também da
ganância desenfreada e da consciência que se isola buscando apenas o benefício pessoal. A lei

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do repouso semanal impunha abster-se do trabalho no sétimo dia, «para que descansem o teu
boi e o teu jumento e tomem fôlego o filho da tua serva e o estrangeiro residente» (Ex 23, 12). O
repouso é uma ampliação do olhar, que permite voltar a reconhecer os direitos dos outros. Assim
o dia de descanso, cujo centro é a Eucaristia, difunde a sua luz sobre a semana inteira e
encoraja-nos a assumir o cuidado da natureza e dos pobres.
7. A Trindade e a relação entre as criaturas
238. O Pai é a fonte última de tudo, fundamento amoroso e comunicativo de tudo o que existe. O
Filho, que O reflecte e por Quem tudo foi criado, uniu-Se a esta terra, quando foi formado no seio
de Maria. O Espírito, vínculo infinito de amor, está intimamente presente no coração do universo,
animando e suscitando novos caminhos. O mundo foi criado pelas três Pessoas como um único
princípio divino, mas cada uma delas realiza esta obra comum segundo a própria identidade
pessoal. Por isso, «quando, admirados, contemplamos o universo na sua grandeza e beleza,
devemos louvar a inteira Trindade».[169]
239. Para os cristãos, acreditar num Deus único que é comunhão trinitária, leva a pensar que
toda a realidade contém em si mesma uma marca propriamente trinitária. São Boaventura chega
a dizer que o ser humano, antes do pecado, conseguia descobrir como cada criatura
«testemunha que Deus é trino». O reflexo da Trindade podia-se reconhecer na natureza, «quando
esse livro não era obscuro para o homem, nem a vista do homem se tinha turvado».[170] Este
santo franciscano ensina-nos que toda a criatura traz em si uma estrutura propriamente trinitária,
tão real que poderia ser contemplada espontaneamente, se o olhar do ser humano não estivesse
limitado, obscurecido e fragilizado. Indica-nos, assim, o desafio de tentar ler a realidade em chave
trinitária.
240. As Pessoas divinas são relações subsistentes; e o mundo, criado segundo o modelo divino,
é uma trama de relações. As criaturas tendem para Deus; e é próprio de cada ser vivo tender, por
sua vez, para outra realidade, de modo que, no seio do universo, podemos encontrar uma série
inumerável de relações constantes que secretamente se entrelaçam.[171] Isto convida-nos não
só a admirar os múltiplos vínculos que existem entre as criaturas, mas leva-nos também a
descobrir uma chave da nossa própria realização. Na verdade, a pessoa humana cresce,
amadurece e santifica-se tanto mais, quanto mais se relaciona, sai de si mesma para viver em
comunhão com Deus, com os outros e com todas as criaturas. Assim assume na própria
existência aquele dinamismo trinitário que Deus imprimiu nela desde a sua criação. Tudo está
interligado, e isto convida-nos a maturar uma espiritualidade da solidariedade global que brota do
mistério da Trindade.
8. A Rainha de toda a criação
241. Maria, a mãe que cuidou de Jesus, agora cuida com carinho e preocupação materna deste

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mundo ferido. Assim como chorou com o coração trespassado a morte de Jesus, assim também
agora Se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo
exterminadas pelo poder humano. Ela vive, com Jesus, completamente transfigurada, e todas as
criaturas cantam a sua beleza. É a Mulher «vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com uma
coroa de doze estrelas na cabeça» (Ap12, 1). Elevada ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação.
No seu corpo glorificado, juntamente com Cristo ressuscitado, parte da criação alcançou toda a
plenitude da sua beleza. Maria não só conserva no seu coração toda a vida de Jesus, que
«guardava» cuidadosamente (cf.Lc2, 51), mas agora compreende também o sentido de todas as
coisas. Por isso, podemos pedir-Lhe que nos ajude a contemplar este mundo com um olhar mais
sapiente.
242. E ao lado d’Ela, na sagrada família de Nazaré, destaca-se a figura de São José. Com o seu
trabalho e presença generosa, cuidou e defendeu Maria e Jesus e livrou-os da violência dos
injustos, levando-os para o Egipto. No Evangelho, aparece descrito como um homem justo,
trabalhador, forte; mas, da sua figura, emana também uma grande ternura, própria não de quem é
fraco mas de quem é verdadeiramente forte, atento à realidade para amar e servir humildemente.
Por isso, foi declarado protector da Igreja universal. Também Ele nos pode ensinar a cuidar, pode
motivar-nos a trabalhar com generosidade e ternura para proteger este mundo que Deus nos
confiou.
9. Para além do sol
243. No fim, encontrar-nos-emos face a face com a beleza infinita de Deus (cf.1 Cor13, 12) e
poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá parte connosco na
plenitude sem fim. Estamos a caminhar para o sábado da eternidade, para a nova Jerusalém,
para a casa comum do Céu. Diz-nos Jesus: «Eu renovo todas as coisas» (Ap 21, 5). A vida
eterna será uma maravilha compartilhada, onde cada criatura, esplendorosamente transformada,
ocupará o seu lugar e terá algo para oferecer aos pobres definitivamente libertados.
244. Na expectativa da vida eterna, unimo-nos para tomar a nosso cargo esta casa que nos foi
confiada, sabendo que aquilo de bom que há nela será assumido na festa do Céu. Juntamente
com todas as criaturas, caminhamos nesta terra à procura de Deus, porque, «se o mundo tem um
princípio e foi criado, procura quem o criou, procura quem lhe deu início, aquele que é o seu
Criador».[172] Caminhemos cantando; que as nossas lutas e a nossa preocupação por este
planeta não nos tirem a alegria da esperança.
245. Deus, que nos chama a uma generosa entrega e a oferecer-Lhe tudo, também nos dá as
forças e a luz de que necessitamos para prosseguir. No coração deste mundo, permanece
presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos,
porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos
caminhos. Que Ele seja louvado!

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***
246. Depois desta longa reflexão, jubilosa e ao mesmo tempo dramática, proponho duas orações:
uma que podemos partilhar todos quantos acreditam num Deus Criador Omnipotente, e outra
pedindo que nós, cristãos, saibamos assumir os compromissos para com a criação que o
Evangelho de Jesus nos propõe.
Oração pela nossa terra
Deus Omnipotente,
que estais presente em todo o universo
e na mais pequenina das vossas criaturas,
Vós que envolveis com a vossa ternura
tudo o que existe,
derramai em nós a força do vosso amor
para cuidarmos da vida e da beleza.
Inundai-nos de paz,
para que vivamos como irmãos e irmãs
sem prejudicar ninguém.
Ó Deus dos pobres,
ajudai-nos a resgatar
os abandonados e esquecidos desta terra
que valem tanto aos vossos olhos.
Curai a nossa vida,
para que protejamos o mundo
e não o depredemos,
para que semeemos beleza
e não poluição nem destruição.
Tocai os corações
daqueles que buscam apenas benefícios
à custa dos pobres e da terra.
Ensinai-nos a descobrir o valor de cada coisa,
a contemplar com encanto,
a reconhecer que estamos profundamente unidos
com todas as criaturas
no nosso caminho para a vossa luz infinita.
Obrigado porque estais connosco todos os dias.
Sustentai-nos, por favor, na nossa luta
pela justiça, o amor e a paz.
Oração cristã com a criação

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Nós Vos louvamos, Pai,
com todas as vossas criaturas,
que saíram da vossa mão poderosa.
São vossas e estão repletas da vossa presença
e da vossa ternura.
Louvado sejais!
Filho de Deus, Jesus,
por Vós foram criadas todas as coisas.
Fostes formado no seio materno de Maria,
fizestes-Vos parte desta terra,
e contemplastes este mundo
com olhos humanos.
Hoje estais vivo em cada criatura
com a vossa glória de ressuscitado.
Louvado sejais!
Espírito Santo, que, com a vossa luz,
guiais este mundo para o amor do Pai
e acompanhais o gemido da criação,
Vós viveis também nos nossos corações
a fim de nos impelir para o bem.
Louvado sejais!
Senhor Deus, Uno e Trino,
comunidade estupenda de amor infinito,
ensinai-nos a contemplar-Vos
na beleza do universo,
onde tudo nos fala de Vós.
Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão
por cada ser que criastes.
Dai-nos a graça de nos sentirmos
intimamente unidos
a tudo o que existe.
Deus de amor,
mostrai-nos o nosso lugar neste mundo
como instrumentos do vosso carinho
por todos os seres desta terra,
porque nem um deles sequer
é esquecido por Vós.
Iluminai os donos do poder e do dinheiro

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para que não caiam no pecado da indiferença,
amem o bem comum, promovam os fracos,
e cuidem deste mundo que habitamos.
Os pobres e a terra estão bradando:
Senhor, tomai-nos
sob o vosso poder e a vossa luz,
para proteger cada vida,
para preparar um futuro melhor,
para que venha o vosso Reino
de justiça, paz, amor e beleza.
Louvado sejais!
Amen.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 24 de Maio – Solenidade de Pentecostes – de 2015,
terceiro ano do meu Pontificado.
Franciscus
[1] Cantico delle creature: Fonti Francescane, 263.
[2] Carta ap. Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971), 21: AAS 63 (1971), 416-417.
[3] Discurso à FAO, no seu XXV aniversário (16 de Novembro de 1970), 4: AAS 62 (1970), 833;
L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/XI/1970), 6.
[4] Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979),15: AAS 71 (1979), 287.
[5] Cf. Catequese (17 de Janeiro de 2001), 4: Insegnamenti24/1 (2001), 179; L´Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 20/I/2001), 8.
[6] Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 38: AAS 83 (1991), 841.
[7] Ibid., 58: o. c.,863.
[8] João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 34: AAS 80 (1988),
559.
[9] Cf. Idem, Carta enc. Centesimus annus(1 de Maio de 1991), 37: AAS 83 (1991), 840.
[10] Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé (8 de Janeiro de 2007): AAS 99
(2007), 73.

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[11] Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 51:AAS 101 (2009), 687.
[12] Discurso ao Bundestag, Berlim (22 de Setembro de 2011): AAS 103 (2011), 664;
L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 24/IX/2011), 5.
[13] Bento XVI, Discurso ao clero da diocese de Bolzano-Bressanone (6 de Agosto de 2008):
AAS 100 (2008), 634; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16/VIII/2008), 5.
[14] Mensagem para o Dia de Oração pela salvaguarda da criação (1 de Setembro de 2012).
[15] Discurso em Santa Bárbara, Califórnia (8 de Novembro de 1997); cf. John Chryssavgis, On
Earth as in Heaven: Ecological Vision and Initiatives of Ecumenical Patriarch Bartholomew
(Bronx/Nova Iorque 2012).
[16] Ibidem.
[17] Conferência no Mosteiro de Utstein, Noruega (23 de Junho de 2003).
[18] Bartolomeu, Discurso Global Responsibility and Ecological Sustainability: Closing Remarks, I
Cimeira de Halki, Istambul (20 de Junho de 2012).
[19] Tomás de Celano, Vita prima di San Francesco, XXIX, 81: Fonti Francescane, 460.
[20] Legenda Maior, VIII, 6: Fonti Francescane, 1145.
[21] Cf. Tomás de Celano, Vita seconda di San Francesco, CXXIV, 165: Fonti Francescane, 750.
[22] Conferência dos Bispos Católicos da África do Sul, Pastoral Statement on the Environmental
Crisis (5 de Setembro de 1999).
[23] Cf. Francisco, Saudação aos funcionários da FAO (20 de Novembro de 2014): AAS 106
(2014), 985; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 27/XI/2014), 3.
[24] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida
(29 de Junho de 2007), 86.
[25] Conferência dos Bispos Católicos das Filipinas, Carta pastoral What is Happening to our
Beautiful Land? (29 de Janeiro de 1988).
[26] Conferência Episcopal da Bolívia, Carta pastoral El universo, don de Dios para la vida (2012),
17.

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[27] Cf. Conferência Episcopal Alemã – Comissão para a pastoral social, Der Klimawandel:
Brennpunkt globaler, intergenerationeller und ökologischer Gerechtigkeit (Setembro de 2006), 28-
30.
[28] Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 483.
[29] Francisco, Catequese (5 de Junho de 2013): Insegnamenti1/1 (2013), 280; L´Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 9/VI/2013), 16.
[30] Bispos da região da Patagónia-Comahue (Argentina), Mensaje de Navidad (Dezembro de
2009), 2.
[31] Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos da América, Global Climate Change: A
Plea for Dialogue, Prudence and the Common Good (15 de Junho de 2001).
[32] V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Aparecida
(29 de Junho de 2007), 471.
[33] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 56: AAS 105 (2013),
1043.
[34] João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 12: AAS 82 (1990), 154.
[35] Idem, Catequese (17 de Janeiro de 2001), 3: Insegnamenti 24/1 (2001), 178; L´Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 20/I/2001), 8.
[36] João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 15: AAS 82 (1990), 156.
[37] Catecismo da Igreja Católica, 357.
[38] Angelus com os inválidos, Osnabrük / Alemanha (16 de Novembro de 1980): Insegnamenti
3/2 (1980), 1232; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 23/XI/1980), 20.
[39] Bento XVI, Homilia no início solene do Ministério Petrino (24 de Abril de 2005): AAS 97
(2005), 711; L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 30/IV/2015), 5.
[40] Cf. Legenda Maior, VIII, 1: Fonti Francescane, 1134.
[41] Catecismo da Igreja Católica, 2416.
[42] Conferência Episcopal Alemã, Zukunft der Schöpfung – Zukunft der Menschheit. Erklärung
der Deutschen Bischofskonferenz zu Fragen der Umwelt und der Energieversorgung (1980), II, 2.

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[43] Catecismo da Igreja Católica, 339.
[44] Hom. in Hexaemeron, 1, 2, 10: PG 29, 9.
[45] Divina Commedia. Paradiso, Canto XXXIII, 145.
[46] Bento XVI, Catequese (9 de Novembro de 2005), 3: Insegnamenti1 (2005), 768;
L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 12/XI/2005), 24.
[47] Idem, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 51:AAS101 (2009), 687.
[48] João Paulo II, Catequese (24 de Abril de 1991), 6: Insegnamenti14/1 (1991), 856;
L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 28/IV/1991), 12.
[49] O Catecismo ensina que Deus quis criar um mundo em caminho para a perfeição última, o
que implica a presença da imperfeição e do mal físico: ver Catecismo da Igreja Católica,310.
[50] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et
spes, 36.
[51] Tomás de Aquino, Summa theologiaeI, q. 104, art. 1, ad 4.
[52] Idem, In octo libros Physicorum Aristotelis expositio, lib. II, lectio 14.
[53] Coloca-se, nesta perspectiva, a contribuição do P. Teilhard de Chardin; veja-se Paulo VI,
Discurso numa fábrica químico-farmacêutico (24 de Fevereiro de 1966): Insegnamenti 4 (1966),
992-993; João Paulo II, Carta ao reverendo P. George V. Coyne (1 de Junho de 1988):
Insegnamenti 11/2 (1988), 1715; Bento XVI, Homilia na Celebração das Vésperas, em Aosta (24
de Julho de 2009): Insegnamenti 5/2 (2009), 60.
[54] João Paulo II, Catequese (30 de Janeiro de 2002), 6: Insegnamenti 25/1 (2002), 140;
L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 2/II/2002), 12.
[55] Conferência Episcopal do Canadá - Comissão para a Pastoral Social, You love all that
exists… All things are yours, God, Lover of Life (4 de Outubro de 2003), 1.
[56] Conferência dos Bispos Católicos do Japão, Reverence for Life. A Message for the Twenty-
First Century (1 de Janeiro de 2001), 89.
[57] João Paulo II, Catequese (26 de Janeiro de 2000), 5: Insegnamenti23/1 (2000),
123;L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 29/I/2000), 8.

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[58] Idem, Catequese (2 de Agosto de 2000), 3: Insegnamenti 23/2 (2000), 112; L´Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 5/VIII/2000), 8.
[59] Paul Ricoeur, Philosophie de la volonté. 2ª parte:Finitude et culpabilité (Paris 2009), 216.
[60] Summa theologiae I, q. 47, art. 1.
[61] Ibidem.
[62] Cf.ibid., art. 2, ad. 1; art. 3.
[63] Catecismo da Igreja Católica, 340.
[64] Cantico delle creature: Fonti Francescane, 263.
[65] Cf. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, A Igreja e a questão ecológica (1992), 53-54.
[66] Ibid., 61.
[67] Francisco, Exort. ap.Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 215: AAS105 (2013),
1109.
[68] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate(29 de Junho de 2009), 14:AAS101 (2009), 650.
[69] Catecismo da Igreja Católica, 2418.
[70] Conferência do Episcopado Dominicano, Carta pastoral Sobre la relación del hombre con la
naturaleza (21 de Janeiro de 1987).
[71] João Paulo II, Carta enc. Laborem exercens (14 de Setembro de 1981),19: AAS 73 (1981),
626.
[72] Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 31: AAS 83 (1991), 831.
[73] Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 33:AAS 80 (1988), 557.
[74] Discurso aos indígenas e agricultores do México, em Cuilapán (29 de Janeiro de 1979), 6:
AAS 71 (1979), 209; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 11/II/1979), 4.
[75] Homilia na Missa celebrada para os agricultores, em Recife/Brasil (7 de Julho de 1980), 4:
AAS 72 (1980), 926;L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 20/VII/1980), 13.

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[76] Cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 8: AAS 82 (1990), 152.
[77] Conferência Episcopal do Paraguai, Carta pastoral El campesino paraguayo y la tierra (12 de
Junho de 1983), 2, 4, d.
[78] Conferência Episcopal da Nova Zelândia, Statement on Environmental Issues (1 de Setembro
de 2006).
[79]Carta enc. Laborem exercens (14 de Setembro de 1981), 27: AAS 73 (1981), 645.
[80] Por isso, São Justino podia falar de «sementes do Verbo» no mundo. Cf. II Apologia 8, 1-2;
13, 3-6: PG 6, 457-458; 467.
[81] João Paulo II, Discurso aos representantes da ciência, da cultura e dos estudos superiores
na Universidade das Nações Unidas, em Hiroxima (25 de Fevereiro de 1981), 3: AAS 73 (1981),
422.
[82] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 69:AAS 101 (2009), 702.
[83] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit(Würzburg9 1965), 87.
[84] Ibidem.
[85] Ibid., 87-88.
[86] Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 462.
[87] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 63-64.
[88] Ibid., 64.
[89] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 35: AAS 101 (2009), 671.
[90] Ibid., 22: o. c., 657.
[91] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 231: AAS 105 (2013),
1114.
[92] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 63.
[93] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 38: AAS83 (1991), 841.

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[94] Cf. Declaração Love for Creation. An Asian Response to the Ecological Crisis: Colóquio
promovido pela Federação das Conferências Episcopais da Ásia, Tagaytay (31 de Janeiro a 5 de
Fevereiro de 1993), 3.3.2.
[95] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991),37: AAS 83 (1991), 840.
[96] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 2: AAS 102 (2010), 41.
[97] Idem, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 28:AAS 101 (2009), 663.
[98] Cf. Vicente de Lerins, Commonitorium primum, cap. 23: PL 50, 668: «Ut annis scilicet
consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate – Fortalece-se com o decorrer dos anos,
desenvolve-se com o andar dos tempos, cresce através das idades».
[99] N. 80: AAS 105 (2013), 1053.
[100] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes,
63.
[101] Cf. João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 37: AAS 83 (1991),
840.
[102] Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de Março de 1967), 34: AAS 59 (1967), 274.
[103] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 32: AAS 101 (2009), 666.
[104] Ibidem.
[105] Ibidem.
[106] Catecismo da Igreja Católica, 2417.
[107] Ibid., 2418.
[108] Ibid., 2415.
[109] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 6: AAS 82 (1990), 150.
[110] Discurso à Pontifícia Academia das Ciências (3 de Outubro de 1981), 3: Insegnamenti 4/2
(1981), 333; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 11/X/1981), 8.
[111] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 7: AAS 82 (1990), 151.

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[112] João Paulo II, Discurso à 35ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial (29 de
Outubro de 1983), 6: AAS 76 (1984), 394; L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de
13/XI/1983), 7.
[113] Conferência Episcopal da Argentina – Comissão de Pastoral Social, Una tierra para todos
(Junho de 2005), 19.
[114] Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Rio de Janeiro (14 de
Junho de 1992), princípio 4.
[115] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 237: AAS 105 (2013),
1116.
[116] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 51: AAS 101 (2009), 687.
[117] Alguns autores puseram em evidência os valores que muitas vezes se vivem, por exemplo,
nas «villas», «chabolas» ou favelas da América Latina: ver Juan Carlos Scannone S.I., «La
irrupción del pobre y la lógica de la gratuidad», in Juan Carlos Scannone e Marcelo Perine (eds.),
Irrupción del pobre y quehacer filosófico. Hacia una nueva racionalidad (Buenos Aires 1993), 225-
230.
[118] Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 482.
[119] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 210: AAS 105 (2013),
1107.
[120] Discurso ao Bundestag, Berlim (22 de Setembro de 2011): AAS 103 (2011), 668;
L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 24/IX/2011), 5.
[121] Francisco, Catequese (15 de Abril de 2015): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de
16/IV/2015), 20.
[122] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes,
26.
[123] Cf. nn. 186-201:AAS 105 (2013), 1098-1105.
[124] Conferência Episcopal Portuguesa, Carta pastoral Responsabilidade solidária pelo bem
comum (15 de Setembro de 2003), 20.
[125] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 8: AAS 102 (2010), 45.

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[126] Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Rio de Janeiro (14 de
Junho de 1992), princípio 1.
[127] Conferência Episcopal da Bolívia, Carta pastoral El universo, don de Dios para la vida
(2012), 86.
[128] Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Doc. Energia, Giustizia e Pace (Cidade do Vaticano
2013), 56.
[129] Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 67: AAS 101 (2009), 700.
[130] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 222: AAS 105 (2013),
1111.
[131] Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 469.
[132] Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (14 de Junho de 1992),
princípio 15.
[133] Cf. Conferência Episcopal do México – Comissão de Pastoral Social, Jesucristo, vida y
esperanza de los indígenas y campesinos (14 de Janeiro de 2008).
[134] Pontifício Conselho «Justiça e Paz»,Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 470.
[135] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 9: AAS 102 (2010), 46.
[136] Ibidem.
[137] Ibid., 5: o. c., 43.
[138] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 50: AAS 101 (2009), 686.
[139] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 209: AAS 105 (2013),
1107.
[140] Ibid., 228: o. c., 1113.
[141] Cf. Francisco, Carta enc. Lumen fidei (29 de Junho de 2013), 34 [AAS 105 (2013), 577]:
«Enquanto unida à verdade do amor, a luz da fé não é alheia ao mundo material, porque o amor
vive-se sempre com corpo e alma; a luz da fé é luz encarnada, que dimana da vida luminosa de
Jesus. A fé ilumina também a matéria, confia na sua ordem, sabe que nela se abre um caminho
cada vez mais amplo de harmonia e compreensão. Deste modo, o olhar da ciência tira benefício

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da fé: esta convida o cientista a permanecer aberto à realidade, em toda a sua riqueza
inesgotável. A fé desperta o sentido crítico, enquanto impede a pesquisa de se deter, satisfeita,
nas suas fórmulas e ajuda-a a compreender que a natureza sempre as ultrapassa. Convidando a
maravilhar-se diante do mistério da criação, a fé alarga os horizontes da razão para iluminar
melhor o mundo que se abre aos estudos da ciência».
[142] Idem, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 256: AAS 105 (2013), 1123.
[143] Ibid., 231: o. c., 1114.
[144] Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 66-67.
[145] João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 1: AAS 82 (1990), 147.
[146] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 66:AAS101 (2009), 699.
[147] Idem, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010, 11: AAS 102 (2010), 48.
[148] Carta da Terra, Haia (29 de Junho de 2000).
[149] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 39: AAS 83 (1991), 842.
[150] Idem, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, 14: AAS 82 (1990), 155.
[151] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 261: AAS105 (2013),
1124.
[152] Bento XVI, Homilia no início solene do Ministério Petrino (24 de Abril de 2005): AAS 97
(2005), 710; L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 30/IV/2005), 5.
[153] Conferência dos Bispos Católicos da Austrália, A New Earth - The Environmental Challenge
(2002).
[154] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 72.
[155] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 71: AAS 105 (2013),
1050.
[156] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 2:AAS 101 (2009), 642.
[157] Paulo VI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1977: AAS 68 (1976), 709.

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[158] Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 582.
[159] Um mestre espiritual, Ali Al-Khawwas, partindo da sua própria experiência, assinalava a
necessidade de não separar demasiado as criaturas do mundo e a experiência de Deus na
interioridade. Dizia ele: «Não é preciso criticar preconceituosamente aqueles que procuram o
êxtase na música ou na poesia. Há um “segredo” subtil em cada um dos movimentos e dos sons
deste mundo. Os iniciados chegam a captar o que dizem o vento que sopra, as árvores que se
curvam, a água que corre, as moscas que zunem, as portas que rangem, o canto dos pássaros, o
dedilhar de cordas, o silvo da flauta, o suspiro dos enfermos, o gemido dos aflitos…» [Eva De
Vitray-Meyerovitch (ed.), Anthologie du soufisme (Paris 1978), 200].
[160] In II Sententiarum, 23, 2, 3.
[161] Cántico Espiritual,XIV, 5.
[162] Ibidem.
[163] Ibid., XIV, 6-7.
[164] João Paulo II, Carta ap. Orientale lumen (2 de Maio de 1995),11: AAS 87 (1995), 757.
[165] Ibidem.
[166] Idem, Carta enc.Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), 8: AAS 95 (2003), 438.
[167] Bento XVI, Homilia na Missa de Corpus Christi (15 de Junho de 2006): AAS 98 (2006), 513;
L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 24/VI/2006), 3.
[168] Catecismo da Igreja Católica, 2175.
[169] João Paulo II, Catequese (2 de Agosto de 2000), 4: Insegnamenti 23/2 (2000), 112;
L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 5/VIII/2000), 8.
[170] Quaestiones disputatae de Mysterio Trinitatis, 1, 2, concl.
[171] Cf. Tomás de Aquino, Summa theologiae I, q. 11, art. 3; q. 21, art. 1, ad 3; q. 47, art. 3.
[172] Basílio Magno, Hom. in Hexaemeron, 1, 2, 6: PG 29, 8.

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