ACG429_Artime_Santidade


ACG429_Artime_Santidade

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1. CARTA DO REITOR-MOR
“Para que a minha alegria esteja em vós. ” (Jo 15,11)
A SANTIDADE É TAMBÉM PARA VOCÊ
Meus caros irmãos e irmãs, minha querida Família Salesiana,
Continuando a nossa tradição centenária, no início deste novo
ano de 2019, dirijo-me a vós, em todas as partes do nosso “mundo
salesiano”, que formamos a Família Salesiana em mais de 140 países.
E o faço comentando um tema que nos é muito familiar, e que no
próprio título retoma literalmente a Exortação Apostólica Gaudete et
Exsultate1 do Papa Francisco sobre o chamado à santidade no mundo
contemporâneo.
Ao escolher o tema e seu título, entendo traduzir, em nossa lin-
guagem e à luz da nossa sensibilidade carismática, o forte apelo à san-
tidade dirigido pelo Papa Francisco a toda a Igreja.2 Desejo apresentar,
pois, alguns relevos que são tipicamente “nossos” no quadro da nossa
espiritualidade salesiana, compartilhada pelos 31 grupos da nossa
Família Salesiana como herança carismática recebida do Espírito
Santo por meio do nosso amado Pai Dom Bosco e que, sem dúvida,
nos ajudará a viver com a mesma alegria profunda que nos vem do
Senhor: “Para que a minha alegria esteja em vós” (Jo 15,11).
1 Citado em seguida como GE.
2 Exprimo a minha gratidão ao P. Pier Luigi Cameroni, Postulador Geral para as cau-
sas dos Santos, e à Sra. Lodovica Maria Zanet, colaboradora especialista da nossa
Postulação Geral e conferencista renomada. Graças à visão deles pude enriquecer
estas páginas com elementos e conteúdos próprios da Postulação, mas que podem
iluminar muito.

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ATOS DO CONSELHO-GERAL
A quem se dirigem essas palavras?
Posso assegurar-vos que essas palavras são dirigidas a todos.
A vós, meus caros irmãos salesianos SDB.
A vós, irmãs e irmãos das diversas Congregações e Institutos de
Vida Consagrada e laical da nossa Família Salesiana.
A vós, irmãos e irmãs das associações e dos diversos grupos da
Família Salesiana.
Aos pais e às mães, aos educadores e às educadoras, aos cate-
quistas e aos animadores de todas as nossas presenças no mundo.
E a todos os adolescentes e jovens do nosso grande mundo
salesiano.
Acolho o convite dirigido pelo Papa à Igreja inteira. Sua Exor-
tação não é um tratado sobre a santidade, mas um apelo lançado ao
mundo contemporâneo e à Igreja, de modo especial, a viver a vida
como vocação e como chamado à santidade; uma santidade encarnada
no tempo presente, no hoje, na realidade de cada um e no contexto
atual.
Faço-me eco desse apelo sempre fascinante à santidade porque
o “hoje” da Igreja solicita-nos a fazê-lo. Como eu, todos os últimos
Reitores-Mores apresentaram intervenções muito significativas sobre
a santidade salesiana e os nossos santos patronos.3
Como nos anos anteriores, acredito que, além da leitura pessoal,
estas indicações sejam suficientes e possam servir de “pontos” da pro-
posta educativo-pastoral dos diversos contextos e situações do nosso
“mundo salesiano” onde trabalhamos.
3 P. Chávez. Apropriemo-nos da experiência espiritual de Dom Bosco para caminhar
na santidade segundo a nossa vocação específica. ACG 417 (2014); P. Chávez,
“Queridos Salesianos, sede santos”, ACG 379 (2002); J. E. Vecchi, A beatificação
do Coadjutor Artêmides Zatti: uma novidade explosiva, ACG 376 (2001); Santida-
de e martírio ao alvorecer do terceiro milênio, ACG 368 (1999); E. Viganò, Dom
Bosco Santo, ACS 310 (1983); Reprojetemos juntos a santidade, ACG 303 (1982);
L. Ricceri, Padre Rua, apelo à santidade, ACS 263 (1971).

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CARTA DO REITOR-MOR 5
I. TODOS SÃO CHAMADOS POR DEUS À SANTIDADE
Imagino que não poucas pessoas, talvez também entre nós
e certamente entre os muitos jovens que ouviram o apelo do Papa,
tiveram a sensação de que a palavra “santidade” soasse um pouco es-
tranha, em muitos casos intensamente estranha e desconhecida à lin-
guagem do mundo contemporâneo. Não é impensável que haja blo-
queios culturais ou também interpretações que tendem a confundir o
caminho da santidade com uma espécie de espiritualismo alienante
que foge da realidade. Ou, talvez, no máximo, o termo “santidade”
seja entendido como uma palavra aplicada e aplicável àqueles que são
venerados nas imagens de nossas igrejas.
É digno, pois, de admiração e até mesmo “corajoso” o empenho
do Papa em apresentar a perene atualidade da santidade cristã que, na
sua qualidade de apelo vindo do próprio Deus na sua Palavra, seja pro-
posta como meta para o caminho de cada pessoa. Deus mesmo “quer-
-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre,
superficial e indecisa” (GE, 1).
O chamado à santidade é familiar à nossa tradição salesiana
(São Francisco de Sales). O apelo do Papa Francisco atrai a atenção,
antes de tudo, pela força e pela determinação com que ele sustenta
que a santidade é um chamado dirigido a todos, não apenas a pou-
cos, enquanto corresponde ao projeto fundamental de Deus sobre
nós. É destinado, então, à gente comum, à gente que acompanhamos
na vida cotidiana ordinária, feita de coisas simples, típicas da gente
comum.
Não se trata de uma santidade para poucos heróis ou pessoas
extraordinárias, mas de um modo ordinário de viver a existência cristã
normal; um modo de viver a vida cristã encarnada no contexto atual
com os riscos, os desafios e as oportunidades que Deus nos oferece no
caminho da vida.

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ATOS DO CONSELHO-GERAL
A Sagrada Escritura convida-nos a ser santos: “Sede perfeitos
como é perfeito o vosso Pai celeste” (Mt 5,48); e: “Sede santos, por-
que eu [o Senhor] sou santo” (Lv 11,44).
Há, portanto, um convite explícito a vivenciar e testemunhar
a perfeição do amor, que não é diferente da santidade. A santidade
mesma consiste, de fato, na perfeição do amor; um amor que, antes de
tudo, se fez carne em Cristo.
Também São Paulo, na carta aos Hebreus, referindo-se ao Pai,
escreve: “N’Ele [Cristo, o Pai] nos escolheu, antes da fundação do
mundo, para sermos santos e íntegros diante dele, na caridade, pre-
destinando-nos a ser para ele filhos adotivos mediante Jesus Cristo,
segundo o desígnio de amor da sua vontade, para louvor do esplendor
da sua graça, com que nos agraciou no Filho amado” (Fl 1,4-6). Não
mais servos, portanto, mas amigos (cf. Jo 15,15). Não mais estrangei-
ros nem hóspedes, mas concidadãos dos santos e familiares de Deus
(cf. Ef 2,19). Portanto, todos e cada um somos chamados à santidade:
ela é a vida plena e realizada, segundo o desígnio de Deus, na plena
comunhão com Ele e com os irmãos.
Não se trata, então, de uma perfeição reservada a poucos, mas
de um apelo feito a todos.
Algo de infinitamente precioso que, entretanto, não é raro ou es-
tanho, mas faz parte da vocação comum dos crentes, é a bela proposta
que Deus oferece a cada homem e mulher.
Não é um itinerário de falsa espiritualidade, que afasta da ple-
nitude da vida, mas é a plenitude de humanidade, aperfeiçoada pela
Graça. A “vida em abundância”, como Jesus promete. Nem é uma ca-
racterística homologatória, banalização ou rigidez; mas resposta ao
sopro sempre novo do Espírito, que estabelece comunhão valorizando
as diferenças, pois é o Espírito que “está na própria origem da questão
existencial e religiosa do homem”.4
4 João Paulo II. Carta Encíclica Redemptoris Missio. Cidade do Vaticano, 7 de
dezembro de 1990, 28.

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CARTA DO REITOR-MOR 7
Não se trata de um conjunto de valores abstratamente subscritos
e honrados de maneira formalista, mas da harmonia de todas as virtu-
des que encarnam os valores na vida.
Nem mera capacidade de resistir ao mal para apegar-se ao bem,
mas atitude estável, decidida e alegre de viver bem o bem.
Nem meta que se alcança num instante, mas caminho progres-
sivo, segundo a paciência e a benevolência de Deus, que interpela a
liberdade e o empenho pessoal.
Nem atitude excludente perante o diverso, mas experiência fun-
damental do verdadeiro, do bom, do justo e do belo.
Enfim, a santidade é a vida segundo as bem-aventuranças, para
ser sal e luz do mundo; caminho de profunda humanização, como é
toda experiência espiritual autêntica. Por isso, ser santo não exige alie-
nar-se de si ou afastar-se dos próprios irmãos, mas viver uma intensa
vida corajosa, humanizante, e uma experiência (às vezes trabalhosa)
de comunhão e de relação com os outros.
“Ser santo” é a primeira e mais urgente ocupação do cristão
Santo Agostinho afirma: “A minha vida será verdadeira vida,
toda cheia de ti”.5 É n’Ele, isto é, em Deus mesmo, que está a razão
da possibilidade do caminho de santidade na sequela de Cristo. O ca-
minho da santidade torna-se possível ao cristão pelo dom de Deus em
Cristo: n’Ele – de quem os santos e, por primeiro, a Virgem Maria, são
reflexo maravilhoso – revela-se ao mesmo tempo a plenitude do rosto
do Pai e o verdadeiro rosto do homem.
Em Jesus Cristo, o rosto de Deus e o rosto do homem resplen-
dem “juntos”. Em Jesus encontramos o homem da Galileia e o rosto
do Pai: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9).
5 Agostinho, Confissões, 10,28.

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ATOS DO CONSELHO-GERAL
Jesus, Verbo feito carne, é a plena e definitiva palavra do Pai.
Desde o momento da encarnação, a vontade de Deus é encontrada na
pessoa de Cristo. Ele nos mostra qual é o projeto de Deus para o ho-
mem e a mulher, qual é a sua vontade e a maneira de corresponder-Lhe
na sua vida, nas suas palavras e nos seus silêncios, nas suas escolhas e
nas suas ações, e sobretudo na sua paixão, morte e ressurreição.
O projeto de Deus para cada um de nós hoje é simplesmente a
plenitude da vida cristã que se mede segundo a estatura que Cristo
alcança em nós, e o grau que, com a graça do Espírito Santo, mode-
lamos a nossa vida segundo a de Jesus, o Senhor. Não significa, pois,
fazer coisas extraordinárias, mas viver unidos ao Senhor, fazendo nos-
sos os seus gestos, pensamentos e comportamentos. De fato, também
se aproximar da Eucaristia significa exprimir e testemunhar que de-
sejamos assumir e fazer nosso o estilo, o modo de vida e a mesma
missão de Jesus Cristo.
O Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Igreja, procla-
mara corajosamente o chamado universal à santidade, afirmando que
ninguém está excluído dele: “Nos vários gêneros e ocupações da vida,
é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são
conduzidos pelo Espírito de Deus e, obedientes à voz do Pai, ado-
rando em espírito e verdade a Deus Pai, seguem a Cristo pobre, hu-
milde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua
glória” (LG, 41).
A “santidade ao pé da porta” e o chamado universal à
santidade
Edith Stein, ainda ateia, escreve que recebeu de dois encontros
o incentivo decisivo para a conversão: com a esposa de um amigo
morto em guerra, que, ficando viúva, embora na dor lacerante, atesta-
va a surpreendente luz e força da fé; e, numa igreja (onde Edith estava

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CARTA DO REITOR-MOR 9
apenas por interesse artístico) com uma senhora idosa, que entrara
com a sacola de compras, bem no meio de um dia cheio de compro-
missos, para viver um momento de intensa confiança e adoração a
Jesus Eucaristia.
Dom Bosco teve por mãe e primeira mestra Margarida Occhiena,
uma camponesa simples, sem instrução, sem qualquer preparação teo-
lógica, mas com a inteligência do coração e a obediência da fé.
Santa Teresa de Lisieux dizia que quando criança não entendia
muito o que o sacerdote dizia, mas bastava-lhe olhar o rosto de seu pai
Luís para entender tudo.
Nenhum destes leigos – Ana Reinach, amiga de Edith, a senho-
ra desconhecida com a sacola de compras, mamãe Margarida ou o pa-
pai Luís Martin – jamais pensou em ser santo nem percebeu o influxo
exercido sobre as pessoas ao redor, com o seu modo de agir normal.
A presença dessas figuras simples e decididas, desses “santos
ao pé da porta” – como são definidos pelo Papa Francisco (GE, 7) –,
recorda que na vida o importante é ser santo, não ser um dia reconhe-
cido como tal. E ajuda a refletir sobre o fato de os santos canonizados
alcançarem primeiro a santidade humilde do povo de Deus: a glória
de uns é também a glória dos outros, numa profunda e solidíssima
comunhão.
Viver a santidade é, então, fazer a experiência de ser precedido
e salvo e aprender a corresponder a esse amor fiel. É a responsabilida-
de de responder a um grande dom.
Nesse sentido, talvez, uma das contribuições mais importantes
para a espiritualidade cristã seja a do Bispo de Genebra, Francisco de
Sales, com o seu esforço de propor a santidade para todos, fazendo
repassar ao mundo a “devoção” dos claustros. Ele escreve em sua ad-
mirável obra Introdução à vida devota: “Na criação, Deus ordenou às
plantas que produzissem cada uma os seus frutos, segundo a sua es-
pécie; da mesma forma, Ele quer que os cristãos, plantas vivas da sua

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10 ATOS DO CONSELHO-GERAL
Igreja, produzam frutos de devoção, cada um segundo a sua qualidade,
o seu estado e a sua vocação. A devoção deve ser praticada de manei-
ras diferentes pelo nobre, pelo operário, pelo servo, pelo príncipe, pela
viúva, pela solteira e pela casada. E isso não basta, mas é necessário
que a prática da devoção seja adequada às forças, às ocupações e às
obrigações de cada um em particular. [...] Em qualquer estado nos
encontremos, pode-se e deve-se aspirar à vida perfeita”.6
A história da Igreja é marcada intensamente por muitas mulhe-
res e muitos homens que, com a sua fé, com a sua caridade e com a sua
vida foram como faróis que iluminaram e continuam a iluminar muitas
gerações ao longo do tempo, inclusive neste. Eles são o testemunho
vivo de como a força do Ressuscitado alcançou na vida deles um nível
tal que como São Paulo, puderam afirmar (muitas vezes sem usar as
palavras): “Não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”
(Gl 2,20). E o manifestaram, às vezes, com “o oferecimento da própria
vida pelos outros, mantido até à morte” (GE, 5). Entretanto, também
existe a santidade sem nome, daqueles que não chegaram à honra dos
altares, cuja vida “talvez não tenha sido sempre perfeita, mas, mesmo
no meio de imperfeições e quedas, continuaram a caminhar e agrada-
ram ao Senhor” (GE, 3). É a santidade da própria mãe, de uma avó ou
de outras pessoas próximas; é a santidade do matrimônio, que é um
belíssimo itinerário de crescimento no amor; é a santidade dos pais
que educam, amadurecem e se entregam generosamente aos filhos,
muitas vezes com sacrifícios não previstos. Homens e mulheres, re-
corda o Papa, que trabalham intensamente para garantir o pão em casa.
Enfermos que vivem a própria doença em paz e com espírito de fé, em
união com Jesus sofredor; religiosas idosas, com uma vida entregue e
consumida, que ainda têm um sorriso e uma esperança... (cf. GE, 7).
Pode-se afirmar com certeza que em todas as épocas da história
da Igreja e em todas as latitudes houve, e há, santos de todas as idades,
6 Francisco de Sales. Introdução à vida devota I, 3.

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CARTA DO REITOR-MOR 11
de todas as condições de vida, com características muito diferentes umas
das outras.
Expressou-o muito bem o Papa Bento XVI quando deu o seu
testemunho pessoal, dizendo: “Gostaria de acrescentar que para mim
não só alguns grandes santos que amo e que conheço bem são ‘indica-
ções estradais’, mas precisamente também os santos simples, ou seja,
as pessoas boas que vejo na minha vida, que nunca serão canonizadas.
São pessoas normais, por assim dizer, sem heroísmo visível, mas vejo
a verdade da fé na sua bondade de todos os dias”.7
Certamente, encontramos tudo isso no modo com que tantas
pessoas encarnaram o itinerário cristão na própria vida. Alguns podem
parecer “pequenos” e outros “grandes”; todos, porém, percorrem um
caminho atraente e fascinante.
O mesmo Papa Bento XVI conclui com uma preciosíssima ex-
pressão que, a meu ver, pode resumir magnificamente a mensagem
da Estreia deste ano, quando diz: “Queridos amigos, como é grande
e bela, e também simples, a vocação cristã vista sob esta luz! Todos
somos chamados à santidade: é a própria medida da vida cristã”.8
Maria de Nazaré: uma luz singular no caminho da santidade
Todos esses itinerários simples e muitas vezes anônimos de san-
tidade têm sempre um modelo para o qual olhar e no qual se espelhar.
A santidade cristã tem seu modelo mais belo e mais próximo em Maria
de Nazaré, a Mãe do Senhor, do Filho de Deus.
Maria é a mulher do “Eis-me aqui”, da plena e total disponi-
bilidade à vontade de Deus. Dizendo: “Faça-se em mim segundo a
tua palavra” (Lc 1,38), Maria declara encontrar a plena e profunda
7 Bento XVI. Catequese na Audiência geral de 13 de abril de 2011. Insegnamenti VII
(2011), 451.
8 Ibid., 450.

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12 ATOS DO CONSELHO-GERAL
felicidade em tudo o que aquele “fiat” supunha na fé. Não só quando
o Filho deixa sua casa e se afasta d’Ela, para realizar a missão do
Pai; mas também no momento extremo em que Maria experimenta a
dor pela Sua crucificação e morte. Uma dor atroz vivida como mãe.
Em Maria, Mãe do Senhor, podemos encontrar a riqueza de
uma vida que acolheu o plano de Deus em todos os instantes; uma
vida que foi um “eis-me aqui” permanente falado a Deus. Como
é fascinante, nessa perspectiva, contemplar Maria e meditar o va-
lor da existência humana e o seu significado pleno no horizonte da
eternidade!
A acolhida corajosa do misterioso plano de Deus leva Maria a
ser Mãe de todos os crentes, modelo de escuta e acolhida da Palavra
de Deus para cada um de nós e guia segura para a santidade. E isso
porque nos ensina que só Deus torna grande a nossa vida. “Somente
se Deus é grande, o homem também é grande. Com Maria deve-
mos começar a entender que é assim. Não devemos distanciar-nos
de Deus, mas tornar Deus presente; fazer com que Ele seja grande na
nossa vida; assim também nós nos tornamos divinos; todo o esplen-
dor da dignidade divina então é nosso”.9
Por essa razão, é impensável que o caminho fácil da santidade
possa ser percorrido pelo cristão sem olhar para Maria como Mãe.
Contemplá-la é aprender a crer, aprender a esperar, aprender a amar.
E, se rezarmos como Ela e com Ela, experimentaremos com certeza no
nosso caminho cotidiano aquela consolação que só pode vir de Deus.
E ainda, invocando-a como Mãe do Filho de Deus, abriremos o nosso
coração ao dom da sua intercessão como Mãe do Filho e dos seus
filhos.10
9 Bento XVI. Homilia na festa da Assunção de Maria, 15 de agosto de 2005.
10 Justamente para continuar este “caminho mariano” celebraremos em Buenos
Aires, de 7 a 10 de novembro de 2019, o VIII Congresso Internacional de Maria
Auxiliadora intitulado: Maria mulher crente.

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CARTA DO REITOR-MOR 13
Com sensibilidade salesiana...
Portanto, poder-se-ia dizer que, quando alguém se faz santo,
tem tudo; e, se não se faz santo, perde tudo. A meta da santidade e o
apelo, quase dolorosamente comovente, para alcançá-la, é também a
grande mensagem de Dom Bosco, o eixo ao redor do qual gira toda a
sua proposta espiritual e o seu testemunho de vida.
A santidade proposta por Dom Bosco é fácil e simpática, mas
também vigorosa, e assim é comunicada. Na afirmação de Domin-
gos Sávio: “Eu quero fazer-me santo, sinto que devo fazer-me santo
e estarei infeliz enquanto não for santo”,11 ressoa muito – se não tudo
– do que Dom Bosco soubera transmitir-lhe, desde a pregação em que
Domingos pudera escutar estas encorajadoras palavras: “É muito fácil
conseguir este intento [fazer-se santo]; terá um grande prêmio no céu
quem conseguir tornar-se santo”.12 Dom Bosco continua escrevendo
que essa pregação foi a centelha que inflamou o coração de Domingos
Sávio fazendo dele um enamorado de Deus.
Na sabedoria de Dom Bosco, que moderava o desejo penitencial
de Domingos e lhe recomendava maior fidelidade à vida de oração, ao
estudo e aos deveres bem realizados e a assiduidade no recreio (e diga-
mos também toda a dimensão da vida de relacionamento), emergia a
consciência, tipicamente salesiana, do chamado universal à santidade.
Na fundação da Sociedade de São Francisco de Sales, antes,
e do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, depois (com Maria
11 ISS. Fontes Salesianas. 1. Dom Bosco e a sua obra. Coletânea Antológica, EDB,
Brasília 2015, 1132. O fragmento completo ao qual faço referência diz assim: “Um
dia explicava-se a etimologia de certas palavras. ‘E Domingos, perguntou ele, que
quer dizer?’ ‘Domingos, respondi, quer dizer do Senhor’. ‘Veja, acrescentou logo,
se não tenho razão de lhe pedir que me faça santo’; até o nome diz que devo ser do
Senhor. Portanto, eu quero fazer-me santo, sinto que devo fazer-me santo e estarei
infeliz enquanto não for santo”.
12 Ibid., 1131.

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14 ATOS DO CONSELHO-GERAL
Domingas Mazzarello cofundadora), Dom Bosco propõe até hoje
como objetivo a santificação dos seus membros.13
Recorda-o o Padre Rua aos Salesianos, pouco depois, quando
os exorta com estas palavras: “Isso nos inculcou o nosso amadíssimo
Dom Bosco também no 1o artigo da Santa Regra, onde nos diz que
finalidade da nossa Pia Sociedade é, primeiro, a perfeição cristã dos
seus membros e, depois, toda obra de caridade espiritual e corporal
pela juventude”.14 Sem ela, qualquer estímulo apostólico se revelaria
estéril. Dom Bosco sabe perfeitamente que o primeiro, mais radical e
decisivo modo de ajudar os outros é ser santo.
Nessa “escola de nova atraente espiritualidade apostólica”,15
Dom Bosco lê o Evangelho com originalidade pedagógica e pasto-
ral, que “comporta essencialmente uma ‘síntese nova’, equilibrada,
harmoniosa e, a seu modo, orgânica dos elementos comuns à santi-
dade cristã, em que as virtudes e os meios de santificação têm uma
colocação própria, uma dosagem, uma simetria e uma beleza que os
caracterizam”.16
II. JESUS É A FELICIDADE
A proposta da santidade é dirigida a todo cristão, porque ela
é plenitude de vida e sinônimo de felicidade, de bem-aventurança.
E nós, cristãos, encontramos a felicidade seguindo Jesus Cristo.
Essas palavras são dirigidas aos jovens; são para eles, mas bem
sabemos que “a santidade é também para você”, isto é, para todos:
13 Cf. Const. SDB, 2, 25, 65, 105; Const. FMA, 5, 46, 82.
14 M. Rua. Santificação nossa e das almas a nós confiadas. Carta do Reitor-Mor aos
Inspetores e aos Diretores da América.Valsalice, 24 de setembro de 1894.
15 João Paulo II. Discurso por ocasião da visita à Pontifícia Universalidade Salesia-
na, 31 de janeiro de 1981. In L’Osservatore Romano, 8 de fevereiro de 1981, 1.
16 E. Viganò. Redescobrir o espírito de Mornese. In ACS 301 (1981), 24-25.

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CARTA DO REITOR-MOR 15
jovens, educadores, pais e mães, leigas e leigos consagrados, religio-
sas, religiosos, presbíteros. Resumindo, estas minhas palavras são di-
rigidas a todos e a cada um dos membros da nossa Família Salesiana,
de modo que todos nos sintamos incluídos, e referem-se naturalmente
também a todo o Povo de Deus.
São muito belas as mensagens que o Papa João Paulo II, o Papa
Bento XVI e o Papa Francisco enviaram aos jovens, com grande con-
vicção, e não nos deveriam ser estranhas. Recolherei apenas uma pe-
quena amostra dessas mensagens, com um denominador comum: em
todas elas, os Papas pedem aos jovens que corram o risco de aceitar
Jesus como garantia da própria felicidade.
Foi esse o grande desafio lançado por São João Paulo II quan-
do disse aos jovens do mundo: “Na realidade, é Jesus quem buscais
quando sonhais a felicidade; é Ele quem vos espera, quando nada do
que encontrais vos satisfaz; Ele é a beleza que tanto vos atrai; é Ele quem
vos provoca com aquela sede de radicalidade que não vos deixa ceder a
compromissos; é Ele quem vos impele a depor as máscaras que tornam
a vida falsa; é Ele quem vos lê no coração as decisões mais verdadeiras
que outros quereriam sufocar. É Jesus quem suscita em vós o desejo
de fazer da vossa vida algo de grande, a vontade de seguir um ideal,
a recusa de vos deixardes submergir pela mediocridade, a coragem de
vos empenhardes, com humildade e perseverança, no aperfeiçoamento
de vós próprios e da sociedade, tornando-a mais humana e fraterna”.17
Não menos explícito foi o Papa Bento XVI quando disse aos
jovens: “Queridos jovens, a felicidade que procurais, a felicidade que
tendes o direito de saborear tem um nome, um rosto: o de Jesus de
Nazaré, oculto na Eucaristia. [...] Disto estai plenamente convictos:
Cristo de nada vos priva do que tendes em vós de belo e de grande,
mas tudo leva à perfeição para a glória de Deus, a felicidade dos ho-
17 João Paulo II. Vigília de Oração da XV JMJ, Roma Tor Vergata. 19 de agosto de
2000.

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16 ATOS DO CONSELHO-GERAL
mens e a salvação do mundo. [...] Deixai-vos surpreender por Cristo!
Concedei-lhe o ‘direito de vos falar’ durante estes dias!”.18
E o Papa Francisco diz aos jovens que a felicidade não é ne-
gociável, não admite reduzir expectativas em níveis que, afinal, não
a garantem de modo sólido e elevado, mas somente como algo que
pode ser consumido em “pequenas doses” e que, como vem, vai e,
naturalmente, não é a verdadeira felicidade ou um itinerário humano
de realização plena: “A vossa felicidade não tem preço nem se comer-
cializa; não é um ‘app’ que se descarrega do celular”.19
Dom Bosco quer os seus jovens felizes no tempo e na
eternidade
Na abertura da “Carta de Roma”, de 10 de maio de 1884, Dom
Bosco escreve a seus jovens: “Meu único desejo é ver-vos felizes no
tempo e na eternidade”.20
Ao concluir a sua vida terrena, essas palavras resumem o co-
ração da sua mensagem aos jovens de todas as épocas e do mundo
inteiro. Ser feliz, como meta sonhada por todos os jovens, hoje, ama-
nhã, no tempo. Mas não só. “Na eternidade” é o que só Jesus e a sua
proposta de felicidade sabem oferecer a mais, justamente a santidade.
O mundo, as sociedades de todas as nações não são capazes de
propor este “para sempre” nem sequer a felicidade eterna. Deus, sim.
Em Dom Bosco, tudo isso estava muito claro, e ele foi capaz de
semear nos seus jovens o desejo intenso de serem santos, de viverem
para Deus e alcançarem o paraíso: “Guiou os jovens pelo caminho
18 Bento XVI. Discurso na Festa de acolhida dos jovens em Colônia. 18 de agosto de
2005.
19 Francisco, Homilia na Eucaristia do jubileu dos jovens e das jovens. Roma 24 de
abril de 2016.
20 ISS, Fontes Salesianas. 1. Dom Bosco e a sua obra. Coletânea antológica. EDB,
Brasília, 2015, 518.

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CARTA DO REITOR-MOR 17
da santidade simples, serena e alegre, unindo numa só experiência de
vida o pátio, o estudo sério e o constante senso do dever”.21
III. SANTOS PARA OS JOVENS E COM OS JOVENS
A santidade característica do carisma salesiano em que há espa-
ço para todos, consagrados e leigos, tem, ainda, a sua tradução mais
específica em relação à santidade juvenil. O Padre Pascual Chávez,
meu predecessor, escreveu no início do seu ministério na carta “Que-
ridos salesianos, sede santos!”: “Os próprios jovens ajudaram Dom
Bosco a iniciar, na experiência diária, um estilo de santidade nova, na
medida das exigências típicas do desenvolvimento do jovem. Foram
assim, de alguma maneira, contemporaneamente discípulos e mestres.
A nossa santidade é uma santidade para os jovens e com os jovens;
porque, também na procura da santidade, ‘os jovens e os Salesianos
caminham juntos’: ou nos santificamos com eles, caminhando e apren-
dendo com eles, ou jamais seremos santos”.22 O autêntico coração sa-
lesiano da nossa Família deve ser santo para alcançar os jovens; mas
não ignora o dever, ainda mais radical, de santificar-se entre os jovens
e com eles.
Esse desejo pode ser referido a todos e a cada um dos 31 gru-
pos que formam a nossa Família Salesiana. Com verdadeiro interesse,
busquei referências à santidade nas Constituições e nos Regulamen-
tos das diversas Congregações da nossa Família, no Projeto de Vida
Apostólica dos Salesianos Cooperadores, dos Ideários, Estatutos e Re-
gulamentos (quaisquer que sejam os seus nomes) de todos os grupos
que pertencem à árvore do nosso carisma. Posso assegurar-vos que,
21 J. E. Vecchi. Andate oltre. Temi di spiritualità giovanile. Elle Di Ci, Leumann (TO)
2002.
22 P. Chávez. Queridos Salesianos, sede santos. ACG 379 (2002), 10.

2.6 Page 16

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18 ATOS DO CONSELHO-GERAL
num modo ou noutro, todos contemplamos a santidade como um obje-
tivo e uma finalidade para a qual nascemos também como instituição
religiosa, a fim de obtê-la em nossa própria vida. Uma santidade, por-
tanto, que é proposta a cada um dos membros e que se propõe como
objetivo no apostolado voltado para os outros.
A juventude, um tempo para a santidade
Convencidos de que “a santidade é o rosto mais belo da Igreja”
(GE, 9), antes de propô-la aos jovens nós todos somos chamados a
vivê-la e testemunhá-la, sendo dessa forma uma comunidade “sim-
pática”, como narram os Atos dos Apóstolos (cf. GE, 93). Só é possí-
vel acompanhar os jovens pelos caminhos da santidade vivendo essa
coerência.
Se Santo Ambrósio afirmava que “toda idade é madura para a
santidade”,23 sem dúvida o é também a juventude! A Igreja reconhece
na santidade de numerosos jovens a graça de Deus que antecipa e
acompanha a história de cada um, o valor educativo dos sacramentos
da Eucaristia e da Reconciliação, a fecundidade de itinerários com-
partilhados na fé e na caridade, a carga profética destes “campeões”,
que muitas vezes sigilaram no sangue o seu ser discípulos de Cristo e
missionários do Evangelho. A linguagem mais exigida pelos jovens de
hoje é o testemunho de uma vida autêntica. Por isso, a vida de jovens
santos é a verdadeira palavra da Igreja; e o convite a empreender uma
vida santa é o apelo mais necessário de que precisam os jovens de
hoje. O autêntico dinamismo espiritual e a fecunda pedagogia da san-
tidade não frustram as aspirações profundas dos jovens: a necessidade
que têm de vida, amor, progresso, alegria, liberdade, futuro e, também,
de misericórdia e reconciliação.
23 Ambrósio. De Virginitate. 40.

2.7 Page 17

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CARTA DO REITOR-MOR 19
Certamente, a proposta tem um sabor de verdadeiro desafio.
Se, de um lado é muito atraente, de outro, causa receio e indecisão.
É preciso superar o risco de nos resignarmos “com uma vida medío-
cre, superficial e indecisa” (GE, 1); supõe vencer a tentação do “viver
de qualquer jeito”, porque o desafio da santidade não é outra coisa em
relação à vida de todos os dias, mas exatamente a mesma existência
ordinária vivida de maneira extraordinária, porque se faz bela pela
graça de Deus. O fruto do Espírito Santo é, de fato, uma vida vivida na
alegria e no amor, e nisso consiste a santidade. Nesse sentido, é pre-
cioso o exemplo que o Papa nos oferece na Exortação apostólica apre-
sentando o testemunho de vida do Cardeal Francisco Xavier Nguyên
Van Thuân, que viveu longos anos na prisão. Ele renunciou a consu-
mir-se na expectativa da libertação e tomou outra decisão: “[...] vivo
o momento presente, cumulando-o de amor e [...] agarro as ocasiões
que vão surgindo a cada dia para realizar ações ordinárias de maneira
extraordinária” (GE, 17).
Jovens santos e juventude dos santos
“Jesus convida cada um de seus discípulos ao dom total da vida,
sem cálculos ou interesses humanos. Os santos acolhem este exigente
convite e começam a seguir, com docilidade humilde, o Cristo Cru-
cificado e Ressuscitado. A Igreja contempla no céu da santidade uma
constelação cada vez mais numerosa e luminosa de crianças, adoles-
centes e jovens santos e beatos que, desde as primeiras comunida-
des cristãs, chegam até nós. Ao invocá-los como protetores, a Igreja
propõe-nos os jovens como referências para a sua existência”.24 Em
várias pesquisas, também nas preparatórias para o Sínodo dos Bispos
sobre os jovens, os próprios jovens reconhecem ser “mais receptivos
diante de ‘uma narrativa de vida’ que diante de um abstrato sermão
24 XV Assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos. Os jovens, a fé e a o discernimento
vocacional. Instrumentum Laboris.LEV, Roma 2014, 214 (ed. italiana)

2.8 Page 18

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20 ATOS DO CONSELHO-GERAL
teológico”25 e consideram como muito relevante para eles a vida dos
santos. Por isso, sem dúvida, torna-se importante apresentá-los de
modo adequado a sua idade e sua condição.
Também se deve recordar que, com os “Santos jovens”, é pre-
ciso apresentar aos jovens a “juventude dos Santos”. Todos os Santos,
com efeito, passaram pela idade juvenil e seria útil aos jovens de hoje
mostrar a maneira com que os Santos viveram o próprio tempo de
juventude. Poder-se-ia captar muitas situações juvenis nem simples
nem fáceis, nas quais, porém, Deus está presente e misteriosamente
ativo. Mostrar que a Sua graça está em ação, por meio dos caminhos
tortuosos da construção paciente de uma santidade que amadurece ao
longo do tempo por muitos caminhos imprevistos; isso pode ajudar os
jovens, nenhum deles excluído, a cultivar a esperança de uma santida-
de sempre possível.
O último número do documento final da reunião pré-sinodal do
Sínodo afirma, em sintonia com o que estamos dizendo, que também
a santidade dos jovens participa da santidade da Igreja, porque “os
jovens são parte integrante da Igreja. E, portanto, também a sua san-
tidade, que nestes últimos decênios produziu um multiforme floresci-
mento em todas as partes do mundo: contemplar e meditar durante o
Sínodo a coragem de tantos jovens que renunciaram à sua vida desde
que se mantivessem fiéis ao Evangelho foi comovente para nós; es-
cutar os testemunhos dos jovens presentes no Sínodo que, em meio a
perseguições, escolheram compartilhar a paixão do Senhor Jesus foi
regenerador. Pela santidade dos jovens a Igreja pode renovar o seu
ardor espiritual e o seu vigor apostólico”.26
25 XV Assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos. Os jovens, a fé e a o discernimento
vocacional. Reunião pré-sinodal. Documento final (19-24 de março de 2018), Parte
II, Introdução. O documento está na página http://press.vatican.va/content/salas-
tampa/it/bollettino/pubblico/2018/03/24/0220/00482.html#porto
26 XV Assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos. Os jovens, a fé e a o discernimento
vocacional. Documento final [Reunião pré-sinodal], LEV, Roma 2018, 167 (ed.
italiana).

2.9 Page 19

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CARTA DO REITOR-MOR 21
IV. O QUE SIGNIFICA DIZER: “A SANTIDADE É
TAMBÉM PARA VOCÊ”?
O Papa Francisco expressa-o de modo simples e direto.
Depois de afirmar que para ser santo não é necessário ser bispo,
sacerdote, religiosa ou religioso, acrescenta: “Todos somos chamados
a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho
nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consa-
grada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação.
Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua
esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo,
cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço
dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com pa-
ciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade?
Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses
pessoais” (GE, 14).
Isso nos encoraja a traduzir em palavras simples o desafio que
temos e que se apresenta como preciosa provocação a todos e cada um
de nós, em todas as idades e etapas da vida.
O que é, então, a santidade, esta santidade que nos é apresenta-
da tão próxima e acessível aos jovens, à mulher e ao homem de hoje?
→ É algo próximo, real, concreto, possível. Melhor ainda, é a
vocação fundamental ao amor como reconhece o Concílio Vaticano
II (LG, 11); a alma, a essência desse apelo à santidade para todas as
pessoas é a caridade plenamente vivida: “Deus é amor; quem perma-
nece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele” (Jo 4,16).
→ É fazer frutificar a graça do Batismo sem ter medo de que
Deus nos peça demasiado: “Deixa que a graça do teu Batismo frutifi-
que num caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e,
para isso, opta por Ele, escolhe Deus sem cessar” (EG, 15). Concreta-

2.10 Page 20

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22 ATOS DO CONSELHO-GERAL
mente, trata-se de viver no Espírito, deixar-se guiar na simplicidade da
vida cotidiana pelo Espírito Santo, sem ter medo de mirar as alturas,
deixando-se amar e libertar pelo próprio Deus.
O Papa Bento XVI convidava os jovens, todos os jovens, a
“abrir-se à ação do Espírito Santo, que transforma a nossa vida, para
sermos também nós como peças do grande mosaico de santidade que
Deus vai criando na história, para que o rosto de Cristo resplandeça na
plenitude do seu esplendor. Não tenhamos medo de tender para o alto,
para as alturas de Deus; não tenhamos medo de que Deus nos peça
demasiado”.27
→ É ser santos alegres, porque assim Deus nos sonhou.
“O que ficou dito até agora não implica um espírito retraído, tristo-
nho, amargo, melancólico ou um perfil sumido, sem energia. O santo
é capaz de viver com alegria e sentido de humor” (GE, 122). João
Bosco, quando era jovem, fundou a Sociedade da alegria, e Domingos
Sávio costumava dizer aos recém-chegados ao Oratório: “Aqui faze-
mos consistir a santidade em estar muito alegres”28 (embora saibamos
que não era uma alegria superficial, mas muito bem enraizada no pro-
fundo, na interioridade, na responsabilidade diante da vida e diante do
próprio Deus).
Dom Bosco entendeu muito bem, e assim o transmitiu aos seus
jovens, que empenho e alegria caminham juntos e que santidade e ale-
gria formam um binômio inseparável. O seu convite é, portanto, um
apelo à “santidade da alegria” e à alegria vivida numa vida santa. Isso
não significa ignorar que o esforço da santidade comporta coragem
porque, em outras palavras, é um percurso que vai “contracorrente”,
um caminho não poucas vezes de contestação, no qual em alguns mo-
mentos precisamos ser como Jesus, “sinais de contradição”.
27 Bento XVI. Catequese na Audiência geral de 13 de abril de 2011: Insegnamenti VII
(2011).
28 MB V, 356.

3 Pages 21-30

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3.1 Page 21

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CARTA DO REITOR-MOR 23
→ É um caminho, o da santidade, que aceita a dimensão da
cruz. O Papa Francisco recorda-nos da solidez interior para ser perseve-
rantes e constantes no bem; refere-se à vigilância no “lutar e estar aten-
tos às nossas inclinações agressivas e egocêntricas, para não deixar que
ganhem raízes” (EG, 114); encoraja a parrésia evangélica para não se
deixar dominar pelo medo; sobretudo convida a não deixar de viver em
contemplação do Crucificado, fonte de graça e libertação: “E se ainda
não consegues, diante do rosto de Cristo, deixar-te curar e transformar,
então penetra nas entranhas do Senhor, entra nas suas chagas, porque é
nelas que tem a sua sede a misericórdia divina” (EG, 151).
Talvez, hoje, a referência à Cruz já não seja muito frequente
entre nós, mas certamente também nisso devemos mudar. Não se pode
viver uma autêntica vida cristã nem um itinerário de santidade no co-
tidiano deixando a Cruz à margem.
Tendo participado, durante o último Sínodo, da canonização de
São Paulo VI, celebrada com a de outros santos, vejo como muito
oportunas estas suas palavras: “O que seria o Evangelho, isto é, o cris-
tianismo, sem a dor, sem o sacrifício de Jesus? Seria um Evangelho,
um cristianismo sem a Redenção, sem a salvação, da qual temos abso-
luta necessidade. O Senhor salvou-nos com a Cruz; deu-nos novamen-
te a esperança, o direito à vida com a sua morte. Carregar a cruz! Uma
grande coisa, uma grande coisa, filhos caríssimos! Significa enfrentar
a vida com coragem, sem indolência, sem covardia; significa transfor-
mar em energia moral as dificuldades inevitáveis da nossa existência;
significa saber compreender a dor humana e, enfim, saber realmente
amar!”.29
→ É viver a santidade porque ela não afasta dos próprios
deveres, interesses, afetos, mas os assume na caridade. A santidade
29 Paulo VI. Discurso durante a “Via sacra”. 24 de março de 1967.

3.2 Page 22

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24 ATOS DO CONSELHO-GERAL
é a perfeição da caridade e responde, portanto, à necessidade funda-
mental do homem: ser amado e amar. Quanto mais santo, tanto mais
homem e mulher, porque “não é que a vida tenha uma missão, mas a
vida é uma missão” (GE, 27).
A santidade, portanto, é um caminho de emancipação. “Preci-
samos dum espírito de santidade que impregne tanto a solidão como
o serviço, tanto a intimidade como a tarefa evangelizadora, para que
cada instante seja expressão de amor doado sob o olhar do Senhor.
Desta forma, todos os momentos serão degraus no nosso caminho de
santificação” (GE, 31).
A santidade coincide, então, com o florescimento pleno do
humano. Ela não é proposta de um caminho que desencarna e descon-
textualiza, mas permite experimentar de modo sempre mais pleno e
verdadeiro a própria humanidade e a humanidade dos irmãos. No ros-
to de um verdadeiro santo, percebe-se sempre, claramente, o homem
ou a mulher que é, com toda a riqueza afetiva, volitiva, intelectiva
e relacional que o distingue: “Nos Santos, torna-se óbvio que quem
caminha para Deus não se afasta dos homens, antes pelo contrário
torna-se seu verdadeiramente próximo”.30
Convido-vos, desde já, a recordar, quando, no fim do comentá-
rio, falaremos dos nossos santos, beatos, servos de Deus e veneráveis
da nossa Família Salesiana, o testemunho precioso que nos oferecem
com a sua vida.
Dom Bosco, na sua grande humanidade, foi o primeiro a en-
contrar, curar e reconciliar os jovens que chegavam ao Oratório tendo
vivido muitas vezes situações de pobreza afetiva, dificuldades eco-
nômicas, orfandade e abandono. A esses jovens, ele ofereceu toda a
riqueza do espírito de família e do Sistema Preventivo, num clima
magnífico, também espiritual, que ajudou a curá-los. As feridas foram
30 Bento XVI. Carta Encíclica Deus caritas est. LEV, Roma 2005, 42.

3.3 Page 23

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CARTA DO REITOR-MOR 25
curadas graças à paternidade do próprio Dom Bosco, ao clima de fa-
mília, de alegria, e ao itinerário de fé e de amizade com Jesus, a quem
Dom Bosco conduziu os seus jovens.
Em Mornese, Madre Mazzarello e as primeiras irmãs viveram,
com a sensibilidade própria de mulher, esse encontro com a humani-
dade daquelas meninas e jovens pobres, acolhidas na primeira casa
das Filhas de Maria Auxiliadora.
E, da mesma forma, a nossa história repetiu-se em muitos gru-
pos da nossa Família Salesiana, com um traço tipicamente nosso, que
é também do Evangelho, e que nos permitiu assumir a responsabili-
dade e curar a humanidade de cada pessoa com que nos encontramos.
→ É uma santidade que é também “dever” e dom (isto é,
uma vocação, uma responsabilidade, um empenho e um dom). A san-
tidade é participação na vida de Deus, não uma perfeição moralistica-
mente entendida e que pressupõe obter apenas com as próprias forças.
Na verdade, uma vida santa não é principalmente fruto do nosso es-
forço pessoal, das nossas ações. É Deus, o três vezes Santo (cf. Is 6,3),
que nos faz santos pela ação do Espírito Santo, que interiormente nos
dá força e vontade.
A santidade é empenho e responsabilidade. É algo que só tu po-
des fazer: “Oxalá consigas identificar a palavra, a mensagem de Jesus
que Deus quer dizer ao mundo com a tua vida” (GE, 24).
E para os consagrados e as consagradas da nossa Família
Salesiana esse dever torna-se indispensável. Paulo VI o disse de
modo radical: “A vida religiosa deve ser santa, ou não tem mais razão
de ser”.31
31 Paulo VI. Discurso de 27 de junho de 1965. In E. Viganò, Reprojetemos juntos a
santidade. In ACS 303 (1981), 23.

3.4 Page 24

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26 ATOS DO CONSELHO-GERAL
V. ALGUNS POSSÍVEIS INDICADORES DA SANTIDADE
Ofereço-vos algumas indicações que podem ser válidas para
cada um pessoalmente e para a nossa missão. Permito-me assinalar os
seguintes indicadores.
- Viver a vida de todos os dias como lugar de encontro com
Deus
O coração do espírito salesiano, que nos distingue como Famí-
lia carismática, caracteriza-se pelo fato de conceber a vida de modo
positivo e entendê-la, dia a dia, como um lugar de encontro com Deus.
Esse lugar é atravessado por uma rica rede de relações, trabalho, ale-
gria e descanso, vida familiar, desenvolvimento das próprias capacida-
des, entrega, serviço... todos vividos à luz de Deus. E isso se concreti-
za, de modo simples, na convicção muito salesiana que vem do mes-
mo Dom Bosco: para ser santo, o que deves fazer deves fazê-lo bem.
É a proposta da santidade da vida cotidiana. Se Teresa d’Ávila
encontra a santidade entre os utensílios de uma cozinha e Francisco
de Sales demonstra que o cristão pode viver no mundo, em meio aos
compromissos da vida e às preocupações, e ser santo; Dom Bosco,
com a simplicidade da alegria do cumprimento exato do próprio dever
e de uma vida vivida toda por amor do Senhor, cria com seus jovens
uma verdadeira escola de santidade em Valdocco.
- Ser pessoas e comunidades de oração
A santidade é o maior dom que podemos oferecer aos jovens,
e – acrescento – todos os jovens, adolescentes e suas famílias precisam
do testemunho da nossa vida. E, como disse, essa santidade simples
será o dom mais precioso que lhes podemos oferecer.
Entretanto, esse caminho não é possível sem cultivar a profun-
deza de vida, sem a fé autêntica e sem a oração como expressão dessa

3.5 Page 25

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CARTA DO REITOR-MOR 27
mesma fé. O Papa Francisco afirma: “Não acredito na santidade sem
oração” (GE, 147). E efetivamente tudo isso é impossível sem inti-
midade com o Senhor Jesus: oração de agradecimento, expressão de
reconhecimento ao Deus transcendente; oração de súplica, expressão
do coração que confia em Deus; oração de intercessão, expressão de
amor fraterno; oração de adoração, expressão de reconhecimento da
transcendência de Deus; oração de meditação da Palavra, expressão
do coração dócil e obediente; oração eucarística, apogeu e fonte do
itinerário de santidade.
- Desenvolver na vida os frutos do Espírito Santo
Amor, caridade, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade,
fidelidade, doçura, domínio de si... A santidade não é conflito, discus-
são, inveja, impaciência. “A santidade não te torna menos humano,
porque é o encontro da tua fragilidade com a força da graça” (GE, 34).
- Praticar as virtudes
Não só recusar o mal e apegar-se ao bem, mas apaixonar-se pelo
bem, cumprindo bem o bem, todo o bem... Oração e ação no mundo,
serviço e doação, e também tempos de silêncio. Vida de família e res-
ponsabilidade no trabalho. “Tudo pode ser recebido e integrado como
parte da própria vida neste mundo, entrando a fazer parte do caminho
de santificação. Somos chamados a viver a contemplação mesmo no
meio da ação, e santificamo-nos no exercício responsável e generoso
da nossa missão” (GE, 26).
Então, buscar a vida boa do Evangelho na prática alegre e cons-
tante das virtudes será realmente um caminho simples de santidade.
- Testemunhar a comunhão
O caminho da santidade é experimentado em comum, vivido em
comunidade e alcançado em conjunto. Os santos estão sempre juntos,

3.6 Page 26

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28 ATOS DO CONSELHO-GERAL
na companhia de Deus. Onde houver algum, sempre encontraremos
muitos outros. A santidade do cotidiano faz florescer a comunidade e é
um gerador “relacional”. Fazemo-nos santos juntos. Não é possível
ser santo sozinho, e Deus não nos salva sozinhos: “por isso, ninguém
se salva sozinho, como indivíduo isolado” (GE, 6). A santidade nutre-
-se de relações, de confiança, de comunhão porque a espiritualidade
cristã é essencialmente comunitária, eclesial, profundamente diferente
e muito distante de uma visão elitista e heroica da santidade.
Ao contrário, não há santidade cristã em que se esquece da co-
munhão com os outros, em que se esquece de buscar e olhar o ros-
to do outro, em que se esquece da fraternidade e da revolução da
ternura.
- Entender que a vida de cada um é uma missão
O Papa pede decididamente que se conceba a totalidade da pró-
pria vida como uma missão. Às vezes, em momentos difíceis, alguém
se pergunta que sentido tem a sua existência, qual é a razão pela qual
viver, a motivação do seu estar no mundo, que contribuição pessoal
deveria oferecer... Pois bem, em todos esses casos se está a perguntar:
qual é a minha missão? E, à luz desse aspecto, descobre-se que, “para
um cristão, não é possível imaginar a própria missão na terra sem a
conceber como um caminho de santidade” (GE, 19), dando sempre o
melhor de si nessa missão.
Algumas casas salesianas – como Valdocco, Mornese, Valsalice,
Nizza, Ivrea, ‘San Giovannino’32... – atestam desde o início a santi-
dade como experiência compartilhada, que floresce na amizade, na
entrega e no serviço (hoje, dizemos vida como “vocação e missão”).
32 N. do T.: Oratório e igreja construída por Dom Bosco em Turim, dedicados a São
João Evangelista.

3.7 Page 27

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CARTA DO REITOR-MOR 29
- Buscar a simplicidade (que não é facilidade) das Bem-a-
venturanças (cf. GE, 70-91)
Jesus nos ofereceu, no anúncio das Bem-aventuranças, um ver-
dadeiro itinerário de santidade. As Bem-aventuranças “são como a
carta de identidade do cristão” (GE, 63).
Nelas nos é proposto um modo de vida em que se realizam
processos que vão da pobreza de coração, que significa também aus-
teridade de vida, à reação com mansidão humilde num mundo onde
facilmente se desentende e por qualquer coisa; da coragem de dei-
xar-se “transpassar” pela dor alheia e ter compaixão dela ao buscar
a justiça com verdadeira fome e sede, enquanto outros dividem o
bolo da vida obtido por meio da injustiça, da corrupção e do abuso
de poder.
As Bem-aventuranças levam o cristão a olhar e agir com miseri-
córdia, o que significa ajudar os outros, e também perdoar; levam-no a
manter um coração puro e livre de tudo o que corrompe o amor a Deus
e ao próximo. A proposta de Jesus pede-nos que seja semeada a paz e
a justiça e que se construam pontes entre as pessoas. Pede também que
sejam aceitas as incompreensões, as falsidades em relação a si mesmo
e, enfim, as perseguições, mesmo as mais sutis existentes hoje.
- Crescer nos pequenos gestos (GE, 16)
É outro simples indicador prático à disposição de todos. Deus nos
chama à santidade mediante os pequenos gestos, por meio das coisas
simples, aquelas que sem dúvida podemos descobrir nos outros e reali-
zar em nós mesmos na vida de todos os dias; encorajados pelo fato de
o itinerário de santidade não ser nem único nem o mesmo para todos.
O caminho de santidade é percorrido na condição pessoal de
homem e de mulher. Nesse sentido, a ternura feminina, a fineza dos
pequenos detalhes e dos gestos constituem um exemplo magnífico
para todos. Por essa razão, o Papa Francisco diz: “quero assinalar que

3.8 Page 28

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30 ATOS DO CONSELHO-GERAL
também ‘o gênio feminino’ se manifesta em estilos femininos de san-
tidade, indispensáveis para refletir a santidade de Deus neste mundo e
[...] interessa-me sobretudo lembrar tantas mulheres desconhecidas ou
esquecidas que sustentaram e transformaram, cada uma a seu modo,
famílias e comunidades com a força do seu testemunho” (GE, 12).
- Tudo, menos renunciar a voar quando nascemos para as
alturas!
São muitos pequenos passos que nos podem ajudar a trilhar o
caminho da santidade, numa santidade simples, anônima, mas que
modela a nossa existência de maneira muito bonita. Como disse, tudo
pode ajudar; tudo, exceto a renúncia a voar quando nascemos para as
alturas! Pois somos “escolhidos por Deus, santos, amados” (Cl 3,12).
O que quero dizer é expresso magnificamente por Mamerto Me-
napace33, numa bela história, uma bonita metáfora que fala do dilema
entre ficar no nível do chão ou alçar voo para Deus, para a santidade,
para as alturas.
A história diz assim:
Certa vez, um agricultor, que caminhava por uma trilha na alta
montanha, encontrou entre as pedras nas proximidades do cume um
ovo estranho: muito grande para ser de galinha e muito pequeno para
ser de avestruz.
Não sabendo o que fosse, decidiu levá-lo consigo.
Ao chegar em casa, mostrou-o à mulher. Ela tinha uma perua
que estava chocando. Vendo que o ovo era mais ou menos da dimen-
são dos outros, colocou-o com os da perua.
As pequenas aves começaram a romper a casca, assim como a
que fora encontrada na montanha. E, mesmo parecendo ser um animal
33 N. do T.: M. Menapace, Cuentos rodados, Patria Grande, Buenos Aires, 1986.

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CARTA DO REITOR-MOR 31
diferente dos demais, as diferenças não eram tantas que o desfiguras-
sem diante do resto da ninhada, apesar de se tratar de um pequeno
condor. Embora chocado por uma perua, tinha outra origem.
Como não tinha nenhum outro modelo de quem aprender, o pe-
queno condor imitava o que via fazerem os perus. Seguia o grande
peru procurando vermes, sementes e outros restos. Cavava a terra e,
saltitando, procurava arrancar as frutas dos arbustos. Vivia no gali-
nheiro e tinha medo dos cães que vinham roubar-lhe frequentemente
a comida. À noite, subia aos galhos da alfarroba com medo das doni-
nhas e de outros predadores. Vivia nessa situação, imitando o que via
fazer os outros.
Às vezes, sentia-se um pouco estranho. Sobretudo quando tinha
a oportunidade de ficar sozinho. Mas isso não acontecia muito. Pois
os perus não toleram a solidão nem que os outros fiquem sozinhos. É
uma espécie que gosta de movimentar-se sempre em bando, encher o
peito para impressionar, abrir a cauda e arrastar as asas. Diante do que
lhe causa estranheza, a resposta imediata era uma grande zombaria.
Outra característica dos perus é esta: embora tenham grandes
dimensões, não voam.
Certa vez, pelo meio-dia, enquanto o céu claro era atravessado
por nuvens brancas, o pequeno animal ficou surpreso ao ver alguns
pássaros estranhos que voavam majestosamente, quase sem mover as
asas. Sentiu um choque no profundo do seu ser. Algo como um antigo
chamado que queria despertá-lo nas profundezas de suas fibras. Seus
olhos, habituados a olhar sempre o terreno em busca de alimento, não
conseguiam distinguir o que acontecia nas alturas. O seu coração des-
pertou com uma forte nostalgia: por que também eu não posso voar
assim? O seu coração batia veloz e ansioso.
Naquele momento, aproximou-se dele um peru que lhe per-
guntava o que estava fazendo. Riu dele quando ouviu o que pen-
sava. Disse-lhe que era um romântico e que deveria deixar de
fazer graça. Eles eram diferentes. Devia voltar à realidade, e propôs

3.10 Page 30

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32 ATOS DO CONSELHO-GERAL
acompanhá-lo a um lugar onde encontrara muita fruta madura e mui-
tos tipos de verme.
Desorientado, o pobre animal retomou-se do fascínio e seguiu o
companheiro, que o levou de volta ao galinheiro.
Retomou sua vida normal, sempre atormentado por uma pro-
funda insatisfação interior que o fazia sentir-se estranho.
Jamais descobrira a sua verdadeira identidade de condor.
Chegando à velhice, certo dia morreu. Sim, infelizmente mor-
reu exatamente como vivera.
E pensar que nascera para as alturas!
É o caminho do crescimento cristão para a santidade: “Não te-
nhamos medo de tender para o alto, para as alturas de Deus; não tenha-
mos medo que Deus nos peça demasiado”.34
VI. ITINERÁRIOS ATUAIS DE SANTIDADE À LUZ DA
NOSSA HISTÓRIA DE FAMÍLIA SALESIANA
- Há muitos caminhos no itinerário de santidade
Sabemos que alguns são santos, mas jamais saberemos quem é
mais santo que outro. Só Deus conhece os corações. Há uma beleza
particular em cada um. Não se deve pedir a uma pessoa o que ela não
pode nem deve dar. Dizê-lo é encorajador, recuperador. Caso contrá-
rio, nós nos convenceríamos de que não podemos ser santos, porque
jamais seríamos como os santos que nos foram propostos como mo-
delos. “Não se deve pôr na santidade mais perfeição daquela que real-
34 Bento XVI. Catequese na Audiência geral de 13 de abril de 2011: Insegnamenti VII
(2011).

4 Pages 31-40

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4.1 Page 31

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CARTA DO REITOR-MOR 33
mente tem”.35 Ou seja, a heroicidade cristã não é heroísmo, a perfeição
cristã não é perfeccionismo de super-herói. “Na casa do meu Pai há
muitas moradas” (Jo 14,2). O Paraíso é como um jardim: nele há a hu-
milde violeta e o sublime lírio além da rosa. Nenhuma condição repre-
senta um obstáculo insuperável para a plenitude da alegria e da vida.
Ao lado de Dom Bosco, não encontramos apenas Domingos
Sávio, João Massaglia e Francisco Besucco; mas também Miguel Ma-
gone e muitos outros garotos difíceis, cuja história é caracterizada por
feridas profundas.
Nas primeiras obras dos Salesianos e das Filhas de Maria
Auxiliadora, encontram sua verdadeira primeira casa órfãos e pessoas
marcadas de várias maneiras por injustiças e traumas (Carlos Braga,
Laura Vicuña...).
Há ainda feridas estritamente pessoais: tanto Beltrami como
Czartoryski sabiam que, por causa da doença, jamais poderiam le-
var uma vida oratoriana regular. Artêmides Zatti viu-se recusado ao
sacerdócio, também por causa de uma doença. Francisco Convertini
demonstrava modestíssimos dotes intelectuais e foi somente a sua
santidade irradiante a convencer os superiores a deixarem-no chegar
ao sacerdócio. Alexandrina Maria da Costa viu-se obrigada ao leito
por uma paralisia progressiva. A mesma situação foi vivida por Nino
Baglieri. A mística salesiana Vera Grita viveu calvário semelhante,
após um trauma causado por um acidente.
Assim, na casa de Dom Bosco, encontra espaço e acolhida uma
multiplicidade de interlocutores feridos de várias maneiras por doloro-
sas situações familiares ou pessoais; pessoas que, por um mero critério
de prudência humana ou eficiência, jamais poderiam ser aceitas. Figu-
ras que, ao olhar superficial, parecem contrastar em tudo e por tudo
35 P. Catry. Le tracce di Dio, in Aa. Vv., “La missione ecclesiale di Adrienne von
Speyr. Atti del 2o Colloquio Internazionale del pensiero cristiano”. Jaca Book (Già
e non ancora), Milano 1986, 32 citado in L. M. Zanet, La santità dimostrabile.
Antropologia e prassi della canonizzazione, Dehoniane, Bologna, 2016, 204.

4.2 Page 32

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34 ATOS DO CONSELHO-GERAL
com o brilho alegre e até “vigoroso” do espírito salesiano. Contudo, à
luz da fé, demonstra-se com os fatos que nenhuma condição pessoal é
impedimento para a santidade.
- Todo santo é uma palavra encarnada de Deus
Não existem dois santos iguais. Imitar os santos não é copiá-los.
Cada qual precisa dos seus tempos e tem o próprio caminho, pois “os
percursos da santidade são pessoais”.36
A galáxia da santidade é vasta e diferenciada; por isso, não
deve ser achatada numa orientação genérica para o bem, mas deve ser
considerada como fonte inesgotável de inspiração e de programa de
vida. Imagens vivas do Evangelho, os Santos interpretam o seu espí-
rito mais genuíno e são o espelho que reflete o rosto de Jesus Cristo,
o Santo de Deus. Eles difundem o dom da bondade e da beleza, não
cedem à moda passageira e efêmera do tempo e, com o ímpeto de um
coração perenemente jovem, tornam possível o milagre do amor. Com
a força da Graça, os Santos mudam o mundo, mas também a Igreja,
que se torna mais evangélica e mais crível pelo seu testemunho.
O Espírito Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo
que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho. O modo diferente
de “encarnar” a santidade é um caminho seguro para iniciar uma her-
menêutica viva e eficaz da Palavra de Deus.
- Cada santo da nossa Família Salesiana nos diz que a san-
tidade é possível
Cada um dos nossos Santos, Beatos, Veneráveis, Servos de
Deus é portador de uma riqueza de aspectos que merecem maior con-
sideração e valorização. Trata-se de contemplar um diamante de mui-
tas facetas, algumas mais visíveis e atraentes, outras menos imediatas
36 João Paulo II. Carta apostólica Novo Millennio Ineunte. Roma 2001, 31.

4.3 Page 33

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CARTA DO REITOR-MOR 35
e “simpáticas”, mas nem por isso menos verdadeiras e decisivas. Co-
nhecer e fazer conhecer essas figuras extraordinárias de crentes gera
um envolvimento progressivo no seu caminho, um apaixonado inte-
resse pela sua vida, uma alegre participação nos projetos e esperanças
que animaram seus passos.
Ofereço-vos alguns exemplos.
→ A santidade dos jovens “de nossa casa”
Com o testemunho de Domingos Sávio, Laura Vicuña, Zeferino
Namuncurá, dos cinco jovens oratorianos de Poznań, de Alberto Mar-
velli e outros, são 46 os Santos e os Beatos jovens da Família Salesia-
na com menos de 29 anos.
Alguns aspectos do testemunho de São Domingos Sávio mere-
cem ser evidenciados:
• O apelo à realidade preventiva não só como aspecto peda-
gógico-educativo, mas também como fato teológico. Na sua
vida, como testemunha o próprio Dom Bosco, há uma graça
preventiva que atua e se manifesta.37
• O valor decisivo representado pela Primeira Comunhão.38
37 Dom Bosco recorda: “Percebi que aquele menino estava todo impregnado de espí-
rito do Senhor e fiquei admirado com o trabalho que a graça divina já tinha operado
em tão tenra idade”, J. Bosco, Vida do jovem Domingos Savio, aluno do Oratório de
São Francisco de Sales, com apêndice sobre as graças obtidas por sua intercessão,
Ed. 5, Torino, Tipografia e Libreria Salesiana 1878 in ISS, Fontes Salesianas. 1.
Dom Bosco e a sua obra. Coletânea antológica, EDB, Brasília 2017, 1124.
38 O estupor, na história de Domingos Sávio, é tipicamente eucarístico e encontra
o seu momento de graça no dia da Primeira Comunhão, visto como uma semen-
te que, quando cultivada, é fonte de vida alegre e de compromissos decisivos:
“O dia da primeira comunhão ficou-lhe para sempre gravado na memória, e po-
demos dizer que foi o início, ou melhor, a continuação de uma vida que pode-
ria ser apontada como modelo de vida cristã. Alguns anos mais tarde, ao falar da
primeira comunhão, seu rosto se transfigurava de emoção: ‘Oh! aquele dia foi
para mim o mais belo da minha vida!’. Escreveu algumas lembranças que con-
servava cuidadosamente num livro de devoção e relia com frequência [...]. 1o Irei
confessar-me frequentemente e farei a comunhão todas as vezes que o confessor
me der licença. 2o Quero santificar os dias festivos. 3o Os meus amigos serão Je-
sus e Maria. 4o Antes morrer que pecar”. Estas lembranças, por ele muitas ve-

4.4 Page 34

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36 ATOS DO CONSELHO-GERAL
• O fato de ser uma espécie de líder e mestre nos cami-
nhos de Deus (como Dom Bosco o vê no sonho de Lanzo
de 1876), como é confirmado pela vida de muitos dos nossos
beatos, veneráveis e servos de Deus que se apropriaram dos
propósitos de Domingos: Laura Vicuña, Zeferino Namuncu-
rá, José Kowalski, Alberto Marvelli, José Quadrio, Otávio
Ortiz Arrieta.
• O papel de Domingos na fundação da Companhia da Imacu-
lada, viveiro da futura Congregação Salesiana, em relacio-
namento com João Massaglia, verdadeiro amigo das coisas
da alma, de quem Dom Bosco afirmou: “Se quisesse des-
crever os belos atos de virtude do jovem Massaglia, teria de
repetir o que disse de Domingos de quem foi fiel imitador
enquanto viveu”.39
→ A santidade missionária do carisma salesiano, expressa
com um número notável de homens e mulheres, consagrados e leigos,
que evidenciam o anúncio do Evangelho, a inculturação da fé, a pro-
moção da mulher, a defesa dos direitos dos pobres e dos indígenas, a
fundação de Igreja locais. Impressiona profundamente o fato de uma
grandíssima parte de irmãos e irmãs da nossa Família Salesiana, em
caminho para o reconhecimento das virtudes heroicas e da sua santida-
de, ser de missionários e missionárias (Beata Maria Romero Meneses,
FMA; Beata Maria Troncatti, FMA; Venerável Vicente Cimatti).
→ A santidade vitimal-oblativa, que exprime a raiz profunda
do “Da mihi animas, coetera tolle”. Líder dessa dimensão é o Vene-
zes repetidas, foram como que o Norte das suas ações até o fim da vida”. (Vida
do jovem Domingos Savio, aluno do Oratório de São Francisco de Sales, com
apêndice sobre as graças obtidas por sua intercessão), Ed. 5, Torino, Tipografia
e Libreria Salesiana 1878 in ISS, Fontes Salesianas. 1. Dom Bosco e a sua obra.
Coletânea antológica, EDB, Brasília 2015, 1118.
39 Ibid., 1151.

4.5 Page 35

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CARTA DO REITOR-MOR 37
rável Padre André Beltrami (1870-1897), cujo testemunho é paradig-
mático de todo um filão de santidade salesiana que, a partir da tríade
André Beltrami, Augusto Czartoryski e Luís Variara, continua no tem-
po com outras grandes figuras, como a Beata Eusébia Palomino, a
Beata Alexandrina Maria da Costa, a Beata Laura Vicuña, sem esque-
cer a numerosa fileira de mártires (entre os quais se deve mencionar os
95 mártires da Guerra Civil Espanhola, dentre os quais muitos jovens
irmãos em formação e jovens sacerdotes).
→ A dimensão da “família ferida”: famílias em que está au-
sente ao menos um dos genitores ou quando a presença da mãe e/
ou do pai torna-se, por diversas razões (físicas, psíquicas, morais e
espirituais), penalizante para os filhos. Dom Bosco que experimentara
pessoalmente a morte prematura do pai e o afastamento da família
pela prudente vontade de Mamãe Margarida, quer a obra salesiana
particularmente dedicada à “juventude pobre e abandonada”.
A Beata Laura Vicuña, nascida no Chile em 1891, que não
conheceu o pai e cuja mãe inicia na Argentina uma convivência com o
rico proprietário Manuel Mora. Laura, ferida pela situação de irregu-
laridade moral da mãe, oferece a vida por ela.
O Servo de Deus Carlos Braga, nascido na Valtellina (norte
da Itália) em 1889. É abandonado muito pequeno pelo pai, enquanto
sua mãe, por uma mistura de ignorância e maledicência, é afastada
por ser tida como psiquicamente instável. Carlos passa por grandes
humilhações e verá posta à prova muitas vezes a autenticidade da sua
vocação salesiana, mas saberá amadurecer nas dificuldades uma gran-
de força de reconciliação e dará o testemunho de uma profunda pater-
nidade e bondade, sobretudo pelos pais dos Irmãos.
→ A dimensão vocacional: no contexto do bicentenário do
nascimento de Dom Bosco, deram-se as beatificações de dois Irmãos

4.6 Page 36

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38 ATOS DO CONSELHO-GERAL
mártires que nos mostram alguns aspectos constitutivos do nosso
carisma.
Estêvão Sándor (1914-1953), beatificado em 2013 (a causa
teve início em 2006), recorda a complementaridade das duas
formas da única vocação consagrada salesiana: a laical (coad-
jutor) e a presbiteral. O testemunho luminoso de Estêvão Sán-
dor, como salesiano coadjutor, exprime uma opção vocacio-
nal clara e decidida, exemplo de vida, competência educativa
e fecundidade apostólica, a qual olhar para uma apresentação
da vocação e da missão do salesiano coadjutor, com predile-
ção pelos jovens aprendizes e do mundo do trabalho.
Tito Zeman (1915-1969), beatificado em Bratislava no dia 30
de setembro de 2017 (a causa teve início em 2010). Quando
o regime comunista tchecoslovaco, em abril de 1950, ve-
tou as ordens religiosas e começou a deportar consagrados
e consagradas aos campos de concentração, ele acreditou
ser necessária a organização de viagens clandestinas para
Turim a fim de permitir que os jovens salesianos completas-
sem os estudos. Tito encarregou-se de realizar essa arriscada
atividade e organizou duas expedições para cerca de vinte
jovens salesianos. Na terceira expedição, Padre Zeman foi
aprisionado com outros fugitivos. Sofreu um duro proces-
so, no qual foi descrito como traidor da pátria e espião do
Vaticano e condenado à morte. Viveu o seu calvário com
grande espírito de sacrifício e de oferta: “Mesmo se perdes-
se a vida, não a consideraria desperdiçada, sabendo que ao
menos um dos que ajudei se tornou sacerdote no meu lugar”.
→ A dimensão da “paternidade e maternidade salesiana”:
depois da grande paternidade de Dom Bosco, recordemos, entre ou-
tros, Santa Maria Domingas Mazzarello, o Beato Miguel Rua, o Beato
Filipe Rinaldi, o Beato José Calasanz, a Venerável Mamãe Margarida,

4.7 Page 37

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CARTA DO REITOR-MOR 39
o Venerável Vicente Cimatti, a Venerável Teresa Valsé, o Venerável
Augusto Arribat, o Servo de Deus Carlos Braga, o Servo de Deus
André Majcen...
→ A dimensão episcopal: na variada esteira de santidade flo-
rescida na escola de Dom Bosco, distingue-se também um significativo
grupo de bispos que encarnaram de modo especial a caridade pastoral,
típica do carisma salesiano, no ministério episcopal: Luís Versiglia
(1873-1930), Mártir e Santo; Luís Olivares (1873-1943), Venerável;
Estêvão Ferrando (1895-1978), Venerável e Fundador; Otávio Ortiz
Arrieta (1878-1958), Venerável; Augusto Hlond (1881-1948), Vene-
rável, Cardeal; Antonio de Almeida Lustosa (1886-1974), Servo de
Deus; Orestes Marengo (1906-1998), Servo de Deus.
→ A dimensão da “filiação carismática”. É muito interessante
também notar que veneramos alguns santos que compartilharam com
Dom Bosco algumas estações da vida, admiraram a sua santidade, a
sua fecundidade apostólica e educativa, mas, depois, percorreram o
próprio caminho com liberdade evangélica, sendo, por sua vez, funda-
dores, com as argutas intuições pessoais, o genuíno amor pelos pobres
e a ilimitada confiança na Providência: São Leonardo Murialdo, São
Luís Guanella, São Luís Orione.
A realidade descrita é muito bela, enche-nos de responsabilida-
des e nos encoraja. Vê-se claramente que somos depositários de uma
herança preciosa, que merece ser mais conhecida e valorizada. O pe-
rigo está em reduzir esse patrimônio de santidade a um fato litúrgi-
co-celebrativo, não valorizando plenamente as suas possibilidades de
tipo espiritual, pastoral, eclesial, educativo, cultural, histórico, social,
missionário... Os Santos, os Beatos, os Veneráveis e os Servos de Deus
são pepitas preciosas que devem ser retiradas da escuridão da mina
para poder brilhar e refletir na Igreja e na Família Salesiana o esplen-
dor da verdade e da caridade de Cristo.

4.8 Page 38

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40 ATOS DO CONSELHO-GERAL
→ O aspecto pastoral deles toca a eficácia que possuem como
exemplos exitosos de um cristianismo vivido em particulares situa-
ções socioculturais e políticas do mundo, da Igreja e da mesma Famí-
lia Salesiana.
→ O aspecto espiritual implica o convite à imitação das suas
virtudes como fonte de inspiração e planejamento para o nosso estilo
de vida e a nossa missão. O cuidado pastoral e espiritual de uma causa
é uma autêntica forma de pedagogia da santidade, à qual deveríamos,
em força do nosso carisma, ser particularmente sensíveis e atentos.
Concluo o comentário à Estreia com essa rica e pontual infor-
mação, que me vem da nossa Postulação. Sem dúvida será de grande
interesse para a nossa Família Salesiana e, de modo especial, para os
muitos grupos da belíssima árvore da salesianidade que veem alguns
dos seus membros envolvidos num desses processos. Como escreveu
o Padre Rua, a santidade de todos nós, seus filhos e suas filhas, será
uma prova da santidade vivida e deixada para nós em herança pelo
mesmo Dom Bosco, amado Pai de toda a Família Salesiana difusa no
mundo.
Meus caros Irmãos e Irmãs, posso afirmar com tranquilidade
que a maior necessidade e a maior urgência que temos hoje no nosso
mundo salesiano não é fazer coisas, projetar e redesenhar novas rea-
lidades, iniciar novas presenças..., mas mostrar o que as nossas vidas
comunicam pessoal e coletivamente, o nosso modo de viver o Evange-
lho, que se realiza e estende no tempo como prolongamento do modo
de viver de Jesus.40 Enfim, o que está em jogo é a nossa santidade!
Sejamos santos, como o foi o nosso Pai e Fundador da nossa
bela Família Salesiana espalhada atualmente pelo mundo!
40 Cf. VC, 62.

4.9 Page 39

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CARTA DO REITOR-MOR 41
O Papa João Paulo II, hoje santo, fez-nos um apelo entusiasma-
do que, embora fosse dirigido a seu tempo aos Salesianos, vale para
toda a Família Salesiana em geral e para cada um dos seus grupos.
Ouçamos-lo novamente como uma palavra dirigida a cada um de nós
e à nossa Instituição. Ele dizia assim:
Desejai “repropor com coragem ‘a busca da santidade’ como
principal resposta aos desafios do mundo contemporâneo. Trata-se,
em conclusão, não tanto de começar novas atividades e iniciativas,
mas de viver e testemunhar sem compromisso o Evangelho, a fim de
estimular à santidade os jovens que encontrais. Salesianos do terceiro
milênio! Sede apaixonados mestres e guias, santos e formadores de
santos, como o foi São João Bosco”.41
Peçamos a Maria, Mãe e Auxiliadora, que nos conceda a luz ne-
cessária para ver claramente e percorrer pessoalmente, com verdadei-
ro espírito, este caminho de vida. Ela sustente o esforço de cada um e
de toda a nossa Família Salesiana no caminho da santidade salesiana,
para o bem daqueles aos quais somos enviados e para nós mesmos.
Possa Ela, a Mãe, especialista no Espírito, realizar em nós as
maravilhas da Graça como fez com todos os nossos santos.
A Auxiliadora nos acompanhe e nos guie.
Desejo-vos um ano fecundo e cheio de frutos de santidade.
Com afeto,
P. Ángel Fernández Artime
Reitor-Mor
41 João Paulo II. Mensagem de S.S. João Paulo II no início do CG25. In CG25, 143.