Authority-Obedience_pt


Authority-Obedience_pt

1 Pages 1-10

▲back to top

1.1 Page 1

▲back to top
CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA
E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA
O SERVIÇO DA AUTORIDADE
E A OBEDIÊNCIA
Faciem tuam, Domine, requiram
Instrução
INTRODUÇÃO
« Faze tua face brilhar, e seremos salvos! »
(Sl 79,4)
A vida consagrada testemunha da busca de Deus
1. « Faciem tuam, Domine, requiram »: tua face, Senhor, eu busco (Sl
26,8). Peregrino em busca do sentido da vida e envolto no grande mistério
que o circunda, o homem procura, de fato, ainda que frequentemente
inconsciente, o rosto do Senhor. « Mostra-me, Senhor, os teus caminhos,
ensina-me tuas veredas » (Sl 24,4): jamais poderá alguém tirar do coração
da pessoa humana a busca d'Aquele de quem a Bíblia diz « Ele é tudo »
(Eclo 43,27) nem a dos caminhos para encontrá-lo.
A vida consagrada, chamada a tornar visível na Igreja e no mundo os
traços característicos de Jesus, virgem, pobre e obediente,1 floresce no
terreno desta busca do rosto do Senhor e dos caminhos que a Ele
conduzem (cf. Jo 14,4-6). Uma busca que leva a experimentar a paz – « na
sua vontade está a nossa paz » 2 – e que constitui a fadiga de cada dia,
visto que Deus é Deus, e nem sempre os seus caminhos e os seus
pensamentos são os nossos caminhos e os nossos pensamentos (cf. Is
55,8). A pessoa consagrada testemunha, pois, o compromisso alegre e, ao
mesmo tempo, trabalhoso da busca assídua da vontade divina; por isso,
escolhe utilizar todo meio disponível que a ajude a conhecê-la e a sustente
em seu cumprimento.
Também a comunidade religiosa encontra aqui o seu significado,
comunhão de pessoas consagradas que professam em buscar e cumprir
juntas a vontade de Deus: comunidade de irmãos ou irmãs com funções
diversas, mas com o mesmo objetivo e a mesma paixão. Por esta razão,
enquanto todos, na comunidade, são chamados a buscar o que agrada a
Deus e a obedecer-lhe, alguns são chamados a exercer, geralmente por um
tempo determinado, a tarefa particular de ser sinal de unidade e guia na
busca conjunta e no cumprimento pessoal e comunitário da vontade de
Deus. Este é o serviço da autoridade.
Um caminho de libertação
2. A cultura das sociedades ocidentais, fortemente centrada no sujeito, tem
contribuído para difundir o valor do respeito pela dignidade da pessoa

1.2 Page 2

▲back to top
humana, favorecendo-lhe, de modo positivo, o desenvolvimento livre e a
autonomia.
Tal reconhecimento constitui um dos traços mais significativos da
modernidade e é um dado providencial que requer modalidades novas de
conceber a autoridade e de se relacionar com ela. Não se deve esquecer,
por outro lado, quando a liberdade tende a transformar-se em arbítrio e a
autonomia da pessoa, em independência com respeito ao Criador e em
relação com os outros, encontra-se esta então diante de figuras idolátricas,
que não fazem crescer a liberdade, mas que escravizam.
Nestes casos, as pessoas que crêem no Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó,
no Deus de Jesus Cristo, não podem deixar de empreender um caminho de
libertação pessoal de toda e qualquer sombra de culto idolátrico. Trata-se
de um percurso que poderá encontrar uma estimulante figura na
experiência do Êxodo: um caminho de libertação que, a partir da vigência
de um difuso modo de pensar, conduz à liberdade da adesão ao Senhor e
que, do nivelamento por critérios de valores unilaterais, leva à busca de
itinerários que introduzem na comunhão com o Deus vivo e verdadeiro.
A viagem do Êxodo é guiada pela nuvem luminosa e escura do Espírito de
Deus e, embora pareça perder-se às vezes em rumos sem sentido, tem por
destino a intimidade beatificante do coração de Deus: « Eu vos levei sobre
asas de águia e vos trouxe a mim » (Ex 19, 4). Um grupo de escravos é
libertado para tornar-se povo santo, que conhece a alegria do livre serviço
a Deus. Os acontecimentos do Êxodo são um paradigma que acompanha
toda a história bíblica e se coloca como antecipação profética da própria
vida terrena de Jesus, Aquele que, por sua vez, liberta da escravidão
através da obediência à vontade providente do Pai
Destinatários, objetivo e limites do documento
3. A Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de
vida apostólica, durante a sua última Plenária, ocorrida entre os dias 28 e
30 de setembro de 2005, dirigiu a sua atenção ao tema do exercício da
autoridade e da obediência na vida consagrada. Reconheceu-se que este
assunto exige um esforço particular de reflexão, sobretudo por causa das
transformações que se têm verificado no interior dos Institutos e das
comunidades nos últimos anos e ainda, à luz de tudo aquilo que os mais
recentes documentos do Magistério propuseram acerca da renovação da
vida consagrada.
A presente Instrução, fruto do que veio à luz na mencionada Plenária e na
reflexão sucessiva deste Dicastério, dirige-se aos membros dos Institutos
de vida consagrada que praticam a vida fraterna em comunidade, ou seja,
a todos homens ou mulheres que pertencem aos Institutos religiosos, aos
quais se avizinham os membros das Sociedades de vida apostólica.
Todavia as outras pessoas consagradas, de acordo com seu gênero de vida,
podem também tirar dela indicações úteis. A todos esses, chamados a
testemunhar o primado de Deus através da obediência livre à sua santa
vontade, este documento pretende oferecer ajuda e encorajamento para

1.3 Page 3

▲back to top
viverem com alegria o seu sim ao Senhor.
Ao se abordar o tema desta Instrução, tem-se plena consciência de que são
muitas as suas implicações e de que, no vasto mundo da vida consagrada,
existe hoje não apenas uma grande variedade de projetos carismáticos e
compromissos missionários, como também certa diversidade de modelos
de governo e de práticas de obediência, diversidade esta influenciada
amiúde pelos vários contextos culturais.3 Além disso, também deveriam
ser consideradas as diferenças que caracterizam as comunidades femininas
e as comunidades masculinas, no que so refere ao aspecto psicológico. É
de considerar ainda as novas problemáticas que as numerosas formas de
colaboração missionária, particularmente com leigos, apresentam ao
exercício da autoridade. Até mesmo o diferente peso atribuído à
autoridade local ou à autoridade central, nos diversos Institutos religiosos,
determina modalidades não uniformes de se praticarem a autoridade e a
obediência. Não se há de esquecer, enfim, que a tradição da vida
consagrada costuma ver na figura “sinodal” do Capítulo geral (ou de
análogas reuniões) a autoridade suprema do Instituto,4 à qual todos os
membros, a começar dos superiores, devem referir-se.
Acrescente-se a tudo isso a constatação de que, nestes anos, o modo de
sentir e viver a autoridade e a obediência tem mudado tanto na Igreja
como na sociedade. Isso se deve, entre outras coisas: à tomada de
consciência acerca do valor de cada pessoa, dotada de vocação e
enriquecida com dons intelectuais, afetivos e espirituais, com a sua
liberdade e capacidade relacional; à centralidade da espiritualidade de
comunhão,5 com a valorização dos instrumentos que ajudam a vivê-la; a
um modo diferente e menos individualista de se conceber a missão, na
partilha com todos os membros do povo de Deus e as conseguintes formas
de colaboração concreta.
Considerando, todavia, alguns elementos relacionados à presente
influência cultural, lembre-se que o desejo da auto-realização pode entrar
às vezes em conflito com os projetos comunitários; a busca do bem-estar
pessoal, seja espiritual, seja material, pode tornar difícil a dedicação total
à missão comum; as visões por demais subjetivas do carisma e do serviço
apostólico podem debilitar a colaboração e a partilha fraterna.
Mas não é de excluir que, em certos ambientes, prevalecem problemas
opostos, determinados por uma visão igualmente desequilibrada das
relações, com tendência para a coletividade e para uma uniformidade
excessiva, com o risco de mortificar o crescimento e a responsabilidade de
cada um. O equilíbrio entre sujeito e comunidade e, portanto, entre
autoridade e obediência, não é muito fácil.
A presente Instrução não pretende entrar no mérito de todas as
problemáticas suscitadas pelos vários elementos e das diversas
sensibilidades aqui evocadas. Tudo isto permanece, por assim dizer, como
pano de fundo das reflexões e indicações que se propõem. O objetivo
principal desta Instrução é o de reafirmar que a obediência e a autoridade,
ainda que praticadas de diferentes maneiras, sempre possuem uma relação
peculiar com o Senhor Jesus, Servo obediente. Propõe-se, outrossim,

1.4 Page 4

▲back to top
ajudar a autoridade no seu triplo serviço: a cada pessoa chamada a viver a
própria consagração (primeira parte); a construir comunidades fraternas
(segunda parte); a participar da missão comum (terceira parte).
As considerações e indicações que seguem põem-se em continuidade com
os documentos que têm acompanhado o caminho da vida consagrada ao
longo destes anos não fáceis, nomeadamente as Instruções Potissimum
institutioni de 1990,6 A vida fraterna em comunidade 7 de 1994, a
Exortação apostólica pós-sinodal Vita consecrata 8 de 1996, e a Instrução
Partir de Cristo 9 de 2002.
PRIMEIRA PARTE
CONSAGRAÇÃO E BUSCA
DA VONTADE DE DEUS
« Para que, livres, possamos servi-lo em santidade e justiça »
(cf. Lc 1,74-75)
A quem buscamos?
4. Os primeiros discípulos que, talvez ainda duvidosos e incertos, se
colocam no seguimento de um novo Rabbi, o Senhor disse-lhes: « Que
procurais? » (Jo 1,38). Nesta interrogação, podemos ler outros
questionamentos radicais: o que procura o teu coração? Por que te agitas?
Buscas-te a ti mesmo ou buscas o Senhor teu Deus? Segues os teus
próprios desejos ou o desejo d'Aquele que criou o teu coração e o quer
levar à realização, como Ele mesmo bem sabe e conhece? Corres atrás de
coisas fugazes ou procuras Aquele que não passa? « Nesta terra de
desigualdade, de que coisa nos devemos ocupar, Senhor Deus? Do nascer
ao pôr-do-sol, vejo homens arrastados pelos furações deste mundo: alguns
buscam riquezas, outros, privilégios, outros ainda, as satisfações da
popularidade », observava são Bernardo.10
« É tua face, Senhor, eu busco » (Sl 26,8) é a resposta da pessoa que
compreendeu a unicidade e a infinita grandeza do mistério de Deus, bem
como a soberania da Sua santa vontade; mas é também a resposta, embora
implícita e confusa, de toda criatura humana em busca de verdade e
felicidade. Quaerere Deum sempre foi o programa de toda e qualquer
existência sequiosa de absoluto e de eterno. Muitos têm hoje a tendência
de considerar mortificante qualquer forma de dependência; entretanto, ao
próprio estatuto das criaturas pertence o fato de serem elas dependentes de
Outro e também, enquanto seres em relação, dependentes dos outros.
Quem crê procura o Deus vivo e verdadeiro, o Princípio e o Fim de todas
as coisas, não o Deus feito à própria imagem e semelhança, mas o Deus
que nos fez à sua imagem e semelhança, o Deus que manifesta a sua
vontade, que indica os caminhos para alcançá-lo: « O caminho da vida me
indicarás, alegria plena à tua direita, para sempre » (Sl 15,11).
Procurar a vontade de Deus significa procurar uma vontade amiga,

1.5 Page 5

▲back to top
benévola, que quer a nossa realização, que deseja, sobretudo, a resposta
livre do amor ao Seu amor, para fazer de nós instrumentos do amor divino.
Nesta via amoris é que desabrocha a flor da escuta e da obediência.
A obediência como escuta
5. « Escuta, filho » (Pr 1,8). A obediência é, antes de tudo, uma atitude
filial. É aquele tipo particular de escuta que só mesmo o filho pode prestar
ao pai, por está iluminado pela certeza de que o pai só pode ter coisas boas
a dizer e a dar ao filho; uma escuta embebida naquela confiança que
permite ao filho acolher a vontade do pai, certo de que esta será para o
bem.
Isto é imensamente mais verdadeiro em relação a Deus. Com efeito, nós
atingimos a nossa plenitude somente na medida em que nos inserimos no
desígnio com que Ele nos concebeu em seu amor de Pai. A obediência é,
portanto, o único caminho de que dispõe a pessoa humana – ser inteligente
e livre – para realizar-se plenamente. Quando diz “não” a Deus a pessoa
humana compromete o projeto divino e diminui-se a si mesma,
destinando-se ao fracasso.
A obediência a Deus é caminho de crescimento e, por isso mesmo, de
liberdade da pessoa, uma vez que permite acolher um projeto ou uma
vontade diferente da própria que não só não mortifica ou diminui, mas que
funda os alicerces da dignidade humana. Ao mesmo tempo, a liberdade é,
em si, um caminho de obediência, pois é obedecendo como filho ao plano
do Pai que a pessoa que crê realiza o seu ser livre. È claro que, una tal
obediência exige de reconhecer-se como filho e de alegrar-se em ser filho,
posto que somente um filho e uma filha podem entregar-se livremente nas
mãos do Pai, exatamente como o Filho Jesus, que se abandonou nas mãos
do Pai. E se, durante a sua paixão, entregou-se também a Judas, aos
sumos-sacerdotes, aos seus flageladores, à multidão hostil e aos que o
crucificaram, Ele só o fez porque estava absolutamente certo de que tudo
encontrava um significado na fidelidade total ao desígnio de salvação
querido pelo Pai, a quem – como recorda são Bernardo – « não foi a morte
que agradou, mas sim a vontade d'Aquele que, espontaneamente, morria
».11
« Ouve, Israel » (Dt 6,4)
6. Filho, para o Senhor Deus, é Israel, o povo que Ele escolheu para si,
que gerou, que fez crescer, sustentando-o com sua mão, que trouxe até
junto a seu rosto, que ensinou a caminhar (cf. Os 11,1-4), a quem – com
suprema expressão de afeto – dirigiu, a seguir, a sua Palavra, embora este
povo nem sempre a tenha escutado, mas a tenha vivido como um peso,
como uma “lei”. Todo o Antigo Testamento é um convite à escuta, uma
escuta que existe em função da aliança nova, quando, come diz o Senhor,
« porei minhas leis em sua mente e as gravarei no seu coração; e serei o
seu Deus, e eles serão o meu povo » (Hb 8,10; cf. Jr 31,33).
À escuta segue a obediência como resposta livre e libertadora do novo
Israel à proposta do novo pacto; a obediência é parte da nova aliança,

1.6 Page 6

▲back to top
aliás, é o seu distintivo característico. Por conseguinte, ela só pode ser
compreendida completamente dentro da lógica do amor, da intimidade
com Deus, da pertença definitiva Àquele que nos torna, finalmente livres.
A obediência à Palavra de Deus
7. A primeira obediência da criatura é a de vir à existência, em
cumprimento ao fiat divino que a chama a ser. Tal obediência atinge plena
expressão na criatura livre para reconhecer-se e aceitar-se como dom do
Criador, para dizer “sim” ao próprio provir de Deus. Ela realiza, desta
maneira, um primeiro e verdadeiro ato de liberdade, o qual é também o
primeiro e fundamental ato da obediência.
A obediência própria da pessoa que crê, é, pois, a adesão à Palavra com a
qual Deus se revela e se comunica a si mesmo e, através da qual, renova a
cada dia a sua aliança de amor. Daquela Palavra brota a vida que continua
sendo transmitida a cada dia. A pessoa de fé procura, por isso, a cada
manhã, o contato vivo e constante com a Palavra que naquele dia é
proclamada, meditando-a e guardando-a no coração como um tesouro,
fazendo dela a raiz de cada ação e o primeiro critério de cada opção. Ao
fim do dia, confronta-se com ela, louvando a Deus como Simeão por ter
visto o cumprimento da Palavra eterna dentro das pequenas vicissitudes do
próprio cotidiano (cf. Lc 2,27-32), e confiando à força da Palavra o que
ainda permanece incompleto. De fato, a Palavra não trabalha apenas de
dia, mas sempre, como ensina o Senhor na parábola da semente (cf. Mc
4,26-27).
A frequência cotidiana, amorosa à Palavra educa para descobrir os
caminhos da vida e as modalidades pelas quais Deus quer libertar os seus
filhos; alimenta o instinto espiritual para as coisas que agradam a Deus;
transmite o sentido e o gosto pela sua vontade; dá a paz e a alegria de
permanecer na fidelidade a Ele, tornando-nos sensíveis e dispostos para
todas as expressões da obediência: ao Evangelho (Rm 10,16; 2 Ts 1,8), à fé
(Rm 1,5; 16,26), à verdade (Gl 5,7; 1 Pd 1,22).
Não se deve esquecer, contudo, que a autêntica experiência de Deus é
sempre experiência de alteridade. « Por grande que seja a semelhança
verificada entre o Criador e a criatura, sempre maior é a diferença entre
ambos ».12 Os místicos, e todos os que fizeram experiência da intimidade
com Deus, recordam-nos que o contato com o Mistério soberano é sempre
contato com o Outro, com uma vontade que, às vezes, é dramaticamente
diferente da nossa. Obedecer a Deus significa, pois, entrar em “outra”
ordem de valores, captar um sentido novo e diferente da realidade,
experimentar uma liberdade impensável, chegar às portas do mistério: «
Pois os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos
caminhos não são os meus, oráculo do Senhor. Tanto quanto o céu acima
da terra, assim estão os meus caminhos acima dos vossos, e meus
pensamentos distantes dos vossos » (Is 55,8-9).
Pode-se incutir temor este ingresso no mundo de Deus, mas esta
experiência, a exemplo dos santos, pode mostrar que aquilo que é
impossível para o homen é possível para Deus, trasforma-se em momento

1.7 Page 7

▲back to top
característico para uma experiência autêntica do divino, experiência de
obediência ao Mistéro de um Deus que é, ao mesmo tempo, « interior
intimo meo » 13 e radicalmente outro.
No seguimento de Jesus, o Filho obediente ao Pai
8. Não estamos sozinhos neste caminho: somos guiados pelo exemplo de
Cristo, o amado em quem o Pai pôs suas complacências (cf. Mt 3,17;
17,5), Aquele que nos libertou graças à sua obediência. Ele é quem inspira
a nossa obediência, a fim de que se cumpra, também através de nós, o
desígnio divino da salvação.
N'Ele, tudo é escuta e acolhimento do Pai (cf. Jo 8,28-29), toda a sua vida
terrena é expressão e continuação daquilo que faz o Verbo desde a
eternidade: deixar-se amar pelo Pai, acolher incondicionalmente o seu
amor, até chegar ao ponto de nada fazer por si mesmo (cf. Jo 8,28), mas
cumprir sempre o que agrada ao Pai. A vontade do Pai é o alimento que
sustenta Jesus na sua obra (cf. Jo 4,34) e que rende a Ele e a nós a
superabundância da ressurreição, a alegria luminosa de entrar no coração
de Deus, na fileira beata dos seus filhos (cf. Jo 1,12). Por esta obediência
de Jesus é que « todos se tornarão justos » (Rm 5,19).
Ele a viveu também quando essa lhe ha apresentou um cálice difícil de
beber (cf. Mt 26,39.42; Lc 22,42), e se fez « obediente até à morte e morte
de cruz » (Fl 2,8). É o aspecto dramático da obediência do Filho, envolta
num mistério em que jamais poderemos penetrar totalmente, mas que é,
para nós, de grande relevância por revelar-nos ainda mais a natureza filial
da obediência cristã: somente o Filho, que se sente amado pelo Pai e o
ama, por sua vez, com todo o seu ser, pode chegar a este tipo de
obediência radical.
O cristão define-se, a exemplo de Cristo, como um ser obediente. A
primazia indiscutível do amor na vida cristã não pode fazer esquecer que
tal amor adquiriu um rosto e um nome em Cristo Jesus e se fez
Obediência. A obediência, portanto, não é humilhação, mas verdade sobre
a qual se constrói e realiza a plenitude do homem. Quem crê, por isso
mesmo, deseja tão ardentemente cumprir a vontade do Pai que dela faz a
sua suprema aspiração. Como Jesus, deseja viver desta vontade. À
imitação de Cristo e d'Ele aprendendo, num gesto de suprema liberdade e
confiança incondicional, a pessoa consagrada depôs sua vontade nas mãos
do Pai, de modo a oferecer-lhe um sacrifício perfeito e agradável (cf. Rm
12,1).
Antes ainda de ser o modelo de cada obediência, Cristo é aquele ao qual
se dirige cada verdadeira obediência cristã. De fato é o colocar em prática
as suas palavras que se torna efetivo o discipulado (cf. Mt 7,24) e é
observando os seus mandamentos que torna concreto o amor a Ele e
chama para si o amor do Pai (cf. Jo 14,21). Ele está ao centro da
comunidade religiosa como Aquele que serve (cf. Lc 22,27), mas também
como Aquele ao qual se confessa a própria fé (« Credes em Deus e Crede
também em nim »: Jo 14,1) e se doa a propria obediência, porque somente
nesta se atua uma sequela segura e perseverante: « Na realidade é o

1.8 Page 8

▲back to top
mesmo Senhor ressuscitado, novamente presente entre os irmãos e as
irmãs reunidos no seu nome, que indica o caminho a percorrer ».14
Obedientes a Deus através de mediações humanas
9. Deus manifesta a sua vontade por meio da moção interior do Espírito,
que « guia a toda a verdade » (cf. Jo 16,13), e através de múltiplas
mediações exteriores. Com efeito, a história da salvação é uma história de
mediações que tornam visível, de alguma maneira, o mistério de graça que
Deus realiza no íntimo dos corações. Podem-se reconhecer igualmente, na
vida de Jesus, não poucas mediações humanas, através das quais Ele
percebeu, interpretou e acolheu a vontade do Pai, como razão de ser e
como alimento permanente da sua vida e da sua missão.
As mediações que comunicam exteriormente a vontade de Deus hão de ser
reconhecidas nas vicissitudes da vida e nas exigências próprias da vocação
específica; mas se exprimem também nas leis que regulam a vida social e
nas disposições daqueles que foram chamados a guiá-la. No contexto
eclesial, leis e disposições, legitimamente dadas, permitem reconhecer a
vontade de Deus, tornando-se atuação concreta e “ordenada” das
exigências evangélicas, a partir das quais devem ser formuladas e
percebidas.
As pessoas consagradas, além disso, são chamadas ao seguimento de
Cristo obediente num “projeto evangélico” ou carismático, suscitado pelo
Espírito e autenticado pela Igreja. Ao aprovar um projeto carismático, isto
é, um Instituto religioso, a Igreja garante que as inspirações que o animam
e as normas que o regem podem dar lugar a um itinerário de busca de
Deus e de santidade. Até mesmo a Regra e outras indicações de vida
tornam-se, pois, mediações da vontade do Senhor: mediação humana,
porém sempre autorizada, imperfeita mas vinculante ao mesmo tempo,
ponto a partir do qual começar a cada dia, e também perspectiva a superar,
num impulso generoso e criativo em direção àquela santidade que Deus
“quer” para cada consagrado. Neste caminho, a autoridade é investida da
tarefa pastoral de guiar e de decidir.
É evidente que tudo isso só será coerente e frutuosamente vivido se
permanecerem vivos o desejo de conhecer e de fazer a vontade de Deus,
além da consciência da própria fragilidade, bem como a aceitação da
validez das mediações específicas, mesmo quando não se chegarem a
captar plenamente as razões que elas apresentam.
As intuições espirituais dos fundadores e das fundadoras, sobretudo
daqueles que principalmente têm marcado o caminho da vida religiosa
durante os séculos, têm sempre dado grande ressalto à obediência. São
Bento já no início da sua Regra se dirige ao monge dizendo-lhe: « A você
(...) se dirige agora a minha palavra; a você que, renunciando à própria
vontade para militar por Cristo Senhor, verdadeiro rei, toma sobre si as
fortíssimas e gloriosas armas da obediência ».15
Deve-se, ainda, recordar que a relação autoridade-obediência coloca-se no
contexto mais amplo do mistério da Igreja e constitui uma atuação

1.9 Page 9

▲back to top
particular da sua função mediadora. A este respeito, o Código de Direito
Canônico recomenda aos superiores que exerçam « em espírito de serviço
o poder, recebido de Deus pelo ministério da Igreja ».16
Aprender a obediência no cotidiano
10. Pode acontecer, portanto, que a pessoa consagrada tenha de “aprender
a obediência” também a partir do sofrimento, ou pelo menos de certas
situações particulares e difíceis: quando lhe é pedido, por exemplo, que
deixe alguns projetos e idéias pessoais, que renuncie à pretensão de
administrar sozinha a vida e a missão; ou todas as vezes em que o que é
pedido (ou quem o pede) revela-se humanamente pouco convincente.
Quem se encontra em tais situações não esqueça, então, que a mediação é,
por sua mesma natureza, limitada e inferior àquela realidade à qual
remete, e tanto mais o é em se tratando da mediação humana em relação à
vontade divina; mas lembre-se igualmente, toda vez em que se defrontar
com uma ordem legitimamente emanada, de que o Senhor pede que
obedeça à autoridade que o representa naquele momento 17 e que Cristo
também « aprendeu a obediência por aquilo que sofreu » (Hb 5,8).
A propósito, é oportuno recordar as palavras de Paulo VI: « Deveis, pois,
experimentar nalguma medida o peso que atraía o Senhor para a cruz, esse
“batismo em que devia ser batizado” e onde se acenderia aquele fogo que
vos inflama a vós também (cf. Lc 12, 49-50); experimentar algo daquela
“loucura” que São Paulo deseja a todos nós, porque só ela nos torna
sapientes (cf. 1Cor 3,18-19). Que a cruz seja para vós, a prova do maior
amor, como o foi para Cristo. Não existe, acaso, uma relação misteriosa
entre a renúncia e a alegria, entre o sacrifício e a expansão do coração,
entre a disciplina e a liberdade espiritual? ».18
Precisamente nestes casos sofridos é que a pessoa consagrada aprende a
obedecer ao Senhor (cf. Sl 118,71), a escutá-lo e a aderir somente a Ele, na
espera, paciente e cheia de esperança, da sua Palavra reveladora (cf. Sl
118,81), na disponibilidade plena e generosa de cumprir a sua vontade e
não a própria (cf. Lc 22,42).
Na luz e na força do Espírito
11. Adere-se, pois, ao Senhor quando se descobre a Sua presença nas
mediações humanas, especialmente na Regra, nos superiores, na
comunidade,19 nos sinais dos tempos, na expectativa do povo, sobretudo
dos pobres; quando se tem a coragem de lançar as redes na força « da sua
palavra » (cf. Lc 5,5) e não de motivações humanas apenas; quando se
escolhe obedecer não somente a Deus, mas inclusive aos homens, todavia,
em qualquer caso, por Deus e não pelos homens. Escreve Santo Inácio de
Loyola nas suas Constituições: « A verdadeira obediência não considera
aquele a quem é prestada, mas sim aquele por quem se obedece; e se
obedece só por nosso Criador e Senhor, é ao mesmo Senhor de todos que
se obedece ».20
Se, nos momentos difíceis, quem foi chamado a obedecer pedirá com

1.10 Page 10

▲back to top
insistência ao Pai o dom do Espírito (cf. Lc 11,13), Ele o dará, e o Espírito
dará luz e força para que seja obediente e fará com que conheça a verdade
e a verdade o tornará livre (cf. Jo 8,32).
O próprio Jesus, em sua humanidade, foi conduzido pela ação do Espírito
Santo: concebido no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo, no
início de sua missão, no batismo, recebe o Espírito que desce sobre Ele e o
guia; ressuscitado, derrama o Espírito sobre seus discípulos a fim de que
entrem em sua própria missão, anunciando a salvação e o perdão por Ele
merecido. O Espírito que ungiu Jesus é o mesmo que pode fazer a nossa
liberdade semelhante à de Jesus, perfeitamente conforme à vontade de
Deus.21
É indispensável, portanto, que cada um se faça disponível ao Espírito, a
começar pelos superiores, que precisamente do Espírito é que recebem a
autoridade 22 e, « dóceis à vontade de Deus »,23 sob a sua guia a devem
exercer.
Autoridade a serviço da obediência à vontade de Deus
12. Na vida consagrada, cada um tem que buscar com sinceridade a
vontade do Pai pois, de outra forma, a própria razão de sua opção de vida
se seria afetada; mas é igualmente importante levar adiante tal busca em
companhia dos irmãos ou irmãs, já que é precisamente esta busca que une,
que “constitui família unida a Cristo”.
A autoridade está a serviço desta busca, para que ela ocorra na sinceridade
e na verdade. Na homilia de início do ministério petrino, Bento XVI
afirmou significativamente: « O meu verdadeiro programa de governo é
de não fazer a minha vontade, não perseguir as minhas idéias, mas pondo-
me contudo à escuta, com a Igreja inteira, da palavra e da vontade do
Senhor e deixar-me guiar por Ele, de forma que seja Ele mesmo quem
guia a Igreja nesta hora da nossa história ».24 Reconheça-se, por outro
lado, que a tarefa de ser guia de outros não é fácil, principalmente quando
o sentido de autonomia pessoal é excessivo ou gerador de conflitos e
competitivo em relação aos outros. É mister aguçar, da parte de todos, o
olhar da fé diante desta tarefa, a qual deve ser inspirada na atitude de
Jesus, servo que lava os pés de seus apóstolos para que estes tenham parte
em sua vida e em seu amor (cf Jo 13,1-17).
Exige-se uma grande coerência da parte de quem guia os Institutos, as
províncias (ou outras circunscrições do Instituto) e as comunidades. A
pessoa chamada a exercer a autoridade deve saber que somente o poderá
fazer se ela mesma, em primeiro lugar, empreender aquela peregrinação
que leva a buscar, com intensidade e retidão, a vontade de Deus. Vale para
ela o conselho que dava santo Inácio de Antioquia a um confrade seu no
episcopado: « Nada se faça sem o teu consentimento, mas tu nada faças
sem o consentimento de Deus ».25 A autoridade há de agir em modo tal
que os irmãos ou as irmãs possam perceber que ela, quando ordena, o faz
unicamente para obedecer a Deus.

2 Pages 11-20

▲back to top

2.1 Page 11

▲back to top
A veneração pela vontade de Deus mantém a autoridade num estado de
humilde busca, a fim de fazer com que o seu agir seja o mais conforme
possível àquela santa vontade. Santo Agostinho recorda que quem obedece
cumpre sempre a vontade de Deus, não porque a ordem da autoridade
esteja necessariamente em conformidade com a vontade divina, mas
porque é vontade de Deus que se obedeça a quem preside.26 A autoridade,
porém, por sua vez, deve procurar assiduamente, com o auxílio da oração,
da reflexão e do conselho de outros, aquilo que Deus verdadeiramente
quer. Do contrário, o superior ou a superiora, em vez de representar a
Deus, correm o risco de pôr-se temerariamente no seu lugar.
No intento de fazer a vontade de Deus, autoridade e obediência não são,
portanto, duas realidades diferentes nem, muito menos, contrapostas, mas
duas dimensões da mesma realidade evangélica, do mesmo mistério
cristão, dois modos complementares de participar da mesma oblação de
Cristo. Autoridade e obediência acham-se personificadas em Jesus: por
isso, devem ser entendidas em relação direta com Ele e em configuração
real com Ele. A vida consagrada tem como objetivo viver simplesmente a
sua Autoridade e a sua Obediência.
Algumas prioridades no serviço da autoridade
13. a) Na vida consagrada, a autoridade é, antes de tudo, uma autoridade
espiritual.27 Ela sabe que foi chamada a servir um ideal que a supera
imensamente, um ideal do qual é possível aproximar-se somente num
clima de oração e de humilde busca, que permitirá captar a ação do
mesmo Espírito no coração de cada irmão ou irmã. Uma autoridade é
“espiritual” quando se põe a serviço do que o Espírito quer realizar através
dos dons que Ele distribui a cada membro da fraternidade, dentro do
projeto carismático do Instituto.
Para estar em condições de promover a vida espiritual, a autoridade
deverá, em primeiro lugar, cultivá-la em si mesma, por meio de uma
familiaridade, orante e quotidiana, com a Palavra de Deus, com a Regra e
as outras normas de vida, em atitude de disponibilidade para a escuta dos
outros e dos sinais dos tempos. « O serviço de autoridade exige uma
presença constante, capaz de animar e de propor, de recordar as razoeÄs
de ser da vida consagrada, de ajudar as pessoas a corresponder com uma
fidelidade sempre renovada ao chamamento do Espírito ».28
b) A autoridade é chamada a garantir à sua comunidade o tempo e a
qualidade da oração, velando pela fidelidade cotidiana da mesma, com a
consciência de que a Deus se vai com passos pequenos, mas constantes, de
cada dia e de cada um, e de que as pessoas consagradas podem ser úteis
aos demais na medida em que estiverem unidas a Deus. É chamada, além
disso, a vigiar para que, a começar por sua pessoa, não se arrefeça o
contato diário com a Palavra que « tem poder para edificar » (At 20, 32)
cada uma das pessoas e a comunidade, e para indicar os caminhos da
missão. Lembrando-se do mandato do Senhor « fazei isto em memória de
mim » (Lc 22,19), procurará que o santo mistério do Corpo e do Sangue
de Cristo seja celebrado e venerado como “fonte e cume” 29 da comunhão

2.2 Page 12

▲back to top
com Deus e entre os irmãos e irmãs. Celebrando e adorando o dom da
Eucaristia em fiel obediência ao Senhor, a comunidade religiosa alcança
inspiração e forças para a sua dedicação total a Deus, para ser sinal do seu
amor gratuito para com a humanidade e reenviando eficácia aos bens
futuros.30
c) A autoridade é chamada a promover a dignidade da pessoa, prestando
atenção a cada membro da comunidade e ao seu caminho de crescimento,
fazendo dom a cada um da própria estima e da própria consideração
positiva, nutrindo um sincero afeto por todos e guardando com discrição
as confidências recebidas.
É oportuno recordar que, antes de se invocar a obediência (necessária), se
há de praticar a caridade (indispensável). É bom que se faça, além do
mais, um uso apropriado da palavra comunhão, a qual não pode nem deve
ser entendida como uma espécie de delegação da autoridade à comunidade
(com o convite implícito a que cada um “faça o que quiser”), nem sequer
como uma imposição mais ou menos velada do próprio ponto de vista
(cada um “faça o que eu quiser”).
d) A autoridade é chamada a infundir coragem e esperança nas
dificuldades. Como Paulo e Barnabé encorajavam seus discípulos ao
ensinar-lhes que « é necessário passar por muitos sofrimentos para entrar
no Reino de Deus » (At 14,22), assim a autoridade deve ajudar a acolher
as dificuldades do momento presente, recordando que elas fazem parte dos
sofrimentos com que amiúde se cobre o caminho que conduz ao Reino.
Em presença de algumas situações difíceis da vida consagrada, por
exemplo onde a sua presença parece debilitar-se e até extinguir-se, quem
guia a comunidade recordará o valor perene deste gênero de vida,
porquanto, hoje como ontem e como sempre, nada é mais importante, belo
e verdadeiro que gastar a própria vida pelo Senhor e pelos mais
pequeninos dentre seus filhos.
A guia comunitária é como o bom pastor que dedica a vida pelas ovelhas e
também que não volta atrás nos momentos críticos, mas se faz presente,
participa das preocupações e das dificuldades das pessoas confiadas a seus
cuidados, deixando-se envolver pessoalmente. E, como o bom samaritano,
estará pronta para curar as eventuais feridas. Reconhece, igualmente,
humildemente os próprios limites e a necessidade que tem do auxílio de
outros, sabendo entesourar até mesmo a experiência dos próprios
insucessos e das próprias derrotas.
e) A autoridade é chamada a manter vivo o carisma da própria família
religiosa. O exercício da autoridade comporta, assim mesmo, pôr-se a
serviço do carisma próprio do Instituto a que se pertence, guardando-o
com cuidado e tornando-o atual na comunidade local, na província ou no
Instituto inteiro, de acordo com os projetos ou as orientações oferecidas,
em particolar, nos Capítulos gerais (ou reuniões análogas).31 Isso exige, na
autoridade, um conhecimento adequado do carisma do Instituto,
assumindo-o, antes de tudo, na própria experiência pessoal, para
interpretá-lo depois em função da vida fraterna comunitária e da sua

2.3 Page 13

▲back to top
inserção no contexto eclesial e social.
f) A autoridade é chamada a manter vivo o “sentire cum Ecclesia”.
Compromisso da autoridade é também o de ajudar a manter vivo o sentido
da fé e da comunhão eclesial, em meio a um povo que reconhece e louva
as maravilhas de Deus, testemunhando a alegria de pertencer a Ele na
grande família da Igreja una, santa, católica e apostólica. O compromisso
do seguimento do Senhor não pode ser empreendimento por navegadores
solitários, mas se realiza na comum barca de Pedro, que resiste às
tempestades; e a pessoa consagrada dará a contribuição de uma fidelidade
laboriosa e gozosa à boa navegação.32 A autoridade deverá recordar que «
a nossa obediência é um crer com a Igreja, um pensar e falar com a Igreja,
um servir com ela. Faz parte disto sempre também o que Jesus predisse a
Pedro: “Serás levado onde não queres”. Este deixar-se guiar para onde não
queremos é uma dimensão fundamental do nosso servir, e é precisamente
o que nos torna livres ».33
O sentire cum Ecclesia, que brilha nos fundadores e fundadoras, implica
uma autêntica espiritualidade de comunhão, isto é, « uma relação efetiva e
afetiva com os Pastores, antes de mais nada com o Papa, centro da
unidade da Igreja »: 34 a ele cada pessoa consagrada deve plena confiança
e obediência, também em força do mesmo voto.35 A comunhão eclesial
demanda, além disso, uma adesão fiel ao magistério do Papa e dos Bispos,
como testemunhas concretas do amor à Igreja e paixão pela sua unidade.36
g) A autoridade é chamada a acompanhar o caminho de formação
permanente. Uma tarefa a considerar-se hoje sempre mais importante, da
parte da autoridade, é a de acompanhar, ao longo do caminho da vida, as
pessoas a ela confiadas. Esta atribuição se cumpre não apenas mediante o
oferecimento de ajuda para resolver eventuais problemas ou superar
possíveis crises, mas também prestando atenção ao crescimento normal de
cada um, em cada uma das fases e estações da existência, a fim de garantir
aquela « juventude do espírito que permanece no tempo » 37 e que torna a
pessoa consagrada sempre mais conforme ao « mesmo sentimento de
Cristo Jesus » (Fl 2,5).
Será responsabilidade da autoridade, portanto, manter um nível alto de
disponibilidade formativa em cada um, de capacidade de aprender com a
vida, sobretudo da liberdade de deixar-se formar pelo outro e sentir-se
responsável pelo caminho de crescimento de todos. Favorecendo a
utilização daqueles instrumentos de crescimento comunitário transmitidos
pela tradição e, hoje, sempre mais recomendados por quem possui
experiência comprovada no campo da formação espiritual: partilha da
Palavra, projeto pessoal e comunitário, discernimento comunitário, revisão
de vida e correção fraterna.38
O serviço da autoridade à luz da normativa eclesial
14. Nos parágrafos anteriores foi descrito o serviço da autoridade na vida
consagrada em referência à busca da vontade do Pai e foram indicadas
algumas prioridades.

2.4 Page 14

▲back to top
Para que tais prioridades não sejam entendidades puramente como
facultativas, é oportuno responder os caráteres peculiares do exercício da
autoridade segundo o Código do Direito Canônico.39 Nestes são
traduzidas as normas e tratados evangelicos da autoridade exercida pelo
superior religioso nos vários níveis.
a) Obediência ao superior. Pelo motivo da própria característica do munus
da autoridade eclesial, o Código recorda ao superior religioso que ele é
chamado antes de tudo a ser o primeiro obediente. Por força do ofício
assumido, ele deve obediência à lei de Deus, da qual vem a sua autoridade
e à qual deverá prestar contas em consciência, à lei da Igreja e ao Romano
Pontefice, ao direito próprio do Instituto.
b) Espírito de serviço. Depois de ter reafirmado a origem carismática e a
mediação eclesial da autoridade religiosa, se reforça que, como cada
autoridade na Igreja, também a autoridade do superior religioso deve
caracterizar pelo espírito de serviço, como exemplo de Cristo que « não
veio para ser servido, mas para servir » (Mc 10,45).
Deste espírito de serviço, vem indicado alguns aspéctos em particular, dos
quais a fiel observância fará com que os superiores, no exercício da
própria função, sejam reconhecidos como « dóceis à vontade de Deus ».40
Cada superior portanto é chamado a fazer reviver visivelmente, irmão
entre os irmãos ou irmã entre as irmãs, o amor com que Deus ama os seus
filhos, evitando, de um lado, todo comportamento de dominação e, do
outro, toda forma de paternalismo o maternalismo.
Tudo isso se torna possível a partir da confiança na responsabilidade dos
irmãos, « suscitando entre eles a livre obediência no respeito à pessoa
humana »,41 e através do diálogo tendo presente que a adesão deve vir «
em espírito de fé e de amor, para seguir Cristo obediente »42 e não por
outras motivações.
c) Solicitude pastoral. O Código indica a finalidade primária do exercício
da autoridade religiosa que é aquela de « construir em Cristo uma
comunidade fraterna na qual se busca Deus e o ama sobre todas as coisas
».43 Portanto na comunidade religiosa a autoridade é essencialmente
pastoral, uma vez que, pela própria natureza, está em função da construção
da vida fraterna em comunidade, segundo a identidade eclesial própria da
vida consagrada.44
Os meios essenciais que o superior deve utilizar para conseguir tal
finalidade devem ter como base a fé, em particular, a escuta da Palavra de
Deus e a celebração da Liturgia.
Enfim, vem assinalados alguns âmbitos de particular solicitação da parte
dos superiores nas relações com os irmãos ou das irmãs: « providenciar de
modo conveniente o quanto a eles pessoalmente ocorrem; visitem os
doentes procurando-lhes com solicitude e atenção necessária, repreenda os
inquietos, conforta-lhe os tímidos, seja paciente com todos ».45

2.5 Page 15

▲back to top
Em missão com a liberdade dos filhos de Deus
15. A missão volta-se hoje, não raramente, a pessoas preocupadas com a
própria autonomia, zeloso da própria liberdade e temerosas de perder a
independência.
A pessoa consagrada, mediante a sua existência, apresenta a possibilidade
de um caminho diferente para a realização da própria vida, um caminho
cuja meta é Deus, cuja luz é a sua Palavra e cuja guia é a sua vontade,
onde se avança serenamente dada a certeza de se estar sustentado pelas
mãos de um Pai acolhedor e providente, onde se tem a companhia de
irmãos e irmãs, impulsionados pelo mesmo Espírito, que quer e sabe como
saciar os desejos semeados pelo Pai no coração de cada um.
Esta é a primeira missão da pessoa consagrada: ela deve testemunhar a
liberdade dos filhos de Deus, uma liberdade modelada sobre a de Cristo,
homem livre para servir a Deus e aos irmãos; deve além disso dizer com o
próprio ser que aquele Deus que formara a criatura humana do barro (cf.
Gn 2,7.22) e a teceu no seio materno (cf. Sl 138,13), pode formar a sua
vida, modelando-a sobre a de Cristo, homem novo e perfeitamente livre.
SEGUNDA PARTE
O SERVIÇO DA AUTORIDADE
E OBEDIÊNCIA NA VIDA FRATERNA
« Um só é vosso mestre e todos vós sois irmãos »
(Mt 23,8)
O mandamento novo
16. A todos os que buscam a Deus, junto ao mandamento « amarás o
Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo
o teu entendimento », é dado o segundo mandamento « semelhante ao
primeiro »: « amarás teu próximo como a ti mesmo » (Mt 22,37-39). E, o
Senhor Jesus acrescenta: « Amai-vos uns aos outros como eu vos amei »,
porque, pela qualidade do vosso amor « conhecerão todos que sois os
meus discípulos » (Jo 13,34-35). A construção de comunidades fraternas
constitui um dos compromissos fundamentais da vida consagrada, a que
os membros da comunidade são chamados a dedicar-se, movidos pelo
mesmo amor que o Senhor derramou nos seus corações. A vida fraterna
em comunidade é, com efeito, um elemento constitutivo da vida religiosa,
sinal eloqüente dos efeitos humanizadores da presença do Reino de Deus.
Se é verdade que não existem comunidades significativas sem amor
fraterno, é igualmente verdade que uma correta visão da obediência e da
autoridade pode oferecer um auxílio válido para viver, no dia-a-dia, o
mandamento do amor, sobretudo quando se trata de enfrentar problemas
concernentes à relação entre pessoa e comunidade.
A autoridade a serviço da comunidade, a comunidade a serviço do
Reino

2.6 Page 16

▲back to top
17. « Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são
filhos de Deus » (Rm 8,14): somos, pois, irmãs e irmãos na medida em
que Deus é o Pai que guia com seu Espírito a comunidade, de irmãos e
irmãs, configurando-os a seu Filho.
A função da autoridade insere-se neste desígnio. Os superiores e as
superioras, unidos às pessoas a eles confiadas, são chamados a edificar em
Cristo uma comunidade fraterna, onde se busque a Deus, amando-o sobre
todas as coisas, para realizar o seu plano redentor.46 A autoridade está,
portanto, a serviço da comunidade, como o Senhor Jesus, que lavou os pés
de seus discípulos, para que, por sua vez, a comunidade esteja a serviço do
Reino (cf. Jo 13,1-17). Exercer a autoridade em meio aos irmãos significa
servi-los a exemplo d'Aquele que « deu a vida em resgate por muitos »
(Mc 10,45), para que também eles dêem a vida.
Somente se o superior, por sua vez, viver na obediência a Cristo e na
observância sincera da Regra, é que os membros da comunidade podem
compreender que a obediência deles ao superior não só não contraria a
liberdade dos filhos de Deus, mas a faz amadurecer na conformidade com
Cristo, obediente ao Pai.47
Dóceis ao Espírito que conduz à unidade
18. Um mesmo chamamento de Deus congregou na unidade os membros
de uma comunidade ou de um Instituto (cf. Cl 3,15); uma única vontade
de buscar a Deus continua a guiá-los. « De modo particular, a vida de
comunidade é o sinal, para a Igreja e para a sociedade, daquele laço que
provém de um chamado igual e da vontade comum de lhe obedecer, para
além de qualquer diversidade de raça e de origem, de língua e de cultura.
Contra o espírito de discórdia e de divisão, a autoridade e a obediência
resplandecem como um sinal daquela única paternidade que vem de Deus,
da fraternidade nascida do Espírito, da liberdade interior de quem se fia de
Deus, não obstante os limites humanos daqueles que o representam ».48
O Espírito torna cada um disponível para o Reino, mesmo na diferença de
dons e funções (cf. 1 Cor 12,11). A obediência à sua ação unifica a
comunidade no testemunho da sua presença, faz alegres os passos de todos
(cf. Sl 36,23) e torna-se o fundamento da vida fraterna, na qual todos
obedecem, mesmo com funções diversas. A busca da vontade de Deus e a
disponibilidade para cumpri-la são o cimento espiritual que salva o grupo
da fragmentação que poderia derivar das muitas subjetividades quando
privadas de um princípio de unidade.
Para uma espiritualidade de comunhão e uma santidade comunitária
19. Uma concepção antropológica renovada evidenciou muito mais, nestes
últimos anos, a importância da dimensão relacional do ser humano. Tal
concepção encontra uma ampla confirmação na imagem de pessoa
humana que emerge das Escrituras e, sem dúvida, tem influenciado
igualmente no modo de conceber a relação dentro da comunidade
religiosa, fazendo-a mais atenta ao valor da abertura ao outro e à
fecundidade da relação com a diversidade, bem como no enriquecimento

2.7 Page 17

▲back to top
que daí deriva para todos e cada um.
Esta antropologia relacional exerceu também uma influência, pelo menos
indireta, conforme já se recordou, sobre a espiritualidade de comunhão, e
contribuiu para a renovação do conceito de missão, entendida como
compromisso compartilhado com todos os membros do povo de Deus,
num espírito de colaboração e co-responsabilidade. A espiritualidade de
comunhão revela-se como sendo o clima espiritual da Igreja no início do
terceiro milênio e, portanto, como tarefa ativa e exemplar da vida
consagrada em todos os seus níveis. É a via mestra de um futuro de vida
de fé e de testemunho cristão. Ela encontra o seu irrenunciável referimento
no mistério eucarístico, sempre reconhecido como central, mesmo porque
« a Eucaristia é constitutiva do ser e do agir da Igreja » e « se mostra na
raiz da Igreja como mistério de comunhão ».49
A santidade e a missão passam pela comunidade, já que o Senhor
ressuscitado se faz presente nela e através dela,50 tornando-a santa e
santificando as relações. Acaso não prometeu Jesus estar presente ali onde
dois ou três se reúnem em seu nome (cf. Mt 18,20)? O irmão e a irmã
tornam-se, desta forma, sacramento de Cristo e do encontro com Deus,
possibilidade concreta de se viver o mandamento do amor recíproco. O
caminho de santidade converte-se assim em percurso que toda a
comunidade percorre junta; não apenas caminho do indivíduo, mas sempre
mais uma experiência comunitária: no acolhimento recíproco; na partilha
dos dons, sobretudo do dom do amor, do perdão e da correção fraterna; na
busca comum da vontade do Senhor, rico de graça e de misericórdia; na
disponibilidade em fazer-se cada um responsável pelo caminho do outro.
No hodierno clima cultural, a santidade comunitária é testemunho
convincente, talvez ainda mais que a individual: ela manifesta o perene
valor da unidade, dom a nós deixado pelo Senhor Jesus. Isso se faz visível
especialmente nas comunidades internacionais e interculturais, as quais
requerem altos níveis de acolhimento e diálogo.
O papel da autoridade para o crescimento da fraternidade
20. O crescimento da fraternidade é fruto de uma caridade “ordenada”.
Assim « é necessário, além disso, que o direito próprio seja o mais exato
possível no estabelecer as respectivas competências da comunidade, dos
diversos Conselhos, dos responsáveis setoriais e do superior. A pouca
clareza nesse setor é fonte de confusão e de conflitos. Também os
“projetos comunitários”, que podem ajudar a participação na vida da
comunidade e em sua missão nos diversos contextos, deveriam ter a
preocupação de definir bem o papel e a competência da autoridade,
sempre no respeito às Constituições ».51
Neste quadro, a autoridade promove o crescimento da vida fraterna
através do serviço da escuta e do diálogo, da criação de um clima
favorável à partilha e à co-responsabilidade, da participação de todos nas
coisas de todos, do serviço equilibrado a cada um em particular e à
comunidade como um todo, do discernimento e da promoção da
obediência fraterna.

2.8 Page 18

▲back to top
a) O serviço da escuta
O exercício da autoridade implica que ela ouça de boa vontade as pessoas
que o Senhor lhe confiou.52 São Bento insiste: « O abade convoque toda a
comunidade »; « todos sejam chamados a conselho »; « muitas vezes o
Senhor revela ao mais moço o que é melhor ».53
A escuta é um dos ministérios principais do superior, para o qual ele
sempre deveria estar disponível, especialmente para com quem se sente
isolado e carente de atenção. Escutar significa, com efeito, acolher o outro
incondicionalmente, dar-lhe espaço no próprio coração. A escuta
transmite, por isso, afeto e compreensão, diz que o outro é apreciado e que
sua presença e seu parecer são levados em consideração.
Quem preside deve recordar que quem não sabe escutar o irmão ou a irmã,
não sabe escutar tampouco a Deus, que uma escuta atenta permite
coordenar melhor as energias e os dons que o Espírito deu à comunidade,
além de considerar, nas decisões, os limites e as dificuldades de algum de
seus membros. O tempo que se emprega na escuta jamais será tempo
perdido e a escuta, amiúde, pode prevenir crises e momentos difíceis, quer
na esfera individual, quer na comunitária.
b) A criação de um clima favorável ao diálogo, à partilha e à co-
responsabilidade
A autoridade deverá preocupar-se em criar um ambiente de confiança,
promovendo o reconhecimento das capacidades e das sensibilidades de
cada um. Alimentará, igualmente, com palavras e fatos, a convicção de
que a fraternidade exige participação e, portanto, informação.
Junto à escuta, estimará a prática do diálogo sincero e livre para
compartilhar sentimentos, perspectivas e projetos: neste clima, cada um
poderá ver reconhecida a própria identidade e melhorar as próprias
capacidades relacionais. Não temerá reconhecer e aceitar aqueles
problemas que podem surgir facilmente do buscar juntos, do decidir
juntos, do trabalhar juntos, do empreender juntos os melhores caminhos
para realizar uma colaboração fecunda; pelo contrário, procurará as causas
dos eventuais incômodos e incompreensões, sabendo propor remédios, o
mais possível compartilhados. Empenhar-se-á, ademais, em fazer que se
supere qualquer forma de infantilidade e em desencorajar qualquer
tentativa de evitar responsabilidades ou de eludir compromissos sérios, de
fechar-se no próprio mundo e nos próprios interesses ou de trabalhar de
modo solitário.
c) A solicitação da contribuição de todos com as coisas que são de todos
Quem preside tem a responsabilidade da decisão final,54 mas não há de
chegar até ela sozinho ou sozinha, mas sim valorizando, o mais possível, a
contribuição livre de todos os irmãos ou de todas as irmãs. A comunidade
será tal como a fizerem seus membros: será, pois, fundamental estimular e
motivar o contributo de todas as pessoas, a fim de que cada uma sinta o
dever de dar a própria contribuição de caridade, competência e

2.9 Page 19

▲back to top
criatividade. Com efeito, todos os recursos humanos, sendo motivados e
respeitados, hão de potencializar-se e de convergir no projeto comunitário.
Não basta pôr os bens materiais em comum, mais significativa é a
comunhão dos bens e das capacidades pessoais, dos dons e talentos, das
intuições e inspirações, e ainda mais fundamental é que se promova a
partilha dos bens espirituais, da escuta da Palavra de Deus e da fé: « o
vínculo de fraternidade é tanto mais forte quanto mais central e vital é o
que se coloca em comum ».55
Provavelmente nem todos estarão bem dispostos, de imediato, para este
tipo de partilha: na presença de eventuais resistências, sem renunciar ao
projeto, a autoridade procurará balancear sabiamente o chamado à
comunhão dinâmica e corajosa com a arte da paciência, sem pretender ver
os frutos imediatos dos próprios esforços. Reconhecerá que Deus é o
único Senhor que pode tocar e mudar os corações das pessoas.
d) A serviço de cada um e da comunidade
Ao atribuir os diferentes encargos, a autoridade deve levar em conta a
personalidade de cada irmão ou irmã, suas dificuldades e predisposições,
para possibilitar a cada um, no respeito à liberdade de todos de exprimir os
próprios dons; ao mesmo tempo, deverá necessariamente considerar o bem
da comunidade e o serviço à obra a ela eventualmente confiada.
Nem sempre tal composição de finalidades será de fácil realização.
Indispensável se fará, então, o equilíbrio da autoridade, que se manifesta
seja na capacidade de acolher o que cada um tem de positivo e de utilizar
da melhor forma as forças disponíveis, seja naquela retidão de intenção
que a torne interiormente livre, não tanto preocupada em agradar e ser
complacente; e na clareza ao indicar o verdadeiro significado da missão
para a pessoa consagrada, que não pode reduzir-se à valorização dos dotes
pessoais.
Será, porém, igualmente indispensável que a pessoa consagrada aceite
com espírito de fé, e das mãos do Pai, o encargo confiado, ainda quando
não for conforme aos seus desejos e às suas expectativas, ou ao seu modo
de entender a vontade de Deus. Embora podendo expressar as próprias
dificuldades (aliás, manifestando-as sinceramente como contribuição com
a verdade), obedecer, em tais casos, significa remeter-se à decisão final da
autoridade, com a convicção de que tal obediência é precioso contributo,
ainda que sofrido, para a edificação do Reino.
e) O discernimento comunitário
« Na fraternidade animada pelo Espírito Santo, cada qual estabelece com o
outro um diálogo precioso para descobrir a vontade do Pai, e todos
reconhecem em quem preside a expressão da paternidade divina e o
exercício da autoridade recebida de Deus a serviço do discernimento e da
comunhão ».56
Algumas vezes, quando o direito próprio o prevê ou quando a relevância

2.10 Page 20

▲back to top
da decisão a ser tomada o requer, a busca de uma resposta adequada é
confiada ao discernimento comunitário, no qual se trata de escutar « o que
o Espírito diz à comunidade » (cf. Ap 2,7).
Se o discernimento em si se reserva às mais importantes decisões, o
espírito do discernimento deveria caracterizar todo processo de decisão
que envolva a comunidade. Jamais deveria faltar então, antes de qualquer
decisão, um tempo de oração e reflexão individual, ao lado de uma série
de atitudes importantes para escolher juntos o que é justo e agradável a
Deus. Eis algumas delas:
– a determinação a nada buscar além da vontade divina, deixando-se
inspirar pelo modo de agir de Deus manifestado na Sagrada Escritura e na
história do carisma do Instituto, e tendo a consciência de que a lógica
evangélica é frequentemente “invertida” diante da lógica humana que
procura o sucesso, a eficiência e o reconhecimento;
– a disponibilidade para reconhecer em cada irmão ou irmã a capacidade
de colher a verdade, mesmo que parcial, e, por isso, para acolher o seu
parecer como mediação para descobrir, juntos, a vontade de Deus, até ao
ponto de saber reconhecer as idéias dos outros como melhores que as
próprias;
– a atenção aos sinais dos tempos, à expectativa das pessoas, às exigências
dos pobres, às urgências da evangelização, às prioridades da Igreja
universal e particular e às indicações dos Capítulos e dos superiores
maiores;
– a liberdade frente a preconceitos, ao excessivo apego às próprias idéias,
a esquemas de percepção rígidos ou distorcidos, a tomadas de posição que
acentuam a diversidade de pontos de vista;
– a coragem de motivar as idéias e posicionamentos pessoais, mas também
de abrir-se a novas perspectivas e de modificar o próprio ponto de vista;
– o firme propósito de manter sempre a unidade, seja qual for a decisão
final.
O discernimento comunitário não substitui a natureza nem a função da
autoridade, a quem cabe a decisão final; todavia, a autoridade não pode
ignorar que a comunidade é o lugar privilegiado para reconhecer e acolher
a vontade de Deus. Em qualquer caso, o discernimento figura entre os
momentos mais altos da fraternidade consagrada, onde se ressalta, com
evidência particular, tanto a centralidade de Deus, qual fim último da
busca de todos, como a responsabilidade e o contributo de cada um no
caminho de todos em direção à verdade.
f) Discernimento, autoridade e obediência
A autoridade será paciente no delicado processo do discernimento, o qual
procurará ela garantir nas suas etapas e sustentar nos momentos mais
críticos, e será firme ao reivindicar a aplicação do que foi decidido. Estará

3 Pages 21-30

▲back to top

3.1 Page 21

▲back to top
atenta para não abdicar das próprias responsabilidades, talvez por amor ao
viver tranqüilo ou por medo de ferir a suscetibilidade de alguém. Sentirá a
responsabilidade de não hesitar em situações que exigem que se tomem
decisões claras e, algumas vezes, desagradáveis.57 O verdadeiro amor à
comunidade é, precisamente, o que faz com que a autoridade seja capaz de
conciliar firmeza e paciência, escuta de cada um e coragem para tomar
decisões, superando a tentação de fazer-se surda e muda.
Deve-se observar, finalmente, que uma comunidade não pode viver em
estado permanente de discernimento. Depois do tempo de discernimento,
vem o tempo da obediência, isto é, da execução de quanto foi decidido:
em ambos os tempos, é mister que se viva com espírito obediente.
g) A obediência fraterna
São Bento, ao final da sua Regra, afirma: « Não só ao Abade deve ser
tributado por todos a virtude da obediência, mas, da mesma forma,
obedeçam também os irmãos uns aos outros, sabendo que por este
caminho da obediência irão a Deus ».58 « Exerçam, portanto, os monges
este zelo com amor ferventíssimo, isto é, antecipem-se uns aos outros em
honra. Tolerem pacientíssimamente suas fraquezas, quer do corpo quer do
caráter; rivalizem em prestar mútua obediência; ninguém procure aquilo
que julga útil para si, mas, principalmente, o que o é para o outro ».59 E
São Basílio Magno se pergunta: « Em que modo se deve obedecer uns aos
outros? » E responde: « Como dos escravos a seus patrões, segundo nos
ordenou o Senhor: aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o
servo de todos (cf. Mc 10,44); Ele acrescentou ainda estas palavras mais
impressionantes: “Como o Filho do Homem não veio para ser servido,
mas para servir” (Mc 10,45); e segundo o que disse o Apostolo: “Por meio
do amor do Espírito, colocai-vos a serviço uns dos outros” (Gl 5,13) ».60
A verdadeira fraternidade fundamenta-se no reconhecimento da dignidade
do irmão ou da irmã, realizando-se através da atenção prestada ao outro e
às suas necessidades, da capacidade de alegrar-se pelos seus dons e pelas
suas realizações, do colocar à sua disposição o próprio tempo para escutar
e deixar-se iluminar. Isso exige que se seja interiormente livre.
Certamente não é livre quem tem a convicção de que suas idéias ou
soluções são sempre as melhores; quem considera poder decidir sempre
sozinho, sem mediação alguma para conhecer a vontade divina; quem
pensa estar sempre com a razão e não tem qualquer dúvida de que são os
outros que devem mudar; quem pensa apenas em suas próprias coisas e
não presta atenção nas necessidades alheias; quem pensa, enfim, que
obedecer seja algo de outros tempos, algo que já não se pode propor num
mundo mais evoluído.
Livre, pelo contrário, é a pessoa que vive constantemente disposta e atenta
para captar em cada situação da vida e, sobretudo, em cada pessoa que
está a seu lado, uma mediação da vontade do Senhor, por mais misteriosa
que seja. Por isso, « é para a liberdade que Cristo nos libertou » (Gl 5,1).
Libertou-nos para que possamos encontrar-nos Deus ao longo dos

3.2 Page 22

▲back to top
inumeráveis caminhos da existência de cada dia.
« Quem quiser ser o primeiro entre vós, seja vosso servo » (Mt 20,27)
21. Embora assumir as responsabilidades próprias da autoridade possa vir
a aparecer hoje como um fardo particularmente pesado, e requeira a
humildade do fazer-se servo ou serva dos demais, sempre é bom, todavia,
recordar as palavras severas que o Senhor Jesus dirige àqueles que sentem
a tentação de revestir de prestígio mundano a sua autoridade: « Quem
quiser ser o primeiro entre vós, seja vosso servo. Pois o Filho do Homem
não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por
muitos » (Mt 20,27-28).
Quem, no desempenho do próprio ofício, procura um meio para destacar-
se ou se auto-afirmar, para fazer-se servir ou para submeter os demais,
coloca-se claramente fora do modelo evangélico de autoridade. São dignas
de atenção, nesse caso, as palavras que são Bernardo dirigia a um de seus
discípulos elevado à dignidade de sucessor de Pedro: « Considera se tens
feito progressos no caminho da virtude, da sabedoria, da inteligência, da
bondade. És mais arrogante ou mais humilde? Mais benévolo ou mais
soberbo? Mais indulgente ou mais intransigente? O que tens desenvolvido
em ti: o temor de Deus ou uma perigosa temerariedade? ».61
A obediência, mesmo nas melhores condições, não é fácil; mas se vê
facilitada quando a pessoa consagrada constata que a autoridade se coloca
a serviço da fraternidade e da missão, com humildade e empenho: uma
autoridade que, apesar de todos os limites humanos, procura representar
no seu agir gestos e sentimentos do Bom Pastor.
« Peço àquela que vier a ter o cuidado das irmãs, – afirmava Santa Clara
de Assis em seu testamento – que se esforce em presidir às outras por
meio de virtudes e costumes santos, mais que pelo simples ofício, a fim de
que suas irmãs, movidas pelo seu exemplo, obedeçam-lhe, não tanto pelo
ofício, mas antes por amor ».62
A vida fraterna como missão
22. As pessoas consagradas, guiadas pela autoridade, são chamadas a
defrontar-se muitas vezes com o mandamento novo, o mandamento que
renova todas as coisas: « Amai-vos como eu vos amei » (Jo 15,12).
Amar-se como o Senhor amou significa ir além do mérito pessoal dos
irmãos e das irmãs, significa obedecer não aos próprios desejos mas a
Deus que fala por meio da condição e das necessidades dos irmãos e das
irmãs. É mister recordar que o tempo gasto para melhorar a qualidade da
vida fraterna não é desperdiçado, uma vez que, como repetidamente
ressaltou o saudoso Papa João Paulo II, « toda a fecundidade da vida
religiosa depende da qualidade da vida fraterna ».63
A tensão em vista da realização de comunidades fraternas não é apenas
preparação para a missão, mas parte integrante da mesma, a partir do

3.3 Page 23

▲back to top
momento em que « a comunhão fraterna, enquanto tal, já é apostolado ».64
Estar em missão como comunidades que constroem no dia-a-dia a
fraternidade, na busca contínua da vontade de Deus, significa atestar que,
seguindo o Senhor Jesus, é possível realizar a convivência humana de um
modo novo e humanizador.
TERCEIRA PARTE
EM MISSÃO
« Como o Pai me enviou, também eu vos envio »
(Jo 20,21)
Em missão com todo o próprio ser, como Jesus, o Senhor
23. O Senhor Jesus nos faz compreender, com a sua própria forma de vida,
que missão e obediência mutuamente se implicam. Nos Evangelhos, Jesus
se apresenta sempre como “o enviado do Pai para fazer a sua vontade” (cf.
Jo 5,36-38; 6,38-40; 7,16-18); Ele só faz o que ao Pai é agradável. Pode-
se dizer que toda a vida de Jesus é missão do Pai. Ele é a missão do Pai.
Assim como o Verbo veio em missão encarnando-se numa humanidade
que se deixou assumir plenamente, nós colaboramos também com a
missão de Cristo, permitindo-lhe que a leve a pleno cumprimento
especialmente acolhendo-o, tornando-nos espaço da sua presença e,
portanto, continuação da sua vida na história, para dar aos outros a
possibilidade de encontrá-lo.
Considerando que Cristo, em sua vida e sua obra, foi sempre o amém (cf.
Ap 3,14), o sim (cf. 2 Cor 1,20) perfeito dito ao Pai, e que dizer sim
significa simplesmente obedecer, é impossível pensar na missão a não ser
em relação com a obediência. Viver a missão implica sempre ser enviado,
e isso implica a referência seja Àquele que envia, seja ao conteúdo da
missão a desempenhar. Portanto, sem referência à obediência, o próprio
termo missão torna-se dificilmente compreensível e expõe-se ao risco de
ver-se reduzido a algo referente apenas ao indivíduo mesmo. Sempre há o
perigo de reduzir a missão a uma profissão a exercer em vista da própria
realização e, portanto, a administrar mais ou menos em proveito próprio.
Em missão para servir
24. Nos seus Exercícios espirituais Santo Inácio de Loyola escreve que
Nosso Senhor chama a todos e diz: « Quem quiser vir comigo, tem
trabalhar comigo, para que seguindo-me na pena, me siga também na
glória ».65 A missão deve calibrar-se, tanto hoje como ontem, em presença
de dificuldades notáveis, que só se podem enfrentar com a graça que vem
do Senhor, na consciência, humilde e forte, de que se é enviado por Ele e
de poder, exatamente por isso, contar com seu auxílio.
Graças à obediência, tem-se a certeza de que se serve ao Senhor, de ser
“servos e servas do Senhor”, no próprio agir e no próprio sofrer. Tal
certeza é fonte de empenho incondicional, de fidelidade tenaz, de

3.4 Page 24

▲back to top
serenidade interior, de serviço desinteressado, de dedicação das melhores
energias. « Quem obedece tem a garantia de estar verdadeiramente em
missão no seguimento do Senhor, e não ao sabor dos desejos pessoais ou
das próprias aspirações. E, assim, é possível considerar-se guiado pelo
Espírito do Senhor e sustentado, mesmo no meio de grandes dificuldades,
pela sua mão segura (cf. At 20,22) ».66
Em missão se está quando, longe de perseguir a auto-afirmação, se é
conduzido, em primeiro lugar, pelo desejo de cumprir a adorável vontade
de Deus. Tal desejo é a alma da oração (“Venha a nós o vosso Reino, seja
feita a vossa vontade”), e a força do apóstolo. A missão requer que se
empenhem todos os dons e talentos humanos, os quais concorrem para a
salvação quando lançados ao rio da vontade de Deus, que leva as coisas
passageiras ao oceano das realidades eternas, onde Deus, felicidade sem
confins, será tudo em todos (cf. 1 Cor 15,28).
Autoridade e missão
25. Tudo isso implica que se reconheça à autoridade uma importante tarefa
no que concerne à missão, em fidelidade ao carisma próprio. Uma tarefa
não tão simples nem isenta de dificuldades e equívocos. No passado, o
risco podia vir de uma autoridade que se orientava, na maioria das vezes,
pela gestão de obras, com o perigo de deixar de lado as pessoas; hoje, o
risco pode vir do excessivo temor, por parte da autoridade, de melindrar
suscetibilidades pessoais, ou de uma fragmentação de competências e
responsabilidades que enfraquece a convergência em direção ao objetivo
comum e dilui a própria função da autoridade.
Entretanto, a autoridade não é responsável apenas pela animação da
comunidade, mas tem também uma função de coordenação das diversas
competências em ordem à missão, no respeito às atribuições e segundo as
normas internas do Instituto. Se a autoridade não pode (e não deve) fazer
tudo, ela é, porém, última responsável pelo todo.67
Múltiplos são os desafios que o momento presente oferece à autoridade,
diante da tarefa de coordenar as energias em vista da missão. Enumeram-
se aqui também algumas tarefas tidas como importantes no serviço da
autoridade. São elas:
a) Encoraja a assumir responsabilidades e as respeita quando assumidas
As responsabilidades podem suscitar certo temor em alguns. É necessário,
pois, que a autoridade transmita aos próprios colaboradores a fortaleza
cristã e a coragem de enfrentar as dificuldades, superando medos e
atitudes de renúncia.
Sua preocupação será a de partilhar não só informações como também
responsabilidades, comprometendo-se, a seguir, a respeitar a cada um na
própria e justa autonomia. Por parte da autoridade, isso implica um
trabalho paciente de coordenação e, por parte da pessoa consagrada, a
sincera disponibilidade para colaborar.

3.5 Page 25

▲back to top
A autoridade deve “estar presente” quando for preciso, de modo a
favorecer nos membros da comunidade o sentido da interdependência,
distante tanto da dependência infantil quanto da independência auto-
suficiente. Esta interdependência é fruto daquela liberdade interior que
permite a cada um trabalhar e colaborar, substituir e ser substituído, ser
protagonista e dar a própria colaboração, mesmo que na retaguarda.
Quem exerce o serviço da autoridade cuidará de não ceder à tentação da
auto-suficiência pessoal, ou seja, do achar que tudo depende dele ou dela,
e que não é tão importante e útil assim favorecer a participação
comunitária; uma vez que é melhor dar um passo juntos do que dois (ou
até mais) sozinhos.
b) Convida a enfrentar as diferenças em espírito de comunhão
As rápidas mudanças culturais em curso não só provocam transformações
estruturais que se refletem sobre as atividades e sobre a missão, mas
podem dar lugar também a tensões no interior das comunidades, onde
diversos tipos de formação cultural ou espiritual orientam a fazer leituras
diferentes dos sinais dos tempos e, por conseguinte, a propor projetos
diferentes, nem sempre conciliáveis. Tais situações podem ocorrer hoje
mais freqüentemente que no passado, já que crescem as comunidades
constituídas por pessoas que provêm de diversas etnias ou culturas e se
acentuam diferenças de geração. A autoridade está chamada a servir
igualmente, com espírito de comunhão, estas comunidades compostas,
ajudando-as a oferecer, num mundo marcado por tantas divisões, o
testemunho de que é possível viver juntos e amar-se mesmo em meio à
diversidade. Deverá ter bem firmes, então, alguns princípios teórico-
práticos:
– recordar que, no espírito do evangelho, o conflito de idéias jamais se
torna conflito de pessoas;
– lembrar que a pluralidade de perspectivas favorece o aprofundamento
das questões;
– favorecer a comunicação, de modo que a livre troca de idéias esclareça
as posições e faça vir à tona o contributo positivo de cada um;
– ajudar a libertar-se do egocentrismo e do etnocentrismo, que tendem a
lançar sobre os outros as causas dos males, chegando assim a uma
compreensão mútua;
– tornar-se conscientes de que o ideal não é o de conseguir uma
comunidade sem conflitos, mas uma comunidade que aceita enfrentar as
próprias tensões para resolvê-las positivamente, procurando soluções que
não ignorem nenhum dos valores a que é necessário referir-se.
c) Mantém o equilíbrio entre as várias dimensões da vida consagrada
Com efeito, tais dimensões podem entrar em conflito entre si. A
autoridade deve velar para que a unidade de vida seja salva e, de fato, seja

3.6 Page 26

▲back to top
respeitado, o quanto possível, o equilíbrio entre o tempo dedicado à
oração e o tempo dedicado ao trabalho, entre indivíduo e comunidade,
entre compromisso e repouso, entre atenção à vida comum e atenção ao
mundo e à Igreja, entre a formação pessoal e a formação comunitária.68
Um dos mais delicados equilíbrios é o que existe entre comunidade e
missão, entre vida ad intra e vida ad extra.69 Dado que normalmente a
urgência dos afazeres pode induzir a deixar de lado o que diz respeito à
comunidade e que, sempre mais amiúde, haja em nossos dias apelo a que
se trabalhe individualmente, é oportuno respeitar algumas regras
irrenunciáveis, que garantem, ao mesmo tempo, um espírito de
fraternidade na comunidade apostólica e uma sensibilidade apostólica na
vida fraterna.
Será importante que a autoridade garanta tais regras e recorde a todos e a
cada um que, quando uma pessoa da comunidade se acha em missão ou
presta qualquer serviço apostólico, mesmo se trabalha sozinha, age sempre
em nome do Instituto ou da comunidade; antes, trabalha graças à
comunidade. Com freqüência, de fato, se ela pode desempenhar aquela
atividade determinada é porque alguém da comunidade deu a ela o seu
tempo, aconselhou-a ou transmitiu-lhe certo espírito; freqüentemente,
ainda existe quem fica na comunidade e chega a substituir em certos
ofícios da casa a pessoa empenhada fora, ou reza por ela, ou a sustenta
com a própria fidelidade.
É imperioso, então, que o apóstolo não apenas seja profundamente grato,
mas que permaneça estreitamente unido à própria comunidade em tudo o
que fizer; que não se aproprie do que faz, mas que se esforce, a todo custo,
por caminhar junto, esperando, se necessário for, quem avança mais
lentamente, valorizando o contributo de cada um, compartilhando ao
máximo as alegrias e fadigas, intuições e incertezas, para que todos sintam
como próprio o apostolado dos demais, sem inveja nem ciúmes. O
apóstolo esteja certo de que, por mais que der de si mesmo à comunidade,
não equiparará jamais sua conta com o que da comunidade já recebeu e
continua a receber.
d) Tem um coração misericordioso
São Francisco de Assis, numa comovente carta dirigida a um
ministro/superior, dava as seguintes instruções acerca de eventuais
debilidades pessoais de seus frades: « E nisto quero conhecer se tu amas o
Senhor e me amas a mim, servo seu e teu, se fizeres isto, a saber: que não
haja jamais frade algum neste mundo que, tendo pecado o quanto podia
chegar a pecar, depois de olhar os teus olhos, se afaste sem o teu perdão
misericordioso, se ele o pedir; e se não pedisse misericórdia, não lhe
perguntasses tu se desejaria misericórdia. E se, em seguida, mil vezes
pecasse diante de teus olhos, não o amasses mais que a mim por isto: que
tu possas atraí-lo ao Senhor; e tenhas sempre misericórdia de tais irmãos
».70
A autoridade é chamada a desenvolver uma pedagogia do perdão e da
misericórdia, isto é, a ser instrumento do amor de Deus que acolhe,

3.7 Page 27

▲back to top
corrige e oferece sempre uma nova oportunidade ao irmão ou à irmã que
erram e caem em pecado. Deverá recordar, sobretudo, que, sem a
esperança do perdão, a pessoa desiste de retomar o seu caminho e tende
inevitavelmente a acrescentar mal sobre mal e queda sobre queda. A
perspectiva da misericórdia, por outro lado, afirma que Deus é capaz de
tirar um caminho de bem mesmo das situações de pecado.71 Empregue-se,
pois, a autoridade para que toda a comunidade aprenda este estilo
misericordioso.
e) Tem o sentido da justiça
Se o convite de são Francisco de Assis a perdoar o irmão que peca pode
ser considerado uma preciosa regra geral, reconheça-se que pode haver
comportamentos, entre os membros de algumas fraternidades de
consagrados, que lesam gravemente o próximo e que implicam certa
responsabilidade com respeito a pessoas externas à comunidade e nos
confrontos da mesma instituição a que pertencem. Se a compreensão em
relação às culpas individuais se faz necessária, é também necessário que
se tenha um rigoroso sentido de responsabilidade e caridade com relação
àqueles que eventualmente sofreram dano por causa de um
comportamento incorreto de alguma pessoa consagrada.
Saiba aquele ou aquela que erra que deve responder pessoalmente pelas
conseqüências dos seus atos. A compreensão diante do confrade não pode
excluir a justiça, especialmente com relação a pessoas indefesas e vítimas
de abusos. Aceitar reconhecer o próprio mal, assumindolhe a
responsabilidade e as conseqüencias, já é parte de um caminho de
misericórdia: como para Israel que se afasta do Senhor, a aceitação das
conseqüências do mal (no caso, da experiência do exílio) é o primeiro
modo de retomar o caminho de conversão e de redescobrir mais
profundamente a própria relação com Ele.
f) Promove a colaboração com os leigos
A crescente colaboração com os leigos nas obras e atividades guiadas por
pessoas consagradas apresentam, quer à comunidade quer à autoridade,
novos questionamentos, que exigem novas respostas. « Não raras vezes, a
participação dos leigos traz inesperados e fecundos aprofundamentos de
alguns aspectos do carisma », uma vez que os leigos são convidados a
oferecer « às famílias religiosas a ajuda preciosa da sua secularidade e do
seu serviço específico ».72
Foi recordado oportunamente que, para alcançar-se o objetivo de uma
colaboração mútua entre religiosos e leigos, « é necessário ter:
comunidades religiosas com clara identidade carismática, assimilada e
vivida, isto é, em condições de transmiti-la também aos outros, com
disponibilidade para a partilha: comunidades religiosas com intensa
espiritualidade e com entusiasta missionariedade, para comunicar o
mesmo espírito e o mesmo impulso evangelizador; comunidades religiosas
que saibam animar e encorajar os leigos a compartilhar o carisma do
próprio instituto, de acordo com sua índole secular e de acordo com seu
estilo diferente de vida, convidando-os a descobrir novas formas de

3.8 Page 28

▲back to top
atualizar o mesmo carisma e a mesma missão. Assim a comunidade
religiosa pode tornar-se um centro de irradiação, de força espiritual, de
animação, de fraternidade que cria fraternidade e de comunhão e
colaboração eclesial, onde os diversos contributos colaboram para a
construção do Corpo de Cristo que é a Igreja ».73
É mister, outrossim, que se defina bem o mapa das competências e das
responsabilidades, tanto dos leigos como dos religiosos, como também
dos organismos intermediários (Conselhos de administacão e símiles). Em
tudo isso, quem preside a comunidade dos consagrados desempenha uma
função insubstituível.
As obediências difíceis
26. No desenvolvimento concreto da missão, certas obediências podem vir
a ser particularmente difíceis, a partir do momento em que as perspectivas
ou modalidades da ação apostólica ou diaconal podem ser percebidas e
pensadas de maneiras diferentes. Diante de certas obediências difíceis,
aparentemente até “absurdas”, pode surgir a tentação da desconfiança e
inclusive do abandono: vale a pena continuar? Não posso realizar melhor
as minhas idéias noutro contexto? Para que desgastar-se em confrontos
estéreis?
São Bento já se defrontava com a questão duma obediência « muito
gravosa, ou mesmo impossível de se levar adiante »; e são Francisco de
Assis considerava o caso em que « o súdito vê coisas melhores e mais
úteis para a sua alma que as que lhe ordena o prelado (o superior) ». O Pai
do monacato responde pedindo que se estabeleça um diálogo livre, aberto,
humilde e confiante entre monge e abade; ao final, porém, se lhe for
requerido, o monge « obedeça por amor de Deus e confiando no seu
auxílio ».74 O Santo de Assis convida à prática de uma “obediência
caritativa”, na qual o frade sacrifica voluntariamente os seus pontos de
vista e cumpre a ordem dada, uma vez que, deste modo, « satisfaz a Deus
e ao próximo »; 75 e vê uma “obediência perfeita” lá onde, não podendo
obedecer porque nos vem ordenado « qualquer coisa contra a sua alma »,
o religioso não quebra a unidade com o superior e a comunidade, seja
disposto também a suportar perseguição por causa disso. « Com efeito –
observa São Francisco – quem sustenta a perseguição antes de querer se
separar dos seus irmãos, permanece verdadeiramente na perfeita
obediência, porque oferece a sua alma por seus irmãos ».76 Nos vem
assim recordado que o amor e a comunhão representam valores supremos,
aos quais são submetidos também o exercício da autoridade e da
obediência.
Deve-se reconhecer que é compreensível haver, por um lado, certo apego
a idéias e convicções pessoais, fruto de reflexão ou de experiência e
amadurecidas com o tempo, e é também boa coisa o procurar defendê-las
e levá-las adiante, sempre na perspectiva do Reino, num diálogo sincero e
construtivo. Por outro lado, não se há de esquecer que o modelo é sempre
Jesus de Nazaré, que mesmo na Paixão pediu a Deus cumprir a sua
vontade de Pai, e não deu as costas diante da morte de cruz.

3.9 Page 29

▲back to top
Do mesmo modo, a pessoa consagrada, ao ser-lhe requerida a renúncia às
próprias idéias ou aos próprios projetos, pode experimentar desconcerto e
rejeição da autoridade, ou perceber dentro de si « forte clamor e lágrimas
» (Hb 5,7) e a súplica de que passe o cálice amargo. Mas aquele é também
o momento em que há de confiar no Pai para que se cumpra a sua vontade,
e para poder assim participar ativamente, com todo o próprio ser, da
missão de Cristo « para a vida do mundo » (Jo 6,51).
É no pronunciar este difícil « sim » que se pode compreender até o final o
sentido da obediência como supremo ato de liberdade, expresso num total
e confiante abandono de si a Cristo, Filho livremente obediente ao Pai; e
se pode compreender o sentido da missão.
Nestas obediências difíceis é que se pode compreender profundamente o
sentido da missão como oferta obediente de si mesmo, que atrai a bênção
do Altíssimo: « Eu te abençoarei ... (E) serão abençoadas todas as nações
da terra, porque me obedeceste » (Gn 22,17.18). Naquela bênção, a pessoa
consagrada obediente sabe que reencontrará tudo o que deixou com o
sacrifício do seu desapego; naquela bênção, esconde-se ainda a plena
realização da sua própria humanidade (cf. Jo 12,25).
Obediência e objeção de consciência
27. É possível que surja aqui uma pergunta: pode haver situações nas
quais a consciência pessoal pareça não permitir que se sigam indicações
dadas pela autoridade? Pode ocorrer, em suma, que o consagrado tenha de
declarar, em relação a normas ou a seus superiores: « É preciso obedecer a
Deus antes que aos homens » (At 5,29)? É o caso da assim chamada
objeção de consciência, da qual já falou Paulo VI,77 e que se há de
entender no seu significado autêntico.
Se, por um lado, é verdade que a consciência é o lugar onde ressoa a voz
de Deus que nos indica como comportar-nos, é verdade também que se faz
necessário aprender a escutar esta voz com grande atenção, para saber
reconhecê-la e distingui-la de outras vozes. Não é preciso, com efeito,
confundir esta voz com as que emergem de um subjetivismo que ignora ou
negligencia as fontes e os critérios irrenunciáveis e vinculantes na
formação do juízo de consciência: « Na verdade, o “coração” convertido
ao Senhor e ao amor do bem é a fonte dos juízos verdadeiros da
consciência »,78 e « a liberdade da consciência nunca é liberdade “da”
verdade, mas sempre e só “na” verdade ».79
A pessoa consagrada deverá, portanto, refletir longamente antes de
concluir que o que percebe dentro de si representa a vontade de Deus e
não assim a obediência recebida. Deverá recordar, igualmente, que a lei da
mediação se há de levar em conta em todos os casos, cuidando-se de
tomar decisões graves sem algum confronto ou verificação. Permanece
certamente indiscutível que o que interessa é chegar a conhecer e a
cumprir a vontade de Deus, mas, da mesma forma, deveria ser indiscutível
que a pessoa consagrada se tenha comprometido, com um voto, a
reconhecer esta santa vontade através de determinadas mediações. Dizer
que o que vale é a vontade de Deus, e não as mediações, rejeitá-las ou

3.10 Page 30

▲back to top
aceitá-las apenas quando agradam, pode tirar significado ao próprio voto e
esvaziar a própria vida de uma essencial característica sua.
Por conseguinte, « à exceção de uma ordem que fosse abertamente
contrária às leis de Deus ou às constituições do instituto, ou que
implicasse um mal grave e certo, no qual caso a obrigação de obedecer
não existiria, as decisões do superior abrangem um campo em que a
avaliação do bem maior pode variar, segundo os pontos de vista. Querer
concluir, pelo fato de uma ordem dada parecer objetivamente menos boa,
que ela é ilegítima e contrária à consciência, significaria desconhecer, de
uma maneira pouco realista, a obscuridade e a ambivalência de não poucas
realidades humanas. Além disso, o recusar a obediência traz consigo um
dano, muitas vezes grave, para o bem comum. Um religioso não deveria
admitir facilmente que exista contradição entre o juízo da sua consciência
e o do seu superior. Esta situação excepcional comportará, por vezes, um
autêntico sofrimento interior, à imitação do que se verificou com o próprio
Cristo, que “aprendeu o que significa obedecer por aquilo que padeceu”
(Hb 5,8) ».80
A difícil autoridade
28. A autoridade também pode cair no desencorajamento e no desencanto:
diante das resistências de algumas pessoas ou comunidades, diante de
certas questões que parecem insolúveis, pode surgir a tentação de deixar
tudo de lado e de considerar inútil todo e qualquer esforço para melhorar
uma situação. Perfila-se, então, o perigo de se criarem administradores da
rotina, resignados à mediocridade, inibidos para intervir, privados de
coragem de apontar as metas da autêntica vida consagrada e correndo o
risco de enfraquecer o amor das origens e o desejo de testemunhá-lo.
Quando o exercício da autoridade pesa e se faz difícil, é bom que se
recorde que o Senhor Jesus considera tal tarefa como um ato de amor a si
(« Pedro, tu me amas? »: Jo 21,16); e se torna salutar ouvir de novo as
palavras de Paulo: « Sede alegres na esperança, fortes na tribulação,
perseverantes na oração, mostrai-vos solidários com os santos em suas
necessidades » (Rm 12,12-13a).
O silencioso esforço interior que acompanha a fidelidade à própria missão,
marcado quiçá pela solidão e pela incompreensão daqueles aos quais se
serve, converte-se em caminho de santificação pessoal e mediação de
salvação para as pessoas por cuja causa se sofre.
Obedientes até o fim
29. Se a vida do fiel é toda ela uma busca de Deus, cada dia da existência
torna-se então um contínuo aprender da arte de escutar a sua voz para
cumprir a sua vontade. Trata-se, sem dúvida, de uma escola que exige
esforço, como se fosse uma luta entre aquele eu que tende a ser amo de si
e da própria história e aquele Deus que é “o Senhor” de toda história;
escola em que se aprende a entregar-se de tal modo a Deus e à sua
paternidade, a ponto de depositar confiança até nos homens, seus filhos e
nossos irmãos. Cresce assim a certeza de que o Pai não abandona jamais,

4 Pages 31-40

▲back to top

4.1 Page 31

▲back to top
nem sequer no momento em que se faz necessário confiar o cuidado da
própria vida às mãos de irmãos, nos quais se há de reconhecer o sinal da
sua presença e a mediação da sua vontade.
Com um ato de obediência, mesmo que seja inconsciente, viemos à vida,
acolhendo aquela Vontade boa que nos preferiu à não-existência.
Concluiremos o caminho com outro ato de obediência, que desejaríamos
fosse o mais possível consciente e livre, mas, sobretudo, expressão de
abandono em direção àquele Pai bom que nos chamará definitivamente a
si, ao seu reino de luz infinita, onde encontrará termo a nossa busca, e os
nossos olhos o verão, num domingo sem ocaso. Então seremos
plenamente obedientes e realizados, porquanto diremos para sempre sim
àquele Amor que nos constituiu para que sejamos felizes com Ele e n'Ele.
Uma prece da autoridade
30. « O bom pastor, Jesus, pastor bom, pastor clemente, pastor afável, um
pastor pobre e mísero eleva a Vós o seu grito, um pastor débil,
inexperiente e inútil, e todavia um pastor, seja como for, das vossas
ovelhas.
Ensinai a mim, vosso servo, ó Senhor, ensinai-me, vo-lo suplico pelo
vosso Espírito Santo, como poder servir aos meus irmãos e desgastar-me
por eles. Dai-me, ó Senhor, pela vossa graça inefável, saber suportar com
paciência as fraquezas deles, saber partilhar com benevolência os
sofrimentos deles, e ajudar-lhe com discrição. Na escola do vosso Espírito,
possa eu aprender a consolar quem está triste, a fortalecer os pusilânimes,
a levantar quem caiu, a ser fraco com os fracos, a indignar-me com quem
sofre escândalo, a fazer-me tudo para todos para salvar a todos. Ponde em
minha boca palavras verdadeiras, justas e agradáveis, de modo que eles
sejam edificados na fé, na esperança e na caridade, na castidade e na
humildade, na paciência e na obediência, no fervor do espírito e na
intrepidez do coração.
« Confio-os às vossas santas mãos e à vossa terna providência, a fim de
que ninguém os arrebate da vossa mão nem da mão do vosso servo, a
quem os confiastes, mas possam perseverar com alegria no santo
propósito e, perseverando, obtenham a vida eterna, com o vosso auxílio, ó
dulcíssimo Senhor nosso, que viveis e reinais por todos os séculos dos
séculos. Amém ».81
Prece a Maria
31. Ó doce e santa Virgem Maria, ao anúncio do anjo, com a vossa
obediência crente e interrogante, vós nos destes o Cristo. Em Caná,
mostrastes, com o vosso coração atento, como agir responsavelmente. Não
esperastes passivamente pela intervenção do vosso Filho, mas a
preparastes, tornando-o consciente das necessidades e tomando, com
discreta autoridade, a iniciativa de enviar os servos a Ele.
Ao pé da cruz, a obediência fez de vós a Mãe da Igreja e de todos os que
crêem, ao passo que, no Cenáculo, cada discípulo reconheceu em vós a

4.2 Page 32

▲back to top
doce autoridade do amor e do serviço.
Ajudai-nos a compreender que toda verdadeira autoridade na Igreja e na
vida consagrada tem seu fundamento em ser dócil à vontade de Deus e
que cada um de nós se torna, de fato, autoridade para os outros com a
própria vida, vivida em obediência a Deus.
Ó Mãe clemente e piedosa, « Tu que fizeste a vontade do Pai, pronta na
obediência »,82 torna a nossa vida atenta à Palavra, fiel na sequela de
Jesus Senhor e Servo na luz e com a força do Espírito Santo, alegre na
comunhão fraterna, generosa na missão, solícita no serviço aos pobres,
protegida em direção ao dia em que a obediência da fé desaguar na festa
do Amor sem fim.
No dia 5 de maio de 2008, o Santo Padre aprovou a presente Instrução da
Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de
Vida Apostólica e ordenou sua publicação.
Roma, 11 de maio de 2008, solenidade de Pentecostes.
Franc Card. Rodé, C.M.
Prefeito
+ Gianfranco A. Gardin, OFM Conv.
Secretário
1João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de
março de 1996), 1
2Dante Alighieri, A Divina Comédia, Paraíso, III, 85.
3Cf. Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades
de Vida Apostólica, Instrução A vida fraterna em comunidade (2 de
fevereiro de 1994), 5; Congregação para os Religiosos e os Institutos
Seculares, Instrução Elementos essenciais do ensinamento da Igreja sobre
a vida religiosa (31 de maio de 1983), 41.
4Cf. Código de Direito Canônico, can. 631,§1; Vita consecrata, 42.
5Cf. João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte (6 de janeiro
de 2001), 43-45; Vita consecrata, 46, 50.
6Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de
Vida Apostólica, Instrução Potissimum institutioni (2 de fevereiro de
1990), particularmente os nn. 15, 24-25, 30-32.

4.3 Page 33

▲back to top
7Particularmente os nn. 47-52.
8Particularmente os nn. 42-43, 91-92.
9Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de
Vida Apostólica, Instrução Partir de Cristo (19 de maio de 2002),
particularmente os nn. 7 e 14.
10São Bernardo, De diversis, 42,3: PL 183,662 B.
11São Bernardo, De errore Abelardi, 8, 21: PL 182, 1070 A
12Bento XVI, Carta Encíclica Spe salvi (30 de novembro de 2007), 43; cf.
Concílio Ecumênico de Latrão IV, in DS 806.
13«Tu estavas mais dentro de mim do que a minha parte mais íntima»:
Santo Agostinho, Confissões, III, 6, 11.
14Bento XVI, Carta ao Prefeito da Congregação para os Institutos de
Vida Consagrada e as sociedades de Vida Apostolica em ocasião da
plenaria, 27 setembro de 2005, in L'Osservatore Romano, 30 setembro
2005, p. 5
15S. Bento, Regra, Prólogo, 3. Cf. Ainda Santo Agostinho, Regra, 7; São
Francisco de Assis, Regra não bulada, I, 1; Regra bulada, I, 1; cf. Vida
consecrata, 46
16Código de Direito Canônico, can. 618.
17Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida
religiosa Perfectae caritatis, 14; cf. Codigo de Direito Canonico, can. 601
18Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelica testificatio (29 de junho de
1971), 29.
19Cf. Evangelica testificatio, 25.
20Santo Inácio de Loyola, Constituições da Companhia de Jesus, 84.
21Cf. Bento XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum
caritatis (22 de fevereiro de 2007), 12.
22Cf. Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares e
Congregação para os Bispos, Critérios diretivos para as relações mútuas
entre os Bispos e os Religiosos na Igreja Mutuae relationes (14 de maio de
1978), 13.
23Perfectae caritatis, 14.

4.4 Page 34

▲back to top
24Bento XVI, Homilia na Santa Missa para o início do ministerio (24 de
abril de 2005), in AAS XCVII (2005), p. 709.
25Santo Inácio de Antioquia, Carta a Policarpo 4, 1: Funk I, 249.
26Cf. Santo Agostinho, Enarrationes in Psalmos 70, I, 2: PL 36, 875
27Cf. A vida fraterna em comunidade, 50.
28Bento XVI, Discurso aos superiores gerais, 22 de maio de 2006,
in L'Osservatore Romano, 22-23 de maio de 2006, 5; cf. Partir de Cristo,
24-26.
29Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 11; Partir de
Cristo, 26.
30Cf. Sacramentum caritatis 8; 37; 81
31Cf. Vita consecrata, 42.
32Cf. Mutuae relationes, 34-35.
33Bento XVI, Homilia Santa Missa do Crisma, Basílica Vaticana, 20
março 2008.
34Partir de Cristo, 32
35Cf. Código de Direito Canônico, can. 590, § 2.
36Vida Consecrata, 46.
37Vita consecrata, 70.
38Cf. A vida fraterna em comunidade, 32.
39Cf. Codigo do Direito Canônico, cann. 617-619.
40Código do Direito Canônico, can. 618.
41Código do Direito Canônico, can. 618.
42Código do Direito Canônico, can. 601.
43Código do Direito Canônico, can. 619.
44Portanto a comunidade religiosa tem a pretenção de coseguir manifestar
o primado do amor de Deus, que é o pròprio fim da vida consagrada, e
portanto o seu primeiro dever e o primeiro apostolado de cada membro da

4.5 Page 35

▲back to top
comunidade. Cf. Código do Direito Canônico, cann. 573; 607; 663, § 1;
673.
45Código do Direito Canónico, can. 619.
46Cf. Código de Direito Canônico, cann. 619; 602; 618
47Cf. Perfectae caritatis, 14.
48Vita consecrata, 92.
49Cf. Sacramentum caritatis, 15
50Cf. Vita consecrata, 42.
51A vida fraterna em comunidade, 51.
52Cf. Perfectae caritatis, 14.
53São Bento, Regra 3, 1.3.
54Cf. Vita consecrata, 43; A vida fraterna em comunidade, 50c; Partir de
Cristo, 14.
55 A vida fraterna em comunidade, 32.
56Vita consecrata, 92.
57Cf. Vita consecrata, 43.
58São Bento, Regra 71, 1-2.
59São Bento, Regra, 72, 4-7.
60São Basílio, As regras mais breves, 115: PG 31, 1161.
61São Bernardo, De consideratione, II, XI, 20: PL 182, 754D
62Santa Clara de Assis, Testamento, 61-62.
63João Paulo II à Plenária da Congregação para os Institutos de Vida
Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica (20 de novembro de
1992), in L'Osservatore Romano, 21 de novembro de 1992, 3; cf. A vida
fraterna em comunidade, 54; 71.
64A vida fraterna em comunidade, 54.

4.6 Page 36

▲back to top
65Santo Inácio de Loyola, Exercícios espirituais, 95,4-5.
66Vita consecrata, 92.
67Cf. Vita consecrata, 43.
68Cf. A vida fraterna em comunidade, 50.
69Cf. A vida fraterna em comunidade, 59.
70São Francisco de Assis, Carta a um Ministro, 7-10.
71Cf. João Paulo II, Carta Encíclica Dives in misericordia (30 de
novembro de 1980), 6.
72Vita consecrata, 55; cf. Partir de Cristo, 31.
73A vida fraterna em comunidade, 70.
74São Bento, Regra 68, 1-5.
75São Francisco de Assis, Admoestação III, 5-6.
76São Francisco de Assis, Ammonizione III, 9.
77Cf. Paulo VI, Evangelica testificatio, 28-29.
78João Paulo II, Carta Encíclica Veritatis splendor (6 de agosto de 1993),
64.
79Veritatis splendor, 64.
80Evangelica testificatio, 28.
81Elredo de Rievaulx, Oratio pastoralis, 1; 7; 10, in CC CM I, 757-763
82Vita consecrata, 112
ÍNDICE
Introdução
1. A vida consagrada testemunha da busca de Deus
2. Um caminho de libertação.

4.7 Page 37

▲back to top
3. Destinatário, objetivo e limites do documento.
PRIMEIRA PARTE
CONSAGRAÇÃO E BUSCA
DA VONTADE DE DEUS
4. A quem buscamos?
5. A obediência como escuta.
6. « Ouve, Israel » (Dt 6,4).
7. A obediência à Palavra de Deus.
8. No seguimento de Jesus, o Filho obediente ao Pai.
9. Obedientes a Deus através de mediações humanas.
10. Aprender a obediência no cotidiano
11. Na luz e na força do Espirito.
12. Autoridade a serviço da obediência à vontade de Deus.
13. Algumas prioridades no serviço da autoridade.
a) Na vida consagrada, a autoridade é, antes de tudo, una
autoridade espiritual
b) A autoridade é chamada a garantir à sua comunidade o
tempo e a qualidade da oração
c) A autoridade é chamada a promover a dignidade da pessoa.
d) A autoridade é chamada a infundir coragem e esperança
nas dificuldades.
e) A autoridade é chamada a manter vivo o carisma da
própria família religiosa
f) A autoridade é chamada a manter vivo o “sentire cum
Ecclesia”.
g) A autoridade é chamada a acompanhar o caminho de
formação permanente
14. O serviço da autoridade à luz da normativa eclesial.
15. Em missão com la liberdade dos filhos de Deus.
SEGUNDA PARTE
O SERVIÇO DA AUTORIDADE E DA OBEDIÊNCIA
NA VIDA FRATERNA
16. O mandamento novo
17. A autoridade a serviço da comunidade, a comunidade a serviço do
Reino
18. Dóceis ao Espirito que conduz à unidade
19. Para uma espiritualidade de comunhão e uma santidade comunitaria
20. O papel da autoridade para o crescimento da fraternidade.
a) O serviço da escuta.
b) A criação de um clima favorável ao diálogo, à partilha e à
corresponsabilidade
c) A solicitação da contribuição de todos com as coisas que

4.8 Page 38

▲back to top
são de todos.
d) A serviço de cada um e da comunidade.
e) O discernimento comunitário.
f) Discernimento, autoridade e obediência.
g) A obediência fraterna
21. « Quem quiser ser o primo entre vós, seja vosso servo » (Mt 20,27)
22. A vida fraterna como missão.
TERÇA PARTE
EM MISSÃO
23. Em missão com todo o próprio ser, como Jesus, o Senhor
24. Em missão para servir.
25. Autoridade e missão.
a) Encoraja a assumir responsabilidades e as respeita quando
assumidas.
b) Convida a enfrentar as diferenças em espírito de
comunhão.
c) Mantém o equilíbrio entre as várias dimensões da vida
consagrada.
d) Tem um coração misericordioso.
e) Tem o sentido da justiça.
f) Promove a colaboração com os leigos.
26. As obediências difíceis
27. Obediência e objeção de consciência.
28. A difícil autoridade.
29. Obedientes até o fim.
30. Uma prece da autoridade.
31. Prece a Maria.