Formacao_permanente


Formacao_permanente

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2. ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES
2.2. A formação é permanente
P. Ivo Coelho
Conselheiro-Geral para a Formação
Beberá da torrente ao longo do caminho;
por isso, erguerá a sua fronte (Sl 110,7)
Certo Salesiano terminara uma brilhante conferência sobre a im-
portância do acompanhamento espiritual, procurando fazer com que o
seu auditório ficasse tão entusiasmado quanto ele. Ao final do encontro,
ouviu de passagem o comentário de um jovem irmão: “Ainda bem que,
finalmente, me tornei padre. Não preciso mais de acompanhamento”.
A formação é algo que se encerra e termina com a profissão per-
pétua ou com a ordenação sacerdotal? Ou é algo muito diferente, que
tem a mesma duração da vida? Inspirando-se no recente documento
da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Socie-
dades de Vida Apostólica, Para vinho novo odres novos,1 esta nossa
comunicação leva-nos às Constituições e ao validíssimo comentário
às Constituições, Projeto de vida dos Salesianos de Dom Bosco, para
pôr-nos em sintonia com a aventura do Espírito’,2 que é a formação, e
oferecer-nos alguns pontos práticos para vivê-la.
1 CIVCSVA. Para vinho novo, odres novos: A vida consagrada desde o Concílio
Vaticano II e os desafios ainda em aberto: Orientações (6 de janeiro de 2017),
cf. n. 16 e 35. Coleção “Documentos da Igreja” n. 46, São Paulo: Paulinas.
2 ARTIME, Ángel Fernández. Estreia 2016: “Com Jesus, percorramos juntos a
aventura do Espírito!”.

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30 ATOS DO CONSELHO-GERAL
A expressão ‘formação permanente’ tornou-se familiar nos últimos
decênios, sobretudo no contexto da vida religiosa e sacerdotal.3 En-
tretanto, a realidade que evoca é tão antiga quanto o mundo, embora
tenha se tornado objeto de reflexão apenas recentemente.
Foi mérito do existencialismo enfatizar a historicidade do ser
humano como espaço da sua realização, em contraste com o essen-
cialismo que tendia a considerar o ser humano como substancialmente
‘já constituído’. Sem dúvida, existiram exageros, como a famosa ex-
pressão de Jean-Paul Sartre, “a existência precede a essência”; mas,
justamente nesse excesso, serviu como retificação salutar de um modo
muito estático de compreender a vida humana. Com maior equilíbrio,
poder-se-ia falar da identidade do ser humano como constituída em
boa medida pela sua experiência de vida concreta, pelos seus projetos
e opções.
Nesse contexto, o conceito de experiência é fundamental com
as suas conotações etimológicas, sobretudo as que se referem a risco
e perigo: ex-perior, ex-perto, periculum, etc. Sem entrar na comple-
xidade do conceito e do que ele indica, gostaria de deter-me em dois
elementos que acredito ser importante distinguir: o acontecer como
tal (evento, acontecimiento, événement) e o impacto que exerce sobre
a pessoa – ou seja, o quanto alguém aprende do que acontece com ela.
Em alemão, é possível fazer uma interessante distinção entre Erlebnis
e Erfahrung, ou seja, entre a multiplicidade das ‘experiências’ (a vi-
vência) e ‘experiência’ como quando alguém consegue aprender das
muitas ‘experiências’ que vai fazendo. De fato, é possível ter muitas
experiências sem nada aprender. Um irmão dizia de outro que conti-
nuava a vangloriar-se dos seus 25 anos de experiência: “Fez apenas
3 CIVCSVA, Identidade e missão do religioso irmão na Igreja (2015): no verso
em inglês, utiliza no n. 35 a expressão “lifelong formation” (= formação ao longo
da vida).

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ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 31
um ano de experiência que, depois, se repetiu 25 vezes”. Fazer da vida
espaço de formação não significa correr atrás de muitas coisas (‘fazer
muitas experiências’), mas crescer na arte de aprender do que se vive
(‘ser experto’). Esse é um ponto importante para compreender o que
as Constituições nos querem dizer.
1. Formação permanente: significado da expressão
Tendo presente o que dissemos acima, poderíamos perguntar-
nos: o que, então, significa a expressão ‘formação permanente’? Certa-
mente não se refere a uma série de atividades organizadas por uma ins-
tituição (religiosa, profissional, ou de qualquer outra natureza) para a
qualificação ou atualização dos seus membros, muitas das quais acon-
tecerão fora do contexto ordinário da vida e do trabalho. Refere-se,
menos ainda, a uma fase que começa depois da que se costuma definir
como ‘formação inicial’. De fato, o Capítulo-Geral 22 examinara di-
versas expressões alternativas, no esforço de evitar possíveis ambigui-
dades – formação continuada, formação pós-inicial, etc. –, que foram
descartadas como inadequadas.
Para ir ao cerne da questão, tentemos prestar atenção ao uso da
palavra ‘permanente’: trata-se de um adjetivo ou de um predicado?
Mais simplesmente: qual dentre as duas expressões a seguir nos pare-
ce melhor para o que se quer dizer?
A formação permanente é... (permanente = adjetivo)
A formação é permanente (permanente = predicado)
É óbvio que a segunda expressão descreve o que nós entende-
mos aqui. É no interior dessa formação que permanece viva em todo
o ciclo da vida – até o último dia – que tem sua razão de ser também a
que definimos como ‘formação inicial’. Vistas assim, as ênfases dadas

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32 ATOS DO CONSELHO-GERAL
pela Ratio à ‘formação a serviço da identidade salesiana’ são visivel-
mente ricas de sentido; está claro que a formação não se refere ape-
nas às fases iniciais da vida salesiana.4 A formação permanente, para
dizê-lo com outras palavras, não é a continuação natural da formação
inicial. Ela é, na verdade, a forma habitual de viver a nossa vocação.
É um modo novo de compreender a vida consagrada, acolhida e com-
preendida como participação na ação do Pai que, através do Espírito,
forma e modela no coração os sentimentos e as atitudes do Filho.5 A
formação dura a vida toda, até a hora em que a nossa existência de
consagrados alcançar “o remate supremo”.6
3. Formação permanente nas Constituições salesia-
nas: análise
Como já dissemos, o conceito de ‘formação permanente’ é re-
lativamente novo. Em nossa Congregação, ele surgiu explicitamente
durante o CG22 no contexto da elaboração definitiva do texto cons-
titucional. A comissão que preparava os artigos sobre a formação foi
a única que não partiu de um texto anterior (Constituições ad experi-
mentum de 1971-72), justamente porque este era um modo totalmente
novo de entender a formação. Não podemos nos deixar enganar pelo
fato de haver no capítulo 9 das Constituições dois artigos dedicados
expressamente à formação permanente (118 e 119). Como anota o
Projeto de vida dos Salesianos de Dom Bosco (1986), o princípio or-
ganizador de toda a seção terceira das Constituições era a formação
4 A formação dos Salesianos de Dom Bosco. Princípios e normas (FSDB), 4ª edição
(online, 2016) capítulo 2, seção: “A formação a serviço da identidade salesiana”.
Cf. em italiano http://www.sdb.org/it/formazione-it.html (28.01.2017).
5 Vita Consecrata, 66.
6 C 54.

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ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 33
permanente.7 Com outras palavras, a formação permanente é a ideia
mãe e o critério organizador de tudo o que as nossas Constituições
têm a dizer sobre a formação.
a) A formação é, antes de tudo, um chamado: “Jesus chamou
pessoalmente seus apóstolos para que ficassem com Ele” (C
96). É muito importante distinguir chamado de opção. Em
nosso tempo, a opção tornou-se uma das principais catego-
rias com que se organiza a realidade, compreendida a di-
mensão religiosa da existência. Isso tem o seu lado positivo:
encoraja a responsabilidade pessoal e dá valor à intenção
com que se age, ultrapassando os limites da aceitação cega
e da pertença passiva. Contudo, tornando-se a ‘forma’ como
se organiza o itinerário de vida espiritual, o seu maior limite
está em colocar o indivíduo no centro. Chamado, entretanto,
pressupõe que estamos diante de alguém que chama. Falar
de chamado é reconhecer alguém que chama, é ter consciên-
cia de que a iniciativa gratuita de Deus sempre precede todos
os nosso planos e projetos. A vida consagrada não é uma
opção que nós fazemos. É resposta a um chamado.
b) A formação é a nossa resposta ao chamado de Deus. Diz o
artigo 96: “Respondemos a esse apelo com o empenho de
uma formação adequada e contínua, para a qual o Senhor dá
cada dia a sua graça”.8 Podemos tirar disso duas consequên-
cias imediata:
Só se pode compreender a formação como permanente
se se compreende também a vocação como permanen-
7 O projeto de vida dos Salesianos de Dom Bosco. Guia à leitura das Constituições
Salesianas (Brasília, 2016) 789ss. Não queremos retomar e repetir aqui tudo o que
esses textos têm a dizer sobre a formação entendida como permanente.
8 “Responder ao chamado significa viver em atitude de formação” (O projeto de vida
dos Salesianos de Dom Bosco, 686). “Formação é acolher com alegria o dom da
vocação e torná-lo real em cada momento e situação da existência” (FSDB 1).

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34 ATOS DO CONSELHO-GERAL
te. O Senhor continua a chamar-me dia após dia: “Toda
manhã ele desperta os meus ouvidos” (Is 50,4). O mártir
protestante D. Bonhoeffer faz notar que a primeira e a
última palavra de Jesus a Pedro é a mesma: ‘Segue-me’
(Jo 21,22).9
A vida não é formativa se não for vista do ponto de vista
do crescimento vocacional. O beato J. H. Newman cos-
tumava dizer: “Não te preocupes com o fato de que a tua
vida vai acabar. Preocupa-te muito mais com a possibili-
dade de que jamais tenha começado”. Quando tratamos
de formação, o verdadeiro risco é que para algum de nós
a formação jamais tenha realmente começado.10 O nosso
discernimento poderia ser inadequado ou até mesmo fal-
seado, caso não tenha como critério básico o crescimento
na vocação, entendida como resposta ao Senhor que cha-
ma. Por outro lado, paradoxalmente, muitas experiências
negativas e crises podem ser formativas, quando a pessoa
é capaz de enfrentá-las do ponto de vista do crescimento
na vocação.
c) O nosso chamado é para seguir Jesus de modo específico:
como pessoas consagradas no espírito de Dom Bosco. Se-
guir Jesus significa ser como Ele, filhos no Filho, permitindo
ao Pai que plasme em nós o coração e a mente do seu Filho,
9 Entretanto, o apóstolo a quem essa palavra é dirigida não é realmente ‘o mesmo’:
na segunda vez, novamente no mar de Tiberíades, é menos presunçoso, mas muito
mais centrado, porque o seu centro agora é Cristo Jesus e o seu amor misericordioso.
A transformação de Pedro até chegar ao martírio oferece à teologia o ponto de
partida para a reflexão sobre graça e liberdade, que inicia em Agostinho e percorre
os séculos através de Tomás de Aquino até chegar aos nossos dias: uma reflexão que
tem a ver em tudo e por tudo com a formação que permanece e continua ao longo
de toda a vida.
10 Cf. CENCINI, A.. Formazione permanente: Ci crediamo davvero? Bolonha:
Dehoniane, 2011, p. 131.

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ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 35
para que vivamos e sintamos, pensemos e entendamos, ava-
liemos e julguemos, decidamos, amemos e nos comporte-
mos como ele. Com São Paulo, possamos dizer: “Eu vivo,
mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Seguir
Jesus como consagrados significa ser memória viva dele, até
seguir também as suas concretíssimas opções de vida celi-
batária, pobre e obediente por amor do Reino, antecipando
desde agora o que esperamos ser um dia.
d) O chamado nunca é “para si mesmo”: o Senhor chama para
enviar. Portanto, a missão é o modo no qual se vive a elei-
ção. A formação do Salesiano é toda orientada para a mis-
são e motivada pela missão (C 97).11 “Imerso no mundo e
nas preocupações da vida pastoral, o Salesiano aprende a
encontrar Deus naqueles a quem é mandado” (C 95). O ob-
jetivo é encontrar Deus no meio da nossa vida e trabalho; o
caminho para chegar até lá é o itinerário formativo. Não se
pode sair para fora da vida ordinária a fim de se formar; ao
contrário, é preciso entrar nela, mas da maneira adequada.
Trata-se de passar do deixar-nos viver a começar a apren-
der da experiência como as Constituições nos indicam. Se
nos sintonizarmos com esse estilo, começaremos a viver em
“permanente estado de missão” que é, ao mesmo tempo, um
estado permanente de formação.12
e) A formação não é uma fase ou uma parte da vida salesiana,
mas um modo de ser que abrange a vida inteira, até que
11 “A formação continuada deve ser orientada segundo a identidade eclesial da
vida consagrada. Não se trata apenas de nos atualizarmos em termos de novas
tecnologias, das normas eclesiais ou dos novos estudos relativos à própria história
e ao carisma do Instituto. O que se deve fazer é consolidar, ou muitas vezes
também reencontrar o próprio lugar na Igreja, a serviço da humanidade” (Para
vinho novo, 35).
12 Cf. EG, n. 25 cujos reflexos se encontram em GC 27, 74.1.

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36 ATOS DO CONSELHO-GERAL
tudo – oração, vida fraterna, trabalho apostólico e prática
dos conselhos evangélicos – se torne formativo, ou seja, res-
posta ao Senhor que nos chama (em cada momento, durante
a vida toda).13
f) O artigo 119 fala-nos da natureza da nossa vida entendida
como formação: “Vivendo entre os jovens e em constante
contato com os ambientes populares, o Salesiano se esforça
para discernir nos acontecimentos a voz do Espírito, adqui-
rindo assim a capacidade de aprender da vida”.14 O artigo
acrescenta: “Sente-se ainda chamado a viver com interesse
formativo qualquer situação, considerando-a tempo favorá-
vel para o crescimento da sua vocação”. Nenhuma experiên-
cia é inútil ou irrelevante se formos capazes de aprender.
Obviamente não bastarão os nossos esforços, a nossa inteli-
gência e perspicácia; é preciso a fé, que nos habilita a “dis-
cernir nos acontecimentos a voz do Espírito”.
g) Isso tudo abre caminho para uma grande pergunta: qual é o
papel da formação inicial? Esclareça-se, antes de tudo, que
a formação inicial NÃO é o princeps analogatum ou a pedra
de toque de toda a formação (como somos levados a crer
ainda hoje). Ela tem a sua razão de ser no que “vem depois”
(caso contrário, não se explica a qualificação ‘inicial’). Faz
parte de uma formação que é permanente. Não menos im-
portante, a formação inicial tem as suas peculiaridades. Tem
a importância que a universidade tem para um médico: não é
13 Cf. VC, n. 65, e CIVCSA, ‘Partir de Cristo’: um renovado compromisso da vida
consagrada no terceiro milênio. Instrução, 15. Roma, 19 de maio de 2002.
14 O artigo em inglês diz: “the ability to learn from life’s experiences” (= a capacidade
de aprender com as experiências da vida).

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ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 37
fim a si mesma, mas um tempo privilegiado para adquirir os
instrumentos indispensáveis em vista do que virá em segui-
da. Tomemos como exemplo a ‘direção espiritual’. Longe
de ser uma prática reservada à formação inicial, ela lança
os fundamentos para o acompanhamento espiritual que, por
sua natureza, deve continuar a vida toda. Tendo em mente o
texto do artigo 119, poderíamos concluir simplesmente que
a finalidade da parte inicial da nossa vida entendida como
formação é aprender como aprender.15 E quando, na parte
restante da vida, o aprendizado permanente continua, a vida
torna-se formação, uma resposta que continua dia após dia
ao amor de Deus que, miserando et eligendo,16 jamais deixa
de chamar como jamais deixa de amar.
4. Formação permanente nas Constituições Salesia-
nas: a síntese
Consideramos até aqui algumas características da formação
permanente como é apresentada nas nossas Constituições. Creio que
podemos concluir com a síntese extraordinária oferecida pelo artigo
98: a experiência formativa.
“Iluminado pela pessoa de Cristo e pelo seu Evangelho, vivi-
do segundo o espírito de Dom Bosco, o Salesiano se empenha num
15 A formação inicial “não pode contentar-se em formar para a docilidade e para os
saudáveis hábitos e tradições de um grupo, mas deve tornar o jovem consagrado
realmente docibilis. Isso significa formar um coração livre para aprender com a
história de cada dia ao longo de toda a vida, ao estilo de Cristo, para se colocar a
serviço de todos” (Para vinho novo, 35).
16 Lema do Papa Francisco, tirado das homilias de São Beda o Venerável sobre o
chamado de Mateus (CCL 122, 149-151).

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38 ATOS DO CONSELHO-GERAL
processo formativo que dura toda a vida e lhe respeita os ritmos de
amadurecimento. Faz experiência dos valores da vocação salesiana
nos diversos momentos de sua existência e aceita a ascese que esse
caminho implica.
Com a ajuda de Maria, Mãe e Mestra, tende a tornar-se educa-
dor-pastor dos jovens na forma laical ou sacerdotal que lhe é própria”.
Antes de tudo, encontramos aqui a formação entendida como
processo: “Faz experiência dos valores da vocação salesiana”. Duran-
te as fases iniciais da formação tornamo-nos familiares desses valores
fundamentais. Entretanto, conhecê-los não é a mesma coisa que ‘fazer
experiência deles’. Para estar prontos a dar o grande passo da profissão
perpétua não é suficiente conhecer de cor as Constituições; é preciso
ter experimentado a vida salesiana, isto é, ter aprendido da vida.
O artigo evidencia ainda que a formação dura a vida toda.
Quando a formação é entendida como resposta, e quando a missão é
entendida como epifania, o entusiasmo e a paixão já não têm nem li-
mites nem fim, porque mesmo na idade madura e nas últimas estações
da vida continua o diálogo de amor entre o Senhor e cada pessoa; o
Salesiano torna-se, de modo sempre mais claro e transparente, sinal e
portador do seu amor, vultus misericordiae.
E, ainda, não se pode ignorar a ascese que faz parte da nossa
vida, que deve ser entendida como formação. As rosas dos valores na-
turais ao espírito salesiano têm também os seus espinhos, como Dom
Bosco procurou ensinar-nos mediante o sonho do caramanchão de ro-
sas.
Vale a pena insistir no fato de a formação acontecer essencial-
mente num contexto de fé, vivido no interior do carisma salesiano:
“Iluminado pela pessoa de Cristo e pelo seu Evangelho, vivido segun-
do o espírito de Dom Bosco”. Ser como Dom Bosco significa ser um
com Jesus, percorrendo ao mesmo tempo ‘a aventura do Espírito’ – e
é impensável ser um consagrado filho de Dom Bosco sem uma relação
pessoal, apaixonada, esplêndida com Cristo.

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2.1 Page 11

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ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 39
Enfim, devemos dar atenção às palavras conclusivas: o Sale-
siano, todo Salesiano, é essencialmente educador-pastor. É educa-
dor-pastor antes de ser coadjutor ou diácono ou padre. O Salesiano
coadjutor que não é pastor não é salesiano; e o Salesiano padre que
não é educador não é salesiano. Em última análise, a nossa eficácia
tem vida a partir da relação que temos com o Senhor, a partir do nosso
conformar-nos ao coração de Cristo. Porque, de fato, educamos atra-
vés do que somos, do que amamos. A partir da plenitude do coração
nós falamos, agimos e somos. Cor ad cor loquitur, como dizia São
Francisco de Sales.
Tudo isso “com a ajuda de Maria, Mãe e Mestra” que nos educa
“para a plenitude da doação ao Senhor” (C 92). Somos convidados a
ser filhos no Filho, deixando que Maria modele em nós um corpo e
um coração como o de Cristo; deixando que ela nos ensine a amar jus-
tamente como ensinou a Dom Bosco (C 84) ou, podemos dizer ainda
melhor, como ela ensinou o próprio Jesus.
5. Como viver em formação a vida toda
Falamos até aqui sobre ‘o quê’. Mas também se deve olhar para
o ‘como’, baseando-nos nas Constituições e na Ratio; diga-se, porém,
que um bom “o quê” já é de per si também um ‘como’.17
17 Para vinho novo, 35, diz que ainda há uma cultura da formação continuada e
que, em nível de praxe pedagógica, ainda não encontramos itinerários concretos,
no plano individual e comunitário, para tornar efetiva a formação permanente. O
documento também pede uma reflexão sobre a dimensão estrutural-institucional
da formação permanente: “Como outrora, depois do Concílio de Trento, nasceram
seminários e noviciados para a formação inicial, hoje somos chamados a realizar
formas e estruturas que sustenham o caminho de cada consagrado na progressiva
conformação com os sentimentos do Filho (cf. Fl 2,5). Isso seria um sinal
institucional extremamente eloquente” (Ibid.).

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40 ATOS DO CONSELHO-GERAL
O artigo 119 das Constituições, já citado, contém algumas pala-
vras sobre as quais não nos detivemos antes: “o Salesiano se esforça
para discernir... adquirindo assim a capacidade de aprender da vida”.
Esse aprender e esforçar-se acontece ao longo de todo o ciclo da vida,
mesmo tendo o seu tempo privilegiado durante a ‘formação inicial’.
Tanto o artigo 118 como o 119 indicam áreas a serem desen-
volvidas se quisermos que a vida se torne realmente um lugar for-
mativo: “Procuramos crescer na maturidade humana, conformar-nos
mais profundamente a Cristo e renovar a fidelidade a Dom Bosco, para
responder às exigências sempre novas da condição juvenil e popular”
(C 118). “Durante o tempo de sua atividade plena, [o Salesiano] en-
contra ocasiões para renovar o sentido religioso-pastoral da própria
vida e habilitar-se a desenvolver com maior competência o seu traba-
lho” (C 119). Dois aspectos típicos da formação emergem claramente
do texto: processo e responsabilidade pessoal. Nessa linha, gostaria de
apresentar alguns pontos metodológicos que têm a ver sobretudo com
as fases iniciais da formação.
a) A dimensão qualitativa deve prevalecer sobre a quantitati-
va: a questão está em aprender da experiência, mais do que
se limitar a ter muitas experiências.
b) Devemos desenvolver a habilidade de aprender das nossas
experiências, mesmo daquelas que poderiam ser considera-
das ‘negativas’.
c) Ainda antes da insistência sobre aprender das nossas expe-
riências, podemos aprender com o Papa Francisco a deter-nos
diante do mistério da vida, da beleza da natureza, do mistério
do outro, quer se trate de um jovem ou de um nosso irmão
ou de quem compartilha conosco a mesma missão. Levemos
a sério a insistência do Papa sobre o ‘olhar pastoral’ e sobre
a ‘serena atenção’.18 Não descuidemos da nossa experiência
18 Cf. EG, 51, e também 125, 141, 169; e LS, n. 225-226.

2.3 Page 13

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ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 41
vivida. Se nos importa realmente ‘aprender de’ precisamos,
antes de tudo, ‘aprender a’ habitar, permanecer, estar diante
do mistério. Detendo ali os nossos passos perceberemos que
vivemos em terra santa, que nos encontramos diante da sarça
ardente.
d) A Palavra de Deus é o critério hermenêutico em nosso
aprender e discernir. A Palavra é luz e força, alimento para
o caminho (C 87). A vida salesiana dá espaço à escuta pro-
longada da Palavra de Deus,19 mediante a leitura pessoal e a
lectio divina em comunidade.
e) Formação significa também retorno constante às Constitui-
ções, que são, para nós, a concretização da Palavra de Deus,
e às fontes salesianas, que conservam a aventura do Espírito,
vivida por Dom Bosco e por muitos Salesianos depois dele.
Podemos e devemos pensar na formação inicial também
como iniciação às fontes: retornar regularmente às nossas
fontes, para ali habitar e obter a vida que delas flui.
f) A arte de aprender requer acompanhamento. Não se apren-
de sem um mestre, ou sendo mais exato, sem um experto
(palavra que deriva de ex-perior, mesma raiz de experiên-
cia). Convém insistir de novo que, como para a vocação e a
formação, também o acompanhamento espiritual pessoal é
permanente e continua tanto quanto a vida.20
19 Congregação para os Religiosos e os Institutos seculares, A dimensão
contemplativa da vida religiosa (março 1980) 20. Cf. http://www.vatican.va/
roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_doc_12081980_
the-contemplative-dimension-of-religious-life_po.html (28.01.2017).
20 Enquanto as nossas Constituições falam de entregar-se com simplicidade a um
diretor espiritual como uma das atitudes e um dos meios para progredir na castidade
(C 84) e os Regulamentos pedem que cada irmão “mantenha viva a disponibilidade
à oração, à meditação, à direção espiritual pessoal e comunitária” (R 99), a Ratio
afirma que “ordinariamente na idade adulta não é necessária aquela direção metódica
exigida pelo primeiro período da formação” (n. 267). Vita Consecrata (1996) diz

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42 ATOS DO CONSELHO-GERAL
g) Não se trata, realmente, de uma aprendizagem unidirecional;
ela sempre acontece na rede de relações que é a comunida-
de – tanto a comunidade salesiana (C 99) como no âmbito
mais amplo da comunidade educativo-pastoral.21 “Para edu-
car um filho é necessária uma aldeia”, diz um provérbio afri-
cano citado pelo Papa Francisco.22 O artigo 101 das Consti-
tuições recorda-nos de que “a comunidade inspetorial acolhe
e acompanha a vocação de cada irmão”, e que, por sua vez,
cada irmão “contribui, com a oração e o testemunho, para
sustentar e renovar a vocação dos irmãos”.
h) Adquirimos a habilidade de dar qualidade formativa à vida
ordinária, e o formador criativo se servirá de todos os meios
à sua disposição para encorajar o aprendizado a partir da
experiência, a reflexão em clima de oração, o discernimento
espiritual como estilo de vida. Gostaria de insistir aqui tam-
que: “Serve de grande apoio para progredir no caminho evangélico, especialmente
no período de formação e em certos momentos da vida, o recurso confiante e humilde
à direção espiritual, graças à qual a pessoa é ajudada a responder às moções do
Espírito com generosidade e a orientar-se decididamente para a santidade” (VC 95).
Os nossos últimos Capítulos-Gerais iniciam uma mudança quando nos convidam
a caminhar na direção do acompanhamento permanente desde que o objetivo da
formação é conformar-se a Cristo (cf. CG 26, 62 e CG 27, 67.2). O Diretório para
a vida e o ministério dos presbíteros (73, edição 2013) fala da direção espiritual
como de uma necessidade para os presbíteros: “para contribuir ao melhoramento
da sua espiritualidade é necessário que os presbíteros pratiquem eles próprios a
direção espiritual”. A Nova Ratio da Igreja (2016) apresenta o acompanhamento
pessoal como uma das dinâmicas mais importantes para a formação permanente:
“O presbítero não deverá isolar-se; ele terá, em vez disso, necessidade de amparo
e acompanhamento no âmbito espiritual e psicológico. Em todo caso, será útil
intensificar a relação com o Diretor espiritual para que das contrariedades se tirem
ensinamentos positivos, aprendendo a fazer luz sobre a verdade da própria vida e a
compreendê-la melhor à luz do Evangelho” (Congregação para o Clero, O dom da
vocação presbiteral: Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis n. 84)
21 FSDB 560.
22 Discurso do Santo Padre Francisco ao mundo da escola italiana, 10 de maio de
2014.

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ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES 43
bém sobre a importância da leitura.23 Fiquemos atentos para
não correr o risco de subestimar a força de mudança pessoal
inerente às boas leituras, a começar da leitura da Palavra de
Deus e das Constituições, como já dissemos.24
i) Demos espaço à ascese conatural à nossa vida e missão não
só em aceitá-la de bom grado, mas também aprendendo dela.
Encontra-se aqui o espaço e a importância da meditação co-
tidiana, dos momentos de oração pessoal, do acompanha-
mento espiritual pessoal e, também, da partilha espiritual à
qual fomos convidados pelos nossos últimos Capítulos-Ge-
rais.25
Encontramos ainda em nossas Constituições e Regulamentos
uma série de outros instrumentos e meios relevantes para a forma-
ção. Baste recordar aqui que todo projeto pessoal de vida (R 99) deve
ser lido claramente na ótica da formação como resposta ao chamado,
ao serviço daquilo de que a Inspetoria precisa (R 100). O mesmo pode
ser dito sobre as iniciativas ordinárias e extraordinárias promovidas
pela Inspetoria ou por grupos de Inspetorias, pela Igreja e pela socie-
dade (R 101) e, obviamente, sobre os momentos dedicados à renova-
ção pessoal (R 102).
Esta breve reflexão sobre a formação permanente não pode ser
concluída sem uma palavra sobre a devoção – que para São Francisco
de Sales é a capacidade de encontrar Deus em tudo e de viver com fres-
cor e alegria, ‘correndo e saltando’ na via dos mandamentos de Deus.26
23 Cf. R 99: “Cada um cultive o hábito da leitura…”.
24 Sobre Palavra de Deus e Constituições como os dois polos principais da nossa
leitura formativa, cf. “Projeto de Vida dos Salesianos de Dom Bosco”, 699.
25 GC 27, 67.4.
26 “Um homem ainda convalescente duma enfermidade anda com passo lento e só
por necessidade: assim um pecador recém-convertido vai caminhando na senda

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44 ATOS DO CONSELHO-GERAL
Peçamos que o Senhor nos ajude a sermos fiéis dia a dia – a “beber da
torrente ao longo do caminho” (Sl 110,7) – de modo que nos voltemos
sempre para ele, a fonte de água viva, e que rios de água viva possam
brotar do nosso interior (Jo 7,38), para a vida de muitos.
da salvação devagar e arfando, só mesmo pela necessidade de obedecer aos
mandamentos de Deus, até que se manifeste nele o espírito da piedade. Então,
sim, como homem sadio e robusto, caminha, não só com alegria, como também
envereda corajosamente pelos caminhos que parecem intransitáveis aos outros
homens, para onde quer que a voz de Deus o chame, já pelos conselhos evangélicos,
já pelas inspirações da graça”. Francisco de Sales, Introdução à vida devota, Parte
1, capítulo 1.