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A Santa Sé
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
O ANÚNCIO DO EVANGELHO
NO MUNDO ACTUAL
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ÍNDICE
I. Alegria que se renova e comunica [2-8]
II. A doce e reconfortante alegria de evangelizar [9-10]
Uma eterna novidade [11-13]
III. A nova evangelização para a transmissão da fé [14-15]
IV. A proposta desta Exortação e seus contornos [16-18]
Capítulo I
A TRANSFORMAÇÃO MISSIONÁRIA DA IGREJA

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2
I. Uma Igreja «em saída» [20-23]
II. «Primeirear», envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar [24]
Pastoral em conversão [25-26]
Uma renovação eclesial inadiável [27-33]
III. A partir do coração do Evangelho [34-39]
IV. A missão que se encarna nas limitações humanas [40-45]
V. Uma mãe de coração aberto [46-49]
Capítulo II
NA CRISE DO COMPROMISSO COMUNITÁRIO
I. Alguns desafios do mundo actual [52]
Não a uma economia da exclusão [53-54]
Não à nova idolatria do dinheiro [55-56]
Não a um dinheiro que governa em vez de servir [57-58]
Não à desigualdade social que gera violência [59-60]
Alguns desafios culturais [61-67]
Desafios da inculturação da fé [68-70]
Desafios das culturas urbanas [71-75]
II. Tentações dos agentes pastorais [76-77]
Sim ao desafio duma espiritualidade missionária [78-80]
Não à acédia egoísta [81-83]
Não ao pessimismo estéril [84-86]
Sim às relações novas geradas por Jesus Cristo [87-92]
Não ao mundanismo espiritual [93-97]
Não à guerra entre nós [98-101]
Outros desafios eclesiais [102-109]
Capítulo III
O ANÚNCIO DO EVANGELHO
I. Todo o povo de Deus anuncia o Evangelho [111]
Um povo para todos [112-114]
Um povo com muitos rostos [115-118]
Todos somos discípulos missionários [119-121]

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3
A força evangelizadora da piedade popular [122-126]
De pessoa a pessoa [127-129]
Carismas ao serviço da comunhão evangelizadora [130-131]
Cultura, pensamento e educação [132-134]
II. A homilia [135-136]
O contexto litúrgico [137-138]
A conversa da mãe [139-141]
Palavras que abrasam os corações [142-144]
III. A preparação da pregação [145]
O culto da verdade [146-148]
A personalização da Palavra [149-151]
A leitura espiritual [152-153]
À escuta do povo [154-155]
Recursos pedagógicos [156-159]
IV. Uma evangelização para o aprofundamento do querigma [160-162]
Uma catequese querigmática e mistagógica [163-168]
O acompanhamento pessoal dos processos de crescimento [169-173]
Ao redor da Palavra de Deus [174-175]
Capítulo IV
A DIMENSÃO SOCIAL DA EVANGELIZAÇÃO
I. As repercussões comunitárias e sociais do querigma [177]
Confissão da fé e compromisso social [178-179]
O Reino que nos solicita [180-181]
A doutrina da Igreja sobre as questões sociais [182-185]
II. A inclusão social dos pobres [186]
Unidos a Deus, ouvimos um clamor [187-192]
Fidelidade ao Evangelho, para não correr em vão [193-196]
O lugar privilegiado dos pobres no povo de Deus [197-201]
Economia e distribuição das entradas [202-208]
Cuidar da fragilidade [209-216]
III. O bem comum e a paz social [217-221]
O tempo é superior ao espaço [222-225]
A unidade prevalece sobre o conflito [226-230]

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4
A realidade é mais importante do que a ideia [231-233]
O todo é superior à parte [234-237]
IV. O diálogo social como contribuição para a paz [238-241]
O diálogo entre a fé, a razão e as ciências [242-243]
O diálogo ecuménico [244-246]
As relações com o Judaísmo [247-249]
O diálogo inter-religioso [250-254]
O diálogo social num contexto de liberdade religiosa [255-258]
Capítulo V
EVANGELIZADORES COM ESPÍRITO
I. Motivações para um renovado impulso missionário [262-263]
O encontro pessoal com o amor de Jesus que nos salva [264-267]
O prazer espiritual de ser povo [268-274]
A acção misteriosa do Ressuscitado e do seu Espírito [275-280]
A força missionária da intercessão [281-283]
II. Maria, a Mãe da evangelização [284]
O dom de Jesus ao seu povo [285-286]
A Estrela da nova evangelização [287-288]
1. A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com
Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior,
do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação,
dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada
por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos.
I. Alegria que se renova e comunica
2. O grande risco do mundo actual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma
tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de
prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios
interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz
de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem.
Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele,
transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida
digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que

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jorra do coração de Cristo ressuscitado.
3. Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o
seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar
por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este
convite não lhe diz respeito, já que «da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído»[1]. Quem
arrisca, o Senhor não o desilude; e, quando alguém dá um pequeno passo em direcção a Jesus,
descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada. Este é o momento para dizer a
Jesus Cristo: «Senhor, deixei-me enganar, de mil maneiras fugi do vosso amor, mas aqui estou
novamente para renovar a minha aliança convosco. Preciso de Vós. Resgatai-me de novo,
Senhor; aceitai-me mais uma vez nos vossos braços redentores». Como nos faz bem voltar para
Ele, quando nos perdemos! Insisto uma vez mais: Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós
que nos cansamos de pedir a sua misericórdia. Aquele que nos convidou a perdoar «setenta
vezes sete» (Mt 18, 22) dá-nos o exemplo: Ele perdoa setenta vezes sete. Volta uma vez e outra
a carregar-nos aos seus ombros. Ninguém nos pode tirar a dignidade que este amor infinito e
inabalável nos confere. Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que
nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria. Não fujamos da ressurreição de Jesus;
nunca nos demos por mortos, suceda o que suceder. Que nada possa mais do que a sua vida
que nos impele para diante!
4. Os livros do Antigo Testamento preanunciaram a alegria da salvação, que havia de tornar-se
superabundante nos tempos messiânicos. O profeta Isaías dirige-se ao Messias esperado,
saudando-O com regozijo: «Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo» (9, 2). E anima os
habitantes de Sião a recebê-Lo com cânticos: «Exultai de alegria!» (12, 6). A quem já O avistara
no horizonte, o profeta convida-o a tornar-se mensageiro para os outros: «Sobe a um alto monte,
arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém» (40, 9). A criação inteira participa nesta
alegria da salvação: «Cantai, ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Rompei em exclamações, ó
montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo e se compadece dos desamparados» (49, 13).
Zacarias, vendo o dia do Senhor, convida a vitoriar o Rei que chega «humilde, montado num
jumento»: «Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu
rei vem a ti. Ele é justo e vitorioso» (9, 9). Mas o convite mais tocante talvez seja o do profeta
Sofonias, que nos mostra o próprio Deus como um centro irradiante de festa e de alegria, que
quer comunicar ao seu povo este júbilo salvífico. Enche-me de vida reler este texto: «O Senhor,
teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo
seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa» (3, 17).
Éa alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida quotidiana, como resposta ao
amoroso convite de Deus nosso Pai: «Meu filho, se tens com quê, trata-te bem (...). Não te prives
da felicidade presente» (Sir 14, 11.14). Quanta ternura paterna se vislumbra por detrás destas
palavras!

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5. O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida insistentemente à alegria.
Apenas alguns exemplos: «Alegra-te» é a saudação do anjo a Maria (Lc 1, 28). A visita de Maria
a Isabel faz com que João salte de alegria no ventre de sua mãe (cf. Lc 1, 41). No seu cântico,
Maria proclama: «O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 47). E, quando Jesus
começa o seu ministério, João exclama: «Esta é a minha alegria! E tornou-se completa!» (Jo 3,
29). O próprio Jesus «estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo» (Lc 10, 21). A sua
mensagem é fonte de alegria: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha
alegria, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11). A nossa alegria cristã brota da fonte do seu
coração transbordante. Ele promete aos seus discípulos: «Vós haveis de estar tristes, mas a
vossa tristeza há-de converter-se em alegria» (Jo 16, 20). E insiste: «Eu hei-de ver-vos de novo!
Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (Jo 16, 22).
Depois, ao verem-No ressuscitado, «encheram-se de alegria» (Jo 20, 20). O livro dos Actos dos
Apóstolos conta que, na primitiva comunidade, «tomavam o alimento com alegria» (2, 46). Por
onde passaram os discípulos, «houve grande alegria» (8, 8); e eles, no meio da perseguição,
«estavam cheios de alegria» (13, 52). Um eunuco, recém-baptizado, «seguiu o seu caminho
cheio de alegria» (8, 39); e o carcereiro «entregou-se, com a família, à alegria de ter acreditado
em Deus» (16, 34). Porque não havemos de entrar, também nós, nesta torrente de alegria?
6. Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém,
que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por
vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um
feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente
amados. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades
que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar,
como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias: «A paz foi
desterrada da minha alma, já nem sei o que é a felicidade (…). Isto, porém, guardo no meu
coração; por isso, mantenho a esperança. É que a misericórdia do Senhor não acaba, não se
esgota a sua compaixão. Cada manhã ela se renova; é grande a tua fidelidade. (...) Bom é
esperar em silêncio a salvação do Senhor» (Lm 3, 17.21-23.26).
7. A tentação apresenta-se, frequentemente, sob forma de desculpas e queixas, como se tivesse
de haver inúmeras condições para ser possível a alegria. Habitualmente isto acontece, porque «a
sociedade técnica teve a possibilidade de multiplicar as ocasiões de prazer; no entanto ela
encontra dificuldades grandes no engendrar também a alegria».[2] Posso dizer que as alegrias
mais belas e espontâneas, que vi ao longo da minha vida, são as alegrias de pessoas muito
pobres que têm pouco a que se agarrar. Recordo também a alegria genuína daqueles que,
mesmo no meio de grandes compromissos profissionais, souberam conservar um coração crente,
generoso e simples. De várias maneiras, estas alegrias bebem na fonte do amor maior, que é o
de Deus, a nós manifestado em Jesus Cristo. Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento
XVI que nos levam ao centro do Evangelho: «Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética
ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um

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novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».[3]
8. Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em
amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da auto-referencialidade.
Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos
a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais
verdadeiro. Aqui está a fonte da acção evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que
lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?
II. A doce e reconfortante alegria de evangelizar
9. O bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de beleza
procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma libertação profunda
adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem
radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem
outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem. Assim, não nos deveriam
surpreender frases de São Paulo como estas: «O amor de Cristo nos absorve completamente» (2
Cor 5, 14); «ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16).
10. A proposta é viver a um nível superior, mas não com menor intensidade: «Na doação, a vida
se fortalece; e se enfraquece no comodismo e no isolamento. De facto, os que mais desfrutam da
vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam pela missão de comunicar a
vida aos demais»[4]. Quando a Igreja faz apelo ao compromisso evangelizador, não faz mais do
que indicar aos cristãos o verdadeiro dinamismo da realização pessoal: «Aqui descobrimos outra
profunda lei da realidade: “A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida
aos outros”. Isto é, definitivamente, a missão»[5]. Consequentemente, um evangelizador não
deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e aumentemos o fervor de
espírito, «a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com
lágrimas! (...) E que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança,
possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados,
impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram
quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo»[6].
Uma eterna novidade
11. Um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes, uma nova
alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora. Na realidade, o seu centro e a sua essência são
sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado. Ele
torna os seus fiéis sempre novos; ainda que sejam idosos, «renovam as suas forças. Têm asas
como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 31). Cristo é a «Boa
Nova de valor eterno» (Ap 14, 6), sendo «o mesmo ontem, hoje e pelos séculos» (Heb 13, 8),

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8
mas a sua riqueza e a sua beleza são inesgotáveis. Ele é sempre jovem, e fonte de constante
novidade. A Igreja não cessa de se maravilhar com a «profundidade de riqueza, de sabedoria e
de ciência de Deus» (Rm 11, 33). São João da Cruz dizia: «Esta espessura de sabedoria e
ciência de Deus é tão profunda e imensa, que, por mais que a alma saiba dela, sempre pode
penetrá-la mais profundamente».[7] Ou ainda, como afirmava Santo Ireneu: «Na sua vinda,
[Cristo] trouxe consigo toda a novidade».[8] Com a sua novidade, Ele pode sempre renovar a
nossa vida e a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que atravesse períodos obscuros e
fraquezas eclesiais, nunca envelhece. Jesus Cristo pode romper também os esquemas
enfadonhos em que pretendemos aprisioná-Lo, e surpreende-nos com a sua constante
criatividade divina. Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do
Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais
mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo actual. Na realidade,
toda a acção evangelizadora autêntica é sempre «nova».
12. Embora esta missão nos exija uma entrega generosa, seria um erro considerá-la como uma
heróica tarefa pessoal, dado que ela é, primariamente e acima de tudo o que possamos sondar e
compreender, obra de Deus. Jesus é «o primeiro e o maior evangelizador».[9] Em qualquer forma
de evangelização, o primado é sempre de Deus, que quis chamar-nos para cooperar com Ele e
impelir-nos com a força do seu Espírito. A verdadeira novidade é aquela que o próprio Deus
misteriosamente quer produzir, aquela que Ele inspira, aquela que Ele provoca, aquela que Ele
orienta e acompanha de mil e uma maneiras. Em toda a vida da Igreja, deve-se sempre
manifestar que a iniciativa pertence a Deus, «porque Ele nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19) e é «só
Deus que faz crescer» (1 Cor 3, 7). Esta convicção permite-nos manter a alegria no meio duma
tarefa tão exigente e desafiadora que ocupa inteiramente a nossa vida. Pede-nos tudo, mas ao
mesmo tempo dá-nos tudo.
13. E também não deveremos entender a novidade desta missão como um desenraizamento,
como um esquecimento da história viva que nos acolhe e impele para diante. A memória é uma
dimensão da nossa fé, que, por analogia com a memória de Israel, poderíamos chamar
«deuteronómica». Jesus deixa-nos a Eucaristia como memória quotidiana da Igreja, que nos
introduz cada vez mais na Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sempre sobre
o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos de pedir. Os Apóstolos nunca
mais esqueceram o momento em que Jesus lhes tocou o coração: «Eram as quatro horas da
tarde» (Jo 1, 39). A memória faz-nos presente, juntamente com Jesus, uma verdadeira «nuvem
de testemunhas» (Heb 12, 1). De entre elas, distinguem-se algumas pessoas que incidiram de
maneira especial para fazer germinar a nossa alegria crente: «Recordai-vos dos vossos guias,
que vos pregaram a palavra de Deus» (Heb 13, 7). Às vezes, trata-se de pessoas simples e
próximas de nós, que nos iniciaram na vida da fé: «Trago à memória a tua fé sem fingimento, que
se encontrava já na tua avó Lóide e na tua mãe Eunice» (2 Tm 1, 5). O crente é,
fundamentalmente, «uma pessoa que faz memória».

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9
III. A nova evangelização para a transmissão da fé
14. À escuta do Espírito, que nos ajuda a reconhecer comunitariamente os sinais dos tempos,
celebrou-se de 7 a 28 de Outubro de 2012 a XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos
Bispos, sobre o tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Lá foi recordado que
a nova evangelização interpela a todos, realizando-se fundamentalmente em três âmbitos.[10] Em
primeiro lugar, mencionamos o âmbito da pastoral ordinária, «animada pelo fogo do Espírito a fim
de incendiar os corações dos fiéis que frequentam regularmente a comunidade, reunindo-se no
dia do Senhor, para se alimentarem da sua Palavra e do Pão de vida eterna»[11]. Devem ser
incluídos também neste âmbito os fiéis que conservam uma fé católica intensa e sincera,
exprimindo-a de diversos modos, embora não participem frequentemente no culto. Esta pastoral
está orientada para o crescimento dos crentes, a fim de corresponderem cada vez melhor e com
toda a sua vida ao amor de Deus.
Em segundo lugar, lembramos o âmbito das «pessoas baptizadas que, porém, não vivem as
exigências do Baptismo»,[12] não sentem uma pertença cordial à Igreja e já não experimentam a
consolação da fé. Mãe sempre solícita, a Igreja esforça-se para que elas vivam uma conversão
que lhes restitua a alegria da fé e o desejo de se comprometerem com o Evangelho.
Por fim, frisamos que a evangelização está essencialmente relacionada com a proclamação do
Evangelho àqueles que não conhecem Jesus Cristo ou que sempre O recusaram. Muitos deles
buscam secretamente a Deus, movidos pela nostalgia do seu rosto, mesmo em países de antiga
tradição cristã. Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de o
anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem
partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja
não cresce por proselitismo, mas «por atracção».[13]
15. João Paulo II convidou-nos a reconhecer que «não se pode perder a tensão para o anúncio»
àqueles que estão longe de Cristo, «porque esta é a tarefa primária da Igreja»[14]. A actividade
missionária «ainda hoje representa o máximo desafio para a Igreja»[15] e «a causa missionária
deve ser (…) a primeira de todas as causas».[16] Que sucederia se tomássemos realmente a
sério estas palavras? Simplesmente reconheceríamos que a acção missionária é o paradigma de
toda a obra da Igreja. Nesta linha, os Bispos latino-americanos afirmaram que «não podemos
ficar tranquilos, em espera passiva, em nossos templos»,[17] sendo necessário passar «de uma
pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária».[18] Esta tarefa
continua a ser a fonte das maiores alegrias para a Igreja: «Haverá mais alegria no Céu por um só
pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão»
(Lc 15, 7).
A proposta desta Exortação e seus contornos

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10
16. Com prazer, aceitei o convite dos Padres sinodais para redigir esta Exortação.[19] Para o
efeito, recolho a riqueza dos trabalhos do Sínodo; consultei também várias pessoas e pretendo,
além disso, exprimir as preocupações que me movem neste momento concreto da obra
evangelizadora da Igreja. Os temas relacionados com a evangelização no mundo actual, que se
poderiam desenvolver aqui, são inumeráveis. Mas renunciei a tratar detalhadamente esta
multiplicidade de questões que devem ser objecto de estudo e aprofundamento cuidadoso.
Penso, aliás, que não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa
sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo. Não convém que o Papa
substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos
seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar
«descentralização».
17. Aqui escolhi propor algumas directrizes que possam encorajar e orientar, em toda a Igreja,
uma nova etapa evangelizadora, cheia de ardor e dinamismo. Neste quadro e com base na
doutrina da Constituição dogmática Lumen gentium, decidi, entre outros temas, de me deter
amplamente sobre as seguintes questões:
a) A reforma da Igreja em saída missionária.
b) As tentações dos agentes pastorais.
c) A Igreja vista como a totalidade do povo de Deus que evangeliza.
d) A homilia e a sua preparação.
e) A inclusão social dos pobres.
f) A paz e o diálogo social.
g) As motivações espirituais para o compromisso missionário.
18. Demorei-me nestes temas, desenvolvendo-os dum modo que talvez possa parecer excessivo.
Mas não o fiz com a intenção de oferecer um tratado, mas só para mostrar a relevante incidência
prática destes assuntos na missão actual da Igreja. De facto, todos eles ajudam a delinear um
preciso estilo evangelizador, que convido a assumir em qualquer actividade que se realize. E,
desta forma, podemos assumir, no meio do nosso trabalho diário, esta exortação da Palavra de
Deus: «Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo vos digo: alegrai-vos!» (Fl 4, 4).
Capítulo I
A TRANSFORMAÇÃO MISSIONÁRIA DA IGREJA
19. A evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: «Ide, pois, fazei discípulos de
todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a
cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28, 19-20). Nestes versículos, aparece o momento
em que o Ressuscitado envia os seus a pregar o Evangelho em todos os tempos e lugares, para
que a fé n’Ele se estenda a todos os cantos da terra.
I. Uma Igreja «em saída»

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11
20. Na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de «saída», que Deus quer
provocar nos crentes. Abraão aceitou a chamada para partir rumo a uma nova terra (cf. Gn 12, 1-
3). Moisés ouviu a chamada de Deus: «Vai; Eu te envio» (Ex 3, 10), e fez sair o povo para a terra
prometida (cf. Ex 3, 17). A Jeremias disse: «Irás aonde Eu te enviar» (Jr 1, 7). Naquele «ide» de
Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da
Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova «saída» missionária. Cada cristão e cada
comunidade há-de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos
convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar
todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.
21. A alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria
missionária. Experimentam-na os setenta e dois discípulos, que voltam da missão cheios de
alegria (cf. Lc 10, 17). Vive-a Jesus, que exulta de alegria no Espírito Santo e louva o Pai, porque
a sua revelação chega aos pobres e aos pequeninos
(cf. Lc 10, 21). Sentem-na, cheios de admiração, os primeiros que se convertem no Pentecostes,
ao ouvir «cada um na sua própria língua» (Act 2, 6) a pregação dos Apóstolos. Esta alegria é um
sinal de que o Evangelho foi anunciado e está a frutificar. Mas contém sempre a dinâmica do
êxodo e do dom, de sair de si mesmo, de caminhar e de semear sempre de novo, sempre mais
além. O Senhor diz: «Vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi
para isso que Eu vim» (Mc 1, 38). Ele, depois de lançar a semente num lugar, não se demora lá a
explicar melhor ou a cumprir novos sinais, mas o Espírito leva-O a partir para outras aldeias.
22. A Palavra possui, em si mesma, uma tal potencialidade, que não a podemos prever. O
Evangelho fala da semente que, uma vez lançada à terra, cresce por si mesma, inclusive quando
o agricultor dorme (cf. Mc 4, 26-29). A Igreja deve aceitar esta liberdade incontrolável da Palavra,
que é eficaz a seu modo e sob formas tão variadas que muitas vezes nos escapam, superando as
nossas previsões e quebrando os nossos esquemas.
23. A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão «reveste
essencialmente a forma de comunhão missionária».[20] Fiel ao modelo do Mestre, é vital que
hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões,
sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se
pode excluir ninguém; assim foi anunciada pelo anjo aos pastores de Belém: «Não temais, pois
anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo» (Lc 2, 10). O Apocalipse fala de
«uma Boa Nova de valor eterno para anunciar aos habitantes da terra: a todas as nações, tribos,
línguas e povos» (Ap 14, 6).
«Primeirear», envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar
24. A Igreja «em saída» é a comunidade de discípulos missionários que «primeireiam», que se
envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam. Primeireiam – desculpai o neologismo –,

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tomam a iniciativa! A comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa,
precedeu-a no amor (cf. 1 Jo 4, 10), e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem
medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para
convidar os excluídos. Vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter
experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva. Ousemos um pouco mais no
tomar a iniciativa! Como consequência, a Igreja sabe «envolver-se». Jesus lavou os pés aos seus
discípulos. O Senhor envolve-Se e envolve os seus, pondo-Se de joelhos diante dos outros para
os lavar; mas, logo a seguir, diz aos discípulos: «Sereis felizes se o puserdes em prática» (Jo 13,
17). Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as
distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a
carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o «cheiro das ovelhas», e
estas escutam a sua voz. Em seguida, a comunidade evangelizadora dispõe-se a «acompanhar».
Acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam.
Conhece as longas esperas e a suportação apostólica. A evangelização patenteia muita
paciência, e evita deter-se a considerar as limitações. Fiel ao dom do Senhor, sabe também
«frutificar». A comunidade evangelizadora mantém-se atenta aos frutos, porque o Senhor a quer
fecunda. Cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio. O semeador, quando vê surgir o joio
no meio do trigo, não tem reacções lastimosas ou alarmistas. Encontra o modo para fazer com
que a Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova, apesar de serem
aparentemente imperfeitos ou defeituosos. O discípulo sabe oferecer a vida inteira e jogá-la até
ao martírio como testemunho de Jesus Cristo, mas o seu sonho não é estar cheio de inimigos,
mas antes que a Palavra seja acolhida e manifeste a sua força libertadora e renovadora. Por fim,
a comunidade evangelizadora jubilosa sabe sempre «festejar»: celebra e festeja cada pequena
vitória, cada passo em frente na evangelização. No meio desta exigência diária de fazer avançar
o bem, a evangelização jubilosa torna-se beleza na liturgia. A Igreja evangeliza e se evangeliza
com a beleza da liturgia, que é também celebração da actividade evangelizadora e fonte dum
renovado impulso para se dar.
II. Pastoral em conversão
25. Não ignoro que hoje os documentos não suscitam o mesmo interesse que noutras épocas,
acabando rapidamente esquecidos. Apesar disso sublinho que, aquilo que pretendo deixar
expresso aqui, possui um significado programático e tem consequências importantes. Espero que
todas as comunidades se esforcem por actuar os meios necessários para avançar no caminho
duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste
momento, não nos serve uma «simples administração».[21] Constituamo-nos em «estado
permanente de missão»,[22] em todas as regiões da terra.
26. Paulo VI convidou a alargar o apelo à renovação de modo que ressalte, com força, que não
se dirige apenas aos indivíduos, mas à Igreja inteira. Lembremos este texto memorável, que não
perdeu a sua força interpeladora: «A Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma, meditar

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sobre o seu próprio mistério (...). Desta consciência esclarecida e operante deriva
espontaneamente um desejo de comparar a imagem ideal da Igreja, tal como Cristo a viu, quis e
amou, ou seja, como sua Esposa santa e imaculada (Ef 5, 27), com o rosto real que a Igreja
apresenta hoje. (…) Em consequência disso, surge uma necessidade generosa e quase
impaciente de renovação, isto é, de emenda dos defeitos, que aquela consciência denuncia e
rejeita, como se fosse um exame interior ao espelho do modelo que Cristo nos deixou de Si
mesmo».[23]
O Concílio Vaticano II apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma reforma
permanente de si mesma por fidelidade a Jesus Cristo: «Toda a renovação da Igreja consiste
essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação. (…) A Igreja peregrina é chamada por
Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita
perpetuamente desta reforma».[24]
Há estruturas eclesiais que podem chegar a condicionar um dinamismo evangelizador; de igual
modo, as boas estruturas servem quando há uma vida que as anima, sustenta e avalia. Sem vida
nova e espírito evangélico autêntico, sem «fidelidade da Igreja à própria vocação», toda e
qualquer nova estrutura se corrompe em pouco tempo.
Uma renovação eclesial inadiável
27. Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os
estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado
mais à evangelização do mundo actual que à auto-preservação. A reforma das estruturas, que a
conversão pastoral exige, só se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem
mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e
aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de «saída» e, assim, favoreça a
resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade. Como dizia João Paulo
II aos Bispos da Oceânia, «toda a renovação na Igreja há-de ter como alvo a missão, para não
cair vítima duma espécie de introversão eclesial».[25]
28. A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande
plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade
missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única instituição
evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar constantemente, continuará a ser «a
própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas».[26] Isto supõe que
esteja realmente em contacto com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura
complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos. A
paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da vida
cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração.[27] Através de
todas as suas actividades, a paróquia incentiva e forma os seus membros para serem agentes da

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evangelização.[28] É comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para
continuarem a caminhar, e centro de constante envio missionário. Temos, porém, de reconhecer
que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando-
as ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e
orientando-as completamente para a missão.
29. As outras instituições eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos
e outras formas de associação são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar
todos os ambientes e sectores. Frequentemente trazem um novo ardor evangelizador e uma
capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja. Mas é muito salutar que não percam
o contacto com esta realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na
pastoral orgânica da Igreja particular.[29] Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do
Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nómades sem raízes.
30. Cada Igreja particular, porção da Igreja Católica sob a guia do seu Bispo, está, também ela,
chamada à conversão missionária. Ela é o sujeito primário da evangelização,[30] enquanto é a
manifestação concreta da única Igreja num lugar da terra e, nela, «está verdadeiramente presente
e opera a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica».[31] É a Igreja encarnada num
espaço concreto, dotada de todos os meios de salvação dados por Cristo, mas com um rosto
local. A sua alegria de comunicar Jesus Cristo exprime-se tanto na sua preocupação por anunciá-
Lo noutros lugares mais necessitados, como numa constante saída para as periferias do seu
território ou para os novos âmbitos socioculturais.[32] Procura estar sempre onde fazem mais
falta a luz e a vida do Ressuscitado.[33] Para que este impulso missionário seja cada vez mais
intenso, generoso e fecundo, exorto também cada uma das Igrejas particulares a entrar
decididamente num processo de discernimento, purificação e reforma.
31. O Bispo deve favorecer sempre a comunhão missionária na sua Igreja diocesana, seguindo o
ideal das primeiras comunidades cristãs, em que os crentes tinham um só coração e uma só alma
(cf. Act 4, 32) . Para isso, às vezes pôr-se-á à frente para indicar a estrada e sustentar a
esperança do povo, outras vezes manter-se-á simplesmente no meio de todos com a sua
proximidade simples e misericordiosa e, em certas circunstâncias, deverá caminhar atrás do
povo, para ajudar aqueles que se atrasaram e sobretudo porque o próprio rebanho possui o
olfacto para encontrar novas estradas. Na sua missão de promover uma comunhão dinâmica,
aberta e missionária, deverá estimular e procurar o amadurecimento dos organismos de
participação propostos pelo Código de Direito Canónico [34] e de outras formas de diálogo
pastoral, com o desejo de ouvir a todos, e não apenas alguns sempre prontos a lisonjeá-lo. Mas o
objectivo destes processos participativos não há-de ser principalmente a organização eclesial,
mas o sonho missionário de chegar a todos.
32. Dado que sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo pensar também numa
conversão do papado. Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões

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tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus Cristo
pretendeu dar-lhe e às necessidades actuais da evangelização. O Papa João Paulo II pediu que o
ajudassem a encontrar «uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum
ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova».[35] Pouco temos avançado
neste sentido. Também o papado e as estruturas centrais da Igreja universal precisam de ouvir
este apelo a uma conversão pastoral. O Concílio Vaticano II afirmou que, à semelhança das
antigas Igrejas patriarcais, as conferências episcopais podem «aportar uma contribuição múltipla
e fecunda, para que o sentimento colegial leve a aplicações concretas».[36] Mas este desejo não
se realizou plenamente, porque ainda não foi suficientemente explicitado um estatuto das
conferências episcopais que as considere como sujeitos de atribuições concretas, incluindo
alguma autêntica autoridade doutrinal.[37] Uma centralização excessiva, em vez de ajudar,
complica a vida da Igreja e a sua dinâmica missionária.
33. A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cómodo critério pastoral: «fez-se
sempre assim». Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os
objectivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades.
Uma identificação dos fins, sem uma condigna busca comunitária dos meios para os alcançar,
está condenada a traduzir-se em mera fantasia. A todos exorto a aplicarem, com generosidade e
coragem, as orientações deste documento, sem impedimentos nem receios. Importante é não
caminhar sozinho, mas ter sempre em conta os irmãos e, de modo especial, a guia dos Bispos,
num discernimento pastoral sábio e realista.
III. A partir do coração do Evangelho
34. Se pretendemos colocar tudo em chave missionária, isso aplica-se também à maneira de
comunicar a mensagem. No mundo actual, com a velocidade das comunicações e a selecção
interessada dos conteúdos feita pelos mass-media, a mensagem que anunciamos corre mais do
que nunca o risco de aparecer mutilada e reduzida a alguns dos seus aspectos secundários.
Consequentemente, algumas questões que fazem parte da doutrina moral da Igreja ficam fora do
contexto que lhes dá sentido. O problema maior ocorre quando a mensagem que anunciamos
parece então identificada com tais aspectos secundários, que, apesar de serem relevantes, por si
sozinhos não manifestam o coração da mensagem de Jesus Cristo. Portanto, convém ser
realistas e não dar por suposto que os nossos interlocutores conhecem o horizonte completo
daquilo que dizemos ou que eles podem relacionar o nosso discurso com o núcleo essencial do
Evangelho que lhe confere sentido, beleza e fascínio.
35. Uma pastoral em chave missionária não está obsessionada pela transmissão desarticulada de
uma imensidade de doutrinas que se tentam impor à força de insistir. Quando se assume um
objectivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem excepções nem
exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais
atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso

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perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa.
36. Todas as verdades reveladas procedem da mesma fonte divina e são acreditadas com a
mesma fé, mas algumas delas são mais importantes por exprimir mais directamente o coração do
Evangelho. Neste núcleo fundamental, o que sobressai é a beleza do amor salvífico de Deus
manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Neste sentido, o Concílio Vaticano II afirmou
que «existe uma ordem ou “hierarquia” das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas
com o fundamento da fé cristã é diferente».[38] Isto é válido tanto para os dogmas da fé como
para o conjunto dos ensinamentos da Igreja, incluindo a doutrina moral.
37. São Tomás de Aquino ensinava que, também na mensagem moral da Igreja, há uma
hierarquia nas virtudes e acções que delas procedem.[39] Aqui o que conta é, antes de mais
nada, «a fé que actua pelo amor» (Gal 5, 6). As obras de amor ao próximo são a manifestação
externa mais perfeita da graça interior do Espírito: «O elemento principal da Nova Lei é a graça
do Espírito Santo, que se manifesta através da fé que opera pelo amor».[40] Por isso afirma que,
relativamente ao agir exterior, a misericórdia é a maior de todas as virtudes: «Em si mesma, a
misericórdia é a maior das virtudes; na realidade, compete-lhe debruçar-se sobre os outros e – o
que mais conta – remediar as misérias alheias. Ora, isto é tarefa especialmente de quem é
superior; é por isso que se diz que é próprio de Deus usar de misericórdia e é, sobretudo nisto,
que se manifesta a sua omnipotência».[41]
38. É importante tirar as consequências pastorais desta doutrina conciliar, que recolhe uma antiga
convicção da Igreja. Antes de mais nada, deve-se dizer que, no anúncio do Evangelho, é
necessário que haja uma proporção adequada. Esta reconhece-se na frequência com que se
mencionam alguns temas e nas acentuações postas na pregação. Por exemplo, se um pároco,
durante um ano litúrgico, fala dez vezes sobre a temperança e apenas duas ou três vezes sobre a
caridade ou sobre a justiça, gera-se uma desproporção, acabando obscurecidas precisamente
aquelas virtudes que deveriam estar mais presentes na pregação e na catequese. E o mesmo
acontece quando se fala mais da lei que da graça, mais da Igreja que de Jesus Cristo, mais do
Papa que da Palavra de Deus.
39. Tal como existe uma unidade orgânica entre as virtudes que impede de excluir qualquer uma
delas do ideal cristão, assim também nenhuma verdade é negada. Não é preciso mutilar a
integridade da mensagem do Evangelho. Além disso, cada verdade entende-se melhor se a
colocarmos em relação com a totalidade harmoniosa da mensagem cristã: e, neste contexto,
todas as verdades têm a sua própria importância e iluminam-se reciprocamente. Quando a
pregação é fiel ao Evangelho, manifesta-se com clareza a centralidade de algumas verdades e
fica claro que a pregação moral cristã não é uma ética estóica, é mais do que uma ascese, não é
uma mera filosofia prática nem um catálogo de pecados e erros. O Evangelho convida, antes de
tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós
mesmos para procurar o bem de todos. Este convite não há-de ser obscurecido em nenhuma

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circunstância! Todas as virtudes estão ao serviço desta resposta de amor. Se tal convite não
refulge com vigor e fascínio, o edifício moral da Igreja corre o risco de se tornar um castelo de
cartas, sendo este o nosso pior perigo; é que, então, não estaremos propriamente a anunciar o
Evangelho, mas algumas acentuações doutrinais ou morais, que derivam de certas opções
ideológicas. A mensagem correrá o risco de perder o seu frescor e já não ter «o perfume do
Evangelho».
IV. A missão que se encarna nas limitações humanas
40. A Igreja, que é discípula missionária, tem necessidade de crescer na sua interpretação da
Palavra revelada e na sua compreensão da verdade. A tarefa dos exegetas e teólogos ajuda a
«amadurecer o juízo da Igreja».[42] Embora de modo diferente, fazem-no também as outras
ciências. Referindo-se às ciências sociais, por exemplo, João Paulo II disse que a Igreja presta
atenção às suas contribuições «para obter indicações concretas que a ajudem no cumprimento
da sua missão de Magistério».[43] Além disso, dentro da Igreja, há inúmeras questões à volta das
quais se indaga e reflecte com grande liberdade. As diversas linhas de pensamento filosófico,
teológico e pastoral, se se deixam harmonizar pelo Espírito no respeito e no amor, podem fazer
crescer a Igreja, enquanto ajudam a explicitar melhor o tesouro riquíssimo da Palavra. A quantos
sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma
dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver
melhor os diversos aspectos da riqueza inesgotável do Evangelho.[44]
41. Ao mesmo tempo, as enormes e rápidas mudanças culturais exigem que prestemos constante
atenção ao tentar exprimir as verdades de sempre numa linguagem que permita reconhecer a sua
permanente novidade; é que, no depósito da doutrina cristã, «uma coisa é a substância (...) e
outra é a formulação que a reveste».[45] Por vezes, mesmo ouvindo uma linguagem totalmente
ortodoxa, aquilo que os fiéis recebem, devido à linguagem que eles mesmos utilizam e
compreendem, é algo que não corresponde ao verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo. Com a
santa intenção de lhes comunicar a verdade sobre Deus e o ser humano, nalgumas ocasiões,
damos-lhes um falso deus ou um ideal humano que não é verdadeiramente cristão. Deste modo,
somos fiéis a uma formulação, mas não transmitimos a substância. Este é o risco mais grave.
Lembremo-nos de que «a expressão da verdade pode ser multiforme. E a renovação das formas
de expressão torna-se necessária para transmitir ao homem de hoje a mensagem evangélica no
seu significado imutável».[46]
42. Isto possui uma grande relevância no anúncio do Evangelho, se temos verdadeiramente a
peito fazer perceber melhor a sua beleza e fazê-la acolher por todos. Em todo o caso, não
poderemos jamais tornar os ensinamentos da Igreja uma realidade facilmente compreensível e
felizmente apreciada por todos; a fé conserva sempre um aspecto de cruz, certa obscuridade que
não tira firmeza à sua adesão. Há coisas que se compreendem e apreciam só a partir desta
adesão que é irmã do amor, para além da clareza com que se possam compreender as razões e

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os argumentos. Por isso, é preciso recordar-se de que cada ensinamento da doutrina deve situar-
se na atitude evangelizadora que desperte a adesão do coração com a proximidade, o amor e o
testemunho.
43. No seu constante discernimento, a Igreja pode chegar também a reconhecer costumes
próprios não directamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns muito radicados no curso da
história, que hoje já não são interpretados da mesma maneira e cuja mensagem habitualmente
não é percebida de modo adequado. Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo
serviço à transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há
normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm
a mesma força educativa como canais de vida. São Tomás de Aquino sublinhava que os
preceitos dados por Cristo e pelos Apóstolos ao povo de Deus «são pouquíssimos».[47] E,
citando Santo Agostinho, observava que os preceitos adicionados posteriormente pela Igreja se
devem exigir com moderação, «para não tornar pesada a vida aos fiéis» nem transformar a nossa
religião numa escravidão, quando «a misericórdia de Deus quis que fosse livre».[48] Esta
advertência, feita há vários séculos, tem uma actualidade tremenda. Deveria ser um dos critérios
a considerar, quando se pensa numa reforma da Igreja e da sua pregação que permita realmente
chegar a todos.
44. Aliás, tanto os Pastores como todos os fiéis que acompanham os seus irmãos na fé ou num
caminho de abertura a Deus não podem esquecer aquilo que ensina, com muita clareza, o
Catecismo da Igreja Católica: «A imputabilidade e responsabilidade dum acto podem ser
diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as
afeições desordenadas e outros factores psíquicos ou sociais».[49]
Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e
paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após
dia.[50] Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o
lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo,
no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida
externamente correcta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. A
todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que opera
misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos e das suas quedas.
45. Vemos assim que o compromisso evangelizador se move por entre as limitações da
linguagem e das circunstâncias. Procura comunicar cada vez melhor a verdade do Evangelho
num contexto determinado, sem renunciar à verdade, ao bem e à luz que pode dar quando a
perfeição não é possível. Um coração missionário está consciente destas limitações, fazendo-se
«fraco com os fracos (...) e tudo para todos» (1 Cor 9, 22). Nunca se fecha, nunca se refugia nas
próprias seguranças, nunca opta pela rigidez auto-defensiva. Sabe que ele mesmo deve crescer
na compreensão do Evangelho e no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia

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ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada.
V. Uma mãe de coração aberto
46. A Igreja «em saída» é uma Igreja com as portas abertas. Sair em direcção aos outros para
chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direcção nem sentido. Muitas
vezes é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou
renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho. Às vezes, é como
o pai do filho pródigo, que continua com as portas abertas para, quando este voltar, poder entrar
sem dificuldade.
47. A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos desta
abertura é ter, por todo o lado, igrejas com as portas abertas. Assim, se alguém quiser seguir uma
moção do Espírito e se aproximar à procura de Deus, não esbarrará com a frieza duma porta
fechada. Mas há outras portas que também não se devem fechar: todos podem participar de
alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas
dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata
daquele sacramento que é a «porta»: o Baptismo. A Eucaristia, embora constitua a plenitude da
vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento
para os fracos.[51] Estas convicções têm também consequências pastorais, que somos
chamados a considerar com prudência e audácia. Muitas vezes agimos como controladores da
graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há
lugar para todos com a sua vida fadigosa.
48. Se a Igreja inteira assume este dinamismo missionário, há-de chegar a todos, sem excepção.
Mas, a quem deveria privilegiar? Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito
clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles
que muitas vezes são desprezados e esquecidos, «àqueles que não têm com que te retribuir» (Lc
14, 14). Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima.
Hoje e sempre, «os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho»,[52] e a
evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que
afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os
deixemos jamais sozinhos!
49. Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a
Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma
Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo
fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja
preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e
procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência
é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com

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Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida.
Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas
que nos dão uma falsa protecção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos
hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus
repete-nos sem cessar: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37).
Capítulo II
NA CRISE DO COMPROMISSO COMUNITÁRIO
50. Antes de falar de algumas questões fundamentais relativas à acção evangelizadora, convém
recordar brevemente o contexto em que temos de viver e agir. É habitual hoje falar-se dum
«excesso de diagnóstico», que nem sempre é acompanhado por propostas resolutivas e
realmente aplicáveis. Por outro lado, também não nos seria de grande proveito um olhar
puramente sociológico, que tivesse a pretensão, com a sua metodologia, de abraçar toda a
realidade de maneira supostamente neutra e asséptica. O que quero oferecer situa-se mais na
linha dum discernimento evangélico. É o olhar do discípulo missionário que «se nutre da luz e da
força do Espírito Santo».[53]
51. Não é função do Papa oferecer uma análise detalhada e completa da realidade
contemporânea, mas animo todas as comunidades a «uma capacidade sempre vigilante de
estudar os sinais dos tempos».[54] Trata-se duma responsabilidade grave, pois algumas
realidades hodiernas, se não encontrarem boas soluções, podem desencadear processos de
desumanização tais que será difícil depois retroceder. É preciso esclarecer o que pode ser um
fruto do Reino e também o que atenta contra o projecto de Deus. Isto implica não só reconhecer e
interpretar as moções do espírito bom e do espírito mau, mas também – e aqui está o ponto
decisivo – escolher as do espírito bom e rejeitar as do espírito mau. Pressuponho as várias
análises que ofereceram os outros documentos do Magistério universal, bem como as propostas
pelos episcopados regionais e nacionais. Nesta Exortação, pretendo debruçar-me, brevemente e
numa perspectiva pastoral, apenas sobre alguns aspectos da realidade que podem deter ou
enfraquecer os dinamismos de renovação missionária da Igreja, seja porque afectam a vida e a
dignidade do povo de Deus, seja porque incidem sobre os sujeitos que mais directamente
participam nas instituições eclesiais e nas tarefas de evangelização.
I. Alguns desafios do mundo actual
52. A humanidade vive, neste momento, uma viragem histórica, que podemos constatar nos
progressos que se verificam em vários campos. São louváveis os sucessos que contribuem para
o bem-estar das pessoas, por exemplo, no âmbito da saúde, da educação e da comunicação.
Todavia não podemos esquecer que a maior parte dos homens e mulheres do nosso tempo vive
o seu dia a dia precariamente, com funestas consequências. Aumentam algumas doenças. O
medo e o desespero apoderam-se do coração de inúmeras pessoas, mesmo nos chamados

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3.1 Page 21

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21
países ricos. A alegria de viver frequentemente se desvanece; crescem a falta de respeito e a
violência, a desigualdade social torna-se cada vez mais patente. É preciso lutar para viver, e
muitas vezes viver com pouca dignidade. Esta mudança de época foi causada pelos enormes
saltos qualitativos, quantitativos, velozes e acumulados que se verificam no progresso científico,
nas inovações tecnológicas e nas suas rápidas aplicações em diversos âmbitos da natureza e da
vida. Estamos na era do conhecimento e da informação, fonte de novas formas dum poder muitas
vezes anónimo.
Não a uma economia da exclusão
53. Assim como o mandamento «não matar» põe um limite claro para assegurar o valor da vida
humana, assim também hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da
desigualdade social». Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum
idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é
exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que
passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do
mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes
massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num
beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se
pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do «descartável», que aliás chega a
ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma
realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive,
pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos
não são «explorados», mas resíduos, «sobras».
54. Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da «recaída favorável» que pressupõem
que todo o crescimento económico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo
produzir maior equidade e inclusão social no mundo. Esta opinião, que nunca foi confirmada
pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder
económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante. Entretanto, os
excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou
mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença.
Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores
alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles,
como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-
estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda
não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um
mero espectáculo que não nos incomoda de forma alguma.
Não à nova idolatria do dinheiro

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55. Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque
aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades. A crise financeira que
atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a
negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de
ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura
duma economia sem rosto e sem um objectivo verdadeiramente humano. A crise mundial, que
investe as finanças e a economia, põe a descoberto os seus próprios desequilíbrios e sobretudo a
grave carência duma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma das suas
necessidades: o consumo.
56. Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez
mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que
defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o
direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se
uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas
leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respectivos juros afastam os países das
possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto
vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões
mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a fagocitar
tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica
indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta.
Não a um dinheiro que governa em vez de servir
57. Por detrás desta atitude, escondem-se a rejeição da ética e a recusa de Deus. Para a ética,
olha-se habitualmente com um certo desprezo sarcástico; é considerada contraproducente,
demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como uma ameaça, porque
condena a manipulação e degradação da pessoa. Em última instância, a ética leva a Deus que
espera uma resposta comprometida que está fora das categorias do mercado. Para estas, se
absolutizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que
chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A
ética – uma ética não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana.
Neste sentido, animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a considerarem
as palavras dum sábio da antiguidade: «Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é
roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos».[55]
58. Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de
atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentar este desafio com
determinação e clarividência, sem esquecer naturalmente a especificidade de cada contexto. O
dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação,
em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los.

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Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a
uma ética propícia ao ser humano.
Não à desigualdade social que gera violência
59. Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a
exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível
desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas,
sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um
terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade –
local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas
políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a
tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reacção violenta
de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua
raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça,
tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema
político e social, por mais sólido que pareça. Se cada acção tem consequências, um mal
embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de
morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar
um futuro melhor. Estamos longe do chamado «fim da história», já que as condições dum
desenvolvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e
realizadas.
60. Os mecanismos da economia actual promovem uma exacerbação do consumo, mas sabe-se
que o consumismo desenfreado, aliado à desigualdade social, é duplamente daninho para o
tecido social. Assim, mais cedo ou mais tarde, a desigualdade social gera uma violência que as
corridas armamentistas não resolvem nem poderão resolver jamais. Servem apenas para tentar
enganar aqueles que reclamam maior segurança, como se hoje não se soubesse que as armas e
a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos. Alguns
comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com
generalizações indevidas, e pretendem encontrar a solução numa «educação» que os tranquilize
e transforme em seres domesticados e inofensivos. Isto torna-se ainda mais irritante, quando os
excluídos vêem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos
países – nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos
governantes.
Alguns desafios culturais
61. Evangelizamos também procurando enfrentar os diferentes desafios que se nos podem
apresentar.[56] Às vezes, estes manifestam-se em verdadeiros ataques à liberdade religiosa ou
em novas situações de perseguição aos cristãos, que, nalguns países, atingiram níveis

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alarmantes de ódio e violência. Em muitos lugares, trata-se mais de uma generalizada indiferença
relativista, relacionada com a desilusão e a crise das ideologias que se verificou como reacção a
tudo o que pareça totalitário. Isto não prejudica só a Igreja, mas a vida social em geral.
Reconhecemos que, numa cultura onde cada um pretende ser portador duma verdade subjectiva
própria, torna-se difícil que os cidadãos queiram inserir-se num projecto comum que vai além dos
benefícios e desejos pessoais.
62. Na cultura dominante, ocupa o primeiro lugar aquilo que é exterior, imediato, visível, rápido,
superficial, provisório. O real cede o lugar à aparência. Em muitos países, a globalização
comportou uma acelerada deterioração das raízes culturais com a invasão de tendências
pertencentes a outras culturas, economicamente desenvolvidas mas eticamente debilitadas.
Assim se exprimiram, em distintos Sínodos, os Bispos de vários continentes. Há alguns anos, os
Bispos da África, por exemplo, retomando a Encíclica Sollicitudo rei socialis, assinalaram que
muitas vezes se quer transformar os países africanos em meras «peças de um mecanismo,
partes de uma engrenagem gigantesca. Isto verifica-se com frequência também no domínio dos
meios de comunicação social, os quais, sendo na sua maior parte geridos por centros situados na
parte norte do mundo, nem sempre têm na devida conta as prioridades e os problemas próprios
desses países e não respeitam a sua fisionomia cultural».[57] De igual modo, os Bispos da Ásia
sublinharam «as influências externas que estão a penetrar nas culturas asiáticas. Vão surgindo
formas novas de comportamento resultantes da orientação dos mass-media (…). Em
consequência disso, os aspectos negativos dos mass-media e espectáculos estão a ameaçar os
valores tradicionais».[58]
63. A fé católica de muitos povos encontra-se hoje perante o desafio da proliferação de novos
movimentos religiosos, alguns tendentes ao fundamentalismo e outros que parecem propor uma
espiritualidade sem Deus. Isto, por um lado, é o resultado duma reacção humana contra a
sociedade materialista, consumista e individualista e, por outro, um aproveitamento das carências
da população que vive nas periferias e zonas pobres, sobrevive no meio de grandes
preocupações humanas e procura soluções imediatas para as suas necessidades. Estes
movimentos religiosos, que se caracterizam pela sua penetração subtil, vêm colmar, dentro do
individualismo reinante, um vazio deixado pelo racionalismo secularista. Além disso, é necessário
reconhecer que, se uma parte do nosso povo baptizado não sente a sua pertença à Igreja, isso
deve-se também à existência de estruturas com clima pouco acolhedor nalgumas das nossas
paróquias e comunidades, ou à atitude burocrática com que se dá resposta aos problemas,
simples ou complexos, da vida dos nossos povos. Em muitas partes, predomina o aspecto
administrativo sobre o pastoral, bem como uma sacramentalização sem outras formas de
evangelização.
64. O processo de secularização tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo. Além
disso, com a negação de toda a transcendência, produziu-se uma crescente deformação ética,
um enfraquecimento do sentido do pecado pessoal e social e um aumento progressivo do

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relativismo; e tudo isso provoca uma desorientação generalizada, especialmente na fase tão
vulnerável às mudanças da adolescência e juventude. Como justamente observam os Bispos dos
Estados Unidos da América, enquanto a Igreja insiste na existência de normas morais objectivas,
válidas para todos, «há aqueles que apresentam esta doutrina como injusta, ou seja, contrária
aos direitos humanos básicos. Tais alegações brotam habitualmente de uma forma de relativismo
moral, que se une consistentemente a uma confiança nos direitos absolutos dos indivíduos. Nesta
perspectiva, a Igreja é sentida como se estivesse promovendo um convencionalismo particular e
interferisse com a liberdade individual».[59] Vivemos numa sociedade da informação que nos
satura indiscriminadamente de dados, todos postos ao mesmo nível, e acaba por nos conduzir a
uma tremenda superficialidade no momento de enquadrar as questões morais. Por conseguinte,
torna-se necessária uma educação que ensine a pensar criticamente e ofereça um caminho de
amadurecimento nos valores.
65. Apesar de toda a corrente secularista que invade a sociedade, em muitos países – mesmo
onde o cristianismo está em minoria – a Igreja Católica é uma instituição credível perante a
opinião pública, fiável no que diz respeito ao âmbito da solidariedade e preocupação pelos mais
indigentes. Em repetidas ocasiões, ela serviu de medianeira na solução de problemas que
afectam a paz, a concórdia, o meio ambiente, a defesa da vida, os direitos humanos e civis, etc. E
como é grande a contribuição das escolas e das universidades católicas no mundo inteiro! E é
muito bom que assim seja. Mas, quando levantamos outras questões que suscitam menor
acolhimento público, custa-nos a demonstrar que o fazemos por fidelidade às mesmas
convicções sobre a dignidade da pessoa humana e do bem comum.
66. A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos
sociais. No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque
se trata da célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a
pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos. O matrimónio tende a ser
visto como mera forma de gratificação afectiva, que se pode constituir de qualquer maneira e
modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a contribuição indispensável do
matrimónio à sociedade supera o nível da afectividade e o das necessidades ocasionais do casal.
Como ensinam os Bispos franceses, não provém «do sentimento amoroso, efémero por definição,
mas da profundidade do compromisso assumido pelos esposos que aceitam entrar numa união
de vida total».[60]
67. O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que debilita o
desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares.
A acção pastoral deve mostrar ainda melhor que a relação com o nosso Pai exige e incentiva uma
comunhão que cura, promove e fortalece os vínculos interpessoais. Enquanto no mundo,
especialmente nalguns países, se reacendem várias formas de guerras e conflitos, nós, cristãos,
insistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de estreitar
laços e de nos ajudarmos «a carregar as cargas uns dos outros» (Gal 6, 2). Além disso, vemos

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hoje surgir muitas formas de agregação para a defesa de direitos e a consecução de nobres
objectivos. Deste modo se manifesta uma sede de participação de numerosos cidadãos, que
querem ser construtores do desenvolvimento social e cultural.
Desafios da inculturação da fé
68. O substrato cristão dalguns povos – sobretudo ocidentais – é uma realidade viva. Aqui
encontramos, especialmente nos mais necessitados, uma reserva moral que guarda valores de
autêntico humanismo cristão. Um olhar de fé sobre a realidade não pode deixar de reconhecer o
que semeia o Espírito Santo. Significaria não ter confiança na sua acção livre e generosa pensar
que não existem autênticos valores cristãos, onde uma grande parte da população recebeu o
Baptismo e exprime de variadas maneiras a sua fé e solidariedade fraterna. Aqui há que
reconhecer muito mais que «sementes do Verbo», visto que se trata duma autêntica fé católica
com modalidades próprias de expressão e de pertença à Igreja. Não convém ignorar a enorme
importância que tem uma cultura marcada pela fé, porque, não obstante os seus limites, esta
cultura evangelizada tem, contra os ataques do secularismo actual, muitos mais recursos do que
a mera soma dos crentes. Uma cultura popular evangelizada contém valores de fé e
solidariedade que podem provocar o desenvolvimento duma sociedade mais justa e crente, e
possui uma sabedoria peculiar que devemos saber reconhecer com olhar agradecido.
69. Há uma necessidade imperiosa de evangelizar as culturas para inculturar o Evangelho. Nos
países de tradição católica, tratar-se-á de acompanhar, cuidar e fortalecer a riqueza que já existe
e, nos países de outras tradições religiosas ou profundamente secularizados, há que procurar
novos processos de evangelização da cultura, ainda que suponham projectos a longo prazo.
Entretanto não podemos ignorar que há sempre uma chamada ao crescimento: toda a cultura e
todo o grupo social necessitam de purificação e amadurecimento. No caso das culturas populares
de povos católicos, podemos reconhecer algumas fragilidades que precisam ainda de ser curadas
pelo Evangelho: o machismo, o alcoolismo, a violência doméstica, uma escassa participação na
Eucaristia, crenças fatalistas ou supersticiosas que levam a recorrer à bruxaria, etc. Mas o melhor
ponto de partida para curar e ver-se livre de tais fragilidades é precisamente a piedade popular.
70. Certo é também que, às vezes, se dá maior realce a formas exteriores das tradições de
grupos concretos ou a supostas revelações privadas, que se absolutizam, do que ao impulso da
piedade cristã. Há certo cristianismo feito de devoções – próprio duma vivência individual e
sentimental da fé – que, na realidade, não corresponde a uma autêntica «piedade popular».
Alguns promovem estas expressões sem se preocupar com a promoção social e a formação dos
fiéis, fazendo-o nalguns casos para obter benefícios económicos ou algum poder sobre os outros.
Também não podemos ignorar que, nas últimas décadas, se produziu uma ruptura na
transmissão geracional da fé cristã no povo católico. É inegável que muitos se sentem desiludidos
e deixam de se identificar com a tradição católica, que cresceu o número de pais que não
baptizam os seus filhos nem os ensinam a rezar, e que há um certo êxodo para outras

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comunidades de fé. Algumas causas desta ruptura são a falta de espaços de diálogo familiar, a
influência dos meios de comunicação, o subjectivismo relativista, o consumismo desenfreado que
o mercado incentiva, a falta de cuidado pastoral pelos mais pobres, a inexistência dum
acolhimento cordial nas nossas instituições, e a dificuldade que sentimos em recriar a adesão
mística da fé num cenário religioso pluralista.
Desafios das culturas urbanas
71. A nova Jerusalém, a cidade santa (cf. Ap 21, 2-4), é a meta para onde peregrina toda a
humanidade. É interessante que a revelação nos diga que a plenitude da humanidade e da
história se realiza numa cidade. Precisamos de identificar a cidade a partir dum olhar
contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas
ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos
efectuam para encontrar apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os citadinos promovendo
a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não
precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada. Deus não Se esconde de quantos O buscam
com coração sincero, ainda que o façam tacteando, de maneira imprecisa e incerta.
72. Na cidade, o elemento religioso é mediado por diferentes estilos de vida, por costumes
ligados a um sentido do tempo, do território e das relações que difere do estilo das populações
rurais. Na vida quotidiana, muitas vezes os citadinos lutam para sobreviver e, nesta luta, esconde-
se um sentido profundo da existência que habitualmente comporta também um profundo sentido
religioso. Precisamos de o contemplar para conseguirmos um diálogo parecido com o que o
Senhor teve com a Samaritana, junto do poço onde ela procurava saciar a sua sede (cf. Jo 4, 7-
26).
73. Novas culturas continuam a formar-se nestas enormes geografias humanas onde o cristão já
não costuma ser promotor ou gerador de sentido, mas recebe delas outras linguagens, símbolos,
mensagens e paradigmas que oferecem novas orientações de vida, muitas vezes em contraste
com o Evangelho de Jesus. Uma cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade. O
Sínodo constatou que as transformações destas grandes áreas e a cultura que exprimem são,
hoje, um lugar privilegiado da nova evangelização.[61] Isto requer imaginar espaços de oração e
de comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações
urbanas. Os ambientes rurais, devido à influência dos mass-media, não estão imunes destas
transformações culturais que também operam mudanças significativas nas suas formas de vida.
74. Torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com
Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais. É necessário
chegar aonde são concebidas as novas histórias e paradigmas, alcançar com a Palavra de Jesus
os núcleos mais profundos da alma das cidades. Não se deve esquecer que a cidade é um
âmbito multicultural. Nas grandes cidades, pode observar-se uma trama em que grupos de

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pessoas compartilham as mesmas formas de sonhar a vida e ilusões semelhantes, constituindo-
se em novos sectores humanos, em territórios culturais, em cidades invisíveis. Na realidade,
convivem variadas formas culturais, mas exercem muitas vezes práticas de segregação e
violência. A Igreja é chamada a ser servidora dum diálogo difícil. Enquanto há citadinos que
conseguem os meios adequados para o desenvolvimento da vida pessoal e familiar, muitíssimos
são também os «não-citadinos», os «meio-citadinos» ou os «resíduos urbanos». A cidade dá
origem a uma espécie de ambivalência permanente, porque, ao mesmo tempo que oferece aos
seus habitantes infinitas possibilidades, interpõe também numerosas dificuldades ao pleno
desenvolvimento da vida de muitos. Esta contradição provoca sofrimentos lancinantes. Em muitas
partes do mundo, as cidades são cenário de protestos em massa, onde milhares de habitantes
reclamam liberdade, participação, justiça e várias reivindicações que, se não forem
adequadamente interpretadas, nem pela força poderão ser silenciadas.
75. Não podemos ignorar que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de
pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas de
corrupção e crime. Ao mesmo tempo, o que poderia ser um precioso espaço de encontro e
solidariedade, transforma-se muitas vezes num lugar de retraimento e desconfiança mútua. As
casas e os bairros constroem-se mais para isolar e proteger do que para unir e integrar. A
proclamação do Evangelho será uma base para restabelecer a dignidade da vida humana nestes
contextos, porque Jesus quer derramar nas cidades vida em abundância (cf. Jo 10, 10). O sentido
unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho é o melhor remédio para os males
urbanos, embora devamos reparar que um programa e um estilo uniformes e rígidos de
evangelização não são adequados para esta realidade. Mas viver a fundo a realidade humana e
inserir-se no coração dos desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em
qualquer cidade, melhora o cristão e fecunda a cidade.
II. Tentações dos agentes pastorais
76. Sinto uma enorme gratidão pela tarefa de quantos trabalham na Igreja. Não quero agora
deter-me na exposição das actividades dos vários agentes pastorais, desde os Bispos até ao
mais simples e ignorado dos serviços eclesiais. Prefiro reflectir sobre os desafios que todos eles
enfrentam no meio da cultura globalizada actual. Mas, antes de tudo e como dever de justiça,
tenho a dizer que é enorme a contribuição da Igreja no mundo actual. A nossa tristeza e vergonha
pelos pecados de alguns membros da Igreja, e pelos próprios, não devem fazer esquecer os
inúmeros cristãos que dão a vida por amor: ajudam tantas pessoas seja a curar-se seja a morrer
em paz em hospitais precários, acompanham as pessoas que caíram escravas de diversos vícios
nos lugares mais pobres da terra, prodigalizam-se na educação de crianças e jovens, cuidam de
idosos abandonados por todos, procuram comunicar valores em ambientes hostis, e dedicam-se
de muitas outras maneiras que mostram o imenso amor à humanidade inspirado por Deus feito
homem. Agradeço o belo exemplo que me dão tantos cristãos que oferecem a sua vida e o seu
tempo com alegria. Este testemunho faz-me muito bem e me apoia na minha aspiração pessoal

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de superar o egoísmo para uma dedicação maior.
77. Apesar disso, como filhos desta época, todos estamos de algum modo sob o influxo da cultura
globalizada actual, que, sem deixar de apresentar valores e novas possibilidades, pode também
limitar-nos, condicionar-nos e até mesmo combalir-nos. Reconheço que precisamos de criar
espaços apropriados para motivar e sanar os agentes pastorais, «lugares onde regenerar a sua fé
em Jesus crucificado e ressuscitado, onde compartilhar as próprias questões mais profundas e as
preocupações quotidianas, onde discernir em profundidade e com critérios evangélicos sobre a
própria existência e experiência, com o objectivo de orientar para o bem e a beleza as próprias
opções individuais e sociais».[62] Ao mesmo tempo, quero chamar a atenção para algumas
tentações que afectam, particularmente nos nossos dias, os agentes pastorais.
Sim ao desafio duma espiritualidade missionária
78. Hoje nota-se em muitos agentes pastorais, mesmo pessoas consagradas, uma preocupação
exacerbada pelos espaços pessoais de autonomia e relaxamento, que leva a viver os próprios
deveres como mero apêndice da vida, como se não fizessem parte da própria identidade. Ao
mesmo tempo, a vida espiritual confunde-se com alguns momentos religiosos que proporcionam
algum alívio, mas não alimentam o encontro com os outros, o compromisso no mundo, a paixão
pela evangelização. Assim, é possível notar em muitos agentes evangelizadores – não obstante
rezem – uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor. São
três males que se alimentam entre si.
79. A cultura mediática e alguns ambientes intelectuais transmitem, às vezes, uma acentuada
desconfiança quanto à mensagem da Igreja, e um certo desencanto. Em consequência disso,
embora rezando, muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de
inferioridade que os leva a relativizar ou esconder a sua identidade cristã e as suas convicções.
Gera-se então um círculo vicioso, porque assim não se sentem felizes com o que são nem com o
que fazem, não se sentem identificados com a missão evangelizadora, e isto debilita a entrega.
Acabam assim por sufocar a alegria da missão numa espécie de obsessão por serem como todos
os outros e terem o que possuem os demais. Deste modo, a tarefa da evangelização torna-se
forçada e dedica-se-lhe pouco esforço e um tempo muito limitado.
80. Nos agentes pastorais, independentemente do estilo espiritual ou da linha de pensamento que
possam ter, desenvolve-se um relativismo ainda mais perigoso que o doutrinal. Tem a ver com as
opções mais profundas e sinceras que determinam uma forma de vida concreta. Este relativismo
prático é agir como se Deus não existisse, decidir como se os pobres não existissem, sonhar
como se os outros não existissem, trabalhar como se aqueles que não receberam o anúncio não
existissem. É impressionante como até aqueles que aparentemente dispõem de sólidas
convicções doutrinais e espirituais acabam, muitas vezes, por cair num estilo de vida que os leva
a agarrarem-se a seguranças económicas ou a espaços de poder e de glória humana que se

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buscam por qualquer meio, em vez de dar a vida pelos outros na missão. Não nos deixemos
roubar o entusiasmo missionário!
Não à acédia egoísta
81. Quando mais precisamos dum dinamismo missionário que leve sal e luz ao mundo, muitos
leigos temem que alguém os convide a realizar alguma tarefa apostólica e procuram fugir de
qualquer compromisso que lhes possa roubar o tempo livre. Hoje, por exemplo, tornou-se muito
difícil nas paróquias conseguir catequistas que estejam preparados e perseverem no seu dever
por vários anos. Mas algo parecido acontece com os sacerdotes que se preocupam
obsessivamente com o seu tempo pessoal. Isto, muitas vezes, fica-se a dever a que as pessoas
sentem imperiosamente necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se uma
tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso e não uma resposta alegre ao amor de Deus
que nos convoca para a missão e nos torna completos e fecundos. Alguns resistem a provar até
ao fundo o gosto da missão e acabam mergulhados numa acédia paralisadora.
82. O problema não está sempre no excesso de actividades, mas sobretudo nas actividades mal
vividas, sem as motivações adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a acção e a torne
desejável. Daí que as obrigações cansem mais do que é razoável, e às vezes façam adoecer.
Não se trata duma fadiga feliz, mas tensa, gravosa, desagradável e, em definitivo, não assumida.
Esta acédia pastoral pode ter origens diversas: alguns caem nela por sustentarem projectos
irrealizáveis e não viverem de bom grado o que poderiam razoavelmente fazer; outros, por não
aceitarem a custosa evolução dos processos e querem que tudo caia do Céu; outros, por se
apegarem a alguns projectos ou a sonhos de sucesso cultivados pela sua vaidade; outros, por
terem perdido o contacto real com o povo, numa despersonalização da pastoral que leva a
prestar mais atenção à organização do que às pessoas, acabando assim por se entusiasmarem
mais com a «tabela de marcha» do que com a própria marcha; outros ainda caem na acédia, por
não saberem esperar e quererem dominar o ritmo da vida. A ânsia hodierna de chegar a
resultados imediatos faz com que os agentes pastorais não tolerem facilmente o que signifique
alguma contradição, um aparente fracasso, uma crítica, uma cruz.
83. Assim se gera a maior ameaça, que «é o pragmatismo cinzento da vida quotidiana da Igreja,
no qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas na realidade a fé vai-se
deteriorando e degenerando na mesquinhez».[63] Desenvolve-se a psicologia do túmulo, que
pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu. Desiludidos com a realidade, com a
Igreja ou consigo mesmos, vivem constantemente tentados a apegar-se a uma tristeza melosa,
sem esperança, que se apodera do coração como «o mais precioso elixir do demónio».[64]
Chamados para iluminar e comunicar vida, acabam por se deixar cativar por coisas que só geram
escuridão e cansaço interior e corroem o dinamismo apostólico. Por tudo isto, permiti que insista:
Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização!

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Não ao pessimismo estéril
84. A alegria do Evangelho é tal que nada e ninguém no-la poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Os males
do nosso mundo – e os da Igreja – não deveriam servir como desculpa para reduzir a nossa
entrega e o nosso ardor. Vejamo-los como desafios para crescer. Além disso, o olhar crente é
capaz de reconhecer a luz que o Espírito Santo sempre irradia no meio da escuridão, sem
esquecer que, «onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5, 20). A nossa fé é
desafiada a entrever o vinho em que a água pode ser transformada, e a descobrir o trigo que
cresce no meio do joio. Cinquenta anos depois do Concílio Vaticano II, apesar de nos
entristecerem as misérias do nosso tempo e estarmos longe de optimismos ingénuos, um maior
realismo não deve significar menor confiança no Espírito nem menor generosidade. Neste
sentido, podemos voltar a ouvir as palavras pronunciadas pelo Beato João XXIII naquele
memorável 11 de Outubro de 1962: «Chegam-nos aos ouvidos insinuações de almas, ardorosas
sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de discrição e moderação. Nos tempos
actuais, não vêem senão prevaricações e ruínas. [...] Mas a nós parece-nos que devemos
discordar desses profetas de desgraças, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como
se estivesse iminente o fim do mundo. Na ordem presente das coisas, a misericordiosa
Providência está-nos levantando para uma ordem de relações humanas que, por obra dos
homens e a maior parte das vezes para além do que eles esperam, se encaminham para o
cumprimento dos seus desígnios superiores e inesperados, e tudo, mesmo as adversidades
humanas, converge para o bem da Igreja».[65]
85. Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que
nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre. Ninguém pode
empreender uma luta, se de antemão não está plenamente confiado no triunfo. Quem começa
sem confiança, perdeu de antemão metade da batalha e enterra os seus talentos. Embora com a
dolorosa consciência das próprias fraquezas, há que seguir em frente, sem se dar por vencido, e
recordar o que disse o Senhor a São Paulo: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-
se na fraqueza» (2 Cor 12, 9). O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é,
simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as
investidas do mal. O mau espírito da derrota é irmão da tentação de separar prematuramente o
trigo do joio, resultado de uma desconfiança ansiosa e egocêntrica.
86. É verdade que, nalguns lugares, se produziu uma «desertificação» espiritual, fruto do projecto
de sociedades que querem construir sem Deus ou que destroem as suas raízes cristãs. Lá, «o
mundo cristão está a tornar-se estéril e se esgota como uma terra excessivamente desfrutada
que se transforma em poeira».[66] Noutros países, a resistência violenta ao cristianismo obriga os
cristãos a viverem a sua fé às escondidas no país que amam. Esta é outra forma muito triste de
deserto. E a própria família ou o lugar de trabalho podem ser também o tal ambiente árido, onde
há que conservar a fé e procurar irradiá-la. Mas «é precisamente a partir da experiência deste
deserto, deste vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós,

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homens e mulheres. No deserto, é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a
vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da
vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente. E, no deserto, existe
sobretudo a necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho
para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança».[67] Em todo o caso, lá somos
chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros. Às vezes o cântaro transforma-se
numa pesada cruz, mas foi precisamente na Cruz que o Senhor, trespassado, Se nos entregou
como fonte de água viva. Não deixemos que nos roubem a esperança!
Sim às relações novas geradas por Jesus Cristo
87. Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram
progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a «mística» de viver juntos,
misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que
pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária,
numa peregrinação sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em
novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos. Como seria bom, salutar,
libertador, esperançoso, se pudéssemos trilhar este caminho! Sair de si mesmo para se unir aos
outros faz bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo da imanência, e a
humanidade perderá com cada opção egoísta que fizermos.
88. O ideal cristão convidará sempre a superar a suspeita, a desconfiança permanente, o medo
de sermos invadidos, as atitudes defensivas que nos impõe o mundo actual. Muitos tentam
escapar dos outros fechando-se na sua privacidade confortável ou no círculo reduzido dos mais
íntimos, e renunciam ao realismo da dimensão social do Evangelho. Porque, assim como alguns
quiseram um Cristo puramente espiritual, sem carne nem cruz, também se pretendem relações
interpessoais mediadas apenas por sofisticados aparatos, por ecrãs e sistemas que se podem
acender e apagar à vontade. Entretanto o Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do
encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com o seu sofrimentos e
suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado. A verdadeira fé no
Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do
serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-
nos à revolução da ternura.
89. O isolamento, que é uma concretização do imanentismo, pode exprimir-se numa falsa
autonomia que exclui Deus, mas pode também encontrar na religião uma forma de consumismo
espiritual à medida do próprio individualismo doentio. O regresso ao sagrado e a busca espiritual,
que caracterizam a nossa época, são fenómenos ambíguos. Mais do que o ateísmo, o desafio
que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para
que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e
sem compromisso com o outro. Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure,

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liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à
fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória
a Deus.
90. As formas próprias da religiosidade popular são encarnadas, porque brotaram da encarnação
da fé cristã numa cultura popular. Por isso mesmo, incluem uma relação pessoal, não com
energias harmonizadoras, mas com Deus, Jesus Cristo, Maria, um Santo. Têm carne, têm rostos.
Estão aptas para alimentar potencialidades relacionais e não tanto fugas individualistas. Noutros
sectores da nossa sociedade, cresce o apreço por várias formas de «espiritualidade do bem-
estar» sem comunidade, por uma «teologia da prosperidade» sem compromissos fraternos ou por
experiências subjectivas sem rostos, que se reduzem a uma busca interior imanentista.
91. Um desafio importante é mostrar que a solução nunca consistirá em escapar de uma relação
pessoal e comprometida com Deus, que ao mesmo tempo nos comprometa com os outros. Isto é
o que se verifica hoje quando os crentes procuram esconder-se e livrar-se dos outros, e quando
subtilmente escapam de um lugar para outro ou de uma tarefa para outra, sem criar vínculos
profundos e estáveis: «A imaginação e mudança de lugares enganou a muitos».[68] É um
remédio falso que faz adoecer o coração e, às vezes, o corpo. Faz falta ajudar a reconhecer que
o único caminho é aprender a encontrar os demais com a atitude adequada, que é valorizá-los e
aceitá-los como companheiros de estrada, sem resistências interiores. Melhor ainda, trata-se de
aprender a descobrir Jesus no rosto dos outros, na sua voz, nas suas reivindicações; e aprender
também a sofrer, num abraço com Jesus crucificado, quando recebemos agressões injustas ou
ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade.[69]
92. Nisto está a verdadeira cura: de facto, o modo de nos relacionarmos com os outros que, em
vez de nos adoecer, nos cura é uma fraternidade mística, contemplativa, que sabe ver a grandeza
sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, que sabe tolerar as
moléstias da convivência agarrando-se ao amor de Deus, que sabe abrir o coração ao amor
divino para procurar a felicidade dos outros como a procura o seu Pai bom. Precisamente nesta
época, inclusive onde são um «pequenino rebanho» (Lc 12, 32), os discípulos do Senhor são
chamados a viver como comunidade que seja sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-16). São
chamados a testemunhar, de forma sempre nova, uma pertença evangelizadora.[70] Não
deixemos que nos roubem a comunidade!
Não ao mundanismo espiritual
93. O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até
mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar
pessoal. É aquilo que o Senhor censurava aos fariseus: «Como vos é possível acreditar, se
andais à procura da glória uns dos outros, e não procurais a glória que vem do Deus único?» (Jo
5, 44). É uma maneira subtil de procurar «os próprios interesses, não os interesses de Jesus

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Cristo» (Fl 2, 21). Reveste-se de muitas formas, de acordo com o tipo de pessoas e situações em
que penetra. Por cultivar o cuidado da aparência, nem sempre suscita pecados de domínio
público, pelo que externamente tudo parece correcto. Mas, se invadisse a Igreja, «seria
infinitamente mais desastroso do que qualquer outro mundanismo meramente moral».[71]
94. Este mundanismo pode alimentar-se sobretudo de duas maneiras profundamente
relacionadas. Uma delas é o fascínio do gnosticismo, uma fé fechada no subjectivismo, onde
apenas interessa uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que
supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na
imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos. A outra maneira é o neopelagianismo
auto-referencial e prometeuco de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente
superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo
estilo católico próprio do passado. É uma suposta segurança doutrinal ou disciplinar que dá lugar
a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os
demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem-se as energias a controlar. Em ambos
os casos, nem Jesus Cristo nem os outros interessam verdadeiramente. São manifestações dum
imanentismo antropocêntrico. Não é possível imaginar que, destas formas desvirtuadas do
cristianismo, possa brotar um autêntico dinamismo evangelizador.
95. Este obscuro mundanismo manifesta-se em muitas atitudes, aparentemente opostas mas com
a mesma pretensão de «dominar o espaço da Igreja». Nalguns, há um cuidado exibicionista da
liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira
uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história. Assim, a vida
da Igreja transforma-se numa peça de museu ou numa possessão de poucos. Noutros, o próprio
mundanismo espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e
políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa atracção pelas
dinâmicas de auto-estima e de realização autoreferencial. Também se pode traduzir em várias
formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa vida social cheia de viagens,
reuniões, jantares, recepções. Ou então desdobra-se num funcionalismo empresarial, carregado
de estatísticas, planificações e avaliações, onde o principal beneficiário não é o povo de Deus
mas a Igreja como organização. Em qualquer um dos casos, não traz o selo de Cristo encarnado,
crucificado e ressuscitado, encerra-se em grupos de elite, não sai realmente à procura dos que
andam perdidos nem das imensas multidões sedentas de Cristo. Já não há ardor evangélico, mas
o gozo espúrio duma autocomplacência egocêntrica.
96. Neste contexto, alimenta-se a vanglória de quantos se contentam com ter algum poder e
preferem ser generais de exércitos derrotados antes que simples soldados dum batalhão que
continua a lutar. Quantas vezes sonhamos planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem
traçados, típicos de generais derrotados! Assim negamos a nossa história de Igreja, que é
gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de
constância no trabalho fadigoso, porque todo o trabalho é «suor do nosso rosto». Em vez disso,

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entretemo-nos vaidosos a falar sobre «o que se deveria fazer» – o pecado do «deveriaqueísmo»
– como mestres espirituais e peritos de pastoral que dão instruções ficando de fora. Cultivamos a
nossa imaginação sem limites e perdemos o contacto com a dolorosa realidade do nosso povo
fiel.
97. Quem caiu neste mundanismo olha de cima e de longe, rejeita a profecia dos irmãos,
desqualifica quem o questiona, faz ressaltar constantemente os erros alheios e vive obcecado
pela aparência. Circunscreveu os pontos de referência do coração ao horizonte fechado da sua
imanência e dos seus interesses e, consequentemente, não aprende com os seus pecados nem
está verdadeiramente aberto ao perdão. É uma tremenda corrupção, com aparências de bem.
Devemos evitá-lo, pondo a Igreja em movimento de saída de si mesma, de missão centrada em
Jesus Cristo, de entrega aos pobres. Deus nos livre de uma Igreja mundana sob vestes
espirituais ou pastorais! Este mundanismo asfixiante cura-se saboreando o ar puro do Espírito
Santo, que nos liberta de estarmos centrados em nós mesmos, escondidos numa aparência
religiosa vazia de Deus. Não deixemos que nos roubem o Evangelho!
Não à guerra entre nós
98. Dentro do povo de Deus e nas diferentes comunidades, quantas guerras! No bairro, no local
de trabalho, quantas guerras por invejas e ciúmes, mesmo entre cristãos! O mundanismo
espiritual leva alguns cristãos a estar em guerra com outros cristãos que se interpõem na sua
busca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança económica. Além disso, alguns deixam de viver
uma adesão cordial à Igreja por alimentar um espírito de contenda. Mais do que pertencer à Igreja
inteira, com a sua rica diversidade, pertencem a este ou àquele grupo que se sente diferente ou
especial.
99. O mundo está dilacerado pelas guerras e a violência, ou ferido por um generalizado
individualismo que divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros visando o próprio
bem-estar. Em vários países, ressurgem conflitos e antigas divisões que se pensavam em parte
superados. Aos cristãos de todas as comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial
um testemunho de comunhão fraterna, que se torne fascinante e resplandecente. Que todos
possam admirar como vos preocupais uns pelos outros, como mutuamente vos encorajais,
animais e ajudais: «Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes
uns aos outros» (Jo 13, 35). Foi o que Jesus, com uma intensa oração, pediu ao Pai: «Que todos
sejam um só (…) em nós [para que] o mundo creia» (Jo 17, 21). Cuidado com a tentação da
inveja! Estamos no mesmo barco e vamos para o mesmo porto! Peçamos a graça de nos
alegrarmos com os frutos alheios, que são de todos.
100. Para quantos estão feridos por antigas divisões, resulta difícil aceitar que os exortemos ao
perdão e à reconciliação, porque pensam que ignoramos a sua dor ou pretendemos fazer-lhes
perder a memória e os ideais. Mas, se virem o testemunho de comunidades autenticamente

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fraternas e reconciliadas, isso é sempre uma luz que atrai. Por isso me dói muito comprovar como
nalgumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias
formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias
ideias a todo o custo, e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem
queremos evangelizar com estes comportamentos?
101. Peçamos ao Senhor que nos faça compreender a lei do amor. Que bom é termos esta lei!
Como nos faz bem, apesar de tudo amar-nos uns aos outros! Sim, apesar de tudo! A cada um de
nós é dirigida a exortação de Paulo: «Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o
bem» (Rm 12, 21). E ainda: «Não nos cansemos de fazer o bem» (Gal 6, 9). Todos nós provamos
simpatias e antipatias, e talvez neste momento estejamos chateados com alguém. Pelo menos
digamos ao Senhor: «Senhor, estou chateado com este, com aquela. Peço-Vos por ele e por
ela». Rezar pela pessoa com quem estamos irritados é um belo passo rumo ao amor, e é um acto
de evangelização. Façamo-lo hoje mesmo. Não deixemos que nos roubem o ideal do amor
fraterno!
Outros desafios eclesiais
102. A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu serviço, está uma
minoria: os ministros ordenados. Cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na
Igreja. Embora não suficiente, pode-se contar com um numeroso laicado, dotado de um arreigado
sentido de comunidade e uma grande fidelidade ao compromisso da caridade, da catequese, da
celebração da fé. Mas, a tomada de consciência desta responsabilidade laical que nasce do
Baptismo e da Confirmação não se manifesta de igual modo em toda a parte; nalguns casos,
porque não se formaram para assumir responsabilidades importantes, noutros por não encontrar
espaço nas suas Igrejas particulares para poderem exprimir-se e agir por causa dum excessivo
clericalismo que os mantém à margem das decisões. Apesar de se notar uma maior participação
de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflecte na penetração dos valores
cristãos no mundo social, político e económico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da
Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade.
A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem
um importante desafio pastoral.
103. A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma
sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias
das mulheres que dos homens. Por exemplo, a especial solicitude feminina pelos outros, que se
exprime de modo particular, mas não exclusivamente, na maternidade. Vejo, com prazer, como
muitas mulheres partilham responsabilidades pastorais juntamente com os sacerdotes,
contribuem para o acompanhamento de pessoas, famílias ou grupos e prestam novas
contribuições para a reflexão teológica. Mas ainda é preciso ampliar os espaços para uma
presença feminina mais incisiva na Igreja. Porque «o génio feminino é necessário em todas as

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expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no
âmbito do trabalho»[72] e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na
Igreja como nas estruturas sociais.
104. As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que
homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a
desafiam e não se podem iludir superficialmente. O sacerdócio reservado aos homens, como
sinal de Cristo Esposo que Se entrega na Eucaristia, é uma questão que não se põe em
discussão, mas pode tornar-se particularmente controversa se se identifica demasiado a
potestade sacramental com o poder. Não se esqueça que, quando falamos da potestade
sacerdotal, «estamos na esfera da função e não na da dignidade e da santidade».[73] O
sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus utiliza ao serviço do seu povo, mas a grande
dignidade vem do Baptismo, que é acessível a todos. A configuração do sacerdote com Cristo
Cabeça – isto é, como fonte principal da graça – não comporta uma exaltação que o coloque por
cima dos demais. Na Igreja, as funções «não dão justificação à superioridade de uns sobre os
outros».[74] Com efeito, uma mulher, Maria, é mais importante do que os Bispos. Mesmo quando
a função do sacerdócio ministerial é considerada «hierárquica», há que ter bem presente que «se
ordena integralmente à santidade dos membros do corpo místico de Cristo».[75] A sua pedra de
fecho e o seu fulcro não são o poder entendido como domínio, mas a potestade de administrar o
sacramento da Eucaristia; daqui deriva a sua autoridade, que é sempre um serviço ao povo. Aqui
está um grande desafio para os Pastores e para os teólogos, que poderiam ajudar a reconhecer
melhor o que isto implica no que se refere ao possível lugar das mulheres onde se tomam
decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja.
105. A pastoral juvenil, tal como estávamos habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto das
mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os jovens habitualmente não encontram respostas
para as suas preocupações, necessidades, problemas e feridas. A nós, adultos, custa-nos a ouvi-
los com paciência, compreender as suas preocupações ou as suas reivindicações, e aprender a
falar-lhes na linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as propostas educacionais não
produzem os frutos esperados. A proliferação e o crescimento de associações e movimentos
predominantemente juvenis podem ser interpretados como uma acção do Espírito que abre
caminhos novos em sintonia com as suas expectativas e a busca de espiritualidade profunda e
dum sentido mais concreto de pertença. Todavia é necessário tornar mais estável a participação
destas agregações no âmbito da pastoral de conjunto da Igreja.[76]
106. Embora nem sempre seja fácil abordar os jovens, houve crescimento em dois aspectos: a
consciência de que toda a comunidade os evangeliza e educa, e a urgência de que eles tenham
um protagonismo maior. Deve-se reconhecer que, no actual contexto de crise do compromisso e
dos laços comunitários, são muitos os jovens que se solidarizam contra os males do mundo,
aderindo a várias formas de militância e voluntariado. Alguns participam na vida da Igreja,
integram grupos de serviço e diferentes iniciativas missionárias nas suas próprias dioceses ou

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noutros lugares. Como é bom que os jovens sejam «caminheiros da fé», felizes por levarem
Jesus Cristo a cada esquina, a cada praça, a cada canto da terra!
107. Em muitos lugares, há escassez de vocações ao sacerdócio e à vida consagrada.
Frequentemente isso fica-se a dever à falta de ardor apostólico contagioso nas comunidades,
pelo que estas não entusiasmam nem fascinam. Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos
outros, surgem vocações genuínas. Mesmo em paróquias onde os sacerdotes não são muito
disponíveis nem alegres, é a vida fraterna e fervorosa da comunidade que desperta o desejo de
se consagrar inteiramente a Deus e à evangelização, especialmente se essa comunidade vivente
reza insistentemente pelas vocações e tem a coragem de propor aos seus jovens um caminho de
especial consagração. Por outro lado, apesar da escassez vocacional, hoje temos noção mais
clara da necessidade de uma melhor selecção dos candidatos ao sacerdócio. Não se podem
encher os seminários com qualquer tipo de motivações, e menos ainda se estas estão
relacionadas com insegurança afectiva, busca de formas de poder, glória humana ou bem-estar
económico.
108. Como já disse, não pretendi oferecer um diagnóstico completo, mas convido as
comunidades a completarem e a enriquecerem estas perspectivas a partir da consciência dos
desafios próprios e das comunidades vizinhas. Espero que, ao fazê-lo, tenham em conta que,
todas as vezes que intentamos ler os sinais dos tempos na realidade actual, é conveniente ouvir
os jovens e os idosos. Tanto uns como outros são a esperança dos povos. Os idosos fornecem a
memória e a sabedoria da experiência, que convida a não repetir tontamente os mesmos erros do
passado. Os jovens chamam-nos a despertar e a aumentar a esperança, porque trazem consigo
as novas tendências da humanidade e abrem-nos ao futuro, de modo que não fiquemos
encalhados na nostalgia de estruturas e costumes que já não são fonte de vida no mundo actual.
109. Os desafios existem para ser superados. Sejamos realistas, mas sem perder a alegria, a
audácia e a dedicação cheia de esperança. Não deixemos que nos roubem a força missionária!
Capítulo III
O ANÚNCIO DO EVANGELHO
110. Depois de considerar alguns desafios da realidade actual, quero agora recordar o dever que
incumbe sobre nós em toda e qualquer época e lugar, porque «não pode haver verdadeira
evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor» e sem existir uma «primazia do
anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização».[77] Recolhendo as
preocupações dos Bispos asiáticos, João Paulo II afirmou que, se a Igreja «deve realizar o seu
destino providencial, então uma evangelização entendida como o jubiloso, paciente e progressivo
anúncio da Morte salvífica e Ressurreição de Jesus Cristo há-de ser a vossa prioridade
absoluta».[78] Isto é válido para todos.

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I. Todo o povo de Deus anuncia o Evangelho
111. A evangelização é dever da Igreja. Este sujeito da evangelização, porém, é mais do que uma
instituição orgânica e hierárquica; é, antes de tudo, um povo que peregrina para Deus. Trata-se
certamente de um mistério que mergulha as raízes na Trindade, mas tem a sua concretização
histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária
expressão institucional. Proponho que nos detenhamos um pouco nesta forma de compreender a
Igreja, que tem o seu fundamento último na iniciativa livre e gratuita de Deus.
Um povo para todos
112. A salvação, que Deus nos oferece, é obra da sua misericórdia. Não há acção humana, por
melhor que seja, que nos faça merecer tão grande dom. Por pura graça, Deus atrai-nos para nos
unir a Si.[79] Envia o seu Espírito aos nossos corações, para nos fazer seus filhos, para nos
transformar e tornar capazes de responder com a nossa vida ao seu amor. A Igreja é enviada por
Jesus Cristo como sacramento da salvação oferecida por Deus.[80] Através da sua acção
evangelizadora, ela colabora como instrumento da graça divina, que opera incessantemente para
além de toda e qualquer possível supervisão. Bem o exprimiu Bento XVI, ao abrir as reflexões do
Sínodo: «É sempre importante saber que a primeira palavra, a iniciativa verdadeira, a actividade
verdadeira vem de Deus e só inserindo-nos nesta iniciativa divina, só implorando esta iniciativa
divina, nos podemos tornar também – com Ele e n’Ele – evangelizadores».[81] O princípio da
primazia da graça deve ser um farol que ilumine constantemente as nossas reflexões sobre a
evangelização.
113. Esta salvação, que Deus realiza e a Igreja jubilosamente anuncia, é para todos,[82] e Deus
criou um caminho para Se unir a cada um dos seres humanos de todos os tempos. Escolheu
convocá-los como povo, e não como seres isolados.[83] Ninguém se salva sozinho, isto é, nem
como indivíduo isolado, nem por suas próprias forças. Deus atrai-nos, no respeito da complexa
trama de relações interpessoais que a vida numa comunidade humana supõe. Este povo, que
Deus escolheu para Si e convocou, é a Igreja. Jesus não diz aos Apóstolos para formarem um
grupo exclusivo, um grupo de elite. Jesus diz: «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos» (Mt
28, 19). São Paulo afirma que no povo de Deus, na Igreja, «não há judeu nem grego (...), porque
todos sois um só em Cristo Jesus» (Gal 3, 28). Eu gostaria de dizer àqueles que se sentem longe
de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama para
seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor!
114. Ser Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projecto de amor do Pai. Isto
implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a salvação
de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de ter respostas
que encorajem, dêem esperança e novo vigor para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da
misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a

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viverem segundo a vida boa do Evangelho.
Um povo com muitos rostos
115. Este povo de Deus encarna-se nos povos da Terra, cada um dos quais tem a sua cultura
própria. A noção de cultura é um instrumento precioso para compreender as diversas expressões
da vida cristã que existem no povo de Deus. Trata-se do estilo de vida que uma determinada
sociedade possui, da forma peculiar que têm os seus membros de se relacionar entre si, com as
outras criaturas e com Deus. Assim entendida, a cultura abrange a totalidade da vida dum
povo.[84] Cada povo, na sua evolução histórica, desenvolve a própria cultura com legítima
autonomia.[85] Isso fica-se a dever ao facto de que a pessoa humana, «por sua natureza,
necessita absolutamente da vida social»[86] e mantém contínua referência à sociedade, na qual
vive uma maneira concreta de se relacionar com a realidade. O ser humano está sempre
culturalmente situado: «natureza e cultura encontram-se intimamente ligadas».[87] A graça supõe
a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe.
116. Ao longo destes dois milénios de cristianismo, uma quantidade inumerável de povos recebeu
a graça da fé, fê-la florir na sua vida diária e transmitiu-a segundo as próprias modalidades
culturais. Quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua
cultura com a força transformadora do Evangelho. E assim, como podemos ver na história da
Igreja, o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural, mas «permanecendo o que é, na
fidelidade total ao anúncio evangélico e à tradição da Igreja, o cristianismo assumirá também o
rosto das diversas culturas e dos vários povos onde for acolhido e se radicar».[88] Nos diferentes
povos, que experimentam o dom de Deus segundo a própria cultura, a Igreja exprime a sua
genuína catolicidade e mostra «a beleza deste rosto pluriforme».[89] Através das manifestações
cristãs dum povo evangelizado, o Espírito Santo embeleza a Igreja, mostrando-lhe novos
aspectos da Revelação e presenteando-a com um novo rosto. Pela inculturação, a Igreja
«introduz os povos com as suas culturas na sua própria comunidade»,[90] porque «cada cultura
oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado,
compreendido e vivido».[91] Assim, «a Igreja, assumindo os valores das diversas culturas, torna-
se sponsa ornata monilibus suis, a noiva que se adorna com suas jóias (cf. Is 61, 10)».[92]
117. Se for bem entendida, a diversidade cultural não ameaça a unidade da Igreja. É o Espírito
Santo, enviado pelo Pai e o Filho, que transforma os nossos corações e nos torna capazes de
entrar na comunhão perfeita da Santíssima Trindade, onde tudo encontra a sua unidade. O
Espírito Santo constrói a comunhão e a harmonia do povo de Deus. Ele mesmo é a harmonia, tal
como é o vínculo de amor entre o Pai e o Filho.[93] É Ele que suscita uma abundante e
diversificada riqueza de dons e, ao mesmo tempo, constrói uma unidade que nunca é
uniformidade, mas multiforme harmonia que atrai. A evangelização reconhece com alegria estas
múltiplas riquezas que o Espírito gera na Igreja. Não faria justiça à lógica da encarnação pensar
num cristianismo monocultural e monocórdico. É verdade que algumas culturas estiveram

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intimamente ligadas à pregação do Evangelho e ao desenvolvimento do pensamento cristão, mas
a mensagem revelada não se identifica com nenhuma delas e possui um conteúdo transcultural.
Por isso, na evangelização de novas culturas ou de culturas que não acolheram a pregação
cristã, não é indispensável impor uma determinada forma cultural, por mais bela e antiga que
seja, juntamente com a proposta do Evangelho. A mensagem, que anunciamos, sempre
apresenta alguma roupagem cultural, mas às vezes, na Igreja, caímos na vaidosa sacralização da
própria cultura, o que pode mostrar mais fanatismo do que autêntico ardor evangelizador.
118. Os Bispos da Oceânia pediram que a Igreja neste continente «desenvolva uma
compreensão e exposição da verdade de Cristo partindo das tradições e culturas locais», e
instaram todos os missionários «a trabalhar de harmonia com os cristãos indígenas para garantir
que a doutrina e a vida da Igreja sejam expressas em formas legítimas e apropriadas a cada
cultura».[94] Não podemos pretender que todos os povos dos vários continentes, ao exprimir a fé
cristã, imitem as modalidades adoptadas pelos povos europeus num determinado momento da
história, porque a fé não se pode confinar dentro dos limites de compreensão e expressão duma
cultura.[95] É indiscutível que uma única cultura não esgota o mistério da redenção de Cristo.
Todos somos discípulos missionários
119. Em todos os baptizados, desde o primeiro ao último, actua a força santificadora do Espírito
que impele a evangelizar. O povo de Deus é santo em virtude desta unção, que o torna infalível
«in credendo», ou seja, ao crer, não pode enganar-se, ainda que não encontre palavras para
explicar a sua fé. O Espírito guia-o na verdade e condu-lo à salvação.[96] Como parte do seu
mistério de amor pela humanidade, Deus dota a totalidade dos fiéis com um instinto da fé – o
sensus fidei – que os ajuda a discernir o que vem realmente de Deus. A presença do Espírito
confere aos cristãos uma certa conaturalidade com as realidades divinas e uma sabedoria que
lhes permite captá-las intuitivamente, embora não possuam os meios adequados para expressá-
las com precisão.
120. Em virtude do Baptismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo
missionário (cf. Mt 28, 19). Cada um dos baptizados, independentemente da própria função na
Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito activo de evangelização, e seria inapropriado
pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do
povo fiel seria apenas receptor das suas acções. A nova evangelização deve implicar um novo
protagonismo de cada um dos baptizados. Esta convicção transforma-se num apelo dirigido a
cada cristão para que ninguém renuncie ao seu compromisso de evangelização, porque, se uma
pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito tempo
de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe dêem muitas lições ou longas
instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em
Cristo Jesus; não digamos mais que somos «discípulos» e «missionários», mas sempre que
somos «discípulos missionários». Se não estivermos convencidos disto, olhemos para os

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primeiros discípulos, que logo depois de terem conhecido o olhar de Jesus, saíram proclamando
cheios de alegria: «Encontrámos o Messias» (Jo 1, 41). A Samaritana, logo que terminou o seu
diálogo com Jesus, tornou-se missionária, e muitos samaritanos acreditaram em Jesus «devido
às palavras da mulher» (Jo 4, 39). Também São Paulo, depois do seu encontro com Jesus Cristo,
«começou imediatamente a proclamar (…) que Jesus era o Filho de Deus» (Act 9, 20). Porque
esperamos nós?
121. Certamente todos somos chamados a crescer como evangelizadores. Devemos procurar
simultaneamente uma melhor formação, um aprofundamento do nosso amor e um testemunho
mais claro do Evangelho. Neste sentido, todos devemos deixar que os outros nos evangelizem
constantemente; isto não significa que devemos renunciar à missão evangelizadora, mas
encontrar o modo de comunicar Jesus que corresponda à situação em que vivemos. Seja como
for, todos somos chamados a dar aos outros o testemunho explícito do amor salvífico do Senhor,
que, sem olhar às nossas imperfeições, nos oferece a sua proximidade, a sua Palavra, a sua
força, e dá sentido à nossa vida. O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele;
pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves
comunicar aos outros. A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo contrário, a missão é um
estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos a crescer. O
testemunho de fé, que todo o cristão é chamado a oferecer, implica dizer como São Paulo: «Não
que já o tenha alcançado ou já seja perfeito; mas corro para ver se o alcanço, (…) lançando-me
para o que vem à frente» (Fl 3, 12-13).
A força evangelizadora da piedade popular
122. Da mesma forma, podemos pensar que os diferentes povos, nos quais foi inculturado o
Evangelho, são sujeitos colectivos activos, agentes da evangelização. Assim é, porque cada povo
é o criador da sua cultura e o protagonista da sua história. A cultura é algo de dinâmico, que um
povo recria constantemente, e cada geração transmite à seguinte um conjunto de atitudes
relativas às diversas situações existenciais, que esta nova geração deve reelaborar face aos
próprios desafios. O ser humano «é simultaneamente filho e pai da cultura onde está
inserido».[97] Quando o Evangelho se inculturou num povo, no seu processo de transmissão
cultural também transmite a fé de maneira sempre nova; daí a importância da evangelização
entendida como inculturação. Cada porção do povo de Deus, ao traduzir na vida o dom de Deus
segundo a sua índole própria, dá testemunho da fé recebida e enriquece-a com novas
expressões que falam por si. Pode dizer-se que «o povo se evangeliza continuamente a si
mesmo».[98] Aqui ganha importância a piedade popular, verdadeira expressão da actividade
missionária espontânea do povo de Deus. Trata-se de uma realidade em permanente
desenvolvimento, cujo protagonista é o Espírito Santo.[99]
123. Na piedade popular, pode-se captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa
cultura e continua a transmitir-se. Vista por vezes com desconfiança, a piedade popular foi

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objecto de revalorização nas décadas posteriores ao Concílio. Quem deu um impulso decisivo
nesta direcção, foi Paulo VI na sua Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi. Nela explica que a
piedade popular «traduz em si uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples
podem experimentar»[100] e «torna as pessoas capazes para terem rasgos de generosidade e
predispõe-nas para o sacrifício até ao heroísmo, quando se trata de manifestar a fé».[101] Já
mais perto dos nossos dias, Bento XVI, na América Latina, assinalou que se trata de um
«precioso tesouro da Igreja Católica» e que nela «aparece a alma dos povos latino-
americanos».[102]
124. No Documento de Aparecida, descrevem-se as riquezas que o Espírito Santo explicita na
piedade popular por sua iniciativa gratuita. Naquele amado Continente, onde uma multidão
imensa de cristãos exprime a sua fé através da piedade popular, os Bispos chamam-na também
«espiritualidade popular» ou «mística popular».[103] Trata-se de uma verdadeira «espiritualidade
encarnada na cultura dos simples».[104] Não é vazia de conteúdos, mas descobre-os e exprime-
os mais pela via simbólica do que pelo uso da razão instrumental e, no acto de fé, acentua mais o
credere in Deum que o credere Deum.[105] É «uma maneira legítima de viver a fé, um modo de
se sentir parte da Igreja e uma forma de ser missionários»;[106] comporta a graça da
missionariedade, do sair de si e do peregrinar: «O caminhar juntos para os santuários e o
participar em outras manifestações da piedade popular, levando também os filhos ou convidando
a outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador».[107] Não coarctemos nem
pretendamos controlar esta força missionária!
125. Para compreender esta necessidade, é preciso abordá-la com o olhar do Bom Pastor, que
não procura julgar mas amar. Só a partir da conaturalidade afectiva que dá o amor é que
podemos apreciar a vida teologal presente na piedade dos povos cristãos, especialmente nos
pobres. Penso na fé firme das mães ao pé da cama do filho doente, que se agarram a um terço
ainda que não saibam elencar os artigos do Credo; ou na carga imensa de esperança contida
numa vela que se acende, numa casa humilde, para pedir ajuda a Maria, ou nos olhares de
profundo amor a Cristo crucificado. Quem ama o povo fiel de Deus, não pode ver estas acções
unicamente como uma busca natural da divindade; são a manifestação duma vida teologal
animada pela acção do Espírito Santo, que foi derramado em nossos corações (cf. Rm 5, 5).
126.Na piedade popular, por ser fruto do Evangelho inculturado, subjaz uma força activamente
evangelizadora que não podemos subestimar: seria ignorar a obra do Espírito Santo. Ao
contrário, somos chamados a encorajá-la e fortalecê-la para aprofundar o processo de
inculturação, que é uma realidade nunca acabada. As expressões da piedade popular têm muito
que nos ensinar e, para quem as sabe ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção
particularmente na hora de pensar a nova evangelização.
De pessoa a pessoa

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127. Hoje que a Igreja deseja viver uma profunda renovação missionária, há uma forma de
pregação que nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas
com quem se encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação informal
que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um missionário quando
visita um lar. Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de
Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num
caminho.
128. Nesta pregação, sempre respeitosa e amável, o primeiro momento é um diálogo pessoal, no
qual a outra pessoa se exprime e partilha as suas alegrias, as suas esperanças, as preocupações
com os seus entes queridos e muitas coisas que enchem o coração. Só depois desta conversa é
que se pode apresentar-lhe a Palavra, seja pela leitura de algum versículo ou de modo narrativo,
mas sempre recordando o anúncio fundamental: o amor pessoal de Deus que Se fez homem,
entregou-Se a Si mesmo por nós e, vivo, oferece a sua salvação e a sua amizade. É o anúncio
que se partilha com uma atitude humilde e testemunhal de quem sempre sabe aprender, com a
consciência de que esta mensagem é tão rica e profunda que sempre nos ultrapassa. Umas
vezes exprime-se de maneira mais directa, outras através dum testemunho pessoal, uma história,
um gesto, ou outra forma que o próprio Espírito Santo possa suscitar numa circunstância
concreta. Se parecer prudente e houver condições, é bom que este encontro fraterno e
missionário conclua com uma breve oração que se relacione com as preocupações que a pessoa
manifestou. Assim ela sentirá mais claramente que foi ouvida e interpretada, que a sua situação
foi posta nas mãos de Deus, e reconhecerá que a Palavra de Deus fala realmente à sua própria
vida.
129. Contudo não se deve pensar que o anúncio evangélico tenha de ser transmitido sempre com
determinadas fórmulas pré-estabelecidas ou com palavras concretas que exprimam um conteúdo
absolutamente invariável. Transmite-se com formas tão diversas que seria impossível descrevê-
las ou catalogá-las, e cujo sujeito colectivo é o povo de Deus com seus gestos e sinais
inumeráveis. Por conseguinte, se o Evangelho se encarnou numa cultura, já não se comunica
apenas através do anúncio de pessoa a pessoa. Isto deve fazer-nos pensar que, nos países onde
o cristianismo é minoria, para além de animar cada baptizado a anunciar o Evangelho, as Igrejas
particulares hão-de promover activamente formas, pelo menos incipientes, de inculturação. Enfim,
o que se deve procurar é que a pregação do Evangelho, expressa com categorias próprias da
cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura. Embora estes processos
sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado. Se deixamos que as dúvidas e
os medos sufoquem toda a ousadia, é possível que, em vez de sermos criativos, nos deixemos
simplesmente ficar cómodos sem provocar qualquer avanço e, neste caso, não seremos
participantes dos processos históricos com a nossa cooperação, mas simplesmente espectadores
duma estagnação estéril da Igreja.
Carismas ao serviço da comunhão evangelizadora

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130. O Espírito Santo enriquece toda a Igreja evangelizadora também com diferentes carismas.
São dons para renovar e edificar a Igreja.[108] Não se trata de um património fechado, entregue a
um grupo para que o guarde; mas são presentes do Espírito integrados no corpo eclesial,
atraídos para o centro que é Cristo, donde são canalizados num impulso evangelizador. Um sinal
claro da autenticidade dum carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de se integrar
harmoniosamente na vida do povo santo de Deus para o bem de todos. Uma verdadeira novidade
suscitada pelo Espírito não precisa de fazer sombra sobre outras espiritualidades e dons para se
afirmar a si mesma. Quanto mais um carisma dirigir o seu olhar para o coração do Evangelho,
tanto mais eclesial será o seu exercício. É na comunhão, mesmo que seja fadigosa, que um
carisma se revela autêntica e misteriosamente fecundo. Se vive este desafio, a Igreja pode ser
um modelo para a paz no mundo.
131. As diferenças entre as pessoas e as comunidades por vezes são incómodas, mas o Espírito
Santo, que suscita esta diversidade, de tudo pode tirar algo de bom e transformá-lo em
dinamismo evangelizador que actua por atracção. A diversidade deve ser sempre conciliada com
a ajuda do Espírito Santo; só Ele pode suscitar a diversidade, a pluralidade, a multiplicidade e, ao
mesmo tempo, realizar a unidade. Ao invés, quando somos nós que pretendemos a diversidade e
nos fechamos em nossos particularismos, em nossos exclusivismos, provocamos a divisão; e, por
outro lado, quando somos nós que queremos construir a unidade com os nossos planos
humanos, acabamos por impor a uniformidade, a homologação. Isto não ajuda a missão da
Igreja.
Cultura, pensamento e educação
132. O anúncio às culturas implica também um anúncio às culturas profissionais, científicas e
académicas. É o encontro entre a fé, a razão e as ciências, que visa desenvolver um novo
discurso sobre a credibilidade, uma apologética original[109] que ajude a criar as predisposições
para que o Evangelho seja escutado por todos. Quando algumas categorias da razão e das
ciências são acolhidas no anúncio da mensagem, tais categorias tornam-se instrumentos de
evangelização; é a água transformada em vinho. É aquilo que, uma vez assumido, não só é
redimido, mas torna-se instrumento do Espírito para iluminar e renovar o mundo.
133.Uma vez que não basta a preocupação do evangelizador por chegar a cada pessoa, mas o
Evangelho também se anuncia às culturas no seu conjunto, a teologia – e não só a teologia
pastoral – em diálogo com outras ciências e experiências humanas tem grande importância para
pensar como fazer chegar a proposta do Evangelho à variedade dos contextos culturais e dos
destinatários.[110] A Igreja, comprometida na evangelização, aprecia e encoraja o carisma dos
teólogos e o seu esforço na investigação teológica, que promove o diálogo com o mundo da
cultura e da ciência. Faço apelo aos teólogos para que cumpram este serviço como parte da
missão salvífica da Igreja. Mas, para isso, é necessário que tenham a peito a finalidade
evangelizadora da Igreja e da própria teologia, e não se contentem com uma teologia de

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gabinete.
134.As universidades são um âmbito privilegiado para pensar e desenvolver este compromisso
de evangelização de modo interdisciplinar e inclusivo. As escolas católicas, que sempre procuram
conjugar a tarefa educacional com o anúncio explícito do Evangelho, constituem uma contribuição
muito válida para a evangelização da cultura, mesmo em países e cidades onde uma situação
adversa nos incentiva a usar a nossa criatividade para se encontrar os caminhos adequados.[111]
II. A homilia
135. Consideremos agora a pregação dentro da Liturgia, que requer uma séria avaliação por
parte dos Pastores. Deter-me-ei particularmente, e até com certa meticulosidade, na homilia e
sua preparação, porque são muitas as reclamações relacionadas com este ministério importante,
e não podemos fechar os ouvidos. A homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade
e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De facto, sabemos que os fiéis lhe
dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem:
uns a ouvir e os outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma
experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte
constante de renovação e crescimento.
136. Renovemos a nossa confiança na pregação, que se funda na convicção de que é Deus que
deseja alcançar os outros através do pregador e de que Ele mostra o seu poder através da
palavra humana. São Paulo fala vigorosamente sobre a necessidade de pregar, porque o Senhor
quis chegar aos outros por meio também da nossa palavra (cf. Rm 10, 14-17). Com a palavra,
Nosso Senhor conquistou o coração da gente. De todas as partes, vinham para O ouvir (cf. Mc 1,
45). Ficavam maravilhados, «bebendo» os seus ensinamentos (cf. Mc 6, 2). Sentiam que lhes
falava como quem tem autoridade (cf. Mc 1, 27). E os Apóstolos, que Jesus estabelecera «para
estarem com Ele e para os enviar a pregar» (Mc 3, 14), atraíram para o seio da Igreja todos os
povos com a palavra (cf. Mc 16, 15.20).
O contexto litúrgico
137. Agora é oportuno recordar que «a proclamação litúrgica da Palavra de Deus, principalmente
no contexto da assembleia eucarística, não é tanto um momento de meditação e de catequese,
como sobretudo o diálogo de Deus com o seu povo, no qual se proclamam as maravilhas da
salvação e se propõem continuamente as exigências da Aliança».[112] Reveste-se de um valor
especial a homilia, derivado do seu contexto eucarístico, que supera toda a catequese por ser o
momento mais alto do diálogo entre Deus e o seu povo, antes da comunhão sacramental. A
homilia é um retomar este diálogo que já está estabelecido entre o Senhor e o seu povo. Aquele
que prega deve conhecer o coração da sua comunidade para identificar onde está vivo e ardente
o desejo de Deus e também onde é que este diálogo de amor foi sufocado ou não pôde dar fruto.

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138. A homilia não pode ser um espectáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos
recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração. É um género peculiar, já que
se trata de uma pregação no quadro duma celebração litúrgica; por conseguinte, deve ser breve e
evitar que se pareça com uma conferência ou uma lição. O pregador pode até ser capaz de
manter vivo o interesse das pessoas por uma hora, mas assim a sua palavra torna-se mais
importante que a celebração da fé. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características
da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo. Quando a pregação se
realiza no contexto da Liturgia, incorpora-se como parte da oferenda que se entrega ao Pai e
como mediação da graça que Cristo derrama na celebração. Este mesmo contexto exige que a
pregação oriente a assembleia, e também o pregador, para uma comunhão com Cristo na
Eucaristia, que transforme a vida. Isto requer que a palavra do pregador não ocupe um lugar
excessivo, para que o Senhor brilhe mais que o ministro.
A conversa da mãe
139. Dissemos que o povo de Deus, pela acção constante do Espírito nele, se evangeliza
continuamente a si mesmo. Que implicações tem esta convicção para o pregador? Lembra-nos
que a Igreja é mãe e prega ao povo como uma mãe fala ao seu filho, sabendo que o filho tem
confiança de que tudo o que se lhe ensina é para seu bem, porque se sente amado. Além disso,
a boa mãe sabe reconhecer tudo o que Deus semeou no seu filho, escuta as suas preocupações
e aprende com ele. O espírito de amor que reina numa família guia tanto a mãe como o filho nos
seus diálogos, nos quais se ensina e aprende, se corrige e valoriza o que é bom; assim deve
acontecer também na homilia. O Espírito que inspirou os Evangelhos e actua no povo de Deus,
inspira também como se deve escutar a fé do povo e como se deve pregar em cada Eucaristia.
Portanto a pregação cristã encontra, no coração da cultura do povo, um manancial de água viva
tanto para saber o que se deve dizer como para encontrar o modo mais apropriado para o dizer.
Assim como todos gostamos que nos falem na nossa língua materna, assim também, na fé,
gostamos que nos falem em termos da «cultura materna», em termos do idioma materno (cf. 2
Mac 7, 21.27), e o coração dispõe-se a ouvir melhor. Esta linguagem é uma tonalidade que
transmite coragem, inspiração, força, impulso.
140. Este âmbito materno-eclesial, onde se desenrola o diálogo do Senhor com o seu povo, deve
ser encarecido e cultivado através da proximidade cordial do pregador, do tom caloroso da sua
voz, da mansidão do estilo das suas frases, da alegria dos seus gestos. Mesmo que às vezes a
homilia seja um pouco maçante, se houver este espírito materno-eclesial, será sempre fecunda,
tal como os conselhos maçantes duma mãe, com o passar do tempo, dão fruto no coração dos
filhos.
141. Ficamos admirados com os recursos empregues pelo Senhor para dialogar com o seu povo,
revelar o seu mistério a todos, cativar a gente comum com ensinamentos tão elevados e
exigentes. Creio que o segredo de Jesus esteja escondido naquele seu olhar o povo mais além

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das suas fraquezas e quedas: «Não temais, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai
dar-vos o Reino» (Lc 12, 32); Jesus prega com este espírito. Transbordando de alegria no
Espírito, bendiz o Pai por Lhe atrair os pequeninos: «Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do Céu e da
Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos
pequeninos» (Lc 10, 21). O Senhor compraz-Se verdadeiramente em dialogar com o seu povo, e
compete ao pregador fazer sentir este gosto do Senhor ao seu povo.
Palavras que abrasam os corações
142. Um diálogo é muito mais do que a comunicação duma verdade. Realiza-se pelo prazer de
falar e pelo bem concreto que se comunica através das palavras entre aqueles que se amam. É
um bem que não consiste em coisas, mas nas próprias pessoas que mutuamente se dão no
diálogo. A pregação puramente moralista ou doutrinadora e também a que se transforma numa
lição de exegese reduzem esta comunicação entre os corações que se verifica na homilia e que
deve ter um carácter quase sacramental: «A fé surge da pregação, e a pregação surge pela
palavra de Cristo» (Rm 10, 17). Na homilia, a verdade anda de mãos dadas com a beleza e o
bem. Não se trata de verdades abstractas ou de silogismos frios, porque se comunica também a
beleza das imagens que o Senhor utilizava para incentivar a prática do bem. A memória do povo
fiel, como a de Maria, deve ficar transbordante das maravilhas de Deus. O seu coração,
esperançado na prática alegre e possível do amor que lhe foi anunciado, sente que toda a palavra
na Escritura, antes de ser exigência, é dom.
143. O desafio duma pregação inculturada consiste em transmitir a síntese da mensagem
evangélica, e não ideias ou valores soltos. Onde está a tua síntese, ali está o teu coração. A
diferença entre fazer luz com sínteses e o fazê-lo com ideias soltas é a mesma que há entre o
ardor do coração e o tédio. O pregador tem a belíssima e difícil missão de unir os corações que
se amam: o do Senhor e os do seu povo. O diálogo entre Deus e o seu povo reforça ainda mais a
aliança entre ambos e estreita o vínculo da caridade. Durante o tempo da homilia, os corações
dos crentes fazem silêncio e deixam-No falar a Ele. O Senhor e o seu povo falam-se de mil e uma
maneiras directamente, sem intermediários, mas, na homilia, querem que alguém sirva de
instrumento e exprima os sentimentos, de modo que, depois, cada um possa escolher como
continuar a sua conversa. A palavra é, essencialmente, mediadora e necessita não só dos dois
dialogantes mas também de um pregador que a represente como tal, convencido de que «não
nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nos consideramos vossos servos,
por amor de Jesus» (2 Cor 4, 5).
144. Falar com o coração implica mantê-lo não só ardente, mas também iluminado pela
integridade da Revelação e pelo caminho que essa Palavra percorreu no coração da Igreja e do
nosso povo fiel ao longo da sua história. A identidade cristã, que é aquele abraço baptismal que o
Pai nos deu em pequeninos, faz-nos anelar, como fi-lhos pródigos – e predilectos em Maria –,
pelo outro abraço, o do Pai misericordioso que nos espera na glória. Fazer com que o nosso povo

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se sinta, de certo modo, no meio destes dois abraços é a tarefa difícil, mas bela, de quem prega o
Evangelho.
III. A preparação da pregação
145. A preparação da pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar-lhe um tempo
longo de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral. Com muita amizade, quero deter-me a
propor um itinerário de preparação da homilia. Trata-se de indicações que, para alguns, poderão
parecer óbvias, mas considero oportuno sugeri-las para recordar a necessidade de dedicar um
tempo privilegiado a este precioso ministério. Alguns párocos sustentam frequentemente que isto
não é possível por causa de tantas incumbências que devem desempenhar; todavia atrevo-me a
pedir que todas as semanas se dedique a esta tarefa um tempo pessoal e comunitário
suficientemente longo, mesmo que se tenha de dar menos tempo a outras tarefas também
importantes. A confiança no Espírito Santo que actua na pregação não é meramente passiva,
mas activa e criativa. Implica oferecer-se como instrumento (cf. Rm 12, 1), com todas as próprias
capacidades, para que possam ser utilizadas por Deus. Um pregador que não se prepara não é
«espiritual»: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu.
O culto da verdade
146. O primeiro passo, depois de invocar o Espírito Santo, é prestar toda a atenção ao texto
bíblico, que deve ser o fundamento da pregação. Quando alguém se detém procurando
compreender qual é a mensagem dum texto, exerce o «culto da verdade».[113] É a humildade do
coração que reconhece que a Palavra sempre nos transcende, que somos, «não os árbitros nem
os proprietários, mas os depositários, os arautos e os servidores».[114] Esta atitude de humilde e
deslumbrada veneração da Palavra exprime-se detendo-se a estudá-la com o máximo cuidado e
com um santo temor de a manipular. Para se poder interpretar um texto bíblico, faz falta
paciência, pôr de parte toda a ansiedade e atribuir-lhe tempo, interesse e dedicação gratuita. Há
que pôr de lado qualquer preocupação que nos inquiete, para entrar noutro âmbito de serena
atenção. Não vale a pena dedicar-se a ler um texto bíblico, se aquilo que se quer obter são
resultados rápidos, fáceis ou imediatos. Por isso, a preparação da pregação requer amor. Uma
pessoa só dedica um tempo gratuito e sem pressa às coisas ou às pessoas que ama; e aqui
trata-se de amar a Deus, que quis falar. A partir deste amor, uma pessoa pode deter-se todo o
tempo que for necessário, com a atitude dum discípulo: «Fala, Senhor; o teu servo escuta» (1
Sam 3, 9).
147. Em primeiro lugar, convém estarmos seguros de compreender adequadamente o significado
das palavras que lemos. Quero insistir em algo que parece evidente, mas que nem sempre é tido
em conta: o texto bíblico, que estudamos, tem dois ou três mil anos, a sua linguagem é muito
diferente da que usamos agora. Por mais que nos pareça termos entendido as palavras, que
estão traduzidas na nossa língua, isso não significa que compreendemos correctamente tudo o

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que o escritor sagrado queria exprimir. São conhecidos os vários recursos que proporciona a
análise literária: prestar atenção às palavras que se repetem ou evidenciam, reconhecer a
estrutura e o dinamismo próprio dum texto, considerar o lugar que ocupam os personagens, etc.
Mas o objectivo não é o de compreender todos os pequenos detalhes dum texto; o mais
importante é descobrir qual é a mensagem principal, a mensagem que confere estrutura e
unidade ao texto. Se o pregador não faz este esforço, é possível que também a sua pregação não
tenha unidade nem ordem; o seu discurso será apenas uma súmula de várias ideias
desarticuladas que não conseguirão mobilizar os outros. A mensagem central é aquela que o
autor quis primariamente transmitir, o que implica identificar não só uma ideia mas também o
efeito que esse autor quis produzir. Se um texto foi escrito para consolar, não deveria ser utilizado
para corrigir erros; se foi escrito para exortar, não deveria ser utilizado para instruir; se foi escrito
para ensinar algo sobre Deus, não deveria ser utilizado para explicar várias opiniões teológicas;
se foi escrito para levar ao louvor ou ao serviço missionário, não o utilizemos para informar sobre
as últimas notícias.
148. É verdade que, para se entender adequadamente o sentido da mensagem central dum texto,
é preciso colocá-lo em ligação com o ensinamento da Bíblia inteira, transmitida pela Igreja. Este é
um princípio importante da interpretação bíblica, que tem em conta que o Espírito Santo não
inspirou só uma parte, mas a Bíblia inteira, e que, nalgumas questões, o povo cresceu na sua
compreensão da vontade de Deus a partir da experiência vivida. Assim se evitam interpretações
equivocadas ou parciais, que contradizem outros ensinamentos da mesma Escritura. Mas isto
não significa enfraquecer a acentuação própria e específica do texto que se deve pregar. Um dos
defeitos duma pregação enfadonha e ineficaz é precisamente não poder transmitir a força própria
do texto que foi proclamado.
A personalização da Palavra
149. O pregador «deve ser o primeiro a desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a
Palavra de Deus: não lhe basta conhecer o aspecto linguístico ou exegético, sem dúvida
necessário; precisa de se abeirar da Palavra com o coração dócil e orante, a fim de que ela
penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e gere nele uma nova mentalidade».[115]
Faz-nos bem renovar, cada dia, cada domingo, o nosso ardor na preparação da homilia, e
verificar se, em nós mesmos, cresce o amor pela Palavra que pregamos. É bom não esquecer
que, «particularmente, a maior ou menor santidade do ministro influi sobre o anúncio da
Palavra».[116] Como diz São Paulo, «falamos, não para agradar aos homens, mas a Deus que
põe à prova os nossos corações» (1 Ts 2, 4). Se está vivo este desejo de, primeiro, ouvirmos nós
a Palavra que temos de pregar, esta transmitir-se-á duma maneira ou doutra ao povo fiel de
Deus: «A boca fala da abundância do coração» (Mt 12, 34). As leituras do domingo ressoarão
com todo o seu esplendor no coração do povo, se primeiro ressoarem assim no coração do
Pastor.

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150. Jesus irritava-Se com pretensiosos mestres, muito exigentes com os outros, que ensinavam
a Palavra de Deus mas não se deixavam iluminar por ela: «Atam fardos pesados e insuportáveis
e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar» (Mt
23, 4). E o Apóstolo São Tiago exortava: «Meus irmãos, não haja muitos entre vós que pretendam
ser mestres, sabendo que nós teremos um julgamento mais severo» (3, 1). Quem quiser pregar,
deve primeiro estar disposto a deixar-se tocar pela Palavra e fazê-la carne na sua vida concreta.
Assim, a pregação consistirá na actividade tão intensa e fecunda que é «comunicar aos outros o
que foi contemplado».[117] Por tudo isto, antes de preparar concretamente o que vai dizer na
pregação, o pregador tem que aceitar ser primeiro trespassado por essa Palavra que há-de
trespassar os outros, porque é uma Palavra viva e eficaz, que, como uma espada, «penetra até à
divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sentimentos e
intenções do coração» (Heb 4, 12). Isto tem um valor pastoral. Mesmo nesta época, a gente
prefere escutar as testemunhas: «Tem sede de autenticidade (...), reclama evangelizadores que
lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar como se eles vissem o
invisível».[118]
151. Não nos é pedido que sejamos imaculados, mas que não cessemos de melhorar, vivamos o
desejo profundo de progredir no caminho do Evangelho, e não deixemos cair os braços.
Indispensável é que o pregador esteja seguro de que Deus o ama, de que Jesus Cristo o salvou,
de que o seu amor tem sempre a última palavra. À vista de tanta beleza, sentirá muitas vezes que
a sua vida não lhe dá plenamente glória e desejará sinceramente corresponder melhor a um amor
tão grande. Todavia, se não se detém com sincera abertura a escutar esta Palavra, se não deixa
que a mesma toque a sua vida, que o interpele, exorte, mobilize, se não dedica tempo para rezar
com esta Palavra, então na realidade será um falso profeta, um embusteiro ou um charlatão
vazio. Em todo o caso, desde que reconheça a sua pobreza e deseje comprometer-se mais,
sempre poderá dar Jesus Cristo, dizendo como Pedro: «Não tenho ouro nem prata, mas o que
tenho, isto te dou» (Act 3, 6). O Senhor quer servir-Se de nós como seres vivos, livres e criativos,
que se deixam penetrar pela sua Palavra antes de a transmitir; a sua mensagem deve passar
realmente através do pregador, e não só pela sua razão, mas tomando posse de todo o seu ser.
O Espírito Santo, que inspirou a Palavra, é quem «hoje ainda, como nos inícios da Igreja, age em
cada um dos evangelizadores que se deixa possuir e conduzir por Ele, e põe na sua boca as
palavras que ele sozinho não poderia encontrar».[119]
A leitura espiritual
152. Há uma modalidade concreta para escutarmos aquilo que o Senhor nos quer dizer na sua
Palavra e nos deixarmos transformar pelo Espírito: designamo-la por «lectio divina». Consiste na
leitura da Palavra de Deus num tempo de oração, para lhe permitir que nos ilumine e renove. Esta
leitura orante da Bíblia não está separada do estudo que o pregador realiza para individuar a
mensagem central do texto; antes pelo contrário, é dela que deve partir para procurar descobrir
aquilo que essa mesma mensagem tem a dizer à sua própria vida. A leitura espiritual dum texto

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deve partir do seu sentido literal. Caso contrário, uma pessoa facilmente fará o texto dizer o que
lhe convém, o que serve para confirmar as suas próprias decisões, o que se adapta aos seus
próprios esquemas mentais. E isto seria, em última análise, usar o sagrado para proveito próprio
e passar esta confusão para o povo de Deus. Nunca devemos esquecer-nos de que, por vezes,
«também Satanás se disfarça em anjo de luz» (2 Cor 11, 14).
153. Na presença de Deus, numa leitura tranquila do texto, é bom perguntar-se, por exemplo:
«Senhor, a mim que me diz este texto? Com esta mensagem, que quereis mudar na minha vida?
Que é que me dá fastídio neste texto? Porque é que isto não me interessa?»; ou então: «De que
gosto? Em que me estimula esta Palavra? Que me atrai? E porque me atrai?». Quando se
procura ouvir o Senhor, é normal ter tentações. Uma delas é simplesmente sentir-se chateado e
acabrunhado e dar tudo por encerrado; outra tentação muito comum é começar a pensar naquilo
que o texto diz aos outros, para evitar de o aplicar à própria vida. Acontece também começar a
procurar desculpas, que nos permitam diluir a mensagem específica do texto. Outras vezes
pensamos que Deus nos exige uma decisão demasiado grande, que ainda não estamos em
condições de tomar. Isto leva muitas pessoas a perderem a alegria do encontro com a Palavra,
mas isso significaria esquecer que ninguém é mais paciente do que Deus Pai, ninguém
compreende e sabe esperar como Ele. Deus convida sempre a dar um passo mais, mas não
exige uma resposta completa, se ainda não percorremos o caminho que a torna possível. Apenas
quer que olhemos com sinceridade a nossa vida e a apresentemos sem fingimento diante dos
seus olhos, que estejamos dispostos a continuar a crescer, e peçamos a Ele o que ainda não
podemos conseguir.
À escuta do povo
154. O pregador deve também pôr-se à escuta do povo, para descobrir aquilo que os fiéis
precisam de ouvir. Um pregador é um contemplativo da Palavra e também um contemplativo do
povo. Desta forma, descobre «as aspirações, as riquezas e as limitações, as maneiras de orar, de
amar, de encarar a vida e o mundo, que caracterizam este ou aquele aglomerado humano»,
prestando atenção «ao povo concreto com os seus sinais e símbolos e respondendo aos
problemas que apresenta».[120] Trata-se de relacionar a mensagem do texto bíblico com uma
situação humana, com algo que as pessoas vivem, com uma experiência que precisa da luz da
Palavra. Esta preocupação não é ditada por uma atitude oportunista ou diplomática, mas é
profundamente religiosa e pastoral. No fundo, é uma «sensibilidade espiritual para saber ler nos
acontecimentos a mensagem de Deus»,[121] e isto é muito mais do que encontrar algo
interessante para dizer. Procura-se descobrir «o que o Senhor tem a dizer nessas
circunstâncias».[122] Então a preparação da pregação transforma-se num exercício de
discernimento evangélico, no qual se procura reconhecer – à luz do Espírito – «um “apelo” que
Deus faz ressoar na própria situação histórica: também nele e através dele, Deus chama o
crente».[123]

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155. Nesta busca, é possível recorrer apenas a alguma experiência humana frequente, como, por
exemplo, a alegria dum reencontro, as desilusões, o medo da solidão, a compaixão pela dor
alheia, a incerteza perante o futuro, a preocupação com um ser querido, etc.; mas faz falta
intensificar a sensibilidade para se reconhecer o que isso realmente tem a ver com a vida das
pessoas. Recordemos que nunca se deve responder a perguntas que ninguém se põe, nem
convém fazer a crónica da actualidade para despertar interesse; para isso, já existem os
programas televisivos. Em todo o caso, é possível partir de algum facto para que a Palavra possa
repercutir fortemente no seu apelo à conversão, à adoração, a atitudes concretas de fraternidade
e serviço, etc., porque acontece, às vezes, que algumas pessoas gostam de ouvir comentários
sobre a realidade na pregação, mas nem por isso se deixam interpelar pessoalmente.
Recursos pedagógicos
156. Alguns acreditam que podem ser bons pregadores por saber o que devem dizer, mas
descuidam o como, a forma concreta de desenvolver uma pregação. Zangam-se quando os
outros não os ouvem ou não os apreciam, mas talvez não se tenham empenhado por encontrar a
forma adequada de apresentar a mensagem. Lembremo-nos de que «a evidente importância do
conteúdo da evangelização não deve esconder a importância dos métodos e dos meios da
mesma evangelização».[124] A preocupação com a forma de pregar também é uma atitude
profundamente espiritual. É responder ao amor de Deus, entregando-nos com todas as nossas
capacidades e criatividade à missão que Ele nos confia; mas também é um exímio exercício de
amor ao próximo, porque não queremos oferecer aos outros algo de má qualidade. Na Bíblia, por
exemplo, aparece a recomendação para se preparar a pregação de modo a garantir uma
apropriada extensão: «Sê conciso no teu falar: muitas coisas em poucas palavras» (Sir 32, 8).
157. Apenas, para exemplificar, recordemos alguns recursos práticos que podem enriquecer uma
pregação e torná-la mais atraente. Um dos esforços mais necessários é aprender a usar imagens
na pregação, isto é, a falar por imagens. Às vezes usam-se exemplos para tornar mais
compreensível algo que se quer explicar, mas estes exemplos frequentemente dirigem-se apenas
ao entendimento, enquanto as imagens ajudam a apreciar e acolher a mensagem que se quer
transmitir. Uma imagem fascinante faz com que se sinta a mensagem como algo familiar,
próximo, possível, relacionado com a própria vida. Uma imagem apropriada pode levar a saborear
a mensagem que se quer transmitir, desperta um desejo e motiva a vontade na direcção do
Evangelho. Uma boa homilia, como me dizia um antigo professor, deve conter «uma ideia, um
sentimento, uma imagem».
158. Já dizia Paulo VI que os fiéis «esperam muito desta pregação e dela poderão tirar fruto,
contanto que ela seja simples, clara, directa, adaptada».[125] A simplicidade tem a ver com a
linguagem utilizada. Deve ser linguagem que os destinatários compreendam, para não correr o
risco de falar ao vento. Acontece frequentemente que os pregadores usam palavras que
aprenderam nos seus estudos e em certos ambientes, mas que não fazem parte da linguagem

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comum das pessoas que os ouvem. Há palavras próprias da teologia ou da catequese, cujo
significado não é compreensível para a maioria dos cristãos. O maior risco dum pregador é
habituar-se à sua própria linguagem e pensar que todos os outros a usam e compreendem
espontaneamente. Se se quer adaptar à linguagem dos outros, para poder chegar até eles com a
Palavra, deve-se escutar muito, é preciso partilhar a vida das pessoas e prestar-lhes benévola
atenção. A simplicidade e a clareza são duas coisas diferentes. A linguagem pode ser muito
simples, mas pouco clara a pregação. Pode-se tornar incompreensível pela desordem, pela sua
falta de lógica, ou porque trata vários temas ao mesmo tempo. Por isso, outro cuidado necessário
é procurar que a pregação tenha unidade temática, uma ordem clara e ligação entre as frases, de
modo que as pessoas possam facilmente seguir o pregador e captar a lógica do que lhes diz.
159. Outra característica é a linguagem positiva. Não diz tanto o que não se deve fazer, como
sobretudo propõe o que podemos fazer melhor. E, se aponta algo negativo, sempre procura
mostrar também um valor positivo que atraia, para não se ficar pela queixa, o lamento, a crítica ou
o remorso. Além disso, uma pregação positiva oferece sempre esperança, orienta para o futuro,
não nos deixa prisioneiros da negatividade. Como é bom que sacerdotes, diáconos e leigos se
reúnam periodicamente para encontrarem, juntos, os recursos que tornem mais atraente a
pregação!
IV. Uma evangelização para o aprofundamento do querigma
160. O mandato missionário do Senhor inclui o apelo ao crescimento da fé, quando diz:
«ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28, 20). Daqui se vê claramente
que o primeiro anúncio deve desencadear também um caminho de formação e de
amadurecimento. A evangelização procura também o crescimento, o que implica tomar muito a
sério em cada pessoa o projecto que Deus tem para ela. Cada ser humano precisa sempre mais
de Cristo, e a evangelização não deveria deixar que alguém se contente com pouco, mas possa
dizer com plena verdade: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20).
161. Não seria correcto que este apelo ao crescimento fosse interpretado, exclusiva ou
prioritariamente, como formação doutrinal. Trata-se de «cumprir» aquilo que o Senhor nos indicou
como resposta ao seu amor, sobressaindo, junto com todas as virtudes, aquele mandamento
novo que é o primeiro, o maior, o que melhor nos identifica como discípulos: «É este o meu
mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12). É evidente que,
quando os autores do Novo Testamento querem reduzir a mensagem moral cristã a uma última
síntese, ao mais essencial, apresentam-nos a exigência irrenunciável do amor ao próximo:
«Quem ama o próximo cumpre plenamente a lei. (…) É no amor que está o pleno cumprimento
da lei» (Rm 13, 8.10). De igual modo, para São Paulo, o mandamento do amor não só resume a
lei mas constitui o centro e a razão de ser da mesma: «Toda a lei se cumpre plenamente nesta
única palavra: Ama o teu próximo como a ti mesmo» (Gal 5, 14). E, às suas comunidades,
apresenta a vida cristã como um caminho de crescimento no amor: «O Senhor vos faça crescer e

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superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos» (1 Ts 3, 12). Também São
Tiago exorta os cristãos a cumprir «a lei do Reino, de acordo com a Escritura: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo» (2, 8), acabando por não citar nenhum preceito.
162. Entretanto, este caminho de resposta e crescimento aparece sempre precedido pelo dom,
porque o antecede aquele outro pedido do Senhor: «baptizando-os em nome...» (Mt 28, 19). A
adopção como filhos que o Pai oferece gratuitamente e a iniciativa do dom da sua graça (cf. Ef 2,
8-9; 1 Cor 4, 7) são a condição que torna possível esta santificação constante, que agrada a Deus
e Lhe dá glória. É deixar-se transformar em Cristo, vivendo progressivamente «de acordo com o
Espírito» (Rm 8, 5).
Uma catequese querigmática e mistagógica
163. A educação e a catequese estão ao serviço deste crescimento. Já temos à disposição vários
textos do Magistério e subsídios sobre a catequese, preparados pela Santa Sé e por diversos
episcopados. Lembro a Exortação Apostólica Catechesi Tradendae (1979), o Directório Geral
para a Catequese (1997) e outros documentos cujo conteúdo, sempre actual, não é necessário
repetir aqui. Queria deter-me apenas nalgumas considerações que me parece oportuno
evidenciar.
164. Voltámos a descobrir que também na catequese tem um papel fundamental o primeiro
anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da actividade evangelizadora e de toda a
tentativa de renovação eclesial. O querigma é trinitário. É o fogo do Espírito que se dá sob a
forma de línguas e nos faz crer em Jesus Cristo, que, com a sua morte e ressurreição, nos revela
e comunica a misericórdia infinita do Pai. Na boca do catequista, volta a ressoar sempre o
primeiro anúncio: «Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos
os dias para te iluminar, fortalecer, libertar». Ao designar-se como «primeiro» este anúncio, não
significa que o mesmo se situa no início e que, em seguida, se esquece ou substitui por outros
conteúdos que o superam; é o primeiro em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal,
aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem
de voltar a anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese, em todas as suas etapas e
momentos.[126] Por isso, também «o sacerdote, como a Igreja, deve crescer na consciência da
sua permanente necessidade de ser evangelizado».[127]
165. Não se deve pensar que, na catequese, o querigma é deixado de lado em favor duma
formação supostamente mais «sólida». Nada há de mais sólido, mais profundo, mais seguro,
mais consistente e mais sábio que esse anúncio. Toda a formação cristã é, primariamente, o
aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne, que nunca
deixa de iluminar a tarefa catequética, e permite compreender adequadamente o sentido de
qualquer tema que se desenvolve na catequese. É o anúncio que dá resposta ao anseio de
infinito que existe em todo o coração humano. A centralidade do querigma requer certas

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características do anúncio que hoje são necessárias em toda a parte: que exprima o amor
salvífico de Deus como prévio à obrigação moral e religiosa, que não imponha a verdade mas
faça apelo à liberdade, que seja pautado pela alegria, o estímulo, a vitalidade e uma integralidade
harmoniosa que não reduza a pregação a poucas doutrinas, por vezes mais filosóficas que
evangélicas. Isto exige do evangelizador certas atitudes que ajudam a acolher melhor o anúncio:
proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena.
166. Outra característica da catequese, que se desenvolveu nas últimas décadas, é a iniciação
mistagógica,[128] que significa essencialmente duas coisas: a necessária progressividade da
experiência formativa na qual intervém toda a comunidade e uma renovada valorização dos sinais
litúrgicos da iniciação cristã. Muitos manuais e planificações ainda não se deixaram interpelar
pela necessidade duma renovação mistagógica, que poderia assumir formas muito diferentes de
acordo com o discernimento de cada comunidade educativa. O encontro catequético é um
anúncio da Palavra e está centrado nela, mas precisa sempre duma ambientação adequada e
duma motivação atraente, do uso de símbolos eloquentes, da sua inserção num amplo processo
de crescimento e da integração de todas as dimensões da pessoa num caminho comunitário de
escuta e resposta.
167. É bom que toda a catequese preste uma especial atenção à «via da beleza (via
pulchritudinis)».[129] Anunciar Cristo significa mostrar que crer n’Ele e segui-Lo não é algo
apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e
duma alegria profunda, mesmo no meio das provações. Nesta perspectiva, todas as expressões
de verdadeira beleza podem ser reconhecidas como uma senda que ajuda a encontrar-se com o
Senhor Jesus. Não se trata de fomentar um relativismo estético,[130] que pode obscurecer o
vínculo indivisível entre verdade, bondade e beleza, mas de recuperar a estima da beleza para
poder chegar ao coração do homem e fazer resplandecer nele a verdade e a bondade do
Ressuscitado. Se nós, como diz Santo Agostinho, não amamos senão o que é belo,[131] o Filho
feito homem, revelação da beleza infinita, é sumamente amável e atrai-nos para Si com laços de
amor. Por isso, torna-se necessário que a formação na via pulchritudinis esteja inserida na
transmissão da fé. É desejável que cada Igreja particular incentive o uso das artes na sua obra
evangelizadora, em continuidade com a riqueza do passado, mas também na vastidão das suas
múltiplas expressões actuais, a fim de transmitir a fé numa nova «linguagem parabólica».[132] É
preciso ter a coragem de encontrar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne para a
transmissão da Palavra, as diversas formas de beleza que se manifestam em diferentes âmbitos
culturais, incluindo aquelas modalidades não convencionais de beleza que podem ser pouco
significativas para os evangelizadores, mas tornaram-se particularmente atraentes para os outros.
168. Relativamente à proposta moral da catequese, que convida a crescer na fidelidade ao estilo
de vida do Evangelho, é oportuno indicar sempre o bem desejável, a proposta de vida, de
maturidade, de realização, de fecundidade, sob cuja luz se pode entender a nossa denúncia dos
males que a podem obscurecer. Mais do que como peritos em diagnósticos apocalípticos ou

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juízes sombrios que se comprazem em detectar qualquer perigo ou desvio, é bom que nos
possam ver como mensageiros alegres de propostas altas, guardiões do bem e da beleza que
resplandecem numa vida fiel ao Evangelho.
O acompanhamento pessoal dos processos de crescimento
169. Numa civilização paradoxalmente ferida pelo anonimato e, simultaneamente, obcecada com
os detalhes da vida alheia, descaradamente doente de morbosa curiosidade, a Igreja tem
necessidade de um olhar solidário para contemplar, comover-se e parar diante do outro, tantas
vezes quantas forem necessárias. Neste mundo, os ministros ordenados e os outros agentes de
pastoral podem tornar presente a fragrância da presença solidária de Jesus e o seu olhar
pessoal. A Igreja deverá iniciar os seus membros – sacerdotes, religiosos e leigos – nesta «arte
do acompanhamento», para que todos aprendam a descalçar sempre as sandálias diante da terra
sagrada do outro (cf. Ex 3, 5). Devemos dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade,
com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a
amadurecer na vida cristã.
170. Embora possa soar óbvio, o acompanhamento espiritual deve conduzir cada vez mais para
Deus, em quem podemos alcançar a verdadeira liberdade. Alguns crêem-se livres quando
caminham à margem de Deus, sem se dar conta que ficam existencialmente órfãos,
desamparados, sem um lar para onde possam sempre voltar. Deixam de ser peregrinos para se
transformarem em errantes, que giram indefinidamente ao redor de si mesmos, sem chegar a
lado nenhum. O acompanhamento seria contraproducente, caso se tornasse uma espécie de
terapia que incentive esta reclusão das pessoas na sua imanência e deixe de ser uma
peregrinação com Cristo para o Pai.
171. Hoje mais do que nunca precisamos de homens e mulheres que conheçam, a partir da sua
experiência de acompanhamento, o modo de proceder onde reine a prudência, a capacidade de
compreensão, a arte de esperar, a docilidade ao Espírito, para no meio de todos defender as
ovelhas a nós confiadas dos lobos que tentam desgarrar o rebanho. Precisamos de nos exercitar
na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a
capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro
encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra oportunos que nos
desinstalam da cómoda condição de espectadores. Só a partir desta escuta respeitosa e
compassiva é que se pode encontrar os caminhos para um crescimento genuíno, despertar o
desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder plenamente ao amor de Deus e o anelo de
desenvolver o melhor de quanto Deus semeou na nossa própria vida. Mas sempre com a
paciência de quem está ciente daquilo que ensinava São Tomás de Aquino: alguém pode ter a
graça e a caridade, mas não praticar bem nenhuma das virtudes «por causa de algumas
inclinações contrárias» que persistem.[133] Por outras palavras, as virtudes organizam-se sempre
e necessariamente «in habitu», embora os condicionamentos possam dificultar as operações

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desses hábitos virtuosos. Por isso, faz falta «uma pedagogia que introduza a pessoa passo a
passo até chegar à plena apropriação do mistério».[134] Para se chegar a um estado de
maturidade, isto é, para que as pessoas sejam capazes de decisões verdadeiramente livres e
responsáveis, é preciso dar tempo ao tempo, com uma paciência imensa. Como dizia o Beato
Pedro Fabro: «O tempo é o mensageiro de Deus».
172. Quem acompanha sabe reconhecer que a situação de cada pessoa diante de Deus e a sua
vida em graça são um mistério que ninguém pode conhecer plenamente a partir do exterior. O
Evangelho propõe-nos que se corrija e ajude a crescer uma pessoa a partir do reconhecimento da
maldade objectiva das suas acções (cf. Mt 18, 15), mas sem proferir juízos sobre a sua
responsabilidade e culpabilidade (cf. Mt 7, 1; Lc 6, 37). Seja como for, um válido acompanhante
não transige com os fatalismos nem com a pusilanimidade. Sempre convida a querer curar-se, a
pegar no catre (cf. Mt 9, 6), a abraçar a cruz, a deixar tudo e partir sem cessar para anunciar o
Evangelho. A experiência pessoal de nos deixarmos acompanhar e curar, conseguindo exprimir
com plena sinceridade a nossa vida a quem nos acompanha, ensina-nos a ser pacientes e
compreensivos com os outros e habilita-nos a encontrar as formas para despertar neles a
confiança, a abertura e a vontade de crescer.
173. O acompanhamento espiritual autêntico começa sempre e prossegue no âmbito do serviço à
missão evangelizadora. A relação de Paulo com Timóteo e Tito é exemplo deste
acompanhamento e desta formação durante a acção apostólica. Ao mesmo tempo que lhes
confia a missão de permanecer numa cidade concreta para «acabar de organizar o que ainda
falta» (Tt 1, 5; cf. 1 Tm 1, 3-5), dá-lhes os critérios para a vida pessoal e a actividade pastoral. Isto
é claramente distinto de todo o tipo de acompanhamento intimista, de auto-realização isolada. Os
discípulos missionários acompanham discípulos missionários.
Ao redor da Palavra de Deus
174. Não é só a homilia que se deve alimentar da Palavra de Deus. Toda a evangelização está
fundada sobre esta Palavra escutada, meditada, vivida, celebrada e testemunhada. A Sagrada
Escritura é fonte da evangelização. Por isso, é preciso formar-se continuamente na escuta da
Palavra. A Igreja não evangeliza, se não se deixa continuamente evangelizar. É indispensável
que a Palavra de Deus «se torne cada vez mais o coração de toda a actividade eclesial».[135] A
Palavra de Deus ouvida e celebrada, sobretudo na Eucaristia, alimenta e reforça interiormente os
cristãos e torna-os capazes de um autêntico testemunho evangélico na vida diária. Superámos já
a velha contraposição entre Palavra e Sacramento: a Palavra proclamada, viva e eficaz, prepara
a recepção do Sacramento e, no Sacramento, essa Palavra alcança a sua máxima eficácia.
175. O estudo da Sagrada Escritura deve ser uma porta aberta para todos os crentes.[136] É
fundamental que a Palavra revelada fecunde radicalmente a catequese e todos os esforços para
transmitir a fé.[137] A evangelização requer a familiaridade com a Palavra de Deus, e isto exige

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que as dioceses, paróquias e todos os grupos católicos proponham um estudo sério e
perseverante da Bíblia e promovam igualmente a sua leitura orante pessoal e comunitária.[138]
Nós não procuramos Deus tacteando, nem precisamos de esperar que Ele nos dirija a palavra,
porque realmente «Deus falou, já não é o grande desconhecido, mas mostrou-Se a Si
mesmo».[139] Acolhamos o tesouro sublime da Palavra revelada!
Capítulo IV
A DIMENSÃO SOCIAL DA EVANGELIZAÇÃO
176. Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo. «Nenhuma definição parcial e
fragmentada, porém, chegará a dar razão da realidade rica, complexa e dinâmica que é a
evangelização, a não ser com o risco de a empobrecer e até mesmo de a mutilar».[140] Desejo
agora partilhar as minhas preocupações relacionadas com a dimensão social da evangelização,
precisamente porque, se esta dimensão não for devidamente explicitada, corre-se sempre o risco
de desfigurar o sentido autêntico e integral da missão evangelizadora.
I. As repercussões comunitárias e sociais do querigma
177.O querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho,
aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem
uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade.
Confissão da fé e compromisso social
178. Confessar um Pai que ama infinitamente cada ser humano implica descobrir que «assim lhe
confere uma dignidade infinita».[141] Confessar que o Filho de Deus assumiu a nossa carne
humana significa que cada pessoa humana foi elevada até ao próprio coração de Deus.
Confessar que Jesus deu o seu sangue por nós impede-nos de ter qualquer dúvida acerca do
amor sem limites que enobrece todo o ser humano. A sua redenção tem um sentido social,
porque «Deus, em Cristo, não redime somente a pessoa individual, mas também as relações
sociais entre os homens».[142] Confessar que o Espírito Santo actua em todos implica
reconhecer que Ele procura permear toda a situação humana e todos os vínculos sociais: «O
Espírito Santo possui uma inventiva infinita, própria da mente divina, que sabe prover a desfazer
os nós das vicissitudes humanas mais complexas e impenetráveis».[143] A evangelização
procura colaborar também com esta acção libertadora do Espírito. O próprio mistério da Trindade
nos recorda que somos criados à imagem desta comunhão divina, pelo que não podemos
realizar-nos nem salvar-nos sozinhos. A partir do coração do Evangelho, reconhecemos a
conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana, que se deve
necessariamente exprimir e desenvolver em toda a acção evangelizadora. A aceitação do
primeiro anúncio, que convida a deixar-se amar por Deus e a amá-Lo com o amor que Ele mesmo
nos comunica, provoca na vida da pessoa e nas suas acções uma primeira e fundamental

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reacção: desejar, procurar e ter a peito o bem dos outros.
179. Este laço indissolúvel entre a recepção do anúncio salvífico e um efectivo amor fraterno
exprime-se nalguns textos da Escritura, que convém considerar e meditar atentamente para tirar
deles todas as consequências. É uma mensagem a que frequentemente nos habituamos e
repetimos quase mecanicamente, mas sem nos assegurarmos de que tenha real incidência na
nossa vida e nas nossas comunidades. Como é perigoso e prejudicial este habituar-se que nos
leva a perder a maravilha, a fascinação, o entusiasmo de viver o Evangelho da fraternidade e da
justiça! A Palavra de Deus ensina que, no irmão, está o prolongamento permanente da
Encarnação para cada um de nós: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). O que fizermos aos outros, tem uma dimensão
transcendente: «Com a medida com que medirdes, assim sereis medidos» (Mt 7, 2); e
corresponde à misericórdia divina para connosco: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é
misericordioso. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados;
perdoai, e sereis perdoados. Dai e ser-vos-á dado (...). A medida que usardes com os outros será
usada convosco» (Lc 6, 36-38). Nestes textos, exprime-se a absoluta prioridade da «saída de si
próprio para o irmão», como um dos dois mandamentos principais que fundamentam toda a
norma moral e como o sinal mais claro para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual
em resposta à doação absolutamente gratuita de Deus. Por isso mesmo, «também o serviço da
caridade é uma dimensão constitutiva da missão da Igreja e expressão irrenunciável da sua
própria essência».[144] Assim como a Igreja é missionária por natureza, também brota
inevitavelmente dessa natureza a caridade efectiva para com o próximo, a compaixão que
compreende, assiste e promove.
O Reino que nos solicita
180. Ao lermos as Escrituras, fica bem claro que a proposta do Evangelho não consiste só numa
relação pessoal com Deus. E a nossa resposta de amor também não deveria ser entendida como
uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados, o que
poderia constituir uma «caridade por receita», uma série de acções destinadas apenas a
tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus (cf. Lc 4, 43); trata-se de amar a
Deus, que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será
um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos. Por isso, tanto o anúncio
como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais. Procuremos o seu Reino:
«Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo» (Mt
6, 33). O projecto de Jesus é instaurar o Reino de seu Pai; por isso, pede aos seus discípulos:
«Proclamai que o Reino do Céu está perto» (Mt 10, 7).
181. O Reino, que se antecipa e cresce entre nós, abrange tudo, como nos recorda aquele
princípio de discernimento que Paulo VI propunha a propósito do verdadeiro desenvolvimento:
«Todos os homens e o homem todo».[145] Sabemos que «a evangelização não seria completa,

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se ela não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem constantemente o
Evangelho e a vida concreta, pessoal e social, dos homens».[146] É o critério da universalidade,
próprio da dinâmica do Evangelho, dado que o Pai quer que todos os homens se salvem; e o seu
plano de salvação consiste em «submeter tudo a Cristo, reunindo n’Ele o que há no céu e na
terra» (Ef 1, 10). O mandato é: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda criatura»
(Mc 16, 15), porque toda «a criação se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação
dos filhos de Deus» (Rm 8, 19). Toda a criação significa também todos os aspectos da vida
humana, de tal modo que «a missão do anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo tem destinação
universal. Seu mandato de caridade alcança todas as dimensões da existência, todas as
pessoas, todos os ambientes da convivência e todos os povos. Nada do humano pode lhe
parecer estranho».[147] A verdadeira esperança cristã, que procura o Reino escatológico, gera
sempre história.
A doutrina da Igreja sobre as questões sociais
182. Os ensinamentos da Igreja acerca de situações contingentes estão sujeitos a maiores ou
novos desenvolvimentos e podem ser objecto de discussão, mas não podemos evitar de ser
concretos – sem pretender entrar em detalhes – para que os grandes princípios sociais não
fiquem meras generalidades que não interpelam ninguém. É preciso tirar as suas consequências
práticas, para que «possam incidir com eficácia também nas complexas situações
hodiernas».[148] Os Pastores, acolhendo as contribuições das diversas ciências, têm o direito de
exprimir opiniões sobre tudo aquilo que diz respeito à vida das pessoas, dado que a tarefa da
evangelização implica e exige uma promoção integral de cada ser humano. Já não se pode
afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas
para o céu. Sabemos que Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora
estejam chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas as coisas «para nosso usufruto» (1
Tm 6, 17), para que todos possam usufruir delas. Por isso, a conversão cristã exige rever
«especialmente tudo o que diz respeito à ordem social e consecução do bem comum».[149]
183. Por conseguinte, ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade
secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a
saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que
interessam aos cidadãos. Quem ousaria encerrar num templo e silenciar a mensagem de São
Francisco de Assis e da Beata Teresa de Calcutá? Eles não o poderiam aceitar. Uma fé autêntica
– que nunca é cómoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o
mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela.
Amamos este magnífico planeta, onde Deus nos colocou, e amamos a humanidade que o habita,
com todos os seus dramas e cansaços, com os seus anseios e esperanças, com os seus valores
e fragilidades. A terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos. Embora «a justa ordem da
sociedade e do Estado seja dever central da política», a Igreja «não pode nem deve ficar à
margem na luta pela justiça».[150] Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a

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preocupar-se com a construção dum mundo melhor. É disto mesmo que se trata, pois o
pensamento social da Igreja é primariamente positivo e construtivo, orienta uma acção
transformadora e, neste sentido, não deixa de ser um sinal de esperança que brota do coração
amoroso de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, «une o próprio empenho ao esforço em campo
social das demais Igrejas e Comunidades eclesiais, tanto na reflexão doutrinal como na
prática».[151]
184. Aqui não é o momento para explanar todas as graves questões sociais que afectam o
mundo actual, algumas das quais já comentei no segundo capítulo. Este não é um documento
social e, para nos ajudar a reflectir sobre estes vários temas, temos um instrumento muito
apropriado no Compêndio da Doutrina Social da Igreja, cujo uso e estudo vivamente recomendo.
Além disso, nem o Papa nem a Igreja possui o monopólio da interpretação da realidade social ou
da apresentação de soluções para os problemas contemporâneos. Posso repetir aqui o que
indicava, com grande lucidez, Paulo VI: «Perante situações, assim tão diversificadas, torna-se-
nos difícil tanto o pronunciar uma palavra única, como o propor uma solução que tenha um valor
universal. Mas, isso não é ambição nossa, nem mesmo a nossa missão. É às comunidades
cristãs que cabe analisarem, com objectividade, a situação própria do seu país».[152]
185. Em seguida, procurarei concentrar-me sobre duas grandes questões que me parecem
fundamentais neste momento da história. Desenvolvê-las-ei com uma certa amplitude, porque
considero que irão determinar o futuro da humanidade. A primeira é a inclusão social dos pobres;
e a segunda, a questão da paz e do diálogo social.
II. A inclusão social dos pobres
186. Deriva da nossa fé em Cristo, que Se fez pobre e sempre Se aproximou dos pobres e
marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da
sociedade.
Unidos a Deus, ouvimos um clamor
187. Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da
libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto
supõe estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo. Basta percorrer as
Escrituras, para descobrir como o Pai bom quer ouvir o clamor dos pobres: «Eu bem vi a
opressão do meu povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspectores;
conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de os libertar (...). E agora, vai; Eu te
envio...» (Ex 3, 7-8.10). E Ele mostra-Se solícito com as suas necessidades: «Os filhos de Israel
clamaram, então, ao Senhor, e o Senhor enviou-lhes um salvador» (Jz 3, 15). Ficar surdo a este
clamor, quando somos os instrumentos de Deus para ouvir o pobre, coloca-nos fora da vontade
do Pai e do seu projecto, porque esse pobre «clamaria ao Senhor contra ti, e aquilo tornar-se-ia

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para ti um pecado» (Dt 15, 9). E a falta de solidariedade, nas suas necessidades, influi
directamente sobre a nossa relação com Deus: «Se te amaldiçoa na amargura da sua alma,
Aquele que o criou ouvirá a sua oração» (Sir 4, 6). Sempre retorna a antiga pergunta: «Se alguém
possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração,
como é que o amor de Deus pode permanecer nele?» (1 Jo 3, 17). Lembremos também com
quanta convicção o Apóstolo São Tiago retomava a imagem do clamor dos oprimidos: «Olhai que
o salário que não pagastes, aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, está a clamar; e
os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo» (5, 4).
188. A Igreja reconheceu que a exigência de ouvir este clamor deriva da própria obra libertadora
da graça em cada um de nós, pelo que não se trata de uma missão reservada apenas a alguns:
«A Igreja, guiada pelo Evangelho da Misericórdia e pelo amor ao homem, escuta o clamor pela
justiça e deseja responder com todas as suas forças».[153] Nesta linha, se pode entender o
pedido de Jesus aos seus discípulos: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37), que envolve
tanto a cooperação para resolver as causas estruturais da pobreza e promover o
desenvolvimento integral dos pobres, como os gestos mais simples e diários de solidariedade
para com as misérias muito concretas que encontramos. Embora um pouco desgastada e, por
vezes, até mal interpretada, a palavra «solidariedade» significa muito mais do que alguns actos
esporádicos de generosidade; supõe a criação duma nova mentalidade que pense em termos de
comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns.
189. A solidariedade é uma reacção espontânea de quem reconhece a função social da
propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. A
posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los de modo a servirem melhor o
bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o
que lhe corresponde. Estas convicções e práticas de solidariedade, quando se fazem carne,
abrem caminho a outras transformações estruturais e tornam-nas possíveis. Uma mudança nas
estruturas, sem se gerar novas convicções e atitudes, fará com que essas mesmas estruturas,
mais cedo ou mais tarde, se tornem corruptas, pesadas e ineficazes.
190. Às vezes trata-se de ouvir o clamor de povos inteiros, dos povos mais pobres da terra,
porque «a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no respeito
pelo direito dos povos».[154] Lamentavelmente, até os direitos humanos podem ser usados como
justificação para uma defesa exacerbada dos direitos individuais ou dos direitos dos povos mais
ricos. Respeitando a independência e a cultura de cada nação, é preciso recordar-se sempre de
que o planeta é de toda a humanidade e para toda a humanidade, e que o simples facto de ter
nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas
pessoas vivam menos dignamente. É preciso repetir que «os mais favorecidos devem renunciar a
alguns dos seus direitos, para poderem colocar, com mais liberalidade, os seus bens ao serviço
dos outros».[155] Para falarmos adequadamente dos nossos direitos, é preciso alongar mais o
olhar e abrir os ouvidos ao clamor dos outros povos ou de outras regiões do próprio país.

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Precisamos de crescer numa solidariedade que «permita a todos os povos tornarem-se artífices
do seu destino»,[156] tal como «cada homem é chamado a desenvolver-se».[157]
191. Animados pelos seus Pastores, os cristãos são chamados, em todo o lugar e circunstância,
a ouvir o clamor dos pobres, como bem se expressaram os Bispos do Brasil: «Desejamos
assumir, a cada dia, as alegrias e esperanças, as angústias e tristezas do povo brasileiro,
especialmente das populações das periferias urbanas e das zonas rurais – sem terra, sem teto,
sem pão, sem saúde – lesadas em seus direitos. Vendo a sua miséria, ouvindo os seus clamores
e conhecendo o seu sofrimento, escandaliza-nos o fato de saber que existe alimento suficiente
para todos e que a fome se deve à má repartição dos bens e da renda. O problema se agrava
com a prática generalizada do desperdício».[158]
192. Mas queremos ainda mais, o nosso sonho voa mais alto. Não se fala apenas de garantir a
comida ou um decoroso «sustento» para todos, mas «prosperidade e civilização em seus
múltiplos aspectos».[159] Isto engloba educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente
trabalho, porque, no trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e
engrandece a dignidade da sua vida. O salário justo permite o acesso adequado aos outros bens
que estão destinados ao uso comum.
Fidelidade ao Evangelho, para não correr em vão
193. Este imperativo de ouvir o clamor dos pobres faz-se carne em nós, quando no mais íntimo
de nós mesmos nos comovemos à vista do sofrimento alheio. Voltemos a ler alguns
ensinamentos da Palavra de Deus sobre a misericórdia, para que ressoem vigorosamente na vida
da Igreja. O Evangelho proclama: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia»
(Mt 5, 7). O Apóstolo São Tiago ensina que a misericórdia para com os outros permite-nos sair
triunfantes no juízo divino: «Falai e procedei como pessoas que hão-de ser julgadas segundo a lei
da liberdade. Porque, quem não pratica a misericórdia, será julgado sem misericórdia. Mas a
misericórdia não teme o julgamento» (2, 12-13). Neste texto, São Tiago aparece-nos como
herdeiro do que tinha de mais rico a espiritualidade judaica do pós-exílio, a qual atribuía um
especial valor salvífico à misericórdia: «Redime o teu pecado pela justiça, e as tuas iniquidades,
pela piedade para com os infelizes; talvez isto consiga prolongar a tua prosperidade» (Dn 4, 24).
Nesta mesma perspectiva, a literatura sapiencial fala da esmola como exercício concreto da
misericórdia para com os necessitados: «A esmola livra da morte e limpa de todo o pecado» (Tb
12, 9). E de forma ainda mais sensível se exprime Ben-Sirá: «A água apaga o fogo ardente, e a
esmola expia o pecado» (3, 30). Encontramos a mesma síntese no Novo Testamento: «Mantende
entre vós uma intensa caridade, porque o amor cobre a multidão dos pecados» (1 Pd 4, 8). Esta
verdade permeou profundamente a mentalidade dos Padres da Igreja, tendo exercido uma
resistência profética como alternativa cultural face ao individualismo hedonista pagão.
Recordemos apenas um exemplo: «Tal como, em perigo de incêndio, correríamos a buscar água
para o apagar (...), o mesmo deveríamos fazer quando nos turvamos porque, da nossa palha,

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irrompeu a chama do pecado; assim, quando se nos proporciona a ocasião de uma obra cheia de
misericórdia, alegremo-nos por ela como se fosse uma fonte que nos é oferecida e na qual
podemos extinguir o incêndio».[160]
194. É uma mensagem tão clara, tão directa, tão simples e eloquente que nenhuma hermenêutica
eclesial tem o direito de relativizar. A reflexão da Igreja sobre estes textos não deveria ofuscar
nem enfraquecer o seu sentido exortativo, mas antes ajudar a assumi-los com coragem e ardor.
Para quê complicar o que é tão simples? As elaborações conceptuais hão-de favorecer o
contacto com a realidade que pretendem explicar, e não afastar-nos dela. Isto vale sobretudo
para as exortações bíblicas que convidam, com tanta determinação, ao amor fraterno, ao serviço
humilde e generoso, à justiça, à misericórdia para com o pobre. Jesus ensinou-nos este caminho
de reconhecimento do outro, com as suas palavras e com os seus gestos. Para quê ofuscar o que
é tão claro? Não nos preocupemos só com não cair em erros doutrinais, mas também com ser
fiéis a este caminho luminoso de vida e sabedoria. Porque «é frequente dirigir aos defensores da
“ortodoxia” a acusação de passividade, de indulgência ou de cumplicidade culpáveis frente a
situações intoleráveis de injustiça e de regimes políticos que mantêm estas situações».[161]
195. Quando São Paulo foi ter com os Apóstolos a Jerusalém para discernir «se estava a correr
ou tinha corrido em vão» (Gal 2, 2), o critério-chave de autenticidade que lhe indicaram foi que
não se esquecesse dos pobres (cf. Gal 2, 10). Este critério, importante para que as comunidades
paulinas não se deixassem arrastar pelo estilo de vida individualista dos pagãos, tem uma grande
actualidade no contexto actual em que tende a desenvolver-se um novo paganismo individualista.
A própria beleza do Evangelho nem sempre a conseguimos manifestar adequadamente, mas há
um sinal que nunca deve faltar: a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e
lança fora.
196. Às vezes somos duros de coração e de mente, esquecemo-nos, entretemo-nos, extasiamo-
nos com as imensas possibilidades de consumo e de distracção que esta sociedade oferece.
Gera-se assim uma espécie de alienação que nos afecta a todos, pois «alienada é a sociedade
que, nas suas formas de organização social, de produção e de consumo, torna mais difícil a
realização deste dom e a constituição dessa solidariedade inter-humana».[162]
O lugar privilegiado dos pobres no povo de Deus
197. No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo «Se fez
pobre» (2 Cor 8, 9). Todo o caminho da nossa redenção está assinalado pelos pobres. Esta
salvação veio a nós, através do «sim» duma jovem humilde, duma pequena povoação perdida na
periferia dum grande império. O Salvador nasceu num presépio, entre animais, como sucedia
com os filhos dos mais pobres; foi apresentado no Templo, juntamente com dois pombinhos, a
oferta de quem não podia permitir-se pagar um cordeiro (cf. Lc 2, 24; Lv 5, 7); cresceu num lar de
simples trabalhadores, e trabalhou com suas mãos para ganhar o pão. Quando começou a

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anunciar o Reino, seguiam-No multidões de deserdados, pondo assim em evidência o que Ele
mesmo dissera: «O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu para anunciar a Boa No-
va aos pobres» (Lc 4, 18). A quantos sentiam o peso do sofrimento, acabrunhados pela pobreza,
assegurou que Deus os tinha no âmago do seu coração: «Felizes vós, os pobres, porque vosso é
o Reino de Deus» (Lc 6, 20); e com eles Se identificou: «Tive fome e destes-Me de comer»,
ensinando que a misericórdia para com eles é a chave do Céu (cf. Mt 25, 34-40).
198. Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica,
política ou filosófica. Deus «manifesta a sua misericórdia antes de mais» a eles.[163] Esta
preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos, chamados a possuírem
«os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus» (Fl 2, 5). Inspirada por tal preferência, a
Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma «forma especial de primado na prática
da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja».[164] Como ensinava Bento XVI,
esta opção «está implícita na fé cristológica naquele Deus que Se fez pobre por nós, para
enriquecer-nos com sua pobreza».[165] Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres. Estes
têm muito para nos ensinar. Além de participar do sensus fidei, nas suas próprias dores
conhecem Cristo sofredor. É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova
evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no
centro do caminho da Igreja. Somos chamados a descobrir Cristo neles: não só a emprestar-lhes
a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e
a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles.
199. O nosso compromisso não consiste exclusivamente em acções ou em programas de
promoção e assistência; aquilo que o Espírito põe em movimento não é um excesso de activismo,
mas primariamente uma atenção prestada ao outro «considerando-o como um só consigo
mesmo».[166] Esta atenção amiga é o início duma verdadeira preocupação pela sua pessoa e, a
partir dela, desejo procurar efectivamente o seu bem. Isto implica apreciar o pobre na sua
bondade própria, com o seu modo de ser, com a sua cultura, com a sua forma de viver a fé. O
amor autêntico é sempre contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou
vaida-de, mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência: «Do amor, pelo qual uma
pessoa é agradável a outra, depende que lhe dê algo de graça».[167] Quando amado, o pobre «é
estimado como de alto valor»,[168] e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer
ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou
políticos. Unicamente a partir desta proximidade real e cordial é que podemos acompanhá-los
adequadamente no seu caminho de libertação. Só isto tornará possível que «os pobres se sintam,
em cada comunidade cristã, como “em casa”. Não seria, este estilo, a maior e mais eficaz
apresentação da boa nova do Reino?»[169] Sem a opção preferencial pelos pobres, «o anúncio
do Evangelho – e este anúncio é a primeira caridade – corre o risco de não ser compreendido ou
de afogar-se naquele mar de palavras que a actual sociedade da comunicação diariamente nos
apresenta».[170]

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200. Dado que esta Exortação se dirige aos membros da Igreja Católica, desejo afirmar, com
mágoa, que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A imensa
maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e não podemos
deixar de lhe oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos
Sacramentos e a proposta dum caminho de crescimento e amadurecimento na fé. A opção
preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e
prioritária.
201. Ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres, porque as suas opções de vida
implicam prestar mais atenção a outras incumbências. Esta é uma desculpa frequente nos
ambientes académicos, empresariais ou profissionais, e até mesmo eclesiais. Embora se possa
dizer, em geral, que a vocação e a missão próprias dos fiéis leigos é a transformação das
diversas realidades terrenas para que toda a actividade humana seja transformada pelo
Evangelho,[171] ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça
social: «A conversão espiritual, a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela justiça e
pela paz, o sentido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos a todos».[172] Temo que
também estas palavras sejam objecto apenas de alguns comentários, sem verdadeira incidência
prática. Apesar disso, tenho confiança na abertura e nas boas disposições dos cristãos e peço-
vos que procureis, comunitariamente, novos caminhos para acolher esta renovada proposta.
Economia e distribuição das entradas
202. A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar; e não
apenas por uma exigência pragmática de obter resultados e ordenar a sociedade, mas também
para a curar duma mazela que a torna frágil e indigna e que só poderá levá-la a novas crises. Os
planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas
como respostas provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos
pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando
as causas estruturais da desigualdade social,[173] não se resolverão os problemas do mundo e,
em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais.
203. A dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar
toda a política económica, mas às vezes parecem somente apêndices adicionados de fora para
completar um discurso político sem perspectivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento
integral. Quantas palavras se tornaram molestas para este sistema! Molesta que se fale de ética,
molesta que se fale de solidariedade mundial, molesta que se fale de distribuição dos bens,
molesta que se fale de defender os postos de trabalho, molesta que se fale da dignidade dos
fracos, molesta que se fale de um Deus que exige um compromisso em prol da justiça. Outras
vezes acontece que estas palavras se tornam objecto duma manipulação oportunista que as
desonra. A cómoda indiferença diante destas questões esvazia a nossa vida e as nossas
palavras de todo o significado. A vocação dum empresário é uma nobre tarefa, desde que se

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deixe interpelar por um sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o bem
comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos.
204. Não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado. O crescimento
equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha; requer
decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor
distribuição das entradas, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção
integral dos pobres que supere o mero assistencialismo. Longe de mim propor um populismo
irresponsável, mas a economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno,
como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando
assim novos excluídos.
205. Peço a Deus que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que
vise efectivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo. A
política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade,
porque busca o bem comum.[174] Temos de nos convencer que a caridade «é o princípio não só
das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das
macro-relações como relacionamentos sociais, económicos, políticos».[175] Rezo ao Senhor para
que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida
dos pobres. É indispensável que os governantes e o poder financeiro levantem o olhar e
alarguem as suas perspectivas, procurando que haja trabalho digno, instrução e cuidados
sanitários para todos os cidadãos. E porque não acudirem a Deus pedindo-Lhe que inspire os
seus planos? Estou convencido de que, a partir duma abertura à transcendência, poder-se-ia
formar uma nova mentalidade política e económica que ajudaria a superar a dicotomia absoluta
entre a economia e o bem comum social.
206. A economia – como indica o próprio termo – deveria ser a arte de alcançar uma adequada
administração da casa comum, que é o mundo inteiro. Todo o acto económico duma certa
envergadura, que se realiza em qualquer parte do planeta, repercute-se no mundo inteiro, pelo
que nenhum Governo pode agir à margem duma responsabilidade comum. Na realidade, torna-se
cada vez mais difícil encontrar soluções a nível local para as enormes contradições globais, pelo
que a política local se satura de problemas por resolver. Se realmente queremos alcançar uma
economia global saudável, precisamos, neste momento da história, de um modo mais eficiente de
interacção que, sem prejuízo da soberania das nações, assegure o bem-estar económico a todos
os países e não apenas a alguns.
207. E qualquer comunidade da Igreja, na medida em que pretender subsistir tranquila sem se
ocupar criativamente nem cooperar de forma eficaz para que os pobres vivam com dignidade e
haja a inclusão de todos, correrá também o risco da sua dissolução, mesmo que fale de temas
sociais ou critique os Governos. Facilmente acabará submersa pelo mundanismo espiritual,
dissimulado em práticas religiosas, reuniões infecundas ou discursos vazios.

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208. Se alguém se sentir ofendido com as minhas palavras, saiba que as exprimo com estima e
com a melhor das intenções, longe de qualquer interesse pessoal ou ideologia política. A minha
palavra não é a dum inimigo nem a dum opositor. A mim interessa-me apenas procurar que,
quantos vivem escravizados por uma mentalidade individualista, indiferente e egoísta, possam
libertar-se dessas cadeias indignas e alcancem um estilo de vida e de pensamento mais humano,
mais nobre, mais fecundo, que dignifique a sua passagem por esta terra.
Cuidar da fragilidade
209. Jesus, o evangelizador por excelência e o Evangelho em pessoa, identificou-Se
especialmente com os mais pequeninos (cf. Mt 25, 40). Isto recorda-nos, a todos os cristãos, que
somos chamados a cuidar dos mais frágeis da Terra. Mas, no modelo «do êxito» e
«individualista» em vigor, parece que não faz sentido investir para que os lentos, fracos ou menos
dotados possam também singrar na vida.
210. Embora aparentemente não nos traga benefícios tangíveis e imediatos, é indispensável
prestar atenção e debruçar-nos sobre as novas formas de pobreza e fragilidade, nas quais somos
chamados a reconhecer Cristo sofredor: os sem abrigo, os toxicodependentes, os refugiados, os
povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados, etc. Os migrantes representam
um desafio especial para mim, por ser Pastor duma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de
todos. Por isso, exorto os países a uma abertura generosa, que, em vez de temer a destruição da
identidade local, seja capaz de criar novas sínteses culturais. Como são belas as cidades que
superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração um
novo factor de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projecto
arquitectónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do
outro!
211. Sempre me angustiou a situação das pessoas que são objecto das diferentes formas de
tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: «Onde está o teu
irmão?» (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que estás matando cada
dia na pequena fábrica clandestina, na rede da prostituição, nas crianças usadas para a
mendicidade, naquele que tem de trabalhar às escondidas porque não foi regularizado? Não nos
façamos de distraídos! Há muita cumplicidade... A pergunta é para todos! Nas nossas cidades,
está instalado este crime mafioso e aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue devido a
uma cómoda e muda cumplicidade.
212. Duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão, maus-tratos e
violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos. E
todavia, também entre elas, encontramos continuamente os mais admiráveis gestos de heroísmo
quotidiano na defesa e cuidado da fragilidade das suas famílias.

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213. Entre estes seres frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predilecção, estão também os
nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade
humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legislações para
que ninguém o possa impedir. Muitas vezes, para ridiculizar jocosamente a defesa que a Igreja
faz da vida dos nascituros, procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e
conservadora; e no entanto esta defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de
qualquer direito humano. Supõe a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e
inviolável, em qualquer situação e em cada etapa do seu desenvolvimento. É fim em si mesmo, e
nunca um meio para resolver outras dificuldades. Se cai esta convicção, não restam fundamentos
sólidos e permanentes para a defesa dos direitos humanos, que ficariam sempre sujeitos às
conveniências contingentes dos poderosos de turno. Por si só a razão é suficiente para se
reconhecer o valor inviolável de qualquer vida humana, mas, se a olhamos também a partir da fé,
«toda a violação da dignidade pessoal do ser humano clama por vingança junto de Deus e torna-
se ofensa ao Criador do homem».[176]
214. E precisamente porque é uma questão que mexe com a coerência interna da nossa
mensagem sobre o valor da pessoa humana, não se deve esperar que a Igreja altere a sua
posição sobre esta questão. A propósito, quero ser completamente honesto. Este não é um
assunto sujeito a supostas reformas ou «modernizações». Não é opção progressista pretender
resolver os problemas, eliminando uma vida humana. Mas é verdade também que temos feito
pouco para acompanhar adequadamente as mulheres que estão em situações muito duras, nas
quais o aborto lhes aparece como uma solução rápida para as suas profundas angústias,
particularmente quando a vida que cresce nelas surgiu como resultado duma violência ou num
contexto de extrema pobreza. Quem pode deixar de compreender estas situações de tamanho
sofrimento?
215. Há outros seres frágeis e indefesos, que muitas vezes ficam à mercê dos interesses
económicos ou dum uso indiscriminado. Refiro-me ao conjunto da criação. Nós, os seres
humanos, não somos meramente beneficiários, mas guardiões das outras criaturas. Pela nossa
realidade corpórea, Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a
desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma
espécie como se fosse uma mutilação. Não deixemos que, à nossa passagem, fiquem sinais de
destruição e de morte que afectem a nossa vida e a das gerações futuras.[177] Neste sentido,
faço meu o expressivo e profético lamento que, já há vários anos, formularam os Bispos das
Filipinas: «Uma incrível variedade de insectos vivia no bosque; e estavam ocupados com todo o
tipo de tarefas. (...) Os pássaros voavam pelo ar, as suas penas brilhantes e os seus variados
gorjeios acrescentavam cor e melodia ao verde dos bosques. (...) Deus quis que esta terra fosse
para nós, suas criaturas especiais, mas não para a podermos destruir ou transformar num baldio.
(...) Depois de uma única noite de chuva, observa os rios de castanho-chocolate da tua localidade
e lembra-te que estão a arrastar o sangue vivo da terra para o mar. (...) Como poderão os peixes
nadar em esgotos como o rio Pasig e muitos outros rios que poluímos? Quem transformou o

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maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos despojados de vida e de cor?»[178]
216.Pequenos mas fortes no amor de Deus, como São Francisco de Assis, todos nós, cristãos,
somos chamados a cuidar da fragilidade do povo e do mundo em que vivemos.
III. O bem comum e a paz social
217. Falámos muito sobre a alegria e o amor, mas a Palavra de Deus menciona também o fruto
da paz (cf. Gal 5, 22).
218. A paz social não pode ser entendida como irenismo ou como mera ausência de violência
obtida pela imposição de uma parte sobre as outras. Também seria uma paz falsa aquela que
servisse como desculpa para justificar uma organização social que silencie ou tranquilize os mais
pobres, de modo que aqueles que gozam dos maiores benefícios possam manter o seu estilo de
vida sem sobressaltos, enquanto os outros sobrevivem como podem. As reivindicações sociais,
que têm a ver com a distribuição das entradas, a inclusão social dos pobres e os direitos
humanos não podem ser sufocados com o pretexto de construir um consenso de escritório ou
uma paz efémera para uma minoria feliz. A dignidade da pessoa humana e o bem comum estão
por cima da tranquilidade de alguns que não querem renunciar aos seus privilégios. Quando
estes valores são afectados, é necessária uma voz profética.
219. E a paz também «não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre
precário das forças. Constrói-se, dia a dia, na busca duma ordem querida por Deus, que traz
consigo uma justiça mais perfeita entre os homens».[179] Enfim, uma paz que não surja como
fruto do desenvolvimento integral de todos, não terá futuro e será sempre semente de novos
conflitos e variadas formas de violência.
220. Em cada nação, os habitantes desenvolvem a dimensão social da sua vida, configurando-se
como cidadãos responsáveis dentro de um povo e não como massa arrastada pelas forças
dominantes. Lembremo-nos que «ser cidadão fiel é uma virtude, e a participação na vida política
é uma obrigação moral».[180] Mas, tornar-se um povo é algo mais, exigindo um processo
constante no qual cada nova geração está envolvida. É um trabalho lento e árduo que exige
querer integrar-se e aprender a fazê-lo até se desenvolver uma cultura do encontro numa
harmonia pluriforme.
221. Para avançar nesta construção de um povo em paz, justiça e fraternidade, há quatro
princípios relacionados com tensões bipolares próprias de toda a realidade social. Derivam dos
grandes postulados da Doutrina Social da Igreja, que constituem o «primeiro e fundamental
parâmetro de referência para a interpretação e o exame dos fenómenos sociais».[181] À luz
deles, desejo agora propor estes quatro princípios que orientam especificamente o
desenvolvimento da convivência social e a construção de um povo onde as diferenças se

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harmonizam dentro de um projecto comum. Faço-o na convicção de que a sua aplicação pode ser
um verdadeiro caminho para a paz dentro de cada nação e no mundo inteiro.
O tempo é superior ao espaço
222. Existe uma tensão bipolar entre a plenitude e o limite. A plenitude gera a vontade de possuir
tudo, e o limite é o muro que nos aparece pela frente. O «tempo», considerado em sentido amplo,
faz referimento à plenitude como expressão do horizonte que se abre diante de nós, e o momento
é expressão do limite que se vive num espaço circunscrito. Os cidadãos vivem em tensão entre a
conjuntura do momento e a luz do tempo, do horizonte maior, da utopia que nos abre ao futuro
como causa final que atrai. Daqui surge um primeiro princípio para progredir na construção de um
povo: o tempo é superior ao espaço.
223. Este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos.
Ajuda a suportar, com paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos que o
dinamismo da realidade impõe. É um convite a assumir a tensão entre plenitude e limite, dando
prioridade ao tempo. Um dos pecados que, às vezes, se nota na actividade sociopolítica é
privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos. Dar prioridade ao espaço
leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar
posse de todos os espaços de poder e autoafirmação. É cristalizar os processos e pretender
pará-los. Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir
espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos duma cadeia em
constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as acções que geram novos
dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até
frutificar em acontecimentos históricos importantes. Sem ansiedade, mas com convicções claras
e tenazes.
224. Às vezes interrogo-me sobre quais são as pessoas que, no mundo actual, se preocupam
realmente mais com gerar processos que construam um povo do que com obter resultados
imediatos que produzam ganhos políticos fáceis, rápidos e efémeros, mas que não constroem a
plenitude humana. A história julgá-los-á talvez com aquele critério enunciado por Romano
Guardini: «O único padrão para avaliar justamente uma época é perguntar-se até que ponto, nela,
se desenvolve e alcança uma autêntica razão de ser a plenitude da existência humana, de acordo
com o carácter peculiar e as possibilidades da dita época».[182]
225. Este critério é muito apropriado também para a evangelização, que exige ter presente o
horizonte, adoptar os processos possíveis e a estrada longa. O próprio Senhor, na sua vida
mortal, deu a entender várias vezes aos seus discípulos que havia coisas que ainda não podiam
compreender e era necessário esperar o Espírito Santo (cf. Jo 16, 12-13). A parábola do trigo e
do joio (cf. Mt 13, 24-30) descreve um aspecto importante de evangelização que consiste em
mostrar como o inimigo pode ocupar o espaço do Reino e causar dano com o joio, mas é vencido

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pela bondade do trigo que se manifesta com o tempo.
A unidade prevalece sobre o conflito
226. O conflito não pode ser ignorado ou dissimulado; deve ser aceitado. Mas, se ficamos
encurralados nele, perdemos a perspectiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica
fragmentada. Quando paramos na conjuntura conflitual, perdemos o sentido da unidade profunda
da realidade.
227. Perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam-
se as mãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que
ficam prisioneiros, perdem o horizonte, projectam nas instituições as suas próprias confusões e
insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais
adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de
ligação de um novo processo. «Felizes os pacificadores» (Mt 5, 9)!
228. Deste modo, torna-se possível desenvolver uma comunhão nas diferenças, que pode ser
facilitada só por pessoas magnânimas que têm a coragem de ultrapassar a superfície conflitual e
consideram os outros na sua dignidade mais profunda. Por isso, é necessário postular um
princípio que é indispensável para construir a amizade social: a unidade é superior ao conflito. A
solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, torna-se assim um estilo de
construção da história, um âmbito vital onde os conflitos, as tensões e os opostos podem alcançar
uma unidade multifacetada que gera nova vida. Não é apostar no sincretismo ou na absorção de
um no outro, mas na resolução num plano superior que conserva em si as preciosas
potencialidades das polaridades em contraste.
229. Este critério evangélico recorda-nos que Cristo tudo unificou em Si: céu e terra, Deus e
homem, tempo e eternidade, carne e espírito, pessoa e sociedade. O sinal distintivo desta
unidade e reconciliação de tudo n’Ele é a paz. Cristo «é a nossa paz» (Ef 2, 14). O anúncio do
Evangelho começa sempre com a saudação de paz; e a paz coroa e cimenta em cada momento
as relações entre os discípulos. A paz é possível, porque o Senhor venceu o mundo e sua
permanente conflitualidade, «pacificando pelo sangue da sua cruz» (Col 1, 20). Entretanto, se
examinarmos a fundo estes textos bíblicos, descobriremos que o primeiro âmbito onde somos
chamados a conquistar esta pacificação nas diferenças é a própria interioridade, a própria vida
sempre ameaçada pela dispersão dialéctica.[183] Com corações despedaçados em milhares de
fragmentos, será difícil construir uma verdadeira paz social.
230. O anúncio de paz não é a proclamação duma paz negociada, mas a convicção de que a
unidade do Espírito harmoniza todas as diversidades. Supera qualquer conflito numa nova e
promissora síntese. A diversidade é bela, quando aceita entrar constantemente num processo de
reconciliação até selar uma espécie de pacto cultural que faça surgir uma «diversidade

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reconciliada», como justamente ensinaram os Bispos da República Democrática do Congo: «A
diversidade das nossas etnias é uma riqueza. (…) Só com a unidade, a conversão dos corações
e a reconciliação é que poderemos fazer avançar o nosso país».[184]
A realidade é mais importante do que a ideia
231. Existe também uma tensão bipolar entre a ideia e a realidade: a realidade simplesmente é, a
ideia elabora-se. Entre as duas, deve estabelecer-se um diálogo constante, evitando que a ideia
acabe por separar-se da realidade. É perigoso viver no reino só da palavra, da imagem, do
sofisma. Por isso, há que postular um terceiro princípio: a realidade é superior à ideia. Isto supõe
evitar várias formas de ocultar a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os
nominalismos declaracionistas, os projectos mais formais que reais, os fundamentalismos anti-
históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria.
232. A ideia – as elaborações conceituais – está ao serviço da captação, compreensão e
condução da realidade. A ideia desligada da realidade dá origem a idealismos e nominalismos
ineficazes que, no máximo, classificam ou definem, mas não empenham. O que empenha é a
realidade iluminada pelo raciocínio. É preciso passar do nominalismo formal à objectividade
harmoniosa. Caso contrário, manipula-se a verdade, do mesmo modo que se substitui a ginástica
pela cosmética.[185] Há políticos – e também líderes religiosos – que se interrogam por que
motivo o povo não os compreende nem segue, se as suas propostas são tão lógicas e claras.
Possivelmente é porque se instalaram no reino das puras ideias e reduziram a política ou a fé à
retórica; outros esqueceram a simplicidade e importaram de fora uma racionalidade alheia à
gente.
233. A realidade é superior à ideia. Este critério está ligado à encarnação da Palavra e ao seu
cumprimento: «Reconheceis que o espírito é de Deus por isto: todo o espírito que confessa Jesus
Cristo que veio em carne mortal é de Deus» (1 Jo 4, 2). O critério da realidade, duma Palavra já
encarnada e sempre procurando encarnar-se, é essencial à evangelização. Por um lado, leva-nos
a valorizar a história da Igreja como história de salvação, a recordar os nossos Santos que
inculturaram o Evangelho na vida dos nossos povos, a recolher a rica tradição bimilenária da
Igreja, sem pretender elaborar um pensamento desligado deste tesouro como se quiséssemos
inventar o Evangelho. Por outro lado, este critério impele-nos a pôr em prática a Palavra, a
realizar obras de justiça e caridade nas quais se torne fecunda esta Palavra. Não pôr em prática,
não levar à realidade a Palavra é construir sobre a areia, permanecer na pura ideia e degenerar
em intimismos e gnosticismos que não dão fruto, que esterilizam o seu dinamismo.
O todo é superior à parte
234. Entre a globalização e a localização também se gera uma tensão. É preciso prestar atenção
à dimensão global para não cair numa mesquinha quotidianidade. Ao mesmo tempo convém não

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perder de vista o que é local, que nos faz caminhar com os pés por terra. As duas coisas unidas
impedem de cair em algum destes dois extremos: o primeiro, que os cidadãos vivam num
universalismo abstracto e globalizante, miméticos passageiros do carro de apoio, admirando os
fogos de artifício do mundo, que é de outros, com a boca aberta e aplausos programados; o outro
extremo é que se transformem num museu folclórico de "eremitas" localistas, condenados a
repetir sempre as mesmas coisas, incapazes de se deixar interpelar pelo que é diverso e de
apreciar a beleza que Deus espalha fora das suas fronteiras.
235. O todo é mais do que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas. Portanto,
não se deve viver demasiado obcecado por questões limitadas e particulares. É preciso alargar
sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós. Mas há que o
fazer sem se evadir nem se desenraizar. É necessário mergulhar as raízes na terra fértil e na
história do próprio lugar, que é um dom de Deus. Trabalha-se no pequeno, no que está próximo,
mas com uma perspectiva mais ampla. Da mesma forma, uma pessoa que conserva a sua
peculiaridade pessoal e não esconde a sua identidade, quando se integra cordialmente numa
comunidade não se aniquila, mas recebe sempre novos estímulos para o seu próprio
desenvolvimento. Não é a esfera global que aniquila, nem a parte isolada que esteriliza.
236. Aqui o modelo não é a esfera, pois não é superior às partes e, nela, cada ponto é
equidistante do centro, não havendo diferenças entre um ponto e o outro. O modelo é o poliedro,
que reflecte a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade. Tanto a acção
pastoral como a acção política procuram reunir nesse poliedro o melhor de cada um. Ali entram
os pobres com a sua cultura, os seus projectos e as suas próprias potencialidades. Até mesmo as
pessoas que possam ser criticadas pelos seus erros, têm algo a oferecer que não se deve perder.
É a união dos povos, que, na ordem universal, conservam a sua própria peculiaridade; é a
totalidade das pessoas numa sociedade que procura um bem comum que verdadeiramente
incorpore a todos.
237. A nós, cristãos, este princípio fala-nos também da totalidade ou integridade do Evangelho
que a Igreja nos transmite e envia a pregar. A sua riqueza plena incorpora académicos e
operários, empresários e artistas, incorpora todos. A «mística popular» acolhe, a seu modo, o
Evangelho inteiro e encarna-o em expressões de oração, de fraternidade, de justiça, de luta e de
festa. A Boa Nova é a alegria dum Pai que não quer que se perca nenhum dos seus pequeninos.
Assim nasce a alegria no Bom Pastor que encontra a ovelha perdida e a reintegra no seu
rebanho. O Evangelho é fermento que leveda toda a massa e cidade que brilha no cimo do
monte, iluminando todos os povos. O Evangelho possui um critério de totalidade que lhe é
intrínseco: não cessa de ser Boa Nova enquanto não for anunciado a todos, enquanto não
fecundar e curar todas as dimensões do homem, enquanto não unir todos os homens à volta da
mesa do Reino. O todo é superior à parte.
IV. O diálogo social como contribuição para a paz

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238. A evangelização implica também um caminho de diálogo. Neste momento, existem
sobretudo três campos de diálogo onde a Igreja deve estar presente, cumprindo um serviço a
favor do pleno desenvolvimento do ser humano e procurando o bem comum: o diálogo com os
Estados, com a sociedade – que inclui o diálogo com as culturas e as ciências – e com os outros
crentes que não fazem parte da Igreja Católica. Em todos os casos, «a Igreja fala a partir da luz
que a fé lhe dá»,[186] oferece a sua experiência de dois mil anos e conserva sempre na memória
as vidas e sofrimentos dos seres humanos. Isto ultrapassa a razão humana, mas também tem um
significado que pode enriquecer a quantos não crêem e convida a razão a alargar as suas
perspectivas.
239. A Igreja proclama o «evangelho da paz» (Ef 6, 15) e está aberta à colaboração com todas as
autoridades nacionais e internacionais para cuidar deste bem universal tão grande. Ao anunciar
Jesus Cristo, que é a paz em pessoa (cf. Ef 2, 14), a nova evangelização incentiva todo o
baptizado a ser instrumento de pacificação e testemunha credível duma vida reconciliada.[187] É
hora de saber como projectar, numa cultura que privilegie o diálogo como forma de encontro, a
busca de consenso e de acordos mas sem a separar da preocupação por uma sociedade justa,
capaz de memória e sem exclusões. O autor principal, o sujeito histórico deste processo, é a
gente e a sua cultura, não uma classe, uma fracção, um grupo, uma elite. Não precisamos de um
projecto de poucos para poucos, ou de uma minoria esclarecida ou testemunhal que se aproprie
de um sentimento colectivo. Trata-se de um acordo para viver juntos, de um pacto social e
cultural.
240. O cuidado e a promoção do bem comum da sociedade compete ao Estado.[188] Este, com
base nos princípios de subsidiariedade e solidariedade e com um grande esforço de diálogo
político e criação de consensos, desempenha um papel fundamental – que não pode ser
delegado – na busca do desenvolvimento integral de todos. Este papel exige, nas circunstâncias
actuais, uma profunda humildade social.
241. No diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as
questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas
que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe
sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções
que possam depois traduzir-se em acções políticas.
O diálogo entre a fé, a razão e as ciências
242. O diálogo entre ciência e fé também faz parte da acção evangelizadora que favorece a
paz.[189] O cientificismo e o positivismo recusam-se a «admitir, como válidas, formas de
conhecimento distintas daquelas que são próprias das ciências positivas».[190] A Igreja propõe
outro caminho, que exige uma síntese entre um uso responsável das metodologias próprias das
ciências empíricas e os outros saberes como a filosofia, a teologia, e a própria fé que eleva o ser

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humano até ao mistério que transcende a natureza e a inteligência humana. A fé não tem medo
da razão; pelo contrário, procura-a e tem confiança nela, porque «a luz da razão e a luz da fé
provêm ambas de Deus»,[191] e não se podem contradizer entre si. A evangelização está atenta
aos progressos científicos para os iluminar com a luz da fé e da lei natural, tendo em vista
procurar que sempre respeitem a centralidade e o valor supremo da pessoa humana em todas as
fases da sua existência. Toda a sociedade pode ser enriquecida através deste diálogo que abre
novos horizontes ao pensamento e amplia as possibilidades da razão. Também este é um
caminho de harmonia e pacificação.
243. A Igreja não pretende deter o progresso admirável das ciências. Pelo contrário, alegra-se e
inclusivamente desfruta reconhecendo o enorme potencial que Deus deu à mente humana.
Quando o progresso das ciências, mantendo-se com rigor académico no campo do seu objecto
específico, torna evidente uma determinada conclusão que a razão não pode negar, a fé não a
contradiz. Nem os crentes podem pretender que uma opinião científica que lhes agrada – e que
nem sequer foi suficientemente comprovada – adquira o peso dum dogma de fé. Em certas
ocasiões, porém, alguns cientistas vão mais além do objecto formal da sua disciplina e exageram
com afirmações ou conclusões que extravasam o campo da própria ciência. Neste caso, não é a
razão que se propõe, mas uma determinada ideologia que fecha o caminho a um diálogo
autêntico, pacífico e frutuoso.
O diálogo ecuménico
244. O compromisso ecuménico corresponde à oração do Senhor Jesus pedindo «que todos
sejam um só» (Jo 17, 21). A credibilidade do anúncio cristão seria muito maior, se os cristãos
superassem as suas divisões e a Igreja realizasse «a plenitude da catolicidade que lhe é própria
naqueles filhos que, embora incorporados pelo Baptismo, estão separados da sua plena
comunhão».[192] Devemos sempre lembrar-nos de que somos peregrinos, e peregrinamos
juntos. Para isso, devemos abrir o coração ao companheiro de estrada sem medos nem
desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus. O
abrir-se ao outro tem algo de artesanal, a paz é artesanal. Jesus disse-nos: «Felizes os
pacificadores» (Mt 5, 9). Neste esforço, mesmo entre nós, cumpre-se a antiga profecia:
«Transformarão as suas espadas em relhas de arado» (Is 2, 4).
245. Sob esta luz, o ecumenismo é uma contribuição para a unidade da família humana. A
presença no Sínodo do Patriarca de Constantinopla, Sua Santidade Bartolomeu I, e do Arcebispo
de Cantuária, Sua Graça Rowan Douglas Williams,[193] foi um verdadeiro dom de Deus e um
precioso testemunho cristão.
246. Dada a gravidade do contra-testemunho da divisão entre cristãos, sobretudo na Ásia e na
África, torna-se urgente a busca de caminhos de unidade. Os missionários, nesses continentes,
referem repetidamente as críticas, queixas e sarcasmos que recebem por causa do escândalo

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dos cristãos divididos. Se nos concentrarmos nas convicções que nos unem e recordarmos o
princípio da hierarquia das verdades, poderemos caminhar decididamente para formas comuns
de anúncio, de serviço e de testemunho. A imensa multidão que não recebeu o anúncio de Jesus
Cristo não pode deixar-nos indiferentes. Por isso, o esforço por uma unidade que facilite a
recepção de Jesus Cristo deixa de ser mera diplomacia ou um dever forçado para se transformar
num caminho imprescindível da evangelização. Os sinais de divisão entre cristãos, em países que
já estão dilacerados pela violência, juntam outros motivos de conflito vindos da parte de quem
deveria ser um activo fermento de paz. São tantas e tão valiosas as coisas que nos unem! E, se
realmente acreditamos na acção livre e generosa do Espírito, quantas coisas podemos aprender
uns dos outros! Não se trata apenas de receber informações sobre os outros para os
conhecermos melhor, mas de recolher o que o Espírito semeou neles como um dom também
para nós. Só para dar um exemplo, no diálogo com os irmãos ortodoxos, nós, os católicos, temos
a possibilidade de aprender algo mais sobre o significado da colegialidade episcopal e sobre a
sua experiência da sinodalidade. Através dum intercâmbio de dons, o Espírito pode conduzir-nos
cada vez mais para a verdade e o bem.
As relações com o Judaísmo
247. Um olhar muito especial é dirigido ao povo judeu, cuja Aliança com Deus nunca foi
revogada, porque «os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis» (Rm 11, 29). A Igreja,
que partilha com o Judaísmo uma parte importante das Escrituras Sagradas, considera o povo da
Aliança e a sua fé como uma raiz sagrada da própria identidade cristã (cf. Rm 11, 16-18). Como
cristãos, não podemos considerar o Judaísmo como uma religião alheia, nem incluímos os judeus
entre quantos são chamados a deixar os ídolos para se converter ao verdadeiro Deus (cf. 1 Ts 1,
9). Juntamente com eles, acreditamos no único Deus que actua na história, e acolhemos, com
eles, a Palavra revelada comum.
248. O diálogo e a amizade com os filhos de Israel fazem parte da vida dos discípulos de Jesus.
O afecto que se desenvolveu leva-nos a lamentar, sincera e amargamente, as terríveis
perseguições de que foram e são objecto, particularmente aquelas que envolvem ou envolveram
cristãos.
249. Deus continua a operar no povo da Primeira Aliança e faz nascer tesouros de sabedoria que
brotam do seu encontro com a Palavra divina. Por isso, a Igreja também se enriquece quando
recolhe os valores do Judaísmo. Embora algumas convicções cristãs sejam inaceitáveis para o
Judaísmo e a Igreja não possa deixar de anunciar Jesus como Senhor e Messias, há uma rica
complementaridade que nos permite ler juntos os textos da Bíblia hebraica e ajudar-nos
mutuamente a desentranhar as riquezas da Palavra, bem como compartilhar muitas convicções
éticas e a preocupação comum pela justiça e o desenvolvimento dos povos.
O diálogo inter-religioso

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250. Uma atitude de abertura na verdade e no amor deve caracterizar o diálogo com os crentes
das religiões não-cristãs, apesar dos vários obstáculos e dificuldades, de modo particular os
fundamentalismos de ambos os lados. Este diálogo inter-religioso é uma condição necessária
para a paz no mundo e, por conseguinte, é um dever para os cristãos e também para outras
comunidades religiosas. Este diálogo é, em primeiro lugar, uma conversa sobre a vida humana ou
simplesmente – como propõem os Bispos da Índia – «estar aberto a eles, compartilhando as suas
alegrias e penas».[194] Assim aprendemos a aceitar os outros, na sua maneira diferente de ser,
de pensar e de se exprimir. Com este método, poderemos assumir juntos o dever de servir a
justiça e a paz, que deverá tornar-se um critério básico de todo o intercâmbio. Um diálogo, no
qual se procurem a paz e a justiça social, é em si mesmo, para além do aspecto meramente
pragmático, um compromisso ético que cria novas condições sociais. Os esforços à volta dum
tema específico podem transformar-se num processo em que, através da escuta do outro, ambas
as partes encontram purificação e enriquecimento. Portanto, estes esforços também podem ter o
significado de amor à verdade.
251. Neste diálogo, sempre amável e cordial, nunca se deve descuidar o vínculo essencial entre
diálogo e anúncio, que leva a Igreja a manter e intensificar as relações com os não-cristãos.[195]
Um sincretismo conciliador seria, no fundo, um totalitarismo de quantos pretendem conciliar
prescindindo de valores que os transcendem e dos quais não são donos. A verdadeira abertura
implica conservar-se firme nas próprias convicções mais profundas, com uma identidade clara e
feliz, mas «disponível para compreender as do outro» e «sabendo que o diálogo pode enriquecer
a ambos».[196] Não nos serve uma abertura diplomática que diga sim a tudo para evitar
problemas, porque seria um modo de enganar o outro e negar-lhe o bem que se recebeu como
um dom para partilhar com generosidade. Longe de se contraporem, a evangelização e o diálogo
inter-religioso apoiam-se e alimentam-se reciprocamente.[197]
252. Neste tempo, adquire grande importância a relação com os crentes do Islão, hoje
particularmente presentes em muitos países de tradição cristã, onde podem celebrar livremente o
seu culto e viver integrados na sociedade. Não se deve jamais esquecer que eles «professam
seguir a fé de Abraão, e connosco adoram o Deus único e misericordioso, que há-de julgar os
homens no último dia».[198] Os escritos sagrados do Islão conservam parte dos ensinamentos
cristãos; Jesus Cristo e Maria são objecto de profunda veneração e é admirável ver como jovens
e idosos, mulheres e homens do Islão são capazes de dedicar diariamente tempo à oração e
participar fielmente nos seus ritos religiosos. Ao mesmo tempo, muitos deles têm uma profunda
convicção de que a própria vida, na sua totalidade, é de Deus e para Deus. Reconhecem também
a necessidade de Lhe responder com um compromisso ético e com a misericórdia para com os
mais pobres.
253. Para sustentar o diálogo com o Islão é indispensável a adequada formação dos
interlocutores, não só para que estejam sólida e jubilosamente radicados na sua identidade, mas
também para que sejam capazes de reconhecer os valores dos outros, compreender as

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preocupações que subjazem às suas reivindicações e fazer aparecer as convicções comuns.
Nós, cristãos, deveríamos acolher com afecto e respeito os imigrantes do Islão que chegam aos
nossos países, tal como esperamos e pedimos para ser acolhidos e respeitados nos países de
tradição islâmica. Rogo, imploro humildemente a esses países que assegurem liberdade aos
cristãos para poderem celebrar o seu culto e viver a sua fé, tendo em conta a liberdade que os
crentes do Islão gozam nos países ocidentais. Frente a episódios de fundamentalismo violento
que nos preocupam, o afecto pelos verdadeiros crentes do Islão deve levar-nos a evitar odiosas
generalizações, porque o verdadeiro Islão e uma interpretação adequada do Alcorão opõem-se a
toda a violência.
254. Os não-cristãos fiéis à sua consciência podem, por gratuita iniciativa divina, viver
«justificados por meio da graça de Deus»[199] e, assim, «associados ao mistério pascal de Jesus
Cristo».[200] Devido, porém, à dimensão sacramental da graça santificante, a acção divina neles
tende a produzir sinais, ritos, expressões sagradas que, por sua vez, envolvem outros numa
experiência comunitária do caminho para Deus.[201] Não têm o significado e a eficácia dos
Sacramentos instituídos por Cristo, mas podem ser canais que o próprio Espírito suscita para
libertar os não-cristãos do imanentismo ateu ou de experiências religiosas meramente individuais.
O mesmo Espírito suscita por toda a parte diferentes formas de sabedoria prática que ajudam a
suportar as carências da vida e a viver com mais paz e harmonia. Nós, cristãos, podemos tirar
proveito também desta riqueza consolidada ao longo dos séculos, que nos pode ajudar a viver
melhor as nossas próprias convicções.
O diálogo social num contexto de liberdade religiosa
255. Os Padres sinodais lembraram a importância do respeito pela liberdade religiosa,
considerada um direito humano fundamental.[202] Inclui «a liberdade de escolher a religião que
se crê ser verdadeira e de manifestar publicamente a própria crença».[203] Um são pluralismo,
que respeite verdadeiramente aqueles que pensam diferente e os valorizem como tais, não
implica uma privatização das religiões, com a pretensão de as reduzir ao silêncio e à obscuridade
da consciência de cada um ou à sua marginalização no recinto fechado das igrejas, sinagogas ou
mesquitas. Tratar-se-ia, em definitivo, de uma nova forma de discriminação e autoritarismo. O
respeito devido às minorias de agnósticos ou de não-crentes não se deve impor de maneira
arbitrária que silencie as convicções de maiorias crentes ou ignore a riqueza das tradições
religiosas. No fundo, isso fomentaria mais o ressentimento do que a tolerância e a paz.
256. Ao questionar-se sobre a incidência pública da religião, é preciso distinguir diferentes modos
de a viver. Tanto os intelectuais como os jornalistas caem, frequentemente, em generalizações
grosseiras e pouco académicas, quando falam dos defeitos das religiões e, muitas vezes, não são
capazes de distinguir que nem todos os crentes – nem todos os líderes religiosos – são iguais.
Alguns políticos aproveitam esta confusão para justificar acções discriminatórias. Outras vezes,
desprezam-se os escritos que surgiram no âmbito duma convicção crente, esquecendo que os

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textos religiosos clássicos podem oferecer um significado para todas as épocas, possuem uma
força motivadora que abre sempre novos horizontes, estimula o pensamento, engrandece a
mente e a sensibilidade. São desprezados pela miopia dos racionalismos. Será razoável e
inteligente relegá-los para a obscuridade, só porque nasceram no contexto duma crença
religiosa? Contêm princípios profundamente humanistas que possuem um valor racional, apesar
de estarem permeados de símbolos e doutrinas religiosos.
257. Como crentes, sentimo-nos próximo também de todos aqueles que, não se reconhecendo
parte de qualquer tradição religiosa, buscam sinceramente a verdade, a bondade e a beleza, que,
para nós, têm a sua máxima expressão e a sua fonte em Deus. Sentimo-los como preciosos
aliados no compromisso pela defesa da dignidade humana, na construção duma convivência
pacífica entre os povos e na guarda da criação. Um espaço peculiar é o dos chamados novos
Areópagos, como o «Átrio dos Gentios», onde «crentes e não-crentes podem dialogar sobre os
temas fundamentais da ética, da arte e da ciência, e sobre a busca da transcendência».[204]
Também este é um caminho de paz para o nosso mundo ferido.
258. A partir de alguns temas sociais, importantes para o futuro da humanidade, procurei
explicitar uma vez mais a incontornável dimensão social do anúncio do Evangelho, para encorajar
todos os cristãos a manifestá-la sempre nas suas palavras, atitudes e acções.
Capítulo V
EVANGELIZADORES COM ESPÍRITO
259. Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem medo à acção
do Espírito Santo. No Pentecostes, o Espírito faz os Apóstolos saírem de si mesmos e
transforma-os em anunciadores das maravilhas de Deus, que cada um começa a entender na
própria língua. Além disso, o Espírito Santo infunde a força para anunciar a novidade do
Evangelho com ousadia (parresia), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contra-
corrente. Invoquemo-Lo hoje, bem apoiados na oração, sem a qual toda a acção corre o risco de
ficar vã e o anúncio, no fim de contas, carece de alma. Jesus quer evangelizadores que anunciem
a Boa Nova, não só com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de
Deus.
260. Neste último capítulo, não vou oferecer uma síntese da espiritualidade cristã, nem
desenvolverei grandes temas como a oração, a adoração eucarística ou a celebração da fé, sobre
os quais já possuímos preciosos textos do Magistério e escritos célebres de grandes autores. Não
pretendo substituir nem superar tanta riqueza. Limitar-me-ei simplesmente a propor algumas
reflexões acerca do espírito da nova evangelização.
261. Quando se diz de uma realidade que tem «espírito», indica-se habitualmente uma moção
interior que impele, motiva, encoraja e dá sentido à acção pessoal e comunitária. Uma

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evangelização com espírito é muito diferente de um conjunto de tarefas vividas como uma
obrigação pesada, que quase não se tolera ou se suporta como algo que contradiz as nossas
próprias inclinações e desejos. Como gostaria de encontrar palavras para encorajar uma estação
evangelizadora mais ardorosa, alegre, generosa, ousada, cheia de amor até ao fim e feita de vida
contagiante! Mas sei que nenhuma motivação será suficiente, se não arde nos corações o fogo
do Espírito. Em suma, uma evangelização com espírito é uma evangelização com o Espírito
Santo, já que Ele é a alma da Igreja evangelizadora. Antes de propor algumas motivações e
sugestões espirituais, invoco uma vez mais o Espírito Santo; peço-Lhe que venha renovar,
sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para fora de si mesma a fim de evangelizar todos os
povos.
I. Motivações para um renovado impulso missionário
262.Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que rezam e trabalham. Do ponto
de vista da evangelização, não servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso
compromisso social e missionário, nem os discursos e acções sociais e pastorais sem uma
espiritualidade que transforme o coração. Estas propostas parciais e desagregadoras alcançam
só pequenos grupos e não têm força de ampla penetração, porque mutilam o Evangelho. É
preciso cultivar sempre um espaço interior que dê sentido cristão ao compromisso e à
actividade.[205] Sem momentos prolongados de adoração, de encontro orante com a Palavra, de
diálogo sincero com o Senhor, as tarefas facilmente se esvaziam de significado, quebrantamo-
nos com o cansaço e as dificuldades, e o ardor apaga-se. A Igreja não pode dispensar o pulmão
da oração, e alegra-me imenso que se multipliquem, em todas as instituições eclesiais, os grupos
de oração, de intercessão, de leitura orante da Palavra, as adorações perpétuas da Eucaristia. Ao
mesmo tempo, «há que rejeitar a tentação duma espiritualidade intimista e individualista, que
dificilmente se coaduna com as exigências da caridade, com a lógica da encarnação».[206] Há o
risco de que alguns momentos de oração se tornem uma desculpa para evitar de dedicar a vida à
missão, porque a privatização do estilo de vida pode levar os cristãos a refugiarem-se nalguma
falsa espiritualidade.
263. É salutar recordar-se dos primeiros cristãos e de tantos irmãos ao longo da história que se
mantiveram transbordantes de alegria, cheios de coragem, incansáveis no anúncio e capazes de
uma grande resistência activa. Há quem se console, dizendo que hoje é mais difícil; temos,
porém, de reconhecer que o contexto do Império Romano não era favorável ao anúncio do
Evangelho, nem à luta pela justiça, nem à defesa da dignidade humana. Em cada momento da
história, estão presentes a fraqueza humana, a busca doentia de si mesmo, a comodidade
egoísta e, enfim, a concupiscência que nos ameaça a todos. Isto está sempre presente, sob uma
roupagem ou outra; deriva mais da limitação humana que das circunstâncias. Por isso, não
digamos que hoje é mais difícil; é diferente. Em vez disso, aprendamos com os Santos que nos
precederam e enfrentaram as dificuldades próprias do seu tempo. Com esta finalidade, proponho-
vos que nos detenhamos a recuperar algumas motivações que nos ajudem a imitá-los nos nossos

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dias.[207]
O encontro pessoal com o amor de Jesus que nos salva
264. A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela
experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais. Com efeito, um
amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de a apresentar, de a tornar
conhecida, que amor seria? Se não sentimos o desejo intenso de comunicar Jesus, precisamos
de nos deter em oração para Lhe pedir que volte a cativar-nos. Precisamos de o implorar cada
dia, pedir a sua graça para que abra o nosso coração frio e sacuda a nossa vida tíbia e
superficial. Colocados diante d’Ele com o coração aberto, deixando que Ele nos olhe,
reconhecemos aquele olhar de amor que descobriu Natanael no dia em que Jesus Se fez
presente e lhe disse: «Eu vi-te, quando estavas debaixo da figueira!» (Jo 1, 48). Como é doce
permanecer diante dum crucifixo ou de joelhos diante do Santíssimo Sacramento, e fazê-lo
simplesmente para estar à frente dos seus olhos! Como nos faz bem deixar que Ele volte a tocar
a nossa vida e nos envie para comunicar a sua vida nova! Sucede então que, em última análise,
«o que nós vimos e ouvimos, isso anunciamos» (1 Jo 1, 3). A melhor motivação para se decidir a
comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o
coração. Se o abordamos desta maneira, a sua beleza deslumbra-nos, volta a cativar-nos vezes
sem conta. Por isso, é urgente recuperar um espírito contemplativo, que nos permita redescobrir,
cada dia, que somos depositários dum bem que humaniza, que ajuda a levar uma vida nova. Não
há nada de melhor para transmitir aos outros.
265. Toda a vida de Jesus, a sua forma de tratar os pobres, os seus gestos, a sua coerência, a
sua generosidade simples e quotidiana e, finalmente, a sua total dedicação, tudo é precioso e fala
à nossa vida pessoal. Todas as vezes que alguém volta a descobri-lo, convence-se de que é isso
mesmo o que os outros precisam, embora não o saibam: «Aquele que venerais sem O conhecer,
é Esse que eu vos anuncio» (Act 17, 23). Às vezes perdemos o entusiasmo pela missão, porque
esquecemos que o Evangelho dá resposta às necessidades mais profundas das pessoas, porque
todos fomos criados para aquilo que o Evangelho nos propõe: a amizade com Jesus e o amor
fraterno. Quando se consegue exprimir, de forma adequada e bela, o conteúdo essencial do
Evangelho, de certeza que essa mensagem fala aos anseios mais profundos do coração: «O
missionário está convencido de que existe já, nas pessoas e nos povos, pela acção do Espírito,
uma ânsia – mesmo se inconsciente – de conhecer a verdade acerca de Deus, do homem, do
caminho que conduz à liberação do pecado e da morte. O entusiasmo posto no anúncio de Cristo
deriva da convicção de responder a tal ânsia».[208]
O entusiasmo na evangelização funda-se nesta convicção. Temos à disposição um tesouro de
vida e de amor que não pode enganar, a mensagem que não pode manipular nem desiludir. É
uma resposta que desce ao mais fundo do ser humano e pode sustentá-lo e elevá-lo. É a verdade
que não passa de moda, porque é capaz de penetrar onde nada mais pode chegar. A nossa

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tristeza infinita só se cura com um amor infinito.
266. Esta convicção, porém, é sustentada com a experiência pessoal, constantemente renovada,
de saborear a sua amizade e a sua mensagem. Não se pode perseverar numa evangelização
cheia de ardor, se não se está convencido, por experiência própria, que não é a mesma coisa ter
conhecido Jesus ou não O conhecer, não é a mesma coisa caminhar com Ele ou caminhar
tacteando, não é a mesma coisa poder escutá-Lo ou ignorar a sua Palavra, não é a mesma coisa
poder contemplá-Lo, adorá-Lo, descansar n’Ele ou não o poder fazer. Não é a mesma coisa
procurar construir o mundo com o seu Evangelho em vez de o fazer unicamente com a própria
razão. Sabemos bem que a vida com Jesus se torna muito mais plena e, com Ele, é mais fácil
encontrar o sentido para cada coisa. É por isso que evangelizamos. O verdadeiro missionário,
que não deixa jamais de ser discípulo, sabe que Jesus caminha com ele, fala com ele, respira
com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio da tarefa missionária. Se uma
pessoa não O descobre presente no coração mesmo da entrega missionária, depressa perde o
entusiasmo e deixa de estar segura do que transmite, faltam-lhe força e paixão. E uma pessoa
que não está convencida, entusiasmada, segura, enamorada, não convence ninguém.
267. Unidos a Jesus, procuramos o que Ele procura, amamos o que Ele ama. Em última
instância, o que procuramos é a glória do Pai, vivemos e agimos «para que seja prestado louvor à
glória da sua graça» (Ef 1, 6). Se queremos entregar-nos a sério e com perseverança, esta
motivação deve superar toda e qualquer outra. O movente definitivo, o mais profundo, o maior, a
razão e o sentido último de tudo o resto é este: a glória do Pai que Jesus procurou durante toda a
sua existência. Ele é o Filho eternamente feliz, com todo o seu ser «no seio do Pai» (Jo 1, 18). Se
somos missionários, antes de tudo é porque Jesus nos disse: «A glória do meu Pai [consiste] em
que deis muito fruto» (Jo 15, 8). Independentemente de que nos convenha, interesse, aproveite
ou não, para além dos estreitos limites dos nossos desejos, da nossa compreensão e das nossas
motivações, evangelizamos para a maior glória do Pai que nos ama.
O prazer espiritual de ser povo
268. A Palavra de Deus convida-nos também a reconhecer que somos povo: «Vós que outrora
não éreis um povo, agora sois povo de Deus» (1 Pd 2, 10). Para ser evangelizadores com espírito
é preciso também desenvolver o prazer espiritual de estar próximo da vida das pessoas, até
chegar a descobrir que isto se torna fonte duma alegria superior. A missão é uma paixão por
Jesus, e simultaneamente uma paixão pelo seu povo. Quando paramos diante de Jesus
crucificado, reconhecemos todo o seu amor que nos dignifica e sustenta, mas lá também, se não
formos cegos, começamos a perceber que este olhar de Jesus se alonga e dirige, cheio de afecto
e ardor, a todo o seu povo. Lá descobrimos novamente que Ele quer servir-Se de nós para
chegar cada vez mais perto do seu povo amado. Toma-nos do meio do povo e envia-nos ao
povo, de tal modo que a nossa identidade não se compreende sem esta pertença.

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269. O próprio Jesus é o modelo desta opção evangelizadora que nos introduz no coração do
povo. Como nos faz bem vê-Lo perto de todos! Se falava com alguém, fitava os seus olhos com
uma profunda solicitude cheia de amor: «Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele» (Mc
10, 21). Vemo-Lo disponível ao encontro, quando manda aproximar-se o cego do caminho (cf. Mc
10, 46-52) e quando come e bebe com os pecadores (cf. Mc 2, 16), sem Se importar que O
chamem de glutão e beberrão (cf. Mt 11, 19). Vemo-Lo disponível, quando deixa uma prostituta
ungir-Lhe os pés (cf. Lc 7, 36-50) ou quando recebe, de noite, Nicodemos (cf. Jo 3, 1-15). A
entrega de Jesus na cruz é apenas o culminar deste estilo que marcou toda a sua vida.
Fascinados por este modelo, queremos inserir-nos a fundo na sociedade, partilhamos a vida com
todos, ouvimos as suas preocupações, colaboramos material e espiritualmente nas suas
necessidades, alegramo-nos com os que estão alegres, choramos com os que choram e
comprometemo-nos na construção de um mundo novo, lado a lado com os outros. Mas não como
uma obrigação, nem como um peso que nos desgasta, mas como uma opção pessoal que nos
enche de alegria e nos dá uma identidade.
270. Às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas
do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora
dos outros. Espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que
permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente
entrar em contacto com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura. Quando o
fazemos, a vida complica-se sempre maravilhosamente e vivemos a intensa experiência de ser
povo, a experiência de pertencer a um povo.
271. É verdade que, na nossa relação com o mundo, somos convidados a dar razão da nossa
esperança, mas não como inimigos que apontam o dedo e condenam. A advertência é muito
clara: fazei-o «com mansidão e respeito» (1 Pd 3, 16) e «tanto quanto for possível e de vós
dependa, vivei em paz com todos os homens» (Rm 12, 18). E somos incentivados também a
vencer «o mal com o bem» (Rm 12, 21), sem nos cansarmos de «fazer o bem» (Gal 6, 9) e sem
pretendermos aparecer como superiores, antes «considerai os outros superiores a vós próprios»
(Fl 2, 3). Na realidade, os Apóstolos do Senhor «tinham a simpatia de todo o povo» (Act 2, 47; cf.
4, 21.33; 5, 13). Está claro que Jesus não nos quer como príncipes que olham desdenhosamente,
mas como homens e mulheres do povo. Esta não é a opinião de um Papa, nem uma opção
pastoral entre várias possíveis; são indicações da Palavra de Deus tão claras, directas e
contundentes, que não precisam de interpretações que as despojariam da sua força
interpeladora. Vivamo-las sine glossa, sem comentários. Assim, experimentaremos a alegria
missionária de partilhar a vida com o povo fiel de Deus, procurando acender o fogo no coração do
mundo.
272. O amor às pessoas é uma força espiritual que favorece o encontro em plenitude com Deus,
a ponto de se dizer, de quem não ama o irmão, que «está nas trevas e nas trevas caminha» (1 Jo
2, 11), «permanece na morte» (1 Jo 3, 14) e «não chegou a conhecer a Deus» (1 Jo 4, 8). Bento

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XVI disse que «fechar os olhos diante do próximo torna cegos também diante de Deus»,[209] e
que o amor é fundamentalmente a única luz que «ilumina incessantemente um mundo às escuras
e nos dá a coragem de viver e agir».[210] Portanto, quando vivemos a mística de nos aproximar
dos outros com a intenção de procurar o seu bem, ampliamos o nosso interior para receber os
mais belos dons do Senhor. Cada vez que nos encontramos com um ser humano no amor,
ficamos capazes de descobrir algo de novo sobre Deus. Cada vez que os nossos olhos se abrem
para reconhecer o outro, ilumina-se mais a nossa fé para reconhecer a Deus. Em consequência
disto, se queremos crescer na vida espiritual, não podemos renunciar a ser missionários. A tarefa
da evangelização enriquece a mente e o coração, abre-nos horizontes espirituais, torna-nos mais
sensíveis para reconhecer a acção do Espírito, faz-nos sair dos nossos esquemas espirituais
limitados. Ao mesmo tempo, um missionário plenamente devotado ao seu trabalho experimenta o
prazer de ser um manancial que transborda e refresca os outros. Só pode ser missionário quem
se sente bem, procurando o bem do próximo, desejando a felicidade dos outros. Esta abertura do
coração é fonte de felicidade, porque «a felicidade está mais em dar do que em receber» (Act 20,
35). Não se vive melhor fugindo dos outros, escondendo-se, negando-se a partilhar, resistindo a
dar, fechando-se na comodidade. Isto não é senão um lento suicídio.
273. A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que posso
pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que
não posso arrancar do meu ser, se não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e para
isso estou neste mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão
de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar. Nisto uma pessoa se revela enfermeira no
espírito, professor no espírito, político no espírito..., ou seja, pessoas que decidiram, no mais
íntimo de si mesmas, estar com os outros e ser para os outros. Mas, se uma pessoa coloca a
tarefa dum lado e a vida privada do outro, tudo se torna cinzento e viverá continuamente à
procura de reconhecimentos ou defendendo as suas próprias exigências. Deixará de ser povo.
274. Para partilhar a vida com a gente e dar-nos generosamente, precisamos de reconhecer
também que cada pessoa é digna da nossa dedicação. E não pelo seu aspecto físico, suas
capacidades, sua linguagem, sua mentalidade ou pelas satisfações que nos pode dar, mas
porque é obra de Deus, criatura sua. Ele criou-a à sua imagem, e reflecte algo da sua glória.
Cada ser humano é objecto da ternura infinita do Senhor, e Ele mesmo habita na sua vida. Na
cruz, Jesus Cristo deu o seu sangue precioso por essa pessoa. Independentemente da
aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afecto e a nossa dedicação. Por
isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida. É
maravilhoso ser povo fiel de Deus. E ganhamos plenitude, quando derrubamos os muros e o
coração se enche de rostos e de nomes!
A acção misteriosa do Ressuscitado e do seu Espírito
275. No segundo capítulo, reflectimos sobre a carência de espiritualidade profunda que se traduz

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no pessimismo, no fatalismo, na desconfiança. Algumas pessoas não se dedicam à missão,
porque crêem que nada pode mudar e assim, segundo elas, é inútil esforçar-se. Pensam: «Para
quê privar-me das minhas comodidades e prazeres, se não vejo algum resultado importante?»
Com esta mentalidade, torna-se impossível ser missionário. Esta atitude é precisamente uma
desculpa maligna para continuar fechado na própria comodidade, na preguiça, na tristeza
insatisfeita, no vazio egoísta. Trata-se de uma atitude autodestrutiva, porque «o homem não pode
viver sem esperança: a sua vida, condenada à insignificância, tornar-se-ia insuportável».[211] No
caso de pensarmos que as coisas não vão mudar, recordemos que Jesus Cristo triunfou sobre o
pecado e a morte e possui todo o poder. Jesus Cristo vive verdadeiramente. Caso contrário, «se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação» (1 Cor 15, 14). Diz-nos o Evangelho que, quando
os primeiros discípulos saíram a pregar, «o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra»
(Mc 16, 20). E o mesmo acontece hoje. Somos convidados a descobri-lo, a vivê-lo. Cristo
ressuscitado e glorioso é a fonte profunda da nossa esperança, e não nos faltará a sua ajuda
para cumprir a missão que nos confia.
276. A sua ressurreição não é algo do passado; contém uma força de vida que penetrou o
mundo. Onde parecia que tudo morreu, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da
ressurreição. É uma força sem igual. É verdade que muitas vezes parece que Deus não existe:
vemos injustiças, maldades, indiferenças e crueldades que não cedem. Mas também é certo que,
no meio da obscuridade, sempre começa a desabrochar algo de novo que, mais cedo ou mais
tarde, produz fruto. Num campo arrasado, volta a aparecer a vida, tenaz e invencível. Haverá
muitas coisas más, mas o bem sempre tende a reaparecer e espalhar-se. Cada dia, no mundo,
renasce a beleza, que ressuscita transformada através dos dramas da história. Os valores
tendem sempre a reaparecer sob novas formas, e na realidade o ser humano renasceu muitas
vezes de situações que pareciam irreversíveis. Esta é a força da ressurreição, e cada
evangelizador é um instrumento deste dinamismo.
277. E continuamente aparecem também novas dificuldades, a experiência do fracasso, as
mesquinhices humanas que tanto ferem. Todos sabemos, por experiência, que às vezes uma
tarefa não nos dá as satisfações que desejaríamos, os frutos são escassos e as mudanças são
lentas, e vem-nos a tentação de se dar por cansado. Todavia, não é a mesma coisa quando
alguém, por cansaço, baixa momentaneamente os braços e quando os baixa definitivamente
dominado por um descontentamento crónico, por uma acédia que lhe mirra a alma. Pode
acontecer que o coração se canse de lutar, porque, em última análise, se busca a si mesmo num
carreirismo sedento de reconhecimentos, aplausos, prémios, promoções; então a pessoa não
baixa os braços, mas já não tem garra, carece de ressurreição. Assim, o Evangelho, que é a
mensagem mais bela que há neste mundo, fica sepultado sob muitas desculpas.
278. A fé significa também acreditar n’Ele, acreditar que nos ama verdadeiramente, que está vivo,
que é capaz de intervir misteriosamente, que não nos abandona, que tira bem do mal com o seu
poder e a sua criatividade infinita. Significa acreditar que Ele caminha vitorioso na história «e, com

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Ele, estarão os chamados, os escolhidos, os fiéis» (Ap 17, 14). Acreditamos no Evangelho que
diz que o Reino de Deus já está presente no mundo, e vai-se desenvolvendo aqui e além de
várias maneiras: como a pequena semente que pode chegar a transformar-se numa grande
árvore (cf. Mt 13, 31-32), como o punhado de fermento que leveda uma grande massa (cf. Mt 13,
33), e como a boa semente que cresce no meio do joio (cf. Mt 13, 24-30) e sempre nos pode
surpreender positivamente: ei-la que aparece, vem outra vez, luta para florescer de novo. A
ressurreição de Cristo produz por toda a parte rebentos deste mundo novo; e, ainda que os
cortem, voltam a despontar, porque a ressurreição do Senhor já penetrou a trama oculta desta
história; porque Jesus não ressuscitou em vão. Não fiquemos à margem desta marcha da
esperança viva!
279. Como nem sempre vemos estes rebentos, precisamos de uma certeza interior, ou seja, da
convicção de que Deus pode actuar em qualquer circunstância, mesmo no meio de aparentes
fracassos, porque «trazemos este tesouro em vasos de barro» (2 Cor 4, 7). Esta certeza é o que
se chama «sentido de mistério», que consiste em saber, com certeza, que a pessoa que se
oferece e entrega a Deus por amor, seguramente será fecunda (cf. Jo 15, 5). Muitas vezes esta
fecundidade é invisível, incontrolável, não pode ser contabilizada. A pessoa sabe com certeza
que a sua vida dará frutos, mas sem pretender conhecer como, onde ou quando; está segura de
que não se perde nenhuma das suas obras feitas com amor, não se perde nenhuma das suas
preocupações sinceras com os outros, não se perde nenhum acto de amor a Deus, não se perde
nenhuma das suas generosas fadigas, não se perde nenhuma dolorosa paciência. Tudo isto
circula pelo mundo como uma força de vida. Às vezes invade-nos a sensação de não termos
obtido resultado algum com os nossos esforços, mas a missão não é um negócio nem um
projecto empresarial, nem mesmo uma organização humanitária, não é um espectáculo para que
se possa contar quantas pessoas assistiram devido à nossa propaganda. É algo de muito mais
profundo, que escapa a toda e qualquer medida. Talvez o Senhor Se sirva da nossa entrega para
derramar bênçãos noutro lugar do mundo, aonde nunca iremos. O Espírito Santo trabalha como
quer, quando quer e onde quer; e nós gastamo-nos com grande dedicação, mas sem pretender
ver resultados espectaculares. Sabemos apenas que o dom de nós mesmos é necessário. No
meio da nossa entrega criativa e generosa, aprendamos a descansar na ternura dos braços do
Pai. Continuemos para diante, empenhemo-nos totalmente, mas deixemos que seja Ele a tornar
fecundos, como melhor Lhe parecer, os nossos esforços.
280. Para manter vivo o ardor missionário, é necessária uma decidida confiança no Espírito
Santo, porque Ele «vem em auxílio da nossa fraqueza» (Rm 8, 26). Mas esta confiança generosa
tem de ser alimentada e, para isso, precisamos de O invocar constantemente. Ele pode curar-nos
de tudo o que nos faz esmorecer no compromisso missionário. É verdade que esta confiança no
invisível pode causar-nos alguma vertigem: é como mergulhar num mar onde não sabemos o que
vamos encontrar. Eu mesmo o experimentei tantas vezes. Mas não há maior liberdade do que a
de se deixar conduzir pelo Espírito, renunciando a calcular e controlar tudo e permitindo que Ele
nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde Ele quiser. O Espírito Santo bem sabe o que faz

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falta em cada época e em cada momento. A isto chama-se ser misteriosamente fecundos!
A força missionária da intercessão
281. Há uma forma de oração que nos incentiva particularmente a gastarmo-nos na
evangelização e nos motiva a procurar o bem dos outros: é a intercessão. Fixemos, por
momentos, o íntimo dum grande evangelizador como São Paulo, para perceber como era a sua
oração. Esta estava repleta de seres humanos: «Em todas as minhas orações, sempre peço com
alegria por todos vós (...), pois tenho-vos no coração» (Fl 1, 4.7). Descobrimos, assim, que
interceder não nos afasta da verdadeira contemplação, porque a contemplação que deixa de fora
os outros é uma farsa.
282. Esta atitude transforma-se também num agradecimento a Deus pelos outros. «Antes de
mais, dou graças ao meu Deus por todos vós, por meio de Jesus Cristo» (Rm 1, 8). Trata-se de
um agradecimento constante: «Dou incessantemente graças ao meu Deus por vós, pela graça de
Deus que vos foi concedida em Cristo Jesus» (1 Cor 1, 4); «todas as vezes que me lembro de
vós, dou graças ao meu Deus» (Fl 1, 3). Não é um olhar incrédulo, negativo e sem esperança,
mas uma visão espiritual, de fé profunda, que reconhece aquilo que o próprio Deus faz neles. E,
simultaneamente, é a gratidão que brota de um coração verdadeiramente solícito pelos outros.
Deste modo, quando um evangelizador sai da oração, o seu coração tornou-se mais generoso,
libertou-se da consciência isolada e está ansioso por fazer o bem e partilhar a vida com os outros.
283. Os grandes homens e mulheres de Deus foram grandes intercessores. A intercessão é como
a «levedação» no seio da Santíssima Trindade. É penetrarmos no Pai e descobrirmos novas
dimensões que iluminam as situações concretas e as mudam. Poderíamos dizer que o coração
de Deus se deixa comover pela intercessão, mas na realidade Ele sempre nos antecipa, pelo que,
com a nossa intercessão, apenas possibilitamos que o seu poder, o seu amor e a sua lealdade se
manifestem mais claramente no povo.
II. Maria, a Mãe da evangelização
284. Juntamente com o Espírito Santo, sempre está Maria no meio do povo. Ela reunia os
discípulos para O invocarem (Act 1, 14), e assim tornou possível a explosão missionária que se
deu no Pentecostes. Ela é a Mãe da Igreja evangelizadora e, sem Ela, não podemos
compreender cabalmente o espírito da nova evangelização.
O dom de Jesus ao seu povo
285. Na cruz, quando Cristo suportava em sua carne o dramático encontro entre o pecado do
mundo e a misericórdia divina, pôde ver a seus pés a presença consoladora da Mãe e do amigo.
Naquele momento crucial, antes de declarar consumada a obra que o Pai Lhe havia confiado,

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Jesus disse a Maria: «Mulher, eis o teu filho!» E, logo a seguir, disse ao amigo bem-amado: «Eis
a tua mãe!» (Jo 19, 26-27). Estas palavras de Jesus, no limiar da morte, não exprimem
primariamente uma terna preocupação por sua Mãe; mas são, antes, uma fórmula de revelação
que manifesta o mistério duma missão salvífica especial. Jesus deixava-nos a sua Mãe como
nossa Mãe. E só depois de fazer isto é que Jesus pôde sentir que «tudo se consumara» (Jo 19,
28). Ao pé da cruz, na hora suprema da nova criação, Cristo conduz-nos a Maria; conduz-nos a
Ela, porque não quer que caminhemos sem uma mãe; e, nesta imagem materna, o povo lê todos
os mistérios do Evangelho. Não é do agrado do Senhor que falte à sua Igreja o ícone feminino.
Ela, que O gerou com tanta fé, também acompanha «o resto da sua descendência, isto é, os que
observam os mandamentos de Deus e guardam o testemunho de Jesus» (Ap 12, 17). Esta
ligação íntima entre Maria, a Igreja e cada fiel, enquanto de maneira diversa geram Cristo, foi
maravilhosamente expressa pelo Beato Isaac da Estrela: «Nas Escrituras divinamente inspiradas,
o que se atribui em geral à Igreja, Virgem e Mãe, aplica-se em especial à Virgem Maria (...). Além
disso, cada alma fiel é igualmente, a seu modo, esposa do Verbo de Deus, mãe de Cristo, filha e
irmã, virgem e mãe fecunda. (...) No tabernáculo do ventre de Maria, Cristo habitou durante nove
meses; no tabernáculo da fé da Igreja, permanecerá até ao fim do mundo; no conhecimento e
amor da alma fiel habitará pelos séculos dos séculos».[212]
286. Maria é aquela que sabe transformar um curral de animais na casa de Jesus, com uns
pobres paninhos e uma montanha de ternura. Ela é a serva humilde do Pai, que transborda de
alegria no louvor. É a amiga sempre solícita para que não falte o vinho na nossa vida. É aquela
que tem o coração trespassado pela espada, que compreende todas as penas. Como Mãe de
todos, é sinal de esperança para os povos que sofrem as dores do parto até que germine a
justiça. Ela é a missionária que Se aproxima de nós, para nos acompanhar ao longo da vida,
abrindo os corações à fé com o seu afecto materno. Como uma verdadeira mãe, caminha
connosco, luta connosco e aproxima-nos incessantemente do amor de Deus. Através dos
diferentes títulos marianos, geralmente ligados aos santuários, compartilha as vicissitudes de
cada povo que recebeu o Evangelho e entra a formar parte da sua identidade histórica. Muitos
pais cristãos pedem o Baptismo para seus filhos num santuário mariano, manifestando assim a fé
na acção materna de Maria que gera novos filhos para Deus. É lá, nos santuários, que se pode
observar como Maria reúne ao seu redor os filhos que, com grandes sacrifícios, vêm peregrinos
para A ver e deixar-se olhar por Ela. Lá encontram a força de Deus para suportar os sofrimentos
e as fadigas da vida. Como a São João Diego, Maria oferece-lhes a carícia da sua consolação
materna e diz-lhes: «Não se perturbe o teu coração. (...) Não estou aqui eu, que sou tua
Mãe?»[213]
A Estrela da nova evangelização
287. À Mãe do Evangelho vivente, pedimos a sua intercessão a fim de que este convite para uma
nova etapa da evangelização seja acolhido por toda a comunidade eclesial. Ela é a mulher de fé,
que vive e caminha na fé,[214] e «a sua excepcional peregrinação da fé representa um ponto de

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referência constante para a Igreja».[215] Ela deixou-Se conduzir pelo Espírito, através dum
itinerário de fé, rumo a uma destinação feita de serviço e fecundidade. Hoje fixamos n’Ela o olhar,
para que nos ajude a anunciar a todos a mensagem de salvação e para que os novos discípulos
se tornem operosos evangelizadores.[216] Nesta peregrinação evangelizadora, não faltam as
fases de aridez, de ocultação e até de um certo cansaço, como as que viveu Maria nos anos de
Nazaré enquanto Jesus crescia: «Este é o início do Evangelho, isto é, da boa nova, da jubilosa
nova. Não é difícil, porém, perceber naquele início um particular aperto do coração, unido a uma
espécie de “noite da fé” – para usar as palavras de São João da Cruz – como que um “véu”
através do qual é forçoso aproximar-se do Invisível e viver na intimidade com o mistério. Foi deste
modo efectivamente que Maria, durante muitos anos, permaneceu na intimidade com o mistério
do seu Filho, e avançou no seu itinerário de fé».[217]
288. Há um estilo mariano na actividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que olhamos
para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afecto. N’Ela, vemos que
a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam de
maltratar os outros para se sentir importantes. Fixando-A, descobrimos que aquela que louvava a
Deus porque «derrubou os poderosos de seus tronos» e «aos ricos despediu de mãos vazias»
(Lc 1, 52.53) é mesma que assegura o aconchego dum lar à nossa busca de justiça. E é a
mesma também que conserva cuidadosamente «todas estas coisas ponderando-as no seu
coração» (Lc 2, 19). Maria sabe reconhecer os vestígios do Espírito de Deus tanto nos grandes
acontecimentos como naqueles que parecem imperceptíveis. É contemplativa do mistério de
Deus no mundo, na história e na vida diária de cada um e de todos. É a mulher orante e
trabalhadora em Nazaré, mas é também nossa Senhora da prontidão, a que sai «à pressa» (Lc 1,
39) da sua povoação para ir ajudar os outros. Esta dinâmica de justiça e ternura, de
contemplação e de caminho para os outros faz d’Ela um modelo eclesial para a evangelização.
Pedimos-Lhe que nos ajude, com a sua oração materna, para que a Igreja se torne uma casa
para muitos, uma mãe para todos os povos, e torne possível o nascimento dum mundo novo. É o
Ressuscitado que nos diz, com uma força que nos enche de imensa confiança e firmíssima
esperança: «Eu renovo todas as coisas» (Ap 21, 5). Com Maria, avançamos confiantes para esta
promessa, e dizemos-Lhe:
Virgem e Mãe Maria,
Vós que, movida pelo Espírito,
acolhestes o Verbo da vida
na profundidade da vossa fé humilde,
totalmente entregue ao Eterno,
ajudai-nos a dizer o nosso «sim»
perante a urgência, mais imperiosa do que nunca,
de fazer ressoar a Boa Nova de Jesus.
Vós, cheia da presença de Cristo,

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levastes a alegria a João o Baptista,
fazendo-o exultar no seio de sua mãe.
Vós, estremecendo de alegria,
cantastes as maravilhas do Senhor.
Vós, que permanecestes firme diante da Cruz
com uma fé inabalável,
e recebestes a jubilosa consolação da ressurreição,
reunistes os discípulos à espera do Espírito
para que nascesse a Igreja evangelizadora.
Alcançai-nos agora um novo ardor de ressuscitados
para levar a todos o Evangelho da vida
que vence a morte.
Dai-nos a santa ousadia de buscar novos caminhos
para que chegue a todos
o dom da beleza que não se apaga.
Vós, Virgem da escuta e da contemplação,
Mãe do amor, esposa das núpcias eternas
intercedei pela Igreja, da qual sois o ícone puríssimo,
para que ela nunca se feche nem se detenha
na sua paixão por instaurar o Reino.
Estrela da nova evangelização,
ajudai-nos a refulgir com o testemunho da comunhão,
do serviço, da fé ardente e generosa,
da justiça e do amor aos pobres,
para que a alegria do Evangelho
chegue até aos confins da terra
e nenhuma periferia fique privada da sua luz.
Mãe do Evangelho vivente,
manancial de alegria para os pequeninos,
rogai por nós.
Amen. Aleluia!
Dado em Roma, junto de São Pedro, no encerramento do Ano da Fé, dia 24 de Novembro –
Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo – do ano de 2013, primeiro do meu
Pontificado.

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FRANCISCUS
[1]Paulo VI, Exort. ap. Gaudete in Domino (9 de Maio de 1975), 22: AAS 67 (1975), 297.
[2]Ibid., 8: o. c., 292.
[3]Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 1: AAS 98 (2006), 217.
[4]V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida
(29 de Junho de 2007), 360.
[5]Ibid., 360.
[6]Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 80: AAS 68 (1976), 75.
[7]Cântico espiritual, 36, 10.
[8]Adversus haereses, IV, 34, 1: PG 7, 1083: «Omnem novitatem attulit, semetipsum afferens».
[9]Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 7: AAS 68 (1976), 9.
[10]Cf. Propositio 7.
[11]Bento XVI, Homilia durante a Missa conclusiva da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo
dos Bispos (28 de Outubro de 2012): AAS 104 (2012), 890.
[12]Ibidem.
[13]Bento XVI, Homilia na Eucaristia de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano e do Caribe (Santuário da Aparecida – Brasil, 13 de Maio de 2007): AAS 99
(2007), 437.
[14]Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 34: AAS 83 (1991), 280.
[15]Ibid., 40: o. c., 287.
[16]Ibid., 86: o. c., 333.
[17]V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida
(29 de Junho de 2007), 548.

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[18]Ibid., 370.
[19]Cf. Propositio 1.
[20]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 32: AAS 81
(1989), 451.
[21]V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida
(29 de Junho de 2007), 201.
[22]Ibid., 551.
[23]Carta enc. Ecclesiam suam (6 de Agosto de 1964), 10-12: AAS 56 (1964), 611-612.
[24]Conc. Ecum. Vat.II, Decr. sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, 6.
[25]Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Oceania (22 de Novembro de 2001), 19: AAS 94 (2002),
390.
[26]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 26: AAS 81
(1989), 438.
[27]Cf. Propositio 26.
[28]Cf. Propositio 44.
[29]Cf. Propositio 26.
[30]Cf. Propositio 41.
[31]Conc. Ecum. Vat.II, Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, 11.
[32]Cf. Bento XVI, Discurso por ocasião do 40° aniversário do Decreto «Ad gentes» (11 de Março
de 2006): AAS 98 (2006), 337.
[33]Cf. Propositio 42.
[34]Cf. câns. 460-468; 492-502; 511-514; 536-537.
[35]Carta enc. Ut unum sint (25 de Maio de 1995), 95: AAS 87 (1995), 977-978.
[36]Conc. Ecum. Vat.II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 23.

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[37]Cf. João Paulo II, Motu proprio Apostolos suos (21 de Maio de 1998): AAS 90 (1998), 641-
658.
[38]Conc. Ecum. Vat.II, Decr. sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, 11.
[39]Cf. Summa theologiae I-II, q. 66, a. 4-6.
[40]Ibid. I-II, q. 108, a. 1.
[41]Ibid. II-II, q. 30, a. 4. Cf. ainda II-II, q. 40, a. 4, ad 1: «O nosso culto a Deus com sacrifícios e
com ofertas exteriores não é exercido em proveito d’Ele, mas nosso e do próximo. Na realidade,
Deus não precisa dos nossos sacrifícios, mas deseja que os mesmos Lhe sejam oferecidos para
nossa devoção e utilidade do próximo. Por isso a misericórdia, pela qual se socorre a miséria
alheia, é o sacrifício que mais Lhe agrada, porque assegura mais de perto o bem do próximo».
[42]Conc. Ecum. Vat.II,Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 12.
[43]Motu proprio Socialium Scientiarum (1 de Janeiro de 1994): AAS 86 (1994), 209.
[44]São Tomás de Aquino sublinhava que a multiplicidade e a distinção «provêm da intenção do
primeiro agente», d’Aquele que quis que, «aquilo que faltasse a cada coisa para representar a
bondade divina, fosse compensado pelas outras», porque a sua bondade «não poderia ser
representada convenientemente por uma só criatura» (Summa theologiae I, q. 47, a. 1). Por isso,
precisamos de captar a variedade das coisas nas suas múltiplas relações (cf. ibid. I, q. 47, a. 2,
ad 1; q. 47, a. 3). Por análogas razões, temos necessidade de ouvir-nos uns aos outros e
completar-nos na nossa recepção parcial da realidade e do Evangelho.
[45]João XXIII, Discurso na inauguração do Concílio Vaticano II (11 de Outubro de 1962), VI, 5:
AAS 54 (1962), 792: «Est enim aliud ipsum depositum Fidei, seu veritates, quae veneranda
doctrina nostra continentur, aliud modus, quo eaedem enuntiantur».
[46]João Paulo II, Carta enc. Ut unum sint (25 de Maio de 1995), 19: AAS 87 (1995), 933.
[47]Summa theologiae I-II, q. 107, a. 4.
[48]Ibidem.
[49]N.º 1735.
[50]Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981), 34:
AAS 74 (1982), 123-125.

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[51]«Devo recebê-lo sempre, para que sempre perdoe os meus pecados. Se peco continuamente,
devo ter sempre um remédio» (Santo Ambrósio, De Sacramentis, IV, 6, 28: PL 16, 464). «Aquele
que comeu o maná, morreu; aquele que come deste corpo, obterá o perdão dos seus pecados»
(Ibid., IV, 5, 24: o. c., 463). «Examinei a mim mesmo e reconheci-me indigno. Àqueles que assim
falam, eu digo: E quando sereis dignos? Então quando vos apresentareis diante de Cristo? E, se
os vossos pecados impedem de vos aproximar e se nunca parais de cair – quem conhece os
seus delitos?: diz o salmo – ficareis sem tomar parte na santificação que vivifica para a
eternidade?» (São Cirilo de Alexandria, In Johannis evangelium, IV, 2: PG 73, 584-585).
[52]Bento XVI, Discurso durante o encontro com o Episcopado Brasileiro (Catedral de São Paulo
– Brasil, 11 de Maio de 2007), 3: AAS 99 (2007), 428.
[53]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 10: AAS 84
(1992), 673.
[54]Paulo VI, Carta enc. Ecclesiam suam (6 de Agosto de 1964), 19: AAS 56 (1964), 632.
[55]São João Crisóstomo, In Lazarum, II, 6: PG 48, 992D.
[56]Cf. Propositio 13.
[57]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Africa (14 de Setembro de 1995), 52: AAS 88
(1996), 32-33. No texto, é citada a Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987),
22: AAS 80 (1988), 539.
[58]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 7: AAS 92
(2000), 458.
[59]Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, Ministry to Persons with a Homosexual
Inclination: Guidelines for Pastoral Care (2006), 17.
[60]Conferência dos Bispos de França, Nota Élargir le mariage aux personnes de même sexe?
Ouvrons le débat! (28 de Setembro de 2012).
[61]Cf. Propositio 25.
[62]Acção Católica Italiana, Messaggio della XIV Assemblea Nazionale alla Chiesa ed al Paese (8
de Maio de 2011).
[63]Joseph Ratzinger, Situación actual de la fe y la teología (Conferência pronunciada no
Encontro de Presidentes das Comissões Episcopais da América Latina para a Doutrina da Fé –

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Guadalajara, México, 1996 – e publicada em L’Osservatore Romano de 01/XI/1966). Cf. V
Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29 de
Junho de 2007), 12.
[64]Georges Bernanos, Journal d’un curé de campagne (Ed. Plon, Paris 1974), 135.
[65]Discurso de abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II (11 de Outubro de 1962), 4, 2-4: AAS
54 (1962), 789.
[66]John Henry Newman, «Letter of 26 January 1833», em The Letters and Diaries of John Henry
Newman, III (Oxford 1979), 204.
[67]Bento XVI, Homilia durante a Santa Missa de abertura do Ano da Fé (11 de Outubro de 2012):
AAS 104 (2012), 881.
[68]Tomás de Kempis, De Imitatione Christi, Liber primus, IX, 5: «Imaginatio locorum et mutatio
multos fefellit».
[69]Pode ajudar-nos o testemunho que Santa Teresa de Lisieux nos deixou acerca do impacto
decisivo que teve uma experiência interior para superar o aspecto particularmente desagradável
da assistência prestada a uma irmã: «Uma tarde de Inverno, estava eu a cumprir, como de
costume, a minha doce tarefa para com a irmã Saint-Pierre. Estava frio, começava a anoitecer...
De repente, ouvi ao longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei-me num
salão muito bem iluminado, todo resplandecente com seus ricos dourados; e, nele, senhoras
elegantemente vestidas, prodigalizando-se mutuamente cumprimentos e cortesias mundanas. Em
seguida, pousei o olhar na pobre doente que assistia. Em vez de uma melodia, podia ouvir de vez
em quando os seus gemidos lastimosos. (...) Eu não consigo exprimir o que se passou na minha
alma. Tudo o que sei é que o Senhor a iluminou com os raios da verdade, que de tal maneira
ultrapassavam o brilho tenebroso das festas da Terra, que não podia acreditar no grau da minha
felicidade» [«Manuscrit C», 29frt-30vrs: Œvres complètes, (CERF-DDB, Paris 1992) 274-275].
[70]Cf. Propositio 8.
[71]Henri De Lubac, Méditation sur l’Église (FV, Paris 1968), 321.
[72]Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 295.
[73]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 51: AAS 81
(1989), 493.
[74]Congr. para a Doutrina da Fé, Decl. sobre a questão da admissão das mulheres ao
sacerdócio ministerial Inter Insigniores (15 de Outubro de 1976), VI: AAS 69 (1977), 115, citado
por João Paulo II na Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 51 (nota

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190): AAS 81 (1989), 493.
[75]João Paulo II, Carta ap. Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988), 27: AAS 80 (1988), 1718.
[76]Cf. Propositio 51.
[77]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 19: AAS 92
(2000), 478.
[78]Ibid., 2: o. c., 451.
[79]Cf. Propositio 4.
[80]Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 1.
[81]Meditação na primeira Congregação geral da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos
Bispos (8 de Outubro de 2012): AAS 104 (2012), 897.
[82]Cf. Propositio6; Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 22.
[83]Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 9.
[84]Cf. III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Puebla
(23 de Março de 1979), 386-387.
[85]Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et
spes, 36.
[86]Ibid., 25.
[87]Ibid., 53.
[88]João Paulo II, Carta ap. Novo Millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 40: AAS 93 (2001),
294-295.
[89]Ibid., 40: o. c., 295.
[90]João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 52: AAS 83 (1991),
300.Cf.Exort. ap. Catechesi tradendae (16 de Outubro de 1979), 53: AAS 71 (1979), 1321.
[91]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Oceania (22 de Novembro de 2001), 16: AAS

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99
94 (2002), 384.
[92]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Africa (14 de Setembro de 1995), 61: AAS 88
(1996), 39.
[93]«Excluído o Espírito Santo, que é o vínculo de ambos, não se pode entender a concórdia da
unidade entre o Pai e o Filho» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, q. 39, a. 8 cons. 2;
veja-se também ibid., I, q. 37, a. 1, ad 3).
[94]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Oceania (22 de Novembro de 2001), 17: AAS
94 (2002), 385.
[95]Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 20: AAS
92 (2000), 478-482.
[96]Cf. Conc. Ecum. Vat.II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 12.
[97]João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 71: AAS 91 (1999), 60.
[98]III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Puebla (23
de Março de 1979), 450; cf. V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe,
Documento de Aparecida (29 de Junho de 2007), 264.
[99]Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 21: AAS
92 (2000), 482-484.
[100]N.º 48: AAS 68 (1976), 38.
[101]Ibid., 48: o. c., 38.
[102]Discurso na Sessão inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do
Caribe (13 de Maio de 2007), 1: AAS 99 (2007), 446-447.
[103]V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida
(29 de Junho de 2007), 262.
[104]Ibid., 263.
[105]Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II, q. 2, a. 2.
[106]V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida
(29 de Junho de 2007), 264.

10.10 Page 100

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100
[107]Ibid., 264.
[108]Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 12.
[109]Cf. Propositio 17.
[110]Cf. Propositio 30.
[111]Cf. Propositio 27.
[112]João Paulo II, Carta ap. Dies Domini (31 de Maio de 1998), 41: AAS 90 (1998), 738-739.
[113]Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 78: AAS 68 (1976), 71.
[114]Ibid., 78: o. c., 71.
[115]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 26: AAS
84 (1992), 698.
[116]Ibid., 25: o. c., 696.
[117]São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II, q. 188, a. 6.
[118]Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 76: AAS 68 (1976), 68.
[119]Ibid., 75: o. c., 65.
[120]Ibid., 63: o .c., 53.
[121]Ibid., 43: o. c., 33.
[122]Ibid., 43: o. c., 33.
[123]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 10: AAS
84 (1992), 672.
[124]Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 40: AAS 68 (1976), 31.
[125]Ibid., 43: o. c., 33.
[126]Cf. Propositio 9.

11 Pages 101-110

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101
[127]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 26: AAS
84 (1992), 698.
[128]Cf. Propositio 38.
[129]Cf. Propositio 20.
[130]Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre os meios de comunicação social Inter mirifica, 6.
[131]Cf. De musica, VI, 13, 38: PL 32, 1183-1184; Confessiones, IV, 13, 20: PL 32, 701.
[132]Bento XVI, Discurso no final da projecção do documentário «Arte e fé – via pulchritudinis»
(25 de Outubro de 2012): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 03/XI/2012), 4.
[133]Summa theologiae I-II, q. 65, a. 3, ad 2: «propter aliquas dispositiones contrarias».
[134]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 20: AAS 92
(2000), 481.
[135]Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de Setembro de 2010), 1: AAS 102
(2010), 682.
[136]Cf. Propositio 11.
[137]Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 21-22.
[138]Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de Setembro de 2010), 86-87: AAS
102 (2010), 757-760.
[139]Bento XVI, Meditação durante a primeira Congregação Geral do Sínodo dos Bispos (8 de
Outubro de 2012): AAS 104 (2012), 896.
[140]Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 17: AAS 68 (1976), 17.
[141]João Paulo II, Alocução aos Inválidos, antes do Angelus (Catedral de Osnabrück, Alemanha,
16 de Novembro de 1980): Insegnamenti III/2 (1980), 1232.
[142]Pont. Conselho «Justiça e Paz»,Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 52.
[143]João Paulo II, Catequese (Audiência Geral de 24 de Abril de 1991): Insegnamenti XIV/1
(1991), 856.

11.2 Page 102

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102
[144]Bento XVI, Carta ap. em forma de motu proprio Intima Ecclesiae natura (11 de Novembro de
2012), proémio: AAS 104 (2012), 996.
[145]Carta enc. Populorum Progressio (26 de Março de 1967), 14: AAS 59 (1967), 264.
[146]Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 29: AAS 68 (1976), 25.
[147]V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida
(29 de Junho de 2007), 380.
[148]Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 9.
[149]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in America (22 de Janeiro de 1999), 27: AAS
91 (1999), 762.
[150]Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 28: AAS 98 (2006), 239-
240.
[151]Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 12.
[152]Carta ap. Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971), 4: AAS 63 (1971), 403.
[153]Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984), XI, 1: AAS 76
(1984), 903.
[154]Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 157.
[155]Paulo VI, Carta ap. Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971), 23: AAS 63 (1971), 418.
[156]Paulo VI, Carta enc. Populorum Progressio (26 de Março de 1967), 65: AAS 59 (1967), 289.
[157]Ibid., 15: o. c., 265.
[158]Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Documento Exigências evangélicas e éticas de
superação da miséria e da fome (Abril de 2002), Introdução, 2.
[159]João XXIII, Carta enc. Mater et Magistra (15 de Maio de 1961), 3: AAS 53 (1961), 402.
[160]Santo Agostinho, De catechizandis rudibus, I, XIV, 22: PL 40, 327.
[161]Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984), XI, 18: AAS 76
(1984), 907-908.
[162]João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 41: AAS 83 (1991), 844-

11.3 Page 103

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103
845.
[163]João Paulo II, Homilia durante a Santa Missa pela evangelização dos povos (Santo
Domingo, 11 de Outubro de 1984), 5: AAS 77 (1985) 358.
[164]João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 42: AAS 80
(1988), 572.
[165]Discurso na Sessão inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do
Caribe (13 de Maio de 2007), 3: AAS 99 (2007), 450.
[166]São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II, q. 27, a. 2.
[167]Ibid., I-II, q. 110, a. 1.
[168]Ibid., I-II, q. 26, a. 3.
[169]João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 50: AAS 93 (2001),
303.
[170]Ibid., 50: o. c., 303.
[171]Cf. Propositio 45.
[172]Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984), XI, 18: AAS 76
(1984), 908.
[173]Isto implica «eliminar as causas estruturais das disfunções da economia mundial»: Bento
XVI, Discurso ao Corpo Diplomático (8 de Janeiro de 2007): AAS 99 (2007), 73.
[174]Cf. Comissão Social dos Bispos de França, Declaração Réhabiliter la politique (17 de
Fevereiro de 1999); Pio XI, Mensagem, 18 de Dezembro de 1927.
[175]Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 2: AAS 101 (2009), 642.
[176]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 37: AAS
81 (1989), 461.
[177]Cf. Propositio 56.
[178]Conferência dos Bispos católicos das Filipinas, Carta past. What is Happening to our
Beautiful Land?(29 de Janeiro de 1988).

11.4 Page 104

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104
[179]Paulo VI, Carta enc. Populorum Progressio (26 de Março de 1967), 76: AAS 59 (1967), 294-
295.
[180]Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, Carta past. Forming Consciences for
Faithful Citizenship (2007), 13.
[181]Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 161.
[182]Das Ende der Neuzeit (Würzburg 91965), 30-31.
[183]Cf. Ismael Quiles, S.I., Filosofía de la educación personalista (Buenos Aires 1981), 46-53.
[184]Conferência Episcopal [da República democrática] do Congo, Message sur la situation
sécuritaire dans le pays (5 de Dezembro de 2012), 11.
[185]Cf. Platão, Gorgias, 465.
[186]Bento XVI, Discurso à Cúria Romana (21 de Dezembro de 2012): AAS 105 (2013), 51.
[187]Cf. Propositio 14.
[188]Cf. Catecismo da Igreja Católica, 1910; Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio de
Doutrina Social da Igreja, 168.
[189]Cf. Propositio 54.
[190]João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 88: AAS 91 (1999), 74.
[191]São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, I, 7; cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et
ratio (14 de Setembro de 1998), 43: AAS 91 (1999), 39.
[192]Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, 4.
[193]Cf. Propositio 52.
[194]Conferência dos Bispos da Índia, Decl. final da XXX Assembleia Geral: The Church’s Role
for a Better India (8 de Março de 2012), 8.9.
[195]Cf. Propositio 53.
[196]João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 56: AAS 83 (1991),

11.5 Page 105

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105
304.
[197]Cf. Bento XVI, Discurso à Cúria Romana (21 de Dezembro de 2012): AAS 105 (2013), 51;
Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, 9; Catecismo da
Igreja Católica, 856.
[198]Conc. Ecum. Vat.II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 16.
[199]Comissão Teológica Internacional, O cristianismo e as religiões (1996), 72: Enchiridion
Vaticanum 15, n.º 1061.
[200]Ibid., 72: o. c., 1061.
[201]Cf. ibid., 81-87: o. c., 1070-1076.
[202]Cf. Propositio 16.
[203]Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente (14 de Setembro de 2012), 26:
AAS 104 (2012), 762.
[204]Propositio 55.
[205]Cf. Propositio 36.
[206]João Paulo II, Carta ap. Novo Millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 52: AAS 93 (2001),
304.
[207]Cf. Vítor Manuel Fernández, Discurso na abertura do I Congresso Nacional de Doutrina
Social da Igreja, na cidade de Rosário, em 2011: «Espiritualidad para la esperanza activa», em
UCActualidad 142 (2011), 16.
[208]João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 45: AAS 83 (1991),
292.
[209]Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 16: AAS 98 (2006), 230.
[210]Ibid., 39: o. c., 250.
[211]II Assembleia especial para a Europa do Sínodo dos Bispos, Mensagem Final, 1:
L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de 30/X/1999), 566.
[212]Sermão 51: PL 194, 1863 e 1865.

11.6 Page 106

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106
[213]Nican Mopohua, 118-119.
[214]Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, cap. VIII, nn. 52-69.
[215]João Paulo II, Carta enc. Redemptoris Mater (25 de Março de 1987), 6: AAS 79 (1987), 366.
[216]Cf. Propositio 58.
[217]João Paulo II, Carta enc. Redemptoris Mater (25 de Março de 1987), 17: AAS 79 (1987),
381.
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