ACG 366_vecchi-castidade-pt


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1. CARTA DO REITOR-MOR
«Um amor sem limites a Deus e aos Jovens»1
1. A castidade pelo Reino. O que professamos. – O clima cultural. – A certeza
inspiradora: um amor que anuncia o Ressuscitado e o espera. – 2. Castidade e
carisma salesiano. No sulco de uma tradição. – A serviço do amor educativo. – Sinal
de doação total. "Como um postulado da educação". – Complementaridade
enriquecedora. 3. O caminho para a maturidade. Uma emergência que desafia e
interpela. – Um caminho a assumir. – Discernimento vocacional e formação inicial. – A
parte da comunidade. Conclusão: a força de uma profecia.
Roma, 8 de dezembro de 1998
Solenidade da Imaculada Conceição de Maria
Queridos irmãos,
Estou escrevendo no início do ano jubilar dedicado ao Pai, do qual
provêm todos os dons. Entre os dons maiores recebidos em nossa existência
está, depois do Batismo e da vida cristã, a graça especial da consagração
sobre a qual vos convidei a refletir na carta anterior.
Nela «sobressai o precioso dom (…) dado pelo Pai a alguns (cf. Mt 19,11;
1Cor 7,7) de votar-se a Deus somente, mais facilmente e com coração indiviso
(cf. 1Cor 7,32-33) na virgindade e no celibato»2.
Pareceu-me oportuno continuar, então, o discurso iniciado propondo-vos
algumas idéias sobre esta dimensão da nossa consagração.
As Constituições apresentam a manifestação singular que este dom tem
em nosso carisma, quando afirmam que é «um amor sem limites a Deus e aos
jovens»3. Ele inclui a doação total de si e dispõe a enfrentar com maior
liberdade e prontidão também o risco de vida nas fronteiras da missão ad
gentes, a solidariedade com os pobres, as situações em conflito.
Enquanto estou concluindo a redação desta carta, tornaram-se públicos
os nomes dos missionários e missionárias mortos em 1998 em contextos de
guerra, fundamentalismo religioso e conflitos étnicos: um total de trinta e um,
que se somam aos numerosíssimos que formam o martirológio do século XX.
Sobre esse fundo, marcado pela história de irmãs e irmãos que não
hesitaram em dar a vida, gostaria de colocar a minha reflexão sobre «um modo
intensamente evangélico de amar a Deus e aos irmãos»4 realizado através do
voto de castidade. Proponho-me, com esta reflexão, evidenciar «o valor
1 C 81
2 LG 42
3 C 81
4 C 80
1

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educativo da nossa consagração religiosa na vida cotidiana»5, segundo quanto
nos propusemos na programação do sexênio.
1. A castidade pelo Reino
O que professamos.
A Exortação Apostólica Vita Consecrata não trata cada um dos conselhos
evangélicos em separado. Une-os na graça única da seqüela, limitando-se a
explicitar cá e lá significados, valores ou exigências particulares de cada um
deles. Sublinha, assim, o caráter de relação pessoal com o Senhor que tem a
profissão e a dimensão mística dos votos. Cada conselho compreende atitudes
e empenhos específicos, mas acaba por compreender os outros dois. É difícil
pensar numa castidade coerente e luminosa destacada da pobreza, que
consiste na oferta total dos próprios bens materiais e pessoais, ou de uma
obediência do coração, que coloca a si mesmo a qualquer custo à disposição
da missão. E vice-versa.
Vita Consecrata não apresenta nem mesmo um discurso extensivo sobre
o conjunto dos conselhos, mas insere algumas idéias sobre eles quando trata
da consagração, da missão e da comunidade fraterna. Os conselhos são
condições para a realização serena e coerente desses aspectos fundamentais
da nossa vida e refletem-se em cada um deles.
A clareza com que o evangelho fala da castidade, a freqüência com que
os documentos da Igreja e da Congregação, mesmo em tempos recentes,
estudaram o argumento ajudaram-nos a adquirir um quadro suficientemente
seguro sobre o sentido da castidade consagrada: é um dom do Pai e, da nossa
parte, uma resposta livre de amor que nos leva a conformar-nos ao gênero de
vida virginal escolhido por Jesus. E são assim também alguns compromissos
que ela comporta: o celibato como estado de vida e a prática da continência
própria de tal estado, a vontade de doação sem limites a Deus e aos jovens.
Doutrinalmente adquirida é também a ascese exigida pela prática da
castidade, expressa quase sempre numa série de indicações que
compreendem meios humanos e sobrenaturais.
O clima cultural em que vivemos sugere, contudo, que se faça uma
reflexão pessoal e contextualizada sobre este conselho6.
Estamos, de fato, quase submersos por imagens, mensagens, opiniões e
explicações que se referem à sexualidade, enquanto o silêncio sobre a
castidade é quase total.
Isso leva a interrogar-se sobre a atual prática da castidade, sobre as
condições a serem exigidas e criadas para que seja amadurecedora e serena,
sobre a sua força de testemunho, sobre os percursos pedagógicos e espirituais
que nos possam levar à sua significativa realização num mundo que parece
não levá-la em consideração.
O clima cultural,
5 cf. ACG 358, Número especial, n. 310, p. 16
6 Percebeu-o dessa forma o Grupo dos dezesseis Superiores Gerais que em sua reunião com a
CIVCSVA desenvolveram o tema: Viver a castidade – celibato hoje: os problemas e as nossas
responsabilidades.
2

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Um certo silêncio sobre a castidade cristã, também de nossa parte, pode
derivar da mudança cultural que torna mais difícil hoje do que ontem perceber
o seu significado humano e falar, em termos realísticos e delicados, sobre
alguns problemas que ela suscita, como as expressões legítimas do amor, a
forma do casal, as práticas que se referem à vida, a culpabilidade ou não de
determinados comportamentos pessoais.
A reflexão católica è submetida a esforços particulares pela
complexidade das questões e pela variedade das opiniões. Procura respostas
às interpelações, aprofundando o caráter da pessoa, o papel da consciência, o
influxo da situação, a orientação existencial. Juízos sumários, portanto,
também formalmente corrigidos mas sem suficiente análise ou
aprofundamento, acabam por não resolver interrogativos urgentes levantados
pela castidade.
Entre os elementos que marcam a presente evolução está, sem dúvida, a
valorização da sexualidade. Ela é complexa. A ela é reconhecido um influxo
determinante no desenvolvimento da personalidade. É considerada uma
riqueza a explorar, mais do que um instinto a debelar. É colocada em relação
com aspectos muito sentidos da pessoa como a maturidade, a realização
completa, a capacidade de relação, o prazer, o equilíbrio interior que sabe
superar complexos, sentimentos de culpa e inseguranças. Essa perspectiva
positiva é assumida também pelo pensamento da Igreja, como demonstram a
abundante catequese de João Paulo II e a vasta literatura moral e espiritual.
Por outro lado, caíram os controles sociais e, às vezes, também os
familiares. Há tolerância pública e defende-se o direito de opções diversas;
antes, imprensa, literatura, espetáculos exaltam muitas vezes a transgressão e
apresentam os desvios como opções possíveis, conseqüências de condições
pessoais. Qualquer dimensão ética, mesmo apenas humanística, é
desvalorizada quando não ignorada, até em programas oficiais amplamente
difundidos. Existe a preocupação de viver a sexualidade apenas de modo
gratificante e seguro de riscos para a saúde física ou psíquica, separada de
componentes que lhe dão sentido transcendente e dignidade humana.
O corpo é valorizado e quase exaltado em suas diversas possibilidades:
saúde, forma, beleza, expressão artística, prazer. Está no centro de muitas
preocupações e relativas indústrias que respondem e estimulam a novos
interesses: ginástica, esporte, cosmética, dança. O pensamento cristão
sublinha que o corpo é chamado a integrar-se sempre mais no projeto
vocacional, que o homem não tem só um corpo, mas é corpo capaz de exprimir
o que o espírito sente e quer comunicar: amor e alegria, ânsia e raiva, atenção
pelo outro ou exclusivo interesse por si.
A evolução cultural em seu conjunto e as contribuições de um feminismo
equilibrado colocaram às claras a originalidade da mulher, as riquezas do seu
gênio e a complementaridade recíproca com o homem. As intervenções de
João Paulo II a respeito são sinal também de uma mudança eclesial. A
conseqüência, para nós, é uma maior proximidade à mulher, que se expressa
na presença comum em todos os âmbitos, na colaboração, na relação mais
livre, que não poucas vezes leva à confidência, à familiaridade e à amizade.
Nossas sociedades tornaram-se, ainda, alérgicas a controles e leis que
pretendam adentrar-se naquela que é tida a esfera do privado, e, por isso, as
mesmas normas morais suscitam reações e têm dificuldade de encontrar
espaço em âmbito civil para expressar nele o seu profundo valor humano e
religioso. A sexualidade, o amor e, em certo sentido, a família são privatizadas.
3

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Não poucos comportamentos e opções pessoais sobre isso deixaram de ser
avaliados a partir de uma consideração moral, aceita de modo comum, mas
dos direitos da pessoa, considerada ora em sua irredutível dignidade ora
confundida com uma liberdade arbitrária.
A transformação cultural em ato comporta desenvolvimentos positivos e
custos pesados. Entre os primeiros, podemos enumerar a maior liberdade no
viver as próprias opções, a percepção de vazios que pedem para ser
preenchidos, sendo-o de fato através da volta do desejo de um amor autêntico,
da busca e da oferta do gratuito, isto é, do que não pode ser comprado, mas
descoberto e vivido fora dos intercâmbios.
Entre os custos pesados, existe uma insistência exagerada da
subjetividade em matéria sexual; o enfraquecimento ou desaparecimento do
liame matrimonial e o temor de assumi-lo, com as conseqüentes
"adolescências prolongadas"; a proliferação de imagens e material sexual de
baixo teor, praticamente à mão de todos, através dos canais e redes
autorizadas ou clandestinas.
Tudo isso produz uma ambigüidade que desafia, não só a capacidade de
avaliação, mas também o controle dos desejos. Se, de um lado, defende-se
tenazmente a dignidade da mulher, que é bem mais do seu corpo, de outro,
continua-se a apresentá-la como objeto erótico na publicidade e no cinema.
Estimula-se a expressão livre da sexualidade, mas reage-se com dureza
quando, descontrolada, ela não reconhece limites. Insiste-se na "emoção",
particularmente dos jovens, através de imagens e slogans, e pretende-se deles
constância e fidelidade, fruto de capacidade reflexiva e projetual. A conquista
dos mercados leva a mídia a voltar-se para a eficácia comunicativa, quando
não sobre a esperteza tecnológica, mais do que sobre a oferta de uma visão
verdadeira e profunda da realidade.
O clima envolve os jovens aos quais a primeira informação sobre a
sexualidade e a castidade chega confusa e ambígua. E não poupa os religiosos,
nem sequer aqueles que anteriormente tinham interiorizado a sua visão cristã.
Pode derivar daí, também para nós, um queda de sensibilidade, que nos torna
quase indiferentes quanto às avaliações ou comportamentos e diminui o valor
específico da nossa opção consagrada. Pode desaparecer o rigor da vigilância,
que evita expor-se em ocasiões negativas, por parte de quem escolheu colocar
Jesus no centro do próprio coração. Podem ser geradas, nos pastores e
educadores, uma incerteza na orientação das consciências em comunhão com
a Igreja, e na proposição, de modo convincente, da castidade como valor
essencial na construção do homem e do cristão.
Isso pode tornar-se muito arriscado, se a educação recebida por nós, que
teve seus limites ao lado de inegáveis méritos, não nos tenha munido
suficientemente dos instrumentos necessários de avaliação, de atitudes
consolidadas de vida, de honestidade interior capaz de desmascarar as
racionalizações de que o mal freqüentemente se reveste.
Vita Consecrata convida a responder às provocações da cultura com «a
prática alegre da castidade perfeita, como testemunho do poder do amor de
Deus na fragilidade da condição humana»7.
Nós Salesianos advertimos a necessidade de uma mobilização interior,
pessoal e comunitária, para viver, com mais alegria e com transparência mais
7 VC 88
4

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irradiante, esta virtude que configura os membros de Cristo à total liberdade e
capacidade de dom de sua Cabeça.
Só com o olhar voltado para ele, seremos capazes de perceber o
significado da castidade, sobretudo na forma profética e peculiar que brilha no
dom da virgindade, professada pelo Reino dos céus, nas comunidades
religiosas.
A certeza inspiradora: uma amor que anuncia o Ressuscitado e o
espera.
É impossível enfrentar qualquer questão específica da castidade cristã
sem buscar suas raízes mais profundas na palavra de Deus. E, mais do que em
textos particulares, que certamente não faltam, o fundamento da castidade
consagrada e o seu significado devem ser buscados na pessoa mesma de
Jesus, Palavra total e definitiva de Deus. Ele é celibatário pelo Reino, para
manifestar visivelmente o amor de Deus por todos e cada um. Inaugura assim
um outro modo de ser pessoa, em quem a sexualidade realiza, com total
liberdade, a pertença plena ao Pai e a doação até o extremo pelos homens.
Tomo da Bíblia apenas algum estímulo que julgo particularmente
adequado ao nosso presente. Servirá como convite a aproximardes da Palavra
de forma pessoal e tranqüila para colocar a reflexão toda em seu contexto
pleno de luz e graça.
O Antigo Testamento entrevê a revelação futura da virgindade pelo Reino
quando Jeremias, colocando o seu celibato a serviço da missão profética8,
introduz a imagem da virgem de Israel9. A expectativa normal do Antigo
Testamento, porém, é a fecundidade, abençoada por Deus com filhos que
chegam, de geração em geração, para confirmar as promessas de Javé e a
esperança de dar condições, na própria carne e no próprio sangue, à vinda do
Messias.
O dom da virgindade pertence ao Novo Testamento e traz em seu cerne –
como dizíamos – a memória de Jesus, que a viveu com simplicidade e exprimiu
seus conteúdos com a própria existência, entregue ao Pai e ao serviço dos
irmãos.
É fácil perceber no Novo Testamento uma acentuação da relação
personalíssima que liga o discípulo a Jesus: aparece particularmente forte e
propositiva no evangelho de João; desenvolve-se no diálogo de Jesus com
Nicodemos e com a Samaritana; torna-se familiaridade na casa de Lázaro,
Marta e Maria; demonstra-se fiel na hora da cruz, num entrelaçamento de
recíproca entrega e paixão, que vê como protagonistas Jesus, a Virgem Maria,
o discípulo predileto.
É justamente o ícone do discípulo que Jesus amava10 que demonstra a
centralidade do amor pessoal. O "discipulado" tem sua origem e expressão no
amor crente e obediente. Ele é o fundamento do "apostolado". É esse o sentido
do diálogo com Pedro no capitulo 21 do evangelho de São João: nele, o amor
pessoal pelo Mestre é exigido como condição imprescindível, em vista da
entrega do ministério pastoral: «Amas-me mais do que estes?»11.
8 cf. Jr 16,1-2
9 cf. Jr 18,13; 31,4.21
10 Jo 20,2
11 Jo 21,15
5

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Trata-se de um amor marcado pela intimidade imediata entre Jesus e o
discípulo predileto, que, na última ceia, repousa a cabeça sobre o coração do
Mestre. É amor contagioso, que lhe fica ao lado na prova. É amor iluminado,
que no dia da Ressurreição "crê sem ver", e mantém o olhar aguçado, capaz de
reconhecer o Ressuscitado à margem do lago, mesmo em meio às brumas da
manhã. É amor que dura «até que Ele venha»12.
Acredita-se, hoje, que o discípulo que Jesus amava seja também o "tipo"
do cristão maduro, que fez de Cristo o centro, a causa, o "primeiro amor" da
própria vida. Existe também uma tradição eclesial, antiga e sempre viva, que
vê no discípulo predileto o "símbolo" da virgindade e do "coração indiviso",
como uma premonição da vida consagrada, que faz de Cristo o amor único e
soberano da própria existência, capaz de dar vigor e regra a todos os outros
amores. Sua casa é com Maria, no coração da Igreja. Sua família é a
companhia dos irmãos e das irmãs, aos quais é dado o dom do mesmo
chamado. Seu destino é durar "até o Seu retorno", escrevendo, de modo
sempre novo, a longa história dos amigos e seguidores de Jesus.
A compreensão dessa novidade não foi fácil. A mudança introduzida por
Jesus no costume corrente, em homenagem ao plano originário de Deus – «no
princípio não era assim»13 – era por demais radical. Jesus mesmo afirma –
respectivamente diante da fidelidade matrimonial e do celibato pelo Reino –
que «nem todos entendem este ensinamento, mas somente aqueles aos quais
Deus dá a capacidade de fazê-lo»14: «outros, depois, não se casam para melhor
servir o reino de Deus. Quem puder entender procure entender»15.
«O que é, então, este Reino de Deus que habilita até mesmo a renunciar
ao matrimônio? É o amor paterno, materno, esponsal de Deus pelo homem, de
que fala toda a Escritura; o doce senhorio do Pai, através de Cristo, no Espírito,
sobre quem se decide a responder com amor filial e esponsal. É a percepção
da irrupção do Reino: essa é a raiz da virgindade cristã»16.
Se Jesus prega o Reino, os apóstolos pregam Cristo, que incarna a sua
plenitude definitiva. A virgindade faz memória dele. Ele é o Reino que, em
espírito e verdade, reinicia a humanidade no destino de Graça, preparado pelo
Pai.
O Apocalipse vê na virgindade o sinal da esposa, "que desce do céu, de
Deus"17 e que, da terra, sobe até Ele. Ela significa, pois, proximidade a Cristo
Senhor, a felicidade de acompanhá-lo em comunidades alegres, que se
exprimem com um cântico novo, carregado de beleza e de mistério, tensão
sustentada pela esperança de um encontro definitivo. Pela entusiasmante
descoberta de Cristo, «o estado religioso mais fielmente imita e continuamente
representa na Igreja a forma de vida, que o Filho de Deus abraçou, quando
veio ao mundo para fazer a vontade do Pai, e que propôs aos discípulos que o
seguiam»18.
12 1Cor 11,26
13 Mt 19,8
14 Mt 19,11
15 Mt 19,12
16 AA.VV. Parola de Dio e spirito salesiano. Ricerca sulla dimensione biblica delle Costituzioni
della Famiglia Salesiana, p. 137
17 cf. Ap 21,2
18 LG 44
6

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O nosso voto é um sinal indicativo de Cristo: vivo, ressuscitado, presente
na Sua Igreja, capaz de enamorar os corações, com aquele "amor", que a Igreja
canta há séculos em sua história e na liturgia.
Pela castidade, o religioso faz-se imagem e primícias da Igreja, entregue
toda – só e para sempre – ao Seu Senhor. A sua identificação com a Igreja
acontece e expressa-se sobretudo no dom total de si. «Não há virgindade que
seja fecunda e cheia de significado em si (…); ela adquire o seu sentido e a sua
fecundidade unicamente a partir da total entrega na Igreja»19.
A virgindade cristã surge com o mistério da cruz, com a abertura da
ferida no peito de onde nasce a Igreja, como "corpo e esposa de Cristo". Esta
expressividade eclesial é a razão pela qual em cada voto se recapitulam
também os outros dois. «A obediência é a pobreza do espírito por amor, e a
virgindade, que é a pobreza do corpo por amor, torna-se fecunda somente lá
onde tem cono pressuposto o sacrifício espiritual»20. A castidade – também
nesta linha – configura-nos a Cristo que, "de rico que era, fez-se pobre por
nós"21. O religioso – a exemplo de Cristo, morto nu numa cruz – encontrar-se-á
no final da sua existência, como homem sem família e sem fortuna, que não
construiu nada por própria conta, cujos olhos estão fixos em Deus, que,
unicamente, dá significado à sua existência.
A castidade exprime assim uma forma madura de liberdade, que é a
opção de doar-se sem economia, de realizar de forma insólita a dimensão
pessoal, de entregar-se totalmente à própria missão sem nada buscar nem
reter para si. Esse é o testemunho que tantos missionários de ontem e de hoje
– e muitos irmãos salesianos entre eles – deram e dão à Igreja, quando, nos
postos avançados da missão, entregam continuamente tudo, também a própria
vida, exposta com freqüência a riscos mortais, pela fidelidade ao povo a eles
confiado. Descobre-se dessa forma a presença operosa do Mistério Pascal no
coração da Congregação e de nosso irmãos melhores. A história da Igreja,
especialmente nos países de missão, e as crônicas dramáticas dos últimos
anos confirmam amplamente que não estamos brincando com palavras, mas
apenas esforçando-nos por ler "fatos de Evangelho".
A totalidade incondicional da oblação é o âmago da castidade de Maria,
que – no ato de dizer Ecce ancilla Domini, «Eis aqui a serva do Senhor»22
entrelaça a castidade mais alta com a autoentrega total ao projeto de Deus.
2. Castidade e carisma salesiano.
No sulco de uma tradição.
Basta recordar a atenção de Dom Bosco pela virtude da pureza, em que
ele via um componente essencial do crescimento cristão do jovem, a garantia
do clima educativo da casa salesiana, a premissa da autoentrega do salesiano
e do jovem a Cristo e à Igreja.
É unânime o testemunho dos contemporâneos sobre o fascínio que o
exercício dessa virtude conferia a Dom Bosco, tornando-se um dos mais
límpidos lineamentos da sua santidade. Não causa estupor, portanto, que o
19 Von Balthasar, Gli stati di vita del cristiano, (Jaca Book 1995) p. 204
20 ib.
21 Cf. 2Cor 8,9
22 Lc 1,38
7

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nosso santo Fundador sonhe os Salesianos caracterizados pela castidade e
coloque essa virtude na encruzilhada de exigências educativas, de caminhos
de santificação pessoal na seqüela de Cristo, de urgências proféticas ao serviço
dos jovens e do povo de Deus.
Nosso Pai gozou certamente de um dom extraordinário para ajudar os
jovens a viver a castidade com alegria. Em uma nota pessoal o P. Giovanni
Bonetti, falando de Dom Bosco, observa: «Ouvi-o falar muitas vezes do púlpito
sobre o assunto, mas confesso que, sempre, cada vez mais do que as outras,
experimentava a força de suas palavras, e sentia-me impelido a qualquer
sacrifício por amor de tão inestimável tesouro»23.
Relendo a práxis de Dom Bosco24, chega-se à convicção de que a
qualidade global do ambiente educativo, a paternidade amorável do próprio
Dom Bosco, educador e confessor, a contínua proposta serena dos meios
sobrenaturais (Eucaristia, Penitência, amor a Maria), o espírito de mortificação
e a fuga das ocasiões, um estilo de vida cheio de alegria, vivido e proposto
positivamente eram as pistas sobre as quais o nosso Fundador insistia de
preferência e indicava com convicção aos educadores, para formar os jovens à
castidade.
Não foi apenas um traço da sua santidade pessoal, mas elemento do
carisma. Dom Bosco inaugura uma tradição. No 20º aniversário da sua morte, o
Bem-aventurado Miguel Rua escreve uma das suas cartas mais acaloradas,
intitulando-a Vigilância. Sua preocupação é dar a conhecer «aquilo que aos
poucos a experiência nos ensina ou que as necessidades dos tempos presentes
nos sugerem»25. A carta foi publicada no dia seguinte à difícil prova, conhecida
na história da Congregação como os fatos de Varazze26. «Uma avalanche de
calúnias e de acusações horríveis fundiu-se num instante como névoa ao sol» –
escreve o P. Rua – evocando as palavras de Dom Bosco: Est Deus in Israel.
Niente ti turbi. Fazendo tesouro da dolorosa experiência, o Bem-aventurado
acrescenta, porém, com sereno realismo: «Não podemos ter ilusões: os nossos
pensamentos são escrutados, as nossas ações são recolhidas e avaliadas».
Parece claro o propósito de infundir coragem num momento de prova, ma
também de prevenir fatos que pudessem dar lugar a críticas e acusações num
campo tão delicado, como o juvenil e educativo.
Sob esse aspecto, é preciso dizer que – desde então até hoje, em muitas
partes do mundo – o clima tornou-se ainda mais sensível e exigente.
O P. Paulo Albera, igualmente, em 1916, achou oportuno escrever uma
carta Sobre a castidade27,densa de elementos, derivados da tradição salesiana,
e atenta em fornecer os grandes meios de fidelidade: Eucaristia e Penitência,
oração e devoção a Maria, mortificação, humildade e prudência. A carta é
também colocada num determinado contexto. Iniciava-se então a propor, como
parte da educação dos jovens, uma informação mais sistemática e fundada
sobre as questões sexuais. Nada mais natural que recordar a delicadeza de
Dom Bosco e apresentar as expressões usadas por ele ao propô-la e os
caminhos que indicava para desenvolvê-la.
23 P. Ricaldone, Santità è purezza, in ACS n. 69 (31 de janeiro de 1935), p. 11
24 cf. a análise atenta do P. P. Stella, in Don Bosco, II (Roma 1981), p. 240-274; o tratado do P.
P. Braido, in Il sistema preventivo di Don Bosco (PAS-Verlag 1964), p. 289-311; F. Desramaut,
Don Bosco et la vie spirituelle (Paris 1967), especialmente o capítulo "L'ascése indispensable".
25 Cf. Lettere circolari di don Michele Rua ai Salesiani (Turim 1965), p. 461-73
26 cf. Annali della Società salesiana, vol. III, p. 684-702
27 cf. Lettere circolare di don Paolo Alberta ai Salesiani (Turim 1965), Sulla castità, p. 212-229
8

1.9 Page 9

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P. Alberta insiste no caráter ofertorial da castidade, com referência à
Carta de São Paulo aos Romanos: «Exorto-vos, pois, irmãos, que ofereçais os
vossos corpos como oferta viva, santa e agradável a Deus. Seja este o vosso
verdadeiro culto espiritual»28.
Seu segundo sucessor – tido como caríssimo por Dom Bosco – colheu
bem o fundamento evangélico da castidade, que o nosso Fundador anunciava
mais com o estilo de vida, totalmente entregue aos jovens, do que com os
discursos: a oferta eucarística prolonga-se na vida, que repete humilde, mas
firmemente: «Este é o meu corpo dado por vós»29.
O P. Pedro Ricaldone, com o coração ainda muito cheio das celebrações
da Páscoa de 1934, que vira a canonização de Dom Bosco, oferecia a sua carta
Santidade é pureza, como coroação daquele ano inesquecível. Tratava-se de
uma escolha calculada e radicada na certeza de tocar um dos pontos mais
nevrálgicos do espírito salesiano. P. Ricaldone dizia-se convencido de não fazer
a Dom Bosco «coisa mais agradável do que exortar todos os Salesianos a
refletirem sem trégua que a nossa santidade deve manifestar-se
especialmente com um vida de candura e pureza virginal»30.
Em 1977, o P. Luigi Ricceri, com a carta Viver hoje a castidade
consagrada, propunha de novo, «obedecendo a um preciso ditame» da
consciência, «o testemunho típico da castidade salesiana». É uma carta
interessante, ainda de grande atualidade, que vos convido a reler como
complemento desta. Coloca-se no contexto do clima dos inícios destes anos
que estamos vivendo plenamente: contexto novo e desafios novos por parte do
mundo e interpelações por parte da Igreja: um contexto marcado no interior da
Congregação pelo doloroso problema das defecções freqüentemente tocadas,
embora não unicamente, por vazios, por faltas de fundamento, por
imprudências ou descuido neste campo.
Talvez, muito sumariamente, as severas palavras de Dom Bosco sobre a
castidade, tenham sido atribuídas ao contexto cultural e ascético da sua época,
certamente não sem limitações igualmente sérias. Hoje compreendemos
melhor que somos chamados a ler, também nelas, a sabedoria de um santo,
profundo conhecedor do coração humano, que via com preocupação as
conseqüências negativas, mesmo distantes, de algumas tendências e atitudes.
Tornam-se atuais – à luz de quanto, com freqüência, é publicamente
denunciado hoje – as reflexões de Dom Bosco durante o terceiro Capítulo Geral
de 1883: «Faltando contra a moralidade, perde-se diante de Deus a alma,
diante do mundo a honra»31. «O Senhor – observa em outra ocasião –
dispersaria a Congregação, caso faltássemos à castidade»32.
Os dramas educativos da nossa época, os abusos contra menores dentro
e fora da família, a prostituição de menores, organizada e transformada em
nova escravidão no contexto de um turismo depravado, as formas atrozes de
pedofilia, o renovado "tráfico de escravos" em relação a mulheres indefesas,
jovens adultos e adolescentes, confirma-nos que esse não é um problema
apenas de religião, mas de urgência ética, não é uma questão de virtude
privada, mas de necessidade de justiça pública, não é problema exclusivo da
28 Rm 12,1
29 Lc 22,19
30 P. Pedro Ricaldone, Santità è purezza, in ACS n. 69 (31 de janeiro de 1935), p. 6
31 MB XVI, 417
32 MB XIII, 83
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Igreja, mas responsabilidade de uma sociedade civil que se preocupe com o
próprio futuro e dignidade.
A serviço do amor educativo.
Quando buscamos os motivos profundos da insistência que percorre a
nossa tradição vêm-nos à mente algumas expressões com que Dom Bosco
expressa o seu amor aos jovens e que, talvez, nós hoje tenhamos dificuldade
de repetir: «Eu vos amo, caros jovens, e por vós estou disposto a dar a vida!».
Ou aquelas que lemos no prólogo do "Jovem Instruído": «Meus caros, eu vos
amo a todos de coração. (…) Posso-vos garantir que encontrareis livros com
propostas de pessoas muito mais virtuosas e mais doutas do que eu, mas
dificilmente podereis encontrar quem mais do que eu vos ame em Jesus Cristo
e que mais deseje a vossa felicidade»33.
«O celibato… é um estado de amor»34, que faz de nós «sinais e
portadores do amor de Deus aos jovens»35. Professam-se os votos para amar
evangelica e educativamente, com maior liberdade e eficácia. É coisa adquirida
que a castidade não deve ser separada da caridade. São Francisco de Sales
afirma-o com a sua costumeira simplicidade e elegância: «Saberemos que a
nossa oração foi boa e que nela nós progrediremos se, depois dela, o nosso
rosto resplender de caridade e o nosso corpo de castidade»36.
Sabe-se que a caridade pastoral, que constitui o coração da missão
salesiana em âmbito educativo, exprime-se de forma "sensível": «Procura
fazer-te amar», «Que os jovens vejam que os amais». Não se trata, então, só
de proximidade e profissionalismo, mas de amizade, afeto paterno e materno
que eleva, suaviza e, muitas vezes, supre o que faltou aos jovens. E isso tudo,
olhando para o bem deles e não para a nossa satisfação, sem mecanismos de
captação ou posse, sem ambigüidade ou cansaço nas inevitáveis provas de
falta de correspondência ou incompreensão. Quem fez experiência disso
entende o peso das palavras de Dom Bosco: «Aquele que gasta a vida em prol
dos jovens abandonados deve certamente fazer todos os esforços para
enriquecer-se de todas as virtudes. Mas a virtude que se deve sumamente
cultivar… é a virtude da castidade»37.
Também neste âmbito central do nosso ministério educativo vem-nos
dada uma "graça de unidade", pela qual a caridade torna-se geradora de
pureza e a delicadeza, comunicação ótima do afeto.
«A chave da castidade salesiana – nota o P. Ricceri – é a caridade
salesiana»38. O estilo da caridade salesiana é profundamente marcado pela
castidade. Ela liberta e exprime, tempera e protege, confere originalidade ao
amor do educador e pastor.
Antes de tudo torna-o capaz de gratuidade. Sua alegria consiste em ver
crescer cada um dos jovens e por isso "dá a vida" no paciente
acompanhamento cotidiano. Deseja a correspondência e fica contente porque
33 Dom Bosco, Opere edite II, p. 1886
34 Congregação para a Educação Católica: Orientações educativas para a Formação ao celibato
sacerdotal
35 C 2
36 Dictionnaire de spiritualité, voz SFDSales, 1085
37 Constituições de 1875, V, 1 (cf. Motto F., p. 109)
38 Lettere circolari di don Ricceri ai Salesiani (Roma 1966), Vivere oggi la castità consacrata, II,
p. 984.
10

2 Pages 11-20

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2.1 Page 11

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vê nela o sinal de que o jovem acolheu aquilo que o educador lhe vai
propondo; mas, diante da resistência, é também capaz de esperar e de
oferecer novas oportunidades de salvação.
A castidade inspira, ainda, um carinho transparente e puro como o
modelo de Dom Bosco, de quem cada um sentia-se predileto, de acordo com
os sinais de um amor que se faz legível com inexaurível criatividade: «um amor
sem um mínimo movimento de retorno sobre si»39, que não se corrompe e nem
sequer sugere de longe qualquer tipo de ambigüidade.
Este tipo de amor educativo dá origem ao espírito de família, autêntica
forja da casa e da obra salesiana40. A caridade mantém o fogo aceso; mas a
castidade exalta a sua luz e calor. Estimula a acolhida pronta dos irmãos e dos
jovens, cultiva o gosto pelo serviço da casa, abre o coração a amizades
límpidas e profundas41 e, no encontro de corações tranqüilos, faz-se escudo e
apoio da perseverança e da alegria de Salesianos e jovens. «Aqueles que Deus
leva a separar-se de seus parentes próximos pelo Seu amor – observa J. H.
Newman – encontram ao seu lado irmãos no espírito. Aqueles que
permanecem sozinhos pelo Seu amor têm filhos no espírito, criados por eles»42.
Dom Bosco «adverte-nos que o seu método exige que amemos a
juventude não só santamente e sobrenaturalmente, mas também de modo
sensível; e este amor deve ter todo o perfume da vida de família e as
expansões santas da amorabilidade»43. O P. Ricaldone hesita44 em falar de
"caridade sensível", e não é o único; mas compreende que se trata da palavra
justa para exprimir a intenção de Dom Bosco, que "desejava que o aluno não
só percebesse, mas sentisse a caridade do seu educador".
Essa dimensão é tão central, que o CG24 a retoma sob o título
Espiritualidade da relação: espírito de família. Para livrar a relação educativa
de possíveis aspectos de captação ou manipulação, ela «deve ser cheia de
caridade, até ser transformada em expressão de autêntica espiritualidade. Seu
fruto e sinal é a castidade serena, tão cara a Dom Bosco, que rege o equilíbrio
afetivo e a fidelidade oblativa»45.
Situações graves, que colocam em risco a vocação salesiana, podem ter
o seu início na dificuldade de conjugar ao mesmo tempo caridade generosa e
castidade prudente, audácia apostólica e regularidade comunitária. A parábola
de determinados caminhos, iniciados com sincero desejo de serviço, mas
progressivamente falidos, convida cada um a sentir-se responsável pela alegre
perseverança do irmão, dando-lhe o calor da amizade, a alegria da família, a
ajuda da correção fraterna.
Sinal de doação total.
39 Ib. P. 979
40 cf. P. Pedro Ricaldone: Santità è purezza, in ACS n. 69 (31 de janeiro de 1935), pp. 57-58
41 cf. C 83
42 J. H. Newman, Parrochial and plain Sermons, V, 280
43 P. Pedro Ricaldone, Santità è purezza in ACS n. 69 (31 de janeiro de 1935), p. 59-60
44 Cf. P. Pedro Ricaldone, Santità è purezza, in ACS n. 69 (31 de janeiro de 1935), pp. 59-60:
«Confesso-vos, filhos caríssimos, que minhas mãos tremem ao escrever estas coisas, embora
estando persuadido de transmitir no modo mais exato, porque no mais das vezes não faço
outra coisa que repetir expressões suas, o pensamento do nosso Pai. Tremo porque não há
quem não veja o quanto possa ser perigosa a prática da caridade com a características com
que ele quer vê-la adornada».
45 CG24, 93
11

2.2 Page 12

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«Por vós estou disposto a dar a vida», «quem gasta a vida pelos
jovens…» são expressões de Dom Bosco para definir o propósito interior que
garante a prática do Sistema Preventivo.
A virgindade de Jesus, de Sua Mãe, de José seu esposo é o sinal da
própria autoentrega incondicional ao projeto do Pai pela salvação dos homens.
Eles não tiveram um projeto pessoal ou, se tiveram-no, abandonaram-no no
mesmo momento em que receberam a sua vocação especial. Tornaram próprio
o plano de Deus. Não tiveram uma família própria, mas só a Família de Deus;
nem uma descendência, mas apenas aquela incluída na Promessa de Deus.
Maria "Tota pulchra" vive radicalmente entregue a Deus. «Não só
participa da forma de vida que consiste na entrega de si, mas é implantada
nela como sua alma»46. É o seu modelo, motor, impulso e ponto de atração.
O "Totus Tuus" – repetido por João Paulo II – é a atitude interior de Cristo,
que veio fazer a vontade do Pai até à morte, e à morte de cruz.
Diante destes parâmetros sentimo-nos pequenos e tornamo-nos sempre
mais conscientes da nossa pobreza. Jesus ama-nos, por isso, com amor de
predição. O essencial é que, em nossa resposta ao Seu amor eterno, lhe damos
tudo, quem sabe apenas dois trocados, como a viúva do Evangelho47. Desde
que seja tudo o que somos, tudo o que temos. Será difícil para nós
compreender totalmente os votos religiosos, a não ser no interior desse
contexto, em que se coloca a nossa paciente navegação até à plenitude da
doação a Deus na missão.
Os votos são três sinais da atitude total e única com que nos
abandonamos à fidelidade do Senhor, e que transfigura evangelicamente todos
os valores da nossa existência.
«Dom Bosco viveu a castidade como amor sem limites a Deus e aos
jovens»48. Eles tornaram-se – pela força do dom do Espírito – a sua família.
Consumiu-se para encontrá-los, recolhe-los e educá-los. Queimou o seu tempo
para alcançá-los, onde quer que estivessem, nas prisões e nas ruas, através
das "Leituras Católicas" e as coleções de livros escolares. Construiu para eles
uma casa, para dar-lhes alimento e roupas, uma família e uma escola, apesar
da exigüidade dos meios.
Há na tradição espiritual do Ocidente, um significado da locução pureza
evangélica, que merece ser novamente descoberta49. Ela refere-se, de um lado,
à profundidade com que os anjos contemplam a Deus e, de outro, à prontidão
com que se fazem mensageiros de salvação junto aos homens e se
transformam em companheiros daqueles que Ele ama, acompanhando-os em
meio às dramáticas vicissitudes do mundo. Trata-se de uma virtude
missionária, que deve ser recuperada e explicitada, por analogia, a respeito da
vocação dos Salesianos, chamados a serem companheiros e educadores dos
jovens. A castidade torna totalmente "disponíveis: a estar aqui ou correr até lá,
a levar uma vida recolhida de estudo e educação ou a ousar quando e onde
corre-se risco de vida; a entregar-se à "obediência" religiosa (virtude
missionária, por excelência), como nos abandonamos aos braços da
Providência de Deus.
A alegria expressa por muitas populações, por aquele que "permanece" –
também nos momentos mais difíceis – compartilhando e arriscando tudo com
46 V. Balthasar, Gli stati di vita del cristiano (Jaca Book 1995), p. 248
47 Lc 21,2
48 C 81
49 cf. 34ª Congregazione della Compagnia di Gesù. Castità, número 11 e nota 5
12

2.3 Page 13

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elas, a enorme ressonância que teve, em todos os lugares, a morte de Madre
Teresa de Calcutá, mostram-nos os frutos maduros daquela "entrega total" à
causa do Reino, de que a castidade é sinal.
Quem olhava para Dom Bosco ou para Madre Teresa não se interrogava
sobre a vida de castidade deles, mas percebia-a e apreciava-a como um fogo
que acendia todos os dias uma vida totalmente doada.
Quando perguntados, durante a jornada mundial da juventude de Paris
1997, qual o fascínio que encontravam em João Paulo II, velho e cadente, dois
jovens responderam: «Viemos, porque compreendemos que ele dá a sua vida
por nós».
Colocar a vida totalmente à disposição não é um movimento espontâneo.
Contudo, não era difícil para os melhores jovens de Valdocco (entre os quais
existiam muitos moleques…), dizer: «Eu quero ficar com Dom Bosco». Ficavam
não só para "estar com ele", mas também para "fazer como ele", o que
comportava inevitavelmente "viver como ele".
Estou convencido de que a castidade de Dom Bosco para aqueles jovens,
não era percebida como problema, dificuldade, ou sacrifício – e certamente
terá sido assim alguma vez para o santo dos jovens – mas sempre como dom
do Senhor, alegria de amar, plenitude de vida, olhar cheio de gáudio, que lhe
permitia ser "tudo" para eles. Por isso, embora tratando-se de uma virtude
exigente, eles abraçavam-na, juntamente com tudo o que torna bela a vida
salesiana, mas ao mesmo tempo empenhativa.
"Como um postulado da educação.
A expressão é do P. Alberto Caviglia, que assim define o papel da pureza
no projeto educativo pensado por Dom Bosco.
A nossa castidade, dissemos acima, é fecunda ao inspirar um amor
paterno pelos jovens, particularmente por aqueles que dele mais precisam, e
ao sugerir os gestos que o possam tornar imediatamente compreensível.
É igualmente fecunda quanto aos objetivos e conteúdos da educação
pela visão de vida, de pessoa e de cultura que supõe, testemunha e comunica.
A sexualidade compreende, decerto, uma constelação de manifestações
específicas: sentido justo do corpo, relacionamento, imagem de si e dos outros,
domínio e orientação do prazer, valores como amor, amizade, doação.
Amadurece e expressa-se, porém, no contexto da pessoa inteira e jamais como
função separada. Interage com todos os outros aspectos da personalidade.
Torna-se, pois, indispensável educar a totalidade da pessoa em conformidade
com uma certa visão.
Isso faz perceber o influxo cotidiano que a presença, as palavras, a
amizade, as ações de educadores e educadoras podem ter sobre os jovens que
freqüentam nossos ambientes. Educamos mais por aquilo que somos do que
por aquilo que dizemos.
Sente-se hoje a necessidade difusa de individuar caminhos adequados,
para ajudar os jovens a serem capazes de viver e integrar a sexualidade no
projeto de vida ao qual se sentirem chamados, o que comporta processos
delicados e trabalhosos, muitas vezes destinados a irem contra a corrente; não
nos podemos iludir que eles possam amadurecer sozinhos, sem iluminações,
propostas e esforço.
Se – como foi justamente observado – "castidade é liberdade" é preciso
individuar, então, no amar e no ser amados, as etapas sucessivas de um
13

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"processo de libertação", que leva progressivamente a orientar os recursos
afetivos da pessoa, colocando-as a serviço da amizade e do amor, num projeto
estável de vida.
Para realizar tal processo, é preciso, antes de tudo, recolocar no centro
da atenção educativa a pessoa com as suas múltiplas possibilidades e,
particularmente, a sua destinação a Deus. Isso levará a esclarecer o justo valor
do corpo e da virtude, não comum hoje, que se chama pudor. Com ele o
homem e a mulher reconhecem que são mais do que o próprio corpo e
habituam-se a perceber a inédita riqueza dos outros.
A presença de rapazes e moças em muitos de nossos ambientes,
empenha-nos a levar muito a sério o caminho da coeducação, em que cada
pessoa acolhe a própria sexualidade como vocação, descobre e aprecia a
originalidade do outro sem transformá-lo em objeto de desejo, aprende a
organizar diálogos livres e maduros, numa dinâmica relacional, em que se
expande a amizade serena e o intercâmbio de dons.
Os jovens são, hoje, inseridos à força em campos de alta tensão
emocional (mídia, grupos de amizade, discotecas, cultura ambiente…), que
exige um surplus de empenho para educar à castidade do coração, ensinando
sobriedade e regularidade de vida, controle e orientação dos desejos, reflexão
permanente sobre as próprias opções e atitudes afetivas, capacidade forte e
serena de espera, à qual è chamado um jovem cristão, em preparação aos
empenhos vocacionais e matrimoniais.
Acompanhemos os nossos jovens, desde os primeiros anos, a
compreenderem que a pessoa se realiza na experiência do amor. Amor que é
encontro e projeto, oferta e dom, alegria e sacrifício, vontade de fazer feliz
mais do que sê-lo, quem sabe, às custas alheias.
Somente o amor oblativo pode ser o porto sereno do impulso sexual.
Quanto mais a sexualidade girar sobre si mesma – o jovem deve entendê-lo –
ela não conseguirá ser retribuída, e será enlouquecida na busca de variações
às quais se pedirá, em vão, que satisfaçam o anélito do coração. A nossa
sociedade oferece-nos, mesmo sem sabê-lo, mil confirmações do drama que
envolve quem não entra no caminho justo do amor. Um amor que ignore o
sacrifício, que não dê espaço à cruz de Cristo, corre o risco de transformar-se
continuamente em possessividade, que subjuga e instrumentaliza.
Aprender a amar, porém, é aprender a viver, é começar a ser cristão.
Sabia-o Dom Bosco, e ensinava-o aos seus jovens. Por isso, a um convite que
não admitia dúvidas, acrescentava sábias indicações de guarda dos próprios
movimentos e sentidos, de reforço interior, de purificação.
O CG23 considerou particularmente influente sobre a manutenção ou
queda da fé a educação ao amor, e convidou-nos a retomá-la com decisão e de
modo atualizado, mediante alguns itinerários: clima educativo rico de amizade,
atenção integral à pessoa, qualidade humana na presença em comum de
rapazes e moças, educação da sexualidade, testemunho de Salesianos e leigos
que vivam serenamente a doação, catequese que oriente para o Senhor e
forme a consciência, vida espiritual que sublinhe a força transformadora dos
Sacramentos50.
Complementaridade enriquecedora.
50 cf. CG23 195-202
14

2.5 Page 15

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O CG24 sancionou um tipo de ambiente educativo que se vinha formando
há tempo, mas cujas características ainda não estavam plenamente expressas,
nem explicitadas suas conseqüências sobre nossas atitudes e possibilidades.
Uma dessas características é a complementaridade entre educadores e pais,
que se traduz em diálogo, colaboração, iluminação e troca de experiências.
«Intensifique-se a colaboração com a família enquanto primeira educadora de
seus filhos e filhas. Com essa finalidade, é preciso oferecer em nossas obras,
um clima educativo rico de valores familiares e, particularmente, uma equipe
de educação integrada harmoniosamente de presenças masculinas e
femininas»51.
O amor entre os esposos, da mesma forma que dá origem à vida,
constitui a primeira e principal energia educativa da família. Ora, os esposos,
protagonistas da família cristã, e os celibatários, protagonistas da vida
consagrada, exprimem o dom de Cristo à sua Igreja na fidelidade corajosa e na
oferta total a uma missão típica. O matrimônio cristão e a castidade
consagrada manifestam de dois modos excelentes, embora diversos, o mesmo
mistério de totalidade, expresso no "pacto de amor", animado pelo mesmo
Espírito Santo52. «O sim da promessa matrimonial e o sim do voto religioso
correspondem àquilo que Deus espera do homem: a entrega de si sem
condições, assim como o Senhor sobre a cruz ofereceu tudo, alma e corpo, pelo
Pai e pelo mundo»53.
No intercâmbio de dons entre vocações e estados de vida, a fidelidade
dos esposos encoraja os consagrados, enquanto a sua virgindade fecunda
sustenta o caminho dos esposos, hoje muito mais insidiado e exposto do que
ontem. Testemunham reciprocamente aquela força que não vem da carne e do
sangue, mas do Espírito de Cristo, que anima a Sua Igreja. Associa-os a única
fidelidade ao Senhor, abrindo entre eles profundos diálogos de comunhão.
O diálogo no encontro e na colaboração torna-se, para os jovens,
comunicação de valores e exemplo de vida cristã. «Nesse contexto – afirma o
CG24 – é necessário destacar o significado e a força profética do salesiano: ele
não só concorre à educação com os valores masculinos mas, vivendo o celibato
com alegria e fidelidade, testemunha uma qualidade particular do amor e da
paternidade»54
Por outro lado, somos chamados a exprimir, hoje, nos ambientes
educativos, a riqueza educativa da complementaridade masculino-feminino.
Religiosos e educadores projetam, trabalham e verificam juntos. O percurso de
co-educação interpela-nos juntos e, talvez, antes que os jovens. Devem ser
superados o temor, a distância, a timidez, a falta de comunicação. Como
também as leviandades, a superficialidades, o ofuscamento do sentido pastoral
e do testemunho consagrado.
A exigência de co-educação toca o coração, os pensamentos, as atitudes
profundas, mais do que apenas as maneiras.
O olhar de Jesus e a pessoa de Maria dão-nos os parâmetros para
orientar e modelar pensamentos, sentimentos e atitudes. É claro que as
relações humanas e a colaboração educativa fundada e expressa de acordo
com tais parâmetros dá um toque de qualidade humana e de testemunho
cristão ao ambiente e a cada intervenção educativa.
51 CG24 177
52 cf. Familiaris consortio, n. 11
53 Von Balthasar, Gli stati di vita del cristiano (Jaca Book 1995), p. 206
54 Cg24 178
15

2.6 Page 16

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O CG24 no-lo recorda em muitas passagens. Apresento uma delas: «A
presença da mulher ajuda os Salesianos não só a interpretar o universo
feminino, mas a viver uma relação educativa mais completa: de fato, homem e
mulher ajudam o menino e a menina a descobrir a própria identidade, a aceitar
como enriquecedora a própria especificidade que deve ser oferecida como dom
na reciprocidade»55.
A caridade virginal unindo-se ao amor conjugal, a originalidade masculina
em diálogo com o gênio feminino confluem com inédita fecundidade na
"caridade educativa", que se torna capaz de estruturar unitariamente os
caminhos de crescimento humano e cristão de jovens e adultos.
3. O caminho para a maturidade.
Uma emergência que desafia e interpela56.
Não posso silenciar sobre a dolorosa experiência, que está colocando à
dura prova algumas Igrejas locais e Institutos religiosos, em diversas partes do
mundo. Encontraram-se – aqui e ali – casos de sacerdotes e religiosos
acusados de "abusos e moléstias sexuais" em relação a menores ou mulheres
indefesas. É conhecida a devastação – muitas vezes irremediável – acarretada
por esses traumas numa jovem vida. Isso explica a severidade de muitas
legislações diante desses deprecáveis episódios e a severidade dos tribunais
diante dos imputados. Os fatos em questão remontam, às vezes, até mesmo
há dezenas de anos antes: nem por isso deixaram de tornar-se objeto de
procedimentos penais, com grave prejuízo da missão da Igreja, com
repercussões dolorosas sobre o acusado e sua comunidade, e também com
danos ingentes de natureza econômica.
Esses acontecimentos adquirem relevância – além da objetiva gravidade
dos fatos – também pelos problemas conexos, que causam preocupação às
Igreja e instituições religiosas. Acontece, às vezes, um alargamento anômalo
do conceito de "abuso e moléstia sexual", no qual possam ver a cair também
atos apenas imprudentes. Não faltam exemplos conhecidos por todos.
Não nos foge o realce dado pela mídia às faltas de sacerdotes e
consagrados, o mais das vezes em vista da denúncia legítima e da óbvia
expectativa de coerência, mas, com freqüência, também com finalidades
especulativas e difamadoras em relação à Igreja católica e outras Instituições.
Tudo é agravado pela instrumentalização dos fatos na previsão do desembolso
de ingentes somas em dinheiro pelos danos e despesas processuais.
Tudo isso faz ressoar em nós o eco das palavras dramáticas escritas por
Dom Bosco em Roma no dia 5 de fevereiro de 1873: «A voz pública lamenta,
muitas vezes, fatos morais cometidos contra os costumes e escândalos
horríveis. É um grande mal, é um desastre: eu peço ao Senhor que sejam
fechadas todas as nossas casas, antes que nelas aconteçam semelhantes
desgraças»57.
55 CG24 53
56 cf. Documento de trabalho do Conselho Geral: Di fronte alle accuse di abusi e di molestie
sessuali
57 P. Pietro Ricaldone, Santità è purezza, in ACS n. 69 (31 de janeiro de 1935), p. 62
16

2.7 Page 17

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Os fatos que estão sob nossos olhos empenham-nos, de todas as
maneiras possíveis, a intervir na defesa dos menores e contra a exploração das
mulheres, e agradeço de coração aos irmãos empenhados nessas fronteiras.
Esses fatos levam-nos, também, a perceber algum elemento do sistema
preventivo, que Dom Bosco evidenciara ou sugerira, e que, talvez, tenha sido
parcialmente desatendido em algum lugar.
É preciso recuperar algumas normas pedagógicas e de prudência –
próprias da tradição salesiana – que merecem ser novamente apresentadas e
que, a seu tempo, foram entregues aos superiores responsáveis, aos quais,
também através destas páginas, peço uma colaboração firme e serena. Esta é
uma parte não insignificante da preventividade, que estrutura ambientes e
hábitos, para ajudar o florescimento de qualquer virtude humana e cristã.
Solicita-nos, sobretudo, à luz de conhecimentos adequados e da Palavra
de Deus, uma nova compreensão do caminho de crescimento permanente que
somos chamados a trilhar. A busca descontrolada de satisfações, embora seja
o mais grave, não é a única manifestação de uma sexualidade imatura e
reprimida. Há também a incapacidade da amizade, o fechamento à
fraternidade, a dureza do coração, o apego incompreensível a pareceres,
coisas ou vantagens, a aridez nas relações. É necessário, pois, que se
mantenha a tensão para a plenitude da nossa doação e da nossa capacidade
educativa.
Um caminho a assumir.
A energia e a identidade sexual – que a castidade reconhece com alegria,
acolhe sem hesitações e valoriza no próprio projeto de vida – estrutura a
personalidade nos níveis mais profundos, dando conotação a todas as suas
dimensões: pensamento, afetos, expressividade, capacidade de projeto,
relação. Ela permanece marcada pelas mais significativas experiências de vida.
A estação pré-natal, os primeiros meses e as relações com a mãe, o clima e as
relações familiares, os elementos de hereditariedade, a precocidade ou os
atrasos na educação e na auto-educação, as experiências traumáticas de não
fácil elaboração e outras influem no processo de amadurecimento da
afetividade e da sexualidade.
A castidade serena está ao final de um longo caminho, pela simples
razão de a personalidade madura ser, também ela, o ponto de chegada de um
longo percurso. Trata-se, então, de acolher – para nós mesmos e para aqueles
que são confiados ao nosso cuidado educativo – os processos necessários para
atingir essa maturidade, que gera alegria e paz, e se traduz em força de
testemunho.
Somos chamados, ao mesmo tempo, a tomar consciência de que neste
decisivo campo do crescimento humano, a vida religiosa, e mais ainda uma
Congregação de educadores, é, por assim dizer, colocada à prova, não só
quanto à moral sexual, mas sobretudo quanto à riqueza afetiva. «É necessário
que a vida consagrada apresente ao mundo de hoje exemplos de uma
castidade vivida por homens e mulheres que demonstrem equilíbrio, domínio
de si, audácia, amadurecimento psicológico e afetivo»58. Isso comporta o
controle e a orientação das tendências espontâneas, mas ainda mais o
desenvolvimento da capacidade de amar.
58 VC 88
17

2.8 Page 18

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As Constituições fazem-nos advertir que «a castidade não é conquista
feita de uma vez por todas. Tem momentos de paz e momentos de prova. É um
dom que, por causa da fraqueza humana, exige esforço quotidiano na
fidelidade»59.
«Quer dizer – anota paternalmente o P. Ricceri – que não nos devemos
admirar nem assustar, se em certos momentos de depressão, inatividade ou
isolamento, soframos na carne e no coração. É um aspecto da nossa cruz.
Alguma vez, quem sabe, até uma forma de participação da angústia de Cristo
no horto do Getsêmani»60. Dificuldades nas relações, frustrações apostólicas,
falta de compreensões comunitárias, ansiedades quanto à saúde própria ou
dos caros, momentos de stress: tudo é pontualmente registrado em nossa
esfera afetiva, com contragolpes que devem ser avaliados e superados com a
ajuda da graça e da oração, do espírito de mortificação, de uma serena
determinação, de uma comunidade que acolhe e acompanha. Não se exclua,
também, a necessidade de empreender pacientes itinerários para redescobrir
motivações e mudar hábitos enraizados. As diversas estações da vida exigem
outros processos de renovada compreensão do empenho assumido.
Devem-se recordar algumas indicações substanciais desse caminho.
O nosso ministério deve ser gerido com espírito de humildade e
prudência, libertando-o de qualquer forma de presunção diante do que possa
ferir a castidade: «Recordai-vos que vos mando pescar, e que não devereis ser
pescados», dizia Dom Bosco aos seus, com uma ponta de humorismo, e,
quando sabia que trabalhavam em ambientes com algum risco, avisava-os
para «deixar os olhos em casa»61. Estas palavras repropõem, além de acenos
materiais, a atenção a ser mantida em relação a amizades e familiaridades em
nossos ambientes educativos e pastorais, marcados pelo encontro cotidiano
com colaboradoras e com jovens de ambos os sexos.
O caminho para a serena maturidade é marcado pelo cruz. Com a
autoridade de testemunha ocular, o P. Albera escreve. «Não se creia que Dom
Bosco tenha dado pouca importância ao espírito de mortificação; estude-se-lhe
bem a vida e ver-se-á que todas as suas circunstâncias são uma excitação e
uma lição à prática da mortificação»62. Pode parecer uma palavra não atual,
contudo deve ser relacionada à fecundidade da cruz. A insídia mais perigosa do
espírito burguês, não só à vida religiosa, mas antes ainda às mesmas raízes
cristãs, talvez, seja a recusa da cruz: tácita, prática, sistemática. O conforto é
tido como valor a almejar e status a atingir; os analgésicos passaram do
mundo da medicina ao da vida cotidiana, desejosa de aliviar qualquer
sofrimento. Foram então gerados atitudes e hábitos, pelos quais a satisfação
do desejo torna-se um imperativo, a supressão dos riscos de sofrimento, tanto
físico como moral e espiritual, um estilo de vida. O que é lícito no campo físico,
e freqüentemente desejável, tende a transferir-se ao campo moral, anulando
ou reduzindo o preço do esforço obrigatório que cada um é chamado a pagar
em defesa dos valores, da fidelidade, da autenticidade da vida cristã. Esta,
desde os inícios, esteve confrontando-se com a cruz, a perseguição, o martírio.
59 C 84
60 Lettere circolari di don Ricceri ai salesiani (Roma 1966), Vivere oggi la castità consacrata, II,
p. 974
61 MB V, 165
62 Lettere circolari di don Paolo Alberta ai Salesiani (Turim 1965), Sulla castità, p. 224
18

2.9 Page 19

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A palavra de Paulo aos cristãos de Filipos continua de plena atualidade para
nós, homens de hoje, imersos às vezes, num clima de falta de esforço moral:
«Muito procedem como inimigos da cruz de Cristo. Já vo-lo disse muitas vezes
e agora torno a dize-lo entre lágrimas»63.
Quando discutiu-se bastante sobre o lema a ser inserido no brasão da
Congregação, houve quem também propusesse Trabalho e temperança. É
conhecida a insistência de Dom Bosco sobre o binômio, que convida a gastar-
se com generosidade, sem esquecer-se, porém da medida. Nesse sentido, os
dois elementos devem ser lidos não separados, mas unidos, significando que o
próprio trabalho deve ser regulado pela temperança, para poder continuar a
exprimir caridade para com Deus e para com o homem, evitando os excessos
que possam levar ao stress, ao "burn out" e à confusão afetiva.
É preciso uma dosagem racional de tempos de trabalho e tempos de
recuperação, de espaços de ação e de formação, de imersão entre o povo e de
emersão espiritual em busca de nós mesmos e das motivações mais profundas
da nossa vida e da nossa ação. Supere-se o ativismo e a desordem da vida,
reconquistando o controle sobre o tempo, sobre as atividades e sobre si
mesmos. Ocorre, portanto, dar o relevo necessário aos exercícios espirituais
anuais, ao retiro mensal, ao dia semanal do Senhor, aos momentos quotidianos
de comunidade e de oração (compreendida a meditação!). O recolhimento
pessoal deve, de novo, encontrar espaço na programação da nossa jornada. «O
isolamento é negativo, mas a solidão é outra coisa: pode-se dizer que é o seu
contrário. É como o silêncio, que precede e fecunda a palavra»64.
As ajudas mais decisivas, entretanto, vêm-nos da graça do Senhor, que
tem nos sacramentos e no amor a Maria Auxiliadora elementos que a nossa
tradição sempre reconheceu de grande eficácia.
A Eucaristia, que nos nutre do Corpo e Sangue do Senhor, renova
continuamente a nossa consciência de sermos Seus membros, dá-nos a força
de viver como cristãos, evitando tudo o que seja contrário a esse nome.
A escuta cotidiana da Palavra de Deus contesta e desfaz os sofismas com
que somos tentados a justificar eventuais condescendências ou abandonos a
hábitos menos positivos.
O amor a Maria e a contemplação da sua incomparável existência
mantêm altas e castas as intenções do coração e animam a uma maior
docilidade às moções da graça.
P. Paolo Albera insistia na importância de confiar no diretor espiritual
recomendando «escancarar a própria consciência ao confessor»65. Trata-se de
uma insistência em fase de recuperação. A fim de manter a consciência
sensível e vigilante, capaz de reconhecer de longe o bem e o mal e defender a
própria liberdade espiritual é útil colocar a própria existência sob os olhos dos
irmãos, saber confiar-se e valorizar as mediações que o Senhor coloca em
nosso caminho.
Discernimento vocacional e formação inicial.
63 Fl 3,18
64 Lettere circolari di don Luigi Ricceri ai Salesiani, Vivere oggi la castità consacrata, (Roma
1996) II, p. 976
65 Lettere circolari di don Paolo Alberta ai Salesiani, Sulla castità, (Turim, 1965), p. 222
19

2.10 Page 20

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O caminho, ao qual acenamos, exige uma atitude fundamental de
partida, que é o sinal do chamado à vida salesiana e a aprendizagem
interiorizada de atitudes, hábitos e práticas relativas à castidade. Ao falar-se de
caminho à maturidade, não se pode deixar de lado, então, o discurso do
discernimento vocacional e da formação inicial. Nossos documentos já
oferecem alguns critérios carismáticos de discernimento e opções pedagógicas
para o acompanhamento dos candidatos. Não é o caso de voltar a apresentá-
los aqui. Convém, em todo caso, apelar a algum ponto de particular atualidade.
A experiência, a reflexão e as orientações eclesiais dos últimos anos
deram particular relevo ao amadurecimento afetivo e sexual de base como
condição prévia à admissão aos votos religiosos e ao ministério ordenado, e
como elemento indispensável para uma experiência vocacional serena e
madura66.
A formação específica à afetividade, que integre o aspecto humano com
o mais propriamente espiritual, é particularmente necessária no contexto
atual, que é, ao mesmo tempo, de grande abertura e de contínua exposição a
variados estímulos. «Torna-se mais difícil, mas mais urgente, – afirma a
Pastores Dabo Vobis – uma educação à sexualidade que seja real e plenamente
pessoal e que dê lugar, portanto, à estima e ao amor pela castidade, como
virtude que desenvolve o autêntico amadurecimento da pessoa tornando-a
capaz de respeitar e promover o significado esponsal do corpo»67.
Em versão contextualizada na fase que está sendo aberta para nós, o
CG24 pede que «seja reservada uma atenção particular ao amadurecimento
afetivo exigido pela colaboração com os leigos e com o mundo feminino»68, e
que se ajudem os irmãos desde a primeira profissão «a crescer numa atitude
serena e madura diante da feminilidade»69.
Trata-se de levar os candidatos a uma decisão madura e livre, fundada
no conhecimento de si e do projeto vocacional ao qual são chamados; de
garantir aquela idoneidade «graças à qual o consagrado ama a sua vocação e
ama segundo a sua vocação»70.
A área afetiva e sexual deve ser, no processo de discernimento e nos
momentos de admissão, objeto de particular atenção, avaliada na globalidade
da pessoa e da sua história, em relação com as características da vocação
salesiana.
Entre os pontos a serem verificados e esclarecidos antes do noviciado, de
acordo com um conhecimento adequado e uma avaliação prudente, há o
estado saudável da afetividade, particularmente o equilíbrio sexual. O decreto
Perfectae Caritatis do Vaticano II, retomado pela Potissimum Institutioni, pede
que os candidatos à profissão da castidade não abracem este estado, nem a
ele sejam admitidos, a não ser depois de uma prova suficiente e depois que
tenha sido alcançada uma conveniente maturidade psicológica e afetiva.71.
O discernimento inicial ou o percurso formativo podem evidenciar sérias
inconsistências, experiências de vida que levem, pelo menos, a uma extrema
prudência. O artigo 82 das Constituições apela à palavra de Dom Bosco:
66 cf. Pastores Dabo Vobis (PDV) e Potissimum Institutioni (PI)
67 PDV 44
68 CG24 147
69 CG24 178
70 VFC 37
71 PC 12; PI 13
20

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«Quem não tem fundada esperança de poder conservar, como auxílio divino, a
virtude da castidade nas palavras, nas obras e nos pensamentos, não professe
nesta Sociedade, porque muitas vezes se encontraria em perigo». É uma
orientação que nos empenha a garantir a seriedade do discernimento e das
admissões.
Existem personalidades que demonstram, desde o início, elementos que
levantam séria preocupação: a vida salesiana não é a sua estrada72. A "fundada
esperança", sublinhada pelas palavras de Dom Bosco, não pode coexistir com
situações que incidiram profundamente na pessoa, nem com inclinações que
dificilmente se harmonizam com as características da vocação salesiana e com
as exigências da missão de educador pastor, nem com uma vida precedente
gravemente incorreta.
Conhecemos tais situações e tendências; penso, por exemplo, nas
relações precoces, nas experiências sexuais, nas problemáticas em âmbito de
homossexualidade, em situações de violência, e outras semelhantes. Discute-
se sobre elas com abundância de dados antropológicos, pedagógicos e morais.
A variedade dos sujeitos, a incidência diversa das situações e o estado desigual
em que se podem encontrar essas tendências, desaconselha um tratamento
sumário, para não cometer um erro contra a pessoa e não limitar-se ao fato da
aceitação ou não. É conveniente saber, porém, que nós temos critérios
próprios de uma Congregação de educadores, expressos em nossos
documentos e com possibilidade de serem posteriormente especificados nos
casos particulares.
Nem sempre é fácil discernir e avaliar com delicadeza e prudência. É
necessário, por isso, o recurso a profissionais sérios, para servir-se de tudo
aquilo que a ciência coloca à nossa disposição neste fundamental campo do
amadurecimento humano.
Em todo caso, não se podem fechar os olhos sobre situações dúbias. Elas
devem ser esclarecidas antes de admitir a empenhos que envolvem
seriamente a pessoa e a Congregação. O formador, guia ou acompanhante
deve ser capaz de não se iludir e de não iludir sobre a consistência do
candidato73.
Certos abandonos, em fase de experiência avançada, muitas vezes
conseqüência de admissões pouco prudentes, e outras situações dolorosas
(ambigüidade de vida, insatisfação permanente e inexplicável, compensações
ilegítimas) convidam à vigilância no discernimento.
Sublinhada a atenção a ser dada à dimensão afetiva e sexual, e relevada
a necessidade de uma atitude de base para a castidade "salesiana", deve-se
recordar que ela exige uma formação mental, moral, espiritual e ascética,
desejando-se que ela leve à realização de pessoas maduras e alegres. É, pois,
um ponto a ser enfrentado de forma serena, aberta e direta.
Torna-se hoje necessário o conhecimento adequado, em termos reais, da
sexualidade em seus diversos aspectos, significados e realizações, sem
descuidar a informação sobre fatos e tendências presentes em nossa cultura.
Sejam apresentados, nesse sentido, o problema dos "abusos e moléstias" e
suas implicações de natureza civil, eclesial, vocacional, sublinhando o sentido
72 cf. Critérios e Normas, 46-49
73 cf. Orientações sobre a preparação dos educadores nos seminários, 57
21

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de justiça para com aqueles que são objeto deles, e cultivando uma cuidadosa
preocupação pastoral tanto em relação às vítimas como aos culpáveis.
Será necessário apresentar, ao mesmo tempo, de forma "positiva" o
celibato e a castidade pelo Reino, ajudando a assumi-la como um bem também
do ponto de vista humano, com aquela liberdade que «se configura como
obediência convicta e cordial à verdade do próprio ser, ao significado da
própria existência»74. A visão que se oferece dela, baseada sempre na Palavra
de Deus, caracterizada pelo realismo, indicará critérios e parâmetros de
autoavaliação que o sujeito possa aplicar-se sem ansiedade e sem ilusões.
Inserem-se harmoniosamente nesta perspectiva, sem dicotomias e
ingenuidades, a exigência da vigilância espiritual de prudência e renúncia, o
apelo à ascese e à disciplina de vida, ao esforço indispensável e contínuo para
dominar e integrar os impulsos sexuais.
A abertura transparente no diálogo formativo (direção espiritual) e a
prática freqüente do sacramento da reconciliação, as relações humanas e
comunitárias de serena amizade e fraternidade, o sentido da missão e o amor
pessoal a Jesus Cristo sustentam um caminho de fidelidade não destituído de
insídias.
A formação à castidade consagrada constitui um desafio e um esforço
para todos os que intervêm com títulos diversos no processo vocacional.
Alguns contextos podem incluir, também, dificuldades vindas do ambiente
cultural. Nesse sentido, uma atenção especial deve ser reservada à preparação
inicial dos candidatos e à formação contínua, à renovação pedagógica e à
unidade de critérios ao longo de todo o caminho formativo.
O ensinamento de Dom Bosco e a experiência da Congregação ajudam-
nos a unir confiança educativa e exigência, sensibilidade pedagógica e
responsabilidade carismática.
O papel da comunidade.
Tudo o que dissemos pode gerar a impressão de que a castidade se refira
exclusivamente à esfera individual. Seria como aceitar a insinuação insistente
das culturas atuais que relega determinados aspectos do comportamento ao
incontestável "privado", somente à consciência do indivíduo.
É verdade que neste âmbito, como em todo o processo vocacional, cada
um de nós carrega uma responsabilidade intransferível e única. Contudo, a
comunidade tem uma função muito mais que secundária.
Cada um é chamado pessoalmente a inserir-se na comunidade com
maturidade e a tornar-se disponível para o intercâmbio fraterno de dons e
experiências. A comunidade, por outro lado, cria o clima, apoia, estimula e
sustenta. A qualidade do nosso testemunho de castidade está ligada à
qualidade do nosso ser e construir comunidade, do nosso viver e trabalhar
juntos. Podemos explicitar alguns motivos desta interdependência.
«Na comunidade – dizem as Constituições – encontramos uma resposta
às aspirações profundas do coração»75, ou seja, à necessidade de amar e ser
amados. No afeto dado e trocado tornamo-nos conscientes do nosso valor
74 PDV 44
75 C 49
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como pessoas e exprimimos as mais profundas potencialidades do nosso ser. A
comunidade é a nossa família. Na comunicação serena e na amizade adulta
cresce e manifesta-se a nossa capacidade de doação, construímos relações de
colaboração eficaz. Quanto mais forte e sincera for a nossa vida em comum,
tanto maior será o sentido da nossa castidade, também em seus evidentes
aspectos de renúncia, tonificará a nossa necessidade de amor humano e dará
testemunho crível de que o amor de Deus enche a nossa existência. Torna-se
evidente, então, sobretudo para os jovens e o povo que vive junto de nós, que
a virgindade que professamos é escolhida por um amor autêntico, sincero,
envolvente, rico de humanidade e aberto a todos. É certo que o amor fraterno
previne, neutraliza, tempera e orienta novamente, em tempo, eventuais
quedas afetivas. A dissolução comunitária, ao contrário, que tem suas
manifestações na frieza, na fuga para o externo, no individualismo apostólico,
leva a evasões e satisfações alternativas.
Um segundo motivo do entrelaçamento estreito entre responsabilidade
pessoal e experiência comunitária refere-se à nossa missão de educadores. A
vida comunitária é uma escola e um ginásio. A comunicação educativa é eficaz
quando realizada através de uma relação correta e intensa, capaz de transmitir
experiências válidas e visões de vida. A partilha comunitária, a capacidade e
disponibilidade a integrar-nos e completar-nos reciprocamente fornecem um
banco de prova para relacionar-nos de modo equilibrado e eficaz também em
relação aos jovens. Talvez esconda-se, atrás de muitas tensões comunitárias, a
incapacidade ao confronto, à renúncia a integrar-se na missão, a teimosia de
querer fazer a nossa caminhada contra tudo e contra todos. A fragilidade do
tecido comunitário repercute-se negativamente na eficácia da nossa presença
junto aos jovens, que se podem tornar o objeto de nossos desabafos e de
nossas tensões. Uma experiência de vida comunitária serena torna-se
educativa por si mesma, sobretudo na esfera do amor, da amizade, da
afetividade, em que os jovens são particularmente sensíveis.
Por último, a comunidade guia-nos e sustenta-nos em nosso caminho de
fidelidade, oferecendo-nos um espaço humano de inter-relações,
circunstâncias, acontecimentos e contatos que fazem com que nos sintamos
humanamente realizados, inseridos positivamente na sociedade e no mundo.
Uma comunidade bem integrada comunica força, energia a cada um de seus
membros, motivando-o ulteriormente na vivência do próprio chamado,
apoiando-o nos momentos de dificuldade, dando-lhe um amplo espaço de
compreensão para enfrentar também situações difíceis, momentos de crise e
de desânimo. A proximidade amigável e discreta dos irmãos é apoio para quem
vive as tensões da juventude e as crises da maturidade, as preocupações da
doença e da senilidade.
A comunidade tem, pois, uma tarefa delicada: assistir e discernir. Assistir
no sentido salesiano significa prevenir, perceber prontamente os sinais de um
estado de ânimo ou insatisfação, advertir com uma palavra fraterna
ambigüidades e riscos nascentes, apresentar um corajoso e franco
esclarecimento a quem disso precisasse.
Discernir quer dizer resolver situações insustentáveis com respeito
fraterno, mas com igual firmeza e tempestividade. É tarefa do superior, mas
não só. O testemunho de cada um influi sobre toda a comunidade e, portanto,
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a ela pertence. Ela deve sentir-se investida do dever de cuidar desse
testemunho. A isso apela o nosso empenho religioso e, de certa forma,
também a lei civil.
Conclusão: a força de uma profecia.
A Exortação Apostólica Vita Consecrata sublinha o fato que os religiosos
«enquanto buscam a santidade para si mesmos, propõem, por assim dizer,
uma "terapia espiritual" para a humanidade, pois recusam a idolatria do criado
e tornam, de algum modo, visível o Deus vivo»76.
Urs Von Balthsar, retomando uma expressão de Nietzsche, escreve: «A
frase mais sensata que eu jamais tenha ouvido é: no verdadeiro amor, é a
alma que envolve o corpo», isto é: «A irradiação do corpo por obra da pureza
da alma é efetivamente a castidade absoluta»77. O homem, novamente
plasmado pelo Batismo, através do dom da castidade, assume de um novo
modo, a própria corporeidade na graça, para dela fazer sinal, não de domínio,
nem só de prazer ou simples prestança física e estética, mas de uma vida que
se entrega incondicionalmente ao Senhor e aos irmãos.
Estamos conscientes de que não basta "raciocinar" sobre a castidade.
Dom Bosco ensinou-nos a irradiá-la: «A educação à pureza desenvolve-se,
como condição básica, a partir de uma irradiação pessoal dos educadores»78.
Nem se pode falar de castidade salesiana, separando-a do clima que a
gerava e exprimia. Naquela experiência de Espírito Santo, Jesus Eucarístico
nutria a vida dos educadores e dos jovens fazendo-os cristãos, iluminava as
almas com o fogo da caridade e conferia à presença e aos gestos a capacidade
de comunicar a graça. Criava assim uma escola de espiritualidade, que
continua a dar, em todas as partes do mundo, frutos de santidade apostólica e
educativa. O seu "reino" é o da alegria, em que Dom Bosco via a versão
salesiana da "boa nova" evangélica. A castidade salesiana, sublinhava o P.
Ricceri, «é habitualmente vivida com uma espécie de serenidade e de alegria,
com um ardor juvenil, com o frescor do espírito, com a clareza do olhar, com
uma confiança invencível na vida, com a percepção da presença secreta de
Deus»79.
A festividade hodierna da Imaculada está cheia da memória daquele
ambiente que nos serve sempre de inspiração. Sob seus olhares solícitos e o
fascínio de sua maternidade virginal, nasceu e cresceu aquele grupo de jovens,
futuros pilares da Congregação Salesiana que constituiu a Companhia da
Imaculada. O carinho de Dom Bosco suscitara neles o desejo de consagração
total.
Ajude-nos também a amadurecer no amor e a orientar os jovens aos
propósitos de santidade.
Com os votos de um ano novo enriquecido pela graça do Pai, ao qual nos
voltamos com amor de filhos80 à vigília do terceiro milênio,
76 VC 87
77 Cit. de Von Balthasar, Gli stati di vita del cristiano (Jaca Book 1995), p. 86
78 P. Braido in Il sistema preventivo di Don Bosco (PAS-Verlag 1964), p. 292
79 Lettere circolari di don Luigi Ricceri ai Salesiani (Roma 1966), Vivere oggi la castiatà
consacrata, II, p. 984
80 cf. Estréia 1999
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3.5 Page 25

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Juan E. Vecchi
Reitor-Mor
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