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não jurar em vão, amar e honrar o pai, não matar é viver segundo a razão natural do homem; mas
abandonar todos os nossos bens, amar a pobreza, chamá-la e considerá-la uma patroa deliciosa,
considerar os opróbrios, o desprezo, as abjeções, as perseguições, os martírios como felicidade e
bem-aventurança, manter-se dentro dos limites duma castidade absoluta e, finalmente, viver no
mundo e nesta vida mortal contra todas as opiniões e máximas do mundo e contra corrente do rio
desta vida, com habitual resignação, renúncia e abnegação de nós mesmos não é viver segundo
a natureza humana, mas acima dela; não é viver em nós, mas fora de nós e acima de nós: e
como ninguém pode sair, deste modo, acima de si mesmo se não o atrai o Pai eterno, segue-se
que tal modo de viver deve ser um arrebatamento contínuo e um perpétuo êxtase de ação e
operação». [49]
Éuma vida que reencontrou as fontes da alegria, contra todo o seu definhamento, contra a
tentação de se fechar em si mesma. De facto, «o grande risco do mundo atual, com sua múltipla
e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e
mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a
vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não
entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza a doce alegria do seu amor, nem
fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também
os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida».
[50]
Por fim São Francisco acrescenta, à descrição do «êxtase da ação e da vida», dois
esclarecimentos importantes, mesmo para o nosso tempo. O primeiro refere um critério eficaz
para o discernimento da verdade neste mesmo estilo de vida; o segundo, a sua fonte profunda.
Quanto ao critério de discernimento, afirma que, se por um lado tal êxtase implica uma verdadeira
e própria saída de si mesmo, por outro não significa um abandono da vida. É importante nunca o
esquecer, para evitar desvios perigosos. Por outras palavras, quem presume que está a elevar-se
para Deus, mas não vive a caridade para com o próximo, engana-se a si mesmo e aos outros.
Encontramos aqui o mesmo critério que ele aplicava à qualidade da verdadeira devoção.
«Quando se encontra uma pessoa que, na oração, tem arrebatamentos por meio dos quais sai e
se eleva acima de si mesma até Deus, mas não tem êxtase de vida, isto é, não leva uma vida
elevada e unida a Deus (...) sobretudo por meio duma incessante caridade, acredita-me, Teótimo,
todos os seus arrebatamentos são muito duvidosos e perigosos». E, de grande eficácia, é a sua
conclusão: «Estar acima de si mesmo na oração e abaixo de si mesmo na vida e na ação, ser
angélico na meditação e animal no diálogo, é um verdadeiro sinal de que tais arrebatamentos e
êxtases não passam de divertimentos e enganos do espírito maligno». [51] Substancialmente é
aquilo que já Paulo lembrava aos Coríntios no hino da caridade: «Ainda que eu tenha tão grande
fé que transporte montanhas, mas não tiver amor, nada sou. Ainda que eu distribua todos os
meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me vale» ( 1
Cor 13, 2-3).