DO "FILOSOFADO" AO "PÓS-NOVICIADO": Crescer na identidade consagrada salesiana |
Seminário sobre o pós-noviciado para as Regiões Interamerica e América Cono Sur,
Copacabana, 5-8 fevereiro 2019
Ivo Coelho, SDB
A ideia deste seminário nasceu, talvez, de um comentário de Don Pascual Chávez, imediatamente depois do último capítulo geral, referindo que a mudança dos nomes – pré-noviciado, noviciado, pós-noviciado – não era casual. As Constituições descrevem o pós-noviciado, de facto, como continuação da formação iniciada no noviciado. Podemos dizer que convocamos uma série de seminários regionais para dar um empurrão para esta mudança: do filosofado ao pós-noviciado.
Porque é que é assim tão importante fazer esta mudança? Porque o objetivo principal do CG27 era o aprofundamento da dimensão consagrada da nossa vocação e porque há uma tendência de descurar esta dimensão na nossa vocação. A missão – ou melhor, a missão reduzida a “trabalho para os jovens” – tende a ter precedência. Mas “trabalhar para os jovens” não é igual a missão salesiana. E estar empenhados na missão salesiana não é a mesma coisa que ser uma pessoa consagrada salesiana. Tudo isto deve ser clarificado. São, em certo sentido, questões teóricas ou teológicas. Mas influenciam o modo como vivemos e trabalhamos.
A minha tarefa é destacar o que diz o magistério salesiano sobre o pós-noviciado: Constituições e Regulamentos; o Projeto de vida dos Salesianos de Dom Bosco; e a Formação dos Salesianos de Dom Bosco (2016).
O Art.º 114 das nossas Constituições diz:
À primeira profissão segue-se uma fase de amadurecimento religioso que continua a experiência formativa do noviciado e prepara o tirocínio.
O aprofundamento da vida de fé e do espírito de Dom Bosco, e uma adequada preparação filosófica, pedagógica e catequética em diálogo com a cultura, orientam o jovem irmão para a integração progressiva de fé, cultura e vida.
Depois temos o art.º 95 dos nossos Regulamentos:
Imediatamente após o noviciado todos os irmãos devem continuar durante um biénio a sua formação em comunidades formativas, preferivelmente estudantados.
Durante esta fase realiza-se a formação geral filosófica e pedagógica e uma iniciação teológica.
Permiti-me evidenciar três aspetos: (1) o pós-noviciado como continuação da experiência formativa iniciada no noviciado; (2) o pós-noviciado como preparação para o tirocínio; e (3) a dimensão intelectual da formação no pós-noviciado.
1 1. quot;Continua a experiência formativa do noviciado" |
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1. O pós-noviciado é uma fase de amadurecimento religioso. Faz parte do período da profissão temporária. Durante este período, o irmão “completa o processo de amadurecimento com vista à profissão perpétua e desenvolve, como salesiano leigo ou aspirante ao sacerdócio, os diversos aspetos da sua vocação”. (C 113)
É um período que continua a experiência formativa do noviciado (C 114). – C 110 descreve o noviciado como o início da experiência religiosa salesiana
O objetivo do pós-noviciado é por isso um aprofundamento da identidade religiosa salesiana – que era o principal objetivo do CG27, como podemos ver das várias observações realizadas por Dom Chávez, quer na sua carta de convocação quer no seu discurso de abertura, onde fala de 4 e não só 3 temáticas.
Recordamos com o capítulo 2 da FSDB, a identidade salesiana como o coração de toda a formação: “dela o processo formativo inicia-se e a ela se refere constantemente.” É interessante que este capítulo se inicia citando o art.º 196, o último artigo das nossas Constituições . “A nossa regra vivente é Jesus Cristo… que nós descobrimos presente em Dom Bosco” – e prossegue dizendo:
Esta afirmação das Constituições exprime em síntese a vocação do salesiano: conformar-se a Jesus Cristo e dará a vida pelos jovens, como Dom Bosco. Toda a formação, inicial e permanente, consiste em assumir e tornar real nas pessoas e nas comunidades esta identidade. (FSDB 25)
O pós-noviciado, como diz O dom da vocação presbiteral, é um período de discipulado.
2. O pós-noviciado é um período de amadurecimento religioso caraterizado por uma integração da fé, cultura e vida.
Como se faz isso? Através do aprofundamento da vida de fé, vivida segundo o espírito de Dom Bosco, e com uma adequada preparação filosófica, pedagógica e catequética em diálogo com a cultura.
Há diversos elementos aqui:
O aprofundamento da vida de fé (fé: o horizonte dominante)
Vivido segundo o espírito de Dom Bosco
Uma preparação intelectual “em diálogo com a cultura”
Com um aspeto filosófico, pedagógico e catequético
Todos estes devem reunir-se numa integração progressiva. Admiramos em Dom Bosco, o nosso modelo, um esplêndido acordo de natureza e graça (C 21). A graça da unidade (C 3) faz parte da nossa vocação.
2 2. quot;Prepara o tirocínio" |
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O pós-noviciado serve também como preparação para o tirocínio – e, em geral, como “formação para a pastoral juvenil” (FSDB 410-411).
A FSDB fala aqui não tanto em adquirir, não tanto das habilidades, mas de certas atitudes requeridas pela nossa vocação de educador-pastor
antes de mais, através da progressiva integração da fé, cultura e vida;
e também, tomando parte em atividades educativo-pastorais, feitas, quanto possível, em grupo, no âmbito das obras salesianas, ou em experiências de trabalho missionário. O objetivo destas atividades é:
Adquirir uma sensibilidade educativa e mentalidade pastoral
Fazer experiência da missão salesiana
Exercitar-se na animação dos jovens e na assistência salesiana
Aprender a trabalhar em equipa (FSDB 411. 417)
Em vista do CG28, queremos adicionar:
Aprender a trabalhar com e sob a direção de leigos e membros da Família Salesiana
Aprender a mentalidade projetual: como elaborar o projeto educativo-pastoral salesiano no interior da comunidade educativo-pastoral.
O todo da experiência formativa do pós-noviciado prepara o jovem salesiano ao tirocínio:
O estudo, a reflexão comunitária (e individual) e o acompanhamento espiritual pessoal habilitam-no para uma leitura cristã da história e da cultura (FSDB 410). Mais uma vez, temos aqui a dinâmica do “fazer experiência” e a importância do acompanhamento pastoral.
Segundo o anexo 1 das FSDB (O Diretório Provincial – seção formação), a inspetoria deve:
“indicar os critérios para a elaboração do itinerário de atividades educativo pastorais durante a formação inicial (FSDB 568)
“especificar a organização dos estudos do pós-noviciado, indicando em particular como se assegurará a peculiar caraterização filosófica pedagógica salesiana, especialmente quando se frequenta um centro não salesiano”. (FSDB 569)
"A perspetiva pastoral, a ótica da inculturação e da comunicação e outros aspetos, devem constituir dimensões permanentes da formação intelectual, mais do que traduzir-se em conteúdos ou cursos específicos". (FSDB 580)
3 3. A dimensão inteletual |
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As C 114 falam de uma preparação intelectual que é filosófica, pedagógica e catequética. Os R 95 falam de uma introdução à teologia em vez da preparação catequética. Há um espaço adequado no currículo à pedagogia e à catequética? A filosofia é pedida a todos os candidatos ao sacerdócio, e aqui devemos seguir as normas da Igreja; pedagogia e catequética é a especificidade salesiana. O salesiano leigo terá necessidade de uma cultura geral e uma boa preparação pedagógica e catequética. (FSDB 569: “Prever que haja para os salesianos coadjutores um currículo formativo sério, mas flexível e adaptável, seja à natureza própria das diferentes tarefas, seja segundo as possibilidades concretas dos candidatos, que tenha presente a multiplicidade de possibilidades para viver na Congregação a laicidade consagrada”).
1. O objetivo pastoral. “A missão salesiana orienta e caracteriza de modo próprio e original a formação intelectual dos sócios a todos os níveis. Por isso, o ordenamento dos estudos harmonize as exigências da seriedade científica com as da dimensão religiosa apostólica do nosso projeto de vida.” (R82 citado em FSDB 131) Filosofia, teologia, pedagogia, as ciências humanas, estão ao serviço da existência humana, e, ultimamente, do mistério de Cristo (Cfr. PL 773). Sobre este ponto, Veritatis gaudium é abundante, partindo do documento do Concílio Vaticano II Optatam Totius 19: “A preocupação pastoral deve permear a inteira formação dos alunos” (VG 2).
A formação intelectual é uma preparação para o discernimento pastoral: “A formação intelectual habilita ao confronto com as situações históricas, especialmente com a condição juvenil, vistas em chave educativa e pastoral; esta qualifica para o discernimento pastoral e torna capazes de orientar pessoas, projetos e processos em coerência com os objetivos da missão” (FSDB 132). “Requer, pela sua natureza, uma verdadeira iniciação à metodologia da ação apostólica. Esta pode-se sinteticamente indicar com a expressão: “reflexão sobre a práxis”, interação de teoria e práxis…” (FSDB 132). As C 98 falam, de facto, de “fazer experiência” como dinâmica central da experiência formativa.
A formação intelectual não pode ser para nós um puro exercício académico; precisa de tocar a experiência da pessoa e do grupo. A formação intelectual, ela mesma, olha ao aprofundamento da vida de fé segundo o espírito de Dom Bosco – certamente nos aspetos catequéticos e teológicos, mas também quando se concentra em disciplinas como a filosofia e a pedagogia, porque estas têm para nós uma finalidade formativa.
Segundo a FSDB cap. 3.3., as escolhas que caracterizam a formação intelectual são: a caracterização salesiana, a interação de teoria e práxis, a orientação orgânica e unitária, a continuidade e a inculturação. Os âmbitos culturais elencados aqui são: uma sólida cultura de base, a teologia (para o aprofundamento da fé), a filosofia (para uma visão coerente do ser humano, do mundo e de Deus), as ciências humanas e as ciências da educação e a salesianidade.
Um especial cuidado na orientação salesiana deve ser realizada pela comunidade formativa quando se frequenta um centro não salesiano (FSDB 180).
Mesmo quando temos o nosso centro de estudo, a “salesianidade” não se reduz aos cursos salesianos oferecidos no centro. FESDB 145 fala do plano geral de formação e das boas relações no centro, na comunidade e entre centro e comunidade, com a devida autonomia garantida ao centro.
2. Inculturação. Não esquecemos o aspeto da inculturação, fortemente afirmado e pedido pela FSDB (135-136), após a insistência da Pastores dabo vobis 55 e Vita consecrata 79-80. Podemos acrescentar aqui Fides et ratio (1998), a carta de Dom Pascual Chávez (“Inculturação do carisma salesiano” ACG 411, 2011) e Evangelii Gaudium 115-118.
“A atenção à inculturação deve estar presente em todas as dimensões da formação. A inculturação, de facto, toca a relação entre a pessoa, as suas raízes e a sua caraterização cultural e a vocação; interessa a incarnação do carisma e a realização da missão educativa pastoral nos diversos contextos” (FSDB 135).
Naturalmente, a Ratio não entra em pormenores, mas fala mais das bases teológicas da inculturação (o mistério da encarnação e a antropologia cristã) e da possibilidade de um “são pluralismo” que não é nem uma simples justaposição nem sincretismo, mas “uma síntese original inculturada” (FSDB 136). O cristianismo, como diz Evangelii gaudium, não é monocultural e monótono. “É verdade que algumas culturas estiveram intimamente ligadas à
pregação do Evangelho e ao desenvolvimento do pensamento cristão, mas a mensagem revelada não se identifica com nenhuma delas e possui um conteúdo transcultural” (EG 117).
A inculturação deve ser o critério e o instrumento de todas a reflexão e metodologia pastoral (FSDB 136).
Também o carisma e a espiritualidade salesiana devem ser insculturados. Há, como dizem as C 110 “diferentes modos de viver a única vocação salesiana”. Vale a pena recordar aqui que o PEPS é “a mediação história e o instrumento prático” para a inculturação do nosso carisma. Este é elaborado e realizado em todas as obras salesianas pelas comunidades educativo-pastorais (CEP). CG24, 5)
Falando de inculturação, não devemos esquecer a mais significativa inovação cultural global hoje: a revolução digital. As novas tecnologias da informação e da comunicação, a era da internet, o continente digital e os social media estão a desenvolver uma mudança cultural e antropológica. Está a mudar o nosso modo de nos compreendermos a nós mesmos e de nos relacionarmos com os outros, com o mundo e com Deus; de pensar e de aprender, de obter informação e de comunicar, de habitar o espaço e o tempo. Há uma deslocação da palavra ao mundo das imagens. Ao mesmo tempo há uma relativização da autoridade e da moral, uma deslocação do eixo vertical ao horizontal, onde todas as opiniões são válidas e cada um torna-se um autor e uma autoridade.
Tudo isto numa progressiva integração de fé, cultura e vida que faz parte do processo de amadurecimento religioso e aprofundamento da identidade religiosa salesiana.
4 4. Resumindo… |
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1. Como reforçar o processo de amadurecimento religioso / aprofundamento da identidade consagrada salesiana? Como atingir a progressiva integração de fé, cultura e vida?
Um grande instrumento é o projeto de formação local (projeto comunitário), juntamente com o projeto pessoal de vida.
Vale a pena redigir – como parte do projeto de formação local – um esquema de conferências e outras intervenções – especialmente, mas não só, quando frequentamos outro centro não salesiano?
Podemos tomar as Constituições como estrutura dos projetos, mais do que as 4 dimensões (espiritual, humano, intelectual, pastoral) da Pastores dabo vobis, para dar mais visibilidade à identidade salesiana consagrada?
C 98 fala de “fazer experiência dos valores da vocação salesiana”. O acompanhamento da experiência é fundamental no processo de aprofundamento da identidade consagrada salesiana – da experiência de comunidade e das relações, da oração; o acompanhamento pastoral e o acompanhamento intelectual; etc.
Há o acompanhamento espiritual pessoal, mas também o acompanhamento de grupo de vário género e o acompanhamento da comunidade.
2. Como reforçar a preparação para o tirocínio e para a pastoral juvenil salesiana?
Assegurar uma melhor atenção à pedagogia (o Sistema Preventivo), catequética e estudos salesianos no programa de estudo/plano de formação
Acompanhamento pastoral: não basta empenhar-se na atividade pastoral; é importante refletir e aprender destas experiências.
As atividades pastorais no contexto de uma boa comunidade educativo-pastoral (CEP) seriam extremamente úteis.
3. Que é que se pode dizer da dimensão intelectual da formação?
Equilibrio entre filosofia, pedagogia, catequética
Garantir o objetivo pastoral dos estudos
Tenta ligar estudos filosóficos à experência de vida
Pode-se pensar num acompanhamento intelectual?
A “associação” com a Faculdade de Filosofia da UPS
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