A. Aspectos positivos e requisitos a serem considerados


A. Aspectos positivos e requisitos a serem considerados

2. CRITÉRIOS DE DISCERNIMENTO


2.1 DEFINIÇÃO E TIPOS DE CRITÉRIOS


38. Discernir significa captar na realidade de uma pessoa os sinais que permitem conhecer a sua vocação: a orientação para ela, a idoneidade para vive-la, a vontade de vive-la.

Quais aspectos da realidade pessoal são significativos do ponto de vista vocacional? Quais são os sinais indicadores de uma determinada vocação?

Os critérios de discernimento são pontos de referência para individuar os aspectos que permitem colher a presença ou a ausência do chamado divino e da idoneidade para responder a ele. Pode-se falar de critérios positivos ou requisitos, critérios negativos ou contra-indicações.


39. Os critérios positivos ou requisitos permitem identificar os dotes (condições, disposições, aptidões...) necessários para estabelecer a idoneidade vocacional proporcionada à idade e ao compromisso que se assume. São “qualidades físicas, intelectuais e morais, tanto de natureza quanto de graça, por meio das quais o jovem resulta idôneo e bem disposto a sustentar e a cumprir dignamente os deveres religiosos e sacerdotais”1. Mais detalhadamente ainda, pode-se falar de:

  • Critérios positivos não específicos: referem-se àqueles elementos fundamentais para a vocação que mostram uma idoneidade de base, mas que por si só não tem um significado unívoco como sinal do chamado de Deus; eles denotam que a personalidade e o caráter do candidato podem ser suporte para a vocação salesiana, mas não que ela realmente exista;

  • Critérios positivos específicos: referem-se ao sinal mais característico e indispensável, isto é, a reta intenção; manifestam o interesse e a inclinação autênticos para a missão salesiana, uma verdadeira motivação espiritual, e sobretudo a capacidade concreta de fazer uma opção pessoal por Cristo na Congregação.


40. Os critérios negativos ou contra-indicações ajudam a identificar aquelas situações e aquelas atitudes que suscitam interrogações ou duvidas com relação à idoneidade vocacional ou excluem a possibilidade da vida consagrada salesiana.

  • As contra-indicações absolutas estão ligadas a situações que excluem radicalmente a idoneidade vocacional: são elas, por exemplo, os estados de saúde psíquica alterada considerados crônicos e irreversíveis como os estados claramente psicóticos.

  • As contra-indicações relativas são aquelas que apresentam certa possibilidade de variação e de retomada, por exemplo, os estados de imaturidade afetiva que deixam uma esperança menos fundada de superação que, por sua vez, deverá ser provada.



41. No âmbito das contra-indicações há todo um conjunto de situações diante das quais fica-se freqüentemente perplexos. É´ necessário, por tanto, verificar atentamente o grau de compatibilidade das contra-indicações com uma vida salesiana suficientemente serena. Em alguns casos pode-se encontrar diante de situações que devem ser analisadas e compreendidas, lançando mão também de contribuições de peritos e especialistas.

Os critérios assinalados pela igreja e pela congregação são fruto da reflexão sobre o significado de determinados elementos, são deduzidos de princípios doutrinais, das conclusões das ciências humanas, provêm da experiência secular da própria igreja e da genuína tradição salesiana.

Alguns requisitos e contra-indicações são estabelecidos pelo Código de direito canônico, pelas Constituições e pelos Regulamentos gerais e, como tais devem ser assumidos e praticados: são normas de tipo jurídico.

Outros não são diretamente codificados, mas respondem a critérios de experiência, ciência e prudência, tanto da parte da autoridade competente (comunicados em documentos eclesiásticos ou nos Atos do Conselho Geral...), quanto da parte de quem é chamado a tomar decisões: são indicações de tipo prudencial.


2.2 A APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS


42. A aplicação dos critérios de discernimento, que agora são descritos, deve ter presentes a impostação e as condições postas em evidencia no primeiro capítulo:

  • avaliando os diversos elementos no conjunto da pessoa, e não como uma soma de condições separadas;

  • sabendo distinguir segundo a gradualidade do processo formativo entre critérios de base, critérios de crescimento e de maturidade;

  • considerando a exigência de qualidade vocacional, sem separa-la da compreensão pedagógica;

  • assegurando responsavelmente as condições para uma experiência vocacional autentica e positiva, sem iludir-se e sem iludir, e não se esquecendo de que são múltiplas as formas de realização da única vocação salesiana conforme as pessoas que são a elas chamadas e os dons por elas recebidos.

Nesta prospectiva será entendida a intenção da apresentação dos aspectos positivos ou requisitos, que pode parecer excessiva ou idealizada. Com efeito ela inclui, além dos aspectos constitutivos da idoneidade, que se poderiam chamar fundantes e caracterizantes, e sem os quais não se pode falar de idoneidade ou de aptidão à vida salesiana, também outros elementos cuja presença não é necessária e não constitui de per si um requisito, mas pode influenciar positivamente no desenvolvimento da pessoa, favorecer a formação, enriquecer a expressão da vocação.

43. AS Constituições afirmam que “para a admissão ao noviciado, à profissão temporária ou perpétua, aos ministérios e às sagradas ordenações... os superiores fundamentam o seu juízo em elementos positivos que comprovam a idoneidade do candidato”2.

A ausência de contra-indicações não é critério suficiente de admissão é necessário verificar no candidato a presença das qualidades exigidas3 e nesta verificação deve chegar à certeza moral4.

O processo formativo tende principalmente ao desenvolvimento da idoneidade necessária para tornar real a vocação: as admissões, vistas em uma prospectiva formativa e pedagógica, servem para verificar e para favorecer a maturação da idoneidade. A descoberta de contra-indicações absolutas constitui um primeiro passo no discernimento vocacional, porquanto dispensa uma ulterior verificação dos sinais positivos.


44. Os requisitos e as contra-indicações devem ser considerados em relação com a fase formativa na qual o candidato se encontra, e com a idade e o grau de maturidade do candidato.

É importante, antes de tudo, conhecer e avaliar a situação do candidato, hoje ordinariamente mais adulto, no momento de inicio do processo formativo, e as circunstâncias da entrada.

Atenção particular deve ser dada à situação dos candidatos que trazem consigo uma experiência mais longa de vida e muitas vezes também de trabalho, de compromisso e de busca vocacional. O estudo da personalidade deverá ser cuidadoso, evitando de deixar-se levar pela pressa ou de chegar à admissão sem uma adequada avaliação. É preciso perguntar-se por que o candidato não fez antes uma escolha estável de vida. A resposta pode ajudar a compreender a dinâmica que serve de suporte a uma decisão “vocacional”.

Durante o tempo da formação inicial, enquanto no inicio de uma fase é suficiente avaliar as concretas possibilidades de desenvolvimento vocacional da pessoa, no fim daquela determinada fase ou por ocasião dos passos vocacionais (profissões, ministérios, ordenações), dever-se-á verificar a presença das aptidões desenvolvidas até atingir o grau de maturidade exigido.

Para os candidatos com boas prospectivas globais, mas com dificuldades não ainda resolvidas ou em períodos transitórios de desequilíbrio, será necessário avaliar prudentemente a possibilidade de deixar para depois a admissão, na esperança de uma provável maturação.


45. No discernimento deve-se ter presente a relação que se pode estabelecer entre o surgir e o desaparecer de certas problemáticas e as condições ambientais. Algumas contra-indicações podem desaparecer temporariamente em condições atípicas ou de certo modo artificiais, ou diante de intensos estímulos positivos. Problemas aparentemente superados tendem a reaparecer quando as pessoas estão sujeitas à tensão ou à solidão.

O noviciado, por exemplo, pode introduzir em um clima de forte tensão espiritual e ascética, sem suscitar a pessoal e consciente colaboração por parte do candidato. Experiências semelhantes, mesmo se por motivos diversos, podem acontecer no período do tirocínio, momento de intenso envolvimento na ação salesiana, ou na fase da formação presbiteral, para a passagem a um ritmo diverso de vida e de atividade, ou em outros momentos formativos. É muito provável que os aspectos problemáticos reapareçam em seguida, diante de condições diferentes de vida5.

Com respeito à relação entre experiência pessoal e condições ambientais, é bom lembrar que a vida comunitária não pode ser vista em função terapêutica, como se fosse o ambiente ideal para se curar de certos distúrbios ou para superar situações de imaturidade, se no candidato não existe uma real idoneidade e um empenho decisivo. Em alguns casos, a maturação deve acontecer e ser provada em outros contextos de vida.

46. É preciso avaliar com prudência a incidência das contra-indicações relativas. A constatação de uma só contra-indicação relativa não pode ser, de per si, motivo suficiente para exprimir um juízo negativo sobre a vocação. Ao invés, se tal contra-indicação não for integrada adequadamente na personalidade, ou então se acontece a convergência de diversas contra-indicações ou de algumas particularmente importantes, pode-se pensar em uma falta de maturidade que torna o interessado não apto para a vocação salesiana.

47. Na pratica, nem sempre é possível estabelecer de forma precisa os aspectos pessoais a serem discernidos em cada passo vocacional e em cada fase formativa; é porem importante avaliar no conjunto o efetivo crescimento do candidato nas diversas áreas de discernimento.

Em cada caso, diante de uma sistemática falta de crescimento em algum aspecto significativo, os formadores deverão avaliar a efetiva possibilidade de êxito vocacional.

O discernimento deve levar à positiva verificação das qualidades do candidato. No caso de dúvida, os superiores, que devem fundamentar seu juízo em elementos positivos que comprovem a idoneidade do candidato e não somente na confiança em uma idoneidade futura, não devem proceder á admissão. Sua primeira responsabilidade é servir o carisma, garantindo as condições de uma autentica experiência vocacional salesiana.


2.3 ÁREAS DE DISCERNIMENTO


48. Tendo presente as quatro dimensões da formação propostas pela Ratio, indicam-se os elementos que configuram a idoneidade do candidato com relação à vocação salesiana, sublinhando os aspectos positivos e os requisitos a serem considerados, as dificuldades e as contra-indicações a serem avaliadas; elas constituem o paramento do discernimento.

Mesmo se, por motivos práticos, as áreas de discernimento se apresentarem de modo diferente e sucessivo, o discernimento acontece na medida em que, quem o leva a termo, é capaz de captar a ligação e a influência recíproca entre os diversos sinais e a íntima relação entre as diversas áreas. As áreas, com efeito são interdependentes, não constituem âmbitos separados um do outro. É necessária, portanto uma percepção coerente que considere os diversos aspectos de um modo integral e não de forma isolada.

Por outro lado, é necessário avaliar caso por caso. Com efeito, as aptidões vocacionais manifestam-se na pessoa concreta, e portanto têm valor, somente se enquadradas na sua totalidade psíquica e pessoal.


2.3.1. Dimensão humana


2.3.1.1 SAÚDE FÍSICA


49. O estilo salesiano de vida e de ação exige boa saúde e resistência física6 . O salesiano deve estar pronto para o sacrifício e para a dureza da vida. Por outro lado, a boa saúde favorece a harmonia entre as dimensões da pessoa.


50. Contra-indicações absolutas de ordem médico – fisiológica estão ligadas a síndromes graves que podem prejudicar a vida comunitária e o empenho na missão como, por exemplo, a epilepsia, as doenças crônicas como o diabetes, etc, consideradas já como taras hereditárias graves:

- Doenças crônicas graves, mesmo se curadas, podem ter deixados efeitos debilitantes secundários notáveis.

Com relação à epilepsia, as posições médico – psiquiátricas são bastante diferentes do passado: não é mais considerada irreversível, porque quase sempre se consegue controla-la com remédios e não é transmissível... É, porem, difícil garantir para ela um decurso e uma superação permanente. Na prática, dadas as exigências do nosso estilo de vida e de trabalho deve ser considerada um impedimento vocacional.

  • Grandes ou totais deficiências físicas (cegueira, surdez, mudez...) são contra-indicações, porquanto impedem um normal desenvolvimento da ação educativo – pastoral salesiana.

  • Por motivo da especifica missão salesiana é uma contra-indicação absoluta ser portador do vírus HIV ou AIDS7. Portanto, conforme as leis locais, é preciso exigir o teste de HIV antes da admissão ao pré-noviciado. Isto com a devida prudência e a preparação necessária do candidato. Em alguns casos, para proteger juridicamente a Congregação, é prudente repetir o mesmo teste antes da eventual demissão do candidato ou irmão.


51. Contra-indicações relativas são as deficiências físicas parciais (poliomielite leve, perda de um olho, etc), que devem ser consideradas no contexto da personalidade do candidato, com a previsão de possíveis repercussões que podem despertar no sujeito e no ambiente no qual ele vive (complexo de inferioridade, medo do juízo dos meninos, ou então aceitação, espontaneidade, serenidade...). Normalmente, quando há outras qualidades possuídas de tal modo que são facilmente reconhecidas também pelos jovens, estas compensam e ajudam a superar o risco de certo complexo de inferioridade.


52. É necessário, além disso, ter presentes anomalias aparentemente leves, resistentes porém aos cuidados médicos: dores de cabeça persistentes, insônia, depressões habituais desproporcionadas às ordinárias condições de vida, e todas as manifestações hipocondríacas diagnosticadas como tais. Elas representam muitas vezes somatizações de situações difíceis e de conflitos, que nem sempre têm solução dentro dos esquemas da vida consagrada, mas exigiriam mudanças radicais. Em tais casos, é necessário ir à raiz e não ficar na aparência externa. Deve-se observar o alcance, o significado e a superação de tais situações antes da admissão definitiva. Exija-se o parecer de um médico que conhece concretamente a nossa vida.


53.O habitual abuso de substâncias que alteram a psique (drogas, álcool) na vida passada de um candidato pode constituir uma contra-indicação, porquanto as dinâmicas que levaram a estas experiências são geralmente ligadas a graves problemáticas de personalidades, que deveriam ser “cuidadas” ou ao menos pedagogicamente impostadas. Os efeitos do abuso podem também não ter incidido ou permanecer escondidos por longo tempo, mas as dinâmicas que o geraram devem ser vencidas. O recurso esporádico a ditas substâncias deve ser avaliado no conjunto da personalidade do candidato.


54. Antes ou durante o pré-noviciado deve haver um controle médico e um exame psicológico que certifique a existência de um bom nível geral de saúde e a ausência dos problemas físicos enumerados nas contra-indicações8.


2.3.1.2 CONTEXTO FAMILIAR


55. No discernimento deve ser considerado atentamente o contexto familiar do candidato. A influência da família é grande e pode ser determinante. É, por isso, de vital importância conhecer a incidência da experiência familiar no desenvolvimento humano do candidato, avaliar se ofereceu os modelos fundamentais de parentesco que favorecem o crescimento do Eu e uma justa identificação sexual, e que não deformou aspectos importantes da personalidade. Nestes elementos pode apoiar-se a sucessiva formação. É necessário também considerar o impacto da situação atual da família, tendo presente a visão da família no contexto cultural9.



56. Tendo presente as condições concretas das famílias, podem-se sublinhar alguns indicadores de situações familiares que ajudam a crescer nos valores humanos e cristãos:

  1. uma boa comunicação no interior da família, a relação afetuosa e o diálogo que ajuda a refletir sobre o sentido da vida e a interiorizar os valores;

  2. um estilo de relações que favorece nos filhos a serenidade, a autonomia de pensamento e o justo uso da liberdade;

  3. um ambiente que educa para a responsabilidade, para a coerência, para o valor das coisas, para a disciplina e para o trabalho, para a gestão dos conflitos;

  4. a abertura aos outros o sentido de solidariedade, a participação ativa no território e no âmbito social;

  5. a atenção para a dimensão e para a prática religiosa, o testemunho cristão, o exemplo de fidelidade na vida matrimonial, a participação na comunidade eclesial.


1 B. Dificuldades e contra-indicações a serem avaliadas

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2 A. Aspectos positivos e requisitos a serem considerados

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3 B. Dificuldades e contra-indicações a serem avaliadas

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4 B. Dificuldades e contra-indicações a serem avaliadas

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