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A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO
NA ORAÇÃO DOS SALESIANOS DE DOM BOSCO
Atos do Seminário sobre a Meditação Salesiana
São Calisto - Roma, 10-12 de maio de 2018
Coordenação de Giuseppe Buccellato SDB
ROMA 2021

1.2 Page 2

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Sumário
Introdução (Ivo Coelho)
***
Anotações para um “pequeno tratado” sobre a meditação
nas origens da Sociedade de São Francisco de Sales
(Giuseppe Buccellato)
***
Aprender a meditar com São Francisco de Sales
(Eunan McDonnell)
***
A meditação como Lectio Divina: compartilhando uma simples experiência
(Giuseppe Mariano Roggia)
***
Três perspectivas sobre a importância da meditação cristã
(Xabier Blanco)
***
Conclusão
(Giuseppe Buccellato)
***
Carta circular para o seminário de estudo sobre a meditação salesiana
São Calisto - Roma, 10-12 de maio 2018
(Ivo Coelho)
***
Apêndice: Programa do seminário
Tradução: José Antenor Velho
1

1.3 Page 3

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Abreviações e siglas
ASC
Arquivo Salesiano Central
AGFMA Arquivo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora
c.
capítulo
Cf./cf. confrontar / ver
cit.
volume já citado nas notas precedentes
Const. Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales
ed. / edd. editor / editores
Ibidem no mesmo volume precedentemente citado
L.c.
no mesmo volume e página precedentemente citados
MB
Memórias Biográficas de São João Bosco
n./nn. número/números
OEA
ST. FRANÇOIS DE SALES, Oeuvres, Édition d'Annecy
par.
PARTE
[autor] autor não indicado na capa
2

1.4 Page 4

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Introdução
Ivo Coelho, SDB
Conseguiremos formar comunidades que rezam, só se nos tornarmos pessoalmente homens de
oração. Cada um de nós tem necessidade de exprimir em seu íntimo o modo pessoal de ser filho
de Deus, manifestar-lhe a gratidão, confidenciar-lhe os desejos e as preocupações apostólicas.
Forma indispensável de oração é para nós a oração mental. Ela fortalece nossa intimidade com
Deus, salva da rotina, conserva o coração livre e alimenta a doação ao próximo. Para Dom
Bosco é garantia de alegre perseverança na vocação (Const. 93).
A prática da meditação na oração dos Salesianos de Dom Bosco é fruto de um pequeno
seminário sobre a meditação salesiana organizado em São Calisto Roma de 10 a 12 de
maio de 2018 pelo Dicastério para a Formação. O objetivo do seminário era esclarecer o lugar
ocupado pela meditação na tradição e na vida dos Salesianos de Dom Bosco e oferecer
orientações para o crescimento neste âmbito.
O seminário surgiu de uma sugestão de Xabier Blanco, diretor da casa salesiana de
Santiago de Compostela, Espanha, aos participantes da Consulta Mundial para a Formação
em fevereiro de 2016. Durante uma missa presidida por ele, “Xabi” surpreendeu-nos
dizendo: “Por que não nos ensinais a meditar?”. Iluminados pelo fato de estarmos revisando
o manual de oração salesiana a pedido do Capítulo Geral 27, pensamos que seria mais do
que oportuno um pequeno seminário dedicado a esse tema. A equipe do dicastério (Cleofas
Murguia, Silvio Roggia, Francisco Santos, José Kuttianimattathil e eu) reuniu-se com Eunan
McDonnell, Giuseppe Buccellato, Giuseppe Mariano Roggia e o próprio Xabier Blanco.
O seminário foi realizado em quatro fases: partilha das nossas experiências pessoais
de meditação; iluminação da experiência através da tradição salesiana; tempo para troca de
opiniões e de diálogo; coleta dos resultados. Um relato mais detalhado do seminário pode
ser encontrado, em apêndice, no programa do seminário. Limito-me aqui a apresentar as
contribuições de Giuseppe Buccellato, Eunan McDonnell, Giuseppe Mariano Roggia e
Xabier Blanco que, graças a sua intervenção, se deu a “iluminação da experiência”.
O objetivo de Giuseppe Buccellato é oferecer um “pequeno tratado” sobre a meditação
bosquiana inspirado no próprio Dom Bosco e na primeira tradição salesiana, especialmente
nas anotações de Júlio Barberis, primeiro mestre dos noviços da Congregação. O pequeno
tratado é apresentado na forma de decálogo: necessidade da meditação; distinção entre
meditação e leitura espiritual; meditação e progresso nas virtudes teologais; importância da
meditação pela manhã; oportunidade de fazer a meditação em comum; duração da
meditação; meditação, oração afetiva e imaginação; importância e utilidade de um método;
rendiconto e meditação. Haurindo no seu vasto conhecimento das fontes, Buccellato
demonstra que o método seguido para a meditação desde os primeiros Salesianos era
decididamente inaciano. Dom Bosco via na meditação um colóquio íntimo e pessoal com
Deus, em que a dimensão afetiva era preponderante, diferente da leitura espiritual, que
envolvia sobretudo a inteligência. Paulo Albera, segundo sucessor de Dom Bosco, não
hesitou em referir-se à meditação como uma oração afetiva que conduz à oração unitária ou
«oração contemplativa ordinária», garantindo-nos que «o seu desejo (de Dom Bosco) sempre
foi de ver os seus filhos elevar-se, por meio da meditação, àquela união íntima com Deus
3

1.5 Page 5

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que ele tão admiravelmente realizou em si mesmo, e a isso ele nunca se cansou de nos
estimular em todas as ocasiões propícias».
Em Aprender a meditar com São Francisco de Sales Eunan McDonnell volta-se para o nosso
patrono principal. Mais uma vez encontramos uma forte ênfase na dimensão afetiva: a
meditação é a oração do coração, uma resposta a Deus que nos amou por primeiro. O
objetivo da meditação cristã é encontrar Cristo e crescer na amizade com Ele. Ecoando os
Exercícios Espirituais de Santo Inácio, Francisco fala da meditação como de um movimento
de alegria ou de complacência em Deus. McDonnell prossegue propondo um método de
meditação em seis etapas, mas, com Francisco, insiste na liberdade de espírito: se Deus
enche os nossos corações de afeto, devemos estar mais do que felizes em permanecer ali,
sem nos preocuparmos em “seguir o método”. Digno de nota é a relevância da Palavra de
Deus (mais do que as “doutrinas” ou as “verdades de fé” ou algum livro espiritual) e da
resolução final, sem a qual, para Francisco, «a meditação muitas vezes não é apenas inútil,
mas também prejudicial». Onde nossos contemporâneos tendem a olhar com interesse para
estados alterados de consciência ou para o “sentir-se bem”, Francisco é claro ao identificar
o critério orientador da oração de «fazer o que o amor pede», isto é, os frutos do Espírito (Gl
5,22). É também interessante a insistência de McDonnell na utilidade de um diário que
acompanhe o caminho de oração de alguém; em minha opinião, é mais um meio fecundo
de promoção da “experiência adquirida”, que está no centro da nossa experiência formativa
(cf. CC 98) (cf. Const. 98).
Giuseppe Mariano Roggia, que como McDonnell é um especialista em Francisco de
Sales, fala da meditação como lectio divina. Em sua participação, ele assinala um importante
dom do Vaticano II: a passagem do uso de livros espirituais à Palavra de Deus (lectio divina).
No entanto, ele insiste que a lectio divina deve ser especificada “pelo” e “no” carisma, em
vez de ser genérica. Isso acontece principalmente na meditatio, momento do encontro face a
face com o Cristo vivo, que envolve não só um eco bíblico, mas também um eco carismático:
a Palavra confronta a nossa realidade e se torna a “mistura do fermento” da nossa
experiência. No contexto da operatio, Roggia, como McDonnell, lembra a insistência de
Francisco de Sales no fato de que a meditação sem o propósito indica soberba espiritual.
Segue-se uma significativa insistência na collatio, ou partilha fraterna, porque o Espírito está
ativo em cada discípulo do Senhor e nos fala por meio dos nossos irmãos. A partilha é um
modo admirável de construir uma comunidade capaz de discernimento, que vive
verdadeiramente a Palavra. Quanto à exegese e ao recurso aos comentários da Palavra de
Deus, o seu lugar está mais na preparatio, que não na lectio, onde acabaria por invadir os
espaços da meditatio, da oratio e da contemplatio.
Por fim, temos Xabier Blanco, que presta o grande serviço de conectar o tema da
meditação salesiana à busca contemporânea de silêncio e contemplação, uma verdadeira
sede em nosso tempo, como evidencia, por exemplo, o grande interesse pela Biografia do
silêncio, de Pablo d'Ors. D'Ors narra a experiência de aprender no silêncio e de como
encontrou Cristo precisamente nessa experiência. Construindo em torno desse núcleo,
Blanco descreve Jesus como o homem “dos três tempos” em que ação, oração e comunidade
se fundem numa síntese indissolúvel. Jesus foi o homem mais unido a Deus que já tenha
existido. Por que então ele rezava? Essa é uma pergunta que sempre me fascinou, e gosto
que a resposta de Xabier esteja em sintonia com a de Eunan: os enamorados não se
perguntam porque devem estar juntos... Jesus sentia a necessidade de ficar a sós com seu
Pai. Pelo que nos disseram no Sínodo, parece que os jovens de hoje sentem essa necessidade
4

1.6 Page 6

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e, certamente, os Salesianos de hoje não podem ficar insensíveis a esse grito. O interesse
surgido em torno de Pablo d'Ors nos diz que é possível comunicar-nos com os homens do
nosso tempo enquanto, ao mesmo tempo, nos convida a entrar cada vez mais
profundamente na prática da meditação para partilhar essa experiência com os jovens e com
muitos outros que compartilham a missão e o espírito de Dom Bosco.
Eis o que este livro oferece: quatro contribuições sobre a meditação em uma tensão
criativa e frutuosa. Encontramos um Dom Bosco profundamente sintonizado com Inácio e
Francisco de Sales, em sua insistência na dimensão afetiva da meditação e talvez também
no papel atribuído à imaginação. A recuperação pós-conciliar da centralidade da Palavra de
Deus é como um admirável retorno à insistência cara a Francisco de Sales. A integração do
“eco carismático” na lectio divina é outro enriquecimento importante, porque a Palavra de
Deus nos alcança na realidade concreta do nosso carisma e da nossa missão.
A intuição do Padre Albera, que capta no que é “afetivo” a abertura ao
“contemplativo”, é certamente um convite a dar maior atenção à contemplatio. A collatio, ou
partilha, está profundamente em sintonia com o resgate da dimensão comunitária e a
superação do individualismo que não poupou nossa vida de oração. Por fim, há a operatio,
o êxtase da ação, em que se chega do “afetivo” ao “efetivo”. Não só o propósito quotidiano,
mas toda a nossa vida de oração estende-se e toca a realidade dos jovens e do mundo do
nosso tempo ah! se aprendêssemos ao menos a arte de parar, de calar e de nos deixarmos
guiar mais pelo Espírito!
Nosso pequeno seminário teve alguns ecos surpreendentes de irmãos ativamente
engajados em muitas frentes da pastoral juvenil e da formação, e talvez isso também seja
um sinal dos tempos, ou simplesmente do fato que o Pai está sempre trabalhando, atraindo-
nos para si.
Espero que este trabalho nos ajude também a fortalecer os aspectos pedagógicos da
formação: é urgente acompanhar os formandos na vida de oração, ajudando-os a “fazer
experiência” dos valores da vocação salesiana, não só durante o noviciado, mas também ao
longo da formação. Talvez seja mais correto dizer que o nosso seminário demonstrou a
necessidade que todos temos de ser acompanhados por toda a vida. A meditação é
crescimento na intimidade com Cristo, e esse crescimento certamente não termina com a
profissão perpétua ou a ordenação sacerdotal. Permiti-me sugerir que a partilha das nossas
experiências de meditação com as quais nosso seminário teve início é algo
verdadeiramente precioso, a ser valorizado. É uma maneira simples com que os irmãos
podem continuar a aprender com a experiência nas diferentes épocas de suas vidas.
Uma palavra de gratidão aos que contribuíram com estas reflexões, como também a
Jose Kuttianimattathil que coordenou o seminário, aos demais membros do setor para a
formação, a Gianni Rolandi e Joseph Kunle, que ofereceram uma preciosa ajuda na
tradução, e à comunidade de São Calisto, pela acolhida e hospitalidade.
5

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Anotações para um “pequeno tratado” sobre a meditação
nas origens da Sociedade de São Francisco de Sales
Giuseppe Buccellato, SDB
Premissa
A expressão “pequeno tratado” é cara à tradição salesiana, porque traz à memória as
poucas páginas em que Dom Bosco traça as linhas fundamentais do seu Sistema Preventivo;
nestas páginas, quisemos “tomá-la emprestada” para tentar recolher, de modo sistemático,
mas essencial, a concepção dombosquiana de meditação, prática de piedade constantemente
recomendada na tradição das origens e no primeiro magistério salesiano.
Entre os inúmeros escritos espirituais de Dom Bosco não se encontram obras que tenham
o rigor de um tratado sistemático. Ele não escreve movido por intenções literárias ou
científicas, mas somente para difundir a mensagem da Igreja, a boa imprensa, em todos os
ambientes sociais; seu estilo é simples e seu método é “descritivo”, em vez de teórico. Com
uma feliz expressão do P. Caviglia podemos dizer que ele « com os fatos, ensina a produzir
outros fatos»;1 é por isso que o seu gênero literário preferido é a biografia.
Contudo, é certamente possível, a partir de alguns dos seus escritos editados e inéditos
e das orientações dadas à nascente Sociedade de São Francisco de Sales, traçar algumas linhas
e encontrar algumas constantes que nos permitem compilar a posteriori uma espécie de
pequeno tratado sobre a oração mental formal ou meditação segundo a tradição dombosquiana
das origens.
Nossa intenção, longe de ter finalidades “arqueológicas”, é evidenciar alguns
elementos carismáticos deixados como herança preciosa à família espiritual que dele teve
origem. Toda autêntica memória transforma-se inevitavelmente numa tarefa...
Procuraremos valorizar, nestas páginas, também alguns ensinamentos do primeiro
noviciado “canônico” que, sob o olhar vigilante e amável de Dom Bosco, teve início em
Valdocco logo depois da aprovação das Constituições da Sociedade em 1874. O P. Júlio
Barberis foi o primeiro mestre dos noviços (ou inscritos), tendo um papel fundamental no
nascimento e desenvolvimento da nova fundação.
P. Barberis tornou-se mestre dos “inscritos” aos 27 anos de idade e conservou esse
encargo por mais de um quarto de século, até 1900; em seguida, foi Inspetor por nove anos
e, enfim, Diretor Espiritual da Congregação, cargo que manteve até a morte em 1927. Visitou
os primeiros noviciados da Sociedade, como verdadeiro garante do espírito do Fundador.
Recolheu as suas meditações aos noviços em numerosíssimos cadernos autógrafos,
conservados no Arquivo Central Salesiano (ACS), que tivemos a fortuna de consultar.
Fazendo tesouro da sua longa experiência e das anotações organizadas e meticulosas
das conferências feitas aos inscritos, publicou em dois volumes, em 1901, o Vade-mécum dos
1 A. CAVIGLIA (ed.), Opere e scritti editi e inediti di Don Bosco. Nuovamente pubblicati e riveduti secondo le edizioni
originali e manoscritti superstiti. A cura della Pia Società Salesiana, IV, Torino, 1965, XXXIX.
6

1.8 Page 8

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inscritos salesianos2 e os Ensinamentos e conselhos expostos aos inscritos da Pia Sociedade de S.
Francisco de Sales.
O Vade-mécum dedica dois dos dezesseis capítulos do segundo volume ao tema da
meditação: “Sobre a meditação” (XII) e “Sobre o modo prático de fazer a meditação” (XIII). Os dois
longos, preciosos e articulados capítulos contêm todas as respostas às questões que nos
colocamos: que ensinamentos receberam os nossos primeiros irmãos sobre o tema da
meditação? Que método utilizavam?
Como é oportuno que um pequeno tratado seja concluído em poucas páginas,
tentaremos sintetizar algumas outras contribuições, em sua maior parte inéditas, que nos
foram entregues por Dom Bosco e pela primeira tradição da Sociedade. Seria fácil demonstrar
que as nossas considerações estão em perfeita sintonia com os dois capítulos do Vade-mécum,
cuja leitura recomendamos vivamente.
Optamos por evidenciar algumas das principais orientações ou características da
meditação nas origens da Sociedade de São Francisco de Sales; uma espécie de pequeno decálogo
que exigiria aprofundamentos muitos maiores.3
1. Necessidade da meditação na vida religiosa
Lemos nas anotações autógrafas de Dom Bosco, usadas por ele nos exercícios
espirituais de Trofarello (1866), os primeiros da nascente Congregação:4 «Meditação. Mais
breve ou mais longa, fazê-la sempre».5 «Todos os que se entregaram ao serviço do Senhor
fizeram constantemente uso da oração mental, vocal, e de jaculatórias».6
As práticas de piedade representam para Dom Bosco o nutrimento que torna forte a
alma de um religioso.
«Por isso escreve na introdução às Constituições enquanto formos zelosos na observância das
práticas de piedade, o nosso coração estará em boa harmonia com todos e veremos o Salesiano alegre,
contente da sua vocação». «Tenhamos a máxima solicitude em jamais descurar a meditação, a leitura
espiritual, a visita quotidiana ao SS. Sacramento, a confissão semanal, o rosário da S. Virgem, a pequena
abstinência da sexta-feira. Embora cada uma dessas práticas, separadamente, não pareça grande coisa,
contudo, contribui eficazmente para o grande edifício da nossa perfeição e da nossa salvação».7
2 Nas edições posteriores, a partir de 1905, a expressão inscritos foi substituída por jovens, entendendo o autor
estender os seus ensinamentos a todo o período da formação, e não somente ao noviciado. O vade-mécum dos
jovens salesianos foi reeditado até além da segunda metade do século XX; a última edição num só volume (1965),
reduzido em relação às anteriores, contém quase 1.200 páginas! Constitui em nosso modo de ver o único
verdadeiro manual completo de espiritualidade dombosquiana que já tenha sido escrito, embora muitas das suas
páginas se ressintam dos limites da teologia do tempo.
3 Para um estudo mais profundo sobre o tema em exame, veja-se G. BUCCELLATO, Alla presenza di Dio. Ruolo
dell’orazione mentale nel carisma di fondazione di San Giovanni Bosco, UPS, Roma 2004.
4 Trata-se da primeira experiência de exercícios “autogeridos” da Sociedade, celebrados na casa de Trofarello,
dedicada especialmente para isso por Dom Bosco. Na percepção dos primeiros Salesianos, estes exercícios
marcarão um novo início da vida da Congregação. «Vimos lê-se nas atas do primeiro Capítulo Geral (1877)
que se pode dizer que aqui a Congregação assumiu um desenvolvimento bastante marcado apenas pelo
tempo em que começaram a fazer especificamente os Exercícios Espirituais» (ACS D 578, 304).
5 ACS A 225.04.03; cf. MB IX, 997.
6 L.c.
7 [G. BOSCO], Regole o Costituzioni della Società di S. Francesco di Sales. Secondo il decreto di approvazione del 3 aprile
1874, [Tipografia dell’Oratorio di S. Francesco di Sales], Torino 1875, XXXII-XXXIV.
7

1.9 Page 9

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A necessidade8 da meditação na vida religiosa, além do modo prático de fazê-la, foram,
desde o início, matéria dos ensinamentos do P. Barberis durante todo o primeiro período do
noviciado regular; testemunha disso é a cronologia dos seus numerosos cadernos.
Percorramos, passim, algumas dessas anotações bem organizadas, que serviram para
as conferências aos noviços. «A oração mental é essencial para compreender as coisas de
Deus, penetrar em sua medula, demonstrar-nos cheios do Espírito Santo».9 «Nada mais
necessário ao homem do que a meditação. E, antes de tudo, Jesus Cristo nos deu o exemplo
sobre isso. Erat pernoctans in oratione Dei [Estava continuamente em oração a Deus]. Ao longo
do, Ele dia pregava, curava, etc.; à noite, meditava e, note-se bem: tudo o que Jesus Cristo
fez é para nossa instrução. Esteve quarenta dias em meditação contínua e em silêncio».10
«Santo Inácio de Loiola: o que realizou a sua conversão, que o elevou a vida tão intensa? A
meditação!».11 «Meditando, o fervor é reavivado como uma vivacíssima planície de fogo.
Mas, será que a meditação tem realmente essa força? Que seja tão útil? Tão necessária? É
justamente isso, é justamente isso. O Senhor sempre no-lo garante por meio de Davi no
salmo: Beatus vir qui in lege Domini meditatur in die ac nocte… [Bem-aventurado o homem que
medita a lei do Senhor dia e noite]».12
Mais explícito ainda é uma passagem de 1882, tirada de um caderno de apontamentos
do clérigo Ducatto e relativo a uma instrução13 feita por Dom Bosco nos exercícios espirituais
daquele ano:
«Meus caros irmãos lemos para vós a meditação é coisa, é prática de piedade que diria não apenas
importante, nem apenas útil, nem apenas muito utilíssima, mas vou dizer necessária para nós religiosos.
Agora não me cabe falar convosco sobre essa importância, essa necessidade; mas como vejo que isso
não pode ser deixado de lado espero poder falar depois intencionalmente sobre ela em algumas das
restantes instruções futuras e, portanto, falar-vos sobre a necessidade que nós religiosos temos de fazê-
la, dos grandes bens que nos traz quando é bem-feita e como alguém deve orientar-se para fazê-la
realmente bem».14
2. A meditação deve ser distinta da leitura espiritual pessoal
A leitura espiritual, pessoal ou comunitária, enquanto reflexão sobre um texto escrito,
envolve sobretudo a inteligência, e não é, em sentido estrito, oração, oração mental, diálogo
com Deus; aqui o papel principal é dado aos afetos.
Essa distinção emerge claramente nos ensinamentos de Dom Bosco e na praxe da
nascente Congregação. Até mesmo nas orientações dadas aos jovens. Nos avisos para as férias,
dados aos internos desde meados dos anos cinquenta e constantemente repetidos nos anos
sucessivos, Dom Bosco aconselha: «Todos os dias: ajudar a santa missa se for possível,
meditação e um pouco de leitura espiritual».15
8 Trata-se, aqui, de uma necessidade de ordem moral. Veja-se sobre o tema o texto de G. LERCARO, Metodi di
orazione mentale, Ancora, Milano 19693, 5-6; 11-114.
9 ACS B 509.03.01.
10 ACS A 000.01.08.
11 ACS A 000.01.08.
12 ACS B 509.03.01.
13 Durante os exercícios espirituais, naqueles anos, era proposta uma meditação pela manhã e uma instrução à
tarde. Dom Bosco, normalmente, reservava para si as instruções da tarde, que dedicava às estruturas básicas
da vida religiosa.
14 ACS B 509.04.12.
15 Fondo Don Bosco 446 A 3.
8

1.10 Page 10

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Ao senhor Hugo Grimaldi di Bellino escreve em 1862: «Todas as manhãs, missa e
meditação. Após o meio-dia, um pouco de leitura espiritual».16 Ao P. João Anfossi, ex-aluno
do Oratório de Valdocco, escreve em 1867: «A meditação e a visita ao SS. Sacramento serão
para ti duas salvaguardas poderosíssimas: serve-te delas».17 «Recomendo-te três coisas
escreve no mesmo ano ao clérigo Luís Vaccaneo : atenção à meditação da manhã;
frequência de companheiros que sejam mais dados à piedade; temperança nos alimentos».18
Ao comendador Frederico Oreglia, outro amigo e benfeitor do Oratório, escreverá em 1868:
«Não se esqueça o senhor de fazer todos os dias a sua meditação e a sua leitura espiritual».19
No sonho narrado em 3 de maio de 1868, Dom Bosco descreve, de maneira dramática,
os obscuros desenhos do inimigo de Deus, que «espalha armadilhas para fazer com que os
meus jovens caiam no inferno».
«Olhando mais atentamente, vi que na armadilha havia muitas facas espalhadas aqui e ali por uma mão
providencial, que servia, para cortá-la ou quebrá-la. A faca maior era contra a armadilha do orgulho e
simbolizava a meditação. Outra faca bastante grande, embora menor que a primeira, significava a
leitura espiritual bem-feita. Havia também mais duas espadas. Uma delas indicava a devoção ao SS.
Sacramento, especialmente com a comunhão frequente; a outra, a devoção a Nossa Senhora. Havia
também um martelo: a confissão. E havia ainda outras facas, símbolos das várias devoções a S. José, S.
Luís, etc., etc. Com essas armas, não poucos quebraram a armadilha quando eram presos ou se
defenderam para não serem amarrados».20
A distinção, feita aqui como em outros textos, entre meditação e leitura espiritual,
permite-nos compreender que nem no seu modo de pensar nem no dos seus ouvintes,
houvesse confusão teórica ou real entre as duas diversas práticas de piedade.
A meditação na mente de Dom Bosco, pela formação recebida no Colégio Eclesiástico
no sulco da tradição inaciana e por ele experimentada nos trinta e mais anos de exercícios
espirituais no Santuário de Santo Inácio acima de Lanzo, é oração mental, colóquio íntimo e
pessoal com Deus, e não pode ser confundida, como talvez aconteça hoje, com a leitura de
um texto, por mais útil e espiritual que seja.
3. Meditação e progresso nas virtudes teologais
À meditação cabe favorecer o progresso nas virtudes teologais. As Memórias Biográficas
trazem uma instrução de Dom Bosco na conclusão dos exercícios espirituais de 1867 em
Troffarello:
«Tal meditação afirma Dom Bosco também é o exame de consciência. Antes de deitar-nos,
examinemo-nos se colocamos em prática os propósitos já tomados sobre um determinado defeito: se
estamos em ganho ou em perda. Sirva um pouco de balanço espiritual; se percebermos que falhamos
nos propósitos, sejam eles repetidos no dia seguinte enquanto não conseguirmos adquirir tal virtude e
extinguir tal vício ou defeito ou fugir dele».21
As anotações do P. Joaquim Berto, então secretário de Dom Bosco, relativas aos
exercícios daquele mesmo ano, aumentam de modo ainda mais explícito essa convicção do
Fundador: «É impossível que cometa pecado quem tenha fé e faça a visita a Jesus
16 G. BOSCO, Epistolario, Introduzione, testi critici e note a cura di Francesco Motto, LAS, Roma 1991, II, 526.
17 Ibidem, 446.
18 Ibidem, 458.
19 Ibidem, 494-495.
20 MB IX, 169-170.
21 MB IX, 355-356.
9

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2.1 Page 11

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Sacramento e faça a sua meditação todos os dias, desde que não o faça por alguma finalidade
mundana».22
A mesma doutrina encontra, novamente, correspondência nos ensinamentos do
noviciado: «O mais importante para nós religiosos escreve o P. Barberis em 1875 que,
por profissão, tendemos à perfeição é que, falando de maneira prática, sem meditação não
chegamos a entender o que é perfeição; em vez disso, só pode [tender à perfeição] quem
medita bem».23
«Portanto, de manhã ele escreve alguns anos depois ao fazer meditação, ninguém vá aos seus
trabalhos, se primeiro não tiver bem impressas na mente algumas dessas verdades e não tiver proposto
firmemente a si mesmo lembrá-las durante o dia que está prestes a começar e observá-las pontualmente.
A cada refeição, quando se vai em visita ao Santíssimo Sacramento, então, ao pé do altar, renovemos os
propósitos da manhã, recordemos as máximas aprendidas, as verdades conhecidas e, sempre
persuadidos do grande bem que a Santa Meditação nos traz, proponhamos sempre mais firmemente
que queremos nos regular melhor no restante do dia, concluí-lo na graça do Senhor, cumprindo todos
os atos aos quais estamos vinculados por dever. Então, à noite, depois do jantar, quando fizermos as
nossas orações, ao escutar estas palavras: Detenhamo-nos por alguns instantes a considerar o estado de
nossa consciência, recolhamo-nos logo em nós mesmos, pensemos na meditação da manhã, voltemos
nossa mente (à) às resoluções tomadas e recordadas depois do almoço, e se percebermos com o exame
que as praticamos, continuemos a fazer o mesmo no futuro».24
Essa prática devia ser particularmente considerada entre os primeiros Salesianos se o
biógrafo do clérigo Pedro Scappini escreve em seu necrológio:
«A meditação quotidiana das verdades eternas ajudou-o, de modo especial, a progredir no caminho da
virtude e a ser constante na vocação. Costumava dizer que sem meditação jamais teria podido vencer
os seus muitos e enraizados defeitos. Custou-lhe muito esforço a prática desse exercício, pois a
imaginação viva levava-o naturalmente a outros pensamentos; mas com constância conseguiu fazê-la
bem a ponto de dizer que muitas meditações eram feitas sem qualquer distração».25
Lemos analogamente na pequena biografia do clérigo Tiago Vigliocco:
«Foi na Comunhão frequente e na meditação que ele aprendeu a vencer a si mesmo de tal modo que
seus companheiros e superiores não encontravam nele nem sequer a menor coisa a apontar-lhe! Foi
nessas duas fontes que hauriu o amor aos desprezos, pelos quais não só não se ofendia quando era
injuriado ou desprezado, mas levaram-no a pedir muitas vezes ao seu mestre para fazer alguma coisa
estranha, a fim de poder receber o desprezo dos companheiros».26
4. A importância da prática quotidiana da meditação
A oração mental deve ser quotidiana para ser eficaz. A perda desse hábito pode trazer
consequências para a vida religiosa.
A ata do terceiro Capítulo Geral apresenta-nos esta convicção do fundador dos
Salesianos:
«Nemo repente fit summus, nemo fit malus [Ninguém se torna bom ou mau de repente] teria afirmado
Dom Bosco na terceira das seis recomendações finais, segundo a ata do secretário P. João Marenco .
Portanto, ater-se aos princípios para impedir o grande mal do futuro. Di-lo a experiência. Se alguém
criou confusões para o Diretor e a Casa, começou deixando a meditação, as práticas de piedade, [e]
22 ACS A 025.01.03.
23 ACS B 509.03.01.
24 ACS B 509.04.12.
25 [G. BOSCO], Società di S. Francesco di Sales. Anno 1880, Tipografia Salesiana, Torino 1881, 51.
26 [G. BOSCO], Società di S. Francesco di Sales. Anno 1877, Tipografia Salesiana, Torino 1878, 43- 44.
10

2.2 Page 12

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depois, algum jornal, alguma amizade particular, desordens, enfim».27
Ele mesmo, segundo as anotações do P. Berto, afirmara alguns anos antes dos
exercícios de Trofarello: «Entende-se por oração tudo o que eleva os nossos afetos a Deus.
Como a meditação da manhã é a primeira, todos façam-na sempre».28
O ensinamento do P. Barberis reproduz o pensamento do Fundador: «Sois quase todos
Salesianos ou estais entrando agora, e aqui se faz meditação. Pois bem, fazei-a de bom-
grado. Existem aqueles que não a fazem e que se sentem livres ou se sentirão [livres de fazê-
la]: quereis ir para o paraíso? Quereis levar vida cristã e não ter, depois, remorsos na hora
da morte? Fazei sempre um pouco de meditação quotidiana».29
5. Conveniência de fazer a meditação pela manhã
É conveniente que a meditação seja feita pela manhã, antes de iniciar os trabalhos do
dia. A cronichetta do P. Barberis traz esta opinião de Dom Bosco:
«É verdade que existem muitos bons cristãos no mundo, mas também existem muitos perigos, e quantas
dificuldades devem ser superadas para se fazer um pouco de bem! Digamos, por exemplo, dos cristãos que
fazem meditação, muito poucos estão no mundo, mas procuremos quais entre os cristãos podem fazê-la
melhor. Aqui, felizmente, há o sagrado costume de fazer meditação; se quisermos fazê-la todos juntos,
precisamos levantar-nos logo cedo. Nós acordamos às cinco e a fazemos todos juntos, sem que ninguém nos
perturbe. No mundo, no entanto, isso não pode ser feito por muitos; não se sabe em que momento a fazer ao
longo do dia, porque o trabalho doméstico pressiona de todos os lados. Não falemos do acordar cedo, o que
para alguns é às 7 ou às 8 e até às dez… Se também o fizéssemos, o que seria da meditação? Não se falaria
mais em meditação!»30
A longa carta de São Vicente de Paulo, anexada pela primeira vez na edição italiana
das Constituições de 1877, é uma confirmação da vontade de Dom Bosco de confirmar esse
princípio.
Com o passar dos anos a lembrança dessa carta praticamente desapareceu da memória
da Congregação, não obstante ela tenha permanecido ao longo da vida do Fundador e ainda
por cerca de trinta anos, unida às Constituições dos Salesianos.
Por vontade expressa de Dom Bosco, ela foi colocada numa posição “estratégica”,
exatamente no centro do livreto das Regras, entre a introdução Aos sócios salesianos e o texto.
«Seja colocada depois da introdução e antes do texto das Regras»,31 escreve Dom Bosco de
próprio punho, na cópia preparada à mão pelo P. Barberis para o tipógrafo, criando também
um título que acompanhará a edição impressa das Constituições: Carta de S. Vicente de Paulo
endereçada aos seus religiosos sobre o levantar-se todos na mesma hora. A mensagem da carta, que
Dom Bosco evidentemente assumiu como própria, é simples: a vida religiosa depende da
meditação da manhã, e a meditação, da vontade de todos se levantarem na mesma hora.
Examinemos um trecho dela:
«A graça da vocação lemos está ligada à oração, e a graça da oração à do levantar-se. Se formos fiéis
a essa primeira atividade, se nos encontrarmos juntos e diante de nosso Senhor, e juntos nos
apresentarmos a ele, como fizeram os primeiros cristãos, ele se nos dará reciprocamente, nos iluminará
com suas luzes e ele mesmo fará em nós e por nós o bem que somos obrigados a fazer em sua Igreja e,
enfim, ele nos dará a graça de alcançar o grau de perfeição que deseja de nós, para um dia podermos
27 ACS D 579. Trata-se da página 2 da ata intitulada “7 Settembre sera. Ultima conferenza”.
28 ACS A 025.01.10.
29 ACS A 000.01.08.
30 ACS A 000.04.06.
31 ACS D 473.04.01.
11

2.3 Page 13

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possuí-lo na eternidade dos séculos».32
Para reafirmar com ênfase aos seus Salesianos a importância da meditação, Dom Bosco
invoca a autoridade não de um místico, mas de um apóstolo da caridade. Essa opção é
certamente surpreendente e aumenta o valor objetivo das orientações contidas na carta e na
exortação de Dom Bosco.
6. Meditação em comum ou em particular
A praxe da meditação, como prática de piedade a ser feita em comum, tornou-se
regular provavelmente a partir dos anos setenta. Poucos anos antes, ainda em Trofarello,
Dom Bosco afirmara: «Quem puder faça essa visita e essa leitura em comum; quem não
pudesse em comum, também em particular. A meditação também pode ser feita no
quarto».33
Alguns ensinamentos do noviciado insistem, além de na importância da meditação,
na necessidade de fazê-la em particular quando não se pudesse fazê-la em comum, com os
demais.
«Depois do levantar-se lemos entre nas anotações do P. Barberis de 1877 venham todos para fazer a
meditação juntos; e ela seja bem-feita. Alguns ainda não saberão como fazê-la, o que se aprenderá o
quanto antes; mas o esforço seja visto a partir de agora e se faça de boa vontade e da melhor maneira
possível. Deve-se saber que, em geral, é uma regra que todos façam meia hora por dia. Quem puder,
venha fazê-la aqui com os outros; quem não pudesse fazê-la em comum veja como encontrar tempo
para fazê-la em particular, mas sempre se faça».34
E ainda sobre o mesmo tema:
«Na verdade, as ocupações que os sócios Salesianos devem enfrentar em cada casa são extremamente
variadas: há quem dá aulas, quem assiste nas oficinas e quem assiste ou nas elementares ou no ginásio
ou no liceu; e quem sempre sai para fazer compras e quem trabalha como aprendiz...; e vem como
consequência que nem todos podem uniformizar-se no único e mesmo horário, uma vez que as
necessidades exigem muito e, portanto, as regras não obrigam todos os Salesianos a participarem
sempre de todas as práticas de piedade. Por exemplo, a meditação é feita de manhã na hora de levantar-
se ou às nove; a leitura espiritual às 2 da tarde, o exercício da boa morte no fim de cada mês; pois bem,
haverá alguém que não poderá ir à meditação porque talvez se sinta mal; nem poderá ir à das nove,
pois deverá dar aula, assistir nas oficinas, sair para algumas tarefas e assim por diante... Pois bem, sendo
assim, como não se tem o tempo necessário e, não podendo praticar esta ou aquela prática de piedade
em comum, pergunto se, por isso, poderá deixá-la totalmente? Certamente que não; pois se dermos
atenção ao espírito da regra, ela nos adverte que, se não pudermos cumprir as práticas de piedade em
comum, devemos fazê-la em particular, cada um sozinho, assim que puder, sem nunca as
negligenciar».35
A praxe dos Salesianos também deveria orientar-se por esse princípio, sendo verdade
o que o biógrafo escreve sobre o João Batista Caraglio: «Não negligenciava a Meditação e a
récita do Santo Rosário; e ordenado sacerdote, quando suas ocupações não lhe permitiam
participar em comum, nunca deixou de as suprir em particular antes de ir repousar. Ele
costumava dizer que a Meditação e o Santo Rosário são práticas indispensáveis para os
Religiosos e os Sacerdotes».36
32 [BOSCO], Regole o costituzioni…, [1877], cit., 47.
33 ACS A 025.01.03.
34 ACS B 509.03.02.
35 ACS B 509.04.12.
36 [G. BOSCO], Biografie dei Salesiani defunti nel 1882, Tip. S. Vincenzo, S. Pier d’Arena 1883, 49.
12

2.4 Page 14

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Parece-nos poder afirmar, em todo caso, que o sentir comum do Fundador e da
Congregação é que se deva preferir a meditação em comum, provavelmente também devido
a uma saudável “prudência”. Esse conceito está presente na Carta de São Vicente de Paulo,
que já mencionamos. Em uma passagem, São Vicente diz ter individuado o motivo da
decadência de algumas casas da sua congregação justamente na perda do habitus da
meditação em comum:
«Para descobri-lo afirma o fundador da Congregação da Missão foi necessário um pouco de
paciência e atenção da nossa parte; finalmente, Deus fez ver que a liberdade de alguns repousarem além
do que é acordado pela regra produziu esse mau efeito; além do mais, não se encontrando na oração
com os demais, eles ficavam privados das vantagens que se têm de fazê-la em comum e, com frequência,
pouco ou nada faziam em particular».37
O desejo de manter a praxe da meditação em comum é testemunhado também por
algumas deliberações do quarto Capítulo Geral, de 1886, sobre o horário do dia a ser
praticado nas paróquias. Para salvar, de fato, a oportunidade de participar em comum dessa
prática de piedade foi estabelecido colocá-la à tarde ou em outro horário mais oportuno.38
7. Duração da meditação
A duração da meditação, prescrita pelas Constituições, é fixada definitivamente pelo
texto aprovado em 1874: Singulis diebus unusquisque praeter orationes vocales saltem per
dimidium horae orationi mentali vacabit, nisi quisquam impediatur ob exercitium sacri
ministerii [Todos os dias cada um, além das orações vocais, fará ao menos meia hora de
oração mental, a não ser que seja impedido pelo exercício do sagrado ministério].39
Um esclarecimento do P. Barberis, que remonta a 1882, explicita o ditado
constitucional: «O artigo terceiro do capítulo XII discorre sobre a oração mental, também
chamada meditação, que deve ser feita ao menos por meia hora todos os dias. Isso indica
que se pode fazê-la ainda mais longamente, de acordo com o que sentimos, mas que não
somos obrigados a fazer mais do que isso; no entanto, todos devemos sempre fazer ao
menos meia hora todos os dias».40
Também pode ser útil uma visão da praxe. Do clérigo João Arata, assim escreve o P.
Luís Deppert, seu colega no primeiro ano de filosofia:
«Não importava o quanto estivesse ocupado, nunca negligenciava a meditação diária por uma boa meia
hora. De fato, eu o vi muitas vezes, fechado em sua oficina, concentrado em profunda meditação! E para
se concentrar sempre mais nas coisas que lia, ele mantinha à sua frente um pequeno crucifixo, benzido
pelo Papa, e de vez em quando, em lágrimas, fixava o olhar sobre ele».41
37 [G. BOSCO], Regole o Costituzioni della Società di S. Francesco di Sales. Secondo il decreto di approvazione del 3 aprile
1874, [Tipografia dell’Oratorio di S. Francesco di Sales], Torino 1877, 43-44.
38 Cf. ACS D 579; Fondo Don Bosco 1865 D 10; Deliberazioni del terzo e quarto Capitolo Generale della Pia Società
Salesiana tenuti in Valsalice nel settembre 1883-86, Tipografia Salesiana, S. Benigno Canavese 1887, 7.
39 G. BOSCO, Regulae seu Constitutiones Societatis S. Francisci Salesii juxta approbationis decretum die 3 aprilis 1874,
Augustae Taurinorum 1874, 185.
40 L.c. Usamos aqui a primeira tradução de 1875.
41 ACS B 196.33.01. Trata-se de uma carta em folha única, escrita de três lados e datada em 21/1/79, que traz
o cabeçalho Arciconfraternita di Maria Ausiliatrice.
13

2.5 Page 15

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8. Meditação, oração afetiva e imaginação
A última citação do parágrafo anterior leva-nos a uma reflexão sobre o papel dos afetos
na meditação “salesiana”.
«In meditatione mea exardescet ignis [Meu coração ardia dentro de mim] (Sl 38,4). A alma
é como o calor para o corpo».42 Essa convicção, expressada por Dom Bosco nos
apontamentos autógrafos de Trofarello e repetida com frequência na literatura salesiana das
origens, dá à meditação o papel específico de excitar os afetos.
«Também devemos excitar-nos em afetos de amor lemos nos apontamentos do P. Joaquim Berto,
anotados durante uma instrução de Dom Bosco , de reconhecimento, de humildade para com Deus;
pedir-lhe as graças de que precisamos; e, com lágrimas, pedir-lhe perdão dos nossos pecados.
Lembremo-nos sempre de que Deus é Pai e nós somos os seus filhos. Recomendo, portanto, a oração
mental».43
Na meditação inaciana, ensinada no noviciado de Valdocco depois da aprovação das
Constituições,44 o papel dos afetos é especialmente evidenciado. O P. Segundo Franco, um
dos dois jesuítas convidados para o primeiro Capítulo Geral da Sociedade, escreve depois
de falar do intelecto e da memória na meditação: «Por trás de todas essas considerações vem,
enfim, a vontade, que deve explodir em afetos proporcionais ao que foi meditado e em
generosas resoluções do que deve ser praticado no futuro. E se trata da parte mais
importante da meditação».45
A consciência dessa influência atravessa muitos dos ensinamentos do P. Júlio Barberis:
«Nossa alma não se encontra nas mesmas circunstâncias? Por que é desolada, por que não
tem virtude, por que tem tantas imperfeições? Nemo est qui recogitet corde [Ninguém reflete
em seu coração]. Então, como voltarmos ao fervor? Davi nos diz em seus salmos: Na
meditação mea exardescet ignis, meditando, o fervor reaparece como uma vivacíssima
planície em fogo».46 Em outra ocasião, ele mesmo escreve:
«Lembremo-nos das palavras: In meditatione mea exardescet ignis; ao meditar, acende-se sempre mais o
fogo do meu espírito... Também será vantajoso ir em espírito ao Monte Calvário, quando Cristo está
pendente da cruz, entre dois ladrões, impregnado e coberto de feridas, coroado de espinhos, escavado
por mil golpes, sangrento de todos os lados de modo que não parece mais um homem; e então dizemos
a nós mesmos: Minha alma, teu Deus está pendente do duro tronco da cruz; agora, medita sobre o
porquê».47
Este último ensinamento do P. Barberis também nos oferece a possibilidade de
evidenciar o papel dado à imaginação, outro aspecto característico da meditação segundo o
método de Santo Inácio. «É preciso imaginar-se presente no mistério ensinava o mesmo P.
Barberis em 1875, numa das suas primeiras conferências do ano de noviciado 75-76 e
42 ACS A 225.04.03; cf. MB IX, 997.
43 MB IX, 355-356.
44 Veja-se a longa conferência de 1875 do Padre Júlio Barberis, sobre o modo de fazer a meditação, em ACS B
509.03.01.
45 S. FRANCO, Istruzioni per le religiose in tempo di esercizi, Tipografia Pontificia ed Arcivescovile, Modena (falta
o ano de publicação). É o volume 23 da coleção que recolhe as obras do jesuíta P. Franco, que participou do
primeiro Capítulo Geral dos Salesianos em 1877 com outro jesuíta, o P. João Batista Rostagno. «Com eles
afirma o P. Céria nas Memórias Biográficas (Dom Bosco) mantivera vários encontros nas noites anteriores com
a finalidade de ajustar as coisas no modo mais de acordo com os sagrados cânones e os costumes das
congregações religiosas» (MB XIII, 253).
46 ACS B 509.03.01.
47 ACS B 509.04.12.
14

2.6 Page 16

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considerar as pessoas, as ações, as palavras com que intervêm ou discorrem analisando o
mistério».48
Ir em espírito ao monte Calvário tem, evidentemente, a finalidade de mover a vontade e
o coração, além de concentrar as demais potências. É a chamada composição contemplando o
lugar, sobre o que fala Inácio em seus Exercícios Espirituais.49
A meditação do clérigo Tiago Vigliocco parece pôr esses ensinamentos em ação. O
efeito indicado pelo biógrafo é, novamente, o crescimento na virtude teologal da caridade
para com Deus e para com o próximo.
«Um de seus segredos para fazer bem a meditação era este: no começo, ao se colocar na presença de
Deus, ele imaginava que Jesus Crucificado lhe aparecia visivelmente e que, desde a Cruz, o observava
se a fazia com todo o empenho possível... Pensar continuamente em Jesus Crucificado em suas
meditações, levava-o a tomar grandes resoluções práticas que, depois, procurava realizar com todas as
forças, e o fazia perscrutar cada canto do seu coração, para ver se ainda houvesse ali algum germe de
vício a extirpar, ou de quais virtudes mais precisasse enriquecer-se. Ó, quantas vezes não podendo
conter a inundação do coração ia desabafar com o mestre, indicando o desejo de dar a vida para salvar
as almas; o desejo de sofrer por amor de Jesus Cristo, mais do que todos os homens do mundo; o desejo
de lançar-se entre os homens buscando a conversão deles!»50
9. Importância e utilidade de um método
Um método essencial, mas bem estruturado em suas partes, é sugerido ainda em 1867
por Dom Bosco aos jovens Salesianos de Trofarello: «A meditação lemos nos
apontamentos do P. Berto poderia ser feita desta maneira. Escolher o tema com
inteligência, colocando-se, antes, na presença de Deus; depois, meditar sobre ele, escolher
no que aplicá-lo a nós, chegando à conclusão de decidir deixar os defeitos ou praticar as
virtudes, excitar-nos em afetos. Depois, agradecer a Deus e praticar ou evitar ao longo do
dia aquilo que decidimos pela manhã».51
Mais tarde, os ensinamentos do primeiro noviciado canônico darão amplo espaço às
instruções sobre o modo de fazer a meditação. Os textos do P. Barberis, desde o início, são
de evidente derivação inaciana.52
O primeiro Capítulo Geral, enfim, indicará em relação ao método para fazer a
meditação, uma referência teórica comum na longa introdução ao texto de meditações do
jesuíta P. Luís de la Puente (1554-1624).53 Lemos, de fato, nas atas:
«Perguntou-se, em seguida, que livro fosse conhecido como o mais adequado para a meditação de
iniciantes. Para os outros há o Da Ponte e pode-se continuar nele devido à imensa matéria, e, uma vez
concluído, pode-se começar novamente várias vezes. (A meditação) nada mais é do que um exercício
das três faculdades da inteligência, da memória e da vontade como ensina o próprio Da Ponte em sua
introdução. Introdução que deve ser lida cem vezes e memorizada, pois vale muito ouro. Quem segue
bem o que nela se diz, encontrará imensamente facilitado o modo de fazer a meditação; mas é preciso
48 ACS B 509.03.01.
49 Cf. INÁCIO DE LOIOLA, Exercícios espirituais, nn. 194-197.
50 [G. BOSCO], Società di S. Francesco di Sales. Anno 1877, cit., 43-44.
51 ACS A 025.01.03.
52 Cf. ACS A 000.02.05.
53 O seu muito difundido Meditaciones de los misterios de nuestra santa fe, con la práctica de la oración mental sobre
ellos, publicado pela primeira vez em Valladolid em 1605, obteve muitíssimas edições em várias línguas. Seu
sobrenome é também erroneamente traduzido em italiano em edições sucessivas: “Da Ponte” o em francês
“Dupont”. A casa editora Marietti de Turim, dois anos antes do Capítulo Geral dos Salesianos, publicara a
oitava edição dessa obra, traduzida do espanhol por Júlio César Braccini e corrigida pelo P. Tiago Bonaretti.
15

2.7 Page 17

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ter paciência; os principiantes devem ser bem instruídos; é preciso que todos tenham o livro na mão, e
fazê-los aprender segundo aquele método».54
A citada Introdução, que deve ser lida cem vezes e memorizada, pois vale muito ouro, ocupa,
na edição italiana da Marietti de 1875, bem trinta e seis densas páginas. Trata-se de um
verdadeiro tratado sobre a oração mental, segundo o método de Santo Inácio.
Outro texto que será difundido na Congregação nos decênios sucessivos é o Exercício
de perfeição e virtudes cristãs, do jesuíta Afonso Rodriguez (1541-1616), do qual Dom Bosco
também se servira na composição da introdução às Constituições da Sociedade, “Aos sócios
salesianos”.
10. Rendiconto e meditação
Um dos pontos que deve ser objeto do rendiconto periódico do Salesiano ao seu
superior, segundo o que afirma o primeiro Capítulo Geral, refere-se a «como (ele) se
comporta no tempo das Orações e nas Meditações».55
Analogamente, no primeiro rascunho das Constituições das Filhas de Maria
Auxiliadora, que remonta a 1871, encontramos escrito:
«Para avançar no caminho da virtude e da perfeição religiosa, muito servirá uma grande abertura de
coração com o Superior/a que, depois do Confessor é destinada por Deus a dirigi-las no caminho da
perfeição. Portanto, ao menos uma vez por mês lhe manifestarão o seu interior com toda simplicidade
e clareza, e dela receberão avisos e conselhos para terem êxito no exercício da oração mental, na prática
da mortificação e na observância das Santas Regras do Instituto».56
Um rendiconto do clérigo João Arata, feito por escrito ao seu diretor P. Júlio Barberis,
confirma o fato de a meditação quotidiana constituir, na praxe, objeto de revisão periódica.
«As coisas de que me recordo escreve ele e me parecem adequadas à importância do rendiconto
mensal, são as seguintes. Na verdade (não saberia por quais motivos específicos, mas certamente será
pela minha negligência), não estou feliz com a conduta que tive neste mês. O que me faz sofrer muito é
a distração que tive na oração. Na meditação, não posso, sem grande dificuldade, me recolher, realmente
me considerar na presença de Deus, pensar seriamente sobre o tema, desenvolvê-lo e, além disso, pouco
me comove o assunto sobre o qual medito. Bem pouco me parece a utilidade da meditação; como
consequência, depois, talvez isso fará com que ao longo do dia eu me recorde raramente do que meditei
pela manhã».57
Conclusões
A vida ativa a que tende a Sociedade de São Francisco de Sales envolve certamente o fato
de Dom Bosco não ter prescrito muitas práticas de piedade em comum, mas entre estas é
recomendada constantemente a oração mental formal ou meditação. É muito indicativo que
os ensinamentos dos primeiros meses do noviciado sejam dedicados à sua importância e ao
método de torná-la proveitosa.
54 ACS D 578, 116-117.
55 Deliberazioni del Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in Lanzo Torinese nel settembre 1877, Tipogra-
fia e Libreria Salesiana, Torino 1878, 49-50.
56 [G. BOSCO], Costituzioni Regole Dell’Istituto Delle figlie di Maria Ausiliatrice. Sotto la protezione di S. Giuseppe, di
S. Francesco di Sales e di Sa. Teresa, in Archivio Generale delle Figlie di Maria Ausiliatrice (AGFMA), Regole
manoscritte, Quaderno n. 1, 42.
57 ACS B 196.33.01.
16

2.8 Page 18

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Bem além da perspectiva da obrigação emerge a proposta do Fundador que se move
numa concepção da vida de oração que encoraje a oração mental difusa, o pensamento
contínuo em Deus, a oração afetiva e silenciosa “sem limites de tempo”; testemunha disso é
o papel dado à oração nas muitas biografias escritas por Dom Bosco.58 «Oração vocal sem
que intervenha a mental lê-se nas anotações autógrafas preparadas para os exercícios de
Trofarello é como um corpo sem alma . Lamento do Senhor: Populus hic labiis me honorat:
cor autem eorum longe est a me [Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está
longe de mim] (Marcos 7,6)».
Procuramos nesta nossa contribuição valorizar, sobretudo, alguns documentos
inéditos. Melhor do que qualquer tratado teórico, eles podem restituir-nos a vivência da
Congregação, o modo de sentir das primeiras gerações de Salesianos, a praxe concreta, os
“gostos” do Fundador.
Seria de grande interesse continuar a nossa pesquisa para interrogar o magistério dos
primeiros sucessores de Dom Bosco; descobriríamos em seus escritos a mesma sensibilidade
do Fundador e o testemunho vivo da importância dada por ele à meditação. Trazemos aqui
apenas dois fragmentos desse precioso magistério.
O P. Paolo Albera, segundo sucessor de Dom Bosco escreve numa circular de 1921:
«Na medida em que [...] a força das paixões vai diminuindo em nós o desejo de progresso espiritual vai
se tornando mais vivo e mais ardente o amor de Deus, o trabalho do intelecto terá uma parte sempre
menor em nossa oração, enquanto prevalecerão os movimentos do coração, os santos desejos, os
pedidos suplicantes e as resoluções fervorosas. Essa é a chamada oração afetiva que, por sua vez, leva
à oração unitária, chamada pelos mestres de espírito de oração contemplativa ordinária. Alguém, talvez,
poderá pensar que o Salesiano não deva visar tão alto, e que Dom Bosco não o tenha querido dos seus
filhos, pois, desde o início, não lhes impôs nem sequer a meditação metódica em comum. Contudo,
posso garantir-vos que foi sempre desejo dele ver seus filhos elevar-se, por meio da meditação, à união
íntima com Deus que ele tinha tão admiravelmente realizado em si mesmo, e jamais se cansou de incitar-
nos nisso em toda ocasião propícia».59
E o P. Rinaldi, numa circular aos mestres de noviços de 1930, conservada no Arquivo
Central Salesiano:
«Sem a meditação não se pode compreender e apreciar bem a vida espiritual. E notai que por meditação
Dom Bosco não quer entender apenas o recolhimento ou concentração na oração que fuja das distrações
voluntárias: ele entende falar da meditação verdadeira e própria assim como agora nós a fazemos, ou
seja, aquela que é feita de reflexões e considerações piedosas sobre a verdade da fé, sobre a vida de
Jesus, sobre as virtudes cristãs e religiosas, para tirar delas sentimentos piedosos e propósitos eficazes
de vida melhor. E sabemos que ele, depois, sempre continuou a fazer a sua meditação, mesmo em meio
as peripécias daqueles anos tão duros e difíceis».60
Iniciamos afirmando na premissa que nossas intenções não eram de forma alguma
histórico-arqueológicas.
58 Sobre este tema, veja-se, além do estudo já citado, a voz G. BUCCELLATO, Giovanni Bosco: il geloso custode della
sua vita con Dio, in L. BORRIELLO E. CARUANA M.R. DEL GENIO R. DI MURO (coord.), Nuovo Dizionario di
Mistica, Città del Vaticano 2016.
59 Lettere circolari di Don Paolo Albera ai Salesiani, SEI, Torino 1922, 406-407
60 ACS A 384.01.15. A carta, intitulada Cari maestri degli ascritti, sem data, mas colocada entre 1930 (cita-se nela
uma circular do Padre Luís Tirone desse ano) e 1931 (ano da morte do Padre Rinaldi). É um precioso
testemunho pessoal do quarto sucessor de Dom Bosco, além de conter orientações e diretrizes para os mestres
de noviciado.
17

2.9 Page 19

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Vários anos atrás, o Salesiano P. Pedro Brocardo, concluindo o seu estudo sobre o tema
do rendiconto, definia-o corajosamente como «um dado carismático irrenunciável»,61
denunciando com fineza aqueles que, muito simplisticamente, justificam na prática o seu
abandono.
Estamos convencidos de que um itinerário hermenêutico correto permitiria recuperar
alguns elementos fundamentais da preciosa herança que nos foi entregue pelo Fundador.
Acreditamos firmemente que o futuro da nossa família religiosa dependa dessa
autêntica busca, animada pelo sincero amor a Dom Bosco e pela convicção, expressa pelo
Concílio, de que «a conveniente renovação da vida religiosa compreende não só um
contínuo regresso às fontes de toda a vida cristã e à genuína inspiração dos Institutos, mas
também a sua adaptação às novas condições dos tempos».62
Acreditamos que a fidelidade a um método ou a uma particular escola de
espiritualidade não constitua um vínculo irrenunciável; as condições alteradas dos tempos,
a importância dada hoje à Sagrada Escritura e os progressos da teologia podem abrir-nos
novos caminhos. Talvez as condições alteradas de vida também pudessem abrir um debate
sobre a concreta oportunidade de ainda fazer a meditação em comum.
Muitas outras coisas poderiam ser discutidas e aprofundadas. Resta o fato, em nosso
entender, de permanecer a necessidade da oração mental formal ou meditação na vida
religiosa salesiana, utilizando a feliz expressão de Brocardo, um dado carismático
irrenunciável...
61 Cf. P. BROCARDO, Maturare in dialogo fraterno. Dal “rendiconto” di Don Bosco al “colloquio fraterno”, LAS, Roma
1999, 210.
62 Perfectae Caritatis, 2.
18

2.10 Page 20

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Aprender a meditar com São Francisco de Sales
Eunan MacDonnell, SDB
«Jamais deixarei de orar a Deus para aperfeiçoar a Sua obra em ti, ou seja, para dar
ainda maior vigor ao teu excelente desejo e projeto de alcançar a plenitude da vida
cristã, um desejo que deves nutrir e cultivar ternamente em teu coração. Considera que
se trata de uma ação do Espírito Santo; uma centelha do seu fogo divino».1
O que é a meditação?
A palavra meditação tem a mesma raiz grega de medicina, indicando a nossa capacidade
de dar atenção e cuidar. Resulta, então, que a meditação é o esforço que colocamos para dar
atenção a alguma coisa, permitindo-lhe que seja o nosso foco. Foi comprovado
cientificamente que também existe um componente biológico na meditação, que ajuda a
reduzir o estresse e a pressão vindos da vida quotidiana. Em nível simplesmente humano,
portanto, meditar faz bem. Contudo, quando falamos de meditação no interior da tradição
cristã, não estamos falando de prestar atenção em alguma, mas de prestar atenção em alguém.
Comentando a meditação salesiana,2 Devasia escreve:
«A meditação salesiana é uma formação regular e sistemática da atenção, a fim de se
concentrar interior e persistentemente em um único ponto focal: Jesus. O objetivo é ser tão
absorvido pela pessoa de Jesus que, depois de muitos anos de meditação e contemplação
nos esquecemos totalmente de nós mesmos».3
O papel do júbilo ou do regozijo é essencial para compreender a meditação: estamos
aprendendo a alegrar-nos com o mistério que é Cristo. São Francisco de Sales fala
frequentemente de alegria. Esse deleite nada mais é do que o caminho da mente que se
liberta para ser conquistada pelo mistério divino.
Na meditação cristã, portanto, o nosso objetivo é prestar atenção na presença de Deus
que habita em nós. Chegamos também ao conhecimento de que somos nós a habitar em
Deus: não contemos Deus, é Ele que nos contém. A meditação cristã «põe em movimento a
inteligência, a imaginação, a emoção, o desejo» na oração.4 As práticas não cristãs visam
esvaziar a mente, enquanto a meditação cristã empenha a mente na oração. A tarefa não é
esvaziar a mente, mas enchê-la de «tudo que é verdadeiro, digno de respeito ou justo» (Fl
4,8).
Como cristãos, acreditamos que a nossa verdadeira vida está escondida em Cristo e
que, pelo batismo, somos participantes desde já da sua relação com o Pai mediante o
Espírito. A meditação, entendida como conhecimento da presença de Deus que habita em
nós, revela uma verdade fundamental: a meditação não é algo que fazemos: é a resposta a Deus
que nos amou por primeiro. A nossa oração é sempre iniciativa de Deus, porque é Ele que nos
1 Carta de São Francisco de Sales a Joana Francisca de Chantal, 3 de maio de 1604, OEA XII: 263-64. As referências
são tomadas das Oeuvres Édition d’Annecy e abreviadas como segue: OEA, seguido do volume (números
romanos) e da página (números arábicos).
2 O adjetivo salesiano/a refere-se, neste artigo, de modo eminente ao pensamento de Francisco de Sales; para
evidenciá-lo escreveremos em cursivo nas páginas sucessivas (nota do editor).
3 D. MANALEL, Spiritual Direction: A Methodology, SFS Publications, Bangalore 2005, 157.
4 Catecismo da Igreja Católica, 2708.
19

3 Pages 21-30

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3.1 Page 21

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atrai a si. Cristo já está orando em nós ao Pai e temos acesso a essa oração incessante
mediante o dom do seu amor recíproco, o Espírito Santo, que foi derramado em nossos
corações. Sintonizando-nos com Deus que já está orando em nós. Como consequência,
quando não sabemos como orar, «é o próprio Espírito que intercede em nosso favor com
gemidos inefáveis» (Rm 8,26) porque «o Espírito sonda tudo, mesmo as profundezas de
Deus» (1Cor 2,10).
Por que meditamos?
A resposta à pergunta por que meditamos é simplesmente que meditamos para
desenvolver a amizade com Cristo,5 porque Deus é o «amigo do coração humano».6 A
meditação salesiana recomenda calorosamente a Escritura como meio privilegiado pelo qual
encontramos a pessoa de Jesus. Por isso, a meditação cristã é relacional; é através da prática
da meditação (oração mental) que desenvolvemos e aprofundamos o nosso amor recíproco.7
São Francisco de Sales acrescenta que é através da nossa fidelidade à meditação que somos
transformados pelo amor até envolver o coração de Deus no nosso.8 Na meditação salesiana
jamais deixamos de lado a humanidade de Cristo; Ele, com efeito, permanece o nosso
constante ponto focal:
«O que muito em especial te aconselho é a oração de espírito e de coração e, sobretudo,
a que se ocupa da vida e paixão de nosso Senhor: contemplando-o, sempre de novo, pela
meditação assídua, tua alma há de, enfim, preencher-se dele e tu conformarás a tua vida
interior e exterior com a sua».9
Esta é mais do que uma imitação de Cristo; trata-se de uma experiência
transformadora que permite a Cristo viver em nós. Francisco de Sales resume-a
sinteticamente na expressão viver Jesus. Este Jesus que vive, ou deixar que Jesus viva em nós,
significa que nos tornamos outra humanidade onde Ele pode de novo tornar presente o seu
mistério:10 pode viver de novo em nós e amar através de nós.
Seguindo os passos de São Bernardo, São Francisco de Sales mantém a distinção entre
amor afetivo (a oração) e amor efetivo (o serviço). Aqui se encerra o duplo mandamento do
amor de Deus e do amor do próximo. Singularmente, nem um nem outro pode absorver o
outro mandamento dentro de si: só existe um com o outro e não independente do outro.
Exprimimos o nosso amor por Deus afetivamente mediante a oração e eficazmente mediante
o serviço ao próximo.
São Francisco afirmou que devemos aprender a deixar Deus por Deus. Isso implica
que, se formos perturbados pelo nosso próximo enquanto oramos, então devemos aprender
5 «A oração segundo meu modo de ver não é outra coisa que uma partilha íntima entre amigos; significa tomar
frequentemente algum tempo para estar a sós com Aquele que sabemos que nos ama» (TERESA D’AVILA, inThe
Life”, cap. 8 par. 5, tradução de Kieran Kavanaugh, O.C.D. and Otilio Rodriguez, O.D.C., Collected Works of
St Teresa of Avila, Vol. 1, ICS Publications, Washington 1976, 167).
6 OEA IV: 163-164. Cf. também IV: 295; IV: 319; IV: 331; V: 19; V: 196.
7 Para maior compreensão da oração salesiana, ver “Affairs of the Heart” in, JOSEPH F. CHORPENNING, THOMAS
F. DAILEY, DANIEL P. WISNIEWSKI (eds.), Love is the Perfection of the Mind, DeSales University, Pennsylvania 2017,
65-82
8 OEA IV: 116; 162; 164. Há mais referências no Tratado, que aludem a Deus como origem das inspirações que
ele envia aos nossos corações. OEA IV: 117; 128; 230; 232; 234; OEA V: 89; 91; 100; 103; 344.
9 FR. DE SALES, Introdução à vida devota, par. II, c. 1, n. 2
10 Cf. A. KANE OCD, [trad.] Complete Works of Elizabeth of the Trinity, vol.1, ICS Publications, Washington 1984,
183-184.
20

3.2 Page 22

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a deixar Deus que estamos adorando na oração e responder ao mesmo Deus que agora nos
perturba no nosso próximo. Contudo, diga-se ainda, que, quando somos tomados pelo
frenesi das nossas atividades, devemos aprender a retirar-nos nos nossos corações para
reconhecer que Deus habita em nós. Como «os passarinhos têm ninhos, onde se refugiam»
ou os «cervos que se escondem em matas e arbustos, buscam abrigo e encontram o frescor
da sua sombra no verão, assim também, Filoteia, os nossos corações devem encontrar e
escolher todos os dias um lugar para estar perto d’Ele. Ali devemos procurar refúgio em
todas as ocasiões».11 Com poucas palavras, São Francisco encoraja-nos a viver mais
conscientes de que vivemos realmente com Deus e a exercitar-nos em viver na Sua presença.
É isso que está na base da prática salesiana de fazer breves orações espontâneas durante
o dia. A palavra-chave aqui é “retirar-se” no nosso coração. Dom Bosco também defendeu
esse retirar-se (retiro) que «se refere sobretudo à vida interior, à solidão fecunda que favorece
o recolhimento e a oração».12 Retirar-se no nosso coração em meio ao frenesi das atividades
e interações torna-se possível quando já se tem uma boa base, construída mediante a prática
fiel da meditação cristã. A prática fundamental da meditação é essencial para a nossa oração
vocal, como recorda São João Bosco, porque «a oração vocal sem a mental é como um corpo
sem alma».13 Santa Teresa d’Ávila concorda com isso. Ela afirma que a atenção adequada à
oração vocal nos leva inevitavelmente à oração contemplativa, na medida em que nos
tornamos mais atentos a Deus a quem estamos nos dirigindo.14 É pela falta dessa atenção
que a nossa oração vocal fica, muitas vezes, ao léu das emoções mutáveis do momento. Ao
contrário, uma relação pessoal desenvolvida mediante a meditação faz com que fiquemos
sempre mais conscientes e sensíveis à presença de Deus, mesmo durante a oração vocal.
Ficamos, então, mais cientes d’Aquele a quem nos dirigimos.
Se Jesus acreditou que era necessário retirar-se para poder entrar em comunhão
amorosa com seu Pai, até que fosse absorvido por Ele, não é consequente que nós, como
seus discípulos, devemos fazer o mesmo? É essa qualidade relacional ou afetiva da oração
que reveste a compreensão salesiana da oração como «coração a coração».15
São Francisco de Sales recorda-nos a finalidade da meditação que é despertar nos
nossos corações um amor afetivo por Deus. A verdadeira meditação cristã leva-nos por um
caminho que nos faz passar do pensar em Deus ao entrar em afável comunhão com Deus.
Meditamos para despertar o amor, contemplamos porque amamos. A meditação que requer
o nosso esforço dá lugar à contemplação onde predomina a graça de Deus. São Francisco de
Sales fala disso com esta metáfora: quando meditamos é como se remássemos um barco com
a força dos músculos; quando contemplamos é Deus que, com o seu sopro, enfuna as velas
do nosso barco não sendo necessário impulsionar os remos.16 Todavia, assim que o vento
diminui, precisamos recomeçar a remar. O objetivo claro da meditação cristã é encontrar
Cristo, especialmente mediante a sua Palavra. Esse encontro leva-nos a gozar da sua
11 FR. DE SALES, Introdução à vida devota, par. II, c. 12.
12 G. BUCCELLATO, Notes for a Spiritual History of Fr. John Bosco, Kristu Jyoti Publications, Bangalore 2014, 46.
Dom Bosco escreve nas Memórias do Oratório «Procurarei amar e praticar o retiro» (MO, 89, Brasília: EDEBÊ
2012).
13 Ibid., 35.
14 TERESA D’AVILA, Via della perfezione, in Opere di Santa Teresa, vol. 2, trad. Kieran Kavanaugh e Otilio Rodri-
guez OCD, ICS Publications, Washington 1980, 152.
15 OEA V, 30. No mundo de língua inglesa a expressão “cor ad cor loquitur” tornou-se popular através do
cardeal John Henry Newman, mas provém da sua leitura de São Francisco de Sales.
16 OEA IV, 234
21

3.3 Page 23

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presença (oração contemplativa) que é um dom de Deus, totalmente dependente da sua
graça. À medida que a nossa oração se aprofunda, há menos necessidade de palavras e
pensamentos; tornamo-nos presentes a Deus que está sempre presente em nós.
A prática da meditação
A meditação ocupa-se em encontrar Cristo e aprofundar a nossa amizade com Ele,
despertar o nosso amor por Deus para vivermos atentos a Deus que nos transforma através
desse encontro amoroso. A prática da meditação é, portanto, de suprema importância
enquanto manifesta a nossa atitude de fundo: ‘dar tempo’ a Deus. Mais, «dando a Deus o
nosso tempo, seremos mais capazes de encontrar tempo também para os outros. Dando
atenção a Deus, aprendemos a dar atenção aos outros. A oração dá-nos a graça de viver cada
momento da vida com sempre maior fecundidade».17
As dificuldades que encontramos na meditação são sempre devidas a «problemas
‘cardíacos’. O nosso coração não está ali; buscamos desculpas. Não nos aproximamos do
tempo da meditação com vivo desejo e entusiasmo, mas frágeis e relutantes... Duas pessoas
que se amam profundamente certamente não terão problemas imaginando como passar o
tempo juntas. Estar juntos o mais possível é tudo que buscamos! Infelizmente, não chegamos
a isso porque o nosso amor por Deus é frágil. Não conseguimos envolver completamente o
nosso coração».18 A meditação propõe-se a despertar o nosso amor por Deus. Embora seja
um itinerário muito pessoal, meditar juntos em comunidade ou com outros faz-nos muito
bem, como corpo de Cristo, «pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu
estou ali, no meio deles» (Mt 18,20).
Nas primeiras fases da meditação, é necessário dispor de algumas diretrizes, como se
faz quando se aprende a tocar um instrumento ou praticar um esporte. A prática constante
permite-nos adquirir a sua habilidade ou arte. Sucessivamente, os andaimes necessários
para o início do edifício podem ser removidos e seremos capazes de adotar um “método
sem método”. Como observa Santa Joana de Chantal, «o melhor método para a oração é não
ter qualquer método, porque a oração não é obtida através de uma técnica, mas através da
graça». Não podendo confiar num método, existem, contudo, algumas posturas ou
disposições interiores que podem preparar-nos para receber o dom da oração: fé e confiança;
fidelidade e perseverança; pureza de intenções; humildade e pobreza espiritual, que nos
levam a entregar-nos totalmente a Deus.19
A meditação salesiana requer certa liberté d’esprit (liberdade de espírito), razão pela qual
São Francisco de Sales aconselha a abandonar as diretrizes sobre a meditação ao perceber
que o Espírito de Deus está orientando numa sua direção particular. Ele escreve:
«Pode acontecer que logo depois da preparação sentirás que os teus afetos são
totalmente atraídos para Deus. Nesse caso, deves deixar-te ir com toda velocidade e não
seguir o método que te mostrei. Normalmente, a consideração deve preceder os afetos e
resoluções. Contudo, quando o Espírito Santo te dá os afetos da consideração, não deves
buscar a consideração que é utilizada somente para suscitar os afetos. Numa palavra,
17 J. PHILIPPE, Time for God, St Paul’s, Londres 2005, 30.
18 E. MC CAFFREY OCD, Pray as you can, not as you can’t, the best and only advice, in Mount Carmel 59/3 (Sept.
2011), 66.
19 Cf. J. PHILIPPE, Time for God, cit. 30.
22

3.4 Page 24

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sempre que os afetos se apresentarem, deve aceitá-los e dar-lhes espaço tanto antes como
depois da consideração».20
Se despertamos o amor através da meditação, então não devemos ficar ancorados nas
diretrizes, mas dirigir-nos à presença de Deus. Tendo isso em consideração, apresentarei
agora algumas dessas diretrizes relativas à meditação salesiana.
Como meditamos?
Apresento em seguida seis passos propostos como ajuda para a meditação:
1. Preparação
2. Coloca-te à presença de Deus
3. Concentra-te na Palavra de Deus
4. Atitude de escuta
5. Concluir com resolução e gratidão
6. Revisão da oração.
1. PREPARAÇÃO
Numa entrevista sobre a oração, o cardeal Basil Hume chocou o seu entrevistador
quando respondeu que orava apenas cinco minutos por dia. Continuou esclarecendo que
costumava passar cinquenta e cinco minutos preparando os seus cinco minutos de oração!
Exatamente como qualquer esporte físico exige exercícios de aquecimento, também a
disciplina da meditação exige preparação. A preparação pode ser remota ou próxima. A
preparação remota consiste em escolher na noite anterior um trecho da Escritura e
familiarizar-se com ele. Pode-se escolher a leitura do Evangelho do dia seguinte ou do
domingo seguinte. Pode ser lido, estudado e explorado com a ajuda de um comentário. É
particularmente frutuoso para a meditação lê-lo antes do repouso, pois o subconsciente
continuará a trabalhar sobre ele durante a noite.
A preparação próxima se dá no momento que precede imediatamente o início da nossa
meditação. É importante chegar com boa antecedência ao tempo de meditação, para colher
um maior benefício da preparação próxima. A essa altura, podemos revisitar a passagem
que escolhemos e retornar a uma determinada palavra ou frase que nos atrai, permitindo
que ela se torne o nosso “foco”. A preparação pode ser de grande ajuda contra as distrações
que surgem, em geral, quando não temos concentração e achamos difícil dar atenção ao
Senhor. Parte importante da meditação é acalmar e aplacar o vai e vem da mente, libertá-la
dos muitos pensamentos, perceber os sentimentos e as emoções e deixar que também eles
vão embora, de modo a ficar mais receptivo à presença de Deus. A meditação imerge-nos
no momento (aqui e agora) em que Deus se faz presente. Os nossos pensamentos e
sentimentos são facilmente associados ao que aconteceu (passado) ou ao que acontecerá
(futuro), impedindo de estar presente a Deus que é o eterno AGORA. Isso explica porque o
melhor momento para a meditação é logo de manhã, antes que a nossa mente tenha tido
tempo de empenhar-se no seu tapis roulant de muitas atividades e movimentos.
20 FR. DE SALES, Introdução à vida devota, par. II, c. 8.
23

3.5 Page 25

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Embora reconhecendo que a oração é, sobretudo, um dom de Deus, há algumas coisas
que podemos fazer para permanecer mais abertos a receber de Deus o dom da oração. São
Francisco de Sales compara-nos de modo humorístico a um relógio (obviamente da sua
época) que «por melhor que seja, deve ser recarregado e redefinido duas vezes por dia: uma
vez pela manhã e outra à noite».21 Também em resposta à pergunta feita sobre aqueles que
estão muito empenhados em trabalhar para Deus, afirmou brincando: «É preciso meia hora,
mas se estás muito ocupado, então é preciso uma hora». É importante permanecer fiel à
prática da meditação e não se levantar antes do tempo indicado.
2. COLOCA-TE NA PRESENÇA DE DEUS
Enquanto nos colocamos na presença de Deus, permitimos que a nossa mente coopere
conosco no caminho da meditação. Escolhemos conscientemente reservar esse tempo para
Deus e vamos conduzindo as nossas várias faculdades (intelecto e vontade) para entrarem
nesse itinerário espiritual. É útil começar com a invocação ao Espírito Santo, lembrando-nos
de que não podemos orar sem o Espírito. Estas invocações podem ser úteis:
a. Vem, Espírito Santo, enche os corações dos teus fiéis, acende neles o fogo do teu
amor.
b. Espírito Santo, dirige-me, guia-me, ilumina-me.
c. Vem, Espírito Santo, vem e faze do meu coração a tua casa; concede a tua eterna graça
a nós que, graças a ti, nos movemos e vivemos.
Com as invocações ao Espírito Santo, a meditação cristã requer que nos dirijamos
gradualmente para o interior e para o profundo, abandonando os pensamentos e os
sentimentos, até chegar ao nosso centro mais profundo, ao núcleo do nosso ser. Existem
vários exercícios que facilitam esse movimento interior, como o concentrar-se no nosso
respiro ou caminhar de modo imaginativo pela nossa mente (pensamentos) através do
nosso coração (sentimentos) até o centro do nosso ser (núcleo). São Francisco de Sales, em
linha com a tradição bíblica, refere-se a esse centro mais profundo como o nosso
CORAÇÃO. É nesse sagrado espaço interior, onde o Pai, o Filho e o Espírito Santo já fizeram
a sua morada em nós, que elevamos a nossa atenção à presença de Deus que habita em nós.
São Francisco de Sales recorda-nos:
«Considerando esta verdade, despertarás no teu coração uma profunda reverência por Deus que
está tão intimamente presente nele».22
Ele recorre à imagem do templo hebraico para ajudar-nos a perceber melhor esse
sagrado espaço interior.23 Assim como havia muitos pátios internos no templo hebraico,
assim também nós devemos atravessar diversos níveis para chegar ao Santo dos Santos, no
interior do qual Deus habita o centro do nosso ser, o nosso coração.
Uma vez que tenhamos chegado ao nosso coração e permanecendo atentos a Deus que
ali habita, no interior, uma destas frases pode ser útil:
1. O Senhor nosso não está distante, mas muito próximo de mim.24
2. Deus não está apenas próximo de mim; Ele mora em mim.
21 OEA III, 340.
22 FR. DE SALES, Introdução à vida devota, par. II, c. 2.
23 São Paulo descreve sinteticamente essa realidade espiritual no profundo da pessoa humana dizendo: «Sois
templo de Deus» (1Cor 3, 16).
24 «Olha para ele escreve Santa Teresa Ele jamais tira os olhos de ti», em Caminho da Perfeição 26,3.
24

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3. Deus me vê e me deseja.
4. Deus está presente em todos os lugares, mas sobretudo no meu coração.25
5. Deus criou o meu coração para que fosse o seu paraíso.26
6. Eu também te amo.
7. Em Deus vivemos, nos movemos e d’Ele e n’Ele temos o nosso ser.
Muitas dificuldades, especialmente as distrações, emergem quando omitimos este
aspecto da nossa preparação. Um dos principais problemas ao nos colocarmos na presença
de Deus é o pressuposto errado de que Deus está distante. Toma, por exemplo, a frase eu te
amo. Parece-me que, na espiritualidade salesiana, quando se trata de Deus nunca se pode
dizer realmente que te amo, porque Ele chega sempre antes; é aquele que me amou no meu
existir (o meu verdadeiro existir é o seu amor). E, por isso, creio que a resposta adequada, e
única, que podemos dar a Deus é dizer eu também te amo. Esse mantra tem o efeito de permitir
que nos sintonizemos no amor que Deus já derramou nos nossos corações antes que tomemos
a iniciativa de dirigir-nos a Ele. Imediatamente, mediante esse mantra, somos imersos na
oração que lhe corresponde, aquela que nasce realisticamente do receber sempre e antes de
tudo.
Mediante o batismo, Deus já fez a sua morada em nós; então, estamos simplesmente
tomando consciência desta verdade fundamental: o reino de Deus está aqui, em nós.
Recorda a advertência precedente sobre as diretrizes, se a esse ponto da nossa preparação,
estivermos cientes da presença de Deus que habita em nós; temos, assim, plena liberdade de
espírito para permanecer sintonizados com Deus, sem nem sequer sentir a necessidade de
completar o itinerário com os passos seguintes.
3. FOCALIZA-TE NA PALAVRA DE DEUS
Seguindo a minha invocação ao Espírito Santo, dirigindo-nos ao nosso coração e
colocando-nos na presença de Deus, o convite agora é para encontrar o Senhor que habita
em nós. Revisitemos a palavra ou a frase da Escritura, que nos atraíra em nossa preparação,
e a repitamos lentamente como um mantra. A chave é permanecer com o que nos atraiu ou
nos fascinou. Ruminemos essa Palavra enquanto não gerar uma resposta afetiva. Se
surgissem bons afetos por exemplo, gratidão pela misericórdia de Deus, temor reverencial
pela Sua Majestade, dor pelo pecado, desejo de ser mais fiel deixa-te levar por eles.
Recorda que a finalidade da oração cristã não é pensar muito, mas amar muito.
Na meditação cristã, nós nos preparamos permanecendo calmos e tranquilos
interiormente (detemos toda fuga) e, depois, empenhamos as nossas faculdades para
encontrar o Senhor nos nossos pensamentos, desejos e sentimentos. A fim de permitir esse
envolvimento com a Palavra, São Francisco de Sales recomenda o método inaciano que pede
o uso da imaginação. Permanecendo com o trecho evangélico escolhido, visualiza a cena e
torna-te presente a Jesus quer como observador quer como participante. O observador
observa, olha e nota o que está acontecendo, enquanto o participante participa, assumindo
algum papel, identificando-se por exemplo com um dos personagens da cena. Seja que te
insiras como observador ou como participante, olha as pessoas, ouve o que estão dizendo e
consideras o que estão fazendo. Serve-te dos teus cinco sentidos para ver, ouvir, degustar,
aspirar, tocar. Às vezes, aquela história torna-se a tua história.
25 Cf. FR. DE SALES, Introdução à vida devota, par. II, c. 2.
26 Cf. FR. DE SALES, Tratado do amor de Deus, Livro V.
25

3.7 Page 27

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Durante o tempo da meditação ou antes de te levantares, inicia uma conversação. É o
momento da ligação Eu-Tu. Trata-se de um encontro direto; de um momento de intimidade,
que pode ser com ou sem palavras.27 A finalidade da meditação cristã é levar-nos da reflexão
à relação. Tão logo entramos em diálogo com o Senhor, começamos a fase da comunhão no
amor, em que a meditação cruza o limiar e entra na contemplação.
4. UMA ATITUDE DE ESCUTA
O ponto de chegada da meditação cristã não é pensar em Deus, mas estar presente ou
atento a Deus que está presente; ir além das palavras, para entrar numa atitude de
receptividade e abertura a fim de haurir de Deus. Lamentamos frequentemente que Deus
não nos escuta, ou poderíamos crer erroneamente que falamos sozinhos conosco mesmos!
Contudo, para dizer a verdade, o problema não é, de modo algum, de Deus, mas nosso.
«Muitas vezes, os nossos corações estão predispostos apenas para a transmissão, e os apelos
que nos chegam não são acolhidos».28
Quando, enfim, conseguimos que a nossa mente e os nossos sentimentos façam
silêncio, então, sim, estamos para entrar numa posição capaz de receber Deus.
Desenvolvemos uma atitude de escuta, mais do que uma elaboração de pensamentos.
Deixamos de lado palavras, pensamentos, sentimento e ficamos simplesmente à escuta.
Quando escutamos, estamos abertos para receber qualquer coisa de novo, já não somos nós
que temos o controle; mantemos uma atitude de receptividade, que nos permite ser
surpreendidos pelo Espírito. Permitimo-nos que Deus nos guie. Como em toda experiência
de amizade, na medida em que a relação se aprofunda, queremos simplesmente estar juntos,
sem nos preocuparmos com as palavras, usufruindo da companhia recíproca.
Uma mudança importante ocorre neste ponto da nossa meditação, quando o centro de
gravidade muda de nós mesmos para estar presente a Deus. A ênfase já não está nos
pensamentos sobre Deus, mas em estar presente a Deus. Ficamos felizes pela comunhão com
Deus e em Deus nos concentramos (poderíamos dizer absorvidos!). Neste estado de
receptividade e passividade, o convite é «deixar-se amar por Deus».29 O que começou com
o nosso esforço torna-se sempre mais graça de Deus, enquanto nos deixamos conduzir pelo
Espírito numa comunhão sempre mais profunda com Deus. São Francisco de Sales define
esta fase contemplativa da meditação como oração da quiete. É uma oração obviamente sem
necessidade de palavras e exprime a comunhão com Deus que se percebe contemplando
João evangelista que repousa sobre o peito de Jesus na última Ceia.30 É a oração em que
escutamos as batidas do coração de Deus.31
Depois de ter derramado o seu Espírito nos nossos corações, é Deus quem ora em
nosso interior; sintonizamo-nos, então, com a oração em nosso interior, que começa com
pensamentos e palavras, mas leva-nos ao silêncio e à atitude de escuta e receptividade. O
silêncio interior é uma viagem ao nosso coração, entendido como o núcleo mais profundo
do nosso ser, onde Deus já está presente. Disse Paulo: «Eu vivo, mas não eu: é Cristo que
vive em mim» (Gl 2,20). Poderia ter dito igualmente: «Eu oro, mas não eu: é Cristo que ora
27 Cf. F. LYNCH SJ, When You Pray, Messenger Publications, Dublin 2016.
28 E. MC CAFFREY OCD, Patterns of Prayer, Paulist Press, New York 2003, 29.
29 ELISABETE DA TRINDADE, Eu encontrei Deus, in The Complete Works of Elizabeth of the Tirinity, I, trad. de A. Kane,
ICS Publications, Washington 1984, 179.
30 OEA IV: 332-333.
31 Cf. J. P. NEWELL, Listening for the Heartbeat of God, Paulist Press, New Jersey 1997, 1.
26

3.8 Page 28

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em mim». Abrir o nosso coração permitindo que Jesus ore em nós: eis aí o que entendemos
por contemplação.32
Deus como Espírito encontra-me no nível do meu espírito, que é mais profundo do
que as palavras ou as imagens. Já não depositamos a confiança nos sentidos, enquanto nos
movemos no reino do espirito. Este colocar as emoções de lado, ou quase poderíamos dizer
a aridez e a escuridão dos sentimentos, indica que a parte mais emocional da pessoa
(gratificação sensorial) está começando a exaurir-se, e as riquezas da alma são transferidas
para o espírito. Antes de ser um indicador de diminuição da oração, essa experiência é um
sinal de que Deus está se tornando sempre mais o ator ou agente principal, enquanto a
pessoa se torna sempre mais receptiva, aberta à ação da graça. Indica uma maior pureza da
oração porque a nossa oração não depende mais do que obtemos dela; buscamos «o Deus
das consolações e não as consolações de Deus».33 Trata-se de um crescimento normal no
interior da meditação e não nos devemos preocupar com a falta de emoções, fazendo delas
quase uma fixação. São Francisco escreve: «Não percas tempo durante a oração, procurando
entender com exatidão o que estás fazendo ou como estás orando; porque a melhor oração
é aquela que nos mantém tão aprisionados por Deus que não pensamos mais em nós
mesmos nem no que estamos fazendo». Não sejas como «a noiva que fica tão cativada pelo
brilho do anel de noivado que não condescende em oferecer ao noivo que o deu nada além
de um olhar».34 Quando em nossa meditação não parece acontecer nada digno de nota, é
importante mudar o objetivo para a qualidade da vida fora da oração, por exemplo, se estou
sendo mais generoso, paciente, disponível para aceitar as coisas, capaz de perdoar, etc.
Nessa oração, é Deus quem está no controle do meu ‘estado orante’, e o abandono a Ele
continua a se dar mesmo fora do momento da oração, no interior da vida. É uma oração
descentrada (não centrada sobre si) e revela-se e reverbera na qualidade da vida. É um
estado não induzido por alguns métodos, mas é dom direto de Deus.
5. CONCLUIR COM RESOLUÇÕES E GRATIDÃO
Vemos claramente na Introdução à Vida Devota que São Francisco anseia por
transformar o simples desejo de Filoteia de viver o Evangelho numa firme determinação de
realizá-lo. Esse é o motivo pelo qual evidencia a necessidade de resoluções que derivam dos
afetos de que se fez experiência durante a meditação. Para que esses afetos produzam bons
frutos é preciso, então, transformá-los em ação, caso contrário, a meditação corre o risco de
ser apenas um momento de autoabsorção. As resoluções traduzem a oração em vida. Por
exemplo, pode-se decidir ser mais fiel à oração, ou mais pronto a perdoar, mais desejoso de
compartilhar a fé com os outros, ou mais determinado a resistir ao pecado, e isso de maneira
mais prática e concreta possível.
Sobretudo depois de te levantares da meditação, deves recordar as resoluções e
decisões que tomaste e colocá-las em prática atento a elas precisamente naquele dia. Esse é
o grande fruto da meditação e, sem ele, a meditação, com frequência, não só é inútil, mas
pode ser até danosa. Às vezes, as virtudes meditadas, mas não praticadas, incham a nossa
mente e o nosso acreditar que somos corajosos, acabando por acreditarmos que somos
realmente como só mentalmente pensamos e decidimos ser.35
32 Cf. M. FALLON MSC, Yielding to Love (2005), acessível em http://mbfallon.com/prayer.html [31/10/2020]
33 OEA V, 142.
34 OEA IV, 336.
35 Cf. OEA III, 83.
27

3.9 Page 29

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A nossa boa intenção não é suficiente; devemos traduzi-la em ação. Esse é o motivo
pelo qual São Francisco desconfia de quem vê a espiritualidade simplesmente em termos de
um diferente estado de consciência ou de se sentir bem. Poderíamos não ser capazes de
controlar como nos sentimos, mas podemos controlar como escolhemos agir. Não é
indispensável sentir-nos inflamados pelo amor para fazer o que o amor requer. Sentir-se bem
ou fazer uma experiência religiosa extraordinária não é o critério para julgar a autenticidade
da própria espiritualidade. Como se quisesse garantir-nos raízes bem plantadas na terra,
São Francisco recorda-nos que a garantia da santidade, não está em voar nas asas de
experiências místicas, mas, sim, agir como é exigido pelo amor. Consequentemente, é a
pessoa que menos amamos que mais nos desafia e leva a amar, antes de quaisquer
sentimentos místicos que também poderíamos nutrir dentro de nós. Nisso, Francisco está
em muita sintonia com Santa Teresa d’Ávila, que reitera não serem as experiências místicas
a garantia de santidade, mas, sim, as boas obras.36
As resoluções são necessárias pois, dessa forma, a oração (amor afetivo) afeta o nosso
comportamento e as escolhas concretas que nos levam ao serviço no mesmo dia (amor
efetivo). São Francisco de Sales aconselha-nos a voltar durante o dia ao que nos impressionou
no tempo da meditação e à nossa resolução, de modo que o dia possa ser “perfumado” pela
nossa meditação e “possamos pertencer a Deus em meio às atividades”. Enfim, recomenda
concluir o tempo da meditação-oração com expressões de gratidão a Deus pela luz e pelos
afetos que nos concedeu durante a oração; depois, fazer a oferta de nós mesmos a Deus em
união com a oferta de Jesus; enfim, um tempo de intercessão por nós mesmos e pelos outros.
6. REVISÃO DA ORAÇÃO
É útil manter um diário da oração para poder repercorrer o movimento da tua oração.
Com o tempo, emergem alguns esquemas e assim se aprende a verdade sobre si mesmo, e
é como aprender o modo de Deus se comunicar pessoalmente contigo. Ajuda-nos também
a recordar e aprofundar a nossa relação com o Deus que encontramos na meditação. Isso é
útil também para a direção espiritual, porque permite ao guia ajudar a aprofundar a vida
de oração.
Uma pergunta fundamental a se fazer aqui é esta: encontraste Deus? Em outras
palavras, passaste da reflexão à relação? A revisão da oração não é um exercício para avaliar a
“qualidade” da nossa oração em termos de boa ou má. É o nosso ego que deseja avaliar as
coisas em termos de sucesso. A fecundidade da oração não depende do que sentimos ou
não sentimos, percebemos ou não percebemos enquanto estamos em oração. O que nos pode
parecer “ruim” pode ser mais fecundo do que poderíamos imaginar. O que importa é a
nossa fidelidade à oração meditativa. É essa fidelidade que permite que o nosso
relacionamento com Deus cresça. Como diz São Francisco de Sales: Se tudo o que fazes é
retornar à presença de Deus depois das distrações, então, essa é uma ótima oração. A tua persistência
demonstra o quanto queres realmente estar com Deus.
Jesus evidencia em muitas de suas parábolas essa atitude de perseverança, de jamais
desistir. A nossa atenção não deve ser posta no que sentimos ou não sentimos em nossa
experiência de oração, porque, se assim fosse, significaria que já deixamos de orar e nos
36 A morada mais elevada no caminho da oração é, para Santa Teresa, idêntica ao êxtase da ação de Francisco,
através da caridade: «Se o coração permanece próximo ao Senhor, deve esquecer-se completamente de si; tão
esquecido de si, que a própria mente é totalmente tomada pelo prazer d’Ele e pela descoberta de novas
maneiras de expressar o próprio amor por Ele... este matrimônio espiritual produz constantemente vida a boas
obras» Cf. Collected Works of St. Teresa of Avila, cit. II, 446.
28

3.10 Page 30

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deixamos tomar pela preocupação e ocupação de nós mesmos. «Se buscarmos a nossa
satisfação, abandonaremos a oração tão logo ela se torne muito difícil, ou quando
experimentarmos aridez ou insatisfação, ou quando não tirarmos da oração o prazer que
esperávamos».37 O amor sabe tirar proveito das belas emoções e da aridez, das inspirações
e dos tempos de silêncio e escuridão, da virtude e do pecado. Como recorda São Francisco
de Sales, mesmo quando não sentimos nada e estamos num estado de aridez ainda assim
podemos exclamar: Senhor, não sou outra coisa que um pedaço de madeira ressequida: incendeia-
me.
Perguntas para ajudar a revisão
Como descreveria a animação na minha oração?
Há algo que me ajuda a dar atenção prolongada ao Senhor?
Há uma palavra ou uma frase ou um desejo que me conquistou?
Compreendi ou ao menos tive a sensação de ter compreendido?
Mantive um diálogo com o Senhor?
Como Deus e eu nos tornamos presentes/ausentes um ao outro?
Há algo sobre o que desejo retornar?
Que resolução fui convidado a tomar?
Para São Francisco, oração e vida são uma só coisa, assim como depois de expirarmos
precisamos necessariamente que os nossos pulmões inspirem. Inspiramos o amor de Deus
através da oração (amor afetivo) e expiramos o amor no serviço ao próximo (amor efetivo).38
A oração genuína leva de modo natural ao serviço desinteressado, ativando um amor que é
verdadeira caridade. Como em qualquer relação humana, também mediante a oração,
somos transformados e plasmados por Deus com quem estamos nos comunicando. «A
oração leva-nos além dos nossos limites no amor e, ao fazê-lo, transforma-nos sempre mais,
assemelhando-nos a Jesus, unindo-nos a ele».39 Isso explica porque a oração é essencial no
itinerário espiritual salesiano para deixar que “Jesus viva” em nós. Na oração, somos
transformados em Deus mediante o amor, assumindo o coração de Cristo podendo
responder às situações da vida com o amor e a compaixão de Cristo. Na terminologia
salesiana este movimento de arrebatamento, que nos leva para fora de nós mesmos e nos
enche de amor pelos outros, chama-se êxtase da ação.
Dificuldades durante a meditação
Muitos de nós renunciam à oração antes ainda de iniciar o caminho, porque não
acontece nada e somos muito impacientes para chegar ao aprendizado de esperar por Deus.
O problema com a espera está em não ter todos os detalhes a nossa disposição.
Permanecendo no nosso ponto de vista, estamos habituados a ter tudo sob controle e
queremos que Deus se mova dentro dos nossos tempos.40 É exatamente neste ponto que se
começa a aprender por experiência prática que o controle não é meu, mas de Deus. Deus
37 J. PHILIPPE, Time for God, cit. 21.
38 Cf. OEA IV, 301-302.
39 A. REGO, Holiness for all: Themes from St Thérèse of Lisieux, Teresian Press, Oxford 2009.
40 Cf. D. TORKINGTONS, How to pray. A practical Guide, McCrimmons, Great Wakering 2002.
29

4 Pages 31-40

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4.1 Page 31

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vem quando Deus quer, não quando nós queremos. Nossa tarefa é estar prontos para
recebê-lo a cada momento.
Por que Deus nos faz esperar?
Para pôr à prova os nossos verdadeiros motivos: tenho, de fato, o desejo de percorrer
todo o caminho e a energia para fazê-lo?
A espera cria paciência, desafiando as nossas expectativas limitadas e alterando a
nossa perspectiva.
A espera constrói a antecipação: em geral valorizamos muito mais as coisas quando
as devemos esperar por mais tempo.
Esperar transforma o nosso temperamento.
Esperar faz aumentar a intimidade e a dependência de Deus.
Resolução dos problemas
Quando a meditação é difícil, questiona-te:
Precipito-me na oração meditativa sem preparação?
Estou seguindo simplesmente os meus movimentos interiores e esquecendo-me
d’Aquele a quem estou dando atenção?
Há algo no meu modo de viver incoerente com a oração?
Surgiu uma ferida que deve ser levada ao Senhor para ser curada?
Tornei-me o centro da minha oração?
Não obstante a aridez ou a escuridão, ainda há em mim o desejo de perseverar na
oração?
O que está acontecendo na minha vida fora da oração?
30

4.2 Page 32

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A meditação como Lectio Divina:
partilha de uma simples experiência
Giuseppe Mariano Roggia, SDB
Uma historieta para começar
Estamos em 1965. Poucos meses depois da minha primeira profissão em 16 de agosto
de 1965, na Villa Moglia, Chieri, nas mãos do Padre Luigi Ricceri, eleito recentemente Reitor-
Mor. Em Foglizzo, começo o pós-noviciado, e os formadores preocupam-se para que
interiorizemos bem a reforma litúrgica; por isso, frequentemente convidam liturgistas para
intervenções formativas.
A iniciação à meditação recebida no noviciado, muito bem cuidada pelo mestre Padre
Benjamim Listello, é toda centrada nos livros de meditação, sobretudo os preparados por
Salesianos: além dos escritos de Dom Bosco e dos Reitores-Mores, o famoso Vade-mécum do
Padre Giulio Barberis, as conferências sobre o espírito salesiano do Padre Alberto Caviglia, os
livros de meditação do Padre Domingos Bertetto; depois, naturalmente, o Exercício de perfeição,
do jesuíta Alfonso Rodriguez, as obras de Santo Afonso Maria de Ligório e de São Luís
Maria Grignion de Monfort.
Os liturgistas de turno, em especial o Padre José Sobrero, insistem particularmente na
inspiração do Concílio de colocar no centro, no mesmo nível da Eucaristia, a Palavra de
Deus, principalmente a contínua, de todos os dias, segundo a distribuição das leituras
preparada pela reforma litúrgica. Também a meditação pessoal deve convergir para ela,
mais do que para muitos livros de meditação.
Pessoalmente, fico fascinado e fulgurado. Vou ao diretor (naquela época não era
possível tomar decisões autônomas desse tipo) e pergunto se posso abandonar os livros de
meditação e concentrar-me nas leituras do dia da Palavra de Deus. O superior olha para
mim entre atônito e divertido pela “estranheza” do pedido, mas com o coração largo que
tinha, responde: «Tudo bem, vai em frente!... De qualquer forma, ficarás rapidamente cansado e
voltarás aos livros de meditação».
Depois de 52 anos de vida salesiana devo dizer que não me cansei e não voltei à praxe
anterior, com todo o respeito pelo valor dos livros de meditação; antes, a paixão pela Palavra
de Deus e a Lectio divina enraizou-se aos poucos em mim de maneira exponencial, pelo que
para mim não teria sentido orientar a meditação quotidiana por outra que não seja a Carta
do amor do Pai para alimento quotidiano dos filhos, que é a Palavra de Deus do dia.
Que Lectio divina?
Temos hoje uma clara orientação do caminho de todo o povo de Deus, com uma Lectio
que deve conter não só as linhas fundamentais do método clássico, mas também os aspectos
típicos da espiritualidade carismática própria. Isso deve ser tido como sumamente
importante e significativo. De fato, uma Lectio divina genérica não pode sobreviver.
A experiência destes anos envolveu positivamente um grande interesse pela Palavra
de Deus e pela Lectio divina, que se tornou uma das expressões mágicas mais usadas na
linguagem eclesial e no jargão da vida consagrada. Entretanto, também evidenciou duas
31

4.3 Page 33

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tendências preocupantes: a primeira é transformar a Lectio, e isso aconteceu mais de uma
vez, em um tipo de moda que acaba por tornar maçante o caminho quotidiano das pessoas
e, depois, em muitos casos, a sua redução à imitação servil da Lectio monástica, causando
controvérsia entre proponentes e oponentes dentro dos Institutos e até duras críticas dos
próprios monges pela superficialidade e inadequação, tanto em relação ao tempo a ser
dedicado a ela, quanto pela maneira “atabalhoada” de realizá-la. No entanto, quer pelo
amadurecimento da reflexão conciliar quer pela intervenção do Sínodo, tem-se hoje
consciência de que a Lectio não é nem monástica (não obstante os grandíssimos méritos de
que os monges possam orgulhar-se nesse campo) nem monopólio de qualquer outro grupo
de crentes: a Lectio é simplesmente um empenho primário de toda vida cristã séria. Banidas,
portanto, as controvérsias e as variadas distinções, entremos na importância
/responsabilidade da Lectio, tanto como convicção pessoal e comunitária da sua
importância, quanto para encontrar e experimentar nela o específico carismático, contra
toda Lectio genérica ou “fotocopiada” de outros carismas e espiritualidades.
O itinerário da Lectio é essencialmente educativo
O método da Lectio é, por si só, essencialmente pedagógico. De fato, pode-se dizer, que
quase toma pela mão tanto o iniciante quanto o já iniciado nessa escola, levando-os à
abundante riqueza do alimento da Palavra, para que possa ser percebida com os sentidos
espirituais, ou seja, os idôneos, com a assistência do Espírito Santo, a acolher a teofania de
Deus e a antropofania de si, dos outros e do mundo inteiro.
Trata-se, portanto, de uma questão de método a dar atenção e iniciar com seriedade,
desde os primeiros passos da formação. De fato, é muito frequente encontrar jovens
religiosos/as que, no final do itinerário da primeira formação, não sabem como fazer uma
verdadeira meditação e muito menos uma verdadeira Lectio ou, ainda, continuam
imperfeitos a fazer meditação em outros textos, que não são o livro por excelência da
meditação, a Sagrada Escritura.
Queremos evidenciar apenas alguns aspectos, entre os que já conhecemos e, espero...
pratiquemos.
O primeiro refere-se à PREPARAÇÃO: a rica tradição da vida consagrada, na linha da
melhor escola dos mestres espirituais, sempre aconselhou dar atenção muito cuidadosa à
preparação para a meditação. A esse respeito, não vou me deter sobre a necessidade do
silêncio, da disciplina do tempo, do jejum do uso excessivo/abusivo e dependência dos
meios de comunicação... Creio importante redescobrir outra coisa, ou seja, ler antes, desde
a noite anterior, a Palavra do dia seguinte, quem sabe através da apresentação de algum
subsídio e comentário útil, a fim de ambientá-la em seu contexto e em sua compreensão
literal e histórica.
E, depois, o itinerário dos famosos 4 degraus:
1º LECTIO (leitura do texto, coleta dos elementos mais significativos, busca de alguma
expressão ou palavra que me “fira”, atinja o coração).
2º MEDITATIO (repetição/ruminação dessa expressão/palavra mediante uma espécie
de massa em fermentação e compreensão, para dar a possibilidade de um confronto “corpo a
corpo” com a própria experiência de fé e a própria situação existencial.
Encontro com o Cristo vivo (uma palavra que, de cristalizada na redação de um livro, se
tornou Palavra ardente, que deixa transparecer a pessoa de Cristo).
32

4.4 Page 34

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3º ORATIO (transformação em oração de louvor, ação de graças, arrependimento,
súplica...).
4º CONTEMPLATIO/OPERATIO (visitados pelo mistério de Deus, imergimos nele e,
depois, traduzimos a meditação na concretude de um propósito, para viver a Palavra ao
longo do dia).
Isso é necessário porque a Lectio é essencialmente um círculo sapiencial. A partir do
Livro, a Palavra escrita, e através da Lectio e da Meditatio, deve acontecer o encontro vivo
com Cristo vivo e, como consequência, confluir na oração. A oração irá traduzir em vida
concreta aquilo que meditei, de tal maneira que o meu dia entre santidade, trabalho,
fragilidade e fraqueza, se torne um passo a mais no meu crescimento e amadurecimento,
tornando-me pronto para um novo encontro com Cristo através de uma nova Lectio, uma
espécie de escada em caracol da assimilação progressiva ao próprio Cristo.
LIVRO
VIDA
ENCONTRO COM CRISTO
ORATIO
O específico carismático
Parece-me que o específico carismático (que aqui se refere a todo carisma de Vida
Consagrada) deve intervir sobretudo em dois pontos do método: na Meditatio e na
Contemplatio. Vejamos brevemente.
A. MEDITATIO
Dizíamos que a passagem da palavra escrita (através da frase/palavra que me
impressiona particularmente) ao corpo a corpo pessoal e ao encontro vivo com Cristo é
permitido por uma espécie de “massa em fermentação”. Do que se trata? A tradição
espiritual hebraica e cristã, sobretudo dos Padres, sempre acreditou que a Bíblia devesse ser
explicada com a Bíblia, em vez de com comentários e estudos de outro gênero.
Podemos chamar a essa operação de eco bíblico e consiste em compreender e dar
vivacidade à Palavra, que me “feriu” através de alguns outros fatos e palavras do texto
sagrado, por exemplo, uma frase em especial:
- Palavra: Jesus caminhava pregando e anunciando a boa-nova do Reino de Deus.
- Eco bíblico: Vai e anuncia o que te direi É preciso que eu anuncie o Reino de Deus também
às outras cidades Anunciando a boa-nova em todos os lugares Ide ao mundo todo e pregai
o Evangelho a toda criatura Então, eles partiram e pregaram em todos os lugares Ai de
mim se não evangelizo...
- Eco carismático: Em seguida, porém, também deve intervir o eco carismático, porque a
vocação cristã se exprime num número extraordinário de vocações específicas.
33

4.5 Page 35

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Isso quer dizer que o simples eco bíblico não é suficiente. Também deve haver alguma
coisa que seja um pouco a tradução da Bíblia para essa vocação específica. É interessante
notar que os próprios monges fazem Lectio divina deixando-se ajudar igualmente por textos
espirituais, sobretudo dos Padres da Igreja (que, em grande parte, eram monges) e da
própria Ordem. Portanto, com o eco bíblico também será necessário o eco carismático dos
“Padres carismáticos”.
Quem são eles para nós? A vida de Dom Bosco, nosso fundador, e o texto da nossa
Regra de vida, podendo-se acrescentar o magistério do nosso Instituto. Então, depois de
fazer um pouco de eco bíblico farei também um pouco de eco carismático, perguntando-me
onde e como encontro na vida de Dom Bosco e na Regra de vida a compreensão da
frase/palavra que me impressionou, e isso se torna a contribuição particular da minha
meditação, para o confronto com a minha vida.
B. CONTEMPLATIO
À escola de São Francisco de Sales estamos convencidos de que uma meditação que
não conflua num propósito concreto de vida é uma espécie de academismo com evidências
claras de soberba espiritual.1 A nossa Contemplatio deve ser, então, êxtase da ação. O que
acontece se eu dou atenção à “memoria Dei” durante o dia e vivo um empenho concreto,
que tenha sido o resultado da minha meditação. Recordar com frequência ao longo do dia,
repetir no coração aquela frase/palavra da meditação haverá de levar-me de novo à
presença de Deus, manterá desperta a reta intenção e canalizará o propósito a dar atenção
durante o meu trabalho quotidiano.
A collatio fraterna
São Paulino de Nola afirmava ainda no século IV que, ao ouvir a Palavra de Deus, é
importante pender, assim como da boca de Deus, também da boca de todos os fiéis, porque
o Espírito de Deus sopra em todos os discípulos do Senhor.2 E, então, entra em ação toda a
riqueza da Collatio fraterna ou Lectio comunitaria.
Trata-se da escuta do Senhor feita em comum, pela qual todo irmão/irmã (da
comunidade, do grupo paroquial...) é convidado/a a manifestar aos outros com
simplicidade de coração a sua reação diante do questionamento da Palavra e também do
seu caminho com o método da Lectio. Sendo verdade que a vida nos forma sobretudo através
da relação, isso significa que essa é a mediação normal, quotidiana, da verdadeira relação
com Deus, porque Ele continua dessa forma a prolongar o mistério da Encarnação e chega
até nós através dos outros, além de todos os seus limites, falhas e desilusões. A collatio
fraterna quer ser escuta da Palavra de Deus que passa através da pobreza da palavra
humana, não só dos pregadores, mas também dos irmãos de fé e de carisma.
É uma espécie de “magistério” do irmão, em cujos lábios, mais ou menos puros, não
importa, ressoa a santidade e a graça do Verbo eterno de Deus. As intuições de alguém se
tornam, de fato, luz para todos e a fraternidade/comunidade redescobre assim, sempre
mais, o próprio valor educativo e formativo, em que cada um pode enriquecer os demais.
Cada um torna-se testemunha para o outro narrando a própria experiência do corpo a corpo
com a Palavra. E isso tem repercussões formidáveis para a capacidade de caminhar juntos,
buscando o que, além de todas as dificuldades da comunidade, nos convoca e une,
1 Cf. F. DE SALES, Filotea, par. 2ª, c. VIII.
2 PAOLINO DI NOLA, Lettera 23 a Sulpicio Severo, in G. SANTANIELLO (ed,) Lettere, vol. I, LER, Marigliano (NA),
1992, 697.
34

4.6 Page 36

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precisamente a Palavra de Deus. E de aí, como contribuição muito rica e preciosa para o
discernimento comunitário, quer para as decisões da comunidade, quer para os Conselhos
de vários níveis (local, paroquial, inspetorial, de Instituto, ...). A collatio torna-se então não
apenas uma operação interessante, mas uma verdadeira metodologia de itinerário pessoal
e de comunidades fraternas.
Pelo menos uma ou duas vezes por semana, deve-se dedicar um tempo privilegiado
para compartilhar com os irmãos da comunidade os pequenos fragmentos da Palavra de
Deus, que nos impressionaram pessoalmente. É fundamental entender que o intercâmbio
frequente da Palavra aumenta a minha riqueza pessoal, a força persuasiva da Palavra e a
força unitária do relacionamento profundo entre os irmãos.
Isso tudo é apenas um conjunto de linhas iniciais, um conjunto ditado principalmente
pela experiência destes anos. Abre-se, também para nós, portanto, um imenso campo
fecundo de construção pessoal e comunitária ao redor da Palavra de Deus mediante uma
Lectio divina que seja real e, enfim, carismática.
Hipótese de itinerários formativos
Apenas algumas anotações, todas a discutir, mas com a preocupação de que para a
Lectio é preciso uma formação séria, muito atenta, durante toda a primeira etapa formativa,
a fim de garantir uma verdadeira habilitação para o itinerário com a Palavra.
A. Nas várias fases da primeira etapa formativa
Pré-Noviciado: primeiros exercícios orientados passo a passo pelo formador sobre
textos escolhidos, precedidos de uma boa apresentação. Cuidar particularmente da
preparação à Collatio.
Noviciado: iniciação sistemática, completa e muito atenta ao método todo. Dá-se como
pressuposto uma boa introdução à Bíblia. Dar muita atenção à preparação remota e próxima
do tempo da Lectio e da Collatio (possivelmente quotidiana). Introduzir revisões frequentes
de grupo sobre a própria experiência com o método da Lectio.
Pós-Noviciado: repassar o método, estudando-o também em numerosos textos agora
disponíveis. Cuidar muito especificamente do impacto da Palavra na vida pessoal e na
própria consciência (que se espera educada e em fase de reeducação), do mundo da cultura
que continua no estudo, experiências apostólicas ou contato com a sociedade. Por isso,
concentrar-se muito na Meditatio. A Collatio também seja muito frequente.
Última etapa (estudos teológicos/profissão perpétua/ordens): dar muita atenção à
qualificação para o discernimento através da Lectio e iniciar exercícios guiados de Lectio
divina com o povo e os jovens. A Collatio seja frequente com troca de experiências sobre ela.
B. Na formação continuada
Não teria muitas outras coisas a acrescentar ao que nos propusemos. Creio que deve
haver uma ruptura na casca grossa da mentalidade que ainda é muito resistente e tem
dificuldade de mudar hábitos do passado, para dar o verdadeiro primado e centralidade à
Palavra, com um tempo privilegiado à sua escuta quotidiana, à Collatio e à imersão com
simplicidade na pedagogia da Lectio divina. Acredito que os Responsáveis de Comunidade
e de Inspetoria devam dar uma atenção particular a tudo isso insistindo na mudança de
mentalidade, que agora é inadiável, e oferecer oportunidades de instrução e formação
concreta, pelo menos como trabalho frutuoso depois do Sínodo sobre a Palavra.
35

4.7 Page 37

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Conclusão
Gostaria de concluir com algumas linhas do Card. Martini tiradas de uma entrevista:
«Não me canso de reiterar que é necessário fazer da Palavra o principal instrumento para a
formação da vida cristã de hoje. Uma das conquistas mais importantes do evento conciliar
e de todo o seu processo de assimilação pela Igreja foi a capacidade de assumir a Palavra de
Deus como lugar e campo de formação para a educação cristã, um instrumento de formação
que deveria ser integrado na forma mais clássica e tradicional da catequese […]; redescobrir
o potencial que a Palavra de Deus tem em termos de educação e amadurecimento da fé
cristã é certamente um dom precioso, uma intuição cheia de frutos».3
3 C. M. MARTINI, Intervista a cura di L. BRESSAN, in Rivista del Clero Italiano 10 (2008) 664.
36

4.8 Page 38

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Três perspectivas sobre a importância da meditação cristã
Xabier Blanco, SDB
I. Jesus, o homem dos “três tempos”
A renovação da vida cristã passa pela integração harmoniosa dos “três tempos” que
marcaram a vida de Jesus: ação-oração-comunidade.
Jesus é o homem dos três tempos. Assim foi definido pelo Cardeal Martini.
Nos Evangelhos, Jesus aparece falando e agindo, curando e saindo em defesa e socorro
dos indefesos. É o seu “primeiro tempo”. Sem este seu “tempo”, Jesus seria irreconhecível
para nós.
A sua vida, porém, não está toda aqui. Os Evangelhos apresentam-no muitas vezes
enquanto ora ao seu Pai, enquanto está caminhando ou retirando-se sozinho na montanha
para orar. É o “segundo tempo” de Jesus. Se eliminássemos esse componente, Jesus também
seria irreconhecível. Orar ao Pai não é um aditivo secundário; faz parte intimamente d’Ele.
E o “terceiro tempo”? É o tempo da comunidade, dos seus discípulos e amigos, o
tempo que dedica à formação deles, mas também a repousar e divertir-se com eles... É o
tempo das suas idas a Betânia. Este terceiro tempo também é parte integrante da vida de
Jesus.
Queremos concentrar-nos na oração de Jesus, que é o seu segundo tempo, mas, antes,
proponho uma observação. Se Jesus viveu assim, poderíamos nós viver com dois ou mesmo
com um só desses “tempos”? Acredito realmente que não. Os três tempos – ação, oração,
comunidade fazem parte da estrutura da fé cristã. A vida de fé não pode ser sustentada
longamente sem uma boa harmonia dos três elementos, fazendo-os fluir de modo que se alimentem
reciprocamente. Essa é uma primeira reflexão.
Não queremos que os Salesianos pretendam ser melhores do que Jesus, vivendo
apenas em um ou dois tempos. Procuremos ser como Ele “homens de três tempos”, e a
oração, sem mais, é uma parte deles. Uma oração que nos conecta mais e melhor com Ele,
com a comunidade e com o mundo.
II. A importância do “tempo da oração”
Por que, e pelo que, Jesus ora? É curioso. Jesus é o homem mais unido a Deus que já
tenha existido. Ele vive “do” Pai e “com” Ele, age no Seu nome, sente-se ungido pelo
Espírito Santo para cumprir a missão do Reino de Deus, é o enviado pelo Pai, total e
plenamente consagrado a essa missão. Por que, então, vai à montanha, sozinho, para orar,
se toda a sua vida já está no mesmo comprimento de onda do Pai?
Jesus busca o encontro face a face com Aquele por quem foi enviado ao nosso mundo.
Quer encontrá-lo como um Tu amado, de quem recebe inteiramente o seu ser, contemplar
o seu rosto, ouvir a sua Palavra, sentir o seu amor e ouvir o seu envio, e tudo isso “ao vivo”,
face a face.
37

4.9 Page 39

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A oração de Jesus é apostólica, tem a ver com a sua missão. É curioso notar que Jesus
não vai à montanha para orar quando não tem o que fazer, mas quando está imerso em
muitas necessidades ou quando tem algo importante a decidir. E, como homem, precisa
compartilhar e discernir com o Pai as situações que enfrenta e como agir nelas. Jesus ora
para ver mais claramente, para ser confirmado diante de Deus no que Deus lhe pede. Como
escreveu um teólogo há algum tempo: «Jesus, que encontra Deus enquanto caminha, às
vezes, deixa a estrada para encontrar Deus (de outro modo)».
Em meio à sua intensa atividade de profeta itinerante, Jesus, no silêncio e na solidão,
sempre cuidou da sua comunicação com Deus. Os Evangelhos conservaram a memória do
seu modo de agir deixando uma profunda impressão: Jesus costumava retirar-se à noite
para orar.
O episódio narrado por Marcos (1,29-39) ajuda-nos a saber o que a oração significava
para Jesus. O dia anterior fora um dia cansativo. Jesus «curara muitos que estavam
doentes». Poderíamos dizer que se tratara de um grande sucesso. Cafarnaum inteira estava
em choque pelo que acontecera: «A cidade toda estava reunida diante da porta» da casa de
Simão onde ele estava. Todos falavam d’Ele.
Naquela mesma noite, «ao alvorecer», entre as três e seis da manhã, Jesus levantou-se
e, sem avisar os discípulos, retira-se em campo aberto «e lá orava». Ele precisa estar sozinho
com seu Pai. Ele não quer ficar extasiado com o sucesso. Busca apenas a vontade do Pai: conhecer
bem o caminho que deve percorrer.
Surpresos com a sua ausência, Simão e seus companheiros correm a procurá-lo. Não
hesitam em interromper o seu diálogo com Deus. Querem levá-lo de volta com eles: «Todos
te procuram». Jesus, porém, não se deixa programar a partir de fora. Pensa apenas no
projeto do seu Pai. Nada nem ninguém o fará abandonar o seu caminho.
Realmente, não está interessado em ficar ali e beneficiar-se do seu sucesso em
Cafarnaum. Não cede ao entusiasmo popular. Há outras aldeias que ainda não ouviram a
Boa-Nova de Deus: «Vamos a outros lugares... a fim de que lá também eu pregue».
Uma das características mais positivas do cristianismo contemporâneo é ver que se está
despertando para a necessidade de dar mais atenção à comunicação com Deus, ao silêncio e à
meditação. Os cristãos mais perspicazes e responsáveis querem levar a Igreja de hoje a viver
de modo mais contemplativo. Decerto, também os Salesianos mais argutos e responsáveis
desejarão fazer com que a Congregação viva de modo mais contemplativo.
É urgente. Como os cristãos em geral não somos mais capazes de estar sozinhos com
o Pai. Nós, teólogos, pregadores e catequistas falamos muito de Deus, mas falamos pouco com Ele. O
modo de Jesus agir foi esquecido há muito tempo. Nas paróquias há muitos encontros de
trabalho, mas não sabemos como nos retirarmos para repousar na presença de Deus e encher-nos da
sua paz.
Somos sempre menos fazendo mais e mais coisas. O perigo é cairmos no ativismo, e acabar nos
esgotando e ruindo no vazio interior. A bem ver, o nosso problema não é ter muitos problemas,
mas não ter a força espiritual para enfrentá-los.
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4.10 Page 40

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III. A meditação cristã (e salesiana) como momento-chave do tempo da oração
A meditação é uma prática que favorece a “posse” da força espiritual necessária para
enfrentar a vida com todas as suas alegrias e dificuldades... A meditação ajuda a criar
Salesianos “contemplativos”, como diria Padre Tonino Bello.
1. A IMPORTÂNCIA DE APRENDER A MEDITAR”. O TESTEMUNHO DE PABLO D’ORS.
«Comecei a sentar-me para meditar em silêncio, parado, por minha conta e risco, sem
que alguém me oferecesse qualquer noção básica ou me acompanhasse no processo. A
simplicidade do método sentar-me, respirar, silenciar os pensamentos... e, sobretudo, a
simplicidade da sua pretensão reconciliar o homem com o que ele é seduziu-me desde
o início. Sendo de temperamento tenaz fui fiel, por vários anos, à disciplina de simplesmente
ficar sentado e recolher-me; e logo entendi que se tratava de aceitar de boa vontade qualquer
coisa que viesse, fosse o que fosse.
Durante os primeiros meses, meditei mal, muito mal; manter minhas costas retas e
meus joelhos dobrados não foi fácil para mim, e, como se não bastasse, respirava com certa
aflição. Estava perfeitamente ciente de que ficar sentado, sem fazer nada, era tão estranho à
minha formação e à minha experiência, quanto, pelo que possa parecer paradoxal, tão
conatural ao que eu era no profundo de mim mesmo. Contudo, havia algo muito mais
poderoso que me atraía: a intuição de que o caminho da meditação silenciosa haveria de me
levar ao encontro comigo mesmo tanto quanto ou mais do que a literatura, a que fora
sempre muito afeiçoado.
No bem ou no mal, desde a minha primeira adolescência fui uma pessoa muito
interessada em aprofundar a minha identidade. Por isso, fui também um leitor insaciável.
E, por isso também, estudei filosofia e teologia na juventude. O perigo de uma inclinação
desse tipo é, naturalmente, o egocentrismo, mas graças ao sentar-me, respirar e nada mais
além disso, comecei a entender que essa tendência podia ser erradicada não com a luta e a
renúncia, como me fora ensinado na tradição cristã, à qual pertenço, mas com a do ridículo
e da exaustão. Porque todo egocentrismo, também o meu, levado ao extremo mais radical,
mostra o quanto é ridículo e inexequível. Improvisamente, graças à meditação, o narcisismo
também mostrou um lado positivo: graças a ele, pude perseverar na prática do silêncio e da
quiete. Porque, também para o progresso espiritual, é preciso ter uma boa imagem de si.
Durante o primeiro ano, ficava muito inquieto quando me sentava para meditar:
doíam-me as costas, o peito, as pernas... Para dizer a verdade, doía-me quase tudo. Logo
percebi que não havia quase um instante em que não sentisse dor em alguma parte do corpo;
o fato, porém, é que só quando me sentava para meditar tomava consciência daquela dor.
Habituei-me, então, a perguntas deste tipo: “O que está doendo? Como me dói?”, e
enquanto me fazia essas perguntas e procurava responder, a dor ia embora, ou
simplesmente mudava de lugar.
Em seguida tirei disso uma conclusão: a pura observação é transformadora; como diria
Simone Weil que comecei a ler na época não há arma mais eficaz do que a atenção.
A inquietude mental, que eu percebia logo depois do mal-estar físico, não era para
mim uma batalha menor ou um obstáculo mais suportável. Ao contrário: um tédio infinito
39

5 Pages 41-50

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5.1 Page 41

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aninhava-se em muitas das minhas sessões, como comecei a chamá-las então. Era
atormentado por alguma ideia obsessiva, que não conseguia erradicar, ou por alguma
lembrança desagradável, que persistia em apresentar-se justamente durante a meditação.
Respirava harmoniosamente, mas a minha mente era bombardeada por um desejo
insatisfeito, por um sentimento de culpa por algum dos meus muitos falimentos, ou pelos
meus temores recorrentes, que se apresentavam sempre com novas feições. Fugi disso tudo
de maneira um tanto inábil: diminuindo os meus períodos de meditação, por exemplo, ou
coçando compulsivamente o pescoço ou o nariz onde com frequência se concentrava um
prurido irritante; imaginando também cenas que poderiam acontecer porque sou muito
fantasioso ; compondo frases para textos futuros dado que sou escritor ; redigindo listas
de tarefas a cumprir; recordando episódios do dia; sonhando com o amanhã... Devo
continuar? Antes de entrar por esse caminho, descobri que estar em silêncio comigo mesmo
é muito mais difícil de quanto imaginasse. Não demorou muito para eu tirar disso uma
nova conclusão: era quase insuportável para mim estar comigo mesmo, e era por isso que
fugia continuamente de mim mesmo. Essa percepção levou-me à certeza de que, por mais
ampla e rigorosa que fosse a análise da minha consciência durante o meu decênio de
formação universitária, a minha consciência continuava, no fundo, um território pouco
explorado.
A sensação era a de alguém que se agitava na lama: era preciso um pouco de tempo
para que a lama se sedimentasse e a água começasse a ficar limpa. Mas sou um tipo
determinado, como disse, e continuando assim, com o passar dos meses entendi que quando
a água ficou limpa, começou a povoar-se de plantas e peixes. Ainda com mais tempo e
determinação, percebi que, quanto mais observadas, a flora e a fauna interior ficam mais
ricas. E agora, enquanto escrevo este testemunho, admiro-me que pudesse existir tanta lama
onde agora descubro uma vida tão variada e exuberante.
Enquanto não decidi praticar a meditação com todo o rigor de que eu era capaz, tive
muitas experiências ao longo da minha vida. Cheguei a um ponto em que, sem receio de
exagerar, posso dizer que não sabia nem mesmo quem eu fosse: viajara por muitos países;
lera milhares de livros; tinha um diário com muitos contatos e me apaixonei por mais
mulheres do que me lembrava. Como muitos dos meus contemporâneos, eu estava
convencido de que quanto mais experiências eu tivesse e mais intensas e deslumbrantes elas
fossem, mais cedo e melhor eu me tornaria uma pessoa completa. Hoje sei que não é assim:
o número de experiências e sua intensidade servem apenas para nos atordoar.
Demasiadas experiências são, não raramente, danosas. Não acredito que o homem seja
feito para a quantidade, mas para a qualidade. As experiências, se vivermos apenas para
colecioná-las, nos abalam, abrem horizontes utópicos, nos embebedam e confundem... e até
diria que qualquer experiência, mesmo a mais inocente, é, em geral, muito arrebatadora
para a alma humana, que só se nutre se o ritmo do que lhe é oferecido for lento.
Graças a essa iniciação à realidade, que descobri por meio da meditação, vim a saber
que os peixes coloridos no fundo do oceano, que é a consciência, e a flora e a fauna interiores
de que já falei só podem ser observadas quando o mar está calmo, e não com as ondas e a
tempestade das experiências. E eu sabia que mesmo quando o mar está ainda muito calmo,
o que se percebe não são mais os peixes, mas apenas a água, a própria água. Para os seres
40

5.2 Page 42

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humanos, porém, os peixes geralmente não bastam, muito menos simplesmente a água; nós
preferimos as ondas: elas nos dão a impressão de estarem vivas, quando a verdade é que
elas não são vida, mas apenas vivacidade.
Hoje sei que é bom deixar de fazer experiências, independentemente da sua natureza,
e limitar-se apenas a viver: deixar a vida expressar-se como ela é e não a preencher com os
artifícios das nossas viagens ou leituras, relacionamentos ou paixões, espetáculos,
entretenimentos, pesquisas... todas as nossas experiências tendem a competir com a vida e
quase sempre conseguem substituí-la e também anulá-la. A vida real está por trás do que
chamamos de vida. Não viajar, não ler, não falar... os três são melhores do seu oposto para
a descoberta da luz e da paz.
Naturalmente, para vislumbrar algo de tudo isso, que tão velozmente se escreve e tão
lentamente se aprende, tive que me familiarizar com as minhas sensações corporais e, mais
difícil ainda, classificar os meus pensamentos e sentimentos, as minhas emoções. Porque é
fácil dizer que se têm algumas distrações, mas é muito difícil tomar consciência do tipo de
distrações que se têm» (PABLO D´ORS, Biografia do Silêncio).
2. A FORÇA DA MEDITAÇÃO CRISTÃ. TESTEMUNHO DE PABLO D’ORS.
«Alguns de nós tiveram o que é definido como experiência mística, um momento de
contato com a esfera sobrenatural. O critério para verificar a autenticidade dessas
experiências é o poder de transformar a própria vida. O destinatário dessa experiência não
é mais a mesma pessoa depois dela. Isso também não é suficiente para demonstrar o seu
caráter sobrenatural, mas dá-lhe grande credibilidade. A primeira experiência mística que
tive e a fundamental foi aos 19 anos, levando-me a entrar em uma congregação religiosa
e, anos depois, a ser ordenado sacerdote.
Essa experiência espiritual foi caracterizada por estes três movimentos da alma: o
sentimento de ser reconhecido e amado (havia algo ou Alguém para quem eu era realmente
importante); a necessidade de me entregar à Fonte de significado que unifica a minha vida;
a alegria profunda. Em resumo: sentir que se é amado; o desejo ardente de se doar; a alegria
de existir, que não é apenas um movimento interior da alma.
Não é difícil interpretar essa experiência com as categorias próprias da fé cristã: o Pai
me ama; o Filho impele-me a doar-me, a ser outro Cristo para o mundo; o Espírito infunde
a alegria de existir. O poder da teologia cristã, contudo, não é tão decisivo a ponto de
condicionar a própria experiência.
Quero dizer que a religião cristã me ajudou a entender o que vivi, mas não o como
vivi. É muito provável que no curso da história existissem muitos que tiveram uma
experiência muito semelhante à descrita e não a interpretaram a partir de Cristo, mas de
outros deuses, profetas ou mediadores divinos.
Quanto a Jesus Cristo, devo dizer que jamais encontrei em nenhuma outra figura da
história uma ponte tão sublime e convincente para o transcendente. De ninguém, a não ser
d’Ele, eu tive a percepção de que estava realmente vivo. E esta é a segunda experiência
mística à qual gostaria de me referir, que é evidentemente uma explicitação da primeira: é
amar uma pessoa e sentir-se amado por essa mesma pessoa que esteve neste mundo e que
não vive mais aqui.
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Esta é uma experiência autenticamente cristã, enquanto a anterior pode ser vivida por qualquer
confissão religiosa ou mesmo sem qualquer pertença confessional.
Há ainda outra experiência mística que gostaria de narrar neste texto: a do silêncio.
Ser reconhecido e amado, ter necessidade de doar-se, de relacionar-se com Cristo, de sentir
alegria profundamente espiritual..., tudo isso tende a diluir-se e até mesmo desaparecer se
não for nutrido e reavivado no silêncio interior.
Por natureza, tendemos a preservar o que experimentamos através do pensamento e
da ação. Mas nem o pensamento nem a ação podem manter viva e eficaz qualquer
experiência espiritual, pela simples razão de que as experiências do Espírito só se mantêm
vivas pelo próprio Espírito. Abandonar tudo a Seus pés, tudo sem exceção, até a pobreza e
a nudez mais absoluta, é o que se conhece no cristianismo como contemplação. E é sobre
isso que se baseia a experiência do silêncio e da meditação.
Para concluir, direi que em toda experiência espiritual há uma etapa do Pai, que é a
Origem da aventura humana; uma etapa do Filho, que é o Logos palavra que se entrega
ao mundo; e uma etapa do Espírito, que renova a vida, sempre no silêncio da oração, o único
espaço-tempo que nós, seres humanos, reservamos exclusivamente a Deus. A minha
experiência de meditação é muito simples e poderia ser resumida nesses três pontos:
1. Não se trata de uma técnica, mas de uma arte, ou seja, o método não conta tanto
quanto a pureza ou a retidão da intenção.
2. Constância e simplicidade recitando com atenção e amor um mantra são suficientes
para produzir efeitos surpreendentes, que, contudo, não deveriam ser buscados ou
esperados.
3. Estes afetos quase nunca são percebidos na meditação em si, mas na vida quotidiana,
e são: lucidez, coragem e benevolência, isto é, clareza de pensamento, liberdade de ação e
compaixão pelo gênero humano
Quem vive dessa maneira experimentará a alegria de existir de que falei antes. Estas
poucas palavras sejam um testemunho da minha humilde, mas extraordinária experiência
de filho de Deus» (PABLO D’ORS, La alegria de ser).1
1 In https://it.scribd.com/document/396270551/d-Ors-Pablo-La-alegria-de-ser-pdf [31/10/2020].
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Conclusão
Giuseppe Buccellato, SDB
À conclusão deste trabalho, expressamos o nosso agradecimento pessoal ao
Conselheiro Geral para a Formação, Padre Ivo Coelho, e aos seus colaboradores por terem
concentrado a atenção da Congregação e, em particular, dos envolvidos nos itinerários de
formação inicial e permanente, sobre um tema de extraordinária importância para a vida
espiritual e a eficácia pastoral de nossas comunidades.
O convite que o mesmo Padre Ivo nos dirigiu na Introdução a «fortalecer os aspectos
pedagógicos da formação» parece urgente, em particular, como ele mesmo afirma, para
aqueles que têm a tarefa de «acompanhar os formandos na vida de oração, ajudando-os a
“fazer experiência” dos valores da vocação salesiana».
Este convite se enraíza na consciência de que, como afirma o Padre Chávez na carta
Testemunhas da radicalidade evangélica, o salesiano hoje «é chamado a ser místico: num mundo
que começa a fazer sentir sempre mais claramente o desafio do secularismo», precisamos
«encontrar uma resposta no reconhecimento do primado absoluto de Deus» na «total entrega de
si» e na «conversão permanente duma existência oferecida como verdadeiro culto
espiritual» (ACG 413, 13). Muitos anos antes, outro Reitor-Mor, o Padre Pedro Ricaldone,
esperava que: «O Senhor se digne conceder a graça da contemplação a muitos filhos de Dom
Bosco, para que imitem cada vez mais perfeitamente o seu Pai e Fundador, reavivando na
oração contemplativa as chamas do próprio zelo»1 (La pietà, 185).
Confiamos esta nossa pequena contribuição à Auxiliadora em vista da valorização do
papel da meditação quotidiana na vida salesiana. A Virgem do Silêncio ajude-nos a conservar
no coração e fazer frutificar a Palavra para que a nossa vida se torne, desde os primeiros
anos da nossa profissão religiosa, um reflexo daquela graça de unidade que caracterizou a
experiência humana e espiritual do nosso Dom Bosco. Cada um de nós possa dizer, com o
pensamento voltado para o fundador e parafraseando as palavras de uma bela poesia de
Liliana De Mari, olho-me no espelho e espero te ver...
1 P. RICALDONE, La Pietà. Vita di pietà. L’Eucaristia. Il Sacro Cuore, Libreria Dottrina Cristiana, Colle Don Bosco
1955, 185.
43

5.5 Page 45

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SOCIETÀ' DI SAN FRANCESCO DI SALES
6('(&(175$/(6$/(6,$1$
Via Marsala 42 - 00185 Roma
Consigliere generale per la formazione
icoelho@sdb.org
Para:
Cleofas Murguia
Eunan McDonnell
Francisco Santos Montero
Giuseppe Buccellato
Giuseppe Mariano Roggia
José Kuttianimattathil
Silvio Roggia
Xabier Blanco
Roma 9 de janeiro de 2018
OBJETO: SEMINÁRIO DE ESTUDO SOBRE A MEDITAÇÃO, 10-12 DE MAIO DE 2018
Caríssimo Irmão,
Uma saudação fraterna e calorosa desde a Sede Central, Roma.
Entre as tarefas confiadas ao Dicastério para a formação neste sexênio está a renovação do
manual de oração salesiana. No decorrer deste trabalho, queremos dedicar uma reflexão específica
à meditação, para poder oferecer ajuda e orientação de modo especial às casas de formação inicial,
mas sem descurar as demais casas, aproveitando ao máximo este momento fundamental da vida de
oração dos Salesianos de Dom Bosco.
Um primeiro passo nessa direção seria apresentar através de um momento de confronto de
experiências, para entendermos juntos a partir da experiência pessoal de cada um o que a
meditação traz consigo em nossa tradição carismática e no caminho que a Igreja, a vida religiosa e a
congregação estão trilhando nos últimos anos.
Peço a tua disponibilidade para participar no encontro que o Dicastério para a formação
dedicará a esse tema entre quinta-feira, 10 de maio, e sábado, 12 de maio de 2018 (chegada quarta-
feira, 9 à noite; conclusão sábado, 12, com o almoço). Seremos hospedados na comunidade de São
Calisto, nas catacumbas homônimas, aqui em Roma.
Mais adiante receberás a comunicação com mais pormenores sobre o programa, juntamente
com algumas fichas de preparação, tendo em vista a partilha que pretendemos fazer.
Seremos cerca de dez irmãos; portanto, um trabalho circunscrito, que torna a tua presença
ainda mais importante e apreciada.
Colho a ocasião para os melhores votos de bom ano em nome dos membros do Dicastério.
Ivo Coelho, SDB
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5.6 Page 46

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SOCIETÀ' DI SAN FRANCESCO DI SALES
6('(&(175$/(6$/(6,$1$
Via Marsala 42 - 00185 Roma
Consigliere generale per la formazione
icoelho@sdb.org
Roma, 13 de maio de 2018
Festa da Ascensão do Senhor
Prot. 18/0202
Aos:
Inspetores
Delegados Inspetoriais para a Formação
Objeto: Seminário de estudo sobre a meditação salesiana
São Calisto Roma, 10-12 de maio de 2018
Caros irmãos,
Saudações de Roma, onde concluímos há pouco um pequeno seminário de estudo sobre a
meditação salesiana. Os participantes eram Jose Kuttianimattathil INK (coordenador), Xavier
Blanco SSM, Giuseppe Buccellato ISI, Eunan McDonnell IRL, Giuseppe Roggia UPS, Gianni
Rolandi do Departamento para as Missões, e Cleofas Murguia, Silvio Roggia, Francisco Santos
Montero e eu, do Dicastério para a Formação. O objetivo era iluminar o lugar ocupado pela
meditação na tradição e na vida salesiana, e oferecer linhas-guia para o crescimento neste campo.
Envio-te esta carta, um tanto longa, como uma maneira de compartilhar os frutos do nosso
seminário.
O seminário nasceu de uma sugestão de Xavier Blanco, diretor da casa salesiana de Santiago
de Compostela, Espanha, onde nos encontramos na última “Consulta” sobre a Formação (fevereiro
de 2016). Durante uma missa que presidia, Xavier surpreendeu-nos ao dizer: “Por que não nos
ensinais a meditar?” À luz do fato de estarmos revendo o manual de oração salesiana a pedido do
CG27, pensamos que um seminário dedicado ao tema seria mais do que oportuno. Os participantes,
afinal, foram os membros do grupo de formação guiado por Jose Kuttianimattathil, Eunan
McDonnell, Giuseppe Buccellato e Giuseppe M. Roggia, pela sua competência em matéria salesiana,
e Xavier Blanco.
O seminário foi hospedado pela comunidade de São Calisto, no maravilhoso cenário, tão rico
de paz, das catacumbas de São Calisto, de 10 a 12 de maio de 2018. Iniciamos com a partilha das
nossas experiências pessoais de meditação: a nossa iniciação à meditação, como meditamos, qual o
impacto da meditação na nossa vida e apostolado, quais dificuldades encontramos.
O passo sucessivo foi a iluminação da nossa experiência com a tradição salesiana. Haurindo
da sua experiência de formador e guia de gerações de jovens salesianos, Giuseppe M. Roggia
compartilhou aqueles que considerava elementos importantes na formação à meditação. Giuseppe
45

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Buccellato ofereceu-nos informações surpreendentes sobre o papel da oração mental no carisma de
Dom Bosco como fundador e sobre como o P. Júlio Barberis, primeiro mestre dos noviços, dedicava
os primeiros dois meses do noviciado à formação para a meditação.1 Eunan McDonnell, a partir de
Francisco de Sales e da sua experiência pessoal, ajudou-nos a refletir sobre o motivo pelo qual
deveríamos meditar, para oferecer, depois, alguns elementos de método, sobre como meditar. Xavier
Blanco apresentou Jesus como o homem dos “três tempos”; n’Ele a ação, a oração e a comunidade
fundem-se numa ‘esplêndida harmonia’; em seguida, apresentou a nova sede de silêncio, oração
contemplativa e meditação que está sendo despertada na Espanha, por exemplo, através da obra de
Pablo d’Ors.2
Após um período de silêncio para permitir que sedimentasse a riqueza da escuta, facilitado
por uma visita meditada-guiada às catacumbas, seguiu-se um momento de diagnose e tempestade
de ideias: Como é que muitos de nós perdem interesse pela meditação, mesmo quando ainda estão
em formação inicial? Existe um método específico salesiano de meditação? Existem outros métodos
que poderiam conviver em harmonia com a nossa espiritualidade? O que podemos aprender sobre
a meditação desde o estudo da pesquisa sobre o acompanhamento pessoal salesiano feito pelos
dicastérios para a Pastoral Juvenil e a Formação?3 O que se poderia fazer para despertar a estima e
o amor pela meditação entre os Salesianos na formação inicial e permanente? Quais poderiam ser
os passos para uma iniciação eficaz à meditação salesiana? De que modo a meditação pode ser
relacionada com a lectio divina¸ a centering prayer e a ‘oração do coração’?
O passo final foi caracterizado pelo trabalho de recolher os frutos dos dois dias de estudo,
oração e reflexão, vendo também como compartilhá-los com a Congregação. Ponho-os aqui
enfileirados como partilha, esperando que encontrarão algo útil.
Preâmbulos:
Se estivermos convencidos do valor e do lugar da meditação em nossa vida, estaremos
certamente mais inclinados a ser fiéis à própria meditação e a aprender como crescer sempre
mais na maneira de vivê-la.
Rezar juntos liga-se ao trabalhar juntos, e é, portanto, um elemento de identidade carismática
para nós.
Muitos, hoje, têm pouca ou nenhuma iniciação à meditação. O que faz parte da fragilidade geral
da dimensão pedagógica da nossa formação.
1 Ver “Carta de S. Vicente de Paulo endereçada aos seus religiosos sobre o levantar-se todos na mesma hora
(15 de janeiro de 1650)” anexa às Constituições da Sociedade de S. Francisco de Sales, de 1877 a 1907; G. BAR-
BERIS, Manoscritto Barberis del 1875 dal quaderno delle istruzioni ai novizi, Archivio Centrale Salesiano; G. BARBE-
RIS, Il vademecum dei giovani salesiani, nuova edizione riveduta e corretta (Torino, 1931), cap. 12: Della medita-
zione; G. BUCCELLATO, Alla presenza di Dio. Ruolo dell'Orazione mentale nel carisma di fondazione di San Giovanni
Bosco , Tesi Gregoriana, Serie Spiritualità 9 (Roma: Editrice Pontificia Gregoriana, 2004); G. BUCCELLATO, Don
Bosco, Sant'Ignazio e la Compagnia di Gesù: storia di una relazione nascosta ... ma non troppo, in id., Alle radici della
spiritualità di San Giovanni Bosco (Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2013); G. BUCCELLATO, Gio-
vanni Bosco: il geloso custode della sua vita con Dio, Nuovo Dizionario di Mistica , ed. L. Borriello, E. Caruana,
MR del Genio e R. Di Muro (Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2016); G. BUCCELLATO, Da due grani
nasceranno quattro spighe. Piccola antologia di insegnamenti di San Giovanni Bosco sulla preghiera (Torino: ElleDiCi,
2017).
2 Ver PABLO D'ORS, Biografia del silenzio (Siruela, 2015).
3 Ver MARCO BAY, Giovani salesiani e accompagnamento: Risultati di una ricerca internazionale (Roma: LAS, 2018).
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5.8 Page 48

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Na iniciação à oração, não podemos dar nunca como certo que as pessoas tenham uma relação
com Deus. Faltando esse pressuposto fundamental, corremos o risco de construir sem uma base.
Se houver “temor” nas fases da formação inicial, a meditação tenderá a ser formalidade mais do
que convicção.
A meditação no carisma do Dom Bosco fundador:
Surpreendeu ver o quanto Dom Bosco e a primeira geração de Salesianos insistissem na
meditação: ver os acréscimos que Dom Bosco faz inserir na edição italiana das Constituições, a
atenção dada pelo P. Barberis ao ensinar aos noviços o porquê e o modo da meditação, e a
insistência do P. Rinaldi sobre a meditação.4
Um bom conhecimento das nossas origens ajuda-nos a ver a importância e o lugar ocupado pela
meditação no nosso carisma.
Tendo presente que as principais inspirações do Colégio Eclesiástico foram de marca inaciana e
ligoriana, e dado que Dom Bosco continuou a fazer anualmente os Exercícios Espirituais em
Sant’Ignazio sopra Lanzo, até 1874, poderíamos dizer que ele aprendeu o método inaciano de
meditação. Dado que o próprio Francisco de Sales haure em Inácio, temos uma clara consonância
de métodos.
Por que meditar:
Antes de tudo, como imitação d’Aquele que nos amou e a quem amamos: em Jesus vemos a
unidade de ação, oração e comunidade.
Sem a oração mental, a nossa relação com Deus não pode aprofundar-se.
Como meditar:
É necessário um método, ao menos no início.
Não existe apenas um método de meditação salesiana, embora a meditação seja certamente algo
distinto da leitura espiritual (como vemos claramente na vida e nos escritos de Dom Bosco).
Contudo, algumas das coisas que dizemos a seguir oferecerão alguns parâmetros de referência
e indicarão algumas preferências.
O método consiste, primeiramente, nas adequadas disposições do coração: fé, fidelidade, confiança
e perseverança.
A perseverança é da máxima importância e é uma palavra que se encontra com frequência nos
lábios de Jesus e no Novo Testamento. Aprendemos a rezar rezando, e é importante “estar ali”,
dia a dia, para a meditação.
Momentos de oração intensa (como o retiro espiritual) e o acompanhamento espiritual pessoal
podem criar uma boa base para a meditação.
A preparação, tanto remota como próxima, é da máxima importância: o hábito de ler a Palavra de
Deus, as Constituições, boas leituras espirituais; a leitura na noite anterior da Palavra de Deus
do dia seguinte e, talvez, também um comentário.
4 Uma nota manuscrita do P. Rinaldi encontrada por Giuseppe Roggia na casa do noviciado de Pinerolo: “Os
noviços aprendem a meditar? É a coisa mais importante”.
47

5.9 Page 49

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A Palavra de Deus e as Constituições são textos privilegiados para a nossa meditação.
Cristo está no centro da meditação cristã. Ele é, como insistem Teresa d’Ávila e Francisco de
Sales, a porta pela qual entramos; é Ele que nos guiará, se e quando quiser, à oração sem palavras,
afetiva, contemplativa.
A palavra meditação deriva de “cuidar de si”, “prestar atenção”. Iniciamos a meditação
colocando-nos na presença de Deus, dando atenção Àquele que está sempre presente e deseja
comunicar-se conosco.
No noviciado, seria oportuno concentrar-se num único método, como o da lectio divina.
A colatio, ou partilha comum, pressupõe que já se fez a lectio e a meditatio, que já se foi ‘tocado’
pela Palavra; caso contrário, o que há para compartilhar?
Manter um diário também é útil, para ver ao longo do tempo a direção em que Deus me guia.
Uma boa meditação ecoa ao longo do dia, superando gradualmente o “paralelismo” em nossa
vida e levando-nos à unificação das nossas práticas de piedade, vida sacramental, tudo o mais da
vida cotidiana e do trabalho.
Os frutos da meditação são vistos na transformação que se dá na vida.
Salesianos guias espirituais devem aprender a fazer a oração e a meditação entrarem no colóquio,
fazendo também perguntas sobre esses campos; deveriam aprender a acompanhar os irmãos
nesses aspectos tão importantes de suas vidas.
Gostaríamos de dar no imediato futuro, entre outros, estes passos:
1. Um e-book do material do seminário, a compartilhar com todos os irmãos.
2. Uma nota em www.sdb.org/ sobre alguns métodos de meditação salesiana a inserir com
outro material no novo manual de oração.
3. A animação dos delegados inspetoriais de formação, nas várias reuniões das Comissões
regionais de formação 2018.
4. Preparação de material didático sobre a meditação, com a ajuda de mestres de noviciado e
encarregados de pré-noviços.
5. Formação dos formadores na área da meditação.
6. Envolver os vários Centros regionais de formação permanente através de cursos e outras
iniciativas.
7. Fazer da meditação e da oração um tema de trabalho do CG28, dado que a qualidade da
evangelização está diretamente relacionada com a qualidade da nossa oração e meditação.
Aprendemos do próprio seminário que é muito profícuo, especialmente na área de temas
como a meditação, começar da nossa experiência pessoal, compartilhando-a com simplicidade, antes
de iluminá-la com a tradição. Percebemos que as dinâmicas de um pequeno grupo num seminário
são muito diversas das que se verificam quando o grupo é maior. Esse mesmo método poderia ser
algo precioso em nosso esforço de progredir na meditação, dado que é um modo eficaz de “fazer
experiência dos valores da vocação salesiana” que está no centro de C 98: “Iluminado pela pessoa
de Cristo e pelo seu Evangelho, vivido segundo o espírito de Dom Bosco, o salesiano... faz
experiência dos valores da vocação salesiana...”.
48

5.10 Page 50

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Concluo compartilhando o sentimento de serena gratidão que trago no coração por este
pequeno seminário, surgido do pedido espontâneo de um irmão. Gostaria de agradecer a todos os
irmãos que participaram e deram a própria contribuição em espírito de grande simplicidade, a Jose
Kuttianimattathil e Silvio Roggia pela coordenação e animação do seminário, a Gianni Rolandi que
se uniu prontamente a nós para ajudar-nos nas traduções, à comunidade de São Calisto, que nos
hospedou com tanta cordialidade e fraternidade.
Poderíamos perguntar-nos, que diferença fará um seminário? Fez ao menos uma diferença
para nós que participamos; e, depois, como dizia Dom Bosco, se acompanharmos o nosso trabalho
com a oração, de dois grãos nascerão quatro espigas.
Uma feliz festa da Ascensão de nosso Senhor, a festa de Jesus “sentado à direita de Deus” e,
ao mesmo tempo, “atuante entre nós”, em nossa proclamação da Palavra e nos sinais que a
acompanham (Mc 16,19-20), em especial os sinais das nossas vidas transformadas. Que Nossa
Senhora de Fátima e Maria Mazzarello, com seu espírito de contemplação, intercedam por nós!
Afetuosamente,
Ivo Coelho, SDB
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Apêndice
PROGRAMA DO SEMINÁRIO
REFERÊNCIAS:
1. Constituições 93
«Conseguiremos formar comunidades que rezam, só se nos tornarmos pessoalmente homens
de oração. Cada um de nós tem necessidade de exprimir em seu íntimo o modo pessoal de ser filho
de Deus, manifestar-lhe a gratidão, confidenciar-lhe os desejos e as preocupações apostólicas.
Forma indispensável de oração é para nós a oração mental. Ela fortalece nossa intimidade com Deus,
salva da rotina, conserva o coração livre e alimenta a doação ao próximo. Para Dom Bosco é garantia
de alegre perseverança na vocação».
2. Regulamentos 71
«Diariamente os sócios farão em comum ao menos meia hora de meditação e algum tempo de
leitura espiritual.
Cabe à comunidade local favorecer a variedade das formas e estimular os irmãos no
cumprimento desses deveres».
DATA: Quinta-feira 10 de maio, sexta-feira 11 de maio, sábado 12 de maio de 2018, até o almoço.
SEDE: Comunidade de São Calisto (Catacumbas), Roma.
OBJETIVO: Esclarecer o lugar e o papel da meditação na vida e na tradição salesiana e oferecer
ajuda e orientações para crescer na prática da meditação.
NÚMERO DE PARTICIPANTES: cerca de 10.
OS SEIS MOMENTOS QUE MARCARAM O TRABALHO DO SEMINÁRIO
1. PARTILHA DE EXPERIÊNCIAS PESSOAIS (A REALIDADE VIVIDA)
Cada participante chega ao seminário com um breve texto (máximo de duas páginas) com que
apresenta a sua experiência pessoal sobre a meditação:
- Como se deu a iniciação à meia hora de meditação quotidiana em comum (Reg. 71)?
- Como meditas? O que fazes durante a meia hora de meditação quotidiana em comum?
- Qual o impacto da meditação quotidiana sobre a tua vida e o teu apostolado?
- Quais os desafios/dificuldades que encontras durante a meditação e sobre ela?
2. TRADIÇÃO SALESIANA
Contribuições de especialistas/pessoas com experiência nos fundamentos e métodos de
meditação na tradição salesiana [45 minutos de contribuições e 45 minutos de partilha (“o ideal”):
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EUNAN McDONNELL Contribuições centradas em duas questões: a) Do teu conhecimento dos
ensinamentos e da espiritualidade de Francisco de Sales, quais considerarias como
elementos fundamentais da meditação? b) O que é essencial que um jovem em formação
deve dar atenção para tornar a meditação frutuosa?
GIUSEPPE BUCCELLATO Intervenção centrada nestes dois temas: a) Elementos fundamentais
da meditação na prática e no ensino de Dom Bosco, b) Elementos da meditação salesiana
que devem ser salvaguardados, enquanto os Salesianos tornam o seu modo de meditar e
os métodos seguidos mais de acordo com a cultura e a sensibilidade de hoje.
GIUSEPPE MARIANO ROGGIA Uma contribuição centrada nestas duas questões: a) Com base
na sua experiência de iniciação à meditação e acompanhamento passo a passo dos que
aprendiam esta arte, o que considera elementos fundamentais para viver a meditação no
cotidiano das comunidades salesianas? b) Quais são as armadilhas comuns na prática da
meditação e quais lacunas/elementos que faltam em nosso processo formativo podem ser
sua causa principal?
XABIER BLANCO Uma contribuição concentrada nestas duas questões: a) Dando atenção aos
caminhos de renovação que estão se realizam na Espanha e para o renovado interesse pela
contemplação, quais considera serem os principais elementos para viver hoje a meditação?
b) Algumas sugestões que poderias oferecer para ajudar os Salesianos a fazer hoje uma
meditação frutuosa.
3. VISITA MEDITATIVA ÀS CATACUMBAS
Visita guiada, de forma meditativa, às Catacumbas… caminhar rezando nos passos de
milhões de peregrinos.
4. DIAGNOSE - BRAINSTORMING
- O que leva muitos Salesianos a perderem o interesse ou a abandonarem a meditação,
mesmo nas primeiras fases da formação inicial?
- Existe um método de meditação especificamente “salesiano-bosquiano”?
- Existem métodos de meditação que entram mais facilmente em sintonia com a
espiritualidade salesiana? Se sim, quais são?
- Resultados/observações das respostas na pesquisa sobre o Acompanhamento Pessoal
Salesiano (APS)
5. PASSOS PARA MELHORAR A MEDITAÇÃO - BRAINSTORMING
- O que pode ser feito para renovar a estima e o amor pela meditação entre os Salesianos na
formação inicial e permanente?
- Que passos podem-se dar para iniciar uma boa introdução à meditação “salesiana” para
quem está nas primeiras fases da formação?
- A meditação salesiana entre os vários tipos de meditação (Lectio divina, Centering prayer,
Hesicasmo ou oração do coração...).
- Resultados /observações às respostas do APS.
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6. PARA OFERECER ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES. ..
- Recolher os frutos da nossa partilha como se desenvolveu nestes dias.
- Somos capazes de oferecer ao menos algumas diretrizes preliminares ou devemos esperar
ainda mais?
- Próximos passos a dar.
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Índice
SUMÁRIO .................................................................................................................................................... .1
ABREVIAÇÕES E SIGLAS............................................................................................................................. 2
INTRODUÇÃO (IVO Coelho) ........................................................................................................................3
ANOTAÇÕES PARA UM PEQUENO TRATADOSOBRE A MEDITAÇÃO NAS ORIGENS DA SOCIEDADE DE
SÃO FRANCISCO DE SALES (Giuseppe Buccellato) .....................................................................................6
Premissa ..................................................................................................................................... 6
1. Necessidade da meditação na vida religiosa .................................................................... 7
2. A meditação deve ser distinta da leitura espiritual pessoal ......................................... ..8
3. Meditação e progresso nas virtudes teologais..................................................................9
4. Importância da prática quotidiana da meditação ..........................................................10
5. Conveniência de fazer a meditação pela manhã ............................................................11
6. Meditação em comum ou em privado.............................................................................12
7. Duração da meditação........................................................................................................13
8. Meditação, oração afetiva e imaginação..........................................................................14
9. Importância e utilidade de um método ...........................................................................15
10. Rendiconto e meditação...................................................................................................16
Conclusões ...............................................................................................................................16
APRENDER A MEDITAR COM SÃO FRANCISCO DE (Eunan McDonnell) ............................................... 19
O que é a meditação? ..............................................................................................................19
Por que meditamos?................................................................................................................20
A prática da meditação...........................................................................................................22
Como meditamos?...................................................................................................................23
Questões para ajudar a revisão ............................................................................................ 29
Dificuldades durante a meditação ....................................................................................... 29
Por que Deus nos faz esperar?.............................................................................................. 30
Resolução dos problemas ...................................................................................................... 30
A MEDITAÇÃO COMO LECTIO DIVINA (Giuseppe Mariano Roggia) ...................................................... 31
Uma historieta para começar ...................................................................................................... 31
Qual Lectio divina? ...................................................................................................................... 31
O itinerário da Lectio é essencialmente educativo ................................................................... 32
O específico carismático...............................................................................................................33
A collatio fraterna...........................................................................................................................34
Hipóteses de itinerários formativos ...........................................................................................35
Conclusão ....................................................................................................................................... 36
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TRÊS PERSPECTIVAS SOBRE A IMPORTÂNCIA DA MEDITAÇÃO CRISTÃ (Xabier Blanco)........................ 37
I. Jesus, o homem dos “três tempos”.........................................................................................37
II. A importância do “tempo da oração” ..................................................................................37
III. A meditação cristã (e salesiana) como momento chave do tempo da oração...............38
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................43
CARTA DE CONVOCAÇÃO DO SEMINÁRIO (Ivo Coelho) ...………………….......……………………... 44
CARTA AOS INSPETORES E DELEGADOS INSPETORIAIS PARA A FORMAÇÃO (Ivo Coelho) ……………45
APÊNDICE ................................................................................................................................................ 50
ÍNDICE ...................................................................................................................................................... 53
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