PT - Don Bosco a Roma 2022 %40 4 X 2022


PT - Don Bosco a Roma 2022 %40 4 X 2022

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Guia dos lugares de Dom Bosco
na capital

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Guia dos lugares de Dom Bosco
na capital

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9 de outubro 2022
A canonização do salesiano coadjutor Artêmides Zatti é uma graça especial da Providência de
Deus neste período histórico. O reconhecimento da santidade de um irmão que viveu em pleni-
tude o projeto evangélico das Constituições é um estímulo e uma ajuda no caminho de santifi-
cação de todos nós salesianos. O testemunho desta santidade, que se realiza na missão salesi-
ana, revela o valor único das bem-aventuranças, e é o dom mais precioso que podemos oferecer
aos jovens (C 25).
Após a canonização de dom Bosco ocorrida em 1º de abril de 1934 e a de São Luís Versiglia
e São Calisto Caravário ocorrida em 1º de outubro de 2000, a proclamação da santidade de
Artêmides Zatti, prevista para o próximo 9 de outubro de 2022, pelo Papa Francisco, indica
a toda a Igreja que Ele é o primeiro santo salesiano coadjutor da Congregação Salesiana. Este
evento, como afirmado nas Constituições no artigo 45, recorda a nós Salesianos de dom Bosco
a beleza complementar de nossa vocação: “Cada um de nós é responsável pela missão comum e
dela participa com a riqueza de seus dons e das características laical e sacerdotal da única
vocação salesiana. O salesiano coadjutor leva para todos os campos educativos e pastorais o
valor próprio de sua laicidade, que o torna de modo específico testemunha do Reino de Deus no
mundo, mais próximo dos jovens e das realidades do trabalho. O salesiano presbítero ou
diácono leva ao trabalho comum de promoção e de educação para a fé a especificidade de seu
ministério, que o torna sinal de Cristo pastor, principalmente com a pregação do Evangelho e a
ação sacramental. A presença significativa e complementar de salesianos clérigos e leigos na
comunidade constitui um elemento essencial de sua fisionomia e completeza apostólica”.
5
É com grande alegria que para tal ocasião apresento o texto “Dom Bosco em Roma” como
um presente aos salesianos participantes à canonização, mas também como uma herança preci-
osa para todos aqueles que lerão este livro. O livro fala do amor de dom Bosco pela Cidade
Eterna, faz-nos compreender o seu conhecimento profundo de Roma e o seu desejo de abrir uma
casa na cidade do Papa.
Se na “cascina”* dos Becchi desponta o valor da educação recebida da mamãe Margarida, o

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sonho dos 9 anos que marca a sua vida e a simplicidade da vida camponesa, se em Chieri
colhemos o valor do sacrifício, da amizade, do trabalho, do estudo e o desejo de descobrir a
vocação sacerdotal, se na cidade de Turim em particular no “Colégio Eclesiástico de São
Francisco de Assis” e nas primeiras peregrinações do oratório se revela o esboço daquela
vocação ao serviço dos jovens que exige constante discernimento, se em Valdocco berço da
espiritualidade salesiana, revela-se o dom Bosco que cria o Sistema Preventivo, constrói uma
casa onde os jovens experimentam o espírito de família, cria escolas e oficinas, reúne o
primeiro núcleo de jovens que se tornariam os primeiros salesianos, em Roma emerge clara-
mente dom Bosco fundador, amante da Igreja e do Papa, com o desejo de receber a aprovação
das Constituições Salesianas. O livro ilustra uma verdadeira e própria peregrinação histórica
e espiritual aos lugares de dom Bosco em Roma: 1. As residências de dom Bosco em Roma;
2. Os lugares mais visitados e queridos do Santo; 3. As possíveis casas salesianas em Roma.
Desejo a cada Salesiano de dom Bosco e membro da Família Salesiana que, repercorrendo os
lugares com fé e devoção, possa reviver em si mesmo a paixão de nosso fundador e, na fideli-
dade, renovar continuamente o carisma de São João Bosco por meio do testemunho da san-
tidade pessoal.
Santo Artêmides Zatti, intercedei por nós.
Don Ángel Fernández Artime
Reitor-mor
6
*Casa de fazenda; casa colonial. É um tipo de assentamento agrícola, composto por um complexo de edifícios
distintos (habitação, estábulos, celeiros, ambiente para a produção de queijo e manteiga, vários armazéns), em
torno de um grande pátio.

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INTRODUÇÃO
Muitas vezes, ao falar de Dom Bosco, recordamos e recontamos alguns episódios
particulares da sua vida, que aconteceram não em Turim ou nos Becchi, mas
durante as suas muitas viagens fora de Turim e do Piemonte. Entre elas, sem
dúvida, a maioria tinha Roma como seu destino.
São poucas as pessoas que hoje, enquanto visitam a cidade eterna (ou mesmo
vivendo lá), se perguntam que lugares na capital da Itália viram a presença do
Santo.
Esta pergunta levou-nos a estudar cuidadosamente estas viagens, que, como
muitos sabem, são vinte. Um cálculo, embora aproximado, dos dias que Dom
Bosco passou em Roma surpreendeu-nos; são quase 700 dias. Isto significa que
dos seus 72 anos de vida, o Santo passou quase dois na cidade dos Papas. E isso
não é pouco, se considerarmos as condições de transporte no século XIX.
Em dois anos e numa Roma "restrita", como era a Roma de então, é natural que
o Santo de Turim tenha visitado tudo o que havia para visitar. Assim, uma
primeira resposta à pergunta anterior poderia ser: "Dom Bosco viu tudo o que era
visitável". Mas muitas vezes 'tudo' é sinónimo de 'nada'.
Olhando mais de perto as páginas das Memórias Biográficas que relatam as suas
viagens, forma-se na mente do leitor um certo "mapa topográfico" dos lugares
que mais interessaram o Santo. É sobre estes que centramos a nossa atenção,
com o pesar daqueles que, embora desejando ver tudo, são, no entanto,
obrigados a fazer escolhas.
Infelizmente, alguns destes lugares já não existem hoje (como a "casa dos
7 confessores" no mosteiro de Tor de' Specchi, o mosteiro de S. Cajo al Quirinale, a
casa de Monsenhor Manacorda...) porque foram demolidos nas sucessivas
remodelações urbanas da cidade. Seria, portanto, inútil incluí-los no que se
pretende ser um guia para aqueles que desejam visitar hoje a "Roma de Dom
Bosco".
Vinte viagens são realmente muitas. Mas porque é que o Santo foi a Roma com
tanta frequência?

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1. Por amor ao Papa.
2. Por amor à Cidade Eterna.
3. Para a aprovação das Regras da Sociedade Salesiana.
4. Para as nomeações e atribuições dos Bispos.
5. Para a difusão das Leituras Católicas.
6. Para procurar os meios para as suas várias obras.
Para dar uma certa unidade lógica ao trabalho, estes lugares foram divididos em
três partes, cada uma das quais inclui a explicação e, acima de tudo, a citação das
páginas das Memórias Biográficas que se referem a cada lugar. No entanto, cada
uma dessas partes não constitui outros tantos "itinerários", seja porque os lugares

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de uma mesma parte são por vezes muito distantes um do outro, seja porque,
desta forma, todos têm mais liberdade para escolher os locais que acham
interessantes e para os incluir no planeamento da sua visita à cidade eterna, sem
estarem vinculados a uma agenda pré-determinada.
1. As residências de Dom Bosco em Roma.
Os palácios que acolheram o santo durante a sua estadia em Roma são descritos
aqui. Naturalmente estamos mais ligados a uns (Tor de' Specchi, Via Sistina...) e a
outros um pouco menos. Além disso, para alguns temos uma abundância de
material narrativo das páginas das Memórias Biográficas, enquanto para outros tal
não acontece. Estas são as razões para a considerável diferença no tamanho de
cada explicação, mais ou menos detalhada.
Referindo-nos à casa onde Dom Bosco ficou em cada viagem, não podia faltar
uma breve apresentação da viagem e das razões que levaram o Santo a descer a
Roma naquela altura.
2. Os lugares mais visitados e mais queridos do Santo.
Não há dúvida que o lugar mais visitado por Dom Bosco foi o Vaticano, em todas
as suas partes (Basílica, Cúpula, Túmulo de São Pedro, Palácios Apostólicos,
Audiências Papais...). Mas há outros lugares a que Dom Bosco esteve
particularmente ligado. Eles compõem esta segunda parte do trabalho. Também
incluímos nesta parte o relato simpático do encontro de Dom Bosco com um
grupo de rapazes, que teve lugar na Piazza del Popolo, porque nos pareceu ser a
única das três partes em que isto poderia ser colocado sem forçar.
3. Possíveis casas salesianas em Roma
Muitas vezes Dom Bosco pensou em enviar os seus filhos para Roma, para o bem
do povo e devido à proximidade da Santa Sé. O seu pensamento recaiu sobre
muitas instituições já existentes na cidade e que o Santo só considerava depois de
um convite direto para se encarregar delas (muitas vezes do Papa).
9
Contudo, teve de esperar até que a construção da Basílica do Sagrado Coração,
com o Asilo adjacente, estivesse concluída para ter uma casa toda sua em Roma.
Para aqueles que desejam visitar Roma "salesianamente", esperamos que
encontrem algum material útil nestas páginas, convidando-os a visitar, um pouco
mais demoradamente, aqueles lugares em que descobrirem que Dom Bosco
também lá esteve.

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Porque "esse lugar lhe será mais querido, permanecerá mais gravado na sua mente
e nele parecerá encontrar algo que lhe pertence: o afeto, o amor a São João Bosco".
10

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Casa
De Maistre
Palazzo Volpi
Via del Quirinale, 21
No Palazzo Volpi do século XVII, em frente da Igreja de San Carlo al Quirinale (de
Borromini), viveu em 1858 a nobre família do Conde Carlo De Rodolfo De Maistre,
que acolheu Dom Bosco durante a sua primeira estadia em Roma (21 de fevereiro
- 16 de abril de 1858).
Dom Bosco tinha sido alojado naquela parte da montanha do Qurinale conhecida
como Quattro Fontane porque quatro fontes jorram dos riachos dos seus quatro
distritos. O Conde Rodolfo De Maistre, a senhora Condessa e as suas boas filhas,
os seus filhos Francesco, Carlo e Eugenio, oficial das tropas pontifícias, trataram-
no com uma atenção e caridade à altura da estima e antiga amizade em que o
mantinham. Não tinham uma capela em casa, mas Dom Bosco podia celebrar a
Missa na de certas freiras belgas que ocupavam um apartamento no mesmo
edifício. (M.B. 5,819-20).
O Santo chegou aqui, juntamente com o clérigo Miguel Rua, esgotado da viagem,
antes de dar início aos trabalhos que tinha a peito. (M.B. 5,804)
Como ainda não havia uma linha férrea contínua entre Turim e Roma, tiveram de se
aventurar numa viagem muito problemática: de comboio até Génova, onde
12 embarcaram no barco "Aventino", tendo desembarcado em Civitavecchia. Dom
Bosco havia enjoado, e esta viagem foi um verdadeiro tormento para ele. (M.B.
5,811-814)
Em Civitavecchia, tendo recuperado um pouco do desconforto da travessia,
tomaram uma viatura de correio em que, parando em Palo para comerem qualquer
coisa, às 22.30 horas do dia 21 de fevereiro de 1858 chegaram à Cidade Eterna.

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Uma certa emoção surpreendeu os viajantes ao pensar que estavam a entrar na
Cidade Santa. Um disse: - Estamos em Roma! - Outro: - Estamos na terra dos
santos! - Entre estas e expressões semelhantes, chegaram ao local onde o
cocheiro tinha o seu lugar de paragem. Dom Bosco havia chegado à cidade dos
Papas a 21 de fevereiro. Como não tinha conhecimento do local, procurou um guia
que por doze soldos o acompanhou até à casa habitada pelo Conde De-Maistre,
Via del Quirinale 49, em Quattro Fontane. Dom Bosco e os seus companheiros
chegaram às onze horas e foram recebidos com grande bondade pelo Conde
Rodolfo e pela Condessa; os outros membros da família já estavam a repousar.
Tendo tomado alguma coisa, também eles se retiraram para os quartos que lhes
foram atribuídos (M.B. 5,818).
O programa para esta primeira estadia em Roma foi:
"Para entrar em contacto com personalidades notáveis da grande cidade e, com a
sua escolta, começar imediatamente as suas visitas aos lugares mais famosos, aos
santuários, basílicas e igrejas que encontrou a cada passo. A sua devoção ardente
precisava de um escape, a sua inteligência desejava contemplar as obras que os
Papas tinham erguido em Roma, a sua memória entre as majestosas ruínas do
império desejava evocar as cenas maravilhosas dos gloriosos mártires. Foi o seu
esforço para adquirir conhecimentos exatos para continuar a escrever as Leituras
Católicas, especialmente as que tratam da História Eclesiástica e das vidas dos
Papas. Ansioso por visitar tudo minuciosamente, mesmo as maravilhas da arte
antiga e moderna, decidiu dedicar-lhe um mês inteiro sem outras distrações" (M.B.
5,821).
Infelizmente, hoje em dia não é possível visitar o
interior do palácio, porque este alberga residências
privadas.
13
Mapa

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Palácio
Vimercati
Piazza San Pietro in Vincoli
A Basílica de S. Pietro in Vincoli era muito querida por Dom Bosco; de facto, ele
retirava-se ali muitas vezes para rezar ou celebrar a Santa Missa. Esta atração é
também explicada pelo facto de que durante a sua segunda estadia em Roma
(7 de janeiro - 2 de março de 1867) Dom Bosco viveu na casa do Conde
Vimercati, no edifício adjacente à artística Igreja.
A viagem a Roma envolveu um acontecimento imprevisto:
A uma distância muito curta de Roma encontrámo-nos com o Bispo Manacorda
e Cav. Marietti que, com muita alegria, entraram na carruagem connosco e nos
levaram para Roma... Aqui, porém, algo aconteceu que de certa forma
perturbou a nossa felicidade. Não conseguíamos encontrar os nossos bilhetes,
tivemos de pagar a totalidade da viagem.
No entanto, por intermédio dos senhores Manacorda e Marietti, fomos isentos
"pro tempore", na esperança de os encontrar na secção dos passaportes.
A chegada de Dom Bosco já havia sido particularmente aguardada:
15
Assim que D. Bosco chegou a Roma, como se tivesse
vindo um príncipe, toda a cidade se movimentou; e as
primeiras famílias romanas vieram visitá-lo. Mas a fama
de taumaturgo tinha-o precedido e muitos infelizes
esperavam-no como o anjo salutar. Que fé, que
confiança no nosso D. Bosco que eu nunca vi e nunca
Mapa

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tinha imaginado!
Em todos os cantos da cidade, esta manhã só se viam cartazes: a História da
Itália do Sac. João Bosco. Só nos faltava mais esta para comover os ânimos
A estadia começou imediatamente com uma cura do próprio Conde:
Assim que pôs os pés na casa do anfitrião, Dom Bosco foi ao quarto do Conde,
uma pessoa santa, há muito perturbada por dores fortes e vertigens.
Encontrouo de cama num estado de compaixão, sem esperança humana de
recuperação. Foi reanimado pelo aparecimento de Dom Bosco, que o abençoou
16
e anunciou que ele se levantaria em breve. O Conde respondeu a este anúncio:
- Pois bem! Só quando sair da cama é que deixo Dom Bosco regressar a Turim.
- Ele disse isto acreditando que todo o alívio era impossível. Mas, após dois ou
três dias, as dores diminuíram e ele podia facilmente levantar-se e ir almoçar
com a sua família. Don Bosco, ao vê-lo entrar na sala, disse-lhe:
- Senhor Conde, quer então que eu vá para Turim? - O Conde lembrou-se das

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suas palavras e protestou que lamentava tê-las proferido. O bom Pai
transformou o assunto numa brincadeira, pois que a melhoria não era tal que
se pudesse dizer que o Conde estava perfeitamente recuperado. Parecia que o
Senhor não queria tirar a cruz que lhe tinha dado para seu bem, mas apenas
para a tornar menos pesada. No entanto, o facto é que ele tinha recuperado
muita força e a graça concedida por Nossa Senhora não podia ser posta em
dúvida.
A atividade de Dom Bosco, enquanto esperava pela audiência papal, foi muito
intensa:
Fiel à sua prática constante de se confessar todas as semanas, Dom Bosco
tinha escolhido como seu confessor o padre Vasco Gesuita, diretor espiritual do
Conde Vimercati, a quem visitava de oito em oito dias.
Mas o que deve ser salientado é que desde o primeiro dia em que esteve em
Roma, começou, e continuou durante todo o tempo que lá permaneceu, um
verdadeiro apostolado, pregando todos os dias, confessando constantemente,
visitando os doentes, institutos, colégios, mosteiros e conventos, dando
audiências até muito tarde: aconselhando todo o tipo de pessoas; deixando,
com as medalhas de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos e a bênção em seu
nome, a esperança de saúde a não poucos doentes. Muitos recomendaram-se a
ele como a um santo, para grande satisfação do Sumo Pontífice, pelo grande
bem que estava a ser feito.
Hoje, o palácio do Conde Vimercati é confiado, juntamente com a basílica, à
custódia dos cónegos Lateranenses, que preservam cuidadosamente a sua antiga
imagem.
De facto, é possível admirar os corredores e salas onde o Santo, durante horas
a fio, deu audiência aos milhares de pessoas que pediram ajuda, cura, conselho
e conforto.
17
Uma placa por cima de uma porta lembra que Dom Bosco foi hospedado
naquela sala "antes de 1870". Este era o quarto do Santo.
Nesta casa, a 26 de fevereiro de 1867, foram tiradas as duas únicas
fotografias romanas do Santo pelo fotógrafo Achille De Sanglau: uma de Dom
Bosco com o breviário na mão e a outra no ato de abençoar Dom Francesia, o
Sr. Pardini, Mestre da casa, e o seu filho, ajoelhado diante dele" (M.B. VIII,706).

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Apesar de estar relutante em posar para os fotógrafos, ele acatou o pedido do
Conde (que queria uma lembrança do padre de Turim), para lhe agradecer a sua
atenciosa hospitalidade.
Espalhou-se imediatamente a voz sobre essas fotografias, especialmente a
segunda.
A 26 de fevereiro, após visitar as famílias Altieri e Vitelleschi, D. Bosco
regressou à casa hospitaleira do Conde Vimercati para passar as últimas horas
da sua estadia em Roma com ele. Condescendendo aos seus pedidos, permitiu
ser fotografado no ato de dar a bênção a D. Francesia, ao Sr. Pardini, dono da
casa, e ao filho deste último, ajoelhado diante dele. Parece que alguém queria
que esta foto fosse posta à venda, e as notícias sobre ela espalharam-se, mas
apenas foi feita uma distribuição limitada de cópias para amigos íntimos e
benfeitores. Muito cordiais e comoventes foram de tarde as conversas do
Conde com Dom Bosco, que mesmo nessas últimas horas deu audiência a
pessoas que insistiam em falar com ele.
Dom Bosco saiu daqui a 26 de fevereiro de 1867 para regressar a Turim,
deixando uma memória indelével em muitos romanos, como escreveu o Bispo
Manacorda a Cav. Oreglia:
Ainda tenho os olhos inchados com as lágrimas que a sua partida me provocou.
Ontem à noite, às 8 horas, deixou-nos aqui em Roma como órfãos, desolados e
comovidos ao vê-lo partir. Vossa Senhoria saberá a estadia que este nosso bom
pai teve em Roma. O vencedor de Magenta... tornar-se-á um pigmeu frente a
D. Bosco. A nobreza romana, que se misturou com os plebeus e se esqueceu da
sua etiqueta de corte para dobrar o joelho diante de D. Bosco e receber a sua
bênção, não deixará a antecâmara do Pai dos garotos para se sentar ao lado
do grande Senhor. Oh, quão poderosa é a virtude de D. Bosco. Gostaria de
18 vos descrever a cena da sua partida, mas não posso, o meu coração não o
suporta. D. Francesia dir-lhe-á tudo.
Quando ouviram falar do atencioso acolhimento dos romanos a Dom Bosco, os
rapazes do Oratório de Valdocco não quiseram ser ultrapassados, acolhendo o
santo com a famosa inscrição: 'Roma admira-te, Turim ama-te' (M.B. VIII, 714),
que foi a causa de muitos protestos justificados dos romanos e para os quais o
Papa João XXIII mudou: "O mundo inteiro admira-te, o mundo inteiro ama-te".

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Casa
Colonna
Piazza Santa Chiara 49
Neste palácio, na que era então a Via S. Chiara 49, vivia o transitário apostólico
Stefano Colonna, que acolheu o Santo durante as suas estadias em 1871
(junho e setembro) e em 1873 (24 de fevereiro - 4 de março).
As razões que levaram o Santo a Roma nestas viagens foram principalmente: as
negociações entre o Reino de Itália e a Santa Sé para a nomeação de mais de
60 bispos de dioceses italianas vagas e para a aprovação das Constituições
Salesianas.
Dom Bosco teve êxito nas negociações e mais de 40 dioceses receberam o seu
próprio pastor. Entre eles também a diocese de Turim. O santo insistiu com Pio
IX que o Bispo Gastaldi, até então um grande amigo seu, fosse ali promovido.
O Papa, embora com uma opinião diferente, aceitou, mas disse ao Santo: 'Quere
-o, e eu dou-lho' (M.B. X,443). ... Quanta dor esta nomeação causou a Dom
Bosco! [era seu amigo, mas, uma vez bispo de Turim, Gastaldi mostrou-se
intransigente para com Dom Bosco, ao ponto de o suspender das Confissões na
sua diocese].
19 Hoje, infelizmente, este palácio a poucos passos do
Panteão é utilizado como casa privada, pelo que não é
possível visitar o interior.
Mapa

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Casa
Sigismondi
Via Sistina 104
A família Sigismondi viveu aqui, da qual Dom Bosco foi convidado seis vezes, nos
anos de 1873, 1874, 1875, 1876 (março e novembro), 1877 (janeiro-
fevereiro e julho).
Naqueles anos, a principal preocupação do santo era a consolidação da sua obra
e, acima de tudo, conseguir a aprovação das Constituições Salesianas por parte
da Santa Sé.
Dom Bosco vivia no último andar do edifício, onde muitas vezes teve de se
retirar para redigir textos, corrigir esboços, formular questões, escrever cartas
(em muitas das quais ainda se pode ler o endereço: via Sistina 104).
Entre estas cartas de particular importância está a que foi escrita a 16 de
março de 1874 aos Diretores das Casas Salesianas, na qual o Santo,
anunciando a próxima reunião da Comissão Cardinalícia encarregada de decidir
sobre a aprovação das Constituições Salesianas, pediu orações especiais e
práticas de piedade:
Diletíssimos filhos em Jesus Cristo
O dia 24 deste mês será muito memorável para a nossa Pia Sociedade.
21
Recordareis certamente como Ela foi definitivamente aprovada com Decreto de
1 de março 1869: agora trata-se da aprovação definitiva das Constituições.
Com este objetivo, o Santo Padre convocou uma Congregação de Cardeais que
deverão dar o seu parecer acerca deste assunto que é dos mais importantes
para o nosso bem presente e futuro. As orações até agora com frequência
recomendadas visavam esta finalidade. Devemos, portanto, redobrar as nossas

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súplicas junto do Trono Divino, a fim de que Deus Piedoso disponha que tudo se
cumpra segundo a sua maior glória e o nosso especial benefício espiritual.
Unamo-nos, portanto, no espírito de viva fé, e todos os congregados Salesianos
com os alunos pela Divina Providência a eles confiados
sejam um só coração e uma só alma para implorar as
luzes do Espírito Santo sobre os Eminentíssimos
Purpurados com um Tríduo de orações e de exercícios de
piedade cristã.
A fim de que haja conformidade nas nossas súplicas à
Misericórdia Divina, fica estabelecido:
Mapa
1º Começando no dia 21 deste mês, durante três dias,
todos os Sócios Salesianos farão rigoroso jejum. Quem, por
motivo razoável não puder jejuar, recite o Miserere com três Salve Rainhas à
Bem-aventurada Virgem Auxiliadora com a invocação: Maria, Auxilium
Christianorum, ora pro nobis. Cada um acrescente as orações e as
mortificações que julgar compatíveis com as suas forças e com os deveres do
próprio estado.
2º Convidem-se os nossos amados alunos a abeirar-se com a maior frequência
possível dos Sacramentos da Confissão e Comunhão. De manhã comece-se com
cântico do Veni Creator Spiritus, etcAs orações, o Rosário, a Missa, a
Meditação sejam orientadas para esta necessidade.
3º Ao longo do dia, todos os Sócios Salesianos passem o tempo que puderam
em adoração ao Santíssimo Sacramento. A recitação do Breviário, a leitura
espiritual, todas as orações sejam feitas na igreja. O Pequeno Clero, os inscritos
na Companhia de S. Luís, do SS. Sacramento, da Imaculada, de S. José, sejam
convidados a fazer o mesmo.
4º À noite, à hora mais cómoda, cada um recolher-se-á na igreja, e com a
máxima devoção, recitado o Veni Creator como de manhã, far-se-á a habitual
prática em reparação dos ultrajes que Jesus recebe no SS. Sacramento; cantada
22
depois a Ave maris Stella, dar-se-á a bênção do SS. Sacramento. Estas
nossas humildes súplicas à bondade do Senhor começarão no dia 21 e
continuarão até à manhã de 24 deste mesmo mês inclusivamente.
A Graça de N. S. J. C. esteja sempre convosco. Amen.
Af.mo em J.C. Sac. João Bosco
Roma, 16 de março 1874

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No dia 24 março, reuniu-se assim a Congregação Particularque decorreu
favoravelmente. Mas, para prolongar as discussões, os cardeais decidiram reunir
-se de novo no dia 31. (M.B. X,790).
Dia 31, o padre Berto regressou a S. Andrea delle Fratte a mandar acender
duas velas no altar da Madonna del Miracolo.
No dia 9, voltava a reunir-se a Congregação Particular para a aprovação das
nossas Constituições; esteve reunida até à uma e meia da tarde; e à dúvida
apresentada: - Se, e como devam aprovar-se as recentes Constituições da
Sociedade Salesiana no caso? - Respondia: - AFFIRMATIVE ET AD MENTEM.
Evidentemente, também o trabalho da Congregação Particular foi grave e, por
graça de Deus e de Maria SS. Auxiliadora, plenamente favorável. Não se podia
desejar mais! Primeiro, os Emnentíssimos pensavam limitar a aprovação ad
experimentum por dez anos, isto é, exigir um decénio de prova antes da
aprovação definitiva; mas depois, atendidas as repetidas e insistentes orações de
Dom Bosco, os bons ofícios do Card. Berardi, e as claras e favoráveis
declarações do Santo Padre, foram a votos para a aprovação definitiva, e três
Cardeais deram o voto favorável, e um ad decennium.
Monsenhor Secretário pediu uma audiência particular ao Santo Padre, que lha
fixou para a tarde sexta-feira santa, 3 de abril, escutou atentamente o relatório,
e quando ouviu que faltava um voto para a aprovação definitiva, sorrindo
exclamou: - Pois bem, este voto dou-o eu!
Às 6 da tarde, Mons. Vitelleschi estava ainda em audiência e naquela mesma
tarde Dom Bosco ia ter com ele para tomar conhecimento da conclusão.
Monsenhor acabava de se sentar à mesa e estava a comer a sopa. Passados uns
instantes, mandou entrar Dom Bosco e, mal o viu, exclamou:
- Dom Bosco, faça festa! As Constituições da sua Congregação definitivamente
aprovadas: e Dimissórias absolutas AD DECENNIUM.
E o Santo nosso Fundador, cheio de júbilo, como resposta, com simplicidade
24 infantil entregou-lhe um grande confeito de açúcar cristalizado, recebido da
senhora Monti, dizendo: - Tome este rebuçado. O colóquio durou até por volta
das 10.
As Constituições Salesianas, após tantos sofrimentos, haviam sido finalmente
aprovadas! De facto, esta obra custou a Dom Bosco tantos sacrifícios e tanta
fadiga, que chegou a dizer: Se tivesse sabido antes quantas dores, canseiras,

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oposições e contradições custa fundar uma Sociedade Religiosa, talvez não
haveria tido coragem de me lançar à obra” (20).
No dia 13 de abril foi redigido o decreto de aprovação, que o Santo recebeu das
mãos do padre Berto precisamente aqui, na via Sistina.
DECRETO
A Santidade de Nosso Senhor Pio Papa IX, na audiência concedida ao Mons.
Secretário da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares; em data de 3 de
abril de 1874, Sexta-Feira Santa, observadas atentamente as Cartas de
Recomendação dos Bispos dos Lugares, em que existem Casas da Pia Sociedade
dita dos Padres de São Francisco de Sales, e os abundantes frutos que a mesma
produziu na vinha do Senhor, as supra-escritas Constituições, como estão
contidas neste exemplar, cujo Autógrafo se conserva no Arquivo desta Sagrada
Congregação, aprovou e confirmou, como com o teor do presente Decreto as
aprova e confirma, salva a jurisdição dos Ordinários, segundo prescrevem os
Sagrados Cânones e as Constituições Apostólicas.
Dado em Roma... em 13 de abril de 1874
Card. BIZZARRI
prefeito.
S. Arceb. de Selêucia Secretário.
Hoje o palácio hospeda privados, pelo que é impossível visitar o interior.
25

3.6 Page 26

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Mosteiro de
Tor de
Specchi
Via del Teatro Marcello 40
A poucos passos da Ara Coeli, do Campidoglio e dos Fori Imperiali encontramos
um dos lugares mais queridos da Família Salesiana: o Monastero di Tor de'
Specchi. Este tem uma história antiga; foi fundado por santa Francisca Romana
nos inícios do século XV e, desde então, é um ponto de referência para a vida
cristã da capital. Muitos foram os Santos que, de diversas formas, tiveram
contacto com esta obra: S. Filipe Neri, S. Bernardino de Sena, S. Roberto
Bellarmino, S. Gaspar del Bufalo, S. Francisco de Sales e S. João Bosco.
Dom Bosco estava muito ligado ao Mosteiro e, depois de 1870, interessou-se
para que este não fosse nacionalizado, tal como tantos bens eclesiásticos.
Devido a este interesse, foi-lhe pedido pela mesma Presidente das Oblatas,
Madre Maddalena Galleffi e por D. Domenico Berti, Beneficiário Liberiano, que
lhe escreveu:
Recomendo aos seus valiosíssimos ofícios para a conservação dos bens e de
tudo o resto da histórica casa de S. Francisca Romana, em posse das nobres
26 Filhas desta Santa, as Oblatas, assim chamadas de Tor de' Specchi. Veja como
tirá-las das unhas rapaces da junta liquidatária, sem entrar muito nos longos
litígios no Tribunal.
Não foi preciso dizer-lho duas vezes, e logo falou disso ao Ministro Lanza, com
quem estava a tratar da questão temporal dos Bispos:

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- Veja, Dom Bosco; os católicos pensam que eu sou anticatólico; bem pelo
contrário!
E Dom Bosco, aproveitou a onda:
- Excelência, eu queria pedir-lhe um favor!
- E qual?, diga lá.
- Que me salvasse as casas religiosas de Tor de' Specchi, das irmãs da Carità
della Bocca della Verità, e as de Trinità dei Monti. E expôs também especiais
razões do pedido, isto é: as primeiras religiosas poderiam reivindicar os seus
direitos em tribunal, as segundas prestavam serviço nos hospitais, as terceiras
eram de nacionalidade francesa. O Ministro refletiu por instantes, tomou nota, e
assegurou-lhe que aquelas casas ficariam isentas da nacionalização, e a
promessa foi mantida.
Noutra ocasião, a Madre Galeffi mandou chamar o Adv. Patrocinador da causa
de Tor de' Specchi...
Dom Bosco escutou-o atentamente. Pediu explicações em pormenor sobre o
estado da causa, como tinha sido conduzida, e depois começou ele mesmo a
instruí-lo sobre o modo de levar a bom termo a questão e de tal modo que o
advogado ficou impressionado. Por fim aconselhou-o a que, se porventura visse
a causa a correr mal ou a prolongar-se demasiado, escrevesse a um certo
Cutica, empregado em Florença, do qual dependem inteiramente estas coisas.
- Este, dizia Dom Bosco, não só me conhece, mas tratamo-nos como
verdadeiros amigose mesmo na perda da causatratar-nos-á com bondade e
indicar-nos-á a via de sair vitoriosos, ou propor-nos-á um ajuste. E, depois disto
será necessário pensar em segurar a casa e os bens de Tor deSpecchi de
modo que o Governo já não possa ter por onde pegar.
- Tenha a certeza, acrescentou o advogado, seguiremos à risca os seus
conselhos.
Dom Bosco estava certo do êxito da Operação e, em
27 1870, escreveu à Madre Presidente uma carta, na
sua clássica linguagem metafórica, que ainda hoje se
conserva no arquivo do Mosteiro, onde se lê:
Era meio dia, quando se obscureceu o céu e se
formou terrível temporal sobre o retiro e o mosteiro
Mapa
de Tor deSpecchi. No meio das densas nuvens
apareceram monstros gigantescos, dragões de vários

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aspetos a vomitar fogo, a lançar setas e espadas sobre aquele santo edifício.
Torre deSpecchi ameaçava ser reduzida a cinzas, quando uma senhora vestida
de Rainha, acompanhada por muitos homens armados avançou para os monstros
ferozes levando na frente um estandarte sobre o qual estava escrito: Eu sou o
auxílio dos cristãos. Quando ela se aproximou, aqueles monstros contorceram-se
horrivelmente e lançando-se uns contra os outros dispersaram-se deixando o
céu sereno. Aquela rainha, então, lançou um cesto de belíssimas flores que
caíram todas sobre a casa de Tor deSpecchi. As religiosas e as meninas
educandas que, todas assustadas, se tinham escondido, saíram e, jubilosas,
recolheram aquelas flores que encheram todos os aposentos de fragrantíssimo
perfume. Creio que compreenderá tudo…”.
Com medo da nacionalização dos bens, as religiosas fizeram um voto ao
Sagrado Coração de Jesus: se ganhassem a Causa contra a Junta Liquidatária do
Património Eclesiástico, as Oblatas observariam perpetuamente, todos os anos,
jejum rigoroso na vigília da festa do Sagrado Coração. O voto foi formulado
oficialmente no dia 10 de maio de 1876 e, no mês de junho, Tor deSpecchi
era declarada isenta da confiscação. Ainda hoje este compromisso é
escrupulosamente mantido.
O Santo, de 1878 a 1882 (14° - 18° estadia) teve como ponto de apoio Tor
de' Specchi, mais precisamente a casa dos confessores(agora demolida),
situada precisamente em frente do Mosteiro, nº 36 da via Tor de' Specchi (hoje
Via del Teatro Marcello).
Como é que o Santo usou estes locais?
É necessário recuar um pouco no tempo.
A benemérita madre Maddalena Galeffi, movida de zelo pela instrução religiosa
não só das Senhoras residentes na casa por ela presidida, mas também de
muitas outras pessoas e estimulada pelo desejo de realizar uma obra de
29 caridade em favor do Oratório, recebia de Dom Bosco muitas e variadas
publicações, que ela procurava industriosamente aproveitar: eram livros
ascéticos, manuais de piedade, histórias morais e amenas, e também imagens,
medalhas, coroas, crucifixos, etc. De 1870 em diante, eram-lhe enviadas
grandes caixas destes objetos, a cada uma das quais os livreiros do Oratório
juntavam um catálogo com a indicação dos respetivos preços, ficando sempre
subentendido que era necessário enviar ao remetente o montante recebido.

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Rapidamente as vendas aumentaram muitíssimo, de forma que as encomendas
se multiplicavam; quanto às somas recolhidas com a venda, a boa Presidente ou
as enviava de vez em quando para Turim, ou as entregava nas mãos de Dom
Bosco ou as confiava a outros encarregados por ele.
Finalmente, em 1974, pensou em pedir ao Beato uma conta exata do montante
total e das somas recolhidas, e eis que então teve a desagradável surpresa de
verificar que a seu débito constava ainda uma parte muito relevante, da qual
não conseguia dar qualquer explicação. Havia estado sempre convencida de que
as somas enviadas correspondiam ao montante do dinheiro recolhido nas vendas
efetuadas aos preços de tabela, ao passo que as coisas eram muito diferentes. A
razão foi que neste negócio a Presidente se servia da intervenção de outrem,
havendo confiado a uma pessoa secular da sua confiança toda a contabilidade e
a condução das operações financeiras; mas parece que no manejo do dinheiro
não havia muita exatidão. A madre Galeffi, que não tinha qualquer suspeita,
continuou a boa obra até à morte, empenhando-se em cobrir o deficit pouco a
pouco.
Depois da sua morte, em janeiro de 1876, a nova Presidente marquesa
Canonici, tendo falado sobre isso com Dom Bosco, pôde verificar em prejuízo
dele um débito de 20.133,32 liras que não constavam pagas, se bem que os
montantes tivessem sido enviados e recebidos. A nobre senhora, apesar de ter
direito de objetar que a Casa di Tor de' Specchi não devia dizer-se obrigada
pelos contratos pessoais da defunta, todavia, quer em obséquio à boa memória
da saudosa Superiora quer em atenção à delicada estima para com Dom Bosco,
mostrou desejo de solucionar equitativamente o diferendo. Então o Beato, a
quem interessava ter em Roma um procurador geral da Congregação e uma
morada para si e para os seus, pediu como compensação que a Casa di Tor de'
Specchi lhe concedesse o uso gratuito de alguns quartos para habitação.
A madre Canonici; com prévio consentimento das senhoras Oblatas, anuiu de
30 bom grado, pondo ao seu dispor todo o segundo andar de uma casa
pertencente ao Mosteiro e situada em frente do nº 36. A concessão não
podia de nenhum modo ultrapassar a duração de trinta anos, excluída também a
faculdade de subalugar, no todo ou em parte, os aposentos. Em contrapartida,
Dom Bosco considerava-se ressarcido e reembolsado do seu crédito, quer se
servisse da concessão durante os trinta anos completos quer se servisse dela
por menos tempo ou mesmo não se servisse dela de todo. A respetiva escritura

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foi assinada em março seguinte. Os leitores não imaginem que fosse um grande
apartamento: uma portinha dava entrada da rua para uma escadinha estreita e
degradada que levava a cinco quartinhos acanhados e baixos, onde uma pessoa
sufocava com o calor no verão e tremia de frio no inverno.
A Capela do Mosteiro reveste-se de uma importância especial para toda a
Família Salesiana porque, além de ali se recolher com frequência a celebrar o
Sacrifício Eucarístico, Dom Bosco fez ali a primeira conferência aos
Cooperadores Salesianos.
31
Outro meio de difusão muitíssimo eficaz [para levar a aderir à Associação dos
Cooperadores] foram as duas conferências anuais, prescritas pelo Regulamento
para o dia de S. Francisco de Sales e para a festa de Maria Auxiliadora.
Tais encontros serviam muito bem para a propaganda, quer porque a entrada
era livre, quer porque depois dava deles notícias pormenorizadas à imprensa,
quer também porque davam ocasião a pequenas publicações que circulavam

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pelas mãos de muitos. Até 1978 não se tinham feito conferências; Dom Bosco
deu então exemplo delas em Roma e em Turim.
A conferência de Roma foi em janeiro de 1878. Dom Bosco decidiu fazê-la de
modo que pudesse servir de modelo para todas as outras, em toda a parte que
depois se fizessem; por isso fez uma adequada preparação para ela. Escolheu
antes de tudo um lugar muito do agrado da aristocracia romana: a capela das
nobres Oblatas de Tor de' Specchi.
Proporcionou-se depois a intervenção de nobres senhores e senhoras, de
prelados e outros eclesiásticos em bom número. Conseguiu que fosse presidir o
cardeal vigário Monaco La Valletta, ao qual se juntou o eminentíssimo Sbarretti.
Juntamente com o convite, enviou o programa para a tipografia, precedido
destas notas ilustrativas.
CONFERÊNCIA A COOPERADORES SALESIANOS EM ROMA
27 DE JANEIRO 1878.
Com a autorização e com a intervenção de S. E. Rev.ma o senhor cardeal
Monaco La Valletta, Vigário de Sua Santidade, terá lugar a primeira Conferência
dos Cooperadores Salesianos, como está prescrito no capítulo VI, artigo 4º do
Regulamento.
A reunião será feita na igreja da Ex.ma Casa das Oblatas de Santa Francisca
Romana, conhecida pelo nome de Torre de' Specchi. A entrada será pela porta
principal do Instituto e dali diretamente para a Capela.
Todos os Cooperadores são respeitosamente convidados. Sua Santidade, num
gesto de grande bondade, concede indulgência plenária a todos os Cooperadores
que tomarem parte nesta Conferência.
Conforme prescrevem as regras, far-se-á um peditório em favor dos
Missionários Salesianos que trabalham na América, de outros que se preparam
para a partida, e também em favor de algumas casas que vão abrir em países
onde há a maior necessidade delas.
32 Roma, 25 de janeiro 1878.
Sac. JOÃO BOSCO.
A afluência não podia ser melhor nem pelo número nem pela qualidade das
intervenções. Às 3 da tarde, um sacerdote salesiano subiu ao palco montado de
propósito segundo o costume romano e leu na Vida de Francisco de Sales
escrita por Galizia o capítulo sobre o Amor do Santo para com os pobres: leitura

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escutada pelos presentes com viva atenção. Em seguida uma cantora célebre
interpretou um belíssimo motete sobre as palavras Tu es Petrus, executado com
acompanhamento de órgão.
No fim, Dom Bosco de barrete e capa pronunciou um discurso que durou três
quartos de hora. Começou assim:
Eminências Reverendíssimas, nobres, e respeitáveis senhores. Neste belo dia,
dedicado a S. Francisco de Sales, em que pela primeira vez a Santa Igreja celebra a
sua festa desde que foi proclamado Doutor, tem lugar em Roma a primeira
conferência dos Cooperadores Salesianos, e é-me dada a grande honra de falar na
vossa presença. O Santo Padre envia-nos a sua bênção apostólica e concede-nos o
precioso tesouro da indulgência plenária, ao mesmo tempo que o Cardeal Vigário se
dignou vir assistir e presidir esta reunião. Foi escolhida de propósito esta igreja das
nobres Oblatas de Santa Francisca: porque este instituto foi o primeiro que nesta
ilustre Cidade começou a beneficiar os rapazes pobres das casas salesianas.
Eu mesmo, que deveria estar noutro lugar, tive por fortes motivos de me deter
aqui, e isto proporciona-me a grata consolação de tomar parte nesta primeira
conferência.
Seja, portanto, bendito o Senhor, sejam sempre adoradas as suas divinas
disposições.
Entretanto, para secundar o objetivo desta primeira reunião, eu não faço um
discurso académico, nem uma prédica moral, mas uma narrativa histórica acerca da
origem e progressos dos Cooperadores Salesianos”.
Narrada a história dos Cooperadores desde os inícios até ao momento em que
falava, prorrompeu numa calorosa exortação, para que todos coadjuvassem os
Salesianos na obra de salvar a juventude. Ilustres senhores, disse, os protestantes,
os incrédulos, os sectários de toda a espécie nada deixam de tentar para fazer mal
à incauta juventude e como lobos famintos tentam apoderar-se dos cordeiros de
Cristo.
33 Gravuras, fotografias, escolas, asilos, colégios, subsídios, promessas, ameaças,
calúnias, tudo põem em ação a fim de perverterem as tenras almas, arrancá-las do
seio materno da Igreja, seduzi-las e atraí-las a si e lançá-las nos braços de
Satanás.
E o que mais entristece é que os mestres, professores e até certos pais dão a mão
a esta obra de desolação. Ora, perante espetáculo tão dilacerante, ficaremos nós

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indiferentes e frios? Tal não aconteça, ó almas sensíveis; não, não aconteça que
sejam mais astutos, mais animosos em fazer o mal os filhos das trevas, do que
os filhos da luz em fazer o bem. Portanto, cada um de nós faça-se guia, mestre,
salvador de crianças.
Às artes enganadoras da maldade contraponhamos os cuidados amorosos da
nossa caridade, gravura a gravura, escola a escola, colégio a colégio; vigiemos
atentos pelas crianças das nossas famílias, paróquias e institutos; e dado que
uma multidão imensa de pobres rapazes e meninas se encontra por toda a
parte…”
Na mesma noite Dom Bosco escreveu ao padre Rua:
Hoje tivemos uma conferência presidida pelo Card. Vigáriodeixará marca na
história”.
Quer dizer sem dúvida na história da Congregação; mas e porque não também
na história da Igreja? Depois do batismode 9 de maio de 1876, esta
conferência, presidida em Roma pelo Vigário do Papa, foi como que a
confirmação da Pia União dos Cooperadores.
Muitos são os episódios que poderiam narrar-se sobre a estadia do Santo em
Tor de' Specchi, mas há um que merece a nossa atenção, porque mostra a
retidão e a frmeza do Santo piemontês.
Os protagonistas do facto são Dom Bosco e Mons. Macchi, Mestre de Câmara
do Santo Padre, em tempos amigo de Dom Bosco (que enalteceu junto de Pio
IX) e agora seu opositor.
Aconteceu naqueles dias um episódio bastante significativo.
Um certo senhor tentava a todo o custo não se encontrar com Dom Bosco.
Uma manhã, Dom Bosco foi celebrar a missa na igreja de Tor de' Specchi.
Enquanto Dom Bosco estava ao altar, chegou também ele ao convento.
A Presidente, sem dizer nada, convidou Dom Bosco a subir para tomar o café.
34 Dom Bosco aceitou o convite. Aquele tal senhor não tinha sido avisado da
presença de Dom Bosco. Ao encontrarem-se frente a frente, Dom Bosco ficou
surpreendido ao vê-lo; mas o outro foi desembaraçado. Estavam com ele duas
jovens suíças, elegantes, mas descaradas. O senhor, mal viu Dom Bosco,
disse-lhe apontando para as jovens: - Veja, Dom Bosco, que dois belos toques
de graça de Deus!
- Dom Bosco não respondeu. O interlocutor, sem se descompor, prosseguiu: -

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Que diz destas duas meninas?
- Mas eu não entendo disso e não sei que dizer, respondeu Dom Bosco. Não creio
que sejam conversas convenientes para um padre.
- Oh, exclamou o outro ironicamente, se todos os padres fossem como o senhor, as
coisas andariam melhor!
- Não diga, se fossem como eu, observou Dom Bosco, mas se fossem como os quer
Nosso Senhor Jesus Cristo.
A Presidente interrompeu o deplorável diálogo, dizendo àquele senhor: - E quando
conseguirá uma audiência do Santo Padre para Dom Bosco?
- Veja, respondeu o tal, o Santo Padre tem tanto que fazer, que não tem tempo, ao
menos por agora, de dar audiência a Dom Bosco. Masveremosveremos
- Oh nós, disseram arrogantemente as duas jovens, neste mês tivemos quatro
audiências do Santo Padre!
O Servo de Deus, ao ouvir isto, não pôde deixar de observar àquelas senhoras: -
Vocês, quatro vezes num mês foram admitidas à presença do Papa, e eu que estou
aqui em Roma há vários meses, que tenho tantos assuntos a tratar, que peço
audiência há tanto tempo, eu não posso despachar-me para regressar a Turim!
Aquele senhor respondeu que tentaria, que se veria, que isto e que aquilo e,

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entretanto, continuou a fazer os elogios das meninas.
Dom Bosco incomodado levantou-se e retirou-se, acompanhado pela Presidente,
à qual disse:
- Senhora, eu não pensava que a senhora me preparasse uma tal surpresa.
- Desculpe, Dom Bosco, respondeu a Presidente, eu fiz isto para que pudesse
encontrar-se uma vez com aquele senhor e fazer-lhe o pedido da audiência.
- Pois bem, replicou Dom Bosco, faça-me o favor de se esforçar para que eu
nunca mais me encontre com este homem.
Concluindo, recordamos que as Oblatas foram sempre muito hospitaleiras e
disponíveis em relação aos Salesianos, para com os quais sempre mostraram
grande generosidade, ajudando economicamente os filhos de Dom Bosco na
construção da basílica do Sacro Cuore e da igreja de S. Maria Liberatrice no
Testaccio.
O Mosteiro merece ser visitado, avisando antes por telefone.
É costume estar aberto ao público só no dia da festa de santa Francisca
Romana.
36

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4.8 Page 38

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O Vaticano
Piazza San Pietro
Città del Vaticano
O Vaticano é sem dúvida a colina de Roma que viu a presença de Dom Bosco
mais do que qualquer outra. Em cada uma das suas viagens à cidade eterna, o
Santo fez pelo menos uma visita ao túmulo do Príncipe dos Apóstolos e ao seu
Sucessor.
A biografia de Dom Bosco está cheia de acontecimentos que tiveram lugar no
Vaticano, pelo que foi necessário fazer uma escolha, tendo mais em conta a
primeira estadia do Santo na cidade (1858), da qual Dom Rua nos deixou uma
crónica detalhada não só das visitas, mas também do estado de espírito de Dom
Bosco ao visitar estes lugares santos pela primeira vez.
Quem sabe quantas vezes ele tinha desejado este momento!
Não se esqueceu de visitar nada, valendo-se também das palavras de Pio IX:
"Tente ver tudo o que é visível" (M.B. V,862); de facto, a visita durou vários
dias, como escreveu Lemoyne.
I) A BASÍLICA
38
A 26 de fevereiro, acompanhado pelo Sr. Charles De-Maistre e pelo clérigo
Rua, foi ao Vaticano, uma colina que contém o que há de mais memorável na
religião e o que há de mais excelente nas artes. Passando sobre a ponte de
Sant'Angelo, recitaram o Credo para ganhar os cinquenta dias de indulgência
concedidos pelos Sumo Pontífices; e saudando a estátua de São Miguel,
dominando a mole Adriana, reduzida a fortaleza, ei-los na grande praça da

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Basílica.
Neste espaço existira o circo em que Nero condenava os cristãos ao suplício do
fogo. Agora está rodeado de 284 colunas com 88 pilares dispostos num
semicírculo de ambos os lados em quatro filas que dividem o pórtico em três
galerias, a maior das quais no meio pode dar passagem a duas carruagens;
acima da colunata encontram-se 96 estátuas de santos. No final da praça, um
magnífico lance de degraus leva ao vestíbulo do templo, decorado com
mármores, pinturas, estátuas e outros ornamentos.
Acima está a grande varanda para a bênção papal. Toda esta majestosa e
imponente fachada ostenta treze estátuas colossais, representando o Salvador
com São João Batista, à direita, e os Apóstolos, menos São Pedro, colocados aos
lados. No centro da praça, ladeado por duas fontes maravilhosas, que lançam
continuamente torrentes de água a grande altura, ergue-se um obelisco egípcio,
sobrelevado por uma cruz, no meio da qual se encontra engastado um pedaço
do Santo Lenho.
Dom Bosco e os seus companheiros tiraram os chapéus e prestaram-lhe
homenagem, ganhando mais cinquenta dias de indulgência com este ato.
A Basílica tem cinco portas; qualquer pessoa que a visite em qualquer dia do
ano pode ganhar uma indulgência plenária, desde que se tenha confessado e
comungado antes.
D. Bosco, assim que entrou, permaneceu por muito tempo como se estivesse
extasiado, sem pronunciar uma palavra; e a primeira coisa que o impressionou
foram as estátuas de mármore dos fundadores das Ordens Religiosas em torno
dos pilares da nave principal. Ele parecia ver a Jerusalém celestial- MB V,826-
828
Ele certamente não imaginava que um dia também ele estaria lá, como tinha
sonhado, na grande Igreja coração do mundo. De facto,
por ocasião da sua canonização (1934), uma grande
39
estátua de mármore branco de Carrara, pesando várias
toneladas, foi colocada por cima da estátua de bronze de
São Pedro e da efígie de Pio IX, representando o Santo
com Domingos Sávio e Zeferino Namuncurà.
Voltemos à narração...
Mapa
O comprimento da basílica na nave principal, desde a porta

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40
de bronze até ao túmulo de São Pedro, é de 185,37 metros.
É o maior templo de toda a cristandade. Depois de S. Pedro, o maior é S. Paulo
em Londres. - Se a isto, disse D. Bosco em tom de brincadeira, acrescentarmos
a igreja do nosso Oratório, forma-se o comprimento exato da Basílica Vaticana.
- Cada capela tem o tamanho de uma igreja comum.
D. Bosco começou a visitar a nave menor, à direita de quem entra, e examinou
ao detalhe capela por capela, altar por altar, pintura por pintura. Ele observou
cada estátua, cada baixo-relevo, cada mosaico; contemplou esplêndidos
sepulcros de vários Papas. Entre eles reparou no da famosa Matilda condessa de
Canossa, a qual apoiou a autoridade papal contra Henrique IV, imperador da
Alemanha; e outra de Cristina Alessandra rainha da Suécia que, sendo
protestante, apercebendo-se da falsidade daquela seita, renunciou ao seu trono
para se tornar católica, morrendo em Roma em 1655. D. Bosco tomou
apontamentos a respeito de tudo, com dados históricos; mas acima de tudo
satisfazia a sua devoção.
Entrou na capela conhecida como a da Coluna Sagrada, onde se conserva uma
coluna transportada para cá a partir do templo em Jerusalém na qual Jesus
Cristo se apoiou quando pregava às multidões. Surpreende que a parte tocada
pelas sagradas costas do Salvador nunca se cubra de pó.
Pôs-se em adoração na capela do Santíssimo Sacramento, cujo altar é dedicado
a São Maurício e aos seus companheiros mártires, que são os principais
protetores do Piemonte. Ao lado deste altar começa uma escada que conduz ao
palácio papal.
Na capela gregoriana, sobre o altar, é venerada uma antiga imagem da Virgem
Maria, obra da época de Pasquale II eleito em 1099.
A sua última estação naquela igreja foi em frente da tribuna principal conhecida
como da Cátedra, colocada ao fundo do espaço que forma como que o coro do
altar papal. Há quatro estátuas gigantescas de metal sobre um altar que
suportam uma grande cadeira pontifical do mesmo material. As duas da
frente representam Santo Ambrósio e Santo Agostinho; as duas posteriores,
Santo Atanásio e São João Crisóstomo. Embutida na cadeira de bronze
conserva-se, como preciosa relíquia, uma cadeira de madeira incrustada com
marfim e vários baixos-relevos. Esta cadeira pertenceu ao Senador Pudente, e
serviu o Apóstolo São Pedro e muitos outros pontífices depois dele.
Tendo venerado aquele símbolo do infalível Magistério da Igreja, D. Bosco voltou
a prostrar-se diante da Confissão de São Pedro; foi então inclinar a cabeça

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5.1 Page 41

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perante a estátua de bronze do Príncipe dos Apóstolos colocada perto de um
pilar à direita, e beijou respeitosamente o seu pé, que se projetava um pouco
para fora do pedestal, largamente desgastado pelos lábios dos fiéis. É uma
estátua mandada fazer por São Leão Magno, usando o bronze de Giove
Capitolino, em memória da paz obtida com Átila.
Eram cinco horas da tarde, e D. Bosco sentia-se muito cansado, pois desde as
onze da manhã que andava, sempre de pé, a girar pela nave da Basílica. Por
isso, regressou a Quattro Fontane. (M.B. V, 828-829)
O dia 3 de março estava destinado para continuar a sua visita à Basílica
Vaticana.
D. Bosco com o Clérigo Rua e o Conde Carlo saíram de casa às seis e meia, e
lá estava ele em São Pedro, junto ao altar papal que, isolado, se ergue
majestosamente no meio do transepto em sete degraus de mármore branco.
Em frente, surge no pavimento um vasto espaço vazio, rodeado por uma
preciosa balaustrada, sobre a qual ardem continuamente cento e doze
lâmpadas, apoiadas por cornucópias de metal dourado; e na qual, por meio de
uma escadaria dupla de mármore, se desce até ao piso da Confessione,
colocada debaixo do altar papal.
É uma capela adornada com mármores preciosos, estuques dourados e vinte e
quatro baixos-relevos de bronze representando os principais acontecimentos da
vida de São Pedro; o túmulo do Príncipe dos Apóstolos está escondido no
subterrâneo. D. Bosco teve a felicidade de celebrar a Santa Missa no altar
desta capela, adornada com duas imagens muito antigas de São Pedro e São
Paulo, pintadas sobre placa de prata.
Depois de rezar longamente, subiu à basílica e olhou atentamente para a nave
em cruz, que tinha cerca de cento e trinta e cinco metros de comprimento. Por
cima do altar papal está a imensa cúpula, com quarenta e dois metros de
altura e sete metros de diâmetro, que, tanto pela sua altura e vastidão, como
41 pelas esplêndidas obras em mosaico executada pelos artistas mais famosos,
deixa encantado quem a observa. É suportada por quatro pilares; cada um
deles tem setenta metros e oitenta e cinco centímetros e tem uma varanda
conhecida como a varanda das relíquias. Elas contêm a Santa Face de
Verónica, uma porção da Santa Cruz, a lança santa e o crânio de Santo André.
Famosa é a relíquia da Santa Face, que se crê ser aquele pano que o Divino
Salvador usou para limpar o seu rosto coberto de sangue. Deixou nele a sua

5.2 Page 42

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5.3 Page 43

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efígie impressa, quando subia ao Monte Calvário, e entregou a Santa Verónica.
Pessoas dignas de fé narram que no ano de 1849, aquele rosto sagrado
derramou sangue várias vezes, e até mudou de cor, de modo a apresentar as
caraterísticas originais. Estes factos foram consignados por escrito, e os
cónegos de S. Pedro foram testemunhas disso.
D. Bosco, penetrado por estes pensamentos tão aptos para comover uma alma
cheia de fé, aproximou-se da Cátedra de São Pedro e, após ter renovado o
gesto de veneração, voltou-se para a parte sul da Basílica e observou outros
túmulos de Pontífices, examinou as sumptuosas capelas e altares,
especialmente a da Virgem da Coluna, assim chamada por causa da imagem de
Maria Santíssima pintada numa coluna da antiga basílica de Constantino.
Também venerava as urnas que continham os corpos de vários santos: dos
Apóstolos Simão e Judas, S. Leão Magno, S. Leão II, III, IV, S. Bonifácio IV, S.
Leão IX, S. Gregório Magno e S. João Crisóstomo. Finalmente parou na última
capela da nave menor, o batistério, cuja pia é feita de pórfiro.
Esta segunda visita a São Pedro terminou ao meio-dia e meio, pelo que o Sr.
Carlo De-Maistre reservou para outra altura a subida à cúpula.
(MB V,839-840)
II) NA CÚPULA
O dia 8 de março foi dedicado a subir à cúpula de São Pedro.
O cónego Lantiesi tinha adquirido para Dom Bosco e os seus amigos o bilhete
com que deve estar munido quem deseja ter essa satisfação.
O tempo estava limpo, e D. Bosco - que celebrou Missa na igreja de Jesus, no
altar dedicado a São Francisco Xavier, a fim de cumprir a promessa que tinha
feito em Turim ao Conde Xavier Provana de Collegno - chegou ao Vaticano às
9 horas, na companhia do Sr. Carlo De-Maistre e do Clérigo Rua.
Tendo entregue o bilhete, a porta foi-lhes aberta, e começaram a subir uma
escadaria muito confortável. Quase próximo do patamar da Basílica, veem-se
os personagens mais famosos, reis, príncipes que subiram até ao terraço da
cúpula, e observaram com prazer os nomes de vários Soberanos do Piemonte e
de outros membros da Casa de Saboia.
Aqui deram uma vista de olhos ao terraço do grande templo, que parece uma
vasta praça pavimentada, que tem no meio uma nascente de água sempre a
correr. Visitaram também o sino principal, cujo diâmetro é superior a três
43

5.4 Page 44

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44
metros.
E aqui, por uma escadaria em caracol, entraram na primeira e depois na
segunda balaustrada interior da cúpula e contornaram-na. Entretanto, D. Bosco
notou que os mosaicos, que ele tinha contemplado um a um, e que tinham
parecido tão pequenos vistos da igreja, quando vistos de lá de cima, assumiam
uma forma gigantesca.
Olhando para baixo, os homens a trabalhar ou a caminhar no templo pareciam
crianças, e o altar papal, coberto pelo baldaquino de bronze a cerca de 29
metros de altura do chão, um simples cadeirão.
O último andar a que subiram é o que fica por cima da ponta da própria
cúpula. Tinham atingido uma altura de 118 metros ou mais. Olhando à volta
quase tudo se perde num vasto horizonte.
Havia ainda o terraço, que tinham de alcançar por meio de uma escada
perpendicular, subindo seis metros, como se estivessem dentro de um saco.
Mas D. Bosco subiu intrepidamente com o Conde e a Clérigo Rua, e lá estavam
eles no terraço, que tinha à sua volta alguns buracos como pequenas janelas, e
que poderiam dar abrigo confortável a dezasseis pessoas.
Aqui, a uma altura de cerca de 130 metros, D. Bosco falou de várias coisas
relativas ao Oratório de Turim, recordou carinhosamente os seus jovens, e
expressou o seu desejo de os ver novamente o mais depressa possível e de
trabalhar para a sua salvação.
Tendo recuperado o fôlego, desceu sem parar até ele e os seus amigos
chegarem à porta de saída. Precisando de descansar um pouco, foi ouvir o
sermão que tinha começado havia pouco na basílica.
Apreciou o pregador pela boa dicção e simpatia: falava sobre a observância das
leis civis.
Após o sermão, havendo ainda algum tempo, D. Bosco passou-o a visitar a
sacristia, que é uma verdadeira magnificência, digna de S. Pedro no Vaticano.
Entretanto, eram já onze e meia e, ainda em jejum, foram tomar uma
pequena refeição. (MB V,850-852)
III) MUSEU CRISTÃO PIO
D. Bosco com o senhor Carlo De Maistre foram visitar Monsenhor Borromeo,
mordomo de Sua Santidade. Foram muito bem-recebidos, e depois de falar

5.5 Page 45

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muito sobre as coisas do Piemonte e de Milão, a sua terra natal, o Monsenhor
tomou o nome de D. Bosco, do senhor Carlo e de Rua, para os colocar na lista
dos que desejavam receber o Ramo das mãos do Santo Padre.
Ao lado dos aposentos deste prelado, em torno dos pátios do Palácio Papal,
encontram-se os museus. D. Bosco entrou neles, viu algumas coisas realmente
fantásticas, mas parou especialmente num vasto salão oblongo, onde se
encontra o museu cristão.
Admirou também muitos quadros do Salvador, de Nossa Senhora, dos Santos e,
entre outros, um Bom Pastor carregando uma ovelha aos ombros. Estes objetos
foram encontrados nas catacumbas.
Do Vaticano a caminho do centro de Roma, Dom Bosco foi à Piazza
Scossacavalli, onde trabalhavam os escritores do famoso periódico La Civiltà
Cattolica. Fez-lhes uma visita, como tinha prometido ao P. Bresciani, e sentiu
verdadeira satisfação ao notar que os principais apoiantes dessa publicação
eram os piemonteses.
D. Bosco sentiu um forte desejo de regressar a casa; por conseguinte, já tinha
chegado ao Quirinale, quando o coronel Foccardi o viu com o senhor De
Maistre em frente à sua loja e os convidou a entrar. Detidos com tantos atos
de cortesia, no momento em que queriam absolutamente partir - Aqui, disse-
lhes ele, está a viatura; eu vou acompanhá-los e levá-los para casa. -
Embora D. Bosco não quisesse ir na carruagem, consentiu, no entanto, por
benevolência.
E Foccardi, desejando ficar mais tempo com D. Bosco, levou-o para tão longe e
-lo dar tantas voltas de tal modo que chegaram a casa já noite escura.
"Ao entrar em casa", escreveu D. Bosco, foi-me entregue uma carta: abri-a, li,
e era do seguinte teor: "Informa-se o Sr. Abade Bosco de que Sua Santidade se
dignou admiti-lo a uma audiência amanhã, 9 de março, das onze e três
quartos à uma hora".
Esta notícia, embora esperada e muito desejada, deu-me uma revolução no
sangue, e durante toda aquela noite já não me foi possível falar de nada a não
ser do Papa e da audiência".
O Cardeal Antonelli não tinha esquecido a sua promessa. (M.B. V, 853f)
45

5.6 Page 46

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IV) PRIMEIRA AUDIÊNCIA PAPAL
Como já dissemos, a principal razão que levou Dom Bosco a descer a Roma foi
poder ser recebido em audiência pelo Santo Padre.
A tão esperada primeira audiência entraria para a história, narrada em cada
detalhe pelo próprio Dom Bosco e por Dom Rua, que o acompanhou como seu
secretário.
O cardeal Antonelli, Secretário de Estado, tinha prometido a Dom Bosco que em
breve seria recebido em audiência pelo Sumo Pontífice.
E finalmente chegou o momento há muito esperado...
9 de março foi o dia da audiência papal; e D. Bosco, que precisava de falar
46
antes com o Card. Gaude, foi rezar missa na igreja de S. Maria sopra
Minerva, que é um dos mais belos e ricos edifícios sagrados de Roma. Sob o
altar-mor, está o corpo de Santa Catarina de Sena. Tendo oferecido o Santo
Sacrifício, dirigiu-se ao Cardeal, com quem pôde falar de imediato, e tendo
obtido conselhos e informações, voltou a Quattro Fontane, apressando-se a
preparar as questões a apresentar ao Santo Padre.
Pouco depois das onze horas, D. Bosco e o clérigo Rua, ocupados com mil
pensamentos, chegaram ao Vaticano e subiram as escadas de forma mais

5.7 Page 47

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mecânica do que hábil. Tendo entrado nas salas pontifícias, guardadas por
guardas suíços e nobres, os camareiros saudaram-nos, fazendo uma profunda
vénia; levaram a carta para a audiência que D. Bosco segurava na sua mão, e
de sala em sala foi conduzido com o seu companheiro à antecâmara do
Pontífice.
Como havia vários outros à espera de ser apresentados, tiveram de aguardar
cerca de uma hora e meia.
"Aquele tempo", escreveu mais tarde D. Bosco, "passámo-lo a observar os
locais onde estávamos. As salas são grandes, majestosas, bem alcatifadas, mas
nada luxuosas. Um tapete simples esverdeado cobria o chão. Os estofos eram
de seda vermelha, mas sem ornamentação, as cadeiras de madeira dura. Uma
única cadeira alta, colocada em cima de uma caixa bastante elegante, indicava
que esta era a Sala Pontifícia. Vimos isto com agrado, recordando os ataques
mordazes e injustos que alguns fazem contra a pompa e o luxo da corte
pontifícia".
De repente, um sino tocou, e o prelado da antecâmara acenou-lhes para
avançar e entrar na sala do Papa. Naquele momento D. Bosco ficou como que
confuso e teve de se fazer alguma violência para não perder o equilíbrio. -
Coragem, disse ele, vamos. - O clérigo Rua seguiu-o, levando uma cópia,
encadernada artisticamente, de todos os folhetos das Leituras Católicas.
Entraram, e ali estavam finalmente na presença de Pio IX; fizeram uma
genuflexão na entrada do salão, outra no meio e a terceira aos pés do
Pontífice. Mas a sua apreensão cessou quase por completo, quando viram em
Pio IX o aspeto do homem mais afável, o mais venerável e ao mesmo tempo o
mais suave que um pintor poderia pintar. Não lhe podiam beijar o pé, porque
ele estava sentado à mesa; beijaram-lhe a mão, e o clérigo Rua, consciente da
promessa que tinha feito aos seus companheiros, beijou-a uma vez para si e
uma vez por eles. Então o Santo Padre fez-lhes um sinal para se levantarem e
se colocarem diante dele. Obedeceram, mas D. Bosco, querendo falar de acordo
47 com a etiqueta prescrita, voltou a ajoelhar-se - Não, respondeu o Papa,
levante-se.
Vale a pena notar aqui que ao anunciar Dom Bosco ao Papa, o prelado
introdutor tinha lido mal o seu nome porque em vez de escrever Bosco tinha
escrito Bosser:
- É piemontês?
- Sim, Santidade; sou piemontês e neste momento sinto o maior consolo da

5.8 Page 48

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minha vida, encontrando-me aos pés do Vigário de Jesus Cristo.
- E em que é que se ocupa?
- Vossa Santidade, estou empenhado na instrução da juventude e nas leituras
católicas.
- A instrução da juventude foi uma coisa útil em todos os tempos; mas hoje em
dia é mais necessária do que nunca. Há também um outro em Turim que cuida
dos jovens.
Aqui D. Bosco percebeu que o seu nome não estava certo, e ao mesmo tempo
o Papa também percebeu que ele não era Bosser, mas sim Bosco, Diretor do
Oratório de S. Francisco de Sales. Depois olhou-o muito mais alegremente e
continuou:
- O que é que faz no seu Asilo?
- Um pouco de tudo, Santo Padre: eu digo missa, prego, ouço confissões, dou
aulas; às vezes tenho de ir à cozinha para ensinar o cozinheiro, e também para
varrer a igreja.
O Santo Padre sorriu a esta resposta, e perguntou-lhe mais sobre os jovens, os
clérigos e os Oratórios, sobre os quais já estava informado. Também lhe
perguntou sobre o número e nomes dos padres que o ajudaram, e daqueles que
colaboravam na publicação das Leituras Católicas.
Voltando-se então para o clérigo Rua, perguntou-lhe se ele já era padre, ao
que ele respondeu:
- Vossa Santidade, ainda não, mas sou apenas um clérigo e estou no meu
terceiro ano de teologia.
- Que tratado estuda?
- Eu estudo o tratado do Batismo e da Confirmação e como ele queria
terminar a lista dos outros, o Papa observou:
- Este é o tratado mais fácil.
Depois voltando-se novamente para Dom Bosco, disse-lhe com um ar
48 sorridente:
- Lembro-me do presente que me foi enviado a Gaeta, e dos sentimentos de
ternura com que aqueles jovens o acompanharam.
D. Bosco aproveitou esse mesmo discurso para lhe expressar o amor de todos
os seus jovens à sua pessoa sagrada, e implorou-lhe que apreciasse um sinal
disso recebendo uma cópia das Leituras Católicas.
- Vossa Santidade, disse ele, ofereço-lhe um exemplar daqueles folhetos que

5.9 Page 49

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5.10 Page 50

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foram impressos até agora, e ofereço-o em nome da Direção; a encadernação
é trabalho dos jovens da nossa Casa.
- Quantos são estes jovens?
- Vossa Santidade, há cerca de 200 jovens: os encadernadores são 15.
- Bem, respondeu, eu quero enviar uma medalha a cada um.
Assim, entrou noutra sala, e após pouco tempo regressou, trazendo quinze
pequenas medalhas da Conceição.
Estas serão para os jovens encadernadores, disse ele a D. Bosco, enquanto lhas
entregava. Depois voltando-se para o clérigo Rua, deu-lhe uma maior, dizendo:
- Isto é para o seu companheiro. Depois, voltando-se novamente para ele,
entregou-lhe uma pequena caixa, que continha uma ainda maior, dizendo: - E
esta é para si.
Tendo-se ajoelhado para receberem os dons preciosos, o Santo Padre
disse-lhes que se levantassem.
Pensando que eles já queriam partir, Pio IX estava para os despedir, quando
Dom Bosco lhe falou da seguinte forma:
- Vossa Santidade, tenho algo de particular para vos comunicar.
- Muito bem, respondeu o Papa. Depois foi dito ao clérigo Rua que se retirasse,
e ele genufletiu no meio da sala e saiu.
O Santo Padre voltou a conversar com D. Bosco sobre os Oratórios e o espírito
que se inculca, e elogiou a publicação das Leituras Católicas, dizendo-lhe para
encorajar os colaboradores, que ele abençoou de todo o coração. Entre as
coisas que repetiu com verdadeiro prazer foi esta: quando penso nesses jovens,
ainda me sensibilizam as trinta e três liras que me foram enviadas a Gaeta.
Pobres jovens, acrescentou ele, privaram-se do dinheiro que lhes tinha sido
dado para o pão e a comida: um grande sacrifício para eles!
D. Bosco respondeu: - O nosso desejo era de poder fazer mais, e ficámos muito
consolados com a notícia de que a nossa humilde oferta era agradável a Vossa
Santidade. Vossa Santidade deve saber que em Turim tendes um grande
50 grupo de crianças que vos amam ternamente, e sempre que falam do
Vigário de Jesus Cristo, fazem-no com a expressão mais viva da alegria.
O Santo Padre ouviu isto com grande satisfação, e tendo voltado o seu discurso
para os Oratórios, a certa altura, espontaneamente, fez esta pergunta a D.
Bosco:
- Meu caro, pôs muitas coisas em movimento, mas se viesse a falecer, o que

6 Pages 51-60

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6.1 Page 51

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seria do seu trabalho?
Dom Bosco, que estava prestes a entrar no seu principal tema, rapidamente
aproveitou a oportunidade favorável e respondeu que tinha vindo a Roma para
providenciar o futuro dos Oratórios, apresentou-lhe a carta de recomendação
de Mons. Fransoni. E acrescentou: - Peço a Vossa Santidade que me dê os
fundamentos de uma instituição que seja compatível com os tempos e lugares
em que vivemos.
O Vigário de Jesus Cristo, tendo lido a recomendação do intrépido exilado,
conhecendo os planos e intenções de Dom Bosco, ficou muito satisfeito e disse:
- -se que estamos os três de acordo. Por conseguinte, Pio IX exortou D.
Bosco a elaborar as regras da Pia Sociedade, de acordo com o objetivo que
tinha concebido, e deu-lhe sugestões importantes. Entre outras coisas,
disse-lhe: - Deve estabelecer uma Sociedade que não possa ser impedida pelo
governo; mas ao mesmo tempo não deve contentar-se em vincular os membros
com simples promessas, pois de outra forma não existirão os laços certos entre
membros e membros, entre superiores e inferiores; nunca estaria seguro dos
seus súbditos, nem poderia confiar na sua vontade por muito tempo. Tente
adaptar as suas regras a estes princípios, e quando o trabalho estiver
concluído, será examinado. A tarefa, porém, não é assim tão fácil. É viver no
mundo sem ser conhecido pelo mundo. No entanto, se nesta obra estiver a
vontade de Deus, Ele irá iluminá-lo. Pode ir, reze e depois de alguns dias
regresse e eu dir-lhe-ei o que penso.
Pio IX foi rápido a compreender as questões e rápido a dar respostas. Em cinco
minutos poder-se-ia tratar com ele de assuntos que levariam uma hora com
outros. D. Bosco também lhe pediu vários favores, que lhe foram graciosamente
concedidos.
No final D. Bosco pediu uma bênção para as pessoas que de alguma forma o
preocupavam.
Em seguida, o clérigo Rua foi chamado de volta, e D. Bosco pediu ao Papa a
bênção sagrada, e ambos se ajoelharam para a receber. – Dou-a de coração,
respondeu o Santo Padre com uma voz terna, enquanto estavam eles
51
igualmente comovidos. Eis aqui a fórmula especial que Pio IX utilizou, e que
julgamos bem registar como uma gloriosa recordação.
Benedictio Dei Omnipotentis, Patris et Filii et Spiritus Sancti descendat super te,
super socium tuum, super tuos in soriem Domini vocatos, super adiutores et
benefactores tuos et super omnes pueros tuos, et super omnia opera tua, et
maneat nunc et semper et semper.

6.2 Page 52

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No final da audiência, o Papa perguntou a D. Bosco se ele já tinha visitado a
Basílica de São Pedro e deu-lhe a mais ampla permissão para ver cada
monumento ou qualquer coisa de relevo na sua amada cidade, ordenando ao
Monsenhor da antecâmara que abrisse para ele qualquer canto mais reservado.
- Procure ver tudo o que é visível", disse-lhe ele.
O COMENTÁRIO DE D. BOSCO: "A bondade do Santo Padre, notou D. Bosco, e
o meu grande desejo de conversar com ele fizeram com que a audiência
demorasse mais de meia hora, um tempo muito considerável, tanto no que diz
respeito à sua pessoa como à hora do almoço, que tinha sido atrasado por
nossa causa. Cheios de estima e admiração, confundidos por tantos sinais de
boa vontade, deixámos o palácio papal e fomos para o Palácio Quirinal. A
impressão desta audiência ficará certamente indelével nos nossos corações, e é
também um argumento factual para podermos dizer que basta abordar o
Pontífice para reconhecer nele um pai que nada mais deseja do que o bem dos
seus filhos, os fiéis de todo o mundo. Quem o ouve falar, é forçado a dizer no
seu coração: - Aquele homem tem qualquer coisa de sobre-humano que não
aparece nos outros homens”.
V) O TÚMULO DE S. PEDRO
D. Bosco aproveitou a permissão do Papa para visitar a cave da Basílica do
Vaticano. Este espaço entre o antigo e o novo pavimento constitui precisamente
aqueles subterrâneos também conhecidos como as grutas do Vaticano. Aqui
foram colocados quase todos os monumentos que existiam na antiga igreja,
incluindo valiosas obras de escultura e pintura: e quadros em mosaico, sepulcros
de papas, sarcófagos de pessoas famosas, estátuas, lápides e altares.
D. Bosco dizia depois aos jovens:
"Seria preciso um volume para anotar as grandes coisas que ali se veem; mas
52 eu noto apenas uma coisa e que é uma imagem de Maria, conhecida como a
bocciata”. Esta imagem está situada num altar subterrâneo e é muito antiga.
Foi-lhe dado este nome por causa do seguinte facto. Um jovem, por desprezo
ou talvez involuntariamente, atingiu a imagem de Maria no olho com uma
boccia”. Aconteceu um grande prodígio. Brotou sangue da sua testa e do olho,
que ainda pode ser visto avermelhado acima das bochechas da imagem. Duas

6.3 Page 53

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gotas salpicaram lateralmente sobre uma pedra que é ciosamente guardada
com dois portões de ferro".
Mas naqueles subterrâneos o que mais atraiu D. Bosco foi a memória do
Príncipe dos Apóstolos. Acompanhado por Mons. Borromeo, passou a maior
parte desse dia em visita à Confissão. Depois abriram-lhe a cripta subterrânea
onde se encontrava o túmulo de São Pedro. Ele olhou, examinou cada objeto,
cada canto, as paredes, as abóbodas, o pavimento. Depois perguntou se não
havia mais nada para ver. - Nada mais, foi-lhe dito.
- Mas onde está exatamente o túmulo do Santo Apóstolo? - Aqui em baixo!
Encontra-se no subsolo, no mesmo lugar que ocupava quando a antiga basílica
estava de pé; e não foi aberta durante muitos séculos por medo de que alguém
pudesse tentar quebrar alguma relíquia da mesma.
- Mas eu gostaria de lá ir.
- Não é possível.
- Foi-me dito, no entanto, que haveria maneira de ser visto.
- Tudo o que é permitido ser visto, eu já lhe mostrei: o restante é estritamente
proibido.
- Mas o Papa disse-me que era sua ordem que nada me fosse ocultado.
Quando voltar a estar com ele e me perguntar se eu vi tudo, lamentarei não
ser capaz de dizer sim.

6.4 Page 54

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O Monsenhor mandou buscar algumas chaves e abriu uma espécie de armário.
Ali existia um buraco que ia para o subsolo. D. Bosco olhou, mas estava tudo
escuro.
- Já está contente?, disse o Monsenhor.
- Ainda não; eu gostaria de ver.
- E como é que quer fazer isso?
- Mande buscar uma cana e um pavio.
A cana e o pavio vieram, e, colada na ponta, foi baixada. Mas logo se extinguiu
no ar morto. A cana, no entanto, não chegava ao fundo. Depois foi trazida uma
segunda vara, que tinha um gancho de ferro no final. Assim, a tampa do
túmulo de São Pedro foi tocada. Estava enterrada a sete ou oito metros de
profundidade. Ao bater levemente, a sua chegada indicava agora que o gancho
estava a bater no ferro e agora no mármore. Isto confirmou o que os
historiadores antigos tinham escrito.
Dom Bosco visitou tudo com toda a diligência para o utilizar na correção da
vida que já tinha escrito sobre São Pedro (M.B. V,862f.).
Entretanto, o Santo Padre tinha expressado o desejo de Dom Bosco assistir no
Vaticano ao devoto e magnífico espetáculo de todas as cerimónias da Semana
Santa. Assim, tinha instruído Mons. Borromeo a convidá-lo em seu nome, e a
procurar para ele um lugar a partir do qual pudesse, à sua vontade, ser um
espetador dos ritos sagrados.
VI) SEMANA SANTA EM ROMA
No dia seguinte, Domingo de Ramos, 28 de março, D. Bosco com o Clérigo
Rua, entrou na Basílica de São Pedro muito antes do início das cerimónias.
O Conde Carlo De-Maistre acompanhou-o até à galeria dos diplomatas, onde o
54
seu lugar tinha sido preparado. Ao seu lado estava um milorde protestante
inglês, maravilhado com essa solenidade de ritos. A certa altura, um cantor
soprano da Capela Sistina cantou uma parte sozinho, mas tão bem que Dom
Bosco foi levado às lágrimas e esse senhor ficou como se estivesse extasiado.
Tendo terminado essa canção, o senhor virou-se para Dom Bosco e exclamou
em latim: - Post hoc paradisus! - Aquele senhor, após algum tempo converteu-
se ao catolicismo e depois tornou-se padre e bispo.

6.5 Page 55

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Como o Papa tinha abençoado os ramos, quando chegou a sua vez, o corpo
diplomático desfilou em direção ao trono do Pontífice, e cada embaixador e
ministro recebeu o ramo das suas mãos.
D. Bosco e o Clérigo Rua também se ajoelharam aos pés do pontífice e
receberam o ramo. Assim o quis Pio IX. E não era D. Bosco um embaixador do
Altíssimo?
Uma vez que o Cardeal Marini era um dos dois cardeais diáconos que assistiam
ao trono, para que D. Bosco pudesse assistir a todas as outras funções da
Semana Santa de perto, mesmo na Capela Sistina, ele assumiu-o como seu
caudatário.
Assim, o servo de Deus, em vestes roxas, ficou quase ao lado do Papa durante
o tempo de todo o cerimonial, e podia apreciar cânticos gregorianos e as
músicas de Allegri e Palestrina.
Na quinta-feira viu o Cardeal Mario Mattei pontificar a Missa como o mais
velho dos Bispos Suburbicários; seguiu o Papa enquanto levava em procissão o
Santíssimo Sacramento até à Capela Paulina para o colocar na urna ali
preparada; acompanhou-o até à varanda do Vaticano, da qual Roma esperava
a bênção solene; assistiu em duas vastas galerias do palácio ao lava pés feito
pelo Papa a treze sacerdotes, e à sua ceia memorial, servida pelo próprio
Vigário de Jesus Cristo.
Sobre a Sexta-feira Santa lemos num folheto impresso em Paris em 1883 sob
o título Dom Bosco em Paris par un ancien Magistrat, na página 66: "Em
Roma, um magistrado francês ajoelhava-se ao lado de um padre na Sexta-feira
Santa na Capela Paulina, adorando Jesus em Sacramento no Santo Sepulcro. O
magistrado estava acompanhado por um cavalheiro italiano, que à sua saída,
lhe disse:
- Tinha perto de si D. Bosco, um santo, o Vicente De' Paoli de Turim.
"E D. Bosco era o santo da Itália, e se Deus quiser, do mundo inteiro" (o
biógrafo comenta).
55
D. Bosco após a adoração tinha retomado o seu ofício de caudatário junto do
Card. Marini.
No Sábado santo pontificava o Cardeal Francisco Gaude.

6.6 Page 56

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VII) SEGUNDA AUDIÊNCIA
De regresso ao Quirinal, recebeu no início da noite um convite para ir ao
Vaticano. O Papa desejava passar muito tempo com ele, e recebeu-o da maneira
mais benevolente e paternal.
Falou-lhe imediatamente assim:
- Pensei no vosso projeto, e estou convencido de que ele fará muito bem aos
jovens. Deve ser implementado. Como poderiam os vossos oratórios manter-se
e prover às suas necessidades espirituais sem isso? É por isso que uma nova
congregação religiosa me parece necessária no meio destes tempos lúgubres.
Deve ser fundada sobre estas bases: que seja uma sociedade com votos, pois
sem votos a unidade de espírito e trabalho não seria mantida; mas estes votos
devem ser simples e facilmente dissolvidos, para que a má vontade de alguns
dos membros não perturbe a paz e união dos outros. As regras devem ser
suaves e fáceis de observar. Que o modo de vestir e as práticas de piedade não
deem nas vistas no meio do mundo. Talvez para este fim, seria melhor
chamar-lhe uma Sociedade, em vez de uma Congregação. Em suma, que cada
membro seja religioso perante a Igreja, e na vil sociedade seja um cidadão livre.
Referiu-se então a algumas Congregações, cujas Regras tinham uma analogia
especial com a que tencionava instituir.
D. Bosco apresentou então humildemente a Pio IX o manuscrito das suas
Constituições. - Eis, Beatíssimo Padre, disse-lhe, o regulamento que contém a
disciplina e o espírito que têm guiado aqueles que têm trabalhado nos Oratórios
durante vinte anos. Já antes me tinha esforçado por reduzir os artigos a uma
forma regular; mas nos últimos dias fiz correções e aditamentos aos mesmos
de acordo com a base que Vossa Santidade se dignou traçar para mim da
primeira vez, que tive a alta honra de me prostrar a vossos pés. Uma vez que,
no entanto, ao esboçar cada um dos capítulos, poderei ter-me enganado e
confundido diversas vezes o esquema proposto, deixo tudo nas mãos de Vossa
56 Santidade e daqueles que Vossa Santidade estabelecerá para ler, corrigir,
acrescentar e remover o que se julgue ser para a maior glória de Deus e o bem
das almas.
O Pontífice tirou esse regulamento das mãos de D. Bosco, folheou algumas
dessas páginas, aprovou a ideia que as tinha inspirado e colocou esse
manuscrito numa pequena mesa. Assim, foi estabelecido pelo próprio Vigário de

6.7 Page 57

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Jesus Cristo que D. Bosco iria iniciar a fundação de uma nova Sociedade
religiosa.
Depois quis o Papa ouvir um relato pormenorizado do início do trabalho dos
Oratórios em Turim e do que tinha levado D. Bosco a começá-lo, tudo o que foi
feito e como foi feito e os obstáculos que tiveram de ser ultrapassados. Ao
ouvir os muitos contrastes, ameaças, perseguições e lisonjas, exclamou,
aludindo ao que ele próprio tinha sofrido desde a revolução: - Realmente!
Ambulavimus per vias difficiles!
E D. Bosco respondeu-lhe, sorrindo: - Mas, com a graça de Deus, non lassali
sumus in via iniquitatis; - e continuou a narrar o grande bem que o Senhor se
tinha dignado realizar na sua infinita misericórdia, e quantos jovens de
extraordinária virtude tinham vivido e ainda vivem no Oratório. A conversa
virou-se então para a vida de Domingos Sávio, e Dom Bosco narrou ao Papa a
visão daquele bom jovem sobre a Inglaterra. Pio IX ouviu com amabilidade e
prazer e disse:
- Isto confirma-me na minha intenção de trabalhar energicamente a favor da
Inglaterra, à qual tenho dirigido a minha solicitude mais apurada. Este relato, se
nada mais for, é para mim como o conselho de uma boa alma.
Mas esta revelação levantou uma suspeita na mente de Pio IX e, olhando
firmemente para D. Bosco, perguntou-lhe se por vezes também ele tinha tido
instruções misteriosas para prosseguir na obra que tinha fundado; e como lhe
pareceu que D. Bosco hesitou um pouco, insistiu que lhe contasse em detalhe
todas as coisas que tivessem até só uma aparência de sobrenatural.
E D. Bosco com um abandono filial contou-lhe o que se tinha apresentado à
sua fantasia em sonhos extraordinários, alguns dos quais já se tinham realizado,
a começar pelo primeiro, quando ele tinha cerca de nove anos de idade.
O Papa ouviu-o com viva atenção e ficou muito comovido, não escondendo que
o levou muito a sério; e recomendou-lhe:
Quando regressar a Turim, escreva estes sonhos e tudo o mais que me expôs
57 agora, em pormenor e no seu sentido natural; guarde-os como um património
para a sua Congregação; deixe-os como um encorajamento e uma norma para
os seus filhos.
A partir disto, aproveitou a oportunidade para exaltar a missão daqueles que
cuidam dos jovens, usando as mais afetuosas expressões de agrado; e ao
mesmo tempo mencionou o bem que estava a ser feito em Roma pelos
Oratórios festivos e por muitos Institutos; e elogiou a educação e instrução

6.8 Page 58

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dadas aos jovens no Asilo Apostólico de São Miguel. D. Bosco ouviu e
manteve-se em silêncio; mas parecia ao Santo Padre que ele não estava
totalmente de acordo com a sua opinião sobre o Asilo de São Miguel: - D.
Bosco, então, disse ele, sabe algo que eu não sei.
- Peço perdão ao Santo Padre, se não me parece lícito fazer algumas
observações; mas se V. S. me ordena, eu vou falar.
- Ordeno-lhe e quero que fale.
D. Bosco falou, utilizando, contudo, uma reserva prudente, e expôs as opiniões
de pessoas eminentes sobre o Asilo de São Miguel, das quais desejava que o
Pontífice fosse informado. Pio IX, surpreendido com estas revelações
inesperadas, disse que iria utilizar sem dúvida esta informação para remediar os
problemas relatados, e tendo falado de oficinas, perguntou-lhe em que ofícios,
artes e estudos os jovens estavam envolvidos em Valdocco.
Perguntou-lhe então: Entre as ciências, às quais se aplicou, de qual delas
gostou mais?
- Santo Padre, respondeu D. Bosco, o meu conhecimento não é muito; mas
aquele que eu gostaria e desejo é scire Jesum Christum et hunc crucifixum.
A esta resposta, o Papa permaneceu algo pensativo, e talvez querendo pôr à
prova a sua declaração, mostrou-lhe como tinha ficado muito satisfeito com o
sucesso dos exercícios espirituais para as mulheres presas, e que, para lhe dar
um sinal da sua estima e afeto, tinha decidido nomeá-lo seu mordomo secreto,
com o título de Monsenhor. D. Bosco, que nunca tinha gostado de honras,
agradeceu modestamente ao Pontífice, dizendo-lhe de uma forma simpática e
graciosa: - Santidade! Que bela figura eu faria quando fosse Monsenhor entre
os meus rapazes! Os meus filhos já não me conheceriam e não teriam em mim
toda a sua confiança se tivessem de me tratar pelo título de Monsenhor! Já
não se atreveriam a abordar-me e a puxar-me para um lado e para o outro,
como fazem agora. E então o mundo pensar-me-ia rico por causa desta
dignidade, e eu já não teria a coragem de vir mendigar pelo nosso Oratório e
58 pelas nossas obras. Beatíssimo Padre! É melhor que eu continue sempre o
pobre D. Bosco!
O Papa admirou tal humildade graciosa, enquanto Dom Bosco pedia a sua
aprovação e permissão para poder difundir as suas Leituras Católicas também
nos Estados Pontifícios, e isenção, se possível, do imposto postal para os seus
folhetos.

6.9 Page 59

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Pio IX prometeu que corresponderia de bom grado; mas aconselhou-o a falar
antecipadamente com o Cardeal Vigário e a discutir o assunto com ele
também, para que ele pudesse ter conhecimento da sua promessa.
Disse-lhe que tinha visto a sua Storia d'Italia e as Letture Cattoliche; elogiou a
publicação que estava a fazer das vidas dos pontífices dos primeiros três
séculos, e encorajou-o a escrever, porque desta forma seria um benfeitor da
Igreja, especialmente nestes tempos; e acrescentou, felicitando-o: - Faça com
que os meus antecessores revivam com as suas obras, especialmente aqueles
cujas vidas eram pouco conhecidas dos fiéis.
E, depois de lhe ter perguntado de que autores tirou as informações sobre os
Papas, concedeu-lhe várias faculdades pessoais, que D. Bosco lhe tinha pedido:
a de poder ouvir perpetuamente confissões in omni loco Ecclesiae, e a dispensa
da obrigação de recitar o breviário.
Finalmente, ainda não esgotada a bondade do incomparável Pontífice, concedeu
-lhe todas as faculdades possíveis com estas palavras: - Concedo-lhe tudo o
que lhe posso conceder. - E tendo dito isto, deu-lhe a sua bênção.
IMPRESSÕES: D. Bosco saiu do quarto do Papa confuso e comovido por tanta
condescendência e contou ao Clérigo Rua o que lhe tinha acontecido durante
esta audiência memorável. A dispensa do breviário foi um grande alívio para a
sua delicada consciência, pois estava frequentemente ocupado de manhã à
noite pela multidão de penitentes, visitas e assuntos. No entanto, enquanto
pôde, continuou a recitá-lo na íntegra; ou pelo menos em parte, mesmo quando
a sua vista estava cansada e o seu estômago enfraquecido.
Mas, entretanto, que admirável a afeição do Sumo Pontífice por Dom Bosco!
Pio IX, a partir desse momento, foi sempre um pai e amigo para ele: tinha-o em
alta estima, desejava conversar com ele, pedia-lhe mais de uma vez conselhos,
oferecia-lhe repetidamente dignidades eclesiásticas para o manter perto dele.
Mas Dom Bosco, sempre obediente, mesmo tratando-se apenas de um desejo,
59 não achou necessário aceitar uma tal oferta. Enquanto pedia honras para os
outros, em seu próprio nome sempre as evitava.
VIII) O DIA DE PÁSCOA
No dia 4 de abril, as salvas de artilharia de Castel S. Angelo anunciaram o
alvorecer do dia de Páscoa.

6.10 Page 60

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Por volta das dez horas, Pio IX desceu à Basílica na cadeira gestatória e cantou
a Santa Missa. Depois dos pontificais, devia dar a bênção urbi et orbi, como
sempre, a partir da varanda de São Pedro. Desfilou a procissão de bispos e
cardeais e subiu até à varanda.
D. Bosco com o Cardeal Marini e um bispo ficaram por um momento perto do
parapeito, coberto com uma magnífica cortina, sobre o qual foram colocadas
três tiaras douradas. O Cardeal disse a D. Bosco:
- Contemple o espetáculo! - D. Bosco percorria a praça com os seus olhos
atónitos. Uma multidão de 200.000 pessoas estava amontoada voltada para a
varanda. Os telhados, janelas e terraços de todas as casas estavam ocupados.
O exército francês preenchia parte do espaço entre o obelisco e os degraus de
S. Pedro. Os batalhões de infantaria pontifícia estavam alinhados à direita e à
esquerda. Atrás, a cavalaria e a artilharia. Milhares de carruagens estavam nas
duas asas da praça, perto dos pórticos de Bernini, e ao fundo perto das casas.
Especialmente nos veículos de aluguer havia grupos de pessoas de pé que
pareciam dominar a praça. Foi um barulho clamoroso, um tropel de cavalos,
uma confusão incrível. Ninguém pode ter uma ideia de um tal espetáculo.
D. Bosco, que tinha deixado o Papa na basílica no ato de venerar as relíquias
ilustres em exposição, pensava que demoraria a aparecer. Absorvido na
contemplação de tantas pessoas de todas as nações, apercebeu-se
subitamente que os dois prelados tinham desaparecido, e viu à direita e à
esquerda os varais da cadeira gestatória que tinha surgido atrás dele sem se
aperceber. Encontrou-se então numa posição difícil; espremido entre a cadeira
e a balaustrada, dificilmente conseguia mover-se; à volta da cadeira estavam
os cardeais, bispos, mestre de cerimónias e sediários, de modo que não via
saída.
Voltar o rosto para o Papa era inconveniente; voltar-lhe as costas uma
incivilidade; permanecer no centro da varanda era ridículo. Incapaz de fazer
melhor, ele virou-se para o lado; então a ponta de um dos pés do Papa
repousou no seu ombro. Nesse momento reinou um silêncio solene sobre a
praça para que o zumbido de uma mosca pudesse ser ouvido. Os próprios
cavalos ficaram imóveis.
61
D. Bosco, imperturbável, atento a cada pequeno incidente, observou que um
único relincho, e o som de um relógio a bater as horas, foram ouvidos
enquanto o Papa sentado recitava algumas orações rituais.
Entretanto, vendo que o chão da varanda estava cheio de flores, ele dobrou-se,
e colhendo algumas dessas flores, colocou-as entre as folhas do livro que
estava a segurar.

7.2 Page 62

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Finalmente Pio IX levantou-se para abençoar: abriu os braços, levantou as mãos
para o céu, estendeu-as sobre a multidão, que dobrou a fronte, e a sua voz ao
cantar a fórmula da bênção, sonora, poderosa, solene, podia ser ouvida para
além da Piazza Rusticucci e do sótão do palácio dos escritores da Civiltà
Catolica.
A multidão respondeu à bênção do Papa com uma imensa calorosa ovação.
Depois o Card. Ugolini Giuseppe leu o Breve dell'indulgenza plenaria em latim e
imediatamente o Card. Marini leu o mesmo Breve em italiano.
D. Bosco tinha-se ajoelhado e, quando se levantou, a cadeira e o Papa tinham
desaparecido. Todos os sinos tocavam festivamente, os canhões trovejavam
continuamente de Castel Sant'Angelo, a música militar fazia soar as suas
trombetas.
O Card. Marini então, acompanhado pelo caudatário, desceu e foi para a sua
carruagem. Mas assim que essa se moveu, D. Bosco sentiu-se mal com esse
movimento e ficou com o estômago agitado. Sofreu um pouco, mas não
conseguindo resistir, deu a conhecer ao Cardeal o seu desconforto. A conselho
do Cardeal, ele subiu para junto do cocheiro; mas continuando o mal-estar,
desceu para caminhar. Como estava de veste roxa, teria sido objeto de espanto
ou de gozo se tivesse atravessado Roma sozinho; assim o secretário, que
também era um bom e gentil sacerdote, saiu da carruagem e acompanhou-o
até ao palácio do Cardeal.
Aquele distúrbio momentâneo causado pela emoção que sentira naquela manhã
tinha desaparecido, mas não cessou tão depressa a hilaridade de tantos dos
seus amigos piemonteses, incluindo Tamietti Giovanni di Cambiano, que o
tinham visto na varanda vaticana. Quando o encontraram:
- Ora que bem, disseram-lhe eles. Fazia uma bela figura assim exposto a toda
a praça! –
E D. Bosco abria o seu livro e mostrava-lhes as flores que ali tinha apanhado,
que secaram e que ele conservou sempre, belas recordações daquele dia.
62
IX) TERCEIRA AUDIÊNCIA
No dia 6 de abril, Dom Bosco regressava para uma audiência particular de Pio IX
com o Clérigo Rua e o Teol. Morialdo, que tinha sido admitido no Vaticano
através da gentil interposição do próprio D. Bosco.

7.3 Page 63

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Entraram na antecâmara às nove horas da manhã e imediatamente D. Bosco foi
introduzido.
Logo que o teve diante de si, o Papa disse-lhe com rosto sério: - Abade Bosco,
onde ficou no dia de Páscoa no momento da bênção papal? Ali, diante do Papa!
E colocando o seu ombro debaixo do seu pé como se o Pontífice precisasse do
apoio de D. Bosco.
- Santo Padre, respondeu D. Bosco, calmo e humilde, fui apanhado de surpresa
e peço perdão se o ofendi de algum modo!
- E ainda acrescenta um insulto, perguntando-me se me ofendeu?
D. Bosco olhou para o Papa, o seu comportamento parecia fictício; e de facto
um sorriso queria aparecer naqueles veneráveis lábios.
E o Pontífice continuou: - Mas o que lhe passou pela cabeça para colher flores
naquele momento? Foi necessário o tom sério de Pio IX para não desatar a rir.
E o Papa então sorriu, e amorosamente prosseguiu sem mais delongas dizendo
que tinha lido cuidadosamente o manuscrito das Constituições desde o primeiro
até ao último artigo. E tomando-o da mesinha, deu-lho acrescentando: -
Entregue-o ao Cardeal Gaude, que o examinará e a seu tempo lhe dirá alguma
coisa: -
D. Bosco abriu-o e viu que Pio IX se tinha dignado acrescentar algumas notas e
modificações pelo próprio punho.
O Santo Padre queria que esse regulamento fosse dado a uma Comissão que o
analisasse; mas D. Bosco pediu-lhe que permitisse a sua execução durante
algum tempo, para depois o submeter novamente a Sua Santidade. Pio IX
aprovou e ao mesmo tempo indicou-lhe todas as medidas que teria de tomar
para obter a aprovação definitiva da sua Pia Sociedade com as respetivas
Constituições.
Então D. Bosco lembrou-lhe várias petições que tinha apresentado para obter
concessões de indulgências para alguns dos seus benfeitores e para aqueles
que tinham promovido o canto de laudes sagradas. E o Papa, bondosamente,
assegurou-lhe que ele providenciaria.
63
D. Bosco pediu-lhe também uma indulgência plenária para todos os jovens
que participavam nos oratórios festivos, para o dia em que escolhessem
aproximar-se dos santíssimos Sacramentos; a bênção apostólica para aqueles
que participam ativamente nestes oratórios; para aqueles que de alguma forma
trabalham para a difusão das Leituras Católicas; e para os jovens do Asilo de S.
Francisco de Sales; e, finalmente, algumas faculdades especiais para D. Morizio

7.4 Page 64

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64
e D. Reviglio. E Pio IX concedeu-lhe todos os favores que lhe foram pedidos.
- E agora, Beatíssimo Padre, acrescentou D. Bosco, tenha a bondade de sugerir
uma máxima que eu possa repetir aos meus jovens, como uma lembrança que
veio dos lábios do Vigário de Jesus Cristo.
- A presença de Deus! respondeu o Papa: diga aos seus jovens em meu nome
que se orientem sempre por este pensamento!... E agora não tem mais nada
para me pedir? Certamente que ainda quer alguma coisa.
- Santo Padre, respondeu ele, Vossa Santidade dignou-se conceder-me o que
eu pedi, e por agora só me resta agradecer-vos do fundo do meu coração.
- E no entanto, no entanto, ainda deseja algo.
A esta insistência D. Bosco ficou ali como que suspenso sem pronunciar uma
palavra, quando o pontífice acrescentou:
- Mas então? Não deseja alegrar os seus jovenzinhos quando regressar para o
meio deles?
- Santidade, isso sim.
- Então, espere.
Poucos momentos antes, tinham entrado naquela sala o Teol. Murialdo, o
Clérigo Rua e D. Cerutti di Varazze, chanceler na Cúria Arquiepiscopal de
Génova. Ficaram surpreendidos com a familiaridade com que o Papa tratou D.
Bosco com bondade e com o que viram naquele momento. O Papa tinha aberto
a caixa, tirou dela com ambas as mãos uma maquia de moedas de ouro
romanas e sem as contar entregou-as a D. Bosco, dizendo:
- Leve-as e dê, pois, um bom lanche aos seus filhos.
Pode imaginar-se a impressão que este ato de tal bondade paterna de Pio IX
causou em Dom Bosco, que com grande amabilidade se dirigiu também aos
clérigos recém-chegados, abençoou as coroas, crucifixos e outros objetos
devocionais que lhe foram apresentados, e deu a todos eles uma preciosa
recordação em medalhas.
Todos ficaram comovidos, e quando o teólogo Murialdo pôde dirigir-se ao Papa,
pediu-lhe uma bênção especial para o Oratório de São Luís, como lhe tinha
proposto D. Bosco. Pio IX respondeu: - É bom cuidar das crianças: há alguns
apóstolos que gostariam de afastar as crianças de Jesus; mas o Salvador disse:
Sinite parvulos venire ad me; e assim devemos fazer nós. Deus dá muitas
bênçãos àqueles que cuidam das crianças, e é um grande conforto ser salvo na
companhia de outros salvos por nós, enquanto que é um conforto ocioso querer

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7.6 Page 66

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ser salvo sozinho. – O Teol. Murialdo disse então: - A necessidade é grande,
especialmente no nosso país.
E imediatamente o Santo Padre retorquiu: - Em todo o lado, e certamente
também no vosso país, onde ocorrem graves males devido à devassidão da
imprensa. Imprime-se num lugar; mas os escritos penetram por todo o lado,
porque não existe uma muralha da China para os impedir de entrar. No ano
passado, na minha viagem a Florença e Bolonha, tive de confiscar milhares de
panfletos provenientes de Turim e Milão.
Escusado é dizer quanto estas palavras confortavam o Teol. Murialdo no seu
trabalho, e o Papa não esqueceu o jovem padre zeloso de Turim, perguntando a
D. Bosco sobre ele em 1867.
A audiência já estava a terminar: todos se ajoelharam para receber ainda a
bênção do Papa, e este encorajou D. Bosco, que se retirava em último, para
continuar a sua obra, para praticar ad experimentum as regras que lhe tinha
apresentado; e instou-o uma segunda vez a escrever em pormenor o que lhe
tinha dito sobre coisas sobrenaturais, mesmo as de menor importância, mas que
estavam relacionadas com a primeira ideia dos Oratórios: repetindo que
conhecê-las seria um grande conforto no futuro para aqueles que fariam parte
da nova Congregação. Enquanto assim falava, um Cardeal entrou para
apresentar alguns documentos para a sua assinatura, e Pio IX interrompeu a
sua conversa e despediu-se de D. Bosco, dizendo-lhe: "Estou-lhe muito grato.
Diz-lhe Bosco:
- Lembrai-vos do que vos disse.
No dia seguinte, o Papa assinou os Rescritos pessoalmente e mandou-os
entregar a D. Bosco; o qual, iluminado pelos conselhos e confortado pelas
palavras do Vigário de Jesus Cristo, durante os dias em que esteve ainda em
Roma, retocou as regras da Pia Sociedade de São Francisco de Sales, e removeu
e acrescentou outras a fim de as tornar na substância conformes aos
66 sentimentos de Pio IX.

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67

7.8 Page 68

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Catacumbas
de San
Calisto
Via Appia Antica 110
Dom Bosco sempre teve uma grande devoção aos Santos Mártires.
Tal devoção, combinada com o desejo de conhecer os lugares do seu martírio e
sepultura, a fim de poder escrever depois sobre as suas vidas com maior
precisão e clareza, levou-o a visitar as catacumbas romanas com meticulosa
atenção. À observação atenta estava, porém, unido um espírito de profunda fé e
devoção.
A sua atenção dirigiu-se especialmente para as catacumbas de São Sebastião e
São Calisto na Via Appia Antica, durante a permanência de 1858.
68
As suas últimas visitas foram à Confissão de São Pedro e às catacumbas.
Depois de rezar na basílica de São Sebastião, tendo visto duas das setas que
feriram o santo Tribuno e a coluna a que esteve amarrado, desceu às galerias
sagradas que guardaram os ossos de milhares e milhares de mártires e onde
São Filipe Neri esteve de vigília tantas noites em fervorosas orações.
Passou depois para as catacumbas de São Calisto. Aqui era provavelmente
esperado pelo Cavaliere G. B. De Rossi, que tinha descoberto aquelas
catacumbas, e a quem tinha sido apresentado por Mons. di San Marzano.
Quem entra nesses lugares sente uma tal emoção, que permanece
inesquecível para o resto da sua vida; e D. Bosco estava absorto por santos e
dulcíssimos pensamentos ao caminhar por aqueles subterrâneos, onde os
primeiros cristãos, assistindo ao Santo Sacrifício, orando em comum, cantando
os salmos e as profecias, na Sagrada Comunhão, ouvindo as palavras dos

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Bispos e dos Papas, tinham encontrado a força necessária para o martírio que
os esperava.
É impossível observar com olhos enxutos aqueles nichos funerários que tinham
encerrado os corpos sangrentos ou queimados de tantos heróis da fé, os
túmulos de nada menos que catorze Papas que tinham dado as suas vidas para
testemunhar o que ensinaram, e a cripta de S. Cecília.
D. Bosco observava os numerosos e antiquíssimos frescos
que simbolizavam Nosso Senhor Jesus Cristo e a
Eucaristia; e as queridas imagens representando o
casamento de Maria Santíssima com São José, a
Assunção de Maria ao céu; e noutras a Mãe de Deus
com o menino nos braços ou ao colo. Ele ficava
encantado com o sentimento de modéstia que
Mapa
resplandece nessas imagens, em que a arte cristã
69

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8 Pages 71-80

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8.1 Page 71

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primitiva tinha sido capaz de reproduzir a beleza incomparável da alma e o
ideal altíssimo de perfeição moral que se deve atribuir à Virgem divina.
Não faltavam outras figuras de santos e mártires.
Dom Bosco saiu das catacumbas às 18 horas e tinha entrado às 8 horas da
manhã. Ele havia tomado uma refeição ligeira com os religiosos que têm a
custódia daquele lugar. (M.B. V,919-920)
Por vezes o destino prega partidas estranhas, e hoje o Cemitério Sagrado é
cuidadosamente guardado pelos filhos de Dom Bosco, e o antigo mosteiro
trapista (onde o Santo parou para almoçar) é uma casa de formação para
jovens Salesianos.
O núcleo antigo, que remonta ao tempo da visita de Dom Bosco, ainda é
reconhecível nele. Uma estátua do Santo, em frente da entrada do Instituto 'San
Tarcisio', lembra-nos que Dom Bosco, que em tempos foi apenas um visitante,
hoje é de casa.
A visita a estas catacumbas, descrita pelo Papa João XXIII como "as mais
augustas e mais famosas de Roma", é calorosamente recomendada.
71

8.2 Page 72

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Santa Maria
sopra
Minerva
Piazza della Minerva 42
Esta igreja, fundada no século VII sobre as ruínas de um templo de Minerva
Calcidice e reconstruída em formas góticas por volta de 1280, era muito
apreciada pelo santo piemontês. Frequentemente ia lá celebrar o Divino
Sacrifício e pregar. Outra razão para as visitas frequentes do santo a esta igreja
é que o Cardeal Gaude, um piemontês e amigo seu, vivia no edifício adjacente.
Este templo foi um dos primeiros lugares que o Santo visitou em Roma, a 23 de
fevereiro de 1858.
Por volta das nove horas, foram à igreja de Santa Maria sopra Minerva, assim
chamada porque foi construída sobre as ruínas de um templo dedicado a essa
deusa. Ao entrar no convento, foram recebidos com grande amabilidade pelo
Cardeal Gaude, que aí tinha a sua residência e estava à espera deles. Aquele
cardeal, que tinha ótimas relações com D. Bosco, manteve-o em audiência
privada durante cerca de uma hora e meia. Teve o prazer de falar no seu
próprio dialeto piemontês, interrogou-o sobre os
Oratórios festivos, pediu outras informações mais
72 concretas sobre as condições da Igreja nos estados
sardos e ouviu amavelmente o que D. Bosco lhe disse
sobre as Constituições que tinha trazido consigo. Com as
suas palavras e os seus modos, mostrava que o alto grau
de que foi instituído não havia alterado a sua humildade,
nem diminuído o seu amor pela pátria e o afeto pelos
Mapa

8.3 Page 73

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seus velhos amigos. Por ocasião desta visita e em tudo o que aconteceu a Dom
Bosco no seu relacionamento com o Cardeal, ele foi ajudado pelo Padre Marchi
dominicano, que mostrou grande deferência para com ele e até se ofereceu
para o servir em tudo o que ele pudesse precisar durante a sua estadia em
Roma.
Mais de uma vez, o Santo recolheu-se em oração na Igreja de S. Maria sopra
Minerva, em momentos particularmente importantes, como fez a 9 de março de
1858, antes de ir ao Vaticano para ser recebido pela primeira vez por Pio IX.
9 de março foi, portanto, o dia da audiência papal; e D. Bosco, precisando de
falar com o Card. Gaude, foi celebrar a missa na igreja de S. Maria sopra
Minerva, que é um dos mais belos e ricos edifícios sagrados de Roma. Sob o
altar-mor, está o corpo de Santa Catarina de Sena. Tendo oferecido o Santo
73 Sacrifício, dirigiu-se ao Cardeal, a quem pôde falar imediatamente, e tendo
obtido conselhos e informações, regressou a casa, apressando-se a preparar as
perguntas a apresentar ao Papa.

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8.5 Page 75

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Santa Maria
in Cosmedin
Piazza Bocca della Verità 18
O santo também ia frequentemente à antiga igreja de Santa Maria in Cosmedin.
O templo foi erguido no século VI sobre um grande salão porticado do período
flaviano, do qual restam várias colunas incorporadas no edifício, que ficava perto
de um grandioso altar e dois templos consagrados a Ercole Invitto e a Cerere.
A Igreja, ampliada por Adriano I no século VIII, foi dada aos gregos que, tendo
fugido das perseguições dos iconoclastas do Oriente, se tinham estabelecido nos
bairros próximos do Tibre; a partir deles recebeu o nome de Schola Graeca e S.
Maria in Cosmedin (a palavra grega para "ornamento").
Anexado à Igreja está o Mosteiro das Irmãs da Caridade, salvo pela intervenção
de Dom Bosco da confiscação. Na mesma manhã de 6 de março, após visitar o
Ospizio San Michele em Ripa, e recebendo de presente alguns trabalhos feitos
pelos jovens, Dom Bosco atravessou o Tibre na Ponte Rotto e teve de se
proteger no vestíbulo da Igreja de Santa Maria in Cosmedin (onde está o grande
rosto da Bocca della Verità), para se refugiar de uma violenta chuvada que os
tinha surpreendido. O vestíbulo já estava ocupado por alguns criadores de gado,
com os quais, inevitavelmente, Dom Bosco meteu conversa.
75
Esperaram ali por uma enxurrada que inundou todas as ruas, e observaram
numa praça, conhecida como a Boca da Verdade, como muitos bois com os
jugos descansavam na lama, expostos ao vento e à chuva. Os criadores de
gado tinham vindo abrigar-se no mesmo vestíbulo e começaram a almoçar com
um apetite invejável. Em vez de sopa ou de um prato, tinham um pedaço de
bacalhau cru, do qual cada um arrancava um pedaço à medida que precisava.

8.6 Page 76

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Os seus pães eram de centeio e milho. A água era a bebida.
Notando neles um ar de simplicidade e bondade, D. Bosco aproximou-se:
- Eh! Tendes bom apetite?
- Muito! respondeu um deles.
- Será a comida suficiente para vos tirar a fome e vos sustentar?
- É suficiente; e graças a Deus quando se pode tê-la, uma vez que sendo
pobres não podemos pretender mais.
- Porque não levais esses bois para o estábulo?
- Porque não temos nenhum.
- Deixai-los sempre expostos ao vento e à chuva, dia e noite?
- Sempre, sempre.
- Fazeis o mesmo nas vossas terras?
- Sim, fazemos o mesmo, porque temos poucos estábulos; assim, com chuva,
vento ou neve, dia e noite, estão sempre ao ar livre.
- E as vacas e os vitelos pequenos também estão expostos a tais intempéries?
- Igualmente. É costume entre nós que os animais de estábulo estejam sempre
no estábulo, e os que começam a estar fora ficam sempre fora.
- Habitais longe daqui?
- Quarenta milhas.
- Podeis assistir às sagradas cerimónias nos dias
festivos?
- Oh! quem duvida disso? Temos a nossa capela, temos
lá o padre que nos celebra a missa, prega e catequiza, e
todos, por muito distantes que estejam, têm o cuidado
de assistir.
- Também se confessam de vez em quando?
Mapa
- Oh! sem dúvida. Haverá porventura cristãos que não
cumpram estes deveres sagrados? Agora há o Jubileu e
todos nós teremos o cuidado de o fazer bem.
76
Estes comentários evidenciavam a boa índole daqueles camponeses, que
vivem contentes na sua pobreza e se alegram no seu estado, desde que
possam cumprir os deveres de um bom cristão e dedicar-se à sua humilde
profissão. Enquanto falavam, D. Bosco pensava no grande bem que contínuas
missões apostólicas poderiam fazer na vastidão da zona rural romana, um
pensamento que nunca mais o abandonou no decurso da sua vida.

8.7 Page 77

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NOTA: Nesta história, reemerge a memória do pequeno boieiro dos Becchi e o
seu interesse pelas condições dos animais, mas ainda mais se evidencia o padre
que recomenda os bons comportamentos e as práticas religiosas dos cristãos.
No vestíbulo da igreja está a famosa "boca da verdade", uma grande máscara
romana assim chamada por causa da lenda que diz que, para provar a verdade
de uma pessoa, só tem de pôr a mão na "boca" da verdade! Aos mentirosos,
essa seria cortada.
77 A fama da bondade de D. Bosco difundia-se em Roma através dos testemunhos
daqueles que se tinham aproximado dele naqueles poucos dias. De facto, o
Padre Rua afirma que muitos romanos tinham conhecimento e lhe tinham
narrado aquele facto, que se deu em Turim em 1849, de um jovem que foi
restituído à vida para que se pudesse confessar, do qual conheciam bem tudo o
que tinha acontecido naquela circunstância. De facto, estavam em Roma alguns
prelados, vários sacerdotes e alguns Padres da Companhia de Jesus, todos
naturais do Piemonte que conheciam bem D. Bosco e a sua vida. Acima de tudo,

8.8 Page 78

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8.9 Page 79

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o Conde De-Maistre não parava de dar a conhecer quem era D. Bosco, nas
casas patrícias e nos palácios dos Cardeais; e às narrativas de um cavalheiro,
cuja virtude e lealdade todos admiravam, todos prestavam consideração.
79

8.10 Page 80

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Santa Maria
del Popolo
Piazza del Popolo 12
Também esta igreja, como a da Trinità dei Monti, é uma das mais famosas da
cidade. Surgiu de uma pequena capela construída por Pascal II (1099) com o
apoio do povo romano (daí o nome), sobre os túmulos dos Domizi, talvez em
gratidão pela conquista de Jerusalém (que teve lugar em julho do mesmo ano,
no final da Primeira Cruzada). Foi restaurada, ampliada e retocada várias vezes
por artistas como Bramante e Bernini. Os nobres romanos vinham
frequentemente aqui (muitos dos quais tinham parentes enterrados na mesma
Igreja). É, portanto, normal que Dom Bosco lá fosse frequentemente para
celebrar Missa, para se encontrar com nobres romanos, e para recolher ofertas
substanciais para as suas numerosas obras.
80
A 7 de março, domingo, estava previsto visitar a grandiosa igreja conhecida
como Santa Maria del Popolo, à qual está ligado o Convento dos Padres
Agostinianos.
Uma imagem miraculosa de Nossa Senhora, atribuída a São Lucas, é venerada
no altar-mor.
Algumas pessoas piedosas e nobres queriam que D. Bosco lá fosse para
celebrar a Santa Missa, na qual pretendiam fazer a sua Sagrada Comunhão.
Eram 9 horas quando Filippo Canori Foccardi, que tinha lojas de venda de
relicários, mosaicos, cameos e outros objetos de belas artes, uma pessoa cheia
de fé e fervor, veio recolher D. Bosco na sua própria viatura.
D. Bosco, tendo celebrado a Santa Missa e tendo satisfeito a sua devoção e a
dos fiéis, olhou para a Villa Borghese e para a artística grande Piazza del
Popolo, para as duas igrejas de S. Maria dei Miracoli e S. Maria di Monte Santo,

9 Pages 81-90

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9.1 Page 81

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que decoram ambos os lados da entrada da Via del Corso, subiu de novo para
a viatura e dirigiu-se para a casa da Princesa Potocka, membro da família dos
Condes e dos Príncipes Sobieski, os antigos soberanos da Polónia. Aqui, o
pequeno-almoço estava preparado.
MB 5, 895 - 896.
Mapa
Merece toda a nossa atenção um simpático e significativo
episódio durante a sua primeira estadia em Roma, em
1858, na Piazza del Popolo. É um facto (que pode ter
ocorrido no dia anterior ao seu regresso a Turim: 14 de
abril de 1858): que nos mostra a grande capacidade
pedagógica do santo de Turim e a sua facilidade em
aproximar-se dos jovens e em estabelecer amizade com
eles.
Entre os Cardeais que visitou estava o Eminentíssimo Tosti, a cujo convite uma
vez dirigiu algumas palavras aos jovens do asilo de San Michele. O Cardeal,
satisfeito com a cortesia de Dom Bosco, estando na hora do seu passeio,
81
expressou o desejo de o ter como companheiro, e ambos subiram para a
carruagem. Começaram a falar sobre o sistema mais adequado para a
educação dos jovens.
Dom Bosco estava cada vez mais convencido de que os alunos daquele asilo
não tinham familiaridade com os seus superiores, na verdade eles temiam-nos,

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o que não era muito agradável, uma vez que ali mandavam os padres.
Por isso disse: "Vossa Eminência, é impossível educar bem os jovens se eles não
tiverem confiança nos seus superiores.
- Mas como, respondeu o Cardeal, se pode ganhar essa confiança?
- Ao tentar aproximá-los de nós, removendo todas as causas que os distanciam
de nós.
- E como se faz para os aproximar de nós?
- Aproximando-nos deles, tentando adaptar-nos aos seus gostos, tornando-nos
semelhantes a eles. Deseja que experimentemos? Diga-me: onde se pode
encontrar em Roma um bom número de rapazes?
- Na Piazza Termini, na Piazza del Popolo, respondeu o Cardeal.
- Pois bem: vamos então à Piazza del Popolo.
O Cardeal deu ordens ao cocheiro, e lá foram. D. Bosco saiu da carruagem, e o
Cardeal ficou a observar.
Quando Don Bosco viu um grupo de jovens a brincar, aproximou-se deles, mas
os malandros fugiram. Depois chamou-os com boas maneiras e os jovens, após
alguma hesitação, regressaram. D. Bosco ofereceu-lhes algumas pequenas
coisas, interessou-se acerca das suas famílias, perguntou que jogo estavam a
jogar, convidou-os a retomá-lo, ficou a assistir à sua diversão, e ele próprio
participou nela. Entretanto outros jovens, que tinham estado a observar ao
longe, correram em grande número dos quatro cantos da praça em volta do
padre, que os cumprimentava a todos com carinho e tinha uma boa palavra e
um pequeno presente para todos; perguntava-lhes se eram bons, se rezavam
as orações, se se confessavam. Quando ele quis partir, seguiram-no durante
algum tempo, e só o deixaram quando ele voltou para a carruagem.
O Cardeal estava maravilhado.
- Viu? Disse-lhe D. Bosco.
- Tem razão, exclamou o Cardeal.
Mas esta razão não parecia dissuadi-lo da necessidade do sistema utilizado na
82 condução do Ospizio di S. Michele. Sua Eminência era autoritário; para ele
tinha de haver um axioma que a confiança faz perder a reverência. Pio IX, de
facto, depois de ter falado com D. Bosco, chamou a si alguns dos líderes do
Asilo e ouviu as suas queixas, convenceu-se de que tinha de remediar os
problemas mais graves. Mas o Cardeal Tosti opôs-se a qualquer reforma. Era
como uma parede de bronze e nada se pode melhorar.
(MB V, 917-918)

9.3 Page 83

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9.4 Page 84

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84

9.5 Page 85

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9.6 Page 86

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Asilo de
San Michele
em Ripa
Piazza di Porta Portese
Lungotevere Ripa
86
O Instituto Romano de São Miguel (antigo Asilo), uma instituição piedosa
fundada no século XVI com o objetivo de recolher e educar jovens pobres nas
artes, e albergar os idosos e as meninas órfãs, foi alojado num edifício com uma
frente de 334 metros. Carlo Fontana, depois Fuga e Forti estiveram envolvidos
na construção do palácio durante mais de um século.
O edifício albergou primeiro o asilo, ao qual foi anexada uma casa de correção
para menores, depois a prisão feminina e o quartel da alfândega.
Inclui a pequena igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem e a grande igreja da
cruz grega de São Miguel (obra de Fontana).
O Instituto tem agora novas instalações em Tor Marangia, e o antigo edifício
abriga numerosos escritórios do Ministério da Cultura e alberga numerosas
exposições.
No início, Dom Bosco foi lá apenas para visitar esta famosa instituição, mas mais
tarde regressou várias vezes, a pedido do Papa. De facto, Pio IX queria conhecer
o pensamento do educador piemontês sobre o sistema pedagógico praticado no
Asilo. Mais tarde, o próprio Pio IX insistiu que Dom Bosco assumisse a direção,
mas a oposição dos responsáveis aconselhou o santo a desistir do
empreendimento.
Eis o relato da primeira visita de Dom Bosco a esta Obra, no dia 29 de fevereiro
de 1858.
"À tarde, decidiu ir com o Conde Rodolfo De-Maistre ao grande Asilo de San

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Michele em Ripa, do outro lado do Tibre, para prestar a sua homenagem ao
Cardeal Antonio Tosti que era o seu Presidente. Sua Eminência estivera em
Turim, encarregado das relações com o Governo do Piemonte entre 1822 e
1829, ganhando a estima afetuosa da fina flor dos nobres e intelectuais.
Dom Bosco e o Conde passaram o rio, depois de prestarem reverência, na ilha
Tiberina, à igreja de São Bartolomeu, que conserva sob o altar-mor as ossadas
do Apóstolo; viram também a igreja de Santa Cecília construída no mesmo
local onde ficava a casa desta santa, tendo venerado o seu corpo, que após
tantos séculos ainda está intacto, chegaram ao Instituto de São Miguel.
A fachada principal do edifício tem 345 metros de comprimento, 80 metros de
largura e 23 metros no seu ponto mais alto: o seu perímetro é de cerca de um
quilómetro. Alojava mais de 800 pessoas, a maioria delas crianças.
D. Bosco e o seu nobre companheiro foram gentilmente recebidos pelo Cardeal,
que lhes contou vários episódios que lhe tinham acontecido durante o tempo da
república e como tinha sido forçado a viver algum tempo longe do Asilo para
não ser vítima de algum assassinato.
Enquanto se despediram, o ilustre cardeal convidou-os a visitar o Asilo, pedindo
-lhes que o informassem do dia e da hora em que teria o prazer de os receber.
Dom Bosco aceitou com agrado o convite do Cardeal, e na semana seguinte
visitou o Asilo com mais calma.
Na manhã de 6 de março D. Bosco, acompanhado pela família De-Maistre e
pelo Clérigo Rua, foi visitar o magnífico Asilo de São Miguel em Ripa.
O Cardeal Tosti, que os esperava, tinha preparado para eles um sumptuoso
pequeno-almoço, no qual, no entanto, D. Bosco e os seus amigos não
participaram. Uma refeição leve tinha-lhes sido servida antes de saírem de
casa, e eles não queriam infringir a lei do jejum.
Depois o Cardeal teve a delicadeza de os acompanhar
87 através de cada andar e cada sala do asilo, seguido
por um dos diretores. Ali, os jovens aprendiam as artes
mecânicas e as artes liberais. Os primeiros tinham
oficinas para sapateiros, alfaiates, serralheiros,
carpinteiros, tintureiros, chapeleiros, seleiros e
Mapa
marceneiros. Muitos trabalhavam numa tipografia e
numa encadernação. Pio IX, a fim de beneficiar este asilo,

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concedeu-lhe o privilégio, em virtude do qual só aqui se podiam imprimir livros
escolares, que eram utilizados em todas as escolas dos estados Pontifícios.
Aqueles que frequentavam as artes liberais, sob a direção de mestres hábeis, e
era o maior número, estavam envolvidos no fabrico de tapetes e tapeçarias do
tipo gobelino, bem como escultura em madeira, pintura, escultura, gravura em
cameo, em cobre e de medalhas.
D. Bosco passava de oficina em oficina. Ele já tinha sido informado do
funcionamento daquela casa pelo Conde De-Maistre e por vários senhores
leigos e eclesiásticos romanos, que se lamentavam de que os administradores
tinham de alguma forma deturpado o propósito daquela fundação. De facto, o
asilo, em vez de acolher jovens totalmente pobres, apoiava crianças mesmo de
famílias abastadas com as ofertas da caridade, e os filhos e netos dos
funcionários e de pessoas influentes receberam aqui a sua educação. As
preferências e os ciúmes eram, portanto, inevitáveis.
A refeição diária da comunidade era abundante em carne e vinho, e as pessoas
prudentes advertiam que a maior parte dos alunos não se conseguirá fornecer
honestamente com tal comida quando saírem do asilo.
Às artes mecânicas, negligenciadas porque humildes e assegurariam o pão à
grande maioria dos acolhidos, eram preferidas as artes liberais, porque traziam
mais brilho ao estabelecimento, especialmente as tapeçarias e tapetes que
adornavam os palácios dos vários príncipes. O sistema repressivo utilizado para
manter a disciplina entre os jovens também levantava queixas; eram infligidos
castigos corporais antiquados, não demasiado severos, mas que aviltavam o
infrator dos regulamentos. Nessa mesma manhã, os amigos tinham procurado
convencer D. Bosco a tentar pôr fim a esses distúrbios, revelando ao Cardeal
Presidente os rumores espalhados em Roma contra certos administradores da
Ópera Pia. D. Bosco, porém, não pensou que se devesse envolver em tais
assuntos.
No entanto, observava tudo: os jovens, os mestres das oficinas, os tutores e os
88
assistentes; examinava a qualidade com que o trabalho estava a ser
realizado; questionava uns e outros com aquela delicadeza de boa índole que
era toda sua, para que pudesse compreender o espírito da obra: e anotava
na sua memória o que lhe parecia mais digno de consideração. Entretanto, viu
as paredes e o chão como se fossem espelhos: os alunos estavam bem de
saúde, a vigilância dos assistentes era constante, a ciência do catecismo era
ensinada com amor, os dias da Confissão e da Comunhão estavam definidos. A

9.9 Page 89

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9.10 Page 90

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cada turma de alunos era dada uma instrução literária adequada ao seu
estado.
Assim, percebeu que, mesmo existindo algum defeito mais ou menos grave, do
qual nenhuma obra humana é isenta, estava a ser feito um grande bem em
benefício dos filhos do povo. Mas não tudo o que se poderia desejar, pois não
deixou de notar a inépcia e o medo óbvio que se notavam em muitos alunos
quando os superiores apareciam entre eles, ou quando tinham de se dirigir ao
gabinete do diretor para prestar contas. Isto incomodava D. Bosco, porque o
carácter das crianças romanas era expansivo e afetuoso; por isso pensava num
modo de dar uma lição prática àqueles superiores sobre o seu sistema de
educação; e a oportunidade apareceu.
Enquanto D. Bosco girava por aquelas enormes instalações, acompanhado pelo
Cardeal e por alguns superiores subordinados, ouviu-se assobiar e depois
cantar. E havia um menino que descia a escadaria, e que de repente se viu na
presença do Cardeal, do seu Diretor e de D. Bosco. O canto morreu
imediatamente na sua boca e ele ficou de pé com o boné na mão e a cabeça
para baixo.
- É isto, disse-lhe o Diretor, o resultado dos avisos e das lições que lhe deram?
É um canalha! Vá à sua oficina e espere por mim para receber o merecido
castigo. E, Sr. D. Bosco, desculpe-me ...
- O quê? respondeu D. Bosco, enquanto aquele jovem se tinha afastado. Não
tem nada que pedir desculpa, e não sei qual foi a falta daquele pobre menino.
- E esse assobiar grosseiro não lhe parece uma irreverência?
- Mas foi involuntário; meu bom senhor, sabe melhor do que eu que São Filipe
Neri costumava dizer aos jovens que frequentavam os seus Oratórios: - Estai
quietos se puderdes! E se não puderdes, gritai, saltai, desde que não pequeis.
Também exijo silêncio em certos momentos do dia, mas não presto atenção a
certas pequenas transgressões causadas pela distração; deixo aos meus filhos
90
toda a liberdade para gritar e cantar no pátio, subindo e descendo as
escadas: só recomendo que respeitem ao menos as paredes. É melhor um
pouco de ruído do que um silêncio zangado ou suspeito.... Mas o que agora
me faz pena é que a pobre rapaz esteja em aflição com a sua repreensão... ele
guardará algum ressentimento... Não acha que é melhor irmos consolá-lo na
sua oficina?
Aquele Diretor foi suficientemente cortês para aceder ao seu desejo, e tendo
eles ido à oficina, D. Bosco chamou aquele jovem, que rancoroso e humilhado

10 Pages 91-100

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10.1 Page 91

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se tentava esconder, e: - Amigo, disse-lhe ele, tenho algo para te dizer. Vem
aqui que o teu bom superior te dá autorização. O jovem aproximou-se e D.
Bosco prosseguiu: - Resolvi o problema, sabes?; mas com um acordo que a
partir de agora serás sempre bem comportado, e que nós seremos amigos.
Recebe esta medalha e em troca dirás uma Ave Maria por mim.
O jovem, profundamente comovido, beijou a mão que lhe entregou a medalha e
disse: - Vou usá-la ao pescoço, e guardá-la-ei sempre em recordação sua.
Os seus companheiros, que sabiam o que tinha acontecido, sorriam e
cumprimentavam D. Bosco enquanto ele passava por aquele vasto salão,
enquanto o Diretor tomava a resolução de nunca mais repreender alguém tão
duramente por uma bagatela; e admirava a arte de D. Bosco de conquistar
corações.
O Conde De Maistre narrou este facto várias vezes.
Finalmente, tendo visitado todas as salas, a Eminência, D. Bosco e a comitiva
tinham chegado ao terraço que cobre todo o edifício, do qual ao meio-dia o
Tibre contorna a parede, formando um canto onde vários barcos estavam
amarrados. Este pode ser chamado o porto dos navios mercantes que vêm de
Óstia para Roma. Enquanto D. Bosco observava num relance toda a extensão
deste vasto edifício, sentiu uma grande satisfação ao pensar em tantos jovens
que aqui eram orientados à virtude e a uma vida honrada; e parece que ele
tenha pensado o santo desejo, e pedido a Deus para elevar os seus jovens de
Turim ao mesmo número dos que estavam aqui acolhidos. Poucos anos depois,
esse desejo era uma realidade.
Quando desceu do terraço, já eram doze e meia. Os rapazes tinham ido
almoçar, e Sua Eminência sentindo-se muito cansado, o Conde e Dom Bosco
despediram-se. A ele e aos seus amigos o Cardeal tinha dado um desenho do
asilo e uma gravura representando São Jerónimo, trabalho feito pelos jovens.
A este facto seguiu-se um convite específico do Papa (que, entretanto, tinha
91 falado com Dom Bosco) ao Cardeal, para que mudasse algo no
funcionamento do asilo. Tosti, no entanto, opôs-se a qualquer reforma, foi
como um muro de bronze e nada pôde ser feito, embora tenha dirigido esta
admirável instituição com amor e zelo. O cardeal era autoritário, ele defendia o
axioma que a confiança faz com que a reverência se perca!
Tendo em conta a situação, o Santo visitando novamente o asilo, em 1867

10.2 Page 92

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previu o seu fim.
O Venerável teve ainda outra missão confiada por Pio IX. Como tinha acontecido
em 1858, também em 1867 o encarregou de visitar o magnífico Asilo de San
Michele a Ripa, o qual, com numerosas crianças albergava cerca de 1.200
pessoas e gozava de uma reputação em Roma como instituto para jovens
pobres.
O Asilo estava no coração de Pio IX, porque ele tinha sido o seu presidente
durante vinte meses, por mandato do Papa Leão XII em 1825. Tendo-o
encontrado em grande declínio, tinha removido graves abusos, despedido
funcionários infiéis, reorganizado o orçamento, pago as dívidas contraídas pelo
seu antecessor, e recuperou as escolas de artes e ofícios, de modo a que
voltasse a florescer de modo maravilhoso.
Conhecendo, portanto, os antigos problemas, temia que reaparecessem e que
92 as pessoas envolvidas na administração, umas por serem as causadoras,
outras por serem coniventes ou tímidas, não lhe permitissem conhecer o
verdadeiro estado das coisas. E foi por isso que recorreu a D. Bosco.
Da sua parte, o Servo de Deus já tinha sido informado pela Duquesa de Sora e
outras Damas da alta nobreza. Por isso, custava-lhe enfrentar essa tarefa,
tanto mais que previa as dificuldades em remediar certas desordens. Mas o

10.3 Page 93

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Santo Padre tinha-lho imposto, e ele obedeceu. Questionou uns e outros dos
acolhidos com a delicadeza que o caraterizava, e descobriu que havia poucos
jovens pobres, no sentido estrito da palavra, se é que havia algum. Quanto ao
resto, pouco ou nada tinha mudado desde a altura da sua primeira visita.
Regressando ao Papa, estava em dúvida se lhe devia ou não dizer toda a
verdade; mas o Santo Padre, percebendo a sua hesitação, disse-lhe claramente:
- Quero que me conte tudo! Enviei-o para fazer a visita precisamente para que
me possa dar um relatório fiel.
D. Bosco falou então francamente, e concluiu dizendo que com os consideráveis
rendimentos do asilo seria possível acolher, manter e educar devidamente um
maior número de crianças. O Papa ficou satisfeito por ouvir toda a verdade. O
Venerável acrescentou ainda:
- Santo Padre! Infelizmente chegaremos ao ponto em que o Asilo cairá, ou seja,
cairá em mãos seculares. Esta previsão ficou impressa na mente de Pio IX, que
a recordou a D. Bosco, como veremos, depois em 1870.
Mas o relatório exposto atraiu uma tempestade sobre o Servo de Deus. Os
administradores do Asilo, convocados pelo Sumo Pontífice que lhes deu uma
boa repreensão, não demoraram a pensar que a visita de D. Bosco poderia ter
sido a única razão para essas reprovações, e decidiram, com outros, vingar-se,
não podendo tocar na sua pessoa, decidiram procurar algum apoio nas cem
pequenas obras que ele tinha prodigamente distribuído entre o povo cristão.
A previsão de Dom Bosco realizou-se invariavelmente, e Pio IX não hesitou em
lembrar-lho numa audiência em 1871.
A 28 de Junho, na véspera da Solenidade dos Santos Apóstolos, Dom Bosco foi
ao Vaticano, tendo-lhe sido dito que o Santo Padre estava à sua espera em
audiência privada. Foi uma prova clara da benevolência e interesse especial do
Papa, porque naqueles dias o trabalho do Papa era imenso com as audiências
públicas aos numerosos peregrinos e com as audiências privadas aos mais altos
dignitários.
93 Convidado a entrar, ao colocar o seu pé na soleira, o Augusto Pontífice,
olhando amavelmente para ele, exclamou:
- Olhe, Dom Bosco, afinal o Asilo de San Michele em Ripa caiu mesmo!
Esta vasta instituição de caridade, que se encontrava na margem do Tibre,
conhecida como a Ripa Grande, era particularmente querida ao Papa, porque
ele tinha tido a sua direção e administração na sua juventude, e tinha-a
restaurado e feito florescer, pagando todas as dívidas e aperfeiçoando também

10.4 Page 94

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a escola de artes e ofícios. Entre outras coisas, a fim de despertar nos jovens
artesãos um maior empenho no trabalho, no seu grande coração, introduziu -
como Dom Bosco também fez no Oratório - um método muito vantajoso e
simples, o de dar aos alunos uma parte dos lucros do seu trabalho. Desta
forma, cada jovem poderia, aos poucos, preparar um pé-de-meia, que lhe seria
benéfico quando saísse do instituto, sendo-lhe entregue após a conclusão do
seu estágio.
O Papa, com essa exclamação, quis recordar a Dom Bosco não tanto a sua
cooperação no plano de restaurar o Asilo segundo o pleno propósito de
fundação, mas mais a conclusão que tirou da sua inspeção.
94

10.5 Page 95

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Asilo
Tata Giovanni
Via Arenula
Este Instituto tinha objetivos semelhantes aos de San Michele, e também estava
a decair lentamente. Dom Bosco visitou-o e ficou bastante satisfeito com ele,
mas não ao ponto de assumir a direção, como queria Pio IX (que tinha sido o
seu diretor enquanto simples sacerdote).
O glorioso Instituto, da sua antiga sede na Via S. Anna de' Falegnami (a Via
Arenula foi aberta em 1880 para ligar o Largo di Torre Argentina com a ponte
Garibaldi, destruindo assim parte da Via delle Zoccolette e as antigas igrejas de
'S. Maria de' Calderari', 'S. Bartolomeo dei Vaccinari', 'S. Anna dei Falegnami' e
'Ss. "Ss.Vincenzo ed Anastasio dei Cuochi" ', assim chamada porque era a sede
da 'Compagnia della Ss.Annunziata dei Cuochi e dei Pasticceri'), mudou-se para
a nova de Porta Ardeatina, no início do século. Hoje em dia, no antigo edifício só
existem apartamentos particulares, enquanto na nova sede alberga uma Liceo.
A primeira visita do Santo a esta Obra remonta a 27 de fevereiro de 1858.
Decidiu visitar várias instituições de caridade para jovens (onde esperava obter
luzes e conforto para cuidar zelosamente do benefício
espiritual e material do Oratório).
95 Foi assim visitar o Ospizio di Tata Giovanni”, situado na
Mapa
rua conhecida como Sant'Anna de' Falegnami, que foi
para ele motivo de verdadeira satisfação, não só pela sua
origem e propósito, mas também pela sua orientação.
No final do século XVIII, um pobre pedreiro chamado

10.6 Page 96

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96
Giovanni Burgi, vendo todos os dias tantas crianças órfãs pobres a vaguear por
Roma, maltrapilhas e descalças, foi tocado de compaixão e tentou recolher
algumas delas numa pequena casa alugada. Deus abençoou esta obra, e o
número de crianças aumentou; as instalações foram ampliadas, e as crianças,
cheias de gratidão e afeto, começaram a chamar o seu benfeitor pelo nome de
Tata, que em calão romano significa pai. Daí o título dado ao Instituto de Tata
Giovanni, que mantém até aos dias de hoje. Burgi tinha poucos meios de
sustento, mas possuía um grande coração, por isso não se importava de ir
mendigar pelos seus filhos adotivos. O Papa Pio VI, que viu aquele Instituto
surgir sob o seu pontificado, comprou-lhe uma casa, fez-se dela um distinto
benfeitor, e os seus sucessores imitaram o seu exemplo.
Há um diretor, que escolhe um colega como principal colaborador; quando
morre, este colaborador sucede-lhe.
As crianças são acolhidas entre os nove e os catorze anos de idade, e aí
permanecem até aos vinte. Os mais maduros e virtuosos chefiam nos
dormitórios, e os mais instruídos ensinam aos outros os elementos da leitura e
da escrita e da aritmética.
Alguns clérigos e leigos dão aulas à noite. A maioria dos acolhidos aprende uma
profissão, escolhendo a que lhes convém. Uma vez que não têm oficinas
internas, saem para aprender o seu ofício em várias oficinas da cidade, como
também foi feito entre nós no início. Alguns foram autorizados a aprender as
belas artes e o estudo da literatura, mas após longas e certas provas de
eminente piedade e boas aptidões.
Os fundos de subsistência eram cento e cinquenta liras por mês dados por Pio
IX, algumas esmolas e uma parte do que os próprios órfãos ganhavam. Davam
ao Instituto até quinze baiocchido seu salário diário, ou seja, dezasseis
soldos, e o restante era guardado em caixa no seu nome.
O Instituto, que depende diretamente do Papa, está colocado sob a proteção de
Nossa Senhora da Assunção e de São Francisco de Sales.
As horas de levantar e repousar, os dormitórios e a assistência, um santo
protetor para cada quarto, em suma, tudo era parecido com o nosso asilo, e
D. Bosco deu-se conta com satisfação que tinha plantado em Turim a obra de
Tata Giovanni sem ainda a conhecer. Todas as obras de caridade, umas mais
outras menos, são semelhantes, porque o seu autor é Deus, e a sua inspiração
é a Igreja, que não dependem do tempo nem do lugar.
Como simples sacerdote, Pio IX foi o diretor daquele asilo durante sete anos, e

10.7 Page 97

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sempre o considerou como seu, e ainda se conservava o quarto que ele tinha
ocupado. Nesse ano, estavam lá cerca de 150 jovens. (M.B. V,830 s)
GIOVANNI BORGIA (TATA GIOVANNI E O ASILO)
O Ospizio di Tata Giovanninasceu quando Giovanni Borgi começou a acolher
(1784) na sua própria casa na Via de' Cartari os rapazes que via a dormir
abandonados nas bancadas e nos degraus do Panteão no regresso da procissão
noturna (na qual costumava participar) organizada pelo Oratorio del
Caravita”; além de lhes proporcionar alojamento e alimentação (com a ajuda
da sua irmã Domenica), começou a enviá-los para trabalhar com os seus
amigos artesãos para que pudessem aprender um ofício que mais tarde os
pudesse sustentar na vida. Com a ajuda de voluntários leigos e sacerdotes,
tentou também proporcionar-lhes uma educação escolar e religiosa.
Tratava estas crianças como seus próprios filhos, e por isso chamavam-lhe
carinhosamente Tata, que em dialeto romano significa "pai"; daí o seu apelido e
o nome dado ao asilo. Ao mesmo tempo, porque tinha modos rudes e tentava
ajudar o maior número
possível de rapazes, entre
esses alguns diziam: "foge,
foge, vem aí o Tata Giovanni"!
Com o tempo, a sua obra
cresceu e atraiu o interesse
de várias personalidades, que
a apoiaram com doações e
rendas; mais tarde, o Papa
Pio VI comprou para o Asilo o
Palácio Ruggia na Via Giulia
(para onde entretanto o
97 instituto se tinha mudado
por aluguer, chegando a
receber até 40 órfãos).
Com o advento da República
Romana (e a morte de Tata
Giovanni em 1798), a

10.8 Page 98

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atividade do asilo correu o perigo de terminar; apesar de várias tribulações,
continuou a funcionar (juntamente com outros institutos menores, incluindo o
da venerável Fra' Bonifacio da Sezze) graças ao trabalho do advogado Belisario
Cristaldi, que transferiu o asilo para a igreja de San Nicola da Tolentino; mais
tarde, durante o período napoleónico, o instituto esteve sedeado em S. Silvestro
al Quirinale, Borgo S. Agata ai Monti e no Palazzo Ravenna no Esquilino.
Em 1816, quando Pio VII regressou a Roma, o Asilo de Tata Giovanni
finalmente encontrou um lar estável junto da igreja de S. Anna dei Falegnami
sob a orientação do Cónego Storace. Durante este período, a atividade do asilo
cresceu (até 120 crianças) e institucionalizou-se, com a adoção de regras e
regulamentos.
Muitos leigos e jovens eclesiásticos da época colaboraram no trabalho do asilo,
que tinha mantido o espírito original do fundador; entre estes recordam-se
sobretudo o futuro Papa e Beato Pio IX, assim como Monsenhor Morichini,
Monsenhor Vespignani e vários outros.
Em 1869, o Asilo de Tata Giovanni foi um dos locais mais significativos das
celebrações do 50º aniversário da ordenação sacerdotal de Pio IX; a 12 de
abril de 1869, o Papa voltou ao Asilo de Tata Giovanni (em memória da
primeira Missa aqui celebrada a 11 de abril de 1819), depois de ter distribuído
pessoalmente a comunhão aos órfãos de Tata Giovanni no dia anterior em São
Pedro.
Entre os antigos alunos de Tata Giovanni encontram-se o Servo de Deus
Federico Cionchi e o monge Colombano Longoria; São João Bosco, por ocasião
de uma das suas viagens a Roma, teve a oportunidade de visitar o Asilo de
Tata Giovanni e viu nele muitas semelhanças com o que tinha fundado em
Turim.
Em 1887 o Asilo - juntamente com a igreja de S. Anna dei Falegnami - foi
demolido para a abertura da Via Arenula e mudou-se para a Piazza del
Biscione no Palazzo Righetti (antigo Orsini e Pio di Savoia), onde permaneceu
até 1926; a partir daqui mudou-se para a sua localização atual em Viale di
98 Porta Ardeatina.

10.9 Page 99

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10.10 Page 100

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Colónia
agrícola
Vigna Pia
Via Filippo Tajani
Um terceiro instituto educacional caro a Pio IX era a colónia agrícola Vigna Pia.
Foi por isso que em 1867 pediu ao Santo que o transformasse numa casa
Salesiana.
O Instituto estava situado (nessa altura) em campo aberto, não muito longe do
leito do Tibre. A localização desfavorável da obra foi uma das razões que deixou
o Santo hesitante sobre a decisão de a tomar (higienicamente a estrutura era
muito fraca e, sobretudo, a proximidade do rio aumentava a possibilidade de
infeções e doenças).
O que mais impediu o santo de se instalar em Vigna Pia foi, no entanto, a
oposição da Comissão Diretiva das Opere Pie de Roma, relutante em confiar
uma obra romana a um estrangeiro piemontês.
Dom Bosco chegou ao ponto de elaborar uma proposta para a administração de
Vigna Pia, mas depois teve de desistir dessa intenção.
100
D. Bosco não deixou de informar o Santo Padre sobre a oferta que lhe tinham
feito de lugares e dinheiro, para que pudesse abrir uma Casa em Roma. Esse
era um seu desejo. Pio IX indicou-lhe Vigna Pia, uma bela instituição que tinha
fundado, da qual já lhe tinha falado em 1858, uma espécie de colónia agrícola
e casa de correção para uma centena de jovens abandonados, vagabundos e
ociosos.
Os responsáveis do estabelecimento eram alguns religiosos franceses, que
entregariam de bom grado essa missão a outros. Pio IX desejava que os filhos

11 Pages 101-110

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11.1 Page 101

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do Oratório de S. Francisco de Sales lhes sucedessem. O Duque Salviati estava
todo entusiasmado para levar a cabo tal projeto e foi com Dom Bosco visitar
Vigna Pia. O projeto, contudo, após práticas que duraram vários meses, não foi
implementado.
As Comissões Diretivas das Opere Pie de Roma nunca quiseram ceder nenhuma
da sua autonomia, nem sequer minimamente. Temos num manuscrito a base
dessas negociações.
PROPOSTA RELATIVA À ADMINISTRAÇÃO DO ESTABELECIMENTO CONHECIDO
COMO VIGNA PIA.
O Sacerdote João Bosco assume a administração do estabelecimento de Vigna
Pia propondo o seguinte:
1º Providenciará um número suficiente de pessoas para a educação religiosa,
moral, artística e científica, em proporção à idade, necessidade e condição dos
jovens acolhidos.
2º Os jovens serão ocupados na agricultura, nos ofícios mais vitais da
sociedade como a sapataria, carpintaria, alfaiataria, ferragens e também no
estudo, caso seja considerado adequado. Todos eles, além disso, terão uma
escola noturna na qual, entre outras coisas, haverá instrução musical.
3º O diretor local é o árbitro da disciplina, mas não pode receber nem mandar
embora quaisquer alunos do estabelecimento sem o consentimento da
Administração.
4º O Diretor fornecerá alimento, vestuário, assistência médica, medicamentos,
mestres das artes, cabeleireiros, lavandaria, costura e qualquer outra coisa que
possa ser necessária para os jovens.
5º O cultivo da terra será tratado separadamente sobre se fica a cargo da
Administração ou do Diretor: contudo, é concedido o direito de semear legumes
e gramíneas para a utilização do estabelecimento.
6º A Administração autoriza o Diretor a acolher os
jovens por sua própria conta, e a destiná-los ao trabalho
ou ao estudo como entender, desde que a capacidade
das instalações o permita.
7º A Administração pagará ao Diretor um franco por dia
por cada indivíduo, se não excederem o número de cem;
se excederem este número, serão pagos 90 cêntimos por
Mapa
cada um deles.
101

11.2 Page 102

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102
O Diretor, mestres, assistentes, pessoal de serviço, são considerados como
alunos no pagamento por parte da Administração, ou seja, todos eles terão um
franco cada um.
8º Com esta soma, a Administração pretende ser isenta de todas as despesas,
fora do que for considerado necessário para a conservação ou ampliação do
edifício do estabelecimento.
9º A Administração fará um empréstimo de três mil escudos ao Diretor para
as despesas iniciais e para a antecipação das provisões mais necessárias.
10º Esta soma começará a restituir-se após um ano, através de uma dedução
de três francos por mês sobre o montante pago por cada aluno.
11º Este empréstimo será garantido por meios a acordar.
12º O contrato terá uma duração de cinco anos, e no caso de uma das partes
desejar rescindir o contrato por motivos razoáveis, deverá notificar a outra
parte com dois anos de antecedência.
13º Se houver momentos em que o preço dos alimentos aumente de forma
excecional, a Administração é obrigada a enviar dois dos seus membros para
verificar a necessidade e vir em socorro, na medida do possível de acordo
com a gravidade do caso.
14º Um inventário dos objetos móveis existentes no estabelecimento deve ser
feito no momento da tomada de posse e deve ser contabilizado no caso de o
contrato ser rescindido. Excluem-se, contudo, as coisas que são consumidas
pelo uso, que apenas devem ser mencionadas de que forma foram gastas.

11.3 Page 103

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15º O contrato entrará em vigor no ano.... (M.B. VIII,606)
Vigna Pia
O Instituto Vigna Pia era originalmente uma propriedade agrícola e um
orfanato. Hoje escola e sede de uma comunidade religiosa.
A propriedade foi tomada em 1850 por vontade de Pio IX, como um "instituto
agrário de caridade" para órfãos em idade de trabalhar confiado à
Congregação da Sagrada Família de Bergamo. O edifício principal do internato
tem uma forma quadrangular com um interior oco e prolonga-se no Pavilhão
Leone XIII, construído em 1889.
Em 1932, a propriedade tornou-se uma paróquia rural. No período pós-guerra,
a vocação agrícola foi interrompida, e em 1978 o título de paróquia foi
transferido para a nova Igreja da Sagrada Família, e o Instituto tornou-se uma
escola privada ligada ao vizinho Sacro Cuore, continuando a albergar a
Procuradoria-Geral da Sagrada Família.
A colónia agrícola
Em 1850 e 1851, os generosos benfeitores Príncipe Torlonia, Princesa
Wolkonski e a Ordem Religiosa dos Minimi estabeleceram uma propriedade
fundiária unitária de 22 hectares, chamada Instituto Agrário de Caridade Vigna
Pia. O nome "Pia" tem origem no Papa reinante, Pio IX, promotor e protetor da
iniciativa.
O espaço está estruturado de acordo com o esquema de 'colónia', ou seja, uma
propriedade agrícola em vastas terras cultivadas dispostas em torno de um
edificado principal, com a função de centro administrativo.
A população é constituída por "órfãos e outras crianças mais desfavorecidas",
em idade de trabalho, ou seja, entre os 7 e os 21 anos. Após a alfabetização,
recebem formação teórica em agronomia e agrimensura, seguida de
aprendizagens em horticultura, cultivo de cereais e viticultura, e finalmente a
colocação ao serviço numa família rural. O cuidado das almas é confiado à
vizinha paróquia de Casaletto, enquanto que o cuidado material é confiado à
Sacra Famiglia de Bergamo, uma congregação de vida religiosa cuja missão é o
apostolado rural.
O Internato
O edifício principal, chamado Convitto (internato), tem uma forma
103

11.4 Page 104

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quadrangular, com um interior oco, sobre o qual as galerias dos dormitórios se
encontram viradas. Uma forma arquitetónica semelhante pode ser encontrada,
além dos internatos, em muitas obras arquitetónicas destinadas à "vida
comunitária de iguais", tais como as prisões.
A fachada principal do Convitto não está virada para a propriedade, mas para
o Vale della Magliana e para o Tibre, e é encimada pelo brasão papal entre
duas cornucópias cheias de cereais.
Os outros edifícios
O Internato estende-se por um pavilhão de menor altura, um presente do Papa
Leão XIII em 1889. Pouco depois da sua inauguração a 23 de abril 1891,
tanto o Pavilhão como o Internato foram gravemente danificados pela explosão
acidental do vizinho armazém de explosivos do Forte Portuense.
A propriedade foi originalmente completada com várias casas rurais e
numerosas quintas e um monumental portal na Via Portuense, com uma
pequena capela campestre ao lado: ambas já desapareceram.
104

11.5 Page 105

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Igreja do
S. Sudario
Via del Sudario
Tendo perdido a esperança de abrir uma casa salesiana em Vigna Pia, Dom
Bosco, em 1869, fixou a atenção na Igreja do Santo Sudário, que já tinha
visitado em 1867.
Esta está situada a poucos passos da Piazza Navona. Construída em 1604 por
Carlo Castellamonte e reconstruída em 1867 por C. Rainaldi, está com a sua
fachada de gesso incorporada nas casas contíguas.
Era a igreja dos piemonteses, savoiardos e dos de Nice. Talvez por causa disto,
atraiu a atenção do santo piemontês já em 1867.
A Igreja pertencia ao Estado italiano (após o fim do "Sodalizio del S. Sudario"), e
Dom Bosco iniciou imediatamente negociações em Florença para ter a sua
custódia, utilizando também as instalações adjacentes.
As negociações com Cav. Canton duraram muito tempo, e ele "apresentou Dom
Bosco a alguns empregados, seus amigos e bons católicos, que a seu tempo e
lugar poderiam tê-lo ajudado junto do Governo".
Dom Bosco apresentou a ideia ao Santo Padre, prevendo já que "as negociações
não seriam de curta duração, e por isso levariam a mantê-lo em comunicação
direta com o Ministro. Pio IX aprovou".
O santo tinha visto bem; estas negociações duraram muito tempo (cerca de 8
anos) e nelas Dom Bosco mostrou grande 'astúcia política', como podemos ver
pela leitura das páginas de Lemoyne.
105
O Venerável tinha no coração a classe da pobre juventude romana. Tendo
desaparecido a esperança de ter um lugar em Vigna Pia, começou a meditar

11.6 Page 106

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106
sobre um plano ousado para atingir o seu objetivo de
outra forma: contudo, subordinando-o a alguma nova
proposta que o Sumo Pontífice lhe pudesse fazer,
começou a proceder sem pressa e com maturidade de
conselho.
Em 1867 tinha visitado a Igreja do Santo Sudário, na
Mapa
qual havia sido fundada uma confraria desde 1597 por
alguns súbditos piedosos dos Estados sardos, com a
aprovação da Santa Sé, cujo objetivo principal era a educação moral dos jovens
daquela zona.
No início do século XIX, a confraria tinha cessado a posse e administração da
igreja e o cumprimento dos seus deveres anexos. Estes direitos, porém, e estes
deveres, após alguns anos (1831) tinham sido confiados à Legazione Sarda
residente em Roma, uma vez que os reis da Saboia haviam sempre tido essa
confraria sob a sua proteção especial. Em 1868 o templo foi encerrado,
porque eram necessárias obras urgentes de restauro.
Dom Bosco tinha planeado ter uma casa anexa a essa igreja, que poderia ser
facilmente adaptada como um asilo de caridade para os jovens. O seu plano
era este: propor ao governo que lhe cedessem o uso e administração da igreja
e da casa, oferecendo-lhe cooperação em dinheiro para completar rapidamente
os restauros planeados na igreja, de modo a que esta pudesse ser reaberta ao
culto o mais depressa possível.
Talvez Dom Bosco tivesse outro motivo para se apressar a ter uma casa
salesiana em Roma. Ele previa a inevitável entrada das tropas italianas naquela
cidade e queria estabelecer-se com os seus seguidores na igreja do Santíssimo
Sudário antes desse acontecimento, porque, embora ninguém tivesse até então
encontrado algum motivo de crítica na sua posição perante a Santa Sé, o novo
governo estaria naturalmente inclinado a respeitar aqueles que reconhecia
como seus súbditos por um duplo motivo, com os quais tinha assinado um
contrato regular e, portanto, não deixaria de os proteger e defender dos
partidos extremistas: e uma lei de confiscação não os afetaria.
Esta é a nossa suposição, mas realmente Dom Bosco, com o seu engenho e
perspicácia, estudava todos os aspetos de um plano e previa todas as
dificuldades e consequências. Na realidade, qual era o objetivo que o Venerável
queria alcançar?
Eis o seu programa, que ele dizia e recomendava que todos soubessem: 'Fazer

11.7 Page 107

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o bem a todos quantos se puder e o mal a ninguém. Deixem-me fazer o bem
às crianças pobres e abandonadas, para que elas não acabem numa sentença
de prisão perpétua. Essa é a minha única política. Respeito todas as
autoridades constituídas como cidadão, e como católico e como padre dependo
do Sumo Pontífice".
E esta política, que não era senão a prudência da serpente combinada com a
simplicidade da pomba, foi o que o tornou tão glorioso face a Deus e face aos
homens.
Assim, escreveu sobre este projeto a um grande amigo seu, o cavalheiro Carlo
Canton, Diretor e Chefe da Secção de Segunda Classe no Ministério dos
Negócios Estrangeiros em Florença; e este último respondeu, aprovando,
encorajando-o e assegurando-lhe que o informaria do momento certo para
iniciar essa prática.
Entretanto, Don Bosco conseguia copiar um longo documento nos arquivos do
Estado, que serve para esclarecer as negociações que duraram vários anos e
que apresentou ao Ministério do Interior com os outros documentos
relacionados com o caso. Foi um despacho da R. Legazione dei Stati Sardi junto
da Santa Sé datado de 10 de abril de 1851, contendo longas notas históricas
sobre a Igreja do Santo Sudário. Esta teve origem numa confraria com o
mesmo nome, composta por antigos súbditos dos Duques de Saboia, Piemonte,
Nice e Saboia, no final do século XVI.
Por agora só era necessário estudar o projeto: e Dom Bosco estabelecia, como
norma, alguns acordos preliminares que tinha meditado e escrito em vários
artigos.
A IGREJA E O SODALIZIO DEL S. SUDARIO EM ROMA.
1º O Padre Bosco, seguindo o espírito do Instituto de Turim com o título de
Oratório de São Francisco de Sales, assumiria o lugar da antiga sociedade ou
sodaliziodo Santíssimo Sudário que, segundo os documentos de fundação,
além das práticas religiosas, tinha também o objetivo de dar hospitalidade aos
peregrinos, visitar presos e doentes, guiando as crianças no caminho da
salvação e outras obras de caridade semelhantes.
2º É obrigado a pagar impostos de qualquer tipo, a realizar reparações
ordinárias na igreja e nos anexos à sua própria custa; a providenciar a limpeza
da igreja, a fornecer e reparar vestes, bancos, cadeiras, castiçais, cera e vinho,
e tudo o que é necessário para o culto divino.
107

11.8 Page 108

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3º Deve assegurar a administração do instituto, da igreja e dos edifícios; tanto
para os inquilinos como para a manutenção dos edifícios, não menos de seis
pessoas; não menos de dois sacerdotes, um Reitor, o outro Vice-Reitor, um
sacristão, dois clérigos para o serviço dos funerais sagrados nos dias de
semana e especialmente nos dias festivos.
4º Haverá pelo menos duas missas por dia, com a obrigação de assistir às
confissões, visitar os doentes e, se estes tiverem autorização, visitar também os
presos.
5º Nos dias festivos, explicarão o Evangelho aos adultos e catequizarão as
crianças mais abandonadas, com a bênção do Santíssimo Sacramento.
6º Cumprirão os piedosos legados anexos, tanto em missas lidas ou cantadas,
como em tríduos, novenas, quarenta horas, e para todas as outras solenidades
que decorrem ao longo do ano.
Nessa altura, ao que parece, não se fazia menção dos direitos pertencentes à
Casa Real. Dom Bosco ficou em Florença durante uma semana, passando de
um Ministério para outro, mantendo conversações especiais com alguns
ministros e outras pessoas de alto nível. Onde quer que se apresentasse, era
bem-recebido, tendo o mérito de ser chamado a cortesia e a afabilidade
personificadas.
Infelizmente, estes planos fracassaram, porque depois de 1870 a Igreja foi
declarada Igreja da Família Real", ou seja, a Igreja particular da Casa da Saboia.
Ainda hoje, continua a ser propriedade da Presidência da República (à espera de
passar para o Ordinariato Militar).
A Igreja do Santíssimo Sudário dos Piemonteses na Argentina
108
A história da igreja, que já pertencia à Abadia imperial de Farfa antes do ano
mil e era conhecida como S. Maria de Cellis ou 'Cella Farfoe', diz-nos que foi
cedida aos franceses em 1478; reconstruíram-na e dedicaram-na a S. Luís IX,
Rei de França, daí o seu nome S. Maria in Cella in S. Loisio.
Os franceses reconstruíram então a magnífica igreja de S. Luigi in Campo

11.9 Page 109

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Marzio em 1589, deixando-a para a Argentina, e a igreja tornou-se o local de
culto da nação piemontesa em Roma. A colónia de Saboia, Nice e Piemonte,
unida numa Confraria oficialmente reconhecida pelo Papa Clemente VIII a 2 de
junho de 1597, que se tornou mais tarde a Arquiconfraria do Santíssimo
Sudário, encontrou temporariamente sede aqui na igreja já dedicada a São Luís.
O mesmo Papa doou o quadro do Santo Sudário aos Piemonteses, que ainda
hoje se encontra no altar-mor.
Em 1604, encomendado por Carlo Emanuele I da Saboia, o arquiteto Carlo di
Castellamonte projetou o edifício, que já tinha sido ampliado em 1660 por
Carlo Rainaldi com obras e elevações em várias fases de 1667 a 1682 e
depois concluído no edifício que ainda hoje vemos.
Pelo Papa Paulo V, com a bula de 19 de setembro de 1605, foi concedido à
arqui-confraria o direito de perdoar anualmente uma pessoa condenada à
morte. De 1685 a 1687, sob Pier Francesco Garola, foram elaborados a
fachada e o altar-mor. No final do século XVIII, sujeita aos saques
napoleónicos, a igreja foi desconsagrada e reaberta apenas em 1801 através
da intervenção de Carlo Emanuele III: novamente abandonada, foi transformada
109

11.10 Page 110

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num estábulo até 1814. Foi reaberta para culto após a Restauração,
recomposta pelo arquiteto Giacomo Monaldi, e foi declarada Igreja Nacional da
Sardenha. Tendo passado para o patrocínio da casa real, foi a sede do
Capelão-Mor dos Palácios Reais e a sede dos Capelães palatinos até 1946.
Mais tarde foi a sede do Ordinário palatino da Presidência da República
Italiana, quando com a concordata, abolida a instituição, a igreja passou a
estar sob a jurisdição do Ordinariato Militar, que promoveu o seu restauro
nestes últimos anos.
O interior consiste numa única nave coberta por uma abóbada de barril, em
cujas paredes, pontuadas por pilastras e colunas inclinadas, estão dois altares
dentro de um nicho aberto por um arco redondo. Na fachada do balcão está o
órgão do século XVIII num sótão coral de madeira, sobre o qual domina o
escudo real. À direita está o altar do século XVII dedicado a São Francisco de
Sales, construído em mármore rico e com um retábulo tradicionalmente
atribuído a Carlo Cesi, talvez feito para a canonização do santo a 19 de abril
de 1665 nesta mesma igreja. Para além da elegante balaustrada de mármore
está o presbitério decorado com frescos de Cesare Maccari pintados entre
1871 e 1873 retratando o Discurso de S. Anselmo de Aosta no Conselho
Ecuménico e no outro oposto, o encontro entre São Francisco de Sales e o
Beato Giovanni Giovenale Ancina. Do mesmo autor são as alegorias das
Virtudes e a Glória dos Beatos Ludovica, Amedeo, Umberto, Bonifacio e
Margherita da Casa de Saboia, na abóbada. Dois pares de colunas compõem a
estrutura do altar-mor, onde se ergue ao centro o grande retábulo de
Antonimo Gherardi representando Cristo depositado no Sudário com Santos e
Beatos da Casa de Saboia, feito em 1682. Da esquerda reconhecemos São
Máximo, primeiro bispo de Turim, Santa Margarida de Saboia, São Maurício,
protetor do Estado de Saboia, e os Beatos Ludovica e Amadeo. No tímpano está
o grupo escultórico em estuque, desenhado pelo próprio Gherardi mas feito por
Pietro Mentinovese, aluno de Bernini, com o Pai Eterno no centro entre anjos e
querubins apoiando uma cópia do Sudário feita pela Princesa Maria Francesca
de Saboia, uma das muitas que retratam a relíquia pertencente à família Saboia
desde 1452 e guardada primeiro em Chambery e depois em Turim. À
110 esquerda está o altar dedicado ao Beato Amadeo de Saboia, que, como
duque desde 1465, abdicou a favor da sua esposa e se dedicou a obras de
misericórdia.

12 Pages 111-120

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12.1 Page 111

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111

12.2 Page 112

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Igreja de
San Giovanni
della Pigna
Piazza della Pigna
Quando falhou a tentativa de ter a Igreja do Santo Sudário, o Santo esforçou-se
por ter a de San Giovanni della Pigna, com as construções anexas.
Esta é de origem muito antiga e, em 1577, foi dada por Gregório XIII à
Compagnia della Pietà verso i Carcerati, que a mandou reconstruir por A.
Torroni.
Ainda pertencia à Compagnia della Pietà verso i Carcerati quando, na Audiência
de 8 de fevereiro de 1870, o Papa propôs a Dom Bosco que a assumisse como
sua sede romana.
- Bem, disse ele, aquela casa do ano passado aqui em Roma foi por água
abaixo! Mas, este ano, quero que assumais uma, e eu vou tratar disso. Já viu a
igreja de San Giovanni della Pigna?
- Não, Santidade, respondi.
- Bem, ide vê-la, depois voltai e dizei-me se vos
agrada...
112
No mesmo dia, o Santo deu a boa notícia a Dom Rua
("Do dinheiro que tenho aqui, reservo uma soma de
100 francos por mês para a futura casa de Roma. O
resto levarei comigo para casa") e, passados alguns dias,
foi visitar a Igreja, para depois dar a resposta definitiva ao
Papa.
Mapa

12.3 Page 113

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A esperança de abrir uma casa salesiana em Roma foi assim reavivada. O
Venerável mencionou a proposta do Santo Padre para a Igreja de S. Giovanni
della Pigna ao Cardeal Quaglia, e foi encorajado por ele. De facto, ele e um dos
superintendentes das propriedades do Vaticano foram ver a igreja proposta e
descobriram que era uma igreja magnífica, pequena sim, mas bela, com cinco
altares de mármore e um belo órgão novo. Perto da igreja havia uma casa e ele
visitou-a também: e pareceu-lhe que podia acomodar confortavelmente quinze
pessoas. Foi-lhe também mostrado outro edifício um pouco distante, muito
maior, pertencente à própria igreja, que, alugado, rendia seis mil francos por
ano.
Tendo concluído a sua visita, regressou ao Santo Padre a 12 de fevereiro e
disse-lhe:
- Santidade, já vi a casa e a igreja.
- Bem, respondeu o Santo Padre; se as quiser, são para si.
- Agradeço muito a Vossa Santidade, e aceito.
(M.B. 9,816)
Dom Bosco estava convencido de que o velho projeto de abrir uma casa em
Roma poderia finalmente ser realizado. Encontramos esta ideia numa carta ao
Padre Rua a 14 de fevereiro e outra ao Padre Bonetti a 17 de fevereiro.
"A abertura de uma casa com uma pequena, mas bela igreja pode ser
assegurada como realizada até ao próximo outono. Na próxima semana espero
estar em Turim; mas em vez de deixar as coisas meio feitas, é melhor adiar
alguns dias". (M.B. 824-5).
"No futuro, quando vieres a Roma, encontrarás uma casa com uma pequena e
bela igreja à tua disposição. O resto oralmente. Silêncio e alegre.
Deus te abençoe e ao teu trabalho e acredita, Af.mo em J. C. Pe. João Bosco.
Roma 17 - 2 - 1870. (ibidem).
113
Pensamentos, estes, que ele confirmou a 7 de março em Turim, na Palestra aos
Salesianos, dada para comunicar os resultados da sua estadia em Roma.
"... Assim, este ano, no mês de agosto ou de outubro, se não houver nada em
contrário, alguns já serão enviados para Roma, para além do outro colégio que
temos de abrir em Alassio... Isto foi o que combinei com o Sumo Pontífice.

12.4 Page 114

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12.5 Page 115

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Como tinha feito uma pequena oferta para o Colégio de Roma no ano passado,
deixei-a lá, e agora, juntamente com algumas outras coisas, assegurei 100
francos por mês para vestir aqueles que irão então para Roma durante este
ano...". (M.B. IX, 834).
Infelizmente, estas certezas estavam destinadas a desaparecer face a outras
dificuldades que surgiram mais tarde.
No entanto, a Igreja e a casa de S. Giovanni della Pigna ainda acolheram os
Salesianos, porque em 1905 estas instalações foram postas à disposição da
Congregação Salesiana por Pio X. Até 1974, de facto, foram utilizados como
residência do Procurador Geral da Sociedade Salesiana.
História
A igreja de San Giovanni della Pigna, originalmente dedicada aos santos
mártires Eleuterio e Genesio, está documentada numa bula papal pelo Papa
Agapito II em 955 e numa outra por João XII em 962.
Tendo caído em ruínas, em 1584, o Papa Gregório XIII concedeu-a à
Arquiconfraria della Pietà verso i Carcerati, que a reconstruiu a partir das
fundações. O arquiteto Torroni foi encarregado de construir a nova igreja;
concluída em 1624, recebeu o título de Sancti Ionanis de Pinea. Foi restaurada
novamente no século seguinte e em 1837 sob a direção de Virginio Vespignani.
Em 1870, Pio IX confiou-a à Sociedade Salesiana de São João Bosco, e desde
1985, a pedido de João Paulo II, é a sede da diaconia de san Giovanni della
Pigna. Em 2007 a igreja foi submetida a um restauro que recuperou a cor
original do exterior.
Descrição Exterior
A igreja é dedicada a São João Baptista; a alcunha 'della Pigna' refere-se à
grande pinha de bronze descoberta na área, que se encontra agora preservada
no Cortile della Pigna dentro da Cidade do Vaticano.
A fachada é lustrada, num estilo barroco simples. A cornija, com uma inscrição
em latim que recorda a presença passada dentro da igreja da Arciconfraternita
della Pietà verso i carcerati, é idealmente apoiada por quatro pilastras com
capitéis iónicos que dividem a fachada em três setores verticais: cada um dos
dois lados tem uma janela retangular sem cornija ou soleira; no setor central,
115

12.6 Page 116

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por outro lado, existe o portal, que tem uma arquitrave com um baixo-relevo
que representa um anjo e um frontão circular. A fachada é coroada por um
simples tímpano sobreposto por uma cruz de ferro.
Descrição Interior
O interior da igreja tem uma única nave e é o resultado de renovações do
século XVIII. Ao longo da nave, que está coberta por uma abóbada de barril de
cano lunado, estão quatro altares laterais, dois de cada lado, dentro de
grandes nichos intercalados com pilastras de mármore policromado. O primeiro
altar à direita é dedicado a Santo Eleutério Papa, o segundo à direita a Santo
Genesio de Arles; o primeiro à esquerda é dedicado a Nossa Senhora e abriga a
pintura do século XVIII Madonna col Bambino e Angeli, cópia de uma imagem
do século XIV da Virgem Maria de São Lucas, o segundo à esquerda a Santa
Teresa de Ávila.
No final da nave, encontra-se o presbitério, delimitado por uma balaustrada e
composto por uma baía quadrada com uma abóbada em cúpula pintada e uma
abside semicircular com uma decoração em caixa-forte sobre a abóbada. Na
abside, há o altar-mor em mármore policromado com o retábulo São João
Baptista, do início do século XVII, de Baldassarre Croce, no retábulo entre dois
pares de colunas coríntias, e mais acima, a Pietà de Luigi Garzi, acrescentada
mais tarde.
116

12.7 Page 117

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12.8 Page 118

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Basílica e
Asilo do
Sacro Cuore
Via Marsala, 38-42
DAS MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS
Não há fundador ou fundadora de uma Ordem, Congregação ou Instituto
Religioso, que não tenha ansiado por ter uma residência em Roma. Um impulso
divino conduzia-os, por diferentes caminhos, em direção ao centro da unidade,
da autoridade e do Magistério.
Durante muitos anos, e antes de as Regras serem aprovadas pela Igreja, Dom
Bosco também tinha sonhado com a sua própria fundação na cidade dos
Papas; mas todas as tentativas foram em vão até 1880 quando, finalmente, da
forma mais inesperada, aquele sonho há muito acarinhado pareceu tornar-se
realidade; uma realidade que custou ao Beato sete anos de angústia moral e
física quase ininterrupta, mas que acabou por lhe valer as bênçãos de Deus e a
admiração dos homens. Vamos narrar as circunstâncias que precederam e
acompanharam o início da igreja e do asilo com o nome de Sacro Cuore di
Gesù al Castro Pretorio (Sagrado Coração de Jesus no Castro Pretório).
118
INTENÇÕES PASTORAIS SOBRE O CASTRO PRETÓRIO
O plano de construção elaborado por Monsenhor De Mérode, ministro de Pio
IX, levava a um desenvolvimento da cidade nos bairros altos, especialmente
no Castro Pretório. O facto de esta orientação ter sido bem planeada e bem
preparada é provado pelo facto de, após 20 de setembro de 1870, a expansão
daquela parte não ter parado, mas acelerado, de modo que quase parecia
surgir ali uma nova cidade. Mas na crescente expansão do espaço habitado,

12.9 Page 119

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nessa altura tudo era pensado, exceto o cuidado espiritual de uma população
adventícia que estava cada vez mais concentrada na grande área. Isto foi
resolvido pelo atribulado Papa Pio IX, que, embora exausto de meios após a
perda dos seus próprios Estados, não deixou de prover às necessidades
religiosas da sua Roma.
A 8 de dezembro de 1870, tinha glorificado São José ao proclamá-lo Patrono
da Igreja Universal, e não foi sem razão que ele comprou um pedaço de terreno
no Esquilino às suas próprias custas com a intenção de erigir uma igreja para
se dedicar ao grande Patriarca.
Mas rapidamente mudou de ideias. Em 1871, os Bispos de Itália competiram
para consagrar solenemente as suas dioceses ao adorável Coração de Jesus.
Assim nasceu em Roma a ideia de que na cidade do Vigário de Cristo se
construiria um grande santuário dedicado ao divino Coração, a partir do qual,
como uma lareira eterna, um novo calor de piedade irradiaria da cidade para o
mundo. O anunciante do projeto foi o Padre Maresca, barnabita, que dirigia o
Mensageiro do Coração de Jesus.
É por isso que o angélico Pio IX decidiu que o templo que ele tinha planeado
deveria ser erguido nesta área, já não em honra de São José, mas em honra do
Sagrado Coração de Jesus, e ficando encantado que, a partir desse ponto mais
alto da cidade eterna, o adorável Coração do Redentor, como que de um
grande trono, abençoasse o mundo inteiro.
Mas infelizmente as coisas estavam a demorar muito tempo, de modo que à
medida que o novo centro crescia em todas as direções, as paróquias vizinhas
de Santa Maria degli Angeli, San Bernardo, Santa Maria Maggiore e San
Lorenzo fuori le Mura já não eram suficientes para cuidar de tantas almas.
Aquele homem santo, o padre franciscano Lodovico da Casoria, remediava-o o
melhor que pôde, assistido por jovens leigos da Ação Católica, entre os quais se
destacava o advogado Pericoli; uma humilde capela aberta num edifício pouco
mais além do sítio da futura igreja provia às exigências do culto. Entretanto, a
morte levou o grande Pio IX sem que nada mais tivesse
sido feito para realizar o seu plano.
119
Mapa
O EMPENHO DE LEÃO XIII EM RELAÇÃO AO SACRO
CUORE
A elevação de Leão XIII à sede pontifícia marcou o
verdadeiro início desta obra. Aquele que, como Bispo de
Perugia, tinha sido um dos primeiros a consagrar a sua
diocese ao Sagrado Coração, tomou conhecimento das

12.10 Page 120

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intenções de Pio IX e favoreceu ao máximo a sua implementação. Já em 1 de
agosto de 1878, através do seu Vigário, o Cardeal Mónaco Valletta, enviou
uma carta em latim a todos os bispos do mundo católico, com exceção dos
franceses que já estavam empenhados na ereção da Basílica de Montmartre,
convidando-os a contribuir para o grande empreendimento por meio de coletas
locais. A recolha de piedosas ofertas foi confiada à Federazione Piana delle
Società Cattoliche di Roma; uma comissão, nomeada pelo Cardeal de entre os
patrícios romanos e presidida pelo Marquês Giulio Merighi, devia supervisionar o
trabalho. Começaram com a terraplanagem para remover um monte que
obstruía a área, elevado poucos metros em relação à superfície da estrada.
Mas aqui os trabalhadores encontraram um grande obstáculo, uma ocorrência
frequente no subsolo romano; pois cedo apareceram túneis ou galerias
subterrâneas elevadas, formadas em tempos antigos para a extração de
pozzolana, que é utilizada em Roma, como noutros locais a areia, na cal. Isto,
por sua vez, significava que era necessário descer a uma profundidade de
catorze metros para encontrar a camada sobre a qual construir as fundações.
A primeira pedra foi colocada, com a bênção do Cardeal, a 17 de agosto de
1879, dia da festa de São Joaquim e onomástico do Papa.
120
O DESENHO DA IGREJA
O desenho da igreja, no estilo de Bramante, tinha sido elaborado pelo Conde
Francesco Vespignani, arquiteto dos Sagrados Palácios, quando ocorreu um
curioso incidente na Bélgica (os detalhes são obtidos a partir da cópia de uma
correspondência entre o Cardeal de Malines e o Cardeal Vigário. Esta cópia foi
comunicada a Dom Bosco em 1880 pelo Padre Maresca). A carta circular
enviada pelo Cardeal Vigário ao Episcopado em 1878 tinha atraído a atenção
da Baronesa DeMonier, que estava disposta a oferecer cem mil francos para a
construção da basílica, desde que fosse adotado um projeto do seu compatriota
arquiteto Barão De Béthune. E não só: a oferente não doaria nada por um
edifício sagrado em estilo da Renascença, pois queria uma igreja gótica ou
românica em Roma. O Cardeal Dechamps, arcebispo de Malines, concordou em
informar disso o Cardeal Vigário.
É claro que a condição imposta criava sérias dificuldades, especialmente porque
as fundações já estavam a ser construídas de acordo com o desenho da
Vespignani; contudo, o Cardeal Vigário pediu ao Eminentíssimo Belga que lhe
enviasse o desenho proposto, não deixando de observar que esses dois estilos
não eram apreciados em Roma. Ao que o Arcebispo de Malines respondeu:
"Roma, o centro do catolicismo, deve ter monumentos de todas as grandes

13 Pages 121-130

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13.1 Page 121

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épocas da sua história, e é certamente lamentável que ao lado das basílicas de
Constantino e das basílicas clássicas da Renascença, nada se assemelhe às
catedrais de Colónia, Amiens, York, Reims, Westminster e tantas outras
admiráveis igrejas do mundo católico, para não falar da catedral de Milão. Este
exclusivismo foi uma consequência, eu sei, da história, mas aí vem a
oportunidade de a fazer desaparecer”.
De qualquer modo, o projeto de Béthune foi cuidadosamente examinado.
"Certamente que", reescreveu o Cardeal Vigário, "se se pretendesse construir
uma igreja num estilo absolutamente gótico, o projeto apresentado seria muito
apropriado; contudo, aqui em Roma, para tais edifícios é preferido o estilo
clássico. Além disso, realizando o trabalho de acordo com as medidas e formas
prescritas, a oferta de 100.000 francos, embora muito considerável, não seria
suficiente, de acordo com os cálculos efetuados, para alcançar o objetivo".
Por sua vez, Vespignani, um distinto representante do classicismo romano,
escreveu no seu relatório ao Cardeal Vigário: "Em Roma, sede das belas-artes,
o estilo absolutamente gótico nunca encontrou favor como o que tem origem
no bárbaro e só agora foi adotado na construção dos atuais templos
121

13.2 Page 122

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evangélicos".
O Padre Maresca pensava diversamente; por isso aconselhou a Baronesa a
levar o Cardeal Dechamps a tratar disso com o Papa. Mas Sua Eminência
esquivou-se, não acreditando que pudesse acrescentar nada ao que já tinha
escrito a Roma.
E assim, por uma questão bizantina, a vistosa oferta desapareceu.
ESGOTAMENTO DOS FUNDOS - INTERRUPÇÃO DO TRABALHO
Estamos convencidos de que o engenho de Dom Bosco teria encontrado uma
forma, para usar uma frase vulgar, de salvar cabras e couves, mas o seu nome
por enquanto não tinha entrado em campo.
É certo que muito poucos no mundo possuíam a arte, ou melhor, o dom, de
saber como obter a ajuda necessária para fazer tantas e tão boas obras de
bem como Dom Bosco. Assim, por exemplo, no que diz respeito à iniciativa
romana, embora lançada de tão alto e recomendada por nomes de ressonância
principesca, após os primeiros movimentos chegou a um impasse total. A falta
de dinheiro obrigou a suspender os trabalhos, quando a construção mal estava
a despontar. O Papa, que já tinha nos seus braços a monumental construção
da abside de São João de Latrão e o grandioso lazareto de Santa Marta no
Vaticano, ficou extremamente entristecido, nem podia resignar-se a esse tipo
de fracasso; mas a Providência enviou-lhe oportunamente uma boa inspiração.
Devemos esta informação à narração feita alguns anos mais tarde pelo Cardeal
Alimonda.
122
A IDEIA DE CONFIAR A TAREFA A D. BOSCO
Um dia, quando Leão XIII estava a realizar uma reunião com os Cardeais,
manifestou-lhes toda a amargura do seu coração por causa da suspensão
forçada. Estava em jogo, disse ele, a glória de Deus, a honra da Santa Sé e o
bem espiritual de uma população tão numerosa.
- Santo Padre, começou por dizer Alimonda, eu proporei um modo seguro de
resolver o assunto.
- Qual?, perguntou o Papa, muito surpreendido.
- Confiá-lo a Dom Bosco.
- Mas será que Dom Bosco aceita?
- Santidade, eu conheço Dom Bosco e a sua piedosa e ilimitada devoção ao
Papa; quando Vossa Santidade lho propuser, estou certo de que ele aceitará.

13.3 Page 123

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Esta conversa teve lugar em março de 1880, isto é, nos dias da presença de
Dom Bosco em Roma, pelo que Leão XIII instruiu o seu Vigário para lhe falar
sobre o assunto. Sua Eminência falou-lhe disso na noite do dia 24, mas sem
lhe dizer que era o desejo do Papa; tornou a falar-lhe disso com maior
insistência no dia 28, mas sempre como coisa sua. Dom Bosco não disse nem
sim nem não, tantas e tantas foram as dificuldades que lhe vieram à mente,
como se pode ver em vários testemunhos dos processos.
Em primeiro lugar e acima de tudo, as dificuldades financeiras. Esperava muito
pouco dos romanos, sabendo também por experiência própria, como o Cardeal
Vigário já lhe tinha escrito, quão avarentos eram nessa altura. [Os factos
confirmaram isso. No almoço oferecido no dia da consagração (14 de maio de
1887), o pároco e procurador Padre Dalmazzo, levantando-se para brindar e
expressando a sua gratidão aos benfeitores, colocou os romanos na linha da
frente. Dom Bosco, pegando na faca e dando alguns golpes no copo,
interrompeu-o no calor do seu discurso e, no meio do silêncio geral dirigiu-lhe
calmamente as seguintes palavras: - Isso não é verdade. Vá em frente. -
Naquele instante, Dom Bosco terá recordado as dificuldades sem precedentes
das suas viagens para angariar o dinheiro necessário. Um dos comensais que
ficou surpreendido com a franqueza do Beato e que repetiu frequentemente o
relato do episódio foi Monsenhor Jara, antigo bispo de Ancud no Chile].
Nem esperava muito dos franceses, que na altura estavam todos interessados
na sua grande igreja nacional do Sagrado Coração e em apoiar as escolas
livres; além disso, tinha razões para acreditar que eles, que sempre foram
generosos com ele, desde que se tratasse de o ajudar a apoiar os seus jovens,
não se interessariam pela nova igreja em Roma.
Nem sequer com a Itália lhe pareceu poder contar muito, quer devido às
condições económicas ruinosas do país, quer devido à sobrecarga dos encargos
públicos, quer devido à necessidade de ajudar tantas boas instituições locais
exigidas pelas novas condições políticas do Estado.
Não ignorava o custo das construções em Roma, que era mais caro do que em
qualquer outra cidade da Itália. E não tinha ele já um grande número de obras
de construção sobre os seus ombros? Construía as duas igrejas de São João
Evangelista em Turim e Maria Auxiliadora em Vallecrosia; erguia casa em
Marselha, em Nice, em La Spezia. Seria prudente acrescentar mais lenha ao
fogo?
Outra razão para não se aventurar foi a frieza que parecia ver na receção
dada ao projeto para uma igreja no Castro Pretorio. Tinha sido anunciado ao
123

13.4 Page 124

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124
mundo inteiro que o santuário planeado seria também um monumento à
memória de Pio IX, todos os bispos católicos tinham sido convidados a recolher
donativos; mas tendo sido recolhida uma centena de milhar de liras, tudo
acabou e não havia esperança de se conseguir outros recursos.
Acrescia um terceiro problema. Dom Bosco, ao assumir esse encargo, teria de
ratificar os contratos já feitos pela administração anterior, o que, por
consequência, ainda permitia uma certa interferência nos trabalhos; além de
que esses contratos eram muito onerosos, como infelizmente costumavam ser,
quando se tratava de obras realizadas em nome do Papa.
Este é o lugar para repetir o que escrevemos noutros locais sobre a
desconfiança com que os romanos viam os chamados buzzurri, ou seja, os
piemonteses. A escolha de piemonteses em obras tão importantes não podia
deixar de suscitar ciúmes; nem, dado o estado de ânimo, isso nos deve
surpreender. De facto, mal a notícia se espalhou, uma comissão de clérigos
mandou um Prelado apresentar-se ao Cardeal Vigário para protestar contra a
humilhação que se queria infligir ao clero romano. Sua Eminência ouviu-os com
serenidade e nem sequer tentou contradizê-los, mas simplesmente perguntou
educadamente se se sentiam capazes de suportar aquele fardo, acrescentando
que ainda iam a tempo. Eles declararam-se prontos. O Cardeal prometeu
realizar o seu desejo.
- Com Dom Bosco, a questão resolve-se rapidamente, acrescentou ele. Vou
combinar com o Santo Padre. Dom Bosco não tem qualquer dificuldade em
ceder o compromisso.
- Então aqueles contentes disseram-lhe que iriam formar uma comissão; mas,
entretanto, perguntaram quanto Dom Bosco recebera da Santa Sé para aquela
construção.
- Nada - respondeu Sua Eminência, que então lhes deu brevemente uma lista
das principais despesas envolvidas e exprimiu a sua convicção de que eles iriam
recolher muito pouco em Roma. Foi como um banho bem gelado, que num
instante esmoreceu os espíritos exaltados.
DOM BOSCO ACEITA O ENCARGO
Acima de todas estas considerações humanas, porém, duas outras
considerações de ordem superior estavam perante a mente de Dom Bosco: a
honra da Igreja e a honra da Santa Sé. Era uma vergonha que a Roma católica

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126
desfigurasse assim diante dos protestantes; eles já tinham erguido vários
templos na cidade santa com fundos poderosos, e os católicos não conseguiam
levantar um. Era uma vergonha poder-se dizer que a voz do Papa tinha tido um
eco tão fraco no mundo. É por isso que, pesando os prós e os contras, Dom
Bosco hesitou tanto no início para se esquivar ao pesado fardo.
Mas veio finalmente a palavra do Papa para o tirar de todas as suas
incertezas. Na tão esperada audiência de 5 de abril, Leão XIII fez-lhe saber o
seu desejo, assegurando-lhe que, ao aderir a ele, teria feito algo santo e muito
grato ao Papa: o seu pesar pela sua impotência para continuar era demasiado
grande. - O desejo do Papa, respondeu Dom Bosco, é para mim uma ordem;
aceito a tarefa que Vossa Santidade tem a bondade de me confiar.
- Mas não poderei dar-vos dinheiro, acrescentou o Papa.
- Não peço dinheiro a Vossa Santidade; peço apenas a sua bênção com todos
aqueles favores espirituais que considere oportuno conceder-me e àqueles que
cooperarem comigo para assegurar que o Coração de Jesus tenha um templo
na capital do mundo católico. De facto, se Vossa Santidade me permitir,
construirei também um oratório festivo junto à igreja com um grande asilo,
onde muitos jovens pobres, que abundam especialmente nesse bairro, poderão
ser recebidos e iniciados nos estudos e nas artes e ofícios.
- Com muito agrado, respondeu o Papa, abençoo-vos e convosco todos aqueles
que contribuirão para uma obra tão santa, sobre os quais invoco as bênçãos de
Deus a partir de agora. Entender-se-á com o Cardeal Vigário sobre a forma de
execução.
Quando se espalhou em Roma a notícia de que Dom Bosco tinha recebido do
Santo Padre a responsabilidade de fundar um colégio no Castro Pretorio e de
construir ali a Igreja do Sagrado Coração, alguns membros verdes do conselho
municipal dirigiram-se ao ministro Villa Guardasigilli para saberem como se
deveriam comportar em relação ao novo instituto, que provavelmente assumiria
grandes proporções. Ainda não tinham decorrido dez anos desde a brecha da
Porta Pia: a cada sussurro de vaidade do Vaticano, a seita fazia soar o alarme.
O Ministro, porém, que era aquele que era, mas que conhecia Dom Bosco
suficientemente bem, e como deputado representante do círculo eleitoral de
Castelnuovo, ouviu-os em silêncio e disse francamente aos cavalheiros:
Dom Bosco faz muito bem a muitos jovens ao afastá-los do mal e ao dar-lhes
educação. Ele não está envolvido em política. Deixem-no agir.
O marquês Scati, a quem Dom Bosco relatou o acontecimento no final de

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1880, não se coibiu de expressar os seus receios de guerras que os Maçons da
Câmara Municipal e o governo poderiam travar contra ele. O Beato
respondeu-lhe: "É por isso que é melhor para nós sermos cautelosos: simples
como pombas, mas cautelosos como serpentes. Dom Bosco sempre cumpriu
escrupulosamente a lei: dar a César tudo o que é de César, nada mais, mas
nada menos. Ai de mim se Dom Bosco cometesse uma imprudência!
Demasiados jovens poderiam acabar atirados de volta para a rua".
A CONVENÇÃO ENTRE O VICARIATO E DOM BOSCO
Regressado da audiência papal, Dom Bosco esboçou uma espécie de
memorando, que ele próprio colocou nas mãos do Cardeal Vigário na tardinha
de 18 de abril, véspera da sua partida de Roma (Diário de Dom Berto: "18 de
abril, domingo. À tardinha, Dom Bosco foi ter com o Cardeal Vigário para lhe
entregar um memorando a ser apresentado ao Santo Padre sobre a ereção da
Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Roma”). Ele condensou os vários
elementos num breve escrito, que depois serviu de base para a redação da
convenção final.
A Sua Eminência Reverendíssima o Sr. Card. Raffaele Monaco La Valletta
Vigário de S.S. em Roma.
I. A Igreja do Sagrado Coração de Jesus, monumento a S. S. Pio IX, de querida
memória. - Com o único propósito de promover a maior glória de Deus e o
decoro da Nossa Santa Religião, de bom grado, com todos os meus religiosos,
associo-me a V. E. Rev.ma para cooperar na continuação das obras em curso
para que a ereção da igreja seja dedicada ao Sagrado Coração de Jesus em
homenagem ao glorioso Sumo Pontífice Pio IX de sempre querida memória.
Quanto às condições a estabelecer, gostaria que V. E. apresentasse o que diz
respeito a cada uma das partes: a da Autoridade Eclesiástica e a da
Congregação Salesiana, que V. E. sempre viu com um olhar paterno. Mas como
V.E. deseja que, para tal fim, eu exponha os meus pensamentos, fá-lo-ei com
gosto, dando a V. E., desde já, todas as faculdades para modificar o que quiser,
tal como na sua prudência esclarecida julgar mais oportuno.
II. A Congregação de São Francisco de Sales.
1º A Pia Sociedade de São Francisco de Sales, através do seu Reitor,
compromete-se a cooperar com todos os meios possíveis para ajudar nas
obras, a procurar meios financeiros e materiais de construção para completar o
piedoso empreendimento, que espera estar concluído em dois anos e meio ou, o
127

13.8 Page 128

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mais tardar, em três anos.
2º Uma vez concluído o edifício sagrado, a mesma Congregação assumirá as
despesas correntes para o fornecimento de mobiliário, acessórios e vestes
sagradas; pagará os custos de impostos, manutenção, reparações e afins.
3º Proverá o pessoal necessário para o exercício do culto religioso, ou seja, um
número suficiente de sacerdotes para celebrar missas à conveniência dos fiéis,
para ouvir confissões sacramentais, para pregar e para ensinar catecismo às
crianças.
4º Contemporaneamente ao trabalho de construção da igreja, ou assim que
estiver concluído, será construído um asilo em favor das crianças pobres. Ali,
para além dos rapazes acolhidos, será aberto um oratório festivo para os
jovens que vivem no bairro, e ser-lhes-á dado o catecismo, a escola noturna e,
se necessário, escola diurna, como é a prática nas casas da Congregação
abertas para o mesmo fim.
5º Uma vez que a igreja tenha sido consagrada ao culto divino, os Salesianos
dependerão da autoridade do Ordinário, tal como as igrejas pertencentes às
Congregações Eclesiásticas; depois, se a Autoridade Eclesiástica julgar oportuno

13.9 Page 129

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erigir a Paróquia a igreja do Sagrado coração, o pároco será escolhido entre os
religiosos Salesianos, que o Reitor da Congregação irá propor ao Em.mo Card.
Vigário de Roma, e será aquele que a mesma E. julgue mais idóneo para essa
tarefa de promover a glória de Deus e o bem das almas.
III. A Autoridade Eclesiástica.
1º Sua Eminência Reverendíssima o Sr. Card. Vigário continuará o seu apoio
material e moral em favor da Obra que iniciou e promoveu com tanta
solicitude; colocará o terreno e os muros do edifício à disposição do Sacerdote
Bosco no estado em que se encontram. O dinheiro recolhido através dos
cuidados de S. E. ou de outros para este fim será utilizado total e
exclusivamente para a construção da monumental igreja.
2º Dará a faculdade de continuar a procurar nesses lugares e junto daquelas
pessoas a quem a prudência sugerir que se recorra.
3º O Em.mo Card. Vigário não terá qualquer responsabilidade material pela
obra ou pelas novas aquisições de terrenos que possam ser necessárias para a
referida construção.
4º Sua E. o Sr. Cardeal Vigário é humildemente solicitado a apresentar este
projeto ao Santo Padre, para que ele possa modifica-lo a seu gosto, não tendo
este qualquer valor até que tenha sido aprovado e abençoado por Sua
Santidade.
Roma, 10 de abril de 1880. - Sac. Gio. Bosco.
A APROVAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR
De acordo com as nossas Constituições, Dom Bosco não poderia comprometer-
se plenamente com um assunto de tal magnitude sem antes consultar o seu
Capítulo. Assim, quando chegou a Turim e reuniu os seus conselheiros,
apresentou-lhes a proposta do Santo Padre.
A discussão foi longa. Todos concordaram que a proposta pontifícia era
honrosa, mas muito onerosa; nessa altura, havia dívidas de mais de trezentas
mil liras, e não parecia prudente ou consciencioso estabelecer um compromisso
que iria engolir milhões. Da discussão passou-se à votação, que acabou por ser
de seis contra e apenas um a favor, certamente o de Dom Bosco.
Quando viu a proposta do Santo Padre rejeitada desta forma, sorriu e disse:
- Todos me destes um não redondo, e está bem, porque agistes de acordo com
a prudência necessária em casos sérios e da maior importância como este. Mas
se em vez de um "não" me derdes um "sim", posso assegurar-vos que o
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13.10 Page 130

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Coração de Jesus enviará os meios para construir a sua igreja, pagará as
nossas dívidas e nos dará ainda uma boa compensação.
As suas palavras, inspiradas por uma confiança tão viva na Providência divina,
mudaram repentinamente as opiniões, de modo que, realizando novamente a
votação, os seis votos negativos tornaram-se todos sim”. Aliás, uma vez
examinada a planta, considerou-se a área demasiado reduzida, pelo que se
decidiu propor ao Santo Padre uma outra maior que fosse digna do Sagrado
Coração e de Roma. E assim foi feito. A compensação não era mais do que o
asilo, que não fazia parte das intenções do Papa, mas seria um bónus, dado
quase como prémio do Sagrado Coração. As dívidas da Congregação, como o
Servo de Deus tinha prometido e como o Cardeal Cagliero atestou no processo,
foram pagas sem qualquer inconveniente.
Não se perdeu tempo para iniciar as negociações.
130
A PRIMEIRA RESIDÊNCIA DOS SALESIANOS EM ROMA
Entretanto, enquanto em Turim se elaborava um esboço de uma convenção
para ser enviada para Roma, Dom Bosco apressou-se a comprar uma zona
limítrofe do terreno inicial, na qual se encontrava uma pequena casa, no
extremo oposto, onde hoje o asilo faz esquina da Via Marsala com a Via
Marghera. Custou um total de quarenta e nove mil e quinhentas liras.
Aquela casinha, aumentada de dois andares, foi a primeira casa dos Salesianos
durante o período das obras. O objetivo de Dom Bosco ao alargar assim a área
do edificado era a de dar espaço para o prolongamento da igreja e a
construção do asilo. Ele não sabia que com isso deitou por terra a intenção dos
protestantes de construir ali o seu próprio templo, mas o Cardeal Vigário
estava bem ciente disso e ficou encantado com essa compra.
Sua Eminência não se mostrou tão agradado com a ampliação da igreja: talvez
ainda se sentisse ligado ao resultado do empreendimento e temesse um
segundo fracasso. Foi preciso de tudo para o convencer; a intervenção resoluta
do arquiteto superou a sua oposição: a largura da igreja foi deixada intacta, ao
comprimento inicial de 35 metros foram adicionados 11 metros para duas
novas arcadas e 18 metros para uma abside. De facto, ele recomendou a
Dom Dalmazzo: eu pedirei ao Cardeal que nos ajude a que a igreja seja muito
espaçosa. Como está no desenho atual, teria apenas 400 metros para o
público, e nós precisamos que ela tenha pelo menos o dobro disso. Porque a
nova paróquia abraçará nada menos que seis mil almas antes de estar
terminada. Isso exigirá cerca de 900 metros para acomodar um terço da

14 Pages 131-140

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14.1 Page 131

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população.
COMO OBTER OS FUNDOS NECESSÁRIOS
A fim de animar à caridade as pessoas ricas, piedosas e generosas, Dom Bosco
aproximava-as cada vez mais da Igreja e do Papa com os laços de honras ou
favores espirituais, que ele procurava obter da Santa Sé. Estas pessoas,
sentindo-se mais próximas do Vigário de Jesus Cristo e particularmente amadas
por ele, gostavam de se tornar dignas dele, dando o seu melhor para cooperar
em obras nas quais sentiam que iriam encontrar o soberano agrado do Santo
Padre.
Exemplar é a carta enviada a Dom Dalmazzo, que também fala do acordo para
a compra do novo terreno e toca na transferência legal da propriedade do
antigo terreno e da construção que havia começado. O Sr. Sigismondi tinha
adiantado a Dom Bosco a soma de vinte mil liras. No meio de assuntos tão
áridos, uma nota de bom humor revela e infunde serenidade.
Caríssimo D. Dalmazzo,
Envio-te duas petições que podes apresentar ao Card. Giannelli ou talvez seja
melhor ao Card. Mertel. São de duas ilustres Benfeitoras nossas, católicas
fervorosas. Mad. Prat já ofereceu 65.000 liras (sessenta e cinco mil) para S.
Pedro. Ela enviará outra soma em breve.
Se houver despesas, que sejam feitas, mas desejo ser eu a fazê-las para que
possa dizer que é um presente. O que renderá muito mais.
O Sr. Caranti recebeu resposta através do Comendador Fontana de que
também aceitaríamos a casota a um preço conveniente, e concordou. Será bom
pagar-lhe. O compromisso dá tempo para tratarmos das coisas e isso é ótimo.
Ocupar-me-ei de tudo; especialmente do empréstimo, e espero que corra bem.
Assim que seja feita a escritura notarial da transferência para nós da Igreja do
Sagrado Coração, avisa-me imediatamente.
Tudo o que foi lido no Capítulo foi aprovado.
Toma nota que, se formos à falência, iremos refugiar-nos na Patagónia com o
P. Fagnano. Portanto, em frente com tranquilidade...
Turim, 9-7-1880.
Aff.mo amico - Sac. Gio Bosco.
131

14.2 Page 132

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132
PROPRIEDADE E USUFRUTO
A "cláusula" sobre a qual Dom Bosco, numa carta posterior ao Padre Dalmazzo,
diz ter pensado muito, refere-se ao artigo 3º do esboço da Convenção, um
artigo posteriormente modificado no sentido que ele propôs.
Meu caro Padre Dalmazzo,
Pensei muito na cláusula relativa à eventualidade da nossa congregação
acabar. Mas perante a lei não somos nem uma entidade moral nem jurídica.
Por outro lado, mesmo em caso de cataclismo, será sempre mais respeitada
uma igreja paroquial pertencente à autoridade eclesiástica do que uma nossa
propriedade que não podemos possuir senão como propriedade individual.
Creio, portanto, que, se ainda for a tempo, se disponha assim: A igreja e a casa
paroquial na propriedade pertençam perpetuamente ao Ordinário de Roma; mas
o usufruto pertencerá perpetuamente à Pia Sociedade de São Francisco de
Sales. O resto seja colocado nas mãos da Divina Providência. Se as coisas ainda
não estiverem concluídas, podes falar com o Card. Vigário neste sentido. Caso
contrário, deixemos o que está escrito...
Turim, 14-7-1880.
Aff.mo amico - Sac. Gio Bosco.
Ao discutir com o Pe. Dalmazzo o regulamento da propriedade, o excelente
Cardeal Vigário deixou escapar estas palavras: "Todos dizem que a
Congregação Salesiana é Dom Bosco. Enquanto ele viver, tudo bem; quando
morrer, tudo se dissolverá como nevoeiro ao sol". Por outro lado, teve o prazer
de ouvir os argumentos apresentados pelo seu interlocutor para demonstrar a
estabilidade da Congregação. Este último concluiu a sua apologia observando
que se Dom Bosco e a Congregação tivessem a sorte de ter sempre como
Cardeal Vigário um Cardeal como Sua Eminência, que era um verdadeiro pai
para os Salesianos, Dom Bosco não teria insistido tanto na propriedade,
deixando tudo nas suas mãos. A observação agradou-lhe e ele disse que iria
apresentar nesse sentido o assunto ao Santo Padre.
A 14 de julho, o Pe. Dalmazzo escreveu ao Beato: O Cardeal Vigário falou
longamente com o Santo Padre sobre este assunto e Ele disse-lhe:
- Fale com o Pe. Dalmazzo e diga-lhe para escrever a Dom Bosco pedindo-lhe
em meu nome que não coloque qualquer dificuldade nesta negociação, porque
está em causa a salvação das almas ".
Na volta do correio Dom Bosco renovou as suas instruções ao Procurador assim
formuladas: "A propriedade da Igreja perpetuamente à autoridade eclesiástica;

14.3 Page 133

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e o uso perpetuamente à nossa Congregação...".
O PRIMEIRO PÁROCO SALESIANO
Os desacordos e respostas entre o Vicariato de Roma e o Capítulo Superior
para fixar o texto da convenção continuaram, e aumentaram ainda, quando o
Servo de Deus apresentou oficialmente o candidato à direção da paróquia, a
qual tinha obtido reconhecimento civil no final de março, e cuja ereção
canónica já havia tido lugar a 2 de fevereiro do ano anterior.
Eminência Rev.ma,
Das informações recebidas de várias fontes sei que é intenção da V. E. Rev.ma
confiar o cuidado da nova Paróquia do Sagrado Coração de Jesus a um
Sacerdote Salesiano. Se esta for a vossa respeitável vontade, proponho-vos a
escolha na pessoa do nosso Procurador-Geral, o Pe. Francesco Dalmazzo,
Doutor em Letras e filho do falecido Giacomo. Assim que esta nomeação for
feita, terei o cuidado de enviar um número suficiente de sacerdotes para o
ajudar, assegurando que sejam dotados dos dons necessários a quem se
consagra ao sagrado Ministério de almas...
De V. E. Rev.ma
Turim, 31 de julho de 1880.
Obbl.mo Servidor - Sac. Gio. Bosco.
O decreto de nomeação e investidura só foi emitido a 12 de julho de 1881 e
comunicado ao pároco recém-nomeado Padre Dalmazzo no dia 3 de agosto
seguinte.
Apesar da boa vontade das partes contratantes, surgiram sempre pontos de
desacordo, de modo que se chegou ao outono sem que se conseguisse um
completo entendimento.
Dom Bosco procurava eliminar qualquer causa de contestação no futuro. Na
primeira quinzena de outubro, ainda se discutia a questão da côngrua
paroquial. Os superiores de Turim estavam em dúvida se a deviam ou não pedir,
e se a pediam à Câmara Municipal, ao governo ou à Santa Sé. Finalmente, no
dia 18 do mesmo mês, Dom Bosco escreveu ao Procurador: 'Quanto à Côngrua,
submetemo-nos ao que decidir o Santo Padre e aos conselhos do nosso
Eminentíssimo Cardeal Vigário'. O assunto acabou por ser regulamentado ao
abrigo do Artigo 10º da convenção.
133

14.4 Page 134

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RETOMA DAS OBRAS
Entretanto os trabalhadores retomaram os trabalhos lentamente; de facto, o
Pe. Sala já estava à procura das colunas de granito queridas pelo arquiteto. Na
carta citada, Dom Bosco continuou: "O Pe. Sala saiu para obter os preços das
colunas para a Igreja do Sagrado Coração. Depois informo-te e se houver
alguma coisa, diz-mo também [.....] "Fé, oração e vamos em frente".
No mês de novembro expirava o prazo acordado para o pagamento de uma
grande prestação do débito ao Banco Tiberina para a compra do terreno, da
casa e dos materiais de construção, e não se sabia onde arranjar o dinheiro.
Ainda não era conveniente recorrer à imprensa para solicitar ofertas enquanto
se mantinham incompletas as últimas formalidades. O constrangimento de Dom
Bosco transparece justamente nesta carta.
Caro Padre Dalmazzo,
"É necessário regularizar o débito Caranti. De acordo com a carta devem ser
pagas neste momento 39 mil e 500 liras. Não tinha reparado nessa cláusula.
Devido à crise financeira, todos gritam e apertam a bolsa. Podemos contar com
alguém em Roma? Pense nisso e depois diga-me alguma coisa.
É urgentemente necessário procurar dinheiro para o Sagrado Coração, mas até
que as coisas estejam finalmente concluídas, parece que não é conveniente
publicar. Também estamos sem dinheiro!
Portanto, tire a conclusão”…
134
ASSINATURA DA CONVENÇÃO
Mas a conclusão tardava ainda, porque Dom Bosco hesitou um pouco em dois
artigos. O Artigo 8º impunha um prazo perentório para a conclusão da obra, e
o Artigo 13º previa a possibilidade de a Autoridade Eclesiástica, por falta de
um salesiano adequado, nomear um vigário e ecónomo para a paróquia, mesmo
para toda a vida. "O artigo dos seis anos obrigatórios, escreveu Dom Bosco em
9 de dezembro, e o outro do vigário paroquial para toda a vida, devem ser
modificados". Para o efeito, anexou uma nota redigida pelo Padre Rua em
nome do Capítulo Superior e assinada por Dom Bosco. O sentido de prudência
esclarecida e de santa simplicidade que a informa, reflete muito bem o espírito
do nosso amado Fundador.
Eminência Reverendíssima,

14.5 Page 135

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O Capítulo Superior da Pia Sociedade de São Francisco de Sales, através do seu
Reitor-Mor, implora a Vossa Eminência Reverendíssima que permita duas
pequenas alterações aos artigos propostos para a Igreja do Sagrado Coração.
Se tivéssemos sempre de negociar com Vossa Eminência, aceitaríamos estas e
quaisquer outras condições. Mas trata-se de evitar disputas que poderão surgir
com muita facilidade entre aqueles que no futuro irão administrar os nossos
assuntos depois de nós.
Por conseguinte, foi acrescentado o seguinte ao Artigo 8º: "Desde que tal não
se deva a motivos de força maior, o fim dos trabalhos obrigatórios na casa
paroquial é fixado em nove anos".
13º - Neste artigo as palavras após "Vigário ou Ecónomo" - para toda a vida
– foram retiradas, a fim de deixar o exercício pleno à Autoridade Eclesiástica e
de dar à Congregação Salesiana a possibilidade de assumir o funcionamento
normal da paróquia e de pôr fim aos inconvenientes que seriam inevitáveis se
os jovens do Asilo, do Oratório festivo e das escolas tivessem de intervir na
igreja paroquial, quando esta dependesse de um administrador estranho à Pia
Sociedade...
Turim, 11 de dezembro de 1880.
135

14.6 Page 136

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Obbl.mo servidor - Sac. Gio Bosco.
O Vicariato levou em consideração as duas mudanças desejadas por Dom
Bosco, no primeiro caso com a adição de uma reserva relativa à eventualidade
de força maior e no segundo com a substituição de "temporário" no lugar de
"para toda a vida". Isto pôs fim às escaramuças sobre o texto da convenção,
que foi assinada por Dom Bosco a 11 de dezembro e pelo Cardeal Vigário no
dia 18, com a aprovação do Papa. Entre uma e outra data, o Pe. Dalmazzo
apresentou-se ao Papa para lhe oferecer os melhores votos e homenagem de
Dom Bosco e dos Salesianos, o Santo Padre perguntou-lhe em que fase
estavam as assinaturas. Tendo ouvido que a assinatura do Cardeal Vigário
estava iminente, ele disse: - Apressai-vos e fazei um grande bem!
136
DÍVIDAS E PAGAMENTOS
Entretanto, foi necessário saldar as contas com o Banco Tiberina, que enviou a
parcela do débito, no valor de quarenta e duas mil liras, que não podia ser
prorrogada para além do final de dezembro. Não há esperança de encontrar
dinheiro aqui, tinha escrito o Pe. Dalmazzo ao Beato a 10 de dezembro. Se
Dom Bosco estivesse aqui, então alguma coisa se conseguiria”. E continuava a
insistir para conseguir algo. Os pensamentos de Dom Bosco descobrem-se
nesta passagem de uma carta do dia 9 ao desesperado Procurador
Conseguirei pagar ou terei de fugir para Turim ou para a América?
Aconselhe-me e ajude-me" (Carta 6 dezembro): "Para concretizar o que fazer
com o Banco Tiberina é necessário observar que, uma vez que não conseguimos
vender os edifícios ad hoc, não temos o dinheiro preparado. Portanto, se se
puder esperar, pagaremos juros, como para a outra soma. Caso contrário,
faça-se uma exceção quanto ao modo de pagamento; ou seja, o pagamento em
prestações. Esforçar-nos-emos por pagar a totalidade da soma num curto
espaço de tempo. Da tua parte, faz tudo o que puderes para recolher ofertas,
e se não conseguires de outra forma, faz ou estuda algum roubo relevante,
ou melhor ainda, opera alguma subtração matemática na tesouraria de
algum banqueiro. Outros escreverão algo mais".
O Banco, no entanto, logo que se convenceu do poder de Dom Bosco,
concordou que os pagamentos se fizessem em prazos longos; de facto, ao Pe.
Dalmazzo, que tinha uma procuração geral em seu nome, deram-lhe somas
substanciais durante sete anos com um simples recibo, sem uma hipoteca.

14.7 Page 137

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Chegaram mesmo a dar-lhe oitenta mil liras uma vez, dizendo ao diretor: -
Trata-se de Dom Bosco que tem a Providência à sua disposição e não nos
deixa perder.
CONFIANÇA NA PROVIDÊNCIA
Verdadeiramente só uma confiança ilimitada na Providência poderia induzir
Dom Bosco a carregar às suas costas um fardo tão pesado; aqueles que
olhavam para as coisas humanamente, diante de tanta ousadia, abanavam a
cabeça. Questionado então por uma pessoa eminente onde pensava obter os
meios em tempos tão críticos e anormais, ele respondeu: - Da Providência. -
Aquele, incomodado, perguntou-lhe se achava que era seu privilégio especial ter
a Providência à sua disposição. E Dom Bosco: - Graças a Deus, nunca nos
falhou. - De facto, gastou dois milhões para a igreja e um milhão e meio para
o asilo, o que naquele tempo eram somas muito avultadas.
No entanto, há que acrescentar que ele não tentou a Providência, mas fez
também tudo quanto pôde. É inacreditável a quantos incómodos e sofrimentos
ele se submeteu para satisfazer o desejo do Pontífice. Incómodos e sofrimentos
que, segundo o Pe. Cerruti, que os testemunhou, encurtaram a sua vida. Por
todas estas razões, algum tempo após a morte do Servo de Deus, Leão XIII
disse ao seu sucessor: - Ah, foi verdadeiramente uma feliz ideia confiar a Dom
Bosco a ereção da Igreja do Sagrado Coração no Castro Pretorio!
Mas Dom Bosco via longe. O nosso Monsenhor Giovanni Marenco lembrou-se
de uma misteriosa palavra sua, que o tempo não deve cobrir de esquecimento.
No próprio dia em que aceitou aquele encargo onerosíssimo, o Beato
perguntou-lhe:
- Sabes porque é que aceitámos a casa de Roma?
- Não, respondeu aquele.
- Bem, presta atenção. Aceitámo-la porque quando o Papa for o que não é
agora e como deve ser, colocaremos na nossa casa a estação central para
evangelizar a zona rural romana. Não será uma obra de menor importância do
que a evangelização da Patagónia. Então os Salesianos serão conhecidos e a
sua glória brilhará.
Será que estas palavras continham uma previsão? Entretanto, o Papa já deixou
de ser o que era nessa altura, mas é como deve ser. Quanto ao resto, o tempo
dará a resposta.
Mas, quer seja previsão ou não, resplandece aqui pelo menos um clarão do zelo
137

14.8 Page 138

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que ardia eternamente no coração do nosso Bem-aventurado Pai, que,
enquanto agarrava alguns desafios, estava ao mesmo tempo a sonhar com
outros.
A ESTADIA EM ROMA DE 1884
A partir de 24 de março de 1880, quando o Card. Valletta pediu a Dom Bosco
que assumisse a tarefa de construir o templo, Dom Bosco dedicou muito do seu
tempo e energia para que o trabalho prosseguisse rapidamente, contra os
muitos acontecimentos imprevistos e as grandes despesas a enfrentar. Por esta
razão, Dom Bosco regressou a Roma em 1884, onde procurava doadores e
onde lançou uma lotaria, cujo produto seria utilizado para reduzir algumas das
dívidas já acumuladas.
Chegou à cidade a 14 de abril, e desta vez pôde finalmente residir numa casa
própria! Os jovens do oratório receberam-no festivamente e, ao vê-los, correu
em pensamento para os companheiros deles em Valdocco, a quem mandou o
Pe. Lemoyne escrever uma carta.
Ele esperava poder descansar um pouco em Roma (tinha acabado de regressar
de uma cansativa viagem a França), mas os preparativos para a lotaria e as
dificuldades em obter os privilégios há muito solicitados pela Congregação
Salesiana, juntamente com as centenas de audiências que foi obrigado a
conceder às pessoas que queriam ser recebidas por ele, fizeram com que, em
vez de descansar, o Santo se cansasse ainda mais, embora tivesse limitado ao
mínimo as suas visitas a personalidades ilustres, como tinha feito em viagens
anteriores.
A 8 de maio Dom Bosco deu a Conferência aos Cooperadores (em Tor de'
Specchi). O tempo estava muito mau, mas um bom número de pessoas
desafiou o tempo para ouvir o santo.
138
RECEBIDO PELO PAPA LEÃO XIII
9 de maio era o dia marcado para a audiência que lhe foi concedida pelo
Papa. Leão XIII, depois de lhe perguntar pela saúde, pediu notícias sobre o
progresso das obras no Castro Pretorio e Dom Bosco aproveitou a oportunidade
para propor uma ideia sua ao Santo Padre.
Depois, o Papa falou sobre a Igreja do Sagrado Coração e perguntou:
- Que obras está agora a fazer?
Dom Bosco explicou em que fase se encontrava o edifício e que obras estavam

14.9 Page 139

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em curso; falou das dificuldades encontradas, do bem que estava a ser feito no
presbitério já acabado que por agora servia como paróquia, do mês de maio
que era frequentado por um milhar de pessoas todas as noites, do oratório
festivo, das escolas frequentadas por duzentos jovens, do catecismo dominical
a que acorriam cerca de trezentas crianças, do asilo que estava a ser
construído e dos locais já preparados ou comprados e que já tinham
capacidade de acomodar cerca de cinquenta jovens.
O Papa estava a ouvir com grande interesse esta exposição, quando Dom Bosco
o interpelou:
- Gostaria de pedir a Vossa Santidade que me permitisse expressar uma ideia
minha.
- Diga, diga, respondeu o Santo Padre.
- Esta igreja, prosseguiu Dom Bosco, é católica, ou seja, o mundo inteiro está a
participar na sua construção, e este asilo é para jovens de todas as nações do
mundo. Gostaria que Vossa Santidade aparecesse neste trabalho.
- Não, eu não devo recusar, disse o Papa. E o que proporia?
- Que Vossa Santidade assuma as despesas da fachada da Igreja do Sagrado
Coração. Que coisa bonita seria se acima do frontão fosse esculpida esta
epígrafe: Catholicorum pietas construxit, frontem autem huius ecclesiae Leo XIII
Pont. Max. proprio aere aedificavit!
- Já preparou, portanto, a inscrição?
- Esta ou uma melhor, mas desde que expresse este sentimento.
O Papa riu-se.
- E porque não? Aceito a fachada: faço-a eu.
- Mas, Santo Padre, explicou Dom Bosco, não quero que fique sozinho na
tarefa de construir esta fachada: quero ajudá-lo no que puder. A Condessa
Fontenay não lhe trouxe dez mil liras no outro dia?
- Sim, é verdade.
- Bem, foi Dom Bosco quem a aconselhou a fazer essa oferta. Vossa Santidade
receberá em breve mais dez mil liras; e sei que outra pessoa de Marselha, para
que o trabalho na igreja possa continuar, se dispõe a fazer uma oferta
generosa a Vossa Santidade.
- Sim, sim; fica então resolvido o assunto desse modo.
- Santo Padre, agradeço-lhe por tanta bondade; mas permita-me dizer mais
uma coisa. Gostaria que o mundo soubesse desta sua generosidade e, se me
permite, publicá-la-ia no Boletim Salesiano.
139

14.10 Page 140

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- Dê a este facto a publicidade que desejar e de acordo com a sua prudência.
Na sua proposta Dom Bosco também viu um meio para prover ao dinheiro de
São Pedro, agora muito limitado.
A CARTA DE ROMA DE 1884
A 19ª estadia de Dom Bosco na cidade eterna tornou-se importante por causa
de uma carta, a famosa "carta de Roma". Esta, escrita a 10 de maio e com a
assinatura do Santo, é o relato de um sonho que ele teve sobre o andamento
do Oratório de Valdocco.
Ele, idoso e cansado, encarregou o seu secretário (Pe. Lemoyne) de redigir o
texto, após lhe ter dado algumas breves indicações sobre o sonho.
"D. Bosco, naquelas noites em que não estava bem, tinha tido um daqueles
sonhos que marcam uma época. Contou-o várias vezes ao Pe. Lemoyne e
depois mandou-o escrever e ler, corrigindo-o. Em seguida, foi reescrito e
copiado. Uma vez que dizia especificamente respeito aos membros da

15 Pages 141-150

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15.1 Page 141

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congregação salesiana, foi necessário um novo trabalho para que pudesse ser
lido em público na presença de todos os jovens do Oratório.
Conservou-se então toda a segunda parte e pôs-se de parte o que era dito em
detalhe na primeira parte, ou seja, ficou apenas a cena dos dois recreios. Esta
carta foi enviada a 10 de maio. Lida em público pelo Padre Rua, teve um
grande efeito; havia já vários anos que os jovens não estavam habituados a
ouvir cartas de Dom Bosco dirigidas a eles. No Oratório a carta foi entendida
como um sinal de uma reforma da qual falaremos mais tarde. O primeiro efeito
deste sonho foi que D. Bosco tomou consciência do estado de muitas
consciências, mesmo de alguns que pareciam ser muito bons, de modo que
alguns foram afastados da casa. (Braido)
Hoje a carta de Roma é considerada um pilar entre os escritos pedagógicos de
Dom Bosco. É um texto curto, mas denso no qual se encontra o Dom Bosco
autêntico, vivo, o pai que ama os seus filhos. Não é um tratado, mas uma carta
que brota do coração, amor e experiência educativa do padre de Turim.
É a carta de um pai distante que tem saudades dos seus filhos.
Prestes deixar a cidade eterna, Dom Bosco quis enviar ao Oratório a narração
de um sonho da maior importância sob a forma de uma carta. Ele tinha-o tido
numa daquelas noites em que se sentia mais doente. Contou-o várias vezes ao
Pe. Lemoyne, recomendando-lhe que o escrevesse; tendo-o feito, pediu que lho
lesse, e ditou correções. A 6 de maio disse ao Padre Rua que escrevesse: "Dom
Bosco está a preparar uma carta que pretende enviar aos jovens, na qual quer
dizer muitas coisas belas aos seus amados filhos”. A carta foi enviada a 10 de
maio; mas o Padre Rua, não achando conveniente lê-la em público na sua
totalidade, pediu que fosse enviada uma cópia que pudesse ser lida aos alunos.
O Pe. Lemoyne extraiu para eles as partes que não diziam respeito aos
superiores. A leitura do Padre Rua à noite, após as orações, foi ouvida pelos
jovens com tremor, especialmente porque o santo disse que tinha conhecido o
estado de muitas consciências. Após o seu regresso, deu-se uma procissão de
rapazes aos seus aposentos para saber como ele os tinha visto. Houve dois
efeitos principais: um início da reforma na vida do Oratório e o afastamento de
alguns que pareciam muito bons.
141
[O texto em anexo].
O BRASÃO SALESIANO

15.2 Page 142

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142
Nesse mesmo ano surgiu o "brasão" salesiano, para ser colocado na Igreja do
Sagrado Coração.
A Congregação ainda não se tinha dotado de um brasão oficial, como era
costume de todas as famílias religiosas; para se usar como carimbo
imprimia-se a figura de S. Francisco de Sales circundada por uma inscrição em
latim que designava a Pia Sociedade Salesiana.
Foi apenas em 12 de setembro de 1884 que o Pe. Sala apresentou o esboço
da empresa salesiana ao Capítulo Superior, motivado pela conveniência de o
fixar na Igreja do Sagrado Coração entre os de Pio IX e Leão XIII. Foi o
Professor Boidi que o desenhou. Era um escudo com uma grande âncora no
meio; à direita dele estava o busto de São Francisco de Sales, à esquerda um
coração inflamado, acima dele uma radiante estrela de seis pontas; abaixo dele
estava um bosque, atrás do qual havia montanhas altas; a partir de baixo, dois
ramos, um de palma e outro de louro, entrelaçados nos seus caules, abraçam o
escudo até ao meio. Na base havia uma faixa agitada com a divisa: Sinite
parvulos venire ad me.
Observou-se que esse mote já tinha sido tomado por outros. O Padre Barberis
propôs a sua mudança para Temperança e Trabalho, a partir do sonho de Dom
Bosco, em que este binómio é dado como lema, ou seja, como distintivo da
Congregação. O Pe. Durando teria preferido Maria Auxilium Christianorum, ora
pro nobis. Dom Bosco resolveu a questão dizendo: - Um lema já foi adotado
desde os primórdios do Oratório, nos dias do Convitto, quando eu ia às prisões:
Da mihi animas, cetera tolle. - O Capítulo aclamou Dom Bosco e aceitou o
lema histórico.
Ao santo não agradou a estrela que encimava o escudo, porque lhe parecia
semelhante a um emblema maçónico, e mandou que se substituísse pela cruz
radiante. A estrela foi então introduzida à esquerda, acima do coração. Desta
forma, os três símbolos das virtudes teologais foram aproximados.
O lema escolhido, como os primeiros antigos alunos do Oratório, entre os quais
o Cónego Ballesio e o Cardeal Cagliero, depuseram nos processos, viram-no
sempre, quando ainda eram pequenos, escrito em letras grandes na porta do
pequeno quarto de Dom Bosco.
Não havia melhor forma de expressar aquele que foi o objetivo supremo do
santo no agir e no sofrer, no que escreveu e disse, um objetivo que devia
configurar o programa essencial da Sociedade por ele fundada. Que o bem das
almas sempre foi a sua maior preocupação é bastante evidente pela leitura da

15.3 Page 143

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sua vida.
A ÚLTIMA VEZ EM ROMA
1887 foi o ano em que Roma viu Dom Bosco pela última vez.
Saiu de Turim na manhã de 20 de abril. "Saiu de casa num estado, escreveu o
Pe. Lazzero, que parecia que não suportaria a viagem nem sequer até
Moncalieri”.
Já estava velho e cansado, mas ainda queria fazer esta viagem para a cidade
eterna, que sabia ser a última da sua vida.
O próprio Dom Bosco explicou a razão pela qual se tinha lançado na viagem a
alguns sacerdotes de Arezzo:
Um deles, ganhando confiança, perguntou-lhe porque é que ele, que parecia
sofrer tanto, se tinha aventurado a fazer uma viagem tão longa. Ele respondeu:
- O que quereis? É uma ordem do Papa, e ao Papa não se pode dizer que não.
Dentro de alguns dias teremos a consagração da Igreja do Sagrado Coração no
Castro Pretorio.
O Papa, sabendo disso, disse ao nosso superior local: - "E Dom Bosco vem à
consagração?". Ele respondeu que a minha saúde não me permitiria fazê-lo:
"Não, disse o Papa. Eu quero que ele venha. Escreva-lhe que se ele não vier,
não assinarei o seu passaporte para o paraíso”. Vedes que também é do meu
interesse ir buscar um documento tão precioso, do qual certamente precisarei
em breve. O Arcipreste de Capannole, que nos descreve esta visita, afirma que
as palavras de Dom Bosco são relatadas por ele "textualmente". Portanto, algo
que não saberíamos de outra fonte, a penosa viagem foi essencialmente para
Dom Bosco um ato de obediência ao Papa.
Partiu para Roma na manhã do dia 30, chegando à estação Termini pouco
depois das 15. Como se movia com passos muito vagarosos para a saída,
distribuía boas palavras e por vezes argutas a todos os que o abordavam.
Também se aproximaram duas irmãs religiosas, que ele reconheceu, e
disseram-lhe que se ele o permitisse, elas iriam visitá-lo.
Dom Bosco sorriu e respondeu:
- Para visitar Dom Bosco em Roma é preciso entre dez a doze mil liras. - Mas
ele rapidamente acrescentou: - No entanto, a vós darei uma audiência mesmo
de graça.
Entrou na casa a partir da Via Magenta. A porta estava adornada com festões,
as colunas do átrio estavam vestidas de flores, e uma epígrafe pendurada na
143

15.4 Page 144

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parede exterior da abside dizia: Roma rejubila e exalta-se para acolher dentro
dos seus muros o novo Filipe, Dom João Bosco.
Sob o pórtico, os jovens e superiores esperavam-no. Sentou-se numa cadeira
humilde e permitiu que todos lhe beijassem a mão; depois ouviu amorosamente
canções e leituras”. No final desse momento, ao subir os primeiros degraus
para o andar superior, disse em tom brincalhão aos que o rodeavam: 'Lestes-
me composições a falar-me de tantas coisas, mas ainda não me dissestes nada
sobre o almoço. - Todos se riram e foi-lhe dito que o almoço estava preparado.
Alguns cavalheiros sentaram-se com ele à mesa, entre os quais se destacava a
alta figura do príncipe Augusto Czartoryski.
144
AUDIÊNCIA PAPAL
No dia 13 de maio, véspera da solene Consagração da Basílica, o Santo foi
recebido em audiência pelo Santo Padre.
O Papa recebeu-o festivamente, nem permitiu que se ajoelhasse para o beijo do
pé, mas disse a Monsenhor Della Volpe que lhe trouxesse um pequeno sofá.
Tendo sido colocado a alguma distância, o Papa puxou-o para perto de si, fez
sentar Dom Bosco nele, tomou-o a sua mão direita e, apertando-a
carinhosamente entre as suas mãos, repetiu-lhe: - Oh caro Dom Bosco, como
está? Como está?... - Depois levantou-se e acrescentou: - Dom Bosco, talvez
tenhais frio, não é verdade? - Dizendo isso, foi buscar um grande casaco de
peles e voltando-se para ele disse num tom de grande confiança: - Vê este
belo casaco de arminho que me foi dado hoje para o meu jubileu sacerdotal?
Quero que seja Dom Bosco o primeiro a usá-lo. - E colocou-o sobre os joelhos.
Depois, sentando-se, pegou de novo a sua mão e pediu-lhe notícias suas.
Dom Bosco, que tinha permanecido em silêncio até então e emocionado ao
extremo por aqueles tratos de paterna dedicação por parte do Vigário de Jesus
Cristo, respondeu-lhe: - Estou velho, Santo Padre, tenho setenta e dois anos;
esta é a minha última viagem e a conclusão de todas as minhas coisas. Antes
de morrer, queria ver Vossa Santidade uma vez mais e receber a sua bênção.
Foi-me concedido. Agora não me resta mais nada para fazer senão cantar:
Nunc dimittis servum tuum, Domine, secundum verbum tuum, in pace, quia
viderunt oculi mei salutare tuum: LUMEN ad revelationem gentium et GLORIAM
plebis tuae Israel. - Acentuou intencionalmente as palavras lumen e gloriam,
referindo-as a Leão XIII, que costumava ser saudado com o lumen in caelo da
pseudoprofecia de São Malaquias.

15.5 Page 145

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O Santo Padre observou-lhe que a idade de Don Bosco era menos avançada do
que a dele; que tinha setenta e oito anos de idade e, no entanto, alimentava a
esperança de ver novamente o seu querido Dom Bosco.
- Contai viver mais tempo, disse-lhe ele. Até ouvir que Leão XIII morreu, fique
tranquilo.
- Santo Padre, retorquiu Dom Bosco, a sua palavra é infalível em certos casos
e eu gostaria de aceitar o augúrio; mas acredite-me, estou no fim dos meus
dias.
O Santo Padre perguntou então sobre os seus jovens, as suas casas,
interessando-se muito pelas Missões; também lhe perguntou se precisava de
alguma coisa. Dom Bosco falou-lhe de tudo, especialmente da Igreja do
Sagrado Coração que irá ser consagrada amanhã. Finalmente, falou-lhe dos
jovens cantores que tinham vindo de Turim, que queriam muito vê-lo e ser
abençoados por ele.
O Papa expressou a sua grande satisfação pelo que tinha ouvido, disse que
certamente queria ver os jovens de Dom Bosco e falar com eles, e insistiu
vivamente que tivesse o cuidado de preservar o seu espírito em toda a
Congregação.
Recomendai especialmente aos Salesianos a obediência e dizei-lhes que
conservem as vossas máximas e as tradições que lhes deixará. Sei que tem
alcançado muito bons resultados com a frequente confissão e comunhão entre
os seus jovens. Continuai, e fazei que os Salesianos, por sua vez, continuem e
recomendar aos jovens que lhes foram confiados esta prática salutar. A si e ao
seu Vigário, gostaria de recomendar que fossem solícitos tanto quanto ao
número como à santidade daqueles que já são Salesianos. Não é o número que
aumenta a glória de Deus, mas a virtude, a santidade dos membros. Portanto,
sejam muito cuidadosos e rigorosos ao aceitar novos membros na Congregação;
tenham cuidado, acima de tudo, que eles sejam de moralidade comprovada.
Depois, tomando novamente a mão de Dom Bosco, pediu-lhe que lhe dissesse
em confidência o que pensava sobre os acontecimentos futuros na Igreja. Dom
Bosco evitava responder, dizendo que o Santo Padre conhecia melhor o
andamento das coisas públicas. Mas o Papa reiterou: Não estou a
perguntar-vos sobre o presente, pois também o sei; estou a perguntar-vos
sobre o futuro.
- Mas eu não sou profeta, respondeu Dom Bosco sorrindo.
No entanto, como contou ao Pe. Lemoyne sobre esta conversa, teve de ceder,
145

15.6 Page 146

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146
expressando as suas opiniões e aquilo que sabia. O que ele queria dizer com
aquilo que sabia”, não o revelou a ninguém.
O Santo Padre talvez gostasse de estar com ele por mais tempo, mas
apercebeu-se do seu estado de sofrimento. Dom Bosco, vendo que ele estava
para se despedir, disse-lhe que tinha consigo o seu Vigário e o seu secretário e
que, se Sua Santidade se dignasse atendê-los, eles desejavam receber a sua
bênção. O Papa concordou, tocou a sineta e os dois foram introduzidos. Dom
Bosco apresentou Dom Rua. - Ah, o senhor é Dom Rua, disse o Papa, é o
Vigário da Congregação. Ora bem, ora bem! Sinto que desde criança foi
educado por Dom Bosco. Continue, continue na obra iniciada e mantenha em si
o espírito do seu fundador.
- Oh sim, Santo Padre, respondeu Dom Rua, esperamos com a sua bênção
poder gastar o nosso último suspiro por essa obra, à qual desde criança sou
consagrado.
Dom Bosco apresentou então Dom Viglietti como seu secretário.
- O que é que fez, perguntou o Papa, daquele secretário que o acompanhou da
última vez?
Santo Padre, respondeu Dom Bosco, ele ficou em Turim para despachar
trabalhos que eu Lhe entreguei. Há muito a fazer, mas não preciso de
recomendar muito o trabalho aos meus filhos. Pelo contrário, devo recomendar
-lhes a moderação. Há muitos que desgastam a sua saúde, não se contentam
em trabalhar durante o dia, mesmo de noite se afadigam.
- Oh sim, retomou o Santo Padre, é necessária moderação em tudo; o corpo
exige o devido descanso para poder utilizá-lo nas obras que são da maior glória
de Deus. - Santo Padre, disse então Dom Rua, estamos dispostos a
obedecer-vos; mas nestas coisas quem nos escandalizou foi o próprio Dom
Bosco...
Finalmente, dando uma ampla bênção, despediu Dom Bosco com grande
amabilidade, fazendo que fosse acompanhado até à escadaria. À sua passagem
os guardas suíços faziam continência. Dom Bosco riu-se e disse-lhes:
- Eu não sou um rei! Sou um pobre padre, todo corcunda e sem valor. Não se
preocupem. - Aqueles militares aproximaram-se dele, beijando-lhe as mãos
com reverência.
RELÍQUIAS PARA O ALTAR DO SAGRADO CORAÇÃO
Enquanto Dom Bosco estava no Vaticano, tinham chegado do Vicariato as

15.7 Page 147

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relíquias que iam ser colocadas no pequeno sepulcro do altar-mor da Igreja do
Sagrado Coração. A teca hermeticamente fechada e sigilada continha uma
partícula do berço do Menino Jesus, e relíquias dos Santos Apóstolos Pedro e
Paulo, do Apóstolo São Tiago, do Mártir São Lourenço e do Padroeiro São
Francisco de Sales. Foram colocadas numa urna dourada e expostas na capela
antiga, cantou-se o hino dos Mártires às vinte e uma horas, prosseguindo o
serviço ritual durante o silêncio da noite.
Dom Bosco tinha pedido à Congregação dos Ritos alguns favores espirituais,
tais como a possibilidade de celebrar a Missa do Sagrado Coração nos
primeiros três dias após a consagração e a indulgência plenária dos dias 14 a
19 nos modos habituais, bem como a indulgência de sete anos e sete
quarentenas cada vez que pelo menos com um coração contrito se visitasse a
igreja.
A CONSAGRAÇÃO DA IGREJA
Um Avviso Sacroemitido pelo Cardeal Vigário de 2 de maio informava os fiéis
da próxima consagração e dava o horário das funções sagradas dos dias
seguintes: dizia que aquele era um "Santuário universal" tendo recebido o apoio
"das ofertas de todo o mundo católico ". Daí decorre: "Deve, pois, ser motivo de
regozijo para todos os católicos, e para os romanos em particular, ver que após
dez anos de trabalho e de grandes dificuldades, este grande edifício, voto de
tantas almas piedosas e devotíssimas deste Coração admirável, foi finalmente
concluído. É verdade, vários altares e várias decorações ainda estão por
completar, mas a crescente população de novos bairros nesta região exigia que,
evitando novos adiamentos, se suspendessem os trabalhos, o que viria a
acrescentar brilho e esplendor a este templo, mas que não são absolutamente
necessários, a fim de proporcionar, numa igreja maior, o conforto de que os
fiéis necessitam para atender aos seus deveres religiosos. E se muitas obras
ficarem por completar, os bons romanos e todos aqueles que zelam pela glória
de Deus encontrarão no seu fervor um novo incentivo para contribuir com as
suas esmolas, para que em breve o templo sagrado possa receber tudo o que é
necessário para o culto, e que seja menos indigno do Deus que está prestes a
vir habitar ali com a sua presença amorosa".
Ao falar de dificuldades, o documento do Vicariato dizia uma grande verdade.
Foram, de facto, sete anos de dificuldades inauditas e heroicas, entenda-se,
como é devido, atribuí-las ao Padre Bosco; pois aquelas dificuldades, que
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eventualmente outros possam ter experimentado antes dele nesta obra, foram
em comparação como que feixes de palha. Nem a ansiada aurora do dia 14 de
maio veio pôr-lhes fim; pelo contrário, puseram à prova a sua paciência até ao
leito da morte e depois passaram em herança para o seu sucessor.
Tudo foi bem preparado tanto para a cerimónia de consagração como para as
funções solenes dos dias seguintes. Por volta das sete horas, chegou o
consagrante, cardeal Lucido Maria Parocchi, Vigário de Sua Santidade e
protetor da Congregação Salesiana, acompanhado desde a sua antecâmara,
como nas maiores ocasiões, e recebido pelos Superiores, numerosos clérigos,
um bom número de Salesianos de outras casas, os jovens de Valdocco e os
seus irmãos do asilo. O rito, de acordo com o cerimonial, teve lugar à porta
fechada. Quando as portas se abriram de par em par aos fiéis, tinham passado
umas boas cinco horas. Dom Bosco assistiu com santo recolhimento; várias
pessoas ilustres assistiram com ele. No final monsenhor Domenico Jacobini,
arcebispo de Tiro e secretário de Propaganda, aproximou-se do Servo de Deus,
segurou no seu braço e acompanhou-o lentamente até ao seu quarto, contente
por ter prestado tal serviço.
Ao meio-dia, o Pe. Dalmazzo celebrou primeiro, enquanto o novo órgão enchia
o templo com as suas harmonias. Os devotos e curiosos tinham entrado às
centenas...
O Cardeal Vigário, tendo descansado um pouco da cansativa cerimónia, subiu
para se encontrar com Dom Bosco, abraçou-o com efusão de afeto, e depois
ficou com ele para almoçar entre numerosos e ilustres convidados. No final da
refeição, o Santo agradeceu publicamente ao Cardeal pelo que já tinha feito
como Protetor dos Salesianos, falando da sua pessoa com veneração e
gratidão.
- Começamos bem, Eminência. - E continuou contando com a máxima
simplicidade a cura instantânea do dia anterior. Depois disse que em qualquer
caso em que fosse abordado por pessoas desejosas de graças, ele tinha sempre
mantido o mesmo método, nomeadamente, levar os suplicantes a dar esmolas
em honra de Jesus, Nossa Senhora ou algum santo como meio de obter favores
de Deus; na igreja de Maria Auxiliadora e São João Evangelista não havia
nenhum tijolo que não estivesse marcado por alguma graça.
O Cardeal também se levantou para falar. Ele felicitou Dom Bosco, porque
mesmo antes da obra estar terminada tinha aberto a igreja, mostrando que
queria dá-la primeiro ao Sagrado Coração de Jesus e não às franjas e
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bugigangas dos artistas. Falou muito bem da Congregação Salesiana; até então,
ela só lhe tinha dado consolação e nunca lhe tinha dado qualquer problema,
dor ou fadiga; por isso, estava disposto a aceitar um protetorado desses por
dia. Dom Bosco sorriu e respondeu-lhe: Espere, espere, Excelência; o tempo dos
problemas por nossa causa surgirão também para si.
- Bem, retomou o Cardeal, aqui na vossa Igreja do Sagrado Coração tendes
uma capela que quereis dedicar a S. Francisco de Sales, vosso santo patrono,
não é verdade?
- Precisamente, Eminência.
- Bem: eu quero pagar as despesas daquele altar e espero do Protetor da
Congregação que tendes no céu, a ajuda necessária nas dores e inconvenientes
reservados ao protetor terreno desta pia Sociedade.
A saída genial e generosa foi saudada por aplausos animados. Nessa noite, os
jovens do Oratório deram o primeiro exemplo da sua bravura, interpretando as
Vésperas compostas para essa ocasião pelo Maestro Galli. Monsenhor Giulio
Lenti, arcebispo de Side e vice-gerente de Roma, pontificou. Entretanto Dom
Bosco recebeu muitas visitas ilustres de Bispos e Cardeais.
As festividades propriamente ditas duraram cinco dias com um crescendo
contínuo de afluência e verdadeira piedade por parte dos fiéis. Todas as
manhãs havia uma missa lida celebrada por um Cardeal e uma missa solene
pontifical; todas as tardes havia uma palestra salesiana numa língua diferente,
vésperas com música e sermão.
Soleníssimo foi o primeiro dia, domingo. Às sete horas celebrou o cardeal
alemão Melchers; às dez horas pontificou monsenhor Jacobini com a assistência
de um Bispo dos Estados Unidos. Os jovens de Turim executaram de forma
insuperável a missa do Cherubini, conhecida como missa de Coroação. Dom
Bosco, entretanto, dava audiências contínuas; foi também visitado por três
bispos e pelo cardeal de Canossa.
Ao almoço ele tinha monsenhor Kirby à sua direita e o príncipe Czartoryski à
sua esquerda, que passava a maior parte do tempo em casa; muitas outras
pessoas tomaram parte no ágape familiar. No momento certo, Dom Rua
pediu-lhe que dissesse algumas palavras. Levantou-se com dificuldade e
apoiando-se com as mãos sobre a mesa, disse com voz tensa:
- Bebo à querida memória do nosso grande amigo, o teólogo Margotti, agora
falecido, ao defensor dos sagrados direitos da Igreja, àquele que sempre nos
amou e que, antes que partíssemos para Roma se alegrou connosco, colocando

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o seu conceituado jornal à nossa disposição para narrar as festividades que
agora estamos a realizar. Bebo com a firme confiança de que os meus zelosos
Cooperadores e Cooperadoras se dignarão ajudar-nos a construir este asilo do
Sagrado Coração, para que possamos proporcionar alojamento, educação e
instrução a quinhentas crianças do povo, educando-as no santo temor de Deus;
para que depois possam dar frutos de boas obras para si próprios e para a
sociedade. Eu bebo em honra de monsenhor Kirby, com quem estou ligado por
uma amizade eterna.
Monsenhor Kirby respondeu em nome de todos os Cooperadores e
Cooperadores, dizendo que ele e os seus amigos tinham em conta as suas
palavras como um testamento, e assegurando-lhe que ele e os seus amigos
fariam tudo o que estivesse ao seu alcance para cumprir fielmente a sua
inspirada vontade, e que o asilo seria edificado como ele desejava.
Às três e meia, monsenhor Carlo Murrey di Lione, auditor de Rota para a
França, deu uma palestra em francês. Ele demonstrou como a Obra de Dom
Bosco era oportuna para o benefício dos jovens pobres e abandonados e como
os resultados já alcançados eram consoladores. Às cinco horas, uma prédica
sobre o Sagrado Coração, dada pelo eloquente monsenhor Omodei Zorini,
missionário apostólico. Depois, os cantores de Valdocco cantaram as vésperas
da Aldega. À tardinha, a fachada, a torre do sino, a igreja e o asilo foram
iluminados como de dia, segundo desenho traçado com bom gosto por um
clérigo salesiano, e durante algumas horas atraíram muita gente, mesmo de
zonas remotas da cidade.
O Cardeal Placido Schiaffino, dos Olivetani, disse a Missa da Comunhão geral
no segundo dia.
A ÚLTIMA MISSA NO ALTAR DE M. AUXILIADORA
Nessa manhã Dom Bosco quis descer à igreja para celebrar no altar de Maria
Auxiliadora. Não menos de quinze vezes durante o sacrifício divino ele parou,
tomado por uma forte emoção e derramando lágrimas. O Pe. Viglietti, que o
assistia, teve de o distrair de tempos a tempos para que pudesse continuar.
Depois, enquanto ele se afastava do altar, a multidão enternecida rodeava-o,
beijando os paramentos e as mãos livres do cálice e seguindo-o até à sacristia.
Aqui foi-lhe pedida, a uma só voz, a bênção.
- Sim, sim - respondeu ele. E tendo subido os três degraus da porta que ligava
a primeira sacristia com a segunda, voltou para trás, levantou a mão direita,
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mas imediatamente desatou em lágrimas e cobriu o rosto com ambas as
palmas das mãos:
- Benedico... benedico- repetia com voz sufocada sem conseguir terminar a
frase. Foi necessário tomá-lo suavemente pelos braços e levá-lo embora. As
pessoas impressionadas movimentaram-se para o acompanharem, mas
fecharam a porta.
Quem não teria querido saber o que causou tal emoção? Quando o Pe. Viglietti
o viu regressar à sua calma habitual, perguntou-lho. Ele respondeu:
- Tive diante dos olhos a cena em que sonhei com a Congregação quando tinha
dez anos de idade. Via e ouvia mesmo a mãe e os irmãos a interrogarem-me
sobre o sonhoNessa altura, Nossa Senhora tinha-lhe dito: "A seu tempo, tudo
compreenderás. Passados sessenta e dois anos de trabalho árduo, sacrifícios e
lutas, eis que uma luz repentina lhe revelou, na construção da Igreja do
Sagrado Coração em Roma, a coroação da missão que lhe tinha sido
misteriosamente prefigurada no início da vida. Desde os Becchi de Castelnuovo
até à Sé do Vigário de Jesus Cristo, quão longo e árduo foi o caminho! Sentiu
nesse momento que a sua obra pessoal chegava ao fim, bendisse a Divina
Providência com lágrimas nos olhos, e elevou o olhar confiante para a
habitação da paz eterna no seio de Deus.
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CARTA DE ROMA
10 de maio de 1884
Meus caríssimos filhos em Jesus Cristo;
Esteja eu perto ou longe, penso continuamente em vós. Um só é o meu desejo: ver-
vos felizes no tempo e na eternidade. Este pensamento e este desejo me levaram a escre-
ver-vos esta carta. Sinto, meus caros, o peso da minha ausência de junto de vós e o não
ver-vos nem ouvir-vos causa-me tanta pena que nem podeis imaginar. Por isso eu gosta-
ria de vos ter escrito estas linhas há já uma semana; mas as minhas contínuas ocu-
pações têm-me impedido. No entanto, embora faltem poucos dias para o meu regresso,
desejo antecipar a minha presença junto de vós por meio desta carta, já que não me é
possível fazê-lo pessoalmente. Estas palavras são de quem vos ama ternamente em Jesus
Cristo e tem dever de vos falar com a liberdade de um pai. E vós permitis-me, não ver-
dade? Estou certo de que me prestareis atenção, e poreis em prática o que vou dizer-vos.
Afirmei que vós sois o único e contínuo pensamento da minha mente. Pois bem,
numa das noites passadas, eu tinha-me retirado para o quarto e enquanto me prepara-
va para ir repousar, tinha começado a rezar as orações que a minha boa mãe me ensi-
nou. Entretanto, não sei bem se dominado pelo sono ou fora de mim por alguma dis-
tração, pareceu-me que se apresentaram diante de mim dois antigos jovens do Oratório.
Um desses dois aproximou-se de mim, e saudando-me afetuosamente disse-me:
- Dom Bosco, conhece-me?
- Claro que te conheço! - respondi -.
- E recorda-se ainda de mim? - acrescentou ele -.
155
- De ti e de todos os outros. Tu és o Valfré, e estiveste no Oratório antes de
1870.
- Diga-me! - continuou Valfrè - quer ver os jovens que frequentavam o Orató-
rio no meu tempo?

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- Sim, mostra-mos - respondi eu - isso me dará muito prazer.
E Valfré mostrou-me os jovens, todos com as mesmas aparências e a mes-
ma estatura e idade que tinham naquele tempo. Parecia-me estar no antigo Orató-
rio na hora do recreio. Era uma cena cheia de vida, toda movimento, toda alegria.
Uns corriam, outros saltavam, outros faziam saltar; aqui jogava-se ao salto, ali à
bandeira, mais além à bola. Num lugar estava reunido um grupo de rapazes pen-
dentes dos lábios de um sacerdote que narrava uma historieta. Num outro lugar,
um clérigo que no meio de outros jovenzinhos jogava ao burro voa e aos ofícios.
Cantava-se, ria-se em toda a parte, e em qualquer lugar se viam clérigos e padres, e
à sua volta jovens alegremente em algazarra. Via-se que entre jovens e superiores
reinava a maior cordialidade. Eu estava encantado com este espetáculo e Valfrè
disse-me então:
- Repare: a familiaridade gera amor, e o amor gera confiança na Confissão
e fora da Confissão.
Nesse momento aproximou-se de mim outro meu antigo aluno, de barba
toda branca e disse-me:
- Dom Bosco, agora quer conhecer e ver os jovens que frequentam atualmen-
te o Oratório?
- Sim respondi eu porque há já um mês que não os vejo.
156
Ele indicou-mos. Vi o Oratório e todos vós, a jogar no recreio. Mas já não
ouvia vozes e cânticos, já não via aquele movimento, aquela vida como na primeira
cena. Nas atitudes e no rosto de muitos de vós lia-se um desânimo, um tédio, um
mau humor, uma desconfiança, que entristecia o meu coração. Notei, é verdade, que
muitos corriam, jogavam, brincavam com feliz despreocupação, mas outros, não
poucos, eu via-os sós, encostados às colunas, dominados por pensamentos depressi-
vos; outros nas escadas, nos corredores, para fugirem ao recreio; alguns a passear
lentamente em grupos falando em voz baixa entre eles, lançando em volta olhares
desconfiados e maliciosos: também entre os que jogavam havia alguns preguiçosos,
que mostravam claramente não terem gosto nos divertimentos. Entre os jovens viam
-se poucos padres e clérigos. Vários jovens procuravam sorrateiramente afastar-se
dos mestres e dos superiores. Os superiores já não eram a alma dos recreios.
Entretanto perguntei ao meu amigo de barba branca:
- Parecem-te melhores os jovens de agora ou os daquele tempo?
Respondeu-me:

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- O número de jovens bons também agora é bastante grande no Oratório.
- Mas porquê tanta diferença entre os jovens de então e os de agora?
- O motivo de tanta diferença é que um certo número de jovens não tem confia-
nça nos superiores. Antigamente os corações estavam todos abertos aos superiores, a
quem os jovens amavam e obedeciam prontamente. Recorda-se daqueles belos anos em
que o senhor, D. Bosco, podia entreter-se sempre connosco? Era uma alegria de paraí-
so, e nós para si não tínhamos segredos. Mas agora os superiores são vistos como supe-
riores, e não já como pais, irmãos e amigos; então são temidos e pouco amados. Por
isso, querendo fazer um só coração e uma só alma por amor de Jesus, é preciso quebrar
a fatal barreira da desconfiança e substituí-la pela confiança cordial. Que então a
obediência guie o aluno como a mãe guia o seu pequenino. Então reinará no Oratório
a paz e a antiga alegria.
- E como fazer então para quebrar esta barreira?
- A ti e aos teus eu digo: Jesus Cristo fez-se pequeno com os pequenos e assumiu as
nossas misérias. Ele não quebrou a cana fendida nem apagou a torcida que fumegava.
Eis o vosso modelo.
- E aos jovens?
- Que eles reconheçam quanto os superiores, os mestres e os assistentes se cansam e
estudam por amor deles, pois se não fosse pelo bem deles não se sujeitariam a tantos
sacrifícios; que se lembrem de que a humildade é a fonte de toda a tranquilidade; que
saibam suportar os defeitos dos outros porque no mundo não se encontra a perfeição,
mas que esta só existe no paraíso; que se deixem das murmurações porque estas arrefe-
cem os corações; e, sobretudo, que procurem viver na santa Graça de Deus. Quem não
tem paz com Deus, não tem paz consigo nem com os outros.
- E tu dizes-me então que alguns dos meus rapazes não estão em paz com Deus?
- É esta a primeira causa do mau humor, entre as outras que tu conheces, às quais
deves dar remédio, e que não cabe a mim dizer-te agora. De facto: só desconfia quem
tem segredos a guardar, quem tem medo que os seus segredos venham a conhecer-se, 157
porque sabe que daí lhe viria vergonha e desgraça. Ao mesmo tempo, se o coração não
tem a paz de Deus, permanece angustiado, inquieto, incapaz de obedecer, irrita-se por
nada, parece-lhe que tudo vai mal e, porque ele não tem amor, julga que os superiores
não o amam.
- E, no entanto, meu caro, não vês quanta frequência de confissões e de co-
munhões há no Oratório!?

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- É verdade que a frequência das confissões é grande, mas o que falta radi-
calmente em muitos jovenzinhos que se confessam é a perseverança nos propósitos.
Confessam-se, mas sempre das mesmas faltas, das mesmas ocasiões, dos mesmos
hábitos, das mesmas desobediências, do mesmo desleixo nos deveres. Assim se vai
andando por meses e meses. São confissões que valem pouco ou nada; por isso não
trazem paz e, se um jovenzinho fosse chamado naquele estado ao tribunal de Deus,
seria um caso muito sério.
- E há muitos destes no Oratório?
- Poucos, em comparação com o grande número de jovens que há na casa:
observa-os!
E apontava-mos. Eu olhei; e vi um por um aqueles jovens. Mas nestes pou-
cos vi coisas que amarguraram profundamente o meu coração. Não quero aqui
escrevê-las na carta, mas quando voltar quero dizê-las a cada um daqueles a quem
se referem. Aqui dir-vos-ei apenas que é tempo de rezar e de tomar firmes resolu-
ções; propor não com palavras, mas com os factos, e mostrar que os Comollo, os
Domingos Sávio, os Besucco e os Saccardi continuam a viver entre nós.
Por último perguntei ao meu amigo:
- Não tens mais nada a dizer-me?
- Prega a todos, grandes e pequenos, que se recordem sempre de que são filhos de
Maria Santíssima Auxiliadora. Que Ela mesma aqui os reuniu para se amarem
como irmãos e para darem glória a Deus e a Ela com o seu bom comportamento.
Que se recordem de que estão na vigília da festa da sua Santíssima Mãe e de que
com o seu auxílio deve cair aquela barreira de desconfiança que o demónio soube
levantar entre jovens e superiores e da qual sabe servir-se para ruína de certas al-
mas.
158
Enquanto o amigo falava, eu sentia pouco a pouco aumentar em mim um can-
saço que me oprimia. Não podendo por fim resistir mais, estremeci e voltei a mim.
Encontrei-me de pé junto da cama. As minhas pernas estavam tão inchadas e
doíam-me tanto que não conseguia estar de pé. Eram já altas horas e por isso fui-
me deitar, decidido a escrever-vos, meus queridos filhos, estas linhas. Muitas outras
coisas importantíssimas que eu vi gostaria ainda de vos narrar, mas razões de tem-
po e de conveniência não me permitem.
Concluo. Sabeis o que deseja de vós este pobre velho que pelos seus queridos
jovens gastou toda a sua vida? Nada mais do que, feitas as devidas proporções,

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voltem os dias felizes do antigo Oratório. Os dias do amor e da confiança cristã entre
os jovens e os superiores; os dias do espírito de condescendência e de aceitação de uns
para com os outros por amor de Jesus; os dias dos corações abertos com toda a simplici-
dade e candura; os dias da caridade e da verdadeira alegria para todos. Sinto necessi-
dade de que me consoleis dando-me a esperança e a promessa de que fareis tudo o que
desejo para o bem das vossas almas. Vós não conheceis bem a sorte que tendes em ser
recebidos no Oratório. Diante de Deus vos afirmo: Basta que um jovem entre numa
casa salesiana para que a Virgem Santíssima o tome sob a sua especial proteção.
Ponhamo-nos, pois, todos de acordo. A caridade de quem manda, a caridade de
quem obedece faça reinar entre nós o Espírito de S. Francisco de Sales. Meus queridos
filhos, aproxima-se a hora em que terei de me separar de vós e partir para a minha
eternidade; (Nesta altura, D. Bosco parou de ditar; os olhos arrasaram-se-lhe de lágri-
mas, não de mágoa, mas de inefável ternura que transbordava do seu olhar e do tom
da sua voz. Após alguns instantes, continuou) por isso anseio por deixar-vos, ó padres,
ó clérigos, ó queridos jovens, naquela via do Senhor na qual Ele mesmo vos deseja.
Para isso o Santo Padre, com quem me encontrei na sexta-feira 9 de maio, vos envia
de todo o coração a sua bênção. No dia da festa de Maria Santíssima Auxiliadora
estarei convosco diante da imagem da nossa Amorosíssima Mãe. Quero que esta gran-
de festa se celebre com toda a solenidade e que o padre Lazzero e o padre Marchisio
pensem em fazer-nos estar alegres também no refeitório. A festa de Maria Auxiliado-
ra deve ser o prelúdio da festa eterna que devemos celebrar todos juntos um dia no pa-
raíso.
Roma, 10 de maio de 1884
Vosso afeiçoadíssimo em Jesus Cristo
159

16.10 Page 160

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FONTES
Sobre o tema das estadias de Dom Bosco em Roma é possível recorrer às seguintes
pesquisas:
1. DOM BOSCO EM ROMA de Don Fabio Bianchini - pro manuscrito 1988
O texto, que é um estudo de lugares, uma pesquisa e uma subdivisão dos lugares,
foi composto por ocasião do centenário da morte de Dom Bosco. A estrutura do
texto atual, a subdivisão dos lugares e as indicações topográficas são extraídas dele.
2. I SOGGIORNI DEL BEATO DON BOSCO IN ROMA del Sac. Salvatore Romolo - Ed.
SEI – Torino - 1929 - Scuola tipografica salesiana.
O volume, em 407 páginas, percorre cronologicamente cada uma das 20 viagens
que Dom Bosco fez à capital, com a adição de um apêndice.
É uma homenagem a Dom Bosco no ano da sua beatificação. Continua a ser o
estudo mais abrangente e documentado até à data.
3. NÚMERO ESPECIAL DO BOLETIM SALESIANO - Suplemento de outubro '99,
intitulado "DON BOSCO RACCONTA" - Il viaggio a Roma nel 1858.
D. Giancarlo Manieri e D. Francesco Motto concentram-se na primeira estadia,
certamente a mais rica em informação sobre a "curiosidade" de Don Bosco de
querer descobrir cada canto da cidade.
Um dossier de 47 páginas, enriquecido com muitas imagens da "Roma
160 desaparecida", o subsídio destinava-se a acompanhar os peregrinos que vieram a
Roma para o Jubileu do ano 2000, aos lugares percorridos pelo próprio Dom Bosco.
4. DON BOSCO A ROMA di Antonio Sperduti – Venti viaggi nella città eterna - Edi-
zione interna a cura della Casa per feriedellOspizio S. Cuore.
O livrinho de 67 páginas, ilustrado com fotografias da época, enumera brevemente

17 Pages 161-170

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17.1 Page 161

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cada uma das 20 viagens de Dom Bosco a Roma, registando as suas principais
caraterísticas. Conclui com uma visão geral das datas mais significativas da sua
vida.
5. UN PIEMONTESE A ROMA editado por Michele Novelli na linha da investigação
de Fabio Bianchini "Don Bosco a Roma" e da documentação das Memórias
biográficas.
A obra, solicitada pela Opera Romana Pellegrinaggi, faz parte das iniciativas do
Bicentenário do nascimento de Dom Bosco.
161

17.2 Page 162

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ÍNDICE
INTRODUÇÃO
7
1. AS RESIDÊNCIAS DE DOM BOSCO EM ROMA
1.1. Casa De Maistre
12
1.2. Palácio Vimercati
15
1.3. Casa Colonna
19
1.4. Casa Sigismondi
21
1.5. Mosteiro de Tor deSpecchi
26
2. OS LUGARES MAIS VISITADOS E MAIS QUERIDOS
DO SANTO
2.1. O Vaticano
38
2.2. Catacumbas di San Calisto
70
2.3. Santa Maria sopra Minerva
74
2.4. Santa Maria in Cosmedin
77
2.5. Santa Maria del Popolo
82

17.3 Page 163

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3. AS POSSÍVEIS CASAS SALESIANAS EM ROMA
3.1. Asilo de San Michele em Ripa
88
3.2. Asilo Tata Giovanni
97
3.3. Colónia Agrícola Vigna Pia
102
3.4. Igreja do Santo Sudario
107
3.5. Igreja de San Giovanni della Pigna
114
3.6. Basílica e Asilo do Sacro Cuore
120

17.4 Page 164

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Tanto antes como depois da Unificação da Itália,
mesmo quando Roma foi proclamada "Capital"
do Reino, Dom Bosco, um piemontês a meio
caminho entre a lealdade às Instituições do
Reino e o amor incondicional pelo Papa, veio a
Roma 20 vezes durante um total de 2 anos de
permanência, entre a desconfiança das
autoridades eclesiásticas, o acolhimento caloroso
de ambos os papas Pio IX e Leão XIII
e a admiração dedicada do povo romano.