discernimento, ou seja, daquela capacidade que sabe ler em profundidade o
que acontece. Só assim se evitam leituras catastróficas e derrotistas.
Para nós que vivemos envolvidos em processos educativo-pastorais,
pode-se dizer que a imagem da “história como escrínio que acolhe e revela a
ação de Deus” é particularmente pertinente e evocativa. O escrínio sugere que
– enquanto o humano se revela diante dos nossos olhos – só com atenção
percebemos como, embora oculta, a ação divina está presente, atuando de
maneira gentil. São necessários os olhos da fé para a ação de Deus ser
descoberta, compreendida e assumida. É uma abordagem profundamente
salesiana: Dom Bosco sabia perceber a ação da “providência” nas histórias
mais complexas, nas situações mais difíceis. E conseguia transformar cada
aparente obstáculo e dificuldade em oportunidade para o crescimento integral
dos jovens e a propagação do Reino.
2.2. O enraizamento na fé
O segundo movimento leva diretamente ao cerne da experiência cristã.
Ler os eventos à luz de Cristo é uma opção fundamental que só se desenvolve
como fruto de esforço constante. Jesus Cristo não pode ser percebido como
um “objeto” de fé. Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem por nós, é o logos,
ou seja, o critério que nos ajuda a compreender a realidade. É uma abordagem
que, iluminada pela força do Espírito Santo, supera toda forma de dualismo
entre sagrado e profano.
Apenas essa relação saudável com Cristo pode revelar à nossa mente e
ao nosso coração o divino no humano. Só assim se torna particularmente
significativo o convite a descobrir como “a vontade de Deus emerge dos
eventos que vivemos”. Essa abordagem madura da fé reconhece que Deus fala
não só através das Escrituras e do Magistério, mas também (e isso toca
profundamente a nossa vocação) nos encontra através da história concreta
dos jovens e das pessoas que encontramos em nosso caminho. Suas histórias
são uma revelação contínua da – e um chamado à – presença de Deus.
Todo discernimento atento requer e sustenta uma formação espiritual
sólida. O elemento central e indispensável é o encontro com a Palavra. Daí
vem a força que sustenta essa dinâmica. É através do contato sistemático com
a Palavra que crescemos de maneira saudável. Só quando somos nutridos e
iluminados por ela percebemos que a Palavra de Deus não é mera informação,
mas alimento espiritual, luz para o caminho de todos os dias. Podemos dizer
que a Palavra, quando a ouvimos de verdade – ob-audire –, não apenas nos
“informa”, mas vai além, nos “forma” e nos “transforma”.
2.3. A liberdade da chamada
A terceira etapa aborda o delicado tema da liberdade cristã numa
cultura em que sobre isso há muita confusão. Só quando vivemos uma
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