Strenna_2007_pt


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ESTRÉIA PARA 2007 - COMENTÁRIO
POR UMA VERDADEIRA CULTURA DA VIDA HUMANA
COMENTÁRIO DO REITOR-MOR
Caríssimos irmãos e irmãs, membros todos da Família Salesiana,
à conclusão de 2006, que foi um ano de graça para a Família Salesiana, com o magnífico presente
da declaração do exercício das virtudes heróicas de Mamãe Margarida, com o quê foi declarada
Venerável, e no início de 2007 que se abre diante de nós rico de esperança, ponho-me em
comunicação convosco, como fazia Dom Bosco, desejando-vos plenitude de vida em Cristo,
enquanto vos entrego o programa espiritual e pastoral para este ano que tem justamente a vida como
tema.
1. Introdução
A estréia do ano passado suscitou na Família Salesiana um grande entusiasmo e originou uma
multidão de iniciativas. Com a estréia deste ano gostaria de dar continuidade aos caminhos
encetados e, ao mesmo tempo, abrir novos horizontes.
No decurso de 2006, que dedicáramos ao empenho pela família, vivemos o grande acontecimento
eclesial do V Encontro Internacional da Família, no qual foi reafirmado o valor do amor e da vida
humana, do quê a família constitui o âmbito privilegiado. As palavras do Papa, dirigidas a centenas
de milhares de participantes entre os quais muitos membros da Família Salesiana, infundem
esperança e empenham-nos na continuação de nossa caminhada em defesa da vida e pela renovação
da família, berço da vida e do amor.
Ao mesmo tempo, porém, vivemos acontecimentos dramáticos, nos quais conhecemos novamente o
desprezo pela vida humana: as guerras no Iraque e no Oriente Médio, a violência terrorista, o
avanço irrefreável da imigração, o abuso e a exploração de crianças e mulheres, as leis que aprovam
a experimentação sobre células embrionais, etc.
Tudo isso nos faz ver que o grande dom da vida encontra-se hoje ameaçado, como afirmava o
venerado João Paulo II dirigindo-se aos jovens na VIII Jornada Mundial da Juventude: «Com o
passar do tempo, as ameaças contra a vida não atenuam. Ao contrário, adquirem dimensões
enormes. Não se trata tão somente de ameaças vindas de fora, das forças da natureza ou dos "Caim"
que assassinam os "Abel"; não, trata-se de ameaças programadas de modo científico e sistemático.
O Século XX será considerado uma época de ataques maciços contra a vida, uma série interminável
de guerras e uma destruição permanente de vidas humanas inocentes. Os falsos profetas e os falsos
mestres obtiveram o maior sucesso possível».[1]
Diante dessa realidade não podemos ficar indiferentes, sobretudo como membros da Família
Salesiana, animada pelo espírito do humanismo de S. Francisco de Sales, que Dom Bosco viveu e
nos transmitiu como preciosa herança educativa. É um humanismo que nos faz valorizar, defender e
desenvolver todo aspecto positivo presente na vida das pessoas, nas coisas e na história, crer na
força do bem e empenhar-nos por promovê-lo mais do que lamentar-nos do mal, amar a vida e
todos os valores humanos que nela se encontram.[2]

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É preciso que nos sintamos interpelados pelo Deus amante da vida. Se a vida humana brota do
próprio Espírito de Deus, se é sopro divino, se fomos criados à sua imagem e semelhança, o amor
divino paira necessariamente sobre a nossa existência. Deus ama todos os seres. Não pode odiar
nada daquilo que criou amorosamente.
Contra aquilo que possam pensar os que vivem com a obscura convicção de que Deus é uma
ameaça e presença opressora para o ser humano, sendo necessário, portanto, eliminá-lo a fim de
viver e gozar mais plenamente a existência, nós queremos proclamar a nossa fé em Deus como o
melhor amigo do homem e o defensor mais seguro da sua vida. Ele se manifestou dessa forma ao
longo da história de Israel e dessa forma se exprime o autor do livro da Sabedoria.
«Sim, amas tudo o que existe e não desprezas nada do que fizeste; porque, se odiasses alguma
coisa, não a terias criado. Da mesma forma, como poderia alguma coisa subsistir, se não a tivesses
querido?Ou como poderia ser mantida na existência, se por ti não tivesse sido chamada? A todos,
porém, tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, tu que és amigo da vida! O teu espírito
incorruptível está em todos. É por isso que corriges com carinho os que erram e os repreendes,
lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor» (Sb 11, 24-12,2).
Deus dá a vida por amor, mantêm-na no amor e a encaminha ao amor. E é o amor de Deus que nos
impele a amar a vida, a promovê-la com um serviço responsável, a defendê-la com esperança, a
anunciar o seu valor e sentido, especialmente aos jovens mais frágeis e indefesos, a quantos vão à
deriva entre o vazio e a inquietação.
Proponho, por isso, a toda a Família Salesiana, que se deixe guiar por este Deus amante da vida e
pelo seu amor pela vida e se empenhe com decisão na sua defesa e promoção.
Numa hora em que a vida está especialmente ameaçada, empenhamo-nos como Família
Salesiana em
- assumir com gratidão e alegria a vida como um dom inviolável;
- promover com paixão a vida como um serviço responsável;
- defender com esperança a dignidade e a qualidade de toda vida, sobretudo da mais fraca,
pobre e indefesa.
Esta estréia quer ser a «reafirmação precisa e firme do valor da vida humana e da sua
inviolabilidade e, ao mesmo tempo, um apelo apaixonado a todos e a cada um, em nome de Deus:
respeita, defende, ama e serve a vida, qualquer vida humana! Somente nesse caminho encontrarás
justiça, desenvolvimento, liberdade verdadeira, paz e felicidade».[3]
2. A ambigüidade da atual cultura da vida
O Papa Bento XVI dizia aos sacerdotes da Diocese de Roma: «Creio que, de certa maneira, é esse o
núcleo da nossa pastoral: ajudar a fazer uma verdadeira opção pela vida, a renovar a nossa relação
com Deus como a relação que nos dá vida e nos mostra o caminho para a vida».[4]
Nosso primeiro esforço deve ser orientado, portanto, a buscar o discernimento de algumas das
graves contradições da cultura do nosso tempo, perceber os questionamentos postos pelo modo de
viver do homem contemporâneo, valorizar o que há de positivo na vida moderna a fim de potenciá-
lo e denunciar a "cultura de morte" que ameaça a existência do ser humano e do seu mundo.

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O valor da vida humana proclamado e defendido, mas também agredido e ameaçado.
O homem moderno adquiriu, sem dúvida alguma, uma consciência muito mais viva da dignidade da pessoa
humana e dos seus direitos invioláveis. Reage-se, hoje, vigorosamente contra a pena de morte, a tortura, os
maus-tratos ou qualquer ofensa que degrade a pessoa. As legislações modernas e as disposições sociais
recolhem de variados modos essa exigência de respeito à pessoa e defesa da vida humana.
Seria um erro, porém, ignorar os atos de prepotência que continuam a ser cometidos contra o que se
proclama socialmente e o que é codificado nas leis. A vida humana é eliminada antes do parto
através de ações abortivas; e o mesmo acontece em situações mais ou menos terminais, em virtude
de uma mal-entendida "piedade" pelo doente ou de uma proclamada "morte com dignidade" ou
eutanásia.
É um escândalo que brada ao céu a existência de inúmeros meninos e meninas maltratados ou
explorados sexualmente, de mulheres obrigadas a prostituir-se e escravizadas por grupos
organizados a serviço do mercado do sexo.
É particularmente desolador o espetáculo de tantas pessoas, especialmente jovens, enredadas pela
espiral da droga, do consumo do álcool, ou que se entregam a um estilo de vida desnorteado,
desordenado e irresponsável.
Numa sociedade e num mundo sempre mais desenvolvidos, nos quais as possibilidades de uma vida
digna são sempre mais abundantes, cresce, apesar disso, o número de pessoas excluídas, obrigadas a
viverem no limite da sobrevivência, nações ou continentes inteiros explorados e esquecidos, como
se fossem seres de segunda categoria.
Qualidade de vida: uma meta ambígua.
Durante muito tempo, a preocupação dos povos concentrou-se em garantir as condições fundamentais e
indispensáveis para se conseguir subsistir. Era o objetivo único ao qual se podia aspirar, quando quase não
existiam recursos para se esperar muito mais. Desde há alguns anos a qualidade de vida tornou-se uma
nova meta da sociedade e dos indivíduos.
A preocupação pela qualidade da vida pode levar a conseqüências muito diversas, conforme o
intento que a anime: inspirada pela vontade humanitária de desenvolver as condições mais
favoráveis à expansão e ao desenvolvimento de uma vida digna para todos os seres humanos, ou
uma exigência absoluta em si mesma, de inspiração utilitarista e econômica, segundo a qual se
mede, se avalia e até mesmo se chega a excluir da vida aqueles que não chegam a um determinado
nível. Introduz-se, dessa forma, uma divisão, por exemplo, entre os doentes que são cuidados com
todo tipo de meios e doentes com escassa qualidade de vida (certos deficientes, anciãos sem família,
doentes crônicos, etc.) que podem ser privados de cuidados e aos quais se pode, no limite, negar
uma terapia mais eficaz. Vidas existem que são tidas como menos importantes ou menos úteis,
vidas que estão além da conta chegando-se a ponto de serem percebidas como ameaça ao bem-estar
dos outros e, por isso, passíveis de eliminação.
A fim de consentir a uns poucos uma outra qualidade de vida vai-se favorecendo, com mentalidade
hedonista e consumista, a degradação e a destruição do ecossistema planetário (a poluição em suas
diversas formas, as alterações climáticas, a crise dos recursos hídricos, a redução da biodiversidade,
etc.), favorecendo um modelo de desenvolvimento não sustentável e que compromete gravemente o
futuro de toda a humanidade.

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Aumento da agressividade destrutiva
Ao lado de tantos sinais que demonstram o crescimento da estima pela vida humana, a consideração em
relação a todo ser vivo e o respeito pelo ambiente natural, aumentam infelizmente também as
manifestações de violência sempre mais graves e destrutivas. Pensemos nas guerras e no comércio de
armas que as sustenta, que continuam a acumular milhares de vítimas inocentes; como também os
combates cruéis entre povos e etnias, que obrigam populações inteiras a abandonarem as próprias
moradias e buscarem refúgio fora da própria pátria; assim também a violência xenófoba contra os
imigrantes que são considerados um perigo e uma ameaça, explorados com a negação de seus direitos
mais fundamentais.
Há também outras formas de violência que provêm de uma atitude antivida, movida pelas
experiências de frustração das aspirações mais profundas da pessoa; cresce nela então, a hostilidade,
a rejeição e o ódio à vida e aos outros; destroem-se as coisas, maltratam-se as pessoas, prejudica-se
gratuitamente... Essa violência predomina muitas vezes em bandos juvenis ou em grupos que
promovem ações violentas pelas ruas, etc.
A cultura antivida
O aspecto que desperta maior preocupação é o difundir-se de uma forma de pensar, avaliar e comportar-se
que se apresenta como normal, apresentada às vezes até mesmo como uma espécie de defesa da
liberdade, e que, mais do que defender e promover a vida, vai levando-a à deterioração, ao esvaziamento
e, no limite, à sua própria eliminação. É o que o Papa João Paulo II chamava de "cultura de morte":
«Estamos diante escrevia de uma realidade mais vasta que pode ser considerada como verdadeira e
própria estrutura de pecado, caracterizada pela imposição de uma cultura de anti-solidariedade, que se
configura em muitos casos como verdadeira "cultura de morte"... Desencadeia-se dessa forma uma espécie
de "conjuração contra a vida". Ela não envolve as pessoas apenas em suas relações individuais, familiares
ou de grupo, mas vai bem além, a ponto de prejudicar e ultrapassar, em nível mundial, as relações entre os
povos e os Estados».[5]
Diante dessa situação sentimo-nos profundamente questionados como educadores que desejam
ajudar os jovens a descobrirem e promoverem o valor absoluto de qualquer vida, sobretudo da vida
humana. Eis alguns desses desafios e questionamentos:
- O fundamento último do valor absoluto de toda vida humana.
Por que toda vida humana merece ser defendida e respeitada sempre e em qualquer situação e
circunstância? Existem vidas que valham mais do que outras? Onde está o critério para uma
qualidade de vida realmente digna da pessoa humana?
- O desafio da promoção da vida para todos, sobretudo para os mais fracos e indefesos.
Será humano o fato que justamente a grande sensibilidade do homem contemporâneo diante de uma
vida mais plena e melhor se converta muitas vezes na maior ameaça à vida dos mais fracos e
indefesos?
- O desafio da evangelização neste contexto e nesta cultura.
Como enfrentar esta cultura contrária à vida e nela anunciar o "Evangelho da vida" como força
saneadora e vivificante para todos? Como promover em nossas comunidades, entre os jovens e na

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Família Salesiana um estilo de vida segundo a proposta de Dom Bosco, que leve todos a amar,
valorizar, defender e promover a vida como dom e como serviço?
3. O envolvimento da Família Salesiana na defesa da vida
Esta visão da realidade não seria realista se não realçássemos os muitos esforços, serviços e
realizações que vão sendo levadas adiante em todas as partes do mundo pelos diversos grupos da
Família Salesiana. Como exemplo, desejo apresentar-vos algumas das iniciativas mais comuns e
significativas em nossa Família, enquanto, ao mesmo tempo, vos convido a conhecer, valorizar e
desenvolver os recursos, iniciativas e possibilidades já existentes em cada país e região. Eis um
elenco, certamente incompleto, de iniciativas que atestam o esforço da Família Salesiana pela vida:
- Os movimentos de solidariedade suscitados pelas grandes calamidades surgidas nos últimos
anos ("tsunami", terremotos, inundações, incêndios, atentados, guerras...). Eles demonstram a
disponibilidade e a sensibilidade de tanta gente, sobretudo das pessoas simples, em responder com
generosidade às necessidades dos outros e defender a vida dos mais pobres, dando-lhes esperança e
futuro.
- A acolhida quotidiana de tantos jovens em situação de risco, meninos de rua, jovens
desempregados, etc. Essa acolhida é feita por milhares de educadores que empregam suas vidas,
com grande generosidade e sentido salesiano, a fim de ajudá-los a superar a situação de
marginalização e de risco em que vivem e poderem enfrentar o próprio futuro com maior qualidade.
- Os vários programas de ajuda aos refugiados e aos imigrantes que a Família Salesiana realiza
em diversos países, empenhando-se em sua acolhida e educação e na ajuda para que se integrem
positivamente na nova cultura.
- As iniciativas em curso na África, como os programas "Stop au SIDA!" e "Love matters",
para ir ao encontro do drama da AIDS que aflige esse provado continente, condenando à morte
milhões de pessoas e deixando ao mesmo tempo milhões de órfãos. A Família Salesiana põe em
ação estratégias preventivas orientadas a informar profissionalmente os jovens sobre o tema e a
formar suas consciências, conscientes de que essa pandemia não pode ser vencida com os
profiláticos mas com a educação eficaz.
- Os milhares de educadores e educadoras que nas diversas obras e presenças salesianas estão
empenhados na educação dos jovens, preparando-os para que possam inserir-se no mundo do
trabalho.
- O enorme esforço humanitário, educativo e evangelizador feito nas missões e que constitui,
muitas vezes, uma das poucas possibilidades de defesa da vida e de promoção humana integral para
milhares de pessoas e para populações inteiras.
- O serviço generoso nas missões, com uma ingente atividade que tem em vista não só a
preservação da existência de povos indígenas, mas sobretudo o seu desenvolvimento, o seu
reconhecimento público, social, com seus direitos próprios à língua, cultura, cosmovisão,
organização social, representação política.
- O trabalho de inúmeras famílias que com dificuldade, mas com dedicação e generosidade,
estão empenhadas num esforço quotidiano de educação e de defesa da vida.
- O voluntariado em suas diversas formas: social, missionária, vocacional.

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E tantas outras iniciativas e realidades, que vão construindo dia a dia uma rede que apóia um grande
número de pessoas ameaçadas e em perigo, e promovem com decisão e generosidade o esforço de
construir um estilo de vida mais humano, solidário e evangélico, criando dessa forma a "cultura da
vida".
Creio que com esta grande quantidade e qualidade de grupos de pessoas possamos e devamos
enfrentar os grandes desafios que a defesa da vida nos apresenta hoje. A estréia é um estímulo a
aprofundar a própria vocação à vida, um convite a unir as forças e prosseguir em nossos esforços
para podermos responder aos enormes desafios com criatividade e dinamismo.
4. O Deus que ama a vida
Desde as primeiras páginas do livro do Gênesis até à última página do livro do Apocalipse, a
Sagrada Escritura manifesta a fé e a convicção profunda do Povo de Deus que a vida provém de
Deus e que é preciso vivê-la diante dEle, que a tutela e protege. É uma bênção de Deus, que faz
brilhar neste dom o seu amor e a sua generosidade. É o maior dos dons que Deus pode conceder.
Por isso, a primeira coisa a fazer é deliciar-se com a vida. O primeiro mandamento que recebemos
de Deus é o de viver; um mandamento não escrito em tábuas de pedra, mas esculpido nas
profundezas do nosso ser. O nosso primeiro gesto de obediência a Deus é amar a vida, acolhê-la
com coração agradecido, cuidar dela com solicitude, desenvolver todas as possibilidades que nela
estão contidas.
A Bíblia ressalta continuamente a relação direta da vida com Deus. A vida do homem vem de Deus;
é, como insistia João Paulo II, «um dom pelo qual Deus participa algo de si com a criatura
humana».[6] Deus é o único Senhor da vida; o homem não pode dispor dela. Vida e morte estão nas
mãos de Deus: «Ele tem em seu poder a alma de todo ser vivo e o sopro de toda carne humana» (Jó
12,10). Toda vida vem de Deus e Deus a protege. Não cria o homem para deixá-lo morrer, mas para
que viva (cf. Sb 2,23).
Justamente por isso, o Deus da vida é o "Deus dos pobres", que conseguem apenas sobreviver; é o
"Deus da justiça", que defende os que são ameaçados pelos abusos e pelas injustiças dos fortes e
poderosos (cf. Código da Aliança, em Ex 21,1-23,9). Somente o Deus fiel à vida pode revelar-se ao
longo da história como defensor da vida do pobre, do fraco, da viúva, do estrangeiro, do indefeso.
Conhecer este Deus significa praticar a justiça que dá vida e lutar contra a injustiça que mata. Crer
nEle quer dizer promover a solidariedade com quem sofre e morre abandonado. Escutar a sua voz é
abrir os ouvidos e o coração ao seu apelo constante: «O que fizeste de teu irmão»? (cf. Gn 4,9-10).
O Deus que já no Antigo Testamento se revelava como "amigo da vida", encarnou-se em Jesus
Cristo. Nele os discípulos puderam ver com seus próprios olhos e tocar com suas mãos Aquele que
é "Palavra de Vida" (cf. 1Jo 1,1). Suas palavras e seus gestos são orientados, desde agora, à
promoção da vida e da salvação no ser humano. De fato, foi essa a recordação que ficou de Jesus na
primeira comunidade: «Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder; por
toda a parte, ele andou fazendo o bem e curando todos os que estavam dominados pelo diabo; pois
Deus estava com ele» (At 10,38).
Para Jesus a vida é um dom precioso, «mais do que a nutrição» (Mt 6,25). Salvar uma vida
prevalece sobre o sábado (cf. Mc 3,4), porque «Deus não é um Deus dos mortos, mas dos vivos»
(Mc 12,27). A defesa da vida humana é uma idéia central no programa do Reino. Os dois aspectos
proclamação do Reino e cura para a vida do homem integram o conteúdo da sua atividade
messiânica, como sempre aparece nas narrações evangélicas: «Jesus caminhava por toda a

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Galiléia... proclamando o evangelho do Reino, curando toda doença e todo tipo de enfermidade
entre o povo» (Mt 4,23; cf. 9,35; Lc 6,18). Ou melhor, a atividade curativa é a que melhor
caracteriza o Messias. É ali que as obras do enviado de Deus se manifestam de maneira mais
imediata: «Os cegos recuperam a vista e os coxos andam; os leprosos são purificados e os surdos
ouvem; os mortos ressuscitam e o evangelho é anunciado aos pobres» (Mt 11,5).
Também no evangelho de João a vida é o valor central. Jesus é portador e garantidor de uma vida
"eterna" e definitiva, isto é, uma vida que Deus comunica aos seus filhos e que terá sua consumação
última para além deste mundo. Por isso, o evangelista apresenta-nos Cristo como «pão da vida» (Jo
6,35.48), «luz da vida» (Jo 8,12); «caminho, verdade e vida» (Jo 14,6); «ressurreição e vida» (Jo
11,25), a tal ponto que todo homem ou mulher «que nele crer, mesmo que morra, viverá» (Jo
11,25).
Esta vida eterna já pode ser experimentada desde agora pelo crente: «quem crê tem a vida eterna»
(Jo 6,47); quem ouve a sua palavra «tem a vida eterna... e passou da morte à vida» (Jo 5,24); «quem
come a sua carne e bebe o seu sangue tem a vida eterna e ele o ressuscitará no último dia» (Jo 6,54).
A experiência fundamental, porém, que garante a abertura e a orientação da nossa vida atual para
essa salvação eterna é sempre o amor: «Nós sabemos que passamos da morte à vida porque amamos
os irmãos. Quem não ama permanece na morte» (1Jo 3,14).
Jesus não só aprecia a vida e a defende, como também dá a sua própria vida como serviço supremo
de amor, para que a humanidade não termine na morte e na destruição definitiva. «Eu dou a minha
vida... Ninguém a tira de mim. Eu a dou voluntariamente. Tenho o poder de dá-la e o poder de
retomá-la» (Jo 10,17-18). Se Jesus se dá a si mesmo até à morte, não é certamente porque despreze
a vida, mas porque ama tanto a vida e a quer para todos, até mesmo para os mais infelizes e
desgraçados, e a quer definitiva, plena e eterna.
Esta "vida crucificada" por amor é "escândalo e loucura" segundo os modelos de vida vigentes hoje
na sociedade. Do ponto de vista da fé cristã, porém, ela é o critério último de toda vida que queira
ser plenamente humana e não desfigurada ou alterada pelo egoísmo, pela falta de solidariedade, pela
injustiça. Antes, essa "vida crucificada" é para os crentes a revelação suprema do amor de Deus
pelo homem e da sua estima e defesa da vida humana: é o "Evangelho da vida".
Este evangelho culmina na ressurreição. O Deus que ressuscita Jesus é um Deus que coloca vida lá
onde os homens colocam morte. Assim pregam os apóstolos: «Vós o matastes... mas Deus o
ressuscitou» (At 2,23-24). Aquele que crê neste Deus ressuscitador, "Deus dos vivos", começa a
amar a vida de modo radicalmente novo e com um amor total. A fé pascal impele o crente a
colocar-se do lado da vida lá onde ela se vê lesada, ultrajada ou destruída. A sua luta contra a morte
não nasce apenas de algum imperativo ético, mas da fé neste Deus ressuscitador, que quer que o
homem participe para sempre da sua mesma vida divina. A verdade cristã alcança aqui o seu cume
sobre a vida: «A sua dignidade não está ligada apenas às suas origens, à sua proveniência de Deus,
mas também ao seu fim, ao seu destino de comunhão com Deus no conhecimento e no amor dEle. É
à luz desta verdade que S. Irineu explicita e completa a sua exaltação do homem: "glória de Deus"
é, sim, "o homem que vive", mas "a vida do homem consiste na visão de Deus"».[7]
5. Deixemo-nos guiar pelo amor de Deus pela vida
O amor de Deus pela vida estimula-nos ao compromisso de testemunhar, proclamar e amar o valor
da vida humana. João Paulo II escreveu: «É necessário fazer com que o Evangelho da vida chegue
ao coração de todo homem e mulher e seja inserido nas dobras mais recônditas de toda a
sociedade».[8] Tal anúncio comporta propor com clareza e decisão o caráter inviolável da vida.

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A vida do ser humano é frágil, precária e efêmera, mas é uma realidade sagrada e inviolável. Deus
infundiu o próprio hálito no homem, criou-o «à sua imagem e semelhança» (Gn 1,27). Ninguém
pode dispor da vida, sua ou alheia, segundo o próprio capricho. Esta vida recebida de Deus é o
fundamento da dignidade constitutiva e indestrutível de todo homem, o primeiro valor no qual se
baseiam e se desenvolvem todos os outros valores e direitos.
O mandamento de Deus é claro e inequívoco: «Não matar» (Ex 20,13). Embora formulado de modo
negativo, ele exprime o sentido fundamental do valor da vida e continua a estimular-nos a reafirmá-
lo hoje.
Diante dos numerosos atentados contra a vida, adquire hoje uma importância decisiva a tarefa de
promover uma educação mais sensível ao valor da vida, ao seu respeito e à sua defesa; educação
capaz de oferecer uma visão integral da vida e da saúde e de dar sentido ético à pessoa. As novas
gerações precisam encontrar pais e educadores que sejam verdadeiros "mestres de vida". É preciso
que sejam ensinados à gratidão pela vida, a viverem de modo saudável e moderado, a assumirem a
responsabilidade da própria existência, a construírem-na, a integrarem falências, dificuldades,
renúncias, sofrimentos, a celebrarem a vida e o Deus que no-la dá, a viverem-na no amor e na
entrega.
A fim de cumprir essa tarefa é preciso recordar a vocação e a missão da família. Sua
responsabilidade educativa brota da sua mesma natureza e missão específica; isto é, o fato de ser
comunidade de vida e de amor e ser destinada a «conservar, revelar e comunicar o amor».[9] A
família anuncia o evangelho da vida sobretudo educando os filhos à veneração pela vida, a serem
reconhecidos pelo dom de Deus.
Trata-se de um trabalho atento de formação da consciência moral. Com sua palavra e seu
testemunho, nas relações e nas decisões quotidianas, a família pode ensinar, educar e ajudar a viver
os grandes valores da liberdade, do respeito aos outros, da acolhida, do diálogo, do sentido de
justiça, da solidariedade, da entrega de si mesmo. Dessa forma, com confiança e coragem, os pais
educarão os filhos para os valores essenciais da vida humana.
6. Dom Bosco amante e promotor da vida para os jovens, sobretudo os mais pobres.
Para nós, membros da Família Salesiana, o amor e o compromisso pela vida têm em Dom Bosco
um modelo e um mestre.
Desde menino, Dom Bosco demonstra uma grande vitalidade; aprende de sua mãe, mamãe
Margarida, a descobrir a beleza da natureza e da vida; sabe deleitar-se com o esplendor da
paisagem, das colinas e dos campos em flor que rodeiam os Becchi; admirado, contempla as noites
estreladas, afeiçoa-se a um passarinho, que acompanha com ternura. Em todas essas coisas, sua mãe
ensina-lhe a descobrir a obra de Deus criador que assume os cuidados de seus filhos, a sua
sabedoria e o seu poder infinito e, sobretudo, o seu amor. Dessa forma, João abre-se a uma visão
positiva e providencial da vida, sabe apreciar os momentos simples da vida campestre e enfrentar,
sem se desencorajar, as dificuldades que encontra desde jovem em sua própria casa. Com esse
espírito, ele procura comunicar a alegria aos colegas, entretendo-os nos dias festivos com uma
grande variedade de brincadeiras; mas é sempre movido por um intento educativo: fazer com que
sejam melhores e ajudá-los a cumprir os deveres de bom cristão. Ainda jovem estudante em Chieri,
funda com seus amigos a "Sociedade da Alegria", cuja primeira norma era precisamente viver
sempre alegre e esforçar-se para jamais ofender o Senhor.

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Como sacerdote, percorrendo as ruas de Turim e visitando as prisões, Dom Bosco compreende que
os jovens buscam a felicidade, desejam gozar a vida, sentir-se acolhidos e valorizados; e se, às
vezes, vivem a própria aspiração seguindo caminhos errados que os levam até mesmo à prisão, não
é porque sejam maus, mas porque não encontram pessoas que acreditem neles e que os ajudem a
desenvolver positivamente as próprias energias e qualidades. Dom Bosco empenha, então, a sua
vida em favor deles e cria com eles um ambiente positivo de vida, no qual possam experimentar a
alegria de viver, com amplas possibilidades de brincar e divertir-se, de formar-se e encontrar
trabalho, de se sentirem amados, aceitos e valorizados em clima de família. O jogo, a música, o
teatro, as excursões e os passeios são para Dom Bosco instrumentos importantes de educação e
caminho para conquistar o coração e, dessa forma, ajudar esses jovens a desenvolverem as melhores
qualidades, a se sentirem capazes de fazer o bem e serem úteis aos outros e à sociedade. E, dessa
forma, Dom Bosco os leva a conhecerem e viverem a amizade com Jesus Cristo.
Podemos dizer que Dom Bosco vive com os seus jovens em Valdocco uma verdadeira pedagogia
da vida, da alegria e da festa; ou melhor, convida-os a se empenharem eles próprios na promoção
desse ambiente entre os colegas. Ele escreve na biografia de Francisco Besucco: «Se queres ser
bom, pratica apenas três coisas e tudo irá bem (...). São elas: Alegria, Estudo, Piedade. Este é o
grande programa com o qual, ao praticá-lo, poderás viver feliz e fazer muito bem à tua alma». A
alegria é característica essencial do ambiente familiar e expressão da amabilidade, resultado lógico
de um regime baseado na razão e na religiosidade, interior e espontânea, que tem sua fonte última
na paz com Deus, na vida da graça.[10] Por esse motivo, a alegria é, para Dom Bosco, não só um
meio de tornar aceitável a seriedade da educação, mas uma forma de vida que leva em conta a
realidade do jovem e do seu desejo de viver; entende-o Dom Bosco e quer que se realize
plenamente; ele compreende que a exigência mais profunda do jovem é a alegria de viver, a
liberdade, a diversão, a amizade. Acima de tudo, Dom Bosco como sacerdote crê profundamente
que o cristianismo não é uma religião de proibições, mas, ao contrário, é a religião da vida, da
felicidade, do amor; por isso, mediante a pedagogia da festa e da alegria abre os jovens a Jesus
Cristo, leva-os a uma relação pessoal de amizade com Ele. Diante de uma imagem de vida cristã
que os jovens recebiam da sociedade do seu tempo como de uma vida triste, cheia de renúncias e
proibições, uma vida pouco adaptada à juventude, Dom Bosco propõe-lhes uma forma de vida
cristã feliz e alegre.
Dom Bosco santificou o trabalho e a alegria. Era o santo da alegria cristã, da vida cristã ativa e
alegre... Nisso consiste a sua verdadeira originalidade. «Num arroubo genial da sua caridade cheia
de compreensão humana, convencido das exigências naturais e honestas da juventude e da vida
saudável, Dom Bosco santificou junto com o trabalho a alegria, alegria de viver, de agir, de
rezar».[11]
Dom Bosco vive e sabe comunicar a todos os seus filhos, colaboradores e amigos uma visão
positiva e integral da vida; crê na bondade e na dignidade de cada pessoa humana, sobretudo de
cada jovem, de modo especial do mais pobre e em perigo; ele escrevia: «O educador deve
persuadir-se de que todos ou quase todos estes caros jovens têm uma inteligência natural para
reconhecer o bem que lhes é feito, e o coração sensível, facilmente aberto ao reconhecimento».[12]
Ele acredita, por isso, na capacidade de recuperação de todo jovem, na eficácia do trabalho
educativo, quando é vivido com dedicação generosa e se segue o método da razão e da amabilidade.
Os jovens abandonados e desviados deviam ser ajudados a encontrar o mais elementar sentido de
vida; isso exigia que se estimulasse neles o desejo de viver a fim de ganharem com o trabalho e o
suor da fronte, os meios para se manterem, eles e seus familiares, e terem uma vida digna. Para os
que viviam carências afetivas Dom Bosco se propunha criar um ambiente e uma rede rica de

1.10 Page 10

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relações familiares e de amizade, capazes de recompor uma vida afetiva cheia de intensas
implicações operativas e emocionais.
Dom Bosco, além disso, estava convencido de que a fé cristã e a amizade com Jesus Cristo
constituem a energia mais forte e eficaz para sustentar o esforço educativo e levar a um estilo de
vida alegre e feliz aqui na terra e garantir a felicidade definitiva na vida eterna. Coloca, então a
santidade como o objetivo educativo supremo, e o proclama com clareza; não como meta para
alguns privilegiados, mas como ideal proposto a todos, como dizia na "boa noite" que levou
Domingos Sávio a assumir o empenho da santidade: «É vontade de Deus que todos nós nos
façamos santos; é muito fácil ter sucesso nisso; e um grande prêmio está preparado no céu para
quem se faz santo».[13]
É constante nele, padre e educador, a vontade de valorizar e desenvolver o que há de positivo na
vida e no coração de cada pessoa, de promover uma vida cristã capaz de apreciar e valorizar o que
existe de humano, de positivo e de nobre na vida de cada dia e no coração das pessoas, mesmo das
mais desventuradas, esforçando-se ao mesmo tempo para abrir a educação e a cultura a Jesus Cristo,
convencido de que somente nEle pode ser plenamente salva.[14]
No seguimento de Dom Bosco, portanto, como Família Salesiana, somos chamados a testemunhar e
anunciar que a vida humana é sagrada e inviolável, e que, por isso, não só não deve ser suprimida,
como deve ser positivamente protegida e defendida. O valor da vida é parte integrante do evangelho
de Jesus. Numa cultura e numa civilização que ameaça radicalmente a vida, a Família Salesiana de
Dom Bosco deve ser particularmente sensível ao serviço educativo que cure e acolha toda a vida e
a vida de todos;[15]capaz sobretudo de acompanhar e proteger, além da vida nascente, a vida
ameaçada de tantos jovens que se debatem na pobreza, na marginalização, no sofrimento, no vazio
de ideais e da falta se sentido. É sobretudo para a vida desses jovens que somos chamados a ser
«sinais e portadores do amor de Deus».[16]
7. Empenho da Família Salesiana em favor da vida
A Igreja recebeu o evangelho da vida e é enviada a anunciá-lo e torná-lo uma realidade. Essa
vocação e essa missão exigem a ação generosa de todos os seus membros, também da Família
Salesiana. Juntos, devemos sentir «o dever de anunciar o evangelho da vida, de celebrá-lo na
liturgia e em toda a existência, de servi-lo com as diversas iniciativas e estruturas de apoio e
promoção».[17]
Diante de tantas proclamações solenes em favor da vida, coexistentes ao lado de profundas atitudes
antivida, o nosso serviço educativo-pastoral deve testemunhar e anunciar o seu valor, e empenhar-se
em sua defesa e na promoção de uma autêntica cultura da vida.
7.1 Defender o valor de toda vida humana
A vida humana sempre foi vista cercada de perigos, ameaçada de violência e de morte. Hoje, as
ameaças à vida não só não diminuíram, como estão adquirindo dimensões alarmantes, sendo até
mesmo programadas de forma sistemática e científica. Chega-se a ponto, às vezes, de considerar a
morte provocada violentamente como expressão de progresso e civilização.
Persistem antigas ameaças, fruto do ódio, da violência ou de interesses contrapostos (homicídios,
guerras, massacres), agravadas pelo desinteresse e pela falta de solidariedade. Ao lado dessas
formas, há a violência exercida contra milhões de seres humanos que sobrevivem penosamente e
morrem de fome, o comércio escandaloso de armas que continua apesar de tantas denúncias, a

2 Pages 11-20

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2.1 Page 11

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insuficiência dos equilíbrios ecológicos, a difusão da droga, os acidentes devido ao trânsito, os
atentados terroristas, que causam verdadeiros e próprios massacres na humanidade. De suas fases
iniciais aos momentos terminais, a vida humana sofre o incompreensível assédio dos próprios seres
humanos.
Diante do seu atual obscurecimento, é muito mais necessário e urgente defender o valor inviolável e
sagrado de toda vida humana. Devemos, portanto, promover entre nós e nos jovens uma atitude
positiva em relação à vida. Isso pressupõe:
· Considerar a vida como dom
Muitas vezes a vida é entendida como produto da capacidade e do poder do homem, mais do que
dom de Deus. Essa mentalidade puramente produtiva induz facilmente a uma sutil discriminação
diante de vidas indesejadas, incômodas ou 'improdutivas': crianças ainda não nascidas, idosos,
portadores de deficiências físicas ou mentais, vidas defeituosas. Considerar a vida como dom leva a
vivê-la em atitude de gratidão, de louvor e de profunda alegria, a empenhar-se por cuidar dela e
amá-la, procurando desenvolver todas as suas virtualidades positivas.
· Promover uma visão integral da vida
A vida, para todos os seres humanos, é muito mais do que um simples bem-estar material ou
progresso econômico; a vida é um caminho para a realização pessoal, realização que abraça não só
a atividade material, econômica ou social, como também o progresso na vida espiritual. A defesa da
vida exige assumir a responsabilidade de cuidar, amar e desenvolver todas as possibilidades da vida
e da natureza, a fim de levá-las à sua plenitude e à autêntica qualidade humana. Viver com uma
visão integral da vida exige também que se supere o ativismo exagerado que nos impede de cuidar
de outros aspectos importantes da vida como o encontro pessoal e a amizade, o silêncio e a
contemplação, a alegria e a beleza, o serviço gratuito.
7.2 Proteger a vida dos pobres
Toda vida humana é preciosa e digna de respeito. Segue-se daí que se justifica não só a vida
saudável, útil e feliz, como também a vida diminuída, a vida na dor e na doença, a da criança não
nascida e a do ancião inválido. Não só a vida dos poderosos é preciosa, mas também a vida dos
pobres e dos abandonados.
Como filhos e filhas de Dom Bosco sentimo-nos particularmente chamados a proteger e cuidar da
vida de tantos jovens que devem abrir para si um caminho em meio à pobreza, à margem da
sociedade do bem-estar. Devemos ser capazes de imaginar e criar novas formas de presença
missionária no mundo da marginalização e da exclusão. Eis algumas sugestões concretas:
· Cuidar dos jovens em situação de risco
Toda presença salesiana deve empenhar-se para responder aos crescentes desafios que nos são
apresentados pelos jovens que vivem na marginalização ou em situações de risco: os jovens de rua,
sem família ou distantes dela, os jovens sem formação e sem trabalho; os imigrantes, sobretudo os
jovens que estão sozinhos, sem suas famílias; jovens expostos à delinqüência ou vítimas de abuso
sexual, e tantas outras situações degradantes, nas quais a vida humana é exposta ao perigo e à
ofensa.

2.2 Page 12

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É tarefa nossa acolher esses jovens, ajudá-los a recuperar o amor à vida e os valores autênticos,
educá-los e formá-los de modo que possam inserir-se positivamente na sociedade, acompanhá-los
em sua inserção no mundo do trabalho, desenvolver a sua abertura a Deus como elemento central de
humanização, anunciar-lhes Jesus Cristo e orientá-los para uma relação pessoal com Ele, num estilo
de vida cristã simples, alegre, positiva e adaptada a eles.
· Acompanhar as famílias em dificuldade e ajudá-las
Merecem um cuidado particular as famílias que vivem graves tensões ou que já se romperam,
famílias que encontram dificuldades enormes para educar seus filhos, e outras em situação de
insatisfação. Surgiram, como resposta à estréia do ano passado, muitas iniciativas de apoio e de
ajuda aos pais em sua missão educativa, apoio e orientação de casais em dificuldade, criação de
grupos e comunidades familiares, etc. Convido-vos a continuar nesse caminho. No comentário à
estréia de 2006, eu sugeria uma série de atitudes e intervenções, que vos convido a consolidar. A
família é o ambiente primário para a defesa e a promoção da vida e, como tal, deve continuar a ser
objeto privilegiado da nossa atenção pastoral.
7.3 Educar ao valor da vida
Para defender a vida e cuidar dela é preciso educar ao valor da vida: «A fim de ser realmente um
povo a serviço da vida, devemos propor, com constância e coragem, estes conteúdos desde o
primeiro anúncio do evangelho e, em seguida, na catequese e nas diversas formas de pregação, no
diálogo pessoal e em qualquer ação educativa».[18]
Essa é uma tarefa que empenha a todos nós: pais, educadores, professores, catequistas, teólogos.
Como já acenava, as novas gerações precisam encontrar verdadeiros "mestres de vida" em seus
pais, educadores e catequistas. Eles buscam em nós, não só ciência, informação e doutrina, mas
pessoas que lhes mostrem um caminho positivo de vida e os estimulem e acompanhem no
desenvolvimento de suas melhores qualidades e possibilidades. Devemos ser capazes de realçar,
com a nossa vivência e com as nossas palavras, o valor absoluto da vida, empenhando-nos em dar a
ela a máxima qualidade possível, promovendo sempre uma atitude de respeito incondicionado pelas
pessoas, suscitando uma visão positiva e de esperança diante delas e do seu futuro, combatendo
tudo o que impede de viver com dignidade e solidariedade. Nossas atitudes e nossos gestos de cada
dia, mesmo pequenos e simples, devem ser para os jovens uma verdadeira escola de vida.
Como educadores, também devemos saber despertar nos jovens a alegria de viver, o apreço pelos
valores humanos mais profundos, o gosto do serviço gratuito aos outros e à natureza que nos cerca;
devemos suscitar neles o sentido da vida como vocação e serviço e educá-los para serem cidadãos
responsáveis e ativos na construção de uma sociedade mais humana, mais livre e solidária.
Outro aspecto importante do empenho de educar para o valor da vida é ajudar «os jovens a
compreenderem e viverem a sexualidade, o amor e toda a existência em seu verdadeiro significado
e em sua correlação íntima... Só um amor verdadeiro sabe defender a vida».[19] É preciso, por isso,
desenvolver uma verdadeira educação ao amor, segundo a experiência típica de Dom Bosco e os
critérios do seu sistema educativo. Na proposta pastoral que acompanhava a estréia do ano passado,
indicavam-se alguns passos a dar nesse sentido; é importante tê-los verdadeiramente em
consideração em todo o caminho educativo.
Será difícil chegar à verdadeira valorização da vida humana se ela não for apreciada em âmbito
familiar, se nele reinar um clima de violência, se se apresentar como sinal de progresso a
interrupção de uma vida incômoda ou não desejada, se se viver tendo como finalidade a

2.3 Page 13

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competitividade, o sucesso e o poder. A mentalidade e as atitudes são transmitidas em sentido
positivo ou negativo através do dinamismo quotidiano da vida familiar. A família educa ou
deseduca através da palavra e do exemplo, das opções e das decisões, das relações, dos gestos e dos
sinais concretos.
Indico-vos, em relação à tarefa de educar para o valor da vida, alguns ambientes e propostas
educativas que, parece-me, oferecem possibilidades particulares, desde que disponham justamente
de um autêntico clima de familiaridade. Evidencio dois deles: o Oratório-Centro Juvenil e o
Voluntariado.
· O Oratório-Centro Juvenil,
como ambiente tipicamente salesiano, é ambiente de vida e de acolhida gratuita de todos os jovens,
espaço para o protagonismo juvenil no qual se aprende a apreciar a vida e a empenhar-se por ela,
lugar em que se estabelece uma relação espontânea e gratuita entre educadores e jovens, e no qual
ambos são co-envolvidos e se acompanham num caminho de educação e de crescimento humano e
cristão.
O Oratório e Centro Juvenil Salesiano deve ser um verdadeiro "laboratório de vida e de vida cristã"
para os jovens; ambiente no qual eles possam viver o seu mundo vital, exprimir e desenvolver os
próprios valores, o seu protagonismo e as suas relações interpessoais; ambiente no qual encontrem
também propostas educativas positivas e significativas e pessoas que os acolham e acompanhem.
Para que o Oratório salesiano possa realizar esse empenho pela vida deve garantir algumas
condições importantes:
- ser um espaço aberto, no qual se cuidam das relações interpessoais, se favorece o estar
juntos, o falar e comunicar-se gratuitamente;
- favorecer a diversidade de iniciativas significativas para os jovens, que correspondam às
suas expectativas e necessidades;
- criar espaços nos quais eles possam viver como protagonistas;
- promover a presença ativa de adultos e de jovens adultos, e de animadores que sejam pontos
de referência e de estímulo para os jovens;
- oferecer uma proposta educativa e cultural de qualidade;
- traçar um itinerário de evangelização e de educação à fé enraizado na vida do jovem.
O Oratório será um lugar, então, no qual os jovens integram e reestruturam as mensagens,
experiências e valores que recebem em outros ambientes (família, escola, paróquia, amigos, etc.) e
elaboram um estilo de vida significativo para o seu futuro.
· O Voluntariado
é uma experiência importante para os jovens, sobretudo quando eles se colocam a questão do
próprio futuro; pode ser muito mais do que uma experiência pontual e passageira, convertendo-se
numa autêntica escola de vida, entendida como serviço gratuito e eficaz em situações de pobreza e
de necessidade. O voluntariado, quando é realizado com um processo sistemático de preparação,

2.4 Page 14

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que vai ajudando o jovem a amadurecer as próprias motivações, e com um acompanhamento
pessoal e de grupo, favorece e desenvolve a opção pessoal de vida; no voluntariado, os jovens
adultos aprendem a ser cidadãos responsáveis e cristãos empenhados.
7.4 Anunciar Jesus Cristo como sentido e fonte de vida
O anúncio do evangelho da vida deve levar os jovens a se encontrarem com Jesus Cristo e a uma
relação pessoal com Ele, no qual encontrarão o modelo, o caminho e a energia para uma
vida humana plena. Talvez jamais tenha sido tão urgente como hoje a evangelização, o anúncio de
Jesus, diante de um mundo que exalta modelos ilusórios e sedutores, que não dão nem conseguem
dar sentido à vida. Os jovens sofrem, muitas vezes, um enorme vazio interior, que tentam preencher
com o prazer, as diversões, o sexo ou a droga, ou até mesmo percorrendo caminhos tortuosos de
violência e de delinqüência. Entretanto, nem o prazer, nem o consumo, nem se agarrar a diversos
modos de desfrutar do momento presente satisfazem as suas aspirações e necessidades. São muitos
também os jovens que vivem situações sociais e econômicas de exclusão ou graves fragilidades
pessoais, num mundo sempre mais duro. É justamente nessas situações que o evangelho do Deus
amigo da vida deve ressoar como "boa nova", que se deve tornar presente Jesus Cristo e a sua
proposta de felicidade.
A evangelização é a melhor proposta de vida humana plena e feliz. Por isso, devemos empenhar-
nos em realizá-la com franqueza e dedicação em todos os ambientes juvenis. Dada a variedade
destes últimos, a evangelização exige propostas diversas de acordo com a situação dos jovens aos
quais nos dirigimos. Assinalo três dessas propostas importantes:
- Em ambientes nos quais os jovens vivem na indiferença e na superficialidade de uma vida
vazia ou materialista, proporemos um caminho gradual que os ajude a descobrirem e apreciarem os
valores mais positivos e profundos, a experimentarem a alegria da interioridade e do silêncio, a
despertarem a sua busca de sentido, a abrirem-se a Deus, desenvolvendo a dimensão religiosa da
vida.
- Quanto aos jovens que vivem a prática religiosa como hábito e superficialmente, ou apenas a
serviço dos próprios interesses e necessidades, nós os ajudaremos a descobrirem a pessoa de Jesus,
a entusiasmarem-se com Ele, até promover neles uma opção pessoal e decidida para segui-Lo,
empenhando-se num itinerário sério de educação à fé.
- Para aqueles, porém, que já participam de grupos ou movimentos de formação cristã,
proporemos um caminho sistemático que os ajude a personalizarem sempre mais a própria fé, a
celebrarem-na e traduzirem-na na vida, até à opção vocacional madura de vida cristã.
Promover estes itinerários de educação à fé é a contribuição mais preciosa e mais significativa que
podemos oferecer em nosso trabalho em favor da vida.
7.5 Agradecer pela vida e celebrá-la
São frutos do anúncio do evangelho da vida a alegria, a admiração, o louvor, a gratidão a Deus,
amante da vida, pelo seu dom. O anúncio suscita uma atitude profunda de celebração do evangelho
da vida. Toda vida, enquanto dom de Deus, tem não só uma dimensão de empenho e de missão a
desenvolver, mas também de culto. Por si mesma, ela já é manifestação de louvor, porque toda vida
humana é um prodígio de amor. Acolhê-la já é louvor e ação de graças.

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Celebrar a vida sugere e leva a cultivar um olhar contemplativo: diante da natureza, do mundo, da
criação, da vida, pelos quais tantas vezes temos atitudes utilitaristas ou consumistas; diante das
pessoas, com as quais freqüentemente mantemos relações superficiais ou funcionais; diante da
sociedade e da história, que muitas vezes consideramos apenas segundo os nossos interesses... É
preciso superar os nossos comportamentos egoístas a fim de chegar a uma atitude contemplativa,
que comporta ver em profundidade para perceber e admirar a beleza e a grandeza do mundo, das
pessoas, da história. É preciso aprender a acolher, respeitar e amar as coisas, as pessoas, a vida em
todas as suas formas. É preciso saber apreciar o silêncio, aprender a escuta paciente, a admiração e a
surpresa diante do imprevisto e do inimaginável. É preciso saber dar espaço ao outro, para poder
estabelecer com ele uma nova relação de intimidade e de confiança.
A partir desta perspectiva contemplativa surge o louvor e a oração. Celebrar a vida é admirar, amar
e rezar ao Deus da vida, que nos teceu no seio materno. Significa louvá-lo e agradecer-lhe: «Eu te
celebrarei porque fui criado de modo estupendo; são admiráveis as tuas obras» (Sl 139,14). A vida
do homem constitui um dos maiores prodígios da criação.
7.6 Cuidar da criação com amor
O Deus biófilo (philópsychos é o termo usado pela Sabedoria 11,26) não ama apenas a vida
humana, porque a criação inteira é obra do seu amor. Ao lado do valor e dignidade da vida humana,
a Sagrada Escritura exprime também, desde suas primeiras páginas, o reconhecimento explícito da
bondade da natureza: «Deus contemplou tudo o que tinha feito, e viu que tudo era muito bom» (Gn
1,31). Animais, plantas, firmamento, sol, oceanos... tudo é bom, tudo tem valor em si mesmo.
Este reconhecimento, porém, só é real quando o homem reconhece a dignidade da terra, respeita a
natureza, acolhe e aceita a riqueza inerente às criaturas. Somente esse reconhecimento real leva à
afirmação do seu valor e de seus direitos e, conseqüentemente, a superar a sua espoliação e o seu
abuso, ao desenvolvimento respeitoso do ambiente e à convivência harmoniosa com a natureza.
A civilização industrial favoreceu a produção e a eficiência, mas freqüentemente desumanizou o
homem, convertendo-o em simples produtor/consumidor. A cultura da vida leva-nos à verdadeira
atitude ecológica: o amor pelos seres humanos, os animais e as plantas, o amor à criação inteira, o
empenho na defesa e na promoção de todos os sinais de vida contra os mecanismos de destruição e
de morte. Diante das ameaças de exploração desordenada, de opressão da natureza, de
desenvolvimento insustentável, é oportuno recordar as palavras do grande chefe Seattle: aquele que
fere a terra, fere os filhos e as filhas da terra.
A ecologia é um autêntico sinal da solidariedade humana, que implica obviamente na conservação e
no uso dos recursos da terra afirma a Santa Sé num documento redigido em preparação à Cúpula
Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável de 2002. Esse desenvolvimento deve basear-se em
«sólidos valores ético, sem os quais nenhum progresso será sustentável». Por isso, «o conceito de
desenvolvimento sustentável só pode ser compreendido na perspectiva do desenvolvimento humano
e integral». Nesse sentido pede que se adote o termo de "ecologia humana" que implica «garantir e
salvaguardar as condições morais na interação dos seres humanos com o ambiente». A preocupação
com a família, a promoção e a proteção do trabalho, a luta contra a pobreza, o desenvolvimento da
educação e dos serviços sanitários, a solidariedade entre as nações a serviço do desenvolvimento
humano integral... são alguns dos elementos apresentados pela Santa Sé em vista de uma ecologia
digna da pessoa humana.[20]
O cuidado com a criação e o amor por ela, o empenho/preocupação pela ecologia, devem ser
promovidos no quadro da vida de cada dia, educando-nos e educando os jovens a respeitar a

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natureza e a ter cuidado com ela, a usar dos seus bens (água, plantas, animais, coisas...) com
moderação, e tendo sempre em vista o bem de todos, a suscitar um empenho positivo de defesa e
desenvolvimento sustentável da terra e dos recursos naturais... Formar e desenvolver uma
mentalidade e uma atitude ecológica é hoje um elemento importante da educação integral.
Como não evocar a esta altura São Francisco de Assis e o seu Cântico das Criaturas?
Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
Teus são o louvor, a glória, a honra
E toda a bênção.
Só a ti Altíssimo, são devidos;
e homem algum é digno de te mencionar.
Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o Senhor irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia.
E ele é belo e radiante
Com grande esplendor.
De ti, Altíssimo, é a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Lua e as Estrelas,
Que no céu formaste claras
E preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Vento,
Pelo ar, ou nublado
Ou sereno, e todo o tempo,
Pelo qual às tuas criaturas dás sustento.

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Louvado sejas, meu Senhor
Pela irmã Água,
Que é mui útil e humilde
E preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Fogo.
Pelo qual iluminas a noite.
E ele é belo e jovial
E vigoroso e forte.
Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a mãe Terra,
Que nos sustenta e governa,
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelos que perdoam por teu amor,
E suportam enfermidades e tribulações.
Bem aventurados os que sustentam a Paz,
Que por ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a Morte corporal,
Da qual homem algum pode escapar.
Ai dos que morrerem em pecado mortal!
Felizes os que ela achar
Conformes à tua santíssima vontade,
Porque a morte segunda não lhes fará mal!

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Louvai e bendizei a meu Senhor,
E dai-lhe graças,
E servi-o com grande humildade.
8. Conclusão: dois textos compartilhados
À moda de síntese do que se disse, apresento-vos primeiramente o texto elaborado por diversas
tradições religiosas reunidas para o IV Parlamento das Religiões do Mundo, em Barcelona em
2004:
OFERTA AO MUNDO
Nós cidadãos e cidadãs do mundo,
gente do caminho, gente que busca,
herdeiros do legado de antigas tradições,
queremos proclamar:
- que a vida humana é, por si mesma, maravilhosa;
que a natureza é a nossa mãe e o nosso lar,
e que deve ser amada e preservada;
- que a paz deve ser construída com esforço,
com justiça, perdão e generosidade;
- que a diversidade de culturas
é uma grande riqueza e não um obstáculo;
- que o mundo se nos apresenta como um tesouro
se o vivermos em profundidade,
e as religiões querem ser caminhos
para essa profundidade;
- que, em sua busca, as religiões encontram força e sentido
na abertura ao Mistério inefável;
- que fazer comunidade ajuda-nos nessa experiência;
- que as religiões podem ser um ponto de acesso

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à paz interior, à harmonia consigo mesmo e com o mundo,
o que se traduz num olhar admirado, alegre e grato;
- que nós, pertencentes a diversas tradições religiosas,
queremos dialogar entre nós;
- que desejamos compartilhar com todos
a luta para criar um mundo melhor,
a fim de resolver os graves problemas da humanidade:
a fome e a pobreza,
a guerra e a violência,
a destruição do ambiente natural,
a falta de acesso a uma profunda experiência de vida,
a falta de respeito pela liberdade e a diferença;
- e que desejamos compartilhar com todos
os frutos da nossa busca
das aspirações mais altas do ser humano,
no respeito mais radical do que cada um é
e com o propósito de poder viver todos juntos
uma vida digna de ser vivida.
O segundo texto que vos apresento à moda de conclusão é, como nos anos passados, uma fábula
que evidencia a importância da atitude positiva diante da vida. É aquilo que marca a diferença entre
a cultura da morte, na qual podemos viver sem nem mesmo tomar consciência disso, e a cultura da
vida, que preenche a existência, própria e alheia, de alegria, colorido e generosidade.
Ao visitar Belarus, fiquei agradavelmente marcado pelo grupo de jovens que encontrei em Minsk e
pela representação de uma história encenada por eles. Agradou-me tanto e pareceu-me tão
iluminadora que me disse: eis o que gostaria de comunicar a toda a Família Salesiana, eis o que
gostaria de fazer com cada um de seus membros: oferecer o meu guarda-chuva amarelo, aquele que
também eu recebi de Dom Bosco.
O GUARDA-CHUVA AMARELO
Era uma vez uma cidade cinzenta e triste, onde, quando chovia, todos os habitantes giravam pelas
ruas com guarda-chuvas pretos. Sempre, rigorosamente, pretos.

2.10 Page 20

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Sob o guarda-chuva todos tinham um rosto fechado e triste... E não pode ser diferente debaixo de
um guarda-chuva preto!
Um dia, porém, em que chovia a cântaros, mais densamente do que nunca, apareceu
improvisamente um homem um tanto bizarro que caminhava com um guarda-chuva amarelo. E,
como se não bastasse, aquele homem sorria.
Alguns transeuntes olhavam-no escandalizados por debaixo do negro guarda-chuva que os
protegia, e murmuravam:
«Vejam que indecência! É realmente ridículo com aquele seu guarda-chuva amarelo. Não é nada
sério! A chuva, porém, é uma coisa séria e o guarda-chuva não pode ser senão preto!»
Outros se encolerizavam e comentavam: «Mas... que raça de idéia é aquela de andar por aí com
um guarda-chuva amarelo? Aquele fulano é apenas um exibicionista, alguém que deseja fazer-se
notar a qualquer custo. Não é por nada divertido!»
De fato, nada havia de divertido naquela cidade, onde sempre chovia e os guarda-chuvas eram
todos pretos.
Só a pequena Natasha não sabia o que pensar.Um certo pensamento passava-lhe pela cabeça com
insistência: «Quando chove, um guarda-chuva é um guarda-chuva. Amarelo ou preto que seja, o
que conta é ter um guarda-chuva que proteja da chuva».
Além disso, a pequena percebia que aquele homem debaixo do seu guarda-chuva amarelo tinha a
aparência de estar perfeitamente contente e feliz. E se perguntava o porquê.
Certo dia, à saída da escola, Natasha percebeu que esquecera o seu guarda-chuva preto em casa.
Sacudiu os ombros e foi para casa com a cabeça descoberta, deixando que a chuva ensopasse seus
cabelos.
O acaso quis que pouco depois cruzasse com o homem do guarda-chuva amarelo, que lhe propôs
sorrindo: «Menina, quer proteger-te?»
Natasha hesitou. Se aceitasse, todos ririam dela. Mas eis que surge logo um outro pensamento:
«Quando chove, um guarda-chuva é sempre um guarda-chuva. Seja ele é amarelo ou preto, o quê
importa? É sempre melhor ter um guarda-chuva do que se ensopar de chuva!»
Aceitou e protegeu-se sob o guarda-chuva amarelo junto àquele homem gentil.
Entendeu, então, porque ele era feliz: debaixo do guarda-chuva amarelo o mau tempo não existia
mais! Havia um grande sol quente em céu azul, onde os passarinhos voavam gorjeando.
Natasha tinha um aspecto tão admirado que o homem estourou numa gargalhada:
«Eu sei! Tu também me tomas por um doido, mas desejo explicar-te tudo. Antigamente, eu também
era triste, nesta cidade onde sempre chove. Eu também tinha um guarda-chuva preto. Certo dia,
porém, saindo do escritório, esqueci o guarda-chuva e fui para casa, como estava. Ao caminhar,
encontrei um homem que me ofereceu para abrigar-me debaixo do seu guarda-chuva amarelo.
Como tu, hesitei porque tinha medo de ser diferente, de ser ridículo. Entretanto, aceitei, porque
tinha medo ainda maior de pegar um resfriado. E percebi como tu que debaixo do guarda-

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3.1 Page 21

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chuva amarelo desaparecera o mau tempo. Aquele homem ensinou-me o motivo de as pessoas
serem tristes sob o guarda-chuva preto: o tique-taque da chuva e o negro do guarda-chuva
deixava-as amuadas e sem qualquer vontade de conversar. Depois, improvisamente, o homem foi
embora e eu percebi que tinha nas mãos um guarda-chuva amarelo. Fui atrás dele, mas não
consegui encontrá-lo: desaparecera. Dessa forma, conservei o guarda-chuva amarelo e o bom
tempo jamais me abandonou».
Natasaha exclamou:
«Que história! E não fica embaraçado por conservar o guarda-chuva de um outro?»
O homem respondeu:
«Não; porque eu bem sei que este guarda-chuva é de todos. Aquele homem recebera sem dúvida,
também ele, de algum outro».
Quando chegaram diante da casa de Natasha, despediram-se.
Tão logo o homem, afastando-se, desapareceu, a menina percebeu que tinha nas mãos o seu
guarda-chuva amarelo. Aquele homem gentil, porém, quem sabe onde estava...
Dessa forma, Natasha conservou o guarda-chuva amarelo, mas já sabia que logo teria trocado
novamente de dono, passaria para outras mãos, para abrigar da chuva e levar o "bom tempo" a
outras pessoas.
Concluo renovando os votos de Feliz Ano novo de 2007, com o empenho de serdes dignos crentes
de um Deus que ama a vida, enquanto com Ele, como Família Salesiana, trabalhemos na construção
da cultura da vida.
P. Pascual Chávez Villanueva
Reitor-Mor
[1] João Paulo II, Discurso durante a Vigília de Oração para a VIII Jornada Mundial da Juventude
em Denver, de 14-8-1993, in L`Osservatore Romano, 17/18-8-1993.
[2] Cf. Carta da Missão da Família Salesiana, nn. 9.10.16.
[3] João Paulo II, Encíclica Evangelium Vitae (EV), 5
[4] Ao Clero da Diocese de Roma, quaresma de 2006, in L`Osservatore Romano, 4-03-2006, p. 4ss.
[5] EV 12
[6] EV 34
[7] EV 38
[8] EV 80
[9] João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio, 17.

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[10] Cf. P. Braido, Prevenire non reprimere. LAS, Roma 1999, pp. 324-325
[11] F. Orestano, citado por P. Braido, op. cit. p. 236.
[12] A. da Silva Ferreira, Il dialogo tra don Bosco e il maestro Francesco Bodrato 1864, RSS 3
(1984) 385.
[13] G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico… p. 50, OE XI p. 200.
[14] Cf. P. Braido, op. cit. p. 233.
[15] Cf. EV87
[16] Constituições SDB, 2.
[17] EV 79
[18] EV 82
[19] EV 97
[20] Cf. Documento do Pontifício Conselho da Justiça e da Paz por ocasião da Cúpula Mundial
sobre o desenvolvimento sustentável de Johanesburgo (26 de agosto-4 de setembro de 2002).