ACONTECIMENTOS DE IGREJA E DE FAMÍLIA


ACONTECIMENTOS DE IGREJA E DE FAMÍLIA





P. Juan Edmundo Vecchi



Atos do Conselho Geral 364





1. Tempo de Sínodos – 1.1. América solidária – 1.2. A Ásia clama pelo evangelho – 1.3. Vida e anúncio – 1.4. Um olhar sobre os jovens – 1.5.O interesse pela educação. – 2. Celebrar para crescer – 2.1. Um momento de história – 2.2. O dom da união fraterna – 2.3. Dom Bosco: um Santo que fascina – 2.4. A atualidade da mensagem educativa – 2.5. Um ponto estratégico: a formação – 3. Conclusão.





Roma, 29 de junho de 1998

1 SS. Pedro e Paulo

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Queridos irmãos,

nos últimos encontros que tive com inspetores e irmãos foi-me sugerido que, de vez em quando, interrompendo a série de cartas de caráter doutrinal, comunicasse, como num Boa-noite, impressões e notícias da Congregação e da vida eclesial, colhidas a partir do meu posto de observação.

Tento-o de boa vontade desta vez. As inspetorias, entretanto, estão empenhadas na aplicação, a mais completa e sistemática possível, do CG24. O que exige não só sutilezas de organização, com também aprofundamento da espiritualidade salesiana, reflexão sobre o patrimônio educativo e reforço da capacidade de animação dos salesianos com uma bagagem adequada de ideias e competências. Os irmãos têm, então, uma abundante matéria a repensar.

São muitos os acontecimentos sobre os quais falar e as situações a comentar. Escolho dois deles: um, pela importância eclesial, e outro, pelo seu significado salesiano.



1. Tempo de Sínodo



Tive a felicidade de participar de duas assembleias sinodais: para a América e para a Ásia. Da primeira, participaram nove bispos salesianos; da segunda, quatro bispos, mais três irmãos e uma FMA, convidados como especialistas. As duas assembleias fazem parte de uma sucessão de seis reuniões semelhantes. Seguem à da África (10 de abril – 8 de maio de 1994), da qual já foi apresentada a Exortação Apostólica Ecclesia in Africa. Precedem à da Oceania e da Europa, que acontecerão respectivamente em novembro deste ano e na primavera de 1999. Uma última assembleia da Igreja universal servirá como momento de convergência e unificação, aprofundamento e síntese.

Embora sejam dirigidos diretamente a cada continente, os Sínodos fazem uma reflexão e propõem algumas pistas úteis para a Igreja universal e para a vida cristã pessoal em qualquer contexto. A sua visão sobre o panorama atual distende-se por 360 graus, pois os povos, as culturas e as situações sociais são interdependentes.

Vistos em conjunto, surgem como o ponto de coagulação de quatro exigências emergentes às vésperas do terceiro milênio: o empenho da Igreja inteira numa nova evangelização; a urgência de amadurecer uma maior comunhão espiritual e operativa na Igreja, que é o sujeito da evangelização; a visão atenta à cultura ou culturas das quais o evangelho deve ser fermento e instância crítica; o propósito de dialogar com a sociedade que se vai construindo e na qual o evangelho deve ressoar, interpelando as consciências e estruturas.

A sequência dos passos que levam às conclusões das assembleias é conhecida: escolha do tema, entrega dos Lineamenta para a reflexão e contribuição das Igrejas interessadas, preparação do Instrumentum laboris, que acolhe essas contribuições e constitui a base da discussão.

Iniciado o encontro, após a conferência de abertura, que retoma os resultados da preparação, tem lugar a fase de escuta, quando cada membro pode fazer uso da palavra para sublinhar, desenvolver ou introduzir um tema julgado importante. Segue a Relação após a discussão, que focaliza os pontos nodais do debate. Os circuli minores fazem um primeiro aprofundamento que apresentam à assembleia, retornando-se em seguida aos mesmos grupos para a preparação das Propositiones. Estas serão ordenadas e unificadas por uma comissão sob a responsabilidade do Secretário Geral. Segue-se a apresentação das correções e integrações, chegando-se à votação final que é nominal e assinada. É um itinerário já experimentado em várias assembleias, com indicações precisas de tempos e modalidades, que consente a livre expressão, mas exige uma cuidadosa preparação dos interessados.

Há um ponto que emerge nitidamente dos enunciados temáticos de cada Sínodo, dos estímulos propostos nos Lineamenta, do seu desenvolvimento no Instrumentum Laboris, do aprofundamento feito na discussão, da coleta dos pontos críticos emergentes nas Propositiones, ou seja, a necessidade de Cristo para a salvação do homem, o homem de hoje, e a aposta da Igreja (podemos dizer a fé!) no poder de iluminação, libertação e renovação próprias do Seu mistério. No momento de declínio das ideologias e da desvalorização de toda “teoria” sobre a pessoa humana, o acontecimento de Jesus e o seu evangelho, a experiência da vida humana e de Deus que com Ele e n’Ele se pode fazer, retornam como fonte de sabedoria e razão de esperança. Ecoa novamente a sua declaração: «Eu sou o caminho, a verdade, a vida».1

A Igreja reafirma, pois, a sua vontade de viver em si mesma com maior intensidade o mistério e a presença de Cristo. É frequente e prioritário o apelo à conversão, à transparência, ao testemunho por parte de cada cristão e das comunidades, conforme às condições em que hoje se exprimem a vida e os desafios apresentados pela mentalidade e pelo ambiente.

A evangelização é entendida como comunicação da vivência. É também vivo, portanto, o discurso sobre os caminhos para propor o que vivemos, com maior dinamismo e vigor, segundo novas modalidades e através de meios mais eficazes.

Isso tudo é expresso com muita clareza na formulação dos temas: «A Igreja na África e a sua missão evangelizadora em vista do ano 2000: “Sereis minhas testemunhas” (At 1,8);2 «Encontro com Jesus Cristo vivo, caminho à conversão, à comunhão e à solidariedade na América»;3 «Jesus Cristo, o Salvador e a sua missão de amor e serviço na Ásia: “… Para que tenham a vida e a tenham em abundância”»;4 «Jesus Cristo: seguir o seu caminho, proclamar a sua verdade, viver a sua vida: um apelo aos povos da Oceania»;5 «Jesus Cristo vivo em sua Igreja, fonte de esperança para a Europa».6

A modernidade, ou pós-modernidade, queira-se ou não, comporta um desafio aos crentes; ela é interpelação de Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou?”.7

A Igreja, entretanto, está consciente da situação humana em que esta pergunta, com a decorrente resposta, deve ressoar e ser compreendida. O mundo parece unificado pela eliminação das distâncias físicas, pelos hábitos e costumes transversais e pela comunicação social. No âmbito econômico, acontece a “globalização”, e, com ela, o mundo parece um espaço único de intercâmbio, interdependente em suas partes, submetido às próprias leis. Por outro lado, por causa do individualismo, está profundamente dividido por rivalidades étnicas e nacionais, por interesses econômicos e desigualdades inexplicáveis, quase fragmentário em relação aos valores e normas éticas. Mostram-se como possíveis para o futuro a convivência pacífica e solidária de pessoas e de povos ou o predomínio selvagem de alguns com o empobrecimento e a exclusão da maioria.

Em âmbito religioso, há a vaga busca de religiosidade, sinal de insatisfação quanto ao único horizonte temporal; há o progresso quantitativo do cristianismo em vastas zonas, a identificação mais nítida dos crentes em outras, o fundamentalismo que tenta a supremacia através da repressão e da violência, a difusão de variadas propostas aparentemente espirituais.

A Igreja está ciente de não ser a única responsável pelo Reino, mas seu sinal e instrumento. Ela assume, então, como dimensões quotidianas, não extraordinárias, do seu agir, a abertura ecumênica, o diálogo inter-religioso, a solidariedade com a humanidade em caminho.

A frente é ampla; o empenho também. É necessária a participação de todos. Por isso, leigos, sacerdotes e consagrados são estimulados a renovar a própria vida espiritual, mirando uma santidade capaz de falar ao homem de hoje; a viver com alegria a própria vocação cristã; a retornar sempre a Cristo como fonte de sentido e energia; a atualizar-se na leitura da realidade a fim de anunciar o evangelho com eficácia.

A referência à figura dos santos e dos mártires reconhecidos oficialmente e daqueles que esperam tal reconhecimento, foi frequente, sentida e inspiradora. A santidade dos discípulos de Cristo é, com efeito, a proposta das assembleias dos Sínodos como via mestra da evangelização.



2 1.1. América solidária

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O elemento novo que dá ao Sínodo para a América um valor universal é a consideração unitária do continente. As Assembleias de Medellín, Puebla, Santo Domingo, eram apenas da e para a América Latina. Detinham-se em suas peculiaridades, assumiam suas perspectivas. Os Estados Unidos e o Canadá eram considerados como pertencentes a um outro “mundo”: era a clássica divisão Norte e Sul, países desenvolvidos e em países via de desenvolvimento, ricos e pobres, ambientes secularizados e de religiosidade popular.

Desta vez, porém, foram convocados os episcopados dos dois hemisférios do continente. Ouviram-se as situações das Igrejas como participantes de um fenômeno único, o que permitiu colocar os problemas em termos de interdependência e solidariedade.

O Sínodo para a América pairou, compondo-as, sobre três perspectivas: a evangelização do ambiente restrito confiado a cada diocese, o sentido cristão da vida e dos projetos em contextos de média grandeza como as nações ou regiões do continente, as questões de nível continental e mundial que devem ser assumidos colegialmente. Tratava-se de colher todas as atuais possibilidades de Comunhão, tornando-as operativas, por parte de um episcopado formado por 1625 Bispos.8

A América aparece como um continente pluriétnico, formado por povos nativos, populações vindas em sucessivas ondas de emigração europeia e asiática, descendentes de africanos levados como escravos. O segundo grupo, dos europeus, é o mais consistente, mas os grupos indígenas estão em crescimento numérico e de consciência da própria identidade. Há uma vontade de convivência e integração com progressiva valorização das diversidades.

Trata-se, ainda, de um continente “cristão” no que se refere ao substrato cultural e à tradição social: católico no Centro e no Sul, protestante no Norte. Esse caráter é manifestado na organização regular das igrejas, nos critérios éticos, na religiosidade popular, na tendência a aderir aos novos movimentos religiosos, na resposta que encontram nas seitas. Sofre, hoje, o influxo do secularismo na mentalidade, do individualismo na organização da vida e do subjetivismo na expressão da fé. Vê surgir, porém, fermentos poderosos de vida cristã; espera a mensagem evangélica para muitos aspectos de sua cultura; oferece liberdade ao anúncio e à ação da Igreja.

A situação socioeconômica tende ao empobrecimento progressivo: aumenta o número dos pobres e cresce a distância entre uma minoria, sempre mais reduzida, que possui recursos, e uma maioria, sempre mais numerosa, de gente que não tem o necessário para o próprio desenvolvimento. O fenômeno acontece também no Norte. Por isso foi chamado em causa o atual sistema de gerir os recursos do mundo, de governar as sociedades nacionais e de conceber a ordem internacional.

É um continente que vai demonstrando um novo sentido de solidariedade no reconhecimento e no encontro pacífico dos diversos componentes étnicos, na organização regional através de organismos como o Nafta, o Mercosul, o Pacto Andino.

Um termo que retornou várias vezes foi globalização, isto é, a mundialização dos problemas, a interdependência entre os âmbitos da atividade humana e os povos. Passou-se do significado e das consequências econômicas da palavra, nem todas justas e desejáveis, a uma definição mais humana e total, desejando um exercício mais vivo e uma organização mais operativa da colegialidade episcopal e da comunhão das Igrejas.

Indicaram-se alguns âmbitos em que a comunhão eclesial pode exprimir-se com maior consistência e capacidade de intervenção.

Um deles é o das relações econômicas entre os povos, particularmente em relação à dívida externa, que há anos pesa sobre os países de baixo e médio desenvolvimento, e não lhes permite melhorar a qualidade da vida nem de expandir o bem-estar indispensável. As propostas foram muito contidas e discretas.

Foi pedido, também, à Santa Sé que insista, com um documento autorizado, sobre a justiça das relações econômicas internacionais, que no momento não têm um código com suficiente fundamentação ética.

Desejou-se que a Conferência dos Bispos da América promova uma reunião de competentes de alto nível para estudar uma solução técnica ao problema, que satisfaça os interesses fundamentais das partes. Vê-se, como objetivo, o cancelamento da dívida ou a sua substancial redução até a eliminação dos juros quando o capital for devolvido, com a obrigação de investir a parte da dívida perdoada em benefício dos setores mais pobres da própria nação beneficiária.

Constitui também um espaço para a colaboração o cuidado dos emigrantes. Acontece um grande movimento do Sul ao Norte. Os hispânicos constituem a última onda de emigrantes que deram maior consistência à componente católica dos Estados Unidos. Levam também algumas características da própria fé e da própria vida eclesial. Estão expostos, por outro lado, homens e mulheres, a variadas formas de exploração, dada a situação ilegal em que muitos se encontram, oferecendo o flanco a todo tipo de chantagem.

O fenômeno colheu as Igrejas de surpresa, que até o momento não desenvolveram uma política solidária a respeito, e não conseguem dar aos imigrantes uma assistência religiosa suficiente e, muito menos, acompanhá-los do ponto de vista humano no momento de chegada e inserção.

Insistiu-se sobre a vontade de chegar à maior mobilidade de sacerdotes e religiosos nas duas direções, a fim de consentir uma maior compreensão recíproca e uma melhor atenção pastoral. É interessante relevar que, para nós, isso coincide com certo projeto de colaboração que teve uma primeira expressão na criação da região “interamericana” e que se vai manifestando agora em novas iniciativas.

Foi invocada a colaboração para enfrentar a difusão das seitas. A avaliação delas foi muito severa nas primeiras afirmações da Assembleia. São consideradas agressivas, voltadas a denegrir o catolicismo. Servem-se de métodos de proselitismo que se aproveitam das fraquezas econômicas ou psicológicas do povo e criam dependência. Contam com poderosos recursos econômicos e técnicos que lhes permitem adquirir imóveis e construir rapidamente lugares de reunião e culto. Após mencionar esses aspectos, que parecem realísticos em vista de um possível diálogo ou colaboração com elas em favor do homem, questionou-se sobre as razões de sua capacidade de atrair, sobre os limites do nosso anúncio e da nossa proposta de fé, das nossas celebrações. Chegou-se, enfim, à visão respeitosa das seitas, reconhecendo que, embora com os limites não indiferentes denunciados, são “expressões religiosas” e, para muitos, representam um apelo que age sobre o sentimento e provoca modificações de conduta.

Há, depois, o fenômeno do tráfico de drogas. A sua organização atingiu os níveis mais elevados e sofisticados. A força não está nas mãos dos que cultivam, transportam ou vendem a droga, mas daqueles que possuem capitais e dispõem também de outras fontes de entrada. Têm, portanto, a possibilidade de limpar o dinheiro em investimentos menos suspeitos e nas próprias instituições. Isso desagrega a vida social de algumas nações, tornando-a totalmente arbitrária. Esse é um fenômeno que nos atinge em nosso empenho de prevenção, assistência e recuperação. Não é mal, então, conhecer as dimensões com que se apresenta, estar prevenidos quanto às suas ramificações e iluminar sobre a sua ameaça.

Há, por último, a cooperação econômica entre as Igrejas. Algumas possuem recursos e outras são extremamente pobres. E não acontece, no momento, um intercâmbio regular de bens, mesmo que os cristãos se demonstrem sempre generosos nas ofertas. A distribuição adequada permitiria enfrentar com resultados melhores a evangelização de algumas áreas em desvantagem.

Pensaram-se, a fim de realizar essas perspectivas de colaboração entre as diversas regiões do continente, algumas formas de comunicação e coordenação, sem aumentar o número de estruturas, mas sobretudo revendo as existentes para adequá-las às novas demandas de colegialidade.

Além da preocupação de realizar formas de pastoral correspondentes à “globalização”, foi realizado um debate sobre o estado da fé no continente e os caminhos para chegar com o anúncio do evangelho aos grupos e realidades que hoje parecem distantes dele.

A evangelização é um processo complexo, que compreende atividades múltiplas, modalidades variadas de serviço ao homem e etapas diversas de amadurecimento. Essa complexidade é muito advertida na América, depois de uma história de 500 anos e da presença autorizada da Igreja em variados âmbitos da vida.

Ouvimos, por isso, nas duas primeiras semanas, 221 intervenções de oito minutos cada, pronunciadas pelos membros do Sínodo, mais 33 intervenções de seis minutos, feitas por auditores e convidados. Elas focalizaram, com avaliações e sugestões, as disposições exigidas nos sujeitos da evangelização, como os bispos, os sacerdotes, os leigos, os religiosos; procuraram esclarecer a parte que corresponde às comunidades eclesiais, como a paróquia, a família, os movimentos eclesiais, as escolas católicas, as universidades; sublinharam a atenção a ser dada aos diversos destinatários: pobres, jovens, doentes, mulheres, intelectuais, migrantes; auguraram a renovação e o desenvolvimento de diversas atividades como catequese, liturgia, educação, comunicação social, assistência e caridade, ministério profético.

Houve, em seguida, uma maior concentração de “eixos” básicos, ao redor dos quais organizar as orientações.

Diante da inexistência ou a reformulação do sentido da vida e perante os novos movimentos religiosos, sentiu-se a necessidade de insistir na experiência pessoal de Cristo e na formação permanente dos sacerdotes; na organização do trabalho pastoral em termos de missionariedade; na preparação e no empenho maior do laicato e, portanto, na reorganização das tarefas dos sacerdotes que deverão ser, sobretudo, garantes da autenticidade evangélica, animadores da comunidade, formadores e diretores espirituais de indivíduos e de grupos.

Diante das inúmeras chagas e dilacerações, insistiu-se numa pastoral caracterizada pela compreensão, pela caridade e pela misericórdia, capaz de assumir o peso dos condicionamentos das pessoas e percorrer com elas um caminho possível para a realização da vida segundo o evangelho.

Diante da evolução da mentalidade, devida ao influxo da cultura universal e dos meios de comunicação social, propôs-se insistir na inculturação em dois sentidos: valorizar as expressões legítimas das culturas nativas e dedicar-se à evangelização da nova cultura urbana.

Também nesse contexto, a Família Salesiana está atuando com mais de 9.000 entre irmãos e irmãs. O Sínodo oferece-nos um panorama de Igreja e de sociedade útil a orientar-nos num momento complexo, mas cheio de possibilidades.

É de esperar-se, portanto, que a Exortação Apostólica, a ser entregue proximamente pelo Santo Padre no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe seja objeto de um atento estudo.



3 1.2. A Ásia clama pelo evangelho

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Desafio é a palavra que ocorre quando se pensa na evangelização da Ásia. E em poucos casos tem um sentido tão real. Repetiu-se no Sínodo que vivem na Ásia pouco mais de 60% da humanidade atual. Ela recebeu por primeiro a mensagem cristã, que logo atingiu algumas de suas partes mais distantes.

Hoje, porém, a Ásia ainda é o continente em que o cristianismo é numericamente menos presente: os cristãos constituem, exceto nas Filipinas e no Líbano, uma pequena minoria numérica, embora seja relevante o seu peso cultural e social. Os percentuais tocam os mínimos níveis de 0,21 no Camboja, 0,19 em Bangladesh, 0,05 no Butão, 0,02 na Mongólia, até quase perder-se no nada na Arábia Saudita. Diante desses percentuais parecem-nos ainda bons aqueles que chegam a 6,60 no Sri Lanka, a 7,94 no Vietnã e a 2,78 na Indonésia.9 Fora da comunidade cristã, poucas pessoas em relação à população total, conhecem Jesus Cristo, embora muitos tenham-no ouvido nomear. A dimensão missionária da fé e das comunidades cristãs surge, pois, como a nota dominante da reflexão.

O Sínodo evidenciou a múltipla realidade colocada sob um único nome geográfico. A Ásia estende-se da Sibéria à Indonésia, do Líbano ao Japão, da Arábia à China. São muitas e diversas as culturas, de raízes antiquíssimas e de grande influxo sobre a população, embora hoje devam confrontar-se com correntes de pensamento e formas de vida que atravessam o mundo.

São diversas as religiões, nascidas e desenvolvidas na Ásia, às vezes profundamente compenetradas com os costumes. A sua enumeração, nos discursos e nos textos do Sínodo, conclui-se sempre com um “e outras”, pela impossibilidade de indicá-las todas e evitar o perigo de esquecer alguma delas. A Ásia revela-se, então, como um continente “aberto ao mistério, ao sentimento religioso, ao pensamento da divindade”, embora tenha sofrido nos últimos tempos, como o mundo todo, o impacto da demitização e do materialismo prático.

A Ásia mostra-se múltipla também do ponto de vista da organização política: ao lado de estados democráticos, existem ainda sistemas ideológicos fortemente repressivos, resíduos dos desbaratados regimes comunistas, ditaduras militares, governos rigidamente fundamentalistas, áreas de conflito inveterado entre populações. Múltipla ainda, do ponto de vista social: contextos de bem-estar com tecnologias de primeira linha e vastas regiões de pobreza difusa, onde ainda não se faz sentir a luta por uma maior justiça social. O mapa da liberdade religiosa e dos direitos humanos apresenta-se na forma de manchas de leopardo.

É múltipla, também, quanto à evangelização. Suas origens históricas chegam, em alguns casos, aos Apóstolos; em outros à época patrística, à Idade Média europeia, à época moderna, ao último século e ao pós-guerra. Amadureceram diversos ritos, que caracterizam hoje a presença cristã em algumas regiões. As vicissitudes da comunidade cristã ao longo do tempo seguiram caminhos diversos em seu confronto com poderes, religiões e sociedades, e é diversa a sua colocação atual no contexto social. As relações com o Islã oferecem um exemplo disso.

Chama a atenção nesse fundo o sentido de identidade dos cristãos. Percebe-se a alegria de terem recebido a luz do evangelho e terem sido alcançados por Cristo. Sente-se também o seu desejo de comunicar aos próximos aquilo que experimentaram: foi afirmado que «o coração da Igreja na Ásia estará inquieto enquanto todo o continente não tiver encontrado o seu repouso na Paz de Cristo, o Senhor Ressuscitado», e a expressão reproduz exatamente algo que pairava no debate.

Não poucas intervenções foram testemunhos de primeira mão sobre as comunidades cristã em situação de sofrimento, discriminação, precariedade, pesados condicionamentos: China, Coréia do Norte, alguns países árabes, as repúblicas centro-asiáticas, nas quais se reiniciou há pouco a evangelização.

O ponto mais alto desse testemunho foi o intercâmbio de saudações e mensagens com o bispo chinês Duan Yimin. Ele fora convidado pelo Santo Padre, juntamente com o seu auxiliar Dom Xu Zhixuan – ambos pertencentes à chamada Igreja oficial –, a participarem do Sínodo. Não obtiveram autorização «porque o Vaticano – segundo o porta-voz do governo chinês – os tinha nomeado unilateral e arbitrariamente, e porque a China não tem relações oficiais e vínculos religiosos com o Vaticano».

Dom Duan Yimin expressou a sua adesão via fax com o risco de ser acusado de querer estabelecer relações com um estado estrangeiro. «Quero, primeiramente – escrevia – saudar o Sumo Pontífice João Paulo II. Foi-me impossível participar do Sínodo por razões políticas. O corpo está ausente, mas o coração está permanentemente presente no Sínodo dos Bispos (…). No Sínodo dos Bispos – continuava – tudo se torna público para ser posto em prática pelos crentes em Cristo. Gostaria de ser informado do que acontece nele, e desde agora vos agradeço».



4 1.3. Vida e anúncio

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Os caminhos da evangelização não serão, pois, os mesmos para todas as regiões da Ásia. Surgem, porém, algumas indicações que parecem de aplicação universal.

Uma delas é o valor que tem a vida na Ásia, mais do que as explicações doutrinais. Ressoou muitas vezes a lembrança de Madre Teresa, como figura capaz de anunciar com a vida o cerne do evangelho.

Ocupa lugar central, entre os aspectos da vida, pela sensibilidade do contexto e diante de outras religiões, a experiência de Deus feita pelos cristãos, e a sua manifestação concreta em atitudes e práticas. A espiritualidade, a oração e o senso de Deus aparecem como sinais convincentes de um anúncio de salvação que deseje abrir uma brecha na alma asiática.

Ouviram-se recomendações insistentes e também explicações e esclarecimentos sobre a “espiritualidade cristã” que tem fontes, significado e percursos diversos, embora não contrários às espiritualidades “naturais”. Ela é trinitária, “na sequela de Cristo e conforme o seu mistério pascal”; é dom e presença do Espírito, que une e funde num movimento único, o amor a Deus e o amor ao homem, como empenho pelo Reino na história.

Religião, cultura e vida na Ásia têm a harmonia como meta ideal: transcendente e temporal, divino e humano, criação e trabalho do homem, vida exterior e profundidade do coração, religião e práxis, indivíduo e sociedade tendem a “integrar-se” numa experiência de unidade pessoal, de serenidade interior e de reconciliação com a realidade.

A qualidade do relacionamento, em primeiro lugar humano, o gerador de paz, mas também o que se estabelece entre as diversas realidades, é outro aspecto importante na manifestação da fé. Por isso, o amor por qualquer ser, compassivo e atento, é vencedor. É apropriado, por isso, a apresentação de Cristo a muitos povos da Ásia como Mestre de sabedoria, Guia espiritual, Princípio de cura e energia, Fonte de luz e capaz de iluminar, Misericordioso amigo dos pobres, Libertador, Bom Pastor, Obediente a Deus.

É preciso incluir na vida as opções também públicas dos cristãos, as iniciativas, o serviço, as expressões de empenho social. Refletiu-se depois sobre a qualidade da formação dos crentes, a condição e o ministério dos presbíteros, o espaço a ser reconhecido aos leigos e o acompanhamento que lhes é preciso dar, a importância da presença dos religiosos, em particular dos contemplativos. Reconheceu-se o valor, no passado e para o futuro, das diversas formas de serviço da Igreja: a educação, a promoção, a preferência pelos mais pobres, o influxo sobre o social.

Relacione-se à expressão mais profética da vida cristã, por parte de indivíduos e comunidades, uma proclamação do evangelho mais abundante e genuína, adequada ao contexto plurirreligioso.

É preciso anunciar Cristo. Conhecê-lo é direito de todos. Por isso, embora respeitando e valorizando as outras experiências religiosas, sentiu-se como urgente esclarecer a concepção evangélica de salvação. Igualmente parecem necessárias para dar novo impulso e centrar bem os pontos de partida e de chegada da evangelização, a meditação sobre Cristo, único Salvador definitivo, o esclarecimento da mediação da Igreja, a reflexão teológica sobre o valor e o limite das religiões. A evangelização comporta, de fato, não só a escuta do anúncio, como se fosse uma explicação religiosa ou um caminho espiritual que o homem deve assumir, mas também a acolhida pessoal de Cristo como realização do homem e mediador das nossas relações com Deus, a conversão da mente e a mudança dos costumes, a inserção na comunidade cristã através do batismo.

Estreitamente unidos ao testemunho e ao anúncio e como partes deles, estão o diálogo inter-religioso e o esforço de inculturação. Tratamos disso na carta sobre o empenho missionário: «Levantai vossos olhos e vede os campos que estão brancos, prontos para a colheita».10 As acentuações do Sínodo enriquecem a nossa reflexão.

É interessante, quanto ao diálogo inter-religioso, a insistência em sublinhar que não se trata só do diálogo verbal, que confronta e esclarece os diversos termos e concepções religiosas, mas também do diálogo “do coração, da vida e das obras”, ou seja, da convivência pacífica e da amizade, do serviço à pessoa e aos grupos, da corresponsabilidade em iniciativas sociais, do empenho pelos valores comuns. Inclui-se no diálogo a participação, com membros de outras religiões, na promoção da justiça e da paz, na ação conjunta pela proteção das crianças contra qualquer abuso, pela promoção da mulher à igualdade e à liberdade, pela extensão da educação a todos, pela superação das discriminações sociais e religiosas, pela assistência aos migrantes, pela defesa dos direitos humanos.

Quanto à inculturação, foi sublinhada a urgência de superar a imagem do cristianismo como “religião estrangeira”. Esclareceu-se que a tarefa compete a todo o povo de Deus, orientado e animado pelos pastores. Nele, pois, a formação e a prática cristã das comunidades têm um peso não menos importante da reflexão dos teólogos.

É um caminho longo e jamais concluído, que toma como referência e energia a encarnação de Cristo, tendo no centro o mistério pascal da sua paixão, morte e ressurreição. Comporta o esforço de introduzir a palavra e a prática cristã no coração da cultura e, portanto, de saber discernir para assumir o que as culturas têm de válido, exprimir com seus elementos o mistério cristão, introduzir nelas a novidade evangélica, purificando o que têm de incompleto e abandonando o que vai contra a salvação do homem.

O Sínodo para a Ásia, porém, como o anterior para a América, foi mais do que uma Assembleia. Foi uma experiência de comunhão, sentida e expressada com sinais visíveis entre os que dela participavam; dilatada no espírito e na oração a todas as Igrejas e povos do continente. O Sínodo assumiu, por isso, a situação daqueles que sofrem por falta de liberdade, particularmente em relação à religião ou por outras causas. Solicitou publicamente uma mudança dos poderes que determinam esses estados de discriminação injusta e opressão. A lembrança das condições da Igreja, recentes ou ainda presentes na China, levou a recordar outras passagens históricas semelhantes, em que o martírio marcou a existência da comunidade cristã. Objeto de atenção e de intervenções foram a situação do Iraque e as consequências do embargo sobre o povo, com um juízo ético também de caráter geral sobre o uso dessa medida política.

Aconselhou-se, também, um movimento de forças missionárias em direção às “novas” áreas, onde as comunidades cristãs estão fixando-se: Sibéria, Mongólia, Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguízia, Tadjiquistão, Turcomênia.

São cenários eclesiais, políticos e culturais que nos ajudam a imaginar a situação vivida pelos nossos irmãos e pensar para quais direções orientar os esforços futuros, pensando-os do ponto de vista da significatividade da nossa contribuição “missionária”.



5 1.4. Um olhar sobre os jovens

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Surgiram no debate sinodal alguns temas que nos estão particularmente presentes, porque nos ajudam a colocar-nos como salesianos no movimento da nova evangelização.

O primeiro refere-se à juventude. Relevou-se, nas duas assembleias, que ela constitui a maioria numérica em quase todas as nações do respectivo continente. Representa a riqueza humana futura para a sociedade e para a Igreja. Merece, pois, uma atenção toda particular da sua parte.

Os jovens distribuem-se hoje em variadas situações, fazendo com que o serviço a eles seja diversificado segundo a realidade em que se encontram, tendo sempre como fim oferecer-lhes a possibilidade de um encontro pessoal com Cristo.

Aprofundaram-se pastoralmente, no caso da América, algumas dessas situações.

Para os jovens que já têm um suficiente contato com a Igreja, deve-se repensar e qualificar a catequese, a fim de levar a uma fé personalizada que se torne luz e orientação para a vida pessoal e pública. Para os que demonstram alguma disposição, deve-se propor o empenho cristão em suas diversas formas: envolvimento ativo nas comunidades eclesiais, pertença a associações ou movimentos cristãos, voluntariado missionário, proposta de uma vocação de total consagração.

Outro percentual de jovens do continente vive distante da Igreja. A comunidade cristã – insistiu-se – deve buscar o encontro com eles, superando as distâncias físicas e também aquelas devidas a interesses, cultura, situação pessoal ou social. Há um esforço a ser feito para atingir a juventude individualmente e nos lugares em que ela se agrega por necessidade ou preferência. Há um anúncio de Cristo a ser pensado como resposta à busca de felicidade, de sentido e de realização que os jovens experimentam, e como desafio à sua generosidade e desejo de outras modalidades de vida.

Há, depois, a múltipla categoria de jovens pobres, econômica ou culturalmente: marginalizados, dependentes, desocupados, despreparados. São grupos que exigem um serviço específico de caridade, acolhida, instrução, acompanhamento, recuperação. A presença e a solidariedade dos discípulos de Cristo constituem para eles um sinal e um primeiro anúncio do evangelho.

A juventude universitária obteve uma atenção particular, enquanto elemento potencialmente determinante no futuro imediato das sociedades. Ela é destinatária de uma comunicação cultural sistemática, exposta aos desafios éticos e às visões socioeconômicas de hoje. A reflexão e a prática da fé, aprofundada e bem fundamentada, têm uma importância singular para ela, assim como o pensamento social da Igreja.

Análogas, mas ao mesmo tempo diversas, foram as perspectivas da Assembleia para a Ásia. Pedia-se, para a pequena porção de jovens cristãos, um nutrimento espiritual mais substancial através de liturgias significativas, de homilias iluminantes, da aprendizagem da oração, da reflexão sobre os problemas que se referem à idade juvenil.

Recomendou-se que a formação intelectual e cultural seja integrada à emotiva e moral, de modo que os jovens reconheçam e assumam os valores da própria cultura com senso cristão e plasmem harmoniosamente a própria identidade religiosa com a cultural.

Espera-se dos jovens, por sua vez, que eles se tornem evangelizadores dos coetâneos e elementos ativos na sociedade. Oferece-se aos cristãos, se convenientemente preparados, a oportunidade de serem, no contato com jovens de outras religiões, portadores de paz, tolerância e acolhida das diversidades. Insistiu-se, por último, na necessidade de intercâmbio, em nível de juventude, com outras Igrejas e países.

Apoiava-se, por esse motivo, a idéia de um diretor ou encarregado da juventude nas principais estruturas pastorais.

Atenção especial foi data às jovens mulheres. A Igreja, em força do anúncio, faz-se promotora da sua dignidade, da sua libertação das várias formas de subordinação e de exploração, da superação de toda discriminação quanto à instrução, à possibilidade de opções pessoais nas questões que lhe dizem respeito (matrimônio, trabalho, etc.).



6 1.5. O interesse pela educação

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O tema da juventude trouxe consigo o da educação. Ouviu-se falar muito a esse respeito, que acabou também nas “Proposições” das duas assembleias.

Talvez, em alguma intervenção, a idéia de educação tenha sido muito centrada nos processos de ensino e relacionada às respectivas instituições, mais do que apresentada como dimensão constante da evangelização, enquanto provoca um crescimento em humanidade e enquanto uma educação que se inspira na imagem de homem revelada em Jesus Cristo já constitui, embora não sozinha, evangelização. Essa perspectiva, porém, foi assimilada depois das intervenções. «A Igreja apoia e encoraja todo o processo educativo na sociedade em que a pessoa humana se forma e se torna capaz de tender ao seu desenvolvimento integral conforme o seu destino»; «a educação é parte integrante da evangelização», escutou-se no Sínodo da Ásia.

Foi encorajada e recomendada a presença cristã em instituições para a educação formal e sistemática, em que os religiosos têm uma tradição única pela quantidade de iniciativas e de experiências pedagógicas. Deseja-se, porém, que elas reforcem e exprimam, com maior clareza, a identidade católica e o propósito de evangelização. Sejam revistos, por isso, os conteúdos culturais e o teor da mesma comunicação, assim como o modo de enfrentar outros aspectos da vida, descuidados nos programas didáticos. Sejam reestudados os processos de evangelização possíveis em ambientes educativos plurirreligiosos.

Para os cristãos empenhados nesse campo, pede-se uma atenção pastoral específica que os encoraje e qualifique em seu trabalho e lhes dê a consciência da importância que ele tem na cultura e na comunidade eclesial.

Junto à rede de instituições para a educação sistemática foram encorajadas todas as iniciativas pela juventude e pelos adultos não atingidos por elas. A educação apresenta-se, então, como um espectro amplo de possibilidades, aberta à criatividade. A estrutura básica, mas não suficiente, são as instituições de ensino e de preparação sistemática ao trabalho, mas desejam-se outras formas adequadas à demanda atual.

Insistiu-se no Sínodo para a América sobre os argumentos em favor da liberdade de educação. Ela é entendida como um direito de as famílias escolherem livremente o seu tipo e endereçamento, sem serem penalizadas do ponto de vista da validade pública nem de novos pesos econômicos. É entendida também como possibilidade de a Igreja criar iniciativas educativas que tenham paridade jurídica e econômico. «É preciso afirmar a obrigação – sublinhou-se – que o Estado tem de prover à educação para todos, particularmente para os pobres, e o empenho de respeitar e proteger a liberdade de ensinar. O monopólio do Estado deve ser denunciado como uma forma de totalitarismo que viola os direitos fundamentais, particularmente o da família, à educação religiosa dos filhos. A família, de fato, é o primeiro espaço educativo de qualquer pessoa».11

O Sínodo da Ásia reconhece, por sua vez, que em muitas nações a educação católica é apreciada pela eficiência organizativa, pela qualidade didática e pela competência pedagógica. Ela criou oportunidades de educação para minorias esquecidas, para a população rural, para as jovens e, em geral, para os pobres e esquecidos.

Sublinha, também, o papel que as instituições católicas de educação tiveram na evangelização, tanto no aspecto do anúncio, como no da inculturação e do diálogo religioso de vida e convivência.

O empenho e a importância não serão menores no futuro. Sente-se, porém, a necessidade de repensar e dar nova orientação ao apostolado educativo. Em primeiro lugar dirigindo com decisão os serviços aos pobres e marginalizados, para desenvolverem o seu o potencial de serem cidadãos a pleno título e com plena voz na sociedade; e isso também com as eventuais dificuldades econômicas que possa comportar. Deseja-se, pois, que em espírito de liberdade e sem sombra de proselitismo, as escolas católicas sejam lugares onde a fé possa ser proposta e acolhida. Pede-se, por último, que as instituições de nível superior (high school, universidades) empenhem-se de modo mais significativo na formação de líderes para a Igreja e a sociedade.



2. Celebrar para crescer



As viagens feitas pelo Reitor-Mor nos últimos dois anos oferecem a oportunidade de muitos comentários interessantes. Algumas tiveram como finalidade visitar comunidades que vivem uma situação particular: a Circunscrição Leste, que continua o seu crescimento e organização progressiva; Cuba que, depois de longo período de liberdade reduzida e pausa vocacional, entrevê um tempo de desenvolvimento; o Camboja, onde iniciamos a presença com duas escolas profissionais; a China, que dá sinais de esperança, apresenta realizações hoje possíveis e demonstra ainda incertezas; a África, onde constituíram-se duas novas circunscrições e alguma outra será erigida proximamente.

Certo número de visitas foi motivado pelas celebrações centenárias da presença salesiana em várias nações: Bolívia, Paraguai, Egito, África do Sul, Bélgica Norte, Estados Unidos, Polônia, El Salvador. Outras, mais frequentes e fugazes, referiram-se a acontecimentos semelhantes de alguma obra: Alexandria do Egito, Nazaré, Cuorgné, Caserta, Pisa, Trieste, Sondrio, Legnano, Pavia, Cremona.

Na impossibilidade de deter-me sobre todas as viagens e visitas feitas, apresento-lhes algum comentário sobre estas últimas – por ocasião de comemorações centenárias – que, embora com diferenças segundo os contextos e estilos, deixaram-me algumas impressões comuns.

As celebrações foram em todos os lugares uma oportunidade não só de memória histórica, mas de reflexão carismática, renovada iniciativa pastoral, agregação da Família Salesiana e comunicação extraordinária com o contexto. Visaram envolver em programas específicos os irmãos, os jovens e aqueles que, de diversas maneiras, se sentem ligados ao espírito e à missão de Dom Bosco. Envolveram a Igreja local, as forças sociais e a opinião pública com notícias históricas e mensagens educativas, pondo à prova a nossa capacidade de ativar canais múltiplos e ágeis de comunicação.

O desejo de retomar o entusiasmo dos inícios e dos momentos mais fecundos da vida salesiana no País interessado exprimiu-se na busca de uma renovação espiritual. Escrevo-lhes justamente depois dos exercícios espirituais que reuniram com o Reitor-Mor, pela primeira vez na história, todos os diretores das Inspetorias dos Estados Unidos e Canadá. Deram-se acontecimentos semelhantes em outros lugares com a presença de algum membro do Conselho.

A memória histórica foi recolhida em volumes e artigos, que procuraram reviver as circunstâncias da instalação e das principais passagens da nossa presença. Foram colocados à prova o estado, a credibilidade e a agilidade da documentação a que se referem alguns artigos dos Regulamentos12 conforme o princípio estabelecido pelo artigo 62: «De importância especial se reveste a conservação das bibliotecas, arquivos e qualquer outro material de documentação, pelo seu grande valor cultural e comunitário».

Os volumes publicados demonstram a intenção de contar ao povo e fazer memória aos “de casa”. Constituem um material de leitura atraente e sugestiva, porque refletem o quotidiano em figuras de irmãos e fatos vivazes. Sente-se ao mesmo tempo a urgência de uma maior completude histórica e uma melhor organização dos estudos, que demonstrem adequadamente a imagem da nossa inserção num determinado contexto.

As iniciativas pastorais voltaram-se sobretudo para os jovens. Eles foram interessados nos acontecimentos pessoais de Dom Bosco e na obra atual dos salesianos na nação e no mundo. Foram envolvidos com entusiasmo e convicção em momentos de grandes reuniões, celebrações religiosas e manifestações artísticas. Os mais motivados tomaram parte ativa na preparação e realização dos atos e, muitas vezes, foram também destinatários de atividades particulares para sua vida espiritual. Emergiu em todos os lugares o sentido vocacional que se queria dar às celebrações. Verificamos assim a nossa incidência sobre os jovens adultos, constatando o que foi realizado com o esforço de formar animadores, voluntários e colaboradores e tocamos com as mãos as vantagens da integração e sinergia entre pastoral juvenil SDB, FMA, Ex-alunos e Cooperadores Salesianos.

O relançamento pastoral levou a pensar, também, em novas formas de presenças, que se tornaram possíveis graças ao redimensionamento de obras que pareciam menos urgentes e a consequente recuperação de forças, à reformulação dos serviços em obras existentes com o critério da significatividade, ao reforço de iniciativas de fronteira empreendidas anteriormente.

A Família Salesiana exprimiu-se de forma numerosa nas reuniões domésticas e nas comemorações civis e religiosas. Ela vai tornando-se sempre mais visível e completa. Demonstra desejo de comunhão e capacidade de envolvimento operativo, embora reaja frequentemente estimulada por um comitê de ocasião mais do que animada por uma “equipe permanente”. A sua participação reflete bem o estado em que se encontra atualmente em cada lugar e abre possibilidades que encorajam.

Às autoridades e forças sociais chegaram abundantes informações sobre as finalidades perseguidas pelos salesianos, sobre o estilo educativo que os caracteriza e as intenções que cultivam para o futuro. Relações pessoais, participação nos atos civis e religiosos, entrevistas através da imprensa, rádio e televisão, suplementos especiais nos jornais, foram outros “púlpitos” para comunicar com a sociedade.

As autoridades civis, segundo as dimensões e a incidência da obra salesiana, consideraram as celebrações acontecimentos culturais de seu interesse e concederam de bom grado honorificências e reconhecimentos: cidadanias honorárias, acolhidas oficiais, monumentos em lugares públicos, placas comemorativas, nomes em ruas e praças. Esses reconhecimentos, mais do que “honras” buscadas, são para nós parâmetros para medir a nossa inserção real no tecido social e convites a oferecer, com maior confiança ainda, um serviço aos jovens com as características do nosso carisma.



7 2.1. Um momento de memória

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Uma certa concentração de centenários nacionais na América documenta a dimensão do nosso primeiro projeto missionário: os tempos de realização, as preferências demonstradas, as direções e critérios de expansão. Entre 1875 e 1900, em 25 anos, a Congregação colocou suas raízes em quase todas as nações daquele continente através de uma entrada anual, visada e regular, de irmãos oferecidos pelas regiões mais fecundas em vocações.

A sucessão ininterrupta de centenários locais, particularmente na Europa, demonstra, por sua vez, a idéia das expectativas que havia na Congregação nascente e da mobilidade a que ela se viu quase impelida. De fato, estando nos dados do Arquivo Central, embora com alguma diferença entre as diversas fontes, chegaram dos mais diversos países ao Reitor-Mor, beato P. Rua, entre 1888 e 1900, 664 pedidos de fundações. Destes, mais de 200 foram acolhidos. A mobilidade mostra-se no fato que 38 dessas casas foram fechadas durante o mesmo reitorado do P. Rua, e outras 29 foram-no depois dele.

Foi comovente revisitar em cada lugar as situações de emergência que os salesianos foram chamados a resolver ou, pelo menos, diminuir: imigrantes sem qualquer cuidado religioso, com dificuldades de inserção, sobre os quais se difundiam facilmente preconceitos pela conformação do bairro em que viviam, pela imagem oferecida pelo seu trabalho pesado, pelo aparente conflito doméstico a que eram expostos pela pobreza, pelas formas rumorosas de distensão dominical; meninos de rua sem acesso à educação que constituíam perigos sociais; urgências de preparação ao trabalho em nações que não tinham nenhum programa educativo com essa finalidade; missões entre minorias indígenas de difícil contato. Escutando conferencistas e oradores, fiz-me a idéia de que não fomos chamados para reforçar a ação pastoral normal, mas para resolver situações limites, pelas quais não havia ou não se sentiam suficientes as forças operantes no lugar. O espírito de aventura, um senso de audácia pastoral e a consciência da mensagem profética de salvação aos jovens e às classes trabalhadoras, caracterizam todos os inícios.

A memória apresenta as condições precárias em que as obras foram frequentemente iniciadas, onde se viveu, os ambientes e os equipamentos de trabalho: um velho quartel (Paraguai), um forte em total abandono (Alexandria), a cripta de uma igreja (Nova Iorque), uma casa de colonos nos extremos ou fora da cidade, e outros. Faz ver também como a qualidade evangélica do trabalho, a dedicação aos pobres e a relação com o povo levaram aos poucos a alargar os espaços pensando sempre às demandas dos jovens.

Os salesianos levavam consigo algumas convicções pastorais, quase instintivas, a ponto de não precisarem revê-las, tanto eram radicadas neles: o valor universal do modelo oratoriano, a eficácia do sistema preventivo, a preferência pelas escolas profissionais, a proximidade do povo e de seus problemas, o esforço em suscitar logo vocações locais que continuassem a obra. No domingo após a chegada à Bolívia, os salesianos – como registra o P. Ceria13 – começaram o oratório festivo no qual, apesar dos espaços reduzidos, tiveram logo 250 garotos. Ouvimos expressões semelhantes durante a narração de outros inícios. São traços iniciais que se prolongam e emergem nos momentos de maior fecundidade.

Com eles, afirmaram-se as Inspetorias, e a Congregação estendeu-se como em círculos, ao redor das primeiras fundações, num processo nem uniforme nem linear. O serviço educativo e pastoral, porém, diversificou-se e enriqueceu-se, até compreender hoje um leque de iniciativas que abraçam a pobreza, a educação sistemática, o envolvimento de jovens e adultos em trabalhos apostólicos, a presença universitária, o acompanhamento de grupos étnicos, os meios de comunicação social, a animação de um vasto movimento apostólico.



8 2.2. O dom da união fraterna

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O que impressiona mais intensamente nas visitas, nos encontros e, sobretudo, nas ocasiões de celebrações, é a unidade da Congregação: um sentido entusiasta de pertença ao lado do desejo de caminhar e realizar juntos. Com frequência damo-la como sabida e talvez não percebamos a maravilha que representa, a graça que exige, o trabalho, enfim, que supõe e a riqueza que significa. Trata-se de um corpo de 17.000 pessoas, distribuídas em 2000 comunidades, que se relacionam ao redor de 91 centros inspetoriais.

Percebi essa unidade como um fato vivido de modo natural pelos irmãos, sem problematizações nem consciência dos riscos, e com a alegria profunda de sentir-se unidos numa vocação e empresa comuns para além das distâncias e das diferenças. Adverti-a também como objetivo na ação de animação e de governo e como preocupação nos grupos de reflexão. Pensei espontaneamente na passagem das Constituições que diz: «Os superiores, em todos os níveis de governo, participam de uma única e mesma autoridade e a exercem em comunhão com o Reitor-Mor, para o bem de toda a Sociedade. Assim, enquanto promovem o bem de cada comunidade, zelam solicitamente pela unidade, pelo incremento e aperfeiçoamento de toda a Congregação».14

Essa unidade refere-se ao espírito e à mentalidade religiosa, reconhecíveis em todos os lugares, sob invólucros culturais diversos. A diferença de hábitos, línguas e modalidades de vida não compromete a identidade da vocação e as características típicas da vida salesiana. Passando pelos cinco continentes e pelas diversas nações, encontramos o mesmo estilo de família e de trabalho, expresso com algumas modalidades universais e outras diversificadas.

A unidade não foi um fruto espontâneo. Contribuíram para criá-la e revigorá-la a acolhida, o estudo e a referência às Constituições, que propõem um projeto pessoal e comunitário definido, com opções de inspirações e atitudes, com indicações práticas para o ordenamento da vida.

Reforçaram-na no suceder-se dos anos as orientações dos Capítulos Gerais e a obra de esclarecimento e de estímulo dos Reitores-Mores. Enriqueceu-a o contato com a literatura salesiana atualizada. Manteve-a viva a comunicação com a Congregação: a “substancial” que se refere a diretrizes e orientações, e, também, a “leve” que vem na informação veloz.

Onde irmãos e comunidades tiveram acesso fácil a essas fontes, segundo o valor que cada uma delas merece, onde essas fontes são valorizadas, nota-se uma maior abundância de referências e motivações e uma vivência mais sentida e quotidiana da unidade.

Hoje, quando a multiplicidade de propostas e a distância cronológica do nosso Fundador podem-nos tornar “normalmente aceitáveis” modalidades alternativas à da nossa vida, deve-se favorecer a familiaridade com os textos que documentam a nossa história e apresentam autorizadamente a nossa experiência religiosa.

A unidade, porém, de que se falou acima, é sólida também do ponto de vista institucional e organizativo. Repetem-no para mim pessoas amigas, admiradas pela ligação e correspondência que existe entre o Reitor-Mor com o seu Conselho e os Inspetores com seus Conselhos, entre estes e os diretores. Recorda-nos um desejo de Dom Bosco que coincide também com o de Jesus: que a união entre os discípulos fosse real e manifesta com sinais humanamente compreensíveis. É um critério, o da organização para a unidade, que Dom Bosco parece ter amadurecido justamente na práxis de governo: «Para que uma Congregação como a nossa prospere, é necessário que seja bem organizada».15 O senso do caráter instrumental das estruturas, a lealdade, a corresponsabilidade e o espírito de iniciativa garantem uma descentralização operativa que multiplica serviços e obras e, cá e lá, transborda até mesmo no individualismo: um risco a levar-se em conta e um preço a pagar para temperar necessidade de coordenação e criatividade.

Dialogando com os irmãos, ouço com frequência, como objeção ao que comentei acima, que algumas orientações, portadoras de mudança de rota, são assimiladas lenta e tardiamente pelas comunidades. A aplicação dos Capítulos Gerais seria uma prova disso. Certa lentidão é própria da natureza das adaptações a serem feitas. Elas exigem processos complexos e tempos longos pelas dimensões da nossa Congregação, para que possam ser alcançadas todas as suas partes, diversas pelo contexto cultural, língua e colocação pastoral. Vê-se, porém, que em todos os lugares se move na mesma direção.

A unidade de espírito e mentalidade, que se apoia também na clareza institucional, manifesta-se em todos os lugares numa fraternidade de traços humanos, melhor ainda, juvenis. Os salesianos escutam de boa vontade, interessam-se pelas diversas situações em que seus irmãos trabalham. Quando não se acena às particularmente dolorosas ou felizes das quais ouviram notícias genéricas, perguntam para terem delas uma ulterior informação. A narração é quase sempre a parte mais esperada e seguida do diálogo. Nos encontros inter-regionais, convocados para estudar problemas de áreas ou setores, tratamo-nos imediatamente como membros de uma única família, embora com frequência nos estejamos vendo pela primeira vez.

Demonstra-se grande confiança na riqueza que pode ser trazida pela diversidade, quando se está consciente das inspirações e orientações comuns.

A convivência em comunidades “internacionais” empenhadas na única missão salesiana, segundo o estilo de vida traçado pelas Constituições já é um fato. E vai-se desenhando como um critério a ser seguido, que por outro lado, já existia em nossa práxis.

Acrescento que a unidade se demonstra operativamente eficaz. Sentimo-lo nas declarações de disponibilidade ou na prontidão com que se coloca a serviço da Congregação aquilo que o Reitor-Mor julga conveniente.

Vemo-lo na colaboração missionária. Em tempos de queda vocacional em vastas regiões pôde-se iniciar o “Projeto África”, agora em fase de consolidação. Mediante as expedições anuais vão-se criando novas presenças ou reforçando áreas onde entreveem-se possibilidades de desenvolvimento.

Não é menor a solidariedade econômica que escorre por diversos canais: fundo missões, fundo solidariedade, contribuições notáveis das Inspetorias às missões a elas confiadas, coletas individuais de missionários.

Não me foge que a graça da unidade de espírito, governo, fraternidade e trabalho pode ir ao encontro de provações típicas do nosso tempo, como a afirmação simplista da peculiaridade cultural, o regionalismo, as contraposições gratuitas que parecem lugares-comuns, o fechamento no próprio âmbito de trabalho, que impede de pensar em termos de Igreja, de nação, de mundo. Trata-se de algumas instâncias válidas em germe, quando orientadas positivamente, mantidas nos limites racionais e feitas interagir com a identidade sólida, o senso de pertença cordial e o conhecimento profundo da realidade da Congregação. Atrapalham, porém, quando crescem sem medidas e de forma isolada.



2.3. Dom Bosco: um Santo que fascina



Entre os fatores que constroem a nossa unidade como Congregação e como Família Salesiana, o primeiro, o mais forte, é o amor a Dom Bosco. É uma simpatia, uma admiração, um sentimento, uma atração, uma espécie de energia “instintiva”, que se orienta depois à imitação, ao querer estar espiritualmente com ele, ao envolvimento em sua obra.

Sabemos que é a graça que está na origem da nossa vocação. Orientando-nos a Dom Bosco, como Pai, Mestre e Amigo, o Espírito Santo levou-nos à consagração religiosa, caracterizada pela missão juvenil e pela preocupação educativa.

Na tradição salesiana esse afeto manifesta-se sempre sem pudor, quase com entusiasmo juvenil, prolongando a admiração dos primeiros jovens oratorianos que quiseram “ficar com Dom Bosco” e formaram o primeiro núcleo da Congregação. É o sinal de uma relação filial, profundamente sentida.

O entusiasmo e admiração passa, em todos os lugares, dos salesianos aos jovens, que o exprimem de múltiplas formas, segundo o próprio estilo: com cantos, apresentações, camisetas, celebrações, peregrinações, leitura de alguma biografia, apresentação de filmes e vídeos, prazer de estar e ocupar-se em nossas obras, amizade com os irmãos. Uma coleção comum de canções e odes sacras já atravessa o mundo e é ouvida em todas as línguas.

Toquei com as mãos dois resultados desse afeto. Nos jovens, ele é gerador de iniciativas, pensamentos, desejos e projetos na linha do empenho e do crescimento na fé. É um poderoso fator vocacional. Nas comunidades, ele é fonte de alegria, de confiança no próprio trabalho, de serena pertença e identificação. Mesmo nos casos em que um observador um tanto crítico visse aí um pouco de ingenuidade ou exagero, os frutos que dele resultam são positivos. A frieza e o desapego, diversamente, parecem estéreis.

A admiração vai além do nosso ambiente. Comentários, necessariamente gerais, sobre a genialidade e originalidade de Dom Bosco são escutados de instâncias eclesiais, de autoridades civis e de gente comum. Muitas expectativas são criadas quanto à aplicação de seus métodos e à criação de iniciativas educativas como aquela a que ele deu origem.

Interessou-me o estudo sobre a formação da imagem de Dom Bosco.16 Nela influenciou, certamente, a adesão de seus jovens, conquistados pela sua capacidade de amá-los e abri-los à vida. Eles recolheram e difundiram episódios anedóticos, sonhos e empreendimentos com extraordinária vivacidade narrativa quando ainda não existiam os modernos meios de comunicação. Transmitiram a sua experiência, fazendo quase sentir presente a paternidade fascinante de Dom Bosco. Isso ficou entre as nossas características carismáticas e pastorais: o amor entusiasta ao Fundador e a sua comunicação aos jovens.

Influi também o modo com que eram apresentados os seus empreendimentos pelo Boletim Salesiano, sob sua direção e segundo seus critérios. O bem deve ser difundido e deve ser apresentado de forma atraente.

Influiu, sobretudo, o impacto direto do estilo e dos resultados educativos numa sociedade preocupada com o fenômeno juvenil.

Na origem há uma santidade muito típica, marcada pela caridade pastoral, capaz de alcançar o coração das pessoas, atenta às questões do seu tempo. Congar, num conhecido comentário sobre o Concílio, referia-se assim à figura de Dom Bosco: «A maior novidade do Concílio é esta: se a Igreja vive no mundo e os problemas são encontrados no mundo, a santidade é um fenômeno que interessa a cultura. Pode parecer um conceito discutível, mas um ponto central das intuições do Concílio é que a santidade tem algo a ver com a história. Com a Encarnação, a história do homem é um lugar onde se exprime o amor de Deus; a santidade não nasce, portanto, da fuga ou da rejeição do mundo, porque é na medida em que eu me lanço no mundo para salvá-lo que encontro o grande dom de Deus. Quem são os santos? Agrada-me recordar primeiramente aquele que precedeu o Concílio de um século: Dom Bosco. Dom Bosco já foi profeticamente um novo modelo de santidade pela sua obra que se distingue do modo de pensar e de julgar dos contemporâneos».17

«Nós o estudamos e o imitamos»,18 dizem as Constituições. Parecem dois momentos relacionados. Hoje, fala-se muito de fidelidade criativa em relação à vida consagrada. Uma aproximação séria e uma atenção renovada não só não ameaçam a imagem do nosso Pai, iluminada pelo afeto e pela tradição que soube manter viva a lembrança de seus gestos, mas dão razão da sua permanente validade colocando-a em seu contexto histórico e eclesial.



2.4. A atualidade da mensagem educativa



Um dos elementos que as visitas fazem brotar e as celebrações colocam às claras é o apreço civil e eclesial do trabalho salesiano, justamente pela combinação de seus elementos originais: colocação no campo juvenil, preferência pelos mais necessitados, integração harmoniosa entre educação, promoção e evangelização, inserção positiva na comunidade eclesial e na sociedade.

O Sistema Preventivo colhido em sua articulação, que compreende o modo de estar presente entre os jovens (assistência), a criação de amplos ambientes juvenis de encontro e trabalho, uma comunidade que inclui os jovens como corresponsáveis, uma proposta múltipla e diferenciada, adequada a diversos níveis, demandas e grupos, o modelo oratoriano que dá fisionomia a todas as iniciativas, suscita em todos os lugares comentários positivos, expectativas e desejo de maior conhecimento.

Diante de autoridades e do povo são-nos oferecidas oportunidades de explicar as intuições fundamentais, a história, a formulação atual do nosso sistema e de responder a perguntas sobre a sua eficácia diante dos fenômenos que hoje preocupam a sociedade.

Volta-se para casa com ofertas e pedidos de fundações, não só nos países pobres, mas também nos desenvolvidos, premidos pelas novas manifestações incontroláveis de insatisfação juvenil e pelos novos questionamentos apresentados pelo acompanhamento dos jovens na fé. As agências e iniciativas tradicionais de educação, em que se confiava anteriormente, estão se tornando insuficientes, mais no front da adequação que no da quantidade. No centro da crise, encontra-se a “relação educativa” (pais e filhos, geração adulta e jovens, instituições e destinatários, mestres ou comunicadores e ouvintes), que é o eixo e a sabedoria do Sistema Preventivo. Não é raro, pois, que também os que não sabem definir pedagogicamente as coisas, vejam na ação dos salesianos e na reposta que os jovens lhes dão uma certa fórmula para administrar e resolver situações difíceis.

Não só nos é reconhecida essa herança, mas aprecia-se em concreto a nossa competência sobretudo em algumas áreas da educação: preparação ao trabalho, animação do tempo livre, educação não formal para a recuperação dos jovens, experiência escolar, marginalização juvenil, associacionismo.

Vemos nesses pedidos um convite da sociedade e da Igreja a fazer frutificar os recursos individuais e comunitários do nosso carisma e pensar novas aplicações e possibilidades de ação.

A missão salesiana e o espírito que a anima estão hoje no centro de um esforço de difusão que não deveria diminuir, mas sobretudo qualificar a prática que se aprende na vida: «Vinde – dizia Dom Bosco – e vede como fazemos». O contato direto com os jovens e suas situações, o nosso modo de organizar e animar uma obra educativa será sempre a melhor apresentação e a melhor lição sobre o Sistema Preventivo, que não se entende a não ser vendo. O conhecimento sistemático e a prática permitirão comunicá-lo àqueles que trabalham conosco no campo educativo pastoral.



2.5. Um ponto estratégico: a formação



Ao plasmar a realidade de que falamos, a formação teve um influxo insubstituível. As formas de apostolado dos salesianos e os contextos em que trabalham foram e ainda são muito diversos. A Congregação foi adiante preparando os seus membros como pastores e educadores, deslocando comunidades, muitas vezes pequenas, a lugares distantes e entregando-lhes com confiança campos e responsabilidades pastorais. Confiou-se na sua fidelidade e na sua capacidade criativa.

A formação vem a ser um aspecto estratégico e delicado num estilo tão aberto e em campos tão diversos de ação. Não deve ser, pois, exposta a improvisações e nem sequer sacrificada a urgências práticas. As Constituições estabelecem o princípio da unidade e da descentralização na formação. Para garantir o justo equilíbrio entre os dois critérios, livrando-o de avaliações individuais ou ocasionais, traçam também os seus limites, expressando um programa obrigatório para todos (a Ratio), e confiando à responsabilidade das Inspetorias ou Conferências Inspetoriais as determinações locais (o Diretório), submetidos ambos à aprovação do Reitor-Mor e do seu Conselho.

O amadurecimento humano, a profundidade espiritual, a competência e o entusiasmo pastorais, o espírito salesiano fixam-se e têm um primeiro crescimento num ambiente intencionalmente formativo e com a guia de formadores preparados.

As comunidades e estruturas de formação são o mais poderoso sistema de que dispomos para comunicar o patrimônio espiritual e a práxis pastoral salesiana: pela duração do tempo de exposição, pela qualidade sistemática da transmissão, pelo ambiente humano em que se dá a comunicação, pelos múltiplos canais através dos quais é veiculada e pela participação voluntária de seus destinatários.

A formação que tivemos até agora, à prova dos fatos, revelou-se eficaz nos aspectos fundamentais: identidade, senso religioso, confiabilidade moral, responsabilidade comunitária, dedicação pastoral, capacidade de entendimento com o povo.

A unidade, que não é uniformidade material, criada por ela, foi reforçada pela convivência nos centros internacionais que proveram qualificações superiores e criaram redes de amizades, interesses e conhecimentos.

Hoje, muitas coisas evoluem no sistema formativo. O próprio conceito de formação é variado, a partir da necessidade da formação contínua e da multiplicidade de possibilidades que o sujeito é chamado a utilizar e unificar. Estamos diante da urgência de adequação homogênea do sistema formativo, conforme o novo tipo de jovem que vem surgindo, a configuração do campo pastoral, o modelo operativo que estamos procurando ampliar, o desafio que a cultura secular põe à identidade cristã, a consideração que a nossa consagração religiosa tem no contexto eclesial. Estamos também perante uma demanda e uma expansão maior das capacidades profissionais educativas e pastorais.

Isso deverá produzir não a desagregação, que é frequente resultado involuntário de uma visão incompleta e setorial, mas a ulterior convergência sobre uma identidade aprofundada e assumida com maior consciência. É o esforço pedido às Inspetorias nos processos de revisão desejados pelo último Capítulo Geral.19

Mais do que a reforma de programas e metodologias, porém, será imediatamente útil, o propósito pessoal e o empenho comunitário de não deixar exaurir o dom que recebemos, mas tirar dele toda a sua riqueza através de uma forma comunitária que dê o justo relevo à formação dos irmãos.



3. Conclusão



Aquilo que lhes disse é apenas uma migalha do que se desprende dos acontecimentos de Igreja e dos mais modestos da nossa Família, e dos quais participei. Vivendo-os a partir de dentro, investe-nos um sentimento de agradecimento ao Senhor, quase de adoração. Ele está presente com o seu Espírito e orienta o caminho da Igreja e da nossa Família. Ao agradecimento pelos dons e pela proteção divina une-se o reconhecimento a tantos irmãos e irmãs que, com sua fidelidade cotidiana e com seus esforços extraordinários, construíram a realidade que vemos hoje.

Maria Auxiliadora ajude-nos a acompanhar os seus passos e a continuar a sua obra com confiança na fecundidade das sementes.



P. Juan Edmundo Vecchi

8.1 Reitor-Mor

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1 Jo 14,6

2 Sínodo para a África

3 Sínodo para a América

4 Sínodo para a Ásia

5 Sínodo para a Oceania

6 Sínodo para a Europa

7 Mt 16,15

8 Anuário estatístico da Igreja, 1º de julho de 1997.

9 Agência Internacional Fides, 17 de abril de 1998 – N. 4091/4092 – NE 232

10 ACG 362

11 Das Propositiones

12 R 62, 146, 178, 180, 191

13 Ceria, Annali, vol. II, p. 552

14 C 122

15 MB IX, 673

16 Cf. Stella P., Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, Vol. III; cap. I, p. 13-61

17 Congar, Rádio Vaticana, 20-2-84; Avvenire 22-2-84

18 C 21

19 Cf. ACG24 147

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