EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
CAPÍTULO GERAL XXVI SDB
MEDITAÇÃO SOBRE A ESPERANÇA
1.- O que podemos esperar?
A exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, na qual João Paulo II retoma os trabalhos e as conclusões do Sínodo dos Bispos em preparação ao grande Jubileu de 2000, diz: "Ao longo do Sínodo, pouco a pouco se foi evidenciando um forte pendor para a esperança. Embora aceitando as análises da complexidade que caracteriza o continente, os padres sinodais individuaram como sendo provavelmente a urgência maior que o atravessa de Leste a Oeste, a necessidade cada vez mais sentida de esperança, que torne possível dar sentido à vida e à história e caminhar de mãos dadas" (EiE, n. 4).
O Magistério pontifício mais recente assumiu justamente a esperança como tema central. A Encíclica de Bento XVI Spe Salvi oferece-nos elementos preciosos para enriquecer a nossa reflexão sobre esta virtude teologal, e é claro que, entre outras intenções, uma das mais importantes é oferecer uma resposta, desde a perspectiva da identidade cristã, a essa necessidade não só européia, como mundial. Citemos, entre outros textos: "Encontramo-nos assim novamente diante da questão: o que é que podemos esperar? É necessária uma autocrítica da idade moderna feita em diálogo com o cristianismo e com a sua concepção da esperança" (Spe Salvi, 22); mesmo ao indicar, igualmente que, "é preciso que, na autocrítica da idade moderna, conflua também uma autocrítica do cristianismo moderno" (ibidem).
A olhar para a Congregação em nível mundial, não podemos negar que a "aumentada necessidade de esperança" é constatada também em nossos ambientes: de modo, sem qualquer dúvida, diversificado. A escassez das vocações, com a exceção de alguma região da geografia salesiana; a fragilidade formativa das novas gerações; a problemática da juventude atual, estimulada ainda mais por fatores externos como a violência, a droga, as antigas e novas pobrezas; e, ainda mais em profundidade, também muitas vezes, o enfraquecimento da paixão apostólica e a acolhida de modelos de vida religiosa nem sempre segundo o ideal evangélico, são alguns dos elementos que não nos permitem ver o futuro com muita clareza e entusiasmo. O Reitor-Mor apresenta, em diversas partes da Carta de convocação ao Capítulo, algumas dessas realidades preocupantes da situação da Congregação (ACG 394, pp. 9-11. 17-20. 25-26, et passim).
Constata-se, durante a preparação do CG 26, um pouco em todos os lugares (talvez com algumas exceções), uma sensação semelhante. A própria insistência da Congregação em "partir de Dom Bosco para despertar o coração de cada salesiano" ao redor da identidade carismática e a da paixão apostólica pressupõe esta problemática, e quer colocar-nos em alerta diante dela.
Bem sabemos que a esperança é gerada pela fé, e sustenta o amor. Apesar disso, pode acontecer também que a fé, justamente porque se funda numa realidade histórica concreta, pode, paradoxalmente, bloquear-se diante da esperança, fechando-se na dor da recordação (etimologicamente: nostalgia) e na lamentação do passado.
Parece-me que essa situação pode ser vista claramente "pintada" na narração bíblica da vocação de Gedeão:
Veio então o anjo do Senhor e sentou-se debaixo de um carvalho em Efra que pertencia a Joás, da família de Abiezer. Gedeão, seu filho, estava debulahndo e tirando o trigo da eira, para escondê-lo dos madianitas. Apareceu-lhe então o anhjo do Senhor e disse: 'O Senhor está contigo, valente guerreira!' Gedeão respondeu: "Meu senhor, por favor, se o Senhor está conosco, por que nos aconteceu tudo isso? Onde estão aquelas suas maravilhas que nossos pais nos contaram, dizendo: 'O Senhor os tirou do Egito'? Mas agora o Senhor nos abandonou e nos entregou às aos dos madianitas". Então o Senhor voltou-se para ele e disse: "Vai, e com essa força que tens livra Israel da mão dos madianitas. Sou eu que te envio". Gedeão replicou: "Por favor, meu senhor, como poderei eu libertar Israel? Minha família é a mais humilde de Manasses, e na casa de meu pai sou o último". O Senhor lhe respondeu: "Eu estarei contigo, e tu derrotarás os madianitas como se fosse um só homem" (Jz 6,11-16)
Podemos, também, sentir-nos como o Povo de Israel no exílio, recordando as maravilhas divinas do passado (e talvez esquecendo muito depressa a própria responsabilidade, como fez o povo de Israel):
Deus, ouvimos com nossos ouvidos, os nossos pais nos contaram os feitos que realizaste nos tempos deles, nos tempos antigos (...) Porém nos rejeitastes, cobrindo-nos de vergonha, não sais mais à frente das nossas fileiras (...) Tudo isso aconteceu, sem que nos tenhamos esquecido de ti nem traído tua aliança. Nosso coração não voltou para trás, nem nossos passos se desviaram do teu caminho (Sl 44, 2.10.18-19).
2.- A Esperança perante a "Pós-modernidade"
A situação atual, em nível mundial, e, sobretudo na "cultura juvenil" não facilita, sem dúvida, a esperança.
Do ponto de vista fenomenológico, podemos sublinhar, entre outros, três traços fundamentais da esperança, como atitude humana:
* tende sempre para o futuro, mostrando assim o dinamismo próprio do ser humano, sempre voltado para frente: "enquanto houver vida, haverá esperança"; sem esquecer o mito do "vaso de Pandora", podemos dizer, com Aristóteles, que a esperança é "o sonho do homem acordado";
* vive-se sempre diante de um horizonte positivo; nem tudo o que virá, porém, é "digno de esperança": pode ser, ao contrário, objeto de temor ou de angústia;
* inclui um elemento de "passividade" (esperar), mas também uma atitude de quem vive esta expectativa (esperar).1
Devemos reconhecer que, junto a esta dinâmica de futuro, inerente ao mais profundo do ser humano, há também um perigo: não viver, no sentido mais positivo, o momento presente. A esse respeito, diz Pascal:
Não ficamos nunca no tempo presente. Antecipamos o futuro como demasiado lento para vir, como para apressar o seu curso; recordamos o passado, para pará-lo, como demasiado pronto: tão imprudentes que erramos nos tempos que não são nossos e não pensamos só no que nos pertence; e tão vãos que sonhamos com os que não são mais nada e evitamos sem reflexão o único que subsiste... Quase não pensamos no presente: e, quando pensamos, é só para tirar dele a luz para dispor do futuro. O presente nunca é o nosso fim. Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver; e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que jamais o sejamos (Pensamentos, n. 172)2
Infelizmente, na pós-modernidade, a experiência humana da temporalidade tornou-se particularmente problemática.
O Reitor-Mor, na conferência aos Superiores Gerais, fazia esta análise:
O ser humano, embora vivendo sempre no presente (é uma verdade lapalissiana), é um "ser de futuro" (E. Bloch W. Pannenberg): pela sua natureza, é colocado diante do utópico, àquilo que ainda não "tem lugar" em nosso mundo e na história. Isso se pode dizer, a fortiori, das gerações jovens, que carregam essa orientação para o futuro a partir da sua própria identidade psicossomática, inscrita até na célula mais "humilde"
Constatamos, então, uma tragédia na situação pós-moderna: a ameaça do futuro, que domina sobre a humanidade, coloca diante de uma contradição existencial, sobretudo a geração jovem. De um lado, a exigência irresistível de um horizonte de futuro e, de outro, a falta desse horizonte. Se acrescentarmos a isso a recusa ao passado por parte da cultura juvenil atual, podemos entender a sua sensação de estar "encerrada" no mínimo espaço que o presente lhe permite, sem outra solução senão tentar "viver o instante que escapa" (o momento que foge).
Esta ameaça se manifesta duplamente: de um lado, o que J. Moltmann chamou de "a perda da inocência atômica" a partir de Hiroshima. Sabemos – e as notícias mais recentes no-lo recordam ainda – que desde algumas décadas, e pela primeira vez na história do mundo e do homem nele (daquilo que sabemos), existe a possibilidade real (que depende, em concreto, da decisão de algumas pessoas) que toda a humanidade desapareça, como conseqüência de uma conflagração nuclear. O fato de os chefes das nações chegarem a eventuais acordos a respeito, não elimina o perigo. Como diz o mesmo Moltmann, jamais recuperaremos a inocência perdida. "A época em que vivemos é, mesmo se tivesse que durar infinitamente, a última época da humanidade... Vivemos no tempo do fim, ou seja, daquela época em que a cada dia podemos provocar o seu fim".
Por outro lado – e não de todo desligado do anterior – encontramos esta ameaça na deterioração ecológica, universal e irreversível; pensemos na poluição atmosférica, na diminuição da água doce, na destruição das florestas, no abuso vertiginoso de energias não renováveis. Como disse o mesmo Moltmann, "somos todos iguais... diante do buraco de ozônio".
Esta "supressão a partir de fora" do horizonte de futuro é um fator típico do nosso tempo, e é fundamental para compreender o obsessivo apego ao presente, e a necessidade de "satisfações" imediatas que caracteriza a era pós-moderna, pois não á mesma coisa "querer viver o hoje" na perspectiva do amanhã e ter que se ancorar no hoje, porque talvez o amanhã não exista... Há alguns dias, um jornal, a respeito da recensão de um livro do Prêmio Nobel de Literatura, o escritor húngaro Imre Kertész, usava esta expressão: "Será possível ter filhos depois de Auschuwitz"? (evocação da célebre frase: "Será possível crer em Deus depois de Auschuwitz"?). É a pergunta que hoje se colocam tantos jovens diante do matrimônio e da família, não com a ilusão de outros tempos, mas com a angústia diante do futuro no qual lhes caberá viver; vale à pena, pois, trazer novos seres ao mundo?
Não resta dúvida que esta "privação de futuro", num sentido muito diferente, atinge também a vida consagrada, particularmente as novas gerações (Para uma vida consagrada fiel. Desafios antropológicos à formação, USG 21-23 de maio de 2006).
A "modernidade" pode ser descrita, a esse respeito, como a atitude de quem, ao recusar o passado, projeta-se para o futuro, e coloca todas as suas expectativas no futuro; a pós-modernidade, porém, seria como uma reação diante do ingênuo otimismo moderno, como um situar-se, o mais serenamente possível, no presente, e viver o "carpe diem". Um dos textos bíblicos mais "atuais", segundo meu modo de ver, é o testemunho do velho Eleazar, durante a guerra dos Macabeus:
"Não é digno da nossa idade o fingimento. Isto levaria muitos jovens a se persuadirem de que Eleazar, aos noventa anos, passou para os costumes pagãos. E por causa do meu fingimento, por um pequeno resto de vida, eles seriam enganados por mim, enquanto, de minha parte, eu só ganharia mancha e desprezo para minha velhice (...). Por isso, partindo da vida agra, com coragem, eu me mostrarei digno da minha velhice. E aos jovens deixarei o exemplo de como se deve morrer honrosamente, com prontidão e valentia, pelas veneráveis e santas leis". Dito isto, encaminhou-se decididamente para o suplício (...). Foi assim que ele partiu desta vida, deixando sua morte como exemplo de coragem e memorial de virtude, não só para os jovens, mas para a grande maioria do seu povo (2Mc 6,24-25.27-28.31).
3.- A Esperança na Revelação Bíblica
Diversamente de outras concepções de vida e de história, a experiência de Israel plasmada na Bíblia apresenta Deus como um "Deus de êxodos", que faz sempre sair da segurança do presente para um futuro prometedor, garantido (no sentido mais pleno da palavra, enquanto objeto da promessa), mas sempre inseguro: se não houver fé, não terá sentido nem mesmo este dinamismo de futuro e de êxodo. "Se estivessem referindo-se à terra que deixaram, teriam oportunidade de voltar para lá. Mas, agora, eles desejam uma pátria melhor, isto é, a pátria celeste. Por isto, Deus não se envergonha deles, ao ser chamado o seu Deus, pois até preparou uma cidade para eles" (Hb 11,15-16).
Toda a história de Israel pode ser vista, a partir da fé em Deus, como tensão constante para o futuro, com uma clara configuração: confiança no cumprimento das promessas do Deus fiel (fides – fidelitas – confiança – spes) centrada na Aliança.
A falta de fé traduz-se, simetricamente, na desesperança e no desespero, as duas faces opostas da mesma moeda e, conseqüentemente, no querer retornar ao passado: "Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito, quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Por que nos trouxestes a este deserto? Para matar de fome toda esta gente? (Ex 16,3 et passim).
Toda a história do Povo de Israel se vê "atravessada" pela promessa de Deus. Apesar da infidelidade e da ingratidão dos israelitas, os profetas pré-exílicos, sobretudo Jeremias, que ameaçam o castigo de Deus e a destruição da Aliança por causa dessa infidelidade (cf. Jr 13; 19), anunciam sempre uma Nova Aliança (Jr 31,31ss.; Ez 36,24ss.; Deutero-Isaias...).
Na extraordinária visão de Ez 37, os ossos ressequidos são o símbolo mais expressivo: "Filho do homem, estes ossos são toda a casa de Israel. Eles dizem: 'Nossos ossos estão secos, nossa esperança acabou, estamos perdidos! Por isso, profetiza e dize-lhes: Assim diz o Senhor Deus: Ó meu povo, vou abrir vossas sepulturas. Eu vos farei sair de vossas sepulturas e vos conduzirei para a terra de Israel" (Ez 37,11-12).
No Novo Testamento, mais do que buscar uma citação pontual, o acontecimento Cristo é, em si mesmo, o cumprimento definitivo ("escatológico") da promessa de Deus. A morte de Jesus mostra-nos, infelizmente de modo dramático, como os pensamentos de Deus não são os pensamentos humanos (cf. Is 55,8ss.),
Para quem crê no "Deus de Jesus Cristo", porém, "a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Com efeito, quando éramos ainda pecadores, foi então, no devido tempo, que Cristo morreu pelos ímpios (...). Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores" (Rm 5,5-6.8). Por isso, "bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua grande misericórdia, pela ressurreição dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo para uma esperança viva, para uma herança que não se desfaz, não se estraga nem murcha, e que é reservada para vós nos céus. Graças à fé, e pelo poder de Deus, estais guardados para a salvação que deve revelar-se nos últimos tempos" (1Pd 1,3-4).
Encontramos aí, significativamente, os três tempos: o passado da fé, o futuro da esperança e o presente da fidelidade de Deus e do nosso empenho cristão no amor (cf. os versículos seguintes, 1Pd 1,6-9).
Bento XVI diz que "Paulo lembra aos Efésios que, antes do seu encontro com Cristo, estavam 'sem esperança e sem Deus no mundo' (Ef 2,12)" (Spe Salvi, 2). Este é, talvez, o texto bíblico mais citado na Encíclica; o tema ainda está ao menos nos números 3, 5, 23 e 27, evidentemente em contextos diversos.
Um dos livros do NT que mais claramente desenvolve a relação entre as três virtudes teologais é a Carta aos Romanos; temos, concretamente sobre a esperança, alguns textos fundamentais:
* Em primeiro lugar, apresenta-nos a figura de Abraão sob esta perspectiva: "Esperando contra toda esperança, ele firmou-se na fé e, assim, tornou-se pai de muitos povos" (Rm 4,18).
* O segundo texto apresenta uma concatenação, em certo sentido, "invertida", de diversas virtudes típicas do cristão: "a tribulação gera a constância, a constância leva a uma virtude provada e a virtude provada desabrocha em esperança. E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Rm 5,3b-5).
* No capítulo 8, recorda-nos que a esperança mira ao futuro: "Pois é na esperança que fomos salvos. Ora, aquilo que se tem diante dos olhos não é objeto de esperança: como pode alguém esperar o que está vendo? Mas, se esperamos o que não vemos, é porque o aguardamos com perseverança" (Rm 8,24-25).
* Pelo final, há sobre isso dois textos muito belos no capítulo 15: "Tudo o que outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que na constância e consolação que nos dão as Escrituras, sejamos firmes na esperança" (Rm 15,4). E, enfim: "O Deus da esperança vos encha de toda alegria e paz, em vossa vida de fé. Assim a vossa esperança transbordará, pelo poder do Espírito Santo" (Rm 15,13).
Outro livro do Novo Testamento muito rico a respeito da esperança é a carta aos Hebreus. Também aqui o Papa aprofunda na Encíclica, sobretudo dois textos: 10,34 e 11,1 (a este último, ele dedica uma ampla – e polêmica – exegese) (Spe Salvi, 7-9).
Gostaria de completar esta pequeníssima reflexão bíblica com uma expressão muito bela de S. Paulo: "O amor é paciente (...) espera tudo" (1Cor 13,4.7). Recorda-nos, enfim, que o amor vai mais além da esperança, justamente porque... é a única atitude que pode esperar tudo e sempre. Neste sentido, podemos dizer parafraseando Hans Urs von Balthasar, que "só o amor é digno de esperança".
4.- Dom Bosco, homem de esperança
É muito significativo constatar que encontramos uma inclusão lingüística a este respeito em nossa Regra de Vida, e que abraça as nossas Constituições em seu conjunto. O artigo 1º indica-nos como certeza de fé que a nossa Missão não é só obra humana, mas primeiramente Vontade de Deus, e constitui "o apoio da nossa esperança" (C 1). E o último artigo não fala da iniciativa de Deus, mas da nossa colaboração com Ele, na realização da Missão que nos foi confiada: a nossa fidelidade torna-se "penhor de ESPERANÇA para os pequenos e para os pobres" (C 196).
Mesmo que não seja explicitamente mencionada, a esperança está muito presente na seção que delineia a identidade e o espírito salesiano, sobretudo nos artigos 17-19. No contexto dos conselhos evangélicos, conclui-se a sua apresentação global com uma frase que inclui, ao mesmo tempo, visão de fé e compromisso presente: o salesiano é um "educador que anuncia aos jovens 'novos céus e nova terra', estimulando neles os compromissos e a alegria da esperança" (C 63).
Manifesta-se, em tudo isso, a nossa "filiação" em relação ao nosso Pai Dom Bosco, homem de extraordinária "capacidade de esperança"; ou melhor, homem que soube integrar à perfeição as três dimensões da atitude teologal do cristão: fé-esperança-caridade.
Para não ficar em afirmações genéricas, sublinharemos, de maneira muito breve e quase esquemática, três aspectos da maneira com que nosso Pai viveu a esperança: "temperamental" – educativa – teologal.
- Ao buscar, como sempre, a união entre natureza e graça (cf. C 21), sem esquecer que ambas são dons de Deus, podemos encontrar nele uma tendência temperamental à esperança: ele demonstra uma capacidade extraordinária de transformar as dificuldades em desafios que o estimulam e impelem a ir avante; encontra-se nele, até o último momento da sua vida, o entusiasmo e a ilusão que derivam do seu amor apaixonado e apostólico pelos jovens. Não foram tempos fáceis aqueles nos quais ele viveu (em nenhum sentido); apesar disso, jamais se lamentou deles, nem recordou com nostalgia o tempo passado (cf. C 17).
- Em Dom Bosco, a esperança é uma virtude educativa: quem trabalha com meninos e jovens, precisa talvez mais do que todos, da esperança, mesmo tendo, também nós, a experiência mencionada no salmo 126,6:
Quando vai, vai chorando, levando a semente para plantar;
mas quando volta, volta alegre, trazendo seus feixes.
Na educação, porém, este "voltar" não acontece depois de alguns dias, ou meses, mas, no melhor dos casos, depois de muitos anos... Por isso, é indispensável, no trabalho educativo, a espera e a esperança.
Encontramos novamente, neste campo, a relação entre esperança e amor: só quem ama pode esperar (em seu sentido mais profundo) na pessoa amada: ressoa aqui o eco da frase paulina: "o amor tudo espera" (1Cor 13,7). Ficaria feliz em aprofundá-lo, ao menos somente com uma frase, que não é um simples jogo de palavras, mas expressão de uma maravilhosa realidade: só quem nos ama pode acreditar que somos melhores do que somos, e é capaz de "esperar" em nós; mas só podemos ser melhores do que somos se alguém nos ama... E Dom Bosco fez disso uma realidade, de maneira extraordinária.
- Enfim, e não podia ser diferente num santo como ele, encontramos no mais profundo do seu ser uma atitude de esperança que não se limita a este mundo e a esta vida. A esperança, apesar de tudo, não o impedia de viver intensamente o presente: com o olhar fixo no céu, mas com os pés bem plantados na terra. Parecem inspiradas no exemplo do nosso Pai, as palavras do Servo de Deus João Paulo II na Exortação Apostólica Vita consecrata: "É preciso confiar em Deus como se tudo dependesse dele e, ao mesmo tempo, empenhar-se generosamente como se tudo dependesse de nós" (VC 73).
Em seu Testamento Espiritual, encontramos palavras comoventes: "Adeus, queridos filhos, adeus. Espero-vos no céu (...). Eu vos deixo aqui na terra, mas apenas por pouco tempo. Espero da infinita misericórdia de Deus que um dia nos possamos encontrar todos na feliz eternidade. Lá vos espero" (Constituições, Apêndice, p. 290-291). Também aqui encontramos a dimensão comunitária da vida eterna, na qual tanto insiste o Santo Padre: "A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim" (Spe Salvi, 48).
5.- Conclusão
Encontrei uma narração muito simples, mas simpática e significativa. Uma velha senhora estava diante da morte, mas conservava toda a sua lucidez. Sua melhor amiga, sempre ao lado dela, perguntava-lhe: "Você quer alguma coisa especial, para conservar com você depois da morte?" Ela respondeu: "Gostaria que me enterrassem com um garfo nas mãos". "Um garfo?", perguntou, com espanto, a amiga. "Sim, um garfo. Quando ia, às vez, a uma festa sempre conservava o garfo, depois dos primeiros pratos, porque sabia: ainda falta o melhor... Assim, todos os que vierem rezar e ver o meu corpo, quando perguntarem: por que o garfo?, você poderá responder em meu nome: Porque ela sabia que o melhor... ainda estava para chegar!"
No fundo, é esta também a motivação última e mais profunda da nossa vida e do nosso trabalho (aquilo que Dom Bosco chamava, com encantadora simplicidade, o "pedaço de paraíso" no jardim salesiano): "Para o salesiano, a morte é iluminada pela esperança de entrar na alegria do seu Senhor" (C 54).
O hino espanhol do Ofício de Leituras, na memória dos salesianos defuntos, exprime isso de maneira comovente, simples e, ao mesmo tempo, profunda:
¡Piensa lo que será! Saltar a tierra, ¡y ver que es cielo ya! Pasar de la borrasca de la vida ¡a la paz sin medida...! De un brazo asirte y ver, al irle en pos, ¡que es el brazo de Dios! Beber a pulmón pleno un aire fino… ¡y es el aire divino! Ebrios de dicha, oir a un querubín: ¡”Es la dicha sin fin!” Abrir los ojos, inquirir qué pasa, Y oir decir a Dios: “¡Ya estás en casa!” ¡Oh, el inmenso placer De abismarse en tu mar! Cerrar los ojos, y empezar a ver; Pararse el corazón, ¡y echarse a amar! |
Pensa como vai ser! Descer a terra, e ver que já é o céu! Passar da tempestade da vida à paz sem limites! Dar o braço e, ao segui-lo, ver que é o braço de Deus! Aspirar plenamente o ar fresco… e é o hálito divino! Ébrio de alegria, ouvir um querubim: “É a felicidade sem fim!” Abrir os olhos, perguntar o que se passa, e ouvir Deus, que diz: "Já estás em casa!" Oh!, imenso prazer de imergir no teu mar! Fechar os olhos, e começar a ver; parar o coração, e lançar-se no amor! |
1 Praticamente, todas as línguas ocidentais conservam essa dualidade da espera-esperança: wait-hope, espera-esperanza, warten-hoffen, attendre-espérer…
2 Citado por: JÜRGEN MOLTMANN, Teologia della Speranza, Brescia, Queriniana, 1977, p. 20.