POR - Salesiani Cap Gen Valdocco 2020


POR - Salesiani Cap Gen Valdocco 2020



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Aos participantes no Capítulo Geral dos Salesianos
Valdocco, 16 de fevereiro – 4 de abril 2020
Queridos irmãos!
Saúdo-vos com afeto e agradeço a Deus por poder, mesmo à
distância, partilhar convosco um momento do caminho que estais a
percorrer.
É significativo que, depois de algumas décadas, a Providência vos
tenha conduzido a celebrar o Capítulo Geral em Valdocco – o lugar da
memória onde o sonho fundador se concretizou e deu os primeiros passos.
Estou certo que o rumor e as vozes dos oratórios será a melhor música, a
mais eficaz, para que o Espírito anime o dom carismático do vosso
fundador. Não fecheis as janelas a este rumor de som de fundo... Deixai
que vos acompanhe e que vos mantenha inquietos e intrépidos no
discernimento; e permiti que estas vozes e estes cânticos, por sua vez,
evoquem em vós os rostos de tantos outros jovens, que, por várias razões,
se encontram como ovelhas sem pastor (cfr. Mc 6, 34). Este rumor e esta
ansiedade manter-vos-ão atentos e em alerta a qualquer tipo de anestesia
autoimposta e ajudar-vos-ão a permanecer em fidelidade criativa à vossa
identidade salesiana.
Reavivar o dom que recebestes
Pensar na figura do salesiano para os jovens de hoje, implica aceitar
que estamos imersos num momento de mudanças, com tudo aquilo que
esta incerteza gera. Ninguém pode dizer com certeza e precisão (se alguma
vez foi possível fazê-lo) o que irá acontecer no futuro próximo a nível social,
económico, educativo e cultural. A inconsistência e a "fluidez" dos
acontecimentos, mas sobretudo a rapidez com que se sucedem e
comunicam as coisas, faz com que todo o tipo de previsão se torne uma
leitura condenada a ser reformulada muito em breve (cf. Constituição
Apostólica Veritatis gaudium, 3-4). Esta perspetiva é ainda mais acentuada
pelo facto de as vossas obras estarem particularmente orientadas para o
mundo dos jovens, que em si mesmo é um mundo em movimento e em
contínua transformação. Isto exige uma dupla docilidade: docilidade aos
jovens e às suas exigências e docilidade ao Espírito e a tudo aquilo que Ele
deseja transformar.
Assumir responsavelmente esta situação – quer a nível pessoal, quer a
nível comunitário – comporta sair de uma retórica que nos leva a dizer

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continuamente “tudo está em mudança” e que, à força de o repetir, termina
por fixar-nos numa inércia paralisante que priva a vossa missão da
parrésia própria dos discípulos do Senhor. Tal inércia pode também
manifestar-se num olhar e numa atitude pessimista diante de tudo aquilo
que nos circunda e não só no que se refere às transformações que
acontecem na sociedade, mas também em relação à própria Congregação,
aos irmãos e à vida da Igreja. Esta atitude que acaba por “boicotar” e
impedir qualquer resposta ou processo alternativo, ou por fazer emergir a
posição oposta: um otimismo cego, capaz de dissolver a força e a novidade
evangélica, impedindo aceitar concretamente a complexidade que as
situações exigem e a profecia que o Senhor nos convida a levar por diante.
Nem o pessimismo nem o otimismo são dons do Espírito, pois ambos
provêm de uma visão autorreferencial capaz de ser medida só com as
próprias forças, capacidades ou competências, impedindo de olhar àquilo
que o Senhor atua e quer realizar entre nós (cfr. Esrot. Ap. postsin.
Christus vivit, 35). Nem adaptar-se à cultura da moda, nem refugiar-se
num passado heroico, mas já desencarnado. Nos tempos de mudança, faz
bem ater-se às palavras de S. Paulo a Timóteo: “Por isso recomendo-te que
reanimes o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas
mãos, pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de
fortaleza, de amor e de sabedoria.” (2 Tm 1,6-7).
Estas palavras convidam-nos a cultivar uma atitude contemplativa,
capaz de identificar e discernir os pontos nevrálgicos. Isto ajudará a entrar
no caminho com o espírito e o contributo próprio dos filhos de Dom Bosco
e, como ele, desenvolver uma “válida revolução cultural” (Enc. Laudato si’,
114). Esta atitude contemplativa permitir-vos-á superar e ultrapassar as
vossas próprias expetativas e os vossos programas. Somos homens e
mulheres de fé, o que supõe ser apaixonados por Jesus Cristo; e sabemos
que tanto o nosso presente como o nosso futuro estão impregnados desta
força apostólico-carismática chamada a continuar a permear a vida de
tantos jovens abandonados e em perigo, pobres e necessitados, excluídos e
descartados, privados dos seus direitos, de casa... Estes jovens esperam
um olhar de esperança capaz de contrariar todo o tipo de fatalismo ou
determinismo. Esperam cruzar-se com o olhar de Jesus que lhes diz que
“em todas as situações “escuras ou dolorosas […] há uma via de saída»
(Exort. ap. postsin. Christus vivit, 104). É ali que habita a nossa alegria.
Nem pessimista nem otimista, o salesiano do séc. XXI é um homem
cheio de esperança porque sabe que o seu centro está no Senhor, capaz de
fazer novas todas as coisas (cfr. Ap 21, 5). Só isto nos salvará de viver
numa atitude de resignação e sobrevivência defensiva. Só isto tornará

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fecunda a nossa vida (cfr. Homilia, 2 fevereiro 2017), porque tornará
possível que o dom recebido continuará a ser experimentado e expresso
como uma boa notícia para e com os jovens de hoje. Esta atitude de
esperança é capaz de instaurar e inaugurar processos educativos
alternativos à cultura imperante que, em não poucas situações - quer pela
indigência ou pobreza extrema quer por abundância, em alguns casos
também extrema -, acabam por asfixiar e matar os sonhos dos nossos
jovens condenando-os a um conformismo ensurdecedor, adulador e não
poucas vezes narcotizado. Nem triunfalistas nem alarmistas, homens e
mulheres alegres e com esperança, não automatizados mas artesãos;
capazes de «mostrar outros sonhos que este mundo não oferece, de
testemunhar a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza,
do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela justiça e
o bem comum, do amor aos pobres, da amizade social» (Exort. ap. postsin.
Christus vivit, 36).
A “opção Valdocco” do vosso 28º Capítulo Geral é uma boa ocasião
para se confrontar com as fontes e pedir ao Senhor: “Da mihi animas,
coetera tolle1. Tolle sobretudo aquilo que durante o caminho se foi
incorporando e perpetuando e que, ainda que noutro tempo tivesse sido
uma resposta adequada, hoje vos impede de configurar e plasmar a
presença salesiana de maneira evangelicamente significativa nas diversas
situações da missão. Isto pede, da nossa parte, superar os medos e as
apreensões que podem surgir por ter acreditado que o carisma se reduzisse
ou identificasse com determinadas obras ou estruturas. Viver fielmente o
carisma é qualquer coisa mais rica e estimulante que o simples abandono,
remedeio ou readaptação das casas ou das atividades; comporta uma
mudança de mentalidade diante da missão a realizar2.
A “opção Valdocco” e o dom dos jovens
O Oratório salesiano e tudo aquilo que nasce a partir dele, como
narra a Biografia do Oratório, nasce como resposta à vida dos jovens com
um rosto e uma história, que colocam em movimento aquele jovem
1 Lema gravado a fogo nos primeiros missionários. Lembro-me da carta de Dom Giacomo Costamagna a
Dom Bosco onde, depois de lhe contar as dificuldades da viagem e os vários fracassos que tiveram que
enfrentar, concluiu dizendo: "Pedimos unânimes apenas uma coisa: poder ir logo para a Patagónia para
salvar incontáveis almas". A consciência de ser enviado para procurar almas nos subúrbios e de permanecer
superando qualquer aparente fracasso, é uma nota de identidade com base na qual se pode comparar e
medir o carisma: "Da mihi animas, coetera tolle".
2 Recordamos a advertência do Senhor: “Desprezando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos
homens” (Mc 7,8).

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sacerdote incapaz de permanecer neutral e imóvel diante daquilo que
acontecia. Foi muito mais do que um gesto de boa vontade ou de bondade,
e muito mais do que o resultado de um projeto de estudo sobre a
“viabilidade numérico-carismática”. Penso nisso como um ato de conversão
permanente e de resposta ao Senhor que, “cansado de bater” às nossas
portas, espera que o procuremos e que o encontremos... Ou que o deixemos
sair, quando bate de dentro. Conversão que implica (e complica) toda a sua
vida e a vida daqueles que estavam à sua volta. Dom Bosco não só não
escolhe separar-se do mundo para procurar a santidade, mas deixa-se
interpelar e escolhe como e que mundo habitar.
Escolhendo e acolhendo o mundo das crianças e dos jovens
abandonados, sem trabalho, nem formação, permitiu-lhes experimentar de
modo tangível, a paternidade de Deus e deu-lhes os instrumentos para
narrar a sua vida e a sua história à luz de um amor incondicional. Eles, por
sua vez, ajudaram a Igreja a reencontrar-se com a sua missão: “A pedra
rejeitada pelos construtores tornou-se pedra angular” (Sal 118, 22). Longe
de serem agentes passivos ou espectadores da obra missionária, tornaram-
se, a partir da sua própria condição - em muitos casos "religiosos
analfabetos" e "socialmente analfabetos" - os principais protagonistas de
todo o processo de fundação3. A salesianidade nasce precisamente deste
encontro capaz de suscitar profecias e visões: acolher, integrar e fazer
crescer as melhores qualidades como dom para os outros, sobretudo para
os marginalizados e abandonados de quem não se espera nada. Disse-o
Paulo VI: “Evangelizadora como é, a Igreja começa por se evangelizar a si
mesma... Numa palavra, é o mesmo que dizer que ela tem sempre
necessidade de ser evangelizada, se quiser conservar frescor, alento e força
para anunciar o Evangelho (Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 15). Cada
carisma precisa de ser renovado e evangelizado e no vosso caso sobretudo
pelos jovens mais pobres.
Os interlocutores de Dom Bosco ontem e do salesiano hoje não são
meros destinatários de uma estratégia antecipadamente projetada, mas
protagonistas vivos do oratório a realizar4. Por meio deles e com eles o
3 Graças à ajuda do sábio Cafasso, Dom Bosco descobriu quem era aos olhos dos jovens presos; e aqueles
jovens presos descobriram um novo rosto no olhar de Dom Bosco. Então, juntos descobriram o sonho de
Deus, que precisa destes encontros para se manifestar. Dom Bosco não descobriu a sua missão diante de
um espelho, mas na dor de ver jovens que não tinham futuro. O salesiano do século XXI não descobrirá a
sua própria identidade, se não for capaz de sofrer com "a quantidade de jovens saudáveis e fortes, de espírito
vivo, que estavam na prisão atormentados e completamente despojados de alimento espiritual e material...
Neles estava representada a odiosidade da pátria, a desonra da família". (Memorie dell’Oratorio di san
Francesco di Sales, 48); e nós poderemos acrescentar: da nossa própria Igreja.
4 Hoje vemos como em muitas regiões os jovens são os primeiros a levantar-se, a organizar-se e a promover
causas justas. As vossas casas salesianas, longe de impedir este despertar, são chamadas a tornar-se

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Senhor mostra-nos a sua vontade e os seus sonhos5. Poderíamos chamar-
lhes cofundadores das vossas casas, onde o salesiano será especialista em
convocar e em gerar este tipo de dinâmicas sem se sentir o patrão. Uma
união que nos recorda que somos “Igreja em saída” e que nos mobiliza para
isto: Igreja capaz de abandonar posições cómodas, seguras e em certas
ocasiões privilegiadas, para encontrar nos últimos a fecundidade típica do
Reino de Deus. Não se trata de uma escolha estratégica, mas carismática.
Uma fecundidade suportada em base à Cruz de Cristo, que é sempre
injustiça escandalosa para quantos bloquearam a sensibilidade diante do
sofrimento ou que desceram a pactos com a injustiça diante do inocente.
«Não podemos ser uma Igreja que não chora à vista destes dramas dos seus
filhos jovens. Não devemos jamais habituar-nos a isto, porque, quem não
sabe chorar, não é mãe. Queremos chorar para que a própria sociedade
seja mais mãe» (Exort. ap. postsin. Christus vivit, 75).
A “opção Valdocco” e o carisma da presença
É importante dizer que não somos formados para a missão, mas que
somos formados na missão, a partir da qual se articula toda a nossa vida,
com as suas escolhas e as suas prioridades. A formação inicial e a
permanente não podem ser uma instância prévia, paralela ou separada da
identidade e da sensibilidade do discípulo. A missão inter gentes é a nossa
melhor escola: a partir dela rezamos, refletimos, estudamos, repousamos.
Quando nos isolamos ou nos afastamos do povo que somos chamados a
servir, a nossa identidade como consagrados começa a desfigurar-se e a
tornar-se uma caricatura.
Neste sentido, um dos obstáculos que podemos identificar não tem
tanto a ver com uma qualquer situação externa às nossas comunidades,
mas é aquilo que nos toca diretamente por uma experiência distorcida do
ministério..., e que nos faz tanto mal: o clericalismo. É a procura pessoal de
querer ocupar, concentrar e determinar os espaços minimizando e
anulando a unção do Povo de Deus. O clericalismo, vivendo o chamamento
de forma elitista, confunde a eleição com o privilégio, o serviço com o
servilismo, a unidade com a uniformidade, a discrepância com a oposição,
a formação com a doutrinação. O clericalismo é uma perversão que
espaços que possam estimular esta consciência de cristãos e cidadãos. Recordemos o título do lema do
Reitor-Mor deste ano: ”Bons cristãos e honestos cidadãos”.
5 Convido-vos a ter sempre em mente todos aqueles que não participam nestas instâncias, mas que não
podemos ignorar se não quisermos ser um grupo fechado.

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favorece as ligações funcionais, paternalistas, possessivas e até
manipuladoras com o resto das vocações na Igreja.
Outro obstáculo que encontramos – difundido e até justificado,
sobretudo neste tempo de precariedade e fragilidade – é a tendência para o
rigorismo. Confundindo autoridade com autoritarismo, pretende-se
governar e controlar os processos humanos com uma atitude escrupulosa,
severa e até mesquinha perante os limites e as debilidades próprias ou dos
outros (sobretudo dos outros). O rigorista esquece que o grão e o joio
crescem juntos (cfr. Mt 13, 24-30) e que «nem todos podem tudo», e que,
nesta vida, as fragilidades humanas não são curadas, completamente e
duma vez por todas, pela graça. Em todo o caso, como ensinava Santo
Agostinho, Deus convida-te a fazer o que podes e «a pedir o que não podes»
(Esort. ap. Gaudete et exsultate, 49). São Tomás de Aquino com grande
finura e subtileza espiritual recorda-nos que «o diabo engana muitos.
Alguns atraindo-os a cometer pecados, outros a um excessivo rigor para
com aqueles que pecam, de modo que, se não pode tê-los por
comportamento vicioso, leva à perdição aqueles que já tem, usando o rigor
dos prelados, que, não os corrigindo com misericórdia, os induzem ao
desespero, e assim se perdem e caem na rede do diabo. E isto acontece
connosco, se não perdoarmos aos pecadores»6.
Aqueles que acompanham outros a crescer devem ser pessoas de
grandes horizontes, capazes de colocar juntos limites e esperança,
ajudando assim a olhar sempre em perspetiva, numa prospetiva salvífica.
Um educador «que não teme pôr limites e, ao mesmo tempo, se abandona à
dinâmica da esperança expressa na sua confiança na ação do Senhor dos
processos, é imagem de um homem forte, que guia aquilo que não lhe
pertence, mas ao seu Senhor»7. Não nos é lícito sufocar e impedir a força e
a graça do possível, cuja realização esconde sempre uma semente de Vida
nova e boa. Aprendemos a trabalhar e a confiar nos tempos de Deus, que
são sempre maiores e mais sábios que as nossas míopes medidas. Ele não
quer destruir ninguém, mas salvar a todos.
É urgente, por isso, encontrar um estilo de formação capaz de
assumir de modo estrutural o facto de que a evangelização implica a
participação plena, e de pleno direito, de cada batizado – com todas as suas
potencialidades e os seus limites – e não apenas os assim chamados
6 Super II Cor., cap. 2, lect. 2 (in fine). A passagem comentada por São Tomás é 2 Cor 2,6-7 onde, a respeito
dos que o entristeceram, São Paulo escreve: «Deves usar da tua bondade e consolá-lo, para que não
sucumba sob demasiada dor».
7 J. M. BERGOGLIO, Meditazioni per religiosi, 105.

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“atores qualificados” (cfr. Exort. ap. Evangelii gaudium, 120); uma
participação em que o serviço, e o serviço ao mais pobre, seja o eixo
portante que ajuda a manifestar e a testemunhar melhor nosso Senhor,
«que não veio para ser servido, mas para servir e dar a própria vida em
resgate de muitos» (Mt 20,28). Encorajo-vos a continuar a empenhar-vos
em fazer das vossas casas um “laboratório eclesial” capaz de reconhecer,
apreciar, estimular e encorajar os diversos chamamentos e missões na
Igreja.8 .
Neste sentido, penso concretamente em duas presenças da vossa
comunidade salesiana, que podem ajudar como elementos a partir dos
quais confrontar o lugar que ocupam as diferentes vocações entre vós; duas
presenças que constituem o “antídoto” contra todo o tipo de tendência
clericalista e rigorista: o Irmão Coadjutor e as mulheres.
Os Irmãos Coadjutores são expressão da vida de gratuidade que o
carisma vos convida a conservar. A vossa consagração é, antes de mais,
sinal de um amor gratuito do Senhor e ao Senhor nos seus jovens que não
se define principalmente como um ministério, uma função ou um serviço
particular, mas através de uma presença. Antes ainda do que o que fazer, o
salesiano é memória viva de uma presença em que a disponibilidade, a
escuta, a alegria e a dedicação são as notas essenciais para suscitar
processos. A gratuidade da presença salva a Congregação de todas as
obsessões ativistas e de todos os reducionismos técnico-funcionais. O
primeiro chamamento é ser uma presença alegre e gratuita entre os jovens.
Que seria de Valdocco sem a presença de Mãe Margarida? Teriam sido
possíveis as vossas casas sem esta mulher de fé? Nalgumas regiões e
lugares «há comunidades que se mantiveram e transmitiram a fé durante
longo tempo, mesmo decénios, sem que algum sacerdote passasse por lá.
Isto foi possível graças à presença de mulheres fortes e generosas, que
batizaram, catequizaram, ensinaram a rezar, foram missionárias,
certamente chamadas e impelidas pelo Espírito Santo. Durante séculos, as
mulheres mantiveram a Igreja de pé nesses lugares com admirável
dedicação e fé ardente» (Exort. ap. postsin. Querida Amazónia, 99). Sem
uma presença real, efetiva e afetiva das mulheres, às vossas obras faltaria
coragem e capacidade para declinar a presença como hospitalidade, como
casa. Diante do rigor que exclui, é preciso aprender a gerar nova vida do
Evangelho. Convido-vos a levar por diante dinâmicas nas quais a voz da
8 Uma vocação eclesial, antes de ser um ato que diferencia ou complementa, é um convite a oferecer um
dom particular em função do crescimento dos outros.

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mulher, a sua visão e o seu agir – apreciado na sua singularidade –
encontrem eco ao serem tomadas decisões; como um ator não auxiliar, mas
constitutivo das vossas presenças.
A “opção Valdocco” na pluralidade das línguas
Como noutros tempos, o mito de Babel procura impor-se em nome da
globalidade. Inteiros sistemas criam uma rede de comunicação global e
digital capaz de interconectar os diferentes ângulos do planeta, com grave
perigo de uniformizar monoliticamente as culturas, privando-as das suas
caraterísticas essenciais e dos seus recursos. A presença universal da
vossa família salesiana é um estímulo e um convite a guardar e preservar a
riqueza de muitas culturas em que estais imersos sem procurar
“homogeneizá-las”. Por outro lado, esforçai-vos para que o cristianismo seja
capaz de assumir a língua e a cultura das pessoas do lugar. É triste ver
que em muitos lugares se sente ainda a presença cristã como uma
presença estrangeira (sobretudo europeia): situação que se verifica também
nos itinerários formativos e nos estilos de vida (cfr ibid., 90)9. Pelo
contrário, agiremos como nos inspira aquele episódio em que Dom Bosco, à
pergunta sobre que língua gostava de falar, responde: “Aquela que me
ensinou a minha mãe: é aquela com que posso comunicar mais
facilmente”. Seguindo esta certeza, o salesiano é chamado a falar na língua
materna de todas as culturas em que se encontra. A unidade e a comunhão
da vossa família estão em condições de assumir e acentuar todas estas
diferenças, que podem enriquecer todo o corpo numa sinergia de
comunicação e interação em que cada um possa oferecer o melhor de si
para o bem de todo o corpo. Assim a salesianidade, em vez de se perder na
uniformidade das tonalidades, conquistará uma expressão mais bela e
atrativa... saberá expressar-se “em dialeto” (cfr 2 Mac 7,26-27).
Ao mesmo tempo, a irrupção da realidade virtual como linguagem
dominante em muitos dos Países em que realizais a vossa missão, exige,
em primeiro lugar, reconhecer todas as possibilidades e as coisas boas que
produz, sem subvalorizar ou ignorar a incidência que possui para criar
ligações, sobretudo afetivas. Disto não estamos imunes nem sequer nós
adultos consagrados. As tão difundida (e necessária) “pastoral do monitor”
9 Cfr Exort. ap. Evangelii gaudium, 116: «como podemos ver na história da Igreja, o cristianismo não dispõe
de um único modelo cultural, mas permanecendo o que é, na fidelidade total ao anúncio evangélico e à
tradição da Igreja, o cristianismo assumirá também o rosto das diversas culturas e dos vários povos onde for
acolhido e se radicar».

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pede-nos que habitemos a rede de forma inteligente reconhecendo-a como
um espaço de missão10 que requer, por sua vez, colocar todas as mediações
necessárias para não permanecer prisioneiros da sua circularidade e da
sua lógica particular (e dicotómica). Esta armadilha – mesmo em nome da
missão – pode-nos fechar sobre nós próprios e isolar-nos numa
virtualidade cómoda, supérflua, e pouco ou nada empenhada na vida dos
jovens, dos irmãos da comunidade ou dos trabalhos apostólicos. A rede não
é neutra e o poder que possui para criar cultura é muito alto. Sob o avatar
da proximidade virtual podemos ficar cegos ou distantes da vida concreta
das pessoas, sufocando ou empobrecendo o vigor missionário. O redobrar-
se individualista, tão difundido e proposto socialmente nesta cultura
amplamente digitalizada, exige uma atenção especial não apenas no que se
refere aos nossos modelos pedagógicos, mas também ao uso pessoal e
comunitário do tempo, das nossas atividades e dos nossos bens.
A “opção Valdocco” e a capacidade de sonhar
Um dos “géneros literários” de Dom Bosco eram os sonhos. Com eles
o Senhor fez-se caminho na sua vida e na vida de toda a vossa
Congregação alargando a imaginação do possível. Os sonhos, longe de o
adormecerem, ajudaram-no, como aconteceu a São José, a assumir uma
outra espessura e uma outra medida de vida, que nascem das entranhas
de compaixão de Deus. Era possível viver concretamente o Evangelho...
sonhou-o e deu-lhe forma no Oratório.
Gostaria de vos oferecer estas palavras como as “boas noites” em toda
a boa casa salesiana ao terminar o dia, convidando-vos a sonhar e a
sonhar em grande. Sabeis que o resto vos será dado como acrescento.
Sonhai casas abertas, fecundas e evangelizadoras, capazes de permitir ao
Senhor mostrar a tantos jovens o seu amor incondicional, e a vós gozar a
beleza a que fostes chamados. Sonhai... E não só para vós e para o bem da
Congregação, mas para todos os jovens privados da força, da luz e do
conforto da amizade com Jesus Cristo, privados de uma comunidade de fé
que os sustenha, de um horizonte de sentido de vida (cfr Exort. ap.
Evangelii gaudium, 49). Sonhai... e fazei sonhar!
10 Hoje, de facto, «torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com
Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais. É necessário chegar aonde
são concebidas as novas histórias e paradigmas» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 74).

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Roma, São João Latrão, 4 de março 2020