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GIUSEPPE BUCCELLATO SDB
ORIENTAÇÕES E SUGESTÕES
PARA A MEDITAÇÃO QUOTIDIANA
NA SOCIEDADE DE SÃO FRANCISCO DE SALES
CATANIA 2021

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1.3 Page 3

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Sumário
INTRODUÇÃO
PARA INICIAR O CAMINHO
Oração vocal, mental, meditação, contemplação
Os ensinamentos sobre a meditação nas origens da Sociedade
Com Dom Bosco e com os tempos
Oração pessoal e oração litúrgica
Valor antropológico da meditação
LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO
De uma circula do P. Paulo Albera
SUGESTÕES E REFLEXÕES GERAIS SOBRE O “MÉTODO
Os três momentos fundamentais da meditação
O papel do corpo na oração
Os critérios utilizados para a escolha dos métodos propostos
LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO
De uma circular do P. Luís Ricceri
OS MÉTODOS PROPOSTOS PARA A MEDITAÇÃO
1. MÉTODOS SIMPLES
Repetição simples
A oração de Jesus ou oração do coração (hesicasmo)
Composição vendo o lugar (Santo Inácio de Loyola)
Uma palavra sobe o papel da imaginação na meditação
Mira que te mira (Santa Teresa d'Ávila)
Exame do dia que virá
LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO
De uma circular do P. Egídio Viganò
2. MÉTODOS ESTRUTURADOS
A Lectio Divina (segundo o método de Guigo o Cartuxo)
A Lectio Divina (segundo Carlo Maria Martini)
A Lectio Divina. Síntese do P. Pascual Chávez
A meditação inaciana
Método inaciano simplificado
O método ensinado pelo Vade-mécum do P. Júlio Barberis
Método dos “sete passos” (Lumko – África)
O método da ruminatio (segundo Clodovis M. Boff)
O método do Centering Prayer do P. Thomas Keating
LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO
De uma circular do P. Juan Vecchi
CONCLUSÕES
Tradução: José Antenor Velho

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Introdução
«Preciso fazer uma recomendação muito especial e bem distinta sobre um meio que acredito
ser indispensável para que qualquer método de trabalho espiritual seja eficaz. Quero falar da
meditação... Se o Senhor não estiver conosco e não trabalhar conosco, nosso trabalho estará
inexoravelmente condenado à esterilidade. Isso significa que a oração e o espírito de união
com Deus são necessários: devemos orar e meditar muito; devemos fazer os noviços rezarem
e ensiná-los a meditar bem. Nossos inscritos, quando vêm para o noviciado, já amam a oração
em geral... Mas eles podiam não ter nenhuma ideia sobre a meditação. Portanto, no início do
noviciado, seja a vossa primeira grande preocupação ensinar a meditar, bem convencidos de
que só quando começarem a ter gosto pela meditação os noviços poderão iniciar um
verdadeiro progresso na vida espiritual»1 (P. Filipe Rinaldi).
Optamos por iniciar este nosso subsídio com uma citação, tirada de uma carta de 1930,
endereçada pelo então Reitor-Mor aos Caros Mestres dos Inscritos, porque nos parece resumir
bem o objetivo fundamental que nos propusemos: dar algumas orientações e algumas
sugestões concretas para tornar novamente vital e eficaz esta prática de piedade prescrita
explicitamente pelas nossas Constituições e que a Igreja continua a indicar como essencial
na formação inicial dos jovens seminaristas e dos religiosos.
«Para se formar segundo o espírito do Evangelho lê-se na ratio da Congregação para o
Clero de 2016, intitulada O dom da vocação presbiteral , o homem interior precisa dedicar um
cuidado atento e fiel à vida espiritual, centrada prioritariamente na comunhão com Cristo
segundo os Mistérios celebrados no Ano litúrgico e alimentada pela oração pessoal e pela
meditação sobre a Palavra inspirada. Na oração silenciosa, que o coloca numa relação autêntica
com Cristo, o seminarista torna-se dócil à ação do Espírito, que progressivamente o plasma
à imagem do Mestre».2
Esta renovada exortação da Igreja à oração silenciosa e à arte de meditar, como recursos
que nos permitem conservar a nossa identidade, chega até nós num momento particular da
nossa experiência de crentes e de religiosos. Escrevia já há alguns anos o P. Clodovis Boff:
«A preocupação quotidiana nos atordoa e desconcerta. Sempre agitados, vivemos
projetados para o exterior. Somos como uma pensão popular com um vai e vem de pessoas
de todos os tipos. E assim corremos o risco de perder a nossa identidade. Não sabemos mais
quem somos e para onde vamos. Estamos nos tornando vazios e subjetivamente
empobrecidos e, por isso, falta-nos paz interior, somos vítimas do desânimo, da angústia e,
às vezes, da depressão».3
A dificuldade que a prática quotidiana da meditação tem atravessado, no entanto, não
é recente, se é verdade que já em 1971 outro Reitor-Mor, P. Luís Ricceri, afirmou no Relatório
geral sobre o estado da Congregação apresentado ao Capítulo Geral Especial: «Parece que
podemos afirmar, com base nos dados externos que possuímos, que na Congregação houve
um declínio notável, um rebaixamento muito significativo do nível espiritual, especialmente
no setor da piedade e da vida espiritual»;4 e dois anos mais tarde, na circular A nossa oração
escrevia: «A dolorosa síntese de tudo, porém, está aqui: reza-se pouco e mal».5
Esta intervenção do magistério salesiano, digna de crédito e corajosa, alinha-se, como
1 F. RINALDI, Cari Maestri degli ascritti, in ASC A 384.01.15.
2 CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, O dom da vocação presbiteral. Ratio fundamentalis institutionis studiorum, 8 de dezembro de 2016, n. 42.
3 C. M. BOFF, Come fare meditazione. Il metodo della ruminatio, Cinisello Balsamo 2010, 8.
4 CGS, Relatório sobre o estado da Congregação, 32.
5 ACS n. 269, 12.

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teremos ocasião de dizer, a outras vozes que a precederam e seguiram. O próprio Dom
Bosco, na segunda edição italiana das Constituições (1877), quis inserir em posição central,
depois da introdução Aos sócios salesianos e antes do texto constitucional, uma longa carta de
São Vicente de Paulo aos seus religiosos (de vida ativa!) sobre a importância da meditação
em comum e a necessidade de levantar-se na mesma hora para fazê-la; um lembrete
evidente da importância de uma prática de piedade que, é legítimo fazer a hipótese, desde
então foi problemática na jovem congregação. «A graça da vocação está ligada à oração»,6
escrevera São Vicente aos seus religiosos; e com a autoridade deste santo da caridade, Dom
Bosco fez sua a mensagem do santo francês e, inserindo-a numa moldura de grande relevo,
confiou-a à nascente Congregação.
Este nosso subsídio, dirigido a todos os irmãos, mas em particular aos que
compartilham a responsabilidade da formação inicial, aos noviços e jovens salesianos, surge
do desejo de contribuir para tornar mais vitais e partilhadas algumas regras do jogo que estão
na base de uma sadia pedagogia da oração, em sintonia com os ensinamentos atuais da Igreja
e com a nossa tradição.
Parece-nos particularmente importante evidenciar a necessidade desta iniciação à
oração durante a primeira formação à vida religiosa salesiana, da qual depende muitas vezes
de modo permanente, o estilo com que viveremos, no resto dos anos, os diversos encontros
da nossa vida comunitária e a nossa vida pessoal de oração. A falta desta pedagogia gradual,
combinada com uma prática centrada nas obrigações da vida religiosa, mais do que na
autenticidade da relação de amor que pode dar sentido a cada uma das nossas práticas de
piedade, pode tornar cansativa e pouco vital, a experiência da oração, às vezes
indelevelmente.
Depois de alguns esclarecimentos iniciais, necessários para empreender o caminho,
dedicamos algumas páginas ao papel e à oportunidade de um método que torne a meditação
prevista pelas nossas Constituições mais eficaz e frutuosa. Em seguida, passaremos à
descrição prática de alguns métodos, dos mais simples e imediatos a alguns mais
estruturados, que a experiência da Igreja e da Congregação nos proporcionou.
Pela sua própria natureza e pela finalidade que pretende alcançar, este subsídio deve
ser “experimentado” pessoalmente e em comunidade, além de lido com atenção. Os
diversos métodos propostos devem ser verificados gradualmente na prática, melhor ainda
se com o auxílio de um guia, em vista do amadurecimento de um método pessoal e eficaz.
Na carta que anunciava o Bicentenário do nascimento de Dom Bosco, o então Reitor-
Mor, P. Pascual Chávez, exortava: «Urge conhecer, aprofundar e viver a espiritualidade de
Dom Bosco. O conhecimento dos aspectos exteriores da vida de Dom Bosco, das suas
atividades e do seu método educativo não basta. À base de tudo, como fonte da fecundidade
de sua ação e atualidade, há algo que frequentemente nos foge: a sua profunda experiência
espiritual».7 A preciosa herança carismática que recebemos reaviva-se para nós na tarefa de
novamente ler o passado, em particular o nosso precioso magistério, para escrever um futuro
coerente com o dom que nos foi dado. Nesta perspectiva, quisemos inserir no texto alguns
fragmentos do magistério salesiano sobre o tema da meditação.
Dom Bosco escreveu na biografia de São Vicente de Paulo, publicada pela primeira
vez em 1848, e reeditada em 1876 e 1877, juntamente com as primeiras edições italianas das
nossas Constituições: «Não há nada mais conforme com o Evangelho do que reunir luzes e
forças através da oração, da leitura e da solidão e, portanto, fazer parte deste prado
6 Regole o costituzioni della società di S. Francesco di Sales secondo il decreto di approvazione del 3 aprile 1874, Torino 1877, 47.
7 ACG n. 394, 13.

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espiritual para os homens. É uma imitação do que foi feito por nosso Senhor, e depois dele
pelos Apóstolos; é a união do ofício de Marta e o de Maria; é o seguimento do exemplo da
pomba, que digere parte da comida que engoliu e, depois, com seu bico passa o resto para
seus filhotes a fim de alimentá-los».8
Esperamos que este precioso alimento espiritual possa continuar a alimentar e tornar
sempre mais fecunda a missão confiada à nossa Congregação.
8 G. BOSCO, Il cristiano guidato alla virtù ed alla civiltà secondo lo spirito di San Vincenzo De' Paoli, Torino 1848, 39-40

1.7 Page 7

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Para iniciar o caminho
«O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e da maneira que Lhe apraz. Por seu turno,
cada fiel responde-Lhe conforme a determinação do seu coração e as expressões pessoais da
sua oração. No entanto, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de
oração: a oração vocal, a meditação e a contemplação. Têm um traço fundamental comum: o
recolhimento do coração. Esta atenção em guardar a Palavra e permanecer na presença de
Deus faz destas três expressões tempos fortes da vida de oração» (Catecismo da Igreja Católica,
n. 2699).
A primeira coisa a fazer antes de iniciar o nosso caminho é tentar entender-nos sobre
os termos que usaremos: oração mental, meditação, contemplação... São sinônimos ou é
necessário algum esclarecimento? Estes primeiros esclarecimentos permitirão abordarmos
com maior conhecimento a nossa tradição menos recente e interpretar alguns dos textos que
o nosso magistério nos confiou. Com efeito, toda memória autêntica traduz-se em uma tarefa,
com a responsabilidade de permanecermos fiéis a nós mesmos e ao dom que recebemos.
Nossas Constituições atuais afirmam no artigo 93: «Forma indispensável de oração é
para nós a oração mental. Ela fortalece nossa intimidade com Deus, salva da rotina, conserva
o coração livre e alimenta a doação ao próximo. Para Dom Bosco é garantia de alegre
perseverança na vocação». E lê-se, ainda, no artigo 71 dos Regulamentos: «Diariamente os
sócios farão em comum ao menos meia hora de meditação e algum tempo de leitura
espiritual».
Esclareçamos logo que a leitura pessoal de um bom livro pode ser um grande recurso
para nossa vida espiritual; a rigor, porém, não pode substituir habitualmente o tempo
reservado à meditação que, como diremos, é antes de tudo oração silenciosa, diálogo pessoal
e íntimo com Deus.
Estes primeiros esclarecimentos, ainda que nos obriguem a exercer a profissão de
farmacêutico por alguns momentos, são indispensáveis para nos aproximar com maior
conhecimento da tradição da Igreja e interpretar alguns textos que a história da
espiritualidade cristã nos confiou.
Oração vocal, meditação, contemplação
Em seu sentido mais comum e geral, o adjetivo mental atribuído ao termo oração (ou
prece) é antitético ao adjetivo vocal; portanto, não se refere a uma oração que envolva um
raciocínio lógico, mas a uma oração que envolva os afetos, a interioridade do homem, que não
precisa de palavras para se expressar. O carmelita P. Albino do Menino Jesus escreve em
seu Compêndio de Teologia Espiritual: «Chama-se oração mental quando se realiza nas
potências da alma, sem qualquer manifestação exterior. Todo ato de fé, de esperança, de
amor, todo pensamento espiritual e afeto é oração mental, ou seja, um encontro com Deus».9
O Cardeal Tiago Lercaro, em seu texto Métodos de oração mental, contudo, atribui este
significado à expressão oração mental difusa, que ele define como «todo pensamento que
tenha por objeto Deus ou as coisas relacionadas com Deus»,10 distinguindo-a da oração
mental formal, que, para ele, é «o particular exercício da vida espiritual, com que,
9 ALBINO DEL BAMBINO GESÙ, Compendio di Teologia Spirituale, Torino 1966, 336.
10 G. LERCARO, Metodi di orazione mentale, Milano 19693, 3.

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quotidianamente ou com frequência regular, excluindo qualquer outra ocupação, a que
consagramos um certo espaço de tempo para nos entretermos com Deus, sem o uso de
fórmulas verbais fixas».11
A oração mental formal seria, então, a prática de piedade a que se referem os nossos
Regulamentos. «A oração, que as Constituições nos prescrevem para alimento do espírito
afirmava o P. Paulo Albera numa circular intitulada Dom Bosco modelo do Sacerdote Salesiano
– é a mental, que, segundo Santa Teresa, é “uma pura comunhão de amizade, mediante a
qual a alma se entretém a sós com Deus”».12
A oração mental difusa, a atenção constante e atual à presença de Deus, é, portanto, aquele
dom particular reconhecido ao nosso fundador e que ordinariamente chamamos de união
com Deus, ou também graça de unidade.
Neste nosso subsídio, contudo, consideraremos as duas expressões oração mental e
meditação como sinônimos. De fato, na história da espiritualidade cristã, elas foram na
maioria das vezes utilizadas indiferentemente,13 ambas para indicar, segundo a
terminologia de Lercaro, a oração mental formal, ou seja, aquela particular prática de piedade,
recomendada ou prescrita na vida religiosa ou presbiteral, distinta da oração mental difusa,
que pode ser considerada o hábito ao pensamento de Deus, que também deveria acompanhar
a oração pessoal e, mais em geral, toda a nossa vida.
Em todo caso, reiteramos que a expressão oração mental não pretende referir-se a uma
oração em que se envolve apenas a mente, a inteligência; ela se refere também a uma oração
que não se reduz tão somente à expressão vocal, mas que envolve toda a interioridade do
orante. «Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim» (Mt 15,8).
Notemos, entretanto, que, em alguns casos, o termo “meditação” foi reservado para o
aspecto reflexivo, mais do que orante da prática religiosa; nesse sentido, por exemplo, é
utilizado, como veremos, para descrever o segundo momento do método da Lectio Divina
de Guigo, o Cartuxo, de que falaremos.
A utilização do termo meditação14 é comum a muitas tradições espirituais e/ou
religiosas, de origens diversas. O que aproxima estas diferentes perspectivas é a busca de
um tempo ou de uma técnica particular que concentre as energias da pessoa em sua vida
interior.
Ainda, o termo contemplação também utilizado muitas vezes em nossa primeira
tradição salesiana, refere-se mais claramente ao objetivo fundamental de toda experiência
de oração e, em última instância, à finalidade da vida do crente, que é a união com Deus, a
deificação de que falam os Padres e à qual a tradição Ortodoxa se refere mais frequentemente.
O P. Egídio Viganò escreveu: «A oração mental evolui com gradualidade da meditação à
contemplação; é uma atitude interior pela qual se entra em relação com o amor de Deus.
Santa Teresa descreveu-a como um trato amigável com Deus».15
O próprio Dom Bosco narra na biografia de Domingos Sávio: «A sua preparação para
receber a Santa Eucaristia era das mais edificantes. À noite, antes de se deitar, fazia uma
oração com esse fim... De manhã, era esse grande ato precedido de uma preparação
suficiente; mas a ação de graças, essa não tinha fim. Muitas vezes, se ninguém o chamasse,
esquecia-se da refeição, do recreio e algumas vezes do estudo, permanecendo em oração, ou
11 Ibidem.
12 P. ALBERA, Lettere circolari ai salesiani, Torino 1922, 443.
13 Cfr. G. LERCARO, Metodi di orazione mentale, cit., 3.
14 Para evitar equívocos, todas as vezes que nos referirmos à particular prática de piedade, prevista nos Regulamentos, usaremos meditação
em cursivo.
15 ACG n. 338, 13.

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melhor, na contemplação da divina bondade, que de um modo inefável comunica aos homens
os tesouros da sua infinita misericórdia» [Fontes, p. 1141-1142].
«A contemplação lê-se no Catecismo da Igreja Católica é o olhar da fé, fixado em Jesus.
Eu olho para Ele e Ele olha para mimdizia, no seu tempo ao santo Cura, um camponês
de Ars em oração diante do sacrário. Esta atenção a Ele é renúncia ao “eu”. O seu olhar
purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a
ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens».16
Trata-se, portanto, em todo caso, da mesma caritas que, ao nos tornar mais íntimos de
Deus e de nós mesmos, restitui-nos a consciência da tarefa que nos foi confiada: ser um “bom
dom” para todos, todos os nossos companheiros de viagem...
Os ensinamentos sobre a meditação nas origens da Sociedade
Os testemunhos mais evidentes da relevância dada por Dom Bosco e pela nascente
Congregação a esta particular prática de piedade são provavelmente os ensinamentos sobre a
importância da meditação e sobre o modo de fazê-la, transmitidos desde o primeiro noviciado
canônico. O noviciado terá a sua sede nos primeiros cinco anos na casa mãe de Valdocco sob
o olhar paterno de Dom Bosco, depois da aprovação oficial das Constituições da Sociedade,
ocorrida em 3 de abril de 1874.
Conservam-se no Arquivo Salesiano Central os cadernos autógrafos em que o primeiro
mestre dos noviços, P. Júlio Barberis,17 transcreveu ordenadamente e por extenso o texto das
conferências feitas aos noviços a partir de 1875.18 As primeiras páginas do primeiro caderno
são dedicadas justamente a uma longa conferência intitulada A meditação e o modo de fazê-la;
poderíamos dizer que este tema representa justamente a porta de entrada na experiência do
noviciado.
Uma breve citação, tirada dessas páginas, exprime bem os sentimentos e as profundas
convicções deste precioso mestre de espiritualidade bosquiana: «Ó, se hoje eu pudesse atrair-
vos um pouco para ela [a meditação]; se eu pudesse fazer-vos penetrar no cerne do benefício
que dela se tira e pudesse ensinar-vos um pouco como bem fazê-la; então sairia desta
conferência todo contente e consolado, e poderia dizer: Ó Senhor, coloquei muitos no bom
caminho, dei a chave da perseverança nas mãos de muitos outros; reacendi o fogo do fervor
em quem não o tinha. Faça o Senhor com que seja assim».19
O método ensinado pelo P. Barberis desde aqueles primeiros anos, como veremos,
retomado e aperfeiçoado depois no seu Vade-mécum dos jovens salesianos, é substancialmente
o inaciano; nenhuma surpresa, considerando que, alguns anos mais tarde, o primeiro
Capítulo-Geral na nascente Congregação (1877), enfrentando a questão da escolha de um
texto para a meditação dos irmãos, reforçará a oportunidade de continuar a usar o texto do
jesuíta P. Luís de la Puente.20 «Deve-se recomendar lemos nas atas principalmente a
introdução. Introdução que deveria ser lida centenas de vezes e decorada, pois vale muito
ouro. Os que seguem bem o que nela se diz descobrirão que o modo de fazer a meditação é
16 Catecismo da Igreja Católica, n. 2715.
17 A partir de 1874 e praticamente por todo o resto de sua vida, o P. Júlio Barberis terá na congregação responsabilidades formativas:
mestre dos noviços até 1900, sendo depois Inspetor por nove anos e, enfim, Diretor Espiritual da Congregação até 1927, ano da sua morte.
Considerado o “garante” da fidelidade ao espírito do Fundador, terá também o encargo de inspecionar os noviciados da nascente
Congregação.
18 Cf. ASC B 509.03.01.
19 Ibidem.
20 O seu muito difuso Meditaciones de los misterios de nuestra santa fe, con la práctica de la oración mental sobre ellos, foi publicado pela primeira
vez em Valladolid em 1605, tendo conhecido muitíssimas edições em várias línguas.

1.10 Page 10

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imensamente facilitado; mas é preciso ter paciência; os iniciantes devem ser bem instruídos;
é preciso fazer com que todos tenham o livro nas mãos e fazê-los aprender de acordo com
esse método».21
O P. Eugênio Ceria, no contexto do ano de 1875 escreveu: «Naquele ano o noviciado
avançou muito no caminho da normalidade... No trabalho de normalização, a piedade
significava a pedra fundamental do edifício religioso, e, na piedade, duas práticas são de
capital importância: os exercícios espirituais anuais e a meditação quotidiana».22
A fidelidade ao carisma comporta, como diremos no parágrafo sucessivo, o
conhecimento da importância dada pelo fundador à oração mental na vida religiosa, mas não
implica uma rígida repetição de formas e métodos que são filhas e filhos de um preciso
momento histórico. Trata-se, como evidenciava a Optiones Evangelicae, «de uma fidelidade
dinâmica, aberta ao estímulo do Espírito, que passa através dos eventos eclesiais e dos sinais
dos tempos».23
Com Dom Bosco e com os tempos
O mandato que o Concílio Vaticano II confiou à vida consagrada é o de um contínuo
regresso às fontes de toda a vida cristã e à genuína inspiração dos Institutos.24 Na mesma linha a
exortação apostólica Vita Consecrata afirmava: «Antes de mais, exige-se a fidelidade ao carisma
de fundação e sucessivo patrimônio espiritual de cada Instituto. Precisamente nessa
fidelidade à inspiração dos fundadores e fundadoras, dom do Espírito Santo, se descobrem
mais facilmente e se revivem com maior fervor os elementos essenciais da vida consagrada»
(n. 36).
O carisma do fundador, entretanto, apresenta-se como uma realidade viva que prolonga
os seus efeitos na história, atualizando de modo criativo, na fidelidade ao dom recebido, a
experiência fundante. Progresso e retorno às origens, renovação e fidelidade são binômios
que devem ser associados. Podemos dizer que todo carisma se destina a permanecer fiel ao
seu patrimônio genético, ao seu DNA, mas também a crescer e se desenvolver como um
organismo vivo que cresce embora permanecendo fiel a si mesmo.
Em relação ao nosso tema, parece-nos poder identificar claramente como elemento
carismático irrenunciável a atenção dada, desde o início, à meditação que Dom Bosco
recomendava constantemente aos primeiros salesianos, mas também aos leigos e aos jovens.
Ao Sr. Hugo Grimaldi di Bellino escreve em 1862: «Todas as manhãs, missa e
meditação. Após o meio-dia, um pouco de leitura espiritual». Ao P. João Anfossi, ex-aluno
do Oratório de Valdocco, escreve em 1867: «A meditação e a visita ao SS. Sacramento serão
para ti duas salvaguardas poderosíssimas: serve-te delas». «Recomendo-te três coisas:
escreve no mesmo ano ao clérigo Luís Vaccaneo atenção à meditação da manhã;
convivência com companheiros mais dados à piedade; temperança nos alimentos». Ao Sr.
Frederico Oreglia, outro amigo e benfeitor do Oratório, escreverá em 1868: «O senhor não
se esqueça de fazer todos os dias a sua meditação e a sua leitura espiritual». «No tempo que
ficareis em casa recomendava aos jovens que partiam para as férias fazei ao menos a
santa comunhão nos dias festivos. Ao longo da semana não deixeis a vossa meditação todos
21 ASC D 578, 116-117. Na edição italiana de 1875 que consultamos, editada pela Marietti, a longa Instrução ocupa 36 páginas.
22 MB XI, 273.
23 Optiones Evangelicae, 29, in “Religiosi e Promozione Umana”, Congregazione per gli Istituti di Vita Consacrata e le Società di Vita
Apostolica, Plenaria, 25-28.04.1978.
24 Cf. Perfectae caritatis, 2.

2 Pages 11-20

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2.1 Page 11

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os dias de manhã».25
Observe-se que Dom Bosco distingue constantemente, aqui como em outros lugares, a
meditação da leitura espiritual pessoal; esta, como dissemos, é certamente útil para a vida
espiritual, mas não é, a rigor, oração. Esta consideração permite evidenciar que o uso habitual
de um texto durante todo o tempo da meditação quotidiana previsto nas Constituições pode
ser equiparado a uma leitura espiritual pessoal muito útil, mas não cumpre, a rigor, a
orientação de dedicar ao menos meia hora do nosso dia para um diálogo íntimo e pessoal com
Deus.
Nos anos que antecederam a fundação da Sociedade de São Francisco de Sales e a
aprovação definitiva das Constituições, Dom Bosco soube aplicar, em relação às
necessidades da vida religiosa, o princípio da gradualidade aos religiosos da nascente
Congregação. Não devemos esquecer que no ano em que teve início o caminho para a sua
institucionalização, alguns dos seus “religiosos” nem sequer chegavam aos dezesseis anos de
idade.26 Um realismo saudável, assim como o desejo de evitar sobrecarregar a consciência
de algum deles com obrigações morais além de suas forças, provavelmente inspiraram Dom
Bosco a uma saudável prudência.
No entanto, como vimos, não faltam em todos esses anos referências explícitas à
importância da meditação quotidiana, de que as Constituições, aprovadas em 1874,
estabelecem definitivamente a duração: saltem per dimidium horae.27 Lê-se, por exemplo, em
uma folha manuscrita de 1866, que Dom Bosco utilizou várias vezes na pregação dos
primeiros cursos de exercícios espirituais da nascente Congregação, a partir de 1866:
«Meditação: mais ou menos longa, seja feita sempre. Ela seja para nós um espelho, diz São
Nilo, para conhecer nossos vícios e a falta das virtudes; mas nunca seja omitida. O homem
que não ora é um homem de perdição (Santa Teresa). In meditatione mea exardescet ignis. Para
a alma é como o calor para o corpo».28
Oração pessoal e oração litúrgica
Nesta primeira parte do nosso subsídio, quisemos acenar também a um dos possíveis
motivos da perda de interesse, na vida presbiteral e religiosa, da prática da meditação no
período seguido à conclusão do Concílio Vaticano II e, em especial, a redescoberta da Liturgia
como fonte e cume da vida da Igreja.
Se é inegável que as diferentes formas de oração metódica nasceram e se desenvolveram
principalmente em certos períodos da história da espiritualidade em que a liturgia e a
reflexão teológica sobre a experiência celebrativa perderam relevância e profundidade,
também é verdade que em nenhum caso a reforma litúrgica lançada pelo Concílio Vaticano
II quis diminuir a importância da oração pessoal e de todas as outras expressões de piedade
cristã.
Os padres conciliares escreveram no número 12 da Sacrosanctum Concilium: «A
participação na sagrada Liturgia não esgota, todavia, a vida espiritual. O cristão, chamado
a rezar em comum, deve entrar também no seu quarto para rezar em segredo ao Pai; antes,
25 As cartas a que nos referimos podem ser encontradas no segundo volume do Epistolario editado pelo P. Francesco Motto,
respectivamente nas páginas 526, 446, 458, 494-5, 407.
26 Em 18 de dezembro de 1859, quando foi assinado o ato de adesão à Sociedade de São Francisco de Sales, Francisco Cerruti tem quinze anos,
Luís Chiapale dezesseis, Antonio Rovetto dezessete. A idade média desse primeiro grupo de aderentes, feita exceção para Dom Bosco e
o P. Alasonatti, é de menos de vinte e um anos.
27 Regulae seu Constitutiones Societatis S. Francisci Salesii juxta approbationis decretum die 3 aprilis 1874, Torino 1874, 37.
28 ASC A 225.04.03.

2.2 Page 12

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segundo ensina o Apóstolo, deve rezar sem cessar».
Muitos anos antes, na Mediator Dei (n. 34), Pio XII afirmara: «Sem dúvida, a prece
litúrgica, sendo pública oração da ínclita esposa de Jesus Cristo, tem maior dignidade do
que a das orações privadas; mas esta superioridade não quer dizer que entre estes dois
gêneros de oração haja contraste ou oposição. Ambas se fundem e se harmonizam porque
animadas de um único espírito».
A questão, porém, não se resolve discutindo sobre a maior ou menor dignidade das duas
formas de oração, mas a partir da convicção de que a oração pessoal, a meditação, as
devoções e os exercícios piedosos preparam a ação litúrgica e dela têm originam. A liturgia,
de fato, «é o ápice para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde
promana toda a sua força» (SC, n. 10).
O coração da espiritualidade litúrgica, a que se refere a carta apostólica Spiritus et Sponsa,
no quadragésimo aniversário da promulgação da Sacrosanctum Concilium, não está no uso
exclusivo dos meios oferecidos pela liturgia, mas na consciência de que todos os outros
meios são orientados e subordinados a ela.
Nessa perspectiva, afirmamos com intensidade que a meditação quotidiana é um recurso
extraordinário para valorizar os textos da liturgia eucarística e tornar mais eficaz e autêntica
a participação nela, fonte e ápice da vida de todo crente.
O hábito, então, de usar o tempo de meditação para a récita pessoal do Ofício das Leituras,
prática às vezes difundida entre os irmãos, corre o risco de distorcer, pela extensão e
variedade dos textos propostos, a própria identidade desse tempo destinado pelas nossas
Constituições à oração mental, para um entretenimento familiar e silencioso com Deus. No
plano estritamente jurídico, as duas obrigações são, então, distintas e requerem, cada uma
pelas suas características peculiares, energias, modalidades e tempos próprios.
Valor antropológico da meditação
Uma reflexão final desta parte introdutória é dedicada a uma questão fundamental. A
referência inicial às nossas Constituições pode correr o risco de enquadrar o tema da
meditação numa perspectiva jurídica, como deixamos entrever na última parte do parágrafo
anterior.
Na realidade, a experiência ensina que se mantivermos os olhos fixos na obrigação, aqui
como em qualquer outro lugar, corremos o risco de perder de vista o valor e os benefícios
que advêm deste hábito saudável.
«Conservar o silêncio, que expressão estranha!? Bernanos faz dizer o protagonista do
Diário de um pároco de aldeia É o silêncio que nos conserva!».29
A constatação da perda de interesse de alguns perante a prática da meditação
quotidiana não deve traduzir-se em uma exortação moralista. Tal abordagem seria
perdedora, porque se apoiaria em um voluntarismo incapaz de apreender o significado
profundo das coisas e as motivações que deveriam iluminar o nosso agir.
O risco que nós, religiosos, continuamos a correr nas tentativas periódicas de revisão
da nossa vida espiritual é de nos entregarmos obstinadamente à ética da obrigação, em vez de
buscar as verdadeiras motivações que devem sustentar a nossa experiência humana e
espiritual. Em outras palavras, parece que às vezes temos dificuldade de nos perguntar se
29 G. BERNANOS, Diario di un curato di campagna, Milano 1965, 240.

2.3 Page 13

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algo “nos faz bem”, mas continuamos a nos atormentar pensando que “temos o dever de
fazê-lo.
O hábito, então, de fazer a meditação em comum, desde os primeiros anos de nossos
itinerários formativos, provavelmente tornou mais difícil o amadurecimento de convicções
pessoais sobre a importância de considerar a nossa meditação como um recurso precioso, em
vez de um dever. O resultado é que, na maioria dos casos, quando falta o apoio de um horário
comunitário, a prática da oração mental pessoal entra numa crise progressiva.
Seria o caso de nos perguntarmos de forma ainda mais radical, se a oração em nossa
religião pode ser considerada uma obrigação. Sabemos que isso acontece em outros contextos
religiosos, enquanto no catolicismo o dever de rezar, em sentido estrito, parece ser uma
prerrogativa dos clérigos e dos religiosos. Num passado ainda recente foi feita uma tentativa
de alavancar a chamada virtude da religião para mostrar que da virtude da justiça para com
Deus brota para todo crente a obrigação moral de respeitar a Deus, “devolvendo-lhe” a glória
e a honra que lhe pertencem.
Compreendemos hoje que essa perspectiva é insuficiente para sustentar a nossa vida
de oração. O diálogo e a intimidade entre duas pessoas que se amam deve brotar de uma
exigência profunda, do imediatismo de uma relação que deve ser resguardada e nutrida com
momentos e tempos oportunos, mas que poderia até mesmo ser ameaçada por regras rígidas
e hábitos não suficientemente interiorizados.
Os nossos itinerários de formação inicial colocam muitas vezes em primeiro plano a
obrigação de respeitar, desde a primeira entrada na comunidade religiosa, os tempos de
oração comum e as suas diversas modalidades, sem ter permitido que cresça suficientemente
a relação que deveria tornar este diálogo prazeroso e sem ter aplicado o princípio da
gradualidade, básico em qualquer autêntica pedagogia da oração; a oração quotidiana do
saltério, nos primeiros anos da experiência religiosa, muitas vezes, também é imposta sem
uma formação bíblica adequada; parece que o importante é dizer (ou cantar) juntos algumas
palavras, sem se preocupar muito em cuidar da nossa oração vocal envolvendo a mente e o
coração.
O exercício periódico da liberdade, que sustenta e motiva toda relação profunda,
poderia acompanhar o desenvolvimento do jovem irmão na consciência da beleza e da
gratuidade de uma vida de oração que possa sustentar o dom de nós mesmos e renovar as
motivações que estão na base da nossa opção de ser religiosos por amor de...
Aqui teríamos que apelar à ética da felicidade, cara a Aristóteles e a Santo Tomás, que
colocasse em primeiro lugar a profunda convicção de que a virtude e a felicidade habitam o
mesmo endereço, ou aos temas do magistério do Papa Francisco e seus apelos contínuos à
alegria; ou, ainda, aos numerosos estudos científicos, cristãos e não cristãos, que vinculam
a prática meditativa à saúde física e psicológica, além da espiritual.
Seria necessário anunciar com ênfase, mesmo em um contexto puramente
antropológico, que meditar faz bem e que a tarefa do itinerário de formação é restabelecer em
cada irmão a consciência do valor e da alegria que brotam da oração pessoal, ao invés de
torná-la um elemento de exame ou avaliação.
Este é o ideal a que procuramos tender.

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LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO: De uma circular do P. Paulo Albera
A circular do P. Paulo Albera, de 1921, intitulada Dom Bosco modelo do Sacerdote Salesiano, é certamente
uma das mais interessantes por «reconhecer» alguns traços da espiritualidade e da piedade salesiana
das origens. Os dois parágrafos centrais desta longa carta, os números 15 e 16, trazem
respectivamente o título: Como deve ser nossa oração e Método para fazer bem a oração.
15. Como deve ser a nossa oração
A oração, que as Constituições nos prescrevem para alimento do espírito, é a mental, que
segundo S. Teresa é «uma pura comunhão de amizade, por meio da qual a alma se entretém a sós com
Deus, e não se cansa de manifestar o seu amor Àquele por quem sabe ser amada»; e segundo S. Afonso
de Ligório é «a fornalha onde as almas se inflamam de amor de Deus». «Se ajuda, diz Santo Agostinho,
conviver com os sábios, porque da conversa deles sempre há algo a ganhar; o que dizer de quem vive
habitualmente na companhia de Deus?». Nós, por isso, meus caros, para conformar-nos ao espírito
das Constituições, devemos dar à oração mental o caráter de verdadeiro entretenimento íntimo, de
conversação simples e afetuosa com Deus, quer para manifestar-lhe o nosso amor, quer também para
chegar a conhecer melhor as obras necessárias para a nossa santificação e animar-nos a praticá-las
com maior generosidade. Este exercício, tomado no seu significado mais largo, não é apenas
moralmente necessário para a conservação da vida espiritual que convém a um padre, mas
absolutamente indispensável para o progresso na vida sobrenatural. Portanto, devemos atendê-lo com
constância, não nos deixando desencorajar pelas dificuldades que nele possamos encontrar; e,
possivelmente, fazê-lo em comum, durante a inteira meia hora prescrita.
16. Método para fazer bem a oração
Ao fazer a oração mental sigamos o método aprendido durante o noviciado e os anos da nossa
formação religiosa, e as normas contidas no pequeno livro: «Práticas de piedade em uso nas Casas
Salesianas». Evitemos agravar a mente e o coração com divisões e subdivisões minúsculas: essas coisas
impedem a obra do Espírito Santo e tiram da alma a necessária liberdade de movimento para que ela
se eleve a Deus. Entretanto, a nossa meditação deve ser ativa, ou seja, um verdadeiro trabalho das
potências da alma, que, contudo, não degenere em especulação árida, mas limite a atividade do
intelecto apenas às considerações necessárias para motivar a vontade e despertar nela os afetos
sobrenaturais. Os mestres de espírito declaram que é doutrina comum dos Santos que a cada grau de
perfeição corresponda um modo especial de oração. Portanto, enquanto a nossa alma estiver absorta
em atenções e ocupações exteriores, por melhores que sejam, enquanto estiver exposta aos graves
perigos do pecado e, ao mesmo tempo, pouco especializada nas coisas espirituais, precisaremos de
muitas reflexões e considerações para elevar a nossa mente e o nosso coração a Deus e encaminhar a
nossa vontade para resoluções santas e intensas. À medida, porém, que a força das paixões vai
diminuindo em nós, torna-se mais vivo o desejo de progresso espiritual e mais ardente o amor de
Deus, o trabalho do intelecto terá um papel cada vez menor em nossa oração, enquanto prevalecerão
os movimentos do coração, os desejos santos, os pedidos suplicantes e as resoluções fervorosas. Esta é
a chamada oração afetiva, que é superior à oração mental e que, por sua vez, leva à oração unitiva,
chamada pelos mestres espirituais de oração contemplativa ordinária.
Talvez alguém pense que o Salesiano não deva mirar tão alto e que Dom Bosco não o tenha
querido de seus filhos, pois no início nem mesmo lhes impunha a meditação metódica em comum. Mas
posso assegurar-vos que foi sempre seu desejo ver os seus filhos elevar-se, mediante a meditação,
àquela união íntima com Deus que tão admiravelmente realizara em si, a isso nunca se cansou de nos
incitar em cada ocasião propícia.

2.5 Page 15

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Sugestões e reflexões gerais sobre o “método
«“Senhor, ensina-nos a orar!” (Lc 11: 1). Os discípulos querem orar, mas não sabem como fazê-
lo. Pode ser até um grande tormento querer falar com Deus sem saber como, ser forçado a
silenciar diante dele, perceber que o eco de cada invocação permanece confinado em nosso
ego, que o seu coração e a sua boca falam uma linguagem distorcida, que Deus não quer ouvir.
Nesta situação dolorosa, recorremos a homens que nos podem ajudar, que sabem alguma
coisa sobre a oração. Se alguém que sabe orar nos envolvesse, nos permitisse participar de sua
oração, teríamos alguma ajuda! Certamente os cristãos que já percorreram um longo caminho
podem muito nos ajudar nisso, mas só por meio daquele que também deve ajudá-los e a quem
eles nos encaminharão, se forem autênticos mestres de oração, isto é, por meio de Jesus Cristo»
(Dietrich Bonhoeffer in Il libro di preghiera della Bibbia. Introduzione ai salmi, Queriniana).
A oração é diálogo, encontro, intercâmbio de sentimentos. A iniciativa é sempre de Deus,
do seu Espírito. Ninguém pode chegar a esse encontro se Deus não o “eleva”. «Quem poderá
libertar-se exclama S. João da Cruz do seu modo de agir e da sua condição imperfeita, se
tu, ó meu Deus, não o elevas a ti na pureza de amor?».30
A oração cristã, em sua expressão mais profunda, não resulta, portanto, do esforço ou
da técnica humana, mas de um dom. Ela, contudo, como qualquer outro dom da Graça,
requer aceitação ativa, colaboração com a ação de Deus em nós. Além disso, esse dom “insere-
se” na nossa natureza, respeita as suas leis fundamentais e os seus dinamismos.
Como ato humano, portanto, a oração é “educável. Os mesmos Evangelhos atestam
essa possibilidade; muitos são os ensinamentos sobre a oração neles contidos.
É possível, nesta perspectiva, uma pedagogia da oração que nos ajude a chegar até “o
limiar do mistério”; o resto está “além”, é Graça, é dom do Espírito.
A história da espiritualidade cristã, das suas origens até os nossos dias, é rica em
orientações e ensinamentos sobre a oração e, mais particularmente, sobre a meditação ou
oração mental. Santos, fundadores, mestres do espírito deram vida a escolas de espiritualidade,
ensinando também métodos de oração pessoal profunda.
O método, em todo caso, não é a oração; nenhum
automatismo é possível. Entretanto, embora respeitando as
necessidades da natureza humana e de suas leis, o método
pode apresentar-se como uma introdução eficaz à oração,
uma ajuda, um início; resta o fato que, quando, em alguns
momentos da nossa vida, a oração brota espontânea e
imediata, o uso forçado de um método seria até mesmo um
obstáculo à oração.
É oportuno repeti-lo. O método insere-se na
concretude da nossa vida. Sua tarefa fundamental, sua
natureza é a de ajudar-nos a organizar o tempo da oração
respeitando os nossos dinamismos antropológicos.
É significativo reler, sobre isso, o início da conhecida carta de Guigo o Cartuxo ao
amigo Gervásio. «Certo dia, enquanto estava ocupado no trabalho manual, comecei a refletir
sobre a atividade espiritual do homem. Então, de repente, se ofereceram à minha íntima
30 GIOVANNI DELLA CROCE, Orazione dell'anima innamorata, 25.

2.6 Page 16

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reflexão quatro degraus espirituais, ou seja, a leitura, a meditação, a oração e a contemplação».
Enquanto estava ocupado no trabalho manual... É nesse contexto prático, concreto, que se insere
a intuição de Guigo, idealizador reconhecido do método da Lectio Divina.
A escolha de um método é subjetiva e, em nossa vida, temporária, nunca definitiva.
«Cada fiel afirma-se no documento Orationis formas, n. 29 [15.10.1989] deverá procurar e
poderá encontrar na variedade e riqueza da oração cristã, ensinada pela Igreja, o próprio
caminho, o próprio modo de oração».
Não existe, portanto, um método que possa ser universal (para todos) e imutável (para
sempre). Cada um de nós é chamado, de modo dinâmico, a construir a própria, pessoal
pedagogia da oração.
O conhecimento de alguns dos métodos que a tradição nos confiou, permite-nos, no
entanto, conhecer as “regras do jogo” e escolher as orientações que melhor correspondem à
nossa situação atual ou às nossas dificuldades.
Poder-se-ia acrescentar, paradoxalmente, que a função desses métodos de oração mental
é... levar-nos a prescindir de um método, introduzindo-nos gradativamente num estado de
oração teologal que pode marcar o fim de toda complicação metodológica.
São Francisco de Sales escreve sobe isso na Introdução à vida devota: «Há de acontecer
algumas vezes que, mal acabaste a preparação para a meditação, já tua alma se sente tão
comovida que de repente se eleva a Deus. Então, Filoteia, abandona todo o método que até
aqui te expus, porque, embora o exercício do entendimento deva preceder o da vontade, se
o Espírito Santo opera em ti por estas santas impressões de tua vontade, não vás procurar
excitar no espírito, pelas considerações da meditação, aqueles santos afetos que já possuis
no coração. Enfim, é uma regra geral que se deve dar larga expansão aos afetos que nascem
no coração e nunca os reprimir e deter cativos em tempo algum que se façam sentir, seja
antes, seja depois das reflexões».31
Em nossa tradição, este dom carismático especial, recebido do Fundador e invocado
quotidianamente, é definido como união com Deus. Como afirmou o P. Luís Ricceri esse dom
«permanece para nós um vértice, um ideal ao qual tender, mas não ainda plenamente
alcançado; portanto, não nos deve servir de pretexto para privar a nossa alma do alimento
sólido que o encontro com Deus lhe pode dar».32
Queremos reiterar, à luz do que dissemos até agora, que o método nada acrescenta, do
ponto de vista teológico, à nossa concepção de oração, mas representa, em outro nível, o
antropológico, uma ajuda válida especialmente no tempo ordinário ou no tempo de aridez, de
cansaço.
Seria impossível entrar, em tempo breve, no detalhe dos inumeráveis métodos de
meditação que a tradição da Igreja nos confiou33 e dos que, ainda na história mais recente,
constituem a contribuição preciosa que fundadores e homens de espírito propõem, nas
diversas escolas, nos movimentos que deles tiveram origem.
Nossa tarefa será simplesmente delinear alguns princípios gerais e propor alguns
métodos que julgamos mais adequados à nossa espiritualidade e coerentes com as nossas
31 S. FRANCISCO DE SALES, Filoteia ou Introdução à Vida Devota, II parte, capítulo VIII, Vozes, Petrópolis 1996 12ª ed.
32 L. RICCERI, La nostra preghiera, Editrice SDB, Roma 1973, 58.
33 O instrumento mais idôneo para conhecer os métodos clássicos da tradição católica continua ainda hoje o texto do Cardeal Giacomo
Lercaro (1891-1976), Metodi di orazione mentale, publicado pela vez em Gênova em 1947 pelos editores Bevilacqua & Solari Apostolato.
Existem muitos textos interessantes e mais recentes, mas menos sistemáticos; entre outros, em língua italiana, G. COMOLLI, La senti questa
voce? Corpo, ascolto, respiro nella meditazione biblica, Torino 2014; F. JALICS, Esercizi di contemplazione, Milano 2018; S. WELCH, Mindfulness
cristiana. 40 semplici esercizi spirituali, Cantalupa 2018; F. LENOIR, Rallenta, ascolta, respira - La meditazione che apre il cuore al mondo, Milano
2020.

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tradições, com a sensibilidade da Igreja no pós-Concílio e com o progresso das ciências
antropológicas.
Os três momentos fundamentais da meditação
Uma primeira tentativa de unificar esses métodos e reduzi-los ao essencial leva-nos à
constatação de que, na maioria dos casos, o tempo de meditação é ordinariamente organizado
em três momentos: preparação, corpo da meditação, conclusão:
1) PREPARAÇÃO: a preparação é uma espécie de ingresso na oração. Poderíamos dizer
que a essência deste primeiro momento é a aquisição da consciência da presença de
Deus, é uma espécie de uma nova apropriação das nossas energias interiores, que são
recolhidas na certeza confiante de que aqui e agora o Senhor quer retomar o seu
diálogo de amor conosco.
Em nossa Congregação, aconteceu nos últimos tempos que este primeiro momento
seja acompanhado ou guiado, na meditação comunitária, por uma oração vocal de
introdução à meditação; isso poderia ser um auxílio à concentração, mas em alguns
casos corre o risco de se tornar uma “delegação”, um hábito distraído e, portanto,
paradoxalmente, um obstáculo ao autêntico recolhimento pessoal.
2) MEDITAÇÃO: O corpo da meditação é o coração da experiência; acreditamos que, à luz
da reflexão conciliar e da tradição patrística, a Palavra de Deus deva ser sempre o
seu centro. «Nos livros sagrados lê-se na Dei Verbum, n. 21 , o Pai que está nos
céus vem amorosamente ao encontro de Seus filhos, a conversar com eles; e é tão
grande a força e a virtude da palavra de Deus que se torna o apoio vigoroso da
Igreja, solidez da fé para os filhos da Igreja, alimento da alma, fonte pura e perene
de vida espiritual».
Para que a meditação seja uma autêntica oração mental, e não simplesmente uma
reflexão intelectual sobre os temas da Palavra, ela deve abrir-se a um diálogo, a uma
resposta de amor à iniciativa de Deus que nos fala; deve introduzir-nos na oração e
sugerir-nos a sua matéria. «Lembrem-se, porém reafirma sobre isso a Dei Verbum,
n. 25 , que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada de oração para
que seja possível o diálogo entre Deus e o homem».
3) CONCLUSÃO: A conclusão é o tempo em que a eficácia transformadora da Palavra de
Deus encarna-se na concretude do nosso itinerário quotidiano de crescimento na fé
e no amor a Deus e aos irmãos. Uma nova consciência, um sentimento vivo de
amor, um propósito (com a devida atenção para evitar todo moralismo), um cantinho
do nosso quotidiano a iluminar…; Francisco de Sales chama-o de buquê espiritual,
enquanto na Lectio Divina é indicado com o nome de actio. «Por oração escreve
Dom Bosco nos apontamentos utilizados para as instruções dos exercícios de 1870
entendemos tudo o que eleva o nosso afeto a Deus. A meditação da manhã é o
primeiro. Cada um sempre a faça, mas, descendo à prática, conclua sempre com a
resolução de tirar dela algum fruto, evitar um defeito, praticar alguma virtude».34
Antes de iniciar a apresentação de alguns métodos de meditação ou oração mental,
parece-nos importante usar algumas palavras sobre o papel desempenhado pelo nosso
corpo na oração e, em especial, na meditação. Mesmo essas considerações, como aquelas
34 MB IX, 708.

2.8 Page 18

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sobre o método, não têm relevância teológica particular, mas pertencem à concretude de uma
sábia pedagogia da oração.
O papel do corpo na oração
Na oração, é o homem inteiro que deve entrar em relação com Deus e, portanto, seu
corpo também deve assumir a posição mais adequada e consoante com esta relação muito
particular; algo semelhante também acontece no relacionamento normal com nossos irmãos.
Além disso, a posição do corpo pode expressar simbolicamente o conteúdo mesmo da
oração. O publicano da parábola de Lc 12 permanece de pé e distante, exprimindo a sua oração
com a humildade da sua atitude; Estêvão, nos Atos dos Apóstolos, dobra os joelhos e clama em
alta voz a Deus para que não atribua culpa aos que o apedrejam (cf. At 7,60). O próprio Jesus
nos Evangelhos encarna muitas vezes a sua oração com a atitude do corpo: elevando os olhos
ao céu, ora durante o episódio da ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11,41) ou no início da oração
sacerdotal (cf. Jo 17, 1); prostra-se com o rosto por terra no Getsêmani, enquanto seu suor se
transformava em gotas de sangue (cf. Lc 22,44).
Em nossa tradição, talvez como consequência de certo dualismo antropológico que
quase contrapôs o corpo à alma, não se deu em geral grande importância ao corpo na oração
e, mais particularmente, na meditação. Contudo, na história da espiritualidade cristã não
faltam ensinamentos e tradições que valorizam o papel do corpo, recuperando as demandas
de uma antropologia unitária. Basta citar, a título de exemplo, a antiga tradição dos nove modos
de rezar de São Domingos (trata-se da descrição das nove posições diferentes que o santo
assumia nas suas orações), ou as indicações que Inácio de Loyola dá constantemente aos
que iniciaram o caminho dos exercícios espirituais (... entrar na contemplação, ora de joelhos,
ora prostrado por terra, ora deitado de rosto para cima, ora sentado, ora de pé, andando
sempre a buscar o que quero...” [n. 76]).
Nas últimas décadas e em alguns contextos particulares, cresceu a consciência de
quanto a atitude do corpo pode favorecer (ou impedir) a oração. Prova disso é a
preocupação que animou em 1989 uma intervenção da Sagrada Congregação para a
Doutrina da Fé intitulada Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da meditação
cristã. Neste importante documento, único documento pós-conciliar que se dedicou
exclusivamente aos temas da oração, as características da oração cristã são delineadas à luz
da Revelação, para depois evidenciar alguns erros ou absolutizações relacionadas com
algumas técnicas ou práticas de meditação de outras tradições religiosas, que poderiam exercer
uma atração sobre o homem de hoje.
Ao mesmo tempo, porém, o documento afirmava, com grande equilíbrio, que «a
experiência humana demonstra que a posição e a atitude do corpo influenciam no
recolhimento e na disposição do espírito. É um fato ao qual alguns escritores espirituais do
Oriente e do Ocidente cristãos têm prestado atenção... Tais autores espirituais adotaram os
elementos que facilitam o recolhimento na oração, reconhecendo-lhes assim um valor
relativo: trata-se de métodos úteis, se retocados em vista do fim da oração cristã» (n. 26).
Então, em última instância, as técnicas de relaxamento, de concentração, de
recolhimento psicofísico não são, de forma alguma, condenadas ou demonizadas, mas é
ressaltado o seu valor instrumental e relativo: «O amor de Deus, único objeto da
contemplação cristã, é uma realidade da qual não nos podemos “apoderarpor meio de
qualquer método ou técnica; pelo contrário, devemos ter sempre o olhar fixo em Jesus
Cristo, no qual o amor divino chegou até nós sobre a cruz » (n. 31).

2.9 Page 19

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Tentemos, enfim, resumir algumas orientações que acreditamos serem úteis e atuais
numa sadia pedagogia da meditação:
a experiência ensina que a posição e atitude do corpo influenciam sobre o recolhimento
e a disposição da pessoa;
a escolha da posição mais adequada para a concentração é totalmente subjetiva. Em
geral, porém, podemos afirmar que a posição, para servir de ajuda ao recolhimento, não
deve ser nem muito cômoda, pois favoreceria o relaxamento excessivo, nem muito incômoda,
porque dificultaria a concentração. Em todo caso, a posição escolhida deve ser
razoavelmente mantida durante o tempo de meditação;
as técnicas de relaxamento psicofísico, em particular aquelas que se referem ao controle da
respiração ou a formas de verdadeiro treinamento, podem ser uma ajuda útil, uma
introdução à meditação, mas não devem se tornar absolutas, e dependem da
sensibilidade e das experiências anteriores, a partir da experiência de cada um;
a escolha de um ambiente silencioso, adequado ao recolhimento, também tem uma
importância especial. Para alguém, e em alguns momentos, a música de fundo pode
ajudar, ou a penumbra do ambiente ou o odor do incenso, ou um ícone ou uma vela
acesa... Mesmo aqui, são elementos relativos, que podem certamente servir de ajuda para
alguns (como um obstáculo para outros ...); aplica-se também aqui o princípio de que
todo automatismo deve ser evitado, e que a meditação é simplesmente, em sua essência,
como afirmou Santa Teresa de Ávila, pensar em Deus amando-o...
em nossa tradição salesiana, a meditação normalmente é feita em comum. Esta
circunstância particular pode constituir um valor acrescentado, porque sustenta a nossa
fidelidade às Constituições e contribui para reforçar a comunhão através do testemunho
recíproco de fé. Resta o perigo, já evidenciado, de uma rotina que poderia não favorecer
a autonomia e o amadurecimento de um itinerário pessoal de oração, enfraquecendo, a
longo prazo, a autenticidade das nossas motivações.
Os critérios utilizados para a escolha dos métodos propostos
Este subsídio deseja apresentar alguns métodos que podem ser propostos, ainda hoje, à
nossa Congregação e, em particular, aos noviços e aos jovens irmãos.
A escolha que fizemos tem na base alguns princípios, responde a alguns critérios que
acreditamos poderem encarnar as necessidades e características dos nossos itinerários
formativos e, ao mesmo tempo, da nossa identidade carismática. Tentemos enunciá-los:
1. o primeiro critério parece-nos deva ser buscado na necessária sintonia com os
progressos atuais das ciências teológicas e, em particular, com a consciência da centralidade da
Palavra de Deus na vida de todo crente. «As pessoas consagradas serão fiéis à sua missão na
Igreja e no mundo, se forem capazes de se reverem continuamente a si próprias à luz da
Palavra de Deus» (Vita consecrata, n. 85);
2. o segundo critério pode ser considerado a consonância com a tradição de nossa família
religiosa. O retorno às nossas fontes, pedido pelo Concílio como premissa indispensável para
a renovação da vida religiosa, permitirá valorizarmos algumas tradições espirituais e algumas
orientações que podem revitalizar a nossa meditação. Sobre isso, pode ser interessante
sublinhar, com referência também ao primeiro critério, que os textos de meditação dos
jesuítas De la Puente e Rodriguez, que durante cerca de um século acompanharam a
meditação dos salesianos, fazem referência contínua aos mistérios da vida de Cristo, como

2.10 Page 20

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emergem dos relatos evangélicos;
3. o terceiro, irrenunciável, critério é a fidelidade às nossas Constituições. «Diariamente os
sócios farão em comum ao menos meia hora de meditação», lê-se nos Regulamentos, n. 71;
analogamente, no primeiro texto constitucional, aprovado em 1874, lia-se: «Singulis diebus
unusquisque praeter orationes vocales saltem per dimidium horae orationi mentali
vacabit».35 Provavelmente, dever-se-ia sublinhar comais frequência o advérbio saltem (ao
menos meia hora...!). Entretanto, confiemos ao P. Paulo Albera a exegese do nosso ditado
constitucional: «A oração, que as Constituições nos prescrevem para alimento do espírito
afirmava o P. Paulo Albera numa circular intitulada Dom Bosco modelo do Sacerdote Salesiano
– é a mental, que, segundo Santa Teresa, é “uma pura comunhão de amizade, mediante a
qual a alma se entretém a sós com Deus e não se cansa de manifestar o seu amor Àquele por
quem sabe ser amada” [...]. Para conformar-nos ao espírito das Constituições, devemos dar
à oração mental o caráter de verdadeiro entretenimento íntimo, de conversação simples e
afetuosa com Deus»;36
4. o último critério que queremos levar em consideração é a simplicidade e a
tempestividade do método. É um critério relativo, que brota do bom senso, e também da
convicção de que uma estrutura excessivamente articulada pode servir de obstáculo, e não
de ajuda, no curto espaço de tempo previsto pelas nossas Constituições para esta prática de
piedade.
35 «Todo sócio, além das orações vocais, disporá todos os dias de não menos de meia hora à oração mental».
36 P. ALBERA, Lettere circolari ai salesiani, Torino 1922, 443.

3 Pages 21-30

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3.1 Page 21

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LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO. De uma circular do P. Luís Ricceri
Remonta a 1973 a apaixonada carta do Reitor-Mor P. Luís Ricceri, intitulada A Oração (ACS n. 269). O
contexto é o do Capítulo Geral Especial, o primeiro celebrado depois da conclusão do Concílio
Vaticano II, e da beatificação do P. Miguel Rua. É uma circular escrita “com autoridade”, uma palavra
clara sobre o tema vital da oração, escrita à luz dos dados recolhidos do Relatório geral sobre o estado da
Congregação preparado para a abertura do CG XXI. A crise e as muitas deserções daqueles anos
encontram assim uma chave de interpretação nas graves e profundas deficiências da vida de oração
dos irmãos. As causas dessa carência, segundo o P. Ricceri, têm suas raízes no período da primeira
formação, em que muitas vezes se verificou um vazio na pedagogia da oração, agravado por
convicções inexatas sobre o papel da oração na vida salesiana.
Mais graves e profundas se manifestam as deficiências na linha da oração pessoal: deserção ou
abandono total, em muitos casos, da meditação, da leitura espiritual; o mesmo se diga da visita ao
Santíssimo, do Rosário etc. Em outros casos deve-se lamentar o esvaziamento da meditação enquanto
oração mental, substituindo-a arbitrariamente por formas diversas, apresentadas talvez com a
marca da novidade, mas que não são de maneira alguma verdadeira oração. Empobrecimento
apostólico do trabalho, feito por vezes só “profissionalmente”.
A síntese dolorosa de tudo é esta: reza-se pouco e mal. Assim um Inspetor fotografa a situação:
Certa ausência de Deus em nossas palavras e ações. Uma fé ferida. Corações cansados ou exaltados.
Tempo insuficiente de orar e calma para a oração e a alegria. As motivações do agir carecem de raízes
evangélicas e de força. Falta por demais a interioridade. Nestas constatações sinceras e corajosas
talvez se possam retratar não poucos dos nossos irmãos.
As causas são múltiplas.
Diante do quadro esboçado acima, é natural que se pergunte: quais são as causas desta situação?
São muitas e convergentes, embora de natureza diversa.
Algumas têm raízes bem longínquas, complexas, sem que se possam facilmente perceber, pois
em grande parte se trata de uma realidade interior que se identifica com a história íntima da vida
espiritual do indivíduo.
Há, também, as de índole geral, que dependem do ambiente sociológico, da mudança de cultura,
das correntes de pensamento, especialmente quanto à conceituação do homem e do mundo, de certas
hipóteses ou teses teológicas ou pseudoteológicas que, ao menos de fato, são aceitas sem espírito crítico.
Outras, ao invés, têm atinência mais direta com a nossa Congregação, como por ex., as
mudanças notáveis no campo pastoral-educativo, os ritmos diferentes e novos da vida comunitária,
ou então a falta real de um “espaço” de tranquilidade para o recolhimento e diálogo com Deus. Não
poucas causas afundam raízes no longínquo período da formação, onde muitas vezes se pode constatar
um vácuo real na pedagogia da oração, agravado depois pelo nosso gênero de vida eminentemente
ativo e pelas ideias muito aproximativas e inexatas do papel da oração na vida salesiana...

3.2 Page 22

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Os métodos propostos para a meditação
«A oração cristã é sempre determinada pela estrutura da fé cristã, na qual resplandece a
verdade mesma de Deus e da criatura. Por isso mesmo, falando com propriedade, a oração
assume a forma dum diálogo pessoal, íntimo e profundo, entre o homem e Deus. A oração
exprime, por conseguinte, a comunhão das criaturas redimidas com a Vida íntima das Pessoas
Trinitárias. Nesta comunhão que se funda sobre o baptismo e sobre a eucaristia, fonte e cume
da vida da Igreja, encontra-se implícita uma atitude de conversão, um êxodo do eu para o Tu
de Deus. A oração cristã, portanto, é sempre ao mesmo tempo autenticamente pessoal e
comunitária. Por esta razão, recusa técnicas impessoais ou centradas sobre o eu, as quais
tendem a produzir automatismos nos quais o orante cai prisioneiro dum espiritualismo
intimista, incapaz duma livre abertura para o Deus transcendente. Na Igreja, a legítima busca
de novos métodos de meditação deverá ter sempre em conta que, numa oração
autenticamente cristã, é essencial o encontro de duas liberdades: a infinita, de Deus, e a finita,
do homem».37
O Catecismo da Igreja Católica afirma: «Os métodos de meditação são tão diversos como
os mestres espirituais. Um cristão deve querer meditar com regularidade; doutro modo,
torna-se semelhante aos três primeiros terrenos da parábola do semeador (cf. Mc 4,4-7.15-
19). Mas um método não passa de um guia; o importante é avançar, com o Espírito Santo,
no caminho único da oração: Cristo Jesus» (n. 2707).
Optamos por apresentar alguns desses métodos que a história da espiritualidade nos
confiou, dividindo-os em dois grandes grupos: há métodos simples, de compreensão e uso
imediato, que podem ser usados sem complicações particulares, e métodos estruturados,
com um esquema mais complexo, articulado, que contém numerosas subdivisões e fases.
1. MÉTODOS SIMPLES
Estes primeiros métodos não requerem, portanto, uma organização complexa do tempo de
meditação. Alguns também podem ser considerados propedêuticos a um método mais
complexo ou mesmo como parte dele.
Isso não deve levar-nos a crer, porém, que esses métodos simples sejam igualmente
fáceis, pois em alguns casos requerem um coração de criança e um bom hábito de concentração
e consciência do objetivo fundamental de toda prática meditativa, que permanece sempre
uma introdução aos limiares do Mistério.
O próprio Dom Bosco escreve em O Católico Instruído: «Rezar significa elevar o próprio
coração a Deus e entreter-se com Ele por meio de pensamentos santos e sentimentos
devotos. Por isso, todo pensamento de Deus e todo olhar para ele é oração, quando está
unido a um sentimento de amor [...]. A oração, portanto, é algo muito fácil. Cada um pode,
em qualquer lugar, a qualquer momento, elevar o coração a Deus por meio de sentimentos
piedosos. Não são necessárias palavras refinadas e requintadas, mas bastam pensamentos
simples acompanhados de devotos afetos interiores. Uma oração que consista apenas em
pensamentos, por exemplo, em uma silenciosa admiração da grandeza e onipotência
divinas, é uma oração interior, ou meditação, ou contemplação. Se for externada por meio
de palavras, é chamada de oração vocal. Tanto uma como a outra forma de orar devem ser
caras ao cristão, que ama a Deus. Um bom filho pensa de bom grado no próprio pai, e
37 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta aos bispos da Igreja Católica acerca de alguns aspectos da meditação cristã, 15 de outubro de
1989, n. 3.

3.3 Page 23

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demonstra para com Ele os afetos do próprio coração».38
Repetição simples
Muitas são as tradições espirituais que recorrem à repetição de uma palavra ou frase
para favorecer a concentração e, nas grandes religiões, a oração. Na ioga ou meditação
transcendental, é recomendado o uso de um mantra (das raízes sânscritas man, que significa
mentee tra, que significa “proteger) para concentrar e libertar as energias interiores de
qualquer distração; mas, reiteramos, o ponto de chegada da meditação cristã não é “esvaziar
a mente(no pensar nada), mas pensar em Deus amando-o (Santa Teresa). 39
Na tradição cristã dos séculos passados, recomendava-se com frequência o uso de
jaculatórias, verdadeira síntese entre a oração vocal e a oração mental e instrumento eficaz para
adquirir o hábito do constante pensamento de Deus. As nossas primeiras Constituições
indicam-nas se, por razões de ministério, a meditação não possa ser em comum: «Cada um
lemos no n. 3 do capítulo sobre as Práticas de piedade do texto de 1875 , além das orações
vocais, fará todos os dias não menos de meia hora de oração mental, a menos que seja
impedido pelo sagrado ministério. Nesse caso, compensará com a maior frequência de
jaculatórias, dirigindo a Deus com grande fervor e afeto os trabalhos que o impedem dos
exercícios ordinários de piedade».
Concretamente, depois da introdução à meditação poder-se-ia escolher uma ou mais
invocações contidas na liturgia do dia (no salmo responsorial ou nas leituras) e repeti-la
silenciosamente com a mente e o coração atentos ao Mistério... Não se trata, portanto, da
repetição puramente mecânica de uma oração, mas da interiorização que, ao mesmo tempo,
pode nos recolher e entregar a uma intimidade simples e profunda.
No final da meia hora pode-se concluir da maneira habitual (Oração de consagração a
Maria Auxiliadora).
Muitos mestres de espírito sugerem vincular esta repetição ao ritmo da respiração. O
próprio Santo Inácio nos seus Exercícios propõe: «A cada desejo ou respiração reza-se
mentalmente, dizendo uma palavra do Pai Nosso ou de outra oração que se queira recitar;
assim, entre uma respiração e a próxima, pensa-se principalmente no significado dessa
palavra»; ensinamento também retomado pelo P. Barberis no seu Vade-mécum: «Pode-se
utilmente tomar como tema de meditação a fórmula de uma oração que se sabe de cor, por
exemplo o Pater, a Ave Maria, os atos de Fé. Neste caso, uma dessas orações é recitada,
detendo-se alguns momentos em cada palavra para refletir, para penetrar o seu significado
e alimentar a sua alma. Ao fazê-lo, passa-se assim a meia hora de meditação, mesmo que só
fluindo pelo Pater noster».40
Para as possíveis, normais distrações, vale um princípio geral: é suficiente retornar
suavemente ao versículo ou à invocação escolhida.
Uma das aplicações particulares da repetição simples pode ser considerada a oração
tradicional da comunidade de Taizé. Os cantos que ritmam os três encontros quotidianos
são simples, compostos por uma única frase repetida por muito tempo, muitas vezes em
diferentes línguas, tirados de salmos ou passagens bíblicas, com um andamento silábico
(uma sílaba para cada nota). São módulos de aprendizado extremamente fácil, sempre
38 G. BOSCO, Il Cattolico Provveduto per le pratiche di pietà, Torino 1868, 2-3.
39 Era essa a concepção da meditação do franciscano Francisco de Osuna, a quem se opôs Teresa d'Ávila. A meditação cristã não consiste
em não pensar em nada, mas em pensar em Deus amando-o.
40 G. BARBERIS, Vade mecum dei giovani salesiani, Torino 1931, 1176.

3.4 Page 24

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incisivos, muitas vezes harmonizados em várias vozes; por isso, favorecem a interiorização
e a oração profunda.
A oração de Jesus ou oração do coração (hesicasmo)
Entre as repetições simples, a mais difusa tem origem certamente no Oriente cristão e
é conhecida como a Oração de Jesus ou Oração do coração. Divulgada por Evagrio Pôntico
(século IV) e outros mestres espirituais como João Clímaco (século VI), a prática do hesicasmo
(do grego hesychia que significa quiete, paz), ainda está viva na tradição ortodoxa, mas muito
difusa, no século passado, também em muitos círculos católicos.
Consiste na repetição incessante da fórmula Senhor Jesus Cristo, filho de Deus, tem piedade
de mim pecador, que se divide em duas pelo ritmo da respiração (inalação: Senhor Jesus Cristo
Filho de Deus; exalação: tem piedade de mim pecador...). A oração é frequentemente ritmada
com a ajuda de um rosário especial de lã ou corda, geralmente com cem nós, chamado
komboskini. Diz a legenda que foi Santo Antão Abade, inspirado por uma visão da Mãe de
Deus, quem inventou a maneira de dar os nós desse rosário ortodoxo.
Essa oração ficou famosa na Europa no século passado com a publicação dos Contos de
um peregrino russo, de um anônimo do século XIX. O início desses contos é particularmente
sugestivo: «Pela graça de Deus sou homem e cristão, por ações grande pecador, e por
vocação peregrino de uma espécie mais mísera, errante de lugar em lugar. Os meus bens
terrestres são um alforje ao ombro com algum pão seco e, na minha túnica, a Bíblia Sagrada.
Nada mais. No vigésimo quarto domingo após a Trindade, entrei na igreja para orar
enquanto se recitava o Ofício; lia-se a Epístola do Apóstolo aos Tessalonicenses, naquela
passagem onde se diz: “Orai sem cessar”. Aquela palavra penetrou profundamente em meu
espírito e eu me perguntei como seria possível rezar sem cessar, já que cada um de nós tem
que cuidar de tantos afazeres para sustentar a própria vida».
Uma das descrições mais detalhadas da “oração do coração”41 encontra-se num texto
anônimo, provavelmente obra de um monge do Monte Atos, Nicéforo o Solitário (séc. XIV).
«Apoia teu queixo no peito escreve Nicéforo em seu Método de Oração , fica atento a ti
mesmo com a tua inteligência e os teus olhos sensíveis. Prende a respiração pelo tempo
necessário para que a tua inteligência encontre o lugar do coração e nele permaneça
inteiramente. No início, tudo te parecerá tenebroso e muito difícil, mas com o tempo e com
o exercício diário descobrirás em ti mesmo uma alegria contínua».
Por estas suas características e de acordo com a terminologia do documento Alguns
aspectos da meditação cristã, esse método pode ser definido como psicofísico; este aspecto,
entretanto, não é essencial ao método e depende da sensibilidade de cada um.
O Catecismo da Igreja Católica também se refere à Oração de Jesus. «Esta invocação de fé
tão simples lê-se no n. 2667 foi desenvolvida na tradição da oração sob as mais variadas
formas, tanto no Oriente como no Ocidente. A formulação mais habitual, transmitida pelos
monges do Sinai, da Síria e de Atos, é a invocação: «Jesus, Cristo, Filho de Deus, Senhor,
tende piedade de nós, pecadores!. Ela conjuga o hino cristológico de Fl 2,6-11 com a
invocação do publicano e dos mendigos da luz [cf. Mc 10,46-52; Lc 18,13]. Por ela, o coração
sintoniza com a miséria dos homens e com a misericórdia do seu Salvador».
Na tradição ortodoxa, a repetição da Oração de Jesus não é apenas um método para a
41 Notemos aqui que a expressão “oração do coração” é usada em outros contextos e por outras tradições espirituais com um significado
diferente, em muitos casos com significado muito genérico de “oração afetiva”

3.5 Page 25

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meditação quotidiana, mas abre gradualmente o coração do orante à oração contínua, segundo
a indicação de Paulo aos Tessalonicenses: “Rezai sem cessar, dai graças em tudo” (1Ts 5,17-
18). Trata-se da graça de unidade invocada quotidianamente, na nossa tradição recente, na
Oração de consagração a Maria Auxiliadora: «Ensinai-nos, vós que fostes a Mestra de Dom
Bosco, a imitar as suas virtudes, de modo especial sua união com Deus...».
Composição vendo o lugar (Santo Inácio de Loyola)
A composição vendo o lugar talvez seja o elemento mais característico da pedagogia
inaciana da oração.
Ela consiste em deixar-se levar, com o auxílio da imaginação e mediante a aplicação dos
sentidos espirituais, ao interior da cena do Evangelho que estamos contemplando. Deixamos
ao santo basco a descrição desse caminho interior: «O primeiro ponto é ver as pessoas, com a
visão imaginativa, meditando e contemplando em particular as suas circunstâncias, e
tirando algum proveito desta vista. O segundo é ouvir, com o ouvido, o que falam ou podem
falar; e, refletindo em si mesmo, tirar disso algum proveito. O terceiro é aspirar e saborear,
com o olfato e com o gosto, a infinita suavidade e doçura da divindade, da alma e das suas
virtudes e de tudo, conforme a pessoa que se contempla. Refletir em si mesmo e tirar
proveito disso. O quarto é tocar, com o tato, por exemplo, abraçar e beijar os lugares que
essas pessoas pisam e onde se sentam; sempre procurando tirar proveito disso».42
A finalidade da composição vendo o lugar é, portanto, “colocar” o orante no centro do
episódio evangélico, despertando nele emoções e sentimentos que lhe permitam tirar dele um
fruto espiritual. O papel da imaginação vai mais longe: o orante também é convidado a
encontrar o seu lugar, o seu papel na história que contempla. Inácio escreve, por exemplo,
em relação à contemplação da Natividade na segunda semana dos Exercícios: «1. O primeiro ponto
é ver as pessoas, isto é, ver Nossa Senhora e José e a serva e o menino Jesus, depois que ele
nasceu; 2. fazer-me um pobre e indigno servo que olha para eles, contempla-os e serve-os
nas suas necessidades como se estivesse presente, com todo o respeito e reverência
possíveis; 3. E, depois, refletir em mim mesmo para colher algum fruto».
A faculdade da imaginação torna-se assim fantasia criativa, sempre com o único
propósito de despertar em quem medita a consciência de um acontecimento que não está
longe no tempo, mas que acontece para mim e para gerar nele sentimentos de amor e
gratidão, de autêntica e profunda participação interior. «Não é o muito saber que sacia e
satisfaz a alma escrevera Inácio na segunda anotação dos seus Exercício, n. 2 , mas o sentir
e gostar interiormente das coisas».
Uma palavra sobre o papel da imaginação na meditação
O método de meditação ou contemplação dos mistérios da vida de Jesus não é uma
novidade na história da Igreja, mas insere-se numa corrente espiritual que parte das
reflexões de Bernardo de Claraval e de São Boaventura.43
Inácio, de modo providencial, entrou em contato com essa tradição espiritual por meio
da Vita Christi de Ludolfo da Saxônia, 44 durante sua convalescença em Loyola. Luigi Tucillo
escreveu em um artigo muito interessante intitulado A cena da paixão entre visio e actio na
42 INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios espirituais, n.. 122-125.
43 Cf. ibidem, n. 179-188.
44 Além do de Ludolfo, outros nomes ilustres poderiam ser citados, como Vicente Ferrer († 1419) ou Tomás de Kempis († 1471).

3.6 Page 26

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literatura meditativa e na arte medieval tardia: «O que distingue a obra de Ludolfo é o
envolvimento físico extraordinário a que o leitor é chamado no interior dos episódios: ele
adota uma perspectiva interna à cena, desce fisicamente no espaço e atua pessoalmente. Por
exemplo, quando Jesus é cercado por seus inimigos na casa de Anás, o devoto é convidado
a se aproximar do seu Mestre e sentar-se ao lado dele. Analogamente, durante a flagelação,
quando Cristo é apresentado em um rio de sangue, quem medita é obrigado a lançar-se
sobre ele: toca-o, abraça-o e recebe sobre si os flagelos destinados ao Condenado. Faz sentir
a sua presença física, torna-se ator, coprotagonista dos acontecimentos, companheiro de
Jesus e quase seu substituto».45
Sobre o mesmo tema, Giovanni De Caulibus († 1376) em suas Meditationes vitae Christi
escreve: «Se queres tirar proveito destas meditações, torna-te presente às palavras e aos atos
do Senhor Jesus, que são relatados, como se os ouvisses com os teus ouvidos e visses com
teus olhos, com todo o fervor do teu espírito, com diligência, com alegria e longamente».46
O método da composição vendo o lugar presta-se para ser utilizado na meditação das
narrações evangélicas. O P. Júlio Barberis escreve no seu Vade-mécum dos jovens salesianos:
«Santo Inácio também nos ensina a aplicar os cinco sentidos em certas circunstâncias,
ajudando com a imaginação a fragilidade do nosso espírito. Isso se faz removendo nossos
sentidos de toda sensação terrena e imaginando-nos ver com os nossos olhos a beleza do
celeste esposo e daquilo que estamos meditando; saborear com o paladar o alimento
espiritual de suas palavras; ouvir a doçura da sua voz com os ouvidos; experimentar a
suavidade dos seus perfumes com o olfato; e, com o tato, a felicidade dos seus abraços. E
assim todas as nossas potências são ocupadas com o Senhor ou com os mistérios que
meditamos».47
Em muitos outros casos, o nosso primeiro mestre dos noviços sugere aos jovens
salesianos que recorram à imaginação para tornar viva a chama da vida espiritual. «Olha para
o tabernáculo escreve ele por exemplo e imagina que dali Jesus realmente te observa. Ele
está ali, vivo e verdadeiro, com o seu coração ardente de amor por nós, e que se dispõe a
dar-te maiores ou menores graças segundo o maior ou menor empenho que colocas em fazer
bem a tua meditação. Oh! Imagina que vês Jesus com os teus olhos: imagina que ele mantém
os olhos sobre ti o tempo todo da meditação; então, a meditação certamente te sairá bem
[...]. Contempla o crucifixo e concentra-te em ti mesmo, imagina que vês realmente Jesus na
cruz, em agonia pelos imensos espasmos que sofre e que olha para ti e encontra algum alívio
se fazes a meditação com grande devoção, enquanto, se te visse distraído e frio na
meditação, lhe seriam acrescentadas novas dores às muitas que já sofre».48
Pode ser motivo de interesse e pesquisa o estudo de algumas técnicas, utilizadas no
âmbito psicológico, que valorizam o papel terapêutico que pode ser atribuído ao uso da
chamada imaginação criativa 49. O psicodrama é outra técnica psicológica que pode ser, em
alguns aspectos, combinada com as reflexões feitas.50
45 L. TUCILLO, La scena della passione tra visio e actio nella letteratura meditativa e nell’arte tardomedievali, in www.academia.edu/26145843/
(09/01/2020).
46 Ibidem.
47 G. BARBERIS, Vade mecum dei giovani salesiani, Torino 1965, 1195-1196.
48 Ibidem, 1194-1195. Lê-se no original figurati (visualiza-te); preferimos o verbo equivalente immaginati (imagina-te).
49 A bibliografia sobre este tema é muito grande. Indicamos, entre outros: N. DEL LONGO, La rêverie in psicoanalisi. Immaginazione e creatività
in psicoterapia, Milano 2018; F. PRESUTTI, Educazione alla creatività e alla immaginazione, ISPEF 2015; P. RICE, L' immaginazione costruttiva,
Milano 2012.
50 O inventor do psicodrama, Jacob Moreno, psiquiatra, desenvolveu este método nos primeiros anos do século XX. (Cf. J. LEVI MORENO,
Principi di sociometria, psicoterapia di gruppo e sociodramma, Milano 1980).

3.7 Page 27

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Mesmo em contexto cristão alguns autores51 afirmam o grande valor de algumas
imagens bíblicas que podem dar uma profundidade nova às nossas ações, abrir novas
perspectivas, revelar a riqueza da nossa vida interior. Eugen Kästner escreveu que «A
verdade quer ter uma casa. E não pode habitar senão na imagem, na palavra, na poesia. Só
então se conecta com a terra, sofre, alegra-se; só então ela pode crescer e florescer. As
imagens são janelas... Nas imagens há o chamado do alto para todas as coisas. Na imagem,
na parábola, tudo está concatenado com anéis de ouro luzente. A metáfora é o amor entre
as coisas; tudo se mantém unido pela representação».52
Se nos deixamos envolver por algumas dessas imagens de cura, elas produzirão efeitos
em nós e modificarão o nosso ser e o nosso comportamento, sem nem mesmo passar por
propósitos concretos; agindo sobre o inconsciente, essas representações também podem
alterar as condições da nossa ação.
Não se trata, portanto, de um jogo com fim em si mesmo, mas de um envolvimento
emocional no interior da página evangélica, de onde pode brotar uma conversão do coração.
Mira que te mira (Santa Teresa d'Ávila)
Este antigo método também recorre à imaginação do orante.
Contempla-o enquanto olha para ti... O método consiste em imaginar a segunda pessoa
da Santíssima Trindade diante de nós, com a ajuda dos sentidos espirituais e, depois, deter-
se na análise do seu olhar, para sentir os seus influxos benéficos sobre a nossa vida.
Assim Teresa exorta as suas irmãs em O Caminho da Perfeição: «Não vos peço para
concentrar n’Ele os vossos pensamentos, nem para fazer muitos raciocínios ou
considerações profundas e sublimes com a vossa mente; peço apenas que olheis para Ele. E
quem vos pode impedir de voltar os olhos da vossa alma para Ele, embora só por um
momento, se mais não podeis?» (26,3). E na sua autobiografia, que Maria Mazzarello leu e
releu em Mornese para as jovens da oficina de costura, Teresa escreve: «Quem começou [a
oração] não deve abandoná-la; e a quem não começou, peço, pelo amor de Deus, que não se
prive de tanto bem; se perseverar, confio na misericórdia daquele Deus a quem ninguém
jamais tomou em vão como amigo; pois a oração mental falo por mim nada mais é do
que tratar com amizade, ficar muitas vezes a sós com Quem sabemos que nos ama» (Vida
8,5).
Como os outros métodos simples, também este requer o coração de uma criança e
envolve os afetos; mas, muito além de um sentimentalismo vazio, tal envolvimento exige,
novamente, ser operativo, transformar a nossa vida.
A religiosidade do nosso século corre o risco de esquecer-se do componente afetivo, de
ser muito intelectual; contudo são justamente os sentimentos que movem a vontade e também
a inteligência, que tornam vivo o desejo de conhecer mais profundamente o Amado. Talvez
seja justamente esse envolvimento afetivo que faltou na experiência espiritual de muitos
religiosos e religiosas nos últimos decênios. Antonio Rosmini escrevia em as As cinco chagas
da Igreja: «A pregação e a liturgia foram as duas grandes escolas do povo cristão nos mais
belos tempos da Igreja. A primeira ensinava os fiéis com as palavras, a segunda, ao mesmo
51 Citamos, entre outros, o beneditino Anselm Grün e a sua riquíssima produção literária e, em particular: A. GRÜN, La forza terapeutica
delle immagini interiori. Attingere a sorgenti fresche, Brescia 2012; ID., Scoprire la ricchezza della vita. Immagini bibliche per una cura d'anime che
guarisce, Brescia.
52 E. KÄSTNER, Die Stundertrommel vom Heiligen Berg Athos, Wiesbaden 1956, 104-105.

3.8 Page 28

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empo com as palavras e com os ritos».53
Esses dois fundamentos da experiência cristã, diz Rosmini, eram “completos”; eles não
se dirigiam, de fato, apenas à inteligência ou ao raciocínio, mas ao homem todo. «Não eram
vozes escreve ele que se faziam entender apenas pela mente, ou de símbolos que não
tinham outra potência senão os sentidos; mas tanto pelo caminho da mente como pelo dos
sentidos, um e outro ungiam o coração, e instilavam no cristão um sentimento elevado sobre
toda a criação, misteriosa e divina; cujo sentimento era operativo, tão onipotente quanto a
graça que o constituía».54
Exame do dia que virá
Trata-se de uma espécie de exame preventivo, à luz da Palavra de Deus do dia, adequado
à meditação da manhã.
Depois de uma introdução comunitária e pessoal, que represente um verdadeiro
ingresso na oração, leia-se com atenção a liturgia do dia. Depois, a partir do momento
presente, procure-se pensar no dia que apenas iniciou, nos trabalhos que nos esperam, nas
pessoas que encontraremos, em cada um dos eventos que, com toda a probabilidade, nos
acontecerão, na celebração eucarística, nas viagens, nas refeições, nas situações ordinárias
que nos esperam.
Trata-se, antes de tudo, de observar cada um desses acontecimentos em clima de
oração, de considerá-los na sua concretude, também à luz das experiências vividas nos dias
ou situações anteriores.
Em seguida, procuraremos voltar a nossa atenção, mais especificamente, para cada
uma das pessoas que encontraremos, aquelas que fazem parte da nossa história quotidiana
(irmãos, jovens, colaboradores…), em particular para as relações mais difíceis ou
problemáticas.
Renovando a consciência da presença do Espírito no templo de cada coração, tentemos
iluminar cada uma dessas relações, também à luz da Palavra do dia, para prever as
dificuldades que encontraremos, para pedir ao Espírito que nos sugira, desde agora, as
palavras a dizer e os gestos a fazer, para que as nossas relações possam ser novas e
significativas; aprendamos a confiar a Deus os nossos companheiros de viagem, um a um,
desde a manhã, e permitamos que o Espírito nos indique a melhor forma de servi-los e amá-
los ou, se necessário, suportá-los e não ofendê-los.
Concluamos com uma invocação ao Espírito Santo para que nos assista no dia que virá
e nos ajude a ser um bom presente, uma bênção para aqueles que encontraremos.
São Francisco de Sales sugere no capítulo X da segunda parte da Introdução à vida
devota, intitulado A oração da manhã: «Considera que o dia presente te é dado para mereceres
a bem-aventurança eterna e propõe-te firmemente empregá-lo todo nesta intenção. Muito
útil é preveres as ocupações deste dia, as tuas ocasiões prováveis de glorificar a Deus, as
tentações que te proporcionará a cólera, a vaidade ou uma outra paixão. Feito isto, prepara-
te por uma santa resolução a aproveitar bem de todos os meios que terás para servir melhor
a Deus e progredir na perfeição; ao contrário, arma-te com toda a firmeza de espírito para
evitar ou para combater e vencer tudo o que lhe servir de obstáculo».
53 A. ROSMINI, Delle cinque piaghe della Santa Chiesa, Rizzoli, Milano 1996, 33.
54 Ibidem.

3.9 Page 29

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LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO: De uma circular do P. Egídio Viganò
Num contexto histórico em que vários irmãos sentiam uma atração particular por alguns novos
movimentos eclesiais, o P. Viganò escreveu em 1991 a longa circular Carisma e Oração (ACG n. 338),
em que reafirma a riqueza da espiritualidade de Dom Bosco e garante com firmeza que «para refletir
sobre a oração devemos colocar-nos antes e mais além dos carismas». «Para falar adequadamente da
oração, é preciso, antes de tudo, reportar-se à atitude orante de Cristo». À luz de algumas reflexões de
São Francisco de Sales, o P. Viganò reitera a sua convicção de que o carisma do nosso Fundador e a
oração salesiana constituem uma unidade vital, para que nenhum aspecto tenha sentido sem o outro.
A referência à contemplação está certamente em consonância com o ensinamento dos seus
predecessores.
A autenticidade da oração firma-se, como início de resposta, numa experiência pessoal de Deus.
Pensemos, por exemplo, em Moisés diante da sarça ardente. Trata-se de uma atitude de descoberta e
quase de surpresa. É o Senhor que diz: «Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e
abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo» (Ap 3,20).
Essa atitude de atenta escuta revela-se particularmente fecunda na forma de oração que
chamamos “oração mental”, à qual os santos do século XVI espanhol deram a forma mais completa.
A oração mental não é absolutamente um exercício reservado aos monges e aos eremitas, mas é
o fundamento de toda oração; pois a fé é, antes do mais, escuta.
Não há oração como não há vida de fé sem a intervenção da consciência e da liberdade de
cada um.
A nossa própria experiência confirma que os momentos, muitas vezes mais intensos da oração
são os da interioridade pessoal: os da meditação mais que dos sentimentos, do silêncio mais do que da
loquacidade, da contemplação mais do que dos raciocínios. Porque «a Palavra de Deus é viva e eficaz;
mais cortante do que qualquer espada de dois gumes» (Hb 4,12). «Quando rezares diz o Evangelho
, entra em teu quarto, fecha a porta, e reza a teu Pai que está presente até em lugar oculto. E teu Pai,
que vê o que fazes ocultamente, te dará a recompensa» (Mt 6,6).
Isso não vai contra a oração comunitária, tão importante, que tem na celebração eucarística a
expressão eclesial mais perfeita, mas sublinha qual a condição prévia e também a autenticidade da
participação nela.
A oração mental evolui com gradualidade da meditação à contemplação; é uma atitude interior
pela qual se entra em relação com o amor de Deus...
Não devemos pensar que a “contemplação”, na qual desemboca a meditação, seja uma atitude
de poucos privilegiados. Não é o caso de apresentá-la aqui com difíceis definições abstratas, nem de
enumerar seus diversos modos e graus com seus delicados problemas, mas, sim, de olhar para o
exemplo dos Santos que viveram a nossa mesma espiritualidade [...].
A meditação torna-se contemplação quando o amor, nascido da escuta, assume o predomínio e
faz entrar diretamente no coração do Pai (cf. Const. 12).

3.10 Page 30

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2. MÉTODOS ESTRUTURADOS
O primeiro método apresentado nesta seção é provavelmente a estrada mestra que hoje
a Igreja indica aos leigos e religiosos para aprender a orar a Palavra e permitir que ela
transforme, dia após dia, a nossa existência de crentes; daremos três diversas “variantes”
dele, dada a importância e relevância particulares do método. Apresentaremos, no entanto,
para conhecimento e fidelidade à nossa tradição, também alguns outros métodos
estruturados, que provavelmente, pela sua complexidade, são menos adequados para serem
utilizados na meia hora prevista para a meditação quotidiana, mas que podem ser utilizados
em outras ocasiões especiais de nossa vida (retiros, meditações comunitárias, exercícios
espirituais...).
A Lectio Divina segundo o método de Guigo o Cartuxo
A expressão lectio divina é muito antiga e presente muitas vezes no ensinamento dos
Padres. Na Carta a Gregório, Orígenes recomenda: «Empenha-te na lectio com a intenção de
crer e agradar a Deus. Se durante a lectio te encontras diante de uma porta fechada, bate e
ser-te-á aberta por aquele guardião de que falou Jesus: “Para ele, o porteiro abrirá(Jo 10,3).
Aplicando-te assim à lectio divina, busca com lealdade e inabalável confiança em Deus o
sentido das Escrituras divinas, que nelas amplamente se encerra. Mas não deves contentar-
te com bater e procurar; para compreender as coisas de Deus, tens necessidade absoluta da
oratio».55
No ensinamento dos Padres, a leitura das Escrituras não se contenta, portanto, com
uma “compreensão intelectual”, mas deve introduzir na oração, na relação pessoal com
Deus.
A sistematização do método da Lectio Divina,56 como atualmente é conhecida e
difundida, remonta a Guigo, monge cartuxo, que em 1174, nas pegadas da grande tradição
monástica que teve origem em São Bento, será designado para guiar a Grande Cartuxa.57
Numa das cartas ao seu amantíssimo irmão Gervásio, enviada provavelmente por volta
de 1150, Guigo traça com extraordinária sabedoria as linhas de um método, inicialmente caro
apenas à tradição cartuxa, mas que será redescoberto e difundido na segunda metade do
século passado graças à nova sensibilidade pós-conciliar e a contribuição de alguns autores
e mestres de espiritualidade.58
São numerosas as exortações do magistério salesiano ao uso deste método. Ainda em
1986 o Projeto de vida dos Salesianos de Dom Bosco, guia de leitura das Constituições Salesianas,
comentando o artigo 93 afirmava: «A Regra pede-nos uma forma quotidiana de oração
mental: aquela que a tradição chama de meditação (assim é chamada no art. 71 dos
Regulamentos Gerais) e que corresponde a uma forma de lectio divina, segundo a expressão
característica da vida monástica».
Existem muitas publicações recentes que explicam detalhadamente o método da
Lectio;59 continuando firme que o ponto de referência fundamental continua sendo a carta
55 Sources Chrétiennes 148, 192-19, in: https://www.sources-chretiennes.mom.fr/
56 Quando se faz referência ao método e não só à leitura assídua das Escrituras, se usará a letra maiúscula (Lectio Divina em vez de lectio
divina).
57 Para as poucas notícias que se têm sobre sua vida, pode-se consultar A. WILMART, Auteurs spirituels et textes dévotes du moyen âge latin,
Paris 1991, 230-240.
58 Entre os autores italianos citamos Carlo Maria Martini, Enzo Bianchi, Mariano Magrassi e Benedetto Calati.
59 Devem ser distinguidos de simples comentários sobre um livro da Escritura.

4 Pages 31-40

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4.1 Page 31

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de Guigo, conhecida como Scala claustralium ou Carta sobre a vida contemplativa.
Aqui tentaremos delinear brevemente os momentos essenciais do método, adaptando-
os ao nosso contexto:
1. INTRODUÇÃO
Normalmente em nossas comunidades este momento é acompanhado por uma oração
ou invocação do Espírito Santo. As fórmulas podem ser úteis, mas não devem substituir o
exercício pessoal de tomada de consciência, a vontade de estar presentes a nós mesmos
recolhendo as nossas energias interiores e a busca de uma posição adequada do corpo
(statio); no fundo, trata-se de colocar-nos pessoalmente na presença de Deus e invocá-lo com
confiança (colloquio).
2. O CORAÇÃO DA LECTIO
Segundo o esquema clássico de Guigo, devemos idealizar a organização do tempo da
nossa meditação dividindo-o previamente em quatro partes, que também podem ser de igual
duração ou privilegiar, de acordo com as nossas necessidades particulares, um ou outro
momento do método.
A. LEITURA DO TRECHO (lectio)
Normalmente o trecho escolhido será do Evangelho ou de uma das leituras do dia; a
nossa meditação certamente será mais eficaz se o trecho for lido, mesmo que só por alguns
minutos, na noite anterior (preparação remota). Este hábito já nos coloca numa atitude fecunda
de escuta. Tomamos consciência de que Deus toma a iniciativa e nos oferece o dom da sua
Palavra.
Este primeiro momento tem como objetivo principal a compreensão do que o trecho
diz em si (sentido literal); o trecho deve ser lido com atenção, talvez com um lápis na mão
que nos permita sublinhar os verbos (ações) ou adjetivos (qualidades) que mais nos
impressionam. Querendo usar uma metáfora, poderíamos dizer que se trata de fazer o
trabalho da formiga que, com paciência, recolhe cada pequeno fragmento que possa
alimentar a sua vida. A utilização de um comentário e das passagens bíblicas sugeridas ao
longo do texto podem ser muito úteis nesta fase, bem como na sucessiva.
Seria útil ter a capacidade de ler os textos na sua língua original; mas como esse
privilégio é reservado a poucos, pode-se recorrer ao confronto de duas ou três traduções
disponíveis na própria língua; isso, às vezes ajuda a colher diversas nuances.
B. MEDITAÇÃO OU REFLEXÃO SOBRE O TRECHO BÍBLICO (meditatio)
Neste segundo momento, o objetivo é descobrir o que o trecho diz para mim (sentido
espiritual); de modo mais explícito, trata-se de compreender o que Deus quer me dizer, hoje
e na situação concreta em que me encontro, por meio deste texto.
A metáfora que poderia ser utilizada é a da abelha rainha, capaz de reelaborar o que as
abelhas operárias coletaram pacientemente. Outra imagem utilizada pelos Padres é a da
lenta ruminação do alimento ingerido anteriormente (ruminatio).
Também nesta segunda fase o trabalho é confiado principalmente ao intelecto, mas
também à memória que nos permite reconstruir algumas ligações entre o nosso trecho e
outros textos da Escritura ou leituras feitas anteriormente, e aos afetos que nos envolvem na
compreensão do que Deus quer me dizer, aqui e hoje, por meio da sua Palavra.

4.2 Page 32

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C. ORAÇÃO (oratio)
Esta terceira fase introduz-nos na experiência da oração mental, verdadeira e própria.
Não se trata mais de ler (lectio) e compreender (meditatio) o trecho lido, mas de transformá-
lo em oração (oratio), utilizando num colóquio direto as expressões contidas no texto bíblico
e, junto com os movimentos do coração, os nossos sentimentos (afetos). A nossa meditação
torna-se diálogo pessoal mais explícito; a nossa atenção não se volta mais para o que a Palavra
diz em si nem para o que ela diz para mim; desta vez, sou eu que me coloco em diálogo com
a Palavra, deixando-a ressoar em mim com a ajuda do Espírito Santo e procurando expressar
meus sentimentos a Deus.
D. SILÊNCIO CONTEMPLATIVO (contemplatio)
Nesta última fase, o texto sagrado também é “fisicamente” posto de lado. Alguém
disse que o ápice da comunicação é precisamente o silêncio que muitas vezes se cria, sem
constrangimento, entre aqueles que se amam. É um momento em que a Palavra que lemos
(lectio), meditamos (meditatio) e rezamos (oratio) se aprofunda (contemplatio) e confronta o
aqui e agora da nossa vida para trazer luz e calor. Assim, nossa vida se abre silenciosamente
e com emoção ao dom que Deus quer fazer de si mesmo.
Não devemos esquecer, com efeito, que a contemplação, como a oração em geral, não
pode ser considerada fruto dos nossos esforços; cabe-nos apenas criar as condições para
podermos acolher o dom (acolhimento ativo) que Deus nos quer dar. O P. Pascual Chávez
escreveu sobre isso: «Do desejo de fazer a vontade de Deus, se passa pouco por vez, quase
sem perceber, à adoração, ao silêncio, ao louvor, “à entrega humilde e pobre à vontade
amorosa do Pai em união cada vez mais profunda com o seu Filho bem-amado” (CCC 2712)
Do contemplar a si mesmos e o próprio mundo à luz de Deus, do ver-se como Deus nos vê,
passa-se ao contemplar-se vistos por Deus, ao saber-se diante daquele que é o objeto do
nosso desejo, o interlocutor único da nossa oração. À diferença das etapas anteriores, que
são exercícios que requerem força de vontade, “a oração contemplativa é um dom, uma
graça” (CCC 2713) nem normal nem devida. Pode-se esperá-la e desejá-la, pedir e acolher,
nunca ter automaticamente» (ACG n. 386).
Utilizando um dos pequenos, eficazes sumários da carta de Guigo o Cartuxo podemos
dizer que: «A leitura é um cuidadoso estudo das Escrituras movido pela ação do Espírito. A
meditação é um fruto da mente que se aplica a escavar na verdade mais oculta sob a guia da
própria razão. A oração é uma tarefa amante do coração em Deus com a finalidade de
extirpar o mal e obter o bem. A contemplação é a elevação da alma além de si mesma suspensa
em Deus, que saboreia as alegrias da doçura eterna [...]. A leitura é um exercício que se refere
ao exterior, a meditação é uma compreensão que se refere ao interior, a oração refere-se ao
desejo, a contemplação supera toda capacidade de compreensão. O primeiro degrau é
daqueles que iniciam o caminho, o segundo dos que já estão adiantados, o terceiro é dos
devotos, o quarto é dos bem-aventurados».60
CONCLUSÃO
A. PESSOAL
É o momento mais importante e insubstituível, aquele que nos permite colher os frutos
da nossa meditação quotidiana, identificando um cantinho especial da nossa vida que a
Palavra quer iluminar. No contexto do método da Lectio, a conclusão é indicada por muitos
60 Esta pequena “obra-prima” da espiritualidade cristã pode ser lida por inteiro em português no sítio web dos cartuxos:
http://www.chartreux.org/pt/textos/escada-claustro.php.

4.3 Page 33

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com o termo Actio.61 Um texto de Isaías ilumina-nos sobre a dinâmica que pode acompanhar
a meditação quotidiana: «Assim como a chuva e a neve caem do céu e para lá não voltam sem
ter regado a terra, sem a ter fecundado e feito germinar as plantas, sem dar o grão a semear
e o pão a comer, assim também acontece com a palavra que minha boca profere: não volta
sem ter produzido seu efeito, sem ter executado minha vontade e cumprido sua missão» (Is
55,10-11).
B. COMUNITÁRIA
A conclusão comunitária da meditação, em nossa tradição recente, é ritmada pelo
convite Felizes os que ouvem a Palavra de Deus e, depois, pela consagração à Auxiliadora.
A Lectio Divina segundo Carlo Maria Martini
Em 6 de novembro de 1980, mais de dois mil jovens reuniram-se na Catedral de Milão
para ouvir o seu Bispo, que tocou o coração e a mente daqueles rapazes explicando o método
da Lectio Divina para aprender a rezar com a Bíblia. Tinha início assim a Escola da Palavra, que
prosseguirá até 2002, uma das experiências mais inovadoras e mais ricas do ministério do
Cardeal Martini.
O método proposto retoma gradualmente os quatro degraus de Guigo, enriquecendo-
os com a tradição inaciana, particularmente em relação com a experiência do discernimento
espiritual. O esquema apresenta-se enriquecido com outros momentos que tentaremos
esclarecer brevemente, passando por cima dos demais degraus já mencionados.
1. STATIO = INTRODUÇÃO
2. LECTIO = LEITURA
3. MEDITATIO = MEDITAÇÃO
4. ORATIO = ORAÇÃO
5. CONTEMPLATIO = CONTEMPLAÇÃO
6. CONSOLATIO = CONSOLAÇÃO
O primeiro fruto do encontro com Deus é a alegria íntima e a paz que o homem
experimenta diante do mistério do Amor de Deus. Esse é o momento propício para tomar
as grandes decisões da vida, decisões que não devem ser transformadas em momentos de
desânimo ou desolação. O espírito mau tenta empurrar-nos para a total desconfiança e
tristeza; «O fruto do Espírito é antes amor, alegria, paz...» (Gl 5,22).
7. DISCRETIO = DISCERNIMENTO
Com o dom do Conselho, o Espírito sugere-me como interpretar a situação da vida
pessoal, familiar, comunitária e social. Trata-se de estar em sintonia com os pensamentos de
Deus, de ler com fé também o livro da história que a Providência divina compõe com sábio
amor. É o Espírito que me ensina a entender onde e como posso agir no mundo para
preparar o caminho para o Senhor.
8. DELIBERATIO = DECISÃO
A oração não deve deter-se numa contemplação inerte, que gratifique o meu desejo de
religiosidade sem transformar o meu coração. Peço ao Espírito o dom da fortaleza, para que
saiba me decidir a fazer as escolhas evangélicas e as resoluções que nascem do
discernimento. Trata-se frequentemente de pequenas decisões; mas é com fidelidade nas
61 Nese caso, portando, os momentos seriam seis: Statio, Lectio, Meditatio, Oratio, Contemplatio, Actio.

4.4 Page 34

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pequenas coisas de cada dia que se constrói a plena fidelidade ao chamado de Deus para
fazer sua vontade.
9. COLLATIO = PARTILHA
Sempre que possível, é muito útil partilhar o fruto da oração com os irmãos no
caminho de fé. Nessa busca da face de Deus não estou sozinho: somos antes Igreja,
comunhão de pessoas chamadas a crescer juntas na caridade. As graças espirituais que o
Senhor concede a cada um não são propriedade privada de indivíduos, mas dons oferecidos
para o bem comum. Em algumas das nossas comunidades a collatio já se insere, com fruto,
no dia da comunidade ou no retiro mensal.
10. ACTIO = PROPÓSITO, AÇÃO
A maior complexidade dessa estrutura de dez passos provavelmente a torna
inadequada à meia hora de meditação diária. A presença da collatio indica, ainda, que é mais
adequada, como dissemos, para um retiro comunitário mensal ou trimestral.
Resta o fato que este esquema evidencia bem a relação entre a meditação da Palavra e
as escolhas concretas que somos chamados a fazer em nossa vida. Na verdade, o
discernimento é o ponto de encontro entre a oração e a ação. Cada decisão pessoal ou comunitária
deve ser iluminada pela Palavra; a dimensão moral da vivência cristã pode ser
compreendida e colocada em sua luz adequada se pensada como uma vida sob a direção do
Espírito; esta perspectiva representa a verdadeira superação de todo moralismo estéril.
A Lectio Divina. A síntese do P. Pascual Chávez
As páginas seguintes são tiradas da circular de 2004 «A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida
eterna» (Jo 6,69). Palavra de Deus e vida salesiana hoje, (cf. ACG n. 386). Constituem um importante
documento do magistério salesiano, que fundamenta a escolha deste “método” particular para a meditação dos
salesianos.
Instrumento de exceção para o crescimento na escuta da Palavra é a lectio divina. Ela é
um método de leitura crente da Escritura, usado desde os inícios da vida religiosa, que nela
sempre gozou da «mais alta consideração. Graças a ela, a Palavra de Deus é transposta para
a vida, sobre a qual projeta a luz da sabedoria, que é dom do Espírito».62 Com razão, o CG25,
na primeira orientação operativa acerca do testemunho evangélico, exorta a comunidade
salesiana a «colocar Deus como centro unificador do seu ser e a desenvolver a dimensão
comunitária da vida espiritual, favorecendo a centralidade da Palavra de Deus na vida
comunitária e pessoal mediante a lectio divina».63
Espero que nenhum de vós pense que, com essa orientação, o CG25 tenha introduzido
um elemento estranho à nossa espiritualidade. «A antiga e sempre válida tradição da lectio
divina”64 foi acolhida na vida religiosa desde os inícios e atualmente se faz muito mais
necessária: «Hoje, um cristão não pode tornar-se adulto na fé, capaz de responder às
exigências do mundo contemporâneo, se não aprendeu a fazer de alguma maneira a lectio
divina».65 [...]
Para tornar-se familiar, a Lectio Divina, como qualquer método de oração, requer
exercício, mas exige sobretudo vontade de escuta e disponibilidade de obediência. Na mais
sólida tradição apresenta quatro etapas ou “graus espirituais”: a leitura (lectio), a meditação
62 Vita Consecrata, n. 94.
63 CG25, 31.
64 Novo Millenio Ineunte, n. 39
65 C. Martini, Programmi pastorali diocesani 1980-1990. Milão, 1991, p. 440-441.

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(meditatio), a oração (oratio) e a contemplação (contemplatio). Mais recentemente, segundo o
espírito da modernidade, acrescentou-se outra etapa: a ação (actio). Indicam-se também com
frequência outros elementos (discretio, deliberatio, collatio, consolatio etc.), mas na realidade
eles não passam de aspectos que, de hábito, acompanham as etapas fundamentais.
Leitura. Inicia-se a lectio divina lendo com atenção. Seria melhor dizer: relendo
diversas vezes o texto no qual procuramos ouvir a Deus. O texto escolhido pode parecer-
nos de fácil compreensão, ou bem conhecido. Não importa. Deve-se repassá-lo até que se
torne familiar, quase aprendendo de cor, «pondo em relevo os elementos fundamentais».66
Não se vai além desse primeiro ponto enquanto não se pode responder à pergunta: o que
significa na realidade o que acabo de ler?
Meditação. Descoberto o sentido do texto bíblico, o leitor atento procura envolver-se
pessoalmente, aplicando o significado captado à própria vida: o que me diz o texto? «Meditar
o que se lê leva a apropriar-se do texto, confrontando-o consigo mesmos. Abre-se aqui outro
livro: o livro da vida. Passa-se dos pensamentos à realidade. Conduzidos pela humildade e
pela fé, descobrimos os movimentos que agitam o coração e podemos discerni-los».67 A
Palavra ouvida pede consenso, não é acolhida se não chega ao coração e opera conversão.
Compreender o texto leva a compreender-se à sua luz. Assim, o texto lido e compreendido
se torna norma de vida: o que fazer para cumpri-lo? Como fazer para dar aquele sentido à própria
existência?
Oração. Conhecer, adivinhar e mesmo só imaginar o que Deus quer leva
naturalmente à oração. Destarte se torna ardente desejo o que deve tornar-se a vida
quotidiana. O orante não pede tanto aquilo que lhe falta, mas o que Deus lhe fez ver e
compreender. Começa-se a aspirar àquilo que Deus nos pede: faz-se da vontade de Deus
sobre nós o objeto da nossa oração.
Contemplação. Do desejo de fazer a vontade de Deus, se passa pouco por vez, quase
sem perceber, à adoração, ao silêncio, ao louvor, «à entrega humilde e pobre à vontade
amorosa do Pai em união cada vez mais profunda com o seu Filho bem-amado».68 Do
contemplar a si mesmos e o próprio mundo à luz de Deus, do ver-se como Deus nos vê,
passa-se ao contemplar-se vistos por Deus, ao saber-se diante daquele que é o objeto do
nosso desejo, o interlocutor único da nossa oração. À diferença das etapas anteriores, que
são exercícios que requerem força de vontade, «a oração contemplativa é um dom, uma
graça»,69 nem normal nem devida. Pode-se esperá-la e desejá-la, pedir e acolher, nunca ter
automaticamente.
Posso revelar-vos que me sinto pessoalmente obrigado com a opção do CG25 de
«reavivar continuamente e expressar o primado de Deus nas comunidades», orientando a
Congregação a centrar a vida pessoal e a comunitária na Palavra de Deus, em primeiro lugar
«mediante a lectio divina».70 Isso é muito importante para mim digo-o a vós com palavras
do cardeal Martini , porque «não me cansarei nunca de repetir que a lectio é um dos
principais meios com que Deus quer salvar o nosso mundo ocidental da ruína moral que
pesa sobre ele pela indiferença e pelo medo de crer. A lectio divina é o antídoto que Deus
66 C. Martini, La gioia del vangelo: meditazione ai Giovanni. Casale Monferrato, Piemme, 1988, p. 12.
67 Catecismo da Igreja Católica, 2706.
68 Catecismo da Igreja Católica, 2712.
69 Catecismo da Igreja Católica, 2713.
70 CG25, 30 e 31.

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propõe nestes últimos tempos para favorecer o crescimento daquela interioridade sem a
qual o cristianismo (...) corre o risco de não superar o desafio do terceiro milênio».71
A meditação inaciana
O termo meditação é reservado por Inácio aos exercícios espirituais propostos durante
a primeira semana (meditação sobre o pecado, meditação sobre o inferno...). Para Inácio, a
meditação é um método de oração com que se aplicam, sobre uma verdade de fé, as três
potências ou faculdades da alma: memória, inteligência e vontade. Na segunda, terceira e
quarta semanas dos exercícios, Inácio privilegia o termo contemplação.
O método é aparentemente muito complexo; somente a prática pode torná-lo familiar
para quem desejasse usá-lo na meditação pessoal. Os três momentos fundamentais são
sempre os mesmos: a preparação, o corpo de meditação, que se compõe dos chamados três
pontos, e a conclusão.
Fazendo referência ao texto do Cardeal Lercaro, podemos resumir assim o esquema
do método inaciano:72
A. PREPARAÇÃO:
1. PRÓXIMA
1.1 Preparar os «pontos» na noite anterior e fixar a graça a pedir no Prelúdio.
1.2 Pensar neles brevemente antes de dormir, fixando a hora de despertar.
1.3 Repensar neles logo que despertado.
2. IMEDIATA:
2.1 No local onde se deve meditar, deter-se por um momento e colocar-se na
presença de Deus; se possível, fazer um ato de Adoração, também exterior.
2.2 Oração preparatória.
2.3 Prelúdios.
2.3.1 Prelúdio histórico: evocar brevemente o fato sobre o qual se medita.
2.3.2 Prelúdio imaginativo ou composição do local: imaginar o local onde se dá
o fato; podendo-se, suprir com outra imaginação quando a Meditação não é
sobre um fato.
2.3.3 Prelúdio de petição: pedir a graça que consiste no fruto da Meditação.
B. CORPO DA MEDITAÇÃO
Para cada um dos três pontos:
1. Exercício da Memória
Evocar as partes da matéria a meditar e como que percorrê-las com o olho da mente.
2. Exercício do Intelecto
Reflexões: fazer própria, aprofundando-a, a matéria da meditação. Aplicações:
Tirem-se as conclusões práticas para a própria conduta e prevejam-se os meios de
as usar.
3. Exercício da Vontade
Afetos: São os sentimentos piedosos (de adoração, louvor, amor, arrependimento,
71 C. Martini, Programmi pastorali diocesani 1980-1990, p. 521.
72 Cf. G. LERCARO, Metodi di orazione mentale, cit., 353-354.

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suscitados em nós pelas reflexões. São tomados ao longo da Meditação, mais
especialmente ao final, os Propósitos: práticos, particulares, relativos ao presente,
humildes.
C. CONCLUSÃO
COLÓQUIO: Conversa com Deus (ou nosso Senhor ou a Virgem), em que se pedem
graças e se comunicam coisas pessoais; pode ser intercalada na Meditação; não
deve faltar ao final.
ORAÇÃO VOCAL: Breve (Pater, Ave, Anima Christi…).
APÓS A MEDITAÇÃO:
Exame sobre o andamento da Meditação.
Tomar nota das ilustrações e moções tidas.
É o caso de notar que essa estrutura aparentemente rígida contém em si algumas
atenções antropológicas, todas orientadas para a eficácia da experiência da oração; podemos
dizer que a meditação inaciana pressupõe uma antropologia fortemente unitária,
envolvendo também o corpo, bem além das potências da alma. A preparação remota, a escolha
do local, a breve pausa para recolher-se e fazer um ato exterior de adoração, o pedido contido
na oração preparatória, os prelúdios, o exame final, o conselho de tomar nota por escrito da
experiência feita, tudo isso são elementos orientados para o “sucesso” de um diálogo capaz
de produzir um crescimento efetivo na vida cristã.
Método inaciano simplificado
Limitamo-nos aqui a apresentar o conteúdo do método inaciano, como ele é
apresentado atualmente no sítio web da Companhia de Jesus. Contém, de modo sintético,
todos os “ingredientes” do método anterior.
«A oração é um encontro pessoal com o Senhor. Escolhe um horário e um local que te
ajudará nesse encontro. Observa então as seguintes etapas:
1. PRESENÇA. Ponho-me na presença do Senhor mendigando o dom da oração e da
concentração. Peço ao Senhor que todas as minhas energias convirjam para este encontro.
Penso com quanto amor Ele está me conhecendo e olhando neste momento. Depois:
Composição olhando o lugar: sirvo-me da minha imaginação para tornar-me um “ícone
interior” da cena que estou para meditar.
Peço o que quero e desejo: entro em relação direta com o Senhor pedindo um dom bem
preciso, numa formulação que poderei repetir muitas vezes.
2. MEDITAÇÃO. Leio e releio a passagem. Detenho-me onde uma palavra me toca,
onde “encontro prazer”, sem pressa de continuar. “Não é tanto o conhecimento que
preenche e satisfaz a alma, mas sim o sentir e o saborear as coisas interiormente”. Na palavra
que me toca ponho em movimento a minha memória (o que ela me recorda?), a minha
inteligência (o que ela me faz compreender?), a minha vontade (o que queres que nasça em
mim?).
3. COLÓQUIO. Converso com o Senhor “como um amigo conversa com um amigo”.
E não tenho medo de “derramar” sobre Ele toda a minha “morte” do coração, para que Ele
derrame a sua vida em mim. É a “conversa”.
REVISÃO. Depois da oração, em outro local, percorro novamente por alguns minutos

4.8 Page 38

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o seu andamento. Pergunto-me como foi o método, que palavra mais me tocou, e procuro
dar um nome aos sentimentos que me atravessaram».73
O método ensinado pelo Vade-mécum do P. Júlio Barberis
O método ensinado pelo P. Barberis desde o primeiro noviciado é essencialmente o
inaciano,74 como pode ser facilmente demonstrado comparando o primeiro texto
manuscrito de Barberis e o de seu Vade-mécum com o esquema geral da meditação inaciana.
O Vade-mécum dedica, em particular, dois capítulos inteiros a este tema; o primeiro,
intitulado A Meditação, é um pequeno tratado sobre a oração mental, a sua eficácia e
importância, a sua necessidade e os seus frutos na vida religiosa, repleto de citações da
Escritura e da história da espiritualidade; o segundo, intitulado Do modo prático de fazer a
meditação, explica em detalhes o método proposto para fazê-la, a partir de uma premissa, de
grande sabedoria pedagógica, intitulada Fazer o possível. «Quando se tem boa vontade diz
o P. Barberis sempre se consegue meditar, porque depende mais da inspiração do Espírito
Santo do que do nosso trabalho, e o Espírito Santo sempre está com quem faz o que pode».
A matéria sucessiva apresenta-se muito articulada e pouco adequada à meia hora de
oração mental prevista pelas nossas Constituições. Na tradição salesiana da primeira metade
do século passado, os três pontos da meditação eram frequentemente lidos por um guia,
também pela dificuldade de ter um exemplar do texto à disposição de todos. O silêncio e a
oração pessoal reduziam-se a poucos minutos e em alguns casos tornava-se predominante,
a fidelidade à forma mais do a atenção ao diálogo íntimo e pessoal. A nossa hipótese é que
em muitos casos a excessiva fidelidade ao modelo e certa falta de elasticidade possam ter
prejudicado a qualidade da meditação e subjetivamente reduzido ao mínimo as motivações
que justificam sua importância e prática.
Em síntese, o esquema apresentado pelo P. Barberis era o seguinte:75
1) PREPARAÇÃO
PREPARAÇÃO REMOTA
PREPARAÇÃO PRÓXIMA
a) Colocar-se na presença de Deus
b) Pedir perdão dos próprios pecados
c) Pedir a graça de poder meditar bem
d) Representação do sujeito
2) PONTOS DE MEDITAÇÃO (três)
a) Exercício do intelecto
b) Representação do lugar
c) Aplicação dos sentidos
d) Exercício da vontade
e) Propósitos
f) Afetos e colóquios
73 https://gesuiti.it/metodo-di-preghiera-ignaziano/ [06/06/2020].
74 O original encontra-se em ASC A 000.02.05.
75 Cf. G. BARBERIS, Vade mecum dei giovani salesiani, cit., 1180-1206. As sucessivas edições apresentam-se substancialmente iguais. A última
edição desse precioso tratado de espiritualidade dombosquiana é de 1965.

4.9 Page 39

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3) CONCLUSÃO
a) Resolução
A resolução seja prática
b) Agradecer ao Senhor
c) Examinar-se e arrepender-se
«Fazendo isso concluía o P. Barberis espero que tu também possas tirar da
meditação os frutos que dela obtinham São Bernardo, Santo Inácio, São Luís, o P. Beltrami.
Depois da meditação, todos se sentiam inflamados de amor pelo Senhor, já não sentiam o
gosto de nada terreno, sentiam-se prontos a tudo, mesmo o mais difícil, também a sofrer o
martírio por amor do Senhor».76
Método dos sete passos” (Lumko – África)
Os três últimos métodos que apresentamos são de origem mais recente.
O método dos Seven Steps apresenta-se mais adequado à meditação comunitária, mas
pode ser valorizado também na meditação pessoal, com algumas alterações. Tem a sua
origem na África do Sul, precisamente em Lumko, um instituto católico em Del Menville,
mas também se espalhou pela Europa, especialmente na Alemanha. Também neste método,
como no de Guigo, o contato prolongado e pessoal com o texto, o silêncio e a oração são
intensamente desejados e promovidos.77
Lê-se no n. 38 do Instrumentum laboris do Sínodo de 2008, A Palavra de Deus na vida e na
missão da Igreja: «A novidade da Lectio Divina no povo de Deus exige uma oportuna
pedagogia de iniciação, que leve a compreender bem do que se trata, e contribua para
esclarecer o sentido dos diversos graus e uma sua aplicação tão fiel quanto sabiamente
criativa. Existem, de fato, diferentes modalidades de Lectio Divina, como a chamada dos Sete
Passos (Seven Steps), praticada em muitas Igrejas particulares da África. Chama-se assim,
porque o encontro com a Bíblia é como um caminho feito de sete momentos: presença de
Deus, leitura, meditação, pausa, comunicação, colóquio e oração comum».
Apresentamos brevemente o conteúdo de cada um dos passos, adaptando-os ao
contexto de uma comunidade religiosa.
1. ACOLHIDA E ORAÇÃO DE INTRODUÇÃO
Acolhida e oração constituem o primeiro passo. Cada um deve ter a Bíblia na mão e
estar ciente do caminho a seguir.
2. LEITURA DO TEXTO SAGRADO
Um irmão lê em voz alta o Evangelho ou uma das passagens da liturgia do dia. O texto
pode ser novamente lido em outra tradução.
3. A RESSONÂNCIA TEXTUAL
Cada um escolhe uma palavra ou breves frases que o tocaram, pronunciando-a em voz
alta, em tom orante, deixando-se «compenetrar» por ela. Após cada exteriorização, há um
momento de silêncio. Eventualmente, o texto bíblico é lido novamente com calma.
4. MEDITAÇÃO SILENCIOSA
Segue uma pausa de silêncio (ao menos dez minutos); este é o verdadeiro coração da
76 Ibidem, 1205.
77 Para um aprofundamento sobre o método, veja-se A. HECHT, Passi verso la Bibbia, Leumann 1995.

4.10 Page 40

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meditação. Cada um também pode repetir silenciosamente no seu coração aquilo que mais
o tocou, transformando a Palavra em oração.
5. A PARTILHA DO QUE TOCOU
Concluído o quarto passo, se o desejar, cada um pode comunicar aos demais o que
colheu como advertência e como esperança, como empenho e como conforto. Não se trata
apenas da comunicação de uma reflexão intelectual, mas da partilha de emoções,
sentimentos e da atitude suscitada em nós pela meditação do texto.
6. INTERCÂMBIO SOBRE A VIDA QUOTIDIANA
Como a vida da comunidade é questionada pela Palavra? É possível decidir sobre uma
determinada ação conjunta, mas é sobretudo uma questão de compartilhar as situações e os
problemas atuais da comunidade, interpretados à luz da Palavra.
7. ORAÇÃO CONCLUSIVA
O encontro termina com uma oração ou canto de ação de graças, em analogia com o
sétimo dia da criação, um momento de contemplação orante. Dom Hirmer, Bispo de Umtata
escreveu: «Os sete passos têm como objetivo educar à tranquilidade interior e abrir o coração
à escuta da Palavra de Deus».
O método da ruminatio (segundo Clodovis M. Boff)
Trata-se do método apresentado pelo teólogo brasileiro, religioso dos Servos de Maria,
em seu livro Meditação. Como fazer? O método da “ruminação”, publicado pela primeira vez
em português em 2006. Apresentamo-lo aqui pelas suas características de síntese entre
alguns métodos e técnicas da tradição antiga e recente.
Examinemo-lo detalhadamente
1. INTRODUÇÃO
a. Colocar-se na presença de Deus. O autor sugere, para esta introdução, o uso da
imaginação. «Você pode se imaginar sentado aos pés do Mestre, como Maria de Betânia,
para escutar sua Palavra; ou como hóspede e comensal da SS. Trindade, tal como o evoca o
ícone de Rublev».78 Este primeiro momento está ligado a uma técnica de relaxamento, para
favorecer o silêncio interior.
b. Pedir a luz do Espírito Santo. Ele é o verdadeiro Mestre Interior. Só o Espírito pode
abrir-nos aos tesouros ocultos da Palavra.
2. CORPO CENTRAL DA MEDITAÇÃO
a. Leitura lenta e atenta da passagem
b. Ruminatio. Trata-se de repetir lentamente, e várias vezes, a palavra ou a breve frase
que na fase imediatamente precedente tocou a nossa mente ou o nosso coração, para digerir
a Palavra. Esta metáfora, frequentemente usada pelos Padres, é tomada do mundo animal.
Assim como os ruminantes comem o alimento e depois o mastigam longamente para que
seja assimilado pelo organismo, assim também o homem de oração se nutre da Palavra de
Deus, saboreando-a lentamente. Santo Agostinho afirma, no seu comentário ao Salmo 37:
«Quem engole fazendo desaparecer o que devora, esquece o que escuta. Quem, porém, não
esquece, pensa, e pensando rumina e ruminando saboreia».79
Para Clodovis Boff o interessante dessa recuperação do método da ruminatio é a sua
78 C. M. BOFF, Meditação. Como fazer? O método da “ruminação”, Editora Vozes: Petrópolis, 20062, 73.
79 SANT’AGOSTINO, Esposizione sui Salmi, Roma 1967, 819.

5 Pages 41-50

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5.1 Page 41

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semelhança com diferentes métodos de origem oriental baseados na repetição de um mantra
e que hoje adquirem prestígio cada vez maior em um Ocidente sempre mais vítima do
racionalismo e do ativismo.80 E ainda: «O processo espiritual vai no sentido de diminuir os
pensamentos e aumentar os sentimentos, tomando estes últimos no sentido mais profundo de
“afetos da alma”[...]. Passa-se da simples meditação para a contemplação, entendida no sentido
mais estrito».81
3. CONCLUSÃO
a) Escrever numa folha de papel uma palavra ou uma frase a recordar durante o dia. A nossa
oração, para ser autêntica, deve sempre se confrontar com a vida real para transformá-la
b) Agradecimento.
Encontramos, também neste método, o esquema tripartido, a centralidade da Palavra,
a fidelidade aos Padres e à tradição da Igreja, a repetição (ruminatio) de um versículo ou de
uma fórmula, que nos remete à tradição hesicástica, à concretude de uma conclusão que torna
a prática da meditação viva e eficaz.
O método do Centering Prayer do P. Thomas Keating
Thomas Keating (1923-2018), monge cisterciense, foi abade da Abadia de St. Joseph em
Spencer, Massachussets, e é o fundador do movimento Centering Prayer (literalmente Oração
Centrante).82
Como em todos os métodos destinados à oração contemplativa, a base teológica deste
método está na consciência da inabitação da Trindade em nós. Inspira-se em particular nos
escritos daqueles que contribuíram decisivamente para a tradição contemplativa cristã, em
particular: João Cassiano, o autor desconhecido da Nuvem do Não-Conhecimento, Francisco
de Sales, Teresa de Ávila, João da Cruz, Teresa de Lisieux e Thomas Merton.
São quatro as linhas diretrizes ou os momentos sugeridos pelo método:83 Vamos
descrevê-los brevemente:
1. Escolhe uma palavra sagrada como símbolo da tua intenção de concordar com a presença e
a ação de Deus em ti.
Essa palavra sagrada é escolhida no início, num breve momento de oração, pedindo ao
Espírito Santo que nos inspire aquela que for mais adequada para nós. Exemplos de palavras
sagradas são: Deus, Senhor, Jesus, Pai, Mãe, Maria; ou também, em outras línguas: Abbà,
Kyrie, Iesu, Mater. Outras possibilidades são: Amor, Paz, Misericórdia, Silêncio, Calma, Fé,
Shalom, Amém...
2. Sentado comodamente, com os olhos fechados, emprega um breve momento para aquietar-te,
depois introduz a palavra sagrada como símbolo do teu consentimento à presença de Deus e à sua
ação em ti.
Comodamente significa relativamente confortável, mas não tanto a ponto de encorajar
o sono durante a oração. Qualquer que seja a posição que adotarmos, as costas devem estar
80 Cf. C. M. BOFF, cit., 67 ss.
81 Ibidem, 76.
82 São muitos os livros publicados por Keating e traduzidos em diversas línguas. In italiano: T. KEATING, La preghiera del Silenzio, Assisi
1995; ID., Risvegli. La pratica della lectio divina, Roma 2003. Em português, Mente aberta, coração aberto: A dimensão contemplativa do Evangelho,
Ed. Loyola, 2004; Intimidade Com Deus, Ed. Loyola, 1999. Em português, entre outros: Mente aberta, coração aberto: A dimensão contemplativa
do Evangelho, Loyola, 2005; Convite ao amor - O caminho da contemplação cristã, Loyola, 2005; Intimidade Com Deus, Paulus, 1999.
83 Cf. www.antidemalta.org/uploads/5/7/2/6/57264959/centerprayer-italian.pdf

5.2 Page 42

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verticais. Fechamos os olhos em sinal de distanciamento do que está ao nosso redor e dentro
de nós. Introduzimos a palavra sagrada suavemente, como se estivéssemos colocando uma
pena em uma camada de algodão. Se adormecermos, assim que acordarmos, retomamos
tranquilamente a nossa oração
3. Quando perceberes estar tomado pelos pensamentos, retorna muito docemente à palavra
sagrada.
Pensamento é um termo genérico para indicar toda percepção: percepções sensoriais,
emoções, imagens, recordações, projetos, reflexões, conceitos, comentários, experiências
espirituais, etc. ... É normal e inevitável ter pensamentos e eles são parte integrante da
Centering Prayer. Ao dizer “retorna muito docemente à palavra sagrada” indica-se que essa
ação deve ser feita com delicadeza, sem esforço. Esta é a única atividade voluntária durante
o momento da Centering Prayer.
4. Ao final do período de oração, permanece em silêncio com os olhos fechados durante alguns
minutos.
Esses minutos adicionais permitem-nos trazer a atmosfera de silêncio para a vida
quotidiana. Para alguns, um simples olhar a Deus, ou a atenção à própria respiração, pode
ser mais adequado do que a palavra sagrada. Depois de escolher uma palavra sagrada, não
a mudamos durante o período de oração: isso seria começar a pensar novamente.
P. Keating sugere uma duração mínima de vinte minutos, e duas repetições por dia,
para praticar este método. A Centering Prayer, portanto, nos familiariza com a linguagem de
Deus, que é o silêncio.
A característica peculiar desse método é que não se trata de uma meditação discursiva,
mas de um simples repouso em Deus.

5.3 Page 43

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LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO: De uma circular do P. Juan Vecchi
Na circular «Quando rezardes dizei: Pai nosso...» (Mt 6,9). O Salesiano, homem e mestre de oração para os
jovens, de 2001 (ACG n. 374), o P. Vecchi dedica páginas vibrantes à importância da oração na vida do
salesiano. No início, ele aponta alguns lugares comuns entre os quais «aquele que deseja a ação no
centro da vida do salesiano». «Às vezes, quando falamos de Deus, referindo-nos a nós mesmos e, mais
ainda, aos nossos interlocutores religiosos, colocamos uma máscara, endossamos uma roupa
adequada ao papel e escolhemos palavras exatas e bem proclamadas. Essas máscaras não
correspondem àquilo que somos». Só uma vida de oração mais profunda e autêntica pode nos permitir
“curar” as motivações de nossa ação. É interessante notar que nesta carta o P. Vecchi cita
repetidamente alguns dos mestres contemporâneos da oração (Carlo Carretto, Enzo Bianchi, Carlo
Maria Martini, José Maria Castillo, Manuel Ruiz Jurado, Maurício Costa, Romano Guardini ...).
Da parte do homem, condição indispensável é descobrir o projeto que Deus confia a cada um,
no tempo e no lugar onde é chamado a viver. É também condição fundamental para renovar o empenho
contínuo de conversão a Deus: «Como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam mais para lá
sem ter embebido a terra, fecundando-a e fazendo-a germinar, para que ela dê a semente ao semeador
e o pão comestível, da mesma maneira, a Palavra que sai de minha boca não retorna a mim sem
resultado, sem ter feito o que Eu queria e obtido êxito na sua missão» (Is 55,10-11).
O lugar privilegiado para a escuta é, portanto, a meditação da Palavra: «sentada aos pés de
Jesus, [Maria em Betânia] escutava a sua palavra» (Lc 10,39). Tudo começa, então, com a atenção
interessada à Palavra que evoluirá depois em meditação, oração, contemplação. A escuta de Deus,
com suas dimensões de silêncio, descentralização de si e centralização no Outro, torna-se acolhida ou,
melhor, revelação em si de uma presença mais íntima ainda a nós de quanto o seja o nosso próprio
“eu”.
O silêncio é a dimensão especular da Palavra. Silêncio e Palavra se completam e reforçam
reciprocamente. Sem o silêncio, dificilmente se chega quer ao conhecimento de si, quer ao
discernimento do projeto de Deus na própria vida. O silêncio dá profundidade e unifica.
A sobriedade salesiana no falar não é distanciamento ou domínio controlado de si; é sempre
atenção ao outro, compreensão e desejo de dar e receber. Passa-se assim à dimensão interior, ao estar
bem consigo mesmo, à visão serena das pessoas e situações, à paz interior, ao prazer da presença do
outro. Gera-se, também, uma atitude de domínio de si e resistência para fazer com que se calem os
sentimentos desordenados pelos outros, as imagens arbitrárias sobre si mesmos, as rebeliões, os
julgamentos não avaliados, as murmurações e as leviandades que nascem do coração.
O silêncio composto é o guarda da interioridade e torna possível a escuta e acolhida daquele que
fala. O Deus que queremos reencontrar está dentro de nós, não fora. O eu interior precisa de tempos
e espaços para confrontar e avaliar. Quanto aos primeiros, não deveríamos ter medo de reservar no
horário, alguns períodos de tempo, dedicados à meditação pessoal, ao estudo, à oração e por que não?
à contemplação: a atitude total como que subjugada pela verdade ou pela beleza.
O Evangelho aconselha-nos a «entrar no próprio quarto e, fechando a porta, rezar ao Pai no
segredo» (Mt 6,6) Trata-se de escolher um lugar onde a atenção e o espírito encontrem menos
obstáculos para caminhar até Deus.
Quem é experiente na vida espiritual sabe que esse caminho exige paciência e perseverança, e
não pode percorrê-lo sozinho, porque o Espírito nos precede e acompanha. Conhecerá, então, na
medida em que caminha, os frutos da pacificação progressiva, do alargamento da liberdade, da
mansidão e da caridade, que são os frutos do caminho de oração.

5.4 Page 44

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Conclusões
«... Jesus escondido no tabernáculo é chamado por Isaías de fonte de água viva; uma fonte,
sempre jorra para fora, sempre brota e não se revê mais o recipiente de onde brota e quanto
mais se cava a água, tanto mais em abundância jorra límpida e clara... O que dizer-lhe ao visitá-
lo muitas vezes? Falar assim é fazer uma grave injúria a Jesus como se não fosse rico para
poder satisfazer todos os nossos pedidos. Uma zelosa serva de Deus... que por amor a Jesus
Sacramentado era chamada de esposa do Sacramento, perguntada sobre o que fazia em tantas
horas que se entretinha diante do Venerável, respondeu: Eu ficaria horas ali e ficaria por toda
a eternidade, e não está aqui a essência de Deus, que é a delícia dos bem-aventurados no Céu?
Bom Deus, o que se faz diante d’Ele e o que não se faz? Ama-se, louva-se, agradece-se, pede-
se. E o que faz um doente diante do médico? O que faz um homem sedento diante de uma
fonte límpida? O que faz um faminto diante de uma Santa Refeição?» (Dom Bosco).84
Como conclusão deste nosso itinerário resta-nos a sensação de que muitas outras
coisas poderiam ter sido ditas sobre um assunto de tão vital importância; mas um dos
objetivos que nos propusemos foi preparar um material auxiliar, o mais ágil e fácil de ler
possível. Não é difícil encontrar em cada método proposto informações mais extensas para
fazer aprofundamentos pessoais.
Teria sido interessante, por exemplo, visitar a experiência espiritual dos primeiros
jovens salesianos, através de alguns dos seus escritos, conservados no arquivo, ou das cartas
que falam da sua, por vezes curta, vida na Congregação. «Durante a adolescência foi
surpreendido afirma o manuscrito da carta mortuária do clérigo Tiago Vigliocco,
certamente revisado por Dom Bosco várias vezes a rezar à noite e mesmo por longo
tempo».85 «Assim que se deu conta da importância da meditação para o progresso da vida
espiritual afirma o biógrafo abraçou-a com tanto amor, que não mais a deixou... Era
bonito vê-lo no início de cada meditação recolher-se de tal modo a ponto de não ver mais
nada».86 Outro importante campo de estudo poderia ser a revisitação dos escritos do
Fundador, em busca da sua concepção de oração, bem como da sua experiência espiritual e
de sua herança carismática.87
Queremos concluir este nosso itinerário na esperança de ter oferecido, em particular
aos noviços e aos jovens irmãos, alguns estímulos e reflexões que permitam a cada um
encontrar o seu próprio método, para tornar mais incisiva, alegre e vital a meditação prescrita
pelas nossas Regras. Este objetivo, como mencionamos na Introdução, só pode ser alcançado
se as páginas deste subsídio e os vários métodos propostos forem gradualmente testados na
prática: esta é a característica de toda pedagogia eficaz da oração. Na prática paciente e
constante da meditação, adquirem-se gradual e naturalmente as regras do jogo que tornam a
experiência da oração cada vez menos formal e cansativa.
Deixo-vos, ao final da viagem, em companhia de dois testemunhos.
O primeiro, mais conhecido, é tirado da carta do P. Rinaldi aos mestres dos noviços,
84 Esta citação é tirada de um Discurso para as Quarenta horas, feito por Dom Bosco, como resulta do frontispício do manuscrito inédito, em
1859 na igreja de Santa Croce di Cavallermaggiore e em 1861 e Provonda, município de Giaveno, também na Província de Turim. É
conservado no ACS A 225.02.08.
85 Società di S. Francesco di Sales. Anno 1877, Torino 1877, 36. O manuscrito traz algumas correções de Dom Bosco.
86 Società di S. Francesco di Sales. Anno 1877, cit., 42-43.
87 Sobre isso, vejam-se, em particular, G. BUCCELLATO, Alla presenza di Dio. Ruolo dell'orazione mentale nel carisma di fondazione di San Giovanni
Bosco, Roma 2004 e os estudos presentes no sítio web www.ritornoadonbosco.it.

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já citada em nossa Introdução. «Fui fazer uma visita ao querido Pai no ano passado escreve
este intérprete autorizado do carisma do fundador ou melhor, nos últimos meses de sua
vida e desejoso de fazer mais uma vez a minha confissão a ele, pedi-lhe que me quisesse
ouvir. Eu bem sabia que todos estavam proibidos de ir a Dom Bosco para as confissões; mas
pensei que não teria transgredido a ordem, regulando-me como agora direi. O senhor não
deve se cansar disse eu a Dom Bosco não deve falar: eu falarei; então o senhor dirá uma
palavra para mim. Considerai o meu pedido, uma só palavra. O bom Pai, depois de me
ouvir, falou-me apenas uma palavra, apenas uma palavra: e sabeis qual? Meditação! Ele não
acrescentou nada, nenhuma explicação ou comentário. Uma só palavra: Meditação! Mas
essa palavra valeu mais para mim do que um longo discurso. E depois de muitos anos ainda
parece-me ver o Pai naquela atitude de santo e tranquilo abandono e ouvi-lo repetir:
Meditação!».88
O segundo é tirado de uma página de Carlo Carretto, religioso contemplativo com
os Pequenos Irmãos de Charles De Foucauld, falecido em 1988; era irmão de um salesiano bispo
na Tailândia e de duas Filhas de Maria Auxiliadora.
A uma das irmãs, Irmã Dulcídia, Irmão Carlo aos quarenta e cinco anos, poucos meses
depois do início do seu noviciado no deserto, escreve: «Vou te dar um exemplo físico que
tenho aqui diante de mim no deserto. Há um pedaço de deserto, tudo é areia e morte, no
máximo alguns espinhos. Os homens querem transformar o deserto em um oásis verdejante.
Já começam a trabalhar. Fazem-se estradas, caminhos, canais, pontes, casas, etc., etc. ... Nada
muda: tudo continua deserto. Falta o elemento básico: a água. Então, quem entendeu
começa a trabalhar, mas não na superfície: começa a cavar fundo! Procura água, faz um
poço. A fecundidade do oásis não vai depender dos canais feitos, das estradas, das casas,
mas desse poço. Foi isso o que vi na Europa. Um exército de católicos doidos constrói,
constrói casas, colégios, associações, partidos e quase ninguém se preocupa em cavar os
poços. Conclusão: tristeza, desânimo, vazio interior e às vezes desespero. Eles fingem
construir para Deus sem Deus e não me diga, irmã, que se reza. Não, não se reza, mesmo
que se digam cem rosários por dia, mesmo que se vá à Missa regularmente. A oração é outra
coisa! Oração é respiração, é liberdade, é amor, é uma conversa inesgotável, é sobretudo
pensar em Deus, é o que falta na nossa velha cristandade, que quando quer rezar começa a
enfileirar fórmulas».89
Esta é a única, concretíssima estratégia para que o deserto refloresça: cavar poços
novamente para chegar com alegria à água nas fontes da salvação (cf. Is 12,3).
88 F. RINALDI, Cari Maestri degli ascritti, in ASC A 384.01.15
89 C. CARRETTO, Lettere a Dolcidia, Assisi 1989, 46-7.

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Índice
SUMÁRIO..................................................................................................................................... 3
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................. 4
PARA INICIAR O CAMINHO.........................................................................................................7
Oração vocal, mental, meditação, contemplação ........................................................ 7
Os ensinamentos sobre a meditação nas origens da Sociedade .................................. 9
Com Dom Bosco e com os tempos .............................................................................. 10
Oração pessoal e oração litúrgica ................................................................................ 11
Valor antropológico da meditação .............................................................................. 12
LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO: De uma cirdular do P. Paulo Albera ....................... 14
SUGESTÕES E REFLEXÕES GERAIS SOBRE O MÉTODO............................................................ 15
Os três momentos fundamentais da meditação .......................................................... 17
O papel do corpo na oração ......................................................................................... 18
Os critérios utilizados para a escolha dos métodos propostos ............................... 19
LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO. De uma circular do P. Luís Ricceri .................................. 21
OS MÉTODOS PROPOSTOS PARA A MEDITAÇÃO ....................................................................... 22
1. MÉTODOS SIMPLES........................................................................................................... 22
Repetição simples .......................................................................................................... 23
A oração de Jesus ou oração do coração (hesicasmo).................................................24
Composição vendo o lugar (Santo Inácio de Loyola)...............................................25
Uma palavra sobre o papel da imaginalão na meditação........................................25
Mira que te mira (Santa Teresa d'Ávila) ....................................................................... 27
Exame do dia que virá .................................................................................................. 28
LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO: De uma circular do P. Egídio Viganò ...................... 29
2. MÉTODOS ESTRUTURADOS .............................................................................................. 30
A Lectio Divina segundo o método de Guigo o Cartuxo .......................................... 30
A Lectio Divina segundo Carlo Maria Martini ........................................................... 33
A Lectio Divina. A síntese do P. Pascual Chávez ....................................................... 34
A meditação inaciana .................................................................................................... 36
Método inaciano simplificado ..................................................................................... 37
O método ensinado pelo Vade-mécum do P. Júlio Barberis......................................38

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Método dos “sete passos”(Lumko Africa) .............................................................. 39
O método da ruminatio (segundo Clodovis M. Boff) ................................................ 40
O método do Centering Prayer do PadreThomas Keating........................................41
LER O PASSADO PARA ESCREVER O FUTURO: De uma circular do P. Juan Vecchi.......................... 43
CONCLUSÕES ............................................................................................................................ 44
ÍNDICE....................................................................................................................................... 46
Tradução: José Antenor Velho sdb / 2020