Pietro Braido_Livro 2


Pietro Braido_Livro 2



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Dom Bosco
padre dos jovens
no século da liberdade

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Pietro Braido
Dom Bosco
padre dos jovens
no século da liberdade
Segundo Volume

1.4 Page 4

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Direção geral: Ailton A. dos Santos
Direção administrativa: Edson Donizetti Castilho
Coordenação editorial: Alex Criado
Equipe editorial: Luiz Eduardo Baronto
Ana Cláudia Ramacciotti Vieira
Agueda Cristina Guijarro
Deborah Quintal
Equipe de arte: Gledson Zifssak
Luciene Cardoso
Equipe de comunicação: Ana Cosenza
Elisa Rodrigues
Tradução: Geraldo Lopes e José Antenor Velho
Preparação de originais e revisão de tradução: João Luís Fedel Gonçalves
Capa: Gledson Zifssak
Diagramação: Ana Totaro
Secretaria editorial: Graciela Naliati
Impressão e acabamento: Escolas Profissionais Salesianas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Braido, Pietro
Dom Bosco, padre dos jovens no século da liberdade :
segundo volume / Pietro Braido ; [tradução Geraldo Lopes].
– São Paulo : Editora Salesiana, 2008.
Título original: Don Bosco, prete dei giovani nel secolo
delle libertá.
1. João Bosco, Santo, 1815-1888 2. Santos
cristãos - Biografia I. Título.
08-05699
CDD-282.092
Índices para catálogo sistemático:
1. Santos : Igreja Católica : Biografia 282.092
Todos os direitos reservados:
Editora Salesiana
Rua Dom Bosco, 441 - Mooca
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Fax: (11) 3209-4084
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1.5 Page 5

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Introdução
Em um momento particularmente delicado do processo pela beatificação e cano-
nização de Dom Bosco, dom Giuseppe Francesco Re (1848-1933), bispo de Alba de
1889 a 1933, negava decididamente que Dom Bosco pudesse ter tido qualquer parte
nos opúsculos anônimos sob a responsabilidade de dom Gastaldi e divulgados como
circular entre 1878 e 1879. Entre as várias razões, aduzia uma totalmente inédita.
“É minha convicção – iniciava – que Dom Bosco não tenha de nenhum modo tomado
parte, porque sua delicadeza não teria certamente aprovado certas frases muito fortes
contra o arcebispo, tendo apresentado, ao contrário, recurso à Santa Sé em caso de se
sentir atingido por algumas disposição do mesmo arcebispo”. Imprevisivelmente, pros-
seguia: “Há ainda outra causa sobre a qual se apoia minha convicção, que diz respeito
ao estado de saúde de Dom Bosco na época da publicação de tais opúsculos. Após a
morte de Dom Bosco, soube pelo teólogo Giulio Barberis, salesiano, que nos últimos
anos a direção efetiva da Pia Sociedade Salesiana já estava nas mãos do padre Rua,
a quem Dom Bosco costumava endereçar os sacerdotes e jovens que a ele recorriam
procurando conselho. Ouvi do cardeal Alimonda que, conforme relação que lhe fora
feita pelo doutor Fissore, Dom Bosco estava afetado de paralisia cerebral progressiva
causada por lenta calcificação do cérebro. Parece-me que, se o venerável não podia
ocupar-se de coisas mais importantes da Sociedade Salesiana, muito menos podia
ainda ocupar-se das coisas de que tratavam os opúsculos”.1
Parece arriscado tirar conclusões apressadas e sumárias sobre a saúde de Dom Bosco
de tais informações atravessadas. Problemas de saúde temporários, certamente não exclu-
sivos do final dos anos 70, e os mais freqüentes do decênio sucessivo, não deveriam criar
dúvidas sobre o extraordinário e agitado ativismo que caracteriza a fase mais intensa da
biografia de Dom Bosco. Essa fase precede, mas não encobre, a última, a fase do efetivo e
lento declínio físico iniciado em dado momento de 1883, pelo que se mostra infundada a
tentativa de circunscrever em uma só análise dois tempos notavelmente diferentes.2
Entre o padre Barberis que falava e dom Re que ouvia era extremamente fácil o
equívoco. Nos anos 70, com rápido desenvolvimento, as obras se estendiam além de
1 Taurinen. Beatificationis et canonizationis Ven. Servi Dei Joannis Bosco Sacerdotis Fundatoris
Piae Societatis Salesianae, Positio super dubio: An Adducta contra Ven. Servum Dei obstent,
quominus in Causa procedi possit ad ulteriora? Roma, Tipografia Augustiniana, 1921, p. 135.
Itálico nosso.
2 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, vol. III, p. 179-180.

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6 Introdução
Turim e do Piemonte. Tornava-se sempre mais complexo o governo, em nível adminis-
trativo, disciplinar e de assistência formativa, e a presença de Dom Bosco no Oratório
mostrava-se necessariamente menos contínua. Paralelamente, crescia o envolvimento
dos membros do Capítulo Superior, encarregados de atividades específicas: discipli-
nares e administrativas, pelo prefeito ou subsituto, padre Rua; espiritual e formativa,
pelo catequista ou diretor espiritual geral, padre Giovanni Cagliero; edilícia, jurídica e
contábil, pelo ecônomo geral, padre Ghivarello ou padre Boldrato ou padre Savio ou
padre Sala; cultural e escolar, pelo padre Durando; de formação direta dos noviços, pelo
padre Giulio Barberis. As exigências da busca do indispensável sustento financeiro,
o cuidado dos benfeitores e dos cooperadores, as relações com as autoridades civis
e eclesiásticas faziam com que, em ritmo crescente, o dinamismo de Dom Bosco se
exprimisse por freqüentes, e por vezes prolongados, espaços de tempo fora do Oratório,
ainda mais após a abertura das casas de Nice e Marselha. Era igualmente inevitável
que o governo cotidiano e imediato do Oratório ficasse sempre mais e com aumentada
visibilidade a cargo do pessoal diretamente delegado, sob a guia do prefeito geral padre
Rua, vice-diretor da casa-mãe até 1875, substituído depois pelo padre Lazzero. É bem
provável que, em suas conversas com dom Ré, padre Barberis, espectador atento e
cronista escrupuloso de tudo o que acontecia no centro da Congregação, se referisse
antes de tudo e sobretudo a essa série de situações completamente mudadas em relação
aos decênios precedentes.
Na realidade, será possível verificar que, nos anos 70 e não somente, Dom Bosco
não cede nada de sua autoridade suprema e imediata sobre tudo o que diz respeito às
suas obras, a começar pela primeira, e que as inúmeras iniciativas são quase sempre
solicitadas e promovidas por ele mesmo, e que as decisões são tomadas diretamente
por ele ou então por ele analisadas e aprovadas. Dom Bosco se torna ainda governante
primário e inquestionável nas freqüentes visitas a cada casa, mesmo quando o padre
Rua vai na condição de “visitador” oficial, como prefeito da Congregação, e transmite
ao superior local normas precisas, vinculantes sob o plano da disciplina e da admi-
nistração. O superior-fundador, quando muito, acentua sobretudo a parte “paterna” da
direção e a função de animador, não sem repartir, conforme as ocorrências, as opor-
tunas disposições.
O mesmo acontece quando são instituídos os “inspetores” ou provinciais, encarre-
gados de determinados grupos de obras localizadas em espaços geográficos homogê-
neos. O governante, a quem pertencem as decisões importantes, era obviamente sempre
Dom Bosco, salvo os casos em que, por norma do direito, era necessário o parecer ou o
voto dos membros do Conselho Geral ou Capítulo Superior, geralmente presidido por
ele, mesmo nos anos de saúde precária. Longe ou perto ele é mestre e superior, também
dos “superiores” e dos “mestres”. Demonstra isso em modo tangível a inequívoca “dire-
tividade” que exercita nas Conferências Gerais, nos Capítulos Gerais, nas inúmeras
sessões do Capítulo ou Conselho Superior, nos quais a última palavra é sempre a sua,
não somente exortativa e animadora, mas resolutiva e decisória. Mesmo quando será
nomeado canonicamente vigário com plenos poderes, padre Rua continuará a infor-
má-lo, a escutar seu parecer, naturalmente sem se eximir da própria responsabilidade
pessoal em relação aos colegas e a questões do mundo.

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Introdução 7
Bem diverso torna-se o discurso se a expressão “os últimos anos”, à qual pode
ter-se referido padre Giulio Barberis, interpretados com inexatidão por seu interlo-
cutor, se estendendo ao quinqüênio 1883-1888. “Desde o início da viagem” de 1883
para a França, Dom Bosco “parecia tão cansado que não podia celebrar a missa da
comunidade”, informa Eugenio Ceria, falando da breve parada no Colégio de Alassio.3
Oneroso e fatigante, em particular pela cansativa corvée de Paris, isso influíu bastante
para tornar mais sensível o precoce envelhecimento de Dom Bosco, já em curso, pare-
cendo aos que o viam pela primeira vez ainda mais pronunciado do que era a seus fami-
liares na convivência diária de Valdocco. Já em 13 de maio de 1881 o cronista do jornal
romano L’Aurora, informando sobre a Conferência dos cooperadores, ocorrida no dia
precedente, em Tor de’ Specchi, com introdução de Dom Bosco e discurso do cardeal
Alimonda, escrevia como se lhe apresentava Dom Bosco: “um homem quebrado pelos
anos, mas vigoroso pelo fogo do zelo”. Mais adiante, porém, acrescentava que “sua
palavra era calma como seu aspecto”4. Tal imagem era familiar a salesianos e jovens
que freqüentemente, e por muito tempo, tinham oportunidade de vê-lo e ouvi-lo, mas
ninguém entre eles colocava em dúvida a integridade de suas energias físicas, mentais
e operativas. De resto, o fraterno amigo, cardeal Gaetano Alimonda devia estar bem
persuadido disso. Com efeito, em março de 1880 ousava sugerir ao papa Leão XIII de
convidar justamente Dom Bosco a assumir a empresa à qual tinha se empenhado com
tanta fé e zelo o jovem barnabita Antonio Maria Maresca (1831-1891): a construção
da Igreja Sagrado Coração de Jesus. E o próprio Leão XIII, que depois, quatro anos
mais tarde, vendo as condições de saúde de Dom Bosco na audiência de 9 de maio de
1884, se mobilizaria para que o fundador cedesse o lugar a um sucessor ou vigário com
plenos poderes, não tinha nenhuma hesitação em dar andamento ao conselho recebido.5
Porém, como se viu, o cardeal não deixou sozinho o venerado cireneu e, já no dia 12
de maio de 1881, estava em Tor de’ Specchi a fazer um ardente sermon de charité em
favor das muitas empresas do apóstolo de Turim, igualmente operante na Urbe.6 Era
prelúdio de posteriores e concretos sinais de amizade e de relevante iniciativa da qual se
falará adiante.7 Mas também no último quinqüênio qual é o ser e o agir de Dom Bosco?
Ele “vive”, vive tão intensamente até que reste um pequeno respiro, segundo um prin-
cípio de sabedoria humana e cristã que enuncia com absoluta simplicidade no curso da
última doença. Entristecido, anota o fiel secretário. Referindo-se às 11 horas de 29 de
3 MB XVI 35. “Dom Bosco pôde fazer um pequeno repouso, do qual sentia extrema
necessidade”, anota com relação à noite de 13/14 de fevereiro passada em Mentone, hóspede
de um lorde inglês amigo (MB XVI 38).
4 BS 5(1881) n. 6, junho, p. 6.
5 Cf. o testemunho do padre Francesco Cerruti no processo de beatificação e canonização:
Positio super virtutibus. Summarium. Roma, Tipografia Agostiniana, 1923, n. III: De operibus
et fundationibus, p. 137.
6 Cf. “La conferenza dei cooperatori a Roma”, BS 5(1881) n. 6, junho, p. 6-7.
7 Cf. cap. 30, § 2.

1.8 Page 8

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8 Introdução
dezembro de 1887, um dos dias críticos de fim de mês, recorda: “Às 11 horas ele pede
de beber. Era-lhe negado por causa dos muitos e freqüentes vômitos: – Aquam nostram,
disse, pretio bibimus. – É necessário aprender a viver e a morrer, uma coisa e outra”.8
O enunciado é novo, mas é, desde sempre, seu programa. Ele pode ser visto, delineado
nos traços essenciais, em um “sonho”, mais que nunca existencialmente diurno, da noite
de 17 a 18 de janeiro de 1883. Fato significativo, ele deixou o manuscrito autógrafo.
Na realidade é um auto-retrato involuntário, mas lúcido e consciente, hipoteca da breve
e intensa biografia no futuro. Torna-se eloqüente pelo diálogo que se instaura entre
ele e o padre Francesco Provera, já no paraíso, o qual, após breve colóquio, pretende
despedir-se. “Não, lhe disse, não vai embora, mas fala-me, dize-me e dize-me alguma
coisa a meu respeito. – O senhor contitue a trabalhar. Muitas coisas o esperam. – Ainda
por muito tempo? – Não muito. Mas trabalhe com todo os esforços possíveis como se
tivesse que viver sempre: mas... Mas sempre bem preparado – (...).9 É possível subs-
crever, acentuando-as ainda mais e integrando, as impressões conclusivas de um ensaio
de Francis Desramaut sobre os últimos anos de vida de Dom Bosco.10 Dom Bosco
aceitou e viveu sua velhice com singular energia psicológica e moral, embora sofrendo
intimamente separações, momento da mais aguda solidão e de forçada inação. Não se
entregou jamais ao enfraquecimento progressivo no plano físico. Até os últimos meses,
semanas e dias antes da morte trabalhou com tenácia, viajou, caminhou, conversou;
sentiu-se envolvido ativamente no presente e no futuro das obras juvenis e dos institutos
religiosos aos quais tinha dado vida e dos quais desejava e favorecia os desenvolvi-
mentos posteriores; fez e recebeu visitas, e esteve à disposição dos seus, dos outros, da
Igreja e do mundo; escreveu cartas, rezou e olhou com fé firme e esperança lúcida o fim
supremo, que tinha dado sentido à toda a sua existência.
8 C. Viglietti, Cronaca di D. Bosco. Dal 23 dicembre 1887 ao 31 gennaio 1888, p. 19.
9 C. Romero, I sogni di Don Bosco, p. 76-77.
10 Cf. F. Desramaut, “Don Bosco negli ultimi anni della sua vita (1885-1887)”, in: C. Semeraro,
(org.), Invecchiamento e vita salesiana in Europa, Leumann (Turim), Elle Di Ci, 1990, p.
175-195.

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Segunda seção
O período da máxima intensidade
de ação (1870-1882)
Introdução
No decênio 1879-1882 Dom Bosco atingiu o ápice de seu empreendedorismo e
operosidade. A Exposição sobre o estado da Congregação de 1879 e a entrada dos sale-
sianos no território das missões patagônicas em janeiro de 1880 assinalavam o cumpri-
mento do conjunto de suas iniciativas institucionais. O resto seria expansão quantitativa,
integração, aperfeiçoamento, consolidação.
O primado absoluto na atividade de Dom Bosco dizia respeito absolutamente ao
fim primordial assumido desde o início como missão de vida: a salvação dos jovens,
a assistência, a educação. Para aí convergiam, direta ou indiretamente, todas as ener-
gias profusamente: para a criação de internatos e colégios e para sua gestão, para a
construção de igrejas ou sua recuperação, para a fundação do Instituto das FMA,
para o esforço de dar consistência jurídica permanente à Sociedade Salesiana, para a
qualificação religiosa do governo e da animação, para a incessante busca de subsídios
financeiros e o alargamento do grupo de benfeitores e benfeitoras, para a promoção
da imprensa religiosa, educativa e escolar, para o próprio serviço prestado ao papa e à
Igreja por meio de atividades formalmente não juvenis. Estava empenhado igualmente
na consolidação espiritual e pedagógica das comunidades consagradas à educação dos
jovens e do povo, no ministério de confessor e diretor espiritual entre os jovens, na
promoção das vocações eclesiásticas, religiosas, salesianas, e, enfim, nas conferências,
cartas, circulares, encontros individuais e comunitários. Aos mesmos objetivos conver-
giam as batalhas sustentadas contra os que eram considerados como freios, pedras
no caminho ou barreiras, mesmo que se tratassem de autoridades legítimas, civis ou
eclesiásticas, e a busca de apoios externos: junto do papa, do secretário de Estado, de
cardeais e bispos, de ministros e homens políticos, de administradores da coisa pública
e homens da finança.
Os anos a seguir assinalam a consecução, com diferentes níveis de plenitude,
de dois grandes desejos. Ao primeiro Dom Bosco chega através da silenciosa incu-
bação de vários anos, durante os primeiros ainda incerto, depois realidade que talvez
supera amplamente as expectativas: é a fundação do Instituto das FMA. O segundo, ao
contrário, é certamente notável – a aprovação das Constituições da Sociedade Salesiana
–, mas representa o redimensionamento de tudo o que Dom Bosco teria desejado para
sua completa estruturação jurídica e autonomia funcional, mediante a obtenção dos
“privilégios” e, sobretudo, da isenção liberadora. De qualquer forma, sobre essas bases
torna-se mais ágil o lançamento internacional da obra salesiana com o advento na
França e na América do Sul, enquanto contemporaneamente toma forma a original

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10 Introdução
associação leiga e eclesiástica dos cooperadores e das cooperadoras. Na segunda parte
do sexênio sobressai-se pela intensidade de compromissos o ano de 1877, caracterizado
pela celebração do Primeiro Capítulo Geral da Sociedade Salesiana, enquanto Dom
Bosco se mostra incansável promotor de novas obras na Europa e na América do Sul,
defensor dos direitos próprios e da Sociedade Salesiana no âmbito leigo e eclesiástico.
Trata-se, portanto, de uma ampla gama de acontecimentos que assinala o máximo
de intensidade da biografia do protagonista, o qual, sempre ativo, não será poupado
de momentos altamente dramáticos, também nos albores do decênio que se segue, o
último.

2 Pages 11-20

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2.1 Page 11

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Capítulo XVIII
A expansão interregional dos colégios
e a gestão das obras (1869-1874)
1869
1870
1871
1871
1872
27 de maio: nova lei restritiva sobre o serviço militar
outono: assunção do colégio civil de Cherasco (Cuneo)
outono: início do colégio civil de Alassio
novembro-dezembro: nova edição da História eclesiástica (LC)
outono: início do Colégio Civil de Varazze
início do Pequeno Internato de Marassi (Gênova)
3 de junho: toma a responsabilidade da construção da Igreja paroquial São
Segundo (assumida pela arquidiocese em maio de 1873)
início do envolvimento de Dom Bosco na questão dos exequatur para os bispos
início das tratativas para a reestruturação do Oratório São Luís e a construção
da Igreja São João Evangelista (abençoada em 1882)
outono: transferência da pequena obra de Marassi no Internato de
Sampierdarena (Gênova)
outono: elevação do Colégio dos Nobres de Valsalice (Turim)
Dom Bosco não é, certamente, um mestre de oratória: comportamentos, gestos e
palavras são inspirados com reserva, simplicidade e concretude. Esses traços, porém,
não facilitam a tarefa do biógrafo. Seu agir, com efeito, é decididamente complexo e
intrincado. No mesmo dia ele é o padre que escuta as confissões dos jovens, fala com
eles em público e em privado, dirige, decide, e também o que, como superior religioso
de seus colaboradores, promove a unidade da ação educativa; e, ainda, é o que admi-
nistra, preocupa-se com faturas vencidas, escreve cartas, sai para pedir esmolas aos
benfeitores, e também o que elabora projetos a curto e médio prazo.
Nos primeiros anos da década de 70 expõe-se simultaneamente a despesas milioná-
rias para ampliar e reestruturar as obras existentes, adquirir terrenos e edifícios para o
novo colégio de Borgo San Martino, abrir novos colégios. Simultaneamente cuida da
consolidação do espírito religioso dos sócios da Sociedade, presidindo pessoalmente,
entre verão e outono, seus exercícios espirituais e dos jovens aspirantes e noviços
[inscritos]. Visita os colégios e escreve a seus habitantes. Não falta o apaixonado envol-
vimento na questão do exequatur aos bispos.

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12 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
O presente capítulo trata disto, recordando que outra importantíssima iniciativa
também o ocupava, como se dirá no próximo capítulo: o empenho sempre maior para a
fundação do Instituto das FMA.
1. A expansão dos colégios (1869-1873)
O fenômeno mais notável, interna e externamente, é a dilatação do processo de
colegialização. Dom Bosco não é levado a esse processo, mas explicitamente o quer
e promove. Este se alarga e se qualifica posteriormente, de modo a aprofundar sua
missão e a dos seus, ao lado da idade que cresce em todas as condições de espectativas,
de aspirações e, às vezes, de mal-estar. Acontecem sucessivamente os convênios com
os municípios de Cherasco (1869-1871), Alassio (1870) e Varazze (1871) para gestão
de colégios civis, e a aceitação do Colégio dos Nobres, de Valsalice-Turim (1872).
A experiência de Cherasco foi transitória, somente de um biênio. Funcionou por um
ano (1871-1872) o Pequeno Internato de Marassi (Gênova), transferido sem solução de
continuidade a Sampierdarena. Essas novas instituições juvenis têm particular impor-
tância para a biografia do padre dos jovens, seja porque são as que, junto com o Oratório
de Valdocco, Mirabello (depois Borgo San Martino) e Lanzo, ele dirigia por meio dos
primeiros colaboradores de maior confiança, seja porque, no contato com elas, Dom
Bosco elaborava e aperfeiçoava seu sistema educativo, marcado pelo ambiente cole-
gial. A partir de 1875 passaram a fazer parte desse grupo as primeiras fundações fran-
cesas de Nice e de Marselha, seguidas no ano seguinte da significativa presença em
Vallecrosia, na Ligúria.
1.1 Cherasco (1869-1871)
Dom Bosco fora chamado a Cherasco pelos irmãos Lissone, um deles pároco da
igreja abacial e vigário forâneo, o outro prefeito. Ambos desejavam reativar na ilustre
cidadezinha da diocese de Alba um instituto que já fora gestido pelos padres somascos,
dispersos em força da lei de 7 de julho de 1866. O convênio estipulado com o muni-
cípio, em 18 de agosto de 1869, era análogo ao de Lanzo, com as mesmas finalidades
e condições a respeito da disciplina e da moralidade. Dom Bosco se comprometia a
manter classes elementares e ginasiais, com programas estatais e professores “idôneos”,
pagos com a soma cumulativa de 10 mil liras anuais.1
1 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale, p. 145-146; nas p. 430-432
encontra-se o texto do convênio.

2.3 Page 13

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 13
Ao convênio seguiam o pedido das necessárias autorizações às autoridades esco-
lares2 e a súplica ao papa para o uso de um edifício que fora de outra ordem religiosa.3
O jornal L’unità cattolica anunciava início das atividades e informava a respeito dos
dois respectivos níveis de pensão, 24 e 35 liras ao mês. Fazia do colégio boa publici-
dade: “os bons sucessos obtidos nas outras escolas dirigidas por Dom Bosco dão ampla
garantia de que no novo colégio nada faltará do que pode contribuir para a moralidade,
a saúde e o proveito científico dos alunos”.4
Quase no final do ano escolar, porém, surgiam dissensos entre as partes em relação
à equiparação e a reformas necessárias, sobre as quais, além disso, Dom Bosco pedia
uns meses depois para que se reunissem a fim de resolver os graves problemas de
higiene que tinham surgido.5 O dissídio colocava-se, posteriormente, sobre a questão
dos títulos legais dos professores. Dom Bosco sustentava que no convênio se falava de
professores “idôneos”, e não “de títulos nem de equiparação”. Permanecia, em todos
os casos, o problema da insalubridade do local, causa de doenças entre os jovens.6
Esta última era invocada, enfim, como “único motivo” pelo distrato do convênio, que
ele enviava ao prefeito em 11 de março de 1871, e que confirmava em outra carta, de
29 de julho.7
Segundo o convênio, o aviso prévio, de uma parte ou de outra, devia ser dado
cinco dias antes da retirada. Dom Bosco era chamado em juízo pelo tribunal, que,
em 17 de outubro, obviamente acolhia a tese da autoridade municipal. Após recurso
de apelação da parte de Dom Bosco, a Corte pedia um suplemento de pesquisa. A
controvérsia terminava em agosto de 1878, com uma negociação: Dom Bosco versava
6.500 liras [19.600 euros] e renunciava aos salários atrasados dos professores, não
pagos pelo município.8
Já em outono de 1871 o pessoal ocupado em Cherasco era enviado a iniciar o novo
Colégio Civil de Varazze.9
2 Carta de 14 de setembro de 1869; Em III 134-135. Cf. a carta a correspondente não identificado,
de 29 de agosto; Em III 130. Para a continuação da negociação se servia do neo-diretor, padre
G. B. Francesia, 9 de novembro de 1869; Em III 152. A ele escrevia também de Roma no dia
9 de fevereiro, 1870; Em III 178-179.
3 Carta de 30 de setembro de 1869; Em III 141. Cf. também carta a dom E. Galletti, bispo
diocesano, com um memorial a ser enviado à Congregação dos Bispos e Religiosos, para
idêntica autorização.
4 “Collegio-convitto di Cherasco”, L’Unità Cattolica, n. 223, domingo, 26 de setembro de
1869, p. 1041.
5Ao novo prefeito, 9 de fevereiro de 1871; Em III 306-307.
6Ao prefeito, 9 de fevereiro de 1871; Em III 306-307.
7 Em III 315-316 e 350-351.
8ASC F 680, mcr 2575 C12-D5; cf. Em III 351, lin. 25.
9Ao provedor dos Estudos de Gênova, Giov. Daneo, 8 de agosto de 1871; Em III 352.

2.4 Page 14

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14 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
1.2 Alassio (1870)
A iniciativa de dar nova vida ao colégio municipal de Alassio, na Ligúria, era do
cônego Francesco Della Valle (1830-1898). Para tanto, empenhavam-se imediatamente,
valendo-se da sua mediação, o prefeito e o Conselho Municipal.10 Na verdade, já em
1863 Della Valle tinha pedido a Dom Bosco a implantação de uma obra juvenil na cida-
dezinha lígure, recebendo então somente o convite para que fosse falar-lhe em Turim.
Das novas tratativas diretas com a administração municipal eram prelúdio três cartas
do preboste a Dom Bosco: de 7 de julho, de 20 de agosto e de 17 de setembro de 1869.
Nestas formulava-se uma proposta bem precisa, isto é, a gestão das classes elemen-
tares e ginasiais e de um eventual curso técnico. As conversas visando a um acordo
tinham começado na metade de 1869 e prosseguiam com muita ponderação, em clima
de mútua confiança, conduzindo em menos de um ano à desejada conclusão. Em 22 de
setembro era lida e discutida no Conselho Municipal a carta de Dom Bosco, de 26 de
agosto, contendo uma proposta de convênio. Dificuldades financeiras não permitiram
a decisão imediata, sem interromper, no entanto, a continuação das tratativas. Em 29 de
novembro Dom Bosco estava em Alassio com o padre Rua, ocupando os dois dias
seguintes para conhecer os lugares disponíveis, principalmente o ex-convento e a Igreja
Nossa Senhora dos Anjos, antes das supressões napoleônicas dos menores reformados,
e o Palácio Durante. Em 2 de dezembro, na reunião do Conselho Municipal, realizado
com a participação de Dom Bosco, chegava-se a um acordo de princípios. Nos meses
seguintes cuidava-se das exigências da lei: com o Conselho Escolar de Gênova para a
abertura das escolas e do internato,11 e com o Patrimônio para a aquisição do ex-con-
vento.12 A compra dos edifícios, por norma da lei, relembrada pela resposta do inten-
dente de Finanças, de 27 de abril, não podia se efetuar somente com contrato privado,
mas mediante edital público. Na sessão de 1º de junhho de 1870, estando Dom Bosco
presente, o Conselho Municipal decidia a atualização da deliberação de 2 de dezembro
de 1869, aprovada pelo Conselho Escolar em 30 de março. O convênio era então assi-
nado por ambas as partes.
Dom Bosco se movia imediatamente em várias direções. Antes de tudo, enviava ao
provedor dos Estudos a documentação exigida: o plano dos locais, a declaração sobre
o estado de higiene, o pedido de abertura das escolas, a lista dos professores.13 Além
10 Para a breve síntese dos fatos segue-se a monografia de A. Miscio, Da Alassio Don Bosco e
i Salesiani in Italia e nel mondo. Turim, SEI, 1996, p. 2-56. Infelizmente, das cartas de Dom
Bosco que eram guardadas no arquivo paroquial de Alassio, permaneceu somente o catálogo
redigido pelo mesmo Della Valle.
11 Cf. carta de Dom Bosco ao cônego F. Della Valle, 7 de abril de 1870; Em III 197.
12 Ao intendente de Finanças de Gênova, 17 de abril de 1879; Em III 200-201. Pedido semelhante
já fora feito no dia 9 de abril pela Junta Municipal; MB IX 845.
13 Cf. carta ao cônego F. Della Valle, 21 de junho de 1870 (Em III 220-221), e ao provedor, G.
Daneo, 26 de julho de 1870 (Em III 232-233).

2.5 Page 15

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 15
disso, uma vez que a assunção da obra implicava também a fundação de uma casa reli-
giosa, Dom Bosco, por norma das Constituições Salesianas, pedia as necessárias facul-
dades ao papa, imediatamente concedidas.14 O edital para a aquisição do ex-convento
acontecia em 12 de setembro, entre dois concorrentes da mesma parte: à pedido de Dom
Bosco, o benfeitor cônego Francesco Ampugnani (1818-1895)15 e o padre salesiano
Angelo Savio, que nela participava com procuração formal de Dom Bosco.16 O edital se
encerrava em 25 mil liras, com vitória do cônego. Embora ele esperasse algum razoável
reconhecimento, que não se deu, mantinha a promessa, feita em 2 de setembro, a Dom
Bosco: versava com absoluto desinteresse toda a soma.17 Permanecia, porém, irreme-
diavelmente ferido pelo comportamento do padre Savio, agravado pelas maldosas e
ofensivas interpretações dadas em Alassio à sua participação no edital público. Não
o acalmou a carta que Dom Bosco lhe inviava no dia 1º de outubro: estava conven-
cido que os acontecimentos teriam tido outro desenvolvimento se Dom Bosco estivesse
pessoalmente presente, “ou outros menos desconfiados”.18
Os salesianos chegavam em Alassio na primeira metade de outubro, capitaneados
pelo diretor, padre Francesco Cerruti (1844-1917), homem de especiais dotes intelec-
tuais e práticos,19 auxiliado pelo prefeito ou vice-diretor e ecônomo, o experiente padre
Bodrato (1823-1880). A comunidade compreendia, além disso, outro sacerdote, padre
Giovanni Garino, autor da Gramática grega para o ginásio e o liceu (1888), muito
utilizada, além de cinco clérigos professos e sete inscritos ou noviços, dos quais cinco
clérigos e dois coadjutores.
Já em 17 de outubro, Dom Bosco escrevia ao diretor, prometendo enviar-lhe “em
breve um regulamento especial”, ou seja, um impresso com as condições de aceitação
dos jovens internos. No primeiro ano devia limitar-se a abrir “as quatro elementares
e a primeira do ginásio”. As outras, por enquanto, deviam ser somente esboçadas.
Prometia-lhe uma visita assim que o colégio estivesse encaminhado e assegurava-lhe
o sustento: “faze o que podes; pede o que é preciso e faremos tudo para que nada
lhes falte”.20 As escolas tiveram bom início, também quanto ao número de alunos. Não
14A Pio IX, 20 de agosto de 1879; Em III 239.
15 Cf. Em III 508, carta não encontrada 1879/11.
16 Cf. carta de Dom Bosco ao cônego F. Della Valle, 6 de setembro de 1879 (Em III 243), e ao
padre A. Savio, 13 de setembro de 1879 (Em III 251).
17 Cf. carta a Dom Bosco de 2 de setembro de 1870; ASC F 381, Fondo don Bosco, mcr 189
D3-4, transcrita em MB IX 914.
18 Cf. carta a Dom Bosco, 4 de outubro de 1870, in: A. Miscio, Da Alassio, p. 37-38.
19Desde 1885 até à morte foi empreendedor e enérgico diretor geral dos estudos da Sociedade
Salesiana. Entre os muitos escritos, sobressaem o citado Nuovo Dizionario della lingua
italiana in servizio della giuventù (1879) e Storia della pedagogia in Italia dalle origini a’
nostri tempi (1883). Cf. J. M. Prellezo, “Francesco Cerruti Direttore generale della scuola e
della stampa salesiana”, RSS 5 (1986), p. 127-164.
20 Em III 264-265; cf. A. Miscio, Da Alassio, p. 44-45.

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16 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
obstante alguma observação do vice-prefeito de Albenga sobre o número insuficiente
dos professores, Dom Bosco cedia ao padre Cerruti, em agosto de 1871, antes com
resistência e depois de bom grado, e autorizava o início, em outubro, do liceu. Dessa
forma consentia que sua obra se orientasse para a educação secundária superior, além
da juventude abandonada e periclitante dos inícios ou da classe média dos primeiros
colégios. Embora permanecesse válido o fim primário de ação, novas perspectivas se
abriam em face de outras formas concretas de abandono e de perigo para a juventude.
Naturalmente se colocava a exigência de espaços mais vastos seja para as aulas esco-
lares seja para o internato. Em 1875 foi construído, ao lado da linha férrea, um grande
bloco do edifício, que, além da amplitude, conferia à obra maior unidade funcional.
Tornou-se realidade graças à generosidade de um benfeitor, cônego Eduardo Martini, a
quem encontraremos disposto a ajudar na casa-mãe das FMA, em Nizza Monferrato.21
Em 12 de outubro de 1875 aí chegavam as primeiras Filhas de Maria Auxiliadora,
acompanhadas da madre, Maria Domenica Mazzarello.
1.3 Borgo San Martino (1870)
Em 18 de junho de 1879, Dom Bosco, com decisão já tomada, procurava, com
alguma dificuldade, justificar à condessa Callori, uma das mais beneméritas “mamães”,
particularmente afeiçoada ao Colégio de Mirabello, uma mudança que certamente não
lhe agradou. “Estou para dar-lhe uma notícia estranha – escrevia –: trata-se de trans-
ferir o seminário de Mirabello a Borgo San Martino, no palácio do marquês Scarampi.
As razões seriam: local adaptado para recreio, horta, proximidade da ferrovia, local
grande e espaçoso para ser adquirido. Em Mirabello, frieza glacial na cidade; edifício
quase sem espaço para recreação. Por isso, não muito salubre: longe da ferrovia. Para
completar, o local atual, para poder continuar, compreendendo-se uma capela, devemos
exceder a despesa de 120 mil francos. Na nova aquisição teríamos a despesa de 114
mil francos [377.066 euros], mas com 15 hectares de terreno, onde é possível cortar as
árvores, que podem render até 20 mil francos”.22
Não podia resumir melhor as motivações do abandono e as vantagens do novo
deslocamento da obra para uma cidade servida pela ferrovia Gênova-Alessandria-
Casale-Vercelli, a 7 quilômetros de Casale, 25 de Alessandria, 10 da sede precedente.
O ambiente era verdadeiramente incomparável com relação ao pequeno espaço de
Mirabello. A villa estava sendo vendida pelo rico e parcimonioso marquês Fernando
Scarampi, de Villanova, naturalmente “excetuando os espelhos fixos, as consoles, as
tapeçarias em tela e os outros móveis de elegância. Ainda as frutas e as outras flores
que, de acordo, se poderão retirar”. Versou-se 25 mil liras no ato da compra e o restante,
21 Cf. cap. 20, § 8.
22 Em III 217-218.

2.7 Page 17

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 17
89 mil, seria dividido em parcelas anuais não menores de 18 mil liras, com juros semes-
trais de 6% , enquanto o vendedor se acautelava com a “hipoteca legal sobre o esta-
belecimento vendido”. “O comprador se obriga[va], apenas efetuada a venda de dois
estalecimentos [sic] de sua propriedade em Chieri, de destinar a soma de 50 mil francos
para extinção do débito”.23 Não se tratava de presente. Nem, como se verá adiante,
estavam previstos descontos.
A condessa mostrara-se contrariada, mas, com sapiente gradualidade, Dom Bosco
a preparava para o golpe final. Expunha-lhe de novo, ordenadamente, as motivações da
imprevista transmigração, assegurava-lhe que levaria em consideração “suas reflexões”
e, todavia, insistia em afirmar que a nova solução “mere[cia] consideração”.24 Mas
ao diretor, padre Bonetti, já havia anunciado um mês antes que, de fato, já se havia
chegado ao acordo e já se estava próximo do ato notarial: “o instrumento [de compra
e venda] deve ser feito o mais tardar nos primeiros dias de agosto. No momento do
ato notarial, não menos de 25 mil francos”.25 Em 24 de julho convidava-o a levar a
Turim uma contribuição financeira, e avisava: “O dia para o instrumento da casa de
Borgo San Martino será no sábado, 30 do corrente. Tu, pois, prepara-me uns 10 mil
francos, e mesmo mais, se podes, e traze-mo aqui quinta ou sexta-feira”, isto é, 28
ou 29 de julho. “Se podes, ficarás até depois do ato notarial; se pois, por ser sábado,
não puderes ficar, eu te deixarei partir”.26 Depois preparava a condessa Callori para a
inevitável conclusão da negociação, mesmo que, diplomaticamente, não estivesse ainda
decidida: “sábado se decidirá a respeito do contrato de Borgo San Martino. Em casa se
reza; Deus disponha para que se conclua aquilo que Ele vê melhor para sua glória”.27
Na realidade não tinham sido analisadas as razões a favor ou contra a decisão, mas
esta seria simplesmente sancionada com ato público. “Sábado concluiu-se o contrato
de Borgo San Martino”, anunciava-lhe em 3 de agosto, fazendo parecer que o golpe de
graça tinha dado quem estava mais informado da situação insustentável do Colégio de
Mirabello: “O que prevaleceu a toda reflexão contrária foi a vinda e a presença do padre
Bonetti, que dizia que seus alunos, que eram 180, estavam reduzidos a 115 por causa
da doença; e estes, assustados pelo medo de cair doentes. Fez-se tudo para promover a
maior glória de Deus”.28
Em Borgo San Martino não faltaram dificuldades por parte do prefeito do lugar29 e
do provedor dos estudos de Alessandria, superadas com mil expedientes pelo diretor,
guiado pelo superior e munido de duas cartas para o companheiro de estudos em
23 Cf. Em III 214-215, à linha 3.
24 Carta de 13 de julho de 1870; Em III 226.
25 Carta de 16 de junho de 1870; Em II 214.
26Ao padre Bonetti, 24 de julho de 1870; Em III 230.
27 Carta de 27 de julho de 1870; Em III 233.
28 Em III 235.
29Ao padre Bonetti, 2 de janeiro de 1871; Em III 289-290.

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18 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Chieri, Gioachino Rho, funcionário no Provedorado.30 Aparecia ainda um litígio com
o vendedor, Scarampi, por causa de um erro na avaliação da qualidade dos muros do
estabelecimento, não de tijolo mas de barro.31 O marquês não cedeu, e prometeu uma
oferta “a título de graciosidade”, assim que Dom Bosco tivesse saldado as prestações
do pagamento.
Junto ao colégio, naturalmente, funcionava desde o começo o oratório para os
externos. E não faltavam salesianos que, na véspera dos dias festivos, dirigiam-se a
Casale, Vignale e Montemagno para dar catequese às crianças e animar suas recreações.
A filodramática teve grande fama por decênios.
Dom Bosco dirigiu-se várias vezes a Borgo San Martino, como nos outros colégios,
quer para recolher dinheiro quer, sobretudo, para sustentar, encorajar e aconselhar. “Se
Deus quiser – anunciava compendiosamente ao diretor – quarta-feira próxima, às 11
horas da manhã, estarei em Borgo San Martino. Prepara, pois, um prato de lamentações
e uma bolsa de dinheiro: eu pegarei um e outro”.32 Mas existia também a sensibilidade
do educador tarimbado, quando, por exemplo, convidava para festejar o 25º do ponti-
ficado de Pio IX: “Sexta-feira [16 de junho] é dia solene. De manhã, comunhão geral
pelo papa. Ao almoço, um prato a mais. Feriado durante todo o dia. À tarde, pregação
de ocasião, bênção e, se possível, um pouco de fogos”.33
Em 1875 chegaram aí as primeiras Filhas de Maria Auxiliadora, com a primeira
transmigração da casa-mãe de Mornese.
1.4 Varazze (1871)
Em 2 de outubro Dom Bosco escrevia ao cavaliere Tommaso Uguccioni Gherardi:
“Parei em Florença somente nas horas do dia (...). Minha viagem a Roma saiu bem (...).
Eu estava muito abatido e sobrecarregado de coisas. Para organizá-las e repousar um
pouquinho, retirei-me alguns dias para a casa paterna em Castelnuovo d’Asti”.34 Uma
explicação parcial para tanto cansaço seria dada, em 2 de dezembro, à mulher do nobre
florentino, “a boa e caríssima Mamãe” condessa Girolama: “neste ano abrimos duas
novas casas. Uma na cidade de Varazze, perto de Savona, e outra em Gênova, de onde
escrevo esta carta”.35 Quatro dias depois Dom Bosco era atingido por grave doença, que
o detinha no colégio, iniciado há poucos meses, até 15 de fevereiro, com um intervalo
de repouso em Alassio, de 30 de janeiro a 10 de fevereiro.
30 Cf. ao padre Bonetti, 23 de abril e 8 de maio de 1872; Em III 427 e 432.
31 Cf. carta ao mediador, cônego Francesco di Viancino, junho de 1873; Em II 283-284.
32Ao padre Bonetti, 27 de julho de 1871; Em III 349.
33Ao padre Bonetti, 13 de junho de 1871; Em III 337.
34 Em III 375.
35 Em III 389.

2.9 Page 19

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 19
Efetivamente, em 22 de julho, tinha sido assinado com o município de Varazze,
cidadezinha há pouco mais de 30 quilômetros de Gênova, um convênio semelhante aos
que tinham sido estipulados com as municipalidades de Lanzo e Alassio.36 As tratativas
tinham começado entre o final de 1870 e o início de 1871, quando Dom Bosco já estava
determinado a deixar o Colégio Internato de Cherasco, situado, a seu parecer, em zona
longe do centro, sem perspectiva e insalubre, assim como Mirabello. As autoridades
municipais tinham se servido da mediação do preboste, cônego Paolo Bonora, para
oferecer a gestão de escolas elementares, ginasiais e técnicas,37 uma vez que pedido
semelhante feito aos somascos e aos escolópios obtivera resposta negativa. Já em 8 de
agosto Dom Bosco enviava ao provedor dos Estudos de Gênova a “Planta do pessoal
dirigente e professores”, composta de três sacerdotes: o diretor, G. B. Francesia, o
prefeito, Francesco Cuffia, e o diretor espiritual, Giuseppe Cagliero. Eram coadjuvados
por seis clérigos, dos quais quatro com diploma para as elementares. Em setembro Dom
Bosco fazia espalhar folhetos de propaganda. Os salesianos começavam as atividades
na segunda metade de outubro.38
1.5 Em Gênova: de Marassi (1871) a Sampierdarena (1872)
Em 1871 Dom Bosco retornava às origens turinenses com a abertura de um internato,
que teria reproduzido na Ligúria o Oratório de Valdocco, como outras sucessivas, em
Nice, em Marselha e alhures. O internato para meninos órfãos teve início humilde, com
o apoio das Conferências de São Vicente de Paula, em Marazzi ou Marassi, subúrbio
na parte oriental do interior de Gênova, no vale do Bisagno, em uma casa de férias,
alugada por 500 liras ao ano [1800 euros], do senador e banqueiro Giuseppe Cataldi.
Dom Bosco enviou para lá padre Paolo Albera com dois clérigos e três noviços coadju-
tores como mestres profissionais. Os inícios foram duros, mas dado o escopo da obra,
não faltaram pessoas generosas, a começar dos agricultores da zona. De sua parte, Dom
Bosco munia o diretor, padre Albera, de cartas dirigidas aos benfeitores, entre os quais
as marquesas Nina Durazzo Pallavicini e Giulia Centurioni.39
Logo a casa mostrou-se inadequada. Podia receber somente uns quarenta jovens
artesãos, que eram iniciados à profissão de alfaiate, sapateiro e marceneiro, e de alguns
estudantes. Além do mais, estava isolada em uma periferia, então com escarsas possibi-
lidades de desenvolvimento. Bem depressa Dom Bosco se dirigia para uma obra mais
extensa. Para tal, ele precisou fazer importantes contatos em Gênova, desde o início de
dezembro de 1871. Com efeito, em 13 de fevereiro de 1872, dois dias antes do retorno a
36O texto está em MB X 148-152.
37 Cf. o texto da carta de 30 de dezembro de 1879 em MB IX 959.
38Ao bispo de Savona, G.B. Cerruti, início de outubro de 1871; Em III 574.
39 Cartas de 21 e de fim de março de 1872; Em III 409 e 414.

2.10 Page 20

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20 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Turim, depois da grave doença, escrevia à condessa Carolina Gambaro Cataldi, pedindo
que agradecesse em seu nome à mãe Luigia Parodi, mulher de Giuliano Cataldi, “por
suas santas disposições em relação a Sampierdarena”.40
Com o apoio do arcebispo, dom Magnasco, ele pôde adquirir em Sampierdarena a
Igreja São Caetano com a antiga casa dos teatinos em anexo, propriedade do marquês
Martorelli d’Effivaller Centurione. O complexo edilício se encontrava em uma zona peri-
férica ao ocidente de Gênova, que se preparava para se tornar zona industrial e, com a
construção da nova estação ferroviária, centro comercial importante, ligado com a região
costeira ocidental e com o interior piemontês e lombardo. Para a aquisição, Dom Bosco
devia desembolsar 37 mil liras, e outro tanto para restaurar a igreja e tornar habitável os
ambientes. Comprava bem depressa um terreno para futuras ampliações, a começar por
um edifício que permitia elevar o número de jovens dos 40 do primeiro ano, a 70 e 120
entre 1872 e 1875, e a 200 em 1876. Não podia faltar, além disso, um amplo espaço para
a recreação, o indispensável pátio, lugar clássico da educação salesiana.
Em 11 de junho, Dom Bosco podia escrever ao senador Giuseppe Cataldi, infor-
mando e pedindo: “o projeto de uma casa em Sampierdarena parece próximo de reali-
zar-se. O arcebispo me escreveu que está fixado para 20 deste mês o dia em que se
fará o instrumento da igreja e da casa anexa em São Caetano. Ora se trata de reco-
lher dinheiro (cerca de 37 mil francos). Se neste caso excepcional puder ajudar-me, se
realizaria um projeto idealizado no ano passado em sua villa, em Sestri”.41 No mesmo
dia escrevia uma carta de conteúdo análogo à condessa Carolina Gambaro Cataldi:
“Amanhã irei a Varazze e sexta-feira estarei em Gênova, se Deus quiser, e nos veremos
em sua casa. Diga à senhora Mamãe que o local para Sampierdarena foi comprado,
não nos falta nada além do dinheiro para fazer o instrumento, mas sobre isto espero
poder falar pessoalmente com a senhora”.42 O ato de aquisição era lavrado pelo escrivão
Martini, em 16 de julho de 1872.
Na primeira circular, de final de julho, Dom Bosco acenava a uma população de
“vinte mil almas”, assistida por pouco clero, e às necessidades de tantos “pobres joven-
zinhos”. O arcebispo estava de acordo sobre a aquisição da Igreja São Caetano e do
convento dos teatinos: “a igreja, para conservá-la para o culto em benefício de todos;
o convento, para instituir as escolas vespertinas e dominicais; e também um internato
para as crianças mais pobres e abandonadas”. Devia-se também “comprar ainda um
pouco de terreno para um pátio de recreação onde entreter os jovens especialmente
nos dias festivos”.43 O apelo era retomado e ampliado, em novembro, por outro Aos
bons católicos da cidade de Gênova e Sampierdarena. No posfácio se elencava uma
série de benfeitores e se indicava a soma por eles doada: 4 mil liras pelo arcebispo
40 Em III 399-400.
41 Em III 439.
42 Em III 440.
43 Circular de julho de 1872; Em III 450.

3 Pages 21-30

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3.1 Page 21

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 21
Salvador Magnasco, 20 mil pela baronesa Luigia Cataldi Parodi, 2 mil pela senhora
Fanny Ghiglini Poleri, 1 mil pelo reitor da igreja local, padre Angelo Righini, e pelos
comerciantes Giovanni Rivara e Domenico Varetti,44 primeiro diretor, em 1877, da
fábrica de papel de Mathi Torinese45 etc.
Em 20 de agosto Dom Bosco podia escrever de Nizza Monferrato, onde se encon-
trava hóspede dos condes Corsi, ao padre Rua: “Foi concluída a casa para Gênova; por
isso, padre Albera [até então diretor de Marassi] prepare a mala”.46 A obra pôde começar
as próprias atividades na segunda metade de outubro com os aprendizes de marcenaria,
sapataria e alfaiataria. Estes seriam seguido de perto pelos de encadernação de livros,
tipografia, construção civil, mecânica e escultura em madeira. Para as sucessivas amplia-
ções do internato, Dom Bosco informava e pedia: “os acolhidos no momento superam o
número de oitenta; mas o número seria muito maior se a estreiteza do atual edifício não
impedisse de atender às incessantes demandas de crianças que a cada momento pedem
para serem tiradas do iminente perigo de ruína espiritual e temporal”.47 Ao diretor geral
das Ferrovias, a quem pedia o transporte gratuito ou com o maior desconto possível de
70 toneladas de pedra britada, escrevia que a ampliação tornaria o internato “capacitado
para cerca de duzentos e cinqüenta alunos”.48 “O edifício encontra-se em bom estágio”,
escrevia ao senador Cataldi, falando dos trabalhos em curso e sublinhando a necessi-
dade de uma soma de 3 mil francos para pagar com urgência um fornecedor.49 Mais de
dez anos depois, a marquesa Nina Durazzo Pallavicini cedeu um pedaço de terra para o
oratório. Com a aquisição de propriedades próximas, a obra pôde alargar-se, quintupli-
cando nos decênios sucessivos os edifícios, dando acolhida a trezentos jovens, e depois
a quinhentos, entre artesãos e estudantes.50
Com o Educandário de São Vicente de Paula, em Sampierdarena, Dom Bosco
reafirmava a dignidade igual das três principais instituições juvenis por ele realmente
queridas e realizadas: o oratório festivo e cotidiano com as escolas festivas e vespertinas
em anexo; as escolas diurnas para a instrução secundária e, eventualmente, elementar,
geralmente ministradas nos colégios-internato; e a formação profissional, preferivel-
mente em internatos.
44 Circular de novembro de 1872; Em III 483-484.
45 Cf. cap. 27, § 1.2.
46 Em III 364.
47 Cf. circular, assinada pelo padre Albera, mas redigida por Dom Bosco: janeiro de 1875; E II
448-449.
48 Carta de 22 de abril de 1875; E II 474.
49 Carta de 26 de janeiro de 1876; E III 13.
50 Preciso, além de histórica e tecnicamente apreciável, é o estudo de E. Bosio, C. Pastor e A.
Rinaldini, Il “Don Bosco” nella storia urbana di Sampierdarena: evoluzione architettonica
degli edifici nel contesto socio-economico della città rapportata alle finalità educative.
Gênova-Sampierdarena, Istituto Don Bosco, 1997. Cf. os exuberantes anais de A. Miscio, La
seconda Valdocco: i salesiani di Don Bosco a Genova Sapierdarena, 2 vol. Leumann (Turim),
LDC, 2002 (para o tempo de Dom Bosco, cf. vol. I, p. 13-144).

3.2 Page 22

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22 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
1.6 Turim-Valsalice (1872/1873)
Menos convicta foi a resposta positiva de Dom Bosco à solicitação de assumir a
gestão do “Colégio Internato dos Nobres” de Valsalice, localizado na região do Além
Pó turinense, sobre as primeiras fraldas da colina.51 O colégio surgira com a finalidade
de “educar os jovens das classe ricas e de condição civil à religião, às ciências e às
carreiras civis, militares e comerciais”.52 Tivera início, com todos os carimbos legais,
em outubro de 1863, por obra de uma sociedade de sacerdotes turinenses, capitane-
ados pelos cônegos Frezia e Berisi, em um grande complexo edilício “de poucos pavi-
lhões, com capela, pátio e outras adjacências”, construído nos últimos anos 50 pelos
Irmãos das Escolas Cristãs. Ele devia servir de residência da primavera ao outono para
os alunos do Colégio San Primitivo. Tendo sido fechado com decreto do ministro da
Instrução Pública, Amari, em abril de 1863, era oferecido em aluguel para nova desti-
nação. A iniciativa não teve o sucesso esperado. As mensalidades eram altas: 90, 100,
120 liras mensais respectivamente para os alunos do curso elementar, ginasial e técnico,
e liceal. Os matriculados foram em número inferior às previsões: 42 em 1864-1865 e 80
em 1867-1868. O colégio continuava a acumular débitos. Não tinha tido melhor sorte
a nova sociedade, financeiramente menos precária, que em 1868 tinha substituído o
comitê originário: em 1871-1872 os alunos tinham chegado a apenas 22.
O novo arcebispo, dom Gastaldi, contava com uma revitalização por obra de Dom
Bosco. Este, porém, na resposta não somente sublinhava o péssimo estado da situação
econômica, mas punha em primeiro lugar uma questão de princípio. “O que desenco-
raja meus companheiros – explicava – são duas coisas: 1) nosso escopo é de ater-nos
à classe média, e não à nobreza; 2) se personagens tão respeitáveis, como são os
atuais administradores, não podem ir adiante, conseguiremos nós, pobres pigmeus?”.53
Todavia, após poucos dias o Capítulo Superior, sob pressão de Dom Bosco, dava voto
positivo à assunção da obra. Uma vez mais, após a abertura do Colégio Internato de
Alassio e início do curso liceal, a assunção do Colégio dos Nobres de Valsalice eviden-
ciava a disponibilidade de Dom Bosco a uma interpretação mais ampliada do conceito
de “classe média”, destinatária da missão salesiana.
Em 3 de julho aparecia no jornal L’unità cattolica o anúncio da nova gestão, apre-
sentada como totalmente confiável: “As provas que os colégios de Dom Bosco têm feito
e e continuam fazendo no Piemonte e na Ligúria dão garantia tal que os pais podem
51  Cf. R. Roccia, “Il Collegio-convitto Valsalice sul colle di Torino”, in: G. Bracco (ed.), Torino
e Don Bosco, vol. I, p. 239-275; F. Pederzani, “Valsalice: dagli inizi alla sepoltura di Don
Bosco”, in: Liceo Valsalice, Don Bosco a Valsalice: un contributo per il centenario. Valsalice,
maio de 1987, p. 11-41; O. Girino, fsc, “I Fratelli sulla collina torinese”, Rivista Lasalliana
42 (1975), p. 279-290.
52  P. Baricco, Turim descritta. Turim, Tipografia G. B. Paravia, 1869, p. 705.
53  A dom L. Gastaldi, 22 de março de 1872; Em III 411.

3.3 Page 23

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 23
certamente confiar os próprios filhos ao Colégio de Valsalice com ânimo tranqüilo”.54
No verão distribuiu-se o programa. As “mensalidades” permaneciam intactas. Assumia
a direção padre Francesco Dalmazzo, acompanhado por uma dezena de colaboradores,
entre eles quatro coadjutores, dos quais dois simples noviços. Davam aulas reconhe-
cidos professores universitários ou de escolas secundárias superiores: Giuseppe Allievo
para filosofia, Vincenzo Lanfranchi para italiano e latim, Carlo Bacchialoni para grego,
Giovanni Domenico Roda para ciências, Luciano Pich para francês.
Com o desembolso de 22 mil liras foram pagos aos gestores precedentes a mobília
e a organização. Nos primeiros sete anos foi pago aos Irmãos das Escolas Cristãs um
aluguel anual de 7 mil liras. Por fim, em 22 de novembro de 1879 foi concordada a
aquisição definitiva de todo o complexo pela soma de 90 mil liras, na realidade 130 mil,
para a extinção também dos débitos antigos. O documento foi lavrado pelo escrivão
V. Pavesio na presença do irmão Giovanni Battista Andorno, de Dom Bosco, do padre
Rua e do padre Francesia. Os contraentes foram depois almoçar no Colégio São José,
iniciado há quatro anos.
Também para os salesianos a gestão foi financeiramente deficitária e várias vezes
Dom Bosco e os seus lamentaram que dinheiro recebido da generosidade pública para
os jovens pobres devesse contribuir para aplainar as contas de um instituto de educação
destinado aos filhos dos ricos.De qualquer modo, como esclarecia em 1874, na circular
que acompanhava o envio do programa, também para os filhos de “famílias senhoris”
Dom Bosco não se afastava dos fins de suas outras instituições colegiais: “dar aos
jovens uma educação literária segundo as leis da Instrução Pública, mas ao mesmo
tempo assegurando-lhes o mais precioso dos tesouros, a moralidade e a religião”.55
No ano escolar 1887-1888 o colégio foi transformado em “Seminário para as
Missões Estrangeiras”. Tornava-se, assim, casa de formação de salesianos pós-noviços
estudantes de filosofia que se preparavam para as missões, internas e externas. Em
Valsalice foram guardados os restos mortais de Dom Bosco até sua trasladação para a
Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora, em 1929, ano da beatificação.
1.7 Refundação do colégio de Lanzo
Não obstante as escarsas possibilidades de uma pequena cidade como Lanzo, o colégio
teve desenvolvimento florescente. Além disso, a partir de 1870, no período das férias de
verão e de outono a casa se tornava sede dos cursos de exercícios espirituais sempre mais
numerosos dos salesianos, dos noviços e dos aspirantes. Tem-se notícia pela primeira vez
em carta de Dom Bosco ao ecônomo geral, padre Angelo Savio, que fora seu procurador
54 “Il Colegio di Valsalice nella Cronaca Italiana”, L’Unità Cattolica, n. 153, quarta-feira, 3 de
julho de 1872, p. 611-612.
55 Circular de julho de 1874; E II 393.

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24 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
na negociação de Alassio: “estamos em Lanzo para os exercícios espirituais, em número
de oitenta. O outro grupo será menor; portanto, impossível em Trofarello”.56
Para Lanzo fora enviada, no início de 1871, a reedição sensivelmente ampliada da
carta ao padre Rua, de outubro de 1863, com o título Recordações confidenciais aos
diretores,57 também remetida ao padre Bonetti, diretor em Borgo San Martino, com
carta de acompanhamento de 1º de fevereiro.58
Em face do empenho das autoridades municipais nas indispensáveis ampliações
edilícias, Dom Bosco imprimia à obra um decisivo salto adiante, pondo as bases para
a futura gestão autônoma. Na primeira parte de 1870 ele dava andamento à construção
do novo edifício de três andares, combinando com o teólogo Albert, entre as formas de
financiamento, a organização de uma rifa.59 Ao mesmo tempo corria atrás para impedir
o fechamento das escolas por causa da carência de professores com títulos legais.60
O novo edifício, orçado em 200 mil liras [605 mil euros], estava pronto no verão de
1873. Isso permitia a Dom Bosco enfrentar, em 1875, o distrato com o município.
Por norma do convênio ele tinha cinco anos para deixar o velho ex-convento capu-
chinho. Assim fazia em 1879, levando a obra à plena autonomia, como colégio internato
privado com cursos elementares – as três classes previstas pelo ordenamento escolar
então vigente – e ginasiais completos.
Com a inauguração do último trecho de ferrovia no verão de 1876, o percurso de
32 quilômetros até Turim tornou-se mais rápido.61
2. Construtor
A experiência adquirida com a edificação de casas e igrejas, em particular a de
Nossa Senhora Auxiliadora, induzia Dom Bosco a aventurar-se com maior segurança
em outras análogas e dispendiosas iniciativas. Incluiam-se entre elas as novas amplia-
ções no Oratório de Valdocco e uma tentativa, ainda que incompleta, de erigir em Turim
uma igreja com oratório em anexo. Da construção, em zona não distante, da Igreja São
João Evangelista e da ampliação do Oratório de São Luís se tratará em outro capítulo,
dedicado aos anos 1877 e 1878,62 quando poderá realizar, após oito anos de extenuantes
negociações, os projetos finalmente aprovados.
56 Carta de Lanzo, 13 de setembro de 1870; Em III 251.
57 Em III 297-301.
58 Em III 302-303.
59 Ao teólogo Albert, 1º de abril de 1870 (Em III 194-195); em Biagio Foeri, 15 de fevereiro de
1871 e 13 de março de 1872 (Em III 313 e 406).
60 Cf. carta ao prefeito da província, V. Zoppi, 5 de junho de 1872; Em III 437-438.
61 Tratar-se-á disso, pelo “caso político” que suscita, no cap. 23, § 3.
62 Cf. cap. 27, § 1.4.

3.5 Page 25

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 25
2.1 Ampliações no Oratório de Valdocco
O ativismo edilício de Dom Bosco partia ainda do Oratório. Perto dos anos 70 o já
citado Serafino Biffi, após a visita ao Oratório de 1867, descrevia o Instituto Bosco de
Valdocco como “um amontoado irregular de velhos e novos edifícios, sobre os quais se
eleva a nova igreja”, e, após ter assinalado a composição heterogênea dos habitantes,
notava: “Toda essa mistura de jovens de toda idade e condição e de tão variadas tendên-
cias, com um contínuo vai-e-vem de gente que entra livremente no instituto, é um espe-
táculo curioso, e deixa a suspeita que alguma desordem esteja por vir, não obstante
a supervigilância dos superiores e dos clérigos. De minha parte, restrinjo-me a notar
que existem diversas lacunas em relação à higiene, às vestes dos alunos, à educação
da pessoa, à limpeza, à ventilação dos dormitórios, dos refeitórios e das escolas”.63
Para diminuir a super-população, nos anos 70 Dom Bosco colocava à disposição novos
espaços. Em 1871 comprava um terreno à noroeste do Oratório, aquele que em anos
longínquos fora “a horta do Oratório”, tão querido à padeira e cozinheira mamãe
Margherita.64 Além disso, encarregava o empresário Buzzetti de executar trabalhos para
além de 80 mil liras e, em 4 de outubro de 1873, adquiria por 15 mil liras “a pequena
casa e o terreno do senhor Coriasco”, que se encontrava entre os edifícios do Oratório
e a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, o mesmo lote que Dom Bosco tinha vendido a
ele em 1851. Dom Bosco o procurava desde o início do ano para fazer negócio,65 mas
somente em setembro o proprietário decidia-se pela venda.66 O superior logo encarre-
gava o padre Rua para iníciar os trabalhos de construção, dando indicações sobre um
dos objetivos principais do edifício: “Procura preparar para que no dia 1º de março
se possa dar início ao trabalho na casa Coriasco e terminá-lo a todo vapor. Em geral,
olha para que tenha muitas celas, isto é, o andar do sótão seja todo de celas”.67 Em
setembro de 1872, pela significativa soma de 2 mil liras, tinha também feito colocar no
campanário da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora um grande relógio, que teria escan-
dido “com precisão as horas, as meias e os quartos como o do Palácio Municipal”.68
Continuava nos anos seguintes com outras aquisições fora do perímetro do Oratório,
em direção à ex-casa Moretta, além de outros edifícios e terrenos a ela ligados, para
sistemar a casa e o oratório das Filhas de Maria Auxiliadora, que vieram habitar aí em
1876. À condessa Carlotta Callori, em 21 de julho de 1875, anunciava: “Hoje, final-
mente, fez-se o contrato da famosa casa”.69 Era a casa Catellino, definida por ele como
63 S. Biffi, Riformatori per giovani, p. 117-118. Já fora publicado nas Memorie del R. Istituto
Lombardo di Scienze e Lettere, série III, vol. II. Milão, 1870.
64 Cf. carta ao prefeito, 18 de janeiro de 1871; E II 146.
65 Cf. carta à condessa C. Callori, 17 de janeiro de 1873; E II 252.
66Ao conde Francesco di Viancino, 20 de setembro de 1873; E II 307.
67 Carta de 11 de janeiro de 1874; E II 335.
68 Circular de março de 1872; Em III 407.
69 E II 487.

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26 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
“casa de imoralidade”, “casa de satanás”, sobre a qual já tinha escrito outras vezes.70
Adquiria mais adiante também a casa Morino.71
2.2 Igreja São Segundo em Porta Nuova
O empenho para a construção da Igreja São Segundo, no lado oeste da estação de
Porta Nuova, tinha breve duração, mas é significativo pela firme vontade de Dom Bosco
de colocar uma igreja paroquial, portanto destinada prevalentemente para adultos, ao
lado do oratório juvenil, com espaços que a tornassem possível. Isso lhe parecia tanto
mais indispensável em um bairro em rápido desenvolvimento.72 A intenção frustrada o
teria induzido a retirar-se da empresa e a restituí-la aos responsáveis diocesanos.
Em 24 de maio de 1867 o presidente do Comitê do Bairro iniciava as tratativas junto
das autoridades municipais, em vista da aprovação da construção de uma igreja para a
paróquia que ainda deveria ser definida e erigida. Após exames e propostas de modifi-
cações, em parte aceitas, a Junta Municipal aprovava, em 2 de janeiro de 1868, o projeto
do arquiteto Luigi Formento. No entanto, após mais de três anos, na sessão de 14 de
junho de 1871, o Comitê do Bairro deu-se conta de que a soma até então recolhida não
permitia nem mesmo o início dos trabalhos.
Entrementes, Dom Bosco, juntamente com o pároco da Igreja São Carlos, em cujo
território deveriam surgir a igreja e a nova paróquia, e com o pároco vizinho da Crocetta,
enviava ao prefeito o pedido para poder abrir no local da futura igreja um oratório para
os jovens da região, os quais, “abandonados tanto nos dias festivos quanto nos dias
da semana, permaneciam, com efeito, privados de educação moral, com o perigo de
um triste futuro para eles e para a sociedade civil”. Uma pequena construção serviria
de capela provisória, que poderia transformar, posteriormente, na sacristia da igreja
projetada.73 O Comitê, envolvido também no pedido, ia além e obtinha finalmente que
Dom Bosco, de acordo com o vigário capitular Giuseppe Zappata, assumisse para si o
encargo da “construção da igreja e da casa anexa”. Assim escrevia ele mesmo, no dia
3 de junho, na carta de aceitação ao prefeito, não esquecendo de associar tal construção
com o inseparável cuidado dos jovens. Não por acaso que, justamente por isso, deixasse
envolta em certa indeterminação as condições de aceitação: “apenas o edifício permita,
se começará logo a recolher os meninos que vagam, a fazer catecismo, além das prega-
ções também para os adultos sobre o que diz respeito ao culto religioso”.74
Entre desencontros e esclarecimentos aproximava-se ao fim do ano, enquanto Dom
70 Cf. circular de 20 de janeiro de 1875 e as cartas às senhoras Dupraz e Clara, de 21 de janeiro
de 1875; E II 446-447.
71Ao padre Rua, 20 de novembro de 1875; E II 526.
72 Para essas informações e a delineação de todo o desenvolvimento, cf. F. Motto, “Don Bosco
e la costruzione della Chiesa di San Secondo”, in: G. Bracco (ed.), Turim e don Bosco, vol. I,
p. 195-215.
73 Cf. F. Motto, “Don Bosco e la costruzione della Chiesa di San Secondo”, p. 199.
74 Carta de 3 de junho de 1871; Em III 334-335.

3.7 Page 27

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 27
Bosco, em Varazze, ficava doente por longo tempo, do fim de dezembro de 1871 a feve-
reiro de 1872. Ele retomava o diálogo em 27 de março de 1872, por meio de carta ao
prefeito, pedindo que colocasse à sua disposição o terreno para realizar a “construção
já projetada e aprovada”.75 Em carta posterior declarava que se empenharia em executar
o projeto do arquiteto Formento, “aprovado pela Junta Municipal em 2 de janeiro de
1868”.76 Além disso, há um mês já se movia para obter das Ferrovias facilitações para o
transporte dos materiais.77 Tendo recebido a autorização municipal em 3 de maio, dava
início aos trabalhos, realizados pelos irmãos empresários Carlo e Giosuè Buzzetti.
Para fazer frente às despesas, Dom Bosco espalhava a circular Aos senhores proprie-
tários e habitantes da nova paróquia de São Segundo em Turim, com data de 16 de julho
de 1872, solicitando ajuda. Nesta exprimia com firmeza a idéia que brotava da missão
por ele constantemente considerada e proclamada como prioritária, o cuidado dos jovens
pobres e abandonados: “julgou-se oportuno de se manter a Igreja igualmente espaçosa e
de regular o edifício de forma que, ao lado da igreja, se forme um pequeno pátio para a
recreação das crianças, e sob a igreja haja locais para as escolas vespertinas e diurnas
nos dias da semana, assim como nas festas de preceito”. “Os trabalhos já começaram –
prosseguia –, e com vosso auxílio tenho plena confiança de poder continuá-los e condu-
zi-los a termo. O desenho é substancialmente o mesmo do senhor engenheiro Formento,
já aprovado da outra vez”. O “substancialmente” ocultava o fato que seria diversa a
localização da Igreja”.78 As escavações colocavam em evidência sua intenção: erigir a
igreja não no centro da área concedida, mas em um dos lados da mesma, de forma a
unificar os espaços livres e aí criar um pátio para o recreio dos jovens. A administração
municipal não admitia nenhuma mudança e impedia, em todas as sedes, a modificação
do projeto desejado por Dom Bosco, modificação que não tocava no desenho da igreja,
mas previa localização diferente. Em 8 de agosto o prefeito o convidava a executar o
projeto original: um problema de urbanismo, antes que de arquitetura. Talvez conven-
cido que um movimento de surpresa pudesse atenuar a oposição das autoridades, Dom
Bosco comunicava a desistência do empenho assumido. Não podia renunciar a “seu
objetivo”, repetia por bem duas vezes, colocando a responsabilidade sobre o município.
“Ora – explicava – mudando-se as coisas substancialmente, e a deliberação tomada pela
Junta, que torna inviável haver um local para os pobres jovens, frustra-se minha fina-
lidade, que foi sempre de erigir um oratório e um lugar de recreação para as crianças,
de forma a ter também a igreja paroquial para os adultos”. Esperava que a própria
Junta mediasse junto ao Conselho Municipal; ao invés, foi deixado só em seu apelo.
“Nesse estado de coisas – concluía –, não podendo conseguir minha finalidade prin-
cipal, não me resta senão renunciar à empresa há muito tempo desejada, e da qual, infe-
75Ao prefeito Felice Rignon, 27 de março de 1872; Em III 413-414.
76Ao prefeito Felice Rignon, 28 de abril de 1872; Em III 429-430.
77Ao diretor geral, maio de 1872; Em III 431-432.
78 Em III 449. Itálico do autor.

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28 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
lizmente, sente-se gravemente a necessidade”.79 Os passos seguintes acabam chegando
à resposta negativa por parte da autoridade municipal. Em maio de 1873 o arcebispo
Gastaldi suspendia a obra. Somente em 1877 chegava-se a um acordo para reembolsar
Dom Bosco por boa parte das despesas iniciais que precisou sustentar, calculadas pelos
empresários, os irmãos Buzzetti, em 27.293,50 liras.80
3. Gestor e provedor das obras (1870-2874)
Com a expansão das obras o governo de Dom Bosco se estendia geograficamente
e nas modalidades em relação ao controle mais direto que até esse momento ele tinha
podido manter sobre o Oratório e sobre as casas vizinhas.
Quanto ao estado das obras e dos salesianos adidos a elas, para o setenário tem-se
boa referência no catálogo oficial da Sociedade Salesiana de 1870. Nesse ano estavam
registrados 28 salesianos professos perpétuos, dos quais 18 sacerdotes, 7 clérigos e
3 coadjutores; 33 professos trienais, dos quais 8 sacerdotes; e 42 noviços. Em 1874
os salesianos eram 251: os professos perpétuos eram 42, dos quais 30 sacerdotes,
3 clérigos e 9 coadjutores; os professos trienais, 106, dos quais 16 sacerdotes, 4 diáconos
ou subdiáconos, 57 clérigos e 28 coadjutores; e os noviços eram 103.
Até novembro de 1875 as obras juvenis permaneciam as mesmas, fixadas em 1872: o
Oratório São Francisco de Sales, em Turim-Valdocco, assim como o Oratório São Luís;
e os colégios São Carlos Borromeu em Borgo San Martino, São Filipe Neri em Lanzo
Turinês, Nossa Senhora dos Anjos em Alassio, São João Batista em Varazze, São Vicente
de Paula em Sampierdarena-Gênova, e Imaculada Conceição em Turim-Valsalice.
O ponto de comando continuava a ser a casa-mãe de Valdocco, da qual Dom Bosco
permanecia o diretor ou, do ano escolar 1879-1880, “reitor” coadjuvado por um diretor.
Era seu endereço normal para as numerosas correspondências, muitas vezes também
quando escrevia longe de Turim. Na realidade se tratava de uma base móvel de apoio.
As ausências do diretor de Valdocco se tornavam sempre mais freqüentes. As viagens
a Roma ocupavam largos espaços de tempo, muitas vezes com paradas intermediárias
nas linhas de Bolonha e Florença, Milão ou Gênova. No quinqüênio foram bem cinco:
20 de janeiro a 25 de fevereiro de 1870, por ocasião do Concílio Ecumênico; 22 de junho a
4 de julho de 1871, para a celebração do 25º aniversário do pontificado de Pio IX;
9 a 16 de setembro de 1871, para a questão das nomeações episcopais; 18 de fevereiro a
29 de março de 1873 para o problema dos exequatur; 29 de dezembro de 1873 a 15 de abril
de 1874, para a aprovação das Constituições e novamente o problema do exequatur.
Outras ausências deviam-se a visitas às casas salesianas do Piemonte e da Ligúria,
79Ao prefeito conde Felice Rignon, agosto de 1872; Em III 454-455.
80 Cf. F. Motto, “Don Bosco e la costruzione della Chiesa di San Secondo”, p. 210-214.

3.9 Page 29

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 29
e à sede das Filhas de Maria Auxiliadora em Mornese. Várias eram dedicadas a visitar
os benfeitores fora de Turim para os muitos pedidos de ajuda, em particular nos meses
de verão e outono. Acrescentem-se cada ano as duas semanas de julho dedicadas aos
exercícios espirituais dos padres e dos leigos em Santo Inácio em Lanzo, e os quinze
ou vinte dias passados em setembro de 1870 na casa de Lanzo para os exercícios espiri-
tuais dos salesianos. A doença em Varazze manteve-o longe de Valdocco por dois meses
e meio, de onde tinha partido para a Ligúria em 2 de dezembro.
Também por isso, o epistolário oferece material bastante rico e heterogêneo sobre
a arte de governo de Dom Bosco, espelho da atividade de um homem que, mesmo
longe, estava atento para as mais diversas práticas de ofício, capaz passar rapidamente,
em poucas dezenas de linhas de cartas, sempre concisas, de um problema ao outro:
espiritual, educativo, organizacional, financeiro, disciplinar, administrativo, caritativo.
Isso fica ainda mais evidente se se examinam em particular as cartas endereçadas ao
padre Michele Rua, prefeito da Congregação, isto é, encarregado da disciplina geral
e da administração, e até 1875 vice-diretor do Oratório: ele vigia, administra e sabe
interpretar com inteligência a vontade do superior, com uma participação no governo
da Sociedade Salesiana bem longe de ser simples sombra.
O ativismo de Dom Bosco aparece nas cartas ditado por qualidades congênitas,
reforçadas pela típica percepção do tempo e da sociedade na qual se move. Ele pode
ser considerado um liberal em campo sócio-político e eclesiástico, sempre à vontade
para se mover nas estruturas existentes. Escarsamente social, o Estado liberal deixa
espaço livre para as iniciativas assistenciais e caritativas privadas e olha com simpatia
determinadas atividades de suplência. Dom Bosco insere-se aí, sublinhando a gover-
nantes e administradores a relevância social e também política de sua obra educativa
e religiosa. É, portanto, óbvio para ele exigir auxílios concretos, isenções de encargos
fiscais, colaborações úteis.
Nessa perspectiva sentia-se autorizado também a pedir à administração das Ferrovias
bilhetes ou viagens gratuitas para si, para os salesianos e para os jovens, em particular
os recomendados pela polícia, e a insistir em recuperá-los no caso de desistência por
causa de irregularidades da parte dos beneficiados.81 Como se viu, ele ousava dirigir-se
até mesmo ao rígido ministro das Finanças, Quintino Sala, para obter “se não o perdão
total, ao menos o parcial, da taxa sobre a moagem”, obviamente recusado.82 A Cesare
Correnti, ministro da Instrução Pública de 1869 a 1872, pedia que viesse em socorro, da
forma que melhor lhe parecesse, às excepcionais dificuldades que premiam o Oratório,
81 Cf. cartas ao ministro do Interior, Giovanni Lanza, antes de 22 de abril de 1870 (Em III 202), e
documentação em MB IX 851-857; ao comendador B. Bona, 13 de setembro de 1870 (Em III
248-249); ao ministro dos Trabalhos Públicos, 20 de novembro de 1874, (E II 421); ao diretor
das Ferrovias da Alta Itália, 6 de janeiro de 1875 (E II 438-439); de 15 de janeiro de 1875 (E
II 443: indica onze percursos nos quais pretentende usufruir do bilhete).
82 Carta de 15 de agosto de 1870; Em III 236.

3.10 Page 30

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30 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
já densamente populoso: “perto de quinhentos jovens acolhidos pertencentes à classe
mais pobre do povo, que procuram os estudos clássicos; além disso – escrevia –, perto
de quinhentos outros, entre internos e externos, que freqüentam as escolas elementares
que são ministradas em favor do juventude pobre tanto nos dias da semana como nos
festivos, não somente de dia, mas até mesmo de noite”.83
Ao mesmo tempo, mostrava-se escrupuloso administrador de dinheiro, não seu
mas dos jovens, embora tivesse o total reconhecimento de suas razões por parte dos
doadores, ao final, amigos. No verão de 1870, devendo saldar débitos contraídos com
a tipografia do Oratório pelos trabalhos por ela executados, o bispo de Mondovì, dom
Ghilardi, reclamava do preço de 16 mil liras que lhe fora debitado pelo cavaliere
Oreglia em 1868, por uma tipografia.84 O bispo fazia disso caso de consciência, que
Dom Bosco, após os esclarecimentos, consentia fosse resolvido em base às avaliações
dos teólogos Golzio e Bertagna. A controvérsia terminou em 1º de dezembro de 1871,
com a transação de comum acordo, favorecida pela generosidade do cavaliere Oreglia,
então jesuíta em Bressanone, que versou a soma de 3 mil liras.85
Dom Bosco continuava a pedir. Pelas escolas elementares dos externos, instituídas
no ano escolar de 1871-1872, ele se dirigia ao prefeito de Turim para solicitar subsí-
dios.86 Como malabarista dos números,– “cerca de um milhar” de jovens externos e 850
internos –, voltava à carga em 1875, juntando “escolas diurnas e vespertinas, bem como
escolas outonais”.87
Para recolher dinheiro organizava inclusive uma lista, uma rifa camuflada, colo-
cando entre os prêmios a cópia do quadro Madonna di Foligno de Raffaello, pendu-
rada na sacristia da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, com outros cem prêmios, e
espalhava-a ao preço de 10 liras o bilhete, a ser sorteado entre os que compravam.
Durante um ano distribuía uma grande quantidade pessoalmente ou pelo correio,
chegando a recolher a considerável soma de 64 mil liras [193 mil euros], em parte
enviada diretamente pelos compradores ao Colégio de Sampierdarena.88 Embora
Dom Bosco falasse de “cartelas de beneficência”,89 o intendente de Finanças acabava
por configurar a operação como “rifa pública” ilegal e ordenar o sequestro do quadro,
83 Carta de 11 de dezembro de 1870; Em III 279.
84 Cf. cap. 16, § 9.
85 Cf. carta ao teólogo Golzio e a dom Ghilardi, 6 e 12 de fevereiro de 1871; Em III 305 e 311.
Veja-se a reconstrução de toda a situação em MB X 191-203.
86Ao conde Felice Rignon, 26 de agosto de 1872; Em III 463. Insistia ainda em 12 de setembro
1874; E II 403-404.
87 Ao conde Felice Rignon, janeiro de 1875 (E II 440), e ao presidente do Conselho Escolar
Regional, 8 de janeiro de 1875 (E II 440-441).
88 Cf. circular sem data (E II 255-256); carta ao prefeito de Turim, 5 de abril de 1872 (Em III
420); circular de 25 de março de 1873 (E II 266).
89Ao comendador F. Belletrutti, 26 de abril de 1873; E II 273. Três dias depois, ao senador G.
Cataldi, fala de “pequena rifa”; E II 273.

4 Pages 31-40

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4.1 Page 31

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 31
mandando apor os selos. Dom Bosco o anunciava aos doadores, convencido – dizia –
“não haver sombra de violação da lei, uma vez que se tratava de obra de caridade”,90
enquanto continuava a distribuir e a expedir as “folhazinhas”.91 “A necessidade cria
a virtude e a fome faz os lobos sairem da toca”, era sua justificativa.92 “As misérias
deste ano são grandes, e para poder dar pão a nossos pobres jovens, iniciamos uma
espécie de rifa”, escrevia à senhora Calosso.93 Em outubro, comunicando os números
extraídos, Dom Bosco creditava 4 mil liras ao vencedor do quadro.94 Não obstante
a defesa assumida pelo escritório de advogacia do doutor Tommaso Villa, o tribunal
determinava uma pena pecuniária e o confisco do quadro. Na sentença, por outro
lado, o juiz reconhecia que o fim a que se propunha o imputado “era, mais do que
nunca, louvável” e “digno de elogio”. Por fim, em resposta a um pedido de graça,
enviada através do advogado Vincenzo Demaria, o rei concedia a anistia, cujo decreto
chegava ao Oratório em 11 de novembro de 1875, dia de despedida dos primeiros
salesianos que partiam para a América.95
Durante 1873 multiplicavam-se os pedidos de socorro pelas “agudas necessidades”
“por causa do aumento dos preços de todos os gêneros comestíveis e pela notável dimi-
nuição de ofertas por parte dos particulares”: por exemplo, ao prefeito de Turim96 e a
um conselheiro da Câmara dos Deputados Provincial.97 De outro lado, não se alarmava
nem alarmava outros pelo desaparecimento de um testamento no qual havia um legado
para o resgate de seus clérigos da incorporação, ainda que tivesse procurado caminhos
tão razoáveis quanto infrutuosos para recuperar o irrecuperável.98
Mais longa foi a controvérsia por causa do testamento do conde Filippo Belletrutti,
falecido em 17 de setembro de 1873, que tinha feito de Dom Bosco herdeiro universal
e executor testamentário. Os sobrinhos contestaram o testamento. Concluiu-se com a
negociação em 10 de janeiro de 1875.99
90 Circular de 5 de maio de 1873; E II 274.
91 Circulares não datadas; E II 288 e 288-289.
92 Carta aeclesiástico, Roma, 31 de janeiro de 1873; E II 255.
93 Carta de 10 de fevereiro de 1873; E II 258. O Epistolário é rico de pedidos e de anotações do
gênero: E II 258-259, 261, 263, 264, 265, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 273.
94 Circular transcrita em MB X 288-289.
95 Cf., a respeito de todo o acontecimento, MB X 1127-1156.
96 Carta de 3 de janeiro de 1873; E II 249-250.
97 Carta ao comendador Vittorio Villa, 4 de janeiro de 1873; E II 250-251.
98 Cf. carta de 8 de maio de 1873 e de 24 de abril de 1874 à senhora Eurosia Golzio, viúva
Monti, executora testamentária do irmão, teólogo Golzio, ex-confessor de Dom Bosco; E II
275 e 379-380, MB X 1156-1164.
99 Cf. MB X 1199-1207.

4.2 Page 32

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32 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
4. Governante sagaz e decidido
Dom Bosco, no entanto, também se mostrava um dirigente nada condescendente em
relação às autoridades civis e políticas.
No caso da epidemia de varíola, a Comissão Municipal para a Higiene desaprovava
a ação dos médicos do Oratório, Giovanni Gribaudi e Alessandro Musso. Dom Bosco a
questionava com firmeza, amenizava a situação e, ao fim, fazia “respeitosa, mas calorosa
súplica para que agisse de tal forma – escrevia – que as inspeções sanitárias não se tornem
prejudiciais ao estabelecimento”, colocando-se sob a “paterna proteção” do prefeito.100
Reagia tempestivamente, por meio de carta ao prefeito de Turim, ao fechamento
das escolas elementares de Lanzo, ameaça feita pelo Conselho Escolar Provincial após
inspeção de certo Rota. Obtinha o envio de uma comissão presidida pelo provedor
dos Estudos, Vincenzo Garelli, que, ao final, escrevia uma relação na qual anulava os
efeitos da relação do inspetor.101
Em outra ocasião um grupo de tipógrafos e livreiros turineses acusava as tipografias
dos institutos privados e governamentais, entre as quais a de Valdocco, de concorrência
desleal. Dom Bosco enviava aos promotores um relatório, no qual refutava ponto por
ponto as motivações aduzidas. Ele se preocupava antes de tudo em evidenciar que sua
posição não era privilegiada, nem a de suas obras. “Esta casa – afirmava – não é pio
instituto, mas casa privada como qualquer outra tipografia, como esta única diferença:
na tipografia os ganhos vão, ordinariamente, em proveito do padrão, e aqui, voltarão
para o bem dos próprios pobres aprendizes”.102
Reacendia-se, também, a batalha em torno dos títulos legais dos professores. Bom
exemplo disso era a atitude em relação ao Colégio de Mirabello, e depois ao de Borgo San
Martino, para o qual Dom Bosco desejava conservar o reconhecimento da qualificação
de pequeno seminário, ou ao menos esperava certa largueza quanto aos professores. Em
carta a pessoas de confiança não deixava de exprimir seu parecer a respeito de certas
posições que considerava vexatórias, mais da parte do Conselho Escolar que do provedor
dos estudos, pessoalmente benévolo. “Falei com o Provedor de Alessandria – escrevia ao
padre Bonetti –, e nos despedimos em boa harmonia (...). Assegurou-me que enquanto
estiver no posto não haverá dificuldades para nós. Acenou-me à possibilidade de uma
inspeção para observar se as camas não estão muito próximas umas das outras; isto me
disse confidencialmente, embora o Conselho Escolar não tenha feito ainda qualquer
proposta. Contou-me que foi feita uma visita ao Colégio Municipal de Acqui por causa
de imoralidades entre alunos (...). Acrescentou ainda como se encontrou com pessoas sem
princípios religiosos, as quais teriam muito prazer se pudessem comprometê-lo”.103
100Ao prefeito Felice Rignon, 23 de dezembro de 1870; Em III 281-282.
101 Ao senador Vittorio Zoppi, prefeito de Turim, 5 de junho de 1872; Em III 437-438.
102 Carta de outubro de 1872; Em III 479-481.
103Ao padre Bonetti, de Alessandria, 19 de junho de 1873 (E II 289); e 14 de fevereiro de 1876
(E III 18).

4.3 Page 33

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 33
Mirava além, isto é, à defesa da liberdade da escola, enquanto, em todos os casos,
promovia a aquisição dos títulos legais para os professores. “Nossas dificuldades esco-
lares estão suspensas – escrevia a um bispo –, mas exponho todas as coisas para que
sejam conhecidos os abusos do poder e, como V.Ex.cia disse, para que os que se encon-
tram na mesma situação possam ter algum parâmetro. Agora estou estudando e faço
estudar a questão acuradamente. Posteriormente será impresso um opúsculo à parte
que será expedido a todos os bispos. Eles poderão legalmente livrar-se de muitas humi-
lhações por parte dos provedores”.104 Até aquele momento nada tinha saído a respeito.
Embora reconhecido ao provedor de Alessandria, que fora seu companheiro em Chieri,
estava empenhado ainda em 1876 em obter a qualificação de pequeno seminário para o
Colégio de Borgo San Martino. “Escrevi ao cavaliere Rho agradecendo – informava ao
diretor –, assim como me indicaste, mas recordando-lhe as antigas promessas que repe-
tidamente me fez”.105 Era o prelúdio de uma defesa mais radical da escola livre, levada
avante, como se verá, nos anos de 1878-1881. Mas na “controvérsia” escolar daqueles
anos Dom Bosco verá o provedor sob outra luz.106 No entanto, não faltavam as medidas
para remediar as dificuldades, como demonstra a instrução dada ao diretor do novo
Colégio de Alassio nos primeiros dias de sua missão: “Presta atenção, pois devemos,
para todo efeito, ter pessoal legalizado, e outro grupo efetivo que trabalhe em nome
daquele”.107 Mas em março de 1873, em carta ao padre Rua, enviada de Roma, escrevia:
“Após o exame semestral, quero que todos os filósofos [os jovens clérigos estudantes de
filosofia] se preparem para o exame do curso elementar: por isso se avisem os profes-
sores e se pense a forma para dar conta dos programas”.108
Outro obstáculo a ser superado era a lei de 27 de maio de 1869, que abolia a isenção
do serviço militar dos candidatos ao estado eclesiástico, até então garantida pela lei
piemontesa de 1854. A lei de 1868, porém, permitia ainda, mediante o pagamento de
3.200 liras [cerca de 12 mil euros], a sub-rogação de um alistado por um soldado já
em serviço, isto é, que este continuasse o serviço militar no lugar do outro mediante
determinada compensação financeira. As leis mais severas de 1871 conservavam ainda
a sub-rogação entre irmãos e, para as classes mais abastadas, o privilégio de libe-
ração parcial, ou seja, estando o contingente coberto, os cidadãos com posse podiam,
mediante o pagamento de 2.500 liras [cerca de 6.050 euros] passar para a segunda
categoria e, assim, ficar isentos da convocação militar. Finalmente, com a lei de 1876
era suspensa toda e qualquer forma de isenção ou exoneração, seja total ou parcial.109
104 A dom Sciandra, bispo de Acqui, 16 de julho de 1873; E II 292.
105Ao padre Bonetti, 14 de fevereiro de 1876; E III 18.
106 Cf. cap. 28, § 2. 2.
107 Carta de 17 de outubro de 1870; Em III 264-265.
108 E II 264.
109 Cf. F. Scaduto, Diritto ecclesiastico vigente in Italia: manuale. Vol. I. Turim, Fratelli Bocca,
1892, p. 173-175.

4.4 Page 34

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34 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Dom Bosco saberia, então, usar a teoria moral das “leis meramente penais”, que não
obrigavam em consciência, mas simplesmente a sofrer as conseqüências no caso de as
inadimplências serem descobertas. Em 7 de novembro de 1875 ele considerava provi-
dencial a instalação dos salesianos em Nice, na França, “especialmente – explicava
– para livrar-nos, de algum modo, do peso do serviço militar, que agora é realmente
inexorável na Itália”. Na França podia-se sair facilmente e permanecer seguros, uma
vez que não havia extradição para o renitentes.110 Ele se serviria desse artifício para o
expatrio de jovens missionários que ainda não tinham cumprido com as obrigações do
serviço militar.111
Para o resgate dos clérigos do serviço militar por sub-rogação onerosa, 3.200 liras
até 1871 e 2.500 em seguida [dos 10.330 aos 6.217 euros], Dom Bosco acrescentava às
já numerosas incumbências a solicitude para obter em prazos ineludíveis a necessária
cooperação financeira. Entre os ofertantes ocupavam lugar de destaque famílias profun-
damente religiosas: Callori, Uguccioni, Brancadoro, Fassati. À condessa Callori recorria
urgentemente para o pagamento de um dos dois clérigos de segunda categoria que tinha
recebido o cartão de serviço, já que o outro podia ainda ser revisto: era iminente o fatí-
dico 20 de setembro. “A necessidade está fora da lei”, justificava-se o “pobre pedinte”.112
A condessa não dispunha da soma pedida, e Dom Bosco recorria à marquesa Fassati,
a qual, parece, também não pôde resolver o problema.113 Voltava a carga em termos
mais gerais com a marquesa C. M. Gondi, com a premissa: “as calamidades públicas
recaem sobre os particulares”. Expunha a calamidade privada: “o serviço militar que se
está efetuando golpeia muitos de meus melhores clérigos, os quais, a menos que venha
em auxílio à Divina Providência, devem largar o breviário pelo fusil. Pensei muitas
vezes comigo mesmo: quem sabe se a senhora condessa Gondi não possa dar-me u’a
mão nessa minha empresa? Explico: cada clérigo pode suprir-se com 3.200 francos”.114
Pedia auxílio também a um de seus diretores, o padre Bonetti: “temos que resgatar dois
clérigos do serviço militar; a chamada será no próximo dia 1º de maio. Se tens dinheiro
disponível manda-me tudo; caso contrário vamos à falência”.115 À condessa Uguccioni
comunicava ter “devido resgatar dois clérigos do serviço militar com a enorme soma
de 3.200 francos”, e comentava: “veja que flagelo. Agora, no entanto, já está feito, e
nos preparamos para outros desastres, se a Deus aprouver enviar-nos”.116 Em 12 de
110 Capitoli Superiori – Verbali, do padre Barberis (agosto-novembro de 1875); ASC D 868, FdB
1879 D5.
111 Cf. cap. 21, § 4.
112 Carta de 12 de setembro de 1870; Em III 245.
113 Carta de 17 de setembro de 1870; Em III 252. Cf. carta de 9 de novembro de 1870 ao prefeito
de Turim, C. Radicati Talice di Passerano; Em III 270.
114 Carta de 19 de outubro de 1870; Em III 266.
115 Carta de 19 de abril de 1870; Em III 324.
116 Carta de 30 de abril de 1871; Em III 328.

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 35
julho falava de quatorze clérigos, cujo resgate devia acontecer no final do mês: pedia,
“desejando vivamente conservar para a Igreja esses ministros de Jesus Cristo”, com a
consolação para o benfeitor de que “esses clérigos, ordenados sacerdotes, ganharão
almas para Deus” e rezarão “ao longo de toda a vida” pelas pessoas que os ajuda-
ram.117 À marquesa Fasatti expunha em forma convincente o sentido de tal caridade: “A
Congregação nossa é nascente e tem necessidade de operários. Ora, a senhora, ao nos
ajudar no resgate de clérigos do serviço militar, ajudou-nos, de certo modo, a fundar da
melhor forma e sobre bases mais estáveis este instituto, e, ao mesmo tempo, colocou
operários para trabalhar na vinha do Senhor”.118 A senhora Emma Brancadoro di Fermo
dizia-se disponível para o resgate de um clérigo, agora no valor de 2.500 liras.119 A
mesma soma era discretamente indicada ao barão Carlo Ricci des Ferres.120 Escrevia
ao padre Francesco Triboni e à condessa G. Uguccioni sobre onze clérigos que deviam
ser resgatados.121 Para outra grande leva, com resgates chegando a 113 mil euros, pedia
auxílio ao secretário de dom Ferrè, padre Santo Masnini: “neste ano, às outras misérias
acrescenta-se a de ter que resgatar quinze clérigos do serviço militar. Poderia V.S. me
ajudar? Qualquer que seja a soma, ajuda-me muito. V.S. tem tempo, uns dois meses. Eis
como este pedinte vai perturbar as pessoas pacíficas. Seja benévolo comigo!”.122 Para
cinco noviços, talvez parte do grupo precedente, estendia a mão para pedir ao advogado
Galvagno di Marene.123 Citava um provérbio popular a uma benfeitora, que tinha feito
chegar uma soma de 200 liras por meio da condessa Gabriella Corsi: é melhor uma
vela na frente durante a vida, que por detrás das costas depois de morto,124 enquanto se
dirigia à marquesa Bianca Malvezzi de Bologna em favor de cinco clérigos.125
5. Busca de beneficência e espiritualidade
Indubitavelmente, o centro das preocupações de Dom Bosco era constituído,
permanentemente, pelas exigências assistenciais e educativas dos jovens. Todas as
outras se subordinavam a elas ou, de qualquer forma, a elas estavam estreitamente
ligadas. No entanto, como sua intransferível possibilidade e condição continuava a ser
a busca incansável de suporte financeiro, com a administração perspicaz e inteligente
117 À senhora Lucini, 12 de julho de 1871; Em III 347.
118 Carta de 12 de agosto de 1871; Em III 357.
119 Cartas de 14 de novembro e de 2 de dezembro de 1871; Em III 386 e 388.
120 Carta de 28 de abril de 1872; Em III 429.
121 Cartas de 22 de agosto e 9 de outubro de 1872; Em III 463 e 471.
122 E II 309.
123 Carta de 29 de outubro de 1874; E II 4414.
124 À condessa Teresa Corsi, 7 de novembro de 1874; E II 416-417.
125 Carta de 8 de novembro de 1874; E II 417.

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36 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
de quanto tinha recolhido: ofertas em dinheiro, pensões, herança, legados, vitalícios.
A isso se acrescentavam os proventos dos colégios mais rentáveis, as atividades
pastorais dos salesianos sacerdotes, o trabalho dos aprendizes e dos coadjutores. Era
sobretudo cansativa a beneficência mobilizada para a dispendiosa gestão ordinária da
Sociedade e do Oratório de Valdocco, super-povoado, com entradas respeitáveis, mas
insuficientes. Essa beneficência era solicitada e oferecida também em vista de graças
a serem obtidas por intercessão de Nossa Senhora Auxiliadora, se bem que não existia
um liame automático entre pedido e consecução da graça:126 “é a fé que tudo faz; se não
for contrário à maior glória de Deus, obteremos seguramente a graça”.127
A enorme atividade de Dom Bosco como buscador de beneficência, porém, torna-
va-se ela própria educativa. Antes de tudo com relação aos jovens e a seus educadores:
eles sabiam que seu presente e futuro dependiam da generosidade de quem oferecia,
assim como da dedicação de quem pedia, administrava e não cessava de convidar à
austeridade e à economia. A beneficência tornava-se ainda mais formativa em relação
aos próprios benfeitores, sobretudo os crentes, levados, alguma vez quase assediados,
por certa pedagogia da caridade que se fundava sobre a concepção da existência como
alteridade, como dom. “Deus nos criou para os outros”, axiomático para Dom Bosco,
era o princípio capital da espiritualidade cristã de quem tinha e podia em relação a
quem não tinha e não podia. Não é, portanto, de se admirar, que o insistente pedido
de ajuda econômica, em diferentes medidas, acabasse deslizando, no caso de muitos
dos colaboradores, para a direção espiritual. Isso acontecia sobretudo quando quem
mandava alguma oferta pedia também orações, conforto e conselho. Alguns desses
elementos serão explicitados a seguir. Mas o tema mereceria busca acurada e exaustiva,
entre outras coisas, colocando em confronto as cartas recebidas por Dom Bosco e suas
respostas a elas.
5.1 Diretor espiritual dos benfeitores
Um indício poderia ser colhido na carta a uma senhora que nos é desconhecida,
como inumeráveis outras. Dom Bosco agradecia a oferta de 20 liras para uma missa e
prometia preces, bem como as dos jovens, “para algumas necessidades espirituais”, às
quais acenava a ofertante, e acrescentava: “Quando Deus permitir que possamos nos
falar, talvez poderei sugerir-lhe alguma coisa a propósito, que prefiro não confiar ao
papel”.128 Mais familiar e direta era a sugestão à condessa Alessi di Camburzano, de
família profundamente ligada a Dom Bosco. Estavam fazendo assíduas orações pela
126 Ao diácono P. Casetta e ao padre R. Cianetti, 8 e 18 de julho de 1871; Em III 346 e 348.
127 Ao padre R. Cianetti, 18 de julho de 1871; Em III 348.
128 Carta de 31 de março de 1870; Em III 194.

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 37
cura da nobre senhora – escrevia-lhe – e poderia surpreender que Nossa Senhora não a
escutasse, caso não se refletisse “que essa celeste Mãe, muito satisfeita com sua paci-
ência, muda a terra em ouro, concedendo graças espirituais em lugar das graças tempo-
rais por que nós suplicamos. Mas, pela força da batida é difícil que não nos escute (...)
Já fez o testamento?”.129
Confortador e tranqüilizador era o que, com prudente eqüilíbrio, sugeria a um
jovem militante católico genovês, Luigi Corsanego Merli (1842-1924), que se tornaria
uma das eminentes figuras do movimento católico lígure e que, por razões de saúde,
não podia então se ocupar dos pobres e dos doentes tanto quanto teria desejado: “Não
se entristeça pelo fato de não poder fazer muitas coisas. Diante de Deus muito faz
aquele que, no pouco, respeita sua santa vontade (...). Nestes tempos é necessário que
se propague a boa imprensa. É um vasto campo: cada um fazendo o que pode, se conse-
guirá obter muito”.130
De particular intensidade – sustentada por uma lógica teologal imbatível, mas dura
na expressão, se consideramos as distintas sensibilidades hodiernas – era a participação
ao difícil luto da marquesa florentina Carmes Maria Gondi (1846-1885), de 23 anos,
que em outubro de 1869 ficara viúva com a filha de 3 anos e o filho de 18 meses.
A primeira carta era escandida por um perentório “ Cremos (...). Portanto (...)” repetido
três vezes como início de outras tantas proposições: primeiro, “no céu se goza de uma
vida infinitamente melhor que a terrena. Portanto, por que sofrer se seu marido foi
tomar posse dela?”; segundo, “a morte, para os cristãos, não é separação, mas dilação
da visão. Portanto, paciência”, uma vez que quem nos precede “não faz outra coisa
senão preparar-nos o lugar”; terceiro, “cremos também que V.S., a cada momento, com
as obras de piedade e de caridade, pode fazer o bem à alma do defunto. Portanto (...)”,
alegria por uma vida cheia de amor: “a assistência das crianças”, o conforto do sogro,
“a prática da religião”, a difusão dos bons livros, “dar bons conselhos a quem precisa”.
E isso não era tudo: “há ainda outros motivos – acrescentava – que, por hora, julgo
dever não manifestar ainda”.131 Após um mês e meio, recebendo o pedido de revelar
“algumas razões providenciais a seu respeito”, pedia que ela as escutasse diretamente
da “voz do Senhor”: “1) Penso que seu marido foi chamado porque estava preparado
para ele um lugar muito melhor do que o que tinha na terra. Com efeito, muitos perigos
espirituais e temporais aguardavam-no nesta terra. 2) Você também tinha necessidade
disso. Se você tivesse que morrer antes dele, a separação e o afastamento teriam sido
muito amargos e cruéis; ao contrário, quando chegar o último dia você terá grande
conforto com o pensamento de que o objeto mais querido já está esperando-a no seio
do Criador. 3) O pão que você mistura com lágrimas e dor há um ano, embora a falta
de resignação diminua um pouco o mérito, é todavia um grande tesouro para aliviar seu
129 Carta de 6 de abril de 1870; Em III 196.
130 Carta de 13 de julho de 1870; Em III 228.
131 Carta de 28 de maio de 1870; Em III 211-212. O itálico é nosso.

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38 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
marido, para fazê-la conhecer o nada das coisas da terra e também para dar-lhe possibi-
lidade de fazer um pouco de penitência das coisas passadas. E, ainda mais, para evitar
uma longa série de perigos espirituais que cairiam sobre você. 4) Para dar exemplo no
mundo de uma mãe que, na flor dos anos, renuncia a toda idéia terrena para se ocupar
dos próprios filhos. Ao contrário do que fazem tantas mães desnaturadas, as quais,
passando a outras núpcias, abandonam suas criaturas em mãos de pessoas pagas que,
com educação servil, dão a beber o vício antes que o possam conhecer etc.”. Concluía:
“Não sei se essas coisas vão perturbá-la; queria tê-las dito antes. Muitas outras haverei
de escrever-lhe à medida que seu coração estiver preparado. Note bem que lhe falo com
a mais segura confiança. Essas coisas demonstram a bondade do Senhor para com a
senhora”.132 Na carta de 19 de outubro, já citada, de pedido de auxílio para o resgate
dos clérigos, pedia desculpas de não poder se encontrar “com aqueles – escrevia – que
na sexta-feria [21 de outubro, primeiro aniversário da morte do marido] rezam sobre o
túmulo do saudoso consorte”, e reafirmava o forte pensamento de fé, já evidenciado na
primeira carta: “Consolemo-nos, como diz são Paulo, na esperança de que logo veremos
nossos caros, porque a morte, para os cristãos, não é separação, mas simples dilação da
visão. E V.S. tenha fé, e verá, melhor, veremos, em condições bem melhores todos os
que foram instrumentos de solicitude para conosco, e que nós podemos aumentar sua
felicidade na vida presente”.133
À condessa de Camburzano, por ocasião de uma desilusão, Dom Bosco recordava
o mandamento de Cristo sobre o amor do próximo, pelo qual – escrevia – “devemos
fazer indistintamente o bem a quem se pode, sem olhar a parentes nem à gratidão que se
tem direito de esperar”.134 Isso não lhe impedia, poucos dias depois, de exprimir, sobre
um instituto de educação, um juízo drástico que, entre outras coisas, deixava claro seu
pensamento sobre a educação leiga: “Democracia, optime; Moralidade, ruim; Ensino,
medíocre; Vaidade, muitíssima”.135
Ele prometia ainda, “qual filho amoroso para com sua ótima mãe”, um “serviço
religioso” juvenil e salesiano, nos dias 3, 6 e 8 de dezembro, à condessa Girolama
Uguccioni e à toda a família, introduzindo a exposição de uma necessidade – no caso,
o resgate dos clérigos do serviço militar – e a urgência de algum auxílio,136 à marquesa
Carmes Maria Gondi137 e à condessa Carlotta Callori.138 Sua delicadeza de atenção o
inspirava ao recordar ao filho as promessas feitas pela mãe gravemente adoentada: “Se
mamãe está bastante tranqüila, recorde-lhe a renovação da promessa feita em Retorbido,
132 Carta de 17 de julho de 1870; Em III 229.
133 Carta de 19 de outubro de 1870; Em III 266. Cf. ainda carta de 3 de dezembro de 1870; Em
III 273-274.
134 Carta de 16 de outubro de 1870; Em III 263.
135 Carta de 28 de outubro de 1870; Em III 267.
136 Carta de 2 de dezembro de 1870; Em III 272.
137 Carta de 3 de dezembro de 1870; Em III 273-274.
138 Carta de 6 de dezembro de 1870; Em III 274.

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 39
quando se encontrava doente, promessa feita e que deve ser cumprida caso se levante do
leito. Se, contudo, estiver a situação for muito grave, nada diga sobre isso”.139
Alguns meses depois, ao ver a condessa Uguccioni preocupada com a divisão entre
os irmãos e as respectivas famílias, dava prudente conselho: “aflija-se somente no caso
de ofensa ao Senhor, e não por outros motivos. Seja mediadora de paz enquanto há uma
só família; na divisão, e nas duas famílias, caso estas últimas coisas não acontecessem.
Abraão e Ló eram dois santos e se dividiram para ter, cada um, o cuidado da própria
família, de seus pastos e de seu gado”.140
Escrevendo à condessa Corsi, dava duas simples normas de vida à jovem condessa
Maria,141 com 19 anos e que festejava a Assunção: “Duas coisas, uma espiritual, outra
temporal. Espiritual: celebrarei nesse santuário a missa em sua intenção e pedirei ao
Senhor três grandes S, isto é, que seja saudável, sapiente e santa. Temporal: mamãe
procurará fazê-la estar alegre à mesa, ao passeio, no jardim etc.”.142
A permanente confiança na medalha de Nossa Senhora Auxiliadora voltava na carta
ao duque Tommaso Scotti, o qual, tendo superado um perigo mortal, tinha enviado 500
liras. Para encorajar o destinatário, Dom Bosco se abandonava a reminiscências auto-
gráficas: “Digo-lhe também em confidência que me encontrei no mesmo estado de apre-
ensão. Minha salvaguarda foi a medalha de Nossa Senhora Auxiliadora. Por três vezes o
raio caiu próximo de mim, a ponto de jogar minha cama, comigo em cima, para o outro
lado do quarto; nada sofri. Agora nada temo, qualquer que seja a ameaça de temporais,
de borrascas, de raios. Creio poder assegurar-lhe em nome do Senhor que nada mais vai
lhe acontecer se tiver a medalha no peito e a confiança em Nossa Senhora”.143
Serenas eram as palavras que dirigia, em 6 de dezembro de 1872, à condessa
Girolama Uguccioni, uma nobre dama, de fé inquebrantável, que acabara de perder o
irmão: “Choremos a morte temporal, mas agradeçamos a Deus que tenha concedido
uma graça tão evidente de ter uma morte tão preciosa aos olhos da fé”.144
5.2 Pedinte itinerante
O pedinte de profissão não somente escrevia, mas viajava e, em certo sentido,
como os mendicantes, não hesitava em passar de casa em casa. Pode-se colher alguns
desses momentos.
139Ao jovem marquês G. Durazzo, em 9 de dezembro de 1870; Em III 277.
140 Carta de 30 de abril de 1871; Em III 328.
141 Em junho de 1872 casava-se com o conde Cesare Balbo. Cf. carta ao conde, 12 de agosto de
1872; Em III 458.
142 Carta do Santuário de Santo Inácio em Lanzo, 12 de agosto de 1871; Em III 356.
143 Carta de 9 de setembro de 1873; E II 306.
144 Em III 496-497.

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40 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Convalescente da doença de Varazze, poucos dias antes de retornar a Turim, para justi-
ficar-se como um “indisciplinado” que não seguiu os “conselhos” da “boa mãe”, escrevia
à condessa Carlotta Callori: “certamente teria passado algumas semanas nessa amena
cidade, mas devo renunciar a isso, visto que, estando entre nós o único pedinte Dom
Bosco, tendo se ausentado por algum tempo, as finanças reduziram-se de muito”.145
Pode-se considerar típica a carta que enviou a uma das mais assíduas benfeitoras
dos salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora, a condessa Gabriella Corsi, em cujo
palácio passaria os últimos dez dias de agosto de 1871: “V.S. aja assim: os que vêm
para trazer dinheiro ou tratar de coisas que dizem respeito ao bem das almas, podem
vir em qualquer dia, pois serão sempre acolhidos com grande prazer. Quem vem para
cumprimentar, se agradece e se dispensa”.146
Sua viagem pelas zonas do Langhe e Monferrato, no ano seguinte, tinha objetivo
semelhante. Começou no domingo, 19 de agosto, com a viagem de Turim a Nizza
Monferrato, na casa dos Corsi. Dali, no epílogo de uma carta ao padre Rua, lançava um
alarme: “Reservas públicas e privadas em grande baixa”.147 Em 8 de setembro estava em
Valdocco para as premiações. Dali se dirigia a Vignale, na casa dos Callori e, então para
os exercícios espirituais em Lanzo, onde, entre 16 e 28 de setembro, pregava, recebia
e confessava. Depois deixava Turim em direção a Bricherasio, hóspede dos conde di
Viancino, e retornava novamente a Turim, de onde partia para Costiglione de Saluzzo, em
casa dos conde Giriodi: “Nesta manhã saí do Oratório nada bem de saúde, mas à tarde
senti-me melhor e assim continuo. Deo gratias”, confiava ao padre Rua.148 De Costiglione
se dirigia a Peveragno, em contato com várias famílias, como o amigo e benfeitor padre
Pietro Vallauri, e às localidades limítrofes, entre as quais Mondovì. De Peveragno escrevia
ao padre Rua: “Domingo, o barão Carlo Ricci deve vir tomar o déjeuner ao meio-dia no
Oratório, e o fará com os outros no refeitório. Mas a dificuldade é que não poderei estar.
Tenho várias coisas encaminhadas e me parecem úteis para a glória de Deus e pelo bem
material de nossas casas, e não posso fazer às pressas (...). Casa Vallauri, Campana etc.
o saúdam”.149 De Mondovì, em 19 de outubro, comunicava ao padre Rua: “De Fossano
te escrevo se estarei em Turim terça ou quarta-feira”; e de Mondovì, no mesmo dia, ao
barão Carlo Ricci: “A chuva continua e danificou as estradas de Mondovì a Fossano.
Escrevi ao padre Rua sobre a missa: ele espera V.S. ao meio-dia de domingo. Recomendo
às suas orações a condessa di Camburzano, que está gravemente doente. Segunda-feira,
de manhã, se as estradas estiverem praticáveis, irei visitá-lo”.150 De novo, em agosto e
setembro de 1873, se pode reconstruir, por meio das cartas, outra breve peregrinação
145 Carta de Alassio, 9 de fevereiro de 1872; Em III 394.
146 Carta de Santo Inácio em Lanzo, 18 de abril de 1871; Em III 360.
147 Carta de 20 de agosto de 1872; Em III 462.
148 Carta de 11 de outubro de 1872; Em III 472.
149 Carta de Peveragno, no dia 16 de outubro de 1872; Em III 476.
150 Em III 477.

5 Pages 41-50

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 41
como esmoler, semelhante à anterior, saindo de Turim e passando por Montemagno, em
casa Fassati, por Racconigi, por Cuneo, junto do bispo e da família Ricci des Ferres, por
Peveragno, junto do padre Vallauri, e por Nizza Monferrato, em casa dos Corsi. De Nizza
não deixava de recordar ao ecônomo geral, que se encontrava em Roma, de trazer para
casa “alguns centavos” e augurar-lhe “boa viagem”.151
Semelhantes giros de esmoler se repetiam entre o verão e o outono de 1875, para
fazer frente às despesas com os salesianos que partiam para a Argentina. De 10 a 30 de
agosto anunciava que estaria ausente de Turim.152 Encontrava-se em Mornese e arre-
dores: “Aqui tudo esteve bem. O corpo do Instituto é composto por 120 membros. Era
preciso que eu prolongasse minha estadia aqui”, explicava ao padre Rua no dia 28/29
de agosto de 1875.153 De 19 a 31 estava em Ovada, hóspede de um sacerdote amigo e
benfeitor.154 Após o mês de setembro, depois de passar em Turim e Lanzo, para os exer-
cícios espirituais, em 5 de outubro estava em Vignale, na casa dos Callori, e, a seguir,
em Nizza Monferrato, junto dos Corsi-Balbo, de onde escrevia à Callori: “Amanhã
viajo para Cunico. Segunda-feira, (17) espero estar em Turim para ocupar-me exclusi-
vamente dos missionários argentinos”.155
É óbvio que, além disso, Dom Bosco se esforçasse sempre, também nesses anos,
para, em benefício de todos, obter favores espirituais, bênçãos e indulgências papais,
e, em benefício dos ricos e generosos burgueses sem títulos, honorificências civis e
pontifícias. Várias cartas referem-se a isso.156
5.3 Cooperadores ante litteram e “mães” e “pais” de um “filho indisciplinado”
e “dissipado”
Em abril de 1871, Dom Bosco perguntava ao padre Bonetti, diretor em Borgo San
Martino: “quando me escreveres, dize-me se as ameixas já floriram”.157 Era pergunta
interessada. As ameixas da localidade monferratina faziam parte do menu do café da
151Ao padre Angelo Savio, 8 de setembro de 1873; E II 304. Cf. ao padre Rua, s.d.; E II 315.
152 À Marquesa M. Fassati, 14 de agosto de 1875; E II 500.
153 E II 505.
154 E II 505.
155 Carta de 11 de outubro de 1875; E II 514.
156 Cf. cartas ao comendador L. Cibrario, setembro-outubro de 1870 (Em III 256-258, 259); ao
secretário da Ordem Mauriciana, 6 de dezembro de 1870 (Em III 275-276); ao arcebispo de
Vercelli, 27 de junho de 1875 (E II 481); ao senhor Boassi, 21 de julho de 1875 (E II 486-487);
ao ministro da Casa Real e a Vitório Emanuel II, 16 de novembro de 1875 (E II 521-522);
quatro súplicas a Pio IX, 9 de abril de 1876 (E III 33-37). Cf. também ao padre Cagliero, 27
de abril de 1876 (E III 51); ao padre Ronchail, 20 de julho de 1876 (E III 75); e ao bispo de
Vigevanno, 21 de novembro de 1876 (E III 117).
157 Carta de 19 de abril de 1871; Em III 324.

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42 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
manhã para o qual Dom Bosco convidava algumas famílias de benfeitores mais assí-
duos nas proximidades da festa de Nossa Senhora Auxiliadora. À festa de 1873 se
referia o bilhete enviado aos esquivos condes Viancino, em 21 de maio, convidando-os
para a festinha de Valdocco do dia suguinte, solenidade da Ascensão: “Amanhã, alguns
amigos, seus conhecidos, vêm ao Oratório para comer as ameixas de [Borgo] San
Martino. Os comensais serão a família Fassati, a priora condessa Callori, a condessa
Corsi e o barão Bianco. Meu desejo é que V.S. caríssima e sua senhora queiram parti-
cipar. Que me diz, senhor conde? Será às 12h30. Nada de preocupação, nem pelo lugar
nem pelas pessoas que vão estar presentes”.158 Era sinal de amizade e meio de agregar
à família salesiana pessoas e famílias, em parte já unidas por vínculos de parentesco,
natural ou adquirido, como Fassati, de Maistre, Callori, Corsi, Balbo, Ricci de Ferres.
A certo ponto ele deu o título de “mamãe” a quatro benfeitoras. Em ordem crono-
lógica: as condessas Uguccioni, Callori, Corsi e Viancino di Viancino. E ao marido
de duas, das condessas Uguccioni e Viancino, deu o título de “pai”. Das três cartas à
condessa Viancino, duas eram destinadas à “minha boa mamãe”, e na segunda chamava
o marido de “meu bom papai”.159 Em 1870 já havia enviado à família Uguccioni os
votos de Páscoa, não querendo que fosse esquecida “uma Mamãe tão boa e um Pai tão
afetuoso”;160 “o caro papai”, “meu bom papai”, confirmava em seguida.161
Das “mamães”, a condessa Uguccioni tinha nascido dois anos antes de Dom Bosco,
as outras, doze anos depois. Geralmente, em forma declarada, Dom Bosco aparecia
como beneficiário exclusivo do título. Implícita e, alguma vez, explicitamente eram
também os salesianos e os jovens: “A mamãe [era hóspede dos conde Corsi] os saúda,
não está muito bem, rezem por ela”.162 Em outra ocasião escrevia à condessa: “A senhora
é a vovó de todos, não é verdade?”.163 As expressões de relação filial superabundavam
e eram mais imediatas e confidenciais nas cartas às condessas Uguccioni (9 vezes)
e Callori (25 vezes). A partir de 1862 Carlotta Callori era a “benemérita condessa” e
Dom Bosco, “seu reconhecido servidor”. Somente em dezembro de 1870 ele come-
çava a enviar votos de boas festas natalícias “à sua caridosa e boa mamãe”. No ano
seguinte, em outubro, iniciava: “Excelência? Caríssima? Benemérita? Mamãe carís-
sima?”, consagrando-a definitivamente “mamãe”, dele e dos seus.164 Mas, como já se
viu, já tinha estado próximo dela antes, premuroso, nos lutos e nos sofrimentos físicos
e morais. “Senhora condessa – escrevia-lhe ainda no dia 27 de julho de 1870 –, em sua
breve estada em Turim observei na senhora um misto de resignação, de saúde frágil,
158Ao conde Francesco Viancino di Viancino, 21 de maio de 1873; E II 280-281.
159 Cartas de 9 de fevereiro e 30 de setembro de 1872; Em III 396 e 467.
160 Carta de 15 de abril de 1870; Em III 199.
161 À condessa Uguccioni, 30 de abril de 1871 e 14 de fevereiro de 1872; Em III 327 e 401.
162Ao padre Rua, de Nizza Monferrato, 20 de agosto de 1872; Em III 461.
163 Carta de 9 de outubro de 1872; Em III 471.
164 Em III 376.

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 43
de pensamentos e de desejos do paraíso”. Ele, ao invés, lhe desejava saúde, vida longa
e, interessado, possibilidade de obras boas.165 Com as famílias Uguccioni a relação
era inspirada em profunda veneração e afeição. Conhecera os cônjuges e as três filhas
casadas em sua primeira viagem a Florença, em dezembro de 1865.
A relação não era menor com a condessa Gabriella Pelletta, de Cossombrato, a qual,
viúva em 1856 e com uma filha, Maria, casava-se com o conde Giacinto Corsi. Nas
primeiras duas cartas de agosto de 1871 ela era ainda “Benemérita senhora condessa”.
Tornava-se, a partir de março de 1873, “Minha boa Mamãe”, “Minha boa e caríssima
Mamãe”.166 Para ela, “Condessa Gabriella Corsi”, considerada sempre “nossa boa
Mamãe em Jesus Cristo”, Dom Bosco deixava um bilhete para ser entregue após a
própria morte. Ao invés, ela morria antes, em 8 de abril de 1887.167
De sua parte, no corpo das cartas ou na assinatura, após ter usado por algum tempo
com as “condessas” a fórmula “Seu reconhecido servidor”, dava asas à fantasia em defi-
nir-se às “mamães”. Como “Reconhecidíssimo filho”, “reconhecidíssimo filho indisci-
plinado” e “reconhecidíssimo, afeiçoadíssimo indisciplinado” se declarava à condessa
Uguccioni.168 Em outras se abria mais livremente: “É preciso justamente dar uns gritos
para mover este dissipado à cumprir seu dever para com a melhor das mães! Farei tudo
para me corrigir”.169 “Se o corpo voasse com o pensamento, a senhora receberia deste
pequeno indisciplinado ao menos uma visita por dia; uma vez que na santa missa não
me esqueço jamais de fazer uma lembrança especial pela senhora, nominalmente, e por
toda a sua família e famílias”.170 Mais familiarmente se exprimia com certa pessoa de
seu Piemonte, a condessa Callori. Pedia-lhe para rezar “especialmente pelo pobre indis-
ciplinado, mas sempre reconhecidíssimo filho, Sacerdote Giovanni Bosco”.171 Assinava
“humilde filho indisciplinado”, “Reconhecidíssimo indisciplinado”.172 De Varazze,
convalescente, após a grave doença, dedicava-lhe dez quadras “à minha boa mamãe que
mandou-me um casaco vermelho e um delicioso consomê”. “É tão benéfica / a minha
mãe / que para fazer o bem / nada se opõe”, era a primeira quadra.173 Em 9 de fevereiro,
atribuindo-lhe o mérito do próprio repouso em Alassio, assegurava: “Embora um pouco
indisciplinado, estimo e tenho como tesouro os conselhos da minha boa mamãe”.174
“É preciso que eu lhe confesse – escrevia no início de setembro de 1872 –: já faz muito
165 Em III 233. A condessa morreu em 1914, com 87 anos.
166 E II 265-266.
167 Cf. “Memorie dal 1841”, RSS 4 (1985), p. 113.
168 Em III 328, 389, 415, 471.
169 À condessa Uguccioni, de Gênova, 2 de dezembro de 1871; Em III 389.
170 À condessa Uguccioni, 9 de outubro de 1872; Em III 470.
171 Carta de 14 de novembro de 1871 (Em III 387); de Varazze, 7 de janeiro, e de Alassio, em
1872 (Em III 391 e 394).
172 Carta de 4 e 15 de outubro de 1872; Em III 469 e 475.
173 Carta da metade de janeiro de 1872; Em III 392.
174 Em III 394.

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44 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
tempo que não recebo mais nem perucas, nem avisos, nem conselhos; por isso, eu me
torno muito dissipado”, com a assinatura “Humilde dissipadinho”.175 Dá-se o prêmio
Nobel também aos arlequins. Permite-se assim ser a quem, com desinibida alegria, não
pede para si, mas tudo faz e dá para socorrer o jovem do abandono e da pobreza.
6. Atividade literária e editorial
“Se pode, promova as Leituras Católicas e a Biblioteca Italiana. Eu vivo e trabalho
por esses livros: o santo padre os abençoa e recomenda sua difusão. As pessoas com
as quais conferir: casa Vitalleschi, marquesa Villarios, condessa Calderari e a presi-
dente de Torre de’ Specchi”, escrevia Dom Bosco a dom Masnini, que participava do
Concílio Vaticano I com seu bispo Ferrè.176 Era campanha que não tinha descanso.
Na carta a um sacerdote não deixava de acrescentar: “PS. Recomendo-te a difusão
das Leituras Católicas”.177 E ainda, enviando a diversos bispos quarenta cópias do
pequeno volume de Stefano Francesco Sartorana, Questões de geografia, anexava o
“programa” de assinatura à Biblioteca da Juventude Católica e às Leituras Católicas.178
Em dezembro de 1875 enviava aos correspondentes e leitores uma circular solicitando
a renovação da assinatura de ambas: “as Leituras Católicas são destinadas ao bem
da religião; enquanto os Clássicos italianos, expurgados, têm utilidade tão somente à
juventude estudantil”.179 Nesses anos ele pensava também na reedição de seus escritos.
Embora totalmente ocupado, seguia com atenção e meticulosidade os próprios livros.
Vinha em primeiro lugar a reedição da História eclesiástica.180 Projetava também uma
grande história eclesiástica em três partes, correspondentes às épocas Antiga, Média
e Moderna, “a ser realizada com ajuda de pessoas cultas”,181 ao redor da qual, porém,
padre Bonetti – que tinha colaborado na reedição melhorada e aumentada, em 1870 e
1871, da História eclesiástica – tinha começado a trabalhar há vários anos e que Dom
Bosco seguia, lendo e corrigindo os manuscritos que aquele lhe enviava.182
A respeito das reedições da História eclesiástica, escrevia em várias cartas a seu
colaborador, padre Bonetti, e aos benfeitores, sobretudo à condessa Carlotta Callori.
A esta, com efeito, escrevia em maio, a propósito da edição de 1870: “Nos primeiros
dias de junho começarei a História eclesiástica, ou melhor, iniciar-se-á a impressão,
175 Em III 465.
176 Carta de 11 de março de 1870; Em III 193.
177 Carta de 8 de julho de 1871; Em III 346.
178 Carta de setembro de 1873; E II 308.
179 E II 535-536.
180Ao padre Rua, 20 de janeiro de 1870; Em III 166.
181Ao teólogo A. Bosio, 20 de outubro de 1871; Em III 382.
182 Cf. cartas ao padre Bonetti, de janeiro de 1871; Em III 286-288.

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 45
tendo-se já terminado o trabalho.”183 Agradecia ainda ao arcebispo de Urbino as obser-
vações formuladas pelo professor de história eclesiástica do seminário, assegurando:
“Tais observações agradaram-me muito, e levá-las-ei em consideração na próxima
edição”.184 À condessa Callori fazia ainda aceno de um acréscimo sobre a infalibilidade,
estando próxima a definição conciliar de 18 de julho: “Recebi o dinheiro de mil francos
que, em sua caridade, enviava para a História eclesiástica, à qual não falta outra coisa
senão o cânon da infalibilidade para colocá-la na impressão”.185 “A famosa História
eclesiástica sai num grande fascículo; estamos no final. Antes do Santo Natal a terá”,
anunciava à condessa Callori.186 Tratava-se do fascículo duplo de novembro-dezembro
das Leituras Católicas, de 464 páginas, que obviamente esgotou-se rapidamente.
Menos de um mês depois Dom Bosco podia anunciar: “Esta História, até o momento,
encontra-se bem. Apenas começada a distribuição, quase terminou a edição de 15 mil
cópias. Já se começou outra”.187 Repetia a notícia em 23 de janeiro de 1871: “a nova
edição da pequena História eclesiástica, de 15 mil cópias, esgotou-se em menos de um
mês. Deo gratias. Preparamos outra edição”.188
Em vista da nova edição de 1871 agradecia o conde Francesco di Viancino pelas obser-
vações enviadas sobre a precedente: “Recebi suas reflexões sobre o pequeno vocabulário e
as levarei em consideração para a nova edição que faremos talvez antes do final do ano. Se
pudesse agir da mesma forma para o resto da História, far-me-ia grande favor”. O conde
colaborava, de várias formas, também como tradutor, para as Leituras Católicas.189
Ao padre Bonetti dava informações idênticas com o encargo de cooperar na reedição
do Jovem instruído em 1871 e, posteriormente aumentada, em 1873: “Entreguei na tipo-
grafia a História eclesiástica, por isso posso deixar-te nesta semana o Jovem instruído.
Procura acrescentar um breve capítulo sobre a comunhão freqüente e sobre a devoção
a são José. Para o primeiro [o capítulo sobre a comunhão freqüente], se não tens outro,
pode-se dizer como feito aquele do Mês de Maria”, o Mês de maio.190
Para a nova edição da História sagrada de 1874 escrevia ao secretário, padre
Berto, empenhado na revisão do Pequeno dicionário geográfico: “O trabalho reali-
zado está bom. Não precisa colocar a explicação dos nomes das cidades. Se te parece
bem colocar o nome moderno correspondente a eles, podes colocar. É coisa já feita:
procura deixar cópia da História sagrada em minha mesa; os vocábulos já existentes
sejam omitidos”.191 Mais adiante solicitava a um dos responsáveis do jornal L’Unità
183 Carta de 15 de maio de 1870; Em III 208.
184 Carta de 3 de junho de 1870; E II 95.
185 Carta de 18 de junho de 1870 (Em III 217), e de 13 de julho do mesmo ano (Em III 226).
186 Carta de 6 de dezembro de 1870; Em III 274.
187 À condessa Carlotta Callori, 2 de janeiro de 1871; Em III 289.
188 À condessa Callori; Em III 295.
189 Carta de 16 de janeiro de 1876; Em III 291.
190 Carta de 5 de março de 1871; Em III 313-314.
191 Carta de 8 de agosto de 1872; Em III 453-454.

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46 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Cattolica, padre Eugenio Reffo, para que escrevesse sobre a segunda edição do Mês de
maio de 1873.192
Seu interesse pela imprensa católica ia além. Em 1873, escrevendo ao jovem conde
Cesare Balbo, filho do conde Prospero e sobrinho do outro Cesare, autor de As espe-
ranças da Itália, dizia estar interessado à empresa de um novo jornal católico. Desejando
a ele e à jovem esposa, filha da condessa Corsi, “o precioso dom da saúde, e a outra graça
ainda mais preciosa, de poder empregar essa saúde toda e sempre em coisas que sejam
para a maior glória de Deus”, acrescentava: “Tanto mais que teremos que sustentar uma
nada pequena fadiga pelo jornal do qual falamos, e do qual chegaremos à conclusão,
quando, se Deus quiser, irei a Casino”, o Palácio Corsi em Nizza Monferrato.193
E ainda solicitava ao padre Barberis para compor um manual de História oriental e grega
e a propor os cadernos ao professor Lanfranchi, com quem já conversara a respeito.194
7. Outro intermezzo de política eclesiástica (1871-1874)
Do final de 1871 aos inícios de 1874 Dom Bosco se encontrava envolvido, de várias
formas, no problema do exequatur que, na Itália, os novos bispos deviam pedir ao
governo, caso quisessem obter a temporalidade – a sede e a mesa – anexas a seu cargo.
A questão, que permaneceu sem solução mesmo depois da missão Tonello de 1867,
chegaria a seu cume nos primeiros meses de 1874, quando Dom Bosco estava em Roma
para a aprovação das Constituições. Ele aí se deixava envolver com zelo apaixonado, não
sem perceber alguma possível vantagem paralela. O serviço prestado à Igreja e à socie-
dade civil podia certamente atrair benevolência e apoio às suas obras juvenis e facilitar o
iter de aprovação das Constituições da Sociedade Salesiana, que tinha a peito.195
Em 22 de junho de 1871 partia para Roma a fim de participar dos festejos do 25º de
pontificado de Pio IX. Em Florença fazia breve parada de duas horas, talvez utilizada
para um contato preliminar com o presidente do Conselho, Giovanni Lanza. Já em
Roma, no dia 28 tinha audiência com o papa. Em 1º de julho de 1871, ainda em Roma,
escrevia ao padre Rua: “Tive duas audiências com o santo padre e tratei de forma mais
satisfatória cada coisa (...). Agora se trata de uma realidade que interessa todo o mundo,
cujo bom êxito depende das preces e da guerra contra o pecado”.196 Não é improvável
192 Carta de 18 de abril de 1873; E II 271.
193 Carta de 12 de agosto de 1873; E II 222.
194 Carta de Alassio, 5 de março de 1876; E III 26.
195 Sobre o argumento são utilizados os seguintes estudos: F. Motto, “L’azione mediatrice di Don
Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti”, p. 302-328; F. Motto, “La mediazione di
Don Bosco fra Santa Sede e Governo per la concessioni degli Exequatur ai vescovi”, RSS 6
(1987), p. 3-79; F. Desramaut, “L’audience imaginaire du ministre Lanza (Florence, 22 juin
1871)”, RSS 11 (1992), p. 9-34.
196 Em III 344.

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 47
que nos dois encontros se tenha tocado também a questão das nomeações dos bipos e
da “temporalidade”, e que a Dom Bosco fosse pedido que fizesse indicações de nomes
dos candidatos.
Na carta de 21 de agosto de 1871 o papa propunha ao rei, que se encontrava no
Piemonte, a retomada das tratativas para a nomeação dos bispos na Itália. “No entanto,
querendo eu exercitar a missão que me veio diretamente de Deus, penso de nomear
novos sujeitos para cobrir ao menos uma parte das muitas sedes vacantes na Itália”.197
Cardeal Antonelli se empenhava para que chegasse em Turim, por meio do ministro
geral dos frades menores, para ser entregue a dom Tortone. A este, Antonelli confiava
“o cuidado de se dirigir ao sacerdote Dom Bosco em seu nome e acertar com ele a
forma mais rápida e conveniente para que a mesma folha chegasse com segurança
às mãos do alto personagem”.198 Dom Bosco estava em Nizza Monferrato, hóspede
dos condes Corsi, e, embora solicitado por dom Tortone, não se moveu. Por isso dom
Tortone confiava o encargo ao abade Gazelli, de Rossana, que era então o mediador
da resposta do rei a Pio IX, esta obviamente redigida pelo ministro Lanza. Sobre a
nomeação dos bispos o rei escrevia: “Eu e meu governo estaremos bem felizes em
secundá-lo, na confiança de que a escolha de Vossa Santidade recairá sobre pessoas
que saberão conciliar os deveres do próprio ministério com o respeito às leis do Estado.
E onde Vossa Santidade quisesse o ofício de um delegado, para eliminar todo perigo de
possíveis dificuldades, meu governo se apressará em concedê-lo”.199
No entanto, eram expedidas do Vaticano cartas a arcebispos e bispos da Itália para
que indicassem possíveis candidatos ao episcopado. Davam-se critérios orientadores
para a escolha: doutrina sólida, prudência, firmeza.200 De sua parte, Lanza colocava em
ação os procedimentos mais idôneos para que a Santa Sé pudesse chegar às nomea-
ções com pareceres oficiosos convergentes. Em 10 de setembro dom Tortone informava
Antonelli: “Hoje o senhor Dom Bosco confiou-me que, no dia de ontem, esse senhor
prefeito mandou chamá-lo para comunicar-lhe o telegrama do ministro Lanza, convi-
dando-o a ir a Florença o mais depressa possível para tratar de assunto já conhecido dele.
Dom Bosco partiu esta noite para Florença, e creio que tal assunto tenha relação com
a carta que, por meio indireto, foi entregue ultimamente ao conhecido personagem”.201
De fato, em 9 de setembro Lanza tinha pedido por telegrama ao prefeito de Turim:
“Se o sacerdote Dom Bosco encontra-se aí, chame-o e lhe peça para se dirigir o mais
depressa a Florença, a fim de conversar comigo sobre assuntos que ele conhece. Aguardo
197 P. Pirri, S.J., Pio IX e Vittorio Emanuele II dal loro carteggio privato. Parte II (Documenti),
III: La Questione romana. Roma, PUG, 1961, p. 317.
198 Carta datada de 14 de agosto de 1871, in: P. Pirri, Pio IX e Vittorio Emanuele II, p. 317-318.
199 Carta de 12 de setembro de 1871, in: P. Pirri, Pio IX e Vittorio Emanuele II, p. 319-320.
200 Cf. F. Motto, “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti”,
p. 309.
201 Citado por F. Motto, “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili
vacanti”, p. 308.

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48 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
resposta”.202 Em 11 de setembro Dom Bosco conversava com ele em Florença. O núcleo
do encontro era lembrado por Dom Bosco na carta que teria enviado ao presidente do
Conselho em 11 de fevereiro de 1872, no final de sua doença em Varazze. Escrevia:
“Quando eu tive a honra de falar com V.S. no dia 9 [11] de setembro, pareceu-me que
estivesse de pleno acordo que o governo deixava livre ao papa a escolha dos bispos,
nem o governo teria colocado dificuldade para a consecução da temporalidade”.203
A carta, portanto, supunha que tivesse existido um acordo de princípios sobre problemas
pendentes. Naquele setembro de 1871, com efeito, chegado em Roma, proveniente de
Florença, em audiência seja com o papa, seja com o cardeal Antonelli, Dom Bosco
tinha submetido à atenção deles certo número de nomes. O Arquivo Secreto Vaticano
conserva quatro folhas autógrafas suas com a indicação de candidatos ao episcopado.
Em 3 de setembro estava já de retorno a Turim e outros nomes eram exigidos pela Santa
Sé a várias dioceses, nos dias 14, 18 e 20 desse mês, enquanto, do outro lado, jornais de
posicionamentos diferentes informavam, polemizavam e revelavam indiscrições sobre
as tratativas e sobre os nomes. No concistório de 27 de outubro de 1871 Pio IX preco-
nizava 41 bispos para o mesmo número de dioceses italianas, entre os quais Balma para
Cagliari, Gastaldi para Turim, Fissore para Vercelli, De Gaudenzi para Vigevano, Siboni
para Albenga. Seguiam outros nomes nos dias 14 e 27 de novembro (entre os quais dom
Manacorda para Fossano), e 16 e 22 de dezembro.204
Permanecia ainda sem solução o problema das temporalidades, ao qual – segundo
a “lei das Garantias”, de 13 de maio de 1871 –, os bispos não podiam aceder sem o
exequatur. O governo não pretendia concedê-lo a não ser com a condição de que a Santa
Sé lhe pedisse formalmente e apresentasse a bula de nomeação. O Vaticano acreditava
não poder acolher tal condição, uma vez que esse pedido equivalia a reconhecer um
governo considerado ilegal e prevaricador. Na carta ao presidente do Conselho, Dom
Bosco oferecia os próprios préstimos, precisamente para tentar chegar a alguma fórmula
aceitável para ambas as partes. Nela afirmava sua sincera imparcialidade de “sacer-
dote católico, afeiçoado ao chefe da católica religião”, e de cidadão, que se mostrara
“sempre afeiçoadíssimo ao governo”, dedicando as próprias “substâncias e as forças e a
vida” ao bem de seus súditos. Se acreditavam que ele pudesse “servir em alguma coisa
vantajosa ao governo e à religião”, bastava que lhe indicassem como.205 À carta anexava
uma anotação, Pensamentos de um sacerdote piemontês sobre a questão vigente entre o
Ministério dos Cultos e os novos bispos eleitos por Sua Beatitude em 1871, certamente
redigida por um competente.206 Em 3 de março o governo tinha reduzido a quatro as
202 Transcrito por C. de Vecchi, “Don Bosco e Giovanni Lanza: nuovi documenti sulla questione della
temporalità dei vescovi dopo il 1870”, Rassegna Storica del Risorgimento 21(1934), p. 213.
203 Em III 398.
204 Cf. F. Motto, “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti”,
p. 310-315; G. Martina, Pio IX (1867-1878), p. 261.
205Ao ministro G. Lanza, 11 de fevereiro de 1872; Em III 398.
206O texto é transcrito por F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”,
RSS 6 (1987), p. 59-60.

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 49
possíveis fórmulas, sob cujas condições concederia o exequatur. Nenhuma fora consi-
derada admissível pela comissão cardinalícia ad hoc. A única modalidade aceitável,
segundo circular, de 10 de março, do cardeal Antonelli aos bispos, era a pura e simples
comunicação à autoridade civil da eleição do bispo e de sua entrada em sede. Dom
Bosco não se resignava e, em 8 de abril de 1872, informava ao papa dos passos por ele
dados sobre a “questão da temporalidade”. Tinha escrito ao ministro Lanza recordando
a promessa formal que este fizera, assim como os outros colegas dele e o próprio sobe-
rano, de remover qualquer obstáculo à consecução das temporalidades. Tinha rece-
bido garantias de que nada fora mudado por parte do governo e do rei. Vendo, porém,
que a questão não se desbloqueava, tinha escrito “outras cartas, às quais não se deu
mais nenhuma resposta”. Notava: “sei, positivamente, que o governo deseja retirar-se
dessa dificuldade, mas responde sempre que não sabe como fazer”.207 Não se têm essas
cartas a que Dom Bosco acena. Na resposta de 1º de maio, o papa, embora louvando a
astúcia de Dom Bosco, reconhecia o emperramento das tratativas, mas não favorecia
seu desbloqueio: “Louvamos o zelo e a solicitude – assegurava com destacada bene-
volência –; de outro lado, tu vês a que ponto estão as coisas. Por isso é melhor rezar a
Deus, o único que pode mover os corações das pessoas e que, tendo prometido perene
proteção à sua Igreja, não pode faltar com o que prometeu”.208
De qualquer forma, a título pessoal, em carta ao ministro Lanza, de 21 de maio de
1872, Dom Bosco, embora professando-se “estranho à política e às coisas públicas”,
propunha uma fórmula que imaginava poder ser aceita pelos dois lados: “creio que o
governo possa estar satisfeito com uma nota autêntica da Santa Sé, com a qual se declare
ao mesmo governo que no Concistório tido em data n.n. foram divulgados os bispos
às sedes vacantes n.n.”.209 Mas a fórmula “nota autêntica da Santa Sé” não ajudava,
por certo, a superar a questão de princípio colocada pelo Vaticano. No entanto, em três
sucessivos concistórios, de 23 de fevereiro, 6 de maio e 23 de setembro de 1872, Pio IX
anunciava para a Itália 38 novos bispos. Dom Bosco, então, interveio junto a Antonelli,
propondo nomes cujo êxito estaria de qualquer maneira assegurado.210
Dom Bosco ainda se interessava do problema do exequatur na breve estada romana
entre 24 de fevereiro e 22 de março de 1873, destinada a fazer deslanchar a nego-
ciação para aprovação das Constituições. Quanto às tratativas sobre o exequatur, era
encorajado por uma nota do jesuíta Sebastiano Sanguineti, da linha possibilista quer
sobre a questão da participação dos católicos às eleições políticas quer sobre a questão
do exequatur.211 A partir 26 de fevereiro Dom Bosco se colocava em contato com o
207A Pio IX, 8 de abril de 1872; Em III 422-423.
208 Citado por F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 17.
209 Em III 434.
210 Cf. F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 69-76; G. Martina,
Pio IX (1867-1878), p. 261.
211 Cf. o texto em F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 61-62.

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50 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
cardeal Antonelli e com Pio IX, e a partir de 4 de março, com o ministro Lanza e outros
membros do governo. A certo ponto podia comunicar ao cardeal Antonelli quatro possí-
veis fórmulas de apresentação das nomeações ao governo, sem envolver diretamente a
Santa Sé. Uma pareceu agradar. Entre 15 e 16 de março, Dom Bosco acreditou que se
tivesse chegado ao acordo. Partia de Roma no dia 22 e chegava em Turim no dia 30.212
A situação se complicou com a aplicação em Roma, em junho de 1873, das leis
da supressão e da aplicação de impostos, de 1866 e 1867, resguardadas as casas
generalícias, exceto a dos jesuítas.213 Em 5 de julho caía o governo Lanza. No dia 10
sucedia o gabinete presidido por Marco Minghetti, com Paolo Onorato Vigliani, ambos
anti-jurisdicionalistas convictos, contrários ao placet e ao exequatur. Dom Bosco foi
convidado pelo Vaticano para confirmar se era ainda válida a fórmula concordada
com Lanza.214 Em 14 de julho recordava a Minghetti o desenvolvimento das coisas
acontecidas precedentemente entre Santa Sé e governo italiano, assegurando a própria
disponibilidade para ser porta-voz, acrescentando poucas linhas sobre duas possíveis
fórmulas.215 Tento recebido de Minghetti um acordo de princípios, Dom Bosco escrevia
ao cardeal Antonelli, pedindo que ele dissesse, “ainda que com palavras vagas: 1) Se
esse caso está sendo tratado por alguma outra pessoa. 2) Se devo deixar ou continuar
sobre bases outrora estáveis”.216 Antonelli não via dificuldade que Dom Bosco manti-
vesse os contatos, indicando contudo limites precisos além dos quais não se poderia
“prometer novamente cooperação ou aquiescência por parte da Santa Sé”: o ônus de
pedir o nome dos bispos indicados às respectivas dioceses era atribuído ao governo, não
vice-versa”.217 Era uma “nova proposta” com relação à precedentemente concordada
com Lanza, lembrava Dom Bosco a Antonelli. O cardeal as acentuava concretamente;
e Dom Bosco propunha os termos ao ministro Vigliani. Este, pessoa “muito religiosa”
segundo Stefano Jacini, respondia mostrando disponibilidade e pedindo a Dom Bosco,
“ótimo sacerdote e bom cidadão”, “para que – dizia – queira usar seus melhores prés-
timos a fim de persuadir a Santa Sé a fornecer ao governo os meios que são indispen-
sáveis para conciliar a observância da lei, superior à vontade de todos os ministros,
com todas as facilitações possíveis para a concessão do exequatur”. Antonelli, contudo,
permanecia rígido em sua fórmula,218 sem perceber que o governo se encontrava em
grandes dificuldades com a precária maioria que o sustentava. Consentia, contudo, que
Dom Bosco continuasse na sua voluntariosa inerme diplomacia.219 Ele a retomava no
212 Cf. F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 19-26. O texto da
nota a Antonelli está transcrito na p. 63.
213 Cf. cap. 1, § 9.
214 F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 26-35.
215 Cf. F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 63-64.
216 Citado por F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 65.
217 Citado por F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 65-66.
218 Cf. cartas de 25 de agosto, 13 de setembro e 12 de outubro de 1873 in F. Motto, “La
mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 66-69.
219 Cf. F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 26-37.

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Cap XVIII: A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874) 51
último dia de 1873, no curso da sua estada em Roma nos primeiros meses de 1874,
dedicada sobretudo à fatigante negociação em vista da aprovação das Constituições. Na
crônica do padre Berto, de 31 de dezembro até a metade de fevereiro, muitas vezes se
registram encontros de Dom Bosco com os cardeais Antonelli e Berardi, de um lado, e
com o ministro Vigliani, do outro, decididos a chegar a uma fórmula de comum acordo.
A imprensa de tendência oposta não deixava de trazer indiscrições e de fazer avaliações
e críticas, com várias estocadas contra Dom Bosco. A imprensa católica reacionária
terminava por dar-lhe o golpe da graça, que provavelmente não desagradava nem ao
Vaticano, firme em seu princípio, nem ao governo, assoberbado por problemas de esta-
bilidade e absorvido pelo enorme problema de equiparação do balanço.220
A ruptura definitiva e a subida ao poder da Esquerda, em 1876, constrangeriam
a Santa Sé a atitudes sempre mais possibilistas na questão dos bispos que pediam o
exequatur. Após circular vexatória do ministro da Justiça, Stanislao Mancini, intran-
sigente jurisdicionalista, muitos bispos se viram constrangidos a pedir à Congregação
da Inquisição se era lícito apresentar ao governo as bulas de suas nomeações, a fim
que pusesse o régio exequatur. A resposta de 29 de novembro de 1876 era esta: “tendo
presente o estado das coisas, podia-se tolerar”. Giacomo Martina fala de “lento cedi-
mento ao discernimento da Santa Sé”.221
De Dom Bosco restava o esforço generoso feito para conciliar de modo realista
as competências e as responsabilidades respectivas da Igreja e do Estado, em nome
do princípio superior lex suprema, salus animarum. Era o mesmo que induzia, pouco
a pouco, também o episcopado a dobrar-se a uma outra lex, embora incôngrua, mas
férrea, em um estado jurisdicionalista.
220 F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra Santa Sede e governo”, p. 37-55.
221 G. Martina, Pio IX (1867-1878), p. 582.

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Capítulo XIX
Fundação do Instituto das FMA e consolidação
constitucional dos SDB (1870-1874)
1837 9 de maio: nascimento de santa Maria Domenica Mazzarello
1862 6 de julho: um presságio, “Jesus Cristo remiu somente os jovens?”
1864 8 de outubro: em Mornese o primeiro encontro com as Filhas da Imaculada
1867 transferência das congregadas para a Casa da Imaculada
dezembro, conferência de Dom Bosco às congregadas
1871 24 de abril, carta à beata Enrichetta Dominici para uma adaptação das
Constituições Salesianas “a um instituto de religiosas”
“Constituições Regras do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora”
1872 23 de maio: entrada no colégio, sede definitiva
5 de agosto: vestição e profissão religiosa das primeiras onze Filhas de Maria
Auxiliadora e vestição de quatro
24 de outubro: carta do arcebispo Gastaldi sobre a admissão às ordens dos
candidatos salesianos
1873 18 de fevereiro: viagem de Dom Bosco a Roma
22 de março: retorno a Turim via Florença, Bologna e Modena
verão: chegam as animadversiones sobre as Constituições
30 de dezembro: em Roma para a aprovação das Constituições dos SDB
1874 março: padre Giovanni Cagliero, diretor geral do Instituto das FMA
3 a 13 de abril: aprovação das Constituições dos SDB e rescrito de concessão
da faculdade das dimissórias ad decenium
15 de maio: morte do padre Pestarino
15 de junho: eleição como superiora geral de Maria Domenica Mazzarello,
a madre
outono: diretor espiritual local, padre Giacomo Costamagna
8 de outubro: Filhas de Maria Auxiliadora em Borgo San Martino
Os primeiros anos da década de 70 assinalam dois momentos capitais na história
de Dom Bosco: o aumento e a consolidação da ação juvenil, com a extensão ao mundo
feminino mediante a fundação do Instituto das FMA, e a obtenção da aprovação das
Constituições da Sociedade Salesiana. Diferentes foram tanto as modalidades pelas
quais foram obtidos os dois resultados fundamentais como suas dimensões. No primeiro

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54 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
caso Dom Bosco conseguia talvez mais do que tivesse esperado; no segundo, ao invés,
certamente menos do que tinha pedido, com dolorosas conseqüências para a vida da
congregação que nascia, segundo ele ainda incompleta.
1. Convergência de duas experiências autônomas para o Instituto das FMA
Nos anos em que Dom Bosco começava a dar forma à Sociedade Salesiana, cuidando
do espírito salesiano dos primeiros jovens aderentes também por meio da narração de
sonhos, aparecia um destes, singular, como se fosse prelúdio longínquo de uma inicia-
tiva análoga para as jovens. Dom Bosco colocou-o na noite entre 5 e 6 de julho de 1862,
reduzindo-o à rápidas pinceladas. “Eu me encontrava numa grande planície. Via os
jovens do Oratório correndo e saltando, recreando-se alegremente. Eu caminhava com a
marquesa Barolo, que me dizia: ‘deixe a mim somente o cuidado das meninas; o senhor
cuide apenas dos meninos’. Eu lhe respondia: ‘Mas me responda: Jesus remiu somente
os jovens, e não as jovens?’. ‘Eu sei’, ela me respondia, ‘que remiu a todos’. ‘Então eu
devo esforçar-me para que seu sangue não tenha sido espargido inutilmente tanto para
os jovens como para as meninas’”.1
Assim, do horizonte de Dom Bosco não estavam ausentes a possibilidade e a neces-
sidade de iniciativas em favor da juventude feminina semelhantes às masculinas. Esse
compromisso, porém, não teria seu início do zero, mas a partir do encontro com um
grupo já constituído de jovens, de alguma forma consagradas ao serviço de Deus e do
próximo em determinada missão. Por isso, embora não sendo tarefa do biógrafo de Dom
Bosco escrever a história das origens e dos primeiros desenvolvimentos do Instituto
das FMA, é seu dever relembrar papel dele na constituição e primeira consolidação,
tornando-se também seu fundador. Com efeito, deve-se tomar em séria consideração
a base relevante que o grupo de jovens associadas ofereceu à fundação. Elas constitu-
íram o primeiro núcleo, com a direção e a animação de Maria Domenica Mazzarello
(1837-1881) e o comum pai espiritual, padre Domenico Pestarino (1817-1874). Mas é
necessário ainda aprofundar as razões históricas que fizeram de Dom Bosco o fundador
para todos os efeitos,2 e não apenas pelos aspectos formalmente jurídicos.3
1 G. Bonetti, Annali III 1862, p. 31-32. Cf. também D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863 1864
Le doti grandi e luminose, 5 de junho [ = julho ] 1862, p. 23.
2 Sobre a complexa interação, cf. P. Stella, “Le Figlie di Maria Ausiliatrice”, in: Don Bosco
nella storia della religiosità cattolica, vol. I, p. 187-208; M. E. Posada, “Significato della
validissima cooperatio di Santa Maria Domenica Mazzarello alla fondazione dell’Istituto
delle Figlie di Maria Ausiliatrice”, in: M. E. Posada (ed.), Attuale perchè vera: contributi su
Santa Maria Domenica Mazzarello. Roma, LAS, 1987, p. 53-68; P. Cavaglià, “Il rapporto
stabilitosi tra santa Maria Domenica Mazzarello e san Giovanni Bosco: studio critico di
alcune interpretazioni”, in: Attuale perchè vera, p. 69-98; A. Deleidi, “Don Bosco e Maria
Domenica Mazzarello: rapporto storico-spirituale”, in: Don Bosco nella storia, p. 205-216;

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 55
De fato, o Instituto surgia e se plasmava graças a dois movimentos autônomos e conver-
gentes, ambos historicamente necessários para sua existência e fisionomia própria.
Nessa perspectiva não parece que possam criar problemas historiográficos os teste-
munhos, embora diferentes e nem sempre exatos, dados pelos padres Francesco Cerruti
e Michele Rua no Processo Informativo para beatificação e canonização de Dom Bosco,
sobre a ação por ele desenvolvida na implantação do Instituto FMA. No fundo, ambos
testemunhos podem ser considerados complementares.
Francesco Cerruti se referia ao que, segundo ele, teria ouvido do próprio Dom Bosco.
A Pio IX, que lhe perguntava por que não pensava de estender às meninas o que fazia para
os meninos, ele respondia que já tinha pensado, ou melhor, queria que a futura “associação
religiosa” fosse “um monumento falante” de “filial reconhecimento” a Nossa Senhora
Auxiliadora. “Circunstância propícia” seria o encontro, em 1872 [uma evidente imprecisão
cronológica],com padre Pestarino e com “as ótimas jovens congregadas da Companhia da
Imaculada, fundada e dirigida pelo mesmo padre Pestarino, as quais passaram posterior-
mente a ser chamadas Filhas de Maria Auxiliadora, segundo regras dadas por Dom Bosco
e aprovadas por dom Sciandra, bispo de Acqui, de forma que se estabelece assim que foi
realmente Dom Bosco o fundador das Filhas de Maria Auxiliadora”.4
O testemunho do padre Rua nasce de conhecimentos pessoais. Além da Sociedade
Salesiana – atestava – Dom Bosco “fundou também a das Filhas de Maria Auxiliadora”.
À morte da mãe, Margherita, ele entreviu a oportunidade de uma congregação religiosa
ocupada com questões domésticas; “porém não se decidiu até o momento em que a
Providência lhe abriu, ela mesma, evidentemente, o caminho”. Ele tomou tal decisão
quando padre Pestarino, que em Mornese, na diocese de Acqui, “costumava reunir e
cultivar na piedade moças solteiras de sua terra natal”, “com calorosa insistência conse-
M. E. Posada, “L’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice in rapporto a don Bosco”, in: Don
Bosco nella storia, p. 217-229; M. E. Posada, “Don Bosco fondatore dell’Istituto delle Figlie
di Maria Ausiliatrice”, in: M. Midali (ed.), Don Bosco fondatore della Famiglia Salesiana.
Atti del Simposio – Salesianum, 22 a 26 janeiro de 1989. Roma, Editrice S.D.B., 1989,
p. 281-303; A. Deleidi, “Il rapporto tra Don Bosco e Madre Mazzarello nella fondazione
dell’Istituto delle FMA (1862-1870)”, in: Don Bosco fondatore della Famiglia Salesiana, p.
305-321; P. Cavaglià e A. Costa, Orme di vita tracce di futuro: fonti e testimonianze sulla
prima comunità delle Figlie di Maria Ausiliatrice (1870-1881). Roma, LAS, 1996.
3 Sobre esses aspectos veja-se o problema colocado pelo promotor geral da fé, Salvatore
Natucci, ao Processo Apostólico de Beatificação e Canonização de Maria Domenica
Mazzarello: cf. Sacra Congregatio Rituum, Aquen. Beatificationis et canonizationis Servae
Dei Mariae Dominicae Mazzarello. Primae Antistitae Instituti Filiarum Mariae Auxiliatricis.
Nova Positio super virtutibus. Roma, Guerra e Belli, 1935, p. 1-2; L. Fiora, “Storia del
titolo di ‘Confondatrice’ conferito dalla Chiesa a Santa Maria Domenica Mazzarello”, in:
M. E. Posada, (ed.), Attuale perché vera, p. 39-47; no prosseguimento da Causa o Factum
Concordatum, sem data, que contém as Novissimae Animadiversiones do promotor, de 27 de
novembro de 1935 (p. 5-10) e a Responsio dos advogados (p. 2 e 13): in: L. Fiora, “Storia del
titolo di ‘Confondatrice’”, p. 47-51.
4 Taurinen. Beatificationis et Canonizationis..., Positio super virtutibus, 1920, p. 141.

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56 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
guiu que ele a adotasse também como sua família espiritual”. Dom Bosco, “vendo o
bom espírito, a piedade e a caridade recíproca que ali reinava”, deixou padre Pestarino
como diretor, “não sem lhe prestar alguma assistência de conselho e de meios”. Depois,
quando ele morreu, “enviou um de seus sacerdotes, coadjuvado por algum bom irmão
leigo, para tomar a direção espiritual dessa família. Então, essa congregação, com o
nome de Filhas de Maria Auxiliadora, começou a desenvolver-se, assim como todas as
suas obras”, “em benefício da juventude feminina”.5
Padre Rua sublinhava uma realidade histórica incontestável. Sob a direção de um
padre espiritual de alto perfil, o grupo de Mornese não era apenas matéria-prima bruta
para a constituição de instituto religioso de consagradas. Na realidade, as jovens que o
compunham, tendo como guia Maria Domenica Mazzarello, eram virtuais consagradas
a Deus e ao próximo, no mundo, particularmente dedicadas à juventude feminina,
disponíveis a uma forma estável e estruturada de vida comum. A superiora, verdadeira
monja em casa e depois na comunidade, tinha todas as cartas em regra para receber o
título oficial de co-fundadora e ainda mais, reforçada depois pela intensa colaboração
com Dom Bosco para dar forma e substância ao instituto.
Do ponto de vista formal Dom Bosco é certamente o fundador, enquanto promove
sua constituição como verdadeira e própria comunidade religiosa, e propõe, leva à reela-
boração, controla e promulga as Constituições idôneas, capazes de garantir as estruturas
organizativas e a espiritualidade. Contudo, sua ação de fundador, numa perspectiva
histórica concreta, foi diversa da que atuou em relação à Sociedade Salesiana. Para
esta Dom Bosco partiu de jovens que não tinham nenhuma idéia de vida religiosa, até
mesmo de alguém como o jovem Cagliero, alérgico “a tornar-se frade”. Todavia, esses
jovens provinham, em grande parte, de boas famílias cristãs e com propensão mais ou
menos clara para a vida eclesiástica. Do fato de estarem em sua casa, Dom Bosco foi
gradualmente induzindo neles o desejo de viver e de trabalhar estavelmente, em comu-
nidade, com ele, até à decisão de condividir a mesma missão e ligar-se a ela mediante
os votos religiosos, tornando-se membros de uma verdadeira e própria sociedade de
consagrados. A realidade de Mornese, ao invés, estava já potencialmente à espera de
uma convocação, e que se tornou oferta efetiva quando a intenção fundacional prévia
de Dom Bosco, ainda não concretizada, colocou-se em movimento. O próprio Dom
Bosco iniciava, com palavras significativas, a súplica para a aprovação diocesana do
instituto, apresentada a dom Sciandra, bispo de Acqui. “V. S. sabe como em Mornese
se iniciou, através do padre Domenico Pestarino, cuja memória é sempre querida, um
instituto com o título de casa ou Colégio de Maria Auxiliadora, com a finalidade de
educar cristãmente as meninas de poucas posses, ou pobres e abandonadas, de modo
a encaminhá-las à moralidade, à ciência e à religião sob a direção das irmãs chamadas
Filhas de Maria Auxiliadora”, evidente substituição da fórmula “Maria Imaculada”.6
5 Taurinen. Beatificationis et Canonizationis..., Positio super virtutibus, 1920, p. 279-281.
6 Carta de 14 de janeiro de 1876; E III 11.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 57
Padre Francesco Cerruti, em seu testemunho, embora não falando de oferta por parte
do padre Pestarino, contava que Dom Bosco, levado a imaginar um projeto de congre-
gação feminina, tinha se deparado com um grupo preparado pelo padre mornesino que
seria, de fato, a pedra angular desse projeto. Padre Pestarino tinha encontrado Dom
Bosco por volta de 1862, e provavelmente em 1863 foi aceito como “sócio externo” da
Sociedade Salesiana, assim como o padre Giovanni Ciattino.7 A partir de 1865 esteve
sempre presente nos anuários da Conferência de São Francisco de Sales, nos quais
cada diretor escrevia sobre a obra da qual era responsável. Por vários anos, portanto,
ele encontrou-se nas condições de assimilar traços significativos da mentalidade e do
espírito de Dom Bosco e de transmiti-lo mais ou menos conscientemente ao grupo
das Filhas de Maria Imaculada de Mornese. Com efeito, a partir de 1870, mais expli-
citamente, ele agiu em perfeita harmonia com Dom Bosco a fim de fazer convergir ao
mesmo ponto de chegada a realidade de Mornese e os projetos de Turim. Na apresen-
tação das Constituições impressas, em1878, Dom Bosco não deixava de “recomendar a
alma” do padre Pestarino, “primeiro diretor das Irmãs de Maria Auxiliadora, da qual o
Senhor se serviu para lançar os fundamentos deste Instituto”.8
É óbvio então que, para a reconstrução de tudo o que fez Dom Bosco em benefício
do Instituto, não se possa prescindir de uma rápida evocação do fatos do grupo que,
com sua superiora, terminaria por constituir-se o núcleo essencial do Instituto.
2. Comunidade devotada a Deus e ao próximo no mundo
Maria Domenica Mazzarello é realmente a co-protagonista em dar vida, forma e
desenvolvimento ao Instituto. Como fundamento de sua ação pessoal e fundacional
está, da infância até a adolescência (1837-1852), a exemplar educação familiar e ecle-
sial, permeada do senso de Deus e do trabalho, aperfeiçoada pela primeira direção
espiritual do padre Domenico Pestarino, que a conduziu à vida interior mais elevada,
ao hábito da mortificação também externa, à intensa vida sacramental. Essa espiritu-
alidade aprofundava-se e se caracterizava em três momentos capitais de seu itinerário
biográfico, indentificáveis nos anos 1852-1855, 1860-1869 e 1870-1871.
No quadriênio 1852-1855 dava-se a adesão consciente e livre, primeiro secreta e
depois oficial, à fundação da Pia União das Filhas de Maria Imaculada, promovida pela
jovem Angela Maccagno. Esta escrevia o primeiro esboço de regulamento, praticado no
primeiro biênio, revisto e estruturado pelo beato José Frassinetti em 1855 e aprovado
7 Eles aparecem como tais entre os “Membros da Sociedade de São Francisco de Sales
pertencentes à casa-mãe de Turim, no ano de 1865”; cf. P. Stella, Don Bosco nella storia
economica e sociale, p. 296, 318, 524.
8 Regole o Costituzioni per l’Istituto delle Figlie di Maria SS. Ausiliatrice aggregate alla
Società Salesiana. Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1878, p. 5.

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58 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
pelo bispo diocesano, dom Modesto Contratto (1798-1867), com o decreto de 20 de
maio de 1857. Padre Frassinetti publicava-o como apêndice de seu livro A monja em
casa9 e acenava a ele no opúsculo saído nas Leituras Católicas em setembro de 1860,
O modelo da jovem pobre Rosina Pedemonte, falecida em Gênova, na idade de 20 anos,
em 30 de janeiro de 1860.10 Rosina tinha transcorrido em Mornese o versão de 1858,
hóspede de Angela Maccagno, que anteriormente tinha sido sua hóspede em Gênova
entre 1857 e 1858, quando freqüentara a escola de método para conseguir o diploma de
professora elementar. “Por este Apêndice, portanto – informava Frassinetti –, tomou-se
conhecimento do Regulamento da Pia União, e pela vida da Rosina mostrou-se que ele
é apto para conduzir à perfeição todas as moças solteiras que nele pautam sua vida”.11
O estilo de vida de Mazzarello e das companheiras era o início de uma experiência
parcial de monja em casa, a qual, primeiro sem saber, depois ciente, inspirava-se nas
Ursulinas originárias, ideadas e fundadas por santa Angela Merici. Alguns elementos
fundamentais, com efeito, já se encontravam no esboço de Maccagno. São três os
pontos sólidos: intensa vida interior ascética e contemplativa, exercício de caridade para
com o próximo, obediência à guia espiritual comum, padre Domenico Pestarino. Do
primeiro Regulamento se podem retirar estas indicações: “Estar unidas de coração, de
espírito e de vontade em Jesus Cristo”; “confirmemos e queiramos manter essa vontade
e Pia União com voto temporário de castidade, segundo o conselho do diretor”; “fazer
do bem a glória de Deus e a vantagem e bem do próximo”; “se alguma das irmãs se
encontrasse abandonada pelos pais, ou sem algum auxílio dos mesmos, não pode ficar
sozinha sem o conselho do diretor, e se unirá a alguma outra das irmãs que lhe indicará
o diretor”. Como “finalidade geral” era indicado: “Cooperar para a glória de Deus e
da religião nestes tempos e sempre: com o bom exemplo, com a freqüência aos santos
sacramentos; devoção à paixão de N.S.J.C.; devoção terna e particular à nossa Mãe
virgem santíssima, e isto seja a divisa e a finalidade da Pia União (...)”.12
À Pia União das Filhas de Maria Santíssim Imaculada, Frassinetti dedicava, em
1863, um apêndice do opúsculo Vida e Instituto de Santa Angela Merici, no qual recor-
dava a origem mornesina da União e resumia os pontos qualificadores da regra por ele
redigida.13 Começava afirmando que muitas “moças solteiras que não podem ou não
querem professar num claustro se entregariam a Deus quando tivessem uma forma
9 La monaca in casa, Oneglia, Tasso, 1859.
10 Il modello della povera fanciulla Rosina Pedemonte morta in Genova in età di 20 anni il
dì 30 gennaio nel 1860, por Giuseppe Frassinetti Priore a Santa Sabina in Genova. Turim,
Tipografia G. B. Paravia e Comp., 1860, VIII-95 p.
11 G. Frassinetti, Vita e istituto di Santa Angela Merici, Turim, Tipografia dell’Oratorio di San
Francesco di Sales 1863, “Letture Cattoliche”, a. XI. fasc. 5, julho, p. 119.
12 Il primo Regolamento delle Figlie dell’Immacolata (abbozzo di Angela Maccagno) 1853, in:
Cronistoria I. Roma, Istituto FMA, 1874, p. 321-323.
13 Cf. G. Frassinetti, Vita e istituto di S. Angela Merici, p. 109-138. A regra de Frassinetti
tornou-se ponto de referência de inumeráveis uniões surgidas no séc. XIX na Itália.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 59
que lhes permitisse mais facilmente a obtenção da perfeição cristã permanecendo no
mundo”. A isso visava a companhia idealizada por Angela Maccagno em Mornese.
“Sua divisa” era: que as associadas “vivessem separadas afetivamente dos bens da terra,
praticando assim a verdadeira pobreza de espírito; que, acima de tudo, não tivessem
vontade própria, amantes da mais perfeita obediência; além disso, que tivessem o mais
firme propósito de conservar perpétua castidade e destacar-se nessa virtude, o mais que
pode a criatura humana, em modo angélico, e que estivessem mesmo prontas a fazer o
voto, caso o confessor lhes permitissem; e, dizendo em uma palavra, que essas jovens,
permanecendo em meio ao mundo, aspirassem à perfeição desejada pelas boas religiosas
nos claustros. Além disso, queria que se exercitassem nas obras de misericórdia, sobre-
tudo ajudando e assistindo as enfermas do lugar, empenhando-se para que não falte
a instrução cristã às meninas, promovendo as obras de piedade, em geral cada coisa
concernente ao serviço de Deus e à salvação das almas. Finalmente, era sua intenção que
se considerassem como verdadeiras irmãs, e não somente se empenhassem pela recí-
proca vantagem do espírito, mas até mesmo se ajudassem nas necessidades temporais”.
Acenava, enfim, às primeiras cinco [entre as quais Mazzarello] que tinham dado início
oficial à Pia União no domingo sucessivo à festa da Imaculada de 1855.14 Recapitulando
os dez artigos da regra, ele explicava alguns pontos menos conhecidos no regulamento
original e que se encaixavam perfeitamente nos compromissos do pequeno grupo cuja
animadora era Maria Mazzarello. No § 3º – escrevia – “fala-se de seus deveres”, que “são,
em geral, exercitar-se nas obras de misericórdia corporal e espiritual”, entre as quais,
“empenhar-se para que as jovens deixadas por seus pais freqüentem os sacramentos e a
doutrina cristã”, e “cultivar o espírito das que são maiores para que tomem gosto pelas
coisas santas e se entreguem a uma vida devota”. “No § 7º fala-se das reuniões espiri-
tuais que devem fazer as filhas da Pia União para ajudar-se mutuamente no crescimento
do fervor, no exercício das obras de piedade e no zelo pela salvação das almas”. “No §
9º fala-se do método de vida, no qual se prescreve de fazer a oferta de si mesma a Deus,
de manhã e de tarde, de escutar a Missa todos os dias, de dedicar-se à oração vocal e
mental, de freqüentar os santíssimos sacramentos e de ter uma verdadeira devoção a
Maria Santíssima”. Em conclusão, “esta Pia União – observa Frassinetti – em sua subs-
tância, e geralmente também em seus acessórios, é uma única coisa com a Companhia
da Santa Úrsula”, antiga instituição “que floresceu novamente entre nós”.15
De fato, no primeiro período da União das Filhas da Imaculada, a espiritualidade
dominante e familiar em Mornese, mediada pelo padre Pestarino, que fora aluno de
Frassinetti, e pelo próprio Frassinetti, podia assim ser definida: espiritualidade seme-
lhante a de Cafasso, benigna, ligoriana, com todos os conteúdos que aproximavam a
experiência mornesina à de Turim do Convitto e de Dom Bosco.16 É significativo que,
14 G. Frassinetti, Vita e istituto di S. Angela Merici, p. 109-113.
15 G. Frassinetti, Vita e istituto di S. Angela Merici, p. 115-117.
16 Cf. M. E. Posada, Giuseppe Frassinetti e Maria D. Mazzarello: rapporto storico-spirituale.
Roma, LAS, 1966.

6.10 Page 60

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60 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
em suas reuniões, as Filhas lessem páginas de A monja santa de santo Afonso Maria de
Ligório, do Exercício de perfeição e de virtudes cristãs do padre Alfonso Rodríguez,
e de A monja em casa de Giuseppe Frassinetti, do ano de 1859,17 além de traços da
vida de Teresa de Ávila. Exceto este último, eram todos livros que nos últimos anos da
década de 60 Dom Bosco utilizava na formação religiosa dos salesianos.18
Na segunda fase, que começa na doença de 1860 e na intensificação do empenho
ascético e educativo, Mazzarello se abria realmente a uma experiência muito próxima à
de Dom Bosco. Sinais disso eram a progressiva e acentuada dedicação espiritual e apos-
tólica às meninas, com intuito de dar-lhes encaminhamento profissional e educação
religiosa, e, por causa desta, alguns elementos incipientes de vida comum com as
jovens apóstolas. Muito depressa padre Pestarino tornava-se o grande mediador entre o
grupo das Filhas da Imaculada e Dom Bosco. O primeiro encontro pessoal das Filhas de
Maria Santíssima Imaculada com o futuro fundador acontecia em 8 de outubro de 1864,
ano em que Maria e Petronilla Mazzarello tinham reforçado a separação da família,
formando uma comunidade germinal. “Saiba que – escrevia Angela Maccagno ao padre
Frassinetti, em 4 de dezembro de 1864 –, quando Dom Bosco veio a Mornese, uma tarde
nos reunimos todas na Igreja, isto é, todas as Filhas da União, e ele nos disse algumas
coisas. E eu, advertida pelo diretor, pedi-lhe que nos recomendasse a nosso bispo, que
estava em Acqui, e ao mesmo tempo lhe disse que, quando fosse a Roma, intercedesse
por nós junto do santo padre. Ele respondeu que não deixaria de fazê-lo. Perguntou-nos
se tínhamos alguma indulgência e se gostaríamos de obtê-las. Dissemos-lhe que tinha
todas as licenças de consegui-las para nós”.19 Nos mesmos dias, de acordo com Dom
Bosco, padre Pestarino começava a dar forma ao projeto que o teria conduzido à cons-
trução do colégio, idealizado para os jovens, o qual, em 1871, por indicação de Dom
Bosco, seria transformado em colégio para meninas.
Chegava-se a uma escolha vocacional mais precisa em outubro de 1867, quando
educadora e educandas se transferiam para a casa da Imaculada, que lhes deixara padre
Pestarino. Maria Mazzarello se tornava a diretora ou responsável. Enquanto isso, o
minúsculo grupo da Filhas, solidárias com Mazzarello, intensificava a própria ativi-
dade, que orientava-se ainda mais para formas de apostolado semelhantes ao de Dom
Bosco: o trabalho de costureiras, dedicadas à formação profissional e à educação cristã
das meninas, o educandário germinal para meninas órfãs ou necessitadas, e a ação
de prevenção oratoriana, religiosa, catequética e recreativa. Na segunda-feira, 9 de
dezembro de 1867, Dom Bosco chegava a Mornese, onde permaneceria alguns dias
para receber oficialmente da comunidade mornesina, reunida em assembléia no dia 10,
17Oneglia, Tasso, 1859.
18 Cf. cap. 15, § 11.
19 Citado em G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice (1872-1885).
Edição crítica aos cuidados de irmã Cecilia Romero. Roma, LAS, 1983, p. 24, n. 15

7 Pages 61-70

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7.1 Page 61

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 61
o dinheiro das rifas prometidas para a construção da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora.20
Fez uma conferência às Filhas de Maria Imaculada e, no dia 13, abençoou a capela
do novo colégio, celebrando aí a santa missa.21 Retornou a Mornese por convite do
padre Pestarino, em 19 de abril de 1869, permanecendo até o dia 22. “Falou às Filhas”,
informa a Cronistoria, falando ainda de uma espécie de horário-programa, que Dom
Bosco teria enviado depois às jovens. Desse programa, contudo, não se tem rastro nem
se conhece o conteúdo, o que o torna ainda mais problemático, visto que se sabe que as
Filhas de Maria Imaculada já tinham o próprio regulamento.22
Dom Bosco esteve ainda em Mornese em 9 de maio de 1870, no segundo dia do
tríduo de celebrações para a primeira missa do sobrinho do padre Pestarino na cidade,
padre Giuseppe. Mencionava isso à condessa Callori, em 15 de maio, elogiando a
temperatura espiritual que se respirava no lugar e na comunidade das Filhas: “Sua carta
chegou às minhas mãos em Mornese, que é o paraíso terrestre da província de Acqui”.23
Provavelmente nesse momento estava amadurecendo a terceira fase, 1870-1871, que
conduziria à data da “fundação” oficial, 5 de agosto de 1872. O bispo não era favorável
à abertura do colégio para meninos. Padre Pestarino procurava envolver Dom Bosco no
ato de determinar a nova destinação. Pode-se deduzir tal fato do aceno contido na carta
em que Dom Bosco assegurava a própria presença em Mornese, em 9 de maio de 1870:
“veremos ainda o que fazer com a casa e a escola de Mornese”.24 Mais explícito, mas
somente para o destinatário da carta, não para quem a lê hoje, é o que escrevia ao padre
Pestarino em 10 de julho, convidando-o a ir a Turim para as quarenta horas, de 20 a
22 do mês: “se V.S. pode vir nessa ocasião será um grande prazer para mim, e teremos
tempo para falar de nossos interesses (...). Poderia vir no dia 18 e passar conosco a
semana e encontrar-se no sábado na paróquia, se assim quiser. Assim, terei um pouco
de tempo para comunicar-lhe algumas coisas que não convém confiar a uma carta”.25
Tornava-se explícita, finalmente, a decisão sobre o destino do colégio, concordada com
o padre Pestarino no final de janeiro de 1871, quando o sacerdote mornesino estava
em Valdocco para as conferências dos diretores. Em 28 de fevereiro escrevia este ao
sobrinho, padre Giuseppe: “Estive em Turim e se decidiu absolutamente pela abertura
do colégio, em um sentido grandioso. Dom Bosco tem pensamentos muito grandes,
e será necessário ainda construir, pelo que soube. Falta somente a licença, estamos
atrás dela, mas o que fazer?”.26 Aos “pensamentos muito grandes” sobre a abertura do
colégio não deviam estar alheias, ainda elas que o ignorassem, as Filhas da Imaculada.
20 Cf. carta de Dom Bosco ao padre Pestarino, 4 de outubro, e 3 e 25 de dezembro de 1867; Em
II 440-441, 453-453 e 464-465.
21 Cf. MB VIII 1012-1018.
22 Cf. Cronistoria I 224-225.
23 Em III 208.
24Ao padre Pestarino, 2 de maio de 1870; Em III 205.
25 Em III 224.
26 Citado em P. Cavaglià e A. Costa, (org.), Orme di vita tracce di futuro, p. 21.

7.2 Page 62

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62 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
3. Dom Bosco fundador do Instituto FMA
Mais que a confidências particulares, é preferível ater-se aos fatos, já analisados de
forma breve mas aguda, por outros. Dom Bosco, além disso, como observava nos anos
50 seu diretor espiritual, padre Cafasso, não costumava exteriorizar os pensamentos
e projetos que ainda estavam em gestação. Quando os manifestava, estes já se encon-
travam em fase de execução. Só então podia haver algum confidente, embora raro:
aquele que era chamado diretamente a colaborar, salesiano ou benfeitor.
Algo de semelhante deve ter-se verificado com relação ao início de seu empenho
direto na fundação do Instituto das FMA. Sua proverbial reserva inclui, contudo,
convincentes certezas sobre eventuais soluções alternativas, que possam ter precedido
a opção em relação às Filhas de Maria Santíssima Imaculada.
Assim, não parece que ele jamais tenha pensado em partir da obra educativa e apos-
tólica estabelecida por madre Luigia Angelica Clarac na Via Pio V, pouco distante do
Oratório São Luís.27 É mais crível que o conhecimento da iniciativa de madre Clarac,
mais que “hipotética possibilidade de fundação”, lhe tenha servido de “forte estímulo
no amadurecimento de uma obra em favor das meninas necessitadas, que ia se deline-
ando no espírito do santo”.28
Ainda mais problemática parece a tentativa precoce, lá pelos anos de 1860, muito
embora sem êxito, narrada pelo biógrafo do beato Giuseppe Allamano. “Quando Dom
Bosco pensou em fundar a Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora – teria afir-
mado padre Allamano –, a primeira pessoa em que pensou para ser a primeira supe-
riora foi precisamente Benedetta Savio. Para tal finalidade tinha convidado a irem a
Castelnuovo dois de seus sacerdotes, a fim de persuadi-la a ir a Turim”.29 Aconselhada
por Cafasso “a ser monja em casa”, Benedetta Savio (1825-1896), professora primária
de 1849 a 1856, depois por quase cinquenta anos diretora do Asilo Pescarmona, em
sua cidade natal, por vontade própria ou dissuadida pelos familiares, teria declinado
da proposta de Dom Bosco para que “se tornasse co-fundadora das Irmãs de Maria
Auxiliadora”.30 Não obstante a autoridade do testemunho, imprecisões e incongruên-
cias levam a redimensionar bastante o fato, tanto mais problemático quando se pensa na
data, realmente difícil de se aceitar, se “se pretende ligar aos fatos de Mornese”.31
27 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, vol. I, p. 189-192.
28 Cf. M. E. Posada, “Alle origini di una scelta: Don Bosco, fondatore di un Istituto religioso
femminile”, Salesianum 50(1988), p. 157; M. E. Posada, “Don Bosco fondatore dell’Istituto”,
p. 291; M. Treacy, “Mother Marie-Louise-Angelique Clarac and Don Bosco”, Jounal of
Salesian Studies 5(1994), n. 1, p. 152-159.
29 Cf. I. Tubaldo, Giuseppe Allamano: il suo tempo, la sua vita, la sua opera. Vol. I: 1851-1891.
Turim, Edizioni Missioni Consolata, 1982, p. 11.
30 Cf. M. E. Posada, “Alle origini di una scelta”, p. 157-159.
31 Cf. M. E. Posada, “Alle origini di una scelta”, p. 152; M. E. Posada, “Don Bosco fondatore
dell’Istituto”, p. 292.

7.3 Page 63

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 63
O cuidadoso e lento caminho de Mornese parece o único aceitável. Esse caminho
foi gradativamente se configurando em Dom Bosco por volta de 1870 e tornando-se
progressivamente desígnio revelado a partir de 1871: talvez ao padre Pestarino, e, aber-
tamente, a uma imprevisível protagonista, que era também benfeitora do Oratório.32
Madre Enrichetta Dominici (1929-1894), proclamada bem-aventurada em 1978,
era, desde 1861, superiora geral das Irmãs de Santana da Providência, fundadas
pelos marqueses Tancredi e Giulia di Barolo. A ela, após um prévio colóquio, Dom
Bosco enviava, em 24 de abril, uma carta extremamente empenhativa, com cópia das
Constituições Salesianas em anexo. “Entrego em suas mãos – escrevia – o Regulamento
de nossa Congregação, para que a senhora tenha a bondade de lê-lo e ver se é possível
adaptá-lo a um instituto de religiosas segundo o que tive a honra de expor-lhe pessoal-
mente. Deverá começar pelo nº 3 – Finalidade desta instituição Filhas da Imaculada
– e depois suprimir e acrescentar o que em sua sabedoria julgar necessário para fundar
um instituto cujas filhas, em face da Igreja, sejam verdadeiras religiosas, mas, em face
da sociedade civil, sejam igualmente cidadãs livres. Os capítulos ou artigos das Regras
de Santana que puderem ser adaptados, far-me-ia muito prazer se o fizer. O que achar
que devamos conversar, a senhora poderá avisar-me por algum de nossos clérigos ou
empregados que muitas vezes passam por aí. É certamente um incômodo novo, mas
acredito que se reverterá na maior glória de Deus. Pois, se conseguirmos ganhar-lhe
alguma alma, a senhora terá a maior parte”.33 Na carta se pressupõe explicitamente quer
a intenção de fundar um Instituto religioso para a educação das meninas quer o desígnio
já amadurecido de iniciá-lo a partir da União das Filhas da Imaculada. Já se encontra
delineado um instituto idêntico, em sua fisionomia religiosa e “civil”, com a Sociedade
de São Francisco de Sales. Como se depreende da carta da madre Dominici, de 4 de
dezembro de 1872, a seu diretor espiritual, dom Pellegrino Tofoni, secretário do arce-
bispo de Fermo, cardeal de Angelis, a superiora tinha aceito o pedido, fazendo com que
sua secretária, irmã Francesca [nome civil: Caterina] Garelli redigisse o Regulamento.
Esta o retira, “em grande parte”, da Regra das Irmãs de Santana.34
Conforme testemunho do padre Paolo Albera no Processo Apostólico, no mês
seguinte ocorria um desenvolvimento significativo. “Em maio de 1870 [mas é 1871] –
atestava – Dom Bosco, tendo reunido o Capítulo, recomendou que se rezasse durante
um mês a fim de obter as luzes necessárias para saber se devia também ocupar-se das
meninas, como de tanto em tanto era solicitado a fazer. Terminado o mês, reuniu de
novo o Capítulo, pedindo a cada um o próprio parecer. Todos estiveram de acordo
que convinha fazer também esse bem, e então ele pensou em confiar a obra ao padre
Pestarino, sacerdote secular da diocese de Acqui e residente em Mornese, que, vivendo
em sua casa, se ocupava da direção das almas, mas especialmente da Congregação
32 Cf. carta de Dom Bosco, 21 de setembro de 1869; Em III 137.
33 Em III 325.
34A carta é transcrita em P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 60.

7.4 Page 64

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64 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
das Filhas de Maria, que tinha sido fundada a exemplo da que fora erigida em Gênova
pelo padre Frassinetti, de quem era amigo íntimo (...). Eu atesto o que disse acima
com conhecimento direto, pois pertencia ao Capítulo quando Dom Bosco tratou dessa
instituição”.35 O testemunho é alternativa confiável à ata da reunião do Capítulo de 24
de abril de 1871, e que não foi encontrada até agora. Nessa reunião, segundo padre
Angelo Amadei, Dom Bosco teria manifestado a intenção acerca da fundação do novo
instituto.36 Sabemos que é inexata a afirmação de que a União das Filhas da Imaculada
seguisse Gênova; a ordem é claramente inversa. Em sua Memória, redigida há pouca
distância dos fatos, padre Domenico Pestarino transmitia, quase que por ata, a viragem
decisiva que, nestes meses, levava Dom Bosco a ser novamente fundador. “Pela metade
de junho” de 1871 – escrevia – Dom Bosco “expunha ao padre Pestarino de Mornese,
em conversa privada que teve com ele no Oratório de Turim, seu desejo de pensar na
educação cristã das meninas do povo e declarava que Mornese seria o lugar que conhecia
mais adaptado para tal Instituto, pela salubridade do ar, pelo espírito religioso que aí
reina, porque, tendo começado já de vários anos a Congregação das Filhas sob o nome
da Imaculada e das Novas Ursulinas, poder-se-ia facilmente escolher entre essas as que
fossem mais dispostas e chamadas a levar vida comum em tudo e retirada do mundo,
visto que, tendo já alguma idéia de vida mais regulada e de espírito de piedade, poder-
se-ia facilmente iniciar o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, que auxiliasse com
o espírito, com o exemplo e com a instrução salutar a cultivar maiores e pequenas, e,
a exemplo dos oratórios que o mesmo Dom Bosco instituíu na cidade de Turim e dos
colégios de jovens que sob sua direção encontram-se em várias partes, fazendo-se as
poucas exceções e correções indispensáveis a seu sexo, a promover o bem e a instrução
cristã em tantas pobres meninas do povo”. Dom Bosco tinha solicitado o parecer do
padre Pestarino, que dava seu pleno assentimento, com a condição de que Dom Bosco
aceitasse a “direção e a proteção imediata e absoluta”.37
Em outra Memória, mais longa, redigida após 5 de agosto de 1872, padre Pestarino
colocava junto com sua relação sobre os fatos, quase idêntica à precedente, uma crônica
do que tinha acontecido durante a doença de Varazze, e rápidos acenos sobre a vida
interna das congregadas até a constituição oficial do instituto em agosto. De fato,
durante a doença de Dom Bosco em Varazze, “padre Pestarino foi visitá-lo várias vezes”.
Particularmente importante foi a visita no dia da Epifania, junto com um grupo de
mornesinos. Dom Bosco pediu que o diretor espiritual das Filhas as reunisse e, segundo
a norma das Constituições já disponíveis, passasse à eleição do Capítulo, ou seja, da
superiora e das assistentes.38 É provável, com efeito, que já de muitos meses padre
35 Summarium, Substantialia Causae, p. 68.
36 MB X 594.
37A memória encontra-se em P. Cavaglià’ e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 42-43.
38 Segunda Memória do padre Pestarino, in: P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p.
45-46.

7.5 Page 65

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 65
Pestarino tenha recebido de Dom Bosco o Esboço de regra, constituído pelo manuscrito
original das Constituições Regras do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora. Parece,
com efeito, que se possa condividir os fatos narrados pela Cronistoria, referindo-se
ao verão de 1871: “No mesmo verão e provavelmente em casa da condessa Corsi, em
Nizza Monferrato ou em Lanzo, durante os exercícios espirituais, Dom Bosco entregava
ao padre Pestarino o primeiro esboço de regras que ele tinha já anunciado, pedindo-lhe
que desse uma olhada: era somente uma espécie de rascunho”.39 O sacerdote mornesino
corrigia e integrava o título como segue: “1871, 24 de Maio. Constituições e Regras do
Instituto das Filhas da Imaculada e de Maria Auxiliadora. Sob a proteção de São José,
de São Francisco de Sales e de Santa Teresa. 1872, 29 Janeiro. Começou-se a formar o
Capítulo”. Os conteúdos serão comentados mais adiante.
As eleições queridas por Dom Bosco em Varazze aconteceram realmente em 29
de janeiro, festa de são Francisco de Sales. “Voltando à cidade” – continua o prota-
gonista na Memória mais extensa –, padre Pestarino “executou o que lhe tinha suge-
rido Dom Bosco. Sem nada dizer a ninguém, reuniu as que viviam na casa próxima
da igreja e todas do lugar no belo dia de são Francisco de Sales”. “Tendo rezado o
Veni Creator Spiritus com o crucifixo exposto sobre a mesa com duas velas acesas,
procedeu à votação, sendo em número de 27. Depois, os votos entregues ao padre
Pestarino foram lidos por Angela Maccagno, professora do lugar, e até então superiora
das que viviam em suas famílias. Pelo escrutínio resultou eleita, com 21 votos, Maria
Mazzarello, filha de Giuseppe, de Valponasca; [receberam ainda] votos Petronila 3,
Felicina 2, Giovannina 1”. Maria Mazzarello declarava que não se “sentia capaz de
suportar tamanho peso”. Padre Pestarino não queria pronunciar-se sem antes escutar
Dom Bosco. Todas aderiram à sugestão da eleita de “deixar nas mãos de Dom Bosco
a escolha da primeira superiora”. Enquanto se esperava, concordou-se que ela “perma-
necesse como primeira assistente, com o nome de vigária”. Continuando as votações,
como “segunda assistente saiu Petronilla, com 19 votos”. A seguir, as duas assistentes
“nomearam Felicina como mestra das noviças, Giovanna [Ferrettino] como ecônoma, e
por vigária, ou vice-superiora para as da cidade, professora Maccagno”.40
O dia 5 de agosto de 1872 foi o início oficial, com a vestição religiosa das primeiras
quinze Filhas de Maria Auxiliadora e a profissão dos votos de onze delas. O bispo
diocesano, dom Giuseppe Maria Sciandra (1808-1888) presidiu a celebração. Dom
Bosco estava presente. Cansado de uma viagem na Ligúria e não gozando de boa saúde,
parecia não querer ir. Decidiu-se somente por causa da insistência do bispo, que tinha
mandado seu secretário a Valdocco para buscá-lo. O hábito nas novas irmãs era de
cor marrom e a cabeça era coberta de amplo véu azul da Filhas da Imaculada. Quatro
39 Cronistoria I 250. Dom Bosco tinha chegado na residência dos Corsi em 21 de agosto de 1871
e saía no dia 29.
40 Segunda Memória do padre Pestarino, in: P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p.
46-47.

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66 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
receberam a medalha de noviças. As outras onze, ao invés, professaram os votos trie-
nais e receberam o crucifixo. Solicitado pelo bispo, Dom Bosco dirigiu às irmãs breve
discurso, cujo tema está registrado na ata do rito: “As novas religiosas tiveram a conso-
lação de receber de sua boca as advertências mais importantes para corresponder à
graça da vocação no Instituto religioso que abraçaram”.41
Às 17 horas voltava a Turim. No dia seguinte saía para Santo Inácio em Lanzo, para
os exercícios espirituais e para um pouco de repouso. “Minha saúde parece ter melho-
rado, e aqui consegui despachar algumas coisas muito antigas”, escrevia ao padre Rua
no dia 12.42 No entanto, em Mornese, os exercícios espirituais, iniciados na tarde de 31
de julho, prosseguiam até 8 de agosto. Essa data está transcrita na ata das vestições e
profissões. Nela, contudo, falta a assinatura de Dom Bosco. Escrito “por ordem do S.
E. Reverendíssima, dom Giuseppe Maria Sciandra” – teria colocado Dom Bosco na
margem do texto –, iniciava-se com certa solenidade: “Há bastante tempo o muito reve-
rendo padre Giovanni Bosco, fundador e diretor de muitos colégios para a educação
cristã da juventude, desejava abrir uma casa que fosse o princípio de um instituto pelo
qual se estendesse igual benefício às jovens, precipuamente da classe do povo, e final-
mente um de seus desejos foi realizado. No dia 5 do corrente mês (...).43
4. Primeira modelação do Instituto
A partir de 5 de agosto de 1872 a vontade fundacional de Dom Bosco torna-se
mais intensa e evidente, paralela e entrelaçada com a obra cotidiana tangível de direção
prática e de animação religiosa da vigária, em breve superiora geral.
A ação de Dom Bosco exprimia-se com intervenções pessoais diretas e com medidas
comunicadas ao diretor geral, primeiro padre Pestarino e depois, após sua morte, desde
1874, padre Giovanni Cagliero, ou ao diretor salesiano local, que eram seus intérpretes
junto à superiora, às irmãs e às alunas. Além disso, mantinha-se em contato com o bispo
diocesano e com a administração municipal.
Obviamente, tudo isso acontecia enquanto as superioras e as religiosas do Instituto
agiam cotidianamente segundo as respectivas responsabilidades e competências. Via de
regra prescinde-se disso, voltando a atenção, sobretudo, ao que se refere a biografia de
Dom Bosco.
O interesse de Dom Bosco pelo Instituto exprimia-se, antes de mais nada, no cuidado
de dotá-lo do melhor texto constitucional possível. O texto Constituições e Regras do
Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora tinha como base o texto elaborado pela irmã
41 “Verbale relativo alla Fondazione dell’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice eretto in
Mornese, Diocesi di Acqui”, in: P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 40.
42 Em III 459.
43O texto está transcrito em P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 38-41.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 67
Francesca Garelli, uma combinação entre as regras do Instituto de Santana, nitidamente
predominante, e as da Sociedade de São Francisco de Sales, modificado por dupla
intervenção, inicial e intermédia, de Dom Bosco. Tendo desaparecido o original da
irmã Garelli, é extremamente árduo estabelecer a medida exata das intervenções do
fundador, que seriam as mais interessantes para nossa história. Tentou-se um exame
comparativo entre o Esboço FMA, ou seja o texto consignado ao padre Pestarino e por
ele modificado, as Regras do Instituto de Santana, as Constituições Salesianas dos anos
60 e o Regulamento das Filhas da Imaculada.44 Resultaram duas conclusões principais
bastante confiáveis: 1) entre os vários textos “existe uma relação real e intrínseca a
respeito da estrutura e do conteúdo”, “mediado pelo Original-Garelli”; 2) contudo,
“artigos mais elaborados e empenhativos, como os artigos sobre a “finalidade do
Instituto”, a dependência “do ordinário” do lugar, a dependência do “superior geral da
Sociedade de São Francisco de Sales”, e títulos novos, como “Da ecônoma e da mestra
das noviças” e “A mudança da denominação do Instituto” “induzem a pensar que, entre
o Original Garelli e o Esboço FMA, tenha existido alguma intervenção de certo relevo.
A forma e o conteúdo dessa intervenção induzem a crer que se possa atribui-la a Dom
Bosco, fundador das FMA”.45 Além disso, “parece que o ms. A [o Esboço FMA ou
Constituições e Regras] seja o que foi dado por Dom Bosco ao padre Pestarino” e por
este retocado já no título.46
De fundamental importância é o título 1º, Finalidade do Instituto, que delineia a
fisionomia religiosa e, ao mesmo tempo, assistencial e educativa do novo Instituto.
É evidente a presença de um retoque ao mesmo tempo mornesino e bosquiano.
A finalidade “é buscar não somente a própria perfeição, mas de auxiliar na salvação do
próximo, dando às jovens do povo uma educação moral e religiosa” (art. 1). As Filhas
“terão especialmente o cuidado de ensinar as jovenzinhas das povoações e cidades
pobres, e de cultivar o espírito das que, vivendo em meio ao mundo, anseiam por levar
uma vida espiritual e por conseguir a perfeição cristã”, reunindo-as “em congregações”,
predispondo a melhor admissão delas “à Pia União das Filhas da Imaculada e de Maria
Auxiliadora”. Estarão ainda “dispostas a prestar assistência aos pobres enfermos e a
dar ao próximo qualquer outra ajuda de caridade conforme ao próprio estado” (art. 2).
“Poderão, além disso, receber em sua casa filhas de baixa condição, às quais, porém,
não ensinarão jamais as ciências e artes próprias da educação nobre e senhoril. Todo
o empenho será o de formar à piedade e a tudo o que poderá servir para torná-las boas
cristãs e boas mães de família” (art. 3). As filhas “professam vida comum em tudo:
fazem os votos temporais de três em três anos: não existirá clausura estrita” (art. 4).
Enfim, “todas as casas e estabelecimentos do Instituto dependerão da casa central e
obedecerão imediatamente à superiora, a qual poderá destiná-las, mudá-las, empre-
44 Cf. G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 38-48.
45 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 48-49.
46 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 59.

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68 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
gá-las conforme julgar bem diante de Deus, e nenhuma poderá recusar-se a obedecer;
assim como não será lícito, sob qualquer pretexto, recusar qualquer trabalho ou cargo
para o qual forem escolhidas” (art. 5). Porém, a autoridade da superiora não se exercita
sem uma instância superior. Com efeito, segundo o primeiro artigo do título 2º, Sistema
geral do Instituto, esta “está sob a imediata dependência do superior geral da Sociedade
de São Francisco de Sales, a quem dão o nome de superior maior, que poderá fazer-se
representar, onde julgar necessário, por um sacerdote a quem delegará, sob o título de
superior ou diretor das irmãs. A superiora da casa recorrerá a esse diretor em todas as
necessidades, e não fará jamais uma coisa importante sem seu conselho, máxime no
que concerne à religião e à moralidade”. Evidentemente é de Dom Bosco também o
art. 5: “as irmãs, entrando no Instituto, não perdem os direitos civis, mesmo depois
de ter feito os votos. Portanto conservam a propriedade de suas coisas e a faculdade
de suceder ou de receber herança, legados e doações, mas não poderão administrar
seus bens, a não ser no limite estabelecido pelo superior maior”. Ao invés, o título 8º,
Virtudes principais propostas ao estudo das noviças e à prática das professas, ressente
do espírito das irmãs do Instituto de Santana e das Filhas da Imaculada: “Simplicidade
e modéstia virginal, espírito e rigorosa observância da pobreza. Caridade paciente e
zelosa pela salvação não somente da infância, mas ainda das jovens. Espírito de oração
com o qual as irmãs se encontrem perpetuamente na presença de Deus e abandonadas
à sua providência. Obediência de vontade e de juízo”. Semelhante impressão deixa o
amplo título 14º, Regras comuns a todas as irmãs, semelhantes, em vários artigos, às
idéias e práticas de Dom Bosco: a modéstia, a caridade recíproca, os livros para a leitura
espiritual, além dos indicados pela superiora, a Imitação de Cristo, o Rodríguez, Monja
santa de Santo Afonso, as vidas dos santos e santas que se dedicaram especialmente ao
apostolado e à educação da juventude.47
Com fundamento – e talvez pelo que ouviu de Dom Bosco – marquesa Maria Fassati,
em 3 de novembro de 1872 [ou 1874?], escrevia à sua mãe, Azelia de Seyès, viúva de
Rodolfo De Maistre: “Há mais ou menos dois anos existe em Mornese certo número
de jovens que se formam à vida religiosa e ao espírito bosquiano. Dom Bosco deu-lhe
Regras, que estuda e aperfeiçoa; em seguida mandará construir para elas uma casa na
praça Maria Auxiliadora, e elas farão para as jovens o que os bosquianos fazem para os
jovens. Além disso, cuidarão das roupas da casa de Dom Bosco”.48
5. O “espírito bosquiano” na ação do fundador (agosto de 1872 – primavera
de 1874)
A especificidade “bosquiana” ou salesiana mostrou-se determinante sobre o novo
instituto, sobretudo no primeiro biênio de existência, no cuidado de Dom Bosco em
47Os textos são citados no manuscrito retocado pelo padre Pestarino, guardado em Roma no
AGFMA.
48 Transcrita por P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 58-59.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 69
amalgamar a fidelidade às finalidades religiosas e apostólicas da União das Filhas de
Maria Imaculada, o preciso estado radical de consagradas a Deus e a missão educativa
apostólica segundo o espírito de São Francisco de Sales, mediado pelo fundador. Tal
operação conduziria, entre o final de 1873 e o início de 1874, à nítida distinção e à sepa-
ração, pacífica e amigável, de natureza e de estrutura das duas instituições, as Novas
Ursulinas e as Filhas de Maria Auxiliadora.
O fim educativo se exprimia imediatamente, durante o ano de 1872-1873, com a
organização, no amplo edifício construído pelo padre Pestarino, de um curso elementar
de disciplinas escolares variadas e práticas. O jornal L’unità cattolica de 1º de outubro
de 1873 escrevia a respeito: “os frutos recolhidos neste ano superaram a expectativa
geral, e disso foram testemunhas os professores que se dirigiram no final deste mês,
desde Turim, para tomar o exame das alunas. Dom Sciandra, bispo de Acqui, quis honrar
com sua presença esse instituto, examinando as alunas na língua francesa e assistindo à
distribuição dos prêmios. Essa distribuição foi animada com poesias, cantos e sons, que
deram também ótima prova do progresso feito por essas meninas na música”.49 Em 11
de dezembro de 1873 o delegado da circunscrição escolar de Castelletto d’Orba dava a
aprovação oficial, a partir do ano de 1873-1874, do educandário e dos cursos escolares.50
Fora concedida depois do pedido efetuado pela responsável da escola, Emilia Mosca,
ainda não professa. Mas tornara-se possível após concreta intervenção de Dom Bosco,
que tinha enviado de Turim a Mornese duas jovens professoras, uma com o diploma
para o ensino na escola elementar e a outra habilitada pela Universidade de Turim para
o ensino da língua francesa e que se diplomaria mestra em 1874. Eram Angela Jandet,
de Novara, com 24 anos, que chegava em 10 de maio de 1872, entre as primeiras onze
professas no dia 5 de agosto, e que se retirava no início de 1875, e Emília Mosca, com
20 anos (1851-1900), que chegada a Mornese em 30 de dezembro de 1872, professa
no dia 14 de junho de 1874, diretora da escola e do educandário, e depois, até à morte,
assistente geral do Instituto com o encargo das escolas. Elas davam início à atividade
educativa escolar fundamental, típica do Instituto.51
Na mesma época Dom Bosco tinha dado um passo igualmente importante. Colocava
à disposição da comunidade em formação e de sua superiora pessoas experimentadas,
para que coadjuvassem as jovens neo-consagradas a levar vida religiosa regular. Na
carta citada, de 4 de dezembro de 1872, a dom Pellegrino Tofoni, madre Enrichetta
Dominici, ao que já era conhecido, acrescentava: “Agora o senhor Dom Bosco gostaria
que uma de nós, dizendo uma entende-se duas, fosse a Mornese, assim é o nome do
49 “Un buon istituto per le ragazze”, L’Unità Cattolica, n. 229, quarta-feira, 1º de outubro de
1873, p. 919-920. O texto, redigido por Dom Bosco ou pelo padre Durando, provavelmente se
referia a um curso privado com exames externos, efetuados por salesianos vindos de Turim.
50 Cf. P. Cavaglià, “La scuola di Mornese (1872-1878) : alle origini di una scelta per la
promozione integrale della donna”, Riviste di Scienze dell’Educazione 26(1988), p. 159-162;
P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 95-96.
51 P. Cavaglià, “La scuola di Mornese (1872-1878)”, p. 151-186.

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70 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
lugarejo onde surgiu o novo instituto, para encaminhar essas boas religiosas à vida
comum e ajudar a colocar em prática as regras que lhe foram dadas”.52 Para intei-
rar-se da situação, ela própria fazia uma visita a Mornese, onde era acolhida “com
muita cordialidade e gentileza”, dando conta da razão do pedido de Dom Bosco e da
oportunidade de acolhê-lo. Com efeito, “a casa em apreço – escrevia a dom Tofoni
em 26 de janeiro de 1873 – era já bem organizada como instituto escolar, mas como
casa religiosa falta muito de regularidade e de meios para conservá-la”. De outro lado,
“o terreno parece muito bem disposto; cultivado diligentemente, promete bons frutos”.53
Eram enviadas as irmãs Francesca Garelli, secretária da madre e segunda assistente
geral, e Angela Alloa, com diploma de professora elementar de grau superior. Chegadas
no início da Quaresma de 1873 (o dia de Cinzas fora o 26 de fevereiro e o de Páscoa,
13 de Abril), voltaram a Turim para as festas pascais, retornando a Mornese depois de
15 de abril e aí permanecendo até setembro. É interessante um particular sublinhado na
biografia de irmã Francesca (1838-1896): “de espírito sumamente ordenado, preciso,
exato na observância e nas formas de atitude religiosa que são o decoro da religião e
a tornam recomendável junto aos seculares, nossa cara madre Francesca não podia
aceitar com facilidade o modo de viver mais solto e livre com o qual Dom Bosco, de
veneranda memória, queria formar suas novas filhas”. Sob esta luz poderiam se redi-
mensionar também as primeiras impressões sobre a comunidade de Mornese da irmã
Enrichetta Dominici. Os dois institutos diziam respeito a personalidades bem distintas
e, inevitavelmente, espelhavam suas diferenças de mentalidade, de método e de estilo.
O próprio Dom Bosco pensava imprimir ao Instituto que fundara um espírito bem
distinto, tanto é que se diz de irmã Francesca que, “tendo iniciado as noviças segundo
a idéia do fundador”, voltou de bom grado à casa-mãe.54
Após o retorno a Turim das duas irmãs de Santana, em outubro, Dom Bosco enviava
a Mornese, para uma colaboração suplementar, a viúva do advogado Matteo Blengini,
um dos benfeitores do incipiente Oratório.55 Nas intenções do fundador a distinta
senhora, que fora filha espiritual do padre Cafasso, educada em um mosteiro de Turim,
deveria sustentar a superiora, hesitante em aceitar o peso do cargo, e ajudar a conferir
uma face religiosa à comunidade, temperando as austeridades e favorecendo certo estilo
nas relações inter-pessoais, tanto no interior como no exterior. Provavelmente um tanto
invasiva, ao voltar a Turim para as festas natalícias, não queria mais retornar a Mornese,
mas Dom Bosco insistiu. “Se madre Blengini não foi ainda para Mornese – escrevia de
Roma ao padre Rua nos primeiros dias de janeiro de 1874 –, diga-lhe que esteja tran-
qüila, pois as coisas se ajustarão um pouco por vez. Já escrevi a respeito; uma carta a
52 Transcrita em P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 60-61.
53 Texto transcrito em P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 62-63.
54 Libro delle suore defunte, vol. II, p. 86-87, Arquivo das Irmãs de Santana, citado por P.
Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 61, n. 6.
55 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale, p. 79, 416, 551; cap. 7, § 1.

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8.1 Page 71

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 71
espera lá”.56 Parece, contudo, que o zelo indiscreto da boa senhora tenha feito com que
também Dom Bosco mudasse de idéia. No verão ela se retirava definitivamente de uma
missão incôngrua e desorientadora.57
Dom Bosco, no entanto, continuava a dirigir e plasmar, principalmente com inter-
venções diretas e com a presença pessoal. Ele estava em Mornese no início de julho
de 1873, de onde escrevia satisfeito ao padre Rua: “Aqui se respira um ar muito puro,
embora exista muito fogo de amor de Deus”.58 Aí voltava nos primeiros dias de agosto,
enquanto estava em curso, desde 29 de julho, os exercícios espirituais em preparação
à vestição das noviças e à profissão das que terminavam o noviciado. Desde a metade
de julho estava aí hospedado o bispo diocesano, dom Sciandra. Os pregadores eram
dom Andrea Scotton e o padre jesuíta Luigi Portaluri, chamados expressamente por
Dom Bosco, que tinha convidado também cerca de dez senhoras, desejosas de fazer um
retiro. O fundador recebeu irmãs e postulantes, falou privadamente e esteve à disposição
para as confissões. Voltava junto com padre Cagliero, que o acompanhara, na véspera
do encerramento dos exercícios, para subir, também naquele ano, a Santo Inácio em
Lanzo. Em 5 de agosto, após a pregação conclusiva dos dias de retiro das irmãs, dom
Sciandra assumia para si o ônus e a honra da cerimônia das vestições e das profissões.
No mesmo mês Dom Bosco movia-se uma vez mais em favor de Mornese, no fronte
da missão. Mandava imprimir um programa para o pequeno educandário, quase idên-
tico ao de seus colégios, e o enviava a párocos e sacerdotes, junto com uma circular:
“Tomo a liberdade – escrevia – de apresentar a V.S. o programa do educandário femi-
nino que há um ano funciona em Mornese. V.S. compreenderá que o escopo desse insti-
tuto é educar na religião e na moralidade as meninas cristãs; por isso confio muito em
sua bondade e peço, respeitosamente, que dê a conhecer o presente programa e consiga,
dessa forma, alguma aluna para a nova casa”.59 O artigo já citado sobre o primeiro ano
escolar de 1872-1873, aparecido em L’Unità Cattolica, era de 1º de outubro.
No final de 1873 acontecia, de modo inevitável e inicialmente provocado por Dom
Bosco, o esclarecimento definitivo da situação associativa das pertencentes à União das
Filhas de Maria Imaculada, já em parte professas no Instituto das FMA. Isso se deduz
de uma carta do pároco padre Carlo Valle a dom Sciandra, bispo de Acqui. “Convidado
pela senhora diretora do Instituto Dom Bosco – informava –, as filhas do Instituto de
Santa Angela Merici dirigiram-se à residência da senhora diretora para escutar o que ela
desejava comunicar-lhes. A senhora diretora leu às congregadas um trecho da carta do
reverendíssimo senhor Dom Bosco, com a qual este lhes manifestava o desejo de que as
56 E II 327.
57 Cf. Cronistoria I 50-53, 74-75; II 51,54 e 596.
58 Carta de 3 de julho de 1873; E II 292.
59 Circular sem data, mas de agosto de 1873; E II 303-304. Programma, Casa de Maria Ausiliatrice
per educazioni femminile in Mornese. Turim, Tip. dell’Oratorio di San Francesco di Sales,
1873: o texto está transcrito em P. Cavagliàe A. Costa (org.), Orme di vita, p. 81-85.

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72 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
adeptas de Santa Angela se unissem às irmãs de Maria Santíssima Auxiliadora para as
conferências dominicais, sublinhando depois com suas palavras que era desejável que
os dois Institutos formassem um só, antes, que só a freqüência às conferências já seria
indício de adesão e submissão à direção de Dom Bosco”. Tal fato produziu surpresa
nas Filhas de Santa Angela, “pouco dispostas a abandonar as próprias regras para
sujeitar-se às de Dom Bosco, que pareciam adaptadas unicamente a uma comunidade”
(de religiosas). Muitas tinham se dirigido ao pároco, pedindo conselho. “Em meu
parecer – prosseguia sabiamente padre Valle – nada impediria que em Mornese exis-
tissem dois institutos e que se ajudasse e promovesse o de Santa Angela, o qual ajudaria
muitíssimo a cultivar a pureza e a piedade das donzelas, que, educadas na piedade,
estariam mais dispostas a deixar o mundo e aninhar-se no santo asilo de Dom Bosco”.
A resposta do bispo era cristalina: “eu reputo oportuno, para não dizer indispensável,
que se deixe a mais plena liberdade às filhas do Instituto de Santa Angela de Merici
para unir-se ao Instituto das Irmãs de Maria Auxiliadora aí estabelecido. Ou, então,
que vivam completamente separadas, como se o instituto assim chamado não existisse.
Parece que o convite do senhor Dom Bosco, por ora, se limite ao convite para a assis-
tência às conferências dominicais para as Filhas de Santa Angela, a serem feitas no
supracitado colégio: essa conferência não é identificação dos dois institutos; de qual-
quer forma, também sobre esse ponto se deixe plena liberdade de adotá-lo ou não.
O fato de obrigar é origem de dissensão, escrúpulos etc. E além disso se conhece o
nitimur in vetitum e o quanto isso contraria nosso modo de ver. Eu me ocuparei da
nomeação do diretor geral de todas as Filhas de Santa Angela existentes na diocese”.60
Os dois institutos, das Novas Ursulinas e das Filhas de Maria Auxiliadora, conviveram
em harmonia, respeitando as diferenças de finalidades, espírito e estruturas, também
graças à sabedoria das duas responsáveis, Maria Mazzarello e Angela Maccagno.
Deve-se colocar nas primeiras semanas da estada de Dom Bosco em Roma, em
1874, em vista da aprovação definitiva das Constituições Salesianas, a audiência na
qual o papa teria formulado as cinco recomendações, com as quais todos concordam,
se não sugeridas ou reformuladas por Dom Bosco, e por ele transmitidas a Mornese:
“Uniformidade na comida, uniformidade no vestir-se, uniformidade nas permissões,
fuga das exceções, prática das Regras”.61 A unidade-uniformidade, como se viu, era
também o tema central de uma das primeiras circulares aos salesianos.62
Nos mesmos dias foi certamente Dom Bosco quem fez inserir no Compêndio da Pia
Sociedade de São Francisco de Sales o documento n. 15 da Positio para a aprovação
das Constituições Salesianas, uma explícita referência ao Instituto. O elenco das “Casas
da Congregação” encerrava-se com uma indicação que pode ser considerada a primeira
60As duas cartas, respectivamente de 2 e de 7 de dezembro, estão transcritas em P. Cavaglià e
A. Costa (org.), Orme di vita, p. 90-94.
61 Elas se encontram, sem a respectiva documentação, na Cronistoria II 61.
62 Circular do final de abril de 1868; Em II 529-531. Cf. cap. 15, § 11.

8.3 Page 73

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 73
apresentação do Instituto das FMA às autoridades eclesiásticas romanas: “16. Como
apêndice e dependente da Congregação Salesiana está a Casa de Maria Auxiliadora,
fundada com aprovação da autoridade eclesiástica de Mornese, diocese de Acqui. Sua
finalidade é realizar para as pobres jovens tudo o que os salesianos fazem para os jovens.
As religiosas já são em número de quarenta e cuidam de duzentas meninas”.63 Como
confirmação do sólido liame que, na mente do fundador, unia as duas congregações,
quase a fazer uma única e articulada família, enviava na segunda metade de março uma
circular a Mornese, semelhante a que fora endereçada aos salesianos, para empenhar
as “Filhas de Maria Auxiliadora e as alunas da Divina Providência a elas confiadas”
com preces especiais para obter a aprovação das Constituições da Sociedade de São
Francisco de Sales.64
Na carta de 17 de abril de 1874 ao sobrinho, após ter acenado ao cancelamento do
encontro de Alessandria com Dom Bosco, que voltava de Roma, padre Pestarino confir-
mava e esclarecia a idéia que o fundador tinha das relações jurídicas entre o Instituto das
FMA e a Sociedade Salesiana. Chegando a Turim para as Conferências de São Francisco
de Sales – escrevia padre Pestarino –, “encontrei-o no quarto com todos os diretores;
tendo-os feito sair, conversamos muito entre nós. Disse que o Instituto de Maria
Auxiliadora foi enxertado na Congregação aprovada de São Francisco de Sales”.65
Dois meses após um incidente desagradável, Dom Bosco precisou ir a Mornese.
Em 15 de maio morria repentinamente padre Pestarino. Para o funeral, fixado para o
dia 18, chegaram, no dia 16, o padre mornesino Francesco Bodrato e, no dia 17, padre
Giovanni Cagliero, acompanhado pelo padre Giuseppe Lazzero e por Carlo Gastini.
Dom Bosco se dirigia a Mornese em junho, com o padre Giovanni Cagliero, alguns
dias antes da missa de trigésimo dia, acolhido pelas saudações filiais de uma irmã, de
uma postulante e de uma educanda. Aí pregou algumas instruções em preparação à
vestição das futuras noviças e à profissão das novas irmãs, entre as quais Emilia Mosca
e Enrichetta Sorbone. No dia 15, após a missa fúnebre, tendo reunido toda a comuni-
dade das professas, as irmãs realizaram a eleição da superiora geral e de seu Conselho.
Foi eleita por unanimidade Maria Domenica Mazzarello. Também foram eleitas suas
colaboradoras: como vigária irmã Felicina Mazzarello, irmã de Maria Domenica, e
como mestra de noviças irmã Maria Grosso. Após breve homilia, o fundador anunciava
ter designado padre Giovanni Cagliero seu representante ou diretor geral . Como diretor
salesiano local tinha já nomeado padre Giuseppe Cagliero (1847-1874), primo do padre
Giovanni. O jovem sacerdote chegava em Mornese em 23 de maio: morria prematura-
mente em 4 de setembro.
63 Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari... Torinese sopra l’aprovazione delle
Costituzioni della Società salesiana. Relatore... Nobili Vitelleschi... Segretario. Roma,
Tipografia Salesiana, 1874, p. 46; OE XXV 382.
64O texto está transcrito em P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 110-111. Cf. circular
aos salesianos Dilettissimi figli in G. C., 16 de março de 1874; E II 365-367.
65 Carta transcrita em P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 113-114.

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74 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
O Instituto lançava-se em sua autonomia de ação, sustentada e promovida, além
de vigiada e controlada. O fato é confirmado pela carta enviada por Dom Bosco, no
mesmo 15 de junho, a uma benfeitora de sua máxima confiança, Francesca Pastore de
Valenza Po. A irreparável perda do padre Pestarino – escrevia – era compensada pela
confiança em Deus e no Instituto: “Confiamos em Deus. Há, porém, grande fervor
nas professas, nas jovens e nas próprias educandas, e isso nos dá esperanças”; “estou
empenhado nessa obra e, com o auxílio do Senhor, tenho confiança de poder conduzi-la
a um estado regular”. Acrescentava no pós-escrito: “Ontem tivemos treze vestições e
nove profissões”.66
Durante o verão e o outono de 1874 vários fatos confirmavam a constância do inte-
resse real de Dom Bosco pelo Instituto. Em julho enviava uma circular a senhoras e
jovens para um curso de exercícios espirituais na Casa Maria Auxiliadora de Mornese.67
Mais adiante o bispo regularizava a posição dos sacerdotes salesianos quanto ao minis-
tério sacerdotal exercitado na paróquia e na casa educandário das irmãs.68 Dois acon-
tecimentos particularmente importantes verificaram-se nos primeiros dias de outubro.
Em 6 de outubro de 1874 chegava a Mornese, como diretor espiritual local, padre
Giacomo Costamagna (1846-1921), que permaneceria até fins de outubro de 1877,
quando partia para a Argentina com as primeiras irmãs missionárias. Em Mornese
ele era também diretor de uma pequena comunidade de salesianos, formada no ano
de 1874-1875 por jovens clérigos e coadjutores professos e por algum noviço. Para
dois clérigos, professores na escola municipal, Dom Bosco pedia ao bispo de Acqui,
no mês de maio, a admissão à tonsura e às ordens menores.69 O dia 8 de outubro de
1874 se tornava para a comunidade mornesina das irmãs uma data histórica. Um grupo
de Filhas de Maria Auxiliadora, acompanhadas pelo padre Giovanni Cagliero, dava
origem à segunda comunidade no Colégio Salesiano de Borgo San Martino, onde as
irmãs estavam empenhadas na cozinha e na rouparia, mas também nos catecismos
e na instrução elementar das meninas do lugar. Eram Felicina Mazzarello, Felicina
Arecco, Angiolina Deambrogio e Carlotta Pestarino. No final do mês madre Mazzarello
acompanhava até ali uma noviça, Agnese Ricci, continuando a viagem para Turim com
duas irmãs que deviam prestar o exame de reparação em matemática, a fim de obter o
diploma de professora elementar: todas as três foram hóspedes das Irmãs de Santana.
A carta que Dom Bosco enviava de Roma ao padre Bonetti, diretor do Colégio de
Borgo San Martino, era confirmação do que ele pensava da continuidade religiosa e apos-
tólica das Filhas de Maria Auxiliadora e a Sociedade Salesiana. Essa carta fazia eco a uma
audiência que lhe concedera o papa Pio IX: “Todos os favores espirituais devem também
66 E II 388-389.
67 Cf. P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 127-128.
68 Troca de cartas entre o bispo de Acqui e o pároco de Mornese, 10 e 12 de setembro de 1874,
transcrita em P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 130-133.
69 Carta de 11 de maio de 1875; E II 477-478.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 75
ser comunicados às Filhas de Maria Auxiliadora, sobre o que escreverei posteriormente.
Cada um dos salesianos, dos noviços, alunos, das Filhas de Maria Auxiliadora deverá
comunicá-los aos próprios familiares. Essa é a intenção de Pio IX”.70 Os bens espirituais
de uns eram também das outras, incluindo os respectivos familiares.
6. Para a aprovação das Constituições da Sociedade Salesiana (1872-1874)
Armado de temerária esperança e de tenacidade ilusória, Dom Bosco esperava obter
tudo de uma vez, desde o início das negociações romanas: a aprovação da Congregação
e das Constituições e, com estas, a faculdade da isenção e das demissórias, condições
de liberdade e agilidade na ação. Contudo, precisou resignar-se a obtê-las gradual-
mente: após a aprovação da Sociedade, era a vez das Constituições; após estas, era a
vez da concessão dos assim chamados “privilégios”.
Nas três estadas romanas, entre 1871 e 1872, aparentemente jamais se tocou no
problema da aprovação das Constituições. Dom Bosco preparava sua solução. Os muitos
contatos deveriam fazer a solução mais viável. De qualquer forma, enquanto esperava,
ele não se cansava de pedir cada vez, diretamente ao papa ou através de intermediários,71
a concessão da faculdade das demissórias para casos não contemplados pelo decreto de
1º de março de 1869. Ele apresentava uma lista de onze nomes em uma súplica a Pio IX
anterior a 13 de agosto;72 para alguns destes, Bodrato e Guidazio,73 tinha pedido à parte;
para Berto e Barberis faria depois.74
Por fim, por solicitação de Dom Bosco, em 27 de agosto de 1872, cardeal Berardi
lhe comunicava que o papa afirmava “não haver dificuldade” para que o fundador
pudesse “dar segundo as vias ordinárias e regulares livre curso ao pedido” de aprovação
das Constituições da Sociedade.75
Dom Bosco se apressava, além da negociação, para colocar em foco três docu-
mentos: 1) o texto parcialmente modificado das Constituições de 1867;76 2) um breve
memorial De regulis Societatis Salesianae aliqua declaratio, no qual ilustrava e moti-
vava a aceitação ou recusa das treze animadversiones enviadas pela Congregação dos
70 Carta de 15 de março de 1875; E II 469.
71 Entre estes emergia o hábil e solícito cardeal Giuseppe Berardi; cf. por exemplo, cartas do
cardeal de 9 de junho e de 15 de julho de 1871; MB X 669-670.
72 Em III 122-123; cf., já dois anos antes, carta ao padre Marietti, 5 de maio de 1869; Em III
84.
73 A Pio IX, maio e julho de 1869; Em III 90 e 111.
74A Pio IX, 19 de fevereiro e 8 de novembro de 1870; Em III 187, 268-269.
75 Carta de 27 de agosto de 1872, transcrita em MB X 673.
76 Cf. Regulae Societatis S. Francisci Salesii, Turim, Ex officina Asceterii Salesiani, 1873, 32 p.;
OE XXV 35-72.

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76 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Bispos e Regulares em 1864 e explicadas no decurso das negociações para a aprovação
da Sociedade no biênio 1868-1869 −77 na Declaratio, que era uma forma de resposta
às animadversiones mais sintética que a do documento Super animadversiones in
Constitutiones, Dom Bosco insistia em defender os pontos essenciais do texto cons-
titucional −; 3) a nota informativa De Societate S. Francisci Salesii brevis notitia et
nonnula decreta ad eamdem spectantia78 − era o texto de 1868, atualizado com o acrés-
cimo do decreto de aprovação da Sociedade Salesiana, de 1º de março de 1869, e um
relatório sobre Salesianae Societatis praesens conditio, isto é, os quatro oratórios e as
sete casas.
No texto das Constituições, Dom Bosco mantinha os pontos que considerava irre-
nunciáveis em relação à especificidade de sua sociedade religiosa e às exigências de
obras juvenis em constante crescimento, necessitadas de pessoal assistente e de profes-
sores.79 Eram principalmente quatro: 1) a faculdade ao superior geral de conceder as
cartas dimissórias para as ordenações ad quemcumque episcopum, já que ele estava,
de fato, convencido de que o decreto de aprovação da Congregação de 1º de março de
1869 já desse via livre à inserção dessa faculdade no texto constitucional − o mesmo
decreto já previa isso para os candidatos admitidos em uma casa salesiana antes de
14 anos; para os outros, Dom Bosco considerava automática a concessão pontifícia
prévia apresentação das listas dos candidatos −;80 2) a exclusão de todas as referências
canônicas que pudessem tornar seu Instituto conventual e, assim, ao menos hipotetica-
mente, em contraste com as leis de supressão de 7 de julho de 1866 − o que teria aconte-
cido, segundo Dom Bosco, se fosse sancionada explicitamente no texto constitucional
a necessidade do beneplácito da Santa Sé para determinadas operações econômicas
ou para a abertura de novas casas ou a aceitação de seminários −; 3) a possibilidade
de “afiliação” à Sociedade dos “externos”, regulamentada em um capítulo posto em
apêndice ao texto − da colaboração de tais membros, segundo ele, alcançariam grandes
benefícios seja a Sociedade Salesiana seja a Igreja −; 4) a omissão da prescrição formal
do relatório trienal à Santa Sé, removendo o perigo que o poder civil pudesse considerar
a Sociedade ente moral e que seus bens caíssem sob o controle dos seculares.81
Quanto à importância que Dom Bosco teria dado às treze inquietantes animadiver-
siones, o novo consultor, o padre dominicano Raimondo Bianchi, após ter examinado o
texto das Constituições em 1873, observava cruamente: “causou-me bastante surpresa
descobrir que a maior parte delas foi omitida ou supressa, sob pretextos mais ou menos
77 Cf. o texto in Cost. SDB (Motto) 248.
78 Cf. o texto em OE XXV 103-121 e em Const. SDB (Motto) 248.
79A sucessão das variantes interferentes no texto de 1867 a 1873 (do doc. Ls ao doc. Ns) é
minuciosamente reconstruída na edição crítica cuidada por Francesco Motto, Cost. SDB
18-19, 58-211.
80 Cf. conferência feita aos salesianos na tarde de 7 de março de 1869, MB IX 564-566.
81 De regulis Societatis salesianae aliqua declaratio, in: Cost. SDB 232-234.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 77
especiosos aduzidos pelo superior geral em uma assim dita declaração das regras [a
Declaratio supracitada] anexada à súplica”.82
Mas a luta ao redor das animadversiones se deslocava para Dom Bosco também
no plano prático, ao qual o conduzia, com amarga surpresa, o ordinário de Turim,
dom Lorenzo Gastaldi. Em carta de 24 de outubro de 1872, o arcebispo professava-se
profundamente “afeiçoado à Congregação” fundada por seu coetâneo e amigo, julga-
va-a “obra inspirada por Deus” e se declarava “bastante alegre por continuar assis-
tindo-a, para que, de fato, pudesse chegar a obter do vigário de Jesus Cristo a plena
aprovação”. Contudo, “lembrando que o bem deva ser feito bem e que bonum ex integra
causa, malum ex quocumque defectu”, impunha condições taxativas para a admissão
dos candidatos salesianos à tonsura e às ordens, menores e maiores. Ele considerava
tais exigências totalmente legítimas, queridas pelo Concílio de Trento e em harmonia
com as limitadas faculdades concedidas pelo decreto de aprovação da Sociedade.
A apresentação ao ordinário dos candidatos à tonsura e às ordens sagradas era condicio-
nada ao cumprimento de algumas obrigações bem precisas: apresentar-se pessoalmente
ao arcebispo quarenta dias antes da ordenação; exibir alguma certidão de nascimento,
na qual estivesse incluído também o ano de entrada no Oratório; precisar o lugar e os
anos de estudo, tanto de latinidade e belas letras como de filosofia e teologia; indicar
o ano e o dia de profissão ou renovação dos votos trienais; e, ao fim, “prestar o exame
ao menos sobre dois tratados inteiros de teologia”, diversos para cada ordenação,
“sobre tudo o que diz respeito às ordens a serem recebidas”. O ordinário – acrescen-
tava –, poderia exigir dos alunos de Dom Bosco também a freqüência das lições no
seminário, mas confiava “que, no exame, darão provas de tais estudos e proveito nas
disciplinas teológicas, de tal forma que não seja necessário obrigá-los à observância
dessa prescrição”.83 Na resposta, escrita a duas semanas de distância, com o “coração
amargurado e a mente agitada” – no final da carta confessava mesmo: “escrevi quase
sem saber o que escrevi” –, Dom Bosco mostrava não ter percebido que as orientações
dadas pelo arcebispo não diziam respeito propriamente a episódios particulares, mas
espelhavam um programa de governo episcopal pautado na normalização da disciplina
eclesiástica na diocese e nas congregações religiosas, conforme uma ótica eclesioló-
gica bem precisa. O superior eclesiástico, portanto, devia maravilhar-se da pergunta
que Dom Bosco lhe dirigia: “eu lhe peço por quanto sei e posso que escreva ou diga
ou mande dizer o que observa de incorreto entre nós, a fim de que saibamos como
regular-nos”. Muito mais devia inquietá-lo a observação final: “permita-me a ousada
expressão: se continuar assim com outros, o senhor chegará ao ponto de ser temido
por muitos e amado por poucos”.84 Supondo descontadas as orientações dadas quanto
82 Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari... sopra l’approvazione della Società
Salesiana... Roma, Tip. Poliglotta della S. C. di Propaganda, 1874, p. 28; OE XXV 364.
O texto todo se encontra nas p. 28-36, OE XXV 364-372.
83 Carta de 24 de outubro 1872, transcrita em MB X 683.
84A dom Gastaldi, 9 de novembro de 1872; Em III 488-489.

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78 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
aos ordenandos, o arcebispo respondia no mesmo dia, explicitando o próprio pensa-
mento sobre as condições em base às quais teria apoiado em Roma a aprovação das
Constituições Salesianas. Ele se inspirava em uma teologia da Igreja bem precisa e, a
partir dessa, também uma teologia dos bispos, dos institutos religiosos e das relações
recíprocas. De resto, as instâncias eram idênticas às solicitadas pela Congregação dos
Bispos e Regulares e pelas condições sine qua non da aprovação das Constituições:
a ereção do noviciado, a contenção entre confins bem precisos da “isenção da autori-
dade episcopal”, a não admissão no texto constitucional da faculdade das dimissórias.
In primis et ante omnia – afirmava o arcebispo –, “a manutenção e o florescimento da
Congregação de São Francisco de Sales” “depende de um bom noviciado”: “ora, esse
noviciado falta no momento nessa Congregação”; “portanto, não poderei promover a
aprovação [completa e definitiva] pontifícia dessa Congregação, a não ser com o pacto
estabelecido, isto é, que se estabeleça um tal noviciado”.85
Além disso, embora admitindo ser conveniente para as ordens religiosas o instituto
da isenção, ele se declarava “inimigo das isenções desnecessárias, especialmente se
danosas, como a meu juízo – esclarecia – é a que desejaria que o bispo não examinasse
diligentemente os ordenandos, enquanto o Concílio de Trento e o Pontifical dos Bispos
dão a eles essa ordem”. Era sua “intenção edificar e não destruir, cooperar para o bem
e não impedi-lo”. Pedia, pois, que o destinatário examinasse se nas “queixas” “haja
algo de verdade” e começasse “a corrigir”.86 Na resposta, Dom Bosco se referia a um
encontro com Pio IX por ocasião das negociações para a aprovação da Sociedade. Nesse
encontro o papa parecia ter legitimado o que se fazia no Oratório para a formação dos
seus. “Se o noviciado não existe de nome, existe de fato”, era a substância do discurso.
Mas era improvável que essas afirmações confiadas ao vivae vocis oraculo fossem
persuasivas a Gastaldi, ou, de qualquer modo, capazes de fazê-lo mudar convicções
teológicas, jurídicas e pastorais profundamente enraizadas.87
Exatamente um mês depois, como tinham concordado, Dom Bosco enviava ao arce-
bispo, para serem vistas, o esboço da Brevis notitia, prometendo submeter a ele também
o esboço das Constituições. As últimas linhas da carta mostravam sua insatisfação,
perceptível na motivação tautológica da proposta, provavelmente considerada ofensiva
pelo destinatário: “Se deseja que na Brevis notitia se imprima sua recomendação, será
uma grande facilitação para que se possa ler com maior facilidade”.88
Em 10 de fevereiro de 1873 dom Gastaldi entregava sua recomendação em língua
latina. Nela traçava história extremamente benévola da obra de Dom Bosco e de sua
85 Carta de 9 de novembro de 1872, transcrita em MB X 684-685. De fato, do noviciado não se
falava nem mesmo no texto das Constituições que, em 1º de março, Dom Bosco estava pronto
para anexar no pedido de aprovação.
86 Carta de 9 de novembro de 1872, transcrita em MB X 685.
87 Carta de 23 de novembro de 1872; Em III 494.
88 Carta de 23 de dezembro de 1872.

8.9 Page 79

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 79
Sociedade em favor dos jovens, julgando-a “muito digna de ser munida da proteção da
Santa Sede Apostólica”. Acrescentava, porém, seis condições previsíveis: o fundador
deveria apresentar as regras definitivas e introduzir nelas as regras para o noviciado
que garantissem a formação duradoura de ótimos membros, uniformizando-as o mais
possível às regras em vigor na Companhia de Jesus; nenhum membro da Sociedade
Salesiana seria promovido às ordens sagradas antes de ter professado os votos perpé-
tuos; os que estavam para ser promovidos às ordens, quer menores quer maiores, deve-
riam se submeter, segundo as prescrições do Concílio de Trento, a um diligente exame
do bispo ordenante; seria mantido o direito do bispo de visitar as igrejas públicas e
os oratórios da Congregação; à Congregação seria concedido o tanto de isenção da
jurisdição dos bispos suficiente para sua conservação, e nada mais, enquanto para o
resto deveriam permanecer intactos os direitos e os deveres dos bispos.89 O arcebispo
comunicava as mesmas idéias aos bispos do Piemonte e de outras dioceses nas quais
se encontravam institutos salesianos, com o desejo de que em suas cartas de recomen-
dação fossem introduzidas exigências conforme as que estava solicitando, de modo a
“manter depois a boa harmonia entre os bispos e as obras dessa Congregação, quando
ela – dizia –, como espero, for aprovada”.90
Em 8 de fevereiro de 1873 Dom Bosco partia para Roma. Voltava em 22 de março,
após ter apresentado ao papa o pedido formal de aprovação da Congregação. A súplica,
em língua latina, era datada de “Turim, 1º de março de 1873”. O exórdio era um
ensaio de destreza: “A Sociedade Salesiana, que Vós, Beatíssimo Padre, com a ação
e o conselho fundastes, dirigistes e fortificastes, implora de vossa grande benignidade
novos favores”. Seguia o duplo pedido: “a aprovação definitiva das Constituições e a
plena faculdade de dar as Dimissórias”. Listava os anexos: a Brevis notitia, várias cópias
das Constituições na última edição e “algumas declarações sobre diversas pequenas
variantes que a experiência mostrou assaz úteis ao desenvolvimento e à consolidação
da Congregação”, isto é, a De regulis aliqua declaratio.91 Dom Bosco transmitia a
dom Salvatore Nobili Vitelleschi, secretário da Congregação dos Bispos e Regulares,
as cartas de recomendação que, entre fevereiro e março de 1873, chegaram-lhe dos
bispos de Casale, Savona, Vigevano, Abenga, Gênova e Fossano.92 Entre estes, o único
que acolhia algumas instâncias de Gastaldi era o arcebispo de Gênova, dom Salvatore
Magnasco: os votos perpétuos exigidos dos ordenandos, o exame prévio à ordenação
e o direito de visita das igrejas e capelas.93 De excepcional consistência era a carta de
89A carta carta de recomendação é transcrita em Congregazione particolare dei Vescovi e
Regolari, p. 9-11; OE XXV 345-347.
90A dom P. De Gaudenzi, bispo de Vigevano, 11 de janeiro de 1873; MB X 694.
91 MB II 260-261, também com a tradução italiana. Cf. na seqüência dos textos, latino e italiano,
da carta, as indicações das modificações introduzidas nas Constituições em MB X 701-703,
894-895.
92Os textos se encontram em Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari, p. 18-27; OE
XXV 354-363.
93 Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari, p. 26-27; OE XXV 362-363.

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80 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
recomendação em defesa enviada por dom Manacorda, o qual, jovem sacerdote, tinha
entrado na Cúria Romana também por mérito de Dom Bosco e, com 38 anos, ainda sob
sua indicação, em novembro de 1871, fora nomeado bispo de Fossano.94
Dom Gastaldi, porém, não se limitava à carta de recomendação. Ilustrava as condi-
ções aí elencadas, sem cujo cumprimento não achava oportuna a aprovação, em duas
cartas endereçadas ao cardeal Prospero Caterini, prefeito da Congregação do Concílio,
e ao cardeal Andrea Bizzarri, prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares, datadas
respectivamente de 19 de fevereiro e de 20 de abril de 1873. Na primeira manifestava o
temor de que Dom Bosco, por causa das condições postas por seu ordinário, pensasse,
por ora, em não apresentar o pedido de “aprovação definitiva” da Congregação.
Gastaldi, com efeito, considerava “provisória” a obtida até o momento. A eventual
renúncia de Dom Bosco em apresentar o pedido provavelmente podia levar alguém a
buscar o porquê das “condições” colocadas pelo arcebispo: noviciado regular, estudos
filosóficos e teológicos sólidos e sérios, votos perpétuos antes das ordens sacras. Por
isso as explicava brevemente, para que cardeal Caterini examinasse e proferisse seu
juízo. Quanto às dimissórias, de qualquer modo, era do parecer que fosse mantida a
Dom Bosco a faculdade de concedê-las para os que tivessem entrado no Oratório antes
dos 14 anos e já tivessem feito os votos perpétuos.95 Mais articulada e preocupada
com o presente e o futuro da Sociedade Salesiana era a carta ao cardeal Bizzarri, de
20 de abril. O arcebispo perguntava, antes de tudo, se essa devesse “olhar-se como
aprovada pela Santa Sé, e por isso já admitida a usufruir dos direitos e privilégios dos
regulares”, ou então se devesse “ser considerada como uma congregação que – dese-
java isso esclarecido – somente usufrui da benevolência da Santa Sé, e que essa questão
dos privilégios já concedidos deve ser considerada somente como coisa provisória,
ad experimentum, e jamais estender-se aos privilégios dos regulares”. Entrava depois no
mérito de alguns conteúdos das Constituições, que, no mais, jamais tinham sido apro-
vadas, nem por ele nem por seus predecessores: 1) antes de tudo, faltavam “as regras
necessárias para um bom noviciado, não bastando o que Dom Bosco fazia com certa
educação que podia formar ótimos cristãos, mas não “bons religiosos”; 2) era “grande
empecilho para a disciplina eclesiástica” na diocese o fato de o superior ter “a faculdade
de apresentar às ordenações” jovens que possuiam patrimônio eclesiástico e que tinham
emitido somente os votos trienais; 3) ainda mais grave e sério era o distúrbio “em
relação à outra faculdade”, que Dom Bosco dizia “ter, de apresentar à ordenação jovens
que entraram na Congregação também depois dos 14 anos, e pior, também depois dos
20 anos”, em alguns casos retirados do seminário e enviados a um instituto existente
em outra diocese para ser ordenado; algum deles – informava –, terminados os votos
trienais, voltavam à diocese “e se tornam sacerdotes sem que seu bispo diocesano tenha
tomado consciência disso, e pior, que o tivesse julgado inábil” − narrava, a respeito, o
94 Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari, p. 23-25; OE XXV 359-361.
95 Carta de 19 de fevereiro de 1873; MB X 697-698.

9 Pages 81-90

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9.1 Page 81

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 81
caso de um sacerdote da Diocese de Saluzzo, Luigi Chiapale, intemperante na bebida,
ex-professo salesiano, expulso da Congregação e inserido na diocese −; 4) era, enfim,
difícil que aí se formassem eclesiásticos bem instruídos nas ciências filosóficas e teoló-
gicas, candidatos às ordens empenhados em “dar aula de latinidade ou de outras artes
ou ciência”. Seguiam-se algumas propostas práticas, substancialmente já conhecidas.
A única novidade estava na primeira delas: “As regras dessa congregação sejam logo
examinadas pelo arcebispo de Turim e dele obtenham a aprovação. Se o arcebispo se
recusa a aprová-las, exponha suas razões aos bispos de Casale, Savona e Alberga e ao
arcebispo de Gênova, onde o senhor Dom Bosco tem atualmente casas, e entre tudo
[sic] se chegue a uma aprovação”.96
Era um golpe duro para Dom Bosco, que temia perder seu mais alto protetor. Nos
primeiros dias de abril, com efeito, na imprensa nacional e estrangeira, tinha-se difun-
dido a notícia do improviso agravamento das condições de saúde de Pio IX, então com
80 anos. Um preocupante declínio, ainda que transitório, era anunciado ainda em maio,
seguido do nítido melhoramento em junho e da recuperação definitiva, após breve
recaída, no final de agosto”.97
Entre o final de abril e início de maio de 1873 o arcebispo dava uma exemplifi-
cação prática de suas convicções a partir de casos particulares. Por meio do secretário,
cônego Tommaso Chiuso, comunicava a Dom Bosco que não admitiria às ordenações
membros da Sociedade Salesiana enquanto continuassem a hospedar-se em suas casas
dois clérigos saídos do seminário de Turim, Borrelli e Rocca, e Dom Bosco não tivesse
feito uma declaração formal de que não receberia mais nas casas da Congregação como
clérigo quem tivesse estado em um seminário da Diocese de Turim.98 Dom Bosco
respondia com firmeza, considerando drásticas as condições impostas pelo arcebispo
e injustamente punitivas em relação aos que saíam do seminário, necessitados, quando
muito, de acompanhamento particular. Quando à exigência da declaração, conside-
rava-a juridicamente ilegítima e danosa, tanto aos sujeitos como à diocese. Não se
sentia, de qualquer modo, autorizado a concedê-la, a menos que estivesse em questão
“alguma prescrição da Igreja”, ignorada por ele.99 Além do mais, no final da carta,
abandonava-se a uma referência desconcertante e decididamente contraproducente
sobre a elevação ao episcopado e à trasladação a Turim de Gastaldi: “Desejo ainda –
escrevia – que Vossa Excelência seja informado de como certas anotações, fechadas
nos gabinetes do governo por obra de alguém, correm por Turim. Dessas anotações
consta que, se o cônego Gastaldi foi bispo de Saluzzo, isso foi proposta de Dom Bosco.
Se o bispo torna-se arcebispo de Turim, é ainda por obra de Dom Bosco. Tem-se ainda
96 Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari, p. 12-17; OE XXV 348-353.
97 Cf. C. M. Fiorentino, “La malattia di Pio IX nella primavera del 1873 e la questione del
conclave”, Rassegna storica del Risorgimento 78(1991), p. 175-204.
98 Cf. Carta de 29 de abril e de 7 de maio de 1873, citada em MB X 716-717.
99A dom Gastaldi, 14 de maio de 1873; E II 277 -279.

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82 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
lembrança das dificuldades que se deveu superar a esse respeito. Aqui são anotadas
as razões pelas quais eu estava a favor de Vossa Excelência, entre outras, pelo grande
bem que tinha feito à nossa casa, à nossa Congregação”.100 Idêntica, lapidar, direta, a
afirmação voltaria na carta do dramático 28 de outubro de 1875, do qual se falará.101
Expressões menos agradáveis o arcebispo poderia encontrar em outra missiva de 12
de agosto de 1873, na qual Dom Bosco defendia o próprio modo de agir em favor de
alguns ex-seminaristas. Nela ousava escrever a propósito de uma carta a seu respeito,
enviada por Gastaldi ao bispo de Vigevano: “Se não fosse escrita por um bispo, diria
que foi escrita por raiva. Ao invés, contudo, é séria”; “posso afirmar que em minha vida
terei culpas para dar contas ao Senhor, mas não conheço nenhuma a respeito de Vossa
Excelência”; “Sei que Vossa Excelência procura a maior glória de Deus, e eu faço o
quanto posso com esse mesmo objetivo: por que, então, não podemos estar de acordo?
Procure dizer o que deseja de mim”.102 Sem dúvida, não obstante a amizade passada,
Gastaldi, enquanto bispo, não compreendia como um de seus padres se fizesse seu
diretor e conselheiro espiritual. Queria obediência e submissão pura e simplesmente, do
mesmo modo como queria a de seus irmãos como superior desiludido da comunidade
rosminiana em Cardiff.103 Como quer que seja, quinze dias após a traumática carta de
14 de maio, Dom Bosco tinha considerado oportuno aderir à exigência da problemática
declaração, mas excetuando dois ítens, e com uma reserva. Continuaria a aceitar sujeitos
que tivessem estado em casas salesianas antes dos 14 anos ou tivessem solicitado entrar
para aprender alguma arte ou profissão. Entendia, por fim, que a declaração fosse “feita
com a reserva e os limites prescritos pelos sagrados cânones estabelecidos para tutelar
a liberdade das vocações religiosas”.104 Naturalmente, a reserva, que deixava caminho
livre a Dom Bosco para se comportar segundo a própria consciência, não seria admitida
pelo arcebispo, que recusava a declaração.
Todos esses motivos explicavam o quanto Dom Bosco confiava no amigo bispo
de Vigevano, dom De Gaudenzi: “O referido P [ = prelado, Gastaldi] tem raiva de
mim. Nossas relações se restringem a coisas estritamente oficiais. Paciência”.105 Era
desencontro entre dois homens de caráter forte e de convicções tenazes. Um bispo
reformador lutava com determinação pro aris et focis, pela diocese, pela Igreja, pela
seriedade da vida religiosa e eclesiástica, e tentava ganhar outros irmãos no episcopado
para a própria causa. De resto, “o bem deve ser feito bem”, dizia ao mais jovem Dom
Bosco, já nos anos 50, também o austero e, ao mesmo tempo, o benévolo e benfeitor
padre Cafasso. Em outro fronte, se defendia e contra-atacava um homem de ação, deci-
100 Carta de 14 de maio de 1873; E II 277-279.
101 Carta de Dom Bosco ao arcebispo, 28 de outubro de 1875; E II 514.
102 E II 299-300.
103 Cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. I, p. 112-115.
104A dom L. Gastaldi , 29 de maio de 1873; E II 281-282.
105 A dom P. De Gaudenzi, 16 de julho de 1873; E II 293.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 83
dido a consolidar a própria sociedade religiosa, suas obras juvenis e o pessoal que delas
cuidada, e a resolver o urgente problema da salus animarum, conduzido com diferente
enfoque funcional: “o bem, basta fazê-lo um pouco mais ou menos em meio a tantas
misérias”, como replicava ao mestre vinte anos atrás.
7. Atingindo o ponto de chegada (3 a 13 de abril de 1874)
A negociação junto à Cúria Romana não parava. Em carta de 19 de maio de 1873,
o secretário da Congregação dos Bispos e Regulares, dom Salvatore Nobili Vitelleschi,
comunicava a Dom Bosco que o consultor da Congregação, o padre dominicano
Raimundo Bianchi, tinha depositado seu “voto” sobre o texto das Constituições,
propondo “muitas modificações”. Anunciando o envio de seu compêndio oficial,
antecipava a informação que deveria alarmar e tornar mais condescendente o destina-
tário: “O que posso adiantar é que a questão das dimissórias foi contrariada por quase
todas as partes”.106 No final de julho chegava a Dom Bosco o compêndio previsto com
28 animadversiones retiradas das 38 que o consultor tinha formulado.107 Vitelleschi
sugeria, com amigável franqueza, de se aderir a elas de bom grado. De resto, homem
de Cúria e cuja nobre família era simpatizante de Dom Bosco, o secretário era o mais
indicado para informá-lo sobre os termos jurídicos além dos quais não era concedido
nem produtivo aventurar-se. “Sou da opinião – escrevia – que o senhor deveria acei-
tá-las sem dificuldade, inseri-las nas Constituições, e depois, novamente, enviá-las à
Sagrada Congregação. Fundamentalmente, essas animadversiones são a aplicação das
normas estabelecidas por Roma para os novos institutos: eu sustento ainda que o que
se quer para os noviciados, para os estudos e para as ordenações é o que se desejaria
que o senhor modificasse ou eliminasse; mas, de outra parte, é precisamente tudo
o que os ordinários insistem sempre e que a Santa Sé tem como ponto estabelecido
e indiscutível”.108
Qual fosse a posição da Congregação dos Bispos e Regulares sobre os vínculos
jurisdicionais entre o ordinário diocesano e a Sociedade Salesiana emergia da resposta –
datada justamente de 26 de julho – ao quesito colocado por dom Gastaldi: a Congregação
de São Francisco de Sales “está sujeita diretamente à Santa Sé e imune da jurisdição
do bispo, sim ou não?”. A Congregação dos Bispos e Regulares estava em condições
de dizer – era a resposta de 8 de agosto – que a Sociedade Salesiana “não é senão um
instituto de votos simples, e que tais institutos não estão isentos da jurisdição episcopal,
salvo quando as Constituições foram aprovadas pela Santa Sé, e obtidos os privilégios
106 Carta citada em MB X 276.
107 Cf. o texto em Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari, p. 37-40; OE XXV 373-376;
Cost. SDB (Motto) 244-245.
108 Carta de 26 de julho de 1873; MB X 728.

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84 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
particulares”; “contudo, não se deve esconder que o sacerdote Bosco recebeu de Sua
Santidade mais de um privilégio sobre as demissórias que deve dar a um certo número
de alunos; e ultimamente, na audiência de 8 do corrente agosto, obteve outra seme-
lhante para seis alunos”.109
Dom Bosco não conhecia nem a pergunta nem a resposta quando, em 4 de agosto,
respondia à sábia carta de dom Vitelleschi, de 26 de julho. Não lhe escondia as “graves
dificuldades” que estava encontrando para modificar as Constituições no sentido indi-
cado, retomando argumentos já superados, fora de tempo ou pouco críveis; deveria
suprimir coisas “que em geral já foram aprovadas em outras ordens religiosas e congre-
gações eclesiásticas”, ou seja, jesuítas, redentoristas, oblatos, rosminianos;110 deveria,
“além disso, modificar radicalmente – assegurava – as bases que me foram estabe-
lecidas pelo santo padre, a quem procurei coordenar todas as Regras Salesianas”; a
Congregação – prosseguia – “não existiria como tal, porque tendo casas em diversas
dioceses, deve depender somente dos ordinários no exercício externo no que diz
respeito à religião”; “além disso – concluía – eu procurei não variar nem destruir o que
parecia já estabelecido nas duas datas dos decretos 1864-1869”.111 Naturalmente não
tinha interesse em mencionar as animadversiones que tinham acompanhado o decreto
de 1864, jamais esquecidas pela Congregação dos Bispos e Regulares. É óbvio que
algumas das animadversiones do verão de 1873 contrastavam radicalmente com as
antigas isenções essenciais esperadas por Dom Bosco, ou melhor, as agravavam com
novas exigências: em particular, a 4ª (direitos civis), a 5ª (voto de pobreza), a 16ª (novi-
ciado), a 17ª (tempo e lugar para os estudos filosóficos e teológicos), a 25ª (aquisições
e alienações, processos civis) e a 28ª (faculdade das dimissões). A Consulta preparada
para os membros da Congregação Particular de 1874 sublinharia esses mesmos pontos,
considerados fundamentais pelo postulante e inadimissíveis pelos destinatários.112
As novas observações, mais amplas e obrigatórias, levavam Dom Bosco a preparar
a defesa sobre um fronte mais estendido e à elaboração de documentos suplementares.
Tratava-se das Observações sobre as Constituições da Sociedade de São Franciso de
Sales e sua aplicação113 e do Esboço histórico, que deveria constituir-se a justificação
histórica e jurídica.114 Em Roma Dom Bosco seria desaconselhado a anexar o Esboço
à negociação oficial; porém, o distribuiria aos membros da Congregação Particular em
forma privada.
109 Carta transcrita em MB X 729-730.
110 Da crônica romana do secretário de Dom Bosco, Gioachino Berto, resulta que, na primeira
década de fevereiro de 1874, Dom Bosco encontrou redentoristas, passionistas e Padres da
Missão.
111 Carta de 4 de agosto de 1874, publicada somente em parte em Cost. SDB (Motto) 19, n. 41.
112 Cf. Consultazione per una Congregazione particolare, p. 7-13; OE XXV 393-399.
113 São transcritas em Cost. SDB (Motto) 245-247.
114 Sobre a redação do Cenno istorico e de seus conteúdos, cf. P. Braido, “L’idea della Società
Salesiana nel Cenno istorico”, RSS 6(1987), p. 245-331.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 85
Em 30 de dezembro estava em Roma com o secretário, padre Giochino Berto,
para seguir as últimas fases da demorada negociação. Logo encontrava-se com dom
Vitelleschi e com o cardeal Berardi, considerados amigos confiáveis e influentes.
Recebido em audiência pelo papa em 5 de janeiro de 1874, falava entre outras coisas de
tratativas para uma iminente fundação em Hong-Kong e de outras coisas concernentes
à vida da Congregação. Era um discurso um tanto quanto forçado, que procurava fazer
emergir a necessidade da aprovação das Constituições e da concessão da faculdade das
dimissórias. A referência à difusão das obras da Sociedade em dioceses longínquas, por
exemplo, em Hong-Kong e em Savannah, nos Estados Unidos, simplesmente propostas,
aparecia em vários textos.115
No entanto, chegava ao cardeal Bizzarri uma carta particularmente forte do arce-
bispo de Turim, que reafirmava a necessidade de “tornar obrigatório um noviciado de
dois anos”, com séria formação à humildade e à submissão. Acrescentava duas propostas
inéditas: dar aos ordinários onde se encontram obras salesianas a faculdade de introme-
ter-se na promoção às ordens sagradas dos membros da Sociedade, “de tal forma que
nenhum dos membros pudesse ser aí promovido sem o assentimento positivo e explí-
cito do bispo diocesano”; e, ainda, dar aos mesmos bispos “a faculdade de examinar
os membros antes de admiti-los aos votos perpétuos”. Além disso, eram repetidas e
tornadas mais pesadas as acusações sobre as carências na formação eclesiástica ofere-
cida no interior da Sociedade Salesiana, com a denúncia da situação problemática de
dois eclesiásticos, um da diocese de Saluzzo, outro da arquidiocese turinense, formados
no Oratório de Dom Bosco.116 Com relação às cartas precedentes, dom Gastaldi dava
um significativo passo adiante: parecia propor-se como colaborador de Dom Bosco
para ajudar a dar estabilidade e consistência cultural e espiritual à Sociedade Salesiana,
quase como tutor de um organismo sem pai ou com um pai tão inadequado à formação
de religiosos quanto excepcional educador de jovens.
Deve-se notar que, entrementes, Dom Bosco estava se ocupando com extraordinária
solicitude também no problema dos exequatur.117 Nos primeiros dois meses da estada
romana, ele informava seu arcebispo a respeito das sucessivas mudanças da questão,
desejando que pudesse fruir da solução tão controvertida em primeira mão. As quatro
cartas enviadas a Gastaldi de 11 de janeiro a 8 de fevereiro são espelho do tortuoso
caminho na busca das fórmulas que agradassem seja ao governo italiano seja à Santa Sé:
“a negociação sobre a conhecida situação progride bem”;118 “o conhecido trabalho está
115 Cf. [G. Bosco], Cenno istorico sulla Congregazione di S. Francesco di Sales, p. 20 (OE
XXV 250); P. Braido, “L’idea della Società Salesiana nel Cenno istorico”, p. 309-310,
318; “Riassunto della Pia Società di San Francesco di Sales nel 23 Febbraio 1874”, in:
Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari, p. 47 (OE XXV 383); carta a Pio IX, março
de 1874 (E II 370).
116 Carta de 9 de janeiro de 1874, citada em MB X 757-758.
117 Cf. cap. 18, § 7.
118 Carta de 11 de janeiro de 1874; E II 334.

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86 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
terminado. Um formulário foi aceito por ambas as partes”;119 “parecia tudo concluído:
hoje, um entrave”;120 a solução parecia alcançada, mas a “publicidade das coisas”, atri-
buída ao arcebispo de Turim, tinha suscitado muitas contrariedades; “mas isso tudo era
um marco para recordar a realidade” – considerava Dom Bosco –. “O fato verdadeiro
– explicava – consiste no fato da chegada, no dia anterior, de uma virulenta carta de
Bismarck protestando contra as vozes de conciliação, e especialmente contra os bispos
que, etc. A negociação não foi rompida, mas está suspensa”.121
Semanas depois, Dom Bosco teve conhecimento da carta do arcebispo ao cardeal
Bizzarri, de 9 de janeiro, mas em tempo para redigir a própria defesa. Esta, contudo, era
copiada, e assumida e assinada por um dos acusados, padre Giovanni Battista Anfossi,
ex-aluno do Oratório, e tinha como destinatário o próprio Dom Bosco, o qual, por sua
vez, fazia com que cada um dos cardeais da Congregação Particular tivesse cópia.122
Em janeiro encaminhava para impressão na Poliglota Vaticana o texto das Constituições.
Nele não foram mudados os artigos que tocavam os direitos civis e a inexistência da
Congregação como ente moral. Foram acrescentados dois capítulos: o XIV, sobre o
noviciado, concebido, porém, como tirocínio de vida ativa (art. 8º); e o XV, De studio,
com quatro artigos genéricos e evasivos. Permanecia sem mudança o que fora estatuído
sobre as dimissórias e os externos. Em março, esperando atenuar as oposições, Dom
Bosco mandava reimprimir um texto constitucional do qual desaparecia o apêndice
sobre os externos e que acolhia algumas correções antes de tudo formais.123
Por conselho do padre sommista Carlo Menghini, que tinha projetado o docu-
mento ilustrativo do pedido de aprovação, Dom Bosco preparava o Compêndio da Pia
Sociedade de São Francisco de Sales em fevereiro de 1874, que devia ser unido, no
lugar do Esboço histórico, aos quatorze documentos da “posição da causa”. No dia
7 de março foram enviados a cada um dos cardeais da Congregação Particular – Patrizi,
De Luca, Bizzarri e Martinelli – o texto da edição de março das Constituições, a Consulta
e o pedido de Dom Bosco ao papa feito em 1º de março do ano precedente.124 Não era
tudo. Em18 de março Dom Bosco enviava, de forma privada, a cada um dos membros
da Congregação Particular, ao secretário da Congregação dos Bispos e Regulares, ao
cardeal Berardi e a Pio IX um lembrete com o eloqüente título Alguns pensamentos que
movem o sacerdote Giovanni Bosco a suplicar humildemente pela aprovação definitiva
119 Carta de 6 de janeiro de 1874; E II 336.
120 Carta de 24 de janeiro de 1874; E II 342.
121 Carta de 8 de fevereiro de 1874; E II 350.
122 Cf. MB X 759-760.
123Ambos os textos são reproduzidos anastaticamente em OE XXV 253-292, 295-333. Análise
particularizada das modificações introduzidas em um e outro encontra-se em MB X 746-755,
784-785 e 915.
124 Toda a documentação sobre a negociação se encontra impressa anastaticamente em OE XXV
295-400: Regulae Societatis S. Francisci Salesii, p. 295-333; Congregazione particolare
dei Vescovi e Regolari... Relatore Nobili Vitelleschi, p. 335-385; Consultazione per una
Congregazione particolare, p. 387-400.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 87
das Costituições da Sociedade Salesiana. Militavam em favor da plena legitimação jurí-
dica da Sociedade Salesiana com a aprovação definitiva das Constituições fatos antigos
e novos: “a experiência feita das Constituições durante 33 anos” [uma vez mais 1841!],
“as cartas de recomendação de 44 bispos”, “os frutos de bênção” até agora obtidos, “16
casas abertas em diversas dioceses”, “o número dos congregados que [era] 330, e dos
jovens (cerca de 7 mil) a eles confiados, as tratativas quase concluídas para abrir obras na
América, na África e na China”, “a necessidade de um diretório prático das Constituições
quer para a parte moral, quer para a parte material”, “o vivo desejo de que este grande
ato, o mais importante para uma congregação eclesiástica, fosse efetuado pelos atuais
piedosos, doutos e caridosos cardeais”, e fosse sancionado pelo “santo e maravilhoso”
Pio IX. Dom Bosco pensava, talvez, que um pouco de incenso não fizesse mal, dado que
se dirigia a pessoas eclesiásticas. Mas podia parecer totalmente extemporânea e evasiva
a proposta adiantada para fugir da insídia das animadversiones; “Sentindo a necessidade
de modificar algum artigo das Constituições, isso se poderá fazer na avaliação que a
Santa Sé faz, a cada três anos, sobre o estado moral, religioso e material do Instituto, ou
então nos Capítulos Gerais que se realizam a cada três anos”.125
A longa reunião da Congregação Particular de 24 de março permanecia indefinida.
Os trabalhos eram retomados em 31 de março. Indômito e incansável, entre 29 e 30 de
março Dom Bosco tentava as últimas defesas em relação à carta de Gastaldi ao cardeal
Bizzarri, de 20 de abril de 1873: endereçava aos cardeais da Congregação um breve
Lembrete sobre uma carta do arcebispo de Turim a respeito da Congregação Salesiana.
Pretendia que fosse uma confutação pontual sobre questões de direito e de fato. Mas, se
não era muito exata a carta de Gastaldi, não era mais a resposta de Dom Bosco.126 Em
31 de março, após longo debate, à pergunta colocada no final da Consulta, “Se, e como
devam ser aprovadas as recentes Constituições da Sociedade Salesiana em apreço?”, a
Congregação respondia: Affirmative et ad mentem. O ad mentem significava simples-
mente “que se introduzisse nas Constituições as animadversiones feitas pelo consultor,
padre Bianchi”; quanto à faculdade de conceder as dimissórias para as ordenações, que
se implore do santo padre este Privilégio por um decênio”; “que se possa suplicar do
santo padre a aprovação das Constituições propostas, assim emendadas e redigidas,
cuja aprovação os três dos eminentíssimos padres opinaram conceder de forma defini-
tiva e perpétua”.127
Era a solução inevitável. De resto, o próprio Dom Bosco a tinha favorecido. Talvez
esperando que os membros da Congregação não o levariam muito a sério, ele tinha
concluído a Consulta com uma declaração – de praxe? – que era um rendimento à
discrição: “Finalmente o sacerdote Bosco, repetindo assim as súplicas, pede a absoluta
125 E II 371-372.
126 E II 374-375.
127Ata das duas reuniões da Comissão Cardinalícia, de 24 e 31 de março, redigida por dom
Nobili Vitelleschi; MB X 795.

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88 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
aprovação após vários anos de tratativas e, para tal finalidade, declara expressamente
que levará em consideração toda correção, modificação e conselho que, em sua alta e
iluminada sabedoria, se dignarem propor ou simplesmente aconselhar, para a maior
glória de Deus e a vantagem das almas. Assim, espera colocar-se em regra com os
respectivos ordinários e prosseguir pacificamente suas tratativas em prol das Missões
estrangeiras”.128
Na audiência a dom Nobili Vitelleschi, de 3 de abril, sexta-feira santa, Pio IX confir-
mava e aprovava o parecer da Congregação Particular, ordenando a preparação do
decreto para a aprovação definitiva das Constituições e, à parte, à concessão do indulto
ad decennium para as dimissórias às ordens sagradas.129
O decreto de 13 de abril e o rescrito sobre as dimissórias conferiam aos dois atos
o selo da publicidade jurídica.130 No mesmo dia, Dom Bosco, de Roma, informava
o arcebispo de ter retirado “o decreto da aprovação definitiva de nossas regras”.131
O destinatário anotava no verso da folha, sublinhando as últimas palavras: “1874 –
13 de abril – Dom Bosco – notícia da aprovação definitiva de seu Instituto, que porém
não é definitiva”.132 Estava errado – era, com efeito, definitiva – e tinha um pouco de
razão – não era totalmente “completa” –, pois as faculdades de isenção e das dimissórias
a qualquer bispo estavam excluídas do texto constitucional. Por isso seriam necessárias
concessões específicas. Para obtê-las, Dom Bosco continuaria a lutar de 1875 a 1884.
Voltanto a Turim, escrevia uma carta familiar de agradecimento a dom Salvatore
Nobili Vitelleschi, a quem atribuía por primeiro o mérito da feliz conclusão da nego-
ciação: pedia que estendesse a gratidão à toda a nobre família, “pela grande cortesia
e benevolência” que lhe foi concedida no curso da estada romana.133 Dom Bosco logo
lhe escreveria de novo para resolver uma questão levantada pelo arcebispo Gastaldi.
O ordinário diocesano – escrevia – queria ver “o decreto de concessão das dimissórias”:
era condição inapelável para a admissão às ordens dos salesianos apresentados por
Dom Bosco. Em longa carta, Dom Bosco informava não somente que tinha respeitado
todas as exigências do arcebispo, mas ainda ter apresentado o decreto de concessão das
dimissórias. Mas o arcebispo exigia cópia autêntica para a Cúria turinense, o que Dom
Bosco acreditava ser seu dever recusar. Aproveitava dessa, que ele considerava uma
punhalada de seu superior, para renovar a velha pergunta: “Não seria muito ardiloso
o pedido de dimissórias ad quemcumque episcopum?”.134 O paciente interlocutor lhe
respondia em 21 de maio, aconselhando-o que pedisse à Congregação dos Bispos e
Regulares a segunda cópia do rescrito. Dom Bosco assim fazia e, na metade de junho,
128 Consultazione per una Congregazione particolare, p. 13; OE XXV 399.
129 Declaração de dom Vitelleschi no rodapé da Ata precedente; MB X 796.
130 Cf. MB X 802-805.
131 E II 380.
132 Cf. MB X 808, 821-827 e carta a dom Vitelleschi, maio 1874; E II 383-385.
133 Carta de 28 de abril de 1874; E II 381-383.
134 Carta de maio de 1874; E II 383-385.

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Cap XIX: Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional dos SDB (1870-1874) 89
podia enviar o documento ao secretário do arcebispo, afastando igualmente a idéia de
que teria em mente, como pensava o arcebispo, publicar as cartas enviadas por este
a Dom Bosco.135 Insistia sobre isso no dia seguinte: “Digo uma vez mais que jamais
pensei ou sonhei em publicar algum escrito de tal gênero. Creio que pensar tal coisa não
tem outro apoio senão a má consciência. Desejaria ter um só argumento para provar o
contrário, mas este ninguém poderá jamais produzir”.136
Nesse clima é possível imaginar com que ânimo dom Gastaldi tenha lido o hino que,
nesse ano, padre Lemoyne compôs para a tradicional festa de 24 junho. Dom Bosco aí
aparecia como novo Moisés que, no final do caminho permeado de obstáculos, recebia
do anjo, sobre um outro Sinai, em Roma, a lei “sobre lâminas de ouro esculpida”: “este
Anjo de Deus / de Cristo é o Vigário, chama-se Pio. / Chamando-te sobre o monte, deu-te
a lei (...) guerreiro do céu, / antes de tudo inclinai-vos diante do novo Moisés”. No esboço
de impressão, apresentadas para o Nihil obstat, o arcebispo glosava: “Não se impeça a
impressão, mas se lamentam os exageros, que jamais poderão conduzir a algum bem”.137
No decurso de 1874 Dom Bosco publicava o texto latino das Constituições, revisto
e retocado quer por ele quer pelo professor Vicenzo Lanfranchi.138 De particular relevo
era a nota que seguia o art. 12 do cap. XIV, Dos noviços, ou seja do mestre de noviços
e seu regime. Era uma verdadeira reviravolta em relação ao que a Congregação romana
queria com a modificação do ditado das Constituições apresentadas para a aprovação.
Na nota se dizia que, em base a uma concessão do papa a Dom Bosco em 8 de abril de
1874 vivae vocis oraculo, os candidatos à Sociedade Salesiana sujeitos à segunda prova,
ou seja, o noviciado, podiam se ocupar das atividades previstas no período da primeira
prova.139 Na edição italiana de 1875 – e, depois, nas traduções em outras línguas –, aces-
sível também a quem não sabia latim, era adotada uma solução mais drástica: os artigos
do capítulo XXV eram reduzidos de 17 a 7. Naturalmente, eram omitidos os que diziam
respeito aos diversos períodos de prova, à instituição canônica das casas de noviciado,
à separação entre noviços e professos. Várias notas de relevância jurídica eram também
espalhadas em vários contextos.140 O texto latim integral das Constituições chegariam
às mãos dos salesianos somente em 1902.
135 Ao teólogo Tommaso Chiuso, 17 de junho de 1874; E II 389.
136 Ao teólogo Tommaso Chiuso, 18 de junho de 1874; E II 390.
137 Cf. P. Braido e R. Arenal Llata, “Don Giovanni Battista Lemoyne”, RSS 7 (1988) 130.
138 Cf. G. Proverbio, “La prima edizione latina ufficiale delle Costituzioni salesiane dopo
l’approvazione pontificia”, RSS 3(1984), p. 93-109.
139 “Pius Papa IX benigne annuit tyrones, tempore secundae probationis, experimentum facere
possit de iis, quae in prima probatione sunt adnotata, quoties ad maiorem Dei gloriam id
conferre iudicabitur.Vivae vocis oraculo dia 8 aprilis 1874” (Regulae seu Constitutiones
Societatis S.Francisci Salesii Juxta Approbationis decretum die 3 aprilis, 1874. Augustae
Taurinorum, Ex officina asceterii salesiani, An. MDCCCLXXIV, p. 45; OE XXV 455).
140 Regole o Costituzioni della Società di S. Francesco di Sales secondo il decreto di approvazione
del 3 aprile 1874. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1875, XLII-49; OE XXVII
51-99 (o texto das Constituições).

9.10 Page 90

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10 Pages 91-100

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10.1 Page 91

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Capítulo XX
Tenaz defesa da liberdade institucional entre
inseguranças e contestações (1874-1878)
1875
1876
1876
1877
1878
1879
1881
29 de janeiro: anúncio das propostas da Argentina
18 fevereiro a 22 de março: em Roma na tentativa de obter os privilégios
Obra de Maria Auxiliadora para as vocações ao estado eclesiástico
16 de setembro: decisão cardinalícia negativa sobre os privilégios
11de novembro: função de adeus aos primeiros missionários
segunda metade de novembro: sede em Nice
21 de abril: obtenção de alguns privilégios
23 de janeiro: aprovação diocesana do Instituto das FMA
9 de fevereiro: sede em Vallecrosia das FMA
29 de março: sede em Turim-Valdocco
junho: assistência à colônia balneária di Sestri Levante
outubro: sede em Biella (7), Lu Monferrato (8), Alassio (12)
novembro: partida das primeiras FMA missionárias
22 de junho: sede das irmãs em Chieri (Turim)
setembro: abertura da casa-mãe do Instituto FMA em Nizza Monferrato
com educandário
apresentação oficial das Constituições impressas (1878) do Instituto das FMA
14 de maio: morte de santa Maria Domenica Mazzarello
12 de agosto: eleição da nova madre geral, Caterina Daghero
Tendo conseguido posições indubitavelmente positivas com relação aos dois insti-
tutos, Dom Bosco podia dedicar-lhes, com paixão crescente, suas solicitudes orga-
nizativas e formativas. A diocese de Acqui, lugar em que está imersa a fervorosa
comunidade de Mornese, não criava nenhum problema relevante. De outro lado, Dom
Bosco tinha o cuidado de manter a congregação religiosa nascente e o fundador ao
reparo da complicação jurídica com as autoridades romanas, associando-a à Sociedade
Salesiana já aprovada e mantendo-a no âmbito diocesano, com aprovações mais ágeis
por parte de bispos, geralmente benévolos, mesmo porque, muitas vezes, eram eles os
primeiros beneficiários das obras das irmãs.
Já a aprovação das Constituições, em certo sentido imperfeita – ao menos em
relação aos pedidos e às expectativas de Dom Bosco – criava não poucas dificuldades à

10.2 Page 92

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92 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Sociedade Salesiana. Formada em grande parte por sacerdotes e aspirantes ao presbite-
rado, esta se ressentia bastante das dificuldades de relacionamento que de fato existiam
com a arquidiocese turinense e com alguns setores da Cúria Romana. A reconstrução
biográfica deverá levar em consideração também essas situações.
1. Dos dissensos jurisdicionais às advertências disciplinares (1874-1876)
Não há razões para se pensar que a aprovação das Constituições e o rescrito sobre
as dimissórias, embora com faculdades limitadas, tenham sido consideradas ou procla-
madas por Dom Bosco como uma vitória sobre seu superior eclesiástico. Sem dúvida,
era para ele uma grande conquista. Ele a tinha pago, contudo, com notáveis renún-
cias, traduzidas em subtrações e acréscimos ao texto constitucional, que o privavam
das concessões desejadas e o carregavam de ônus até então superados. O ad mentem
que acompanhava o affirmative do parecer cardinalício impunha variantes de signifi-
cativo peso. Retirava-se o artigo sobre a faculdade das dimissões na apresentação dos
ordenandos ao bispo da diocese. Caíam ou eram introduzidas determinações que, no
parecer de Dom Bosco, anulavam a justa insistência sobre os direitos civis dos sócios
e o caráter privado da sociedade religiosa. Quanto ao voto de pobreza, era imposta a
fórmula contida nas Constituições da Sociedade de Maria (padres maristas). Para alienar
bens ou contrair débitos dever-se-ia proceder “juxta SS. Canones et Constitutiones
Apostolicas”. Suprimia-se a referência às leis civis quanto à herança e aos legados.
Os artigos que estabeleciam um biênio para os estudos filosóficos e um quadriênio
para os teológicos representavam uma verdadeira reviravolta, bem como o fato de os
alunos deverem ser liberados, exceto em casos de necessidade, das atividades próprias
da Sociedade. Assim também eram as precrições sobre o noviciado, que devia ser feito
em uma casa apropriada, deixando aos períodos de prova precedentes ou sucessivos o
tirocínio na vida ativa própria da Sociedade Salesiana.
Por parte de dom Gastaldi, ao invés, o sucesso romano de Dom Bosco, não conhe-
cido em toda a sua extensão, podia ser percebido como um desmentido, ao menos
parcial, de suas idéias sobre jurisdição episcopal e sobre as sérias exigências de um
instituto religioso, e até mesmo sobre as relações do bispo com a Cúria Romana. No
fundo, ele podia pensar que Dom Bosco tinha sido escutado e tinha encontrado credibi-
lidade, enquanto sua carta de recomendação, com as condições e conclusões, e as outras
cartas que enviou não pareciam ter encontrado igual audiência.
Unia-se ainda um elemento, inconsciente e secundário num primeiro momento, mas
que em seguida surgia com força: a auto-complacência, e o dissabor, de que Dom Bosco
pudesse ter contribuído para sua ascensão ao episcopado e, posteriormente, à cátedra da
capital subalpina, bem como a percepção por parte do beneficiário de que o benfeitor
tivesse excessivo conhecimento desse fato, alguma vez declarando-o a alguém. Pode-se
deduzir essas afirmações de uma carta pacificadora de dom Eugenio Galletti (1816-
1879), bispo de Alba, amigo de ambos, que deixava transparecer a lamentação que o

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 93
correspondente lhe fizera. “Por amor de Deus – escrevia ao arcebispo – não lhe negue,
in charitate Dei et patientia Christi, que ele te exponha, com seu lento fazer e falar, de
modo razoável, sobre os motivos especiais que parecem poder desculpá-lo de seu modo
de agir. Nem tampouco é conveniente lançar-lhe em rosto que tenha se gabado do fato
de ter cooperado a fazer-te arcebispo, e tanto pior, que ele queira se fazer de eminência
parda”.1 Não se deve ficar maravilhado, portanto, se em seu governo episcopal, sem
colocar em discussão a realidade da Sociedade de São Francisco de Sales, dom Gastaldi
estivesse bem decidido a reivindicar a própria autoridade episcopal, na qual legitima-
mente acreditava e cuja responsabilidade não pretendia delegar. Tal fato comportava um
método de governo, que ele adotava imparcialmente para com todos na diocese, sem
pesar ou dar descontos a Dom Bosco e à sua sociedade religiosa, a qual, de outro lado,
o présule professava amar e desejar irrepreensível.
1.1 Dissensos sobre a negociação
Não faltaram ocasiões de dissenso, e mesmo mais. Após 13 de abril de 1874,
contudo, as divergências se deslocaram do plano da legítima diferença de atitude em
relação à aprovação das Constituições ao plano dos fatos, embora nem sem liame com
os princípios. Com efeito, como pano-de-fundo restaram o plano jurídico da Sociedade
Salesiana e a dimensão das normativas constitucionais, complicados pelo modo dife-
rente de entender as faculdades especiais conseguidas em abril de 1874. Tudo bem que
Dom Bosco, em junho, tenha feito chegar ao secretário do arcebispo, teólogo Chiuso,
a “cópia autêntica” do decreto sobre as dimissória ad decennium.2 Não estava, porém,
ainda disponível a cópia impressa das Constituições, menos ainda a “confrontada com o
verdadeiro original” e autenticada pela Congregação dos Bispos e Regulares, que seria
impressa vinte e oito anos depois.3
O primeiro incidente, que dava lugar a uma abundante troca de cartas, era ocasionado
por uma circular na qual Dom Bosco anunciava um curso de “Exercícios Espirituais
para senhores professores e mestres de escola”, que devia acontecer no Colégio de
Lanzo, de 7 a 12 de setembro de 1874. O jornal L’unità cattolica informava seus
leitores no número de 23 de agosto. No mesmo dia, o arcebispo, que por antigo privi-
légio era, entre outras coisas, titular da paróquia de Lanzo, lhe fazia escrever, lamen-
tando não ter sido nem mesmo informado, enquanto era necessário seu consentimento.
Dom Bosco – misturando tipos heterogêneos de exercícios espirituais realizados em
1 Carta de E. Galletti a dom Gastaldi, 3 de setembro de 1874, citada em MB X 834.
2 Carta de 17 de junho de 1874; E II 389.
3 Cf. cartas de Dom Bosco a dom Gastaldi, 3 de maio de 1874 (E II 382), e do arcebispo ao
cardeal Bizzarri, 24 de maio de 1875 (MB XI 550-551).

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94 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
tempos e circunstâncias diferentes – contestava o fundamento jurídico da exigência do
“consentimento” do ordinário sobre uma prática realizada há decênios “em Turim, em
Moncalieri, em Giaveno e em Lanzo”, “em Valdocco e em Trofarello”, confirmada e
legitimada – segundo ele – pelo decreto de 31 de março de 1852, prorrogada em base a
concessões do vigário geral Ravina e do pro-vigário Fissore.4 Era uma evidente ampli-
ficação extemporânea do decreto com o qual Fransoni tinha designado Dom Bosco
“diretor chefe espiritual” dos oratórios e tinha conferido a ele “todas as faculdades
necessárias e oportunas” a seu desenvolvimento.5 O arcebispo chamava ainda a atenção
do teólogo Albert – “vigário” em Lanzo –, que tinha aceitado fazer as pregações, escla-
recendo seu modo de pensar: “V.S. não deveria jamais auxiliar uma obra boa, em si
mesmo ótima, e de grande agrado do arcebispo, mas viciada pelo espírito de insubordi-
nação pelo fato de o senhor arcebispo não ter sido advertido de maneira alguma”.6
Outro caso menos relevante suscitava problemas mais numerosos. Um pároco da
diocese, a convite de Dom Bosco e por desejo dos familiares de um jovem aluno do
Oratório que desejava entrar no Seminário Diocesano, celebrava o rito da vestição clerical
desse jovem. Também nos anos 70, com efeito, continuava o afluxo de alunos do Oratório
e do Colégio de Lanzo para o seminário, em vista do clericado.7 Ao arcebispo, que protes-
tava pela vestição sem prévio acerto, Dom Bosco reivindicava, mais uma vez, as facul-
dades que lhe foram concedidas pelo decreto de 31 de março de 1852 e trazia o exemplo
de conhecidos sacerdotes diocesanos cuja vestição seguiu o mesmo procedimento, “os
quais, a seu tempo, fizeram exames regulares antes de serem admitidos ao Seminário”.8
Era lógico que o arcebispo encarregasse o secretário de relembrar “a enorme diferença
entre os tempos dos vigários gerais Ravina e Fissore”, quando os jovens educados no
Oratório “eram todos incorporados” na arquidiocese, e a situação atual.9
Em 23 de setembro o arcebispo repropunha ao secretário da Congregação dos Bispos
e Regulares questionamentos sobre o status jurídico da Sociedade Salesiana, questio-
namentos já feitos no ano precedente e aos quais tinha respondido cardeal Bizzarri,
em 18 de agosto de 1873: as Constituições estavam definitivamente aprovadas?
A Congregação Salesiana é considerada ordem religiosa, gozando de todos os privilé-
gios e, portanto, “imune da jurisdição episcopal?” O reitor podia admitir ao noviciado e
aos votos clérigos que estavam “no elenco dos clérigos diocesanos, sem o prévio bene-
plácito e também contra o dissenso do bispo? Era-lhe lícito acolher na Congregação
clérigos, aos quais o bispo tinha ordenado depor o hábito clerical, sem tal beneplá-
cito e contra o dissenso do bispo?”.10 Vitelleschi escreveu que daria a resposta após
4 Carta de 10 de setembro de 1874; E II 402.
5 [G. Bosco], Notitia brevis Societatis Sancti Francisci Salesii, 1968, p. 4; OE XVIII 574.
6 Carta ao teólogo Albert, 17 de setembro de 1874; MB X 836-837.
7 Cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. II, p. 392.
8 Ao teólogo T. Chiuso, 27 de setembro de 1874; E II 405.
9 Carta do teólogo Chiuso a Dom Bosco, 28 de setembro de 1874; MB X 846.
10 Texto transcrito em MB X 842-843.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 95
as férias da Congregação dos Bispos e Regulares.11 No dia anterior o arcebispo tinha
redigido um longo memorial dirigido ao mesmo papa, colocando como premissa que
tinha recorrido, como de costume, para os problemas inerentes ao governo da diocese,
segundo parecer do cônego Luigi Anglesio, sucessor de Cottolengo, e que tinha rece-
bido dele plena aprovação. Reafirmava seu incondicionado favor à Sociedade Salesiana
como congregação regular. Lamentava, porém, a falta de um verdadeiro noviciado e o
abuso no acolher clérigos afastados pelo bispo, considerados inaptos ao estado eclesi-
ástico. Acenava ainda ao caso dos exercícios espirituais de Lanzo, submetendo ao juízo
do papa a irreverente carta de Dom Bosco de 10 de setembro. Pedia-lhe “viva, humilde
e de forma premente”, que ele desse, sobre o conflito, “uma palavra decisiva”.12
Informado de modo reservado sobre as duas cartas, em 12 de outubro, Dom Bosco
endereçava ao prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares um memorial bem
estruturado, na qual pedia esclarecimentos sobre a legimidade de algumas perguntas
do arcebispo sobre certas matérias que lhe pareciam privadas de fundamento canô-
nico: as condições para a admissão às ordenações de clérigos salesianos, a aceitação na
Sociedade de São Francisco de Sales de clérigos egressos do Seminário; a organização
de exercícios espirituais para leigos e eclesiásticos em casas salesianas.13 Concluía a
articulada refutação das queixas do arcebispo com cinco questões sobre sua efetiva
autoridade em pontos controvertidos.
Perto das tempora de Advento o arcebispo repetia a Dom Bosco que não ordenaria
nenhum clérigo apresentado por ele até que não lhe enviasse uma declaração escrita de
que não aceitaria mais clérigos egressos do Seminário. Era a velha posição de maio de
1873.14 “V.E. sabe – respondia o fundador ao arcebispo – quanto seja estrito o dever
de um superior de prover ao bem de seus religiosos, que é o da Igreja, e sabe também
quais devam ser os casos nos quais um ordinário possa recusar tais ordenações”. Por
isso apresentava-lhe algumas “reflexões” – dizia – “antes de pedir a Roma como eu
deva agir”,15 como certamente já tinha feito em outubro, provavelmente sem resultados
significativos.
Enviada, efetivamente, o pedido ao cardeal Berardi,16 depois ao próprio Pio IX.17 As
duas cartas tinham um efeito imprevisto. Cardeal Berardi, a pedido de Pio IX, pedia a
dom Celestino Fissore, arcebispo de Vercelli, de fazer um trabalho de mediação entre
ambas as partes. Este solicitava aos interessados seu parecer. O de Dom Bosco resu-
11 Carta de 5 de outubro de 1874; MB X 844.
12O texto encontra-se em MB X 847-854.
13Ao cardeal A. Bizzarri, 12 de outubro de 1874; E II 409-412. Pedia também esclarecimentos
sobre a legitimidade da aceitação de clérigos da diocese ao benévolo cardeal Giuseppe
Berardi, em carta de 7 de novembro; E II 415-416.
14 Cf. cap. 19, § 7.
15A dom L. Gastaldi, 10 de novembro de 1874; E II 417-418.
16 Carta de 18 de novembro de 1874; E II 420-421.
17 Carta de 30 de dezembro de 1874; E II 432-434.

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96 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
mia-se ainda a previsíveis páginas de queixas. Entre estas aparece, pela primeira vez, o
nome do beato Luigi Guanella, próximo de entrar para os salesianos. Também ele era
objeto inconsciente do rigor do arcebispo. “Certo padre, pároco de Como – escrevia ao
mediador –, foi aceito em nossa Congregação. Ao saber disso, escrevi imediatamente
uma carta ao seu ordinário, na qual lhe dizia: previna padre Guanella (é seu nome)
que, chegando nesta arquidiocese, jamais obteria nem o maneat nem a faculdade de
pregar”. Interessante a interpretação demonológica do conflito: “Se tivesse que dizer o
que penso, é que o demônio, prevendo o bem que dom Gastaldi teria podido continuar
fazendo à nossa Congregação, semeou cizânia secretamente e conseguiu fazê-la crescer.
Distúrbio imenso, falação de todas as partes, diminuição dos padres e de confessores
entre nós, grave incômodo ao próprio bispo, que por trinta anos foi meu melhor confi-
dente: eis o fruto”.18
Fissore foi a Turim em 3 de fevereiro. Encontrou Dom Bosco e dom Gastaldi,
antes separadamente, depois juntos, no palácio arquiepiscopal. De uma carta de Dom
Bosco ao cardeal Berardi, de 7 de fevereiro de 1875, e do relatório enviado a Roma por
dom Fissore, resulta que o ponto mais sensível da discussão e do entendimento foi a
declaração de não aceitação nas casas salesianas de sujeitos demitidos do Seminário
Diocesano, a qual estava ligada a disponibilidade do arcebispo de admitir às ordens os
candidatos de Dom Bosco.19 Era a simplificação de uma gama de problemas reais ou
fictícios bem mais vasta, que se tornaram ainda mais confusos por causa de contextos
ideológicos e afetivos, muitas vezes inconscientes ou não expressos. Não se deve
admirar que, antes que terminasse o mês de fevereiro, Dom Bosco escrevesse a dom
Fissore: “Ainda não nos entendemos”, referindo-se ao problema das aceitações – esta
vez, de padres – e às ordenações.20 O arcebispo de Vercelli não podia fazer muita coisa,
embora estivesse consciente da necessidade de uma composição geral, sancionada por
um documento escrito.21
1.2 Difícil entendimento entre duas personalidades igualmente responsáveis
O arcebispo de Vercelli precisou agir com dois homens de caráter firme, de inte-
ligência incomum, de idêntica vontade de honrar até o fim as respectivas responsabi-
lidades, semelhantes na paixão pela realização dos próprios projetos, mais explosiva
em um, mais controlada no outro. De qualquer modo, duas personalidades igualmente
18Ao arcebispo de Vercelli, 12 de janeiro de 1875; E II 443-445.
19Ao cardeal G. Berardi, 7 de fevereiro de 1875; E II 451-453; cfr. relação de Dom Fissore, 12
de fevereiro de 1875, em MB XI 548-550.
20 A Dom C. Fissore, de Roma, 23 de fevereiro de 1875; E II 460-461; ainda 1º e 26 de junho de
1875; E II 479-480 e 481.
21 Carta de Dom C. Fissore a Dom Bosco, 7 de março de 1875; E II 461, n. 5.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 97
admiráveis na dedicação ao próprio sofrido serviço, provavelmente com maiores
dificuldades por dom Gastaldi, ainda que bem determinado e extremamente ativo,
altamente consciente da própria missão de pastor reformador e da correspondente
autoridade superior.
“Peço-lhe, pois – admoestava o arcebispo na citada carta de 17 de setembro ao
teólogo Albert – de ficar atento uma vez mais para não cooperar com o que não é
segundo a ordem hierárquica estabelecida por Deus (...). Tomarei as providências
para que a autoridade arquiepiscopal não seja diminuída por quem deveria dar aos
outros exemplo de reverência à mesma”.22 Dois dias depois, vindo a saber que Dom
Bosco tinha cancelado os exercícios espirituais marcados, repisava o conceito: não era
questão de fazer ou não fazer, mas de fazê-lo bem, isto é, de acordo com o superior.
“Por que deixar o bem apenas por causa da advertência? Não era meu estrito dever
admoestá-lo? Minha autoridade não é talvez um depósito que devo conservar em sua
integridade?”.23
Dom Bosco, por seu lado, sentia com a mesma consciência aguda de ter particular
responsabilidade na defesa e consolidação da identidade, da especifidade e da relativa
autonomia da própria Congregação, ainda jovem e em árduo crescimento, enquanto
estava envolvida em tarefas que não podiam esperar, para a maior glória de Deus e
a salvação das almas. “O bem deve ser feito bem” continuava a desencontrar-se com
o também legítimo “o bem deve ser feito como é possível” em relação às situações
históricas concretas e às urgências. Temia uma autoridade que ultrapassasse os próprios
limites diretos, uma proteção que, também em contingências secundárias, se transfor-
masse num abraço sufocante. Por isso, de uma parte se defendia com grande energia,
de outra, buscava uma conciliação operativa, jamais efetuada.
São sinais dignos de nota, em particular, o início – diplomático, mas conside-
rado pelo destinatário “irreverente”, dir-se-ia objetivamente irônico – e a conclusão
da carta já citada de 10 de setembro em resposta ao arcebispo. “A acuidade – era o
exórdio – com a qual S. V. vigia o andamento de nossa pobre Congregação demonstra
que quer a exata observância das regras e das prescrições eclesiásticas, e isso só pode
fazer-nos bem, tornando-nos vigilantes em nossos deveres. Disso tudo agradecemos V.
E. de todo coração. Há, contudo, certas coisas que não sei entender muito bem se são
conforme o espírito da Igreja e se podem ser de alguma vantagem a outros”. Já para a
conclusão, antes de pedir ao arcebispo que formulasse concreta e especificamente “o
que deseja[va]” da Sociedade Salesiana, tocava a corda do sentimento, relembrando a
antiga amizade. “Ora, eu lhe peço de deixar falar um momento com a linguagem do
coração – era apelo que, buscando reduzir a distância hierárquica, seguramente a apro-
fundava ainda mais –. Parece-me que no tribunal do Senhor, V. E. e eu, que estou assaz
mais próximo, estaremos muito mais contentes se, deixando de lado as preocupações
22 Carta ao teólogo Albert, 17 de setembro de 1874; MB X 836-837.
23 Carta ao teólogo Albert, 19 de setembro de 1874; MB X 839.

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98 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
com o melhor, nos puséssemos a combater o mal e a promover o bem, e fizéssemos
retornar os tempos em que cada idéia do pobre Dom Bosco era para V.E. um projeto
que devia ser colocado em execução”.24 O arcebispo não podia aceitar aproximações
formalmente diferentes, seguidos por doutas lições de direito canônico, muito menos,
nesse caso, a “linguagem do coração”, fora de propósito em questões cujas únicas pala-
vras apropriadas considerava fossem o devido exercício da autoridade, de um lado,
e, de outro, a obediência e submissão. Com efeito, Dom Bosco recebia uma carta de
admoestação do vigário geral, cônego Zappata.25 Respondia com respeito, não sem
antes colocar às claras aspectos de sua mentalidade e responsabilidade de fundador:
“Peço-lhe de assegurar-lhe” “que tenho necessidade de promover a observância das
Regras como foram aprovadas e que tenho o dever de consagrar os poucos dias que
Deus misericordioso me conceder ainda a inumeráveis aperfeiçoamentos que a quali-
dade do instituto e os tempos que correm tornam assaz difíceis. Por isso a necessidade
de ter dos ordinários toda a indulgência que é compatível com sua própria autoridade”.
Acrescentava uma afirmação interessante, embora incontrolável, com conseqüência
quase nula: “Enviei alguns dias atrás, estou em Roma – acrescentava com admirável
inocência –, uma cópia impressa de nossas regras, para que se observe se concordam
com o original. Ainda não recebi resposta, contudo mando-lhe uma cópia, pedindo que
a aceite, e que entregue uma cópia a S.E. Em caso de alguma inexatidão com o original,
procurarei avisar-lhe imediatamente”.26
Seria superficial, porém, reduzir a litígio, acrimônia, hostilidade, arrogância e obsti-
nação o dissenso sobre relevantes questões de jurisdição eclesiástica e religiosa, em
base a distintos empenhos pastorais e a divergente consciência dos respectivos deveres
e direitos, quadro complicado ainda mais por características de temperamento e estilos
de ação, em parte diferentes – não certamente pela facilitadora oposição entre carisma
e autoridade –, em parte muito próximos. Era, tratando-se de fé católica, também o
confronto duro de duas espiritualidades, em seus aspectos teóricos e vivenciais.
Gastaldi, assim como seus predecessores Moreno e Riccardi di Netro, e Dom Bosco
eram homens de Deus, sacerdotes, os primeiros três no grau mais alto, consagrados
sem reservas a agir para a maior glória de Deus e a salvação das almas. Todos cele-
bravam, absolviam, pregavam, rezavam e sofriam pela mesma causa, o reino de Deus,
a Igreja, a salvação das almas. Os caminhos e os meios concretos, porém, atraiçoavam
mentalidades, percepções da realidade e avaliações nem sempre homogêneas, com as
conseqüentes atitudes e decisões prudenciais: os primeiros, mais rigorosos e inflexí-
veis na adesão aos princípios de uma teologia fortemente estruturada, posteriormente
assistidos por uma precisa cultura jurídica; o segundo, menos fundamentado, teológica
e juridicamente, formado no probabilismo e na casuística, portanto mais flexível, prag-
24 Carta de 10 de setembro de 1874; E II 401-403.
25 Cf. MB X 408.
26Ao cônego Zappata, 11 de outubro de 1874; E II 408-409.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 99
mático e livre, ou, segundo o julgamento dos antagonistas, arbitrário e prevaricador.
Quanto às condutas concretas, seria possível advertir em cada questão, por uma parte e
outra, inevitáveis limites nos modos de ver e entender, consequentemente de compreen-
der-se e conhecer-se, os erros de avaliação, os preconceitos, as desconfianças, a pouca
inclinação ao acordo. Sobre o temperamento de dom Gastaldi foram escritas muitas
coisas, nem sempre equilibradas, enquanto de Dom Bosco sublinha-se sobretudo os
aspectos heróicos. Parece mais difícil do que deveria fazer história de um grande perso-
nagem, heróico em modo diverso, não canonizado, que teve, por agudo senso do dever,
a sorte de medir-se em várias situações com um futuro santo canonizado.27 Além disso,
enfraquecia muito a posição de Gastaldi em Turim e em Roma seu convicto, coerente
e indestrutível rosminianismo em filosofia e teologia, unido à inquebrantável solidarie-
dade com o Instituto da Caridade. Sofria, mas conservava ferozmente fidelidade e leal-
dade, como demonstra o vibrante testemunho dado no discurso de abertuda da primeira
Reunião Regional Piemontesa da Obra dos Congressos.28
2. Proteção de Nossa Senhora Auxiliadora para as vocações eclesiásticas
Em harmonia com o significado eclesial da devoção a Maria sob o título Auxilium
Christianorum, Dom Bosco dava esse nome a uma obra que lhe estava fortemente a
peito: a Obra de Maria Auxiliadora para as vocações ao estado eclesiástico.29 O vasto
mundo da juventude pobre e abandonada ou, melhor, da pobre e abandonada juventude
e a penúria de sacerdotes eram para ele problemas conexos, que impunham à Igreja
sérias tarefas operativas. Embora valorizando ao máximo os leigos, ele considerava
impossível a educação cristã realizada sem a presença ativa do eclesiástico dispen-
sador dos mistérios e guia espiritual. Por isso, intensificando na metade dos anos 70
a campanha para a busca de boas vocações estendida também à idade mais elevada,
27 Cf. Francesco Faà di Bruno (1825-1888). Miscellanea, p. 109-110 e n. 117-118 e p. 157, n.
65; A. Castellani, Il beato Leonardo Murialdo, vol. II, p. 151-157; G. Dacquino, Psicologia
di Don Bosco, Turim, SEI, 1988. Esta útima é uma discutível interpretação psicanalítica
mediada por fontes históricas parciais e selecionadas, em que emerge o confronto entre
dois personagens diferentemente assinalados: “normal” o padre, e o arcebispo, sujeito de
psicologia clínica (cf., em particular, p. 73-80).
28 Cf. G. Dotta, La nascita del movimento cattolico a Torino e l’Opera dei Congressi (1870-
1891). Casale Monferrato, Piemme, 1999, p. 204-208.
29 Cf. [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice per le vocazioni allo stato ecclesiastico benedetta
e raccomandata dal santo padre Pio IX. Fossano, Tip. Saccone, 1875, 8 p. (OE XXVII 1-8);
[G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice ecclesiastico. Eretta nn’Ospizio di S. Vincenzo de’
Paoli in San Pier d’Arena. Sampierdarena, Tip. e. Libr. di San Vincenzo de’ Paoli, 1877, 28 p.
As citações são dessa edição.

10.10 Page 100

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100 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
colocava a solução do problema sob a proteção de Maria. Entre Maria e a Igreja ele
encontrava, com efeito, um vínculo indissolúvel: “Esta obra é colocada sob os auspícios
da Santa Virgem Auxiliadora, porque Maria, sendo proclamada pela Igreja Magnum et
singulare in Ecclesia praesidium, certamente dignar-se-á proteger uma obra que visa
formas bons ministros para a Igreja”.30
Também em vista dessa iniciativa Dom Bosco compilava um “estatuto” essencial,
desorganizado mas límpido, com acréscimos na edição de 1877. Após denso proêmio,
apareciam os seguintes títulos: Primeiras experiências, Meios, Observações, Vantagens
espirituais, Programa. Este último estava subdividido nos quatro seguintes: Finalidade
da Obra, Aceitação, Estudo e Enxoval.
No proêmio tentava-se uma análise do estado das vocações nas dioceses e dos insti-
tutos religiosos na Itália, na Europa e nas missões. Aumentavam as necessidades e
diminuíam as vocações. Em várias regiões havia surgido “obras de beneficência com
essa finalidade e se obtiveram bons resultados, mas insuficientes para as muitas e
urgentes necessidades”. Para tanto, ele propunha outra obra mais funcional e prática,
isso é, “um curso de estudo para jovens adultos que pretendiam consagrar-se no estado
eclesiástico”. As condições de aceitação estabeleciam que cada aluno devia “pertencer
à família honesta e ser sadio, robusto, de bom caráter, na idade entre 16 aos 30 anos”.31
E demonstrava estatisticamente as vantagens: enquanto somente 20% das crianças
“vocacionadas” chegavam ao sacerdócio, nele chegava 80% dos maiores, e em tempo
mais breve. Resultava, pois, sumamente apropriado “um curso de estudos secundários”
funcionais a “jovens adultos” que pretendiam “exclusivamente percorrer a carreira
eclesiástica”.32 A Finalidade da Obra era “recolher jovens maiores que tenham deci-
dida vontade de fazer os estudos literários através de cursos apropriados para abraçar o
estado eclesiástico”.33
Antes de propor as formas de colaboração – na maior parte de ordem financeira
– Dom Bosco respondia à eventual (ou efetiva, como em Turim) objeção de algum
bispo. “Esta obra – perguntava-se e respondia – não prejudica outras já existentes?
Não somente não traz danos, mas as sustenta. Sem padres, sem pregação, sem sacra-
mentos, que seria da obra da Propagação da Fé, da Santa Infância e de todas as outras
obras piedosas?”34. Na realidade – esta estabelecido – , “ao terminar os cursos lite-
rários cada aluno está livre para fazer-se religioso, ir para as missões estrangeiras ou
retornar à respectiva diocese para pedir ao próprio bisco a faculdade de vestir o hábito
clerical. Neste último caso o diretor da Obra procurará recomendar humildemente os
candidatos ao respectivo ordinário para que, segundo o mérito, se digne tomá-los em
30 [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice, p. 17.
31 [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice, p. 3-4 e 25.
32 [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice, p. 4.
33 [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice, p. 25.
34 [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice, p. 17.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 101
benévola consideração”.35 O suporte financeiro era assegurado por três categorias de
“contribuintes”: doadores, que se obrigavam a dar 2 soldos ( = 10 centésimos) ao mês
ou, os sacerdotes, a espórtula de uma Missa; correspondentes, “chefes de uma dúzia
ou mais de doadores”; e benfeitores, com ofertas mais consistentes, de até 300 liras por
ano, com o direito de “enviar gratuitamente um aluno para o Instituto” (Educandário
São Vicente de Paula, em Sampierdarena) ou até 800 liras, suficiente para todo o curso
literário. Além da participação nos vários bens espirituais e indulgências, “o mérito
de ter contribuído para uma grande obra de caridade” era considerado proeminente
“vantagem espiritual”. Concluía: “Não se pode fazer obra melhor, diz são Vicente de
Paula, que contribuir para formar um padre”.36
Em um ano muito intenso, no qual Dom Bosco estava projetando a Associação dos
Cooperadores Salesianos e preparando o lançamento da Congregação e de suas obras
na França e na América, a implantação da iniciativa encontrava em Roma acolhida fácil
e pronta. Apenas retornado da capital, após a estada de 1875, na reunião dos capitulares
e dos diretores de 14 de abril, narrava ter estado em longa conversa sobre a Obra com o
papa em uma das audiências concedidas em 22 de fevereiro e em 22 de março. Em carta
de 8 de agosto escrevia ao cardeal Antonelli como este conhecesse o projeto: “Falei
inclusive com o santo padre, que aconselhou-me de lhe dar tudo por escrito, como
fiz; e sua santidade encarregava o eminentíssimo cardeal Berardi a fazer relação, que
foi do agrado do santo padre. Abençoando a finalidade, recomendou-o, exortando-me
e fazendo-me ainda mais tarde exortar a colocá-lo, o quanto antes, em execução”.37
Quando falava disso aos seus, Dom Bosco já tinha expedido a uma dezena de bispos
o estatuto ou regulamento impresso, ou seja o fascículo Obra de Maria Auxiliadora,
ainda não editado.38 Entre 12 e 18 de abril de 1875 tinha recebido as cartas de recomen-
dação dos bispos de Albenga, Vigevano, Acqui, Alessandria, Tortona, Casale e Gênova,
que recomendavam ambas as iniciativas, a dos cooperadores e a das vocações adultas.39
Enviava ao cardeal Berardi as quatro que tinham chegado a ele com o duplo projeto
das vocações eclesiásticas e dos cooperadores, pedindo sua intermediação e a de dom
Vitelleschi para obter do santo padre indulgências “apropriadas a cada projeto”.40
Ambos asseguravam-lhe o apoio. Berardi, porém, recomendava “prudência e
circunspecção” com dom Gastaldi e Vitelleschi pedia que aceitasse uma “sugestão”,
isso é, de “considerar bem se fosse melhor implantar a obra para as vocações eclesiás-
ticas fora da diocese de Turim”.41
35 [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice, p. 25-36.
36 [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice, p. 25-26.
37 Carta de 8 de agosto de 1875; E II 493.
38O regulamento saiu nos primeiros dias de agosto no segundo número do Bibliofilo, um
catálogo da Livraria Salesiana, prelúdio do Bollettino salesiano.
39 Documenti XV 92-97, FdB 1028 B7-12.
40Ao cardeal Berardi, 18 de abril de 1875; E II 473.
41 Cartas de 7 e 11 de junho de 1876, Documenti XV 168-169, FdB 1029 C11-12; MB 37-38.

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102 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Gastaldi, com efeito, quis envolver todos os bispos das províncias eclesiásticas
de Turim, Vercelli e Gênova para que a iniciativa fosse atentamente ponderada.42
Contemporaneamente escrevia ao cardeal Bizzarri para que impedisse um projeto inútil
e prejudicial, uma vez que as dioceses já tinham seus seminários e existia o perigo que
Dom Bosco lhes subtraísse os potenciais candidatos.43 Ainda mais negativo se mostrava,
em longa carta ao mesmo cardeal, dom Luis Moreno.44
Dom Bosco se preocupava, antes de tudo, em esclarecer o estado das coisas com
duas cartas próximas enviadas ao secretário do arcebispo: as indulgências concedidas
não tinham sido ainda comunicadas, eram reservadas aos promotores da obra e, antes
de se imprimir qualquer coisa, seria apresentada ao arcebispo;45 nenhum órgão do
Vaticano tinha pedido que Dom Bosco se colocasse de acordo com o arcebispo de
Turim, sendo a Obra “endereçada ao bem geral da Igreja”.46 Na carta de 8 de agosto
ao cardeal Antonelli, já citada, informava-o dos obstáculos postos por Turim e pergun-
tava se fosse correta sua intenção “de arrancar toda dificuldade e começar a obra na
diocese de algum dos muitos bispos que a recomendaram”.47 No dia 10 confessava a
dom Vitelleschi: “Tivesse seguido um pouco seu conselho e começado a Obra de Maria
em outra diocese, teria ganhado na loteria”. Mas a solução já estava encaminhada:
“coloquei-me de acordo com dom Manacorda e mandarei imprimir tudo em Fossano,
e a primeira experiência vou fazê-la na Diocese de Gênova com pleno agrado desse
bispo, com o qual já me tinha preventivamente posto de acordo”.48 Da idéia de “trans-
ferir para outro lugar” “a implantação do projeto”, se tivesse acontecido, informava o
teólogo Chiuso, reforçando o caráter universal da iniciativa:”Quem quisesse uma obra
diocesana está livre de propô-la ao ordinário, de admiti-la, de modificá-la à vontade;
mas aqui a coisa é geral”. Essa era uma obra que buscava “ir em auxílio das ordens reli-
giosas, das missões, bem com criar alguma coisa para ser apresentada aos ordinários,
sem dar aos mesmos algum distúrbio, nem material nem moral”. À comunicação que
lhe fora feita de que na Arquidiocese de Turim não lhe seria “permitido nem impressão
nem projeto ou programa, nem apelo à beneficência”, replicava defendendo o direito
de imprensa, salva a revisão eclesiástica e de coleta. De qualquer forma, assegurava
que se absteria de fazê-lo, se isso lhe fosse negado. Não esquecia, contudo, de recordar
o quanto o Oratório tivesse merecido, na arquidiocese, em relação às vocações eclesi-
ásticas e ao trabalho entre a juventude.49 A dom Vitelleschi, que naqueles dias o infor-
42  Cf. carta do cônego Chiuso a Dom Bosco, 29 de julho de 1875, Documenti XV 209; FdB
1030 B4.
43  Cf. carta de 25 de julho de 1875, Documenti XV 207-209, FdB 1030 B 2-4; MB XI 40-42.
44  Cf. carta de 7 da agosto de 1875, Documenti XV 221-224, FdB 1030 C4-7; MB XI 42.
45  Ao teólogo T. Chiuso, 29 de julho de 1875; E II 490-491.
46  Ao teólogo T.Chiuso, 8 de agosto de 1875; E II 492.
47  E II 494.
48  Carta de 10 de agosto de 1875; E II 495.
49  Carta de 14 de agosto de 1875; E II 499-500.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 103
mava das cartas do arcebispo e de dom Moreno, aos quais a Congregação dos Bispos e
Regulares teria devido dar resposta, em 24 de agosto Dom Bosco enviava um memorial,
no qual reassumia a gênese e os sucessivos desenvolvimentos da Obra, reevocando as
dificuldades postas pelo arcebispo e manifestando o propósito – “agora tomei a delibe-
ração” – de iniciá-la em Gênova.50 Em 29 de setembro informava o arcebispo Gastaldi
da decisão já em andamento: “A fim de não ocasionar desprazeres ou distúrbios a V.
Ex.cia Rev.ma, comecei a Obra de Maria Auxiliadora em outra diocese. Agora desejaria
difundir alguns prospectos também na Arquidiocese de Turim, mas não farei tal publi-
cidade enquanto não obtiver a permissão”.51
Em setembro de 1875 a Obra decolava felizmente, quer em Sampierdarena quer
no Oratório de Valdocco. Padre Guanella, tendo chegado no final de janeiro em Turim,
foi nomeado responsável em Valdocco. Dele há uma esplêndida carta de abril de 1876,
escrita em nome de todos, entregue pessoalmente por Dom Bosco a Pio IX, que assinou,
precedendo a assinatura com a data (die 16 aprilis 1876) e com as seguintes palavras
de bênção: Benedicat vos Deus et dirigat vos in viis suuis.52 Ao mesmo tempo, Dom
Bosco pediu ao papa indulgências especiais para a Obra. Elas foram concedidas com
um generoso breve.53
A questão estava resolvida de fato e de direito. Dom Bosco mesmo provocou
um pequeno incidente, um ano depois, enviando um artigo sobre a Obra ao L’unità
cattolica sobre seu objetivo e a experiência do primeiro ano felizmente alcançada em
Sampierdarena. O jornal o publicava em 17 de setembro de 1876.54 Dom Bosco enviava
um segundo artigo em 19 de setembro, mas o diretor, teólogo Margotti, respondia
enviando-lhe a “paternal” que o arcebispo tinha feito chegar às mãos mediante o secre-
tário, teólogo Chiuso, com precisações de fato e de direito, no conjunto correspondente
à verdade. “Nesse artigo – estava escrito – publica-se um breve pontifício do qual não
se comunicou nada ainda ao arcebispo de Turim, como era de obrigação, junto com uma
cópia autenticada. Fala-se de uma associação de fiéis canonicamente instituída sobre
a qual o arcebispo de Turim não conhece de forma nenhuma a instituição canônica.
Publicam-se indulgências ignoradas pelo mesmo arcebispo, e isso contra o preceito do
Concílio de Trento. Em suma desconhece-se a ordem hierárquica da Igreja, lesam-se as
prerrogativas e as incumbências que a autoridade arquiepiscopal tem por direito divino
e eclesiástico”. Retornava o princípio já conhecido, não se sabe se dirigido ao diretor
do jornal ou a Dom Bosco ou a ambos: “Não basta – retrucava – fazer o bem: este
50  E II 502-504.
51  E II 511.
52  A carta de Guanella é de 1º de abril de 1876; MB XI 60-61. Dom Bosco responde de Roma,
na Páscoa de 1876.
53  Súplica em data 4 de março de 1876, o Breve é de 9 de maio de 1876, MB X 533-535.
54  Análogo artigo fora enviado a Il Cittadino de Gênova e talvez a outros jornais católicos (cfr.
MB XI 62-63).

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104 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
deve ser feito bem. Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu”.55 Em 5 de
outubro Dom Bosco enviava ao arcebispo uma carta de explicações, que dificilmente
poderiam ser persuasivas, sobretudo quando se queria fazer passar por instituição canô-
nica formal da Obra a simples concessão de indulgências.56 O breve papal, de 9 de maio
de 1876, supunha a instituição, não a criava: “Sendo canonicamente instituída, como
nos foi exposto, uma associação de fiéis, ou seja, como dizem, Pia Obra, sob o título
da BeataVirgem Maria Auxiliadora, (...) para que tal sociedade receba todo dia maior
incremento (...) concedemos indulgência plenária (...)”.57
Não era o tempo mais propício para a obtenção dos privilégios e da faculdade das
dimissórias, sobre as quais devia exprimir-se contemporaneamente a Congregação dos
Bispos e Regulares. Podia-se privilegiar Dom Bosco em face do arcebispo, claramente
contrário a essas e a outras concessões?
3. A não obtenção dos privilégios e da faculdade das dimissórias
Mas Dom Bosco pedia as faculdades especiais, precisamente, para superar tantas difi-
culdades e “escolhos” à sua ação sempre mais veemente. A Congregação crescia numé-
rica e operativamente. Em 1875 superava os confins com a França e sediava-se em Nice.
Poucas semanas depois chegava além do Atlântico, criando uma cabeceira de ponte na
Argentina.58 Os salesianos, segundo Dom Bosco, tinham necessidade de maior liberdade
e elasticidade de ação. Jogar as cartas dos privilégios parecia-lhe urgente. O êxito seria,
em uma primeira fase, totalmente negativo, mas restaria algum ganho em 1876.59
O estado de ânimo dos dirigentes da Sociedade Salesiana sobre a oportunidade de
obter os privilégios mais importantes que conduzissem a uma mais direta dependência
do papa parecia evidente nas conferências de São Francisco de Sales, de janeiro de
1875. Já emergia das discussões sobre dois decretos pontifícios de 25 de janeiro de
1848, Romani Pontifices e Regurali disciplinae, sobre as testemunhais exigidas para a
admissão ao noviciado, à vestição e à profissão religiosa. Entre os participantes preva-
lecia a opinião de que não se tinha levado em consideração a observância das teste-
munhais, seja pela posição particular dos jovens postulantes que moravam há anos em
institutos salesianos, seja por aquilo que Dom Bosco tinha obtido do papa vivae vocis
oraculo.60 A posição era confirmada na reunião de 27 de janeiro, presidida por Dom
55 Carta de 17 de setembro de 1876, in MB XI 65.
56 Carta de 5 de outubro de 1876; E III 100-101.
57 [G. Bosco], Opera di Maria Ausiliatrice, p. 11-12.
58 Cf. cap. 21.
59 Cf. MB XI 174-200 (capítulo IX: Privilégios e dimissórias) e 466-477 (capítulo XXI: Novo
passo para os privilégios).
60 Reunião dos diretores de 26 de janeiro, pela manhã, presidida pelo padre Rua; G. Barberis,
Cronaca, quad. 18, p. 2-5.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 105
Bosco.61 Ele falava da comunicação dos privilégios na reunião antes do meio-dia do
dia seguinte. Sublinhava as dificuldades de obtê-los por comunicação dos privilégios
já favorecidos por outra ordem ou congregação; “todavia haveria de estudar muito esse
ponto e esperar poder sair-se bem”.62
O espírito que o animara, três semanas depois, a estar em Roma, pode-se colhê-lo
da conferência feita aos diretores, em 14 de abril, sobre a finalidade principal da
viagem romana, da qual tinha retornado: “obter a comunicação dos privilégios para a
Congregação, a faculdade de poder dar as dimissórias ad quemcumque episcopum”.63
Após breve história dos privilégios em favor das ordens religiosas e de sua extensão às
congregações modernas, considerava o caso salesiano: “o principal objetivo de minha
viagem a Roma – repetia – foi justamente para ver como proceder a respeito desses privi-
légios, dos quais já vos falei outras vezes”; os privilégios em geral, e “especialmente os
que dizem respeito ao poder de dar as dimissórias ad quemcumque episcopum”, preci-
sava. À pergunta de dom Vitelleschi, de quais privilégios tivesse necessidade, tinha
respondido: “de muitos, seja para o bom andamento interno, seja para as relações que
se devem ter com as autoridades eclesiásticas e com os fiéis”. Tinha preparado cerca
de oitenta deles.64
De fato, Dom Bosco tinha dedicado boa parte da intensa permanência na capital ao
encaminhamento oficial da negociação, onde estava de 18 de fevereiro a 16 de março de
1875 com o fiel secretário, padre Gioachino Berto, como sempre lacônico ao extremo
em suas crônicas. Na agenda apareciam muitas questões: os privilégios, a Obra de
Maria Auxiliadora, a Associação dos Cooperadores, a extensão americana da ação sale-
siana. Para isso tudo eram dedicados os encontros com os amigos cardeal Berardi e
dom Fratejacci, mas sobretudo, em nível oficial, com o secretário da Congregação dos
Bispos e Regulares, dom Salvatore Nobili Vitelleschi, além de duas importantes audi-
ências pontifícias, em 12 de fevereiro e 12 de março.
O papa fazia entender a Dom Bosco como a praxe da concessão de privilégios
tivesse ficado mais difícil havia alguns anos. De qualquer forma, após febris pesquisas,
foram dedigidas duas súplicas que diziam respeito à faculdade de dar as cartas dimis-
sórias ad quemcumque episcopum e à comunicação dos privilégios já concedidos a
outros institutos religiosos. À primeira petição estava unida uma instância de dom
Vitelleschi. Este teria perorado a causa na pessoa de Dom Bosco, levando para as
dimissórias as duas motivações recorrentes: a Sociedade Salesiana estava estendida
em várias dioceses e os sócios podiam ser transferidos de uma a outra, criando obstá-
culos objetivos a que os respectivos ordinários pudessem ter adequado conhecimento
ou não de sua idoneidade para as ordens sagradas; além disso, a concessão favoreceria
61 G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 11-12.
62 G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 7-8.
63 G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 33.
64 G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 38-42.

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106 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
principalmente a unidade de governo, elemento indispensável para a conservação da
finalidade e do espírito do Instituto. As duas súplicas ao papa tiveram como efeito
imediato a nomeação da Congregação Particular encarregada de formular o próprio
voto. A composição tornou-se idência à da Congregação formada para a aprovação
das Constituições. Preparou-se a respectiva Consulta com um Sumário de cinco docu-
mentos. Nela se elencadavam as dificuldades surgidas com o ordinário de Turim desde
quando, em março de 1874, Dom Bosco tinha obtido o rescrito sobre dimissórias ad
decennium. “Em vista de tais colisões – era a motivação –, como também porque seu
Instituto gozasse dos privilégios que já foram concedidos a muitas congregações, das
quais não é inferior por prodigiosos feitos operados em vantagem da religião e da socie-
dade civil”, o fundador tinha apresentado as duas petições: com uma pedia a faculdade
das dimissões ad quemcumque episcopum e o extra tempus; com a outra, a comuni-
cação dos privilégios de congregações semelhantes à sua. No Sumário Dom Bosco
tinha inserido dois Esclarecimentos. No primeiro colocava em evidência os progressos
feitos pela Sociedade após a definitiva aprovação das Constituições. No segundo subli-
nhava a dificuldade de obter tempestivamente as graças e os privilégios, quando eram
pedidos caso por caso, segundo as ocorrências. Enfim, na Súplica pela comunicação
das graças espirituais em favor da Congregação Salesiana esclarecia de qual, entre as
várias congregações, preferia a comunicação: “pede-se que se escolha preferentemente
entre a dos redentoristas, ou a dos padres da missão, cujas constituições e finalidade
podem dizer-se idênticas a dos salesianos”.65
Na realidade não era fácil obter o parecer favorável, e Dom Bosco era capaz de
ver o claro-escuro da cena. Antes de retornar a Turim, na espera do veredito – dizia
aos diretores em 14 de abril – “fui encontrar o cardeal Berardi, o qual, junto com dom
Fratejacci, benignamente se encarregou do caso. Eu lhes assegurei que estaria sempre
pronto, bastando apenas chamar, a vir a Roma para oportunos esclarecimentos ou para
a conclusão destes afazeres. Antes de voltar de Roma, fui visitar os cardeais encar-
regados para decidir a questão. Eles todos nos querem bem, vêem com bons olhos a
Congregação, e todos disseram que, como o santo padre o desejava, não encontrariam
graves dificuldades”.66 Essa era “a parte clara do quadro”. Mas não escondia aos seus
ouvintes “também a parte obscura”. Para precisá-la convidava o secretário e arquivista,
padre Berto, a retirar do arquivo duas cartas do arcebispo Gastaldi ao cardeal Bizzarri
65 Mês de agosto do ano de 1875, Sacra Congregazione dei Vescovi e Regolari. Consultazione
per la Congregazione speciale composta degli Eminentissimi e Reverendissimi cardinali
Patrizi, De Luca, Bizzari, Martinelli. Relatore Illustrissimo e Reverendissimo Monsignore
Vitelleschi arciv. di Seleucia Segretario. Taurinen., seu Societatis S. Francisci Salesii super
literis dimissorialibus, et communicatione privilegiorum, 25 + XVII p.; OE XXVII 101-143. O
fascículo trazia no Sumário unicamente a carta de recomendação de dom Pietro De Gaudenzi,
bispo de Vigevano.
66 G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 46-47.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 107
e a Pio IX. “A leitura de ambas as cartas – continua o cronista – foi interrompida várias
vezes para fazer observações análogas. Via-se justamente naquele escrito o ânimo
agitado de quem escrevia, e o que mais entristece é que se elencavam justamente falsi-
dades a nosso respeito”.67
Para tornar ainda mais frágil a posição de Dom Bosco em face dos cardeais da
Comissão Particular, chegava ao cardeal Bizzarri outra carta do arcebispo, de 24 de maio
de 1875. Nela se denunciavam mais coisas desfavoráveis ao fundador da Sociedade
Salesiana: o arcebispo jamais tinha recebido “comunicação alguma dos decretos ponti-
fícios com os quais – declarava – tinha sido aprovada a dita Congregação, ou seja, apro-
vadas suas Constituições”; recebera somente cópia do rescrito sobre as dimissórias ad
decennium; para saber em que coisa o Instituto estava sujeito às Constituições e em que
coisas ao ordinário, este tinha necessidade de ter a cópia autência, e não simplesmente
a impressa que tinha recebido, “e ainda mais – insinuava não sem fundamento – pelo
fato de que há quem suponha que o que está impresso não esteja plenamente de acordo
com o original”; nas casas da Congregação trabalhavam também eclesiásticos e leigos
que não tinham nenhuma intenção de emitir votos perpétuos e foram acolhidos sem
seu consentimento e até com desprezo de sua autoridade; além disso, outros que foram
expulsos do seminário viviam em alguma casa da Congregação sem depor o hábito
clerical, apoiados em sua desobediência a seu bispo.68
Na iminência da Congregação Cardinalícia, Dom Bosco dirigia de Turim um apelo
a cada um dos membros, “padre benévolo e insigne benfeitor na época da aprovação”,
afirmando de novo as duas “grandes vantagens” que derivariam “dessa concessão: 1) a
Congregação Salesiana seria colocada a nível das outras em face das autoridades ecle-
siásticas”; 2) com a ida dos salesianos para a Argentina, “seria de grande utilidade que
também nossos religiosos gozassem dos privilégios e das graças espirituais das ordens
religiosas e das congregações eclesiásticas existentes naquele vastíssimo Estado”. O
acréscimo de uma terceira vantagem era provavelmente contraproducente: “dessa forma
seria igualmente retirada a oposição que faz o ordinário da Arquidiocese de Turim, o
qual não se persuade de que a Sociedade Salesiana seja definitivamente aprovada visto
que não lhe consta que ela goze dos privilégios das outras congregações”.69
A resposta da Congregação ocorrida em 16 de setembro foi negativa. Quanto à
concessão da faculdade de conceder as dimissórias a resposta foi: Negative et ad
mentem. E a mens era que se comunicasse ao arcebispo de Turim a dupla exigência
feita por Dom Bosco e a negativa da Congregação, motivada também pelo fato de que
o fundador em tal matéria gozava do indulto decenal desde abril de 1874. Acerca dos
privilégios a resposta soava: Communicationem, prout petitur, non expedire. Na mesma
tarde o secretário dom Vitelleschi levava a relação ao papa, que sancionava o parecer da
67 G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 47-48.
68 Documenti XV 155-157, FdB 1029 B10-12; MB XI 550-552.
69 Carta de 11 de setembro de 1875; E II 508-509.

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108 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Congregação dos Cardeais. Em 22 de setembro a Congregação dos Bispos e Regulares
comunicava oficialmente o resultado ao arcebispo de Turim, pedindo-lhe também que
se ativesse ao indulto papal sobre as dimissórias obtido por Dom Bosco em 3 de abril
de 1874.70
4. Recuperação parcial, entre novas e ainda mais graves dissensões
(1875-1876)
Dom Bosco não se entregava. Aproveitando da nova situação criada pela partida
dos primeiros missionários para a Argentina, em 5 de dezembro de 1875, voltava à
carga, limitando-se a pedir treze dos privilégios, entre os quais o extra campus e a
faculdade das dimissórias a qualquer bispo, graças espirituais e indulgências em favor,
sobretudo mas não somente, dos missionários.71 No entanto foi mudado o secretário
da Congregação dos Bispos e Regulares. A dom Vitelleschi, feito cardeal,72 sucedera,
em 2 de outubro de 1875, dom Enea Sbarretti (1808-1884), feito cardeal em 1877. Por
uma série de circunstâncias desfavoráveis, mas sobretudo pelas permanentes razões do
negative de setembro, as faculdades especiais foram recusadas, também porque para as
dimissórias estava em vigor o indulto de 3 de abril de 1874.73
Nessa época não faltaram motivadas interferências por parte do arcebispo. Em 27
de outubro Dom Bosco tinha visitado o arcebispo para informá-lo da próxima partida
dos seus para a Argentina. Outros problemas surgiram e audiência fez-se borrascosa,
uma vez que, em carta ao arcebispo no dia seguinte, Dom Bosco começava: “V.E. Rev.
ma, no dia de ontem, julgou dizer-me tudo o que lhe pareceu oportuno sem sequer
deixar-me proferir uma palavra de desculpa ou de retificação de quanto me imputava.
Fico triste mais por V.E. que por mim”. A breve missiva tornava-se assim sofrida e
firme mensagem, com a sensação de que a antiga amizade se quebrasse irremediavel-
mente. “Tinha em mente – continuava – notificar a V.E. coisas que teriam ajudado a
diminuir-lhe, talvez a liberar V.E. de sérios desgostos”. A seguir, “com todo o respeito
devido à dignidade arquiepiscopal”, da qual a “Excelência” estava revestido, reabria a
antiga ferida: “Creio poder-lhe dizer que, se foi feito bispo de Saluzzo e depois arce-
bispo de Turim, se foram aplainadas as graves dificuldades que se opunham a isso, e
V.Ex. sabe, é por causa das propostas e solicitudes do pobre Dom Bosco, a quem não é
permitido nem mesmo que fale, e se manda embora, como V.E. sabe”. Era o início de
70 Documenti XV 266, FdB 1031 B1.
71 Cf. texto da carta ao papa em MB XI 468-469.
72Reservado em 15 de março, declarado em 15 de setembro, morria repentinamente em 15 de
outubro de 1875.
73 Carta do cardeal Berardi a Dom Bosco, 28 de dezembro de 1875; Documenti XV 384, FdB
1033 A10, MB XI 472.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 109
outro nível de relações: “eu acreditava que podia, antes, que devia falar; agora, creio
estar inteiramente exonerado”.74
A esperança de amigável colaboração parecia extinta. O arcebispo, provavelmente,
é levado a pensar que Dom Bosco tivesse escolhido percorrer o próprio caminho, prefe-
rindo o desencontro ao confronto. Dom Bosco, por sua vez, concluía que não sabia ou
não podia fazer mais nada para aplainá-la, talvez, também temendo de ser fagocitado
como fundador e superior religioso. Aprofundava-se a necessidade de liberdade para ir
adiante, desenvolver, expandir as obras, para além de Turim, do Piemonte e, em pers-
pectiva, da Itália: daí, novamente, a percepção da urgência dos instrumentos jurídicos
adequados.
Pelo final de 1875 vinha à luz um incidente de significado ambíguo, rubricado por
Eugenio Ceria sob o título: Dom Bosco suspenso da confissão.75 A licença de confissão
de Dom Bosco terminara em setembro sem que alguém cuidasse de pedir a renovação
e ou de declará-la renovada sem pedido formal. Dom Bosco foi informado pelo padre
Rua somente na véspera do Natal. O caso reentrava em poucas horas, com o escla-
recimento por parte do secretário do arcebispo, teólogo Tommaso Chiuso, de que as
faculdades “não teriam nunca sido interrompidas se se fizesse, no tempo devido, o
que é costume fazer em casos semelhantes”.76 Foi gesto ilustrativo ou puro fiscalismo
curial? O arcebispo não ignorava o caso, e a desenvolta carta do teólogo Chiuso era a
resposta a que fora endereçada a dom Gastaldi por Dom Bosco no dia precedente, com
“o humilde pedido de querer renovar tal faculdade para evitar fofocas e escândalos”.77
Não se tratava de uma suspensão, e a permissão era atualizada no giro de dois dias.78
“O significado do gesto do arcebispo (ou de algum potente curialista) – conclui o histó-
rico de Gastaldi – era claro: fazer entender ao ‘recalcitrante’ fundador de que parte
estava a autoridade em matéria de disciplina eclesiástica. Humilhante para Dom Bosco,
pouco dignitoso por parte da Cúria e, definitivamente, para o próprio arcebispo”.79
O episódio não ocultava os crônicos dissídios devidos a diferentes interpretações
de vários casos de disciplina eclesiástica. Desse tipo eram as observações contidas em
uma carta do arcebispo de 31 de dezembro de 1875. Dom Gastaldi movia à Sociedade
Salesiana cinco acusações: esta não podia receber postulantes que não tivessem “apre-
sentado as cartas dimissórias de seu ordinário”; não tinha “direito de ter um colégio
de jovens com veste clerical sem a permissão do bispo”; nem tinha “direito de impor
o hábito clerical” a qualquer jovem, de tal forma que este pudesse “usá-lo fora do
74 Carta de 28 de outubro de 1875; E II 514.
75 MB XI 478-490.
76 Carta de 27 de dezembro de 1875, MB XI 485.
77A dom Gastaldi, 26 de dezembro de 1875; E II 536-537.
78 Documenti XV 383-384, FdB 1033 A9-10; MB XI 485.
79 G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. II, p. 271 e 276, n . 9. Cf. G. Barberis,
Cronichetta, quad. 4, p. 33-35 (com a data de 31 de janeiro de 1876).

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110 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
colégio sem a permissão do bispo” da diocese de pertença, como tinha, ao invés, acon-
tecido com um jovem da paróquia di Vinovo; a Sociedade Salesiana tinha aberto e
mantinha “a rachadura” com a autoridade de Turim, tendo começado e “persistido a
receber em suas casas, vestidos com veste clerical, indivíduos excluídos do Seminário
Metropolitano, não somente sem alguma permissão, mas contra o explícito dissenso
da autoridade Eclesiástica”, “o que – notava em seguida – foi uma subversão da ordem
hierárquica e da boa disciplina do Seminário e, como conseqüência necessária, tinha
aberto uma ferida no coração do arcebispo em uma das partes mais sensíveis”; “tal
ruptura” se mantinha, “ainda faltando, quer por escrito, quer nos diálogos, a devida
reverência ao caráter e à autoridade arquiepiscopal”, “e depois contentando-se em
reparar” “começando com um duvidoso e condicional se”. Referia-se a uma dada, na
tarde de 29 de dezembro, ao padre Rua, o qual tinha defendido com grande convicção
seu superior e, no dia sucessivo, com uma carta ao arcebispo, tinha se excusado de um
eventual levantamento de tom.80 O arcebispo concluía com um chamado explícito: “A
Congregação atenha-se aos extremos limites das leis canônicas, observe pontualmente
suas Constituições, não se esqueça da reverência que deve ao arcebispo nem faça, nem
procure fazer nada contra sua jurisdição”; não falte para com ele e para com a diocese
a seus deveres de justiça”; “dê exemplo de humildade, que forma a primeira virtude das
congregações religiosas”.81
Na resposta, redigida por Dom Bosco, mas assinada pelo padre Rua, as observações
eram muito esquematizadas. Estava-se de acordo quer de jure quer de facto sobre as
primeiras três observações: o caso de Vinovo devia-se à “pura inadvertência” do escri-
vente. Quanto aos jovens vestidos de clérigo, que desejavam inscrever-se na Sociedade
Salesiana, esta se valia das faculdades obtidas com o decreto anexo à aprovação canô-
nica de 1869. Eram feitas reservas sobre o poder de interdição do bispo quanto à acei-
tação de padre ou clérigos da diocese que pediam para inscrever-se na Congregação.
Quanto às cartas e aos colóquios irreverentes, desejava-se conhecê-los “para detes-
tá-los, fazer deles correção e reparação no modo mais formal”. Sobre a observação
das leis canônicas pedia-se que se consentisse na invocação de compreensão para uma
Congregação que – dizia-se – “é nascente e surge em tempos procelosos, portanto tem
necessidade de tudo e de todos com a máxima indulgência que é compatível com a
autoridade dos ordinários; por isso não se pedia “o rigor das leis canônicas, mas suma
caridade e clemência na aplicação das mesmas”. Resultavam particularmente desagra-
dáveis ao destinatário as coisas anotadas na última parte do documento, que tinham
“consternado grandemente os pobres salesianos”: o decreto de 17 de novembro de 1874
com o qual o arcebispo tinha retirado os privilégios e favores concedidos pelos anteces-
sores; a resposta negativa ao convite de ir “honrar com alguma função o setenário da
festa da consagração da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora” e de administrar a crisma
80 Cf. MB XI 485 e 487 e a carta do padre Rua em 30 de dezembro.
81 Documenti XV 389, FdB 1033 B3.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 111
em Valdocco aos jovens do Oratório ou permitir que se convidasse outro bispo; a recusa
da faculdade de pregar a dois sacerdotes salesianos. Isso, não obstante o fato de o supe-
rior não ter jamais falado, escrito ou, de alguma outra forma, ter promovido coisa não
decorosa contra seu superior eclesiástico”; antes, ele não subscreveu coisas contra o
arcebispo enviadas a Roma, dissuadiu “o colaborador de um péssimo jornal” de fazer
publicar “uma série de artigos preparados e indiscretos” contra ele, em outubro passado
tinha destruído com grave dano financeiro de sua parte o manuscrito de “uma infame
biografia” do arcebispo, a fim de que não conseguisse ser impresso. Ele estava “sempre
contente quando, com os sacrifícios de qualquer gênero,” podia chegar a coisas que
pudessem tutelar “a honra do seu arcebispo, que sempre amou e respeitou”.82
Não obstante a atmosfera pouco favorável, Dom Bosco, fazendo-se forte pela
partida dos salesianos para a América, já acontecida, renovava o pedido para os eclesi-
ásticos salesianos, principalmente os destinados às missões, de algumas faculdades que
correspondiam, em parte, às contidas no pedido precedente. Não encontrou o arcebispo
favorável a concedê-las, pois este não tinha motivos para mudar as enraizadas convic-
ções de princípio nem os próprios convencimentos sobre o ambíguo estado jurídico
da Sociedade Salesiana e o não convincente comportamento do fundador. Nos dias
seguintes acontecia uma martelante série de intervenções.
Uma primeira série era dada por um Postulatum, que o arcebispo tinha inserido
na Relatio ad limina de 21 de março de 1876, e que, em 11 de abril, o secretário da
Congregação dos Bispos e Religiosos ordenava fosse transmitido ao advogado relator
da mesma Congregação, para ter em síntese o conteúdo para a próxima audiência ponti-
fícia. O documento tocava os temas do estado jurídico da Sociedade Salesiana e de
suas interferência na vida diocesana. Colocando como premissa que a Sociedade “já
tinha feito muitíssimo bem e muito deveria fazer no futuro”, o arcebispo lamentava que
tivesse “a tendência de intrometer-se na disciplina do clero diocesano”; recebia clérigos
demitidos do Seminário por que “considerados não hábeis para os sagrados ministé-
rios, enviava-os em colégios de outras dioceses e os promovia às ordens sagradas”,
com grave desdouro do arcebispo: com efeito, alunos do Seminário, ameaçados de
demissão, riam da ameaça, respondendo que, no caso de demissão, já sabiam onde ir
com segurança”. “Por isso – concluía – suplico à Sagrada Congregação que finalmente
dê um remédio eficaz a este grave modo de agir”.83
Em 24 de março de 1876, em uma carta ao cardeal Bizzarri intervinha com uma
argumentação mais elaborada contra a concessão dos privilégios. Aduzia razões de
princípio e de fato. O arcebispo declarava-se, desde o princípio, defensor das ordens
religiosas” e reconhecia para eles a necessidade “de algum privilégio e isenção” para
o governo interno, por exemplo, “a dependência, o traslado e a destinação de seus
82 E III 1-4.
83 Cf. Carta e Postulatum in Documenti XVI 186-187, 188, FdB 1037 B1-3; MB XI 475,
599-600.

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112 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sujeitos”, e nas missões estrangeiras. Mas os “longos estudos” e as “repetidas observa-
ções práticas” tinham “corroborado” nele a opinião de que os privilégios concedidos
aos institutos religiosos “em derrogação da autoridade dos bispos” serviam “somente
para minar esta autoridade, a qual de outra forma – insistia – tem agora mais necessi-
dade de ser sustentada e circundada de esplendor e força pela Santa Sé Apostólica, uma
vez que a ela [a autoridade episcopal] falta a autoridade civil”. Quanto à concessão dos
privilégios a Dom Bosco opunha-se também por uma situação particular: seu “espí-
rito de independência e de superioridade”, que, além do mais, ele estava “infundindo
em seus discípulos”. O arcebispo tirava daí uma espécie de aut aut, que não deixava,
além disso, de criar embaraço nos cardeais da Sagrada Congregação Particular: “Se o
senhor Dom Bosco mereceu e merece da Igreja, eu penso de não ter desmerecido ou
desmerecer, e portanto não vejo o porquê se devam conferir privilégios a ele, pois estes
tornam-se punição para mim”. A confissão , que concluía a carta, não era pathos retó-
rico, mas tocante mensagem de íntimo sofrimento: “A autoridade arquiepiscopal em
Turim, destituída com efeito de qualquer lustro civil, privada dos quatro quintos de suas
rendas, destituída, chacoteada, insultada todo dia em quase todos os jornais de Turim, e
isso porque o arcebispo, mantendo-se firmemente afeiçoado à Santa Sé e na exigência
da observação da Lei de Deus e da Igreja, não deve receber diminuições por parte
de Dom Bosco. Com efeito, Dom Bosco com suas cartas, suas palavras e seus fatos
mostrou-se oposto te tal modo que o pior jornal de Turim mostrou satisfação, uma vez
que considerava Dom Bosco o único sacerdote de Turim capaz de resistir ao arcebispo.
Se se quer dar mais privilégio à Congregação Salesiana em Turim, com dano de minha
jurisdição, que se espere minha morte, a qual não deve estar longe, senão de poucos
anos; ou então, que eu tenha tempo de retirar-me deste posto, no qual, pelo acúmulo
de novas dificuldades, não poderei permanecer por muito tempo”.84 O secretário da
Congregação ordenava que também dessa carta fizesse comunicação ao advogado que
preparava a relação.
Em tom mais polêmico, dom Gastaldi fazia um último apelo para que Dom Bosco
não fosse premiado com privilégios, na carta de dimissão enviada ao papa em 3 de abril
de 1876. “Tenho a meu lado um eclesiástico – escrevia – o qual, se fez e faz grande bem
à minha diocese, em nenhum modo trouxe ou traz à minha administração um grade mal
falando mal de mim dentro desta diocese e aos bispos vizinhos. Devendo este adquirir
novos privilégios, eu não quero ter com ele mais nenhum conflito”.85 Era a voz do
personagem de um verdadeiro drama, no qual era igualmente envolvido o antagonista.
Dois crentes, consagrados ao bem, não somente não se compreendiam, mas se preju-
dicavam mutuamente por causa do bem. Podem existir incompreensões também entre
os santos. Pode existir incapacidade de entender e de entender-se também entre os que
acreditam no mesmo Deus que é Amor, antes que nele certamente se amam com sincera
caridade, aquela que deseja o bem de Deus e do próximo.
84 Documenti XVI 186-187, FdB 1037 B1-2; MB XI 472-474.
85 Texto transcrito em MB XII 642.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 113
As faculdades pedidas eram limitadas e faltavam as que Gastaldi temia. Pedida à
Congregação do Índice a faculdade de ler e conservar livros proibidos, foram conce-
didas as outras, entre as quais: aos sacerdotes de confessar em qualquer diocese e em
viagem, de erigir oratórios ou capelas, de exercitar o ministério pastoral em todas as
igrejas da Congregação e o extra tempus para as ordenações.86 Ao padre Cagliero, chefe
da expedição argentina, Dom Bosco anunciava satisfeito: O santo padre concedeu
“muitos privilégios e favores espirituais, entre os quais os direitos paroquiais a todas as
nossas casas; os confessores aprovados em uma diocese podem confessar em qualquer
uma de nossas casas também nas viagens. Concedido o extra tempus. Você vai receber
um elenco de tudo”.87
Chegava tarde a seu advogado curial Carlo Menghini, a carta, com a qual o arce-
bispo declarava não ter “nenhuma dificuldade a opôr aos privilégios que Dom Bosco”
tivesse podido pedir à Santa Sé”, “uma vez que – dizia – não se prejudique a jurisdição
episcopal”. Por isso ele contestava uma que soava: “Em todas as igrejas da Congregação
possam celebrar a santa missa, administrar a sagrada eucaristia, expô-la à veneração
dos fiéis, dar catecismo às crianças, e expor a Palavra de Deus”. Observava: “Essa
jurisdição seria gravemente perturbada, quando se subtraísse do bispo uma parte da
sua grei, para dá-la a Dom Bosco, e submetê-la a ele, tornando-a, sob certos aspectos,
independente do bispo”; e argumentava: “Uma tal faculdade deve estar nas mãos do
bispo, e concedida com os devidos limites mais ou menos amplos ou restritos segundo a
sua prudência e as circunstâncias locais”. Ele, contudo, assegurava que a faculdade fora
sempre dada por seus predecessores; e por ele próprio, com o decreto de 17 de novembro
de 1874; porém, tinha devido restringir – declarava – “quando um pároco de Turim me
viesse assegurar que, não obstante a pequenez da sua paróquia, ele pode tomar cuidado
e o faz de fato, de todos os seus paroquianos, as crianças e jovens adultos; mas seus
cuidados seriam ineficazes, quando se deixasse a estes seus paroquianos a liberdade
acima mencionada”.88 Nas audiência de 3 de maio e de 10 de novembro de 1876, Dom
Bosco obtinha de Pio IX vivae vocis oraculo também a dispensa das testemunhais,89 as
quais, porém, teria dado conhecimento à Congregação dos Bispos e Regulares somente
em 16 de dezembro, respondendo a uma severa carta de 28 de novembro do cardeal
prefeito Innocenzo Ferrieri.90
O que Dom Bosco tinha obtido era certamente útil, mas bem longe do que fora pedido
na origem. Mas, objetivamente, o estado das relações no triângulo Roma−Turim−Dom
Bosco não permitia a ruptura de um precário equilíbrio, confiado à sabedoria dos mais
altos protagonistas romanos.
86Rescrito de 21 de abril de 1876, MB XII 646-647.
87 Carta de 27 de abril de 1876; E III 51-53.
88 Carta de 5 de maio de 1876; MB XI 600-601.
89 Texto em MB XII 646.
90 Cf. cap. 25, § 5.

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114 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Sucendiam ainda incidentes banais, que não contribuíam para serenar o clima. Uma
chamada disciplinar deu-se por ocasião da festa de Nossa Senhora Auxiliadora, quando
o secretário do bispo de Casale celebrou a missa solene “com distintivos prelatícios
sem a autorização do arcebispo. Embora tal defesa da dignidade episcopal, na linha
do direito, parecia antes de tudo fiscal.91 Desse tempo são duas cartas de Dom Bosco,
diferentemente interessantes. Na primeira, de 12 de agosto, convidava o arcebispo ao
Oratório para administrar a crisma aos jovens.92 Dom Gastaldi preferia que os jovens
se dirigissem a recebê-la na igreja do arquiepiscopado. A outra era ao amigo bispo de
Vigevano, Pietro Giuseppe De Gaudenzi. Comunicava-lhe que o professor de filosofia
dos clérigos do Oratório, padre Giuseppe Bertello, tinha substituído o texto de ende-
reço rosminiano de Pier Antonio Corte, preferido por Gastaldi e usado no Seminário de
Turim, por outro texto neo-escolástico. Fazia, ainda, reparos críticos sobre o término do
ensino moral no Convitto Eclesiástico, do qual, em setembro, fora retirado Bertagna.
Concluía com uma obscura predição: “É certo, contudo, que Deus ajustará as coisas, e
talvez em breve tempo”.93
Nessas semanas o arcebispo recebia uma séria afronta com a ordenação sacerdotal,
em Roma, em 22 de outubro, do beato Francesco Faà di Bruno, com o aval direto de Pio
IX, do Vicariado, e o sustento de Dom Bosco e de dom Moreno, graças às dimissórias
do bispo de Alessandria, diocesse de Faà di Bruno. No caso, o arcebispo tinha agido
com muita retidão, procurando não criar disparidade de tratamento com relação a casos
análogos existentes na diocese. Tinha pedido simplesmente preparação mais tranqüila
com a dilação de poucos meses;94 saía, por fim, com muita dignidade, terminando por
fim com a incardinação do novo sacerdote na diocese de Turim em 1º de dezembro.95
5. Constituições aperfeiçoadas e aprovação diocesana do Instituto das
Filhas de Maria Auxiliadora (1874-1877)
A migração das primeiras irmãs de Mornese a Borgo San Martino abria estrada
para a primeira rápida expansão de obras que caracterizaria o quinqüênio sucessivo,
91 Cf. MB XII 236-237; e carta de justificação do cônego Santo Giuseppe Masnini, 8 de junho
de 1876, p. 649-651.
92 E III 86.
93 Carta de outono de 1876; E III 99.
94 Cf. carta ao Faà de 26 de agosto de 1876. transcrita por M. Cecchetto, Vocazione ed
ordinazione sacerdotale di Francesco Faà di Bruno, in Francesco Faà di Bruno (1825-1888).
Miscellanea, p. 148-149.
95 Cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. II, p. 251-254; M. Cecchetto, Vocazione
ed ordinazione sacerdotale di Francesco Faà di Bruno, in Francesco Faà di Bruno (1825-
1888). Miscellanea, p. 106-183; P. Palazzini, Francesco Faà di Bruno scienziato e prete, vol.
II. Roma, Città Nuova, 1980, p. 74-185; G. Martina, Pio IX (1867-1878), p. 149.

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 115
como resultaria do texto da Exposição à Santa Sé do estado moral e material da Pia
Sociedade de São Francisco de Sales em março de 1879. Do aceno à casa-mãe de
Mornese no Catálogo da Sociedade Salesiana de 1873 passava-se na Exposição ao
elenco de 21 obras, das quais já 3 entre Uruguai e Argentina.96 A vitalidade expansiva
se tornava um dos fenômenos que contribuíam a dar ao Instituto sua fisionomia de base.
O forte liame operativo com Dom Bosco e com a Congregação Salesiana, não somente
jurídico ou textual, parece ter-se revelado determinante para a primeira história e para
os rápidos desenvolvimentos.
Quanto ao espírito não é possivel desvalorizar a parte devida a Dom Bosco, direta-
mente ou por meio de colaboradores confiáveis, nas sucessivas reestruturações do texto
constitucional de 1872 a 1885. Estes eram eco e fruto, naturalmente, também da experi-
ência vivida e da reflexão amadurecida no interior do Instituto, da madre co-fundadora,
da segunda que a sucedia em 1881, das assistentes, das comunidades, assim como das
normas constitucionais que encarnavam vitalmente o ditado e o espírito.
No primeiro quinqüênio as sucessivas modificações estatutárias conduziam ao texto,
que em 1886 mereceu a aprovação diocesana do Instituto por parte dos bispos de Acqui
e de Casale Monferrato, e, em uma segunda fase, levado ao primeiro texto impresso de
1878 (na realidade, 1879).
O trabalho ao redor das Constituições é documentado por nove manuscritos dispo-
níveis sucessivos ao texto Constituições Regras, do qual já se falou (ms A), e que tinha
disciplinado a vida do Instituto ao menos até 1875, se não além. No arco de tempo que
compreendia entre 1872-1885, alguns manuscritos não fizeram história, outros, embora
determinantes, não são encontráveis.97 Permanecem altamente significativos, além dos
impressos de 1878 (1879) e 1885, aprovados e promulgados por Dom Bosco, os ms D
(1874-1875), G (1876-1877) e K (1884).
Nos dois primeiros são releváveis as significativas intervenções de Dom Bosco, no
terceiro, sobretudo do padre Giovanni Cagliero, competente intérprete do pensamento
do fundador e que mais de todos e por mais tempo viveu com ele as peripécias do
Instituto. Os mais numerosos se encontram no ms D (1874), sobre o qual Dom Bosco
interveio ao menos em dois momentos diversos. Eles – afirma Cecília Romero – “se
encontram ao longo do texto das Constituições, no formulário para a vestição e para a
profissão [é o único manuscrito que o traz] e até na ata relativa à fundação do Instituto
há dois acenos com letra de Dom Bosco no rodape”.98 Eles têm apoio no ms G (1876),
96 Sampierdarena, Tipografia Salesiana, 1879, 18 p.; OE XXXI 237-254. Dizem respeito ao
Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora as p. 14-16; OE XXXI 250-252.
97 O itinerário é seguido pelo excelente trabalho crítico de irmã Cecília Romero, ao qual nos
atemos.
98 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p.86. Todas as variantes, exceto duas, nesse manuscrito,
são de Dom Bosco; cf. o reconhecimento analítico e as relativas considerações às p. 87-95, e
as variantes com a sigla D no aparato da edição do ms G.

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116 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
“o mais completo e pleno de autoridade entre os manuscritos que possuímos”. Com
efeito, ele “recolhe todas as redações dos manuscritos precedentes; foi revisto e acura-
damente corrigido por Dom Bosco e por fim é o que coincide quase que totalmente com
o texto aprovado na diocese de Acqui”.99 As variantes devidas a Dom Bosco, presentes
em ambos, permitem ulteriores provas do que ele tivesse a peito dar forma e alma às
estruturas do novo Instituto.
Ao ms D eram idênticos, com ligeiras variações, os dois manuscritos enviados
em 1875 aos bispos de Casale Monferrato e Acqui para a aprovação diocesana. Dele
Dom Bosco corrigia o título, introduzindo o que tivesse individuado definitivamente
no Instituto: Constituições para o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora. O ms G,
que recebia o ms D, com correções de Dom Bosco, do padre Rua e de outros, cons-
tituía depois a base do primeiro texto impresso de 1878 (1879). Convém sublinhar os
artigos, nos quais, com relação ao ms A, Constituições Regras, estavam presentes traços
que tornavam o texto mais nitidamente “bosquiano”, posteriormente qualificado neste
sentido pelas modificações efetuadas por Dom Bosco no ms G.100 Eles tocam, antes
de tudo, o crucial título 1) Finalidade do Instituto. Primeiro, “é de buscar a própria
perfeição e de colaborar na salvação do próximo [add especialmente Gb; e 1878] dando
educação cristãs às meninas do povo. 2) Portanto, as Filhas de Maria Auxiliadora, antes
de qualquer outra coisa, procurarão exercitar-se nas virtudes cristãs, depois esforçar-
se-ão em benefício do próximo. Seu cuidado especial será o de assumir a direção das
escolas, [add Educandários, Gb, Educatórios 1878], asilos infantis, casas de educação,
congregações festivas, e também abrir oficinas em favor das jovens das vilas e cidades
mais pobres. Onde haja necessidade prestarão também assistência aos pobres enfermos,
e outros semelhantes serviços de caridade. 3) Poderão, além disso, receber em suas
casas jovens sem condições, às quais, contudo, não ensinarão jamais as ciências e artes
que são próprias de nobres e senhoris condições. Todo o seu empenho será o de formar
à piedade e tudo aquilo que poderá servir para tornar boas cristãs, mas que estejam além
disso capazes de, a seu tempo, ganhar honestamente o pão da vida. Veja-se programa do
Instituto. 4) O Instituto será composto somente de jovens, as quais professem em tudo
vida comum com votos temporários de três em três anos. O superior maior, de acordo
com o Capítulo Superior, cumpridos os votos temporários, podem [sic] também admitir
aos votos perpétuos, se assim se julgar [sic] tal coisa útil à religiosa e ao Instituto. Haverá
clausura, mas nos limites compatíveis com o cumprimento dos próprios deveres”.
Os poderes da superiora eram definidos como nas Constituições Regras101.
O segundo título, Sistema Geral do Instituto, resultava melhor estruturado em base
a relações mais claras com o superior geral da Sociedade de São Francisco de Sales,
99 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p.203.
100 Cita-se da edição crítica do manuscrito G integrado pelas correções sobre ele efetuadas,
contida no volume G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 209-252.
101 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 209-211.

12.7 Page 117

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 117
com seu representante ou diretor geral, com o diretor particular ou local, com o ordi-
nário da diocese, com o “diretor-pároco” e com os confessores. Além disso, quanto à
obrigação dos votos, à perseverança e às defecções. “O Instituto –estabelecia-se – está
sob a imediata dependência do superior geral da Sociedade de São Francisco de Sales,
ao qual dão o nome de superior maior. Ele poderá fazer-se representar por um sacer-
dote que ele delegará sob o título de diretor das Irmãs. O diretor geral será um membro
do Capítulo Superior da Sociedade Salesiana; diretor particular será aquele ao qual é
confiada a direção de alguma casa ou instituto” (art. 1º); “Todas as casas do Instituto,
naquilo que concerne à administração dos santíssimos sacramentos e ao exercício do
culto religioso, estarão totalmente sujeitas à jurisdição do ordinário. As irmãs de cada
casa terão por pároco seu diretor, proposto pelo superior maior e aprovado pelo bispo
diocesano” (art. 2º).102
Novo e da mão de Dom Bosco era o título 3º, Regime Interno do Instituto, que fazia
deslocar de um número os títulos sucessivos, que passavam de 15 a 16: “O Instituto é
governado pelo reitor-mor da Congregação Salesiana e dirigido pelo Capítulo composto
pela superiora geral, da vigária, ecônoma, e duas assistentes” (art. 1º); “A superiora
geral terá a direção de todo o Instituto e dela dependerá todo o material e o espiritual
das casas das Filhas de Maria Auxiliadora”.103 Isso comportava a reestruturação dos
três títulos seguintes: o 4º, Eleição da superiora geral, da vigária, ecônoma e das duas
assistentes (o precedente título 3º era Da superiora e das assistentes); o 5º, Capítulo
Superior, eleição da diretora das casas particulares e respectivo Capítulo (o prece-
dente era Capítulo da casa central e Conselho); e o 6º, Da mestra das noviças (o prece-
dente era Da ecônoma e da mestra das noviças). Os três artigos dedicados à Mestra
das noviças eram novos. Sobressaíam o segundo e o terceiro, que ofereciam quase uma
síntese concentrada de “pedagogia espiritual”: “A mestra das noviças deverá ser uma
irmã de provada virtude, e prudente; que tenha profundo e claro conhecimento das
Regras, e seja conhecida por seu espírito de piedade, de humildade e de paciência a toda
prova” (art. 2º); “fará o máximo esforço para ser afável e plena de bondade, para que
suas filhas espirituais lhe abram a alma em cada coisa que possa ajudar a progredir na
perfeição. Dirija-as, instrua-as na observância das Constituições, especialmente no que
diz respeito ao voto de castidade, pobreza e obediência. De modo semelhante, lhes seja
como modelo, para que as noviças observem e cumpram todas as práticas de piedade
prescritas em sua Regra” (art. 3º).104 Em 1878, a última parte do art. 3º aparecia assim
modificada por Dom Bosco: “Seja-lhes de modelo em cada coisa, para que se cumpram
todas as prescrições da Regra. É-lhe recomendável que as noviças sejam inspiradas ao
espírito de mortificação, usando no entanto de grande discreção, para que não se enfra-
queçam as próprias forças, a ponto de ficarem inúteis para as tarefas do Instituto”.105
102 Cf. G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 212-215.
103 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 316.
104 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 225.
105 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 266.

12.8 Page 118

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118 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
A última parte da redação do ms G e das impressas em 1878 não fazia nenhuma
referência ao “Capítulo Geral”, o qual, todavia, de fato, existia. A eleição da superiora
geral e dos componentes do Conselho Superior era da responsabilidade de um colégio
composto pelo Capítulo Superior, da diretora e de uma irmã eleita de cada casa.106 As
Constituições de 1878 falavam somente de Capítulo Superior de cada casa.107 Nos dois
títulos sucessivos, 7º e 8º, se estabelecia a nítida distinção entre postulado (três meses
corr ex três anos; seis meses, 1878) e noviciado (dois anos), com fortes analogias com
as Constituições Salesianas recentemente aprovadas.108
Distintivas da espiritualidade do Instituto eram as Virtudes principais propostas
ao estudo das noviças e à prática das professas, listadas no artigo único do título
9º, quase idênticas às já propostas pelo primeiro texto Constituições Regras.109 Ainda no
ms G, o precedente título 9º, Distribuição das horas do dia, era dividido nos títulos 10º,
Distribuição do tempo, e 11º, Particulares práticas de piedade, passando de um total de
10 para 14 artigos .110 Não eram muitas as variantes com relação ao ms A nos títulos do
13º ao 15º, sobre votos, e no último, Regras comuns a todas as irmãs.111 Desaperecia o
título 15º e último, Constituições Regras, sobre a observância das regras e horário do dia.
6. Governo formativo em perspectiva missionária (1875-1877)
Nesses anos Dom Bosco não se limitava a precisar ou a analisar textos estatutá-
rios. Interessava-se ao mesmo tempo da interioridade religiosa do Instituto, em estreita
conexão com a vida das instituições salesianas. Conforme se acenou, desde janeiro
de 1875 ele movimentava para a aquisição da casa Catellino, adjacente à antiga casa
Moretta. Porém, o precedente uso e a posição não a tornavam idônea para uma comu-
nidade religiosa. “Sendo de má construção e de má posição, se deve demoli-la”, anun-
ciava em circular a benfeitores,112 enquanto pedia ao padre Rua para chegar logo à
conclusão do contrato, estipulado depois em 21 de julho.113 Pensava numa casa com um
pátio anexo que pudesse ser usado também como oratório festivo para as meninas.
Em 8 de agosto de 1875 escrevia a uma noviça madura, a turinense Maddalena
Martini (1849-1883), encorajando-a a perseverar na escolha até mesmo heróica da vida
religiosa, dada sua proveniência de família rica, que podia fazer mais árdua a pobreza
106 Cf. tit. 4º, art. 4º e 6º, G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 219 e 220.
107 Cf. G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 261, 262, 266.
108 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 228 e 268.
109 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 230.
110 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 231-236.
111 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 239-252.
112 Circular de 20 de janeiro de 1875; E II 446.
113 Carta de Roma de fevereiro, 8 de março e julho de 1875; E II 457, 464, 484-485.

12.9 Page 119

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 119
de Mornese. A carta constitui expressão típica do estilo epistolar de Dom Bosco e docu-
mento exemplar de suas idéias sobre a “vida consagrada”. Tratava-se da formação que
sabia dar como fundador. “Dileta filha em J. C. – escrevia –, vossa ida a Mornese deu
um tapa no mundo, que enviou o inimigo de nossas almas para inquietar-vos. Mas
escutastes a voz de Deus, que vos chama a salvar-se por um caminho fácil e plano,
e desprezar toda sugestão contrária. Antes, estai contene dos distúrbios e das inquie-
tudes que provais, pois o caminho da cruz é o que vos conduz a Deus. Ao contrário,
se estivésseis imediatamente alegre e contente, aí haveria de temer algum engano do
inimigo maligno. Portanto, considerai: 1) não se vai à glória senão com grande fadiga;
2) não estamos sós, pois Jesus está conosco, e são Paulo afirma que com seu auxílio
nos tornamos onipotentes; 3) quem abandona pátria, parentes e amigos e segue o
divino Mestre, tem assegurado um tesouro no céu, que ninguém poderá roubar; 4) o
grande prêmio preparado no céu deve animar-nos a tolerar qualquer pena sobre a terra.
Coragem. Jesus está conosco. Quando tiverdes espinhos, colocai-os como os da coroa
de Jesus Cristo. Eu vos recomendo a Deus na santa missa, rezai por mim, que sou
sempre em J. Vosso humilíssimo servidor Sac. Giov. Bosco”.114
Ela emitiu os votos em 24 de junho de 1876. Partiu para a Argentina em 1879, como
inspetora das FMA, demonstrando-se superiora sábia e amada. Morreu em Almagro
(Buenos Aires), em 27 de junho de 1883.
Em 24 de agosto, de Mornese, onde tinha chegado no dia 21 com o padre carmelita
Emiliano para os exercícios espirituais das senhoras e irmãs, Dom Bosco escrevia para
o secretário da Congregação dos Bispos e Regulares: “Escrevo esta carta da Casa de
Maria Auxiliadora, onde acontece um turno de exercícios espirituais para 150 senhoras,
dirigidas pelas monjas no que diz respeito à disciplina e à parte material. Estas são as
Filhas de Maria Auxiliadora, das quais já se falou alguma vez, que aumentam bastante;
já têm a escola de uma vila, um educandário, duas casas em outras dioceses”.115 Dos
exercícios espirituais para as senhoras escrevia no dia seguinte à condessa Girolama
Uguccioni.116 Dom Bosco recebia e confessava as que se apresentavam e anunciava
a possibilidade para as que tinham terminado o tempo dos votos trienais de professar
os votos perpétuos. No dia 28 impunha o hábito, não mais marron, mas preto com
véu azul, a quinze postulantes, entre as quais Maddalena Martini, e recebia quatorze
profissões trienais e outras tantas perpétuas: entre estas Maria Domingas Mazzarello,
Emilia Mosca e Enrichetta Sorbone. No dia seguinte fazia um empenhativo discurso de
encerramento a toda a comunidade, severo do ponto de vista religioso, flexível quanto
às tarefas educativas. Entre outras coisas, acenava à “roda” já em uso na comunidade
de Borgo San Martino.117
114 E II 491-492.
115 E II 503.
116 E II 504.
117 Cronistoria II 146-150.

12.10 Page 120

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120 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Da feliz e frutuosa estada dava boas notícias ao padre Rua. “Aqui tudo funcionou
bem. O corpo do Instituto é composto de 120 membros. Era indispensável que eu prolon-
gasse minha estada aqui”.118 No dia 29 deixava Mornese, acompanhado pelo padre
Giovanni Cagliero e pelo padre Giacomo Costamagna para uma destinação e finali-
dades, que tinha indicado ao padre Rua na carta de Mornese talvez no mesmo dia: “Para
falar com bispos, com os quais tenho negócios, vou a Ovada e de lá te farei saber o dia
de retorno a Turim”. Em Ovada, terra natal de são Paulo da Cruz (1694-1775), fundador
dos passionistas, estavam reunidos naqueles dias vários bispos para a celebração da
morte. Em Ovada se ocupava, entre outras coisas, da revisão das Constituições, em
vista do texto a apresentar ao bispo de Acqui .
Em seguida, de Varazze insistia com o padre Rua sobre os trabalhos para a prepa-
ração da sede de Turim: “Promove os trabalhos para nossas Auxiliadoras”.119 Ao mesmo
escrevia, dois dias depois, de Alassio: “Escreve também a Costamagna para a vestição
das irmãs para [Borgo] San Martino. Acrescenta também que prepara Campi e Fassio
(dois clérigos da comunidade salesiana mornesina, professores elementares) para as
ordenações no próximo Natal”.120 Ainda a ele, no dia 24, de Nice recordava: “Disponha
para poder ir a Mornese no domingo depois da Conceição para fazer o que tem que ser
feito”:121 O “que ser feito” se deduz de uma carta de Dom Bosco ao padre Cagliero de 4
de dezembro: “No dia 12 do corrente padre Rua com o senhor Mina [padre da missão]
irá a Mornese para fazer algumas vestições e algumas profissões”.122
Dom Bosco fora a Nice para dar início à obra salesiana na França.123 Na citada
carta ao padre Cagliero, de 4 de dezembro, anunciava também a próxima sede dos sale-
sianos e Filhas de Maria Auxiliadora em Vallecrosia, a 2 quilômetros de Bordighera.
“Em meu retorno [de Nice] – escrevia – dei início à empresa contra os protestantes em
Bordighera. A casa que deve cuidar de meninos e do culto religioso é confiada ao padre
Cibrario, com alguns outros leigos. As Filhas de Maria Auxiliadora cuidarão da cozinha
e das meninas (...). Seu número continua até agora aumentando. No começo de janeiro
próximo um grupo irá tomar conta da nova casa de Alassio”.124 A dupla comunidade
começava seu trabalho em Bordighera em 10 de fevereiro, como comunicava uma vez
mais ao padre Cagliero: “Ontem (10 de fevereiro) foram abertas as duas pequenas casas
de Ventimiglia”.125 A das Filhas de Maria Auxiliadora em Alassio, ao invés, deveria ter
começado em 12 de outubro. Em pedido a Leão XIII de 15 de março de 1878, entre as
118 Carta de 28 ou 29 de agosto de 1875; E II 505.
119 Carta de 18 de novembro de 1875; E II 524.
120 Carta de 20 de novembro de 1875; E II 526.
121 Carta de 24 de novembro de 1875; E II 528.
122 E II 530.
123 Cf. cap. 21, § 1-2.
124 Carta de 4 de dezembro de 1875; E II 530.
125 Carta de 12 de fevereiro de 1876; E III 18.

13 Pages 121-130

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13.1 Page 121

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 121
obras necessitadas de auxílio, Dom Bosco incluíria também as escolas de Vallecrosia,
enfatizando os sucessos: “Quatro salesianos e três irmãs de Maria Auxiliadora traba-
lham e, graças a Deus, seus esforços foram frutuosos, de modo que os protestantes
viram-se constrangidos a deixar suas escolas e suas conferências por falta absoluta de
alunos e de pessoas que os procurassem”.126 Nos mesmos termos exprimia-se em 12 de
março de 1879 com o cardeal secretário de Estado, Lorenzo Nina (1812-1885).127
No começo de janeiro de 1876, Dom Bosco também tinha feito uma promessa estu-
pefaciente ao padre Cagliero: “Recorda-te que para outubro nós expediremos trinta
Filhas de Maria Auxiliadora com uma dezena de salesianos; alguns até antes, se for
urgente”.128 Era um grande sonho. Ele se realizaria com um número bem mais modesto
de irmãs, e no final de 1877.
Em 4 de janeiro de 1876 apresentava ao bispo de Acqui, dom Sciandra, “as regras
do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora” com o pedido de “dar ao Instituto e às
suas Constituições a aprovação diocesana”.129 O bispo a concedia rapidamente, com
decreto de 23 de janeiro.130
Era a vez de Turim, com o pensamento sempre na América. Em 12 de fevereiro
Dom Bosco escrevia ao padre Cagliero: “As Auxiliadoras virão a Valdocco no início de
março. Devemos prepará-las para a América?”.131 Dom Bosco enviava para a sede de
Turim, em 22 de março, um pedido ao arcebispo para poder abrir um oratório feminino,
com respectiva capela, para as meninas do quarteirão de Valdocco. “O local estabelecido
para a igreja – precisava – dista cerca de 100 metros da Igreja dedicada à Nossa Senhora
Auxiliadora, em terreno plano, com um anexo público, e unido ao edifício destinado à
habitação de algumas religiosas que, de bom grado, tomarão cuidado daquelas meninas
em perigo”.132 Em 28 de março o arcebispo, com confiança na “singular prudência”
de dom Sciandra, emanava o decreto de consentimento que “as ditas escolas, no local
indicado, sejam confiadas a essas religiosas”, reservando-se de conceder a aprovação
diocesana à sua Congregação após suficiente experimentação.133 No dia 30, Dom
Bosco anunciava ao padre Cagliero: “Hoje abençoou-se a capela para as irmãs na
casa Catellino e já são sete, no momento. Irmã Elisa, madre superiora; está também a
madre Giuseppina”.134 Ao padre Cagliero, diretor geral do Instituto, em 5 de abril madre
Mazzarello dava informações mais particularizadas sobre várias destinações de irmãs
126 E III 319.
127 E III 455-456.
128 E III 11.
129 Carta de Mornese; E III 12.
130Os textos do pedido e do decreto episcopal encontram-se em P. Cavaglià e A. Costa (org.),
Orme di vita, p. 160-166.
131 E III 18.
132 E III 30.
133 Citado em MB XII 664-665.
134 E III 32.

13.2 Page 122

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122 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
e seus respectivos trabalhos: “Irão a Turim irmã Elisa [Roncallo, 1756-1919] (diretora)
e irmã Enrichetta [Sorbone, 1854-1942] (estas duas para estudar; após o exame, irmã
Enrichetta, espero, voltará a Mornese), irmã Caterina Daghero e irmã David para dar
aulas, irmã Carlotta para a cozinha, irmã Adele Ajra para limpar as túnicas, irmã Luigia
di Lu para assistir as lavadeiras”.135 Dom Bosco dava notícias suplementares ao padre
Cagliero em 27 de abril: “Morreu a senhora Orselli Felicita; Teresa [a irmã] foi morar
com nossas irmãs em Valdocco, que fazem muito bem”.136 No início de 1877 dava uma
simpática sugestão ao padre Rua, certamente agradável às irmãs, “donas de casa” em
templo pleno: “Se as irmãs gostam do teatro, podem ir”.137
No entanto, estavam em curso as tratativas com o bispo de Biella, Basilio Leto, para
enviar algumas irmãs se ocupar da cozinha e da rouparia do seminário. Em uma carta
ao padre Rua de 25 de abril Dom Bosco traçava as linhas para uma convenção, não
sem uma referência à canônica “tarabacola” ou “roda”.138 E com o padre Cagliero reto-
mava a conversa sobre as virtuais candidatas ao vôo transoceânico, com outros sonhos
incorporados e alguma realização em vista de breve termo: “Procura indicar-me qual
pessoal seja necessário, salesianos e irmãs, e procurarei organizar logo a expedição para
que, ordenadas as coisas, tu possas retornar em Valdocco e iniciar uma casa em Roma,
depois um passeio nas Índias (...). Está também entendido que em outubro nossas
irmãs irão tomar conta do Seminário de Biella, e três salesianos abrirão um orfanato
no vilarejo de Trinità”.139 No final de uma outra carta, cheia de fatos e de perspectivas,
não podia reprimir sua emoção por tanta graça: “Nossas monjas já são 150; devemos
realizar para elas turnos de exercícios espirituais. Sestri Levante, Trinità di Mondovì,
Biella, terão nossas [dos salesianos ou das irmãs] casas etc. etc. Que movimento!”.140
As Filhas de Maria Auxiliadora chegaram em Biella em 7 de outubro; no dia seguinte
estavam em Lu Monferrato, para tomar conta da oficina, da escola, do oratório e asilo
infantil, o primeiro aberto pelo Instituto. As irmãs tinham sido pedidas pelo casal Rota,
pais do padre salesiano Pietro, que seria posteriormente inspetor [provincial] salesiano
no Brasil. A propósito do tratamento econômico praticado em Biella, em carta ao padre
Rua de 13 de outubro de 1876, Dom Bosco observava: “200 francos [anuais] para cada
uma das monjas é pouco, enquanto a conde Callori dá 400 [para Lu Monferrato]. Ao
menos 250 francos”.141
Um empenho totalmente imprevisto, aceitado de bom grado pelo governo central tanto
em Mornese como em Turim, foi o que as irmãs desenvolveram em Sestri Levante, nos
135 M. E. Posada, A. Costa, P. Cavaglià, La sapienza della vita. Lettere di Maria Domenica
Mazzarello, Turim, SEI, 1994, p. 55.
136 E III 52.
137 Carta de 11 de janeiro de 1877; E III 136.
138 E III 50.
139 Carta de 27 de abril de 1876; E III 52.
140 Ao padre Cagliero, 29 de junho de 1876; E III 69.
141 E III 105.

13.3 Page 123

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 123
meses de junho-setembro de 1876, em uma colônica de verão de crianças tuberculosas da
Lombardia. Irmã Enrichetta Sorbone foi de tal forma aceita, que cada noite dava a “boa-
noite” avidamente escutada. A assistência nas colônias de férias, marítimas e montanhosas,
tornar-se-ia uma forma permanente de apostolado das Filhas de Maria Auxiliadora.142
Em setembro de 1877 as irmãs foram também para o colégio de Lanzo para os habi-
tuais serviços de cozinha e lavanderia. Dom Bosco tinha pedido permissão ao arcebispo
de Turim, assegurando que sua presença não haveria de interferir na realidade religiosa
local: “Note-se que as ocupações das religiosas seriam exclusivamente no colégio e
que, pelo que diz respeito às práticas de piedade, participariam nas que são realizadas
para os alunos do mesmo colégio”.143
7. Primeira emigração para a América e migração da casa-mãe para Nizza
Monferrato (1877-1878)
Em 8 de setembro de 1877 era comunicado à comunidade de Mornese a decisão
de Dom Bosco de realizar o sonho seu e de Madre Mazzarello,144 acariciado há tanto
tempo, destinando algumas irmãs ao Uruguai. Do alegre evento Dom Bosco tinha feito o
anúncio ao mais direto interessado, padre Lasagna – padre Cagliero já estava voltando à
Europa –, em carta de 16 de julho de 1877. Tinha-lhe pedido, em particular, que concre-
tizasse o número, porque a senhora Jackson, do Uruguai, tinha se oferecido para pagar
as despesas da viagem.145 Dois meses depois escrevia à benfeitora: “Padre Cagliero fez
a escolha, e as seis designadas estudam alacremente o espanhol e se preparam para a
partida no próximo mês de novembro”.146 No final do mês eram revelados os nomes das
pré-escolhidas: Angela Vallese, diretora, Giovanna Borgna, nativa de Buenos Ayres,
Angela Cassulo, a mornesina Angela Denegri, Teresa Gedda, Teresina Mazzarello.
Em 25 de outubro, para substituir padre Costamagna, destinado à América, chegava
em Mornese padre Giovanni Battista Lemoyne. As “missionárias” partiam em 6 de
novembro para a função de adeus em Turim e, no dia 7, para a audiência pontifícia,
marcada para o dia 9. Na metade de novembro já estavam navegando em direção da
América, destinação Montevidéu−Villa Colón. O Boletim Salesiano, iniciado poucos
meses antes, dava notícias do adeus em Mornese e da partida.147 Em 31 de dezembro
142 Cronistoria II 193-194, 225.
143 Carta de 10 de setembro de 1876; E III 94.
144 Cf. Cronistoria II 276 e carta já citada ao padre Cagliero de 5 de abril de 1876.
145 E III 199.
146A Elena Jackson, em 13 de setembro de 1877; E III 213. Dava notícia disto, com carta de 30 de
setembro,E III 220 e 223, também ao vigário apostólico no Uruguai, dom Vera, e a Enrique Fynn.
147 “Partenza dei missionari salesiani e delle Suore di Maria Ausiliatrice per l’America”, BS
1(1877), n. 4, dezembro, p. 1-3.

13.4 Page 124

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124 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Dom Bosco se apressava a comunicar o acontecimento ao cardeal Franchi, prefeito da
Propaganda Fide, em um relatório, no qual elencava as obras salesianas na Argentina e
no Uruguai: “10) Pouco distante de Villa Colón, um educandário e um externato femi-
nino para as meninas pobre e abandonadas, dirigido pelas Irmãs de Maria Auxiliadora,
que pertencem também à Congregação Salesiana”.148
Planejava-se também a contribuição das Filhas de Maria Auxiliadora em Chieri,
para aí ativar um oratório feminino. Dom Bosco não previa as dificuldades às quais
ia de encontro, mas num fronte bem diverso daqueles zelantes espectadores. Ao padre
Rua escrevia em janeiro de 1877, empenhado na missão dos concepcionistas:149 “Nosso
arcebispo escreveu uma longa carta, na qual dá notícias de sua saúde, e mostrou-se
satisfeito com o Oratório de Chieri etc., etc.”.150 Ao arcebispo respondia: “Em Chieri
farei o que puder para ativar um Oratório para as meninas e um outro para os meninos; a
aprovação e o apoio da autoridade eclesiástica me dão muita coragem”.151 Mais concre-
tamente mandava padre Rua interessar-se pelo seu futuro “viver”, o sustento, e “para o
padre”;152 menos realisticamente, na carta de 13 de fevereiro de 1877 ao padre Cagliero,
anunciava como acontecida a ida das irmãs para Chieri: “Nossas irmãs abriram um
oratório feminino em Chieri”.153
Neste período dava ainda normas de ação de caráter geral, que confirmavam o
contínuo e concreto interesse pelo Instituto. Em 5 de março, de Marselha sugeria ao
padre Rua esta regra: “Quando precisar enviar irmãs a alguma casa nova, não se deve
tomá-las todas da casa-mãe; mas, como fazemos para os salesianos em Turim, procu-
re-se alguma nas casas já abertas, mas que seja capaz e depois, fazendo substituir essa
por alguma nova, enviá-la à direção da nova casa”.154
Era momento de viragem para o Instituto, que chegara rapidamente à mudança
da casa-mãe. Nela Dom Bosco teve parte relevante. Na primeira metade do mês de
maio de 1877 escrevia ao mornesino padre Bodrato: “Comprou-se uma casa em Nizza
Monferrato e para lá será transferida, com grande vantagem, assim espero, a casa de
Mornese”.155 Particularmente intenso foi seu empenho para fazer frente às grandes
somas exigidas para a aquisição e para a reestruturação do novo edifício com a respec-
tiva igreja, “reduzida a um horroroso depósito de vinho”, a ser recuperada. Sobressaem,
entre outras, três cartas de maio de 1877 ao cônego Edoardo Martini, de Alassio, já
grande benfeitor do colégio de sua cidade, que Dom Bosco procurava envolver na
“grande empresa”. Entre o ex-convento e a igreja, a despesa para a aquisição orçava
148 E III 258.
149 Cf. cap. 25, §
150 Carta de janeiro de 1877; E III 138.
151 Carta de janeiro de 1877; E III 142.
152 Carta de janeiro de 1877; E III 146.
153 E III 149.
154Ao padre Rua, 5 de março de 1877; E III 154.
155 E III 173.

13.5 Page 125

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 125
180 mil liras [cerca de 543 mil euros]. O cônego declarava-se disponível a colocar à
disposição as rendas dos títulos que possuía.156 Uma vez que o edifício e a igreja eram
de um ex-convento dos padres capuchinhos, destituído em 1855, pedia a Santa Sé auto-
rização para comprá-los.157 Tendo recebido a permissão, conforme as formalidades em
uso, informava a condessa Gabriella Corsi, mobilizando a caridade da família e dos
nicenses: “Agora temos que encontrar o dinheiro. Diga-me a quem poderei escrever;
no entanto, excite a piedade do clero e dos fiéis de Nice. É glória para eles que retorne
ao culto um edifício horrendamente profanado”.158 Em março de 1878 espalhava ainda
uma longa circular, redigida em Roma e impressa em Valdocco.159 Foi preciso mais de
um ano para que o edifício e a igreja anexa fossem reformados.
Em 1878 chegava-se à reta final para o oratório e as oficinas de Chieri. “Para as
obras de Chieri vão adiante”, incitava de Roma lá pelo dia 20 de março.160 Em 19 de
maio enviava um pedido ao arcebispo de Turim, informando de ter preparado na cidade
de Chieri “um edifício e uma capela dedicada à santa Teresa, na ex-casa Bertinetti”,
e pedia que permitisse “que as religiosas chamadas Filhas de Maria Auxiliadora”
“pudessem morar lá a fim de cuidar das meninas, como foi concedido às que já dão
aula ao lado da igreja de Valdocco”, e delegasse uma pessoa para benzer a capela.161 O
arcebispo emanava o decreto em 19 de junho. As irmãs assumiram a sede de Chieri em
22 de junho de 1878.
Ao mesmo tempo verificavam-se e se sucediam outros acontecimentos que diziam
respeito à construção em sentido religioso e “salesiano” do Instituto. No primeiro,
o Instituto é visto na ótica dos salesianos, reunidos no primeiro Capítulo Geral, de
setembro a outubro de 1877.162 Sobretudo por parte de Dom Bosco o discurso era funda-
mentalmente levado na defesa da moralidade, considerada quer em si mesma quer em
sua visibilidade pública: referia-se, além disso, à sua missão de ser sal terrae entre os
jovens. Era, também, constituída uma comissão, presidida pelo austero padre Cerrutti,
encarregada de redigir um regulamento para isso, a fim de ser discutido e incorpo-
156 Cartas de maio de 1877; E III 171-172, 174-175. A ele, como já à senhora Pastore di Valenza
Po, falava da igreja “reduzida a um horroroso depósito de vinho” (E III 169 e 171).
157 Cf. súplica a Pio IX, de 25 de agosto de 1877 (E III 210-211), e cartas à senhora Lansetti de 25
de agosto e de 8 de setembro (E III 211, 212). Os documentos sobre Pratiche per ottenere dalle
Autorità Ecclesiastiche facoltà di aquistare il sopradetto Convento e Santuario são transcritos
nas primeiras páginas do livro Notizie storiche sul Convento e sul Santuario di Santa Maria
delle Grazie presso Nizza Monferrato. Nell’occasione faustissima che il Santuario veniva
riaperto al divin culto ed il convento tramutato in casa di educazione pel sac. Francesco
Arrigotti, Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1878, p. 3-8; OE XXX 407-412.
158 Carta à condessa Gabriella Corsi, 26 de setembro de 1877; E III 219.
159 E III 306-307.
160Ao padre Rua; E III 324.
161 E III 343.
162 Cf. cap. 26, § 1.2 e 1.3.

13.6 Page 126

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126 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
rado.163 Ele era sintetizado em 11 artigos Das Irmãs, que concluíam as Deliberações do
Capítulo Geral da Pia Sociedade Salesiana realizado em Lanzo-Torinese em setembro
de 1877, publicadas em 1878. O undécimo estabelecia: “O Capítulo aprova seu regula-
mento particular [as Constituições] já impresso, e aprovado pelo bispo da casa-mãe em
Mornese e outros bispos”.164
Em outubro algumas religiosas atravessavam os confins e se estabeleciam em Nice,
para se ocupar do patronato feminino de Santa Anastácia.
O segundo acontecimento foi mais significativo para o Instituto: o primeiro encontro
das diretoras das casas, a qual, em analogia com as “conferências dos diretores” sale-
sianos, desenvolve funções semelhantes às de um Capítulo Geral. Aconteceu durante
o curso de exercícios espirituais para as irmãs, de 13 a 20 de agosto de 1878. A partir
do dia 16, Dom Bosco esteve presente,165 mas as reuniões foram presididas pelo padre
Cagliero.166
No mês de agosto aceleraram os tempos para a transferência da casa generalícia
de Mornese para Nizza Monferrato. No dia 23 Dom Bosco escrevia ao conde Cesare
Balbo, genro da condessa Gabriella Corsi, impaciente para ver as Filhas de Maria
Auxiliadora em Nizza Monferrato: “Não podemos ainda fixar o dia da abertura da casa
de Nizza, porque os trabalhos de habitação para as monjas e para o capelão, ou melhor,
para o diretor, ainda estão em curso. O programa para o educandário já está pronto, e
o senhor o receberá em breve”.167 Os condes Corsi foram os maiores sustentadores e
benfeitores da obra, auxiliados pelo conde Cesare Balbo.
Em 16 de setembro aí se estabelecia o primeiro grupo de irmãs, chefiadas pela dire-
tora, irmã Petronilla Mazzarello, e formado pela ecônoma geral, irmã Ferretino, e por
outras cinco religiosas. Em dias sucessivos, seguia-se a gradual chegada de Mornese
das irmãs e das educandas.168 Madre Mazzarello aí chegava em 4 de fevereiro, feste-
jada por uma sessão filodramática breve e alegre das irmãs e educandas. Em Mornese
permanecia uma pequena comunidade de irmãs, de postulantes e de educandas.169
Para o educandário de Nizza, após ter-se movimentado pelo verão,170 Dom Bosco
difundia o texto do Programa, calcado sobre o de Mornese e readaptado pelo padre
Bonetti, acompanhando-o com breve circular, na qual precisava a finalidade do Instituto
163 Cf. Conf. 14, 18 e 19, G. Barberis, Verbali, quad. 2, 143, 184, e quad. 3, 1-10.
164 Turim, Tipografia e Librerua Salesiana, 1878, p. 94-95; OE XXXIX 470-471.
165 Cf. carta ao padre Lemoyne, 6 de agosto (E III 373), e ao conde Cesare Balbo de 23 de agosto
(E III 381).
166 Cf. Cronistoria II 335-337; P. Cavaglià e A. Costa (org.) Orme di vita, p. 258-264.
167 Carta de 23 de agosto de 1878; E III 381.
168Documento significativo da organização do Educandário é uma carta da diretora ao padre
Cagliero, de 30 de setembro; cf. P. Cavaglià e A. Costa (org.) Orme di vita, p. 257-259.
169 Cf. P. Cavaglià e A. Costa (org.) Orme di vita, p. 281-283.
170 Cf. a já citada carta ao conde Balbo, 23 de agosto de 1878; E III 381.

13.7 Page 127

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Cap XX: Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças e contestações (1874-1878) 127
com termos habituais: “educar na religião e na moralidade as meninas cristãs”.171 Dele
se empenhava também o “Boletim Salesiano”, que no mês de setembro dedicava
amplo espaço ao Instituto Feminino sob a proteção da Senhora das Graças, em Nizza
Monferrato e de Santa Teresa em Chieri.172 Em pedido de 28 de setembro, enviado
ao inspetor escolar de Acqui, o Conselho Escolar Provincial de Alessandria concedia
em 3 de janeiro de 1879 o “Nada obsta” para a abertura da escola elementar feminina
ativada no internato, “com a expressa condição” que aí dessem aula “as professoras
Elisa Roncallo e Rosa Daghero”, que à primeira” fosse confiada “a direção”.173 Em
22 de outubro Dom Bosco podia anunciar à sua “Boa e caríssima Mamãe”, condessa
Gabriella Corsi, que, no domingo, dia 27 de outubro, seria abençoada a Igreja Nossa
Senhora das Graças. Acrescentava: “Falaram-me que o senhor conde [Cesare Balbo]
constituíu um comitado para promover uma coleta em suporte de nossas despesas.
Agradeça-o muito de minha parte. Esse é, verdadeiramente cooperador salesiano”.174
A casa geral e o educandário das Filhas de Maria Auxiliadora iniciavam uma longa
história e densa de acontecimentos e de resultados.175
Sobre Uma esperança não desiludida, ou seja, o Oratório Santa Teresa em Chieri, o
redator-diretor do Boletim Salesiano,176 padre Giovanni Bonetti, capelão da obra, entre-
tinha os leitores. No mês de janeiro de 1879 devia experimentar sérias desventuras.177
O número sucessivo acolhia um grande artigo-crônica sobre a partida para a América
de outras dez Filhas de Maria Auxiliadora.178
A ação de Dom Bosco para o Instituto de Maria Auxiliadora continuaria nos anos
sucessivos, até à morte.179
171 Cf. a carta e programa em P. Cavaglià e A. Costa (org.) Orme di vita, p. 245-249. O programa
foi impresso, em redação modificada, no ano seguinte: Programma. Istituto Femminile sotto
la protezione della Madonna delle Grazie in Nizza Monferrato. Turim, Tipografia Salesiana,
1879, in P. Cavaglià e A. Costa (org.) Orme di vita, p. 289-292.
172 BS 2(1878) n. 9, setembro, p. 11-13.
173Os dois documentos são transcritos em P. Cavagliae A. Costa (a cura di) Orme di vita, p.
253 e 267-268.
174 E III 397. A igreja foi abençoada pelo padre Cagliero, estando presente a Schola Cantorum do
Oratório de Valdocco.
175 Sobre o educandário e a escola veja-se a ótima monografia de P. Cavaglia, Educazione e
cultura per la donna. La Scuola «Nostra Signora delle Grazie» di Nizza Monferrato dalle
origini alla riforma Gentile (1878-1923) n. 2, fevereiro, p. 5-7.
176 BS 3 (1879) n. 1, janeiro, p. 8-9.
177 Cf. cap. 28, § 5.
178 Le dieci vergini prudenti ossia la seconda schiera di Figlie di Maria Ausiliatrice partite per
l’America: BS 3 (1879) no. 2, fevereiro, p. 5-7.
179 Cf. cap.29, § 3 e 4.

13.8 Page 128

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13.9 Page 129

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Capítulo XXI
A caminho do universalismo geográfico (1875-1877)
1874 10 e 26 de outubro: dom Espinosa e padre Cecarelli respondem ao comendador
Gazzolo sobre os salesianos na Argentina
1875 28 e 29 de janeiro: Dom Bosco anuncia aos diretores e à comunidade de
Valdocco o projeto missionário na América
1875 9 a 21 de novembro: chegada dos salesianos em Nice e abertura do Internato
São Pedro
11 de novembro: cerimônia de despedida aos que partiam chefiados pelo
padre Cagliero
14 e 21 de dezembro: chegada dos salesianos em Buenos Aires e a San
Nicolás de los Arroyos
1876 9 de fevereiro: chegada dos salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora em
Vallecrosia
14 de abril: discurso de Dom Bosco na Arcadia
7 de novembro: cerimônia de adeus aos salesianos para a Argentina, com o
padre Bodrato e Uruguai, com o padre Lasagna
1877 retorno do padre Cagliero a Turim
O ano de 1875 assinalava o início da expansão da obra de Dom Bosco além dos
confins italianos na Europa e na América Latina. Não constituía uma surpresa para
quem tinha podido intuir seu temperamento e sua fé. Este novo salto adiante era condi-
zente com sua índole, com sua impaciência e inquietude pastoral, que não lhe consentia
parar nas etapas já alcançadas. Era resposta também em face de suas preocupações mais
ou menos explícitas: a instituição, a Congregação, podia correr o risco do apagamento e
da fossilização caso não se lançasse em novos objetivos, como acontece – segundo sua
doutrina espiritual – em todo caminho de aperfeiçoamento moral e religioso que pare
na satisfação de objetivos já alcançados: non progredi regredi est. Não se deve também
excluir a vontade de se livrar dos muitos assédios locais e legalistas, em nível civil e
canônico: de um lado, títulos acadêmicos, inspeções, regras paralisantes; de outro, as
rigorosas normas sobre ordenações, a excessiva institucionalização da formação reli-
giosa, a imposição de etapas e vínculos inflexíveis na formação cultural, as rígidas
passagens na profissão dos votos, o acesso impedido aos “privilégios”. Desde a infância

13.10 Page 130

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130 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
era inclinado a subtrair-se dos espaços muito apertados e sufocantes, pairando acima de
todos os sonho, solar mais que lunar, da vocação ao sacerdócio. Com o confidente padre
Barberis, na tarde de 20 de maio, ele se abandonava a significativas reflexões, moti-
vadas pelo globo terrestre que o interlocutor, professor de geografia, tinha colocado
sobre a mesa da biblioteca. Falando de missões e de missionários a conversa acabou
caindo sobre a Ásia: “Essa – observava – é povoada por cerca de 800 milhões de indi-
víduos e pouquíssimos são os católicos. Só a China, o império chinês, tem quase 500
milhões de almas, quase 200 milhões a Índia. Oh! quantas almas, quantos missionários
seriam necessários. Já aqui na Europa quem sabe o que acreditamos. Pois bem, só o
império chinês tem uma vez e meia mais habitantes que toda a Europa. Estamos acostu-
mados a falar do Piemonte, contar e estudar sua história e observar todos os progressos
e regressos, e o Piemonte, não é como um grãozinho de areia em meio a um lago? E ao
redor do nosso Oratório aqui de Valdocco? retomou sorrindo o senhor Dom Bosco, ele
dá tanto trabalho e desde este cantinho se quer mandar aqui, lá etc.”.1
Nesse contexto, entre 1874 e 1875, amadureciam ao mesmo tempo a idéia dos coope-
radores e das cooperadoras e a expansão da obra além dos confins italianos na França
e na América do Sul. Ele conduzia pessoalmente a passagem para a nação vizinha, e as
obras francesas tornar-se-iam objeto de suas solicitudes pessoais privilegiadas e meta
de freqüentes visitas, ao passo que podia dirigir, sustentar e animar somente de longe
as obras na América.
1. Em direção ao eixo privilegiado Turim-Nice (1874-1877)
A abertura, em novembro de 1875, da primeira obra salesiana na França, em Nice,
cidade que pertencia desde 1860 ao reino sardo, era acompanhada com muita cautela.
Não se podia pensar num retorno à França de italianos nacionalistas na contenda passada
em força de certo discurso político barato, concordado a Plombières em 1858, entre
Napoleão III e Camillo Cavour, e legitimado por uma larva de plebiscito, fortemente
manipulado por ambas as partes.2 Ainda nos anos 1870-1871 existia forte oposição à
anexação, intensificada com o fim do império e o advento da terceira república.3
Contudo, Dom Bosco e os salesianos chegavam em Nice totalmente alheios a esse
tipo de sensibilidades, já superadas em 1875. A juventude pobre e abandonada não
entrava nos jogos políticos, e os que chegavam pretendiam dedicar-se somente a ela,
tendo sido chamados por pessoas que amavam a própria cidade e os filhos seus em
situação de risco, e seguros da concordância das autoridades, não somente religiosas,
mas também civis e políticas.
1 G. Barberis, Cronichetta, quad. 1, p. 21.
2 Cf. cap. 1, § 7.
3 Cf. E. Costa Bona, “Echi italiani sulle elezioni a Nizza (1870-1871)”, Rassegna Storica del
Risorgimento, 78 (1991), p. 161-174.

14 Pages 131-140

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14.1 Page 131

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 131
Era a primeira vez que Dom Bosco atravessava a fronteira francesa e a direção
era Nice, capital da Região dos Alpes Marítimos, cidade que conhecia a indigência
e a beneficência. Com mais de 50 mil habitantes, a cidade exibia a face da riqueza
e os sinais da pobreza: como toda a Costa Azul, meta da primeira metade do século
do turismo internacional, com grande afluência de ricos provenientes do Norte da
França, da Rússia, da Alemanha e da Inglaterra. Essas pessoas contribuíam financei-
ramente para as atividades beneficentes e filantrópicas locais. A região circunstante,
montanhosa e parca de recursos econômicos, provocava pobreza e miséria, com forte
imigração urbana em busca de melhor sorte. Aparece, então, outra indigência local e a
mendicidade generalizada, encorajada pela generosidade dos ricos que vinham para as
estações de inverno. As confissões religiosas, em particular a católica, davam notável
desenvolvimento à iniciativas organizadas de beneficência. A participação do clero era
ativa, com os bispos à frente. O piemontês Giovanni Pietro Sola (1791-1881), bispo
de Nice de 1857 a 1877, era chamado “pai dos pobres”. Também era florescente a
ação do laicato, sobretudo por meio das Conferências de São Vicente de Paula, e das
comunidades religiosas consagradas à assistência dos indigentes e doentes: as Filhas
da Caridade, as Pequenas Irmãs dos Pobres, a Ordem dos Hospitaleiros de São João de
Deus. Também grupos protestantes estavam dedicados a obras assistenciais, bem como
a comunidade israelita e a generosa colônia russo-ortodoxa.4
Através do epistolário, pode-se percorrer todos os passos da cronologia dos primór-
dios do princípio efetivo da obra salesiana, assim como os do ano seguinte. Antes de
tudo, temos a ajuda de uma carta enviada ao aspirante salesiano padre Luigi Guanella,
com a indicação precisa, “Nice, 12-12-1874”: “seu lugar está pronto. O senhor pode
vir quando puder”; “PS. Quinta-feira, [17 de dezembro] estarei [mas não estará] em
Turim”.5 Essa carta foi precedida de outra, redigida em dois dias diversos, ao desti-
natário privilegiado, padre Rua, sem indicação de data: “Estou em Nice, de onde saio
no sábado [12 de dezembro] em direção de Ventimiglia, Pigna [Imperia], depois a
Alassio. Terça-feira estarei em Sampierdarena e quinta em Turim, si Dominus dederit
(...). Neste momento saio de Nice”.6 No dia 15 escrevia de Alassio, novamente ao padre
Rua: “Parto para Albenga e continuo a caminho, mas não sei se quinta-feira estarei em
Turim. Provavelmente até sábado ao meio-dia não poderei chegar. A cada momento as
coisas se multiplicam, reza e faze rezar. Enderece todas as coisas a Sampierdarena”.7
No sábado, 19, estava de volta ao Oratório. Chegando a Turim, em 23 de dezembro,
escrevia duas cartas: uma ao barão Aimé Héraud, outra à baronesa, agradecendo a
hospitalidade que Dom Bosco e o companheiro, Giuseppe Ronchail, tinham recebido
4 Cf. O. Vernier, D’espoir et d’espérance; L’assistence privée dans les Alpes Maritimes au
XIXe siècle (1814-1914). Bienfaisance et entraide sociale. Nice, Éditions Serre, 1993, 542 p.
5 E II 423.
6 E II 423-424.
7 E II 424.

14.2 Page 132

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132 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
em Nice, e declarando querer inscrever o barão “no catálogo de nossos benfeitores”.
A ele comunicava também ter recebido “carta do advogado Michel, que por ora –
escrevia – não pode responder”.8
De maio de 1874 a outubro de 1875, em um ex-estábulo de uma propriedade situada
na praça La Crois de Marbre, um religioso de São Vicente cuidou, até a saúde permitir,
de um centro de instrução catequética e de uma escola vespertina. No entanto, após
contatos com algumas congregações religiosas, o bispo e os vicentinos dirigiram-se a
Dom Bosco, cuja obra conheciam, dadas as relações entre Turim e Nice, entre as confe-
rências nicenses e as lígures e piemontesas, entre personagens próximas de Dom Bosco
– o conde Cays e o barão Feliciano Ricci des Ferres – e irmãos da Conferência de Nice,
entre os quais o barão Héraud e o advogado Michel, vice-presidente das Conferências
de Nice e presidente da Obra do Patronato dos aprendizes.9
O encontro de Nice, em dezembro de 1874, produziu frutos rapidamente. Como
Dom Bosco considerasse insuficiente o ex-estábulo, os vicentinos alugaram a fiação
Avigdor, situada no número 21 da rua Victor, e a mobiliaram. O térreo era destinado
à vida comunitária dos acolhidos e dos salesianos, e o subterrâneo, ao conjunto das
oficinas de sapataria e marcenaria.
O epistolário oferece indicações precisas dos deslocamentos de ida e volta da
Ligúria a Nice na iminência do início da obra, em novembro de 1875. Em 15 de
novembro, de Sampierdarena, onde tinha acompanhado os salesianos que partiam,
no dia 14, de Gênova para a Argentina,10 Dom Bosco encarregava o padre Rua: “É
bem que escrevas ao clérigo Perret, que está em Lanzo, para que faça a mala e venha
acompanhar-me a Nice, onde somos esperados para o dia 20. Tudo está preparado.
Ele pode ir diretamente a Alassio, onde irei encontrá-lo”.11 Perret era ainda noviço. De
Varazze, Dom Bosco, no dia 18, informava padre Rua sobre as duas últimas etapas:
“Para o teu conhecimento, amanhã, 19, vou a Albenga; passarei a noite em Alassio.
Na manhã seguinte, dia 20, partirei para Nice, onde, por seis dias, tu podes enviar-me
a correspondência. Depois do dia ou melhor, pelo dia 26 estarei em Ventimiglia.
De 27 a 30, de novo em Alassio, depois em Sampierdarena ou onde te informar”.12
8 Carta de 23 de dezembro de 1874; E II 425-426 e 426.
9 Para os precedentes, os inícios e os desenvolvimentos da obra salesiana de Nice é fundamental
o estudo de F. Desramaut, Don Bosco à Nice: la vie d’une école professionnelle catholique
entre 1875 et 1919. Paris, Apostolat des Éditions, 1980. Para as relações entre a Conferência
de São Vicente de Paula e iniciativas benéficentes nicenas, com particular referência à obra
salesiana, cf. [E. Michel], Noces d’or de la Société de St-Vicent-de-Paul à Nice, 1844-1984,
Nice, 1984, 98 p.; [L. Cartier], “Historique du Patronage St-Pierre à Nice”, Bulletin Salésien
33 (1901) n. 1, jan.-fev., p. 15-22, dedicado ao Année jubilaire de l’oeuvre de Don Bosco en
France.
10 Cf. carta ao padre Rua, 15 de novembro; E II 521.
11 E II 520.
12 E II 523-524.

14.3 Page 133

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 133
Ao conde Eugenio de Maistre, de Varazze, escrevia no dia 18 sobre a partida dos missio-
nários e anunciava: “Agora continuo pela costa de Nice com três dos nossos padres para
abrir uma casa nessa cidade”.13 De Alassio escrevia novamente ao padre Rua: “Se Deus
quiser, te escreverei de Nice, para onde parto hoje, às 9 horas da manhã, com Perret,
Cappellano e Ronchail”.14 Eram precedidos de dez dias pelo padre Enrico Guelfi. Dom
Bosco acrescentava ao grupo, para a música e o canto, o clérigo Evasio Rabagliati.
Em 24 de novembro, após a premissa, “aqui as coisas começaram e podemos iniciar
a obra”, dava instruções ao padre Rua para que o clérigo de 20 anos, além de trazer
“um pouco de música e a bagagem estritamente pessoal”, acompanhasse a Nice quatro
dos oito argelinos enviados ao Oratório pelo arcebispo de Argéllia, dom Bavigerie: ele
chegaria, contudo, com todos os oito. Melhor se pudesse estar presente em Nice para
o domingo 28, “porque nesse dia – explicava – será celebrada a primeira missa no
Patronage de St. Pierre, rue Victor 21”; “muita benevolência, muita acolhida para nós
e para o novo internato, que tem todas as bases do de Turim”.15 Em 1º de novembro
padre Cagliero informava: “no dia 21 do mês passado foi aberto o jardim do Patronato
em Nice com um internato de jovens pobres. Diretor o padre Ronchail, professor Perret,
pianista Rabagliati, cozinheiro Cappellano”.16 Ao diretor, Dom Bosco tinha também
feito chegar uma carta de recomendação em latim para ser apresentada ao bispo dioce-
sano. Nessa carta declarava que Ronchail era sacerdote “dotado de boas qualidades
morais, aprovado por vários bispos para a pregação da palavra de Deus e para escutar
devidamente as confissões de ambos os sexos; além disso, tinha o título legal para o
ensino das disciplinas clássicas e técnicas e da língua francesa”.17
A Semaine de Nice: Revue Catholique, de 27 de novembro, anunciava a presença na
cidade, nos primeiros dias da semana, do “abbé Bosco de Turim, o apóstolo da juven-
tude abandonada, o homem de Deus tão humilde quanto admirável por suas obras”. Em
seguida dava algumas informações sobre os que o tinham convencido a vir: “É graças
à iniciativa e às instâncias do bispo de Nice e de algumas pessoas respeitáveis que foi
possível atrair a solicitude da grande alma de Dom Bosco para nossa cidade, onde
cresce a cada dia o número dos meninos sem teto, perdidos ou abandonados”. Enfim,
anunciava a inauguração do Patronato São Pedro no domingo, dia 28, com missa cele-
brada pelo bispo às 8h15.
O jornal L’unità cattolica informava em Turim a abertura do Patronato. Informava
que “oito jovens argelinos, já acolhidos na casa, aí estavam inclusive vestidos como
13 E II 525.
14 E II 526.
15 Carta ao padre Rua, 24 de novembro de 1875; E II 527. Cf. carta ao mesmo, sem data; E II
528-529.
16 E II 530. Acentuava ao mesmo no pós-escrito de uma carta de 12 de fevereiro de 1876:
“A casa de Nice vai muito bem. Padre Ronchail diretor, Rabagliati pianista, Per[r]et professor,
Cappellano cozinheiro, Enrico Guardia assistente” (E III 18).
17Atestado de 10 de dezembro de 1875; E II 533.

14.4 Page 134

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134 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
árabes”, e transcrevia as palavras que o papa tinha pronunciado durante a audiência
concedida aos missionários, escutando deles a iminente abertura da obra de Nice:
“Deus a abençoe, e que ela seja o pequeno grão de mostarda e se torne uma grande
árvore, de tal forma que muitos pássaros possam encontrar abrigo sob seus ramos e que
mantenha longe o predador”.18
2. Sempre presente na casa-mãe da França
Dom Bosco não confiava a obra aos seus sem se fazer presente, com as cartas e
pessoalmente. Quatro dias após o retorno a Turim escrevia ao padre Ronchail, diretor
em Nice, iniciando com estas palavras: “Os jornais deram um grande destaque à nossa
casa de Nice, e nós temos que usar da máxima solicitude para que tudo corra bem”.
Dispensava, depois, lembranças, preces e saudações para várias pessoas importantes: o
príncipe Sanguwski e a princesa mãe, o advogado Michel, o barão Héraud, o conde e a
condessa de la Ferté. Dava normas de governo das coisas pequenas: “Não reter dinheiro,
a não ser que haja estrita necessidade; sobrando além disso, mande-o ao Oratório, ende-
reçando-o ao padre Rua; esse dinheiro servirá para as expedições que se deverão fazer”.
Mas assegurava: “se sobrevier alguma necessidade inesperada e não houver outra forma
de prover, pede imediatamente e procuraremos prover-te. Anota sempre o nome e o
endereço de quem dá esmolas, agradece e mantém relações com eles, especialmente os
doentes. Creio que dom Sola viu o Cittadino de Gênova; se não, faz-me saber para que
mande os números que falam dele. Vai visitá-lo de vez em quando. Distribui os bilhetes
anexos com saudação a todos, especialmente a Cappellano”.19
No primeiro ano escolar os internos não passaram de dez, enquanto é incerto o
número dos oratorianos. Provavelmente, alguns meses após o início da obra, o supe-
rior enviava ao diretor da casa instruções especiais, em resposta também a situações
concretas. Isso se encontra em uma minuta de carta autógrafa sem data. Algumas adver-
tências dizem respeito ao regime interno: “observar” os jovens que apresentem sinais
de vocação salesiana, cuidar das relações familiares e cordiais “com os clérigos e com
os irmãos”; estar atento sobre a freqüência dos jovens aos sacramentos e à pregação,
convidando para isso eclesiásticos externos; não deixar-se absolutamente envolver na
controversa oficialização do santuário mariano local de Laghetto.20
De qualquer modo, o problema mais grave a ser resolvido aparece quase subitamente
sobre a localização e a inadequação do edifício do Patronato, realmente sem futuro.
Dom Bosco e os seus buscaram logo outra solução. Chamado a Nice para assistir a um
sermon de charité, feito por dom Gaspard Mermillod em 24 de fevereiro de 1876, Dom
18 L’unità cattolica, n. 284, domingo, 5 de dezembro de 1875, p. 2035.
19 Carta de 10 de dezembro de 1875; E II 532-533.
20 E II 534.

14.5 Page 135

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 135
Bosco pôs-se de acordo rapidamente pela aquisição de Vila Gauthier, place d’Armes,
por 90 mil francos, 100 mil levando-se em conta as despesas acessórias. “Nosso
contrato foi concluído nesse momento por 90 mil francos”, anunciava ao barão Aimé
Héraud;21 “concluímos o contrato. A bagatela de 100 mil [cerca de 302 mil euros]. Mas
é um belo edifício, prepara o dinheiro”, era o apelo ao fiel administrador, padre Rua.22
Dois meses depois mobilizava o diretor, padre Ronchail, projetando as mais diversas
soluções engenhosas: comunicar as indulgências aos “coletores e benfeitores”, fazer
um empréstimo mediante hipoteca “local ou de outra posse”, solicitar intervenções por
parte do advogado Michel, do príncipe Sanguwski, do município, do prefeito da cidade.
Ao mesmo tempo garantia a ajuda segura de Turim.23 Muito depressa, em carta enviada
de Alassio ao padre Ronchail, enquanto visitava as casas da Ligúria, definia os termos
da solução: “Além do que te escreverá padre Rua de Turim, tu podes ter como base
o seguinte: 1) Fazer um contrato para a aquisição da casa Gaut[h]ier com um mês de
prazo para pagar todo o montante previsto no contrato. Franquia de hipoteca. 2) Nesse
tempo arranjarei o modo de colocar à tua disposição os 30 mil francos e até mais, se
for necessário. Nesses termos reúnam-se, ou melhor, peça que se reúnam os senhores
Advogado Michel e Barão Héraud e dize-lhes que, tendo-nos colocado em ritmo de
comum acordo, é necessário que conduzamos a dança a termo a qualquer custo: fadiga,
suor, bocejo e até mais. Deus quer e isso basta. Falei longamente com dom Sola, que
se mostrou muito animado; disse-me que, chegando em casa, talvez hoje ou amanhã,
se ocupará totis viribus da casa Gautier, que quer ajudar pessoalmente com outra soma,
e espera também alguma coisa de outros, e me convidou a dizer estas coisas a ti, ao
senhor Barão e ao Advogado Michel. Presta atenção, pois tínhamos o montante certo
sobre o qual eu calculava. Estou certo, mas agora surgem dificuldades. Contudo, já
tomei outras providências e, no tempo que te aceno, honraremos nosso compromisso.
Agradece de modo especial a nossos dois campeões, para os quais preparei um diploma
que lhes agradará, e que enviarei assim que tiver um portador. É bom prestar atenção
para que, antes de pagar, se desvincule de qualquer hipoteca que pese sobre nossa
propriedade. Cuida bem de tua saúde”.24 Para o contrato padre Ronchail tinha à dispo-
sição 10 mil liras; ao padre Rua foi pedido que enviasse 20 mil de Turim.25 A aquisição
foi concluída em 9 de agosto. O edifício, dois andares mais o térreo, estava pronto para
o novo ano escolástico. Às duas precedentes oficinas foi acrescentada a dos alfaiates.
Os alunos internos chegaram logo a quarenta e cinco.
21 Carta de 1º de março de 1876; E III 21.
22 Carta de 2 de março de 1876; E III 21. A falta de dinheiro induzia-o a pressionar o destinatário
para recuperar o dinheiro gasto nas fases prévias da construção da Igreja São Segundo (cf.
cap. 18, § 2.2: “Quando chegar em Turim, falaremos da Igreja São Segundo”.
23 Carta de 5 de junho de 1876; E III 66-67.
24 Carta de 20 de julho de 1876. E III 74-75.
25 Cartas ao padre Rua até fins de julho (E III 76-77) e ao mesmo, de SanpierdarenaSampierdarena,
27 de julho de 1876 (E III 80-81).

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136 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
A inauguração oficial da nova sede aconteceu solenemente em 12 de março de 1877.
A ela acena-se mais adiante, porque é no fascículo sobre a inauguração que é publicado
o texto do discurso feito por Dom Bosco, um arquétipo de seus sermons de charité, e,
como apêndice, as páginas sobre o Sistema preventivo na educação da juventude. Na
inauguração estiveram presentes o bispo, autoridades civis, o belo grupo dos principais
benfeitores, com uma academia musical feita por jovens internos.26 O Patronato de Nice
tornou-se a casa-mãe e o protótipo das obras salesianas na França.
Entre os acontecimentos dos meses sucessivos deve-se notar um episódio que eviden-
ciava a vontade de Dom Bosco de manter a própria obra longe, também na França, de
grupos políticos. Nos locais do Patronato, como aparece também nas primeiras reda-
ções manuscritas do discurso de Dom Bosco durante a inauguração, estavam reser-
vados alguns locais para a sede do Círculo Católico Operário promovido por nobres
e burgueses legitimistas, aberta no dia 19 de março.27 A situação criava problemas,
visualizados por Dom Bosco ao padre Ronchail em carta de 22 de março, dez dias após
a festa de inauguração: “O fato do Círculo Católico ocasionou rumores na cidade e fez
nascer opiniões diversas a nosso respeito. O clero, em geral, e parte dos cônegos, não
viu com bons olhos, e por isso falam dos padres de Dom Bosco, dizendo que são do
partido de Chambord, que querem meter-se na política. Com os que me falaram disto
procurei mostrar que não tínhamos nada com esse fato e que ocupavam agora nosso
espaço provisoriamente. Provocou, também, má impressão o fato de estar no convite os
nomes de Gignoux, Béthune, Michaud, La Ferté, Michel, e isto e aquilo outro porque
estes senhores não aprovam os cônegos no problema do Laghetto”.28 Dom Bosco deve
ter mostrado aos interessados a incompatibilidade entre as duas obras, o que eles reco-
nheceram de bom grado. Após alguns meses, se transferiram para a Vila Pauliani.29 No
opúsculo impresso sobre a inauguração do Patronato em referência ao Círculo, presente
na redação manuscrita, não aparecia o texto do discurso de Dom Bosco.30 Contudo, não
obstante a fácil acusação de conluio com os legitimistas de França, Dom Bosco teria
visitado o conde de Chambord em julho de 1883, na esperança da miraculosa recessão
de uma doença incurável.31
26 Cf. a primeira edição bilingüe, italiana e francesa, da Inaugurazione del Patronato di San
Pietro in Nizza a Mare, p. 68; OE XXVIII 380-446.
27 Cf. cap. 2, § 9.
28 Cf. Carta ao padre Ronchail em ASC B 312.
29 Cf. Notice historique des Conférences et des Oeuvres de Saint-Vincent-de-Paul à Nice depuis
la fondation en 1844 à 1883 année des noces d’or de la Société. Nice, Imprimerie-Librairie
du Patronage de Saint-Pierre, 1883, p. 57.
30 Cf. Giovanni (s.) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della giuventù. Introdução e
textos críticos aos cuidados de P. Braido, RSS 4(1985), p. 179, 222, 236.
31 Cf. cap. 31, § 2.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 137
3. Implantação efetiva entre imigrados e nativos, e tensões nas missões
(1874-1876)
Nos anos 70 tornaram-se freqüentes os pedidos a Dom Bosco para que enviasse
salesianos em diversas missões: Mangalore na Índia, Hong-Kong, Austrália, China,
África e, em particular, Cairo no Egito e Estados Unidos. Além do número pequeno do
salesianos, Dom Bosco hesitava em face das dificuldades criadas por países fora dos
grandes fluxos migratórios italianos, com culturas e línguas notavelmente heterogêneas
com relação às raízes neolatinas dos potenciais missionários. Por isso ele respondeu
com singular rapidez às solicitações que lhe chegaram da Argentina.
3.1 Na contramão como protagonista
Dom Bosco assumiu pessoalmente para si as responsabilidades e as tarefas da grande
iniciativa transoceânica: a escolha, aceitação, preparação e organização da primeira
expedição e das outras que se seguiram imediatamente, a implantação, a busca e o
fornecimento do pessoal, a incessante busca dos recursos financeiros indispensáveis.
Teve constantemente no coração a animação e a reanimação, suscitando e alimentando
a vontade de conquista evangelizadora que se dilatava do mundo civil em direção aos
indígenas, e vice-versa, com a constante tensão, sempre insatisfeita, para a expansão
ilimitada. De resto, essa era a idéia animadora que o tinha inspirado em seu primeiro
empenho entre os jovens com o Oratório dos anos 40 em Turim, concebido e vivido
como ação claramente missionária em favor sobretudo daqueles que, por vários títulos,
estavam distantes.
Como chefes desses que se dedicariam ao longo do tempo à essa exigente empresa,
Dom Bosco colocava homens de grande valor e confiabilidade: padre Cagliero (depois
bispo e cardeal), o modesto mas tenaz trabalhador Francesco Bodrato, o criativo e
empreendedor padre Luigi Lasagna (morto, aos 45 anos, num incidente ferroviário em
1895), o elétrico padre Giacomo Costamagna (depois vigário apostólico e bispo no
Equador), o reflexivo e operoso padre Giuseppe Vespignani, grande personalidade no
mundo salesiano americano e no interior da Direção Geral da Sociedade Salesiana.
A tudo e a todos dava inicialmente e continuaria a dar – embora com os tantos
limites por causa da penúria de meios e de pessoal – o suporte necessário. Além disso,
não faltava a direção efetiva e o acompanhamento espiritual, antes de tudo reservado
aos principais responsáveis das obras, inspetores e diretores, mas estendido também a
cada salesiano e às comunidades.
Competia a ele, por fim, o enorme trabalho de manter viva nos seus e nas rela-
ções com as autoridades eclesiásticas e civis, aquém e além do Atlântico, a qualidade
missionária da empresa comum e de dar-lhe, enfim, a fundação jurídica com a ereção
pontifícia de um vicariato apostólico e de uma prefeitura apostólica na Patagônia e na
Terra do Fogo.

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138 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
A grande aventura tinha início na central operativa do Oratório de Valdocco, na
noite de 22 de dezembro de 1874, quando Dom Bosco lia aos membros do Capítulo
Superior três cartas chegadas da Argentina com propostas concretas para duas funda-
ções. Uma era em Buenos Aires, o cuidado da Igreja Mater Misericordiae, a pedido
do arcebispo, dom Federico Asneiros, por meio do vigário geral da diocese, Mariano
Antonio Espinosa; a outra, a gestão de um colégio em San Nicolás de los Arroyos, a
cerca de 300 quilômetros da capital, capitaneado pelo pároco, padre Pietro Ceccarelli
e pela Comissão Fundadora, presidida pelo rico octogenário José Francisco Benítez.
Dom Bosco respondia positivamente, com o compromisso de tratar a questão em
modo formal.32
Os primeiros passos relativos a Buenos Aires foram propiciados pelo comendador
Giovanni Battista Gazzolo, cônsul da República Argentina em Savona, com duas cartas:
uma de 30 de agosto a dom Asneiros,; outra de 10 de setembro a seu mais próximo
colaborador, dom Espinosa. Este lhe respondia em 10 de outubro, solicitando que escre-
vesse ele mesmo à Confraria da Igreja Mater Misericordiae.33
Ajuntava-se ao mesmo tempo outro suplicante. As cartas do padre Pietro Ceccarelli,
de 26 de outubro, 11 de novembro e 2 de dezembro de 1874, enviadas de San Nicolás
de los Arroyos, eram inspiradas por verdadeiro entusiasmo em relação aos salesianos.
Ele declarava ter admirado Dom Bosco em Roma “nos anos 1867, 1868 ou 1869”34.
À carta de 2 de dezembro anexava três documentos oficiais: uma relação sobre a cons-
tituição e organização da Comissão, o ato de ereção do edifício do colégio e a descrição
do mesmo.35 Esses documentos estavam unidos às cartas, com as quais dirigia a Dom
Bosco o pedido oficial de assunção da obra. Padre Ceccarelli, pároco, colocava à dispo-
sição dos salesianos a si próprio e seus bens. Giuseppe Francesco Benítes pedia cinco
salesianos e assegurava sustento concreto: “colocaremos à disposição de V.S.R. cinco
bilhetes de passagem válidos até o porto de Buenos Aires e também uma ordem para
as despesas de viagem. A Comissão encarrega-se de prover os móveis necessários, de
fixar uma renda de 800 francos por dois anos e de estabelecer uma fazenda com manada
de ovelhas como princípio de renda”.36
Na viagem entre Alassio e Sampierdarena, Dom Bosco recebia de Gazzolo toda a
documentação. Após ter comunicado, em 22 de dezembro de 1874, os conteúdos ao
Capítulo Superior, escrevia imediatamente aos que faziam o pedido, dom Espinosa,
padre Ceccarelli, e Benítez. Oferecia uma disponibilidade superior aos pedidos.
32 Sobre os acontecimentos, cf. R. Entraigas, Los salesianos en la Argentina, vol. I: 1874 y
1875. Buenos Aires, Plus Ultra, 1969.
33 Cartas em MB X 1294.
34 Cf. carta de 11 de novembro de 1874; MB X 1296. O texto das três cartas ao comendador
Gazzolo está transcrito em MB X 1296-1299.
35 Textos em MB X 1373-1376.
36 Cf. texto das cartas em MB X 1300-1302.

14.9 Page 139

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 139
Na carta a dom Espinosa interpretava as duas diferentes propostas em modo unitário:
“1) Enviarei alguns sacerdotes a Buenos Aires para aí formar um colégio central. A
isso seria de muito apoio uma igreja para as funções sagradas, especialmente para dar
catecismo às crianças mais abandonadas da cidade”. Podia servir tanto “a Igreja Nossa
Senhora da Misericórdia” como outro local “apto de alguma forma para recolher e
entreter os pobres meninos”. “2) Mandarei depois a San Nicolás o número de sacer-
dotes, clérigos e leigos necessários para o serviço religioso, o canto, e também para dar
aula, onde for necessário. 3) Desses dois lugares os salesianos poderiam ser enviados
a outros lugares, conforme parecer melhor ao ordinário”. Por fim, precisava que a
Congregação era definitivamente aprovada pela Santa Sé, “e – explicava – embora a
finalidade primeira seja a cultura da juventude pobre, contudo estende-se a todo ramo
do sagrado ministério”.37 Não havia nenhuma referência aos imigrantes ou às missões.
Também na carta endereçada ao pároco de San Nicolás, originário de Modena, compre-
endia em sentido extensivo a proposta feita: “O senhor oferece sua casa, paróquia e seu
apoio a estes meus filhos espirituais (...). Nosso único desejo é de trabalhar no sagrado
ministério, especialmente para a juventude pobre e abandonada. Catecismos, escolas,
pregações, pátios festivos para a recreação, internatos, colégios formam a nossa messe
principal (...). Colocando-me, portanto, em suas mãos, enviarei o número de sacer-
dotes, clérigos, leigos, músicos, artesãos, no tempo e no número que o senhor me disse
ser necessário”. Pedia somente que permanecesse em meio aos enviados até que se
familiarizassem com a língua e os costumes do lugar. Antes, pedia um envolvimento
ainda mais direto – de salesiano “externo” ou quem sabe, professo?” –: “Quem sabe se,
seguindo os salesianos seu exemplo e seu zelo, os seus conselhos, o senhor não se torne
o seu superior efetivo?”.38
Aos Respeitáveis senhores da Comissão tocava explicitamente o tema do colégio,
partindo de um ponto do esboço de convênio, que lhe era particularmente favorável:
“O colégio será confiado à Congregação Salesiana sem limitação de tempo, reservando
somente o protetorado como propriedade do povo”. “Tais condições – prosseguia –
fazem com que eu aceite de bom grado, e farei de tudo para preparar para o próximo
mês de outubro as pessoas necessárias para a direção espiritual e material, os profes-
sores para o ensino, para a assistência dos alunos, para o serviço da igreja e do colégio.
Seguirei também o programa de um colégio de condição civil. Mas, como a finali-
dade principal da Congregação Salesiana é o cuidado dos jovens pobres e periclitantes,
espero que os salesianos sejam também livres para poder ministrar aos mesmos a escola
vespertina, recolhendo-os nos dias festivos em qualquer parque de amena recreação,
e desse modo instruí-los nas coisas de religião. Antes, tenho também esperança que
encontrarão apoio na caridade dos cidadãos de San Nicolás para recolher os mais pobres
37 Carta sem data; E II 428.
38 Carta sem data; E II 429-430.

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140 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
e abandonados em algum instituto de caridade a fim de ensinar-lhes uma profissão com
a qual possam, a seu tempo, ganhar honestamente o pão da vida”.39
As obras previstas eram análogas as em atividade na Europa. Muito depressa,
contudo, inseria-se na conversa o termo “missões” em sentido próprio. Não aflorava
a referência aos imigrantes. Na perspectiva das missões Dom Bosco apresentava a
empresa ultramar no curso das Conferências de São Francisco de Sales, seja na reunião
privada de 28 de janeiro, como na solene assembléia, no dia seguinte, com a presença
de toda a comunidade de Valdocco.
3.2 Lançamento e preparação febril
Não perdia tempo: em 5 de fevereiro, com uma circular, anunciava oficialmente a
todos os sócios salesianos a empresa histórica, prelúdio da dilatada epopéia patagônica,
pedindo-lhes disponibilidade para empenhar-se pessoalmente. Falava abertamente de
missões. “Entre as muitas propostas – comunicava – que foram feitas para a abertura de
uma missão nos países estrangeiros, parece de preferência poder aceitar a da República
Argentina. Aqui, além da parte já civilizada, têm-se ainda extensões de superfície inter-
minável habitadas por povos selvagens, entre os quais o zelo dos salesianos com a
graça do Senhor poderá ser exercitado. No momento começamos a abrir um internato
em Buenos Aires, capital da vasta República, e um colégio com igreja pública em San
Nicolás de los Arroyos, não muito distante da capital. Ora, tratando-se de preparar o
pessoal que deve ser enviado a fazer a primeira experimentação, desejo que a escolha
caia sobre sócios que vão, não por obediência, mas com toda a livre eleição”. Propunha,
portanto, este procedimento: fazer o pedido por escrito; o Capítulo Superior exami-
naria “a saúde, a ciência, as forças físicas e morais” de quem pedia; os pré-escolhidos
reunir-se-iam juntos num lugar onde pudessem “instruir-se na língua e nos costumes
dos povos, aos quais desejavam levar a palavra de vida eterna”; em linha geral a partida
estava “estabelecida para o próximo mês de outubro”.40
Era o início de uma mais vigorosa animação. As missões se tornavam tema domi-
nante da propaganda, a começar pelas preleções domésticas e pela correspondência
privada. Quarta-feira, dia 12 de maio de 1875, após as orações da noite – registrava
Barberis na Cronichetta –, “Dom Bosco falou da missão e de Buenos Aires”, percor-
rendo de novo as negociações entre a Argentina e Turim e recordando que nas casas
os salesianos tinham se mostrado “em massa todos muito dispostos a partir se fossem
39 Carta sem data; E II 530-431. No dia 2 de fevereiro escrevia uma carta pessoal ao mais
abastado entre os membros da Comissão, o senhor José Francisco Benítez, com o qual
permanecerá em constante correspondência. Nela definia padre Ceccarelli como “meu antigo
amigo” (E II 449), a quem conhecera, não sabemos como, na Itália.
40 Carta de 5 de fevereiro de 1875; E II 451.

15 Pages 141-150

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 141
enviados, mas que não faziam pedido especial”. Depois anotava: “Viu-se nesses dias
um verdadeiro fermento nos jovens do Oratório. Alguns queriam partir também, e logo;
outros falavam enfaticamente; outros a se recomendar a algum padre ou membro do
Capítulo que os propusessem e sustentassem”. Transcrevia as próprias palavras de
animação missionária de Dom Bosco com particular referência a San Nicolás de los
Arroyos. Lá haverá trabalho para toda espécie de pessoas”: pregadores para as igrejas
públicas, professores para a escola, “cantores e tocadores visto que lá amam muito a
música”, pastores de ovelhas, pessoas para os serviços da casa. Acentuava, sobretudo,
que próximo da cidade começavam “as tribos dos selvagens os quais, porém – garantia
aos menos propensos ao martírio –, são de índole muito boa e muitos já demonstram
boa intenção de abraçar o cristianismo uma vez que tenham alguém que lhes ensinasse.
Concluía: “enchamo-nos de coragem e procuremos de todo modo preparar-nos para ir
fazer o bem naquelas terras”.41
Poucos dias depois, apresentando ao padre Ceccarelli o pessoal destinado a San
Nicolás, confirmava que os salesianos se empenhariam “com boa vontade” quer na
gestão do colégio quer nas escolas vespertinas; os cinco sacerdotes eram “todos profes-
sores aprovados e munidos de seus diplomas”; entre eles haveria ainda um mestre de
música e dois coadjutores, para evitar pessoas de serviço não salesianas “a fim de poder
estar sempre mais seguros de suas ações”. “O sacerdote doutor Giovanni Cagliero,
inspetor ou vice-superior da Congregação – explicitava – conduzirá os sócios sale-
sianos com plenos poderes para tratar ou concluir qualquer tarefa diante das autoridades
civis ou eclesiásticas”. Os salesianos seriam acompanhados pelo comendador Gazzolo,
“pessoa – assegurava – que goza de toda a nossa confiança, prático das situações de
mar e conhecedor dos países e de muitas pessoas, entre as quais os nossos deverão
estabelecer sua morada”. “Os viajantes são, portanto, dez” – sintetizava –, incluindo aí
também que era destinado a Buenos Aires.42 Na carta seguinte pedia informações deta-
lhadas sobre coisas que eventualmente deviam levadas: roupas, objetos para a Igreja
e para a casa; livros litúrgicos e de oração, catecismos, livros escolares; sobre a habi-
tação dos salesianos, o estado das escolas, o piano e os livros de música. Enviava ainda
o regulamento das escolas vespertinas de Varazze e Turim e pedia que parte teriam
os sacerdotes no ministério paroquial. Pedia, além disso, que fornecesse informações
sobre as fórmulas locais das orações cotidianas, de forma a uniformizar-se no livro de
piedade que se estava preparando. Concluía: “Neste tempo é necessário que o senhor
se arme de paciência, me instrua e me ajude. Desejo que o senhor possa fazer bonito, e
que ninguém possa dizer: é uma mesquinharia. E como está empenhada a honra de uma
congregação nascente, eu não quero economizar nada de pessoal e também de despesa
que possa contribuir ao bom êxito da nossa empresa”.43
41 G. Barberis, Cronichetta, quad. I, p. 9-13.
42 Carta de 28 de julho de 1875; E II 488-490.
43 Carta de 12 de maio de 1875; E II 497-498.

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142 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
No último dia do mês de agosto, informava de Ovada o cardeal Franchi, prefeito
da Congregação de Propaganda Fide, das negociações concluídas com os argentinos,
evidenciando, em particular, o caráter missionário da abertura do colégio de San Nicolás.
Portanto, pondo como premissa que era a primeira vez que a Congregação salesiana abria
“casas nas missões estrangeiras”, pedia a concessão de “todos os favores, graças espiri-
tuais e privilégios que a Santa Sé” costumava dar “aos religiosos” que iam às “missões
estrangeiras” e suplicava ao cardeal para fornecer “os subsídios em dinheiro e em livros,
especialmente em espanhol, para o uso da igreja ou da escola”, que julgasse úteis.44
Suas intervenções intensificaram-se na iminência da partida. Em 29 de outubro o
grupo dos missionários, tendo à frente padre Cagliero, dirigia-se a Roma, sendo rece-
bido no dia 31 pelo cardeal Antonelli e em 1º de novembro pelo papa. Estavam de volta
a Turim em 4 de novembro e, a pedido de Dom Bosco, foram recebidos no dia 8 pelo
arcebispo,45 que tinha lido dias antes sua dramática carta de 28 de outubro.46 O convite
público para presenciar a função vespertina do dia 11 trazia a data de 8 de novembro.
Nele se dizia: “nossos missionários” fariam “sua consagração à augusta Rainha do céu
para impetrar o eficaz patrocínio para a nova missão”.47
L’unità cattolica, certamente por impulso de Dom Bosco, sublinhava fortemente a
idéia de missão estrangeira propriamente entendida. Se o título do anúncio da partida,
de 30 de outubro, era reticente, Os Salesianos de Dom Bosco na República Argentina,
não o era o conteúdo: da Argentina pediam “sacerdotes professores, os quais, naquelas
terra difundiriam as sementes da fé e da civilização”. Os primeiros “onze valorosos
sacerdotes de Dom Bosco” “em Buenos Aires, capital do Estado”, abririam um “inter-
nato de instrução”, e colocariam “em San Nicolás de los Arroyos os fundamentos de
um colégio das missões”; “passo a passo”, Dom Bosco saberia “encontrar a estrada
da vizinha Patagônia, ou seja, terra de Magalhães, lugar quase estranho à Europa,
onde, infelizmente, não entrou até o momento nenhum lume do Evangelho nem idéia
de comércio ou de outro elemento civilizado”.48 Em 5 de novembro o mesmo jornal
falava de Os missionários de Dom Bosco na audiência com o santo padre49 e intitulava
a crônica da função de adeus Partida dos missionários salesianos para a República
Argentina50, reservando ainda um espaço do jornal para escrever os nomes e as funções
dos dez missionários salesianos.51
44 Carta de 31 de agosto de 1875; E II 506-507.
45 Cf. carta do teólogo T. Chiuso, 7 de novembro de 1875; E II 515.
46 Cf. cap. 20, § 4.
47 E II 516.
48 L’unità cattolica, n. 254, sábado, 30 de outubro de 1875, p. 1014.
49 L’unità cattolica, n. 258, sexta-feira, 5 de novembro de 1875, p. 1030. Publicando o convite
de Dom Bosco para a cerimônia de adeus do dia 11, terá como título na Cronaca italiana:
“Partenza di missionari per Buenos Ayres”: L’unità cattolica, n. 163, quinta-feira, 11 de
novembro de 1875, p. 1057.
50 L’unità cattolica, n. 266, domingo, 14 de novembro de 1875, p. 1062.
51 L’unità cattolica,, n. 267, terça-feira, 16 de novembro de 1875, Cronaca italiana, “I missionari
salesiani”, p. 1068.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 143
4. Entrega da missão
No rito de despedida, em 11 de novembro, na parte da tarde, Dom Bosco tomou
como tema do discurso de despedida as palavras do Evangelho: “Ite in mundum
universum, docete omnes gentes, praedicate evangelium omni creaturae”. Tratava-se
de evangelização missionária. Começava: “Com essas palavras o divino Salvador
dava uma ordem; não um conselho, mas uma ordem de ir às missões para pregar seu
Evangelho”. Mais adiante insistia: para obedecer a esse preceito “idealizou-se esta
missão. Antes desta, foram idealizadas e propostas, quer na China, quer na Índia, quer
na Austrália, quer na mesma América; mas por vários motivos, especialmente por ser
nossa congregação incipiente e tendo grande necessidade de membros, não foi possível
concretizar. Esta se efetivou agora, seja porque apresentava especial conveniência seja
porque nossa congregação, um pouco mais crescida e fortificada, podia agora dispor
de membros aptos para essa finalidade”. Mais adiante prosseguia: “Dessa forma damos
início a uma grande obra. Não porque tenhamos pretensões ou que, com isso, se creia
poder converter o mundo inteiro em poucos dias, não. Mas quem sabe não seja essa
partida e esse pouco como uma semente da qual brotará uma grande árvore, quem sabe
como um grãozinho de milho ou de mostarda que pouco a pouco vai se estendendo pois
está estabelecido de antemão para realizar um bem extraordinário? Assim espero”. Era,
por certo, o início de um grande impulso missionário, que ele procurava suscitar entre
os mesmos ouvintes, oferecendo dados mais ou menos precisos sobre a preocupante
situação pastoral americana, seja entre os fiéis seja entre os “selvagens”. Com efeito,
“nas regiões que circundam a parte civilizada – acrescentava – existem grandes bandos
de selvagens entre os quais não penetrou ainda nem a religião de Jesus Cristo nem a
civilização, nem o comércio, onde ainda não pisou o pé europeu, e esses países são de
extensão muito grande. Seus costumes não são ferozes; escutando pregar, em várias
partes, a religião de Jesus Cristo, cedem rapidamente; mas, que quereis?, não há quem
lhes pregue a religião”. Passava, depois, a agradecer os artífices dessa empresa, os
colaboradores e benfeitores. Dirigindo-se, posteriormente, aos que partiam, revelava
um detalhe interessante sobre as Lembranças impressas, reservadas a eles: “A viva voz
já disse a todos em particular aquilo que o coração me inspirava e que eu acreditava
lhes fosse útil. Deixo a todos, por escrito, lembranças gerais que sejam como meu testa-
mento para os que partem para países distantes”.52
Na mesma tarde, Dom Bosco partia com o grupo para Sampierdarena. Aí entregava
ao chefe da expedição, padre Giovanni Cagliero, uma carta com doze instruções sobre
o melhor modo para guiar o grupo e assisti-lo no período da sistematização na América.
Padre Cagliero, com efeito, permaneceria na Argentina até os inícios do verão de 1877.
Hoje poderia aparecer singular a instrução dada ao chefe da expedição sobre dois dos
52 G. Barberis, Cronichetta, quad. 3, p. 3-9. No mesmo caderno se encontra uma longa descrição
da função de despedida (p. 11-25); cf. também Documenti XV 311-320, FdB 1039 B6-C3.

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144 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
que partiam, os quais, sem passaporte por ter ainda satisfeito as obrigações do serviço
militar, embarcariam em Marselha. Se a passagem clandestina da fronteira fosse bem
sucedida, padre Cagliero teria comunicado do porto francês mediante telegrama com
as seguinte palavras: todos bem-vindos e com saúde; se não, deveria omitir todos.53
Obviamente, para Dom Bosco era moralmente lícito ultrapassar uma lei sobre o serviço
militar, considerada injusta, que tinha suprimido a isenção dos eclesiásticos e, portanto,
“somente penal”,54 que não obrigava em consciência.55
Ao padre Cagliero confiava ainda uma carta em latim de apresentação dos dez sale-
sianos ao arcebispo de Buenos Aires, com o nome de cada um e o cargo desenvolvido:
cinco sacerdotes, um clérigo, quatro coadjutores.56
Em duas cartas de Sampierdarena ao padre Rua, de 15 e 16 de novembro, Dom
Bosco dava notícias tranqüilizadoras: “Ontem acompanhei a bordo nossos argentinos.
Alojamento, comida, tudo principesco. Todos estavam alegres e partiram às 2 horas da
tarde para Marselha, de onde darão notícias”;57 “boas notícias dos nossos missioná-
rios. Padre Cagliero escreve de Marselha este telegrama: ‘estamos todos bem de saúde,
viagem ameníssima’. Com as palavras ‘estamos todos’ alude a Gioia e a Allavena, que
foram encontrar seus irmãos naquela cidade. Dê notícias aos outros irmãos. Agradeçamos
ao Senhor e continuemos a rezar”.58 A operação de expatriação dos dois renitentes ao
serviço militar, Giovanni (Pietro no Catálogo oficial da Sociedade) Allavena e Vincenzo
Gioia fora realizada com sucesso e a lei italiana não poderia mais persegui-los, pois um
morreu na Argentina em 1887, o outro no Chile em 1890.
Em 18 de novembro escrevia também ao conde Eugenio de Maistre, contando a
partida de Gênova dos missionários, sua subida a bordo e o primeiro discurso do padre
Cagliero aos viajantes e comentava: “Vi com os fatos que a nossa Santa Religião, pregada
com clareza e franqueza, é respeitada e bem acolhida pelos mesmos não crentes”.
Anunciava, pois, a abertura das obras de Nice na França e de Vallecrosia na Ligúria:
“Agora continuo pela costa de Nice com três de nossos padres para abrir uma casa nessa
cidade e outra em meio aos protestantes que fazem muita destruição em Bordighera”.59
Na viagem de volta para a Itália, nos primeiros dias de dezembro, mandava ao padre
Eugenio Reffo, dos Artigianelli, acreditado redator de L’unità cattolica, o texto do Breve
53Ao padre Cagliero, de nSampierdarena, 13 de novembro de 1875; E II 517-518.
54 Sobre o tema, cf. G. Pace, “Le leggi mere penali”, Salesianum 9(1947), p. 297-317; 10 (1948)
29-42, 163-211, onde, entre outras coisas, em tempos mudados e em regime democrático, são
colocadas em evidência as oscilações históricas e as fragilidades da teoria.
55 Cf. cap. 18, § 4.
56 Carta de 15 de novembro de 1875; E 519-520.
57 Carta de 15 de novembro; E II 521.
58 Carta de nSampierdarena ao padre Rua, 16 de novembro de 1875; E II 521. Idênticas notícias
sobre a partida de Gênova e a chegada de “todos” em Marselha eram dadas à condessa C.
Callori, de Varazze, em 17 de novembro de 1875; E II 523.
59 E II 524-525.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 145
de Pio IX de 17 de novembro de 1875, sobre os missionários e sobre os Filhos de Maria,
pedindo que o publicasse no jornal e acrescentando: “Reitero os vivos agradecimentos
pelo magnífico artigo sobre a função para a partida dos salesianos. De Roma, Florença,
Veneza e de muitos lugares recebi cartas de pessoas respeitáveis que o recomendavam,
e que derramaram não poucas lágrimas quando o leram”.60
5. Lembranças para a missão
Dois dias depois Dom Bosco comunicava ao padre Cagliero que no dia 29 de
novembro chegavam de Roma os documentos pedidos para aos salesianos que tinham
partido para a Argentina:61 uma carta de recomendação do cardeal Antonelli ao arcebispo
de Buenos Aires, datada de 1º de novembro de 1875; outra do mesmo cardeal a Dom
Bosco, de 14 de novembro, que acompanhava dois decretos da Sagrada Congregação
de Propaganda Fide sobre a atribuição da qualificação de “missionários apostólicos” ao
padre Cagliero e a seus companheiros, assinada pelo cardeal Franchi, e as faculdades
que lhes eram concedidas.62 Ao padre Cagliero fazia algumas advertências: “Quando
você ou os outros escreverem, tenham cuidado de notar as menores particularidades que
se referem a vocês. Todos desejam saber as notícias de vocês do modo mais minucioso.
Todas as nossas casas estão cheias, todos querem mandar saudações aos missionários,
antes, ir vê-los. Fiquem satisfeitos com os pensamentos e mandaremos a seu tempo a
efetuação dos projetos”.63
Entre os documentos, o mais próximo do coração dos missionários era, certamente,
o folheto das Lembranças que lhes foram entregues no momento da despedida. Eram,
se assim se quer, uma breve síntese de pastoral e de espiritualidade missionária.64 Com
os predominantes conselhos de vida espiritual entrelaçavam-se, com efeito, normas
de prudência nos comportamentos e exortações ao zelo pastoral, às realidades mais
verdadeiras, à salvação das almas, à conquista do Céu, à glória de Deus. Dom Bosco os
considerava fundamentais e não teria jamais desistido de evocá-los, coletiva e singular-
mente. “Buscai as almas, mas nem dinheiro, nem honra, nem dignidade”, era o primeiro.
60 Carta de Varazze, 2 de dezembro de 1875; E II 529. Datado de 17 de novembro de 1875, o
Breve era publicado em italiano e latim no jornal L’unità cattolica, n. 285, terça-feira, 7 de
dezembro de 1875, p. 2038, sob o título “Pio Nono ed i missionari salesiani”.
61Ao padre Cagliero, 4 de dezembro de 1875; E II 530-531.
62 Transcritos nas MB XI 584-587.
63Ao padre Cagliero, 4 de dezembro de 1875; E II 531.
64 Cf. A. Martín, Orígen de las Misiones Salesianas, Guatemala, Instituto Teológico Salesiano,
1978, p. 167-195, cap. VIII, “Breves glosas a los recuerdos dados por don Bosco a la primeira
expedición misionera”; J. Borrego, “Recuerdos de San Juan Bosco a los primeros misioneros”,
RSS 3(1984), p. 167-208.

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146 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Seguiam citações dos traços típicos da salesianidade bosquiana, antes de tudo a conser-
vação da moralidade: “caridade e suma cortesia com todos”, mas fugir “da conversação
e da familiaridade” com mulheres, fazer visitas “apenas por motivos de caridade e de
necessidade”, não aceitar “convites de almoço somente por gravíssimas razões”, fugir
do “ócio”, “grande sobriedade nos alimentos, nas bebidas e no repouso” (Lembranças
2, 3, 4, 5). Era recomendado, além disso, em nações novas, particular deferência para
com qualquer autoridade, civil e eclesiástica, diocesana e religiosa (Lembranças 6, 7,
8, 10). Entre povos em pleno desenvolvimento, mas ao mesmo tempo crescidos pela
imigração de pobres em busca de trabalho e de digno sustento e assediados pelos
“selvagens”, era inevitável o chamado à pobreza e ao trabalho, embora bem dosado:
cuidar “de modo especial dos doentes, das crianças, dos velhos e dos pobres”; cuidar da
própria saúde; que os conheçam como “pobres nos alimentos, no modo de vestir, nas
habitações”, porque a pobreza era a verdadeira riqueza “diante de Deus” e diante dos
homens, em grau de conquistar o seu coração (Lembranças 5, 11,12). Tais comporta-
mentos, contudo, podiam subsistir, se os evangelizadores retirassem sustento das duas
fontes primárias: a caridade como amor a Deus e ao próximo, e a piedade. Elas seriam
ainda o terreno fecundo para a promoção das vocações eclesiásticas e salesianas, que
se tornava ainda mais propício pelas habituais e típicas solicitudes: sugerir o amor à
castidade e o horror ao vício oposto, cuidar da separação dos jovens bons dos malvados,
recomendar a comunhão freqüente, praticar “a caridade com sinais de amorevolezza
e de benevolência” (Lembranças 13, 14, 15, 16, 17, 19). Por fim, “nas fadigas e nos
sofrimentos” o coração crente do missionário devia voltar-se para o céu, onde estava
preparado “um grande prêmio” (Lembranças 20).
Em 6 de dezembro de 1875, após vinte e cinco dias de ausência de Dom Bosco de
Turim, no Diario dell’Oratorio do padre Chiala e padre Lazzero se anotava: “Dom
Bosco volta. De noite, após as orações, conta aos estudantes e aprendizes reunidos
no auditório a viagem a Sampierdarena com os missionários, a separação, a missão
começada a bordo”;65 além disso havia relembrado as várias etapas percorridas, acres-
centando notícias recebidas dos navegantes desde Marselha, Barcelona, Gibraltar, até a
ilha cabo-verdiana de São Vicente, e anunciando as etapas seguintes.66
Seguia, nos meses sucessivos, a série de dezoito cartas dos Missionários Salesianos,
publicadas em dezenove capítulos por L’unità cattolica no período entre 20 de janeiro
e 24 junho de 1876.67 Entrelaçavam-se outros títulos de teor similar: Missão salesiana
na República Argentina, que iniciava: “Um dos motivos principais da expedição dos
salesianos na Repúbica Argentina era de fazer nova prova de evangelizar os pata-
65 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 40.
66 G. Barberis, Cronichetta, quad. 4, p. 26-36. O discurso continuava na noite de 8 de dezembro
com informações sobre a iminente fundação em Vallecrosia (Ibid., p. 37-42).
67 A única crônica não “missionária” era a relativa à “L’inaugurazione del Collegio dei salesiani
in San Nicolás”, L’unità cattolica, n. 116, quarta-feira, 17 de maio de 1876, p. 462.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 147
gões, que até então estavam obstinados a todo princípio de civilização e de religião”.68
As missões salesianas na Patagônia, com ampla e, em parte, fantasiosa descrição – que
correspondia às reais persuasões de Dom Bosco – da situação cultural e religiosa da
“vastíssima região”, que juntamente com “os pampas – se afirmava – que estão ao sul
e se estendem até quase ao Equador, e são também habitadas por selvagens, e as ilhas
espalhadas aqui e ali ao seu redor, forma uma extensão quiçá maior que a Europa.
Não se conhece o número dos patagões: mas parece muito superior a quanto até o
momento os geógrafos assinalaram para essas terras, uma vez que parecem chegar a
vários milhões. Eles são inteiramente selvagens, sem leis, sem governo, sem casas”.69
No imaginário de Dom Bosco as dezenas de milhares se tornavam milhões.
A idéia da missio ad gentes voltaria na despedida aos que partiam em novembro de
1876 e 1877, quando Dom Bosco falou ainda, já que nos anos seguintes foi substituído
por outros. Em 7 de novembro de 1876, relembrando a função do ano precedente, voltava
ao que tinham feito então os que partiam: “Foram antes a Roma para tomar a bênção
do santo padre, encontrando no Vigário de Jesus Cristo a mais cordial acolhida, e dele
receberam a missão. Voltaram a Turim e partiram em 11 de novembro daqui, dos pés de
Maria Auxiliadora”. Também a seus sucessores, agora, faltava somente “ir a Roma, pedir
a bênção especial do sumo hierarca da Igreja, do vigário de Jesus Cristo”. Terminava
fazendo referência às Lembranças, que eles já tinham lido e teriam podido reler.70
Uma explícita ponta de polêmica anti-protestante estava sugerida no discurso da
“missão”, conferida em 7 de novembro de 1877. “Vejamos um pouco – perguntava-se
Dom Bosco –: o que significa a palavra missão?” e quem a podia legitimar e conferir?
Respondia resoluto: “Aquele que em nome de Deus está no meio de nós, o sumo pontí-
fice. Dele devemos receber o ite. E agora, antes que se dirijam à América, passam por
Roma. Não vão somente para receber uma bênção, para vê-lo, para prestar-lhe home-
nagens. Mas antes para receber dele a missão, como se fosse o mesmo Jesus Cristo:
Ite praedicate evangelium meum omni creaturae”. “Os protestantes, quem os envia?
(...). A Rainha da Inglaterra (...). De quem recebem a missão os missionários católicos?
De Jesus Cristo representado pelo seu vigário, o sumo pontífice (...). Um para ganhar
almas, o outro para ganhar dinheiro”.71
6. Implantação da obra americana com o padre Giovanni Cagliero
Dom Bosco acolheu prontamente as obras propostas. De outro lado, elas não dife-
riam das que já existiam na Europa, ainda que, muito rapidamente, fossem concebidas
68 L’unità cattolica, n. 182, domingo, 6 de agosto de 1876, p. 726.
69 “L’Unità Cattolica”, n. 195, Quarta-feira, 23 de agosto de 1876, p. 778.
70 G. Barberis, Cronichetta, quad. 10, p. 14 e 22-23.
71 G. Barberis, Cronaca, quad. 16, p. 33-41.

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148 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
como um ponto do qual desenvolvesse a iniciativa completamente nova das missões
entre os assim chamados selvagens. Contudo, nem para as possíveis obras entre os civis
nem para a ação missionária ele estava em grau de preparar planos operativos precisos.
Os protagonistas dos primeiros anos de atividade tiveram que inventar quase tudo, em
geral com falta pessoal e de meios: logo surgiram problemas pela inadequação de alguns,
a não adaptação de outros e alguma defecção. Todavia, crescidos na escola de um homem
corajoso e clarividente e sustentados pelo fascínio que ele continuava a exercitar sobre
eles, imprimiram em sua ação um ritmo veloz, que conduziu muito rapidamente a desen-
volvimentos imprevisíveistos, graças ao trabalho sobre-humano e extenuante.
Os inícios da missão eram confiados à responsabilidade do padre Giovanni Cagliero,
membro do Conselho Superior e representante ad omnia de Dom Bosco, que em fato
de confiança podia ser considerado igual ao padre Michele Rua, o colaborador mais
próximo, vigário de fato antes que de direito e, por fim, sucessor. Ao padre Cagliero
sucederiam com a responsabilidade de inspetores ou provinciais padre Francesco
Bodrato (1877-1880), padre Giacomo Costamagna (1880-1894) e, para o Uruguai e o
Brasil, padre Luigi Lasagna (1882-1895).
Padre Giovanni Cagliero entrara com 13 anos no Oratório, em novembro de 1851.
Forjado por Dom Bosco como aspirante à vida eclesiástica e religioso salesiano até
tornar-se o segundo no Conselho que assistia Dom Bosco no governo da Sociedade
Salesiana. Nos vinte meses de sua primeira permanência americana ele era destinatário
de um número notável de cartas do superior, que o guiava e escutava, informava e era
informado, em uma convergência de responsabilidades e de decisões extraordinaria-
mente fecunda.
Esse clima de empreendimento regulado e livre em Buenos Aires, que ia além de
quanto previsto em Turim e ao qual Dom Bosco se abria prontamente, permitia uma
particular atenção às necessidades espirituais dos imigrantes italianos. O empenho se
desenvolvia na Igreja da Confraria Mater Misericordiae, que o hábil chefe de missão
obtinha bem logo em uso perpétuo. O cuidado pastoral de uma comunidade católica
de imigrantes se revelava como missão mais urgente que a mesma missio ad gentes.72
Aí se empenhava em parte o próprio padre Cagliero, mas com zelo ilimitado o humilde
Giovanni Baccino (1843-1877), arrancado muito rapidamente de seu trabalho sem
respiro em 14 de junho de 1877. Ele não recebeu nenhuma carta de Dom Bosco, o qual,
contudo, o relembrava várias vezes nas cartas ao padre Cagliero. Vice-versa, suas cartas
a superiores e companheiros salesianos na Itália e ao mesmo Dom Bosco revelam-se
transbordante de amor pelo Pai, que o sustentava e incitava no seu trabalho: dirigidas
ao superior distante contam-se oito sobre dezenove restantes.73 Sua visão da situação
72 Cf. C. Bruno, Los salesianos e las hijas de María Auxiliadora en la Argentina, vol. I (1875-
1894), Buenos Aires, Instituto Salesiano de Arte Gráfica, 1981, p. 48-61.
73 Cf. J. Borrego, Giovanni Battista Baccino: estudio y edición de su biografía y epistolario.
Roma, LAS, 1977.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 149
religiosa e moral da cidade não era otimista, exigindo dele um empenho apostólico
mais intenso. Pedia livros, mas sobretudo “bons e laboriosos padres” “visto que a messe
era muita”: “temos necessidade de ajuda e rápida, se não esses argentinos nos matam
de tanto trabalho”; “envie um bom e forte diretor”; não tire o padre Cagliero, “às Índias
mande outros”; com reforços no pessoal “desafiaremos todos os diabos do inferno”;
“a igreja é muito freqüentada”, repetia; estava-se desenvolvendo uma verdadeira ação
“missionária”. “Desejo, ainda uma vez, ver meu querido Pai Dom Bosco”, era o último
e incônscio pedido: escrevia em 20 de abril de 1877, morria em 13 de junho.74
A primeira carta de Dom Bosco ao padre Cagliero é de janeiro de 1876, escrita após
a primeira que recebeu da América. Ela mostra como Dom Bosco sonhava, longe do
novo campo de trabalho, tendo insuficiente percepção das dificuldades das obras que
apenas se iniciavam. Como já se viu, prometia para outubro o envio de “trinta Filhas de
Maria Auxiliadora com uma dezena de salesianos”, e acrescentava, cheio de fantasia:
“Visto a grave penúria de clero que existe no Brasil, não será o caso de ver a possibili-
dade de uma casa no Rio de Janeiro?”.75 Na carta sucessiva acusava o recebimento de
outra do padre Cagliero e de outros salesianos, entre os quais padre Fagnano, diretor do
colégio de San Nicolás de los Arroyos. Tocava o problema “dos salesianos e das auxi-
liadoras, dos jardineiros etc.” a serem preparados. Esperava do padre Cagliero “disposi-
ções positivas” e lhe sugeria como bom pregador um tal padre Sammory. Manifestava,
depois, desagrado por uma carta que o padre Tomatis tinha enviado de San Nicolás ao
padre Francesia, diretor em Varazze, “na qual – explicava – ele diz não estar tanto de
acordo com alguém e que em breve tempo retornará para a Europa”; e o encarregava de
fazer-lhe uma lição básica de mentalização missionária: “Dize-lhe duas coisas: 1) Que
um missionário deve obedecer, sofrer para a glória de Deus e dar-se máxima solicitude
para observar os votos com os quais consagrou-se ao Senhor. 2) Que quando tivesse
motivo de descontentamento, que o diga ao seu superior ou escreva imediatamente
a mim, e assim se saberá como agir. Dava informações e transmitia saudações por
parte de muitos conhecidos turineses e romanos, e pedia notícias do “estado finan-
ceiro”. Encarregava-o de obsequiar os colaboradores e os benfeitores, o arcebispo, dom
Espinosa, padre Ceccarelli, “papai Benítez”, louvado pelos conhecidos de Turim por
causa da carta escrita em perfeito latim.76 De fato, o padre Tomatis, em carta de 28 de
dezembro, após uma semana da chegada na cidade argentina, referia-se, sem nomeá-lo,
ao coadjutor Molinari, mestre de música, em desarmonia com os outros seis membros
da comunidade.77 Dom Bosco escrevia novamente, dois dias depois, para manifestar ao
74 J. Borrego, Giovanni Battista Baccino p. 380, 388, 390, 393, 402, 403, 404, 405.
75Ao padre Cagliero, janeiro de 1876; E III 11.
76Ao padre Cagliero, 12 de fevereiro de 1876; E III 17-18.
77 Cf. D. Tomatis, Epistolario (1864-1903),editado por J. Borrego, Roma, LAS, 1994, p. 60.
Dom Bosco retomará, depois, diretamente o padre Tomatis (cf. carta de 7 de março de 1876;
E III 26-27).

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150 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
autor do Filho do exílio a profunda comoção tida no dia anterior, “ontem”, no teatrinho,
onde fora representada a sua Discussão entre um advogado e um ministro protestante e
executada a romança do Cagliero: “em todo o tempo do canto e da representação não fiz
outra coisa a não ser pensar em meus caros salesianos de América”.78 “Dá-me notícias
positivas sobre o estado material, moral e sanitário de nossas casas e das pessoas”, pedia
ainda no mês seguinte de Varazze.79 “Saúda nossos caros salesianos e dize a todos: Alter
alterius onera portate et sic adimplebitis legem Christi”, repetia duas semanas após.80
No entanto, pouco realista para quem agia na parte de cá do oceano, Dom Bosco
continuava a viver de fantasia, impossibilitado de constatar visivelmente a desproporção
entre tanto trabalho e a exigüidade quantitativa e qualitativa das forças. Como prelúdio,
em 16 de abril de 1876, apresentava ao ministro do Exterior, Luigi Amedeo Melegari
(1805-1881), um moderado de Esquerda que subira ao poder em 25 de março, o projeto
para o estabelecimento de uma colônia italiana na Patagônia oriental, do 40º ao 50º para-
lelo, onde – como ele acreditava –, “não existe nem habitação, nem porto, nem governo
que tenha algum direito”. Ela poderia recolher – afirmava – “a imensa quantidade de
italianos que atualmente vivem sem condições nos Estados do Chile, da Argentina, do
Uruguai, do Paraguai etc.”, aí encontrando “língua, costumes e governo italiano”.81
Em duas cartas sucessivas ao onipotente secretário do ministério, Giacomo Malvano
(1841-1922), um maçom favorável a Dom Bosco, e ao mesmo ministro, passava a pedir
mais concretamente subsídios e sustento para os salesianos que se preparavam para
partir e para a obra salesiana na América, “que, além de ser nacional – explicitava –,
está direcionada a melhorar a classe mais necessitada da sociedade, os filhos pericli-
tantes das famílias italianas”.82 O clima político e a função dos interpelados consentiam
como resposta somente uma cortês carta elusiva de Malvano.
Os dezessete pontos da carta de 27 de abril de 1876, escrita de Roma ao padre
Cagliero, variavam entre os temas mais diversos, todos concernentes à obra na
Argentina e às missões do futuro, em particular a construção de circunscrições ecle-
siásticas missionárias na Patagônia, vicariatos ou prefeituras. Quando não existia nem
mesmo sombra de verdadeira missão, Dom Bosco informava: “O santo padre mani-
festou grande consolação por causa de nossa missão argentina; comigo e com os
outros louvou o espírito de catolicismo que se manifestou sempre entre os salesianos”.
Ao salesianos na América “concedeu muitos privilégios e favores espirituais”.
Condecorou Benítez com o título de comendador e o padre Ceccarelli de camareiro
secreto. Dava indicações particularizadas sobre a festa que o padre Fagnano e o padre
Tomatis deveriam preparar para a entrega solene das condecorações. Também para o
78Ao padre Cagliero, 14 de fevereiro de 1876; E III 19.
79Ao padre Cagliero, 12 de março de 1876; E III 29.
80Ao padre Cagliero, 30 de março de 1876; E III 32.
81 Carta de 16 de abril de 1876; E III 44-45.
82 Carta de 12 de agosto de 1876; E III 84-85.

16 Pages 151-160

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 151
arcebispo de Buenos Aires lhe parecia que o papa tivesse “algum projeto”, o cardina-
lato. Ainda mais, o papa tinha proposto aos salesianos três vicariatos apostólicos nas
Índias, na China e na Austrália. Dom Bosco dizia ter aceito um nas Índias. Para tanto,
tinha a previsão de aí empregar padre Cagliero e, portanto, a necessidade que retornasse
na Europa: para abrir uma casa em Roma e depois partir para as Índias. Pedia-lhe que
o informasse sobre o pessoal necessário, salesianos e irmãs, prometendo que enviaria
logo. Sugeria-lhe que propusesse ao arcebispo de Buenos Aires, por parte do Santo
Padre, a oportunidade da colocação dos salesianos na Patagônia, “considerando sempre
para nossa base a implantação de colégios e de internatos”, “nas proximidades das
tribos selvagens”. Pedia “um quadro do estado financeiro”. Quase como conclusão,
dava vazão aos próprios sentimentos paternos: “Quando puderes falar aos salesianos,
diz-lhes que os amo muito em Jesus Cristo e rezo cada dia por eles. Que se amem
mutuamente, que cada um faça tudo o que pode para fazer-se amigos e diminuir coram
Domino qualquer rixa ou desprazer com os outros”.83
Em maio de 1876, em Roma, Dom Bosco apresentava ao cardeal Franchi, prefeito
de Propaganda Fide, o projeto salesiano para a Patagônia, descrita com tintas tétricas:
região habitada por cerca de um milhão de nativos; nela, com efeito, “seja pela vasta
superfície, seja pela pequena população, seja pela índole feroz e a estatura gigantesca
dos mesmos, seja ainda pela inclemência do clima”, “nem cristianismo nem civili-
zação pôde até o momento penetrar, nem alguma autoridade civil ou eclesiástica conse-
guiu estender aí sua influência ou seu império”. Tinham aparecido – acrescentava
– nos últimos tempos “alguns albores de esperança e de misericórdia divina”, graças
à fundação nas vizinhanças de cidades e vilas de civilizados, com relações iniciais.
As duas obras, em BuenosAires e San Nicolás, eram o primeiro núcleo de institutos juvenis
que deveriam estender-se “nos confins”, para fazer ponte entre os filhos aí educados e
os “pais e portanto, pouco a pouco, fazer-se estrada no meio das tribos selvagens”.
Era já um início de “evangelização entre selvagens”. Pedia, portanto, subsídios para a
abertura de novas obras, para a preparação e o envio do pessoal, para a aquisição de
tantos meios materiais indispensáveis. Pedia, enfim, que fosse estabelecida uma prefei-
tura apostólica pela qual seria possível “aí exercitar a autoridade eclesiástica sobre os
Pampas e os Patagões, que por ora – dizia – não pertencem a nenhum ordinário dioce-
sano nem a nenhuma região de governo civil”.84 Conhecia-se, ao invés, a pertença da
imensa região ao sul da capital argentina à arquidiocese dirigida por dom Aneiros, que
não teria jamais admitido, nem no presente, nem no futuro, a existência de um vicariato
apostólico retirado da jurisdição do ordinário.
Ao padre Cagliero falava ainda da disponibilidade de Pio IX a tentar alguma coisa na
Patagônia e nos Pampas” e de sua vontade – que era sobretudo de quem escrevia – que
se abrisse “o quanto antes um colégio ou internato em Dolores”, na região central, ao
83Ao padre Cagliero, 27 de abril de 1876; E III 51-53.
84 Memorial de 10 de maio de 1876; E III 58-61.

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152 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sul de Buenos Aires, que Dom Bosco pensava, erroneamente, estar próximo das tribos
dos índios. Falava também de outros assuntos: das propostas dirigidas à Propaganda
Fide, uma delas feita pelo comendador Gazzolo, para a criação de uma prefeitura apos-
tólica; da preparação da segunda expedição missionária; e do desejo de retornar urgen-
temente a Turim.85 Um mês depois lhe anunciava a chegada dos dois diplomas para
Benítez e Ceccarelli, e exortava-o a entrar em contato com o embaixador italiano em
Buenos Aires, marquês Spinola, “bom cristão e bom católico”, a quem repetia o desejo
do papa de que os salesianos se empenhassem “com os Pampas e Patagões”: “eu creio
– acrescentava agora a título pessoal – que uma casa em Dolores seria muito oportuna.
Uma outra em Córdoba e também mais em direção aos selvagens”; e informava, teme-
rário: “No entanto, nesta semana, escrevo ao bispo de Conceição, no Chile, para ver a
possibilidade de abrir outras instituições daquele lado. Isto quer o Senhor de nós neste
momento! Podemos ter casa e colégios de baixa condição, abrigos nos quais sejam
aceitos selvagens ou semi-selvagens. Grande esforço para cultivar as vocações”.86 Não
dizia com quem haveria de realizar isso tudo. Mas Dom Bosco esperava muito nas
vocações locais, tanto é verdade que pedia formalmente a Pio IX a autorização, conce-
dida em 6 de julho, de abrir na América uma casa de noviciado:87 “ampla faculdade
de Roma de abrir noviciado e estudantado na América, em qualquer lugar, mas de
consensu Ordinarii Dioecesani, como verás pelo Decreto aí anexo”, anunciava ao padre
Cagliero.88 No entanto, prosseguia, insistente, o incitamento para estender as obras em
várias direções, enquanto pensava também nos outros continentes: “Não perder de vista
Dolores – insistia, como se o padre Cagliero tivesse um exército de salesianos à dispo-
sição – e eu creio que seja de interesse do governo que se abra lá uma casa modelada
sobre a de Turim ou de Sampierdarena. Trata em forma positiva com o senhor arcebispo
e com o querido dom Ceccarelli”. Sonhador confesso, continuava: “Tu és músico, eu
sou poeta de profissão; por isso faremos de modo que as coisas das Índias e da Austrália
não atrapalhem as coisas da Argentina, e tu ficarás aí até que tudo esteja arranjado, e
conforme a tua sabedoria julgarás quando podes retornar a Valdocco sem perturbação
(...). Faze o que podes para recolher jovens pobres, mas dá preferência aos, se é que
existem, de proveniência selvagem. E, se fosse possível enviar alguns a Valdocco, eu os
receberei de bom grado”.89
No entanto, os projetos estendiam-se às costas do Pacífico. Com carta em latim
ao bispo de Concepción no Chile, Dom Bosco descrevia, misturando virtual e real,
a presença dos salesianos na América e seu método de evangelização: “Montevidéu,
Buenos Aires, San Nicolás de los Arroyos e Dolores já têm colégios salesianos. A evan-
85 Carta de 30 de maio de 1876; E III 64-65.
86 Carta de 29 de junho de 1876; E III 68-69.
87 E III 70-71.
88 Carta de 1º de agosto; E III 81.
89 Ao padre Cagliero, 13 de julho de 1876; E III 72-73.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 153
gelização por meio dos internatos para jovens abandonados parece via segura e muito
útil. Se V. E. aceitar, gostaria de tentar estender às terras ocidentais da Patagônia”.
Pedia, no entanto, caso o projeto fosse tido como “digno de consideração e oportuno”,
se o Governo chileno quisesse favorecê-lo e sustentar, qual língua se falava na repú-
blica.90 Retornava sobre temas precedentes em carta ao padre Cagliero, com autoridade
diretiva, em vista da entrada no Uruguai: “Se se decide por Villa Colón – escrevia
–, eu enviarei como diretor padre Daghero, ou padre Tamietti, ou padre Lasagna, ou
padre Belmonte (...). Todos estão bem preparados”.91 Seria escolhido padre Lasagna.92
No entanto, acentuava ao padre Cagliero: “No geral, lembra-te sempre que Deus quer
nossos esforços em direção aos Pampas e aos Patagões, e às crianças pobres e abando-
nadas. Não recebi ainda a resposta do senhor arcebispo [para a fundação em Dolores];
o cardeal Franchi espera com ansiedade esta carta; mas comodamente”. Confiava-lhe
algumas tarefas: “Caríssimo padre Cagliero, quanto trabalho! Outros te escreverão
outras coisas. Transmita afetuosa saudação ao padre Baccino e diz-lhe que estou muito
satisfeito com ele, e que continue (...). Eu sou da opinião que ao menos um dos que estão
em San Nicolás, desde que saiba bem o espanhol, possa transferir-se para Montevidéu
para o futuro colégio em projeto”. Sugeria-lhe outra idéia: “se por acaso acontecesse
de poder enviar para a Europa uns dez dos Pampas ou da Patagônia ou algo seme-
lhante, manda-os”.93 Um mês depois escrevia: “Recebo neste momento tua carta de San
Nicolás. Arranjarei. Mas não parece ser mais conveniente padre Daghero que padre
Tamietti? Até 15 de setembro espero poder indicar-te o pessoal para Villa Colón”;94 “no
dia 1º de outubro terás a lista dos nomes e cargo. Para as irmãs, teremos que esperar até
abril”.95 Tinha comunicado ao padre Cagliero, em 13 de agosto, que o arcebispo estava
concorde com uma obra em Carmen de Patagónes,96 acrescentando complacente e irra-
diante: “São duzentos que pedem para ir a Patagônia. Toda a Itália política e religiosa
fala de nosso projeto para a Patagônia. Deus o deseja, e que nos ajude a fazer a nossa
parte”.97 Era verdadeiramente a fantasia no comando!
A pedido do cardeal Franchi, Dom Bosco enviava-lhe uma longa memória sobre a
Patagônia, que tinha solicitado ao padre Barberis para compilar. A ele havia traçado um
esquema e indicado as fontes de referência.98 Aproveitava da ocasião para pedir auxílios
90 Carta de 29 de julho de 1876; E III 79-80.
91 Carta de 1º de agosto de 1876; E III 81.
92 Em carta precedente, tinha estabelecido o padre Bodrato como “capitão salesiano” da segunda
expedição (carta de 30 de maio de 1876; E III 65), mas repartida entre Argentina e Uruguai, a
expedição teria dois distintos chefes.
93 Ao padre Cagliero, 1º de agosto de 1875; E III 81-82.
94 Ao padre Cagliero, 1º de setembro de 1876; E III 93.
95Ao padre Cagliero, 12 de setembro de 1876; E III 95.
96 Cf. carta de dom Aneiros a Dom Bosco, 1º de julho de 1876; MB XII 667-668.
97 E III 87.
98Ao padre Barberis, 14 de maio de 1876; E III 61-62. Cf. J. Borrego (ed.), “La Patagonia e le
terre australi del continente americano pel sac. Giovanni Bosco”, RSS 7(1988), p. 255-442.

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154 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
para a segunda expedição, dinheiro e objetos para o culto, “especialmente para as casas
que [os missionários] – dizia – estão por abrir nos confins da Patagônia” e para informar
que “as vocações indígenas em San Nicolás e em Buenos Aires já começaram a se
manifestar, e espero que daqui a alguns anos as expedições se tornem raras”.99 Persistia
a ilusão de que, para vocações, a Argentina fosse a Itália.
O discurso missionário continuava dilatado: “grande fermento para ir às missões:
advogados, notários, párocos, professores pedem para ser salesianos ad hoc. Faze
todo esforço para ter alunos ou adultos que viveram em meio dos selvagens. Se alguns
quisessem vir à Europa para estudar ou aprender alguma profissão, podes mandá-los.
Vás escrever-me a visita que fará com o arcebispo em Carmen ou Patagones; a ele dirás
que o Santo Padre deseja muito expedições para os selvagens e aplaude nossos esforços
para abrir casas de educação em suas terras e colocando todos os nossos esforços para
ter clero indígena”.100 No mês seguinte informava: “os missionários estudam espanhol.
Vários já estão bem; outros secundum quid; mas em breve tempo de estudo local creio
que se tornarão capazes de entrar na sala de aula”, como professores. “Não tenho tempo
para escrever mais. Dê notícias nossas a todos, dizendo que os amo em Jesus Cristo e
rezo muito por eles, mas que permaneçam firmes como colunas, e sejam santos como
o nosso Patrono etc.”.101
7. Extensão da ação na América
Importante para o consenso em relação às duas novas obras em Buenos Aires e aos
outros projetos em 1877 era a carta de Dom Bosco, de 31 de outubro de 1876, escrita
enquanto esperava notícias sobre a visita pastoral do arcebispo Asneiros a Carmen de
Patagónes, que não aconteceu: “Já terás recebido meu consentimento para a Boca do
diabo [Boca del diablo] e para a Paróquia São Carlos”; “para 1877, quero que venhas
fazer um passeio na Europa para, posteriormente, fazer outro em Ceilão nas Índias, a
fim de abrir ali outra missão assaz importante”, “contanto que as coisas em Buenos Aires
estejam bem firmes e ordenadas”; “é indispensável um local ou parte de local para se
destinar a um noviciado. Se for necessário, já tenho preparado o mestre dos noviços”.102
A segunda expedição de salesianos para a América contribuiu muito para intensificar
o motivo missionário, embora com a inexistência de centros missionários verdadeiros
e próprios. Muitas são as notícias que se retiram das cartas ao padre Cagliero sobre a
preparação dessa expedição. Em particular, insistia em pedir e em fazer pedir “passa-
99 Ao cardeal A. Franchi, 23 de agosto de 1876; E III 88-89.
100De Lanzo ao padre Cagliero, 12 de setembro de 1876; E III 95.
101De Vignale ao padre Cagliero, 13 de outubro de 1876; E III 103-104.
102Ao padre Cagliero, 31 de outubro de 1876; E III 107.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 155
gens” ou bilhetes gratuitos de viagens transoceânicas.103 A expedição foi anunciada na
circular de 15 de agosto, que dava informações sobre o trabalho até então realizado e
pedindo às “pessoas caridosas” o socorro da beneficência.104 Era composta de vinte e
três integrantes: os destinados a Argentina eram chefiados por Francesco Bodrato, e os
enviados para abrir a nova obra em Villa Colón, perto de Montevidéu, no Uruguai, pelo
padre Lasagna. Em 4 de novembro se divulgava o convite para o rito de despedida.105
O Diário do Oratório do padre Chiala e padre Lazzero, nos dias 14 e 15 de
novembro, resume os fatos seguintes: “14, Dom Bosco acompanhou os missionários ao
navio Savoie, tomou com eles o déjeuné; foi recebido de forma cordial pelo capitão do
navio, que deu seu retrato de presente a Dom Bosco, demonstrando-se muito feliz em
ter consigo, até Buenos Aires, seus filhos missionários. Lembrou que a do ano anterior
foi uma das melhores viagens. Um vendedor de bíblias protestantes que começava a
procurar briga com Dom Bosco no navio, foi imediatamente expulso por ordem severa
do capitão. 15, a caravana salesiana destinada a Montevidéu partiu de Sampierdarena.
Dirigiram-se para Bordeaux. Pensavam poder partir em 20 de novembro com o navio
Orenoch. Este, ao invés, partiu no dia 18, e não acabaram não chegando a tempo.
Tiveram que aguardar até o dia 1.12.1876. Hospedaram-se no seminário maior daquela
cidade”.106 No dia 14 dava algumas orientações ao padre Cagliero sobre a distribuição
do pessoal guiado pelo padre Bodrato e lhe recomendava: “ao destinar o pessoal em
cada casa, procura que os sócios ali estejam reunidos e se leiam as lembranças do ano
passado com alguma palavra”. “Entre as coisas que não se podem perder de vista –
acrescentava – estão uma casa ou lugar para um noviciado ou estudantado. Faze o que
puderes para ter algum índio para ser educado no sentido de vocação eclesiástica. Se for
necessário, eu te enviarei um bom mestre de noviços”. Pedia também informação inte-
ressada sobre o padre Ceccarelli: “ele conhece alguma coisa de inglês?”. Tinha reve-
lado o motivo algumas linhas antes: “Aceitei definitivamente o Vicariado das Índias, e
iremos para lá em 1878. O santo padre me disse que começasse a dispor sobre aquele
que me parecia dever escolher para bispo da nova missão”.107
Passados apenas dois dias enviava nova carta. Dizendo que o comendador Gazzolo
– que definia ajassin [calo no pé] – acompanharia os salesianos para o Uruguai até
Bordeaux, retomava o tema propriamente missionário: “O santo padre olha os Pampas
e a Patagônia e está pronto para ajudar-nos também com meios materiais, se for neces-
sário. Sobre o resto nos escreveremos. I son mes ciouc [estou meio tonto], mas não
103 Cf. cartas ao padre Cagliero, 30 de maio, 29 de junho, 13 de julho, 1º e 13 de agosto, 1º
de setembro, 13 de outubro (E III 65, 58, 72-73, 81-82, 87, 92-93, 103); ao comendador
Malvano, 12 de outubro de 1876 (E III 101-102); etc.
104 E III 89-90.
105 E III 108.
106 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 49.
107Ao padre Cagliero, de nSampierdarena, 14 de novembro de 1876; E III 111-113.

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156 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
importa, Deus nos auxilia, e cada coisa procede de forma que os profanos dizem ser
fabuloso, e nós dizemos que tem de prodigioso”.108 No dia seguinte enviava a dom
Giacinto Vera, delegado apostólico no Uruguai, depois bispo de Montevidéu, carta de
apresentação do grupo de salesianos que foram “para iniciar o Colégio Pio, fundado
pela sua caridade e zelo”. Manifestava a intenção “de abrir também uma casa de apren-
dizes, e para tal escopo, há nessa expedição – comunicava –também mestres de arte que
poderão ensinar-lhes; mas o padre Cagliero verá a possibilidade para tal”.109
Em 22 de novembro dirigia-se ao secretário de Propaganda Fide, que o prefeito da
Congregação lhe tinha indicado como referência para a condução dos atos referentes
aos “missionários salesianos na América”, para pedir que as faculdades já concedidas
aos salesianos na Argentina fossem estendidas aos que agora partiam para o Uruguai
e, em geral, “a todos os salesianos que partirão para as missões estrangeiras”. Pedia,
além disso, que concedesse objetos de igreja e outros objetos para o culto para as cinco
igrejas anexas a obras salesianas na América, incluída a de Montevidéu.110 Mais adiante
escrevia ao padre Cagliero sobre vocações que entravam na Congregação para cobrir
os vazios deixados por aqueles que partiam para a América, acenava ainda às Índias,
falava de negociações para a aquisição de terrenos do comendador Gazzolo, adjacentes
à Igreja Mater Misericordiae, “a Igreja dos Italianos”. Mostrava-se, porém, um tanto
desiludido de Gazzolo; “afirmo-te que o astro do comendador Gazzolo vai-se, de alguma
forma, obscurecendo. Parecia muito luminoso”.111 E não faltavam razões. As negocia-
ções para os terrenos, aos quais apenas se acenou, faliam pelas excessivas exigências do
hábil especulador. Isso se pode inferir de interessantes passagens de cartas ao Cagliero
do aguerrido contraente de Turim. “Não pude ainda falar com o Cônsul Gazzolo sobre
seu terreno – escrevia no dia 31 de dezembro –. Eu espero que queira vendê-lo quanto
antes. Terás resposta lá pelo dia 15 de janeiro”.112 “Não pude ainda concluir sobre o
preço do terreno” – anunciava em 14 de janeiro de 1877 –. “Espero que isso aconteça no
princípio de fevereiro”: “o cônsul parece bem disposto, mas é genovês e muito demo-
rado nos negócios”.113 Pela metade de fevereiro anunciava desiludido: “O comendador
Gazzolo, depois de uma semana de cálculos e de falações, reduziu a sua exigência a 60
mil francos para os 700 metros de terreno”; “está entendido que se limita a este preço
para fazer-nos um benefício”; quando lhe falei sobre tua cifra de 18 mil francos, ficou
espantado, dizendo: – Esse foi apenas o montante que paguei eu mesmo quando o
comprei! –. Como vês, ele pagou 19 e, para fazer-nos um benefício, no-lo dá agora por
60 mil. Ah Rogna! Rogna!”.114
108Ao padre Cagliero, de nSampierdarena, 16 de novembro de 1876; E III 113-114.
109 Carta de 17 de novembro de 1876; E III 114-115.
110 Carta de 22 de novembro de 1876; E III 118.
111Ao padre Cagliero, 30 de novembro de 1876; E III 121-122.
112Ao padre Cagliero, 31 de dezembro de 1876; E III 129.
113Ao padre Cagliero, 14 de janeiro de 1877; E III 141.
114Ao padre Cagliero; E III 149-150.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 157
Na espera do retorno do padre Cagliero, as cartas tornavam-se mais raras. No
entanto, a presença viva e ativa de Dom Bosco permanecia constante, com ele e
com os outros. Em 1º de janeiro escrevia ao padre Rua para que levasse ao preceptor
de casa Pamparato, para um último controle antes da impressão, uma tradução em
castelhano e adaptação para a América do Jovem instruído.115 Poucos dias depois
manifestava uma perspectiva mais concreta de pensamentos e de projetos com
relação ao Brasil. Declarava-se feliz que o destinatário de uma carta sua, senhor
Andrea Boassi, estivesse “em relações familiares com Dom Pedro II e com sua
esposa, imperatriz do Brasil”, acrescentando: “Se tiver facilidade, sugira-lhes uma
de nossas casas naquele vasto império. Creio que muitos pobres jovens tornar-se-ão
bons cidadãos e que, diversamente, terminam na prisão. Cada coisa, porém, no seu
momento”.116 Grávido de futuro era “a ordenação” de um projeto apresentado, com
não pouca imaginação, no dia 14 ao padre Cagliero, em base a duas propostas do
papa – ou por ele apresentadas ao papa? –, obviamente aceitas: “Um vicariato apos-
tólico na Patagônia, por exemplo em Carmen, ou em Santa Cruz, ou em Puntarenas,
ou, melhor ainda, um só vicariato que se estenda a todos os três”; poder-se-ia
começar “com uma casa de educação e seminário em Carmen, que ligasse também
Patagones e Concepción”. Os meios seriam fornecidos pela Propaganda Fide,
pela Obra da Propagação da Fé, pelo papa, pela Sociedade Salesiana. Prosseguia:
“E o pessoal? Deve ser tudo farinha do nosso saco; e, entre outras coisas, passa-me pela
cabeça convidar dom Ceccarelli para se colocar à frente dessa empresa, e tu podes falar
pessoalmente com ele. É verdade que ele deveria ser consagrado bispo, mas poderia
conservar o título paroquial, colocar um ou mais salesianos para ocupar seu lugar em
San Nicolás. Mas, que é do padre Cagliero? Para as Índias. No início de 1878 iremos
assumir o Vicariato Apostólico de Bangalore nas Índias, que possui uma população de
cerca de três milhões de almas. Assim me diz o cardeal Franchi; padre Cagliero vigário
apostólico, padre Bologna seu vigário geral etc. etc. Entre os indivíduos que existem e
os que estão se preparando o pessoal será suficiente. Com facilidade podem-se preparar
seis salesianos para a Patagônia, dez sacerdotes com dez catequistas para as Índias.
O resto será feito por Deus”. Deixava ao padre Cagliero e colaboradores a tarefa de
“tecer a tela”. No pós-escrito retornava, tenaz, sobre o tema da Patagônia, informando
que dom Cesare Roncetti (1834-1881), nomeado em 18 de julho de 1876 núncio
apostólico no Brasil e delegado apostólico na Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile
(1876-1879), de passagem por Buenos Aires, teria “tratado também com o arcebispo
sobre a possibilidade de chegar aos Pampas e Patagones!” Pensava alto: “Ele é bené-
volo a nós e eu coloquei o grão sobre a balança, visto que foi escolhido para esta
missão”; “ao seu retorno será feito cardeal, coisa que ele ignora e que, vendo-o, tu
poderás acenar-lhe”.117 Tal previsão estava destinada ao vazio. Dom Roncetti deveria
115 E III 132.
116 E III 136. Cf. cap. 8, § 8.
117Ao padre Cagliero, 14 de janeiro de 1877; E III 140-141.

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158 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
terminar sua carreira diplomática e terrena com a nunciatura na Baviera (1879-1881).
Ao padre Bologna, “vigário geral” in pectore, Dom Bosco dedicava a quadra de uma
carta em versos, de 22 de janeiro de 1877: “O Ceilão está preparado, / Bangalore
ansiosa espera, / Alguém reza e tem o braço estendido: / Vem logo às suas lides. / Traz
contigo a longa fila / Dos seguidores de Xavier; / Também a vós o mesmo império /
Deus piedoso destinou [Il Ceilan è preparato, / Mangalor ansiosa attende, / Ognun
prega e il braccio tende: / Vieni presto ai lidi eoi. / Porta teço lunga schiera / Dei
seguaci del Saverio; / Anche a voi l’istesso impero / Dio pietoso destinò [Be]”.118
Em outra carta agradecia padre Cagliero pelo substancioso cheque que enviara, por
seu intermédio, do padre Fagnano, diretor em San Nicolás, e recomendava a adminis-
tração cuidadosa da “caridade de fiéis abastados” de Montevidéu. Propunha novamente
seguir o problema da Patagônia, encarregando-o de entrar em contato com o arcebispo
de Buenos Aires para informá-lo que “o santo padre desejava que se fizesse alguma coisa
pela Patagônia”; “o cardeal prefeito da Propaganda Fide – acrescentava – lhe escreverá,
quiçá por este mesmo correio, sobre a conveniência de estabelecer em Carmen uma
prefeitura apostólica”. “O santo padre é especialmente movido a isso pelas notícias
dolorosas que recebe dos países vizinhos dos selvagens, como a República Argentina,
o Chile etc., os quais têm a intenção de combater os selvagens e não convertê-los”.
Voltava, portanto, os olhos em várias direções, com projetos certamente desproporcio-
nais às forças disponíveis e aos empenhos já assumidos, mas não à sua fantasia crente e
criadora: “Se do Brasil ou do Paraguai te fazem pedido formal de missionários, tu podes
aceitar com duas condições: 1) Auxílio para as muitas despesas que já encontramos, e
que devemos sustentar todos os dias; 2) para o ano de 1878”. Não bastava: “O santo
padre propõe um vicariato apostólico nas Índias e outro na Austrália. Por ora aceitei
uma expedição no Ceilão para 1878”. No pós-escrito recordava: “é bom que me envie
o nome dos cooperadores”.119
Tratava também questões internas às comunidades americanas, enquanto, ao mesmo
tempo, pedia que ao padre Cagliero para voltar: “Prepara também para as ordenações
os clérigos Allavena e Rizzo: a seu tempo terás as cartas dimissórias e as faculdades
desejadas. Retém, porém, que tu tens a faculdade de conceder as dimissórias. Se podes
mandar o estado da nossa Congregação na América do sul eu o encaminharei ao santo
padre para o seu jubileu episcopal, para o qual toda a Europa e também a América
estão em movimento. Será possível que possas participar do Capítulo Geral, que deverá
começar em princípio de setembro próximo? Serão tratadas e resolvidas coisas muito
importantes; por isso vê e dize-me, si fieri potest”.120
Padre Cagliero, porém, tinha advertido: “A respeito da Patagônia não há necessi-
118 E III 147.
119Ao padre Cagliero, 13 de fevereiro de 1877; E III 149-150.
120Ao padre Cagliero, 31 de março de 1877; E III 162.

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 159
dade de correr com a velocidade elétrica”. Nessa ótica, tanto ele como padre Fagnano
criticavam a inoportuna e indevida publicidade que se fazia na Itália, nas palavras e
nos escritos, do que os salesianos faziam na Argentina.121 Ao anúncio que o governo
argentino tinha pedido aos salesianos um pároco, um professor e dois mestres leigos
para Carhué, um dos centros criados na direção da Cordilheira diante dos índios, Dom
Bosco reagia com moderado encorajamento: “O que escreves sobre a Patagônia vai ao
encontro de meus desejos: avizinhar-se pouco por vez, e avizinhar-se mercê da abertura
de casas nas cidades e vilas mais próximas dos selvagens. O resto o Senhor o fará”.
Às observações sobre a publicidade indiscreta na Europa replicava: “Eu sei que se falou
demais de nós: mas que fazer? Eu sempre retirei as coisas que pareciam ser de louvor
para nós e modifiquei as que se referiam aos outros. Se, porém, tu podes mandar-me
uma relação dos missionários da América do Sul, envie-me, e eu arranjarei tudo”.
E depois: “Receberás as dimissórias e, se for preciso, podes dá-las tu ou padre Bodrato.
Já comecei os trâmites para as passagens sobre os navios franceses. O presidente da
Sociedade dos Transportes Marítimos, senhor Bergasse de Marselha, promete-nos notá-
veis reduções; o governo de Paris, quiçá, nos dará alguns lugares totalmente gratuitos.
Terminada a tramitação, logo dar-te-ei um aviso”. Por fim, fornecia uma contra-infor-
mação surpreendente: “Em vista das casas que vão se multiplicando, e portanto, redu-
zindo o pessoal, suspende-se, ao teu retorno, o projeto de Ceilão, Bangalore, Austrália
etc. Mas não perco de vista uma dezena de boas lãs para enviar a Dolores, se me disser
que são coisas necessárias”.122
Sucediam-se depois duas cartas, uma ao principal responsável na Argentina, padre
Francisco Bodrato, próximo a se tornar inspetor para as obras americanas, outra ao vene-
rando Benítez, de San Nicolás de los Arroyos: “Tu me dizes que tens muito trabalho –
escrevia ao padre Bodrato, o qual, mais que Cagliero, sentia a dramática insuficiência, e
não somente quantitativa, do pessoal disponível –. Queria poder ajudar-te. Talvez possa
consolar-te o fato de que nós estamos oprimidos pelas ocupações a ponto de não saber
mais onde começar ou onde terminar. Já há vários meses que me sento à escrivaninha
às duas da tarde e me levanto somente às oito e meia para ir jantar”. Contudo, lembrava
que “a saúde é indispensável” e convidava a fazer somente o possível. Não faltariam os
reforços: “Tereis apoio com os operários que mandaremos daqui e com os que encon-
trares aí”.123 A Benítez, refinado latinista, invocando auxílio, repetindo e sublinhando si
poteris. “Vivito et vale, anima electa, amice fidelis, Deus te sospitem diutissime servet
in annos plurimos”.124
Chegava, por fim, a última carta ao padre Cagliero, já prestes a retornar para a
121 Cf. A. Da Silva Ferreira, “Patagonia: I – Realtà e mito nell’azione missionaria salesiana. Il
vicariato apostolico della Patagonia Settentrionale”, RSS 14(1995), p. 17 e n. 24.
122Ao padre Cagliero, 12 de maio de 1877, /e III 170-171.
123Ao padre F. Bodrado, maio de 1877; E III 172-173.
124 Carta de 14 de maio de 1877; E III 174.

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160 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Europa. Antes de tudo informava sobre as viagens na Itália junto com o arcebispo
de Buenos Aires, dom Aneiros, e com seu séqüito, todos em peregrinação a Roma,
sobre sua permanência em Turim de 26 a 30 de junho, sobre as festas em Valdocco,
e anunciava sua partida da Itália em 14 de julho.125 Continuava falando de América
salesiana. “A nós. Eu te escrevi pedindo que fosses a Santa Cruz. É esse só um pensa-
mento meu, mas se pensatis pensandis te parece melhor deferir este giro, fiat sicut
melius in Domino placuerit. O pessoal existe; como o ano escolar chega ao fim, assim
se nada obsta, se difere [a partida] segundo o costumeiro 14 de novembro próximo.
Se precisar, anteciparemos a partida, e para as passagens haveremos de nos ajustar
de alguma forma. Lê a carta ao marquês Spinola, depois coloca-a num envelope e
a trarás. O que te escrevo, escrevo ao padre Bodrato e aos outros. Para a partida
do senhor bispo prepararemos cartas e comissões. Na próxima semana passará aqui
dom Lacerda, do Rio de Janeiro, que não partirá sem ter consigo pelo menos cinco
salesianos”.126
É digno de nota como se movimentou para a visita do arcebispo. Tinha mobili-
zado os fiéis, o estro do padre Francesia,127 a habilidade organizativa do padre Rua,128
a fiel colaboração do secretário padre Berto para que se preparasse uma homenagem
singular aos argentinos: “Uma caixa ou duas garrafas para o arcebispo de Buenos Aires:
Bordeaux, Malaga, Barbera, Grignolino, Nebbiolo, Moscato di Strevi, em tudo cerca
de quinze a vinte garrafas; para nobilitar o nascimento do vinho pode-se dar uma exis-
tência um tanto antiga, mercê duma terra. Esta caixa seja preparada e, a um meu aviso,
seja enviada a Gênova”.129
Dez dias depois escrevia também ao principal interlocutor no Uruguai, padre
Luigi Lasagna. Dava-lhe algumas normas de governo: “Oração, firmeza, coragem,
avisar. Contudo, não esquecer a história do padre Ubique e da caixa mágica (...). Olhe
cada coisa com os próprios olhos, esteja em todos os lugares, fale com todos os seus
dependentes: eis a chave de todo bem”. Era o que tinha feito “padre Emtodolugar
[Dappertutto]”, o qual, abrindo a caixinha mágica aí estava escrito: “O olho do dono
engorda o cavalo”.130
Sem que alguém pudesse detê-lo em suas projeções para o futuro, ao passo que em
Buenos Aires se trabalhava nos limites do impossível por penúria não somente quanti-
tativa de pessoal, Dom Bosco avançava em todas as direções das vastas plagas ameri-
125 Cf. cap. 25, § 1.
126 Carta ao padre Cagliero, 30 de junho de 1877; E III 194-195. Sobre a visita de Aneiros informa
também padre Lasagna na carta de 16 de julho de 1877; E III 199.
127 Carta ao diretor de Varazze, 13 de junho de 1877; E III 186.
128 Carta ao prefeito geral, 20 e 24 de junho de 1877; E III 192-193; cf. depois carta de 7 de julho;
E III 196.
129 Carta de Alassio de 7 de julho de 1877; E III 196.
130 Carta de 16 de julho de 1877; E III 199.

17 Pages 161-170

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17.1 Page 161

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Cap XXI: A caminho de um universalismo geográfico (1875-1877) 161
canas, sul, norte, nordeste: um conquistador temerário e contagiante. Seria apoiado pelo
maduro e incansável padre Bodrato e pelo jovem, criativo e clarividente padre Lasagna.
E, embora repleto de experiência entre os jovens pobres e abandonados, permanecia
incuravelmente confiante na própria disponibilidade interior para tudo o que é belo,
bom e justo.

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17.3 Page 163

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Capítulo XXII
Projeto de solidariedade católica na missão
entre os jovens (1873-1877)
1854 Introdução a um Plano de regulamento para o Oratório
1872/74 Associados à Congregação de São Francisco de Sales
1874 União cristã
1876 Cooperadores Salesianos, ou seja, um modo prático para formar ao bom
costume e à sociedade civil
9 de maio: Pio IX concede numerosas indulgências à Unio seu Sodalitas
Cooperatorum Salesianorum
1877 texto definitivo de Cooperadores salesianos com o Regulamento dos coope-
radores salesianos
agosto/setembro: sai o primeiro número do Bibliófilo católico ou Boletim
Salesiano mensal
1878 janeiro: capa definitiva do Boletim Salesiano
1879 janeiro: primeira carta aberta anual de Dom Bosco no Boletim aos coopera-
dores e cooperadoras salesianos
Ao lado da iniciativa missionária, amadurecia em Dom Bosco outro tipo de extensão
de seu império entre a juventude. Ele pretendia fazer participar nesse império, de forma
organizada, um exército potencialmente ilimitado de pessoas, homens e mulheres,
dotados de generosa fé evangelizadora e civilizadora, embora sem a profissão dos votos
religiosos e a escolha da vida comum; e também homens e mulheres de boa vontade,
persuadidos da determinante eficácia sobre o destino pessoal e social dos jovens, e
da promoção cultural, profissional, moral e religiosa destes. Não se tratava de uma
novidade absoluta, pois a Dom Bosco, padre dos jovens, jamais faltou a cooperação de
eclesiásticos e leigos. Nova era a proposta de potenciar a ação com a possível adesão
a uma Associação ou União eclesial, por sua vez, de alguma forma, “agregada” à
Sociedade Religiosa Salesiana e plenamente aprovada. A idéia final, fixada nos docu-
mentos de 1876 e de 1877, após a gestação entre 1873, 1874 e 1875, e as variações em
1876, representava a plena maturação de intuições e concepções que brotaram do fenô-
meno das mais variadas formas de colaboração, espontâneas ou procuradas, nascidas
nas primeiras experiências oratorianas dos anos 40 e 50. Eram as raízes longínquas,

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164 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
reais e ideais, de uma iniciativa que conferia aos aderentes precisa configuração insti-
tucional (“salesianos”), jurídica (“quase ordem terceira”) e espiritual (“operadores”),
mesmo que, em 1876, Dom Bosco tenha apresentado a União como desenvolvimento
homogêneo de certa agregação de colaboradores já formalmente constituída no imagi-
nário da maturidade desde os inícios dos anos 40.1 É o que se encontra na História dos
cooperadores salesianos, no número de setembro do Boletim Salesiano, a qual traça,
em síntese, acumulando a partir de 1841 quase sincronicamente os mais heterogêneos
grupos de auxiliares:2 ela surgia do mesmo mecanismo mental que o levara a colocar
em 1841 a origem quer do Oratório quer da Sociedade de São Francisco de Sales.
1. Projetos previstos ou apenas esboçados
Na Introdução de 1854 do Plano do Regulamento para o Oratorio Masculino de
São Francisco de Sales Dom Bosco manifestava a esperança de que o regulamento
pudesse “servir de norma – escrevia – para administrar essa parte do sagrado minis-
tério, e de guia às pessoas eclesiásticas e seculares que aí consagram suas fadigas com
caridosa solicitude e em bom número”.3 De fato, gostava de recordar como tinha sido
grande o grupo dos colaboradores eclesiásticos e leigos.4 Dom Bosco relembrava na
Primeira Assembléia de Cooperadores e Cooperadoras de Turim, na tarde de 16 de
maio de 1878, como se dera o progressivo dilatar das colaborações: primeiro, de eclesi-
ásticos, em vista do cuidado pastoral dos jovens oratorianos; depois de “senhores”, para
as escolas dominicais e vespertinas, para os catecismos e a assistência, e de senhoras,
para consertar as roupas dos jovens abrigados no internato; por fim, de todos, para
o sustento pecuniário.5 Ele tinha procurado realizar ao redor do Amigo da juventude
uma mobilização ideal dos pastores de almas, dos párocos da cidade e dos campos,
dos professores, dos pais de família, de todos os que amavam de coração a melhoria
religiosa do povo.6 Tal fisionomia apresentava o pequeno exército de correspondentes
e propagandistas organizado e animado para a difusão das Leituras Católicas7 e os
adeptos da Sociedade para a Difusão das Leituras Católicas e à Sociedade para a
Difusão dos Bons Livros, ambas projetadas entre 1858 e 1861, com finalidades em
parte idênticas às propostas aos cooperadores.8 Também foram temporariamente orga-
1 Cf. P. Braido, “L’idea della Società Salesiana nel Cenno istorico”, p. 254-258.
2 Cf. BS 3(1877) n. 6, setembro, p. 1-2.
3 [G. Bosco], Introduzione al Piano di Regolamento, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 36-37.
4 Cf. cap. 7, § 1.
5 Cf. G. Barberis, Cronichetta, quad. 13, p. 48-52.
6 É parte do Programma colocado no início do 1º número, de 21 de outubro de 1848. Cf.
circular de janeiro de 1849; Em I 83.
7 Cf. cap. 8, § 7.
8 Cf. circular de 6 de março de 1860; Em I 397 (MB VI 487-489).

17.5 Page 165

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 165
nizados os membros das Comissões, assim como os promotores e as promotoras das
rifas. Não é de se excluir que, por vários anos, Dom Bosco tenha cultivado a idéia de
alguma congregação ou associação, ao mesmo tempo articulada e com vínculo dife-
rente, de agentes estáveis na obra dos oratórios, compreendendo-se também os pensio-
natos para trabalhadores.9 Os jovens, particularmente os formados entre 1848 a 1857,
e dado momento vestidos do hábito clerical, provavelmente podiam ser previstos como
plataforma desta construção.10
Quando, nos anos 60, a congregação ou associação era então pensada como socie-
dade religiosa, impunha-se a distinção entre sócios internos, ou seja, religiosos verda-
deiros e próprios, e outros aderentes. Na realidade, no momento do primeiro pedido
de aprovação da Sociedade em 1864, o texto das Constituições apresentava um último
título sobre sócios Externos. Era constituído de quatro artigos: “1. Qualquer pessoa,
mesmo vivendo no século, na própria casa, em seio à própria família, pode pertencer à
nossa sociedade. 2. Ele não faz nenhum voto, mas procurará pôr em prática a parte do
presente Regulamento que é compatível com sua idade e condição”. Em uma relação
efetuada entre 1862 e 1864, Dom Bosco acrescentava na continuação: “como se poderia
ministrar ou promover catecismos em favor das pobres crianças, buscar a difusão de
bons livros, agir para que se promovam tríduos, novenas, exercícios espirituais e outras
semelhantes obras de caridade especialmente dirigidas ao bem espiritual da juventude
ou do baixo povo”.11 “3. Para participar dos bens espirituais da sociedade é preciso
que se faça ao menos uma promessa ao reitor de empregar suas substâncias e suas
forças da forma que ele julgar redunde à maior glória de Deus. 4. Tal promessa, porém,
não obriga sob pena de culpa, nem mesmo venial”. Na segunda redação do texto,
Dom Bosco acrescentava outro artigo: “5. Todo membro da Sociedade que por qual-
quer motivo deixasse a mesma é considerado como membro externo e pode participar
dos bens espirituais de toda a Sociedade, desde que pratique a parte do Regulamento
prescrita para os externos”.12 A Congregação dos Bispos e Regulares fazia próprias as
considerações do consultor, padre Savini, entre as quais a relativa ao último título. “Não
se deve aprovar que pessoas externas sejam inscritas ao Pio Instituto por afiliação”.13
Nas suas contra-observações Dom Bosco pedia que o título fosse aprovado ao menos
como apêndice, uma vez que – fazia notar – “quase todas as congregações e as ordens
religiosas têm terciários, que nós chamamos amigos e benfeitores, os quais aspiram a
uma vida mais santa, particularmente promovendo o bem da sociedade, e procuram
observar no mundo, enquanto é possível, as constituições religiosas”.14 Com efeito, o
9  Cf. cap. 6, § 5.2.
10  Cf. cap. 11, § 6.
11Cost. SDB (Motto), p. 210.
12Cost. SDB (Motto), p. 210.
13Cost. SDB (Motto), p. 231.
14Cost. SDB (Motto), p. 233-234.

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166 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
título entrava, com os primeiros quatro artigos, como apêndice do texto latino impresso
em 1867. Em 1869, ao procurador do rei de Turim, Lorenzo Eula, que, para o reconhe-
cimento civil do decreto de aprovação da Sociedade Salesiana de 1º de março, nem útil
nem desejado, exigia o pedido do exequatur régio, Dom Bosco respondia: A Sociedade
é composta “por indivíduos [que] conservam os direitos civis”; antes, “seus membros,
se quiserem, podem ficar em suas casas e agir para retirar das ruas e das praças os
pobres meninos, a fim de conduzi-los à moralidade, a alguma arte ou profissão”.15 Mais
adiante, mesmo que o consultor, padre Bianchi, tivesse confirmado a resposta negativa
precedente,16 Dom Bosco conservava o texto ainda na edição de janeiro de 1874.17 Em
face das insuperáveis barreiras, o eliminava da última edição impressa de março de
1874, antes da aprovação.
Essa era a pré-história mais evidente daquela que será formalmente a Associação ou
União dos Cooperadores Salesianos. Como se viu, de “externos” formais se conhecem
somente dois: o padre Ciattino, pároco de Maretto, província e diocese de Asti, e um
padre de Mornese, Domenico Pestarino, depois, sem data precisa, religioso salesiano.18
Ao invés, foi imensa a lista dos que se ligaram, de forma conhecida ou não, recordados
ou não, sem os quais a ação de Dom Bosco – toda baseada sobre a beneficência – teria
permanecido um castelo de boas intenções, alma sem corpo, mesmo que não se tratasse
somente de sustento financeiro, mas de envolvimento de pensamento, de coração, de
ação. Aí se exprimiam, em diferentes medidas, as verdadeiras dimensões da colabo-
ração, que Dom Bosco conseguiria reintroduzir, a pleno título, na figura do coopera-
dor.19 Um ano antes de conceder específicas indulgências aos cooperadores, Pio IX, em
30 de julho de 1875, dava aos superiores gerais da Sociedade Salesiana pro tempore a
faculdade “de comunicar as indulgências e as graças espirituais, concedidas à mesma
Sociedade, aos benfeitores insignes da mesma Sociedade, não diferentemente que se
fossem terciários”.20 Era prelúdio das indulgências concedidas, em 9 de maio de 1876,
à Associação ou União dos Cooperadores Salesianos, mas também à qualificação de
15 Carta de 10 de junho de 1869; E II 32.
16 Cf. Cost. SDB (Motto), p. 242.
17 Regulae Societatis S. Francisci Salesii. Romae, Typis S. C. Propagandae Fide, 1874, p. 40;
OE XXV 292.
18 Cf. Società di S. Francesco di Sales. Anno 1875. Turim, Tip. dell’Orat. di s. Franc. di Sales
1875, p. 31-36; Brevi biografia dei confratelli salesiani chiamati da Dio alla vita eterna.
Turim, Tip. e Lib. Salesiana,1876, p. 17-22. “Ouvindo falar de Dom Bosco, sentiu vontade
de conhecê-lo; para tanto, dirigiu-se a Turim em 1862. Ficou de tal forma enamorado pelo
espírito da Congregação Salesiana que quis imediatamente dar seu nome à mesma, começando
a praticar suas regras. Pouco depois consagrou-se totalmente a essa congregação, e era um dos
irmãos exemplares. O superior, ao qual prestava ilimitada obediência, em vista do grande bem
que fazia no século, quis que ele continuasse a viver em sua pátria” (p. 20).
19 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, vol. I, p. 217-218.
20 Documenti XV 216, FdB 1030 B 11; MB XI 546.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 167
“terciário” dada muitas vezes a eles. A denominação estaria ilustrada em seguida pelo
Boletim Salesiano quase como comentário da encíclica Auspicato concessum de Leão
XIII, de 17 de setembro de 1882, sobre a Ordem Terceira Franciscana.21
2. Caminhando para uma quase ordem terceira das obras
Na data de 19 de fevereiro padre Barberis anotava o que Dom Bosco lhe tinha dito
nesse dia sobre um projeto que estava amadurecendo há anos. “Agora que parecem
estar sistematizadas todas essas escolas – confiava – estou trabalhando sobre outro tema
também muito importante: a Associação Salesiana. Ela me ocupa há bastante tempo;
é bem difícil estabelecer coisas positivas. Faz dois anos que ela me preocupa. Agora
que parece estabelecida a Obra de Maria Auxiliadora, posso formular a Associação
e, no fim do ano, torná-la pública. Serão necessários dois anos para consolidá-la. Já
tenho outro projeto, que nestes dois anos farei amadurecer e consolidar a Associação
Salesiana, e eu o publicarei”. O cronista anotava: “Dessa Associação Salesiana já falou
outras vezes, especialmente no ano passado. Agora, porém, parece que, ao falar desse
projeto, já tenha me dado o nome, um pouco diverso daquele de Associação. Contudo,
eu não me recordo dele”. “O outro projeto – continuava Dom Bosco – seria o de fazer
como que uma ordem terceira para as mulheres; mas não agregada diretamente à nossa
ordem, e sim associada às Filhas de Maria Auxiliadora”.22 As escolas ou classes às
quais se referia, considerando-as já quase sistematizadas, eram as destinadas às voca-
ções adultas, às quais tinha em vista com a Obra de Maria Auxiliadora; eram chamadas
escolas ou classes “de fogo” porque seguiam programas mais concentrados e rápidos;
os alunos eram também chamados “filhos de Maria”.
A primeira idéia dos cooperadores estava confiada a cinco páginas de um caderno e
a uma folha separada, em base aos conteúdos e às referências, com a data em torno de
1873, com o título Associados à Congregação de São Francisco de Sales.23 O projeto
se inspirava na figura do “cristão fiel no mundo”, desejoso de “atingir a perfeição e
assegurar a própria salvação”, não podendo, por várias razões, deixar o mundo. “A Pia
Associação de São Francisco de Sales” oferecia tríplice oportunidade: 1) “um meio
21 Cf. “I terziarii di S. Francesco d’Assisi e i Cooperatori salesiani”, BS 6(1882) n. 11, dezembro,
p. 189-192.
22 G. Barberis, Cronichetta, quad. 4, p. 81-82.
23O texto foi publicado por A. Amadei nas MB X 1310-1314 e reeditado com a indicação das
variante por Francis Desramaut, no item referente aos documentos que dizem respeito aos
cooperadores, redigidos por Dom Bosco entre 1873 e 1876, in F. Desramaut e M. Midali
(org.), Il cooperatore nella società contemporanea. 6º Colóquios Salesianos, Freiburg (Suiça)
26 a 29 agosto de 1974. Leummann(Turim), Elle Di Ci, 1974, p. 355-350; mss. di várias
redações, ASC A 220.

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168 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
de perfeição”; 2) a participação “nas obras de piedade e de religião” dos sócios sale-
sianos; 3) a meritória “união em fazer o bem”. Dom Bosco antecipava conceitos que
se tornariam motivo inspirador fundamental da cooperação cristã e salesiana, mas que
lhe eram familiares desde os anos da difusão das Leituras Católicas. “É fato – escrevia
– que as pessoas do século associam-se para a difusão da má imprensa, para espalhar
máximas perversas no mundo, para propagar a instrução errada e espalhar falsos prin-
cípios na incauta juventude, e saem-se maravilhosamente bem. E os católicos perma-
necem inoperantes ou separados uns dos outros de forma que seu agir seja paralisado
pelos maus? Que não seja jamais. Unamo-nos todos com as Regras da Congregação
Salesiana, façamos um só coração e uma só alma com os associados externos. Sejamos
verdadeiramente irmãos. O bem de um seja o bem de todos, o mal de um seja afas-
tado como se fosse o mal de todos. Nós atingiremos esse grande objetivo mediante a
Associação à Congregação de São Francisco de Sales”.24 Todo o texto “É um fato...
irmãos”, era seguido por uma expressão, que seria apagada, mas depois seria recu-
perada como motivo chave dos documentos sucessivos: “Vis unita fortior, funiculus
triplex difficile rumpitur, diz o Senhor. Quer dizer: a força unida à força torna-se mais
forte, e se uma só cordinha é facilmente rompida, unindo-se mais cordinhas, dificil-
mente se rompe”. As atividades, propostas sob o título Finalidade desta Associação,
eram análogas às dispostas no primeiro capítulo das Constituições Salesianas: “1) fazer
o bem a si mesmo com o exercício da caridade para com o próximo, especialmente para
com as crianças pobres e abandonadas (...); 2) recolher crianças pobres, instruí-las na
própria casa, adverti-las dos perigos, conduzi-las aonde possam ser instruídas na fé (...).
Quem não pode fazer tais coisas por si, poderá fazê-las por meio de outras, tais como
convidar ou aconselhar um companheiro, um parente, um amigo ou conhecido qualquer
para fazer o que fosse capaz. Pode-se igualmente suprir esta necessidade rezando para
os que trabalham ou auxiliando com meios materiais onde for necessário”; 3) o cuidado
em “assistir esses jovenzinhos especialmente pobres que mostrarem” ter vocação ecle-
siástica; 4) ter o “máximo cuidado para impedir toda conversa, toda obra que seja
contra o romano pontífice ou contra sua suprema autoridade”; 5) “os salesianos [sic]
tenham todo cuidado para impedir a distribuição de livros maus, e difundir bons livros,
folhetos, páginas, imagens de qualquer gênero”.25 De igual modo, a vida de piedade e
a prática religiosa, apresentadas no longo título Regras para os associados salesianos,
não se diferenciavam sensivelmente das prescritas aos religiosos salesianos.26
De pouca relevância era um simples esboço de União de São Francisco de Sales,
confiado a uma página autógrafa de Dom Bosco, presumivelmente para ser colocado
imediatamente antes ou depois do projeto da União Cristã. A ela era assinalada a fina-
lidade de “reunir algumas pessoas leigas ou eclesiásticas para se ocupar das coisas que
24 F. Desramaut e M. Midali (org.), Il cooperatore nella società contemporanea, p. 355.
25 F. Desramaut e M. Midali (org.), Il cooperatore nella società contemporanea, p. 356-357.
26 F. Desramaut e M. Midali (org.), Il cooperatore nella società contemporanea, p. 357-359.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 169
seriam consideradas da maior glória de Deus e vantagem das almas”; os meios – estava
previsto – “serão o zelo para a glória de Deus e a caridade operante”; não deixando de
lado “nenhum ramo de ciência”. Quanto aos membros dizia-se laconicamente: “todo
fiel cristão pode ser membro desta União, contanto que esteja decidido a se ocupar
conforme a finalidade e os meios acima mencionados”.27
Esse projeto, menos assimilável ao tom religioso que o precedente, servia de
prelúdio para os documentos sucessivos, nos quais o evidente caráter ativista e
funcional da cooperação supunha a decidida assunção da centralidade do princípio:
vis unita fortior, funiculus triplex difficile rumpitur. Isto se descobre imediatamente
no primeiro regulamento impresso da União Cristã de 1874, que é fruto de uma refor-
mulação mais concentrada e estruturada dos conteúdos do documento Associados à
Congregação de São Francisco de Sales.28 Ele começava com a afirmação: “Vis unita
fortior, diz Deus”.29 Seguia o segundo título, que substituía com a mais precisa deno-
minação Associação Salesiana o título geral, mais genérico. A definição, não comple-
tamente exata do ponto de vista histórico, expressava conceitos bem radicados em Dom
Bosco, que permaneceriam firmes também no futuro. A Associação – dizia – “pode-se
chamar uma espécie de ordem terceira dos antigos com esta diferença: enquanto nestes
se propunha a perfeição cristã no exercício da piedade, naqueles a finalidade principal
é a vida ativa especialmente em favor da juventude periclitante”.30 As finalidades eram
idênticas às definidas para os Associados, mas reduzidas de cinco a três, concentradas e
enriquecidas: “A primeira tarefa dos associados é a caridade para com as crianças peri-
clitantes. Recolhê-las, instruí-las na fé, aconselhá-las nos perigos e reconduzi-las aonde
possam ser instruídas”. “É ainda missão da Associação promover novenas, tríduos,
exercícios espirituais e catecismos, sobretudo nos lugares onde faltam os meios mate-
riais ou morais”. Em segundo lugar, “cada um terá cuidado especial dos jovenzinhos
que por moralidade e hábito de estudo manifestassem também algum indício de ser
chamados”. Por fim, “opor a boa imprensa à imprensa irreligiosa, procurando propagar
bons livros, páginas, folhetos, impressos de quaisquer gênero nos lugares e entre as
pessoas que pareça prudente tal proposta”.31 Mais sensíveis eram as novidades no título
Constituição e governo da União cristã com relação às Regras para os associados
salesianos do documento Associados à Congregação. As Regras para os associados
salesianos previam numerosos compromissos de oração, enquanto a União Cristã se
interessava antes de tudo do aspecto organizativo da associação. Também diversas eram
27 Cf. ms. autógrafo de Dom Bosco, ASC A 2300401, FdB 1886 A8, MB X 1309.
28 Cf. Unione cristiana, Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1874, 8 p.; OE XXV
403-410.
29 Unione cristiana, p. 1, XXV 403. A expressão não se encontra na Bíblia; o mote sobre
“funiculus triplex” está em Ecl 4,12.
30 Unione cristiana, p. 2, XXV 404.
31 Unione cristiana, p. 2-3, XXV 404-405; Cf. “Associati alla Congregazione”, in: F. Desramaut
e M. Midali (org.), Il cooperatore nella società contemporanea, p. 356-357.

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170 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
as condições de aceitação. As Regras estabeleciam: “Qualquer um pode inscrever-se
nesta Associação desde que tenha a idade de 16 anos, conduta honrada, bom católico,
obediente à Igreja e ao romano pontífice”. O estatuto da União Cristã era mais lacô-
nico: “Desde que tenha completado 16 anos, qualquer pessoa pode se inscrever nesta
Associação, uma vez que se conforme com as regras por ela propostas”.32
Fruto de elaboração um tanto mais orgânica, que conduzirá à que mais se aproxima
da versão definitiva de 1876, o documento com o título Associação de boas obras era
quase uma síntese “salesiana” dos títulos e conteúdos precedentes, plasmada sobre o
módulo da Sociedade fundada por Dom Bosco. O documento articulava-se em oito
títulos: I. União cristã para o bem agir, II. Congregação Salesiana, III. Associação
Salesiana, IV. Modos de cooperação, V. Constituição e governo da Associação, VI.
Obrigações particulares, VII. Vantagens, VIII. Práticas religiosas.33 Isto expressava
os traços essenciais do perfil do cooperador salesiano. Aí se encontravam, com efeito:
1) a explícita ligação com a vocação cristã, vivida exemplarmente na Igreja primitiva,
mediante a atualizada união “no espírito de oração, de caridade e de zelo”; 2) a assunção
das tarefas de suplência e de integração em relação às atividades dos salesianos, em grau
de corresponder somente “em mínima parte” “à necessidade e às exigências cotidianas
que se fazem deles”, na Itália, Europa, China, Austrália e América “especialmente na
República Argentina”; “os pobres salesianos – explicitava – não podem socorrer tantas
necessidades e, por isso, enquanto fazem o que podem de sua parte, dirigem-se aos que
amam nossa santa religião católica e a salvação das almas, e os convidem, antes, os
convençam por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo a querer dar u’a mão e colaborar
com eles nas obras especiais de caridade, que formam a finalidade desta Congregação”;
3) a forte ligação com a Sociedade Salesiana “qual vínculo estável de união”, ainda
mais garantido pelo fato de que ela se tornara “Pio Instituto” “definitivamente aprovado
pela Igreja”;34 4) a fisionomia conexa de ordem terceira, no entanto com preeminente
caráter de operacionalidade, que a diferenciava das ordens terceiras antigas, expressa
em caridade para com o próximo e especialmente para com a juventude em perigo,
“é o fim particular da Associação”;35 5) as “formas de cooperação” substancialmente
iguais às indicadas na União cristã: promover novenas, tríduos, catecismos etc.; tomar
cuidado especial dos jovens inclinados à vida eclesiástica, opor a boa imprensa à irreli-
giosa; “enfim” – síntese da prevalente finalidade juvenil –, “a messe, na qual se convi-
dava cada associado a exercitar seu zelo”, isto é, “a caridade para com as crianças em
32 “Associati alla Congregazione”, in: F. Desramaut e M. Midali (org.) Il cooperatore nella
società contemporanea, p. 356; Unione cristiana, p. 3, XXV 405: os empenhos de oração são
logo listados no título Pratiche religiose, p. 6-7; OE XXV 408-409.
33 Cf. Associazione di opere buone. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1875, 14 p.; OE
XXV 481-485.
34 Associazione di opere buone, p. 3-5; OE XXV 483-485.
35 Associazione di opere buone, p. 6; OE XXV 486.

18 Pages 171-180

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 171
perigo”, de modo a “instruí-los na fé, conduzi-los às sagradas funções, aconselhá-los
nos perigos e levá-los aonde possam ser instruídos na religião”. “Quem não pode prestar
essas obras por si – sugeria –, poderia fazê-las por meio de outros, tais como animar
um parente ou um amigo a querer realizá-las. Pode-se cooperar com a oração ou com
a prestação de auxílio material onde fosse preciso. Os fiéis da Igreja antiga levavam
seus bens aos pés dos apóstolos para que dele se servissem em favor das viúvas, dos
órfãos e para outras necessidades urgentes”;36 6) as condições de agregação, transcritas
literalmente da União cristã, com a modificação da modalidade ou da ficha de adesão.
A União cristã apresentava uma Fórmula de aceitação na qual o candidato declarava:
“O Signatário leu as regras da Associação Salesiana e de bom grado assina a mesma,
seja para o bem da própria alma, seja para associar-se a outros, a fim de conseguir
para o próximo as vantagens espirituais e temporais que são compatíveis com a sua
condição”. Seguia a assinatura com nome e sobrenome.37 Ao invés, a Associação de
boas obras previa mais simplesmente: “Todo associado preencherá a seguinte ficha e,
após tê-la assinado, enviará ao superior: Eu que assino, habitante na rua ___, casa ___,
li as regras da Associação Salesiana e com a graça divina espero observá-las fielmente
em vantagem da minha alma”.38 Esta última permanecia quase imutável na primeira
edição de 1876 e tornara-se ainda mais formal nas edições de 1876 e 1877 por meio de
uma “Declaração de aceitação entre os cooperadores salesianos. O subscrito declara
que no dia ___ do mês de ___ de 187__ foi inscrito entre os cooperadores salesianos o
sr. ___, o qual por conseqüência poderá, no futuro, gozar de todos os favores e de todas
as indulgências e graças espirituais concedidas pelo sumo pontífice aos que fazem parte
desta Associação e observam as Regras”.39 Na prática, contudo, Dom Bosco se mostrava
largo em acolher na grande família dos cooperadores, convidando para ela peregrinos
franceses de passagem por Turim, admiradores e potenciais colaboradores.40
Ainda na vigília do Primeiro Capítulo Geral, de setembro de 1877, acrescentava
com sua letra ao fascículo de preparação para uma eventual segunda edição, não reali-
zada, um novo título Associação de Maria e dos Cooperadores Salesianos, com a
descrição da figura do cooperador mais flexível que a do Regulamento já publicado.
“Uma Associação para nós muito importante – escrevia –, que é a alma [“braço forte”,
na edição de 1878] de nossa Congregação e que nos serve de liame para operar o bem
de acordo e com o auxílio dos bons fiéis que vivem no século, é obra dos coopera-
36 Associazione di opere buone, p. 7-8; OE XXV 487-488.
37 Unione cristiana, p. 7; OE XXV 409.
38 Associazione di opere buone, p. 14; OE XXV 494.
39 Cooperatori Salesiani ossia um modo pratico per giovare al buon costume ed alla civile
società, Sampierdarena, Tipografia e Libreria di San Vincenzo de Paoli, 1877, p. 39; OE
XXVIII 377.
40 Cf. dois discursos a eles, 4 de junho de 1880 e 15 de setembro de 1882: BS 4(1880) n. 7, julho,
p. 12 e 6 (1882) n. 1, p. 19.

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172 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
dores salesianos”. Temos – precisava – os religiosos salesianos e as irmãs do Instituto
FMA, que têm como destinatários de sua missão os “meninos em perigo” e as “meninas
pobres e abandonadas”. “Agora – continuava – é necessário que tenhamos no século,
amigos, benfeitores, gente que, praticando todo o espírito dos salesianos, vivam nas
próprias famílias, como justamente fazem os cooperadores salesianos. Eles são nosso
auxílio na necessidade, nosso apoio nas dificuldades, nossos colaboradores naquilo que
se apresenta para ser feito para a maior glória de Deus e para o qual nos faltam as
necessárias relações, ou para os quais não temos pessoas e materiais. Tais cooperadores
devem multiplicar-se o quanto for possível”.41 No Capítulo Geral o texto foi abreviado,
perdendo em espontaneidade e flexibilidade.42
3. Ocorrências da instituição canônica
Dom Bosco falava da Associação Salesiana, pela primeira vez, a Pio IX na audiência
de 22 de fevereiro de 1875. Por sugestão do papa ele pedia cartas de recomendação a
vários bispos, seja para a Obra de Maria Auxiliadora seja para os salesianos asso-
ciados, dois projetos “um distinto do outro”. Para ambos ele pedia ao cardeal Berardi
de “suplicar que as indulgência e a bênção do santo padre” fossem “apropriadas a cada
um dos projetos para poder comunicá-las conforme as oportunidades”43.
Tendo obtido as cartas de recomendação de vários bispos, na data de 4 de março de
1876 ele se dirigia diretamente ao papa. “Vossa Santidade – recordava ele referindo-se
aos cooperadores salesianos – dignava-se fazer examinar tal projeto, abençoá-lo e reco-
mendá-lo”. “Muitos bispos foram solícitos acolhendo-os para as respectivas dioceses”44.
Pela abertura do “tesouro das santas indulgências” – acrescentava – “cada um pode
estar assegurado que a Obra dos Oratórios é abençoada e recomendada por V.S.”45.
Os favores espirituais eram concedidos com um breve de 9 de maio de 1876. Antes que
pela concessão das indulgências, o documento era fundamental, segundo Dom Bosco,
para o conexo reconhecimento de fato da Associação. Na primeira conferência aos
41O texto foi acrescentado nas páginas 8 e 9 do impresso com as matérias a serem tratadas no
Capítulo Geral; foi copiado em folhas à parte pelo padre Berto, secretário de Dom Bosco, o
qual, por sua parte, relê, revê e corrige.
42 Cf. Deliberazioni del Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in Lanzo-Torinese
nel settembre 1877. Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1878, p. 91-93; OE XXIX 467-469,
apêndice, IV. “Associazione varie – I Cooperatori Salesiani”.
43 Carta de 18 de abril de 1875; E II 473.
44Refere-se à primeira edição de 1876 do projeto Cooperatori salesiani ossia un modo pratico
per giovare al buon costume ed alla civile societá. Turim, Tipografia Salesiana, 1876, 16 p.;
OE XXVIII 255-271.
45 E III 25-26.

18.3 Page 173

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 173
cooperadores em Turim, em 16 de maio de 1878, Dom Bosco proclamava abertamente:
“Faleceu neste ano nosso incomparável benfeitor Pio IX que aprovou a Associação
dos Cooperadores e a enriqueceu tanto de insignes indulgências, o Pio IX que quis ser
inscrito como primeiro entre os cooperadores salesianos”46. Na realidade o papa tinha
concedido as indulgências porque – dizia-se no breve – “como se referiu, foi canonica-
mente erigido um Pio sodalício, denominado Associação ou União dos Cooperadores
Salesianos”. Aos aderentes, no presente e no futuro, Pio IX concedia, antes de tudo, duas
indulgências plenárias, a eles reservadas. Na segunda parte acrescentava: “Querendo
dar um sinal de especial benevolência aos sobreditos sócios, concedemos-lhes todas
as indulgências tanto plenárias quanto parciais, que os Terciários de São Francisco de
Assis podem lucrar pela concessão apostólica”; eles poderiam conseguir nas festas de
são Francisco de Sales e nas igrejas salesianas, como os Terciários lucravam nas festas
de são Francisco e nas igrejas franciscanas.47
Fortalecido pelo breve de Pio IX, Dom Bosco preparava uma nova edição, integrada
e modificada, do precedente fascículo. Em 12 de julho de 1876 enviava uma cópia
impressa ao arcebispo Gastaldi. Informava-o da iniciativa com o mínimo de palavras:
“Nesta manhã terminou-se a impressão e composição do livrinho Cooperadores sale-
sianos”. Em 12 de julho era precisamente assinada por Dom Bosco a apresentação
Ao leitor. “É uma espécie de terciário – prosseguia – com o qual o santo padre concede
a nossos benfeitores alguns favores espirituais”. Fazia, portanto, “humilde pedido de
querer conceder também sua bênção como arcebispo da casa principal” e, “se não
[lhe] desagradava”, ser colocado “após o santo padre” “no catálogo dos promotores”.
Acrescentava com duvidoso afastamento: “Faço-lhe estas duas propostas por dever e
se V.E. adere, deverei dois favores assinalados. Mas em todo caso peço que o Senhor
acolha este escrito como sinal de alta estima e de profunda admiração por V. E.”48.
A reação do superior eclesiástico não podia ser particularmente benévola diante
de fatos consumados, para os quais pedia simplesmente a bênção. Duas coisas tinham
desagradado o bispo – respondia o secretário, teólogo Chiuso –: que ele tivesse publi-
cado “o livro Cooperadores salesianos sem lhe ter apresentado para a revisão ecle-
siástica e de ter publicado nele indulgências e uma Pia Sociedade, cuja instituição
canônica era desconhecida para a autoridade eclesiástica de Turim”.49 Dom Bosco
não tomou conhecimento imediato da carta. De 20 a 29 de julho estava na Ligúria,
provavelmente para poder dar uma resposta plausível. Interessava-lhe sobretudo
Alassio, diocese de Albenga. Não faltavam motivos para ir lá: o novo grande prédio
em construção (1875-1877), os contatos com o benfeitor cônego Edoardo Martini, a
busca de pessoal para a segunda expedição missionária e, porque não?, a solução do
46 G. Barberis, Cronichetta, quad. 13, p. 58.
47 Cooperatori salesiani, 1877, p. 7-9; OE XXVIII 345-347.
48 E III 71-72.
49 Carta de 16 de julho de 1876; Documenti XVII 414, FdB 1041 A2.

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174 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
problema da edição do fascículo Cooperadores salesianos. O bispo diocesano, dom
Pietro Anacleto Siboni, um dos nomes que apareciam em listas propostas à Santa Sé
por Dom Bosco,50 podia dar e dava a cobertura da aprovação eclesiástica e do lugar
de edição: com efeito, em 26 de julho a Cúria diocesana concedia o Imprimatur51.
Voltando a Turim, em 1º de agosto fazia chegar às mãos do secretário do arcebispo a
resposta da carta de 16 de julho, não sem algum momento dialético. “Tendo chegado
da visita feita às casas da Ligúria – escrevia –, encontro tua carta de 16 do passado
julho, a qual, embora com atraso, apresso-me em responder. A obra dos Cooperadores
salesianos não foi publicada. A primeira cópia foi enviada a S. E. Rev.ma o Sr.
Arcebispo, cópia que não era, então, totalmente publicada – explicava –, porque, se
tu olhas a página 38, vais encontrá-la em branco, e lá eu queria que fosse impressa
a bênção de nosso arcebispo, se tivesse julgado bem concedê-la”: na verdade, uma
colocação anômala, entre o final do texto e o índice, para a bênção de um arcebispo
que se queria associar a Pio IX entre os promotores da Associação. Seguia a franca
declaração: “A Obra dos Cooperadores não é diocesana, mas geral”. Acrescentava
considerações gerais sobre o estilo que tinham assumido as recíprocas relações entre
dom Gastaldi e ele: sobre a Obra ele teria falado com o arcebispo “se não tivesse sido
constrangido – justificava-se – a tratar por pessoa intermediária, e dessa forma as
coisas dificilmente podem fazer-se entender em seu verdadeiro sentido”; “enquanto
pude abrir o meu coração a S.E., eu não movia um dedo sem o seu douto, prudente e
culto parecer. Amargamente tive que parar de agir dessa forma, quando não tive mais
liberdade de falar, ou então não gozava mais de confiança”.52
No entanto, já havia proposto a associação aos primeiros grandes benfeitores,
os marqueses Fassati: “Envio ao senhor e à senhora marquesa a agregação aos
Cooperadores Salesianos, do qual já falamos tantas vezes. Desta forma o senhor poderá
fruir das muitas indulgências e graças espirituais concedidas pelo benévolo reinante
Pio IX”53. Do opúsculo Cooperadores salesianos, então impresso, enviava cópias ao
padre Cagliero e o encarregava de levar uma ao arcebispo de Buenos Aires, a quem
desejaria que aparecesse com sendo o primeiro após o santo padre, e de dar também aos
outros já conhecidos. Informava-lhe também que “todas as indulgências ali anotadas
são também lucráveis por todos os salesianos”.54 Mais adiante enviava-lhe os diplomas
50 Cf. F. Motto, “L’azione mediatricce di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili
vacanti”, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 312 e 314.
51 Cf. Cooperatori salesiani ossia un modo pratico per giovare al buon costume ed alla civile
società. Albenga, Tip. vescovile di T. Craviotto, 1876, 34 [6] p.; OE XXVIII 255-271.
Seguia uma reimpressão com a indicação Cooperatori salesiani ossia un modo pratico per
giovare al buon costume ed alla civile società. Sampierdarena/ Turim, Tipografia. e Libreria.
Salesiana,1876, 36 [4] p.
52 Ao cônego T. Chiuso, 1º de agosto de 1876; E III 83.
53 Carta de 16 de julho de 1876; E III 73.
54 Ao padre Cagliero, 1º de agosto de 1876; E III 81.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 175
e recomendava a prudente promoção da Associação.55 Pessoalmente, ao invés, fazia
expedir e acompanhava com uma carta cópias do opúsculo às nobres senhoras benfei-
toras de Florença: “Envio-lhes – escrevia à condessa Girolama Uguccioni – algumas
cópias de colaboradores salesianos a serem distribuídas à senhora Gondi, marquesa
Nerli, Digny e outros que conhece amar as nossas coisas. Os diplomas os receberá com
as Leituras Católicas, e fará somente com que assinem a paginazinha vermelha”,56
isto é, a ficha de 1876, da qual já se falou. A um jovem salesiano, professor na casa
de Trinità di Mondovì, que desejava tornar-se terciário franciscano para usufruir das
indulgências, respondia: “não é preciso fazer-se terciário franciscano, porque todas as
indulgências dessa ordem são concedidas aos cooperadores salesianos, aos quais tu
pertences. Portanto, lê nosso livreto, procura fazer com que o número aumente e terás
mérito”.57 Padre Rua era o responsável do envio dos diplomas em Valdocco. Ele se
servia do padre Berto, que tinha a responsabilidade direta.58 Em sua obra pessoal de
propaganda, Dom Bosco continuava a pensar também no além-oceano. “Faze muitos
cooperadores e cooperadoras salesianas – recomendava Dom Bosco de Marselha ao
padre Lasagna, em 16 de julho de 1877 – e manda-me os nomes, para que possa enviar-
lhes o Boletim mensal, que já se começa a publicar”.59
Ainda mais dura que a precedente era a reação de dom Gastaldi à publicação da
edição de 1877 do opúsculo sobre os cooperadores. Dom Bosco tinha feito preceder
ao texto, semelhante ao que fora editado em Albenga em 1876, do breve pontifício
de 9 de maio de 1876, em latim e em italiano, e do elenco das tantas indulgências
concedidas aos cooperadores, entendidos no sentido mais largo, em 1876, mas também
em 1875 e já em 1869 e 1870.60 Dom Gastaldi ameaçava de tornar público junto aos
padres da diocese o próprio dissenso sobre a publicação, segundo ele, fora do ritual.
Dom Bosco, em uma carta que tocava outros pontos de controvérsia sobre os quais se
voltará mais adiante, suplica-se que aja de forma a evitar um escândalo inútil, danoso
a todos, sugerindo que ambos se submetam “aos juízos maduros e cheio de autoridade
das Congregações Romanas”.61 Em compensação, em 12 de dezembro podia dar boas
notícias ao cônego Clemente Guiol, pároco da Igreja São José em Marselha: os missio-
nários de passagem e seus hóspedes “ficaram entusiasmados da sua benevolência; e
unânimes escreveram: O pároco de São José é um verdadeiro cooperador salesiano;
Deus o conserve”.62 Em 5 de dezembro, o arcebispo de Gênova, Salvatore Magnasco,
aprovava oficialmente para sua diocese a União dos Cooperadores.
55Ao padre Cagliero, 14 de novembro de 1876; E III 112.
56 Carta de 2 de dezembro de 1876; E III 122.
57Ao clérigo L. Deppert, 28 de maio de 1878; E III 177.
58 Ao padre Rua, 6 de julho de 1877; E III 195.
59 E III 199.
60 Cooperatori Salesiani, 1877, 36 [4] p.; OE XXVIII 339-378.
61A dom Gastaldi, 22 de novembro de 1877; E III 241.
62 E III 251.

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176 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
4. A forma oficial e definitiva dos anos 1876/1877
Com o primeiro texto de 1876, refluído, por meio do texto integrado e definitivo do
mesmo ano, no texto de 1877, fixava-se a forma e a denominação oficial da Associação
ou União dos Cooperadores Salesianos. O frontispício permanecia idêntico nas diversas
edições. Em todos, do texto doutrinal, precedido na edição de 1877 da titulação geral
Regulamento dos Cooperadores Salesianos, com relação ao texto Associação de boas
obras, eram modificados o segundo e o terceiro títulos: A Congregação Salesiana
vínculo de união e escopo dos cooperadores salesianos. No texto de 1877 variava-se
também o primeiro título, que soava É necessário que os cristãos se unam para fazer
o bem. Os conteúdos, na maior parte idênticos à precedente Associação de boas obras,
encontravam nos Cooperadores salesianos uma formulação mais linear e essencial.
O texto de 1877 abria com a citada apresentação Ao leitor assinada “Turim, 12 de
julho de 1876. Sac. Giovanni Bosco”. Nela Dom Bosco utilizava elementos da súplica
pelas indulgências pedidas ao papa em 1876. Dirigindo-se ao leitor, legitimamente
ele ligava a estrutura codificada dos Cooperadores salesianos às experiências origi-
nárias de colaboração dos anos 40. Mas era já uma forçação conduzi-la até 1841. Mais
exato era atribuir aos “piedosos e zelantes sacerdotes e leigos” dos anos sucessivos
– provavelmente entre 1847 e 1852 –, “colaboradores ou cooperadores”, dedicados à
“classe de jovens periclitantes”, a exigência de um “regulamento que servisse de base
e de liame para conservar a uniformidade e o espírito destas instituições populares”.
“Tal desejo – afirmava – esperamos que agora fique satisfeito com o presente livrinho”.
A conclusão era um compêndio de fórmulas familiares já no primeiro Dom Bosco: “O
Senhor Deus, rico de graças e de bênçãos, espalhe seus copiosos favores celestes sobre
todos os que prestam seu esforço para ganhar almas para Jesus Salvador, fazer o bem
à juventude em perigo, preparar bons cristãos para a Igreja, honestos cidadãos para a
sociedade civil, e assim todos possam se tornar um dia felizes habitantes do Céu”.63
De qualquer forma, o texto de 1876/1877 é a visão esquemática do cooperador
própria de um regulamento. A realidade efetiva apareceria sempre mais complexa: por
exemplo, a cooperação à atividade também em igreja não salesiana e a acentuação
em muitos contextos do auxílio financeiro. Todavia, constitui a referência básica para
individuar os traços da figura característica de agente religioso e social, que merece ser
mais precisamente analisada. Podem ser guias os títulos da edição definitiva de 1877.
Os primeiros acentuam com força o caráter dominante da nova associação eclesial:
uma quase ordem terceira das obras.
É necessário que os cristãos se unam para agir bem”, para a dupla finalidade:
“auxiliar-se mutuamente para fazer o bem e afugentar o mal”, e “promover o espírito
de oração, de caridade com todos os meios que a religião concede, e assim remover ou
63 Cooperatori salesiani, 1877, “Al lettore”, p. 3-4; OE XXVIII 341-342.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 177
ao menos mitigar aqueles males, que destroem o bom costume da juventude que cresce,
em cujas mãos estão os destinos da sociedade civil”.64
A Congregação Salesiana vínculo de união”. Efetivamente a Associação “tem por
fim primário trabalhar em benefício da juventude na qual se funda o bom ou o triste
futuro da sociedade. Com essa proposta não entendemos dizer que este seja o único
meio para prover a tal necessidade, uma vez que existem mil outros, que nós vivamente
recomendamos sejam postos em ação. Nós, por nossa vez, propomos um, e é a Obra dos
Cooperadores Salesianos, pedindo aos bons católicos que vivem no século, que venham
em socorro dos sócios desta Congregação”.65
Finalidade dos cooperadores salesianos”. Está descrita no módulo constitucional
salesiano, da santificação de si mesmos e salvação dos outros: “fazer o bem a si mesmo
mercê de um teor de vida, por quanto se pode, semelhante àquele que se vive na vida
comum”, ou própria de quem entra “em um claustro”; “continuar em meio às próprias
ocupações ordinárias, no seio das próprias famílias, e viver como se de fato estivessem
na Congregação”, como terciários que, diferentemente dos “antigos”, têm “por finali-
dade principal a vida ativa no exercício da caridade para com o próximo, especialmente
para com a juventude periclitante”.66
Forma de cooperação”. Ela se exprime em atividades análogas às da Congregação
Salesiana, com o acréscimo dos subsídios materiais: 1) “Promover novenas, tríduos,
exercícios espirituais e catecismos, sobretudo nos lugares onde faltam meios materiais
e morais”; 2) dada “a penúria de vocações ao estado eclesiástico”, se se está em condi-
ções, tomar “cuidado especial dos jovens, e também de adultos, que tendo as necessárias
qualidades morais e os hábitos ao estudo, mostrassem indício de serem chamados”, e isto
é também finalidade da Obra de Maria Auxiliadora; 3) “opor a boa imprensa à imprensa
irreligiosa, mercê da difusão de bons livros, com folhetos e folhetins impressos de qual-
quer gênero”; 4) “a caridade para com os meninos periclitantes, recolhê-los, instruí-los
na fé, conduzi-los às funções sagradas, aconselhá-los nos perigos, conduzi-los onde
possam ser instruídos na religião”, tanto “por si” como “por meio de outros” − com um
acréscimo importante: “Tudo o que se recomenda para com os jovens periclitantes, se
propõe também para as meninas que encontram em iguais condições” −; 5) integração
na caridade apostólica de duas outras dimensões: a “oração” (compreendida, acredi-
tamos, à do sofrimento) e a doação dos “meios materiais onde fosse preciso, a exemplo
dos fiéis primitivos, que levavam seus bens aos pés dos apóstolos, para que os distribu-
íssem às viúvas, aos órfãos e em outras graves necessidades”.67 A figura do cooperador
atingia, nesse ponto, a do benfeitor, incluindo-a como dimensão não secundária em
relação às outras: em mais de uma vez, a benfeitores especiais, Dom Bosco enviava ou
fazia enviar o diploma de cooperador, sem referência à qualificação de terciário.
Constituição e governo da Associação”. Está prevista uma estrutura que remete
64 Cooperatori salesiani, 1877, p. 27-28; OE XXVIII 365-366.
65 Cooperatori salesiani, 1877, p. 28; OE XXVIII 366 .
66 Cooperatori salesiani, 1877, p. 29-30; OE XXVIII 367-368.
67 Cooperatori salesiani, 1877, p. 30-31; OE XXVIII 368-369.

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178 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
substancialmente ao documento Associação de boas obras, mais cuidada e atenta nos
textos de 1876/1877. Por exemplo, a associação é sempre “humildemente recomen-
dada à benevolência e proteção do sumo pontífice, dos bispos, dos párocos, mas se
diz “absoluta”, não mais “absoluta e ilimitada”, a dependência “em todas as coisas
que se referem à religião”.68 Na Associação dá-se particular relevo à informação e à
comunicação entre o superior e os sócios. Tal fato será providenciado por um “boletim
ou folheto impresso”. À comunicação, à animação e à formação querem contribuir as
reuniões dos membros “no dia de são Francisco de Sales e na festa de Nossa Senhora
Auxiliadora”, “para animar-se reciprocamente à devoção desses protetores, invocando
seu patrocínio, a fim de perseverar nas obras começadas conforme a finalidade da
Associação”.69
Obrigações particulares”. É interessante a evolução do texto quer quanto à inter-
pretação do empenho pecuniário com aspectos espirituais comunitários, quer quanto à
clarificação do primeiro aspecto. União cristã se limitava a um artigo: “Os sócios não
são obrigados a nenhum pagamento anual; são somente convidados a fazer uma oferta
para sustentar as obras promovidas pela Associação”.70 A Associação de boas obras
era mais explícita e articulada: “1) Cada sócio, com os meios materiais próprios ou
com beneficiência recolhida junto a pessoas caridosas, fará o que pode para promover
e sustentar as obras da Associação. 2) Os sócios fazem cada ano uma oferta de 1 lira
para as obras promovidas ou a serem promovidas pela associação. Essas ofertas serão
endereçadas ao superior, ou então aos decuriões, aos prefeitos ou aos diretores, que
lhe farão chegar ao destino. 3) Regularmente se fará uma coleta por ocasião das confe-
rências e especialmente naquela de são Francisco de Sales. Quem não puder parti-
cipar dessa conferência pode, de alguma forma, fazer chegar a oblação ao superior”.71
Cooperadores salesianos na primeira edição de 1876 alargava o horizonte com um
artigo inicial que falava de comunhão fraterna entre os membros da Congregação
Salesiana e os cooperadores, com um apelo recíproco de uns aos outros. Além disso,
assumia integralmente o primeiro artigo da Associação de obras boas e repropunha
com modificações os outros dois: “3) Os cooperadores não têm nenhuma obrigação
pecuniária, mas farão mensal ou anualmente a oferta que será ditada pela caridade
de seu coração. Essas ofertas serão endereçadas ao superior para o sustento das obras
promovidas pela Associação. 4) Regularmente, pois, se fará uma coleta por ocasião das
conferências na festa de Nossa Senhora Auxiliadora e na de são Francisco de Sales.
Nos lugares onde o número não for suficiente para constituir uma Decúria, e quando
alguém não pudesse participar da conferência, fará chegar à destinação a sua oferta
68 Cooperatori salesiani, 1877, p. 9; OE XXVIII 263. Cf. Associazione di opere buone, p. 8; OE
XXV 488.
69 Cooperatori salesiani, 1877, p. 33; OE XXVIII 373.
70 Unione cristiana, p. 5; OE XXV 407.
71 Associazione di Opere Buone, p. 10-11; OE XXV 490-491.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 179
por um meio que lhe for mais fácil e seguro”.72 Finalmente, Cooperadores salesianos
de 1877, como a segunda edição de 1876, concilia melhor os dois aspectos espiritual
e pecuniário, derivando do primeiro, que se tornara imutável, o segundo enriquecido
sob o sinal da fraternidade do crente: “Portanto todos os sócios, como todos os filhos
do nosso Pai Celeste, todos irmãos em Jesus Cristo, com meios materiais próprios ou
com beneficiências recolhidas junto a pessoas caridosas, farão o quanto podem para
promover e sustentar as obras da Associação”. São, pois, reproduzidos os artigos 3º
e 4º do documento precedente, este último modificado na parte inicial: “Cada ano se
farão ao menos duas conferências: uma na festa de Nossa Senhora Auxiliadora, outra
na de são Francisco de Sales. Em cada uma delas se fará uma coleta como no número
3 precedente”.73
As Vantagens – como já na primeira edição de 1876 – consistem em uma copiosa
chuva de indulgências e de graças especiais concedidas pelo pontífice e em uma inin-
terrupta e intensa participação nas preces dos salesianos, nas missas e preces que se
fazem cotidianamente na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora de Turim, nos sufrágios
pelos cooperadores defuntos, cada ano, no dia sucessivo à festa de são Francisco de
Sales, às preces nas doenças e na morte.74
As Práticas de piedade são reduzidas a algumas fundamentais: os exercícios espiri-
tuais anuais, o exercício mensal da boa morte, a freqüência dos sacramentos da confissão
e da comunhão, um cotidiano Pai-nosso e Ave-Maria a são Francisco de Sales. Mas é
distinto da oração vital [a “oração atual”, isto é “agente” de santa Catarina de Sena]75 de
Dom Bosco que pede o art. 1º: “Aos cooperadores salesianos não é prescrita nenhuma
obra exterior, mas para que a sua vida se possa, em alguma forma, assemelhar-se à
vida de quem vive em comunidade religiosa, recomenda-se-lhes a modéstia no vestir,
a frugalidade na mesa, a simplicidade nos objetos domésticos, o cuidado no falar e a
exatidão nos deveres do próprio estado, cuidando para que as pessoas dependentes
deles observem e santifiquem os dias de guarda”.76
Dom Bosco retornaria a idênticos motivos nas conferências, discursos, cartas, circu-
lares, não sem insistente referência às rigorosas exigências da esmola. Os programas
e regulamentos escritos – de resto, muito rústicos e de pouca elaboração – eram uma
esqueleto sem carne no qual era impossível incorporar adequadamente a experiência
vivida antes da institucionalização e ainda mais, a experiência particularmente rica
em palavras e ações do último decênio. Com efeito, tornavam antes aproximativas as
fórmulas que deveriam definir a relação entre santificação pessoal e empenho ativo na
72 Cooperatori salesiani, 1877, p. 11-12; OE XXVIII 265-266.
73 Cooperatori salesiani, 1877, p. 33-34; OE XXVIII 371-372.
74 Cooperatori salesiani, 1877, p. 34-35; OE XXVIII 372-373. Cf. Cooperatori salesiani, 1876,
p. 12-13; OE XXVIII 266-267.
75 Il dialogo della Provvidenza LVI.
76 Cooperatori salesiani, 1877, p. 35-36; OE XXVIII 373-374.

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180 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
caridade e suas variadas formas. Não parece nem mesmo tocado o caráter leigo da espi-
ritualidade do cooperador não eclesiástico, enquanto sobre a dos cooperadores bispos,
sacerdotes, religiosos, embora presentes de direito e de fato, há total silêncio.
De qualquer modo, o modelo de vida oferecido era o mesmo dos salesianos, padres
religiosos. Nem se acenava à figura do coadjutor, o salesiano leigo, religioso a título
pleno, com uma especial modalide laical de viver a consagração e a missão, que o
acomunavam ao sacerdote. Mas a personalidade jurídica e espiritual do coadjutor era,
então, quiçá mais indeterminada que a do cooperador, favorecendo confusões na iden-
tificação das duas figuras diversas e nas respectivas denominações.
5. O Boletim Salesiano
No título Constituição e governo da Associação o problema da comunicação sofria
uma interessante evolução. União cristã estabelecia: “no final de cada ano o superior
comunicará aos sócios as obras que, no decorrer do ano seguinte, pareçam dever ser
promovidas e, ao mesmo tempo, dará notícias de todos os que, no decorrer do ano,
forem chamados à vida eterna e recomendará às preces comuns”.77 A Associação de
boas obras conservava o mesmo texto, mas o fazia preceder de um empenho posterior:
“Cada mês, com um boletim [ou] folheto impresso dar-se-á aos sócios uma visão das
coisas propostas, feitas ou que se propõem fazer”.78 Cooperadores salesianos, em todas
as edições, adotava com ligeiras variantes o inteiro texto de Associação de boas obras:
“Cada três meses e também mais vezes, com um boletim ou folheto impresso (...)”.79
Na realidade, tornou-se imediatamente mensal.
Dom Bosco dava rápido encaminhamento ao Boletim Salesiano, periódico presente
ainda em todo o mundo nas mais variadas vestes editoriais.80 Dele falara a primeira vez,
em público, na conferência geral de 7 de fevereiro de 1877, no âmbito das Conferências
de São Francisco de Sales. Fazendo referência aos cooperadores salesianos, anunciava:
“Estabeleceu-se, a esse propósito, de imprimir um Boletim que será como que o jornal
77 Unione cristiana, p. 4-5; OE XXV 406-407.
78 Associazione di opere buone, p. 9; OE XXV 489.
79 Cooperatori salesiani, 1876, p. 10; OE XXVIII 264; Cooperatori salesiani, 1877, p. 32; OE
XXVIII 370.
80 Não existe uma desejável história do Bollettino Salesiano, mas somente estudos parciais sobre
determinados conteúdos. Na celebração do centenário de fundação foram dedicados um artigo
do fascículo de janeiro de 1976 do períódico: E. Bianco, “Il Bollettino Salesiano “incompiuta”
di Don Bosco” (p. 6-8), e todo o fascículo de setembro de 1977. Nada mais dedica à história
além do mais recente trabalho programático de V. Orlando (org.), Il Bollettino Salesiano:
progetto di rinnovamento e di rilancio. Roma, Editrice S.D.B. [edizione extra-commerciale],
1998, p. 19-32.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 181
da Congregação, pois são muitas as coisas que se deverão comunicar aos ditos coope-
radores. Será um Boletim periódico, como um liame entre os cooperadores e os irmãos
salesianos”.81 Após alguns meses previa fazê-lo sair em julho, como se deduz de uma
carta ao padre Rua: “Envio-te aqui mil coisas, entre as quais a carta para ser inse-
rida no Boletim Salesiano que se deve solicitar quoad fieri potest para que possa sair
no próximo mês. Enviem-me os impressos [os esboços de impressão].82 Mas adiante
protelava de um mês: “Visto o atraso do Boletim, creio que seja melhor fazê-lo começar
em agosto, e neste sentido envio o mês de agosto para as indulgências” [ou seja o
elenco das indulgências lucráveis em agosto].83 Na metade de julho escrevia ao padre
Lasagna: “Faze muitos cooperadores e cooperadoras e envia-me os nomes, para que
lhes possa enviar o Boletim mensal que já se começa a publicar”.84 Ao padre Barberis,
que entre julho e agosto estava em Lanzo em férias com os noviços, tinha escrito em
julho um bilhete assim concebido: “É preciso que nos ocupemos do número futuro de
Boletim Salesiano. Por isso, prepara-me a carta do padre Cagliero, da qual ficamos
entendidos”. E efetivamente o destinatário se dirigia a Turim e aí se permanecia “alguns
dias”, podendo “falar longamente com Dom Bosco”. A estes e a outros dias se refere,
quando anotava pouco mais adiante: “Falou-se longamente do Bibliófilo católico, do
modo de sustentá-lo e de como agora no princípio dava muito trabalho, seja porque
não havia ninguém a frente seja porque, estando no começo, era bom que Dom Bosco
mesmo lhe desse algum endereçamento que deseja possa continuar depois. Todavia é
necessário estabelecer um. Espero [fala Dom Bosco] que entre pouco poderemos ter
padre Bonetti no Oratório, e, entre as outras coisas, poderemos encarregar-lhe deste, no
que diz respeito à direção. É preciso que tu penses sempre para as cartas dos missioná-
rios, etc., etc.”.85
No Primeiro Capítulo Geral (1877) discutiu-se sobre os cooperadores e sobre
o Boletim, tratando conjuntamente também da identidade pública do salesiano.
As Deliberações dedicavam ao periódico um só artigo: “O Boletim Salesiano é o
vínculo de união entre os cooperadores. Quando algum membro se tornasse indigno
de ser cooperador, deixar-se-á de enviar-lhe o Boletim, sem outra formalidade”.86
No Capítulo, contudo, dele se falara com várias digressões na sessão da tarde do dia 7
de setembro.87 À objeção sobre o custo do envio gratuito “faz-se notar – diz a Ata – que
81 G. Barberis, Cronaca, quad. 11, p. 78.
82 Ao padre Rua, de Roma 16 de junho de 1877; E III 187.
83 Ao padre Rua, de Borgo San Martino, 6 de julho de 1877; E III 195.
84 Carta ao padre Lasagna, 16 de julho de 1877; E III 199.
85 G. Barberis, Cronichetta, quad. 12, p. 28029. No fascículo de agosto eram publicadas duas
cartas do padre Cagliero.
86 Deliberazioni del Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in Lanzo-Torinese nel
settembre 1877, p. 92; OE XXIX 468.
87 G. Barberis, Verbali I 48-55.

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182 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
até agora as despesas foram cobertas abundantemente, porque, embora custe, quase
todos os que o recebem perguntam quanto é a associação [a assinatura] e, vendo que
se envia sem quota fixa, fazem doação maior do que a que seria pedida. Há os que não
dão nada, mas enviam depois alguma esmola em outra circunstância do ano, ou então
ajudam de outra forma o Oratório”.88
Em novembro, padre Bonnetti deixava a direção do Colégio de Borgo San Martino
e assumia no Oratório o encargo de “prefeito do Clero”, com a missão de redator do
Boletim. Isto se deduz também de uma carta em que Dom Bosco hipotizava a publicação
parcial no periódico das cartas pastorais do amigo bispo de Vigevano: “padre Bonetti fará
um estudo delas para reproduzi-las nas partes essenciais no Bibliófilo”.89 Nos primeiros
quatro meses de vida, com efeito, o periódico saía com a denominação Bibliófilo cató-
lico ou Boletim Salesiano mensal. O Bibliófilo era um catálogo de pequeno formato da
Tipografia-livraria Salesiana. Tinha começado em 1875, totalizando quatro números.
Por isso, o primeiro fascículo do Bibliófilo católico ou Boletim Salesiano saía com a
indicação: “Ano III. N. 5. Agosto de 1877”. Tinha doze páginas e, quanto aos conteúdo,
espelhava a dupla titulação com os seguinte títulos: Aos cooperadores salesianos,
Sobre os cooperadores, Cartas dos missionários salesianos na América do Sul, Coisas
diversas, Primeiras provas de alguns cooperadores, Indulgências especiais para o mês
de agosto, Colégio Internato de Valsalice, próximo de Turim. Programa. Concluía-se
com três páginas cheias de catálogo de livros, a primeira das quais consagrada às
Obras do padre Giovanni Bosco.90 Do fascículo de setembro foram feitas duas edições.
A primeira continuava a série iniciada em agosto com os seguintes dizeres: “Ano III.
N. 6. Setembro de 1877” e trazia os seguintes títulos: História dos cooperadores sale-
sianos, Breve biografia do padre missionário Gio. Battista Baccino pelo padre G.
Barberis, Graça obtida por intercessão de Nossa Senhora Auxiliadora, com as páginas
seguintes dedicadas á publicidade de livros, precedida pela indicação das indulgências
adquiríveis pelos cooperadores no mês de setembro. A segunda, ao invés, inaugurava
a nova série de anos e meses com os dizeres “Ano I. N. I. Setembro de 1877”. Assim
como o fascículo precedente dava o endereço: Via Cottolengo, nº 32, Turim. O fascículo
continha apenas quatro páginas e trazia somente os primeiros três títulos do fascículo
de agosto, e das cartas americanas reproduzia a primeira. As indulgências eram ainda as
indicadas no número de agosto. A partir de outubro o periódico continuava a série dos
meses, ignorando o fascículo de agosto: 1,2,3,4, de setembro a dezembro. Até o ano de
88 G. Barberis, Verbali I 49-50.
89A dom Pietro De Gaudenzi, 24 de novembro de 1877; E IV 244. Ppadre Bonetti com o padre
Cagliero, de 29 a 31 de outubro, tinham já pregado aos jovens o tríduo de introdução ao novo
ano escolástico: J. M . Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 60.
90 O fascículo era impresso pela “Tipografia San Vincenzo de’ Paoli, Sampierdarena”, e assim
será até o número de março de 1886. A partir do número de abril de 1886 reentrava como
lugar de impressão a “Tipografia Salesiana, Turim”.

19.3 Page 183

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 183
1881 inclusive, cada fascículo apresentava a numeração das páginas autônoma. A partir
de 1882, a numeração tornava-se contínua de janeiro a dezembro. O número de páginas
de cada fascículo ia do mínimo de oito ao máximo de vinte.91
No editorial do primeiro número eram definidas a função e o programa do perió-
dico, em harmonia com o ser e o agir do cooperador. Isso se concluía com a implícita
tomada de posição, que confirmava a atitude prudente ou difidente em campo polí-
tico de Dom Bosco, também em relação ao movimento católico italiano da segunda
metade do séc. XIX: “Alheios à política, estaremos constantemente longe de tudo o
que possa pesar sobre qualquer pessoa constituída em autoridade civil ou eclesiástica.
Nosso programa será inalteravelmente este: deixe-nos o cuidado dos jovens pobres
e abandonados, e nós faremos todos os esforços para fazer-lhes o maior bem que
podemos, pois assim cremos poder conduzir ao bom costume e à civilização”.92 Mais
adiante tocava-se também no tema do cooperador como “terciário”, que manifestava
“com as obras de caridade exercitadas em favor de qualquer classe de pessoas, sob
qualquer forma a necessidade se apresente”, mas sobretudo “dos jovens”, uma vez
que – se especificava – “a educação da juventude abandonada nestes tempos constitui
uma necessidade que abraça todas as demais”.93
A partir de janeiro de 1878 passava-se a usar exclusivamente o cabeçalho Boletim
Salesiano. Um dos meios principais de coesão e de animação seria, cada início de ano, a
partir de janeiro de 1879 a Carta do Padre Giovanni Bosco aos cooperadores e coopera-
doras salesianos. Com ela os cooperadores eram informados sobre as obras realizadas
no ano precedente e previstas para o ano em curso, além das urgências e possibilidades
de cooperação com auxílios materiais. O periódico era o meio normal de propaganda
das rifas com a tradicional pressão sobre os cooperadores e cooperadoras para a aqui-
sição e a distribuição dos bilhete, bem como de promoção da “associação”, ou a assina-
tura das Leituras Católicas, e da subscrição à Bibioteca da Juventude Italiana: de resto,
a difusão da boa imprensa era um dos fins da União dos Cooperadores.94
Presente em cada fascículo e constante era a propaganda em favor das missões,
sustentada por informações diretas e pontuais. Esse era o tema privilegiado do Boletim
com a insistência sobre a urgência de auxílios em dinheiro, coisas para as casas, objetos
religiosos e similares. Não faltavam as advertências sobre a vigilância em relação ao
proselitismo protestante, à corrupção dos costumes e à imprensa irreligiosa e imoral,
em dano sobretudo dos jovens.
91Os fascículos continuavam, de vez em vez, a reservar um certo espaço para a publicidade
de novidades livreiras da Tipografia Salesiana, que por sua parte se servia, ao invés, de um
catálogo saltuário do título Bibliografia salesiana.
92 Bibliofilo Cattolico o Bolletino Salesiano mensuale, A. III, n. 5, agosto, p. 1-2.
93 Bibliofilo Cattolico o Bolletino Salesiano mensuale, A. I, 91877) n. 2, outubro, p. 1-2.
94 Cf. BS 3(1879) n. 4, abril, p. 13; n. 7, julho, p. 1; 2 (1978) n. 12, dezembro, p. 4-5; 4(1880)
n.1, janeiro, p. 4-5.

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184 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
O periódico salesiano era enviado a todos os possíveis benfeitores, potenciais coope-
radores. A possível cifra anual para concorrer às despesas de impressão e de expedição
era de 3 liras. Contudo, aparecia no periódico, de quando em vez, a advertência de que
não se tratava de uma quota de assinatura, e que a contribuição não era obrigatória, mas
era simplesmente sugerida aos que pudessem e livremente quisessem”.95
Sobre a relação de identidade e distinção entre cooperadores, benfeitores e desti-
natários habituais do Boletim, Dom Bosco fazia interessantes precisações no Terceiro
Capítulo Geral de 1883: “Lê-se um Regulamento para a direção da Pia Sociedade dos
Cooperadores Salesianos. Dom Bosco acentua: “Uns são os cooperadores salesianos,
que são nossos benfeitores. Outros são os assinantes do Boletim como periódico.
Ele não é senão um meio de comunicar as obras e unir os bons cristãos com um só
espírito e fim. Não deve ser considerado somente como um periódico para difundir a
verdade etc., e as notícias. As pessoas benfeitoras quase não sabem o que fazer com as
próprias coisas para as obras piedosas, por motivos políticos. Portanto nossa finalidade
do Boletim é fazer conhecer nossas obras onde Deus quer que se auxiliem as obras
salesianas. Não deve ser promovido como um periódico. 1) Promover as duas confe-
rências onde se faz a coleta e se mande a esmola. 2) Fazer conhecer a finalidade dos
cooperadores: ajudar os catecismos, promover a boa imprensa, enviar aos bons colégios
religiosos. A nós não importa receber 10 liras a mais ou a menos, mas conseguir a maior
glória de Deus. Se os governos não colocarem dificuldade, o Boletim tornar-se-á uma
potência, não para si, mas para as pessoas que reunirá”.96
Por quase um século o Boletim Salesiano parece ter permanecido fiel às intenções
originais, ainda que a ligação com os cooperadores tenha sofrido variações. Indício
disso é a mesma mudança de subtítulo que se verificou nos inícios do séc. XX. Até
setembro de 1903, o “boletim ou folheto”, com efeito, tinha saído na edição italiana
com simples título, Boletim Salesiano. De janeiro de 1904 explicitava-se a ligação óbvia
com os cooperatores com o subtítulo Periódico [a partir de 1915 acrescenta-se mensal]
da Pia União dos Cooperadores Salesianos de Dom Bosco. A partir de janeiro de 1923,
o subtítulo se tornava Periódico mensal para os cooperadores das obras e missões de
Dom Bosco. A partir de 1946 o Boletim saía em duas edições distintas, uma no dia 1º
e outra no dia 15 de cada mês, com o subtítulo comum Periódico quinzenal das obras
e missões de São João Bosco: a primeira, com os dizeres Edição para os coopera-
dores e cooperadoras salesianos; a outra, Para os reverendíssimos diretores diocesanos
e decuriões. A edição para todos, do 1º dia de cada mês, a partir de janeiro de 1957 a
fevereiro de 1972, assumia um novo subtítulo Órgão dos cooperadores salesianos, que
se tornava comum a ambos, de janeiro de 1965 a abril de 1967 (a edição de 15 de maio
de 1967 tinha como subtítulo Edição para os dirigentes ou Edição para os dirigentes
95 Cf. por ex. o “Avviso ai Cooperatori”, BS 3(1879) n. 1, janeiro, p. 9; “La Direzione del
Bollettino Salesiano ai Cooperatori e Cooperatrici”, BS 5(1881) n. 1, janeiro, p. 6-7.
96 G. Marenco, Verbali, p. 16-17, FdB 1864 A10-11.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 185
dos cooperadores desde o fascículo junho-julho de 1972). Desde 15 de março de 1972,
o subtítulo se tornava Órgão da Família Salesiana. Em anos recentes o vínculo espe-
cífico era ignorado com o subtítulo Mensal de informação e cultura religiosa, editado
pela Congregação Salesiana de São João Bosco.
6. A figura do Cooperador nos fatos e nas palavras
Pelo rico material disponível se evidencia que a realidade do cooperador era mais
rica e concreta da que resultava do regulamento sem carne. Integrações essenciais de
sua identidade, das formas e dos significados de sua ação, eram dadas pelos fatos e
imanentes, explicitos e implícitos, nas conferência e discursos feitos por Dom Bosco,
particularmente numerosos no último decênio. Eles tinham como destinatários privi-
legiados os cooperadores-benfeitores, mas também pessoas empenhadas nas mais
diferenciadas iniciativas de apostolado, autônomas ou inseridas nos diferentes espaços
eclesiais. A caridade material, a esmola, que dispunha de indicações regulamentares
mais ou menos reticentes, ocupava grandes espaços nos fatos e nas palavras, onde o
apelo aos cooperadores-benfeitores fazia-se sempre mais insistente e exigente.
Na primeira solene conferência em Roma, em 29 de janeiro de 1878, Dom Bosco
dedicava a maior parte de sua intervenção precisamente para traçar o perfil do coope-
rador salesiano. Fazia-o não com definições ou descrições abstratas, mas com a evocação
de sua história a partir de 1841. Aí aparecia o vastíssimo número de eclesiásticos, de
senhores e senhoras, que tinham contribuído para a obra do Oratório como colabora-
dores e promotores nas diferentes formas e com os meios mais variados, da catequese
ao sustento financeiro.97 Na mesma linha, pode-se considerar igualmente emblemá-
tico o discurso feito em San Benigno Canavese, em 4 de junho de 1880: os coopera-
dores, “com suas preces, com a unânime assistência e com os auxílios pecuniários, são
como que outros tantos braços, que trabalham com a cabeça e com outros membros
da Congregação Salesiana”.98 Dom Bosco alargava mais livremente seus espaços, em
uma breve saudação a peregrinos franceses em Roma, que faziam parada em Valdocco
em 15 de dezembro de 1881. Esses peregrinos se interessavam pelas obras salesianas e
desejavam levar às suas cidades semelhantes iniciativas em proveito da juventude aban-
97 Conferenza dei Cooperatori salesiani in Roma, 31.1.1878, manuscrito autografado de Dom
Bosco, ASC A 2260201, FdB 1888 C1-6; cópia manuscrita do secretário, padre Gioachino
Berto, ASC A 0250214, FdB 443 D9-E4, e do mesmo uma relação da conferência enviada
ao padre Rua, ASC A 0250213, FdB 443 E5-9; Cf. “Feste in Roma di S. Francesco di Sales”,
L’unità cattolica, n. 30, domingo, 3 de fevereiro de 1878, p. 118; “La festa del Dottore S.
Francesco di Sales e la prima Conferenza dei Cooperatori in Roma”, BS 2(1878) n. 3, março,
p. 10-11. O discurso de Dom Bosco aí aparece, na maior parte, sem a seção narrativa.
98 BS 4(1880) n. 7, julho, p. 12.

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186 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
donada. “Pois bem – dizia Dom Bosco – nada vos falta para ser, vós também, coope-
radores e cooperadoras salesianos. Já produzis as obras, não vos falta senão o título e a
agregação formal para usufruir das indulgências e da comunhão de todo o bem”. “Vós
deveis somente manifestar a vontade, não tendes senão que dar o nome e o endereço de
domicílio”.99 A extensão das tarefas características era acentuada em Turim, durante a
vigília da festa externa de Nossa Senhora Auxiliadora, em 1º de junho de 1885. Dom
Bosco – “seu aspecto era de um homem muito cansado e sua voz bastante rouca” –
iniciava respondendo à pergunta: “que coisa significa ser cooperador salesiano?”. “Ser
cooperador salesiano quer dizer concorrer, junto com outros, no sustento de uma obra
fundada sob os auspícios de são Francisco de Sales e que tem por finalidade ajudar a
Santa Igreja em suas mais urgentes necessidades, quer dizer, concorrer para promover
essa obra tão recomendada pelo santo padre, porque educa os jovens [a juventude]
que hoje em dia se torna o alvo dos maus, e porque promove em meio ao mundo, nos
colégios, nos internatos, nos oratórios festivos, nas famílias, promove, digo, o amor à
religião, o bom costume, as preces, a freqüência aos sacramentos, e assim por diante”.
Passava depois a falar das principais obras em atuação.100
A associação tinha um campo operativo próprio, idêntico aquele dos salesianos e
das Filhas de Maria Auxiliadora, também fora de suas instituições, em todos os âmbitos
eclesiais e civis que tivessem pedido: na partilha da caridade ativa em favor da juven-
tude, na sociedade e na Igreja. Eram educadores e colaboradores de educadores e de
educadoras congregados em institutos religiosos, cooperadores salesianos justamente,
mas também quando não tivessem ajudado diretamente os salesianos e as salesianas, e
tivessem se dedicado a obras análogas com o mesmo espírito. Vasta era, por exemplo,
a gama dos modos propostos com muito realismo às cooperadoras turinenses na confe-
rência do dia 23 de maio de 1879: “instilar de forma bela o amor da virtude e o horror
do vício no coração das crianças e das meninas de vossas famílias, vizinhos, parentes,
conhecidos e amigos”; se “alguma jovem inexperiente corre perigo da honestidade,
vós procurai solicitamente afastá-la e tirá-la a tempo das garras dos lobos ávidos”; “se
souberdes que alguma família tem jovenzinhos e jovenzinhas que devem ser educados
ou levados ao trabalho, abri bem os olhos, e fazei, sugeri, aconselhai e exortai para
que sejam colocados em colégios, em educandários, em oficinas ou em fábricas onde,
com a ciência e com a arte, se ensina também o temor de Deus e onde florescem os
bons costumes”; “fazei penetrar em vossas casas livros e folhetos católicos”, “fazei que
passem no maior número de mãos possível”; “quando vindes a conhecer que alguma
jovem não se pode salvar de outra forma dos perigos a não ser se for colocada em algum
lugar retirado, fazei tudo o que puderdes para colocá-la ao seguro”. Enfim, “os que vos
recomendo de modo mais intenso são os jovens de boa índole, amantes das práticas de
99 BS 6(1882) n. 1, janeiro, p. 19.
100 BS 9(1885) n. 7, julho, p. 94-95.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 187
piedade, e que dão alguma esperança de ser chamados ao estado eclesiástico”.101 Outras
indicações práticas eram dadas aos cooperadores de Turim, na conferência de 31 de
maio de 1883, na tarde do dia do retorno da França, após a longa permanência em Paris:
“enviar as crianças ao catecismo, ajudar os párocos a instruí-los e assisti-los na igreja,
ou mesmo ensiná-los vós mesmos em casa”; “retirai-lhes das mãos os maus livros, se
os têm, e fazei com que possuam os bons”; “afastai-os dos maus companheiros, ou
de outros perigos de mal costume”; “escolher os colégios e os institutos que não se
esquecem da alma, que não banem a religião e suas práticas, os colégios e institutos
onde, com a ciência profana, se ensina também a sabedoria do santo temor de Deus”;
tomar “cuidado especial dos jovens, vossos ou de outros, que mostrem inclinação “ao
estado eclesiástico ou religioso.102
Para se acender, ou reforçar, e se renovar a caridade operante, cuidava-se também
da elevação espiritual e da animação apostólica dos associados. O Boletim era rico de
avisos das festas a serem celebradas e das conferências feitas por ocasião das datas
regulamentares: são Francisco de Sales, em 29 de janeiro, e, em 24 de maio, Nossa
Senhora Auxiliadora. Bastante numerosas eram, nos meses seguintes, as crônicas a
respeito do que fora feito pelos vários grupos nas mais diversas localidades. As confe-
rências ligadas à primeira festividade tinham início com a leitura de um trecho da
biografia do santo, alguma vez da biografia de Chantal caso a conferência era reservada
às cooperadoras. Muitas vezes era precedida pela missa, com confissão e comunhão.
As virtudes do santo eram propostas à imitação, pois era modelo de amor afetivo e
efetivo.103 A mesma organização, mas com maior intensidade, sobretudo em Turim
e nas obras salesianas mais significativas, era dada à festa de Nossa Senhora Auxiliadora.
As práticas do mês de maio e da novena preparavam-na com o chamado dos meios
clássicos: o crescimento da devoção mariana e de Jesus Sacramentado do altar, a récita
do rosário, a freqüência dos sacramentos da penitência e da eucaristia. O vértice eram
101 BS 3(1979) n. 6, junho, p. 3. Análogo era o discurso aos cooperadores de Borgo San Martino
em 1º de julho de 1880; BS 4(1880) n. 8, agosto, p. 9.
102 BS 7(1883) n. 7, julho, p. 104.
103 Cf. por exemplo, “La Conferenza e la Festa di S. Francesco di Sales”, BS 3(1879) n. 3,
março, p. 9-10; “Un ricordo per la festa di S. Francesco”, BS 4(1880) n. 3, março, p. 2-5;
“La conferenza a Lucca”, BS 4(1880) n. 6, junho, p. 9-10; “Prima conferenza dei cooperatori
tenuta in Sampierdarena”, BS 4(1880) n. 6, junho, p. 10-11; “La festa di S. Francesco di Sales
e la prescritta Conferenza”, BS 5(1881) n. 1, janeiro, p. 4-5; “Notizie e conferenze salesiane”,
BS 5(1881) n. 7, julho, p. 7; “La Conferenza e la festa di S. Francesco di Sales”, BS 6(1882)
n. 1, janeiro, p. 7; “Relazione sulla festa di San Francesco di Sales e sulle Conferenze dei
Cooperatori”, BS 6(1882) n. 3, março, p. 41-42; “La immagine di S. Francesco di Sales”,
BS 6(1882) n. 12, dezembro, p. 192-194; “Relazione intorno la Festa di S. Francesco e le
Conferenze dei Cooperatori Salesiani”, BS 7(1883) n. 3, março, p. 40-44; “La festa e la
Conferenza di S. Francesco di Sales”, BS 8(1884) n. 1, janeiro, p. 5; “La festa e la conferenza
di S. Francesco di Sales”, BS 9 (1885) n. 1, janeiro, p. 16.

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188 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
as celebrações da vigília e do dia, a procissão e a conferência aos cooperadores e coope-
radoras, em data próxima.104
7. Sustento financeiro e o severo preceito da esmola
Um amigo e cooperador, o funcionário estatal Carlo Canton, já conhecido ao
leitor, em uma crônica enviada ao jornal Apologista católico, de Monregalese, resumia
em uma breve fórmula a finalidade de quem se agregava à “cooperação salesiana”:
“concorrer moral e materialmente para ajudar Dom Bosco nas obras que ele está
realizando”.105 Indubitavelmente, na efetiva realidade histórica, a cooperação material
tornava-se muito mais evidente que nas normas estatutárias. Em vários modos Dom
Bosco unia abertamente as denominações de cooperador e de benfeitor. Cooperadores
e cooperadoras – declarava em Sampierdarena em 5 de maio de 1880 – embora não
podendo levar a vida dos salesianos, “podem nada menos que ajudá-los e com a oração
e com os auxílios materiais”.106 Pedindo a franquia postal para o Boletim nos territórios
do império austro-hungárico, Dom Bosco falava de “uma Pia Sociedade que se chama
dos Cooperadores Salesianos, a qual (...) tem por finalidade ajudar com meio morais
e pecuniários às numerosas obras de utilidade civil e religiosa”.107 O sustento mate-
rial era, como recordava no Boletim, um dos “requisitos necessários” para ser coope-
rador.108 Alguma vez Dom Bosco falava disso com um realismo que se aproximava
da ironia ou do humorismo. Urgiam necessidades muito concretas de jovens de bom
apetite e legítimas insistências de fornecedores com crédito. Em uma conferência aos
104 Cf. por exemplo, “Novena e solennità in onore di Maria SS. Ausiliatrice nella chiesa a Lei
dedicata in Valdocco Torino”, BS 3(1879) n. 5, maio, p. 1-3; “Relazione della festa e novena
di Maria SS. Auxiliatrice”, BS 3(1879) n. 6, junho, p. 1-5; “Il mese mariano nella Chiesa di
Maria Ausiliatrice in Torino”, BS 4(1880) n. 4, abril, p. 8; “Tre mezzi di preparazione alla
festa di Maria Ausiliatrice”, BS 4(1880) n. 5, maio, p. 5-6; “In preparazione alla festa di
Maria Ausiliatrice”, BS 5(1881) n. 5, maio, p. 3-4; “La prossima novena e festa di Maria SS.
Ausiliatrice”, BS 6(1882) n. 5, maio, p. 77-80; “Festa di Maria Ausiliatrice in Torino e sue
particolarità”, BS 6(1882) n. 6, junho, p. 93-96; “La festa di Maria Ausiliatrice in Genova”,
ibid., p, 96-97; “Invito a ben celebrare la festa di Maria Ausiliatrice”, BS 7(1883) n. 5, maio,
p. 75; “Aumento di fede e di pietà cristiana per mezzo di Maria”, BS 7(1883) n. 7, julho, p.
101-110; “Festa di Maria Ausiliatrice in Genova e in S. Pier d’Arena”, ibid., p. 110-111; “In
preparazione alla festa di Maria Ausiliatrice”, BS 8(1884) n. 5, maio, p. 65-67; “I figli insieme
colla Madre ossia la festa di Maria Ausiliatrice”, BS 8(1884) n. 6, junho, p. 82-83; “Relazione
sulla festa di Maria Ausiliatrice”, BS 8(1884) n. 6, junho, p. 83-88.
105 “La prima Conferenza dei Cooperatori e delle Cooperatrici Salesiane tenutasi in Torino”, BS
2(1878) n. 6, junho, p. 7.
106 BS 4(1880) n. 6, junho, p. 11.
107 Carta de fevereiro de 1883; E IV 213.
108 Cf. “Un buon ufficio raccomandato ai Cooperatori e Cooperatrici”, BS 2(1878) n. 12,
dezembro, p. 8; “Requisiti necessarii per essere Cooperatore”, BS 4(1880) n. 1, janeiro, p. 1.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 189
cooperadores do Oratório de Marselha, após ter recordado por cima as obras salesianas
na França, “agora se trata de vir ao concreto – dizia, planando –, isto é, de satisfazer os
credores, os quais não se adaptam a receber palavras; é preciso procurar os meios para
esse fim”. “As preces não bastam, com estas vão unidas as obras. E não são somente
os credores, mas nem mesmo nossos jovens se contentam com as preces. Eles comem
pão, e comem muito, e por mais que se faça e se diga para que deixem esse hábito, não
querem saber disto, nem mesmo um só dia. Não pretendem delícias, não; mas pão e
sopa à vontade, eis a comida que pretendem, e que nós temos que dar-lhes”.109 Sobre o
apetite dos jovens Dom Bosco não economizava citações para tocar o coração e a bolsa
dos cooperadores. “Ultimamente – confidenciava aos ex-alunos vindos a Valdocco em
24 de junho de 1883 –, como sabem, fui a Paris e falei em várias igrejas para perorar
a causa de nossas obras e, digamos francamente, para conseguir dinheiro, de modo a
prover o pão e a sopa de nossos jovens, que jamais perdem o apetite”.110 “É consolador
– acrescentava na conferência aos cooperadores em Marselha, em 17 de março de 1884
– ver os bons resultados que se obtém em São Leão; de enorme consolação ver como os
alunos procedem bem e gozam de boa saúde. Todos têm um ótimo apetite e é um prazer
vê-los comer, embora fiquem para depois as contas do padeiro para pagar”.111
Os cooperadores foram pensados por Dom Bosco para serem igualmente sua
garantia no plano financeiro. “Talvez – continuava e resolvia a dúvida – alguém quisesse
dizer: ‘Mas com tantas obras, que têm entre as mãos, Dom Bosco acabará falindo’.
Não, senhor, nós não fracassaremos; isto não aconteceu até agora, e não acontecerá no
futuro. Garante-nos isso a Divina Providência e a caridade dos nossos cooperadores”.112
Fazer a caridade material era também para o cooperador e a cooperadora um requisito
essencial para ser bons cristãos. Era conseqüência da idéia exata que Dom Bosco tinha
da condição humana quanto à posse e ao uso dos bens materiais na sociedade, para um
desígnio providencial de Deus, constituída de ricos e pobres.113 Existia uma relação
salvífica de reciprocidade entre uns e outros, igualmente obrigados à observância do
mandamento do amor e na disparidade das condições: “Deus fez o pobre para que
ganhe o céu com a resignação e com a paciência; mas fez o rico, para que se salve
com a caridade e a esmola”.114 Referindo-se a tantas conferências na Itália e na França,
E. Ceria observa: “Nenhum santo gastou tamanha parte de suas forças e de seu tempo
para persuadir as pessoas, em público e em particular, de que a esmola é um grande
109 Conferência de 29 de março de 1883, BS 7(1883) n. 5, maio, p. 79.
110 BS 7(1883) n. 8, agosto, p. 128.
111 MB XVII 51; “Dom Bosco falava com simplicidade, citando são Vicente de Paulo”, “ele
pediu que o ajudasse a pagar as contas do padeiro e do pedreiro, uma vez que os jovens não
podem viver sem comer e sem abrigo” (Bulletin salésien, ano VI. n. 5, maio de 1884, p. 44).
112 Conferência aos Cooperadores em Casale Monferrato em 21 de novembro de 1883, BS 7
(1883) n. 12, dezembro, p. 202.
113 Cf. P. Braido, “Il progetto operativo di Don Bosco e l’utopia della società cristiana”, p. 10-11
(“Un modelo vetusto di ‘società cristiana’”).
114 Conferência em Gênova, 30 de março de 1882; BS 6(1882) n. 4, abril, p. 78.

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190 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
dever, e não a esmola em medida qualquer, determinada pelo egoísmo, mas até o limite
consentido pelos próprios meios”.115
Dom Bosco seguia a doutrina que considerava a esmola não somente como um ato de
caridade, mas como um grave dever de justiça distributiva, com evidente impacto social.
Na conferência feita em Casale Monferrato em 17 de novembro de 1881, o discurso
sobre a esmola tornava-se certamente severo sob o ponto de vista da teologia moral
corrente.116 Ele reconhecia, na conferência feita em Gênova em 30 de março de 1882,
que sua posição era, de certa forma, inspirada no rigor.117 Tinha proposto as mesmas
graves reflexões na citada conferência de 23 de maio de 1879, às cooperadoras de Turim,
embora, por vários anos, sempre generosas em relação aos oratórios. Após ter recordado
as várias iniciativas de auxílio aos jovens e as despesas que estas comportavam, desa-
provava “a cegueira de muitas pessoas de nossos dias”: gastam dinheiro em viagens de
prazer, em ricas roupas, em carros e cavalos, em festas caríssimas, e “se se trata de fazer
uma esmola, uma oferta para levantar ou embelezar a casa de Deus, para construir um
refúgio ao órfão e ao esquecido, para prover o alimento e os vestimentos a uma criança
pobre, para dar à Igreja um sacerdote a mais, ah!, eis então um ponto de mil desculpas”,
“incapazes de sustentar as instituições, as obras mais úteis para a religião e para a socie-
dade”. Terminava, contudo, com palavras confortadoras: “Não pretendo colocar escrú-
pulos e ensinar que não seja lícito viver conforme vosso estado, segundo vossa condição.
Quero somente dizer e inculcar para que não deixeis em vosso coração e em vossas casas
a grande praga, o grande flagelo do luxo, nem grande nem pequeno”.118
Aí entrava o Boletim, no qual o redator, padre Giovanni Bonetti – a quem agradava
aumentar o que Dom Bosco dizia nas suas conferências –, intervinha com dois artigos
significativos sobre “bom uso” desse “poder” que é o dinheiro. “Torna claro – escrevia
– que o empregar ao menos alguma parte de nossos bens temporais para a maior glória
de Deus e para sustento dos pobres não é já um conselho, mas um preceito, de cuja
observância depende a salvação eterna”.119 “A regra geral deveria ser esta: Fazer para
o bem, o que os maus fazem por mal”. O alargar-se de uns no luxo mais desenfreado,
para a difusão de folhetos e livros irreligiosos e imorais, na promoção de associações
ou escolas sem Jesus Cristo, na construção de cassinos e teatros ou na organização de
lojas maçônicas, deveria encontrar respostas generosas por parte dos bons em favor de
iniciativas de espetaculares para a vitória do bem”.120
115 MB XV 516.
116 BS 5 (1881) n. 12, dezembro, p. 5-7.
117 Cf. cap. 30, § 3.
118 BS 2(1879) n. 6, junho, p. 4.
119 “Una grande potenza e l’obbligo di bene impegarla”, BS 4(1880) n. 2, fevereiro, p. 2-3.
120 “Regola pel buon impiego del danaro”, BS 4(1880) n. 4, abril, p. 7-8.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 191
8. O prêmio prometido, temporal e eterno
Dom Bosco podia ser tão austero porque, coerente com sua pobre espiritualidade
dos novíssimos, sabia estabelecer sábias proporções, ou melhor, a incomensurável
distância entre o temporal e o eterno. Ele estava totalmente familiarizado com o dito
evangélico “de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier perder ou arruinar
a si mesmo?” A salvação eterna era, verdadeiramente, a única coisa necessária. Desta
mercê ele falava no final da primeira conferência aos cooperadores turinenses em 16 de
maio de 1878, pensando que seus agradecimentos eram bem pequena recompensa às
suas boas obras. “Deixarei – dizia – que o Senhor vos agradeça. Sim: ele mesmo disse
várias vezes que considera feito a si próprio o que se faz pelo próximo; de outro lado,
é certo que a caridade não é unicamente corporal, mas tem uma finalidade também
espiritual, que merece um prêmio ainda maior. Quero dizer, não somente tem um preço
maior, mas é divina. Os Santos Padres estão de acordo em repetir aquela máxima de são
Dionísio, que diz: ‘Divinorum divinissimum est cooperari Deo in salutem animarum’.
E explicando esta passagem com são Agostinho se diz que esta obra divina é um penhor
absoluto da própria predestinação: ‘Animam salvasti, animam tuam praedestinasti’.
Portanto, vós que concorreis em fazer esta grande caridade da qual vos falo, vós podeis
estar seguros de pôr a salvo a vossa alma”.121
No entanto, fazendo própria a mentalidade dos seus benfeitores, não deixava de
colocar em evidência também os bens temporais que a Providência geralmente costuma
conceder a quem é generoso para com os pobres e os fracos, os prediletos de Deus.
a dupla temática era desenvolvida em vários discursos, a começar do típico sermon
de charité que fazia em Nice, em 12 de março de 1877, e que se pode considerar o
modelo para semelhantes discursos proferidos nos anos seguintes. Entre outras coisas,
o texto escrito foi tantas vezes visto, controlado e corrigido pelo próprio Dom Bosco.
A terceira parte da exposição – após os dois pontos de História e Finalidade deste
Instituto – era dedicada ao Prêmio, consagrado a recordar antes de tudo ao que Deus
dirá para a consecução da vida eterna aos que o beneficiam na pessoa dos pobres:
“Vinde, ó benditos do meu Pai Celeste”. Mas não se esquecia de acrescentar: “Mas
Deus, pai de bondade, conhecendo que nosso espírito está preparado e a carne é assaz
fraca, quer que nossa caridade tenha o cêntuplo, mesmo na vida presente”; e elencava
as várias expressões.122 O prêmio era reservado a quem, embora cultivando os legí-
timos interesses terrenos, era generoso para com o mundo da pobreza. O castigo, ao
invés, golpearia inexoravelmente os que eram desmesuradamente apegados às riquezas
a ponto de ignorar o pobre, fechados em seu castelo dourado. “A estes sim – dizia no
citado discurso em Gênova –, seria necessário fazer ressoar aos ouvidos as terríveis
121 G. Barberis, Cronichetta, quad. 13, p. 60.
122 Cf. G. Bosco, Inaugurazione del Patronato di S. Pietro in Nizza a Mare, p. 36-41; OE XXVIII
414-419.

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192 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
palavras de Jesus Cristo: O rico morreu e foi sepultado no inferno: Mortuus est dives,
et sepultus est in inferno. A vós, ao invés, recordo as belas promessas que Deus fez a
quem se mostra caridoso, a quem faz bom uso dos bens, a quem promove e sustenta as
obras de beneficiência. Dai e vos será dado, diz o Senhor: Date et dabitur vobis. E o que
vos será dado? O cêntuplo neste mundo e a vida eterna no outro: Centuplum accipietis,
et vitam aeternam possidebitis”.123
A antecipação no tempo – advertia em diversas ocasiões – poder-se-ia verificar também
para os castigos. Em decênios e em lugares onde havia a sensação de encontrar o clima
social mais agitado, não deixava de mostrar perspectivas aos que possuíam a hipótese de
um futuro violento, que deveria servir de provocação salutar para a caridade previdente.
Para seus ouvintes ele chegava a prever jovens, ora pobres e abandonados, destinados,
se não fossem tempestivamente auxiliados, a uma delinqüência agressiva, que poderia
atentar contra a segurança dos bens e da vida dos ricos não generosos. Eram os potenciais
“trombadinhas”,124 ou jovens “prestes a se tornar o tormento dos cidadãos, o distúrbio
das autoridades públicas”,125 ou ainda “jovens que dispersos, privados de educação e de
religião, tornar-se-iam na maior parte o flagelo da sociedade, e talvez não poucos os que
iriam blasfemar contra o Criador nos cárceres”.126 Em Lucca, em 1882, em Guillotière em
Lião em 1883, em Barcelona em 1886, fazia temíveis previsões mais sombrias.127
9. Comunidade unida por fé operante, reconhecimento e amizade
Dom Bosco não pensava, por certo, que a associação, a comunidade, se pudesse criar
somente com os regulamentos e com os discursos. Para a Associação dos Cooperadores
os encontros prescritos eram certamente agregantes. Mas a fraternidade salesiana forma-
va-se sobretudo com as relações pessoais, feitas de atenção, reconhecimento, comu-
nhão de fé, oração, obras. Nos pós-escrito da carta de 4 de dezembro de 1875 ao padre
Cagliero, na Argentina, escrevia: “Fica claro que, cada vez que se escreve, se pretende
enviar sempre especiais saudações a serem comunicadas ao senhor doutor Ceccarelli,
Benítez, Espinosa, etc., etc.”.128 A lembrança fazia-se particularmente intensa no caso
do venerando senhor Benítez – escrevia a seu autorizado vigário na América – que eu
agradeço a bondade que usa para consigo; desejo tanto vê-lo; se não tiver tal prazer na
terra, marco, desde agora, um encontro no céu. Amém”.129
123 Conferência aos cooperadores de Gênova de 30 de março de 1882; BS 6(1882) n. 4, abril, p. 72.
124Ao doutor Eduardo Carranza, de Buenos Aires, 30 de setembro de 1877; E III 221.
125 Circular aos habitantes de Nizza Monferrato, março de 1878; E III 333.
126Aos cooperadores, NS 4(1880) n. 1, janeiro, p. 3.
127 Cf. cap. 30, § 3, e cap. 33, § 5.
128 E II 531.
129Ao padre Cagliero, janeiro de 1876; E III 11.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 193
Dava ainda mais espaço a uma verdadeira espiritualidade dos ricos e da riqueza à
luz da caridade social, sobretudo em âmbito educativo. Escrevia assim com particular
intensidade aos mais ativos cooperadores americanos. À uruguaia senhora Jackson
desejava fazer compreender pessoalmente a irradiação social da sua beneficiência em
favorecer a tradução e a impressão de algumas suas publicações e em favorecer a intro-
dução no Uruguai das Filhas de Maria Auxiliadora: “As almas que estes livros ganharão
para o senhora – lhe assegurava – servirão para acrescer a lista das obras boas e a coroa
de glória que os anjos já lhe têm preparado no céu”; “fundar um instituto educativo
em um país significa fazer um assinalado benefício a todas as classes dos cidadãos
que vivem agora e a todos os que viverão depois de nós”.130 Idêntico era o pensamento
que ilustrava, alguns dias depois, aos vicentinos em Buenos Aires: “A experiência nos
faz persuadidos que este é o único meio para sustentar a sociedade civil: cuidar dos
meninos pobres”; “aqueles que possivelmente iriam habitar as prisões e que seriam
para sempre o flagelo da sociedade civil tornam-se bons cristãos, honestos cidadãos,
a glória das cidades onde moram, decoro da família a qual pertencem, ganhando-se
honestamente o pão da vida com o suor e com o trabalho”.131 Um hino à caridade,
sentida, demonstrada, transbordante de afeto, que unia benfeitores-cooperadores e sale-
sianos, era a carta aos sócios da Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia. Neles,
os salesianos que desembarcaram em Buenos Aires, privados de tudo, “encontraram
amigos, cristãos generosos”, que “os acolheram com bondade exemplar, ofereceram-
lhes alojamento, igreja e pão; ofereceram comodidade para começar o sagrado minis-
tério”. Para os que chegariam com a terceira expedição ele pedia: “Continuem a usar
para com os mesmos caridade e benevolência. Tenham compaixão de seus defeitos,
dêem-lhes bons conselhos, e aquele auxílio para que lhes oferecem, imaginem dar ao
humilde escriba que vocês chamam de Pai, enquanto vocês se subscrevem com o doce
nome de filhos. As palavras de afeto, de estima, de gratidão e de agradecimento ditas a
vocês desejo que sejam comunicadas também a seus companheiros e a todos os que, de
qualquer forma, fazem bem aos salesianos”.132 Saudações queridas, pedido de preces,
“o encontro marcado no Paraíso”, com um “Ai de quem não se encontrar lá!”, enviava
mais adiante aos mesmos por uma carta do padre Costamagna.133
Nos anos 80, cheios de novos empenhos, primeiro entre todos a construção da Igreja
Sagrado Coração em Roma, a mobilização dos benfeitores, mediante as cartas fami-
liares, dirigia-se sobretudo aos cooperadores europeus. As mais assíduas eram desti-
nadas aos maiores benfeitores dos últimos anos: à família Quisard de Lião (22 cartas),
à mademoiselle Claire Louvert dell’Aire (58 cartas), aos cônjuges Colle de Toulon
(76 cartas). O advogado Colle era feito por Leão XIII conde romano em 1882 por reco-
130A Elena Jackson, 13 de setembro de 1877; E III 213.
131 Carta ao doutor Carranza, 30 de setembro de 1877; E III 221.
132 Carta de 30 de setembro de 1877; E III 224-225.
133 Carta de 12 de agosto de 1878; E III 378.

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194 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
nhecimento de suas excepcionais beneficiências, computável hoje em vários milhões de
euros. Dele Dom Bosco não era somente o escutado promotor da caridade, mas também
o diretor espiritual, que guiava no caminho de um cristianismo operante e alegre.
Exemplar era a intensidade das expressões à Louvert: “Terei a consolação de rezar a
santa missa exclusivamente para vós. Para vós, para vossa saúde, para vossa santidade,
vossa perseverança no caminho do paraíso, e tudo isso para dar-vos alguma recompensa
pela caridade que nos fazeis e o auxílio que dais às nossas obras”;134 seguiam-se outras
análogas: “vossas boas obras”, “vossa generosa oferta”, “a caridosa oferta”; “vossa
caridade”.135 Totalmente confidencial foi a relação com o conde Fleury Louis Antoine
Colle (1822-1888), que também condecorado com a Comenda de São Gregório Magno
se auto-proclamava “Commandeur! [Comendador, Comandante] inteiramente disposto
a deixar-se “comandar por Dom Bosco”, como caixa que esperava ordem do chefe,
Dom Bosco, como administrador delegado da fazenda multinacional da caridade.
O beneficiado, a certo ponto, deixava escapar a exclamação: “Mas por que não podemos
encontrar benfeitores semelhantes na Itália? (...). A razão é clara. Na França e na Itália
existe somente um conde Colle; e nós bendizemos mil vezes o bom Deus que o senhor
conde e a senhora condessa Colle vivam para ajudar-nos, apoiar-nos, sustentar-nos em
nossas dificuldades. Que Deus vos conserve a ambos por longo tempo em boa saúde e
vos dê a graça de passar ainda anos e anos felizes como recompensa de vossas caridades
sobre a terra e, enfim, na outra vida o verdadeiro prêmio, o grande prêmio da estada
do paraíso, onde, tenho plena confiança, poderemos nos encontrar com Jesus, Maria,
nosso querido Luís, a falar de Deus eternamente”.136
Ele permanecia próximo de seus cooperadores, como dos salesianos, também nos
anos que se aproximavam da passagem final do caminho terreno. Ao conde Eugenio De
Maistre, que lhe tinha trazido uma soma de 6 mil liras por parte de uma tia anciã, não
deixava de prometer preces e de evidenciar outras urgências: “Todos os nossos missio-
nários, todos os nossos duzentos e cinqüenta mil órfãos rezarão para que Deus se digne
recompensar largamente todos no tempo e na eternidade. Nessa mesma ocasião devo
cumprir meu dever de agradecer V.S. pelos benefícios que fez a toda a Congregação
Salesiana e a seus alunos em várias circunstâncias. Sentimos nesse momento a grandeza
de seus favores pelas dificuldades que vivemos e para a multidão de órfãos que, de toda
a parte e incessantemente pedem salvação. Deus o abençoe, Sr. Conde Eugenio, e com
o Senhor a Virgem proteja toda a sua família, guie a todos constantemente pelo caminho
da virtude, até o Paraíso, mas junto com o Senhor e com este pobre escrevente”.137
134 Carta de 7 de outubro de 1885; E IV 469. Pelo que diz respeito à Clara Louvet, Cf. J. Itzaina,
“‘Charitable Mademoiselle’”: Don Bosco’s fifty-eight letters to Clara Louvet”, Journal of
Salesian Studies 1(1990) n. 1, p. 35-46.
135 Cf. à Louvet, carta de 17 de setembro de 1883 (; E IV 458); 20 dezzembro de 1884 (; E IV
466); 21 de fevereiro 1885 (; E IV 468) etc.
136 Carta de 29 de dezembro de 1884; E IV 510-511.
137 Carta de 6 de março de 1887; E IV 373-374.

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Cap XXII: Um projeto de solidariedade católica na missão entre os jovens (1873-1877) 195
A uma senhora que pedia preces para vários doentes, respondia: “rezaremos e pedi-
remos para rezar”, e acrescentava: “recomendo-lhe de querer fazer observar o que Deus
disse muitas vezes: Dai e vos será dado, e que a nossa fé sem obras de caridade é coisa
morta em si mesma”.138 “O Senhor assegura o cêntuplo também na vida presente”,
recordava a quem tinha oferecido 500 liras; e a um outro, que com as 600 liras por ele
oferecidas tinha lançado “um pouco de água do cálido terreno”.139 De janeiro de 1885
era uma circular aos cooperadores e cooperadoras de Paris, convidando-os a sustentar
o Patronato São Pedro, aberto na capital da França. Terminava com a cláusula habitual:
“Eu vos asseguro que cada dia rezarei e pedirei a nossos jovens que rezem no altar de
Maria Auxiliadora, para que ela recolha sob seu manto a vós e a toda as vossas famílias,
vos projeta, abençoe no corpo e na alma, nesta vida, e vos obtenha enfim, do seu Divino
Filho Jesus a graça de ir receber a seu tempo o prêmio de vossa caridade no céu”.140
Mais personalizada era a carta enviada aos cooperadores de San Nicolás de los Arroyos,
próximos dos salesianos da cidade: “Sei que os ajudais – disse-lhes –, e o pouco que já
fizeram é graças totalmente à vossa caridade. Continuai vossa obra”.141
Sua cruzada da caridade terminaria somente com o fim de sua existência no tempo.142
138 A Laura Bottagisio, 18 de junho de 1884; E IV 273.
139Ao padre Tullio de Agostini, 13 de agosto de 1884; E 286-287.
140 Ciricular de 29 de janeiro de 1885; E IV 310-311.
141 Carta de 25 de julho de 1886; E IV 357-358; Cf. também circular traduzida em várias línguas
e difundida em toda a Europa, redigida a partir de suas indicações e por ele corrigida, de 15
de outubro de 1886; E IV 360-363.
142 Cf. cap. 34, § 5.

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Capítulo XXIII
Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais
(1870-1877)
1870
1875
1876
1877
em Valdocco: visibilidade dos ex-alunos como grupo
29 de janeiro: entrada do padre Luigi Guanella no Oratório
10 de fevereiro: abertura das escolas em Vallecrosia
6 de agosto: encontro com políticos da Esquerda histórica em Lanzo
outono: início da gestão das escolas em Ariccia e Albano
10/19 de novembro: início das escolas em Trinità di Mondovì
outono: duplo e mpenho em Magliano Sabina
A dilatação das obras juvenis, a fundação do instituto religioso feminino e a conso-
lidação jurídica do masculino, a extensão geográfica das obras, a instituição da Obra de
Maria Auxiliadora para as vocações eclesiásticas, a organização operativa e espiritual
dos cooperadores, os dissensos intra-diocesanos, tudo isso certamente não distraía Dom
Bosco do primeiro e principal fim da missão: a educação humana e cristã dos jovens e
a formação espiritual de todos os que se dedicam a ela, vinculados por meio de especial
consagração a Deus.
Os acontecimentos e as cronologias apresentam um homem “consagrado inteira-
mente”, como queria o sistema preventivo, tanto aos jovens como a seus formadores,
em resposta à originária paixão de padre dos jovens e à conseqüente solicitude de
fundador, para a consecução da mesma finalidade: a salvação e a santificação. A um e
outro tema são dedicados os dois capítulos seguintes.
1. Difusão de obras em 1876
O ano de 1876 assinalava a implantação de novas obras, todas italianas. A primeira
tinha início em 10 de fevereiro de 1876, continuando até nossos dias, em Vallecrosia,
perto de Bordighera, no extremo oeste da costa lígure. No meio do outono acrescenta-
vam-se outras, que tiveram, porém, vida limitada: muito breve, as de Ariccia, Albano e
Trinità di Mondovì; mais longa, alguns anos, a de Magliano Sabina.

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198 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
As razões dos pedidos eram desiguais, e profundamente diferentes as motivações
para a aceitação: de caráter tático para algumas, substanciais para outras. Dom Bosco se
interessou em primeira pessoa de todas as obras, mas com absoluta predileção pela de
Vallecrosia, que o levava de volta ao empenho popular e anti-protestante dos primeiros
dois decênios de sua atividade como padre.
1.1 Vallecrosia: defesa da fé católica
Na carta ao padre Rua de novembro de 1875, na qual anunciava sua ida a Nice, Dom
Bosco o informava que no retorno pararia em Ventimiglia.1 Mais explícito era o anúncio
feito em uma carta da mesma cidade, Varazze, no mesmo dia, ao amigo conde Eugenio
de Maistre: abriria, além da de Nice, outra obra “no meio dos protestantes que fazem
muito estrago em Bordighera”.2 De Nice escreverá ainda ao padre Rua: “Depois de
amanhã passarei em Ventimiglia para ver o que fazer para Bordighera”.3 Em Ventimiglia
encontrava o bispo, Lorenzo Giovanni Biale (1785-1877), preocupado com o proseli-
tismo protestante, de valdenses e evangélicos, particularmente ativo nos Planaltos de
Vallecrosia, a zona costeira de 4 quilômetros, entre Bordighera e Ventimiglia, da antiga
Vallecrosia Alta. Já nos primeiros anos da década de 70 o bispo tinha manifestado a Pio
IX preocupação pelas estratégias adotadas pelos protestantes a fim de atrair a juventude
com as escolas. O papa enviava uma carta de deploração e de encorajamento, com
oferta que movesse também outros a ajudar para sustentar o projeto do bispo de opor
escola à escola.4
Em 1875 dom Biale serviu-se da mediação do padre Cerruti para chegar a Dom
Bosco. É “indubitável – tinha escrito ao diretor de Alassio, em 23 de fevereiro de 1875
–, que no plano entre Ventimiglia e Bordighera surgirá logo uma cidade, e isso é fácil
entrever pelos preços fabulosos que se pagam pelos terrenos, pelas habitações de luxo,
e outras mais modestas, que aí surgem a cada momento, pelos Hôtels que já existem, e
que alojam as famílias senhoris da Inglaterra, da França e da Alemanha que vêem para
invernar neste lugar tão delicioso”. Comunicava-lhe, ao mesmo tempo, já ter adquirido
um terreno para aí construir igreja e locais para escolas, que deviam ser contrapostas
àquelas muito próximas dos protestantes.5 Era um convite alentador para Dom Bosco.
Significava continuar em outro sítio a batalha iniciada em Turim, com o Oratório São
Luís e com os escritos. Em Vallecrosia ela deveria desenvolver-se quer no terreno da
1Ao padre Rua, 18 de novembro de 1875; E II 523-524.
2Ao conde Eugenio de Maistre, 18 de novembro de 1875; E II 525.
3 Carta de 24 de novembro de 1875; E II 527.
4 Cf. carta de Pio IX a dom Lorenzo Biale de 12 de agosto de 1872, Pii IX pontificis maximi
Acta, p. I, vol. VI 67-68.
5 MB XI 592-594.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 199
instrução popular da juventude masculina e feminina, quer na ação pastoral catequética
e sacramental em igreja pública a ser construída. Para isso era rápida a assunção do
empenho gratuito e generoso: a diocese era pobre de meios e de sacerdotes. Dom Bosco
mobilizava velozmente os salesianos e, como se viu, as Filhas de Maria Auxiliadora.6
No curso da conferência pública, na parte da tarde do dia 3 de fevereiro, uma da habital
série das Conferências de São Francisco de Sales, Dom Bosco informava os diretores e
a comunidade de Valdocco sobre o iminente início da obra.7
Em 10 de fevereiro de 1876 dirigiam-se ao campo de trabalho um salesiano sacer-
dote e dois noviços, um clérigo e outro leigo, e três Filhas de Maria Auxiliadora.8
“Antes de ontem (10 de fevereiro) foram abertas duas pequenas casas de Ventimiglia,
padre Cibrario diretor, Cerruti professor, Martino encarregado da casa”, escrevia Dom
Bosco ao padre Cagliero.9 Começaram logo, com lugares miseráveis e meios ao acaso,
escolas elementares, dois oratórios, masculino e feminino, e os ofícios religiosos em
uma capela apertada e sem nada. Poucos dias depois, de Nice, Dom Bosco enviava ao
diretor, posto “à frente da pequena caravana, a qual, com a bênção do Senhor deverá
tornar-se um exército ordenado”,10 carta de encorajamento, para uma empresa de inícios
humildes e “assaz árdua”. Dez dias depois marcava encontro com ele em Ventimiglia
para 2 de março, na casa do bispo, para “dar as ordens e ver como fazer”.11 Durante a
visita a Vallecrosia de 2 e 3 de março, via a necessidade de se construir uma igreja e,
nas lateriais, habitações para os salesianos e para as irmãs, com as respectivas escolas:
um sonho que será realizado nos inícios dos anos 80. No entanto, Dom Bosco anun-
ciava otimista ao padre Cagliero: “A casa nos arredores de Bordighera encaminha-se
excelentemente. Já foram retiradas cem meninas e outro tanto de meninos das fauces
dos protestantes. Há dois domingos que o templo deles recebe somente quatro ouvintes.
Toda a população acorre ao padre Cibrario. A fúria dos hereges volta-se toda contra
Dom Bosco, que está em todos os lugares perturbando as consciências. Têm razão”.12
Voltou várias vezes a Vallecrosia para sustentar, consolidar e melhorar.13 No ano
seguinte, na relação geral sobre as várias obras, feita no curso das Conferências de
São Francisco de Sales, padre Rua relatava aos diretores e aos salesianos de Valdocco,
6 Cf. boa-noite de 8 de dezembro de 1875, G. Barberis, Cronichetta, quad. 3, p. 40-41.
7 G. Barberis, Cronaca, quad. 5, p. 3-4; quad. 14, p. 23-24.
8 Cf. Cronaca della Casa di Vallecrosia, no Arquivo da Obra Salesiana de Vallecrosia;
E. Colombara, Don Bosco a Vallecrosia (1876-1951): memoria dell’opera salesiana a
Vallecrosia. Ventimiglia, Arti Grafiche Silvestrini, 1951; P. Cavaglià; B. Noto, “La Scuola
Maria Ausiliatrice di Valecrosia: origine e sviluppo de un’istituzione educativa fondata da
Don Bosco (1876-1923)”, Rivista di Scienze dell’Educazione 36(1998), n. 1, p. 15-70.
9Ao padre Cagliero, 12 de fevereiro de 1876; E III 18.
10Ao padre Cibrario, 19 de fevereiro de 1876; E III 20.
11 Carta de 29 de fevereiro de 1876; E III 20.
12 Carta de 12 de março de 1876; E III 28-29.
13 Cf. carta ao padre Cibrario, 29 de novembro de 1876 e 20 de fevereiro de 1877; E III 120 e 152.

20.10 Page 200

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200 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
professos, noviços e aspirantes, também sobre Vallecrosia. Falava dos lugares baixos e
sem adornos, da pobreza das duas pequenas comunidades salesianas, da generosidade
do povo, da grande afluência nas escolas dos meninos e das meninas, da deserção geral
das escolas dos protestantes.14
Em março de 1878, antes da audiência com o novo papa, Leão XIII, Dom Bosco
procurava predispô-lo favoravelmente com uma carta sobre as obras recentemente
iniciadas. Quanto a Vallecrosia, colocava em evidência a força empreendedora dos
protestantes e o rápido declínio de suas escolas e de suas reuniões, assim como o enco-
rajamento e o auxílio material dado por Pio IX e a intenção de adquirir um terreno, para
ali construir escolas mais idôneas e capazes e uma igreja e “destarte prover estável e
decentemente o culto católico”. Não por acaso sublinhava que “o santo pontífice [Pio
IX] concedia subsídios nas mais graves necessidades”, que “essas obras feitas para
sustentar os fieis na fé” não tinham “nenhum meio para se sustentar”, por isso estavam
“em verdadeiro perigo de decair e não mais alcançar sua finalidade. Vendo tal estado
de coisas – concluía – eu as recomendo humildemente à caridade de V. S., que é pai
universal e sustento dos católicos em perigo”.15 Dom Bosco também fazia um breve
histórico da obra de Vallecrosia na citada conferência aos cooperadores de Turim, de
16 de maio de 1878. Ele a ligava com a campanha anti-protestante iniciada em Turim,
com o Oratório São Luís, prosseguia em Sampierdarena, em Nice, em La Spezia, e com
os problemas criados por espúrias formas de liberdade. A heresia – observava – “faz
estragos nos vilarejos católicos e vai se dilatando à medida que cresce a liberdade no
mundo político. Pois, quando com o título de liberdade se permite campo aberto para
o mal agir, mas se atrapalha a obra dos bons, haverá sempre conseqüências funestas”.
Em Vallecrosia o proselitismo protestante tinha feito fáceis conquistas entre a popu-
lação que tinha aumentado rapidamente, privada de igreja e de escolas. Os salesianos
e as irmãs tinham revertido rapidamente a situação:”as escolas dos protestantes são
absolutamente fechadas”, e os que “tinham começado a freqüentar a igreja protestante”
“tinham abandonado um lugar que se tornava centro da heresia na Ligúria”.16
Em 8 de novembro de 1878 perguntava ao diretor, empenhado em adquirir terrenos
para melhor sistematização da obra: “Como estás de dinheiro? O terreno que viste
basta para o que é preciso?”.17 O discurso sobre a utilidade da obra, sempre na ótica
anti-protestante, retornava em 12 de março de 1879, na carta, redigida em Roma, ao
secretário de Estado, cardeal Nina, protetor da Sociedade Salesiana.18 Em uma nova
14 Conferência na parte da tarde de 6 de fevereiro de 1877; G. Barberis, Cronaca, quad. 11, p.
19-22.
15 Carta de 15 de março de 1878; E III 319.
16 Cf. G. Barberis, Cronichetta, quad. 13, p. 55-57.
17Ao padre Cibrario, 8 de novembro de 1878; E III 411.
18 Cf. texto do decreto de nomeação assinado por dom Serafino Cretoni, pró-substituto da
Secretaria de Estado, 26 de março de 1879, Documenti XX 163, FdB 1060 E 11; G. Berto,
Appunti sui viaggi di Don Bosco a Roma 1879-80, p. 27, 72, 84, 97.

21 Pages 201-210

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21.1 Page 201

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 201
ocasião, para elencar as obras mais recentes, conforme o escrevente, todas empenhadas
na mesma batalha contra a heresia e a “irreligião”, iniciada com o Oratório São Luís
em Turim: La Spezia, Vallecrosia, o Internato São Leão em Marselha, as colônias agrí-
colas de Saint-Cyr e Navarre, Nice, Sampierdarena, Lucca, Montevidéu e Buenos Aires.
Era inevitável o pedido de auxílio material e de conselhos, em especial para as “igrejas
e internatos” que se deviam construir “em Turim, em La Spezia e em Ventimiglia”.19
Na primavera de 1879 aperfeiçoava com a família Migone, de Gênova, a cessão gratuita
de um terreno para a construção da igreja e de edifícios mais decentes para as escolas.20
Teve pleno apoio do novo bispo de Ventimiglia, beato Tommaso Reggio (1818-
1901), ex-coadjutor com direito a sucessão de dom Biale desde 25 de março de 1877,
e arcebispo de Gênova a partir de 1892. Sensível aos problemas sociais e já promotor
em Gênova de Sociedades Operárias Católicas, em 12 de junho emanava circular
convidando os fiéis da diocese a dar a própria contribuição e criando uma comissão de
sacerdotes e de leigos para a propaganda e a coleta das ofertas. Tratava-se de “edificar
uma igreja e dar existência estável às escolas de ambos os sexos mantidas pelos sale-
sianos”, em vista de se substituir “a pequena escola” e “a menos que modesta igre-
jinha”. A igreja se tornaria a “sucursal das três paróquias de Valecrosia, de Borghetto
e de Camporosso”. Em seu elevado apelo, inspirado na profunda paixão pela defesa
da fé católica, o bispo elogiava o “intrépido Dom Bosco”, o qual tinha assumido com
audácia a “nova empresa, em sua inextinguível caridade”.21 Com efeito, logo começava
a agir: enviava ao diretor, padre Cibrario, esboços de cartas a setores governamentais e
a outros para pedir subvenções e uma ficha para os ofertantes, dirigindo-se a eles com
um apelo assinado por ele e pelos membros da Comissão. Dirigia também apelo a Leão
XIII, que enviava com a bênção a notável soma de 500 liras.22
No outuno de 1880 iniciaram-se os trabalhos do novo complexo. O lançamento da
primeira pedra angular da igreja foi soleníssimo. Era a tarde de 7 de março de 1880,
domingo Laetare, com o discurso laudatório de dom Reggio, e com a presença dos
bispos de Albenga, dom Allegro, e de Savona, dom Boraggini. Também Dom Bosco
tomava a palavra. Suas breves considerações foram transcritas na ata e depostas na
pedra.23 No final da cerimônia, Dom Bosco, com uma bolsa na mão, colocou-se na
saída do recinto para recolher as esmolas do povo, mais de mil pessoas. O Boletim
19 E III 455-456.
20Ao padre F. Migone, 6 de abril de 1879; E III 464-466.
21 Erezione di una chiesa cattolica presso Ventimiglia, com o texto da carta Alle anime generose e pie,
de Tommaso dos marqueses Reggio, bispo de Ventimiglia; BS 3(1879), n. 8, agosto, p. 2-5.
22 Cf. carta ao padre Cibrario, a súplica a Leão XIII, o apelo aos benfeitores, o pedido ao Régio
Economato, agosto e setembro de 1879; E III 511, 521-524.
23Na urna de vidro, colocada no ângulo da pedra com fotografias de várias personagens, foram
também depositados dois artigos extraídos do Boletim Salesiano: “I valdesi o evangelici di
Vallecrosia e la casa di Maria Ausiliatrice” e “Lettera di un Giovane convertito alla Fede cattolica
ai Superiori dell’Asilo Evangelico di Vallecrosia”, BS 3(1879) , n. 7, julho, p. 1-4, 4-8.

21.2 Page 202

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202 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Salesiano deu extraordinário realce ao fato.24 Na carta de início do ano de 1881, dirigida
aos cooperadores, Dom Bosco escrevia: “Em Vallecrosia, próximo de Ventimiglia, está
pronto o edifício para as escolas, para os professores e professoras. Os trabalhos da
igreja anexa progridem também. Esperamos que em 1881 seja aberta ao culto divino”.25
Dom Bosco parava de novo em Vallecrosia na viagem de retorno de Nice, em 27 de
março de 1881 e em 1º de abril estava em San Remo, hóspede das Irmãs da Visitação até
o dia 4, para aí organizar “um sermão de caridade”.26 Era anunciado para domingo, dia
10 de abril, na Paróquia São Ciro, com circular de 5 de abril, dirigida aos “beneméritos
cidadãos”, constituindo para tal um comitê de trinta e seis senhores e senhoras. Após a
conferência ele mesmo girou pela igreja com a sacola na mão, recolhendo 80 liras. Tinha
ainda ido pedir em Porto San Maurizio, hóspede por duas noites do cônego Fabre.27
Muitos eram os problemas que o atormentavam e os ônus financeiros que o absor-
viam: o acabamento da Igreja São João Evangelista em Turim, a incipiente Igreja
Sagrado Coração de Jesus em Roma, ampliações em Nice e em Marselha, o inter-
nato de Lucca, a igreja em La Spezia. Isto não o impedia de levar adiante com ardor,
nas planícies de Vallecrosia, a construção, nos dois lados da igreja, de dois corpos do
edifício, um para a habitação dos professores salesianos e para as escolas das crianças,
outro para as irmãs professoras e suas alunas. O Boletim Salesiano de julho dava grande
relevo à Derrota da heresia em Vallecrosia, com a crônica da festa de Maria Auxiliadora
e da bênção da nova capela dedicada a Ela, em 12 de junho, na espera do acabamento
da construção da Igreja.28
Registram-se ainda intervenções notáveis nos anos sucessivos. Para fazer crescer o
potencial de atração das escolas católicas, aí fazia uma parada, em 13 de fevereiro de
1883, como parte da preparação da longa viagem na França, e projetava com o diretor
uma rifa em favor da obra.29 Em Marselha, redigia circular para recolher os objetos para
a rifa.30 Porém, o pedido de autorização ao governador da província não teve resposta
positiva.31 A Lei de 1881, com efeito, não permitia rifas a não ser para entidades legal-
mente constituídas, mesma situação que Dom Bosco experimentaria pessoalmente com
a rifa romana. Mas, se para esta encontrou-se uma solução, não aconteceu igualmente
em Ventimiglia.
Excepcional foi, enfim, sua intervenção quando a obra de Vallecrosia foi seriamente
danificada pelo terremoto que, em 23 de fevereiro de 1887, atingiu gravemente a costa
24 Cf. “Nuova chiesa e scuole di Maria Ausiliatrice”, BS 4(1880), n.4, abril, p. 1-7.
25 BS 5(1881), n. 1, janeiro, p. 2.
26 Cf. carta ao padre Dalmazzo, de Alassio, 6 de abril de 1881; E IV 42.
27 Cf. carta a Maria Acquarona, de Roma, 27 de abril de 1881; E IV 48.
28 BS 5(1881), n. 7, julho, p. 23-24. Dom Bosco dava notícia disso ao cardeal protetor Nina,
carta de 30 de junho de 1881; E IV 64.
29 Cf. carta ao padre Bologna, de Varazze, 5 de fevereiro de 1883; E IV 211.
30 Circular de 20 de abril de 1883; E IV 217-218.
31 Carta de março-abril de 1884; E IV 254-255.

21.3 Page 203

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 203
lígure, de Savona a Mentone. Os edifícios de Vallecrosia tiveram que ser destruídos.
“A igreja, escolas, o internato de Vallecrosia, Ventimiglia, devem ser logo reparados
ou refeitos”, escrevia à Anna Parodi Cataldi, de Gênova.32 Dom Bosco mandou para lá
seu empresário de confiança, Carlo Buzzetti, que o informava que, para tornar habitá-
veis os edifícios, seria preciso 6 mil liras [cerca de 20 mil euros]. Para esta e para as
outras obras lígures moveu-se imediatamente, fazendo redigir e assinando duas cartas
circulares, datadas de 1º de março, uma aos cooperadores e cooperadoras, e outra aos
salesianos.33 As cartas pessoais de pedido e agradecimento aos benfeitores e benfeitoras
eram autógrafas.34
1.2 Em duas dioceses suburbicárias
Dom Bosco, para garantir possíveis apoios e benevolência em Roma, inicialmente
mostrava vivo interesse por duas pequenas obras na região dos Castel Romanos, Ariccia
e Albano, os quais, contudo, estavam destinados à vida breve, do outono de 1876 ao
verão de 1879.
Em Ariccia, pelo interesse do príncipe Mario Chigi di Campagnano e de sua esposa,
eram propostos o cuidado de uma igreja e a gestão de uma escola elementar: seriam
necessários um sacerdote e dois professores.35 Cardeal Di Pietro, bispo suburbicário
de Albano, pedia a Dom Bosco que mandasse para cidadezinha ao menos dois profes-
sores autorizados a mais, para um ginásio no qual enviaria também os seminaristas.36
Para o ginásio, a autoridade local dava rapidamente a aprovação. O papa autorizava a
formação de uma comunidade religiosa com menos de seis membros.37 Dom Bosco
respondia a dom Francesco Latoni prometendo quatro professores para o ginásio, em
conformidade com as leis, e assegurando-lhe ter escrito a respeito ao cardeal Di Pietro.
De fato, no elenco oficial dos membros e das obras da Sociedade Salesiana para o ano
escolar de 1876-1877 aparecia os dizeres: “Casa de Albano. Oratório de Nossa Senhora
da Estrela e escolas municipais de Albano e Ariccia”. A obra era formada por quatro
32 Carta de 17 de março de 1887; E IV 373.
33 Documenti XXXIV 96-98, 99-100; MB XVIII 758-762.
34 Cf. carta à marquesa E. Nerli, 3 de março (E IV 371-372); ao conde E. De Maistre, 6 de março
de 1887 (E IV 372-373); ao senhor O. Dufour, s.d. (E IV 374); ao barão R. Cataldi, s.d. (IV
374-375); à marquesa G. Tagliacarne, 30 de março e 4 de abril (E IV 376); aos condes Colle,
22 de março (E IV 525).
35 Cartas do príncipe Chigi, 31 de maio e 10 e 24 de junho de 1876, Documenti XVII 470-472,
FdB 1041 E10-12, MB XII 687-690.
36A Dom Bosco, 12 de agosto de 1876; Documenti XVII 472, FdB 1041 E 12; MB XII 691.
37 Carta de dom Francesco Latoni, auditor de Santa Sé, 22 de agosto de 1876; Documenti 473,
FdB 1042 A1, MB XII 690-691.

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204 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sacerdotes e por outros seis professos, dos quais cinco clérigos e um coadjutor; no
elenco apareciam também dois coadjutores noviços. Habitavam todos em Ariccia numa
casa não muito cômoda.
No elenco salesiano apareciam em seguida alguns “Adidos à escola de Magliano
(Sabino)”: dois professos, um sacerdote e um clérigo, e dois noviços, os sacerdotes
diocesanos Antonio Pagani e o cônego Francesco Ribaudi. Com efeito, o bispo suburbi-
cário di Magliano Sabina, o barnabita piemontês cardeal Luigi Bilio (1826-1884), tinha
pedido dois professores para seu seminário.
Entre o final de outubro e novembro de 1876 o pessoal já estava trabalhando em
todas as três obras. Dom Bosco ia logo para lá, para ter uma idéia da sistematização dos
salesianos e tomar contato com as autoridades eclesiásticas e civis. De Roma dirigiu-se
para Albano e ali ficou três dias. Em 29 de janeiro ia a Magliano Sabina, recebido na
estação de Borghetto pelo bispo auxiliar. Durante o trajeto cruzava com alunos, clérigos
do seminário, internos do colégio e alunos externos das escolas e seus professores,
que tinham ido encontrá-lo. Como em Albano, aí se fez também o exercício da boa
morte. Partia de volta em 1º de fevereiro. Estava assim em condições de dar informa-
ções diretas na já recordada conferência de 6 de fevereiro, no âmbito das Conferências
de São Francisco de Sales de fevereiro de 1877. Também em Ariccia as escolas elemen-
tares, “muito freqüentadas”, foram desejadas e iniciadas para fazer frente aos protes-
tantes, que usavam todos os meios para atrair os alunos. Mas deve-se prever que farão
“bancarrota em pouco tempo”. Tinha-se procurado – acrescentava – abrir “as escolas
vespertinas também para os adultos oratórios festivos”. “Em Albano – continuava –
temos também que dar aulas no ginásio municipal e no seminário menor, e todos são
muito afeiçoados aos salesianos”. Durante sua visita, grande número de estudantes
o tinha assediado para se confessar com ele. A cena se repetia na visita a Magliano
Sabina, onde tinha recebido acolhida particularmente cordial.38
No verão de 1877 Dom Bosco procurava obter da autoridade eclesiástica e civil de
Albano melhor sistematização dos salesianos adidos ao ginásio da cidade, obrigados
duas vezes ao dia a fazer a viagem entre Ariccia e Albano. Ao prefeito pedia que pudesse
“regularizar a habitação dos professores, bem como seu número e salário”.39 Ao vigário
geral pedia apoio para seus pedidos junto ao prefeito e acrescentava a proposta de
“agregar um colégio ao atual seminário menor, mas sempre sob a responsabilidade do
ordinário diocesano”.40 Não se fez nada.
Com a transferência do cardeal Di Pietro, em 12 de março, e a morte, em 26 de
abril de 1879, do sucessor, cardeal Morichini, afetuoso amigo de Dom Bosco e dos
salesianos, o clima mudava com o cardeal Hohenlohe. Este, de idéias rosminianas, era
amigo e informante de dom Gastaldi sobre humores romanos a respeito da posição
38 G. Barberis, Cronaca, quad. 11, p. 31-35.
39 Carta de 12 de agosto de 1877; E III 206-207.
40 Carta de 12 de agosto de 1877; E III 207-208.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 205
do arcebispo quando se reacendia, nos anos 1876-1883, a “questão rosminiana”.41
Sobretudo evidenciava-se sempre mais o limite do campo de ação. Dom Bosco o subli-
nhava no verão de 1878, em carta ao cardeal vigário de Roma, Monaco La Valletta, que
tinha convidado os párocos da capital para uma instrução sobre o proselitismo protes-
tante na capital, publicado pelo jornal L’unità cattolica em 3 de agosto. Aproveitava
a ocasião tanto para a suspirada sede em Roma quanto para se libertar de obras sem
futuro. “Os salesianos – explicava, apresentando sua “visão” – que estão em Albano
têm uma messe muito limitada. São doze professores munidos de seus diplomas, e
têm somente trinta e cinco alunos entre seminaristas e externos. Portanto, colocarei,
ou todos ou em parte, esse pessoal à disposição de V.Ex.cia. Pode valer-se deles para o
ensino ou para o sagrado ministério, conforme julgar para a glória de Deus e vantagem
das almas”. O problema do local não era insolúvel. Se tinha sido resolvido em tantos
outros lugares – perguntava-se – “não conseguiremos abrir um internato em Roma com
o apoio de V.E. e com o auxílio da Divina Providência, que jamais falhou?”. Declarava,
por fim, ter informado de suas intenções a dom Domenico Jacobini, que iria até o
cardeal para ouvir seu parecer, ao qual, de qualquer forma, Dom Bosco acolheria de
bom grado.42
Meses depois, padre Cagliero, no curso do longo giro na Itália com padre Durando
para examinar diretamente muitos pedidos de fundação, de Acireale manifestava a Dom
Bosco perplexidades semelhantes sobre a permanência em Albano. “Tendo em vista os
urgentes pedidos para abrir internatos e nenhuma esperança de se abrir em Albano –
escrevia em 3 de março de 1879 –, parece-nos isso um desperdício de pessoal. O pouco
de bem que fazem os nossos nas duas colinas irmãs, poderiam fazer os próprios padres
do lugar. E se reduz a pouco o fruto desse grupo, completo e bem disciplinado, que,
se ocupado em outro lugar, em algum internato, conseguiria resultado bem maior”.43
Conceitos idênticos desenvolvia o diretor da comunidade salesiana de Albano, padre
Giuseppe Monateri, em carta ao padre Bonetti, publicada pelo Boletim Salesiano. Dizia:
o bem que se pode fazer “reduz-se a pouco”; “a instrução literária poderia também
ser dada por outros professores”; “nosso ministério não é necessário, nem de notável
auxílio numa cidade como Albano, onde o clero secular e regular é numeroso e mais
que suficiente para todas as necessidades das almas”. A conclusão era óbvia: “Se não
nos sorri a esperança de mais trabalho, por certo será conveniente, não sem dor por ter
que deixar tantas pessoas ótimas desta cidade, levantar nossas tendas e levá-las para se
plantar numa vinha mais extensa e abandonada, talvez entre os Pampas e os Patagões”.44
As mesmas motivações levavam nessas semanas a um rápido desligamento consensual
de Ariccia. Em três anos a experiência dos Castelos Romanos estava consumada.
41 Cf. D. Franchetti, Alcune memorie intorno a monsignor Gio.Battista Bertagna, Turim, P.
Marietti Editore, 1916, p. 86-93.
42Ao cardeal vigário, 6 de agosto de 1878; E III 375-376.
43 MB XIV 326.
44 “I Cooperatori e la Casa salesiana di Albano”, BS 3(1879), n. 8, agosto, p. 7-8.

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206 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Ao contrário, com a entrada do ano escolar de 1877-1878, o empenho em Magliano
Sabina se enriquecia. Pedia-se a Dom Bosco para assumir a direção dos estudos e
administração dos bens do seminário. Dom Bosco aceitava, pedindo alguns “esclareci-
mentos”. Enviava, a seguir, um projeto de convenção.45 Chegava-se logo a um acordo
e, de Roma, ele comunicava ao padre Rua: “A negociação a respeito do Seminário de
Magliano terminou no sentido que prentendíamos. Será este o primeiro exemplo de
seminário administrado deste modo. Eu te enviarei cópia do contrato, apenas padre Berto
o passe a limpo”.46 Tinha acrescentado, ao mesmo tempo, uma proposta que estendia
ulteriormente o campo de ação: criar, ao lado do seminário, um internato para jovens
estudantes, “com a obrigação de se ater estritamente à disciplina comum”, e admitir à
freqüência das escolas também jovens da cidade, “como simples alunos ou como semi-
internos”.47 De fato, no Catálogo Oficial da Sociedade Salesiana do ano escolar 1877-
1878 os “adidos” do ano precedente eram substituídos por uma comunidade regular:
“Casa de Magliano Sabino. Seminário – Colégio da Imaculada Conceição. Capítulo.
Diretor: cônego Francesco Rebaudi. Prefeito: padre Stefano Chicco. Catequista: padre
Antonio Pagani. Conselheiro escolar: padre Giuseppe Daghero. Conselheiro: clérigo
Biagio Giacomuzzi”, sacerdote no ano sucessivo. Apareciam três sócios, dois coad-
jutores e um clérigo, dois clérigos noviços, três aspirantes a coadjutores. No catálogo
de 1879 desapareceria, ligado à comunidade de Magliano, o professor padre salesiano
Pietro Guidazio, “adido ao Seminário de Montefiascone”: denominação que desapa-
recia no ano seguinte. Padre Guidazio, excelente professor, acabou se tornando corpo
estranho no sistema escolar de baixo perfil cultural e pedagogicamente antiquado.48
Várias dificuldades apareceram e foram superadas graças à visita providencial de
Dom Bosco nos dias 24 a 26 de março de 1879. Tanto o seminário como o internato
funcionavam com a clara satisfação do cardeal Bilio.49 Outras visitas aconteceram nos
anos seguintes: em 1880, Dom Bosco aí esteve nos dias 20 a 23 de abril, gastos numa
longa e alegre excursão com os jovens e os educadores, também em confissões e audi-
ências; em 1882, ficou de 9 a 11 de maio; em 1884, fisicamente prostrado, recebeu
clérigos e jovens durante uma parada na estação de Borghero, na viagem de Roma a
Florença, em meados de maio. Com o início do ano escolar 1883-1884, surgiram dife-
renças entre cônego Pagani e padre Daghero, que se agravaram com a morte do cardeal
Bilio, em 30 de janeiro de 1884, e com a sucessão do cardeal Martinelli, favorável a
Dom Bosco na aprovação das Constituições e em 1884, para a obtenção dos privilégios.
Entre outras coisas, cardeal Biblio tinha autorizado a fundação de um semi-internato,
45 Cf. texto em MB XIII 982-983.
46 Ao padre Rua, 12 de junho de 1877; E III 183; Cf. também cartas do cardeal Bilio a Dom
Bosco em MB XIII 983-986.
47Ao vigário geral da diocese, 29 de maio 1877; E III 177-178.
48 Cf. duas cartas a Dom Bosco, uma de 22 de abril de 1879, outra ao padre Durando, de janeiro
do mesmo ano; MB XIII 979-982.
49 Carta a Dom Bosco, 14 de outubro de 1879.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 207
dirigido pelo padre Rebaudi, que retirava jovens do internato. Em maio de 1884, Dom
Bosco dava a carta de retirada, recusada pelo papa e pelo cardeal Martinelli, uma vez
que ela devia ter sido comunicada cinco anos antes.50 Assim foi feito, e a recessão acon-
teceu no final do ano escolar 1888-1889.
O pessoal foi utilizado no promissor colégio-internato municipal de Terracina.
Também este teve vida breve (1889-1893), parece que por inadimplência do município.
2. Padre Luigi Guanella, diretor em Trinità di Mondovì
Vida relativamente breve teve também uma obra atípica em Trinità di Mondovì,
uma escolinha diurna para jovens e uma escola noturna para adultos. Colocada em
um centro de 3 mil habitantes, imerso nos campos piemonteses ao sul de Turim, a 24
quilômetros de Cuneo, a nova obra teve o privilégio de ter como diretor o excepcional
sacerdote, salesiano por um triênio, beato Luigi Guanella (1842-1915), fundador da
Congregação das Filhas de Santa Maria da Providência e dos Servos da Caridade.51
Da Província de Sondrio e da Diocese de Como, sacerdote em 1866, antes ecônomo
espiritual em Prosto, depois pároco em Savogno, padre Guanella entrou muito cedo
em contato com as obras turinenses do Cottolengo e de Dom Bosco. Tinha, sobretudo,
desenvolvido intensa atividade pastoral e caritativa, também com experiência escolar
dinâmica. Para poder legalizá-la, tinha obtido o grau de professor para o grau infe-
rior da escola elementar. A partir de 1870 tinha encontrado várias vezes Dom Bosco
em Turim, e naqueles anos enviava, regularmente, meninos para o Oratório e meninas
para Mornese, com as Filhas de Maria Auxiliadora. Em 1872 mandara imprimir na
Tipografia do Oratório sua primeira obra, Ensaio de admoestações familiares para
todos, especialmente para o povo do campo,52 que acabava por confirmar a convicção
das autoridade civis a respeito da orientação intransigente das idéias e das atividades do
pároco. Padre Guanella tinha se industriado também para que Dom Bosco abrisse um
colégio com escolas elementares e médias em Chiavenna, projeto que foi considerado
irrealizável.53 Mas ele não abandonou jamais a idéia, repropondo-a como salesiano, em
1876 para Ascona, e em 1877 para Mendrisio.54
50As discussões sobre os pontos a favor e contra a recessão ocuparam as reuniões dos membros
da Direção Geral da Sociedade Salesiana de 26 de janeiro, 19 de maio, 26 de agosto, 28 de
outubro, 5, 9, 18 de dezembro de 1884 e 12 de junho de 1885; Cf. Capitolo Superiore, fol.
4r, 11v, 19v, FdB 1880 B7, C10, E2; fol. 44v-45r, 49r-v, FdB 1881 D4-5, E1-2.6.9-10, fol.
60r-61v, FdB 1882 A12-B1.
51A respeito disso é fundamental o estudo de M. Carrozzino, Don Guanella e don Bosco, p. 32-35.
52 Saggio di ammonimenti famigliari per tutti, ma particolarmente per il popolo di campagna.
Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, 1872.
53Ao padre Guanella, 8 de agosto de 1873; E II 297-298. Cf. M. Carrozzino, Don Guanella e
don Bosco, p. 35-37.
54 Cf. M. Carrozzino, Don Guanella e don Bosco, p. 35-37.

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208 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Há anos cultivava o pensamento de entrar na instituição religiosa e educativa de
Dom Bosco. Por fim, não obstante os obstáculos colocados por seu bispo, enviava ao
fundador o pedido formal para ser acolhido. De Nice, Dom Bosco lhe anunciava: “Seu
lugar está pronto. O senhor pode vir quando quiser. Aqui chegado conversaremos sobre
o lugar e a casa que lhe será mais conveniente (...). Procure somente não deixar negó-
cios sem resolver e que possam chamá-lo de novo à paróquia.55 Guanella chegava no
Oratório na tarde da festa de são Francisco de 1875, quando Dom Bosco anunciava
a toda a comunidade a aceitação das missões da América. Nos primeiros meses foi
enviado em encargos variados. Em junho, encarregado do Oratório São Luís, no dia
seguinte à festa de Dom Bosco levava cerca cerca de 150 alunos, estudantes e escolares
oratorianos, para fazer os augúrios ao superior. “Saiu uma coisa nem tão feia – anotava
o cronista padre Barberis – em relação à audiência deles, do padre Guanella, há pouco
feito diretor daquele oratório festivo e do clérigo Vigliocco, quase vice-diretor, e de
mim”. “Dom Bosco os elogiava com um discursinho familiar, mas que me pareceu
muito belo”: agradecia o que tinham feito e falado, mas observava: “Contudo, a boa
vontade é toda dos que vos guiam”; “a eles, não a mim, deveis os sentimentos de reco-
nhecimento e de gratidão que me expressastes. São eles que se ocupam de vós, eu não
vos faço nada. Agradecei ao padre Luigi”. Exortava: “Ide sempre de boa vontade ao
oratório nos domingos, seja de manhã que de tarde”. “Fico feliz quando vos divertis,
quando joguais, estais alegres; é essa a forma para vos fazer santos como são Luís. Que
procureis não cometer pecados. Se tendes, pois, alguma necessidade especial, ide ao
padre Luigi”.56 Após noviciado atípico, padre Guanella fazia os votos trienais em 25
de setembro. Em 31 de outubro “foi estabelecido o senhor padre Guanella” “professor
de literatura para os estudantes de filosofia que estão mais fracos nesta”.57 Um dia por
semana ia a Valsalice para dar lições de teologia aos clérigos assistentes no Colégio dos
Nobres. No meio tempo, escrevia uma exposição da doutrina cristã com parábolas e
exemplos, que publicaria em 1883 com o título: Vem comigo: a doutrina cristã exposta
com exemplos de quarenta discursos familiares.58 Tal atividade continuaria no tempo
da direção da pequena obra de Trinità, que lhe deixava espaço para pregações em paró-
quias e institutos de educação.59
Nas Conferências de São Francisco de Sales de fevereiro de 1876, na tarde do dia 3,
padre Guanella falava sobre o Oratório São Luís. A freqüência festiva era de duzentos
a trezentos jovens, “muito bons”, atraídos também com “algum pequeno presente”
55 Carta de 12 de dezembro de 1874; E II 423.
56 G. Barberis, Cronichetta, quad. 2, p. 20-22, sexta-feira, 25 de junho de 1875.
57 “Conferenze Capitolari dell’Oratorio di San Francesco di Sales dal 28 Marzo 1875 al 4
Giugno 1876”, in: J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 210 (Seduta delli 31-10-75).
58 Viene meco: La dottrina cristiana esposta con esempi in quaranta discorsi famigliari, Milão,
Tip. Eusebiana, 1883, 350 p.
59 Cf. M. Carrozzino, Don Guanella e don Bosco, p. 74-75.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 209
e “algum passeio”. Declarava-se agradecido aos “bons sócios, quer estudantes quer
aprendizes [do Oratório de Valdocco], os quais também, com não pequeno incômodo,
vão ensinar o catecismo para aqueles jovens”. No entanto, como pároco experiente,
acrescentava “que seria desejável, o que espero se faça, que se fizesse um estudo
próprio dos jovens” catequistas “sobre a doutrina cristã ou catecismo, explicando as
diversas dificuldades ou fazendo-o compreender bem por eles, começando de mim por
primeiro”. Concluía com um apelo: “Grande é a necessidade desses pobres jovens, não
somente espiritual mas também temporal. Por isso, se tendes alguma pequena coisa
para deixar cair de vossas mesas para esses pobrezinhos, eu a recolherei de boa vontade
e disso tirarei o melhor proveito possível”.60
A ele era também confiado o encargo do grupo dos Filhos de Maria que não tinha
sido agregado ao outro grupo mais numeroso estabelecido em Sampierdarena. Na
viagem a Roma, de abril de 1876, Dom Bosco levava consigo, para apresentá-lo ao
papa, uma saudação escrita por eles. Em carta ao padre Rua e aos jovens do Oratório,
informava sobre a audiência pontifícia: “Durou cerca de uma hora. Com bondade
verdadeiramente paterna leu a saudação do marquês Fassati, do padre Barberis e de
seus noviços, e também do padre Guanella e dos filhos de Maria. A última [assinatura]
foi a de um certo Garrone, de quem o papa notou muitos erros de língua e de ortografia.
Este, disse brincando o santo padre, tem necessidade de se preparar ainda um pouco
antes de se apresentar ao exame de letras”.61 No mesmo dia – era Páscoa –, escrevia
também ao padre Guanella: “Na última audiência de ontem (15) o santo padre, com
grande bondade, dignou-se ler até a última linha a carta endereçada ao mesmo pelos
filhos de Maria. Depois perguntou sobre o número deles, o estudo, as esperanças que se
podem ter, a saúde; também se aparecem intenções para as missões estrangeiras etc.”.
Concluía: “No entanto, caríssimo padre Luigi, trabalhe de bom grado: a graça divina não
nos faltará. Calma, paciência e coragem. Muitas coisas falarei pessoalmente... Saúde a
todos os filhos de Maria com muito carinho e escreva também ao padre Albera a bênção
especial que o santo padre envia aos filhos de Maria que estão naquela casa”.62
Em 10 de novembro fora nomeado diretor da pequena comunidade que ia abrir a
casa de Trinità. A obra fora pedida pelo rico casal di Challonges, na Sabóia, os Dupraz,
que em Trinità tinham sua casa de campo. Pretendiam contrapor ao ensino leigo das
escolas elementares do município uma escola privada católica e um oratório. Quinta-
feira, 30 de março, padre Barberis anotava na crônica: “Hoje mesmo soube que nestes
dias (creio que segunda-feira passada) concluiu-se formalmente o contrato de abrir uma
escola em Trinità perto de Mondovì; o que se procurava fazer de alguns meses para
cá”.63 No mesmo dia Dom Bosco anunciava ao padre Cagliero: “Hoje foi estabelecida
60 G. Barberis, Cronaca, quad. 6, p. 25-27.
61 Carta de 16 de abril, Páscoa, 1876; E III 41.
62 Carta de 16 de abril de 1876; E III 39-40.
63 G. Barberis, Cronichetta, quad. 6, p. 50, quinta-feira 30 de março de 1876.

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210 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
uma nova casa a ser aberta aos Santos em Trinità. Dize-o ao padre Tomatis [que era
de Trinità e se encontrava em San Nicolàs de los Arroyos, na Argentina]. É um abrigo
com a escola”.64 Em julho foi assinado o Ato de Convenção entre Dom Bosco e Angela
Giusiana, esposa de Dupraz. Ela cedia em uso por vinte anos uma ala da casa para um
pio instituto privado para a educação e a instrução dos jovens pobres e abandonados do
município, território e província, e se empenhava em contribuir com 1500 liras anuais.
Dom Bosco poderia dispor do local também para uma escola para jovens externos que
não freqüentavam as escolas municipais e para não indigentes, que contribuiriam com
taxa mensal. No primeiro momento Dom Bosco tinha destinado para diretor padre
Luigi Porta, com 32 anos. O casal Dupraz, porém, considerava-no ainda inexperiente
do mundo. Dom Bosco escolhia o mais experimentado padre Guanella.
No domingo, 19 de novembro, começava o oratório e no dia seguinte abriam-se as
escolas diurnas do curso inferior, que se completava logo com o superior, chegando
ao total de quatro classes elementares. Para poder ensinar no curso superior, em 17 de
agosto de 1877 padre Guanella conseguia junto a Régia Escola Elementar de Mondovì
a patente de professor do grau superior.65 A seguir, vinham as escolas vespertinas.
Em “Correspondência” para o jornal L’unità cattolica, de Mondovì Piazza, de 19 de
dezembro de 1876, um visitante tinha visto as escolas vespertinas, com cem alunos
distribuídos em três classes para as três faixas de idade 16-20, 20-30 e 30-50 anos; as
escolas diurnas com cento e vinte alunos dos 8 aos 16 anos em três classes; o oratório
e as escolas festivas com duzentos freqüentadores.66 Para os jovens da zona rural, ao
sul, havia ainda a refeição semi-gratuita.67 O Diário de Chiala e Lazzero registrava na
data de 12 de dezembro de 1876: “Dom Bosco vai a Trinità em visita à pequena casa
lá aberta neste ano”.68 Pelas cartas do padre Guanella têm-se notícias fragmentárias,
porém interessantes, sobre a vida da comunidade e das obras. Dom Bosco não deixava
faltar conselhos e orientações para uma vida religiosa observante e fraterna. Resumia
em cinco “sugestões amigáveis” a arte de governo do diretor: “1) vigiar sobre a mora-
lidade” dos salesianos e alunos, com meios privilegiados do rendiconto e do exercício
mensal da boa morte; “2) “Age quod agis”, não se disperse, dedique-se inteiramente
ao seu trabalho; 3) buscar a autonomia econômica da obra, com alguma contribuição
possível à casa-mãe; “4) preparar as pregações, escrevendo-as, e ajudar os salesianos em
seus estudos, administrando ou indicando livros oportunos”; “5) ler, meditar, praticar e
fazer que os outros pratiquem as regras da Congregação”.69 Um ano depois dava velhas
64Ao padre Cagliero, no dia 30 de março de 1876; E III 32; a ela retornava na carta de 27 de
abril, precisando que os salesianos seriam três (E III 52), a ainda em outras de 13 de julho e
de 31 de outubro (E III 73 e 108).
65 Cf. M. Carrozzino, Don Guanella e Don Bosco, p. 76-79.
66 L’unità cattolica, n. 296, p. 1182, sexta-feira, 22 de dezembro de 1876.
67 M. Carrozzino, Don Guanella e Don Bosco, p. 62-67.
68 Diario do padre Chiala e padre Lazzero, in: J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 52.
69Ao padre Guanella, 10 de abril de 1877; E III 165.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 211
e novas regras: “1) suma vigilância para observar todas e cada uma das nossas regras”
e o retiro mensal “para examinar o progresso e regresso na observância das mesmas”;
2) caridade mútua entre os salesianos; 3) “bom exemplo na conduta externa”.70
Em setembro e outubro de 1877 padre Guanella participava do Primeiro Capítulo
Geral da Sociedade Salesiana. Depois, no decurso do ano escolar de 1877-1878,
aproximando-se do termo dos votos trienais, repensava sua escolha salesiana, em
busca de outros espaços de caridade.71 As últimas cartas de Dom Bosco para fazer
com que continuasse eram insistentes e prementes; o padre Guanella não comuni-
cava ao superior turinês o tormento e as motivações profundas da escolha, corres-
pondendo-se preferivelmente com o próprio bispo.72 De junho a julho Dom Bosco
escreveu-lhe três cartas. A primeira era resposta a uma carta do dia precedente, na
qual padre Guanella lhe pedia conselho sobre uma alternativa bastante singular,
segundo uma vida consagrada tipicamente funcional: “Disse-lhe em outro lugar que
desejo uma das duas, isto é, começar alguma instituição na diocese de Como ou,
se isso for impossível, pedirei para ser inscrito nas missões salesianas americanas.
Nesse teor escrevi também ao bispo de Como, o qual me apresentou um programa
especial. Agora peço a V. E. que, em uma decisão de tanta importância, me ilumine
e me ajude juntamente com o bispo de Como”.73 Dom Bosco, ao invés, convidava-o
a refletir seriamente diante do crucifixo sobre a fidelidade à consagração e fazia
apelo à missão: “Caro padre Luigi, ajude-me a salvar almas. A Europa e a América
chamam operários evangélicos. Não me abandone na batalha, mas combata como
forte e terá assegurada a coroa de glória”.74 Na segunda, em resposta a duas cartas,
uma de augúrio pela festa de 24 de junho e a outra que se referia à comunidade de
Trinità, Dom Bosco, interpretando a seu modo o pedido do padre Guanella de ser
“inscrito nas missões americanas”, fazia-lhe uma proposta precisa: “o Santo Padre
pediu para que eu prepare nesse ano uma missão para Santo Domingo, onde se
trata de tomar a direção do seminário menor e maior, da catedral e da universidade.
O senhor pensaria, caro padre Luigi, de fazer parte dessa nova expedição e missão de
novo gênero? A língua é a espanhola. Creio que isso seja para si ocasião providen-
cial. Eu peço: o senhor reze, de sua parte, para essa finalidade”.75 A última carta era
concisa, sentenciosa: “Com respeito à sua posição não se esqueça a sentença: quem
está bem não mude, e quem faz bem não procure melhor. Muitos foram iludidos e,
não levando em consideração essa máxima, procuraram o melhor e não puderam
70Ao padre Guanella, 8 de março de 1878; E III 311-312.
71 Cf. M. Carrozzino, Don Guanella e Don Bosco, p. 88-97.
72 Cf. cartas de um e outro em M. Carrozzino, Don Guanella e Don Bosco, p. 119.
73 Carta do padre Guanella a Dom Bosco, 1º de junho de 1878, em M. Carrozzino, Don Guanella
e Don Bosco, p. 179.
74 Carta de 2 de junho de 1878; E III 351.
75 Carta de 15 de julho de 1878; E III 362-363.

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212 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
nem mesmo fazer o bem; porque, como diz outro provérbio, o ótimo é inimigo do
bom. Falo com o coração na mão, porque lhe quero bem e desejo sua felicidade, quer
no tempo quer na eternidade”.76
Padre Guanella retornava à diocese na segunda metade de setembro, no término dos
votos trienais. Retomava as relações epistolares com Dom Bosco em agosto e setembro
de 1880, exprimindo, sem êxito concreto, o desejo de ser novamente acolhido entre os
salesianos.77 Reviu Dom Bosco, sempre amado e admirado, para receber sua bênção
no final de janeiro de 1887. No final de uma série de Pensamentos sobre Dom Bosco,
enviados ao padre Lemoyne em abril de 1891, recordava assim o último encontro: “Dom
Bosco pareceu-lhe então em grande majestade de bondade e de severidade: parecia o
personagem que lutava, entre este e o século eterno: pareceu-me transparente. No rosto
diáfano parecia-me descobrir um raio da graça divina. Ficou maravilhado que eu tivesse
conseguido levantar três casas. Ajoelhei-me a seus pés e ele abençoou de todo coração
a mim e minhas obras”.78
A obra de Trinità, após dois anos de vida florescente vividos sob a direção do padre
Guanella, sofreu progressiva decadência, até fechar no final do ano escolar de 1880-1881.79
3. Episódio de liberdade para além dos alinhamentos (agosto de 1876)
Dificilmente Dom Bosco cortava as relações com alguém. No domingo, 6 de agosto,
estava presente no Colégio de Lanzo, colocado à disposição das autoridades políticas e
administrativas presentes na inauguração do completamento da ferrovia Turim-Lanzo.
Os chefes de Esquerda, os quais, após a queda do governo Minghetti e após o voto da
Câmara de 18 de março de 1876, tinham assumido o poder em 25 de março,80 tinham
transformado em acontecimento político de extensão nacional a realização de 11 quilô-
metros de estrada de ferro, o trecho que separa Ciriè de Lanzo: o trecho Turim-Ciriè,
de 21 quilômetros, já funcionava desde fevereiro de 1869. Dom Bosco tinha dado
liberdade ao padre Lemoyne, respondendo de Sampierdarena à pergunta: “Faze tudo
o que sabes pela festa da Ferrovia (...). Arranja-te em Turim para a música, desde que
o município convide. Se caso estiver em Turim nessa época, irei de boa vontade”.81
Ele chegava em Lanzo no dia anterior com a banda musical do Oratório. No dia seguinte
o teólogo Albert abençoava o trem e a ferrovia, e depois os ministros, senadores, depu-
tados e prefeitos se dirigiam ao colégio salesiano para o brinde oferecido pelo muni-
76 Carta de 17 de julho de 1878; E III 369-370.
77 Cf. M. Carrozzino, Don Guanella e Don Bosco, p. 196-213; MB XV 76-77.
78 Pensieri intorno a Don Bosco, p. 20, ASC A 1210728, FdB 687 E 8-9.
79 Cf. M. Carrozzino, Don Guanella e Don Bosco, p. 67-73.
80 Cf. cap. 1, § 10.
81 Ao padre Lemoyne, de Sampierdarena, 25 de julho de 1876; E III 79.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 213
cípio. Dom Bosco, com o padre Lemoyne, recebia na entrada do colégio o presidente
do Conselho, Agostino Depretir, e os ministros do Interior e dos Trabalho Públicos,
Giovanni Nicotera e Giiuseppe Zanardelli, este último representante do rei, anti-clerical
e maçom. A conversação, prolongada mais que o previsto, foi particularmente cordial,
a ponto de suscitar grande simpatia por Dom Bosco e sua obra. Nem Dom Bosco nem
outro salesiano tomaram parte na refeição servida depois em pavilhão erigido para tal
no prado da Feira. As apresentações em Turim dos novos governantes, antes, depois e
no mesmo acontecimento, não podiam passar desapercebido da intransigência cató-
lica, bem representada por L’unità cattolica, o qual, com uma série de artigos colo-
cava em evidência a instrumentalização partidária de um acontecimento por si mesmo
irrelevante em plano nacional.82 Do primeiro número após a festa a outros da semana
apareciam, não certo com simpatia, artigos que atingiam ministros deputados, o colégio
salesiano e Dom Bosco: O triunfo em Turim dos triúnviros da Esquerda, Ingresso e
estada em Turim e Lanzo di Nicotera, Depretis e Zanardelli, Recepção em Lanzo, Ao
colégio-internato dos padres salesianos, Nicotera em um Colégio de Dom Bosco.83
O mal-estar causado pela presença de Dom Bosco, de quem se esperaria distância da
manifestação, quiçá por meio de uma diplomática doença, o jornal manifestava dez
dias depois com a publicação de uma carta enviada por “um salesiano” (cooperador?
benfeitor?), que procurava redimensionar o envolvimento do superior. O periódico a
apresentava com uma observação inicial não isenta: “De muito bom grado publicamos
a seguinte carta que nos escreve um salesiano a respeito dos elogios do Bersagliere
[jornal romano ligado à Esquerda] sobre Dom Bosco, de quem desejávamos, em 6 de
agosto, uma dessas doenças momentâneas que, em tais circunstâncias, colhem sempre
muito oportunamente os diplomatas, inclusive os núncios apostólicos”. O “filho afei-
çoado do ótimo senhor Dom Bosco”, “muito mortificado dos incômdos elogios publi-
cados por um jornal de Roma”, reconduzia a parte jogada por Dom Bosco ao simples
fato que “o senhor Dom Bosco, consultado pelo Município de Lanzo a emprestar o
local do Colégio para o déjeuner dos senhores ministros, não pôde por urbanidade
recusar, tanto mais que uma parte do Colégio pertence até hoje ao município”.84
De qualquer maneira, o diretor do jornal, teólogo Giacomo Margotti, sensível à obra de
Dom Bosco, espontaneamente ou sob pressão de alguém, parece ter querido compensar
logo o padre amigo da justificação não solicitada, reinterpretando seu comportamento
à luz de diferentes nobres intenções. O número de 23 de agosto do jornal saía com um
artigo sobre Missões salesianas na Patagônia, precedido por uma nota de rodapé muito
82 Cf. L’unità cattolica, n. 182, domingo, 6 de agosto de 1876, p. 725-726, “Da Roma a Lanzo
dov’è l’epigrafe della vittoria di Pio Nono” (a epígrafe sobre um arco de Lanzo saudava as
vitórias pacíficas do papa) e “Le due festa di Nicotera nell’agosto de 1860 e nell’agosto 1876”.
83 Cf. L’unità cattolica, n. 183, terça-feira, 8 de agosto de 1876, p. 729-730; n. 186, sexta-feira,
11 de agosto de 1876, p. 742; n. 187, sábado, 12 de agosto de 1876.
84 L’unità cattolica, n. 190, quinta-feira 17 de agosto de 1876, p. 758.

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214 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
significativa: “L’unità cattolica é sempre cheio de afeto e de veneração por Dom Bosco,
e sabe que seu modo de agir é movido somente pela glória de Deus, pelo amor da Igreja
e do papa, e pelo desejo de ganhar almas para Jesus Cristo. Nós nos consideramos
muito afortunados de poder, de vez em quando, favorecer seu trabalho verdadeiramente
apostólico com nosso jornal”.85
No encontro de Lanzo, o menos loquaz, mas o mais atingido pelo clima criado
pelos salesianos, parece ter sido Giuseppe Zanardelli. Dom Bosco teve talvez ciência
da coisa quando, em dezembro, pedia a ele, que era ministro dos Trabalhos Públicos,
“um bilhete de favor” para as Ferrovias da Itália para si e para um companheiro, “para
assim ir ao encontro de uma necessidade cada vez mais presente por causa do crescente
número de crianças em perigo e abandonadas”.86 O pedido encontrou resposta positiva
da rede da Alta Itália.
4. Direção e animação das comunidades educativas
Com os colégios-internatos e as escolas que tiveram origem mediante convenções
com os municípios quebrava-se, de modo mais nítido, a conformidade das obras com
o modelo do Oratório de Turim, com o qual Dom Bosco mantinha relação privile-
giada como diretor, ladeado pelo vice-diretor, primeiro padre Rua, e, desde 1976, padre
Lazzero. Nos colégios o tipo de jovens atingido, o serviço prestado, as finalidades
buscadas comportavam uma gestão cultural, disciplinar e educativa mais flexível, e,
portanto, orientaçõs mais flexíveis em relação ao que não acontecia no Oratório de
Valdocco, do qual se esperavam resultados específicos, como o florescimento de voca-
ções ao estado eclesiástico e salesiano. Contudo, a substância das inspirações e das
orientações propriamente educativas – disciplinares, morais e religiosas – permanecia
idêntica, comunicada sobretudo por meio de cartas aos diretores e às comunidades,
de visitas e, alguma vez, da vinda de jovens ou de seus representantes a Valdocco em
solenidades particulares.
4.1 O Oratório, modelo educativo básico
A reevocação do governo de Dom Bosco, diretor, educador, confessor, diretor espi-
ritual em seu Oratório mereceria estudo aprofundado à parte. Ali era sua casa, sua
família e, quando estava longe, nele pensava com profunda saudade. “Embora aqui em
Roma não me ocupe unicamente da casa e de nossos jovens – escrevia ao padre Rua –,
85 L’unità cattolica, n. 195, quarta-feira, 23 de agosto de 1876, p. 778.
86A G. Zanardelli, 4 de dezembro de 1876; E III 124.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 215
contudo meu pensamento voa sempre onde tenho meu tesouro em Jesus Cristo, meus
caros filhos do Oratório. Várias vezes ao dia faço-lhes visitas”.87 Poucos dias antes do
retorno a Turim, após as semanas de separação por doença em Varazze, confessava
a seu mais próximo colaborador: “Quinta-feira próxima, se Deus quiser, estarei em
Turim. Sinto-me no grave dever de voltar. Vivo aqui com o corpo, mas meu coração,
meus pensamentos e até minhas palavras estão no Oratório, no meio de vós. Essa é
uma fraqueza, e eu não a posso vencer”.88 Ainda, no final da longa estada romana de
1874, no final de uma breve resposta do padre Rua, que lhe tinha comunicado em tele-
grama a morte do padre Provera, inseria esta mensagem aos jovens: “Aos nossos filhos.
Vosso pai, vosso irmão, o amigo de vossas almas, após três meses e meio de ausência,
parte hoje (14) de Roma, passa a noite com a quarta-feira em Florença e espera estar
convosco na quinta-feira, às 8 da manhã. Não precisa fazer festa, nem música, nem
acolhida. Eu vou à Igreja e, se Deus quiser, celebrarei a santa missa pelo nosso caro e
sempre amado padre Provera”.89
No Oratório ele se empenhava, de manhã à tarde, com a ação direta se presente e,
se ausente, como inspirador e conselheiro de colaboradores dignos de confiança, que
estavam mais imediatamente em contato com as várias categorias de hóspedes: estu-
dentes, aprendizes, noviços, clérigos estudantes de filosofia (em parte, ainda noviços) e
de teologia, jovens sacerdotes obrigados aos exames de teologia atrasados ou a estudos
para obtenção do título de confissão, superiores de primeira nomeação para encami-
nhar à arte do governo como diretores, prefeitos, catequistas, conselheiros escolares ou
profissionais, e ecônomos.
No correr do dia exercitava diferentes funções explicitamente formativas: logo cedo,
confessor dos jovens e dos salesianos; diretor espiritual em seu escritório: “Muitos de
vocês vêm se confessar, e vários também no quarto” – dizia aos aprendizes na boa-
noite de 31 de março de 1876 –, “prestai bem atenção nisto, que eu fico sempre muito
contente quando vocês vêm me encontrar, e não somente na igreja, mas também fora
da igreja”;90 muitas vezes entre os jovens no curso dos recreios, dispensando “pala-
vrinhas ao ouvido”; de noite, para a clássica boa-noite. Cada mês estava presente no
exercício da boa morte, no papel ainda de confessor e de educador espiritual, ministério
a que dedicava particular intensidade nos dias dos exercícios espirituais no período da
Páscoa. Seu envolvimento nos muitos momentos fortes da vida do Oratório era particu-
larmente intenso: a acolhida dos jovens nos primeiros dias do ano escolar; as novenas,
em particular de Maria Imaculada e do Natal, em dezembro, e de Nossa Senhora
Auxiliadora, em maio; os meses de outubro (Nossa Senhora do Rosário), março (São
José), maio (Nossa Senhora Auxiliadora), junho (Sagrado Coração); a quaresma e a
87 Carta do início de fevereiro de 1870; Em III 169.
88 Carta de 9 de fevereiro de 1872; Em III 395.
89 Carta de 14 de abril de 1874; E III 378.
90 G. Barberis, Cronichetta, quad. 6bis, p. 13.

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216 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
semana santa; a despedida dos jovens para as férias de verão/outono, munidos das apro-
priadas “Lembranças”. Aí se acrescentavam as manifestações festivas particulares: as
grandes solenidades litúrgicas e salesianas, muitas vezes marcadas por sessões lítero-
musicais, em que não faltava a palavra do Pai; a festa onomástica de 24 de junho (ainda
que o verdadeiro onomástico fosse são João Evangelista), com o início da vigília; e o
aniversário, celebrado não mais no dia 16, mas em 15 de agosto.
Os pequenos sermões da boa-noite constituíam o mais repetido ponto de confluência
de todo o seu ensinamento moral e religioso, indubitavelmente ecoado nas confissões,
nos conselhos privados, nas prédicas, e, muitas vezes, nas cartas individuais e coletivas.
Os sonhos não faziam outra coisa que transformar em narrativa, poesia ou drama, o que
em outros contextos era doutrina, discurso e exortação. Nos pequenos sermões da noite
encontravam expressão no cotidiano as ânsias e as idéias mais familiares a Dom Bosco
sacerdote, formado na teologia e na moral prática do Convitto, enriquecida pela variada
experiência do confessor e diretor de uma comunidade religiosa educativa modelada
sobre idêntica visão. A boa-noite era serviço da palavra, essencialmente moral, pola-
rizada ao redor dos deveres. Faltavam grandes motivações e perspectivas teológicas e
bíblicas e, menos ainda, culturais e sociais, de fôlego mais amplo. Era central o apelo
à vontade, ao empenho pessoal, aos propósitos, obviamente em sinergia com a ação
primeira da graça, a graça operante e cooperante.91 Em síntese, cada discurso versava
sobre a prática dos deveres, a freqüência dos sacramentos, as duras lutas para não cair
no pecado, tudo convergindo para a consecução do fim último de toda ação assistencial,
educativa e pastoral, o ideal ao qual todo cristão era chamado: a vida na graça, que
devia ser defendida, conservada e, se necessário, recuperada; em definitivo, a santidade,
prelúdio da glória do paraíso. A juventude era o tempo privilegiado para percorrer tal
percurso acidentado até chegar à única realidade, a santidade, unívoca na essência, mas
diferenciada nas formas e nos graus: “Quae seminaverit homo, haec et metet” (Gl 6,7).92
O ideal era encarnado em diferentes modelos: entre os antigos, os santos, em espe-
cial são Luís e os que eram lembrados conforme as ocorrências do calendário litúrgico,
com são Francisco de Sales, são José, são Carlos; entre os próximos e familiares, os
jovens exemplos que viveram no Oratório, isto é, são Domingos Sávio, Miguel Magone,
Francesco Besucco e outros.93
Papel fundamental para a vida de graça, a santidade, era atribuído às virtudes –
fé, caridade, obediência, mortificação e humildade –, com particular acento sobre a
modéstia, ou pureza, entendida como sinônimo de castidade.94 A castidade era, indu-
bitavelmente, objeto das maiores solicitudes e exortações: “se há esta, existe tudo.
91 Cf. boa-noite de 27 de outubro de 1876; Documenti, XVI 525-526; FdB 1042 D4-5.
92 Noite de 7 de julho de 1875; G. Barberis, Cronichetta, quad. 2, p. 39-42.
93Noites de 27, 28 de outubro e 3 novembro 1875; Documenti, XV, p. 292-293 e 304; FdB 1031
D3-4 e E5 27 de outubro e de 28 de novembro de 1876, G. Barberis, 2, p. 6-7 e 27-29.
94 G. Barberis, Cronaca, Quad. 2, p. 44, pequeno sermão noturno de 22 de dezembro de 1876.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 217
Se falta esta, não existe nada”.95 Como suporte se propunha a oração e a confiança
em Deus.96 As virtudes constituiam a sólida fortaleza contra a violência das paixões,
semelhantes a ondas desencadeadas pelo mar borrascoso, configuradas nos vários
“monstros” que povoavam os sonhos.97 Eram as paixões que levavam à impureza
dos pensamentos, dos discursos e das ações, assim como ao escândalo e à insubor-
dinação. Para ela concorriam também o ócio e a gula, e a desafeição das práticas de
piedade. Para vencê-la era necessário a “sempre-viva da esperança” no esforço ascé-
tico. No lugar da batalha frontal, muitas vezes preferia-se o escondimento e a fuga: de
pessoas, de livros, de lugares perigosos.98 Sempre indispensável era a mortificação,
sobretudo dos sentidos externos.99
Não era suficiente o esforço humano. Nada era possível sem a ajuda da graça.
Ela era garantida pelo remédio universal da freqüência aos sacramentos – confissão
e comunhão –, recebidos com as devidas disposições e num intervalo adequado aos
objetivos professados.100
Associava-se o nome de Deus ao sentido do temor, que não era somente medo dos
castigos, mas principalmente veneração, respeito, tremor de frágeis criaturas e de filhos
confiantes. As sentenças bíblicas eram como axiomas: Initium sapientiae timor Domini
e Sapientia non introibit in animam malevolam et non habitabit in corpore subdito
peccatis.101 O jovem retamente temeroso de Deus agia conforme sua boa consciência, e
não por medo dos castigos humanos ou da expulsão.102
Não havia usualmente clara apresentação da figura de Cristo. Jesus de Nazaré,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém, era proposto com freqüência cotidiana
como Redentor e Salvador, autor do resgate do pecado e doador do perdão e de graças.
Jesus estava presente no mais alto grau no santíssimo sacramento, imolado no sacri-
fício da santa missa, recebido na comunhão e adorado no tabernáculo ou na solene
exposição da hóstia consagrada.103 Dava-se explícita atenção à devoção ao Sagrado
Coração, na qual se queria “honrar o amor que Jesus trouxe aos humanos”.104 Aí se
integrava, como essencial, a proteção da Virgem Santíssima, sob os títulos privile-
95Noite de 18 de maio de 1875; G. Barberis, Cronichetta, quad. 1, p. 14-15. Cf. noites de 28 de maio
de 1875, em referência a são Luís, ibid., p. 34-35; e de 7 de julho de 1875, quad. 2, p. 39-42.
96 Sonho narrado em 30 de junho de 1876; G. Barberis, Cronichetta, quad. 8 bis, p. 1-9.
97Noite de 13 de março de 1876; G. Barberis, Cronichetta, quad. 5, p. 18-22.
98 Noite de 1º de agosto de 1875; G. Barberis, Cronichetta, quad. 2, p. 39-42; noites de 13 e 26
de março, ibid., quad. 5, p. 18-22; quad. 6 bis, p. 19.
99Noite de 26 de março de 1876; G. Barberis, Cronichetta, quad. 6bis, p. 2-3.
100Noites de 20 de janeiro de 1876; G. Barberis, Cronichetta, quad. 4 bis, p. 1-6; 30 de outubro
de 1876, Cronaca, 2, p. 1-3; 20 de dezembro de 1876, ibid., p. 30-36.
101Noite de 2 de novembro de 1876; G. Barberis, Cronaca, quad. 2, p. 18-21
102Noite de 26 de outubro de 1875; Documenti XV, p. 291-292.
103Noite de 7 de dezembro de 1875; G. Barberis, Cronichetta, quad. 3, p. 67-68.
104 Noites de 3 e 16 de junho de 1875; G. Barberis, Cronichetta, quad. 1, p. 44-46; quad. 2, p. 10-11.

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218 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
giados de Imaculada e Auxiliadora, além de Assunta e do Rosário. Ela aparecia nos
sonhos com o manto protetor e era invocada com maior evidência em suas festas, nos
meses de maio e outobro.105
Ns exortações noturnas aos jovens, de duração variável, Dom Bosco não veiculava
seus pensamentos e sentimentos somente como pai espiritual, mas também e antes de
tudo como diretor de casa de educação: enquanto tal se dirigia à grande comunidade
juvenil, pobre, super populosa, heterogênea, na qual eram considerados relevantes os
problemas de disciplina, de ordem, de regularidade e de moralidade. Por isso a máxima
amabilidade devia e costumava conciliar-se com outro tanto de firmeza, até à seriedade
das solicitações e das advertências e às inelutáveis punições. A estas se referia com
especial força nos exercícios espirituais, nos retiros mensais, durante as novenas e em
casos particulares de desordens, como palavrões e escândalos, furtos e graves manifes-
tações de indisciplina.106 A isso se ligava o pensamento do que poderia acontecer, ou
que de fato acontecia, aos jovens fora dos ambientes da casa de educação, em particular
no período das férias. Delas Dom Bosco falava várias vezes aos jovens, antes do retorno
temporário em família, de modo a armá-los de graças e de lembranças, e, na volta, para
exortá-los a uma operação de limpeza da alma e de corajosa retomada.107
O tema do mundo externo, do viver no século, retornava várias vezes, na perspec-
tiva do futuro, na recorrente insistência sobre o tema da escolha do estado de vida, da
vocação leiga ou eclesiástica, no “mundo” ou em um instituto religioso. “É o ponto mais
importante da vida”, sentenciava.108 Insistia na exortação para que se pensasse, refletisse
e rezasse para a solução mais idônea, a fim de garantir a vida feliz e, sobretudo, a eterni-
dade beata. Dom Bosco era incansável promotor e animador vocacional, principalmente
quando falava de obras para a juventude pobre e abandonada, de missões e de missioná-
rios, indicando os vastos campos abertos, nos quais eclesiásticos e leigos poderiam dar
sentido pleno à própria vida, já neste tempo e para a eternidade. Sobre todas as coisas,
enfim, perpassava constantemente o respice in finem, entendido no duplo sentido:
o final do tempo com a morte e o fim da abertura de si para a eternidade, feliz ou infeliz.
Insistia nos anos 70, como tinha feito nos anos 60, no evangélico estote parati,109 acom-
panhado agora, e infalivelmente em 31 de dezembro, da lembrança da morte real que,
no ano seguinte, golpearia vários moradores do Oratório, jovens e adultos. Essa não
seria, naturalmente, a passagem final, pois conseguir o paraíso devia ser o verdadeiro
105Noite de 10 de maio de 1875; G. Barberis, Cronichetta, quad. 1, p. 1-3.
106 Exemplares de várias outras são as boas-noites de 30 e 31 de março de 1876; G. Barberis,
Cronichetta, quad. 6 bis, p. 4-10 e 11-19.
107 Cf., por exemplo, Ricordi per un giovanetto che desidera passar bene le vacanze, Turim, Tip.
dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1873, 4 p.
108 Noite de 7 de julho de 1875; G. Barberis, Cronichetta, quad. 2, p. 252.
109 Narração de um sonho com previsão de mortes, 23 de janeiro de 1876; G. Barberis,
Cronichetta, quad. 4 bis, p. 12-15.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 219
sentido da vida. O sonho acontecido em Lanzo, em 6 de dezembro de 1876, e narrado
no Oratório na noite do dia 22, que tinha Domingos Savio como protagonista, fornecia
a imagem mais cativante e fascinante do paraíso. As flores do buquê que o jovem trazia
nas mãos, “a rosa, a violeta, o lírio, a genciana e o girassol”, simbolizavam “a caridade,
a humildade, a violeta, a penitência e a obediência”.110
4.2 Cartas coletivas e individuais aos colégios
Por mais que fosse particularmente forte a ligação com o Oratório, Dom Bosco
considerava todos os jovens dos colégios, internatos e oratórios como seus “caros filhos”
em Jesus Cristo. Conhecia a muitos pessoalmente, e eram seus confidentes quando os
visitava. Não se encontram, portanto, diferenças de tom entre as cartas que, de longe,
enviava ao Oratório e as que endereçava aos outros institutos. A uns e outros não sentia
próximos somente afetivamente, mas também quanto ao mundo espiritual que habi-
tavam. Descrevia cenas alegres, grupos de jovens bons, mas dizia também ter visto
“coisas que fariam horror a qualquer um a quem pudesse confiar as cartas”: “alguns
que tinham forma de porco”, outros que tinham cravejadas sobre a língua rosas e lírios,
ou uma “monstruosa serpente”. Exclamava: “meus caros jovens, recordemo-nos que na
hora da morte recolheremos o que tivermos semeado na vida”, e prometia uma alegre
festa de são Francisco de Sales em seu retorno.111 Após a audiência pontifícia de 8 de
fevereiro de 1870, enviava a bênção do papa ao padre Bonetti e aos alunos de Mirabello,
“os primeiros a receber a especial bênção apostólica”, e, dirigindo-se ao diretor, exor-
tava: “eu te peço de fazer com que os jovens estejam sempre alegres e, para que dêem
um forte ‘viva’ a Dom Bosco, procura dar-lhes, nesse dia, uma pequena festa e um bom
almoço. Mas dize-lhes que eu os quero todos saudáveis, robustos e alegres; que se feche
a enfermaria e se abram as portas do refeitório”.112 Sobre a audiência pontifícia, coisas
semelhantes, porém mais gerais, reservava ao padre Francesia, que o papa tinha visto
em 1867, em uma carta de 10 de fevereiro, concluindo: “Desejo que teus jovens estejam
alegres e, no dia seguinte a esta notícia, e para que possam de coração gritar “Viva Dom
Bosco!”, procura dar-lhes alguma coisa à mesa que faça a güela trabalhar”.113
Do Santuário de Santo Inácio em Lanzo, acrescentava, em carta ao padre Rua, breve
mensagem Aos nossos jovens do Oratório, com clara referência às vocações: “Darás a
boa-noite aos nossos queridos e amados jovens. Dize-lhes que estejam alegres e sejam
110Noite de 22 de dezembro de 1876; G. Barberis, Cronaca, quad. 1, p. 20-31; quad. 2, p. 36-47.
111 Ao padre Rua, de Roma, inícios de fevereiro de 1870; Em III 169-170.
112Ao padre Bonetti, de Roma, 8 de fevereiro de 1870; Em III 173.
113Ao padre Francesia, 9 de fevereiro de 1870; Em III 179-179. Ao padre Lemoyne, diretor em
Lanzo, enviava a bênção papal e prometia logo uma visita; carta de Roma, 17 de fevereiro de
1870; Em III 186.

22.10 Page 220

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220 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
bons. Que eu os recomendo todos ao Senhor e a cada um envio três S [saúde, sabedoria
ou ciência, santidade], mas todos maiúsculos. No domingo rezarei a missa por todos
vós, caros filhos, neste santuário; vós, se me quereis bem, fazei também por mim a
santa comunhão. Rezo também pelos que fazem os exames. A propósito deles direis aos
que não se resolveram ainda sobre a própria vocação que, se podem, me esperem para
o dia 14 deste mês; de outro modo, que falem contigo ou venham para os exercícios em
Lanzo, onde estaremos alegres. Para esses exercícios virão cento e dez senhores verda-
deiramente exemplares. Não me deixam nem um momento em paz, e querem sempre
falar comigo a todo momento”.114
O ano de 1874 abria-se com quatro cartas a outros responsáveis de comunidades: em
5 de janeiro, ao padre Lemoyne em Lanzo e ao padre Rua em Turim-Valdocco; no dia
6, ao padre Bonetti em Borgo San Martino e ao padre Dalmazzo em Turim-Valsalice;
seguida por uma do dia 20 de janeiro, ao padre Lazzero e aos aprendizes do Oratório de
Turim-Valdocco. Ricas de afetividade, traziam elementos comuns e referências diferen-
ciadas. Em todas dominava a figura do papa, que implicitamente avaliava com sua auto-
ridade as idéias morais e educativas queridas a Dom Bosco. Na carta ao Caríssimo padre
Lemoyne e a vós todos, ó queridos filhos de Lanzo iniciava: “as primeiras palavras que
escrevo de Roma às nossas casas as endereço a vós, ó meus caros e amados filhos de
Lanzo. Dou-vos essa preferência porque sei que me tendes muita afeição, assim como
tendes sempre demonstrado cada vez que aí estive em vosso meio”. Após ter falado do
interesse que o papa teria demonstrado aos jovens de Lanzo, interrogava: “No entanto,
meus amigos, começastes bem o ano? Estais todos com boa saúde? Tendes todos boa
vontade de vos fazer bons, santos, e de serdes sempre minha consolação? Ouço a voz
que vem de vossos corações e que me dá segurança de que todos respondeis sim, sim”.
Terminava com um conselho, desejando que o diretor o explique aos jovens: “Se quereis
ser felizes no tempo, e ser mais felizes na beata eternidade, procurai fugir do escândalo
e freqüentar a santa comunhão”.115 Mais breve, mas não menos afetuosa, era a carta
ao Caríssimo padre Rua e a todos vós que morais no Oratório de Turim: “Dir-vos-ei,
portanto, que tenho por vós grande afeição e onde quer que eu esteja não cesso de pedir
a Deus pelo vosso bem espiritual e temporal”. E ficava falando da audiência pontifícia
e do interesse de Pio IX pelas coisas da Congregação e do Oratório, terminando com
várias perguntas “de família” ao padre Rua.116 Na carta enviada ao Caríssimo padre
Bonetti e a vós todos, queridos filhos de San Martino, mostrava como o papa estava
ainda mais interessado por Borgo San Martino: “Falou muito em geral de nossos jovens
e por fim começou a falar de vós, queridos filhos de San Martino. Pediu-me muitas
particularidades: quais estudos se faziam, se todos eram muito bons, se freqüentavam
a santa comunhão, se existia algum que pudesse comparar-se com Domingos Savio.
114 Carta de julho de 1873; E II 295-296.
115 Carta de 5 de janeiro de 1874; E II 328-329.
116 Carta de 5 de janeiro de 1874; E II 329-330.

23 Pages 221-230

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 221
Eu procurei satisfazê-lo da forma mais honrável para vós. Tendo-me depois deixado
livre para perguntar alguma coisa a vosso respeito, ele encarregou-me de manifestar a
vós a plena satisfação pelas boas esperanças que dais de uma vida cristã no meio deste
mundo contaminado por tantos vícios”. “No entanto, estou para pedir-vos um grande
favor, que reverterá em grande vantagem para vossas almas: que todos procureis afas-
tar-vos das más conversas. A tal finalidade peço que o senhor diretor faça uma instrução
a respeito, falando do grande mal que produzem as más conversas e as terríveis conse-
qüências das mesmas”. Terminava com uma longa citação latina inspirada em 2Tm 4,2:
Tu vero, padre Bonetti, praedica verbum opportune, importune(...)”.117
Mais breve era a mensagem de Roma ao Caríssimo padre Dalmazzo e aos carís-
simos alunos do colégio de Valsalice, onde evidentemente havia perfeita sobreposição
do pensamento do papa ao de Dom Bosco: “Pedi, posteriormente um pensamento espe-
cial para ser expresso em seu nome. Ele olhou o crucifixo e depois respondeu: Dize-lhes
que os abençoo de coração e que não esqueçam jamais que o mundo é enganador; Deus
somente é amigo fiel que não nos abandonará jamais. Amem esse bom Deus, que não os
abandonará jamais. Amem esse bom Deus, que nunca os abandonará”.118 Mais perso-
nalizada e de conteúdo “pedagógico” mais relevante era a carta ao Caríssimo padre
Lazzero e meus caríssimos aprendizes do Oratório, que Dom Bosco definia “como a
pupila de meus olhos”: “Não é preciso que eu prove que vos tenho muita afeição. Não
tenho necessidade que digais que me quereis bem, porque me tendes constantemente
demonstrado. Mas essa nossa afeição recíproca sobre que é fundada? Sobre o dinheiro?
Não sobre o meu, porque gasto por vós. Não sobre o vosso, porque, não vos ofendais,
não o tendes. Portanto, minha afeição é fundada sobre o desejo que tenho de salvar
vossas almas, que foram remidas pelo sangue precioso de Jesus Cristo, e vós me amais
porque procuro conduzir-vos pela estrada da salvação eterna. Portanto, o bem de nossas
almas é o fundamento de nossa afeição”. Convidava-os, por isso, a um exame de cons-
ciência sobre esse ponto essencial: estavam se empenhando pela salvação ou perdição
da alma? estariam preparados para se apresentar ao tribunal de Deus? “Propósitos feitos
e não mantidos, escândalos dados e não reparados, palavras que ensinam o mal a outros,
são totas coisas sobre as quais devemos temer ser castigados”. Concluía: “Colocai em
prática a palavra de são Paulo que aqui vos traduzo: Exortava os jovens para que sejam
sóbrios, que jamais esqueçam que está estabelecido a todos a morte, e depois dela deve-
remos todos apresentar-nos diante do tribunal de Jesus. Quem não padece com Jesus
Cristo na terra não pode ser com ele coroado de glória no céu. Fugi do pecado como se
foge do mais terrível inimigo, fugi das fontes do pecado, isto é, as más palavras que são
a ruína dos costumes. Dai mutuamente bom exemplo nas obras e nas palavras etc., etc.
Padre Lazzero vos dirá o resto”.119 Ainda de Roma respondia ao Caríssimo Cinzano e
117 Carta de 6 de janeiro de 1874; E II 331-332.
118 Carta de 6 de janeiro de 1874; E II 332-333.
119 Carta de 20 de janeiro de 1874; E II 339-340.

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222 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
todos os teus caríssimos estudantes, agradecendo-os o presente de “duas semanas de
ótima conduta”, prometendo e assegurando: “demonstrarei minha gratidão assim que
chegar em casa. Um copo do puro, uma boa comida, um bombom etc., etc., será o sinal
de satisfação que darei a cada um. Em breve estarei de novo convosco, pois sois objeto
de meus pensamentos e de minhas solicitudes, convosco que sois os patrões de meu
coração, e que, como diz são Paulo, onde quer que eu vá, sois sempre gaudium meum
et corona mea”. Enfim, como ao padre Bonetti, mas com outras palavras, dirigia-se
a um clérigo assistente de 20 anos com expressões inspiradas em 2Tm 4,2: “Tu vero,
Cinzane, fili mi, age viriliter ut coroneris feliciter (...)”.120
Para 1875 enviava a cada diretor a assim chamada “estréia”. Ao padre Bonetti, por
exemplo, transmitia-a em versão diferente, segundo os destinatários: “A ti: faze de forma
com que todos com os quais falas se tornem teus amigos. Ao prefeito: acumula tesouros
para o tempo e para a eternidade. Aos professores assistentes: In patientia vestra possi-
debitis animas vestras. Aos jovens: comunhão freqüente. A todos: exatidão nos próprios
deveres”.121 A carta Aos meus caríssimos filhos, diretor, assistentes, prefeito, catequista,
alunos e outros do colégio de Lanzo trazia forte conteúdo programático-educativo.
Exprimia sua tristeza por não ter podido fazer-lhes uma visita, assegurava a lembrança
cotidiana, agradecia o “envio de bom augúrio”, saudava desejando-lhes “saúde do céu,
estudo e moralidade”. Comentava então essas três palavras. A santidade, “precioso
dom do céu”, devia ser salvaguardada de intemperanças e imprudências. O estudo devia
ser cultivado olhando o futuro: “fazer-se uma bagagem de conhecimentos com os quais
se poderá ganhar o pão da vida”; “ganhar-se o honesto alimento”; “jamais se diga de
nós – concluía – que vivemos dos suores dos outros”. Demorava um pouco mais sobre
a moralidade, “o liame que une ao mesmo tempo santidade e estudo, o fundamento
sobre os quais eles estão pousados”, sobre o qual cada cada um joga sua honorabilidade
social (“sereis amados e respeitados até pelos maus”, ou então, “desprezo geral”) além
da salvação eterna. Não faltava, enfim, o apelo vocacional: “Escuto a voz que vem de
longe e grita: ó filhos, ó alunos de Lanzo, vinde salvar-nos! São vozes de tantas almas
que esperam a mão benéfica que vai tirá-los do precipício da perdição e colocá-los no
caminho da salvação. Eu vos digo isso porque muitos de vós sois chamados à carreira
sagrada, para ganhar almas. Criai coragem: há muitos que vos esperam. Recordai as
palavras de santo Agostinho: Animam salvasti, anima tuam praedestinasti”.122 Ainda
de Roma, em março, transmitia a alguns diretores pensamentos e palavras expressas
na audiência do papa, ainda que fossem eco dos que tinha comunicado em 1874.
Provavelmente eram mais próprios de quem escrevia que do mesmo papa, mas, de qual-
quer modo, não estranhos a este. Na carta que escreveu ao padre Dalmazzo em Turim-
Valsalice confirmava a ele e seus alunos: “Recomendo-vos cada dia na santa missa,
120 Carta de 7 de março de 1874; E II 361-362.
121 Carta de 30 de dezembro de 1874; E II 434.
122 Carta de 5 de janeiro de 1875; E II 436-438.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 223
pedindo para cada um de vós os três conhecidos esses que nossos sagazes alunos logo
sabem interpretar: Saúde, Sabedoria e Santidade”. Acrescentava: “Meu querido padre
Dalmazzo, messis multa, messis multa. Dize a teus alunos que sejam todos valentes e
santos missionários, mas de tal modo que um valha por cem, e então começaremos a
satisfazer algumas das inumeráveis necessidades, das quais estamos cercados”.123 Na
iminência do retorno escrevia aos padres Rua, Francesia, Bonetti e Lemoyne comuni-
cando a bênção do santo padre.124 Ao primeiro dizia: “senti-me muito querido com o
presente que me fez de um optime geral de procedimento”, merecido pelos jovens.125
Ao padre Bonetti repetia coisas que, em parte, retomavam o que já tinha comunicado
em 5 de janeiro de 1875, sempre em relação à audiência papal: “Teve a complacência
de me fazer muitas perguntas, entre as quais se existem quem se possa comparar com
Domingos Savio. Respondi que parece haver alguns que possam ser colocados ao lado
de Domingos Savio, mas um grande número está verdadeiramente no caminho de supe-
rá-lo. Riu e então acrescentou: Deus abençoe os diretores, os outros superiores e todos
os internos”.126
A dois diretores de colégio escrevia também no início de 1876. A carta mais
afetuosa era endereçada aos Meus caros amigos diretor, mestres, professores e alunos
do Colégio de Lanzo, com uma expressão inicial de absoluta espontaneidade: “Deixai
que eu vos diga, e ninguém se ofenda: vós sois todos ladrões. Eu vos digo e repito, vós
me tirastes tudo. Quando estive em Lanzo, vós me encantastes com vossa benevolência
e amabilidade e me amarrastes as faculdades da mente com vossa piedade. Mas tinha
ficado ainda este pobre coração, do qual já me roubastes os afetos por inteiro. Agora,
vossa carta assinada por duzentas mãos amigas e tão caras tomaram posse por inteiro
deste coração, do qual nada ficou a não ser o vivo desejo de vos amar no Senhor, de
fazer-vos o bem e salvar a alma de todos. Essa generosa mostra de afeição me convida
a ir o mais rápido possível a fazer-vos nova visita, que espero não demorará tanto.
Nessa ocasião quero que estejais alegres de alma e corpo e que façamos ver ao mundo
quanto se possa estar alegres de alma e de corpo sem ofender ao Senhor”.127 Sobre
problemas de direção, ao invés, tratava sobretudo com o diretor do Colégio de Varazze,
não sem uma mensagem para os alunos: “Dize a todos que os amo de coração no
Senhor, que cada dia os recomento na santa missa, pedindo por sua santidade estável,
pelo progresso nos estudos e pela verdadeira riqueza, o santo temor de Deus”.128 Não se
esquecia dos que também chamava de Meus caros filhos de são Nicolau, dos quais tinha
recebido saudações e augúrios. No colégio – dizia – “espero que, com a ciência, apren-
123 Carta de 8 de março de 1875; E II 465-466.
124 E II 466-470.
125Ao padre Rua, 12 de março de 1875; E II 466.
126 Carta de 15 de março de 1875; E II 469.
127 Carta de 3 de janeiro de 1876; E III 5.
128Ao padre Francesia, 10 de janeiro de 1876; E III 6.

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224 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
dais o santo temor de Deus. Vossos superiores me dizem que sois muito bons, e isso me
consola grandemente. Continuai o caminho da virtude e tereis sempre a paz do coração,
a benevolência dos homens e a bênção do Senhor”. Comunicava ao mesmo tempo a
especial bênção do papa, a quem tinha falado deles, e concluía: “Deus vos abençoe a
todos, ó meus queridos filhos. Sejais alegres, mas fugi da ofensa do Senhor, freqüen-
tando a santa comunhão. Enviai-me alguma carta e rezai por mim”.129 Escreveria-lhes
de novo no ano seguinte. Fazia os agradecimentos pelos augúrios pelo onomástico e
enviava a eles e aos seus pais a especial bênção do papa e sua mensagem: “tornem-se
todos muito ricos, muito ricos, mas da verdadeira riqueza que é a virtude, o santo temor
de Deus”. Esperava dos mesmos, enfim, a resposta a quatro perguntas: 1) sois bons?
2) Vós me escrevereis outras cartas bem longas? 3) Todos vos tornareis missionários?
4) Sereis todos santos?”.130
4.3 Visitas
Uma carta ao diretor de Lanzo, padre Lemoyne, pode ser útil para conhecer a forma
como preparava e efetuava as visitas aos colégios: “Quarta-feira próxima, pela manhã,
espero estar contigo em Lanzo. Se me fizeres conhecer os melros que têm especial
necessidade de ser depenados, me serviria de norma para cada um, que terei ocasião
de encontrá-los no colégio”.131 Também o agradecimento pelos augúrios natalícios que
lhe enviaram era indubitavelmente eco de coisas vistas e de palavras ditas e ouvidas no
curso da visita: “Deus vos recompense pela benevolência que me demonstrastes. Uma
palavra a todos. O senhor diretor não deixe jamais de dar os bons conselhos e os avisos
salutares quando é ocasião de dá-los. Os padres sejam solidários uns com os outros em
tudo o que diz respeito à salvação eterna, a própria e a dos jovens do colégio. Os profes-
sores interroguem a todos na aula e tenham presentes os mais fracos. Os assistentes
façam todo esforço para impedir as más conversas. Os padres e os clérigos se recordem
que são sal terrae et lux mundi. Os alunos amem a virtude da modéstia e da sobriedade.
A todos recomendo ilimitada confiança no diretor. Deus vos abençoe a todos e vos faça
ricos da verdadeira riqueza que é o santo temor de Deus. Vós sois minha consolação;
ninguém me transpasse o coração com os espinhos do mau comportamento”.132
Não temos documentação detalhada sobre as visitas, faltando em cada casa crônicas
apropriadas, que o próprio Dom Bosco recomendou vivamente, mas sem apreciáveis
resultados. Podem-se fazer a reconstrução graças aos indícios de boas anotações feitas
em Valdocco e do Epistolário. Em geral, para economizar tempo, Dom Bosco não dese-
129 Carta de 1o de julho de 1876; E III 69-70.
130 Carta de 16 de julho de 1877; E III 200-201.
131 Carta de 24 de novembro de 1872; Em III 496.
132 Carta de 26 de dezembro de 1872; Em III 500-501.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 225
java excessivas manifestações externas. O trabalho se desenvolvia principalmente no
interior com a máxima expressão de suas responsabilidades conjuntas de superior reli-
gioso, gestor de casas de educação, confessor, governante, educador, diretor espiritual,
animador, padre, irmão e amigo dos educadores e dos alunos.
A visita a Mirabello, Cherasco e Lanzo o ocupava de 10/11 a 20 de março de
1870.133 Outra, a Lanzo, estava prevista para a segunda semana da quaresma, de 14 a
20 de março, em carta, enviada de Roma, nos primeiros dias do mês. No pós-escrito
recomendava: “Quando for a Lanzo, peço que não façam nenhum aparato festivo. Festa
na igreja, e não outra coisa”.134 Em Mirabello prometia nova visita para a “primeira
quinzena de maio” do mesmo ano.135 Aos jovens de Lanzo, em 11 de fevereiro de
1871, anunciava uma visita para segunda-feira de manhã, 13 de fevereiro, para “fazer
carnaval” com eles.136 Esteve em Borgo San Martino de 1° a 3 de agosto, como tinha
anunciado em 27 de julho: “Se Deus quiser, na próxima terça-feira, às 11 da manhã,
estarei em Borgo San Martino”.137 Anunciava outra visita em Varazze e em Marassi
para fins de junho de 1872: “Amanhã [12, quarta-feira] irei a Varazze, sexta-feira à
tarde espero estar em Gênova”.138 No final de novembro de 1872 visitava o Colégio de
Lanzo e, poucos dias depois, o Internato de Sampierdarena. De 26 a 29 de abril de 1873
efetuava rápida visita a Alassio, Varazze e Sampierdarena. Em 26 de novembro estava
ainda em Sampierdarena e, no dia 28, em Borgo San Martino. A partir de 6 de dezembro
parava por alguns dias em Lanzo. De 10 a 13 de maio de 1874 se dirigia de Alassio
para Varazze e Sampierdarena, visitando novamente os colégios de 9 a 12 de junho.
De 25 a 29 de julho estava de novo em Sampierdarena, Sestri Ponente e Gênova. Como
se viu, na volta da primeira viagem a Nice, parava em Alassio, de 15 a 19 de dezembro,
e depois em Sampierdarena. Em 1875 Dom Bosco dedicava a primeira metade de junho
aos colégios da Ligúria, Alassio, Varazze e Sampierdarena.139 Por fim, do Internato de
Sampierdarena programava a visita a Borgo San Martino de sexta, 18, até segunda-
feira, 21 de junho de 1875, aí incluindo um almoço na casa do bispo de Casale e um
na de um pároco da região.140 Retornava pela metade de novembro.141 Por ocasião da
fundação de Nice, em novembro de 1875, como já se viu, parava em Alassio, Varazze
e Sampierdarena, na ida como na volta. Sobre isso falava em Valdocco nas tardes de
7 e 8 de dezembro. Na noite de 22 de dezembro levava aos estudantes do Oratório as
133De Mirabello existe uma carta ao secretário do bispo de Casale, 10/11 de março de 1870;
Em III 193.
134Ao padre Lemoyne, 17 de fevereiro de 1870; Em III 186.
135Ao padre Bonetti, 17 de fevereiro de 1870; Em III 186.
136Ao padre Lemoyne e aos jovens, 11 de fevereiro de 1871; Em 308. Cf. E II 148.
137Ao padre G. Bonetti, 27 de julho de 1871; Em III 349.
138 Ao barão Cataldi e à condessa Gambaro, 11 de junho de 1872; Em III 439-440.
139 Cf. carta ao padre Chiatellino, 30 de junho de 1875; E II 484.
140Ao padre Bonetti, 16 de junho de 1875; E II 480.
141Ao padre Bonetti, 13 de novembro de 1875; E II 519.

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226 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
saudações dos companheiros de Lanzo, aos quais tinha visitado. A citada carta de 3 de
janeiro de 1876 era extraordinário eco dessa visita.142 No dia 12 de janeiro, em circular
aos salesianos, tomava como ponto de partida as visitas a essas casas, exprimindo a
plena satisfação pelo seu andamento “material e moral”, quer em relação à “adminis-
tração interna, quer nas relações sociais externas”.143 Da última semana de fevereiro a
12 de março de 1876, como atestam as cartas das várias cidades, fazia uma longa visita
desde Nice até Vallecrosia, Alassio, Varazze e Sampierdarena. “Estou em visita na costa
– escrevia ao padre Cagliero em 3 de março –, e nossas casas continuam sua vida com
a máxima satisfação”.144
Essas visitas representavam uma peregrinação de grande riqueza espiritual e educa-
tiva, além de ter caráter orientador e diretivo. Em qualquer lugar, o empenho prioritário
de Dom Bosco se exercitava em relação aos diretores e aos colaboradores. Informava-se
sobre os diversos problemas, morais, pedagógicos, disciplinares e adminsitrativos, e
sobre as relações com as autoridades civis, escolares e religiosas; indicava possíveis
soluções; dirimia contrastes internos e externos; encontrava-se com os benfeitores e
os cooperadores mais acessíveis. Visitava os doentes da casa, dava a boa-noite todas as
noites, confessava jovens e salesianos pela manhã e à noite, estava disponível para o
exercício da boa morte, reunia os salesianos após as orações da noite, entretinha-se no
pátio com os jovens e educadores, assistia a eventuais apresentações artísticas e peças
teatrais. Privilegiava, em particular, os jovens das turmas mais adiantadas e recebia-os
para colóquios particulares, tratando principalmente de vocação. Na boa-noite dava
notícias e saudações dos outros colégios, narrava sonhos, exortava a manter-se na graça
de Deus, a evitar o ócio, as conversas impróprias e as más ações, convidava à sinceri-
dade nas confissões, encorajava à abertura com o diretor, admoestava os irriquietos e
os descontentes. Com o diretor e o prefeito se informava sobre o estado financeiro da
obra, ajudando as mais fracas e solicitando alguma contribuição das mais florescentes.
Não deixava principalmente de conseguir eventual dinheiro disponível para ajudar a
casa-mãe, constitucionalmente passiva, abrigo de beneficiência mais que colégio, tendo
a responsabilidade de toda a formação da maior parte do pessoal destinado à gestão de
outras obras.
5. Festas juvenis em Valdocco
Dois acontecimentos polarizavam em torno de Valdocco não apenas os jovens resi-
dentes, mas também os que eram de outras obras mais próximas, ao menos alguns
142Ao Colégio de Lanzo, 3 de janeiro de 1876; E III 5.
143 E III 6-7.
144 E III 28.

23.7 Page 227

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 227
representantes, assim como os jovens de longe, até de muito longe, com mensagens
de vários tipos: a festa de Nossa Senhora Auxiliadora, em 24 de maio, e a celebração
onomástica de Dom Bosco, convencionada em 24 de junho. Ambas produziam grande
expectativa e arroubos de emoção que precediam e seguiam o evento de muitas semanas.
Pode-se tomar como exemplo o que foi escrito em janeiro de 1871 ao diretor de Borgo
San Martino, quando lhe enviou a estréia para o novo ano: “Podes renovar a nossos
caros jovens a esperança de que, até o momento, tudo está bem para a vinda deles para
a festa de Nossa Senhora Auxiliadora. Eles figurarão no programa como segue: em
23 de maio, à tarde, música dos alunos do Seminário Menor de Borgo San Martino.
Para a comida e o alojamento, creio que não haverá dificuldade. Tem-se que pensar para
dormir, mas a isso se providenciará (...). Em todo caso, quero, dante Deo, que façamos
uma bela festa e que estejamos muito alegres. Para o vapor [o trem] temos já a metade
do preço; espero que vamos conseguir mais”.145
Da festa de Nossa Senhora Auxiliadora, indubitavelmente a mais popular de todas
que se celebraram em Valdocco, acenou-se a propósito da consagração da igreja em junho
de 1868 e do culto mariano irradiado por esta. O envolvimento dos jovens do Oratório,
como se viu, era pleno. No entanto, os jovens eram co-protagonistas com a massa de
devotos dela participavam, que vinham de fora e que, em algum modo, os anulavam.146
A festa de são João Batista, destinada a celebrar o onomástico oficial de Dom Bosco,
ao invés, era toda de família, dos jovens, dos salesianos, dos ex-alunos. No Arquivo
Central Salesiano uma sessão particularmente rica está reservada às Honras a Dom
Bosco durante a vida, em grande parte dedicada à festa onomástica, material significativo
que mereceria ser estudado com esmero. Esse material coloca em particular evidência
o fascínio que Dom Bosco conseguia suscitar e o potencial “educativo” e emotivo que
a festa induzia e potenciava. Entre as tantas cartas de comunidades e de particulares,
educadores e jovens, as composições em prosa e em poesia de jovens estudantes e apren-
dizes, de clérigos e de outros, sobressaem os textos dos hinos compostos pelo padre
Lemoyne e musicados primeiro pelo leigo externo maestro Giovanni De Vecchi, em
seguida do salesiano coadjutor Giuseppe Dogliani (1849-1934). Particularmente expres-
sivo é o dedicado Ao padre Giovanni Bosco celebrando-se pelos jovens do Oratório de
São Francisco de Sales seu onomástico na ocasião do seu retorno de Roma. Dom
Bosco tinha celebrado na Basílica de São Pedro o 25° aniversário de eleição ao papado
de Pio IX (1846-1871) e tinha retardado a festa onomástica para 8 e 9 de julho, e o poeta
cantava: “E tudo ao redor ecoe / os aplausos ao diretor /, ao pai terníssimo /, ao rei dos
nossos corações” [E tutt’intorno echeggino / I plausi al direttor, / Al padre tenerissimo,
/ Al re dei nostri cuor]. Mas não se deixavam superar em carga afetiva composições de
alunos e salesianos, enquanto os ex-alunos, “os velhos jovens já educados nesta casa”,
subscreviam uma mensagem. Os mais aparelhados eram os tipógrafos que podiam
145Ao padre Bonetti, s.d.; Em III 286.
146 Cf. cap. 16, § 6.

23.8 Page 228

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228 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
oferecer impressa, com arte refinada, alguma poesia: Ao padre Giovanni Bosco, quando
se festejava seu retorno de Roma e se celebrava seu onomástico, como a tão meigo pai
os tão afetuosos filhos, os jovens tipógrafos do Oratório ofereciam este tênue ensaio de
frisos-floreais – Ao teu mérito é pouco; ao nosso afeto é nada.
Um intermezzo imprevisto, mas particularmente alegre, foi a festa para o retorno
de Dom Bosco após a doença de Varazze, celebrada no sábado e domingo, 17 e 18 de
fevereiro de 1872, coincidindo com a solenidade de são Francisco de Sales. “A festa
bendita / do dia no qual tu voltas / salvo do rio da doença / mudaste em vivo júbilo / a
nossa áspera dor” [La festa benedetta / Del giorno in cui tu reduce / Salvo da rio malor
/ Mutasti in vivo giubilo / Il nostro aspro dolor], poetizava ainda o padre Lemoyne.
A celebração de 24 de junho de 1873 foi preparada acuradamente com bem duas
reuniões do Conselho da Casa do Oratório, e em uma terceira foi criticamente exami-
nado seu andamento.147 Da festa de 1874 já se falou do épico hino no qual Dom Bosco
era celebrado como novo Moisés. A crônica anotava justamente: “o arcebispo consi-
derou um pouco de exageração”.148 No mesmo ano se celebrava também, pela primeira
vez, a festa do aniversário de Dom Bosco: reduzia-se, porém, a uma sessão lítero-
musical acontecida no sábado, 15 de agosto.149
Os festejos de 1877 chegavam a uma intensidade excepcional. Eles foram trans-
feridos para os dias 28 e 29 de junho. No dia 28, com efeito, foi associado nas home-
nagens dom Federico Aneiros, arcebispo de Buenos Aires, assim como seu séqüito.150
Nos discursos e cantos envolveram com homenagens distintas ambos os protagonistas.
“Cantaram-se dois hinos, um dos aprendizes, musicado por De-Vecchi, e outro dos
estudantes, musicado por Dogliani” sobre textos épicos do padre Lemoyne. No dia 29,
pelas 6h30 recomeçaram a festa para Dom Bosco, tudo como no dia anterior. Maior
número de forasteiros a assistia. A festa se encerrava às 10 horas da noite.151
Em 1978 as festas começaram na vigília de 24 de junho, domingo no qual se cele-
brava a festa externa de são Luís. “Após as funções – estava anotado – festa para Dom
Bosco, começando perto das 6h30 até às 8h15. Fogos de artifício, ceia, repouso. No
dia 24, solenidade de são João. Às 9h30 da manhã os antigos jovens do Oratório, agora
externos, foram recebidos na porta pela Banda do Oratório. Eles entraram e apresen-
taram o costumeiro e sempre precioso presente a Dom Bosco, sempre muito afeiçoado
a eles”. “Após as funções, às 6h30 começou a festa no pátio. Leitura de composições,
canto, música. Apresentaram os seus buquês [maços de flores ou de preces, propósitos
diários etc.] os oratórios externos de São Francisco de Sales e São Luís”. A chuva não
permitiu a festa noturna completa, que foi postergada para o dia de são Pedro: mas
147 J.M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 179-180.
148 J.M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 190-191.
149 J.M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 192.
150 Cf. cap. 25, § 1.
151 J.M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 57.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 229
também nesse dia, por causa novamente da chuva, foi preciso fazer a sessão lítero-
musical no salão de estudo.152
Em formas análogas as festas se desenvolveriam num crescendo nos anos suces-
sivos, até a última solenidade de são João celebrada por Dom Bosco em 1887.153
6. Ex-alunos: salesianos pela educação recebida
Durante a vida de Dom Bosco não houve organização oficial dos ex-alunos em
uniões e federações. A passagem de relações pessoais ou epistolares de ex-alunos do
Oratório com Dom Bosco e vice-versa para certa visibilidade do grupo aconteceu pela
primeira vez em 1870. Um discreto número deles, tendo à frente um encadernador,
Carlo Gastini, reuniu-se em 24 de junho em local adjacente da Igreja Nossa Senhora
Auxiliadora, convidando Dom Bosco para estar com eles. Dirigiram-lhe afetuosa
saudação, ofereceram-lhe o presente e escutaram as palavras de agradecimento do feste-
jado. O número aumentou nos anos seguintes, até que, em 1876, Dom Bosco mesmo
propôs que se acrescentasse ao encontro de 24 de junho um dia do mês de julho a fim
de se reunir para um almoço em comum: os leigos num domingo e, em dia de semana,
os eclesiásticos.
O animador dos participantes do encontro continuou sendo Carlo Gastini (1833-
1902), oratoriano de 1848, clérigo por alguns anos, depois mestre encadernador e, a
partir de 1875, organizador do complexo de bandas dos ex-alunos de Valdocco. Ele se
tornava chefe ou presidente do comitê que coordenava as iniciativas. Em 1871, pelo
onomástico de Dom Bosco tornava-se promotor da homenagem padre Giacomo Bellia
(1834-1908), companheiro de Gastini em Valdocco de 1848 a 1856. Algumas anotações
de crônica oferecem informações interessantes sobre o papel de Gastini a respeito da
festa onomástica de 1884. Fala-se de uma representação de mais de trezentos “antigos
jovens do Oratório”, eclesiásticos e leigos de toda condição social e professional,
que, às 10 horas da manhã, foram apresentar sua saudação a Dom Bosco, e em sinal
de reconhecimento ofereceram “um rico paramento para a igreja”. A certo ponto –
continua a crônica – “apareceu o senhor Carlo Gastini, e como chefe da sociedade dos
antigos alunos” fez-se intérprete do afeto dos presentes para com o festejado, a quem
“com inimitáveis versos fez os mais cordiais augúrios de vida longa e muito feliz”.154
No encontro sucessivo, em 13 de julho, com predominância de leigos, emergiam as
figuras do secretário e do presidente da comissão organizada para a manifestação
152 J.M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 67-68.
153 Para alguns anos se encontram acenos em J.M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento,
p. 81(1880), 94 (1886), 169 (1872), 207 (1875), 216 (1876), 241 (1878), 247 (1881) e
250 (1882).
154 “L’Onomastico di Don Bosco in Torino”, BS 8(1884) n. 7, julho, p. 98.

23.10 Page 230

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230 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
“nominal” (onomástica). O Boletim Salesiano não economizava elogios ao presidente,
Carlo Gastino, que com sua exibição de doutor, parecia deixar em segundo plano a
saudação do professor Fabre e o discurso do professor Germano. Em seguida, o secre-
tário, Luigi Fumero, recordava os encontros quinzenais dos antigos alunos e “propunha
uma coleta para a celebração de uma missa na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora em
favor dos ex-alunos defuntos”. Dom Bosco encerrava, manifestando seu reconheci-
mento e consolação, entre outras coisas pelo fato de saber “que todos – afirmava –
louvam esta nossa reunião, porque é o modo verdadeiro de recordar os avisos e os
conselhos que eu vos dava quando fostes meninos”.155
Em nome do comitê, Carlo Gastino e Matteo Alasia, secretário, em 31 de janeiro de
1888, anunciavam aos antigos alunos do Oratório a morte de Dom Bosco.156
De fato, Dom Bosco sentia os ex-alunos pertencentes à mesma família, salesianos
como seus irmãos maiores religiosos. Em força dessa persuasão ele lhes confiava a tarefa
de prolongar no exercício de sua paternidade, física e espiritual, a missão educativa e o
método preventivo do qual eles próprios tinham sido beneficiados. “Eu – punha quase
como premissa em um discurso a ex-alunos sacerdotes –, com o nome de salesianos
entendo significar todos os que aqui no Oratório foram educados com as máximas deste
grande santo. Portanto, para mim vós sois todos salesianos”.157 À convergência e ao
envolvimento no empenho operativo comum tinha já exortado, nos dias 25 e 29 de julho
de 1880, ex-alunos leigos e sacerdotes. Aos primeiros recomendava não somente de se
mostrarem sempre e em toda parte “bons cristãos e homens honestos”, mas também, se
pais de família, de fazer os próprios entes queridos participar da educação recebida no
Oratório: “Somos salesianos e como tais esqueçamos tudo, perdoemos a todos, faremos
o bem que pudermos e o mal a ninguém”. Por isso, mostrar-se “bons salesianos, verda-
deiros filhos de Dom Bosco, cujo mais vivo desejo é o de povoar o céu de almas e
esvaziar o inferno, se possível for”; “a educação que vós recebestes no Oratório de
Dom Bosco, comunicai-a a vossos caros”.158 A eles colocava também como perspectiva
a possibilidade de inserção social específica. “Alguns – dizia no encontro de domingo,
23 de julho de 1882 – têm sugerido que se ressuscite em vosso meio a Sociedade de
Mútuo Socorro”. “A partir desse tempo – observava − fundaram-se em quase todas as
cidades e lugarejos as assim chamadas Sociedade dos Operários Católicos, os quais
são verdadeira bênção para estes tempos”. Convidava para que entrassem nela, partici-
pando ativamente das vantagens espirituais e materiais que a isto comportava.159 Em 13
de julho de 1884 louvava a reunião anual e afirmava: “Sinto que agora vos amo ainda
ou mais que antes, porque vós, com vossa presença, me assegurais que estão sólidos
155 BS 8(1884), n. 8, agosto, p. 112-113.
156 Texto em MB XVIII 814-815.
157 Discurso de 17 de julho de 1884; BS 8(1884), n. 8, agosto, p. 115.
158 “La gratitudine filiale a lieta mensa colla bontà paterna”, BS 4(1880), n. 9, setembro, p. 10.
159 BS 6(1882), n. 9, setembro, p. 150.

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Cap XXIII: Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877) 231
em vossos corações os princípios de nossa santa religião que eu vos ensinei, pois eles
são o guia de vossa vida. Sinto que vos amo ainda mais porque me fazeis ver o quanto
vosso coração vibra sempre por Dom Bosco. Vos me dizeis: Eis, Dom Bosco, estamos
aqui para lhe confirmar que estamos sempre todos no caminho da salvação: e seus
pensamentos são até agora os nossos. E vos digo que sou todo vosso no pensamento e
na ação, e em todo o meu agir.160
Mais pontual e comprometedor era o discurso a ex-alunos sacerdotes em 29 de
julho de 1880. “Teria muitas coisas a vos dizer”, iniciava. “A principal – prosseguia
– é que vos esforceis para fazer todo o bem possível à juventude de vossas paróquias,
vossas cidades, vossas vilas, vossas famílias”. Indicava a seguir as formas, os meios e
os métodos “para sair-se bem com os jovens”: “Fazei um grande esforço – inculcava,
relembrando os princípios originais – para usar com eles o bom trato; fazei-vos amar, e
não temer; mostrai-lhes e persuadi-os de que desejais a salvação de suas almas; corrigi
com paciência e com caridade seus defeitos; sobretudo, evitai bater-lhes; em resumo,
procurai que, ao ver-vos, corram até vós, e não fujam, como fazem infelizmente em
muitos lugares e na maioria das vezes, porque têm razão: eles temem apanhar”.161
No ano seguinte falava do difícil processo sobre o qual tinha conseguido realizar seu
projeto em benefício dos jovens, não obstante as dificuldades e as oposições, e enun-
ciava um princípio tipicamente salesiano para fazer o bem: “O mundo nos cobre de
vilanias e também de injúrias? Então vamos cobri-lo de benefícios, trabalhando para
seu bem-estar religioso, moral, e, se puder, também físico e moral. Coloquemos em
prática o conselho de são Paulo: Noli vinci a malo, sed vince in bono malum: não querer
ser vencido pelo mal, mas vencer o mal com o bem. Quer dizer, com vossa bondade
vencer a malícia e a perversidade de vossos adversários, e procurai conquistá-los para
Deus com as boas obras. Sobretudo fazei o bem às crianças, aos pobres, aos enfermos,
como o Mestre divino, e de tal forma fechareis a boca aos tristes, e o que é melhor, atrai-
reis a proteção de Deus sobre vós e sobre as obras de vosso santo ministério, e o que
é protegido e abençoado por Deus será invencível”.162 Ainda em 19 de julho de 1883
sublinhava aspectos novos e antigos do zelo apostólico. “Vivei – exortava – sempre
como bons sacerdotes, como vos ensinou e inculcou este vosso velho amigo; zelai pela
salvação das almas que se perdem miseravelmente; cuidai de modo especial da juven-
tude dos vossos lugares, na qual está a esperança da sociedade; estai unidos ao chefe da
Igreja, ao vigário de Jesus Cristo; queiramos sempre bem uns aos outros; rezemos uns
pelos outros”.163 A ouvintes sacerdotes propunha sempre, para o ano seguinte, um apos-
tolado considerado atual, por causa da perda de vidas que se faziam de várias formas,
em jogos de azar com armas ou com o suicídio: inculcar a preciosidade da vida. Com
efeito, “a vida temporal bem empregada – dizia – é sementeira da vida eterna”.164
160 BS 8(1884), n. 8, agosto, p. 113.
161 BS 4(1880), n. 9, setembro, p. 11.
162 BS 6(1882), n. 9, setembro, p. 151.
163 BS 7(1883), n. 8, agosto, p. 129.
164 Discurso de 17 de julho de 1884, BS 8(1884), n. 8, agosto, p. 116.

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24.3 Page 233

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Capítulo XXIV
Forjador de comunidades religiosas dedicadas à
educação juvenil (1865-1877)
1865
1871
1872
1873
1874
1875
1877
Primeira Conferência Geral dos Diretores na Festa de São Francisco de Sales
janeiro: Lembranças confidenciais aos diretores
12 de outubro: normas para a distribuição do pessoal
início da redação das Memórias do Oratório
3 de junho e 15 de novembro: duas importantes circulares sobre a vida religiosa
3 de fevereiro: terceira circular sobre a vida religiosa
janeiro: Dom Bosco resume o manuscrito sobre As perquirições de 1860 no
Catálogo Anual, primeiras biografias de Salesianos defuntos
1º a 16 de abril: conferências gerais aos diretores
26 de maio: Dom Bosco narra os primórdios do Oratório
primavera-verão: Aos sócios salesianos, introdução à edição das Constituições
italianas
18-26 de setembro: conferências capitulares e dos diretores
últimas Conferências de São Francisco de Sales
A partir de 1875 Dom Bosco começava a organizar no Oratório espaços separados
para os noviços e/ou jovens estudantes de filosofia. Depois, a partir de 1879, criava uma
comunidade para um primeiro grupo em casa separada, em San Benigno Canavese, 18
quilômetros ao norte de Turim, seguida, em 1886, de outra, 8 quilômetros mais adiante,
em Foglizzo Canavese, somente para clérigos noviços e estudantes de filosofia.
Conforme já se falou do Oratório, também nas outras obras os salesianos e os jovens
formavam duas comunidades distintas, educativa e religiosa, mas não separadas. Por
isso a substância da direção e da animação educativa dos colégios, internatos e orató-
rios, incluindo o magistério expresso das exortações noturnas e das outras formas de
comunicação oral, envolvia totalmente também a vida dos religiosos educadores. Aos
salesianos ficavam reservadas, quando possível, algumas práticas: meditação, confe-
rências particulares, exercícios espirituais anuais – muitas vezes com grandes grupos
de aspirantes e noviços –, circulares específicas, rendiconto mensal prescrito pelas
Constituições. Assim, quando se fala de Dom Bosco formador e animador, em formas
específicas, dos salesianos consagrados, não se pode esquecer de sua ação na comuni-

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234 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
dade global, que oferecia elementos substanciais da personalidade deles, quer de reli-
giosos quer de educadores.
1. Formação dos responsáveis de comunidades educativas
Sobre todos os canais de formação dos religiosos educadores, segundo o estilo sale-
siano, dominava o constante envolvimento no trabalho comum, tanto em nível local como
geral, efetiva ou idealmente em sintonia com o fundador e superior geral, Dom Bosco.
O seu ser e o seu agir constituíam a referência e o modelo mais atendível para a reinterpre-
tação vivencial da salesianidade bosquiana, em ótica assistencial, educativa e religiosa.
1.1 Fazer como Dom Bosco
Do fundador e pai os colaboradores procuravam intuir e assimilar a fé, a caridade,
o realismo, o senso do concreto, a clarividência, o empreendedorismo. Sua pessoa, o
estilo de governo, a forte carga comunicativa constituiam-se escola, mais que implí-
cita, de religiosos, de educadores, de dirigentes e de animadores com características
peculiares. Ele se tornava, de alguma forma, o protótipo, com sua singular congênita
mentalidade, ulteriormente amadurecida por sua típica percepção do tempo e da socie-
dade em que atuava. Tudo isso se explicitava nas articulações entre as linhas de ação
sugeridas nos mais variados comportamentos: avesso à retórica, busca do essencial,
recusa de burocracias atrapalhadoras, não aceitação dos formalismos, além de sábio
distanciamento da interferência de autoridades consideradas ignorantes ou com preven-
ções, que pareciam limitar ou restringir atividades educativa e socialmente produtivas,
como eram os ofícios de vigilância, os inspetores, os administradores municipais, os
conselhos escolares e os provedores dos estudos, os responsáveis do alistamento militar
e os guardiães de normas canônicas restritivas.
Era fácil para os colaboradores, próximos ou distantes, identificar-se com ele e com
os que estavam mais próximos que os outros, em condições de ajudá-lo e de interpre-
tá-lo, e aos quais Dom Bosco considerava autorizados com plenos poderes em muitos
atos de direção delegada. Era o caso do padre Rua, que, como se verá mais adiante,
por ocasião das Conferências ou reuniões anuais dos diretores atuava muitas vezes
como presidente, mas principalmente como prefeito geral e vigário. Por isso esteve
na condição, por decênios, de ser o eco fiel, dia após dia, dos pensamentos e inten-
ções do superior fundador, e não apenas no setor disciplinar e administrativo, de sua
competência específica.1 Dom Bosco, ausente do Oratório na época decisiva para a
1Ao padre Rua, 18 de novembro de 1875; Em III 476.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 235
redistribuição do pessoal para o novo ano escolar, recomendava ao padre Rua, que
com destreza governava em Valdocco,: “Distribua o pessoal, mas age da melhor forma
que puderes, para que as coisas se façam sponte, não coacte;2 “ajusta pois as coisas
que dizem respeito ao pessoal, como te disse, mas faze o que podes para contentar
os dirigentes e professores”.3 Em outra circunstância concluía carta a ele com estas
palavras: “In omnibus caritas. Faze com que todos com os quais falas se tornem teus
amigos”.4 Era sinal de plena confiança no homem que se tornava cada vez mais seu alter
ego, a quem repetidamente confiava também notícias da própria saúde: “minha saúde
melhorou bastante; ontem, porém, pela tarde, tive um pouco de febre que durou cerca
de quatro horas, mas sem conseqüências, exceto um pouco de cansaço”.5 Alguns dias
antes tinha escrito: “minha saúde melhorou um pouco; a pequena febre, ao invés, fez-se
sentir do meio-dia até à tarde, mas bem mais mansa e com menos dor de cabeça”.6
Os educadores e superiores, aprendizes ou já experientes, absorviam de Dom
Bosco, quase por osmose, como devia ser o traço fundamental de sua profissão: a
sabedoria, informada pela caridade. Tratava-se de moderação, que não diminuia a
vontade de perfeição, mas respondia precisamente a certo realismo sábio e cons-
trutivo. O início da carta a um diretor manifestava isso com eficácia. Era um trac-
tatus minimus de espiritualidade profissional: “Estou plenamente de acordo contigo.
O optime é o que procuramos, mas infelizmente devemos nos contentar com o
mediocre em meio a tanto mal. Os tempos são assim. Não obstante, os resultados
que até agora obtivemos devem satisfazer-nos. Humilhemo-nos diante de Deus, reco-
nheçamos receber tudo dele, rezemos. Especialmente na santa missa, na elevação da
hóstia, recomenda a ti, tuas fadigas, teus filhos”.7
1.2 Formação narrativa
“Fazer como Dom Bosco” dizia respeito tanto ao passado como ao futuro, ao qual
ele se dirigia muitas vezes narrando e fazendo previsões. Nos anos 70 ele “contava”
exatamente como fazia entre os anos 50 e 60. Os cadernos da Cronichetta do padre
Barberis e de outras três crônicas redigidas ou promovidas por ele fornecem evoca-
ções de sua ação entre os jovens e os salesianos mais próximos, tomadas em vários
contextos entre 1875 e 1879, em vista da formação e animação de aspirantes, noviços e
2Ao padre Rua, 16 de outubro de 1872; Em III 478.
3 Carta de 19 de outubro de 1872; E II 232.
4 Ao padre Rua, de Santo Inácio em Lanzo, em “um estupendo turno de exercícios espirituais”,
10 de agosto de 1873; E II 296.
5Ibid.
6 Carta de julho de 1873; E II 295.
7Ao padre Bonetti, 6 de junhho de 1870; Em III 213.

24.6 Page 236

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236 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
jovens professos. Duas eram as formas principais de narrar: à viva voz e com a escrita.
Em 26 de maio de 1875 estava calorosa a conversa à mesa sobre os Primórdios do
Oratório, a instituição paradigmática que resumia as diversas iniciativas em favor dos
jovens. Todas estas eram idealmente Oratório. Não faltavam as dramatizações, que não
se preocupavam com a precisão histórica.8 A começar de 1873, faziam eco ao que já
tinha confiado às Memórias do Oratório de São Francisco de Sales. “Escrevi várias
coisas – confiava – de grande instrução para nós”, ainda que algumas “não se possam
publicar, ao menos por enquanto”. Com seus familiares, as recordações das origens nos
anos 1845-1846 chamavam uma a outra em uma sortida série de extraordinária capaci-
dade evocativa.9 Algumas vezes padre Barberis, mestre de noviços, o provocava, sendo
guia e animador dos que iniciavam na vida salesiana, desejoso “de contar aos clérigos
inscritos, nas noites, após as orações, alguma coisa da antigüidade do Oratório”.10 É dele
o registro sobre os mais diferentes argumentos, ouvidos de Dom Bosco em Lanzo, entre
o final de setembro e o início de outubro de 1876. Ali, face a face, afloravam as recor-
dações sobre os acontecimentos dos primeiros tempos do Oratório, tendo Dom Bosco
como protagonista absoluto no enfrentamento das situações juvenis mais difíceis, nas
“lutas” e nas batalhas de rua, na habilidade em fazer brotar o sentimento religioso.11
Outras reminiscências voltavam em novembro de 1878, quando Dom Bosco estava
dando os últimos retoques nas Memórias do Oratório: diziam respeito às tempestades
de 1848 e a difícil busca de colaboradores confiáveis.12
As Memórias do Oratório foram na maior parte redigidas no triênio 1873-1875.
Cobriam por inteiro três décadas: 1825-1835, com acenos aos anos anteriores de 1815
a 1824, 1835-1845 e 1845-1855, incluindo os anos mais ricos de aventuras, de 1845
a 1850. As vinte ou trinta páginas seguintes, terminadas nos anos 1878-1879 e além,
registram fatos conhecidos publicamente: a construção da Igreja São Francisco de
Sales, a explosão da caldeira, o nascimento das Leituras Católicas, concluindo com a
entrada em cena de um “estranho” não previsto, “o cão cinzento”.13 Eram “Memórias”
– afirmava o autor no início de seu trabalho, desmentindo-se à distância de poucos anos
–, que ele tinha prentendido reservar aos “salesianos, com a proibição de dar publici-
dade a essas coisas antes ou depois de minha morte”.14 Os destinatários, ignaros da
utilização que dela se faria muito depressa, tomavam a proibição ao pé da letra, tanto
8 G. Barberis, Cronichetta, quad. 1, p. 27-30.
9 Conversação de sábado à tarde, 1º de janeiro de 1876; G. Barberis, Cronichetta, quad. 3,
p. 46-56.
10 Reflexões de 1° de janeiro de 1876; G. Barberis, Cronichetta, quad. 3, p. 46.
11 G. Barberis, Cronichetta, quad. 11, p. 14-26, 40-41. Outras lembranças de 15 de novembro
de 1878, quad. 12, p. 46-53.
12 G. Barberis, Cronichetta, quad. 14, p. 19-20.
13 MO (1991), p. 18-20. Cf. F. Desramaut, Les Memorie I de Giovanni Battista Lemoyne,
p. 115-119.
14 MO (1991), p. 30.

24.7 Page 237

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 237
que a primeira edição do grosso manuscrito foi cuidada por Eugenio Ceria somente
em 1946. O documento, com efeito, não tinha ficado completamente em segredo. Já
em 1877-1878 estava nas mãos do padre Bonetti, que dele se serviria na composição
da História do Oratório de São Francisco de Sales, saído em fascículos no Boletim
Salesiano, de janeiro a agosto de 1886. Aí se versava mais da metade do texto, a parte
que evocava os inícios e os desenvolvimentos do Oratório e das atividades paralelas,
de 1841 a 1854.15 O próprio Dom Bosco, já no título esclarecia seu caráter formativo
narrativo: suas memórias não eram auto-biografia, mas “Memórias do Oratório de São
Francisco de Sales”, ainda que, em certos aspectos, o autor pareça alguma vez identi-
ficar a gênese e os desenvolvimentos do Oratório com as próprias ações biográficas: o
nascimento em 15 de agosto, o sonho dos 9 anos, as exibições nos prados dos Becchi
etc. Era indubitavelmente – declarava no Proêmio – história normativa. Poderia se dizer
a clássica historia magistra vitae, auxílio para “superar as dificuldades futuras retirando
lição do passado”. Era também recreativa e evocativa, “ameno entretenimento” para
os filhos e memória exemplar no futuro. A qualidade histórica estava necessariamente
ligada ao conceito e à prática da história herdados por ele, segundo os quais a verdade
objetiva é inseparável da interpretação teológica: “fazer conhecer como Deus tenha Ele
mesmo guiado cada coisa a seu tempo”, que, de resto, era convicção milenar de todos
os historiadores crentes.16 Em notável medida, eram memórias do futuro, e portanto,
com muitas reservas, memórias histórico-teológicas do passado.17 Daí emergiam os
traços inconfundíveis do educador salesiano, delineados continuamente por ele nas
narrações, nas conferências e nas conversas familiares. A decisão de se dedicar com
paixão e alegria aos jovens mais necessitados não era somente sinal de chamado divino,
intensificado no momento da escolha definitiva: “minha propensão é de me ocupar
da juventude”.18 Nos vértices das finalidades da assistência beneficente e educativa
estava o convite cristão de sempre. Tratava-se da salvação eterna, garantida pela vida
de graça, conservada ou recuperada com os meios apropriados: oração, sacramentos,
catecismo e devoção a Maria Virgem e Mãe. “A religião fazia parte fundamental da
educação”, recordava Dom Bosco sobre o Colégio de Chieri, e era também refúgio
seguro da “moralidade” e “do exato cumprimento dos deveres”.19 O modo fundamental
de relação com os jovens era a assistência educativa, vivida como premente exigência
pessoal e social, fortemente experimentada desde o primeiro impacto com os meninos
“abandonados a si próprios”.20 Radicava-se, ao mesmo tempo, a convicção da necessi-
15 Cf. MO (1991), p. 115-230, contra as páginas precedentes 29-115.
16 MO (1991), p. 29-30.
17 Cf. P. Braido, “Memorie del futuro”, RSS 11(1992), p. 97-127.
18 MO (1991), p. 112, 127.
19 MO (1991), p. 34, 36, 37, 44, 55, 60, 61, 63, 87, 89-90, 91, 92, 95, 100, 109, 111, 122, 124,
126, 129-130, 133, 137, 146, 158, 160, 162, 171, 177-178, 179, 191-192.
20 MO (1991), p. 122-123.

24.8 Page 238

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238 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
dade de novos lugares de encontro e de agregação juvenil, o oratório, de muitos nomes
e de formas variadas: não apenas lugar de catequese e de prática religiosa, mas também
escola, internato, associação, atividade de tempo livre.21 Era coerente que a prevenção
e a assistência suscitassem iniciativas de diferentes gêneros, de caráter social, reli-
gioso ou apologético: Sociedade de Mútuo Socorro, Leituras Católicas, companhias
religiosas, livros e opúsculos.22 O interesse era sempre o jovem completo, com ampla
abertura para todos os valores, eternos e temporais, espirituais e materiais, capaz de
encarnar na plenitude máxima o idel do fiel profundamente feliz, em harmonia com
Deus, consigo mesmo e com os outros.23 O educador que Dom Bosco aí apresentava
e propunha à imitação dos seus era, fundamentalmente, armado de bondade amável e
juvenil, capaz de restaurar desertos afetivos e povoar solidões dolorosas, na intensi-
dade das relações amigáveis e comunitárias: precisamente a contra-figura de eclesiás-
ticos, por certo muito dignos, mas pouco acessíveis à sensibilidade do jovem Bosco, na
paróquia e no seminário.24 Era ainda, indispensável que o educador fosse ao encontro
da insuperável tensão juvenil em busca da felicidade e da necessidade da alegria.
Os “objetos de igreja e de recreação” eram constantemente ligados às “funções de
igreja” associadas aos “entretenimentos” recreativos e aos “jogos”. No texto apareciam
com freqüência os termos alegria, satisfação, felicidade, hilaridade, pular, rir; e literal-
mente: “cantar, correr, saltar e recrear-se”, “saltos, cantos, gritos, tempo livre”. Por isso
os jovens encontravam no oratório “seu paraíso terrestre”.25
Nos mesmos anos, além da compilação das Memórias do Oratório de São Francisco
de Sales, Dom Bosco se ocupava da revisão do velho manuscrito sobre As perquirições,
de 1860. Delas já se falou com referência ao ano dramático para a história da Igreja
na Itália. Dom Bosco afirmava tê-las escrito então, mas percebia que eram particular-
mente atuais para a formação dos seus, e as desenterrava no início de 1875, falando
delas um ano depois a seus salesianos mais próximos.26 No início de fevereiro de 1875
tinha escrito ao secretário, padre Berto: “Padre Savio trouxe-me, nesta manhã, os três
cadernos [das Memórias do Oratório]. Talvez seja bom que reveja ainda uma vez a
história das perquirições antes de copiá-la”.27 Publicadas no Boletim Salesiano entre
1884 e 1886, com significativas ampliações e paráfrases, em cinco capítulos da História
do Oratório, redigida pelo padre Bonetti, elas podiam se tornar, ainda em vida de Dom
Bosco, magistério escrito sobre o que o superior e fundador tinha-lhes ensinado com
palavras e com o exemplo.28
21 MO (1991), p. 180, 182, 187-188.
22 MO (1991), p. 169, 212, 217, 219-220.
23 MO (1991), p. 35, 71, 93, 123, 153, 159, 192, 200.
24 MO (1991), p. 53, 91-92, 104-105, 110.
25 MO (1991), p. 38, 39, 61, 62, 65, 70, 80, 81, 82, 94, 111, 121, 123, 131, 134, 135, 137, 145,
146, 155, 156, 157, 158, 159, 154, 165, 179, 193, 217.
26 Conversa de 1º de janeiro de 1876, G. Barberis, Cronichetta, quad. 3, p. 6-7.
27 Carta do início de 1875; E II 455-456. Cf. cap. 13, § 2.1, 2.2 e 2.3.
28 Cf. P. Braido; F. Motto. “Don Bosco tra storia e leggenda”, p.143-144, 187-188.

24.9 Page 239

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 239
1.3 Conferências e circulares
Veículo privilegiado de formação religiosa de superiores e súditos eram as alocu-
ções e as conferências, periódicas ou ocasionais, e as cartas circulares.
Em 6 de abril de 1869, após a profissão dos votos trienais dos padres Giovanni
Garino e Francesco Dalmazzo, Dom Bosco proferia um discurso em que desejava que
cada membro da Sociedade fosse fundador, chamado a garantir o sólido enraizamento
nas motivações das origens. Ponto fundamental era a castidade, da qual assinalava os
clássicos inimigos: Otia, vina, dapes, o ócio e a intemperança no comer e no beber.
Em seguida, passava em resenha precauções e cuidados: observar o horário da casa,
fazer a visita ao santíssimo sacramento, freqüentar regularmente a confissão e a comu-
nhão, colocar em prática as regras da Congregação, temperança no comer. Indicava as
tarefas impostas pela aprovação pontifícia da Sociedade Salesiana: era preciso “reor-
ganizá-la, dar-lhe estabilidade”. Era preciso “examinar quais candidatos” tinham as
qualidades e quais não; religiosos e párocos do zona rural pediam para entrar, mas era
preciso “ir muito devagar na aceitação deles, porque – dizia – eles gostariam de vir
aqui para mandar”. Prosseguia: “Estamos atentos para que nada se mude das tradições.
De outra forma, dificilmente se poderá retomar o antigo fervor”. Anunciava a eleição
dos membros do Capítulo Superior, que deveria acontecer em dezembro, e concluía:
“Procuremos fazer-nos de fato dignos fundadores da Sociedade de São Francisco de
Sales, a fim de que aqueles que lerem nossa história possam encontrar em nós muitos
modelos”.29 A eleição acontecia em 10 de dezembro: a única variação era a entrada no
Capítulo do padre Albera (1845-1921) em lugar do padre Francesia, nomeado diretor
em Cherasco. Aos eleitos Dom Bosco relembrava que o “cargo exigia paciência e sacri-
fício”. A todos não escondia que se estava no “princípio de uma vida repleta de espi-
nhos” “tal como no princípio da Sociedade”. Deviam, contudo, sentir-se consolados,
pois havia “de um lado Nosso Divino Salvador e do outro a Santa Virgem”. Anunciava
que “antes do fim do ano” seria impressa “uma ficha ou catálogo” dos componentes da
Congregação, tendo no final o nome dos salesianos defuntos. Deles – acrescentava –,
seria feito à parte, “uma monografia”, na qual se acenaria às “virtudes principais nas
quais se sobressaíra o defunto”.30
Eram notáveis também as reflexões que propunha em 12 de janeiro de 1873,
após a reeleição do ecônomo e de três conselheiros: padres Savio, Provera, Durando
e Ghivarello. Sublinhava que o crescimento da Congregação teria imposto a nítida
distinção dos Capítulos, Superior e Particular de Valdocco, com o desejo de que o
primeiro tivesse um espaço de habitação e de ação próprio. O crescimento da Sociedade
Salesiana exigia, pois,– e Dom Bosco tinha como modelo os jesuítas – que seus membros
“fossem zelantes ministros da mesma, filhos dignos de são Francisco de Sales, como os
29 Documenti, XI 269-271, EdB 1014 A8-10. Itálico do autor.
30 Documenti XI 314-316, FdB 1870 A 4-8.

24.10 Page 240

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240 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
jesuítas se demonstravam dignos filhos do valoroso santo Inácio de Loyola”, permane-
cendo unidos e solidários, ainda que atacados de todos os lados. Os salesianos, eclesi-
ásticos ou leigos, em qualquer mansão ou lugar da terra, sozinhos ou juntos, deviam ter
sempre “presente a finalidade desta Congregação, de instruir a juventude, e em geral
nosso próximo, nas artes e nas ciências, e mais ainda na religião, isto é, numa palavra,
a salvação das almas”. Por agora, em obséquio aos desejos de Pio IX, o trabalho seria
desenvolvido tendo presente a finalidade indicada e suas urgências.31
No mesmo ano, em 1873, começava a série, programada e anunciada, de três circu-
lares, que abordavam pontos de vida religiosa considerados essenciais. A primeira, de
4 de junho, dizia respeito ao interesse material, aguçado pelo fato de que “a aquisição,
a construção, a readaptação e a preparação de novas casas foram causa de gastos assaz
graves”, tais como Alassio, Varazze, Sampierdarena, Lanzo refundado: “o aumento de
todo gênero de comestíveis” – inclusive a taxa sobre a farinha! – fazia com que “a saída
mensal” fosse “muito superior às entradas”. Dava, portanto, as seguintes disposições:
“não se empreenda nenhuma construção”, “não se façam viagens” com finalidades
impróprias, observem-se os artigos 2, 3, 4, 5, 6 do capítulo das Construções relativo ao
voto de pobreza, limitem-se as aquisições, façam-se economias nas coisas que dizem
respeito à vestimenta”. Acrescentava, porém, uma nota muito delicada: “Mas é minha
intenção de que nada se omita naquilo que pode contribuir para a conservação da saúde
corporal ou à manutenção da moralidade, tanto entre os amados filhos da Congregação
quanto entre os alunos que a Divina Providência confia às nossas solicitudes”.32
Seguia, em 15 de novembro, outra circular sobre a disciplina: neste caso não relativa
aos alunos, mas aos salesianos enquanto religiosos, substancialmente como “um modo
de viver conforme às regras e costumeiro de um instituto”. Por isso – explicava –,
“para obter bons efeitos da disciplina, antes de tudo é preciso que todas as regras sejam
observadas, e por todos”. Elas se distinguiam – esclarecia – em regras gerais, “as regras
da Congregação”, e em “regras próprias” de cada cargo. Em harmonia com o senso de
concretude, ele se dirigia a cada um dos principais responsáveis pelo bom andamento
de um colégio salesiano, omitindo a referência ao prefeito dos estudos ou conselheiro
escolar. Antes de tudo reservava ao diretor, com imagens cativantes, as indicações mais
gerais. “Nossas casas – escrevia – podem ser comparadas a um jardim”. O “jardineiro é
o diretor, as tenras plantazinhas são os alunos, todo o pessoal são os cultivadores depen-
dentes do chefe, ou seja, do diretor, que tem a responsabilidade das ações de todos.
O diretor, portanto, ganhará muito se não se afastar da casa a ele confiada, a não ser
por razões e motivos graves”. “Com toda caridade visite com freqüência, ou ao menos
pergunte sobre os dormitórios, a cozinha, a enfermaria, as escolas e o estudo. Seja
constantemente o pai amoroso, que deseja saber tudo para fazer o bem a todos e o mal a
ninguém”.33 O prefeito era o “censor da disciplina”, o primeiro responsável pela ordem
31Documenti XIII 140-141, FdB 1019 E4-5, MB X 1062-1063.
32 E II 285-286.
33 E II 320.

25 Pages 241-250

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25.1 Page 241

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 241
da casa e nas relações com os externos. O catequista ou diretor espiritual da coleti-
vidade “recorde-se – admoestava – que o espírito e o proveito moral de nossas casas
depende da promoção do Pequeno Clero, da Companhia da Imaculada Conceição, do
Santíssimo Sacramento e de São Luís”.34 Os mestres ou professores – exortava – “sejam
os primeiros a entrar na sala de aula e os últimos a sair. Amem todos os seus alunos
igualmente, encoragem a todos, não desprezem ninguém. Tenham compaixão dos mais
ignorantes da classe, tenham grande cuidado deles, interroguem-nos muitas vezes, e se
for preciso, falem com quem de direito para que sejam ajudados fora da sala de aula”.35
Dos assistentes eram exigidos os trabalhos de vigilância, em particular para impedir as
“murmurações” e, ainda mais, “as más conversas”.36
A terceira e mais importante circular da série, de 5 de fevereiro de 1874, tinha
como argumento a moralidade, entendida como irrepreensibilidade, interior e exte-
rior, em campo sexual. Em mérito, Dom Bosco enunciava e desenvolvia dois temas:
“1) necessidade da moralidade entre os sócios salesianos; 2) meios para difundi-la e
sustentá-la em nossos alunos”. Atinha-se, sobretudo, ao primeiro. “Pode-se estabelecer
como princípio invariável – afirmava −, que a moralidade dos alunos depende de quem
os ensina, os assiste, os conduz”. Acenava, depois, à necessidade de que a “voz pública”
denunciasse “fatos imorais acontecidos com ruína dos costumes e escândalos terrí-
veis”. “É um mal enorme, é um desastre” – lamentava. A causa era clara: “a cessação
da santidade em quem comandava forneceu ocasião aos desastres acontecidos entre
seus dependentes”. Pedia ao Senhor que todas as suas obras desaparecessem antes que
pudessem acontecer “semelhantes desgraças”. O rigor não era jamais excessivo em
um mundo com prevenções, inclinado a inventar coisas inexistentes ou a dar corpo
a simples suspeitas. Concluía enfaticamente: “Ó castidade, castidade, tu és a grande
virtude! Enquanto tu brilhares entre nós, quer dizer, até que os filhos de são Francisco
de Sales te conservarem praticando o afastamento, a modéstia, a temperança, e tudo o
que tenham prometido a Deus, sempre terá lugar glorioso entre nós a moralidade e a
santidade dos costumes, e resplandescerá como chama ardente em todas as casas que
dependem de nós”. Dava, por fim, duas breves normas: fazer três “conferências, ou
melhor, três exames práticos” “sobre a pobreza, a castidade e a obediência”; e reler, nas
Constituições, “o capítulo que trata das práticas de piedade”.37
Destinadas à edificação, eram finalizadas as primeiras biografias dos Irmãos sale-
sianos chamados à vida eterna no ano de 1874, publicadas no elenco dos sócios e
das casas salesianas de 1875, semelhante ao que faziam outros institutos religiosos.
O objetivo principal era, conforme Dom Bosco, apresentar figuras exemplares a serem
34 E II 320.
35 E II 320.
36 E II 319-321.
37 E II 457-349.

25.2 Page 242

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242 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
imitadas: “enquanto eles viveram entre nós e praticaram exemplarmente as mesmas
regras, sejam-nos de incitamento a segui-los na promoção do bem e na fuga do mal”.38
Brevíssimas anotações, limitadas a uma página, já se encontravam nos pequenos
fascículos de 1873 e de 1874. Elas prefiguravam o que se deveria relembrar no momento
biográfico e os elementos exemplares a serem aprofundados: “a vida exemplar que eles
– um coadjutor e um clérigo falecidos em 1872 – tiveram no tempo que viveram entre
nós; seu vivo desejo de trabalhar para a maior glória de Deus; a paciência e resignação
com que receberam os santos sacramentos”. “Procuremos, no entanto, imitá-los em seu
afastamento das coisas da terra e na preciosíssima virtude da obediência; façamos o
possível para observar fielmente as regras de nossa Congregação, para assim estarmos
prontos para o grande chamado que Deus, em sua infinita misericórdia, julgar fazer a
qualquer um de nós neste ano.”39
A circular enviada no início do ano de 1876, após a visita às várias obras realizada
durante o ano precedente, era rica de reflexões e de orientações operativas. O superior
se declarava satisfeito de tudo, falava dos numerosos pedidos de fundação na Itália, no
exterior e nas missões. Contava sobre o que se fazia e esperava fazer na América do
Sul e insistia na urgência de vocações eclesiásticas e religiosas. Para seu cultivo e para
crescer entre os salesianos e jovens o indispensável “espírito de piedade”, fazia algumas
propostas. Em primeiro lugar estavam as companhias, “chave da piedade, reservatório
da moral, sustentáculo das vocações eclesiásticas e religiosas”. Depois, precavia-se
“das relações, amizades e conversações geniais e particulares, seja por escrito e coló-
quios, seja por meio de livros ou de presentes de qualquer espécie”. Derivava daí a
rigorosa proibição de todo tipo de manifestações ambíguas de familiaridade entre
educadores, entre eles e os alunos, dos alunos entre si: “os apertos de mão, as carícias
na face, os beijos, o caminhar abraçado ou passear com os braços um no pescoço do
outro”. Em terceiro lugar, era inculcada a “fuga do século e de seus conselhos” com um
colorário: “Portanto, não ir jamais à família, senão por graves motivos”. Fechava a série
uma norma apenas aparentemente disciplinar, sobretudo garantia de “moralidade”:
“À noite, após as orações, cada um vá imediatamente dormir”; “a pontualidade em ir
domir está ligada com a exatidão em levantar-se de manhã, a qual, com igual insis-
tência, pretendo inculcar”.40
O que Dom Bosco dizia da obediência na conferência de 26 de setembro de 1875
tinha tom marcadamente religioso, reforçando o vínculo com ela. A obediência “reli-
giosa” dos consagrados era ponto firme que o fundador considerava essencial e que
jamais deixaria de insistir até o fim da vida. “Até agora,– esclarecia – deve-se observar
38 Società di San Francesco di Sales. Anno 1875. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Francesco di Sales,
1875, p. 15-16.
39 Società di San Francesco di Sales. Anno 1873. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Francesco di Sales,
1873, p. 12.
40 Circular de 12 de janeiro de 1876; E III 6-9.

25.3 Page 243

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 243
que a obediência foi mais pessoal que religiosa. Evitemos esse grande inconveniente.
Não se obedeça jamais porque é o tal que manda, mas justamente por princípio supe-
rior, porque é Deus quem manda, e manda por meio de qualquer um. Essa coisa
é que se deverá buscar, começando nós a praticá-la, e depois inculcá-la um pouco
por vez em todos. Até que não tenhamos chegado a esse ponto, teremos conseguido
pouco. Não façamos as coisas porque agrada realizá-las ou agrada à pessoa ou o
modo com o qual somos ordenados, mas se obedeça e de boa vontade apenas porque
são mandadas. Isso se inculque nas conferências, nas pregações, nas confissões e de
todo modo que seja possível”.41
1.4 Conselhos e “lembranças” para os diretores
Em um governo centralizado, no vértice e em cada uma das comunidades era óbvio
que o principal responsável da prática efetiva das orientações dadas coletivamente, com
a palavra e com os escritos, fosse o diretor de cada uma das obras. Como se viu, não
faltava aos diretores o sustento das cartas e das visitas do superior. Em carta de 19 de
abril de 1871, lembrava ao padre Bonetti: “Não omite o rendiconto mensal e entra
em todos os particulares que possam tornar úteis ao indivíduo e à sociedade”.42 Mais
adiante propunha um programa de direção religiosa da comunidade. Discorria sobre
temas agora canônicos: “1) Rendiconto mensal, no qual se acentue o dever que o supe-
rior tem de falar claro e dizer tudo a seu súdito, e este, de sua parte, diga as coisas,
e se não se dizem, as relembre. 2) Nesse rendiconto observar se houve melhora ou
não, se foram levados em consideração os conselhos dados; além disso, insistir sobre a
execução dos mesmos. 3) Não omitir jamais as duas conferências mensais, uma ascé-
tica e outra para explicar as regras. 4) Reunir o Capítulo, e alguma vez todos os profes-
sores, para estudar os meios que cada um julga oportunos para corrigir o que deve ser
corrigido. 5) Recordai-vos que o diretor não deve fazer muito, mas cuidar para que os
outros façam, vigiando a fim de que cada um cumpra os próprios deveres”. Por fim,
convidava à leitura das “normas”, “dadas por escrito a cada um dos diretores de nossas
casas”, ou seja, as Lembranças confidenciais aos diretores, enviadas a eles entre fim de
janeiro e início de fevereiro de 1871.43
Essas lembranças eram resultados significativamente ampliados em relação ao
original, a já recordada carta enviada ao padre Rua entre outubro e novembro de 1863.
41 G. Barberis, Cronaca, quad. 12, p. 52-53.
42 Em III 324.
43A carta ao padre Bonetti está publicada no Epistolario, cuidado pelo padre Ceria, com duas
datas diversas: 17 de março de 1870 (E II 85) e 17 de março de 1873 (E II 270-271). Parece
preferível a segunda.

25.4 Page 244

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244 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Aí foram acrescentados dois títulos referentes à comunidade religiosa, enquanto os já
existentes acabaram variados pelo acréscimo de conteúdos. O documento espelhava a
organização mais madura dos educadores em congregação religiosa, de eclesiásticos e
leigos, os “coadjutores”, estes ausentes na carta originária. Todos eram solicitados ao
exercício mais rígido das normas preventivas de disciplina e de moralidade, em parti-
cular no colégio internato, e o diretor era chamado ao serviço mais assíduo de autoridade
e de guia paterna em relação a eles. No título Com os assistentes e chefes de dormitório
encontravam-se três normas novas: “Procura que tenham tempo e comodidade para
estudar, desde que compatível com os próprios deveres”; “a parte mais importante de
seus deveres está no fato de se encontrar pontualmente no lugar onde se congregam os
jovens para repouso, escola, trabalho, recreio etc.”; “seja objeto da solicitude comum o
esforço para descobrir alunos perigosos, e, quando descobertos, insiste para que sejam
vigiados”. Ampliava-se o título Com os coadjutores e [om. 1863] com as pessoas de
serviço, que colocava em evidência uma das missões dos salesianos leigos: “Às pessoas
de serviço seja estabelecido por chefe um coadjutor de probidade reconhecida, que
vigie sobre seus trabalhos e sobre sua moralidade, para que não aconteçam furtos nem
se façam más conversas, mas se industrie constantemente a fim de impedir que alguém
se assegure comissões, negócios que digam respeito a parentes ou a outros externos,
quaisquer que sejam”. O título Com os jovens alunos [ex estudantes, 1863] era mais que
duplicado. Era nova a afirmação fundamental, que espelhava uma praxe agora consoli-
dada: “Em nossas casas o diretor é o confessor ordinário. Por isso procure mostrar que
escuta de boa vontade cada um em confissão, mas dê-lhes liberdade de confessar-se
com outros se o desejarem”.44 Relações de serviço e de amizade com os párocos, e de
intercâmbio de relações e convites com as “autoridades” e “todas as pessoas benévolas
e beneméritas” eram solicitadas no título Com os externos, mas com a advertência:
“Não assumi jamais empregos ou outro ofício que importe ausência do estabelecimento
ou que possam impedir os ofícios confiados a cada um”: o compromisso na comuni-
dade educativa devia ter absoluta precedência. O primeiro dos dois últimos difusos
títulos, Com os da Sociedade e No ato de mandar, era articulado em vista da disci-
plina religiosa mais acurada, da observância da pobreza, da fuga do interesse individual
e da vanglória, e da promoção da vida comum por parte dos salesianos educadores.
A “ordem” era, de muitas formas, temperada: “jamais ordenar coisas superiores às
forças dos subalternos”, não dar jamais “ordens repugnantes”, “não ordenar, jamais,
coisas prejudiciais à saúde”, ao dar ordens usar “sempre jeitos e palavras de caridade
44 No final do Elenco dos Sócios de 1875 os leitores encontravam esta disposição: “Para o bom
andamento da Congregação, para conservar a unidade de espírito e seguir o exemplo dos
outros institutos religiosos, está fixado um diretor ou confessor estável para os que pertencem
à Sociedade. Em Turim: sacerdote Giovanni Bosco, suplente sacerdote Michele Rua. Nas
outras casas: o diretor de cada uma delas, suplente o prefeito etc.” (Società di S. Francesco di
Sales. Anno 1875, p. 14).

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 245
e mansidão”, ter muito tato “em caso de dever ordenar coisas difíceis ou repugnantes
ao subalterno”; fazer “economia em tudo”, pois “devemos amar a pobreza e os compa-
nheiros da pobreza”, mas “de tal modo que não falte nada aos doentes”. “Isso – concluía
– é como um testamento que envio aos diretores das casas particulares. Se esses avisos
forem postos em prática morro tranqüilo, porque estarei seguro de que nossa Sociedade
será certamente abençoada pelo Senhor e, sempre mais florescente, conseguirá atingir
sua finalidade, que é a maior glória de Deus e a salvação das almas”.45
2. Formação coletiva nas Conferências Gerais
Em um clima de governo paterno, recomendado a todos os titulares de alguma
responsabilidade gerencial, Dom Bosco dava andamento à típica forma de breves
encontros de formação permanente dos diretores em Valdocco. A iniciativa era prevista
em um artigo inserido entre 1862 e 1864 no capítulo das Constituições sobre o Governo
interno da Sociedade: “O reitor convoque uma vez por ano o Capítulo [o Conselho
Superior] e os diretores das casas particulares para conhecer e prover às necessidades
da Sociedade, e para tomar as providências que, segundo os tempos, os lugares e as
pessoas, se julgarem oportunas”. Conforme o artigo seguinte, logo anexo, tal assem-
bléia podia também realizar atos próprios de um Capítulo Geral, que as Constituições
ainda ignoravam.46
O tempo habitualmente escolhido eram os dias que precediam, ou mais freqüen-
temente seguiam, o dia 29 de janeiro, festa de são Francisco de Sales, com alguma
mudança caso Dom Bosco, naqueles dias, estivesse fora de Turim. Em algum ano elas
foram integradas pelas conferências outonais, por ocasião dos exercícios espirituais
em Lanzo. Cessaram com a celebração, entre verão e outono de 1877, do Primeiro
Capítulo Geral. Houve, ainda, uma breve série de conferências em Alassio, em 1879,
com presença limitada de diretores.
Nestas, o mestre permanecia Dom Bosco, mas ele favorecia de váriados modos a
formação coletiva dos participantes: deixava a presidência de um número de reuniões
para seu colaborador mais próximo, padre Rua, e em muitas questões limitava-se
a controlar, uma verdadeira forma de não diretividade. As competências dos parti-
cipantes se enriqueciam de vários elementos: o discipulado maduro em relação ao
fundador, a troca de experiências, a animação recíproca, o afinamento da arte do
governo, a arte da comunicação de informações sobre o desenvolvimento das obras e,
sempre mais, sobre o estado da Sociedade Salesiana nas relações com a Santa Sé, as
autoridades civis, os próprios protagonistas salesianos. A Conferência Geral de 1876
45Ao padre G. B. Lemoyne, 31 de janeiro de 1871; Em III 297-301.
46 Cost. SDB (Motto), p. 126.

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246 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
e 1877 – em que estavam presentes o pessoal salesiano de Valdocco, os noviços e os
aspirantes –, revestia-se de particular importância, por causa da promoção e animação
vocacional salesiana, eclesiástica e leiga, com particular acentuação missionária.
Nessa Conferência, os momentos mais significativos eram constituídos pela relação
que cada diretor fazia sobre o andamento das respectivas obras e do discurso inte-
grador e conclusivo de Dom Bosco.
A documentação não é homogênea, nem quanto à quantidade nem quanto à quali-
dade: nula ou escassa para os primeiros anos, nos quais o encontro se consumava com
uma só reunião, torna-se, em seguida, discreta, e mais abundante a partir de 1875.47
À Conferência de São Francisco de Sales de 1865, estavam presentes, além de
Dom Bosco, padre Rua, diretor de Mirabello Monferrato, padre Ruffino, diretor do
Colégio de Lanzo, e, pela primeira vez, padre Pestarino, salesiano externo, que agia em
Mornese entre as Filhas da Imaculada. Dom Bosco manifestava a intenção de organzar
nova rifa.48 A Conferência de 1866 aconteceu em 4 de fevereiro, festa externa de são
Francisco de Sales, com a presença dos salesianos do Oratório. Foi presidida pelo padre
Rua, porque Dom Bosco teve que ir a Borgo Cornalese para assistir, nas últimas horas
de vida, ao conde Rodolfo de Maistre (20 de setembro de 1789 − 5 de fevereiro de
1866). Padre Pestarino relatava sobre o colégio para os jovens que estava construindo
em Mornese. Padre Bonetti falava sobre o bem e sobre o mal existente no Seminário
Menor de Mirabello: o bem, a habilidade do padre Provera, prefeito e ecônomo, e a
presença dos irmãos na leitura espiritual cotidiana; o mal, a inobservância da regra
por parte dos clérigos, que obviamente sentiram-se ofendidos. Padre Ruffino discorria
sobre Lanzo, exprimindo a esperança de poder abrir ali também um oratório para os
jovens externos. Padre Rua concluía, recomendando três coisas: unidade da comunidade
ao redor do diretor, unidade material no trato com os jovens e cuidado da castidade,
virtude angélica, “glória e coroa” dos salesianos.49 Na Conferência Geral de 3 de março
de 1867, domingo da quinquagésima, falaram padre Lemoyne, diretor do Colégio de
Lanzo, padre Cerruti, do Seminário Menor de Mirabello, em nome do diretor, e padre
Pestarino. Dom Bosco, chegado de Roma poucas horas antes, manifestava a esperança
que a Congregação fosse logo aprovada e falava da oferta da colônia agrícola de Vigna
Pia, em Roma, e dos favores espirituais concedidos por Pio IX.50
Em 1868 a festa de são Francisco de Sales foi celebrada em 2 de fevereiro, e Dom
Bosco fez a Conferência Salesiana ou Geral na tarde do dia seguinte. Após as relações
dos diretores – informa a crônica –, “Dom Bosco aprova o que se faz em Mornese”,
onde estivera entre 9 e 13 de dezembro precedente; “demonstra-se satisfeito com o zelo
explicitado pelos superiores do Seminário de Mirabello”, em particular pelo cuidado
47 Cf. ASC D 577, FdB 1869 E6-1873 D8.
48 MB VIII 20.
49 Documenti X 15-16, FdB 1033 B9-10; MB VIII 296-298.
50 MB VIII 718-719.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 247
das companhias do Santíssimo Sacramento e da Imaculada. “Tendo sido interrogado
sobre a forma de corrigir alguns jovens indisciplinados, Dom Bosco diz que o superior
os chame à parte e exponha-lhes amavelmente sua aflição pela má conduta deles”.
Também em Lanzo dever-se-ia introduzir a Companhia da Imaculada. Quanto ao
Oratório de Valdocco, recomendava a observância por parte de todos das “regras da
casa”. Com esse intuito – continuava –, o “diretor dos estudos encontre forma de ler,
cada semana, um trecho do regulamento da casa aos padres, clérigos e jovens reunidos
juntos”. Não aprovava a proposta de não fazer conhecidos aos jovens os regulamentos
dos clérigos e dos padres: “falar claro em fato de leis”, declarava. Informava sobre o
pedido de duas obras, uma em Novara, outra em Roma, e sobre o decreto de aprovação
da Sociedade Salesiana concedido pelo bispo de Casale. Narrava o sonho da estrada
atapetada de rosas e ladeada de cercas da mesma flor. Indicava, enfim, como meio para
suscitar vocações entre os jovens, o ato de “conseguir sua confiança”, “sua afeição”, e
retirava dai o conselho aos superiores: “inspirar a confiança e conhecer a propensão de
seus dependentes”.51
Em 1869 a festa de são Francisco de Sales aconteceu no domingo, 7 de março. Na
“tarde daquele dia Dom Bosco reuniu os membros da Sociedade e narrou-lhes o êxito
de sua viagem a Roma”, da qual voltara com o decreto de aprovação da Sociedade
Salesiana. Nos dois dias sucessivos reunia o Capítulo Superior para verificar e precisar
o elenco dos membros da Sociedade. No dia 10 falava novamente a todos os sócios
salesianos, exortando-os e animando-os “à obediência, não só ao superior supremo,
mas mesmo aos superiores subalternos”.52
Em 20 de janeiro de 1879 Dom Bosco partia para Roma e estava de volta ao
Oratório em 25 de fevereiro. Em 6 de março, primeiro domingo da quaresma, celebra-
va-se a festa de são Francisco de Sales. Na tarde do dia sucessivo aconteceu a costu-
meira Conferência anual. Dom Bosco falou do que acontecera em Roma, também da
proposta de estabelecer uma casa em San Giovanni della Pigna, sem êxito, embora ele,
de forma muito otimista, pensasse em enviar alguém em agosto ou em outubro e, para
a aquisição, já desde o ano anterior tivesse colocado à parte algum dinheiro em moeda
do Estado Pontifício. Falava de contatos com bispos que queriam os salesianos em suas
dioceses e informava sobre obras que deviam ser realizadas: “De Roma eu trouxe ainda
alguma coisa em dinheiro que servirá bem para as construções que estamos agora para
começar, isto é, o pórtico daqui até a igreja, uma praça diante da mesma, uma cons-
trução não pequena em Lanzo, outra em Mirabello, e uma igreja em Porta Nuova”, a
São João Evangelista. Convidava a procurar novos sócios e a qualificar sempre melhor
os existentes. “Convém – insistia – que cada um se faça verdadeiramente pessoa de
51 Documenti XI 34-36; FdB 1010 B1-3. Ver também ms FdB 1869 E6-8, ampliado em MB IX
67-70.
52 M. Rua, Cronaca, in: P. Braido, “Don Michele Rua precario ‘cronacista’”, p. 356-358; MB
IX 598-600.

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248 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
peso para ser sempre mais útil às almas dos jovens”. Exortava a não olhar tanto para
os louvores humanos mas alegrar-se pela proteção do Senhor e colocar-se “com maior
empenho para a observância das regras da Sociedade, e cuidar de dar-lhe o peso que
merecem”. Anunciava, por fim, a abertura da casa de Alassio.53
Na Conferência Geral de 30 de janeiro de 1871, no dia depois da festa de são
Francisco de Sales, o diretores relatavam sobre seus respectivos colégios e padre
Pestarino sobre as Filhas da Imaculada de Mornese. Dom Bosco escutava com
complacência, afirmando com satisfação que a Congregação tinha crescido em quanti-
dade, mas sobretudo “em boa vontade, unidade e amor ao trabalho”, e que também no
Oratório tinha-se notado “notável melhoramento”, em particular entre os aprendizes,
“os quais, em outros anos, constituiam verdadeiro flagelo para a casa”. Alegrava-se que
em todas as casas os irmãos se prestavam para todas as incumbências − ensinar, assistir,
acompanhar ao passeio, fazer repetições −, enquanto encontravam “ainda tempo para
ler, estudar e preparar-se para dar aula”. Todos estavam ocupados ao máximo. De
resto – observava –, ai das casas, se nelas tivesse entrado o ócio, ruína das congrega-
ções. Pedia que todos fizessem “dinheiro”, antes de tudo economizando. Com efeito,
tinha-se entre as mãos “despesas bem custosas”, que importavam “pelo menos a soma
de 200 mil francos” [687 mil euros]. Havia ainda “o flagelo do serviço militar”, dos
noviços a resgatar, além das despesas para o pessoal em formação que não podia ainda
trabalhar. Contudo, rebatia o princípio segundo o qual a Sociedade não devia reter bens
imóveis, “campos” frutíferos, que afugentariam a Providência. O discurso versava,
depois, longamente, sobre o teatro, do qual Dom Bosco corrigia energicamente certas
inconveniências de linguagem. A base devia ser: divertir e instruir. Alguns meses
depois saía, pela primeira vez impresso, um folheto de quatro páginas, Regra para o
teatro.54 O texto entraria, substancialmente, no Regulamento para as casas, de 1877 e,
em 1877, nas deliberações impressas do Primeiro Capítulo Geral de 1877. Continuava
sublinhando o “milagre” do “admirável incremento” da Sociedade, não obstante “a
malignidade dos tempos, as grandes mudanças e a guerra sem tréguas que se fazia
aos bons”. “Aqui se vê – assegurava – a presença do dedo de Deus e a proteção de
Maria”. Muitas eram as forças hostis à vida religiosa: as “autoridades civis”, “as leis”,
“a franco-maçonaria”, “um grande número de jornalistas”. Os salesianos deveriam
continuar agindo com todas as forças e todos os meios. Chegando ao fim, não podia
deixar de recomendar “a virtude que abraça todas as outras, quero dizer a obediência”;
“em uma Congregação – declarava – a obediência é tudo; se falta a obediência, será
uma desordem, e se caminhará para a ruína”.55
53 Documenti XII 15-18, FdB 1015 D10-E1; em parte resumido em MB IX 833-835.
54 Regola pel teatrino. Turim, Tip. dell’Oratorio de S. Francesco di Sales, [1871].
55 Documenti XII 129-132, FdB 1016 E8-11; ASC D 577, FdB 1870 A9-B8; MB X 1054-
1059.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 249
Sobre os conteúdos da Conferência Salesiana de 1872, realizada após o retorno de
Varazze, não se têm documentações. Ela deveria ter acontecido na tarde de sexta-feira,
16 de fevereiro, em clima de simples confidências familiares após a recuperação da saúde.56
Em 1873, a festa de são Francisco de Sales foi celebrada no domingo, 2 de fevereiro.
No dia seguinte aconteceu a Conferência Geral, particularmente interessante pelas novi-
dades introduzidas no ano precedente: a abertura do Colégio de Valsalice, a ampliação
dos de Lanzo e de Alassio, a transferência para Sampierdarena do Internato de Marassi.
Na abertura da reunião Dom Bosco pedia ao padre Rua para ler a lista dos membros
do Capítulo Superior, distinto do Capítulo do Oratório, mesmo com algum perten-
cendo a ambos. Os diretores de cada casa sucederam-se fazendo a relação das próprias
obras. Estava ausente padre Bonetti, de Borgo San Martino. Quanto a Mornese, padre
Pestarino “disse que as coisas corriam bastante bem; somente que faltava uma superiora
um pouco mais esclarecida [douta]”.57 Dom Bosco ficou com três pontos: antes de tudo,
a economia, “em tempos muito críticos para os mantimentos”; depois “a coisa mais
importante” para a Sociedade, “a observância exata das regras”; por fim, uma exempla-
riedade que deveria induzir outros ao seguimento, “porque si verba movent, exempla
trahunt”.58 Fruto da Conferência de 1873 foi uma série de Deliberações enviadas às
casas.59 No outono, padre Ghivarello, ecônomo, convocava a Lanzo diretores e prefeitos
para a discussão de problemas inerentes à regularidade de registros e o cumprimento
dos deveres impostos pelos regulamentos de cada casa.60
Em 1874 as Conferências aconteceram no retorno de Dom Bosco da longa estada
romana, de 30 de setembro de 1873 a 14 de abril de 1874, com as Constituições apro-
vadas. Parece que tenham sido somente duas, uma de manhã e outra à tarde do dia
17 de abril.61 De uma anotação do padre Lemoyne se pode presumir os “pensamentos
mais destacados”, expressos então por Dom Bosco. Estavam centralizados em dois
conceitos, fundamentais após a aprovação das Regras: formar-se a mentalidade reli-
giosa e sentir-se constituídos em “Congregação”. Daí derivavam sugestões coerentes:
era preciso proceder com ordem precisa; fazer unidade ao redor do superior, que devia
contar com a disponibilidade incondicionada dos irmãos; prestar “verdadeira obedi-
ência”; interpretá-la não para se eximir, mas para agir “com prontidão e alegria”;
quanto à Congregação, “amá-la, defender sua reputação”, nada fazer que a desonrasse,
“cansar-se pelo seu incremento e para sua prosperidade”; separar-se dos parentes; fide-
lidade, “ninguém volte atrás”. Concluía: “Nemo quaerat quae sua sunt, sed quae Jesu
56 Cf. carta ao padre Bonetti, enviada de Varazze, 11 de fevereiro; Em III 397.
57 Documenti, XIII 145; FdB 1019 E9. MB X retoca a fonte: “disse que também lá as coisas iam
muito bem; somente faltava uma superiora, que ainda não fora eleita” (p. 1065).
58 Documenti, XIII 143-146; FdB 1019 E7-10; ASC D 577, FdB 1870 C8-D1. Para as
conferências particulares, ASC D 577, FdB 1870 D2-9.
59 Documenti, XIII 142-143; FdB 1019 E6-7; ASC D 577, FdB 1870 C4-7 e 1870 D12-1.871 A 8.
60 Documenti, XIII 207-208, FdB 1020 E11-12; MB X 1069-1070, 1111.

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250 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Christi. Façam-se freqüentes conferências, nas quais se leia Rodríguez ou o diretor trate
verbalmente da matéria dos votos, da virtude da obediência, da separação das coisas
da terra, da castidade e do modo de conservá-la, e do modo como relacionar-se com
os parentes. Uma vez por semana faça-se uma conferência, e um capítulo cada quinze
dias. Os jovens pobres, a difusão dos bons livros e a pregação são três vastos campos
para exercitar as nossas forças”.62
Em 1874 foi entregue também um manuscrito, redigido em parte pelo padre Barberis,
com correções de Dom Bosco, com o título Deliberações tomadas nas Conferências
Gerais da Sociedade de São Francisco de Sales, ou Notas explicativas de nossas
Regras. Parece, contudo, mais razoável datá-lo de 1875.63 Esses materiais confluíriam,
com a meditação das discussões do Primeiro Capítulo Geral de 1877, nas Deliberações
impressas de 1878. Eles formariam o patrimônio normativo prático do qual brotariam
os vários Regulamentos para os religiosos salesianos, cuja máxima exensão se daria em
1906. Ao mesmo ano de 1874 referem-se tanto o Resumo das Conferências outonais
do Capítulo Geral no ano de 1874 como o Resumo das Conferências dos prefeitos,
acontecidas em Lanzo no outono, ambos redigidos pelo padre Rua.64
Mais rica, devida à solicitude do padre Giulio Barberis, é a documentação referente
às Conferências de São Francisco de Sales de 1875, 1876 e 1877. Após o acme do
triênio 1875-1877, as Conferências acabaram por perder seu sentido original, quer pela
sucessão dos Capítulos Gerais (1877, 1880, 1883, 1886) quer pela extensão das obras
fora da Itália e além mar, que tornava impossível a presença de vários diretores.
O ano de 1875 era particularmente rico de encontros plenários: em são Francisco
de Sales, em abril, no outono. Após a aprovação das Constituições, Dom Bosco parecia
querer abreviar os tempos para forjar uma verdadeira congregação religiosa, de espí-
rito excelente, regular, compacta no sentir e no agir, e preparada, no outono, por dois
grandes vôos, além dos Alpes, na França, e além do Atlântico, na Argentina.
A primeira série de conferências tinha lugar nos três dias que precediam a festa de
são Francisco de Sales, de 26 a 28 de janeiro. Quatro foram privadas, isto é, na presença
dos capitulares, dos diretores das casas e do mestre de noviços, e duas públicas, ou
melhor uma em dois tempos.65 Nas primeiras três privadas, presididas pelo padre Rua,
eram tratados problemas relativos à vida religiosa, entre eles a leitura e aplicação dos
decretos da Santa Sé de 25 de janeiro de 1848, Romani Pontifices e Regulari disciplinae,
e o decreto, geralmente omitido, sobre as cartas testemunhais do ordinário diocesano
61 Documenti, XIII 127, FdB 1024 A7; MB X 807.
62 MB X 1071-1072.
63O texto encontra-se manuscrito em ASC D 577, FdB 1871 A8-C2; impresso em MB X 1112-
1120.
64ASC, Conferenze generali, FdB 1871 B11-C2 e C3-5; Documenti XIV 158, 160, FdB 1024
D2-3, D4; MB X 1072-1074, 1120-1122.
65 Cf. Conferenze tenute nell’occasione in cui all’Oratorio si celebrò la festa di S. Francesco di
Sales – an. 1875, G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 1-29; MB XI 21-30.

26 Pages 251-260

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26.1 Page 251

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 251
para a aceitação ao noviciado e à vestição religiosa e para a admissão à profissão dos
votos.66 “Memorável nos anais da Congregação”, assim era definida pelo cronista a
Conferência Privada, presidida por Dom Bosco em 27 de janeiro, na segunda parte
da manhã. O fundador iniciava falando dos privilégios, que o entretivera em Roma,
de 17 de fevereiro a 15 de março, para consegui-los. Fazia referência, sobretudo, de
cartas americanas, das quais já se falou.67 Dava publicidade das cartas enviadas a Roma
por dom Gastaldi e da designaçao de um “pacificador” entre ele e Dom Bosco, dom
Celestino Fissore, arcebispo de Vercelli. Quanto às prescrições dos decretos de 1848,
convidava para a observância relativa: “se comece a executar quando se puder”.68
A Conferência Pública, “assistida solenemente por todos os diretores e por todos
os outros sócios, quer professos quer noviços e aspirantes”, “realizou-se na Capela
São Francisco de Sales”: “éramos perto de cento e cinquenta”, informa o cronista.
A ela eram dedicados a tarde do dia 27, com os relatórios dos diretores e do padre Rua, e
com a conferência de Dom Bosco. Cada diretor fez um rápido relatório sobre o “estado
financeiro, sanitário, material, intelectual, moral e religioso do colégio que dirigia”.
As informações, em geral, foram feitas com otimismo, destinadas a entusiasmar e
animar. Os jovens acorriam numerosos e se estava ampliando os locais, ou se pensava
em fazê-lo, como em Lanzo, Alassio e Sampierdarena. Até mesmo em Valsalice o
número tinha quase duplicado com relação ao ano anterior. Do “espírito fervoroso e
perfeito” das Filhas de Maria Auxiliadora falou o novo “diretor”, padre Costamagna,
iniciando com o discurso sobre a desejável transferência do educandário para outro
centro mais populoso e acessível. Padre Rua referia-se ao Oratório de Valdocco, deten-
do-se, em particular, sobre os “externos”, isto é, os oratorianos, para os quais tinham
se instituído alguns meses antes as escolas vespertinas, que “atraíram muitos jovens
maiores, os quais vêm, posteriormente, aos domingos”. Evidenciava, também, alguns
melhoramentos na vida religiosa dos salesianos, professos e noviços: “Para os sócios
da Congregação” ficava “estabelecida a meditação para todos”, feita “separadamente
dos noviços”, os quais, além disso, dispunham de uma “sala de estudos à parte”, com
escolas e conferências inteiramente para eles. No interior do Oratório estava-se desti-
nado gradualmente um ambiente relativamente separado para o noviciado.69
Em suas palavras Dom Bosco revelava as boas impressões retiradas pela recente
visita aos colégios, “cheios de jovens, com saúde e bons”. Tinha-o atingido, em parti-
cular, o trabalho dos salesianos, trabalho “imenso”, feito de coração, em “espírito de
obediência e de indiferença”, não obstante as angústias edilícias, que não permitiam dar
a cada professor um “quarto confortável” e oferecer “aos noviços” “belos dormitórios
arejados e saudáveis”. Recomendava, a seguir, a introdução na escola também dos clás-
66 Conferenze tenute, G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 2-5.
67 Cf. cap. 21, § 3.1.
68 Conferenze tenute nell’occasione, G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 7-12.
69 Cf. Conferenze tenute nell’occasione, G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 12-23.

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252 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sicos cristãos: não seria pouca coisa saber escrever em latim como escrevia Jerônimo,
Agostinho, Ambrósio, Leão e Sulpício Severo”; não era necessário emular Cícero ou
Tito Lívio. “Se assim se fizesse – afirmava –, não se introduziriam na mente dos jovens
tantas idéias estranhas, inúteis e muito perigosas, que se encontram espalhadas em cada
página dos “clássicos pagãos”. Não podia faltar, em conclusão, a referência à notícia
da hora: as “missões da América”, preferidas em detrimento dos pedidos para a Ásia, a
África e a Oceania, “seja pelas condições especiais, seja também pela língua”, a espa-
nhola, “muito mais fácil que o inglês, falado na maioria dos demais lugares”.70
Das discussões e das conclusões resultaram breves Deliberações sobre a eventual
leitura e observância do decreto de 1848, Regulari disciplinae, sobre os examinadores
provinciais das vocações e sobre o uso dos clássicos cristãos.71
Semelhantes conferências, cinco privadas e uma pública, aconteceram após a Páscoa
(28 de março), de quarta-feira, 14 de abril, a sexta-feira, 16. As conferências privadas
são consideradas pelo cronista “Capitulos Gerais”: três delas foram presididas por Dom
Bosco, foram dadas informações e tratadas questões de relevância.72 Na primeira, na
quarta-feira pela manhã, Dom Bosco informava sobre os objetivos que o levavam a
Roma: obter a comunicação dos privilégios, sobretudo a faculdade das admissões ad
quemcumque episcopum; com o santo padre, além disso, falara-se muito do projeto
americano, “da Associação Salesiana e da Obra de Maria Auxiliadora”. Ilustrava,
depois, cada ponto, passando por cima da “Associação Salesiana” (os cooperadores)
– “da qual tratamos neste outono”, recordava. Entretinha-se, ao invés, sobre a Obra de
Maria Auxiliadora para as vocações adultas – “seriam aceitos dos 18 aos 30 anos” –,
ilustrando sua inspiração original, fazendo referência ào encaminhamento das negocia-
ções para obter o Breve de aprovação da Santa Sé e acenando às dificuldades criadas
em Roma por dom Gastaldi. Detinha-se longamente no pedido dos privilégios, aban-
donando-se a variações históricas; informava sobre os passos dados em Roma, sobre-
tudo junto a dom Vitelleschi, ao santo padre e aos cardeais membros da Congregação
Particular; e destacava certas dificuldades, não “graves”, visto que o santo padre era
favorável à concessão.73 Sabemos que as róseas esperanças fracassariam.74
Na sessão matutina do dia seguinte se decidia pedir o parecer de Dom Bosco sobre
duas questões: se o diretor de uma casa tinha o poder de mudar o encargo dos súditos
e sobre a hora mais oportuna para as representações teatrais. Na manhã seguinte Dom
70 Cf. Conferenze tenute, G. Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 23-29.
71 Cf. Deliberazioni prese nelle Conferenze Generali della Società di San Francesco di Sales
in occasione che i direttori delle diverse case si radurarono in Torino a festeggiare il loro
titolare an. 1875, FdB 1873 B 3.
72 Conferenze o Capitoli Generali della Congregazione di San Francesco di Sales, tenutesi
nell’Oratorio Salesiano di Torino in occasione delle venuta di Don Bosco da Roma, 1875, G.
Barberis, Cronaca, quad. 18, p. 30-74; Documenti XV 99-120, FdB 1028 C2-D11.
73 Cf. Conferenze o Capitoli Generali, p. 38-48.
74 Cf. cap. 20, § 3.

26.3 Page 253

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 253
Bosco respondia admitindo possíveis mudanças nos ofícios do pessoal nas casas, mas
com prévio consenso do Capítulo Superior. Falou-se ainda da liberdade da correspon-
dência entre sócios e superiores e das saídas da casa dos professos: perigosas, se sozi-
nhhos, conforme às Regras e lícitas se com um companheiro. Dom Bosco concluía
a discussão prometendo: “Daqui a pouco vou escrever uma carta circular a todas as
casas, chamando a atenção dos diretores para que sigam esses pontos do Regulamento”.
A busca do melhor horário para as representações teatrais ocupava grande parte da
Assembléia. Dom Bosco propunha uma “via de acomodação”: comer à francesa, isso
é, o déjeuner ou almoço às 11h30, jantar às 17, às 18h30 o teatro, depois as orações
e todos para a cama. No período da tarde do mesmo dia, na reunião presidida pelo
padre Rua, tratou-se sobretudo da preparação dos exames para obtenção do diploma de
professor quer no instituto técnico quer no ginásio superior e inferior, e da escolha das
cadeiras mais adaptadas.75
A Conferência Privada de sexta-feira pela manhã, 16 de abril, mostrava-se cheia
de informações, de problemas e de propostas. Dom Bosco dava informações particu-
larizadas sobre a ida dos salesianos para a Argentina e do que, na questão missionária,
tinha tratado em Roma com o papa e com o prefeito e o secretário da Propaganda Fide,
cardeal Franchi e dom Simeoni. Falou-se de propostas de “novos colégios”: Bassano,
Cremona, Crema, Como, Milano e Rho. Dom Bosco concluía: “agora não temos
grande necessidade de nos expandir, mas antes de tudo de nos fortalecer. Por isso,
se não há conveniências especiais, nos dirigiremos para outro lugar”. Na Lombardia,
com efeito – considerava –, não se encontrariam autoridades escolares favoráveis.
O padre Rua, porém, fazia ver a importância de se estender “fora dos antigos Estados”
sardos. Tratou-se, depois, da admissibilidade ou não de sócios somente com os votos
trienais para a ordenação presbiteral, se com o patrimônio ou titulo mensae communis.
Já no final, padre Albera perguntava quando se imprimiriam as Regras em italiano,
esperadas por todos. Concluiu-se que seria feito o mais rápido possível, quando Dom
Bosco tivesse podido fazer “um prefácio e alguma observação”.76 Seria a introdução
Aos sócios salesianos.77
Significado pedagógico particular tinha tido a Conferência Geral da noite prece-
dente, às 21 horas. A ela tinham assistido, na Igreja São Francisco de Sales, os capi-
tulares, os diretores, os professos, os noviços e os aspirantes. Dom Bosco falou com
admiração e afeto da audiência que lhe concedera Pio IX, dos favores e graças espi-
rituais que lhe concedera, da benevolência que a Congregação encontrava em Roma,
de seu estado atual: a posição jurídica, a qual faltavam somente os privilégios, a vida
interna, o aumento dos sócios. Terminava com algumas recomendações: “primeiro”,
75 Cf. Conferenze o Capitoli Generali, p. 49-68.
76 Cf. Conferenze o Capitoli Generali, p. 75-84; Documenti XV 99-111, 117-120, FdB 1028
C2-D2, D8-11.
77 Cf. mais adiante § 5.

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254 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
“procurar trabalhar muito para fazer muito bem”; “acabar com as murmurações entre
nós”; ter “cuidado com a própria saúde”; por fim, estar “de acordo em executar bem as
práticas de piedade da (...) Congregação, especialmente o que diz respeito ao exercício
da boa morte”.78
Sobre os vários problemas discutidos foram formuladas catorze deliberações.
Quanto às Constituições em italiano, “decidiu-se mandar imprimir o mais rápido
possível a tradução italiana de nossas Regras”.79
A grande parte das conferências tinha tido como protagonista padre Rua, que agia
com autoridade de prefeito da Congregação, com mandato de Dom Bosco, à cuja apro-
vação eram submetidas as decisões mais importantes. “Ótimo método para adestrar ao
governo”, observa Eugenio Ceria em referência a ele e aos outros participantes.80 Para
o padre Rua tratava-se de aprendizado prático não-intencional para futuro vigário e
depois reitor-mor.
Em 1875, os encontros dos capitulares e diretores foram feitos ainda em Lanzo,
nos dias 18, 23, 24, 25 e 26 de setembro, por ocasião dos exercícios espirituais. Foram
discutidas, entre outras coisas, as nomeações de diretores, tendo presente em parti-
cular o chefe da dezena de salesianos pré-selecionados para a Argentina, além do padre
Cagliero, que os acompanharia na primeira implantação. Foi decidido o movimento dos
prefeitos e dos professores, começando pelas escolas de teologia, filosofia e ginásio no
Oratório de Valdocco. A partir de 23 de setembro foram tratados sobretudo problemas
de ordem interna: uma prática mais regular do exercício da boa morte, a autorização
para os trabalhos edilícios nos colégios, o horário e a observância religiosa na comu-
nidade. Após o almoço do dia 23, Dom Bosco presidiu, e aproveitou a ocasião para
manifestar sua preferência para a admissão aos votos perpétuos, suplantando os trie-
nais. Dom Bosco presidiu ambas as reuniões do dia 24, dedicadas a questões de disci-
plina religiosa, aos estudos de teologia dos candidatos ao sacerdócio ou dos que foram
ordenados antes do estudo de todos os tratados, ao ensino da filosofia dos que, de idade
avançada, abreviavam o ginásio. Para estes “estabeleceu-se que a repetição de filosofia
consistisse em fazer traduzir o tratado em italiano, unindo aí as observações indispen-
sáveis para o conhecimento da terminologia”.81
Na manhã do último dia, padre Rua, a convite do superior, lia uma carta do advogado
Michel, que convidava os salesianos a Nice, na França. Na parte da tarde Dom Bosco
expunha várias coisas para serem feitas: imprimir o modelo das “cartas de obediência”
e comunicar às casas os nomes dos salesianos a elas destinados; e cuidar para que cada
78 Cf. G. Barberis, Conferenza pubblica del 15 aprile [1875], p. 1-14, Conferenze generali ASC
04, FdB 1872, C4-D5; Documenti XV 112-116, FdB 1028 D3-7.
79 Cf. Deliberazioni prese nelle generali Conferenze tenute in occasione dell’arrivo del Sig. D.
Bosco da Roma (Aprile 1875), ASC D 577 Conferenze generali, FdB 1873 B 3-5.
80 MB XI 339.
81 Documenti XV 269-274, FdB 1031 B4-9; MB XI 345-350.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 255
obra prepare o próprio pessoal, conserve o bom relacionamento entre os superiores, use
“de todo meio para obter, promover, propagar e assegurar a moralidade”; além disso,
cuidar de fazer “as costumeiras conferências, duas por mês”, receber “pontualmente os
rendicontos mensais” sem entrar em coisas de consciência, evitar familiaridades entre
superiores e jovens e as “amizades particulares”; e que não existisse nenhum assinante
de jornais fora o diretor. Como conclusão sublinhavam-se duas coisas visando fazer
da Sociedade Salesiana verdadeira congregação religiosa: a obediência devia passar
de pessoal à religiosa, não feita intuitu personae, mas pela fé, isto é, porque Deus
mandava por meio do superior; e buscar, durante o ano, “unificar a Direção Geral da
Congregação, retirando, por isso, do Capítulo Superior os cuidados do Oratório”.82
As Conferências de São Francisco de Sales de 1876 foram realizadas da manhã
de terça-feira, 1º de fevereiro, à manhã de sexta-feira, 4. Cinco foram privadas, sendo
quatro presididas pelo padre Rua e a última por Dom Bosco, e uma foi pública, em dois
tempos, presidida por Dom Bosco.83
Na Conferência na tarde de 1º de fevereiro falou-se de estabelecer um “historiador da
Congregação”, que deveria utilizar as crônicas de cada casa.84 O tema foi retomado por
Dom Bosco em conversa privada após o jantar, em 2 de fevereiro, revelando ter escrito a
história do Oratório até 1854.85 Além disso, no curso dessa Conferência “começaram-se
a ler e a examinar as notas explicativas do Regulamento”,86 o que se continuou a fazer
na sessão da segunda parte da manhã do dia seguinte.87
Na reunião matutina de 3 de fevereiro surgiam problemas relativos ao ofício do
cate­quista, a um texto de religião para o liceu e o ginásio e a outros assuntos menos
importantes.88
Na tarde de 2 de fevereiro aconteceu a primeira fase da Conferência Pública,
presidida por Dom Bosco. Ela continuaria na parte da tarde de 3 de fevereiro. Todos
os diretores destacaram o aumento dos alunos internos e externos dos colégios,
tanto nos cursos clássicos como nos elementares. Em Varazze acrescentaram-se
as escolas vespertinas, principalmente para os adultos, e era florescente o oratório
festivo, iniciado em 1875. Os salesianos ensinavam também nas escolas municipais.
Em Alassio os internos eram cento e sessenta e com os externos as escolas chegavam
a ter quinhentos alunos. Em Sampierdarena “iniciou-se um novo prédio muito amplo”,
82 Documenti XV 275-280, FdB B10-C3; MB XI 350-358.
83 Cf. Conferenze tenute in occasione della festa di San Francesco di Sales l’an. 1876 da Capitolo
Superiore dell’Oratorio coi direttori dei collegi radunatisi in Torino, G. Barberis, Cronaca,
quad. 14, p. 1-64; 14bis, p. 5-36; Documenti XVI 87-110, 123-132, FdB 1035 A1-e9; 1036
A10-B7; MB XII 52-94.
84 G. Barberis, Cronaca, quad. 14, p. 12.
85 G. Barberis, Cronichetta, quad. 4, p. 39.
86 G. Barberis, Cronaca, quad. 14, p. 12-14.
87 G. Barberis, Cronaca, quad. 14, p. 15.
88 G. Barberis, Cronaca, quad. 14, p. 21-24.

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256 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
com a previsão de um número mais que duplicado de jovens, entre estudantes e artesãos,
acima de duzentos e cinqüenta. Na casa estavam também cinqüenta “Filhos de Maria
Auxiliadora”. Em Mornese, as irmãs tinham passado de cinquenta a cem, entre tanta
pobreza, com a pequena comunidade salesiana sustentada pela “capital”, o Oratório;
“além das educandas internas” existiam “as escolas municipais para as jovens”, que “as
freiras fazem em nossa casa”; para os jovens era professor “um irmão nosso, no local
a isto destinado pelo município”. Em Nice tinha-se iniciado o Patronage com cinco
jovens, dois clérigos, o diretor e um cozinheiro.89 Na parte da tarde do dia seguinte
continuou-se com o relatório do padre Guanella sobre Trinità di Mondovì, do padre
Milanesio sobre o oratório festivo de Valdocco, do padre Rua sobre a casa do Oratório.
Dom Bosco fazia sua intervenção, fazendo referência a outras instituições educativas
assistidas pelos salesianos: o Oratório São José, dirigido em Turim pelos senhores
Occelletti, a Família de São Pedro em Borgo San Donato e a Oficina São José. Falava,
então, do desenvolvimento da Congregação, do aumento dos salesianos (330 sócios, dos
quais 112 professos perpétuos, 83 trienais, noviços e aspirantes) e das Filhas de Maria
Auxiliadora. Prognosticava futuro radioso para a Congregação, evidenciava as muitas
necessidades financeiras, convidada à máxima economia e ao espírito de pobreza, e
insistia, por fim, sobre a prática das Regras e sobre a obediência.90
A última Conferência Privada reunia, em 4 de fevereiro, dezesseis participantes,
entre capitulares e diretores. Antes da despedida Dom Bosco se dirigia sobretudo a
estes: facilitar a Dom Bosco a visita às casas, fazendo-lhe ter com antecedência a
lista dos irmãos, com eventuais informações idôneas para tornar frutuoso o encontro
e estabelecer um horário preciso, de forma que quem desejasse pudesse falar-lhe;
comunicar aos sócios que se estava tratando da nova expedição de salesianos para a
América, convidando a manifestar eventual disponibilidade para fazer parte dela;
cuidar das vocações ao estado eclesiástico, “o escopo precípuo – declarava – para
o qual tende nossa Congregação”. Dava então alguns critérios para reconhecer seus
sinais: “propensão, estudo, morum probitas”. Os meios para cultivá-los nos jovens são:
“1) grande fre­qüência aos sacramentos”; 2) grande amorevolezza”; 3) “não somente
tratá-los bem”, mas, aos “maiores e que dão alguma esperança, que o superior dedique
muita confiança”; 4) “realizar bem as cerimônias”; 5) “promover o pequeno clero”;
6) “dar a um jovem muita familiaridade”. Depois continuava: induzir os jovens dos
colégios a fazer a confissão geral; e trabalhar em favor da Biblioteca da Juventude
e, especialmente, das Leituras Católicas. Seguiam-se interrogações e respostas sobre
alguns problemas cruciais: era preciso que os salesianos conhecessem mais e melhor
a vida e as obras de são Francisco de Sales, ao menos a Filotéia. As biografias de
Gallizia e do Capello não eram adaptadas aos jovens nem aos tempos. Dom Bosco tinha
desejado que padre Bonetti compusesse duas: uma breve, para os jovens e para o povo;
89 G. Barberis, Cronaca, quad. 14bis, p. 5-21, 59-64.
90 G. Barberis, Cronaca, quad. 14bis, p. 21-36.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 257
outra mais empenhativa, em dois volumes, na qual – dizia – “será preciso levar em
consideração o princípio católico, isto é, personificar em Francisco a religião cató-
lica, contra os princípios protestantes”; em suma, “a vida católica personificada em são
Francisco”. Pela crônica se vê o aflorar das costumeiras apreensões sobre a “morali-
dade”. “A grande observação que se fez foi esta – registrava o cronista –: que a Filotéia,
livro de tanto valor, não pode ser colocada nas mãos dos jovens e nem mesmo das
jovens ou irmãs porque, tendo sido escrita para pessoas do mundo, tem muitas expres-
sões e várias coisas que poderiam excitar pensamentos imodestos e, além disso, não
é realmente adaptada à juventude: a maior parte das coisas valem para todos e é ouro
fino. Propôs-se fazer uma edição mudando certas coisas e saltando outras. Mas como
fazer isso com uma obra tão conhecida e tão apreciada? Pensou-se agir assim: notá-lo
no frostispício e no prefácio. Intitulá-la: ‘A Filotéia de são Francisco de Sales endere-
çada à juventude e às casas de educação’. Que saia um belo volume, coisa um tanto
simples, e terá saída. Imprimir, porém, também outra edição tal e qual está nas obras
completas, para que, quem a deseje, encontre-a junto de nós salesianos”. Notou-se que
os assinantes das Leituras Católicas aumentavam sempre, enquanto os da Biblioteca da
Juventude eram somente dois mil. Por fim, propôs um livro de religião para os liceus
e indicou no texto do Giovannini: para o ginásio, é suficiente no momento “o Grande
Catecismo”, “uma vez que todo mundo espera de Roma o Catecismo Universal. Visto
que este sairá, então se poderá tomar alguma decisão absoluta”.91 No início da reunião
Dom Bosco tinha aceitado a proposta de mandar imprimir, após revisão, as delibera-
ções tomadas nos anos precedentes, discutidas nas Conferências Privadas presididas
pelo padre Rua, o que não teve seguimento.
Em 1877 as Conferências de São Francisco de Sales aconteceram na parte da tarde
de segunda-feira, 5 de fevereiro, até quinta-feira, dia 8. Foram sete, das quais uma
pública.92 A primeira, sob a presidência do padre Rua, tratou de problemas de gestão
interna: nomeação do ecônomo geral após a partida para a Argentina do padre Bodrato,
eventual constituição de armazéns regionais para as provisões, destinação do pessoal
para algumas obras, proposta de novas fundações − Nizza Monferrato como casa-mãe
das Filhas de Maria Auxiliadora, em lugar de Mornese, além de Rosignano, Noli
Ligure, Caravate, Annecy etc. Segundo o desejo de Dom Bosco decidiu-se introduzir
nos colégios a prática do tríduo de abertura do ano escolar; e recomendou-se também
91 G. Barberis, Cronaca, quad. 14bis, p. 39-57; para o texto de religião fazia referência ao
manual do sacerdote E. Giovannini, I doveri cristiani esposti alla studiosa gioventù italiana.
3ª ed.corrigida. Bologna, Tipografia Pont. Mareggiani, 1876. Ele seria proposto também nos
Capítulos Gerais I de 1877 (G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 12) e II de 1880 (Deliberazioni
del secondo Capitolo generale Turim, Tipografia Salesiana, 1882, p. 68; OE XXXIII 76).
92 Conferenze tenute dal Capitolo Superiore Generale in occasione delle Feste di S. Francesco
dell’anno 1877. Per cura del Sacerdote Giulio Barberis. 1ª ed. original estereotipada). Turim,
Tipogafia del proprio pugno, Cronaca, quad. 13, p. 1-27; Documenti XVIII 51-68, 71-75, FdB
1045 C10-E3, E6-10; MB XIII 64-86.

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258 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
a uniformidade dos registros. Na Conferência da manhã de terça-feira Dom Bosco,
após ter confirmado as decisões tomadas na primeira sessão, anunciava novidades
interessantes: o oferecimento aos salesianos da gestão do Hospital da Consolação em
Roma, que não se concretizou; entrega a Dom Bosco da reforma religiosa dos irmãos
concepcionistas; oportunidade de adquirir conventos expropriados de modo a prote-
gê-los de usos profanos; projeto de transferência de Mornese para Nizza Monferrato
da casa-mãe das Filhas de Maria Auxiliadora; e novos pedidos de colégios – a propó-
sito dos quais insistia ainda sobre a “monografia”93 – em Albano, Magliano Sabina,
Ceccano e Ascona, na Suíssa. Colocava, por fim, o problema do Colégio de Valsalice,
cujo aluguel qüinquenal acabava, e que apresentava um número insuficiente de jovens:
convidava que se discutisse em vista de alguma decisão. “Aqui – anota o cronista – padre
Guanella propôs outro colégio próximo ao Lago Maior. Dom Bosco muito espertamente
mudou de assunto e chegou à conclusão”, dando três lembranças recebidas de Pio IX:
“1) introduzir o espírito de piedade nos jovens e nos sócios; 2) espírito de moralidade;
3) espírito de economia”.94
Após o almoço de terça-feira, 6 de fevereiro, aconteceu a Conferência Geral. Padre
Rua falou de todas as obras, uma vez que a explanação de cada diretor teria alongado
sobremaneira a reunião. Iniciando seu discurso, Dom Bosco falou de outras institui-
ções, omitidas pelo relator: os oratórios São Luís e São José, os serviços prestados ao
Refúgio e à Acolhida-Família São Pedro. Acenava rapidamente às obras da América:
a mais recente, Colégio Pio IX em Villa Colón, em Montevidéu, e as primeiras, Igreja
da Misericórdia, em Buenos Aires, e o Colégio, em San Nicolàs, onde em sete ou oito
meses eram recolhidos 140 alunos. A seguir falava, em termos um tanto folclóricos,
do esperado começo da missão entre os patagões; “alguns selvagens” já tinham sido
acolhidos no Colégio de San Nicolàs. Em seu retorno, padre Cagliero, quem sabe, traria
alguns para Turim. “Quem serão os corajosos – perguntava-se – que desejarão expor-se
a tais perigos? Para ser comido por esses selvagens? Ver-se-á. Muitos já pediam para ser
os primeiros a arriscar-se nesses lugares e levar a santa religião a esses povos. Eu louvo
sua boa vontade, sua coragem. Todavia, é meu desejo, antes, é meu dever proceder com
cautela para não sacrificar a vida de ninguém. Se depois, não obstante a paciência e a
prudência, alguém se tornar mártir, temos que agradecer o Céu. Mas espero que, com
prudência, faremos alguma coisa sem pagar o tributo de ser assassinados ou comidos”.
Tinham chegado pedidos de Concepción, no Chile, do Paraguai e do Brasil. Mas era
preciso esperar maior disponibilidade de pessoal. Em Roma e arredores tinha escutado
que alguns afirmavam que “a juventude nesses lugares era diversa” e não se poderia
implantar oratórios como em Turim. Quanto às escolas de Ariccia, “os protestantes
estavam desesperados”. Também em Magliano Sabina, “há duas horas de vapor de
Roma” (70 quilômetros de ferrovia”), os jovens se mostraram “dóceis e respeitosos”.
93 G. Barberis, Cronaca, quad. 13, p. 16.
94 G. Barberis, Cronaca, quad. 13, p. 4-14.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 259
Os clérigos – afirmava – pedem “todos para se fazer salesianos. O diretor do semi-
nário, o ecônomo e o diretor espiritual” “pedem, eles também, para entrar em nossa
Congregação, e foram aceitos como noviços”. Com efeito, já os vimos como membros do
Capítulo da casa95 e veremos o diretor espiritual no Primeiro Capítulo Geral.96 Acenava
ainda ao cuidado dos irmãos concepcionistas, que lhe fora confiado pelo papa.97 Dizia
ainda que, se fossem aceitos todos os colégios propostos na área romana, no espaço de
um ano seriam mais de vinte. Tinham sido iniciadas também tratativas para a Índia e
para a Austrália, mas a conclusão estava longe de ser feita. Sobre os cooperadores reve-
lava esperanças grandiosas, de propiciar “com calma e com prudência” as aceitações.
“Imprimir-se-á a esse propósito – anunciava – um boletim, que será como o jornal da
Congregação: com tantas casas, é necessário um periódico, que servirá de ligação entre
cooperadores e irmãos salesianos. Espero que, se correspondermos à vontade de Deus,
não passará muitos anos sem que populações, cidades inteiras, não se distinguirão
dos salesianos senão pela habitação e, se agora são dez, serão milhares e milhares”.
Ao final, repetia as elogiosas expressões do santo padre: “Ide, escrevei aos vossos
filhos, começai agora e repeti sempre, que não tenhais dúvida de que é a mão do Senhor
quem conduz vossa Congregação. Mas pesa sobre vós graves responsabilidades (...)
Vós havereis de corresponder se promoverdes o espírito de piedade, se promoverdes o
espírito de castidade, se tiverdes ministros zelosos. Vereis multiplicarem-se as vocações
religiosas, quer para vós, quer para outras congregações e para as dioceses (...) Penso
revelar-vos um mistério, que esta Congregação seja um segredo do Senhor, feita surgir
nestes últimos tempos para que possa ser ordem religiosa e secular, que tenha voto de
pobreza com posse, que participe do mundo e do convento, cujos membros sejam cida-
dãos e monges. A fim de que se veja o que disse Jesus Cristo ‘Dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus’”.98
As Conferências Privadas da parte da tarde de quarta-feira, 7 de fevereiro, e quinta-
feira, 8, na parte da tarde, tiveram um argumento único: “acréscimos, correções e obser-
vações” ao texto do Regulamento para as casas, em vista da impressão que seria feita
em outubro.99
3. Valdocco, escola de educadores: Capítulos e Conferências
No processo de formação no campo do pessoal diretivo, professor e educador,
que depois se espalhava nas várias obras, a casa de Valdocco desenvolvia uma função
capital. Acreditou-se poder defini-la “oficina pedagógica”, entendendo o termo em
95 Cf. cap. 23, § 1.2.
96 Cf. cap. 26, § 1.1.
97 Cf. cap. 25, § 2.
98 G. Barberis, Cronaca, quad. 16, p. 7-22.
99 G. Barberis, Cronaca, quad. 13, p. 24-27.

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260 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sentido amplo.100 Com efeito, com a constituição e o desenvolvimento da Sociedade
Salesiana e de suas obras, o Oratório São Francisco de Sales tinha se tornado centro
propulsor de irradiação e de referência de obras difundidas em espaços sempre mais
vastos: em 1877, tornava-se, com o Boletim Salesiano, o centro de convocação e de
animação dos cooperadores e benfeitores, e, de alguma forma, dos ex-alunos. Por isso
ali se concentrava o mais alto percentual de professos salesianos e, antes de 1879, a
maior parte dos noviços. Os superiores que ali atuavam tinham consciência de ter a
responsabilidade de preparar nessa sede os que, em grande parte, sobretudo os diri-
gentes, eram destinados a dar feição salesiana às novas obras. O Oratório criava um
estilo e originava e difundia um espírito. Por isso desejava-se que o pessoal enviado a
fundar e a dirigir obras longínquas tivesse completado a própria formação em Valdocco.
Quando, na reunião do Capítulo Superior de 15 de maio de 1878, era proposto como
diretor da incipiente casa de Marselha padre Giuseppe Bologna, sublinhava-se em
seu favor o fato de conhecer o francês e de o falar discretamente bem, mas sobretudo
notava-se: “de outro lado, tendo já sido aqui prefeito por vários anos e estando sempre
em contato com Dom Bosco, como alguém que foi aqui educado, conhece todos os
costumes e o espírito da casa”.101
Nessa ótica eram lidos os vários documentos, aos quais já se acenou em parte, que
testemunham a realidade de Valdocco no séc. XIX: as atas das Conferências Capitulares
(1866-1877), redigidas pelo padre Rua, as relações sobre as Reuniões do Capítulo da
Casa e sobre as Conferências Mensais, escritas pelo padre Lazzero, e o Diário (1875-
1888) do mesmo padre Lazzero, com poucas páginas iniciais do padre Chiala.
Aí é possível colher elementos importantes sobre a progressiva construção de uma
pedagogia não erudita mas eficaz, que em 1877 levaria Dom Bosco à rápida confecção
das páginas colocadas no início do Regulamento para as casas. Nas diferentes reuniões
ou conferências se estudavam e discutiam as aplicações mais fiéis desse sistema ainda
não expresso e do Regulamento, constituindo-se como patrimônio normativo que os
salesianos levariam em consideração e que transmitiriam às gerações sucessivas na
forma de usos, práticas, tradições, espírito de Dom Bosco. Tal pedagogia era predo-
minantemente escolar. O tema da disciplina ocupava, inevitavelmente, lugar relevante,
naturalmente junto com o problema da subsistência: cozinha e refeitórios, despensa e
distribuição de alimentos, salas escolares e bancos, quartos e leitos, oficinas, limpeza
dos locais e do pátio. Tratava-se ali dos horários de estudos e de trabalho, das escolas
diurnas e vespertinas, do canto e da música; e, ainda, das atividades recreativas coti-
dianas e periódicas, do teatro, das sessões lítero-musicais, dos passeios anuais; das
diversas manifestações religiosas, como as práticas de piedade cotidianas, mensais e
anuais, e as festividades litúrgicas e de família; da vida das companhias, do pequeno
clero, da escola de música e de canto, firme e figurado.
Os protagonistas, os membros do Capítulo Superior e as do Capítulo Local, se
100 Cf. P. Braido, “Presentazione”, in: J. M. Prellezeo, Valdocco nell’Ottocento, p. 5-10.
101 G. Barberis, Verbali del Capitolo Superiore, quad. 2, p. 4, FdB 1877 A5.

27 Pages 261-270

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27.1 Page 261

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 261
reuniam regularmente, muitas vezes junto com os professores de diferentes idades e
maturidades e com os assistentes. Emergiam traços característicos do sistema educativo
dos salesianos de Dom Bosco, sobretudo o amor, que não excluía o temor reverencial.
Os participantes, em substância, procuravam “encontrar por que” – como anotava padre
Rua –, os jovens nos temem mais do que nos amam”, uma vez que – pensavam na escola
do mestre – “isso vai contra nosso espírito ou, ao menos, o espírito de Dom Bosco”.102
Anos antes padre Rua acreditava ter encontrado facilmente a solução: “Fazer-se amar e,
ao mesmo tempo, temer pelos jovens. Isso é coisa fácil”.103 De qualquer modo, se exor-
tava os assistentes, que eram os mais jovens entre os educadores, assim como os mais
experientes, “a estar todos unidos entre si em querer uma só coisa, o amor e a estima
dos jovens”. Para obter isso – informa a ata – “estabeleceu-se que o recreio seja feito
sempre com eles e, quando se pode, com os mais necessitados de assistência”.104
No plano organizativo previam-se e se preparavam as atividades mais diferentes,
estabeleciam-se horários e professores para as aulas, distribuíam-se tarefas e missões
para o bom andamento das festas, discutiam-se os resultados e se assinalavam os incon-
venientes aos quais encontrar remédio para o futuro.
Tratava-se de escola prática tanto para os educadores experimentados como para os
aprendizes da arte educativa, dedicados ao duro tirocínio no campo de ação. Nela se
formava reflexivamente o educador capaz de iniciativas, o bom organizador em todos
os campos, o inventivo, muitas vezes o factótum, em grau de responder às exigências de
comunidades juvenis constantemente disponíveis à novidade e ao imprevisível.
Raramente Dom Bosco aí se encontrava fisicamente, mas ele permanecia como
critério preciso das avaliações e das deliberações na forma de se raciocinar e de se falar
sobre os alunos. Além disso, era constantemente colocado a par das decisões tomadas
e, em todo caso, era-lhe pedido o parecer e o definitivo nada obsta para as soluções
operativas colegialmente deliberadas. Dessa forma ele fazia escola e criava tradições,
mas, ao mesmo tempo, se enriquecia com as experiências dos colaboradores, imersos
tanto quanto ele nas multíplices contingências desse mundo educativo extremamente
móvel e cheio de surpresas.
4. Formação do jovem salesiano
No momento da aprovação das Constituições Dom Bosco teve que aceitar a nítida
distinção de três sucessivos períodos de prova na incorporação dos candidatos na
Congregação: o pré-noviciado ou aspirantado, o noviciado e o pós-noviciado com
102 Conferência de 9 de março de 1883, in: J. M. Prellezeo, Valdocco nell’Ottocento, p. 258.
103Reunião de fevereiro de 1872, in: J. M. Prellezeo, Valdocco nell’Ottocento, p. 263.
104 “Conferências mensais”, agosto de 1871, in: J. M. Prellezeo, Valdocco nell’Ottocento, p. 262.

27.2 Page 262

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262 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
os votos temporários.105 Para os eclesiásticos esse itinerário entrelaçava-se com os
momentos normais da formação cultural humanista, filosófica e teológica. Já se acenou
à advertência colocada por Dom Bosco no art. 12 no texto das Constituições latinas:
com ela se declarava autorizado por Pio IX a atribuir ao período do noviciado tipos de
atividades próprias do pré-noviciado e do pós-noviciado.106
Pela metade dos anos 70, de qualquer modo, foram tomadas algumas medidas
concretas para a gradual atuação dos processos prescritos de formação religiosa, espi-
ritual, cultural e pedagógica dos salesianos, um dos aspectos mais fortemente e, então,
legitimamente contestados da ação de Dom Bosco fundador. Colocava-se em primeiro
plano o problema do noviciado, embora com a presença de noviços em quase todas
as obras, mas também o de estudos mais bem organizados para a formação especí-
fica dos futuros sacerdotes. O discurso formativo voltava muitas vezes no curso das
Conferências Gerais de São Francisco de Sales. Surgia ainda mais da análise de outros
canais: as conferências aos noviços e aos jovens professos salesianos de Valdocco; as
instruções e os discursos vespertinos nos exercícios espirituais em Lanzo; as circulares
sobre a vida religiosa; as cartas a cada salesiano (inspetores, diretores, simples irmãos);
a introdução às Constituições nas duas edições de 1875 e de 1877; as inúmeras confe-
rências sobre a formação salesiana com o mestre dos noviços da Congregação, padre
Giulio Barberis, que as fixava em suas várias crônicas e cronachette; e as discussões
feitas nas reuniões do Capítulo Superior sobre a promoção e o cuidado das vocações,
a aceitação de novos sócios, a profissão dos votos temporários ou perpétuos, o término
ou não dos estudos teólogicos antes da ordenação sacerdotal.
Aí se delineava, com traços bastante precisos, um tipo novo de religioso educador,
eclesiástico e leigo, o qual, como se viu, brotava já da primeira experiência oratoriana
de Dom Bosco padre diocesano. Mas também já se acentuavam aspectos peculiares
derivados do empenho assistencial e educativo entre os jovens sempre mais exigente e
urgente. Sem dúvida, Dom Bosco acabava por transmitir a seus religiosos certa menta-
lidade, cultura e espiritualidade específica nova. E com semelhantes contornos, embora
mais lentamente, igualmente ia idealizando e plasmando a figura religiosa e apostólica
do leigo salesiano, o coadjutor.107
A melhor formação não era confiada primeiramente a centros de formação e de
estudo estruturados. Estes não estavam excluídos por princípio, antes, se percebia ser
cada vez mais inevitável sua exigência jurídica e pedagógica. Mas dava-se primazia
105 Cf. Regulae seu Constitutiones, 1874, cap. XI, De acceptione, art. 6 e 7, Cost. SDB (Motto),
p. 173; cf. cap. XIV De Novitiorum [ = Tyronum, Ascriti] Magistro eorumque regimine, art.
1-6 (prima probatio), 7-13 (segunda probatio, novitiatus), 14-17 (tertia probatio), Cost. SDB
(Motto), p. 192-197.
106 Cost. SDB (Motto), p. 196. Deve-se ter presente que, dos catorze artigos originais do capítulo
sobre o noviciado, na edição italiana de 1875 tinham sido impressos somente sete.
107 Cf. A. Papes, “La formazione del salesiano coadiutore nel 1883”, RSS 13(1994), p. 143-224.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 263
à formação na prática, cuja predominância era total nestes e nos próximos anos, até
porque, como no passado, o funcionamento das obras só podia estar plenamente
garantido por meio da onipresença de clérigos estudantes de teologia e de filosofia,
de noviços e até mesmo de aspirantes, tanto leigos como eclesiásticos, entre os quais
vários sacerdotes. É exemplar o que Dom Bosco recomendava ao padre Ronchail no
começo do internato de Nice: individuar e cultivar com benevolência os jovens que
parecem idôneos para a Congregação e manter relações de confiança com os salesianos,
jovens e adultos, “usando com eles especial abertura de coração”.108
4.1 Promoção das vocações salesianas
Voltado para a ação sempre mais vasta em proveito da juventude pobre e abandonada,
Dom Bosco tinha “fome” de vocações. Com o advento da audaciosa empresa transoce-
ânica e missionária, as razões para a busca e as motivações para a animação se multipli-
cariam. Com se viu, dava exemplo prático disso nos dois discursos vespertinos de 6 e de
18 de dezembro de 1875, após ter narrado a partida dos primeiros salesianos para a
América e a abertura da casa de Nice na França. “Naturalmente – concluía o primeiro
– muitos de vós sentis neste momento grande desejo de partir e de se fazer também
missionário. Só sei dizer-vos que, se todos vós quiserdes ir, haveria lugar para todos e eu
saberia muito bem onde vos ocupar, considerando a grande necessidade que existe e os
muitos pedidos que recebo de toda parte de bispos, que chegam a suplicar e que afirmam
ter que fechar várias missões já iniciadas por falta de missionários”. O cronista eviden-
ciava o resultado: “Os jovens ficaram tão inflamados por essas palavras que realmente a
maior parte mostrou-se desejosa de partir, até mesmo imediatamente, para fazer o bem
a povos tão distantes”.109 No segundo sermãozinho o apelo tornava-se ainda mais explí-
cito: Dom Bosco revelava, sem reticências, os motivos de sua narrativa: “eu não quero
que ignoreis as grandes necessidades que tem a Igreja, o grande campo que existe para
fazer o bem quando se trabalha justamente para a maior glória de Deus”; “o campo a ser
cultivado exige muito e muitos operários, a messe é realmente abundante”.110
4.2 Noviços
Após a aprovação das Constituições, que obrigavam à estruturação mais precisa da
formação dos noviços, na Conferência Capitular de 25 de outubro de 1874, estabelece-
ram-se algumas “particularidades” reservadas a eles. Elas seriam atuadas por degraus:
108 Carta de dezembro de 1875; E II 534.
109 G. Barberis, Cronichetta, quad. 4, p. 36.
110 G. Barberis, Cronichetta, quad. 3, p. 42.

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264 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
“1) Que façam estudo à parte todos os noviços clérigos do primeiro ano de filosofia.
2) Que tenham meditação à parte os mesmos com os noviços coadjutores. 3) Que tenham
leitura espiritual à parte todos os noviços às 2 horas da tarde na capela dos externos
[a Igreja São Francisco de Sales]. 4) Que, o quanto possível, os noviços sejam colo-
cados em quartos distintos, providenciando-se cortinas para separar uns dos outros.
5) Que os estudantes do primeiro ano de filosofia, noviços, tenham uma aula de peda-
gogia sagrada no lugar da de matemática, que será ministrada pelo seu vice-mestre,
padre Barberis. 6) Que, finalmente, tenham uma conferência semanal, alternadamente
sobre as regras e sobre argumentos morais adequados a eles. Falou-se também de colo-
cá-los separados dos outros na igreja”.111 Dessa forma, na tarde de 13 de dezembro de
1875, Dom Bosco podia “pela primeira vez” falar a todos os noviços do Oratório em
separado, em local a eles reservado. Era uma conferência orgânica sobre a vocação:
sua preciosidade, como regular-se nas dúvidas, os meios para conservá-la. Concluía:
“lede as coisas que são ditas no princípio de nossas Regras [a introdução Aos sócios
salesianos] onde, em compêndio, quase todas são acenadas. Vosso diretor vai expli-
cá-las de novo, um pouco por vez e mais amplamente”.112 O diretor era padre Giulio
Barberis (1847-1927), vice-mestre e depois, por decênios, mestre oficial dos noviços
da Congregação, considerado mestre de tantos sucessivos mestres dos noviços e forma-
dores. Já em 1876 se preconizava uma casa separada para os noviços, em Lanzo. A idéia
se traduzia, no ano seguinte, em outra hipótese, que permaneceria tal, de uma sede ao
lado do santuário da Mellea, em Farigliano, na província de Cuneo.113 A casa, ao invés,
encontraria local definitivo, em 1879, em San Benigno Canavese.114 Desde agosto de
1876 os noviços tinham também as próprias férias de verão em Lanzo, fugindo do calor
da cidade de Turim. Em outubro, “determinou-se enviar os noviços a fazer a recre-
ação no próprio pátio”.115 Em 10 de dezembro de 1876 Dom Bosco abençoava solene-
mente a estátua de Nossa Senhora colocada na nova sala de aula-estudo dos noviços,
que havia sido retirada da sacritistia ao lado da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora.116
Em 24 de dezembro, por fim, entravam em seu refeitório,117 no qual, no domingo,
111 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 230.
112 G. Barberis, Cronaca, quad. 19, p. 23-44.
113 Sobre padre Barberis e o noviciado, vejam-se algumas anotações em P. Braido, “Tratti di
vita religiosa salesiana nello scritto Ai Soci Salesiani di Don Bosco del 1877/1885”, RSS
14(1995), p. 103-105; G. Barberis, Lettere a Don Paolo Albera e a don Calogero Gusmano
durante la loro visita alle case d’America (1900-1903). Introdução, texto crítico e notas aos
cuidados de B. Casali. Roma, LAS, 1998, p. 14-25; P. Albera; C. Gusmano, Lettere a don
Giulio Barberis, p. 23-24.
114 Cf. Cap. 29, § 1.1.
115 “Conferenze capitolari”, 15 de outubro de 1876, in: J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento,
p. 216.
116 G. Barberis, Cronaca, quad. 10, p. 22-26.

27.5 Page 265

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 265
18 de fevereiro de 1877, Dom Bosco foi almoçar, fazendo um discurso apropriado aos
sessenta e cinco noviços. Recomendava o cuidado da saúde, exortava com insistência
a fugir das murmurações, falava da admiração que os salesianos suscitavam em todas
as partes e, portanto, da necessidade de assimilar seu modelo: em muitos lugares apre-
sentar-se com as palavras “venho do Oratório” era motivo de honra.118 Em novembro
de 1877 decidia-se também separar os noviços clérigos que tinham feito o ano de prova
dos outros noviços,119 o noviciado e pós-noviciado. Em 1878 estabeleceu-se “procurar
um dormitório para os noviços seculares”, os coadjutores.120
4.3 Estudantes de filosofia e de teologia
No livreto Esboço histórico sobre a Congregação de São Francisco de Sales e respec-
tivos esclarecimentos, além de dar corpo à formação que era oferecida aos noviços,121
Dom Bosco apresentava seu ideal de plano de estudos para os candidatos ao sacerdócio:
curso ginasial, dois anos de filosofia e três anos de liceu para os que deviam “se preparar
para os exames públicos”, os cursos de “cinco anos” “regularmente estabelecidos no
Oratório São Francisco de Sales” para a teologia, com as disciplinas “Hermenêutica
Sagrada, História Eclesiástica, Teologia Moral, Dogmática Especulativa”; após a orde-
nação, que por razões de idade ou outro grave motivo podia ser antecipada de um ano,
biênio de estudo da Moral em preparação ao exame de confissão.122 A realidade não
era bem assim: também havia noviços e estudantes de filosofia em outras casas, e os
clérigos mais próximos das ordenações eram regularmente distribuídos pelas várias
obras. Para estes, o problema de um centro de estudos próprio, separado, só encontraria
as primeiras soluções parciais nos primeiros anos do séc. XX. Além do indispensável
trabalho de assistência e de ensino em casa, alguns freqüentavam a universidade, onde
certos padres chegavam a conseguir o doutorado em teologia, o qual, depois de 1873,
podia ser obtido na faculdade teológica do Seminário Arquiepiscopal. Vários se prepa-
ravam para adquirir diplomas privados para o ensino elementar e secundário.
Nas atas das conferências ou reuniões de Valdocco se encontram, em várias datas,
indicações sobre o horário das aulas para os noviços clérigos ou pós-noviços estudantes
de filosofia. Em 1872 Dom Bosco bloqueava uma proposta corajosa e avançada para o
117 G. Barberis, Cronichetta, quad. 10, p. 53.
118 G. Barberis, Cronichetta, quad. 11, p. 46-49.
119 “Adunanze del Capitolo della Casa”, 18 de novembro de 1877, in: J. M. Prellezo, Valdocco
nell’Ottocento, p. 237.
120 “Adunanze del Capitolo della Casa”, 20 de outubro de 1878, in: J. M. Prellezo, Valdocco
nell’Ottocento, p. 241.
121  Cf. P. Braido, “L’idea della Società Salesiana nel Cenno istorico”, p. 294-293.
122  P. Braido, “L’idea della Società Salesiana nel Cenno istorico”, p. 294-301.

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266 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
tempo e o ambiente, amadurecida em uma reunião capitular: “desejar-se-ia colocar uma
aula de história moderna, mas Dom Bosco não permitiu; por isso multiplicaram-se as
aulas de matemática”.123 Em outubro de 1873 se discutia as datas de “exame dos filó-
sofos e dos teólogos” , bem como os horários e professores para o novo ano escolar.124
Encontra-se ainda registrado a lista dos “professores de teologia e de filosofia”, sale-
sianos ou não, com os respectivos horários, que seria aprovada na reunião de novembro
de 1877.125
Dos estudos de teologia dos clérigos, espalhados nas várias casas, ocupou-se
também uma circular de 1874, redigida pelo padre Cagliero, corrigida por Dom Bosco
e enviada Aos meus caríssimo filhos, diretores e clérigos da Congregação Salesiana.
As orientações concretas são documento interessante do nível de empenho deles:
“Pede-se aos diretores que velem, de todo o coração, para que em sua casa, semanal-
mente, se empregue ao estudo da teologia o tempo compatível com outras ocupações.
Para se aprofundar esse estudo da ciência das ciências: 1) façam-se, a cada ano, três
exames dos tratados diversos: um em março, outro em julho e o terceiro no princípio
de novembro; 2) os tratados para este ano são: De Gratia, de Ordine, de Matrimonio,
e, havendo possibilidade, também De Virtute Religionis e De Praeceptis Decalogi;
3) os exames serão dados no tempo acima estabelecido pelos examinadores delegados
pelo superior para tal”.126 Esse ideal acabava sendo redimensionado, algumas vezes
em termos em certo sentido ainda teóricos; a realização era ainda mais problemática.
A observância das prescrições e o estudo das cerimônias, particularmente recomen-
dadas, era objeto de advertências não deixadas de lado com o tempo. A insistência não
era sem razão.127
4.4 Direção a jovens salesianos
A não-diretividade não era estilo habitual de Dom Bosco, ainda menos em questões
vocacionais. Seus conselhos, ou melhor, advertências, eram enérgicos, assim como se vê
na carta a um clérigo adulto, professo com votos perpétuos, do colégio de Lanzo, Pietro
Guidazio (1841-1902), hesitante e inquieto, em seguida pioneiro da obra salesiana na
123Reunião de 3 de novembro de 1872, in: J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 172.
124 “Conferenza capitolare” de 24 de outubro de 1873, in: J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento,
p. 182.
125 “Adunanze del Capitolo della Casa”, 4 de novembro de 1877, in: J. M. Prellezo, Valdocco
nell’Ottocento, p. 235-237.
126 Circular de 23 de novembro de 1874; E II 422.
127 Cf. P. Braido, “Don Michele Rua primo autodidata ‘Visitatore’ salesiano: relazione di
‘ispezione’ nelle prime instituzioni educative fondate da don Bosco”, RSS 9(1990), p. 97-168,
em particular, p. 101, 107, 130, 149, 151, 152, 157, 158, 159, 160, 162 e 167-168.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 267
Sicília: abandonar-se inteiramente à direção dos superiores, insuficiência de motivos
para dispensá-lo dos votos perpétuos, perseverança. “O demônio – escrevia perentório
– gostaria de enganar a mim e a ti; conseguiu em parte contra ti, mas contra mim, a teu
respeito, fracassou redondamente. Tem plena confiança em mim como eu sempre tive
em ti: não de palavras, mas de fatos, de vontade eficaz, de obediência humilde, pronta
e ilimitada. Essas são as coisas que farão tua felicidade espiritual e temporal e que me
hão de trazer verdadeira consolação”.128 A três clérigos, suas orientações eram seguras
e confortadoras: “Não te preocupes pelo que escreves. O demônio, tendo perdido a
batalha, queria refazer-se de outra forma, mas não ligues e vá adiante tranqüilo nas
ordenações, como já te falei pessoalmente”.129 A ele, já sacerdote, escreveria: “Estou
contente que após os votos perpétuos tu gozes a maior paz no coração. É sinal de que
Deus te abençoa e que, naquilo que fazes, tu cumpres os desígnios dele. Portanto, si
Deus pro nobis, qui contra nos?”.130 A um sacerdote de 24 anos, não ainda professo
perpétuo, dava um empurrão para o passo definitivo: “Como não tens dificuldade nem
pensamentos contrários à tua vocação, tu podes com toda a tranqüilidade fazer os votos
perpétuos”.131 O perplexo faria os votos em 23 de abril de 1872. “Tua carta – escrevia
ao clérigo Tamietti – tira-me um espinho do coração, que me impediu de te fazer o bem
que até então não podia fazer-te. Está certo. Tu estás nos braços de Dom Bosco, e ele
saberá como se servir de ti para a maior glória de Deus e o bem de tua alma”.132
Em questões de obediência se mostrava mais flexível nos casos particulares que nos
enunciados de princípios. De Tamietti, exigia-a com largueza: “Não quero que estejas
em Valsalice forçado. De outro modo, preciso provar tua obediência, principalmente
antes das sagradas ordens. Portanto, eu te destino para Alassio e de lá chamarei alguém
que venha para cá ocupar teu lugar. Entende-te com padre Dalmazzo; procura terminar
com boa imagem”.133 A uma inequívoca pergunta do clérigo Cesare Cagliero (1854-
1899) respondia, confirmando a autorização já dada na carta precedente que não havia
chegado ao destinatário. Ele lhe resumia o conteúdo: “disse que te permitia ir à univer-
sidade contanto que tivesses sido sempre meu amigo e te tornasses modelo de nossos
clérigos, o mais zeloso de nossos professores”.134 Graciosa era a cartinha em latim
enviada ao clérigo Luigi Piscetta, cuja inteligência era inversamente proporcional à esta-
tura: “agora és pequeno, por isso pescas peixinhos, que são muitos entre nós. Quando
fores adulto, o Senhor fará de ti pescador de homens”.135 Afetuosa era a forma de pedir
128 Carta de 13 de setembro de 1870; Em III 250.
129 A Giuseppe Ronchail, em 5 de março de 1872; Em III 405.
130 Carta de 15 de janeiro de 1875; Em III 410.
131 Carta a Giovanni Garino, 21 de março de 1872; Em III 428.
132 Carta de 25 de abril de 1872; Em III 493.
133 Carta de 18 de novembro de 1872; E II 238.
134 Carta de Roma em 16 de fevereiro de 1874; E II 353. Escreve também uma tocante carta
de condolências em 8 de setembro, após a morte, em Mornese, do irmão, jovem sacerdote
salesiano (1847-1874) (E II 401).

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268 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
obediência a um jovem clérigo, promovido de assistente a professor no Oratório: “não
te preocupes pelo que deverás fazer. Vem somente com boa vontade, haveremos de nos
entender sobre o que podes, e não mais. Lembra-te sempre de que estás com um amigo,
o qual não deseja outra coisa senão teu bem espiritual e temporal. Isso conseguiremos
com o auxílio do Senhor e tendo sempre o coração aberto”.136 Luigi Nai (1855-1932),
clérigo inteligente e vivaz, hesitante em professar os votos, era convidado a pensar alto:
“Os grilos na terra e sobre a terra e os votos que pretendes fazer voam ao trono de Deus:
por isso os primeiros não podem, de modo algum, perturbar os segundos. Portanto, nada
temas e vai em frente. Tendo observações, falaremos em breve. Deus te abençoe, age
viriliter, ut coroneris feliciter”.137 Ao extemporâneo pedido de certo diretor reflexivo
respondia com um arguto adiamento: “Assim que da República Argentina me pedirem
um poeta valente, a tua veneranda pessoa será colocada em movimento”.138 Minuciosa
era a comunicação de mudança de destinação, de Borgo San Martino a Ariccia, de um
noviço muito jovem: “mudou-se o destino. Irás com padre Gallo a Roma, farás uma
visita ao santo padre, beijarás seus pés por mim, pedirás a santa bênção e depois partirás
para ires santificar os que habitam em Albano e em Ariccia. Tu te santificarás a ti mesmo
com a exata observância de nossas Regras, com o rendiconto mensal e com o exercício
da boa morte pontual. Quando te sobrevierem dificuldades escreve-me com freqüência,
expondo-me a vida, virtudes e milagres”.139 Ao mais maduro clérigo Giovanni Battista
Rinaldi (1855-1924), que de Albano pedia auxiliares, Dom Bosco respondia com cinco
quatrinas, das quais trazemos só a primeira e a última: “Fica em paz e está tranqüilo /
Pois Dom Bosco pensa em vós, / as vossas dificuldades são suas; / Logo levará apoio
– Mas se fordes todos bons, / Sempre alegres, verdadeiros amigos, / Recordando que
felizes / Só o agir retamente faz. Turim, do reservatório de minha Musa, 27.11.76 [Datti
pace e sta tranquillo / Ché D. Bosco pensa a voi, / vostri affanni sono suoi; / Pronto
aita apporterà – Ma voi siete tutti buoni, / Sempre allegri, veri amici, / Ricordando che
felici / Rende solo il buon oprar. Torino, dal Serbatoio della mia Musa]”:140 o poeta
era membro da Arcádia! Dois dias depois, em bom latim, encorajava um clérigo com
palavras resolutas, que surtiam efeito positivo: “Ninguém que tenha posto a mão ao
arado e se volta para trás, está pronto para o reino de Deus. E tu, queres olhar para trás?
Absolutamente, não. Segue adiante como começaste: persevera na vocação à qual foste
chamado”.141 As intuições não fracassaram; diziam respeito a homens de futuro certo,
135 Carta de Roma, 22 de fevereiro de 1874; E II 356: “Nun parvulus es, ideo collige pisciculos:
multi enim apud nos. Cum autem vir factus fueris, Dominus faciet te piscotorem hominum”.
136Ao clérigo Giov. Cinzano, 19 de outubro de 1874; E II 414.
137 Carta de 24 de maio de 1875; E II 478.
138Ao padre G. B. Lemoyne, 3 de março de 1876; E III 22.
139Ao clérigo Francesco Piccollo (1861-1930), entre outubro e novembro de 1876; E III 106.
140 E III 119. Dom Bosco, membro da Arcádia, sabe que Serbatoio é o Arquivo da Academia
Literária Romana.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 269
para alguns particularmente rico de iniciativas e de obras: padre Guidazio, fundador
da obra salesiana na Sicilia; padre Ronchail na França, em Nice e Paris; padre Garino,
bom conhecedor da língua grega; padre Tamietti, iniciador do Colégio de Este; padre
Cagliero em Roma, procurador geral e inspetor; padre Nai, inspetor na Palestina e no
Chile; padre Piccollo, por trinta anos diretor de colégios na Sicília; padre G. B. Rinaldi,
fundador da controvertida obra de Faenza.
Dom Bosco se mostrava extremamente severo em relação a dois irmãos sacerdotes,
Francesco e Giacomo Cuffia, que abandonaram os Colégios de Varazze e Alassio e a
Congregação: “Preveni padre Francesia e padre Cerruti – os respectivos diretores – que
coloquem em liberdade os Cuffia, não dar outra roupa senão a do corpo, isto é, o neces-
sário para se cobrir durante a viagem, ou então, que fosse de proveniência paterna. Não
dar nenhum certificado, nem bom nem mau. Retirar sua conta antiga e pedir o respec-
tivo pagamento”.142
5. Aos sócios salesianos (1875-1885)
Com a publicação das Constituições, Dom Bosco sonhava compor um “Diretório” ou
“manual” para a formação especificamente religiosa do educador salesiano. Era um dos
Pensamentos que o tinham levado a suplicar aos membros da Congregação Particular a
aprovação definitiva das Constituições.143 Ficou propósito sem realização. Substituiu-o,
porém, com um texto significativo, notavelmente enriquecido na passagem da primeira
edição de 1875 às sucessivas de 1877 e de 1885. É o discurso Aos sócios salesianos,
colocado como premissa de diversas edições italianas das Constituições e de edições
em outras línguas, dependentes das primeiras.
5.1 Primeira edição (1875)
A inesperada introdução às Constituições pode ser considerada uma pequena
summa, a mais completa, da que se poderia definir como a teologia espiritual da vida
religiosa de Dom Bosco. Nela confluem idéias que o santo vinha amadurecendo, pouco
a pouco, a começar da composição dos escritos de história eclesiástica e dos papas, na
elaboração das Constituições e dos documentos redigidos para obter sua aprovação,
posteriormente enriquecidas nas conferências locais e gerais, nas instruções durante os
exercícios espirituais dos últimos anos da década de 60 e os primeiros da de 70, expressas
141Ao clérigo Felice Toselli (1857-1918), 29 de novembro de 1876; E III 119-120.
142Ao padre Rua, de Santo Inácio em Lanzo, 5 de agosto de 1874; E II 394.
143 Memorial de 18 de março de 1874; E II 371.

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270 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
em cartas individuais e circulares e em conselhos particulares.144 Ali estavam ilustrados
os temas clássicos: a entrada na vida religiosa; as vantagens temporais e espirituais que
ela garantia; os votos de obediência, pobreza, castidade; as práticas de piedade. Dava-se,
a seguir, cinco lembranças particulares: fugir do “prurido de reforma”, solidariedade
com os irmãos e com os superiores no cumprimento dos deveres da própria função,
em espírito de consagração a Deus. Concluía-se com rápidos acenos sobre as dúvidas
de vocação e os modos para se superá-las. O texto da primeira edição foi inteiramente
redigido por Dom Bosco, que a ele chegava, como se pode ver nos manuscritos, graças
a um notável trabalho de repensamento, de correção e de aperfeiçoamento. O texto
expressava a experiência religiosa amadurecida, e relativamente refletida, do fundador
agora experiente, com toques pessoais de ascese, então muito exigente. Do ponto de
vista das dependências literárias tinha absoluta prioridade santo Afonso, com deriva-
ções do padre Alfonso Rodríguez. Já se fez alusão a essa dependência quando se tratou
das instruções nos exercícios espirituais em Trofarello, em 1867 e 1869.145 Em relação
a estas, os materiais afonsianos aumentaram no texto Aos sócios salesianos, recebendo
acréscimos na edição ampliada de 1877.146
O primeiro elemento é constituído pela vontade de dar à Sociedade Salesiana
um caráter religioso bem definido. Ela queria “ser uma congregação estruturalmente
compacta ad intra e ad extra, garantida em sua estabilidade e continuidade pela
autoridade pontifícia e solidamente agregada ao redor do superior, tanto geral como
local”: com certa atenuação das dependências eclesiásticas externas e com a tensão
para a obtenção da isenção e dos privilégios.147 Os votos tinham função decisiva na
Congregação, conferindo à corporação religiosa forte estabilidade e unidade operativa
compacta. “Nossos votos – escreve – podem ser chamados como elos espirituais, com
os quais nos consagramos ao Senhor e colocamos em poder dos superiores a própria
vontade, os bens, nossas forças físicas e morais, para que entre todos nos tornemos um
só coração e uma só alma, a fim de promover a maior glória de Deus, segundo nossas
Constituições”. Dos votos se sublinha tanto a obrigação jurídico-funcional como o
significado teológico-espiritual, enquanto a plena fidelidade à comunidade religiosa
e a seus fins garante aos sócios tranqüilidade também econômica e social e a certeza
da salvação eterna. A comunidade, pois, encontra sua compacidade e máxima poten-
cialidade operativa na relação de todos e de cada um ao vértice, ao superior, na obedi-
ência, “complexo de todas as virtudes”, forma privilegiada de conformidade a Cristo,
144 Cf. P. Braido, “Tratti di vita religiosa salesiana nello scritto Ai soci salesiani di Don Bosco
del 1875”, RSS 13(1994), p. 361-448; Id., “Tratti di vita religiosa salesiana del 1877/1885”,
RSS 14(1995), p. 91-154.
145 Cf. cap. 15, § 11.
146 Cf. E. Valentini, “Sant’Alfonso negli insegnamenti di Don Bosco”, in: Id., Don Bosco e
Sant’Alfonso, p. 43-46.
147 P.Braido, Tratti di vita religiosa salesianadel 1875, RSS 13 (1994) 393 e 394.

28 Pages 271-280

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28.1 Page 271

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 271
factus obediens usque ad mortem. Conseqüentemente, a obediência consistia na rigo-
rosa observância das Constituições. Nesse ponto Dom Bosco insistiria na Conferência
Pública de 3 de fevereiro de 1876: “Agora não é mais tempo de agir como agíamos,
de ir para frente com um governo tradicional, quase patriarcal, não. É preciso nos
manter firmes a nosso código, estudá-lo em todas as suas particularidades, entendê-lo,
explicá-lo, praticá-lo; nossas operações, temos que fazê-las conforme estas regras”;
“o único meio para propagar o espírito novo é a observância das regras”; “o bem que
se deve esperar das ordens religiosas vem justamente daquilo que trabalham coletiva-
mente; se tal não acontecesse, não se poderia mais fazer nenhum grande trabalho”.148
No compêndio Aos Sócios Salesianos, a obediência, além de sua dimensão ascética,
também possui um valor pragmático determinante em relação ao trabalho apostólico
e educativo, o que exige unidade de direção compacta e total consenso. O “egoísmo
individual” deve ceder à busca do “bem comum”, que é o bem dos jovens para os
quais se trabalha. Em substância, a comunidade é uma “milícia” ordenada, não freada
por vínculos internos e externos, constituída por membros livres e ágeis em sua ação.
Tal condição é propiciada pela pobreza e pela castidade, que superam o supérfluo,
em vista do fim último, a glória de Deus e o bem temporal e eterno do próximo, em
particular dos jovens.
A isso segue a denúncia dos perigos que podem ameaçar a vitalidade da missão
(Cinco lembranças importantes) e a estabilidade do pessoal a ela consagrado (Na
dúvida vocacional). Essa denúncia surgia da apaixonada solicitude de Dom Bosco pela
sociedade de religiosos educadores espiritualmente rica e tendida, interiormente vital e
intensamente solidária, capaz de enfrentar tarefas sempre mais vastas e empenhativas.
Essa Congregação, em vias de rápida expansão, desde 1875 presente na França e na
América do Sul, tinha necessidade de contar com o maior número possível de efetivos
e com sua segura fidelidade.
5.2 As edições de 1877/1885
A reimpressão das Constituições italianas em 1877 podia ter como causa simples-
mente o esgotamento da primeira, de 1875. Mas o acréscimo da introdução Aos sócios
salesianos não era casual. Revelava a maior solicitude de Dom Bosco para a estrutu-
ração religiosa mais determinada da sociedade de consagrados, “reforçando o espírito
e a observância das regras”,149 enquanto se buscava potencializar sua organização com
o Primeiro Capítulo Geral. Era também questão de coerência com o que estava fazendo
para os irmãos concepcionistas.150
148 G. Barberis, Cronaca, quad. 14A, p. 31-32.
149 Cf. G. Barberis, Cronaca, quad. 14, 2º verso, p. 31-32 (conferência geral pública de 3 de
fevereiro de 1876).

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272 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
O texto era o produto da colaboração entre o mestre dos noviços, padre Giulio
Barberis, e as substanciais intervenções do próprio Dom Bosco. O primeiro introduzia
numerosos acréscimos aos pontos da edição precedente e fornecia material para o enri-
quecimento do texto de cinco pequenos capítulos: Importância de seguir a vocação,
Seguir prontamente a vocação, Meios para conservar a vocação, O rendiconto e sua
importância e Caridade fraterna. Dom Bosco solucionava, aprofundava e reelabo-
rava os textos propostos, corrigindo e modificando.151 No apêndice às Constituições
incluía-se a Carta de são Vicente de Paula endereçada a seus religiosos sobre o levan-
tar-se à mesma hora, de 15 de janeiro de 1650. Na edição mais apurada de 1885 a
Carta seria colocada em apêndice ao texto das Constituições, junto com seis cartas de
santo Afonso a seus religiosos, sob o título Algumas cartas circulares de são Vicente
de Paulo e de santo Afonso Maria de Ligório a seus religiosos, muito úteis também aos
salesianos.152
Os autores aos quais padre Barberis tinha abundantemente recorrido eram sobre-
tudo santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787), Avisos que dizem respeito à vocação
religiosa, de 1750, para os capítulos sobre vocação, e A verdadeira esposa de Jesus
Cristo, de 1760, para o tema da caridade fraterna, e o jesuíta Alfonso Rodríguez (1541-
1616), Exercício de perfeição e de virtude religiosa, para o tema dos rendicontos.
Dom Bosco se utilizava desse material para os aspectos e as reflexões práticas, mais
que para as elaborações teológicas. Estava presente, no parágrafo relativo ao “segui-
mento da vocação”, também um trecho de são Francisco de Sales, lido nos Avisos que
dizem respeito à vocação religiosa, de santo Afonso, e que já tinha sido tirado por são
Francisco da obra do jesuíta Girolamo Piatti (1545-1591), A respeito do bem relativo
ao estado dos religiosos.
Com o novo texto conseguia-se um notável alargamento da gama dos temas quali-
ficadores da vida religiosa segundo a concepção de Dom Bosco. Esta saía consolidada
e aprofundada em suas raízes evangélicas. Com efeito, os conteúdos e as motivações
propostos a todos os fiéis cristãos tinham a nítida preferência sobre as considerações
especificamente religiosas, especialmente quanto à obediência, à pobreza e à castidade,
virtudes mais que votos. Além disso, estava presente, principalmente em alguns temas,
a experiência do padre diocesano que se tinha plasmado religioso junto com os jovens
discípulos, crescendo com eles e aperfeiçoando, também com a contribuição deles, as
formas e os modos de vida comunitária. Enfim, os parágrafos acrescentados sobre a
vocação diziam respeito em particular à pressão que, com a extensão das obras assisten-
ciais e educativas juvenis, o levava a agregar o maior número possível de colaboradores
150 Cf. cap. 25, § 2.
151 Cf. P. Braido, “Tratti di vita religiosa salesiana del 1877/1885”, RSS 14(1995), p. 97-106.
152 Elas permaneceriam em apêndice ao texto das Constituições italianas até à edição de 1903;
foram eliminadas a partir da edição de 1907.

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Cap XXIV: Forjador de comunidades religiosas dedicadas à educação juvenil (1865-1877) 273
eclesiásticos e leigos. Todavia, não obstante essa pressão, ao se observar o conjunto
dos textos sobre a vocação, tem-se a nítida impressão que Dom Bosco tenda a mitigar
a rigidez da fonte original sobre a obrigatoriedade da escolha vocacional religiosa, suas
exigências de perfeição e os meios para torná-la definitiva. Por exemplo, o caminho que
aquele que foi chamado “deve percorrer para que se possa salvar” torna-se, na correção
de Dom Bosco, “caminho pelo qual, percorrendo, ele pode com muita facilidade conse-
guir sua eterna salvação”.
À obediência está unido o tema do rendiconto, orientado para reforçar os liames entre
os súditos e o superior, embora sempre unidos a uma relação de tipo familiar, gerador de
confiança e de confidência. Por isso, a ilimitada abertura ao superior tornava-se mitigada
na edição de 1885 e o discurso sobre a caridade fraterna assimilava a relação entre supe-
rior e súditos com motivações mais familiares em relação à fonte afonsiana.
Sua introdução às Constituições era considerada por Dom Bosco tão importante
que, na significativa carta enviada ao padre Costamagna em 10 de agosto de 1885, sobre
o sistema preventivo entendido como dimensão essencial do espírito salesiano, reco-
mendava: “Ler e inculcar a leitura e o conhecimento de nossas Regras, especialmente o
capítulo que fala das práticas de piedade, a introdução que fiz às nossas mesmas Regras
e as deliberações tomadas nos nossos Capítulos Gerais ou Particulares”.153
153 E IV 333.

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Capítulo XXV
Dom Bosco fundador no intenso 1877
1876 29 de outubro: encargo sobre os irmãos concepcionistas com carta do cardeal Bilio
17 de novembro: aprovação de Pio IX do plano de Dom Bosco e de dom Fiorani
28 de novembro: carta do cardeal Ferrieri sobre testemunhais
12 de dezembro: Pio IX manifesta perplexidade sobre o plano executivo de
Dom Bosco sobre os irmãos concepcionistas
16 de dezembro: resposta ao cardeal Ferrieri com esclarecimentos de Dom Bosco
1877 1º de janeiro a 4 de fevereiro: Dom Bosco em Roma
6 de fevereiro: Breve de Pio IX sobre Dom Bosco como visitador in spiritualibus
dos irmãos concepcionistas
8 de fevereiro: O arcebispo de Turim e a Congregação de São Francisco de
Sales em Turim
12 de março: inauguração da nova sede do Patronato São Pedro em Nice
17/19: cartas do arcebispo sobre publicação de graças
1º a 26 de junho: viagem de Dom Bosco a Roma
julho: Capítulo Geral da Congregação Salesiana a ser convocado em Lanzo
no próximo mês de setembro
agosto: tornado público o texto do Sistema Preventivo
1º fascículo do Bibliófilo católico ou Boletim Salesiano mensal
26 de junho: incidente a respeito da suspensão do servço das missas
outubro: edição impressa dos regulamentos dos oratórios e dos colégios
O governo centralizado de pessoas e de instituições juvenis e dos institutos reli-
giosos a eles consagrados exigia de Dom Bosco cuidado pessoal permanente e a tempo
pleno. Essa missão estava na base de todos os outros empenhos também importantes, e
o fundador vivia constantemente em unidade com ela. A grande carga de trabalho que
a missão comportava parece manifestar-se com especial visibilidade e consistência em
1877, seja no interior das obras seja nas relações eclesiásticias e civis. Tratava-se da
tenaz exigência dos privilégios, do cuidado solícito com as boas relações com a Santa
Sé, do permanente constrangimento diante das persistentes diatribes com o ordinário
diocesano, das atenções novas para cuidadosas relações pessoais com o arcebispo de
Buenos Aires, que tinha chegado à Europa. O compromisso imprevisto e transitório

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276 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
com o instituto dos irmãos concepcionistas tinha caráter extraordinário, mas o era ainda
muito mais sua dedicação em vista da consolidação interna da Sociedade Salesiana em
nível organizativo e de animação pedagógica e espiritual, da confecção de documentos
que passarão à história, da preparação do Primeiro Capítulo Geral e da publicação do
Boletim Salesiano.
1. Calendário sobrecarregado
No início de 1877 o fundador dispunha, para 17 obras, de 361 salesianos, clas-
sificáveis assim: 163 professos perpétuos, dos quais 82 sacerdotes, 41 clérigos e 40
coadjutores; 78 professos trienais, dos quais 4 sacerdotes, 50 clérigos e 24 coadjutores;
120 noviços, dos quais 3 sacerdotes, 82 clérigos e 35 coadjutores. A esses se acres-
centavam 79 aspirantes, dos quais 2 clérigos, 45 estudantes e 32 coadjutores.1 Embora
coadjuvado, como se disse, pelo vice-diretor, até 1875 padre Rua, e padre Lazzero a
partir de 1876, Dom Bosco era, antes de tudo, diretor do Oratório, instituto de instrução
e educação para aprendizes e estudantes, além de seminário menor para estes, novi-
ciado para o grupo mais consistente dos noviços, pós-noviciado e estudantado de filo-
sofia. Ao mesmo tempo era superior geral ou reitor-mor da Congregação que tinha
colégios ou internatos em Borgo San Martino, Lanzo Torinese, Alassio, Sampierdarena,
Varazze, Valsalice (Turim), Nice, San Nicolás de los Arroyos (Argentina), Villa Colón
(Montevidéu); escolas ginasiais em Albano e Magliano Sabina; escolas elementares em
Mornese, Vallecrosia e Trinità di Mondovì, ambas com oratório, e Ariccia; oratório e
igreja pública em Buenos Aires.
O ano de 1877 era caracterizado por intensas viagens na Itália e na França, duas
a Roma, de 2 de janeiro a 4 de fevereiro, de 1º a 26 de junho, e uma terceira iniciada
em 18 de dezembro, que duraria até o final de março de 1878. O ano tinha come-
çado justamente em Roma, onde Dom Bosco chegava no dia 2 com o secretário, padre
Berto, e padre Giuseppe Scappini, destinado a assumir a tarefa de diretor espiritual dos
irmãos concepcionistas, que prestavam assistência na secção masculina do Hospital
Santo Espírito. Dom Bosco deveria receber pessoalmente do papa, em termo precisos,
o encargo, já praticamente aceito em novembro, de visitador da Congregação dos
Religiosos Leigos da Imaculada Conceição, ou concepcionistas. A investidura seria
oficializada com breve de 6 de fevereiro.
De 5 a 8 de fevereiro estava presente em Valdocco para as últimas Conferências de
São Francisco de Sales. No decurso de uma delas, em 6 de fevereiro, como já se falou,
comunicava a decisão de “imprimir um jornal da Congregação”, que se tornaria reali-
dade no verão com o Bibliófilo Católico ou Boletim Salesiano mensal.2
1 Os “aspirantes” tinham aparecido pela primeira vez no elenco de 1875.
2 G. Barberis, Cronaca, quad. 11, p. 38-39.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 277
Em 21 de fevereiro partia para a longa viagem que, da Ligúria, o levaria a Nice e
Marselha, depois de novo a Nice para a inauguração, em 12 de março, da nova sede da
casa-mãe das obras francesas. Aí fizera um importante discurso no estilo dos sermons
de charité. Partia no dia seguinte, fazendo paradas nas casas da Ligúria, e chegava em
Turim entre 26 e 28 de março. Empregava os dias sucessivos para completar a redação
do discurso de Nice e para compor as páginas do Sistema preventivo e os dez Artigos
gerais de introdução ao Regulamento para as casas. Tornaram-se opúsculos impressos
entre agosto e outubro.
No mês de abril, Dom Bosco, que falava tanto da necessidade de um noviciado para
a reforma dos irmãos concepcionistas, expressava ao padre Barberis a necessidade e a
possibilidade de “abrir justamente uma casa para os clérigos noviços, para que estejam
separados de todos os demais”: para tanto, tinha como hipótese o santuário da Mellea
em Farigliano (Cuneo).3
Os meses de abril e maio, passado em Valdocco, consentiam a Dom Bosco traba-
lhar o documento preparatório para o Primeiro Capítulo Geral, do qual tinha falado
ao padre Barberis pela primeira vez no sábado, 21 de abril. “Várias noites depois”,
dizia-lhe que estava redigindo ele mesmo “o esquema das coisas a serem tratadas“.4
Mas, já em carta de 31 de março, Dom Bosco tinha pedido ao padre Cagliero: “Será
possível que possas participar do Capítulo Geral, que deverá começar no início do
próximo setembro? Trataremos e resolveremos assuntos muito importantes; por isso
veja, observa e dize-me, si fieri potest“.5 O “esquema das coisas a serem tratadas” logo
dava lugar a um fascículo impresso. Preparava ainda a segunda edição aumentada desse
fascículo, que não teve continuidade, talvez pela falta de tempo para a impressão.
Também entre a primavera e o verão Dom Bosco redigia a segunda edição aumen-
tada da introdução Aos sócios salesianos, premissa da reimpressão das Constituições.
Esta estava certamente completa na primeira metade de setembro, o que se deduz do
fato de que o chefe da tipografia, Andrea Pelazza, no final do mês, obviamente com a
composição do texto já efetuada, perguntava a Dom Bosco sobre o número de exem-
plares. Este respondia: “Creio que bastarão mil cópias de nossas Regras“.6
Não era indiferente também o dispêndio de energias para a preparação da
terceira expedição para a América com a participação, pela primeira vez, das
Filhas de Maria Auxiliadora, e para a definitiva estruturação da Associação dos
Cooperadores Salesianos.
Não obstante esses empenhos, desde 1º de junho Dom Bosco estava intensa-
mente envolvido com a delegação argentina, guiada pelo arcebispo Aneiros, que
chegara a Roma para homenagear Pio IX em seu jubileu episcopal. Ele a recebia em
3 G. Barberis, Cronaca, quad. 12, p. VII-VIII e 2-3.
4 G. Barberis, Cronichetta, quad. 12, fol. 5r-6r.
5 Carta de 31 de março de 1877; E III 162.
6 Carta de Lanzo, 28 de setembro de 1877; E III 219.

28.8 Page 278

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278 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Sampierdarena, estava com eles em Roma, os acompanhava a Loreto em 23 de junho
e chegava com a delegação em Valdocco no dia 26, onde foi recebida triunfalmente e
hosanada durante a suntuosa tríplice festa do dia 29 de junho – são Pedro, o arcebispo
e o onomástico de Dom Bosco – com os fantasiosos hinos do padre Lemoyne. Nos
dias sucessivos acompanhava padre Cecarelli nos colégios, de Borgo San Martino a
Alassio, onde reencontrava o arcebispo Aneiros, estando a seu lado na visita a Nice e
no embarque em Marselha, em 17 de julho.
Dom Bosco devia estar verdadeiramente cansado. No final de julho padre Barberis
registrava que o superior, há algum tempo, não estava bem.7 No mais, o próprio Dom
Bosco, de Marselha confidenciava ao padre Rua: “Estou cansado a non plus ultra“.8
Vários dias depois escrevia de Alassio: “Estou em Alassio e um pouco quebrado” [em
pedaços, sentindo mal], “provavelmente na manhã do dia 25 viajarei para Turim“.
E no pós-escrito: “dom Alimonda é bispo de Albenga. Ótima escolha para nós“.9 Apesar
disso, nesses mesmos dias se deixava envolver nos primeiros movimentos para a ida
dos salesianos a La Spezia, depois de ter conquistado, em abril, uma fábrica de papel
em Mathi Turinense.10 No segundo semestre sentia-se sobrecarregado não somente por
fadigas físicas, mas também por angústias pelos novos desentendimentos com o arce-
bispo Gastaldi por causa de decisões errôneas de outros.
Nos meses de julho e agosto Dom Bosco cuidava da impressão do opúsculo sobre
a Inauguração do Patronato São Pedro, de Nice. Depois, de 5 de setembro a 5 de
outubro estabelecia residência no Colégio de Lanzo com os membros do Primeiro
Capítulo Geral. Em uma parada ocupava parte do domingo, 30 de setembro, para
escrever uma série de cartas a personagens envolvidas ou que deveriam ser envol-
vidas na empresa americana.11
Terminado o Capítulo Geral e, no mesmo tempo, tendo interrompido o encargo de
visitador dos irmãos concepcionistas, presidia as reuniões dos membros do Capítulo
Superior, dedicadas à releitura das atas do Capítulo Geral para o término do texto dos
Atos, a serem enviados, eventualmente, para Roma. As reuniões eram suspensas após
o dia 18 de outubro, “devendo [Dom Bosco] ausentar-se de Turim por cerca de uma
semana”:12 ia pedir na região de Saluzzo-Cuneo. Eram retomadas no dia 29, depois em
novembro, até a última, em 6 de dezembro. “Dom Bosco – registrava o cronista – tem
necessidade de partir o quanto antes para Roma“.13
Entre setembro e outubro tinha sido composto e impresso na tipografia o Regulamento
dos externos e o para as casas. Na terceira sessão do Primeiro Capítulo Geral, em
7 G.Barberis, Cronichetta, quad. 12. p. 28.
8 Carta dos dias 10 a 15 de julho de 1877; E III 198.
9Ao padre Rua; E III 201.
10 Cf. cap. 27, § 11 e 12.
11 Cf. E III 220-226.
12 Conferenze del Capitolo Superiore a compimento delle cose trattate nel Capitolo Generale,
Verbali di don Barberis III 63-77.
13 Conferenze del Capitolo Superiore, Verbali di don Barberis III 70-101.

28.9 Page 279

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 279
7 de setembro pela manhã, falava-se de “regras dos colégios” que ainda deviam ser
impressas, e Dom Bosco afirmava: “agora existe um regulamento, quase precisado“.14
Mas na décima quinta sessão, de 14 de setembro, referindo-se ao regulamento do teatro,
diz-se: “No regulamento da casa (o qual já está composto e cujos esboços já temos
em mãos para ver as observações oportunas) já existe um capítulo que diz respeito ao
teatro“.15 Em 4 e 15 de novembro era feita sua leitura pública solene no Oratório de
Valdocco.16
Outubro foi ocupado por Dom Bosco também para retomar relações em alto nível:
com o cardeal Ferrieri, em resposta às acusações de dom Gastaldi;17 com os ministérios
italiano e francês do Exterior, em favor dos missionários salesianos;18 e com o cardeal
Franchi, prefeito da Congregação de Propaganda Fide.19
Em novembro acompanhava a terceira expedição missionária, já em preparação
há meses. Ao mesmo tempo, continuavam as preocupações pelas difíceis relações
com o arcebispo, ao qual Dom Bosco escrevia uma importante carta sobre várias
questões pendentes,20 cujo resultado foi desastroso: duas respostas que o levaram a
sofrer suspensão latae sententiae.21 Em 29 de novembro, em carta ao cardeal Bilio,
punha fim, reafirmando o ponto de vista pessoal, à própria missão em favor dos irmãos
concepcionistas. Em 18 de dezembro partia para Roma, onde permaneceria por mais
de três meses. O ano terminava com o relatório sobre as missões, enviado ao cardeal
Alessandro Franchi.22
2. Plano unilateral para os irmãos concepcionistas (novembro 1876 –
novembro 1878)
Entre dois outonos – 1876 e 1877 – Dom Bosco era solicitado por Pio IX a se
interessar pela congregação religiosa laical dos “Irmãos Hospitaleiros da Imaculada
Conceição” ou “Filhos da Imaculada Conceição” (concepcionistas ou concettini).23
14 Verbali I 32 e 34.
15 Verbali II 191.
16 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 60.
17 Carta de 12 de outubro de 1977; E III 227-229.
18 Carta de outubro; E III 229-230.
19 Carta de outubro; E III 230-233.
20 Carta de 21 de novembro de 1877; E III 242.
21 Cf. cap. 26, § 3.
22 Carta de Roma do dia 31 de dezembro de 1877; E III 242.
23A reconstrução do acontecimento mais bem documentada e de maior autoridade é oferecida
pelo amplo estudo de E. Perniola, dos concepcionistas, Luigi Monti fondatore dei Figli
dell’Immacolata Concezione. 2 vol. Saronno, Madre Monti, 1883. Cf. em particular vol. I, p.
513-572 (“I Concezionisti e Don Bosco”).

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280 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Fundada em 8 de setembro de 1857, a congregação tinha obtido o “decretum laudis”
em 4 de outubro de 1862, o reconhecimento pontifício em 10 de maio de 1865 e, em
5 de junho de 1875, a aprovação das Constituições ad quinquennium. A congregação
era acompanhada com particular benevolência por Pio IX, preocupado por tantas difi-
culdades que obstaculavam o acesso à existência religiosa e organizativa autônoma e
decidido a fornecer meios materiais e espirituais para a superação dessas dificuldades.
O papa desejava, justamente, que Dom Bosco, por seu expresso mandato, aí levasse a
própria contribuição de especialista em fundações religiosas. Queria, contudo, que sua
tarefa fosse desenvolvida em acordo e colaboração com dom Luigi Fiorani, protetor do
instituto e comendador do Hospital Santo Espírito, onde os concepcionistas tinham a
máxima concentração de membros, empenhados na assistência dos enfermos do sexo
masculino. Até novembro de 1876 os concepcionistas dependiam dos capuchinhos, de
cuja ordem eram considerados terciários. De 1875 a 1876 tinham tido como superior
geral irmão Gregorio Coriddi, com certo distanciamento do fundador, irmão Luigi
Monti, preferido pela maioria. Mas segundo a persuasão dos capuchinhos e de outros –
entre os quais dom Fiorani – de que o instituto não era capaz de auto-governo, tanto com
rescrito de Pio IX, de 30 de abril de 1875, como com “Declaratória” da Congregação
dos Bispos e Regulares de 4 de agosto de 1875, tinha sido decidido que o ministro
geral da Ordem dos Capuchinhos seria o “diretor do irmão superior do Instituto”.
Irmão Coriddi foi sucedido pelo irmão Giuseppe Maria Petrolli, mas, com decreto da
Congregação dos Bispos e Regulares de 31 de janeiro de 1876, tal norma era conside-
rada válida somente por três anos, sem contudo aplacar as inquietudes dos membros do
Instituto. Em 10 de novembro de 1876 os irmãos apresentaram apelo ao papa para que
fosse ativado, o quanto antes, o estado disposto por ele mesmo, quando em 30 de abril
de 1875 tinha aprovado as novas Constituições ad quinquennium, promulgadas em
5 de junho com decreto da Congregação dos Bispos e Regulares. Elas estabeleciam que
o Instituto tivesse superior próprio, igual às outras congregações religiosas laicais.24
A este ponto o pensamento do papa tinha ido a Dom Bosco. Este, porém, bem
depressa compartilhava com os precedentes superiores “externos” e com o próprio dom
Fiorani, a persuasão sobre a incapacidade dos irmãos concepcionistas ao auto-governo e
do irmão Monti para ser superior geral. O desejo do papa era comunicado a Dom Bosco
pelo cardeal barnabita Luigi Bilio, já em relação com ele pela fundação de Magliano
Sabina, sua diocese suburbicária, na carta de 29 de outubro de 1876. Para fazê-la chegar
ao destinatário servia-se do beato Francesco Faà di Bruno, retornado de Roma em 30 de
outubro, após a ordenação sacerdotal em 22 de outubro.25 A tarefa era formulada então
em termos gerais: “Este Instituto (...) foi dirigido pelos capuchinhos. No momento,
estes não parecem muito adaptados para tal direção, e o Instituto tem necessidade de
24 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 479-509.
25 Cf. M. Cecchetto, “Vocazione e ordinazione sacerdotale di Francesco Faà di Bruno”, in:
Francesco Faà di Bruno (1825-1888): miscellanea, p. 136-172.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 281
melhor sistematização. Por isso o santo padre pensou que a pessoa adequada seja justa-
mente Dom Bosco“.26 Na tarde de 7 de novembro Dom Bosco partia para Roma com
os salesianos destinados à América, a Ariccia e a Albano. No dia 9 foram recebidos
em audiência de grupo. No dia seguinte, ao invés, Dom Bosco teve audiência privada,
decisiva para o encargo junto aos concepcionistas. Não se sabe exatamente o que tenha
sido concordado, mas provavelmente se tratou de questões mais gerais para a entrega,
de uma parte, e de linhas de ação mais definidas, de outra. O que parece advir da conti-
nuidade dos fatos e da troca epistolar entre Roma e Turim na última fase do tortuoso
acontecimento. Deve-se presumir que o papa não tenha entrado nos aspectos técnico-
jurídicos do problema, ao passo que Dom Bosco saía da audiência com uma idéia muito
simples: a agregação ou afiliação dos irmãos concepcionistas à Sociedade Salesiana.
O desígnio o conduziria em sua missão, mesmo quando, e muito depressa, seria
colocado em discussão sua radicalidade. De outro lado, em ano tão sobrecarregado
de empenhos, não parece que ele tenha encontrado tempo e modos para dar precisa
configuração organizativa e jurídica ao próprio projeto, muito menos para acompa-
nhar os sinuosos desenvolvimentos das situações, das interpretações e das sensibili-
dades no mundo romano e no interior do próprio Instituto dos Irmãos Concepcionistas.
Em compensação, eram muito claras as linhas do projeto que bem depressa comuni-
cava aos membros do Capítulo Superior, registradas fielmente pelo cronista e verbalista
padre Giulio Barberis. Para a reorganização estatutária do Instituto é provável que ele
pretendesse se inspirar em fórmula análoga a que regulava as relações entre a Sociedade
de São Francisco de Sales e o Instituto das FMA, há pouco reconhecido pelo ordinário
de Acqui. Com isso ele estava instaurando vínculos jurídicos e espirituais precisos,
associados a uma relativa autonomia funcional que, após a Exposição sobre o estado da
Sociedade Salesiana de 1879, a Congregação dos Bispos e Religiosos não teria consi-
derado totalmente convincente.27 Todavia, com um instituto feminino ele podia pensar
numa separação mais acentuada, enquanto com os irmãos concepcionistas podia apare-
cer-lhe possível uma ligação mais estreita.28
Os esforços, em todo caso, desejava-se vê-los direcionados para a consolidação de
um instituto religioso ordenado e vigoroso. Para o momento, contudo, parecia mais
visível o aspecto da proteção invasiva e da integração. Tal conceito é colocado às claras
por algumas de suas cartas desses dias. Escrevia ao padre Rua: “Hoje devo visitar a casa
[destinada aos irmãos concepcionistas em Piazza Mastai, no Trastevere] que o Santo
Padre pretende colocar à nossa disposição“.29 Também ao padre Cagliero, com anteci-
26 Carta do cardeal Bilio de 29 de outubro de 1876, Documenti XVII 527, FdB 1042 E6, MB XII
692-693. Dom Bosco acenava a isso no Capítulo Superior, no domingo, 5 de novembro; cf. G.
Barberis, Capitoli superiori ossia verbali, p. 16.
27 Cf. cap. 29, § 3.
28 Sobre o que está dito nas Constituições do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora em 1876
quanto ao Sistema geral do Instituto e do Regime interno do Instituto, cf. cap. 20, § 5.
29 Carta de Roma, 11 de novembro de 1876; E III 111.

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282 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
pação pelo menos de datas: “O santo padre quer que vamos a Roma para alguma de
suas ações e nos faz agir, onde está quase terminada uma casa onde poderemos começar
[era a casa de Piazza Mastai]. Os missionários te darão os detalhes“.30 Ainda ao padre
Cagliero, mais adiante: “O santo padre, com decreto particular, colocou toda a armada
dos irmãos concepcionistas sob nossa autoridade, para fazer outros tantos salesianos.
É empresa nova na Igreja. Veremos como a coisa sairá“.31 No Elenco salesiano de 1877
inseria-se a “Casa dos irmãos concepcionistas em Roma: diretor espiritual dos RR.
irmãos concepcionistas sacerdote Gius. Scappini, noviço coadjutor Piedro Rossi“.32
De outro lado, escrevendo ao padre Lemoyne para lhe pedir a disponibilidade do padre
Scappini, parecia ainda incerto sobre “o que fazer”: “O santo padre nos dirá o que fazer,
e com o auxílio de Deus haveremos de fazê-lo. Trata-se sempre do problema dos irmãos
concepcionistas“.33
A continuação dos acontecimentos faria explodir incertezas e ambigüidades de
vários lados. As informações sobre o Instituto fornecidas a Dom Bosco por dom Fiorani
foram integradas com a leitura das Constituições. Em base a elas, após a audiência do
santo padre, de 10 de novembro de 1876, ele tinha concordado pessoalmente com dom
Fiorani a respeito de algumas faculdades que devia pedir ao santo padre como base
de ação dirigida a dar ao Instituto dos Irmãos Hospitaleiros “um novo impulso no seu
espírito e nas suas obras de caridade”. Ela tinha sido querida pelo santo padre, que se
“dignara querer confiá-lo à direção dos sacerdotes da Congregação Salesiana de Turim,
e a esta agregado”. São as palavras usadas por dom Fiorani no início da Relação, com
a qual, em 14 de novembro, apresentava ao papa par aprovação, colocando junto as
faculdades pedidas por Dom Bosco. Eram as seguintes: “1) De modificar e reduzir as
atuais Constituições dos Irmãos Hospitaleiros segundo o espírito das Constituições da
Congregação Salesiana, salvo sempre a finalidade a qual era dirigida o Instituto dos
irmãos concepcionistas. 2) Estabelecer a vida comum, como está prescrito no art. 1º do
cap. V. 3) Fixar um noviciado regular (...). 4) Poder estabelecer a vida dos irmãos, de
modo que entre suas ocupações de caridade em favor dos enfermos possam inalteravel-
mente cumprir as práticas de piedade, segundo o cap. III das Constituições. 5) Servir-se
das mesmas faculdades estando sempre em entendimento com uma pessoa da confiança
de Vossa Santidade, e que pede seja a este efeito nomeada”. Dom Fiorani pleiteava a
aceitação, que o papa dava imediatamente com Rescrito. Ele esclarecia que Dom Bosco
devia fazer uso das faculdades “com entendimento” do “comendador do Santo Espírito,
como protetor do Instituto“.34 Em 16 de novembro, dom Fiorani transmitia a Relação
30 Carta de Sanpierdarena, 14 de novembro de 1876; E III 112.
31 Carta de 30 de novembro de 1876; E III 121.
32 Società di S. Francesco di Sales. Anno 1877. Turim, Tipografia Salesiana, 1877, p. 19.
33 Carta de 18 de dezembro de 1876; E III 128.
34 Documenti XVII 571-572, FdB 1043 D2-3; MB XII 496-497; E. Perniola, Luigi Monti
fondatore, vol. I, p. 516-517.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 283
e o Rescrito ao cardeal Ferrieri, pro-prefeito da Congregação dos Bispos e Religiosos,
“informando-o que o papa, de motu proprio, tinha determinado mudar substancialmente
o Instituto, agregando-o à Sociedade Salesiana de Turim”. No rodapé do documento
recebido, alguém da Congregação anotava: “O Instituto dos Irmãos Hospitaleiros de
Maria Santíssima Imaculada, conhecidos como concettini, por vontade do santo padre
Pio IX, é agregado à Congregação Salesiana de Turim, da qual é superior geral o sacer-
dote Giovanni Bosco“.35 Permanecia vinculante, de qualquer forma, a cláusula conexa
com a primeira faculdade concedida: “salvo sempre o escopo e o fim ao qual se destina
o Instituto dos irmãos concepcionistas”. Além disso não estava claro se a entrega à
direção da Sociedade Salesiana e a agregação a ela podiam ser entendidas como pensa-
mento do papa, ou de qualquer modo interpretados como medida provisória destinada a
revitalizar o Instituto no espírito e nas obras, até torná-lo capaz de autonomia e de auto-
governo. Os acontecimentos sucessivos girariam em torno dessas alternativas.
A interpretação de Dom Bosco poderia suscitar maiores perplexidades, quando
posteriormente era esclarecida na carta ao papa de 18 de novembro e, ainda mais, no
documento anexado. Ele declarava ter encontrado as Regras dos irmãos concepcionistas
“muito afinadas com as” dos salesianos e manifestava o parecer de que, “com poucas
modificações”, seria possível “unir umas com as outras”. Talvez não teria sido fácil
“conduzir os irmãos concepcionistas à prática do voto de pobreza e à vida comum”,
mas era lícito esperar que, com a paciência, se atingiria tal escopo. Era capital, de
qualquer forma, a solução do problema do noviciado, uma vez que – considerava –
“aqueles religiosos, embora de grande boa vontade, sem um noviciado que exercite os
alunos sobre as Constituições e sobre o modo prático de observá-las, irão executar uma
tarefa que ignoram ou que aprenderam somente de forma imperfeita”. Pedia, enfim,
por própria norma, que dom Fiorani lhe desse “informação sobre o número dos irmãos
concepcionistas, das casas onde prestavam serviço, e também que diga respeito a seu
estado moral e material“.36 No relatório anexo, ele englobava a Relação concordada
em Roma com dom Fiorani e o integrava com oito artigos a ser colocados em “apên-
dice às Constituições dos Irmãos Hospedaleiros”, precedidos por cinco orientações
operativas. Nesses artigos se expunham as linhas de seu plano de ação, baseado sobre
uma configuração bem precisa das relações entre irmãos concepcionistas e salesianos:
“1) O Instituto é perpetuamente afiliado à Sociedade de São Francisco de Sales”; “2) a
direção espiritual dos irmãos concepcionistas, tanto professos como noviços, é perpe-
tuamente confiada aos sacerdotes da dita Congregação”: “3) o cargo de superior geral
dos irmãos concepcionistas será ocupado pelo reitor-mor da Congregação Salesiana,
o qual poderá também nomear seu representante entre os salesianos residentes em
Roma”; “4) o superior da Congregação Salesiana proverá tudo o que for necessário aos
irmãos concepcionistas, quer no estado de saúde quer nos casos de doença”; “5) todos
35 E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 518.
36 Carta a Pio IX, 18 de novembro de 1876; E III 116-117.

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284 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
os irmãos concepcionistas são considerados, como o são de fato, verdadeiros coopera-
dores salesianos”; “6) em toda casa “a parte material e disciplinar será sempre confiada
a um irmão concepcionista”; “7) na casa de noviciado será também escolhido um irmão
concepcionista que fará a assistência dos noviços”; “8) a distribuição dos encargos, a
aceitação à primeira prova, a admissão ao noviciado e à profissão religiosa é tarefa do
superior da Congregação Salesiana, mas sempre com o parecer do diretor e do prefeito
ou então do ecônomo concepcionista da casa onde mora o postulante”. De tudo isso
solicitava o sancionamento do santo padre, enquanto no meio tempo se empenharia
para “uniformizar as Constituições dos irmãos concepcionistas com as dos salesianos”.
Apresentaria o trabalho à Santa Sé, prometendo realizar essa “conformação dos dois
institutos” “de pleno acordo e com o consentimento de S. E. dom Fiorani“.37
Este, porém, não tinha sido previamente informado por Dom Bosco sobre os oito
artigos acrescentados ao projeto concordado. De qualquer modo, secundando o desejo
manifestado por Dom Bosco, e não podendo lhe enviar o superior dos irmãos concep-
cionistas, que não estava bem de saúde, em 23 de novembro lhe avisava da chegada, em
Turim, do ex-superior geral, irmão Gregorio Coriddi.38 Era então a única forma de envol-
vimento dos irmãos concepcionistas na operação em favor deles ou a seu encargo: um
enviado do protetor para informar e ser informado. Irmão Gregorio chegava em Turim
na tarde de 26 de novembro, permanecendo hóspede do Oratório até 10 de dezembro.
Trazia consigo uma longa carta de apresentação de dom Fiorani contendo breve relação
sobre o estado do Instituto dos Irmãos Hospitaleiros.39 No Diário do padre Chiala e do
padre Lazzero, reflexo, também nesse caso, do que se pensava em Valdocco a respeito
da missão confiada a Dom Bosco, estava registrado: “27 [de novembro]. Veio de Roma
o procurador dos concettini (hospitaleiros) para conversar com Dom Bosco sobre a
tomada de direção de seu Instituto por parte dos salesianos. O Santo Padre Pio IX é
quem desejaria tal”. “11 [dezembro] Partiu do Oratório irmão Gregorio, procurador
dos concettini”.40 Na tarde de 27 de novembro irmão Gregorio se encontrava em audi-
ência com Dom Bosco quando os membros do Capítulo Superior estavam para iniciar
a sua reunião. Na presença deles Dom Bosco dirigia ao concepcionista palavras deci-
didamente tranqüilizadoras: “O ponto que mais deve ser observado por seus irmãos é
que estejam todos persuadidos de que nós faremos tudo o que pudermos para seu bem
e o faremos de muito boa vontade. Que não se quer aniquilar o seu Instituto, mas de
deixá-lo, aperfeiçoá-lo e fazê-lo crescer. Tem mais: seja o que for que o santo padre
decida a esse respeito, estejam também persuadidos de que nós não temos outra coisa
em vista senão secundar suas intenções. Não se trata, pois, que queiramos acrescentar
coisas novas, mas de estabelecer o Instituto da forma que seja assegurada sua conser-
37 Documenti XVII 572-573, 573-576, FdB 1043 D3-4, D4-7; MB XII 499-500.
38 Documenti XVII 586, FdB 1043 D7.
39 Documenti XVII 578-579, FdB 1043 D9-10.
40 J. M. Prelezzo, Valdocco nell’Ottocento, p. 50 e 52.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 285
vação e aperfeiçoamento”. Irmão Gregorio se retirava, mas ficaria profundamente
perturbado se tivesse podido escutar a exposição sumária do plano que Dom Bosco
revelava aos membros do capítulo. “A memória que enviei a Sua Santidade – declarava
– era como um desenvolvimento deste princípio. Os irmãos concepcionistas aceitem as
nossas regras e as observem integralmente: o superior geral dos salesianos seja também
seu superior. Para eles se fará um apêndice com nosso regulamento no qual se dêem as
regras da boa direção dos hospitais”. Tudo isso deve ter sido por aquela tarde, uma vez
que não seria possível chegar “a nenhuma conclusão“.41
O projeto de Dom Bosco tornava-se ainda mais radical, pois na carta de 30 de
novembro ao padre Cagliero, já citada, sugeria-se o termo “fusão”, devendo-se
entender, talvez, como incorporação das suas obras entre as salesianas, salva a iden-
tidade do Instituto Religioso enquanto tal: “8) neste momento tenho comigo o supe-
rior geral dos irmãos concepcionistas, que o papa enviou até mim para tratar da árdua
empresa da fusão. Veremos“.42 A idéia devia ser difundida também em Valdocco: padre
Barberis, referindo-se a uma pequena sessão litero-musical feita pelos noviços em 10
de dezembro, após a bênção da estátua de Nossa Senhora colocada na sala de aula e
estudo, fixava na Crônica: “Será bom que se note a presença do irmão concepcionista
que está entre nós há vários dias. Ele foi enviado pelos irmãos para tratar da unificação
de sua ordem com a nossa. Ele irá embora depois de amanhã“.43
O plano derivava de insuficiente conhecimento da história e do estado disciplinar,
moral e religioso do Instituto, tanto no passado como atual, e sobretudo do doloroso
desenvolvimento sofrido, em parte por causa de superiores estranhos à obra, sejam
protetores ou garantes.44 No entanto, as informações e os colóquios com o irmão
Gregorio produziram algum fruto, pois Dom Bosco submetia à revisão, ainda que leve,
os oito artigos acrescentados. Os dois primeiros ficavam sem alteração. Seguiam-se
nove artigos precedidos por esta indicação: “Além destas disposições perpétuas, obser-
var-se-á por agora, e até novas disposições da Santa Sé, o quanto segue”. A essa era,
portanto, condicionado o artigo que dizia respeito ao superior geral e seu representante;
não se falava mais de “cooperadores salesianos”; especificava-se a função exclusiva-
mente espiritual da presença dos sacerdotes salesianos no Hospital Santo Espírito e no
noviciado; estabeleciam-se encargos confiados aos irmãos concepcionistas na casa-mãe,
em particular o de superior da casa em Roma, em Orte, em Cività Castellana e no novi-
ciado. Contudo, se dizia: “todos estes irmãos concepcionistas oficiais têm voto consul-
tivo, por meio do qual são chamados a dar o próprio parecer”. Não se fazia menção
de um superior central concepcionista.45 Dom Fiorani, em 4 de dezembro, acusava o
41 G. Barberis, Capitoli superiori ossia verbali, 27 nov. 1876, quad. 1, fol. 21r-22r, FdB mcr
1876 a 2-6; Documenti XVII 582-584, FdB 1043 E1-3.
42 E III 121.
43 G. Barberis, Cronichetta, quad. 10, p. 35.
44 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 522-524.
45O texto encontra-se em MB XII 505-506. Cf. também E. Perniola, Luigi Monti fondatore,
vol. I , p. 527, 529.

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286 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
recebimento da carta de Dom Bosco “junto com o relatório contendo novas bases do
Instituto dos Irmãos Hospitaleiros e as razões” que as tinham motivadas. Referiria tudo
ao papa na terça-feira, 12 de dezembro.46
A interpretação que foi dada da Relação e do Rescrito de 14 de novembro, com os
artigos acrescentados, não encontrava Pio IX totalmente convencido com as “novas
posições” de Dom Bosco. Dom Fiorani escrevia para Turim, em 14 de dezembro, em
termos controlados e respeitosos. O papa estava satisfeito com os “cuidados” de Dom
Bosco, “também pelo fato de mandar suas novas posições à sua Suprema Vontade”.
Apreciava as razões do acréscimo “dos novos artigos”; porém, gostaria “que em alguma
parte fossem um pouco modificados, porque, como se encontram, não correspondiam
perfeitamente às suas intenções”. Tinha “explicado” a dom Fiorani “sua intenção, e
como existia algum assunto de discussão”, desejaria fazer uma “troca de comunica-
ções das idéias a propósito disso”. Convidava-o, pois, a Roma, onde, “em alguns dias
– escrevia –, uniremos nossos modos de ver e nos entenderemos sobre tudo“.47 Aos
membros do Capítulo Superior Dom Bosco dava informação extremamente sucinta a
respeito disso em 17 de dezembro, evidenciando alguma preocupação. Em substância,
dom Fiorani lhe tinha escrito: “Estive com Sua Santidade e me disse que está muito
contente dos projetos de V.S. a respeito dos irmãos concepcionistas. Todavia, em algum
ponto, tinha as próprias idéias”, expostas ao bispo e das quais precisava tratar pesso-
almente. Por isso o papa, “para concluir tudo”, convidava-o a Roma, com “um padre
para começar logo a direção do Hospital Santo Espírito”. “Eu já pensei muito, refleti,
rezei”, prosseguia Dom Bosco, “e agora trata-se de executar (...). Não se trata de ir
lá e propor, mas executar o que vai ser sugerido (...). Não se trata mais de discutir ou
de sugerir, mas de escutar e depois agir“.48 No mesmo dia, 17 de dezembro, irmão
Gregorio, desconsolado, tinha escrito de Roma ao irmão Monti, diretor da Casa de
Orte: “Creio que em breve virá a Roma Dom Bosco para tratar de nossos assuntos com
dom Fiorani e depois com o santo padre. Os irmãos concepcionistas não entram por
nada. Devem somente esperar a sorte que lhes tocará. Basta... Confiança em Maria.
Não nos cansemos de rezar. Ao contrário, seja nossa prece a Maria perseverante, impor-
tuna. Tota ratio spei meae“.49 Tinha razão. Na carta a Dom Bosco, de 4 de dezembro,
quando irmão Gregório ainda estava em Turim, dom Fiorani tinha escrito: “Sobre irmão
Gregorio, este não deve esperar o cumprimento da obra em questão, como nem mesmo
é chamado a ser interlocutor da mesma e a discuti-la“.50
Em Roma, porém, não somente o papa, dom Fiorani e agora também Dom Bosco
se interessavam pelos irmãos concepcionistas: existiam também os convictos susten-
46 Documenti XVII 590, FdB 1043 E9.
47 Documenti XVII 595-596, FdB 1044 A2-3.
48 G. Barberis, Capitoli superiori ossia Verbali, 17 de dezembro de 1876, quad. 1, fol. 27r-v,
FdB 1876 B 5-6, 7.
49 Citado por E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 528.
50 Documenti XVII 590, FdB 1043 E9.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 287
tadores do Instituto. Um dos grandes sustentáculos, além do próprio Pio IX, perplexo
acerca do último projeto executivo de Dom Bosco, era e continuaria a ser cardeal
Innocenzo Ferrieri (1810-1877), desde julho de 1876 pró-prefeito, a partir de julho
de 1877 prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares, do final de novembro
de 1878 presidente do Instituto dos Irmãos Hospitaleiros e desde 1884 até à morte
cardeal protetor. Não eram frágeis os consensos entre eclesiásticos que, em contato
com os irmãos em Roma, em Orte (ali, irmão Monti tinha o apoio convicto do bispo
e do vigário geral) e em Civittà Castellana, apreciavam o precioso e generoso serviço.
O próprio dom Fiorani, provavelmente preocupado do surgimento de inquietudes
entre os concepcionistas devido ao irmão Gregorio, decidira-se a informá-los sobre o
que estava acontecendo. O superior geral do Instituto, irmão Giuseppe Petrolli e seu
Conselho, em 29 de dezembro, em nome dos irmãos concepcionistas, agradeciam ao
papa pelo que estava dispondo para eles, prometiam acolher “com sumo respeito” as
soluções que seriam adotadas, mas ao mesmo tempo lhe pediam “unanimemente” que
sua Pia Instituição pudesse “conservar-se íntegra com o único caridoso objetivo de
assistir os pobres enfermos nos hospitais“. Por fim, nutriam “firme confiança” de que
“sua instituição” conservaria “sempre plenamente a autonomia“.51
No entanto, sem perder tempo, Dom Bosco tinha preparado a frágil defesa salesiana
em Roma. Em 8 de dezembro tinha escrito ao padre Lemoyne, pedindo a disponibi-
lidade do padre Giuseppe Scappini, transferindo-se de Lanzo para a capital: “o mais
tardar – precisava – em 1º de janeiro pegaremos a ferrovia em direção a Roma“.52
O Diario de Chiala e Lazzero registra em 1º de janeiro: “Dom Bosco parte para Roma
acompanhado pelo padre Berto e pelo padre Scappini. Este último vai a Roma para
tomar a direção dos irmãos concepcionistas“.53 Aí chegavam no dia 2. Da capital Dom
Bosco escrevia ao padre Rua: “padre Scappini e padre Berto dormem no Santo Espírito;
estou com o senhor Sigismondi e trabalho para sistematizar a difícil posição dos irmãos
concepcionistas com os salesianos“.54
O escrupuloso secretário anotaria com a costumeira brevidade, mas desta vez de
forma mais pontual e preciosa, os deslocamentos do superior e a freqüente presença
entre os irmãos concepcionistas do Hospital Santo Espírito.55 Muitos são os persona-
gens com quem se encontra: cardeal vigário Monaco La Valletta e o gerente dom Lenti;
os cardeais Sacconi, Oreglia, Berardi, Morichini, Bilio e Consolini; os bispos Simeoni,
Vannutelli, este substituto da Secretaria de Estado, Jacobini e Kirby; e o novo deputado
51 Carta a Pio IX, 29 de dezembro de 1876, citada por E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol.
I, p. 530-531.
52 Carta de 18 de dezembro de 1876; E III 127-128.
53 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 50, 52, 53.
54 Carta de janeiro de 1877; E III 139.
55 Cf. G. Berto, Appunti pel viaggio di Don Bosco a Roma 1877, 49 p. (pequena agenda
de bolso).

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288 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
do Hospital Espírito Santo, príncipe Paolo Borghese. Não se encontra entre eles aquele
que podia estar particularmente interessado no negócio em curso, cardeal Ferrieri.
A grande parte das escassas informações sobre os conteúdos das audiências, natural-
mente, não podiam senão provir de Dom Bosco.56 Em 3 de janeiro houve o primeiro
encontro com dom Fiorani, o qual, no dia seguinte, enviava a Dom Bosco “as bases
concordadas”, para que refletisse sobre elas, marcando depois um encontro com ele
em sua casa, na tarde de domingo, 7 de janeiro.57 Como resulta de um relatório de 14
de janeiro, após o encontro com Fiorani no dia precedente, Dom Bosco, refazendo-se
ao “pensamento do santo padre” – Dom Bosco pensou que o encontraria favorável nas
duas audiências de 9 e 11 de janeiro –, em substância não arredava pé do “primeiro
projeto”, que considerava necessário para o Instituto.58 Concluía com a oferta forçada
de colaboração momentaneamente limitada, mas preciosa, que seria aceita de bom
grado: “Ora existe tal disparidade e contrariedade de vontades que a mim não resta
outra coisa a fazer senão a humilde oferta do serviço puramente religioso, uma vez que
tal oferta encontre o soberano consenso“.59 Em 20 de janeiro dom Fiorani relatava isso
ao papa, o qual recebia Dom Bosco no dia seguinte, exprimindo o desejo que ele manti-
vesse o encargo que lhe fora confiado, mas em uma configuração mais precisa e limi-
tada com relação ao que tinha pensado nas origens. Em reunião no Santo Espírito com
dom Fiorani, com os irmãos concepcionistas e com um alto representante do Hospital –
registrava o cronista –, o próprio Dom Bosco “expôs as disposições do santo padre, isso
é, que dom Fiorani cuidaria da parte material e Dom Bosco da espiritual“.60 Da casa dos
Sigismundi, onde estava hospedado, durante o almoço do dia 24, dava a própria inter-
pretação do que considerava uma mudança, que esperava fosse provisória, do projeto
original do papa: “O clero romano enviou uma deputação ao santo padre para protestar
contra o fato de ter chamado Dom Bosco, forasteiro, para tomar cuidado dos irmãos
concepcionistas”.61 De qualquer forma, em 28 de janeiro de 1877 dom Fiorani e Dom
Bosco, de comum acordo, nomearam o novo “Capítulo do Instituto Religioso: irmão
Luigi Monti superior, irmão Giuseppe Maria Petrolli ecônomo, Pietro da Palestrina
para os hospitais e Girolamo da Spino d’Adda para os noviços“.62
Em 29 de janeiro Dom Bosco voltava a Turim, com paradas em Magliano Sabina
e Florença, chegando no Oratório na manhã de 4 de fevereiro, festa externa de são
56Algumas válidas anotações críticas sobre certas informações de parte salesiana se encontram em
E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 534-537 (Dalla fusione al governo bicipite).
57 Carta a Dom Bosco, 5 de janeiro de 1877; MB XIII 905.
58 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 532-533.
59 Carta de 14 de janeiro, com o anexo Promemoria sul pensiero di Sua Santità di immedisimare
le Costituzioni dei Concettini colle Salesiane; E III 143-145.
60 G. Berto, Appunti, p. 21-22.
61 G. Berto, Appunti, p. 24, FdB 912 B11.
62 G. Berto, Appunti, p. 28.

29.9 Page 289

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 289
Francisco de Sales. Em Roma, na primeira semana de fevereiro, os acordos tiveram a
sanção oficial. O decreto da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares de 6 de feve-
reiro de 1877 nomeava os dois titulares da Visita ao Instituto dos Irmãos Hospitaleiros,
definindo com clareza as respectivas tarefas. Buscava “estabelecer a disciplina do
Instituto e promover a observância segundo as Constituições”, “eliminando eventuais
abusos”. “Visitador apostólico in spiritualibus” seria, durante a vida natural, padre
Giovanni Bosco e seus sucessores a beneplácito da Santa Sé; “Visitador Apostólico
in temporalibus”, dom Luigi Fiorani, comendador do Santo Espírito e protetor do
Instituto e seus sucessores na Comenda a beneplácito da Santa Sé. No entanto, ficava
suspensa a jurisdição do superior geral do Instituto. Ambos os visitadores podiam
delegar para agir em seu lugar pessoa idôena e proba, o primeiro um sacerdote salesiano,
o secundo um membro do clero diocesano ou religioso [inclusive, como acontecerá, um
concepcionista]. O visitador in spiritualibus devia designar dois sacerdotes salesianos ao
“governo espiritual”, um dos professos, outro dos noviços, “segundo as Constituições,
sempre em vigor”. O visitador in temporalibus, “de acordo com o visitador in spiritua-
libus, podia “renovar e regular os ofícios do Instituto”, “admitir à vestição os postulantes
e à profissão os noviços, e demiti-los”. Cada três anos os visitadores deviam transmitir
à Congregação dos Bispos e Regulares uma relação da própria visita.63
Acontecia assim um sensível redimensionamento da missão de Dom Bosco e de
seu raio de ação. O que pensava então, e depois, seria explicitado meses depois a Pio
IX e ao cardeal Lorenzo Randi. Para ele, tratava-se de uma viravolta ditada pelo desejo
de “não urtar sobre o princípio” da absoluta vontade de “autonomia e independência”
do Instituto, o que não podia eliminar as “muitas causas” que impediam “a organi-
zação estável dos irmãos concepcionistas”. Para obter tal objetivo era preciso voltar ao
Rescrito pontifício da metade de novembro,64 obviamente conforme foi por ele inter-
pretado e integrado. Tratava-se de visita com duas forças: a in spiritualibus, a sua, tinha
jurisdição efetiva frágil, ao passo que a in temporalibus, de dom Fiorani, era nitida-
mente predominante. “Parece-me difícil –escreveria ao cardeal Randi em 7 de agosto –,
que os dois chefes da mesma família pudessem formar um comando uniforme que agra-
dasse a todos. Mas, tendo-me dito que tal era a vontade do santo padre, fiquei calado
e aceitei a prova, na qual contudo, desde o princípio, divisava muitas dificuldades”.
Segundo ele, ao invés, a solução justa fora dada, e tal permanecia: está contida no rela-
tório concordado em Roma com dom Fiorani e por este apresentado ao santo padre, em
14 de dezembro, que o aprovou.65 Dom Bosco não abandonou jamais a idéia de agre-
gação, afiliação ou fusão. Em uma das Conferências de São Francisco de Sales, na
manhã de 6 de fevereiro, comunicava aos capitulares e aos diretores ter encontrado em
Roma “as coisas muito atrapalhadas. Tinham sido feitas várias deputações ao papa; uma
63 Documenti XVIII 69-70, FdB 1045 E 4-5; MB XIII 905-907.
64 A Pio IX, 20 de junho de 1877; E III 188.
65 E III 205.

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290 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
até levada por um cardeal e diziam: Não existem padres ou ordens religiosas em Roma?
Por que se vai chamar um padre forasteiro para ajustar as coisas dessa congregação?”.
“Agora falta estabelecer várias coisas; mas se pensou em dar tempo ao tempo e ir um
pouco por vez”. E falava da resposta que o papa teria dado àquele cardeal: “Ide e dizei
vós mesmos a Dom Bosco que estou contente que sejam estes [os salesianos] colocados
na direção desse Instituto, que venham pois os seus“.66 Não obstante o decreto de 6 de
fevereiro, na metade do mês escrevia ao padre Cagliero: “O santo padre está entusias-
mado com nossa Congregação. Além da casa em Roma, dos irmãos concepcionistas,
quer que aceitemos outra, o Hospital da Consolação“.67 Este era seu temperamento,
como fora na defesa de sua Sociedade contra interferências consideradas indevidas,
como será em breve na defesa do ginásio do Oratório contra o decreto de fechamento,
como é agora no caso dos irmãos concepcionistas: tenaz defesa do próprio projeto,
aquiescência tática transitória a acordos não compartilhados e espera do sucesso final
da única solução válida, a inicial.
Mas na missão romana de 1877 entrava outro protagonista, humilde e determi-
nado, pela grande fé e por não menor tenacidade que Dom Bosco, o beato Luigi Monti.
Não lhe podia faltar o sucesso, que chegava por via mais normal e, além disso, mais
agradável a Pio IX e a Leão XIII, graças ao Instituto que encontrava em si mesmo as
energias para se regenerar de forma viva e vital.68 Em 4 de março, com efeito, dom
Fiorani, valendo-se de seus poderes de visitador in temporalibus, estabelecia como seu
delegado ao governo do Instituto justamente irmão Monti, o qual, no dia seguinte se
mudava de Orte para Roma, a fim de iniciar sua vigorosa, paciente e prudente obra de
reforma.69 A partir de 17 de abril podia dispor para o noviciado do palácio da Piazza
Mastai, mobiliado às expensas do papa. Em 11 de março e em 22 de maio endereçava
a Dom Bosco duas belas cartas, que revelavam extraordinária humildade, dedicação
total à obra da reforma e de saneamento, e profundo reconhecimento pela obra do
visitador in spiritualibus e do salesiano Giuseppe Scappini.70 Não obstante o mitente
desejasse ardentemente e o padre Scappini sugerisse, Dom Bosco nunca respondeu,
firme na idéia de que o reitor-mor dos salesianos devesse ser o superior dos irmãos
concepcionistas. Via, portanto, em Monti mais um obstáculo que um colaborador para
encaminhar o Instituto à autêntica autonomia, religiosamente fecunda.71 No decreto
de 6 de fevereiro Dom Bosco não chegou a ver a vontade do papa, mas o resultado
de obscuras tramas romanas. Em 19 de maio, conversando com padre Barberis, que
devia ir a Roma com o padre Lazzero para pregar o retiro aos irmãos concepcionistas,
66 G. Barberis, Cronaca, quad. 13, p. 12-14.
67 Carta de 13 de fevereiro de 1878; E III 149. O grifo é nosso.
68 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 541-543.
69 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 540-541.
70 Documenti XVIII 111, 1046 C10; 149-150, 1047 A12-B1; MB XIII 907-909.
71 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 543-549.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 291
repetia irremovível: “Quando se falou, pela primeira vez, dos irmãos concepcionistas,
eu logo disse em Roma que a coisa, para progredir, tinha necessidade disto: que os
irmãos concepcionistas fossem fundidos com os salesianos, retendo somente o escopo
de trabalho com hospitais e, como o papa aprovasse meu pensamento geral, escrevi um
relátorio que o papa aprovou. Apareceram várias intrigas e embrulhadas e foi preciso
moderar as coisas, mas essas moderações foram somente feitas para ajustar as coisas
para o momento. Perdura, todavia, meu primeiro projeto aprovado pelo papa (...). Ora
se trata um pouco por vez de reduzi-la [a Congregação dos Irmãos Hospitaleiros] a isto:
os concepcionistas sejam verdadeiros salesianos, observem nossas regras; depois, em
relação ao modo prático de seguir essas regras sirvam-se, como de manual, das suas.
Mas eles estão todos firmes nisto: querer conservar a própria autonomia, suscitados e
incitados nessa opinião por mil vozes (...). Agora, portanto, não há nada de novo em
propósito, mas deve-se tender a essa meta e recomendar a obediência aos superiores,
sem dizer [ = discutir], como o padre Scappini escreve ao superior concepcionista”.72
Chegava-se em junho sem significativas novidades. De resto, nos meses precedentes
Dom Bosco estava por demais ocupado. Em Roma, onde permanecia durante todo o
mês de junho para as festas em honra de Pio IX, que celebrava os cinqüenta anos de
consagração episcopal, ele não conseguia obter audiência privada do papa. Nesses dias
escrevia ao padre Rua: “O santo padre queixou-se várias vezes que Dom Bosco não lhe
vai falar dos irmãos concepcionistas, mas como aproximar-se dele?“.73 No dia 16 ainda
não conseguira nada: “Ainda não consegui audiência particular, e o santo padre não
quer ainda que eu parta. Espero o quanto antes, depois voarei ad Lares”.74 Por fim, não
podendo aproximar-se pessoalmente do papa, enviava por meio do cardeal vigário, em
20 de junho, um relatório a Pio IX sobre a regularização da vida religiosa dos irmãos
concepcionistas, falando da obra desenvolvida pelos sacerdotes salesianos – o capelão
estável e os pregadores dos exercícios espirituais – sem jamais nomear o empenho do
irmão Monti. Depois de ter listado as “muitas causas” que tinham impedido a “orga-
nização estável” do Instituto e seu estado presente, indicava, descaradamente, cinco
“providências” de total sabor salesiano: 1) ativação de uma casa de noviciado separada;
2) profissão dos votos feita depois de um ano de noviciado, durante o qual o noviço
devia fazer também a “experiência de sua vocação”, passando “algum tempo junto
aos enfermos”; 3) recusa de hospitais nos quais os religiosos devessem depender ou
“viver em companhia de trabalho com pessoas de outro sexo”, a menos que estas “esti-
vessem inteira e rigorosamente separadas dos irmãos concepcionistas pela habitação e
pelo trabalho; 4) aceitação do cuidado de determinado hospital somente se os irmãos
concepcionistas fossem “em número suficiente” para cumprir o que fosse prescrito,
“sem recorrer a colaboradores seculares”, e, se necessário nesse caso, provendo-se de
72 G. Barberis, Cronichetta, quad. 12, p. 5-7.
73 Carta de 8 de junho de 1877; E III 182.
74 Ao padre Rua, 16 de junho de 1877; E III 187.

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292 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
“servos assalariados, mas de moralidade conhecida”; 5) “unidade absoluta de mando”,
com o sumo pontífice como “superior absoluto” e, diretamente, “o superior salesiano”,
que se serviria de um diretor estabelecido por ele, do qual dependeria “cada diretor das
casas dos irmãos concepcionistas”.75 “Era necessário – persistia a idéia originária –
reduzir as coisas ao primeiro projeto já aprovado pelo papa”, como observava ao padre
Barberis, em 20 de junho, presente em Roma como pregador dos exercícios espirituais
aos irmãos concepcionistas.76 Não podia, portanto, conduzir a algum entendimento
substancial o encontro que Monti tinha conseguido realizar nesses dias. Pode-se mesmo
dizer que acabava por aprofundar as distâncias.77
Mais adiante perfilava-se outra solução, a qual, não aceita por ele, determinaria o
advento de um visitador único, que não tinha nos ombros nenhuma congregação reli-
giosa.78 Mas, nesse meio tempo, Dom Bosco seria absorvido por tarefas significativas e
por grandes problemas, e de forma mais intensa nos meses seguintes.
3. Preparação do Primeiro Capítulo Geral da Sociedade Salesiana
Dom Bosco atribuiu singular importância ao Primeiro Capítulo Geral. Considerava-o
a sede mais respeitável para definir os modos concretos de praticar as Constituições,
um evento determinante para o futuro da história salesiana. Os Capítulos Gerais dos
primeiros sessenta anos do séc. XX seguiriam a mesma linha eminentemente prática,
enquanto as orientações doutrinais permaneciam confiadas às mesmas Constituições e,
em particular, à introdução Aos sócios salesianos, que Dom Bosco ali tinha posto como
orientação em certo sentido teológica e ascética.
Em 7 de julho Dom Bosco escrevia, de Alassio, ao secretário: “Apenas saiam as
cópias da Obra de Maria Auxiliadora, manda-as logo para Nice; mas não esquece de
enviar algumas cópias a dom Ceccarelli com umas doze cópias do Capítulo Geral para
Montevidéu, Buenos Aires e San Nicolás”.79 O fascículo impresso de 24 páginas80 era
enviado nesses dias “em muitas cópias aos diretores de cada casa, a fim de que o distri-
buíssem a todos os membros do próprio Capítulo, recomendando e dando comodidade
a cada um de estudar a matéria proposta”.81 A impressão fora feita sobre um manus-
75 E III 188-191.
76 G. Barberis, Cronichetta, quad. 12, p. 8.
77 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 551-553.
78 Cf. cap. 26, § 3.
79 Ao padre Berto, 7 de julho de 1877, III 197.
80 Capitolo Generale della Congregazione Salesiana da convocarsi in Lanzo nel prossimo
settembre 1877. Turim, Tipografia Salesiana, 1877, 24 p.; OE XXVIII 313-336.
81 Breve crônica do pré-capítulo, redigida pelo padre Barberis como introdução das Atas do
mesmo capítulo, fol. 1r-2v.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 293
crito autógrafo de Dom Bosco, de dez folhas em formato protocolo, numeradas de 2 a
20 pelo mesmo Dom Bosco,82 com muitíssimas correções. A grafia da primeira redação,
tosca, nervosa e irregular, os conteúdos pobres, o estilo negligente, as tantas interven-
ções sucessivas, revelam um homem super-ocupado, que tem pressa e está sujeito a
distrações, que algumas vezes o levam a cancelar trechos úteis: de qualquer modo,
jamais tentado por novas intuições ou inesperados movimentos bruscos. Naturalmente,
entre esse atormentado manuscrito e o texto impresso houve outro manuscrito, por sua
vez abundantemente corrigido e enriquecido. Oferecia um elenco de temáticas para
serem discutidas e traduzidas em normas de comportamentos completamente funcio-
nais e por ações individuais sincronizadas com o conjunto: “sem vida comum tudo
naufraga”. Os vinte e um temas se seguiam sem ordem lógica: vida comum, santi-
dade e cuidados, estudo [dos salesianos eclesiásticos], estudo para os alunos, livros
de texto, moralidade entre os sócios salesianos, moralidade entre os alunos, vestes e
roupas de cama, economia das provisões, economia das luzes, economia na cozinha e
na lenha, economia nas viagens, economias nos trabalhos e nas construções, respeito
aos superiores, inspetorias ou províncias, hospitalidade convites e refeições, usos reli-
giosos, costumes, esmolas, dos noviços, férias.83 Cada título, em geral, terminava com
perguntas explícitas ou considerações sobre interrogações particulares, idôneas a favo-
recer a reflexão dos Capítulos das casas.
Num segundo momento, Dom Bosco estava provavelmente intencionado a preparar
nova edição para uso dos membros do Capítulo Geral, valendo-se em certa medida
da colaboração do secretário, padre Berto e, menos, do padre Barberis. Dessa edição
restam alguns documentos: 1) uma cópia do fascículo já impresso, com acréscimos
redigidos e corrigidos por Dom Bosco, com o título Associações, eleição do inspetor
e outros; 2) dois diferentes manuscritos autógrafos de Dom Bosco sobre a Imprensa e
Do teatro, com sucessivas correções dele; 3) um manuscrito autógrafo do padre Berto
com intervenções posteriores dele, seguidas por outras tantas do padre Barberis;
4) intervenções sucessivas de Dom Bosco e do padre Berto sobre outro fascículo
impresso; 5) nas duas páginas finais do fascículo as listas de cinco comissões encar-
regadas do estudo dos diversos grupos de argumentos. Em conclusão, nos vinte e um
títulos precedentes ainda se acrescentavam outros oito: Associações e difussão de
livros, Associação de Maria e dos Cooperadores Salesianos, A imprensa, Eleição do
inspetor, Visita do inspetor, Sobre o teatro, Matéria adaptada e Coisas que devem ser
excluídas. Mais da metade dos títulos precedentes sofriam acréscimos de consistência
diversa. Ao novo título Do teatro seria feita explícita referência no curso do Capítulo
Geral. A ata da décima conferência, da tarde de 11 de setembro, registra: “Dom Bosco
82Não estão numeradas as páginas 1, 17 e 19.
83 A ordem do impresso era idêntico ao do manuscrito, salvo a inserção do tema “Livros de texto”
imediatamente após “Estudo dos alunos”, enquanto no original aparecia entre “Hospitalidade
convites e refeições” e “Costumes religiosos”.

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294 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
tinha exposto em seu manuscrito algumas regras; observou-se que outras advertên-
cias estavam impressas no regulamento dos colégios; e outro sobre um folheto à parte.
Estabeleceu-se uma comissão que examinasse as três coisas, as fundisse e se fizesse um
regulamento para o teatro, que depois fosse adotado em todos os colégios”.84 De fato,
o texto impresso das Deliberações recebia também o texto inédito de Dom Bosco com
modificações e notáveis acréscimos.
4. A revelação do preventivo e o “nosso regulamento” (agosto-novembro
de 1877)
Em 1877 apareciam as páginas sobre o Sistema preventivo na educação da juven-
tude. Era a primeira vez que Dom Bosco usava as fórmulas que se tornariam clássicas:
“sistema preventivo” e “sistema repressivo”. Não eram certamente as fórmulas mais
felizes para resumir toda a história da educação e da pedagogia, infinitamente mais
rica e variada. De qualquer modo, “sistema preventivo” não era locução por ele criada,
nem os conteúdos eram novos.85 Toda a sua ação assistencial e educativa fora, desde os
inícios, essencialmente em favor de jovens e de adultos, e deveria ser preservada, antes
de tudo, da máxima desventura, em perspectiva cristã: a perda da alma, a condenação
eterna, e, no tempo presente, a ruína pessoal e social. Portanto, deviam ser recupe-
rados de forma a não recair no mal; melhor ainda, de preservar radicalmente desse mal.
Em nível de reflexão, pois, em forma mais ou menos intencional, a mentalidade preven-
tiva estava expressa desde os primeiros escritos destinados aos jovens e aos agentes no
setor de assistência, da educação e da pastoral, reflexo, por sua vez, de ação benefi-
cente extremamente variada.86 Já se disse, por exemplo, das Lembranças confidenciais
aos diretores e do clássico princípio: “Fazer-se amar se se quer fazer-se temido” ou
“mais que fazer-se temer”. “O educador entre os alunos procure fazer-se amar, se quiser
fazer-se temido”, diz-se também nas páginas de 1877, a propósito dos castigos, que por
princípio o autor exortava a excluir.87
As páginas de 1877 não queriam ser – como então se escreve – um “tratado” nem
um “pequeno tratado”, termos jamais utilizados por Dom Bosco. Como advertia nas
linhas introdutórias, ele se propunha expor uma série de “pensamentos”, um “aceno”,
que espera se constituíssem “como índice” do que tinha “vontade de publicar em uma
pequena obra para isso preparada”, “a fim de ajudar na difícil arte da educação juvenil”.88
84 G. Barberis, Verbali II 148.
85 Cf. P. Braido, (ed.), Prevenire non reprimere, p. 23-124.
86 Cf. P. Braido, “Il sistema preventivo di Don Bosco alle origni (1841-1862)”, p. 255-320; id.,
“Breve storia del ‘sistema preventivo’”, p. 95-105.
87 Il Sistema preventivo na educazione della giuventù, in G. Bosco, Inaugurazione del Patronato
di San Pietro in Nizza a Mare, p. 44; OE XXVIII 422.
88 Il Sistema preventivo na educazione della giuventù, p. 64; OE XXVIII 442.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 295
Surgidas casualmente e com a atenção predominantemente voltada ao modelo do inter-
nato, as páginas enunciavam princípios sobre os fins e os métodos educativos, de modo
a constituir as linhas de um sistema de educação católica exemplar.
O texto do Sistema preventivo apareceu no mês de agosto em apêndice ao opúsculo
dedicado à inauguração da nova sede do Patronato de Nice, antes em edição bilingüe,
italiana e francesa,89 seguida imediatamente por uma edição separada para cada uma
das línguas. A parte central do opúsculo era constituída por um sermon de charité,
segundo um esquema que se tornaria habitual em Dom Bosco nos anos sucessivos:
origens e primeiros desenvolvimentos do Patronato, escopo, a mercê reservada por
Deus aos benfeitores. As três edições, todas publicadas em Turim,90 traziam o nada
obsta para a impressão dado em 3 de agosto pelo vigário geral da Arquidiocese de
Turim, cônego Giuseppe Zappata.91 A publicação do opúsculo com a crônica da inau-
guração e o texto do discurso pronunciado na ocasião fora decidido por Dom Bosco de
acordo com o diretor, padre Giuseppe Ronchail. Tendo voltado a Turim e dado forma
definitiva à própria exposição, ele imprevisivelmente tinha pensado em acrescentar em
apêndice as páginas sobre o sistema educativo adotado em seus institutos. O opúsculo
com as páginas pedagógicas acrescentadas tinha, nas intenções do autor, o objetivo
principal de propaganda, em particular entre os franceses. No dizer de Dom Bosco,
com efeito, estes eram mais abertos “a coisas novas” e a transferir a prática em nível de
discussões teóricas: além disso – concluía –, “nós agora temos necessidade de que nos
conheçam mais de perto. Especialmente o sistema preventivo será recebido e repetido
pelos jornais, fará barulho”.92
O impresso não inovava com relação à substância das tendências originais das expe-
riências educativas e assistenciais vividas nas instituições juvenis levadas a cabo há
decênios. A educação preventiva sine nomine aparecia já nessas experiências completa
em suas dimensões fundamentais: antecipadora do mal, regeneradora, protetora,
propedêutica para o futuro, construtiva. Dos conteúdos plenamente pedagógicos das
breves páginas muito já se escreveu. Delas se conhecem a articulação: em que consiste
O sistema preventivo e porque deve ser preferido Aplicação do sistema preventivo
Utilidade do sistema preventivo Uma palavra sobre os castigos. Foram acolhidas
como novidade pedagógica sobretudo algumas teses, a começar da contraposição, que
não exclui interações e contaminações, dos dois sistemas, repressivo e preventivo. A
definição de preventivo era rica. Contudo, limitava seu valor a ambiente de instituição
total, de colégio/internato: “o sistema preventivo consiste em fazer conhecer as pres-
crições e regulamentos de um instituto e depois vigiar de modo que os alunos tenham
89Reimpressão anastática em OE XXVIII 380-446.
90 Tipografia e Libreria Salesiana, 1877.
91 Cf. Giovanni (s.) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della giuventù, aos cuidados
de P. Braido, RSS 4(1985), p. 171-321.
92 Conversa de 21 de abril de 1877 com padre Giulio Barberis, Cronichetta, quad. 12, p. X I.

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296 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sempre sobre eles o olhar vigilante do diretor ou dos assistentes, os quais, como pais
amorosos, falem, sirvam de guia a qualquer situação, dêem conselhos e amorosamente
corrijam, o que quer dizer: colocar os alunos na impossibilidade de cometer faltas”.
Mas o documento era atravessado por diversos enunciados de dimensão universal.
Estabelecia-se o fundamento: “Este sistema se apoia completamente sobre a religião, a
razão, e sobre a amabilidade [amorevolezza]”. Especificavam-se os motivos para prefe-
ri-lo: o aluno é encorajado pelo aviso amigável e preventivo do educador, “que racio-
cina com ele”; “a razão mais essencial é a mobilidade juvenil”; “o sistema repressivo
pode impedir a desordem, mas dificilmente fará melhor os delinqüentes”; “o sistema
preventivo faz o aluno amigo, pois divisa no assistente um benfeitor que o avisa, que
quer fazê-lo bom, liberá-lo dos desprazeres, dos castigos, da desonra”; por isso “o
sistema preventivo torna afeiçoado o aluno, de forma que o educador poderá então
falar-lhe com a linguagem do coração, seja em tempo de educação, seja depois dela”.
No mundo católico era acolhido favoravelmente, também por sua forte caracterização
cristã e confessional: “a prática desse sistema está apoiada totalmente nas palavras
de são Paulo, que diz: Charitas benigna est, patiens est, omnia suffert, omnia sperat,
omnia sustinet”; “razão e religião são os instrumentos dos quais o educador deve fazer
uso constantemente, ensinando-os e praticando-os ele mesmo se quiser ser obedecido
e conseguir seu objetivo”; a vida sacramental devia ser intensa, tornada amável por
meio de ritos cativantes, jamais fastidiosos e formais; potencializava sua eficácia em
ambiente favorável à livre expansão de todas as energias vitais do jovem, no estudo, no
trabalho, nas atividades de “tempo livre”.93 O sistema – admitia Dom Bosco – podia
ser empenhativo e difícil para o educador, mas indubitavelmente “muito mais fácil,
mais satisfatório e mais vantajoso” para os alunos. De outro lado, educar é uma missão:
“o educador é um indivíduo consagrado ao bem dos alunos, pronto para enfrentar todo
distúrbio e toda fadiga para conseguir seu fim, que é a educação civil e moral dos alunos”.
No “sistema” as punições são uma extrema ratio rara e baseada em fatores decisiva-
mente psicológicos e racionais. Vale o princípio que desde sempre acompanhava Dom
Bosco: “O educador procure fazer-se amar entre os alunos, se quiser ser temido”.
Portanto, por seus conteúdos, o escrito ia bem além dos objetivos publicitários.
Contemporaneamente à sua composição, após experimentação de quase trinta anos,
tinha chegado à maturação a preparação para ser impressa do texto do Regulamento
para as Casas, graças também, como já se viu, ao trabalho realizado pelos participantes
das Conferências de São Francisco de Sales dos últimos anos.94 A Dom Bosco, talvez
encorajado mais de perto por algum colaborador, pareceu uma feliz oportunidade para
aí introduzir as páginas sobre o sistema preventivo, átrio de ingresso para ele, espécie
de lex fundamentalis do agir salesiano de educadores e de alunos, inspiradora também
93 Cf. cap. 7, § 4 e cap. 16, § 7.
94 Cf. cap. 24, § 2.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 297
para o futuro.95 Para estes tinha preparado outra porta de ingresso com os dez Artigos
gerais, que ocupavam agora o segundo lugar. Esses artigos constituíam quase que um
pequeno resumo do sistema.96 No segundo artigo estava enunciado o princípio “cada
um procure fazer-se amar se quiser fazer-se temer”, com o comentário: “ele conse-
guirá esse grande fim se, com palavras e mais ainda com fato, tornar conhecido que
suas solicitudes são dirigidas unicamente para a vantagem espiritual e temporal doe
seus alunos”. A maior parte dos artigos era dedicada a algumas indicações de peda-
gogia diferencial adaptada aos “caráteres diversos: índole boa, ordinária, difícil, má”.
O texto do Sistema preventivo, integrado pelos Artigos gerais, dava significado mais
profundo ao Regulamento, entendido por Dom Bosco não simplesmente como código
de ordem comunitário, mas como expressão da soma dos deveres, de jovens e adultos,
para com Deus, com o próximo e consigo próprio: em substância, regra e programa de
vida humana e cristã integral e completa. Já se falou a propósito das primeiras redações
manuscritas dos regulamentos dos anos 50.97 O Regulamento ocupava-se, na primeira
parte, das normas relativas aos superiores e educadores, e na segunda, das relativas aos
alunos. Era sumamente educativo que os jovens conhecessem, através da leitura pública
anual, os deveres de seus superiores, tanto quanto era importante que os educadores
estivessem ao corrente das próprias responsabilidades e do que deviam e podiam pedir
aos alunos. Era freqüentemente sublinhada, nas Conferência Capitulares, nas Reuniões
dos dirigentes e nas Conferências mensais dos professores e dos assistentes do Oratório
de Valdocco, a exigência de conhecer e ler o regulamento do próprio encargo, mesmo
quando era ainda manuscrito.98
Há poucos dias da aparição do texto impresso do Regulamento para as casas, o
Diario do padre Lazzero registrava em 5 de novembro: “Foi lido de forma bastante
solene o regulamento da casa. Estavam presentes quase todos os superiores da casa.
A leitura se fez no estudo, em duas salas, das 5h30 às 6h30”.99 A relação autoridade-
liberdade se fundava antes de tudo sobre a racionalidade e a forma de raciocinar da
lei, a qual todos deviam obedecer. Sobre esse sólido fundamento podiam construtiva-
mente apoiar os outros dois “instrumentos”, religião e amabilidade [amorevolezza].
95 Regolamento per le case della Società di S. Francesco di Sales. Turim, Tipografia Salesiana,
1877, 100 p.; OE XXIX 97-196: Il Sistema Preventino nella educazione della gioventù, 3-13
(OE XXIX 99-109); Articoli generali, p. 15-17 (OE XXIX 11-113); Parte prima: Regolamento
particolare [degli educatori], p. 19-57 (OE XXIX 115-153); Parte seconda: Regolamento
per le case della Congregazione di San Francesco di Sales, p. 59-89 (OE XXIX 155-185);
Appendice al Regolamento della Casa. Sul modo di scrivere lettere, p. 91-98 (OE XXIX
187-194).
96 Cf. P. Braido, “Il ‘sistema preventivo’ in un ‘decalogo‘ per educatori”, RSS 4(1985), p.
131-148.
97 Cf. cap. 10, § 2-3.
98 Cf. J. M. Prellezo,Valdocco nell’Ottocento, p. 154, 166, 174, 242, 244, 248, 256, 258.
99 J. M. Prellezo,Valdocco nell’Ottocento, p. 60.

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298 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
O regulamento concentrava a atenção sobre a forma colegial de educação: era, de resto,
para as casas. Tornava-se significativo o que recitava o capítulo primeiro da segunda
parte: “Escopo geral das Casas da Congregação era socorrer, beneficiar o próximo,
especialmente com a educação da juventude, alimentando-a nos anos mais perigosos,
instruindo-a nas ciências e nas artes e conduzindo-a à prática da religião e da virtude.
A Congregação não recusa nenhuma categoria de pessoa, mas prefere ocupar-se do
grupo médio e da classe pobre, como os que maiormente têm necessidade de socorro e
de assistência. Entre os jovens da cidade e vilarejos, não poucos meninos se encontram
em tal condição que se torna inútil todo meio moral sem o socorro material. Alguns
já estão um tanto entrados [na idade], órfãos ou privados de assistência, porque os
pais não podem e não querem cuidar deles, sem profissão, sem instrução, são expostos
aos perigos de um triste futuro, se não encontram quem os acolha, os encaminhe ao
trabalho, à ordem, à religião. Para tais jovens a Congregação de São Francisco de Sales
abre internatos, oratórios, escolas, especialmente nos centros mais populosos, onde a
necessidade costuma ser maior”.100
Todavia, parece que Dom Bosco não estivesse totalmente satisfeito com o trabalho,
encontrando-o limitado e unilateral. Na terceira conferência do Primeiro Capítulo
Geral, na sexta-feira 7 de setembro, ele acenava ao suceder-se de vários tipos de obras,
entre as quais não tinham ainda sido tomadas em consideração as colônias agrícolas, e
continuava: “É verdade que meu desejo teria sido de ter regulamentos distintos, um para
os colégios, outro para as casas onde estão também aprendizes, mas ao invés as coisas
estão fundidas de modo que eu não consigo ver bem aí as coisas; mas agora existe
um regulamento, quase preciso, e muitos inconvenientes são eliminados. Procuremos
somente que sejam bem observados, cada um por sua parte”.101
As normas do Regulamento, algumas vezes áridas, já eram fruto de intenções peda-
gógicas preventivas, que visavam formar um jovem diligente no cumprimento de seus
deveres, atuante na aquisição do conhecimento e da habilidade profissional que lhe
proporcionaria meios de ganhar o pão com o próprio trabalho, disciplinado e capaz
de vida social ordenada e ativa, religioso inserido ativamente na Igreja, inspirado nas
verdades eternas, em posse de uma concepção de mundo que lhe colocava diante cons-
tantemente a “salvação da alma” como meta última de uma vida envolta na esperança
refletida e alegre, e fundada sobre fé operante na caridade. A carga educativa era poste-
riormente reforçada pelos Artigos gerais, pequeno concentrado do sistema preventido,
e ainda mais pelas páginas a ele destinadas, síntese pedagógica cristã orientada mais
à prevenção que à repressão. A esse complexo de elementos, não só ao Regulamento
nem somente às páginas do sistema preventivo, Dom Bosco e seus colaboradores mais
próximos tinham em mente nos anos seguintes, quando remetiam ao “nosso sistema
100 Regolamento per le case, p. 59-60; OE XXIX 155-156.
101 Verbali I 33-34.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 299
educativo”, ao “nosso regulamento”,102 constituído, mais que por textos, pela praxe viva
e articulada, pela tradição garantida por pessoas e comunidades que aderiam não apenas
aos preceitos, mas também à experiência biográfica do fundador e das comunidades por
ele animadas.
O Regulamento do Oratório de São Francisco de Sales para os externos,103 ao
contrário, não teve cuidados particulares antes da impressão, fiel aos modelos originá-
rios, embora com vários elementos inovadores tirados da experiência de Dom Bosco e
de seus colaboradores, como já se ilustrou.104
A contextualização na história efetiva das obras de Dom Bosco, as páginas colegiais
de 1877, quase desapareciam em sua materialidade, para se tornar símbolo e manifesto
de realidade mais vasta, não somente embrião de um manual para educadores de inter-
nato, mas sistema cristão de recuperação e de prevenção dos jovens, sobretudo pobres e
abandonados, com iliminada carga pedagógica, pastoral e social. Nessa ótica o sistema
preventivo acabava por ser recebido em ambientes sempre mais vastos, próximos do
mundo dos admiradores, amigos e cooperadores da obra salesiana, como método de
ação entre os jovens capaz de responder a exigências sociais e pedagógicas de abso-
luta atualidade. Por isso não era assumido unicamente como pedagogia, mas com
dimensões mais complexas, assistenciais e sociais, até se converter em manifesto de
um sistema operativo em grau de resolver a emergência de questões sociais, inclusive
em perspectiva anti-socialista. Tais persuasões obtinham consensos fáceis no mundo
do conservadorismo católico aberto às iniciativas sociais de tipo caritativo mais que a
reformas inspiradas em exigências da necessária justiça.105
Ambas as operações podiam se considerar legítimas em relação às mais profundas
virtualidades do sistema. A recepção por parte da pedagogia católica era justificada
pelo mesmo texto. A extensão dos significados à assistência e ao social encontrava
justificação no discurso de Nice, que encontrava seu centro no Patronato local, uma
das tantas encarnações do agir preventivo de Dom Bosco em favor da juventude pobre
e abandonada. O discurso, sobre o qual já se falou, se desenrolava em três momentos:
história do Patronato, escopo das atividades aí desenvolvidas e prêmio destinado aos
benfeitores, seguros de que sua doação era bem aproveitada. A história do internato
tinha tido início pelo sofrimento do grupo de irmãos das Conferências de São Vicente
102 Cf. P. Braido, “L’esperienza pedagogica di don Bosco nel suo ‘divenire’”, Orientamenti
Pedagogici 36(1989), n. 1, janeiro, p. 30-40.
103 Turim, Tipografia Salesiana, 1877, 63 p.; OE XXIX 31-93. O opúsculo traz na última página
o “Visto, nada obsta para a impressão. Turim, 2 de novembro de 1877. Zappata vigário geral”,
ausente do texto do Regulamento para as Casas.
104 Cf. cap. 10, § 2.
105 Cf. P. Braido, “’Poveri e abbandonati, pericolanti e pericolosi’: pedagogia, assistenza, socialità
nell’esperienza ‘preventiva’ di Don Bosco”, Annali di storia dell’educazione 3(1996), p.
183-236.

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300 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
de Paula de Nice, ao ver na sua cidade meninos que “nos dias festivos corriam pelas
estradas, vagueavam pelas praças, brigando, blasfemando, furtando”; meninos infe-
lizes que, “após a vida de vagabundos, após terem ocasionado distúrbios às autoridades
públicas, iam povoar ainda mais as prisões”. E, no entanto – refletiam –, “tantos jovens”
“podem se chamar infelizes, não porque perversos, mas apenas porque abandonados”.
Daqui vinha a inspiração de se dirigir a Dom Bosco. Chegou-se logo ao acordo “sobre
a necessidade de uma casa onde fossem instaladas as oficinas, recolhidos os mais aban-
donados, instruídos e encaminhados a algum trabalho”.106 A pesquisa da nova sede foi
determinada pela exigência de um “ambiente” de maior capacidade e de “um jardim
[oratório – parque de jogos] capaz de entreter os externos em agradável e honesta recre-
ação nos dias festivos” e durante a semana.107 Daí derivava o duplo caráter do Patronato:
clássico oratório ou “jardim de recreação” para os externos, que aí vinham“para passar
o dia do Senhor, e durante a semana freqüentavam as escolas vespertinas”; e internato,
“cuja condição política, moral e educativa” era a do abandono e da necessidade de
tudo.108 Tudo isso comportava inúmeros meios. Mas não era preciso temer, pois vigiava
e provinha a Providência, porquanto estava fundada na esperança de que os ouvintes
não deixariam de colocar em ação sua “tantas vezes experimentada generosidade”: esta
nascia da nobreza dos corações e se apoiava sobre “a grande mercê”, assegurada pelo
mesmo Deus “às obras de caridade”, de resto exigidas dos fiéis pelo Evangelho com
empenhativas palavras sobre o grave dever da esmola.109
Dessa forma, o discurso integrava o preventivo em seu caráter educativo com a
mais radical, preliminar e complementar prevenção assistencial e social. Ela precedia
a mesma educação, exigia-a e, em certo sentido, a incluía. Com efeito, para os jovens
abandonados e em perigo o primeiro passo era dar-lhes antes de tudo um lugar onde se
recolher: teto, alimento, vestimenta, meios de subsistência, comunidade de vida com os
companheiros e os adultos. Em segundo lugar proclamava-se como necessário não parar
na oferta de tais meios de emergência, mas de habilitar os meninos a procurá-los para si
próprios – “ganhar, a seu tempo, o pão da vida” – por meio da formação cultural e profis-
sional, e educá-los à vida moral, religiosa e social que reforçasse as faculdades interiores
de conduzir a vida com dignidade, socialmente produtiva e alegre. As páginas sobre o
sistema preventivo respondiam ao problema posterior do método e do estilo de educar.
A conferência de Nice, feita em desenvolta língua franco-italiana, tornava-se o
protótipo das dezenas de discursos de caridade que Dom Bosco ia multiplicando nos
anos sucessivos, fornecendo-lhes o esquema e as motivações básicas. Nessa linha se
coloca também a conferência que fez em francês aos cooperadores de Marselha, em 17
de fevereiro de 1881: elenco do trabalho realizado nas obras educativas estabelecidas
106 G. Bosco, Inaugurazione del Patronato di S. Pietro in Nizza a Mare, p. 7-8.
107 G. Bosco, Inaugurazione del Patronato di S. Pietro in Nizza a Mare, p. 7-8, 10-11.
108 G. Bosco, Inaugurazione del Patronato di S. Pietro in Nizza a Mare, p. 13-15.
109 G. Bosco, Inaugurazione del Patronato di S. Pietro in Nizza a Mare, p. 16-21.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 301
na França do sul; necessidades particulares do Oratório São Leão de Marselha, palco de
relevantes obras de ampliação; quantia impressionante de débitos acumulados. Porém,
mais grave e de extraordinária importância moral eram os problemas que deviam ser
resolvidos: “afastar tantos infelizes das estradas e das praças”, “pobres crianças que
sem perceber caminham para a perdição”; “quantos poderiam ser afastados da ante-
câmera das prisões e colocados no Oratório!”, “para fazer deles bons cidadãos na terra
e bons cristãos para o céu, preparando além disso um fausto futuro para a sociedade
civil”. O meio era a esmola, Quod superest date eleemosynam, um supérfluo para não
ser desperdiçado ou domesticado.110
5. Episódios esparsos, prenúncios de conflito mais áspero
Com o intenso trabalho para a consolidação ideal da Sociedade Salesiana, culmi-
nado em 1877 no Primeiro Capítulo Geral, que ocupava Dom Bosco e seus mais impor-
tantes colaboradores europeus, entrelaçavam-se episódios de grave distúrbio: dissensos
sobre o ser religioso da Sociedade Salesiana e sua configuração jurídica, pontos de
vista diferentes sobre os privilégios e as faculdades obtidas pelo superior da Sociedade,
repercussões desses episódios sobre acontecimentos insignificantes em si, mas que
podiam gerar futuras desconfianças recíprocas e mal-entendidos crescentes.
A partir do final de 1876, além dos aspectos jurídicos, os diversos acontecimentos
tocavam nada mais nada menos que a índole e a sensibilidade de personagens que se
tornavam, com isso, protagonistas involuntários em situações pelas quais não tinham
na origem responsabilidade direta. Para além das funções e dos símbolos, eram
pessoas concretas, para as quais os incidentes eram fonte de estupor, desorientação,
frustrações e paixões.
Não se pode esquecer a condição de saúde dos dois antagonistas. Dom Gastaldi
estava sujeito a vários sofrimentos físicos e morais. “Após a doença de 17 [de junho a
setembro] – recordava a sobrinha Lorentina Mazé de la Roche, afeiçoada tanto ao tio
como a Dom Bosco –, não se restabeleceu inteiramente. Freqüentemente era atormen-
tado por dores no fígado e por gota nos pés”.111 Em momentos cruciais não faltaram
110Da conferência conserva-se o texto redigido pelo mesmo Dom Bosco; MB XV 691-695, FdB
1.888 D12-E9.
111 Di monsignor Lorenzo Gastaldi (memorie intime), no número comemorativo In memoria e ad
onore di S. E. Rev.ma Mons. Lorenzo Gastaldi Arcivescovo di Torino nel Centenario della sua
nascita 1815-1915, Turim, Tipografia Anfossi, 1915, p. 10. Da presidência de honra fazia parte,
em segundo lugar, padre Paolo Albera e do Comitê executivo também o padre salesiano Felice
Cane, e entre as testemunhas sobressaía a do arcebispo Giovanni Cagliero, delegado apostólico
na América Central (p. 43): o número comemorativo continha contribuições interessantes sobre a
“espiritualidade” de Gastaldi, que, se não se pode igualar sobre os tantos dedicados a Dom Bosco
santo, contudo lançam alguma luz sobre a história de suas relações. Sobre as condições gerais da
saúde do arcebispo, cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. II, p. 341-341.

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302 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sofrimentos morais agudos – a morte imprevista em Pianezza da irmã Marianna, em 21
de novembro de 1876, e do irmão Bortolomeo, professor na Universidade de Turim, em
5 de janeiro de 1879 –, que não podiam não incidir sobre um temperamento extrema-
mente emotivo, mesmo se forte e acostumado ao sacrifício escondido. Era, ainda, parti-
cularmente acentuada a solidão, na arquidiocese, na Igreja e na sociedade, do pastor
exigente e incômodo, inclinado a pedir obediência incondicionada, antes que fáceis
consentimentos. Dom Bosco, ao invés, era largamente conhecido nos mais variados
níveis da vida eclesial e civil, além de ser pai e mestre admirado e amado em sua casa de
Valdocco, na comunidade salesiana em expansão e na grande família de cooperadores,
benfeitores, admiradores e sustentadores. De outro lado, a diversa solidão de ambos
no interior da penosa incompreensão podia se tornar para ambos, embora de formas
diversas, contraproducente. Os motivos de atritos podiam se complicar e as dificuldades
de entendimento podiam crescer por causa de alguns que circundavam os dois protago-
nistas: de um lado, a fidelidade suportada por forte cultura jurídica dos colaboradores
do superior eclesiástico, o secretário teólogo Chiuso, o advogado fiscal Colomiatti e o
escolado vigário geral Zappata; de outro, a impulsividade do padre Bonetti, espécie de
Albertario salesiano, a meticulosidade do padre Berto, que recolhe mexericos romanos
e turinenses, a visão curta do padre Lazzero, protagonista no casa das missas negadas
de 26 de agosto de 1877, a incauta inexperiência de ex-alunos salesianos – amigos
de salesianos solidários ou à busca de advogados defensores do “papai” –, e irredutí-
veis anti-gastaldinos como padre Anfossi e padre Turchi, que comprometiam as causas
que desejavam defender e, entre estas, a de Dom Bosco. De resto, os irreverentes
“libelos” anônimos anti-gastaldinos – de fevereiro de 1878 a março de 1879 –, à parte
as intenções dos autores, não eram certamente sinal de especial cultura e sensibilidade
eclesial, assim como era, no mais, a análoga produção periódica e livresca difundida
em ambientes eclesiásticos do tempo, em Milão, Piacenza, Cremona e Roma. Padre
Cagliero, por quase dois anos na América, parecia estar fora do páreo e somente padre
Rua podia, alguma vez, tentar ingratas mediações.
Nos dois coetâneos, pelo caráter igualmente tenaz e forte, não aparece evidência
de esforços para se encontrar, esclarecer e conciliar, talvez já prevenidos por causa das
recíprocas esperas inatendidas, das esperanças frustradas, dos preconceitos e descon-
fianças. São justamente de 1877 dois perfis de contendentes, delineados por um deles
e de quem lhes estava próximo, que jogam luz sobre a consolidada indisponibilidade
às mediações. Dom Gastaldi, em dia de graça e de paz, delineava um retrato de Dom
Bosco e um implícito auto-retrato ao bispo de Mondovì, dom Pozzi, que havia lhe
pedido um parecer sobre a implantação de um instituto na própria diocese – o noviciado
junto do santuário da Mellea em Farigliano, como já foi falado –, para o qual Dom
Bosco pedia a autorização. Na carta de resposta de 24 de maior de 1877 dom Gastaldi
escrevia a respeito de seu antigo amigo: “Ele é certamente um sol; mas como o sol, tem
suas manchas. O espírito de autonomia e de independência vive nele, e muitas vezes
se coloca em igualdade com o bispo da diocese; se o bispo não o deixa em liberdade
plena de fazer, falar e imprimir o que lhe agrada, move-lhe guerra”. “E como farei para
me opor a ele? Ele tem o apoio de muitos cardeais e está nas graças do santo padre:

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 303
em qualquer conflito entre o bispo e essa boa alma, acredita-se muito mais nesta que
naquele”. “Trata-se de um sujeito que quer e faz o bem; mas quer fazê-lo absolutamente
a seu modo. Eu estou às provas com ele, e estarei usque ad ultimum, não obstante todo
o bem que lhe fiz e lhe faço [sic] ainda”.112 Sem saber, fazia-lhe eco, lá pelo final de
1877, em carta a Dom Bosco, o padre jesuíta Luigi Testa, que tinha tentado promover
a impossível mediação entre os dois contendentes a pedido do padre filipino Felice
Carpignano (1810-1888), confessor de Gastaldi. O padre atestava ter ouvido dizer – e
acrescentava uma glosa pessoal –: “Vejo que as suas e as minhas idéias nesse aconteci-
mento vão de acordo. A grande questão é a dos meios práticos para conduzi-la a bom
termo. Com efeito, o senhor sabe que temos que tratar com dois santos irremovíveis
em suas idéias (eu interrompi: cabeças duras, quero dizer, como todos os piemonteses).
Sorriu, e depois continuou: “ – Contudo, façamos assim: rezemos muito ao Senhor, para
que se digne impor-nos sua santa mão. Admirável para se dizer: ambos crêem de agir
segundo as intenções e o querer de Deus e talvez ambos têm um pouco de razão e um
pouco de erro. O que se pode fazer nesse caso?“. De seu lado, o bom jesuíta concluía a
carta encorajando Dom Bosco em sua batalha, indicando padre Rostagno como homem
ao qual se dirigir para introduzir processos canônicos em Roma”.113
A situação não dava paz a quantos consideravam inconcebíveis tal laceração na
Igreja turinense e estimavam ambos os protagonistas. Alguns tentaram infrutuosas
reconciliações. Se “um bom acordo” “chegasse a bom termo – escrevia ao arcebispo
o coetâneo e discípulo teólogo Roberto Murialdo –, estou persuadido que estariam
alegres todos os bons, e o mesmo sumo pontífice ficaria feliz ao saber que os dissa-
bores entre o arcebispo e Dom Bosco terminaram, pela graça de Deus. E ao senhor
arcebispo não seria tirado do coração um grande e doloroso espinho?”.114 E padre Testa
declarava ter intervindo junto ao padre Carpignano porque “a missão” ou o “negócio”
lhe “parecia um escândalo”, “causa de estupor e talvez de escândalo para os bons”.115
Idêntica opinião tinha expresso ao arcebispo um católico militante, o magistrado conde
Cesare Trabucco de Castagnetto (1802-1888), desde 1848 senador e em 1877 ministro
de Estado. “Eu disse – escrevia a Dom Bosco – “que S. E. refletisse na dificuldade dos
tempos e no desejo dos tristes de ver uma dissensão no clero. Jamais foi tão necessária a
unidade, e que um conflito entre o arcebispo e um eclesiástico tão benemérito da Igreja
como é o Rev.mo Dom Bosco, não podia senão dar munição à imprensa irreligiosa e
produzir conseqüências lacrimosas”.116
112 M. F. Mellano, “Don Bosco e i vescovi di Mondovì (1842-1897)”, in: Don Bosco nella
storia, p. 487-488.
113A Dom Bosco, 1877 [setembro]; MB XIII 345-348.
114 Carta de 18 de setembro de 77; MB XIII 345.
115 Carta citada a Dom Bosco de 1877; MB XIII 347.
116 Carta a Dom Bosco, 23 de dezembro de 1877; MB XIII 383-384. Tinha levado ao arcebispo o
texto da condenação por parte de Dom Bosco da carta anti-gastaldina de dezembro de 1877,
sobre a qual se falará, pedindo que a aprovasse para a publicação no jornal L’unità cattolica.

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304 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Neste contexto não era difícil que certos acontecimentos, em si de limitado valor,
pudessem degenerar, conforme as diferentes interpretações dadas por contendentes
então desencantados e desconfiados: insubordinações, por uma parte, facilitadas
também pelos recentes favores romanos,117 e perseguições, por outra. Eles podiam, além
disso, ter também diferentes ressonâncias em Roma, num ano particularmente delicado
no qual Dom Bosco, além de ter que resolver problemas relativos à própria Sociedade,
era chamado a se mover entre partidos opostos na questão dos irmãos concepcionistas.
Podia contar, como se viu, com alianças seguras, como os cardeais Nina e Randi, e o
próprio dom Fiorani, mas não faltavam desconfianças e perplexidades, em particular
da parte da Congregação dos Bispos e Regulares e do cardeal Innocenzo Ferrieri, tanto
pró-prefeito como prefeito.
Precisamente destes lhe chegara a carta, de 28 de novembro de 1876, na qual se
perguntava a ele se tinha obtido “alguma dispensa especial” da observância do decreto
Romani Pontifices, de 25 de janeiro de 1848, que o obrigava a pedir testemunhais dos
respectivos bispos para aceitar alguém na Congregação. Tinham chegado, com efeito,
reclamações relativas a algum jovem “que tinha sido expulso do seminário por conduta
imoral”, e que, porém, fora aceito na Sociedade Salesiana e apresentado às ordens sem
as testemunhais regulares.118 Dom Bosco respondia em 16 de dezembro, fazendo apelo
às faculdades concedidas vivae vocis oraculo pelo papa, em 3 de maio e em 10 de
novembro de 1876.119 Negava, pois, o que lhe devia sobre jovens saídos do Seminário
de Turim e por ele aceitos. Enfim, aproveitava da ocasião para suplicar do cardeal o
favor de pedir ao arcebispo que “manifestasse o motivo de certas medidas severas
adotadas contra os salesianos”; não queria que fossem “queixas”, mas desejava que
lhe fossem ditas “coisas claras e exatas”, a respeito das quais prometia “previamente
a fiel execução”. Na realidade, referia-se, não sem dramatizá-los, a episódios bem
circunstanciados, algum que deve ser redimensionado, como a presumível suspensão
das confissões de 1875, a proibição dos exercícios espeirituais aos leigos, a recusa a
alguns sacerdotes salesianos da faculdade de pregar e a resposta negativa para celebrar
funções e administrar a crisma em Valdocco.120 Não era imaginável que o acúmulo de
justificações e de contra-acusações tão heterogêneas pudesse obter o efeito pretendido,
dando antes vantagem ao arcebispo.
A primeira parte do novo ano, 1877, transcorria num clima substancialmente
pacífico, sombreado somente pela questão das coletas de graças atribuídas a Maria
Auxiliadora.121 No início de 1877 Dom Bosco dava e pedia ao padre Rua notícias sobre
a saúde do arcebispo: “Nosso arcebispo escreveu uma longa carta, na qual dá notí-
117 Cf. cap. 20, § 5.2.
118 Carta de 28 de novembro de 1876; MB XII 394.
119 Cf. cap. 20, § 4.
120Ao cardeal Ferrieri, 16 de dezembro de 1876; E III 125-127.
121 Cf. carta de Dom Bosco ao arcebispo, 18 de maio; E III 175-176, 178-179.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 305
cias de sua saúde”; “dá-me notícias da saúde do arcebispo”.122 De fato, nas semanas
precedentes o prelado tinha estado seriamente incomodado. Dom Bosco, que se encon-
trava desde o início de janeiro em Roma para a missão dos irmãos concepcionistas, na
resposta a uma carta na qual o arcebispo o informara da recuperação da saúde, alegra-
va-se pela “notícia da desejada e implorada saúde de Deus” e aproveitava a ocasião para
exprimir o pensamento de deferente obséquio ao superior eclesiástico: “a respeito de
Chieri – acrescentava –, farei o que puder para implantar um Oratório para as meninas
e outro para os meninos; é-me de máximo encorajamento a aprovação e o apoio da
autoridade eclesiástica”.123
Em 24 de janeiro o arcebispo dirigia-se a Roma com o reitor do Seminário, cônego
Giuseppe Soldati (1839-‘886) e descrevia a permanência na capital em uma Relação ao
clero e ao povo, redigida assim que voltara.124 Nesta fazia referência às duas audiências
com Pio IX, em 1º de fevereiro, outra na despedida, no dia 11, e aos lugares sagrados
visitados. Chegando à conclusão dizia: “Enquanto nos consolávamos em rever estas
santas e queridas memórias, vós facilmente vos imaginais, se alguma vez pudessem nos
impressionar, os estranhos e falsos comentários que muitos jornais, também de cores
opostas, publicavam sobre nossa visita à santa cidade, e para nossa desvantagem”.
Sintetizava sua posição de irredutível combatente, avesso às duplas bandeiras e aos
compromissos, em uma afirmação de princípio e com uma resignação: “No dias atuais,
quem quiser ser pessoa de caráter e chegar ao paraíso tem que se resignar a caminhar
por uma via, onde se escuta o rugir do leão e o ladrar do cachorro. Portanto, caríssimos
F[ilhos] e F[ilhas], nós, sustentados pela palavra cheia de autoridade do santo padre,
permaneceremos em meio a vós, com a intenção, como já no passado, de nenhuma
outra coisa além da grande e principal obra de alcançcar para nós e para cada um de vós
a graça de Jesus Cristo nesta terra e o gozo da sua glória no céu. As gloriosas pegadas
desse modelo perfeitíssimo de todos os bispos, que é são Carlos Borromeu, arcebispo
de Milão, são as que procuramos buscar e buscamos em nosso caminho, pedindo a
Deus que nos assista a fim de que os fatos correspondam às intenções”.125
Assim, fortalecido pela viagem romana, fazia imprimir um breve memorial com
o título O arcebispo de Turim e a Congregação de São Francisco de Sales em Turim – o
secretário teólogo Chiuso a assinava em “28 de fevereiro de 1877” –, que enviada a
todos os cardeais e a outras personagens. Com ela em pretendia desfazer a “suposição
de que o arcebispo de Turim não seja benévolo para com a nova Congregação de São
Francisco de Sales”, relembrando uma longa série de comportamentos e gestos de bene-
volência e de sustento realizados por ele, de 1848 a 1875, primeiro para com o Oratório,
122 Cf. Carta de Roma ao padre Rua, 14 de janeiro; E III 138-139.
123 Carta de 14 de janeiro de 1877; MB III 142-143.
124 Lettere pastorali commemorazioni funebri e panegirici di monsignor Lorenzo Gastaldi vescovo
di Saluzzo indi arcivescovo di Torino. Turim, Tipografia Canonica, 1883, p. 353-362.
125L. Gastaldi, Lettere pastorali, p. 360-361.

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306 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
depois para com a Congregação”.126 Entre outras coisas, ele citava a frase de uma carta
que Dom Bosco ter-lhe-ia escrito em 2 de julho de 1873 para agradecer-lhe a carta de
recomendação feita para a aprovação da Congregação: “Não podia dizer mais, nem
dizer melhor”. Na realidade, a carta de recomendação era de 10 de fevereiro e continha
reservas que Dom Bosco, certamente, não aprovava. Podia ter sido um obrigado pela
carta de recomendação lida ou resumida para ele somente na primeira parte.127
Dom Bosco manifestava “sentimentos de estima e de veneração” em um endere-
çamento ao arcebispo que voltava de Roma. Associava-se aos atos de obséquio que o
Capítulo metropolitano e o clero urbano tinham feito ao prêsule em protesto contra o
que, na estada romana do arcebispo, certos jornais tinham difundido sobre ele, escre-
vendo de dimissórias apresentadas ao papa, com referências também às difíceis rela-
ções com Dom Bosco. La libertà de Roma, em 30 de janeiro de 1877, falava de “um
bispo dimissionário”, e Gazzetta del popolo de Turim, no dia 31, falava mesmo de
“sede vacante”.128 Dom Bosco prometia preces ao superior eclesiástico, “suplicando
a bondade do Senhor – escrevia – para que se dignasse conservá-lo em boa saúde, e
assim pudesse continuar suas fadigas pelo bem da Igreja e de nossa Congregação, que
respeitosamente lhe recomendo. Queira aceitar estes cordiais pensamentos, seja para
confutar as especulações de alguns jornais, que supuseram coisas privadas sem quais-
quer fundamentos, seja para assegurar que em tudo o que puderem servir o arcebispo,
os salesianos estarão sempre disponíveis. Em nome de todos tenho a alta honra de me
professar humilde servidor”.129
Em 1º de maio dom Gastaldi convidava-o para o café da manhã na casa episcopal,
onde estava hospedado dom Dupanloup, bispo de Orléans. Também o jornal L’unità
cattolica dava notícia da passagem do bispo por Turim e de sua partida no dia seguinte
para uma importante votação no senado francês, do qual era membro.130 Para o arce-
bispo, tal gesto queria significar conciliação e amizade. “No último maio passado –
escreveria depois em 19/28 de setembro ao cardeal Ferrieri –, para demonstrar a Dom
Bosco que (...) não nutria nenhum mal-querer contra ele, convidei-o, com carta toda
escrita à mão por mim, a almoçar comigo na ocasião em que hospedava dom Dupanloup
e algum outro eclesiástico hóspede conspícuo. Ele aceitou o convite e veio sentar-se à
mesa comigo e com o bispo de Orléans. Eu esperava que Dom Bosco e seus sacerdotes
não me trouxessem mais nenhuma confusão, nem dessem mais motivo de grave aflição.
Mas, infelizmente, me enganei”.131
126O texto encontra-se em Documenti XVIII 86-88, FdB 1046 A9-11.
127 Cf. cap. 19, § 6.
128 Documenti XVIII 50, FdB 1045 C9.
129 Carta de 28 de março de 1877; E III 161.
130 L’Unità Cattolica, n. 104, terça-feira, 3 de maio de 1877, p. 413.
131 Documenti XVIII 236-243, FdB 1048, D3-10.

31.7 Page 307

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 307
A ilusão ia embora por causa do desentendimento surgido sobre um acontecimento
devido à absoluta boa fé de Dom Bosco e à igual retidão do arcebispo em seguir a própria
concepção austera de piedade católica. Já se acenou à publicação de graças atribuídas à
intercessão de Maria Auxiliadora por ocasião do sétimo aniversário da consagração da
igreja de Valdocco.132 Na primeira parte se fazia uma breve história da devoção a Nossa
Senhora Auxiliadora e de seu santuário em Turim. Os outros dois terços do livro eram
dedicados à relação de cento e trinta graças atribuídas à sua intercessão e a Esboços em
torno da Arquiconfraria dos Devotos de Nossa Senhora Auxiliadora, erigida na igreja
a ela dedicada em Turim. Em 1877 saía a reimpressão.133 Seguia, nas Leituras Católicas
de maio, outro opúsculo, inteiramente dedicado à relação de trinta e sete graças, com
o título A nuvenzinha do Carmelo, ou seja, a devoção à Nossa Senhora Auxiliadora
premiada por novas graças.134 Em base a uma rígida interpretação do decreto da sessão
XXV do Concílio de Trento, De invocatione sanctorum, o arcebispo exigia “oficial-
mente” que Dom Bosco lhe dissesse “se esses fatos eram apoiados em tais testemunhos
para que se fizesse maduro exame – precisava – pela minha Cúria”.135 Dom Bosco
respondia conduzindo às suas verdadeiras dimensões o fato e os conteúdos das duas
publicações, não sem antes notar que a primeira fora impressa em Sampierdarena com
o respectivo “nada obsta” e para a segunda tinha obtido da Cúria Arquiepiscopal de
Turim.136 Na realidade, mesmo que na reimpressão de 1877 o pequeno volume trou-
xesse os dizeres “Com a permissão da autoridade eclesiástica”, essa fora somente uma
declaração do padre filipino Saraceno, revisor sinodal de Turim, que não encontrava
nele nenhum impedimento para a impressão; ninguém da Cúria tinha dado o nada obsta.
Em 19 de maio o arcebispo insistia: “Reputo ser minha gravíssima obrigação examinar
as narrações dos fatos sobrenaturais que se dizem acontecidos em minha diocese”.137
Dom Bosco, de partida para Gênova, respondia: “Assim que retornar, satisfarei ao que
pedia em sua carta antecedente e assinalarei alguns fatos que me parecem oportunos
para receber um exame regular”.138 Para o momento, nada mais se fez. Mas a questão,
aparentemente adormecida, reapareceria em 1878 e, mais profundamente, em 1879.139
132 Cf. cap. 16, § 3.
133 Cf. G. Bosco, Maria Ausiliatrice col racconto di alcune grazie ottenute nel primo settennio
dalla consacrazione della Chiesa a Lei dedicata in Torino. Turim, Tipografia e Libr.
dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, 1877, 320 p.
134 Per cura del sacerdote Giovanni Bosco. Sampierdarena, Tipografia e Libreria di Vincenzo de’
Paoli, 1877, 117 p.; Letture Cattoliche a. XXV, nº 5; OE XXVIII 449-565.
135 Carta de 17 de maio de 1877; E III 175.
136 Carta de 17 de maio 1877; E III 175-176.
137 Citado em E III 178.
138 Carta de 31 de maio de 1877; E III 178-179.
139 Cf. cap. 28, § 4.

31.8 Page 308

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308 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
6. Grave recuo nos dissídios com o arcebispo
A supra-citada carta do arcebispo ao cardeal Ferrieri com duas diversas datações, no
início 19, no final 28 de setembro de 1877 – abundantemente documentada com cartas
recolhidas nos dez dias de intervalo entre as duas datas – referia-se sobretudo a dois
episódios acontecidos em Valdocco em agosto de 1877.
Nos últimos dez dias do mês um sacerdote da diocese de Ivrea, padre Perenchio, se
apresentava ao Oratório pedindo para ser aceito como aspirante na Sociedade Salesiana.
Em base a um certificado do pároco, era admitido e se lhe permitia celebrar a missa.
Provavelmente, sobre ele tinham chegado ao arcebispo informações pouco favoráveis
de Ivrea. Em 22 de agosto a Cúria turinense, por meio do secretário padre Chieverotti,
fazia precisas perguntas ao acreditado diretor do Oratório, padre Rua, ou ao vice-diretor,
padre Lazzero, sobre a exata posição do sacerdote em relação à Congregação Salesiana.
Este informava que padre Perenchio tinha feito o pedido de admissão na Congregação
e que se estavam pedindo as testemunhais de Ivrea. Com carta de sexta-feira, 24 de
agosto, padre Chiaverotti comunicava que o sacerdote não tinha a faculdade de celebrar
seja porque estava suspenso por seu bispo seja porque não podia ainda se considerar
membro da Congregação, nem mesmo como noviço. De outro lado – precisava – “nem
mesmo algum professo pode celebrar nas igrejas não estritamente da Ordem religiosa
sem permissão do ordinário”. Era o texto do Monitum do calendário diocesano de 1877,
que evidentemente não dizia respeito aos religiosos, incluindo os salesianos, que por
anos e também nos últimos meses, não obstante o Monitum, em Turim e em dioceses,
notoriamente, andavam a celebrar missa em igrejas públicas ou de comunidades reli-
giosas e educativas. Na mente do mitente, a carta, obviamente, dizia respeito ao caso
particular do sacerdote diocesano suspenso pelo bispo e de outros eventuais sacerdotes
religiosos, privados ainda de licença, contemplados pelo Monitum XII do Calendarium
liturgicum de 1877: “Advertimos, ainda, a todos os regulares, que eles não podem, sem
nossa licença, celebrar missa nem menos uma só vez em qualquer igreja ou oratório,
mesmo privado, da nossa Diocese, excetuadas as igrejas e os oratórios de sua ordem”.140
Bem diversa foi a interpretação dada pelo vice-diretor do Oratório, padre Lazzero, como
ele mesmo anotava, com visão simplificadora, em seu Diário: “Agosto de 1877. 24,
carta da Cúria de Turim, que suspende os padres do Oratório de celebrar a missa fora
das igrejas da própria ordem. 25, padre Lazzero pede por carta explicação da prece-
dente, no entanto manda um bilhete a todos os lugares onde se ia rezar missa avisando
que no dia seguinte se pedisse um bilhete por escrito da autoridade eclesiástica. 26,
cerca de trinta cantores foram a Strambino para uma função sagrada [padre Lazzero,
com sua voz potente, tinha ido com eles] (...). Chegados a Turim, à noite, um pouco
tarde, padre Lazzero encontrou uma carta escrita pelo arcebispo, que o suspende de
ouvir confissões por vinte dias. Deo Gratias!”.141
140 Calendarium Liturgicum sevandum Anno MDCCCLCCVII. Turim. Marietti, 1877, p. XIII.
141 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 59.

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 309
Na carta de sábado, dia 25, padre Lazzero tinha respondido ao secretário curial,
comunicando a decisão sobre o sacerdote de Ivrea, agora declarado “noviço” da
Congregação, e assegurando a plena aquiescência à proibição das missas “fora das
igrejas, que não sejam estritamente da Congregação”, e que em tal sentido se avisa-
riam antes algumas igrejas. Da mesma forma foram convidados a agir os salesianos
de Valsalice e de Lanzo Torinese. Nem a licença, pedida na Cúria no mesmo dia, teve
seguimento, porque os escritórios estavam se fechando e o arcebispo estava fora de
Turim. Não obtendo resposta, padre Lazzero mandava aos reitores das igrejas um bilhete
assim escrito: “Por severas disposições de S. E. Rev.ma o Sr. Arcebispo, estamos proi-
bidos de celebrar missa fora das igrejas da nossa Congregação. Se, portanto, V.S. tem
necessidade de algum sacerdotes dos nossos, será enviado de boa vontade mediante
licença escrita da autoridade eclesiástica”. Pode-se imaginar o mal-estar provocado no
domingo, 26 de agosto, e sobretudo o desprezo ao arcebispo o qual, no fim das contas,
acabava por aparecer como autor de uma medida extravagante e absurda, com gravís-
sima e imerecida perda de imagem. A reação foi imediata: a suspensão da faculdade de
confissão até 14 de setembro, prorrogada até dia 19, foi dada por tempo indeterminado,
prescrita ao padre Lazzero, considerado privado do equilíbrio exigido por um minis-
tério tão delicado.142
Dom Bosco não tinha sido atingido diretamente, mas inevitavelmente sentia-se
envolvido em infortúnios que colocavam em dúvida a boa fé e o bom senso dos seus.
Nenhuma iniciativa tinha sido tomada para superar os dois incidentes, evitando que
fossem ligados a questões mais sérias de princípio. Com efeito, com o problema
pessoal do padre Perenchio, o qual, mais adiante, nomeado professor elementar em
Costiglione di Saluzzo, deixaria o Oratório, estava relacionado o problema das testemu-
nhais, ligado à sua atual pertença à Sociedade Salesiana, juridicamente indefinível. Os
dois episódios terminavam por reacender as tensões entre Turim e Roma não somente
com relação às testemunhais, mas também com outras faculdades concedidas pelo papa
a Dom Bosco.
De fato, sobre tais temas se sucediam à brevíssima distância, nos dias 26 e 31 de
agosto, duas cartas de dom Gastaldi ao cardeal Innocenzo Ferrieri. A primeira tinha
com objeto a questão das testemunhais não exigidas e do caso Perenchio, que era uma
confirmação de sua parte. A segunda se concentrava sobre o episódio de 26 de agosto.
“Infelizmente – assim dom Gastaldi interpretava o comportamento dos responsáveis
do incidente – seu objetivo era colocar o bispo em dificuldade com seus diocesanos,
criando-lhe distúrbios e desprazeres” em represália à proibição de celebrar infringida
ao padre Perenchio.143 Em 9 de setembro o pró-secretário teólogo Francesco Maffei
comunicava ao padre Rua: antes de responder ao atestado firmado por Dom Bosco
142 Cf. Decretos latinos de 26 de agosto e de 19 de setembro de 1877, Documenti XVIII 350-351,
FdB 1050 C9-10.
143 Documenti XVIII 218, Fdb 1048 B9.

31.10 Page 310

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310 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sobre a pertença do padre Perenchio à Congregação, o arcebispo “quer saber se padre
Lazzero e os outros superiores que participaram do gravíssimo distúrbio acontecido
em 26 de agosto, e originado evidentemente de um erro muito grande, sintam-se arre-
pendidos e peçam perdão. Quando o bispo tiver conhecimento disso por meio da carta
assinada pelo padre Lazzero ou por V.S. ou por Dom Bosco, dará por encerrada essa
questão precípua. De outra forma, fará o que lhe parecer mais conveniente para a manu-
tenção e decoro da autoridade da qual foi investido por Deus”.144
Informado das cartas do arcebispo ao cardeal Ferrieri, pelo cardeal Oreglia, em
14 de setembro, no decurso do Capítulo Geral, enviava ao cardeal “protetor” uma carta
para que fosse entregue ao prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares, na qual
dava a mesma interpretação do padre Lazzero ao episódio de 26 de agosto. Ilustrava
alguns fatos e fazia algumas perguntas. O ordinário não admitia às ordens ou ao exame
para obter a permissão de confessor, se não se apresentassem as testemunhais para a
admissão ao noviciado; “intimava” o diretor da casa-mãe a proibir padre Perenchio a
celebração da missa e aos salesianos de não celebrar, sem permissão do arcebispo, em
igrejas que não fossem da Sociedade Salesiana. Padre Lazzero pedia as razões para isso,
assegurando sua “plena submissão às ordens do arcebispo”, recebendo como “única
resposta” a proibição de confessar pelo espaço de vinte dias”. Dom Gastaldi – pergun-
tava – podia julgar sobre a admissão de Perenchio ao noviciado? A pena infligida ao
padre Lazzero era legítima? Podia proibir a celebração da missa como tinha acontecido
em 26 de agosto? Não bastam, para as admissões, as testemunhais do superior com a
assinatura da Cúria? O arcebispo podia pedir as testemunhais de aceitação ao noviciado
para admitir às ordens ou ao exame de confissão?145
Neste clima de recursos de sinal oposto não podia ter esperança de sucesso “a oferta
de mediação” feita ao arcebispo pelo teólogo Roberto Murialdo, seu coetâneo e discí-
pulo (1815-1883).146 Antes, às duas cartas precedentes, nos dias 19 e 28 de setembro,
o arcebispo respondia com outra ainda mais articulada. Começava recordando que o
Monitum XII, publicado no calendário diocesano de 1877, por sete meses não tinha
produzido nenhum dissenso nas celebrações das missas. Fazia outras observações:
“alguma resposta satisfatória” chegara-lhe no livreto de “obrigado” de maio; os jovens
dos colégios de Dom Bosco eram dissuadidos de entrar no Seminário e levados a
preferir o ingresso na Sociedade Salesiana; a inobservância das leis canônicas no caso
Perenchio; e a insubordinação e a malévola interpretação da carta do Chiaverotti de
24 de agosto − “Recebo ordem para que nenhum sacerdote da Congregação Salesiana vá
celebrar (...) Essa medida severa nos entristece, mas nos conformamos”, tinha respon-
dido o padre Lazzero. “Mas se aproveitava de qualquer ocasião para me pôr em dificul-
dades com meu clero e com a grei”, interpretava dom Gastaldi −. Parece-me – observava
144 Documenti XVIII 230-231, FdB 1048 C9-10. A acentuação é nossa.
145 Carta do dia 14 de setembro de 1877; E III 215-216.
146 Carta de 18 de setembro de 1877, in MB XIII 344-345; cf.§ 5.

32 Pages 311-320

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32.1 Page 311

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 311
ainda dom Gastaldi – que os religiosos, votados a Deus e propensos à perfeição cristã,
“deveriam ter um fundo de humildade suficiente para reconhecer que aqui cometeram
um erro”. Pedia ao cardeal Ferrieri que informasse essas coisas ao santo padre , “a
quem, infelizmente – afirmava – procurou-se insinuar que sou um adversário ou quase
um inimigo obstinado de Dom Bosco”.147 Por sua parte, com carta de 10 de outubro, o
cardeal exortava Dom Bosco a entender o verdadeiro sentido das disposições do arce-
bispo a propósito das missas em igrejas externas da Congregação e relembrava-o de
procurar se ater tanto às leis canônicas quanto às testemunhais.148 Dom Bosco reagia
com carta minuciosa, em que rebatia, com indicações mais precisas, o que já tinha
escrito em 14 de setembro: em particular, renovava a defesa da ação do padre Lazzero.
“Malgrado o senhor arcebispo afirme que tal proibição é imaginária – sustentava –,
contudo continua em vigor”.149 E era de fato, sustentava apresentando um exemplo não
ad rem, pois um salesiano, padre Giovanni Cinzano, tendo ido à sua cidade, Pecetto
Torinese, não obteve do pároco a permissão de aí celebrar a missa,150 porque – Dom
Bosco teria sabido o motivo mais tarde, pelo próprio pároco – a orientação do superior
eclesiástico, justamente em relação ao padre Cinzano, tinha sido clara: “recorde-se do
monitum do calendário e o observe e o faça observar”.151
De sua parte, o arcebispo reconstruía o incidente e a controvérsia sucessiva,
ainda sem solução, em 15 de outubro de 1877, no “Impresso reservado aos eminen-
tíssimos cardeais e alguns arcebispos e bispos”, com o título O Arcebispo de Turim
e a Congregação de São Francisco de Sales (chamada por isso salesiana).152 Nesse
impresso, dom Gastaldi retomava os motivos da carta ao cardeal Ferrieri, de 19/28 de
setembro, com a evocação dos casos padre Perenchio e de 26 de agosto. Relembrava o
pedido de reconhecimento do erro cometido com a carta de 9 de setembro e lamentava:
“Até agora não se deu nenhuma resposta”; “e, na verdade, somente a humildade cristã,
sem a qual não existe nenhum espírito religioso, e na qual essencialmente consiste
a vida de qualquer congregação regular, e de qualquer membro de tal congregação,
deveria bastar para reconhecer que no fato de 26 de agosto e nos fatos que o prece-
deram aconteceram erros gravíssimos, senão de vontade, por certo de inteligência e
de imaginação: com os quais, ficando comprometida a autoridade divina episcopal, a
eclesiástica arquiepiscopal, tem-se o estrito dever de reparar a ofensa, ao menos com o
reconhecimento do erro e o pedido de perdão”.153
Finalmente, em 4 de novembro, para restabelecer melhores relações com a autori-
dade eclesiástica local, padre Rua acreditou ser seu dever responder ao pedido que lhe
147 Documenti XVIII 236-243, FdB 1048 D3-10.
148 Cf. texto em MB XIII 349.
149 Carta de 12 de outubro de 1877; E III 227-229.
150 Carta de 14 de outubro de 1877; E III 228.
151 Carta do padre Giuseppe Perlo a Dom Bosco, 22 de novembro de 1877; MB XIII 363.
152 Tipografia C. Marietti, 1877, 12 p.; Documenti XVIII 337-348, FdB 1050 B8-C7.
153 L’Arcivescovo di Torino e la Congregazione di S. Francesco di Sales, p. 12.

32.2 Page 312

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312 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
foi transmitido pelo padre Maffei em 9 de setembro: “Primeiramente – escrevia padre
Rua – peço-te de querer notificar a S. E. Rev.ma o Sr. Arcebispo que nós ficamos muito
tristes pelo desprazer que S. E. experimentou, quando em agosto passado aconteceu o
inconveniente das missas”.154 A dom Gastaldi a fórmula adotada parecida evasiva, em
relação a que tinha sido proposta, além de ser deploravelmente tardia. O teólogo Maffei
fazia tal comunicação ao padre Rua em 25 de novembro, citando o texto preciso da
declaração pedida pelo arcebispo: declarassem estar pesarosos do distúrbio gravíssimo
causado em 26 de agosto último, e disso pedissem perdão. “A essa declaração – pros-
seguia – não responde por nada a que V. S. fez vinte e seis dias depois!!”. “Quem tem
coração está sempre arrependido do desprazer, embora merecido, que prova quem é
justamente condenado a sofrer por suas faltas. Permanece pois evidente que a decla-
ração de V. S. não diz nada.”155
No entanto, bem mais preocupante e grávida de desenvolvimentos mais negativos era
a lacônica exigência do cardeal Ferrieri a Dom Bosco, ocasionada por “algumas recla-
mações” apresentadas pelo arcebispo ao papa e submetidos ao exame da Congregação
dos Bispos e Regulares: “faz-se necessário que V. R. faça conhecer distintamente e com
toda exatidão as faculdades e privilégios que recebeu e dos quais goza por benigna
concessão da Santa Sé, a fim de que tal conhecimento sirva de norma no acurado exame
que os eminentíssimos padres farão desta situação”.156 De Borgo San Martinho, Dom
Bosco pedia ao padre Berto de fazer transcrever por um ajudante, em letra legível,
“por ordem cronológica”, em “um caderno limpo”, os decretos relativos a “todos os
privilégios concedidos à Congregação”, “começando de 1864 até hoje, inclusive os
rescritos e os breves”. Advertia: “No mais, haveremos de nos ver na sexta-feira, avisa
o padre R[ostagno]”, seu consultor jurídico.157 Em 6 de dezembro enviava ao cardeal
Ferrieri “uma cópia autêntica de todos os favores espirituais e privilégios da Santa
Sé” concedidos à Congregação Salesiana. Desculpava-se de dever, em breve, perturbar
novamente o cardeal, uma vez que o arcebispo, que “já havia admitido nossos clérigos
para as próximas ordenações”, “hoje – escrevia – fez comunicar que não admitirá mais
nenhum salesiano, sem contudo dar alguma razão para isso”.158 Com o legítimo temor
de que a exigência pudesse ser prelúdio da suspensão dos favores e privilégios conce-
didos, após seis meses Dom Bosco pedia ao papa Leão XIII a confirmação, em parti-
cular sobre o que era relativo à isenção das testemunhais para os alunos aspirantes à
Congregação, concedida por Pio IX vivae vocis oraculo.159 Mas o pedido foi transmi-
tido à Congregação competente, certamente não favorável a este e a outros privilégios.
154 Carta ao teólogo Maffei, 4 de novembro de 1877; MB XIII 356. Os grifos são nossos.
155 Documenti XVIII 385, FdB 1051 A8; MB XIII 370.
156 Carta do cardeal Ferrieri a Dom Bosco, 14 de novembro de 1877; MB XIII 360.
157 Carta de 21 de novembro de 1877; E III 239-240.
158 Carta ao cardeal Ferrieri, 6 de dezembro de 1877; E III 248.
159 Cf. carta de 7 de junho de 1878; E III 360-361.

32.3 Page 313

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Cap XXV: Dom Bosco fundador no intenso 1877 313
Poderiam ter sido as reclamações precedentes ou outras, algumas reenvidicações
de uma carta do pró-secretário do arcebispo, teólogo Maffei, de 15 de novembro, o
objeto de uma carta clarificadora de Dom Bosco a dom Gastaldi de 22 de novembro: as
queixas pela celebração da missa do padre salesiano Angelo Rocca na capela privada
da família, em Rivara Canavese, as publicações das indulgências para os coopera-
dores, as testemunhais não chegadas da Cúria turinense ao pedido, feito a seu tempo,
para o clérigo Angelo Rocca, no momento sacerdote. Mas além dessas querelas, Dom
Bosco fazia uma pergunta inquietante, que o arcebispo, talvez, teria desejado dirigir
uma vez a ele: não teria sido melhor evitar confrontos diretos sobre questões remetidas
às congregações romanas? Nessa ótica manifestava com toda sinceridade o próprio
desagrado “de que a questão da proibição das missas – dizia – não tenha sido tratada
dessa mesma forma, e que um impresso [o de 15 de outubro], que traz o nome de reser-
vado, viesse a prejudicar a decisão”. A esse escrito ele se sentia obrigado a responder,
pedindo “preventivamente perdão”, e se aí fosse encontrado algum excesso, esperava
que fosse atribuído “à necessidade da defesa e ao veemente desprazer” que experimen-
tava. Acrescentava: “mas, por que não tratar essas dificuldades com medidas paternas
e com a indulgência que merece uma congregação nascente que quer sinceramente o
bem, e pode com certeza errar por ignorância, mas seguramente não por malícia? Deus
julgará V. E. e seu pobre servo sobre a retidão de nossas intenções, da caridade cristã e
da humildade com a qual agimos, do esforço que tivermos colocado para encontrar os
meios proporcionados a defender e promover os interesses da santa religião: a Ele me
entrego”.160 O bispo replicava: “O melhor que V. S. poderia fazer seria de apresentar-se
a seu arcebispo sem nenhum outro espírito que o da caridade e da humildade. Então,
para o bem de V. S. e de sua Congregação e da Arquidiocese, poder-se-iam provavel-
mente aplainar os obstáculos da paz”.161 No dia seguinte, Dom Bosco confidenciava ao
bispo de Vigevano, o amigo vercelense dom De Gaudenzi: “Mas por que não podemos
ter em Turim um bispo que seja igual ao senhor? Nossas coisas vão sempre como a
palha ao fogo, e por causa disso na primeira metade do próximo dezembro deverei fazer
uma viagem a Roma”.162
O dia seguinte assinalava o início de um período tempestuoso, medido não mais
pelos dias ou meses, mas pelos anos.
160 Carta de 22 de novembro de 1877; E III 240-241.
161 Carta de 23 de novembro de 1877; MB XIII 366.
162 Carta de 24 de novembro de 1877; E III 242.

32.4 Page 314

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32.5 Page 315

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Capítulo XXVI
Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos
e novos problemas (1877-1879)
1877
1878
1881
20 de junho: cardeal Randi, referência para a questão dos Irmãos Hospitaleiros
20 de julho: por uma redefinição do visitador in spiritualibus
7 de agosto: Dom Bosco repropõe o visitador único
18: reproposta a agregação à Sociedade Salesiana
1º de outubro: carta do cardeal Randi de exoneração de Dom Bosco como visitador
5: encerramento do Primeiro Capítulo Geral
25 novembro a 1º dezembro: suspensão latae sententiae das confissões
29 de novembro: carta de Dom Bosco ao cardeal Bilio
18 de dezembro: viagem a Roma
9 de janeiro: morte de Vitório Emanuel II
7 de fevereiro: morte de Pio IX
20: eleição de Leão XIII
21: memorial a F. Crispi sobre o sistema preventivo
primeira biografia de Dom Bosco do doutor Charles d’Espiney
A primeira parte de 1877 tinha sido rica de promessas e de iniciativas, tanto no
interior como no exterior da Sociedade Salesiana. O sucesso no honorífico encargo,
embora imediatamente dificultoso e cheio de contrastes, em favor da Congregação dos
irmãos concepcionistas poderia ter dado prestígio a Dom Bosco e à sua Sociedade
justamente no centro da catolicidade, no qual ele tanto desejava implantar sua obra.
Poderia ainda ter-lhe criado oportunidade de novas relações em ambientes importantes
da Cúria e a possibilidade de atenuar as tensões turinenses. De qualquer modo, tinha
sido totalmente positivo o trabalho para dar consistência interna à própria Sociedade.
Isso chegava à síntese com a celebração do Primeiro Capítulo Geral, de 5 de setembro
a 5 de outubro.
1. Primeiro Capítulo Geral da Sociedade Salesiana
Em consonância com o espírito prático da Congregação e de seus Capítulos –
seguidos das respectivas deliberações sobre regulamentos gerais e especiais – tinham

32.6 Page 316

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316 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
um significado preciso, perfeitamente bosquiano, as palavras aparentemente enfáticas,
dirigidas aos capitulares na sessão da tarde de 7 de setembro, a quarta: “Desejo que as
coisas vão adiante bem com alacridade, mas com calma; que não precipitemos nada,
porque estas sessões marcarão época em nossa Congregação e delas dependerá, em
grande parte, seu bom encaminhamento para o futuro. Não digo que delas dependerá
a existência ou a dissolução da Congregação, mas que elas serão como que uma base
muito segura para o bom andamento. E a salvação de tantíssimas almas depende do que
estamos por regularizar nestes dias”.1 Disso brotava a proposta de um método bastante
prático: “E sem ter que pegar outros livros para nossos estudos, estes sejam feitos sobre
o esquema, sobre as regras, sobre os regulamentos dos colégios, sobre as circulares
enviadas nos anos passados a todas as casas e sobre as deliberações já tomadas nas
conferências que se faziam tempos atrás seja aqui em Lanzo como em Turim. Em uma
palavra, sejam coisas adaptadas às nossas necessidades. A importância deste Capítulo
está no fato de que as Regras, as quais até agora são somente orgânicas [gerais, siste-
máticas], se tornem práticas. isso é, estudem-se todos os modos de indicar a forma de
reduzir as Regras à prática”.2
Daí seguia que as discussões e os resultados – fixados depois em grande parte nas
Deliberações impressas no ano seguinte – não apresentavam algo muito original com
relação à tradição, criada pelas circulares, pelas Conferências de São Francisco de Sales
e pela introdução Aos sócios salesianos. Esse fato tornava-se evidente pela continuação
das sessões e dos temas sucessivamente tratados. As coisas mais interessantes foram as
considerações complementares ou extemporâneas às quais Dom Bosco se entregava,
revelando interessantes aspectos de seu pensamento e mentalidade.
1.1 Sucessão das discussões capitulares
As sessões do Capítulo Geral foram vinte e seis no total, das quais duas – no sábado,
22 de setembro, e na sexta-feira de manhã, 2 de outubro – devem ser consideradas antes
de mais como reuniões do Capítulo Superior: com efeito, foram dedicadas respecti-
vamente à proposta de algumas fundações e à determinação das datas dos exercícios
espirituais dos salesianos em 1878. As jornadas de trabalho foram realmente dezes-
seis, das quais dez com duas sessões, ante-meridiana e pós-meridiana. Houve duas
semanas de interrupção, de 15 a 20 de setembro e de 23 de setembro a 1º de outubro.
Os presentes que se podem relevar das atas – para algumas sessões não há indicação
de lista dos presentes – foram de um mínimo de 14 a um máximo de 22. Entre os
membros inclui-se também, de 7 a 12 de setembro, padre Pagani, diretor espiritual
1 G. Barberis, Verbali I 37. Os cadernos das Atas redigidos pelo padre Giulio Barberis estão
guardados na ASC D 578.
2 Verbali I 5-6.

32.7 Page 317

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 317
do Seminário de Magliano Sabina.3 Em algumas poucas sessões estiveram presentes
dois “especialistas” de vida religiosa, os padres jesuítas Giovanni Battista Rostagno
(1816-1883) e Secondo Franco (1817-1893): o primeiro, da sexta à décima sessão, da
tarde de domingo, 9 de setembro, a terça-feira, dia 11, pela tarde; o segundo, da sexta
à oitava sessão, até segunda-feira após o almoço. A consulta deles foi geralmente soli-
citada sobre problemas práticos específicos, inerentes à vita cotidiana da comunidade
religiosa. Não foram jamais colocadas questões concernentes a aspectos essenciais do
estado religioso.
Os trabalhos sucederam-se em ordem desigual, segundo o grau de amadurecimento
atingido pelos diversos argumentos, graças ao trabalho das comissões. Isso fica evidente
no esquema do calendário:
Quarta-feira, 5 de setembro, tarde: organização do trabalho capitular.
Quinta-feira, 6 de setembro, tarde – 5ª Comissão: Estudos sagrados e pregação,
estudos sagrados e preparação à pregação, usos religiosos.
Sexta-feira, 7 de setembro, manhã – 4ª Comissão: Estudos entre os alunos nos colé-
gios, livros de texto e livros em prêmio, titulares da disciplina (prefeito, conselheiro
escolar, catequista).
Sexta-feira, 7 de setembro, tarde − ainda sobre o tema da 4ª Comissão: Estudos entre
os alunos, nos colégios, livros de texto e de prêmio, assinaturas de coleções de livros;
impressão e Cooperadores Salesianos.
Sábado, 8 de setembro, tarde – 5ª Comissão: Estudos e pregação, inteiramente
consagrada a tratar de aspirantes, de noviços e da primeira admissão aos votos.
Domingo, 9 de setembro, tarde – 1ª Comissão: Vida comum: propriedade dos bens
pessoais; propriedade, administração e uso dos bens materiais (livros, roupas, bebidas,
comestíveis, roupa de cama); cuidado da saúde.
Segunda-feira, 10 de setembro, manhã – 1ª Comissão: Vida comum, o uso dos bens
materiais (vestimentas, livros, roupa de cama etc.), viagens.
Segunda-feira, 10 de setembro, tarde – 1ª Comissão: Vida comum, hospitalidade,
festas e convites; 2ª Comissão: Moralidade entre os salesianos, meditação, jurisdição
para as confissões.
Terça-feira, 11 de setembro, manhã – 2ª Comissão: Moralidade entre os salesianos
e entre os alunos.
Terça-feira, 11 de setembro, tarde – 2ª Comissão: Moralidade entre os salesianos e
entre os alunos; o Teatro e a criação de Comissão particular para o Teatro; respeito aos
superiores; Inspetorias ou províncias e criação da Comissão para o Inspetor.
Quarta-feira, 12 de setembro, manhã – 3ª Comissão: Economia nas provisões,
incluindo o caso da divisão da Congregação em províncias.
Quarta-feira, 12 de setembro, tarde – 3ª Comissão: Economia nas provisões e no
consumo de luz.
3 Foi aceito na Congregação, com o cônego Francesco Rebaudi, na quinta-feira, 16 de fevereiro
de 1877 (cf. G. Barberis, Capitoli generali. Verbali, fol. 30v, FdB 1876 B10).

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318 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Quinta-feira, 13 de setembro, manhã – 3ª Comissão: Economia nas provisões, no
consumo de luz, na cozinha, o pão aos pobres, caldo de ossos, café.
Quinta-feira, 13 de setembro, tarde – 3ª Comissão: Economia nas novas constru-
ções, reparos, trabalhos, bola elástica, tambores; a “Monografia” ou Crônica da casa
e da Congregação; Formação de Comissão particular: as Monjas ou Filhas de Maria
Auxiliadora; Missões ordinárias: o pessoal para as missões e para as outras casas.
Sexta-feira, 14 de setembro, manhã – Comissões particulares: Férias dos sócios e
Teatro; 2ª Comissão: Moralidade, os bons hábitos.
Sexta-feira, 14 de setembro, tarde − 2ª Comissão: Moralidade, hábitos maus; Formação
de Comissão especial: Deliberações tomadas nos anos passados; Comissões particulares:
Inspetorias e ofícios do inspetor, inspetorias ou províncias, relações do inspetor com o
reitor-mor; Observações sobre as atas, os atos, o decreto de conclusão do Capítulo.
Sexta-feira, 21 de setembro, manhã – Comissão particular: Inspetorias e ofícios do
inspetor, divisão da Congregação em inspetorias, regras para o inspetor.
Sexta-feira, 21 de setembro, tarde – Comissão particular: Inspetorias e ofício do
inspetor, tarefas do inspetor e outras coisas a ele atinentes.
Sábado, 22 de setembro, manhã – Impedimentos para entrar na Congregação;
Comissão particular: Monjas ou Filhas de Maria Auxiliadora, relações das irmãs com
as casas dos salesianos.
Sábado, 22 de setembro, tarde (com apêndice no domingo, 23 de setembro, na parte
da tarde) − acréscimo sobre os estudos dos sócios, ofertas e aceitação de novas obras,
como responder a uma carta de pedido.
Terça-feira, 2 de outubro, manhã – Comissão particular: Deliberações tomadas nos
anos passados, que devem ser conservadas e acrescentadas às do Capítulo Geral.
Quarta-feira, 3 de outubro, manhã − releitura das “Atas”, o proêmio histórico e
Estudos dos sócios, práticas de piedade dos alunos.
Quarta-feira, 3 de outubro, tarde − releitura das Atas, Estudos dos sócios, Imprensa,
Associações (assinaturas), Livros.
Quinta-feira, 4 de outubro, manhã − releitura das Atas, Estudos dos alunos; A deno-
minação Salesiano e a função do Boletim Salesiano para difundir a verdadeira identi-
dade; releitura das Atas, Vida comum.
Sexta-feria, 5 de outubro, manhã − atividades ordinárias, exercícios espirituais dos
salesianos para os anos futuros, data da divisão em inspetorias.
Sexta-feira, 5 de outubro, tarde − formalidade para o encerramento; breve conside-
ração de Dom Bosco sobre o “sistema preventivo”, encerramento do Capítulo.
Quantitativamente, empregou-se mais tempo para Economia, Moralidade, Estudos
dos Sócios e dos alunos e Inspetorias.
De particular interesse, talvez também eco do empenho provisório com os concep-
cionistas, aparece o cuidado colocado na quinta sessão, de 8 de setembro, para precisar
a categoria dos “aspirantes”, para dar maior visibilidade aos coadjutores e a seu período
de noviciado e para estruturar mais solidamente a formação dos novos clérigos.4
4 5ª Sessão, 8 de setembro; G. Barberis, Verbali I 58-74.

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 319
Tendo recebido o mandato para tal, o Capítulo Superior ocupou várias sessões de
outubro e algumas de novembro e dezembro para rever e aperfeiçoar as Atas, de forma
a transformá-las em Atos, que se pensava enviar a Roma para aprovação oficial. Isso
não foi considerado nem necessário nem oportuno. O trabalho continuaria intermitente-
mente em 1878, até a publicação do volume das Deliberações, reservado à Congregação
Salesiana.
1.2 Intervenções mais significativas de Dom Bosco
No Capítulo os membros tiveram plena liberdade de palavra, garantida antes de
tudo no trabalho de comissão, do qual se referia na Assembléia Geral com discus-
sões que aderiam aos textos preparados, sem mudanças significativas em seus conte-
údos. Tendia-se, antes de tudo, a integrá-los e a precisá-los. Dom Bosco, contudo, não
somente na discussão de cada texto e dos artigos conclusivos, mas também e sobretudo
em intervenções complementares, agia como o mestre aos discípulos, chamados a apro-
priar-se de suas idéias mais significativas sobre temas novos e antigos.
Uma das primeiras manifestações se dava a propósito da centralização no Oratório da
direção dos cooperadores e da redação do Boletim Salesiano, editado há poucas semanas.
“Justamente o maior esforço que eu fiz por estes cooperadores – explicava – foi justa-
mente encontrar uma forma de torná-los unidos com a cabeça, e que esta possa fazer
chegar seus pensamentos a todos. Ora, nem mesmo nós podemos fazer idéia da extensão
que tomará essa obra. Mas quando sejam vários milhares, e eu estou persuadido que
em dois ou três anos serão ao menos cinco mil, então se poderá fazer coisa imensa, e o
próprio santo padre, quando viu o vínculo de todos com o chefe e do chefe com todos,
acrescentou surpreso: ‘mas esta é uma verdadeira maçonaria católica!’”. Continuava
listando as vantagens publicitárias, beneficentes e também econômicas da difusão do
Boletim. Declarava, também, que aos cooperadores podiam se inscrever também os
religiosos e seus mesmos institutos, e até mesmo os “terciários franciscanos e domi-
nicanos”. E justificava essa possibilidade, acentuando, talvez mais que o devido, a dife-
rente especificidade dos dois tipos de terciariado: os terciários das ordens mendicantes,
“todo ele práticas de piedade, e nós, todo prática de caridade, se unem tão bem e não resta
nada de sobrecarregado, nem em preces nem em obras boas”. Prosseguia sublinhando
que, assim como a Congregação Salesiana, também a Associação dos Cooperadores era
“bem vista a todos porque de nenhum modo entra em política, nem por um lado nem por
outro”. Recordava que Roma não tinha aceitado para os salesianos a introdução em suas
Constituições de um artigo a propósito disso. Todavia – concluía –, “nós temos sempre o
princípio geral que, fora dos casos de necessidade, os quais podem muito bem acontecer,
não [entramos] em coisas políticas, e isso nos é de imensa valia”.5
5 4ª Sessão, 4 de setembro; G. Barberis, Verbali I 50-55.

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320 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Sobre o estado de consciência dos jovens que chegavam no colégio, as considera-
ções expressas em 11 de setembro eram pessimistas. Dom Bosco partia de um prin-
cípio: “Por certo, o ponto culminante para obter a moralidade é a freqüente confissão e
comunhão, mas desde que bem feitas”. Prosseguia: “Faz pena ver o estado de consci-
ência de talvez nove ou dez dos jovens que chegam às nossas casas. Nem o fato de ter
comodidade os coloca em ordem! É preciso persuadir-se de que, quando um jovem tem
a desgraça de deixar confusões na consciência, deixa-as por anos e segue adiante; não
há solenidade ou curso de exercícios ou morte de outros que o atinja”. Mais adiante,
sempre a propósito de moralidade, convidava a estudar o que “há muito tempo refletia”:
isto é, que os salesianos dormissem em uma parte reservada da casa, onde não deve-
riam receber ninguém: “quase diria – explicava – que haja uma espécie de clausura
que ninguém possa ultrapassar”; “especial e absolutamente, que não durmam nessa
parte da casa mulher de espécie alguma, fosse mesmo a mãe do diretor ou as boas
senhoras que em nossos colégios cuidam da roupa ou fazem outros trabalhos seme-
lhantes”. Considerava, além disso, que se revisse a mistura de pessoas que se verificava
por ocasião da festa de Nossa Senhora Auxiliadora, coisa que no início podia ter tido
alguma razão e aspectos positivos, mas que, com o andar do tempo, podia ter dado
espaço a abusos perniciosos. Tinha acontecido o mesmo com o Oratório: embora sem
portaria e com a ida a trabalhar fora, pela “novidade e o fervor primitivo” “aconteciam
poucas desordens”. Depois, “com o andar do tempo, viu-se a necessidade de murar o
pátio e de colocar um porteiro”.6
A propósito de Economia, sua intervenção era dura com os morosos no pagamento
da taxa concordada com as famílias para os colegiais. Eles não deviam viver do dinheiro
dado em beneficiência para os jovens dos internatos. “Com os que se mostram em
atraso – afirmava – é preciso ser santamente cruéis. Eu não encontro outro remédio que
este, isto é, enviar os jovens para junto de seus pais para que, se estão em possibilidade
de pagar, sejam solicitados com este fato a pagar prontamente. Se não podem fazê-lo,
fiquem os jovens em casa. Existe uma única excessão, quando esse jovem dá muita
esperança para a Congregação”: “é bom que os colégios tenham uma quota fixa e não
se transija por quanto puder”.7
Das “monjas” ou Filhas de Maria Auxiliadora se tratava sem qualquer participação
delas, direta ou indireta. No entanto, estava presente padre Costamagna, diretor em
Mornese, que, assim como padre Bonetti, tinha feito observações em quase todas as
sessões. É interessante o quanto Dom Bosco considerava alta e vasta missão das irmãs
salesianas: “Uma vez parecia que o Sal terrae fosse exclusivo para os padres, mas agora
procura-se toda forma de afastá-los do ensino. Também para as meninas busca-se de
colocar professoras, que conservam bem pouco o princípio religioso. Por isso é preciso
que busquemos todas as formas para que as nossas Filhas de Maria Auxiliadora sejam
6 G. Barberis, Verbali II 140-141, 142, 144-145.
7 11ª Sessão, 12 de setembro; G. Barberis, Verbali II 158.

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 321
habilitadas a cuidar da educação das meninas, especialmente se pobres, dos vários luga-
rejos, e fazer no meio destas [aquilo] que os salesianos fazem entre os jovens. Assim
também elas poderão ser e dispensar o Sal da terra. Da mesma forma poderão, em espe-
cial, fazer o bem nos hospitais e assim estabelecer escolas neles. Agora já começam a
associar-se conosco nas missões. O bem que elas poderão fazer é muito grande”.8
Tornava-se relevante a intervenção extemporânea sobre a denominação salesiano,
que ia sempre mais se difundindo, e sobre o Boletim, que deveria ser arauto de sua
identidade social. Pensava-se no passado que o uso do termo salesiano devesse ser mais
parco. Mas nos últimos anos tinha se tornado inevitável, e era necessário que também
“a Congregação tomasse um nome fixo”. São Francisco de Sales era “nome querido à
Igreja e à sociedade civil”, era o “santo da mansidão”, era o patrono principal. Todavia,
convinha fazer uso moderado dessa denominação, ainda que se tenha adotado “este
nome como fixo para o Boletim dos Cooperadores Salesianos”. “Foi um passo difícil –
prosseguia –, mas estudado. Era necessário nos fazer conhecer, e no verdadeiro sentido
nosso”.9 Tomava esse fato como ponto de partida para traçar o perfil do salesiano reli-
gioso e cidadão. “Nosso objetivo – esclarecia – é fazer conhecer que se pode dar a César
o que é de César, sem jamais compremeter ninguém. E isso não nos separa de forma
nenhuma de dar sempre a Deus o que é de Deus. Em nossos tempos se diz que isso é
um problema, e eu, se se quiser, acrescento que é talvez o maior dos problemas. Mas
já foi solucionado pelo nosso Divino Salvador Jesus Cristo”. Na prática podiam surgir
“grandes dificuldades”, em especial quando, e na realidade era, “o governo é mau”.
Mas o princípio era claro: “O Senhor nos manda obedecer e respeitar os superiores
‘etiam discolis’“, “contanto que não ordenem coisas diretamente más”; “não se fará
o que é mau; mas se continua a respeitar a autoridade de César”. Continuava com um
pesado juízo histórico sobre a situação política e religiosa, provavelmente em referência
à Itália. “Talvez, ninguém melhor que eu – confiava – vê as más condições nas quais
se encontra a Igreja e a religião nestes tempos. Creio que desde são Pedro até nós não
tenha tido um tempo tão difícil. A arte é refinada e os meios são imensos. Nem mesmo
as perseguições de Juliano Apóstata eram tão hipócritas e danosas assim. E então?
Com tudo isso procuraremos em todas as nossas coisas a legalidade, e se são neces-
sárias prestações, serão pagas, e se não se admitem mais as propriedades coletivas,
nós as teremos individuais, e se exigem exames, estes serão feitos, e se patentes ou
diplomas, far-se-á o possível para obtê-los, e assim se irá adiante. Mas tudo isso exige
fadigas, despesas, cria estorvos. Nenhum de vós pode ver isso tudo como eu o percebo.
Antes, a maior parte dos estorvos e embrulhadas não se nomeiam, para que não se fique
amedrontado. Eu suo e trabalho o dia inteiro para procurar colocar tudo em ordem, para
obviar os inconvenientes. E, contudo, é preciso ter paciência, saber suportar ao invés
de encher o ar de exclamações lamurientas, trabalhar o mais que puder para fazer que
8 19ª Sessão, 22 de setembro; G. Barberis, Verbali III 3-4.
9 24ª Sessão, 4 de outubro; G. Barberis, Verbali III 41.

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322 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
as coisas vão bem adiante. É isso que se prentende fazer conhecer um pouco por vez e
praticamente com o Boletim Salesiano. Esse princípio haveremos de fazer prevalecer
e será fonte de imensos bens tanto para a sociedade civil como eclesiástica”.10
Antes do encerramento da última sessão, Dom Bosco recordava que em uma das
primeiras conferências tinha-se falado de se compor um “pequeno tratado de preceitos
de eloqüência sagrada para ser estudada nas escolas de teologia”. Acrescentava:
“É preciso que esse pequeno tratado de preceitos não diga respeito exclusivamente à
pregação que é necessário fazer aos jovens, mas também à educação que se deve dar aos
jovens. Encarnar nestes nosso sistema de educação preventivo e insistir que a educação
deve ser toda fundada sobre esse sistema. Deve ser, pois, amor que atrai os jovens para
fazer o bem por meio de contínua vigilância e direção; não a punição sistemática das
faltas, que, antes de mais, atrai sobre o educador o ódio do jovem até quando viver”.11
1.3 As deliberações impressas (1878)
Em 1º de novembro de 1878 Dom Bosco apresentava aos salesianos o fascículo
das Deliberações do Primeiro Capítulo Geral. Continha os seguintes elementos: carta
de apresentação do superior, introdução com um brevíssimo excursus histórico sobre
a Congregação, razão do Capítulo, preparação e abertura, elenco dos participantes e
texto das deliberações.12 A substância das discuções e das deliberações capitulares e
dos artigos normativos aí amadurecidos permanecia sem alteração. Contudo, dava-se
ao conjunto sistematicidade e completeza mais visíveis. As Deliberações se tornavam
o modelo da regulamentação prática da vida religiosa e operativa salesiana, que perdu-
raria, com estrutura semelhante, estilo idêntico e formalização sempre mais acentuada,
nos Regulamentos anexos às Constituições Salesianas até o ano de 1972.
Ao lado dos “artigos orgânicos” ou gerais das Constituições e das “exotrações”
– escrevia Dom Bosco – devia-se colocar como complemento operativo “um regula-
mento inalterável”, para sua “interpretação prática”. Para tal foram exigidos “estudo
e diligência” do Capítulo Geral, na preparação e na celebração: “deduzir dos artigos
orgânicos as aplicações a serem colocadas em prática nas várias funções do sagrado
ministério e da administração material de nossas coisas públicas e privadas”.13 As deli-
berações eram distribuídas em cinnco distinções específicas. As distinções recolhiam
as matérias tratadas mais amplamente no curso dos trabalhos capitulares: Estudo, Vida
comum, Moralidade, Economia, Regulamento para o inspetor.
10 24ª Sessão, 4 de outubro; G. Barberis, Verbali III 40-44.
11 26ª Sessão, 5 de outubro à tarde; G. Barberis, Verbali III 55.
12 Deliberazioni del Capitolo Generale settembre 1877, p. 3-5, 6-11, 12-14, 15-95; OE XXIX
379-387, 388-390, 391-471.
13 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 3-4; OE XXIX 379-387, 388-380.

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 323
Os estudos eclesiásticos, essencialmente de teologia em preparação ao sacerdócio e
ao ministério das confissões, eram de responsabilidade do catequista geral. Ao escolar
diziam respeito os estudos profanos, clássicos e filosóficos. O primeiro ano de filosofia
geralmente coincidia com o ano de noviciado.14 “Com relação a encaminhar vários à
láurea de teologia – tinha-se decidido no Capítulo – parece que assim convém, quer para
superar a fama dos que afirmam que entre nós se estuda pouco, quer porque a láurea
servirá sempre por causa do título, para que se possa ministrar outras disciplinas”.15
Quanto aos estudos de teologia partia-se pacificamente do pressuposto implícito de
que não se tinha um centro de estudos destinado a tal fim e que as horas dedicadas
às lições pudessem ser normalmente inferiores às de um curso seminarístico normal.
O ideal máximo a se atingir era que, nas várias casas, os que se preparavam para as
ordens sagradas – três ou quatro anos – “tivessem não menos de 5 horas de aulas por
semana”, admitindo, além disso, que se pudesse admitir às ordens “antes de terminado
o curso teológico”, com a obrigação de “completar os estudos depois”.16 Era lógico
que tudo isso não entrasse nas Deliberações oficiais. Na prática, estas se reduziam às
poucas linhas do “Capítulo I. Estudo entre os salesianos. Os sacerdotes e os clérigos
da Pia Sociedade Salesiana regularão seus estudos conforme o cap. XII de nossas
Constituições e conforme o Regulamento interno das casas”.17 Para a sua efetivação
bastava o que o Regulamento para as casas prescrevia ao catequista: “Tomará cuidado
dos clérigos adidos a qualquer ofício da casa, procurando que aprendam as sagradas
cerimônias e façam o estudo de Teologia”.18 Na sessão de quinta-feira, pela tarde, dia
6 de setembro, dedicada à discussão do tema confiado à 5ª Comissão, Estudos sagrados
e pregação, estabeleceu-se que os sacerdotes preparassem por escrito “um tríduo para
as quarenta horas, uma série de meditações e de instruções para um tríduo e depois um
turno de exercícios espirituais”. Deu-se, inclusive, uma lista de autores dos quais tirar
trechos para as meditações, as instruções e as quarenta horas.19 As Deliberações igno-
ravam essa parte da discussão, que era retomada e integrada no Capítulo Geral de 1880
e introduzida nas relativas Deliberações, promulgadas em 1882.20
Aos estudos dos clérigos salesianos anteriores à teologia, era feito um aceno parcial
em artigo do cap. II sobre o Estudo entre os alunos: “Na escola de Pedagogia Sagrada,
que é estabelecida entre nós para todos os clérigos do primeiro ano de filosofia, que se
leiam várias vezes e se expliquem as normas a ser seguidas pelos professores e pelos
assistentes”.21 A longa discussão dos capitulares sobre a introdução de autores cristãos
14 G. Barberis, Verbali I 16, 18.
15 G. Barberis, Verbali I 18.
16 2ª Sessão, 6 setembro; G. Barberis, Verbali I 10.
17 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 15; OE XXIX 391.
18 Regolamento per le case, p. 27; OE XXIX 123.
19 G. Barberis, Verbali I 11-12.
20 Cf. cap. 29, § 2.
21 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 16; OE XXIX 392. Cf. G. Barberis, Verbali I 30.

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324 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
na formação clássica traduzia-se, nas Deliberações, em artigo un tanto quanto exangue:
“Procure-se a forma de introduzir em nossas casas os clássicos cristãos. Em todas as
classes ginasiais e liceais dê-se ao menos uma aula por semana sobre um texto desses
autores, e isso se torne matéria de exame”.22
A segunda distinção sobre a Vida comum era quase a única a ser introduzida por uma
modesta referência teológica, o “cor unum et anima una” dos primeiros cristãos.23 Aí se
recolhiam prescrições heterogêneas, que Dom Bosco tendia a identificar com a igual-
dade das coisas materiais: administração dos bens, vestes e roupa de cama, alimento e
quarto, livros, saúde e cuidados, hospitalidade, convites, almoços, hábitos, mudança de
pessoal, respeito aos Superiores.24
A distinção Moralidade, referindo-se sobretudo à realidade sexual, espelha os conte-
údos de longas discussões capitulares, incluindo a regulação do Teatro. Sublinha-se em
particular a severa proibição das “amizades particulares quer com os irmãos quer com
os jovens alunos” e a absoluta reserva no tratar com os alunos (cap. I, Moralidade entre
os sócios salesianos). Insiste-se sobre a temperança, sobre cautelas humanas e, mais
longamente, sobre recursos religiosos: as práticas de piedade e os “rendicontos” (cap.
II), a “assistência” para salvaguarda da moralidade entre os alunos (cap. III), os “usos
religiosos” (cap. IV).25 Sobre os Costumes religiosos os capitulares ocuparam-se na
sessão de 6 de setembro, fazendo passar com poucas modificações e acréscimos o capí-
tulo preparado por Dom Bosco. Para ele tais costumes eram “as práticas de piedade não
ordenadas por nossas regras”: “os sermãozinhos da noite após as orações”, “a leitura à
mesa, os tríduos, as novenas, os exercícios espirituais, as solenidades, as associações do
pequeno clero, da Companhia de São Luís, do Santíssimo Sacramento e semelhantes”.
Elas eram vistas sobretudo em seu valor ascético, ou seja, em vista da observância das
Constituições e da moralidade.26 Mais completo e melhor estruturado era o capítulo
sobre as Práticas de piedade, que apareceria em versão reduzida nas Deliberações do
Segundo Capítulo Geral.27
22 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 19; OE XXIX 395; G. Barberis, Verbali I 41-43.
23 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 23-25; OE XXIX 399-401.
24 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 28-43; OE XXIX 401-419.
25 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 44-59; OE XXIX 420-437.
26 G. Barberis, Verbali I 13-15. Cf. Capitolo Generale della Congregazione salesiana da
convocarsi, p. 17-18 (OE XXVIII 329-330) e Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 53-56
(OE XXIX 429-432).
27 Cf. Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 48-50 (OE XXIX 424-426); Deliberazioni del
Secondo Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in Lanzo Torinese nel settembre
1880. Turim, Tipografia Salesiana, 1882, p. 51-5 ( OE XXXIII 59-61). Sobre o argumento
vejam-se as relações, com as relativas discussões, de P. Stella, “Le pratiche di pietà dei
salesiani dalle origini della congregazione alla morte di Don Bosco”, e de F. Desramaut, “Il
capitolo delle ‘Pratiche di pietà’ nelle Costituzioni Salesiane”, ambos na série Colloqui sulla
Vita Salesiana, vol. 1. Turim-Leumann, LDC, 1969, p. 13-32 e 57-93.

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 325
O princípio que animava à observância das minuciosas prescrições sobre a
Economia, objeto da quarta distinção, tinha caráter teológico-prático: “Nosso viver é
apoiado sobre a Divina Providência, que jamais nos faltou, e esperamos que não haverá
jamais de nos faltar. Nós, porém, de nossa parte, devemos usar de máxima diligência
para fazer economia naquilo que não é necessário, a fim de diminuir as despesas e
conseguir alguma utilidade nas compras e vendas”.28
No Regulamento para o inspetor, objeto da quinta distinção,29 a longa série de
artigos normativos, quantitativamente prevalentes, é avivada por observações qualita-
tivas que revelam o toque de Dom Bosco e sua experiência pessoal como visitante
assíduo das casas: “Promova com o exemplo a exata observância das Constituições
e se faça antes amar que temer”; “ele é um pai, um amigo, que vai fazer a visita para
ajudar e aconselhar os irmãos e para tratar com os diretores sobre as coisas que devem
ser providenciadas ou renovadas para o bem das casas”; “após ter recebido o rendiconto
pessoal do diretor e uma visão sobre todos os irmãos da casa, escutará com benevo-
lência as necessidades morais e materiais dos sócios”; “o inspetor, durante a visita, use
de máxima prudência e caridade, para não comprometer ou diminuir a autoridade do
diretor ou dos demais superiores”.30
Nos Apêndices estão o Regulamento para os diretores e o Regulamento dos Capítulos
Gerais e as normas sobre as Monografias e o Costumeiro, as Associações várias e Os
cooperadores salesianos, enfim Das irmãs.
Entre as tarefas do diretor se pode relevar, em particular, aquele indicado por último
e que se liga com as disposições relativas às Monografias ou crônicas: “Vigiará para que
se escreva pelo analista [cronista] a crônica do colégio e as cartas edificantes”.31 Quanto
às Monografias estava estabelecido “para cada casa da Congregação” um analista.32
Mas sobre estes a discussão capitular tinha sido muito mais articulada, distinguindo a
Monografia de cada colégio e da Congregação”: a questão “surgida como per acci-
dens – registra a Ata – ocupou a maior parte da Conferência”, demonstrando o grande
interesse dos capitulares pela memória do passado, admoestação e norma para o futuro.
Todos aceitaram que a sobrecarga de trabalho tinha tornado essa tarefa, até o presente
momento, impossível. Convidou-se, porém, a colocar “verdadeiro empenho nessa
missão”, bem como na redação das biografias dos irmãos falecidos.33 É interessante
esta anotação: “Na monografia escreva-se também: em tal caso usaram-se os tais meios
e se errou. A história deve ser fiel. Isso servirá de aviso para as outras vezes”.34
28 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 62; OE XXIX 438.
29 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 62-63; OE XXIX 438-439.
30 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 77, 81-83; OE XXIX 453, 457-459.
31 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 86; OE XXIX 462.
32 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 89; OE XXIX 465.
33 14ª Sessão, 13 de setembro; G. Barberis, Verbali II 177-184.
34 G. Barberis, Verbali II 184.

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326 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
O complexo das normas dedicadas à Associações várias e aos Cooperadores
salesianos também se mostra aderente às discussões capitulares.35 Antes de “propor,
sustentar e ainda mais conhecer” as várias associações salesianas, enunciava-se uma
regra extremamente respeitosa da realidade eclesial semelhante: “As pias associações,
confrarias e companhias já existentes nos lugares onde abrimos casas sejam sempre
encorajadas, respeitadas e promovidas por nós, dando destarte nossa contribuição
para fazê-las florescer. De nossa parte, evite-se todo aborrecimento a esse respeito”.36
O espaço maior é dado à Pia União dos Cooperadores Salesianos.37
No quinto apêndice, Das irmãs, foram transcritos sobretudo os aspectos preceptivos
surgidos na sessão capitular de 22 de setembro sobre a distinção e a separação das habi-
tações dos salesianos e das irmãs, e a extrema cautela das relações recíprocas. Aí não há
lugar para a importante intervenção de Dom Bosco sobre a principal missão das irmãs e
sobre algumas observações a respeito da hospitalidade que elas poderiam oferecer aos
pais e a outros familiares dos salesianos, das educandas ou das postulantes. As normas
regulamentares respondiam a duas preocupações fundamentais: garantir o clima de
segura moralidade nas relações entre os dois ramos da Família Salesiana e prevenir
malignidade e as calúnias da sociedade desconfiada em relação a pessoas vinculadas
pelo voto de castidade a uma vida considerada inatural e impraticável.38
2. Conclusão inesperada do encargo em relação aos irmãos concepcionistas
Nas semanas do Capítulo Geral terminava, com certa dramaticidade, a investidura
de Dom Bosco como visitador in spiritualibus dos concepcionistas. Tendo recebido
ou não o memorial de Dom Bosco, destinado em junho ao papa, então inatingível,
ou, mais provavelmente, independentemente disso, o secretário de Estado, cardeal
Giovanni Simeoni (1816-1892), em 20 de junho comunicava a Dom Bosco que, para
“instituir em cada caso um exame sobre os acordos a serem tomados” entre os dois visi-
tadores, o santo padre tinha designado o cardeal Lorenzo Randi (1812-1887), prefeito
da economia de Propaganta Fide.39 As cenas do último ato da aventura romana eram
um dueto epistolar entre o cardeal e Dom Bosco. O primeiro, em 20 de julho, infor-
mava-o de ter lido o memorial que lhe fora entregue pelo papa, de ter já falado com
dom Fiorani e confirmava a validez do que fora estabelecido pelo Decreto de 6 de feve-
reiro pela Sagrada Congregação sobre o papel dos dois visitadores. Todavia, como este
não tivesse determinado claramente as atribuições do visitador in spiritualibus, pedia
35 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 91-93; OE XXIX 467-469.
36 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 91; OE XXIX 462.
37 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 90-91; OE XXIX 466-467.
38 Deliberazioni del Capitolo Generale, p. 94-95; OE XXIX 470-471.
39 Documenti XVIII 156, FdB 1047 B7.

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 327
a Dom Bosco para expor o que pensava e quais outras observações pensasse acrescen-
tar.40 Dom Bosco encontrava-se muito empenhado com os peregrinos argentinos, depois
na França e na Ligúria, fatigado e indisposto na segunda quinzena de julho, portanto
impossibilitado de responder. Com carta de 29 de julho o cardeal insistia para receber
uma resposta, declarava não ter-se demonstrado “alheio a reconhecer o desejo” de Dom
Bosco “de dar à Visita Apostólica maior amplitude de atribuições”, quiçá modificando
“o Decreto de 6 de fevereiro, mesmo variando suas máximas – escrevia –, pois assim
exigia a importância do objetivo”. Sublinhava, por fim, a necessidade de enviar a Roma
um sacerdote que substituísse padre Scappini ausente, ou de apressar seu retorno.41
Na resposta de 7 de agosto, após ter relevado a anomalia do duplo visitador, duas cabeças
para um só corpo, Dom Bosco sugeria novamente a retomada da unidade de direção do
Instituto, obviamente salesiana. Como alternativa, podia-se adotar “outra providência”:
“confiar a antiga direção dos concepcionistas à S. E., comendador do Santo Espírito,
enquanto os salesianos, como capelães – propunha –, se prestariam unicamente à parte
espiritual de catecismo, pregação, escutar as confissões e celebrar a santa missa em
favor do Instituto. Mas, nesse caso – deixava claro –, os salesianos não têm nenhuma
responsabilidade, nem material nem moral: viverão separados dos concepcionistas e
irão até eles para o que diz respeito a seus deveres espirituais”.42
Persistia – nele, em Fiorani e em Randi – a desconfiança na capacidade de auto-
governo dos concepcionistas, ignorando totalmente a obra de Luigi Monti, que tinha
aberto uma nova era para a vida do Instituto, e os progressos que o Instituto tinha feito,
sancionada pela audiência histórica concedia aos irmãos por Pio IX, em 15 de julho.43
Na carta de 14 de agosto, cardeal Randi, de acordo com o papa, aceitava a idéia do único
visitador, obviamente Dom Bosco ou um representante seu, porém “firme a existência
regular e distinta do Instituto e a continuação do serviço que prestam os irmãos no
Hospital do Santo Espírito e outros estabelecimentos”. Convidava Dom Bosco a Roma
“para tratar e concluir o objeto em discussão”, sublinhando a urgência da presença de
um sacerdote no Santo Espírito.44 Era um equívoco. Dom Bosco, sempre mais distante
física e mentalmente do curso real dos acontecimentos, reforçava as idéias que o tinham
inspirado em todo o acontecimento, forçando a interpretação do rescrito papal, de
14 de novembro de 1876, o qual, em base à carta de dom Fiorani de 5 de janeiro,
acreditava que era condividida também pelo outro visitador. A idéia do único visitador
salesiano era inseparável da idéia da agregação do Instituto dos Irmãos Hospitaleiros
à sua Sociedade. “Eu queria simplesmente dizer – declarava abertamente – que, se se
deseja uma providência estável, é preciso que os concepcionistas sejam agregados a
40 Documenti XVIII 179, FdB D6-7.
41 Documenti XVIII 199, FdB 1048 A2.
42Ao cardeal Randi, 7 de agosto de 1877; E III 205-206.
43 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 559-561.
44 Documenti XVIII 210-202, FdB 1048 A4-5.

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328 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
um instituto reconhecido e aprovado pela Santa Sé. Conservam o hábito, o nome e
todas as Regras necessárias para conseguir a finalidade própria dos concepcionistas.
Esse foi sempre meu modo de ver para assegurar a existência segura que não desvie da
observância das próprias Constituições. Isso parece-me que seja o sentido do Rescrito
de 17 [mais precisamente 14] de novembro de 1876” ou, melhor dizendo, da inter-
pretação dada por ele ao Rescrito com os artigos acrescentados. Caso, no entanto, se
quisesse “manter firme a existência regular e distinta do Instituto e a continuação do
serviço nos atuais estabelecimentos”, como tinha escrito cardeal Randi na carta de
14 de agosto, considerava imprescindível a exigência da unidade de administração espi-
ritual e temporal, com os salesianos dedicados exclusivamente à assistência espiritual
dos concepcionistas, como tinha proposto na carta de 7 de agosto.45
O diálogo tinha chegado simplesmente a colocar em evidência a impossibilidade de
conciliação das duas posições: a de Dom Bosco não era necessariamente a mais acei-
tável, a mais sólida, a mais convincente. Sobre a questão, de resto, não se tinha esten-
dido o silêncio total. Irmão Monto não era alguém sem preparo. Em 30 de agosto, com
os irmãos Girolamo Pezzini e Domenico Manetti, fazia chegar a Pio IX uma súplica
solicitando “que se conservasse o Instituto em seu ser, colocando-o na condição das
monjas, isto é, com um bom confessor, como já tinha assim provisto Maria Santíssima
[padre Biolchini, jesuíta], enquanto Dom Bosco não cuidou deles” [durante o verão].46
Em 9 de setembro padre Scappini comunicava a Monti que voltaria a Roma em 17 do
mês. Monti consultava Fiorani, o qual alguns dias depois, certamente não de própria e
exclusiva iniciativa, respondia-lhe: “Escreve logo ao padre Scappini, para que espere
para vir, até que tenha novas instruções, pois se deseja que o santo padre já tenha
dado novas instruções”. Padre Scappini enviava a carta a Dom Bosco, que, em 19 de
setembro, a transmitia ao cardeal Randi pedindo explicações.47 Era então inevitável a
comunicação da solução final. Em 1º de outubro, de acordo com Pio IX, Randi tomava
ciência da firme posição de Dom Bosco e lhe notificava a exoneração de seu empenho
de visitador. “O santo padre – escrevia – na busca de conservar ao Instituto sua própria
existência, após madura reflexão, resolveu confiar temporariamente a reforma do
mesmo a eclesiásticos desta capital, sob a dependência do Ex.mo Vigário, a quem já
deu a respectiva responsabilidade”. Reconhecia que Dom Bosco “agiu prudentemente
suspendendo a partida” de Turim do padre Scappini, “no atual estado das coisas”, e lhe
manifestava o “desagrado” pela “não realização da tarefa”, “da qual – dizia – lhe dei
uma idéia em minha última carta”.48
Era aceito o princípio do único visitador com a conseqüente exoneração de dom
Fiorani de seu encargo. Em 9 de novembro de 1877 o cardeal Simeoni comunicava
45Ao cardeal Randi, 18 de agosto de 1877; E III 209-210.
46 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 566.
47 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. I, p. 569.
48 Carta de 1º de outubro de 1877; MB XIII 916-917.

33.9 Page 329

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 329
a Luigi Monti a nomeação ad triennium, em substituição de dom Fiorani e de Dom
Bosco, e de dom Ambrogio Turriccia como visitador apostólico, com autoridade exclu-
siva sobre o Instituto em direta dependência da Congregação dos Bispos e Regulares,
com a suspensão da jurisdição do superior geral. Esta, porém, sempre irmão Monti, a
reassumia por delegação do visitador, o qual, no entanto, se mostrava sempre mais auto-
ritário, até esvaziá-la de todo conteúdo. Dom Turriccia escolhia como sua residência a
casa de Piazza Mastai. Após um ano, em seguida a numerosas intervenções em favor dos
irmãos provenientes de várias partes, cardeal Ferrieri ficava encarregado de desfazer defi-
nitivamente os laços do Instituto com autoridades estranhas a ele. Em 21 de novembro
de 1878 dom Turriccia apresentava a demissão ao papa. O prefeito da Congregação
dos Bispos e Regulares tornava-se presidente, na realidade um garante do Instituto, e
irmão Luigi Monti era confirmado superior geral. Depois de repetidas pressões, em 18
de janeiro de 1879, dom Turriccia e o sobrinho deixavam o palácio de Piazza Mastai e,
no dia seguinte, para aí se mudava Monti com os noviços.49 Com dom Turriccia, segundo
o biógrafo do beato Luigi Monti, o Instituto tinha conseguido três grandes benefícios:
“fora definitivamente liberto da tutela do comendador do Santo Espírito, da persistente
ingerência dos capelães e do assim chamado prefeito apostólico”, e, mais radicalmente,
de ventilada dependência da Sociedade Salesiana.50 Suas demissões tinham quebrado a
última cadeia e a nave podia se fazer ao largo com seu capitão.
Exonerados os capuchinhos, as Constituições do Instituto tinham quer ser revistas,
dissolvendo antes de tudo os tantos vínculos jurídicos e espirituais com uma ordem reli-
giosa diferente e com o próprio comendador do Santo Espírito. Em 26 de abril de 1880,
Luigi Monti, repassando o passado, escrevia em seu Diário: “Para ser livre, quantos
contrastes o Instituto sustentou”: vinte anos com os capuchinhos; nove meses com Dom
Bosco, que desejava realizar uma fusão com a religião salesiana, assim como os ditos
capuchinhos queriam fazer-nos seus terciários; outros nove meses com dom Turriccia,
o qual se fazia senhor absoluto para ser visitador, e portanto foi preciso lutar com ele,
com o cardeal Randi e o cardeal Nina, secretário de Estado”.51 Contudo, o padre jesuíta
Angelini, diretor espiritual dos concepcionistas, podia dar ao cardeal Ferrieri este teste-
munho dos concepcionistas sobre seu superior nas relações com Dom Bosco: “Com os
concepcionistas padre Monti esteve sempre submisso, com Dom Bosco teve o máximo
respeito e com seu representante, padre Scappini, realizou o mais completo acordo”.52
Poder-se-iam provavelmente notar na edição das Constituições de 1881 traços de influ-
ência de Dom Bosco, como, por exemplo, ter “um só coração e uma só alma com o supe-
rior”, e o acréscimo da “educação dos órfãos” como segunda finalidade do Instituto.
49 Cf. E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. II, p. 12-13.
50 E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. II, p. 13-14.
51 Citado por E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. II, p. 41.
52 Citado por E. Perniola, Luigi Monti fondatore, vol. II, p. 34.

33.10 Page 330

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330 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Em 4 de novembro de 1877 cardeal Bilio comunicava a Dom Bosco coisas pouco
agradáveis. Quando Dom Bosco lhe pediu que falasse ao papa da iminente expedição
missionária e da esperança de algum auxílio, lhe confiava: “Desagrada-me ter-lhe que
comunicar que o santo padre não me parece assim tão bem disposto como no ano
passado. Os motivos para tanto, se não há mal-entendido, são principalmente dois: 1) a
missão dos concepcionistas; 2) o fato de o senhor abraçar tantas coisas ao mesmo tempo.
Procurei tirar do ânimo do papa qualquer impressão não favorável a seu respeito. Não
sei se consegui, mas é certo que uma viagem sua a Roma nesse momento seria muito
útil a tal efeito, se não mesmo necessária”.53 Dom Bosco iria a Roma, mas não lhe fora
consentido encontrar seu papa.
Os dados estavam jogados. Não totalmente, pois Dom Bosco fazia questão de
retomar o decurso de toda a tramitação ao cardeal amigo, aquele que, por primeiro,
tinha lhe comunicado um ano antes o delicado encargo que o papa pretendia confiar-lhe.
Por isso, pedia ao padre Berto de enviar-lhe uma série de documentos, tendo entre
mãos somente a cópia do breve de 6 de fevereiro.54 Na carta ao cardeal Bilio, de 29 de
novembro, defendia a própria ação, relembrando simplesmente as várias fases de toda
a ação, dentro das coordenadas das quais jamais se distanciara.55 Na realidade, a Dom
Bosco se tinha pedido menos do que o que tinha sido seu projeto inicial, e que jamais
tinha abandonado, propondo-o até o final, como alternativa, na carta de 7 de agosto ao
cardeal Randi: queria ser o único visitador in spiritualibus, colaborador na reforma reli-
giosa do Instituto com um superior próprio, o qual, no pleno exercício de sua autoridade,
pudesse agir para a consecução da autonomia efetiva e de nova vitalidade. No fundo,
Dom Bosco podia ser um experto no assunto, visto que ele mesmo tinha projetado
regularizar, estabilizar e potenciar a própria Congregação: o noviciado, a amálgama
da obediência religiosa, a conciliação entre vida ativa e piedade. Não conseguiu encai-
xar-se nessa perspectiva com o esforço de adequar-se realisticamente à evolução das
intenções papais e romanas e ao efetivo desenvolvimento da realidade dos concepcio-
nistas, em fadigoso crescimento positivo, graças à enérgica ação reformadora de Monti
e da parte mais sadia do Instituto. Teria sido a ocasião de inserção mais qualificada e
menos dispendiosa, em termos de energias físicas e ônus financeiro, no mundo romano,
da que se verificaria nos anos 80, com o que seria pedido com a construção em pedra
da Igreja Sagrado Coração. Entre outras coisas, uma ação do gênero teria favorecido o
encontro mais positivo com a Cúria e, em particular, com um personagem importante
para os acontecimentos próprios e da Sociedade Salesiana, cardeal Innocenzo Ferrieri,
grande admirador e sustentáculo dos concepcionistas. De outra parte, empenhadíssimo
em mil coisas, Dom Bosco não parecia ter-se valido do conselho dos antigos e novos
sustentadores, os cardeais Patrizi, Berardi, Bilio, Di Pietro e Morichini, padre Giuseppe
53 Documenti XVIII 362, FdB 1050 D9; MB XIII 311.
54Ao padre Berto, de Sampierdarena, 15 de novembro de 1877; E III 238.
55 E III 242-244.

34 Pages 331-340

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 331
Oreglia, os jesuítas e outros ainda, que podiam mantê-lo melhor informado sobre o
emaranhado de problemas que tinham se concentrado ao redor do caso dos concepcio-
nistas; a menos que não tenha encontrado neles confirmação das próprias idéias.
3. Tensões e esperanças no início de um novo pontificado (dezembro
de 1877 − março de 1878)
No convite de Dom Bosco para o diálogo de 22 de novembro de 1877 e na resposta
de dom Gastaldi do dia 23 se desencontravam duas interpretações prudenciais diversas
da “caridade e da humildade”.56 O arcebispo não podia tolerar o que Dom Bosco plane-
java como possibilidade, isso é, responder publicamente ao que dom Gastaldi tinha
divulgado com o impresso de 15 de outubro: O arcebispo de Turim e a Congregação de
São Francisco de Sales. Repetia o convite a “apresentar-se a seu arcebispo com humil-
dade e caridade”. O arcebispo, assim como havia “concorrido de muita boa vontade para
erigir a Congregação Salesiana”, também estava “disposto a cooperar para mantê-la e
expandi-la”, não pedindo outra coisa que fosse “salvar a autoridade arquiepiscopal e
o bem de sua diocese”. Contudo, “no caso – prosseguia – que o senhor imprimisse ou
produzisse com a litografia ou outros meios qualquer escrito desfavorável ao atual arce-
bispo de Turim, ou então que escrevesse de próprio punho ou por meio de outros qual-
quer carta desfavorável a este arcebispo e a apresentasse a qualquer pessoa, excetuando
o sumo pontífice e os eminentíssimos cardeais membros das Sagradas Congregações
Romanas”, desse momento em diante cessaria para Dom Bosco a “faculdade de ouvir
as confissões sacramentais e de absolver, isto ipso facto”.57 Na carta de 1º de dezembro,
essas condições de suspensão tornar-se-ão, mais graves, fiscais e restritivas, “em acrés-
cimo e correção do que” tinha sido escrito na carrta precedente. “Digo-lhe – pontua-
lizava – que se o Senhor apresenta ou faz apresentar qualquer escrito desfavorável ao
atual arcebispo de Turim, seja escrito à mão pelo senhor ou por outros, seja impresso ou
litografado ou fotografado, a qualquer pessoa, excetuados o sumo pontífice, o cardeal
secretário de Estado, e os cardeais prefeitos das Sagradas Congregações dos Bispos e
Regulares e do Concílio, eu, desse instante em diante, declaro que para o senhor, em tal
caso, cessa a faculdade de absolver sacramentalmente e, consequentemente, de escutar
as confissões nesta arquidiocese; e cessa ipso facto, sem necessidade de outra decla-
ração: bem como a declaro já cessada se o senhor já tivesse feito algo, em vista do que
entendo revogar do senhor a sobredita faculdade”.58
Em tal clima de prevenção repressiva, poucos dias depois saía impresso, em três
páginas, a Carta sobre o arcebispo de Turim e sobre a Congregação de São Francisco
56 Cf. cap. 25, conclusão do § 6.
57 Carta de 25 de novembro de 1877; MB XIII 371.
58 Carta transcrita em MB XIII 371-372.

34.2 Page 332

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332 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
de Sales, dirigida a um vigário que tinha enviado ao anônimo autor o escrito impresso
do arcebispo de fevereiro de 1877 de idêntico título. “Um pouco de luz” estava
impresso sob o título à direita. Queria ser a análise crítica das benemerências conse-
guidas pelo arcebispo, com “coisas a serem retificadas e coisas a serem acrescentadas.
Estava assinado por “Um antigo aluno do Oratório honrado por poder dizer-se coope-
rador salesiano”. O autor se demonstrava bem informado dos fatos e dos problemas.
A qualificação era exata, mas só seria conhecida em 1894 pela famosa declaração sobre
os “libelos”, feita pelo padre Giovanni Turchi à Congregação dos Ritos. Tratava-se
do padre Giovanni Battista Anfossi, não somente aluno do Oratório, mas membro do
grupo que tinha aderido à Sociedade de São Francisco de Sales em 19 de dezembro de
1859 e emitido os primeiros votos em 14 de maio de 1862, saindo espontaneamente
em julho de 1864. No pós-escrito agradecia o vigário por lhe ter enviado também o
opúsculo de 15 de outubro, citado há pouco, e assegurava: “muito brevemente haverei
de lhe responder”.59
Dom Bosco se dissociava disso imediatamente com carta reservada ao arcebispo,
de 9 de dezembro de 1877. Dava precisas garantias: “1) Ignorei e ignoro até o momento
quem a tenha composto e quem tenha difundido. 2) Não tomei parte nenhuma, nem
com a impressão nem com a autografia, litografia ou escritura, por mim ou por meio
de mim ou de outros de meus dependentes. 3) Tal fato muito me entristece e lastimo o
modo indecoroso com que se fala de V.E. (...). O Senhor esteja seguro de que jamais
terá inimigos entre os salesianos, mas pobres pessoas que farão o quanto podem para
o bem desta diocese, se bem que muitas vezes encalhados pelas dificuldades que se
lhe opõem”.60 Como resposta, no dia seguinte, recebia uma carta do pró-secretário,
teólogo Maffei, com a seguinte injunção do arcebispo: “V. S. está em estreitíssima
obrigação de publicar no L’unità cattolica ou no Emporio, o mais depressa possível, um
protesto enérgico assinado pelo senhor, no qual, em seu nome e de toda a Congregação
Salesiana, condene e dissipe o que foi escrito pelo libelo infamatório, na diocese e
fora dela”.61 Dom Bosco replicava imediatamente fazendo entender que não se deixaria
levar por uma condenação indiscriminada dos conteúdos do escrito. “Portanto – pedia
– o senhor tenha a bondade de dizer-me, além do modo indecoroso, quais sejam as
coisas que eu esteja na obrigação estreitíssima de afastar e condenar. Renovo aqui que
eu não tive nenhuma participação no conhecido folhetim impresso e que nem eu nem
a Congregação Salesiana entendem assumir alguma responsabilidade. Entristece-me
muito dar nova publicidade, o que parece ser provocação para novos impressos.
Contudo, obedeço e imprimo o que se me dirá estar errado e que deva ser desdito e
condenado. Asseguro ao senhor que não tenho nem tive jamais nenhuma animosidade
a respeito do senhor”.62 Antes de partir para Roma, escrevia ao mediador de paz, conde
59 Tipografia Camilla e Bertolero. Texto em Documenti XVIII 405-407, FdB 1051 C 3-5.
60A dom Gastaldi, 9 de dezembro de 1877; E III 249.
61 Carta de 10 de dezembro de 1877; MB XIII 379.
62 Carta de 12 de dezembro de 1877; E III 250.

34.3 Page 333

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 333
Cesare Trabucco de Castagnetto, esclarecendo as razões de sua viagem: “Ser superior
de uma congregação a qual se nega, a uns as sagradas ordenações, a outros a faculdade
de pregar, a outros ainda de confessar e também de celebrar a santa missa. Tudo isso me
coloca na necessidade de dirigir-me ao legítimo e absoluto superior para ter instruções
e conselho”. Desejaria, porém, que o conde assegurasse ao arcebispo que estava indo a
Roma não “para acusar, mas unicamente para responder às reclamações que o próprio
arcebispo tinha julgado fazer à augusta pessoa de sua santidade”.63
Em 18 de dezembro partia para Roma, onde chegava no dia 22, aí permanecendo
mais de três meses. O ano terminava com um longo relatório sobre as missões enviado
ao cardeal prefeito de Propaganda Fide, Alessandro Franchi.64 Em Roma, Dom Bosco
não podia ver o amado Pio IX, de saúde precária e em irrefreável declínio. Apesar disso,
não se afastava da capital com a esperança de vê-lo e, depois da morte, com a intenção
de iniciar as relações com o novo papa, Leão XIII.
De Roma, no dia de Natal, tinha agredecido a um ex-aluno do Oratório, padre
Felice Reviglio, pároco de Santo Agostinho em Turim, o qual, em reunião de párocos
da cidade, convocada para protestar contra a carta de “um antigo aluno do Oratório”,
tinha defendido Dom Bosco: “Tu falaste em favor de teu papai, e te agradeço”.65
Retornava sobre o tema com padre Rua: “É uma provação que faz o Senhor à nossa
pobre Congregação. Ele nos ajudará a sairmos disso como em tantas outras dificul-
dades. Deixa a mim a dificuldade. Silêncio, oração e observância rigorosa de nossas
Regras”. Dava-lhe, depois, disposições para que no fascículo de janeiro do Boletim
Salesiano fosse acrescentado um suplemento com a declaração de deploração do
impresso anônimo. Desejava também que padre Cagliero se dirigisse aos cônegos Nasi
e Pelletta para chamar a atenção deles por assumir acusações descabidas: “poderiam
encontrar-se em grandes dificuldades quando tivessem que provar o que se escreveu em
Roma: o folheto anônimo pode ser atribuído a Dom Bosco”.66 A respeito de gestos de
solidariedade com o arcebispo, encrevia ainda em 3 de janeiro ao padre Rua; “Saiba me
dizer o dia no qual se reuniram os cônegos da catedral, depois os párocos; depois de
novo o cônegos, depois todo o clero. Nosso silêncio e as preces farão o que for da maior
glória de Deus. Contudo, não estou parado”.67
Mas existia também os livres deturpadores. Entre Turim e Roma e vice-versa corriam
informações e notícias sobre os humores turinenses do arcebispo; ou melhor, os humores
de todos os que tinham se colocado na oposição, recolhendo e semeando especulações e
juízos malévolos, entre outros, sobre o “exagerado liberalismo” de seu superior eclesiás-
tico, enviando números de jornais turinenses, convidando a escrever e denunciar abusos
63 Carta de 17 de dezembro de 1877; E III 251-252.
64 Carta de Roma, 31 de dezembro de 1877; E III 256-261.
65Ao teólogo Felice Reviglio, Natal de 1877; E III 254.
66Ao padre Rua, de Roma, 27 de dezembro de 1877; E III 254.
67 Carta de 3 de janeiro de 1878; E III 263.

34.4 Page 334

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334 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
e calúnias.68 Padre Berto, secretário de Dom Bosco, era disso o ponto de referência.
Os protagonistas eram dois sacerdotes escorregadios e arredios, ex-alunos do Oratório
por vários títulos, o já conhecido padre Giovanni Battista Anfossi e padre Giovanni
Turchi, então residente temporariamente em Roma com tarefas suplementares de segundo
secretário de Dom Bosco, conforme este comunicava ao padre Rua em 3 de janeiro:
“Acrescentou-se novo secretário”.69 Na longa carta de 10 de fevereiro ao padre Berto,
padre Anfossi escrevia: “recebi a carta do padre Turchi (...). Não seria fora de lugar um
artigo escrito pela pena elegante e amena do padre Turchi”. E para terminar: “Saúda-me
padre Turchi. Antes, dá-lhe esta minha carta para que leia; diga-lhe que espero a publi-
cação com ansiedade”.70 “Novas cartas de Turim – escreve o coletor dos Documenti
levavam a Roma notícias do arcebispo Gastaldi”, e Anfossi anunciava a Turchi em outra
carta de 13 de fevereiro: “teu artigo no L’unità alegrou os bons”.71
Em 7 de janeiro de 1878 Dom Bosco tinha respondido com carta longuíssima à outra
bem breve do cardeal Ferrieri , de 21 de dezembro de 1877, com quem estivera em audi-
ência. Nesta, o cardeal lhe comunicava ter recebido as cartas relativas às controvérsias
com o arcebispo, e lhe recomendava: “a esta Sagrada Congregação interessa vivamente
sua religião e prudência para impedir que todos os membros, assim como os cooperadores
da Congregação Salesiana que dependem do senhor, também indiretamente, entreguem
à impressa ou publiquem outros escritos de qualquer espécie relativos às controvérsias
suscitadas com o reverendíssimo arcebispo de Turim”.72 Dom Bosco agradecia a benévola
recomendação e assegurava: “nem no presente nem no passado, nem por mim nem por
algum de meus dependentes, foi, de alguma forma, publicado algo que pudesse, mesmo
somente ser interpretado, como desfavorável a nosso veneradíssimo arcebispo ordinário
(...). Quisesse Deus que tal modo de agir fosse considerado por nosso arcebispo!”. Acenava
depois às contendas de 1877 até as “duas cartas ameaçadoras”, de 25 de novembro e 1º
de dezembro. Falava das convocações, duas dos cônegos e duas dos párocos, atribuindo
aos salesianos, “sem nenhum fundamento”, a paternidade das páginas incriminadas, com
as mais “caprichosas interpretações” por parte dos jornais. Com firmeza asseria de não
querer fazer o que o arcebispo pretendia, isso é, que declarasse ser “falsidade” as coisas
contidas na incriminada Carta sobre o arcebispo. “Eu não posso e não quero mentir,
porque lá se expõe a verdade”, asseverava resoluto. Concluía com cinco séries de recla-
mações sobre intervenções do arcebispo em relação aos salesianos e à Congregação, com
grandes danos espirituais, morais e materiais.73
68 Acusações de propensão ao liberalismo sobre Gastaldi já tinham chegado várias vezes a
Roma, nos anos 1870, 1871, 1875, e o arcebispo fora obrigado repetidamente a se justificar
com as autoridades vaticanas (cf. G. Martina, Pio IX (1857-1878), p. 265, n. 62).
69 E III 263.
70 Documenti XIX 71-73, FdB 1053 E9-11. A primeira Estréia para o clero de “um capelão” é
datada de “Turim, fevereiro de 1878”.
71 Documenti XIX 74-76, FdB 1053 E12-1054 A2.
72 XVIII 430, FdB 1051 E3.
73Ao cardeal Ferrieri, 7 de janeiro de 1878; E III 264-266.

34.5 Page 335

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 335
Em 9 de janeiro falecia, após breve e violenta doença, Vitório Emanuel II. Dom
Bosco escrevia a respeito ao conde Cays74 e, em 20 de janeiro, ao secretário de Estado,
cardeal Simeoni, em memorial enviado a ele.75 Esforçava-se também para encontrar
um caminho para obter os privilégios, confiando-se em 11 de janeiro à boa vontade do
padre dominicano Tosa, consultor da Congregação dos Bispos e Regulares. Enviava-lhe
cópia do Rescrito com o qual Leão XII tinha concedido aos Oblatos da Virgem Maria
per communicationem os privilégios dos redentoristas. “Oh, se pudesse obter o mesmo
para nós! O senhor seria, para sempre, nosso insigne benfeitor”: tal desejo mostrava-se
absurdo em face da situação bastante dramática no vértice da Igreja. Terminava com
uma dura canetada sobre a situação turinense: “No entanto, as confusões crescem a
cada dia. Novas publicações de jornais, novas suspensões de padres, grande agitação em
Turim. Faça o que puder para refrear os males”.76 Referia-se às “disposições” turinenses
“onerosas” para as corporações religiosas, “em medida excepcional para a Congregação
Salesiana”. Escrevia-lhe ainda, enquanto o cardeal Ferrieri estava doente, ao secretário
da Congregação, dom Bianchi. Ele acreditava ter encontrado na recente carta pastoral
de 12 de janeiro, Sobre os Seminários, duas alusões negativas à Sociedade Salesiana:
o aceno à violência moral exercitada sobre os jovens em favor da vocação religiosa e a
omissão dos colégios salesianos na lista dos recomendados como propícios à promoção
das vocações eclesiásticas.77 Ao padre Rua escrevia no dia seguinte: “Cardeal Ferrieri
retomou suas ocupações, e espero partir de Roma na metade deste mês com as coisas
ajustadas, ao menos hic et nunc”.78
A prevista Declaração de estranheza à Carta anti-gastaldina aparecia na última
página da separata que integrava o fascículo normal de oito páginas do Boletim
Salesiano: a primeira, porém, aparecia somente em certo número de cópias, talvez as
destinadas a Turim e arredores. Mas, in cauda venenum, no corretíssimo texto de Dom
Bosco,79 o redator-diretor, padre Bonetti, acrescentava por sua conta: “De nossa parte
agradecemos a boa vontade do desconhecido, que julgou levantar-se em nossa defesa
contra os fatos, palavras e impressos que de algum tempo para cá são divulgados em
dano de seu benfeitor. Mas, enquanto nos entristece que os sentimentos de sua gratidão
tenham sido assim provocados, desaprovamos fortemente o modo”.80 Talvez, e também
por isso, de Roma, em fevereiro, Dom Bosco o chamasse à calma e à prudência: “Pára
de combater e escreve palavras pacíficas, como te recomendei tantas vezes”.81 Padre
74 Carta de 12 de janeiro de 1878; E III 269-270.
75 E III 274-276.
76 Carta de 11 de janeiro de 1878; E III 268.
77 Carta de 4 de fevereiro de 1877; E III 289-291. Cf. L. Gastaldi, Lettere pastorali, p.
405-406.
78 Carta de 5 de fevereiro de 1878; E III 291.
79 Cf. MB XIII 384-385.
80 Cf. BS 2(1878) n. 1, janeiro, p. 12.
81 Carta de 14 de fevereiro de 1878; E III 296.

34.6 Page 336

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336 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Bonetti escrevia também um artigo para o Boletim Salesiano sobre A Congregação
Salesiana e as vocações eclesiásticas, no qual insistia a respeito do tributo de voca-
ções sacerdotais feito pelo Oratório às dioceses e, em particular, à arquidiocese turi-
nense.82 De sua parte, o arcebispo permanecia firmemente convencido de que o libelo
tinha sido iniciativa salesiana, como afirmava decididamente na Relatio secunda status
Archidioecesis Taurinensis, apresentada em Roma por ocasião da visita ad limina, em
18 de março de 1878: “Essa Congregação, lá pelo final de novembro de 1877, esfor-
çou-se para que saísse impresso um infame libelo contra o arcebispo e para que esse
libelo fosse difundido por toda a Diocese de Turim, bem como em Roma e nas outras
dioceses”.83
O mundo eclesiástico romano, porém, há várias semanas, não era mais idêntico
ao precedente. Em 7 de fevereiro falecera Pio IX. Em 12 de fevereiro padre Berto
anunciava em Turim: “Entramos na Basílica São Pedro para visitar o féretro do santo
padre. Pôde-se beijar-lhe o pé e tocar vários objetos. Eu acompanhei Dom Bosco”.
No mesmo dia Dom Bosco recebia uma carta de dom Pietro Lasagni, secretário do
Sagrado Colégio, com o breve graças ao qual, em 29 de janeiro, o papa tinha nomeados
comendadores de São Gregório Magno o cavallieri Giovanni Frisetti e o engenheiro
Emanuele Campanella, apresentados pelo fundador da Sociedade Salesiana.84 Em
20 de fevereiro, no Conclave, era eleito papa Leão XIII. Dom Bosco fazia contato com
ele, antes com súplicas e um relatório,85 depois pessoalmente. em 6 de março, graças
a uma histórica audiência.86 Encontrava-se também com o novo secretário de Estado,
cardeal Alessandro Franchi.87
A chegada ao sólio pontifício do cardeal Gioachino Pecci podia criar algum novo
problema seja para Dom Bosco seja para o arcebispo Gastaldi. Se o primeiro tinha
perdido seu sustentáculo mais precioso e válido, também o segundo, de orientação rosmi-
niana, podia encontrar não poucas dificuldades na ascensão ao papado de um convicto
tomista e do restaurador da nova neo-escolástica. Em concreto, o mais penalizado foi
Dom Bosco, ainda mais pela imprevista anômala mudança dada aos acontecimentos
relativos à difusão, de fevereiro de 1878 a março de 1879, de libelos anti-gastaldinos
e, em maio de 1879, e ao começo dos desencontros do padre Bonetti com o pároco
do Duomo de Chieri, e, em junho, à “suspensão das confissões” do responsável do
Boletim, infringida pelo arcebispo.88 Nesta questão, como superior da Congregação,
82 BS 2(1878), n. 2, fevereiro, p. 4-5.
83 Relatio secunda status Archidioecesis Taurinensis, p. 19, in: G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi
(1815-1883), vol. II, p. 277, n. 81.
84 Documenti XIX 73-74. Cf. sobre “Ultime ore di Pio IX”, BS 2(1878) n. 3, março, p. 7-10.
85 E III 314, 317-318, 318-319, 321, 323.
86 Cf. carta e relação da audiência ao cardeal Protetor Luigi Oreglia, de 25 de março de 1878; E
III 325-327, 327-332.
87 Carta de 8 de março de 1878; E III 313-314.
88 Cf. cap. 28, § 5.

34.7 Page 337

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 337
Dom Bosco deixar-se-ia envolver voluntariamente. Árduo, ao invés, seria seu esforço
para convencer de sua estranheza do caso dos libelos. Mas, por ora, nada disso tudo
tinha aparecido no horizonte.
No imediato, a transição se revelava tranqüila. O jornal L’unità cattólica, simpati-
zante de Dom Bosco e não viceralmente próximo de Gastaldi, dava relevo igualmente
positivo a acontecimentos que lhe interessavam. Transcrevia por inteiro a elevada e
nobre Carta Pastoral do arcebispo de Turim para o anúncio da passagem do Rei Vitório
Emanuel II à eternidade.89 Informava amplamente sobre a presença de Dom Bosco
à Primeira Conferência dos Cooperadores Salesianos de Roma, em Tor de’ Specchi,
em 29 de janeiro.90 Transcrevia em grande parte a “terna e eloqüente” Carta Pastoral
do arcebispo de Turim sobre a morte do Santo Padre Pio IX e as preces ordenadas às
paróquias pelo pontífice falecido e para a eleição do sucessor.91 Dava grande realce ao
tratamento especial reservado a Dom Bosco na audiência pontifícia de 23 de fevereiro,
concedida a “um grupo de pias e ilustres pessoas”. Na mesma página anunciava durante
o dia O funeral para Pio IX na Metropolitana de Turim, acrescentando: “O arcebispo
de Turim dirá o elogio fúnebre”; “dele falaremos em um próximo número”, mas parece
que isso não tenha sido feito.92 Em 9 de março, pois, sob o título O santo padre e o
arcebispo de Turim, informava que ele “foi o único bispo de toda a alta Itália que, em
3 de março, tomou parte na solene cerimônia da coroação do novo papa Leão XIII, e
que foi recebido em audiência privada pelo santo padre na tarde de 5 do corrente mês”.
Nela o papa tinha recomendado “com singularíssimo ardor” “a instrução e a doutrina”
do clero, a ser aprofundadas com iniciativas permanentes.93 Uma “Correspondência
particular” de 18 de março não colocava em menor evidência a “especial audiência de
quase uma hora”, concedida pelo papa, no sábado 16 de março, às 6h30 da tarde, a um
“ativíssimo turinense”, ou seja, Dom Bosco.94
4. Sistema preventivo, resposta a perguntas sociais de educação
Nos dias que se seguiram à morte de Pio IX, Dom Bosco tinha tido ocasião de
encontrar o ministro do Interior, Francesco Crispi (1818-1901), que não tinha dificul-
dade em garantir que o iminente conclave encontraria em Roma ordem, segurança e
liberdade incondicionada. Na conversa se inseria explicitamente o discurso sobre
a possibilidade de encontrar em Roma um edifício para a implantação de uma obra
89 L’Unità Cattolica, n. 13, terça-feira, 15 de janeiro de 1878, p. 50.
90 L’Unità Cattolica, n. 30, domingo, 3 de fevereiro de 1878, p. 118.
91 L’Unità Cattolica, n. 39, quinta-feira, 14 de fevereiro de 1878, p. 154.
92 L’Unità Cattolica, n. 50, quarta-feira, 27 de fevereiro, p. 199.
93 L’Unità Cattolica, n. 59, sábado, 9 de março de 1878, p. 234.
94 L’Unità Cattolica, n. 69, quinta-feira, 21 de março de 1878, p. 275.

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338 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
juvenil. Era lógico que se tenha falado a respeito da situação da juventude, sobretudo a
que emigrava para a capital em busca de fortuna, bem como dos inevitáveis problemas
que daí derivavam e das mais apropriadas soluções assistenciais e educativas. Punha-se,
em concreto, o problema dos jovens em perigo e socialmente perigosos, e a proposta
do remédio do sistema preventivo, prefigurado com maior evidência em sua dimensão
social e corretiva. De resto, Dom Bosco já o tinha sugerido no discurso feito em Roma,
em 29 de janeiro de 1878, por ocasião da Primeira Conferência dos Cooperadores da
capital.95 Os salesianos não tinham ainda uma obra própria na urbe, mas ao nume-
roso auditório acorrido ao Monastério de Tor de’ Specchi – presentes cardeal vigário
Raffaele Monaco la Valletta e cardeal Enea Sbarretti, além de arcebispos e bispos – ele
podia propor mais colaboração nos campos da educação e da recuperação. “A obra dos
cooperadores – esclarecia – procura ajudar o bom costume, diminuir o número dos
díscolos, os quais, abandonados a si próprios, se encontram em grande perigo de ir
povoar as prisões. Instrui-los, encaminhá-los ao trabalho, prover os meios e, onde haja
necessidade, também acolhê-los. Não economizar qualquer coisa que seja para impedir
sua ruína, antes fazer deles bons cristãos e honestos cidadãos, que a seu tempo possam,
com o trabalho, ganhar-se o pão da vida (...)”.96
4.1 Relatório a Francesco Crispi
Dom Bosco, para consolidar a relação, enviava no dia seguinte à eleição de Leão
XIII um relatório a Crispi sobre os temas tratados oralmente, com o título idêntico ao
das páginas de 1877, O sistema preventivo na educação da juventude. O conteúdo,
porém, era diverso. Nele o sistema preventivo não era considerado em sua dimensão
pedagógica, mas nos dois momentos que a precedem: dar concretas referências e subsí-
dios de vida aos jovens “em perigo” e procurar “providências” de assistência, ou seja,
instituições formativas idôneas e educativas, privadas mais que públicas, que o Estado
tinha o dever de financiar. Naturalmente, Dom Bosco não pretendia chegar ao ministro
somente para lhe expor um projeto de bonificação moral e social pela juventude: “apre-
sentar as bases – como escrevia – sobre os quais se pode regular o sistema preventivo
aplicado entre os jovens periclitantes nas estradas públicas ou nas casas de internato
de educação”. Provavelmente, pensava em uma operação completamente utópica, que
podia propiciar-lhes o objetivo básico: obter do governo um local – e eventuais subsídios
– para se sediar em Roma com uma obra juvenil, destinada “exclusivamente em favor
dos jovens pobres e periclitantes, com pequeno distúrbio das finanças do governo”.
Afirmava-o na carta de apresentação, listando ao mesmo tempo alguns edifícios reli-
95 Cf. cap. 22, § 6.
96 BS 2(1878) n. 3, março, p. 12-13.

34.9 Page 339

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 339
giosos confiscados que o governo poderia colocar à sua disposição para a assistência
educativa dos jovens pobres e periclitantes.97 Algumas semanas depois, em relatório
ao neo-eleito Leão XIII, como na carta e no relatório a Crispi, Dom Bosco ilustrava as
condições da juventude perdida e vagante em Roma, e não se podia apelar senão para
um sustento moral, mais que material.98 Crispi tinha bem outro problema para resolver:
a acusação de bigamia, que em 7 de março o constringia à demissão de um ministério
que já era em si precário. No novo governo, formado por Benedetto Cairoli, empossado
em 24 de março, estava no Interior Giuseppe Zanardelli, já encontrado no discutido
6 de agosto de 1876, em Lanzo. Com ele, para a realização de seus objetivos, expressos
ou ocultos, Dom Bosco mais adiante se declarava disposto a retomar o discurso sobre o
sistema preventivo e “sobre a possibilidade de prover aos jovens – escrevia – que ainda
não estão pervertidos, mas somente abandonados e, por isso, periclitantes em várias
cidades da Itália, especialmente em Roma”. A este objetivo ele tinha preparado para seu
predecessor “uma proposta prática, de pouco gasto para o governo e de fácil execução”.99
É interessante observar que os dois homens políticos encontraram-se sobre frontes
opostos no outono de 1878, quando no Parlamento italiano discutiu-se a atitude que os
governos deviam ter em relação aos internacionalistas, aos nihilistas e aos socialistas.
Zanardelli concordava com o presidente do Conselho, Benedetto Cairoli, o qual pendia
para o sistema repressivo, ou seja, pela repressão somente no caso em que a ordem
pública fosse definitivamente perturbada: “a autoridade governamental seja inexorável
em reprimir, e não arbitrária com o prevenir”. Enquanto isso o autoritário Crispi parti-
lhava do sistema preventivo, ou seja, pela repressão preventiva: “a autoridade política
tem o direito de prevenir, assim como a autoridade judiciária tem o direito de reprimir
os reatos”.100 Ambas as posições podiam evidenciar a ambigüidade das duas fórmulas,
cobertas por dois adjetivos não tão adequados em campo pedagógico: “O sistema
repressivo – escrevia Dom Bosco – consiste em fazer conhecer as leis e a pena que elas
estabelecem. A seguir, a autoridade deve vigiar para conhecer e punir os culposos”.
Era o sistema mais liberal, mais adaptado a adultos.101 Mas apenas feito rápido aceno ao
aspecto pedagógico-político, Dom Bosco preferia sublinhar o aspecto social e institu-
cional, além do educativo e pastoral, do problema juvenil. Reivindicaria vigorosamente
também em duas conferências de 1883, que ressentiam certamente da atmosfera que ele
respirou por ocasião da viagem na França entre fevereiro e maio de 1883 e das reações
97 Carta de 21 de fevereiro de 1878; E III 298-299.
98 Carta de março de 1878; E III 317-318.
99 Carta de 23 de julho de 1878; E III 366-367. Cf. carta ao comendador G. B. Aluffi, secretário
do Ministério do Interior, de 25 de abril; E III 355.
100 Cf. respectivamente: Discursos de 15 de outubro e de 5 de dezembro de 1878, in: F. Chabod, Storia
della politica estera italiana dal 1870 al 1896. Bari, Laterza, 1962, p. 435, n. 1 e 436, n. 2.
101 Giovanni (s.) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della gioventù, aos cuidados de P.
Braido, RSS 4(1985), p. 300.
102 Conferência aos Cooperadores de Turim, de 31 de maio, na tarde do dia de sua chegada da
França: BS 7(1883) n. 7, julho, p. 104; e discurso aos ex-alunos, na manhã do dia onomástico,
24 de junho: BS 7(1883) n. 8, agosto, p. 127-128.

34.10 Page 340

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340 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
e ecos que foram espalhados pela imprensa transalpina e italiana.102
No relatório a Crispi, do qual existe somente a minuta autógrafa com numerosas
correções, após breve elucidação preliminar da distinção entre sistema preventivo e
sistema repressivo na sociedade, ele passava a uma análise sociomoral dos “meninos
que podiam ser considerados em perigo”. A crítica social de Dom Bosco não era, certa-
mente, a mesma da nascente sociologia positivista ou marxista, que levava justamente
em consideração as estruturas econômicas, sociais, culturais subjacentes ao abandono e
à delinqüência juvenil. Dom Bosco assinalava quatro categorias de jovens periclitantes
e perigosos: 1) jovens que emigram das aldeias “em outras cidades e países em busca
de trabalho” com pouco dinheiro. Quando este acaba, se desocupados, “encontram-se
em verdadeiro perigo de se entregar aos pequenos furtos e começar, desta forma, a via
que conduz à ruína”; 2) órfãos privados de assistência – “uma mão amiga, uma voz
caridosa” –, abandonados à vagabundagem e à companhia dos delinqüentes”; 3) “os
que têm pais que não podem ou não querem tomar cuidado de seus filhos, e que, por
isso, os mandam fora da família ou os abandonam absolutamente. Desses pais desnatu-
rados, infelizmente, o número é grande”; 4) “os vagabundos”, ainda não delinquentes,
“que caem nas mãos da segurança pública”, mas “que seriam certamente retirados das
prisões e restituídos à sociedade civil” “se fossem acolhidos em um abrigo onde sejam
instruídos e dirigidos ao trabalho”.103
Quanto às Providências o escritor propunha suas instituições típicas, mas vistas em
ótica mais ampla e articulada, como evidenciam os termos usados: 1) “os jardins de
recreação festiva” – parques, campos de jogo, oratórios, recreatórios, centros juvenis –,
onde as mais variadas atividades de tempo livre se conjugam com iniciativas de alfabe-
tização e de formação cultural e moral em escolas vespertinas e dominicais e catecismo;
2) a individuação dos que encontravam-se desocupados e sua colocação no trabalho e
a assistência “no trabalho durante a semana”; 3) “abrigos e casas de preservação, com
artes, profissões e também com colônias agrícolas” para “aqueles – escrevia – que são
pobres e abandonados, não tendo nem como vestir-se nem como alientar-se ou dormir
durante a noite”.104
Dom Bosco adiantava propostas também sobre a Ingerência governativa, as quais,
em evidente estilo liberal-cristão, visavam negar ao Estado a gestão direta das obras.
Segundo ele, ao invés, sem “tocar no princípio da caridade legal”, o governo deveria
sustentá-las, fornecendo ambientes, locais, edifícios, meios e subsídios financeiros para
a manutenção dos abrigados.105 Obviamente, no ponto conclusivo sobre os Resultados,
Dom Bosco falava da quantidade e da qualidade: recuperação dos jovens ex-encarce-
rados, prevenção de jovens em risco, habilitação de todos a funções, artes e profissões
103 Cf. texto em Giovanni (s.) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della gioventù, a
cura di padre Braido, RSS 4 (1985), p. 300-302.
104 Giovanni (s.) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della gioventù, p. 302.
105 Giovanni (s.) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della gioventù, p. 303.
106 Giovanni (s.) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della gioventù, p. 304.

35 Pages 341-350

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35.1 Page 341

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 341
de todo nível.106
Parece que nem Crispi nem Zanardelli deram algum retorno. O documento não
teve nenhum impacto real. Fica confirmado, de qualquer forma, que, para compreender
plenamente as potencialidades do sistema preventivo, as páginas de 1877 devem ser
estritamente associadas ao discurso social que as precedia.
4.2 O sistema preventivo para famílias e institutos de educação
Uma singular apresentação das páginas sobre o sistema preventivo foi cuidada pelo
padre Bonetti no Boletim Salesiano. O texto, ligeiramente modificado, com os títulos
substituídos por breves palavras de introdução a cada um dos quatro pontos, era inserido
em um capítulo da História do Oratório de São Francisco de Sales. Dom Bosco, certa-
mente, sabia e aprovava, de acordo a dar mais ampla difusão a um texto saído em opús-
culos de tiragem limitada e de pequeno impacto na Itália. Entre outras coisas, o redator de
Boletim sublinhava a possibilidade de sua aplicação em todas as instituições educativas
e nas próprias famílias. Após ter narrado, em referência ao borrascoso 1848, nas solu-
ções originais adotadas por Dom Bosco para tratar com os jovens, ele as explicava como
fontes do sistema preventivo ante litteram.107 Após ter assegurado que as casas salesianas
“florescem e dão mais frutos, nas quais esse sistema é melhor conhecido e mais exata-
mente aplicado”, concluía: “Seria desejável que ele fosse introduzido em todas as famílias
cristãs, em todos os institutos de educação públicos e privados, masculinos e femininos.
Então não se tardaria para ter uma juventude mais morigerada e pia, uma juventude que
seria a consolação das famílias e válido sustento para a sociedade civil”.108
No tópico ou capítulo seguinte, padre Bonetti justificava a adoção do sistema preven-
tivo como resposta às mais modernas exigências de liberdade difundidas na sociedade e
na cultura nos últimos anos da década de 40. “Existia naqueles anos – advertia – um forte
grito na Itália e fora dela contra os governos absolutos; levantavam-se, sobretudo, fortes
lamentos contra as medidas de severidade, com as quais geralmente se regia o povo e
se administrava a justiça”. Também os governantes mais rígidos “tinham acreditado ser
bom dobrar-se ante as exigências populares e introduzir em seus Estados reformas radi-
cais”. O próprio Pio IX tinha concedido a anistia e “algumas reformas governativas”.
Carlos Alberto “dava a Constituição civil”, “mudando assim seu governo absoluto em
governo constitucional”. “Agora tais aspirações populares a um governo mais manso,
assecundado pelo respectivos princípios, faziam com que os jovens também exigissem
de seus superiores uma direção mais afetuosa e paterna”.109 Ele se aliava com todos os
107 BS 4(1880) n. 9, setembro, p. 6-7.
108 BS 4(1880) n. 9, setembro, p. 9.
109 BS 4(1880) n. 10, outubro, p. 7.

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342 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
que, contemporâneos ou sucessores, tinham visto no sistema preventivo de Dom Bosco
um sistema educativo de amplitude universal, aderente às exigências dos tempos novos
e a destinatários de todos os níveis sociais e culturais.
5. Repercussões: perfis e biografias
Indissolúvel da experiência de Dom Bosco e dos salesianos, o sistema preven-
tivo – muitas vezes erroneamente considerado criação do santo turinense – rapida-
mente adquiria certa publicidade, direcionada a demonstrar a vitalidade permanente
da educação católica. Isso acabava, ao mesmo tempo, por reforçar na consciência do
próprio Dom Bosco o significado universal do sistema que foi por ele lançado, inicial-
mente com intenções propagandistas, mediante um fascículo escrito para benfeitores e
cooperadores. Para esse fenômeno contribuíam as primeiras biografias de Dom Bosco,
assim como outros escritos sobre suas instituiçoes.
Parece dar a partida – ainda antes das páginas de 1877 – conde Carlo Conestabile
della Staffa (1854-1882), pertecente à antiga nobre família da Perugia, de sólida fé
católica e incondicionada fidelidade ao papado. A Dom Bosco, com quem tinha se
encontrado e entrevistado no Oratório de Turim – cidade em que tinha encontrado na
casa Scoplis a marquesa Maria de Bernezzo, casada em 1876 –, dedicava a primeira
parte do opúsculo, redigido em francês em 1876,110 sobre Obras religiosas e sociais
na Itália, que apresentava padre Bosco em Turim e padre Lodovico [de Casoria] em
Nápoles.111 Eram “dois homens, um simples padre e outro religioso, cujos nomes
viverão na história da Igreja e de seus países”. Com algumas inexatidões, o autor
sublinha com grande entusiasmo a escolha dos jovens, feita por Dom Bosco desde o
início da vida sacerdotal. Segundo conde Conestabile – e assumido por outros no futuro
−, Dom Bosco tinha sido provocado quase que exclusivamente pela visão dos jovens nos
cárceres de Turim, “arrastados desde cedo no caminho das más ações. Estes, com a triste
reclusão e mais ainda com os remorsos, expiavam as culpas das quais eles nunca eram
totalmente responsáveis”. Segundo Dom Bosco e padre Cafasso, tanta depravação da
juventude “tinha duas razões principais: o afastamento dos filhos do povo das práticas
religiosas nos dias festivos e a maléfica influência da maior parte dos patrões nos dias
110 O autor conhece a instituição da Obra para as Vocações Adultas, as fundações de Nice e de
Vallecrosia, apenas iniciadas, a primeira expedição na América, mas não acena à União dos
Cooperadores, e cita L’unità cattolica até agosto de 1876. L’unità cattolica” escreve seu breve
necrológio em 3 de janeiro de 1882, terça-feira, n.2, p. 6. Cf. perfil biográfico de M. Casella
no DBI XXXVII 766-768.
111 C. Conestabile, Opere religiosa e sociali in Italia: memoria. Tradução do francês. Pádua,
Tipografia del Seminario, 1878, 59 p. De Dom Bosco ocupam-se as p. 4-39, e do padre
Ludovico Casoria, as p. 40-59.

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 343
de trabalho”. Dom Bosco contrapunha a isso a forma primordial de assistência educa-
tiva, o “Oratório”, que era também “educandário”, gerido com método todo particular.
Ele “amava esses filhos do povo como pai terno, tendo o mais vivo interesse pelas neces-
sidades particulares de cada um”; “não somente em todos os domingos tinha a tarefa de
distrair agradavelmente seus jovens amigos, nutrindo suas almas da palavra de Deus,
mas buscava com afetuosa solicitude encontrar para eles o trabalho durante a semana
e confiá-los a patrões honestos e cristãos”.112 Nascia mais tarde o internato-pensionato,
“o primeiro núcleo de colégio para os filhos do povo”, aprendizes nas lojas e nas oficinas
da cidade, que depois foi transformado em internato com escolas e oficinas próprias,
enquanto ao lado continuava a funcionar o oratório para os externos”.113 Com particular
ênfase ele passava depois a delinear o sistema de assistência preventiva – “prevenir
as culpas e evitar as repressões” – adotado nos internatos-colégio para estudantes e
aprendizes de Valdocco, sistema que o conde tinha bem intuído na prática, sem ter
podido ler as páginas aparecidas um ano depois. É “coisa maravilhosa e quase inacre-
ditável! – escrevia – o governo ao qual é submetida essa pequena população, composta
de elementos tão jovens e tão vivazes: é um governo de mansidão e de doçura. Não seria
exato dizer que só se pune raramente. A verdade é que inexistem punições: a defesa
da lei não tem aí nenhum código penal, a lei é imposta por si mesma às consciências,
que a aceitam com alegria porque é conforme à natureza humana, porque exalta em
vez de humilhar”. Nesse ponto o autor faz uma pausa na dimensão social e reeduca-
tiva do sistema de Dom Bosco, inigualável em relação às altas discussões de políticos,
juristas e sociólogos. “Aqui se apresenta à nossa meditação um grave problema filo-
sófico e social – observava –. Enquanto os mais violentos revolucionários escreveram
volumes sobre tal argumento, enquanto nas faculdades de direito ele é estudado com
ardor (...), em sua república ele realizou o ideal visualizado pelos legisladores: ao invés
de reprimir, aí se previne a culpa: e esse sistema, de tão difícil aplicação em qualquer
outro lugar, nesse estabelecimento produz estupendos resultados”.114 A excursão dos
encarcerados da Generala de Turim tinha sido extraordinário símbolo desse sistema.115
Era a primeira vez que o episódio, para o qual não existem documentações específicas,
vinha a público. Encontraria enorme eco em biógrafos, publicitários, filmes e também
cultores de história. A ampliada persuasão do autor não nos causa maravilha: “Nesse
momento, na Europa, se reconhece o valor dos métodos de Dom Bosco, e bem freqüen-
temente, nos casos difíceis, recorre-se a ele”.116
De forma mais sintética, semelhante imagem de Dom Bosco era difundida pelo
112 C. Conestabile, Opere religiose e sociali, p. 5-7.
113 C. Conestabile, Opere religiose e sociali, p. 12-14.
114 C. Conestabile, Opere religiose e sociali, p. 19-20.
115 C. Conestabile, Opere religiose e sociali, p. 23-26.
116 C. Conestabile, Opere religiose e sociali, p. 29.

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344 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
vice-pároco da paróquia São José, em Marselha, padre Louis Mendre, no opúsculo
Dom Bosco sacerdote, de 1879.117 Dom Bosco o definia “um trabalho clássico nesse
gênero”.118 Reconhecia-se, portanto, no perfil traçado pelo admirador francês: um
padre completamente consagrado “aos jovens pobres, cuja miséria espiritual era pálida
imagem da miséria moral bem mais profunda”, e aos “filhos dos operários e dos pobres”.
Descreve dois momentos paradigmáticos: o encontro com Bartolomeo Garelli (“pobre
órfão”) na sacristia da Igreja São Francisco de Assis e a excursão com os encarcerados
da Generala.119 Suas solicitudes eram dirigidas, em particular, aos jovens imigrantes, “os
quais, longe de suas aldeias, privados completamente de família, reduzidos a dirigir-se
a estranhos, se encontravam expostos às sórdidas especulações de seus presumíveis
benfeitores e à total ruína da beleza da própria alma”.120 Dessa forma, ele adquiria um
conhecimento aprofundado das condições dos aprendizes, providenciando-lhes a recu-
peração com os “Ateliers Chrétiens”, as escolas de artes e ofícios e as colônias agrícolas
masculinas e femininas, instituições indicadas também para a juventude operária de
França, como complemento das “Oeuvres de Persévérance” de Jean-Joseph Allemand
e das “Oeuvres de Jeunesse” de Joseph Timon-David.121
Em 16 de janeiro de 1882, Dom Bosco escrevia uma carta ao ministro de Graça e
Justiça, Giuseppe Zanardelli, agradecendo e pedindo. Agradecia-o ter dado um aumento
da côngrua “aos pobres, aos párocos pobres, os quais – assegurava – pedirão ao bom
Deus para que o preserve de todo mal e o abençoe largamente”. E com tom singular-
mente amigável pedia uma honorificência para “um dos benfeitores de minhas casas
– precisava – o advogado Giacomo Borgonovo, de Gênova, que, entre as outras coisas,
escreveu um bom livro no qual recordou-se de mim”. Era “oficial da Coroa da Itália
– prosseguia –: eu lhe digo francamente que gostaria que ele fosse promovido, e isso
seja dito em toda confidência. Se sou muito ousado, me perdoe, uma vez que também
os velhos podem errar: e em sua delicadeza, mantenha como se eu não tivesse falado
nada”.122 Não era um pedido completamente desinteressado. Em 1879 Borgonovo tinha
publicado uma obra de caráter social e jurídico, com o título Admoestados, ociosos
e transviados: males e remédios. Referindo-se a Dom Bosco, formulava um juízo
elogioso sobre a atividade por ele desenvolvida em favor dos jovens dos quais o livro
tratava, chegando a “prover em média a cerca de duzentos mil jovens, os quais, sem seu
117L. Mendre, Don Bosco prêtre, fondateur de la Congrégation des Salésiens (Saint-François-
de-Sales). Notice sur son Oeuvre. L’Oratoire de Saint-Léon à Marseille et les Oratoires
Salésiens fondés en France. Marselha, Typ. et Lith. M. Olive, 1879; E III 461.
118A C. Guiol, 29 de março de 1879; E III 461.
119L. Mendre, Don Bosco prêtre, p. 3-7, 9-12.
120L. Mendre, Don Bosco prêtre, p. 21.
121L. Mendre, Don Bosco rêtre, p. 34-37.
122 Carta de 16 de janeiro de 1882; E IV 118.
123 G. Borgonovo, Ammoniti, oziosi, traviati: mali e rimedi. Gênova, Stab. Tipografia del
Movimento, 1879, p. 166.

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 345
auxílio, terminariam onde terminaram todos aqueles dos quais nos ocupamos acima”.123
De fato, a interpretação correspondia corretamente ao significado primário que Dom
Bosco dava a seu prevenir e que propunha incansavelmente nos discursos.
Os motivos educativos e reeducativos eram retomados, não muito tempo depois,
pelo sacerdote romano Costantino Leonori, que, desde 1878, seguia as causas de Dom
Bosco junto das Congregações Romanas, em substituição a Carlo Menghini, que nos
mesmos anos cuidava também dos interesses de dom Gastaldi. O opúsculo Notas sobre
a Sociedade de São Francisco de Sales, instituída pelo sacerdote Giovanni Bosco124 era
composto nos últimos meses de 1881, no fervor da defesa da causa do padre Bonetti
junto à Congregação do Concílio, a partir de rico material fornecido pelo próprio padre
Bonetti e pelo padre Berto. Este lhe enviava, junto com a rica documentação, o livrinho
de Mendre, o Regulamento das casas salesianas e o fascículo sobre a inauguração do
Patronato de Nice. Ao padre Bonetti o autor tinha enviado capítulo por capítulo, com
o pedido de ler, corrigir e modificar com toda a liberdade.125 Contudo, ele confirmava
análises já aparecidas nos dois opúsculos de Conestabile e de Mendre. Com Dom Bosco,
Leonori encontrava as raízes da delinqüência e da marginalização dos “jovens operários”
em fatores de caráter religioso e moral: abandono dos pais, falta de instrução religiosa e
afastamento das práticas de piedade, ignorância dos próprios deveres, influxo negativo
dos patrões nos dias de trabalho. Em suma, “falta de uma educação religiosa e civil”.
Partindo dessa análise, “Dom Bosco, conhecedor profundo dos tempos e das coisas,
seguindo a transformação social”, “persuadido que o meio mais seguro de prevenir os
delitos consiste em aperfeiçoar a educação”, fez dessa sua opção de vida, orientando-se
“em especial aos filhos do povo” e conduzindo-os “à virtude com as práticas religiosas,
com o ensino das letras e com o trabalho, afastando-os do mal pelo caminho do senti-
mento e pela visualização das misérias e do dano que cai sobre aquele que não se põe a
tempo a percorrer o reto caminho da virtude”.126 Ele informava a seguir os Progressos
da Sociedade Salesiana na França, nação na qual, “talvez mais que em outros lugares,
a questão operária tenha tomado suma importância”. Nessa ótica ele chamava à atenção,
em particular, sobre Marselha, “onde a classe dos operários é mais que todas numerosa”,
e sobre o Oratório São Leão, “que recolhe um número extraordinário de meninos que
se instruem nas artes e profissões, tirando-os então da influência maldosa dos maus
patrões”.127 “Considerada benéfica e cristãmente humanitária” por “toda classe de
pessoas”, a obra tinha conseguido agregar vasto grupo de colaboradores e de coopera-
dores, de forma a merecer “os contínuos pedidos – escrevia – que lhe fazem os municí-
pios e os bispos, a benevolência e o apoio de Pio IX e de Leão XIII, a estima de que goza
124Roma, Tipografia Tiberina, 1881, 63p.
125 Cf. cartas e informações em Documenti XLV 69-70, 95-101, FdB 1095 C 9-10; 1095
E 12-1096.
126 C. Leonori, Cenni sulla Società di S. Francesco di Sales, p. 3-4 e 12-13.
127 C. Leonori, Cenni sulla Società di S. Francesco di Sales, p. 27.
128 C. Leonori, Cenni sulla Società di S. Francesco di Sales, p. 39-49.

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346 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
junto do episcopado e as apreciações de biógrafos, publicitários e jornais”.128
De novo, na França, saía em 1881, por obra de um médico de Nice, Charles d’Espiney
(1824-1891), a primeira biografia de Dom Bosco. O livro era brindado com várias edições
na língua original, com consistentes ampliações a partir da décima edição, de 1888, e
considerável número de traduções.129 Ele pontualizava desde o início quais fossem os
jovens objeto das solicitudes de Dom Bosco: “a juventude pobre e abandonada” e “os
jovens que o abandono, a ignorância e o contato com seres depravados ou pervertidos
expunham indefesos aos assaltos do mal”. “Dom Bosco – escrevia – vai e os recolhe,
dá-lhes abrigo, ensina uma profissão honrada, faz deles homens úteis a seus países;
mas os enobrece ainda mais, por assim dizer, iniciando-os nos esplendores da virtude
revelada.”130 Segundo d’Espiney, o primeiro empurrão para a típica escolha juvenil foi
dada a Dom Bosco pelo encontro com os jovens encarcerados: “Essa precoce depra-
vação encheu-o de tristeza e de piedade. A causa era também muito visível: ao entrar
na vida esses pobres jovens foram deixados no mais deplorável abandono, não tendo
sob os olhos senão o exemplo do vício. Tinham caído e a sociedade precisou trancá-los
como seres nocivos. Mas, ao invés de melhorá-los, a permanência na prisão tornava-os
ainda mais corruptos e eles saíam da prisão para entrar ali novamente por causa de
novos reatos”. Nascia então “a decisão de Dom Bosco” de privilegiar a ação preven-
tiva, consagrando-se “aos jovens pobres e abandonados que pululavam nos quarteirões
de Turim”.131 Desta forma, configurava-se nos fatos o método preventivo: “prevenir as
faltas de forma a não ter que punir”; “amar as crianças e fazer-se amar, de forma a obter
tudo o que contribui para seu bem”; e habilitá-los a um trabalho qualificado que garanta
um êxito pessoal de vida e “concorra para a honra e para a prosperidade da nação”.132
O livro, biográfico e celebrativo, popular e propenso para a lenda e o numinoso, tradu-
zido em italiano, holandês, inglês, alemão, espanhol, polaco, boêmio, ungárico e árabe,
constituíu um extraordinário instrumento de conhecimento em amplas áreas da Europa,
e não somente, de Dom Bosco operador social e educador da juventude pobre e aban-
donada, e quiçá marginal. Na morte de d’Espiney, em 13 de abril de 1891, tessendo seu
elogio, cônego Fabre, de Nice, chamava a atenção para a repercussão“que teve em toda
a Europa e além a obra Vida de Dom Bosco”: “a obra de Dom Bosco, obra eminente-
mente humanitária, social e em primeiro lugar cristã, tornou-se conhecida e apreciada
em grande parte graças ao livro do doutor d’Espiney”.133
Em nível um pouco mais alto, mais ordenado e rico de conteúdos, segundo o juízo
129 Ch. d’Espiney, Don Bosco. Nice, Typ. et Librairie Malvano-Mignon, 1881, 180. Em italiano
a tradução foi feita da 11ª edição, quase duplicada em relação à 1ª: Sanpierdarena, Tipografia
S. Vincenzo de’ Paoli, 1890, 331 p.
130 Ch. d’Espiney, Don Bosco, p. 6.
131 Ch. d’Espiney, Don Bosco, p. 8-9.
132 Ch. d’Espiney, Don Bosco, p. 61-63, 74.
133 “Nécrologie. M. le docteur d’Espiney”, Bulletin salésien 13(1891) n. 5, junho, p. 92-94.
134 Cf. cap. 33, § 4.

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 347
do próprio Dom Bosco,134 colocava-se a biografia publicada em 1884 pelo magistrado
francês Albert Du Boÿs (1804-1889), Dom Bosco e a Pia Sociedade dos Salesianos.135
As inspirações originais de Dom Bosco eram reconduzidas, mais corretamente, a duas
fontes ou causas diversas: o contato com os “jovens prisioneiros” nos cárceres turi-
nenses e a visão das “necessidades morais da juventude pobre e errante pelas ruas”.
O encontro casual com Bartolomeu Garelli era emblemático a respeito.136 Seguia a
narração do desenvolvimento do Oratório, com particular referência às “escolas de
artes e ofícios” e às “colônias agrícolas”. Atenção especial era dedicada ao “sistema
preventivo” o qual, segundo o autor, um católico conservador, resolvia “o grande
problema pedagógico” muito mais concretamente que as “quiméricas utopias” procla-
madas pelos mais “apaixonados revolucionários”.137 Para Du Boÿs, Dom Bosco parecia
uma enciclopédia pedagógica personificada, que “se podia chamar o cuidado moral
dos casos desesperadores”.138 Era o “sistema correcional” que Dom Bosco tinha encon-
trado ocasião de expor em 1854 a Urbano Rattazzi, declarando sua aplicabilidade nos
institutos penais e de reeducação, dando dele uma demonstração prática na legen-
dária excursão a Stupinigi com a centena de “detentos de uma casa de reeducação”, a
Generala.139 Era, em síntese, como recitava o título de um capítulo do livro, O poema
de Dom Bosco.140
Outro grande admirador de Dom Bosco na Espanha era Marcelo Spínola (1836-
1906), desde 1881 bispo auxiliar, com o título de Milo, do arcebispo de Sevilha, cardeal
Joaquin Lluch e Garriga (1816-1882), admirador e amigo dos salesianos.141 Em 1840
publicava um denso opúsculo com o título Dom Bosco e sua obra.142 O material tinha
sido retirado do Boletim Salesiano e da obra de d’Espiney, mas era elaborado dentro de
uma sintética visão sócio-teológica do mundo moderno e da Igreja: o primeiro, doente
de “Naturalismo”, alienado de Deus e do ser humano; a segunda, portadora, com Deus
135 Don Bosco et la Pieuse Société des Salésiens. Paris, Jules Gervais, 1884, VI-378 p. A tradução
italiana saía poucos meses depois (San Benigno Canavese, Tipografia e Libreria Salesiana,
1884, VIII-256 p). Também no livro de Du Boÿs, porém, se encontram imprecisões cronológicas
e históricas e cifras hiperbólicas. De uma cópia da edição italiana com retificações de Dom
Bosco escreve P. Cavaglià, “Don Bosco lettore della sua biografia: osservazioni al volume di
A. du Boÿs, Don Bosco e la Pia Società Salesiana (1884)”, Rivista di Scienze dell’Educazione
22(1984), p. 193-206.
136A. Du Boÿs, Don Bosco et la Pieuse Société, p. 7-10.
137A. Du Boÿs, Don Bosco et la Pieuse Société, p. 90-93.
138A. Du Boÿs, Don Bosco et la Pieuse Société, p. 93-94.
139A. Du Boÿs, Don Bosco et la Pieuse Société, p. 100-106.
140A. Du Boÿs, Don Bosco et la Pieuse Société, p. 227-229.
141 Posteriormente, a partir de 1885, bispo de Coria (1885) e, desde 1886, de Málaga; por fim, de
1896, arcebispo de Sevilha e cardeal. Em março de 1987 foi proclamado beato.
142 Don Bosco y su obra. Barcelona, Tipografia Católica, 1884, 111p. O apêndice intitulava-se
“Talleres cristianos”. Sobre o livro escreve R. Alberdi, Una ciudad para un santo: los orígenes
de la obra salesiana en Barcelona. Barcelona, Ediciones Tibidabo, 1966, p. 78-81.

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348 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
e com Cristo, de salvação também terrena. Mostrava-se, desse modo, completamente
infundada a tese de incompatibilidade do catolicismo com a modernidade, que contra-
punha fé à ciência e à liberdade. Dom Bosco era justamente a confirmação da tese
oposta, atestada em todos os tempos pelos Padres da Igreja, pelos doutores e pelos
santos, pois demonstrava com sua obra religiosa e social que o amor de Deus é inse-
parável do amor do ser humano, sobretudo pobre e necessitado, sujeito à ignorância,
ao erro e ao pecado. Spínola não economizava elogios ao padre de Turim, modesto e
extraordinário, cativador dos jovens, um “caráter”, “o homem mais popular da Itália
moderna”, cuja atividade de educador se movimentava entre os dois polos represen-
tados pelo encontro com Bartolomeu Garelli e pelo triunfo de Paris.143 Contra o natu-
ralismo imperante, Dom Bosco e a Obra Salesiana eram prova de que “o sobrenatural
existe”: com um exército de jovens transformados; “com a criação do salesiano”; com
as escolas, as oficinas e as colônias agrícolas, onde se promoviam ao mesmo tempo
os interesses materiais e espirituais dos jovens.144 De resto, já antes de Spínola, Dom
Bosco era conhecido na Espanha através dos artigos publicados em 1880 sobre Dom
Bosco e as oficinas cristãs na muito difundida Revista Popular, do conhecido padre
Félix Sardá y Salvany. Eles tinham percorrido o advento dos salesianos na Espanha, em
Utrera (1881), enquanto o livro de Spínola se unia à combativa revista “social” de Sardá
y Salvany, para propiciar a extensão da obra a Sarriá, em Barcelona (1884), e a triunfal
viagem de Dom Bosco na Catalunha (1886).
Ao contrário, as apresentações feitas pelo padre salesiano Francesco Cerruti (1844-
1917), o primeiro autor que introduzia o sistema preventivo de Dom Bosco em um texto
escolar da História da Pedagogia,145 e pelo padre Domenico Giordani, da diocese de
Fermo, eram quase exclusivamente atentas ao caráter pedagógico e fracamente ao social.
Padre Cerruti aproximava Dom Bosco educador de Quintiliano e de Vittorino Feltre,
relacionados à prática e ao enunciado do sistema preventivo, a quem Dom Bosco, nas
páginas de 1877, tinha elevado à mais alta expressão. “Tu vês aqui com efeito colhido
em breves palavras – escrevia com ênfase – a flor da civilização pagã antiga e a essência
da nova cristã-católica, a sabedoria teorética de Quintiliano e a visão sadia prática de
Vittorino da Feltre, o Evangelho em uma palavra e o que existe de legítimo na herança
do espírito humano”. Não se esquecia, contudo, de ir às origens, além da pedagogia,
com a evocação dos inícios do oratório e depois do internato, relevando aí também seu
143 M. Spínola, Don Bosco y su obra, p. 7-34.
144 M. Spínola, Don Bosco y su obra, p. 83-91, 99-100.
145 F. Cerruti, Storia della pedagogia in Italia dalle origini a’ tempi nostri. Turim, Tipografia e
Libreria Salesiana, 1883, 320 p.
146 F. Cerruti, Storia della pedagogia in Italia, p. 269-270. Sobre os conteúdos humanistas
e cristãos do sistema ele retornava mais difusamente no opúsculo Le idee di Don Bosco
sull’educazione e sull’insegnamento e la missione attuale della scuola: lettere due. San
Benigno Canavese, Tipografia e Libreria Salesiana, 1886, 49 p. Retomava o tema vinte anos
depois: Una trilogia pedagogica ossia Quintiliano, Vittorino da Feltre e Don Bosco. Roma,
Scuola Tipografica Salesiana, 1908, 19 p.

35.9 Page 349

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 349
significado “humanitário”, moral e social.146
Três anos depois os salesianos imprimiam e difundiam dois livros, compilados pelo
padre Domenico Giordani, nos quais estava inserido o texto do sistema preventivo com
comentário, mais difundido no primeiro: A caridade em educar e o sistema preventivo
do maior educador vivente, o venerando padre Giovanni Bosco147 e A juventude e Dom
Bosco de Turim.148 “Caridade e amor” eram as duas palavras nas quais Giordani sinte-
tizava a mensagem educativa e social de Dom Bosco, que ele proclamava ser “o maior
educador que eu conheço em nossos tempos tão difíceis, o qual, com imensa caridade e
com o famoso sistema preventivo de educação, ao longo de tantos anos vem fazendo o
bem à nossa querida Itália e ao mundo inteiro”.149 A caridade era “o único caminho que
conduz ao sistema preventivo”, que “o tornou famoso”.150
A atualidade da ação e dos enunciados de Dom Bosco, sob o duplo aspecto social
e pedagógico era reconhecida com vivo interesse, nos anos 80, também na Alemanha
católica.151 O primeiro alemão que sobre ele escrevia era um religioso da Sociedade do
Verbo Divino, Johannes Janssen (1853-1898), irmão do fundador. Nos anos 1884-1886
publicava na revista missionária Die heiligue Stadt Gottes (A santa Cidade de Deus),
uma série de artigos informativos sobre Dom Bosco e a Sociedade de São Francisco
de Sales,152 cujas informações retirava copiosamente da biografia de d’Espiney, saída
em língua alemã no mesmo ano.153 Eles eram republicados em 1885, em opúsculo à
parte, Dom Bosco e o Oratório de São Francisco de Sales: perfil biográfico de um
educador do nosso tempo inspirado por Deus.154 Em 1887 publicava na folha dioce-
147 La carità nell’educare ed il sistema preventivo del più grande educatore vivente il venerando
D.Giovanni Bosco. San Benigno Canavese, Tipografia e Libreria Salesiana, 1886, p. 36-159
(texto do sistema preventivo com ampla paráfrase).
148 La gioventuù e Don Bosco di Torino. San Benigno Canavese, Tipografia e Libreria Salesiana
1886, p. 65-86 (texto com ampla paráfrase).
149D. Giordani, La carità nell’educare, p. 4. No volume La gioventù e Don Bosco (p. 3) repetia
quase literalmente.
150D. Giordani, La carità nell’educare, p. 4, 23-24, 64, 86.
151 Cf. N. Wolff, Viele Wege führen nach Deutschland: Überlegungen zur salesiasnischen
Geschichte der Jahre 1883-1922. Munique, Don Bosco Verlag, 2000; Id., “Von der Idee zur
Aktion: das Projekt Don Boscos in Deutschland (1883-1921)”, in: F. Motto (org.), L’Opera
Salesiana dal 1880 al 1922. Significatività e portata sociale,vol. I. Roma, LAS, 2001, p.
255-264.
152 Die heilige Stadt Gottes 8(1885), p. 158-159, 171-174, 206-208, 222-224, 238-230, 244-247,
270-272, 283-287, 292-295, 312-316.
153 C. d’Espiney, Don Bosco. Münster, Leinerdruck Leipzig, 1883, 190 S.; 2a ed., Münster,
Schöningh Verlag, 1886, 176 p.
154 Don Bosko und das Oratorium vom heiligen Franz von Sales: Lebensbild eines gottbegeisterten
Erziehrs der Gegenwart. 2ª ed., Steyl, Missionsdruckerei St. Michael, 1885, 107 p.; 3ª ed.,
1885, 104 p.

35.10 Page 350

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350 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sana de Colônia um ensaio sobre o Método educativo de Dom Bosco, repisado sobre
as páginas de 1877.155 O ensaio ilustrava a ação educativa e religiosa de Dom Bosco,
principalmente em relação às necessidades dos tempos e às necessidades morais, reli-
giosas, culturais e materiais dos jovens trabalhadores. Para tal se destinavam as escolas
vespertinas, as oficinas profissionais, em particular a tipografia e a encadernação, além
de iniciativas para a instrução e a prática religiosa. Era também colocada em evidência
a elaboração de um sistema educativo aplicável às famílias e aos institutos de educação
de todo gênero.
Um Dom Bosco interessado na solução da questão social, especialmente mediante
as escolas e as oficinas profissionais: assim o apresentava o sacerdote Johannes Baptist
Mehler (1860-1930). Em 1885 ele tinha se hospedado com Dom Bosco em Valdocco,
onde tinha tido modo de estudar com atenção o funcionamento das oficinas profissio-
nais. Recordava tal fato em carta a seu anfitrião. Mehler tinha falado de Dom Bosco
e de sua solicitude para com os jovens aprendizes, intervindo no Congresso Geral dos
Católicos Alemães, que tinha tido as suas sessões em Münster, de 30 de agosto a 3 de
setembro de 1885.156 “Os Congressistas – escrevia a Dom Bosco –, cheios de admiração
pelas obras tão estupendas, romperam em aplausos e agradeceram a Divina Providência.
Tendo depois feito conhecer a obra social dos Oratórios e as grandes vantagens que dela
se pode esperar, a assembléia decidiu fundar associações para salvar a juventude pobre e
abandonada”.157 As atas registram com mais precisão: “A Assembléia Geral recomenda
a urgente organização de centros de acolhida para jovens e aprendizes, externatos e
internatos católicos alternativos a abrigos juvenis irreligiosos, chama a atenção sobre as
extraordinárias realizações de Dom Bosco nesse campo e apóia a participação na União
dos Cooperadores Salesianos”.158 Foi o princípio de outros escritos que tocaram junta-
mente os aspectos sociais e pedagógicos da ação e da formulação de Dom Bosco.159
O primeiro, com o título Dom Bosco e as suas criações sociais, de 1886, era dedicado
ao problema social dos aprendizes.160 Como no discurso em Münster, Mehler conside-
rava a obra de Dom Bosco à luz da situação sócio-política e do sistema de formação dos
aprendizes na Alemanha em pleno processo de industrialização. Ele via Dom Bosco na
155 J. Janssen, “Don Bosco’s Erziehungsmethode”, Pastoralblatt (Colônia) 21(1887),
p. 137-140.
156 Cf. Verhandlungen der XXXII. General –Versammlung der Katholiken Deutschland zu
Münster i. W. vom 30. August bis 3. September 1885. Nach stenographischer Aufzeichnung
herausgegen vom Local-Comité. Münster, Commissions-Verlag Westfälischer Merkur, 1885,
p. 218-219.
157 “Don Bosco e l’Assemblea dei Cattolici Tedeschi”, BS 9(1885) n. 11, novembro, p. 106.
158 Verhandlungen der XXXII. General-Versammlun, p. 398.
159 Foram recolhidos pelo autor no volume Don Bosco’s sociale Schöpfungen, seine
Lehrlingsversammlungen und Erziehungshäuser: ein Beitrag zur Lösung der Lehrlingsfrage.
Regensburg, Verlag-Anstalt G. J. Manz, 1893, 120 p.
160 “Don Bosco und seine socialen Schöpfungen”, Arbeitwohl (Köln) 6(1886), p. 1-17.

36 Pages 351-360

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36.1 Page 351

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Cap XXVI: Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos e novos problemas (1877-1879) 351
origem de “um maravilhoso movimento social”: “aquilo que Adolf Kolping fez para
a categoria dos aprendizes – escrevia –, o mesmo, e ainda mais, ele colocou em ação
para os aprendizes e para os jovens trabalhadores” na Itália.161 Com suas instituições
juvenis, as duas congregações religiosas e a União dos Cooperadores, Dom Bosco se
encarregava das ameaçadoras “turmas de vagabundos, subversivos (Socialdemokraten)
e facínoras”.162 Mas se destacava também a dimensão especificamente pedagógica:
“Dom Bosco é também eminente educador, capaz não somente de formar hábeis traba-
lhadores, mas ao mesmo tempo de transformar jovens ociosos e incompetentes em
membros ativos da sociedade e ardorosos cristãos, em suma, trabalhadores genuina-
mente cristãos”.163 Seguia o delineamento dos grandes traços do sistema educativo,
recalcada sobre as páginas de 1877 e sobre os Regulamentos do mesmo ano. Do sistema
colhia seus temas centrais: religião, razão, bondade, doçura e assistência, congregados
ao redor do amor e da mansidão, núcleo do espírito de são Francisco de Sales.164
O autor fazia, em seguida, interessante observação, que não espelhava somente uma
específica sensibilidade alemã, mas a conjuntura realista do sistema preventivo, quando
este tivesse que se confrontar – como aparece também várias vezes pelos discursos de
Dom Bosco −,165 com jovens realmente anti-sociais, difíceis e perigosos e tivesse que se
integrar com medidas próximas do sistema repressivo: “Somente cada educador poderá
julgar se em todo lugar e sempre é possível adotar exclusivamente o sistema preventivo
ou, quiçá, uma sapiente combinação de ambos. Mas sempre e em todo lugar a educação
deverá se fundar sobre a religião e a razão, em base às quais o uso da bondade e da
doçura será mais produtivo que o rigor”.166
161 J. B. Mehler, Don Bosco’s sociale Schöpfungen, p. 1-2.
162 J. B. Mehler, Don Bosco’s sociale Schöpfungen, p. 2-9.
163 J. B. Mehler, Don Bosco’s sociale Schöpfungen, p. 15 (cf. p. 9-15).
164 J. B. Mehler, Don Bosco’s sociale Schöpfungen, p. 15-21.
165 Cf. cap. 30, § 3.
166 J. B. Mehler, Don Bosco’s sociale Schöpfungen, p. 20.

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36.3 Page 353

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Capítulo XXVII
Nascimento e desenvolvimento de obras na
Europa e na América (1877-1881)
1877
1878
1880
1881
1883
março: primeiros contatos para uma obra em Marselha
26 de abril: aquisição da fábrica de papel de Mathi Torinese
13 de maio: aprovação do projeto da Igreja São João Evangelista e início
dos trabalhos
verão: padre Bodrato inspetor da Argentina e Uruguai
outono: início das tratativas para Navarre e Saint-Cyr
15 de maio: aceitação da obra de Marselha
14 de agosto: bênção da pedra angular da Igreja São João Evangelista em Turim
16 de setembro: ato de aquisição de Ca’Pesaro (Este, Pádua)
10 de dezembro: chegada dos primeiros salesianos a La Spezia
15 de janeiro: partida para a missão na Patagônia
2 de agosto: morte do padre Bodrato
4: padre Giacomo Costamagna é nomeado inspetor interino
janeiro: padre Costamagna é nomeado inspetor americano
outubro: surge a inspetoria francesa, padre Albera superior
8 de dezembro: padre Lasagna inspetor do Uruguai e Brasil
outono: noviciado em Santa Margarida (Marselha)
A partir de 1875 não somente as instituições de Dom Bosco dilatavam-se geografi-
camente, mas também o crescimento numérico seria ininterrupto. Não passa ano sem
que se registre o nascimento de uma ou mais obras, na Europa ou na América do Sul.
Entre estas aqui se faz referência somente àquelas nas quais Dom Bosco tenha se empe-
nhado em primeira pessoa, quer no momento do nascimento, quer no desenvolvimento
sucessivo. Várias delas ele visitaria ainda nos últimos anos, já em acentuado declínio de
saúde, parando somente há poucos meses da morte.
No presente capítulo acena-se às iniciativas dos anos 1877 e 1878, prolongando a
atenção sobre algumas até os albores dos anos 80. Acompanha-se a evocação do envol-
vimento contínuo de Dom Bosco no funcionamento das obras americanas, retirando-a
sobretudo da correspondência epistolar entre ele e os correspondentes do outro conti-
nente, particularmente com os que ali ocupavam responsabilidades específicas.

36.4 Page 354

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354 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
1. As obras na Itália entre 1877 e 1878
Obviamente o interesse imediato do fundador é mais visível nas iniciativas italianas
e em algumas por ele pessoalmente organizadas e encaminhadas no sul da França,
região cada vez mais freqüentada no futuro, em busca de beneficência.
1.1 Os salesianos em La Spezia e em Lucca
Entre as obras surgidas em 1877 sobressai-se a de La Spezia, na Ligúria, seguida
seis meses depois do Oratório Santa Cruz, em Lucca, na Toscana. Da primeira Dom
Bosco resumia a pré-história e a proto-história em um relatório a Leão XIII, apenas
eleito. Não hesitava em dramatizar a situação e recordava que para as missões e as
outras obras Pio IX “concedia subsídios nas mais graves necessidades”, e em parti-
cular “para La Spezia tinha fixado 500 francos mensais”,1 [na realidade, anuais].
Nascida a partir de um modesto número de habitantes, a cidade tinha se desenvolvido
velozmente, destinada desde os primeiros anos 60 a se tornar praça-forte marítima e o
mais importante porto e arsenal militar do reino. A cidade – informava Dom Bosco –,
“invadida pela maçonaria e pela heresia, em breve tempo aumentou a população” de
5 mil para 25 mil almas, com grave carência de clero e de igrejas.2 Os censos relativos
não somente ao antigo aglomerado urbano, mas também ao município todo, davam,
efetivamente, os seguintes resultados: em 1861 contavam-se 11.556 habitantes, 24.127
em 1871, 30.732 em 1881.
Contudo, no início, Dom Bosco não fora encorajador com os suplicantes. Por
volta de 20 de julho de 1877, de Alassio, informava ao padre Rua: “Escrevi nega-
tivamente para La Spezia”.3 O consentimento, ao invés, amadurecia rapidamente.
A iniciativa de dirigir-se a Dom Bosco tinha partido do pregador apostólico Giuseppe
Persi (1821-1887), que morreu como salesiano. Tinha falado disso a Pio IX, após ter
pregado o mês de maio em La Spezia. O papa escrevia a dom Giuseppe Rosati, bispo
de Sarzana e Brugnato, prometendo subsídio anual de 500 liras e encorajando-o a
dirigir-se a Dom Bosco, que enviava padre Rua para a busca de uma sede. Em 10 de
dezembro chegavam a La Spezia, para iniciar a sua atividade educativa e pastoral,
os primeiros salesianos, acompanhados pelo padre Cagliero: o diretor, padre Angelo
Rocca, com dois clérigos e um coadjutor. Dom Bosco em sua viagem para Roma
do final de 1877, ali permanecia nos dias 20 e 21 de dezembro. Os inícios foram
humildes: um local improvisado e depois uma casa reformada permitiam, de dia,
1 Carta de 15 de março de 1878; E III 318-319.
2A Leão XIII, 15 de março de 1878; E III 319.
3 E III 201.

36.5 Page 355

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 355
a escola e, à tarde, a preparação para a primeira comunhão de jovens, pequenos e
grandes. A capela, feita na sede prevista, começou a funcionar a partir de 1º de março
de 1878, imediatamente muito freqüentada.
Em Roma, Dom Bosco não tardava a recorrer ao ministro da Marinha, o turinense
Benedetto Brin (1833-1898), insigne engenheiro naval e renovador da Marinha Militar
italiana. Sublinhava que em La Spezia os 27 mil habitantes eram “quase todos operá-
rios do Arsenal” e que aí eram numerosos os meninos abandonados, ao passo que não
existiam instituições educativas apropriadas. A essa carência ele pretendia suprir dando
aos jovens “uma educação – dizia – que possa fazer deles bons cidadãos, aptos, com o
tempo, a ganhar honestamente o pão da vida”. Não pedia dinheiro, mas materiais fora
de uso que estavam nos armazéns da Marinha: bancos, escrivaninhas, sofás, cadeiras,
mesinhas, quadros para as escolas, bacias de lavar mão, panelas para a cozinha, diversos
objetos de pano para vestuário e calçados de qualquer forma e mesmo já tornados
defeituosos”. A doação, logo efetuada, no dizer de Dom Bosco, era em favor “dos
mais pobres filhos do povo”, os quais, “abandonados” pela rua, passariam a povoar
“as prisões do Estado”.4 Mas sabia que em La Spezia seus salesianos não podiam viver
de restos. Por isso sempre da capital enviava ao diretor a bela soma de mil liras.5 Da
Spezia e de outras obras falava a Leão XIII na longa audiência de 16 de março de
1878, sobre a qual, depois, se referia com a costumeira mistura de idéias próprias com
as do pontífice.6 No fascículo de março de 1879 o Boletim Salesiano publicava uma
carta ao papa do diretor da obra de La Spezia com informações sobre as atividades e
sucessos do primeiro ano. Fora redigida, certamente, com sugestões de Dom Bosco.
Padre Angelo Rocca tinha-a enviado, com carta de 22 de dezembro de 1878, ao cardeal
Lorenzo Nina, secretário de Estado, pedindo que a fizesse chegar ao santo padre.
O Boletim relatava também a resposta do cardeal, de 2 de janeiro, que manifestava
“a viva e sincera satisfação” do pontífice “pelos bons resultados obtidos” e transmitia
ao “diretor a bênção apostólica”.7
Com o novo ano de 1878 Dom Bosco chegava em 19 de fevereiro a La Spezia e aí
permanecia durante dois dias. No dia 22 ia a Sarzana para saudar o bispo diocesano
e de tarde continuava para Lucca, onde ficava no Oratório Santa Cruz. Os salesianos
aí trabalhavam desde 29 de junho de 1878, chamados pelo arcebispo Nicolò Ghilardi
(1827-1904), após contatos do padre Barberis e do padre Lazzero, dirigidos a Roma
em junho de 1877, e sucessivas tratativas conduzidas pelo padre Cagliero. A visita de
Dom Bosco assumia particular solenidade, antes de tudo pela acolhida oficial, por parte
do Cabido da Catedral, como peregrino ao Rosto Santo, venerado em uma das capelas
internas.8 Também a conferência que aí fazia em 26 de abril, na presença do arcebispo,
4 Carta de 16 de janeiro de 1878; E III 273-274.
5 Carta ao padre Rua, 5 de fevereiro de 1878; E III 291.
6 E III 327-328.
7 BS 3(1879) n. 3, março, p. 4-6.
8 BS 3(1879) n. 5, maio, p. 5-6 (A primeira conferência em Lucca).

36.6 Page 356

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356 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
teve grande realce. Dela o padre Bonetti publicava a crônica no Boletim Salesiano,
depois publicada no periódico luccano Il Fedele.9
O mais ardoroso sustentador da obra de Spezia foi Giuseppe Bruschi, diretor dos
Correios, pelo qual Dom Bosco obteria uma condecoração pontifícia:10 mais tarde
tornar-se-ia sacerdote salesiano e morreria em La Spezia em 1901, com 79 anos.
Dom Bosco informava, em agosto de 1880, o cardeal protetor, Lorenzo Nina, que
se tornara prefeito do Concílio, de uma significativa ampliação da obra de La Spezia.
Aí tinha desvendado as “insídias – dizia –, que somente a imoralidade e a impiedade
protestante sabe praticar”. Então fora estipulado o contrato de aquisição do terreno,
sobre o qual seriam construídas a escola, a igreja e a casa para os salesianos. Ao texto
da carta seguia um breve relatório sobre a “igreja, escolas e habitação para os profes-
sores na cidade de Spezia”, com respectivo pedido ao santo padre de auxílio financeiro
extraordinário, quiçá elevando a 100 liras mensais o subsídio de 500 liras anuais até
agora assegurado.11
Menos de dois meses depois enviava a circular Aos amantes do bem da religião e da
sociedade civil, informando-os sobre as atividades até então desenvolvidas e sobre as
construções em curso, pedindo-lhe que viesse “em socorro com dinheiro e com mate-
rial de construção”.12 Dirigia-se também a um sacerdote de Novara, pedindo que o
ajudasse “a encontrar algum benfeitor extraordinário” para as muitas necessidades.13
Em La Spezia estaria ainda em 1882, para duas conferências aos cooperadores, uma à
tarde de 4 de abril, outra na parte da manhã do dia seguinte.
Em 6 de abril estava em Lucca, onde, no sábado santo, 10 de abril, fazia uma
importante conferência, toda fundamentada na concretitude: queria que os benfeitores
soubessem de que forma eram empregadas as ofertas deles. Em Lucca, em particular,
sustentavam uma obra que, embora impossibilitada de desenvolver-se pelo aperto do
espaço, compreendia um oratório festivo “freqüentado por mais de cem jovens”, escolas
cheias, um internato para estudantes e aprendizes, com cem acolhidos.14 Mas justa-
mente a carência de espaço para um desenvolvimento racional conduziria, em 1891, ao
fechamento da obra.
9 Carta de Lucca ao padre Rua, 25 de fevereiro de 1879; E III 447; BS 3(1879) n. 5, maio,
p. 5.
10 Carta ao padre Dalmazzo, abril de 1880; E III 583.
11 Carta de 20 de agosto 1880; E III 616-617. A grande igreja, dedicada a Nossa Senhora das
Neves, seria concluída após a morte de Dom Bosco.
12 Circular de 11 de outubro de 1880; E III 627-628.
13 Carta ao teólogo Rusconi, 6 de dezembro de 1880; E III 638-639. Cf. também circular aos
diretores, 21 de dezembro de 1880 (E III 643), e aos cooperadores, 23 de abril de 1881 (E IV
45); também em BS 5(1881) n. 5, janeiro, p. 1-2.
14O texto da conferência, transcrito em Il Fedele, foi publicado pelo BS 6(1882) n. 5, maio, p.
80-82.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 357
Pensando em novas ampliações das escolas de Spezia, em 1883 Dom Bosco escrevia
ao cardeal Nina esperando ainda obter o apoio do papa.15 Aí estaria, poucos meses
depois, em 10 de abril de 1884, dia de Páscoa, no curso da viagem para Roma, fazendo,
no período da tarde, longa conferência, da qual o padre Lemoyne, que fazia o papel de
secretário, enviava uma relação ao padre Bonetti, para o Boletim Salesiano.16 Em maio
de 1885 escrevia ainda a Benedetto Brin, que em 1884 tinha reassumido o ministério da
Marinha, pedindo-lhe que viesse em favor das escolas criadas “para os operários adidos
ao Arsenal de La Spezia”.17
A crônica da última parada de Dom Bosco em La Spezia, nos dias 23 a 25 de abril
de 1887, na viagem de ida para Roma para a consagração da Igreja Sagrado Coração de
Jesus, fala de um Dom Bosco “muito cansado”, circundado por numerosas e comovidas
autoridades civis e militares: ele se limitava a dar a bênção após a conferência do padre
Rua, feita na parte da manhã de domingo, dia 25, na igreja “cheia de gente”.18
1.2 A fábrica de papel de Mathi
Em 1887 Dom Bosco aquiria também uma fábrica de papel em Mathi, a 25 quilôme-
tros de Turim, da qual era proprietária a viúva Clotilde Varetto. Fazia-o com o intuito de
aliviar as despesas para o papel necessário para as duas tipografias de Turim-Valdocco
e de Gênova-Sanpierdarena, às quais se acrescentaria logo a de San Benigno Canavese.
Propunha-se também a fornecer papel para outras tipografias católicas. Com escri-
tura privada ele se obrigava a assegurar à proprietária renda vitalícia de 12 mil liras.
O ato público de 26 de abril de 1877, ao invés, mostrava a aquisição por 100 mil liras.
Tornando-se único proprietário, para a gestão da empresa associava como adminis-
trador um comerciante genovês, Domenico Varetti, que tinha se interessado para o
internato de Sanpierdarena,19 constituindo privadamente a Sociedade Bosco-Varetti
sobre uma fábrica de papel em Mathi.20 Mas Varetti começou e continuou a agir como
co-proprietário, administrando em nome próprio, sem prestar contas da gestão, tendo,
por fim, criado uma situação financeira insustentável. Foram inúteis as intervenções e
os intermediários. Dom Bosco teve que recorrer a modos extremos. Já em janeiro de
1878, de Albano, escrevia resolutamente ao padre Rua: “Esteja atento para não assinar
nenhum recibo pelo senhor Varetto [sic]; ele que pense em sua parte, e nós cuidaremos
da nossa ou, ao menos, procuraremos prover”.21 Em 5 de julho retirava de Varetti a
15Ao padre Dalmazzo, 26 de novembro de 1883, e ao cardeal Nina; E IV 186-187.
16 BS 8(1884) n. 5, maio, p. 70-71.
17 Carta de 25 de maio de 1885; E IV 589.
18 G. Viglietti, Cronaca. Dal 23 Genn. 1887 al 15 Maggio 1887, p. 39-44.
19 Cf. cartas ao padre Rua de 24 e 25 de agosto de 1871; Em II 362 e 363.
20 Cf. o texto do ato em MB XIII 661-662.
21Ao padre Rua, 22/23 de janeiro de 1878; E III 277.

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358 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
procuração que lhe dera em 5 de julho do ano precedente. Por fim, para ter em mãos a
gestão autônoma da fábrica de papel, da qual era o único proprietário, teve que recorrer
ao Tribunal de Comércio de Turim, o qual, com sentença de 30 de agosto de 1878,
inibia “Varetto [sic] de não mais ingerir-se de qualquer forma no andamento da fábrica
de papel”. Em seguimento de uma sentença arbitral, Varetti foi liquidado com 23 mil
liras, e Dom Bosco podia nomear o pessoal dirigente de sua confiança, constituindo,
em seguida, em Mathi uma pequena comunidade salesiana, tendo como chefe padre
Antonio Varaja. Em 3 de fevereiro a fábrica de papel teve um incidente gravíssimo,
com duas vítimas, por causa do estouro da caldeira a vapor que cozinhava o material.22
Encontra-se eco desse fato em cartas de Dom Bosco no final do verão [setembro].23 Nos
dias do acidente ele estava viajando pelo sul da França. No decurso do ano, buscava-se
reparar os graves danos sofridos pelo velho edifício e aí se edificava um novo como
sede da comunidade dos salesianos. Para ali Dom Bosco se retirava, algumas vezes,
nos últimos anos, e mais longamente no verão de 1885. No ano escolar de 1883-1884
a casa de Mathi foi também sede de um grupo de Filhos de Maria, tendo como diretor
padre Filippo Rinaldi. No ano seguinte, como se dirá mais tarde,24 encontravam a sede
definitiva no edifício ao lado da Igreja São João Evangelista.
1.3 Os salesianos em Este
Lineares e rápidos foram, também, os inícios do colégio de Este para estudantes
ginasiais.25 Essa obra nasceu por iniciativa do pároco de Santa Maria das Graças, padre
Agostino Perin, assim como Dom Bosco “angustiado pelos danos que o laicismo escolar
acarretava para a juventude”. Após sumários entendimentos epistolares, em junho de
1878 ele se dirigia a Turim, onde encontrava um Dom Bosco extremamente disponível.
O sacerdote obtinha imediatamente o cordial consenso do bispo diocesano, Federico, da
família dos marqueses Manfredini di Rovido (1892-1882, bispo de Pádua desde 1857),
do qual deu o nome ao colégio, e o cordial caritativo apoio do arcipreste do Duomo
de Este, dom Agostino Zanderigo. Em 25 de junho de 1878 estipulava-se, em nome
de Dom Bosco, por 35 mil liras, o contrato de aquisição de Ca’ Pesaro, grande palácio
nobre do século XVIII, sede ideal para o colégio e as escolas. Dom Bosco enviou o
ecônomo geral, padre Sala, para dar início aos não difíceis trabalhos de adaptação.
O contrato foi oficializado com ato notarial de 16 de setembro, subscrito pelo padre
22 Cf. BS 6(1882) n. 3, março, p. 54-55, “Uma desgraça”.
23 Ao padre Peronino, 7 de setembro de 1883 (E III 171) e à senhora Magliano, 8 de setembro
de 1882 (E III 172-173).
24 Cf. § 1.4.
25O Boletim Salesiano do final de 1878 dava informações essenciais: BS 2(1878) n. 12,
dezembro, p. 7-8, “Colégio-internato Manfredini em Este”.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 359
Perin, “por conta, nome e interesse e com os dinheiros de Dom Bosco”, e pelos proprie-
tários, os condes venezianos Gradenigo. Um rico senhor de Este, Benedetto Pelà (1800-
1883), interveio com singular generosidade, desembolsando, em breve tempo, antes
10.800 liras e depois 6 mil liras, que tornaram possível o instrumento. Ele continuou
a dar o auxílio incondicionado de somas relevantes nos trabalhos de adaptação e nas
sucessivas ampliações. Em 10 de outubro de 1878 chegava a Este o primeiro diretor,
Giovanni Tamietti (1848-1920), com um leigo que possuía o título de professor de
nível fundamental, hospedados por famílias privadas. Com a chegada do prefeito, padre
Tommaso Calliano, de um clérigo e de dois coadjutores, em 19 de novembro a comuni-
dade salesiana podia organizar-se na sede definitiva de Ca’ Pesaro.
Era a primeira obra salesiana nas Três Venezas, o início de um florescente e longevo
colégio com classes elementares e um ginásio de excelente nível educativo e cultural.26
Em 2 de abril de 1879 Dom Bosco, proveniente de Roma, fazia aí uma parada. Foi
imediamente acompanhado à casa de Benedetto Pelà, que celebrava o 79º aniversário.
Durante o festivo encontro, Dom Bosco se levantava e, após ter agradecido quantos
tinham acolhido os salesianos com singular benevolência, anunciava: “Estou feliz em
poder saudar o senhor Benedetto Pelà Cavalheiro da Ordem de São Silvestre”. No
pedido da honorificência, feita a Leão XIII em 10 de março, Pelà era apresentado com
estas palavras: “Senhor Benedetto Pelà, nobre e rico católico da cidade de Este Veneto.
Ele deu aos salesianos um colégio por ele comprado nessa cidade. Pede-se para ele
a Cruz de Cavaleiro de qualquer ordem”.27 Impedido de partir por causa de um forte
vento e de uma chuva torrencial, Dom Bosco aproveitava para fazer, nos salões do
palácio, uma conferência aos cooperadores de Este. Em 4 de abril, em Pádua, saudava
o bispo. Na noite do dia 5 chegava a Milão, onde permanecia quatro dias, hóspede do
advogado Comaschi.
Na carta ao diretor de agosto de 1880 ele anexava também “uma carta para o Sr.
Cav. Pelà”.28 Em outubro de 1880 vieram para trabalhar no colégio também as Filhas
de Maria Auxiliadora.
Dom Bosco desejou visitar de novo o colégio, seja em 1881 como em 1882, mas
esteve sempre impedido.29 “Saudações ao Sr. Venturini e ao Sr. Pelà, aos quais dirás que,
quiçà, nos veremos em breve”, escrevia em 25 de setembro de 1881 ao padre Tamietti.30
Depois, em abril de 1882, “vistas as crescentes dificuldades para passar a Este”, convi-
dava-o para ir a Roma.31 Enviava duas cartas de encorajamento ao diretor. Como esti-
26 Cf. Il Collegio “Manfredini” di Este no primeiro centenário 1878-1978. Este, Unione
Ex-Allievi, 1978, p. 29-51.
27 E III 454.
28 Carta de 25 de agosto de 1880; E III 621.
29 Cf. Carta ao padre Cagliero, 6 de abril de 1881; E IV 40-41.
30 E IV 82.
31 Carta de 17 de abril de 1882; E IV 128-129.

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360 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
vesse preocupado pelas doenças que campeavam no colégio, Dom Bosco o exortava:
“Coloquemos nossa confiança em Deus e vamos adiante. Abri vosso colégio”.32 A outra
era por causa das enchentes que tinham golpeado gravemente o Vêneto, com danos
relevantes também para o Pelà, proprietário agrícola: “Se o engrossamento das águas te
persuadisse a fazer algum sacrifício, não recuses”, recomendava ao diretor.33 Por meio
dele, por várias vezes, pedia que transmitisse palavras de fé e de conforto ao benfeitor
doente: “Dirás ao Sr. Benedetto que eu rezei e rezo muito por ele”;34 “as cruzes são as
que nos conduzem à glória”, “os atuais espinhos tornam-se rosas sob os seus olhos”.35
O generoso benfeitor morria em 27 de janeiro de 1883, perto dos 83 anos, e era
sepultado em uma capelinha situada no perímetro do colégio.
1.4 Igreja e internato de São João Evangelista em Turim
A mobilização para a construção da Igreja São João Evangelista e a ampliação do
Oratório São Luís, no bairro de Porta Nuova, foram iniciadas por Dom Bosco com
muita convicção já nos anos 1869 e 1870, na esperança, logo decepcionada, de rápido
acabamento. Por isso ele tinha acionado imediatamente os benfeitores:36 entre os
mais confiáveis, o barão Feliciano Ricci des Ferres − o qual, parcimonioso, em 9 de
dezembro, empenhava-se com mil liras, a serem versadas em três vezes −,37 a Condessa
Carlotta Callori38 e o comendador G. B. Dupraz.39 Com outra circular mais ampla, do
outono de 1879, ele sublinhava as motivações religiosas do empreendimento e a forte
conotação antiprotestante, informava sobre os trabalhos já realizados, colocava em
evidência o apoio do papa e do arcebispo e esclarecia o plano do complexo a ser reali-
zado: “uma igreja que possa servir também para os adultos, com construção suficiente
para a escola, internato, jardim [oratório], lugar para entreter os jovens em recreação
no dia festivo, preservá-los dos perigos da imoralidade e encaminhá-los para alguma
arte ou profissão”.40 Para mais vasta publicidade dirigia-se também a um dos colabora-
dores do L’unità cattolica, professor Tommaso Vallauri, para que o jornal informasse
32 Carta de 25 de setembro de 1881; E IV 82.
33 Carta de 12 de outubro de 1882; E IV 177.
34Ao padre Tamietti, 17 de abril de 1882; E IV 129.
35Ao padre Tamietti, 12 de outubro de 1882; E IV 176.
36 Circular de 5 de maio de 1869; Em III 81-82.
37 Cf. Documenti XI 312-313 e carta de agradecimento de Dom Bosco pelo primeiro versamento
de 300 liras, 23 de junho de 1870; Em III 221. É expressivo o bilhete reservado ao barão, que
Dom Bosco queria que lhe fosse enviado após a própria morte; cf. cap. 32, §4.2.
38 Carta de 13 de julho de 1870 (Em III 225-226) e de 23 de janeiro de 1871 (Em III 295).
39 Carta de 7 de fevereiro de 1871; Em III 305.
40 Circular de 12 de outubro de 1870; Em III 261-262.

37 Pages 361-370

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37.1 Page 361

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 361
seus leitores.41 Efetivamente, na sessão “Cronaca Italiana” de 14 de dezembro aparecia
um Apelo à piedade dos turinenses, feito de trechos da circular de 12 de outubro, “do
milagre de caridade e de beneficência, que [era] o piedoso sacerdote Giovanni Bosco”.
Entre outras coisas, se afirmava: “Os trabalhos já começaram, já foram concluídos os
alicerces”.42
Na realidade, devido a muitas dificuldades para a aquisição dos terrenos de vários
proprietários, entre os quais um que era tenazmente renitente, os trabalhos puderam
começar somente em 1877. Os preliminares, contudo, ocuparam constantemente
Dom Bosco desde 1871, seja pessoalmente, recorrendo às autoridades provinciais e
municipais,43 seja incentivando os colaboradores mais próximos, em particular o padre
Rua e os ecônomos da Congregação que se sucederam entre os anos 70 e 80: padres
Angelo Savio, Francisco Bodrato, Carlo Ghivarello e Antonio Sala.44
Agia também junto à direção das Ferrovias da Alta Itália para a obtenção do trans-
porte de materiais.45 A negociação mais longa e difícil foi conduzida para obter a
expropriação, por razões de utilidade pública, de uma propriedade do valdês L. Enrico
Morglia.46 O decreto liberatório chegava no início de março de 1876. O jornal La Nuova
Torino, Giornale industriale, no número 65 de sábado, 6 de março, falava de “um
decreto de expropriação por utilidade pública contra um protestante em favor de um
padre intrigante”. Dom Bosco tinha suficientes defesas contra tais banalidades. Antes,
ele podia finalmente dar ordem ao padre Rua para que desse “execução ao decreto de
expropriação Morglia” e, “em relação aos trabalhos a serem realizados com relação
à Igreja”, “estabelecer claro um capitulado” com o empresário de confiança, Carlo
Buzzetti, reservando-se de examiná-lo.47
Na espera da realização da obra, em março de 1876, Dom Bosco pedia e obtinha
do arcebispo que abençoasse a nova capela para o Oratório São Luís.48 Entrementes
o conde Edoardo Arborio Mella tinha preparado o projeto da capela49 e do internato
41 Carta de 10 de dezembro de 1870; Em III 278.
42 L’unità cattolica, nº 287, quarta-feira, 14 de dezembro de 1870, p. 1159.
43 Cf. carta ao prefeito, 18 de janeiro de 1871 (Em III 292); ao governador da província, 11 de
abril de 1873 (E II 268).
44 Ao padre Rua, 1º de julho de 1871; Em III 344.
45 Cf. carta de maio de 1872 (Em III 430-431, 431-432) e de 12 de julho de 1872 (Em III 446).
46 Cf. a instância a Vittorio Emanuele (Em III 425-426); ao prefeito de Turim, 11 de abril de
1873 (E II 268); ao conde Francesco di Viancino, 20 de setembro de 1873 (E II 307); ao padre
Rua, pedindo para que o padre Savio preparasse os documentos relativos à negociação junto
do Conselho de Estado, 16 de março de 1874 (E II 367); de Roma ao padre Rua, em referência
ao patrocínio da causa por parte do conde Carlo Reviglio della Venaria [= Veneria], fevereiro-
março de 1875 (E II 457).
47 Carta de Alassio, 4 de março de 1876; E III 23-24.
48 Carta de 15 de março de 1876; E III 29-30.
49 Publicado em BS 2(1878) n. 7, julho, p. 7-8.

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362 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
anexo e, em maio de 1877, dom Gastaldi o aprovava. Finalmente podiam ser iniciados
os trabalhos, que foram levados adiante com certa celeridade. “Desde o ano passado
puderam-se colocar os fundamentos da nova Igreja, a qual já subiu 1 metro acima da
terra”, anunciava o Boletim Salesiano de abril de 1878.50
Alguns meses depois surgia um inesperado dissídio por causa da relação que se
procurava estabelecer entre duas diversas igrejas e o nome de Pio IX. No número de
domingo, 17 de fevereiro, L’unità cattolica, sob o título da “Crônica Italiana” San
Secondo e Pio IX, tinha caldeado a proposta feita pelo “zelantíssimo pároco de San
Secondo” que se procurasse contruir a igreja como homenagem à memória de Pio IX,
ao qual o mesmo pároco tinha pensado em escrever, “invocando a bênção e o apoio”.51
O arcebispo tinha apoiado a proposta e em 3 de março o jornal dava-lhe publici-
dade em um artigo com o título O Monumento dos turinenses à santa memória de Pio
IX.52 Dom Bosco estava ao corrente da iniciativa? Como se queira, cinco dias antes,
com uma carta de Roma ao padre Rua, tinha encarregado padre Bonetti de preparar
um artigo para o Boletim Salesiano sobre a Igreja São João centrada em três temas:
“1) tratar-se de obra aconselhada, abençoada, subsidiada por Pio IX; 2) não se poder
promover melhor monumento que conduzir a termo uma obra começada por Pio IX,
consagrada a seu nome, e que é conforme à sua última recomendação: cuidai da juven-
tude. [3)] É dever dos cooperadores conduzir a termo a obra começada pelo fundador
dos promotores salesianos”.53 Talvez alarmado pela proposta turinense, em 6 de março,
sempre de Roma, confirmava diretamente ao padre Bonetti o encargo, e prevendo oposi-
ções, queria sublinhar a idéia de Pio IX “fundador dos Cooperadores” e o concurso à
construção dos Cooperadores, tanto os próximos como os distantes. Quanto ao artigo,
concluía: “vamos ver”.54 Este saía no número de abril do Boletim Salesiano com o título
Os Cooperadores Salesianos para a memória perpétua de Pio IX, o Grande. Mediante
copiosas lembranças históricas e mais motivações ilustrava o que Dom Bosco tinha
sugerido ao redator.55
Mas a insistente exclusiva referência aos Cooperadores não foi suficiente para
evitar o desencontro entre a iniciativa salesiana e a diocesana. Isto deu lugar a uma
breve tempestade em meses nos quais não se tinham verificado grandes dissídios entre
Dom Bosco e o arcebispo. Gastaldi protestava ao prefeito da Congregação dos Bispos
e Regulares e ao cardeal secretário de Estado. A esses, em 8 de maio de 1878, Dom
Bosco explicava que com seu periódico tinha se dirigido “unicamente aos Cooperadores
Salesianos, com cujo nome – precisava – entendem-se os nossos ordinários benfeitores
50 BS 2(1878) n. 4, abril, p. 4.
51 L’unità cattolica, n. 42, domingo, 17 de fevereiro de 1878, p. 167-168.
52 L’Unità Cattolica, n. 54, domingo, 3 de março de 1878, p. 214.
53 Carta de 28 de fevereiro de 1878; E III 306.
54 E III 310.
55 BS 2(1878) n. 4, abril, p. 2-6.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 363
das nossas casas da Itália, França e América”.56 Do mesmo teor era quanto escrevia ao
arcebispo, esclarecendo que o apelo fora endereçado “só aos Salesianos Cooperadores”
em um “Boletim que se imprime em Gênova” e assegurando ter dado ordem para não
mais se falar em “monumento”.57 Estes e outros temas elencava em sua defesa em 28
de maio e 1º de junho, em cartas aos cardeais Franchi e Ferrieri, assegurando-lhes que
“excetuada a folha em curso na imprensa”, no futuro não se faria jamais menção da
igreja como “monumento a Pio IX”58. Visava pôr fim aos dissídios o artigo Uma justi-
ficação sobre a Igreja São João como monumento a Pio XI, publicado no fascículo de
junho do Boletim Salesiano, seguido pelos textos da circular de 12 de outubro de 1870
e da Recomendação do cônego Zappata, “de ordem e em nome” do arcebispo Riccardi.
O autor dessa que devia ser uma restrição dos limites dos originários com referência,
parecia sanar o dissídio assegurando: “de um certo modo” “retiramos de nosso artigo
alguns parágrafos, e nos limitamos a recomendar a obra só a nossos cooperadores e
cooperadoras”. “E, malgrado tudo isto – continuava cedendo à sedução da polêmica –,
é-nos agora referido que nós desagradamos a alguém. Tristes por ter sido, contra nossa
vontade, causa de desagrado a alguma pessoa (...)”, etc.59
Em abril Dom Bosco convidava o conde Eugenio de Maistre para a bênção da “pedra
fundamental” da igreja que estava construinido “em honra do saudoso Pio IX”, pedin-
do-lhe “o favor de vir a pôr tal pedra em seu lugar e colocar a primeira argamassa”.60
A data prevista fora trocada para 14 de agosto. Dom Bosco suplicava ao arcebispo
Gastaldi de querer abençoá-la e a colocação era feita pelo banqueiro Ceriana.61 No
dizer de Dom Bosco, foi “uma festa estrepitosa”:62 tanto Dom Bosco como o arce-
bispo fizeram breves discursos. O arcebispo colocava em evidência, com particular
fervor, três polos da fé católica, os quais, sem dizer nada, o acomunavam a Dom Bosco:
“Portanto eu me alegro – assim concluía o breve discurso – que se levante um templo
neste lugar, em honra de um Apóstolo tão querido a Jesus Cristo, tão devoto de Maria,
tão respeitoso da cátedra de Pedro. Oh! Que a vista desta igreja reaqueça cada vez mais
o coração da devoção a Jesus Sacramentado e à Maria Santíssima, e nos torne filhos
cada vez mais afeiçoados e devotos do papa”.63
56 E III 338.
57 Carta de 9 de maio de 1878; E III 339-340.
58 E III 348-349 e 350.
59 Cf. BS 2(1878) n. 6, junho, p. 4-6.
60 Carta de 4 de abril de 1878; E III 336.
61 A dom Gastaldi, 6 de agosto de 1878; E III 374. À carta anexava uma corajosa carta do padre
Bonetti em defesa de seus artigos publicados no Boletim Salesiano: “Os decretos de Urbano
VIII e os milagres de Pio IX” (BS 2(1878) n. 7, julho. p. 4-5) e “Uma justificação sobre a igreja
de São João como monumento a Pio IX” (BS 2(1878) n. 6, junho, p. 5-6). Cf. cap. 28, § 5.
62 Ao padre G. Ronchail, 15 de agosto de 18778; E III 380.
63 “Colocação da pedra fundamental na Igreja São João Evangelista”, BS 2(1878) n. 9, setembro,
p. 1-6.

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364 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Além da intensa correspondência pedindo auxílios para completar toda a obra ou
a igreja em particular, Dom Bosco se empenhava também na organização de uma rifa
com preciosos quadros e outros objetos deixados em herança pelo barão Bianco di
Barbania.64 Em uma exposição, de 20 de agosto de 1880, sobre as obras salesianas feita
ao cardeal Nina, Dom Bosco escrevia: “Com igual ardor trabalha-se para a igreja e insti-
tuto de São João Evangelista, próximo do templo e escolas protestantes de Turim. Em
novembro próximo será transferido o oratório dos meninos e, em junho de 1881, toda a
igreja poderá estar em funcionamento”.65 Em 1º de dezembro de 1881 eram abençoados
os cinco sinos colocados no alto da torre, cume da fachada.66 Em 25 de abril de 1882
colocava-se na Igreja a estátua de Pio IX.67 O Boletim Salesiano, no fascículo de junho,
publicava uma vista da igreja e do internato anexo, desenhado pelo projetista.68 Nos dias
3 a 6 de julho insignes maestros louvavam o grande órgão.69 Em 5 de julho Dom Bosco
escrevia ao arcebispo – em 17 de junho fora assinada a “Concórdia” −70 de preferir a
simples bênção à congregação da igreja, temendo a repetição dos tumultos acontecidos
por ocasião da Igreja São Secondo.71 O arcebispo, ao invés, optava pela consagração,
propondo-a para o dia 30 de agosto.72 Dom Bosco preferiria o final de outubro73, mais
precisamente sábado, dia 28, data que foi aceita:74 para esse dia convidava-o também
para o almoço em Valsalice.75 Para a cerimônia da consagração espalhava uma circular e
cartas pessoais de convite.76 Em 19 de outubro morria o advogado conde Carlo Reviglia
della Veneria, “uma das pessoas mais beneméritas da Igreja São João Evangelista”, que
64 Cf. pedido de autorização ao prefeito de Turim, de 28 de novembro de 1878; E III 418-419.
A autorização chegou em 2 de dezembro e a extração aconteceu em 30 de agosto de 1879.
65 E III 616.
66 “Solene bênção dos sinos para a Igreja São João Evangelista em Turim”, BS 6(1882) n. 1,
janeiro, p. 9-10.
67 BS 6(1882) n. 8, agosto, p. 139-140.
68 “Desenho da igreja e internato de São João e da estátua de Pio XI”, BS 6 (1882) n. 6, junho,
p. 97-99, 103-104.
69 “Notícias sobre os órgãos em geral e a instalação do órgão da Igreja São João Evangelista em
Turim”, BS 6(1882) n.8, agosto, p. 135-139
70 Cf. cap. 28, § 6.
71 Carta de 5 de julho de 1882; E IV 149.
72 Era um claro desmentido de quantos tinham dificultado junto da Congregação dos Ritos: cf.
BS 6(1882) n. 6, junho, p. 104.
73 Ao arcebispo, 29 de julho de 1882; E IV 158. Cf. carta ao Protetor da Congregação,
cardeal Nina, 4 de agosto de 1882 (E IV 159), e ao padre Dalmazzo, antes de 16 de agosto
(E IV 162).
74Ao arcebispo, 16 de outubro de 1882; E IV 174.
75 Carta de 24 de outubro de 1882; E IV 180-181.
76 Circular de 15 de outubro de 1878 (E IV 177-178), e à condessa Giovanna di Camburzano,
16 de outubro de 1882 (E IV 179).

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 365
tinha obtido a expropriação da propriedade Morglia.77 Sobre a igreja e sobre o rito da
consagração Dom Bosco dava notícias depois a alguns benfeitores e benfeitoras.78 “Não
obstante sua saúde precária”, o arcebispo tinha oficiado. Os bispos de Fossano, Biella e
Alba pontificavam nos primeiros três dias do selene oitavário.79
O trabalhos para o internato ainda durariam dois anos. A construção estava no
terceiro andar no final de 1883.80 Em 22 de outubro de 1884 Dom Bosco podia anun-
ciar ao generoso conde Colle que a casa estava terminada e que, em 10 de novembro,
estava fixada “a entrada dos alunos, que no início serão cerca de cento e cinqüenta”.81
O primeiro diretor era padre Filippo Rinaldi, terceiro sucessor de Dom Bosco na
condução da Sociedade Salesiana, proclamado beato em 29 de abril de 1990. Em 20 de
fevereiro de 1885 Dom Bosco escrevia: “Nós já completamos quase inteiramente a casa
de São João Apóstolo, mas a inauguração não aconteceu ainda” e deseja celebrá-la com
um brinde na presença dos condes.82
2. Outras presenças na França de salesianos e de salesianas (1877-1878)
Na segunda metade de 1877 abriam-se perspectivas de ampliação da presença dos
salesianos na França e a implantação de duas inéditas colônias agrícolas, uma das quais
confiada às Filhas de Maria Auxiliadora. Ambas se encontravam na região do Var, na
diocese de Fréjus, da qual era bispo dom Joseph Sebastien Terris (1824-1885). Este,
que iniciara o serviço pastoral em 1876, tinha sido chamado para sanar a situação de
dois orfanatos em precárias condições econômicas e de gestão, fundados em 1863 pelo
padre Jacques Vincent em La Navarre e Saint-Cyr. Desejava-se também uma escola em
Cannes. Sobre isso se discutia, em 22 de setembro, no Capítulo Geral, que funcionava
naquela sessão como Capítulo Superior. A ata registra: “decide-se responder que se
aceita em princípio enviar as irmãs a Saint-Cyr, onde já estão as meninas; com um
padre por agora, ou um pouco mais, e um orfanato em Navarre”.83
77 Circular-convite a um serviço fúnebre em sufrágio de sua alma, 11 de novembro de 1882; E
IV 182-183.
78 Carta à senhora Luigia Radice, 2 de novembro de 1882 (E IV 181-182); à madame Clara
Louvet, 2 de novembro de 1882 (E IV 452); ao marquês Cantono Ceva, 14 de novembro de
1882 (E IV 184); ao barão Giuseppe Ceriana, 7 de dezembro 1882 (E IV 189); à Mademoiselle
Lallemand, 28 de março de 1884 (E IV 424).
79 Cf. “Consagração da Igreja São João Evangelista” com outros artigos tirados de jornais da
cidade em BS 6(1882) n. 11, novembro, p. 173-176; e 7(1883) n. 1, janeiro, p. 6-17 (notáveis
as relações do discurso feito por Dom Bosco no final do canto das Vésperas no dia da
consagração, 28 de outubro, p. 8-11).
80Ao conde Colle, 4 de dezembro de 1883; E IV 499.
81 E IV 509.
82 E IV 512-513. Ainda numa carta de 14 de dezembro de 1886, agradecia-lhe uma vistosa
oferta; E IV 524.
83 G. Barberis, Verbali III 14-15.

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366 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
2.1 Salesianos em Navarre e Filhas de Maria Auxiliadora em Saint-Cyr
Duas cartas de Dom Bosco, de outubro e novembro de 1877, ao diretor de Nice,
padre Ronchail, prognosticavam rápida presença. Na primeira prometia estudar com
o padre Rua o envio do pessoal pedido, autorizando a ir “adiante e fazer a cláusula
contratual dos dois contratos de Saint-Cyr e Navarre em aparente forma de doação”, a
um preço que não superasse metade do valor real.84 Em novembro dava rápidas disposi-
ções para uma tomada de posse: “Toma padre Perrot e padre G. B. Ronchail [irmão do
diretor], com um coadjutor, e vai até o bispo de Fréjus. Depois de colocados esses dois
em St. Cyr, dize-lhes que cresçam in multam gentem. A seguir, observa o lugar para as
irmãs e dize-me o número que falta para que possamos logo mandar-lhe, de modo que
estejam preparadas ad hoc. Depois dize-me, como se poderá prover Cannes e Navarre
e logo escreve-me. Já escrevi desta forma ao bispo de Fréjus”.85
A escola em Cannes, tratada com o pároco Barbe, foi aceita rapidamente. No elenco
de 1878, ano escolar 1877-1878, aparecia como diretor padre Pierre Perrot, auxiliado
por dois clérigos. Contudo, já na metade de janeiro de 1878 Dom Bosco escrevia ao
diretor de Nice: “O Regulamento para a escola de Cannes não é possível. É preciso
fazer contratos claros. Se não somos absolutamente livres e independentes, é melhor
suspender qualquer coisa e nós iremos além, isto é, em Saint-Cyr ou Marselha”.86
A retirada mostrava-se inevitável. Nos primeiros dias de julho padre Perrot e o clérigo
Enrico Ronchail já estavam em Navarre. As duas colônias agrícolas eram mistas, mas
gradativamente em Navarre eram acolhidos os meninos e em Saint-Cyr as meninas,
encaminhadas aos trabalhos domésticos, à horticultura e à agricultura, conforme a
predominante proveniência e destinação das alunas. Em 30 de março Dom Bosco partia
para Nice com padre Rua e, em 5 de abril de 1878, em Fréjus, estipulava com padre
Vincent o contrato para ambas as casas. Dom Bosco informava detalhadamente o presi-
dente da Sociedade Beaujour, Jules Roland, a sociedade que assumia diante da lei a
propriedade e o uso dos imóveis dos salesianos, proprietários efetivos.87
Nos inícios de julho de 1878 os salesianos tomavam formalmente posse de ambas
as casas. Para dirigir Navarre era destinado padre Pietro Perrot (1853-1928), italiano,
mas de nome afrancesado, como tinha acontecido com o padre Ronchail em Nice.
Ao diretor de 25 anos Dom Bosco dava uma jóia da arte do governo religioso: “Sei eu
também que és jovem e por isso terias ainda necessidade de estudo e de prática sob
um valente mestre. Mas o quê? São Timóteo, chamado a pregar Jesus Cristo, embora
jovenzinho, colocou-se logo a pregar o reino de Deus aos hebreus e aos gentios.
Tu, portanto, vai em nome do Senhor; vai não como superior, mas como amigo, irmão
84 Carta de 26 de outubro de 1877; E III 233.
85 Carta não datada; E III 239.
86 E III 270.
87 Carta de Alassio, dos primeiros dias de fevereiro de 1879; MB XIV 55, 697-698.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 367
e pai. Teu comando seja a caridade que procura fazer o bem a todos e o mal a ninguém.
Lê, medita e pratica nossas regras. Isso seja tanto para ti como para os teus. Deus te
abençoe e contigo abençoe todos os que irão a Navarra contigo”.88
Nos primeiros dias de outubro chegavam também as Filhas de Maria Auxiliadora
para os trabalhos normais de assistência à casa salesiana: cozinha, lavanderia, cuidado
da roupa. O Boletim Salesiano de outubro informava os ooperadores a respeito de
Navarre.89 Em janeiro de 1879, em carta ao padre Rua, Dom Bosco acrescentava este
pós-escrito: “No último domingo os jovens de Navarre cantaram a missa da Santa
Infância e o Tantum Ergo de Dogliani em Solliès-Pont, lugar próximo do internato, e
saíram-se muito bem. Fez-se uma coleta que produziu 100 francos. Assim as glórias do
Oratório vão se estendendo na França”.90 Em Saint-Cyr a passagem da colônia para a
direção das Filhas de Maria Auxiliadora foi trabalhosa. Ainda em maio de 1879 Dom
Bosco comunicava ao cônego Guiol que, para estabelecer-se em Saint-Cyr, não se tinha
ainda nenhum documento nas mãos”. “Contudo – continuava –, na próxima semana
começarão a ir alguns de nossos padres para colocar-nos em condição de examinar
e começar as coisas na maior premura”.91 Para aí se dirigia padre Carlo Ghivarello,
ex-ecônomo geral da Sociedade Salesiana, bom organizador e experiente nas coisas
técnicas e administrativas.92 A assunção direta da obra por parte das Filhas de Maria
Auxiliadora acontecia em abril de 1880, com a chegada de três irmãs. A diretora era
Caterina Daghero, que no ano seguinte seria eleita para suceder a Madre Mazzarello,
que justamente em Saint-Cyr foi atingida pela doença que a levaria ao túmulo.
O padre Ghivarello aí permaneceu ainda por todo o ano de 1880 e além para cuidar
dos aspectos econômicos e financeiros da colônia. Em 27 de fevereiro de 1881 Dom
Bosco, ditando justamente ao padre Ghivarello como amanuense uma carta ao padre
Rua dizia: “Recomendo que os marselheses continuem a beneficência “para que
possam pagar os pouf do padre Ghivarello, que é o escrevente, os do padre Perrot,
do padre Ronchail etc.”; “padre Ghivarello foi atingido pela sede de dinheiro”.93 Na
conferência aos cooperadores em Marselha, de 17 de fevereiro de 1881, tinha falado de
Saint-Cyr: “já podemos ver pobres meninas, as quais, ao longo do dia, como campone-
sinhas, afainam-se no trabalho do capim e do feno, recolhem, enfeixam e queimam a
grama e ocupam-se em todas as operações de horticultura. De manhã e à tarde recebem
instrução escolar, aprendem o catecismo, exercitam-se em coser, em trabalhar o pano e
em todos os trabalhos domésticos próprios de uma mãe de família, mas de uma família
88 Carta de 2 de julho de 1878; E III 359-360.
89 “Colônia agrícola, ou seja, Patronato São José em Navarre”, BS 2(1878) n. 10, outubro, p.
6-7.
90 Carta de Marselha, 21 de janeiro de 1879; E III 440.
91 Carta de 20 de maio de 1879; E III 473-474.
92 Cf. carta ao padre Rua, 24 de janeiro de 1879; E III 441.
93 Carta de Roquefort, fevereiro de 1881; E IV 25.

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368 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
rural. A direção, a administração, a assistência, em uma palavra, a gestão da colônia é
confiada às Filhas de Maria Auxiliadora”.94
2.2 Os salesianos em Marselha (1878)
Dom Bosco, em busca de beneficência, tinha ido algumas vezes à grande cidade portu-
ária mediterrânea.95 Em 1877 tinha aí lançado as bases para a fundação que começaria
em 1878.96 Aí agia um cooperador salesiano, senhor Bergasse, presidente da Sociedade
dos Transportes Marítimos, a quem Dom Bosco se dirigia já há algum tempo para obter
passagens gratuitas para os missionários.97 Mas o primeiro encorajamento para a desejada
fundação vinha do fundador da Oeuvre de la Jeunesse ouvrière du Sacré-Coeur, cônego
Joseph Timon-David. Dom Bosco lhe respondia em julho de 1876, com uma carta tradu-
zida em francês pelo advogado Michel, declarando plena disponibilidade, com a condição
de ter “a prévia aprovação” do bispo e de poder contar com “o apoio moral” da “Obra
da Juventude Operária”.98 Nos primeiros dias de março de 1877 – segunda-feira, dia 12,
dar-se-ia a inauguração da nova sede do Patronage de Nice – estava em Marselha para
tratar99 e comunicava ao padre Rua que, na segunda-feira, dia 5, estava programado um
encontro com dom Charles-Philippe Place, desde 1866 bispo de Marselha, considerado
por ele como “assaz favorável”: “Vou descobrindo o terreno e cavarei onde o terreno
for mais conveniente”. Hóspede dos Irmãos das Escolas Cristãs, informava ter assistido
ao “entretenimento para a distribuição das menções honrosas aos alunos”, observando:
“Parece que possa servir de norma também para nós. Declamações de coisas diversas,
canto, som, algum concerto contentarão o imenso auditório”100.
O cônego Clément Guiol, pároco de Saint-Joseph, hospedaria a obra salesiana no
território da sua paróquia. Com ele, portanto, Dom Bosco devia concordar as modali-
dades de implantação e de funcionamento do Oratoire Saint-Léon. Em 13 de junho, de
Roma, o informava de ter “escrito ao cônsul italiano, Annibale Strambio” (1819-1881),
companheiro de estudos em Chieri, que esperava favorável a um projeto “todo humani-
tário e religioso”.101 Dom Bosco parecia não ter pressa, enquanto o cônego não perma-
94O Bulletin Salésien 3(1881) n. 3, março, reproduz a tradução do artigo publicado em L’unità
cattolica, n. 47, sexta-feira, 25 de fevereiro de 1881, p. 186-187; reproduzida no francês de
Dom Bosco em MB XV 692.
95 Cf. cartas em E III 125, 152, 153.
96 Sobre ela se encontram informações no BS 2(1878) n. 11, novembro, p. 6-7, “Oratório São
Leão em Marselha”.
97 Carta já citada ao padre Cagliero, 12 de maio de 1877; E III 170. Cf. cap. 21, § 6.
98 Ao cônego Timon-David, julho de 1876; E III 77-78.
99 Carta de Marselha ao general Alfonso Lamarmora (1804-1878), que de Biella tinha enviado
uma oferta de mil liras para o Oratório, 3 de março de 1877; E III 154.
100Ao padre Rua, 5 de março de 1877; E III 154-155.
101 Ao cônego Guiol, 13 de junho de 1877; E III 185. Ao cônsul Strambio ele escreverá em 15 de
abril de 1879, para obter apoio e auxílios do governo italiano; E III 467-468.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 369
necia sem agir. Em agosto ele tratava com a Sociedade Beaujour, para que assumisse
diante da autoridade civil a propriedade legal e o uso dos imóveis destinados a uma
grande obra não limitada ao oratório festivo. Tratava-se agora de chegar à convenção,
retardada por imprevistos, sobretudo por parte de Dom Bosco, que permanecia em
Roma, por causa da morte de Pio IX, da eleição de Leão XIII e da audiência com o
novo papa, até o dia 25 de março de 1878. Da Urbe ele prometia ao cônego que estaria
em Marselha “na primeira quinzena” de abril.102 Ao padre Ronchail comunicava uma
data precisa com uma clara sucessão de visitas: “Sábado [30 de março], se Deus quiser,
às duas da tarde estarei contigo”; “ficarei até a coleta, depois iremos a Fréjus, S. Cyr,
Navarre e Marselha”.103 Acompanhava-o padre Rua. Em Marselha de 2 a 11 de abril,
salvo um brevíssimo parêntese em Fréjus em 5, foram concordadas as linhas gerais
da sede e, em particular com o cônego Guiol, as relações entre o novo oratório e a
paróquia. O cônego enviaria posteriormente a Dom Bosco o texto da convenção para
a sua aprovação e a do Capítulo Superior. O exame foi retardado também devido à
gripe que atacou Dom Bosco na viagem de retorno e fez com que permanecesse em
Sanpierdarena de 16 a 23 de abril. Finalmente na reunião do Capítulo Superior de
15 de maio de 1878, ficou decidida a aceitação de Marselha e, na sessão de 17, foi exami-
nado o capitulado, deixando a Dom Bosco a missão de aperfeiçoá-lo.104 Padre Giuseppe
Bologna [na França seria chamado Bologne] foi nomeado diretor do novo “Oratório”.
Ele conhecia bem o francês e era considerado perfeitamente imbuído das tradições
do Oratório de Turim.105 Ao padre Bologna, que tinha feito parada em Nice, Dom
Bosco, dando por primeiro exemplo de governo paterno, escrevia: “Vai, pois in nomine
Domini. Onde puderes, economiza; se tens necessidade, pede e o papai fará o possível
para te ajudar. Vai como pai dos co-irmãos, como representante da Congregação, como
querido amigo de Dom Bosco. Escreve bastante branco e negro”.106 Dois dias depois,
em carta ao cônego Guiol, não somente apresentava o padre Bologna, “experiente em
internato, aprendizes e oratórios festivos”, mas também fazia uma precisão importante,
que aparentemente limitava o sentido da convenção. Criaria problemas com o pároco
o empenho de tornar disponível para a paróquia “o número de padres auxiliares, que o
responsável da paróquia tivesse desejado, e enquanto seja compatível com os encargos
dos padres do Oratório”. Muito vinculante para o Oratório São Leão era o artigo que
estabelecia: “Os jovens da cantoria deverão dirigir-se para a Igreja São José a cada soli-
102 Carta de 14 de março de 1877; E III 315.
103 Carta de 27 de março de 1878; E III 332. Escrevia de Sanpierdarena, onde estava reunido
o Capítulo Superior para finalizar, antes da impressão, as Deliberações do Primeiro
Capítulo Geral.
104 Cf. G. Barberis, Capitoli superiori ossia verbali, quad. II, p. 1-5, 12-14, FdB 1877 A2-6,
C1-3.
105 Cf. G. Barberis, Capitoli superiori ossia verbali, quad. II, p. 4-5, FdB 1877 A5-6.
106 Carta de 25 de junho de 1878; E III 356.

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370 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
citação do pároco”.107 “É necessário – escrevia Dom Bosco a Guiol – que se pense em
tornar estável nosso Instituto, e será estável se a Congregação Salesiana for indepen-
dente. Isso está emperrado no momento, por isso os salesianos não podem nem correr
nem saltar, mas devem ficar no que existe e nada mais. V.S. pense sobre isso: é meu
desejo que a Maison Beaujour dure muitos anos depois de nós”.108 Em carta de 31 de
julho falava de fundar em Marselha um noviciado, embora ocupando-se antes de tudo
em consolidar “o Internato São Leão”, com as oficinas de marcenaria e de alfaiataria.
Dom Bosco sonhava tantas vocações: “Ocupar-nos-emos da obra do noviciado. Essa é
uma empresa gigantesca, mas muito útil, porque mais da metade de nossos estudantes
irão posteriormente como clérigos às respectivas dioceses; serão missionários e também
bons seculares”.109 Em setembro prometia aumento de pessoal: mas existia penúria de
salesianos, bem como de dinheiro para a ampliação do edifício existente.110 Em janeiro
de 1879, de Marselha, onde se encontrava para saudar a partida de um grupo de missio-
nários, pedia o parecer de um advogado amigo sobre o problema da casa, diante da lei
civil “alugada”, mas na realidade de propriedade salesiana: como dar-lhe “a perpetui-
dade e evitar os casos de sucessão”?111 Escrevendo sobre a obra do mestre de noviços,
fazia prognósticos de futuro florido,112 e confidenciava ao padre Lemoyne: “Eu me
encontro aqui com muitas e graves questões em mãos. Quando souberes, ficarás eston-
teado e verás o sonho de Lanzo realizado”.113 Em 1876, como sabemos, tinha sonhado
com Domingos Sávio, que predizia sobre o futuro da Congregação: “Com respeito à
Congregação, avizinha-se uma aurora dos quatro ventos, potente, tanto na claridade
como na escuridão”.114 No Oratório São Leão – escrevia a outro salesiano – já “estão
cerca de sessenta jovens”.115 Ao padre Rua, no entanto, expunha a necessidade urgente
de um chefe de alfaiataria e de uma pessoa de serviço para cultivar uma pequena horta
e para outros trabalhos desse gênero”.116 Depois assegurava: “As nossas coisas por aqui
vão bastante bem”; “o pároco de São José é sempre nosso amigo e protetor”.117
De fato, as relações com o pároco eram cordiais. É o que mostrava a carta que Dom
Bosco lhe enviou de Roma em 4 de março. Este anunciava para a metade de março
uma visita a Marselha do inspetor padre Cerrutti, louvava e aprovava “a negociação
dos empresários para o engrandecimento do nosso orfanato”, agradecia a todos que
107 MB XIV 687-688. O cursivo é nosso.
108 Carta de 26 de junho de 1878; E III 357.
109 Ao cônego Guiol, 31 de julho de 1878; E III 370-371.
110A cônego C. Guiol, de Sanpierdarena, 17 de setembro de 1878; E III 385-386.
111Ao advogado Fiore, 9 de janeiro de 1879; E III 433.
112Ao padre Barberis, 10 de janeiro de 1879; E III 434.
113 Carta não datada; E III 435.
114 G. Barberis, Cronaca, quad. 1, p. 28-29.
115Ao padre Branda, carta sem data; E III 436.
116 Carta de 11 de janeiro de 1879; E III 436-437.
117 Carta de 21 de janeiro de 1879; E III 439-440.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 371
tinham se ocupado na redação da Notice sur les Salésiens, pedia paciência à Sociedade
Beaujour: as muitas fundações tinham-lhe feito gastar ativo, passivo e neutro”, mas,
tendo à venda uma feitoria, que lhe teria tornado, “disponíveis algumas centenas de mil
francos”, poderia saldar o débito. Declarava-se, por fim, arredio em assumir o instituto
oferecido em Auteuil (Paris) pelo padre Louis Roussel.118 A Notice era o já citado opús-
culo do padre Louis Mendre, vice-pároco em São José, Don Bosco Prêtre, Fondateur
de la Congrégation des Salésiens.119 Em carta sucessiva a Guiol confessava: “Recebi
o opúsculo do Sr. D. Mendre. É um trabalho clássico do gênero. Fez-me, contudo,
cobrir várias vezes o rosto de vergonha pelos grandes elogios que fez de minha pobre
pessoa. Mas seja tudo para a maior glória de Deus e em vantagem da Obra que se
quer recomendar”.120 Em Roma, em 10 de março de 1879, Dom Bosco tinha solicitado
para Guiol, sem sucesso, uma honorificência pontifícia.121 Convidando-o, mais adiante,
para a festa de Maria Auxiliadora em Turim, pedia-lhe que emitisse um juízo sobre o
primeiro ano de vida do Oratório: “Gostaria de conhecer o que V.S. observe de bom
ou medíocre ou mal. V.S. sabe que tenho plena confiança no senhor e quero seguir seus
prudentes conselhos”. Em seguida exprimia o próprio parecer sobre a assunção da obra
do padre Roussel: “A casa de Auteuil apresenta muitas dificuldades para nós: por isso,
seguindo seu conselho, desvinculei-me definitivamente”.122
Padre Roussel geria no quarteirão de Auteuil, em Paris, um grande orfanato para
aprendizes, e gostaria de confiá-lo a Dom Bosco. Protagonista com padre Rua nas trata-
tivas conduzidas em Paris, para iniciar em novembro de 1878, estivera o conde Cays,
professo salesiano em 17 de setembro de 1877 e sacerdote em 20 de setembro de 1878.
As discussões tinham se prolongado demasiadamente, devendo-se conseguir acordos
sobre muitas matérias: a propriedade, a representação legal, a gestão, a autonomia
educativa, a estabilidade: com efeito, o arcebispo de Paris, cardeal Guibert, exigia antes
um ano de prova.123 O Capítulo Superior tinha discutido o assunto com Dom Bosco
em 6 de fevereiro de 1879, que apenas tinha retornado da França e tinha informado
sobre o colóquio tido em Marselha com padre Roussel. Tinha colocado em evidência
algumas dificuldades para o momento insuperáveis: a superioridade técnica dos traba-
lhadores parisinos, a precária situação política com o advento de Gambetta ao poder
em Paris, “um vulcão” próximo da erupção com a possibilidade de uma nova Comuna,
a pretensão de que os salesianos fossem para lá com um ano de prova, a proposta que
aí constituíssem um noviciado. Tinha sido decidido “retirar-se do empenho e não ir”,
118Ao cônego C. Guiol, 4 de março de 1879; E III 449-450.
119 Cf. cap. 26, § 5.
120Ao cônego Guiol, de Florença, 29 de março de 1879; E III 459.
121A Leão XIII; E III 454.
122 Carta de 20 de maio de 1879; E III 473-474.
123 Cf. MB XIII 737-746, 999-1002; XIV 24-25, 41, 129; carta ao cônego Guiol, 17 de setembro
de 1878 (E III 386); 4 de março e 20 de maio de 1879 (E III 450 e 473).

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372 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
embora sempre prontos a repensar o caso quando, através das outras obras, “na França
se tivesse julgado” de “ter dado provas suficientes de habilidade”.124
Os trabalhos em andamento em Marselha consumiam muito dinheiro. Dom Bosco
esconjurava o padre Ronchail de colocar à disposição do padre Bologna ao menos 10
mil francos, quiçá com o auxílio do padre Cauvin e com um socorro.125 Poucos dias
depois procurava tranqüilizar cônego Guiol: “Foi concluído o contrato de um dos sítios
de Caselle e se fará dele o ato notarial no final da semana em curso. Assim espero
poder colocar em paz padre Bologna. Se, porém, padre Ronchail pôde encontrar em
tempo a pessoa à qual eu mesmo escrevi, creio poder administrar a soma necessária”;
“a Congregação Salesiana é criança, e por isso menores ainda são seus filhos. Mas com
o auxílio de Deus cresceremos e a seu tempo poderão dar semente e fruto de fatos difí-
ceis: paciência, constância e oração”.126
Em setembro, porém, começaram a aparecer disparidades de visões entre o pároco e
o diretor do Oratório ao interpretar o que a convenção entre Dom Bosco e a Sociedade
Beaujour estabelecia sobre os empenhos pastorais dos salesianos e dos meninos do coro.
Dom Bosco reagia por meio de uma carta, na qual parecia ignorar o que estava previsto
pelos artigos da convenção que diziam respeito aos “prêtres auxiliaires” e à “Maîtrise”.
“É certo – escrevia – que em todas as tratativas com a benemérita Sociedade Beauvoir
não se falou jamais nem de padres auxiliares nem de Maîtrise”. Na continuação da carta
permanecia mais corretamente nas exigências educativas, da qual acreditava não dever
se afastar, como tinha já insinuado na carta de 26 de junho de 1878. À carta do cônego
– afirmava Dom Bosco –, “vieram sobrepor-se outras bases que colocam à revelia nosso
sistema educativo. Entre nós são excluídos os meios repressivos e, para assegurar a
disciplina e a moralidade, é indispensável uma absoluta autoridade sobre nossos alunos
com autonomia na educação. Isto seria impossível se todos ou parte deles devessem sair
do instituto para afazeres estranhos ao mesmo”.127
Em dezembro preanunciava uma visita em meados de janeiro, propondo também
uma conferência aos cooperadores.128 A situação financeira era tal que se tornava
necessário o programa anunciado ao padre Rua: “Ficarei todo o mês em Marselha para
concluir afazeres e procurar dinheiro”.129 Mas em Marselha Dom Bosco encontrava um
clima extremamente tenso. Borrascoso foi o encontro com o cônego, que considerava
124 G. Barberis, Capitoli generali ossia verbali, quad. II 68-70, FdB 1878 A8-10; Documenti XX
77-78, FdB 1059 E1-2; carta de Cays ao Abade Roussel de 13 de março de 1879; MB XIII
1001-1002.
125 Carta de 14 de julho de 1879; E III 492. Padre Rua resolve o problema com um consistente
socorro: cf. carta de Dom Bosco ao padre Ronchail de 21 de março de 1880; E III 553.
126 Ao cônego Guiol, 20 de julho de 1879; E III 497-498.
127Ao cônego Guiol, setembro de 1879; E III 519-521.
128Ao cônego Guiol, 22 de dezembro de 1879; E III 535.
129Ao padre Rua, 22 de janeiro de 1880; E III 545.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 373
descumprida a convenção. A calma de Dom Bosco, em poucos dias, reduziu a tensão.130
Particularmente frutuosa foi a conferência aos cooperadores e intensa a missa cele-
brada na festa de São Francisco de Sales, no dia 8 pela manhã, a um “bom número de
senhoras”, entre as quais as grandes benfeitoras, “mães” da obra de Marselha.131
Nos meses seguintes chegou-se a uma renovada harmonia com o cônego Guiol,
como confirmam várias cartas: “Das suas queridas cartas relevo muito bem as solici-
tudes e a caridade com a qual V.S. caríssima ocupa-se do Oratório São Leão (...) Padre
Bologna escreve-me que está muito contente com o Oratório e com as boas relações
externas, especialmente com a paróquia de São José. Tenho confiança que o Senhor
continuará ter-nos firmes nessa união caridosa que é indispensável para sustentar as
obras pias dirigidas ao bem público, como é a nossa. O próprio padre Bologna acena-me
aos frutos já conseguidos pelos comitês que V. S., com seu zelo, conseguiu promover.
Seja bendito o Senhor”.132
Mas um problema bem mais grave, fortunadamente logo solucionado, surgiria em
outro fronte.133
3. Desenvolvimento das obras americanas
Segundo o catálogo da Sociedade Salesiana, a situação das obras da inspetoria
americana no ano escolar 1877-1878 era a seguinte: em Buenos Aires funcionavam a
Igreja da Misericórdia, o Internato São Vicente com as Escolas de Artes e Ofícios e a
Paróquia São João Evangelista; em San Nicolás de los Arroyos, o Colégio dos Santos
Anjos; em Colón, perto de Montevidéu, o Colégio Pio IX. Aí Dom Bosco não operava
no campo, mas estava bem presente. Como superior geral da Sociedade Salesiana não
deixava faltar a sua ação de governo: estava ao lado dos superiores do Capítulo mais
diretamente envolvidos, padre Rua e padre Cagliero, quase seu vigário para as coisas
americanas, correspondia em medidas diferentes com os inspetores, os diretores, as
autoridades eclesiásticas e civis. Continuava a desenvolver a ação de animação e de
formação: aconselhava e sustentava os salesianos, sacerdotes, clérigos e coadjutores,
inspirava e encorajava os cooperadores e os benfeitores e chegava às próprias comu-
130 Cf. Documenti, XXIII 104-106.
131 Bulletin Salésien 2(1880) n. 2, fevereiro, p. 3-4. Cf. cartas às maiores benfeitoras, senhoras
Rostand (esposa do Presidente da Sociedade Beaujour), Jacques, Noilly-Prat, Broquier, Du
Gas, de 15 de dezembro de 1879 (E III 533-535); 9 e 13 de maio de 1880 (E III 586-588); 23
de dezembro de 1882 (E IV 153); 4 de dezembro de 1882 (E IV 188; esta última ao inspetor,
padre Albera).
132Ao cônego Guiol, 26 de março de 1880; E III 557-558. Articulada e particularmente familiar
é a longa carta de 9 de maio de 1880; E III 586-587.
133 Cf. cap. 28, § 3.

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374 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
nidades dos jovens. Para a gestão do já existente e a preparação dos desenvolvimentos
futuros em direção da Patagônia era intenso seu empenho na Europa em promover,
preparar e selecionar pessoal, em suscitar a beneficência, em dar suporte às expedições
missionárias e às missões, em animar os que partiam. Mas era muito forte, em parti-
cular, sua presença eficaz na recordação, no pensamento, no coração, no estilo de vida e
de ação dos próprios missionários, especialmente significativa entre os que detinham as
responsabilidades diretivas mais altas, padre Bodrato e padre Lasagna, além de alguns
diretores, como padre Fagnano e padre Domenico Tomatis. Eles tinham aprendido a
missão de salesianos do próprio Dom Bosco e de homens próximos a ele mental e
afetivamente, como os padres Lemoyne, Francesia e Cerrutti: ao conviver e trabalhar
com ele e com eles, tinham se tornado experientes em fazer com Dom Bosco e como
Dom Bosco.134
Na terceira expedição, de 1877, capitaneada pelo padre Giacomo Costamagna, aos
dezoito salesianos se uniam seis Filhas de Maria Auxiliadora.135 A elas Dom Bosco
acenava também no Apelo aos cooperadores. Nesse apelo, porém, Dom Bosco insistia
sobre “a falta de meios necessários” e no recurso “à inexaurível fonte da piedade dos
fiéis e especialmente dos cooperadores”; em particular antecipava com tintas mais
negativas o motivo antiprotestante, que tocaria no discurso de 7 de novembro,136 em que
colocava em confronto a “ímpia propaganda de erros” dos protestantes com a gratuita
consagração dos salesianos e das irmãs para o bem material e espiritual dos jovens
pobres e abandonados.137
3.1 Dom Bosco no ativo inspetorado do padre Francesco Bodrato e na ação do
padre Luigi Lasagna (1877-1880)
Nos três anos e meio de vida americana, dos quais três como inspetor, padre Bodrato
recebeu de Dom Bosco, pelo que sabemos, não mais de quatro ou cinco cartas. As que
ele escreveu ao fundador, da América, são cerca de 50.138 No fundo continuava a ser
supervisor, para Turim, padre Cagliero, que na hierarquia da Direção Geral ocupava o
terceiro posto, após Dom Bosco e padre Rua. Ao invés, a referência ao padre Lasagna,
para Turim, era privilegiada. Ele sabia manter relações mais diretas e focadas com o
superior geral do que com o inspetor de Buenos Aires, com o qual não se sentia parti-
cularmente sintonizado.
134 Cf. cap. 24, § 1.1.
135 Cf. cap. 20, § 8.
136 Cf. cap. 21, § 4.
137 Cf. Appello ai cooperatori in favore de una novella spedizione di Missionari Salesiani, BS 1
(1877) n. 3, novembro, p. 2.
138 Cf. F. Bodrato, Epistolario. Introduzione, texto critico e note a cura di B. Casali. Roma,
LAS 1995.

38.5 Page 375

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 375
Nas questões inerentes a seu ofício, padre Bodrato correspondia habitualmente
com o padre Rua, sobretudo para a solução dos problemas financeiros com Turim, e,
mais ainda, com o padre Cagliero, de quem esperava, vez por vez, as faculdades de
admissão às profissões religiosas e às ordens e a mediação para obter o pessoal, na
verdade desconsoladamente insuficiente. A ele se dirigia também para a destinação dos
salesianos disponíveis, não concordando alguma vez com a avaliação dos sujeitos e com
as decisões tomadas do alto. Certamente não lhe faziam falta sabedoria e prudência
para julgar pessoas, situações e acontecimentos, com olhar, ao mesmo tempo, concreto
e clarividente sobre o presente e o futuro salesiano na América. Ele partilhava, sem
reservas, a substância do “sonho missionário” de Dom Bosco, com maior atenção ao que
constituía a mais verdadeira substância histórica: antes de tudo, a ação sobre a pobreza
e o abandono juvenil no vasto mundo civil e depois o trabalho específico, quantitativa-
mente limitado, nas missões, embora extraordinariamente rico de ecos na Europa. “Se eu
devesse adivinhar os sentimentos de Dom Bosco – escrevia – parece-me que não erraria
se dissesse que não nos convém aceitar paróquias, mas antes de tudo colégios”, ainda
melhor, “as missões dos índios” e “de preferência aqueles colégios os quais, por suas
posições ou por outras eventualidades, nos facilitassem as missões dos índios”.139
Naturalmente não se escreve aqui a respeito de seu governo, mas somente da parte
que Dom Bosco teve nele. O fundador era, com efeito, seu mais alto referencial no
centro, enquanto dele pretendia ser o mediador acolhido e o intérprete seguro junto dos
salesianos, os benfeitores e as autoridades religiosas e civis na América. Realmente, os
traços fundamentais da ação do antigo professor elementar de Mornese conseguiam ser
o espelho fiel de tudo o que tinha assimilado e tenazmente conservado de Dom Bosco,
admirado e seguido como governante exemplar e profundamente percebido como fasci-
nante e onipresente inspirador e animador. Tudo o que o superior, ou melhor, pai, tinha
incidido sobre ele – pai que sofria por dois filhos com problemas – e, por sua vez, tudo
o que o trazia dentro era significativamente expresso no perfil que traçava em carta
aos noviços do Oratório: “Quem é Dom Bosco?”. Respondia em base àquilo que tinha
“aprendido” pessoalmente e “ouvido de outros”: Dom Bosco era “pai muito amado e
querido” por seus salesianos; para os crentes era “o homem da Providência”, enviado
para agir em “tempos calamitosos”, de grandes necessidades e infinidas esperanças;
para os que ficavam numa visão puramente racional era “o homem da filantropia”, que
no pensamento e na ação superava qualquer barreira, até para que pudesse socorrer com
todos os “meios morais e materiais”.140 Esse Dom Bosco se tornava para ele regra de
vida e de ação: “Muitas vezes digo a mim mesmo – confiava ao superior –: como faria
Dom Bosco neste caso? Que conselho me daria? Depois um olhar para o céu e além, e
parece-me que faria ou diria assim; e assim faço”.141
139A Dom Bosco, 29 de janeiro de 1877; F. Bodrato, Epistolario, p. 105-106.
140 Cf. carta de 5 de março de 1877, F. Bodrato, Epistolario, p. 131-132.
141A Dom Bosco, 5 de janeiro de 1879, F. Bodrato, Epistolario, p. 341.

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376 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
A ação pastoral em favor dos emigrantes italianos ele colocava em primeiro lugar,
em ordem de tempo e de empenho. Como se viu, essa ação foi iniciada com extrema
abnegação pelo padre Baccino e continuada com idêntica força pelo padre Bodrato.
O caráter popular das instituições, sobretudo das escolas profissionais (“escuelas de
Artes y Oficios”), e a instrução das classes inferiores e médias, da juventude pobre
e periclitante, era o primeiro em ordem ao proprium salesiano, e como tal era tenaz-
mente defendido. As urgências do trabalho em Buenos Aires, no primeiro momento,
colocavam em segunda linha as perspectivas propriamente missionárias, mas também
estas permaneciam no horizonte mental do padre Bodrato. Com efeito, seis meses antes
de morrer, conseguia finalmente organizar a entrada dos salesianos em Carmen de
Patagónes, na Patagônia Setentrional.
Padre Lasagna, ao invés, era mais inclinado e atento a adequar-se às expectativas
das forças católicas do Uruguai, país levado ao próprio ressurgimento político, econô-
mico e cultural com exigências educativas não somente em nível popular. Por isso ele
visava antes de tudo à organização das escolas secundárias para a juventude das classes
médio-altas, a fim de lhes dar uma qualificada cultura geral para a insersão social de
qualidade.142 Ao mesmo tempo, era disponível ao desenvolvimento das oficinas de
Artes e Oficios para as classes humildes.143 Tornava-se, também, sempre mais vivaz e
concreto o empenho para a projeção missionária em direção a zonas que ele conside-
rava mais vastas e ricas de futuro que as missões patagônicas: as regiões habitadas pelos
aborígenes do Brasil.144
Já se citou a primeira carta que possuímos de Dom Bosco ao padre Lasagna na
América145 e a carta aos alunos do colégio, ambas de 16 de julho de 1877. Um notável
punhado de cartas¸ de setembro de 1877, fora destinado a benfeitores uruguaios e
argentinos, cuja obra, segundo dom Lasagna, permaneceria “incancelável” nos nossos
corações e fará parte da história da Congregação Salesiana”.146
Também em setembro de 1877 Dom Bosco respondia a uma carta do vigário apos-
tólico, dom Giacinto Vera, que lhe fora enviada por mãos do padre Cagliero. Agradecia
pelo apoio dado à implantação do colégio de Villa Colón, informava-o que a autoridade
do padre Cagliero fora “conferida ao sacerdote Bodratto [sic], pároco de Bocca [sic] de
Buenos Aires”, anunciava para novembro a partida de seis irmãs e oito salesianos para
Montevidéu.147 Agradecimentos, reconhecimento perpétuo dos salesianos, bênção do
142L. Lasagna, Epistolario. Introduzione, note e testo critico a cura di Antonio da Silva Ferreira,
vol. I (1873-1882). LAS, Roma 1995, p. 112-113, 149-150, 166-167, 228-229, 243, 259,
278-279.
143L. Lasagna, Epistolario. Vol. I, p. 124-125, 175, 177, 204, 215, 226, 243, 365.
144L. Lasagna, Epistolario. Vol. I, p. 337, 371-372.
145 Cf. cap. 21, § 7.
146 Cf. E III 214, 221, 223, 224.
147 Carta de 30 de setembro de 1877; E III 220.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 377
santo padre, convicção da validez social e salvífica do bem feito aos jovens: tudo isso
exprimia também a Enrique Fynn, que tinha cedido ao padre Lasagna o Colégio Pio e
a Igreja anexa Santa Rosa.148
Em setembro e outubro de 1877 esteve por duas vezes no Oratório, em visita a Dom
Bosco, dom Pedro Maria Lacerda, bispo do Rio de Janeiro, para pedir sacerdotes para
sua diocese.149
No entanto, Dom Bosco se movia em várias direções para obter subsídios: à Obra
da Propaganda Fide de Lyon, ao secretário geral do Ministério do Exterior, comendador
Malvano, ao ministro do Exterior da França para obter “passagens marítimas” gratuitas,
ao prefeito de Propaganda Fide, cardeal Franchi.150 O resultado era negativo. Em parti-
cular, a obra de Lyon não podia ajudar porque as instituições salesianas na Argentina
não eram reconhecidas oficialmente como missionárias.151 Por isso Dom Bosco voltava
à carga junto do cardeal Franchi para que a Congregação de Propaganda Fide reconhe-
cesse as obras existentes e as previstas como missões confiadas aos salesianos, tendo
como responsável o teólogo Giovanni Cagliero. Para obter esse objetivo, não hesitava
antecipar realidades futuras, além de aumentar e forçar as existentes: o Colégio de Villa
Colón era apresentado como seminário menor; o Internato de Buenos Aires era “para
os pobres meninos, especialmente selvagens”; tinha sido “aberta na mesma cidade uma
casa de estudo ou noviciado, no qual se preparavam os alunos para as missões”; os
salesianos tinham pregado “missões nas vizinhanças dos selvagens”; e tinham se colo-
cado em acordo com o arcebispo Asneiros a respeito de duas presenças “mais limítrofes
dos selvagens”, Santa Cruz e Carhué.152 Mas o caminho para demonstrar a realidade
de coisas imaginadas era ainda longo. Continuava, contudo, embora com resultados
negativos, sua obra diplomática junto do cardeal Franchi, de Leão XIII, do sucessor do
cardeal di Franchi (secretário de Estado em 5 de março de 1878, morria em julho), e do
cardeal Simeoni, prefeito de Propaganda Fide em 5 de março de 1878, para obter duas
coisas desejadas há algum tempo. Esse era já o objetivo da Súplica que concluía um
longo relatório sobre as “Missões Salesianas” dirigido ao cardeal Franchi: “Parece-me
que seja coisa oportuna e eficaz para consolidar assim em modo estável a existência
e a difusão do Evangelho: 1) erigir em Prefeitura Apostólica a missão de Carhué;
2) transformar Santa Cruz em Vicariato Apostólico”.153 Pedia estruturas canônicas para
missões virtuais, com pessoal certamente não abundante.
“Tu me dizes – escrevia ao inspetor, padre Bodrato – que tens tantos afazeres: eu
sei, queria poder ajudar-te. Talvez poderá consolar-te que nós estamos tão oprimidos
148 Carta de 30 de setembro de 1877; E III 223-224.
149O Diario dell’Oratorio do padre Chiala e padre Lazzero acena a esse fato. Cf. J. M. Prellezo,
Valdocco nell’Ottocento, p. 59-60.
150 Carta de setembro e outubro de 1877; E III 225-226, 229-231.
151Ao presidente da Obra, 30 de setembro de 1877; E III 225-226.
151 Ao cardeal Franchi, outubro de 1877; E III 231-233.
153 Carta de 31 de dezembro de 1877; E III 256-261.

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378 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
pelas ocupações, que não sabemos mais por onde começar ou terminar”.154 A exortação,
admoestação ou “lembrança”, que dava em 31 de dezembro de 1878 (“estréia” para o
novo ano?) tinha aspecto mais pessoal e empenhativo. Originava-se certamente por
causa das queixas sobre o caráter forte do destinatário, com passado familiar de sacrifí-
cios indizíveis, heróico na dedicação a uma tarefa sobre-humana. “Para tua lembrança
particular – escrevia-lhe – conserva isto: 1) fazer todo sacrifício para conservar a cari-
dade e a união com os irmãos; 2) quando tiveres que fazer correções ou dar conse-
lhos particulares, jamais fazê-los em público, mas sempre inter te et illum solum;
3) quando fizeres alguma correção, esquecer a falta e demonstrar a primeira benevo-
lência ao delinqüente. Este é o testamento de um amigo e padre Dom Bosco”.155
Continuava depois com a tarefa de persuadir a respeito da estruturação das missões
potenciais da Patagônia. Na carta de 18 de março de 1878, porém, redimensionava
os pedidos precedentes e reformulava o pedido ao cardeal Simeoni, com o qual tinha
tratado pessoalmente, após ter falado do argumento com Leão XIII, que “se dignava
louvar e abençoar ambos os projetos” “acerca das missões da América do Sul e das
Índias”:156 “um vicariado ou prefeitura apostólica in Carmen, chamada também de
Concepción ou Patagónes”; “o vicariato apostólico de Mangalor nas Índias ou então
para outra missão”, pela qual ele, “dentro de um ano”, poderia “preparar dez sacerdotes
e dez catequistas”.157
Com a chegada à América dos membros da terceira expedição, no final de 1877,
também padre Giacomo Costamagna (1846-1921) estaria presente na correspondência
de Dom Bosco. Ele se tornava, rapidamente, junto com o companheiro de viagem padre
Giuseppe Vespignani (1854-1932), figura de relevo da primeira história salesiana na
América, já no final de 1880 sucessor do padre Brodato como diretor do Colégio São
Carlos, em Buenos Aires, e como inspetor. Cheio de ânimo, logo envolveu-se numa
arriscada viagem apostólica, prelúdio de tantas outras peripécias de vida. Em maio de
1878 partia para uma missão entre os índios com dom Espinosa e o jovem salesiano
padre Evasio Rabaliati (1855-1920), mas o navio que devia transferi-los para Bahía
Blanca esteve prestes a naufragar e precisou voltar à base com muita dificuldade.158
À sua breve e romanceada narração o fundador dava uma jocosa resposta: “Tua carta
sobre borrasca foi lida em todas as partes do mundo”, “teu nome e o do padre Rabagliati
tornaram-se duas celebridades européias e americanas, com perigo também de se tornar
uma celebridade atlântica” (na boca dos peixes).159 Com singular deferência escrevia,
154 Carta de maio de 1877; E III 172-173.
155 Carta de 31 de dezembro de 1878; E 423-424.
156Relação da audiência de Dom Bosco; E III 327-332.
157Ao cardeal Simeoni, 18 de março de 1878; E III 320-321.
158 Cf. “Primeira tentativa direta para evangelizar a Patagônia: horrível borrasca”, BS 2(1878) n.
7, julho, p. 8-12.
159 Carta de 12 de agosto de 1878; E III 378.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 379
ao invés, ao recente professo salesiano de Lugo, padre Giuseppe Vespignani, usando
inusitadamente ainda o “Senhor” e não o “tu”: “Sei que trabalha. Mas vai devagar:
se quiser fazer muito, trabalha pouco, isto é, não mais do que suas forças permitem.
Desejo, porém, saber notícias precisas do internato, dos noviços, do noviciado, do
estudo, etc.”160
Na circular de 10 de março de 1879 Dom Bosco comunicava que o Capítulo
Superior, reunido em 7 de fevereiro em Alassio junto com vários diretores, tinha cons-
tituído quatro inspetorias: a Piemontesa, a Lígure, a Romana e a Americana. Para
esta continuava “em seu cargo padre Francesco Bodratto, responsável da paróquia da
Boca em Buenos Aires”.161 Na reunião capitular tinha proposto nestes termos: “Para a
Inspetoria Americana não há outros para estabelecer: é o padre Bodrato que já exercita
essa função há dois ou mais anos”.162
Entrementes, Dom Bosco, considerando que “o estado atual das nossas Missões –
pensava – permite que, o quanto antes, [os salesianos na América] possam se dirigir
entre os índios e os próprios patagões”, recorria ainda ao cardeal Simeoni, prefeito
de Propaganda Fide, para obter subsídios em paramentos e livros de igreja, e “em
dinheiro” para as obras salesianas na América e para os missionários.163 Poucos dias
depois pedia também ao papa para intervir junto à Obra da Propagação da Fé de Lyon
em favor do Oratório no qual estava “aberto um internato ou seminário onde – afirmava
– se cultivam e se preparam operários evangélicos para as missões estrangeiras”, tendo
presente que várias casas “subsidiárias do Seminário de Turim”, ou seja o Oratório
de Valdocco, existiam em Sanpierdarena, Nice, Fréjus, Saint-Cyr e Marselha.164 Um
mês depois, por meio do novo secretário de Estado, cardeal Nina, dirigia ao papa uma
súplica com quatro pedidos: considerar a Congregação de Propaganda Fide, a fim de que
a Congregação dos Serviços Extraordinários Eclesiásticos, como referência dos missio-
nários salesianos; aprovar as missões salesianas, de forma a torná-las válidas interlo-
cutoras com a Obra da Propaganda da Fé de Lyon; “para toda tratativa de subsídio ou
práticas relativas, dirigir-se ao padre Giovanni Bosco, reitor-mor”; conceder uma carta
de recomendação em favor da Sociedade Salesiana junto da mesma Obra. Dilatando
cifras e espaços, ele terminava a carta afirmando: os missionários salesianos “agora
são em número superior a cem no Uruguai, na República Argentina e no Paraguai”.165
A propósito do Paraguai, alguns meses depois deveria justificar-se junto do cardeal
Nina que os salesianos não tivessem ainda entrado na República, não obstante as pres-
160 Carta de 12 de agosto de 1878; E III 378-379.
161 E III 451-452.
162 Capitoli Generali. Verbali, quad. II, p. 72, FdB 1878 A12.
163 Carta de 17 de março de 1879; E III 456-457.
164 Carta de 20 de março de 1879; E III 460-461.
165 Carta de 20 de abril de 1879; E III 468-470.

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380 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sões do delegado apostólico, dom Di Pietro,166 que acabou chamando os Padres da
Missão. Somente em 1896 os salesianos se estabeleceram em Assunção.167
Em abril de 1879 realizava-se uma primeira missão salesiana provisória entre os
índios. Dom Espinosa, padre Costamagna e clérigo Botta eram admitidos em uma
missão militar, querida pelo ministro da Guerra e da Marinha, general Julio Roca, desti-
nada à conquista do Pampa e da Patagônia.168 Em Carhué entraram em contato com
os primeiros índios de duas tribos pacíficas. Após outra cavalgada de quatro semanas
chegaram à foz do Rio Negro e nos limites da Patagônia, a Choele-Choel. Nos dias 1º,
2 e 4 de junho administraram os primeiros batismos. No dia 21 atingiram Patagónes.
A campanha do Rio Negro concluir-se-ia em abril de 1881, mas os missionários voltaram
a Buenos Aires por via marítima em 9 de julho de 1879.169 No final de agosto Dom
Bosco escrevia ao padre Costamanha: “Agora trate seriamente com o padre Bodratto
e com o arcebispo a respeito da abertura de uma casa central de irmãs e de salesianos
em Patagónes. Não seria igualmente necessária uma em Carhué? Se precisar, eu me
ocuparei do pessoal e todos juntos nos ocuparemos dos meios materiais”.170 Recebia,
naqueles dias, uma carta do arcebispo Asneiros, que abria o coração à esperança:
“Chegou finalmente o momento no qual posso vos oferecer a Missão da Patagônia,
que fez vosso coração suspirar tanto, como o cuidado das almas entre os Patagões, que
pode servir de centro à missão”.171 Não era, porém, o consentimento para a ereção de
circunscrições eclesiásticas autônomas com relação à Arquidiocese de Buenos Aires,
constantemente contrariada pelo ordinário diocesano.
Finalmente os salesianos destinados à Patagônia, por razões logísticas, partiam em
15 de janeiro de 1880, e não em 15 de novembro, como tinha sido combinado ante-
riormente.172 O grupo era composto pelo padre Fagnano, diretor da Missão, pároco
em Cármen de Patagónes, dois sacerdotes, dos quais um se ocupava da paróquia de
166 Carta de 16 de setembro de 1879; E III 518-519.
167Do fracasso das primeiras tratativas conduzidas pelo padre Bodrato para a presença da obra
salesiana no Paraguai escreveu B. Casali, Fondazione salesiana a Buenos Aires-La Boca e
prime trattative per l’insediamento salesiano in Paraguay, RSS 17 (1998) 397-406.
168 Cf. Belza, Entraigas, Bruno, Paesa, La expedición al desierto y los Salesianos. Buenos
Aires, Ediciones Don Bosco 1979.
169O Boletim Salesiano, no entanto iniciava a publicação de várias cartas enviadas pelo padre
Costamagna, por Dom Espinosa e pelo arcebispo: BS 3 (1979) n. 7, julho, p. 9-12; n. 8, agosto,
p. 5-6; n. 9, setembro, p. 3-4 (carta de Dom Espinosa); n. 10, outubro, p. 2-6 (no mesmo
número uma vinheta com o título Le porte della Patagônia aperte ai Missionari Salesiani); n.
11, novembro, p. 1-4 (carta do arcebispo Asneiros e do padre Costamagna).
170 Carta de 31 de agosto de 1879; E III 514-515.
171 Carta de Dom Asneiros a Dom Bosco, 5 de agosto de 1879, in A. Da Silva Ferreira, Patagônia
I. Realtà e mito nell’azione missionaria salesiana, RSS 14 (1995) 23, n. 42: ainda carta de 5
de novembro de 1879 e 16 de março de 1882.
172 Carta à condessa Bosco-Riccardi, em 3 de janeiro de 1880; E III 537.

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39.1 Page 381

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 381
Viedma, na outra margem do Rio Negro, um coadjutor ou salesiano leigo e quatro
irmãs. Em dezembro chegava também padre Milanesio e, poucos meses depois, padre
Beauvoir, com um noviço coadjutor.
Em Roma, em 22 de março de 1880, Dom Bosco insistia junto ao cardeal Nina para
que se chegasse a uma estruturação canônica das Missões da Patagônia.173 Após a audi-
ência pontifícia de 5 de abril foram encarregados de estudar a questão padre Domenico
Jacobini, secretário da Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, e
cardeal Alimonda, membro da Congregação de Propaganda Fide. Após ter-se entretido
com eles, Dom Bosco enviava ao papa um relatório, no qual expunha o que os sale-
sianos estavam fazendo na Argentina e indicava as Coisas que deviam ser feitas, entre
as quais um vicariado ou prefeitura da Patagônia e um seminário para as Missões da
Patagônia, com sede em Marselha.174
Dois dias depois, em uma carta bem medida ao arcebispo de Buenos Aires, apresen-
tava como conclusão de uma “comissão de eminentes personagens” de Roma a proposta
da “ereção de um vicariado apostólico da Patagônia, com sede em Carmen, que abra-
çaria as colônias constituídas ou que iriam se organizando nas margens do Rio Negro”,
do 36º ao 50º grau de latitude Sul, que se tornaria “o centro das Missões Salesianas
entre os índios”.175 Ao padre Bodrato enviava uma carta, na qual eram formuladas as
mesmas propostas, a serem submetidas às autoridades competentes do governo;176 e em
carta pessoal ele explicava como em Roma se tinha chegado àquelas propostas e rele-
vava as vantagens, também econômicas, que derivariam de sua aprovação.177
Contudo, as relações com o papa e com a Cúria iam se deteriorando por causa
dos dissídios turinenses.178 A audiência de 5 de abril de 1880 era considerada muito
cordial.179 Contudo, nas anotações deixadas ao padre Dalmazzo, antes de partir de
Roma, no dia 20, pedindo-lhe para que se ocupasse de algumas honorificências para
benfeitores, escrevia: “Não pude mais nem me foi jamais permitido apresentar-me ao
mesmo santo padre para a audiência para a qual fui convidado. Deixe imperfeitas as
coisas das missões e vicariato da Patagônia”.180
Em 4 de agosto morria padre Bodrato de doença incurável, descoberta muito tarde,
enquanto em Buenos Aires se combatia uma breve mas sangrenta guerra civil. Era
combatida pelas tropas dos vencedores das eleições presidenciais, general Julio Roca,
contra as tropas sediadas na cidade em defesa do adversário, Carlos Tejedor, governador
173 E III 553-554.
174 Cf. carta e memória de 13 de abril de 1880; E III 567-575.
175 Carta de 15 de abril de 1880; E III 575-576.
176 Carta de 15 de abril de 1880; E III 576-578.
177 Carta de 17 de abril de 1880; E III 580-581.
178 Cf. cap. 28, § 4-6.
179 G. Berto, Appunti sul viaggio di Don Bosco a Roma nel 1880, p. 198-211.
180 E III 583.

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382 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
de Buenos Aires. Em suas duas últimas cartas a Dom Bosco, de 6 de abril e de 15 de
maio de 1880, padre Bodrato tinha sublinhado com singular vivacidade o quanto a figura
do fundador significava para os salesianos americanos, ao mesmo tempo em que colo-
cava em luz a relevância do sistema preventivo na dupla acepção assistencial e pedagó-
gica. O fundador aparecia como mensagem viva do modo de ser operativo dos salesianos
na América. “Nós vivemos de Dom Bosco”: “é preciso inverter a frase que diz: Gloria
Patris filius sapiens”, a glória dos filhos é o pai sábio. E, após ter falado da implantação
da tipografia no Colégio São Carlos, exclamava: “Oh, se Dom Bosco estivesse aqui,
quanto bem faria com a tipografia! Nós somos ainda crianças, se bem que eu tenha 57
anos”. “De tudo isso – continuava – V. P. pode bem aquilatar que o nome de Dom Bosco
é uma espécie de prestígio, um quid misterioso que contém certa força secreta atraente
pelo qual parece que a pobre juventude seja como obrigada a povoar as tendas e barracas
onde vive qualquer um dos seus filhos”.181 “Tenha-me presente em sua memória no faus-
toso dia de seu onomástico – suplicava em outra carta –, só Deus conhece meu desejo [de
ser exonerado do cargo de inspetor], e o senhor, caro pai, sabe quem é o padre Bodratto.
Obediente e afeiçoado a Dom Bosco até à morte, disponível sempre a seus acenos.
O senhor me considere como um de seus veteranos e me use pelo que valho”. Teria, certa-
mente, desejado estar presente no próximo Capítulo Geral de setembro, mas o trabalho
imenso não lhe consentia. “Todavia –continuava – de outro lado vejo uma grande neces-
sidade de falar com Dom Bosco com relação às coisas que tenho dificuldade de escrever,
difíceis de se fazer compreender e que merecem discussão”.182
3.2 Inspetorado do padre Giacomo Costamagna e a divisão da inspetoria
americana (1880-1881)
Em 4 de agosto, com a mesma data do telegrama que tinha dado a notícia da morte
do primeiro inspetor salesiano da América, Dom Bosco, com circular às casas salesianas
da América, ordenava sufrágios pelo falecido e destinava provisoriamente a suceder-lhe
como superior provincial padre Giacomo Costamagna.183 Idêntica comunicação era
feita ao cardeal Nina, descrevendo em grandes linhas a situação das obras americanas
e européias.184 Ao padre Costamagna recomendava que enviasse logo a Turim todas as
cartas que se referissem ao padre Bodrato e dava normas de governo: “Toma as regras,
faze o que podes para promover a observância”; “reúne logo teu Capítulo, faze falar o
padre Vespignani; consulta também o arcebispo”.185
181 Carta de 6 de abril de 1880; F. Bodrato, Epistolario, p. 438-4342.
182 Carta a Dom Bosco, 15 de maio de 1880; F. Bodrato, Epistolario, p. 458-459.
183 Circular de 4 de agosto de 1880; E III 611-612.
184 Carta “Da Casa de Nizza Monferrato, 20 de agosto de 1880”; E III 615-617.
185 Carta de 22 de agosto de 1880; E III 619-620.

39.3 Page 383

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 383
Ao padre Fagnano, grande trabalhador e organizador bastante autônomo, Dom
Bosco declarava que sua destinação para a Patagônia, considerada pelo interlocutor
um sinal de menor estima, fora querida – assegurava – “por toda a minha inteligência”,
“sendo necessário enviar alguém de absoluta confiança e capaz de resolver as questões,
mas seguro na moralidade”. A citação final, porém, não era casual, ligada a inconve-
nientes administrativos registrados em San Nicolás: Obliviscere domum et parentes
tuos, iacta super eos cuas Domini.186
Mais adiante enviava ao padre Costamagna a cópia de uma carta ao novo presi-
dente da Argentina, general Julio Roca, datada de 19 de novembro, relativa ao projeto
Vicariado da Patagônia, que nem o arcebispo nem a autoridade política viam com bons
olhos. Com efeito, jamais seria reconhecido oficialmente, nem mesmo após a ereção
pontifícia de 16 de novembro de 1883. No final da carta, Dom Bosco não deixava de
recordar os débitos americanos em relação a Turim, uma cruz que já estava pesada para
o padre Bodrato.187
Excetuado o primeiro mês de 1881, neste ano e na primeira parte de 1882 a corres-
pondência americana de Dom Bosco tornava-se mais rara. Absorviam-no os graves
problemas com a Santa Sé sobre temas delicados.188 As obras, porém, continuavam seu
desenvolvimento graças ao empreendedorismo e à tenacidade dos que aí trabalhavam.
Dom Bosco não os esquecia. Com sensível alegria anunciava ao cardeal Nina, para
o dia 20 de janeiro de 1881, a bênção de missionários em partida de Gênova para
a América, no dia 22, e incluía no pacote o envelope de uma carta com o primeiro
selo da Patagônia.189 Incluía também um prospecto das Missões da América em duas
cópias, uma reservada ao papa.190 L’unità cattolica, de 15 de janeiro de 1881, publicava
esse prospecto com o título Dom Bosco nas suas Missões, acentuando: “Socorrer Dom
Bosco é hoje não somente um ato de fé católica, mas de caridade pátria e de verdadeira
humanidade, como concorda o mesmo Direito de 7 de janeiro”.191 Sob o mesmo ponto
de vista, com o fim de obter subsídios para a iminente expedição, Dom Bosco enviava
a Benedetto Cairoli, presidente do Conselho e Ministro do Exterior, um relatório com
breves acenos sobre o que os salesianos tinham realizado no Uruguai, na República
Argentina e na Patagônia”.192
Em 31 de janeiro de 1881 Dom Bosco assinava um punhado de cartas destinadas
ao padre Costamagna e a outros salesianos: restam quatorze, mais uma, a um familiar.
Contém elementos de direção espiritual e material. Ao inspetor recomendava, em parti-
186 Carta de 21 de outubro de 1880; E III 631-632.
187 Carta de 12 de novembro de 1880; E III 633-634.
188 Cf. cap. 28, § 4-6.
189 Carta de 12 de janeiro de 1881; E IV 2-3.
190 Cf. texto em MB XV 15, n. 4.
191 L’unità cattolica, n. 12, sábado, 15 de janeiro de 1881, p. 46.
192 Carta de 16 de janeiro de 1881; E IV 4-6.

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384 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
cular, as tratativas para uma “negociação” muito importante: “A ereção de uma prefei-
tura e de um vicariato apostólico na Patagônia. Terminava com a investidura oficial a
inspetor: “O Capítulo Superior definitivamente elegeu-te inspetor americano e o decreto
te será expedido o quanto antes. Isso para norma de santificar-te e de santificar”.193
Ao padre Fagnano recordava: “A maior empresa de nossa Congregação é a da Patagônia.
Saberás tudo a seu tempo. Não posso, porém, esconder-te que uma grande responsabi-
lidade pesa sobre ti”. Concluía: “Por quanto te será possível, observa e faze observar
as nossas regras”.194
No fronte norte se dirigia ao padre Lasagna, incluindo no pacote cartas a cada irmão,
informando-o sobre a chegada de salesianos. Precisava: “Não foi possível conseguir
tipógrafos. Os que são idôneos não têm coragem, e os que têm coragem não possuem
capacidade”. Dava notícias sobre as muitas viagens do padre Cagliero e sobre as suas:
“Estou girando por todo o mundo”.195 A dom Vera anunciava a iminente chegada de um
grupo de salesianos e de irmãs”, enquanto lhe agradecia sua proteção e caridade”.196
Várias cartas diziam respeito, mais adiante, à chegada à Italia do padre Lasagna para
uma intervenção cirúrgica, o êxito positivo, o retorno com previsões relativas à divisão
da inspetoria americana, o problema da prefeitura ou do vicariato apostólico.197 Concluía:
“Deus nos abençoe a todos e faça os salesianos santos e de ti faça um santão”.198
Com decreto do fundador e reitor-mor da Sociedade Salesiana de 8 de dezembro de
1881, o padre Luigi Lasagna era nomeado inspetor do Uruguai e do Brasil. O grande
problema da circunscrição eclesiástica da Patagônia, embora sempre predominante nas
atenções de Dom Bosco, sob o plano histórico e objetivo se confrontava com perspec-
tivas muito mais amplas no Brasil, com a gradual relativização da ação propriamente
missionária na imensa região argentina, fracamente povoada, que se tornaria cada vez
mais terra de colonos e de civilizados.
3.3 Animação espiritual coletiva e individual
Confessor e diretor espiritual em Turim e nas casas que visitava na Itália e França,
Dom Bosco não desistia do desenvolvimento da ação de animação espiritual também
com os irmãos salesianos, os jovens e os benfeitores de ultramar. Quem insiste sobre
Dom Bosco “empreendedor” esquece o mais verdadeiro Dom Bosco, sempre padre dos
193 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 7-8.
194 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 14.
195 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 14-16.
196A dom Giacinto Vera, 31 de janeiro de 1881; E IV 16.
197 À condessa C. Callori, 21 de julho de 1881 (E IV 70); ao padre Costamagna, 1º e 10 de outubro
de 1881(E IV 83 e 86); e ao padre Tomatis, 21 de dezembro de 1881 (E IV 100-101).
198 Carta ao padre Costamagna, 1º de outubro de 1881; E IV 83.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 385
jovens e de todos os que deles se ocupavam. A salvação da alma era para uns e para
outros o supremo “serviço”.
Quando os missionários estavam ainda em viagem, Dom Bosco concluía a última
carta dirigida em 1875 ao padre Cagliero com palavras que testemunhavam o quanto
era viva sua solicitude pela sua vida física e espiritual: “Recomendo que cada um cuide
de sua saúde”; “procura, se é possível, que se leiam juntos as recordações que vos dei
antes da vossa partida”.199 Particularmente enérgica e vibrante era a carta enviada de
Alassio, em 7 de março de 1876, ao padre Tomatis, a quem já tinha enviado uma severa
admoestação por meio do padre Cagliero.200 “Um missionário – escrevia de forma
lapidar – deve estar pronto para dar a vida para a maior glória de Deus; e não deve
então ser capaz de suportar um pouco de antipatia por um companheiro, mesmo tendo
notáveis defeitos?”201
O tema mais freqüente era a prática do exercício mensal da boa morte: “É essa a
chave de tudo”.202 Outro ponto capital era acentuado no pós-escrito a uma folha incluída
na carta ao padre Cagliero de 14 de janeiro de 1877. Dizia respeito ao conselho que lhe
dera Pio IX: “Recomendai, de minha parte, que velem vigilantemente sobre a obser-
vância de vossas regras, speciatim vero sobre a moralidade que nesses lugares está
exposta a contínuos perigos”.203
Aos diretores ou a outros fornecia, junto com as informações, o encargo de saudar
benfeitores e amigos, bem como pensamentos espirituais.204 Ao padre Costamagna,
após a tempestade marítima de 1878, passava a tarefa de saudar o prior e os irmãos da
Misericórdia e de dizer a vários salesianos que ele rezava todo dia por eles e se confiava
a eles, fazendo uma peremptória entrega: “Marco o encontro com todos no Paraíso. Ai
de quem ali não se encontrar!”.205
Ao jovem sacerdote Taddeo Remotti (1854-1932) prestava um verdadeiro acompa-
nhamento espiritual à distância, sugerindo meios para continuar em seu crescimento
interior: “Com uma mortificação, com uma jaculatória, com a fadiga por amor de
Deus”; “eu estou satisfeito contigo. Continua. Obediência na tua conduta, promover a
obediência nos demais”.206 Ao padre Fagnano sugeria: “Tu recorda sempre a todos os
nossos salesianos o monograma adotado por nós: Labor et temperantia”.207 Ao simpá-
tico e bizarro padre Tomatis (1849-1912), em seguida diretor em San Nicolás de los
199 Carta de 4 de dezembro de 1875; E III 531.
200Ao padre Cagliero, 12 de fevereiro de 1876; E III 17-18, citada no cap. 21, § 6.
201 E III 27. No verão de 1877 Molinari já tinha abandonado a Congregação.
202 Ao padre Cagliero, 1º de agosto de 1876; E III 81.
203 E III 142.
204 Por exemplo, ao padre Lasagna, 1º novembro de 1877 (E III 235); ao padre Fagnano, 14 de
novembro de 1877(E III 236).
205 Carta ao padre Costamagna, 12 de agosto de 1878; E III 378.
206 Carta de 11 de novembro de 1877; E III 235-236.
207 Carta de 14 de novembro de 1877; E III 235-236.

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386 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Arroyos, pedia que lhe escrevesse alguma vez: “Tu deverás, e te ordeno, ser o modelo
de trabalho, na mortificação, na humildade e na obediência aos que chegam”. “Gostaria
que tu me escrevesses alguma longa carta que fosse como um rendiconto dos exercícios
espirituais e me dissesse sobre a vida, virtude, milagres presentes, passados e futuros.
Que me diz? Caro padre Tomatis, queira bem a Dom Bosco como este tem grande
afeição por ti”.208 Padre Tomatis não pecava em rapidez e respondia com uma carta
frisante, carregada de otimismo e de vontade de agir.209 Firme era, ao invés, a adver-
tência a um coadjutor, “tentado de abandonar a Congregação”: “Não faça isto. Tu és
consagrado a Deus com votos perpétuos, tu és salesiano missionário, tu, dos primeiros
a ir para a América, tu, grande confidente de Dom Bosco, queres agora voltar àquele
mundo onde há tantos perigos de perversão? Espero que não faças esse despropósito.
Escreve as razões que te preocupam, e eu, qual pai, darei conselhos ao amado filho,
que valerão a fazê-lo feliz no tempo e na eternidade”.210 O nome do destinatário, com
saudações paternalmente personalizadas, aparecia em outra carta espiritual ao padre
Remotti, que tinha enviado a Dom Bosco notícias e augúrios.211 Já encorajante era a
breve missiva ao jovem sacerdote Valentino Cassini (1851-1922), que era sabido ser de
saúde “um tanto quanto débil”: “Se fosse necessário, procurarei fazer com que venhas
passar algum tempo na Europa. Age viriliter, si vis coronari feliciter”.212
Ao padre Costamagna, após a “horrível borrasca” de 1878, a mensagem era quase
telegráfica: “Adeus, meu querido filho, na terra trabalho, no céu gozo eterno”.213 Breve,
da mesma forma, era a mensagem ao padre Fassio (1853-1936): “Não duvides de minha
benevolência, que é muito grande por ti e por todos os meus queridos filhos da América.
E, quanto às coisas de consciência, continua como escreveste. Depois da tempestade
virá o tempo bom”.214
A direção espiritual a vários era objeto de algumas breves mensagens levadas à
América pelos membros da quarta expedição. Sucediam-se assegurações e encoraja-
mentos. “Continua a fazer o que podes”, “procura fazer-me muitos santos noviços”,
recomendava ao padre Costamagna.215 “Antes de tudo dá-me notícias de tua saúde e
de tua santidade – escrevia ao padre Vespignani, tratando-o mesmo por ’tu’ –. Depois
dize-me o que fazes, como vai o noviciado e o estudantado etc. De minha parte te
asseguro que estou contente pela tua conduta e pelas cartas que me escreveste. Faze o
que podes, mas somente o que podes. Põe plena confiança no Senhor, dizendo como
208 Carta de 14 de novembro de 1877; E III 237.
209 Carta a Dom Bosco de 4 de janeiro de 1878; D. Tomatis, Epistolario, p. 118-120.
210 Carta de 1º de dezembro de 1877; E III 247. Bartolomeu Scavini morria salesiano em 1918,
com 79 anos de idade.
211 Carta de 12 de janeiro de 1878; E III 271. Cf. também carta de 7 de agosto de 1878; E III 376.
212 Carta de 12 de junho de 1878; E III 352.
213 Carta de 12 de agosto de 1878; E III 378.
214 Carta com a data “Ano 1878”; E III 379.
215 Carta de 31 de dezembro de 1878; E III 423.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 387
São Paulo: Omnia possum in eo, qui me confortat”. “Promove a caridade entre nossos
irmãos”.216 “Estou contente contigo, e te amo muito em Jesus Cristo e te recomendo
todo dia ao Senhor – encorajava o padre Fassio –. Santifica os outros santificando-te a ti
mesmo”.217 Com o padre Remotti alegrava-se pela “desenvoltura com a qual várias vezes”
lhe tinha escrito e lhe dava alguns “avisos”: “1) suportar os defeitos dos outros, mesmo
quando nos incomodam; 2) cobrir as faltas dos outros, jamais fazer chacota a alguém,
quando este se magoa; 3) trabalha, mas trabalha por amor de Jesus; sofre tudo, mas sem
quebrar a caridade. Alter alterius onera portate et sic adimplebitis legem Christi”.218
Ao padre Cassini repetia a fórmula da salesianidade: “Continua a ser sal terrae et lux
mundi e tuas coisas irão sempre de bom a melhor. Caridade e paciência com todos,
observância de nossas práticas de piedade”.219 “Humildade e obediência assegurar-te-ão
a perseverança no bem”, recordava ao padre Giovanni Allavena (1855-1887).220
Ao padre Tomatis, neodiretor em San Nicolás de los Arroyos, dava “alguns dos
avisos – dizia – que dou sempre aos diretores”, enquanto o assegurava: “Nós colo-
camos em ti plena confiança e esperança”: “1) tem grande cuidado de tua saúde e
da de teus súditos; mas age de forma que ninguém trabalhe demais e esteja no ócio;
2) procura preceder os outros na piedade e na observância das nossas regras, e faze
de tudo para que os outros também a observem, especialmente a meditação, a visita
ao santíssimo sacramento, a confissão semanal, a missa bem celebrada, e para os não
sacerdotes a comunhão freqüente; 3) heroísmo em suportar as fraquezas dos outros;
4) muita benevolência para com os alunos, muita comodidade e liberdade para confes-
sar-se”.221 Análogas eram algumas diretivas para os salesianos, dadas ao padre Bodrato,
inspetor, em carta de 17 de abril de 1880: “Trabalhar até quanto suporta a saúde”, “mas
cada um evite o ócio”; “observância de nossas regras. Ai de nós se as estudamos sem
praticá-las”.222
Solidariedade, unidade e coragem eram recomendadas em particular após a morte
do padre Bodrato. Ao padre Vespignani escrevia: “Paciência, oração, coragem: eis
nosso programa neste momento. Faze tudo o que podes para encorajar e tirar a tris-
teza. Dirás aos estudantes e aos nossos noviços que eu espero grandes realizações
de sua parte. Moralidade, humildade, estudo, eis seu programa”.223 Ao padre Fassio
repetia: “Neste momento praebe te ipsum exemplum bonorum operum. Ninguém se
desanime neste momento, ninguém se queixe, ninguém dê um passo atrás. Coragem,
Deus está conosco”.224
216 Carta de 31 de dezembro de 1878; E III 424.
217 Carta de 31 de dezembro de 1878; E III 424.
218 Carta de 31 de dezembro de 1878; E IV 425.
219 Carta de 31 de dezembro de 1878; E III 425.
220 Carta de 31 de dezembro de 1878; E III 425-426.
221 Carta de 30 de setembro de 1879; E III 524-525.
222 E III 580-581.
223 Carta de 22 de agosto de 1880; E III 620.
224 Carta de 22 de agosto de 1880; E III 620.

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388 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
De grande conteúdo espiritual eram os conselhos, os avisos e as admoestações
disseminadas na já acenada série de cartas individuais datadas de 31 de janeiro de 1881.
Ao padre Costamagna relembrava o significado salesiano: “Eu me limito a dizer-te:
Tu vero vigila, in omnibus labora, sicut bonus miles Christi. Mas não te esqueças que
somos salesianos. Sal et lux. Sal da doçura, da paciência, da caridade. Luz em todas as
ações externas, ut omnes videant opera nostra bona et glorificent Patrem nostrum qui
in coelis est”.225 Ao padre Vespignani, que lhe tinha enviado várias cartas, augurava:
“Deus faça que tu possas fazer-me numeroso grupo de aspirantes, depois de noviços,
depois professos, depois de salesianos cheios de fervor”. Encarregava-o, além disso,
de transmitir da parte “de seu amigo da Europa” “um conselho para ser felizes: fugi
do pecado e freqüentai a santa comunhão”.226 Ao padre Tomatis, sempre arredio para
escrever, confirmava novamente a imutável benevolência. Acrescentava, para ele, uma
recomendação: “A observância daquelas regras com as quais somos consagrados ao
Senhor, especialmente o exercício mensal da boa morte”: para os jovens, uma recor-
dação: “O tempo é um grande tesouro e façam o possível para não perder sequer um
pedacinho”.227 “Escreve-me com mais freqüência, mas cartas longas”, insistia com o
padre Remotti e acrescentava: “Enquanto te preocupas com as almas dos outros, não te
esqueças da tua. O exercício da boa morte uma vez por mês não seja jamais esquecido”;
“trabalha, o prêmio está preparado, o céu nos espera. Ibi nostra fixa sint corda, ubi vera
sunt gaudia.228 Ainda mais afetuosamente solícito se mostrava com o clérigo Giuseppe
Quaranta, dando exemplo prático do sistema da amorevolezza: “Estudo e piedade farão
um verdadeiro salesiano”; “o exercício da boa morte e a freqüente comunhão são a
chave de tudo. De saúde, estás bem agora? És verdadeiramente bom? Tua vocação se
conserva? Tens certeza que estás preparado para as ordenações? Eis o tema de uma
carta que espero. Deus te abençoe, o meu caro 40! [!]”.229 Amavelmente personalizado
era também o implícito colóquio com outro clérigo próximo das ordens sagradas: “Tu,
ó meu querido Paseri (1859-1885), foste sempre a delícia de meu coração, e agora
te amo ainda mais, porque estás totalmente dedicado às missões, que significa dizer:
abandonaste tudo para consagrar-te completamente ao ganho das almas. Coragem,
portanto”, “prepara-te para ser um bom padre, um santo salesiano”, “não te esqueças
jamais deste amigo da alma”.230 Ao clérigo Carlo Peretto (1860-1923) reservava o habi-
tual Praebe te ipsum exemplum etc. da Carta a Tito 2,7.231 “Segue adiante no estudo
e na piedade”, incentivava o clérigo Bartolomeo Panaro (1851-1918), aconselhando
225 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 7.
226 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 8.
227 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 8-9.
228 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 9-10.
229 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 10. Ele morria aos 88 anos em 1947 em Buenos Aires.
230 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 10.
231 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 11.

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Cap XXVII: Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa e na América (1877-1881) 389
simplesmente: “Obediência e o exercício da boa morte constantemente. Eis tudo!”.232
Do padre Valentino Cassini dizia conhecer o muito trabalho, mas ao mesmo tempo lhe
pedia que “não se esquecesse do estudo da teologia e o cuidado das almas. São Paulo
temia que ocupando-se dos outros colocasse em risco a sua alma. Ne cum aliis prae-
dicaverim, ipse reprobus efficiar”. “O prêmio eterno é grande. Ganhemo-lo a qualquer
custo”.233 Do clérigo Calcagno (1857-1899) esperava firmeza na vocação: “Não voltes
para trás o olhar. Olhemos o Céu que nos espera. Lá temos um grande prêmio preparado.
Trabalha, ganha almas e salva-me a tua. Sobriedade e obediência para ti são tudo”.234
Ao padre Cipriano (1848-1894) escrevia: “Em particular te recomendo o cuidado da
saúde e de fazer bem a cada mês o exercício da boa morte. Está atento, contudo, que
enquanto te ocupas das almas dos outros, não tenhas esquecido a ti mesmo”.235 “O
bom exemplo, especialmente na obediência”, inculcava ao coadjutor Giacomo Ceva
(1851-1916).236 Uma cartinha de augúrio reservava enfim ao primeiro clérigo salesiano
uruguaio, depois sacerdote: “Aquele Senhor que te chamou a ser salesiano, mas fervo-
roso e exemplar salesiano, te auxilie a ganhar muitas almas para o céu. Isso farás com
o bom exemplo e com a exata observância das nossas Regras”.237
232 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 12.
233 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 12-13.
234 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 13.
235 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 16.
236 Carta de 31 de janeiro de 1881; E IV 17.
237 Carta ao clérigo Juan Pedro Rodríguez Silva (1856-1935), 31 de janeiro de 1881; E IV 17.

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40 Pages 391-400

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40.1 Page 391

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Capítulo XXVIII
Pela liberdade de ação na sociedade civil e
eclesiástica (1878-1882)
1876
1877
1878
1879
1880
1881
1882
primeiras advertências sobre os títulos legais dos professores nas classes
ginasiais do Oratório
8 de dezembro: profissão religiosa do conde Cays
10 de outubro: advertência premente do Conselho Escolar Provincial sobre a
situação legal dos professores do ginásio
4 de dezembro: sanatória da profissão do conde Cays
março: Exposição à Santa Sé sobre o estado moral e material da Pia Sociedade
de São Francisco de Sales
16 de março: Decreto ministerial de fechamento
23 de junho: entrega oficial do decreto a Dom Bosco
26: recurso ao ministro da Pública Instrução Michele Coppino
6 de julho: súplica e exposição ao rei Umberto I
13 de novembro: recurso ao rei para a anulação do Decreto
24 de dezembro: o recurso foi transmitido ao Conselho de Estado
26 de fevereiro: Conselho de Estado examina o recurso e pede esclarecimentos
30 de junho: estão em vigor, na França, os decretos anticongregacionalistas
15 de dezembro: “Exposição aos cardeais da Congregação do Concílio”
janeiro: Dom Bosco disponível para uma composição das últimas controvérsias
com dom Gastaldi
27 de maio: fugaz entendimento entre Dom Bosco e cônego Colomiatti
29 de novembro: confiar ao papa a solução do problema
29 de novembro: o Conselho de Estado rejeita o recurso
22 de dezembro: o rei assina o Decreto de rejeição
31 de janeiro: chamado a Roma por causa do processo sobre os libelos anti-
gastaldianos
20 de maio: delegação ao padre Dalmazzo como plenipotenciário para tratar
da Concórdia
17 de junho: assinatura da Concórdia, querida pelo papa
23 de junho: comunicação da Concórdia a Dom Bosco

40.2 Page 392

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392 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Viu-se que, quase como represália aos tantos coros que entoavam hinos à liberdade,
com alguma ironia Dom Bosco gostava de propor aos jovens a coragem de se sentir e de
se professar livres no testemunho da fé e na franqueza do agir cristão. Era esse o motivo
condutor de seu agir, tanto na sociedade civil como na religiosa, não sem ter que pagar o
devido preço por isso. O que pedia às diversas autoridades era de ser deixado livre para
fazer o bem aos jovens, também em proveito da sociedade e da Igreja. Viu-se por exemplo
que, a propósito do serviço militar, ele utilizou, com consciência tranqüila, as teorias
morais correntes sobre “leis meramente penais” e não foi levado, em relação às própias
normas canônicas, a ater-se à interpretação mais rígida quando ela lhe parecia menos
favorável a promover a maior glória de Deus e a salvação das almas. Em vários casos
viu-se, e se verá ainda, isso transformar-se em casuística minuciosa e desenvolta, embora
nem sempre premiado como desejaria. Neste capítulo serão dados outros exemplos, com
resultados desiguais. À parte o diferente peso dos acontecimentos, eles colocam sempre
em nova luz traços significativos de sua personalidade: amorosa e firme, confiada em
Deus e empreendedora, linear e oportunista, dialógica e intransigente.
A carta ao cardeal Nina, novo protetor da Sociedade salesiana, de 13 de junho de
1879, era eco parcial das batalhas em ato no meio da luta pela liberdade da escola e
dos conflitos diocesanos. Dom Bosco estabelecia entre essas batalhas uma inesperada
parentela. “As oposições deste ordinário – escrevia – estiveram sempre unidas às das
autoridades civis e escolares. Por isso E. V. pode logo imaginar-se quanto se tenha
devido fatigar e sofrer para começar a Congregação Salesiana, sustentá-la e consoli-
dá-la, privada com efeito de apoio temporal e de meios materiais”.1 Tal interpretação
simplificava a situação bem mais complexa, provocada por episódios heterogêneos,
alguns de gravidade imprevisível, que acabaram por formar, junto com as mais modestas
divergências jurisdicionais, um nó tão entranhado que, em particular contexto eclesial,
o papa acreditou dever desatá-lo pessoalmente.
1. O caso Cays: um infortúnio com sérios resultados
Já se notou que na primeira metade do ano de 1878 as relações entre Dom Bosco e
o arcebispo foram substancialmente pacíficas. Também as divergências sobre a questão
das duas igrejas turinenses, apresentadas ao mesmo tempo como monumento a Pio
IX foram rapidamente aplainadas.2 Em maio, o arcebispo, com saúde precária, desde
o Eremo, casa de férias do seminário na colina turinense, realizava alguns gestos de
paz: informava Dom Bosco que no período das Quatro Têmporas haveria ordenações
e, portanto, Dom Bosco enviasse os documentos de eventuais ordenandos. Prometia
1 E III 475.
2 Cf. cap. 27, § 1.4.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 393
também sua provável presença na festa de Nossa Senhora Auxiliadora e pedia para
marcar a data para a crisma dos jovens de Valdocco. Dom Bosco agradecia e comu-
nicava coisas irênicas a propósito da lembrança de Pio IX para a Igreja de São João
Evangelista, e o informava a respeito da conferência dos cooperadores, em 16 de maio3.
Não podendo depois oficiar em Maria Auxiliadora, o arcebispo dava a permissão para
que se convidasse outro bispo4. No dia seguinte Dom Bosco pedia a autorização do
Ordinário para a ida das Filhas de Maria Auxiliadora para Chieri, concedida de bom
grado em 19 de junho5. Posteriormente, em 25 de maio pedia ao arcebispo as teste-
munhais para um clérigo, renunciando à dispensa obtida vivae vocis oraculo de Pio
IX, declarada ilegítima pelo cardeal Ferrieri em 12 de abril de 1878:6 faria semelhante
pedido em 4 de novembro para outro clérigo proveniente do Seminário de Turim.7 Mais
adiante o arcebispo se dizia disposto a ir celebrar a missa na próxima festa de São Luís,
transferida para o dia 23 de junho.8
Para turbar uma situação relativamente serenada, logo aparecia um fato extrema-
mente turbulento para Dom Bosco, que via comprometida a confiabilidade de suas
decisões de superior religioso por causa de uma interpretação discrepante a respeito
de certa disposição canônica, tida como inderrogável por Roma. No caso Cays, com
efeito, a decisão tomada pareceu-lhe totalmente legítima, de acordo, de resto, com a
interpretação de acreditados juristas.
Em 27 de maio de 1877 entrava no Oratório para fazer-se salesiano, com 63 anos,
o conde Cays (1813-1882). De fé católica robusta, ficou viúvo com um filho, Luigi,
já em 1845. Foi deputado por tês anos no Parlamento subalpino (1857-1860), sempre
em primeira linha na militância católica, nas Conferências de São Vicente de Paula e
em todas as obras de benemerência. Educado no Colégio do Carmo pelos padres da
Companhia de Jesus, laureado em jurisprudência, dispunha de excelente cultura reli-
giosa. Salesiano nos ideais e na mentalidade desde os inícios dos oratórios turineses
de Dom Bosco, consultor e mediador nos acontecimentos relativos à propriedade das
Leituras Católicas e à tipografia vendida ao bispo de Mondovì, cooperador, ele parti-
lhava desde os primórdios os acontecimentos, os problemas, os sucessos e o espírito da
Congregação Salesiana. Ao fundador parecia óbvio que a esse noviço excepcional por
vários títulos fosse lícito antecipar de alguns meses a profissão dos votos religiosos.
Em 17 de setembro Dom Bosco tinha-o admitido à vestição clerical e, após seis meses
e meio da entrada no Oratório, em 8 de dezembro, na presença de toda a comunidade
do Oratório – professos, noviços, jovens estudantes e aprendizes – tinha recebido sua
3 Cf. cartas de 9 e 12 de maio de 1878; E III 338-339 e 341.
4 Cf. carta de Dom Bosco ao arcebispo de 18 de maio; E III 342-343.
5A dom Gastaldi, 19 de maio; E III 343.
6A dom Gastaldi, 25 de maio de 1878; E III 347-348.
7 Carta de 4 de novembro de 1878; E III 407.
8 Carta de Dom Bosco, junho de 1878; E III 355.

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394 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
profissão dos votos perpétuos. O rito fora celebrado justamente na Igreja São Francisco
de Sales, que o neo-salesiano tinha contribuído para edificar e na qual fora prior da
Companhia e da primeira festa de São Luís. Dom Bosco tinha se declarado “especial-
mente comovido” e tinha presenteado a alegre assembléia com uma longa conferência
sobre a austera e exaltante beleza da consagração religiosa.9
Contudo, a validade de tal profissão imediatamente parecia duvidosa a dom
Gastaldi. Vendo que o conde era apresentado para as ordens menores, quis que se
munisse do patrimônio eclesiástico, concedendo-lhe ele mesmo as dimissórias. Da
mesma forma, ordenava-o diácono em 15 de junho de 1878, antes, porém, avisando o
prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares, cardeal Ferrieri, da anomalia jurídica.
Na carta de 18 de maio de 1878, o cardeal assinalava a Dom Bosco, generalizando, que
a Congregação Romana tinha “conhecimento” de que ele admitia “à profissão alunos
de seu instituto sem que [tivessem] completado o ano de noviciado”. Por isso lhe
pedia formalmente dar a “conhecer se [tivesse] obtido da Santa Sé, e por qual via, tal
faculdade de abreviar o tempo de noviciado para tais alunos”. Esperava resposta “pelo
correio”.10 Em 18 de junho Dom Bosco limitava a resposta ao caso Cays e, ajudado pelo
padre canonista jesuíta Giovanni Battista Rostagno, declarava ter considerado válida e
lícita a dispensa concedida. Ele invocava, para sustentar sua afirmação, a opinião de
Dominique Bouix – citava o tratado De jure regularium, pt. 4, cp. 5, n. 11 –, segundo
o qual a taxativa norma do Concílio de Trento sobre a integridade do ano de noviciado,
no caso dos institutos de votos simples podia em várias situações admitir exceções.11
O conde Cays – justificava-se Dom Bosco – era “pessoa muito distinta pela piedade,
pelos talentos, pela doutrina, pela vida longa e ativa no serviço de Deus”, “um douto
laureado in utroque jure, instruído na Sagrada Teologia Dogmática e Moral”, “o qual,
ainda antes de começar o noviciado, passou vários meses na provação da vida religiosa
que meditava abraçar na casa-mãe dos salesianos, renunciando à comodidade da vida,
na grave idade de mais de 65 anos. Daí não se podia duvidar nem das ótimas qualidades
do noviço, nem da maturidade da deliberação, nem da firmeza do santo propósito nem
do bem que teria podido fazer no serviço da Religião e da Igreja”.12 Ferrieri repli-
cava em 25 de junho, rebatendo a irregularidade cometida, quanto à integridade do ano
de noviciado, contra as mesmas Constituições da Sociedade Salesiana. A Dom Bosco
tinha sido pedido “com qual faculdade tinha concedido a dispensa, e não já por quais
motivos”. A conclusão era peremptória: “V.S. veja bem (...) que, para regularizar o
caso do conde Gays Giletta, merecedor de todo respeito, se deve fazer recurso à Santa
9 Documenti XVIII 412-417, FdB 1051 C9-D3.
10 Documenti XIX 166, FdB 1055 C8.
11 Cf. Dominique Bouix, Tractatus de jure Religiosorum uti et de religiosis familiii quae vota
colemnia vel etiam simplicia perpetua non habent. Tomo I. 3ª ed. Paris, Perisse Fratres, 1882,
p. 577-578.
12 E III 352-354.
13 Documenti XIX 192, FdB 1055 E10 .

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 395
Sé”.13 Querendo salvar a honra do próprio fundador e superior da Congregação, mas
também para evitar ao ignaro nobre amigo a ingrata tarefa de fazer o pedido formal da
sanatio in radice, no encontro com o cardeal de 17 de julho, Dom Bosco pedia, “pelo
caminho da graça”, que fossem acolhidas as razões que pareciam letigimar o que tinha
pensado de poder fazer, e com a costumeira tenacidade lhe respondia sinteticamente,
apoiando-se em “acreditados canonistas, como Bouix e Ferraris” e a numa “autorizada
declaração” do papa que lhe fora comunicada por um “benemérito purpurado”.14 Era
a tática menos indicada para uma solução rápida e indolor. Em 29 de julho cardeal
Ferrieri respondia secamente: “Não é necessário que o Senhor insista na justificação
de sua ação regular (...). Portanto, pela norma do já citado documento de 25 de junho,
deverá ser pedida simplesmente a sanatio in radice do dito noviciado e profissão, com
a declaração escrita do conde Cays Giletta, que exprima a sua vontade, que seja dada
a dita sanatio in radice”.15 Dom Bosco contemporizava e deixava sem resposta a carta.
No entanto, em 20 de setembro, dom Gastaldi ordenava sacerdote o conde Cays, natu-
ralmente não titulo mensae communis, e o novo padre celebrava a primeira missa solene
na catedral de Turim, diante de um numeroso grupo de senhoras e senhores, conhecidos
e amigos da aristocracia subalpina e de grande multidão. Após a ordenação, padre Cays
se dirigia para o Internato de Sampierdarena, onde celebrava, assistido por Dom Bosco,
que aí se encontrava para um curso de exercícios espirituais.16
Provavelmente, não sem relação com essa ordenação, em 25 de setembro, cardeal
Ferrieri voltava à carga: “Não tendo V. S., até hoje, executado o que lhe fora injungido,
pede-se que o execute com solicitude, a fim de que esta Sagrada Congregação não
omita as providências que acreditar mais oportunas sobre o pretendido noviciado e
profissão”.17 Não parece que Dom Bosco se tenha apressado em responder. Pensava
pedir ao amigo bispo de Vigevano, dom Pietro De Gaudenzi, apresentando-lhe sob uma
luz surpreendentemente positiva a figura do cardeal prefeito, preocupado como o supe-
rior da Sociedade Salesiana para chegar a uma solução que salvasse os princípios e fosse
a menos onerosa possível. Ferrieri tinha pedido que o bispo insistisse com Dom Bosco.
O bispo, por sua vez, exortava: “Não perde nada e parece-me que esse gesto possa se
tornar proveitoso para o bem da sociedade”.18 Respondendo ao amigo Dom Bosco, não
deixava de reafirmar as próprias razões, citando ainda “os autores de Direito Canônico:
Bouix, Suarez, Ferraris”. Concluía sem entusiasmo, ainda mais defendendo-se sobre o
tema mais geral das testemunhais: “V.S. portanto, se julga em sua prudência, poderia
escrever: Realizada a comissão. A solicitada Sanatio in radice expedida em outubro.
14 E III 364.
15 Documenti XIX 198, FdB 1056 A4.
16 Cf. carta de Dom Bsoco ao advogado Alfonso Fortis, 22 de setembro de 1878; E III 386.
17 Carta a Dom Bosco, 25 de setembro de 1878; Documenti XIX 230, FdB 1056 C12.
18 Carta a Dom Bosco, 27 de novembro de 1878; Documenti XIX 265, FdB 1057 A11.

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396 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Peço que nomeie um só recibo sem testemunhais”.19 Evidentemente suas íntimas convic-
ções não tinham sido suplantadas. De qualquer modo, cardeal Ferrieri se mostrava
humilde na aplicação do direito vigente. Com decreto da Congregação dos Bispos e
religiosos, comunicado em 4 de dezembro de 1878, era imposto ao padre Cays o dever
de passar somente um mês na casa do noviciado, sob a guia do mestre de noviços e de
concluí-lo com a legítima profissão dos votos. O decreto terminava com graves pala-
vras: “De resto, a mesma Congregação adverte seriamente o superior geral a se abster
absolutamente no futuro de semelhantes passos”.20 O advogado curial, padre Costantino
Leonori, enviando o documento em 12 de dezembro, sugeria ao patrocinado: “O Senhor
haverá de ter um pouco de paciência; recorde-se que São José Calasanz foi conduzido
ao Santo Ofício; não se entristeça com as palavras do Rescrito”.21
A sanatio in radice era exígua, e mas uma vez mais Dom Bosco nada tinha feito para
tornar-se amigo do cardeal que teria podido ser-lhe precioso em futuro não muito remoto.
2. Luta pela liberdade escolar (outubro de 1878 - dezembro de 1881)
Vários motivos sustentaram Dom Bosco na dura batalha escolar dos anos 1878-
1881: a garantia dos direitos adquiridos no âmbito de seu Oratório com a instrução
secundária oferecida a jovens, impossibilitados de freqüentar os ginásios públicos; a
aversão ao legalismo burocrático e a reinvindicação de liberdade numa atividade social
não atendida pelo Estado; o emprego racional e funcional do pessoal disponível; a
máxima economia de fundos financeiros, para empregar em modos mais eficazes que
não fosse a contratação de professores externos, no fundo menos idôneos para garantir
a autonomia e homogeneidade educativa.
A defesa de seu ginásio, na realidade sobrevivido não obstante o momentâneo
fechamento formal, revelava ainda uma vez o seu típico pragmatismo de condutor
destemido, que o conduzia, conforme seu costume, a jogar em várias frentes, conforme
o adversário e as circunstâncias do momento. Sua personalidade e sua tenacidade
conseguiram fazer com que um problema local se tornase quase um caso nacional, com
longas polêmicas na imprensa e repercussões até mesmo na França. Por uma breve
estação, foi também batalha de princípios sobre a liberdade de ensino. O ginásio do
Oratório tinha que ser salvo a qualquer custo. Ele estava sediado na casa-mãe da obra
salesiana, no centro diretor e animador, e seu fechamento poderia constituir a desqua-
lificação da Sociedade religiosa. Esta, com efeito, já tinha conquistado a maior visibi-
lidade e notoriedade nos colégios para estudantes, na Itália. Sua presença ia de Lanzo
19 A dom De Gaudenzi, 1º de dezembro de 1878; E III 420.
20Decreto de 4 de dezembro de 1878; Documenti XIX 278, FdB 1057 B12.
21 Carta a Dom Bosco, 12 de dezembro 1878; Documenti XIX 277, FdB 1057 B11.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 397
a Borgo San Martino, de Alassio a Varazze, de Turim-Valsalice a Este, de Magliano
Sabina a Randazzo. Dom Bosco empenhava-se nisso em primeira pessoa, embora com
a colaboração do diretor dos estudos da Sociedade Salesiana, padre Celestino Durando
(1840-1907), e do professor Giuseppe Allievo (1830-1913), de 1868 a 1912 titular de
Pedagogia na Universidade de Turim. Descia em campo também o aguerrido professor
de filosofia no Oratório, padre Giuseppe Bertello (1848-1910). Sustentados pelo jornal
L’unità cattolica e por larga opinião pública católica, eles se empenharam com tanto
maior vigor quanto mais estavam convencidos de que era preciso opor-se com todos
os meios às forças laicas e maçônicas, propensas a instaurar mediante a escola uma
ordem social, fora do influxo eclesiástico e religioso. Dom Bosco tinha falado disso em
uma das últimas sessões do Primeiro Capítulo Geral, no qual, como se disse, formu-
lava juízos pesados sobre a situação política italiana. “O objetivo atual do governo e
especialmente desse Ministério é abater tudo o que aparenta religião; procura qualquer
pretexto para destruir instituições religiosas; de propósito perturba o ensino, mexe e
remexe nos programas, para que os religiosos, atendo-se aos métodos formulados por
eles há tempo, não possam mais responder ao ensino moderno ”.22
2.1 Antecedentes do Decreto de fechamento e planos de defesa
Dos primeiros alarmes suscitados pela ascensão ao poder da Esquerda em 1876
ao Decreto de fechamento de maio de 1879, Dom Bosco tinha como preparar, com
a habitual capacidade de adaptação, os planos de defesa. Estes se fundavam sobre a
necessidade de fornecer, vez por vez, configurações alternativas da escola secundária
do Oratório: ginásio privado ou escola paterna.23 A hipótese do ginásio privado seria
a solução que, teoricamente, correspondia melhor à idéia da Sociedade Salesiana como
associação de cidadãos na posse plena dos direitos civis, os quais não pediam privi-
légios e se mostravam capazes de agir também no campo da escola, conforme a lei:
devida autorização, programas oficiais, professores habilitados. Dom Bosco havia afir-
mado isso com ênfase em uma histórica sessão do Primeiro Capítulo Geral, delineando
o perfil do salesiano na sociedade civil.24 Mas isso exigiria um grupo de salesianos
numeroso, que precisariam ser qualificados durante vários anos, com ônus financeiro
relevante, e que deveriam aplicar-se ao ensino a tempo pleno, tirando-os de tarefas dire-
tivas, tão exigidas em tempo de expansão das obras. Por isso, com relação ao ginásio de
Valdocco, por ele considerado internato de beneficência e não colégio-internato como
os de Lanzo, Alassio, Valsalice e semelhantes, a qualificação de ginásio privado era
22 22ª Sessão, quarta-feira, 3 de outubro de 1877; G. Barberis, Verbali III 29. Cf. cap. 26, § 1.2.
23 Cf. cap. 13, § 2.3.
24 Cf. cap. 26, § 1.2.

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398 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
considerada muitas vezes puramente qualificação coagida, adotada para se evitar vexa-
ções e em obséquio não à lei, mas à autoridades escolásticas locais, que assim a consi-
deravam, equiparando-o, quanto às exigências, aos ginásios públicos. No decurso da
batalha, era essa homologação que, a um certo ponto, se contestava. Impondo absoluta
conformidade de organização, gestão, programas e horários, a burocracia não-liberal
acabava por negar a liberdade do ensino não-estatal que a Lei Casati tinha sancionado.
Como se verá mais adiante, a defesa estava calcada nesses termos, embora sem sucesso,
por impulso do professor Allievo, no curso do fugaz advento ao Ministério da Instrução
Pública do senador siciliano Francesco Paolo Perez (14 de julho a 29 de novembro
de 1879). Percebendo como impraticável a hipótese do ginásio privado, Dom Bosco
assumia de novo a posição alternativa já assumida nos anos 60, exposta enfim com
extrema clareza ao ministro Domenico Berti em 1866: o ginásio de Valdocco era, desde
sempre, gerido por uma obra de beneficência, cujo diretor fornecia aos jovens hóspedes
tudo aquilo que um pai de família normalmente dá aos filhos: moradia, comida, vesti-
menta, instrução. O ginásio, portanto, devia ser reconhecido, em norma da lei, como
escola paterna.25 Era a solução mais simples e menos dispendiosa. Na realidade, Dom
Bosco não dispunha dos instrumentos jurídicos para lhe dar essa configuração legal.
Em tal caso o gesto podia dizer-se somente, de fato, pai nutrício – subsistência, assis-
tência, educação –, e por um número limitado de jovens órfãos ou sem família, mas
não “fazia legalmente as vezes” dos pais dos alunos nem, muito menos, era possível
colocar-se a hipótese de dezenas e dezenas ou mesmo centenas de pais “associados” e
“vigilantes” sobre a instrução dada a seus filhos, como a Lei Casati exigia (art. 251 e
252), prevendo obviamente pequenos números de pais associados. Dom Bosco sabia
disso, mas para ele, mais que o direito, valia o fato, ou seja, o longo passado e o pres-
suposto e conclamado apoio dado às suas escolas pelos ministros do reino sardo e do
estado italiano de 1841 [!] ou de 1846 ao 1876.
Desde o ano escolar de 1876-1877 o Conselho Escolar Provincial, por meio de
circular, convidava todos os diretores de institutos privados a se uniformizar com as
disposições legais, em particular provendo-se de professores com diplomas regulares.26
Dom Bosco enviava uma lista que não satisfazia as exigências. A uma chamada para
que se colocasse em regra para o ano escolar 1877-1878, ele recorria ao Ministério da
Instrução Pública, pedindo um triênio de tolerância, para poder fazer com que os seus
conseguissem os títulos necessários. O Ministério não concedia privilégios a ninguém.
Resposta idêntica seguia a um pedido de 3 de setembro em vista do novo ano 1878-
1879.27 Enfim, em 10 de outubro de 1878 o Conselho Escolar Provincial de Turim
25 Cf. cap. 13, § 2.3.
26 Cf. para algumas informações às cartas abertas de 19 e 29 de julho ao jornal L’unità cattolica
do provedor dos Estudos de Turim, Gioachino Rho, precisando artigos saídos precedentemente
no jornal e de três intervenções do padre Bertello: L’unità cattolica”, n. 170 e 178, terça-feira,
22, e quinta-feira, 31 de julho de 1879, p. 678 e 710-711.
27 Assim se deduz da carta ao comendador Giacomo Malvano, 1º de novembro de 1878; E III 403.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 399
advertia que, se Dom Bosco, no decorrer do ano escolar 1878-1879, não tiver regulari-
zado a posição dos professores do seu ginásio, dar-se-ia início à prática de fechamento.
Em 1º de novembro de 1878, após uma primeira carta sem resultado, Dom Bosco enviava
uma segunda ao ministro da Instrução Pública, Francesco De Sanctis (24 de março a
19 de dezembro de 1878). Tinha solicitado o envio de ambas ao ministro em carta de
19 de outubro e de 1º de novembro de 1878 ao mesmo comendador Giacomo Malvano.
Consultava o ministro a respeito das duas fórmulas, mantendo firme, porém, que para
as escolas do Oratório a única configuração jurídica conforme à realidade, ao passado e
à lei era a de instituto paterno; que a fórmula ginásio privado era considerada somente
por vontade da autoridade escolar local. Num primeiro momento, pois, seu pedido era
muito simples: “que “as escolas deste internato dos pobres jovens sejam consideradas
como escolas de caridade mantidas por quem faz as vezes dos pais, portanto sem que os
professores sejam obrigados a ter título público”; se, ao invés, a exigência do provedor
aos estudos, de que haja “professores munidos dos respectivos títulos legais”, fosse taxa-
tiva, pedia que os “atuais professores” fossem “autorizados provisoriamente, ou então
admitidos a fazer os exames prescritos por meio de um decreto ministerial, embora
não tenham a idade prescrita”.28 Dez dias depois, propunha ao mesmo ministro solução
não totalmente idêntica, com referências ao passado não totalmente objetivas, mas
funcionais para o que se desejava obter: “Esta instituição não tem nenhuma renda fixa
e se mantém unicamente da Providência. Por isso a autoridade escolar foi-nos sempre
benevolente e, considerando estas classes como ensinamento paterno e caridoso, como
é de fato, jamais colocou dificuldades a respeito dos títulos legais dos professores”.
O provedor, porém, queria que “todos os professores fossem munidos dos respectivos
títulos legais”, isto é, que as escolas do Oratório fossem consideradas como ginásio
privado. O mitente, por isso, estava obrigado a recorrer “suplicante” ao ministro, “para
que – dizia –, pelo caminho da graça, concedesse que os atuais professores fossem reco-
nhecidos como idôneos mercê de vários anos de ensino, e sejam autorizados ao menos
por um triênio a continuar o seu mister gratuito na respectiva classe. Em tal espaço de
tempo esses professores atingiriam a idade prescrita para exames públicos e poderiam
munir-se do diploma prescrito de habilitação”.29 O prefeito e presidente do Conselho
Escolar Provincial, De Amicis, respondia que o Ministério não admitia exceção à lei.30
A Dom Bosco não restava outra coisa a fazer que enviar ao provedor dos Estudos,
Gioachino Rho – em 15 de novembro –, a lista dos cinco professores munidos dos
títulos legais. Duas inspeções feitas pessoalmente pelo provedor, em dezembro de 1878
e nos primeiros dias de março de 1879, levavam-no a constatar que somente dois dos
professores titulares de cátedra na primeira classe, e um só na segunda, encontravam-se
no seu lugar. À advertência do provedor, comunicada após a primeira inspeção, em 2 de
28Ao comendador Giacomo Malvano, 19 de outubro de 1878; E III 395.
29 Ao ministro da Instrução Pública, 1º de novembrode 1878; E III 402-403.
30 Documenti XIX 253, FdB 1056 E12.

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400 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
janeiro, Dom Bosco ou outro respondia no dia 15, enviando simplesmente uma segunda
lista com cinco professores habilitados, com o acréscimo de outros tantos suplentes.
Alarmado pela segunda visita e pelo fechamento que viria, Dom Bosco se dirigia ao
presidente do Conselho, Agostinho Depretis, que se encontrava em Lanzo – o ministro
da Instrução Pública era novamente Michele Coppino –, repisando o objetivo de seu
instituto e sublinhando que o governo “jamais fez dificuldade sobre os professores que
realizavam gratuitamente seu trabalho”. Agora, ao invés, desejava-se que os professores
estáveis não pudessem ser substituídos por suplentes. Pedia que ele “se dignasse dizer
uma palavra ao ministro da Instrução Pública ”, a fim de que “considerasse nossos jovens
como sob a autoridade paterna e permitisse que os atuais professores” pudessem “conti-
nuar seu caridoso ensinamento dos alunos, ou então” fossem “admitidos aos exames
prescritos”, embora desprovidos “da idade prescrita para ser legalmente habilitados”.31
Em Relatório anexo resumia os muitos reconhecimentos recebidos e as razões em defesa
disseminadas em cartas e súplicas. Os primeiros não tinham nada a ver com as exigên-
cias da Lei Casati sobre o ginásio, que Dom Bosco começara em 1855 e completava
somente em coincidência com aquela lei. Era verdade, certamente, o que escrevia a este
ponto: “A despesa de professores legais traria grave dano ao Instituto”. Menos exato,
se se pensa nos problemas tidos com a autoridade escolar dos anos 60, era afirmar que
o Oratório tivesse “fruído sob os precedentes ministros” de apoio, “como internato de
caridade ou instituto paterno”, com Dom Bosco que, “somente por espírito de caridade”
fazia “as vezes de pai das crianças aí acolhidas”. Enfim, oferecia ao ministro a fórmula
para consentir ao Conselho Escolar de Turim um tratamento especial ao ginásio do
Oratório: “Este Ministério (...) autoriza sacerdote Giovanni Bosco a dar ou fazer dar a
instrução secundária aos pobres jovens de seu piedoso instituto, sem a obrigação de pôr
nas respectivas classes professores legalmente reconhecidos”.32
Como resposta, a partir da relação do provedor de 25 de março, o Conselho Escolar
Provincial propunha ao Ministério o fechamento do Instituto, e o Ministério, tendo
ouvido o parecer do Conselho Superior, emanava o Decreto em 16 de maio. O secretário
do Conselho Escolar fazia comunicação oficiosa a Dom Bosco. Este, após encontro
com o prefeito, enviava-lhe um longo Relatório. Na Exposição histórica relembrava,
em síntese, as origens em 1841 e os desenvolvimentos de sua obra oratoriana, com
os diversos tipos de iniciativa de instrução de “tantos jovens desafortunados”, até
Umberto I. “Essas escolas – continuava sustentando a já conhecida híbrida tese – foram
consideradas pela autoridade escolar, em todos os tempos, como obra caridosa, casa
de acolhida, escolas paternas em conformidade com a Lei Casati sobre a instrução
pública (art. 251 e 252)”. O provedores régios, os ministros da Instrução Pública, o
próprio Umberto I foram sempre seus “mais insignes benfeitores com o conselho e com
o auxílio pecuniário”. As dificuldades surgiram com o atual provedor, que “ordenou
31 Carta de 15 de março de 1879; E III 457-458.
32 Promemoria; E III 458-459.

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41.1 Page 401

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 401
que se admitissem professores titulados, sob pena de não permitir mais a abertura das
(...) classes ginasiais”. Continuava com sua versão das últimas intervenções do titular
do provedor turinense e dissertava sobre a liberdade de horários, de suplências, de dias
e horas suplementares dedicadas ao ensino, que não precisavam ser homologadas às
dos ginásios estatais. Todavia, em respeito da autoridade escolar, pedia, como favor,
que lhe concedessem “um lapso de tempo”, a fim de “prover o que prescrevem as leis
vigentes”. Pedia que intercedesse junto ao Conselho Escolar da Província e, se fosse
preciso, junto do ministro da Pública Instrução, disposto, de qualquer modo, por causa
de seus jovens, a reestruturar a direção do Instituto, de forma que os titulares de cátedra
pudessem “encontrar-se estavelmente na classe” respectiva.33 Ao pedido de auxílio diri-
gido ao amigo teólogo Pietro Baricco, autorizado conselheiro municipal e membro do
Conselho Escolar, este lhe respondia em 18 de junho, aconselhando-o a regularizar, o
mais rápido possível, a posição dos professores. Há vários anos, com efeito, o ministro
insistia para que os Conselhos Provinciais exigissem de todos os institutos privados
o cumprimento da lei.34 Era, de fato, o momento de praticar o que Dom Bosco tinha
teorizado no Primeiro Capítulo Geral: “Se nos pedirem exames, estes serão feitos; se
títulos ou diplomas, far-se-á o possível para obtê-los e assim se irá adiante”.35 Seguia
o conselho, e em 20 de junho, enviava ao prefeito de Turim a lista dos professores que
dariam as aulas nas semanas que faltavam e, com “alguma mudança”, no ano de 1879-
1880: os salesianos Celestino Durando, Michele Rua, Giovanni Bonetti, Giuseppe
Bertello e o padre diocesano Marco Pechenino.36 “A amizade pessoal que me liga a
ti há tantos anos – escrevia no mesmo dia, com mais realismo, o provedor G. Rho ao
“Caro amigo” –, me obriga a aconselhar-te de acolher com resignação o Decreto e de
executá-lo com verdade”, isto é, sem o subterfúgio de suplentes permanentes.37 A carta
ao prefeito, como se queira, não podia anular um decreto assinado há mais de um mês.
Ele era entregue oficialmente a Dom Bosco por um funcionário da Segurança Pública
em 23 de junho.38 O provedor era encarregado de dar a execução até 30 de junho.
2.2 Uma “controvérsia deste Oratório com o régio senhor provedor”
A comunicação oficial do Decreto tornava mais prementes as defesas. A velha
estratégia dupla não tinha desaparecido, ainda que prevalecesse a tese do instituto
paterno. Obviamente, o aparato burocrático, movido, além do mais, por uma legali-
33 Carta de 18 de maio de 1879; E III 471-473.
34 Documenti XX 216, FdB 1061 E6, MB XIV 157-158.
35 Sessão vinte e quatro, quinta-feira quatro de outubro de 1877, G. Barberis, Verbali III 44.
36 A Minghelli Vaini, 20 de junho de 1879; E III 477-478.
37 Documenti XX 218, FdB 1061 E8.
38 Carta do prefeito de 20 e atestação de entrega de 23, Documenti XX 218-219, FdB 1061 #8-9.

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402 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
dade mais radical, só podia dirigir-se unicamente ao ginásio, sujeito da Lei Casati e
do Regulamento que disciplinava sua aplicação, já ilustrada em relação aos problemas
surgidos nos anos 60.39 Em contraste, talvez, com o que tinha recomendado aos seus
no manuscrito As perquirições, que padre Bonetti publicaria no Boletim Salesiano de
1884 a 1886, neste caso Dom Bosco fazia prevalecer, sobre os encontros pessoais, a
batalha dos documentos de cartazes, das contestações legais, unidas por intensa, ainda
que breve, campanha jornalística. O alvo privilegiado de tais campanhas era o provedor
aos estudos de Turim, Gioachino Rho, com o irmão padre Angelo, antigo companheiro
de escola em Chieri e fiel “amigo”.
Dom Bosco recorria ao prefeito, presidente do Conselho Escolar, pedindo a dilação
da suspensão em base a várias motivações: em quatro dias não se podiam efetuar os
exames, o Decreto carecia de “fundamento legal”, tinha “deliberação de fazer recurso à
autoridade superior”.40 O prefeito, primeiro recusava a dilação,41 depois, em 2 de julho,
a concedia.42 Em 26 de junho, Dom Bosco tinha recorrido ao ministro da Instrução
Pública, Michele Coppino, promotor em 1877 da lei Sobre a obrigação da instrução
elementar, em princípio contrária ao monopólio estatal da escola, maçom, mas “mais
crente do que um livre pensador”, e “defensor da missão social da religião”.43 O Decreto
não era legal – sustentava Dom Bosco –, seja porque “os diversos ensinos em meu
Instituto são confiados a professores munidos dos títulos legais”, seja porque não existia
“nenhuma das graves razões citadas no art. 247 para o fechamento do Instituto”, isto é
“a conservação da ordem moral e a tutela dos princípios que governam a ordem social
pública do Estado ou a saúde dos alunos”. Ignorava ou esquecia as condições para sua
existência postas pelo art. 246, § 1 e 2, e pelo Regulamento aplicativo.44 Aguardava
resposta, de forma que pudesse, eventualmente, tutelar os alunos, utilizando os meios
consentidos pelas leis, como previa o art. 248 da Lei Casati, concretamente o recurso a
instâncias superiores, inclusive ao Conselho de Estado.45
Mas o terceiro Ministério Depretis, em 3 de julho, perdia a confiança na Câmara e
era obrigado a se demitir. L’unità cattolica anunciava: Dom Bosco “dispõe-se a executar
o Decreto, reservando-se o direito, que lhe compete, de fazer valer suas razões contra
tal abuso de poder”.46 Dom Bosco, com efeito, tinha endereçado ao rei uma defesa do
seu ginásio, que necessariamente teria sido transmitida por competência ao Ministério
39 Cf. cap. 13, § 2.2 e § 2.3.
40 A Giovanni Minghelli Vaini, 26 de junho de 1879; E III 479.
41 Cf. Carta de Dom Bosco ao prefeito, 30 de junho de 1879; E III 481.
42 Cf. Carta ao ministro Coppino, julho de 1879; E III 490.
43 M. Soleri, In memoria di Michele Coppino. Alba, Tipografia Cooperativa, 1923, p. 35.
Cf. verbete Coppino, Michele, in: DBI XXVIII 625-631.
44 Cf. cap. 1, § 8 e cap. 13, § 2.2.
45 A Michele Coppino, 26 de junho de 1879; E III 478-479.
46 “L’ultima gloriosa impresa del ministero ossia le scuole di Don Bosco ed il ministro Coppino”,
L’unità cattolica, n. 158, terça-feira, 8 de julho de 1879, p. 629-630.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 403
da Instrução Pública. Iniciava recomendando a Umberto I “um instituto muitas vezes
beneficiado e – afirmava com audácia –, pode-se dizer, fundado pelos vossos maiores
e pela caridade de V. M. generosamente subsidiado”, e, informando-o que “um decreto
ministerial comunicado no dia 23 de junho, ordenava o fechamento das aulas que há
trinta e cinco anos” eram “nele ministradas”. Portanto, suplicava ao rei de “fazer ler os
esclarecimentos anexos com os quais” expunha “fielmente o estado das coisas”.47 Mais
da metade do documento anexado era dedicada à Exposição histórica, com a costumeira
sucessão de datas e fatos, por meio dos quais procurava demonstrar a contínua apro-
vação e proteção pelas autoridades, até Umberto I, das escolas do Oratório, “sempre
consideradas como obras de caridade, casa de acolhida, como numerosa família, da
qual o mitente faz às vezes de pai em todas as coisas ”, portanto, conforme os art.
251-252 da Lei Casati. A tese era clara: a sua era escola paterna. Mas a reconstrução
da história dos últimos dois anos o obrigava a pôr-se no quadro das exigências feitas a
um instituto privado: em obediência às ordens do provedor, a aplicação ao ginásio de
professores titulados e suplentes, as inspeções de dúbia correição, o pedido ao presi-
dente do Conselho Escolar de um espaço de tempo para poder “prover não somente o
que prescrevem as leis, mas o que deseja o próprio senhor provedor”. Como resposta,
ao invés, no dia 23 chegava o Decreto de Fechamento. A Algumas observações sobre
esse Decreto faziam-se seguir duas firmes denúncias: a ilegalidade do Decreto, por
inobservância dos artigos 248 (procedimento do fechamento) e 247 (as únicas causas
previstas); e o Erro do Conselho Escolar de Turim, pela clara falta de fundamento das
motivações − “Falta de idoneidade legal dos professores, e engano no qual o sacer-
dote Giovanni Bosco quis fazer cair a autoridade escolar, mandando uma lista de
professores habilitados, enquanto, na realidade, se servia de outros não habilitados”.
Nenhuma lei, com efeito, excluía a utilização, em caso de necessidade, de suplentes,
e os institutos privados gozavam de “plena liberdade de estabelecer o horário mais
cômodo para os professores”.48 O ministro da Casa Real, conde Visone, telegrafava que
a instância de Dom Bosco se encontrava “em curso junto ao Ministério de Instrução
Pública”.49 A exposição ao rei era amplamente utilizada, na íntegra, por L’unità catto-
lica, que informava também sobre o recurso e sobre o telegrama do Visone.50 Coppino
respondia a uma carta do senador sardo Giovanni Siotto Pintor apoiando Dom Bosco:
ele “pode apresentar ao Conselho Escolar instância regular desde que, como é de sua
competência, queira revogar a ordem de fechamento”.51
47 Carta de 6 de julho de 1879; E III 490-491.
48 Exposição de julho de 1897; E III 486-490.
49 Documenti XX 237, FdB 1062 B3, citado em III 491.
50 La chiusura delle scuole nell’Ospizio del sac. D. Bosco, L’unità cattolica, n. 162, sábado,
12 de julho de 1879, p. 646.
51 Documenti XX 241, FdB 1062 B7.

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404 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Em 14 de julho tomava posse o segundo Ministério, presidido por Benedetto
Cairoli. Francesco Paolo Perez (1812-1892) ia para a Instrução Pública. Ele era deci-
dido defensor da liberdade de ensino, obviamente regulada pela Lei Casati.52 Parecia
situação propícia para uma campanha de defesa mais frutuosa. Era provavelmente de
Allievo – “um personagem transparente, que não é nem clérigo nem clerical” – o artigo
publicado por L’unità cattolica sob o título A lei e o fechamento das escolas secun-
dárias do Oratório salesiano, que o jornal se propunha a enviar ao ministro Perez,
com a esperança de que, “como primeira coisa, reparasse uma enorme injustiça e não
permitisse que fosse consumada tanta afronta à moral e à lei”. Segundo Allievo, com
efeito, a Lei Casati pretendia dar amplo espaço ao princípio liberal, deixando “a mais
ampla liberdade à autoridade paterna” e exigindo dos “ instituidores privados garantias
suficientes, não necessariamente absolutas”, isto é, não era “dado ao poder executivo
prescrever com todos os detalhes o que se deve fazer nas escolas privadas”. “A lei não
vincula a nenhum horário escolar o chefe de um colégio privado (senão, onde estaria a
liberdade de ensino?); os artigos 258 e 259 da lei diziam respeito aos ginásios e liceus
públicos”.53 A defesa concordava perfeitamente com as idéias largamente liberais de
um recente ensaio.54
A tese sobre as escolas do Oratório como ginásio privado, perfeitamente em regra
com a lei, retornava na resposta de Dom Bosco, de 20 de julho, a duas cartas do padre
Angelo Rho, irmão do profedor. Na primeira a “seu querido e bom amigo Dom Bosco”
tinha escrito de seu “afeiçoadíssimo e velho amigo”: “Terias feito bem em obedecer
ao provedor, que há três anos te pede e esconjura para que te coloques em regra”.55
A outra, comunicada pelo destinatário a Dom Bosco, fora endereçada ao teólogo
Giacomo Margotti, diretor do L’unità cattolica, acusando-o de perceber e sustentar
“somente uma parte”, faltando com a caridade para com o irmão provedor, “Pai de nume-
rosa” família, e simplesmente cumpridor do próprio dever”.56 Dom Bosco respondia: no
Oratório os professores eram titulados; o provedor tinha “a lista do nome, sobrenome
e títulos legais dos mesmos”; “os institutos privados” tinham “liberdade de horário” e,
portanto, os professores não estavam obrigados a estar presentes nos horários previstos
por quem fazia a inspeção; a Lei Casati determinava com precisão os motivos de fecha-
mento, mas esses – “a ordem social, a ordem moral, ou a saúde dos alunos” – não foram
52 Carta ao secretário do Ministério do Interior, comendador G. B. Aluffi, e ao ministro: 20 de
julho de 1879; E III 495, 495-496. Ao ministro da Intrução Pública indicava também os nomes
dos professores titulares do ginásio de Valdocco, 20 de julho de 1879; E III 496-497.
53 “Un domanda di giustizia ao nuovo ministro della pubblica istruzione”, L’unità cattolica, n.
165, quarta-feira, 16 de julho de 1879, p. 658.
54 G. Allievo (professor da Universidade de Turim), La legge Casati e l’insegnamento privato
secondario. Turim, Tipografia Salesiana, 1879, p. 12-13.
55 Carta de 13 de julho de 1879; Documenti XX 248, FdB 1062 C2-4.
56 Carta ao teólogo Margotti, 17 de julho de 1879; Documenti XX 261-262 e 265, FdB 1062 D
3-4 e D7.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 405
comprometidos pelo Oratório; se o provedor queria horários iguais aos das escolas
públicas, o diretor teria feito de tudo para se uniformizar; “todos os provedores e todos
os ministros de Instrução Pública sempre têm louvado, aprovado, ajudado e subsidiado
este instituto por mais de trinta anos. Precisava um amigo, um companheiro de escola,
para propor o fechamento, e propor esse fechamento agora que, com muito trabalho, eu
tinha me colocado em regra em face da lei”.57
Dom Bosco enviava a Roma o padre Durando e o professor Allievo, com duas
cartas de apresentação a Perez e ao ministro do Interior, Tommaso Villa, deputado de
Castelnuovo d’Asti, a fim de que interviessem em favor do Oratório.58 Na carta a Perez
inseria também a lista dos professores com títulos legais, já apresentada ao provedor
em 15 de novembro de 1878.59 “Boas promessas”, comunicava padre Durando em tele-
grama de 22 de julho.60 Mas a resposta do ministro, com relação a um bilhete de 15 de
julho, era pouco encorajante: “A Administração do Colégio, propondo às escolas gina-
siais professores titulados, além de se conformar à lei, que é o que deseja o Ministério,
terá assegurado melhorar a qualidade dos estudos e o proveito de seus jovens”.61
A batalha fervia entre julho e agosto também nos jornais, L’unità cattolica em
primeiro plano, L’Emporio popolare e Il Baretti de Turim, e Lo Spettatore de Milão,
em favor do Oratório, e a imprensa liberal, Gazzetta del popolo e Il Fischietto, susten-
tando o provedor, Gioachino Rho. Nessa fase entravam em jogo, sobretudo, argumentos
jurídicos e histórico-legais referidos à Lei Casati. O provedor, que se viu colocado no
banco dos réus pelos articulistas do L’unità cattolica como maior imputado, enviava
em 19 de julho ao jornal um artigo clarificador. Em substância – declarava –, o decreto
não tinha chegado como um raio em céu sereno, mas como inevitável medida pela
falta de cumprimento de reiterados e legítimos pedidos ao gestor do ginásio privado
do Oratório, a começar já do ano escolar de 1876-1877.62 Em 24 de julho havia ainda
uma acusação e resposta entre padre Angelo Rho e Dom Bosco: para este era inútil
continuar um discurso entre surdos, permanecendo, de resto, “sempre bons amigos”.63
No mesmo dia, L’unità cattolica iniciava a publicação de três cartas do padre Bertello,
o qual como neófito desinformado procurava demonstrar a radical ilegitimidade do
Decreto de fechamento, pelo simples fato de que o ginásio do Oratório enraizava-se
em iniciativas escolares promovidas por Dom Bosco há “trinta e mais anos”, nem o
57 E III 493-495.
58 Cf. cartas a G. B. Aluffi (1846-1938), de Agliano Monferrato, empregado no ministério do
Interior, 20 e 26 de julho de 1879; E III 495 e 500.
59 Cf. cartas de 20 de julho; E III 495-497.
60 Documenti XX 271, FdB 1062 E1.
61 Documenti XX 271, FdB 1062 E8.
62 “Chiusura del Ginnasio privato annesso all’Oratorio di S. Francesco di Sales in Torino”,
L’unità cattolica, n. 170, terça-feira, 22 de julho de 1879, p. 679.
63 Cf. Documenti XX 277 1062 E7; E III 499-500.

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406 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
fundador tinha feito “um pedido formal de ginásio privado”. O Oratório nascera como
escola de beneficência, e como tal desenvolvera-se e fora sempre reconhecido pelas
autoridades escolares: instituto paterno segundo a caridade, mas também, de fato, legal-
mente gerido. Ainda que se quisesse considerá-lo instituto privado, as provas aduzidas
pelo provedor não demonstravam “de forma alguma que aquele instituto não tivesse
professores aprovados”.64 “A justiça quer que cedamos espaço para a seguinte contra-
resposta do R. provedor dos estudos”, declarava o diretor do jornal, publicando a arti-
culada réplica do professor G. Rho, de 29 de julho: Fechamento do ginásio privado
anexo ao Oratório São Francisco de Sales.65 O jornal anunciava que, à “mesquinha
defesa”, Bertello, por sua parte, rebateria. Mas antes que saíssem seus dois artigos, Dom
Bosco, em 2 de agosto, enviava ao diretor da Gazzetta del popolo uma pontualização da
questão, pedindo, “a título de cortesia, e se preciso também no termo da lei”, publicá-la
no jornal. A verdadeira “narração dos fatos” saía em 4 de agosto. Aparecia novamente
a estratégia da dupla tese, com o primado do instituto paterno em relação ao forçado
instituto privado. Retornavam os três eixos constantes de sua argumentação: 1) “esta
casa foi sempre considerada internato de caridade, abrigo dos pobres jovens, e jamais
ginásio privado”; 2) as leis Bon Compagni e Casati favoreceram estas escolas e os prove-
dores reais e os ministros da Instrução Pública, durante trinta e cinco anos, “cooperaram
para o bem desta casa, considerando-a como abrigo das pobres crianças, como insti-
tuto paterno, segundo a Lei Casati (art. 251, 252 e 253)”, e onde “os alunos recebem a
instrução totalmente gratuita”; 3) contudo, em “respeito, não à lei, que não exige isso,
mas à autoridade que assim exigia”, em conformidade com o art. 246 da lei, as aulas
foram confiadas a “cinco professores titulados”.66 Apresentando a carta de Dom Bosco
à Gazzetta del popolo, que publicava também no próprio jornal, Margotti, de forma
facciosa, afirmava: “Dom Bosco é o homem da caridade que vivifica; seus inimigos são
os homens da lei que mata. Contra Dom Bosco repete-se o grito que já foi dado contra o
mesmo Jesus Cristo: Nos legem habemus, et secundum legem debet mori”.67
Sobre o tema de “escolas secundárias” ativadas por “trinca e cinco anos” “em bene-
fício dos pobres jovens recolhidos” no internato Dom Bosco insistia com o ministro da
Instrução Pública em uma exposição de 2 de agosto. “Nenhuma lei sobre a Instrução
Pública – sustentava – atinge os abrigos de caridade”, como era o seu, no qual “os
professores só ensinavam gratuitamente”. “Ademais – argumentava – os institutos de
64 “Lettere sulle scuole di D. Bosco”, L’unità cattolica, n. 172-175, quinta-feira, sexta-feira
e domingo, 24, 25 e 27 de julho de 1879, p. 686, 690, 698. Sabemos que Dom Bosco tinha
pedido e obtido, em 21 de dezembro de 1862, o reconhecimento legado do seu ginásio: cf.
cap. 13 § 2.3.
65 L’unità cattolica, n. 178, quinta-feira, 31 de julho de 1879, p. 710-711.
66 Carta de 2 de agosto de 1879; E III 501-503.
67 “La questione delle scuole di Don Bosco”, L’unità cattolica, n. 182, terca-feira, 5 de agosto
de 1879, p. 726.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 407
beneficência deverão ser considerados como institutos nos quais o superior faz verda-
deiramente as vezes de pai, uma vez que deve administrar aos mesmos o alojamento, a
vestimenta, o alimento e a instrução. Esse tal não faz as vezes de pai? (Veja-se Opúsculo
anexo do professor Gius. Allievo)”. “Este Instituto – assegurava, com suposta verdade
histórica – jamais foi considerado como Ginásio Privado” por provedores e ministros
“no espaço de mais de trinta e cinco anos”.68 O opúsculo anexo, A Lei Casati e o ensino
privado secundário, era dedicado por Allievo ao ministro: “Ao ministro da Instrução
Pública Francesco Perez, propugnador poderoso do livre ensino, ouso dirigir estas
páginas invocando sobre elas sua benévola atenção”. Allievo, que tinha assumido como
modelo de liberdade a variedade de sistemas escolares vigentes nos Estados Unidos,
reevindicava, no espírito da Lei Casati, um espaço de mais ampla autonomia aos “insti-
tutos escolares sustentados pela beneficência cristã”, aos “institutos de instrução secun-
dária” que revestiam “o caráter de abrigo de caridade ou de beneficência privada”.69
Nessas idéias inspiravam-se as duas novas intervenções do padre Bertello em resposta
ao provedor. Na primeira ele sustentava, com radical intransigência, a figura do insti-
tuto paterno. Na segunda, recuperava em subordinação também a hipótese do instituto
privado. Das premissas, às vezes frágeis, tirava conclusões drásticas: “1) bem consi-
derada a natureza das coisas, o Instituto de Dom Bosco pode ser colocado na ordem
dos institutos paternos; 2) por trinta anos os que cuidaram da instrução no Piemonte
consideraram-no tal, aplicando-lhe as leis dos institutos paternos”; 3) “para formar um
instituto privado exigem-se, segundo a Lei Casati, certas formalidades, que o senhor
Dom Bosco jamais cumpriu com relação ao Oratório de São Francisco de Sales”;
4) por fim, “ainda que fosse instituto privado, as razões aduzidas pelo senhor provedor
não provam legalmente, como seria justo, que não tivesse professores titulados”. Em
conclusão: se o Instituto era paterno, Dom Bosco fora “vítima de injustas vexações”; se
era instituto privado, o Decreto de fechamento devia “considerar-se ilegal e injusto”.70
2.3 Da polêmica jornalística às vias legais
Segundo Dom Bosco tinha-se ido muito além. Em carta ao teólogo Margotti, de
9 de agosto, ele pedia que parasse com a batalha “sobre a situação – escrevia – deste
Oratório com o senhor provedor”. “O ponto legal” tinha sido discutido mais do que o
necessário e já se resvalava para os personalismos. Por isso, pedia ao diretor do jornal
“que deixasse de tratar as questões sobre tal matéria, para dar lugar àquela caridade
68Ao ministro Perez, 2 de agosto de 1879; E III 503-504.
69 G. Allievo, La legge Casati, p. 20-23, 27-28.
70 Cf. G. Bertello, “Sulla chiusura delle scuole di Don Bosco. Risposta al R. Provveditore degli
studi”, L’unità cattolica, n. 181 e 184, domingo e quinta-feira, 3 e 7 agosto 1879, p. 722 e 734.

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408 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
operosa que deve reinar em toda classe de cidadãos”. Não se eximia, contudo, de
reafirmar sua tese. “Quis-se afirmar a existência de um ginásio privado anexo a este
Abrigo. Ele jamais existiu.” Existiam, ao invés, desde sempre “escolas gratuitas”, que
se ministravam “na caridade por uma escolha de crianças do Abrigo”, que ele consi-
derava como seus “filhos adotivos”:71 portanto, o seu – traduzia no título o jornal de
Margotti – era instituto paterno”.72
Agora Dom Bosco mesmo pedia ao ministro de transmitir ao Conselho de Estado
seu recurso contra a “ilegalidade” do decreto de fechamento do ginásio do Oratório.73
Na espera dos resultados, em setembro retornava à carga com o ministro para que o
Oratório pudesse continuar sua obra de beneficência em favor dos jovens que desejavam
“percorrer o caminho do saber e da virtude”. Como prova da dupla tese, anexava dois
documentos, que apresentaria impressos no futuro recurso ao rei Umberto I para chegar
ao Conselho de Estado. Reformulava a abusada tese: “Pelo espaço de trinta e seis anos
os ministros da Instrução Pública e os provedores reais encorajaram e deram subsídios
constantemente a estas escolas, sem jamais pedir professores legais”. Portanto, supli-
cava ao ministro de querer “considerar o Oratório como casa de beneficência e refúgio
de crianças pobres e abandonadas, e permitir” que seu diretor, enquanto procedia
“como pai em prover o pão e o que seja necessário para a educação material”, pudesse
também “dar por si ou por outros a instrução secundária àqueles jovens, a fim de que
encontrassem uma forma honesta de tocar a vida”. Suplicava, por fim, considerar a
escola secundária do Oratório como instituto paterno, o qual, além disso, dispunha de
professores de todo o respeito, como demonstra o “êxito feliz dos alunos nos exames
públicos”.74 Em outubro Dom Bosco comunicava ao ministro de ter providenciado para
as classes “professores legais”, não porque considerasse seu instituto “ginásio privado”,
mas para ceder “à insistência e ameaças da autoridade escolar”.75 O ministro, que se
valia da colaboração do Prof. Allievo, aprovava na ótica do ginário privado: “O Senhor
encontrou professores munidos do diploma regular para as classes de seu Colégio. Isto
permitirá que o senhor possa, sem demora, reabrir tais classes. Para tanto, deverá diri-
gir-se ao Conselho Escolar”.76
Mas a autorização dada com esse caráter não podia satisfazer a Dom Bosco. Ele
tinha premência de obter, de direito, e uma vez por todas, o reconhecimento das classes
secundárias do Oratório, educandário de beneficência, como instituto paterno. Tinha
71 E III 508-509.
72 “Una lettera di Don Bosco ed il suo Istituto paterno”, L’unità cattolica, n. 187, domingo, 10
de agosto de 1879, p. 746.
73 Carta de agosto de 1879; E III 504.
74 Carta de setembro de 1879; E III 516-517.
75Ao ministro Perez, 19 de outubro de 1879; E III 527-528. As mesmas reservas exprimiria ao
provedor, em 29 de novembro, apresentando a lista dos professores do ano em curso, entre os
quais Bartolomeo Fascie em lugar do professor Pechenino; E III 530.
76 Carta a Dom Bosco, 28 de outubro de 1879; Documenti XXI 427, 1066 B4.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 409
encorajado, nesse sentido, o professor Allievo, o qual, já antes da resposta de Perez, de
Roma, tinha escrito ao padre Durando, em 25 de outubro, dizendo que achava “melhor
solução” que Dom Bosco propusesse a questão ao Conselho de Estado, dividindo-a em
duas solicitações: 1) a anulação do Decreto Coppino de fechamento, de 16 de maio;
2) o reconhecimento do Instituto como obra de caridade.77 Dom Bosco evitava a via
burocrática ordinária e, para torná-la mais segura, preferia dirigir-se diretamente ao rei,
preparando acuradamente o texto do recurso anexando um relatório, datado de 13 de
novembro, com o título As escolas de beneficência do Oratório São Francisco de Sales
em Turim diante do Conselho de Estado, pelo sacerdote Giovanni Bosco,78 que encon-
trava suporte em outro opúsculo similar, O Oratório São Francisco de Sales, Internato
de beneficência: exposição do sacerdote Giovanni Bosco.79
Retomavam-se as teses de direito e de fato disseminadas nas várias cartas e súplicas:
1) “o Oratório Salesiano é um abrigo de beneficência”; 2) “assim foi sempre conside-
rado pelas autoridades do Reino”; 3) “suas escolas fazem parte integrante dele, como
as que são destinadas à educação dos jovens aí acolhidos”; 4) “ao Oratório Salesiano
nunca foi anexado um ginásio privado”; 5) em conclusão, “o Oratório Salesiano de
Turim, seja por sua natureza seja pelas relações passadas com as diversas autoridades
do Estado, deve ser considerado como abrigo de beneficência e deixado subsistir desta
forma pelo espaço de trinta anos”.80 Na segunda parte da exposição procurava contestar
a legitimidade do Decreto de fechamento do instituto entendido como ginásio privado.81
Seguiam-se dois pedidos: anular o Decreto de fechamento e “declarar o Oratório São
Francisco de Sales em Turim Abrigo de Beneficência, concedendo a seu diretor a facul-
dade de dar ou fazer dar, sob sua vigilância e responsabilidade, a instrução elementar,
técnica e literária, que considerar adequada para as necessidades dos jovenzinhos nela
abrigados, sem a obrigação de professores titulados”.82
Em 24 de novembro o ministro Perez cessava sua função e, com o segundo
Ministério Cairoli, era sucedido por Francesco De Sanctis, de novembro de 1879 a
2 de janeiro de 1881. Em 27 de novembro o recurso era transmitido de ofício para o
Ministério da Instrução Pública.83 Em 16 de dezembro L’unità cattolica publicava um
artigo fortemente crítico sobre a interpretação não-liberal imposta pela Lei Casati, a
partir do ministro Natoli em 1865 aos ministros da Esquerda, exceto Perez: ele repro-
77 Documenti XXI 424-425, FdB 1066 B1-2; MB XIV 737-738.
78 Turim, Tipografia Salesiana 1879, 32 p.; OE XXX 449-480.
79 Turim, Tipografia Salesiana 1879, 44 p.; OE XXX 257-300. Este precede o outro, As escolas
de beneficência, que o cita (p. 9; OE XXX 457).
80 G. Bosco, Le scuole di beneficenza, p. 14, 17-18, 19; OE XXX 462, 465-466, 467.
81 G. Bosco, Le scuole di beneficenza, p. 20-24; OE XXX 468-472.
82 G. Bosco, Le scuole di beneficenza, p. 25; OE XXX 473.
83 Cf. carta da Secretaria Particular de Sua Majestade, 11 de dezembro, Documenti XXI 475,
FdB 1067 A2.

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410 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
duzia, em substância, o conteúdo do “Apêndice” introduzido pelo professor Allievo na
segunda edição do opúsculo A Lei Casati e o ensino privado secundário.84
Em 24 de dezembro o recurso era enviado do Ministério da Instrução Pública ao
Conselho de Estado com um parecer negativo: “Foi fechado o ginásio porque estava
em contravenção com a lei escolar que impõe a obrigação do título para o ensino das
escolas privadas”; “não é exato afirmar que o ginásio é uma obra pia, mas se afirme
antes que é mantido por uma associação de beneficência, o que não lhe retira o caráter
de privado”. Acompanhavam-no vários documentos: “duas atas do Conselho Escolar
e duas relações do provedor dos Estudos de Turim, além do parecer do Conselho
Superior da Pública Instrução”.85 O Conselho o examinava em 26 de fevereiro de 1880,
ordenando que fossem pedidos novos esclarecimentos em Turim. Após obter informa-
ções reservadas sobre os conteúdos do pedido, para prevenir uma relação desfavorável
por parte do provedor aos estudos, Dom Bosco endereçava a Cairoli, presidente do
Conselho e ministro do Interior, o pedido para fazer chegar ao Conselho as respostas
que lhe expunha em um Memorial. Neste queria retificar duas informações erradas que,
pelo que lhe parecia, pesavam sobre as escolas do Oratório: 1) que o Oratório fosse “um
verdadeiro ginásio” pago; 2) que “os jovens acolhidos no Instituto fossem destinados
ao estado eclesiástico ou religioso”. Antes que se chegasse “a uma deliberação”, devia
ficar manifesto que tais informações não respondiam à realidade e, a este respeito, se
declarava “pronto a apresentar os documentos e as provas”.86
Somente em 7 de abril de 1880 o provedor Rho transmitia ao Ministério uma relação,
na qual insistia sobretudo na finalidade vocacional do Instituto de Dom Bosco.87 Em
28 de abril reunia-se novamente a Comissão do Conselho de Estado encarregada do
exame do recurso. Ela decidia por uma suspensão de juízo, pedindo a Dom Bosco, por
meio do prefeito de Turim, informações sobre cinco pontos: a índole do Oratório; o
número dos aprendizes e dos estudantes; a gratuidade ou o grau de semigratuidade dos
estudos ginasiais; o número de jovens que se apresentavam anualmente aos exames de
licença ginasial e quantos tinham sido aprovados em particular no ano precedente; e o
número dos que, nos últimos cinco anos, tinham completado a quinta ginasial e depois
passado ao curso de filosofia para dedicar-se ao ministério eclesiástico e inscrever-se
no “Sodalício salesiano”.88 Ao pedido, de 18 de junho de 1880, do prefeito Bartolomeo
Casalis, Dom Bosco respondia prontamente e com muito cuidado em 7 de julho de
1880, não sem astutas afirmações e apropriadas reticências: o fim do Oratório era filan-
84 “La tirannia dell’insegnamento in Italia ed opportuni ricordi del professore Allievo”, L’unità
cattolica, n. 292, terça-feira, 16 de dezembro de 1879, p. 1165-1166. O Apêndice ocupava as
últimas 13 páginas do escrito e era publicado pela tipografia salesiana, como fascículo à parte.
85 Documenti XXI 487-488, FdB 1067 B2-3.
86 Carta sem data, mas posterior a 26 de fevereiro de 1880; E III 548-550.
87 Documenti XXII 105-107, FdB 1070 A1-3.
88 Documenti XXII 161-162, FdB 1070 E8-9.

42 Pages 411-420

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 411
trópico, como estava estabelecido nas normas de aceitação; as escolas tinham o objetivo
de “realizar um importante ramo de educação e satisfazer as necessidades e as múlti-
plas vocações dos jovens nele acolhidos”, aprendizes ou estudantes ginasiais; entre
estes, uns poucos tornavam-se clérigos; quanto à pensão mensal, muitos eram isentos e
outros pagavam modestas somas, conforme as possibilidades dos pais; os membros da
“Associação de São Francisco de Sales” eram “livres cidadãos”, dependentes em tudo
“das leis do Estado”; contudo, teria sido um erro crer que as escolas se mantivessem
abertas “especialmente para benefício da Pia Associação Salesiana”.89
Tudo ficava sem resposta por longos meses, tanto que Dom Bosco, nos primeiros
dias de abril de 1881, escrevia ao prefeito de Turim: “Pela segunda vez pedem-me da
Secretaria do Conselho de Estado razões dos não enviados esclarecimentos do fecha-
mento de nossas escolas. No verão do último ano passado fiz de tudo para transmitir
à S. V. Honorabilíssima, como me fora pedido”. Declarava-se pronto a repeti-las, se
fosse necessário.90 Dirigia-se também ao ministro do Interior, Agostino Depretis, mani-
festando o temor de que suas respostas tivessem sido perdidas na Prefeitura de Turim
ou no Ministério da Instrução Pública. Anexava à carta, “por todo bom acaso”, “uma
cópia dos sobreditos esclarecimentos” e pedia ao ministro “que se dignasse promover
esta negociação”, de forma que se pudesse encontrar “uma posição normal em face
das autoridades públicas, para o bem dos pobres jovenzinhos” que a Providência lhe
confiara.91 No entanto, o novo provedor, Denicotti, a pedido do prefeito, lhe comuni-
cava observações desfavoráveis a Dom Bosco. Casalis declarava concordar com elas.
A Relação enviada ao Conselho de Estado as resumia em três pontos: 1) Dom Bosco
continuou a enviar ao provedor listas de professores com títulos legais e de docentes
efetivos sem títulos; 2) antes do Decreto jamais tinha invocado para suas escolas os
art. 251 e 252 da lei; 3) para estas, nem instituto paterno nem seminário, mas ginásio
privado, ele estava sujeito às respectivas exigências da lei, cuja inobservância tornava
legítimo o decreto de fechamento.92 Finalmente, em 7 de junho, por meio do ministro
do Interior, as cartas chegavam ao Conselho de Estado. Dom Bosco enviava ao presi-
dente da Sessão, que no Conselho de Estado tratava os problemas relativos à Instrução
Pública, uma carta de esclarecimento com a resposta aos cinco quesitos de 7 de julho do
ano precedente em anexo. Reduzia-a a três pontos: 1) o Instituto educativo estabelecido
no Oratório de Turim “deve ser considerado seja como verdadeiro Instituto paterno seja
como Instituto de beneficência”; 2) dado e não concedido que como instituto privado
fosse sujeito à lei vigente, porque os professores habilitados, somente em caso de neces-
sidade, serviram-se de suplentes; 3) “todo o passado depõe em favor do recorrente, ao
qual as autoridades escolares jamais pediram listas de professores habilitados”.93
89 E III 596-601.
90 Carta de 5 de abril de 1881; E I 37-38.
91 Carta sem data, mas próxima da precedente; E IV 38-39.
92 Documenti XXIII 157-158, FdB 1075 D11-12.
93 Carta de 2 de julho de 1881; E IV 66.

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412 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
A Comissão se reunia em 29 de novembro. Um telegrama do mesmo dia de Benedetto
Viale, o qual, como “arqui-amigo” de Dom Bosco, em caráter absolutamente confi-
dencial, tinha-o constantemente informado sobre o curso da negociação, informava ao
padre Rua: “Hoje, como enorme desprazer, comunico causa perdida”.94 Dom Bosco
podia ter em mãos a sentença da Comissão: o recurso fora recusado, mas o Decreto de
fechamento de 16 de maio de 1879 não impedia que o gestor pudesse reabrir as suas
escolas, desde que se conformasse “exata e sinceramente à lei”.95 Em 22 de dezembro
de 1881 o rei, “em conformidade com o parecer do Conselho de Estado e sob proposta
do Ministro da Instrução Pública”, assinava o decreto que aprovava a ação do Conselho
Escolar da Província de Turim no fechamento das escolas do Oratório”: “O recurso não
foi acolhido”.96
No fundo, se a convalidação do Decreto de fechamento tinha tornado nula a batalha
para fazer declarar instituto paterno o ginásio do Oratório e vã a discussão sobre os
princípios da liberdade de ensino, entendida no sentido largamente liberal, não tinha,
porém, produzido danos no plano prático. Entre cartas e súplicas, instâncias e defesas,
réplicas e recursos, Dom Bosco tinha ganhado bem quatro anos escolares (1878-1882)
e hipotecado os futuros. A batalha ao redor das alternativas por ele colocadas, ou seja,
reconhecer o Oratório como instituto paterno ou então conceder um triênio no qual os
professores pudessem obter o diploma de habilitação para um ginásio privado, conduzia
de fato à vitória da segunda alternativa, mais crível, estável e fecunda. Correspondia a
exigências prementes dos processos de laicização e secularização da sociedade e da
escola, permitia aos salesianos agir concretamente como cidadãos livres, favorecia a
formação de um professorado mais culto e criticamente confrontado com idéias que
fossem além do ambiente fechado de Valdocco e do mesmo L’ unità Cattolica. Também
as escolas do Oratório ganhavam em validez e respeitabilidade legal e cultural.
3. Na França, tempestade à vista com bonança final
Na França, em fins de junho de 1880, dava-se execução aos dois decretos de 29 de
março: o primeiro dizia respeito à expulsão dos jesuítas e ao fechamento de seus insti-
tutos; o segundo, a obrigação da exigência de autorização por parte das congregações
religiosas – a quase totalidade – que estivessem privadas dela.97
Dom Bosco manifestava logo um sincero interesse pelo primeiro. Em carta ao
padre Ronchail, de 9 de abril de 1880, comunicava-lhe ter escrito ao preposto geral
94 Documenti XXIII 234, FdB 1076 E11.
95 Documenti XXIII 237, FdB 1077 A2.
96 Documenti XXIII 250-251, EdB 1077 B3-4.
97 Cf. cap. 2, § 9.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 413
da Companhia de Jesus, oferecendo-lhe, “no distúrbio comum”, as próprias casas para
tudo aquilo que lhe pudessem servir.98 Padre Pierre-Jean Beckx (1795-1887) tinha lhe
respondido muito agradecido, em 5 de abril, de Fiesole, admirado da caridade verda-
deiramente “salesiana” de Dom Bosco e dos seus, afirmando: “Não sei se aparecerá a
ocasião para valer-nos de suas tão grandes ofertas: mas lhe prometo que não esquece-
remos jamais sua generosidade”.99
Ao mesmo tempo, sobre o segundo decreto, dava orientações muito precisas, inspi-
radas na mesma habilidade com que procurava conduzir as pendências do ginásio de
Oratório. Condensava-as em seis pontos, a ser entregues às autoridades, em uma carta
ao padre Ronchail, diretor em Nice, encarregando-o ao mesmo tempo de comunicá-las
aos diretores de Navarre e de Marselha, respectivamente padre Perrot e padre Bologna:
1) os salesianos não eram uma “corporação religiosa, mas uma sociedade cujos indiví-
duos exercitavam todos os direitos civis”, e que, “chamados” na França pelos bispos,
ocupavam-se gratuitamente dos “jovens mais pobres e abandonados” − recomendando
que, se pedissem o texto das Constituições, dessem o texto latino −; 2) podia-se dizer
que em Nice se encontrava a casa principal; nas outras duas os salesianos eram somente
“locatários e servidores da Sociedade Beaujour”; 3) não era o caso de refugiar-se no
principado de Mônaco: em caso de impossibilidade de agir na França – escrevia – “a
Espanha, o Uruguai, a República Argentina e a Patagônia nos esperam”; 4) quanto ao
pedido de autorização, protelar; 5) mantê-lo informado sobre o desenvolvimento da
situação; 6) quanto às outras casas da França, recomendava: “Mantenha-se firme que
nós somos para a agricultura e para as artes e ofícios. Se a algum de nossos alunos se
ensina artes e também latim, é para formar vigilantes, mestres de escola, chefes de arte
e especialmente tipógrafos, calcógrafos e fundidores de tipos”.100 A justificação dos
estudos literários enquanto puramente funcionais às artes ele repetia também na citada
relação ao prefeito de Turim, de 7 de julho de 1880, em resposta aos quesitos colocados
pelo Conselho de Estado: “Destes [jovens] alguns, inclinados por natureza ao exercício
de certas artes e ofícios mais nobres e elevados (tipografia, calcografia, fotografia, este-
reotipia etc.) não estariam em condição de aprender bem e exercitar com fruto se não
tivessem um pouco de instrução de Latim, Grego, Francês, Geografia e Aritmética,
etc.”.101 Ao cônego Guiol dava indicações particulares para a obra de Marselha. Caso
o governo “pedir, ou melhor, na formação do catálogo dos Institutos religiosos da
França,” forem dirigidas perguntas também à Sociedade Beaujour, seria conveniente
que se fizesse aparecer como chefe da casa o padre francês Taulaigo e como adminis-
trador um padre diocesano, certo Brogly. Quanto às escolas, deviam aparecer somente
as da Maîtrise paroquial, tendo como chefe o mesmo cônego, em posse de títulos
98 E III 562.
99 Documenti XXII 104, FdB 1069 E12; MB XIV 595.
100 Ao padre Ronchail, 23 de março de 1880; E III 554-555.
101 E III 598.

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414 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
legais. “Isto é, em prevenção – concluía –, porque Iacula praevisa minus ferient”.102
Ajuntava um trecho de declaração para se enviar, em caso de necessidade, ao Inspetor
da Universidade. Como no caso do curso do ginásio do Oratório de Valdocco, insistia
sobre o caráter puramente filantrópico do Instituto. Este tinha o escopo de “recolher
jovens abandonados” e habilitá-los a uma profissão. Alguns internos e externos compu-
nham a Maîtrise, prestando algum serviço à paróquia: a eles se dava “o ensino primário e
a alguns também o curso clássico”.103 Quanto à entrega do texto das Regras, escrevendo
de Roma ao cônego Guiol no dia da audiência do santo padre, dava uma contra-ordem
para o padre Ronchail, porque o papa não queria que fosse dado a eventuais pedin-
tes.104 A situação suspensa não impedia, contudo, de incluir em um Memorial sobre as
Missões Salesianas, apresentado ao papa em 13 de abril, o projeto de um colégio ou
seminário menor, a ser aberto preferivelmente em Marselha, que tivesse como finali-
dade “preparar operadores evangélicos para a Patagônia”.105 Ilustrava mais amplamente
o projeto ao cônego Guiol em uma carta de 9 de maio, pensando também na aquisição
de uma superfície de cerca 2 mil metros quadrados de terreno contíguo ao Oratório
São Leão.106 Quanto ao pedido ao governo da autorização para a Sociedade Salesiana,
tinha dado instruções ao padre Ronchail de seguir as outras congregações religiosas, na
verdade um tanto quanto renitentes, consultando-se também com o bispo.107 É admi-
rável a lucidez das indicações, seja de Roma, de Florença ou de Turim, de um homem
assediado, além do projeto francês, de outros igualmente pesados: a questão escolar, os
problemas com o arcebispo, a Igreja do Sagrado Coração, as missões da América com
o projeto do vicariato apostólico, sem contar a exigência cotidiana do sustento de tantas
obras e do cuidado dos benfeitores.
Da situação na França ele interessava indiretamente também o presidente do
Conselho e ministro do Exterior Benedetto Cairoli, com carta que lhe seria entregue
mediante o padre Dalmazzo, que devia entregar outra ao onipotente secretário geral
Giacomo Malvano.108 Informava-o de ter denunciado, já há alguns anos antes, ao
ministro do Exterior o estado de abandono no qual se encontravam “muitas crianças de
famílias italianas que moravam no sul da França”, e ainda mais enviadas de volta à Itália
se consideradas “culpáveis em face das autoridades civis”. Por isso, ele tinha aberto em
Nice e Marselha dois abrigos para aprendizes e uma “colônia agrícola perto de Fréjus
e outra em Toulon”. Em abril de 1879, “apoiado pelo cônsul italiano em Marselha”,
102Ao côn. Guiol, 26 de março de 1880; E III 557-558.
103 E III 556-557.
104Ao cônsul Guiol, 5 de abril de 1880; E III 560-561. A mesma coisa comunicava ao padre
Ronchail em 9 de abril; E III 562.
105 E III 574.
106 E III 586-587.
107 Ao padre Ronchail, 26 de abril de 1880; E III 584.
108Ao padre Dalmazzo, 18 de outubro de 1880; E III 630.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 415
tinha renovado o pedido de um auxílio para tantas despesas afrontadas para a ampliação
dos diversos institutos. Agora renovava o pedido.109 Era concedido um subsídio de mil
liras por ano, englobado em uma soma complexiva, que chegava ao cônsul em favor
dos italianos.110 Podia ser também um meio para atrair a atenção sobre as obras na
difícil conjuntura. O cônsul, nomeado na carta, era seu companheiro de estudos em
Chieri, Annibale Strambio, que o aconselhava a redigir um relatório em resposta às
acusações caluniosas contra os religiosos italianos e o Oratoire Saint-Léon. Dom Bosco
se congratulava com o redator, o padre Louis Mendre, que tinha lhe enviado o texto.
Propunha diversos acréscimos e sugeria: “Pode-se também pedir ao senhor cônsul para
dar publicidade, se ele julgar conveniente”.111 De fato, a vigorosa apologia era apresen-
tada ao prefeito da cidade por meio do Strambio.112
A tempestade política, agravada pela firme recusa das congregações em pedir a
autorização, letal para grande parte delas, foi superada sem danos pela obra salesiana,
em parte, quiçá, pelo reconhecimento do status jurídico peculiar dos institutos de
Dom Bosco, mas sobretudo porque as autoridades governativas não acreditaram em
urgir com todos e em todos os lugares a execução da lei.113 “Ao contrário da obra de
Marselha, a casa de Nice, embora sendo gerida por uma ‘congregação não autorizada’,
não foi seriamente molestada”.114 Em 26 de dezembro de 1880 o cônsul anunciava a
Dom Bosco: “Creio que todo o perigo tenha sido esconjurado para o teu Oratório São
Leão”.115 O generoso amigo morria em 19 de janeiro de 1881, com 62 anos, vítima de
hemorragia cerebral.116
4. Retorna o “nada obsta” para opúsculos marianos
Em 1880 acontecia a revivificação da controvérsia sobre opúsculos marianos
com a narração de “graças prodigiosas e milagres”, como escreveria dom Gastaldi,
realizadas pela intercessão de Maria Auxiliadora. Em 1877 parecia absorvida.117 Em
maio de 1880 padre Lemoyne publicava nas Leituras Católicas um opúsculo com o
título A cidade de refúgio, isto é, Maria Auxiliadora.118 O arcebispo de Turim denun-
109 Carta de 18 de outubro de 1880; E III 631.
110 Cf. carta do padre Dalmazzo a Dom Bosco, 7 de novembro de 1880; E III 631, n. 1.
111 Carta de 25 de novembro de 1880; E III 636. Cf. MB XIV 610.
112 Carta de 25 de novembro de 1880; E III 636.
113 Cf. A. Dansette, Histoire religieuse de la France contemporaine. Sous la Troisième
République, p. 81-83.
114 F. Desramaut, Don Bosco à Nice, p. 62.
115 Documenti XXII 307, FdB 1073 B8.
116 Cf. L’unità cattolica, n. 20, terça-feira, 25 de janeiro de 1881, p. 78.
117 Cf. cap. 25, § 5.
118 Sanpierdarena, Tipografia e Libreria Salesiana, 1880, 134 p.; L.C. a. XXVIII, n. 5, maio.

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416 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
ciava ao papa a difusão deste e dos opúsculos que já tinham saído em 1877, pedindo
que fosse feita “proibição severa aos salesianos de publicar” no futuro “a narração
de qualquer milagre operado na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, em Turim, sem
prévia licença da autoridade eclesiástica” e que se obrigasse a “retirada e a supressão
dos que tivessem sido publicados”.119 Por convite do cardeal Domenico Bartolini
(1813-1887), prefeito da Congregação dos Ritos, a quem a carta fora transmitida,
dom Gastaldi enviava à Congregação cópia dos livros incriminados, com o acompa-
nhamento de uma carta ainda mais severa que a precedente.120 O cardeal enviava o
pacote ao promotor da fé, dom Lorenzo Salvati, com a anotação: “1º de julho de 1880.
O egrégio bispo, promotor da Fé, observe os livretos aqui incluídos e verá que o arce-
bispo de Turim não está errado. Dom Cardeal Bartolini Pref.”121. Ao invés, com carta
de 16 de julho enviava a Dom Bosco como “Instrução” o brando parecer do promotor,
recomendando que, no futuro, os livretos sobre “graças” obtidas fossem apresentados
à revisão eclesiástica.122 Dom Bosco pedia ao padre Rostagno para escrever um longo
relatório com “esclarecimentos”123 sobre “a desagradável controvérsia”, que consi-
derava “sem nenhum fundamento”; declarava-se, contudo, “obediente e submisso à
ordem, conselho e aviso” que viesse de Roma.124 O cardeal escrevia sobre o envelope
a seguinte anotação: “23 de agosto de 1880. O bispo assessor observe bem se o senhor
padre Bosco, com tantos atos de humildade, tenha querido, como me parece, dar a
lição à Sagrada Congregação dos Ritos com o voto de seu consultor e se então convém
responder-lhe pelas rimas do Ministério Fiscal. Dom Cardeal Bartolini Pref.”125. A uma
carta de Dom Bosco, não encontrada, Dom Salvati respondia com grande estima, em
26 de agosto, exortando com sabedoria e tato um entendimento com o arcebispo: “Ele
pede que os conhecidos opúsculos não sejam impressos sem o seu nihil obstat; e isso
é justo. A união amorável com ele é, sob todo aspecto, necessária para a subsistência
e fecundidade das preciosas instituições salesianas. Por isso se procure, a qualquer
preço, e será certamente uma das mais belas graças com as quais a excelsa Virgem
Auxiliadora não deixará de ser generosa com o senhor”.126 A negociação foi arquivada.
Foi, porém, exumada no curso do processo apostólico pela beatificação e canonização
de Dom Bosco.
119 Carta citada em MB XIV 523-524.
120 Carta de 20 de junho de 1880; MB XIV 795-797.
121 Citado por MB XI 453.
122 Documenti XXII 186-187, 187-190, FdB 1071 B9-10, B10-C1.
123 Documenti XXII 205-208, FdB 1071 D4-7.
124 Carta de 17 de agosto de 1880; E III 613-614.
125 Citado em MB XI 454.
126 Documenti XXII 208-209, FdB 1071 D-8.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 417
5. Explode um estranho conflito (dezembro de 1878 a dezembro de 1880)
Contudo, já nos primeiros anos da década de 80 sentia-se um odor de processo de
outra espécie. O verão de 1880, com efeito, encontrava Dom Bosco, já há alguns meses,
enredado em uma trama intrincada de dificuldades muito mais graves. Um primeiro
aviso dava-se em maio de 1878. No início do mês, com efeito, tinha saído em Turim
um libelo anônimo antigastaldiano: a Estréia para o clero ou seja revista sobre o calen-
dário litúrgico da arquidiocese de Turim para o ano de 1878, escrita por um capelão.127
Era o primeiro de uma série de opúsculos, que, de modo imprevisível, tornaram dramá-
ticas, no longo período, as relações entre Dom Bosco e dom Gastaldi. Dezesseis anos
depois se declarou autor padre Giovanni Turchi, o qual, como já se falou, revelava ao
mesmo tempo o nome do “cooperador salesiano” autor da Carta ao Arcebispo de Turim
e sobre a Congregação de São Francisco de Sales, padre Giovanni Battista Anfossi.128
O anônimo distribuidor da desagradável “estréia” – um padre intransigente, ex-aluno
do Oratório por um decênio – propunha-se, de imediato, ridicularizar o calendário
litúrgico, mas, substancialmente, pretendia desacreditar toda a pastoral gastaldiana. No
Apêndice, com vinte e dois “Diz-se” – dois se referem a relações punitivas direcionadas
a Dom Bosco – delineavam-se traços devastadores da figura do arcebispo, cada um
seguido por desmentido aparente. Tratava-se de libelo violentamente difamatório e de
incitamento do clero diocesano à rebelião. Não só o arcebispo, mas também qualquer
um entre os que se solidarizavam com ele, estavam persuadidos de que o libelo fosse
de matriz salesiana.129 De resto, já se suspeitava de Dom Bosco como responsável da
Carta do “cooperador salesiano”.
As relações com o arcebispo se deterioraram de modo insanável entre o final
de 1878 e os inícios de 1879, por causa de um incidente protagonizado pelo padre
Bonetti. Certamente Dom Bosco teria se preocupado em neutralizá-lo desde o início
com alguma providência rápida, caso tivesse podido prever as complicações e conside-
rado os precedentes pouco simpáticos nas relações do padre Bonetti com o arcebispo.
O combativo redator do Boletim Salesiano tinha endereçado uma carta a Dom Bosco,
em 1º de outubro de 1878 – assinada, porém, os Redatores, e na minuta são visíveis
os acréscimos e modificações introduzidos por Dom Bosco –, que continha irônicas
observações sobre as queixas feitas por dom Gastaldi contra o Boletim”.130 Dom
Bosco tinha-a transmitida ao superior eclesiástico, justificando-se: “Enviei o teor da
carta ao redator do Boletim tal como me tinha escrito e, tendo recebido resposta confi-
dencialmente, assim a transmito, não que eu a aprove, mas unicamente para recíproco
127 Turim, Tipografia G. Bruno e C., 1878, 87 p.
128 Carta ao prefeito da Sagrada Congregação dos Ritos, 25 de outubro de 1895. O texto está
citado em MB XIX 403-412.
129 G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. II, p. 278.
130 Documenti XIX 208-210.

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418 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
conhecimento”.131 Na realidade a carta acabava por aumentar a impressão negativa
produzida no arcebispo pela incauta recusa de retificação sobre a relação entre Igreja
São João Evangelista e a memória de Pio IX.132 Contudo, o incontrolado incidente
relativo ao impulsivo colaborador e as complicações criadas por ulteriores libelos, dos
quais, um ao menos, explicitamente referido ao caso Bonetti em Chieri, terminariam
envolvendo também o fundador.
O fato anterior e remoto era constituído por uma carta oficial, de 24 de setembro
de 1878, com a qual Dom Bosco tinha confiado ao padre Bonetti “a Direção e admi-
nistração espiritual” do Oratório público festivo feminino de Chieri.133 A coincidência
das funções religiosas festivas do freqüentadíssimo oratório com as paroquiais tinha
logo criado dissensos com o pároco do duomo, cônego Andrea Oddenino (1829-1890),
sacerdote austero, cônscio das próprias responsabilidades pastorais em relação à grei
que lhe fora confiada. Uma série de propostas e de resistências tinham sido feitas, não
sem alguma saída exuberante, típica do padre Bonetti. Em 28 de dezembro de 1878 o
pároco sentia-se constrangido a protestar contra um artigo sobre O Oratório de Santa
Teresa em Chieri, publicado no Boletim, considerado na ocasião pelo redator um ringue
de batalhas jornalísticas pessoais: “Para terminar o quadro deveremos ainda falar de
algumas oposições contra o dito Oratório suscitadas ultimamente por alguém; mas, se
for preciso, voltaremos ao assunto mais uma vez”.134 Mais ainda, tinha escrito uma carta
ao pároco para exortá-lo a desistir de sua hostilidade, usando um tom bastante vivaz
e frases particularmente ácidas. O pároco tinha-a transmitido ao arcebispo, avisando
também, em 21 de janeiro de 1879, padre Bonetti.
Era o prólogo de um novo drama, que se resolveria somente três anos depois,
por meio de intervenção pontifícia direta. Padre Bonetti era convocado ao arquiepis-
copado e convidado a pedir desculpa ao pároco. O pedido de perdão demorava, e o
padre Oddenino informava o arcebispo disso, o qual, em 12 de fevereiro, não hesitava
em prescrever ao padre Bonetti a suspensão provisória da faculdade de administrar o
sacramento da penitência. No dia seguinte, padre Bonetti escrevia ao pároco pedindo
vênia e informava disto ao arcebispo. A este exprimia a esperança de que a suspensão
fosse imediamente revogada, insinuando justamente que, em caso contrário, em vista
da própria defesa e da salvaguarda da honra da Congregação, não estaria alheia do
presente o recurso a Roma. Por resposta o arcebispo confirmava a suspensão e a tornava
absoluta e incondicionada ao beneplácito do ordinário.135
Em 26 de fevereiro padre Bonetti encontrava Dom Bosco em Lucca. Este voltava da
viagem pela França e seguia para Roma, onde, em 6 de março, apresentava o recurso
131A dom Gastaldi, 6 de agosto de 1878; E III 374.
132 Cf. cap. 27, § 1.1.
133 Texto em MB XIII 702-703.
134 BS 3(1879) n. 1, janeiro, p. 9.
135 Cf. Documenti XLV FdB 1194 C1-D1.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 419
à Congregação do Concílio. Tal gesto reservaria a ambos tribulações e espinhos, total-
mente anulados somente com a morte do arcebispo em 1883. Dom Bosco tinha se
colocado oficialmente no caso em primeira pessoa, já em fevereiro por meio de carta ao
cardeal Ferrieri. Padre Bonetti – iniciava – era o terceiro sacerdote salesiano que o arce-
bispo suspendia “de ouvir as confissões dos fiéis sem observar as formas canônicas”:
o primeiro fora o próprio Dom Bosco, o segundo, padre Lazzero por equívoco das
missas, e o terceiro, padre Giovanni Bonnetti. Ele assegurava que as cartas ao pároco e
ao arcebispo fossem consideradas “falta do devido respeito”, “o que – advertia – devia
ser imediatamente examinado”, “seria imediatamente acomodado e se avisaria o supe-
rior da Congregação”. O que pedia ao cardeal não era coisa de pouca monta: convidar
o arcebispo de Turim “a usar as regras prescritas pela Santa Sé para semelhantes proce-
dimentos e, antes de infligir tão graves penas eclesiásticas, que se digne examinar se os
fatos o merecem e, o quanto possível, que se evitem os escândalos públicos”, pelo qual
“aquele que prega com todo zelo na cidade de Chieri teve que abandonar o confessio-
nário rodeado por uma multidão de penitentes e afastar-se desta arquidiocese para não
ser sinal para a curiosidade pública”.136
Em maio, estando o arcebispo com a saúde abalada, parecia que os dissensos, mais
a proibição ao padre Bonetti de voltar a Chieri e o novo recurso a Roma, reconduziam a
questão ao ponto de partida. Dom Bosco era levado a dirigir-se ao cardeal Nina, prefeito
da Congregação do Concílio, sublinhando a necessidade da comunicação à Sociedade
Salesiana dos privilégios que gozavam “os passionistas, os redentoristas e os mesmos
Oblatos de Maria Virgem”. Mas a Congregação dos Bispos e Religiosos dava ao papa
parecer negativo. Nem valeu um sucessivo pedido de mediação ao cardeal Gaetano
Alimonda. A negociação devia, contudo, passar pela Congregação competente.137
Em 1879 Dom Bosco apresentava à Santa Sé um impresso de dezoito páginas com
o título Exposição à Santa Sé do estado moral e material da Pia Sociedade de São
Francisco de Sales em março de 1879.138 Era a primeira relação trienal oficial após a
aprovação das Constituições. À parte Breves notícias sobre a Congregação de 1841
a 1879 seguia-se o elenco das obras, classificadas conforme as quatro inspetorias:
piemontesa (24, mais o colégio-internato de Este), lígure (14, mais as 4 na França),
romana (5), americana de Argentina e Uruguai (14, com cem salesianos). Enumerava
também os institutos considerados de próxima fundação: em Milão, Cremona, Lugo,
Brindisi, Catania, Randazzo, Challonges, Paris-Auteuil, Santo Domingo, bem como no
Brasil e no Paraguai etc. Incluía, também, no elenco, 21 casas ou obras geridas pelo
Instituto das FMA, das quais três na América, acrescentando algumas Observações.
A esse elenco colocava no início uma afirmação ambígua: “As Casas nas quais habitam
as irmãs são todas da Congregação, mas tendo à frente algum salesiano”. Concluía
136 Carta s.d. (fim de fevereiro?) de 1879; E III 445-446.
137 Cf. MB XIV 236-244.
138 Sanpierdarena, Tipografia Salesiana, 1879, 18 p.; OE XXXI 237-254.

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420 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
a exposição com informações sobre o Estado moral da Congregação Salesiana. Um
texto, indício da tenaz autodefesa institucional de Dom Bosco, nesse contexto cronoló-
gico bem preciso, se referia, sem nomeá-lo, ao arcebispo de Turim: “Com os párocos
e com os ordinários diocesanos estamos em ótima relação; e podemos dizer que são
para nós pais e benfeitores. Apenas com um ordinário encontram-se dificuldades, das
quais não se pode saber jamais as verdadeiras razões. Com a paciência, com o auxílio
do Senhor e trabalhando submissos em sua diocese se espera conquistar a benevolência
que gozamos em todas as outras dioceses”.139 Sobre a Exposição, com data de 5 de
abril, a Congregação dos Bispos e Regulares transmitia observações críticas referentes
a vários objetos: 1) nada se diz do estado econômico da Congregação e sobre o novi-
ciado; 2) fala-se de inspetorados ou províncias, mas não se fala da sua ereção canônica;
3) diz-se que “ao sagrado ministério dos salesianos são confiados alguns abrigos de
mulheres” – oficina de S. José, Família de S. Pedro, Instituto do Bom Pastor –, mas não
se diz se tal encargo tenha sido dado pela autoridade episcopal e “em que consiste o
dito sagrado ministério”; 4) não se diz se colégios e escolas são abertos com as devidas
autorizações canônicas; 5) não se define com precisão a relação entre Congregação
Salesiana e Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora; 6) não se tem presente que a
Santa Sé não admite serviços de irmãs em seminários e internatos masculinos; 7)
é contrária à praxe e à privacidade a impressão da Relação. Dom Bosco respondia
ponto por ponto, defendendo-se mais que aceitando.140 Era óbvio que a Congregação
dos Bispos e Religiosos se declarasse insatisfeita e replicasse, convencida de que a
Sociedade Salesiana, sobre os temas indicados, não estivesse em regra com as normas
canônicas. Dom Bosco respondia com carta de 12 de janeiro de 1880. Mostrava-se mais
disponível a receber o que fora observado e a dar esclarecimentos sobre quatro pontos:
a propriedade dos bens da Congregação, o noviciado de Marselha, do qual estava em
curso a negociação, a divisão em inspetorias, o Instituto das FMA.141
Mas já em março de 1879, quando padre Bonetti tinha se dirigido ao papa para reaver
a faculdade de confessar, para tornar mais sombrio o horizonte, surgiam em Turim
outros dois libelos antigastaldianos: A questão rosminiana e o arcebispo de Turim:
Estréia para o clero compilada por um capelão. Ano II142 e, no auge da polêmica anti-
rosminiana, Pequeno ensaio sobre as doutrinas de dom Gastaldi, arcebispo de Turim,
precedido por uma introdução e seguido por alguns apêndices.143 O libelo dedicado à
questão rosminiana visava sobretudo o rosminianismo de Gastaldi. Com o advento de
Leão XIII, tomista e restaurador da neo-escolástica – com as encíclicas Inscrutabili,
de 21 de abril de 1878, e principalmente Aeterni Patris, de 4 de agosto de 1879 –,
139 G. Bosco, Esposizione alla S. Sede sullo stato morale e materiale, p. 17-18; OE XXXI 253.
140 Cf. carta de 3 de agosto de 1879; E III 505-508.
141 Cf. E III 540-544.
142 Tipografia G. Bruno e C., 1879, 144p.
143 Turim, Tipografia Alessandro Fina, 1879, 155 p.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 421
também dom Gastaldi encontrava-se, em parte, deslocado e indefeso em Roma, como
Dom Bosco com a morte de Pio IX. No opúsculo do “capelão” não faltava, todavia, um
referência à oposição do arcebispo a Dom Bosco.144 Na Introdução ao Pequeno Ensaio
“o capelão” expunha uma longa série de acusações contra dom Gastaldi: fechamento
do Convitto Ecclesiastico após a expulsão do teólogo Bertagna, desarticulação do semi-
nário, perseguição de um sacerdote e de uma congregação que faziam somente o bem
(Dom Bosco!), o estar circundado de péssimos colaboradores. Ainda pior, Gastaldi era
um liberal, rosminiano, rigorista, “indigno do lugar que ocupava”, contra quem era
necessário insurgir. Dos quatro apêndices, um era dedicado a Um pouco de história,
ou seja, o Oratório de Santa Teresa em Chieri.145 Ele antecipava, de poucas semanas,
o aparecimento, em fins de maio, de outro libelo anônimo, ainda mais comprometedor
para Dom Bosco e para os salesianos, e, em particular pela causa do padre Bonetti,
O arcebispo de Turim e o padre Oddenino, ou seja, fatos bufos, sérios e dolorosos
narrados por um chierense.146 O “Prelúdio”, assinado por Um chefe de família, queria
ser defesa do padre Bonetti, de Dom Bosco e dos salesianos contra o padre Oddenino e o
arcebispo. Na realidade, ofendia gravemente o arcebispo e causava danos às suas presu-
míveis vítimas, também porque os fatos eram trazidos com tal precisão que somente
a familiaridade com algum salesiano do Oratório podia explicar reevocação assim
pontual. “A avalanche de libelos anônimos – escreveu-se justamente – não somente
trazia danos ao arcebispo e à sua atividade pastoral, mas não prestava nem mesmo um
bom serviço a Dom Bosco e aos salesianos. Não era, com efeito, o instrumento mais
idôneo para bem dispor o arcebispo para com ele e muito menos para facilitar a conci-
liação. Antes, chegou-se ao ponto mais crítico de suas relações”.147
Dom Bosco, no entanto, tinha procurado evitar novas dificuldades jurídicas à
Congregação, primeiro com o pedido formal a Leão XIII para renovar os “favores e
privilégios” próximos a terminar, que tinham sido concedidos por Pio IX em 21 de abril
de 1876148, e depois com uma carta mais articulada ao cardeal protetor, Lorenzo Nina,
declarando que era “sumamente necessária ao momento presente” “a comunicação dos
privilégios” de que gozavam as congregações eclesiásticas aprovadas pela Santa Sé.149
Além disso, para facilitar as relações com os ofícios eclesiásticos romanos, em janeiro
de 1880 nomeava padre Francesco Dalmazzo procurador da Sociedade Salesiana.150
Em março de 1880 desculpava-se com o protagonista do caso Bonetti, cônego Odenino,
144 La questione rosminiana e l’arcivescovo di Turim, p. 106.
145 Cf. Piccolo saggio sulle dottrine di Mons. Gastaldi, in: G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-
1883, vol. II, p. 280-281.
146 Turim, Tipografia G. Bruno e C., 1879, 52 p.
147 G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. II, p. 282.
148 Pedido de 7 de março de 1879; MB XIV 707.
149 Cf. carta de 13 de junho ao cardeal Nina, protetor da Sociedade Salesiana desde 26 de março;
E III 475.
150 Cf. Carta ao cardeal Nina, 12 de janeiro de 1880; E III 539-540.

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422 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
pelo fato de não ter conseguido para ele uma honorificência pontifícia. Assegurava,
contudo, quod differtur, non aufertur. Acrescentava: “Alegro-me de sua ação quaresmal
em La Spezia. É uma boa cidade, mas que precisa muito de operários”.151 Ao mesmo
tempo, iniciavam-se as tratativas para a construção da Igreja Sagrado Coração em Roma e
se repetiam os esforços para a ereção de alguma circunscrição eclesiástica na Patagônia.
Houve, ainda, uma dificuldade, talvez evitável, com dom Gastaldi. Este oferecia,
em Turim, casa e terreno de sua propriedade para uma escola elementar para meninos
pobres junto à Igreja Sagrado Coração de Jesus. As tratativas não foram conduzidas
diretamente por Dom Bosco, mas pelo padre Cagliero e pelo padre Rua. O resultado
negativo desagradou muito ao arcebispo. O cardeal Nina fazia saber de seu desconten-
tamento.152 Dom Bosco se desculpava, enviando-lhe um relatório preparado pelo padre
Cagliero. Na carta de acompanhamento queixava-se da distorção dos fatos, evocando
outros comportamentos menos favoráveis para com os salesianos, em particular as notas
de suspensão do padre Lazzero, do padre Bonetti e do próprio Dom Bosco, sobre os
quais continuavam a pesar as cartas de suspensão latae sententiae, de 25 de novembro
e 1º de dezembro de 1877.153
Ao invés, outro fato apareceu mais preocupante, por um momento, no qual alguém
viu talvez conexão com a publicação dos livretos. Em 18 de agosto houve uma perqui-
sição da polícia na tipografia do Oratório com o seqüestro dos esboços do Boletim
Salesiano. Dom Bosco, informado, escrevia de Nizza Monferrato ao padre Rua, preci-
sando a natureza da tipografia e a sua segura existência legal, convidando-o a encon-
trar-se com ele em Nizza. No retorno escrevia ao procurador do Rei, esclarecendo
o liame existente entre as duas tipografias, de Turim-Valdocco e de Sampierdarena,
em particular a composição e a impressão do Boletim Salesiano.154 Não se conhece
nenhuma continuação.
6. Entre esperanças de composição concordada e uma “Concórdia” exigida
(1881-1882)
As relações de Dom Bosco com Leão XIII, extremamente corretas, não podiam ter
a mesma carga afetiva que tinha com Pio IX. As distâncias e as diferenças de tempe-
ramento, de conhecimento, de hábitos, de cultura, de estilo de governo e também de
tempos e de política eclesiástica eram muitas. Não tinha, por certo, podido superá-las
a homenagem do grande opúsculo A mais bela flor do Colégio Apostólico, ou seja, a
151 Carta de Roma, [28 de março] de 1880; E III 559.
152 Carta de 23 de junho de 1880; Documenti XXII 170-171, FdB 1071 A5-6; MB XIV 534.
153 Carta de 10 de julho de 1880; E III 604-605. Os dois documentos não chegaram às mãos do
cardeal, que se queixou, e Dom Bosco então enviou cópia em 3 de setembro.
154 Carta de 31 de agosto de 1880; E III 622-624.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 423
eleição de Leão XIII com breve biografia dos seus eleitores pelo sacerdote Giovanni
Bosco.155 Também estavam em mudança certos aspectos da condição eclesial italiana.
Alguma coisa devia necessariamente mudar também em relação à situação dos bispos,
que não se sentiam adequadamente sustentados por Roma em relação aos sacerdotes e
leigos, os quais, também em sua muito ostentada fidelidade ao papa, sentiam-se legi-
timados a contestar, mesmo publicamente, seus superiores eclesiásticos. Sentiam-se
vítimas, justo entre 1881 e 1882, o beato Giovanni Scalabrini (1839-1905), bispo de
Piacenza (1876-1905) e o amigo bispo de Cremona, Geremia Bonomelli, alvo de um
jornalismo católico agressivo e protegido, encabeçado pelo L’Osservatore Cattolico
de Milão, dirigido pelo intransigente padre Davide Albertario.156 Tais comportamentos
e os protestos junto à Santa Sé, além de denotar atitudes profundamente diferentes
em relação ao mundo moderno, espelhavam em todos os níveis duas diferentes ecle-
siologias, afloradas mas não resolvidas no Concílio Vaticano I: uma tendencialmente
verticalista, seguida também por Dom Bosco, e outra mais inclinada a certa colegiali-
dade episcopal.157 Dom Gastaldi, estava, indubitavelmente, mais próxima desta, graças
à evolução de suas concepções teológicas originais e à cultura rosminiana, profunda-
mente assimilada, a começar pela Cinco pragas da Santa Igreja, chegando, como se viu
na defesa da infalibilidade papal, a uma visão do poder papal e da jurisdição episcopal
mais orgânica.158
O ano de 1880 concluía-se com a ordem do cardeal Prospero Caterini ao secretário
da Congregação do Concílio, dom Isidoro Verga, de predispor dentro de um mês a
discussão da causa do padre Bonetti.159 Mas um descuido banal conduzia a uma ulte-
rior dilação. A comunicação ao arcebispo era feita com carta transmitida por meio de
Dom Bosco e recusada pelo destinatário porque quem devia entregá-la pretendia ter
a acusação de recebimento: uma formalidade querida por pessoa prevenida e descon-
fiada. O bispo o explicava ao cardeal Caterini em carta de 5 de dezembro. Nela apro-
veitava a ocasião para falar de novos incidentes, sobre vários benefícios feitos por ele
a Dom Bosco e sobre muitos passos dados por ele, sem êxito, para demonstrar publi-
camente estima e benevolência em relação a ele. Insinuava, por fim, que teria podido
e querido promover um processo contra Dom Bosco e contra o padre Bonetti junto à
Congregação do Concílio, como responsáveis pela impressão dos libelos contra o arce-
bispo. Mas não o tinha feito, nem nos tribunais eclesiásticos nem nos civis, para não
suscitar escândalos.160 Com uma exposição ao prefeito da Congregação do Concílio, de
155 Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1878, 288 p.; OE XXX 1-288.
156 Cf. M. Francesconi, Giovanni Battista Scalabrini vescovo di Piacenza e degli emigrati,
Roma, Città Nuova Editrice, 1985, p. 491-620.
157 Cf. J.-P Torrell, La théologie de l’épiscopat au premier Concile du Catican. Paris, Éditions
du Cerf, 1961, onde é de particular interesse a segunda redação da Constituição De Ecclesia
por obra de J. Kleutgen (p. 247-279).
158 Cf. cap. 16, § 9.
159 Cf. Documenti XLV 46-48, FdB 1195 A 10-12.
160 Documenti XLV 49-50, FdB 1195 B1-3.

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424 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
8 de janeiro, padre Bonetti colocava em movimento sua causa. Não era de Dom Bosco,
embora envolvido firme e solidariamente. Era esse explícito apoio dado pelo superior
da Sociedade Salesiana a seu religioso em litígio com o superior eclesiástico que o
arcebispo tinha censurado em uma longa carta ao cardeal Caterini, de 30 de dezembro
de 1880, colocando em anexo pesada documentação contra o padre Bonetti.161 Cônego
Colomiatti, por sua vez, enviava em 9 de fevereiro uma refutação da exposição do
padre Bonetti, a quem acusava de ser co-autor do opúsculo O arcebispo de Turim, Dom
Bosco e o padre Oddenino (março de 1879).162 Em 10 de fevereiro, cardeal Nina convi-
dava Dom Bosco a concordar com o representante do arcebispo uma acomodação de
bono et aequo da causa do padre Bonetti”.163 Dom Bosco pensava não poder consentir
com isso, visto que a conciliação devia acontecer sobre todas as questões pendentes ou
incumbentes. A exigência da solução da questão particular do padre Bonetti parecia-lhe
uma retaliação: “Se Dom Bosco não consente em uma acomodação – interpretava,
escrevendo de Roquefort, na França, ao padre Rua – o arcebispo fará um processo a
Dom Bosco pelos libelos infamatórios publicados contra ele”. De outro lado ele estava
ainda gravado pela suspensão ipso facto incurrenda, imposta em 25 de novembro e 1º
de dezembro de 1877. Além disso – acrescentava –, era necessário escutar o parecer do
interessado, padre Bonetti. Quanto à propria posição, fazia esta reflexão: “Por que se
quer julgar Dom Bosco de tão perdida consciência e de me ocupar de tais publicações
após tão graves ameaças?” Encarregava o destinatário de comunicar esses seus pensa-
mentos ao teólogo Colomiatti.164 Ao cardeal Nina dizia-se disposto, de acordo com o
padre Bonetti, para que “cada coisa [fosse] acomodada amigavelmente”. Mas crendo
não ver a mesma disponibilidade no arcebispo, expunha a dificuldade expressa ao padre
Rua e concluía: “Eu não vejo caminho mais fácil que retornar a quanto já se era esta-
belecido, quer dizer, tirar a suspensão do padre Bonetti, e tudo acabaria”, notando,
porém, que sobre ele gravava sempre “a ameaça de suspensão ipso facto incurrenda”.165
A ele, em Alassio, chegava uma carta, de 29 de março, do teólogo Colomiatti, o qual,
por sua vez, solicitava que se chegasse a um acordo.166 Dom Bosco sugeria a anulação
da suspensão do padre Bonetti e o relembrava das denúncias movidas em Roma contra
o mesmo.167 Também o arcebispo desejaria uma pacificação geral: bastava reconhecer
os erros feitos ao arcebispo e pedir-lhe perdão.168 Foram feitas tratativas pessoais entre
Colomiatti e Dom Bosco, com a assinatura, em 27 de maio, de um esboço de acomo-
161 Documenti XLV 55-64, FdB 1195 B6-C3.
162 Documenti XLV 72-73, FdB 1195 C12-D1.
163 Documenti XLV 73-74, FdB 1195 D1-2.
164 Carta de 27 de fevereiro de 1881; E IV 27-28.
165 Carta dos inícios de 1881; E IV 29-30.
166 Documenti XLV 78, FdB 1195 D6.
167Ao cônego Colomiatti, 5 de abril de 1881; E IV 39.
168 Carta a Dom Bosco, 10 de maio de 1881; Documenti XLV 82, FdB 1195 D10.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 425
dação, “amigável”, “confidencial”, que incluía também a retirada em Roma da docu-
mentação relativa à questão entre padre Bonetti e o arcebispo. Mas este, tendo em mãos
o acordo, o expedia ao Prefeito do Concílio, pedindo que lhe fossem reenviados todos
os documentos relativos à mesma questão. Dom Bosco, ao invés, pensava em acordo
entendido sobre todos os problemas pendentes. Por isso, tendo tido conhecimento do
fato, pedia imediamente a dom Verga, secretário da Congregação do Concílio “que
queria manter a questão no ponto normal na qual se encontrava”; com efeito, o arce-
bispo – precisava – “não corresponde a quanto foi combinado com seu advogado fiscal,
quer dizer, de retirar a suspensão ao padre Bonetti, e retirar não somente as reclamações
relativas ao mesmo, mas também todas as cartas dirigidas a caluniar o sacerdote Bosco
e a sua pobre Congregação”.169 Entrementes, convidava padre Colomiatti ao Oratório, a
fim de retomar os colóquios para se entenderem melhor.170 No encontro que se seguiu,
Colomiatti negou que no entendimento de 27 de maio se tivessem posto as condições
encampadas por Dom Bosco. Após alguns dias ele reconfirmava e motivava a própria
posição: “Estou sempre mais convencido que o ato arquiepiscopal não corresponde
às nossas inteligências, deixa o padre Bonetti no estado no qual se encontra e não
revoga de maneira nenhuma as cartas enviadas a Roma a cargo do escrevente e da
nossa pobre Congregação (...). No atual estado de coisas não vejo outro caminho que
o de deixar à Santa Sé estabelecer meus erros e minhas razões, que de todo bom grado
aceito preventivamente, quaisquer que sejam. Creio que o senhor bispo também ficará
contente porque é uma autoridade superior que concede e limita os poderes e regula o
exercício dos mesmos”.171
Um período interlocutório trouxe alguma vantagem parcial. Padre Bonetti podia
apresentar ao papa um relatório pontual sobre sua situação e, com a morte do cardeal
Caterini, aos 84 anos, em 10 de novembro de 1881, era nomeado o novo prefeito da
Congregação do Concílio, cardeal Nina, protetor da Sociedade Salesiana. Mas a situ-
ação em sua complexidade se deteriorava enormemente quando, na Cúria turinense
se faziam todos os esforços para buscar provas e testemunhos com o intuito de incri-
minar padre Bonetti como autor dos libelos antigastaldianos e Dom Bosco como seu
cúmplice. Entre os pontos de acusação – que permaneceram tais no mesmo processo
de beatificação e canonização de Dom Bosco – figurava também um testemunho do
ex-jesuíta padre Antonio Pellicani, forçado e deformado pela deposição do padre esco-
lápio Leoncini sobre uma conversa com Pellicani. Segundo tal testemuno Dom Bosco
teria convidado o padre para preparar e enviar a Roma um relatório sobre o estilo de
dom Gastaldi no governo da diocese. O convite era interpretado pelo advogado fiscal
diocesano como exortação a escrever um livro ou livros contra o arcebispo: e tal inter-
169 Carta de 2 de junho de 1881; E IV 57-58.
170 Carta de 2 de junho de 1881; E IV 58.
171 Ao cônego Colomiatti, 11 de junho de 1881; E IV 59.

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426 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
pretação permanece, não obstante a retificação feita pelo mesmo Pellicani, a partir de
alguma pontualização de Dom Bosco.172
Em meados de outubro, Colomiatti dirigia-se a Roma, onde era encorajado a instruir
o processo informativo contra padre Bonetti, Dom Bosco e os conhecidos libelos.
Dom Bosco tomava conhecimento e escrevia a respeito a Leão XIII, enquanto estava
“ocupado em preparar uma nova expedição de missionários salesianos para a América,
e sobretudo para a Patagônia”. Pedia ao pontífice que a questão dos opúsculos não fosse
tratada na Congregação do Concílio de 17 de dezembro, destinada ao exame do recurso
do padre Bonetti relativo à suspensão que lhe fora imposta. Justificava o pedido nestes
termos: “Como não posso ter um justo conhecimento das imputações e sendo assegu-
rado que tudo se apóia em algumas conjecturas e asserções, assim eu não posso dar os
devidos esclarecimentos, e portanto encontro-me na impossibilidade de poder defender
a mim e minha Congregação, segundo a obrigação de minha consciência”. Passava, a
seguir, à firme declaração de absoluta estranheza sobre os opúsculos e de reprovação
de seus conteúdos na medida em que fossem passíveis de condenação ou desaprovação
por parte da Santa Sé.173
Também dom Gastaldi se dirigia a Roma para assistir às canonizações feitas pelo
papa em 18 de dezembro, enquanto o advogado Menghini estava preparando em seu
nome a defesa na causa Bonetti, na qual visava envolver o autor, Dom Bosco e a
Sociedade Salesiana na questão dos libelos. Dom Bosco tinha cópia pelo advogado
Leonori e pedia ao cardeal Nina o que já tinha pedido a Leão XIII. Entrava, depois, a
ilustrar o sentido e o valor do testemunho do Pellicani e de outros argumentos contra ele,
entre os quais o incidente acontecido em 1869 com Dom Riccardi relativo à ordenação
em Casale do padre Giuseppe Cagliero.174 A Congregação de 17 de dezembro chegava
à resolução, comunicada em 22 de dezembro a Dom Bosco: Dilata et ad mentem, e a
mens era que a questão, antes de ser resolvida judicialmente, pudesse ser composta de
bono et aequo com honra de ambas as partes. Seguiam indicações a Dom Bosco sobre
o procedimento a ser adotado no pedido de reabilitação às confissões do padre Bonetti:
fosse feito com palavras adequadas, prontas para implorar perdão por qualquer coisa
que tivesse podido entristecer o ânimo do arcebispo, mesmo além das intenções do
padre Bonetti. Com semelhante argumento informava-se o arcebispo do procedimento
indicado a Dom Bosco e lhe sugeria qual deveria ser seu comportamento em relação a
Dom Bosco, no presente e no futuro.175
O anúncio do texto da decisão da Congregação do Concílio era feito a Dom Bosco
por dom Boccali, camareiro secreto participante, com uma carta escrita, em nome do
172Ao padre Pellicani, 14 de outubro de 1881; E IV 87-88.
173A Leão XIII, início de dezembro de 1881; E IV 95.
174 Carta ao cardeal Nina, 10 de dezembro de 1881; MB XV 242-246. Cf. cap. 16, § 8.
175 Documenti XLV 135-137, 141-142, 145, FdB 1196 D1-3, D7-8, 11; MB XV 721-722,
722-723.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 427
papa, em 27 de dezembro.176 Na resposta de 30 de dezembro, Dom Bosco, embora
temendo “alguma dificuldade por parte do arcebispo”, pedia a Boccali garantir ao papa
sua disponibilidade, como lhe fora pedido, “a obedecer-lhe não somente as ordens,
mas também os desejos”.177 O arcebispo Gastaldi, ao invés, em 31 de dezembro fazia
chegar ao cardeal Nina um duríssimo protesto. Ele via a decisão da Congregação como
uma imposição que favorecia padre Bonetti e Dom Bosco, enquanto o arcebispo estava
“justamente deprimido e aniquilado”, sem algum “decoro”. “Os salesianos – obser-
vava – com tal tarefa farão, no futuro, o que quiserem e mais que se tivessem os privi-
légios singularíssimos de certas ordens religiosas”. Quase como conclusão acusava:
“Eminência, o senhor, como cardeal protetor da Congregação Salesiana, trabalhou
bem como advogado da mesma”. “Eu, pois, devo queixar-me – continuava – que o
mesmo protetor seja juiz contra mim e que, em sua qualidade e autoridade de prefeito
da Congregação do Concílio, me imponha uma ordem que não virá jamais da plena
Congregação dos Eminentíssimos Padres. Decididamente a justiça de minha causa
está a meu favor, conforme já decidiram os Prelados adjuntos”. E tirava a conclusão:
“Portanto, peço que a Sagrada Congregação decida o dubio juris ordine servato com o
nihil transeat”.178
Dias antes, contudo, a situação tinha se complicado. Em 20 de dezembro o padre
Bonetti era citado a comparecer, no prazo de um mês, diante do tribunal eclesiástico
turinense para responder do delito de difamação por causa da impressão do libelo O
arcebispo de Turim, Dom Bosco e o padre Oddenino.179 Dom Bosco, sem conhecer
ainda quanto fora deliberado em 17 de dezembro pela Congregação do Concílio, em 22
de dezembro informava o cardeal Nina da nova questão. Alegava à carta, destinada a ele
e ao papa, um grave e comprometedor relatório antigastaldiano, preparado pelo próprio
padre Bonetti e pelo padre Berto, ratificada com a própria assinatura: Exposição do
sacerdote Giovanni Bosco aos eminentíssimos cardeais da Congregação do Concílio.180
Mesmo que, no Pedido conclusivo declarasse “com esta Exposição não pretendo
acusar alguém nem me defender”, a Exposição era, ao mesmo tempo, uma impiedosa
requisitória do ministério público e a apaixonada arenga de um advogado a cargo do
arcebispo. Minuciosa e circunstanciada, não causou boa impressão nos destinatários.181
O cardeal observava que, se o opúsculo tivesse tido publicidade, “não teria sido esco-
lhido bem o momento”.182 Era, na verdade, o fruto condensado da meticulosa coleta de
176 Documenti XLV 144-145, FdB 1196 D10-11.
177A dom Boccali, 30 de dezembro de 1881; E IV 106.
178 Carta de 31 de dezembro de 1881; Documenti XLV 147-149, FdB 1196 E1-3, MB XV
723-727.
179 Documenti XLV 136, FdB 1196 D2; MB XV 731.
180 Sanpierdarena, Tipografia di S. Vincenzo de’ Paoli, 1881; MB XXXII 49-124.
181 Documenti XLV 138-140, FdB 1196 D4-6; E IV 103-104; MB XV 247-249.
182A Dom Bosco, 25 de dezembro de 1881; Documenti XLV, FdB 1196 D7-8.

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428 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
documentos do padre Berto, da exacerbada paixão do padre Bonetti e da pouca confiança
de Dom Bosco em uma composição amigável dos dissensos com o arcebispo. Mas a
Exposição dificilmente podia tornar crível o que, a poucos dias de distância, professava
em carta ao cardeal Nina: “Desta forma eu fui e estou agora pronto a fazer qualquer
sacrifício, contanto que se possa colocar um ponto final em uma questão que me faz
perder tanto tempo”.183 O documento na sua composição e estrutura não podia ser obje-
tivo. Ele listava ano por ano, de 1872 a 1882, apresentando-os em modo unitário, sob
o sinal de “vexações e distúrbios”, um elenco de intervenções do arcebispo de inspira-
ções, finalidade e qualidades muito diferentes. Evocavam-se idéias e intervenções de
caráter teológico e jurídico, totalmente plausíveis sobre as Constituições Salesianas,
sobre a forma de conceber a vida religiosa e a formação dos consagrados, sobretudo
se eclesiásticos: eram partilhadas pela Cúria romana e introduzidas em grande parte
nas Constituições definitivamente aprovadas. Semelhante era o caso dos privilégios,
que Gastaldi imaginava deverem ser limitados, não somente em relação à Sociedade
Salesiana, mas a todos os institutos religiosos. Elencavam-se medidas disciplinares
que um bispo empenhado em vigorosa reforma da própria diocese podia considerar
totalmente legítimas. Atribuíam-se a ele acontecimentos e episódios que podiam consi-
derar-se provenientes de imprudências, inadvertências e prevenções não imputáveis a
uma só das partes. Quanto ao padre Bonetti, tomava-se partido unilateralmente sobre
sua posição. Esquecia-se que o devastador fenômeno dos libelos se colocava em um
contexto e clima de suspeitas, desconfianças e tensões nos quais todos, direta ou indi-
retamente, estavam envolvidos, implicados e vítimas. Mais que uma Exposição, quis-se
um grande golpe de asa ou, talvez, melhor, ponderação meditada, senão direto contato
entre as partes, mediações de alto nível, habilidade de tecelões, tempestivamente cons-
cientes da oportunidade eclesial de uma composição, sem esperar veredictos do alto,
dos tribunais das Congregações romanas ou da vontade da suprema instância na Igreja.
Em conclusão, a Exposição, assim concebida, supunha e criava o “caso Gastaldi”, o
“conflito Dom Bosco-Gastaldi” como um bloco único, contraproducente de imediato
além do fato de ser historicamente infundado e historiograficamente desviante.
Em 5 de janeiro Dom Bosco era citado pela Cúria turinense com a acusação de ter
sido o mandante da composição e da publicação dos cinco libelos injuriosos, bem como
o investigador e fornecedor dos materiais para sua redação: “1) mandans fieri et publi-
cari libellos adminus iniuriosos”, A Estréia para o clero 1878, Pequeno ensaio sobre as
doutrinas de dom Gastaldi, A questão rosminiana, O arcebispo de Turim, Dom Bosco e
o padre Oldenino; “2) quaesitor et provisor documentorum pro dictis libellis”.184 Dom
Bosco perguntava ao cardeal Nina se estava “obrigado a comparecer visto que, pelas
denúncias enviadas à Congregação do Concílio em 29 de dezembro de 1880 e 21 de
junho de 1881, a questão estava sub iudice no tribunal superior”.185
183 Cf. carta de 28 de dezembro de 1881; E IV 104-105.
184 Documenti XLV 155-156, FdB 1196 E9-10; MB XV 733.
185 Carta de 7 de janeiro de 1882; E IV 113-114.

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 429
No final do mês o arcebispo devia sofrer duas derrotas: no mesmo dia, 31 de janeiro
de 1882, chegava-se a uma severa admoestação (“severe moneatur”) pela carta do dia
31 de dezembro ao cardeal Nina, enquanto era-lhe comunicado que a causa do padre
Bonetti – que tinha apelado para Roma, com sucesso, contra a citação do tribunal de
Turim – tinha sido discutida pela Congregação, com a conclusão de que a “suspensio
seu interdictum locale” era “infirmandum in casu”186; além disso, a Congregação inibia
a Cúria turinesa de proceder contra padre Bonetti e Dom Bosco na questão dos libelos,
dado o fato de as causas serem contíguas,187 e encarregava o arcebispo de Vercelli,
dom Fissore, para instruir o processo sobre os libelos e enviar os atos para Roma.188
Este, tendo vindo a Turim, enquanto Dom Bosco se encontrava em Roma, ao invés de
se limitar a instruir a causa, quis fazer uma nova tentativa de acomodação e, em 15 de
abril, obteve do padre Bonetti e do padre Rua uma declaração assinada contra os libelos,
esperando que Dom Bosco fizesse o mesmo.189 Este, ao invés, escreveu ao cardeal Nina,
recordando o fracasso das precedentes tentativas e a inutilidade de proceder além fora do
caminho. Sugeria a solução muitas vezes proposta, que, no fundo, equivalia à rendição
do arcebispo, à reabilitação do padre Bonetti e à retirada das cartas de 25 de novembro
e de 1º de dezembro de 1877 contra ele próprio. Ao mesmo tempo, tomava as distâncias
dos famosos libelos sem, porém, chegar, como era seu costume, a uma declaração de
condenação pura e simples: “Pelo que até agora me consta, nem eu nem os salesianos
jamais nos misturamos nestas coisas. Sempre deplorei e ainda agora deploro a forma
não conveniente com a qual se fala da autoridade eclesiástica. Estou também pronto a
condenar a matéria neles contida contanto que me sejam especificadas as coisas que,
em face da Igreja, devam ser deploradas”. Mas reconduzindo-a com uma evidente
exemplificação aos conteúdos antirosminianos, parece que não encontrasse nada a ser
condenado, uma vez que aqueles que os leram, estavam de acordo em afirmar que a
matéria concordava “plenamente com os princípios e com as idéias recomendadas pelo
santo padre” nos “últimos tempos”.190 O cardeal pediu uma relação mais ampla, que foi
compilada e assinada pelo padre Bonetti em 17 de maio de 1882,191 e uma retratação do
padre escolópio Leoncini e do padre Pellicani. Somente o padre Pellicani retratou-se
em 30 de maio.192
186 Documenti XLV 207, cf. FdB 1197 D11; MB XV 727.
187 Documenti XLV 207-208, cf. FdB 1197 D11-12.
188 Documenti XLV 208; cf. FdB 1197 D12.
189 Documenti XLV 242; cf. FdB 1198 D10.
190Ao cardeal Nina, 8 de maio de 1882; E IV 132-134. Cf. carta de 7 de janeiro de 1882;
E IV 114.
191 Documenti XLV 262-263; cf. FdB 1198 D6-7; MB XV 734-736.
192 Cf. carta de Dom Bosco ao padre A. Pellicani e a nota do editor, 14 de outubro de 1881; E IV
87-88; Smentita un’accusa contro Don Bosco, Turim, 30 de maio de 1882, e Osservazioni, 1º
de junho de 1882, Sanpierdarena, Tipografia dell’Ospizio di S. Vincenzo de’ Paoli, 1882, 4 p.,
Documenti XXIV 156-159, FdB 1078 B5-8; o texto está também em MB XV 256-257.

43.10 Page 430

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430 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
Em Roma, contudo, as coisas tinham se complicado, pois o teólogo Colomiatti,
presente na capital desde 11 de maio,193 hábil, discreto e com boas referências, traba-
lhava para introduzir uma nova causa para defender o arcebispo da infeliz Exposição de
dezembro precedente. Dom Bosco encarrregava o padre Bonetti de enviar ao cardeal
alguns esclarecimentos, tardios e pouco persuasivos: separar a própria causa da dos
opúsculos e da Exposição: esta era uma legítima defesa das queixas do arcebispo e
por ele tornadas públicas com a impressão, as coisas aí descritas eram verdadeiras e
Colomiatti teria devido fazer conhecer, por escrito, as eventuais contradeduções.194
Na realidade, a Exposição foi um grave erro tático, foi considerada inoportuna pelo
próprio Leão XIII e influiu negativamente sobre a conclusão da controvérsia também
pelo momento histórico, na qual era apresentada e lida. Precisamente em 22 de janeiro
de 1881 o papa tinha emanado uma encíclica, Cognita nobis, dirigida aos arcebispos e
bispos das províncias eclesiásticas de Milão, Turim e Vercelli, teatro de conflitos seme-
lhantes, “a fim de que, removidas as causas dos dissensos, se mantivesse a concórdia
das mentes e das vontades”.195 Aos que balançavam o princípio de autoridade o arce-
bispo Gastaldi lembrava, em 13 de fevereiro de 1882, na pastoral para a quaresma
de 1882, Sobre a autoridade divina do romano pontífice, que entre esses podiam ser
encontradas “muitas vezes, no seio da Igreja católica, pessoas que nas mãos de Deus
são manifestamente instrumentos de santificação; todavia caem em algumas das insí-
dias do Satanás”: São Jerônimo procurou a paz na gruta de Belém “porque em outro
lugar as línguas maléficas de certos clérigos não lhe concediam repouso”; “São Carlos
Borromeu [foi] perseguido até à morte por um grupo de religiosos”196.
A controvérsia turinense parecia não ter saídas. No mês de maio Leão XIII decidia
chamar a si a questão com um acordo, agora desejado pelo arcebispo. Nas últimas
fases da questão, por razões de saúde – talvez também diplomáticas – Dom Bosco
esteve ausente de Roma.197 Tal fato redundava em seu desfavor, embora chamasse padre
Dalmazzo a Turim para instruções. O cardeal Nina, em 27 de maio, escrevia ao procu-
rador que era necessário, “para seguir as orientações do santo padre”, que Dom Bosco
lhe desse por escrito “todos os poderes” “em ordem da concórdia a ser feita com o
arcebispo”, aceitando “de bom grado todas as disposições que Sua Santidade, na sua
193 Cf. carta de 10 de maio de dom Gastaldi ao cardeal Nina (Documenti XLV 264-265, FdB
1198 D8-9).
194Ao cardeal Nina, 22 de maio de 1882; E IV 137.
195 Cf. Acta Sanctae Sedis, vol. XIX (Roma, Typis Poliglotae Officinae, 1881), p. 289-291;
G. Astori, Mons. Bonomelli, mons. Scalabrini e Don Davide Albertario: note storiche con
documenti inediti. Brescia, Pavoniana, 1839; M. Francesconi, Giovanni Battista Scalabrini,
p. 491-570 (Le prime polemiche con L’Osservatore Cattolico).
196L. Gastaldi, Lettere pastorali, p. 545.
197 Cartas ao padre Dalmazzo e ao cardeal Nina, 20 de maio de 1882; E IV 135-136, 136, após a
troca de telegramas entre Roma e Turim de 10 a 22 de maio (Documenti XLV 270-272, 275,
FdB 1198 E2-4, 275).

44 Pages 431-440

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44.1 Page 431

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 431
iluminada retidão, acredita estabelecer, gloriando-se de ser ele e o seu Instituto filhos
obedientes da Santa Sé”.198 Dom Bosco executava, usando com o papa e com o cardeal
Nina, fórmulas não examente idênticas, mais genérica a primeira, precisa e formal
a segunda: “Já encarreguei nosso irmão padre Dalmazzo com faculdades para fazer
as minhas vezes em tudo o que parecer bem visto por Vossa Santidade”, escrevia ao
papa;199 ao cardeal Nina, ao invés, “confiro os plenos poderes ao nosso irmão professor
sacerdote Francesco Dalmazzo, procurador geral da Pia Sociedade de São Francisco
de Sales, pároco da Igreja Sagrado Coração de Jesus, com faculdade de tratar, concluir
e aprovar qualquer coisa que seja agradável à mesma Sua Santidade”.200 As tratativas
entre os dois plenipotenciarios foram assumidas pelo cardeal secretário de Estado,
Ludovico Jacobini, que agia como delegado do cardeal Nina e referia diretamente ao
papa. Para a acomodação foram apresentados sete artigos pelo cônego Colomiatti e
por Dom Bosco.201 Após ter-se chegado à Concórdia, assinada por ordem do papa em
17 de junho por Colomiatti e por Dom Bosco, o qual, por sua vez, tinha pedido ao
cardeal Nina ser escutado pela questão Bonetti,202 que se lamentava com Dom Bosco
e ter sido deixado à margem das negociações.203 Em 23 de junho cardeal Nina enviava
o texto autêntico da Concórdia a Dom Bosco, com um comentário confidencial: “A
grande confiança que tenho em sua virtude e senso – concluía – servem-me de certeza
do bom resultado das negociações que devem ser realizadas”.204
O texto tinha surgido da preocupação de salvaguardar, antes de tudo, a preemi-
nente autoridade episcopal, como compreendia perfeitamente o arcebispo, que em
24 de junho agradecia calorosamente o papa.205 Padre Bonetti tinha tido uma substan-
cial reabilitação, enquanto a Dom Bosco e à Congregação se concedia tranqüilidade
e paz com relação às cansativas controvérsias quanto aos libelos e sobre a Exposição.
A dignidade de Dom Bosco como sacerdote e sua autoridade como superior da Sociedade
Salesiana permaneciam intactas e liberadas de toda sucessiva contestação. Antes, era
aberta a estrada para a rápida solução do problema dos privilégios e de novas relações
com Roma. No fundo, se lhe pedia um ato de humildade, que era também gesto de sábia
política: 1) Dom Bosco escreveria uma carta ao arcebispo, na qual exprimia desprazer
por “alguns incidentes” que podiam ter-lhe causado “amarguras” e lhe pedia “perdão”;
2) o arcebispo responderia a Dom Bosco, exprimindo seu conforto e readmitindo-o na
198 Texto em MB XV 264.
199A Leão XIII, 30 de maio de 1882; E IV 140.
200Ao cardeal Nina, 30 de maio de 1882; E IV 140 e 140-141.
201 Documenti XLV 285-286, 287-289 (observações do padre Bonetti em nome de Dom Bosco);
cf. MB 266-268, 739-741.
202 Documenti XLV 300-301, FdB 1199 B7-8.
203 Documenti XLV 301-303, FdB 1199 B8-10.
204 Documenti XLV 305-306, FdB 1199 B12-C1; MB XV 270-271.
205 Documenti XLV 309-310, FdB 1199 C4-5.

44.2 Page 432

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432 Parte III: 2a Seção: O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)
sua graça; 3) padre Bonetti era reabilitado para as confissões e Dom Bosco se vinculava
por um ano a não enviá-lo a Chieri; 4) Dom Bosco empenhava-se, também, em retirar
dos cardeais destinatários a cópia da Exposição que lhes enviara; 5) o arcebispo reti-
raria e destruiria as cartas de 25 de novembro e 1º de dezembro de 1877; 6) quanto aos
opúsculos incriminados pela Cúria, Dom Bosco declarava “de ter sempre lastimado,
e de lastimar a forma e o modo com o qual fala da autoridade eclesiástica, e [estava]
pronto, quantas vezes fossem necessárias, a fazer um ato formal”, disposto também a
condenar os conteúdos que em face da Igreja fossem danosos.206
Houve um desagradável incidente. Tendo recebido o documento assinado, em 27
de junho Dom Bosco escrevia brevemente ao cardeal Nina, mostrando acreditar que se
tratasse de “um projeto”, ao redor do qual se podiam fazer ainda “esclarecimentos”.207
Ao padre Dalmazzo, esquecendo-se de que lhe conferira os plenos poderes, escrevia com
evidente desapontamento e não escondida inquietude: “As coisas estão muito confusas.
Recebi a famosa comunicação. Preparo alguma observação. Mas tu a assinaste. Se
tens alguma coisa para observar, dize-me logo. Cardeal Nina te esperava para fazer-te
uma pulguinha. Sairemos desta como podemos”.208 A resposta do padre Dalmazzo,
de 30 de junho, não admitia tergiversação: o papa em pessoa tinha lido o texto e tinha
feito modificações sob seus olhos e fora sua firme vontade de que a Concórdia fosse
assinada assim como estava.209 Assombrada e peremptória era a resposta do cardeal
Protetor em 5 de julho: a carta do dia 27 lhe trouxera “não poucas surpresas”, e mesmo
“amargura”: rediscutir os artigos legitimamente assinados equivaleria a “ultrapassar
a vontade do papa”, que esperava ter acertado na execução do que fora estabelecido
e que pretendia que fosse “um fato superado”.210 Dom Bosco enviava imediatamente
ao arcebispo a carta prevista pela “Concórdia” e, no mesmo dia, 8 de julho, mantinha
informado cardeal Nina.211 Depois, com carta de 18 de julho, entregava ao arcebispo as
cartas da ameaçada suspensão de 1877 e informava a respeito o cardeal protetor.212
Em 1883, após a morte do arcebispo, acontecida em 25 de março, dia de Páscoa,
a Congregação do Concílio declarava totalmente extinta “pos archiepiscopi funus”
a disposição que limitava o retorno de Chieri do padre Bonetti somente “in aliqua
circumstantia”213. O Boletim Salesiano de abril de 1883 saía com uma grossa tarja de
luto, dedicada à Morte de dom Lorenzo Gastaldi arceb. de Turim. Iniciava: “Já estava
composto o presente número do Boletim quando chegou-nos a infausta notícia, que nos
206 Documenti XLV 306-308, FdB 1199 C1-3; MB XV 269-270.
207 Carta de 27 de junho de 1882; E IV 146.
208 Carta de 28 de junho de 1882; E IV 147.
209 Documenti XLV 326-328, FdB 1999 D9-11.
210 Documenti XLV 329-330, FdB 1199 D12-E1; MB 272-273.
211 E IV 149 e 151.
212 Cartas de 18 e 25 de julho de 1882; E IV 154-155.
213 Decreto de 11 de julho de 1883; MB XV 750.

44.3 Page 433

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Cap XXVIII: Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882) 433
obriga a vestir de luto esta página do periódico”. Dava pois a notícia da morte e, na
segunda metade da folha, traçava um breve perfil biográfico, sublinhando em particular
o bem feito ao Oratório desde os primórdios, demonstrando-se “benévolo e afeiçoado
como nenhum outro” para com os salesianos, mesmo após o retorno da Inglaterra. “Em
suma, ele era para Dom Bosco como um amigo e um irmão, como sua egrégia mãe era
para nossos jovens uma segunda mãe”. Concluía com estas linhas: “O saudoso arce-
bispo cooperou de várias formas em nosso favor, como a história haverá de dizê-lo. Por
isso o recomendamos às preces comuns, e nos seria muito querido que fosse aplicada
em alívio de sua alma a primeira indulgência que se poderá adquirir”.214
214 BS 7(1883) n. 4, abril, p. 72.

44.4 Page 434

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44.5 Page 435

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Terceira seção
Tensão à maturidade e à vitalidade da missão
(1878-1888)
Introdução
O último período da vida de Dom Bosco, enraizado no fecundo quadriênio de
consolidação jurídica, regulamentar e doutrinal de 1874-1877, era por ele dedicado ao
máximo esforço para difundir e reforçar as obras juvenis e missionárias na Europa e na
América, mas, ao mesmo tempo, para fortalecer interiormente os institutos religiosos
e as associações por ele fundadas. Isto se desenvolvia enquanto pesavam sobre ele e
sobre a Congregação graves contrariedades e temíveis crises. A partir do final de 1882
o caminho se fazia mais linear. O último quadriênio, pois, embora caracterizado por
um crescente declínio físico e por sofrimentos físicos e morais, decorria interiormente
sereno e, alguma vez, exaltante.
A animação assistencial e pedagógica enriquecia-se de referências sociais e educa-
tivas que iam além das experiências concretas dos salesianos. Como se viu, para a
continuidade da enunciação da fatídica fórmula “sistema preventivo”, contribuíram
jornalistas, publicitários e biógrafos. Não era menor o empenho no interior da Sociedade
Salesiana e em benefício do Instituto das FMA e da União dos Cooperadores.
Além da figura de Dom Bosco como responsável e dirigente de obras juvenis, e
como superior de institutos religiosos e de uma grande associação de agregados,
emergia sempre mais o Dom Bosco promotor de opinião pública e, de reflexo, tauma-
turgo, qualificação já afirmada com a construção da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora.
Afinava-se ao mesmo tempo sua personalidade de homem de Deus, de intensa espiritu-
alidade, orientada nitidamente pela caridade operante.
Disto aferiam viagens e discursos, sermons de charité, cartas individuais e cole-
tivas de animação ao senso social e apostólico. De sua crescente mentalidade aberta ao
mundo eram símbolo sobretudo as duas viagens a Paris e a Barcelona, respectivamente
em 1883 e 1886, a construção em Roma da Basílica do Sagrado Coração e a solicitude
pela expansão e a estabilização da ação missionária.

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Capítulo XXIX
Expansão da ação salesiana e assento final do
Instituto das FMA (1878-1888)
1878
transferência da casa-mãe do Instituto das FMA para Nizza Monferrato
1878/1879 primeiro texto impresso das Constituições do Instituto
verão: abertura da casa salesiana de San Benigno Canavese
outono: os salesianos em Brindisi, Challonges, Cremona, Randazzo, e as
FMA em Catânia
1880
junho: abertura da casa de Penango Monferrato
29 de agosto: reeleição de Maria Domenica Mazzarello
setembro: Segundo Capítulo Geral da Sociedade Salesiana
1881
14 de maio: morte de Maria Domenica Mazzarello
12 de agosto: eleição como superiora geral de irmã Caterina Daghero
(1856-1924), com 25 anos
outubro: nascimento da inspetoria Francesa com padre Paulo Albera
1882
Deliberações do Segundo Capítulo Geral da Pia Sociedade Salesiana
1883
outono: abertura do noviciado salesiano em Marselha
1884
11-12 de agosto: Primeiro Capítulo Geral do Instituto das FMA
1885
verão: último texto impresso, vivendo Dom Bosco, do Instituto das FMA
1886
agosto: Segundo Capítulo Geral das FMA
É claro que o anelo do coração de Dom Bosco, em cada uma das suas atividades,
era atingir os jovens, no maior número e nos mais vastos espaços. Daí vinha o impulso
para fazer crescer as obras destinadas a recolhê-los e formá-los religiosa, moral e civil-
mente. Os limites eram colocados somente pela penúria de pessoal. Daqui nascia a ação
paralela para aumentar os salesianos em número e em qualidade e, ao mesmo tempo,
garantir estruturas religiosas solidamente fundadas e eficazmente plasmadoras. A tal se
finalizava o esforço para aperfeiçoar as Constituições e as normas para sua aplicação
prática, sem se esquecer da animação operativa e espiritual dos membros dos dois insti-
tutos religiosos de quem era, em diferente medida, fundador.

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438 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
1. Expansão de obras (1879-1880)
Em 1879 Dom Bosco e seu conselho decidiam responder ao menos a alguns dos
tantos pedidos para assumir obras provenientes sobretudo da Itália. Eles se orientavam
para aquelas que pareciam mais conformes às finalidades da Sociedade Salesiana e que
garantiam um início mais confiável, embora modesto, e promissores desenvolvimentos.
Contudo, não obstante as cautelas, algumas teriam vida muito breve.
1.1 Na Itália
No curso das reuniões do Capítulo Superior realizadas em Alassio, de 6 a 8 de
fevereiro de 1879, mais precisamente na da tarde do último dia, os capitulares deci-
diram que padre Durando e padre Cagliero realizariam, o mais rápido possível, uma
viagem exploratória na Itália para verificar, in loco, os pedidos de obras, ver as que
tivessem mais possibilidades de atuação e fazer acordos com algumas mais próximas de
conclusão, “isto é Randazzo, Brindisi e Cremona”.1 Os dois viajantes voltaram a Turim
em 5 de abril e informavam os capitulares, reunidos nos dias 15 e 16 de abril, sobre
os resultados: “1) Em Randazzo, na Sicília, concluiu-se e subscreveu-se o capitulado
semelhante ao de Alassio”. “Concluiu-se que, neste primeiro ano (1º de novembro de
1879) abrir-se-ão as elementares com a 1ª ginasial”. “2) Em Catânia, também na Sicilia,
não muito longe de Randazzo, também se concluiu e assinou que as nossas religiosas
irão tomar a direção de um instituto feminino já existente”. “3) Em Brindisi o bispo tem
absoluta boa vontade. É salesiano na alma (...), cedendo parte da casa episcopal para
fazer oratório. Concluiu-se que neste ano iria-se para lá somente para abrir o oratório
festivo”. “4) Também em Cremona conclui-se e se subscreveu cada coisa. Esse douto
e santo bispo que é Geremia Bonomelli deseja nossa presença e nos ama imensamente
(...). Ainda neste ano devemos ir para abrir um oratório festivo com escolas privadas”.2
Na circular aos cooperadores, do início do ano de 1880, Dom Bosco confirmava, acres-
centando nele a obra de San Benigno Canavese.3 As duas fundações mais importantes
e duradouras foram as de San Benigno Canavese e de Randazzo; duas tiveram a vida
de meteoro, Bríndisi e Challonges; menos breve, mas imprevisível e traumaticamente
interrompida, a de Cremona.
Já em 1877 o bispo de Brindisi, o culto barnabita Luigi Maria Aguilar (1814-1896),
tinha estabelecido contato com Dom Bosco para ter uma oficina para aprendizes em
1 G. Barberis, Capitoli superiori ossia verbali, quad. II, p. 61-62, FdB 1878 A1-2. Padre
Durando era um dos professores titulados e não encontrando em classe na inspeção feita pelo
provedor Rho, em março de 1879. Cf. cap. 28, § 2.1.
2 G. Barberis, Capitoli superiori ossia verbali, quad. II, p. 89-91, FdB 1878 C4-6.
3 BS 4(1880) n. 1, janeiro, p. 1-2.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 439
sua diocese. As tratativas foram conduzidas pelo padre Rua, que propunha antes “um
oratório festivo com escolas vespertinas e talvez também diurnas somente para externos”.
Em 23 de abril de 1879 padre Durando comunicava a aceitação ao arcebispo, que
em outubro de 1879 visitava o Oratório e se encontrava com Dom Bosco. A obra – o
oratório e uma escola vespertina – era aberta em 8 de novembro.4 Os componentes
da “Casa sucursal de Brindisi, Palácio Arquiepiscopal” – essa é a denominação do
Catálogo de 1880 –, “Oratório Santo Afonso dei Liguori” com escolas vespertinas,
eram um diretor de 24 anos, culturalmente versátil e irriquieto, Antonio Notario (1855-
1942), um clérigo, ao qual se acrescentava outro na metade do ano escolar – contudo,
os dois clérigos, já em 1881, não se encontram mais no Catálogo da Congregação –, um
coadjutor e um aspirante, o único com o título de professor elementar. Provavelmente,
não se tratava dos mais idôneos para uma sistematização um tanto precária e para
compreender um ambiente que exigia pioneiros corajosos e empreendedores. No arco
de menos de um ano, a pedido do mesmo bispo, fiel cooperador salesiano, que em alter-
nativa oferecia a abertura de um internato para aprendizes em San Vito dei Normanni
com pessoal mais adequado, os salesianos foram retirados.5 Perdeu-se a ocasião de uma
presença prometedora em uma região rica de futuro.
A obra de Cremona teve inícios excelentes. Foi aceita por pedido de um bispo
em perfeita sintonia com a ação educativa e social de Dom Bosco, o grande Geremia
Bonomelli (1831-1914), bispo da cidade lombarda desde 1871, passado, por razões
pastorais, da intransigência à transigência com o advento de Leão XIII.6 Um aconteci-
mento anômalo a destruiria. Em 25 de setembro de 1879 aí chegaram sete salesianos,
tendo como chefes duas pessoas de todo respeito, padre Stefano Chicco (1846-1881),
diretor, e padre Faustino Confortola (1841-1913), para gerirem o Oratório-Internato
São Lourenço com quatro classes elementares7 e uma igreja pública. O trabalho era
desenvolvido em um ambiente cruzado por consistentes forças leigas e anticlericais;
era, contudo, muito apreciado no mundo católico e pelas famílias. Infelizmente, em 16
de setembro de 1881 morria o diretor. Fora assistido pelo diretor de Sampierdarena,
padre Belmonte, enviado expressamente por Dom Bosco. “Procura que nada lhe falte –
recomendava-lhe –; assegura-lhe que além de rezar de manhã e de tarde, eu lhe mando
uma bênção especial. Se não me encontrasse atrapalhado com mil coisas, gostaria de
fazer-lhe uma visita; talvez possa realizar esse desejo no início da próxima semana”.8
4 Cf. F. Casella, Il Mezzogiorno d’Italia e le istituzioni educative salesiane. Roma, LAS, 2000,
p. 52-57, 435-438.
5 Cf. Carta do arcebispo de 4 de julho de 1880 e do padre Rua do dia 18 (F. Casella, Il
Mezzodiorno d’Italia, p. 438-440).
6 Cf. C. Bellò, “Intransigenti e transigenti nel movimento cattolico cremonese (1870-1895),
Boletim dell’Archivio per la Storia del Movimento Sociale Cattolico in Italia” 3(1968), p.
32-59.
7O programa in Documenti XXII 211-213, FdB 1071 D9-11.
8 Carta de Nizza Monferrato, 8 de agosto de 1881; E IV 73.

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440 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Dom Bosco foi efetivamente para confortá-lo. A morte do padre Chicco e a partida
do maduro padre Confortola, chamado para dirigir a nova casa de Florença, foram
fatais para a obra, salvo a bondade do diretor, padre Domenino Bruna (1850-1911),
um tanto quanto limitado. Em uma breve carta de fim de ano, Dom Bosco expressava
gratidão ao bispo Geremia Bonomelli, pedia que continuasse protegendo os salesianos,
formulava o propósito de apoiá-lo em tudo o que pudesse “redundar para a glória de
Deus e o bem das almas”, com a esperança de que na ocorrência dignar-se-ia dar aos
salesianos “todos aqueles avisos paternos e também corrigi-los no que fosse preciso”.9
Alguns, menos equilibrados, precisariam disso. Em fevereiro de 1882, o catequista da
casa, padre Ermenegildo Musso, era acusado “de ter, por espírito de crua malvadez,
passado ortigas nas carnes nuas de dois meninos e que tivesse, portanto, ofendido o
pudor de um deles”.10 O padre podia, com isso, ter provocado uma remota ofensa ao
pudor, mas, sem dúvida, adotado uma forma imprópria de terapia penitencial de néscio,
tanto é verdade que o mesmo tribunal, com sentença de 17 de março, terminava por
condená-lo em contumácia somente a três meses de cárcere, dez dias de prisão e multa
de 200 liras:11 porém, apenas denunciado, fugiu para a França. O recurso ao tribunal
de apelo de Brescia, sob a responsabilidade do escritório legal do honorável Tommaso
Villa, leigo maçom castelnovense, não teve lugar por decorrência dos termos de apre-
sentação. Os jornais anticlericais, além do mais, validamente combatidos pelos jornais
católicos, encontraram objeto para as mais torpes contrafações de uma realidade12 que
não justificava nenhum discurso de re turpissima, como fazia dom Gastaldi, ou uma
visita apostólica à Congregação, como teria sido pensado pela Congregação dos Bispos
e Regulares.13 Como se queira, apelando-se para a Lei Casati, o prefeito de Cremona,
presidente do Conselho Escolar Provincial, já tinha decretado em 5 de março o “fecha-
mento temporário em caráter de urgência” da escola.14 Para produzir calma em um
ambiente prevenido e superaquecido, por razões de oportunidade, em pleno acordo
entre o bispo e Dom Bosco, os salesianos se retiravam da cidade.
A obra de San Benigno Canavese, a 20 quilômetros ao norte de Turim, com
escolas profissionais e oratório festivo, ficou clássica na experiência salesiana. Nas
intenções de Dom Bosco essa era, sobretudo, sede do noviciado dos clérigos, desde
1886 reservada aos coadjutores quando os noviços clérigos encontraram a sua sede em
Foglizzo, 8 quilômetros mais além. As tratativas foram iniciadas em 1878 e no outono
tinham terminado.15 Em janeiro de 1879 escrevia ao padre Rua: “Manda ver o prédio
9A dom Bonomelli, 30 de dezembro de 1881; E IV 107.
10 Documenti XXIV 68-86, FdB 1077 E7-1078 B1; MB XV 813-815.
11 Documenti XXIV 68, FdB 1077 E7.
12 Documenti XXIV 69, 74-86, FdB 1077 E8; 1078 A1-B1.
13 Cf. cartas do padre Dalmazzo a Dom Bosco, 15 de maio e de 25 de outubro de 1882; Documenti
XLV 265-267, FdB 1098 D10; XXIV 243, FdB 1080 D8.
14 Documenti XXIV 70-73, FdB 1077 E9-12.
15 Cf. carta ao barão C. Ricci des Ferres, Oratorio di San Benigno Canavese, 3 de outubro de
1878; E III 390.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 441
de San Benigno e dispõe as coisas para que possa ser habitável no mês de maio”.16
Naturalmente, conforme Dom Bosco tinha garantido ao prefeito do lugar e teria colo-
cado em evidência com a carta no Boletim Salesiano de janeiro de 1880, a casa tinha
também escopos educativos e sociais em favor dos jovens. Era essa a condição que o
prefeito de Turim tinha colocado na concessão para uso de um complexo histórico – a
quase milenar abadia de Fruttuaria – de propriedade do Estado, confiado ao comum:
que o prédio abacial fosse destinado a uma obra de “pública utilidade”. Com efeito,
aí foram acolhidas escolas diurnas “para os alunos do lugar”, “escolas noturnas para
os adultos”, atividades de tempo livre “nos dias festivos” para “os jovens operários do
lugar”, “um internato de pobres aprendizes”, “um estudantado de preparação” e de
tirocínio para os futuros educadores dos jovens.17 O programa seria fielmente reali-
zado, com desenvolvimentos duradouros, em particular pelas oficinas para aprendizes,
alfaiates, sapateiros, marceneiros, tipógrafos, encadernadores, transformados também
em lugares de formação profissional e religiosa dos chefes de arte salesianos leigos
para as várias escolas de artes e ofícios difundidas no mundo. Os primeiros habitantes
chegaram em 5 de julho de 1879, para as férias de verão, jovens aspirantes ao clericado
de Valdocco. A partir de outono tinham começo gradual as atividades previstas.
O ano de 1879 era também data histórica para a Sicília salesiana. Surgiam as duas
obras mães, uma das Filhas de Maria Auxiliadora em Catania, outra a 70 quilômetros
de distância, em Randazzo, dos salesianos. Ambas deram início, na ilha, a centena de
obras e ao florescimento de milhares de vocações de operadores e de operadoras no
seguimento de Dom Bosco. Uma se tornava a matriz de bem três inspetorias ou provín-
cias religiosas femininas; a outra de uma inspetoria entre as mais qualificadas na Itália
e da mais alta densidade salesiana.
O colégio municipal de Randazzo, na recente diocese de Acireale (1872), começou
a operar no outono de 1879, por iniciativa de alguns que estimavam e cooperavam com
Dom Bosco e com suas empresas, em primeiro plano o cavaliere Giuseppe Romeo
Vagliasindi.18 As tratativas foram rápidas, conduzidas pelos padres Durando e Cagliero,
chegados em Randazzo em 3 de março de 1879, onde permaneceram por seis dias.
Ao capitulado de Varazze, mais rígido, foi preferido o de Alassio com alguma majo-
ração da contribuição complexiva. Ela foi estipulada com o município em 7 de março
e aprovado em 29 de abril pelo Conselho Escolar Provincial.19 Os primeiros dez sale-
16 Carta de Marselha, 11 de janeiro de 1879; E III 436.
17Ao prefeito de San Benigno, 10 de março de 1879; E III 453.
18 BS 4(1880) n. 1, janeiro, p. 11-14, “A primeira casa salesiana na Sicília, ou seja, o Colégio
de São Basílio em Randazzo” e duas cartas do diretor salesiano e do arcebispo de Messina, o
servo de Deus Giuseppe Guarino; n. 2, fevereiro, p. 8-9, “Gratidão de um pai e o Colégio de
Randazzo”; 5(1881) n. 8, agosto, p. 6-8, “A festa de São Basílio e o arcebispo de Messina em
Randazzo” e uma carta do arcebispo a Dom Bosco.
19 Cf. texto em MB XIV 781-782.

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442 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
sianos chegaram em 24 de outubro de 1879, tendo como chefe o culto e criativo padre
Pietro Guidazio (1841-1902), no ano precedente, conforme se falou, responsável pelos
estudos ginasiais no seminário de Montefiascone. O pessoal era de primeira quali-
dade, com educadores dotados e versáteis, embora muito jovens. Aí apareciam desde o
primeiro ano padre Giovanni Battista Rinaldi (1855-1924), que logo seria o dinâmico
iniciador e diretor, por vinte anos, da fundação salesiana de Faenza, padre Stefano
Trione (1856-1935), excepcional organizador e animador, os clérigos Eusebio Calvi
(1858-1923), educador de rara fineza, Francesco Piccollo (1861-1930), de grande espi-
ritualidade e capacidade de governo (diretor e inspetor na Sicília e visitador de várias
inspetorias), e Ernesto Vespignani (1861-1925), arquiteto genial e apreciado em toda
a América do Sul. Em 12 de novembro entravam os primeiros internos. Ao lado do
Colégio o dinâmico padre Trione organizou logo o oratório festivo, que pôde dispor
de uma igreja até então deserta. As primeiras boas-vindas aos salesianos foram dadas
pelo arcebispo de Messina, servo de Deus dom Giuseppe Guarino, depois cardeal, a
quem o grupo visitava. Poucos dias depois dom Guarino escrevia uma comovida carta
a Dom Bosco, desejando sua visita à Sicília. Dom Bosco, porém, não conseguirá ultra-
passar Nápoles, onde passaria dois breves dias, segunda e terça-feira de Páscoa, 29-30
de março de 1880, encontrando também o arcebispo Sanfelice e padre Ludovico da
Casoria. Durante o primeiro ano dom Guarino morou uma semana com os salesianos:
Randazzo está nos confins da diocese de Acireale com a de Messina. Eles receberam
ainda a visita do bispo diocesano dom Genuardi.
Vae soli, diz o Espírito Santo – escrevia padre Cagliero ao padre Rua de Randazzo,
em 24 de outubro de 1883 –, e eu digo o mesmo do colégio de Randazzo, o qual tem
absoluta necessidade de um companheiro nesta terra vulcânica”.20 A recomendação era
tida em consideração em 1885, com a abertura em Catania de um oratório festivo com
escolas noturnas, “com o título de São Filipe Neri”.21
Foi iniciada a implantação em um lugarejo de Monferrato, Penango, de uma obra
que iniciava como internato, com escolas elementares, quase sucursal do colégio de
Borgo San Martino. Durante um século seria um tranqüilo centro de formação de voca-
ções eclesiásticas e religiosas. Um primeiro aceno ao colégio de Penango se encontra
em carta de Dom Bosco ao padre Rua, escrita de Marselha: “Recebi a carta do padre
Bonetti com relação à casa de Penango. Se julgas coisa oportuna, não me oponho.
Pode-se começar fazendo a oferta de 20 mil liras”.22 A posse selene aconteceu no
domingo, 6 de junho de 1880, com a presença de todo o colégio de Borgo San Martino
e do bispo de Fossano, dom Manacorda, nativo de Penango. Dom Bosco o visitava
pela primeira vez em outubro de 1881, no início do primeiro ano de plena atividade.
Escrevendo de Pinerolo em 1886 aos condes Colle, notava com satisfação que o bispo
20 Citado em MB XVI 400.
21 BS 10(1886) n. 1, janeiro, p. 2.
22 Carta ao padre Rua, 22 de janeiro de 1880; E III 545.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 443
que hospedara, dom Filippo Chiesa, fora destinado à diocese de Casale, na qual se
encontravam as duas casas de Borgo San Martino e de Penango.23
1.2 Na França
O outono de 1879 trazia uma nova fundação, de vida breve, na região da Savóia,
em Challonges, na diocese de Annecy, lugar de nascimento do comendador Dupraz,
protagonista com a mulher, Angela Giusiana, da obra da Trinità, já no princípio da
crise, depois da partida do padre Guanella. O comendador Dupraz tinha redigido, em 21
de julho de 1879, uma convenção de extrema simplicidade, que previa a oferta de uma
casa e o sustento pecuniário para a abertura de “uma escola elementar privada e de um
oratório festivo”. Sob essa base fora compilada, em 13 de novembro, pelo diretor sale-
siano, padre Carlo Cays, a declaração de ter recebido em confiança uma obra devida-
mente aparelhada.24 Mas o doador e seu correspondente, padre Durando, não pareciam
estar perfeitamente ao corrente das rígidas prescrições da lei a respeito da abertura de
uma escola mantida por privados,25 prelúdio das leis muito mais restritivas que viriam
no decurso de 1880.26
Ainda menos preparado, no caso, podia ser aquele que fora encarregado de dirigir a
nova obra, conde Carlo Cays, com um ano de sacerdócio, tendo como auxiliar um coad-
jutor proveniente de Nizza, salesiano novo. A abertura foi efetuada em 10 de novembro.
Em Turim tinha-se pensado em assegurar a legalidade do ensino elementar – título
de estudo e nacionalidade francesa – colocando para dirigir a escola padre Vincent,
vindo de Saint-Cyr, o sacerdote que tinha cedido aos salesianos as duas escolas agrí-
colas de Navarra e Saint-Cyr. Mas para a escola não tinha sido pedida a autorização
prescrita e constava a presença como gestores de dois italianos. Já em 8 de dezembro
ela era fechada em caráter administrativo e, no dia 27, era emanado o decreto formal.
Dom Bosco sugeria prudentes soluções interlocutórias que garantissem um eventual
futuro mais seguro e, imediatamente, não comprometessem as outras obras na França.
Em 12 de dezembro escrevia ao conde Cays: “No entanto, se nós nos ativéssemos
ao primeiro programa do senhor comendador Dupraz, talvez tivéssemos evitado este
choque. Aquele programa estabelecia oratório festivo e escola noturna para este ano;
entrementes, buscar-se-ia ver o que devíamos fazer. É um problema sério, quando se
tocam as susceptibilidades dos municípios. Estamos quase em idêntica posição em
Trinità di Mondovì. Lá os professores fazem de tudo para tirar-nos os alunos, e o
23 Carta de 25 de julho de 1886; E IV 522. O bispo morria poucos meses depois de sua
transferência (4 de junho – 5 de novembro de 1886).
24 Documenti XXII 294, FdB 1073 A7.
25 Documenti XXII 293-294, FdB 1073 A6-7.
26 Cf. cap. 2, § 9 e cap. 28, § 3.

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444 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
município dá apoio aos mesmos. De qualquer forma esperamos a resolução do pretor,
a qual teremos que nos conformar. Julgo, porém, que seja bem ficarmos estritos ao
oratório festivo com as escolas de caridade no sentido estrito do elementar. Padre Rua
escreverá outras coisas a respeito. As outras nossas escolas não serão perturbadas,
porque em Nice, Navarra e Marselha se ensina somente aos aprendizes internos. Em
Marselha se ensina também aos jovens da Maîtrise, mas sob a responsabilidade do
responsável da paróquia”.27 Quase no final de janeiro, comendador Dupraz contatava
um professor leigo francês, bom católico, Jean Baptiste Ronchail, que aceitava.28 Dom
Bosco consentia na solução, propondo ao diretor de ceder por ora “à força da autori-
dade” e “confiar o ensino” com o relativo pagamento ao professor proposto, com a
esperança de uma sistematização melhor no ano seguine, que permitisse realizar o que
fosse necessário para “cumprir as obrigações da lei”. Isso era tanto mais necessário em
um “momento de agitação em toda a França”, no qual “a oposição se dirigia especial-
mente contra as congregações religiosas”. Ele desejava somente que os acontecimentos
de Challonges não chegassem a “prejudicar as outras casas da França”, que estavam se
sustentando “com tantos sacrifícios pessoais e pecuniários com a finalidade de fazer
um pouco de bem”29. Mesmo para a abertura de capelas era necessária a autorização
do governo.30 A escola continuava sob a gestão de Ronchail até o final do ano escolar,
mas a indisponibilidade do pessoal francês salesiano para sustentar a gestão induzia a
decidir a retirada. Indo à Italia, no verão, para os exercícios espirituais, os salesianos de
Challonges não voltaram à sede. O desapontamento do comendador Dupraz, que tinha
gastado um patrimônio para a construção e preparação do edifício – segundo ele, 90 mil
francos [mais de uma centena de milhares de euros], três quartos de sua fortuna – foi
enorme, também pelos danos morais e espirituais que o abandono trouxe às crianças
de Challonges. Ele exprimia isto em um longo relatório, de 16 de novembro de 1880,
enviado a Turim, esperando a reconsideração.31 Sua morte, acontecida antes do final
do ano, tornava ainda mais difícil a situação. Enfim, com o início do novo ano, Dom
Bosco decidia o formal abandono da obra, entregando-a à viúva Dupraz, como escrevia
ao padre Rua, de Roquefort, no sul da França: “Não tenho notícias das coisas tratadas
com a senhora Dupraz. Acredito ser conveniente aceitar aquilo que quer dar e deixar
tudo em suas mãos, o que significa renunciar à casa de Challonges”.32
Mas, deixando de lado o espinhoso episódio, era tangível na Franca, sobretudo, o
caminho em direção à consolidação e à autonomia jurídica das obras do sul, que tinham
superado felizmente o temível tufão de 1880. O baricentro estava-se deslocando sempre
27 Carta ao padre Cays, 12 de dezembro de 1879; E III 532-533.
28 Documenti XXII 51-52, Fd 1069 A8-9.
29 Ao padre Cays, de Marselha, 4 de fevereiro de 1880; E III 546.
30 Documenti XXII 76-77, FdB 1069 C8-9: carta de Cays ao bispo e vice-versa.
31 Documenti XXII 291-293, FdB 1073 A3-5.
32 Carta de 27 de fevereiro de 1881; E IV 26.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 445
mais da casa-mãe de Nice à de Marselha, a qual, com o Oratório São Leão dese-
java emular o Oratório de Valdocco. Em preparação a uma visita que faria a Marselha,
na metade de fevereiro de 1881, Dom Bosco pedia ao padre Bologna, em dezembro,
informações e dados sobre a obra: estado dos trabalhos, número de jovens internos e
externos, resultados obtidos, trabalhos previstos, débitos e créditos, ação dos Comitês
de apoio, “todos os fatos particulares – escrevia – que podem servir para uma exposição
que eu desejo fazer na Conferência dos Cooperadores, que espero acontecerá poucos
dias depois de minha chegada. Envia o que escreveres em francês, pois servirá melhor
ao meu objetivo”.33 Dom Bosco chegava em meados de fevereiro de 1881, com padre
Durando, que ocupar-se-ia na regulação dos programas das escolas. No dia 16 feste-
jou-se solenemente São Francisco de Sales com a missa da comunhão celebrada pelo
bispo diocesano, Jean Robert, e no dia 17 Dom Bosco fez uma elaborada conferência
em francês, presente o arcebispo de Aix, Théodor Forcade (1816-1885), das Missões
Extrangeiras de Paris, antigo missionário no Japão, em Macau e em Guadalupe.34
“St. Cyr, Toulon, Fréjus, Cannes, Nice esperam a mesma conferência”, escrevia ao
cardeal Nina.35 Ao cônego Guiol, de Nice, assinalava outras etapas de sua peregrinação de
incansável procurador: “Em Aubagne, Roquefort, St. Cyr, Toulon, Hyères Deus continua
a abençoar-nos, e temos grandes motivos de agradecer espiritual e materialmente”.36
Ao mesmo tempo, de Nice, contestava a reputação de “taumaturgo”, difundida entre os
devotos de Marselha, e retificava: “Muitos crêem que o pobre Dom Bosco, com suas
preces, obtenha graças particulares de Deus. Não é assim. Deus abençoa nossas obras,
as favorece e as protege; mas, como não não temos os meios necessários para susten-
tá-las, Deus vem em nosso auxílio com graças e favores até mesmo extraordinários para
todos os que nos prestam socorros materiais”.37
Não voltava a Turim, mas se dirigia a Roma, acompanhado pelo padre Rua, que o
acompanhava também na visita às casas de Sampierdarena, La Spezia e Firenze.38 Por
isso tinha escrito ao secretário para que colocasse padre Rua ao corrente das principais
“ações em Roma com as cartas relativas ao noviciado de Marselha, aos três favores
revogados – os direitos paroquiais, o extra tempus e a dispensa das cartas testemunhais
– e à Igreja do Sagrado Coração”.39 Interessava-se, ao mesmo tempo, de cooperadores
e de beneficência, delegando para isso em particular padre Pietro Pozzan, encarregado
da propaganda, sobretudo por meio do Boletim Salesiano.40
33 Carta ao padre Bologna, 23 de dezembro de 1880; E III 644-645.
34A crônica foi publicada por L’unità cattolica, e o Bulletin francês a resumia: BS 2(1881) n.
12, março, p. 15-16.
35 Carta ao secretário de Estado, 27 de fevereiro de 1881; E IV 29.
36 Carta de março de 1881; E IV 31.
37 Carta encontrada na ata da reunião do Comitê Feminino das Benfeitoras, 10 de março de
1881; E IV 30-31.
38Ao padre rua, de Alassio, s.d.; E IV 40.
39Ao padre Berto, 6 de abril de 1881; E IV 42.
40 Carta ao padre Berto, de Alassio, 8 de abril de 1881; E IV 43.

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446 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Pelo final de outubro de 1881 as obras da França eram reagrupadas em inspetoria
autônoma. Padre Paolo Albera fora nomeado superior, com sede em Marselha. Dom
Bosco escrevia ao padre Bologna: “Não pude acompanhar padre Albera com uma carta
ao bispo de Marselha. Dize-me pois: como estão as irmãs, o pároco e o novo pessoal?
Escrevi à senhora Jacques; hoje escreverei à senhora Prat-Noilly”.41 Alguns dias antes
do Natal anunciava ao padre Ronchail as etapas de sua próxima viagem à França, com
meta final em Nice: “Minha partida de Turim está prevista para 10 do próximo janeiro,
si Dominus dederit. Chambéry, Lyon, Valence, Aix, Marselha, Aubagne, Toulon,
Hyères, Fréjus, Cannes, Grasse, Nice : eis os lugares de parada. Espero estar contigo na
metade de fevereiro”.42 No decurso da permanência em Marselha, Dom Bosco traçava
para padre Bologna, até então diretor da casa e, de agora em diante, responsável da
mesma com o título de vice-diretor, um regulamento que definia suas distintas respon-
sabilidades e a do inspetor-diretor na gestão da obra. As normas eram menos limitantes
da autoridade do vice-diretor do que as dadas um ano antes ao padre Luigi Rocca,
nomeado vice-diretor quando o diretor, padre Cerruti, fora feito inspetor das casas da
Ligúria e da França.43
No outono de 1883, em Santa Margarida, próximo de Marselha, surgia o Oratório
da Providência, casa de noviciado para a nova inspetoria. Aí aparecia como diretor
o mesmo inspetor, padre Albera, e padre Cesare Fasani era vice-diretor e mestre dos
noviços. A este sucedia no ano sseguinte o saboiano Luigi Cartier (1860-1945), de
24 anos, figura de grande prestígio nos desenvolvimentos sucessivos da obra salesiana
na França. A obra de Marselha, junto com as outras da França, caminhava para uma
fecunda autonomia de governo sob a sapiente e firme condução daquele que seria
chamado “le petit Don Bosco”, padre Paolo Albera, seu segundo sucessor no governo
da Sociedade Salesiana. Dom Bosco, porém, continuaria a se sentir em casa na França,
incansável pedinte e aguardado taumaturgo. E, antes da sua morte, podia levar sua
contribuição para o surgimento na França, em acréscimo às obras de Lille e de Paris,44
em 1886 do Orfanato Morgant com oficina em Guînes (Pas-de-Calais), e em 1888 do
Orfanato Villemot em Gevigney (Haute Saône), confiados respectivamente às Filhas de
Maria Auxiliadora e aos salesianos.45
41 Carta de 28 de outubro de 1881; E IV 92.
42 Carta de 22 de dezembro de 1881; E IV 101-102.
43 Carta ao padre Bologna, 19 de março de 1882 (E IV 121-122); ao padre Luigi Rocca, abril de
1881(E IV 44-45), “Normas para o vice-diretor do Colégio de Alassio”.
44 Cf. cap. 31, § 5.
45 Sobre o brevíssimo acontecimento do orfanato de Gevigney, continuado em lugar melhor,
escreveu páginas interessantes Y. Le Carréres, “Le colonies ou orphelinats agricoles tenus par
les salésiens de don Bosco en France”, in: F. Motto (ed.), Insediamenti e iniziative salesiane
dopo don Bosco: saggi di storiografia. Atti del 2° Congresso-Seminario di Storia dell’Opera
Salesiana, Roma, 1º a 5 de novembro de 1995. Roma, LAS, 1996, p. 145-150.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 447
2. Segundo Capítulo Geral da Sociedade Salesiana (1880)
O Segundo Capítulo Geral da Sociedade Salesiana desenvolveu-se em Lanzo, de
3 a 15 de setembro de 1880.46 Ele parece um complemento substancial do primeiro,
retomando, por meio do estudo dos membros e das comissões encarregadas de integrar
e aprofundar temas deixados na sombra pelo anterior: antes de tudo, o problema dos
estudos eclesiásticos, e outros de nova relevância, como a existência das paróquias, as
quais podiam criar alguma dificuldade aos colégios e às escolas, como tinha acontecido
em Marselha. Devia-se, além disso, eleger os membros do Capítulo Superior, exceto
o reitor-mor, Dom Bosco, o qual ad personam era tal em vida. A carta de convocação,
endereçada aos diretores, tinha explicitado como escopo do Capítulo justamente as elei-
ções, enquanto, com relação ao resto, tinha simplesmente convidado os destinatários a
recolher as “observações e propostas” dos sócios, consideradas oportunas “para o bem
da Congregação, e colocadas em ordem, levá-las” consigo ao Capítulo.47 De qualquer
modo, o Capítulo chegou a deliberações significativas e estruturadas. A discussão dos
vários temas, ao invés, não se desenvolveu linearmente. Seu responsável, em particular,
era Dom Bosco, incontestável protagonista, preocupado em fazer convergir a atenção
dos capitulares, além das discussões e decisões normativas, para o espírito que devia
informar umas e outras.
Em seguida à costumeira sessão ritual e regimental das 19 horas de 3 de setembro,48
foi imediatamente fundamental a sessão na parte da manhã do dia sucessivo, 4 de
setembro, destinada à eleição dos membros do Capítulo Superior. Inédita foi, com
efeito, a discussão sobre a questão preliminar, se podiam ser eleitos para o Capítulo
também os leigos, os coadjutores. Foi aceita, sem debate, a negativa de Dom Bosco.
Lido, com efeito, o primeiro artigo das Constituições sobre a composição da Sociedade
– sacerdotes, clérigos e leigos – pareceu-lhe óbvio tirar daí a simples conseqüência:
“Por certo, os clérigos não podem jamais estar como chefes dos sacerdotes, tanto
menos os leigos”; por isso, “concluiu-se que os coadjutores não possam vir a ser eleitos
como membros do Capítulo Superior”.49 Mas a parte forte da sessão foram as consi-
46 Sobre as sessões existem as atas do padre Marenco, ASC D 579, FdB 1.856 D2-1.857 A1, as
quais, porém, têm início em 5 de setembro. Completas e mais amplas são as do padre Barberis,
em dois cadernos de um conjunto de 132 páginas não numeradas, ASC D 579, FdB 1.857
B7-1.859 B3, que registram os trabalhos da tarde de 2 de setembro. Estão disponíveis também
outros materiais: a circular de convocação, propostas dos irmãos, outras comunicações à
Congregação, FdB 1.853 A6-1.859 B3.
47 Carta de Don Bosco, 27 de junho de 1880; E III 593-594.
48 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 5-9, FdB 1.857 B12-C4.
49 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 10-11, FdB 1.857 C5-6. Foram eleitos: Michele Rua, prefeito;
Giovanni Cagliero, diretor espiritual; Carlo Ghivarello, ecônomo; Celestino Durando,
conselheiro escolar; Giuseppe Lazzero, conselheiro; Antonio Sala, conselheiro. No Catálogo,
aos membros do Capítulo Superior, seguiam dois nomes: Giovanni Bonetti, prefeito do clero,
e Giulio Barberis, mestre dos noviços.

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448 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
derações de Dom Bosco, uma renovada síntese de suas idéias sobre a vida religiosa
salesiana, “algumas coisas – dizia – que devem ser promovidas na nossa congregação”.
A primeira era incontestavelmente a obediência, que na introdução das Constituições,
com São Jerônimo e São Boaventura, mas principalmente pela profunda convicção
pessoal, tinha definido essa virtude na qual “summa virtutum clausa este, tota reli-
gionis perfectio consistit”. Ele denunciava um certo esfriamento em sua observância
e declarava “intolerável” que existisse aquele que, “sem dizer nada, não realiza o que
foi encarregado para fazer”: o superior está tranqüilo, convencido de que uma coisa
seja realizada, mas depois se apercebe que “nem mesmo foi começada”; crê que “uma
propriedade vá bem”, e depois se apercebe que tudo termina em desordem e ruína, por
incúria ou abandono do encarregado. “Isto produz dano imenso nas congregações”,
comentava. A obediência devia ser “absoluta”, a partir do Capítulo Superior e deste
“estender-se aos diretores, aos prefeitos, a todos os sócios da congregação”.50 Outra
coisa a ser promovida era o espírito de caridade e de doçura de São Francisco de
Sales, que ele considerava em declínio sobretudo na escola: alunos mal vistos, “não
bem tratados”, descuidados, expulsos das aulas; de aí desavenças entre o professor e o
superior, quando este procura mitigar as intervenções repressivas do outro. Concluía:
“Eu recomendo muito que esse espírito de doçura e de caridade seja exercitado por vós
e se faça de tudo para propagá-lo nos sócios de vossas casas e especialmente entre os
professores. Encorajar-nos assim uns aos outros com caridade e doçura será sempre o
sustento de nossas casas”.51 Mais alargado era o discurso sobre a promoção das voca-
ções, que Dom Bosco via “diminuir de forma espantosa”. À diferença de “antigamente”
– observava –, agora os colégios salesianos “realizam a tarefa como os outros”, ou seja,
não revelam nos alunos “o ardor que se via uma vez para as coisas boas e para a religião
e as pessoas religiosas”. Para uma retomada propunha alguns remédios, a partir daquele
indicado precedentemente: “Antes de tudo, eu vejo necessário que nos tratemos mutu-
amente com muita caridade e doçura e usemos o mesmo tratamento para com todos
os sócios”. Em segundo lugar, “essa nossa doçura” “seja utilizada também para com
os alunos, que ficarão como que eletrizados”, “ganharemos muito sobre seu afeto e,
por isso, sobre sua vocação”. Certos defeitos dos superiores – grosseria de tratamento,
impaciência – podem ser motivos de afastamento deles e de qualquer idéia de seguir a
escolha vocacional. “Digo pois, – continuava – e repito: a doçura e a caridade entre nós
e com eles são os meios mais poderosos para poder educá-los bem e para cultivar-lhes
a vocação”. “Digo pois – continuava – e repito: a doçura e a caridade entre nós e com
eles são os meios mais poderosos para poder educá-los bem e para cultivar neles as
vocações”. Passava, a seguir, a tocar numa tecla extremamente sensível e fundamental
50 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 13-14, FdB 1.857 C8-9.
51 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 14-15, FdB 1.857 C9-10. O mesmo motivo seria sublinhado
com força nas cartas de 10 e 14 de agosto de 1885 ao padre Cagliero e ao padre Costamagna
na Argentina. Cf. cap. 33 § 2.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 449
para as vocações, a moralidade. A respeito desta Dom Bosco fazia uma análise pessi-
mista sobre os “tempos”, típica dos ambiente fechados, desconfiados em relação às
escolas da infância. Deplorava a difusão “em nossos tempos” da imoralidade, natural-
mente in re turpi, e retornava sobre a tese dos danos à saúde trazidos pela masturbação:
“O vício é dominante – precisava. Agora se vêem jovens que começam uma cadeia de
imoralidade a partir dos 4 ou 5 anos e a adquirem até nos asilos de infância. E jamais
acreditaria que esses asilos pudessem produzir tanto mal. Aos 8 ou 10 anos já se adquiriu
uma malícia precoce que antigamente não se tinha aos 18 e aos 20 anos. Isso produz
um enfraquecimento geral na energia e na saúde dos jovens. Tornam-se por isso raras
aquelas educações másculas, robustas, entregues a grandes fadigas e poder sustentá-las
sem dano para a saúde. Conseqüentemente, nos institutos de educação acredita-se cons-
trangido “a condescender com os tempos”, adoçando as exigências quanto ao repouso,
à alimentação, à “fadiga”. Isso é fonte de imoralidade, e onde tal se encontra – insistia –
“não existe mais vocação, antes existe desprezo para qualquer coisa sagrada”.52 Listava,
então, alguns meios para promover as vocações, os de sempre: “1) falar sempre bem dos
padres; 2) afastar constantemente os maus companheiros; 3) ter distantes livros maus”
ou que “exaltem um pouco a fantasia ou estimulem as paixões”; 4) de todos os lugares,
“também do púlpito, falar com freqüência de vocações e fazer entender que esse ponto
é como a roda mestra da qual depende a vida”; “5) fazer ler nossos livrinhos, a vida, por
exemplo, de Domenico Savio, Magone etc.”, pois era impossível que não atraísse voca-
ções uma Congregação que tinha sabido exprimir jovens tão bons; 6) “trabalhar muito”,
pois é conhecido de todos – confirmava – que os salesianos não somente pregam e
confessam, mas “dão aula, catecismos e pregações, estão em todos os lugares, fazem
tudo”. Fazia insistentes exortações: “trabalhe-se, pois, muito, de todas as formas, de
todos os lados”, conservando “o que é de bom nos povos e nos jovens” e citava palavras
de Pio IX, que eram antes de tudo suas: “Vivemos em um século materialista. A ação
dos bons, de boas orações, práticas de piedade, sacramentos, não vale nada para eles.
É preciso fazer também obras externas e, à sua filantropia, contrapor obras de cari-
dade, como retirar as crianças, visitar encarcerados e coisas semelhantes. Tudo isso,
ao mesmo tempo que nos torna agradáveis a Deus, faz também com que sejamos bem
vistos pelos maus, os quais, dessa forma, nos deixam trabalhar, e mesmo nos ajudam
a trabalhar nas obras de caridade”. Também os “liberais de primeiro grau” – acres-
centava – admiram e apreciam os salesianos, porque são “beneméritos da sociedade,
fazem o bem”. Concluía, como espírito livre: “ao mundo maligno não podemos opôr
nem padres-nossos e nem mesmo milagres: são necessárias as obras; é preciso recolher
muitas crianças”; por isso, “trabalhe-se muito e a Congregação estará abençoada”.53
Entre os capitulares a discussão girou sobre temas ligados com as considerações de
Dom Bosco, começando pela moralidade. “O discurso – registrava o cronista – caiu sobre
52 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 15-18, FdB C10-D1.
53 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 19-21, FdB 1.857 D2-4.

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450 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
as más leituras e especialmente lamentou-se de alguns dos nossos clérigos”: “grande
dano para os jovens como são para nossos clérigos”. Começava-se a ler certos livros,
quiçá “sem ponderação, somente pelo gosto da novidade” – dizia-se –, “mas depois se
reflete, se pensa e terminam sempre por fazer nascer idéias pouco retas em favor de
religião e nada boas em caso de moralidade”. “De modo especial”, recomendou-se aos
diretores afastar dos alunos e salesianos “Ariosto, Metastásio, d’Azeglio, Giusti”; “nem
mesmo jamais sugerir aqueles romances que, se não são maus e alguns mesmo escritos
com espírito verdadeiramente bom, enchem a cabeça com pensamentos vãos, de racio-
cínios etc. como são I promessi sposi [de Alessandro Manzoni] e os mesmos livros do
Bresciani, Franco e semelhantes”. Dom Bosco denunciava a “mania” de “professores
e jovens sacerdotes” de pedir-lhe “permissão para ler livros proibidos”, e pedia que
evitassem livros nos quais se encontra mais mal que bem, “podridão” e “sujeira”, que
diminuem a “devoção” e causam “maior indiferença pela religião”. Citava em parti-
cular Machiavelli, de quem alguns louvavam a língua e o estilo, sem advertir de colocar
em evidência seus limites e perigos. Nessa atmosfera alguém propunha que na livraria
do Oratório não se vendessem mais aos jovens, mas somente aos externos, os livros de
Manzoni, Bresciani etc. Dom Bosco se mostrava mais drástico. O que podia fazer mal
aos jovens, podia fazer a todos, por isso era necessário não tê-los à venda. Pensava ao
mesmo tempo numa possível medida positiva, “uma biblioteca de leituras amenas”,
que devia começar após a conclusão da Biblioteca dos Clássicos Italianos. Aí podiam
entrar “as narrações do padre Lemoyne, as sobre o gosto, por exemplo, de Tomás Morus
etc., mas – advertia – nos quais não entrem romances amorosos etc. etc. etc.” Concluía
com reflexões sobre as correções que deviam ser propostas a autores que pretendessem
publicar na Tipografia Salesiana.54
Constituídas as primeiras quatro comissões, na sessão da tarde do dia 4 de setembro55
Dom Bosco aproveitava a oportunidade para manter o liame com as precedentes deli-
berações capitulares impressas, usando a ocasião para retomar o discurso sobre a
obediência dos sócios, especialmente dos superiores. Revelava “queixoso” que não se
procedia “com um só princípio”, mas que “vários queiram várias coisas”. Comecem os
diretores – recomendava – “a dar bom exemplo nesse ponto, buscando executar e fazer
executar qualquer disposição e vontade superior, e depois esforçar-se com todo seu
poder para obter o mesmo dos subalternos”.56
Sobre o problema dos estudos filosóficos e teológicos dos clérigos trabalhavam duas
comissões. Na sessão da tarde de domingo, 5 de setembro, a discussão sobre o duplo
tema conduzia à constatação unânime da persistente falta de cumprimento das prescri-
ções que diziam respeito aos estudos eclesiásticos, que, entre outras coisas, ameaçava
levar os padres salesianos a fazer péssima figura. O mais grave abuso era a admissão
54 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 22-25, FdB 1.857 D 5-8.
55 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 28-29, FdB 1.857 D11-12.
56 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 30-31, FdB 1.857 E1-2.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 451
ao presbiterado daqueles que não tinham cumprido o quadriênio de estudos teoló-
gicos e, não obstante as repetidas prescrições, não os prosseguiam após a ordenação.
Contendo padre Cagliero, contrário à prática do quadriênio incompleto, Dom Bosco
dizia que a mesma era seguida por outras ordens religiosas e por bispos que preci-
savam de clero. A solução era garantir aos ordenados o tempo exigido para completar
os estudos teológicos. Aduzia, pois, razões positivas em favor de eventuais ordenações
antecipadas: 1) “Dão aos indivíduos maiores meios de perfeição”; 2) “se obtêm maiores
graças do Senhor para toda a Igreja, para a Congregação, para nós”; 3) “pode-se fazer
o bem em nossas casas, porque a ordenação sacerdotal faz adquirir maior autoridade
sobre os jovens”; 4) “dá-se mais liberdade aos diretores para poder rezar a missa em
horário livre”; 5) “nós somos pobres e há a esmola”; 6) “dá-se maior comodidade às
populações” para a missa.57 A conferência ocupou outro tempo para relembrar o que
Dom Bosco tinha acentuado várias vezes, isto é, que cada diretor procurasse formar o
próprio pessoal. Ele frisava também outra missão do diretor, ou seja, “sobre a forma
de procurar distribuir os trabalhos de cada sócio de tal modo que – precisava – todos
possam ter tempo para estudar, e não que o trabalho se acumule todo sobre alguns um
pouco mais hábeis, enquanto outros que o são menos sejam deixados de lado”. Nesse
ponto pensou-se em eleger “uma comissão encarregada de estudar a forma de liberar o
diretor de cada casa para que [pudesse] se ocupar mais do pessoal, ajudando cada um a
cumprir bem as incumbências que lhe são confiadas”.58
Nas duas sessões, matutina e vespertina, de 6 de setembro, foi rediscutido o
problema dos estudos sagrados. Na da manhã, a relação do padre Durando era aprovada
com poucas modificações: além do mais retomavam algumas deliberações já decididas
no Capítulo de 1877. Em 7 de fevereiro de 1879 o Capítulo Superior tinha estudado
a forma de encontrar professores para as várias casas, mas deveu-se constatar que era
difícil tirar algum das outras. “Em Turim – observava-se – seria bom vários indivíduos
aptos, mas ... uma parte faz somente o segundo de filosofia [o ano que seguia ao novi-
ciado] e se prefere conservar o princípio de não tocar neles, especialmente quando se
vê que seria arruiná-los não deixar que terminem a filosofia”.59
Paralelamente ao tema dos programas escolares do pré-noviciado, Dom Bosco
defendia o redimensionamento dos programas reservados aos assim chamados “Filhos
de Maria”. A propósito, pois, dos artigos sobre os estudos de filosofia, ele limitava
57 Por ocasião da publicação do livro de C. M. Curci, La nuova Italia ed i vecchi zelanti (Florença,
Fratelli Bencini, 1881), no qual o autor criticava a conformista, fechada e aproximativa
formação do clero, o jornal Gazzetta d’Italia, de Florença, em 7 de junho de 1881 fazia
referência a Dom Bosco, que fazia ordenar centena de jovens com esse sistema para os enviar
entre os “infiéis” (cf. Documenti XXIII 152-156, FdB 1075 D6-10).
58 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 34-38, FdB 1857 E5-9. A crônica do padre Barberis foi
integrada com a do padre Marenco, Verbali, p. 2-7, FdB 1856 D4-9.
59 G. Barberis, Capitoli Superiori ossia verbali quad. II, p. 71, FdB 1878 A11.

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452 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
transitoriamente seu valor. Era necessário estabelecer “regras” que pudessem se tornar
– dizia – “como nosso código, como fundamento sobre o qual a Congregação deve
caminhar também no futuro”; “mas agora – prosseguia – é claro que nem todas e cada
uma podem ser colocadas em prática: é preciso que comecemos a executá-las melhor, e
pouco por vez introduzir a observância em nossas casas”.60
Aprovados os artigos sobre os Estudos sagrados, Dom Bosco propunha com o
unânime consenso da assembléia, em obséquio à Encíclica Aeterni Patris, de 4 de
agosto de 1879, o acréscimo de um artigo sobre a fidelidade a Santo Tomás nas disci-
plinas filosóficas e teológicas. Depois comentava a confirmação do biênio para a prepa-
ração ao exame de confissão com palavras de extrema cautela: “Quanto mais se retarda
a confissão mais estou contente e creio que seria um grande bem, seja para os próprios
sacerdotes, seja para as almas se se fosse muito lentamente em dar a faculdade de
confessar”.61 Na sessão da tarde, ainda sobre o tema dos Estudos sagrados, fizeram-se
observações marginais, que evidenciavam uma exclusiva atenção à cultura recebida na
escola. Um artigo acrescentado prescrevia: “Os clérigos dêem-se a máxima solicitude
para cuidar dos próprios deveres escolares, e por isso se lhes proíbe ter ou ler livros
alheios aos próprios estudos, ou jornais, sem a expressa licença do diretor”.62
Na relação do padre Bonetti sobre o tema dos meios para promover e cultivar as
vocações ao estado eclesiástico, Dom Bosco acrescentava anotações familiares de
pedagogia vocacional. Não era preciso – advertia – dirigir aos jovens convites diretos,
“tornem-se padres” ou “entrem na Congregação”, mas simplesmente “fazer entender
bem a obrigação que existe de seguir a própria vocação e depois deixá-los agir sem
mais”. Acrescentava: “Insistir para que não peçam conselhos a muitos e, se sentem o
desejo de abraçar a vida religiosa, não falem com padres seculares. Nem parece verdade
como também muitos bons padres não compreendem esse ponto de máxima impor-
tância que é o estado de maior perfeição, o estado religioso”. Concluía-se falando de
drásticas limitações nas leituras e na assinatura de jornais”.63
O tema dos coadjutores não era ainda muito claro aos membros da Assembléia
Capitular e aos mesmos membros da Comissão de Estudo da Direção dos Coadjutores
aspirantes, inscritos e professos, sendo relator padre Ronchail. Revela tal fato a crônica
da sessão da tarde de 7 de setembro. “O tema – dizia-se – é da máxima importância
e sente-se a necessidade de tratá-lo especialmente pelo Oratório de Turim. Mas para
estabelecer as coisas com precisão existe uma dificuldade extraordinária, de modo que
vários artigos ficaram ainda em suspenso para haver tempo de melhor estudo, e todo
o projeto terminou por ser considerado como um simples esboço para servir de norma
a outro tempo, no qual alguém possa estudar mais maduramente o assunto”. Também
60 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 38-42, FdB 1.857 E 9-1858 A1.
61 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 45-46, FdB 1.858 A4-5.
62 Será o art. 6º, cap. II, dist. IV das Deliberações impressas.
63 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 50-54, FdB 1.858 A9-B1.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 453
sobre sua formação não vinha à tona nenhum programa orgânico, substituído por indi-
cações bastante redutivas. “Sobre o noviciado dos coadjutores – registra-se – obser-
vou-se que quase todas as congregações os experimentavam com muito trabalho: se se
mostravam hábeis a trabalhar bem e de constante boa vontade, fazem o noviciado e são
admitidos aos votos, desde que considerados aptos, ou então são admitidos após dois
meses, se há algo a se recuperar. Entre nós, contudo, os coadjutores têm necessidade
de maior instrução, pelo fato de que vários se ocupam em coisas de importância e deli-
cadas, mas a prova melhor, geralmente falando, é sem um noviciado ascético, vê-los
trabalhando de boa vontade e bem, e ao mesmo tempo que demonstrem vontade deci-
dida de agir com toda retidão”. Para a formação após ao noviciado eles eram confiados
ao diretor, que se supunha preparado e disponível a receber seus rendicontos, fazer-
lhes conferências, conceder as permissões principais. Ele podia, ao invés, confiar ao
catequista dos aprendizes, onde existia, os coadjutores aspirantes e noviços. Estes –
estabelecia-se – “receberá seus rendicontos, far-lhes-á as conferências oportunas etc.”.
“Insistiu-se, ainda, com os diretores das casas onde existem aprendizes que se procure
ministrar uma instrução religiosa verdadeiramente sólida”, “com sólida explicação do
catecismo”, de forma que, saindo do instituto, “tenham a fé bem enraizada em seus
corações e assim não corram o risco de ser tão depressa seduzidos pelos maus compa-
nheiros e pelos escândalos do mundo”. Obviamente, era também necessário “dar-lhes
a melhor instrução possível nas próprias artes e em saber escrever, de como conservar
em ordem os registros e como preparar correspondência, para que possam encontrar
depois lugar em bons trabalhos, e não sejam obrigados a freqüentar qualquer oficina”.64
Não era grande coisa. Toda a matéria seria depois retomada e reelaborada no Terceiro
Capítulo Geral e encontraria formulação completa no Quarto.
Na sessão matutina de 9 de setembro, o espaço era inteiramente ocupado por uma
longa reflexão de Dom Bosco sobre a unidade de direção e de espírito, essenciais para
a Congregação que se expandia rapidamente. Foram tocados os clássicos temas: a auto-
ridade concentrada no diretor, a relação familiar dos sócios com o superior, a união
de coração e de ação entre todos, o rendiconto mensal, a sintonia com o espírito de
São Francisco de Sales, as conferências quinzenais, a obediência, a boa-noite. Era tal
a profusão de pensamentos e de sentimentos ex abundantia cordis: cada diretor devia
“manter-se bem unido em tudo com o inspetor e os inspetores com o reitor-mor”; dire-
tores e inspetores se considerassem “como de uma só família e como tendo juntos uma
só missão que os inspiram para fazer caminhar bem”; cada sócio considerasse “o diretor
como pai afetuoso ou irmão maior”, não lhe escondesse “nem o bem nem o mal, mas se
manifestassem tais como eram”; todos estejam persuadidos que as coisas do instituto
“caminhariam bem somente quando se trabalha como se os vários sócios fossem um só
coração e uma só alma”. Na Congregação, que não era mais pequena como decênios
antes, quando “o único chefe era ele”, Dom Bosco encontrava o perfeito “traço de união”
64 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 65-68, FdB 1.858 B12-C3.

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454 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
“no rendiconto mensal”, “feito ou feito fazer na forma conveniente”: seria “um fruto
enorme”, se do Capítulo saíssem “regras” para conseguir que o rendiconto” fosse feito
sempre por todos e que indicassem “a forma para fazê-lo bem”. A insistência sobre os
diretores foi particular, assim como sobre a importância que a formação da classe diri-
gente acontecesse no Oratório e fossem “colocados como diretores das casas os padres
que tivessem sido educados” nele. “Eu acredito – explicava – que eles têm mais facili-
dade e, quase sem perceber, inspiram e infundem – estaria para dizer melhor – o verda-
deiro espírito da Congregação” e infundem nos irmãos “o espírito de São Francisco de
Sales”. Acrescentava mesmo: “Convém também que sejam educados no Oratório os
vários membros dos Capítulos das casas primárias. Se, por acaso, entre os diretores não
se possam tê-los entre os que foram educados no Oratório, procure-se, ao menos, que
tenham sido educados por alguém que tenha tido sua educação no Oratório”. Chamava
ainda a atenção sobre os rendicontos e sobre as conferências. “Far-se-á – precisava –,
e logo, um regulamento especial para os rendicontos: mas em si mesmo a coisa não é
difícil”, contanto que se evite “a única dificuldade”, isto é, “entrar em coisas de foro
de consciência”. Indicava o “argumento preferencial” das conferências: “a observância
das regras” e a obediência. Terminava falando da “boa-noite” e suas características: não
é pregação e deve ser “muito breve”, salvo “casos excepcionais”.65
Na sessão da tarde do mesmo dia, padre Barberis introduzia o tema do regulamento
do noviciado, mas reconheceu-se a impossibilidade para a Sociedade Salesiana mode-
lá-lo “sobre o que as outras congregações fazem”. Antes que empenhar-se para definir
a nova configuração proposta pelas Constituições, “foram encontradas ainda muitas
coisas para serem retocadas e outras para serem estudadas de novo, e algumas foram
deixadas sem conclusão para que pudessem amadurecer melhor”. Dom Bosco dava
indicações sobre dois problemas delicados. Quanto à passagem de coadjutor a estu-
dante ele acentuava o ditado das Constituições que, “de regra ordinária” o excluía; mas,
ao mesmo tempo, pensava que não se devia ser intransidente, “porque” – explicava –
acontece de tempos em tempos encontrar quem tenha verdadeiras qualidades para se
tornar um bom padre, e por que negar a estes essa consolação e, à Igreja, um ministro
a mais?” Referia-se, ainda uma vez, pragmaticamente, à execução dos decretos de Pio
IX Romani Pontifices e Regulari disciplinae, que diziam respeito à admissão ao novi-
ciado, à vestição e à profissão. Ele recomendava sua prática gradual e tranqüilizava
com palavras que Pio IX tinha dito a ele: “Enquanto o senhor viver, deixo tudo à sua
prudência. No entanto, enquanto o senhor puder, organize regularmente o andamento
da Congregação”.66
Observações esparsas pontilhavam a sessão da tarde de 10 de setembro: não aceitar
coisas pequenas, cuidar da proteção dos jovens nos colégios com a nítida separação dos
externos, regular as visitas no locutório. A preocupação era de “envidar todo esforço –
65 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 70-77, FdB 1.858 C5-12.
66 G. Barberis, Verbali, quad. 1, p. 78-83, FdB 1.858 D1-6.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 455
dizia-se – que possa aumentar a boa ordem e a moralidade, e sirva para manter as vocações”.
Para conseguir melhor o objetivo, Dom Bosco apegava-se a antigas receitas: evitar o mais
possível as relações dos internos com os externos e a união recíproca dos educadores.67
A sessão vespertina de 11 de setembro era dedicada a aperfeiçoar a funcionalidade
do governo central, com a marcada concentração da autoridade no superior geral e seu
fluxo ordinário nos graus inferiores da hierarquia. A crônica registrava: “Dom Bosco
forma uma comissão que estude a forma de distribuir as funções apropriadas a cada
membro do Capítulo Superior”, baseando-se no princípio: “Estender a autoridade do
reitor-mor aos vários membros do Capítulo Superior em relação com os inspetores, e
destes com os diretores”.68
Terminado o Capítulo, prevendo que as deliberações seriam publicadas com certo
atraso, Dom Bosco recolhia em uma circular latina impressa – para seu acabamento
contribuíram também algumas respeitosas melhorias sugeridas pelo padre Rua −69 oito
pontos dignos da mais urgente observância e a inviava Directoribus aliisque superio-
ribus cuiusque domus salesianae in D. S. P., datada de 29 de novembro. Não se tocava
em temas de estrutura e de funcionalidade, mas de espiritualidade: 1) fossem relidas as
deliberações do Primeiro Capítulo e se relembrassem de modo especial as deliberações
relativas à moralidade e à economia; 2) os diretores usassem a mássima diligência para
que os sócios abrissem seu coração de forma livre e cômoda, e, além disso, cuidassem
para que pudessem realizar, comunitária ou individualmente, o exercício mensal da
boa morte; 3) muitas e graves razões sugeriam que ninguém, salvo prescrição médica,
fosse aos banhos de mar; 4) se obedecesse efetivamente aos superiores nas matérias
que diziam respeito às Constituições, ao respectivo cargo e, em particular, às saídas de
casa e ao reter e usar dinheiro; 5) os superiores procurassem fechar a oficina de todos
os males, que era o tempo passado em família ou junto dos amigos; 6) cada um se
mostre exemplar nas boas obras e evite com cuidado escândalos de qualquer natureza;
7) em palavras e obras resplendam pela paciência, caridade e mansidão, de modo que
cumpram em tudo as palavras de Cristo “Vos estis sal terrae, vos estis lux mundi”;
8) entre fevereiro e março de cada ano, cada sócio escreva uma carta ao reitor-mor, na
qual exponha seu estado de saúde e de vocação. Desses temas os diretores façam objeto
das conferências aos sócios salesianos.70
O volume das Deliberações saía em 1882.71 Na carta de apresentação Dom Bosco
reduzia a dois pontos o trabalho do Capítulo: “Examinaram-se de novo as deliberações
67 G. Barberis, Verbali, quad. 2, p. 8-12, FdB 1.858 E2-6.
68 G. Marenco, Verbali,padre 17, FdB 1.856 E8; cf. G. Barberis, Verbali, quad. 2,padre 14, FdB
1.858 E8.
69 Cf. A. Amadei, Un altro Don Bosco: il servo di Dio Don Rua (1837-1910). Turim, SEI, 1934,
p. 154-156.
70 Documenti XXII 311-312, FdB 1073 B11-12; E III 637-638.
71 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, VIII-88 p.; OE XXXIII 1-96.

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456 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
tomadas em 1877, introduzindo aí as modificações que a experiência sugeriu, e além
disso ajuntaram-se algumas outras que pareceram aptas para promover a glória de Deus
e o bem das almas”. No novo texto, portanto, encontrar-se-iam “reunidas e coorde-
nadas as deliberações de ambos os Capítulos Gerais por nome comum”. Em parti-
cular, “buscou-se explicar, um tanto genericamente, as tarefas dos vários membros do
Capítulo Superior, acenadas brevemente nas Constituições”.72 Os conteúdos estavam
unidos em cinco distinções: Regulamentos especiais (do Capítulo Geral, do Capítulo
Superior e de seus membros, do inspetor, do diretor, do diretor das irmãs), Vida comum,
Piedade e moralidade, Estudos, Economia.
Entravam em vigor artigos que confiavam ao conselheiro escolar “o cuidado geral
de quanto diz respeito ao ensino literário e científico das casas da Congregação, tanto
com relação aos sócios como aos alunos”: era “seu cuidado estabelecer a cada ano o
programa para as escolas de teologia e de filosofia, e de receber as notas conseguidas
pelos clérigos nos exames” e comunicá-las “ao diretor espiritual”. A ele se prescrevia:
“Fará anotação específica ou geral do resultado dos exames de teologia que se fazem
em três épocas do ano, cuja nota receberá do conselheiro escolar”.73 Potenciava-se
a figura do diretor como formador e animador: devia fazer conferências periódicas,
receber rendicontos, formar o pessoal, manter-se em contato com o inspetor, promover
o oratório festivo e cuidar da redação da crônica do colégio.74
Mas a novidade mais relevante era constituída por quatro capítulos totalmente
novos: Meios para cultivar as vocações ao estado eclesiástico, Estudos eclesiásticos,
Estudos filosóficos e literários, e Artigos gerais relativos à economia.75 O capítulo
sobre a vocação se inspirava inteiramente em Dom Bosco, em parte retirado da intro-
dução às Constituições de 1877 (Importância de seguir a vocação) e em parte pelas
observações por ele disseminadas nas diversas sessões capitulares. Sobre os Estudos
dos sócios as deliberações eram muito generosas em prescrições de princípio. Aí se
percebe o influxo das comissões e, em particular, dos presidentes, padre Durando e
padre Cagliero. Contudo, o pragmatismo de Dom Bosco, já emerso das discussões capi-
tulares, e principalmente a ausência de indicações operativas não consentiriam chegar
a resultados práticos efetivos. A prescrição era tão ambiciosa quanto irrealizável: “Em
cada inspetoria deverá haver um estudantado para os estudos teológicos”. Mas nada
se falava sobre os professores e sobre as estruturas; nem como se pudesse subtrair
das várias casas os clérigos que aí prestavam a indispensável obra de assistência e de
ensino. A solução seria encontrada vinte anos depois, com a invenção do triênio de
“tirocínio prático”.76 Por ora permanecia em vigor como regra geral a que aparecia
72 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, p. III-IV; OE XXXIII 3-4.
73 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, dist. I, capo III, § 5, art. ‘ e 11, 5.
74 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, dist. I, capo V.
75 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, dist. III, capo IV; dist. IV, capo I e capo
II; dist. V capo I, p. 56-69 e 69-71, 77-79; OE XXXIII 64-67, 73-77 e 77-79, 85-87.
76 Cf. P. Braido, “Un ‘nuovo prete’ e la sua formazione culturale secondo Don Bosco”, RSS
8(1989), p. 48-55.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 457
uma exceção nas Deliberações: “Nas casas onde não se pode ainda ter um estudantado
regular são estabelecidas não menos de cinco horas de aula por semana”.77 Das atas do
Primeiro Capítulo Geral eram retirados os artigos relativos à preparação por parte dos
sacerdotes de sermões e prédicas para as Quarenta Horas, os exercícios espirituais e
instruções para os catecismos.78
Mais flexível e consoante com a realidade era o que estava estabelecido sobre o
biênio de filosofia: “Os estudantes de filosofia permaneçam todos, por quanto possível,
nas casas de estudantado”.79 Para criar uniformidade e centralidade administrativa se
estabeleceram os 12 artigos gerais.80
3. O Instituto das FMA, das Constituições impressas até à morte de Maria
Domenica Mazzarello (1878-1881)
As vinte e uma “obras de caridade em favor das meninas pobres” geridas pelo
Instituto FMA que apareciam no elenco incluído na Exposição à Santa Sé do estado
moral e material da Pia Sociedade de São Francisco de Sales, de 1879, eram mantidas
por dezoito comunidades: Mornese, Nizza Monferrato, Turim, Chieri, Lanzo Torinese,
Biella, Borgo San Martino, Sampierdarena, Alassio, Nice, Lu Monferrato, Quargnento
(Alessandria), Vallecrosia, La Navarre, St. Cyr, Villa Colón, Las Piedras e Buenos
Aires.81 Aí aparecia uma vasta gama de estruturas e de atividades: postulantados, novi-
ciados, educandários, escolas públicas, oficinas, oratórios, cuidado da cozinha e da
rouparia em várias casas salesianas, asilos infantis e associações juvenis femininas.
Unido aos salesianos, com efeito, o Instituto dividia com ele, em grande parte, os fins
e os processos de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, procurava os próprios, em
consonância com tipos de missão nitidamente diferenciados, antes de tudo, pela faixa
de idade das destinatárias, muitas vezes crianças dos asilos infantis. Ao mesmo tempo
prosseguiam as iniciativas para dar ao Instituto normativas e espiritualidade sempre
mais definidas e sólidas. A partir de setembro de 1879, com a promulgação do novo
texto das Constituições, o Instituto não era mais regulado por cópias manuscritas reser-
vadas às superioras, mas de um texto virtualmente na mão de todas as professas. A capa,
77 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, dist. IV, capo I, art. 2 e 3,padre 65; OE
XXXIII 73.
78 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, dist. IV, capo I, art. 19 e 24; OE XXXIII
75-76.
79 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, dist. IV, capo II, art. 5, p. 70; OE XXXIII
85-87.
80 Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, dist. V, capo I, p. 77-79; OE XXXIII 85-87.
81 G. Bosco, Esposizione alla S. Sede dello stato morale e materiale, p. 14-16; OE XXXI
250-252 (carta de acompanhamento em E III 462-464). Cf. cap. 28, § 5.

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458 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
o frontispício do impresso, o prefácio de Dom Bosco Às Filhas de Maria Santíssima
Auxiliadora e o Visto traziam a data de 1878.82 Na realidade, o texto fora conside-
rado completamente terminado em 1879. Com efeito, algumas modificações de relevo
brotam das “Observações” que dizem respeito ao Instituto, submetidas à atenção de
Dom Bosco pela Congregação dos Bispos e Religiosos em abril de 1879. “Na mesma
Exposição – observa-se – se acrescenta uma relação sobre um Instituto de mulheres
sob a denominação de Maria Auxiliadora, e nada se diz se este Instituto tenha um
superior geral de quem dependam as irmãs e se ele seja totalmente independente, como
deve ser, do Instituto dos Salesianos”. Em 3 de agosto de 1879 Dom Bosco respondia:
“O Instituto de Maria Auxiliadora depende do superior geral da Pia Sociedade Salesiana
nas coisas temporais, mas no que concerne ao exercício do culto religioso e à admi-
nistração dos sacramentos são totalmente sujeitas à jurisdição do ordinário”.83 Meses
depois, à pergunta se o Instituto tivesse uma superiora geral de quem dependiam as
irmãs e fosse de todo independente dos salesianos, Dom Bosco replicava: “Nas coisas
relativas às Irmãs de Maria Auxiliadora os salesianos não têm em suas casas outra
ingerência a não ser a espiritual, nos limites e nas formas que permitem e prescrevem
os ordinários em cujas dioceses existe alguma casa das mesmas”. Quanto às suas
Constituições não fora ainda feito o pedido de aprovação. Era, enfim, pacífico que
o Instituto tinha “a superiora geral e o próprio Capítulo Superior”.84 Para uma reali-
dade distinta competia uma superiora própria. Permanecia sempre a dependência do
reitor-mor da Sociedade Salesiana, mas o texto impresso introduzia no título o conceito
de “agregação”.
A inventiva de Dom Bosco era inexaurível em subtrair-se de soluções que, em sua
opinião, podiam se tornar cadeias.85 O advogado padre Costantino Leonori, para evitar
uma das dificuldades com o arcebispo em relação à causa Bonetti, em 10 de novembro
de 1881 aconselhava Dom Bosco a pedir a aprovação pontifícia das Constituições do
Instituto. Dom Bosco não concordava, porque sabia que nesse caso a Congregação dos
Bispos e Religiosos estaria bem decidida a impor “a divisão dos dois Institutos”. Esta –
estava escrito na carta de 3 de outubro de 1879, com as reiteradas “Observações” sobre
a Exposição à Santa Sé do estado moral e material da Sociedade Salesiana – jamais
estava acostumada “a aprovar, especialmente nos tempos mais próximos de nós, que os
institutos de mulheres dependam dos institutos de homens”.86 Dom Bosco considerava
não ter dado ainda forma completa ao Instituto por ele fundado e preferia, no momento,
82 Regole o Costituzioni per l’Istituto delle Figlie di Maria SS. Ausiliatrice aggregate alla
Società Salesiana. Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1878, 64 p.; OE XXX 291-354.
83Ao cardeal Ferrieri; E III 507.
84Ao cardeal Ferrieri, 12 de janeiro de 1880; E III 543-544.
85 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 145, 148-149, 154-156.
86 Cf. o texto citado em E III 543.
87 Documenti XXIII 254, FdB 1077 B7.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 459
seguir em certa medida o exemplo dos Padres da Missão.87 Era esta recôndita intenção
que o levava a pedir ao lazarista Stella o opúsculo por ele escrito sobre a dependência
das Filhas da Caridade do Superior dos Padres da Missão.88 A separação fora sancio-
nada em 1906 com a aprovação pontifícia das Constituições do Instituto.
Na apresentação da primeira edição impressa das Constituições, Dom Bosco a
justificava com o fato de que, “até que o Instituto esteve concentrado na casa-mãe de
Mornese, algumas cópias das Regras manuscritas podiam ser suficientes para cada irmã
vir a conhecê-la. Mas agora – continuava – que, por obra da Divina Providência, as casas
se multiplicaram e as irmãs aí repartidas, essas cópias não eram mais suficientes”.89
Inicialmente, o texto da apresentação fora enviado ao padre Lemoyne, diretor em
Mornese, para que fosse lido pela “madre superiora” e/ou ele próprio, fazendo as
“observações” que julgasse oportunas. Deveria também fazer “o favor de enviar cópia”,
sob forma de circular, “a todas as outras casas de irmãs”.90
O texto impresso, pelas variantes que apresenta, assume particular importância para
o conhecimento do papel determinante, embora não exclusivo, tido por Dom Bosco na
modelação do Instituto. Com efeito, ele depende do ms G e das correções nele efetuadas
por quatro diversas mãos, entre as quais a de Dom Bosco e do padre Rua. Supõe ainda
algum documento intermédio com ulteriores modificações, devidas também às mesmas
Filhas de Maria Auxiliadora, em base às deliberações das reuniões das diretoras de
agosto de 1878.91
Novidades empenhativas tocam “elementos jurídicos” e “elementos ascético-espi-
rituais”, os quais, por sua importância, se pode pensar, com boa certeza, serem devidos
a Dom Bosco.92 No título 3º, Regime interno do Instituto, o art. 1º, por ele significati-
vamente modificado, sob pressão da Congregação dos Bispos e Religiosos, determina:
“O Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora é governado e dirigido pelo Capítulo
Superior, composto pela superiora geral, pela vigária, pela ecônoma e por duas assis-
tentes, dependentemente do reitor-mor da Congregação Salesiana”.93 Ainda, por sua
intervenção sobre o manuscrito G, no título 5º introduzia-se um artigo sobre o Capítulo
Geral, que deveria reunir-se a cada seis anos. Nele – estabelecia-se – “serão tratadas as
coisas de interesse geral e se poderão também modificar os artigos das Constituições,
mas segundo o espírito do Instituto”.94 No art. 3º do título 6º, Da mestra das noviças,
encontram-se uma variante e um acréscimo devido ainda ao fundador: “Em tudo sirva-
lhes de modelo, para que se cumpram todas as prescrições da regra. Recomenda-se que
88 Carta de 13 de junho de 1885; E IV 325-326.
89 Regole o Costituzioni per le Figlie di Maria SS. Ausiliatrice aggregate alla Società salesiana, p. 3.
90 Carta de Marselha, janeiro de 1879; E III 435.
91 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 152-153.
92 Cf. G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 153-160.
93 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 259.
94 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 265.

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460 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
inspire nas noviças o espírito de mortificação, mas usando de grande discrição, para que
não enfraqueçam de tal forma as próprias forças, a ponto de se tornarem inaptas para as
missões do Instituto”.95 Foi reestruturado o título 9º, Virtudes principais..., fundamen-
tais para a espiritualidade do Instituto: “1) Caridade paciente e zelosa não somente com
a infância, mas também para com as jovens maiores. 2) Simplicidade e modéstia, espí-
rito de mortificação interna e externa, rigorosa observância de pobreza. 3) Obediência
de vontade e de juízo, para aceitar de boa vontade e sem observação os avisos e corre-
ções e as tarefas que forem confiadas. 4) Espírito de oração, com o qual as irmãs façam
de bom grado as obras de piedade, permaneçam na presença de Dus, e abandonadas
à sua doce Providência. 5) Essas virtudes devem ser muito provadas e enraizadas nas
Filhas de Maria Auxiliadora, uma vez que deve estar nelas, pari passu, a vida ativa e
contemplativa, retratando Marta e Madalena”.96
O texto era entregue oficialmente às irmãs em 3 de setembro de 1879, não por Dom
Bosco, mas pelo diretor geral, padre Giovanni Cagliero.
No entanto, variados acontecimentos sucediam-se com o rápido movimento
de expansão. Em 12 de abril de 1880, com grande sofrimento das irmãs, a casa de
Mornese fechava suas atividades. As negociações para a venda criavam entre os morne-
sinos descontentamento e alguma hostilidade. Dom Bosco tinha dado o placet com
uma pequena ordem ao padre Rua: “3) Idem um tiletto [em piemontês, cartaz] para a
casa de Mornese e mandá-lo a todos os notários, advogados e principais comerciantes
de Gênova”.97 Em 1880 terminava o sexênio de governo da superiora geral e de seu
Conselho. Segundo as Constituições de 1878 foram convocadas para as eleições as
irmãs do Conselho e as diretoras das casas. Em 20 de agosto começaram os exercícios
espirituais. Dom Bosco estava presente em Nizza Monferrato ao menos de 20 a 22 de
agosto, como se nota pelas cartas enviadas nesses dias. Na primeira, ao cardeal protetor,
falava de Vallecrosia.98 Em 21 convidava padre Rua a fazer uma parada em Nizza
Monferrato, para conversar com ele, aproveitando da viagem em direção a Marselha,
onde ia presidir os exercícios espirituais.99 Escrevia também ao padre Tamietti, em Este,
que tinha uma irmã freira em Nizza Monferrato.100
Em 29 de agosto de 1880 aconteceram as eleições, com a presidência do diretor
geral, padre Cagliero. Madre Mazzarello foi reeleita unanimemente. Para vigária foi
eleita irmã Catarina Daghero e foram confirmadas no seu cargo a ecônoma Giovanna
Ferrettino e as duas assistentes, Emilia Mosca e Enrichetta Sorbone. A ata das eleições
concluía-se com o seguinte texto, assinado por Dom Bosco: “Visto e aprovo o quanto
95 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 266.
96 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 270.
97 Carta de 12 de abril de 1880; E III 566.
98 Carta de 20 de agosto de 1880; E III 616.
99 E III 619.
100De Turim, em 25 de agosto de 1878; E III 621.

47 Pages 461-470

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47.1 Page 461

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 461
está contido na ata supra descrita, e confirmo a eleição da madre superiora e das irmãs
que compõem o Capítulo Superior do Instituto de Maria Santíssima Auxiliadora, e peço
a Deus que infunda em todas o espírito de caridade e de fervor, para que esta nossa
humilde Congregação cresça em número, dilate-se em outros e depois em outros mais
remotos países da terra, onde as Filhas de Maria Auxiliadora ganhem muitas almas para
Deus, salvem a si mesmas e possam um dia, com as almas por elas salvas, encontrar-se
todas no reino dos Céus para louvar e bendizer a Deus por todos os séculos. Turim, 1º
de setembro de 1880, Sac. Giov. Bosco Reitor”.101
De 3 a 15 de setembro desenrolava-se em Lanzo Torinese o Segundo Capítulo Geral
da Sociedade Salesiana. Nada se disse do Instituto FMA, e no texto das Deliberações
foram republicadas as regras de comportamento já aparecidas nas Deliberações do
Primeiro Capítulo Geral com algumas modificações que tornavam mais realistas
algumas prescrições.102
O ano de 1881 se abria com grandes preocupações pelo declínio da saúde da madre.
Em 20 de janeiro ela acompanhava as irmãs missionárias a Turim para a função de
despedida. Unia-se depois a elas em Sampierdarena, em 1º de fevereiro, e fazia com
elas a viagem de navio até Marselha (2 a 4 de fevereiro). No dia 5 chegava pela ferrovia
também Dom Bosco, que a encontrava e a convidava a ir a Saint-Syr para repousar.
O doutor considerou seu estado grave. Em 19 de março fazia a viagem de volta e,
no dia 28, estava em Nizza Monferrato. Em 25 de abril a pleurite agravava-se. Dom
Bosco estava em Roma. Em 10 de maio padre Cagliero chegava à casa-mãe, de volta da
Espanha. A madre morria na manhã de 14 de maio. O funeral reuniu ao redor do féretro
um enorme grupo de habitantes de Nizza, e irmãs e alunas acompanharam, comovidas
os cantos de exéquia, acompanhados ao órgão pelo padre Cagliero.103 O jornal L’unità
cattolica publicava o elogio em 21 de maio, e o Boletim Salesiano, depois do artigo
necrológico de junho,104 publicava em cinco capítulos, de setembro de 1881 a junho de
1882, uma breve biografia escrita pelo padre Lemoyne105, republicada no Elenco Geral
do Instituto de 1883.
Madre Mazzarello deixava o Instituto espalhado em quatro nações, com 26 casas,
139 irmãs professas e 50 noviças.106 Não era a única nem a principal herança. A última
viagem com as missionárias, a visita à França, as trepidações diante da última doença
101 MB XIV 815; P. Cavaglià e A. Costa (org.), Orme di vita, p. 310.
102 Cf. Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale, 1880, dist. I. Regolamenti speciali, capo
VI. Direzioni generale delle suore (12 articoli), p. 26-27; OE XXXIII 34-35.
103 Cf. L. Castano, Madre Mazzarello: santa e confondatrice delle Figlie di Maria Ausiliatrice.
Leumann (Turim), Elle Di Ci, 1981, p. 243-251.
104 “La superiora generale delle Suore di Maria Ausiliatrice”, BS 5(1881) n. 6, junho, p. 8.
105 “Suor Maria Mazzarello”, BS 5(1881) n. 9, setembro, p. 11-13; n. 10, outubro, p. 6-8; n. 12,
dezembro, p. 15-17; 6(1882) n. 3, março, p. 50-51; n. 6, junho, p. 105-107.
106 MB X 646.

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462 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
eram o testemunho eloqüente da encarnação plena na história do Instituto. Era presença
e identificação com a vida das próprias irmãs e “filhas”, em comunhão de espirituali-
dade operante, da qual as virtudes constitucionais da mestra das noviças e as “virtudes
principais” do Instituto eram antes de tudo as suas, possuídas e comunicadas. Madre,
mestra, guia de Família religiosa, era ela, na realidade dos fatos mais que nas palavras,
fundadora com Dom Bosco, de quem se proclamava “humilde Filha”, “filha primogê-
nita”, assim como se professava “afeiçoadíssima Mãe” das “Filhas” do Instituto.107
4. As presenças no Instituto FMA nos anos 1881-1888
No último período da vida ia gradualmente atenuando-se o envolvimento de Dom
Bosco nos acontecimentos do Instituto FMA, com empenho mais acentuado dos dire-
tores gerais, padre Cagliero e padre Bonetti, e dos diretores locais, padre Lemoyne
e padre Bussi. Existiram, todavia, momentos significativos de presença do fundador,
ainda no biênio 1884 e 1885, os anos do Primeiro Capítulo Geral do Instituto e da
última edição do texto das Constituições, estando vivo Dom Bosco.
4.1 Nos anos 1881-1884
Em 1881, Dom Bosco, tendo voltado de Roma após quatro meses de ausência,
acertava com padre Cagliero, em 12 de agosto, para a eleição da nova superiora geral.
Em 4 de agosto já chegava a Nizza com padre Bertello e conde Cesare Balbo a fim
de participar de uma noite que lhe fora oferecida pela União Operária Católica, da
qual era presidente Carlo Brovia, ex-aluno do Oratório.108 Ele pretendia sobretudo
assistir aos exercícios espirituais das senhoras e senhoritas. Entre as que estavam parti-
cipando encontrava-se sua sobrinha-neta, Eulalia Bosco, filha de Francesco, filho do
irmão Giuseppe. Um ano depois se encontrava em Nizza para fazer-se religiosa. Em
12 de agosto, Dom Bosco, assistido pelo padre Cagliero e pelo padre Lemoyne, presidia
a sessão na qual era eleita superiora geral Caterina Daghero, com 24 anos. No dia
14 deram-se as eleições das superioras do Conselho. Como vigária era eleita Enrichetta
Sorbone, em cujo lugar, como segunda assistente era eleita Elisa Roncallo. Dom Bosco
tinha preparado dois pacotes, um de doces e outro de “amarettos”, com um bilhetinho
107 Cf. M. E. Posada, A. Costa, P. Cavaglià, La sapienza della vita. Lettere di Maria Domenica
Mazzarello, p. 48, 79, 84, 129, 132, 135, 143, 146, 176; M. E. Posada, “Maria Mazzarello:
il significato storico-spirituale della figura”, in: La donna nel carisma salesiano. Leumann
(Turim), Elle Di Ci, 1981.
108 Cf. BS 5(1881) n. 9, setembro, p. 10.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 463
à “Rev.da Madre Superiora Geral” assim concebido: “Eis algumas balas para distribuir
às vossas filhas. Mantende para vós a doçura que deve ser praticada sempre e com
todos; mas estai sempre pronta a receber os amarettos, ou melhor, os pedaços amargos,
quando Deus se dignar enviar-vos. Deus vos abençoe e vos dê virtude e coragem para
santificar a vós e toda a comunidade a vós confiada. Rezai por mim, que vos sou afei-
çoado em Jesus Cristo. Nizza Monferrato, 12 de agosto de 1881, Humilde Servidor Sac.
Gio. Bosco”.109
Em agosto de 1882, Dom Bosco retornava a Nizza Monferrato para os exercícios das
“professoras da escola e outras senhoras”. O Boletim Salesiano de julho o anunciava, e
em setembro fazia referência aos resultados, informando ainda sobre uma intervenção
de Dom Bosco: “Também Dom Bosco fez, num dia, uma conferência, mostrando a
forma prática de fazer o bem em meio ao mundo, começando pela própria família e
pela escola”.110 No sermãozinho de boa-noite do dia 5 de agosto ele tinha recordado
às irmãs o decênio de fundação do Instituto e explicado por que o havia iniciado: era
Nossa Senhora que o queria para o desenvolvimento completo do programa Da mihi
animas, cetera tolle, “e Dom Bosco não fez outra coisa senão obedecer”.111 Ao invés,
não podendo estar presente aos análogos exercícios espirituais de 1883, justificava-se
com padre Cagliero: desejaria passar alguns dias em Nizza Monferrato, “mas uma
série de telegramas exigem que, amanhã de manhã, eu deva partir para Florença”.112
Em 25 de dezembro, respondendo aos votos natalinos recebidos de Nizza das irmãs
e das educandas, agradecia com uma cartinha à superiora geral, a quem assegurava
com incisivas palavras a respeito de certas críticas que corriam – dizia − “sobre nossas
casas”, talvez até pressupostas avaliações expressas por ele mesmo. “São coisas vagas –
assegurava –, não compreendidas, expressas com sentido diverso. Por isso, quem quiser
alguma coisa, que a diga e fale claro. Fiquem tranqüilas; quando tiver alguma coisa, não
mandarei dizer, mas haverei de falar, ou de escrever eu mesmo”.113
No início de 1884 fazia enviar também para as Filhas de Maria Auxiliadora a circular
de Epifania, com a qual respondia aos salesianos e, com as devidas variações, às irmãs
pelos votos de Natal e Ano Novo: “Como pai respondo simplesmente que vos agradeço
de todo coração e que fareis a coisa mais querida do mundo se me ajudardes a salvar
vossa alma, sobretudo com a observância das regras”.114 Meses depois, no retiro em
Pinerolo, entre julho e agosto, sentia-se na obrigação, ainda uma vez, com uma longa
carta ao padre Cagliero, de fazer-se perdoar a ausência em Nizza Monferrato para os
exercícios espirituais das senhoras e senhoritas. Alegrava-se que estivessem em número
109 E IV 76.
110 BS 6(1882) n. 7, p. 116, e n. 9, setembro, p. 156.
111 Cronistoria IV 163.
112 Carta de 7 de agosto de 1883; E IV 231.
113 Para madre Caterina Daghero, 25 de dezembro de 1883; E IV 244-245.
114 E IV 248-250.

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464 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
“considerável, não obstante as vozes desencorajadoras que correm sobre o cólera, que
está ameaçando nossas regiões”. “Para afastar qualquer medo da doença”, sugeria
“o costumeiro antídoto”, “a medalha de Maria Auxiliadora com a jaculatória O Maria
Auxilium Christianorum, ora pro nobis. Comunhão freqüente. Eis tudo”. Aproveitada
a ocasião para sugerir eventualmente, de acordo com a superiora, uma coleta entre as
participantes para a Igreja do Sagrado Coração em Roma. Uma forte exortação “para
romper definitivamente com o mundo” ele colocava na boca de Maria Santíssima,
talvez dirigida sobretudo às postulantes, às noviças e às professas: “Consagrai-vos
inteiramente e com generosidade a meu filho Jesus– insistia –; vosso ser, vossa saúde,
vosso coração, seja agora e sempre de Jesus, custe o que custar”. “Que nos vejamos um
dia no Céu com Jesus e com Maria. Assim seja” – era a calorosa saudação –. “Deus nos
abençoe a todos e Maria nos ajude a caminhar pelo caminho do Céu”.115
De 11 a 22 de agosto de 1884 celebrava-se o Primeiro Capítulo Geral do Instituto.
Padre Cagliero o presidia, com a participação vez por outra dos pregadores dos exercí-
cios espirituais, padre Bertello e padre Bonetti, que alguns meses depois devia suceder
como diretor geral ao padre Cagliero, anunciado como bispo. O Capítulo desenvol-
via-se em 15 sessões.116 Na primeira, padre Cagliero lia a carta em que Dom Bosco
enviava sua bênção e prometia preces.117 As “reuniões” de 2 a 5 eram dedicadas à
revisão das Constituições, feita diretamente sobre o texto de 1878, e não sobre o manus-
crito intermediário (ms K) entre ele e o impresso de 1885. A análise das Atas coloca em
clara evidência as contribuições trazidas também pelas Filhas de Maria Auxiliadora à
segunda edição do seu texto constitucional: a introdução de títulos e artigos novos, a
transposição de outros já existentes, modificações, correções e acréscimos.118 Também
nas duas “sessões” sucessivas foram tratados argumentos disciplinares e organizativos,
que deveriam encontrar eco em variantes das Constituições de 1885: alimento comum,
crônica de cada casa, admissão aos votos nas casas, perigos para a saúde das irmãs na
limpeza dos objetos em colégios numerosos. Da “sessão” da tarde do dia 14 até à da
tarde do dia 21 foram lidas as Deliberações do Primeiro e Segundo Capítulo Geral
dos salesianos, adaptando-as e integrando-as conforme as exigências do Instituto.119
No início da “reunião” da tarde de 20 de agosto – registra a Ata – “o senhor padre
Cagliero anunciou outra carta do nosso bom pai Dom Bosco”. A discussão pros-
seguia sobre o tema das leituras, e o que se disse sobre os romances, Manzoni e
115Ao padre Cagliero, 6 de agosto de 1884; E IV 282-283.
116As atas do mesmo são transmitidas em três redações: Uma minuta em ms orig.; Prima copia
delle adunanze del capitolo generale del 1884, ms orig., com correções e acréscimos; Verbali
del primo capitolo generale delle Figlie di Maria Ausiliatrice aggregate alla Società salesiana.
Nizza Monferrato, 11 agosto 1884, ms orig., transcrição completa e revista da Prima copia,
editada em Cronistoria IV 362-377.
117Atestada pelas Atas do Capítulo, in Cronistoria IV 364-365.
118 Cf. G. Bosco, Costituzione per l’Istituto, p. 173-179.
119 Verbali del primo capitolo generale, in Cronistoria IV 369-375.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 465
I promessi sposi, não era outra coisa que o eco de que tinha sido dito por Dom Bosco
no Segundo Capítulo Geral dos salesianos.120 A carta anunciada pelo padre Cagliero
era uma breve mensagem, enviada por Dom Bosco ao padre Bonetti, em 16 de agosto,
quando estava em Pinerolo: “Dirás às nossas irmãs – exortava – que a obediência com
a humildade faz todas santas. Se isso falta, todo esforço se torna inútil. No curso de
tua vida pregarás sempre: ‘Não reformar as regras, mas praticá-las. Quem busca a
reforma, deforma a sua forma de viver’. Recomenda constantemente a observância
exata de nossas Constituições. Considera sempre que qui timet Deum nihil negligit,
et qui spernit modica paulatim decidit”.121 As reuniões se encerravam pela manhã de
22 de agosto, sem que o Capítulo tivesse podido exaurir o exame das Deliberações
capitulares salesianas. “O acima louvado nosso diretor geral – registravam as Atas
endereçou-nos algumas palavras plenas de caridade e zelo pelo bem de nossas almas
e da Congregação em geral”. Tais palavras ecoavam fielmente idéias e sentimentos
de Dom Bosco: “Deixou-nos como recordação a humildade e a obediência, virtude
tão recomendada pelo Revmo. nosso pai Dom Bosco, base segura da vida religiosa.
Disse também ter sempre o coração aberto com os superiores; e a este respeito fez-nos
observar quão grande é nossa fortuna de ter o apoio dos salesianos, e especialmente
de ter com diretor geral do Instituto um membro do Capítulo Superior dos mesmos
salesianos, que será sempre para nós pai, fazendo ele junto de nós as vezes do pai
comum, que é Dom Bosco. Com a revma. madre geral a vossa confiança seja ilimi-
tada; ai daquela diretora ou irmã que começasse com os escondimentos!” A experiência
fez conhecer que o bom andamento do Instituto e a perseverança na vocação religiosa
dependem essencialmente da confiança e da atenção com os próprios superiores. Seja a
diretora a insinuar nas irmãs essa disponibilidade de coração com os superiores; e então
esteja certa do bom andamento da casa, à qual é preposta. Se a Congregação prosperou
até agora, graças a Deus, é justamente pela confiança que foi mantida para com os
superiores; se alguma infeliz irmã abandonou o Instituto, deve sua desventura ao fato
de ter silenciado, ou falado muito tarde. Terminou recomendando às diretoras a doçura,
o zelo e a paciência na formação do pessoal”.122 No mesmo dia do encerramento, madre
Caterina Daghero fazia uma breve e deferente relação a Dom Bosco do Capítulo cele-
brado. Escrevia, entre outras coisas: “Nas últimas conferências temos procurado adotar
para nós as belíssimas e importantíssimas deliberações dos Capítulos Gerais dos sale-
sianos, nossos irmãos e seus dignos filhos, de cuja observância destas deliberações
eu espero um ótimo resultado para o bom andamento da querida Congregação. (...)
Os Atos (as Atas), pois, que foram assumidos e as deliberações tomadas serão o mais
depressa possível expedidos juntamente com as Santas Regras à P. V. R. para que faça,
in Domino, o que achar necessário e coloque o visto, se acreditar que tal seja útil para
120 Verbali del primo capitolo generale, in Cronistoria IV 374.
121 E IV 288.
122 Verbali del primo capitolo generale, in Cronistoria IV 376.
123 Cf. texto em Cronistoria IV 307-308; MB XVII 730-731.

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466 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
suas filhas em Jesus”.123
Agradável e afetuosa era a carta que Dom Bosco enviava nesses dias à sobrinha-
neta Eulalia. Em Nizza, no final dos exercícios espirituais ela fora admitida à vestição
religiosa. A carta delineava à sobrinha-neta o perfil essencial da mulher consagrada
no estado religioso, como o proposto à irmã Maddalena Martina, em 27 de junho de
1883.124 Traçado com mente lúcida e ardente afetividade, era um intenso retrato do
próprio Dom Bosco e, ao mesmo tempo, um denso testamento espiritual. “Agradeci ao
Senhor quando tomaste a resolução de fazer-te religiosa – escrevia como tio afetuoso
e inspirado –; agora agradeço-o de todo coração, pois conservou em ti a boa vontade
de romper definitivamente com o mundo e consagrar-te inteiramente ao bom Jesus.
Faze de boa vontade essa oferta e reflete sobre a recompensa, que é o cêntuplo na vida
presente e o verdadeiro prêmio, o grande prêmio, na futura. Mas, minha boa Eulalia,
isso não seja de brincadeira, mas feito seriamente. E recorda-te das palavras do pai da
Chantal, quando se encontrava num caso semelhante: Aquilo que se dá ao Senhor não
se retira jamais. Considera que a vida religiosa é vida de contínuo sacrifício, e que cada
sacrifício é largamente recompensado por Deus. Só a obediência, só a observância das
regras, só a esperança do prêmio celeste são nosso conforto no curso da vida mortal.
Sempre recebi tuas cartas, e com prazer. Não respondi por que me faltou o tempo.
Deus te abençoe, ó Eulália, Maria seja tua guia e teu conforto até o céu. Espero que nos
vejamos ainda na vida presente: de outra forma, adeus. Voltaremos a nos falar da vida
beata. Assim seja.”125
Mais adiante registrava-se uma importante intervenção direta de Dom Bosco em
favor da obra de Nizza Monferrato, da qual se desejava uma consistente ampliação.
Enquanto padre Luigi Bussi, o diretor espiritual local, estava encarregado de conduzir a
negociação, ele dirigia o pedido ao prefeito e ao conselho municipal de Nizza para auto-
rizar as modificações de duas ruas, a fim de poder dispor de um pedaço de terreno que
permitisse a prolongação de cerca de 30 metros do edifício preexistente. A ampliação
era justificada por razões morais e higiênicas, além do desejo de alargar as atividades
educativas: “Uma oficina e um pátio de recreação para uso exclusivo das meninas mais
necessitadas da cidade: sendo intenção do suplicante – explicava – abrir uma escola
profissional de costura, gratuita e cotidiana, para as que estivessem na idade dos 12 aos
15 anos, como também para tê-las reunidas, como um oratório, nos dias festivos em
vista da instrução moral, civil e religiosa”.126
Das relações do Instituto com o fundador é espelho fiel o que escrevia padre Cerruti
à superiora geral em 5 de novembro de 1884: “Eu mesmo entreguei vossa carta ao muito
amado Dom Bosco, o qual me perguntou logo notícias do conteúdo e de quanto soubesse
124 Cf. cap. 20, § 6.
125 Carta de Pinerolo, 20 de agosto de 1884; E IV 289-290. Eulalia Bosco (1866-1938), por
decênios, foi conselheira geral do Capítulo Superior do Instituto.
126 Carta de 16 de outubro de 1884; E IV 296-297.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 467
a respeito de vossa santa Congregação. Naturalmente minhas respostas e minhas infor-
mações foram conforme o que já disse e escutei de vós mesma. Entristeceu-o sobretudo
a pouca saúde das irmãs em Navarre e a condição do padre Varaja em St. Cyr, e me
assegurou que se ocuparia conservando a carta no arquivo. Notei que lhe agradou o fato
de ter endereçado a ele mesmo, uma vez que, como me disse com sentimento, também
as irmãs dependem do superior geral da Congregação Salesiana, que é Dom Bosco.
De resto, encontrei-o muito bem de saúde, relativamente, e sempre de bom humor”.127
4.2 Das Constituições de 1885 à morte do fundador
A última fase do empenho de Dom Bosco para o Instituto FMA se abria com o novo
texto impresso das Constituições, publicado em 1885, o último visto e aprovado por
ele.128 O fascículo compreendia o prefácio, a introdução e o texto das Constituições.
A introdução era mais ou menos idêntica à das Constituições salesianas de 1885, com
as devidas variações ao feminino e a omissão do proêmio e da conclusão.
Entre outros documentos disponíveis, tinham-na precedido o manuscrito interme-
diário redigido após o Capítulo Geral de 1884 (ms K), as atas desse mesmo Capítulo,
que tinha trazido modificações ao texto de 1878, e a revisão feita ao texto de 1878 pelo
Capítulo Superior dos salesianos, que se tinha valido de uma comissão composta por
Giovanni Cagliero, Giovanni Bonetti e Giovanni Battista Lemoyne. Todos os três sale-
sianos influenciaram sobre o texto, com particular relevo a contribuição do diretor local,
padre Lemoyne. Ele teve um papel específico sobretudo sobre o que diz respeito ao
vínculo entre as irmãs e os salesianos e as condições de admissão das postulantes e das
noviças. Também Dom Bosco quis ler anteriormente o texto e colocou algumas modi-
ficações, mas não é possível estabelecer o que se deve atribuir a ele.129 O que é certo é
que “da análise do texto de 1885 emerge o fato de que algumas modificações reforçam
ainda mais a dependência do Instituto FMA do reitor-mor da Sociedade Salesiana”.
Do exame das variantes estão presentes também contribuições das irmãs.130
Com relação ao impresso de 1878 o texto está acrescido de dois títulos que expli-
citam argumentos precedentemente menos desenvolvidos: os títulos X, sobre o Capítulo
127AGFMA 412 111, Orig. aut. 2ff.
128 Regole o costituzioni per le Figlie di Maria SS. Ausiliatrice aggregate alla Società Salesiana
approvate da varii vescovi tra cui l’eminentissimo cardinale Gaetano Alimonda arcivescovo
di Torino. Turim [ = San Benigno Canavese], Tipografia Salesiana, 1885, 120.
129 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 184-193.
130 Poderia ser profícua uma análise das variantes Ks (= irmãs) e Kc (= Cagliero) intervindas para
dar cumprimento ao texto das Constituições de 1885; G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p.
169-172 (colocação do texto no desenvolvimento geral das Constituições), p. 289-353 (texto
editado com relativo aparato das variantes).

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468 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Geral, e XVI, Sobre o silêncio (que já tinha entrado no ms K e discretamente corrigido
seja por Ks, irmãs, seja por Kc, padre Cagliero), que segue o Da clausura. O título X,
Capítulo Geral, explicita em três artigos, com alguma variante, a matéria preceden-
temente concentrada no art. 6 pelo título V. As variantes dizem respeito ao papel do
“superior maior” no Capítulo Geral; ele toma parte neste pessoalmente ou por meio do
“diretor geral, com dois sacerdotes assistentes” (art. 1); “Se o superior maior não parti-
cipar pessoalmente do Capítulo Geral, todos os atos do mesmo deverão ser submetidos
a seu exame, e não obrigarão antes da sua aprovação” (art. 3).131 O título II uniformi-
zava-se ao das Constituições salesianas, Forma do Instituto. Seguem imediatamente os
três títulos relativos aos votos, enquanto Governo interno do Instituto é objeto do título
VI. O título XIII, Virtudes essenciais, é enriquecido pelos art. 1, 2 e 5: “1. Caridade
paciente e zelante para qualquer pessoa, com a finalidade de fazer o maior bem possível
às almas. 2. Simplicidade e modéstia com santa alegria (...). 5. (...) retratanto Marta e
Madalena, a vida dos apóstolos e a dos anjos”.132
O texto regulou a vida do Instituto até 1906.
Em abril de 1885 Dom Bosco não esquecia o onomástico da superiora geral,
enviando os augúrios de Nice, na França: “Irmã Cat. Sup. Geral, etc., Deus vos abençoe
e a toda a Congregação que Maria A. vos confiou, e sua proteção vos conduza nos
perigos, e mantenha todas firmes no caminho para a via do Paraíso. Assim seja. Nice,
30 de abril de 1885”.133
Na citada carta de 13 de junho de 1885, ao lazarista Stella,134 enviada em junho junto
com a nova edição das Constituições, Dom Bosco manifestava claramente sua posição
sobre a dependência do Instituto FMA do superior da Sociedade Salesiana. “Em nossa
Congregação – declarava – temos a categoria das irmãs chamadas Filhas de Maria
Auxiliadora, e gostaria que dependessem do superior dos salesianos do mesmo modo
que as Filhas da Caridade dependem do superior dos lazaristas”.135 E esse era o ditado
constitucional. Como nas Constituições de 1878 o Instituto estava “sob a imediata
dependência do superior geral da Sociedade de São Francisco de Sales” (tít. II, art. 1),
no interior era “governado e dirigido por um Capítulo Superior, composto pela supe-
riora geral, pela vigária, pela ecônoma e por duas assistentes, dependentemente do
reitor-mor da Congregação Salesiana” (tit. VI, art. 1) e o Capítulo Superior era “presi-
dido pelo superior maior ou pelo diretor geral e pelo diretor local para isso delegado”
(art. 2). Portanto, fica evidente que a fórmula “irmãos e irmãs”, por ele usada, não tinha
um significado puramente emocional, mas estritamente jurídico. Aparece em várias
cartas aos seus: “Tu, pois, farás a distribuição das cartas que receberás pelas mãos de
131 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 311.
132 G. Bosco, Costituzioni per l’Istituto, p. 316.
133 E IV 324.
134 Cf. § 3.
135 Carta de 13 de junho de 1885; E IV 325.
136Ao padre Bodrato, 31 de dezembro de 1878; E III 423.

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 469
nossos irmãos ou de nossas irmãs”;136 “conserva ciosamente o segredo do que te será
confiado pelos irmãos e irmãs, e dê plena liberdade e respeito às suas cartas, como
prescrevem nossas regras”.137
Histórica torna-se a última visita a Nizza Monferrato, vivamente solicitada pelo
padre Bonetti, diretor geral, que estava presente nos exercícios das senhoras, seguidos
pelos exercícios espirituais das irmãs: “trezentas irmãs reunidas de todas as partes”,
escrevia a Dom Bosco.138 Nos dias 22, 23 e 24 de agosto a crônica do padre Viglietti
é extremamente concisa, limitando-se a indicar os deslocamentos de Dom Bosco de
Pinerolo a Nizza, a Valdocco e a San Benigno para os exercícios espirituais dos sale-
sianos.139 Fortemente debilitado, Dom Bosco tinha marcado o dia 22 de agosto com
padre Bussi, diretor local de Nizza Monferrato, e acompanhado pelos clérigos Viglietti
e Festa. No dia seguinte celebrava a missa da comunidade das irmãs e, no período da
manhã, assistia ao rito da vestição e da profissão dos votos. No discurso, ele começava
acenando à velhice e aos incômodos que a acompanham. E como as professas tinham
recebido o crucifixo de suas mãos, prosseguia falando da cruz e da alegria de levá-la.
Deixava, enfim, uma lembrança e depois uma outra e outra ainda: “Praticai o bem,
praticai boas obras; fadigai-vos, trabalhai muito pelo Senhor e todas com boa vontade.
Oh! não perdei tempo, fazei o bem, fazei muito, e não vos arrependereis jamais de tê-lo
feito”. E acrescentava logo: “Quereis um outro? A prática da Santa Regra! Praticai
vossa Regra, e eu repito ainda que não vos arrependereis jamais. Vede, ó queridas filhas,
nossas Regras são infalíveis e nos dão muitas vantagens, mas a mais importante entre
todas é a salvação certa de nossa alma. Não vos surpreenda a palavra infalível, porque
sendo nossas Regras aprovadas pelo romano pontífice, que é infalível, cada artigo das
Regras por ele aprovado é infalível”. E, mais adiante, dava uma última “lembrança”
implícita: “Estai alegres, minhas queridas filhas, sadias e santas, e caminhai sempre
em acordo entre vós. E aqui teria necessidade de recomeçar a falar-vos, mas já estou
cansado e é preciso que vos contenteis com esse pouco”.140 Dirigindo-se depois no
locutório às capitulares, falava da presença de Nossa Senhora em casa, de forma a
torná-la fisicamente quase visível: “Nossa Senhora está verdadeiramente aqui, aqui no
meio de vós! Maria passeia nesta casa e a cobre com seu manto”.141
Terminados os exercícios espirituais, as diretoras e as mestras dos asilos de infância
e das escolas elementares se entretinham em casa, convidadas pela madre a participar
de conferências sobre a respectiva atividade pedagógica e didática. Padre Bonetti fazia
uma sobre o cuidado da saúde e sobre os meios para conservá-la. Particularmente
137Ao padre Fagnano, 10 de agosto de 1885; E IV 335.
138 Cf. carta do padre Bonetti a Dom Bosco, 5 de agosto de 1885; MB XVII 821-822.
139 C. Viglietti, Cronaca di D. Bosco. Dal 24 marzo 1885 al 14 aprile 1886, p. 41.
140 MB XVII 555-556; cf. o texto manuscrito alógrafo, mas concentrado em ASC A 0250215,
FdB 443 E10-444 A3.
141 MB XVII 557.

47.10 Page 470

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470 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
importantes foram as lições de pedagogia dadas às mestras pelo padre Cerruti.
Às mestras de asilo de infância, além disso, ele apresentava o opúsculo por ele compi-
lado com a provável colaboração de madre Emilia Mosca:142 Regulamento-programa
para os asilos de infância das Filhas de Maria Auxiliadora, precedido de um esboço
histórico a respeito das origens e das instituições de asilo na Itália.143
Voltando da Espanha, Dom Bosco assinava em 24 de maio de 1886 a carta de convo-
cação do Segundo Capítulo Geral do Instituto FMA, para a eleição das componentes
do Capítulo Geral, cujo sexênio terminava em agosto de 1886.144 A madre superiora
geral, por sua pate, convidava as diretoras a Nizza para o dia 14 de agosto, quando
se encontravam irmãs de todos os lugares para os exercícios espirituais. O edifício
estava cheio, também na parte em construção. Dom Bosco, conduzido a Pinerolo para
o necessário descanso, voltava a Valdocco em 13 de agosto; mas sempre com a saúde
precária, embora podendo participar da festa das premiações e de seu aniversário. Foi
representado no Capítulo Geral pelo novo diretor espiritual da Sociedade Salesiana,
padre Giovanni Bonetti. As sessões começaram na manhã do dia 14. No dia 15, na
parte da tarde, padre Rua, juridicamente vigário de Dom Bosco, presidia a sessão. Ele
trazia uma breve mensagem autógrafa do fundador, escrita no verso de uma imagem de
Maria Auxiliadora: “Maria traga todas as bênçãos do bom Jesus, vos ilumine e conduza
na eleição atual, a fim de que, nas aflições e nas consolações possais, sempre façais
a santa vontade do Senhor. Sac. Gio. Bosco”.145 Na sessão da tarde de 16 de agosto,
antes de passar às votações, padre Rua lia uma carta que Dom Bosco tinha assinado
em Pinerolo, Vila Episcopal, em 8 de agosto de 1886. Com ela concedia ao padre Rua
“todas as faculdades necessárias” “para a eleição da superiora geral e das outras supe-
rioras” “e para qualquer outra deliberação”, e acrescentava: “Eu estou meio cego e
frágil de saúde; rezai portanto por mim, que estarei sempre presente para todos e para
todas em Jesus Cristo. Af.mo Amigo e Pai Sac. Gio. Bosco”.146 Desde a madre geral até
a segunda assistente, todas foram reeleitas. No dia seguinte padre Rua voltava a Turim
e o Capítulo continuava suas reuniões. Em carta circular de 8 de setembro, Natividade
de Maria Virgem, padre Bonetti comunicava a todas as Filhas de Maria Auxiliadora o
resultado das eleições, informava que, “antes e depois da eleição, foram feitas várias
conferências, em geral e em particular, tratando de várias matérias que dizem respeito
ao maior desenvolvimento do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora e das obras
142 Cf. P. Cavaglià,” Il primo regolamento degli asili infantili istituiti dalle Figlie di Maria
Ausiliatrice (1885)”, Rivista di Scienze dell’Educazione 35(1997), p. 17-46.
143 Regolamento-Programma per gli asili d’infanzia delle Figlie di Maria Ausiliatrice preceduto
da un Cenno storico sull’orgine e sulla istituzione degli asili in Italia. San Benigno Canavese,
Tipografia e Libreria Salesiana, 1885, 32 p.
144O texto da carta é transcrito por G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo,
vol. I: Dalle origini alla morte del Fondatore. Roma, 1972, p. 131-135.
145 Transcrita em Cronistoria, V 105.
146 Transcrita em Cronistoria, V 105-106; E IV 359.

48 Pages 471-480

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48.1 Page 471

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Cap XXIX: Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto das FMA (1878-1888) 471
que lhe são confiadas, bem como da reta observância da Santa Regra”, e que seriam
comunicadas a seu tempo “as deliberações tomadas” depois de “revistas e aprovadas
pelo superior maior”.147
Mais afortunadas foram as irmãs que participaram dos exercícios espirituais ocor-
ridos em Turim, de 24 de agosto a 1° de setembro. Deste dia o secretário registrava em
sua Crônica: “Nesta manhã, às 10 horas, Dom Bosco tomou consigo padre Viglietti e
passou na casa onde as irmãs estavam reunidas para os exercícios, abençoou-as e deu-
lhes algumas lembranças, depois foi a Valsalice”, onde, na parte da tarde, dava início ao
Quarto Capítulo Geral da Sociedade Salesiana.148
Em 2 de dezembro, seis irmãs missionárias – era a sexta expedição das FMA –
participavam da despedida na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, presidida pelo cardeal
Alimonda, estando presente Dom Bosco, que as acolhia em audiência nos dias seguintes,
dispensando-as de jejuns e vigílias e dando-lhes conselhos.
Nos anos 1885/86 o Instituto FMA mantinha-se presente em forma substancial
também nas últimas partes das Memórias de 1841 a 1884-5-6. Dom Bosco acenava
apenas para a observância fiel por parte dos salesianos das deliberações de seus
Capítulos Gerais sobre as relações com as religiosas do Instituto. Eram, ao invés, expli-
citados temas de vida interna do mesmo Instituto: a prudência na aceitação das postu-
lantes, a importância capital da formação das noviças, uma vez “que as virtudes não
adquiridas no tempo do noviciado, normalmente não se adquirem mais”, o recato no
comportamento com “pessoas de outro sexo”; por isso – recomendava –, “a superiora
geral e as diretoras das casas não permitam nenhuma familiaridade com pessoas secu-
lares de qualquer gênero”. Variadas também eram as indicações sobre a observância
do voto de pobreza. Em coisas de pobreza, de construções, de reparações e similares
era de obrigação a referência aos “conselhos”, às “ordens”, ao “entendimento” com o
reitor-mor. Normas interessantes eram dadas sobre a celebração dos Capítulos Gerais
– idênticas para os salesianos e para as Filhas de Maria Auxiliadora –: a concessão
da “mais ampla liberdade de falar sobre argumentos pro e contra”, o “uso dos votos
secretos” nas deliberações, a pontual “execução das coisas deliberadas”, “o evitar as
novidades das propostas nas conferências ou nos Capítulos” privados de referência às
“coisas anteriormente aprovadas ou da tradição, das Regras, ou Capítulos Gerais ou
particulares”.149
Na última fase da doença de Dom Bosco, em 5 de janeiro de 1888, padre Bonetti,
diretor geral, enviava às Filhas de Maria Auxiliadora uma carta muito serenante: “É
certamente fora de dúvida que o Senhor e Nossa Senhora escutaram as orações que
fizestes junto com milhares de pessoas para a conservação da preciosa vida do nosso
ótimo pai”. Tratava-se de uma sensível melhora iniciada em 30 de dezembro e conti-
147 Transcrita em Cronistoria, V 235.
148 C. Viglietti, Cronaca di D. Bosco. Dal 18 maggio 1886 al 12 gennaio 1887, p. 34.
149 Cf. “Memorie dal 1841”, RSS 4(1885), p. 121-123.

48.2 Page 472

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472 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
nuada nas primeiras duas décadas de janeiro. O diretor prosseguia: “No entanto, apro-
veito desta ocasião para falar-vos da lembrança que o querido Dom Bosco deu às irmãs
em particular, na dolorosa tarde de 29 de dezembro, quando nos fazia prever uma irre-
parável perda. Após ter recomendado o quanto já foi acenado nas cartas circulares aos
salesianos, e que se saberá a seu tempo, ele, com voz quase moribunda, acrescentou:
Para as irmãs: obediência; praticá-la e fazê-la praticar’”.150 Com o coração partido,
madre Daghero partia para a Espanha. Mas chegava o fim. Ao anúncio da morte, a
vigária, com irmã Mosca, partia logo para Turim. Madre Daghero aí chegava em
2 de fevereiro, pouco antes dos funerais, mas em tempo de ver, ainda uma vez, a
face de Dom Bosco. Também a elas era dirigido o anúncio dado pelo padre Rua em
31 de janeiro, uma breve mensagem transbordante de comoção, enquanto dom Cagliero
enviava às Filhas de Maria Auxiliadora uma carta pessoal, encorajando e exortando.151
Madre Daghero com irmã Mosca assistia, em 4 de fevereiro, ao sepultamento do corpo
em Valsalice e, voltando a Nizza, enviava ao padre Rua, em nome do Instituto, uma
carta na qual renovava suas condolências, exprimia a consolação de tê-lo como superior,
prometia a máxima solidariedade e colaboração com ele que seria considerado, “depois
de Deus – dizia –, como nosso pai, guia, apoio, tudo!”. “Com a presente, portanto –
concluía –, ó querido pai, eu me coloco com toda a pobre querida Congregação em suas
mãos, aplaudo sua eleição, protesto-lhe nossa completa obediência filial e servidão e
lhe suplico querer, também o senhor, considerar-nos como suas filhas”.152
Palavras de Dom Bosco, carta do padre Rua e do padre Cagliero, carta ao padre Rua
de madre Daghero são documentos de enraizadas convicções entre o séc. XIX e XX de
uma precisa relação histórica e jurídica do Instituto FMA com a Sociedade Salesiana.
Nesse clima elas fariam juntas um caminho de crescimento interior e de expansão quan-
titativa. Também para o Instituto FMA, com efeito, o decênio que precedeu a morte de
Dom Bosco foi caracterizado por extraordinário desenvolvimento, ao qual a partida do
fundador não teria obstaculado de forma nenhuma.153
150 Carta transcrita por G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo, p. 163-165.
151 Transcrita por G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo, p. 169-171.
152 Transcrita por G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo, p. 172-173.
153 Cf. G. Mainetti, Madre Caterina Daghero prima successora della beata Maria Mazzarello nel
governo dell’Istituto Figlie di Maria Ausiliatrice. Turim, SEI, 1940, p. 113-144, 257-318.

48.3 Page 473

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Capítulo XXX
Construir, expandir e consolidar as obras
juvenis (1880-1887)
1880
1881
1882
1883
1884
5 de abril: Leão XIII entrega a Dom Bosco a construção da Igreja do Sagrado
Coração em Roma
11 de dezembro: assinatura da convenção para a igreja e o internato
4 de março: início da obra salesiana em Florença
novembro: início da obra salesiana em Faenza
22 de fevereiro: início da primeira obra salesiana na Espanha, em Utrera
18 de novembro: início da obra salesiana em Mogliano Veneto
27 de agosto: foram aprovados pela Propaganda Fide o Vicariato Apostólico e
a Prefeitura Apostólica na Patagônia
16 de novembro: o Breve e o Decreto respectivos
20: Breve de nomeação do padre Cagliero pró-vigário
30 de outubro: padre Cagliero é nomeado vigário apostólico e bispo
7 de dezembro: consagração episcopal de dom Cagliero
Em 1882 concluem-se fatos, os quais, embora desligados em si, tiveram forte
impacto no ritmo de vida de Dom Bosco. Ele declarava ao cardeal protetor, Lorenzo
Nina, no epicentro das últimas controvérsias turinenses: “De qualquer forma eu estive
e estou agora pronto a fazer qualquer sacrifício, contanto que consiga terminar um
trabalho que me faz perder tanto tempo”.1 A poucos meses da “Concórdia”, fazia-se a
consagração da Igreja São João Evangelista e concluía-se a questão escolar. Dom Bosco,
contudo, não tinha diminuído seu empenho de educador e de fundador. Continuavam as
tratativas para a abertura de novas obras juvenis, tinha chegado o prestigioso encargo
por parte de Leão XIII da onerosa construção da Igreja do Sagrado Coração em Roma
e intensificava-se a promoção caritativa e a busca de subsídios. Obviamente nada tinha
conseguido interromper a atividade normal de governo, também espiritual, das comuni-
dades juvenis e dos dois institutos religiosos no seu complexo. Tais tarefas eram impre-
1 Carta de 28 de dezembro de 1881; E IV 105.

48.4 Page 474

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474 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
visivelmente facilitadas, a partir de 9 de agosto de 1883, pela promoção do cardeal
Gaetano Alimonda (1818-1892) à cátedra arquiepiscopal de Turim.
1. Desenvolvimento inter-regional de obras juvenis na Itália e chegada à
Espanha (1881-1882)
Na expansão das obras, embora permanecendo protagonista, Dom Bosco envolvia,
em medida crescente, além do Capítulo Superior, colaboradores qualificados na peri-
feria, os inspetores e os diretores locais. Entre as obras emergiam os colégios com
escolas e os internatos com oficinas de artes e ofícios. Estava, no entanto, sempre
presente a preocupação para que não declinasse a obra originária e clássica, o oratório
festivo ou cotidiano, que se tornaria objeto de particular atenção e regulamentação nos
dois Capítulos Gerais de 1883 e 1886.
Os primeiros dois anos da década de 80 foram interessantes porque na Itália se dava
a consolidação da presença salesiana em duas regiões de grande relevo, a Toscana, onde
já se encontrava a significativa obra de Lucca, embora sem possibilidade de desenvol-
vimento, e o Vêneto, além da extensão da Romagna, rica de problemas e de possibili-
dades para o específico empenho educativo salesiano. Registrava-se, ao mesmo tempo,
a entrada na península ibérica, que se tornava logo o espaço salesiano gêmeo da Itália,
pelo número e pela qualidade das obras, com paralelo florescimento de vocações sale-
sianas, disponível à irradiação no território metropolitano e nas missões estrangeiras.
1.1 Na Itália: Florença, Faenza e Mogliano Veneto
Nos anos 60 e 70 tinham sido intensas as relações de Dom Bosco com Florença
e extraordinária a acolhida por ele encontrada constantemente no mundo eclesiástico
florentino com os arcebispos Gioachino Limberti e Eugenio Cecconi (em Florença,
respectivamente nos anos 1857-1874 e 1874-1888) e entre um belo grupo de leigos
católicos, benfeitores e benfeitoras. Todavia, a presença de uma obra na segunda capital
da Itália aconteceu somente em março de 1881, ainda que os pedidos episódicos aconte-
cessem desde 1867, sobretudo colocados em movimento pelo proselitismo protestante.2
Alguma pequena iniciativa parecia acontecer em 1877, mas somente em maio de 1880
um comitê alugava e colocava à disposição dos salesianos um modesto edifício em
Via Cimabue. Dom Bosco considerou a proposta sobre bases muito frágeis. Moveu-se
somente quando se tornava interlocutor direto, com uma proposta séria, o próprio arce-
2 Cf. o que dirá A. Miscio, Firenze e Don Bosco 1848-1888. Firenze, Libreria Editrice
Salesiana, 1991.

48.5 Page 475

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 475
bispo. “À comovente carta de E. V. – respondia em 25 de janeiro de 1881 – eu me
disponho a fazer até o impossível, como dizem os piemonteses”. Agora que devia tratar
diretamente com ele, Dom Bosco faria tudo o que lhe era pedido. Entrementes, daria
ordens ao diretor da obra de Lucca, padre Giovanni Marenco, de se dirigir à Florença
“para dispor as coisas de modo que os futuros salesianos” pudessem encontrar o que
fosse necessário “para cozinhar o macarrão”. Ele, de sua parte, “cataria” o pessoal
necessário – “um padre, um clérigo e um coadjutor” – para dar início à obra“dentro de
poucas semanas” , que seria limitada, “por algum tempo”, só ao “oratório festivo e ao
lugar de recreação”.3
Em 4 de março de 1881 aí chegava padre Faustino Confortola, transferido de
Cremona, com um clérigo e um coadjutor, dando imediatamente início ao oratório. Em
uma carta de Alassio ao padre Cagliero, que estava em Utrera, Dom Bosco escrevia:
“A casa de Florença está estabelecida desde 4 de março passado e padre Confortola faz
mirabilia”.4 Em 19 de março era abençoada a capela, formada de dois espaços do rés-
do-chão, ornamentada por um grande quadro pintado a óleo, doado por uma senhora
que quis manter-se em segredo. O oratório passava, em poucas semanas, de trinta a
duzentos freqüentadores. Em 15 de maio, na parte da tarde, Dom Bosco, voltando de
Roma, fazia em Florença a primeira conferência salesiana, particularmente importante
– escrevia na circular de convite –, “tanto mais que não se trata de obras estranhas a esta
cidade, mas de fundar estavelmente um instituto para os pobres órfãos”.5 A conferência
aconteceu na casa dos padres Filippini, conhecida como Santa Florença. Dom Bosco
falou por mais de uma hora, agradecendo e pedindo, com a habitual insistência sobre o
dito evangélico “Quod superest date eleemosynam”.6 Não lhe faltava em primeiro lugar
o apoio de “mamãe” Uguccioni.7 Ao mesmo tempo ele procurava aumentar o círculo da
beneficência com uma circular, na qual denunciava em particular a “grande destruição”
feita pelos protestantes, e solicitando “o zelo e a caridade” dos florentinos em favor de
“uma obra dirigida ao bem da religião e da moralidade pública e privada”.8 Terminado o
ano de aluguel, podia-se encontrar um lugar mais vasto em via Fra Giovanni Angelico,
numa área mais rica de possibilidades para a ação salesiana. Os trabalhos de readaptação
prepararam rapidamente um internato, ao qual o arcebispo confiava certo número de
jovens por ele escolhidos, garantindo a respectiva pensão. O oratório retomava as ativi-
dades na nova sede em 2 de novembro, e o internato, na festa da Imaculada Conceição,
de quem a casa recebia o nome.
Dom Bosco voltava a Florença em 9 de abril, solenidade de Páscoa. No dia seguinte
3A dom Eugenio Cecconi, 25 de janeiro de 1881; E IV 6.
4 Carta de 6 de abril de 1881; E IV 41.
5 Circular de maio de 1881; E IV 54. Cf. carta ao padre Confortola, 10 de maio; E IV 53.
6 Cf. o relatório do padre Faustino Confortola sobre os promistores inícios da obra, com uma
acolhida “mais amorável e encorajadora” dos florentinos, e sobre a conferência de 15 de
maio, em BS 5(1881) n. 7, julho, p. 7-9.
7 Cf. carta de 6 de outubro de 1881 (E IV 84); 27 de janeiro de 1883 (E IV 200); 28 novembro
de 1884 (E IV 304-305).
8 Circular de outubro de 1881; E IV 84-85.

48.6 Page 476

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476 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
fazia uma conferência aos cooperadores, ilustrando o que já fora feito, oratório e inter-
nato, e o que estava por fazer, as escolas para os externos.9 Em agosto, após grave
doença do padre Confortola, coadjuvado validamente pelo padre Bruna, que tinha
saído da desventura de Cremona, recomendava: “Agirei de modo que tenha o pessoal
necessário, mas cultive, ou melhor, faça cultivar o oratório festivo, tão desejado nessa
cidade”.10 No ano escolar de 1884-1885 padre Confortola, fazendo publicidade do
conjunto da obra, informava sobre as diversas formas de atividade expressas: o oratório
e as escolas festivas para os jovens externos, um internato para os jovens ou órfãos e
abandonados instruídos nas artes e ofícios, e ainda as quatro classes elementares para
os internos, preparatórias para a instrução segundária.11 No início do ano escolar suces-
sivo era nomeado diretor padre Stefano Febraro, de Castelnuovo, o qual, quinze anos
depois, passaria por grave crise vocacional e humana. A ele, diretor há poucos dias,
Dom Bosco escrevia: “Li com verdadeiro prazer tua carta e experimentei consolação ao
compreender que estás feliz na tua posição em Florença. Eu estarei sempre feliz quando
estás tranqüilo e que possas me ajudar a salvar almas, além da tua”.12 No período de
sua direção era notável a conferência aos cooperadores florentinos, realizada em
6 de março de 1886 pelo bispo auxiliar Donato Velluti Zati di San Clemente (1845-
1927), renomado orador, que aproveitava a ocasião para tecer um elogio de Dom
Bosco, que antecipava a comemoração que teria lugar após 31 de janeiro de 1888. “Este
nome – dizia com estima ilimitada – conhecido agora em toda a Europa e América, soa
querido em minha boca, e tomado de admiração por tudo o que ele pôde fazer sob o
estandarte da caridade, não sei senão exclamar: “Ó Caridade, como és poderosa! Tu os
humildes e os que não contam diante do mundo transformas em apóstolos e heróis, tu
sabes tudo com teu fogo vivificador, tu podes tudo”.13
Não menos significativo e produtivo, mas muito mais combatido pelas forças leigas
e anticlericais, foi a chegada dos salesianos em Faenza, na Romagna, com uma obra
de humildes origens, mas de futuro intenso e sólido, embora fechada em 2000. Teve
como primeira sede um ex-convento no Borgo chamado Urbecco e a primeira obra foi
um oratório interparoquial com escolas vespertinas. A extraordinária figura do coope-
rador salesiano padre Paolo Taroni, diretor espiritual do seminário diocesano, auxi-
liado por outro sacerdote não menos zelante, correspondente de Dom Bosco, cônego
Giuseppe Cavina tinha aquecido e preparado o empenho dos salesianos. Em junho de
1880 colocavam-se as bases de um capitulado. Vários meses se passaram por causa
9As informações sobre a visita e a conferência de Dom Bosco foram transmitidas por uma carta
do padre Confortola, de 3 de maio de 1882, publicada em BS 6(1882) n. 7, julho, p. 119-121:
Notícias sobre o Oratório de Maria Imaculada e conferência aos cooperadores em Florença.
10Ao padre Confortola, 28 de agosto de 1882; E IV 165.
11 BS 8(1884) n. 9, setembro, p. 134-135, “Instituto Salesiano da Imaculada em Florença”.
12Ao padre Febraro, 30 de outubro de 1885; E IV 344.
13 BS 11(1887) n. 6, junho, p. 71: carta do padre Febraro e grande parte do texto do discurso de
dom Velluti Zati, p. 69-82, “Conferência salesiana em Florença”.

48.7 Page 477

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 477
das dificuldades para a restauração do edifício e a autorização de ocupação colocadas
pelo poder público e pela província. Acompanhados pelo padre Cagliero, chegaram
a Faenza nos primeiros dias de 1881 o diretor, padre Giovanni Battista Rinaldi, o
clérigo faentino Enrico Foschini e o coadjutor Paolo Bassignana, o popular “Paulino”.
Em 20 de novembro, padre Cagliero presidia a solene abertura do oratório.14 Para o incre-
mento das atividades, nos inícios de 1882 constituiu-se a Comissão de Cooperadores,
todos eclesiásticos, entre os quais também o bispo de Cesena, dom Giovanni Strocchi,
presidida pelo pró-vigário geral, Achille Emiliani, que convidava a subscrever-se por
três anos ações de 25 liras cada uma, em favor de uma obra mais ampla, dirigida à
educação da juventude, em um século no qual os ânimos estavam divididos “em cem
partidos mais ou menos adversos não somente à Religião, mas ainda à civilização e à
ordem”.15 O bispo de Faenza, dom Angelo Pianori, dos frades menores observantes,
com carta de 6 de março de 1882, relembrava a encíclica de 15 de fevereiro, que incitava
a “honrar e proteger a Sociedade da Juventude” e apoiava a iniciativa das ações.16 Dom
Bosco visitava Faenza em 13 de maio de 1882, e no domingo, na parte da tarde, fazia
uma conferência em uma igreja pública. Uma vez presentes, davam-se conta de que,
para o desenvolvimento da obra, era necessário conduzi-la a um espaço mais amplo, no
centro da cidade. Em 1° de janeiro de 1883 ele estipulava com a Comissão Eclesiástica
uma convenção, em que se desejava que às típicas atividades oratorianas se unisse
um internato com oficinas de artes e ofícios.17 As oposições das forças políticas e dos
jornais “democráticos” foram virulentas.18 Dom Bosco escrevia ao cônego Giuseppe
Cavina, manifestando uma vez mais a indômita tensão à superação das situações difí-
ceis pela causa de Deus e das almas: “Com grande pesar entendi os fatos que dificultam
a obra dirigida ao bem da juventude pobre e periclitante. Temos que abandonar o campo
nas mãos do inimigo? Jamais. Nos grandes perigos é preciso reduplicar os esforços e
os sacrifícios. Nós faremos de boa vontade o que está em nosso poder, mas é preciso
que também V. S. e seus amigos se esforcem para abrir algum internato para os jovens
pobres. Busque-se e se faça. Padre Rinaldi explicará melhor meus pensamentos”.19
O Oratório foi deslocado para o centro da cidade, com escolas vespertinas e ativi-
dades variadas, entre as quais as escolas elementares. No decurso de 1885 foram edifi-
cados a igreja e o teatro, conforme a aprovação do Capítulo Superior, de 29 de maio
de 1885, enquanto, conforme o que sustentava Dom Bosco, se devia “começar alguma
oficina, mas pouco a pouco”.20 As oposições tinham se traduzido também em violên-
14 Padre Paolo Taroni informava a chegada dos salesianos em Faenza na carta de 23 de novembro de
1881, publicada no BS 6(1882) n.1, janeiro, p. 8-9, “Uma casa salesiana na cidade de Faenza”.
15 Documenti XXIV 98-101, FdB 1078 B10-12.
16 Documenti XXIV 101, FdB 1078 C1.
17 MB XV 758.
18 Cf. materiais em Documenti XXV 332-337, FdB 1086 E2-7.
19 Carta de 17 de setembro de 1883; E IV 234.

48.8 Page 478

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478 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
cias e ameaças, e era ambígüa a posição da administração republicana, que em abril de
1884 tinha apoiado a instituição de um Recreio leigo, contraponto explícito ao oratório
católico.21 Sobre o desenvolvimento da obra, Dom Bosco tinha ocasião de precisar com
tenacidade as próprias antigas idéias na sessão do Capítulo Superior de 14 de dezembro
de 1885: em Faenza dever-se-ia refazer o percurso do Oratório de Valdocco entre os
anos 40 e 60: primeiro o oratório e as escolas vespertinas, depois o colégio internato
para os estudantes do ginásio, finalmente para os aprendizes.22
Por ocasião da primeira conferência salesiana, feita em 2 de junho de 1887, os cató-
licos de Faenza expressaram, através da palavra dos eclesiásticos mais eminentes, seu
pensamento sobre Dom Bosco e a obra salesiana em sua cidade. O diretor enviava o
relatório dessa conferência ao Boletim Salesiano. O acontecimento foi vivido como cele-
bração da vitória das forças católicas sobre as oposições e agressões sectárias. Dom
Bosco, impossibilitado de intervir, por causa das precárias condições de saúde, mandou
para representá-lo padre Francesia, seu aluno de primeira hora e que gozava de toda
a confiança. Esteve presente o bispo salesiano, dom Gioachino Cantagalli. O discurso
oficial foi proferido pelo fraterno amigo dos salesianos, padre Filippo Lanzoni. Falaram
o vigário geral, dom Francesco Baldassari, seguido por um elevado sermão do bispo e
do canto do Te Deum. As intervenções eram em sentido único, claramente anti-socia-
listas: no coração da educação salesiana estava o trabalho, em uma sociedade ordenada
e estável, onde se praticava a honestidade cristã e se estava feliz com o próprio estado,
alheia à destruidora veleidade revolucionária. A obra salesiana era, portanto, “obra
vantajosa não somente para os jovens, mas para toda a sociedade”, proclamava padre
Lanzoni. O vigário geral acrescentava: “Os jovens alimentados com máximas religiosas
pelos filhos de Dom Bosco, dizem: – Bem-aventurada a hora passada no trabalho!”;
com efeito, “quando o aprendiz conhece e pratica essas máximas, aprende a amar o
trabalho, a viver contente em seu estado, a não invejar os que se dizem ricos e a se
persuadir que a revolução não traz riqueza a ninguém, mas discórdia, ódio e ruínas”.
No afetuoso sermãozinho conclusivo, o bispo de Faenza manifestava sua consolação em
constatar que, como sempre na história, a Providência tinha enviado a uma sociedade,
e nela, a crianças, reduzidas à condição infeliz, “o homem dos tempos”, Dom Bosco.
“Esse homem – explicava –, com suas casas, com seus oratórios, enriquece a alma dos
jovenzinhos com o estudo, com a bondade, com o amor, e dessa forma os vai conduzindo
para a verdadeira sabedoria. E o trabalho manual não é descurado, e nesta casa vereis
o carpinteiro-ferreiro, o marceneiro, o alfaiate. Ele possui o coração de aprendiz que
ama seu trabalho, como tem também o de estudante que ama seu estudo. E o operário
educado por Dom Bosco, filho afeiçoado da Igreja, vê o rico e não tem inveja dele, vê o
trabalho e se consola, vê as desgraças e permanece sereno”.23 Era a interpretação, nem a
20 Capitolo Superiore [Verbali], fol. 57r-v, ASC D 868, FdB 1882 A5-6.
21 Documenti XXVII 119-121, FdB 1095 C1-3.
22 Capitolo Superiore, fol. 90r, FdB 1883 A11.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 479
primeira nem a última, do “bom cristão e honesto cidadão” por parte de uma larga faixa
de católicos, moderadamente “sociais”, substancialmente conservadores.
Mais tranqüilas eram as origens e os acontecimentos da obra salesiana de Mogliano
Veneto, pequena cidade da província e da diocese de Treviso, distante 13 quilômetros da
cidade principal e 19 de Veneza. Em carta de Roma, de 16 de março de 1880, ao padre
Durando, encarregado de examinar as propostas de fundação, Dom Bosco escrevia:
“Respondi logo à senhora Astori que padre Sala iria. Envio junto a carta que servirá
de norma para o mesmo”.24 Desde o ano precedente pleiteavam a obra duas eminentes
personalidades da Obra dos Congressos, o advogado Giambattista Paganuzzi (1841-
1923) e o engenheiro Pietro Saccardo (1830-1903). Tornava-a possível uma antiga
benfeitora veneziana, Elisabetta Bellavite, viúva desde 1876 do munificente Vincenzo
Omobono Astori, que, para a criação de uma colônia agrícola, pretendia oferecer o
terreno necessário e 150 mil liras [pouco menos de 500 mil euros] para construir os
edifícios exigidos.25
A fim de envolver também Dom Bosco, em 1879, ela tinha se dirigido a Turim para
a festa de Maria Auxiliadora. Em 20 de setembro de 1880, o Capítulo Superior, reunido
em Sampierdarena, aceitava a proposta. A senhora confirmava a doação na carta de 19 de
outubro. Padre Sala partia para fazer assinar o texto do contrato e dar procedimento aos
trabalhos, que começavam na primavera de 1881 e eram realizados rapidamente e com
grande maestria por pessoas capazes e honestas, sob a supervisão do engenheiro Pietro
Saccardo, em constante relação com padre Rua.26 A permissão da diocese foi escrita de
próprio punho em 24 de março de 1880 pelo vigário capitular, cônego Giuseppe Sarto,
futuro papa Pio X, que tinha conhecido Dom Bosco no Oratório em 1875: “Concedo
para a presente fundação a mais ampla faculdade e licença, junto com meu pleníssimo
assentimento”, escrevia antecipando-se a desenvolvimentos mais amplos que os de uma
humilde colônica agrícola.27
Ao novo bispo de Treviso, ao Meu carmo. D. Apollonio e Exa. Revma., dom
Giuseppe Apollonio, Dom Bosco enviava uma terna mensagem de Alassio, em 26 de
setembro de 1882. Tinha se hospedado com ele na primeira viagem no Vêneto, em
1865.28 “Mas é preciso justamente que Deus nos queira em suas mãos”, iniciava, infor-
mando-o: “Há pouco fundamos uma casa em Mogliano, de cuja diocese o senhor foi
feito bispo. De todo coração celebrarei a santa missa e rezarei a ave-Maria segundo sua
23 La Prima Conferenza dei Cooperatori e Cooperatrici a Faenza, BS 11 (1887) n. 8, agosto,
p. 90-92.
24 E III 551.
25 Cf. sobre todo o acontecimento G. Polo, “Don Mosè Veronesi e la fondazione dell’Astori
a Mogliano Veneto (Treviso)”, in: F. Motto (org.), L’Opera Salesiana dal 1880 al 1922:
significatività e portata sociale. Vol. II. Roma, LAS, 2001, p. 51-63.
26 Cf. Astori 1882-1982. Mogliano Veneto, Collegio Astori, 1983, p. 15-17.
27 Cf. G. Polo, Don Mosè Veronesi e la fondazione dell’Astori, p. 59; texto integral em MB XIV 819.
28 Cf. cap. 14, § 7.

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480 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
piedosa intenção. Tenho ainda uma particular intenção para que Deus conserve em boa
saúde e ad multos annos”. E se excusava: “Escrevo muito mal. Tenho 67 anos e ainda
não sei escrever. Poderei aprender melhor no futuro?”.29 A casa foi aberta em 18 de
novembro de 1882, sendo diretor padre Mosè Veronesi, acompanhado por outro sacer-
dote e por dois coadjutores.30 A colônia, contudo, já desde o ano escolar 1883-1884,
aceitava também jovens estudantes, e no ano sucessivo apareciam completamente esta-
belecidos tanto o curso elementar como o ginasial.
1.2 Irradiação na Espanha, em Utrera, em 1881
A entrada na Espanha foi propiciada pelo venerando e catolicíssimo marquês Diego
Ulloa, que queria abrir em Utrera, a 30 quilômetros da sede arquiepiscopal de Sevilha,
um internato para jovens carentes. Em 1879 o arcebispo Gioachino Lluch y Garriga
tinha se dirigido a Dom Bosco. Em resposta tinha recebido genéricas esperanças.
Em janeiro de 1880 padre Cagliero, mais o coadjutor Giuseppe Rossi, foram enviados
para uma exploração. Esse coadjutor se tornará o principal ator na realização da empresa,
naturalmente sob a guia de Dom Bosco e do padre Rua. Foi logo oferecida uma igreja,
a de Nossa Senhora do Carmo, com edifício anexo. Informado das tratativas realizadas,
Dom Bosco escrevia de Nizza uma carta muito cordial ao marquês Ulloa, acrescen-
tando no pós-escrito: “Confirmo o que meu encarregado Doutor Cagliero concluiu para
a casa a ser aberta na cidade de Utrera e espero que, com o auxílio do Senhor, tudo
esteja preparado para outubro próximo, e que meus filhos e seus salesianos possam
partir nessa época para ir ao lugar da missão que a Divina Providência, através do
Senhor, preparou”.31
Alguns meses depois os salesianos chegaram em Utrera após o tempo previsto.
Escrevendo ao padre Lasagna, Dom Bosco anunciava: “Padre Cagliero, mensageiro
perpétuo, irá à Espanha, depois à Lisboa, ao Porto e voltará a Turim quando puder”.32
De fato, padre Cagliero tinha acompanhado à Espanha o diretor, padre Giovanni Branda,
com dois sacerdotes, um clérigo e dois coadjutores, abrindo a casa em 2 de fevereiro.
Em carta ao padre Cagliero, ainda em Utrera, Dom Bosco escrevia: “Saúda padre
Branda, padre Pane, padre Oberti – em 1884 substituirá padre Branda, destinado a
dar início à obra Sarriá-Barcelona –, o professor de música e o mestre de cozinha (...).
29 E IV 175.
30O Boletim Salesiano de dezembro informava os cooperadores: BS 5(1882) n. 12, dezembro,
p. 201-202, “Colônia agrícola em Mogliano Veneto” (carta do ecônomo geral, padre Antonio
Sala, de 19 de novembro de 1882).
31 Carta de 26 de fevereiro de 1880; E III 547.
32 Carta de janeiro de 1881; E IV 15. Padre Cagliero, após as viagens indicadas, voltou a Turim
nos primeiros dias de maio.

49 Pages 481-490

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 481
Faz uma homenagem respeitosa ao senhor marquês Ulloa e família, como ao senhor arce-
bispo, que esperamos em Turim”.33 No final de junho Dom Bosco escreveria uma bela
carta em latim, agradecendo o arcebispo e pedindo-lhe: “tamquam pater nobis semper
dicito”.34 No ano escolar sucessivo seguia um reforço para a obra – igreja, oratório,
escolas para jovens externos pobres –, como se pode entender também por esta carta ao
inspetor na França, padre Paolo Albera: “Por meio do padre Cagliero terás normas para
regular-te a respeito de quatro ou seis salesianos que viajam para a Espanha”.35 O novo
arcebispo, Cefirino Gonzáles, quis participar na festa de São Francisco de Sales de 1884.
Foi recebido solenemente na vigília. À tarde deu a bênção eucarística, no dia da festa
assistiu ao solene pontifical e à tarde presidiu a conferência dos cooperadores. O bispo
auxiliar, Marcelo Spínola, participou e falou na concorridíssima função da tarde. Na
manhã seguinte assistiu à missa em sufrágio dos cooperadores defuntos, deixando depois
uma generosa oferta.36 Na festa de São Francisco de Sales do ano seguinte o “zelantís-
simo pastor e insigne cooperador”, dom Spínola, participava como protagonista, sendo
bispo recentemente nomeado de Coria. “É impossível – escrevia o novo diretor padre
Oberti – retribuir o amor que nos demonstra, a afabilidade com a qual nos trata e a fami-
liaridade com a qual deseja ser tratado”, mostrando-se “o pai, o amigo, o conselheiro e
o auxílio em qualquer necessidade” dos salesianos. Após ter participado da mesa prepa-
rada pelas cooperadoras, ele fazia a conferência prescrita pelo Regulamento.37
2. Construção da Igreja do Sagrado Coração e do internato anexo em Roma
O longo empenho de Dom Bosco, mais de sete anos, na construção da Igreja e de
parte do internato anexo – ou, para ele, era antes de tudo a igreja anexa ao internato? – é
observatório ideal onde colher, uma vez mais, o verdadeiro significado de sua ação, a
paixão educativa e pastoral voltada principalmente para os jovens. Ela aparece na mais
clara luz no quadro das relevantes transformações sociais e econômicas da área da
Estação Termini, ao lado da qual surgia a igreja e se estendia a paróquia.38 A aventura
começava em 24 de março de 1880, quando o cardeal vigário Raffaele Monaco La
33 Carta de Alassio, 6 de abril de 1881; E IV 41.
34 A dom Gioachino Lluch y Garriga, 30 de junho de 1881; E IV 65.
35 Carta de 26 de novembro de 1882; E IV 185.
36 BS 8(1884) n. 3, março, p. 40-41, “Festa e conferência em Utrera (Espanha)” (carta do diretor
padre Giovanni Branda de 31 de janeiro de 1884).
37 BS 9(1885) n. 5, maio, p. 73-74, “Conferência em Utrera” (carta do diretor padre Erneso
Oberti de 1° abril de 1885).
38 Cf. C. Coniglione, “Presenza salesiana nel quartiere romano di Castro Pretorio (1880-1915)”,
RSS 3(1984), p. 3-91 (bibliografia, p. 90-91); G. Rossi, “L’istruzione professionale in Roma
capitale. Le scuole professionali dei salesiani al Castro Pretorio (1883-1930)”, in: F. Motto
(ed.), Insediamenti e iniziative salesiane dopo Don Bosco, p. 63-135.

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482 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Valletta (1827-1896) falava a Dom Bosco do impasse a que chegara a construção tão
acalentada por Leão XIII. Quatro dias depois falava de novo em termos de compro-
misso. Na breve permanência em Nápoles nos dois dias sucessivos – em 29 e 30 de
março – Dom Bosco encontrava Ludovico da Casoria,39 o qual tinha construído nas
proximidades da igreja a ser erigida, em Via Milazzo, uma capela provisória e uma
escola, e, graças a uma nova investida sobre Roma, em junho de 1882, obtinha em
alternativa via livre para as próprias instituições.40 Por fim, em 5 de abril de 1880,
Leão XIII investia-o pessoalmente do oneroso encargo. Dom Bosco dava o primeiro
anúncio público de sua realização em janeiro de 1881, quando começava a mover a
beneficência pública. Colocaria um ponto final, por sua parte, em 7 de novembro de
1887, quando escrevia a última carta ao secretário particular do papa com o objetivo
de obter a concessão de um substancioso subsídio para extinguir o débito contraído na
construção da fachada da igreja.
Nesta última e temerária aventura revelam-se, de forma privilegiada, sua fé e
coragem: nesses anos realmente “as pedras gritam” (Lc 19,34-40), com ressonâncias
virtualmente universais. A aceitação da gravosa tarefa, com toda probabilidade, nascia
certamente do desejo de mais de quinze anos e das fracassadas tentativas de ter uma
sede na capital do mundo católico – Vigna Pia (1867), São Caio, San Giovanni della
Pigna, Santo Sudário, abrigo San Michele a Ripa (anos 70) –, para dar uma face mundial
à Congregação e conferir-lhe ao mesmo tempo nova dignidade e prestígio.
Em 24 e 28 de março de 1880 o cardeal Vigário, Raffaele Monaco La Valletta,
com discretas sondagens fazia presente a Dom Bosco o problema da Igreja do
S. Coração. Os trabalhos, com efeito, já iniciados com Pio IX e continuados sob Leão
XIII, tinham chegado ao rés-do-chão, com a ameaça de parar por falta de fundos.41
Contudo, já em 2 de fevereiro de 1879 fora erigida canonicamente a paróquia e, em
28 de março de 1880, concedido o reconhecimento civil. Em 5 de abril Leão XIII
rompia as dificuldades, e Dom Bosco aceitava, colocando-se em contato com o refe-
rente imediato, o cardeal vigário. Na tarde de 10 de abril apresentava-lhe um relatório
provisório, como ponto de partida para o contrato entre o Vicariato e a Sociedade
Salesiana.42 Foi-lhe pedida a construção de uma igreja, e ele associava imediatamente
a edificação de um internato e de um oratório juvenil, em analogia com quanto tinha
tentado em Turim com a Igreja São Secondo. Não parece nem mesmo casual que, em
13 de abril, ele tenha enviado um pedido a Leão XIII para a ereção do Vicariado ou
Prefeitura Apostólica na Patagônia.43
Tendo em mãos o desenho da igreja, Dom Bosco escrevia ao padre Dalmazzo,
39 Cf. cap. 29, § 1.1.
40 Cf. Ludovico Da Casoria, Epistolario, vol. I, p. 334 e 549; vol. II, p. 846.
41 Documenti XXII 87-88, 90-92, 99, FdB 1069 D7-8, 11-12; E 7.
42 E III 564-566.
43 Cf. E III 567-575. Cf., mais adiante, § 4.1.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 483
dando-lhe “todo poder de modificar e concluir no sentido e nos limites que S. Eminência
julgar melhor”. Porém, acrescentava duas anotações importantes: uma dizia respeito à
ampliação da igreja, que devia passar dos 400 aos 900 metros quadrados, a outra, à taxa
de desconto para empréstimos junto do Banco Tiberino, do qual pretendia adquirir os
terrenos adjacentes à igreja – 5.500 metros quadrados no lado sudeste –, para poder
prolongar e construir aí o internato previsto.44 Na área adquirida, na esquina entre Via
di San Lorenzo (a atual Via Marsala) e Via Marghera, surgia um pequeno edifício que,
acrescido de dois andares, foi a morada dos salesianos em Roma durante o período
dos trabalhos. Dois dias depois Dom Bosco escrevia de novo ao procurador, padre
Dalmazzo: “Apenas concluído o ato notarial da passagem em nosso favor da Igreja
do Sagrado Coração, avise-me logo. Tudo o que foi lido no Capítulo foi aprovado”.45
No que diz respeito à propriedade da igreja e da casa paroquial, concordou-se com a
fórmula proposta por Dom Bosco: “A igreja e a casa paroquial na propriedade pertencem
ao ordinário de Roma em perpétuo: mas o usufruto pertencerá em perpétuo à Sociedade
de São Francisco de Sales”.46
Em novembro de 1880 terminava o prazo para o pagamento de cerca de 40 mil liras,
emprestadas do Banco Tiberino para o terreno, a casa e os materiais de construção.
De outro lado, não tendo ainda sido assinado o contrato, Dom Bosco não pretendia
fazer apelos públicos à beneficência. Mobilizava, portanto, padre Dalmazzo para
buscar dinheiro: “Pela crise financeira todos gritam e fecham a bolsa. Podemos contar,
em Roma, com alguém? Pensa de perto e de longe, e depois me diga alguma coisa.
É urgentíssimo poder conseguir dinheiro para o Sagrado Coração, mas até que as
coisas não sejam definitivamente realizadas, parece que não convém publicar. Contudo,
estamos sem dinheiro. Tire daí as conclusões”.47 Era o começo da “febre edilícia”, que
durou até 1887, não se conseguia o dinheiro líquido e se procedia com montes de letras
cambiais.48 Em uma carta posterior, Dom Bosco sugeria dilações ou parcelas no paga-
mento da dívida com o Banco Tiberino, enquanto acenava às dificuldades que freavam
a assinatura da convenção, entre as quais a duração dos trabalhos, e sobre o vigário
paroquial permanente.49 Para o término da construção da igreja concordou-se, de modo
geral, por período de seis anos, de fato prolongável, e a apresentação e nomeação do
pároco conforme as normas canônicas. A convenção foi assinada por Dom Bosco em
11 de dezembro de 1880 e, depois da aprovação do papa, do cardeal vigário em 18 de
44 Carta de 7 de julho de 1880; E III 601-602.
45 Carta de 9 de julho de 1880.
46 Cf. carta ao padre Dalmazzo, 14 e 15 de julho de 1880; E III 606-607, 607-608.
47 Carta de 24 de novembro de 1880; E III 635.
48 Cf. I. Insolera, Roma moderna: un secolo di storia urbanistica 1870-1970. Turim, Einaudi,
2001, p. 52-60.
49Ao padre Dalmazzo, 9 de dezembro de 1880 (E III 639); ao cardeal vigário, 11 de dezembro
de 1880 (E III 640-641).

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484 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
junho, por fim registrada pelo chanceler do Vicariado no dia 29.50
Com o caminho livre, e autônomo para dar maior impulso aos trabalhos, Dom Bosco
lançava entre janeiro e fevereiro uma circular, traduzida em várias línguas e difundida
em todas as direções,51 integrada por outras circulares especiais a arcebispos e bispos na
Itália e, em latim, fora da Itália; o mesmo fez, usando as duas línguas, latina e italiana
ou outra moderna, para os jornalistas católicos italianos e estrangeiros,52 dando normas
para seu trabalho.53
A circular tocava em todos os motivos que caracterizariam sua infatigável propa-
ganda e a busca de subsídios nos mais diversos ambientes. Isso era exigido pela quali-
dade de edifício sagrado. Provavelmente iniciado sob projeto do célebre arquiteto
Virginio Vespignani (1808-1882), representante oficial da cultura arquitetônica romana
nos últimos anos do poder temporal, o desenho foi sobrecarregado de elementos deco-
rativos pelo filho Francesco (1848-1899), personagem emergente no movimento cató-
lico romano, que deu o acabamento e executou.54
Na circular de janeiro de 1881, Dom Bosco dava informações idôneas para tocar
mentes e corações dos “cristãos de todo o mundo”. A igreja e as obras anexas eram
“propostas pela mente iluminada de Leão XIII”; a igreja devia servir não somente
para a assistência pastoral do quarteirão em rápido crescimento populacional, mas
também de “monumento ao imortal Pio IX”. Descrevia ainda o estado dos traba-
lhos, para os quais concorriam – é o número dilatado pelos momentos de ponta
da mão-de-obra empregada – “cerca de cento e sessenta operários entre ajudantes,
pedreiros e maquinistas”. Indicava, naturalmente, os dois modos fundamentais de
ajudar: 1) meios pecuniários e materiais de construção; 2) a prece e o convencimento
de “pessoas facultosas para se tornarem benfeitoras”. Dirigia-se antes de tudo aos
cooperadores, falava dos coletores devidamente autorizados e rigorosamente indivi-
duáveis, com o convite de se fazer tais dirigido a arcebispos, bispos, párocos, curas
e reitores de igrejas. Terminava listando as vantagens espirituais no presente e no
futuro reservadas aos doadores e aos coletores.55
De fato, a construção se demonstrou excepcionalmente dispendiosa, além dos
5 milhões de euros. Indubitavelmente incidiram também diversas anomalias de gestão,
que levavam Dom Bosco a lamentar lentidões danosas injustificadas, interferências
indevidas, dúvidas sobre a incerteza do empresário, a quem acabou substituindo,
enquanto as responsabilidades executivas e os ônus financeiros caíam inteiramente
50 Veja-se o texto em MB XIV 807-810; cf. C. Coniglione, “Presenza salesiana nel quartiere
romano di Castro Pretorio”, RSS 3(1984), p. 31-32.
51 Texto em E IV 18-20.
52 Textos em E IV 20-22.
53 Texto em E IV 22-24.
54 Cf. G. Spagnesi, L’architetura a Roma al tempo di Pio IX (1830-1870). Roma, Edizioni
Studium, 2000, p. 122-123.
55 Circular de Turim, janeiro de 1881; E IV 18-20.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 485
sobre suas costas. Conseqüentemente, não faltaram momentos fortes na intervenção
de Dom Bosco, incansável em mendigar para o Sagrado Coração, além da Itália, na
França e na Espanha, enquanto que, para concluir os acordos, quis consigo em Roma o
vigário, padre Rua, para co-divisão de vistas e de decisões.56 Obviamente, não deixava
padre Dalmazzo em paz, não acostumado a pedir. “Prepara terreno – solicitava – sobre
a possibilidade de obter algum auxílio para a Igreja e o Instituto do Sagrado Coração
junto ao Município de Roma, do Ministério das Finanças, nosso paroquiano [o palácio
das Finanças, construído por Quintino Sala, encontrava-se no território da paróquia],
Ministério do Interior, de Graça e Justiça e da Economia”.57 Na carta acenava também
ao cônego Colomiatti e à suspensão do padre Bonetti. Conversaria sobre isso em Roma,
para onde iria diretamente da França, onde estivera em fevereiro-março para recolher
dinheiro para o Sagrado Coração.
Foi por ocasião dessa viagem que, em Toulon, Dom Bosco entrou em contato com
o advogado Fleury Antoine Colle e senhora, cujo filho de dezesseis anos tinha morrido
em 3 de abril. Para a nomeação do advogado francês a conde romano, Dom Bosco, em
16 de junho de 1881, fazia uma súplica a Leão XIII, nomeando as várias benemerên-
cias, entre as quais uma primeira oferta de 40 mil francos para a Igreja e o Internato
do Sagrado Coração.58 Enviava também uma carta ao cardeal vigário para que apoiasse
ou ajudasse a apoiar o pedido. Na mesma carta anotava: “Eu trabalho incessantemente
para encontrar dinheiro e Deus nos favorece e se encontra, mas padre Dalmazzo gasta
tudo e jamais diz ‘basta’”.59 A tratativa para o título de conde ao advogado Colle tinha
um percurso tortuoso e com vários desvios. O Breve do conferimento do título chegava,
após um precedente, com dizeres inexatos, em 19 de julho de 1882. O conde acabou se
tornando o mais generoso benfeitor da Igreja e do Internato do Sagrado Coração, além
de outras obras salesianas; o mais generoso, em absoluto, entre os benfeitores de Dom
Bosco: “Na França e na Itália há um só senhor conde Colle”, ter-lhe-ia escrito em 29 de
dezembro de 1884.60 Uma grande contribuição teria vindo ainda da triunfal viagem na
França e, em particular, a Paris, de 1883 (18 de abril a 26 de maio).61
Da França chegava a Roma em 20 de abril de 1881, e na parte da tarde do dia
23 já estava em audiência com o santo padre. No mesmo dia relatava em carta enviada
aos cooperadores: o papa tinha se interessado vivamente pela empresa e tinha oferecido
5 mil liras, um exemplo e um estímulo para os cooperadores-benfeitores.62 Ainda em
Roma, em 1º de maio, pedia ao cardeal vigário permitir a conferência dos coopera-
56 Carta ao padre Rua, primeiros dias de abril de 1881 (E IV 36, n. 7); ao padre Dalmazzo, abril
de 1881 (E IV 41); ao padre Berto, 6 de abril de 1881 (E IV 42).
57 Carta de Alassio de abril de 1881; E IV 41.
58 E IV 60.
59 Carta de 14 de setembro 1881; E IV 81.
60 E IV 510.
61 Cf. cap. 31, §1.
62 Circular de 23 de abril de 1881; E IV 45-47.

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486 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
dores em 9 de maio e o convidava a estar presente. Ao mesmo tempo, informava-o:
“Já estou na nova casa do Esquilino. Os trabalhos prosseguem rapidamente. Como
se vai de dinheiro? Até o presente momento pode-se ir adiante; para o futuro, espe-
ramos na bondade do Senhor”.63 A conferência aconteceu na casa das Oblatas de Tor
de’ Specchi, em 9 de maio. Dom Bosco falou acenando às obras salesianas e colo-
cando em evidência a construção da Igreja e do Internato do Sagrado Coração, a partir
dos inícios, por obra do padre Maresca, até o momento em que assumiu o encargo.
Cardeal Alimonda fez a conferência.64 Na primeira fase, todo o ano de 1881, a empresa
caminhou nos trilhos. Mesmo as ofertas afluíam em medidas adequadas aos compro-
missos financeiros. “Já entregamos perto de outras 10 mil liras ao Banco de Desconto.
Não perder de vista o pedido ao Município de Roma”, anunciava e recordava ao padre
Dalmazzo, enquanto falava de módulos já impressos a serem enviados aos Coletores.65
Os trabalhos caminhavam celeremente, e Dom Bosco, enquanto observava e animava
os que estavam neles empenhados, viajava, falava e escrevia para fornecer o dinheiro de
apoio. Em 5 de julho, de Turim, estava em grau de anunciar ao padre Dalmazzo: “Tudo
caminha bem: Deus seja louvado em todas as coisas. Eu não perco um instante; mas
os trabalhos são abençoados por Deus e coragem”. Ao mesmo tempo falava de “uma
série de empresas” em ato, isto é, de iniciativas para encontrar dinheiro: “Trabalhamos
também para enviar-te padres e dinheiro”.66 Endereçava até uma carta de pedido à
princesa Clotilde de Savóia, “a santa de Moncalieri”, esposa do príncipe Girolamo
Bonaparte.67 Mobilizava salesianos e jovens dos colégios,68 enviava para pedir padre
Pozzan e padre Febraro, precedidos de uma circular de apresentação:69 para pedir
ofertas estiveram durante um mês na região do Trentino;70 depois nos últimos meses
de 1881 e nos primeiros de 1882 percorreram as dioceses de Belluno e Feltre, Ceneda
(hoje Vittorio Veneto) e Udine.
Em 10 de julho de 1881 o cardeal vigário abençoava a capela paroquial provisória,
construída ao lado da igreja nascente. No dia 12 era emanado o decreto de nomeação
do padre Francesco Dalmazzo como pároco. Quanto à côngrua Dom Bosco tinha se
dirigido ao papa e ao cardeal vigário:71 o Vicariato cuidava dela com cartelas nominais
63 E IV 50.
64 BS 5(1881) n. 6, junho, p. 5-7: o texto foi tirado da crônica do acontecimento publicado em
13 de maio no jornal romano L’Aurora, n. 109, com o título “Em Tor de’ Specchi”.
65 Carta de 31 de maio de 1881; E IV 56-57.
66 E IV 69.
67 Carta de 24 de julho de 1881; E IV 70-71.
68 Vieram ofertas até dos colégios da América, por exemplo, de San Nicolás de los Arroyos; cf.
BS 5(1881) n. 12, dezembro, p. 8-9.
69 Circular de 10 de agosto de 1881; E IV 74-75.
70 Ao bispo de Trento, 16 de agosto de 1881 (MB XV 407); “L’Ospizio e la chiesa del Sacro
Cuore in Roma e la diocese di Trento”, BS 5(1881) n. 11 e 12, novembro e dezembro, p. 4-6
e 10-12; 6 (1882) n. 3, março, p. 48-50.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 487
de Renda Italiana, com um rendimento anual de 2 mil e cem liras anuais.
Pela metade de setembro de 1881 Dom Bosco escrevia ao padre Dalmazzo para a
reimpressão de módulos em várias línguas para os coletores, dando além disso notí-
cias encorajantes de ofertas que chegavam, incluindo as subscrições para as grandes
colunas, ao preço de 2 mil e quinhentas liras cada uma.72 No início de 1882 o Boletim
Salesiano publicava uma relação sintética e encorajante sobre o estado da construção
no final de 1881, redigida pelo padre Angelo Savio, ex-ecônomo geral da Sociedade
Salesiana e agora delegado por Dom Bosco para seguir os trabalhos.73
Mas em 1882, acentuaram-se dissensos com a comissão anterior, presidida pelo
marquês Mereghi, agravados por interferências, irregularidades, disparidade de
visões sobre a interpretação e realização dos contratos e dos desenhos executivos e as
compensações relativas, sobretudo as reivindicadas pelo empresário Gaetano Andolfi.
Os trabalhos ficaram praticamente suspensos por quase um ano.74 A mediação do
engenheiro-arquiteto G. Squarcina, deputado no Parlamento, foi útil nas tratativas.75
Ele considerava boa base a carta, com a qual Dom Bosco tinha procurado esclarecer
e reformular os recíprocos compromissos ao arquiteto, conde Francisco Vespignani:
“1) Regular o passado para não ter que voltar sobre ele para entender-nos ou discutir.
2) Estabelecer princípios e bases claras, e para isso apresentar os desenhos e um
contrato preciso com os preços relativos a cada um dos chefes de trabalho”; e “imedia-
tamente retomar a construção da Igreja”.76 Ao mesmo tempo, solicitava, por meio do
padre Dalmazzo, a concessão das condecorações pontifícias para alguns benfeitores,
enquanto perguntava: “E o senhor Vespignani?”77. Não faltava nem mesmo uma pitada
de ironia nas relações com os funcionários da Cúria: “Seria preciso uma pitada de Sun
da Espanha [finíssimo tabaco do nariz] para acordar o compilador de Breves (muito
longos) para nossas condecorações”.78 Com particular vigor reivindicava a exclusiva
responsabilidade da Congregação na gestão dos trabalhos e dos respectivos encargos
financeiros, justamente alguns dias após a promulgação do texto da Concórdia. Escrevia
resoluto ao procurador e pároco: “Os trabalhos estão sempre suspensos? Creio que
seja indispensável que o cardeal vigário não quebre mais a cabeça nas coisas mate-
riais e deixe tudo ao pároco, que paga e resolve os negócios”.79 Usava de não menor
clareza diretamente com sua eminência, o beneditino Raffaele Monaco La Valletta:
“Padre Sávio me manda cópia das pendências sobre a construção da Igreja do Sagrado
71Ao padre Dalmazzo, 18 de outubro de 1880; E III 630.
72 E IV 80-81.
73 BS 6(1882) n. 1, janeiro, p. 43-45.
74 Cf. C. Coniglione, “Presenza salesiana nel quartiere romano di Castro Pretorio”, p. 34-36.
75 Documenti XXIV 169-170, FdB 1079 C5-6.
76 Carta de 9 de maio de 1882; E IV 134-135.
77 Carta ao padre Dalmazzo, 19 de junho de 1882; E IV 144.
78 Ao padre Dalmazzo, 19 de junho de 1882; E IV 144.
79 Carta de 28 de junho de 1882; E IV 147.

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488 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Coração; percebo que se queira complicar as coisas, e não se reconhece nenhuma auto-
ridade, nem mesmo a do pároco Dalmazzo”. Reservava-se o direito de enviar-lhe um
escrito seu, que não foi encontrado. No entanto, declarava com extrema franqueza:
“Para dar andamento às coisas creio que seja indispensável que V. E. se coloque fora
da confusão e envie toda a condução ao pároco, que deve buscar o dinheiro e pagar.
Eu queria fazer um ajustamento. Escrevi duas cartas ao senhor conde Vespignani, mas
não veio nem me deu alguma resposta que esperava em Roma. Quero que os trabalhos
progridam, faço esforços incríveis para encontrar o dinheiro, porém, se as coisas conti-
nuam nesse pé, quando se verá a igreja acabada?”.80 Sobre a carta ao vigário informava
ao padre Savio, sublinhando o mal-estar de dever sentir-se “forasteiro” em um mundo,
que, exigindo uma imensa fadiga, não parecia tratar com particular cordialidade quem
a estava enfrentando com sacrifícios sobre-humanos: “Escrevi uma carta ao cardeal
vigário na qual peço que deixe todo problema nas mãos do pároco e de ti; e que, até
que não se convençam a reconhecer-nos como proprietários, acontecerão distúrbios a
ele e nada faremos”; “perde-se tempo e dinheiro e vai-se ao encontro de dissabores.
Não somos forasteiros e por isso...”, Acrescentava um pós-escrito: “Podes consultar
algum advogado”.81 Em julho voltava à carga com padre Dalmazzo, fazendo uma lista
de perguntas: “Estamos sem notícias. Dize-me, portanto, ou faz-me dizer: como estão
as coisas na igreja do Sagrado Coração? Foram retomados e se podem retomar os traba-
lhos? Posso fazer alguma coisa estando aqui? Ainda há dinheiro? Continuam as cartas
chargées ou recommandées? “Saúda padre Savio e dize-lhe que não brinque e conduza
a igreja a seu término, a despeito de todas as unhadas que nos dá Satanás”.82 Não faltava
uma pitada de sarcasmo: “Ao invés de reclamar do que fazemos em Roma, eu desejaria
que certos senhores pensassem em nos dar dinheiro”.83 Afrontava, imperturbável e não
despreparado: “Alii alia dicant de nossas coisas em Roma. Eu não ligo para nada,
porque estamos seguros de nosso dever. Contudo, se me dizes em confidência de nossas
relações com o santo padre, com o cardeal vigário, com a Igreja do Sagrado Coração
etc., me farás uma coisa muito útil”.84 Em dezembro escrevia ainda ao procurador: “Não
há mesmo forma de terminar nossos problemas com o empresário? Entre ti e padre
Savio in camera caritatis talvez podereis fazer algo”.85 No Natal, ao padre Dalmazzo
e aos salesianos da comunidade desejava “toda felicidade espiritual e temporal”, reco-
mendava a “observância exata da pobreza, castidade, obediência” e, misturando sacro e
profano, prosseguia: “Para nós será um belo dia quando tenhamos a caridade que reina
perfeitamente entre vós, quando estejam sistematizados os negócios com o empresário
80 Carta de 5 de julho de 1882; E IV 149-150.
81 Carta de 6 de julho de 1882; E IV 150.
82 Carta de 29 de julho de 1882; E IV 156-157.
83Ao padre Dalmazzo, 27 de agosto de 1882; E IV 165.
84Ao padre Dalmazzo, 26 de novembro de 1882; E IV 186.
85Ao padre Dalmazzo, 6 de dezembro de 1882; E IV 189.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 489
e possamos retomar os nossos trabalhos do Sagrado Coração de Jesus. A rifa dorme?
Prepara aí, que te daremos uma mão estando aqui”.86
Mais adiante, na vigília da grande viagem à França, com meta em Paris – estaria
ausente de Valdocco de 31 de janeiro a 30 de maio de 1883 –, informava a respeito ao
cardeal vigário, pedindo-lhe que se empenhasse “para retirar os empecilhos” que impe-
diam os trabalhos: “Farei uma viagem até Lyon e Paris pedindo para o Sagrado Coração
e recomendando o dinheiro de São Pedro”; “estou pronto também a sacrifícios pouco
racionais, a fim de que se possam continuar os trabalhos infelizmente suspensos”.87
Justamente na carta de 31 de janeiro – mas nessas horas Dom Bosco estava tomando
o trem para a Ligúria e a França – padre Dalmazzo comunicava ao superior que a
questão estava próxima da solução e que o ecônomo, padre Savio, estava empenhado
nos problemas financeiros ligados à “liquidação de todo o trabalho do empresário”.88
Em 20 de fevereiro o ecônomo responsável anunciava ao padre Rua que o distrato
do precedente contrato fora assinado em 6 de fevereiro, entre outras coisas, com o
pagamento ao empresário de 40 mil liras e a aquisição de todos os materiais, os imple-
mentos e os objetos de construção.89 De Marselha Dom Bosco escrevia ainda ao padre
Dalmazzo, enviando dinheiro e pedindo que o buscasse em Roma: “Eu faço o que
posso, mas é preciso que tu e padre Savio façais todo o possível para conseguir dinheiro.
Para teu controle, foram expedidos 3 mil francos de Cannes (...). Outros 2 mil foram
enviados de Hyères. Esta semana não receberás outra soma. Farei mais quando estiver
partido daqui, pois se trata de pagar grandes débitos de nossas casas.” Após várias
indicações sobre as obras americanas, terminava com idênticas solicitações: “Coragem:
dinheiro não falta em Roma. Escreverei apenas fora destas questiúnculas. Quaerite et
invenietis”.90 Mas provavelmente com 20 de setembro e com a dissolução do Estado
Pontifício e de sua estrutura burocrática, as ocupações, as desapropriações, a já falada
“febre edilícia” ao som de letras de câmbio, as disponibilidades de dinheiro em Roma
deviam ter diminuído de muito com relação aos anos 60.
Os trabalhos retomavam no fim do gelo invernal, sempre em economia, com a
empresa do bielense cavaliere Giacomo Cucco. Retornado da viagem na França, Dom
Bosco fazia logo contato com padre Angelo Savio, insistindo para que imprimisse ritmo
mais acelerado nos trabalhos: “A Providência não faltará com seu auxílio, mas é preciso
ver muitos homens a trabalhar, muitos trabalhos realizados. Tu me entendes. Eu desejo
que no próximo inverno se possa usufruir ao menos de uma porção da parte da igreja, que
possa ser usada. Tu me ajudas nessa empresa; se tens dificuldade dize-me, mas vamos
86Ao padre Dalmazzo, 18 de dezembro; E IV 192.
87 Carta de 30 de janeiro de 1883; E IV 210-211.
88 Documenti XXV 17, FdB A2.
89 Documenti XXV 27-28, FdB 1082 B11-12. Cf. C. Coniglione, “Presenza salesiana nel
quartiere romano di Castro Pretorio”, p. 36-37.
90 Carta de 19 de março de 1883; E IV 214-215.

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490 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
adiante”.91 Mas, no verão, as repentinas demissões da direção dos trabalho do arquiteto,
que se sentia ultrapassado em sua condução pelo impetuoso padre Savio, arriscavam
provocar nova parada. Dom Bosco intervinha logo junto do padre Dalmazzo e o cardeal
vigário para aplainar as divergências.92 Vespignani compreendeu a situação e continuou
em sua tarefa, coadjuvado pelo engenheiro Valentino Grazioli. Dom Bosco facilitava a
colaboração, chamando de volta padre Savio e enviando a Roma, com plenos poderes, o
ecônomo geral, padre Antonio Sala, dotado de excelentes capacidades administrativas e
de grande senso prático (antes de chegar a Valdocco dirigia uma tecelagem), para seguir
com autoridade os trabalhos, como escrevia ao padre Dalmazzo, pensando também
no internato: “Ele vai a Roma com dinheiro e plenos poderes para procurar regular
as coisas de forma que não nos encontremos a cada momento em meio a dissabores.
É preciso preparar o que é necessário para começar o internato em tempo na próxima
primavera. Se vieres no próximo Capítulo Geral, prepara tuas reflexões: ou as envias
ou as trazes contigo”.93
Nos primeiros meses de 1884 os trabalhos estavam a um ponto tal que permitia a
utilização de uma parte da igreja para o culto. Em 23 de março, quarto domingo de
quaresma, o cardeal vigário, Lucido Maria Parocchi, abençoava e abria ao culto, como
informava L’unità cattolica “o longo e vasto coro e o presbitério”.94
O projeto da construção do internato era, ao invés, antes apresentado e depois discu-
tivo e aprovado em duas sessões do Capítulo Superior, de 11 e 12 de setembro de 1884.95
Também essa construção era confiada, sempre com economia, ao empresário Giacomo
Cucco. Começava-se com a construção do primeiro braço que dava para Via Porta San
Lorenzo, a atual Via Marsala, sobre o desenho do engenheiro turinense Vigna.96 Dom
Bosco desejava que na colocação da pedra angular estivesse presente conde Colle.97
Agora, mais que nos trabalhos, sua atenção tinha se concentrado no lançamento
da rifa, a começar da difícil autorização, enquanto continuava suscitando benfeitores e
pedindo honorificências para os mais ilustres e merecedores. A propósito da rifa, já idea-
lizada em 1882, na sessão do Capítulo Superior de 26 de fevereiro de 1884, Dom Bosco
lamentava a “inércia dos encarregados”, que não tinham ainda dado a saída para a inicia-
tiva. Partia para a França para “encontrar dinheiro”, como tinha dito na sessão de janeiro:
voltava com a relevante soma de 250 mil francos. Em 19 de março, de Marselha, escrevia
ao padre Dalmazzo: “Se tu não podes, faze com que me escrevam, mas de forma posi-
91 Carta de 9 de junho de 1883; E IV 219.
92 Ao cardeal vigário, 31 de julho de 1883; E IV 227-228.
93Ao padre Dalmazzo, 3 de agosto de 1883; E IV 229-230.
94 L’Unità Cattolica, n. 74, quarta-feira, 26 março de 1884, p. 295. Cf. “Parte della chiesa del S.
Cuore inaugurata al divin culto, BS 8 (1884) n. 5, maio, p. 67.
95 Capitolo Superiore, fol. 30r-31r, FdB 1881 A11-B1.
96 Só com dois andares (o terceiro foi edificado somente decênios depois), o edifício devia unir
o pórtico do lado direito da igreja com um palacete no ângulo com Via Marghera.
97 Capitolo Superiore, fol. 31v-32r, FdB 1881 A12-B1, MB XV 762-764.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 491
tiva. No próximo abril ou na primeira quinzena de maio posso levar comigo conde Colle
para colocar a pedra angular de nosso Internato? Ele teria consigo uma oferta de 50 mil
francos. Para a rifa existem dificuldades, ou então procurar outra via de beneficência?
São duas coisas da máxima importância neste momento. O padre Sala me escreveu uma
carta que não me disse nem sim nem não. Isto não basta para conseguir dinheiro”.98 Mas
a cerimônia da colocação da primeira pedra far-se-ia em 8 de dezembro de 1885, estando
ausentes tanto Dom Bosco como o conde. Era abençoada por dom Mariano Manacorda,
bispo de Fossano, fazendo as vezes de padrinho e madrinha, representando os condes
Colle e seus amigos os condes d’Ancieu de la Bâtie.99
Com a sua chegada a Roma em 14 de abril de 1884, Dom Bosco movimentava as
águas, quer para a rifa, quer para a obtenção dos privilégios, enquanto dispunha que
padre Rua colocasse todo o dinheiro que tinha chegado da França para a Igreja e o
Colégio do Sagrado Coração no Banco Tiberino. Entrementes, estavam chegando as
doações para a rifa, e se fazia sua catalogação: eram mais de sete mil para duzentos mil
bilhetes de 1 lira cada um. Dom Bosco trazia de Turim para Roma o coadjutor Giuseppe
Buzzetti e solicitava as tramitações para obter a autorização da prefeitura, procurando
uma entidade reconhecida que tomasse legalmente o encargo. Assistiu-se por algum
tempo às idas e vindas entre Junta Municipal e Congregação de Caridade.100 até que
foi assumida pelo Município101 e aprovada. No mesmo dia da chegada de Dom Bosco
e do padre Lemoyne a Turim, Buzzetti podia expedir um cartão postal, carimbado
com data de 17.5.1884, que trazia o esperado anúncio: “Hoje, finalmente, recebemos
da Prefeitura o quanto segue: o Decreto para a concessão de uma rifa em benefício
das crianças pobres já foi enviado ao prefeito e traz o no 155.558, de 17 de maio”:102
o prefeito era Leopoldo Torlônia, de íntegra fé católica. Era só passar à distribuição
dos bilhetes, para o que Dom Bosco também colaborava pessoalmente,103 enquanto
colocava em ação os seus, a começar do próprio padre Dalmazzo: “Tudo está prepa-
98Ao padre Dalmazzo, 19 de março de 1884; E IV 254.
99 Cf. “Bénédiction de la pierre angulaire de l’Hospice du Sacré-Coeur de Jésus à Rome”,
Bulletin Salésien 8(1886) n. 1, janeiro, p. 9-10.
100 Cf. carta do padre Lemoyne ao padre Rua, 19 de abril de 1884, in P. Braido; R. Arenal Llata,
“Don Giovanni Battista Lemoyne”, RSS 7(1988), p. 143. Cf. também cartas do mesmo de 23,
24 e 28 de abril de 1884, p. 146, 149 e 151.
101 Cartas do padre Lemoyne ao padre Rua, in: P. Braido; R. Arenal Llata, Don Giovanni
Battista Lemoyne, p. 152 e 155: o síndico de Torlonia “com a aprovação da Junta fez
finalmente o pedido em seu nome ao governador”; 9 é o dia da audiência concedida pelo papa
a Dom Bosco: “Hoje chega também a comunicação oficial que o prefeito de Roma, em nome
do Município, fez pedido formal ao governador para a licença da rifa”.
102 P. Braido; R. Arenal Llata, Don Giovanni Battista Lemoyne, p.156.
103Dom Bosco preparava o terreno por meio de circular aos cooperadores e cooperadoras, e
a aperfeiçoava com outra a eles e aos adquirentes, datadas de 31 de maio de 1884 e 10 de
novembro de 1885; E IV 270-271 e MB XVII 541-542.

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492 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
rado para a expedição dos bilhetes, mas envie-os”;104 “ninguém sabe explicar como os
bilhetes não são despachados, enquanto a rifa está para terminar. Tem paciência: neste
momento deixa tudo mais e faz com que os bilhetes timbrados sejam enviados a qual-
quer custo”.105 A extração acontecia em 31 de dezembro de 1885. Na circular de janeiro
de 1886 aos cooperadores, ele atribuía às “esmolas” e ao “paciente e solícito zelo” deles
o mérito de ter coroado a empresa da rifa e conduzido “agora para o término a Igreja do
Divino Coração em Roma”.106
Não menos assídua continuava a ação para obter condecorações e títulos honorí-
ficos, eclesiásticos ou civis, recompensa temporal da caridade, que Dom Bosco não
considerava incompatível com a esperança da mercê eterna, pois “Deus pai de bondade,
conhecendo que o novo espírito está pronto e a carne assaz enferma, quer que nossa
caridade tenha o cêntuplo já na vida presente”.107
As cartas são muitas, exemplares são as relativas às honorificências, endereçadas
com certa pressa ao padre Dalmazzo em junho de julho de 1884: “Tu me escreves
uma bela carta, mas não me respondes à minha, dirigida a dom Masotti, sobre nossos
privilégios e a escrita ao cardeal Nina sobre as condecorações. Tu deves notar que
os condecorandos são pessoas que fizeram muito pelo Sagrado Coração e estão bem
dispostas a fazer; mas chegar até eles sem as condecorações que eu anunciei em nome
do mesmo santo padre não é um gesto garboso”.108 “Para as conhecidas condecorações
é bom considerar que são todas pessoas que deram e estão prontas a dar para o Sagrado
Coração”, repetia; e admoestava: “Entendo que temos débitos e devemos industriar-nos
com todos os meios para continuar os trabalhos, mas no momento a única fonte de
dinheiro são as condecorações acima notadas”.109
O vasto mundo da beneficência mereceria um longo discurso que colocaria em
evidência a incrível ação capilar, por meio de cartas, conferências e sermons de charité,
sobretudo na França, acompanhada por informações sobre o progresso dos trabalhos,
os débitos, as dificuldades, mas, sobretudo, ação motivada religiosa e socialmente.
Pode-se acenar a alguns privilegiados correspondentes estrangeiros, para os quais Dom
104 Carta de 8 de junho de 1884; E IV 272.
105 Carta de 14 de março de 1885; E IV 317.
106 BS 10(1886) n. 1, janeiro, p. 3.
107Discurso de inauguração do Patronage Saint-Pierre em Nice, em 12 de março de 1877, in:
G. Bosco, Inaugurazione del Patronato di S. Pietro in Nizza a Mare, p. 36 e 38; OE XVIII
414, 416.
108 Carta de 15 de junho de 1884; E IV 174. Tratava-se dos cinco benfeitores franceses para os
quais tinha feito um pedido a Leão XIII: o conde Colle e o barão Héraud (Comenda de São
Gregório Magno), Alfred de Montigny (Conde Romano) e padre Mario Guigon, da diocese de
Fréjus, camareiro secreto do santo padre (Carta a Leão XIII; E IV 260-261). Voltava à carga
no mesmo dia 10 de julho, enquanto assegurava ter recebido a honra de cavaleiro da Ordem
Mauriciana para o doutor Grindo, de Nice (E IV 277-278).
109 Carta de 10 de julho de 1884; E IV 277-278. Cf. ainda carta de 18 de outubro de 1884;
E IV 298.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 493
Bosco utilizava a língua francesa. São as senhoras, em geral, que administram a bene-
ficência das respectivas famílias, com o cordial consentimento dos maridos.110 Na Itália
retornam nomes já conhecidos e outros novos, de pessoas atentas às obras locais, como
Sampierdarena, Vallecrosia, Florença, Turim-Valdocco, Parma.111 A eles Dom Bosco
não escondia nem mesmo o descontentamento pela lentidão dos trabalhos. À condessa
Callori escrevia de trabalhos atrasados112 e agradecia as ofertas espontâneas,113 mas
sempre priorizava a atenção às pessoas. A Clara Louvet, benfeitora francesa do Aire
já conhecida, umas das coletoras de ofertas para a igreja e para o internato, preocu-
pada pela crise agrícola de 1884, escrevia: “A crise agrícola não vos entristeça. Se os
ingressos diminuíssem, diminuireis as boas obras de caridade (...). Mas não, jamais.
Deus nos assegura o cêntuplo sobre a terra; portanto dai e vos será dado! Sede gene-
rosa e paciente com os fracos e os pedintes. Deus é onipotente. Deus é vosso pai. Deus
vos fornecerá tudo o que é necessário para vós e para eles”.114
Durante sua permanência em Roma, Dom Bosco tivera audiência com Leão XIII
em 8 de maio de 1884. Referindo-se aos cooperadores, anunciava que o papa tinha
assumido o encargo das despesas da fachada, “as paredes, os ornamentos, as janelas, as
três portas”, com a confiança de que outros católicos o socorreriam nesta e em outras
obras.115 Aos condes Colle, em 15 de janeiro de 1886, não faltava outra pontualização
polêmica sobre Roma: “Padre Rua vos envia informações sobre o orfanato de Roma.
Roma é uma cidade eterna: falar muito, fazer pouco, e ficar contente em fazer as coisas
bem lentamente. Paciência!”.116
Entre 1884 e 1885 também se promovia, por sugestão do conde Cesare Balbo,
110 Cf. cartas à senhora Cesconi, 4 de julho de 1881 (E IV 67); a uma senhora anônima, coletora
para o Sagrado Coração (21 setembro de 1881; E IV 399); à senhorita Amalie Lacombe, 1º
de julho de 1881 (E IV 416); à senhora Quisard, 14 de abril e 28 de novembro de 1882 (E IV
436-437); 13 de junho de 1883, (E IV 437); à senhorita Clara Louvet, 17 de junho e 18 de
dezembro de 1882 (E IV 449 e 455); à condessa Colle, 30 de agosto de 1881 (E IV 483); 16
de abril de 1884 (E IV 503); 10 de maio, 18 de agosto e 27 de setembro de 1885 (E IV 515,
517 e 518); 15 de janeiro e 14 de dezembro de 1886 (E IV 521 e 524); 8 de abril de 1887 (E
IV 526); ao duque de Norfolk, 13 de janeiro de 1888 (E IV 407-408).
111 Cf. cartas à princesa Clotilde de Savóia, 24 de julho de 1881 (E IV 70-71); à condessa Carlotta
Callori, julho de 1881 (E IV 71-72); à senhora S. Saettone, 7 de agosto de 1881 (E IV 72-73);
à condessa Bonmartini Mainardi, outubro de 1881, 4 de fevereiro e setembro de 1884 (E IV
93-94, 253, 257, 286-287 e 293); ao padre Oreste Pariani, 22 de março de 1883 (E IV 215); ao
padre Tullio de Agostini, 4 e 12 de janeiro de 1884 (E IV 248 e 250-251); à senhora Losana, 1
de agosto de 1884 (E IV 280-281); ao cavaliere Giuseppe Salomoni, 22 de dezembro de 1884
(E IV 307).
112 Carta de 24 de abril de 1884 (E IV 257); e na mesma data à irmã Medolago (E IV 258).
113Ao padre Tullio de Agostini, 13 de agosto de 1884; E IV 286-287.
114 Carta de 20 de dezembro de 1884; E IV 466.
115 Circular de 31 de maio de 1884; E IV 271.
116 E IV 521.

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494 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
com participação ativa do cardeal Alimonda e com o consenso operante de Dom
Bosco, e se publicava em 9 de agosto de 1885 no L’Unità Cattolica, a iniciativa da
Consagração Nacional dos Italianos ao Sacratíssimo Coração de Jesus. Para esta,
em 16 de julho, cardeal Alimonda tinha enviado aos arcebispos metropolitanos da
Itália uma carta anexando o Apelo ao povo católico da Itália, na qual não economi-
zava louvores ao zelo de Dom Bosco e promovia a coleta de ofertas para o término
da fachada, cujo custo estava calculado em 250 mil liras.117 Foram recolhidas, em
poucos meses, 172 mil liras.
Ao redor dos trabalhos do Sagrado Coração aconteceram ainda roubos por parte
de operários e de transportadores de materiais. Na reunião do Capítulo Superior de 12
de junho de 1885, Dom Bosco lia quatro advertências dadas na primavera de 1884:
“1) controlar aquilo que entra e aquilo que sai; 2) vigiar sobre os preços que foram
fixados; 3) vigiar sobre os materiais que poderiam ser levados para outros sítios, sendo
o chefe da construção responsável por outras obras começadas em outros lugares: como
carrinhos, tijolos, cal etc.; 4) vigiar para que não se furtem ou roubem materiais, espe-
cialmente madeira”.118 Na noite de 29 de setembro de 1885 acontecia um incêndio de
provável causa dolosa, rapidamente dominado, sem graves danos.
Nesses anos, porém, o interesse de Dom Bosco não tinha se limitado às pedras.
Desde 1882 ele tinha destinado alguns sacerdotes, entre os quais alguns aspirantes à
Sociedade Salesiana, clérigos e coadjutores salesianos, a se ocupar das funções religiosas
e dos oratorianos, primeiro em diversos locais. Era seu primeiro cuidado, naturalmente,
sustentar e encorajar o cireneu padre Dalmazzo, que era ao mesmo tempo procurador
da Sociedade Salesiana, diretor da comunidade, pároco, supervisor dos trabalhos e a
referência imediata no mundo romano eclesiástico e leigo. Em carta, de dez pontos
diversos, era dedicado a ele o nono: “Dize-me, antes de tudo, se em meio aos teus traba-
lhos tens como respirar, e o que eu possa fazer para dar-te coragem”.119 Obviamente,
era freqüente o encargo de saudar “nossos irmãos”. O número de habitantes na área da
paróquia, entre os anos 1881 e 1887, aumentava de seis mil para quinze mil. E, como
se pode perceber no Catálogo Anual dos Sócios da Sociedade Salesiana, Dom Bosco
não poupou pessoal para a comunidade religiosa, empenhada nas tradicionais ativi-
dades pastorais.120 Referindo-se ao tempo pascal de 1885, padre Dalmazzo terminava
117 Voto Nazionale degli Italiani al Sacratissimo Cuore di Gesù era o título que abria a primeira
página do L’Unità Cattolica, n. 185, domingo, 9 de agosto de 1885. Após um artigo sobre
“Uma demonstração da Itália católica para a Igreja e para o papa Leão XIII”, vinha uma carta
de 16 de julho, “O cardeal arcebispo de Turim aos arcebispos de toda a Itália”, o “Apelo ao
povo católico da Itália”, e uma série de Documentos e Esclarecimentos (p. 737-738).
118 Capitolo Superiore, fol. 60v, FdB 1.882 A11, MB XVII 530. Antes de voltar para Turim, após
a consagração da igreja, ele dará semelhantes orientações ao padre Dalmazzo.
119 Carta de setembro de 1881; E IV 81.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 495
a relação de modo triunfal: todo dia parece festivo; os confessionários cheios de peni-
tentes por horas e horas; cursos de exercícios espirituais para os da primeira comunhão;
assistência a dezenas e dezenas de doentes e moribundos. Na mesma carta, solicitava a
Dom Bosco de vir a Roma, onde pessoas “vindas da Polônia, da França, da Espanha e
de Portugal” desejavam conhecê-lo.121 Na conferência aos cooperadores de 8 de maio
de 1884, a última feita em Roma com a presença de Dom Bosco, antes do discurso do
cardeal vigário, ele informava sobre copiosos êxitos da ação pastoral na paróquia e no
oratório: “o concurso do povo às funções sagradas”, “a freqüência aos sacramentos por
adultos e crianças”; a presença de duzentos jovens nas atividades religiosas e recrea-
tivas; a participação na instrução religiosa de trezentas crianças; e milhares de pessoas
que acorriam nas funções matinais e vespertinas durante o mês de maio.122
Entre grandes fadigas e ânsias para Dom Bosco, em sensível declínio físico, apro-
ximava-se a data da consagração da igreja. Aos ex-alunos do Oratório confiava em 17
de julho de 1884: “Essa colossal empresa cansou-me muito por causa de graves e contí-
nuos pensamentos, e me fez andar arcado sob o peso das enormes despesas”.123
3. A questão caritativa e social entre os anos 70 e 80 nas conferências
públicas (1877-1882)
Provavelmente Dom Bosco não tinha consciência exata dos novos problemas susci-
tados pela revolução industrial, nem pode ser considerado, em sentido estrito, um
protagonista do “catolicismo social”, voltado à solução da “questão social” em sentido
próprio, com as profundas reformas por este exigidas. Mas parece legítimo afirmar que
a doutrina sobre a esmola por ele seguida e proposta apresenta características que inte-
gram a caridade com verdadeiras expressões de rigorosa justiça. Tal fato é demonstrado,
além da ação efetiva em favor dos jovens trabalhadores, pelo considerável número de
conferências e discursos de propaganda salesiana como suporte natural da expansão e
da consolidação das obras, que ele fez sobretudo a partir de 1877. De algumas – como
a de Nice em março de 1877 e a de Roma no final de janeiro de 1878 – está disponível
o texto que ele controlou e completou, ou então autografou; de outras se conserva um
120 Cf. C. Coniglione, “Presenza salesiana nel quartiere romano di Castro Pretorio”, p. 51-52. Mas
estatísticas e informações, incluindo as relativas ao internato, são rigorosamente controladas
sobre fontes mais críveis do que as indicadas, que brotam de publicações celebrativas.
Analogamente se pode observar sobre o que é afirmado por G. Rossi, “L’Istruzione
professionale in Roma capitale”, in: F. Motto (ed.), Insediamenti e iniziative salesiane dopo
Don Bosco, p. 65.
121 Carta de 17 de abril de 1885; MB XVII 816.
122 BS 8(1884) n. 6, junho, p. 88.
123 BS 8(1884) n. 8, agosto, p. 115.

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496 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
esboço sumário; de muitas têm-se os textos publicados no Boletim Salesiano. Em várias
conferências percebem-se intervenções, mais ou menos amplas, já que Dom Bosco é de
tal forma linear e igual a si mesmo no falar, como no escrever, que é impossível atrai-
çoar seu pensamento. Pode-se somente ampliá-lo, perdendo a essencialidade original
do estilo, mas não dos conteúdos.
As conferências destinavam-se, em primeiro lugar, aos cooperadores e às coopera-
doras, para esclarecer sua figura, a missão, as possibilidades de ação, as perspectivas
espirituais.124 O tema central e onipresente era, naturalmente, a juventude pobre e aban-
donada em sentido sempre mais extenso, incluindo a juventude em risco, marginal ou
marginalizada, e as solicitudes necessárias para preservá-la de maiores perigos ou para
recuperá-la. Indubitavelmente, Dom Bosco conduzia o discurso basicamente sobre as
próprias obras: para dizer de que tipo de jovens se ocupavam, das enormes somas de
dinheiro necessárias, das dívidas, da urgência dos auxílios, nem poucos nem pequenos,
dos deveres e dos méritos da beneficência. Para obtê-la, não deixava de calcar a mão
sobre as condições de necessidade dos jovens acolhidos em suas instituições, sobre os
perigos que os ameaçavam e sobre os danos que poderiam recair sobre cada um e sobre
a sociedade se nada fosse feito por quem podia para que os perigos não terminassem
por torná-los realmente “perigosos”. Não era apenas expediente retórico, mas vontade
precisa de sacudir a consciência e a responsabilidade de quem tinha e podia, de suscitar
sentimentos de piedade e de compaixão, e também de temor e de medo no tempo e para
a eternidade, em quem podia correr o risco de se achar com as mãos limpas, pois não
matava nem roubava e observava fielmente os principais preceitos da Igreja. Enfim era
vontade de comover e mover os corações crentes para abri-los à caridade operante e à
beneficência factiva. Eram discursos desse gênero que, entre os anos 70 e 80, favore-
ciam certa literatura celebrativa que apresentava o sistema educativo de Dom Bosco
como a solução para a gama completa dos problemas da juventude, fazendo-os superar
os confins da prevenção básica, estendendo-o à assistência preventiva e à “pedagogia
correcional”. Integrando-o com a promoção profissional de jovens operários cristãos
e da conseqüente inserção destes no mundo do trabalho, particularmente da indústria,
esse sistema era considerado capaz de resolver sem movimentos revolucionários a
“questão social” emergente, ou, mais especificamente, a “questão operária”.125
De qualquer forma, mais além de suas instituições, a realidade juvenil, experimen-
tada diretamente ou pensada ou imaginada, certamente não estava ausente de seu ardor
salvífico, benéfico, pastoral e educativo, nem da gama das possibilidades, reais ou
virtuais, do sistema preventivo, considerado, sob certas condições, aplicável em qual-
quer situação: famílias, escolas, institutos educativos, obras assistenciais de proteção,
de promoção, de recuperação, de correção, assim como empresas de regeneração moral,
tanto religiosa como civil. Para essa finalidade estimulava ao mesmo tempo as mais
124 Cf. cap. 22, § 6-8.
125 Cf. cap. 26, § 5.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 497
diversas convergências operativas do maior número de pessoas: eclesiásticos de todos
os níveis, autoridades políticas e civis, administradores, ricos proprietários, banqueiros,
crentes e não-crentes.
Para descer ao concreto, Dom Bosco começava das obras erigidas por ele ou que
ainda estavam no projeto. Com palavras precisas, eficazes e exemplares, o jornalista do
jornal marselhense Le Citoyen, em 21 de fevereiro de 1880, escrevia sobre a conferência
feita pelo educador subalpino no dia anterior: “Vinde em auxílio da juventude pobre e
exposta aos perigos, dai abrigo nos campos e nas cidades, tirai-a do vício, educai-a cris-
tãmente, ensinai-lhe uma profissão que a torne capaz de ganhar para si o pão da vida,
tal é o objetivo que Dom Bosco propõe, sob a inspiração de Deus”; “Todo ano, mais de
milhares de jovens saem desses institutos e vão servir à sociedade nas carreiras mais
diferentes. Abandonados ao vício, eles se tornariam facilmente preguiçosos e pertur-
badores da tranqüilidade pública; ei-los, ao invés, transformados em operários úteis,
laboriosos, probos, cristãos. E há ainda os que se tornaram industriais, e outros que
ilustraram as belas artes, e detêm cargos honoríficos”.126
Era também freqüente a referência à ação de luta e de reconquista desenvolvida em
relação ao proselitismo protestante. No “escopo precípuo de pôr um freio na invasiva
heresia protestante”, surgiram várias obras na Itália, França e América.127 A seqüência
ritual dos temas reaparecia na conferência em Lucca, de 29 abril de 1880: os perigos
que ameaçam “as pobres crianças”; os salesianos “como pais amorosos, que os encami-
nham pelo bom caminho da fé e da religião”, da “cultura da mente” e de um trabalho
rentável; a urgência do socorro da esmola, dever “imposto absolutamente por Deus,
tendo como pena a exclusão da vida eterna”.128 Poucos dias depois, em 5 de maio,
Dom Bosco usava de semelhante esquema na primeira conferência aos cooperadores
de Gênova, cidade de grande potencialidade financeira: o início da associação dos
cooperadores, os inícios dos oratórios e os felizes resultados por eles conseguidos, o
nascimento da Congregação Salesiana e das instituições por ela cuidadas ou derivadas,
colégios, internatos, escolas, oficinas, colônicas agrícolas, o Instituto FMA e as obras
para as meninas, a Obra de Maria Auxiliadora para as Vocações Adultas, as missões, os
meios materiais exigidos, a esmola com a severa interpretação do evangélico supérfluo.
Nesse ponto sensível não gostava de reticências. “Um bom cristão e uma boa cristã –
afirmava – encontrarão sempre o supérfluo em casa ou nos móveis, ou nas roupas, ou
nos alimentos, nas entradas ou nas saídas [recepções, festas] e nas viagens de prazer, e
assim por diante”; e quem não tem nada para oferecer “pode rezar pelos que podem dar
esmolas e não o fazem, pode rezar para que o Senhor os ilumine e faça com que vejam
que nada do que possuem nesta terra os acompanhará no além”.129 Em 4 de junho de
126 BS 4(1880) n. 3, março, p. 6.
127 Conferência aos cooperadores em Roma, 5 de abril de 1880; BS 4(1880) n. 6, junho, p. 8-9.
128 “La conferenza a Lucca”, BS 4(1880) n. 6, junho, p. 9-10. O texto está reproduzido pelo
periódico de Lucca Il Fedele, de 8 de maio.

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498 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
1880 falava pela primeira vez aos cooperadores de San Benigno Canavese, após um
ano do início da obra salesiana. Aí ilustrava a figura do cooperador, o moderno terciário
das obras, chamado a se sintonizar com as grandes “palavras” buscadas pelo mundo
moderno: “trabalho, instrução, humanidade”. Retirava daí o imperativo indeclinável:
“trabalhar e indefectivelmente trabalhar” – dizia –, se não se quer “assistir à completa
ruína da presente geração”. Graças ao concurso dos cooperadores, aí se alinhavam
também os salesianos com suas obras: oficinas de toda espécie, colônias agrícolas,
colégios masculinos e femininos, escolas diurnas, vespertinas e festivas, oratórios com
recreações dominicais. Esses – prosseguia – “abrem a centenas e milhares de órfãos
e filhos abandonados internatos, orfanatos e patronatos, trazendo a luz do Evangelho
e da civilização também aos bárbaros da Patagônia, procurando fazer de modo que a
humanidade não seja somente uma palavra, mas uma realidade”. O apelo à cooperação
era plenamente conseqüente.130
A intensa estação das conferência aos cooperadores de 1880 concluía-se pela mais
clássica de todas, feita em 1º de julho em Borgo San Martino, na diocese de Casale
Monferrato, governada pelo amigo dom Pietro Maria Ferrè, presente na grande mani-
festação, onde estavam reunidos “membros ilustres do clero casalense e alessandrino,
muitos senhores e muitíssimas senhoras das cidades e vilas vizinhas”. No início Dom
Bosco se valia de um discurso de Pio IX que sublinhava a vitoriosa solidariedade dos
combatentes na corrida. Ainda mais a vis unita fortior era decisiva na “promoção do
bem e no combate do mal”. Falava de novo da origem dos cooperadores e das obras sale-
sianas, delineava o vasto raio de “obras de caridade” à qual cada cooperador, conforme
as próprias possibilidades, era chamado a se dedicar, uma longa série que ia além das
clássicas obras dos salesianos. A última difusa parte da conferência era consagrada
à cooperação material, ao banco inexaurível de Deus, à obrigação da esmola. Sobre
isso Dom Bosco era peremptório em afastar presumíveis dificuldades: a pobreza, os
imprevistos do futuro. “Por pobre que seja um cooperador – rebatia –, se quiser, estará
sempre em condição de concorrer também materialmente para uma obra de caridade”;
“tantos e tantas – dizia –, cantam as próprias misérias quando são convidados a praticar
uma boa obra”; o dinheiro, ao invés, aparece “quando se trata de um almoço, de um
jogo [um party!], de uma viagem de prazer, de uma festa dançante, de uma apresen-
tação e semelhantes”; outros, pois, “têm sempre medo que lhes falte a terra sob os pés”
e “assim amealham sempre, guardam sempre, têm em reserva”, e morrem sem ter feito
nenhum bem, deixando seus bens a parentes numerosos e litigiosos. Assegurava: Deus
é um bom banqueiro, que garante o cêntuplo aos que oferecem, no tempo e na eterni-
dade. “Engano fatal” era o de quem interpretava o preceito da esmola como simples
129 “Prima Conferenza dei Cooperatori tenuta in Sampierdarena”, BS 4(1880) n. 6, junho, p.
10-11.
130 “Conferenza dei Cooperatori Salesiani tenuta in S. Benigno Canavese”, BS 4(1880) n. 7,
julho, p. 12-13.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 499
conselho. Quem não o observa, se assim se quiser, “não pecará como conselho, mas
pecará contra a caridade”, que tem como primeiro fruto as obras de justica.131
Em 12 de maio de 1881, em Roma, retomava outra série de discursos com a conferência
aos cooperadores ainda em Tor de’ Specchi, feita pelo cardeal Gaetano Alimonda. Dom
Bosco – “um homem quebrado pelos anos, mas vigoroso pelo fogo do zelo” – fazia breve
discurso dedicado ao habitual aceno às obras salesianas, sublinhando ainda uma vez a ação
anti-protestante demais explícita. Recorria, pela primeira vez, a uma frase de Dupanloup
sobre a relação entre educação da juventude e futuro da sociedade, que haverá de repetir
várias vezes na França: “A juventude e o futuro, segundo a frase de Dupanloup, são uma
só coisa, e se deve augurar à Itália um futuro sereno, uma vez que esta obra benéfica
de educar e salvar a juventude, mediante o subsídio dos cooperadores salesianos, ganha
novo incremento”. Seguia, mais genericamente, falando da Igreja do Sagrado Coração
e da construção de “um internato para acolher e educar ao menos quinhentos jovens”.
O discurso do cardeal Alimonda atingia o nível de alta retórica: “Conforme o coração dos
servos de Deus é o coração dos salesianos”; idênticas idealidades e mesmos objetivos eram
condivididos pelos cooperadores: “retirar da impiedade, do erro, os filhos do povo”.132
Em 5 de maio, como sabemos, Dom Bosco estava em Florença para fazer semelhante
conferência na igreja dos padres filippini. O incipiente oratório salesiano não podia, por
certo, responder à exigência proveniente da condição juvenil figurada por Dom Bosco.
“Acenou – referia padre Confortola ao Boletim Salesiano – ao escopo da conferência,
que era o de fazer conhecer quem fossem os salesianos, quais seus objetivos, o que
fizeram em outros lugares, o que vinham fazer em Florença e como tinham necessi-
dade do concurso eficaz dos cooperadores e das cooperadoras, assim como de todos os
bons, para conseguir seu intento”. Em Florença, o drama dos jovens representado pelo
conferencista aos cooperadores, para estimular sua beneficência, devia criar mais preo-
cupações aos salesianos: “tantos pobres jovenzinhos abandonados, que vagueiam hoje
sujos, descalços e andrajosos pelas ruas desta vossa cidade, e que vivendo de apanhar as
coisas e indo à noite dormir muito mal em certos locais, sem que ninguém tome cuidado
piedoso de seu corpo e de sua alma, crescem ignorantes das coisas de Deus, da religião
e de seus deveres morais, blasfemadores, ladrões, impudicos, possuídos por todos os
vícios e capazes de qualquer ação, ainda a mais celerada, e muitos dos quais vão cair
miseravelmente nas mãos da justiça, que os coloca para definhar em alguma prisão, ou
então, o que é ainda pior, entre as fileiras dos protestantes, que em Florença têm até
agora abertos locais, onde a juventude atraída pelo luzir do ouro e de mil promessas
falazes, após ter perdido todo e qualquer bem e espezinhada toda e qualquer virtude, vai
rejeitar deploravelmente também a própria fé”.133
Pintava um quadro menos localizado na já citada conferência,134 de 17 de novembro
131 “Una memoranda gionata nel collegio di Borgo San Martino”, BS 4(1880) n. 8, agosto, p. 7-11.
132 “La Conferenza dei Cooperatori a Roma”, BS 5(1881) n. 6, junho, p. 5-7.
133 “Oratorio festivo di Maria Immacolata”, BS 5(1881) n. 7, julho, p. 7-9 (carta do diretor padre
Faustino Confortola ao padre Bonetti, 24 de maio de 1881).

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500 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
de 1881, na Igreja São Felipe, de Casale Monferrato, com a presença de dom Ferrè,
quando passava a falar das obras empreendidas nas várias partes do mundo e nas
missões: “da instituição de numerosos internatos e oficinas para ensinar artes e ofícios
a jovens esquecidos, de modo a torná-los capazes de ganhar-se um pão honrado; da
fundação de colônias agrícolas para ensinar a cultura do campo a jovens, eles e elas, de
famílias camponesas, e com esse meio mantê-los longe de buscar trabalho nas cidades,
onde naufragariam com facilidade tanto na fé como nos costumes; da abertura de colé-
gios com módica pensão, para dar a um maior número de jovens de boa inteligência a
comodidade de receber uma instrução não desligada de uma educação cristã, de forma
que se tornem com o tempo ou bons sacerdotes, ou corajosos missionários, ou sábios
pais de família; da instituição dos oratórios festivos e pátios de recreação, por meio dos
quais atrair as crianças ao catecismo, mantê-los longe do ócio, e ajudá-los a cumprir
seus deveres de piedade e de religião”. Prolongava-se, depois, sobre o tema da “esmola”
e especificamente sobre suas “vantagens”, materiais e espirituais, temporais e eternas,
enriquecendo os desenvolvimentos positivos usados em Nice, em 12 de março de 1877.
Na conferência de Casale, porém, ele introduzia referências inéditas aos “ais”, também
eles materiais e espirituais, pronunciados por Jesus Cristo e pelo apóstolo São Tiago
contra os ricos sem coração”. O bispo, depois, proferia um elevado discurso sobre três
atividades capitais dos salesianos naquele momento histórico: “1) a boa educação da
juventude”; “2) a evangelização dos infiéis”; “3) a construção da Igreja do Sagrado
Coração de Jesus em Roma”.135
O tema da Obrigação e regra da esmola era retomado em outra conferência aos
cooperadores em Gênova, na Basílica de São Ciro, em 30 de março de 1882, na presença
do arcebispo dom Salvatore Magnasco. Mas era só o último ponto de um discurso mais
articulado que o precedente. Iniciava com a descrição do condição juvenil e prosseguia
tratando de alguns meios para ajudar os jovens” e “do Internato São Vicente de Paula
em Sampierdarena”. A primeira parte era dedicada a uma descrição ainda dramática dos
“pobres meninos”, “órfãos até dos próprios pais, muitas vezes deixados aos cuidados
de si próprios, privados de instrução religiosa e de educação moral, cercados de maus
companheiros”. “Ora – continuava – nós os vemos a andar de praça em praça, de praia
em praia, a crescer no ócio e no jogo, a aprender obscenidades e blasfêmias; mais tarde
os vemos se tornarem ladrões, libertinos e malfeitores; enfim, e muitas vezes na flor da
idade, os vemos cair em uma prisão, tornando-se a desonra da família, o opróbrio da
pátria, inúteis a si próprios, peso para a sociedade”. Retirados do perigo, ao invés, pode-
riam vir a ser “bons cristãos, sábios cidadãos, para ser um dia afortunados habitantes
do céu”. Passava, então, a enumerar os meios a serem usados para “impedir a ruína”
dos “meninos mais necessitados e periclitantes”: “os oratórios festivos com pátios ou
134 Cf. cap. 22, § 7.
135 “La Diocesi di Casale Monferrato e la Prima Conferenza dei Cooperatori”, BS 5(1881) n. 12,
dezembro, p. 3-8.

51 Pages 501-510

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51.1 Page 501

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 501
lugares de honesta recreação”, “as escolas vespertinas para os pobres aprendizes”, “as
escolas diurnas e gratuitas para esses jovens”, “os catecismos dominicais, e também
cotidianos”; além disso, “internatos de caridade para jovenzinhos mais necessitados”,
com oficinas, escolas, institutos para as vocações eclesiásticas. Disso era exemplo o
Internato Salesiano de Sampierdarena. A severidade do dever da esmola para os possui-
dores era precedida pela típica afirmação familiar a todos os homens de ordem daquele
tempo, marcados pela formação recebida em clima de restauração: “Deus fez o pobre
para que ganhe o céu com a resignação e a paciência; e fez o rico, para que se salve
com a caridade e a esmola”. Ter tudo para si, em certo sentido, contra a ordem querida
por Deus, além de grave infração do preceito de Cristo, ilustrado vivamente pela “pará-
bola do rico epulão e do pobre Lázaro”. A quem tivesse objetado que “essas coisas
são muito sérias e assustadoras”, Dom Bosco respondia: “Tende razão, e me entristece
tê-las recordado a vós, que talvez não mereceis. Ao invés, as teria recordado de muito
boa vontade a certos senhores e senhoras que não se encontram aqui, os quais desper-
diçam seu dinheiro em adquirir e manter vários pares de soberbos cavalos, sobre os
quais poderiam economizar sem nada retirar do próprio decoro; a certos senhores e
senhoras que gastam e jogam fora o dinheiro em almoços, em ceias, em roupas, em
noitadas, em bailes, em teatros, e assim por diante, ao passo que, com uma vida mais
cristã, teriam podido socorrer a tantas misérias, enxugar tantas lágrimas, salvar tantas
almas. A estes, sim, seria preciso fazer ressoar nos ouvidos as terríveis palavras de Jesus
Cristo: morreu o rico e foi sepultado no inferno”. Concluía dizendo que, a quem dava
bens de fortuna, Deus tinha colocado nas mãos uma chave com a qual podia abrir ou
fechar “caixas, cofres e tesouros”, abrindo-se o céu ou o inferno.136
No entanto, poderia chegar o dia, no qual alguém deveria abrir, em circunstâncias
menos agradáveis, esses cofres hermeticamente fechados. Tratava-se de uma passagem
do discurso feito em Lucca uma semana depois, em 8 de abril, sábado santo, para
pedir apoio financeiro à hipotética ampliação da obra salesiana local, muito apertada:
“Retirando, intruindo e educando os jovens periclitantes se faz um bem a toda a socie-
dade civil. Se a juventude é bem educada, teremos com o tempo uma geração melhor;
caso contrário, daqui a pouco, será composta de homens desenfreados no vício, no
roubo, na embriaguez, no mal. Esses jovenzinhos, na pessoa de seus superiores, apre-
sentam-se agora a vós com o chapéu na mão; e vós, com um auxílio, podeis prover-
lhes o pão e ensiná-los a viver laboriosos e honestos, e buscar um futuro venturoso.
Ao invés, se fossem abandonados a si próprios, um dia, talvez, apresentar-se-iam a
vós, pedindo o dinheiro com a faca na garganta”. Chegando à conclusão, respondia às
objeções correntes: “Mas, como fazer? Há tantos impostos; e depois, todos pedem”.
A resposta é a mesma e peremptória, dada por Cristo: “Quod superest date elee-
136 “Prima conferenza ai Cooperatori in Genova”, BS 6(1882) n. 4, abril, p. 70-73. Cf. também a
conferência aos cooperadores-benfeitores de La Spezia, em 9 de abril de 1882, solenidade da
Páscoa; BS 6(1882) n. 5, maio, p. 70-71.

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502 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
mosynam”. A quem tivesse feito questão de perguntar se “esse é um preceito ou um
conselho”, “sem entrar em discussões teológicas” Dom Bosco observava: “Jesus Cristo
diz que aquele que não dá o supérfluo em esmola não entrará no reino dos céus”; “é
mais fácil que um camelo [sic] passe pelo buraco de uma agulha etc.”. E exemplifi-
cava: “Entro convosco em vossa casa. Vejo lá objetos muito preciosos, aqui uma mesa
fornecida com ricos serviços e tapetes, ali objetos de ouro e de prata, ornamentos com
brilhantes, napoleões de ouro em uma cômoda”. Entravam na categoria do supérfluo:
“Vós sois obrigados a tomar esse dinheiro, que não serve a ninguém, e fazer aquilo que
manda Jesus Cristo”.137 Tendo lido no Boletim Salesiano a transcrição da conferência,
um sacerdote emiliano escrevia, exprimindo perplexidade pela conformidade das idéias
expressas por Dom Bosco com a moral tradicionalmente ensinada.138 Em 30 de junho
Dom Bosco agredecia pela “bondade, antes, pela caridade” usada pelo sacerdote e
prometia que responderia com “um artigo, ou talvez alguns artigos a ser publicados no
Boletim Salesiano”.139 Com efeito, em julho saía, no periódico, um argumentado ensaio
– não por certo seu – com o título Resposta a uma cortês observação sobre a obrigação
e a medida da esmola, que se valia de numerosas citações de São Tomás de Aquino,
Laymann, Sporer, Billuart, Santo Afonso Maria de Ligório e Gousset.140
Em 10 de abril de 1882 Dom Bosco falava ainda aos cooperadores em Florença
sobre o problema dos jovens pobres e abandonados, na habitual Igreja Santa Florença,
dos filippinos. O jornal católico Il Giorno, na crônica do evento, colhia exatamente a
substância do projeto juvenil por ele delineado. O início era dado pela “exposição nua
e crua da mais desoladora realidade dos fatos, tão pobre juventude, isto é, abandonada
a si mesma, iniciada no caminho da depravação e condenação. Mostrou, a seguir, o
escopo da obra salesiana, que procura, o quanto possível, dar remédio a essa grande
praga social com os oratórios festivos, com as escolas, com os internatos. Por fim, pediu
auxílio moral e material a todos os que amam sinceramente a religião e a pátria”. Um
fato novo se verificava nessa circunstância: os jovens do Círculo da Juventude Católica
se ofereciam, após a conferência, para recolher as esmolas e se encontravam todos na
estação ferroviária para despedirem-se de Dom Bosco que partia para Roma.141
A conferência anual aos cooperadores e às cooperadoras de Turim, de 29 de janeiro
de 1883, aconteceu na Igreja São João Evangelista. Diante de mil e quinhentas pessoas,
“entre as quais muitos membros do clero e da nobreza turinense” – narra o cronista –,
“o santo homem, com uma fala simples, descreveu brevemente o estado miserável no
137 “Conferenza ai Cooperatori di Lucca”, BS 6(1882) n. 5, maio, p. 80-82. O texto é transcrito
pelo periódico de Lucca Il Fedele, de 15 de abril de 1882. Da “faca no pescoço” falará ainda,
à distância de um ano, em Guillotière, na França: cf. cap. 31 § 1.
138 Carta a Dom Bosco, 26 de maio de 1882; FdB 1587 D 3-5; MB XV 526.
139 Ao padre Raffaele Veronesi, 30 de junho de 1882; E IV 148.
140 BS 6(1882) n. 7, julho, p. 109-116.
141 “Notizie sull’Oratorio di Maria Immacolata e conferenza dei Cooperatori in Firenze”,
BS 6(1882) n. 7, julho, p. 119-121.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 503
qual vivem atualmente milhares de jovens; acenou aos contínuos pedidos que são feitos
de toda parte às casas salesianas, especialmente à de Turim, para que acolham meninos
periclitantes e dignos da mais alta compaixão; externou a viva dor que experimenta ao
ver-se constrangido a responder que não há mais lugar, e em dever deixar no abandono e
no caminho da perdição tantos jovens, os quais, se fossem tirados do perigo e dirigidos a
tempo para alguma profissão, conseguiriam a mais consoladora vitória”. Perorava ainda
a causa do Oratório de Valdocco, que deveria crescer com mais um edifício no lado oeste
da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora: isso tornaria possível, conforme uma forma de
falar agora conhecida, “receber um maior número de abandonados capazes de ganhar
para si, um dia, de modo honrado, o pão da vida, instruí-los e educá-los na religião e
na moral, e assim impedir que, ou obrigados pela miséria ou atraídos pelas más compa-
nhias, se entreguem ao vício e à malandragem, e caiam talvez na prisão, tornando-se a
desonra da família e o opróbrio da pátria”. Dar o próprio apoio significava “servir hoje à
Religião e ao bom costume”.142
Dois dias depois começava, através da Ligúria, a longa viagem à França, até à etapa
triunfal de Paris.
4. Reestruturação salesiana e eclesiástica das obras na América
O grande esforço para chegar ao Vicariato e à Prefeitura Apostólica decretados em
Roma para a Patagônia não encontrou em Buenos Aires, tanto dos eclesiásticos como
dos políticos, o reconhecimento oficial. Mas o trabalho missionário salesiano teve na
imensa região e na América Latina um impacto significativo e duradouro, não somente
e nem tanto no mundo relativamente limitados dos aborígenes, mas no mundo mais
vasto dos emigrantes, dos colonos, dos habitantes das cidades argentinas, chilenas e
além, com a relevante expansão paralela no Brasil e em outras promissoras perspectivas
missionárias. Todavia, a empresa patagônica, embora redimensionada na sua efetiva
consistência quantitativa e qualificativa, tornava-se um inigualável começo da projeção
missionária dos dois institutos religiosos de Dom Bosco, conferindo a eles nota singular
de novidade e de completeza nos fins, nos métodos e na fisionomia.
4.1 Finalidade conseguida na Argentina e entrada no Chile
No domingo, 9 de outubro de 1881, Leão XIII recebia em audiência particular vinte
e três peregrinos argentinos, tendo à frente dom Antonio Espinosa, vigário geral de
Buenos Aires. No discurso o papa elogiava “o zelo de seus pastores” que – dizia – não
142 “La festa di San Francesco di Sales e la Conferenza in Torino”, BS 7(1883) n. 3, março, p. 43-44.

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504 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
“deixam de manifestar as mais vivas solicitudes para conduzir à vida cristã e civil as
tribos ainda selvagens da Patagônia, no meio das quais, mercê do concurso de religiosos
zelosos, se estabelecem a tal fim novas missões”.143 O papa não se referia somente aos
salesianos, mas estes estavam certamente incluídos. O Boletim recolhia palavras enco-
rajadoras sobre eles, ditas por ele a dom Espinosa: “Quando escutamos que os filhos
de Dom Bosco assumiam a missão da Patagônia, nosso coração se abriu à mais alegre
esperança sobre o futuro desses selvagens”.144 Como atesta o Diário do Oratório do
padre Chiala e padre Lazzero, dom Espinosa chegava a Valdocco com outros dois sacer-
dotes argentinos na vigília do Natal de 1881. Em 3 de janeiro de 1882 eles visitavam a
casa de San Benigno e, no dia 4, despediam-se do Oratório.
Em Marselha, Dom Bosco, com o auxílio do inspetor, padre Albera, preparava um
documento sobre as missões salesianas na Patagônia. Ele foi traduzido para o francês
em março de 1882 e enviado para a Obra da Propagação da Fé de Lyon. Saía depois
no número de 24 de julho de Les Missions Catholiques e, em italiano, no fascículo de
3 de novembro das Missioni Cattoliche de Milão. Dom Bosco traçava aí, pela enésima
vez, seu desígnio missionário sul-americano, terminando com a descrição da situação
na Patagônia.145
Nos últimos dias do acontecimento da “Concórdia”, por meio do procurador padre
Dalmazzo, retomava um discurso iniciado em 1876 com a Propaganda Fide – e conti-
nuado, como se viu, com os padres Cagliero, Bodrato e Costamagna146 – para chegar à
fundação de “um ou três Vicariatos ou Prefeituras Apostólicas da Patagônia: o primeiro
do Rio Colorado ao Chubut, o segundo do Rio Chubut ao Rio S. Cruz e o terceiro do Rio
Santa Cruz à Terra do Fogo, incluindo as Ilhas Malvinas”. Nesse discurso interpretava, a
seu modo, o pensamento do arcebispo de Buenos Aires e, talvez, o do papa, sobre a efetiva
realidade das missões: “Agora a Obra da Propagação da Fé, a Santa Infância e o arcebispo
de Buenos Aires pedem e apóiam esses projetos. O santo padre expressou vivo desejo e
disse precisamente que se poderia estabelecer os limites de três vicariados, mas começar
a implementar um. Isto é, do Rio Colorado em direção a toda a Patagônia. São todos
lugares selvagens onde já temos quinze colônias estáveis (...). Dom Giovanni Zonghi
tem todos os documentos relativos e está hatituado com a negociação”.147 A questão era
complexa e exigia ponderação e tempo. Em uma desiludida e breve carta posterior, Dom
Bosco relevava laconicamente: “Entristecem muito as tratativas da Patagônia. Esse atraso
pode arruinar tudo. Escreverei a dom [Domenico] Jacobini”.148
Entrementes, Dom Bosco procurava frear propostas de expansão que o inspetor
143 La Civiltà Cattolica 32(1881), vol. IV, outubro, p. 358.
144 BS 5(1881) n. 11, novembro, p. 9.
145 E IV 123-127.
146 Cf. cap. 21, § 6 e cap. 27, § 3.1 e 3.2.
147 Ao padre Dalmazzo, 19 de julho de 1882; E IV 157-158.
148Ao padre Dalmazzo, 27 de agosto de 1882; E IV 165.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 505
considerava inevitáveis diante de tantos pedidos. Ele assegurava ao padre Costamanha
que o Capítulo Superior examinaria os projetos, uma vez que “todos estavam de acordo
em executá-los, na medida do possível”. Evidenciava, porém, os dois principais obstá-
culos: “a falta de pessoal e o imenso trabalho que nos oprime”. Durante o Capítulo
Geral de setembro de 1883 haveria a possibilidade de dar informações e fazer acordos,
enquanto já estava preparando para o final do mesmo ano o “necessário para uma expe-
dição regular”.149
No decurso de 1883 o tenaz martelamento dos anos precedentes tornava mais ágil a
conclusão da negociação que o prefeito de Propaganda Fide colocava em ação. Segundo
a carta a dom Domenico Jacobini de 7 de abril de 1883, Dom Bosco tinha “feito chegar
a S. E. o senhor cardeal Simeoni todas as respostas [às perguntas] que me tinha feito
sobre a Patagônia”. O cardeal lhe escrevia em 7 de julho que, devendo ele submeter à
Congregação Geral o pedido sobre a ereção de três vicariatos na Patagônia, preenchesse
o questionário anexo sobre os habitantes da região e propusesse as tríades de candidatos
para os respectivos quadros. Respondendo em julho de 1883, Dom Bosco, quanto ao
questinário, supunha conhecida da Congregação “a posição geográfica e histórica” da
Patagônia em base à carta geográfica e à relação enviada já em 23 de agosto de 1876.150
“Aqui – precisava – ficarei puramente naquelas coisas que foram pedidas por Vossa
Eminência”. De forma realista, ele redimensionava o pedido anterior, reduzindo-o a
“um só Vigário [Vicariato] Apostólico na Patagônia Setentrional e a uma Prefeitura
Apostólica na Patagônia Meridional”. O Vicariato para a Patagônia Central não parecia
realizável para o momento, estando a região em parte “não ainda suficientemente
explorada” e a parte conhecida “quase toda nas mãos dos protestantes”, emigrantes
procedentes de Gales: dela poderia ocupar-se o Vicariato da Patagônia Setentrional com
sede em Carmen de Patagónes. Para o Vicariato Apostólico de Carmen, com jurisdição
provisória também no Vicariato Central, ele propunha preferencialmente padre Giovanni
Cagliero: “Conhece – explicava – palmo a palmo esses países e está em ótima relação
com todos os bispos da República Argentina, do Uruguai, do Paraguai e até do Chile”.
Como alternativa propunha o nome do padre Giacomo Costamagna. Para o Vicariato ou
Prefeitura da Patagônia Meridional propunha padre Giuseppe Fagnano: “de compleição
hercúlea – motivava –, não há o que seja fadiga ou temor nas empresas difíceis”; pros-
seguia: “Essa prefeitura poderia depender do Vicariato de Carmen, a menos que o santo
padre julgue melhor estabelecer mesmo um vicariato apostólico”.151
Sobre o projeto em andamento informava, dois dias depois, o cardeal protetor,
149Ao padre Costamagna, 9 de agosto de 1882; E IV 160-161.
150 Ao cardeal Simeoni, 29 de julho de 1883. Para os precedentes se recordem as cartas ao cardeal
Franchi, 23 de agosto de 1876 (E III 88-89); ao secretário de Propaganda Fide, 22 novembro
de 1876 (E III 118-119); ao cardeal Franchi, 31 de dezembro de 1877 (E III 256-261); ao
cardeal Simeoni, 18 de março de 1878 (E III 320-321); a Leão XIII, 13 de abril de 1880 (E III
567-575); ao arcebispo de Buenos Aires, 15 de abril de 1880 (E III 575-576).
151 Ao cardeal Simeoni, 29 de julho de 1883; E IV 225-227.

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506 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Lorenzo Nina, nos termos comunicados pelo cardeal Simeoni. “Neste momento, na
Congregação de Propaganda Fide se trata das questões das missões da Patagônia, divi-
dida em três vicariatos apostólicos. Mandarei preparar uma cópia de todo o encarte e
farei chegar às mãos de V. E.”. Expressava, em acréscimo, a própria satisfação pela
elevação à cátedra arquiepiscopal de Turim do cardeal Alimonda.152 A mudança para
Turim do cardeal Alimonda, membro da Congregação de Propaganda, era uma garantia
também para o feliz êxito da questão patagônica. A solução foi também facilitada pela
relação sobre a obra de conversão já realizada, enviada em 1883 pelo padre Fagnano
à Propaganda: os dois colégios de Patagónes hospedavam 69 meninos e 69 meninas;
em quatro anos foram administrados 5.328 batismos e as viagens missionárias tinham
chegado à Cordilheira, percorrendo as margens do Limay até ao lago Nauél-Huapí e
o de Neuquén até a Norquin; além disso, tinham sido explorados o Rio Colorado, o
deserto de Balcheta e ambas as margens do Rio Negro; em suma, toda a Patagônia
setentrional em uma extensão de mais de 35 mil quilômetros quadrados.
A Congregação Geral aconteceu em 27 de agosto de 1883, estando presentes os
cardeais Pitra, proponente, Simeoni prefeito, Franzelin, Parocchi, Nina, Hassun e
Sbarretti. Foram aprovados o Vicariato da Patagônia Setentrional, com jurisdição
também na Patagônia Central, e a Prefeitura Apostólica da Patagônia Meridional, as ilhas
Malvinas e a Terra do Fogo. Para a execução pedia-se à Congregação Salesiana que se
colocassem doze sacerdotes à disposição da missão. Era aceito Giovanni Cagliero como
pró-vigário, com a faculdade de subdelegar para as crismas, e Giuseppe Fagnano como
prefeito. O papa aprovava na audiência de 2 de setembo e dom Domenico Jacobini,
secretário de Propaganda, redigia a ata. A comunicação oficial a Dom Bosco era feita
pelo cardeal Simeoni em carta de 15 de setembro. Em 25 de setembro Dom Bosco
respondia que os sacerdotes pedidos já estavam no Uruguai e Argentina disponíveis a
trabalhar nos territórios assinalados; além disso, estava iminente .outra expedição de
vinte missionários sacerdotes e dez irmãs.153 Em 16 e 20 de novembro de 1883, Leão
XIII emanava dois Breves, um para a ereção do Vicariato e outro para a nomeação
de Cagliero para pró-vigário; de 16 de novembro era datado o Decreto de Ereção da
Prefeitura Apostólica.154
No entanto, em 31 de outubro, Dom Bosco tinha escrito uma carta ao general
Roca, presidente da República Argentina (1880-1886). Tentando uma estéril captatio
benevolentiae, inoperante no plano das definições jurídicas da missão, ele a iniciava:
“Os desertos dos Pampas e da Patagônia, que já custaram tantas fadigas à E.V., e que
complacência recomendou algumas vezes à evangelização dos missionários salesianos,
152 Ao cardeal Nina, 31 de julho de 1883; E IV 228-229.
153ASCPF, Roma, Acta S. Congregationis de Propaganda Fide, vol. 252-II (1883), fol. 1007r-
1007v; Ib., Lettere, vol. 379 (1883), fol. 523v-524r; Ib., Nuova Serie, vol. 75 (1895), rubr.
151, fol. 652.
154 Cf. texto em MB XVI 582-584.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 507
parece que estão ao ponto de tomar endereço regular, quer quanto à civilização, quer
com respeito à religião”. Descrito o trabalho dos salesianos no quadriênio, prosseguia
manifestando uma apreciação, notavelmente forçada, e uma esperança: “A parte ativa
que tomou para a civilização desses selvagens e os grandes sacrifícios que o governo
argentino fez para o bem social do Estado e nomeadamente em favor dos institutos,
escolas e orfanatos dos salesianos me fazem esperar seu auxílio”. Acrescentava, teme-
rária e apressadamente em relação à realidade da situação política argentina e às difíceis
relações diplomáticas com a Santa Sé: “Esta minha confiança cresce tanto mais nestes
dias nos quais o santo padre teria deliberado estabelecer a hierarquia eclesiástica nessas
vastas regiões como, em seu nome, já tive a honra de significar à E. V. e como a mesma
Santa Sé, em breve, fará a comunicação oficial de tudo”.155
Não levava em consideração as inextirpáveis raízes do Padronado, que se tornou
jurisdicionalismo laicista, nem a tinha presente quando, para dar maior incisividade à
ação do futuro pró-vigário, pedia que fosse conferida a dignidade episcopal a Cagliero,
qualificação que comportava a promoção de pró-vigário a vigário. Pedia isso a Leão
XIII, na carta de 26 de setembro de 1884, o próprio cardeal Alimonda, que ao mesmo
tempo solicitava o apoio do cardeal Nina. Este, por sua vez, intervinha junto do prefeito
e do secretário de Propaganda Fide, cardeal Simeoni e dom Domenico Jacobini. Foi
concedida “em vista dos méritos de Dom Bosco” e “para tornar mais eficaz a obra do
padre Cagliero e para o bem de sua missão”. Em 30 de outubro era emanado o Breve
respectivo.156 Em 3 de dezembro de 1884 Dom Bosco enviava aos amigos e benfeitores
do Oratório e das missões salesianas uma circular-convite para o rito da consagração do
primeiro bispo salesiano. A celebração aconteceria em 7 de dezembro.
Na costumeira circular de início de 1884, Dom Bosco tinha dedicado um parágrafo
ao Vicariato e Prefeitura Apostólica na Patagônia.157 Ainda na circular de 1885 retor-
nava ao tema do Prefeitura Apostólica na Patagônia, anunciando a elevação ao epis-
copado do padre Cagliero, sublinhando não tanto as despesas para o enxoval, quanto
o fato de que o novel prelado não encontraria em seu campo de trabalho “nada do que
precisava para o exercício do ministério pastoral e para a formação da cristianidade;
não pediu nem capelas, nem colégios ou seminários”; “ele – continuava – encontrará
somente numerosas tribos selvagens abandonadas à inércia e à miséria, porque privadas
do benefício da religião, das ciências, das artes, da agricultura, do comércio e de tudo o
155 Carta de 31 de outubro de 1883; E IV 238-239. Da carta precedente ao general Roca, de 10
de novembro, e da carta ao padre Costamagna, de 12 de novembro de 1880 (E III 634), já
se falou.
156 Cf. C. Bruno, Los Salesianos y las Hijas, vol. I, p. 331-333. Às p. 333-334 são transcritos
textos de cartas enviadas por Dom Bosco a Dom Jacobini em 7 de abril, 27 de agosto e 19 de
dezembro de 1883; e ao cardeal Simeoni em 25 de setembro de 1883, 12 de maio de 1884 e
16 de abril de 1885.
157 BS 8 (1884) n. 1, genn. p. 3.

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508 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
que diz respeito à vida civil”.158
Tal publicidade não foi bem acolhida na América. O arcebispo mantinha uma posição
ambivalente. Via com favor que os salesianos agissem na Patagônia, mas era contrário
à secessão do território do Vicariato da Arquidiocese de Buenos Aires. Nisso ele tinha
de seu lado também dom Matera, delegado apostólico na Argentina de 1880 a 1884.
A expulsão e o retorno a Roma do enviado pontifício poderiam facilitar o exercício
por parte de dom Cagliero de sua missão de vigário na Patagônia e talvez também o
arcebispo teria aderido à decisão romana, se lhe tivesse sido dada taxativa comunicação
oficial, que obviamente não existiu. De qualquer maneira, permaneceria insuperável
o obstáculo posto pela autoridade política.159 Em 2 de janeiro de 1885 dom Asneiros
escrevia a Dom Bosco, entre outras coisas: “Em todo tempo, mas agora mais do que
nunca, nosso governo não aprovará jamais que, sem seu beneplácito, seja ereto um
vicariato entre seus domínios (...). Eu desejo que V. R. faça com que o Ilmo. Cagliero
se apresente sem esse título de vigário da Patagônia. De minha parte concedo toda
faculdade para que possa exercitar todo poder episcopal tanto aqui como na Patagônia
e farei de tudo para que seja honrado e respeitado como bispo”.160 Dom Bosco enviava
uma cópia da carta a dom Cagliero, que esperava a partida em Marselha, retardada por
causa do cólera que tinha fechado os portos americanos. Advertia: “Conta muito com
a prudência do padre Lasagna, dos nossos irmãos anciãos e dos bispos que te amam
em Jesus. Mas tenha cautela em tomar deliberações relativas às autoridades civis”.
Acrescentava uma pequena pérola de seu sistema de educação: “Recomenda a todos os
nossos dirigir seus esforços sobre dois pontos cardeais: Fazer-se amar e jamais fazer-se
temer; envidar todo sacrifício pessoal e pecuniário a fim de promover as vocações
eclesiásticas e monacais”. Não faltava a conhecida advertência aos que, na Europa e
na América –em particular padre Lemoyne e padre Riccardi – enviavam e esperavam
relatos de sonhos: “Recomendo ainda que não se dê grande valor aos sonhos etc. Se
estes auxiliam o entendimento de coisas morais, ou mesmo de nossas regras, está bem;
conservem-se. Do outro modo, não se dê nenhum valor”.161
Na resposta ao arcebispo, de 9 de fevereiro de 1885, saltava completamente
o problema por ele colocado na carta de 2 de janeiro e se limitava a renovar-lhe o
convite para Turim.162 Ao invés, para contribuir a serenar os salesianos da Argentina e
158 BS 9 (1885) n. 1, genn., p. 3. As cartas de início de ano de Dom Bosco de 1886 e de 1887
dedicam largo espaço à conversão da Patagônia e às Residências e centros de Missão, mas
não se podem razoavelmente atribuir a ele: cfr. BS 10 (1886) n. 1, genn., p. 4-6 e 11 (1887) n.
1, genn., p. 3-5.
159 Cf. reiteradas informações do padre Cagliero e de padre Costamagna e Dom Bosco in A. da
Silva Ferreira, Patagonia: I – Realtà e mito nell’azione missionaria salesiana, RSS 14 (1995)
16-17, 24-29; carta de 4 de junho de 1878 a Dom Bosco de F. Bodrato, Epistolario, p. 292.
160 Documenti XXIX 12, FdB 1106 B 11.
161A dom Cagliero, 10 de fevereiro de 1885; E IV 313-314.

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Cap XXX: Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887) 509
do Uruguai, em um tempo de intervenções legislativas pouco favoráveis às corporações
religiosas, procurava atrair a atenção do Ministério do Exterior italiano sobre as escolas
salesianas da Améria do Sul. O ministro respondia a Dom Bosco elogiando a “obra
altamente civil”.163 Dom Bosco enviava cópias da resposta aos superiores da América,
causando efeito positivo sobre as autoridades que dela tomaram conhecimento.
Dom Cagliero, de sua parte, agiu com exemplar prudência durante todo o seu mandato
(1885-1912). Pôde exercitar de fato a missão de vigário sem nenhuma restrição. Jamais
pôde nem quis reivindicar o título oficialmente, nem diante do arcebispo, que continuou
a exercitar de direito sua jurisdição sobre a Patagônia, nem muito menos diante das
autoridades civis, das quais gozou incondicionada estima, não menor em relação ao
mundo eclesiástico.164
4.2 Projeção do Uruguai ao Brasil
Pelas cartas, por informações de quem atravessava o Oceano nos dois sentidos,
pelos conhecimentos geográficos, por colóquios com padre Lasagna, Dom Bosco tinha
se dado conta de que o Uruguai salesiano estava se tornando a base de lançamento de
novas empresas, ainda maiores do que aquelas partidas de Buenos Aires em direção à
Patagônia. Renovavam-se em dimensões planetárias os antigos sonhos a olhos abertos,
estava sempre acordado o espírito de empreendedor, tinha se tornado incontida a paixão
pela salvação das almas, sobretudo dos jovens: na crescente fragilidade física persis-
tiam “viva a fé, firme a esperança e inflamada a caridade”.
Em 8 de setembro de 1882 Dom Bosco escrevia ao padre Dalmazzo, vendo e ante-
vendo o desenvolvimento no Brasil: “Se vês ainda o cardeal Nina”, “podes também dizer
que as duas casas de missões no Brasil, na Diocese do Pará e do Rio de Janeiro, estão
definitivamente estabelecidas segundo o desejo do santo padre que me foi expresso pelo
senhor cardeal de Estado. No Pará já começaram os trabalhos de construção e readap-
tação”; “no Rio de Janeiro está tudo pronto e nossa casa está pouco distante dessa
cidade, em uma amena posição chamada Nichteroy”; “ontem enviei a aprovação do
contrato feito a tal escopo entre dom Lacerda, dom Lasagna e um proprietário”.165
De fato, após contato formal com o arcebispo do Rio de Janeiro, em janeiro de
1882, padre Lasagna abria a primeira obra no Brasil partindo precisamente de Niterói.
Acompanhavam-no em julho de 1883 o diretor, padre Michele Borghino, com dois
162 E IV 312.
163 Carta ao comendador Malvano, secretário geral do Ministério, 9 de fevereiro de 1885; E IV
312-313.
164 Cf. A. da Silva Ferreira, “Patagonia: I – Realtà e mito nell’azione missionaria salesiana”,
RSS 14(1995), p. 34-43.
165 Carta de 8 de setembro de 1882; E IV 172.

51.10 Page 510

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510 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
padres, um clérigo e um coadjutor, que aí abriam o Internato Santa Rosa com oratório.
Encontrando grandes consensos no mundo católico, começando pelo imperador Pedro
II, em particular por parte da princesa Isabel Cristina e do marido Gastone d’Orléans,
conde d’Eu, que tinham conhecido Dom Bosco em Paris dois meses antes.166
Outra obra foi aberta em junho de 1885 em São Paulo, com o título de Liceu Sagrado
Coração. Era nomeado diretor padre Lorenzo Giordano, já vice-diretor em Villa Colón
com padre Lasagna.
Naturalmente Dom Bosco intuía o futuro promissor que se perfilava, mas via também
a ilimitada necessidade de pessoal. Escrevia ao novo diretor da obra de São Paulo:
“Terás certamente não poucas dificuldades, especialmente no princípio de uma missão
tão extensa como a de São Paulo, não é verdade?” Daí derivava também para o destina-
tário a tarefa de “procurar companheiros” com vocações locais e o convite para enviar,
eventualmente, a Turim, para sua formação, “também alguma centena”: “nós faremos
de tudo para instruí-los e enviá-los de volta – prosseguia –, mas na condição de poder
coadjuvá-los nas missões até Mato Grosso”. No entanto, em Turim se faria tudo o que
fosse necessário para prover operários evangélicos, “quantos fossem necessários”.167
Em março de 1886 escrevia à princesa Isabel, agradecendo a bondade e caridade
manifestada para com os salesianos no Brasil, e os recomendava a ela e ao pai, prome-
tendo preces de seus alunos para toda a família imperial.168
Nas referências americanas entre 1886 e 1887 não eram poucos, além da consoli-
dação do que existia, os anúncios e os projetos por parte de Dom Bosco de ulteriores
saltos avante na pacífica conquista americana.169
166 À princesa Isabel de Bragança, que tinha pedido orações mediante o capelão da família, Dom
Bosco tinha respondido em 19 de agosto de 1883; E IV 402-403.
167Ao padre Lorenzo Giordano, de San Benigno, 30 de setembro de 1885; E IV 341-342.
168 Carta à princesa Isabel, março de 1886; E IV 353. A carta, trazida pessoalmente pelo padre
Borghino, teve como seguimento uma visita do imperador e da imperatriz à casa de São Paulo.
169 Cf. cap. 31, § 2-3 e 6.

52 Pages 511-520

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52.1 Page 511

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Capítulo XXXI
Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador
em Turim (1883-1884)
1883
1884
31 de janeiro a 31 de maio: viagem na Ligúria, França (14 fevereiro a 30 de
maio), Paris (18 de abril-26 de maio), com parada em Lille (5 a 15 de maio)
31 de maio: conferência aos cooperadores de Turim
24 de junho: discurso a ex-alunos sobre política educativa
13-18 de julho: viagem a Frohsdorf (15 a 17 de julho)
2-7 de setembro: Terceiro Capítulo Geral da Sociedade Salesiana
29 de outubro: conferência sobre o coadjutor salesiano
24 de janeiro: os salesianos em Lille
15 de fevereiro: os salesianos em Sarriá (Barcelona)
dezembro: os salesianos em Paris
A vida de Dom Bosco chega a uma fase da dupla face. De um lado ele mostra
ainda grande mobilidade, sustentada pela excepcional força de vontade, que vence a
fragilidade física. A luta pela vida das obras juvenis e o empenho em chegar ao final da
dispendiosa construção da Igreja do Sagrado Coração fazem-lhe aparecer totalmente
absurda qualquer outra alternativa que não seja viajar para encontrar antigos e novos
benfeitores, além do fadigoso pedir. De outro lado, acompanhavam-no, ao mesmo
tempo, o enfraquecimento das energias físicas, o aparecimento e o agravamento de
males antigos e o surgimento de novos, com momentos que chegam mesmo a colocar
sua vida em perigo. Apesar disso, ele é visto, embora com intervalos de flexão, sempre
à obra. É, de qualquer modo, período da máxima consolidação estrutural e jurídica dos
dois institutos religiosos, de viagens significativas, de expansão de obras, de aprofunda-
mento da espiritualidade e de vivacidade na animação, e de crescente visibilidade.
Na última fase, ao invés, o quadro biográfico se transformará radicalmente. O viver
de Dom Bosco será assinalado em medida crescente por tempos de clausura. Sua vida
será, em larga parte, objeto da “crônica familiar”, mesmo se constantemente circundada
e enriquecida pela história: na irradiação espiritual, nas repercussões, nas mensagens
ideais em perspectiva educativa, missionária, espiritual.

52.2 Page 512

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512 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
1. Dom Bosco educador, operador social e taumaturgo na viagem a
Paris (1883)
O incansável esmoleiro já sabia, há vários anos, em que direção voltar-se com maior
proveito. Era a França, onde se criava rapidamente uma vasta família de benfeitores e
benfeitoras. Era, com efeito, país de fontes econômicas e financeiras muito mais consis-
tentes que a Itália, que estava em busca da unidade política e de uma razoável estrutura
econômica, atingida apenas parcialmente por uma incipiente industrialização, com uma
agricultura, em vastas zonas, atrasada, e com grandes contingentes destinados a alimentar
o colossal fluxo migratório para a Europa, para a própria França e além-oceano.
Dom Bosco fazia questão de avisar algumas das pessoas benfeitoras ainda antes que
terminasse 1882 e nos inícios de 1883. “Se a França estiver tranqüila – anunciava a Clara
Louvet – partirei no próximo 20 de janeiro, a Gênova e Nice, Alpes Marítimos, Cannes,
Toulon, Marselha, Valence, Lyon para estar em Paris no final de março”.1 Poucos dias
antes da partida indicava a data precisa, 31 de janeiro, e um itinerário mais detalhado:
Sampierdarena, Varazze, Alassio, Ventimiglia, Nice, Toulon, Marselha, ocupando entre
chegada e partida os dias de 31 de janeiro a 1º de abril.2 De Marselha marcaria as duas
etapas sucessivas, Lyon e Paris, e o endereço da residência na capital francesa: “Em 1º
de abril partirei para Lyon e espero chegar a Paris no dia 15”. “Endereço em Paris: em
casa de Madame de Combaud, 34 Avenue de Messine”.3
Nessa viagem mais prolongada à França e na estadia triunfal em Paris não se
percebe nenhum eco das dificuldades políticas com a Itália determinadas pela ocupação
da Argélia, que se tornara protetorado francês em maio de 1881, e, por parte da Itália,
a assinatura da Tríplice Aliança com os impérios germânico e austro-húngaro em 20 de
maio de 1882, cuja notícia se espalhara somente no início de 1883. Não se notam nem
mesmo apreciáveis repercussões da virada política, social e cultural provocada pela
revolução republicana, leiga e anticlerical, consumada na França em 1879 e consolidada
com as rápidas e decididas leis na escola dos anos 1880-1882.4 Sob certos aspectos, a
viagem de Dom Bosco parece fora da história. Além dos habituais interlocutores do
Sul, no Norte ele se encontraria blindado por pessoas que representavam o passado
mais que o futuro: legitimistas, filomonárquicos, pretendentes ao trono ou seus susten-
tadores. Todavia, pôde de alguma forma “fazer história” no mundo católico, levando a
voz da esperança em Deus, presente nos acontecimentos humanos, e da confiança na
caridade operativa para o perene advento do Reino, de Deus antes que dos homens.
Como se queira, sua viagem na França não era propriamente uma peregrinação apos-
1A C. Louvet, 5 de dezembro; E IV 453.
2A C. Louvet, 18 de janeiro de 1883; E IV 454.
3 A C. Louvet, de Marselha, 2 de março de 1883; E IV 455-456.
4 Cf. cap. 2 § 9.

52.3 Page 513

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 513
tólica ou missionária. A longa permanência em Paris, como em Nice, em Marselha, em
Lyon e alhures, tinha o escopo de encontrar benfeitores e suscitar beneficência para as
obras salesianas e para a construção da Igreja do Sagrado Coração em Roma.
A tabela prevista de marcha seria observada substancialmente com o atraso de um
ou dois dias. Tendo partido na manhã de 31 de janeiro com padre Durando e o padre
salesiano francês De Barruel, de 31 de janeiro a 14 de fevereiro fazia breves visitas às
casas da Ligúria, de Sampierdarena a Varazze, Alassio e Vallecrosia. Pela meia-noite
do dia 14 chegava a Mentone, hóspede de um lorde inglês. No dia 16 estava em Nice,
no Patronage Saint-Pierre. Começava então sua intensa atividade de pedinte: falar em
público e em particular, visitar e acolher, abençoar, recolher ofertas para as várias obras.
Em Nice permanecia até o final de fevereiro para dirigir-se sucessivamente a Cannes,
Toulon, La Navarre. Em 16 de março estava em Marselha, onde permanecia até 2 de
abril. Aqui foi certamente informado da morte imprevista de dom Gastaldi, acontecida
em 25 de março, dia da Páscoa. Não se conhecem reações e impressões experimen-
tadas ou expressas. Era certamente por decisão do padre Rua, em consonância com o
superior ausente, que às 10 horas de 5 de abril, como anunciava L’unità cattolica, “a
Congregação Salesiana” celebrava na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora “solene ofício
fúnebre”, com a presença de alguns familiares do defunto.5
Em Marselha, por meio de circular datada de 22 de março, eram convidados amigos
e benfeitores a participar, no dia 29, da missa de Dom Bosco, da bênção da estátua de
Nossa Senhora Auxiliadora e da conferência dos cooperadores, seguida pela bênção
eucarística.6 No Oratório São Leão foi dia de festa. De tarde estavam presentes o
bispo diocesano dom Jean Robert, o cônego Clément Guiol e seu irmão dom Louis,
reitor da Faculdade Católica de Lyon. Dom Bosco fez longo discurso. A primeira
parte era dedicada a um resumo das obras realizadas e que deviam ser sustentadas,
“para vantagem da religião e da sociedade civil”. Frisava, em particular, as obras da
França que ele visitara poucos dias atrás: La Navarre, Saint-Cyr, o Oratório São Leão.
Sobre este último ele chamava, em particular, a atenção dos ouvintes; fora construída
a capela, comprara-se um terreno para o terceiro pavilhão em vias de construção, que
iria permitir passar dos trezentos para mais de quatrocentos jovens. Porém, também
as dívidas tinham crescido. Ao todo, mais de 200 mil francos. Além do mais, o apetite
dos jovens era ótimo. Como agir? Simplesmente, fazer uma profissão de caridade
muito concreta, recordando “as palavras do Evangelho: Date et dabitur vobis”. Quem
faz a caridade ao próximo, faz um empréstimo a Deus e está seguro de conseguir cem
por um: um banco altamente remunerador.7
5 Cf. L’unità cattolica, n. 79, quarta-feira, 4 de abril de 1883, p. 515.
6 Texto do convite com a ordem dos ritos em MB XVI 466-467.
7 “Festa e conferenza dei Cooperatori nell’Oratorio de San Leone em Marsiglia”, BS 7(1883)
n. 5, maio, p. 78-80; Bulletin Salésien 5(1883) n. 6, junho, p. 70-73. Cf. cap. 22, § 7.

52.4 Page 514

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514 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Em 2 de abril, com o secretário padre De Barruel, partia para Avignon e aí ficava no
dia 3 hóspede de um negociante de vestimentas e objetos sagrados, Michel Bent. No dia
4 se dirigia para Valence. No trajeto de Valence a Lyon fazia parada em Tain, na casa de
Albert du Boÿs, como se viu, seu importante biógrafo. Em Lyon, de 7 a 16 de abril era
hóspede de dom Louis Guiol. No dia 8 visitava o santuário de Notre-Dame de Fourvière,
recebido pelo beneditino dom Pothier e pelo superior geral dos sulpicianos. Em Fulvière
voltava no dia 15 para visitar as religiosas da Société de Notre Dame de La Retraite du
Cenacle, levando sua bênção a uma irmã enferma e à co-fundadora Thérèse Couderc
(1791-1885), esta também doente. Em 11 de abril era convidado a almoçar na casa
de férias dos seminaristas, aos quais dirigia palavras de conselho e de encorajamento.
No bairro da Guillotière em Lyon, certo padre Boisard, que em 1882 tinha passado um
mês no Oratório de Valdocco, tinha fundado a Oeuvre des Ateliers d’Apprentissage.
No Oratório tinha se inspirado para introduzir em sua obra o sistema preventivo e o
espírito de piedade. Dom Bosco visitava-o fazendo breve discurso aos educadores
e colaboradores, utilizando uma linguagem pitoresca. Tendo como premissa que as
crianças são as delícias de Deus, desenvolvia a tese sobre a relação entre educação da
juventude e bem da sociedade: “a salvação da sociedade está, ó senhores, em vossos
bolsos – repetia com expressões bem conhecidas –. Estas crianças recolhidas pelo
Patronage e as mantidas pela Oeuvre des Atteliers esperam vossos auxílios. Se agora
derdes para trás, se deixais que estas crianças se tornem vítimas das teorias da comuna,
os benefícios que hoje lhes recusais, eles virão exigir-vos amanhã, não mais com o
chapéu na mão, mas apontando a faca para vossos pescoços e, talvez, juntamente com
as vossas coisas, roubem também vossas vidas”. A um jornalista, que lhe perguntava
a quem pretendia referir-se, respondia: “Estas são obras que não somente os católicos
devem sustentar viribus unitis, mas também todos os homens que têm no coração a
moralidade da infância. Os humanitários devem interessar-se por ela não menos que os
cristãos. É o único meio para preparar um futuro melhor para a sociedade”.8 Em Lyon,
Dom Bosco conseguia audiência do Conselho Central das duas Obras da Propagação da
Fé e da Santa Infância. Teve oportunidade de solicitar com muita energia auxílio para
as missões patagônicas. Em 14 de abril, na sede da Société de Géographie, fazia uma
conferência sobre “o progresso da civilização cristã” na Patagônia, graças à ação reli-
giosa, moral e humanizadora dos salesianos entre os índios.9 Em 16 de abril, de Lyon,
escrevia ao padre Albera, repartindo dinheiro, um dos frutos da parada em Avignon:
“Partimos para Paris, mas com a parada de um dia em Moulins. Receberás do senhor
Duros de Avignon 5 mil francos, do qual a metade é para vós, metade para S. Isidoro ou
8 Echo de Fourvière, 12 de abril de 1883, in F. Desramaut (org.): “Répertoire analytique
des lettres françaises adressées à don Bosco en 1883”, Cahiers Salésiens, n. 8-9, abril-
outubro,1983, p. 112-115.
9 “Don Bosco à la Société de Géographie de Lyohn (14 avril 1883)”, Cahiers Salésiens, n. 8-9,
p. 115-117.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 515
Saint-Cyr. Nosso endereço em Paris: Condessa de Combaud, Avenue de Messine 34.
Continuai a rezar. Os trabalhos estão indo bem”.10
Chegado em Paris no final da tarde de 18 de abril, pedia imediatamente objetos
sagrados e profanos em Turim: “Dizei-me com rapidez: 1) endereço para conseguir
medalhas e imagens de Nossa Senhora Auxiliadora; 2) se não se podem encontrar aqui
em Paris, mandai-as vir de Turim. Avenue Messine 34”.11 “Envia-me o capotinho de
verão”, escrevia ao padre Berto.12
Como o apartamento da Condessa de Combaud, que hospedava Dom Bosco, era
no quarto andar e por isso incômodo para as audiências, a comunidade parisiense
das Oblatas do Coração de Jesus de Rue de la Ville l’Évêque colocava à disposição
alguns locais para a recepção das muitas pessoas que, à tarde, acorriam ao padre de
Turim. Aí, de sexta-feira, 20, a segunda-feira, 30 de abril, Dom Bosco continuou a
acolher os visitantes. Por meio de cartas, de documentos vários, entre os quais prin-
cipalmente uma memória de um “antigo magistrado” de Paris,13 e sobretudo de uma
interessante crônica, redigida dia a dia pela jovem oblata Charlotte Bethford, pode-se
ter uma imagem quase viva da multidão que, por horas e horas, continuou a procurar
Dom Bosco.14 Nesse local se acotovelavam pessoas de todas as classes sociais, que
viam nele sobretudo o santo, o taumaturgo. Iam até ele para que rezasse e abençoasse,
intermediário junto da Virgem Auxiliadora mediadora de graças materiais e espirituais,
de curas e de soluções de problemas pessoais, familiares e profissionais. Alguma vez a
cronista pensava individuar junto com expressões de sincera devoção, também traços
de superstição. Dom Bosco acolhia e escutava com “incrível” bondade e paciência,
aconselhava, presenteava com uma medalha ou uma imagem de Nossa Senhora, recebia
as esmolas, agradecia e despedia exortando a fé e esperança cristã. Os hóspedes tiveram
que empenhar-se “com firmeza e doçura” em um duro trabalho de disciplinamento dos
acessos, vendo-se desfilar sob os olhos uma interminável massa humana de visitantes e
prolongando sempre mais os horários inicialmente estabelecidos.
Era, contudo, somente um aspecto dos fatigantes empenhos cotidianos de Dom
Bosco. Antes e depois das longas audiências, se adensavam os encontros de massa
em igrejas públicas e em capelas privadas, as celebrações religiosas em mosteiros, em
comunidades masculinas e femininas, em institutos católicos de educação, as conferên-
cias, as visitas a doentes e famílias particularmente provadas.
Um dia após sua chegada, Dom Bosco dirigiu-se ao arquiepiscopado, recebido de
manhã pelo bispo coadjutor com direito à sucessão dom François-Marie Richard (1819-
10 E IV 216.
11A Giuseppe Rossi, 19 de abril de 1883; E IV 216.
12Ao padre G. Berto, 19 de abril de 1883; E IV 217.
13 Don Bosco à Paris, par un Ancien Magistrat, 5ème édition. Paris, Ressayre 1883.
14 Cf. F. Desramaut, Don Bosco, rue de la Ville l’Évêque, a Parigi, in aprile 1883, RSS 7 (1988)
9-34.

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516 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
1908), e na parte da tarde, pelo cardeal arcebispo Joseph-Hyppolyte Guibert (1802-
1886), que o convidava a pregar e a recolher ofertas na Igreja da Madalena. No dia
21 visitava a obra de Auteuil, que padre Roussel lhe havia oferecido sem êxito há três
anos atrás. Aí voltava à tarde de 20 de maio, falando aos jovens e rezando com eles.15
Em 22 de abril jantava com os assuncionistas. Entre outras coisas, parece que lhes
tenha encorajado a tornar cotidiano o periódico La Croix.16 Dom Bosco vinha de uma
recente batalha em favor da escola católica. Podia, portanto, compreender e compartilhar
a veemente defesa dos direitos da Igreja e da catolicidade levada adiante com férvido
ativismo pelos religiosos assuncionistas, guiados por seu resoluto fundador, padre
Emmanuel d’Alzon. Mas o reservado padre italiano, sem partido e em veste de esmoleiro,
devia, provavelmente, permanecer alheio à linha de intransigência do combatente grupo
que dava vida ao jornal, a ponta de diamante do integrismo católico. Diferentemente
da França “visceralmente realista e contra-revolucionária”, Dom Bosco representava “a
ação eficaz de conservação regeneradora da sociedade”.17 Mas ardorosa era a interpre-
tação teológica, que Le Pèlerin, fundado há alguns anos pelos assuncionistas, dava em
12 de maio, da presença de Dom Bosco em Paris: “Quanto a nós, pensamos que a vinda
de Dom Bosco a Paris, no coração da França, com tal elevação dos espíritos, é um dos
resultados mais impressionantes das preces e das penitências de início do ano e da pere-
grinação a Jerusalém. O sentimento que envolve toda esta Paris indiferente à passagem
de um padre, de um religioso, de um santo, após tão pouco tempo das expulsões e que
lhe coloca nas mãos, quase como um resgate, verdadeiros tesouros, é certamente fato
sobrenatural de primeira ordem e nós cremos que Dom Bosco, velho, que se movi-
menta docemente, sempre apoiado no braço de um amigo, com a vista fraca, que não
lê nenhum jornal, fornece à França nem mais nem menos que a solução da questão
operária”.18 A tarde de 23 de abril Dom Bosco visitava o Seminário de São Sulpício.
Dirigia aos clérigos pequeno discurso sobre o tema Erat lucerna ardens et lucens e ficava
para o jantar. No dia 28 celebrava na igreja paroquial de Nossa Senhora das Vitórias.19
Ao pároco da igreja-santuário, em janeiro, Dom Bosco tinha pedido hospitalidade para
a estadia parisiense, sublinhando a coincidência dos títulos marianos: Nossa Senhora
das Vitórias e Maria Auxiliadora dos Cristãos. Por absoluta falta de espaço na casa paro-
quial, padre L. Chevoyon fora constrangido, com grande tristeza, a comunicar-lhe que
era impossível dar-lhe acolhida e não conseguira encontrar outra solução.20 Era o dia
da missa da Arquiconfraria. Dom Bosco “falou da caridade e de Maria Auxiliadora”,
15 “France illustrée”, 26 de maio de 1883 e in E. Guers, Une grande oeuvre à Paris. L’orphelinat
d’Auteuil et l’abbé Roussel. Pais-Auteil, Librairie de la France illustrée, s.d., p. 238-239.
16 Cf. Le Pèlerin de 12 de maio de 1883 e La Croix de 1º de dezembro de 1934. La Croix se
tornava cotidiano em 16 de junho de 1883.
17 F. Desramaut, Don Bosco en son temps, p. 1172 e 1175.
18 Pèlerin, 12 de maio de 1883, in: Cahiers Salésiens, n. 8-9, p. 119; Bulletin Salésien 5(1883)
n. 5, maio, p. 64.
19 Cf. cap. 2 § 2.
20 Cf. carta s.d. [de janeiro de 1883]; MB XVI 460-461.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 517
“expôs a finalidade de suas obras” e “pediu a esmola para seus orfãozinhos”. As ofertas
frutificaram a considerável soma de 2 mil francos.21
Domingo, dia 29, foi rico de compromissos. Dom Bosco o iniciava com a cele-
bração da missa na Igreja São Tomás de Vilanova, que tinha ao lado uma comunidade
de irmãs, à qual fez visita. Dirigia-se depois a uma igreja adjacente à paroquial de
São Sulpício, onde se sediava a obra dos “catecismos de perseverança” para jovenzi-
nhas, dirigida pelo padre Sire. O veneradíssimo padre italiano fazia, em francês “um
pouco hesitante e com doce acento italiano” breve discurso que foi ouvido com a respi-
ração presa. Foi inserido na ata da reunião. Dizia estar feliz em encontrar-se na capela
onde tinha passado o próprio Pio VII e em comunhão de coração e de espírito com
o auditório. Dava, por fim, um conselho: “sede em todos os lugares bons católicos,
conservai o temor de Deus, que somente pode tornar-vos felizes nesta vida e depois
da morte. Difundi-o ao vosso redor. Que Deus vos dê a graça de infundi-lo em vossos
pais, nos amigos e também nos inimigos. Eu vos abençoo para sejais a honra e a glória
de São Sulpício e o sustento da Igreja”. Uma das jovens, que se tornou irmã, no diário
fazia um retrato, que evidenciava seu declínio físico: “Dom Bosco tem ainda cabelos
negros. É de estatura ordinária. Tem a espinha um pouco curva e tem o rosto longo e
magro. Caminha lentamente, porque as fadigas o enfraqueceram muito; além disso,
nos vê muito pouco. Como faz bem o contato com um santo!”.22 Às 15 horas fazia uma
conferência eclética na igreja mais aristocrática de Paris, a Madalena. Desta, que foi
anunciada e feita propaganda, e teve extraordinária repercussão, resta o texto estenogra-
fado.23 “Estamos para nos entreter sobre a juventude – dizia –. Segundo a palavra de um
dos vossos mais ilustres prelados, dom Dupanloup, a sociedade será boa se dais uma
boa educação à juventude; se a deixais nas mãos do mal a sociedade será pervertida.
Quando se me fala de juventude, dizia um santo padre, não quero que me entretenham
com projetos, quero ver os resultados conseguidos. Por isso eu vos exporei brevemente
o que a Divina Providência nos permitiu fazer para a juventude, e os vossos corações
serão tocados”. Passava portanto a falar das finalidades e da dimensão da sua obra,
precisando que ele entendia referir-se aos “jovens abandonados, que vagueiam pelas
ruas, pelas praças, nos becos, e esses seres rejeitados, que cedo ou tarde se tornarão
o flagelo da sociedade e terminam por encher as prisões”. Continuava narrando os
inícios e os desenvolvimentos de sua obra em Turim, antes oratório e depois também
internato, sua difusão na Itália, França e América, e a fundação do Instituto das FMA.
“Hoje – informava –, o número das casas que temos fundadas e que dirigimos atinge
21 Documenti XXV146, FdB 1084 A1.
22 MB XVI 187-189, 498-499.
23 Publicado na Gazette de France, suplemento de 30 de abril de 1883, retomado pelo Antigo
Magistrado de Paris e, com alguma variação, por A. Aubineau, Dom Bosco: sa biographie,
ses oeuvres et son séjour à Paris. Paris, A. Josse, [1883], p. 21-31; breve crônica e resumo em
BS 7(1883) n. 6, junho, p. 87-88.

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518 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
a enorme cifra de 164. Aí são acolhidos mais de cento e cinqüenta mil crianças e todo
ano o movimento de entrada e de saída varia de trinta e cinco a quarenta mil. Cada ano
temos a consolação de ter cooperado para a salvação dessas almas que temos colocado
na condição de servir a Deus, a religião, a pátria, a família, a sociedade”. Fora-lhe muito
difícil conseguir o dinheiro necessário. Contudo, “eis o grande mistério”, até agora
tinha conseguido, embora sendo “pobre, sem meios de subsistência”. Era “o segredo
da misericordiosa bondade de Deus. A Ele agrada favorecer minha obra – acentuava
– porque o bem da sociedade e da Igreja está na boa educação da juventude. A Santa
Virgem foi para nós realmente Nossa Senhora Auxiliadora: a Ela devemos o bom êxito
de nossas fadigas” e “Ela abençoa aqueles que se ocupam da juventude”. Concluía
agradecendo os ouvintes e a Nossa Senhora Auxiliadora, que não teria feito faltar a sua
celeste assistência. “Como recompensa de vossa caridade para com os órfãos – preci-
sava –, Ela protegerá vossos interesses, vossas famílias, será guia e sustento de vossos
filhos. Peço que Ela seja sempre nossa mãe e que se mostre na hora de nossa morte
nossa suprema protetora. Que ela seja nossa força e nossa esperança aqui na terra, na
esperança de poder louvá-la e bendizê-la no Céu”.24 Terminada a conferência, Dom
Bosco era apanhado pelo padre Pietro Gasparri (1852-1934), futuro cardeal secretário
de Estado de Bento XV e de Pio XI, que o acompanhava ao Instituto Católico, onde era
professor de direito canônico há vários anos.
No dia seguinte Dom Bosco retornava à Madalena para celebrar uma missa para as
coletoras da vigília – na noite anterior tinham recolhido a soma excepcional de 15 mil
francos – e para os benfeitores de sua obra.
Na terça-feira, 1º da maio, celebrava a missa na Igreja São Sulpício, “a rainha das
paróquias” parisienses, cheia de fiéis como nas maiores solenidades. Após a leitura do
Evangelho, os dois sacerdotes assistentes acompanharam-no à balaustrada, de onde
falava a um público em profundo silêncio. “A religião – dizia – adoça as misérias e as
aflições de nosso exílio. Somente ela nos assegura a felicidade após esta vida no tempo”.
“Perseverai em vossas tradições de caridade generosa para todas as boas obras. A mais
importante é a educação cristã da juventude. Começai no lar, educai bem vossos filhos”.
“Sinto não poder falar-vos da obra para a qual peço vossas esmolas. Ela consiste em
recolher órfãos e errantes para instruí-los, para fazer deles bons cidadãos e bons cris-
tãos. As vossas ofertas servirão ao desenvolvimento desta boa obra. Desta forma atrai-
reis sobre vós as bênçãos de Deus”.25 Na parte da tarde Dom Bosco era acompanhado
em casa dos lazaristas e falava à assembléia do patronato dos órfãos, compreendendo
as Damas Patronas e o Comitato dos Membros Fundadores.26 Em 2 de maio chegava de
24 Documenti XXV 167-172, FdB 1084 B10-C3. O texto é retirado da Gazette de France, assim
como em MB XVI 526-530.
25 “Don Bosco”, in: Le Rosier de Marie, 12 de maio de 1883. Cf. L. Aubineau, Dom Bosco, p.
35-36; Documenti XXV 184-185, FdB 1084 C9-11.
26L. Aubineau, Dom Bosco, p. 37-42; Documenti XXV 189-191, FdB 1084 D2-4; MB XVI
538-540.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 519
Turim padre Rua, vindo em auxílio de Dom Bosco e do padre Barruel. No dia 3 Dom
Bosco celebrava a missa e falava na Igreja Santa Clotilde.27
Com relação à primeira fase da permanência parisiente, no livro Dom Bosco, Léon
Aubineau se interrogava: Por que tanta emoção ao redor de Dom Bosco em Paris?
Quinze dias atrás e o nome de Dom Bosco era apenas conhecido, de repente inume-
ráveis cristãos o circundam aclamando, encheram as igrejas onde celebrava a missa
para rezar com ele e receber a sua bênção. Ele fez-se próximo de suas penas e de
suas esperanças, consolando, abençoando, encorajando; ao mesmo tempo, é padre das
obras, também na França, porta-voz da Providência que as sustenta, mensageiro de uma
piedade viva, espontânea, alegre. De um lado, a riqueza que dá e a caridade que abunda;
de outro, a pobreza que recebe com reconhecimento.28
Por uns dez dias Dom Bosco se afastava de Paris. Em 5 de maio dirigia-se a Lille,
na região Norte, nos confins com a Bélgica, onde ficava até o dia 14, hóspede do senhor
de Montigny. Visitava e aceitava o Orfanato São Gabriel.29 Da visita a Lille e da acei-
tação da obra, agradecia-lhe dom Alfred Duquesnay, arcebispo de Cambrai, diocese à
qual pertencia então a cidade de Lille, na carta de 18 de maio.30 Particularmente tocante
era a missa celebrada no Instituto das Damas do Sagrado Coração e o encontro com as
religiosas e as alunas. Visitava outras comunidades religiosas, celebrava em algumas
igrejas paroquiais e ia abençoar os doentes. Na viagem de retorno a Paris, parou dois
dias em Amiens para pedir em algumas famílias benfeitoras; celebrou e falou na cate-
dral. Não é, talvez, um acaso que Dom Bosco tivesse declinado o convite do presidente
do 12º Congresso Católico, iniciado em Paris em 9 de maio, para presidir uma das
sessões,31 e voltasse para a capital quando o Congresso tinha terminado. Provavelmente,
tinha querido evitar o perigo de uma colisão da filantropia cristã com a política mais
ou menos virtual.
Voltando a Paris em Viale Messine, aí permanecia ainda uma dezena de dias.
Quinta-feira, 17 de maio, fez conferência a um grande grupo na Igreja Santo Agostinho,
exprimindo entre outras coisas a esperança de que as piedosas senhoras e os senhores
da cidade de Paris, tão aberta à caridade beneficente, ajudariam a fundar aí uma obra
como as de Marselha, Nice e Turim, uma casa para receber crianças e meninos de rua,
simples, que não fizesse barulho.32 No dia seguinte, sexta-feira, celebrava no Hotel
Lambert, onde se hospedava o príncipe Czartoryski, presente também os membros da
27 Documenti XXV 198-200, FdB 1084 D11-E1.
28 L. Aubineau, Dom Bosco, p. 6-18, 38-42.
29 Cf. § 5.
30 Texto em MB XVI 555.
31 Cf. “Il Congresso Cattolico di Parigi”, L’unità cattolica, n. 113, terça-feira, 15 de maio de
1883, p. 450-451.
32 Don Bosco, par un Ancien Magistrat, p. 103-105; “Un discorso di Don Bosco nella Chiesa di
S. Agostino di Parigi”, L’unità cattolica, n. 119, terça-feira, 22 de maio de 1883, p. 474.

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520 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
família d’Orléans, à qual pertencia o conde de Paris, o pretendente ao trono em sub-
ordem ao conde de Chambord. Após a missa se entretinha com cerca de trinta pessoas,
entre as quais Augusto Czartoryski, que ajudara a missa e, após um breve e comba-
tivo caminho, far-se-ia salesiano.33 Em 21 de maio visitava o “Asile Mathilde” para os
Incuráveis, celebrava a missa e abençoava os doentes.
Na primeira parte da tarde do mesmo dia recomeçava as audiências nos locais das
Oblatas do Sagrado Coração, estando novamente disponíveis, visitava os senhores
Josse, proprietários da homônima livraria, e fazia uma conferência na Igreja Saint-
Pierre-du-Gros-Caillou. Falou antes o cardeal Lavigerie, bispo de Cartago, que tinha
desejado vivamente encontrar-se com o “Vicente de Paula italiano”. Aproveitava a
ocasião para convidá-lo a ir com sua família religiosa, “meio italiana e meio francesa”,
para a Tunísia; ali tinham se estabelecido tantas famílias italianas e – dizia – “era neces-
sário acolher os órfãos e também todas as crianças privadas do necessário sustento”.
Concluía invocando: “Pai dos órfãos da Itália, vinde: eu apelo o vosso coração, que já
respondeu à voz da Europa e da América; eis a África que vos apresenta seus filhos
abandonados, abrindo-vos os braços. Vossa caridade é tão grande que poderá acolhê-
los”.34 Dom Bosco declinava a grande parte dos elogios ouvidos, agradecia e se decla-
rava aberto a algum possível empenho na África, pedia ainda à “caridade francesa,
caridade parisiense”, auxílio para obras que se apoiavam todas sobre a caridade.35
Na parte da tarde do dia 22, a convite do Presidente das Conferências de São Vicente de
Paola, se encontrava com o Conselho Central, dirigindo-lhe breve alocução. Segundo
a ata de 22 de maio, assinada por J. Josse, Dom Bosco, “como antigo membro das
Conferências de São Vicente de Paula”, colocava em evidência “todo o bem pelas obras
de caridade que brotava da união da Sociedade de São Vicente de Paula com o clero
das paróquias”. Falava depois das fundações feitas, dizendo ter vindo a Paris para “aí
estabelecer uma nova casa para os pobres meninos abandonados”. “O princípio da
educação – acrescentava com acento pedagógico – é ganhar o coração das crianças e
obter delas boa conduta e trabalho mediante a afeição que demonstram para com seus
professores”. Foram oferecidos 1 mil francos a Dom Bosco.36
No dia 23, no Hotel Fauchier, do irmão de Madame de Combaud, houve uma
recepção de despedida a Dom Bosco por parte de numerosos senhores e senhoras.
Várias visitas a comunidades e a famílias preencheram os dois últimos dias parisienses.
Foi notável a visita ao Collège Stanislas dos maristas, no qual falava a alunos e supe-
riores. Dom Bosco passava, em seguida, a abençoar as alunas do pensionato das Irmãs
33 J. Du Bourg, Les entretiens des Princes à Frohsdor. Paris, Librairie Académique Perrin et
Cie, 1910, p. 134-135; MB XVI 226-227. Cf. cap. 34, § 5.
34 Texto em MB XVI 253.
35 Texto italiano e francês em MB XVI 254, 549.
36 Documenti XXV 264-265, FdB D10-11; MB XVI 208-209, 499-500.

53 Pages 521-530

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 521
de Nossa Senhora de Sião. As Carmelitas do Sagrado Coração de Avenue Messine
enviaram-lhe, em seguida, a afiliação a seu mosteiro.37
Em 2 de maio, acompanhado pelo padre Rua e pelo padre Baruel, deixava Paris.
Em amplo artigo no L’univers Léon Aubineau traçava uma densa síntese da permanência
de Dom Bosco na “Ville Lumière”.38 No trajeto a caminho de Dijon e Dôle, em uma
parada para baldeação, encontrava em Reims Léon Harmel, o amigo de Val des Bois.
Em Dijon permanecia de 26 a 29, hóspede do marquês de Saint-Seine. No dia 27, acom-
panhado pelo padre Rua, celebrava a missa no mosteiro das carmelitas e abençoava a
priora Maria della Trinità, enferma, rezando por sua cura. Em 28 de maio ela agradecia a
Dom Bosco, enviava-lhe uma oferta de 700 francos e lhe entregava, por meio do capelão,
a coleta de 509 francos recolhidos na capela.39 De sua parte, o pregador do mês de maio
de Notre Dame de Dijon lhe enviava uma sua oferta, recomendando-se às suas orações
por uma longa lista de intenções.40 Em Dijon Dom Bosco visitou também o colégio dos
jesuítas, onde era dia de primeira comunhão, e diversas famílias religiosas. Na parte
da tarde do dia sucessivo fazia uma conferência em Nossa Senhora da Boa Esperança.
Em 29 de maio esperava-o em Dôle a família De Maistre. Partiu no dia 30 e, via Modena,
chegava a Turim pelas 9 horas do dia 31.
Em 2 de fevereiro de 1884, em discurso sobre a questão social na Câmara dos
Deputados franceses, dom Charles-Emile Freppel, bispo de Angers, assim recordava a
visita de Dom Bosco a Paris: “Sim, a religião! Na realidade, somente São Vicente de
Paula fez para a solução da questão operária de seu tempo mais que todos os escritores
do século de Luís XIV e, na hora presente, na Itália, um religioso, Dom Bosco, que
vistes em Paris, consegue preparar a solução da questão operária melhor que todos os
oradores do Parlamento italiano. Essa é a verdade; isso é incontestável”.41 O tauma-
turgo foi entendido também na ótica sociopolítica: principalmente, como fora por ele
mesmo sugerido em algumas conferências, pela estrita conexão entre assistência educa-
tiva juvenil e regeneração e paz social; mas também, segundo certa imprensa, pelos
recônditos motivos que a viagem parisiense de Dom Bosco haveria em apoio a católicos
conservadores, candidados às iminentes eleições políticas. Efetivamente, em razão dos
grupos de admiradores e benfeitores que se politizavam na França ao redor de Dom
Bosco, aos ignaros de sua verdadeira personalidade ele podia parecer aliado com os
inimigos da nova república.42 A impressão podia consolidar-se por ocasião da viagem
37 Documenti XXV 260-261, FdB D6-7.
38 Documenti XXV 280-283, FdB A1-4.
39O texto da carta é reproduzido em MB XVI 563. A priora morria em 4 de novembro de 1889.
40 MB XVI 563-564.
41 Journal officiel de la République française. Chambre. Débats parlamentaires, 3 de fevereiro
de 1884, p. 280 (sessão de 2). Cf. “Mons. Freppel, Don Bosco e gli operai nella Camera dei
Deputati francesi”, L’unità cattolica, n. 36, domingo, 10 de fevereiro de 1884, p. 142.
42 Cf. F. Desramaut, Don Bosco en son temps, p. 1172-1176.

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522 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
a Frohsdorf. Era, de resto, impensável que da outra margem se pudesse interpretar a
fatigante corvée de julho somente como gesto de forçada condescendência a pessoas
amigas ou de exclusivo valor pastoral.
2. De Paris a Frohsdorf: a política religiosa, social e educativa de Dom Bosco
Dom Bosco voltava para casa no decurso da novena de Maria Auxiliadora, cuja
festa fora transferida para 5 de junho. A chegada a Valdocco em 31 de maio foi parti-
cularmente festiva. Fora colocada uma grande faixa com a escrita: Caro Pai, a França
te honra, Turim te ama! Subindo em uma tribuna, ele dirigia breves palavras ao grande
auditório de salesianos e jovens, tranqüilizando-os: era sempre ele, mesmo se o chapéu
estivesse à francesa, “sempre aquele vosso afeiçoadíssimo amigo – dizia –, até quando
Deus permitir um fio de vida”. Depois se dirigia para celebrar a missa na Igreja Nossa
Senhora Auxiliadora.43 De tarde fazia a conferência aos cooperadores, repropondo
o tema central do “tour de France”, envolvendo as obras salesianas e a colaboração
dos cooperadores em uma ação de indiscutível atualidade e sucesso. Repropunha a
mensagem habitual, reconfirmada várias vezes nas semanas precedentes. “Trabalhai
para a boa educação da juventude – exortava –, especialmente da pobre e abandonada,
que é o maior número, e conseguireis dar glória a Deus, procurar o bem da religião,
salvar muitas almas e cooperar eficazmente para a reforma e o bem-estar da sociedade
civil; uma vez que a razão, a religião, a história e a experiência demonstram que a
sociedade religiosa e civil será boa ou má, conforme a juventude que agora nos rodeia
for boa ou má”. Acrescentava, porém, que a ação dos cooperadores, de fato e de direito,
não era dirigida somente para o sustento das obras salesianas, mas também para conse-
guir, “segundo sua finalidade” o “bem-estar moral e religioso dos próprios países”.
Sabia, de resto, “como todos” se esforçavam “para o nobre escopo de bem cultivar a
juventude”, que tinham “nas próprias famílias, nas escolas e nas paróquias”. Por fim,
em harmonia com o espírito do Regulamento, indicava meios e modos práticos a se usar
para “o bem da juventude”.44 Na tarde de segunda-feira, 4 de junho, fazia a conferência
paralela às cooperadoras, mas nela argumentava, sobretudo, em favor do cuidado de
meninos e meninas, dos “jovenzinhos, eles e elas”, o lado materno de sua sensibilidade.
Aplicava à Virgem Mãe a passagem escriturística: Si quid est parvulus veniad ad me...
Venite, filii, audite me: timorem Domini docebo vos. “Ela é Mãe”, e as mães amam mais
os filhos de tenra idade que adultos. “Maria – dizia – ama de predileção os pequenos
porque inocentes e porque mais fáceis a serem seduzidos, e por isso mais dignos de
43 BS 7(1883) n. 7, julho, p. 103.
44 BS 7(1883) n. 7, julho, p. 104; cf. L’unità cattolica, n . 129, domingo 3 de junho de 1883, p.
514: “Arrivo di D. Bosco a Torino e la Conferenza dei Cooperatori salesiani”.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 523
compaixão, de apoio e de defesa”. Além disso, porque vê neles “o seu Jesus, que passou
a infância, a meninice e a juventude sob seus olhos”. Por isso – continuava –, “Maria
ama e favorece ainda as pessoas que esperam pelo seu bem-estar espiritual e corporal”,
obtendo de Deus “graças singulares e também extraordinárias”. Assegurava que não
faltaria a “mercê” prometida pelo Salvador. Disso dava a demonstração reevocando
fatos recentes: “Ultimamente na França, em todos os lugares por onde eu passava, em
Nice, em Saint-Cyr, em Toulon, em Marselha, em Lyon, em Amiens, em Paris, em
Lille, em Dijon e em várias outras cidades, escutava a narração dos favores assinalados,
das curas inesperadas, do fim dos litígios e das discórdias que causavam agitação, das
conversões suspiradas há vários anos e de tantas outras graças obtidas por intercessão
de Maria Auxiliadora por pessoas que se tornavam benfeitoras da pobre juventude”.
Date et dabitur vobis.45
A festa de Maria Auxiliadora teve relevo excepcional. Os solenes ritos foram presi-
didos pelo bispo coadjutor da diocese de Ceneda, dom Sigismondo Brandolini Rota
(1823-1908), de antiga família nobre. Permaneceu no Oratório durante quatro dias,
encantado pela figura de Dom Bosco, do Oratório, da vida que aí viviam salesianos
e jovens. Expressava sua admiração também em dois sermõezinhos vespertinos para a
sessão de estudantes, em 7 de junho, e para a sessão de aprendizes, no dia 8, véspera da
partida. “Com o coração comovido parto de vós – dizia –, profundamente impressio-
nado pelo que vi. Irei ao Vêneto, e em todos os lugares falarei de Dom Bosco, de seu
admirável Instituto, das funções majestosas às quais assisti, de seus jovens”. “Ah! como
estaria de boa vontade convosco, viveria a vossa vida!”.46 Não era somente uma fantasia.
Em agosto pedia a Dom Bosco se o acolheria entre os seus, disposto a depor qual-
quer insígnia episcopal e exercitar qualquer serviço pastoral que lhe fosse confiado.47
Dom Bosco respondia positivamente.48 Mas o papa não dava permissão: coadjutor com
direito de sucessão, em 1885 bispo, sempre afeiçoado à Sociedade Salesiana, sucedia
ao predecessor, dom Cavriani.
Dom Bosco tinha também ocasião de dizer aos ex-alunos, que acorreram a saudá-lo
em 24 de junho, sobre os fatos da França. O tema já fora tocado no ano anterior, na
mesma reunião dos ex-alunos do Oratório. Tendo-se encontrado em 23 de julho de
1882, o professor Alessandro Favre tinha lido um discurso, depois publicado, A polí-
tica de Dom Bosco.49 À época, em seu discurso, Dom Bosco não tinha retomado o
tema.50 Fazia-o, ao invés, na festa de 24 de junho com explícita referência à recente
experiência francesa. “Ultimamente, como sabeis – dizia –, fui a Paris e falei em várias
Igrejas em favor de nossas obras e, digamos francamente, para conseguir dinheiro, de
45 BS 7(1883) n.7, julho, p. 104-105.
46 Documenti XXV p. 385-406, FdB 1086 C3-4.
47 Cf. texto em MB XVI 567-568.
48A dom S. Brandolini, 16 de agosto de 1883; E IV 232-233.
49A. Fabre, La politica di Don Bosco, Turim, Tip. G. Derossi, 1882, 16 p.
50 BS 6(1882) n. 9, setembro, p. 149-150.

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524 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
modo a prover pão e sopa a nossos jovens, os quais jamais perdem o apetite. Ora bem,
entre os ouvintes estavam aqueles que aí se dirigiam somente para conhecer as idéias
políticas de Dom Bosco”. Mas suas palavras conseguiam imediatamente dissolver as
ilusões. Com os ex-alunos ele negava e, ao mesmo tempo, afirmava o valor social e
político de sua ação assistencial e educativa. Era uma tal ação que não ameaçava de
forma alguma a sociedade, antes a consolidava. “Na verdade – declarava –, com nossas
obras nós não fazemos política”, isto é, uma ação partidária e, eventualmente, revolu-
cionária; “nós respeitamos as autoridades constituídas, observamos as leis que devem
ser observadas, pagamos os impostos”. Mas a política podia ser entendida também em
forma construtiva, e a esta ele não se subtraía. “Mas se assim se quer – afirmava –,
nós fazemos também política, mas em modo de todo inócuo, antes mesmo vantajoso
para qualquer governo”. Com efeito, “a obra dos oratórios”, no sentido mais estendido,
“exercitando-se especialmente como apoio da juventude mais carente, tende a diminuir
os desordeiros e vagabundos”; “a diminuir o número dos pequenos malfeitores e dos
ladrõezinhos”; “a esvaziar as prisões”; a “formar bons cidadãos”, que serão o apoio
das autoridades para “manter na sociedade a ordem, a tranqüilidade e a paz”. “Essa é
a nossa política”, concluía, sublinhando um evidente conservadorismo e certa neutrali-
dade política, que acabava recomendando aos próprios ex-alunos.51
Um acontecimento imprevisto, diversamente vivido e interpretado, tirava Dom
Bosco da relativa quietude de Valdocco: a rápida e extenuante viagem ao castelo de
Frohsdorf na Áustria, à cabeceira do conde de Chambord. Para ele, à parte a importância
do personagem que o convidava para visitá-lo e levar-lhe a bênção de Nossa Senhora,
era um caso como tantos outros que nas angústicas e na necessidade recorriam a ele.
Sentia-se simplesmente um padre que, com alguma resistência por razões de saúde e
provavelmente também de oportunidade política, acreditava na força salvadora, além da
terapêutica, se esta fosse a vontade de Deus, da intercessão da Virgem Auxiliadora em
ordem à salvação temporal e eterna de quem pedia sua proteção. Mas não era assim para
os que, próximos ou distantes, então fora de todo realismo razoável, viam no conde de
Chambord o legítimo pretendente ao trono da França e a garantia de uma nova restau-
ração moral e religiosa. Eles esperavam do taumaturgo, de suas preces e de sua bênção
um milagre, em favor da saúde do protagonista e, ainda mais, da causa católica na França
e na Igreja. Semelhantes expectativas, por íntimo liame com seu pai taumaturgo, eram
compartilhadas pelo pequeno mundo mais próximo de Dom Bosco, os salesianos do
Oratório e das casas próximas, e os católicos turinenses mais que moderados, leitores do
L’unità cattolica e com ele sintonizados.52 Por motivos opostos, e em diversa medida,
51 BS 7(1883) n. 8, agosto, p. 127-128.
52 Cf. entre as dezenas de artigos e noticiários dedicados pelo periódico à doença, à morte e
à memória do conde de 4 de julho a 8 de setembro, “D. Bosco a Frohsdorf presso il Conte
di Chambord”, “La festa di S. Enrico e D. Bosco al castello di Frohsdorf”, ”D. Bosco a
Frohsdorf, I trionfi di Maria Ausiliatrice a Torino e a Frohsdorf”, L’unità cattolica, n. 165,
167, 168 e 169, terça-feira, quinta-feira, sexta-feira e sábado, 17, 19, 20 e 21 julho 1883, p.
658, 666, 670, 673.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 525
seguiram o acontecimento, desconfiados, polêmicos e mesmo ásperos, os jornais leigos
ou laicistas, anticlericais e irreligiosos. Principal porta-voz dessa corrente, em Turim, era
o Gazzetta del popolo, com artigos de 20 e de 22 de julho.
Em 1º de julho chegavam a Dom Bosco quatro telegramas sobre o estado de saúde
do conde Henri de Chambord (1820-1883), vivendo retirado no castelo de Frohsdorf,
na Stiria, a 40 quilômetros de Viena, na proximidade da estação de Wiener-Neustadt.53
Após cartas e insistências, em 13 de julho chegava ao Oratório, a mandado do doente,
o conde Joseph Du Bourg di Tolosa, o qual, ladeado pelo barão Carlo Ricci des Ferres,
acabava convencendo Dom Bosco a partir. Deixava o Oratório na mesma noite com
padre Rua, chegando, após interminável viagem à estação de Wiener-Neustadt, às
5 horas da manhã de domingo, 15 de julho, memória de Santo Henrique, onomástico
do Conde. Dom Bosco foi logo cumprimentar o doente e depois, com padre Rua, era
acompanhado a celebrar a missa. Seguia, depois, um longo colóquio com o doente,
dispondo-o a receber em oração a bênção de Maria Auxiliadora. Ao anoitecer acon-
teceu o jantar, durante o qual o enfermo, em cadeira de rodas, fez uma rápida aparição
na sala. O conde vivia um rápido momento de mitigação de seu mal. No dia 16, festa
de Nossa Senhora do Carmo, quis que Dom Bosco lhe celebrasse a missa no quarto e
recebeu a comunhão de suas mãos. Na manhã seguinte os dois peregrinos celebravam
a missa, um às 5 e meia e o outro às 6 horas, e partiam para Turim, onde chegaram
no dia 18, pelo meio-dia. O doente experimentou uma demorada aparente melhora.
O entrevistador de Dom Bosco de L’Unità Cattolica, repercutido por Boletim Salesiano
de agosto,54 após ter feito referência a particulares dos fatos ouvidos de Dom Bosco,
comentava: “Ele está bem distante de falar de milagres, mas qualquer que seja a causa,
é certo que, antes da chegada de Dom Bosco a Frohsdorf, o conde estava desenganado
pelos médicos e não se nutria nenhuma esperança de cura. Os jornais italianos intitu-
lavam as notícias do conde como o moribundo de Frohsdorf! Agora ele vai de bom a
melhor. Certo, não se pode falar de cura e poderá ainda piorar e morrer; mas os últimos
telegramas de Frohsdorf dizem que a melhora continua”.55
Voltando ao Oratório, Dom Bosco retomava o trabalho normal. Tinha devido faltar
ao encontro dos ex-alunos leigos do Oratório de Valdocco de 15 de julho. Mas não
faltava, no dia 19, ao dos ex-alunos sacerdotes. Provavelmente também com relação a
polêmicas surgidas ao redor das duas viagens a França e a Frohsdorf, ele tomava firme
53 Cf. cap. 2 § 9. Para a reconstrução de todo o acontecimento é interessante a relação do capelão
do conde, padre Curé, enviada a dom Serafino Vannutelli, núncio pontifício na Corte de Viena
(texto em MB XVI 571-575); Viaggio di D. Bosco a Frohsdorf, ms. autógrafo do padre Rua
com uma relação que ficou incompleta (FdB 1.349 C4-9), editado por A. Amadei, Il servo
di Dio Michele Rua, vol. I. Turim, SEI, 1931, p. 326-329; J. Du Bourg, Les Entretiens des
Princes à Frohsdorf, p. 112-169.
54 BS 7(1883) n. 8, agosto, p. 130-131.
55 “D. Bosco a Frohsdorf, e I trionfi de Maria Ausiliatrice a Torino e a Frohsdorf e viceversa”,
L’unità cattolica, n. 165 e 169, terça-feira, 17, e sábado, 21 de julho de 1883, p. 658 e 673.

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526 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
decisão com relação ao que se falava em alguns lugares dos milagres de Dom Bosco.
“De algum tempo – observava – vai-se dizendo e também publicando nos jornais que
Dom Bosco faz milagres. Isto é um erro. Dom Bosco jamais pretendeu, e jamais falou
que fazia milagres, e nenhum de seus filhos deve concorrer para propagar esta falsa idéia.
Digamos claramente como estão as coisas: Dom Bosco reza e faz seus jovens rezarem
pelas pessoas que se recomendam, a fim de obter esta ou aquela graça, e Deus, em sua
infinita bondade, o mais das vezes concede as graças pedidas, alguma vez também extra-
ordinárias e milagrosas (...). A Virgem Auxiliadora, eis a taumaturga, eis a operadora das
graças e dos milagres, pelo alto poder que recebeu do seu divino Filho Jesus”. E o usa em
particular para ajudar Dom Bosco e suas obras, distribuindo graças aos que as ajudam:
por exemplo, “Ela diz ‘Queres ser curado? Então faz a caridade a esses pobres jovens,
estende a mão para essas obras, e eu te farei a caridade da cura’”.56
No início de agosto Dom Bosco enviava a Frohsdorf uma mensagem-oração escrita
em francês no verso de uma imagem de Maria Auxiliadora: “Ó Maria, em honra da
vossa Assunção ao Céu, levai particular bênção para vosso filho Enrico e à sua caridosa
esposa, e concedei-lhes boa saúde e a perseverança no caminho do Paraíso. Amém.
Turim, 4 de agosto de 83”.57 Mas o mal, um tumor maligno no estômago, prosseguia
inexorável seu curso. Em 14 de agosto Dom Bosco escrevia à mulher do conde, a
arquiduquesa Maria Teresa Este, asssegurando orações e a lembrança na santa missa
“para obter esta graça suspirada: a completa cura do senhor conde de Chambord. Estas
nossas orações – prosseguia –, unidas a tantas outras que com o mesmo fim se fazem
em toda a Europa, devem sem dúvida ser atendidas, excetuando se Deus, em sua infinita
Sabedoria, visse melhor chamar o augusto enfermo para gozar do prêmio de sua caridade
e de suas outras virtudes. Nesse caso, diremos humildemente: Assim aprouve a Deus,
assim foi feito. Mas eu estou persuadido que ainda não chegamos a esse momento”.58
O conde de Chambord, Enrico V de Borbone, morria em 24 de agosto.59 Um novo
epílogo dos fatos, que tinha envolvido Dom Bosco, se encontrava ainda em sua circuns-
tanciada denúncia contra Il Secolo, jornal de Milão, o qual, com tantos outros, tinha
avaliado um presumível fato de corrupção acontecido no Oratório, e tinha se excusado
com uma forçada e mesquinha retratação.60
56 BS 7(1883) n. 8, agosto, p. 129.
57 Documenti XXVI 462-463, FdB 1088 E 8-9.
58 E IV 232.
59A partir de 14 de agosto L’unità cattolica informava os leitores do progressivo agravamento
do doença do conde até à morte: L’unità cattolica, n. 189, terça-feira, 14 de agosto de 1883, p.
754: “La salute del Conte di Chambord”; n. 190, quarta-feira 15 de agosto, p. 758: “Notizie del
Conte di Chambord”; n. 192, sábado 18 de agosto, p. 767: “Le preghiere di Francia per il Conte
di Chambord”; n. 199, domingo 26 de agosto p. 793: “Morte del Conte di Chambord”.
60 Il Secolo di Milano e l’Istituto di Don Bosco a Torino”, BS 7(1883) n. 9, setembro,
p. 141-145.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 527
Mas agosto reservava a Dom Bosco também um dom inesperado, que tornariam os
últimos anos de vida mais serenos. “Não tenho palavras para exprimir o entusiasmo
com o qual foi acolhida a nomeação do cardeal Alimonda para arcebispo de Turim –
escrevia ao cardeal Nina em 31 de julho –. Fará época na história desta arquidiocese”.61
Ao novo arcebispo exprimia as felicitações pessoais e da Congregação Salesiana em 2
de agosto, e o prestigiado respondia com grande afeto no dia 5, estando em Castelamare.
Pedia orações para a árdua missão, assinando “Afeiçoadíssimo servo e amigo”.62 Nesses
dias Dom Bosco, por meio do vigário geral capitular de Turim, declarava-se ao arcebispo
de Nápoles, cardeal Sanfelice, disposto a acolher logo dois jovens que ficaram órfãos
no desastroso terremoto de 28 de julho de 1883 em Casamicciola, na ilha de Ischia.63
No dia onomástico do cardeal Alimonda, com breves palavras e alguns livros, ofere-
cia-lhe “as homensagens respeitosas de toda a Congregação Salesiana”, unindo aí uma
oração a São Caetano, de sua composição. “Obtende-lhe do Senhor boa saúde – invo-
cava –, mas que venha logo entre nós, onde sua grei ardentemente suspira, e se oferece
e se coloca em suas mãos para fazer e dizer tudo o que Ele julgar da maior glória de
Deus – Oração de Dom Bosco e de todos os salesianos. Turim, 7 de agosto de 1883”.64
Depois, no dia 8, fazia rápida viagem a Prato para abençoar um senhor atacado por uma
grave doença mental.65 Nos dias seguintes L’unità cattolica escreveria muito sobre a
figura do novo pastor, do Consistório de 9 de agosto e da imposição do pálio no dia 10.66
O ingresso na arquidiocese aconteceria em 18 de novembro, com solenidade totalmente
religiosa, uma vez que o cardeal, embora agradecido pela disponibilidade do prefeito
e da Junta para acolhê-lo oficialmente na estação, sabedor das polêmicas jornalísticas
a respeito, como “ministro de paz, de concórdia e de amor”, quis prevenir o “perigo de
alguma desordem ou desprazer”.67 A celebração do aniversário de Dom Bosco, na data
convencional de 15 de agosto, estava particularmente festiva. Nesse ano, padre Rua
tinha enviado uma circular-convite para a academia das 18 horas. O aniversário do Pai
seria solenizado “por seus filhos com canto, música e composições literárias” e com a
distribuição de prêmios aos jovens aprendizes.68
3. Terceiro Capítulo Geral salesiano (1883)
Da leitura da documentação sobre os trabalhos do Terceiro Capítulo Geral salesiano,
realizado em Valsalice entre a tarde de 2 e a de 7 de setembro de 1883, tem-se a nítida
61 E IV 228.
62 Documenti XXVI 464, FdB 1088 E10.
63A dom Alessandro Vogliotti, 4 de agosto de 1883; E IV 230.
64 Carta de 7 de agosto de 1883; E IV 231.
65 Cf. carta ao padre Cagliero, 7 de agosto de 1883; E IV 231.
66 Cf. L’unità cattolica, n. 185 e 186, quinta e sexta-feira, 9 e 10 de agosto de 1883, p. 737 e 741.
67 L’unità cattolica, n. 269, domingo 18 novembro de 1883, p. 1074.
68 Documenti XXXVI 467, FdB 1089 A1.

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528 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
impressão que ele não tenha sido preparado com um estudo adequado às temáticas
propostas.69 Padre Giovanni Bonetti foi nomeado regulador do Capítulo. Ele anunciou
que o Capítulo seria celebrado de 1º a 9 de setembro,70 datas que seriam posterior-
mente reaproximadas. Na carta de convocação os diretores das casas foram convidados
a reunir o Capítulo Local, não todos os sócios, e a formular juntos as propostas a serem
enviadas ao regulador até o mês de agosto. Para facilitar o trabalho foram unidos à carta
os “esquemas das matérias”, que formariam “o principal argumento de discussão”.71
Mais que esquemas eram simples títulos, oito no total: I. Regulamento para os exercí-
cios espirituais; II. Regulamento para os noviços e para seu estudo; III. Regulamento
para as paróquias diretas e dirigidas pelos salesianos; IV. Cultura dos irmãos coadju-
tores; V. Orientação a ser dada para a parte operária nas casas salesianas e meios de
desenvolver a vocação dos jovens aprendizes; VI. Normas para a despedida dos sócios;
VII. Instalação e desenvolvimento dos oratórios festivos nas casas salesianas; VIII.
Revisão e modificação do regulamento das casas.72
Entre o que tinha sido expresso pelos Capítulos das casas e as propostas pessoais
dos irmãos, as comissões constituídas no Capítulo Geral, de cujos trabalhos restam
a respectiva documentação, tinham à disposição abundante material preparatório, em
particular dezenas de propostas, na maioria assinadas. Mas era improvável que no breve
tempo à disposição entre uma sessão geral e outra, eles estivessem em grau de elaborar
documentos susceptíveis de razoáveis votações. Os capitulares tomaram imediata-
mente consciência do estado imperfeito dos textos a serem discutidos e aprovados, e
já na sessão da tarde de 4 de setembro “fez-se observar que não estando as coisas bem
preparadas anteriormente, sobre nenhuma matéria se podem realizar coisas corretas,
se tenha paciência e se ultimarão as coisas em outro momento. – Agora, porém, disse
Dom Bosco, estamos aqui para isto, e não se parte senão após ter feito o que se pode.
Aqui está interessada toda a Congregação”.73 A massa dos problemas a serem tratados
e resolvidos era efetivamente desproporcional, além do tempo disponível, à preparação
dos protagonistas. Alguns títulos, em particular o IV e o V, sobre os coadjutores e sobre
a formação dos jovens aprendizes, podiam encontrar algum desencontro no Capítulo
precedente, mas sua tematização representava absoluta novidade. Não podiam, por
certo, esgotar a discussão em seis dias de trabalho, entre os quais um domingo, levando
em consideração também as considerações extemporâneas de Dom Bosco, que jamais
69 Cf. Verbali del Terzo Capitolo Generale tenuto al Collegio Valsalice nel settembre del 1883,
de Giovanni Marenco, e Note pel Cap. Gen. tenuto a Valsalice nel Sett. 1883, do padre G.
Barberis, ASC D 579, FdB 1863 E7-1864 B3 e B10-C1 e FDB 1864 C10-D8. Além do material
preparatório, estão conservados na ASC documentos relativos ao trabalho das comissões, cf.
em total sobre o Capítulo Geral III, FdB 1859 B4-1864 D10.
70 Minuta e cópia impressa em ASC D 593, FdB 1859 B5-7.
71 Carta de Dom Bosco, 20 de junho de 1883; E IV 221-222.
72ASC D 579, FdB 1859 B9-12.
73 G. Barberis, Note, fol. 2v, FdB 1864 D1.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 529
faltavam, e as freqüentes mudanças de rota: com efeito, falou-se longamente do Boletim
Salesiano e das “monografias” ou crônicas de cada casa. Uma sessão inteira foi ocupada
por Dom Bosco para narrar um sonho. Por isso não se publicaram as Deliberações.
A discussão dos argumentos dos capítulos IV e V foi retomada no Quarto Capítulo
Geral, de 1886, que pode ser considerado a continuação do precedente.
O Terceiro Capítulo Geral, contudo, assume um notável significado para a biografia
de Dom Bosco, graças à função ativa que ainda pôde desenvolver nele e às idéias que
transmitiu aos salesianos, como fundador e superior, sobre temas considerados essen-
ciais para o espírito da Congregação. Estes temas aparecem disseminados nas várias
sessões. No quarto e último sua presença, embora significativa em nível simbólico, seria
relativamente pobre quanto a contribuições específicas para a solução dos problemas
debatidos.
A primeira sessão, na tarde de 2 de setembro, foi ocupada pelos ritos preliminares:
eleição de dois secretários, padre Giovanni Marenco e padre Giulio Barberis, desig-
nação dos membros das oito comissões, definição do horário das reuniões: das 9 às 12 e
das 16 às 20 horas. Na sessão da manhã de 3 de setembro, sob proposta de Dom Bosco,
acrescentava-se outra comissão para estudar os meios de promover a moralidade entre
os sócios. Além disso ele ocupava o tempo para dar “esclarecimentos sobre o espírito
das Regras” em relação ao noviciado. Como se sabe, alguns artigos constitucionais
estavam ausentes da tradução italiana em posse dos salesianos. Dom Bosco explicitava
em termos singulares coisas já ditas: “O santo padre Pio IX disse várias vezes que na
formação dos salesianos se tivesse em vista tornar os noviços bons, tal como deveria ser
um sacerdote exemplar em meio ao mundo como devem ser também no século, por isso
se exigem as obras de piedade que conduzem a esse estado e, ao mesmo tempo, é bom
que desempenhem seus trabalhos de forma que se possa conhecer suas disposições”.
É preciso, contudo, ter cuidado para que isso não impeça “os exercícios de piedade”.
“Sobre o noviciado dos coadjutores, Dom Bosco – registram as Atas – ainda assinala
como base o que até o momento é feito, isto é, torná-los bons cristãos. E diz: Um noviço
pratique bem as regras da casa, as regras gerais da Congregação e cumpra seus deveres
religiosos é suficiente. O importante é encontrar quem pense seriamente neles, ajude-os
e os guie”.74
A sessão da parte da tarde de 4 de setembro foi ocupada, em grande parte, por Dom
Bosco para narrar o sonho sobre a América, da noite anterior, após a festa de Santa Rosa
de Lima, em 30 de agosto.75
No início da sessão da tarde ele tomava a palavra para considerações relativas à sepa-
ração entre os religiosos salesianos e os externos, homens e mulheres, com a motivação:
74 G. Marenco, Verbali, p. 4-5, FdB 1863 E10-11.
75 G. Marenco, Verbali, p. 6-7, FdB 1863 E12-1864 A1. Cf. C. Romero, Sogni di Don Bosco,
p. 79-93. Os três manuscritos, resíduos do padre Lemoyne, trazem todas as correções e
acréscimos de Dom Bosco; sobre o conteúdo, cf. cap. 34, § 7.

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530 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
“A Congregação tem necessidade de ser purificada”. “Nenhum estranho – recomendava
– seja admitido à mesa comum, para tanto haja um refeitório à parte”. Peremptórias,
por razões de moralidade pessoal e de honorabilidade social, eram as indicações, a
serem tomadas “em séria consideração”, sobre “fechar a casa a qualquer mulher”:
“1) nenhuma durma em casa – precisava –, nenhuma venha a dormir em casa. Mesmo
a lavanderia seja separada da casa”; 2) executar “o quanto antes” “o que é estabelecido
para separar as irmãs”, “porque é de suma importância”. Para reforçar a recomendação
Dom Bosco se referia a uma “visita apostólica” à Congregação, não realizada por inter-
venção do papa, proposta por alguns, mais precisamente pelo cardeal Ferrieri, a partir
de relações chegadas a Roma sobre presumível comportamento impróprio com relação
a uma religiosa por parte de um salesiano que freqüentava uma oficina de irmãs. Daí
passava a recordar aos diretores o dever de se ocupar da “monografia” ou crônica da
própria casa. Entre as várias propostas surgidas no curso da sessão havia também a de
“escrever uma carta por ocasião da morte de algum irmão”. Encerrando, Dom Bosco
retomava um reflexão que vinha do Primeiro Capítulo Geral sobre a importância das
discussões em curso: “Uma das coisas que devemos ter em vista é de que as coisas aqui
tratadas devam servir de norma daqui a dez, vinte ou cem anos; devemos fazer como o
pintor: aeternitati pingo”.76
Na sessão da tarde de 5 de setembro, dedicada aos oratórios festivos, “Dom Bosco –
fixava o cronista – insiste para que se siga o antigo regulamento já impresso à parte; que
se exige muito pessoal, uma pessoa pode cobrir vários serviços; que se utilizem também
os clérigos ou jovens; industriem-se também os diretores para se fazer ajudar pelos
cooperadores externos, mas sempre que possível, que se respeite o regulamento”.77
Na sessão matutina de 6 de setembro, dedicada ao tema IV, Cultivo dos irmãos
coadjutores – registram as atas – “Dom Bosco e muitos opinam que se deva mudar” o
nome “coadjutor”, “somente se mostra a conveniência que não se dê o nome de coadju-
tores aos familiares”. Mais adiante, “Dom Bosco observa que é conveniente conservar
inteiramente os nomes consagrados pela Congregação dos Bispos e Regulares, Fratres
Coadjutores”. Depois, aprovados com várias modificações os cânones que diziam
respeito ao Cultivo dos coadjutores, passava-se com resultados não precisáveis, à
leitura dos estudos sobre o esquema V, Direcionamento a ser dado à parte operária.78
Se o Terceiro Capítulo Geral não chegou a nenhum documento susceptível de delibe-
ração, contudo já antes da sessão capitular de 1880 um coadjutor tinha apresentado um
Projeto de uma bem regulada administração segundo as exigências atuais do Oratório
de São Francisco de Sales na sessão aprendizes e o conselheiro dos aprendizes tinha
evidenciado Diversas exigências dos aprendizes a ser propostas no Capítulo Superior
Geral. Durante o Terceiro Capítulo Geral, ou em seguida a ele, alguém elaborou as
76 G. Marenco, Verbali, p. 8-9, FdB 1863 A2-3.
77 G. Marenco, Note, fol. 3v, FdB 1864 D3.
78 G. Marenco, Verbali, p. 11-12, FdB 1864 A5-6.

54 Pages 531-540

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 531
Propostas sobre o direcionamento a ser dado aos aprendizes e meios para desenvolver
e cultivar as vocações. Ele chegava, mediante sucessivas redações, ao documento que
seria aprovado no Quarto Capítulo Geral, de 1886.79
Na sessão vespertina de 6 de setembro, após alguma discussão sobre o desenvolvi-
mento das oficinas de aprendizes, passava-se a tratar do regulamento dos noviços. Dom
Bosco retomava o tema, a ele querido, do nome e da natureza do noviciado, cobrindo
o próprio pensamento com a autoridade de Pio IX e do próprio Leão XIII. Assegurava:
“O santo padre Pio IX recomendou que não se chamasse noviciado, mas com outro
nome, porque o mundo não está disposto a receber este nome”; ele “de boa vontade
concedeu que os noviços se ocupassem no ano de prova de estudos e de qualquer outra
ocupação”; na primeira audiência tida com Leão XIII, o papa tinha confirmado “as
concessões feitas por Pio IX”. Mais adiante, “a propósito dos aspirantes – continuam
as atas –, Dom Bosco, em confiança, adverte a todos: Não se aceitasse jamais para
aspirante ao estado eclesiástico ninguém que tenha certeza ou se tema que tenha tido
a desgraça de ter ido em casas de prostituição”. Restava, ao invés, “suspensa” a deli-
beração de abertura de “um noviciado próprio para os noviços aprendizes”, embora
procurando “estabelecer alguma coisa em San Benigno”.80
Na sessão matutina de 7 de setembro, deixada “em suspenso a questão das paróquias
porque já muito estudada”, abria-se a discussão sobre um regulamento da Associação
dos Cooperadores Salesianos. A ela, como se viu, Dom Bosco colocava como premissas
várias precisações gerais sobre a natureza dos cooperadores e sobre as formas de
promover sua animação e o conhecimento, e sobre a função do Boletim Salesiano.81
Por fim, recomendava que todos, e especialmente os diretores, entendessem o objetivo
dos cooperadores, fizessem-no conhecer e o promovessem.82
Houve variadas reflexões prodigadas pelo superior no curso da última sessão,
em 7 de setembro, na parte da tarde. Dom Bosco – registram as atas – “recomenda:
1) conhecer e adaptar-nos aos tempos, isso é, respeitar as pessoas; portanto, se deve falar
bem das autoridades, e [se] não se pode, que se cale. Se existe alguma razão, que se faça
ver privadamente. E aquilo que se diz das autoridades civis, diga-se muito mais da suto-
ridade eclesiástica. Procure-se que se respeite e se faça respeitar, mesmo que se consiga
com sacrifício. Esses sacrifícios serão recompensados com o tempo, com a paciência,
e por Deus. 2) Até então podíamos ter erguida a cabeça pela moralidade. Agora, por
algum imprudente, ficamos um tanto comprometidos, nosso bom nome se restabelece,
mas os diretores se esforcem todos, porque somos responsáveis diante do público, para
que seja conservada a moralidade. Os meios são as Regras e as Deliberações, as quais
79 Cf. J. M. Prellezo, “La ‘parte operaia’ nelle case salesiane: documenti e testimonianze sulla
formazione professionale (1883-1886)”, RSS 16(1997), p. 355-368, 373-391.
80 G. Marenco, Verbali, p. 13-16, FdB 1864 A7-10.
81 Cf. cap. 22, § 7.
82 Cf. G. Marenco, Verbali, p. 17, FdB 1864 A11.

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532 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
devem ser observadas por eles e por seus dependentes. Mas para isso é necessário
que se conheçam. Por conseguinte, nas duas conferências mensais se procure fazê-las
conhecidas. Não se pedem conferências doutas, basta que se leiam e depois se faça
uma breve exortação e explicação. As coisas fundamentais que devem ser maiormente
inculcadas são a moralidade etc.” Para salvaguardá-la, recomendava o “silêncio abso-
luto da noite até a manhã” e a cautela nas relações com os externos. E ainda: “Recordar
aos irmãos que, faltando a moralidade, comprometemos a casa e a Congregação não
somente diante de Deus, mas também diante do mundo. Em face de Deus se perde a
alma, em face do mundo, a honra. 3) Nemo repente fit summus, nemo fit malus. Portanto
atenção aos princípios”: cuidar para “não deixar a meditação e as práticas de piedade”,
distanciar-se de certos jornais e das amizades particulares com os jovens. “Eles são
pequenos – observava –, não falam, mas depois encontrando-se com os pais dizem, e
aumentam se for preciso, com detrimento da estima etc., e da glória de Deus. Certos
atos inocentes de afeto para com os jovenzinhos podem ser utilizados pelo superior,
mas não por outros e para o final de conduzi-los ao bem”. Passava depois a propor
novamente “o sistema preventivo”, quer com relação ao uso dos castigos, quer para as
vocações e o bom êxito de toda a educação: o professor “poderá retomar e corrigir, mas
jamais castigar corporalmente. Isto diz respeito ao diretor, o qual colocará em prática
o sistema preventivo. Acontece muitas vezes que os jovens são menos culpados do que
se crê, como demonstra a experiência”. “O diretor – prosseguia – avise, mas jamais em
público, jamais diante dos jovens. Face a face, é muito fácil conseguir que se dobrem à
vontade do superior e ao sistema preventivo. Frutos: 1) ter-se-á a confiança dos jovens;
2) aumentará o número das vocações; 3) quando saírem serão amigos, caso contrário
inimigos; 4) não se tornarão jamais piores, ou se dá bom exemplo, mas não poderá
dá-lo mau; 5) pelos superiores das casas não se pretenda ter todos os irmãos perfeitos.
Tornem-se seus pais, os ajudem, conduzam-nos à perfeição”; “o diretor exija as regras
e jamais trate bruscamente. Ou assim, ou fora. Use a caridade e, se existe alguém que
não faça para a casa, se escreva ao superior geral etc. etc. que consertará tudo”. Por fim,
a despedida: “Indo para nossas casas saudai os irmãos e todos os jovens. Considerai que
a glória da Congregação está em vossas mãos. Tudo está em vossas mãos. O auxílio de
Deus não faltará. Tendes em Turim amigos e um pai. Rezai por ele e ele não se esque-
cerá de vós na santa missa”.83
Era o Dom Bosco de sempre, concreto, ligado à moral prática, atento às condi-
ções humanas, pequenas e grandes, que podiam favorecer ou atrapalhar também as
mais audazes empresas. Estas, com efeito, o ocupavam no íntimo de seu ser: mente,
fé, coração. Não é por acaso que em um Capítulo que voou baixo ele tenha contado
o sonho da recente noite de agosto, o segundo sobre as missões da América. Eram
“milhares e milhões de habitantes” que esperavam dos salesianos o apoio e a fé.84
83 G. Marenco, Verbali, p. 18-21, FdB 1864 A12-B3. O texto da ata do padre Barberis é
semelhante (G. Barbeis, Note, fol. 6v-7r, FdB 1864 D7-8).
84 Cf. C. Romero, I sogni di Don Bosco, p. 88.

54.3 Page 533

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 533
4. Adendo sobre os coadjutores
Para os coadjutores mais ativos e atentos, bem como para os padres mais sensíveis
a seus problemas, puderam fundadamente parecer apressadas as discussões capitulares
sobre o tema do coadjutor. Isto se pode mesmo argüir das análises das expectativas,
evidenciadas pelas propostas chegadas ao regulador antes do Capítulo, tanto por parte
de coadjutores como de sacerdotes mais próximos deles devido aos empenhos de
trabalho em escolas profissionais ou em trabalhos administrativos.
O regulador teria podido ler não poucas reclamações em resposta à circular de Dom
Bosco de 30 de junho e à própria proposta de 30 de julho.85 “Corre voz entre os irmãos
coadjutores – escrevia o vice-administrador do Oratório –, que eles são considerados
na Congregação como pessoas de pouca importância; e alguém vai além, e diz que os
coadjutores salesianos são quais simples servos. Parece-me, porém, útil provar-lhes
que isso é errado e que eles são tidos, no manejo dos afazeres da Congregação, como
pessoas de grande consideração e iguais em muitas coisas aos sacerdotes, e embora
não possam cobrir certos cargos (...), podem ocupar outros, mais ou menos impor-
tantes, por exemplo de diretor de oficinas, de provedores e outros aos quais é bom que
o chefe seja um secular, para poder tratar mais livremente com o mundo. Depois o
Senhor recompensa igualmente no Céu aquele que ocupa um alto encargo como aquele
que gasta a vida nos ofícios mais simples; antes, aquele deve temer mais que este”.86
“Seria bom – aprofundava o catequista dos aprendizes – que se procurasse o modo de
fazer aumentar em algum jovem irmão, seja padre ou clérigo, a tão pequena estima
que se tem com relação a eles”87. Um diretor cheio de autoridade tocava o tema de sua
qualificação e elevação espiritual: “A ignorância gera suspeita e murmuração; vencer
esses dois defeitos nos irmãos coadjutores com o trabalho de sugerir em seus corações
grande piedade e obediência às regras, tendo todas as semanas uma conferência ilus-
trativa sobre o estado religioso”.88 Outro propunha: “Dar-lhes distinção alguma vez, de
forma a romper a barreira que imaginam existir entre os seculares e os sacerdotes”.89
Para certo diretor e professor de letras a separação dos coadjutores dos leigos comuns
assumia um significado menos benévolo: “Os coadjutores deveriam ser totalmente
separados das pessoas de serviço externas, caso contrário, são mais de embaraço que
de utilidade, como aqueles que, por ser membros da Congregação, usurpam-se uma
85 Capitolo Generale III, ASC D 579, FdB 1.859 B6. Das observações e das propostas chegadas
das casas particulares e, em particular, da sessão aprendizes do Oratório de Valdocco apresenta
um exaustiva resenha A. Papes, “La formazione del salesiano coadjutores nel 1883”, RSS
13(1994), p. 169-180.
86 P. Serafino Fumagalli, ASC D 579, FdB 1.859 E2.
87 P. Anacleto Ghione, ASC D 579, FdB 1.859 E 11.
88 Carta do padre Belmonte, diretor em Sampierdarena, ao padre Bonetti, 11 de agosto de 1883;
ASC D 579, FdB 1862 A2.
89 Padre Giovanni Battista Branda, diretor em Utrera (Espanha); ASC D 579, FdB 1869 B10.

54.4 Page 534

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534 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
autoridade fastidiosa e se dispensam facilmente de seus deveres”.90 Um dos mais quali-
ficados entre estes, irmão dos empresários da construção preferidos por Dom Bosco,
visava a uma boa cultura de base dos salesianos leigos e à conseqüente especificação
do considerar-se e do ser coadjutor: “Seria muito bom – exemplificava – que se fizesse
alguma hora de aula, principalmente porque tantos têm dificuldade em escrever o
próprio nome”. “O nome coadjutor não soa bem entre nós; por exemplo, um pobre
encarcerado é aceito em casa e se lhe dá o nome de coadjutor... Há muita disparidade
de hábitos entre nós, que tem melhor apresentação, veste a moda que mais lhe agrada,
o que não se pode obter de um superior, vai com o outro etc. No entanto, vemos tantos
figurinos na última moda, com correntes, relógios, pulseiras, luvas, botões de ouro etc.
etc.”.91 Ele era apoiado pelo prefeito, ou administrador e vigário do diretor, do Oratório:
“Soa-lhes mal esse nome de coadjutor, porque com o mesmo nome são chamadas as
pessoas de serviço. Parece que tenham necessidade de muita coragem e que, em cada
casa, principalmente no Oratório, exista alguém que cuide deles diligentemente. Nas
oficinas tenham sempre o papel principal, mesmo sobre os chefes externos, e possi-
velmente não se faça tanto conhecer que um assistente de oficina é superior a eles.
Seria uma coisa bela se cada diretor lhes fizesse alguma conferência para escutar deles,
sozinhos, as necessidades e também as queixas”.92 Viu-se que, no Capítulo, Dom Bosco
tinha insistido para que a denominação de coadjutor não fosse estendida aos familiares.
Muito mais fortes eram as considerações de um coadjutor seguramente equilibrado,
Andrea Pelazza, responsável pela tipografia, e de outro, Pietro Barale, muito ativo e
inquieto, responsável pela livraria, original também na forma de pensar a estrutura de
governo da Sociedade Salesiana como “Sociedade clerical-leiga”.93 Padre Lemoyne,
tradicionalista de sangue meio-azul, formulava juízos em grande parte negativos, talvez
partilhados por outros: “1) A maior parte destes entram na Congregação somente para
mudar estado, movidos pela soberba. 2) A causa precípua de sua ruína é ter dinheiro.
3) Falta de diretor estável ou que possa tomar cuidado deles, portanto deixar de lado
completamente as regras. Isso para o oratório. 4) Nas casas particulares, considerados
como servidores, sem conferências adaptadas e sem rendiconto, formando como que
uma categoria distinta”.94
Nesse contexto se situava, e assim se compreende, o breve discurso familiar de Dom
Bosco no dia 19, ou melhor, em 29 de outubro, aos noviços coadjutores reunidos em
San Benigno Canavese no início do ano escolar.95
90 Padre Pedro Guidazio, diretor em Randazzo; ASC D 579, FdB 1861 C5.
91 Coadjutor Giuseppe Buzzetti; ASC D 579, FdB 1859 C9 e C11.
92 Padre Secondo Marchisio; ASC D 579, FdB 1860 AS.
93 Coadjutor Pietro Barale (FdB 1859 C1-2, C3-7); coadjutor Andrea Pelazza (FdB 1860 A8 e
outro seu documento de 1º de setembro de 1883, FdB 1860 D1-8).
94 Padre Giovanni Battista Lemoyne; FdB 1860 E8.
95 Sobre a conferência e a sua autenticidade, cf. A. Papes, La formazione del salesiano coadiutore,
p. 143-224.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 535
Como se viu, o “Oratório e Internato de San Benigno Canavese” nasceu como
oratório festivo, com escolas elementares iniciais, e, desde 1881, com uma incipiente
escola profissional, mas sobretudo como noviciado para os clérigos, já numerosos
em 1879-1880, com progressivo incremento nos anos sucessivos. De 1881-1882 aí se
estabelecia também o segundo ano de filosofia, assim que entre os aprendizes aumen-
tados com o desenvolvimento das oficinas (em 1883 tinha início, embora limitado à
impressão, também a dos tipógrafos), os numerosos Filhos de Maria, os noviços e os pós-
noviços estudantes do segundo ano de filosofia, a casa tinha cerca de trezentas pessoas.
De 1881-1882 padre Eugenio Bianchi exercitava, de fato, para os clérigos a missão de
auxílio do mestre padre Barberis, que era diretor da casa; para os noviços coadjutores,
desde 1883 era delegado para tanto padre Luigi Nai.96 A relação numérica dos noviços
clérigos/coadjutores, de 1880 a 1886, assim se configurava: 50/2 (1879-1880), 54/6
(1880-1881), 55/6 (1881-1882), 63/11 (1882-1883), 69/25 (1883-1884), 57/25 (1884-
1885), 87/24 (1884-1885), 87/24 (1885-1886).97 Em relação a tantos clérigos, noviços
e pós-noviços, os coadjutores ainda formados em pobres oficinas, eram deveras um
pusillus grex”.
Do discurso de Dom Bosco não se tem um texto redigido imediatamente sobre apon-
tamentos tomados durante seu desenvolvimento, mas um resumo feito em novembro
pelo mestre dos noviços titular e diretor da casa, padre Giulio Barberis. Estava presente,
contudo, padre Luigi Nai, prefeito da casa, delegado do diretor e mestre dos noviços
no cuidado dos coadjutores. No Capítulo Geral de 1922 padre Nai assegurava a auten-
ticidade do discurso e expunha os motivos “que levaram Dom Bosco a falar da forma
conhecida. Em tal conferência Dom Bosco deu o conceito exato do coadjutor salesiano,
e quis realçar o ânimo desses irmãos pelo fato de alguns deles serem tidos em pouca
consideração”.98
Dom Bosco parecia querer ressarcir salesianos válidos e ativos, por ele estimados
e amados, dos quais não tinha jamais definido reflexamente a figura. Em sua alocução
sublinhava que era a primeira vez que ia a San Benigno desde quando aí tinham chegado
formalmente os noviços coadjutores aprendizes. Pretendia expor “dois pensamentos”.
O primeiro buscava definir o perfil dos coadjutores no interior da Sociedade Salesiana.
Seu duplo aprendizado, “a arte” e a “religião e piedade”, obedecia a uma missão precisa.
“Eu tenho necessidade de auxiliares. Há coisas que os padres e os clérigos não podem
fazer e vós o fareis. Tenho necessidade de poder pegar alguns dentre vós e mandar-vos
em uma tipografia e dizer-lhes: tu procura fazê-la ir adiante e bem. De mandar outro
a uma livraria e dizer-lhe: dirige e faze tudo para que caminhe bem. De mandar outro
ainda em uma casa e dizer-lhe: cuidará dessa oficina ou daquelas oficinas para que
96 Cf. A. Papes, La formazione del salesiano coadiutore, p. 186-192.
97A. Papes, La formazione del salesiano coadiutore, p. 195.
98Ata da reunião de 19 de abril de 1922, citado por A. Papes, La formazione del salesiano
coadiutore, p. 146.

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536 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
caminhem em ordem, não falte nada, preveja o que falta para que os trabalhos saiam
como devem sair. Em outras palavras, não sois vós que deveis trabalhar diretamente
ou afadigar-vos, mas sim os que dirigem. Vós deveis ser patrões sobre outros operá-
rios, não como servos. Tudo, porém, com regra e nos limites necessários. Mas vós
deveis fazer tudo na direção, como patrões vós mesmos das coisas das oficinas. Essa
é a idéia do coadjutor salesiano”. Sua posição e seu comportamento devem responder
à dignidade das funções. Eles deviam ter “vestes adaptadas e limpas”, “leitos e celas
convenientes”; “porque – insistia – não devem ser servos mas patrões, não súditos mas
superiores”. Depois expunha o segundo pensamento, relativo à mais essencial nobreza
interior. “Devendo vir desta forma em auxílio em obras grandes e delicadas, deveis
adquirir muitas virtudes; e devendo presidir a outros, deveis dar antes de tudo o bom
exemplo. Tenho necessidade de que, onde se encontrar um de vós, se esteja certo de
que aí estará a ordem, a moralidade, o bem etc., etc., etc. Porque se sal infatuatum
fuerit... etc...” “Concluamos portanto como começamos: Nolite timere, pusillus grex:
não tenhais medo, que o número crescerá. Mas especialmente é preciso que se cresça
em boa vontade e energia, e então sereis como leões invencíveis e podereis fazer muito
bem. E depois: complacuit dare vobis regnum, reino e não servidão, e especialmente
tereis o reino eterno etc., etc., etc.”99
Tratava-se, sobretudo, de uma descrição de funções, feita por um operador mais que
por um teórico. Nem progressos significativos assinalavam duas de suas intervenções
no Capítulo Superior em anos sucessivos. Padre Rua – registra a ata da sessão de 6 de
setembro de 1884 – queria que se instituíssem duas classes de coadjutores, conside-
rando não ser conveniente colocar no mesmo plano profissionais qualificados e indi-
víduos comuns e ignorantes, ainda que bons. Dom Bosco declarava-se decididamente
contrário e propunha que se negasse a estes últimos a qualidade de coadjutores, e de
utilizá-los como domésticos sem votos.100 Mais adiante, ao invés, se mostrava reticente
sobre o nome: “Dom Bosco – anotou-se – propõe-se que, ao invés de chamar coadju-
tores os irmãos leigos se busque outro termo como empregados juntos do ecônomo,
juntos do prefeito, nas livrarias, etc. etc. Coisa que se deve estudar”.101 A fundação
conceitual, em níveis mais apropriados, seria seguida gradualmente nos anos seguintes,
sobretudo após a morte do fundador, graças também a uma presença mais significativa
de coadjutores de extraordinária riqueza em pessoas, obras e ideais.102
99A. Papes, La formazione del salesiano coadiutore, p. 221-222.
100 G. B. Lemoyne, Capitolo Superiore, fol. 27v, FdB 1881 A6.
101 G. B. Lemoyne, Capitolo Superiore, fol. 66r, FdB 1882 B11, sessão da tarde de 24 de agosto
de 1885.
102A. Papes, La formazione del salesiano coadiutore, p. 212-215.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 537
5. Os salesianos em Lille e em Paris
Em agosto de 1883 Dom Bosco anunciava à grande benfeitora do Departamento de
Aire, perto de Lille, a proprietária de terras Clara Louvet: “O Orfanato São Gabriel em
Lille foi aceito pelos salesianos e espero que nos possamos ver mais freqüentemente”.103
Esclarecia mais adiante: “A casa de Lille estará em nossas mãos no começo do próximo
ano”.104 Os primeiros contatos foram feitos diretamente com Dom Bosco em sua visita a
Lille.105 Entre 5 e 15 de maio tinha se hospedado em casa de Alfred de Montigny, com o
qual tinha se relacionado com o advogado Michel, de Nice. Para o senhor de Montigny
Dom Bosco teria depois pedido ao papa o título de conde romano, apresentando-o
com estes termos: “Rico e generoso católico de Lille, na França, poderoso promotor
das obras católicas, abriu para os salesianos um internato para os pobres meninos (...).
O bispo de Cambrai enviou uma recomendação diretamente a V.S.”.106 Em Lille Dom
Bosco foi acolhido festivamente no Orfanato São Gabriel, no qual as Irmãs da Caridade
de São Vicente de Paulo acolhiam há vários anos cerca de sessenta meninos. Estes,
chegados aos 16 ou 17 anos, tinham necessidade de educadores mais adaptados à idade
e sexo. Em 21 de dezembro de 1883 Dom Bosco já podia comunicar à Louvet: “Neste
momento padre Albera e padre De Barruel estão em Lille para fixar o dia da abertura
do Orfanato São Gabriel. Nós iremos nos primeiros dias do ano. Por ora não gastem
tempo para fundar bolsas nesse orfanato. Cada coisa a seu tempo. Agora temos muitos
débitos para pagar, particularmente pela construção de nossa Igreja e de nosso Orfanato
de Roma e pelas enormes despesas que devemos afrontar por causa de nossas missões
e nossos missionários na Patagônia, entre os selvagens”.107 O convênio com Lille era
estabelecido em 19 de dezembro de 1883 com o inspetor na França padre Albera, e
discutido e aprovado na reunião do Capítulo Superior de 16 de janeiro de 1884108.
Em 24 de janeiro, segunda-feira, chegava a Lille o diretor, padre Giuseppe Bologna, com
dois clérigos. Começavam a residir na casa em 29 de janeiro.109 Dom Bosco informava
a Louvet sobre a chegada: “Você perguntou-me quando nossos religiosos chegarão a
Lille. Eles começaram segunda-feira [24 de janeiro] desta semana, e todas as vezes
que passar na cidade pode sempre parar ou permanecer, como queira”.110 Na sessão
103 Carta de 19 de agosto de 1883; E IV 457.
104A C. Louvet, 15 de novembro de 1883; E IV 459.
105 Cf. “La nouvelle maison salésienne à Lille et quelques renseignements sur nos maisons de
France”, Bulletin Salésien 6(1884) n. 4, abril, p. 31-33; “L’Orphelinat St.-Gabriel à Lille”,
ibid. n. 12, dezembro, p. 119-120; v. § 1.
106 Súplica de Roma, 7 de maio de 1884; E IV 260.
107 Poscritto da carta de 21 de dezembro de 1883; E IV 460.
108 Capitolo Superiore, fol. 5r, FdB 1880 B9. O texto da convenção está em MB XVII 771-772.
109 Cf. Cartas do padre Bologna e de Montigny a Dom Bosco, MB XVII 772-774. Outra carta,
quinze dias após a chegada, era publicada do Bulletin Salésien 6(1884) n. 3, março, p. 25.
110A Clara Louvet, 26 de janeiro de 1884; E IV 461.

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538 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
do Capítulo Superior de 27 de dezembro de 1884 padre Rua lia uma carta do padre
Albera, que tinha visitado a obra e visto como padre Bologna aí fazia “milagres de
progressos”.111 Realmente ele tinha levado a Lille o espírito assimilado em Valdocco.112
A Louvet aí fundava cinco lugares gratuitos para órfãos. E Dom Bosco começava logo
a mover a opinião pública para chegar à implantação de oficinas de artes e ofícios,
realizada dois anos depois.113
Também para a presença dos salesianos em Paris fora determinante a triunfal
presença de Dom Bosco entre abril e maio de 1883.114 Para uma futura presença
efetiva tornaram-se apaixonados e ativos promotores em várias formas junto de Dom
Bosco dois personagens de grande sensibilidade social e de extraordinário prestígio:
conde Amable-Charles Franquet de Franqueville (1840-1919) e dom Maurice Le
Sage d’Autreroche d’Hulst (1841-1896), fundador em 1876 e diretor até à morte do
Instituto [Universidade] Católico de Paris, desde 1875 vigário geral da Arquidiocese
de Paris e arquidiácono de Saint Denis. Conde de Franqueville iniciava já em junho de
1883, o qual, encorajado basicamente por Dom Bosco, apresentava várias propostas.
Os desenhos de uma provável sede, prevista entre Saint-Omer e Saint-Denis, eram
examinados pelo Capítulo Superior na sessão de 5 de maio de 1884. Feitas algumas
observações, os capitulares encarregavam o ecônomo geral, padre Sala, de ir até lá para
esclarecer alguns detalhes, mas não se chegou a nenhuma conclusão.115 Os desejos dos
amigos parisienses e de Dom Bosco eram, ao invés, assumidos pelo sacerdote Paul
Joseph Pisani (1852-1933), desejoso de dar segura continuidade ao patronage juvenil
por ele fundado em 1877 no popular e difícil bairro de Ménilmontant. A soma de
200 mil francos era necessária para a aquisição de toda a propriedade com um terreno
de 4.600 metros quadrados e sua denominação como sociedade anônima formada por
Dom Bosco, Conde de Franqueville e outros amigos franceses. Dom Bosco ilustrava
o projeto na reunião do Capítulo Superior de 12 de setembro de 1884. Padre Durando
era convidado a ir a Paris com o padre De Barruel e, após um profícuo encontro com
111 Capitolo Superiore, fol. 53r, FdB 1881 E9.
112 Cf. a carta a Dom Bosco de 1º de agosto de 1885 e o artigo “Lille. Une promenade générale
de 100 orphelins de St. Gabriel”, publicado no Bulletin Salésien 7(1885) n. 8, outubro, p.
101 e 104-105; “La distribution des prix à l’Orphelinat Saint Gabril de Lille”, ibid., n. 9,
setembro, p. 120-121; “L’Orphelinat Saint Gabriel à Lille (Nord)”, Bulletin Salésien 8(1886)
n. 2, fevereiro, p. 22.
113 Cf. Bénédiction des nouveaux bâtiments et ateliers de l’Orphelinat S. Gabriel rue Notre-
Dame 288 à Lille, le 5 Juillet 1886, Bulletin Salésien 8(1886) n. 8, outubro, p. 91-93.
114 Cf. sobre os acontecimentos da aquisição do Patronage Saint Pierre do padre Paul Joseph
Pisani e de seus imediatos desenvolvimentos no Oratoire Saint Pierre et Saint Paul em Paris,
Y. Le Carrérès, “Don Bosco et les salésiens à Paris; de l’Oratoire Saint Pierre-Saint Paul au
Patronage Saint Pierre (1884-1945)”, in: F. Motto (org.) L’Opera Salesiana dal 1880 al 1922,
vol. II, p. 239-256.
115 Cf. Capitolo Superiore, 5 de maio de 1884, fol. 1 1r, FdB 1880 C9.

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 539
dom d’Hulst e padre Pisani em 23 de setembro, relatava tudo ao Capítulo Superior na
sessão de 29 de setembro. A aceitação era coisa feita. Conde Franqueville não deixava
faltar seu apoio, e também a condessa inglesa Stacpoole colocava a disposição 40 mil
francos.116 Por pressão do padre Ronchail, que pedia que se chegasse à uma conclusão,
e do próprio padre Pisani, nas sessões de 1º e 5 de dezembro de 1884 o Capítulo discutia
e aprovava os contratos e dava a ordem ao padre Albera de dirigir-se a Paris para assinar
o contrato e chamar imediatamente o diretor, o salesiano francês Charles Bellamy.117
O novo diretor aí chegava com o muito jovem noviço Léon Beissière (1869-1853).
A acolhida era calorosa, em particular por parte de dom Maurice D’Hulst. Dom Bosco
o agradecia com uma carta reconhecida, pedindo que “considerasse as casas salesianas
como totalmente suas”, convidando-o a ir a Turim. Concluía: “Peço-lhe que continue
sua eficaz proteção à casa recém-aberta em Paris, e de apoiá-la com os conselhos e
com os meios que julgará oportunos em sua sabedoria para a maior glória de Deus e a
salvação das almas”.118 Contente além da conta estava padre Pisani, que via colocado
em mãos confiáveis o Patronage, iniciado com tanto zelo e mantido juntamente com
um grupo de jovens leigos bem preparados.119 Uma semana depois, Dom Bosco enviava
ao padre Bellamy o texto de uma circular aos cooperadores parisienses, para que fosse
corrigida e enviada: Dom Bosco cuidaria da impressão. Entre outras coisas escrevia:
“Por agora nos limitamos a um Patronato Dominical e à acolhida de alguns jovens
entre os mais pobres e abandonados. Mas, com o auxílio do Bom Deus e com o apoio
de vossa caridade, espero que poderemos aumentar o número dos alunos e auxiliar
em mais vasta proporção a querida juventude desta grandiosa capital. Uma discreta
habitação com devota capela, um local para as escolas e um pátio para a recreação já
foram comprados, mas em grande parte estão ainda para ser pagos”.120 Após seis meses,
o valente diretor padre Charles Bellamy (1852-1911) traçava, desde seu início, um
elogioso quadro de atividades. Falava dos jovens do patronato ou internato, da obra da
quinta-feira para os estudantes, da obra do domingo para os aprendizes, da Congregação
da Beata Virgem, das “Pequenas Conferências de São Vicente de Paula”, das escolas
vespertinas cotidianas para jovens trabalhadores, por fim do “catecismo à tarde para os
adultos”. Ele recordava, ao mesmo tempo, as variadas atividades recreativas, dedicando
no final um fugaz aceno ao Orfanato, “do qual – escrevia – estamos encarregados, e
116 Cf. Capitolo Superiore, 12 de setembro de 1884, fol. 32v-33r, FdB 1881 B4-5. Dom Bosco
escreverá, de Marselha, à condessa Stackpoole, em 5 de abril de 1885, com significativo
reconhecimento: “Por obra da senhora existe a casa de Paris” (E VI 322).
117 Cf. Capitolo Superiore, fol. 47v-49v, FdB 1881 D10-E2. A respeito da figura singular de
Charles Bellamy, homem de ação, apóstolo e místico, cf. y. le carrérès, Fidèles en amitié:
les lettres de Charles Bellamy à Julien Dhuit (1883-1911). Paris, Maison Provinciale
Salésienne, 2002.
118 Carta de 10 de janeiro de 1885; E IV 309.
119 Cf. “La première maison salésienne à Paris”, Bulletin Salesien 7(1885) n. 1, janeiro, p. 5-6;
120 Circular de 20 de janeiro de 1885; E IV 311.

54.10 Page 540

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540 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
onde se trabalha com nossa grande consolação”.121 Com efeito, aos externos foram
juntados os primeiros internos, com a abertura, entre 1886 e 1887, das oficinas dos
marceneiros, sapateiros e alfaiates, chegando-se a trinta hóspedes. No entanto, como
sinal de reconhecimento para a grande benfeitora condessa Cessac-Montesquiou, que
tinha perdido um filho de nome Paulo, o Patronato, chamado Oratório em analogia ao
de Turim, recebia o duplo patrocínio de São Pedro e São Paulo.
6. Segunda obra salesiana na Espanha: Sarriá-Barcelona
Como se viu, a fundação de um Instituto de Artes y Oficios em Sarriá, nas proximi-
dades de Barcelona, fora preparada de longe pelo culto e combativo diretor da Revista
popular, padre Félix Sardá Salvany, que já em 1880 nela tinha escrito quatro longos
artigos sobre Dom Bosco e as oficinas cristãs.122 Declarava-se satisfeito pela acolhida
favorável reservada à apresentação da obra de Dom Bosco e em particular do “admi-
rável instituto Talleres cristianos”. Estava persuadido de que, em face de uma situação
social apocalíptica, dominada por ricos egoístas e fechados, fosse urgente cooperar
para a difusão destas instituições, que constituíam uma verdadeira anti-Internacional,
realidade nova, diversa, atual. Obra do gênero teria encontrado a sede mais adaptada em
uma região como a Catalunha, onde estava em pleno desenvolvimento a indústria têxtil.
A Revista popular continuava depois a franquear os salesianos, senvindo-se do Boletim
Salesiano italiano e francês, fazendo-se eco em 1882 do Don Bosco de d’Espiney, de
1881.123 Em junho de 1882 a Associação de Católicos da metrópole catalã deliberava
a nomeação de Dom Bosco como seu sócio, o qual respondia aceitando de bom grado
e agradecendo.124 No mesmo ano entrava em cena para tornar efetivos os sonhos e
desejos a nobre senhora Dorotea de Chopitea de Serra, que ficara viúva em 1882, no
cinqüentenário de matrimônio, e desejando recordar o marido com uma obra consa-
grada a ensinar alguma profissão a jovens órfãos, pobres e abandonados. Tendo conhe-
cido os salesianos em Utrera por meio do marquês Ulloa, escrevia ao diretor do colégio,
padre Branda, para obter informações sobre obras salesianas. Após se informar, em
20 de setembro de 1882 escrevia a Dom Bosco, manifestando o propósito de contribuir
para fundar nos arredores de Barcelona um instituto de “Artes y Ofícios”, dirigido pela
Sociedade Salesiana. Reescrevia em 12 de outubro para que Dom Bosco fosse pesso-
almente ou mandasse um outro salesiano competente para tratar do projeto.125 Foram
121 BS 9(1885) n. 7, julho, p. 98-100, “Lettera parigina” (de 12 de maio de 1885).
122 Revista Popular 10(1880) n. 517, 519, 521, 525, p. 297-301, 329-333, 361-364, 401-404.
123 Cf. R. Alberdi, Una ciudad para un santo p. 70-73; R. Alberdi; R. Casanovas, Martí-
Codolar: una obra social de la burguesía. Barcelona, Obra Salesiana Martí-Codolar, 2001.
Sobre Ch. d’Espiney, cf. cap. 26, § 5.
124R. Alberdi, Una ciudad para un santo, p. 115-116.

55 Pages 541-550

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55.1 Page 541

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Cap XXXI: Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884) 541
enviados padre Cagliero e padre Albera. Concluiu-se rapidamente. A senhora adquiriu
um vasto terreno em Sarriá, perto de Barcelona, e fez transformar a vila dos proprie-
tários em edifício para o internato com algumas oficinas, humildes no início, mas de
desenvolvimentos promissores. Para o controle dos trabalhos padre Branda esteve um
mês em Barcelona, onde voltava em 15 de fevereiro de 1884, como diretor, além de
dois salesianos destacados da casa de Utrera. Dom Bosco tinha informado a respeito na
conclusão da carta, já citada, de 31 de janeiro de 1884: “De Barcelona nos repetem as
instâncias para que se vá abrir a casa, que já é nossa, porque, dizem, um número consi-
derável de pobres jovens já estão à porta batendo para que se lhes abra; faltam somente
os salesianos que dela cuidem. – Como vê V.S., não se pode mais retardar longamente.
Assim, tomadas as deliberações, daqui a poucos dias dividirei o meu pessoal de Utrera
e, com um grupo suficiente, partirei para abrir a casa de Barcelona. A seu tempo eu
lhe escreverei”.126 Em 28 de fevereiro o Capítulo Superior dava sua aprovação.127 Na
metade do primeiro ano de atividade o diretor, além de dar notícias, dirigia a Dom
Bosco o explícito convite para visitar Sarriá. “Nossa casa do Niño Jesús – escrevia em
16 de fevereiro de 1885 – continua a desenvolver-se de modo normal e progressivo.
Os jovens são espertos, inteligentes, muito ativos e dão sinal de inesperado adianta-
mento nas letras e nas artes. A piedade floresce e aumenta todos os dias em suas almas
ardentes, e o desejo de ver a S. V. R. chegar finalmente a Barcelona os estimula forte-
mente a progredir na virtude. Eles, com efeito, esperam que uma vez ou outra Dom
Bosco virá visitar esta sua casa. Dizem: de Marselha a Barcelona não existe pois uma
grande distância e nós rezaremos ao Senhor para que Dom Bosco possa fazer esta
viagem sem ressentir na saúde. Se Dom Bosco viesse, veria quantas festas alegres e
como, sem conhecê-lo pessoalmente, estes bons jovenzinhos o amam”.128
Em agosto de 1885, preocupado com a difusão do cólera na Espanha, Dom Bosco
encorajava padre Oberti em Utrera e padre Branda em Sarriá e os convidava a abrir a
casa para eventuais emergências. “Enquanto nós nos submetemos à vontade divina –
escrevia –, não perdemos a coragem. Deus está sempre conosco; e todos os salesianos
estão prontos a qualquer sacrifício para socorrer. Se por acaso te encontres na necessi-
dade para ajudar as crianças órfãs do cólera, dize-me e buscaremos a forma para socor-
rê-las. O mesmo pretendemos fazer para a França e para a Itália, onde até o momento,
graças ao Céu, estamos ilesos do terrível flagelo; ao menos nós até o momento”.129
125O texto desta encontra-se em MB XVII 770-771.
126 BS 8 (1884) n. 3, marzo, p. 41.
127 Capitolo Superiore, 28 de fevereiro de 1884, fol. 8r, FdB 1880 C3.
128 BS 9 (1985) n. 4, aprile, p. 52-53.
129Ao padre Oberti, 10 de agosto de 1885; E IV 330-331; cfr. carta ao padre Branda do mesmo
dia e ao padre Albera, inspetor na França, do dia precedente: 9 e 10 de agosto 1885; E IV
329-330, 331-332. Nos mesmos dias escrevia importantes cartas também a Dom Cagliero e
ao padre Costamagna: cfr. cap. 33, § 2.

55.2 Page 542

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55.3 Page 543

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Capítulo XXXII
Consolidar as instituições religiosas dos
agentes salesianos (1883-1885)
1884
1885
janeiro: início da redação das Memórias desde 1841
fevereiro: doença de Dom Bosco
1º de março a 3 de abril: na França meridional
abril: Boletim Salesiano sobre a saúde de Dom Bosco
14 de abril: chegada a Roma
14 de maio: partida de Roma
28 de junho: decreto de concessão dos privilégios
julho: intervenções nas reuniões do Capítulo Superior
intervenções sobre o sistema preventivo com os ex-alunos
19 de julho a 22 de agosto: em repouso na casa de montanha do bispo de Pinerolo
setembro: viragem nas Memórias desde 1841 – testamento previsões de morte
24 e 28 de outubro: anúncio da vontade do papa sobre a designação do
sucessor ou de um vigário
27 de novembro: rescrito papal com a nomeação do padre Rua como vigário
e sucessor
24 de março a 27 de abril: viagem à França meridional
6 de maio: retorno ao Oratório
8 de dezembro: comunicação oficial da nomeação papal do vigário sucessor
Não obstante os problemas de saúde, o ano de 1884 é para Dom Bosco produ-
tivo, seja em relação aos dois Institutos religiosos fundados por ele e, em diferente
medida, às obras juvenis, seja em relação à animação pedagógica e espiritual dos sale-
sianos. Toda a segunda metade de setembro, na qual, por sua indisposição as sessões
do Capítulo foram presididas pelo padre Rua, todas as outras –trinta e uma em 1884
– exceto obviamente a de 5 de maio, acontecida quando ele se encontrava em Roma,
tiveram nele o presidente e regulador atento e participante. E está sempre ativo no
governo da Congregação, embora com intensidade diminuída, sobretudo durante as
férias de trinta dias em Pinerolo, mantendo-se informado, interrogado e secundado
pelo colaboradores. Os acontecimentos capitais evidenciam tal fato: as duas viagens
na França mediterrânea, nos primeiros meses de 1884 e de 1885, a obtenção dos privi-

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544 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
légios, a gradual e tranqüila continuação após a nomeação do vigário, a relativa conso-
lidação estrutural e jurídica do Instituto FMA,1 a discussão sobre projetos de fundação
de novas obras juvenis, a constante reafirmação da espiritualidade educativa dos sale-
sianos, consagrados e cooperadores.
1. Prenúncios de declínio físico entre 1883-1884 e novas Memórias
Entre os inícios de 1883 e o surgimento de 1884 caminhava-se para o término do
longo período de máxima vitalidade física de Dom Bosco. Intervinha um progres-
sivo declínio físico, ainda que com altos e baixos, com diminuição do dinamismo, em
proporção inversa com sua notoriedade, que se estendia em círculos sempre mais vastos,
com manifestações de estima e de veneração do padre educador, do agente social, do
santo. Para tanto, era de excepcional sustento a discreta, eficaz e concorde colaboração
do homem de sua máxima confiança, padre Michele Rua, filho submisso e devoto,
em breve vigário para todos os efeitos, com plenos poderes. Até o fim, sem jamais
dobrar-se, ele fez com que o fundador fosse reconhecido, sempre e por todos, como
o superior maior na plenitude de sua autoridade paterna. E efetivamente, Dom Bosco
foi reconhecido tal também pelos cooperadores, pelos benfeitores e admiradores, pelas
autoridades civis e religiosas. De outro lado, enquanto as forças físicas lhe consentiram,
ele continuou a manter com todos as mais cordiais e perseverantes relações pessoais e
epistolares.
No último quadriênio as referências ao cansaço e aos incômodos físicos pelo trabalho
e doenças sofridas se sucedem com particular freqüência, reservadas em grande parte
a benfeitores e benfeitoras que ele sentia mais próximos.2 Os novos distúrbios físicos
– anemia, disfunções hepáticas, infecções bronquiais, distúrbios circulatórios – acres-
centavam-se ao enfraquecimento da vista e ao acentuar-se da cifose, já iniciada no prin-
cípio de 1883, que o obrigaria, entre 1885 e 1886, a caminhar apoiando-se no bastão e,
entre 1886 e 1887, a recorrer ao apoio de seus acompanhantes, entre outros do jovem e
robusto secretário, Carlo Viglietti. Não são, contudo, raros os momentos nos quais Dom
Bosco, esquecido dos próprios males, se preocupa mais pela saúde de seus correspon-
dentes do que pela própria.
Ateve-se em particularmente a algumas presenças de família: os pequenos sermões
aos jovens, ainda que raros, a participação nas conferências aos cooperadores, os
encontros com os ex-alunos, as reuniões reservadas aos alunos da quarta e quinta gina-
sial, dos quais gostava de ser o confessor privilegiado e o conselheiro experimentado
sobre a escolha vocacional. Dom Bosco estava ainda presente como protagonista em
1 Cf. cap. 29, § 4.
2 Muitas das confidências aos correspondentes foram elencadas no volume Il sistema preventivo
di Don Bosco. Zurique, PAS-Verlag, 1964, p. 114-116.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 545
alguns acontecimentos, antigos e novos, de particular relevo. São objeto de fragmento
de crônica, que se torna mais pontual desde quando Carlo Viglietti, ainda estudante de
teologia, em 20 de maio de 1884 foi chamado definitivamente para Turim como secre-
tário para todas as coisas, enquanto, desde o outono de 1883, padre Lemoyne estava a
seu lado como secretário de nome, além de ser do Capítulo Superior.
Também o Boletim Salesiano dava, de vez em quando, notícias sobre ele e algumas
vezes, um tanto quanto parcimoniosas, do que dizia respeito a seu estado de saúde.
Elas começaram a transparecer sobretudo depois das viagens realizadas, entre feve-
reiro a julho, à França e a Frohsdorf. Ele mesmo, de resto, após um período de notável
cansaço e algum incômodo entre o final de 1883 e o começo de 1884, confessava: “Eu
termino logo, porque meu estômago está muito cansado”, escrevia a um sacerdote
no começo de janeiro;3 e a uma benfeitora: “Minha saúde não é má, mas não está
muito boa. Sinto-me sempre muito cansado”.4 O problema da precária saúde de Dom
Bosco emergia claramente na sessão do Capítulo Superior de 28 de feveiro de 1884.
O secretário, padre Lemoyne, registrava: “Dom Bosco dá o encargo a padre Bonetti
de escrever a carta ao padre Dalmazzo e comunicar-lhe que ele, embora não podendo
nem mesmo ficar em pé por causa da enfermidade, tenha que ir à França para obter
socorros para suas obras”.5
Fortunadamente, porém, o mês de janeiro de 1884, para ele e para os seus, foi
marcado e concluído por acontecimentos consoladores e asseguradores, desejados
há muito tempo.6 O cardeal Alimonda já tinha estado na Igreja São João Evangelista
em 27 de dezembro, festa do Apóstolo, aí celebrando a missa matutina e dirigindo ao
povo “breves, mas ardorosas palavras” na preparação da santa comunhão.7 O arcebispo
presenteava, depois, a Dom Bosco e ao Oratório, em 15 de janeiro pela manhã, uma
visita tão inesperada quanto afetuosa.8 No dia 24 estava em Valsalice para a festa anteci-
pada de São Francisco de Sales.9 As demonstrações de sincera amizade para com Dom
Bosco e sua Congregação chegavam ao ponto mais alto no dia 29, quase inteiramente
dedicado à cidadela de Valdocco. O cardeal, que tinha celebrado a missa da comu-
nhão no mosteiro das religiosas da Visitação, fundadas por São Francisco de Sales,
assistia pontificalmente na Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora a missa solene, que a
schola cantorum do Oratório secundava e sublimava com a música de Luigi Cherubini.
No final do almoço foram-lhe dedicados cantos e homenagens de jovens e brindes,
3Ao padre De Agostini, 4 de janeiro de 1884; E IV 248.
4 À condessa Bonmartini, 4 de fevereiro de 1884; E IV 253.
5 Capitolo Superiore, fol. 8r, RdB 1883 C3.
6Deles fazia eco o Bollettino Salesiano de fevereiro: “La benevolenza dell’arcivescovo di
Torino onore e conforto dei salesiani”, BS 8(1884) n. 2, fevereiro, p. 21-22.
7 BS 8(1884) n. 1, janeiro, p. 6-7.
8 L’unità cattolica, n. 16, sexta-feira, 18 de janeiro de 1884, p. 62.
9 L’unità cattolica, n. 23, sábado, 26 de janeiro de 1884, p. 90.

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546 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
antes de tudo pelo prior da festa, o col. Rocca, e por um sacerdote cooperador. Também
Dom Bosco falava, com o coração cheio de reconhecimento pelo arcebispo, convi-
dando todos para o almoço das suas bodas de ouro em junho de 1891. Não faltaram
as brincadeiras de Carlo Gastini. À tarde, o cardeal dava a solene bênção eucarística,
querendo Dom Bosco a seu lado, que aceitava, embora com dificuldade de “caminhar e
subir os degraus do altar”. O purpurado aceitava também o convite para a representação
teatral, deixando o Oratório à noite entre as luminárias e os vivas dos jovens.10 Em seu
caderno de apontamentos, Recordações de escrivaninha,11 o confiável padre Lemoyne,
em 19 de janeiro anotava: “Cada minuto deste dia é para mim um triunfo e uma conso-
lação. Desde a morte de Fransoni, Dom Bosco não teve mais amigos do coração como
Alimonda”.12
Nos mesmos dias, porém, manifestava-se uma sensível flexão nas condições de
saúde e em fevereiro uma queda brusca. No momento mais cruel do inverno, na tarde
de 31 de janeiro, muito cansado, ele tinha ido visitar os noviços de San Benigno. Não
podia encontrar, pelo seu estado físico, pior inimigo que o frio úmido e cortante de
Canavese. Retornava nada bem ao Oratório.
A partir desses dias a vida de Dom Bosco se desenvolvia com crescente intensidade
entre reconhecedora visão do passado e meditação da morte para si, e testamento proje-
tado para o futuro para os discípulos. Ele mesmo ajudava a interpretá-lo nesse sentido
através de um documento, iniciado provavelmente na alba do novo ano e continuado,
com intermitência, nos meses e nos anos seguintes. O secretário o tinha visto várias
vezes em suas mãos, como transparece do que lhe teria dito quatro anos depois, em
24 de dezembro de 1887. “Padre Viglietti – sussurrava-lhe às 22h30, pouco antes de
receber o sacramento dos enfermos –, olha, em minha mesa há um livrinho de memó-
rias, tu sabes do que falo, procura apanhá-lo e entrega-o ao padre Bonetti, para que não
vá parar nas mãos de qualquer pessoa”.13 Era o manuscrito composto, confiado a um
caderno-agenda de contabilidade de 308 páginas, com o título original Memórias de
1841 a 1884, depois prolongado em (...) 1884-5-6-; não acrescentou o 7.14 As variações
dos conteúdos, dos tinteiros e da grafia, as tantas páginas deixadas em branco (p. 94,
105, 106, 116, 129-266) para hipotéticas e não realizadas inserções posteriores, deixam
pressupor também variações de intenções, sugeridas por imprevistos acontecimentos
da vida. Nas primeiras, com efeito, quase complemento das Memórias do Oratório,
Dom Bosco escrevia brevemente de sua ordenação sacerdotal e dos propósitos então
formulados, fazendo seguir indicações sobre a confissão dos meninos e sobre o cuidado
10 “Tre preziose visite del cardinale Alimonda”, BS 8(1884) n. 2, fevereiro, p. 21-27; L’unità
cattolica, n. 29, sábado, 2 de fevereiro de 1884, p. 114.
11 Nell’ASC A 0060803.
12 G. B. Lemoyne, Ricordi di gabinetto, p. 37.
13 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dicembre 1887 al 31 gennaio 1888, p. 8-9.
14 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 73-130.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 547
das vocações. Recordava então os benfeitores em geral e os “insignes”. Mas, continu-
ando em estado precário de saúde, preocupava-se em elencar muitos em particular e de
assegurar-lhes seu reconhecimento e prece, também depois da morte. Era uma primeira
reviravolta, que se acentuava depois em setembro. Pelas anotações precedentes fixa-
va-se uma data bem precisa. “Estes – escrevia – são os nomes de alguns de nossos mais
notáveis benfeitores no dia de hoje, 8 de fevereiro de 1884”, data em seguida modifi-
cada em 1885, quando teria feito correções também no texto.15
A mudança se manifestava nos fatos e nos documentos. Dom Bosco retornava de
Canavese com uma séria bronquite, acompanhada por inquietantes escarros de sangue.
De 9 a 12 de fevereiro praticamente devia ficar no leito grande parte do dia, com
fraqueza do batimento cardíaco e dificuldade de respiração.16 “Meu peito sente um
pouco de fadiga, rezem por este pobre padre”, confiava a Claire Louvet.17 Em 18 de
fevereiro encontramos anotado que Dom Bosco tinha preparado a circular que, depois
de sua morte, o sucessor deveria enviar aos cooperadores. Mas não se tem notícia
da mesma.18 Parece, contudo, que a viagem projetada à Costa Azul não encontrasse
obstáculo em suas condições de saúde, antes pudesse ser um remédio para a mesma.
É quanto sugeria a dois insignes benfeitores. “Minha saúde está um pouco conturbada –
escrevia ao conde Colle – e eu estou ainda prisioneiro em meu quarto, mas os médicos
me dizem que no mês de março poderei fazer, e farei sem dúvida, uma viagem ao sul da
França”;19 e ainda: “Os médicos me disseram de ir para nossas casas do sul e sábado, se
Deus quiser, partirei para Nice com padre Barberis”.20
Porém, antes de empreender sua viagem de pedinte à Ligúria e à França, e daqui de
novo à Ligúria e a Roma, vistas as preocupações do médico que cuidava dele, doutor
Giuseppe Albertotti, na tarde de 29 de fevereiro, ditava seu testamento.21 Partia no
dia seguinte, com padre Barberis como secretário, e viajava com as seguintes datas:
1º a 3 de março em Alassio, fazendo pernoite em Mentone, 4 a 12 em Nice, 12 a
13 em Cannes, 13 a 15 em Lyon, 15 a 25 em Marselha. Retornava à Itália, passando
por Toulon no dia 26, em Navarre de 27 a 30, em Castille e no Castello da Bastide em
30 e 31, em Antibes em 1º de abril e Nice no dia 2. Na tarde do dia 3 estava de novo na
Ligúria, em Alassio.
No itinerário para a França, a conferência dos cooperadores de 2 de março em
Alassio, por indisposição de Dom Bosco, foi feita pelo diretor do colégio, padre Cerruti.
15 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 97, n. 1.
16 G. B. Lemoyne, Ricordi di gabinetto, p. 49-52.
17 Carta de 14 de fevereiro de 1884; E IV 462.
18 G. B. Lemoyne, Ricordi di gabinetto, p. 57; Documenti XXVII 56, FdB 1095 C2.
19 Carta de 20 de fevereiro de 1884; E IV 502.
20Ao conde Colle, 27 de fevereiro de 1884; E IV 403.
21 Cf. Documenti XXVII 79-80, FdB 1095 D10-11; sobre os males físicos de janeiro e fevereiro,
cf. Documenti XXVII 22, FdB 1094 E5; XXVII 33, 45, 53-55, 78, 82-83, FdB 1095 A3, B3,
B11-C1, D9, E1-2.

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548 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
O Boletim Salesiano de abril publicava a crônica com uma nota sobre as condições de
saúde do superior: “E como aqui se apresenta ocasião propícia, recomendamos ainda
as orações dos cooperadores e das cooperadoras pelo nosso muito amado Dom Bosco,
o qual, de algum tempo para cá, sente que a vida se esvai. No momento não há nada
de alarmante. Mas um valente doutor de Turim, visitando-o antes que ele começasse a
viagem, disse que não devemos nos enganar a respeito de sua vida, de tal forma que,
acrescentou, considerando as fadigas sustentadas, Dom Bosco pode hoje ser conside-
rado um velho de 100 anos, embora não tenha ainda 70. Rezamos, portanto, de coração,
para aquele que, por natureza e por fraqueza, deveria sucumbir, viva ainda muitos anos
para nosso auxílio e conforto pela graça e em força da onipotência de Deus”.22
Em Nice, em 5 de março, Dom Bosco foi logo visitado por seu biógrafo, doutor
Charles d’Espiney, que na base do diagnóstico – “congestão do fígado” – diversa do
feito em Turim , prescrevia algo considerado mais idôneo.23 A saúde melhorou e, na
tarde do dia 10, quis fazer a conferência aos cooperadores: “Estava presente – anotava
um cronista – tudo o que Nice e a colônia estrangeira têm de melhor pela inteligência
e pelo coração”.24
Em Marselha, tiveram destaque a missa celebrada em 24 de março, precedida pelo
batismo de um jovem negro, que fazia sua primeira comunhão, e à tarde a conferência
aos cooperadores, na presença do bispo diocesano, dom Jean-Louis Robert, que não
economizou elogios ao santo orador.25 No dia seguinte Dom Bosco fez um acurado
exame médico pelo célebre doutor Paul-Matthieu Combal, professor na Universidade
de Montpellier, que realizava um diagnóstico detalhado, o mais exaustivo que se tem
das doenças de Dom Bosco: fraqueza geral com anemia, congestão do aparelho respira-
tório, hipertensão nervosa, prováveis resíduos de uma infecção palustre, ligeiro engros-
samento do fígado. A terapia previa: pela manhã e pela tarde, antes das refeições, uma
colher de vinho de Vial [uma poção especial sem nenhuma relação com vinho]; nas
refeições, meio copo de água mineral de Vals cortada com vinho; liberar o intestino
com uma colher semanal de pó laxativo de Vichy, dissolvida em um quarto de copo
de água; regime alimentar misto, constituído de carne, legumes cozidos, ovo quente e
laticínios; subtrair-se por algum tempo dos empenhos habituais de trabalho e sobretudo
de prolongados esforços mentais. Católico praticante, Combal não aceitou a paga, mas
fez uma conspícua oferta.26
Na tarde do dia 26, Dom Bosco, sempre com padre Barberis e acompanhado pelos
cônjuges Colle, chegava a Navarre. Quinta, 27, fazia-se a solene bênção da nova
22 BS 8(1884) n. 4, abril, p. 58.
23 Documenti XXVII 87, FdB 1095 E 6.
24 “Dom Bosco à Nice”, Bulletin Salésien 6(1884) n. 4, abril, p. 29-30.
25 “Fête et conférence à Marseille”, Bulletin Salésien 6(1884) n. 5, maio, p. 43-44.
26 Documenti XXVII 107-108, FdB 1096 B2-3; MB XVII 56-59. O texto original da
“Consultation” do doutor Combal se encontra em ASC A 0240501, FdB 437 B9-12.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 549
capela do orfanato, com grande concurso de ilustres benfeitores: de Marselha senhor
Jules Rostand, presidente da Société Beaujour, cônego Guiol, senhor Grouling e a
viúva Jacques; de Nice barão Héraud de Chateauneuf e cavaliere Levrot. Dom Bosco
realizava o rito assistido pelo vigário geral de Terris, de vários párocos, do inspetor
padre Albera e dos diretores de Nice e de Saint-Cyr. Ele fazia então a conferência dos
cooperadores. Na manhã seguinte celebrou-se a festa solene de São José, patrono do
Orfanato. Dom Bosco celebrava na manhã bem cedo a missa da comunhão geral e nela
os dois filhos do visconde de Villeneuve, Jeanne e Alexis, recebiam pela primeira vez
Jesus Eucarístico. Na missa solene das 10 horas os jovens cantaram a Missa de Nossa
Senhora Auxiliadora, do padre Cagliero.27 Padre Barberis, em suas cartas, oferecia notí-
cias precisas sobre a sucessão das etapas do retorno. No domingo, dia 30, Dom Bosco
deixava Navarre e após breve parada na cascina da Castille, pernoite no castelo da
Bastide e outra parada no dia 31, em Antibes, dirigia-se a Nice.
No dia 3 estava em Alassio e nas primeiras horas da tarde de 4 de abril entrava
no Internato de Sampierdarena, aonde chegavam contemporaneamente de Turim os
membros do Capítulo Superior, que fariam reunião com Dom Bosco na tarde do dia 5.
Padre Lemoyne já o encontrara em Alassio.28 De Sampierdarena, embora não bem de
saúde, escrevia ao padre Berto, que por tantos anos foi seu companheiro nas viagens
romanas, quase pedindo desculpas de ter preferido padre Lemoyne como secretário:
“Dizem-me que tua saúde não é ainda a que se deseja. Fico triste. Neste tempo de
minha ausência toma os cuidados necessários. Rezarei por ti. Padre Lemoyne me acom-
panha a Roma. Não sei ainda se serão precisos papéis. Caso necessite, eu te escreverei.
De 12 a 15 de maio espero estar em Turim. Minha saúde está um pouco melhor, mas
tenho muita necessidade de orações”.29 Dom Bosco visitava algumas benfeitoras, entre
as quais a viúva Cataldi e a baronesa Podestà, esposa do prefeito de Gênova. No dia
8 chegava de Roma padre Dalmazzo para informar Dom Bosco sobre os pontos de vista
romanos a respeito dos privilégios, preparando-o para as dificuldades que encontraria
com cardeal Ferrieri. No mesmo dia padre Lemoyne escrevia ao padre Bonetti, em
Turim, com algumas interessantes anotações sobre Dom Bosco: “Nosso amado pai não
sabe falar sem se lembrar dos tempos heróicos do Oratório”, “a saúde de Dom Bosco
está sempre no mesmo ponto. Espera-se que possa estar mais tranqüilo em Roma”.30
Na quarta-feira santa, 9 de abril, Dom Bosco, junto com padre Lemoyne, tomava o
trem para Roma. Fazia uma parada em Rapallo, em casa de uma nobre família conhe-
cida em Paris, os condes Riant, e, “muito cansado”, aí pernoitava. “De manhã – escrevia
padre Lemoyne ao padre Rua – os filhos do conde se confessaram com ele e todos
27 “Bénédiction de la nouvelle Église et fête à l’Orphelinat de la Navarre”, Bulletin Salésien
6(1884) n. 5, maio, p. 44-45.
28 Documenti XXVII 110-116, 123-125, FdB 1096 B5-12, C4-6.
29 Carta de 6 de abril de 1884; E IV 255-256.
30 Documenti XXVII 126-127, FdB 1096 C7-8.

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550 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
fizeram a páscoa na capela, tendo Dom Bosco celebrado a missa que foi servida pelos
dois Riant”.31 Às 13h30 estava em La Spezia, onde ficava até às primeiras horas da segun-
da-feira de pascoela. Houve imediatamente grande concurso de visitantes. “Embora
cansado”, no dia de Páscoa fazia longo discurso a um grande grupo de ouvintes. Fazia
apelo à beneficência. A uma presumível pergunta, “até quando se pedirá?” respondia:
“Enquanto existirem almas para salvar, até que os pobres jovenzinhos não sejam mais
circundados por insídias e por enganos, até que tenham chegado às portas da eternidade,
e entrados no paraíso, único lugar em que poderão encontrar-se seguros das insídias que
lhes lança o inimigo”. Existiam, além disso, as missões e, de extrema atualidade, a
Igreja Sagrado Coração em Roma. Depois continuava a responder com os costumeiros
argumentos, às usuais objeções aos pedidos de “esmola”: os tempos difíceis, a falta de
meios, os numerosos pedintes, o sacrossanto dever de pensar no futuro. Concluía com a
advertência de Cristo sobre o auxílio “aos indigentes”: “O que tiverdes feito ao menor
destes, foi a mim que o fizestes”. “Observai quantos pobres jovenzinhos existem no
mundo. Traídos, enganados, sem educação religiosa, eles caem no vício e se perdem!
Podeis resistir impassíveis a este espetáculo tão embaraçoso?”.32
De Spezia à estadia romana as anotações sobre a saúde de Dom Bosco aumentaram,
dadas por ele e, sobretudo, pelo padre Lemoyne que fazia de secretário: “Parece que
sua saúde esteja melhor de quando estava em Sampierdarena”;33 “felizmente chegamos
a Roma no dia 14, tendo partido às 2 da manhã. De Spezia a Roma estivemos sempre
sozinhos no mesmo vagão, e assim gozamos da máxima tranqülidade. Nosso caríssimo
Dom Bosco, embora se sentisse um pouco cansado, não sofreu de forma tão sensível.
Hoje, dia 15, sente-se muito melhor e me disse que te escrevesse”; “Dom Bosco trabalha
velozmente na organização e aprovação da rifa, como também da eterna questão dos
privilégios”.34 “Dom Bosco – informava ainda – encarrega-me de dizer-te oficialmente
que se sente muito melhor, superado o incômodo que lhe dava o fígado e o olho infla-
mado”. A melhora lhe permite fazer visitas e receber pessoas, em particular cardeal
Consolini e cardeal Angelo Jacobini, assessor do Santo Ofício.35 As informações se suce-
diam contraditórias: “Dom Bosco não está mal. Nesta manhã disse-me que sua cabeça
está muito cansada”; “a cabeça não lhe rege”, tinha escrito algumas linhas acima, e
Dom Bosco encarregava padre Rua ou padre Durando de ocupar-se do pedido de uma
fundação em Penne (Pescara); “contudo – escrevia –, continua a se ocupar das coisas de
nossa Congregação”. Por meio do padre Lemoyne, com efeito, dava disposições, apro-
31 Carta de La Spezia, 10 de abril de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, Don Giovanni
Battista Lemoyne, p. 137.
32 “Conferenza a Spezia e D. Bosco a Roma”, BS 8(1884) n. 5, maio, p. 70-71 (carta do padre
Lemoyne ao padre Bonetti).
33 Carta de 10 de abril de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, p. 138.
34 Carta de 16 de abril de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, p. 139-140.
35 Cartas de 19 e 22 de abril de 1884, in: P.Braido; R. Arenal Llata, p. 142-145.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 551
vava medidas decisivas em Turim, seguia “as práticas para a rifa”, recebia a visita de um
grupo de estudantes da Universidade Gregoriana e visitava o cardeal vigário.36
Na seqüência, as informações dadas por Dom Bosco se entrecruzam com as forne-
cidas pelo secretário: “Ele não está mal de saúde, mas há duas manhãs que a febre
volta. O travesseirinho da China veio a calhar”;37 “minha saúde melhora devagar, mas
melhora”;38 “minha saúde está entre altos e baixos”.39 A “saúde de Dom Bosco vai
bastante bem – confirmava repetidamente padre Lemoyne –. Ele chegará a Turim na
tarde de 18 do corrente, mas parece que queira entrar em casa sem que ninguém note,
a fim de poder repousar”; “dia 1º, a saúde de Dom Bosco procede bastante bem”;
“Dom Bosco está muito melhor, e desde que partiu de Sampierdarena até agora ganhou
muito, especialmente nestes últimos dias”; “Dom Bosco está sempre bastante bem”.40
Confirmava-o ele próprio em 8 de maio, quando em Tor de’ Specchi introduzia a confe-
rência aos cooperadores feita pelo cardeal vigário Lucido Maria Parocchi. Informava
sobre obras realizadas nos dois anos da última conferência romana e sobretudo sobre
a Igreja Sagrado Coração e a rifa que estava organizando. O discurso do cardeal era a
apaixonada demonstração de uma tese de extraordinário interesse: o escopo, a fisio-
nomia e o caráter distintivo da Congregação Salesiana era “a caridade exercitada
segundo as exigências do século: Nos credidimus Charitati; Deus Charitas est”, e se
revelava “por meio da caridade”, exercitada em formas e com espírito novos em um
mundo mudado.41
Nesse quadro romano se desenvolviam as últimas fases das negociações para a
obtenção dos privilégios.
2. Consolidação jurídica da Sociedade Salesiana
Quanto aos privilégios, após as frustrações dos anos 1875-1876, passavam anos
difíceis, de renovados pedidos, de negativas e esperas. Na audiência de 23 de abril
de 1881, Leão XIII declararia a Dom Bosco ser, “por sistema, contrário aos privilé-
gios dos religiosos”.42 No termo do mesmo ano se revelava sem resultado positivo a
mediação do arcebispo de Messina, Dom Giuseppe Guarino, junto do cardeal Ferrieri,
que fora solicitada por Dom Bosco em 30 de novembro de 1881 e prometida a ele e
36 Cartas de 23 e 24 de abril de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, p. 146-149.
37 Carta de 28 de abril de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, p. 151.
38Dom Bosco ao conde Colle, 24 de abril de 1884; E IV 504.
39Dom Bosco ao cardeal G. Alimonda, 3 de maio de 1884; E IV 504.
40 Cartas ao padre Rua de 5, 6, 9 , 12 de maio de 1884, in padre Braido – R. Arenal Llata, Don
Giovanni Battista Lemoyne, RSS 7 (1988) 152, 153, 155, 157.
41 Conferenza ai Cooperatori a Roma, BS 8 (1884) n. 6, giugno, p. 88-91.
42 Documenti XXII 101, FdB 1069 E9.

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552 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
ao padre Dalmazzo.43 A partir de 1883 o cenário mudava em favor de Dom Bosco. Ao
rígido custo da lei canônica que era o prefeito da Congregação dos Bispos e Religiosos,
cardeal Ferrieri tinha colocado ao seu lado, de março de 1882 a novembro de 1884,
o secretário dom Ignazio Masotti (1817-1888, cardeal em novembro de 1884); mas,
sobretudo, como sabemos, no consistório de 9 de agosto de 1883 foi proposto para
a cátedra arquiepiscopal de Turim cardeal Gaetano Alimonda, enquanto permanecia
como protetor da Sociedade Salesiana o benévolo cardeal Lorenzo Nina.
Dom Bosco colocava-se imediatamente em ação. Após ordenar as motivações que o
induziam a renovar o pedido dos privilégios, ele enviava cópia das mesmas ao cardeal
protetor e ao arcebispo. Encorajado por eles, em 20 de janeiro entregava a súplica ao
santo padre, acrescentando o relatório enviado aos dois cardeais e colocando no início
um breve esclarecimento em língua latina. Pedia a comunicação dos privilégios conce-
didos aos Oblatos de Maria Virgem, fundados por Pio Brunone Lanteri.44 O arcebispo
apoiava o pedido com carta de recomendação, de 29 de fevereiro. Como personagem
experiente da Cúria romana ele era abundante em louvores da Congregação Salesiana
pela “exemplaridade da disciplina”, “o grande bem” que operava e a rápida extensão
das “residências”. Terminava com uma consideração geral e uma referência elogiosa:
“Em nossa cidade e diocese se verifica a desoladora dispersão dos religiosos de outras
ordens”, por isso “importa grandemente que a benevolência da Santa Sé acrescente
prosperidade e firmeza a uma Congregação que repara de forma providente tantas
perdas e tem a vantagem de fugir aos golpes da lei civil”.45 Além do arcebispo também
agia com energia cardeal Nina, o qual, cônscio das “dificuldades extrínsecas” até
então colocadas à concessão, assegurava a Alimonda que faria séria proposta ao papa.
Acrescentava, com singular determinação: “Não vou querer ficar calado diante de Sua
Santidade. Caso ele persista na recusa, eu me verei obrigado a aceitar a minha demissão
de protetor da benemérita Congregação, para não parecer que sou de alguma forma
conivente ou indiferente a um repúdio que não tem outro motivo senão o arbítrio”.46
Para Dom Bosco a obtenção dos privilégios e da faculdade das dimissórias era o resul-
tado mais ambicionado ao qual visava, embora lhe estivesse diante do coração também
os últimos retoques da Igreja Sagrado Coração, o início dos trabalhos para o internato
e a organização da última grande rifa.47
Nos mesmos dias eram redigidos pelo secretário, padre Lemoyne, os textos rela-
tivos às duas conhecidas cartas de Roma, datadas de 10 de maio de 1884, sobre o
“antigo” e o “novo Oratório”, sobre o amor demonstrado, sobre a piedade sacramental
43 Cf. Cartas de 1 e de 14 de dezembro de 1881, Documenti XXVII 56-57, FdB 1095 C2-3.
44 Cf. MB XVII 125-127 e 710-711 (a súplica ao papa, as motivações e respostas às repetidas
objeções), 711-712 (o relatório).
45 MB XVII 713.
46 Carta do cardeal Nina ao cardeal Alimonda, 7 de março de 1884; MB XVII 129.
47 Cf. cap. 30, § 2.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 553
e a devoção mariana que garantiam a constância do estilo educativo originário. Dom
Bosco, que certamente tinha inspirado os conteúdos, assinava e enviava a Valdocco a
que era destinada aos jovens.48
O caminho para os privilégios aparece dificultoso de início. No primeiro momento
dava-se a resposta de que não era mais praticável a concessão per communicationem
cumulativa dos privilégios já concedidos a outro instituto religioso. Restava a possibili-
dade de apresentar uma lista detalhada de privilégios concedidos a outras congregações.
As dificuldades eram de ordem técnica. Por meio do procurador padre Dalmazzo, agora
protagonista dos trabalhos, auxiliado pelo advogado junto da Cúria, padre Costantino
Leonori, Dom Bosco introduzia, em 1º de abril, o pedido de “alguns privilégios e graças
espirituais”, concedidos aos passionistas, aos redentoristas e aos Padres da Missão49.
O pedido, segundo a resposta da Congregação dos Bispos e Religiosos de 2 de maio,
estava incompleto. Cada privilégio devia ser “acompanhado por documentos autên-
ticos” com os quais fora concedido e a quem. De Roma, em 3 de maio, Dom Bosco
comunicava o escolho ao cardeal Alimonda, por meio de carta acalorada e pessimista
a respeito do resultado final: “Isso significa que devo, por agora, pôr meu coração em
paz e não falar mais de tal pedido”.50 O cardeal respondia imediatamente de modo enco-
rajador: “Após os combates chegará o dia da vitória”.51 Entrementes, na audiência de
9 de maio, Leão XIII renovava a Dom Bosco a faculdade das dimissórias, concedida ad
decennium por Pio IX em 4 de abril de 1874. Em 12 de maio, padre Lemoyne escrevia
triunfante ao padre Rua: “Dom Bosco está sempre bastante bem. O papa concedeu-lhe
tudo (...). No entanto, até que não tenha saído o decreto formal, o papa concedeu que
Dom Bosco continuasse a dar as dimissórias”.52
O suplicante partia de Roma em 14 de maio, enquanto a situação se encaminhava
para melhor, também por causa do apoio amigo de dom Ignazio Masotti, muito apre-
ciado pelo papa, que em 10 de novembro o fazia cardeal. Escrevendo ao cardeal Nina
para que intercedesse em favor de condecorações prometidas a benfeitores e de subsí-
dios pecuniários, Dom Bosco o informava de ter escrito na mesma data a dom Masotti
“para ultimar a negociação de nossos privilégios”53. Não sabemos se a questão já
tinha sido resolvida quando, sobre os trabalhos, enviava a Roma ainda duas cartas.
A primeira era endereçada em 15 de junho, ao padre Dalmazzo, com certa inquietude:
“Tu me escreves uma bela carta, mas não respondes à minha, dirigida a dom Masotti
sobre nossos privilégios”.54 No dia seguinte, “tendo poderado pacatamente a coisa, sob
48 Cf. P. Braido (ed.), Don Bosco educatore, p. 344-390.
49 Cf. texto da súplica com o elenco dos privilégios pedidos, entre os quais a faculdade das
dimissões, em MB XVII 714-719.
50Ao cardeal Alimonda, 3 de maio de 1884; E IV 259.
51 Cf. MB XVII 135.
52 Carta de 12 de maio de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, p. 157.
53 Ao cardeal Nina, 8 de junho de 1884; E IV 272-273.
54 E IV 274.

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554 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
conselho de pessoa prudente e com autoridade”, enviava uma súplica ao papa, na qual
pedia de novo a comunicação dos privilégios concedidos aos oblatos.55 Era uma forma
de comunicação impraticável, pois os mesmos oblatos tinham obtido os privilégios per
communicationem dos que tinham recebido os redentoristas. Era, ao invés, praticável
sua comunicação direta e isso foi concedido: à Sociedade Salesiana eram concedidos
per communicationem os privilégios da Congregação do Santíssimo Redentor. Em 13
de junho, na audiência de rito, o papa dava ao secretário da Congregação dos Bispos e
Regulares, dom Masotti, via livre ao relativo decreto, que a Congregação escrevia em
28 de junho.
Em Valdocco, por alguns mais sensíveis – Lemoyne, Bonetti e Berto –, o aconteci-
mento, conhecido ao entardecer de 9 de julho, foi interpretado de modo “sobrenatural”.
Foram considerados “sinal” mais que natural os quatro raios que estouraram sobre o
Oratório “na plena serenidade”, “acompanhados de tal fragor de tom que o Oratório
inteiro foi abalado como se devesse cair”.56
O texto do decreto, ao invés, parece aos beneficiários árido, privado de qualquer
elogio, mesmo de praxe, da Congregação. Dom Bosco o advertia, quase sem forças
pelo longo caminho, e se limitava, no momento, a um apressado agradecimento, trans-
mitido, de modo confuso no meio de outras coisas, em carta ao procurador padre
Dalmazzo: “Recebi também o decreto sobre nossos privilégios. Faltam as franjas, mas
a substância está toda, e se vês dom Masotti, transmita-lhe humildes agradecimentos de
minha parte e de toda a nossa Congregação”.57 No decreto dizia-se muito simplesmente
que Sua Santidade Leão XIII, querendo gratificar Dom Bosco, fundador e superior da
Sociedade Salesiana, e os membros da mesma com especiais favores e graças, tinha se
“dignado benignamente comunicar, estender e dar em perpétuo aos mesmos sócios e
às suas igrejas, capelas e casas, todos e cada um dos indultos, privilégios, isenções e
faculdades concedidas à Congregação do Santíssimo Redentor, com todas as cláusulas
e decretos necessários e oportunos”.58
55O texto encontra-se em MB XVII 719-720.
56 Cf. C. Viglietti, Cronaca di D. Bosco. Dal 20 maggio 1884 al 31 dicembre 1884, p. 9-14, 9
luglio; MB XVII 140-142 posteriormente dilatam e dramatizam esses fatos.
57 Carta de 10 de julho 1884; E IV 275.
58 Cf. De Privilegiis Congregationis SS. Redemptoris directe concessis e Decretum pro
Congregatione Salesiana circa Communicationem Privilegiorum cum Congregatione SS.
Redemptoris, in Elenchus privilegiorum seu facultatum et gratiarum spiritualium quibus
potitur Societas S. Francisci Salesii ex S. Sedis Apostolicae concessionibus directe et
Congregationis SS. Redemporis communicatione in usum prebyterorum eiusdem Societatis.
S. Benigi in Salassis, ex Officina salesiana MDCCCLXXXVIII, p. 11-16.
Sobre a permanente validez dos privilégios – compreendida a “isenção” –, conseguidos por
“comunicação” em 1884, em relação a diferentes disposições no Código de Direito Canônico
de 1917, cf. os Praeliminaria do Excerptum ex compendio authentico praecipuorum
privilegiorum nostrae societatis. Ad usum superiorum domorum. Turim, 1949, p. 15-24.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 555
Naturalmente mais caloroso e empenhado era o agradecimento expresso por Dom
Bosco ao cardel protetor Lorenzo Nina, em 10 de agosto, e a Leão XIII, no dia 17,
aproveitando a ocasião dos respectivos onomásticos. Uma e outra carta foram escritas
da casa de montanha do bispo de Pinerolo, onde Dom Bosco se encontrava para um
período de repouso. A ambos ele alegava um Álbum no qual eram “descritas as casas
da Congregação tanto na Europa quanto na América”. Agradecendo o cardeal pelos
“tantos benefícios” concedidos durante o ano, sublinhava: “O maior favor foi certa-
mente a comunicação dos privilégios dos redentoristas. Essa concessão colocou nossa
humilde Congregação em um estado normal e deixou meu coração tranqüilo para poder
cantar o Nunc dimittis”. Com efeito, a concessão “terminou com as longas incumbên-
cias de nossa Congregação definitivamente aprovada, dando-lhe possibilidade de se
sustentar nas várias dioceses e ainda mais especialmente nas missões estrangeiras”.59
Bastante mais genérica foi a carta ao pontífice. “No dia de tamanho fausto” de São
Joaquim os salesianos sentiam “o grave dever de externar neste ano profunda gratidão”
para com seu insigne benfeitor, prometiam desenvolver sua obra em total união de
mente e de coração com a Igreja, enquanto reuniam em precioso elenco as casas e
residências nas quais trabalhavam para os jovens e adultos. Resumia também, em parte,
algumas das coisas ditas na audiência de 9 de maio, com uma reconstrução um tanto
anômala: a Congregação não tinha “um relevante favor”, isto é, “um forte vínculo com
a Santa Sé”. O ato, realizava-o o papa “em 9 de maio último passado, concedendo a
comunicação dos privilégios com os redentoristas”. “Ora – continuava – não resta outra
coisa que nós, vossos salesianos, nos unamos todos em um só coração, em uma só alma
para trabalhar para o bem da Santa Igreja”. Embora sendo ainda “pusillus grex”, os
salesianos se colocam à total disposição de Sua Santidade, para que deles se servisse
em tudo o que julgasse “redundar para a maior glória de Deus na Europa, na América
e sobretudo na Patagônia”.60
3. Designação e nomeação do vigário sucessor
A presença do padre Rua ao lado de Dom Bosco – além da presença dos outros
membros do Capítulo Superior – jamais fora de pura representação ou em nível de
missões somente executivas. Mas também jamais fora de suplência canonicamente
vicária. Mas, entre 1883 e 1884, esta última podia ser sentida sempre mais oportuna,
até mesmo necessária. De qualquer modo, embora a nomeação como vigário por parte
da Santa Sé tenha sido efetuada no final de 1884 e comunicada a Dom Bosco um
ano depois, na prática várias tarefas ligadas a esse cargo já eram realizadas com certa
fre­qüência após as excepcionais fadigas de 1883.
59 Carta de Pinerolo, São Lourenço, [10 de agosto de] 1884; E IV 285.
60 Carta datada de Turim, 17 de agosto de 1884; E IV 288-289.

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556 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
3.1 Prelúdios
Da gradual sucessão do padre Rua havia sinais bem precisos também por parte de
Dom Bosco. No final de janeiro de 1884 ele realizava um gesto novo em relação às situa-
ções precedentes. A ata da reunião do Capítulo Superior de 28 de janeiro registra: “Dom
Bosco anuncia que em 1º de março partirá para a França. Estabelece que, enquanto
estiver ausente, o Capítulo se reúna ao menos uma vez por mês. Dá ao padre Rua os
plenos poderes para presidi-lo. Recomenda aos membros que continuem a querer-se
bem uns aos outros. Para fazer melhor as coisas que se fazem exige-se a caridade”.61
Em uma das primeiras cartas ao padre Rua do ano de 84, de Roma, padre Lemoyne,
entre uma série de comissões por parte do superior, transmitia lapidarmente: “4. Dom
Bosco diz: – padre Rua esteja na direção do carro, Dom Cagliero seja o encarregado
geral dos serviços externos”.62 Dom Bosco parecia definir suas relações de chefe de
Estado com o primeiro ministro e com o ministro do exterior.
As tarefas vicárias do prefeito geral eram correspondentes às condições de saúde
do superior. Partindo de Roma na quarta-feira, 14 de maio, após uma viagem diurna e
noturna assinalada por vários contratempos, chegava a Florença muito cansado. Não
obstante tal, Lemoyne escrevia ao padre Rua: “Dom Bosco está proporcionalmente
bastante bem, e por sorte, neste dia, teve mais apetite do que de costume. Comeu meia
fatia de pão a mais que de costume!!!”.63 Em 17 de maio estava de volta ao Oratório. Em
20 de maio o estudante de teologia Carlo Viglietti tornava-se o acompanhador estável
do superior e sua crônica, filial e admirada, tornava-se, até 31 de janeiro de 1888,
precioso jornal de informação da caminhada biográfica do pai. Em 1º de junho de 1884
Viglietti registrava preciosas anotações sobre os cuidados que o médico tinha sugerido
para a salvaguarda da saúde do seu paciente: “Dom Bosco, quase toda tarde, deve,
por ordem do médico, sair passeando a pé. Padre Lemoyne e eu o acompanhamos”.
Oferecia também algumas anotações sobre as práticas de religião, além da celebração
eucarística: “Leio com Dom Bosco a leitura espiritual e a meditação”.64 Dom Bosco,
contudo, não abandonava o campo. Participava ativamente, e com decisões peremptó-
rias, dos trabalhos do Capítulo Superior, que, nas sessões de 5 e 30 de junho e depois
de 4 e 7 de julho65, tratava do “bom andamento” do Oratório e das providências, como
insistia na primeira sessão, para “assegurar a moralidade entre os jovens e para cultivar
as vocações”: “1) regulando a aceitação dos jovens; 2) purificando a casa; 3) dividindo,
distribuindo e regularizando ofícios, jovens, pátios etc.”, e intensificando a vigilância; e
61 Capitolo Superiore, fol. 8v, FdB 1880 C4.
62 Carta de 19 de abril de 1884, in P. Braido; R. Arenal Llata, p. 143; cf. p. 116.
63 Carta de Florença, 15 de maio de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, p. 159.
64 C. Viglietti, Cronaca di D. Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 5.
65 Cf. P. Braido, “La lettera di Don Bosco da Roma del 10 maggio 1884”, RSS 3(1984), p.
353-374; J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 273-307.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 557
reduzir o contato dos jovens com ambientes diferentes de seu mundo protegido (paró-
quias, oratórios, casas religiosas femininas, hospitais) e redimensionar os programas de
estudo com a exclusão do grego e da matemática nas últimas classes, de forma a tornar
sem ação o exame de licença ginasial.66
Na festa de 24 de junho, no almoço, com presença dos condes Colle, era entregue
ao conde a Comenda de São Gregório Magno. Na parte da tarde, chegaram para a
academia ao ar livre cardeal Alimonda, que comparava Dom Bosco a João Batista: este
pregava nas margens do Jordão, Dom Bosco entre o Pó e o Dora.67
Na sessão capitular de 4 de julho, para a “reforma da casa do Oratório”, Dom Bosco
repisava com força a unidade de direção, o “princípio da autoridade”, conceito depois
retomado na reunião do dia 7. Nesta fazia um destaque importante sobre as funções espe-
ciais do padre Rua ao seu lado: “Padre Rua – reconhecia – é massacrado pelo trabalho,
pelo material, pelos pagamentos, pelas discussões”, e “Dom Bosco, pois, no ponto de
cansaço físico e mental em que se encontra, não pode mais ir adiante”. E concluía: “Há
necessidade de que padre Rua esteja ao seu lado para substituí-lo em tantas coisas, que
o ajude naquilo que ele tenta desincumbir-se sozinho. Portanto, que padre Rua não
tenha mais ocupações diretas na casa e, quanto à Sociedade Salesiana, dar a outros as
tantas ocupações das quais ele cuida, que seriam próprias de um ecônomo”.68
Após a última sessão do Capítulo, em 19 de julho, “pela primeira vez – regis-
trava o jovem secretário – Dom Bosco aceitou passar o verão fora de Turim por causa
do calor intenso. As férias se fazem aqui em Pinerolo, na Vila Durazzo, hóspede de
dom Chiesa, bispo diocesano. São companheiros de Dom Bosco padre Lemoyne e o
clérigo Viglietti”.69 Aí permaneceriam até 22 de agosto, com alguns dias de ausência de
Viglietti, “enviado a San Benigno para realizar um trabalho”.70
Antes, porém, de partir para as inusitadas férias, Dom Bosco tinha convidado os
ex-alunos do Oratório por ocasião do tradicional encontro anual – já se celebrava o
décimo quinto aniversário –, e em seguida, em 13 de julho, os leigos e, no dia 17,
os sacerdotes. Professor Germano participava, com comovidas reminiscências.
Particularmente tocante era a referência à saúde do venerado educador, que escutava
com atenção: “Recordo-me dos anos antigos, quando Dom Bosco estava na flor da
juventude; quando nós, meninos, nos comprimíamos a seu redor, ele que participava
de todas as nossas alegrias, de todas as nossas tristezas, ele que era nosso conforto,
nosso amor, nosso pai (...). Recordo-me, eu digo, dos tempos antigos, penso no tempo
presente: olho Dom Bosco, e o coração me aperta pela inefável ternura. Quanto mudou
daquele que nós conhecemos como meninos! Sua pessoa se encurva, seus cabelos
66 Capitolo Superiore, fol. 13r-14r, 18r-v, FdB 1880 D1-3, 11-12.
67 C. Viglietti, Cronaca di D. Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 6-7.
68 Capitolo Superiore, fol. 17r e 28r-v, FdB 1880 D9.
69 C. Viglietti, Cronaca di D. Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 14.
70 Padre Lemoyne ao padre Rua, julho de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, p. 161.

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558 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
tornam-se brancos e seu passo é lento e vacilante. O Senhor mantenha longe o dia em
que ele deverá receber o prêmio de tantas fadigas suportadas por nós. Que ele possa
permanecer em meio aos seus filhos, até que tenha celebrado as bodas de ouro sacerdo-
tais. Mas os anos passam inexoravelmente”.71
De Pinerolo apareciam notícias fragmentárias, intercaladas com as notícias epis-
tolares dadas pessoalmente por ele. “Cheguei neste momento à casa de montanha do
bispo de Pinerolo – comunicava ao conde Colle –; minha saúde estava prejudicada pelo
calor de Turim. Aqui o ambiente é fresco e me encontro muito confortável; está comigo
padre Lemoyne e o bispo me cumula de atenções (...). Neste momento o frio me impor-
tuna e devo levantar-me da escrivaninha para colocar o capote. Vê que mudança em tão
poucas horas. Mas estou em uma montanha”.72 “Dom Bosco – confirmava o secretário
principal – aproveita muito deste ar, tem apetite e tranqüilidade. Ele envia bênção espe-
cial ao padre Bonetti, de quem fala freqüentemente, manifestando seu vivo desprazer
pela doença que o aflige”.73 “Cada manhã – registrava o secretário geral – assisto Dom
Bosco na celebração da santa missa; de manhã e à tarde o acompanho no passeio por
estas amenas colinas. Dom Bosco está bem, está com forças e canta de bom grado ensi-
nando a mim e ao padre Lemoyne belas canções. Sem nenhum apoio ele se senta nos
prados, e depois continua a caminhada por duas horas”.74
Em 8 de agosto Dom Bosco intervinha, com uma carta, junto ao prefeito de Turim
para esclarecer um incidente ocorrido na casa de San Benigno, onde tinha se destacado
momentaneamente uma repartição da cavalaria. Fazia notar a inoportunidade de trans-
formar pórticos em cavalariça, em tempo de ameaça de cólera, com cheiros que adoe-
ciam, além do perigo de que se deturpasse um edifício considerado monumental.75
Em 22 de agosto ia para Valsalice para os exercícios espirituais dos salesianos.
“Preside os exercícios – anotava o secretário – e passa grande parte do dia confessando
os irmãos. Leio-lhe as cartas, a leitura espiritual e a meditação”.76
Mas, após alguns dias, devia entregar-se. “No mês de setembro – informa padre
Lemoyne – continuaram os santos exercícios espirituais aos salesianos, sucedendo-se
a centenas para assistir aos vários cursos. Pele primeira vez, neste ano, Dom Bosco
deixou de confessar os retirantes, passando esse trabalho ao padre Rua. As forças não
lhe eram mais suficientes”.77
Em 9 de setembro, de volta de uma visita a pé aos condes Boncompagni, que
passavam férias sobre a colina turinense, Dom Bosco tinha a perna esquerda doendo,
71 BS 8(1884) n. 8, agosto, p. 112.
72 Ao conde Colle, 20 de julho de 1884; E IV 506.
73 Padre Lemoyne ao padre Rua, julho de 1884, in: P. Braido; R. Arenal Llata, p. 160.
74 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 15.
75 E IV 284-285.
76 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 17.
77 Documenti XXVII 395, FdB 1100 C10.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 559
e durante a noite estava sempre mais inchada. O secretário aliviava as dores aplicando
pomada no local. No dia 14 doutor Giuseppe Fissore o consultava. Encontrou-o agra-
vado, e lhe prescrevia voltar ao Oratório e pôr-se no leito. Provavelmente eram distúr-
bios bronquiais e cardiocirculatórios. “A febre é contínua – anotava o secretário –, a
respiração dificultosa, o coração anormal”. A situação foi agravada pelas fricções sem
critério na perna, com uma pomada analgésica antiartrite, feitas com vivaz determi-
nação pelo padre Berto, surdo aos pedidos para que parasse, sussurrados pelo paciente.
O médico ordenava que padre Berto se afastasse do enfermo e, na mesma noite, era reti-
rado do quarto contíguo ao de Dom Bosco. Este foi ocupado imediatamente pelo padre
Rua, e padre Berto terminava definitivamente sua missão, agora formal, de secretário,
conservando o material e a responsabilidade do arquivo.78
As condições do enfermo pareciam tão sérias que, na sessão de antes do meio-dia de
19 de setembro, presidida pelo padre Rua, os membros do Capítulo Superior, por inicia-
tiva do presidente, abriam-na discutindo o local da sepultura na hipótese de possível
decesso do fundador. “Padre Rua – anotava quem fazia a ata – diz que, no estado da
doença de Dom Bosco, não se pode deixar de lado a reflexão sobre a dolorosa eventu-
alidade. Seria necessário pensar nos possíveis funerais e na forma”.79 A conversa não
foi muito adiante e seria retomada somente na manhã de 31 de janeiro de 1888. Padre
Cerruti, inspetor, presente no dia 19 na reunião do Capítulo Superior para a distribuição
do pessoal, do Oratório comunicava ao padre Luigi Rocca, seu vice-diretor no Colégio
de Alassio: “Dom Bosco está sempre de cama, com febre o dia inteiro. Teme-se que o
mal se torne crônico e sério. É preciso rezar e rezar muito. Nesta manhã celebrei a missa
em seu quarto e dei-lhe a comunhão. Está sempre sereno e sorridente como um anjo
(...). Nesta manhã se começou a falar sobre o que fazer em uma dolorosa eventualidade,
e te asseguro que me cortava o coração ouvir padre Rua ter que tratar minuciosamente
desse argumento. Esperamos e rezamos para que Nossa Senhora Auxiliadora obtenha,
desta vez, o milagre de sua conservação”.80
Passavam, porém, poucos dias, e na previsão de que o cólera pudesse penetrar em
Turim, em 24 de setembro já estava no escritório preparando uma carta ao prefeito,
senador Ernesto Balbo Bertone, conde de Sambuy. Relembrava o quanto tinha feito
durante o cólera de 1854 e se dizia “disposto a acolher no Oratório de São Francisco de
Sales todos os jovens dos 12 aos 16 anos que, por causa da epidemia, ficassem órfãos
dos pais e abandonados, e estivessem nas condições físicas exigidas pelo regulamento
do Instituto”.81 Por carta, no dia seguinte, o prefeito declarava que a autoridade muni-
cipal, em caso de necessidade, certamente se valeria da “generosa oferta”, e dirigia a
Dom Bosco, “também em nome da Junta” “palavras de merecido louvor e de merecido
reconhecimento” “por seu novo ato de filantropia”.82
78 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 18-21.
79 Capitolo Superiore, fol. 35r., FdB 1881 B9.
80 Carta de 19 de setembro de 1884; ASC F 381, orig. aut. 2 ff.
81 E IV 294-295.
82 Documenti XVIII 417, FdB 1101 D12.

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560 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
No dia 2 podia anunciar à senhora Luigia Dufour estar “fora do leito” e poder agra-
decer com “poucas linhas” sua caridade.83 No dia 3 ia a San Benigno e aí presidia
uma reunião do Capítulo Superior e no dia seguinte recebia a profissão dos votos dos
que tinham terminado o noviciado. Na reunião capitular tinha comunicado a decisão
de que, de janeiro de 1885, para a admissão aos votos seriam seguidas as normas
emanadas em 1848, com o decreto Regulari disciplinae, querido por Pio IX.84 No dia
seguinte, domingo 12, voltava a Turim. No mesmo dia assegurava a Louvet: “Minha
saúde procede lentamente, mas sempre um pouco melhor”.85 Escrevia também a seu
mais recente biógrafo francês, Albert Du Boÿs,86 para agradecer-lhe pelo “nobre, douto
e importante trabalho”. “Várias vezes ao lê-lo – confessava – cobriu-se-me a face de
confusão”. Considerava-o uma honra prestada à “humilde Congregação” Salesiana.
Sobre uma cópia da tradução italiana do livro ele introduzia suas correções, algumas
destinadas a redimensionar a própria imagem: por exemplo, o “santo padre” tornava-se
“pobre padre”.87
A piora das condições de saúde na segunda metade de setembro talvez induzia
Dom Bosco a uma viragem nos conteúdos do caderno das suas Memórias desde 1841.
Provavelmente deixadas de lado após 8 de fevereiro, as Memórias eram retomadas com
a composição ao menos das páginas de 23 a 42 do manuscrito. Aí se encontra uma série
de indicações sobre as coisas que o Capítulo Superior devia fazer e, em particular, pelo
“vigário em acordo com o prefeito”, após a morte de quem escrevia: informar por carta
a todos os salesianos da morte do reitor, e nela recomendar orações pelo defunto e pela
boa escolha do sucessor; após a sepultura distribuir uma carta, já redigida pelo fundador
e inserida nas mesmas Memórias, aos seus queridos e amados filhos em Jesus Cristo;
estabelecer o dia da eleição do novo superior. Seguiam instruções sobre vários pontos:
eleição do novo superior, coisas a serem feitas pelo novo Reitor Mor, uma lembrança
importante para o Capítulo Superior, outra lembrança ao reitor-mor, deveres do
diretor de cada casa, enfim avisos especiais para todos.88 Em seguida, relendo o que
tinha escrito sobre as coisas a serem feitas “pelo vigário em acordo com o prefeito” e
sobre as preces pela escolha do sucessor, Dom Bosco retificava com a seguinte nota:
“Leve-se em consideração que estas páginas foram escritas em setembro de 1884, antes
que o santo padre nomeasse um vigário com sucessão. Por isso modifique-se o que for
necessário”.89 A nomeação formal do padre Durando como prefeito geral aconteceu na
reunião capitular de 24 de setembro de 1885. Mas Dom Bosco já tinha pensado antes
de 28 de outubro de 1884, quanto falava aos membros do Capítulo Superior sobre a
83A Luigia Dufour, 2 de outubro de 1884; E IV 295.
84 Capitolo Superiore, fol. 42r-v, FdB 1881 C11-12.
85 Carta a Claire Louvet, 12 de outubro de 1884; E IV 464.
86 Cf. cap. 26, § 5.
87 Cf. P. Cavaglià, Don Bosco leitor della sua biografia, p. 193-206.
88 “Memorie dal 1841”, p. 97-102.
89 “Memorie dal 1841”, p. 97, n.1.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 561
distinção das duas figuras, do vigário e do prefeito geral, e tornava a essa distinção
na “Memória” que deveria enviar ao papa poucos dias depois. De resto, a hipótese de
um novo ajuste ao vértice do governo da Congregação, entre os quais a nomeação de
um vigário com plenos poderes, já lhe fora sugerida pelo papa na audiência de 9 de
maio.90
3.2 Nomeação do vigário e anúncio oficial ampliado
Não parece que alguma iniciativa para substituir ou suprir oficialmente Dom Bosco
no governo da Sociedade tenha partido do Capítulo Superior ou de algum de seus
membros, ou mesmo de outros salesianos. Em todo caso, foi em Roma que teve início
essa série de acontecimentos. Pode ser que Dom Bosco e padre Rua tivessem prefe-
rido uma solução mais flexível e funcional, com um vicariado de fato, mais que de
direito. Entre Dom Bosco e seus colaboradores, todos educados por ele, o intercâmbio
de idéias e de ações era tal que não se fazia necessária a sucessão ao fundador ainda
vivo, nem uma suplência canônica. Dom Bosco gozava de tal prestígio diante do vasto
público e de capacidade única de atrair confiança e beneficência, que o próprio padre
Rua podia se sentir intimidado com as soluções de vicariedade e de sucessão, diferen-
temente configuradas. De outro lado, era salesiano de tal forma maduro, experiente de
governo e próximo de Dom Bosco que não teria tido dificuldades em agir como vigário
de fato, sem uma formal investidura institucional. Permaneciam, todavia, problemas de
caráter jurídico que podiam induzir a dar a essa situação também uma regulação oficial,
condição de indiscutível validez e clareza dos atos de governo, tanto do reitor-mor
como de seu vigário.
Esse entrelaçar-se de situações explica suficientemente por que Dom Bosco, conven-
cido das propostas de Roma e tendo escolhido a que era menos indolor e traumática,
após tê-la aceitado e posto em prática no final de 1884, se tenha reservado para torná-la
oficial no interior do mesmo Capítulo, em 24 de setembro de 1885 e comunicá-la para
sua Congregação em 8 de dezembro. Parece, de outro lado, que ninguém no interior
da Congregação tenha exercitado qualquer pressão para apressar tal comunicação, uma
formalidade que deixava intacta a situação real.
A passagem para a nova configuração do vértice da Congregação – o fundador e
reitor-mor ladeado por um superior com plenos poderes vicários conferidos pelo papa
e com direito de sucessão – era prefigurada por Dom Bosco em dois momentos, nas
sessões do Capítulo Superior de 24 e 28 de outubro de 1884. Isso tinha sido colocado
em ação pelo próprio papa, certamente de acordo com o cardeal protetor, Lorenzo Nina.
Pela metade de outubro chegava em mãos do cardeal Alimonda uma carta, de 9 de
90 Capitolo Superiore, fol. 45v e 82v, FdB 1881 D6 e 1882 E8.

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562 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
outubro, de dom Domenico Jacobini, secretário da Congregação de Propaganda Fide,
próximo de Dom Bosco por mentalidade, interesses pastorais e amizade, e o iniciador,
mestre, guia e alma da ação do laicado católico em Roma, apóstolo dos universitá-
rios católicos romanos, assistente eclesiástico do Círculo São Pedro de 1868 a 1880,
fundador, em 1871, da Primeira Associação Católica Artística e Operária de Caridade
Recíproca”.91 Na carta comunicava que o papa desejaria que o cardeal falasse com
Dom Bosco “e – precisava – o convencesse a aceitar a idéia de designar a pessoa
que julgasse idônea para sucedê-lo, ou então a tomasse com o título de seu vigário
com direito à sucessão. O santo padre reservar-se-ia a agir de uma ou outra forma,
conforme julgasse ser mais prudente”.92 Das comunicações feitas por Dom Bosco aos
membros do Capítulo Superior nota-se que sua preferência era pela segunda hipótese.
“Dom Bosco – registrava o redator das Atas – desejaria que, após sua morte, os irmãos,
segundo a regra, exercessem sua autoridade na escolha de um superior. Contudo, após
a carta do papa, não saberia como decidir de outra forma”. Confessava, ao mesmo
tempo, que o papa lhe tinha expresso semelhante parecer na audiência de 9 de maio e
perguntava se o nome a ser comunicado ao pontífice devesse sair de uma consulta aos
salesianos. O Capítulo dizia um não: “Dom Bosco escolha seu vigário administrador
com direito de sucessão e, como o papa declarou, mande o nome do eleito ao papa,
o qual o aprovará”.93 Dom Bosco atinha-se a essa solução e, “nesse sentido – decla-
rava depois em 28 de outubro –, mandei escrever ao sumo pontífice, entregando-me
mais plenamente às suas decisões”. Além disso, informava ter escrito uma “memória
sobre outra carta e tê-la enviado”. Ele sintetizava seu conteúdo nos seguintes termos:
“Eu propus ao santo padre um vigário geral com direito de sucessão, deixando, porém,
tudo nas mãos de sua santidade. A esse vigário darei todos os poderes, mas entendo
que seja responsável, pois, repito, que essa responsabilidade até então não existia.
Esse vigário escolha outro prefeito. Então eu me retirarei. Observarei, falarei com meu
vigário e ele falará e mandará aos outros irmãos ex officio”. Já antes tinha explicado
por que tivesse excluído a primeira hipótese, que previa a retirada total e a nomeação
do sucessor. “Se eu – tinha dito – estou ainda no posto diante do mundo, se não me
engano, poderei fazer ainda algum bem à Congregação. Se continuo reitor-mor, ainda
que somente de nome, isso basta diante da França, da Espanha etc.”.94
Conforme a rápida correspondência entre o Capítulo Superior e a Santa Sé após
a morte de Dom Bosco, visando superar as hesitações do padre Rua sobre a legiti-
91 Cf. M. Casella, “Il cardinale Domenico Maria Jacobini (1837-1900)”, Rassegna Storica del
Risorgimento 58(1971), p. 557-617. Foram presidentes da Primeira Associação Católica o
marquês Girolamo Cavalletti e, depois de 1876, conde Francesco Vespignani.
92 Lettere circolari di don Michele Rua ai salesiani, Turim, Tip. S.A.I.D. Buona Stampa, 1910, p. 7.
93 Capitolo Superiore, 24 de outubro de 1884, fol. 44r, FdB 1881 D3.
94 Capitolo Superiore, 24 de outubro de 1884, fol. 44r-v, FdB 1881 D5-6. A “Memória” da qual
fala Dom Bosco não foi até o momento encontrada.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 563
midade de uma sucessão automática, o cardeal Lucido M. Parocchi, cardeal protetor
desde 17 de abril de 1886, entendia como decisão sob a autoridade do pontífice o que
tinha acontecido na audiência concedida ao cardeal Nina em 27 de novembro de 1884.
Era o que este tinha comunicado ao cardeal Alimonda na carta de 30 de novembro.
Em tal audiência – tinha escrito – “dirigi-me com a obrigação de apresentar ao santo
padre a carta de Dom Bosco junto com a de Vossa Eminência. Sua Santifidade ficou
muito satisfeito e tranqüilo ao conhecer como o futuro do Instituto Salesiano estaria
muito bem seguro com a entrega da condução ao padre Rua, quando viesse a faltar
o egrégio Dom Bosco (...). Digne-se, portanto, V. Emcia. manter informado sobre o
acima estabelecido ao digno Dom Bosco quando se apresentar a ocasião”.95 O sentido
de resolução do problema, feito com autoridade, foi entendido em termos precisos
por Alimonda, que respondia em 6 de dezembro ao cardeal Nina: “Antes de tudo
devo agradecer por sua venerada última carta, na qual teve a bondade de contar-me
como o santo padre aceitou a nomeação do ótimo padre Rua como vigário Geral do
Revmo. Dom Bosco, com direito a suceder-lhe no governo da Congregação Salesiana.
Da bela notícia, e muito mais da bênção apostólica comunicada por V. Em., Dom Bosco
e seus religiosos se alegraram grandemente e professam reconhecimento a seu amado
protetor”.96 A carta do cardeal Nina ao cardeal Alimonda, com efeito, era o documento
oficial da decisão formal, expressa pelo papa na audiência concedida ao cardeal Nina,
em 27 de novembro, e por este ritualmente comunicada ao cardeal Alimonda e, por
intermédio do arcebispo de Turim, a Dom Bosco. Era o que confirmava o cardeal
Parocchi, respondendo à pergunta feita pelos membros do Capítulo Superior, após a
morte de Dom Bosco.97 “Na audiência de Sua Santidade, de 11 de fevereiro de 1888.
‘S. S. o Senhor Nosso Leão XIII, tendo ouvido a relação do subscrito cardeal protetor
dos salesianos, confirmou o decreto emanado em 27 de novembro de 1884, sendo relator
o Emo Nina, então protetor da dita Congregação, com cujo decreto Sua Santidade tinha
provido a nomeação e a sucessão do reitor-mor da mesma Sociedade (no lugar do
muito benemérito fundador, que Sua Santidade gostaria que se mantivesse longamente
em boa saúde) na pessoa do reverendíssimo padre Michele Rua, sacerdote professo
da Congregação Salesiana. Sua Santidade quis, de outro lado, que o predito sacerdote
Michele Rua, pelas normas das Constituições da Congregação Salesiana, tenha o nome
95 Lettere circolari di don Michele Rua p. 9.
96 Lettere circolari di don Michele Rua, p. 9-11.
97 Na pergunta vemos o perfil do padre Rua, que pode ser considerado o melhor de quantos
tenham sido formulados: “Ainda que se chegasse ao ato de uma eleição segundo a Regra,
contudo é sentimento comum que padre Rua seria eleito com todos os votos, e isso em
respeito a Dom Bosco, que o teve sempre como seu primeiro confidente e braço direito, e
também pela estima que todos têm por suas exímias virtudes, pela particular habilidade no
governo do Instituto, por sua singular destreza em solucionar as questões, das quais já deu
provas luminosas, sob a direção de nosso inesquecível e caríssimo fundador e pai” (Lettere
circolari di don Michele Rua, p. 11-12).

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564 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
e o ofício de reitor-mor por doze anos, contados a partir da data hodierna, e que esse
nome e ofício seja considerado único, de forma a não ser mais tomado por exemplo.
Enfim, Sua Santidade ordena que, da sucessiva confirmação e renovação do decreto,
fossem informados seja a Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares, seja o eleito
com os seniores da Sociedade Salesiana. L. M. Parocchi, protetor da Congregação
Salesiana’”.98
Além de Dom Bosco, portanto, também padre Rua e os capitulares deveriam estar
informados da decisão do papa em forma de rescrito, termo usado pelo mesmo Dom
Bosco na sessão capitular de 28 de outubro. Isto se deduz, seja do texto do rescrito de
Leão XIII, de 11 de fevereiro de 1888, confiado ao cardeal Parocchi, seja pela carta, de
6 de dezembro de 1884, do cardeal Alimonda ao cardeal Nina.
De qualquer modo, antes da mudança, Dom Bosco não tinha deixado de manifestar
dados de forte vitalidade. Ele tinha enviado vibrante carta, em 25 de outubro de 1884,
ao Comitê Executivo da Exposição Geral Italiana de Turim para o Departamento de
Jurados de Revisão. Considerava inadequada a presença original das seções profissio-
nais do Oratório referentes às atividades gráficas e editoriais na Galeria do Trabalho
– “a engenhosa obra com a qual, da impressão do papel, ao tipo, à impressão e à
encadernação se obtém o livro” – a simples medalha de prata à Tipografia e o atestado
de benemerência de primeiro grau a ele.99 Pedia que se chegasse a “um veredito mais
conforme ao mérito”. Caso contrário, declarava que renunciaria “a qualquer prêmio ou
atestado” e pedia que não mais se fizesse “nenhum aceno nos jornais, nem ao veredito,
nem ao próprio prêmio e atestado”.100
Alguns dias depois ele recebia, com grande cordialidade, uma carta do presidente do
Círculo Católico de Prato, o qual, elogiando a ação social do educador turinense, tinha
pedido uma bênção especial para si e para os sócios. Dom Bosco aproveitava a ocasião
para explicitar, uma vez mais, o programa de toda a sua vida. Exprimia a própria satis-
fação “pela notícia – escrevia – que me dá sobre a implantação do Círculo Católico para
os operários, cujo bem-estar moral e material foi sempre a razão de meus pensamentos
e afetos. Agradeço, portanto, a S. V. e todos os componentes do Círculo por ter querido
consagrar um dos primeiros pensamentos à minha pobre pessoa”. “Eu confio – pros-
seguia mais adiante – que este Círculo Católico se alargará sempre mais e recolherá
em seu centro muitos outros operários para o bem, salvando-os assim das insídias do
inimigo da religião e da sociedade civil, os quais, com o pretexto de melhorar sua sorte,
98 Lettere circolari di don Michele Rua, p. 14-15.
99 Cf. Esposizione Generale Italiana in Torino 1884. Premi conferiti agli espositori secondo
le deliberazioni della Giuria. Turim, Paravia, 1884, p. 301 e 485. Murialdo saía melhor
gratificado: o Colégio dos Aprendizes fora premiado com a medalha de ouro por apreciáveis
trabalhos e a colônia agrícola de Bruere, perto de Rivoli, com a medalha de prata (L’unità
cattolica, n. 270, domingo, 16 de novembro de 1884, p. 1079, “Gli artigianelli di Torino”).
100 E IV 299-301.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 565
tornam-na ao invés pior, tirando-lhes a paz da consciência e a esperança dos bens impe-
recíveis no além-tumba”. Ele notava, enfim, que, entre os títulos que lhe davam, existia
também o de “pai” e declarava: “eu renuncio a todos, excetuado este último, e como seu
pai ficarei muito feliz se puder ser-lhes útil em alguma coisa, como a meus filhos”.101
De outro lado, sem impedir-lhe algumas costumeiras atividades dentro do Oratório,
a saúde continuava precária. “O querido Dom Bosco, não podendo mais continuar a
carta – escrevia padre Rua terminando uma carta do fundador – deixa-me a ordem de
terminá-la; infelizmente a vista não é boa, pois a saúde piorou (...). Contudo, as pernas
e a respiração são sempre muito fatigantes”.102 “Padre Giovanni Bosco – narrava o
Boletim Salesiano de novembro – agradece cordialmente os senhores cooperadores e as
senhoras cooperadoras pelas orações públicas e privadas que, em sua caridade, fazem
por sua cura”.103 Ao mesmo tempo, o cronista informava que Dom Bosco, “tendo melho-
rado bastante da saúde”, tinha se colocado à disposição para a confissão dos alunos das
duas últimas classes do ginásio, além do sábado, também às quartas-feiras.104 Em 13
de dezembro, fazia a tradicional conferência da Imaculada aos salesianos, insistindo
no tema: “Amai-vos uns aos outros; ajudai-vos uns aos outros caridosamente”;105 e, em
31 de dezembro, fechava o ano com a última estréia, mas não quis “como de costume,
fazer-se de profeta”.106 Não faltaram então relações sobre íncubos e sonhos, mas em
círculos restritos de ouvintes.
4. Espiritualidade educativa dos salesianos, religiosos e cooperadores
As inquietações sobre o futuro de sua criação predileta em favor dos jovens, a
Sociedade Salesiana, incluindo o Instituto FMA, nos últimos anos faziam crescer em
Dom Bosco a ânsia de infundir e difundir em seus religiosos e religiosas, assim como em
seus diversificados cooperadores, o próprio espírito, o “espírito salesiano”. Tratava-se
de um termo de rico significado: indicava, certamente, o espírito de São Francisco de
Sales, convertido, com substanciais novas notas, no espírito próprio dos salesianos, isto
é, de São Francisco de Sales modificado e plasmado de novo pelo campo peculiar de
aplicação da ação salesiana, no seguimento do modelo oferecido pela biografia, pela
ação e pelo magistério do fundador, com referências bem precisas: os jovens pobres e
abandonados, a escolha assistencial e educativa, o peculiar modo preventivo de agir.
Dom Bosco tinha formulado as mediações de forma refletida nas citadas Memórias do
101 Carta de 31 de outubro de 1884; E IV 302-303.
102A C. Louvet, 6/7 novembro de 1884; E IV 464-465.
103 BS 8(1884) n. 11, novembro, p. 153.
104 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 27.
105 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 36-37.
106 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 20 maggio 1884, p. 39.

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566 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Oratório de São Francisco de Sales, redigidas nos anos de sua plena maturidade etária
e espiritual.107
Mesmo que geralmente a referência primária seja ao método, às modalidades da
ação, reconduzíveis a precisos parentescos como razão-religião-amorevolezza, antes
amor ou mais que temor, alegria-estudo/trabalho-piedade, era absoluta a prioridade do
fim, a glória de Deus-salvação das almas. “Dirás a nossos jovens queridos e aos irmãos
– escrevia ao diretor da seção dos estudantes da comunidade do Oratório – que trabalho
por eles, e até o último respiro será por eles, e que eles rezem por mim, sejam bons e
fujam do pecado, a fim de que todos possamos salvar-nos eternamente. Todos. Que
Dieu nous bénisse et que la Sainte Vierge nous protège”.108
4.1 Os religiosos salesianos
O motivo preventivo, sobretudo na perspectiva educativa e, mais que isso, esco-
lar-colegial, mas aberto a todas as possibilidades, retorna em vários contextos: nos
Capítulos Gerais, nas reuniões do Capítulo Superior, ao surgir problemas particulares,
nos encontros com os cooperadores e os ex-alunos.
Na longa reunião pela manhã dos membros do Capítulo Superior, em 12 de setembro
de 1884, o debate se desenvolvia sobre o emblema salesiano, cujo esboço tinha sido
apresentado pelo padre Sala. Discutia-se em particular sobre o mote. O proposto
parecia muito genérico e comum a outras congregações: Sinite parvulos venire ad
me. Dom Bosco propunha: Da mihi animas, caetera tolle, adotado desde os primeiros
tempos do Oratório.109 Na reunião na tarde do mesmo dia ele integrava a idéia da fina-
lidade com a referência precisa ao fato da prevenção como sistema: “Recomendo outra
coisa: estudo e esforço para introduzir e praticar o sistema preventivo em nossas casas.
Os diretores façam conferências sobre esse importantíssimo ponto. As vantagens são
incalculáveis para a salvação das almas e a glória de Deus”.110 Continuando a discussão,
ele introduzia o tema da prevenção no setor das leituras, com sua já conhecida posição
inflexivelmente protetora. Ele recomendava se “procurar afastar de nossos alunos qual-
quer livro proibido, mesmo quando fosse prescrito pelas escolas. Muito menos que
sejam expostos à venda. Quando Dom Bosco escrevia a história da Itália, tinha feito
um pouco de biografia de Alfieri e tinha citado algum trecho de autores proibidos.
Mas o famoso professor Amedeo Peyron corrigiu-o dizendo: Jamais nomeie autores
proibidos, porque, se os nomeia, suscita nos jovens a vontade de lê-los. Deixe-os no
esquecimento. Assim nós devemos fazer: não nomear, não introduzir e não citar autores
107 MO (1991) 132-133; cf. cap. 6, § 5.2.
108 Ao padre Francesia, Marselha, no dia 12 de abril de 1885; E IV 323.
109 Capitolo Superiore, fol. 31v, FdB 1881 B2.
110 Capitolo Superiore, fol. 33v, FdB 1881 B6.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 567
proibidos ou que tenham sentenças anticatólicas. Far-se-á uma exceção, mas somente
para aqueles que devem ser apresentados nos exames públicos. Mas também nestes
casos se faça uso de autores purgados. Mas os autores proibidos, mesmo purgados, não
sejam colocados nas mãos dos jovens que estão em outras classes inferiores. É propor-
lhes uma fatal curiosidade de verificar as correções. Assim também, não se tenha pressa
de falar deles. Os diretores e professores, se tivessem por acaso que ter alguns desses
livros, que os tenham sob os olhos. Eu não pensava que houvesse tanta vontade de ler
livros proibidos como existe agora. Como também a mania de perder o tempo e arruinar
a alma com romances. Leia-se e se dê a ler preferivelmente a vida de nossos alunos.
Como também todos os outros livros das Leituras Católicas e os livros da Biblioteca da
Juventude, o César, o Mattei [ = Maffei] etc. Temos pouca consideração pelas nossas
coisas. Temos até medo de colocar nossos livros no catálogo dos livros de prêmio a
serem dados em nossos colégios. A alguns parece uma humilhação dar livros religiosos
aos da 4ª e 5ª ginasial”.111
Não era excursus passageiro, mas idéia enraizada em persuasões originais e em expe-
riências de decênios. Dom Bosco a aprofundava na circular sobre “livros que se devem
retirar das mãos de nossos jovens e dos que se devem usar para as leituras individuais
ou para leituras feitas em comum”. Padre Lemoyne tinha-a redigido sobre um traçado
que o superior lhe indicara, mas fez a revisão do texto. Datada de 1º de novembro de
1884, foi enviada para todos os colégios. Prescrevia-se no início do ano escolar uma
inspeção aos baús e aos pacotes que os alunos traziam para a escola, obrigando-os a
compilar “uma lista conscienciosa de cada livro seu e de apresentá-la ao superior”.
Durante o ano não devia faltar a vigilância por parte de todos para impedir a introdução
na casa de livros e jornais maus. Deviam ser eliminados os dicionários “não purgados”.
Sobretudo, devia ser utilizada uma obra de persuasão amorosa nos jovens “do púlpito, à
noite, nas aulas”. Era necessário, também, “vigiar certos outros livros, os quais, bons ou
indiferentes em si, podem se constituir perigo, porque não convenientes para a idade, o
lugar, os estudos, às inclinações, às paixões nascentes, à vocação. Estes também devem
ser eliminados”. As mesmas regras valiam para as leituras em público, “nos refeitó-
rios, nos dormitórios e na sala de estudo”, com exclusão, antes de tudo, de “romances
de qualquer gênero” não saídos da tipografia do Oratório. O austero Lemoyne sabia
interpretar perfeitamente o pensamento de Dom Bosco. No refeitório, se assumia uma
literatura toda salesiana: as histórias escritas por Dom Bosco, o Boletim Salesiano, as
Letture Cattoliche, nos dormitórios, as biografias dos “jovens” de Comollo a Besucco,
os livrinhos religiosos das Letture Cattoliche, as vidas dos santos112. A esta circular se
liga uma outra que Lemoyne compôs e enviou às casas salesianas, com a assinatura
autógrafa de Dom Bosco, em 19 de março de 1885. Para garantir leituras sadias, dentro
e fora do recinto dos colégios, era preciso intensa obra de difusão dos bons livros, “para
111 Capitolo Superiore, fol. 33rv, FdB 1881 B6-7.
112 MB XVII 197-200; Cronistoria IV 379-383.

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568 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
a glória de Deus e a salvação das almas”, entre jovens e o povo. “Foi esta – afirma –
uma entre as principais empresas que a Divina Providência me confiou”; não somente,
“é uma das finalidades principais de nossa Congregação”. Não bastava difundi-los entre
os jovens, mas fazer deles “outros tantos apóstolos da difusão dos bons livros”.113
4.2 Os salesianos por eleição
Nos anos 80 os encontros com os cooperadores e ex-alunos tornavam-se sempre
mais familiares, irmanando-os na comum denominação de salesianos. A eles, enquanto
tais, Dom Bosco prentendia infundir o espírito comum. Nos cooperadores ele queria
enraizar-se mediante o mesmo empenho em favor dos jovens e o envolvimento soli-
dário nas preocupações financeiras que isto comportava. Se nem todos os cooperadores
podiam ser benfeitores, eram certamente cooperadores explícitos ou implícitos todos os
benfeitores, grandes e pequenos.114
A solidariedade com a família salesiana – os salesianos consagrados e consagradas,
os cooperadores e cooperadoras, os jovens de ambos os sexos, os destinatários das
missões −115 tornava-se em alguns casos empenho totalizante, sentido pleno de vida,
verdadeira comunhão de caridade e de graça. A Clara Louvet, Dom Bosco manifestava
a intenção de escrever aos salesianos na América, que ao batizar os catecúmenos fosse
imposto o nome Clara ao menos a uma menina para cada uma das quinze colônias.116
Era a garantia de preces que contribuiriam a dar a ela aquilo de que tinha particular-
mente necessidade: a serenidade do espírito, “a paz e a tranqüilidade de coração”.117
Ela cooperaria com um programa essencial de vida espiritual traçado por ele com mente
límpida e mão segura, no qual as expressões da plena caridade cristã eram coroadas –
“pela felicidade no tempo e na eternidade” – pela discreta sugestão: “Fazer as boas
obras que nos são possíveis”,118 a menos que – como sugeria em outra ocasião – quisesse
confiar “os valores” “ao banco de Dom Bosco”, o qual, utilizando-os imediatamente, os
teria subtraído de eventuais ladrões.119 Na perspectiva das boas obras ele contava logo
também com a hipotética vocação religiosa de Clara: “Até este momento não tendes a
113 E IV 318-321.
114 Cf. cap. 22, § 6-8; sobre ex-alunos “salesianos”, cf. cap. 23, § 6.
115 Para a fórmula “famille salésienne”, cf. carta à Louvet, 22 de novembro de 1884 e 20 de
outubro de 1886 (E IV 465, 473); ao conde Colle, 20 de junho e 23 de dezembro de 1883 (E
IV 496, 500).
116 Carta de 15 de julho de 1882 e de 15 de novembro de 1883; E IV 450 e 458. Com base em
uma carta de dom Cagliero, a informa que o bispo tinha imposto o nome de “Clara Louvet” a
uma jovem selvagem do Rio Negro, na Patagônia (carta de 7 de outubro de 1885).
117 Cf. carta de 9 de setembro e 21 de dezembro de 1883; E IV 458 e 459.
118A C. Louvet, 17 de setembro de 1883; E IV 458.
119A C. Louvet, 26 de janeiro de 1884; E IV 461.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 569
vocação de fazer-vos religiosa, mas tendes a vocação de vos fazer santa. Continuando
a agir como fazeis estais no caminho do paraíso. Na espera, estai tranqüila e cultivai
as boas obras”.120 “Adeus, senhorita Clara – era a mensagem do início de 1887, não
ainda a despedida –, que Deus vos conserve a paz do coração, a tranqüilidade da alma
e a perseverança até o paraíso”.121 Um mês antes tinha lhe indicado as condições: “O
que acontece no mundo é muito obscuro, mas Deus é Luz e a Santa Virgem é sempre a
Stella Matutina. Confiança em Deus e em Maria; nada temei. Posso tudo naquele que
me dá força, Jesus Cristo. Paciência. A paciência nos é necessária para vencer o mundo,
assegurar-nos a vitória e entrar no paraíso”.122
Não menos profunda era a relação com o Conde Colle, que tinha terminado, como
se viu, por se constituir caixa voluntário de Dom Bosco. Comendador-comandante...
comandado.123 “Comendador inteiramente disposto a se fazer comandar por
Dom Bosco”, tinha assinado uma das cartas. Estava, portanto, às ordens... do chefe.124
Dom Bosco sabia que podia agir, com fineza de tratamento e máximo respeito, não
menos preocupado pela saúde física – muito precária era a do conde – e espiritual
dos generosos cônjuges. Quando escreve, informa-o, pede, saúda em nome da “família
salesiana”, não fala jamais de “seus” problemas, mas de “nossos negócios”, próprios
e do conde. Em todo caso, eles “dizem respeito à glória do Bom Deus e à felicidade
eterna das ‘nossas almas’”.125 De agosto e setembro de 1882 são duas cartas nas quais
expunha ao conde a grande necessidade de dinheiro para os “que se preparavam ao
sacerdócio e para se tornar missionários no estrangeiro”, e para ajudar os missioná-
rios que já estavam na Patagônia e na Terra do Fogo. Pedia que ele respondesse com
a mesma confiança com a qual ele pedia: Oui ou non, com absoluta liberdade; mas
indicava também a soma necessária, 12 mil francos! [cerva de 35 mil euros].126 A breve
mensagem enviada no dia da Natividade de Maria começava, sem nenhum preâmbulo,
com uma oração à Virgem: “Ó Maria, nossa boa Mãe, no dia em que a Igreja católica
celebra vossa natividade trazei vós mesma uma bênção toda especial a vossos dois
filhos, o senhor conde e a senhora condessa Colle, para os quais, com todo o coração,
nesta manhã, celebrei a santa missa e nossos jovens fizeram a santa comunhão para
seu bem espiritual e temporal”.127 Agravando-se a doença do marido, recomendava à
condessa: “Mas por vós mesma, senhora Condessa, não tendes cuidado de vossa saúde.
Cuidai de nosso querido doente, mas não esqueçais vós mesma (...) Ó gloriosa Santana,
120A C. Louvet, 6 de novembro de 1884; E IV 464.
121 Carta de 16 de janeiro de 1887; E IV 475.
122A C. Louvet, 9 de dezembro de 1886; E IV 474.
123 Cf. cap. 22, § 9.
124 Ao conde Colle, 5 de julho de 1884; E IV 505.
125 Cf. carta de 10 de junho e 25 de agosto de 1883; E IV 496.
126 Carta de 28 de agosto e 6 de setembro de 1882; E IV 491.
127 Carta de 8 de setembro de 1886; E IV 522.

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570 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
obtende do Bom Deus saúde, santidade e perseverança até o paraíso – paraíso – paraíso.
Afeiçoado como filho. P. G. Bosco”.128 Recebendo notícias de melhoras, alegrava-se e
confiava: “Eu tinha afirmado várias vezes e escrito, que se é da vontade de Deus me
chame à eternidade, mas dê ainda tempo a seu filho, o senhor conde Colle, para que
possa continuar sua proteção a nossos missionários e à nossa nascente Congregação”.129
Mas o conde o precederia de um mês ao encontro com a morte.
“As almas dos selvagens serão, sem dúvida, vossa herança diante de Deus”,130
escrevia aos cônjuges Blanchon, de Lyon. De 1880 a 1884 eles estiveram constante-
mente presentes às suas necessidades: os jovens, os “órfãos”, as novas fundações, as
instituições juvenis, e em particular a construção da Igreja Sagrado Coração, em modo
muito especial as missões.
Também era grande amigo e benfeitor de Dom Bosco o engenheiro e arquiteto
Vincent Levrot, de Nice, que, como sabemos, tinha-o hospedado na primeira estada
na cidade da Costa Azul. A ele enviava ao menos nove cartas (duas em italiano, as
outras em francês) e a quem se referia em várias outras ao padre Ronchail. Para ele,
“homem eminentemente católico e consagrado incessantemente às obras de caridade”,
Dom Bosco obtinha a nomeação pontifícia de cavaleiro de São Gregório Magno.131
Recordava-o por seu dia onomástico de Frohsdorf, em 16 de julho de 1883,132 e lhe
anunciava a viagem à França na primavera de 1885, desejando tratar com ele pessoal-
mente das próprias obras.133 Embora com “a vista e as forças vitais” “assaz diminuídas”,
não deixava em seguida de agradecer o “Sr. Cavaleiro” pela “especial proteção” dada a
seus “órfãos”.134 A ele reservava uma das últimas cartas.135
Em 1884 o cólera se aproximava também de Pinerolo, e ele tranqüilizava uma
benfeitora: “Nosso antídoto é seguro”, a prece e a garantia da proteção da Virgem.136
Mais genérica era a resposta à condessa Bonmartini, que se subscrevera a uma coluna
para a Igreja Sagrado Coração em Roma e tinha enviado a última parcela de 1.053 liras:
“Vai tudo bem; procuremos ganhar as almas; Deus abençoará nossos esforços e nos
dará força, querer e graça (...). O cólera nos rodeia, mas até agora Deus deixa-o longe de
128 Carta de 26 de julho de 1887; E IV 532.
129 À condessa Colle, 14 de agosto de 1887; E IV 532.
130 Carta de 28 de outubro de 1880; 21 de maio de 1881; 23 de março e julho de 1883; E IV
426-429.
131 Cf. súplica a Leão XIII, 9 de maio de 1881 (E IV 53); carta ao padre Ronchail do final de 1881
(E IV 98) e de 25 de dezembro de 1882 (E IV 193, pedia notícias do cavaleiro Levrot).
132 E IV 224.
133 Carta de 8 de março de 1885; E IV 317.
134 Cf. cartas de 21 de novembro e 13 dezembro 1885 (E IV 234 e 350); de Pinerolo, 19 de julho
de 1886 (E IV 356); em francês, de 1º de agosto de 1886 (E IV 409-410).
135 Carta de 28 de outubro de 1887; E IV 410.
136 À senhora Magliano, 16 de agosto de 1884; E IV 287.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 571
nós. Queira a Santa Virgem continuar sua assistência e sua proteção”.137 De modo seme-
lhante agradecia “por sua caridade” a senhora Luigia Dufour, desejando que a Virgem
Auxiliadora difundisse e protegesse a ela e a família contra o cólera que começava a
ameaçar os países ao redor.138
Não se esquecia de uma benfeitora da primeira hora, marquesa Fasati, viúva desde
1878, e da filha Azelia, esposa do barão Carlo Ricci, que se recordavam dele com
uma “caridosa oblação”.139 À baronesa, guiada espiritualmente desde a adolescência,
enviava cachos de uva amadurecidos “sob a sombra e proteção de Maria Auxiliadora”,
isto é, das videiras que subiam até a murada de seu quarto.140
Nesse contexto de relações ricas em humanidade e de espiritualidade adquirem
crescente significado as não poucas páginas das Memórias desde 1841 dedicadas aos
benfeitores, incluindo as breves cartas individuais que deveriam ser-lhes entregues após
sua morte. Substancialmente, também a eles procurava infundir, com breves fórmulas,
dois grandes amores: a fiel e sábia administração dos talentos recebidos – a vida, o
tempo, os bens materiais, as riquezas – e a esperança dirigida para a mercê de todas a
mais importante, a vida eterna, sem desvalorizar a temporal. Também nelas prometia
orações, suas e dos seus, jovens e salesianos, para o duplo escopo: para que o Senhor os
guiasse “nos caminhos do paraíso”, para que o alcançassem, a ele o mitente, que espe-
rava encontrar-se e recebê-los na “casa” de Maria e de Deus, onde estava a felicidade
sem tempo. Todas as mensagens aos benfeitores cantavam de novo o hino da caridade
operante: “Sejamos sempre sustento da Congregação Salesiana e auxílio das missões
salesianas”; “continuem a proteger sua obra apostólica e terão tantas almas salvas pelos
missionários salesianos que conduzirão os benfeitores ao céu”. A algumas benfeitoras
– a senhorita Rosa du Gas, a senhora Jacques, a marquesa Fasatti – confiava suas obras
e seus órfãos. “A perseverança no bem” asseguraria “o verdadeiro prêmio” no céu.
Ao ancião Feliciano Ricci des Ferres, benfeitor de longa data, auxiliado pelo filho Carlo
e pela nora Azeia Fassati, dirigia uma súplica calorosa: “Ó Sr. Barão, vós deveis abso-
lutamente salvar a alma, mas deveis dar aos pobres todo o vosso supérfluo, quanto vos
deu o Senhor”, uma “graça extraordinária”. A felicidade eterna com a inteira família
compreendida, bem conhecida por Dom Bosco, era invocada por três pessoas benfei-
toras privilegiadas, conde Eugenio de Maistre, condessa Carlotta Callori e condessa
Gabriella Corsi.141
Entre as coisas a serem feitas pelo novo reitor-mor apenas eleito – a página fora
escrita antes da nomeação formal do padre Rua como vigário, mas não antes de ser-lhe
137 Carta de setembro de 1884; E IV 293.
138 Carta de 2 de outubro de 1884; E IV 295. À mesma, outra carta de 19 de fevereiro de 1885; E
IV 314-315.
139 Carta de 27 de novembro de 1884; E IV 304.
140 Carta de 4 de novembro de 1885; E IV 345.
141 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 112-115, 121.

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572 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
prefigurada pelo mesmo papa – após as cartas ao papa, aos salesianos, às Filhas de
Maria Auxiliadora, era indicada “outra carta” aos benfeitores e aos cooperadores para
agradecer, em seu nome, o quanto tinham feito, enquanto estava vivo, “pedindo-lhes que
continuassem seu auxílio em sustento das obras salesianas”. Com “a firme esperança
de ser acolhido na misericórdia do Senhor”, continuaria a rezar por eles. Recomendava:
“Mas se note, se diga e se pregue sempre que Nossa Senhora Auxiliadora obteve e
obterá sempre graças particulares, também extraordinárias e milagrosas, para os que
concorrem para dar uma educação cristã à juventude periclitante com as obras, com o
conselho, com o bom exemplo ou simplesmente com a oração”.142
5. Agente social e o taumaturgo novamente na França
“Minha saúde melhorou muito, mas não estou certo de fazer uma viagem na
primavera até Lille. Veremos”. Esse era o anúncio que dava em dezembro a Clara
Louvet.143 A incerteza continuava por alguns dias: “Estou muito melhor, mas não sei
ainda se a saúde me permitirá ir com ele [dom Cagliero] até Marselha, como dese-
jaria vivamente”, escrevia mais adiante ao seu mecenas francês, conde Colle.144 Em
22 de janeiro de 1885, na conferência dos cooperadores de Turim, com a participação
do cardeal Alimonda e do bispo auxiliar dom Bertagna, “em lugar de Dom Bosco –
presente – tomava a palavra dom Giovanni Cagliero”.145 Condições de saúde precárias
transparecem em algumas cartas: “Minha saúde é sempre muito frágil, mas estou fora
do leito e a dar conta de minhas ocupações”;146 “estou muito velho, mas tenho plena
confiança de poder vê-lo ainda nesta terra antes que a misericórdia divina me chame
para a vida eterna”.147
Com efeito, não se sentia com forças para ir até Marselha para saudar dom Cagliero,
que partia com salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora para a América. Fazia-se
representar pelo padre Bonetti, portador de uma carta oficial para o bispo. A um de
seus primeiros meninos do Oratório Dom Bosco reservava palavras de ternura e de
prudência, com um sintético programa de ação. “O padre Bonetti – escrevia – conduz
a ti os corações e as saudações de todos os salesianos da Europa, que tu estenderás aos
salesianos da América (...). Todos os cooperadores de Europa fazem e continuarão a
142 “Memorie dal 1841”, RSS 4 (1985) 101.
143 À C. Louvet, 20 de dezembro de 1884; E IV 466.
144 Carta de 18 de janeiro de 1885; E IV 511.
145Desta conferência dava uma relação geral o jornal L’unità cattolica, n. 21, domingo, 25 de
janeiro de 1885, p. 82, “La Conferenza dei cooperatori salesiani a Torino e un discorso del
primo Vescovo della Patagonia”. Cf. BS 9(1885) n. 2, fevereiro, p. 23.
146 À C. Louvet, 1º de fevereiro de 1885; E IV 467.
147Ao arcebispo de Buenos Aires, 9 de fevereiro de 1885; E IV 312.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 573
rezar pelo bom êxito da viagem e pela continuação de teus afazeres para a maior glória
de Deus e salvação das almas. Deus está conosco. Não temas. Recomenda a todos os
nossos envidarem esforços em dois pontos cardeais: fazer-se amar e não fazer-se temer;
fazer qualquer sacrifício pessoal e pecuniário a fim de promover as vocações eclesiás-
ticas e religiosas”.148
Em outras cartas sublinhava melhoramentos graduais. “Estou melhor de novo e
fora do leito, e vos posso escrever esta carta”, anunciava ao conde Colle149 e a outros:
“Minha saúde está sempre melhor, mas procede lentamente. Espero muito em vossas
orações”;150 “minha saúde, como talvez saibas, não esteve tão bem neste ano; agora
está melhor e já pude sair e fazer dois breves pequenos passeios”.151 Em 13 de março
de 1885 padre Viglietti anotava em sua crônica: “Há vários dias os jornais vão anun-
ciando a morte de Dom Bosco. Ele, ao invés, de algum tempo para cá goza de bastante
boa saúde”152. Efetivamente, falava disto o Corriere della sera de Milão e fazia eco
em Turim, em 14 de março, a Cronaca dei Tribunali. Conforme uma extravagante
informação de agência, Dom Bosco, solicitado pelos missionários, teria partido para a
América e “morto nas missões”.153
Dom Bosco tinha corrido antes do otimismo do cronista, anunciando ao conde
Colle uma viagem menos fantasiosa: “Vossa carta me induziu a tomar a resolução de
fazer uma viagem até vós, malgrado minha frágil saúde”.154 De fato, ele partia em 24
de março de 1885 com padre Bonetti e o habitual clérigo Viglietti para a França, via
Gênova-Sampierdarena-Alassio. De 27 de março a 1º de abril estava em Nice, de 1º a 5
em Toulon, junto dos Colle, e em Marselha de 5 a 20 de abril.155 De Nice, padre Cerruti
informava padre Rocca sobre a própria saúde e a do superior. “Estou não muito, mas
suficientemente bem. Dom Bosco está também discretamente, malgrado os excessos,
aos quais sua condição e as necessidades dos nossos o sobrepõem. Mas esses excessos
o Senhor lhe compensa” com significativo afluxo de dinheiro.156 Aos salesianos do
Colégio de Alassio mostrava Dom Bosco sofredor como modelo de fortaleza: “Não nos
cansem nem nos abatam jamais as fadigas, desprazeres, ingratidões, contrariedades,
tudo por Jesus. Um olhar a Dom Bosco, quebrado, caído, muitas vezes em estado que
comove as pedras, e que apesar de tudo passa a vida esmolando por Deus e por seus
filhos, consolando, sofrendo em mil dores, antes que repousar. Que ele nos sirva de
148 Carta de 10 de fevereiro de 1885; E IV 313-314.
149 Carta de 11 de fevereiro de 1885; E IV 512.
150 À C. Louvet, 21 de fevereiro de 1885; E IV 468.
151 Ao conde Eugenio De Maistre, 1º março de 1885; E IV 317.
152 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 1º gennaio 1885 al 23 marzo 1885, p. 43-44.
153 Cf. A. Amadei, Il servo di Dio Michele Rua, vol. I. Turim, SEI, 1931, p. 341.
154Ao conde Colle, 6 de março de 1885; E IV 513.
155 Da viagem à França – ida e volta – fornece muitas informações a crônica do padre Viglietti,
no caderno de 24 de março a 6 de maio de 1885, p. 4-78.
156 Carta de 27 de março, ASC 381, original aut. 2f.

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574 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
exemplo e força”.157 Notícias semelhantes, com uma entrega apropriada por parte de
Dom Bosco, dava em carta anexada, reservada aos colegiais: “O senhor Dom Bosco,
que deixei ontem em Navarre e vou rever novamente depois de amanhã à tarde, para
partir com ele no sábado em direção de Marselha, vos deixa como inesquecível recor-
dação a comunhão freqüente. O entusiasmo e a veneração que ele faz surgir em todos os
lugares é indescritível. Todos queriam vê-lo, falar-lhe, escutar dele mesmo uma única
palavra. Os seus sofrimentos, sua constante amabilidade, as curas milagrosas, que
também neste ano acontecem algumas vezes, as bênçãos e preces fazem crescer sempre
mais o conceito que se tem de um grande santo, como é proclamado por todos”.158 Uma
semana depois, de Marselha, ao confiável padre Rocca comunicava: “Minha saúde não
está bem, sofro muito e sofro muitas vezes, porque tenho muita necessidade de traba-
lhar e, de outro lado, Dom Bosco sofre mais que eu (...). Dom Bosco não me deixa
partir de muito boa vontade, e deseja que me ocupe em foro interno et externo, plene et
absolute das coisas e do pessoal, salesianos, irmãs etc.”.159 Dom Bosco se encontrava a
Toulon durante o tríduo pascal (2 a 4 abril). Na quinta-feira santa recebia a eucaristia
na catedral, e no dia de Páscoa, 5 de abril, celebrava a missa na casa dos Colle, onde
se hospedava. Graciosa era a carta que escrevia de “Marselha em 12 de abril de 1885”
ao padre Francesia, diretor da seção de estudantes do Oratório de Valdocco, angustiado
pelas dificuldades do trabalho: “Não posso escrever a outros, mas padre Francesia,
pupila de meus olhos, ao menos alguma palavra. Antes de tudo, procura não criar para
ti sofrimentos ou mal-estar onde não existem: e, quando os encontrar, saiba recebê-los
da santa mão do Senhor. Dirás a nossos queridos jovens e irmãos que trabalho por
eles, e até o último respiro será por eles, e eles rezem por mim, sejam bons e fujam do
pecado, para que todos possamos salvar-nos eternamente. Todos”.160 Eram interessantes
as palavras pronunciadas em 13 de abril, em Marselha, no final de um banquete de
honra, em casa do senhor Bergasse, presidente de uma refinaria, de uma companhia de
navegação e de outras sociedades, presentes os Colle, Rostand e outros do mesmo nível
social. “Esse senhor Bergasse – anotava o secretário cronista – preside a quase todas as
sociedades católicas”. Como bom empresário cristão, Bergasse dava uma interpretação
“social” da ação assistencial de Dom Bosco, da qual podia partilhar a maior parte dos
benfeitores. “Disse – registrava Viglietti – dos esforços que ele [Bergasse] fazia para
cooperar para o bem da Congregação, do bem que fazem todas juntas as sociedades
que ele preside para ajudá-lo”. Apresentando “uma generosa oferta” por parte de uma
dessas, “falou da dor que experimenta em ver a Sociedade que se desfaz e da consolação
em ver esta Sociedade ajudada tão potentemente por Dom Bosco em sua reordenação”.
Aplaudiu-se e “louvou-se muito pela educação da juventude que ele tirou das praças”.
157 Carta de La Navarre, 1º de abril de 1885, ASC F 381, orig. aut. 2 f.
158 Carta de 1º de abril de 1885, ASC F 381, orig. aut. 2 ff.
159 Carta de 9 de abril de 1885, ASC F 381, orig. aut. 2 ff.
160 E IV 33.

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Cap XXXII: Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885) 575
Bergasse concluía: “Oh, não é pois verdade que tudo vai mal, temos um Dom Bosco!
exclamava; que Deus o conserve ainda por longo tempo, o abençoe, o faça prosperar; a
França, o mundo inteiro tem necessidade dele”.161 Em 17 de abril o festejado fazia uma
breve conferência aos cooperadores de Marselha. Em 12 de fevereiro dom Cagliero
tinha feito a mais solene na festa de São Francisco de Sales.162 Dom Bosco “disse que
não mais subia ao púlpito para fazer um discurso, isso porque sua pouca saúde não
permitia, e que outra língua bem mais eloqüente teria feito. Mas somente para agra-
decer antes a Deus e depois os cooperadores” por sua caridade generosa. Prometia o
“eterno reconhecimento”. Acrescentou “que não sabia se aquela fosse a última vez que
poderia encontrar-se entre eles”, mas que, de qualquer modo, no céu “seu primeiro
pensamento” “seria o de pedir a Jesus, a Maria e todos os santos para que abençoassem
e protegessem todos os que cooperaram para o bem de tantas almas”.163
Em todos os lugares era assediado por pessoas que pediam preces e bênçãos, espe-
rando graças de cura, com resultados que o cronista registrava cuidadosamente, deli-
neando cenários evangélicos: “Agora é-me impossível registrar todas as graças que
acontecem instantâneas. Todos que vêm têm alguma para narrar, pelas bênçãos rece-
bidas nos dias anteriores. A ele são conduzidos os encurvados agora erguidos, cegos que
agora enxergam, enfermos, moribundos que agora gozam de perfeita saúde”. “Em dois
ou três dias foram levadas todas as penas que sucessivamente eram colocadas sobre a
mesa de Dom Bosco, chegando a sete dúzias. O barrete já lhe foi tirado três ou quatro
vezes”. Abundantes eram também as ofertas, que serviam para pagar dívidas e para
sustentar obras pobres, como Navarre e Saint-Cyr, enquanto conde Colle dava substan-
ciosas contribuições em favor da Igreja Sagrado Coração em Roma, e não somente. Na
casa de Marselha o cronista informa, “foram deixadas até 13 mil liras” “em esmolas
recebidas dos visitantes”. Prantos e pedidos de bênçãos misturavam-se com as despe-
didas.164 Por seu lado, padre Cerruti fornecia ao padre Rocca ulteriores informações e
impressões: “Conde Colle prepara, além do que já foi dado, uma soma deveras fabulosa
para padre Rua, pela qual também o Internato Sagrado Coração poderá bem depressa
chegar a bom ponto. A isso se acrescentem as graças espirituais contínuas, curas, recon-
ciliações de famílias, conversões de pessoas que tinham abandonado Deus e todo o
resto... Mas quanto custam todas estas coisas ao pobre Dom Bosco? São incríveis seus
sacrifícios, sua abnegação, seus sofrimentos! Acontecem momentos nos quais a conser-
vação de sua existência é verdadeiramente um milagre”.165
Na viagem de volta para a Itália ele parava, entre 20 e 21 de abril em Toulon, e de 21
a 28 em Nice. Nesta cidade, no dia 27, participava de um banquete familiar no Círculo
161 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885 al 14 aprile 1886, p. 39-43.
162 Monseigneur Cagliero à Nice e La fête de Saint-François-de Sales à l’Oratoire Saint Léon et
Conférence des Coopérateurs salésiens, “Bulletin Salésien” 7 (1885) 25-30.
163 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885 al 14 aprile 1886, p. 50-51.
164 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885 al 14 aprile 1886, p. 57-19.
165 Carta de 15 de abril de 1885, ASC F 381, orig. aut. 3 ff.

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576 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Católico. “Eram mais de cinqüenta convidados... e toda a nobreza de Nice” – anotava
com complacência o cronista –; “estavam presentes para o momento muitos presidentes
de outros Círculos, entre os quais o de Lyon, de Marselha, de Montone, de Cannes etc.”.
Aí compareceram “condes, marqueses, duques e outros ilustres senhores, professores
de universidade, célebres advogados, doutores”. Na tarde, Dom Bosco presenciava um
espetáculo filodramático com discursos e refresco. “Nos discursos lidos – recorda ainda
o cronista – chegavam mesmo a divinizar Dom Bosco, chamavam-no anjo enviado pelo
céu, São Vicente de Paula redivivo”.166 No dia 28 estava em Alassio, onde permanecia
até 2 de maio, partindo daí para Varaze e Sampierdarena, onde permanecia até 6 de
maio.167 Também em Sampierdarena não faltaram visitas ilustres e de tantos outros,
individuais ou em grupo, que assediaram Dom Bosco, pedindo bênçãos e graças.168
A viagem parece ter sido benéfica, quer para a bolsa, quer para a saúde do peregrino
da Providência. Antes mesmo da chegada em Turim o Boletim Salesiano dava boas
notícias: “Nossos benévolos cooperadores e cooperadoras mostraram viva solicitude
para ter notícia de Dom Bosco. Com alegria podemos anunciar que Dom Bosco, tendo
visitado as casas salesianas da França e da Ligúria, estará de volta a Turim no dia 6 do
corrente maio, bem melhor de saúde”.169
166 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885 al 14 aprile 1886, p. 66-69; “Dom
Bosco à Nice”, Bulletin Salésien 8(1885), p. 78-79.
167 “Dom Bosco esteve aqui quase a semana inteira, partiu agora para Varazze-Sampierdarena
em boa saúde e te sauda carinhosamente”, anunciava padre Cerruti ao padre Barberis em 2 de
maio (ASC 272.31 Cerruti, orig. aut. 3 f.).
168 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885 al 14 aprile 1886, p. 73-75.
169 BS 9(1885) n. 5, maio, p. 61.

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Capítulo XXXIII
Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886)
1885 15 de julho a 22 de agosto: em repouso na casa de Mathi Torinese
8 de dezembro: comunicação oficial à Sociedade Salesiana do padre Rua
como vigário
1885/1886 24 de março a 15 de maio: viagem à Ligúria, França e Espanha
8 de abril-6 de maio: em Sarriá-Barcelona
15 julho-13 de agosto: em repouso na vila do bispo de Pinerolo
1-7 de setembro: Quarto Capítulo Geral da Sociedade Salesiana
Dotado de uma constituição física basicamente robusta, contudo Dom Bosco teve
várias doenças e diversos distúrbios físicos, alguns graves, enraizados no colapso físico
que o acometera no verão de 1846, por causa de excesso de trabalho. Nos últimos
anos faziam-se sentir, com mais intensidade, os velhos achaques, e ainda surgiam
novos:1 uns e outros golpeavam com crescente continuidade o padre ancião, indômito
do ponto de vista da vontade e da resistência, mas consumido pelo enorme trabalho.
O paciente, porém, também dava sinais e gestos de inesperada vitalidade, como se
fossem rápidas ressurreições, com certa continuidade no governo, expressa então na
presença animadora, no inteior e no exterior dos dois institutos religiosos. O governo,
no sentido próprio, era secundado e mais freqüentemente suprido com extrema discrição
e filial adesão, cooperação e disponibilidade, pelos cooperadores mais próximos, em
modo tal que nada ou pouco parecia ofuscada a imagem pública e privada do fundador
e superior. É o que emerge, em várias circunstâncias, no biênio 1885-1886.
1. Do Oratório a Mathi Torinese
Em 7 de maio o secretário cronista anotava: “Dom Bosco está muito cansado”.2
Contudo, estava preparado, no mesmo dia e no seguinte, para receber a admirada visita
1 Cf. cap. 32, § 1.
2 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 79.

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578 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
de Henry Fitzalan-Howard, 15º Duque de Norfolk, primeiro par da Inglaterra (1847-
1919), aluno do Oratório de Newman, incontestado chefe do laicado católico inglês.
Acompanhavam-no a esposa Flora com o filho de 15 anos, cego de nascença e epilé-
tico. Em relação epistolar com Dom Bosco desde 1882, os nobres Norfolk vinham
pedir a cura do filho, confiando na prece de Dom Bosco e na intercessão da Virgem
Mãe, colocando-se, em qualquer caso, sob a vontade de Deus. A cura não aconteceria.
A duquesa morria em 1887, o duque se casaria de novo em 1904, e em 1908 obtinha o
desejado herdeiro, Bernardo, 16º duque de Norfolk. Nas visitas e assíduas presenças no
Oratório e na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, quer antes da partida para Roma, em
10 de maio, quer no retorno, dia 25, impressionaram a simplicidade, a cordialidade, a
fé e a piedade dos dois cônjuges, admiradores de Dom Bosco e de sua obra3. O próprio
Dom Bosco informava conde Colle de alguns momentos da visita. Escrevia-lhe em 10
de maio: “A festa de Nossa Senhora Auxiliadora ficou definitivamente estabelecida
para 2 de junho”, “mas o duque de Norfolk não pode permanecer conosco até esse
dia. Agora partiu com a família (18 pessoas) para Roma. Mas, após a bênção do santo
padre, voltará a Turim para continuar suas práticas de piedade, de manhã e de tarde,
na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora”. “Agora a cabeça está cansada”.4 No dia 26
informava-o: “O Senhor duque de Norfolk e sua família partiram nesta manhã para a
Alemanha; todos ficaram muito contentes de sua permanência entre nós e da melhora
do menino doente”.5
Na reunião dos cooperadores de Turim, em 1º de junho, vigília da Festa de Nossa
Senhora Auxiliadora, “Dom Bosco aparecia no púlpito; seu aspecto era o de um homem
muito cansado e sua voz um tanto quanto rouca”. Não obstante, tinha modo de expor
seu conceito de cooperador e de ilustrar as obras que naquele momento precisavam mais
de apoio: as missões da Patagônia, a Igreja Sagrado Coração, a casa de Paris. Concluía
lembrando a mercê prometida pelo Senhor e recomendando a prece recíproca.6 À cele-
bração onomástica de 23 de junho à tarde e de 24, a prostração física do superior e
pai pareceu a todos quase irrefreável. A festa foi soleníssima. Entre os presentes foi
oferecido ao festejado o retrato de Mamãe Margherita. De manhã, em nome do grupo
dos ex-alunos, teólogo Antonio Berrone lia um alado discurso ao Padre Giovanni Bosco
raptor de corações. Tomava como ponto de partida a admiração de Napoleão, segregado
em Santa Helena, por Jesus, o único a atrair a humanidade unicamente com o amor,
mediante seu maior milagre, “fazer-se amar”. “Tu também, ó Dom Bosco – continuava
dirigindo-se ao venerado educador –, podes com razão vangloriar-se de tornar-se dono
dos corações”. “Tu és um ladrão, e um ladrão incorrigível”; “a mão do Senhor se mani-
3 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 79-81; L’unità cattolica, n. 124,
quarta-feira 27 de maio de 1885, p. 493, Il duca di Norfolk a Torino.
4 E IV 515.
5 E IV 515.
6 BS 9(1885) n. 7, julho, p. 94-95.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 579
festa em ti comunicando o dom celestial de subjugar os corações e de fazer-te amar”.
E terminava com uma profissão de amor, “eu te amo”, em uníssono com os milhões de
corações palpitantes “no Piemonte, na Itália, na Europa, na América, em todo o mundo”.7
Entre os presentes estava o sacerdote alemão Johann Mehler, que em setembo falaria de
Dom Bosco na 32ª Assembléia Anual dos Católicos Alemães em Münster.8 Ele escrevia a
Dom Bosco, assinando “sacerdote e cooperador salesiano em Ratisbona”, e assegurava:
“Os alemães amam e amarão Dom Bosco como se ama um pai”.9
A prostração física continuava. Esperava-o na localidade de Mathi, há 27 quilôme-
tros de Turim, na casa edificada próxima da fábrica. “Amanhã – comunicava ao conde
Colle –, se Deus quiser, partirei para Mathi a fim de me recompor um pouco de minha
fraqueza, ou melhor, se possível, retardar um pouco minha velhice”.10 Ia para lá em 15
de julho. Aí – registrava o cronista – os superiores pretendem que passe algum tempo
em repouso, e também porque o enfraquecimento de suas forças não resiste ao calor
da cidade”.11 No dia seguinte Viglietti anotava: “Dom Bosco faz recreação narrando
belos trechos de sua vida passada, passeia no jardim e parece que vai adquirindo saúde
e forças, e come com melhor apetite”.12 As antigas recordações e o anseio pela salvação
dos jovens o seguiam. Na noite entre 16 e 17 de julho sonhava com alguém que o
convidava a fundar, em Turim, na zona de Piazza Vittorio, outros dois oratórios, um
masculino e outro feminino.13
Interrompia seu retiro no dia 26 e no dia 30 de julho para estar em Turim, no encontro
anual com os ex-alunos leigos e sacerdotes, com o costumeiro ágape fraterno. Em 26 de
julho somos informados que “Dom Bosco no final tomou a palavra, mas foi breve pela
grande falta de forças”. “Minha vida – disse entre outras coisas – chega a seu termo”: “se
vos precedo na eternidade”, “asseguro-vos que não me esquecerei de vós em minhas”
orações; se, ao invés, tivesse que continuar aqui, “estai seguros que eu continuarei a
vos amar e a vos ajudar no pouco que posso”. Já o discurso aos sacerdotes em 30 de
julho, inteiramente dedicado à Obra das vocações adultas, era longo.14 Viglietti fixava
em poucos adjetivos o primeiro dia, dos “burgueses”: “a festa foi bela, foi esplêndida”;
“lá pelas 6h30 [18h30] retornou para Mathi. Dom Bosco está muito cansado do dia”.
Sobre o segundo registrava laconicamente: “A festa dos [antigos] alunos foi bela e
coroou-se com a confecção de um grupo fotográfico de todos os [antigos] alunos, com
Dom Bosco ao centro. Às 6 horas retornou a Mathi”.15 Em 3 de agosto não se encon-
7 A D. Giovanni Bosco rapitore dei cuori nella faustissima ricorrenza del Suo Onomastico gli
antichi suoi alunni – 24 Giugno 1885. Turim, Tip. Salesiana, 1885, 12 p.
8 Cf. cap. 26, § 5.
9 “Don Bosco e l’Assemblea Generale dei Cattolici Tedeschi”, BS 9(1885) n. 11, novembro, p. 166.
10 Carta de 14 de julho de 1885; E IV 516.
11 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 83.
12 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 83.
13 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 83-87.
14 “Festa di famiglia”, BS 9(1885) n. 9, setembro, p. 131.

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580 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
trava em condições de estar em Turim para a solene celebração fúnebre na Igreja Nossa
Senhora Auxiliadora, presidida pelo cardeal Alimonda, em memória do cardeal Nina,
falecido em 26 julho.16
Em 7 de agosto o secretário geral anotava: “Saúde de Dom Bosco nestes dias é
inquietante; contínuas dores de cabeça, desinteria, mal nos olhos, e contudo ele está
sempre alegre e não se queixa de nada”.17 Ao conde Colle, três dias depois, Dom Bosco
confirmava isso em parte: “Nestes últimos dias minha saúde piorou um pouco. Agora,
porém, graças a Deus, está melhor. Deus seja louvado”. Acrescentava: “Domingo (15
de agosto) estarei em Turim, e segunda-feira irei a San Benigno para os exeercícios
espirituais. Vós, porém, recebereis regularmente notícias nossas”;18 “quanto a mim,
desejo muito ver-vos, mas não estou seguro, porque durante toda minha estadia em
Mathi minhas viagens foram do quarto ao jardim bem próximo da fábrica”.19
O cronista dava grande relevo à iniciativa do conde Balbo e do cardeal Alimonda,
anunciada em 9 de agosto por L’unità cattolica, visando envolver o episcopado e os
católicos italianos no sustento financeiro da construção da Igreja Sagrado Coração.20
No entanto, a saúde não melhorava. “Também neste ano – anotava o cronista – por
causa de sua saúde periclitante, Dom Bosco teve que se ausentar da festa pelo seu
aniversário – tradicionalmente assinalada em 15 de agosto e não 16 –, da distribuição
dos prêmios e, no momento, da assistência dos exercícios espirituais”.21
No longo mês de repouso, porém, Dom Bosco não ficou sozinho. Além das
freqüentes visitas do padre Rua, vários outros foram encontrá-lo: para pedir graças e
preces pelos doentes, e para obsequiá-lo, como os hóspedes e como um pequeno grupo
de irmãs de Lanzo, distante 7 quilômetros; outros da França, para levar confirmação
de consolidada amizade e ofertas, como a família Olive de Marselha, rica de filhos e
de fé, e o inspetor de Nice, o qual, maravilhado da fábrica de papel, dizia a Viglietti
que “verdadeiramente Dom Bosco era o homem do século, que ele tinha resolvido a
questão social e operária”. Dom Bosco pousava também para um pintor de Brescia,
desejando corrigir enquanto estava vivo um quadro esboçado em base a uma pequena
fotografia.22
Permanecia em Mathi até 21 de agosto. De 22 de agosto a 12 de outubro dirigia-se
sucessivamente a Nizza Monferrato,23 San Benigno Canavese e Turim-Valsalice. Em
um lugar ou no outro, mas sobretudo no retiro de Mathi amadureciam e se revelavam as
melhores expressões de seu governo espiritual.
15 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 89-90.
16 Cf. “Il cardinal Nina”, BS 9(1885) n. 9, setembro, p. 130-131.
17 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 95.
18 Carta de 10 de agosto de 1885; E IV 516-517.
19 Carta de 18 de agosto de 1885; E IV 517.
20 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 96-99. Cf. cap. 30, § 2.
21 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 102.
22 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 86-106.
23 Cf. cap. 29, § 4.2.

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59.1 Page 581

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 581
2. Extraordinária vivacidade espiritual nas cartas de animação
Com efeito, esse homem de saúde frágil e sofredor de vários males mostrava em
tal situação extraordinária vivacidade de espírito e de coração. Esse momento forte
pode ser percebido em dois grupos de cartas escritas de próprio punho, entre o verão
e o outono de 1885, ricas de límpidas orientações de direção pedagógica e espiritual.
Foram endereçadas a salesianos que trabalhavam, em grande parte, na América, e a
alguns mais próximos, na França e na Espanha.
Motivos bem precisos provocaram, em agosto de 1885, as cartas a salesianos na
América.24 Segundo denúncias chegadas ao padre Rua e a outros membros do Capítulo
Superior, em certo colégio os métodos repressivos teriam prevalecido sobre os preven-
tivos: rigor de disciplina e de castigos em lugar de regras e avisos inspirados na racio-
nalidade e na amizade; repressões em vez de persuasão. Padre Rua gostaria de tê-lo
deixado de fora de notícias que podiam fazê-lo sofrer. Mas, tendo recebido um relatório
confiável de dom Cagliero sobre a situação, acreditou ser seu dever informar o superior.
A reação foi rápida, confiada a três lúcidas cartas autógrafas ao próprio dom Cagliero,
ao inspetor, padre Costamagna, e ao diretor de San Nicolás, padre Tomatis. De resto,
ele sabia que maneiras fortes na educação podiam penetrar também na Europa, uma vez
que em várias ocasiões era-lhe habitual chamar à prática da conhecida tríade “razão,
religião, amorevolezza”.
Com dom Cagliero, além de tocar o tema da preventividade, da qual escreveu mais
genericamente, poucos dias depois, ao padre Costamagna, tratava de problemas de
governo. A carta é datada de 6 de agosto. Nela dava, antes de tudo, precisas indicações
sobre a forma de agir para obter subsídios da Obra da Propagação da Fé e da Obra da
Santa Infância: usar os módulos apropriados, dar informações sobre viagens missio-
nárias, fornecer dados sobre os neófitos conseguidos, tornar conhecidas “viagens,
comércio e descobertas”. Falava também de hipotéticos bispos coadjutores que deviam
ser nomeados para a imensa Arquidiocese de Buenos Aires. Chegava, por fim, ao tema
mais premente, o “espírito salesiano”, em predominante ótica educativa. Informava:
“Preparo uma carta para padre Costamagna, e para tua norma, abordarei em especial o
espírito salesiano que desejamos introduzir nas casas da América. Caridade, paciência
e doçura, jamais admoestações humilhantes, jamais castigos; fazer o bem a quem se
pode, o mal a ninguém. Isso vale para os salesianos entre si, entre os alunos, e com
outros, externos ou internos. Para as relações com nossas Irmãs usa de muita paciência,
mas de rigor na observância das Regras”.25
A carta ao padre Costamagna era intencionalmente pragmática, para servir “de
norma para tornar verdadeiros salesianos” o destinatário e os outros irmãos. Para tal
24 Cf. F. Motto, “Tre lettere a salesiani in America”, in: P. Braido (ed.), Don Bosco educatore,
p. 439-452.
25A dom Cagliero, 6 de agosto de 1885; E IV 327-329.

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582 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
finalidade oferecia um “esboço” do que se deveria pregar no curso dos próximos exer-
cícios espirituais. “Eu mesmo gostaria de fazer a todos – escrevia – uma pregação,
ou melhor, uma conferência sobre o espírito salesiano que deve animar e guiar nossas
ações e todo o nosso discurso. O sistema preventivo seja nosso. Jamais castigos penais,
jamais palavras humilhantes, jamais reprovações severas diante de outros. Jamais
palavras mordazes, jamais um tapa forte ou leve. Faça-se uso de castigos negativos, e
sempre de forma que os que forem avisados, tornem-se nossos amigos ainda mais que
antes, e não saiam envilecidos por nós”. Fixava, por fim, seu pensamento em dois enun-
ciados lapidares: “Todo salesiano se faça amigo de todos, jamais procure vingar-se;
perdoe com facilidade, e não traga novamente à baila o que já foi perdoado anterior-
mente”; “a doçura no falar, no agir e no avisar ganha tudo e todos”. Mas os mesmos
salesianos deveriam fazer a experiência pessoal disso, e o superior deveria favorecê-la
dando “a todos muita liberdade e muita confiança”. E padre Vespignani, o mestre dos
noviços, era convidado a ser claro “nestas coisas” e explicá-las aos aspirantes e noviços.
O inspetor deveria relembrar a todos os diretores mediante conferências, nas quais –
precisava – “ler e inculcar a leitura e a conhecimento de nossas Regras, especialmente
a parte que fala das práticas de piedade, a introdução que fiz às nossas mesmas Regras
e as deliberações tomadas em nossos Capítulos Gerais ou Locais”.26
No dia 10 escrevia uma longa e articulada carta ao prefeito apostólico da Patagônia
Meridional e da Terra do Fogo, padre Giuseppe Fagnano, com indicações pastorais
para o exercício de sua missão e empenhativos conselhos espirituais como superior
religioso. Eram palavras que brotavam da mente e do coração de um homem fisica-
mente cansado, mas de excepcional clareza de idéias. “Pode acontecer – colocava
como premissa – que sejam as últimas do amigo de tua alma”. Longe da comunidade,
por razões de ministério – recomendava a um homem de atividade frenética –, “deves
meditar incessantemente e ter na mente e no coração o grande pensamento: Deus me
”. Quando ao ministério, admoestava: “Em tuas viagens, breves ou longas, jamais
procure alguma vantagem temporal, mas unicamente a glória de Deus. Recorda-te bem
que teus esforços sejam sempre endereçados a prover às necessidades crescentes de
tua Mãe. Sed Mater tua est Ecclesia Dei, diz são Jerônimo. Onde fores, procura fundar
escolas, fundar também pequenos seminários para cultivar, ou menos, procurar alguma
vocação para as irmãs e para os salesianos”. Como religioso e superior – insistia –
“tuas leituras cotidianas sejam: nossas regras, especialmente o capítulo da piedade; o
prefácio feito por mim mesmo; as deliberações tomadas nos diversos Capítulos. Ama
muito e procura sustentar os que trabalham para a fé”.27
Ao padre Tomatis, em primeiro lugar, não economizava renovadas admoestações
sobre seu dever de diretor de dar informações ao superior geral sobre o andamento do
colégio. “Como minha vida – prosseguia – corre a largos passos para seu termo, assim
26Ao padre Costamagna, 10 de agosto 1885; E IV 332-333.
27 E IV 334-335.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 583
as coisas que desejo escrever-te nesta carta são as que te recomendaria no último dia
de meu exílio. Meu testamento para ti”. Eram pensamentos de espiritualidade religiosa
salesiana madura: “Conserva fixo na mente que te fizeste salesiano para salvar-te; prega
e recomenda a todos os nossos irmãos a mesma verdade”. “Recorda-te que não basta
saber as coisas, mas é preciso praticá-las”. “Procura ver tuas obrigações com teus olhos.
Quando alguém faz faltas, ou deixa de fazer suas obrigações, avisa-o prontamente,
sem esperar que os males se multipliquem”. “Com teu modo exemplar de viver, com a
caridade no falar, em mandar, em suportar os defeitos dos outros, muitos virão para a
Congregação. Recomenda constantemente a freqüência aos sacramentos da confissão e
da comunhão. As virtudes que te tornarão feliz no tempo e na eternidade são a humil-
dade e a caridade. Sê sempre amigo, o pai dos nossos irmãos. Ajuda-os em tudo o que
podes nas coisas espirituais e temporais, mas sabe servir-te deles em tudo o que pode
ser útil para a maior glória de Deus”. Exortava, enfim, que desenvolvesse as várias
coisas em benefício próprio e dos outros.28
Nos dias 9 e 10 de agosto tinha enviado cartas também a responsáveis de obras sale-
sianas que se encontravam na França e na Espanha, onde se espalhava o cólera: padre
Paolo Albera, inspetor na França, padre Ernesto Giovanni Oberti, diretor em Utrera,
e padre Giovanni Branda, diretor em Barcelona-Sarriá. Aí se entrelaçavam referên-
cias à epidemia em curso e aos já conhecidos remédios espirituais preventivos, mas
também o convite para se oferecer as casas para receber os órfãos por causa do cólera,
quantos pudessem ser acolhidos, enquanto manifestava a disponibilidade dos supe-
riores centrais, em primeiro lugar do padre Rua, para prover o que fosse necessário.
Ao padre Albera, em particular, dizia amavelmente: “Minha saúde, de tempos para
cá, piora dia a dia, mas agora, enquanto te escrevo, me sinto perfeitamente bem. Creio
que seja pelo grande prazer que sinto ao te escrever”. Interessava-se igualmente pelas
precárias condições psíquicas do padre Barruel, que compreendia em base às categorias
do homem comum do tempo: “Dize-me um pouco se nosso querido mas pobre padre
Barruel continua em suas fixações, ou então manifesta alguma idéia de melhoramento”.
E acrescentava, deslocando a atenção sobre outro fronte: “Oferece-te para receber os
órfãos do cólera como no ano passado: Deus nos ajudará”.29 Com idêntico coração
encorajava o jovem neodiretor do colégio de Utrera: “Se, por acaso, te encontrares em
dificuldade para ajudar as crianças órfãs do cólera, dize-me e estudaremos a forma de
vir em seu socorro”. Sugeria ainda, como “potente antídoto contra o cólera”, trazer
a medalha de Nossa Senhora Auxiliadora, a freqüente comunhão e cotidianamente a
jaculatória Oh Maria Auxilium Christianorum ora pro nobis.30 Sugeria esse mesmo
“antídoto” ao diretor da obra de Sarriá, informando-o também da própria saúde: “Minha
saúde está melhorando e já posso assumir algumas atividades mais especiais”.31
28Ao padre Tomatis, 14 de agosto de 1885; E IV 336-337.
29 Carta de 9 de agosto de 1885; E IV 330.
30 Carta de 10 de agosto de 1885; E IV 330-331.
31Ao padre Branda, 10 de agosto de 1885; E IV 332.

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584 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Outro grupo de cartas, de corte pastoral e espiritual, era endereçado a salesianos
na América, entre 24 de setembro e 5 de outubro, estando em Turim-Valsalice, San
Benigno Canavese e Turim-Oratório. Os destinatários eram padre Giovanni Allavena,
diretor-pároco da obra de Paysandú (Uruguai), padre Luigi Lasagna diretor do Colégio
de Vila Colón (Montevidéu, Uruguai) e inspetor para o Uruguai e o Brasil, padre
Lorenzo Giordano, diretor do Liceu Coração de Jeus (São Paulo, Brasil), e clérigo
Giovanni Beraldi, do colégio de Almagro (Buenos Aires). Nessas cartas transpareciam,
seguros e persuasivos, os traços distintivos de sua espiritualidade religiosa e salesiana,
permeada de intensa paternidade.
“Julgo oportunno escrever-te ao menos uma carta – assegurava ao padre Allavena
– que te recorde o afeto que este teu pai sempre teve e continua tendo. Antes de tua
partida para a América recomendei-te calorosamente a observância de nossas Regras”.
“Além do texto de nossas Regras, tirarás grande vantagem com a freqüente leitura das
deliberações tomadas em nossos Capítulos Gerais”. “Como pároco usa toda a caridade
com teus padres, para que te ajudem com zelo no sagrado ministério, e tem cuidado
especial das crianças, dos doentes e dos velhos”; “toda solicitude, toda fadiga, toda
despesa para conseguir uma vocação nunca é demais”. “Praebe teipsum exemplum
bonorum operum, mas procura que esse bom exemplo resplenda na rainha das virtudes,
na castidade”.32
Ao confiável e dinâmico padre Lasagna oferecia, recolhido em síntese, como “testa-
mento”, o que havia dito nas cartas precedentes aos salesianos na Argentina. “Há vários
meses desejava escrever-te, mas minha mão velha e preguiçosa levou-me a diferir
esse prazer. Mas agora que o sol vai ao ocaso, julgo útil deixar-te alguns pensamentos
escritos como testamento daquele que sempre te amou e te ama. Tu escutaste a voz
do Senhor e te consagraste às missões católicas. Acertaste”. “Nós queremos almas e
nada mais. Procura fazer essa verdade ecoar nos ouvidos de nossos irmãos”. Passava,
a seguir, ao tema já dado ao inspetor na Argentina, como objeto de reflexão nos exer-
cícios espirituais: “Insiste na caridade e doçura de São Francisco de Sales, a quem
devemos imitar: sobre a observância exata de nossas Regras, sobre a leitura constante
das deliberações capitulares, meditando atentamente os regulamentos particulares das
casas. Acredita-me, caro padre Lasagna, tive que tratar com alguns de nossos irmãos
que ignoravam estas nossas deliberações, e outros que jamais leram essas partes das
Regras ou da disciplina que dizem respeito aos deveres que lhes são confiados. Outra
praga que está nos ameaçando é o esquecimento, ou melhor, a desatenção das rubricas
do breviário e do missal. Estou persuadido que um curso de exercícios espirituais traria
ótimos resultados se conduzisse o salesiano à exata celebração da missa e do breviário.
O que mais recomendei a quem pude escrever nestes dias é a cultura das vocações,
tanto dos salesianos quanto das Filhas de Maria Auxiliadora. Pesquisa, faz projetos,
não olhes para as despesas, contanto que se obtenha algum padre para a Igreja, espe-
32 Carta de 24 de setembro de 1885; E IV 340-341.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 585
cialmente para as missões”. “Tenhamos todos coragem. Maria abençoa e protege nossa
Congregação. O auxílio do Céu não faltará; os operários aumentam, o fervor parece que
cresce, os meios materiais não são abundantes, mas são suficientes”.33
Terás certamente não poucas dificuldades, especialmente no princípio de uma
missão tão grande como é a de São Paulo, não é verdade? – escrevia ao padre Lorenzo
Giordano, diretor do novo colégio de Niterói – Tu deves, portanto, cuidar e procurar
companheiros e buscar vocações”. “Aqui nós não temos muitas, contudo se pudesses
enviar-nos também algumas centenas, isto seria muito bom; nós procuraremos
instruí-los e mandá-los de volta, mas em condições de poder te ajudar nas Missões até
Mato Grosso”.34
Não se esquecia de um jovem clérigo do colégio Pio IX de Almagro (Buenos Aires),
que lhe tinha escrito em agosto, confidenciando-lhe as próprias angústias de consciência
e os próprios propósitos. Quase se desculpava da demora em responder, falando do mau
estado de sua saúde: “Não te inquietes se não te escrevo: estou quase na impossibildiade
de fazê-los pelos meus incômodos corporais. Estou quase cego e quase impossibilidade
de caminhar, escrever e falar. Que queres? Sou velho, seja feita a santa vontade de
Deus”. Não obstante – assegurava –, cada dia rezo por ti, e por todos os meus filhos, e
quero que todos sirvam de boa vontade o Senhor com santa alegria, também em meio às
dificuldades e às perturbações do diabo: estas serão fugazes com o sinal da santa cruz,
com Jesus, Maria misericórdia, com viva Jesus e, sobretudo, desprezando-as com o
vigilate et orate e com a fuga do ócio e de toda a ocasião propícia. Depois, quanto aos
escrúpulos, somente a obediência a teu diretor, aos superiores, pode fazê-la desaparecer.
Não te esqueças, porém, que vir oboediens loqueatur victoriam. Aprovo que promovas
a devoção ao santíssimo sacramento. Faz também que teus alunos sejam verdadeiros
devotos de Maria Santíssima e amantes de Jesus sacramentado, e com o tempo e com
a paciência, Deo iuvante, farás prodígios”. A saudação espelhava o estado de ânimo do
momento: “Reza tu também pelo teu velho amigo e pai”.35
3. Caminhando para o inevitável anúncio do padre Rua vigário sucessor
Em 23 de agosto, Dom Bosco celebrava em Nizza Monferrato a missa da comu-
nidade e assistia à vestição e profissão religiosa de muitas irmãs. Na manhã seguinte
retornava. Após o almoço no Oratório, dirigia-se a San Benigno, colocando-se imedia-
tamente à disposição dos que faziam os exercícios espirituais.36
O cronista mostra como Dom Bosco, muitas vezes, chorasse, sobretudo na cele-
33 Carta de 30 de setembro de 1885; E IV 340-341.
34 Carta de 30 de setembro de 1885; E IV 341-342.
35Ao clérigo Giovanni Beraldi (1864-1940), 5 de outubro de 1885; E IV 343.
36 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 108.

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586 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
bração da santa missa e ao dar a bênção final. “Também quando fala – anotava –, para
não chorar, precisa se desviar dos argumentos que comovem”.37 Dom Bosco ficava
em San Benigno depois dos exercícios. Em 30 de agosto o secretário anotava: “Seja
a prostração de forças, seja o mau tempo, fazem Dom Bosco sofrer, há algum tempo,
graves inconvenientes... Poucas vezes eu o vi sofrer tanto”.38 O mesmo Dom Bosco
confirmava isso parcialmente em algumas cartas: “a saúde impediu-me por alguns dias
de escrever-vos. Hoje está um pouco melhor”;39 “estou aqui em San Benigno Canavese,
muito cansado”.40 Também padre Cerruti dava confirmação ao diretor de Alassio, padre
Luigi Rocca: “Notícias não muito boas de Dom Bosco que ficou em San Benigno.
Duvida-se que venha a Lanzo etc. Rezemos”.41 Vinte dias depois podia anunciar-lhe
que Dom Bosco estava “bastante melhor”.42
De 4 a 28 de setembro Dom Bosco ficava em Valsalice, onde os salesianos parti-
cipavam dos vários cursos de exercícios espirituais. Foram bem duas, em 14 e em 24
de setembro, as visitas pessoais do cardeal Alimonda, acompanhado no primeiro dia
do teólogo Margotti, diretor de L’unità cattolica, e do canônico Forcheri, secretário da
Comissão para o Voto degli Italiani em apoio da construção da Igreja Sagrado Coração,
e no dia 24 do teólogo Margotti e de outras “conspícuas personagens”. Ali permane-
ceram também para o almoço e à tarde.43 Também nessas semanas não faltam notícias
sobre sua saúde. Em 14 de setembro o secretário anotava: “Estamos sempre aqui por
causa da saúde de Dom Bosco, que melhorou bem”;44 “estou meio cego e escrevo com
dificuldade”, informava Dom Bosco;45 “tornei-me muito velho e semicego”;46 “como
notareis, estou meio cego e encontrarás dificuldade para ler minha carta; perdoai-me,
tende paciência”.47
Evidentemente, Dom Bosco, nessas semanas, devia ter refletido, embora interior-
mente combatido, sobre a idéia de dissolver clara e definitivamente o nó do vigário
sucessor, uma situação que, oficialmente, tinha ficado num estranho limbo. A solução
final era antecipada por suas declarações unívocas. Na sessão capitular de 22 de junho
de 1885, ele tinha falado da função do padre Rua junto a ele. Embora sem acenar ao
fato que seu mais próximo colaborador já fora nomeado pela Santa Sé vigário sucessor,
37 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 109.
38 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 110.
39Ao Conde Colle, 2 de setembro 1885; E IV 518.
40Ao padre De Agostini, 2 de setembro de 1884; E IV 338.
41 Carta de 1º de setembro de 1885, ASC F 381, orig. aut. 3 ff.
42 Carta de 18 de setembro de 1885, ASC f 381, orig. aut. 2 ff.
43 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 114 e 116. Haverá uma outra,
longa, na parte da tarde de 3 de novembro no Oratório (Ibid. p. 122).
44 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 114.
45 À senhora Maggi, 15 de setembro de 1885; E IV 339.
46Ao padre Allavena, 24 de setembro de 1885; E IV 340.
47Ao conde Colle, 27 de setembro de 1885; E IV 519.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 587
afirmava: “É preciso, pois, que padre Rua se emancipe de tudo e sirva unicamente para
Dom Bosco e esteja unido a ele, porque Dom Bosco não pode mais continuar assim.
Se Dom Bosco puder apoiar tudo sobre padre Rua, se ele estiver livre de toda outra ativi-
dade, poderá ajudar com sua experiência, e até ir mais adiante. É preciso que procure a
beneficência com cartas, visitas não somente em Turim, mas em Gênova, Milão, Roma.
Até agora isso foi feito por Dom Bosco, mas agora não pode mais. É necessário um
outro que faça em seu nome”.48 Estranhamente, poucas semanas depois, na citada carta
ao padre Costamagna de 10 de agosto, sem referências alguma ao padre Rua, tinha
projetado uma singular hipótese: “Por quanto for possível, quero deixar a Congregação
sem embrulhadas. Por isso tenho na mente estabelecer um meu vigário geral que seja
um alter ego para a Europa, e um outro para a América. Mas a este respeito receberás a
seu tempo instruções oportunas”.49 Parece que até então não tenha considerado urgente
a comunicação oficial à Sociedade Salesiana da nomeação do vigário, também porque
durante o ano de 1885 os incômodos de saúde não lhe tinham impedido a maior parte
dos atos de governo oficiais. Das 47 sessões capitulares daquele ano, bem 37 foram
presididas por ele; de 1886 são registradas 8, todas com sua presença; mesmo das
42 acontecidas em 1887, ele presidiu 12. De outro lado, diante do público, em parti-
cular dos benfeitores e dos cooperadores, continuava a parecer relevante, e até mesmo
insubstituível, sua figura de superior geral.
Enfim, na sessão capitural de 24 de setembro de 1885, anunciava o propósito de dar
execução à decisão pontifícia sobre o vigário sucessor em vigor já há dez meses. “Dom
Bosco – dizem as atas do Capítulo – tomou a palavra: O que devo dizer-vos reduz-se
a duas coisas. A primeira diz respeito a Dom Bosco, que atualmente está pela metade
e tem necessidade de alguém que lhe faça as vezes. A outra diz respeito ao vigário
geral, que assuma as coisas que fazia Dom Bosco e se encarregue de tudo o que é
necessário para o bom andamento da Congregação: embora ao tratar das tarefas esteja
seguro que ele levará, de boa vontade, as advertências de Dom Bosco e dos irmãos, e
ao assumir esse encargo não pretenda outra coisa senão vir em auxílio da Sociedade
Salesiana. Dessa forma, quando estiver morrendo minha morte, não se altere em nada a
ordem da Congregação. Portanto, o vigário deve prover de forma que as tradições que
agora temos se mantenham intactas (...). Meu vigário geral na Congregação será padre
Michele Rua. Esse é o pensamento do santo padre que me escreveu por meio de dom
Jacobini. Desejando dar a Dom Bosco todo apoio possível, perguntou quem poderia
fazer minhas vezes. Respondi que preferia padre Rua, porque é um dos primeiros
também na ordem de tempo na Congregação, porque já há alguns anos exercita esse
ofício, porque essa nomeação encontraria o aval de todos os irmãos. Sua Santidade
respondeu há pouco tempo por meio do Exmo. cardeal Alimonda: Está bem!, apro-
vando destarte minha escolha. De agora em diante padre Rua fará as minhas vezes em
48 Capitolo Superiore, fol. 62r, FdB 1.882 B 3.
49 E IV 333.

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588 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
tudo. O que eu posso fazer, ele poderá também. Tem plenos poderes do reitor-mor.
Aceitações, vestições, escolhas de secretaria, delegações etc. Mas, nomeando padre
Rua como vigário, é necessário que ele esteja totalmente à minha disposição, renun-
ciando pois ao encargo de prefeito da Congregação. Portanto, valendo-me da faculdade
que as Regras me concedem, no meio como prefeito da Congregação padre Celestino
Durando, até então conselheiro escolar (...). No lugar do padre Durando como conse-
lheiro escolar fica nomeado padre Cerruti”. Concluía encarregando “o secretário do
Capítulo de redigir uma circular anunciando a todas as casas da Congregação a nome-
ação do novo vigário geral”.50
Em 4 de outubro Dom Bosco se dirigia a San Benigno Canavese, onde assistia à
profissão religiosa de 45 noviços e, no dia 11, realizava a vestição clerical de 60 jovens.51
No dia seguinte retornava a Turim. Dom Bosco se fazia presente a benfeitores de Nice
e de Toulon por meio de uma visita do padre Rua, enquanto por carta dava notícias
sobre sua saúde: “Creio que padre Rua, neste momento, já terá feito, de minha parte,
os devidos agradecimentos a V.S., caro senhor Levrot, e ao caridoso senhor Montbrun.
A vista e as outras minhas forças vitais diminuíram bastante, e com dificuldade posso
me servir”;52 “padre Rua voltará daqui a poucos dias e nos trará vossas notícias”.53
“Tu compreendes facilmente quantas coisas gostaria de escrever sobre este ponto, mas
com muita dificuldade consigo manter a pena na mão”, confiava ao salesiano conter-
râneo diretor em Florença.54
Nas semanas sucessivas foram registradas visitas ilustres ao fundador da Sociedade
Salesiana: cardeal Alimonda, em 3 de novembro; no dia 15, dom Francesco Sogaro
(1839-1912), sucessor de dom Comboni e vigário apostólico da África Central, fugido
do Egito, de El Mahdi, hóspede do padre Dalmazzo no Sagrado Coração, e Dom
Pierre-Hector Couillié (1824-1912), bispo de Orléans, futuro cardeal; e novamente,
em 10 de dezembro, cardeal Alimonda.55 Eram dias de renovada vitalidade. “Deixei
tua mensagem ao muito amado Dom Bosco, que está muito bem”, comunicava padre
Cerruti ao padre Rocca, em 8 de novembro. Mais adiante confirmava: “Dom Bosco está
muito bem, vem almoçar e jantar com o Capítulo, confessa os jovens de quarta e quinta
ginasial em seu quarto, recebe etc. Deo gratias”.56
Em 8 de dezembro, o secretário registrava a alegria dos irmãos em ter Dom Bosco
ao almoço e dar a bênção eucarística na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, coisa que
50 Capitolo Superiore, fol. 82v-83r, FdB 1882 E8-9. Também padre Cerruti dava notícias ao
padre Rocca, que se tornava assim “diretor completo de nome e de fato”; carta de 25 de
setembro de 1885, ASC F 381, orig. aut. 4 ff.
51 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 121-122.
52 Ao senhor Levrot, 21 de novembro de 1885; E IV 345.
53Ao conde Colle, 27 de novembro de 1885; E IV 519.
54Ao padre Stefano Febraro, 30 de outubro de 1885; E IV 344.
55 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 122, 124, 130,
56 Carta de 8 de novembro de 1885, ASC 38 Alassio.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 589
fazia muito raramente. “Vi – anotava o cronista – toda a população acotovelando-se
para vê-lo, em mais de um vi brotar lágrimas de comoção em ver esse venerando velho
que gastou-se todo pelo bem da juventude”. “À tarde – informa – fez a conferência aos
irmãos. Leu-se nela a carta circular para a criação do vigário geral da Congregação.
Depois Dom Bosco falou”, recordando entre outra coisa a Ave-Maria recitada “junto
com aquele jovenzinho na Igreja São Francisco (Bartolomeu Garelli)”.57 Na circular aos
salesianos, em 8 de dezembro de 1885, redigida pelo padre Lemoyne e corrigida por
Dom Bosco, era habilmente condensado o que estava contido na Ata da sessão de 24 de
setembro. Dom Bosco, porém, tinha intervindo em relação aos esboços com correções
que procuravam reduzir o notável intervalo entre a efetiva intervenção pontifícia e seu
anúncio. Somente “algum tempo faz” tinha lhe escrito dom Jacobini; “mais ou menos
poucas semanas atrás” o papa tinha manifestado “sua satisfação” à proposta do padre
Rua como vigário. Ao invés, ele atenuava em favor do vigário “com plenos poderes” a
diarquia enunciada nos esboços, como se quer ainda presente: “tudo aquilo que eu posso
fazer, poderá fazer ele também, tendo comigo plenos poderes”. À conclusão, acrescen-
tava de seu punho um parágrafo inteiro com aceno à saúde “bastante melhorada” e ao
propósito de dedicar as “forças e os dias” restantes “totalmente para a vantagem de
nossa humilde Congregação e em proveito de nossas almas”.58
Seguiam breves notas de fim de ano: no período da tarde de 10 de dezembro, cardeal
Alimonda visitava Dom Bosco e se entretinha “longamente” com ele. No dia 13 Dom
Bosco reunia, na biblioteca, os jovens da quarta e quinta ginasial, falando de vocação
e distribuindo muitas castanhas. No dia 29 padre Cerruti informava padre Rocca que
Dom Bosco tinha gostado muito dos augúrios dos jovens sócios das Companhias do
Santíssimo Sacramento e da Imaculada do Colégio de Alassio: “entristeceu-se – pros-
seguia – por não poder, naquele momento, por causa da vista e do cansaço, escrever ele
próprio duas palavras de agradecimento”. Acrescentava, contudo: “Continua bastante
bem de saúde, e parece que o afeto a seus filhos cresça nele com os anos, de tal forma
que, quando devo deixá-lo por alguns dias, malgrado todo entendimento com ele, no
momento se vê que sofre”.59
Enfim, para 1886 Dom Bosco dava a estréia costumeira, pregando para o novo ano
“desgraças e calamidades e, em casa, seis mortos”.60 A reunião habitual dos ginasiais se
repetia em 3 de janeiro, com outra distribuição de nozes, segundo o cronista, prodigio-
samente multiplicadas, com réplica de idêntico portento do dia 31 agora em benefício
dos ausentes, em 3 de janeiro. O fato, conforme o encantado cronista, tinha conduzido
Dom Bosco a contar “a prodigiosa multiplicação acontecida uma vez das hóstias e das
castanhas”.61 Cronista e jovens estavam ávidos de coisas extraordinárias.
57 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 128-130.
58 E IV 348-349. O cursivo é nosso.
59 Carta de 29 de dezembro de 1885; ASC F 381, orig. aut. 2 ff.
60 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 130-132.

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590 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
A festa de São Francisco de Sales em 29 de janeiro de 1886 foi soleníssima.
O pontifical celebrado pelo bispo de Cuneo, dom Valfrè di Bonzo, teve assistência do
cardeal Alimonda, com execução da esplêndida missa de Haydn. O ofício de vésperas
foi também sugestivo. O panegírico foi tecido pelo bispo de Ivrea, Davide Riccardi, que
seria nomeado sucessor de Alimonda em Turim. Não faltou um dramalhão do padre
Lemoyne, Vibio Sereno, com atos “alegres e bufões”, L’Aio in imbarazzo e Crispino e
la Comare. Dom Bosco esteve presente no almoço, “bastante forte de saúde”, “jovial
e sereno, como jamais se vira há algum tempo”, e não faltou, junto com o cardeal e a
Riccardi, ao entretenimento da noite, que terminou às 21h30.62 De manhã, Dom Bosco
tinha celebrado pela primeira vez no altar colocado numa sala ao lado de seu quarto: à
tardezinha o cardeal, acompanhado pelo bispo de Ivrea, tinha abençoado a capelinha
privada. “A função foi belíssima”.63
Em 1º de março o cronista registrava: “A fome, diz destes dias Dom Bosco, tira o
lobo de sua toca... e por isso sente-se obrigado e constrangido, ainda que alquebrado e
de pouca saúde, a fazer uma viagem e ir talvez até a Espanha. Já se está de acordo para o
dia da partida”.64 Padre Cerruti era menos negativo. “Dom Bosco continua bem”, “Dom
Bosco continua bastante bem”, escrevia a seu interlocutor privilegiado.65
Com a viagem se entrelaçavam as últimas fases de uma tratativa em vista de uma
fundação em Madri, iniciada já no outono de 1885. Aqui se acena para narrar depois,
em grandes linhas, a última viagem de Dom Bosco fora da Itália.
4. Fracasso da fundação em Madri
Como se viu, sobretudo nas conferências do último decênio, Dom Bosco tendia a
delinear quadros sombrios da condição dos jovens pobres e abandonados, periclitantes
e perigosos, potencialmente dedicados ao delito e ao cárcere e, por isso, necessitados
de assistência e de educação preventivas.66 Não é, portanto, singular que muitos tenham
pensado nele como gestor de obras de recuperação e de reforma, em outras palavras,
de casas correcionais. Entre estes estavam também os membros de uma comissão que,
em Madri, tinha tomado a iniciativa da fundação de uma Escola de reforma para jovens
e casa de correção paternal, sob o título de Santa Rita. No final das tratativas, Dom
Bosco e os seus terminaram por desmentir, de fato, a intenção de empenho em um
61 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 138-140 e 143.
62 “La festa di S. Francesco di Sales a Torino”, L’unità cattolica, n. 26, domingo 31 de janeiro
de 1886, p. 102.
63 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 133-135.
64 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 149-150.
65Ao padre Rocca, 19 de fevereiro e 3 de março de 1886; ASC 38 Alassio.
66 Cf. cap. 30, § 3.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 591
rígido instituto correcional daquele tempo.67
No curso da construção os madrilenos tiveram notícia do internato e das Oficinas,
recentemente iniciados pelos salesianos em Barcelona. Aí se dirigia o deputado
Francisco Lastres y Juiz (1848-1918) para se informar do sistema educativo seguido.
Padre Branda, como referia ele mesmo aos membros do Capítulo Superior na sessão
matutina de 22 de setembro de 1885, ocorrida em Valsalice, tinha dado a ler o livro de
d’Espney, provocando a reação de Dom Bosco, que afirmava preferir, no caso, o de
Du Boÿs. Este – explicava – “dá a conhecer nosso sistema, e descobriu o espírito da
nossa Sociedade”. Os que vieram de Madri – prosseguia padre Branda – continuavam
a falar de reformatório, enquanto ele tinha insistido em dizer-lhes “não ser esse nosso
objetivo”, “se se trata de correção não é nosso escopo”. Depois – informava ainda padre
Branda – “retornam; estão um dia inteiro no Internato para examinar o andamento, as
regras e os costumes da casa, e concluem que era preciso escrever a Dom Bosco”. Após
um mês ele foi convidado a Madri e, por insistência do núncio apostólico, dom Mariano
Rampolla, para aí se dirigia, esperado na estação – dizia – pelo deputado Lastres e
pelo senador Samuel Silvela (1830-1892), que assinavam as cartas de pedido.68 No dia
seguinte padre Branda estava presente em uma reunião dos membros da Comissão,
reunida para discutir a entrega da obra a Dom Bosco. À objeção de que suas regras não
colimavam com o que ele definia “o nosso sistema”, eles replicaram – referia ainda ao
Capítulo padre Branda – que, “para que se atinja o escopo, eles deixam livre ação”: “sua
intenção é que a juventude seja salva”. Nesse sentido tinham escrito a Dom Bosco.69
No curso da discussão entre os membros do Capítulo se perfilavam diferentes posi-
ções. Padre Durando pedia que se freassem as fundações. Padre Cerruti convidava a
refletir sobre a compatibilidade do projeto com o que também ele definia “o nosso
sistema”, que devia ser apresentado aos suplicantes de Madri. Padre Rua observava
que os madrilenhos estavam disponíveis a concessões e padre Branda recordava que
o “núncio e o ministro Silvela esperavam resposta”. Dom Bosco divagava recordando
quanto bem imprevisto tinham produzido direta ou indiretamente obras nascidas quase
que por acaso, convidando a estudar “as possibilidades da execução” e “depois mandar
alguém a Madri para estar lá, conhecer, ver e concluir”. Ele decidia, portanto, pela
formação de uma comissão, composta pelos padres Durando, Cerruti e Branda, “para
examinar o projeto de Madri e a forma de mudá-lo conforme nosso sistema”. Por fim –
continua a ata –, “Dom Bosco diz que nós também fôssemos condescendentes em tudo
o que não diz respeito à substância e que os meios não serão de obstáculo. Padre Rua
67 Cf. M. F. Núñez Muñoz, “San Juan Bosco y la educación de los jóvenes descarriados, en
España: un episodio (1885-1887)”, Educadores 24(1982), p. 501-516; F. Rodríguez de Coro,
“Los salesianos em Madrid. en la entraña del parlamentarismo español (1875-1902)”, in: F.
Motto (org.), L’Opera Salesiana dal 1880 al 1922, vol. II, p. 163-175.
68De 1863 ao 1883 foi deputado às Cortes e de 1883 senador durante a vida.
69 Cf. Capitolo Superiore, fol. 79r-80r, FdB 1882 E2-3.

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592 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
conclui que se conservasse nosso costume de ter sempre as duas classes, de estudantes
e de aprendizes”.70
Na sessão de 24 de setembro padre Cerruti lia “a carta de resposta à Comissão de
Madri”. O Capítulo a aprovava, estabelecendo que fosse “conservada no arquivo”, para
que servisse “de norma em casos semelhantes”. Dom Bosco assinaria esta e outra carta
ao núncio de Madri, anexando cópia da carta para a Comissão.71 A carta encorajava
a continuar as tratativas. Em 11 de outubro o núncio escrevia a Dom Bosco: “Uma
vez que, pela comunicação feita ao senhor Silvela, relevo com prazer o harmônico
acordo dos desejos desta Comissão de Patronato com sábias normas diretivas às quais
se informa a benemérita Congregação Salesiana, nutro confiança que esta possa, em
breve tempo, estender a Madri o campo de suas fadigas”.72
Terminada a construção do futuro instituto correcional, em 5 de março de 1886,
de Madri renovava-se a Dom Bosco, sem variações substanciais, o pedido original.73
Silvela recordava o encontro com Dom Bosco em novembro, quando com Lastres se
dirigia a Roma para o Congresso Penitenciário Internacional e anexava à carta um
memorial em francês com a história da obra e o texto da lei espanhola, de 4 de janeiro
de 1883, sobre institutos correcionais e a lista dos patronos fundadores. Tratava-se
sempre de um instituto correcional, sem alguma referência às reservas levantadas em
Turim. Dom Bosco assinava uma carta de resposta, concordada com padre Cerruti,
resolutamente negativa: “à parte a dificuldade de pessoal para os empenhos já exis-
tentes, a qualidade desse Instituto e sua forma disciplinar não me permite assegurar
este desejo recíproco. Malgrado toda a vontade de fazer o bem, não poderemos nos
afastar do que estabelece nosso Regulamento, do qual mandei cópia em setembro
p.p. Assim, seria possível para nós um instituto no modelo das Oficinas Salesianas
de Barcelona-Sarriá, mas não poderia ser igualmente uma escola de reforma sobre
as bases da de Santa Rita”. Não era, porém, a última palavra, uma vez que, prevendo
a viagem a Barcelona em abril, Dom Bosco exprimia a esperança de rever, naquela
ocasião, tanto Silvela como Lastres.74
Em 18 de abril, em Sarriá, acontecia um encontro entre o Lastres e padre Rua.
O madrilenho trazia consigo uma carta de recomendação do núncio.75 O vigário apre-
sentava as condições que depois apresentaria ao Capítulo Superior na sessão de 25 de
junho. Na Crônica de Viglietti se encontra uma versão singular, que espelha as impres-
sões do pequeno mundo que circundava, nesses dias, Dom Bosco. A informação foi
referida em 20 de abril, quando visitava Dom Bosco, com grande cortejo, “o bispo
70 Capitolo Superiore, fol. 80v-81r, FdB 1882 E4-5.
71 Capitolo Superiore, fol. 82v, FdB 1882 E8.
72 Cf. texto da carta em MB XVII 828.
73 Texto em MB XVII 828-829.
74Ao senador Manuel Silvela, de Alassio, em 17 de março de 1886; E IV 354.
75 Carta de 17 de abril de 1886; MB XVII 829-830.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 593
de Barcelona, um príncipe muito honrado”: “Leu-se ao bispo e a todos os reunidos a
carta que o arcebispo núncio apostólico em Madri escreveu a Dom Bosco em favor do
ministro Silvela, o qual insta sempre para que Dom Bosco instale uma casa em Madri,
uma vez que o edifício está pronto. Silvela enviou seu secretário, que é um deputado,
para que se encontrasse e se decidisse. Dom Bosco parece decidido realmente a aceitar,
tanto mais que em Madri se aceitam todas as condições de Dom Bosco”.76 De fato,
na carta de resposta ao núncio, de 22 de abril, ditada ao padre Rua, Dom Bosco se
demonstrava moderadamente disponível: “Falando com o claríssimo senhor Lastres,
encontramos uma forma de superar algumas dificuldades que, em seguida, pudessem
surgir. De modo que agora não resta outra coisa que fazer uma convenção entre nossa
Pia Sociedade e a Comissão que promove essa obra. Retornando a Turim, era esta uma
das primeiras ocupações: formular um projeto de convenção e expedi-lo ao egrégio
senhor Manuel Silvela, para que o submeta ao exame da sobredita Comissão. Por ora, a
dificuldade verdadeiramente grave que tivemos é a da falta de pessoal, mas esperamos,
com o auxílio da Providência, que se poderá superar também isso”.77
O Capítulo Superior se ocupava da questão pela última vez em 25 de junho de 1886.
A sessão foi presidida por Dom Bosco, mas a ata não registra nenhuma intervenção sua.
Na realidade, era padre Rua o moderador da discussão, que a impostava sobre bases
postas com Lastres em Sarriá. O vigário recordava as três categorias de jovens previstos
na Comissão madrilenha: os periclitantes recolhidos diretamente pela Casa, os que
tinham descontado no cárcere a condenação inflingida pelo tribunal, os de família de
posses cujos genitores os fizeram recolher por considerarem incorrigíveis. Depois se lia
a recordada carta de recomendação do núncio, de 17 de abril. Concluiu-se em aceitar,
contanto que fosse salvo o princípio da autonomia dos salesianos na direção e na admi-
nistração da obra. A seguir, eram colocadas as condições que deviam ser apresentadas
a Lastres pelo padre Rua em Barcelona: 1) retirar do Instituto o nome e a aparência de
casa correcional; 2) limitar, por ora, os cuidados dos jovens periclitantes da primeira
categoria; 3) por ora não aceitar nenhum pela polícia; 4) aceitar jovens somente jovens
dos 9 aos 14 anos; 5) poder livremente encaminhar aos estudos aqueles que forem
considerados idôneos. Padre Durando propunha anexar, com algumas modificações por
ele mesmo introduzidas, o texto da convenção formulada para o Orfanato de Trento.
Padre Rua propunha que fossem fixadas as quotas a serem pagas para cada jovem,
para o diretor, os professores e as pessoas de serviço. Padre Durando, ao invés, sugeria
deixar em branco a cifra precisa para que a indicasse a outra parte. Tudo era aprovado.
Padre Rua assumia o ônus de recolher as diversas indicações e de responder.78
A carta à Comissão de Madri, assinada por Dom Bosco em 8 de julho, era desti-
nada a ilustrar os termos da convenção.79 O signatário fazia aparecer em primeiro plano
76 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886 al maggio 1886, p.11.
77 Carta de Barcelona-Sarriá, 22 de abril de 1886; E IV 354-355.
78 Capitolo Superiore, fol. 92v, FdB 1883 B4.

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594 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
considerações de caráter educativo, de tal forma que não se encorajasse o prossegui-
mento da tratativa. Ele mesmo reconhecia que o projeto encontraria alguma dificul-
dade junto à Comissão, a começar pela condição inclusa na segunda parte do art. 2º da
convenção. De fato, terminava com prefigurar a assunção de uma instituição que não
respondia à pergunda: “Abrir-se-á o Instituto acolhendo jovens órfãos ou abandonados
pelos seus genitores, mas que não estejam atingidos por alguma condenação por faltas
cometidas”. “Com esse propósito – comentava – lhe darei algumas explicações: nosso
desejo seria que os jovens que saírem desse novo Instituto, que é destinado à educação
civil e cristã deles, não tenham que carregar consigo nenhuma marca de infâmia. Se
se dissesse que saem de uma casa de correção, de um reformatório, talvez fosse uma
mancha por toda a vida. Nós desejamos que seja tirado qualquer traço que pudesse
publicamente deixar crer que seja uma casa de correção. A tal fim somos do parecer
que traga o nome de Internato ou Instituto, e não de Reformatório ou Patronato etc.
Desejamos também que, ao menos por cinco anos, não seja admitido nenhum jovem
réu de condenação, justamente para acostumar o povo a não considerá-lo como casa
de correção. Isso se deseja também para se ter maior comodidade para procurar um
bom fundo de jovens bem encaminhados, que servirão para conduzir mais facilmente
ao trabalho e à virtude os outros que entrarão em seguida. Após o primeiro qüinqüênio,
esperamos poder admitir também, um pouco por vez, jovens já réus de condenação,
mas será conveniente que também então se faça o possível para que a coisa não transpa-
reça ao público”. Para o aspecto financeiro esperavam-se as propostas da Comissão. Ao
invés, quanto ao nome do Instituto, propunha-se substituir Santa Rita com o nome de
um santo, por exemplo Santo Isidoro. Agravará posteriormente as presumíveis impres-
sões negativas da Comissão a última coisa dita, seja embora “com grande desgosto”:
“e é que, sendo grande a falta de pessoal, por alguns anos não me será possível aderir
ao vosso e meu desejo. Será preciso esperar até 1888 ou a 1889, antes que eu possa ter
pessoal disponível para tal empresa”.80
Não parece que a carta tenha tido resposta, como advém do que Dom Bosco deve
ter acenado ao núncio de Madri, ao que este respondia: “Eu não saberia dizer por qual
motivo não se tenha dado resposta à comunicação com a qual V.S. remeteu ao senador
Silvela o projeto que lhe fora pedido. Creio que nestes dias terei ocasião de encontrar-me
com algum membro da família do senhor indicado, e V.S. pode estar bem seguro que
não deixarei fugir a ocasião de confirmar minha particular benevolência para com a
Congregação Salesiana”.81 Ao final, o reformatório foi aceito e mantido pelos membros
da Terceira Ordem Regular de São Francisco de Assis.
Na conferência de 12 de março de 1888, Lastres terminaria por reconhecer impli-
citamente as razões salesianas. A escolha da prevenção primária era inata em Dom
79O texto da convenção está reproduzido em MB XVII 830-831.
80 Carta de 8 de julho de 1886; MB XVII 604-605.
81Dom Rampolla a Dom Bosco, 5 de janeiro de 1877; MB XVII 832.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 595
Bosco pela experiência de jovem padre entre os encarcerados. Entre estes o santo tinha
compreendido que era muito mais vantajoso impedir as quedas que remediá-las com
meios repressivos. Do sistema da prevenção podiam-se ver a feliz aplicação e os abun-
dantes frutos na “primeira oficina salesiana de Espanha”, em Utrera, e nas oficinas
organizadas em Sarriá, próximo da indústria de Barcelona. Era natural que, tendo-lhe
sido feito o pedido para encarregar-se da Escola de Reforma de Santa Rita, de caráter
correcional, onde era indispensável a coação, Dom Bosco, embora entristecido, não
tenha querido afastar-se do sistema adotado em suas instituições. Nesse sistema, os
jovens eram sujeitados espontaneamente a uma disciplina que, embora séria, não era
incompatível com a bondade.82
5. Caloroso abraço da Catalunha
Em 2 de março, o sóbrio padre Cerruti dava a seu sucessor na direção do Colégio
de Alassio uma notícia sensacional: “Dom Bosco continua sempre bastante bem; pela
metade do mês partirá, parece, para Barcelona, daí para Paris, Bruxelas, Lille, depois
Marselha e para esta casa. O Senhor o assista! Mas é resoluto, porque quer completar
também a obra do Sagrado Coração, e por isso ele sabe que são necessárias também
suas viagens, suas dores, seus excessos. Que sublime exemplo de santa e enérgica
atividade! Mas rezemos!!!”.83 Alguns dias depois precisava: “Dom Bosco partirá na
próxima quinta-feira, 10 do corrente [11] para Sampierdarena e estará aí na segunda-
feira seguinte, permanecendo até quinta-feira, partindo depois para Mentone e Nice.
Será acompanhado pelo padre Cerruti até esta última cidade ou, quem sabe, até o final
de sua chegada, lá pelo dia 23, quando, creio, deverá chegar padre Rua”.84 Na realidade,
a viagem de Dom Bosco, acompanhado pelo clérigo Viglietti e, na primeira fase, pelo
padre Cerruti e pelo padre Sala, começava às 14h30 de sexta-feira, 12 de março, com
etapas nas casas da Ligúria e da França meridional, tendo como meta Sarriá-Barcelona.
No decurso desta, o jovem secretário, ainda estudante de teologia, em sua devoção
incondicionada, terminava por dar um acento particular aos traços numinosos e tauma-
túrgicos da figura de seu Pai. De outro lado, os militantes católicos mais representativos
de Barcelona – leigos e eclesiásticos –, tendo sob os olhos as incipientes Oficinas sale-
sianas, exaltavam-no como educador e operador social, quiçá mesmo como solucio-
nador da questão social operária.85
82 Cf. Don Bosco y la caridad en las prisiones. Conferência pronunciada no Ateneo de Madri,
em 12 de março de 1888, por Francisco Lastres, Doutor em Direito Individual da Comissão de
Códigos Estrangeiros do Conselho Penitenciário e Deputado da Corte por Mayagüez. Madri,
Tipografia de M. G. Hernández, 1999, p. 9, 13-14, 17.
83 Carta ao padre Rocca, 2 de março de 1886; ASC F 381, orig. aut. 4 ff.
84 Carta ao padre Rocca, 5 de março de 1886; ASC F 381, orig. aut. 3 ff.

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596 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Na capital catalã o esmoler de sempre caminhava e se apresentava, desejando
envolver no mesmo movimento de fé e de caridade novos grupos de pessoas, que
compartilhassem a concepção de vida: trabalhar a própria salvação temporal e eterna,
cooperando com a beneficência para a salvação comum dos jovens, de todos os jovens,
não somente artesãos ou operários, mas também estudantes e os que estão dispersos
no mundo da emigração e nas missões, sem esquecer os chamados para a vida eclesi-
ástica nas mais variadas formas. E era esse o modo, não de resolver a questão social
em sentido próprio, que Dom Bosco não conhecia em sua especificidade, mas de forjar
indivíduos com qualidades humanas, morais e religiosas – “bons cristãos e honestos
cidadãos” –, a ponto de garantir o advento de uma sociedade especular a estes. Era esse
o motivo condutor de seus apelos à beneficência para instituições destinadas a trans-
formar os jovens pobres e abandonados, periclitantes e perigosos, em membros dignos
da tríplice cidadania: civil, eclesial e celeste. Por eles ia à busca insessante de ajuda
financeira, nesse momento ainda mais urgente em vista da finalização da Igreja Sagrado
Coração e da construção do internato anexo. E se o dinheiro era indispensável para
a consecução destas causas salvíficas, não era menos necessário para a salvação dos
mesmos doadores, sobre os quais incumbia o peremptório preceito evangélico – não
simples conselho! – da esmola e da caridade social. Era a mercê mais alta, garantida
pela promessa de Deus, o qual, pela intercessão da Virgem Auxiliadora, podia inte-
grá-la também com a concessão das mais prodigiosas graças materiais e espirituais.
Os pedintes sabiam que coisa deviam fazer: recorrer ao sacerdote abençoador, aproxi-
mar-se dos sacramentos da penitência e da eucaristia, recitar determinadas orações e
fazer uma oferta para as obras em favor dos jovens.
Sobre o fator taumatúrgico, Dom Bosco tinha traçado linhas essenciais alguns meses
atrás, em suas secretas Memórias desde 1841, acentuando os verdadeiros autores a
poucas páginas de distância. Não negava, por certo, a inseparável presença do milagroso
na beneficência salesiana: “Note-se, afirme-se, pregue-se sempre que Nossa Senhora
Auxiliadora obteve e obterá sempre graças especiais, até mesmo extraordinárias e mila-
grosas, para os que concorrem em promover educação cristã à juventude periclitante
com obras, com o conselho, com bom exemplo ou simplesmente com a oração”. Mas
admoestava a não se equivocar sobre a identidade do taumaturgo. “Eu recomendo forte-
mente a todos os meus filhos que tomem cuidado, quer ao falar quer ao escrever, para
jamais narrar nem afirmar que Dom Bosco tenha obtido graças de Deus ou tenha, de
qualquer forma, operado milagres. Cometeria um erro danoso. Embora a bondade de
Deus tenha sido na medida generosa para comigo, jamais tive a pretensão de conhecer
ou de realizar coisas sobrenaturais. Eu não fiz outra coisa que rezar e pedir graças ao
Senhor por almas boas. Além disso, tenho experimentado como são eficazes as preces
e as comunhões dos nossos jovens: Deus piedoso e a sua Santa Mãe Santíssima vieram
85 Cf. a citada monongrafia de R. Alberdi, Una ciudad para un santo: los orígines de la obra
salesiana en Barcelona.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 597
em nosso socorro nas necessidades. Isso se verificou especialmente cada vez que está-
vamos na necessidade de prover a nossos jovens pobres e abandonados, e mais ainda
quando estes se encontravam em perigo das suas almas”.86
Na viagem de aproximação, relativamente rápida, da capital catalã ao longo da praia
de poente, as condições de saúde do protagonista tendiam ao variável. “A noite foi para
Dom Bosco muito ruim”, registrava o cronista desde o primeiro dia; e após poucas
horas, “nota-se em Dom Bosco uma clareza singular de mente, uma argúcia espirituosa
etc.” Análogas eram as anotações do dia seguinte: “Dom Bosco está muito cansado”,
“parece que Dom Bosco não poderia mais respirar, e contudo está feliz, tranqüilo, e
parece que esteja bem”. Mas em Gênova, após várias visitas a pessoas benfeitoras,
estava “cansado de morte”, o que não o impediu, já noite entrada, de narrar aos presentes
improváveis aventuras e astúcias de sua primeira ou segunda viagem a Roma. No dia 13
houve também uma bem participada e frutuosa conferência. A acolhida em Varazze foi
extraordinária, com a multidão que o acompanhava até seu quarto e à conferência sale-
siana, com choros e comoção de um lado e de outro.87 “Minha saúde é suficientemente
boa – anunciava de Alassio o protagonista a Clara Louvet –; se Deus quiser, sábado
partirei para Nice etc. até Barcelona e, nos primeiros dias de maio, espero estar de volta
em Turim”.88 As cenas de Varazze e de Alassio se repetiam em Nice, aonde chegava
em 20 de março. Na conferência dos cooperadores (24 de março), “falou comovido,
esteve lucidíssimo de mente”. “Multiplicam-se” as visitas. Dom Bosco “não tem mais
um instante de repouso”, mas “com as visitas se multiplica a caridade”, registrava o
secretário. Encontrava pessoas benfeitoras, predominantemente no grupo aristocrático,
também da Alemanha e da Rússia, esticando até Cannes e Toulon, em casa do conde
Colle.89 A ele, de Nice, tinha anunciado a visita em 26 de março: “Graças a Deus estou
ainda vivo. Segunda, à tarde, se Deus quiser, estarei consigo e poderemos discorrer,
como quisermos, de nossos negócios”.90 No final da visita à rainha de Württemberg, em
27 de março – anotava o cronista –, “ao longo das salas as damas faziam fila e davam
sinais de tristeza ao ver Dom Bosco caminhar tão sofredor”.91 Em 31 de março estava
em Marselha, recomeçando o árduo e frutuoso ônus das visitas, recebidas e feitas, acom-
panhadas de bênçãos e curas. O secretário anotava: “Dom Bosco está muito cansado.
A chegada de Dom Bosco a Marselha foi anunciada pelos jornais: a multidão que deseja
ver Dom Bosco é imensa, enchendo a portaria, os corredores e todos os lugares”.92
Em 2 de abril chegava de Turim o vigário da Congregação, padre Rua. Já no dia seguinte
Viglietti anotava: “Há dois dias padre Rua começou a estudar, melhor, a ler o livro do
86 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 105 e 103.
87 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 57-63.
88 Carta de Alassio do dia 19 de março de 1886; E IV 472.
89 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 65-72.
90 Carta de 26 de março de 1886; E IV 521. No dia 27 padre Cerruti voltava a Itália.
91 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 68.
92 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 73. Cf. p. 72-74.

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598 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
bispo de Milo [dom Marcelo Spínola], Dom Bosco e sua obra, e já sabe falar o espanhol
com alguma dificuldade, mas antes que cheguemos a Barcelona certamente ele o saberá
muito bem”.93 No dia 5, na presença de nobres e homens do dinheiro local, entre os
quais Rostand e Bergasse, realizava-se uma conferência caritativa, inconfundivelmente
conservadora, na qual o orador – lê-se na crônica – “falou muito bem de Dom Bosco e
de sua obra, que é a obra do dia. A sociedade operária recusa Deus, revolta-se contra os
soberanos e a nobreza. Dom Bosco educa seus jovens para a religião cristã, a fé cató-
lica”. Por isso – está subentendido –, ao respeito da ordem social. Falou também Dom
Bosco, entre soluços de pranto, seus e de seus ouvintes, que depois se amontoavam
“junto do quarto de Dom Bosco para receber sua bênção”.94
Às 5 horas da tarde de 7 de abril partiu de Marselha. Os viajantes chegaram a Port
Bou, primeira estação espanhola da fronteira, às 4 da manhã do dia seguinte. Lá os
esperavam padre Branda e o senhor Súñer, que tinha reservado um vagão-salão no
novo trem, no qual Dom Bosco pode recuperar as forças (padre Rua não quis quebrar o
jejum para poder celebrar depois a Missa). Em Mataró subiam a maior parte dos irmãos
Pascual, Narciso María, genro de dona Chopitea e cunhado de Luis Martí-Codolar,
ligação entre as famílias mais próximas de Dom Bosco, os Serra-Chopitea, os Martí-
Codolar, os Moragas e os Jover, unidas por vínculos de parentesco além da idêntica fé
e militância católica e do elevado status social e econômico. Na estação de França de
Barcelona acolhiam Dom Bosco representações das mais importantes associações cató-
licas, tendo à frente o vigário geral da diocese, em nome do bispo, dom Catalá Albosa
(1833-1899), então em visita pastoral: entre ele e Dom Bosco já tinha acontecido um
breve intercâmbio de cartas como prelúdio da fundação das Oficinas Salesianas em
Sarriá.95 Entre as cinqüenta carruagens disponíveis – assim o cronista! –, venceu a de
dona Dorotea Chopitea, que antes conduziu os hóspedes ao Palácio Serra para o café da
manhã, e depois, lá pelas 4 da tarde, ao Internato de Sarriá, um vilarejo de 7 mil habi-
tantes, a 5 quilômetros do centro da metrópole catalã, à qual se incorporaria em 1921.
Nos dias sucessivos, 9 e 10 de abril, têm-se duas anotações do secretário Carlo Viglietti,
que dizem muito do contexto no qual a visita se desenvolvia, da incansável busca de
subsídios financeiros e da mesma mentalidade do cronista, pertencente a uma família
da burguesia industrial turinense, claramente seletiva em registrar o público que afluía
até Dom Bosco. A “pequena Navarra”, como era considerada Sarriá, estava circundada
por pequenos vilarejos com populações homogêneas a elas, tradicionalmente religiosas,
dedicadas à agricultura, à horticultura e ao artesanato. Além das propriedades de ricos
barcelonenses, hospedavam não poucas comunidades religiosas. De qualquer modo,
“nesta tarde veio muita gente – anotava admirado o cronista no dia 9 –. Aqui, o que é
notável, não vem falar a Dom Bosco alguma pessoa que tem pouco, mas toda a grande
93 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 74.
94 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 76.
95 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 78.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 599
nobreza. O quarto está cheio dos maiores senhores e nobres de Barcelona”.96 “Não há
povo, tudo é nobreza – remarcava no dia seguinte –. Aqui só se espera a conferência
para conhecer Dom Bosco sob todos os seus aspectos, já que é conhecido somente sob
o ângulo de grande humanitário que instituiu muitas casas de caridade para acolher os
jovens, mas não se conhece Dom Bosco como um santo que realiza milagres, como um
grande douto literato etc.”97
O conhecimento de Dom Bosco em Barcelona, nas altas esferas eclesiásticas e
leigas, era, talvez, mais aprofundado que em Paris. Tal se viu em relação à fundação
em Utrera, ao arcebispo de Sevilha Lluch y Garriga, ao auxiliar Spínola Y Maestre,
ambos cooperadores salesianos, ao Dom Bosco e sua obra deste último, às tratativas
para Madri, à contínua propaganda em favor de Dom Bosco da Revista Popular do
padre Sardá y Salvany. Além do mais, Barcelona não era uma megalópole como Paris,
mas capital regional mais recolhida e de inter-relações mais intensas. Cidade com
270 mil habitantes (Paris contava com mais de 2 milhões), era rapidamente preenchida
pela presença do educador, do agente social, do homem de Deus, do santo. Havia reper-
cussão de sua presença não somente na imprensa católica, mas também na indepen-
dente, leiga e anticlerical.98
Tinham-no convidado para estar entre eles, secundados pelos salesianos na França,
famílias e pessoas de sólida fé católica e disponibilidade caritativa, muitos aderentes
a Associações de Católicos e às Conferências de São Vicente de Paula, pertencentes
ao mundo da cultura e da finança.99 A regista de sua permanência em Barcelona foi
a veneranda Dorotea de Chopitea (1816-1891), que, coadjuvada por outras esposas e
mães, respeitadas e com autoridade nas próprias famílias, e pelas filhas, circundava
Dom Bosco com as mais atentas e delicadas solicitudes. A residência ordinária de Dom
Bosco foi, contudo, o modesto internato de Sarriá, onde dava também as audiências.
Por causa do assédio, estas eram intercaladas por visitas e atos públicos, que o deslo-
cavam entre “familiares”, admiradores, devotos, afetuosos. Passava dias de inteiro
repouso na propriedade da família Pascual no sábado santo, 24 de abril, e em 3 de maio,
na esplêndida propriedade de Luis Martí-Codolar, com um grande jardim zoológico.
Em 10 de abril Dom Bosco fazia conferência para as Damas do Comitê, repre-
sentando as Cooperadoras Salesianas. “São todas condessas, marquesas, baronesas
96 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 80-81.
97 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 81-82.
98Das repercussões na imprensa, com polêmicas da parte laicista, que vê e avalia partindo de
baixo com própria sensibilidade social, cf. R. Alberdi, Una ciudad para un santo, p. 99-112
(para a imprensa burguesa e conservadora), 146-178 (para a polêmica entre direita e esquerda)
e 198-201 (sobre “milagres” de Dom Bosco, vistos pela esquerda operária).
99 Sobre a função das associações católicas barcelonenses e, em particular da “Associação de
Católicos”, em “interpretar Dom Bosco e elaborar e defender sua imagem pública”, escreveu
Ramón Alberdi, “Don Bosco e le associazioni cattoliche in Spagna”, in: Don Boscco nella
storia, p. 177-204.

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600 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
etc.”, anotava com inoxidável complacência o atônito e rápido secretário: “Todas muito
gentis, boas e caridosas, todas condessas, marquesas e nobres”.100 O cronista dava
também amplo espaço ao sonho sobre a extensão da ação evangelizadora salesiana do
extremo Oeste, Valparaíso e Santiago do Chile, ao extremo Leste, Pequim, que Dom
Bosco teve na noite de 9 para 10 de abril, e foi por ele narrado em 11 de abril, entre
lágrimas, emoções e exclamações não reprimidas, suas e dos ouvintes, padre Rua, padre
Branda e o secretário Viglietti.101 No mesmo dia aconteceu a homenagem do prefeito
com toda a Junta Municipal de Sarriá, com grande multidão em visita, enquanto nos
dias seguintes sucediam-se as delegações da seção catalã da Associação dos Católicos e
das Conferências de São Vicente de Paula. Numerosas pessoas acorriam a Dom Bosco
para pedir bênçãos para curas, e ele visitava famílias de benfeitores e de doentes.102
Dia 15 era o dia da grande recepção na nova sede das escolas populares promovidas
pela Associação de Católicos com a fina-flor da burguesia empresarial de Barcelona. O
presidente discursou, seguido pelo ato de entrega a Dom Bosco da medalha de ouro da
Associação, da qual já recebera em 1884 o diploma de sócio. Dom Bosco falou entre
fragorosos aplausos, repetindo a costumeira advertência sobre a beneficência, também
como defesa objetiva dos próprios bens em relação à ameaça revolucionária: “Nós
temos esvaziado as ruas de ladrõezinhos e de baderneiros – declarava –, que agora são
a consolação das famílias e a honra da cidade; de jovens, que ajudados em tempo pela
vossa caridade, salvarão diante de Deus vossas fortunas, enquanto vo-la teriam roubado
um dia com o revólver na mão”.103
Aumentava o assédio de pessoas, admitidas em grupos, que desejavam avizinhar-se
de Dom Bosco. Ele, de outro lado, não estava “muito bem de saúde”, “sem voz e sem
forças: somente a força para dar a bênção e dizer Deus abençoe”.104 No dia 20 recebia os
bispos de Vich, José Morgádes y Gili, e de Barcelona, Jaime Catalá y Albosa. Retribuía-
lhes a visita no dia seguinte.105 Padre Cerruti escrevia ao padre Rocca em 23 de abril:
“Recebemos ontem notícias bastante boas de Dom Bosco, mas não se fala ainda de
volta. Está sempre em Barcelona, de onde escreve padre Rua que está meio massacrado
[ ammazzato] por tantas e contínuas audiências, pregações e confissões. Rezemos. Aqui
se sente a ausência de Dom Bosco e do padre Rua, mas com a ajuda de Deus e com um
100 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 82-84.
101 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 84-87. Padre Cerruti escrevia,
de Turim, ao padre Rocca, em 16 de abril: “Terás recebido o caderno de bilhetes ferroviários,
papel com carimbo e assinatura do padre Rua. Incluo também a cópia de um assim chamado
sonho, que poderás ler aos irmãos, mas talvez não convenha lê-lo aos jovens” (ASC F 381,
orig. aut. 4 ff).
102 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 87-88.
103 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1885 al 16 maggio 1886, p. 1-6; as palavras
citadas, p. 5. Cf. cap. 22, § 8.
104 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886, p. 7-12.
105 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886, p. 10-11 e 15.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 601
pouco de sacrifício vai-se adiante bastante bem e, o que mais importa, sem quebrar a
caridade e conseguindo cada dia alguma pouca coisa a mais”.106
O ponto alto das celebrações catalãs foi atingido no histórico período da tarde de
20 de abril, dedicado à conferência salesiana. Um público escolhido ocupava a Igreja
Nossa Senhora de Belém, enquanto fora se acotovelava a multidão na esperança de
ver o santo e receber dele a bênção. Estavam presentes o bispo diocesano e o abade da
Grande Trapa de Tolosa, circundados por outros ilustres eclesiásticos e pelas máximas
autoridades civis e militares de Barcelona. Diante do santíssimo sacramento exposto
sucederam-se músicas e coros, o discurso de José Juliá, professor do Seminário, as
palavras de agradecimento pronunciadas por Dom Bosco da balaustrada, a solene
bênção eucarística ministrada pelo bispo diocesano.107
Era pitoresca, em 3 de maio, a visita ao castelo de Luis Martí-Codolar, a Granja
Velha, em San Juan de Horta, presentes, além de dona Chopitea, os membros das várias
famílias aparentadas, pais e filhos, outros convidados, inclusive os jovens do Internato
de Sarriá. O aparato cênico, natural e artificial, era de grande gala. Apresentou-se a
banda dos jovens aprendizes e a pequena orquestra formada por três senhoritas das
famílias Pascual e Martí-Codolar. Houve o almoço das grandes solenidades, durante
o qual o advogado Manuel María Pascual, irmão da senhora Martí-Codolar, anunciava
a intenção dos proprietários de doar a Dom Bosco o alto da grande colina diante de
Barcelona, chamada Tibi dabo.
A doação seria posteriormente proclamada oficialmente pelos doadores, em
5 de maio, aos pés do altar da Igreja dedicada à Nossa Senhora das Mercês, prote-
tora de Barcelona. O passeio na Granja Velha passou para a história por causa do
grande grupo fotográfico, feito no parque da propriedade de Luis Martí-Codolar, que
permanece um dos mais significativos testemunhos da passagem de Dom Bosco pela
Espanha.108 “Dom Bosco – comenta o mais atento estudioso de suas fotografias –
tem uma face serena, sorridente. Percebem-se seus 72 anos, mas é a velhice vigo-
rosa do homem ativo que participa intensamente da vida (...). Os olhos são vivazes,
penetrantes, a boca com atitude espontânea de sorriso. Seu rosto passa um senso de
doçura, de amabilidade, de bondade”.109
Em 5 de maio padre Cerruti anunciava ao padre Rocca: “Dom Bosco viaja amanhã
para Gerona, Montpellier, Valence e Grenoble, de onde, pelo caminho de Modena estará
de volta aqui no sábado à tarde, salvo qualquer ligeira mudança imprevista. As notícias
que envia padre Rua (que não é poeta) são algo de extraordinário. Ele mesmo assegura
que jamais, nem mesmo em Paris, foi visto tanto entusiasmo e tão grandes sucessos.
106 Carta de 23 de abril, ASC F 381, orig. aut. 4 ff.
107 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886, p. 33-37.
108 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886, p. 43-45 e 50-51. Cf. R. Alberdi e
R. Casanovas, Martí-Codolar: una obra social de la burguesía, p. 158-165.
109 G. Soldà, Don Bosco nella fotografia dell’800 1861-1888. Turim, SEI, 1987, p. 196-197.

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602 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Deo gratias e rezemos!”.110
Nos dias 5 e 6 de maio foram de adeus, que o sensível cronista sobrecarregava de
sentimentos e de lágrimas. Lá pelo meio-dia de sexta-feira, dia 6, os três itinerantes –
Dom Bosco, o silencioso e discreto colaborador padre Rua e o clérigo Viglietti – partiam
de Sarriá, acompanhados por tantos amigos, acrescentados na penúltima estação do
bonde. Muitas representações de autoridades eclesiásticas e civis e de associações de
famílias davam a última saudação oficial na estação de França de Barcelona.111
6. Retorno em família em breves etapas
Dadas as condições de saúde do protagonista, a viagem foi realizada em etapas.
À tarde os viajantes estavam em Gerona, hóspedes no suntuoso palácio da família
Carles de Ferrer, de recente e fortuito contato. Na manhã seguinte o bispo de Gerona,
Tomás Sevilla y Gener (1817-1906), visitava o padre de Turim. Às 8h30 partia-se
para Port-Bou. A mudança de trem dava tempo para o almoço em casa de uma benfei-
tora. Parada de uma hora era efetuada mais adiante, em Cette, em casa de outra rica
família. Às 18h30 os três itinerantes chegavam a Montpellier, esperados pelo reitor do
Seminário, dom Bupuy, que o dirigia com sua comunidade de padres da missão, e que
estava feliz em acolher Dom Bosco por cerca de três dias. Doutor Combal atendia-o na
mesma tarde, seguida de outras duas, profissionais e familiares ao mesmo tempo, nos
dias 8 e 9. Após a última, mais acurada, confidenciava aos acompanhantes: “Penso que
a própria existência de Dom Bosco é seu maior milagre! Um homem morto pela fadiga,
e todos os dias continua no trabalho, come muito pouco e vive! Esse é um portentoso
milagre!”.112 No final da manhã de sábado, dia 8, Dom Bosco visitava o educandário
das Damas do Sagrado Coração. As alunas em fila passavam diante de dele, sentado em
uma poltrona, para receber sua bênção. Tocantes foram as palavras ditas com doçura a
uma pequenina que lhe pedia que fizesse retornar mamãe (estava no paraíso!): “Deixa
que esteja junto com o Senhor. Está muito bem lá em cima”.113
Não obstante Dom Bosco fosse pressionado por tantas pessoas, que acorriam a ele
para ter uma palavra e a bênção, o reitor pôde interrogá-lo sobre seu “segredo para
manter em ordem e governar com tão pouco pessoal um número tão grande de jovens”.
No momento deveu se contentar com a costumeira lacônica resposta: “Nós lhes inspi-
ramos o temor de Deus”. “Mas o temor – pensava Dupuy, experiente mestre de espí-
rito – não é senão o princípio da sabedoria. Ter-lhe-ia agradado saber também de que
110 Carta ao padre Rocca, ASC F 381, orig. aut. 3 f.
111 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886, p. 52-58.
112 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886, p. 52-63.
113 MB XVIII 121 (testemunho de uma superstite em 1934).

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 603
modo Dom Bosco ajudava as almas a subir até o vértice da sabedoria, que é o amor de
Deus”. Por carta, perguntava ao venerando hóspede, que, tendo voltado a Turim, tinha
enviado ao generoso anfitrião O cristão guiado à virtude e à civilização segundo o
espírito de São Vicente de Paula.114 Ele e os seus irmãos viam uma diferença entre os
métodos de direção espiritual de São Vicente de Paula e de São Francisco de Sales: o
primeiro “conduzia a alma, aniquilada diante da majestade de Deus, a confiar-se nele
e a entregar-se inteiramente a Ele, para poder difundir o mais possível a caridade de
Deus”; o segundo, ao invés, “se contentava em propor a todos, com toda simplicidade, a
procurar em tudo o beneplácito de Deus”. A Dom Bosco, que acreditavam ter estudado
a fundo “os dois grandes santos”, perguntavam se tinham visto com justeza e, espe-
cialmente, se tinham colhido o pensamento de São Francisco de Sales, que supunham
ter sido adotado por ele.115 Se fosse questão de método educativo, Dom Bosco teria
pronta a resposta: o sistema preventivo. Mas era problema de espiritualidade enten-
dida como caminho para a perfeição cristã até os mais altos degraus da caridade. Dom
Bosco jamais tinha tratado disso especulativamente, nem jamais tinha estudado histori-
camente e interpretado teologicamente as doutrinas dos dois grandes santos do século
de ouro francês. Quem estava presente à leitura da carta escutou-o dizer sorridente:
“Bem!... nem eu o sei”.116
Na tarde de 10 de maio os viajantes chegavam a Valence, acolhidos pelo pároco da
catedral, que lhes dava hospitalidade. À ceia estava presente também o ecônomo da
Grande-Chartreuse, benfeitora de Dom Bosco: em 1º de junho um dos monges tinha
levado a Turim 50 mil francos. No dia seguinte Dom Bosco celebrava a missa na cate-
dral, falava aos fiéis sobretudo da Igreja Sagrado Coração de Jesus em Roma, cheia de
dívidas. Não faltavam as costumeiras generosas ofertas neste e no dia seguinte, até a
partida, em 12 de maio, para Grenoble. Ali era acolhido pelo clero e pelo povo na Igreja
São Luís, hospedado com extraordinária cordialidade no Seminário Maior.117 No dia
13, acolhido solenemente pelos cônegos, celebrava e falava na catedral. No dia seguinte
celebrava na Igreja São Luís e falava ainda da Igreja Sagrado Coração. Sucederam-se,
portanto, as audiências na canônica, depois na Igreja São Lourenço e no Seminário.
Breves palavras, dirigidas à tarde, prostrado de forças, à função do mês de maio na
Igreja Santo André. No dia 15, após a celebração da missa, partia para Turim, chegando
à estação às 18h30. Às 19 horas estava no Oratório.118
114 Il cristiano guidato alla virtù e alla civiltà secondo lo spirito di S. Vincenzo de’ Paoli. Era a
segunda edição de 1876, OE XXVIII 1-252.
115 Carta de Dupuy a Dom Bosco, em 2 de julho de 1886; MB XVIII 655-656.
116 Documenti XXXII 472, FdB 1125 C10. Vinte anos depois Lemoyne interpretava e alargava:
“Meu método se se quer que eu o exponha. Bem! Nem eu o sei. Sempre fui adiante como o
Senhor me inspirava e as circunstâncias exigiam” (G. B. Lemoyne, Vita del Venerabile Servo
di Dio Giovanni Bosco, vol. II. Turim, Libreria Editrice Internazionale, 1914, p. 311).
117 Cf. Séjour de Saint Jean Bosco au Grand Séminaire de Grenoble (Mai 1886), memória do
monge Pierre Mouton, então seminarista (MB XVIII 657-661).

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604 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Em 16 de maio – registrava o cronista, quase como conclusão da aventura catalã
– “Dom Bosco celebrou a missa na Igreja, no altar de São Pedro. Hoje é festa do patro-
cínio de São José e do retorno de Dom Bosco ao Oratório. Dom Bosco desceu até o
refeitório, onde foram lidas magníficas composições a propósito. À noite houve uma
belíssima sessão lítero-musical entre os aprendizes com o objetivo de honrar o patro-
cínio de São José e festejar a chegada de Dom Bosco. Foi uma noite belíssima, falou-se
das viagens de Dom Bosco, do bem realizado e da condecoração que ele trazia no peito:
condecoração que recebeu em Barcelona das Sociedades Católicas.119
Seguem interessantes informações. Na segunda metade de maio, Dom Bosco
tinha feito enviar “a todos os bispos e cardeais da Itália o diploma de cooperadores
salesianos”, e nos dias seguintes muitos respondiam agradecendo-o “da honra a eles
concedida”.120 Entre as numerosas cartas prevaleceram as da Itália Meridional.121
Em 23 de junho chegava o presidente do Peru com o filho. “Entusiastas” da obra sale-
siana, “pediram com afeto a Dom Bosco que quisesse implantar uma casa no Peru, e
prometeram retornar”. À tardinha chegavam “senhor Joaquin de Font y de Boter, secre-
tário da Associação dos Católicos, como representante da Sociedade e dos Cooperadores
Salesianos de Espanha”, e “o presidente das Sociedades Operárias da França, conde de
Villeneuve”, para participar dos festejos do onomástico de Dom Bosco.122 Na academia
da noite padre Lemoyne oferecia ao comovido festejado a biografia de mamãe
Margherita.123 No dia seguinte, 24, a um grupo de ex-alunos moradores de Turim que
foram dar-lhes os augúrios, Dom Bosco dirigia a palavra com particular ternura “e,
embora um tanto quanto cansado na pessoa e comovido no espírito, sua linguagem
foi tal que impressionou docemente a reunião” e “acrescentou que, justamente porque
aumentam os anos, sente que se aproxima a grandes passos da eternidade”.124 A sessão
lítero-musical da noite se “tornara mais esplêndida pelo maior número de visitantes,
pela grande iluminação, belas inscrições etc., leram-se belas poesias e composições
em prosa”125. Qunanto à saúde, padre Cerruti anotava: “O pobre Dom Bosco não se
agüenta mais nestes dias, não fica no leito, mas está muito mal e prostrado física e
118 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886, p. 64-69.
119 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 15 aprile 1886, p. 63-71. “Dom Bosco voltou
ontem à noite são e salvo – anunciava no mesmo dia padre Cerruti ao padre Rocca –, e pela
manhã celebrou a missa na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora. Deo gratias et Mariae” (Carta
de 16 de maio de 1886, ASC F 381, orig. aut. 4 ff).
120 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886 ao 12 genn. 1887, p. 5.
121 Documenti XXXIII 382-402. FdB 1124 B2-C10.
122 De de Font e do presidente da Associação Feliú chegaria depois uma carta de 14 de julho a
Dom Bosco. Nessa carta o agradeciam da afeição particular de Dom Bosco para com eles e
pelos sócios das respectivas associações; MB XVIII 675.
123 G. B. Lemoyne, Scene morali di famiglia esposte nella vita di Margherita Bosco: racconto
edificante e ameno, 188 p.
124 BS 10(1886) n. 8, agosto, p. 87.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 605
moralmente”.126
Em 7 de julho, “para fugir do forte sol de Turim”, Dom Bosco se dirigia a Valsalice.127
Retornava ao Oratório somente para dois encontros com os ex-alunos, em 11 de julho
com os leigos e no dia 15 com os sacerdotes. Aos primeiros dirigia palavras como-
ventes sobre a incerteza de poder se “encontrar ainda um outro ano” com eles. “Os
incômodos da velhice – confiava – advertem-me a não fantasiar”.128 No dia anterior,
em carta “Ao senhor padre Rua Michele, vigário geral da Congregação Salesiana.
Caríssimo padre Rua”, comunicava-lhe não estar mais em condições – “minha pobre
cabeça fez fiasco” – de receber o rendiconto mensal dos salesianos do Oratório e, em
particular, dos membros do Capítulo Superior, e o encarregava de fazer-lhe as vezes
ou então encarregar um outro – sugeria os nomes dos padres Bonetti e Cerruti – a
dedicar-se a esta importante missão, mas esquecida por nós, especialmente por mim”.129
Ao encontro com os ex-alunos do dia 15, o pároco da Igreja Grande Mãe de Deus,
teólogo G. B. Piano, e o engenheiro Buffa proclamavam em nome da respectiva asso-
ciação que ninguém podia superar o amor a Dom Bosco nutrido pelos ex-alunos e pelos
cooperadores, que eles representavam. O festejado, mostrando u’a mão, graciosamente
respondia: “Qual destes dedos é mais amado por mim? De qual deles me privarei?
Certamente de nenhum, porque todos os cincos me são queridos e igualmente necessá-
rios. Pois bem, eu vos direi que vos amo a todos e todos sem grau e sem medida”.130
Na noite do dia 15 partia para Pinerolo, ainda hóspede na propriedado do bispo,
onde ficava até 13 de agosto.131 Dom Bosco alinhavava relações epistolares significa-
tivas. No dia 22 respondia ao presidente do Círculo Operário Católico de Bérgamo, que
lhe pedia uma bênção ao completar dez anos de fundação. Ele rezaria de coração por
ele e pelos sócios, mas ao mesmo tempo recomendava à caridade de sua oração os seus
duzentos mil e mais “órfãos”.132 Não faltavam notícias sobre a saúde: “Minha saúde
é passável”;133 “minha saúde obrigou-me a suspender qualquer espécie de ocupação.
Somente agora posso começar a fazer algo e me encontro na obrigação de escrever
as primeiras palavras a vós, ó caridosa senhorita”.134 Do mesmo dia uma carta a uma
senhora paduana que já em 1885 tinha pedido orações para uma graça particular e tinha
lhe enviado substanciosa oferta.135 No verão de 1886 reapareceu o cólera e Dom Bosco,
agradecendo outra oferta, sugeria o louvado antídoto, materializando-o nas costumeiras
125 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 15-18.
126 Carta ao padre Rocca, 26 de junho de 1886 , ASC F 381, orig. aut. 2 f.
127 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 22.
128 BS 10(1886) n. 8, agosto, p. 87.
129 Carta de 10 de julho de 1886; E IV 355-356.
130 BS 10(1886) n. 8, agosto, p. 88.
131 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 22-27.
132 E IV 356-357.
133 Ao conde Colle, 25 de julho de 1886; E IV 522.
134 A C. Louvet, 27 de julho de 1886; E IV 473.

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606 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
práticas em honra de Nossa Senhora Auxiliadora.136
Voltando a Turim, do dia 15 de agosto são lembrados, durante a manhã, a longa visita
do cardeal Alimonda e, à tarde, a esplêndida festa para a distribuição dos prêmios e o
aniversário de Dom Bosco. Ele fazia presente do “calhamaço onde está o catálogo dos
privilégios que há muito se esperava”; era ainda manuscrito, uma vez que a edição sairia
somente na segunda metade de 1888. “A cena mais comovente, porém, foi a chegada do
padre Lasagna, na parte mais bela da sessão lítero-musical. Chegou improvisamente e
abraçou o pai que há tanto tempo não via. Que festa, que júbilo cordial!!!”.137
De 21 a 31 de agosto Dom Bosco assistia em San Benigno Canavese a dois turnos de
exercícios espirituais, primeiro para os aspirantes noviços, depois para os diretores. No
dia 31, “muito debilitado de forças e sofrendo pelo excessivo calor”, retornava a Turim e,
no dia seguinte, ia a Valsalice para o início, às 17h30, do Quarto Capítulo Geral.138
7. Vigilante presença no Quarto Capítulo Geral salesiano (1886)
Em 31 de maio de 1886 Dom Bosco tinha enviado a carta de convocação. Padre
Francesco Cerruti fora designado relator: homem metódico, hábil organizador e tenden-
cialmente decisionista. A primeira tarefa seria a eleição dos membros do Capítulo
Superior, excluídos o reitor-mor, Dom Bosco, e o vigário, padre Rua.139 Era anexado
o documento de quatro páginas com a indicação do material que seria tratado.140 Eram
oito pontos, com os primeiros dois que retomavam argumentos já tratados no Capítulo
de 1883: 1) Regulamento para as paróquias regidas e dirigidas pelos salesianos;
2) Orientação a ser dada para a parte de aprendizes nas casas salesianas e meios para
desenvolver a vocação dos jovens aprendizes; 3) Modo de executar o decreto Regulari
disciplinae de 1848, sobre a admissão dos noviços à profissão dos votos; 4) Sistema
a ser seguido na promoção das sagradas ordenações; 5) Modo e meios de implantar
casas de estudantado para clérigos; 6) Modo de prover à isenção do serviço militar;
7) Modificações a ser introduzidas no Elenco da Nossa Sociedade; 8) Propostas dos
irmãos. Também para este ponto como para o precedente capítulo havia um programa
desproporcionado aos poucos dias disponíveis, da tarde de 1º de setembro à manhã do
dia 7. Em compensação, o regulador era ordenado e pôde conduzir a Assembléia para
chegar a decisões definitivas, ao menos sobre alguns pontos em parte amadurecidos por
135 À senhora Maggi Fannio, 15 de setembro e 2 de outubro de 1885; E IV 338-339, 342-343.
136 À senhora Maggi Fannio, 27 de julho de 1886; E IV 358.
137 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 29-30.
138 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 33-36.
139 Cf. Lettere circolari di D. Bosco e di D. Rua ed altri loro scritti ai salesiani. Turim, Tipografia
Salesiana 1896, p. 33-35: cartas de dom Bosco de 31 de maio e de 24 de julho de 1886.
140 Capitolo Generale IV, ASC D 579.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 607
ocasição dos capítulos precedentes.
Entre as propostas eram drásticas as de dom Cagliero, padre Piccono e padre
Riccardi, que exigiam mais severa formação, quer dos artesãos, quer dos coadju-
tores, e melhor preparação dos candidatos às ordens sagradas.141 No entanto, elas não
puderam ser conhecidas pelos capitulares, pois chegaram a Turim dois dias após o
encerramento do Capítulo.142 Nesse Capítulo, o único representante dos salesianos na
América tinha sido padre Lasagna. As propostas de salesianos que operavam na Itália
com maior proximidade à parte “operária” eram inspiradas pela concreticidade. Padre
Belmonte, que dirigia o Internato de Sampierdarena e a quem o Capítulo elegia como
prefeito geral da Congregação, não ficava somente no aspecto moral da formação dos
aprendizes. “Procurar da melhor forma possível o desenvolvimento no ofício – insistia
– de forma que nossos jovens, saídos de nossas casas, não sejam obrigados a procurar
outra profissão para ganhar o próprio sustento, mas tendo aprendido também após a
permanência de vários anos em nossas casas o ofício próprio, de forma a exercê-la
fora. Procurar dentre os melhores artesãos os chefes, mesmo com o sacrifício de pagar-
lhes um salário muito alto”.143 Quanto à preparação dos clérigos às ordens sagradas,
propunha um programa preciso: “1) Exigir que se façam os estudos teológicos de
quatro anos. Dar a tonsura no fim do segundo ano. Subdiaconato no final do terceiro.
Diaconato na metade do quarto e, por fim, o presbiterato. O candidato, antes de qual-
quer ordenação, estude os tratados indicados, tirando nos exames uma nota não inferior
a 7”.144 Padre Domenico Canepa, futuro mestre de noviços, sublinhava aspectos mais
visivelmente pedagógicos, incitando a dar mais alta dignidade ao grupo dos apren-
dizes. “Não deveria existir nenhuma diferença entre aprendizes e estudantes”, colocava
quase como princípio, tirando daí comportamento coerente por parte dos educadores:
“1) Introduzir entre eles a emulação, distribuindo várias vezes durante o ano recompensas
aos mais dignos. 2) Afeiçoá-los à casa e ao diretor por parte dos irmãos, praticando o
sistema preventivo tão inculcado por nosso pai. 3) O diretor de cada casa deveria falar,
entreter-se freqüentemente e afeiçoar-se a eles, especialmente aos maiores”. “Portanto,
ao invés de divisões, dever-se-ia uni-los juntos, formar uma só família. Antes, ousaria
dizer que sua posição de jovens verdadeiramente abandonados exige por parte dos
superiores caridade e vigilância mais acurada que para os estudantes”. Com efeito,
“para o bem dos sócios e da Congregação seria desejável que ninguém fosse ordenado
sacerdote senão após ter terminado regularmente o curso de teologia”.145 Articulada e
construtiva era a proposta de “um sócio” anônimo, que se mostrava dentro no mundo
das oficinas de aprendizes.146
Padre Giovanni Marenco, eleito secretário do Capítulo, resumia os trabalhos da
Assembléia em um manuscrito de dezenove páginas não enumeradas: Relatório do
141 Respostas ao módulo de 28 de julho de 1886, ASC D 579, FdB 1865 A10-11, B 6-7 e 9-11.
142 Cf. carta do regulador padre Cerruti a dom Cagliero, 12 de outubro de 1886; MB XVIII 177 n. 4.
143ASC D 579, FdB 1886 C7.
144ASC D 579, FdB 1886 E7.
145ASC D 579, FdB 1886 C9.
146ASC D 579, FdB 1886 C11-D1 e E8.

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608 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
4º Capítulo Geral da Pia Sociedade Salesiana, realizado no Colégio de Valsalice de
1º de setembro ao sete do mesmo mês do ano de 1886.147 Dele se tira a impressão de
que, para uma discussão mais profunda dos problemas, o tempo disponível era clara-
mente insuficiente. Contudo, a presença no Capítulo dos autores das propostas e o
trabalho iniciado no Capítulo Geral de 1883 permitiram a elaboração de documentos
apreciáveis, sobretudo sobre os primeros dois temas.148
Interessantes para a biografia de Dom Bosco são as não poucas intervenções que
fez em algumas sessões plenárias. As primeiras aconteceram na sessão matutina de
2 de setembro, sobre o delicado tema Do modo e dos meios de implantação das casas
de estudantado nas inspetorias. Ele se mostrava alheio a decisões taxativas e utópicas.
A quem propunha “que alguns entre os mais destacados” fossem “enviados a Roma para
completar os estudos nas escolas superiores abertas pelo santo padre” [as universidades
eclesiásticas], reagia com moderada partilha: “Aprova e vê com bons olhos – recorda-se –,
mas parece que no presente seja um pouco cedo, vendo a necessidade do pessoal para as
obras em curso”. Mais adiante, em relação aos vários nomes atribuídos aos salesianos em
formação, “Dom Bosco – registra a Relação – recomenda que se mantenham os nomes
ou vocábulos em uso, como ascritti [inscritos] ou ano de prova, ao invés de noviços ou
noviciado, porque isso não é necessário nem útil”. Ainda, após a aprovação “em máxima”
do documento, efetivamente apressada e inoperante, Dom Bosco enviava “o mesmo
esquema para um posterior e mais prático exame sobre a forma de executá-lo”.149
Na sessão pós-meridiana de 3 de setembro, padre Lasagna lia o esboço de regula-
mento para as paróquias, “formulado por estudos feitos três anos atrás e por estudos atuais
mais completos”. Era “precedido por várias observações”, que persuadiam “a não aceitar
facilmente o cuidado de paróquias”. Dom Bosco chegava a presidir a sessão quando se
estava discutindo sobre a forma de tornar movível o pároco e convidava a que se deixasse
por ora ao Capítulo Superior o estudo da forma como pôr em prática essa norma.150
Nos dias sucessivos discutiam-se temas importantes, como o endereço a se dar à
parte Aprendizes e para desenvolver neles a vocação e a aplicação do decreto de 1848
Regulari disciplinae. Dom Bosco não intervinha. Ao invés, chegada a metade da sessão
matutina do dia 6, tomou a palavra extemporaneamente sobre o querido argumento
das vocações adultas. “Dom Bosco – refere-se – recomenda que se conheça a Obra de
Maria Auxiliadora, isto é, do fato de favorecer as vocações adultas”. “Dom Bosco dá
as razões, pois acontece que os jovens, algumas vezes, naufragam na adolescência e
depois retornam ao bem por volta dos 16 ou 18 anos, ou mesmo aos 20”.151
Na sessão vespertina de 6 de setembro, dedicada ao exame das propostas, presidia
Dom Bosco. Ele intervinha em relação às diretivas dadas por Leão XIII quanto à
147ASC D 579, FdB 1887 D9-1.868 A3.
148 Cf. J. M. Prellezo, “La ‘parte operaia’ nelle case salesiane”, RSS 16(1997), p. 353-391.
149 G. Marenco, Relazione del 4º Capitolo Generale, p. 5, FdB 1867 E1.
150 G. Marenco, Relazione del 4º Capitolo Generale, p. 7-8, FdB 1867 E3-4.
151 G. Marenco, Relazione del 4º Capitolo Generale, p. 10-12, FdB 1867 E6-8.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 609
maçonaria na encíclica Humanum genus, de 20 de abril de 1884. Mostrava a habitual
contrariedade aos ataques abertos contra os “adversários”. O padre romano Giuseppe
Vespignani recordava tantos decênios depois o que Dom Bosco tinha falado quando
jovem padre sobre a fundação de uma presença em Bolonha, onde tinha surgido a
Juventude Italiana, formada por elementos prontos a lutar em defesa das instituições
católicas e dos sacerdotes: “Não temos esse espírito de ardor e de combate; não nos
ocupamos de política; buscamos somente trabalhar no meio da juventude e pedimos
que nos deixem tranqüilos em nossa tarefa”.152 Análoga atitude tinha no Capítulo a
propósito de quanto declarado por Leão XIII sobre a inscrição em sociedades secretas
como a maçonaria: “Bastará recomendar aos jovens mais adultos de não se escrever
em sociadade alguma sem o consentimento dos pais e do Pároco, mas não se fale de
propósito em público. Isto faria acordar as iras dos inimigos, sem proveito”153. Passava
depois, deliberadamente, a outros argumentos. Fazia observar quanto fosse importante
que o diretor reunisse com freqüência o capítulo da casa. Ainda – prossegue a Relação
– “recorda como para eliminar muitos defeitos aproveitem muito as cartas circulares,
por meio das quais pode-se entrar em particular nos deveres religiosos, sobre os votos
de pobreza, castidade e obediência. Coisa que o diretor espiritual recordará e proporá
ao reitor-mor”. Sobre as visitas dos inspetores e dos membros do Capítulo Superior às
casas está escrito: “Dom Bosco recomenda que se vá sempre em nome do superior e
se faça observar as Regras não em força do Eu quero, mas em força do dever imposto
pelas Regras. O Eu estraga tudo”. À constatação de que faltavam nas Deliberações as
oportunas recomendações do sistema preventivo, “Dom Bosco recorda que tinha come-
çado um opúsculo sobre esse argumento [as páginas de 1877?]. Espera poder terminar
ou por si ou por outros”.154
As Deliberações foram publicadas no ano seguinte, fundidas com as do capítulo
precedente em um fino fascículo de vinte e oito páginas.155 Na sessão do Capítulo
Superior de 24 de outubro de 1884, Dom Bosco tinha expresso o desejo de que
o Capítulo coordenasse as decisões do Capítulo Geral de 1883, de forma que estas
fossem impressas antes do Capítulo Geral de 1886.156 Mas não se tinha feito nada.
As Deliberações acumuladas de 1886 continham documentos totalmente novos com
relação aos do Primeiro e Segundo Capítulos e eram fruto dos estudos preparatórios das
comissões e das discussões desenvolvidas nas sessões plenárias dos Terceiro e Quarto
152 G. Vespignani, Un anno alla scuola del Beato Don Bosco (1876-1877). San Benigno Canavese,
Scuola Tipografica Don Bosco, 1930, p. 26-27.
153 G. Marenco, Relazione del 4º Capitolo Generale, p. 13-13, FdB 1867 E9-10.
154 G. Marenco, Relazione del 4º Capitolo Generale, p. 14-16, FdB 1867 E10-12.
155 Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale della Pia Società Salesiana Tenuti in
Valsalice nel settembre 1883-86. San Benigno Canavese, Tipografia Salesiana, 1887, 28 p.;
OE XXXVI 253-280.
156 Capitolo Superiore, fol. 43v, FdB 1881 D2.

61.10 Page 610

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610 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Capítulos Gerais. As Deliberações estavam articuladas em seis títulos: I. Regulamento
para as paróquias; II. Das sagradas ordenações; III. Do espírito religioso e das voca-
ções entre os coadjutores e os artesãos; IV. Regulamento para os oratórios festivos;
V. Boletim Salesiano. VI. Modo de prover a isenção do serviço militar.
As Deliberações espelhavam idéias várias vezes formuladas e compartilhadas por
Dom Bosco e todas foram por ele formalmente aprovadas e promulgadas, sendo prova
disso a carta de apresentação157 e a circular de 21 de novembro de 1886, que oferecia
dele uma breve relação. Nesta ele convidava a prestar “plena adesão ao novo Capítulo”,
tocando ainda cordas sensíveis da espiritualidade religiosa salesiana: obediência, cari-
dade e fuga da murmuração, e pobreza. A obediência – escrevia – “seja pronta, humilde
e alegre”, que faça olhar os “superiores como irmãos, antes, como pais amorosos”,
vendo “neles os representantes do próprio Deus”: “tanto mais nossa obediência
será meritória junto de Deus, quanto maior o sacrifício que fazemos para segui-la”.
Em relação à caridade, exortava a não “cair no grande defeito da murmuração, odiosa
a Deus e danosa à comunidade”. Dom Bosco também aproveitava a ocasião para reco-
mendar “a observância perseverante do voto de pobreza”. A pobreza era a fonte de bem
espiritual para o salesiano e de bem-estar para a Congregação, grata à Providência tão
generosa e aos próprios benfeitores. Daí seguia o convite para “diminuir os gastos”, a
“fazer economia nas provisões, nas viagens, nas construções e, em geral, em tudo o que
não fosse necessário”.158
No Regulamento para as Paróquias sobressaía o primeiro artigo que, em linha
de princípio – não a mesma coisa nos fatos – permaneceria em vigor na Sociedade
Salesiana até 1972: “Examinado o escopo ao qual tende a Congregação Salesiana nas
obras segundo nossas Constituições no Capítulo I, parece que se deva, nem com facili-
dade nem em via ordinária, assumir a direção de paróquias que fossem oferecidas pelos
bispos”.159 Um forte chamado ao espírito salesiano permeava as normas de comporta-
mento nas relações do pároco “com o povo”. “O espírito de nosso santo protetor era de
se fazer tudo para todos, omnibus omnia factus. Esse mesmo espírito deve ser a alma de
todos os salesianos, deve sê-lo em modo especial daquele que é chamado para reger uma
paróquia”. Ele não deverá se esquecer “do recolhimento e da reserva”; além disso, “os
enfermos, os pobres e as crianças formem o objeto de suas solicitudes especiais”.160
As prescrições sobre as sagradas ordenações supunham candidatos ao sacerdócio
espalhados nas casas, que o diretor espiritual geral ou catequista tinha a tarefa de seguir
com um registro do curso de seus estudos, em base às relações do inspetor e do diretor
local, que conduzia a responsabilidade direta.161
É, certamente, considerável que os coadjutores tenham sido objeto de reflexão em
bem dois Capítulos Gerais. Mas o tema fora somente desfolhado e, como se viu, Dom
157 Deliberazioni del terzo e quarto Capitolo generale, p. 3-4; OE XXXVI 255-256.
158 Cf. Lettere circolari di D. Bosco e di D. Rua, p. 5, OE XXXVI 257.
159 Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 5; OE XXXVI 257.
160 Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 10, 11, 13; OE XXXVI 262, 263, 265.

62 Pages 611-620

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 611
Bosco, um mês depois do Terceiro Capítulo Geral, sentiu-se na obrigação de falar disso
para precisar sua idéia a respeito. O Quarto Capítulo Geral não oferecia elementos
novos sobre isso.162
Relativamente mais elaborado era o título Dos jovens artesãos. Ele constituía signi-
ficativa passagem de um sistema de formação vétero-artesanal a um sistema que se
aproximava, em alguma medida, de uma boa escola profissional de cunho eminente-
mente prático.163 A escola deveria fazer com que os aprendizes – dizia-se – “saindo de
nossas casas após ter realizado seu tirocínio, tenham aprendido uma profissão com a
qual ganhar honestamente o pão da vida”, “bem instruídos na religião” e em posse dos
“conhecimentos científicos oportunos a seu estado”. Oportunamente buscava-se articular
o programa sobre uma tríplice diretriz: formação humana, moral e religiosa (perspectiva
religioso-moral); dimensão cultural geral, específica e tecnológica (perspectiva intelec-
tual: conhecimentos literários, artísticos e científicos”); e a aquisição de uma completa
habilidade no exercício de determinada arte ou profissão (perspectiva profissional).164
Este último aspecto, essencialmente prático, mas atentamente programado, constituiria
por mais de um século uma das características das escolas profissionais salesianas.
O programa didático era discretamente estruturado: “O conselheiro profissional e o
mestre de ofício – precisava-se – divida, ou considere como dividida a série progressiva
dos trabalhos que constituem o complexo do ofício em cursos ou graus; por eles faça
o aluno passar gradativamente, de tal forma que, após um tirocínio, conheça e possua
completamente o exercício de sua profissão” (art. 3); “Não se pode determinar a duração
do tirocínio, uma vez que nem todas os ofícios exigem igual tempo para serem apren-
didos, mas por regra geral pode fixar-se em cinco anos” (art. 4); “A casa dos noviços
aprendizes seja bem fornecida do material necessário para se aperfeiçoar nas diversas
profissões, e tenha os melhores chefes artistas salesianos” (art. 5b).165
O Regulamento para os Oratórios Festivos não contemplava seu funcionamento,
que era provido pelo regulamento de 1877 e pela praxe corrente, mas sua fundação e
gestão sob o cuidado da casa salesiana. O impulso de base era dado pela referência ao
art. 3 do primeiro capítulo das Constituições, que recitava: “O primeiro exercício de
caridade da Pia Sociedade de São Francisco de Sales é recolher jovens pobres e aban-
donados, para instruí-los na santa religião católica, particularmente nos dias festivos”.
Para sua realização se estabelecia: “Auxilia muito nas cidades e nos lugares onde existe
161 Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 13-16; OE XXXVI 265-268.
162 Cf. Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 16-17; OE XXXVI 268-269.
163 Sobre os limites dessa evolução e sobre a parte tida por Dom Bosco e por seus colaboradores
, cf. J. M. Prellezo, “Don Bosco e le scuole professionali (1870-1887)”, in: Don Bosco
nella storia, p. 331-353 (em particular, p. 348-352). Sobre o problema já tinha se ocupado
L. Pazzaglia, “Apprendistato e istruzione degli artigiani a Valdocco (1846-1886)”, in: F.
Traniello (org.), Don Bosco nella storia della cultura popolare, p. 13-80.
164 Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 18-21; OE XXXVI 270-273.
165 Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 21-22; OE XXXVI 273-274.

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612 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
uma casa salesiana implantar um lugar de recreação, ou seja, oratório festivo para
jovens externos, que são mais necessitados de instrução religiosa e expostos aos perigos
de perversão”. Com este objetivo já o Terceiro Capítulo Geral tinha deliberado concre-
tamente que todo diretor implantasse “um oratório festivo junto de sua casa ou instituto,
se ainda não existisse, e dar-lhe desenvolvimento, se já foi fundado”, e mobilizasse os
benfeitores do lugar e os salesianos, recordando “que um oratório festivo já foi o berço”
da Sociedade Salesiana (art. 1). Todos os salesianos, eclesiásticos e leigos, deveriam
se dedicar a essa obra, considerando-a “apostolado de suma importância, porque no
tempo presente o oratório festivo é para muitos jovens, especialmente nas cidades e nos
bairros, a única tábua de salvação” (art. 4)”. Era, depois, sublinhado um fator preven-
tivo capital: “O bom andamento do oratório festivo depende pois, sobretudo, em usar
sempre de verdadeiro espírito de sacrifício, grande paciência, caridade e benevolência
para com todos, de tal forma que o aluno receba e mantenha sempre a cara memória, e
o freqüente até mesmo quando seja adulto” (art. 9).166
Quanto ao Boletim Salesiano, se precisava que ele devia ter a finalidade de “manter
vivo o espírito de caridade entre os cooperadores, de levar-lhes o conhecimento das
obras realizadas ou que devem ser realizadas em nossa Sociedade, e de animá-los a
vir em socorro das mesmas no momento oportuno”.167 Em torno dos cooperadores e
do Boletim Salesiano em particular já tinha sido feito vivo debate um ano antes, na
reunião do Capítulo Superior de 17 de setembro de 1885. Padre Rua tinha lido uma
carta do conhecido sacerdote alemão, J. B. Mehler. Este comunicava já ter inscrito
muitos alemães no número dos cooperadores e mandava a lista deles. Propunha que os
diplomas fossem impressos em língua alemã e que lhe fosse conferida a faculdade de
assiná-los. Dom Bosco e os capitulares não julgaram oportuno: no caso, se podia fazer
acompanhar os diplomas impressos e assinados em Turim com uma carta em alemão.
Mehler pedia, também, que se preparasse uma edição em alemão do Boletim como
preparação da ida dos salesianos à Alemanha. O Boletim em várias línguas não criava
problemas: eles já existiam, além do italiano, na edição francesa e, para a América
Latina, castelhana. Dissensos surgiam, ao invés, quanto a seu conteúdo. Dom Bosco
defendia com firmeza o princípio do único Boletim. “O Boletim – sustentava – não
deve ser coisa particular de cada região, como Espanha, França, Itália etc., mas deve
ser coisa geral a todas essas regiões como a obra salesiana não era particular, mas geral.
As notícias sejam recolhidas de forma que todas as diversas regiões tenham interesse
nelas e que todas as edições nas várias línguas sejam idênticas. Por essa razão sejam
impressos em todas as línguas na casa-mãe, a fim de que se dê o endereço igual a todos.
É uma arma poderosíssima que não deve fugir das mãos do reitor-mor e que, em outras
mãos, poderia tomar um endereçamento não conforme às suas intenções”. Sendo da
166 Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 22-24; OE XXXVI 274-276.
167 Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 24-25; OE XXXVI 276-277.

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Cap XXXIII: Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886) 613
obra salesiana em seu conjunto, ele devia ser “coisa geral” e não “uma coisa particular
para cada região”. Padre Rua, ao invés, que desejava de há muito tempo “estabelecer
relações com a Alemanha”, achava providencial a proposta de Mehler e considerava
que a identidade de conteúdos e a centralização da redação e da impressão em Turim
desse lugar a inúmeras dificuldades. Certas relações, que podiam ser boas para a Itália,
podiam se tornar inoportunas na França, na Espanha ou na América. Além do mais, as
grandes distâncias ofereceriam aos leitores informações, avisos e convites antiquados
e superados. Por fim, sendo o Boletim destinado também a suscitar a beneficência, não
podia deixar de tratar dos “interesses locais”. Padre Durando propunha que se reduzisse
o Boletim de algumas páginas e que nas diversas edições se acrescentasse, ao menos
alguma vez, um suplemento conforme as necessidades dos locais. Padre Rua acolhia e
aperfeiçoava a proposta: que o Boletim tivesse duas partes, uma de interesse geral, outra
de interesse local, conforme os diversos países, em analogia com os jornais que têm a
rubrica Notícias variadas. Dom Bosco cortava a discussão, recusava as duas propostas
e acentuava a unicidade de conteúdo do Boletim. Temia que, com a diversificação loca-
lizada, pudesse “desviar-se do objetivo que lhe tinha sido prefixado”. Aos cooperadores
agradavam “a história do Oratório e as cartas dos missionários”: o periódico devia
ser feito com esta matéria. “Das outras notícias de conferências ou festas nos outros
países e também na Itália – prosseguia – se faça um pequeno noticiário compendiado.
Se houver algo de extraordinário, com sua publicação agradar-se-á a todos, mesmo
aos estrangeiros. Se depois houver algum convite rápido, os salesianos mantenham-se
em relação com os jornalistas católicos e em seus jornais se publiquem os convites ou
nossas coisas de urgência. Se tal não lhes agradar, sirvam-se de cartas circulares”.168
168 Capitolo Superiore, fol. 77r-v, FdB 1882 D9-10. Cf. tambem folhas integrativas alógrafas das
Atas, p. 1-8, FdB 1880 A5-11.

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Capítulo XXXIV
Testamento para a missão e caminhada serena
para a última meta (1886-1888)
1886
1887
1888
11 a 13 de setembro: viagem a Milão
19 de setembro a 3 de outubro: votos de 53 salesianos; sobre a murmuração
14 de outubro: os noviços clérigos entram na nova sede em Foglizzo Canavese
4 de novembro: inauguração oficial da nova sede
8 de dezembro: última edição das Recordações confidenciais
5 de janeiro e 12 de fevereiro: o arcebispo de Quito no Oratório para pedir
uma fundação no Equador
20 de abril a 20 de maio: viagem a Roma passando por Gênova, La Spezia,
Firenze, Arezzo, Chiusi e Orte
30 de abril a 18 de maio: em Roma; volta a Turim via Pisa e Gênova
4 de julho a 19 de agosto: em repouso a Lanzo Turinese
13 de setembro: o Colégio de Valsalice se torna centro de estudos para
clérigos pós-noviços
20 de outubro: em Foglizzo vestição clerical dos noviços
14 de novembro: três salesianos partem para Londres-Battersea
24: vestição clerical do príncipe Czartoryski e de outros três salesianos
6 de dezembro: adeus aos missionários de partida para o Equador
7: visita de dom Boutreloux; chega dom Cagliero
20: última saída em carruagem
24: Dom Bosco recebe o viático e o sacramento dos enfermos
31: ligeira retomada e melhoramentos progressivos
8 de janeiro: visita do duque de Norfolk
30: início da agonia
31, às 04h45: Dom Bosco morre
A última etapa do itinerário terreno de Dom Bosco, antes que atenuar, acentuava,
com as palavras e o testemunho de vida, a fé na dupla realidade que constantemente
polarizou sua existência: a incondicionada dedicação à própria missão terrena e a firme
perseverança ao orientar mente, coração e esperanças para a meta final, o paraíso. Ser
cristão e cidadão, habitante da terra e candidato a se tornar do céu, que infinitas vezes

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
havia proposto a jovens e adultos, a beneficiados e benfeitores, a salesianos e sale-
sianas, tornava-se agora, com o enfraquecimento da palavra, tanto falada como escrita,
o mais intenso testemunho de vida e eloqüente testamento para a posteridade.
1. Chave interpretativa
Pode-se ter uma mais justa compreensão dos acontecimentos da última fase da vida
de Dom Bosco se lidos à luz do que ele mesmo ia fixando nas últimas páginas das
Memórias desde 1841, provavelmente entre o final da primavera e o verão de 1886. Aí
oferecia três perspectivas iluminadoras: a fidelidade dos operadores salesianos à consa-
gração, a trépida esperança que o acompanhava na última parte do caminho terreno para
o Céu, a visão para si e para os seus do futuro da missão.
Já se falou de quanto tinha reservado às Filhas de Maria Auxiliadora.1 Aos salesianos
dedicava dois parágrafos: Nas dificuldades e Recomendação fundamental a todos os
salesianos. Ele indicava, de forma definitiva, a solução de eventuais dissídios com as
autoridades civis e religiosas em uma atitude o mais possível conciliadora. Caridade
paciente e tangível desejo do bem das almas deviam inspirar também os comporta-
mentos do diretor para com os irmãos e dos educadores salesianos para com os jovens.
A recomendação fundamental era dupla: o culto da pobreza e a prática atenta e condes-
cendente da caridade, amando “todos com amor fraterno” e tendo presente que seria
sempre “um belo dia” quando se conseguisse “vencer um inimigo com os benefícios”
ou “fazer-se um amigo”.2
Seguia-se Recomendação para mim mesmo. Os primeiros pensamentos eram de
um pai aos filhos. Assegurava aos jovens que eles “sempre foram a delícia” de seu
coração, recomendando a eles “a freqüente comunhão”, não somente em sufrágio de
sua alma, mas também para ser “queridos a Deus” e assegurar-se “a graça de receber
os santos sacramentos no final da vida”. Depois, com singular ardor, dirigia-se a seus
padres e clérigos salesianos, aos parentes e amigos de sua alma para que rezassem e se
aproximassem da comunhão, a fim de que Jesus lhe abreviasse o tempo do purgatório.
Dirigia-se, portanto, a si mesmo para “invocar a misericórdia do Senhor” sobre si “nas
últimas horas” de vida. Brotava, então, seu testamento espiritual. Este se desenrolava
em três momentos: a profissão de fé em todas as verdades reveladas e ensinadas pela
Igreja; o pedido de perdão a Deus dos próprios pecados, especialmente de escândalo,
quiçá – diz – “dos excessivos cuidados usados para comigo mesmo”; e a súplica de
que, além do choro, “pelo repouso eterno de sua alma”, se fizessem “orações, obras de
caridade, mortificações, santas comunhões”. Implorava: “Vossas orações tenham como
1 Cf. cap. 29, § 4.2.
2 “Memorie del 1841”, RSS 4(1985), p. 123-125.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 617
fim especial dirigidas ao céu para que eu encontre misericórdia e perdão no primeiro
momento que me apresentar à tremenda majestade de meu criador”.3 O temor de Deus,
jamais separado do amor, permanecia um traço essencial de sua espiritualidade vivida
e proclamada.
Via, enfim, e projetava diante de seus um futuro glorioso para a Congregação.
Tratava-se de linhas que preparavam e ecoavam o sonho barcelonense de 10 de abril
de 1886 e que prefiguravam outros.4 “Nossa Congregação – escrevia – tem diante de si
um feliz futuro preparado pela divina providência, e sua glória será duradoura enquanto
se observem nossas Regras”. Mais exatamente: “A seu tempo nossas missões chegarão
à China, mais precisamente a Pequim. Mas não se esqueçam que nós vamos para as
crianças pobres e abandonadas. Lá entre os povos desconhecidos e ignorantes do verda-
deiro Deus se verão as maravilhas até então não acreditadas, mas que Deus poderoso
tornará claras ao mundo”. Era uma meta que se atingiria ao preço da incondicionada
resposta às austeras exigências da missão: a fuga do bem-estar, pois “a verdadeira
riqueza” eram as solicitudes “dirigidas aos selvagens, às crianças mais pobres e aos
mais periclitantes da sociedade”. Caso contrário – declarava –, “quando começarem
entre nós a comodidade ou as benesses, nossa pia Sociedade já cumpriu seu curso”.
Ao invés – e era a conclusão das Memórias –: “Quando acontecer que um salesiano
sucumba e morra trabalhando pelas almas, então direis que nossa Congregação conse-
guiu um grande triunfo e sobre ela descerão copiosas as bênçãos do céu”.5
2. Declínio progressivo entre 1886 e 1887
Portanto, Dom Bosco estava voltado até o final para a missão por si e pelos seus:
ainda com alguma corajosa saída, pedinte nos encontros pessoais e mediante as cartas,
presente no seio do governo da Congregação, e com empenhos na ação direta de
educador espiritual dos jovens. Era um imcomparável ritmo de vida, que retomava
imediatamente após as não leves fadigas do Capítulo Geral. “Após mil incertezas”,
anotava Viglietti, sábado, 11 de setembro, Dom Bosco efetuava uma rápida viagem a
Milão, desejada por ele mesmo e solicitada por benfeitores e amigos que tinham um
extraordinário animador no padre Pasquale Morganti (1853-1921), diretor espiritual do
seminário maior e futuro arcebispo de Ravena. Acompanhava-o na estação ferroviária
o administrador da marquesa Consuelo Vidal y Moragas (1861-1898), Leandro Súñer,
ambos conhecidos em Barcelona, e que tinham-no visitado no Oratório no dia prece-
dente, no retorno de uma viagem à Alemanha. Dom Bosco chegava a Milão às 12h40,
3 “Memorie del 1841”, RSS 4(1985), p. 125-126.
4 Cf. § 6.
5 “Memórias desde 1841”, RSS 4(1985), p. 126-127.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
hóspede do arcebispo amigo, Luigi Nazari di Calabiana. Logo depois do meio-dia
recebeu numerosas visitas de eclesiásticos e de leigos. Às 11 horas do dia seguinte
aconteceu a conferência salesiana – a schola cantorum do Oratório de Valdocco execu-
tava uma maravilhosa missa de Haydn –, com vibrante discurso do padre Lasagna,
enquanto Dom Bosco se aninhava em uma poltrona ao lado da sede episcopal. Seguia
a coleta. Após a bênção eucarística, Dom Bosco, cansado e encurvado, saía lentamente
da igreja sustentado pelo arcebispo – sete anos mais velho – e por Viglietti, entre duas
alas de gente comovida. Na segunda-feira celebrava missa na capela do arcebispado.
No final dirigia a palavra aos numerosos presentes, recebendo-os depois um a um, dando-
lhes uma medalha e uma palavrinha de lembrança. Retornava, quebrado, às 16h25. Às
20h30 estava em Valsalice.6 Boa parte da imprensa milanesa tinha se interessado pela
visita, embora com óticas diversas. Dela escreviam entre os dias 13 e 14, com grande
destaque, o liberal moderado Corriere della sera, com simpatia La perseveranza, com
admiração Il caffè, L’Italia, Il pungolo, e com amplas informações o jornal católico
conciliador Lega lombarda, além de outros jornais de Milão, de Turim (Il corriere di
Torino) e de Gênova (L’eco d’Italia). E não sem sublinhar que Dom Bosco “era um
dos chefes influentes do partido clerical italiano”, e outras coisas ainda, os anticlericais
Il secolo, La Lombardia e o extremista crispiniano La riforma, de Roma. O jornal cató-
lico integrista Osservatore cattolico, nos números de 12 e de 13 de setembro, obvia-
mente não economizava informações e elogio.7 Não fazia por menos, é claro, L’unità
cattolica, com o teólogo Giacomo Margotti, totalmente a favor de Dom Bosco.8 Era uma
antecipação das celebrações, dos reconhecimentos e das avaliações de mais variados
acentos, ideológicos e políticos, que aconteceriam após 31 de janeiro de 1888.
Em 22 de setembro o secretário anotava: “Todos os jornais falam de Dom Bosco
doente e muito grave. Graças a Deus, de algum tempo para cá, Dom Bosco está bem
melhor de saúde. Alarmado pelas notícias dos jornais, teólogo Margotti veio visitá-lo
nesta tarde”. Chegava também um telegrama de La Croix, de Paris, pedindo ao “supe-
rior da Congregação” notícias sobre Dom Bosco. Respondia pessoalmente o que acre-
ditavam já morto: “Estou bem. Não sei explicar-me sua ansiedade. Contudo, agradeço
a atenção”.9
Retornava ao Oratório em 27 de setembro, partindo no dia 29 para San Benigno,
onde assistia aos exercícios espirituais dos noviços e no dia 3 recebia os votos de
53 deles: falava longamente da caridade, invectivando com vivacidade os que, fazendo
o voto de obediência, abandonavam-se ao sacrilégio da crítica.10
6 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 37-45.
7 Uma fiel crônica sobre Don Bosco a Milano tirava da Corriere di Torino o BS 10 (1886) n. 10,
ott., p. 122-123.
8 Cf. L’unità cattolica, n. 215 e 216, Terça e Quarta-feira, 14 e 15 de setembro de 1886, p. 859
e 562-563.
9 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 46 e 48.
10 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 49.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 619
Em circular aos cooperadores, traduzida em diversas línguas, dirigia o olhar para
novas missões. Em socorro da “miséria lamentável” dos “pobres neófitos” não restava
senão a obra dos salesianos e de seus cooperadores. Sobrepunha desígnios futuros e
realidade presente: “É bom que saibais que, para assegurar o êxito da total conversão da
Patagônia, já determinamos abrir um caminho pela parte ocidental do Chile, e um grupo
de salesianos já se dirige para lá a fim de fundar uma casa além das Cordilheiras, na
cidade de Concepción, pertencente à república chilena. É de lá que deverão partir colô-
nias de missionários para evangelizar a Araucania e a Patagônia Ocidental, espalhan-
do-se pouco a pouco no Arquipélago de Chiloe e de Magalhães, nas assim chamadas
Terras do Fogo, povoadas inteiramente por inumeráveis tribos indígenas completa-
mente privadas da religião e da civilização”.11 A expedição da circular exigiu uma larga
mobilização de clérigos e jovens aplicados a escrever endereços para os mais heterogê-
neos destinatários, incluindo o imperador da China, o xá da Pérsia e numerosos jornais.
O resultado foi alentador.12
“No momento devo partir para Foglizzo para a vestição de uma centena de futuros
missionários. Dois dias depois, de volta aqui, escreverei de novo”, anunciava Dom Bosco,
em 4 de novembro, à senhora Teodolinda Pilati de Bologna, que havia lhe enviado a
significativa soma de 500 liras.13 Em Foglizzo se dirigia para a abertura oficial do novo
noviciado para os clérigos, dedicado ao arcanjo São Miguel. Aí recebia festiva acolhida
do povo, jovens e adultos, tendo à frente o prefeito. Houve um solene banquete com a
participação do Conselho Municipal e dos párocos dos lugares próximos. No Instituto
São Miguel, às 17h30, acontecia a bênção da nova capela, e Dom Bosco presidia a
vestição clerical de setenta e cinco noviços. No dia seguinte partia para a estação de
Montanaro e, às 17 horas, estava de novo no Oratório.14 Fiel e interessado, escrevia
imediatamente à senhora Pilati, com os habituais exageros nas cifras. No mais, clérigos
noviços existiam também no Oratório, em San Benigno e em outras casas. “Estou de
volta da função de Foglizzo – informava –. Abençoei o hábito de cento e dez levitas, que
se acrescentarão ao grupo de cerca de outros quinhentos. Todos se preparam para traba-
lhar entre os selvagens. Recomendo-os todos à sua caridade e à de sua irmã, para que
eles cresçam na ciência e santidade e possam assim ganhar muitas almas para o céu”.15
O cronista abre uma fresta na vida privada de Dom Bosco nesta e nas semanas
seguintes: “De um mês para cá todo dia (se está bom) mando preparar o carro e conduzo
Dom Bosco para passear. O cocheiro leva-o aos campos, lá descemos e Dom Bosco
passeia, conversa e se refaz bastante”.16 Nesse clima inseria-se o simpático convite para
11 E IV 360-363. Cf. L’unità cattolica, n. 248, sexta-feira 23 de outubro de 1886, p. 990,
“Le missioni de’ Salesiani in Patagonia ed una lettera di D. Bosco a’ suoi cooperatori”.
12 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 54.
13 E IV 364.
14 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 51-53.
15 E IV 364.
16 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 59. Cf. também p. 60 e 61.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
que viesse encontrá-lo, dirigido a um pároco que fora seu companheiro no Convitto e
agora era benfeitor: “Se tu não tens o mérito dos disturbadores, como tem Dom Bosco,
tens o dos doadores como fazes tu. Por que não vens mais a ver este pobre amigo?”.17
Em 30 de novembro estava em Valsalice para as premiações dos alunos. A sessão
foi precedida por um banquete festivo, estando presentes cardeal Alimonda, teólogo
Margoti e outras personagens. A distribuição dos prêmios – anotava o cronista – “foi
esplêndida, o cardeal falou longamente”. Às 18 horas voltava ao Oratório.18
Em 2 de dezembro foi carregado de emoções. Pela manhã Dom Bosco recebia em
sua capelinha os votos de cerca de vinte clérigos chegados de San Benigno. À tardinha
assistia, sentado em uma poltrona no presbitério da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora,
ao rito de despedida de vinte e seis salesianos e seis irmãs que partiam para a América.19
Estavam presentes dom Manacorda e dom Leto. Padre Lasagna discursava. Cardeal
Alimonda concluía com a bênção eucarística e com apaixonadas palavras. Dom Bosco
assistiu silencioso, acompanhando com visível comoção e lágrimas a saudação de cada
um dos participantes.20
No dia de Natal Viglietti, ordenado sacerdote em 18 de dezembro, celebrava a
primeira missa solene. No almoço era inaugurado o novo refeitório para os membros
do Capítulo Superior, ao lado da biblioteca e muito próximo da capelinha e do quarto de
Dom Bosco, que assim via facilitada sua participação nas refeições comuns.21
Há duas cartas significativas do final de dezembro. Com a primeira agredecia ao
generoso conde Eugênio de Maistre, um dos filhos do conde Rodolfo, que o tinha
hospedado em Roma em 1858. Prometia orações especiais por ele e pela família, com
as costumeiras e alentadoras intenções: “Peço ao céu para que sejam muito abundantes
os frutos de seus campos, boa a saúde em toda sua família e grande a consolação de ver
todos caminhando de virtude em virtude, até que todos possam encontrar-se ladeando
o Senhor no paraíso”.22 Outra carta era endereçada a dom Cagliero, a última dirigida
a ele, levada para a América pelo padre Lasagna, que partia com os missionários e
as missionárias. Anunciava que os débitos contraídos pelos americanos para com a
Direção Geral estavam quitados, “saldados por Dom Bosco – declarava, magnânimo
–. Viva a abundância!”. A seguir dava indicações operativas: em particular enviar ao
17Ao cônego Biagio Ruminiano, 30 de novembro de 1886; E IV 365.
18 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, po. 55-56.
19 L’unità cattolica tinha-a anunciado ao publicar uma circular de convite assinada por Dom
Bosco; n. 280, terça-feira, 30 de novembro de 1886, p. 1119, “La partenza da Torino di nuovi
missionari per l’America”.
20 Cf. C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 56-58; L’unità cattolica, n.
284, sábado, 4 de dezembro 1886, p. 1134, “Partenza dei missionari salesiani”; BS 11(1887)
n. 1, janeiro, p. 7-9, “La missione salesiana per l’America” (foi reproduzida uma crônica do
Osservatore cattolico de Milão, de 2 de dezembro).
21 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 62-63.
22 E IV 365-366.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 621
Capítulo Superior, à Propaganda Fide e à Direção das Obras Missionárias de Lião infor-
mações precisas sobre o desenvolvimento das missões na América do Sul. Alternava,
depois, notas alegres com outras cheias de vibrante nostalgia: “Tu, pois, prepara o coro
dos pagãos para que venha cantar em minha missa cinqüentenária!? Esteja atento, nesta
noite, do lugar da antiga montanhinha farei um discursinho, Deo Dante, a nossos sale-
sianos”. “Grande cuidado da saúde, trabalho, temperança, e tudo sairá bem. Amém.
Maria nos conduza ao céu”.23 Na realidade, Dom Bosco não estava em condições de
dar a boa-noite, com a estréia para o novo ano, do habitual pulpitozinho, onde, nos
primeiros anos do Oratório havia um monte de terra de escavação, a “montanhinha”,
sobre a qual os oratorianos se divertiam a subir e descer. “De uns dias para cá Dom
Bosco encontra-se muito prostrado de forças”, anotava o cronista. Prestara-se, contudo,
a escutar as confissões dos jovens das duas últimas classes do ginásio. Comentando
as palavras do médico que o aconselhava a desistir, confidenciava ao padre Viglietti:
“Se não confesso ao menos os jovens, o que farei ainda por eles? Prometi a Deus que
até meu último respiro seria em favor de meus jovens”.24
3. Ano novo e vislumbres de vitalidade renovada (1887)
O ano de 1887 inaugurava-se com uma mensagem prestada à Virgem Mãe, o sonho
da Serva do Senhor. Vivido em duas fases, nas noites de 4 e 5 de janeiro, Dom Bosco
escrevia-o com extrema lucidez em dois folhetos, em italiano a primeira fase, e em
latim a segunda. Padre Viglietti transcrevia-o fielmente em sua crônica. Os textos
confirmavam nas palavras e nos conteúdos a essência da fé de Dom Bosco no poder de
intercessão da Serva do Senhor, mediadora de graças e pressurosa auxiliadora materna.
Aquela, “cui fecit magna qui potens est”, não somente propiciava a cura do jovem
francês Ludovico Olive, desenganado pelos médicos, mas era sobretudo mãe solícita
da saúde espiritual dos filhos: ela se queixava das más conversas e das confissões inefi-
cazes dos jovens, e admoestava os sacerdotes para ser administradores fiéis dos meios
de graça.25
Precisamente em 5 de janeiro Dom Bosco se deixava envolver em outra nação ameri-
cana. Registrava o secretário: “Hoje chegou o bispo de Quito (República do Equador),
entreteve-se por mais de uma hora com Dom Bosco e disse não querer partir até que
Dom Bosco não lhe tenha dado missionários”. Dom Bosco pareceu bem disposto a
isso.26 O bispo, dom José Ignacio Ordóñez, partia para Roma e no retorno passava
23 Carta de 31 de dezembro de 1886; E IV 366-367.
24 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 63-64.
25 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 69-73; os dois autógrafos foram
publicados em edição crítica por C. Romero, I sogni di Don Bosco, p. 98-99.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
de novo em Valdocco, em 12 de fevereiro, concluindo-se rapidamente a negociação.27
Em 14 de fevereiro estipulava-se a convenção, a última assinada por Dom Bosco,
para a abertura com várias facilitações de um colégio de artes e ofícios,28 ratificada
pelo ministro plenipotenciário em Paris, Antonio Flores, que seria depois presidente
do Equador de 1888 a 1892. Dom Bosco comunicava em 7 de março ao presidente
do Equador, José María Plácido Caamaño (1883-1888), conforme se deduz pela defe-
rente resposta deste.29 L’unità cattolica de 6 de agosto dava simpático anúncio geral do
evento.30 O adeus aos que partiam seria celebrado em 6 de dezembro, às vésperas da
última doença de Dom Bosco.
No momento a saúde aparecia discreta e podia alimentar a esperança de nova viagem
na França Meridional. “Dom Bosco está bastante bem”, comunicava padre Cerruti ao
padre salesiano francês Charles Bellamy em meados de janeiro; “estou persuadido
que também neste ano o Senhor lhe concederá poder viajar ao menos até Marselha,
mas não sabemos ainda nem se sim, nem quando”.31 Em 23 de janeiro o cronista
anotava: “Ontem de tarde Dom Bosco confessou das 5h30 até às 8 horas. Com mara-
vilha notou-se que todos os jovens da quarta e quinta ginasial participaram”.32 No dia
25 Dom Bosco assegurava à senhora Olive de Marselha sobre a saúde do filho –
“Ludovico está sempre melhorando” – e lhe aconselhava como boa obra um auxílio aos
órfãos de Saint-Cyr.33 Estava presente, em 29 de janeiro, à solene festa de São Francisco
di Sales, com a missa cantada assistida pontificalmente pelo cardeal Alimonda.34
“Saúde, santidade e perseverança no caminho do céu”, augurava no dia seguinte ao
jovem amigo do passado, agora esposo e pai, Ottavio Bosco de Ruffino.35 No final do
mês, padre Cerruti não se mostrava otimista sobre a saúde do superior, acenando, como
das outras vezes, a algum sofrimento moral. “Rezai também por Dom Bosco – escrevia
ao padre Rocca –, muito abatido também fisicamente por algum grave desprazer interno
não ainda superado. Bendita obediência!”.36 E, contudo, em 3 de fevereiro o sofredor
estava presente na Igreja São João Evangelista para a conferência dos cooperadores e
escutava, do presbitério, o discurso do padre Giovanni Marenco, diretor do Internato”.37
26 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 66-67.
27 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 9.
28O texto encontra-se em MB XVIII 783-784.
29 Transcrita em MB XVIII 784-785.
30 L’unità cattolica, n. 187, Sexta-feira 12 de agosto de 1887, p. 746-747.
31 Carta do dia 14 de janeiro de 1887; ACS B 521, orig. aut. 2 f.
32 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877 al 15 maggio 1887, p. 3.
33 E IV 406.
34 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 3-5.
35 Carta de 30 de janeiro de 1887; E IV 371.
36 Carta do dia 31 de janeiro de 1887; ASC F 381, orig. aut. 2 f.
37 “La festa di S. Francesco di Sales e la Conferenza dei Cooperatori Salesiani in Torino”,
BS 11(1887) n. 3, março, p. 26-27.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 623
Nesses dias combinava com padre Dalmazzo, proveniente de Roma, o que podia dizer
respeito à consagração da Igreja Sagrado Coração.38
Também o Boletim Salesiano de março anunciava a consagração, o qual dava voz
sobretudo à caridade benéfica, suprema ânsia de Dom Bosco, aumentada pelo recente
terremoto que tinha atingido a Ligúria, com graves danos para algumas obras sale-
sianas. Assim estava escrito no cabeçalho do fascículo: “Dom Bosco, nos anos passados,
estava acostumado nesta época a viajar para França meridional, visitando os amigos de
Mentone, Mônaco, Nice, Cannes, Toulon e Marselha. Neste ano, porém, é obrigado a
renunciar a esta viagem, que realizaria mesmo de boa vontade e que seria necessária
para buscar esmola para seus queridos órfãos. Graças a Deus não está doente, mas a
debilidade de forças, os incômodos e o conselho do médico o constrangem a permanecer
em Turim. Aqui ele poderá receber qualquer carta, à qual não deixará de responder, e
poderá acolher as pessoas benfeitoras que se dignarem visitá-lo. Na segunda metade
de abril estabeleceu dirigir-se a Roma, onde, em 7 de maio, se não aparecer nenhuma
dificuldade nos trabalhos, assistirá à consagração da belíssima nova Igreja Sagrado
Coração de Jesus, objeto de suas mais vivas solicitudes”.39
O terremoto da manhã de 23 de fevereiro de 1887 na Riviera Lígure de Ponente, com
repercussões no Piemonte e na Toscana, era nova ocasião para solicitar a beneficência.
Tinha tido maior necessidade a casa de Vallecrosia.40 Dom Bosco se empenhava em
primeira pessoa, recomendando antes de tudo aos salesianos medidas de austeridade e de
economia.41 Envolvia, naturalmente, também os salesianos externos, os cooperadores,
como anotava o secretário em 4 de abril: “Sempre novos meios aparecem na mente de
Dom Bosco de modo a conseguir o auxílio dos cooperadores. Fez mesmo uma bela e
comovente carta e a mandou inserir no Boletim de abril, apelando-se à caridade pública,
pelos danos sofridos nos desastres do terremoto nas casas da Ligúria”.42 Tratava-se de
nova ocasião para fazer, sobretudo entre os mais solidários, uma compacta comunidade
ativa de mentes e de corações.43 A peroração pelas presentes calamidades e urgência
era apaixonada. Em outras cartas, em parte não datadas, era constante a humildade em
pedir, permanente a promessa da oração, confiante a segurança da mercê, expressão de
dias angustiados. “Não te maravilhes se este pobre padre faz ainda recurso à sua cari-
dade que me é assaz conhecida. Eu me encontro em grande necessidade”: era o início
38 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 6; BS 11(1887) n. 3, março, p. 26-27.
39 BS 11(1887) n. 3, março, p. 25.
40 Cf. cap. 23, § 1.1.
41 Cf. circular aos salesianos, 1º de março de 1887; Lettere circolari di Don Bosco e di D. Rua,
p. 44-46.
42 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 28-29. Cf. BS 11(1887), n. 4,
abril, p. 37-38.
43 Cf. cartas de março de 1887 a Enrichetta Nerli, Anna Parodi-Cataldi, Clara Louvet e G. Musso
Bensa; E IV 371-373, 476. Cf. cap. 22, § 2.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
da carta a uma cooperadora genovesa para pedir auxílios destinados a sanar os danos do
terremoto. Pedia-lhe “pelo amor de Deus”, como um frade procurador, um pobre verda-
deiramente “privado de meios pecuniários”. No pós-escrito, pedia desculpas da “letra
má”: estava “velho e meio cego”.44 Idênticas expressões apareciam em outra carta, ao
barão genovês Raffaele Cataldi,45 e semelhantes à marquesa turinense G. Tagliacarne, a
quem agradecia depois pela oferta de cem liras.46 Louvava, também, a vistosa oferta de
um sacerdote veneziano: “Bendigo o senhor e sua caridade; mas louvo altamente sua
coragem, porque V. S. em pessoa faz as obras, sem esperar que outros as façam pelo
senhor, como agem alguns, os quais, algumas vezes, são enganados”.47
O cronista, no entanto, não deixava de informar sobre os sonhos, que eram antes de
tudo íncubos noturnos, sofridos e algumas vezes redimensionados pelo próprio Dom
Bosco, enquanto a saúde continuava a ter sensíveis decaídas.48 Tais fatos são espelhados
também nesses dias pelo padre Cerruti: “Nosso muito amado Dom Bosco está suficien-
temente bem, mas precisa que nós o consolemos com o cumprimento exato de nossos
deveres e com a santa perseverança. Isso ajudará muito no prolongamento de sua vida,
tão cara e preciosa para nós”.49 “Dom Bosco está bastante bem e nos dá contínuo e
esplêndido exemplo de abnegação, pobreza e pureza. Imitemo-lo e o consolemos”.50
“Dom Bosco está um tanto quanto incomodado. Ontem não celebrou a missa e teve que
ir para a cama mais cedo. Nesta manhã celebrou a missa, mas muito fatigado e com
ligeira constipação. Rezemos”.51 “Dom Bosco está um pouco melhor.”52
Com relação aos dias 5 e 6 de abril, o secretário cronista registrava condições alar-
mantes: “Nesta noite Dom Bosco, lá pelas 7 horas, sentiu-se muito mal, respirava com
afã, não podia movimentar-se, precisou que se lhe tirassem as roupas e o colocassem no
leito, nem tinha noção do que se lhe fazia”. “Nesta manhã Dom Bosco não pôde celebrar
a missa, levantou-se tarde, tomou um pouco de café e o vomitou quase imediatamente,
mas depois retomou as forças e já está melhor. Hoje foi almoçar com os outros. Nesta
noite deitou-se antes.”53 Uma observação se encontra na carta do padre Cerruti ao padre
Rocca de meados de abril, com previsão sobre a viagem a Roma: “Dom Bosco melhora,
mas está sempre menos bem, ou seja, pior que no ano passado. Antes de ontem fez um
desabafo confidencial sobre suas dores morais... Pobrezinho! Sofre muito. Rezemos...
e sejamos bons. Daqui a dias partirá para Roma, mas fazendo alguma parada”;54 “Dom
44 Carta a Oneto Dufour, s. d.; E IV 374.
45 E IV 374-375.
46 Cartas de 30 de março e de 4 de abril de 1887; E IV 376.
47 Carta ao padre Varettoni, s.d.; E IV 375
48 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 15-17.
49 Circular aos inspetores salesianos, 28 de março de 1887; ASC 381, impressa.
50 Carta ao padre A. Riccardi, 31 de março de 1887; ASC B 521, orig. aut. 2 f.
51 Carta ao padre Rocca, 7 de abril de 1887; ASC F 381, orig. aut. 3 f.
52 Carta ao padre Rocca, 11 de abril de 1887; ASC F 381, orig. aut. 2 f.
53 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 29-30.
54 Carta ao padre Rocca, 14 de abril de 1887; ASC F 381, orig. aut. 2 f.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 625
Bosco partirá com o padre Rua na próxima quarta-feira” [20 de abril];55 “o amadíssimo
Dom Bosco está suficientemente bem e partirá depois de amanhã em direção a Roma,
para a consagração da Igreja Sagrado Coração de Jesus”.56
4. Última viagem a Roma
Em carta ao grande beifeitor e amigo fraterno conde Colle, Dom Bosco descrevia a
situação na qual se encontrava nos primeiros dias de abril e os projetos imediatos para
si e para os cônjuges Colle. “Não sei – escrevia – se de algum tempo chegam nossas
notícias. Eu, com efeito, sou quase obrigado a abandonar a correspondência, excetu-
adas as coisas estritamente confidenciais. No momento se estabeleceu definitivamente
a consagração da Igreja Sagrado Coração para 13 de maio. Sou obrigado a viajar para
Roma com pequenas escalas, mas espero chegar lá para esse dia e encontrar-vos ambos
em boa saúde e falar com tranqüilidade sobre nós. De Roma voltaremos juntos para
Turim para a festa de Nossa Senhora Auxiliadora, em 24 de maio”.57 Mas lhe chegava
a notícia do agravamento da cardiopatia do conde e, no dia 12 de abril, o encontrava
entristecido, prometendo-lhe orações, suas, dos seus e dos jovens.58 Nos dias prece-
dentes Dom Bosco tinha tido febre e um pouco de bronquite.
O Boletim Salesiano de maio dava aos leitores informações mais precisas sobre
a Igreja Sagrado Coração: em 12 e 13 de maio, inauguração do órgão da igreja; no
dia 14, consagração do edifício sagrado; e continuação das festividades até o dia 19.
Anunciava também que Dom Bosco e os cantores do Oratório estariam presentes.
O corpo do artigo, contudo, era dedicado a evocar rapidamente o quanto Dom Bosco
tinha feito para realizar “o audaz, antes, o temerário projeto” que lhe fora confiado pelo
chefe da Igreja. “No momento sem palavras”, tinha respondido: “Esta obra – conti-
nuava – é dedicada ao grande protetor dos órfãos, Pio IX: mas os órfãos são a delícia
da Santa Virgem Maria e do Sagrado Coração de Jesus. Portanto, Maria nos provi-
denciará”. Agora, a igreja “está elevada diante de toda a Roma”, mas nem tudo estava
pronto: o campanário não estava acabado e faltavam as estátuas da fachada. No interior,
alguns altares não tinham ainda sido construídos, e todas as capelas, exceto a de Nossa
Senhora Auxiliadora, carecem das respectivas palas. As pinturas dos murais estavam
em parte incompletas e do altar-mor não se tinha a mesa com os degraus. Poder-se-ia
prorrogar a consagração, mas era urgente prover pastoralmente a uma população que
ultrapassava quinze mil almas.59
55 Carta ao padre Barberis, 15 de abril de 1887; ASC B 521, orig. aut. 1 f.
56 Circular aos inspetores salesianos, 18 de abril de 1887; ASC F 381, impressa. Cf. ainda carta
ao padre Rocca, 19 de abril; ASC F 381, orig. aut. 2 f.
57 Carta de 8 de abril de 1887; E IV 526.
58 E IV 526-527.
59 “La consacrazione della chiesa del S. Cuor di Gesù al Macao”, BS 11(1887) n. 5, maggio,
p. 49-51.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Dom Bosco iniciava a viagem com bilhete de primeira classe, com os padres Rua
e Viglietti, em 20 de abril. Chegaria a Roma em 30 de abril, às 15 horas, depois de ter
feito parada em Gênova-Sampierdarena, do dia 20 ao 23, em La Spezia, de 23 a 25,
em Florença, de 25 ao 28, e em Arezzo, de 28 a 30. Em Sampierdarena começavam as
audiências na primeira parte da tarde, durando até às 20h30. Continuavam na manhã
seguinte. Eram pessoas que pediam bênçãos e graças de Nossa Senhora Auxiliadora.
Na parte da tarde, dom Francesco Omodei Zorini fez a conferência na Igreja São Ciro,
“superlotada”.60 Nos dias 22 e 23 pela manhã continuavam as massacrantes audiên-
cias: “Houve momentos em que ficou sem respiração”. No dia 22, à tarde, foi a Sestri
Levante para obsequiar a senhora Luigia Cataldi e, na volta, no colégio, das 19 às 21
horas se sobrecarregava com outras audiências. “Às 11horas – anotava o secretário
no último dia, 23 de abril – fomos almoçar. Dom Bosco não provou o alimento, pois
estava muito cansado. Às 3 da tarde retomou-se a viagem”.61 A parada em La Spezia
foi menos cansativa, com alegre e cordial acolhida dos jovens e da cidade, expressa
pela larga participação de autoridades eclesiásticas, civis e militares. A conferência
aos cooperadores foi feita pelo padre Rua, na segunda-feira pela manhã, 25 de abril.62
Chegava a Florença no dia 25 pela tarde. Dom Bosco se hospedava em casa da condessa
Uguccioni, entrevada na cadeira de rodas: as refeições e as audiências eram efetuadas
normalmente na casa salesiana. Dom Bosco celebrava na capela privada dos Uguccioni
ou na do colégio. As audiências foram oportunamente dosadas, limitadas a senhoras e
senhores da aristocracia e a eclesiásticos mais em vista, incluindo o arcebispo Cecconi
e seu auxiliar, Donato Velluti Zati di San Clemente, que também colocava à disposição
seu carro para uma repousante excursão.63 No dia 28, já noite adentro, os romeiros
estavam em Arezzo, hóspedes do bispo, Giuseppe Giusti (1814-1897). Seguiu-se um
dia de total repouso, com um passeio de quatro horas, de carro e a pé, com o bispo,
padre Rua e o secretário.64 Na parte da tarde de 30 de abril, às 15 horas, Dom Bosco
entrava no Sagrado Coração de Jesus, na rua Magenta. Aí permaneceria até 18 de maio,
quase recluso – celebrava a missa num quartinho ao lado do seu –, saindo somente
para a audiência pontifícia de 13 de maio. Recebeu, contudo, muitos visitantes ilustres:
os cardeais Ricci, Bartolini, Laurenzi e Verga; o amigo dom Kirby, reitor do semi-
nário irlandês, o qual, com a condessa de Stacpoole, pedia uma fundação salesiana em
Londres; o príncipe Doria e os marqueses Vitelleschi. De Roma escrevia novamente ao
conde Colle e à Louet, respectivamente nos dias 1º e 3 de maio, convidando-os para a
festa de Nossa Senhora Auxiliadora.65
60 “Don Bosco a Genova”, BS 11(1887) n. 6, junho, p. 66-67.
61 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 31-39.
62 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 43.
63 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 44-47.
64 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 47-49.
65 Cf. E IV 476-477, 527.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 627
Admirável foi o almoço solene de 8 de maio, festa da aparição de São Miguel
Arcanjo. Não foi somente um encontro de Dom Bosco com ilustres personagens, ecle-
siásticos e leigos, entre os quais o arcebispo de Catania, dom Dusmet, e o príncipe
Czartoryski, mas foi ocasião da apresentação de fato do sucessor, padre Miguel Rua.
Os jovens vieram cantar um hino em honra do vigário e o festejado tomou a palavra,
agradecendo e dando aos cantores um doce. Durante o almoço Dom Bosco recordava,
com sincera comoção, o grande amigo seu e do Oratório, teólogo Giacomo Margotti,
diretor de L’unità cattolica, falecido dois dias antes, com 62 anos.66
Em 9 de maio de 1887 o cardeal vigário espalhava o Aviso sagrado da solene consa-
gração. Ao conde Colle, que tinha dado novas notícias não acalentadoras, escrevia
ainda no dia 12, confirmando as datas de alguns acontecimentos mais importantes:
no dia 13, na audiência pontifícia, pediria uma bênção particular para o conde, no dia
14 aconteceria a consagração da Igreja, e a partir do dia 15 seria celebrado nela um
solene oitavário.67
Especialmente tocante foi a audiência privada de Leão XIII, às 18h30 de 13 de
maio. Durou uma hora. O papa o tratou com suma delicadeza: “Sou velho – dizia Dom
Bosco prostrado a um vivaz e enérgico velho que tinha cinco anos a mais que ele –,
tenho 72 anos e esta é a última viagem e a conclusão de todas as minhas coisas”. Depois
“Dom Bosco falou-lhe de tudo, especialmente da Igreja Sagrado Coração”. “Partimos
comovidos e confusos em face de tanta bondade”. Dom Bosco não deixava de apresen-
tar-lhe o padre Rua, o vigário sucessor, uma figura de asceta que devia impressionar
imediatamente o papa.68
A tantas festas sagradas se alternaram cardeais e bispos a partir da consagração
efetuada em 14 de maio pelo cardeal vigário Lucido Maria Parocchi, novo protetor da
Sociedade Salesiana.69 Intensa e apreciada foi a participação da cantoria do Oratório
de Turim. Dom Bosco, “cansadíssimo e prostrado de forças”, não tomou parte publi-
camente em nenhum rito. Esteve, ao invés, presente no grande banquete de honra do
dia 14: pronunciou um breve brinde, seguido de elevadas palavras de Parocchi. Dom
Bosco desceu à nova igreja na segunda-feira, dia 16, e celebrou a missa no altar de
Nossa Senhora Auxiliadora, apenas capaz de dominar a emoção e o eflúvio de lágrimas.
O povo fez-lhe um círculo ao redor até a sacristia, pedindo sua bênção.70
Não faltava somente o colégio, em grande parte, para ser construído, mas também a
igreja tinha ainda necessidade de muito dinheiro para estar igualmente completa. Antes
de partir, Dom Bosco pegava a caneta tanto para agradecer o santo padre “pela caridosa
66 BS 11(1887) n. 6, giugno, p. 67-68.
67 E IV 528.
68 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1877, p. 62-76.
69 Cf. “Festa in Roma per la consacrazione della chiesa del S. Cuore di Gesù”, BS 11(1887) n.
6, junho, p. 61-66.
70 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877 al 23 dicembre 1877, p. 3-5.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
e verdadeiramente paterna acolhida”, como, sobretudo, para pedir auxílio. “Se Vossa
Santidade – pedia – pudesse no todo ou em parte vir-nos em auxílio para o resíduo de
51 mil liras, nossas finanças seriam regularizadas. Todos os nossos órfãos, em número
de 250 mil, rezam todos os dias pela conservação da saúde de Vossa Santidade, para
quem todos trabalhamos de coração. Releve esta má escritura”.71 Escreveria de novo
em novembro.
Quarta-feira, dia 18, às 9h20 deixava Roma pela vigésima e última vez. Fazia uma
etapa salutar em Pisa, hóspede do arcebispo, dom Capponi, que lhe permitia duas noites
e um dia de absoluto repouso.72 Ele aproveitava para escrever uma carta aos diletos
condes Colle, cujo pós-escrito quase duplicava o texto. Informa-lhes ter falado deles, e
em especial da doença do conde, ao papa, e Leão XIII tinha encarregado Dom Bosco de
dar-lhes, em seu nome, especial bênção com a indulgência plenária.73
Após o retorno de Roma,74 Dom Bosco recebia em 23 de maio a visita do duque
de Norfolk, que se dirigia a Roma. No mesmo dia acontecia a conferência aos coope-
radores e cooperadoras, feita na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, pelo “sacerdote
padre Rua, vigário de Dom Bosco”, observava o Boletim Salesiano.75 Tratava-se de
outra entrega pública de cargo à vigília da mais solene celebração salesiana. Da extra-
ordinária festa de Nossa Senhora Auxiliadora, a última vivida na terra por Dom Bosco,
o estupefato cronista escrevia: “As missas começaram às 2h30 e continuaram até às
2 da tarde, com contínuas comunhões. Desde a manhã se viam graças extraordinárias,
viam-se jovens com as muletas na mão, paralíticos, a se movimentar”.76
Enviava duas cartas, de 27 de maio e 6 de junho, à superiora do Carmelo de Tunis,
que em 1884, tendo consultado Dom Bosco, fora encorajada a aceitar o convite do
cardeal Lavigerie para sediar um convento em sua sede episcopal: “Tende fé: com a
fé nada vos faltará. O Bom Deus vos recomenda essa fundação”.77 Com as duas cartas
ele enviava, repetindo-se, a bênção especial, obtida de Leão XIII, para elas e para as
carmelitas de Alger e de Cartago.78
“Dom Bosco continua bastante bem. Deo gratias”, confiava o padre Cerruti ao
padre Rocca.79 Na realidade, fatigado, muito encurvado, Dom Bosco, para caminhar,
era constrangido a se apoiar num bastão e sempre mais freqüentemente nos acompa-
nhantes. Além disso, várias vezes a crônica narra o ato de ungir-lhe as pernas com
“óleo de jusquiame” para curar o inchaço.80 Ele mesmo escrevia: “Agora o calor amea-
71 E IV 377.
72 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 9-11.
73 Carta de Pisa de 18 de maio de 1877; E IV 529.
74 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 9-10.
75 BS 11(1887) n. 7, julho, p. 74.
76 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 13-17.
77 Cf. carta a M. Marie des Anges, 17 de julho de 1884; E IV 412-413.
78 E IV 413-414.
79 Carta de 4 de junho de 1887; ASC F 381, orig. aut. 2 f.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 629
çava incendiar Turim e por isso vim para Valsalice, onde me sinto melhor, graças ao
clima fresco”.81 O cronista confirmava isso em 10 de junho: “Está bastante bem, e ao
menos não tem de se lamentar do excessivo calor. Está muito alegre e de bom humor.
Fica feliz quando recorda coisas antigas do Oratório”.82 Sempre maior dificuldade na
caligrafia, escrevia aos dois correspondentes franceses então próximos. À Louvet, que
fora a Turim para a Festa de Nossa Senhora Auxiliadora e tinha partido com lágrimas
nos olhos, ele tornava explícitas as palavras de despedida de então: “Sempre lhe asse-
gurei que nossas relações na terra não eram duradouras, mas que na vida eterna passa-
remos nossos dias na verdadeira alegria sem fim e não faltarão nunca coisas desejáveis:
in perpetuas aeternitates”. Que não temesse guerras iminentes: “Quando visse o menor
perigo – acrescentava – eu lhe direi imediatamente, supondo que eu esteja ainda vivo”.
Terminava com o augúrio de que a Santa Virgem a conservasse em boa saúde, “mas
sempre seguramente no caminho do paraíso”.83 O “caminho do paraíso” retornava nas
últimas quatro cartas a ela, de 4 e 25 de julho, e de 4 e 5 de setembro. Era um padre
que via a si próprio percorrendo a última etapa de sua caminhada terrena, enquanto
ela deveria ainda “esperar por algum tempo”.84 Em 14 de junho escrevia outra carta ao
conde Colle, insolitamente longa, dado o estado de saúde do mitente, mais preocupado
pela saúde do destinatário que da própria. Para os cônjuges – assegurava – estavam
preparadas em Valsalice quarto e mesa para as festas de São Luís e de São João, com
um clima agradável. Poder-se-ia – dizia – falar “de nossos serviços em Roma, de San
Benigno e de nossos missionários”, em particular de dom Cagliero”.85 Poucos dias
depois seguia uma outra, na qual assegurava multiplicadas orações para a saúde do
conde, inserindo no texto também uma breve invocação a São João e pedindo-lhe, se
caso quisesse responder, que não se cansasse, limitando-se a duas simples palavras:
Estou ou não estou melhor”.86
Voltava ao Oratório em 23 de junho para o início da festa onomástica. Na manhã do
dia 24 houve o costumeiro encontro com os ex-alunos para a tradicional homenagem.
Falava em seu nome teólogo G. B. Piano, pároco da Grande Mãe de Deus, que iniciava:
“Já faz bem trinta e três anos desde que comecei a fazer parte da família de Dom
Bosco”. Chamando-o com o “doce nome de Pai”, via encarnadas nele as prerrogativas:
“a família e o amor, e todas as duas – declarava – residem em vós”. “Quantas vezes –
80 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 17-18 (3 de junho) e 20-21
(5 de junho).
81 A C. Louvet, de Turim-Valsalice, 12 de junho de 1887; E IV 477.
82 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 23-24.
83 Carta de Valsalice de 12 de junho de 1887; E IV 477-478.
84 E IV 478-479.
85 E IV 529-530.
86 Ao conde Colle, 18 de junho de 1887; E IV 530-531. “Ó São João – era a oração em francês
como as cartas – não permitas que façamos festa sem obter do Bom Deus a perfeita cura ou
ao menos uma sensível melhora. Assim seja”.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
prosseguia – ao ver-vos circundado de numeroso grupo de crianças, se nos apresenta
à mente vossa face amada, o olhar penetrante, os conselhos paternos, e fazemos o que
podemos para reproduzir-vos”. “O amor, essa mágica palavra, vos guiou por todo o
curso de vossa vida. Vós amáveis Deus e em Deus amáveis vossos filhos”; “vós nos
amais”. Terminava com uma oração calorosa: “Ó Deus, escutai nossas orações, ouvi
nossos votos. Fazei descer vossas bênçãos sobre a veneranda canície deste amado pai:
conservai-o ainda por longos anos para o bem da Igreja e da sociedade, e para nosso
amor”.87 Mas o secretário foi obrigado a fixar na crônica: “À noite houve uma esplên-
dida sessão lítero-musical, o mal foi que, pelo fim da mesma, Dom Bosco sentiu-se
incomodado e teve que abandonar seu lugar”; no dia seguinte já tinha se recomposto.88
5. Intermezzo entre recolhimento e governo
Em 4 de julho de 1887 começava, neste ano no colégio de Lanzo, um novo exílio,
que se estenderia até 19 de agosto.89 Naquele pequeno mundo os movimentos eram
feitos, normalmente, em cadeira de roda. Não era o único impedimento. “Dom Bosco –
anotava o cronista – está bastante bem se não fossem os sonhos que o inquietam durante
a noite”, sobrevoando o fato que estes também eram incômodos e indisposições da
idade e da saúde.90
Dom Bosco abandonava quase que por completo o governo direto de suas institui-
ções. Estava, contudo, presente como inspirador explícito e implícito, como memória
e profecia: relíquia vivente, fonte de confiança, certeza de futuro, e mesmo os sonhos,
também os mais banais, recolhidos com religiosa solicitude, representavam, para ele e
para os que lhe estavam próximos, aquele tanto de criatividade que estimulava a cami-
nhar na continuidade vigilante.
Restavam presenças que se alternavam no Oratório, em Valsalice e em Floglizzo.
Dois modos de presença eram ininterruptos: a animação com a palavra e o exemplo e
as intervenções epistolares sugeridas pelo anseio de não cortar as relações mais necessá-
rias em vista dos destinatários e das obras a serem sustentadas. A insistente cruzada da
caridade, a inquietante descrição das urgências, o costumeiro aumento das cifras podem
maravilhar. Era sempre a exigência publicitária, retórica da moção dos afetos. Contudo,
nem todos os jovens recolhidos em suas casas eram “orfãos e órfãs”; talvez, nem mesmo
a maioria; tanto menos atingiam cifras tão elevadas. Era exemplar nesse sentido uma
87 Nella fausta ricorrenza dell’onomastico dell’ottimo fra i padri Bosco D. Giovanni gli antichi
suoi figli in attestato di riconoscenza, 24 giugno 1887. Turim, Tipografia Salesiana, 1887, p.
3-4, 6, 8-9, 11, 14.
88 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 25-26.
89 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 27.
90 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 29-30.

64 Pages 631-640

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64.1 Page 631

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 631
carta, escrita precisamente de Lanzo, a um sacerdote amigo, pároco em Boves (Cuneo):
“Sua fraterna carta traz-me à lembrança coisas que formavam minhas delícias e que não
existem mais. Somente sua benevolência e sua caridade se conservam inalteráveis. Minha
família, quando estive em sua casa, era limitada a uns quinze mil órfãos. Agora são perto
de trezentos mil, todos saudáveis, robustos, com apetite indescritível. Esses são meus
herdeiros e sucessores nas substâncias da Divina Providência (...). Agora me faça um
grande favor. Queira, de minha parte e de todos os benfeitores salesianos, dizer à marquesa
Montezemolo que todos lhe apresentamos nossos agradecimentos e lhe prestamos humilde
obséquio. Todos se lembram dela, rezam todos os dias por ela e a esperamos com grande
alegria”.91 Justificavam tal forma de agir a querida retórica das hipérboles e a premência
das despesas e débitos. De outro lado, também os ricos tinham que merecer o paraíso. Se
este custava inevitáveis sacrifícios aos pobres, tanto mais deviam afrontá-los livremente
com oblações consistentes os que viviam na segurança econômica e social.
De Lanzo escrevia logo aos destinatários mais queridos, diversamente tribulados.
À Louvet, reanimando-a, dava-lhe também notícias sobre a saúde... de outros: “Padre
Rua está melhor, conde Colle não”.92 Ao conde anunciava que lhe enviava padre Rua,
que “conhecia muito bem as intenções” do destinatário, da condessa e do escrevente:
evidentemente, diziam respeito à utilização das fontes financeiras.93 O idoso louvava
mais adiante a cooperadora bolonhesa Teodolinda Pilati, que lhe tinha enviado a rele-
vante soma de 15 mil liras, mais de 40 mil euros: “Seja louvado Deus que lhe inspira a
fazer boas obras durante sua vida: está certa de encontrá-las asseguradas”. Os trezentos
mil “órfãos” ofereceriam “ao menos uma santa comunhão”.94
Em poucos dias, em um punhado de cartas ele mesmo dava notícias das próprias
condições de saúde. “Estou aqui em Lanzo meio cego e quase inteiramente coxo e
mudo”, “a mão não consegue mais escrever”, informava em 24 de julho à filha espiritual
baronesa Azelia Fassati Ricci.95 À Louvet, escrevia no dia 25: “Estou em Lanzo; a saúde
está um pouco melhor, e a sua?”.96 “Encontro-me quase na mesma situação. Um pouco
melhor, mas não posso caminhar sem o apoio de duas pessoas”, comunicava ao conde
Colle no dia 26.97 Por fim, no mesmo dia, comentava com a senhora Teodolinda Pilati:
“Tenho dificuldades para escrever; e meus dias caminham velozes para seu fim”.98 Padre
Cerruti anotava em uma de suas cartas: “Dom Bosco está bem em Lanzo”.99
Em Lanzo pedia que lhe lessem, em pranto, cartas de missionários, recebia visitas
91 Ao padre Giordano Calandri, de Lanzo, 22 de julho de 1887; E IV 381.
92 Carta de 4 de julho de 1887; E IV 478.
93 Carta de 7 de julho de 1887; E IV 531.
94 Carta de 26 de julho de 1887; E IV 382-383, seguida de outra do dia 15 de agosto após
ulteriores ofertas de 20.000 liras (E IV 383.
95 E IV 382.
96 E IV 478.
97 E IV 531.
98 E IV 382.
99 Carta de 26 de julho ao padre Rocca; ASC F 381, orig. aut. 2 f.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
de autoridades locais e de outros, e assistia à festa das premiações dos alunos.100
Em meados de agosto, as notícias de sua saúde não eram boas. “Nestes dias Dom Bosco
sofre alguns incômodos, que o deixam muito prostrado. Dá dó, não fala... respira com
dificuldade, não pôde participar dos almoços dos ex-alunos porque não teria suportado
a viagem”.101 O Boletim Salesiano confirmava e completava. Na parte da tarde de 11 de
agosto, os ex-alunos sacerdotes estavam presentes em Lanzo com uma representação.
O pároco de Cunico d’Asti, padre Griva, que a guiava, narrava: “Dom Bosco ficou tão
comovido que, no início, não conseguiu articular palavra”; “o olho é sempre seu, mas
o aspecto, ai!, mostra o quanto sofre. Não quis receber no salão, mas, sustentado em
nossos braços, saiu, e na área aberta, no prado ao lado do colégio, deu-nos audiência,
recordando que nos prados de Valdocco tinha feito as primeiras acolhidas de jovens.
Subiu na cadeira de rodas”. “Nós levamos a cadeira de roda até o carramanchão que
fica no fundo do prado. Ali se sentou e mil coisas foram ditas em poucos minutos”.
“Falou-se de sua missa de ouro de 1891”. Ele queria para ele um coro só de Patagões e
se beberia vinho de Cunico d’Asti. À pergunta sobre o que deveriam dizer no Oratório
respondia: “Direis que eu estou muito bem e que todas as preocupações com minha
saúde não perturbam a paz de meu coração”.102
Em 14 de agosto escrevia carta cheia de esperança à condessa Colle, que tinha dado
notícias maravilhosas sobre a saúde do marido. Era uma graça. “Que a Santa Virgem
seja agradecida para sempre, para sempre”, declarava.103
Descia a Turim-Valsalice em 19 de agosto, permanecendo ali até 2 de outubro,
retornando então ao Oratório. Em referência à iminente festa da Natividade de Nossa
Senhora, prometia orações aos destinatários privilegiados. “Vossa saúde está bem?”
– perguntava à Louvet, e comunicava: “A minha está um pouquinho melhor”;104 “P.S. –
Minha saúde está melhor”, lhe repetia um dia depois.105 Ao conde Colle dava notícias
de família, supondo estivesse sempre em boa saúde.106
Em 13 de outubro, no parque do Valentino, encontrava novecentos peregrinos fran-
ceses de passagem por Turim, que estavam jantando no restaurante Sogno. O Boletim
Salesiano narrava: “Advertido que a sala não podia conter toda aquela gente, Dom Bosco
sentou-se fora, junto da porta do estabelecimento. Após alguns minutos de repouso, e
quando todos os operários estiveram reunidos a seu redor, deu-lhes, com toda a alma,
a bênção, que quis estender às suas famílias, a seus parentes e amigos, às suas obras,
às suas mais queridas intenções. Mas o estado de saúde e o número dos ouvintes não
100 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 30-34.
101 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 34-35.
102 BS 11(1887), n. 9, setembro, p. 106-107.
103 Carta de 14 de agosto de 1887; E IV 532.
104 Carta de 4 de setembro de 1887; E IV 479.
105 Carta de 5 de setembro de 1887; E IV 479.
106 Carta de 6 de setembro de 1887; E IV 532-533.

64.3 Page 633

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 633
lhe permitiam continuar em voz alta. Pediu então ao padre Rua que dissesse algumas
palavras em seu nome”.107
Em 17 de outubro agradecia ao conde Colle, que tinha enviado 5 mil francos para as
despesas com a vestição dos noviços clérigos, que seriam – dizia – na “próxima quinta-
feira”.108 Era a última carta ao conde, ao qual reservava um bilhete, “a ser enviado após
a minha morte”, inserido nas Memórias desde 1841.109 Mas o conde morria um mês
antes de Dom Bosco, em 1º de janeiro de 1888.
Do Oratório, em 20 de outubro, Dom Bosco ia a Foglizzo Canavese para a vestição
clerical de noventa e quatro noviços.110 Voltava a Turim na tarde do dia seguinte, “muito
cansado e prostrado de forças”.111 Em 28 de outubro escrevia ao fiel benfeitor de Nice,
arquiteto Vincenzo Levrot: não pedia esmola, mas prometia orações especiais, suas e
dos seus, nos dias da festa de Todos os Santos e da comemoração dos Fiéis Defuntos.112
Em 1º de novembro o secretário anotava: “Pela primeira vez Dom Bosco, neste ano, não
pôde descer à igreja, com os jovens, para rezar o rosário pelos defuntos”.113
Não faltavam, porém, as energias para pedir. De resto, era a última coisa à qual
renunciaria. “A atividade de Dom Bosco – anotava Viglietti em 28 de novembro − não
esmorece. Notei que ele passa de uma indústria à outra para receber ajudas, e agora,
nas estreitezas presentes, às necessidades extraordinárias que parecem insuperáveis,
Dom Bosco provê nova circular pedindo socorros pelos missionários em geral, mas
principalmente para o Equador”.114 Dizia respeito a uma longa circular, elaborada natu-
ralmente por outros, sobre as missões e os missionários, com particular referência à
iminente expedição para Quito.115 A esta seguia outra mais breve, com o mesmo propó-
sito, em 20 de novembro.116 Não menos tenaz era o pedido personalizado. O primeiro
destinatário era o próprio papa. Ele pedia, em 6 de novembro, por meio da carta que
fazia chegar mediante o mestre de quarto do sumo pontífice, dom Francesco Salesia
Della Volpe, resumindo o que tinha pedido na súplica ao papa feita em Roma, em 17 de
maio, em favor da Igreja Sagrado Coração: “Há ainda a soma de 51 mil francos, que a
caridade do santo padre fez esperar de pagar ele mesmo. Eu me encontro em grandes
dificuldades. Por isso, se a inexaurível caridade do mesmo pode vir em meu socorro,
o tempo não pode deixar de ser mais oportuno”.117 Urgentes necessidades eram postas
também pelas missões e pelos missionários de partida. Em 7 de novembro escrevia a
uma benfeitora: “Venha em meu auxíliio na medida que pode, e Deus lhe assegura que
107 BS 11(1887) n. 11, novembro, p. 137.
108 E IV 533.
109 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 112-113.
110 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 42.
111 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 42-43.
112 E IV 410.
113 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 44.
114 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 55-56.
115 Circular de 4 de novembro de 1887; MB XVIII 785-789.
116 Circular de 20 de novembro de 1887; MB XVIII 789.
117 Transcrita em MB XVIII 351. Cf. cap. 30, § 2.

64.4 Page 634

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
a seu tempo te dirá: Salvaste uma alma, asseguraste a salvação da tua”. Concluía: “Não
posso mais escrever, estou nos últimos esforços de minha pobre mão”.118
Na tarde do dia 24 de novembro realizava solenemente a vestição clerical do prín-
cipe polonês Augusto Czartoryski (1858-1893). Estavam presentes os pais e toda a
família. “Este é um dia memorável para a Congregação”, comentava o secretário. Foi
a última função sagrada realizada por Dom Bosco.119 O acompanhamento no caminho
vocacional e a aceitação na Congregação do príncipe polonês Augusto Czartoryski,
herdeiro de nobre família, pretendente ao trono da Polônia, tinham colocado por três
anos delicados problemas a Dom Bosco. Ele tinha conhecido a família inteira em Paris,
que visitara, a convite do príncipe Ladislao, em 18 de maio. Seu comportamento tinha
sido muito cauteloso na avaliação da propensão ao estado eclesiástico do jovem prín-
cipe, sobre o qual o pai colocava grande esperança para a sucessão. De qualquer modo,
tinha sempre encorajado a caminhar pela estrada da santidade.120 Finalmente, em 14 de
junho de 1887, tinha-o aceitado e, no outono, admitido ao noviciado de San Benigno
Canavese.121 O príncipe fez os votos em Turim-Valsalice, em 2 de outubro de 1888.
Tendo contraído tuberculose, foi consagrado sacerdote em 2 de abril de 1892, não sem
graves interferências por parte do pai.122 Morreu em 8 de abril de 1893.
Os missionários vão de boa vontade a dar vida em meio aos selvagens da América
– escrevia Dom Bsoco agradecido à senhora Broquier, de Marselha, que tinha enviado
quinhentos francos –, mas vós dais a bolsa; tanto uns quanto outros servem ao Senhor
e trabalham para ganhar almas para o céu. Mas quem trabalha para salvar almas salva a
própria. Mais ainda: quem dá esmola para salvar almas será recompensado com muita
saúde e longa vida. Demos muito, se quisermos obter muito”. Concluía – não sabia que
era a última carta a ela –: “não posso mais escrever, são os últimos esforços de minha
pobre mão”.123 Era o evangelho da caridade e do uso das riquezas, anunciado aos ricos,
segundo Dom Bosco. Um testamento.
6. Projeções no futuro
Menos presente fisicamente no campo do trabalho efetivo, Dom Bosco o era com
as mensagens à voz ou por escrito e, idealmente, com a imagem que seus filhos traziam
no pensamento, no coração, no estilo de ação. Mas havia mais. Os vínculos da ativi-
dade reduzida e dos incômodos de saúde, antes que bloquear, pareciam colocar em
118 À senhora Teresa Zavaglia-Manica di Argenta (Ferrara), 7 de novembro de 1887; E IV 384-385.
119 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 48-54.
120 Cf. cartas de 27 de maio, 3 de julho, 26 de agosto e 15 de dezembro de 1885, e ainda de 5 de
janeiro de 1887; E IV 432-435.
121 Cf. Documenti XXXVI 46-48, FdB 1142 D7-9.
122 Cf. nota do padre Lemoyne em MB XVIII 802-803.
123 Carta do dia 27 de novembro de 1887; E IV 386.

64.5 Page 635

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 635
evidência as asas aos projetos diurnos e aos sonhos noturnos, estes espelho ou prolon-
gação daqueles. É um fenômeno, de resto, que parece ter tomado particular desenvol-
vimento justamente a partir dos anos do declínio físico. Predominantemente, os sonhos
dizem respeito a dois aspectos fundamentais, de algum modo gloriosos para o presente
e preocupantes para o futuro: a difusão das obras salesianas no mundo e a fidelidade
dos salesianos às inspirações originárias. Daí afloram, paralelamente, outros que dizem
respeito às condições espirituais de jovens em harmonia ou não com Deus. Ele fala
disso voluntariamente com as pessoas próximas, os membros dos Capítulos Superior e
Geral, ao padre Lemoyne e, no último período de vida, ao padre Viglietti, que registra
tudo, fascinado, recolhendo até mesmo íncubos e alucinações.
Pode-se ver a pré-história no sonho dos diamantes, vivido em três momentos na
noite entre 10 e 11 de setembro de 1881 em San Benigno Canavese. No primeiro, a ele e
aos diretores que o circundam aparece um homem majestoso, envolvido por um manto
adornado com dez diamantes, símbolo das virtudes que os salesianos deviam cultivar
(Pia Salesianorum Societas qualis esse debet): fé, esperança e caridade – trabalho e
temperança – obediência, pobreza, espera do prêmio eterno e castidade – e jejum. Em
um segundo momento uma obscuridade fechada cobre tudo, permitindo somente ler
um cartão com a escrita Pia Salesianorum Societas qualis esse periclitatur anno salutis
1900, e reaparece o personagem do primeiro momento com o manto rasgado e sujo: os
diamantes, as virtudes, eram substituídas pelo sono, a acídia, o riso, a escurrilidade, o
egoísmo, a gula, o ócio, os rasgões da desobediência, a concupiscência, o luxo, o apego
às coisas terrenas e o vazio da esperança. Enfim, as trevas são dissipadas pelo apare-
cimento de um jovem bem vestido, que dirige uma série de admoestações, concluindo
com um canto de esperança e de glória a Deus.124
Acenou-se somente ao sonho de 29/30 de agosto de 1883, narrado em 4 de setembro
de 1883 aos membros do terceiro Capítulo Geral. Parece ser a tradução onírica da irre-
alizável aspiração de Dom Bosco para ir com seus missionários além do Atlântico.125
Após uma corrida cansativa ele se encontrava “em uma sala de entretenimento”, onde
muitas pessoas falavam, entre outras coisas, da “multidão de selvagens que na Austrália,
nas Índias, na China, na África, e mais particularmente na América, em número incal-
culável, jazem ainda na sombra da morte. A Europa, disse com seriedade um pensador,
a Europa cristã, a grande mestra de civilização e de catolicismo, parece que tenha se
tornado apática para com as missões estrangeiras. Poucos são os que permanecem
bastante ardorosos para enfrentar longas navegações ou desconhecidos com o intuito
de salvar as almas de milhões de pessoas, também elas redimidas pelo Filho de Deus,
por Cristo Jesus. Disse um outro: que quantidade de idólatras vivem infelizes fora e
longe do conhecimento do Evangelho somente na América”. Denunciava-se depois a
124 Documenti XXIII 197-199, FdB 1076 B12-C2. Cf. C. Romero, I sogni di Don Bosco, p.
59-71.
125 Cf. cap. 31, § 3.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
ignorância dos geógrafos sobre as enormes riquezas existentes nas regiões ao lado das
Cordilheiras. A Dom Bosco, que desejava explicações e não encontrava quem o escu-
tasse, aproxima-se um adolescente de 16 anos, o jovem Luigi Colle, que lhe indica
uma corda numerada, a qual, desenrolada, permite passar sob os olhos toda a América
do Sul, onde trabalham os salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora. Às perguntas
de Dom Bosco sobre o futuro, o jovem fá-lo subir em um trem que percorre em zigue-
zague a América meridional de norte a sul. Era uma realidade em projeto e os selvagens
dóceis acorreriam no futuro para receber instrução, religião, civilização e comércio
com uma nova geração de salesianos desconhecidos de Dom Bosco. Concluía com
uma reflexão: “Com a doçura de São Francisco de Sales os salesianos atrairão a Jesus
Cristo as populações da América”, “a civilização tomará o lugar da barbárie, e muitos
selvagens virão a fazer parte do aprisco de Jesus Cristo”.126
Ainda sobre o futuro da Congregação, mas com especial acento na fidelidade a seu
estatuto, referia-se o sonho de 28 de novembro de 1884, sobre demônios em congresso
para tratar do modo mais eficaz para destruir a Congregação Salesiana. Eram propostas
várias estratégias: a gula, o amor das riquezas, a liberdade ou libertinismo, a aquisição
da cultura para si próprio e não em vantagem dos outros. A última proposta parecia
obter a unanimidade dos consensos.127
No sonho sobre o futuro da Sociedade Salesiana, da noite entre 31 de janeiro e
1º de fevereiro de 1885, tinha absoluta primazia a criatividade ao mesmo tempo diurna e
noturna: uma projeção efetiva, no presente ou para o futuro, para si e para os sucessores.
Precedia, de poucas horas, a partida dos missionários capitaneados por dom Cagliero.
“Durante todo o dia – narra o padre Lemoyne, primeiro depositário da narração do
sonhador – [Dom Bosco] fora tomado por grande agitação e comoção, pensando na
partida de dom Cagliero e dos missionários. Na tarde de amanhã dez de seus filhos
deviam pôr-se em viagem para Marselha, passando por Sampierdarena. A ternura
paterna mantinha-o como que oprimido e abatido”; “eis que na noite de 31 de janeiro
para 1º de fevereiro tinha um sonho semelhante àquele de 1883, sobre as missões”.
O palco era, desta vez, uma “planície vastíssima, situada entre o Chile e a República
Argentina”, percorrida por missionários salesianos. Dela se repartiam vias misteriosas
com veículos fantasiosos transespaciais que paravam em casas salesianas existentes na
Argentina, Uruguai e Brasil, mas depois se dirigiam para lugares desconhecidos, além
de rios, mares e lagos, até uma “Mesopotâmia” real ou ideal e à África Meridional.
A certo ponto, aparecia uma imensa mesa, à qual acorriam em multidão, cantando,
crianças e grande variedade de homens e mulheres das mais diferentes cores, formas
126 Cf. C. Romero, I sogni di Don Bosco, p. 83-93. O sonho deu lugar a várias interpretações,
moduladas sobre o corte das ciências humanas e teológicas, com acenos também políticos:
cf. C. Semeraro (org.), Don Bosco e Brasilia: profezia, realtà sociale e diritto. Padora,
CEDAM, 1990.
127 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1877, p. 28-31. Cf. MB XVII 385-387.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 637
e atitudes. “Cada grupo que entrava – explicava a Dom Bosco “o amigo intérprete”
– eram outras tantas nações ou partes de nações que serão convertidas pelos missio-
nários”. Outros de aspecto “bruto e estranho” eram os “filhos de Cam”, “pertenciam
à Patagônia e à África Meridional”. Era a visão de uma presença salesiana potencial-
mente ilimitada.128
Uma elevadíssima montanha era a primeira cena do sonho que, na noite de 2 de
julho de 1885, Dom Bosco narrava ao Capítulo Superior sobre a difusão das obras
dos salesianos no mundo. De uma parte o “Anjo Arphaxad (China)” os convidava a
“combater as batalhas do Senhor e a reunir os povos em seus celeiros”. Aos pés da
montanha se juntavam povos de línguas variadas e desconhecidas. A segunda cena era
a África e estava ao centro o “Anjo de Cam”, que anunciava a salvação para o conti-
nente negro. Por fim, a fantasia conduzia Dom Bosco à Austrália e à Oceania, “vários
agregados de ilhas inumeráveis”, ainda com crianças que invocavam. Era a oferta de
vários espaços de trabalho para uma Congregação de futuro seguro. Dom Bosco ditava
as condições para tanto: “Que os salesianos não se deixem possuir pelo amor das como-
didades”; “não se dando à gula terão força de longa duração”; além disso, difundissem
o Boletim e estendessem a obra das vocações adultas.129
Em 17 de julho premia-o no sono o convite para abrir um improvável oratório
feminino na praça Vittorio Emanuele, aonde chegara junto com mamãe Margherita e o
irmão Giuseppe.130 Em outro, de 29/30 de setembro, emergia forte seu ideal de padre.
Caminhavam em direção a Castelnuovo ele e um sacerdote ancião, e caindo a conversa
sobre padres, concordavam sobre uma idéia, que Dom Bosco não tinha jamais deixado
de propugnar com as palavras e com os fatos: “Trabalho, trabalho, trabalho! Eis qual
deveria ser o objetivo e a glória dos padres. Não se cansar jamais de trabalhar. Dessa
forma, quantas almas se salvariam. Quantas coisas se fariam para a glória de Deus”.
“Oh! se o missionário fosse deveras missionário, se o pároco fosse de fato o pároco,
quantos prodígios de santidade resplandeceriam de todo lado!” Escasseavam os padres?
“Se todos os padres fossem só padres, haveria em quantidade suficiente”.131
Acenou-se ao sonho missionário, ocorrido em Sarriá na noite entre 9 e 10 de abril,
contado com devoção e comoção pelo jovem secretário Carlo Viglietti.132 O ponto de
observação era, como outra vez, nas proximidades de Castelnuovo, sendo espectadores
coadjutor Giuseppe Rossi e padre Rua. Uma maré de crianças circundavam Dom Bosco
e lhe diziam: “Nós te esperamos muito, mas finalmente estás aqui, estás entre nós e
128 Documenti XXIX 43-48, FdB 1106 D12-E5; MB XVI 299-305.
129 G. B. Lemoyne, Sogni; ASC A 0170604, FdB 1320 E9-12, com variadas elucidações, uma
carta a dom Cagliero, FdB 1321 A1-12, e repetidas interpretações, então e decênios depois:
MB XVII 643-647.
130 Documenti XXX 416-417, FdB 1112 E7-8.
131 MB XXVII 383-384.
132 Cf. cap. 33, § 5.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
não fugirás de nós”. Depois, como no sonho dos 10 anos, uma pastora convidava a ele
e os jovens que o rodeavam a olhar adiante e a ler. Passavam diante deles Valparaíso
e Santiago. A partir desse ponto poder-se-ia ver quanto os salesianos deveriam fazer
no futuro, além das montanhas, colinas e mares. Os jovens liam: era Pequim; e entre
Santiago e Pequim apareciam a África, com dezenas de residências salesianas, e depois
Hong-Kong, Calcutá, Madagascar. Para que tudo isso se realizasse colocava-se uma
condição a ser cumprida e recomendada: que os salesianos cultivassem “constante-
mente as virtudes de Maria” e, além disso, que mantivessem bem distintas as ciências
do céu e as ciências terrenas.133
Em 3 de julho de 1886 o secretário anotava: “Maria Auxiliadora prepara aos sale-
sianos as estradas que eles devem caminhar. De algum mês para cá Dom Bosco não faz
outra coisa senão falar da China. Festa foi por ele encarregado de sérios estudos sobre
esses lugares... e hoje chega inesperadamente uma carta da China (Xangai). Narra que
foi erigido um grande santuário nas proximidades de Xangai dedicado à Nossa Senhora
Auxiliadora e que lá acontecem peregrinações dos chineses... fazem a via-sacra e as
práticas de piedade e obtêm graças maravilhosas... Dom Bosco, comovido até às lágrimas,
diz que não ele, mas seus filhos, verão o que Maria lhes preparou na China”.134
Outras vezes, aos sonhos se alternavam verdadeiros íncubos: assaltos de monstros,
encontrar-se improvisamente no meio de uma batalha, observar operários desolados
diante de seus celeiros vazios, a visão das bolsas dos ricos, cujo conteúdo passava nas
mãos dos pobres sob seus olhos.135 Em 24 de março de 1887, Dom Bosco em pessoa
comentava, “que é um sonho”, após ter falado de uma previsão de carestia em punição
do abuso que se faz do vinho.136 O secretário, ao invés, definia “visão” o tremendo íncubo
tido por Dom Bosco na noite entre 1º e 2 de abril. Na narração irrompiam fenômenos
horripilantes: um rombo tremendo, um rumor crescente como de um terremoto, gritos
de horror, vozes humanas inarticuladas, gemidos misturados aos miados de gatos, latidos
de cães, palavras de advertência, o inferno: “Multi gloriabuntur in terris et cremantur in
igne”, “Gemitibus inenarrabilibus, fames patientur ut canes”. Uma voz, por fim, oferecia
o remédio preventivo: “Apressai-vos em pagar vossos débitos com ouro e prata”, isto
é, “com a oração incessante e a freqüente comunhão”. “Dom Bosco – informa padre
Viglietti – ao narrar este sonho, estava cansado, amedrontado, chorava”.137 Em um
brevíssimo sonho do princípio de junho de 1887, Nossa Senhora advertia Dom Bosco e
em geral os sacerdotes, porque faltavam ao dever de admoestar os ricos sobre o mau uso
das riquezas e a doação do supérfluo aos pobres.138 Alguns apanhados de idéias fami-
133 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 24 marzo 1885, p. 84-87. Esse sonho é transcrito e
comentado por E. Ceria em MB XVIII 72-75.
134 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 18 maggio 1886, p. 20-21.
135 Documenti XXXII 427 e 483, FdB 1124 E8 e 1125 D9; MB XVIII 149, 161-162, 169-170.
136 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1887, p. 21-22.
137 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 gennaio 1887, p. 22-28.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 639
liares eram dados por dois outros breves sonhos, o primeiro narrado em 24 de outubro,
o outro lá pelo final de novembro de 1887. No primeiro “viu o padre Cafasso, com o
qual visitou todas as casas da Congregação, incluindo as da América: viu as condições
de cada uma e o estado de cada indivíduo”.139 Do segundo narrava coisas que faziam
“crescer em forma tremenda sua responsabilidade diante de Deus”: “Vi meu modo de
avisar os jovens estudantes e o modo de advertir os aprendizes: os meios para conservar
a virtude da castidade; os danos que caem sobre os que violam esta virtude. Estão bem
e de uma hora para outra morrem. Ah, morrer no vício! Foi um sonho de uma só idéia,
mas quão esplêndida e quão grande! Eu, porém, não posso fazer uma longa colocação,
não tenho as forças para exprimir esta idéia”, concluía.140
Sabemos que Dom Bosco chamava a atenção de dom Cagliero para o funda-
mental realismo dos sonhos e para sua funcionalidade moral na carta de 10 de
fevereiro de 1885.141
7. Obras realizadas, projetadas e previstas
A inação não impedia Dom Bosco de ter alguma parte decisiva no início de novas
obras. No outono de 1887 dava encaminhamento à entrada dos salesianos na cidade de
Trento, no império austro-húngaro, no território de população, língua e cultura italiana142
As primeiras tratativas começaram já em 1877 por iniciativa de certo Garbari, mas não
foram adiante. A cidade, por outro lado, via crescer o número dos simpatizantes e dos
cooperadores salesianos. A prática era retomada, em 1885, precisamente por inicia-
tiva de um cooperador, prefeito da cidade, Paolo Oss-Mazzurana. Ele agia em pleno
acordo com o bispo, dom Giovanni Della Bona, e com a Congregação de Caridade.
Era oferecida a gestão de um orfanato, que hospedava no palácio Crosina e Sartori
vinte e cinco órfãos e vinte e cinco órfãs, parte deles ocupados em algumas oficinas
internas e parte inscritos na escola da cidade. Na sessão de 13 de julho de 1885, presi-
dida por Dom Bosco, o Capítulo Superior tinha decidido pedir esclarecimentos sobre
os termos concretos da proposta.143 Naturalmente, a condição primária era que as órfãs
fossem recolhidas em outro lugar. Após vista à obra, o ecônomo padre Sala relatava-a
ao Capítulo, na sessão de 2 de novembro de 1885. Da discussão emergiam os pontos
salientes de uma possível convenção. Dom Bosco concluía: padre Sala estuda o projeto.
138 Cf. C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 18-20; MB XVIII 361.
139 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 43-44; MB XVIII 463.
140 Documenti XXXVI 57, FdB 1142 E2. Cf. MB XVIII 465.
141 E IV 314. Cf. cap. 30, § 4.1.
142 Sobre o início da expansão salesiana no império austro-húngaro com a primeira presença em
Trento escreve St. Zimniak, Salesiani nella Mitteleuropa, p. 94-107.
143 Capitolo Superiore, fol. 63v, FdB 1882 B6.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Este, padre Durando e padre Lazzero o examinarão e farão relatório.144 Na sessão de
1º de dezembro de 1885 o texto, em dezesseis pontos, era apresentado pelo padre
Durando, depois discutido e aprovado.145 Em 7 de novembro de 1885 morria o bispo
dom Della Bona, e o sucedia em 7 de junho dom Eugenio Carlo Valussi. Estipulado o
contrato regular, o Capítulo Superior, na sessão de 15 de setembro, presidida pelo padre
Rua, nomeava diretor padre Pietro Furno (1858-1905), que chegava a Trento em 15 de
outubro acompanhado pelo maduro clérigo Simone Visintainer (1852-1928). Em 1893
os salesianos chegariam à fundação de uma obra própria, que se tornou uma rica fonte
de vocações para a inspetoria lombardo-vêneta (1895, com Mosè Veronesi inspetor) e
vêneta (a partir de 1925).
A fundação de Londres surgia nos limites extremos da vida de Dom Bosco, o qual,
contudo, nela se empenhou quanto lhe permitiram as energias já próximas do esgota-
mento. A obra devia ser erigida em Battersea, uma zona de Londres situada sobre a
margem direita do Tâmisa, portanto dependente da diocese de Southwark.146 O bispo,
dom John Butt, no encontro com Dom Bosco no Sagrado Coração em Roma, em maio
de 1887, desaconselhava-o de ir para um lugar tão pobre, mas o encontrou irredu-
tível e firme, tanto que exprimiu suas dificuldades ao vigário, padre Rua, que delas
falaria no Capítulo. Acolheu, porém, com cordialidade os salesianos quando chegaram.
Apoiavam a obra, além disso, a condessa de Stacpoole, que morava em Roma, e o
arcebispo Kirby, com 85 anos. Este era reitor do Colégio Irlandês em Roma, muito
amigo de Dom Bosco desde longa data. Em 1874 a condessa tinha feito erigir, às suas
expensas, a paróquia de Battersea, com a igreja dedicada ao Sagrado Coração de Jesus,
mas o pároco designado para ela tinha-a abandonado e o bispo não tinha disponibi-
lidade de sacerdotes para administrá-la, e não podia fazer outra coisa senão consi-
derar a Igreja Sagrado Coração simples capela dependente da paróquia mais próxima.
A condessa tinha recorrido a Leão XIII assegurando que Dom Bosco aceitaria o cuidado
da paróquia e das escolas anexas, masculina e feminina, contanto que o terreno e as
construções fossem passados com sua propriedade.147 O papa dava parecer favorável
e a Congregação de Propaganda Fide comunicava ao bispo o nada obsta para que a
igreja, com o terreno anexo, passasse à Sociedade Salesiana, de modo que assumisse
o cuidado pastoral do território da precedente paróquia e o ônus de manter a escola.148
Dom Bosco, adoentado, não estava presente na sessão do Capítulo Superior de 10 de
junho, na qual foi discutida a aceitação da obra. Contudo, em resposta às objeções do
144 Capitolo Superiore, fol. 86r-v, FdB 1883 A3-4.
145 Capitolo Superiore, fol. 85v-89v, FdB 1883 A8-10.
146 Sobre os acontecimentos traçava uma breve história a condessa de Stacpoole em um memorial
a Leão XIII, de setembro de 1887; MB XVIII 800-802.
147 Texto do pedido em MB XVIII 800-802.
148 Cf. W. J. Dickson, The dynamics of growth: the foundation and development of the Salesians
in England. Roma, LAS, 1991, p. 87-88.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 641
ecônomo padre Sala, padre Rua defendia a decisão do superior.149 Antes de enviar os
salesianos, porém, padre Dalmazzo era encarregado de fazer uma prévia visita explo-
ratória. Chegando a Londres em 9 de outubro, escrevia a Dom Bosco dando parecer
favorável.150 Em 14 de novembro partiram de Turim o padre irlandês Mac Kiernan,
diretor e pároco, o padre inglês Macey, vice-pároco e catequista, o coadjutor com votos
trienais Rossaro. Acolhidos na estação em 16 de novembro por um amável jovem sacer-
dote, o futuro cardeal-arcebispo de Westminster Francis Bourne, eram portadores de
algumas cartas de apresentação, das quais restam as do duque de Norfolk e ao cônsul
da Itália em Londres. Ao duque, Dom Bosco escrevia: “Certamente uma obra deste
gênero exige coragem, especialmente na grande cidade de Londres. Mas Deus, que nos
ajudou em outras fundações, virá em nosso socorro nesta, que espera o apoio de Vossa
Alteza. Esta igreja já foi provida de alguns objetos por alguns cidadãos caridosos, mas,
para os sacerdotes professores, em sua habitação, não existe ainda nada. E é para estas
primeiras necessidades que peço à Vossa Alteza auxílio e conselho”.151 Ao cônsul subli-
nhava que os salesianos enviados à paróquia de Battersea ocupar-se-iam também “em
buscar o bem-estar moral da juventude inglesa e especialmente da juventude italiana
domiciliada naquela paróquia”.152
Os salesianos se estebeleciam em Liège, na Bélgica, com o grande instituto profis-
sional “Orphelinat Saint Jean-Berchmans”, inaugurado em 8 de dezembro de 1891.
O acontecimento se radicava quatro anos antes, em 8 de dezembro. No dia precedente,
Dom Bosco tinha recebido dom Victor-Joseph Doutreloux (1837-1901), bispo de Liège
desde 1879. Não era a primeira vez que “o bispo do povo e das crianças, dos pobres
e dos operários e do encontro fraterno”, tocado, como tantos outros na Bélgica, pela
leitura da biografia de d’Espiney, punha-se em contato com Dom Bosco. Desde agosto
de 1883 ele tinha insistido, pessoalmente e por carta, em pedir que a Sociedade Salesiana
assumisse a direção do maior patronato católico existente em Liège, o “Patronage des
Apprentis”.153 À resposta negativa, devida à carência de pessoal, o bispo tinha feito
seguir outra carta, na qual anunciava uma viagem a Roma na primavera de 1884 e uma
visita a Dom Bosco. Isto aconteceu efetivamente em maio. Sucederam-se outras cartas,
a última de 17 de maio de 1886, levada pelo advogado Doreye, insistente e concreta,
que juntamente com a última visita de 7 de dezembro de 1887, devia arrancar de Dom
Bosco o sim. Em 8 de dezembro Dom Bosco ditava ao padre Viglietti estas palavras:
“Agrada a Deus e à Beata Virgem Maria que os filhos de São Francisco de Sales vão
149 Capitolo Superiore, fol. 99r, FdB 1883 C3; Cf. W. J. Dickson, The dynamics of growth,
p. 91.
150 Cf. W. J. Dickson, The dynamics of growth, p. 92-94.
151 Carta de 13 de novembro de 1887; E IV 385.
152 Carta de 14 de novembro de 1887; MB XVIII 454-455.
153 Para a primeira carta, de 19 de agosto de 1883, e para as outras, cf. A. Druart, “Les lettres de
monseigneur Doutreloux à don Bosco”, RSS 2(1983), p. 274-295.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
abrir uma casa em Liège em honra ao santíssimo sacramento.154 Competiria, porém, ao
sucessor de Dom Bosco e ao padre Scaloni, primeiro diretor, implantar com o bispo,
após a morte de Dom Bosco, a construção e a abertura da casa-mãe das obras salesianas
na Bélgica.
8. Última doença
O mês de dezembro, segundo o que anotava o secretário no dia 2, começava com um
alarme sobre a saúde de Dom Bosco: “Dom Bosco teme de ter que deixar de celebrar a
missa em breve. O pobrezinho a diz com dificuldade, em voz baixíssima. Há três anos o
assisto todos os dias na celebração do santo sacrifício, e noto que as forças vão faltando.
No mês passado começou a não voltar-se para dizer o Dominus vobiscum. Agora, de
um mês para cá, no momento da comunhão, ele se senta e eu distribuo a comunhão
às pessoas que escutam sua missa. Também não tem forças de dizer a ave-Maria e o
oremus após a missa, e sou eu quem rezo e ele acompanha com a mente”.155
O decurso da última doença pode ser dividido em quatro fases: de 2 a 19 de
dezembro o agravamento; de 20 a 29 o perigo mortal; de 30 de dezembro de 1887 a
19 de janeiro de 1888, esperanças de retomada; de 21 a 31 a inexorável queda final.
O Boletim Salesiano, periódico mensal, não podia dar notícias tempestivas e pontuais
dela. Não obstante, os números de janeiro e de fevereiro dão informações essenciais
e precisas sobretudo da segunda fase, com a quase certeza do fim nos últimos dias de
dezembro, e sobre as esperanças nas duas primeiras décadas de janeiro.156 O secre-
tário padre Viglietti e o salesiano leigo Pietro Enria, enfermeiro, tiveram crônicas
particularizadas de todo o decurso, a começar dos primeiros dias de dezembro até a
morte. Um Diário da doença de Dom Bosco, retirado da crônica do padre Viglietti
e de “outros irmãos”, era publicado pelo Boletim Salesiano no fascículo de abril de
1888.157 A narração, simples mas de forte tensão dramática, mostra a doença experi-
mentada e a morte esperada com genuína humanidade e profunda fé. Dom Bosco, com
efeito, vive a última doença com altos e baixos, não envolvido em ardores místicos e
lances de “cupio dissolvi et esse cum Christo”, mas com pacata responsabilidade, a
mesma com que tinha falado da morte e da eternidade para jovens e adultos. Vive a
doença e espera a morte em oração e na oferta do sofrimento, com a firme sabedoria
de que uma e outra deviam ser aceitas para a maior glória de Deus e para a salvação
das almas, sua e dos outros; que a salvação eterna é coisa séria, dom da misericórdia
154 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 65.
155 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 56-57.
156 Cf. BS 12 (1888) n. 1, genn., p. 6-7 e n. 2, febbr., p. 14-15.
157 BS 12 (1888) n. 4, aprile, p. 38-49.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 643
de Deus e fruto do esforço humano; que ao longo do caminho do calvário ideal está
presente, e é invocada, a Mãe de Jesus; que se deseja a prece de todos, a começar dos
mais próximos. Não falta, ao mesmo tempo, a aceitação espontânea e agradecida de
toda sorte de cuidados, de todo expediente médico que pudesse aliviar a dor e também
obter a cura, se assim fosse agradável a Deus e ainda útil ao próximo. Os sofrimentos,
em todos os casos, foram acolhidos como meio de purificação e de salvação, mesmo
foram o resultado não previsto de interventos terapêuticos, que de bom tinham somente
a intenção. A Recomendação a mim mesmo das Memórias desde 1841 a 1884-5 era
eloqüente prelúdio para todas as últimas experiências de vida possíveis.
Desde 1º de dezembro Dom Bosco não estava “nada bem”.158 De 6 de dezembro em
diante deixou de celebrar a santa missa, fazendo exceção, com grande fadiga, em 11 de
dezembro, terceiro domingo do Advento. No dia 6, contudo, conseguia assistir à função
da partida dos missionários. “Entrou no presbitério sustentado por mim e por Festa,
enquanto padre Bonetti fazia a prédica”, registrava o secretário: no final “os missioná-
rios passaram um a um saudando e beijando a mão de Dom Bosco... choravam estes,
chorava Dom Bosco, todos na igreja choravam”.159 Os que partiam eram quatro sacer-
dotes e quatro coadjutores guiados pelo padre Calcagno. Na capital equatoriana abririam
um oratório e oficinas profissionais. Levavam consigo uma carta para o arcebispo de
Quito, que insistentemente os havia pedido. “Eu – escrevia Dom Bosco – entrego estes
meus filhos queridos em Jesus Cristo nas mãos de V. E. como mãos de um pai amoroso
que os apoiará em qualquer necessidade com oportunos conselhos e auxílios espirituais
e temporais. Eles vão com toda a boa vontade de corresponder às expectativas de V. E.,
trabalhando com todas as forças para a educação cristã e a instrução, especialmente da
juventude pobre e abandonada. E quando forem em maior número, de boa vontade se
consagrarão ao bem espiritual e moral das tribos que certamente precisarão do trabalho
deles para conhecer e partilhar o caminho do céu”.160
No dia 7 dom Cagliero chegava da América: Dom Bosco abraçou-o, apertando-o
ao coração, chorando copiosamente: “Chorava como uma criança”. À tarde, o encontro
com o bispo de Liège, dom Doutreloux, durou uma hora. Ele esteve presente ao almoço
comum no dia seguinte. Como se disse, a negativa da tarde do dia 7 era mudada no dia
sucessivo. Na festa da Imaculada não esteve em condições de celebrar. “Passou a noite
insone, está prostrado de forças”, essa era sua condição.161 Em 15 de dezembro o secre-
tário resumia: “Há cerca de duas semanas, não se sentindo com forças para celebrar a
158 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 58.
159 Cf. C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 59-61. Cf. BS 12(1888) n.
1, janeiro, p. 7-9, “La partenza dei missionari salesiani per l’Equatore e l’arrivo in Torino di
Monsignor Cagliero”.
160 Carta de 6 de dezembro de 1887; E IV 387. De fato, em 1893 seria criado o Vicariato
Apostólico de Mendez e Guayaquil e o primeiro vigário seria padre Giacomo Costamagna, há
catorze anos inspetor na Argentina.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
santa missa, assiste à minha cada dia e faz a santa comunhão”.162 “De alguns dias para
cá Dom Bosco está pouco bem, respira com muita dificuldade e come muito pouco”,
informava padre Cerruti.163
Uma saída do quarto em 16 de dezembro, com padre Rua e o secretário, não pareceu
dar bom resultado. Em 20 de dezembro as anotações do secretário assinalam uma
sensível piora. O doente “não pode mais caminhar”, “deve ser conduzido na cadeira
de rodas, respira”. Mas, afanosamente. Não obstante, pediu para sair com a habitual
cadeira. À tarde o médico “considerava seu estado muito agravado”. No mesmo dia
também padre Cerruti, em sua correspondência, não se mostrava otimista. “Nesta noite
– escrevia ao padre Rocca – apresentarei teus augúrios e tuas orações e as desta casa ao
amadíssimo Dom Bosco. Infelizmente, o estado dele piora; fica fora do leito parte do
dia, ou melhor, sentado. Deve ser transportado em sua cadeira de rodas, mas tem acessos
de asma e perda de forças que nos inquieta. Rezemos”, e no pós-escrito acentuava:
“Recomendo preces e comunhões particulares em casa ao Sagrado Coração de Jesus e à
Nossa Senhora Auxiliadora por Dom Bosco, que está no leito e que inspira inquietude.
Parto com pena, vendo-o em tal estado. Seja feita a vontade de Deus”.164 Na noite de
21 o médico prognosticava mesmo não mais de quatro ou cinco dias de vida. Não
obstante, comia “gelatina e sorvetes” – registrava o cronista – quis que se lesse o jornal
e “ver as cartas recomendadas e asseguradas”, as que traziam ofertas.165 Em 22 de
dezembro, as tranqüilizadoras palavras do doutor Vignolo, tio do padre Viglietti – “não
era caso de se assustar tanto” –, não pareciam fundadas.166 Eram desmentidas pelo difícil
dia 23, sexta-feira, uma paixão, quase uma despedida, que o cronista faz viver hora por
hora. Dom Bosco se preocupava para que lhe estivesse próximo quem pudesse assisti-lo
espiritualmente, que não fosse somente o jovem secretário. “Eu me vou para a eterni-
dade”, dizia-lhe e falava aberta e repetidamente de “óleo santo” e de “viático”. Insistia
em pedir que se rezasse e se fizesse rezar por ele, para uma morte “na graça de Deus”:
“não quero outra coisa”, acrescentava. Veio vê-lo cardeal Alimonda: “Seja feita em mim
a santa vonta de Deus”, dizia-lhe. “Sempre fiz tudo aquilo que pude”. “Quis a bênção
do cardeal. Comovidos se beijaram e se abraçaram”. Às 5 [17 horas] veio seu confessor,
padre Giacomelli. Permaneceram somente três minutos, está tudo pronto”.167 A vigília
do Natal foi dia de alta espiritualidade e de pathos. Às 7h30 recebia o viático das mãos
de dom Cagliero: “Dom Bosco brilhava como um anjo com a estola... foi um momento
161 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 62-69.
162 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 70.
163 Carta ao padre Rocca, 15 de dezembro de 1887; ASC F 381, orig. aut. 2 f.; “Dom Bosco, de
alguns dias a esta altura está pouco bem; rezemos”, comunicava ao padre Cesare Cagliero no
dia seguinte (ASC G 992, orig. aut. 1 f.).
164 Carta de 20 de dezembro de 1887 com o pós-escrito, 22 de dezembro; ASC F 381, orig. aut. 2 f.
165 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 71-75.
166 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 75.
167 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 16 maggio 1887, p. 75-78 e Dal 23 dicembre 1887
al 31 gennaio 1888, p. 3-7.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 645
solene, não se ouviam senão soluços”. Às 22 horas dirigia-se ao padre Viglietti pedindo
que, durante a noite, estivesse a seu lado também outro sacerdote: “Temo não chegar
até amanhã”, dizia-lhe. Às 22h30 fazia a entrega ao abnegado secretário do caderno das
últimas Memórias. Às 23 horas “veio dom Cagliero e lhe administrou a extrema-unção,
não falou senão de eternidade e deu avisos, depois repousou”.168 Padre Cerruti anunciou
ao padre Rocca: “Nesta manhã dom Cagliero administrou solenemente o santo viático
a Dom Bosco, cujo mal caminha inexorável. Se volta é questão de dias; se cessa, pode
durar todo ou parte de 1888. Assim pensa Fissore, que consultou-o ontem com outros
dois, e voltarão antes do meio-dia. Dom Bosco, contudo, não faz tanta fé em sua cura.
Pede com insistência os sacramentos da Igreja e quer que tudo seja regularizado tempo-
ralmente. A tal efeito o notário esteve ontem aqui quase todo o dia”; e como pós-escrito,
“a consulta terminou agora (11 horas da manhã). Notou-se uma melhora sensível em
seguida, sobretudo com a parada do vômito”.169
Pela primeira vez, no dia de Natal, L’unità cattolica dava Notícias sobre a grave
doença do sacerdote Giovanni Bosco, e observava: “Nosso eminentíssimo cardeal-ar-
cebispo, que o ama e venera como um santo, foi visitá-lo e o abençoou comovido até
as lágrimas”.170 No mesmo dia se fala de avalanche de telegramas. Chegava também
de Roma, com a bênção do santo padre. Padre Cerruti anunciava: “O estado de Dom
Bosco é sempre inquietante, embora, nesta manhã, doutor Fissore tenha encontrado
um princípio de melhora. Deus queira que continue. Ele está tranqüilo, conserva toda
a consciência, mas insiste em ter logo todos os confortos da Igreja. Ontem à tarde dom
Cagliero administrou-lhe o óleo santo e se telegrafou, antes, ele mesmo quis que se
telegrafasse ao papa pedindo a bênção apostólica”.171 No dia 26 cardeal Alimonda, de
partida para Roma, foi a Valdocco para despedir-se. Repetiam-se as visitas médicas.
Todos os dias Dom Bosco assistia à missa e fazia a comunhão. Os jornais davam notí-
cias de sua saúde. De todo lugar pediam-se informações, principalmente de Roma, de
cardeais e do papa, enquanto se anunciavam preces extraordinárias, públicas e privadas,
pela sua cura”.172
A partir de 26 de dezembro padre Rua dava aos diretores informações esporádicas
sobre a doença, diárias até 31 de dezembro, e depois nos dias 2, 5 e 18 de janeiro
de 1888.173 Na primeira confirmava as notícias difundidas pelos jornais: Dom Bosco
estava “gravemente doente” e informava sobre o andamento da doença a partir de 6 de
dezembro, quando o enfermo tinha deixado de celebrar a missa, fazendo uma exceção
em 11 de dezembro, terceiro domingo do Advento.174 No pós-escrito da carta sucessiva
168 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dicembre 1887, p. 6-9.
169 Carta de 24 de dezembro de 1887; ASC F 381, orig. aut. 4 f.
170 L’unità cattolica, n. 299, domingo, 25 de dezembro de 1887, p. 1194.
171 Carta ao padre Rocca, 25 de dezembro de 1887; ASC F 381, orig. aut. 2 f.
172 Cf. C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dicembre 1887, p. 9-15 e 19-20.
173 Cf. ASC A 4570310ss, FdB 3980 A 10-B11; ASC A 0240602ss., FdB 437 D8-E5.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
precisava a natureza do mal: “Além da doença cérebro-espinhal lenta que o afligia há
vários anos”, também outra, “chamada pelos médicos de cárdio-pulmonar”,175 falando
posteriormente de “melhora sensível”176 ou, mais precisamente, citando de L’unità
cattolica, “somente relativa”, com “informações últimas” “novamente alarmantes”.177
Sobressaem pelos mesmos dias algumas significativas anotações, que fixam o estilo
de vida essencial do enfermo: “Dom Bosco pede com freqüência aos médicos, que lhe
digam seu estado, porque nada temo, estou tranqüilo e disposto”. No dia 29, temendo
que fosse a última hora, mandava chamar o padre Rua e dom Cagliero e lhes dava um
mandato fundamental: “Prometei que vos amareis e suportareis como irmãos. O auxílio
de Maria Santíssima não vos faltará. Recomendai a freqüente comunhão e a devoção
à Maria Santíssima. Recomendai a todos minha salvação eterna e rezai”. Mas à tarde
murmurava: “É preciso aprender a viver e a morrer, uma coisa e outra”.178
As Notícias da doença de Dom Bosco dadas pelo Boletim Salesiano, informando
sobre a fase crítica de 22 a 29 de dezembro, resumiam: “Nenhuma esperança humana de
cura, e somente a bondade divina poderia reconstituir um físico destruído por cinqüenta
anos de incansáveis trabalhos, sofrimentos e sacrifícios pelos pobres e queridos jovens.
Essa é a causa de sua doença”. Cidadãos, patriciado, autoridades municipais turi-
nenses e outros notáveis, acorriam para saber das condições do enfermo. Vários bispos
piemonteses faziam-lhe visita. Chegavam telegramas de toda parte da Itália e do exte-
rior. De todos os lugares se rezava pela sua cura e se continuava a esperar.179 No dia
29 um jornalista de L’unità cattolica narrava sobre sua visita a Dom Bosco doente, com
anotações admiradas. Tinha se dirigido – narrava – “ao leito de sua grave doença”, mas
acrescentava: “Digamos grave, embora não se perceba tal à primeira vista. Sua face,
que nada perdeu da calma e serenidade habital; seu olhar, habitualmente doce, vivaz e
cheio de suave expressão; a cor perfeitamente a mesma de antes; a inteligência plena,
perfeita e, digamos, brilhante fazem singular contraste com a fraqueza na qual se vê
prostrado e com o fio de voz tão frágil, que com dificuldade sai de seus lábios”.180
“A doença é sempre grave e de longa duração e cura lenta”, anunciava no dia seguinte
padre Rua,181 notícia contradita no último dia do ano; “Alegremo-nos no Senhor”,
174 Carta de 26 de dezembro; ASC A 0240601, FdB 437 D8.
175 Carta de 27 de dezembro; ASC A 0240602, FdB 437 D9.
176 Carta de 28 de dezembro; ASC A 0240603, FdB 437 D10.
177 Carta de 29 de dezembro; ASC A 0240604, FdB 437 D11.
178 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dicembre 1887, p. 16, 17, 19. Era a arte que
Silvio Pellico declarava ter aprendido no momento da “morte verdadeiramente exemplar e
santa”, antes da mãe e, um ano depois, do pai: “eles me ensinaram antes a viver, depois a
morrer” (Carta e 27 de maio de 1838 à condessa Ottavia Masino di Mombello, in: Guglielmo
Stefani (org.), Epistolario di Silvio Pellico. Florença, Successori Le Monnier, 1880, p. 175).
179 “Notizie della malattia di Don Bosco”, BS 12(1888) n. 1, janeiro, p. 6-7.
180 “La nostra visita a Don Bosco”, L’unità cattolica, n. 302, quinta-feira, 29 de dezembro de
1887, p. 1206.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 647
iniciava, informando ter podido telegrafar ao papa por meio do cardeal Alimonda, que
se encontra em Roma: “Agora médicos declaram positivo melhoramento: esperança de
restabelecimento”. “Com viva alegria, portanto – continuava –, posso notificar-vos que
nosso amadíssimo pai está bastante melhor, e que os médicos começam a dar esperança
de cura”. Às 11h15, após a consulta dos doutores Fissori, Vignolo, Bestenti e Albertotti,
médico curante, era, com efeito, espalhado um boletim médico otimista: “Perigo desa-
parecido. Visível melhora. A febre cessou. Não há mais vômitos. Os humores, cuja
presença se encontrava dentro do pulmão direito, desapareceram quase que inteira-
mente. Esperança de um continuado progresso. A mente perfeitamente lúcida”.182
O otimismo era atenuado dois dias depois: “A grave enfermidade de nosso amadíssimo
pai não está piorando, mas a melhora é ainda muito lenta. O perigo de morte próxima
parece esconjurado”. Por isso padre Rua advertia que escreveria somente quando exis-
tissem “novidades relevantes” a serem assinaladas.183
“Afortunadamente – anunciava L’unità cattolica no alvorecer do novo ano −, de dois
dias para cá as condições do doente mudaram. Ontem os médicos encontraram nova-
mente nele uma notável melhora e declararam que a doença não apresenta mais nenhum
sintoma que justifique um temor de próximo perigo, antes deixa conceber fundada
esperança de restabelecimento”.184 Desde o dia 30 deste mês [dezembro] – evocavam
as Notícias do Boletim Salesiano – o senhor Dom Bosco começou a sentir-se melhor”;
“nos dias sucessivos a melhora se fez mais sensível ainda”; “no momento Dom Bosco
ainda está no leito. Poderia mesmo acontecer que, de agora em diante, ele tenha que
passar a vida no ambiente de seu quarto”.185
Em 1º de janeiro morria conde Colle, que ajuntava às incalculáveis beneficên-
cias um legado de bem 400 mil francos, cerca de 1.330.000 de euros. Padre Cerruti
escrevia ao padre Rocca: “Antes de tudo te dou notícias de Dom Bosco, que continuam
boas. Deus queira que continue, uma vez que somente de Deus e de Nossa Senhora
Auxiliadora esperamos”.186 As esperanças de uma retomada pareciam reavivar-se nas
duas primeiras décadas de janeiro. Com efeito, em 5 de janeiro padre Rua dava infor-
mações maravilhosas: “Nosso amadíssimo pai vai melhorando progressivamente. Tem
a respiração mais livre, mais fácil, e claras as palavras e pode com facilidade alimen-
tar-se. Os médicos começam a dar esperança de próxima convalescença e de que, em
pouco tempo, possa levantar-se do leito. Em outra carta vos direi o dia a ser destinado
para agradecer concordemente e de grande ânimo a Deus e à Virgem Auxiliadora com
181 Carta do dia 30 de dezembro; ASC A 0240605 FdB 437 D12.
182 Carta de 31 de dezembro; ASC A 024060, FdB 437 E1-2.
183 Carta de 2 de janeiro de 1888; ASC A 0240610, FdB 437 E3.
184 L’unità cattolica, n. 1, domingo, 1º de janeiro de 1888, f. 1.
185 Notizie di D. Bosco, BS 12 (1999) n. 2, febbr., p. 14-15. Cf. C. Viglietti, Cronaca di Don
Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 20-29.
186 Carta de 2 de janeiro de 1888; ASC F 381, orig. aut. 3 f.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
solene função e com o canto do Te Deum”.187 Em 7 de janeiro o secretário anotava:
“Esta tarde, após o conselho dos médicos, se começou a dar a Dom Bosco, após o pão
triturado, um ovo, depois o café. Antes de tomar a refeição tirou o barrete, fez o sinal da
cruz e rezou chorando. Eu temia fortemente que esse alimento lhe fizesse mal; ao invés,
suportou bem cada coisa (...). Eram 6 da tarde. Dom Bosco me disse: Viglietti, dize ao
padre Lemoyne como se pode explicar que uma pessoa, após 21 dias de leito, quase
sem comer, fora da razão etc., de um momento para outro tenha retornado a si, perceba
cada coisa, sinta-se com força e capaz quase de se levantar, escrever e trabalhar, sadio
como se jamais estivesse doente”.188 Registra-se com algum relevo a visita do duque
de Norfolk, em 8 de janeiro, quando o duque se entreteve com o doente cerca de meia
hora. Quase como por associação de idéias, aflorava novamente nele o pedinte. Dizia
ao padre Viglietti: “Dom Bosco gastou até a última moeda antes de sua doença, ficou
sem dinheiro durante sua doença, notando que seus órfãos continuaram sempre a pedir
pão antes e depois. Por isso quem quiser fazer a caridade que a faça, pois Dom Bosco
não pode nem ir nem vir”.189
Não obstante as previsões do doutor Fissore, que prognosticava para Dom Bosco não
mais de dois meses de vida, eram registradas por vários dias notícias discretas. “Dom
Bosco continua melhorando e esperamos que logo possa entrar em convalescença”,
anunciava padre Cerruti em 10 de janeiro.190 “Nesta manhã ouviu a minha missa e fez
a comunhão”, anotava o secretário geral nos dias 11 e 15 de janeiro.191 Nesse contexto
poderia considerar-se autêntica a carta em francês ao duque de Norfolk, escrita ou
ditada por Dom Bosco em 13 de janeiro, da qual se possui a cópia do padre Berto. Nela
Dom Bosco se declarava ainda em condições precárias de saúde e sempre deitado; mas
sobretudo preocupado com débitos: 250 mil francos [cerca de 833 mil euros] que se
tinham acumulado em tantos anos de trabalhos em Roma pela Igreja e Colégio Sagrado
Coração. Sentir-se-ia grandemente aliviado se o duque pudesse dar-lhe o auxílio que a
caridade e as disponibilidades permitissem. Como recompensa o oferente poderia contar
com as orações de 250 mil órfãos.192 “Dom Cagliero – informava L’unità cattolica no
meio do mês –, aproveitando da notável melhora do venerando Dom Bosco, dirigia-se
a Nice no dia 4 do corrente mês”.193 Por alguns dias continuavam as boas notícias,
retrospectivas do Boletim Salesiano e do padre Viglietti: “Hoje Dom Bosco recebeu
a visita do bispo de Malines, na Bélgica” (18 de janeiro). Fazia-lhe eco padre Rua:
“As notícias do nosso amadíssimo pai continuam a ser boas. O médicos permitem esperar
187 Carta de 5 de janeiro de 1888; ASC A 0240609, FdB 437 E4-5.
188 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 23-24.
189 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 25-27.
190 Carta ao padre Rocca; ASC F 381, orig. aut. 3 f.
191 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 27-28.
192 E IV 407-408.
193 L’unità cattolica, n. 12, domingo, 15 de janeiro de 1888, p. 46.

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 649
que, se nada acontecer de novo para tornar mais lento o progresso que está fazendo na
convalescência, poderá facilmente levantar-se do leito na próxima semana”.194 Padre
Viglietti continuava com suas anotações: “Dom Bosco, embora devagar, vai sempre
melhorando. Já se pode dizer que não lhe resta senão adquirir forças para deixar a cama;
males verdadeiros não tem nenhum; a partir do dia 15 começou a ouvir cada manhã a
santa missa e a receber, por minha mão, a santa comunhão. Hoje Dom Bosco recebeu
a visita do bispo de Lari, nas Índias, Francesco Filippo (21 de janeiro)”.195 Em 20 de
janeiro padre Cerruti não estava menos otimista: “Dom Bosco está cada vez melhor.
Segunda-feira começará a se levantar”.196
Mas era, ao invés, o princípio do fim. Em 22 de janeiro o cronista registrava: “De
dois dias para cá Dom Bosco retrocedeu um pouco no mal”, embora recebendo ainda
a visita dos arcebispos de Colônia e de Treveri (22 de janeiro) e de Paris (no dia 24).197
Ao padre Barberis, em 24 de janeiro, padre Rua era obrigado a redimensionar radical-
mente as expectativas suscitadas pela circular enviada aos diretores em 18 de janeiro
e o convidava a recomendar aos diretores da inspetoria, constituída pelas casas de
noviciado, para se “fazer especiais orações e exercícios de piedade” por Dom Bosco.
Com efeito – escrevia -, infelizmente, de alguns dias para cá, se constata nele algum
novo deterioramento”.198 De fato, nos dias seguintes, o agravamento se tornava irre-
versível: “Hoje Dom Bosco está muito grave”; “a dom Cagliero, que lhe falava de ir a
Roma, disse: Espera para depois” (25 de janeiro): “continua grave” (26 de janeiro). Ao
pensamento, sugerido pelo padre Bonetti, “Jesus na Cruz sofria sem poder se mover”,
respondia: “sim, é isso que faço sempre”.199
Entre 27 e 28 a doença caminhava para a reta final. No dia 28 o cronista anotava:
“Dom Bosco piora sempre. Ontem, nesta noite e nesta manhã continua a delirar muito”.
“Nesta manhã gritou por bem vinte vezes: Mare! Mare! [em piemontês, mãe], e há
algumas horas junta as mãos e repete: Oh Maria! Oh Maria!. A todos diz de ver-nos
no paraíso. Disse ao padre Bonetti: Dize aos jovens que eu os espero no paraíso.
Nesta manhã recebeu o escapulário de Nossa Senhora do Carmo. A todos dá últimas
lembranças”. “Pega muitas vezes o crucifixo e o beija. Ao padre Bonetti: Quando
falares ou pregares insiste sobre a comunhão freqüente e a devoção a Maria Santíssima.
Apresentando-lhe a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, disse: Sempre tive toda
a confiança em Nossa Senhora Auxiliadora”. Tinha-se também a resposta sem espe-
194 Carta de 18 de janeiro; ASC A 4570310, FdR 3980 B11.
195 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 27-29. “Francesco Filippo” era dom
Jules François Fhilippe (1835-1904), bispo titular de Lares, coadjutor do vigário apostólico
di Visakhazigaparnam, na India, dos Missionários de São Francisco de Sales de Annecy,
fundados em 1838 pelo padre Pierre Marie Mermier.
196 Carta ao padre Rocca; ASC FdB 381, orig. aut. 2 f.
197 Cronaca di D. Bosco. Dal 23 dic. 1887 p. 29-32.
198 Circular da última doença de Dom Bosco; FdR, 3980 B12-C2.
199 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 29-33.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
rança dos médicos: “Acharam-no grave, e a única esperança que deixam são as de
um prolongamento do mal; segundo eles, não há nenhuma esperança de salvá-lo”.200
No domingo, 29, L’unità cattolica unia a Festa de são Francisco de Sales e a saúde de
Dom Bosco. “O venerando Dom Bosco – anunciava –, que sofre de uma degeneração
lenta da medula espinhal, que mostra no seu curso alternâncias de melhora e de dete-
rioração, melhorou de verdade por algumas semanas. Mas nestes últimos dias o agrava-
mento se manifesta e continua, principalmente com sintomas respiratórios. Tal quadro,
embora não impeça a esperança de um estado melhor, deixa todavia, por causa de sua
persistência, alguma inquietude”.201 O diagnóstico era rapidamente confirmado pelos
fatos. A crônica os escande: “Dom Bosco continua muito mal” “sempre em coma”
(29 de janeiro). No dia 30 se anota: “Nesta noite cessou de falar, somente alguns
gemidos”; “as ladainhas da agonia e a bênção do Carmo foram rezadas por dom
Cagliero às 10 horas. Está de fato fora de si”.202
Ao alvorecer de 31 de janeiro chegava o fim: “à 1h45 entrou em agonia: padre
Rua e dom Cagliero lhe recitaram as preces [dos agonizantes], continuou com o ronco
constante até às 4h45. Tocava a Ave-Maria de nossa igreja. Dom Bosco ralentou a
respiração. Meio minuto depois era branco cadáver, estava no paraíso”.203 São Vicente
de Paula nasceu para o céu à mesma hora, às 4h45 do dia 27 de setembro de 1660.
9. Primeira celebração do “dies natalis” na liberdade completa
Não era traumático o extremo adeus, termo de uma longa despedida, iniciada há
anos com graduais separações e ausências, as mais variadas fases de declínio físico
e de agravamentos. Também a última doença, com a dissolução de um corpo sempre
mais debilitado e sem vigor, embora na lucidez do espírito, na vivacidade da fé e na
inexauribilidade da chama da caridade, tinha preparado o “nos veremos no paraíso”
da manhã de terça-feira, 31 de janeiro. Dom Bosco sempre estivera próximo com as
mais fortes e delicadas solicitudes do amor. Todos estavam certos que estaria ainda
próximo e solícito desde o paraíso, onde ele mesmo tinha várias vezes fixado o persua-
sivo encontro no presente e no futuro. Por isso os sofrimentos da longa doença eram, de
certa forma, esquecidos na transfiguração de uma pessoa tão querida, santa e protetora,
bem presente no coração, na mente e no imaginário de salesianos, jovens, coopera-
dores, amigos, admiradores. Interpretava perfeitamente seu estado de alma, aquele que,
no Boletim Salesiano, iniciava a crônica dos acontecimentos depois da morte com estas
palavras, sob o título expressivo, DOM BOSCO!!: “Nós o amávamos como se ama o
200 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 29-35.
201 L’unità cattolica n. 24, domingo, 29 de janeiro, p. 95.
202 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 35-40
203 C. Viglietti, Cronaca di Don Bosco. Dal 23 dic. 1887, p. 40-41.

66 Pages 651-660

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Cap XXXIV: Testamento para a missão e caminhada serena para a última meta (1886-1888) 651
sorriso da infância, as esperanças da juventude, os sustentos e os bens da idade madura.
Era para nós o que de maior, de mais nobre, de mais afetuoso, de mais generoso pudesse
ser encontrado sobre a terra. Não existia um instante de nossa vida que não carregasse
alguma recordação de seu afeto por nós”.204
Essa realidade foi demonstrada pela quantidade e pela qualidade da concorrência do
povo ao redor do esquife exposto na Igreja São Francisco de Sales e das exéquias reali-
zadas na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora. No dia 31, vestido de paramentos sacer-
dotais, o cadáver era exposto, sentado em uma poltrona, no corredor atrás da capelinha
privada. Podiam-no visitar os salesianos, seguidos de “grupos de sacerdotes, patrícios
em grande número, matronas devotas”. Às 18 horas era admitida também um grupo
grande de Filhas de Maria Auxiliadora. No mesmo dia padre Rua anunciava Aos sale-
sianos, às Filhas de Maria Auxiliadora, aos cooperadores e às cooperadoras sale-
sianos a morte do pai.205 O Anúncio fúnebre era feito a todos os ex-alunos do Comité
dos antigos alunos do Oratório para as demonstrações ao reverendíssimo Dom Bosco,
firmado por Carlo Gastino e pelo secretário Matteo Alasia.206 De Gênova, cardeal
Alimonda enviava no mesmo dia um telegrama e uma carta.
Às 6 da manhã de 1º de fevereiro o corpo era exposto na Igreja São Francisco de
Sales. Ao redor se reunia, durante todo o dia, uma multidão comovida e reverente,
reconhecedora e afetuosa, de jovens e adultos, de eclesiásticos e leigos de todas as
classes sociais. “Parecia que Turim inteira se dirigisse ao Oratório”: “vamos a Dom
Bosco! – diziam-se uns aos outros”. A Igreja Nossa Senhora Auxiliadora foi ocupada
por gente que acorreu para rezar pela paz de sua alma. Às 21 horas todos os jovens do
Oratório recitaram diante do corpo as orações da noite e seu diretor, padre Francesia,
deu a tradicional boa-noite.
Tendo sido recolocado no caixão, deixado ainda aberto para que os salesianos
vindos de longe pudessem ver o rosto de Dom Bosco, o corpo era colocado, na manhã
de 2 de fevereiro, no cadafalso erigido sob a cúpula de Maria Auxiliadora. Às 9h30
era celebrada a solene liturgia exequial, pontificada por dom Cagliero, com o canto da
missa fúnebre composta por ele em 1862. Às 14 horas o esquife era fechado, depois
que se lhe introduziu uma ampola de vidro com um pergaminho, que trazia uma síntese
biográfica do defunto.207 Na parte da tarde desenvolvia-se o solene transporte fúnebre
com a assistência de ao menos 100 mil pessoas, grande número de párocos, inumerá-
veis representantes eclesiásticos e civis, italianos e estrangeiros, institutos de educação
e associações católicas, e três bispos, Cagliero, Leto e Bertagna. Foram percorridas a
204 BS 12(1888) n. 3, março, p. 25: toda a crônica, p. 25-36; no fasc. 4, abril, p. 38-51, “Diario
della malattia di Don Bosco”, são relembrados os dias terrenos de Dom Bosco, de 2 de
dezenbro a 31 de janeiro, e “La tumulazione” do cadáver em Valsalice.
205 BS 12(1888) n. 3, março, p. 28, “Lettere circolari di don Michele Rua ai salesiani”, p. 1-3.
206 BS 12(1888) n. 3, março, p. 28-29.
207 BS 12(1888) n. 3, março, p. 32-33.

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Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Via Cottolengo, Corso Principe Oddone e Corso Regina Margherita, e a Via Ariosto.
O acompanhamento fúnebre era um cortejo triunfal para “um grande mais vivo que
nunca na veneração da multidão, no obséquio à sua memória, na grandeza de suas
instituições”.208 Ao retorno na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, dom Bertagna reali-
zava a absolvição do defunto. Daí foi transportado na Igreja São Francisco de Sales, na
espera do sepultamento.
“Que bela festa! mais de uma pessoa exclamando – comentava o cronista –; e
para quem se tivesse maravilhado de semelhante exclamação, concluía ele também:
– Foi uma bela festa! – Era contínuo o repetir-se uns aos outros as palavras argutas
e amorosas ouvidas dos lábios de Dom Bosco, o narrar os mais belos trechos de sua
vida, com um sorriso e um senso de alegria tamanho como dificilmente se pode repro-
duzir em palavras. O luto tinha cessado. Todos sentiam que Dom Bosco vivia e que
não estava distante”.209
Desde o dia 31 de janeiro, os superiores salesianos tinham se industriado para obter
que o corpo de Dom Bosco pudesse ser sepultado na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora.
Pôde-se evitar somente a inumação no cemitério geral e se obteve que fosse sepultado
fora dos muros da cidade, no Centro de Estudos Salesianos de Valsalice. Foram feitos
rápidos trabalhos para preparar o túmulo. Na tarde de 4 de fevereiro, às 17h30, como
extrema simplicidade, o corpo foi sepultado. O carro fúnebre era seguido pela mesma
carruagem que conduzia Dom Bosco para passear nos últimos tempos, agora ocupada
por dom Cagliero, padre Bonetti e padre Sala. Era acolhido por um grupo de mais de
cem clérigos. Em Valsalice dom Cagliero repetiu o rito exequial. Ao padre Rua se tinham
unido padre Cerruti e padre Lazzero, e não faltava a superiora geral das Filhas de Maria
Auxiliadora, madre Caterina Daghero. No final falaram Dom Cagliero e padre Rua.
Felizmente, os clérigos de Valsalice com seu diretor quiseram na mesma noite enviar
ao padre Rua uma mensagem, professando para com ele obediência incondicionada
como um pai e superior, indicado pelo próprio Dom Bosco como sucessor.210
Guardando os restos mortais de Dom Bosco, Valsalice estava ainda mais próxima
de Valdocco, onde era mais real e tangível a presença do defunto, vivente em sua obra
originária: o Oratório, que falava com suas pedras; também com as pedras das igrejas
São Francisco de Sales e Nossa Senhora Auxiliadora; e ainda com as memórias, o espí-
rito e a graça que as envolviam e animavam; mas principalmente com as pessoas que
o representavam ao vivo, a partir da figura grave e simples, segura e modesta, devota e
confiável do sucessor, reitor-mor intimamente sempre “vigário”, o beato Miguel Rua.
208 BS 12(1888) n. 3, março, p. 34.
209 BS 12(1888) n. 3, março, p. 35.
210 BS 12(1888) n. 3, março, p. 50-51.

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Capítulo XXXV
Instantâneos e visão de conjunto
Sábado, 26 de maio de 1883, Dom Bosco deixava Paris após pouco menos de um
mês de permanência. No trem que o conduzia para Dijon, junto com padre Rua e padre
De Barruel, esteve calado um bom tempo. Por fim – relata o interlocutor principal –,
“rompe o silêncio e diz ao padre Rua: – Que coisa singular! Tu te recordas da estrada
que conduz de Buttigliera aos Becchi? Lá, à direita, há uma colina e sobre ela uma
casinha; dos pés da colina até à estrada se estende um prado. Essa mísera casinha era
minha habitação e a de minha mãe. Naquele prado eu, menino de 10 anos, levava a
pastar duas vacas. Se todos estes senhores soubessem que fazem tanta pompa ao redor
de um pobre camponês dos Becchi, hem? Brincadeiras da Providência”.1
Já nos deparamos com visões e avaliações de conjunto a respeito da personalidade
de Dom Bosco em relação a seus dois tempos biográficos: entre os últimos anos da
década de 1840 e os primeiros do decênio sucessivo, em especial; e no sexênio entre o
final da década de 1870 e os primeiros anos de 1880. Igualmente interessantes foram
as muitas evocações avaliativas que se tornaram mais densas a partir de 31 de janeiro
de 1888. Ainda que imediatas, essas evocações parecem resultar em muitos casos mais
objetivas que as várias reconstruções que se multiplicaram em seguida, sob o influxo de
uma hagiografia difusa, que privilegiou mais as interpretações – a maior parte das vezes
girando ao redor de acontecimentos particulares não essenciais historicamente – que a
enorme documentação disponível sobre sua existência cotidiana extraordinariamente
densa de fatos e de idéias. Alguma significatividade também podem apresentar os
testemunhos e contra-testemunhos que se sucederam no curso dos processos de beati-
ficação e canonização, obviamente já sensíveis à tradição narrativa salesiana que se
estava criando pouco a pouco. Sem dúvida, hoje são possíveis reflexões mais serenas,
favorecidas pela separação mais controlada – que não é, por certo, alheiamento – do
presente longínquo, que, por outro lado, encontra-se agora mais próximo, dado o maior
número de informações, de documentações disponíveis, de perspectivas e de contribui-
ções historiográficas que podem nos libertar de mediações fúteis e desviantes.
1 Documenti XXV 284, FdB 1086 A5.

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654 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Contudo, isso não significa se afastar das origens que marcaram de modo incan-
celável a existência de Dom Bosco. Ali se encontram as raízes, que de modo variado
determinam o crescimento, a expansão e os resultados, frutos de um feixe de forças
interiores exuberantes, que o assistiram na longa navegação sem instrumentos, comu-
mente entre escolhos e tempestades.
1. Traços duradouros dos ecos imediatos na imprensa
As percepções jornalísticas são necessariamente limitadas no tempo e no espaço.
Todavia, se encontram muitas vezes mais próximas do real que algumas mitologias
posteriores sem tempo e sem história. Aquelas não estão, em vários casos, fechadas
no átimo fugaz. Vários jornais, com efeito, positiva ou negativamente tinham seguido
os acontecimentos de Dom Bosco e de suas instituições há muitos anos, ou melhor, há
várias décadas, entrelaçando notícias de crônica familiar cotidiana com informações
sobre acontecimentos mais relevantes, como a projeção missionária, a luta ao redor
do ginásio de Valdocco e os ecos de acontecimentos de caráter internacional, como as
viagens a Paris e a Frohsdorf.
As próprias acentuações celebrativas e o impacto emotivo a que faziam eco deri-
vavam da sensação de se encontrar diante de um “personagem”, um homem, um padre,
exteriormente simples, sem pretensões, mas de grande estatura espiritual, com traços de
personalidade de grande relevo. Disso era testemunho evidente suas obras concretas, já
difundidas fora da Itália, mesmo além da Europa: os oratórios e patronatos, as escolas
profissionais para aprendizes e iniciativas em favor dos jovens trabalhadores, os abrigos,
as escolas infantis, elementares, médias e superiores, tanto clássicas como técnicas, a
assistência aos imigrantes, as missões, as tipografias e editoras.
Em muitos casos, falta às evocações o sentido histórico, dando-se preferência a
evidentes formas de certo provincialismo que ignorava o muito realizado em outros
lugares. Por isso, o agente dinâmico e corajoso se tornava, de modo menos realista,
pioneiro, precursor, primeiro ator ou único ator. Esquecia-se o que várias vezes se
recordou a partir dos primeiros capítulos e na reconstrução biográfica: em nenhum
setor Dom Bosco é só e único. Não existe âmbito de atividade ao qual pôs a mão no
qual não se tenham intensamente empenhados outros – homens e mulheres, institutos
religiosos masculinos e femininos –, com criatividade e paixão não menores, estenden-
do-se a campos próprios e muitas vezes inéditos.
Precedia todas as evocações jornalísticas, com um primeiro perfil sereno e equi-
librado, L’unità cattolica de Turim. Esse jornal sempre foi amigo de Dom Bosco e,
mais que todos os outros, informado sobre os desenvolvimentos da obra salesiana e seu
fundador e promotor. Assim comentava em 1º de fevereiro: Dom Bosco tinha morrido
“no beijo do Senhor, a quem tinha servido fielmente no decurso de 72 anos, plenos,
pleníssimos de boas obras, uma maior que a outra, e mais santa que a outra”, realizadas
“com rara paciência e invencível constância”. “Sua existência foi, com efeito, entre

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 655
as mais providenciais, e teve muitos pontos de contato com vidas ilustres, principal-
mente com a de são Francisco de Sales, santo que ele, com singular devoção, imitou na
mansidão, na doçura, na inalterável calma e no zelo contra a heresia”. Vivera, todavia,
com o “caráter próprio” da atualidade: foi o apóstolo de nossos tempos”, cujo “pensa-
mento dominante era a “educação da juventude”, trabalhando em seu favor “incansa-
velmente e de todas as formas: com a palavra, com os escritos, com muitas e variadas
instituições”. “Corre a voz – prosseguia – que Dom Bosco tivesse o dom dos milagres, e
muitos se contam solidamente provados”: “mas é certo que o maior e insigne milagre foi
que ele realizasse tão grande bem com meios aparentemente frágeis”. Listava algumas
das realizações prodigiosas: ter movimentado “a caridade pública” “em tempo de tanto
egoísmo”; ter conseguido, entre tantas guerras contra as instituições religiosas, “fundar”
e propagar com incrível rapidez na Itália, na França, na Espanha, nas Américas, e até
entre os selvagens da Patagônia, uma nova ordem religiosa”; ter enriquecido inúmeras
dioceses de sacerdotes; ter promovido largamente a boa imprensa; ter multiplicado as
igrejas e, em particular, ter edificado a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, “meta de
numerosas peregrinações”; pobre, ter deixado “instituições que custaram dezenas de
milhões”. Contudo – sublinhava –, ele “passou no mundo como alheio à glória que
se lhe manifestava”, nem calúnias, invejas ou perseguições perturbaram “a paz de seu
coração”, assistido pela “contínua união em Deus e profundíssima humildade”.2
Pobre de informações, mas, em compensação, rico de excessos retóricos, era o
retrato dedicado ao educador de Turim pelo Osservatore cattolico de Milão, expoente
dos jornais intransigentes, que mais ou menos abertamente pretendiam celebrar em
Dom Bosco o insuperável paladino do “ideal católico”. Iniciava: “Dom Bosco. Neste
simples sobrenome se compendia um apostolado completo, talvez o maior e mais
maravilhoso do século XIX”, um “gigante da caridade”; sua morte era “uma desven-
tura mundial”, “um dos mais fatais acontecimentos de 1888”; era nome que resumia
“a verdadeira epopéia cristã”.3 La voce della verità de Roma, que, com o rígido dom
Francesco Nardi, não tinha acompanhado com simpatia a ação mediadora de Dom
Bosco na questão dos Exequatur, agora apresentava sua vida como uma sequência de
“portentos”.4 “Verdadeiro herói cristão – definia-o Il diritto cattolico de Modena –,
atleta da fé, insigne italiano que gastou sua longa carreira em obras de virtude e de cari-
dade, fazendo prodígios e verdadeiros milagres com o auxílio de Deus”. O conservador
Berico de Vicenza proclamava-o “uma das esplêndidas figuras que a religião católica
2 L’unità cattolica, n. 26, quarta-feira 1º de fevereiro de 1888, p. 105. O jornal dedicava a
Dom Bosco as duas primeiras páginas do dia seguinte, pródigo de informações também nas
semanas sucessivas, com a citação, entre outras, de notícias de outros jornais.
3 L’osservatore cattolico, 31 de janeiro-1º fevereiro de 1888, n. 25, citado por G. Tuninetti,
“L’immagine di Don Bosco nella stampa torinese (e italiana) del suo tempo”, in: F. Traniello
(org.), Don Bosco nella storia della cultura popolare, p. 240-241.
4 La voce della verità, 3 de fevereiro de 1888, n. 28, p. 2.

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656 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
tornou gigante”. Il pensiero cattolico de Gênova prognosticava: “Chegará o tempo (...)
em que ele será elevado sobre os altares à semelhança de tantos outros heróis da cari-
dade, e principalmente de são Vicente de Paula”. “Sobre as tumbas dos santos não se
chora, invoca-se e se reza”, sentenciava o Eco di Bergamo.5
Outro importante periódico católico turinense, Il corriere nazionale, privilegiava o
gênio religioso e pedagógico, inteiramente voltado para a salvação plena da juventude,
que se tornava ao mesmo tempo elevação do povo e regeneração social. “Homem dotado
em larga mão de verdadeira fé e firme confiança na Providência – escrevia –, esse sacer-
dote italiano é o exemplo moderno para todo o clero e o laicado católico no modo de
dizer e de fazer, em favor da sociedade inteira, por meio da educação da juventude”.6
O leigo Corriere della sera falava da existência “inteiramente gasta em obras de
religião e de caridade”, desejando que também “no campo liberal se pudesse contar
com muitos homens que tivessem a mente organizada deveras superior de Dom Bosco,
sustentada pela força de vontade e pela perseverança que leva a realizar as empresas
mais maravilhosas”.7
Também dos jornais moderados e de orientação católica de Barcelona, que há
alguns anos se interessavam por Dom Bosco, antes e depois da inesquecível visita de
1886, o Correo catalano, a Revista popular, La hormiga de oro e o Diario de barce-
lona, emergia a figura de um padre de extraordinária riqueza de intuições e de atuações,
com traços marcantes: homem de Deus, “pobre e obscuro”, “virtuoso” e venerando,
firme na fé e tenaz contra obstáculos e perseguições, e em cumprir a própria missão,
“egrégio sacerdote vencedor em um cento de batalhas”; “novo apóstolo da caridade”,
“novo são Vicente de Paula”, “pai dos pobres”; apóstolo da juventude, “filho do povo
e consagrado ao povo”, inteiramente dedicado à educação religiosa e social dos jovens
abandonados”, “os pobres filhos do povo, aqueles da rua e da praça, os abandonados e
desprezados por todos, muitas vezes até mesmo por seus pais”; “para eles edificou, em
diversos pontos da Europa, verdadeiros palácios de caridade, nos quais se reunia o zelo
mais fino pela educação religiosa dos hóspedes e o aperfeiçoamento das respectivas
indústrias, às quais o destinava sua vocação”.8 Entre estes eram objeto de particular
solicitude os destinados ao trabalho manual nas oficinas de artes e ofícios, os compo-
nentes da emergente “classe operária”.9 “Amado por Deus e pelos homens”, seu túmulo
5 Citados por G. Tuninetti, “L’immagine di Don Bosco nella stampa torinese”, p. 240-242.
6 “Prodigi della carità”, Il corriere nazionale, n. 31, 1º de fevereiro de 1888, citado por G.
Tuninetti, L’immagine di Don Bosco nella stampa torinese, p. 239.
7 Don Giovanni Bosco e le istituzioni salesiane, “Il Corriere della sera”, 1-2 fevereiro de 1888,
n. 32, citado e comentado por G. Tuninetti, L’immagine di Don Bosco nella stampa torinese,
in F. Traniello (org.), Don Bosco nella storia della cultura popolare, p. 235-236.
8 Cf. R. Alberdi, Resonancia de la muerte di Don Bosco en Barcelona, in “Salesianum” 50
(1888) 211-214.
9R. Alberdi, Resonancia de la muerte di Don Bosco en Barcelona, in “Salesianum” 50 (1888) 190.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 657
era “circundado de glória”, “para todos uma esperança”. Dom Boso passaria “certa-
mente à posteridade como uma das figuras mais eminentes do século”.10
A ação de Dom Bosco em favor do mundo do trabalho ganhava particular evidência,
não sem algum excesso, na cidade de Dom Bosco, Turim, pela Voce dell’operario,
semanal das Associações Operárias Católicas. “Em Turim – afirmava –, nenhum homem
foi mais popular que Dom Bosco, e especialmente o meio operário tinha verdadeira
veneração pelo admirável sacerdote. E com razão, pois Dom Bosco, por um período
de mais de cinqüenta anos, consagrou ao bem da classe operária sua grande alma, seu
terníssimo coração de pai e de apóstolo”.11 Em 23 de setembro de 1888 se reunia em
Valsalice a sessão da Gran Madre di Dio da Associação Operária. Celebrava a missa
de sufrágio o pároco, assistente eclesiástico da sessão, teólogo Giovanni Battista Piano
(1842-1928), aluno do Oratório nos anos 1854-1858, o qual, como se falou, tinha falado
em nome dos ex-alunos do Oratório, que tinham corrido na manhã de 24 de junho de
1887 para a tradicional homenagem. Diante do túmulo ele explicava “com palavras
vigorosas como Dom Bosco [fosse] um entre os poucos que verdadeiramente compre-
enderam e souberam desvendar o árduo quesito da questão social, como Ele [tivesse]
sempre estado o verdadeiro amigo, o verdadeiro benfeitor do operário”. Recomendava
também de se recordar o dito de Dom Bosco: “Um sincero católico não pode deixar de
ser honesto operário, leal cidadão, invejável pai de família”.12
2. Linhas de um perfil de evocações em honras fúnebres
Encontram-se traços indeléveis de seu perfil nas comemorações por ocasião dos ritos
funerais. Alguns, em particular, devem-se a personagens que tiveram uma não casual
nem superficial partilha de vida com Dom Bosco, que conheciam suas obras e compar-
tilhava suas idéias, e que ao mesmo tempo possuíam uma visão pessoal e avaliação do
tempo no qual ele e eles atuavam. Referimo-nos ao cardeal Gaetano Alimonda, aos
bispos Tomaso Reggio, Emiliano Manacorda e Donato Velluti Zati, dos duques de São
Clemente, e ao cônego Giacinto Ballesio.
O genovês cardeal Gaetano Alimonda (1818-1891), já como jovem padre colocou-se
na primeira fila para dar vida ao jornalismo católico de sua cidade: L’armonia (1848),
que se fundia imediatamente com o de Turim, Il cattolico di Genova (1849), depois Il
cattolico (1851), e o Stendardo cattolico (1862). Colaborador dos Annali cattolici entre
10 São palavras do diretor da “Revista Popular”, 34 (1988) 100, citado por R. Alberdi, Resonancia
de la muerte di Don Bosco en Barcelona, in “Salesianum” 50 (1888) 214.
11 “La morte di Don Bosco”, La voce dell’operaio, n. 3, 5 de fevereiro de 1888, p. 2.
12 “Gli Operai Cattolici della Sezione Gran Madre di Dio in Torino e l”Unione del Coraggio
Cattolico alla tomba di Don Bosco”, BS 12(1888) n. 12, dezembro, p. 146-147; reproduz o
artigo publicado pela Voce dell’operaio, n. 19, 1888.

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658 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
1863 e 1866, em oposição à linha de Margotti, exortava os católicos a participarem
das eleições políticas. Pregador renomado não somente em Gênova, chamado então o
“Lacordaire da Itália”, o “novo Bossuet”, ele tratava temáticas que, em clara perspectiva
conservadora, eram constante confronto entre a fé católica e as correntes ideológicas e
de moral do tempo.13 No discurso pronunciado na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora,
em 1º de março de 1888, no funeral de trigésimo dia, sintetizava em quatro dimensões
principais a obra do venerado amigo.14 O Boletim Salesiano considerava que “entre
todos os elogios fúnebres” o de Alimonda tivesse “o primeiro lugar” – “tornou-se uma
obra de arte” –, pois o orador, “qual insigne pintor ou escultor, soube representar em
toda sua beleza o santo homem, que com suas oportuníssimas obras se agiganta sobe-
rano em meio ao século XIX”.15 De fato, teve traduções em outras línguas, com edições
em Nice, Barcelona e Buenos Aires. Dom Bosco – era a tese do cardeal –, movido pela
caridade, fez extraordinária obra de evangelização, antes, de divinização de seu século.
Quatro grandes paixões marcaram sua ação: a educação e a pedagogia; “a cultura dos
operários” e, por meio desta, a criação de uma ordem social melhor com a solução da
“questão operária”; a promoção do associacionismo livre e solidário; e a extensão da
civilização aos povos que estavam ainda privados na África, Ásia e Oceania. Ele tinha
acolhido tudo aquilo que as novas “descobertas pedagógicas” exibiam e as tinha embuído
de fé religiosa, oferecendo à juventude as mais variadas instituições e modalidades de
crescimento e de formação.16 No século do progresso das artes, das profissões e das
indústrias, Dom Bosco tinha ensinado a conjugar oração e trabalho, providenciando nos
setores mais variados “as máquinas e os aparelhos” mais modernos. A questão operária
era superada, antes divinizada, porque o trabalho era entrelaçado com a verdadeira
liberdade, garantida pelo sentido religioso da vida, da honestidade e do uso alegre do
tempo livre, no qual se harmonizavam “todas as coisas belas, mística, ciência, poesia,
som, canto”.17 A sociedade moderna tinha acreditado encontrar a própria segurança na
organização coativa, culminando no exército e na polícia. Dom Bosco, ao contrário,
tinha instituído grandes famílias de educadores e de educadoras voluntários, aos quais
se ligavam à livre associação dos cooperadores, voltados a criar junto às instituições
juvenis uma grande família, graças ao “método preventivo” que aí se praticava: “assim,
o movimento que se produz no associacionismo anda tranqüilo e ordenado; não há o
violento nem o deletério; e as letras, as artes e as indústrias no seio do associacionismo
13 Cf. G. Alimonda, L’uomo sotto la legge del sovrannaturale, 4 vol. Gênova, Tipografia della
Giuventù, 1866-1868; 2ª ed. aumentada, 4 vol., 1881; Id., “I problemi del secolo XIX”. 3 vol.,
Gênova, Tipografia della Giuvenú, 1874-1876; 2ª ed. 1881-1883, 4 vol.. Ver V. “Alimonda
Gaetano”, de G. Tuninetti, in: Dizionario storico del movimento cattolico in Italia, vol. III, t.
1. Casale Monferrato, Marietti, 1984, p. 12-13.
14 “Funerali di trigesima nella Chiesa di Maria Ausiliatrice”, BS 12(1888) n. 5, maio, p. 56-58.
15 BS 12(1888) n. 4, abril, p. 52.
16 G. Alimonda, Giovanni Bosco e il suo secolo Turim, Tipografia Salesiana, 1888, p. 9-20.
17 G. Alimonda, Giovanni Bosco e il suo secolo, p. 21-29.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 659
se desenvolvem com harmonioso incremento”.18 Enfim, Dom Bosco tinha idealizado
e realizado o grande salto dos salesianos na Argentina, tornando povos vagantes nas
“imensas planícies” da Patagônia participantes dos benefícios da civilização. Destarte,
diferentemente dos leigos que iam entre os indígenas “para a troca das mercadorias e
para conseguir novas”, Dom Bosco tinha divinizado “a obra da cultura entre as inós-
pitas estirpes”, para levar paz, salvação, liberdade: não tinha mandado “para escravizar,
mas para estender o reino de Deus, com ardoroso amor pela Igreja e inalterável fideli-
dade ao papa”.19 Na raiz de tudo resplandescia em clara luz “a virtude íntima e divina
que dominava soberanamente em vida o prodígio deste Servo de Deus”, sua “virtude
animadora”, “a celeste caridade”, que tudo sofre, crê, espera, sustenta.20
Também tinha participado ativamente das iniciativas jornalísticas genovesas entre
os anos 40 e 50 o coetâneo de dom Alimonda, o nobre Tomaso dos marqueses Reggio,
sucessivamente bispo de Ventimiglia e arcebispo de Gênova, proclamado beato em
2000. Ele tinha levado ao associacionismo juvenil e operário um acentuado ativismo,
com mais visível abertura social e política. Com padre Magnasco, futuro arcebispo
de Gênova, e os padres Frassinetti e Sturla tinha colaborado, em 1854, na fundação
da primeira Sociedade Operária Católica genovesa.21 A respeito da característica
fundamental de Dom Bosco como padre dos jovens e dos trabalhadores, dom Tomaso
Reggio, bispo de Ventimiglia, diocese que hospedava a obra salesiana de Vallecrosia,
ousava estabelecer a comparação entre a missão de Dom Bosco e a obra redentora
de Cristo, como irá fazer diversas vezes Pio XI nos dias da canonização, em abril de
1934.22 “Nosso Dom Bosco – afirmava no elogio fúnebre realizado na catedral – foi
predestinado, desde os séculos eternos, a ser imagem viva de Jesus Redentor. Tal foi
na humildade, na mansidão, no ardente amor pelas almas, em tudo”, em particular
imitando o Redentor ao dizer: Sinite parvulus venire ad me; “foi a palavra saída dos
lábios de Jesus. Essa palavra designa igualmente Dom Bosco todo”, “esse é o caráter
de Dom Bosco”.23 Era traço emergente, que o orador evidenciava ainda ao repercorrer
os momentos importantes de sua biografia, começando do primeiro apostolado nos
cárceres: “É esse Dom Bosco o amigo da juventude. Nesta, salvar a sociedade é sua
18 G. Alimonda, Giovanni Bosco e il suo secolo, p. 29-43.
19 G. Alimonda, Giovanni Bosco e il suo secolo, p. 43-50.
20 G. Alimonda, Govanni Bosco e il suo secolo, p. 50-53.
21 Cf. o verbete Reggio Tomaso, de M. Panico Giuffrida, in: Dizionario storico del movimento
cattolico in Italia, vol. III, t. 2. Casale Monferrato, Marietti, 1984, p. 705-706.
22 Cf. p.e. a homilia para a canonização e o discurso à Família Salesiana, respectivamente em
1º e 3 de abril de 1934; D. Bertetto (org.), Discorsi di Pio XI. Vol. III. Turim, SEI, 1961, p.
84-87.
23 Nelle solenni esequie di trigesima in suffragio del sacerdote D. Giovanni Bosco, fondatore dei
salesiani fatte per iniziativa del Rev.mo Capitolo della cattedrale di Ventimiglia il 1º marzo
1888. Orazione letta dal Vescovo Mons. Tommaso de’ Marchesi Reggiio. Sampierdarena,
Tipografia e Libreria Salesiana, 1888, p. 4.

66.10 Page 660

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660 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
missão”.24 Sublinhava ainda, mais que os outros oradores, a escolha preventiva. Em sua
opinião, o educador piemontês não tinha aderido à pedagogia dominante que, baseada
sobre o princípio de que “o mal se deve reprimir, não prevenir”, deixava plena liberdade
de expressão às inclinações e aos instintos dos jovens, salvo as censuras que podiam
surgir da própria experiência do mal: “que conheça ele o mal e o sufoque, ou corrija-o
em seu remorso”. Grande conhecedor da alma juvenil, Dom Bosco pensava diversa-
mente. “Antes que dar a conhecer o mal em sua brutalidade, crie-se no jovem o amor ao
bem. Mais que a férrea violência da lei, guie os jovens na persuasão e no doce atrativo
da amorevolezza [amabilidade]. Para longe qualquer complacência. As forças do corpo,
como o vigor da mente, tenham igual desenvolvimento na recreação honesta, na música
e na ginástica, coordenadas ao trabalho quer braçal quer intelectual. Antes de tudo se
eduque o coração e se infunda sabiamente o sentido de fé e o santo temor de Deus”.25
Natural de Penango, diocese de Casale Monferrato, Emiliano Manacorda (1833-
1909), tornou-se bispo de Fossano em 1871, não sem alguma influência de Dom Bosco.
Esteve em relação com Dom Bosco desde jovem sacerdote, tendo entrado cedo para
trabalhar na Cúria Romana. Com o fundador dos salesianos compartilhava a paixão
catequética e a persuasão de que a questão social e mais especificamente a questão
operária fosse essencialmente problema moral a ser resolvido pela caridade. Não se
pretendia esconder as injustiças produzidas pelo progresso, construído sobre o abuso
“desumano, cruel, anti-social e anti-cristão” do operário, mas se recusava qualquer
proposta revolucionária, considerando-se o socialismo inimigo da religião e da socie-
dade.26 Segundo dom Manacorda, não se podia contemplar “a vida admirável de Dom
Bosco” sem uma dupla série de reflexões: “sobre os desígnios da divina providência
que preparava o servo fiel para grandes obras” e “sobre o poder e a eficácia da caridade
que fez de Dom Bosco um objeto de maravilha e de veneração profunda em todas as
classes e em todas as nações”. Para o présule refratário à “revolução”, Dom Bosco era
o dom oferecido por Deus à humanidade como remédio das “aberrações intelectuais”
e das “das mais torpes paixões”, da qual se torna receptáculo o século XIX, fruto da
“filosofia racionalista” do século precedente: “o mundo moderno foge do olhar para o
céu, e os corações não sabem amar a não ser aquilo que se refere aos sentidos”.27 Todo o
período de formação do protagonista mostrava-se, nas palavras do orador, “uma verda-
deira oficina”, na qual todas as suas faculdades de mente e de coração foram colocadas
em ação e harmonicamente coordenadas ao fim supremo, “a glória de Deus na salvação
24 T. Reggio, Nelle solenni eseguie, p. 7 e 22.
25 T. Reggio, Nelle solenni eseguie, p. 13-15.
26 Cf. verbete Manacorda Emiliano, de G. Griseri, in: Dizionario storico del movimento cattolico
in Italia, vol. III, t. 2, p. 497-498.
27 Elogio funebre nei solenni funerali di trigesim celebrati il 1º Marzo 1888 in suffragio del
compianto sacerdote D. Giovanni Bosco fondatore dei Salesiani letto nella parrocchia del SS.
Cuore di Gesù di Roma, por S. E. Rev.ma Dom Emiliano Manacorda bispo de Fossano, Roma,
Tipografia A. Befani, 1888, p. 7-9.

67 Pages 661-670

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67.1 Page 661

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 661
das almas”, primeiramente dos jovens.28 Daí tinham brotado as mais variadas inicia-
tivas. Ele não se perdia, mas tudo dominava. “Dom Bosco era pensamento e amor”,
nenhuma maravilha “se tanto poder exercesse sobre o coração e o espírito de qualquer
um que dele se aproximasse, mesmo os mais indisciplinados e relutantes”.29 Após ter
relembrado em grandes linhas as empresas, os sucessos, as “multíplices obras, impo-
nentes e dispendiosas”, geradas pela caridade “entre inúmeros obstáculos”, o présule
dava graças a Deus, que tinha respondido “à apostasia e à perversão de uma parte de
seu povo doando à humanidade padre Giovanni Bosco, honra, apóstolo, atleta do século
XIX, o qual, fazendo uso de todas as forças de natureza e de graça recebidas, sustentou
a luta contra o mal com a coragem digna dos maiores heróis”: era “o prodígio de toda
a sua vida”.30
Em tom mais intimista, mas de modo nenhum ideológico, mostrava-se o elevado
e rico perfil biográfico delineado por dom Donato Velluti Zati dos duques de São
Clemente (1845-1927), bispo auxiliar de Florença, no funeral de trigésimo dia, cele-
brado na Igreja dos Filipinos, em 3 de março de 1888, com a missa pontifical de dom
Giuseppe Giusti, bispo de Arezzo. Dom Bosco era “o ilustre apóstolo da juventude e
da infância, em nosso século o êmulo de Vicente de Paula, de Jerônimo Emiliani, de
José de Calasanz, de La Salle, o padre santo plasmado segundo o coração de Deus, o
fundador do instituto colocado sob o patrocínio de são Francisco de Sales”.31 O orador
se sentia “perdido” diante do “trabalho incansável e tão grande desse homem” e das
“obras apenas críveis” “de um padre grande benfeitor do gênero humano”.32 A seguir,
passava a narrar biograficamente as etapas, parando especialmente nos inícios, o apos-
tolado nos cárceres e o primeiro oratório.33 Concluía buscando um perfil espiritual, no
qual apenas acenava aos “muitos fatos extraordinários e prodigiosos”, que os remetia
ao juízo da Igreja, preferindo individuar os “verdadeiros milagres” que Dom Bosco
tinha feito e que continuavam: “todas as casas, todos os oratórios, todos os milhares de
meninos salvos, muito dinheiro recolhido por caridade”, enfim, “toda a vida de Dom
Bosco” com suas qualidades e sólidas virtudes.34 O juízo sobre Dom Bosco educador
era inspirado em sapiente liberdade de juízo: “Foi inalcançável na arte de educá-los,
inimigo do muito e do pouco como seu celeste patrono, guiando-os pelo caminho
do meio, pois só este conduz às virtudes. Foi de idéias largas e de coração magnâ-
nimo, inimigo dos pedantismos dos que amam as coisas reguladas sempre pelas coisas
regradas”.35
28 E, Manacorda, Elogio funebre, p. 10-14.
29 E, Manacorda, Elogio funebre, p. 20-21.
30 E. Manacorda, Elogio funebre, p. 27.
31D. Vellutti di San Clemente, D. Giovanni Bosco: parole dette nella Chiesa dei Padri
dell’Oratorio di Firenze. Florença, Libreria Salesiana, 1888, p. 9.
32D. Vellutti di San Clemente, D. Giovanni Bosco, p. 11-12.
33D. Vellutti di San Clemente, D. Giovanni Bosco, p. 12-32.
34D. Vellutti di San Clemente, D. Giovanni Bosco, p. 38-42.
35D. Vellutti di San Clemente, D. Giovanni Bosco, p. 40.

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662 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
Na comemoração realizada por um antigo aluno do oratório, cônego Giacinto
Ballesio (1842-1917), no rito fúnebre celebrado na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora,
em 8 de março de 1888, Dom Bosco era representado com forte emotividade como o
pai da pequena família da “casa anexa” de Valdocco.36 Dom Bosco foi o homem “que
pensa, ama, teme e espera, que fala e age, que se fadiga e se sacrifica pelos filhos que o
céu lhe deu”.37 “O que a história não poderá dizer plenamente – precisava –, o que ela
não conseguirá fazer bem ou compreender é sua vida íntima, seu sacrifício contínuo,
calmo, doce, invencível e heróico, seu conhecimento e o grande amor por nós, seus
filhos, e a confiança, a estima, a reverência e o afeto que ele nos inspirava. Além disso,
a grande autoridade, a opinião de santo, de douto, que todos nós considerávamos quase
como tipo ideal de perfeição moral”.38 Continuava: “Assim Dom Bosco governava o
seu, antes, o nosso Oratório: com santo temor de Deus, com amor, com edificação
do bom exemplo”.39 Completava: “à piedade religiosa, ao estudo e ao trabalho entre-
meava entre nós a alegria”; “Dom Bosco era sua alma. Sua divisa foi Servite Domino in
laetitia”.40 E concluía: “Quem foi afinal Dom Bosco? Ele foi um homem de Deus em
nosso meio, homem do bem para todos, mas especialmente para os filhos do povo, e
podia bem repetir que pauperes evangelizantur”. “Foi mestre e guia em amar a juven-
tude e conduzi-la para o bem”; “foi exemplo de amorevolezza verdadeiramente cristã
e em seu governo conosco fugiu do formalismo artificial e do rigorismo, que põe um
abismo entre quem manda e quem obedece”. “Amável e expansivo, exercitava a autori-
dade inspirando respeito, confiança e amor”.41
3. Nos documentos oficiais das etapas para a canonização
Desde o dia da morte de Dom Bosco soou a palavra “santo”. Il corriere nazionale
de Turim recolhia a voz do povo que passava junto da esquife e afirmava: “todos os
fiéis irão a seu túmulo porque essa tumba se tornará um altar.42 O próprio dom Tomaso
Reggio, um mês depois, se perguntaria: Era “lúgubre palavra” ou antes “o panegírico
de um santo”, o discurso que estava para pronunciar em sua catedral? “Dom Bosco
vive no céu – respondia –, vive na glória eterna, vive em seus filhos, vive em nós
36 BS 12(1888) n. 5, maio, p. 59-60.
37 G. Ballesio, Vita intima di Don Bosco nel suo primo oratorio di Torino. Turim, Tipografia
Salesiana, 1888, p. 6-7.
38 G. Ballesio, Vita intima di Don Bosco, p. 9.
39 G. Ballesio, Vita intima di Don Bosco, p. 12.
40 G. Ballesio, Vita intima di Don Bosco, p. 14.
41 G. Ballesio, Vita intima di Don Bosco, p. 19, 21.
42 “Prodigi della carità”, Il corriere nazionale, n. 31, 1º de fevereiro de 1888, citado por G.
Tuninetti, “L’Imagine di Don Bosco nella stampa turinese”, p. 239.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 663
no exemplo que não se esgota”.43 Ao perguntar de onde seu herói tinha tirado “tanta
virtude e poder” para realizar as inumeráveis obras de bem, encontrava as raízes na
vida interior profunda, revestida de simplicidade. O bispo havia intuído isso quando o
tinha visto e ouvido do mesmo lugar do qual agora o comemorava. “Pequeno apenas
de estatura – precisava –, seu aspecto relembrava o filho de camponês, o agir simples e
discreto, o olhar perspicaz, a calma e a palavra ponderada, agradável e jamais privada
de tempero, revelava o homem reto, a alma piedosa, o sacerdote de Jesus Cristo.
Sacerdote de Jesus Cristo, ele o conheceu acima de tudo e o amou: conheceu e amou
nele as criaturas”. Acrescentava uma observação peculiar – semelhante à que fora
expressa por dom Velluti Zati a propósito dos fenômenos prodigiosos atribuídos a Dom
Bosco, mas que dom Reggio desconhece – e concluía com uma profética canonização:
“Se nada de extraordinário se narra em sua vida, então é porque não são os extraordiná-
rios dons de Deus revelados que fazem os santos. Veja-se, pois, se não é coisa singular
e se não há nada de extraordinário na vida do sacerdote exemplar, ativo e ardoroso:
todos os 72 anos consumados no amor de Deus e das almas! Resolve-se o problema:
Dom Bosco foi um santo. E que coisa não podem os santos! Nós, nós mesmos aqui o
admiramos como santo. Que tal nos parece, uma vez que deste lugar nos tenha dirigido
palavras que não nos saem da memória. Parece-me ouvir ainda aquela palavra viva,
incisiva, inspirada!”.44 “Meus filhos, hoje honramos a memória de um grande homem.
Amanhã levantaremos uma igreja para um grande santo”, eram também as palavras que
concluíam a comemoração necrológica feita pelo bispo de Barcelona na Igreja Nossa
Senhora de Belém, na tarde de 5 de março de 1888.45
Também leigos menos preconceituosos reconheciam, se não a santidade, certamente
uma singular superioridade moral de matriz religiosa. Embora não compartilhando o
“sistema que tinha por base o ascetismo” praticado em “sua escola filantrópica”, o jornal
milanês L’Italia, dirigido pelo filo-republicano Dario Papa, reconhecia que Dom Bosco
fora “um homem superior, uma vontade de ferro, uma energia de primeira ordem e uma
mente vasta e profunda”.46 Idênticas reservas e semelhante juízo conclusivo formulava
La Nazione de Florença: “Poderemos discordar dele nos métodos educativos, mas não
poderemos negar-lhe nossa admiração”; Dom Bosco “demonstrou o que pode, mesmo
em nosso século, a firme vontade de um padre católico unida à virtude e à verdadeira
caridade católica”.47
43 T. Reggio, Nelle solenni exequie, p. 3-4.
44 T. Reggio, Nelle solenni exequie, p. 23-24. Cf. também E. Manacorda, Elogio funebre, p.
3-4.
45 BS 12(1888) n. 5, maio, p. 64; R. Alberdi, “Resonancia de la muerte”, Salesianum 50(1988),
p. 208-210.
46 “Particolari della vita di Don Bosco”, L’Italia, n. 2, 1º-2 de fevereiro, citado por G. Tuninetti,
“L’imagine di Don Bosco nella stampa turinese”, p. 235.
47 La Nazione”, 2 de fevereiro de1888, citado por G. Tuninetti, “L’imagine di Don Bosco nella
stampa turinese”, p. 237.

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664 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
É óbvio que no mundo católico e salesiano próximo de Dom Bosco houvesse movi-
mento para que fosse iniciado imediatamente o Processo Informativo Diocesano (1890-
1897), primeira etapa da causa de beatificação e canonização.48
Com a introdução da causa em Roma pelo procurador apostólico, começava a série
de documentos oficiais, que ritmavam as etapas fundamentais, delineando vez por vez
o perfil sintético do venerável servo de Deus: heroicidade das virtudes, beatificação,
canonização.
Abria a rica seqüência o decreto, assinado por Pio X em 24 de julho de 1907, que
instituía a Comissão para a introdução da causa.49
Após vinte anos, como conclusão de um caminho pleno de asperezas, seguindo a
Congregação Pré-preparatória, de 20 de junho de 1925, e das duas preparatórias, de 20
de julho e 14 de dezembro de 1926, a Congregação Geral dos Ritos de 8 de fevereiro
de 1927, na presença de Pio XI, expressava por unanimidade parecer favorável sobre
a heroicidade das virtudes, sancionada pelo papa em 20 de fevereiro.50 Em 20 de julho
fazia-se a leitura pública do respectivo decreto.51
Seguia, em 19 de março de 1929 o decreto de aprovação dos dois milagres prévios
para a beatificação.52 Depois que a Congregação cardinalícia, na presença de Pio XI,
em 9 de abril, tinha dado voto favorável para que se pudesse proceder com segurança
(tuto) à solene beatificação, no domingo, dia 21, o pontífice dava a solene sanção ex
cathedra, ordenando que fosse tornada pública por força do decreto53 e fosse divulgada
a carta apostólica em forma de breve – datada de 2 de junho – sobre a beatificação a ser
celebrada o quanto antes na Basílica Vaticana.54
Na última fase do processo apostólico era emanado em 19 de novembro de 1933 o
decreto de aprovação dos dois milagres exigidos para a canonização.55 Duas semanas
depois, em 3 de dezembro, tinha-se o decreto de tuto, declarando que se podia proceder
com segurança à sua pública proclamação.56 Em 1º de abril de 1934, dia de Páscoa,
antes da santa missa, o papa, ex cathedra, declarava Dom Bosco santo, propondo-o
à veneração e à imitação da Igreja, e na homilia, infra missam, delineava aos fiéis os
traços principais de sua vida.57
Concluíam o longo e rigoroso processo – com momentos de particular severi-
dade, reconhecida até pelos próprios documentos – as “Litterae Decretales” Geminata
48 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della relgiosità cattolica, III 61-110.
49ASS 41 (1908) 641-648.
50 P. Stella, Don Bosco nella storia della relgiosità cattolica, III 188-205.
51ASS 19(1927), p. 150-153.
52ASS 21(1929), p. 165-167.
53ASS 21(1929), p. 195-197.
54ASS 21(1929), p. 313-316.
55ASS 26(1934), p. 31-34.
56ASS 26(1934), p. 68-71.
57 “In sollemni canonizatione beati Ioanni Bosco”, AAS 26(1934), p. 217-221.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 665
laetitia, de 1º de abril de 1934. Estas reconstruíam todo o caminho que tinha conduzido
a acrescentar são João Bosco ao grupo dos santos da catolicidade e a proclamá-lo com
autoridade diante da Igreja Universal.58
Os documentos são repetitivos nos elementos biográficos essenciais, mas diferentes
nos desenvolvimentos e nas acentuações. Eles espelham a historiografia do tempo, reti-
rada sobretudo da documentação recolhida pelo padre Giovanni Battista Lemoyne e em
parte refluída nos nove primeiros volumes das Memórias biográficas59 e resumida nos
dois volumes da Vida do venerável servo de Deus Giovanni Bosco, de 1911 e de 1913.60
A parte certos tons enfáticos esparsos – mas acentuados nas “Litterae Decretales”
conclusivas de todo o percurso –, os documentos se caracterizam por notável sobrie-
dade na escolha dos conteúdos e objetividade nas avaliações, embora tendendo a fazer
emergir a singularidade da figura de Dom Bosco na Igreja e na sociedade do século
XIX. De qualquer modo, o discurso cede ao encomiástico e ao extraordinário muito
menos que certa literatura predominantemente de origem salesiana. Estão ausentes,
sem dúvida, as formas obsessivas e unilaterais de determinada produção e seus respec-
tivos comentários, baseados em frágeis bases históricas, vindas a lume na proximidade
e no curso do primeiro centenário da morte de Dom Bosco.61
O documento mais desenvolvido e rico de informações obviamente são as conclu-
sivas “Litterae Decretales”, de 1º de abril de 1934. Não obstante, mostra-se mais signi-
ficativo e decisivo em relação à conclusão do tormentoso itinerário o sintético decreto
sobre a heroicidade das virtudes, de 8 de fevereiro de 1927, aprofundado pelo discurso
de Pio XI em 20 de julho, coroando a leitura do decreto. A afirmação da superioridade
de vida do candidato à canonização, com efeito, tinha sido o resultado do acerto da
maturidade humana e cristã plenamente realizada, constituída pela constante prática
da fé, esperança e caridade, e garantida pelas sólidas virtudes da temperança, fortaleza,
justiça e prudência, bem como de outras a elas relacionadas ou que brotam delas, do
modo como Deus quer a realização dos dons de natureza e de graça dispensados para
sua maior glória e para o bem do próximo. Portanto, o documento pretendia superar as
inúmeras “imputações” movidas contra Dom Bosco no curso do processo apostólico,
por vezes com determinação não somente ritual. “Este homem – sancionava o decreto −,
empenhado em árduas empresas, sujeito a não poucas dificuldades, atuante entre jovens
e adultos das mais diversas índoles, jamais se desviou do exercício das virtudes cristãs,
58ASS 27(1935), p. 281-295.
59 G. B. Lemoyne. Memorie Biografiche di Don Giovanni Bosco, vol. 1-5, 1898-1905; Memorie
Biografiche del venerarabile servo di Dio Don Giovanni Bosco, vol. 6-9, 1907-1917.
60 Cf. padre Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica III 111-116.
61 Cf. por exemplo, G. Ceronetti, “Elementi per una Antiagiografia (don Bosco)”, in: Id.,
Albergo Italia, Turim, Einaudi Editori, 1985, 122-133; S. Quinzio, Domande sulla santità:
Don Bosco, Cafasso, Cottolengo. Turim, Edizioni Gruppo Abele, 1976; M. L. Straniero, Don
Bosco rivelato. Milão, Camunia, 1987.

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666 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
antes, as conseguiu em grau elevado, como foi reconhecido e definido após severas
discussões canônicas”.62 A isso aludia também Pio XI quando não somente se associava
ao reconhecimento unânime por parte da Congregação dos Ritos de que Dom Bosco
tinha praticado em alto grau todas as virtudes cristãs, teologais e cardeais a elas rela-
cionadas, mas se referia discretamente à seriedade dos exames, nem sempre irênicos,
conduzidos nos anos precedentes por testemunhas, consultores e comissários. O papa
se referia a duas categorias de homens que aparecem na história como meteoros: os que
“passam aterrorizando em vez de beneficiar”, “como vara de flagelo que castiga povos
e soberanos”; e os que, ao contrário, “sendo maiores porque grandes no bem e grandes
no amor pela humanidade”, “passam suscitando verdadeira admiração, uma admiração
carregada de simpatia, de reconhecimento e de bênção, justamente como o Redentor dos
homens, do Homem-Deus, que passava abençoando e fazendo abençoar”. “O Venerável
Dom Bosco – prosseguia, sem pôr limites à própria admiração, efeito também de recor-
dações pessoais inesquecíveis – pertence a esta categoria, a esses homens escolhidos
em toda a humanidade, a esses colossos de grandeza benéfica. Sua figura facilmente é
recomposta se, à análise detalhada e rigorosa de suas virtudes, como foi feita nas prece-
dentes discussões longas e reiteradas, substitui-se pela síntese que as reúne e, de todas
as que estão esparsas, reconstitui-lhe a bela e grande figura”.63
Parece oportuno, portanto, colher os traços emergentes dessa síntese nascida dos
debates durante os vinte e cinco anos, que se tornam tanto mais persuasivos à medida
que se delineavam no confronto com contestações já conhecidas dos que estão familia-
rizados com sua biografia. As contestações tinham acentuado principalmente o exces-
sivo ativismo, a aparente limitação da vida de oração, a afanosa busca de dinheiro, a
dureza e a astúcia em administrá-lo a dano da justiça, a instrumentalização de fatos
extraordinários ambíguos, as difíceis relações com os arcebispos Riccardi di Netro e
Gastaldi, a dureza de caráter, a incúria na formação de seu pessoal, algumas vezes
inadequada, por causa da idade, para a missão educativa.
Os documentos supõem os diversos debates, mas só raramente são eco claro deles.
Desenham, em todo caso, uma figura e uma mensagem exemplar para a Igreja e para
o mundo – como está nas finalidades das indagações da Congregação dos Ritos –, que
são ao mesmo tempo fiéis à concretude histórica. Disso brotam, com efeito, firmes
lineamentos, relativos seja ao protagonista, seja ao núcleo central de sua ação – fins,
conteúdos, meios e métodos –, isto é, a juventude e as estruturas voltadas a ela, e o
estilo de ação que nelas se pratica, seja, enfim, à visão de vida humana e divina que
constituem seu horizonte.
1) Relevam, antes de tudo, a humildade das origens de Dom Bosco, a persis-
tente penúria de meios, as muitas dificuldades e contradições, cruz e palco de virtude
62AAS 21(1929), p. 196. Cf. um quadro sintético delas em AAS 21(1929), p. 316.
63 Discorsi di Pio XI I 677.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 667
para o grande agente.64 Aparece várias vezes a imagem evangélica do “grãozinho de
mostarda” que se torna árvore (Mt 13,31-32; Mc 4,31-32).65 “Em um período de tempo
tão difícil, sacudido pelas agitações de tantos povos e fervilhante de desejos de coisas
novas, e com tantas perseguições movidas contra a Igreja, o beato Giovanni Bosco,
entre outros homens de vida santa suscitados por Deus, surgiu verdadeiramente ut gigas
ad currendam viam” (Sl 18,6),66 criando obras de excepcional fecundidade em relação
a Deus e aos homens, à salvação sobrenatural e ao crescimento social da juventude.67
Notou-se porém, intencionalmente, que Dom Bosco “revelava com clareza aos ricos as
necessidades e as urgências de modo a suscitar a generosidade, no entanto sem jamais
tornar menos livre a vontade deles com pedidos indiscretos”.68
2) Em contrário se assinalam a desmesurada grandeza e amplitude do agir e das obras,
a partir do oratório inicial, iniciado germinalmente em 1841, até a corajosa aventura das
missões estrangeiras:69 “uma ação desenvolvida com ingentes fadigas, contrariedades e
viagens, que evidenciam uma vida operosa e árdua”;70 “uma magnífica obra de educação
cristã difundida em breve espaço de tempo no mundo, e ainda vigorosa”.71
3) É óbvio que se revelem, algumas vezes em igual medida, suas singulares quali-
dades humanas e as energias interiores de graça provenientes do alto.72 Dom Bosco
aparece, desde a infância, extraordinariamente fornecido de excelentes dotes humanos,73
cultivados antes de tudo pela mãe excepcional.74 O precoce e sempre mais profundo
enraizamento em Deus faz dele um padre constantemente inspirado não ao lucro e à
fama, mas somente na fé atuante pela caridade, segundo a repetida fórmula: “a glória de
Deus e a salvação das almas”, mais propriamente das pessoas, alma e corpo.75 A fonte
religiosa é quase tangível para quem colheu de perto a interioridade reservada: “Dom
Bosco com Deus”, “Dom Bosco está em união com Deus”. “Foi tão insígne no espírito
de oração que sua mente estava continuamente unida a Deus, embora pudesse parecer
distraída pela multiplicidade dos afazeres”.76 Já nos inícios de Valdocco “ele ardia
64AAS 41(1908), p. 646; AAS 19(1927), p. 150, 151; AAS 21(1929), p. 166, 196; AAS
26(1934), p. 32 e 68-69; AAS 27(1935), p. 282 e 283.
65AAS 19(1927), p. 150; AAS 26(1934), p. 31.
66AAS 26(1934), p. 32.
67AAS 21(1929), p. 196.
68AAS 19(1927), p. 151.
69AAS 41(1908), p. 646; AAS 21(1929), p. 166 e 316; AAS 26(1934), p. 70.
70AAS 19(1927), p. 151.
71AAS 26(1934), p. 31.
72AAS 21(1929), p. 165-166.
73AAS 19(1927), p. 151; AAS 21(1929), p. 313; 27(1935), p. 282.
74AAS 41(1908), p. 642; AAS 21(1929), p. 313 e 315; AAS 26(1934), p. 68; 27(1935), p. 282
e 283.
75AAS 21(1929), p. 195 e 316.
76AAS 26(1934), p. 70.

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668 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
daquela chama divina da caridade” que, por inspiração do Espírito Santo, o conduzia
a traduzir em ato as obras prefiguradas no oratório incipiente”:77 “o Espírito do Senhor
repousava nele”.78
4) Deve-se notar que, diferentemente dos discursos então correntes e de certas acen-
tuações do próprio Pio XI, entre os documentos oficiais somente dois mencionam as
gratiae gratis datae – o extraordinário: predições, perscrutações das consciências, curas,
visões, e milagres –79 e somente um aceno sem compromisso (“ut fertur”) é dedicado
ao tão divulgado sonho dos 9/10 anos.80 Ao invés, no contexto das coisas admiráveis
realizadas e pelas indubitáveis virtudes heróicas praticadas, o sobrenatural era colocado
em soberana evidência, em seu preciso significado teológico. Pio XI, obviamente, se
colocava claramente nessa perspectiva. “Na vida do Servo de Deus – anotava – o sobre-
natural tinha quase se tornado natural, o extraordinário, quase ordinário”; “cada ano,
cada momento de sua vida foi um milagre, uma série de milagres”. “Quando – prosse-
guia – se observa uma quantidade tão grande de bens, pergunta-se: como tudo isso pôde
acontecer? E a resposta não pode ser senão esta: é a graça de Deus, é a mão de Deus
Onipotente que dispôs tudo isso”.81
A familiaridade de Dom Bosco com a realidade religiosa encontrava, por fim, parti-
cular expressão nas três grandes devoções, sinal de autêntica e clara catolicidade, enten-
dida conforme os parâmetros totalizantes dos tempos tanto de Pio IX como de Pio XI:
Cristo Salvador e Redentor eucarístico, a Virgem Maria Auxiliadora, a Igreja e o papa.82
5) No centro da atenção dos documentos, seguindo as pegadas de célebres prede-
cessores como os santos “José Calasanz, Vicente de Paula, João Batista de la Salle e
outros semelhantes”,83 está a firme vontade de Dom Bosco de, apesar das inúmeras
dificuldades, se dedicar totalmente aos jovens, sobretudo os periclitantes e os que não
tinham qualquer guia, e a tudo o que lhes dizia respeito. Isso emergiu também de nossa
evocação biográfica em cada um de seus momentos e expressão. Sob o regime do amor
de Deus, Dom Bosco encontra-se inteiro em sua radical e heróica dedicação ao bem
também material e terreno dos jovens.84
6) Por isso sua obra, tomada com absoluta prioridade na ótica intra-eclesial como
instrumento produtor de “salvação eterna”, é considerada admirável também pela forte
atuação social. “Com efeito – advertia com ênfase o decreto de tuto para a canoni-
zação –, o presciente homem, inspirado por Deus, tinha previsto a importância decisiva
77AAS 26(1934), p. 32.
78AAS 21(1929), p. 314.
79 Cf. AAS 21(1929), p. 166; AAS 27(1935), p. 288.
80AAS 27(1935), p. 283.
81 Discorsi di Pio XI II, p. 36-40.
82AAS 21(1929), p. 316; AAS 26(1934), p. 70. Cf. cap. 2, § 2.
83AAS 41(1908), p. 642.
84AAS 41(1908), p. 644-645; AAS 19(1927), p. 151; AAS 21(1929), p. 165-166, 195-196,
314-315; 26(1934), p. 31-32, 69, 219-220; 27(1935), p. 282-283.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 669
para a preservação de toda a sociedade de se tirar os jovens, sobretudo os afastados
do caminho da salvação, de seu esfacelamento. Para a realização dessa obra, dirigiu
sua alma generosa com tanta energia ao ponto de ocupar sem dúvida o primeiro lugar
entre os educadores da juventude cristã de nosso tempo”.85 O decreto, evidentemente,
partia de uma visão totalmente negativa do século XIX, no qual – afirmava – “tinham
chegados à maturação, particularmente na Itália em prejuízo da Igreja, os frutos do
que tinha sido semeado largamente na idade precedente”. Pela misericórdia de Deus,
porém, a ele se tinham oposto homens de tão intensa santidade. “Entre estes – conti-
nuava – vemos brilhar, pela altura de alma e grandeza de empreendimentos, o beato
Giovanni Bosco, o qual, ao longo dos ásperos caminhos dos tempos que corriam no
século passado, se elevou como coluna miliar, indicando aos povos o caminho da
salvação”.86 Semelhantes conceitos, com referência aos erros dos herejes e inovadores e
aos sofismas de homens afastados da fé, estavam expressos nas “Litterae Decretales”.87
Elas procuram igualmente iluminar – com evidente dependência dos discursos de Pio
XI – a modernidade das iniciativas de Dom Bosco. “Agudo observador da índole e da
mentalidade de seu tempo e prudente estimador das novidades” – sublinhava-se – “não
hesitou em transformar em utilidade e crescimento da religião os novos instrumentos
e os progressos da cultura humana e civil”. Além disso, “unindo a estrênua tutela da fé
e da moral à caridade e à prudência, seguiu constantemente a regra de atrair a benevo-
lência dos adversários. Dessa forma, nesses tempos turbulentos retirou dos inimigos da
fé cristã qualquer especioso pretexto de vingança, evitando misturar a si mesmo e suas
instituições com as disputas políticas”. Em síntese, “Dom Bosco foi verdadeiramente
mandado por Deus para promover a restauração cristã da sociedade humana, que se
tinha afastado da verdade, e conquistou grande benemerência diante da sociedade cristã
e civil, enchendo toda a terra com seu nome”.88
7) Nesse contexto se encontra também a repetida evocação das dinâmicas associa-
ções de homens e de mulheres, organizadas na vida consagrada ou ativas no estado
laical, empenhadas no trabalho a favor da juventude: a Sociedade de São Francisco de
Sales, o Instituto FMA, a União dos Cooperadores e Cooperadoras Salesianos e a Obra
de Maria Auxiliadora para as vocações eclesiásticas dos adultos.89
8) Grande destaque é dado ao método de “educação previdente” como criação de
Dom Bosco lançada com originalidade de formas na província pedagógica. “Tendo
presente a divina sentença Initium sapientiae timor Domini – precisa-se –, Dom Bosco
seguiu o método da solicitude previdente, da assistência e da caridade”,90 método
85AAS 26(1934), p. 69.
86AAS 26(1934), p. 68.
87AAS 27(1935), p. 286-287.
88 Litterae Decretales, AAS 27(1935), p. 287-288.
89ASS 41(1908), p. 645-646; AAS 21(1929), p. 166 e 315-316; AAS 26(1934), p. 70; AAS
27(1935), p. 284-285.
90ASS 41(1908), p. 645.

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670 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
definido ao mesmo tempo novo e derivado de são Felipe Neri.91 Este teria sido conside-
rado por ele sobretudo como sistema do amor paterno e materno, e foi assim proposto
aos educadores e às educadoras, consagrados e leigos.92 “Os adolescentes – adverte-se
– que encontrava abandonados nas esquinas, atraía-os amorosamente, cheio do espírito
de são Francisco de Sales e de são Filipe Neri, e se afeiçoava a eles, distraindo-os com
divertimentos e jogos, a ponto de que eles, de todas as partes, acorriam a ele como pai
amadíssimo. Para ele, contudo, essa divina caridade estava unida à prudência sobrena-
tural, de forma a chegar a um método educativo muito aperfeiçoado, traçando na disci-
plina pedagógica um caminho muito excelente e seguro”.93 Não se deixa de lado, porém,
o inseparável núcleo propriamente preventivo: “Quanto à formação moral verdadeira e
própria, o método de educação do servo de Deus tendia a impedir o mal com a assídua
vigilância, a palavra afável, a mansidão e a caridade: método que ele denominou método
preventivo. Como se disse, é um método novo com o qual se mudam os corações dos
adolescentes por meio da prevenção, antes que pela força da punição”.94
9) Toda a vida de Dom Bosco desenvolveu-se sob o sinal da novidade, em perfeita
síntese entre divino e humano, que o decreto de tuto para a canonização vê adequa-
damente representada pela sabedoria e pela prudência de 1Rs 4,29. “Deus lhe deu
sabedoria para que, destacado de todos os bens terrenos, fosse unicamente levado
a promover a glória de Deus e a salvação das almas. ‘Dai-me almas’, dizia, ‘e fica
com todo o resto’. E deu-lhe prudência para escolher para missão tão grande os meios
mais idôneos”.95 O papa fazia eco dessas palavras na homilia de 1º de abril de 1934:
“Inteiramente consagrado a buscar a glória de Deus e a salvação das almas, ele não se
concedeu trégua em realizar com temerário ardor aquilo que pensava ser desejado por
Deus, jamais distraído pela desconfiança dos outros, percorrendo com ânimo cami-
nhos e métodos que os tempos novos tinham introduzido”.96 As exaltações retornam
nas “Litterae Decretales”. Dom Bosco aí aparece “claríssimo ornamento da Itália e de
todo o orbe católico”, “herói de santidade”, “que ficará na lembrança e na bênção nos
séculos por tantos e tão grandes benefícios, que ainda hoje presta à sociedade civil e à
cristandade mediante sua inumerável progênie espiritual”.97
10) A síntese humano-divina, Dom Bosco a assimila dos grandes santos modernos,
totalmente centrados em Deus e em igual medida dedicados ao próximo na caridade,
em linha com as palavras da Primeira Carta aos Coríntios: são Francisco de Sales com
91AAS 21(1929), p. 315.
92AAS 19(1927), p. 152.
93AAS 26(1934), p. 68.
94 Litterae Decretales, AAS 27(1935), p. 284, 285-286. Que a tese central da Bula fosse “Dom
Bosco, o santo da educação cristã” prentendia demonstrá-lo em um longo artigo D. Bertetto,
“San Giovanni Bosco visto da Pio XI como ‘grande maestro ed eroe dell’educazione
cristiana’”, in: R. Giannatelli, Don Bosco: attualità di un magistero pedagogico. Roma,
LAS, 1987, p. 23-113.
95AAS 26(1934), p. 70.
96AAS 26(1934), p. 219.
97AAS 27(1935), p. 281.

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68.1 Page 671

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 671
seu “humanismo devoto”, são Vicente de Paula como seu êmulo e são Filipe de Neri
como imagem viva do Servite Domino in laetitia. É normal que Dom Bosco seja várias
vezes indicado nos documentos, na mesma linha dos biógrafos enquanto ele estava
vivo, como “o novo são Filipe Neri”, o “são Vicente de Paula italiano” ou “do século
XIX”.98 São esses santos, junto com santo Inácio de Loyola, os mestres de caridade
operativa para miríades de homens e mulheres consagrados no século XIX em inicia-
tivas de assistência beneficente e educativa idênticas ou análogas às de Dom Bosco,
solidários com ele na espiritualidade e muitas vezes nos métodos.99
4. “Modelo admirável de santidade e de trabalho”
No desenvolvimento biográfico vivido, relembrado e aprofundado de Dom Bosco
encontrou-se, em primeiro plano, a específica mentalidade religiosa, a espiritualidade.
Muitas vezes esta foi expressa com várias fórmulas substancialmente sinônimas: fé e
obras, oração e trabalho, contemplação e ação, vida interior e atividade exterior, pensa-
mento na eternidade e empenho terreno. Também Pio XI considerava-se testemunha
segura e confiável dessa espiritualidade, não deixando de se comprazer do conhecimento
pessoal não superficial do padre turinense e de atestá-lo em diversas ocasiões.100 Era
a credencial com a qual, apenas eleito papa, se apresentava aos salesianos do Instituto
Sagrado Coração de Roma: “Estamos, com profunda complacência, entre os mais
antigos amigos pessoais do venerável Dom Bosco. Vimos vosso glorioso pai e benfeitor,
nós o vimos com nossos olhos. Estivemos coração a coração próximos dele. Existiu
entre nós uma intensa e comum troca de idéias, de pensamentos, de considerações”.
Dele tinha admirado a dúplice dimensão, “grande gigante e propugnador da educação
cristã”, o qual “colocava acima de qualquer glória ser servidor de Jesus Cristo, de sua
Igreja e de seu vigário”.101 Por isso o papa não encontrava nele oposição entre trabalho
e oração, mas os via intimamente entrelaçadas e mutuamente fecundadas. “Esta foi uma
98 Insistia nessa linha, em particular, a imprensa periódica francesa de fevereiro de 1888. Cf. Courte
notice sur Don Bosco et les Oeuvres Salésiennes. Marselha, Typ. et Lit. Salésiennes, 1896.
99 Cf. especialmente cap. 2, § 4-7.
100 “O santo padre tinha podido ver muito de perto o Beato” (17 de junho de 1932, Discorsi di Pio
XI II, p. 722; “Ele o tinha podido contemplar agindo e ter a felicidade de aproximar-se dele”
(8 de maio de 1934, Discorsi di Pio XI III, p. 122); “tivera a graça de conhecê-lo de perto”,
“pudera conhecê-lo com uma certa profundidade, tendo assim a forturna de adquirir um mais
íntimo conhecimento, e julgando-o homem de primeira ordem, sob qualquer ponto de vista
(15 de maio de 1934. Discorsi di Pio XI III, p. 129).
Sobre a imagem de Dom Bosco nas palavras de Pio XI, cf. L. Crippa, “Don Bosco nella stima
di Pio XI”, Salesianum 37(1975), p. 853-860; Id., “L’imitazione di Don Bosco alla luce del
magistero di Pio XI”, Salesianum 39(1977), p. 483-496.
101 Aos salesianos do Instituto Sagrado Coração de Roma, 25 de junho de 1922; Discorsi di Pio
XI I, p. 33-35.

68.2 Page 672

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672 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
das mais belas características de Dom Bosco, isto é, a de estar presente a tudo, atarefado
em uma mole contínua de afazeres, entre um monte de exigências e de consultas, e de
ter o espírito sempre além, sempre no alto, onde a serenidade permanecia impertur-
bável sempre, de tal forma que nele se realizava realmente o grande princípio da vida
cristã: Qui laborat orat. Essa era e deve permanecer a admiração de seus filhos, assim
como foi característica suprema de sua vida”.102 No discurso de 19 de dezembro de
1933, lançava um olhar unitário sobre o que proximamente seria santo. Antes de tudo,
em uma “síntese pessoal” definia-o “magnífica criatura de Deus na ordem natural” e
“criatura eleita também na ordem sobrenatural”, que tinha gasto a maior parte de seu
tempo “para a atividade e para a ação”, prodigando “uma vontade gigante, indômita
e indomável, como não foi domada por tanta quantidade de obras e de extraordinário
trabalho!”. Não obstante, a chave verdadeira de todo esse magnífico mistério” era “sua
aspiração pessoal, antes, a contínua oração a Deus – pois incessante foi sua oração e sua
contínua conversação com Deus, e nele tornou-se verdadeira a máxima Qui laborat orat,
uma vez que identificava justamente o trabalho com a oração – e a sintetizou na cons-
tante invocação: Da mihi animas, caetara tolle: as almas, sempre, a busca das almas,
o amor das almas”.103 O pontífice tinha-se sentido fortemente atraído pela operosidade
concreta, moderna e “ciclópica” do padre subalpino e pelas profundas forças interiores,
de natureza e de graça, que dele brotavam. O papa viu nele “um modelo de santidade e
de trabalho, um grande, um excepcional trabalhador”,104 um “grande amigo de Deus e
operário da fé”,105 merecedor “não somente diante de Deus, mas diante dos homens”.106
Assim foi porque, como indicava o papa, sua indefessa ação tinha como unica finali-
dade a salvação, em comunhão de vontade e de sentimento com Cristo Redentor. “O
amor a Jesus Cristo – explicava, na terça-feira, 3 de abril de 1934, à Família Salesiana
–, a Jesus Cristo Redentor” fora o primeiro dos três “segredos dominantes de toda a sua
vida”: os outros eram a Mãe de Deus e a Igreja. Ele tinha revelado isso “com a palavra
de ordem: Da mihi animas”. “Eis – prosseguia – um amor que se encontra na meditação
contínua e ininterrupta do que são as almas, não considerando-as em si mesmas, mas do
que são no pensamento, na obra, no sangue e na morte do Divino Redentor”. O Da mihi
animas era “expressão de seu amor pelo Redentor, em que, por felicíssima necessidade
de coisas, o amor ao próximo se torna amor ao Divino Redentor, e o amor ao Redentor
se torna amor às almas redimidas”.107
Na verdade, esse era o coração de uma espiritualidade toda centrada na busca da
102 Após a leitura do decreto sobre a heroicidade das virtudes, 20 de fevereiro de 1927; Discorsi
di Pio XI I, p. 677 e 679.
103 Discorsi di Pio XI II 1005-1009. Cf. ainda Discorsi di Pio XI III, p. 35 e 46
104 Aos dirigentes da “Magneti Marelli”, 28 de janeiro de 1933; Discorsi di Pio XI II, p. 814.
105A grupos de fiéis, entre os quais jovens do Instituto Pio XI de Roma, 25 de maio de 1838;
Discorsi di Pio XI III, p. 747.
106Aos bancários, 3 de novembro de 1929; Discorsi di Pio XI II, p. 195.
107 Discorsi di Pio XI III, p. 87-88.

68.3 Page 673

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 673
glória de Deus e da salvação das almas [= “pessoas”, Gn 14,21], fórmula recorrente
inúmeras vezes nos escritos de Dom Bosco, desse “homem de Deus” que vivenciou a
ação em “contínuo estado de oração”, a fé filial atuante na caridade de quem via no
rosto do próximo, sobretudo do jovem pobre e abandonado, o rosto de Jesus de Nazaré,
Filho de Deus. Não era outra coisa que a perene experiência do duplo e único manda-
mento evangélico do amor a Deus e ao próximo, que Dom Bosco tinha assimilado
no seminário pastoral desejado por Chiaveroti, acentuado no Convitto de Guala e de
Cafasso, então permeado de espírito liguoriano e inaciano, e refinado com toques novos
no encontro com Francisco de Sales apóstolo no Chiablese.
Como sabemos, era essa a espiritualidade que atravessava todo o século XIX,108
síntese imediatamente percebida e subinhada por historiadores e teóricos, em particular
com relação a Dom Bosco, excepcional agente. Segundo eles, em Dom Bosco “veri-
fica-se a perfeição da caridade, necessária para todo apostolado”, a ponto de “indu-
zi-lo também à divina contemplação (...) para servir a Deus na salvação do próximo”;
portanto, homem “de prodigiosa atividade em toda obra do bem”, homem “de altíssima
contemplação”: “‘homem de Deus’ no pleno sentido da palavra”.109 Dom Bosco é o
“emblema do santo de talho moderno”, cuja “forma de santidade adere às mais claras
e insuprimíveis urgências de nossa existência cotidiana”; “a missão de Dom Bosco foi
totalmente social”; “seu temperamento era todo concretude e praticidade, aderente às
exigências da vida social”. “Portanto, a sua foi espiritualidade feita de impulsos orde-
nados à ação e de incitamentos dirigidos à realização concreta do Reino de Cristo”,
para a glória de Deus”: “Dom Bosco era um contemplativo operante”.110 Ora, os
tempos mudaram – pregava o próprio Dom Bosco –. Portanto, além de rezar com
todo fervor, convém trabalhar, e trabalhar incansavelmente, se não queremos assistir
à completa ruína da presente geração”.111 Sendo crente ou não, quem se encontra com
esse “poderoso e extraordinário gênio do bem”, “não poderá separar estas duas idéias
que se encarnam nele, nem ocultar um dos dois aspectos: o homem do cristianismo,
ou seja o santo, e o homem da ação poderosa e vastamente inovadora na educação e
na caridade”.112 Nele “a vida interior está toda centralizada sobre a vida exterior e, se
poderia mesmo dizer, reforçada pela vida exterior. Assim, os gestos de sua vida, os mais
variados e simples, mas realizados com a perfeição da caridade, são outros tantos gestos
de adoração, que constituem o essencial do que se poderia definir como a liturgia dos
homens de ação”.113 O Espírito de Deus – nota um teólogo de nossos dias – “pode elevar
à mais alta contemplação aqueles que, em força da caridade, estão imersos no serviço
108 Cf. cap. 2, § 7.
109 C. Pera, I doni dello Spirito Santo nell’anima del beato Giovanni Bosco, p. 57.
110A. Portaluppi, “La Spiritualità di Don Bosco”, La Scuola Cattolica 58(1930), p. 24-26.
111 Conferência aos cooperadores em San Benigno Canavese, em 4 de junho de 1880; BS 4(1880)
n. 7, julho, p. 12.
112A. Caviglia, “Don Bosco”: profilo storico. Turim, SEI, 1934, p. 10.
113 P. Cras, “La spiritualité d’un homme d’action: saint Jean Bosco”, La Vie Spirituelle, 20(1938),
t. 44, p. 287-288.

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674 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
do próximo nos mais extenuantes empenhos da vida ativa (...). Quem poderia duvidar
do alto grau de contemplação a que chegaram santa Catarina de Sena, são Vicente de
Paula, o Cura d’Ars, são João Bosco, para citar somente alguns deles”.114
5. Nem promotor da indústria nem operador de milagres
Se a objetiva análise histórica do cotidiano, na maior parte – Dom Bosco concedia
poucas horas ao sono –, obriga a negar qualquer dualismo entre os dois termos da
síntese, muito menos permite que sejam levados ao extremo. Grande trabalhador, Dom
Bosco não tem nenhum projeto industrial, nem sua religiosidade, ensinada e proposta
para a prática dos jovens, jamais saiu dos limites assinalados pelo Catecismo Católico
e pelos manuais de práticas de piedade correntes, para alimentar-se dos escritos dos
grandes mestres da espiritualidade. As obras juvenis e as instituições religiosas de
suporte – Sociedade de São Francisco de Sales, Instituto FMA, União dos Cooperadores
– nasceram artesanalmente e permaneceram tais na organização e no funcionamento.
As oficinas profissionais não estavam predispostas para alavancar a fábrica da grande
indústria, mas levadas ao nível mais idôneo para dar formação digna aos jovens, os quais,
sem ela, permaneceriam sem cultura e sem profissão, ignorados quer pelos ideólogos
da questão operária, não muitos nem adiantados entre os católicos italianos do tempo de
Dom Bosco, quer pelos detentores do poder e do sistema escolar oficial. Essas oficinas
tinham valor histórico e intrínseco próprio, ao lado da “história paleo-capitalista”,115 e
o “santo da caridade” que as promove é de direito e de fato “santo social”, sem envol-
vimento direto nos fenômenos de industrialização e de capitalismo. Não obstante, as
iniciativas de formação profissional não permaneciam estranhas a esses fenômenos, e
tanto menos a eles se contrapunham. Com efeito, visavam criar nos jovens habilidades
e mentalidade específicas de caráter técnico, que eram intencionalmente profissionais
e, ao mesmo tempo, estruturalmente disponíveis a qualificações válidas no mundo da
indústria.116 De fato, muitos ex-alunos podiam inserir-se nesse mundo com facilidade.
Menos ainda, para realizar os espaços e os instrumentos de educador, Dom Bosco
entregou-se aos sonhos e ao extraordinário, nem nunca aparece atravessado por insó-
litos tumultos exteriores ou ânsias de pânico.117 Ele se apoiava, por certo, em todas as
fontes da fé no sobrenatural e igualmente no extraordinário, que compartilhava com
114 J.-H. Nicolas, Contemplazione e vita contemplativa nel Cristianesimo. Città del Vaticano,
Libr. Editrice Vaticana, 1990, p. 279 (cf. também p. 38-39, 313-314). Cf. M.-D. Chenu, St.
Thomas d’Aquin et la théologie. Paris, Éditions du Seuil, 1970, p. 54-65.
115 Cf. S. Quinziio, Domande sulla santità, p. 86-87.
116 Cf. Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale, p. 20-21 (“Dei giovani artigiani,
Indirizzo intellettuale e Indirizzo professionali”).
117 Cf. G. Ceronetti, “Elementi per una Agiografia”, in: Id., Albergo Italia, p. 124-125.

68.5 Page 675

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 675
tantos outros fiéis, como prerrogativa da Igreja católica: acreditava na intercessão da
Virgem Maria e dos santos, sugeria orações apropriadas para obter graças especiais,
dava bênçãos, distribuía medalhas bentas, aconselhava o exercício da caridade propi-
ciadora de graças. De modo semelhante podia, em certa medida, dar certo crédito aos
sonhos premonitores, ser indulgente com a perscrutação das consciências, ousar previ-
sões do futuro, propiciar curas com a oração e as bênçãos. Ele acreditava firmemente,
como católico, que o prodigioso encontrava-se em casa na Igreja católica e, portanto,
considerava lícito seu largo uso pedagógico, embora expandindo-o, alguma vez,
talvez mais do que necessário. Contudo, conforme afirmação sua, teria cometido “erro
danoso” quem tivesse falado ou escrito dele como operador de milagres.118 Tudo vinha
do alto e subordinado à misteriosa vontade de Deus. Homem de fé límpida e adaman-
tina, quis ser simplesmente o padre que, no interior da Igreja, sacramento universal da
salvação, fazia-se mediador, simples causa instrumental, entre a humanidade que sofre
e o mistério que se expressa também nas “graças”, mas que não se econtravam sob seu
poder, e sim todas somente de Deus. Esse tipo de mediação era, no entanto, completa-
mente secundária em relação à que exercitava com paixão e continuidade como padre
católico através da dispensação da Palavra de Deus, da administração dos sacramentos
– sobretudo da penitência – e da celebração da missa, segundo o princípio teológico e
pastoral que marcava então com absoluta prioridade as formidáveis responsabilidades
do padre: “o padre não vai sozinho para o céu nem vai sozinho para o inferno: se faz o
bem, irá para o céu com as almas por ele salvas com seu bom exemplo; se faz o mal,
se dá escândalo, irá para a perdição com as almas condenadas por causa de seu escân-
dalo”. Respondendo, em 24 de junho de 1883, às palavras elogiosas que lhe foram
dirigidas em um encontro de ex-alunos, por ele consideradas “uma licença perdoável”
a filhos que costumam usar mais o coração que a mente ao exteriorizar os próprios
sentimentos, declarava: “Recordai sempre que Dom Bosco não foi e não é outra coisa
que um mísero instrumento nas mãos de um artista habilíssimo, antes, do artista sapien-
tíssimo e onipotente que é Deus”.119
Por isso Dom Bosco está longe de qualquer forma de quietismo e de fatalismo.
Da parte da causalidade humana, além do invocar e do rezar, urgia “agir intensamente”.
É por isso que muitas vezes se percebe nele grande entrega até à doença, o que não
impede, antes, torna ainda mais evidente a calma reflexiva, a serena oração de confiança,
a solar invocação a Deus e à Virgem Mãe, a alegria de trabalhar para o advento de
seu reino. O Servite Domino in laetitia era sincero e sem reservas – salvas algumas
exorbitações de atenção à morte, mais familiar naquele tempo que hoje –, comparti-
lhado pela grande maioria dos jovens e dos adultos que imitavam sua fé e seu estilo de
vida espiritual.
De tudo, jamais estava separada a cruz, não como sobre-estrutura, mas como
118 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 103.
119 BS 7(1883) n. 8, agosto de 1883, p. 127.

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676 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
exigência vital de uma existência extremamente séria. Não era objeto de busca maso-
quista, mas simples resultado do indissolúvel conúbio entre flamejante caridade e
trabalho ininterrupto.120 Pio XI chegou a individuar nisso as razões para colocar Dom
Bosco entre os mártires.121 “Eis – declarava − uma vida que foi verdadeiro, próprio e
grande martírio; uma vida de trabalho colossal que dava sensação de opressão só em
vê-lo, o servo de Deus”.122 Dom Bosco – insistia em 4 de abril de 1934 – “foi verdadeiro
mártir de sua benéfica caridade, que é a caridade da Igreja. Homem a quem não foram
economizadas dificuldades e obstáculos de toda sorte, mas que se mostrava sempre
confiante e tranqüilo, porque sabia, e sempre declarava isso, estar trabalhando para
Deus, e sabia que Deus estava sempre com ele”.123 Entre as cruzes, certamente mais
pesadas foram as íntimas, profundas e inexprimidas, menos lembradas pelos panegí-
ricos jubilares: as preciosas colaborações e amizades insanavelmente queimadas (dom
Moreno e dom Gastaldi) com o sofrimento íntimo de não poder nem saber restabe-
lecer os liames, “conquistar ou reconquistar os corações” com o método capital de
sua pedagogia preventiva: razão, religião, amorevolezza; as separações dolorosas e não
compreendidas (Oreglia di Santo Stefano, beato Luigi Guanella); as defecções de voca-
ções promissoras e os fracassos educativos; o último encontro com Pio IX, que não
aconteceu; “as dores morais”, a que faz menção nos últimos anos padre Cerruti, como
a inação, a solidão e também a sensação da inelutável inutilidade.
6. Arauto na sociedade civil e religiosa da centralidade da idade que cresce
Padre de formação indubitavelmente tradicional, cafassiana, Dom Bosco vai além
nas intuições e nas obras, revelando-se susceptível das mais variadas qualificações, em
diversos modos legítimas: apóstolo da juventude, inovador do oratório e do sistema
preventivo, organizador dinâmico de obras juvenis e de institutos religiosos a ele consa-
grados, catalizador habilidoso de energias humanas e materiais para potencializar e
estender suas obras, escritor popular e editor, promotor de acordos entre o mundo reli-
gioso e civil, sonhador realista. Outras qualificações, como “o divinizador do século
XIX”, o solucionador da “questão social”, o maior educador ou pedagogo de seu século,
mostram-se decisivamente excessivas. Viu-se que todas – em particular as relativas
à assistência e ao cuidado da juventude – são por ele compartilhadas com inumeras
personagens, homens e mulheres, eclesiásticos e leigos, e com as mais variadas insti-
120 Não parece justificado criar antíteses entre realidade historicamente indivisível, como se
encontra em S. Quinzio, Domande sulla santità, p. 85-87.
121 Falava assim em 3 de dezembro de 1933, por ocasião da leitura do decreto de tuto para a
canonização, além de Dom Bosco, de três mártires jesuítas.
122 Discorsi di Pio XI II, p. 1040.
123 À juventude católica alemã, Discorsi di Pio XI III, p. 93.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 677
tuições que povoaram, mais que outros, o século XIX. Por isso, ao se falar dele não se
exclui ninguém, e ao se acentuar como mérito seu alguma angulatura particular não se
desvalorizam as de outros, até superiores nos respectivos espaços e modos de ação.
Indubitavelmente, ele é um apóstolo apaixonado da educação juvenil. Com sincera
admiração, Pio XI o propôs a várias categorias de ouvintes: “Nós o vimos esse gigante
e propugnador da educação cristã”;124 “um guia de montanhas espirituais que conduziu
às grandes alturas da vida cristã, da santificação do trabalho e da santidade da vida,
milhões de jovens”;125 “grande amigo da primeira idade e juventude”, “o grande mestre
que bem se pode dizer herói da educação cristã, viva, verdadeira, lidimamente cristã”.126
De qualquer forma, à parte as explicáveis exuberâncias, entre as dimensões essenciais
da personalidade e da obra que estão na raiz das concretas realizações, uma parece
dominante sobre todas as outras. Com seu ponderado ativismo, auxiliado por notáveis
capacidades comunicativas – a presença pessoal, as obras, as iniciativas de suporte, a
ampla rede de relações em todos os níveis, a imprensa, as viagens –, mostrou-se mestre
em impor à opinião pública, para mais de um país ou continente, o problema dos jovens,
especialmente os pobres e abandonados. E como ao conceito de pobreza e de aban-
dono foi por ele atribuído um significado sempre mais vasto dentro do tecido social
em rápida evolução, Dom Bosco projetou eficazmente a inteira gama dos aspectos do
problema juvenil: dos pessoais (a subsistência, a cultura, a profissão, a moralidade e a
fé religiosa, que deviam ser garantidos em relação a uma sociedade ausente ou inade-
quada) aos sociais (a desocupação, a vagabundagem, a desqualificação profissional e,
portanto, a pericolosidade para a ordem constituída). A juventude, “perigosa” na socie-
dade arcáica e em crise, ou “periclitante” na sociedade subvertida, tornava-se, nessa
ótica, uma realidade ao mesmo tempo problemática e rica de futuro, da qual todos os
adultos deviam ter responsabilidade: a hierarquia eclesiástica em todos os seus graus,
qualquer fiel consciente das exigências e das forças da fé, políticos e autoridades civis,
homens de finança e empreendedores, chefes de família, professores, empregadores,
jornalistas, leigos e leigas de todas as condições sociais. Os meninos e meninas, os
rapazes e as garotas – de quem se ocupavam diretamente os dois institutos religiosos
fundados por Dom Bosco –, podiam ser percebidos, em amplos espaços, como repre-
sentantes do universo juvenil, sem distinção de idade ou de condições psicológicas e
sociais. De fato, em qualquer lugar, inclusive nas tribunas privilegiadas de Paris e de
Barcelona, Dom Bosco proclamava que o futuro da sociedade, civil e religiosa dependia
da juventude. No mundo adulto, sem teorizações formais, via a juventude desconhe-
cida, desvalorizada, abandonada em suas explosivas virtualidades ambivalentes. Ele a
quis no centro da atenção e como protagonista.
A mensagem de salvação plena da juventude se desenvolveu com especial paixão
124 Aos salesianos do Instituto Sagrado Coração de Roma, 25 de junho de 1922; Discorsi di Pio
XI I, p. 33.
125Aos guias alpinos, 16 de novembro de 1929; Discorsi di Pio XI II, p. 201.
126Aos jovens católicos romanos, 26 de março de 1930; Discorsi di Pio XI II, p. 272-273.

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678 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
até o final da vida dirigida ao inteiro mundo da pobreza e do sofrimento. Esse mundo
era muito mais vasto que as obras, notáveis mas fortemente limitadas em número e
extensão, que Dom Bosco tinha conseguido realizar. Ele o transmitia aos salesianos
que iam para a América e a toda a Sociedade antes de ir para a eternidade. Uma das
“Lembranças” que confiava aos primeiros, assim soava: “Tomai cuidado especial dos
doentes, das crianças, dos velhos e dos pobres, e ganhareis a bênção de Deus e a bene-
volência dos homens”.127 A todos os salesianos deixava como testamento nas Memórias
desde 1841: “O mundo nos receberá sempre com prazer enquanto nossas solicitudes
forem dirigidas aos selvagens, às crianças mais pobres, mais periclitantes da sociedade.
Essa é para nós a verdadeira ação que ninguém invejará e ninguém nos tirará”.128
7. O sistema preventivo como forma de vida e de relações interpessoais
A missão juvenil, segundo Dom Bosco, não somente solicitava nova função dos
adultos na sociedade e nos processos formativos das novas gerações, mas exigia igual-
mente sensível mudança de relações com o recíproco enriquecimento de ambas as
forças em campo. Trata-se da dimensão histórica de seu outro grande legado: o sistema
preventivo. É sabido que Dom Bosco não o inventou em nenhuma das versões mais
conhecidas de seu tempo − pastoral, educativa, correcional, social, demográfica, polí-
tica −, mas que o retomou em parte da longa tradição cristã. É, porém, indiscutível que,
em sua ação assistencial entre os jovens e o povo, ele o tenha plasmado novamente,
inovado e enriquecido, relançando-o, enfim, também literariamente. O enriquecimento
aconteceu, antes de tudo, em base à vasta gama dos fins a serem conseguidos e dos
conteúdos a serem comunicados, graças às mais articuladas forças por ele intuídas na
idade em crescimento e, portanto, da variação das atitudes, dos meios e dos modos de
relação com ela. Ele modificava também o modo de ser e de agir dos agentes, individu-
almente e em comunidade, e de sua convivência entre os jovens e na sociedade. Nasceu
daí um particular estilo de encontro com a idade juvenil, que a certo ponto Dom Bosco
pensou poder traduzir em fórmulas e em estruturas conceituais que chamou “sistema”,
mais prático-operativo que teórico. A finalidade era formar “honestos cidadãos e bons
cristãos”, mas isso devia ser conseguido com novidade e genialidade de modalidades e
de percursos, mesmo no uso dos meios tradicionais, religiosos e profanos. Mais que nas
palavras ditas ou escritas, ele se tinha forjado e continuava a sê-lo na experiência vivida
das instituições por ele desejadas, tanto masculinas como femininas.129 Transformando
as relações com os jovens, o “sistema” plasmava de novo também todas as relações
127 J. Borrego, Recuerdos de San Juan Bosco a los primeros misioneros, p. 207.
128 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 127.
129 Cf. P. Braido (ed.), Don Bosco educatore, p. 6-9, 12-13.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 679
com os benfeitores das instituições juvenis, os cooperadores, as autoridades civis e reli-
giosas e, em geral, todo o mundo das relações interpessoais no interior e no exterior dos
espaços assistenciais e pedagógicos. Assim Dom Bosco acabava por definir um novo
estilo de convivência e de interação social em todas as suas formas.
Naturalmente, a pouca sistematicidade deu origem às mais variadas traduções e
avaliações segundo as diferentes idades e categorias dos jovens, e às respectivas insti-
tuições, espaços geográficos e culturas.130 Por isso o sistema preventivo foi e continua
sendo objeto de múltiplas leituras práticas e teóricas, que bebem do frescor e da riqueza
das origens e o encontram plenamente disponível à mudança dos tempos e dos contextos.
Albert Kriekemans projetava, no quadro amplo da pedagogia geral, as sugestões que o
sistema educativo vivido na obra de Dom Bosco oferece, dentro do alvéolo da mais pura
fé cristã, à formação humana da juventude e aos três níveis fundamentais: a instrução em
ordem à competência profissional, a formação humana e a aquisição do gosto entendido
como disposição moral compreensiva em relação à realidade total. Torna-se determinante
a função do educador que sabe verdadeiramente amar. O jovem entra no ciclo: recebe
amor forte e desinteressado, e se sente amado; abre-se por sua vez e a ele responde.131
Raymond Buyse, da Universidade de Louvain como Albert Kriekemans, falava da Obra
de Dom Bosco como resposta às necessidades da criança e da sociedade contempo-
rânea, individuando no sistema preventivo de Dom Bosco, síntese de bom senso e de
sabedoria, as melhores aquisições da pedagogia hodierna: as relações afetivas entre o
educador, pai irmão e amigo, e o aluno; o ambiente educativo ativo e alegre; o valor da
liberdade, da ação, do trabalho e da alegria; as atividades de tempo livre; a personali-
zação do tratamento educativo; a educação integral representada pelo trinômio “razão,
religião, cordialidade”, ou estudo, oração e atividades comuns.132
Assistemática e cheia de potencialidades ilimitadas, a experiência pedagógica do
sistema preventivo proposta por Dom Bosco oferece critérios seguros de método para a
permanente inovação, da qual se escreveu com autoridade em anos recentes a propósito
de “nova evangelização”, “nova educação”, “novo sistema preventivo”. Este é real-
mente “sistema aberto”.133
8. Pleno envolvimento de forças disponíveis
Era tarefa desmesurada, que nos sonhos de Dom Bosco – mais diurnos que noturnos,
como se viu –, não se restringia a pequenos grupos de elite; estava presente antes de tudo
toda a constelação de jovens, a “multidão”, os muitos. Exigia, portanto, a mobilização
130 Cf. P. Stella, Juan Bosco en la historia de la educación, Madrid, Editorial CCS, 1996.
131 Congrès National et International de l’Union des Coopérateurs Salésiens et des Compagnies de la
Jeunesse Salésienne, Junho de 1958. Woluwe – St. Pierre, Centrale Don Bosco, 1959, p. 72-85.
132 Congrès National et International, p. 45-57.
133 Cf. P. Braido, Prevenire non reprimere, p. 391-404 (“Restaurar”, reinventar, riconstruir).

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680 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
geral das forças disponíveis. Tratava-se, antes de tudo, das forças internas à Igreja,
desde o papa até o último fiel; mas também do mundo dos homens e das mulheres de
boa vontade, incluindo os não-crentes, preocupados com o presente da geração em
crescimento e com seu futuro e o da sociedade. A ação, o “trabalhar intensamente”,
é distintivo da vida pessoal de Dom Bosco, que sabe transmitir com idêntica paixão a
seus institutos religiosos, aos cooperadores e cooperadoras, e a todos os militantes, sob
a insígnia do vis unita fortior. Por isso ele não considerava humilhante o ininterrupto
pedir nem a indiscreta e insistente publicidade. Em fevereiro de 1911, no Processo
Apostólico, padre Paulo Albera convidava a interpretar esses gestos no contexto da
busca geral do bem possível: “Certamente não faltaram os que criticaram o agir do
venerável e a publicidade que se dava às suas obras, mas não sei se alguém tenha jamais
duvidado da pureza de suas intenções ou da santidade de sua vida”,134 e acrescenta-
remos, da vastidade das necessidades e da pressão das urgências.
Certamente ele não seguia dia a dia as críticas ou sarcasmos – por exemplo, do turi-
nense Il fischietto – sobre sua mobilização em busca de meios financeiros para iniciar
novas obras, para sustentar e desenvolver as existentes, para pagar os débitos. Mas
alguma repercussão poderia chegar até ele. A própria Gazzetta piemontese, por ocasião
da morte do grande pedinte, escrevia de “um vivo contraste de apreciações e opostos
juízos”: “o de benfeitor insigne e genial e o de padre de visão e provador”, inspirado
no princípio maquiavélico de que “o fim justifica os meios”. Concluía, no entanto, com
uma absolvição geral: “Ser-lhe-á muito perdoado, porque fez muito bem”, “um homem
que trabalhou, que lutou e que fez o bem durante toda a sua vida”.135
Nessas e noutras contingências Dom Bosco seguia um princípio caseiro bem
simples, “Laetari et benefacere e lasciar cantar le passere” [Alegrar-se e bem realizar,
e deixar os pássaros cantar], antídoto eficaz contra estéreis críticas, fáceis para quem
estava de fora da situação: fazer a maior propaganda para as próprias obras, obscure-
cendo a de outros, ou bater excessivamente sobre os benfeitores, ou de assumir com
desenvoltura varidades de métodos. A sua era contínua navegação entre os escolhos
para evitar naufrágios: letras de câmbio vencidas, débitos, recusa de subsídios. Nas
últimas Memórias fazia este apelo: “Quanto a mim, pois, recomendo que se não se
decantem os débitos deixados pelo reitor-mor defunto. Isso daria a conhecer [= poderia
fazer pensar em] uma má administração dos administradores e do próprio superior; e
acabaria ocasionando alguma desconfiança na opinião pública”.136 Premido do primeiro
134 Copia Publica Transumpti Processus Apostolica Auctoritate constructi in Curia Ecclesiastica
Taurinensi super fama sanctitatis vitae, virtutum et miraculorum in genere Ven. Servi Dei
Joannis Bosco Sacerdotis Fundatoris Piae Societatis Volumen Unicum, Anno 1913, fol. 270r.
135 “Don Bosco”, Gazzetta piemontese, n. 31, 31 de janeiro e 1º fevereiro de 1888. Cf. G. Tuninetti,
“L’Immagine di Don Bosco nella stampa torinese”, p. 234-235, que traz semelhante juízo do
jornal milanês La perseveranza de 2 de fevereiro (Ibid., p. 236).

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 681
ao último dia de sua vida pela exigência da estabilidade financeira das obras, agiu como
empregado esperto, que buscava a honorabilidade própria e da família. E não menos
a salvação dos ricos: de tal modo que, o contato permanente com as necessidades dos
pobres e com as posses dos que tinham, conduzia-o a uma interpretação solidarista,
antes que somente caritativa, do preceito evangélico da esmola.
Há quem tenha sabido assinalar autênticas virtudes nessa afanosa busca, não indolor
e nem privada de humilhações. Cônego Fabre, de Nice, escolhia o tema da comemo-
ração, ocorrida em 14 de janeiro de 1889, a partir da interrogação: “Como pôde obter o
dinheiro de modo a dar à sua obra bases tão sólidas?” Pôde – explicava – com a humil-
dade possuída em sumo grau, fundada sobre a rocha da confiança em Deus: humildade
unida à coragem, à firmeza e à tenácia. “Aqui – sintetizava – está o caráter peculiar de
Dom Bosco: coragem indômita unida à mais profunda humildade”.137
9. “Segundo às necessidades dos tempos”
Dom Bosco jamais teria aceitado ser considerado um reacionário, um nostálgico
laudator temporis acti. Antes, várias vezes exortou os seus para agir “segundo as neces-
sidades dos tempos”. A realidade não é assim simples. Muitas vezes acentuaram-se
em sua biografia os traços tradicionais e conservadores da mentalidade, da cultura, da
sociabilidade. Existe alguma verdade parcial nessas fortes críticas a respeito de determi-
nadas orientações de sua hagiografia pedagógica e de algumas aplicações do preventivo
movidas por polêmicas com a parte leiga ou valdense.138 Dom Bosco não foi, certa-
mente, um clérigo retrógrado como o apresentam, nem obviamente os críticos teriam
podido reprová-lo por ser integralmente católico, ainda que com alguma rigidez, não
menor, por certo, entre próprios leigos e reformadores. Bom exemplo disso no âmbito
pedagógico pode ser a contraposição estabelecida por ele no Valentino entre o colégio
leigo e o colégio católico.139 Na realidade, “em face da seculariação e da laicização
da sociedade liberal do tempo – escreve Francis Desramaut –, seguro da força reli-
136 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 101.
137 Bulletin Salésien 11(1889) n. 5, maio, p. 79-90.
138 Cf. F. Motto, “La Vita del giovanetto Savio Domenico: un beffardo commento de Il cittadino
di Asti nel 1860”, RSS 15(1996), p. 369-377; Eugenio Reggio contadino, Le Boccie di Don
Bosco ossia il giovane provveduto di confusione. Torre Pellice, Tipografia Alpina, 1884; G.
Ricagni, Don Bosco e l’istruzione ne’ suoi collegi. Alessandria, Tip. Jacquemod G., 1882, 20
p. Risível é o medalhão que dele traça, em 18 de novembro, O. Veridicus, Il clericalismo a
Torino. Turim, Tip. G. Candeletti, 1883, p. 15: “esse homem prodigioso, digno de inspirar
uma entre as mais esplêndidas páginas de Smiles, que homem que do nada soube encher a
itália, a Europa de sua fama”. Seria, porém, “uma “encarnação vivente do poder formidável
do clericalismo”, que “forma seus padres à obediência cega, passiva, cretina, embebendo-os
de preconceitos, de fundamentalismo e de intolerância”.
139 Cf. G. Bosco, Valentino, p. 8-13, 19-25; OE XVII 186-191, 197-203.

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682 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
giosa de seu sistema educativo – em nosso parecer, em muitas aplicações seguramente
datadas –, ele consolidava suas instituições e seus métodos mediante práticas piedosas
e proibições firmes”.140 A atitude aflora, embora controlada, nos mais variados âmbitos.
Na França, entre as relações de Dom Bosco, prevalecem nitidamente as com os legi-
tistas anti-republicanos.141 Para todo esse universo Dom Bosco “simbolizava na própria
pessoa a ação eficaz de conservação regeneradora da sociedade. Com abnegação, ele
abria para a salvação do povo, por meio da educação dos jovens ao trabalho para Deus e
para a pátria. Reconstruía o mundo através da iniciação concreta dos jovens à vida”.142
Mas ele não pode ser reduzido a isso. Suas opções operativas e educativas não eram
certamente idênticas às de benfeitores ou de simpatizantes desse tipo. Por nada liberal
ou democrático, ou mesmo no campo católico um transigente ou conciliarista decla-
rado, ele não é nem mesmo classificável entre os intransigentes manifestos, estranho
como era à idéia de ser associado a qualquer partido ou movimento organizado, mesmo
católico. Se alguma vez, talvez uma ou pouco mais, lhe caíram sob a pena, ironizando,
os termos “liberalóide” ou “democraticóide”, não é porque tivesse elaborado alguma
reflexão de caráter social ou político que orientasse suas escolhas por este ou aquele
enfileiramento. Jamais perderia a ágil liberdade de ação, sua e dos seus, sancionada
claramente em todos os contratos estipulados na assunção dos diversos colégios e da
própria construção da Igreja Sagrado Coração.
Sem dúvida, a indeterminação de suas profissões de fé política poderia constituir
para si e para suas instituições o perigo de certa neutralidade ou mais ou menos desta-
cada, que podia resvalar em certo “vale qualquer coisa”, no descompromisso ou em
certo conformismo, mais ou menos declarado, a qualquer tipo de ordem constituída.
Homem de ação, preferiu dedicar-se totalmente à solução dos problemas da salvação
moral e religiosa da juventude, e jamais definiu com precisão em que medida essa
solução se unisse com a legítima liberdade econômica, social e política. Se era claro o
conceito de “bom cristão”, não o era igualmente o de “honesto cidadão”, considerado
por ele mais ou menos sob o perfil das virtudes morais e da justiça. Era a fonte de seu
livre e desenvolto agir. Ele se teria encontrado à vontade com qualquer regime, desde
que o tivesse deixado trabalhar. Por isso, nas mais variadas contingências – privadas,
oficiosas e oficiais –, ele pôde encontrar audiência também junto a homens associados
a correntes ideológicas bem diversas das suas. De resto, ele se encontrava situado no
140 F. Desramaut, Don Bosco en son temps, p. 696.
141 Cf. F. Desramaut, Don Bosco en son temps, p. 1171-1175 (“Une sensibilité contre-
révolutionnaire”): são recordados os legitimistas enfileirados com o conde de Chambord
(entre os quais A. du Boÿs) e com o conde de Paris (entre os quais Czartoryski), Léon Harmel,
fogoso anti-republicano empenhado nos Cercles Catholiques de Albert de Mun, de idêntica
orientação política. Em Paris as visitas a Dom Bosco são todas de pessoas com as mesmas
idéias: de Cessac, Riant, de Mun, Montigny, Oyague, a princesa Martherite d’Orléans etc.
142 F. Desramaut, Don Bosco en son temps, p. 1175-1176.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 683
mesmo fronte dos grandes educadores e pedagogos clássicos em reafirmar a dimensão
social e política da formação moral e religiosa das novas gerações, segundo a conhecida
tese “educacionista”, segundo a qual sobre problemas econômicos, sociais, políticos se
devessem ocupar os detentores dos respectivos poderes.
Dentro desse horizonte indeterminado se evidenciavam os pontos firmes e as aber-
turas de seu agir integralmente cristão, sobretudo no setor da assistência e da educação
juvenil: a clareza dos fins religiosos, a indivisível presença das práticas de piedade, a
seriedade dos programas de formação humana e profissional, a proclamada disponibi-
lidade ao novo e ao progresso. Tinha-o intuído o então padre Achille Ratti nos dias de
1883, quando tinha sido hóspede de Dom Bosco. Tendo se tornado Pio XI, não perdia a
ocasião para recordar com que estupor, após ter se congratulado com ele “pelas escolas
e oficinas tão bem aparelhadas com todos os maquinários mais completos e modernos
da mecânica”, tinha ouvido a orgulhosa afirmação, que era também programa de ação
próprio e dos seus: “Quando se trata de qualquer coisa que diz respeito à grande causa
do bem, Dom Bosco quer estar sempre na vanguarda do progresso”.143 Não se tratava,
certamente, de veleidade em seguir a moda, de busca de primados, de vanglória. Era
acima de tudo o imperativo colocado pela grandeza e pela nobreza dos fins a serem
conseguidos e pelas dificuldades antigas e novas que podiam impedir ou frear sua reali-
zação. Sentia ser seu dever evitar a admoestação evangélica de que “os filhos deste
mundo são mais espertos que os filhos da luz” (Lc 16,8), mas quiçá igualá-los ou
superá-los. Para o bem se tornava obrigatória a busca de toda possível indústria e dos
instrumentos mais avançados. Antigos ou novos, os objetivos deviam ser perseguidos
com os meios mais idôneos, mais funcionais, mais produtivos, como eram procurados,
para além de velhas e pré-concebidas divisões, os auxílios e os apoios, as relações de
todos, fosse qual fosse o grupo a que pertencesse. “Nas coisas que são para a vantagem
da juventude periclitante ou servem para ganhar almas para Deus, eu corro avante até a
temeridade”, escrevia a Carlo Vespignani, de Lugo de Romagna.144 Por isso, no agir de
Dom Bosco “quadros ideológicos e modelos espirituais de antiga tradição encontram-se
na base de iniciativas e de núcleos doutrinais que desembocam na modernidade”.145
Não parece que se possam encontrar reviravoltas espetaculares no modo de pensar
e de ser de Dom Bosco, mas certamente são evidentes as evoluções propiciadas e deter-
minadas pela vontade de responder de forma mais adequada, no mundo juvenil, “às
143 Aos participantes na beatificação de Dom Bosco, em 3 de junho de 1929, e à Família Salesiana
de Roma, em 11 de maio de 1930 (Discorsi di Pio XI II, p. 92 e 326). Cf. ainda discurso aos
doadores americanos da nova central telefônica do Vaticano, 19 de novembro de 1930; aos
dirigentes da Magneti Marelli, 28 de janeiro de 1933 (Discorsi di Pio XI II, p. 446 e 814);
à Associação Eletrotécnica Italiana, 15 de maio de 1934; às Associações Romanas de Ação
Católica, 24 de junho de 1933; aos salesianos adidos à Tipografia Poliglota Vaticana, 31 de
julho de 1937 (Discorsi di Pio XI III, p. 130, 169, 628).
144 E III 166.
145 Cf. P. Stella, Don Bosco, p. 76.

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684 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
necessidades dos tempos”, e portanto não somente atuais, mas também presentes no
futuro deles. De forma mais geral, não se podia, segundo Dom Bosco, não ser anti-re-
volucionário, mas ao mesmo tempo era necessário usar da liberdade propugnada pelos
inovadores para se defender dela, a fim de se salvaguardar e transmitir valores perenes.
Justamente por isso não se subtraía às novidades conciliáveis com a fé, antes as acolhia
e desenvolvia de boa vontade. Era o que afirmava com vigor na conhecida sessão da
parte da tarde de 1877, do Primeiro Capítulo Geral. Dom Bosco pretendia praticar e
que os seus praticassem o princípio evangélico “dar a César o que é de César e a Deus
o que é de Deus”. Aqui César não era somente o mundo político, mas o humano em sua
totalidade: a sociedade, a cultura, a ciência, a técnica e as descobertas, de modo a tornar
a vivência e a convivência mais civil e prática. A interpretação extensiva comportava
as mais variadas combinações: divino e humano, graça e natureza, fé e razão, fideli-
dade à Igreja e ao papa e obséquio às autoridades civis, antigo e moderno, tradição e
inovação.146 Nesse sentido, Dom Bosco pode ser definido como santo moderno, mesmo
se a modernidade racional é por ele ignorada ou superada enquanto sistema e ideo-
logia. Sem ter elaborado uma teoria explícita, ele sonha com a máxima humanização de
todos, a começar pelos pobres e abandonados, não separada da divinização pela graça.
Tudo o que é humanamente válido acolhe e propõe, visando o futuro dos jovens na
sociedade mais fascinada pelo ideal do progresso que ligada ao passado ou ao presente
de seus educadores. Olha o céu, onde está Deus e a felicidade que não termina, e, ao
mesmo tempo, permanece bem enraizado na terra, criação de Deus, e na história, obra
do homem redimido, rico da tríplice cidadania: civil, eclesial e celeste. Como tal, Dom
Bosco age em liberdade e plenitude de posibilidade.147
Por isso, embora não tendo chegado a uma percepção reflexa do advento da indus-
trialização e dos problemas sociais por esta criados ou acutizados, em particular a
questão operária, ele sabe muito bem que está vivendo e agindo em um sistema social
e econômico em pleno movimento. Deste, crê e quer ser promotor para seus jovens,
encontrando-se agora bem longe de sua juventude vivida em um ambiente e tempérie
histórica estáticos e restauradores. Com esse ânimo quis e favoreceu a participação da
Tipografia de Valdocco na Exposição Nacional de Turim de 1884. Protestando energi-
camente contra o voto do Júri, que tinha lhe designado somente a medalha de prata e
recusando-a caso o juízo não fosse refeito, declarava com orgulho: “A mim basta (...)
ter demonstrado com esse fato o cuidado com que, no decurso de quarenta anos, sempre
me dediquei a promover, junto com o bem estar moral e material da juventude pobre e
abandonada, o progresso da ciência e das artes”.148
146 Verbali III 42-44.
147 Cf. P. Stella, “Bilancio delle forme di conoscenza e degli studi su Don Bosco”, in: Don
Bosco nella storia, p. 34-36; P. Scoppola, “Don Bosco e la modernità”, in: ibid., p. 536-540
148Ao Comitê Executivo (Ufficio Giuria in revisione), 25 de outubro de 1884; E IV 301.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 685
10. O ótimo desejado e a busca do bem possível
O fascínio da “vanguarda” não fazia Dom Bosco esquecer das insaciáveis exigên-
cias feitas pelo planeta jovem vasto como o mundo, assim como da penúria de forças,
de pessoas e de meios. Isso lhe travava as asas, mas sem dúvida o levava a realizar o
concreto possível, antes que esperar para fazer o ótimo problemático e virtual, ou com
o tempo vencido. Procurava formar colaboradores corajosos, inventivos e criativos para
um apostolado supranacional, ao mesmo tempo bem plantados no real. Para a América
Latina podem ser citados quatro nomes: Giovanni Cagliero, Francesco Bodrato, Luigi
Lasagna e Giacomo Costamagna, nos quais fantasia e concretude estavam presentes
de igual forma, com explícita referência ao modelo, o pai longínquo, próximo como
nunca. De sua parte, nas Memórias desde 1841 ele hipotizava que, em qualquer caso,
algumas iniciativas podiam ser encontradas durante o curso da obra. Não era um motivo
para abandoná-las. “Ao se começar uma missão no exterior – escrevia –, continue-se
com energia e sacrifício”; “quando, em alguma empresa religiosa, faltam os meios
pecuniários, suspenda-se, mas dêem continuidade às obras começadas assim que nossas
economias o permitam”.149
A orientação, porém, tinha criado problemas delicados e contradições no caso da
construção espiritual de seu instituto religioso. O dissenso, que já se viu, entre o perfe-
cionista Cafasso e o possibilista Dom Bosco, ambos de acordo no agir para a maior
glória de Deus e a salvação das almas, se propunha no âmbito da autoridade eclesi-
ástica, romana e turinense. As divergências diziam respeito em particular à formação
eclesiástica do jovem pessoal destinado ao sacerdócio, mas se estendiam também ao
modo de ser e de agir de toda a Sociedade Salesiana. Cônego Colomiatti o retomava a
cargo de Dom Bosco no pequeno processo conduzido em Roma, nos anos 1915-1916.
Recordava o que lhe havia confidenciado teólogo Giuseppe Allamano: “Disse-me –
atestava – que ele soube pelo próprio Dom Bosco que padre Cafasso, reitor do Colégio
Eclesiástico e homem de Deus, lhe manifestou que desaprovava seu modo de fazer o
bem, acrescentando que o bem devia ser feito otimamente, enquanto ele, Dom Bosco,
queria fazer o bem sempre, sem tanta perfeição”. A versão direta de Allamano em fase
precedente dos processos era mais correta: “Ele dizia que o bem devia ser bem feito,
e eu sustentava que bastava fazê-lo de qualquer forma em meio a tantas misérias”.150
Dom Cagliero explicava: “O ótimo, dizia sempre o venerável Dom Bosco, é inimigo
do bem. Se ele tivesse esperado para iniciar suas obras quando tivesse prontas todas
as coisas e todos o pessoal necessário, não teria jamais começado”.151 E recordava que
149 “Memorie dal 1841”, RSS 4(1985), p. 59.
150 Positio super dubio An adducta contra Ven. Servum Dei obstent, quominus in Causa procedi
possit ad ulteriora? Romae, Typis Poliglottis Vaticanis, 1921, p. 34 (cf. palavras quase
idênticas na p. 45) e p. 115.
151 Positio super dubio An adducta, p. 82 e 84.

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686 Parte III: 3a Seção: Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888)
crítica análoga a do padre Cafasso fora feita pelo abade Gaetano Tortone, a propósito da
formação eclesiástica dos clérigos, animadores das recreações dos jovens no Oratório
de Valdocco: “Dom Bosco educava os seus à vontade [alla carlona]: e houve até quem
nos disse: ‘ii cavalass d’Don Bosc!!’ [cavalos sem freio e sem bridão]”. Doutro lado,
o próprio Allamano reconhecia que, justamente nos anos 1862-1866, em que passou
no Oratório fazendo todo o curso ginasial, tinha amadurecido a própria vocação à vida
sacerdotal.152 No plano dos fatos Dom Bosco mesmo admitia que a busca do possível não
tinha ainda conduzido a bons frutos. Na sessão do Capítulo Superior de 5 de novembro
de 1885 – registra-se na Ata –, Dom Bosco “lamenta que muitos salesianos não têm
nada de espírito salesiano. Todos os anos há defecções após tanto tempo de trabalho
para educá-los. Apenas se tornam padres, é preciso mandá-los trabalhar, e não há tempo
para se formar. Certos padres foram ordenados porque a necessidade exigia”.153 Sobre o
tema são conhecidas as reservas do arcebispo Riccardi di Netro e de dom Renaldi, bispo
de Pinerolo.154 Mas, face da urgência das necessidades presentes, não podia aquietar
a elegante elaboração de mirabolantes projetos para um distante futuro. Era preciso
arriscar. As maiores dificuldades vieram-lhe da parte de dom Gastaldi, de quem espe-
rava compreensão e proteção, e mesmo amizade. Nesse caso mostrou-se completa-
mente desorientado e angustiado. Foi sustentado pela firme convicção de que a obra
da qual era responsável, sua congregação religiosa, era querida por Deus em vista do
cumprimento da missão indiscutivelmente providencial, e de dimensão universal, em
favor dos jovens. Viveu as intermináveis situações em absoluta boa fé e espírito de peni-
tência, com firmeza e fortaleza igual a da contra-parte, embora às vezes com a dúvida
de alguma falta de discrição.
Não se deve esquecer, todavia, que o juízo do padre Cafasso se refere ao Dom Bosco
das décadas de 40 e 50, isso é, ao padre dos primórdios, só, sem colaboradores estáveis
e com projetos ainda não bem definidos. Com o aumento das responsabilidades, sociais
e eclesiais, Dom Bosco sentiu cada vez mais forte a dupla exigência: fazer o bem – o
bem possível, verdadeiro, não aproximativo – em espaços mais vastos, e fazê-lo bem,
com dignidade e adequadamente, diante de Deus e dos homens. Obviamente, não
excluía nem mesmo, quanto realizável, o melhor e o ótimo. De todo modo, em todo
tempo, ao princípio o bem deve ser feito bem jamais opôs a norma o bem deve ser feito
de qualquer forma, mesmo quando misturado com algum mal: jamais foi guiado pela
regra do mal menor. Não o atraía, por certo, a idéia de não fazer nada na espera de uma
fantasiosa oportunidade de um bem totalmente utópico. Em contato com eclesiásticos
e leigos sensíveis às muitas e diversas condições juvenis, sabia muito bem como eram
exíguas as obras que, também por limitação das forças à disposição, entravam na esfera
152 Positio super dubio An adducta p. 82 e 84. Cf. I. Tubaldo, Giuseppe Allamano: il suo tempo, la
sua vita, la sua opera, vol. I: 1851-1891, p. 23-29. Sobre o juízo de Tortone, cf. cap. 15, § 8.
153 Capitolo Superiore, fol. 87r, FdB 1883 A5.
154 Cf. cap. 15, § 7.

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Cap XXXV: Instantâneos e visão de conjunto 687
do bem possível que ele perseguia de modo concreto: a faixa emergente das crianças
e dos jovens empregados na indústria; o mundo da verdadeira e própria delinqüência
juvenil; a categoria mais próxima dos menores “a serem corrigidos”; o imenso conti-
nente da pobreza nas cidades e nos campos, reservatório das grandes migrações; o vasto
planeta do analfabetismo; a área das pessoas com deficiência mental e física. Outros
deveriam pensar isto. Sobre tudo isso os autores de panegíricos proclamados e escritos
não parecem ter tido idéias precisas, muitas vezes entendendo mal a extensão e a quali-
dade da ação de Dom Bosco.
Embora cultor confesso da hipérbole como figura retórica, Dom Bosco está bem
longe dela no concreto agir e falar cotidiano. Dom Bosco não é um especulativo, um
pesquisador, um cultor de idéias soltas do real. Ele é o profissional das idéias práticas
comunicáveis e compreensíveis em vista do agir e do empenho efetivo. Seus discursos
não se nutrem de abstrações, que voam sobre a cabeça de todos e não atingem ninguém.
Talvez seja excessivo o elogio que dele fazia Pio XI na homilia da canonização, quando
afirmava que, “com perspicácia de conceitos e com modernidade de meios, buscou a
realização dos mais novos propósitos, que (...) sabia estarem conformes à vontade de
Deus”.155 Na realidade, ele narra fatos, acrescenta exemplos de vida, adianta propostas
práticas. Homem do concreto realizável, mesmo quando fala e escreve a muitos –
conferências, circulares, regras e regulamentos, etc. –, representa situações visíveis e
tangíveis, e evidencia problemas bem definidos a serem resolvidos e conclusões empe-
nhativas a serem tratadas e realizadas com meios à mão, cuja adoção é devida não tanto
à reflexão, mas à boa vontade de quem escuta ou lê. Por essa razão prefere o encontro
com as pessoas, as palavras personalizadas, os colóquios, as cartas pessoais: com os
jovens, com os salesianos, com os benfeitores, com autoridades civis e religiosas. Em
público, sua linguagem é também intrinsecamente individualizada. Ele descreve situ-
ações evidentes, assinala problemas reais, propõe soluções praticáveis por todos e por
cada um. É verdade, alguma vez a árvore pode esconder-lhe a floresta, a atenção ao
setorial fazê-lo perder a visão de conjunto, a tensão à solução de um problema particular
impedir-lhe a visão de fins e interesses de fôlego mais amplo. Esse é o preço que precisa
pagar à Realpolitik, mas é esta, no conjunto e não obstante os limites, sua carta vencen-
dora: na pastoral, na atividade assistencial, na educação e na pedagogia, na missão em
todas as suas expressões, na idealização, na atuação e governo das variadas institui-
ções de suporte. Nessa luz deve ainda ser reinterpretada a norma de sabedoria que lhe
foi constestada pelos maximalistas do bonum ex integra causa, malum ex quocumque
defectu, transferido indevidamente do legítimo campo dos princípios, da metafísica do
real ou do mundo moral ao nível da ação prudencial prática, que é o único no qual se
joga a existência, que é o permanente decidir “aqui” e “agora”.
155 Discorsi di Pio XI III, p. 82.

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69.9 Page 689

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BIBLIOGRAFIA
1. Bibliografia
Bibliografia Generale di Don Bosco:
Vol. 1. Bibliografia italiana 1844-1992, a cura di Saverio Gianotti. Roma, LAS,
1995.
Vol. 2. Deutschsprachige Don-Bosco-Literatur 1883-1994, a cura di Herbert
Diekmann. Roma, LAS, 1997.
RICALDONE, Pietro. Don Bosco Educatore, vol. II. Colle Don Bosco, LDC,1952,
p. 631-650 (Gli scritti editi di Don Bosco), 651-705 (Scritti su Don Bosco).
STELLA, Pietro. Gli scritti a stampa di S. Giovanni Bosco. Roma, LAS, 1997.
2. Escritos de Dom Bosco utilizados
Ai contadini. Regole di buona condotta per la gente di campagna utili a qualsiasi
condizione di persone. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini, 1854, OE VI, p. 39-46.
Ai Soci Salesiani, introduzione alle Regole o Costituzioni della Società di S.
Francesco di Sales secondo il decreto di approvazione del 3 aprile 1874. Turim, 1875
(v. p. V-XLII); Turim, 1877 (v. p. 3-43); S. Benigno Canavese, Scuola Tipografica
Salesiana 1885. In: BRAIDO, P. Tratti di vita religiosa salesiana nello scritto “Ai Soci
Salesiani” di Don Bosco del 1875, RSS 13 (1994) 361-448; ... del 1877/1885, RSS 14
(1995) 91-154.
Angelina o la buona fanciulla istruita nella vera divozione a Maria Santissima.
Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1860, p. XIII 1-44.
Angelina o l’orfanella degli Apennini. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di
Sales, 1869, OE XXII, p. 171-240.
Apparizione della Beata Vergine sulla montagna di La Salette con altri fatti prodi-
giosi raccolti da pubblici documenti, Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales,
1871, OE XXII, p. 401-492.
L’aritmetica ed il sistema metrico portati a semplicità per le classi elementari
col confronto dei prezzi e delle misure antiche d’Italia in metrico-decimale, edizione
settima. Turim, Tip. e libr. salesiana, 1881, OE XXXII, p. 261-354.
Associazione de’divoti di Maria Ausiliatrice canonicamente eretta nella chiesa a
Lei dedicata in Torino. Con ragguaglio storico su questo titolo. Turim, Tip. dell’Ora-
torio di S. Franc. di Sales, 1869, OE XXI, p. 339-434.
Associazione di opere buone. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1875,
OE XXV, p. 481-494.
Avvisi ai cattolici. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini, 1853, OE IV, p. 165-193.

69.10 Page 690

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690 Bibliografia
Biografia del sacerdote Giuseppe Caffasso esposta in due ragionamenti funebri.
Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1860, OE XII, p. 351-494.
Biografia del giovane Mazzarello Giuseppe [1872], OE XXII, p. 359-377.
Biografie. Confratelli chiamati da Dio alla vita eterna nell’anno 1880. Turim, Tip.
Salesiana, 1881, OE XXXII, p. 5-35; ... 1881, OE XXXII, p. 387-417; ... 1883, OE
XXXIII, p. 115-178.
Biografie dei salesiani defunti. Negli anni 1883 e 1884. Turim, Tip. Salesiana, 1885,
OE XXXVI, p. 5-136.
Breve ragguaglio della festa fattasi nel distribuire il regalo di Pio IX ai giovani
degli oratorii di Torino. Turim, Tip. Eredi Botta, 1850, IV 93-119.
Brevi biografie dei confratelli salesiani chiamati da Dio alla vita eterna. Turim,
Tip. e libr. salesiana, 1876, OE XXVII, p. 167-205.
Capitolo generale della congregazione salesiana da convocarsi in Lanzo nel pros-
simo settembre 1877. Turim, Tip. Salesiana, 1877, OE XXVIII, p. 313-336.
La casa della fortuna. Rappresentazione drammatica. Turim, Tip. dell’Orat. di S.
Franc. di Sales, 1865, OE XVI, p. 1-72.
Catalogo degli oggetti offerti per la lotteria a beneficio dell’oratorio maschile di
S. Francesco di Sales in Valdocco. Turim, Tip. dir. da Paolo De-Agostini, 1852, IV
145-162.
Catalogo degli oggetti posti in lotteria a favore dei giovani dei tre oratorii di S.
Francesco di Sales in Valdocco di S. Luigi a Porta Nuova del Santo Angelo Custode in
Vanchiglia. Turim, Tip. di G. B. Paravia e Comp., 1857, OE IX, p. 1-17.
Catechismo cattolico sulle rivoluzioni, quinta edicione. Turim, Tip. dir. da P.
De-Agostini, 1854, OE V, p. 243-246.
Il cattolico istruito nella sua religione. Trattenimenti di un padre di famiglia co’suoi
figli secondo i bisogni del tempo epilogati dal sac. Bosco Giovanni. Turim, Tip. dir. da
P. De-Agostini, 1853, IV 195-646.
Il cattolico nel secolo. Trattenimenti famigliari di un padre co’suoi figliuoli intorno
alla Religione, edicione terza. Turim, Tip. e libr. salesiana, 1883, OE XXXIV, p.
1-454.
Il cattolico provveduto per le pratiche di pietà con analoghe istruzioni secondo il
bisogno dei tempi. Turim, dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1868, OE XIX, p. 1-773.
Cenni istruttivi di perfezione proposti a’giovani desiderosi della medesina nella vita
edificante di Gioseppe Burzio dal sac. Felice Giordano O. di M. V. Operetta special-
mente utile agli alunni d’ambi i Cleri. Turim, dalla Stamperia degli Artisti tipografi,
1846, OE II, p. 1-69.
Cenni storici intorno alla vita della b. Caterina De-Mattei da Racconigi dell’Ord
delle pen. di s. Dom. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1862, OE XIV, p.
1-192.
Cenni storici intorno all’Oratorio di S. Francesco di Sales. In: BRAIDO, P. Don
Bosco per la gioventù povera e abbandonata in due inediti del 1854 e del 1862. In:
BRAIDO, P. (Ed.) Don Bosco nella Chiesa a servizio dell’umanità. Roma, LAS, 1987,
p. 60-81.

70 Pages 691-700

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70.1 Page 691

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Bibliografia 691
Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo morto nel seminario di Chieri
ammirato da tutti per le sue singolari virtù. Scritti da un suo Collega. Turim, dalla Tip.
Speirani e Ferrero, 1844, OE I, p. 1-84.
Cenni sulla vita del giovane Luigi Comollo morto nel Seminario di Chieri ammirato
da tutti per le sue rare virtù. Turim, Tip. e libr. salesiana, 1884, OE XXXV, p. 1-120 (I
ediz. 1854).
Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele allievo dell’Oratorio di S.
Franmcesco di Sales. Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1861, OE XIII, p. 155-250.
Cenno istorico sulla Congregazione di S. Francesco di Sales e relativi schiarimenti.
Roma, Tip. Poliglotta 1874, OE XXV, p. 231-250. In: BRAIDO, P. L’idea della Società
Salesiana nel “Cenno istorico” di Don Bosco del 1873/74, RSS 6 (1987), p. 245-331.
Cenno storico dell’Oratorio di S. Francesco di Sales. In: BRAIDO, P. Don Bosco
per la gioventù povera e abbandonata in due inediti del 1854 e del 1862. In: BRAIDO,
P. (Ed.) Don Bosco nella Chiesa a servizio dell’umanità. Roma, LAS, 1987, p. 38-59.
Il Centenario di S. Pietro Apostolo colla vita del medesimo Principe degli Apostoli
ed un Triduo in preparazione della Festa dei santi apostoli Pietro e Paolo. Turim, Tip.
dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1867, OE XVIII, p. 1-240.
La chiave del paradiso in mano al cattolico che pratica i doveri di buon cristiano.
Turim, Tip. Paravia e Comp., 1856, VIII 1-192.
La Chiesa cattolica-apostolica-romana è la sola vera Chiesa di Gesù Cristo. Avvisi
ai Cattolici. Turim, Tip. Speirani e Ferrero, 1850, OE IV, p. 121-143.
La Chiesa cattolica e la sua Gerarchia. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di
Sales, 1869, OE XXI, p. 185-336.
Chi è D. Ambrogio?! Dialogo tra un barbiere ed un teologo. Turim. Tip. dell’Ora-
torio di S. Franc. di Sales, 1866, OE XVII, p. 245-260.
I Concili Generali e la Chiesa Cattolica. Concersazioni tra un paroco e un giovane
parochiano. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1869, OE XXII, p. 1-168.
Congregazione particolare dei Vescovi e Regolari... Torinese sopra l’approvazione
delle Costituzioni della Società salesiana. Relatore... Nobili Vitelleschi... Roma, Tip.
Poliglotta della S. C. di Propaganda, 1874, OE XXV, p. 335-385.
S. Congregazione de’ Vescovi e Regolari. Consultazione per una Congregazione
particolare. Taurinen. Super approbatione Constitutionum Societatis S. Francisci
Salesii. Mese di Marzo Anno 1874, OE XXV, p. 387-400.
Conversazioni tra un avvocato ed un curato di campagna sul sacramento della
Confessione. Turim, Tip. Paravia e Compagnia, 1855, OE VI, p. 145-272.
Conversione di una valdese. Fatto contemporaneo. LC, Anno II – Fasc. 1 e 2. Turim,
Tip. dir. da P. De-Agostini, 1854, OE V, p. 249-366.
Cooperatori salesiani ossia un modo pratico per giovare al buon costume ed alla
civile società. Turim, Tip. Salesiana, 1876, OE XXVIII, p. 255-271; San Pier d’Arena,
Tip. e libr. di S. Vincenzo de’ Paoli, 1877, XXVIII, p. 339-378.
Costituzioni per l’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice (1872-1885). Testi
critici a cura di Sr. Cecilia Romero. Roma, LAS, 1983.

70.2 Page 692

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692 Bibliografia
Il cristiano guidato alla virtù ed alla civiltà secondo lo spirito di San Vincenzo de’
Paoli. Opera che può servire a consacrare il mese di luglio in onore del medesimo
Santo. Turim, Tip. Paravia e Compagnia, 1848, OE III, p. 215-503; 1876, OE XXVIII,
p. 1-252.
Dei castighi da infliggersi nelle case salesiane (29 gennaio 1883). In: PRELLEZO,
J. M. Dei castighi da infliggersi nelle case salesiane. Una lettera circolare attribuita a
Don Bosco, RSS 5 (1986), p. 263-308.
Deliberazioni del Capitolo generale della Pia Società Salesiana. Tenuto in
Lanzo-Torinese nel settembre 1877. Turim, Tip. e libr. salesiana, 1878, OE XXIX, p.
377-472.
Deliberazioni del secondo Capitolo generale della Pia Società Salesiana. Tenuto
in Lanzo- Torinese nel settembre 1880. Turim, Tip. Salesiana, 1882, OE XXXIII, p.
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Deliberazioni del secondo Capitolo generale delle Figlie di Maria SS. Ausiliatrice.
Tenuto in Nizza Monferrato nell’agosto del 1886. Turim, Tip. Salesiana, 1886, OE
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Deliberazioni del terzo e quarto Capitolo generale della Pia Società Salesiana.
Tenuti in Valsalice nel settembre 1883-86. S. Benigno Canavese, Tip. Salesiana, 1886,
OE XXXVI, p. 253-280.
Dialoghi intorno all’istituzione del Giubileo colle pratiche divote per la visita delle
chiese. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1865, OE XVI, p. 75-170.
Il divoto dell’Angelo custode. Turim, Tip. Paravia e Comp., 1845, OE I, p. 87-158.
Dramma. Una disputa tra un avvocato ed un ministro protestante. Turim, Tip. dir.
da P. De-Agostini, 1853, OE V, p. 101-168.
Due conferenze tra due ministri protestanti ed un prete cattolico intorno al
Purgatório e intorno ai suffragi dei defunti con appendice sulle liturgie. Turim, Tip. di
G. B. Paravia e Comp. 1857, OE IX, p. 19-164.
Eccellentissimo Consigliere di Stato. Turim, Tip. Salesiana, 1881, OE XXXII, p.
37-47.
Elenchus privilegiorum seu facultatum et gratiarum spiritualium quibus potitur
Societas S. Francisci Salesii ex S. Sedis Apostolicae concessionibus directe et
Congregationis SS. Redemptoris communicatione in usum presbyterorum eiusdem
societatis. S. Benigni in Salassis, ex Officina salesiana 1888, 340p., OE XXXVII, p.
561-580.
Elenco degli oggetti graziosamente donati a benefizio degli oratorii di S. Francesco
di Sales in Valdocco, di S. Luigi a Porta Nuova e dell’Angelo Custode in Vanchiglia.
Turim, Tip. di Giulio Speirani e figli, 1862, OE XIV, p. 195-222.
Elenco degli oggetti graziosamente donati a benefizio degli oratorii di S. Francesco
di Sales in Valdocco, di S. Luigi a Porta Nuova e dell’Angelo Custode in Vanchiglia e
per la costruzione della Chiesa dedicata a Maria Ausiliatrice. Turim, Tip. dell’Oratorio
di S. Franc. di Sales, 1866, OE XVII, p. 1-23.
Episodi ameni e contemporanei ricavati da pubblici documenti. Turim, Tip.
dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1864, OE XV, p. 117-227.

70.3 Page 693

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Bibliografia 693
Esercizio di divozione alla misericordia di Dio. Turim, Tip. Eredi Botta, 1847, OE
II, p. 71-181.
Esposizione del sacerdote Giovanni Bosco agli Eminentissimi cardinali della Sacra
Congregazione del Concilio. S. Pier d’Arena, Tip. di San Vincenzo de’ Paoli, 1881, OE
XXXII, p. 49-124.
Esposizione alla S. Sede dello stato morale e materiale della Pia Società di S.
Francesco di Sales nel Marzo del 1879. S. Pier d’ Arena, Tip. Salesiana, 1879, OE
XXXI, p. 237-254.
Una famiglia di martiri ossia vita de’ santi Mario, Marta, Audiface ed Abaco e loro
martirio con appendice sul santuario ad essi dedicato presso Caselette. Turim, Tip. G.
B. Paravia e Comp., 1861, OE XIII, p. 57-152.
Fatti ameni della vita di Pio IX raccolti da pubblici documenti. Al lettore. Per la
redazione sac. G. Bosco. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1871, OE
XXIII, p. 51-402.
Fatti contemporanei esposti in forma di dialogo. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini,
1853, OE V, p. 51-98.
Favori e grazie spirituali concessi dalla Santa Sede alla Pia Società di S. Francesco
di Sales. Turim, Tip. Salesiana, 1881, OE XXXII, p. 127-258.
La figlia cristiana provveduta per la pratica dei suoi doveri negli esercizi di cristiana
pietà per la recita dell’Uffizio della B. V. de’ Vespri di tutto l’anno e dell’Uffizio dei
Morti coll’aggiunta di una scelta di laudi sacre, quarta edizione. Turim, Tip. e libr.
salesiana, 1883, OE XXXIII, p. 180-673.
Fondamenti della cattolica religione. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales,
1872, OE XXIV, p. 503-545.
La forza della buona educazione. Curioso episodio contemporaneo. Turim, Tip.
Paravia e Comp., 1855, OE VI, p. 275-386.
Il Galantuomo. Almanacco Nazionale pel 1855 coll’aggiunta di varie utili curio-
sità. Anno II. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini, 1854, OE VI, p. 1-36 (forse di Don
Bosco per il contenuto, ma non per la veste letteratia, il Dialogo intorno alla sacra-
mental confessione).
Il Galantuomo. Almanacco Nazionale pel 1856 coll’aggiunta di varie utili curiosità.
Anno III. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini, 1855, OE VI, p. 487-509 (è attribuito a Don
Bosco, non senza legittime perplessità, il discorso de Il Galantuomo a’ suoi amici).
Il Galantuomo. Almanacco Nazionale per l’Anno Comune ed Embolismale 1859
aggiuntevi varie utili letture. Anno VI. Turim, Tip. Paravia, 1858, OE XI, p. 139-148.
Il Galantuomo. Almanacco Piemontese-Lombardo per l’anno bisestile 1860 aggiun-
tevi varie letture. Anno VII. Turim, Tip. Paravia e Comp. 1859, OE XII, p. 113-120
(sulla guerra del 1859 e temuta per il 1860).
Il Galantuomo e le sue profezie. Almanacco Piemontese-Lombardo pel 1861. Anno
VIII. Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1860, OE XII, p. 497-504 (Il Galantuomo ai
suoi amici: Le profezie dell’anno scorso 1860 e Presentimenti sull’anno 1861).
Il Galantuomo e le sue profezie. Almanacco Piemontese-Lombardo pel 1862. Anno
IX. Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp. 1861, OE p. 319-335 (Il Galantuomo a’ suoi
amici: Le profezie dello scorso 1861 e Gli avvenimenti del 1862).

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694 Bibliografia
Il Galantuomo. Strenna offerta ai cattolici italiani. Almanacco pell’annobisestile
1864. Anno XI. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1863 (forse di Don
Bosco, Due parole agli amici, p. 3-4).
Il Galantuomo e le sue avventure. Almanacco Nazionale per l’anno 1865. Strenna
offerta ai cattolici italiani. Anno XII. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales,
1864, OE XV, p. 437-468 (forse di Don Bosco la Prefazione in cui parlandosi di
carote, di patate, di cavoli cabusi, si contano in confidenza ai lettori alcune traversie
del Galantuomo sulla “politica”, p. 3-13).
Il Galantuomo. Almanacco. Per l’anno 1866. Anno XIII. Strenna offerta agli
Associati alle Lett. Cattoliche. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1865, OE
XVI, p. 469-494 (Il Galantuomo ai suoi amici).
Il Galantuomo. Almanacco per l’anno bisestile 1868. Anno XVI. Strenna offerta
agli Associati alle Letture Cattoliche. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales,
1867, OE XVIII, p. 311-324 (Il Galantuomo di ritorno da un viaggio ai benevoli suoi
amici. a Roma per il Centenario di S. Pietro, p. 3-10).
Il Galantuomo. Almanacco per l’anno 1869. Anno XVII. Strenna offerta agli
Associati alle Lett. Cattoliche. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales 1868, OE
XXI, p. 177-182 (Cari Lettori: le “astuzie dei protestanti per rapire la fede ai cattolici”,
p. 3-49).
Il Galantuomo. Almanacco per l’anno 1870. Anno XVIII. Strenna offerta agli
Associati alle Letture Cattoliche. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales 1869,
OE XXII, p. 243-250 (Il Galantuomo a’ suoi lettori ed amici: la malattia del tempo, lo
spirito di sovversione e a rimedio l’indizione del Concilio ecumenico).
Il Galantuomo. Almanacco per l’anno 1871. Anno XIX. Strenna offerta agli Associati
alle Letture Cattoliche. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1870, OE XXII,
p. 379-398.
Il Galantuomo. Almanacco per l’anno bisestile 1872. Anno XX. Strenna offerta agli
Associati alle Letture Cattoliche. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1871,
OE XXIV, p. 467-486.
Il Galantuomo. Almanacco per l’anno 1873. Anno XXI. Strenna offerta agli Associati
alle Letture Cattoliche. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1872, OE XXV,
p. 1-16 (Il Galantuomo ai suoi amici con l’invito ad “associarsi”).
Il Galantuomo. Almanacco per l’anno 1874. Anno XXII. Strenna offerta agli
Associati alle Letture Cattoliche. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1873,
OE XXV, p. 85-100.
Il Galantuomo. Almanacco per l’anno 1879. Anno XXVII. Strenna offerta agli
Associati alle Letture Cattoliche. Turim. Tip. Salesiana, 1878, OE XXX, p. 431-438
(Il Galantuomo a’ suoi amici: ispirate a Don Bosco le pagine sulla morte e la memoria
di Pio IX).
Germano l’ebanista o gli effetti di un buon consiglio. Appendice: Ricordi, p. 76-79.
Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1862, OE XIV, p. 305-310.
Il giovane provveduto per la pratica de’ suoi doveri degli esercizi di cristiana pietà
per la recita dell’uffizio della Beata Vergine e de’ principali Vespri dell’anno coll’ag-

70.5 Page 695

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Bibliografia 695
giunta di una scelta di laudi sacre ecc. Turim, Tip. Paravia e Comp., 1847, OE II, p.
183-532; Nuova edizione accresciuta. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales,
1863, OE XIV, p. 345-361; Edizione quarantesima seconda. Turim, Tip. dell’Oratorio
di S. Franc. di Sales, 1875, OE XXVI 2-184; 101°. Edizione. Turim, Tip. e libr. sale-
siana, 1885, OE XXXV, p. 130-648.
Il giubileo e pratiche divote per la visita delle chiese. Turim, Tip. dir. da P.
De-Agostini, 1854, OE V, p. 479-542.
Il giubileo del 1875. Sua istituzione e pratiche divote per la visita delle chiese.
Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1875, OE XXVI, p. 187-301.
Inaugurazione del patronato di S. Pietro in Nizza a Mare. Scopo del medesimo
esposto dal Sacerdote Giovanni Bosco con appendice sul sistema preventivo nella
educazione della gioventù. Turim, Tip. e libr. salesiana, 1877, 37p.; [Edizione bilingue]
Inaugurazione... – Inauguration, 68p., OE XXVIII, p. 380-446.
Industrie spirituale secondo il bisogno dei tempi per Giuseppe Frassinetti aggiunta
l’operetta Il Papa. Questioni del giorno per M. Ségur. Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp.,
1860, OE XII, p. 123-144 (Anno VIII delle Letture Cattoliche).
Il più bel fiore del Collegio Apostolico ossia la elezione di Leone XIII con breve
biografia dei suoi elettori. Turim, Tip. e libr. salesiana, 1878, OE XXX, p. 1-288.
Introduzione al Piano di Regolamento per l’Oratorio maschile di S. Francesco di
Sales a Turim nella regione Valdocco. In: BRAIDO, P. Don Bosco per la gioventù
povera e abbandonata in due inediti del 1854 e del 1862. In: BRAIDO, P. (Ed.) Don
Bosco nella Chiesa a servizio dell’umanità. Roma, LAS, 1987, p. 34-36.
Lotteria di doni diversi a favore dei poveri giovanetti dell’ospizio di S. Vincenzo de’
Paoli in S. Pier d’ Arena approvata dalla R. prefettura di Genova con decreto 24 Luglio
1877. Elenco degli oggetti graziosamente donati. Gennaio 1878. S. Pier d’Arena, Tip.
di S. Vincenzo de Paoli, 1879, OE XXX, p. 441-446.
Lotteria d’oggetti posta sotto la speciale protezione delle Loro Altezze Reali il prin-
cipe Amedeo di Savoia duca d’Aosta colonnello nel 65 reggimento fanteria. Il prin-
cipe Eugenio di Carignano. La principessa Maria Elisabetta di Sassonia duchessa di
Genova. Il principe Tommaso di Savoia duca di Genova. La principessa Margherita
Maria Teresa... A favore degli Oratori maschili di Valdocco, di Porta Nuova e di
Vanchiglia in Torino e per l’ultimazione di una chiesa in Valdocco. Turim, Tip. dell’Ora-
torio di S. Franc. di Sales, 1865, OE XVI, p. 247-253.
Maniera facile per imparare la storia sacra ad uso del popolo cristiano. Turim, Tip.
Paravia e Compagnia, 1855, OE VI, p. 49-143.
Maraviglie della Madre di Dio invocata sotto il titolo di Maria Ausiliatrice. Raccolte
dal Sacerdote Giovanni Bosco. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1868,
OE XX, p. 192-376.
Maria Ausiliatrice col racconto di alcune grazie ottenute nel primo settenio della
Consacrazione della Chiesa a Lei dedicata in Torino. Turim, Tip. e libr. dell’Oratorio
di S. Francesco di Sales, 1875, OE XXVI, p. 304-624.
Massimino ossia incontro di un giovanetto con un Ministro Protestante sul
Campidoglio. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1874, OE XXV, p. 123-229.

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696 Bibliografia
Memorie dal 1841 al 1884-5-6. In: MOTTO, F. Memorie dal 1841 al 1884-5-6 pel sac.
Gio. Bosco a’suoi figliuoli Salesiani [Testamento spirituale], RSS 4 (1985), p. 73-130.
Il mese di maggio consacrato a Maria SS. Immacolata ad uso del popolo. Turim,
Tip. G. B. Paravia e Compagnia, 1858, OE X, p. 295-486.
Notitia brevis Societatis Sancti Francisci Salesiani et nonnulla decreta ad eamdem
spectantia. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1868, OE XVIII, p.
571-586.
Notizie storiche intorno al miracolo del SS. Sacramento avvenuto in Torino il
6 giugno 1453 con un cenno sul quarto centenario del 1853. Turim, Tip. dir. da P.
De-Agostini, 1853, OE V, p. 1-48.
Notizie storiche intorno al santuario di Nostra Signora della Pieve in vicinanza di
Ponzone diocesi di Acqui [1868], OE XVIII, p. 425-568 (s. l., s. e., s. d.).
Notizie storiche sul Convento e sul Santuario di Santa Maria delle Grazie presso
Nizza Monferrato. Nell’occasione faustissima che il Santuario veniva riaperto al divin
culto ed il convento tramutato in casa di educazione pel Sac. Francesco Arrigotti.
Turim, Tip. e Libr. salesiana, 1878 [di Don Bosco e su Don Bosco, p. 3-7, 60-76], OE
XXX, p. 405-428.
Nove giorni consacrati all’augusta Madre del Salvatore sotto al titolo di Maria
Ausiliatricce. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1870, OE XXII, p.
253-356.
Novella amena di un vecchio soldato di Napoleone I esposta dal sacerdote Bosco
Giovanni. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1862, OE XIV, p. 225-287.
Novelle e racconti tratti da vari Autori ad uso della Gioventù, Al benigno lettore.
La Direzione [p. 3-4]. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1867, OE XVII,
p. 393-456.
La nuvoletta del Carmelo ossia la divozione a Maria Ausiliatrice premiata di nuove
grazie. S. Pier d’Arena, Tip. e libr. di S. Vincenzo de’ Paoli, 1877, OE XXVIII, p.
449-565.
Opera di Maria Ausiliatrice per le vocazioni allo stato ecclesiastico benedetta e racco-
mandata dal Santo Padre Pio papa IX. Fossano, Tip. Saccone, 1875, OE XXVII, p. 1-8.
Opera di Maria Auxiliatrice per le vocazioni allo stato ecclesiastico. Eretta
nell’Ospizio di S. Vincenzo de’ Paoli in San Pier d’Arena. San Pier d’Arena, Tip. e libr.
di San Vincenzo de’ Paoli, 1877, OE XXIX, p. 1-28.
L’Oratorio di S. Francesco di Sales ospizio di beneficenza. Esposizione del Sacerdote
Giovanni Bosco. Turim, Tip. Salesiana, 1879, OE XXXI, p. 257-300.
La pace della Chiesa ossia il pontificato di S. Eusebio e S. Melchiade ultimi martiri
delle dieci persecuzioni. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1865, OE XVI,
p. 173-245.
I Papi da S. Pietro a Pio IX. Fatti storici. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di
Sales, 1868, OE XVIII, p. 327-422.
Una parola da amico all’esercito per Vittorio Marchale, con testimonianza di G.
Morelli Viva Maria Ausiliatrice! e nota di Don Bosco. Turim, Tip. dell’Oratorio di S.
Franc. di Sales, 1866, OE XVII, p. 145-152.

70.7 Page 697

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Bibliografia 697
Il pastorello delle Alpi ovvero vita del giovane Besucco Francesco d’Argentera.
Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1864, OE XV, p. 242-435.
La perda nascosta di S. E. il Cardinale Wiseman Arcivescovo di Westminster. Turim,
Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1866, OE XVII, p. 25-142 (ms allografo con
correzioni e aggiunte di Don Bosco).
Le perquisizioni. In: BRAIDO, P. e MOTTO, F. Don Bosco tra storia e leggenda
nella memoria su “Le perquisiozioni”. Testo critico e introduzione, RSS 8 (1989), p.
111-200.
La persecuzione di Decio e il pontificato di San Cornelio I. papa. Turim, Tip. G. B.
Paravia e Comp., 1859, OE XII, p. 1-111.
Il pontificato di S. Caio papa e martire. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di
Sales, 1863, OE XIV, p. 363-482.
Il pontificato di S. Dionigi con appendice sopra S. Gregorio Taumaturgo. Turim,
Tip. G. B. Paravia e Comp., 1861, OE XIII, p. 253-316.
Il pontificato di S. Felice primo e di S. Eutichiano papi e martiri. Turim, Tip.
dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1862, OE XIII, p. 339-434.
Il pontificato di S. Marcellino e di S. Marcello papi e martiri. Turim, Tip. dell’Ora-
torio di S. Franc. di Sales, 1864, OE XV, p. 1-115
Il pontificato di san Sisto II e le glorie di san Lorenzo martire. Turim, Tip. G. B.
Paravia e Comp., 1860, OE XII, p. 269-348.
Porta Teco Cristiano ovvero avvisi importanti intorno ai doveri del cristiano
acciocché ciascuno possa conseguire la propria salvezza nello stato in cui si trova.
Turim, Tip. G. B. Paravia, 1858, OE XI, p. 1-71.
Pratiche divote per l’adorazione del SS. Sacramento. Turim, Tip. dell’Oratorio di S.
Franc. di Sales, 1866, OE XVII, p. 263-278 (Invito alla frequente comunione: ma non
è stile di Don Bosco, anche se ne può condividere il contenuto).
Una preziosa parola ai figli ed alle figlie. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc.
di Sales, 1862, OE XII, p. 437-459 (non è stile di Don Bosco, anche se ne condivide,
certo, i contenuti).
Raccolta di curiosi avvenimenti contemporanei esposti dal sac. Bosco Giovanni.
Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini, 1854, OE V, p. 369-476.
Regolamento dell’Oratorio di S. Francesco di Sales per gli esterni. Turim, Tip.
Salesiana, 1877, OE XXIX, p. 31-94.
Regolamento per le case della Società di S. Francesco di Sales. Turim, Tip.
Salesiana, 1877, OE XXIX, p. 97-196.
Regole o Costituzioni della Società di S. Francesco di Sales secondo il decreto di
approvazione del 3 aprile 1874. Turim, 1875, OE XXVII, p. 10-99; Turim, 1877, OE
XXIX, p. 199-288.
Regole o Costituzioni per l’Istituto delle Figlie di Maria SS. Ausiliatrice aggre-
gate alla Società Salesiana. tt, Tip. e Libr. Salesiana, 1878, OE XXX, p. 291-354;
... Salesiana approvate da varii vescovi tra cui l’eminentissimo cardinale Gaetano
Alimonda arcivescovo di Torino. Turim (= S. Benigno Canavese, Tip. Salesiana), 1885,
120p.

70.8 Page 698

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698 Bibliografia
Regulae Societatis S. Francisci Salesii. Augustae Taurinorum, Ex Typys Asceterii
Salesiani, 1867, OE XVIII, p. 267-301.
Regulae Societatis S. Francisci Salesii. Augustae Taurinorum, Ex Officina Asceterii
Salesiani, 1873, OE XXV, p. 35-72.
Regulae Societatis S. Francisci Salesii. Romae, typis S. C. de Propaganda Fide,
1874, OE XXV, p. 253-292.
Regulae Societatis S. Francisci Salesii. Romae, typis S. C. de Propaganda Fide,
1874, OE XXV, p. 295-333.
Regulae seu Constitutiones Societatis S. Francisci Salesii. Juxta Approbationis
decretum die 3 Aprilis, 1874. Augustae Taurinorum, Ex Officina Asceterii Salesiani,
1874, OE XXV, p. 412-460.
Ricordi dati ai religiosi Salesiani il giorno 11 novembre [1875] nell’atto che partivano
dalla chiesa di Maria A. per intraprendere il viaggio alla Repubblica Argentina – editi a
cura di BORREGO, J. I Ricordi ai missionari” (1875). In: BOSCO, G. Scritti pedago-
gici e spirituali a cura di J. Borrego e al. Roma, LAS, 1987, p. 103-123 (cfr. BRAIDO, P.
Ed., Don Bosco educatore. Scritti e testimonianze. Roma, LAS, 1997, p. 199-204).
Ricordi confidenziali ai direttori. In: MOTTO, F. I “Ricordi confidenziali ai diret-
tori” di Don Bosco, RSS 3 (1984), p. 125-166.
Rimembranza di una solennità in onore di Maria Ausiliatrice. Turim, Tip. dell’Ora-
torio di S. Franc. di Sales, 1868, OE XXI, p. 1-174.
Saggio dei figliuoli dell’Oratorio di San Francesco di Sales sopra la storia sacra
dell’Antico Testamento / 15 agosto 1848 ore 4 pomeridiane. Turim, Tip. G. B. Paravia
e Comp., 1848.
Saggio che danno i figliuoli dell’Oratorio di S. Francesco di Sales sul sistema
metrico decimale in forma di dialogo il 16 dicembre 1849 alle 2 pomeridiane. Assiste
l’ill.mo professore D. G. Ant. Rayneri. Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1849.
Sagra Congregazione de’ Vescovi e Regolari. Consultazione per la Congregazione
speciale... Taurinen. seu Societatis S. Francisci Salesii super literis dimissorialibus, et
communicatione privilegiorum. Roma, Tip. Poliglotta della S. C. di Propaganda, 1875,
OE XXVII, p. 101-143.
Sancti Hieronymi de viris illustribus liber singularis. Vitae S. Pauli primi eremitae,
Hilarionis eremitae, Malchi monaci, et Epistolae selectae. Augustae Taurinorum,
Officina Asceterii Salesiani, 1875, OE XXVII, p. 157-164.
Scelta di laudi sacre ad uso delle Missioni e di altre opportunità della Chiesa
[1880], OE XXXI, p. 303-382.
Le scuole di beneficenza dell’Oratorio di S. Francesco di Sales in Torino davanti al
Consiglio di Stato. Turim, Tip. Salesiana, 1879, OE XXX, p. 449-480.
Severino ossia avventure di un giovane alpigiano raccontate da lui medesimo ed
esposte dal sacerdote Giovanni Bosco. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales,
1868, OE XX, p. 1-189.
Il sistema metrico decimale ridotto a semplicità preceduto dalle quattro prime
operazioni dell’aritmetica ad uso degli artigiani e della gente di campagna. Turim, per
Gio. Battista Paravia e Comp. tipografi-librai, 1849, OE IV, 1-80.

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Bibliografia 699
Il sistema preventivo nella educazione della gioventù. Introduzione e testi critici a
cura di Pietro Braido, RSS 4 (1985), p. 171-321.
Società di mutuo soccorso di alcuni individui della compagnia di San Luigi eretta
nell’Oratorio di San Francesco di Sales. Turim, Tip. Speirani e Ferrero, 1850, OE IV,
p. 83-90.
Società di S. Francesco di Sales Anno 1872. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc.
di Sales, 1872, OE XXIV, p. 489-500; Anno 1874, OE XXV, p. 463-469; Anno 1877,
OE XXIX, p. 335-374; Anno 1879, OE XXXI, p. 1-59; Anno 1880, OE XXXI, p.
391-439.
Societas S. Francisci Salesii. De Societate S. Francisci Salesii brevis notitia et
nonnulla decreta ad eamdem spectantia. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales,
1873, OE XXV, p. 103-121.
La storia d’Italia raccontata alla gioventù da’ suoi primi abitatori sino ai nostri
giorni corredata da una Carta Geografica d’Italia. Turim, Tip. Paravia e Compagnia,
1855, VII, p. 1-561.
La storia d’Italia raccontata alla gioventù da’ suoi primi abitatori sino ai nostri
giorni con analoga Carta Geografica d’Italia, 18a. Edizione. Turim, Tip. e Libr.
Salesiana, 1887, OE XXXVII, p. 1-558.
Storia ecclesiastica ad uso delle scuole utile per ogni ceto di persone. Dedicata
all’Onorat.mo Signore F. Ervé de la Croix provinciale dei fratelli D. I. D. S. C. Compilata
dal sacerdote B. G. Turim, Tip. Speirani e Ferrero, 1845, OE i, p. 160-556.
Storia ecclesiastica ad uso della gioventù utile ad ogni grado di persone, quarta
edizione migliorata. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1871, OE XXIV,
p. 1-464.
Storia sacra per uso delle scuole utile ad ogni stato di persone arricchita di
analoghe incisioni. Compilata dal sacerdote Giovanni Bosco. Turim, dai tipografi-
editori Speirani e Ferrero, 1847, OE III, 2-212; Edizione 2.a migliorata. Turim, dai
tipografi-editori Speirani e Tortone, 1853, 200p.; ... analoghe incisioni e di una carta
geografica della Terra Santa, edizione decima. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di
Sales, 1876, OE XXVII, p. 207-472.
Unione cristiana. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1874, OE XXV,
p. 403-410.
Valentino o la vocazione impedita. Episodio contemporaneo. Turim, Tip. dell’Ora-
torio di S. Franc. di Sales, 1866, OE XVII, p. 179-242.
Vita de’ sommi pontefici S. Anacleto, S. Evaristo, S. Alessandro I. Turim, Tip. di G.
B. Paravia e Comp., 1857, OE IX, p. 445-524.
Vita de’ sommi pontefici S. Aniceto, S. Sotero, S. Eleuterio, S. Vittore e S. Zeffirino.
Turim, Tip. G. B. Paravia e Compagnia, 1858, OE X, p. 205-292.
Vita de’ sommi pontefici S. Lino, S. Cleto. S. Clemente. Turim, Tip. di G. B. Paravia
e Comp., 1857, OE IX, p. 337-443.
Vita della beata Maria degli Angeli Carmelitana scalza torinese. Turim, Tip.
dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1865, OE XVI, p. 274-466.

70.10 Page 700

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700 Bibliografia
Vita e martirio de’ sommi pontefici san Lucio I e santo Stefano I. Turim, Tip. G. B.
Paravia e Comp., 1860, OE XII, p. 147-266.
Vita de’ sommi pontefici S. Sisto, S. Telesforo, S. Igino, S. Pio I, con appendice sopra
S. Giustino apologista della religione. Turim, Tip. di G. B. Paravia e Comp., 1857, OE
X, p. 1-95.
Vita dei sommi pontefici S. Ponziano, S. Antero e S. Fabiano. Turim, Tip. G. B.
Paravia e Comp., 1859, OE XI, p. 409-508.
Vita del giovanetto Sávio Domenico allievo dell’Oratorio di San Francesco di Sales.
Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1859, OE XI, p. 150-292.
Vita del sommo pontefice S. Callisto I. Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1858,
XI, p. 73-136.
Vita del sommo pontefice S. Urbano I. Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1859, OE
XI, p. 295-405.
Vita di S. Giovanni Battista. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1868,
OE XX, p. 379-442.
Vita di san Martino vescovo di Tours. Turim, Tip. Ribotta, 1855, OE VI, p.
389-484.
Vita di S. Pancrazio martire con appendice sul Santuario a lui dedicato vicino a
Pianezza. Turim, Tip. di G. B. Paravia e Comp., 1856, OE VIII, p. 195-290.
Vita di S. Paolo apostolo dottore delle genti. Turim, Tip. di G. B. Paravia e Comp.,
1857, OE IX, p. 167-334.
Vita di San Pietro principe degli apostoli Primo Papa dopo Gesù Cristo. Turim, Tip.
di G. B. Paravia e Comp., 1856, OE VIII, p. 293-473.
Vita di San Pietro principe degli Apostoli ed un Triduo in preparazione alla Festa
dei santi apostoli Pietro e Paolo. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1867,
OE XVIII, p. 243-265.
Vita di S. Policarpo vercovo di Smirne e martire e del suo discepolo S. Ireneo vescovo
di Lione e martire. Turim, Tip. di G. B. Paravia e Comp., 1857, OE X, p. 97-192.
Vita di Santa Zita serva e di Sant’Isidoro contadino. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini,
1853, OE V, p. 171-179.
Vita infelice di um novello apostata. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini, 1853, OE
V, p. 181-228.
CAVIGLIA, Alberto (a cura di). Opere e scritti editi e inediti di “Don Bosco”, vol.
I, t. 1 Storia sacra; t. 2 Storia ecclesiastica. Turim, SEI, 1929; vol. II, t. 1 e 2 Le Vite dei
Papi. Turim, SEI, 1932; vol. III. La storia d’Italia. Turim, SEI, 1935; vol. IV. t. 1 e 2 La
vita di Domenico Savio e “Savio Domenico e Don Bosco”. Studio introduttivo. Turim,
SEI, 1943; vol. V Il primo libro di Don Bosco [Cenni sulla vita di Luigi Comollo] – Il
“Magone Michele”. Turim, SEI, 1965; vol. VI La vita di Besucco Francesco. Turim,
SEI, 1965.
BRAIDO, Pietro (Ed.). Don Bosco educatore. Scritti e testimonianze. Roma, LAS,
1997.

71 Pages 701-710

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71.1 Page 701

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Bibliografia 701
3. Fontes
3.1 Crônicas manuscritas (ASC – Roma)
BARBERIS, Giulio. Cronichetta – 15 cadernos (1875-1879).
__________. Cronaca – con la collaborazione di redattori “ascritti” o postnovizi –
20 quaderni, ASC A 001.
BERTO, Gioachino. Notizie. 1867.
__________. Avvisi – Ricordi – Notízie miracolose 1867, ASC A 0040205
__________. Raccolta di fatti – fatti e sogni di D. Bosco, asc a 0040301. – Fatti
particolari, vol. I – dal 9 sett. al 31 dic. 1867, ASC A 0040606.
__________. [Cronaca] 1868 – 2, ASC A 004.
__________. [Cronaca] 1868-1869, ASC A 0040607.
__________. Appunti sul viaggio di D. Bosco a Roma nel 1873, ASC A 0040402
__________. Appunti pel viaggio di D. Bosco a Roma 1877, ASC A 0040502.
__________. Appunti sui viaggi di D. Bosco a Roma 1879-1880, ASC A 0040504.
BONETTI, Giovanni. Memoria di alcuni fatti tratti dalle prediche o dalla storia
(Alli 17 ottobre 1858 ss.), ASC A 0040601.
__________. Annali I. 1860-1861, ASC A 0040602.
__________. Annali II. 1861-1862, ASC A 0040603.
__________. Annali III. 1862-1863, ASC A 0040604.
__________. Cronaca dell’anno 1864, ASC A 0040605.
LEMOYNE, Giovanni Battista. [Cronaca] 1864-1865, ASC A 0090102
__________. Ricordi di gabinetto, ASC A 0060803.
RUFFINO, Domenico. Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales n. 1, 1860.
__________. Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales n. 2, 1861.
__________. [Cronaca] 1861 1862 1863 1864 – Inc. “Le doti grandi e luminose”.
__________. Cronaca. 1861 1862 1863.
__________. Libro di esperienza, 1864.
__________. Libro dell’esperienza, 1865.
__________. ASC A 0120201.
__________. Rua Michele, [Cronaca] ASC A 0080401.
VIGLIETTI, Carlo. Cronaca di D. Bosco. 8 quad. dal 20 maggio 1884 al 31 gennaio
1888, ASC A 0090201.
3.2. Outras fontes manuscritas
Adunanze Capitolo Superiore – Verbali di Capitoli, dal 1859, ASC D 868.
Capitoli superiori ossia verbali delle radunanze che tenne il Capitolo Superiore
della Congregazione di S. Francesco di Sales, cominciando dal 10 Dicembre 1875, a
cura di Giulio Barberis, ASC D 869.

71.2 Page 702

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702 Bibliografia
Capitolo Superiore Verbali delle riunioni del Capitolo Superiore dal 1883ss., a
cura di Giovanni Battista Lemoybe, ASC D 868 – D 869.
Conferenze generali di S. Francesco di Sales, ASC D 577.
Documenti per scrivere la storia di D. Giovanni Bosco, ASC D 050-093.
3.3 Impressos
BARBERIS, Giulio. La repubblica Argentina e la Patagonia. Lettere dei Missionari
Salesiani. Turim, Tip. e Libr. Salesiana, 1877, OE XXIX, p. 291-317.
BRAIDO, Pietro. Don Bosco per la gioventù povera e abbandonata in due inediti
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dell’umanità. Roma, LAS, 1987, p. 13-81, mss orig. aut. di DB: Introduzione al Piano
di Regolamento dell’Oratorio maschile di S. Francesco di Sales in Torino, ASC A
2220101; Cenno storico dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, ASC D 4820104; Cenni
storici intorno all’Oratorio di S. Francesco di Sales, ASC A 2220102.
BRAIDO, Pietro. L’idea della Società Salesiana nel “Cenno istorico” di Don
Bosco del 1873/74, RSS 6 (1987), p. 245-331, ms orig. aut. di DB: Cenno istorico
della Società di S. Francesco di Sales e relativi schiarimenti, ASC A 2300102, ASC A
2300103 e A 2300104.
BRAIDO, Pietro - ARENAL, Rogélio L. Don Giovanni Battista Lemoyne attraverso
20 lettere a don Michele Rua, RSS 7 (1988), p. 89-170, mss orig. aut. di d. Lemoyne:
23 novembre 1865, ASC A 4410435; 20 giugno 1873, ASC A 4410421; giugno 1874,
ASC B 5400109; ottobre 1883, ASC A 4410422; 10 aprile 1884, ASC A 4410420; 10
aprile 1884, (con copia allegata) ASC A 4410423; 16 aprile 1884, ASC A 4410424;
19 aprile 1884, ASC A 4410425; 22 aprile 1884, ASC A 4410426; 23 aprile 1884,
ASC A 4410429; 24 aprile 1884, ASC A 4410427; 28 aprile 2884, ASC A 4410428;
5 maggio 1884, ASC A 4410430; 6 maggio 1884, ASC A 4410431, 9 maggio 1884,
ASC A 4410432; 12 maggio 1884, ASC A 4410434; 15 maggio 1884, ASC A 4410433;
luglio 1884; ASC A 4410430; 25 settembre 1894, ASC A 4410437; 30 settembre 1894,
ASC A 4410438.
BRAIDO, Pietro. Michele Rua precario “cronacista” di Don Bosco. Introduzione
e testi critici, RSS 8 (1989), p. 329-367, ms orig. aut. di don Rua: [Cronaca], ASC A
0080401.
BRAIDO, Pietro - MOTTO, Francesco. Don Bosco tra storia e leggenda nella
memoria su “Le perquisizioni”, RSS 8 (1989), p. 111-200, ms orig. aut. di DB: Le
perquisizioni, ASC A 2240101 e A 2240102.
BRAIDO, Pietro. Don Michele Rua primo autodidatta “Visitatore” salesiano.
Relazione di “ispezioni” nelle prime istituzioni educative fondate da Don Bosco, RSS
9 (1990), p. 97-179, ms orig. aut. di don Rua: Cose da esaminare, ASC Rua – Taccuini
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71.3 Page 703

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Don Bosco del 1875. Introduzione e testi critici, RSS 13 (1994), p. 361-448; Tratti di
vita religiosa salesiana... del 1877/1885. Introduzione e testi critici, RSS 14 (1995),
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DECANCQ, Bart. “Severino”. Studio dell’opuscolo con particolare attenzione al
“primo oratorio”, RSS 11 (1992), p. 221-318, mss orig. aut. di DB: Severino, ossia,
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GIRAUDO, Aldo. “Sacra Real Maestà”. Considerazioni intorno ad alcuni inediti
di Don Bosco, RSS 13 (1994), p. 267-313.
LEMOYNE, Giovanni B. Scene morali di famiglia esposte nella vita di Margherita
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civiltà secondo lo spirito di San Vicenzo de’ Paoli”. Analisi del lavoro redazionale
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0951007, A 0951008, A 0951009, A 0951010, A 0951011, A 0951012, A 0951013, A
0951014, A 0951015.
__________. Memorie dal 1841 al 1884-5-6 pel sac. Gio Bosco a’ suoi figliuoli
salesiani [Testamento spirituale], RSS 4 (1985), p. 73-130, ms orig. aut. di DB, ASC
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PAPES, Antonio. La formazione del salesiano coadiutore nel 1883, RSS 13 (1994),
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PRELLEZO, José Manuel. Valdocco dell’Ottocento tra reale e ideale (1866-1889).
Documenti e testimonianze. Roma, LAS, 1992, mss orig. aut.: CHIALA, C. e LAZZERO,
G. Diário dell’Oratorio di S. Francesco di Sales (p. 40-103), ASC A 0050503; RUA,
M. Conferenze e deliberazioni capitolari (p. 145-218), ASC A 4650101; LAZZERO,
G. Adunanze del capitolo della casa (p. 233-260), ASC F 583; Conferenze mensili (p.
261-270), ASC F 588.
__________. La “parte operaia” nelle case salesiane. Documenti e testimonianze
sulla formazione professionale (1883-1886), RSS 16 (1997), p. 353-391, mss orig. aut.
di vari, ASC D 579.
ROMERO, Cecilia. Sogni di Don Bosco. Edizione critica. Leumann (Turim), Elle
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Sogno di Lanzo e Domenico Savio, ASC A 2230306; 1881, Il manto con i diamanti e
la società salesiana, ASC A 2230308; 1883, Le Missioni d’America, ASC A 2230310;
1887, L’Ancella del Signore, ASC A 2230311.

71.4 Page 704

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704 Bibliografia
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en Barcelona. Barcelona, Tibidabo, 1966.
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BELASIO, A. M. Della vera scuola per ravviare la società pel prof. teol. missio-
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BODRATO, Francesco. Epistolario. Introduzione, testo critico e note a cura di B.
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BORREGO, Jesús. Giovanni Battista Baccino, Estudio y edición crítica de su
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BRACCO, Giuseppe (a cura di), Torino e Don Bosco, vol. I. Saggi; vol. II. Immagini
realizzate da Mario Serra; vol. III. Documenti scelti da Rosanna Roccia. Turim,
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__________. “Memorie” del futuro, RSS 11 (1992), p. 97-127.
__________. Buon cristiano e onesto cittadino. Una formula dell’ “umanesimo
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__________. Il sistema preventivo di Don Bosco alle origini (1841-1862). Il
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__________. “Poveri e abbandonati, pericolanti e pericolosi”: pedagogia, assi-
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__________ (Ed.). Don Bosco educatore. Scritti e testimonianze. Roma, LAS,
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__________. Prevenire non reprimere. Il sistema educativo di Don Bosco. Roma,
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CARROZZINO, Michela. Don Guanella e Don Bosco. Storia di un incontro e di un
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CAVIGLIA, Alberto. “Don Bosco”. Profilo storico. Turim, SEI, 1934.
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In: La formazione permanente interpella gli Istituti religiosi. Leumann (Turim), LDC,
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APORTI, Ferrante. Scritti pedagogici editi e inediti, a cura di Angiolo Gambaro, 2
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APPENDINO, Filippo N. Chiesa e società nella II metà del XIX secolo in Piemonte.
Casale Monferrato, Edizioni P. Marietti, 1982.

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nale 1846-1849; vol. IV. Dalla rivoluzione nazionale all’Unità 1849-1860; vol. V. La
costituzione dello stato unitario 1860-1871; Lo sviluppo del capitalismo e del movi-
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72.3 Page 713

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ÍNDICE OnomÁstico
Abraão: 39.
Acquarona: 202 (27).
Agostinho s. Aurélio (354-430): 222,
252.
Aguilar Luigi Maria, bispo (1814-1896):
438.
Ajra Adele (1851-1918): 122.
Alasia Matteo: 230, 651.
Albera Paolo, reitor-mor (1845-1921):19,
21 (e 47), 63, 209, 239, 253, 264 (113),
301 (111), 353, 373 (131), 437, 446,
481, 504, 514, 537, 538, 539, 541
(e 129), 549, 583, 680.
Alberdi Ramón: 347 (142), 540 (123,
124), 596 (85), 599 (98, 99), 601
(108), 656 (8, 9), 657 (10), 663 (45).
Albert Federico, b. (1820-1876): 24 (e
59), 94 (e 6), 97 (e 22, 23), 212.
Albertario Davide, sac., jornalista
(1846-1902): 423.
Albertotti Giuseppe, médico: 547, 647.
Alfieri Vittorio (1749-1803): 566.
Afonso Maria s. de’ Liguori, fondatore,
bispo (1696-1787): 60, 68, 270, 272,
439, 502.
Alimonda Gaetano, arciv., card. (1818-
1891): 5, 7, 278, 381, 419, 467 (128),
471, 474, 486, 494, 499, 506, 507, 527,
545, 546 (e 10), 552 (e 46), 553 (e 50),
557, 561, 563, 564, 572, 580, 586, 587,
588, 589, 590, 606, 620, 622, 644, 645,
647, 651, 657, 658 (e 13, 16, 17), 659
(e 18, 19, 20).
Allamano Giuseppe, sac., fondatore, b.
(1851-1926): 62, 685, 686.
Allavena Giovanni (Pietro) (1855-1887):
144, 158, 387, 584, 586 (46).
Allegro Filippo, bispo (1829-1910): 201.
Allemand Jean Joseph, sac. (1792-1836):
344.
Allievo Giuseppe, pedagogista (1830-
1913): 23, 397, 398, 404 (e 54), 405,
407 (e 69), 408, 409, 410 (e 84).
Alloa Giovanna Angela: 70.
Aluffi Giovanni Battista (1846-1938):
339 (99), 404 (52), 405 (58).
Alzon Emmanuel d’, sac., fundador
(1810-1880): 516.
Amadei Angelo (1868-1945): 64, 167
(23), 455 (69), 525 (53), 553 (153).
Amari Michele, historiador, político
(1806-1889): 22.
Amat Villarios Fanny (1814-1882): 44.
Ambrogio, s. (339ca-397): 329.
Amedeo di Savoia, duca d’Aosta
(1845-1890): 695.
Ampugnani Francesco, sac. (1818-1882):
15.
Ancieu de la Bátie, comtes d’: 491.
Andolfi Gaetano: 487.
Andorno Giovanni Battista: 23.
Aneiros León Federico, arciv.
(1826-1894): 138, 151, 153 (96), 154,
160 (e 126), 228, 277, 278, 377, 380
(e 169, 171), 508.
Anfossi Giovanni Battista (1840-1913):
86, 302, 332, 334, 417.
Angela s. Merici, fundadora (1470/75-
1540): 58.
Angelini Antonio, s.j., epigrafista
(1809-1892): 329.
Anglesio Luigi, cônego.(1803-1881): 95.
Ansart André-Joseph (1723-1790ca.):
703.
Antonelli Giacomo, cardeal, segr. di
Stato (1806-1876): 47, 48, 49, 50 (212),
51, 101, 102, 142, 145.
Apollonio Giuseppe, bispo (1829-1903):
479.
Aporti Ferrante, pedagogista
(1791-1858): 706.
Appendino Felippo Natale: 706.
Arborio Mella Edoardo, arquiteto: 361.

72.4 Page 714

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714 Índice onomástico
Arecco Felicina: 74.
Arenal Llata Rogélio: 89 (137), 491 (99,
101, 102), 550 (31, 33, 34, 35), 551
(36, 37, 40) 553 (52), 556 (62, 63), 557
(70), 558 (73).
Ariosto Ludovico, poeta (1474-1533): 450.
Arnold s. Janssen, fundador (1837-
1909): 349.
Arrigotti Francesco: 125 (157), 696.
Astori Elisabetta: v. Bellavite
Astori Guido: 430 (195).
Astori Vincenzo Omobono: 479.
Aubert Roger, historiador: 707.
Aubineau Léon: 517 (23), 518 (25, 26),
519 (e 28), 521.
Audisio Roberto: 707.
Avigdor, fiação: 132.
Azeglio Massimo Taparelli d’Azeglio,
escritor, político (1798-1866): 450.
Bacchialoni Carlo: 23.
Baccino Giovanni Battista (1843-1877):
148, 153, 149, 376.
Balbo Bertone de Sambuy Ernesto
(1837-1909): 559.
Balbo Cesare (1850-1913): 39, 46, 126
(e 165, 170), 127, 462, 494.
Balbo, fam: 41, 42.
Balbo Prospero: 46.
Baldassari Francesco, bispo (1836-
1912): 478.
Ballesio Giacinto, cônego (1842-1917):
657, 662 (e 37, 38, 39, 40, 41).
Balma Giovanni Antonio, bispo (1817-
1881): 48.
Barale Pietro (1846-1934): 534 (e 93).
Barbe, sac.: 366.
Barberis Giulio (1847-1927): 5, 6, 7, 46,
34, 75, 104 (60), 105 (61, 62, 63, 64),
106 (66), 107 (67), 109 (79), 126 (163),
130 (e 1), 140, 141 (41), 143 (52), 146
(66), 147 (70, 71), 153 (e 98), 164 (5),
167 (e 22), 173 (46), 181 (82, 86), 182
(e 88, 89), 191 (122), 199 (6), 200 (16),
208 (e 56), 209 (e 60, 63), 215 (90),
216 (92, 93, 94), 217 (95, 96, 97, 98,
99, 100, 101, 103, 104), 218 (105, 106,
108, 109), 219 (110), 235, 236 (e 8, 9,
10, 11, 12), 238 (26), 243 (41), 250,
262, 264, 272, 236, 250 (e 65), 251
(66, 68, 69), 252 (70, 72), 254 (78), 255
(83, 84, 85, 86, 87, 88), 256 (89, 90),
257 (91, 92), 258 (93, 94), 259 (98, 99),
260 (101), 262, 263 (109, 110), 264
(e 112, 113, 116), 265 (117, 118), 271
(148, 149), 276 (2), 277 (e 3, 4), 278 (7,
12, 13), 281 (26), 285 (e 41, 43), 286
(48), 290 (66), 291 (72), 292 (e 76, 81),
293, 294 (84), 295 (92), 316 (1), 317
(3), 318 (4), 319 (5), 320 (6, 7), 321 (8,
9), 322 (10, 11), 323 (14, 15, 16, 19,
21), 324 (22, 26), 325 (33, 34), 355,
365 (83), 369 (104, 105), 370 (114),
372 (124), 397 (22), 401 (35), 454 (e
65, 66), 438 (1, 2), 447 (48, 49), 448
(50, 51), 449 (52, 53), 450 (54, 55, 56),
451 (58, 59), 452 (60, 61, 62, 63), 453
(64), 454 (e 65, 66), 455 (67, 68), 529,
528 (69, 73), 535, 532, 547, 548, 549,
576 (167), 625 (55), 649.
Baricco Pietro (1819-1877): 22 (52), 401.
Barolo Giulia Falletti di, fundadora
(1785-1864): 54, 63.
Barolo Tancredi Falletti di (1782-1838):
63.
Bartolini Domenico, card. (1813-1887):
416, 626.
Bassignana Paolo (1856-1924): 477.
Beauvoir Giuseppe (1850-1930): 381.
Beckx Pierre-Jean, (1795-1887): 413.
Beissière Léon (1869-1953): 539.
Belasio Antonio (1813-1889): 704.
Bellamy Charles (1852-1911): 539 (e
117).
Bellavite Elisabetta Astori (1812-1888):
479.
Belletrutti Filippo: 30 (89), 31.
Bellia Giacomo (1834-1908): 229.

72.5 Page 715

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Índice onomástico 715
Bellò Carlo: 439(6).
Belmonte Domenico (1843-1901): 153,
439, 533 (88), 607.
Belza Juan Esteban (1918-1989): 389
(169).
Benítez José Francisco (1796-1882):
138, 140 (39), 149, 150, 152, 159, 192.
Bent Michel: 514.
Bento XV, papa (1854-1922): 518.
Beraldi Giovanni (1864-1940): 584, 585
(35).
Berardi Giuseppe, cardeal. (1810-1878):
51, 75 (e 71), 85, 86, 95 (e 13), 96
(e 19), 101 (e 40), 105, 106, 108 (73),
172, 287, 330.
Bergasse, empreendedor: 159, 368, 574,
575, 598.
Berisi Pier José (1824-1873): 22.
Bernezzo Maria de: 342.
Berrone Antonio: 578.
Bertagna Giovanni Battista, teol., bispo
(1828-1905): 30, 114, 205 (41), 421,
572, 652.
Bertello Giuseppe (1848-1910): 114, 398
(26), 397, 401, 405, 406, 407 (e 70),
462, 464.
Bertetto Domenico (1914-1988): 659
(22), 670 (94).
Berti Domenico, político (1820-1897):
398.
Bertinetti Carlo (1793-1868): 125.
Bertinetti Ottavia (1796-1869): 125.
Berto Gioachino (1847-1914): 45, 51,
75, 84 (110), 85, 105, 106, 160, 172
(41), 175, 185 (97), 200 (18), 206, 238,
276, 287 (e 55), 288 (60, 61, 62), 292
(79), 293, 302, 312, 330 (e 54), 332
(59), 334, 336, 345, 381 (e 179), 427,
428, 445 (39, 40), 485 (56), 515 (e 12),
549, 554, 559, 648, 701.
Bertoni Jovine Dina, pedagogista
(1898-1970): 707.
Bestenti, médico: 647.
Besucco Francesco (1850-1864): 216, 567.
Bethford Charlotte (1850-1929): 515.
Béthune, conde de: 136.
Bettazzi Luigi, bispo: 707.
Besucco Francesco (1850-1864):
Biale Lorenzo Giovanni, bispo (1785-
1877): 198 (e 4), 201.
Bianchi Angelo, card. (1817-1897): 335.
Bianchi Eugenio (1853-1931): 535.
Bianchi Raimondo, o. p.: 76, 83, 87, 166.
Bianco di Barbania Carlo Giacinto
(1803-1878): 42, 364.
Bianco Enzo: 180 (80).
Biffi Serafino (1822-1899): 25 (e 63).
Bilio Luigi, card. (1826-1884): 204, 206
(e 46), 275, 279, 280, 281 (26), 287,
315, 330.
Billuart Charles René, teol. (1685-1757):
502.
Biolchini, s. j.: 328.
Bismarck-Schönhausen Otto von,
estadista (1815-1898): 86.
Bizzarri Andrea Giuseppe, cardeal.
(1802-1877): 80, 85, 86, 87, 93 (3), 94,
95 (13), 102, 106 (e 65), 107, 111.
Blanchon, fam.: 570.
Blengini Maria: 70, 71.
Blengini Matteo: 70.
Boassi Andrea: 41 (156), 157.
Boaventura s. da Bagnoregio, teol.,
bispo, card. (1221-1274): 448.
Boccali Gabriele, prelado: 426, 427 (e 177).
Bodrato Francesco (1823-1880): 15, 73,
75, 124, 129, 137, 148, 153 (92), 155,
159, 160, 161, 257, 353, 361, 374 ( e
138), 375 (e 139, 140, 141), 376, 377,
379, 380 (167), 381, 382 (e 181, 182),
383, 387, 468 (136), 504, 508 (159),
685, 704.
Boisard Louis: 514.
Bologna Giuseppe (1847-1907): 157,
158, 202 (29), 260, 369, 372, 373, 413,
445 (e 33), 446 (e 43), 537 (e 109),
538, 619.
Bona Bartolomeu (1793-1876): 29 (81).

72.6 Page 716

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716 Índice onomástico
Bonaparte Giuseppe Carlo Girolamo
(1822-1891): 486.
Boncompagni conde: 406, 558.
Bonetti Giovanni (1838-1891): 17 (e 26,
29), 18 (30, 32, 33), 24, 32 (e 103), 33
(105), 34, 41, 44 (e 182), 45, 54 (1),
74, 125, 126, 181, 182 (e 89), 190, 205,
219 (e 112), 220, 221, 222, 223, 225
(135, 137, 140, 141), 227 (145), 235
(7), 237, 238, 243 (e 43), 246, 249 (e
56), 257, 302, 320, 335, 336, 341, 345,
356, 357, 362, 363 (61), 401, 402, 417,
418, 419, 420, 421, 422, 423, 424, 425,
426, 427, 428, 129, 430, 431 (e 201),
432, 442, 447 (49), 452, 458, 462, 464,
465, 467, 469 (e 138), 470, 471, 485,
499 (133), 528, 533 (87), 545, 546,
549, 550 (32), 554, 558, 572, 573, 605,
649, 652, 701.
Bonmartini Mainardi, condessa: 545 (4),
570.
Bonomelli Geremia, bispo (1831-1914):
430 (195), 438, 440 (e 9), 423, 430
(195).
Bonora Paolo: 19.
Boraggini Giuseppe, bispo (1820-1897):
201.
Borghese Paolo, príncipe: 288.
Borghino Michele (1855-1929): 510
(e 168).
Borgna Giovanna (1862-1939): 123.
Borgonovo Giacomo: 344 (e 123).
Borrego Jesús:145 (64), 148 (73), 149
(74, 77), 153 (98), 678 (127), 698, 704,
706.
Borrelli, ch.: 81.
Borsarelli Rosa Maria: 707.
Bosco di Ruffino Ottavio (1840-1909):
622.
Bosco Eulalia (1866-1938): 462, 466 (e
125).
Bosco Francesco (1841-1911): 462.
Bosco Guiseppe Luigi (1813-1862): 462,
637.
Bosco Riccardi Enrichetta: 433.
Bosio Antonio, teol. († 1880): 44 (181).
Bosio Elisabetta: 21 (50).
Bossuet Jacques Bénigne, bispo (1627-
1704): 658.
Botta Luigi (1854-1927): 380.
Bottagisio Laura: 195 (138).
Bouix Marie-Dominique, canonista
(1808-1870): 394 (e 11), 395.
Bracco Giuseppe: 22 (51), 26 (72), 704.
Braido Pietro: 84 (114), 85 (115), 89
(137), 136 (30), 164 (1), 189 (113), 237
(17), 238 (28), 247 (52), 260 (100), 264
(113), 265 (121, 122), 266 (127), 270
(144, 147), 272 (151), 294 (85, 86),
295 (91), 297 (96), 299 (102, 105), 339
(101), 340 (103), 456 (76), 491 (100,
101, 102), 550 (31, 33, 34, 35), 557
(70) 558 (73), 581 (24), 678 (129), 679
(133), 689, 690, 691, 695, 697, 698,
699, 700, 702, 704.
Brancadoro Emma: 35.
Brancadoro, fam: 34.
Branda Giovanni Battista (1842-1927):
370 (115), 480, 481 (36), 540, 541 (e
129), 533 (89), 583 (e 31), 591, 598, 600.
Brandolini Rota Sigismondo, bispo
(1823-1908): 523 (e 48).
Bravo Gian Mario: 709.
Bresciani Antonio, s. j., romancista
(1799-1862): 450.
Brin Benedetto, eng., político
(1833-1898): 355, 357.
Brogly, sac.: 413.
Broquier, M.me: 373 (131), 634.
Brovia Carlo: 462.
Bruna Domenico (1850-1911): 440, 476.
Bruno Caytano, historiador: 148 (72),
308 (168), 507 (156).
Bruschi Giuseppe (1822-1901): 356.
Buffa, eng.: 605.
Bulferetti Luigi: 707.
Bussi Luigi (1848-1928): 462, 466, 469.
Butt John, bispo (1826-1899): 640.
Buyse Raymond, pedagogista (1889-

72.7 Page 717

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Índice onomástico 717
1874): 679.
Buzzetti Carlo, empresário (1829-1891):
25, 27, 28, 203.
Buzzetti Giosué, empresário
(1841-1902): 27, 28.
Buzzetti Giuseppe (1832-1891): 491,
534 (91).
Caamaño José Maria, político (1838-
1901): 622.
Cafagna Luigi: 707.
Caetano s. da Thiene, fundador (1480-
1547): 527.
Cagliero Cesare (1854-1899): 267, 269,
644 (163).
Cagliero Giovanni, bispo (1838-1926):
36, 41 (156), 53, 56, 66, 71, 73, 74, 113,
115, 120, 121, 122 (e 140), 123 (e 144),
1224, 126 (e 168), 127 (174), 129, 133,
137, 141, 142, 143, 144 (e 53), 145 (e
60, 61), 147, 148, 149 (e 75, 76), 150 (e
78, 79, 80), 151 (e 83), 152 (e 89), 153
(e 94, 95), 154 (e 100, 101, 102), 155
(e 103, 107), 156 (e 108, 111, 112, 113,
114), 157 (e 117), 158 (e 119, 120), 159
(e 122), 160 (126), 174 (e 54), 175 (55),
181 (e 85), 182 (89), 192 (e 129), 199
(e 9), 205, 209, 210 (64), 226, 254, 258,
266, 277, 281, 282, 285, 290, 301 (111),
302, 333, 354, 355, 359 (29), 373, 374,
375, 376, 377, 384, 385 (e 200, 202),
422, 426, 438, 441, 442, 447 (49), 448
(51), 451, 456, 460, 461, 462, 463, 464
(e 115), 465, 467 (e 130), 468, 472, 473,
475, 477, 480 (e 32), 481, 504, 505, 506,
507, 508 (e 159, 161), 509, 527 (65),
541 (e 129), 549, 556, 568 (116), 572,
575, 581 (e 25), 607 (e 142), 615, 620,
629, 636, 637 (129), 639, 643 (e 159),
645, 646, 648, 649, 650, 651, 652, 685.
Cagliero Giuseppe (1847-1874): 19, 73.
Cairoli Benedetto, político (1825-1889):
339, 383, 404, 409, 410, 414.
Calabiana Luigi Nazari di, arceb. (1808-
1893): 618.
Calandri Giovanni: 631 (91).
Calcagno Luigi (1857-1899): 389, 643.
Calderari Isabella (1844-1879): 44.
Calliano Tommaso (1853-1899): 359.
Callori Carlotta Balbo di Sambuy (1827-
1914): 16, 17, 25 (e 65), 34, 38, 40,
41, 42, 43, 44, 45 (e 187, 188), 61, 144
(58), 360, 384 (197), 493 (e 111), 571.
Callori, fam: 40, 41.
Callori Giulio Cesare (1847-1870): 42, 122.
Calosso Maria: 31.
Calvi Eusebio (1858-1923): 442.
Camburzano Giovanna, condessa: 364 (76).
Camburzano: v. Tettù di C.
Campana, fam: 40.
Campanella Emanuele, eng.: 336.
Campi Giuseppe (1843-1922): 120.
Candeloro Giorgio, historiador: 707.
Cane Felice (1869-1951): 301 (111).
Canepa Domenico (1858-1930): 607.
Cantagalli Giachino, bispo (1825-1912):
478.
Canton Carlo: 188.
Cantono Ceva: 365 (78).
Capello Paolo (1832-1884): 256.
Capetti Giselda (1896-1989): 470 (144),
472 (150, 151, 152).
Cappellano Filippo: 133 (e 16), 134.
Capponi Ferdinando, arceb. (1835-1903):
628.
Caracciolo Alberto, historiador: 707.
Carles de Ferrer, fam.: 602.
Carlos Alberto di Savoria Carignano, rei
de Sardenha (1898-1849): 341.
Carlo s. Borromeu, arceb., card. (1538-
1584): 216, 305, 430.
Carpignano Felice (1810-1888): 303.
Carranza Viamont Eduardo: 192 (124),
193 (131).
Carrozzino Michela: 207, (51, 53, 54),
208 (59), 210 (65, 67), 211 (71, 72, 73),

72.8 Page 718

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718 Índice onomástico
212 (77, 79), 704.
Cartier Luigi (1860-1945): 132 (9), 446.
Casali Brenno: 264 (133), 374 (138), 380
(167), 704.
Casalis Bartolomeo, prefeito (1825-
1903): 410.
Casanovas Rafael: 540 (123), 601 (108),
704.
Casati Gabrio, político (1798-1873):
398, 400, 402, 403, 404, 405, 406, 407,
409, 410, 440.
Casella Francesco: 439 (4, 5), 704.
Casella Mario: 342 (110), 562 (91).
Caselle Secondo (1914-1992): 704.
Casetta Pio (1848-1918): 36 (126).
Casoria Ludovico da, b., fondador (1814-
1885): 342 (e 111), 442, 482 (e 40).
Cassini Valentino (1851-1922): 386, 387,
389.
Cassulo Angela (1852-1917): 123.
Castagnetto Cesare Trabucco di, político
(1802-1888): 303,
Castano Luigi: 461 (103).
Castellani Armando (1914-1968): 99
(27), 707.
Castronovo Valerio: 707.
Catalá Albosa, bispo (1833-1899): 598,
600.
Cataldi Giuliano: 19.
Cataldi Guiseppe Luigi, banqueiro (1809-
1876): 19, 20, 30 (89), 225 (138).
Cataldi Parodi Luigia: 21, 549, 626.
Cataldi Raffaele: 203 (34), 624.
Catarina s. de Sena (1347-1380): 179,
674.
Catellino, casa: 25, 118, 121.
Caterini Prospero, card. (1795-1881):
80, 423.
Cauvin, sac.: 372.
Cavagliá Piera: 54 (2), 61 (26), 63 (34),
64 (37, 38), 65 (40), 66 (41, 43), 68
(48), 69 (50, 51), 70 (52, 53, 54), 71
(59), 72 (60), 73 (64, 65), 74 (67, 68),
121 (130), 122 (135), 126 (166, 168,
169), 127 (171), 199 (8), 347 (135),
461 (101), 462 (107), 470 (142), 560
(87) 705.
Cavalletti Girolamo: 562 (91).
Caviglia Alberto (1868-1943): 673 (112),
700, 705.
Cavina Giuseppe: 476, 477.
Cavour Camillo Benso di, estadista
(1810-1861): 130.
Cavriani Corradino Maria, bispo (1810-
1890): 523.
Cays Carlo (1813-1882): 132, 335, 371,
372 (124), 391, 393, 394, 396, 443, 444
(27, 29, 30).
Cays Luigi: 393.
Ceccarelli Pietro Bartolomeo (1842-
1893): 138, 140 (39), 141, 149, 150,
152, 155, 157, 192, 292.
Cecchetto Mario: 114 (94, 95), 280 (25).
Cecconi Eugenio, arceb. (1834-1888):
474, 475 (3), 626.
Centurione Giulia: 20.
Ceria Eugenio, memorialista, biógrafo
(1870-1957): 7, 109, 189, 237, 243
(43), 254.
Ceriana Giuseppe, banqueiro: 363, 365
(78).
Ceronetti Guido: 665 (61), 674 (117).
Cerrato Natale: 705.
Cerruti Cesare: 199.
Cerruti Francesco (1844-1917): 7 (4), 15
(e 19), 16, 55, 57, 198, 246, 269, 348
(e 145, 146), 446, 469, 547, 559, 573,
575, 576 (167), 586, 588 (e 50), 589,
590, 591, 592, 595, 597 (90), 600, 601,
604 (119), 605, 606, 607 (142), 622,
624, 628, 631, 644 (e 101), 645, 647,
648, 649, 652, 676.
Cerruti Giovanni Battista, bispo (1813-
1879): 19 (38).
César Antonio (1760-1828): 567.
Cesconi Zelia De Coincy: 493 (110).
Cessac, fam.: 682 (141).
Cessac-Montesquiou Paul.: 540.

72.9 Page 719

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Índice onomástico 719
Cessac-Montesquiou condessa: 540.
Ceva Giacomo (1851-1916): 389.
Chabod Federico, historiador (1901-1960):
339 (100).
Chambord Henri de Borbone, conde de:
136, 520, 524 (e 52), 525, 526 (e 59),
682 (141).
Chenu Marie-Dominique, o. p., teol.
(1895-1990): 674 (114).
Cherubini Luigi, musicista (1760-1842):
545.
Chevalier Louis: 707.
Chevoyon Louis: 516.
Chiala César (1837-1876): 146, 155, 210
(e 68), 260, 284, 377 (149), 504.
Chiapale Luigi: 81.
Chiatellino Michelangelo (1811-1891):
225 (139).
Chiaveroti Colombano, arciv. (1754-
1831): 673.
Chiaverotti sac.: 308, 310.
Chicco Stefano (1846-1881): 206, 439.
Chiesa Filippo, bispo (1839-1886): 443,
557.
Chigi Mario: 203 (e 35).
Chiocchetta Pietro: 705.
Chiuso Tomaso, can (1840-1904): 81, 89
(135, 136), 94 (8, 9), 102 (e 42, 45, 46),
103, 109, 142 (45), 173, 174 (52), 302,
305, 707.
Cholvy Gérard: 707.
Chopitea Serra Dorotea de (1816-1891):
540, 598, 599, 601.
Cianetti Raffaelle: 36 (126, 127).
Ciattino Giovanni (1823-1880): 57, 166.
Cibrario Luigi, político (1802-1870): 54.
Cícero Marco Tullio, orador (106-43 a.
C.): 252.
Cinzano Giovanni: 221, 268 (135), 311.
Cipolla Carlo Maria: 707.
Cipriano Carlo (1848-1894): 389.
Clara, senhora: 26 (70).
Clarac Luigia, fundadora (1817-1887):
62.
Clotilde de Savóia, rainha (1843-1911):
486, 493 (111).
Colapietra Raffaele: 707.
Colle, fam.: 193, 442, 491, 493, 548,
557, 573, 574, 625, 628.
Colle, Fleury Louis Antoine (1822-
1888):193, 194, 203 (34), 365 (e 80),
485, 490, 491, 492 (108), 547 (e 20),
551 (38), 558 (e 72), 568 (115), 569 (e
124), 570, 572, 573 (e 154), 575, 578,
579, 580, 586 (39, 47), 597, 605, 625,
626, 627, 629 (e 86), 631, 632, 633,
647.
Colle Louis (1864-1881): 485, 569.
Colle, Sophie Duchet (1830-1909): 194,
485, 493 (110), 569, 570 (129), 632.
Colombara Epifanio: 199 (8).
Colombero Giacomo (1835-1908): 707.
Colomiatti Emanuele, côn. (1846-1928):
302, 391, 424 (e 167), 425 (e 171), 426,
430, 431, 485, 685.
Comaschi Carlo, adv.: 359.
Combal Paul-Matthieu, médico: 548 (e
26), 602.
Combaud Ángèle de: 512, 515, 520.
Comollo Luigi (1817-1839): 567, 691.
Conestabile della Staffa Carlos (1854-
1882): 342 (e 111), 343 (112, 113, 114,
115, 116), 345.
Confortola Faustino (1841-1913): 439,
440, 475 (e 5, 6), 476 (e 9, 10), 499
(e 133).
Coniglione Carmelina: 481 (38), 484
(50), 487 (74), 489 (89), 495 (120).
Consolini Domenico, card. (1806-1884):
287, 550.
Contratto Modesto, bispo (1798-1867): 58.
Coppino Michele, político (1822-1901):
391, 400, 402 (e 42, 43, 45, 46), 403, 409.
Coriasco Giovanni Batista: 25.
Coriddi Gregorio: 280, 284.
Correnti Cesare (1815-1888): 29.
Corsanego Merli Luigi (1842-1924): 37.
Corsi di Bosnasco Gabriella Pelletta di

72.10 Page 720

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720 Índice onomástico
Cosombrato († 8 de abril de 1887): 35,
39, 40, 42, 43, 65, 125 (e 158), 126,
127, 571,
Corsi, Fam.: 21, 40, 41, 46, 47, 65 (39), 126.
Corsi Giacinto: 43.
Corsi Maria: 39, 42, 46.
Corsi Teresa: 35 (124).
Corte Pier Antonio, filósofo (1804-
1876): 114.
Costa Anna: 55 (2), 61 (26), 63 (34), 64
(37, 38), 65 (40), 66 (41, 43), 68 (48), 69
(50), 70 (52,, 53, 54), 71 (59), 72 (60),
73 (64, 65), 74 (67, 68), 121 (130), 122
(135), 126 (166, 168, 169), 137 (171,
173), 461 (101), 462 (107), 705.
Costa Bona E.: 130 (3).
Costa Rovílio: 707.
Costamagna Giacomo, bispo (1846-
1921): 53, 74, 120, 123, 137, 148, 193,
251, 273, 320, 353, 374, 378, 380 (e
169), 382, 383, 384 (197, 198), 385 (e
205), 386, 388, 448 (51), 504, 505 (e
149), 507 (155), 508 (159), 541 (129),
581, 582 (26), 587, 643 (160), 685.
Couderc Thérèse: v. Thérèse s.
Couillié Pierre Hector, arceb., card.
(1824-1912): 588.
Cras Pierre: 673 (113).
Cretoni Serafino, card. (1833-1909): 200
(18).
Crippa Luigi: 671 (100).
Crispi Francesco, político (1818-1901):
315, 337, 338, 339, 340, 341.
Cucco Giacomo, empresário: 489, 490.
Cuffia Francesco: 19, 269.
Cuffia Giacomo 269.
Cugini Francesco: 492.
Curci Carlo Maria (1810-1891): 451 (57).
Curé, sac.: 525 (53).
Czartoryski Augusto, príncipe (1858-
1893: 520, 615, 627, 634.
Czartoryski Ladislao, príncipe: 519, 615,
682 (141).
Dacquino Giacomo: 99 (27).
Daghero Caterina, superiora FMA
(1856-1924): 91, 122, 367, 437, 460,
462, 463 (113), 465, 472 (e 153), 652.
Daghero Giuseppe (1847-1912): 153, 206.
Daghero Rosa (1856-1930): 127.
Dalmazzo Francesco (1845-1895): 23,
202 (26), 220, 221, 222, 223, 239, 267,
356 (10), 357 (15), 364 (73), 381, 391,
414 (e 108), 415 (110), 421, 430 (e
197), 432, 440 (13), 483 (e 46, 49), 485
(e 56), 486, 487 (e 71, 77, 78), 488, 489
(e 86), 490 (e 93), 491 (e 98), 492, 494
(e 118), 495, 504 (e 147, 148),509, 545,
549, 552, 553, 554, 588, 623, 641.
Daneo Giovanni: 13 (9), 14 (13).
Daniele s. Comboni, fundador, bispo
(1831-1881): 588.
Dansette Adrien: 415 (113).
David Adele (1855-1897): 122.
De Agostini Tullio: 195 (140), 493 (111,
113), 545 (3), 586 (40).
Deambrogio Luigi (1912-1976): 705.
Deambrogio Angela (1840-1891): 74.
De Amicis Tito, prefeito (1836-1890): 399.
De Angelis Filippo, arceb., card. (1792-
1877): 63.
De Barruel Augustin: 513, 514, 537, 538,
653.
De Boni Luis Alberto: 707.
Decancq Bart: 703.
De Gaudenzi Pietro Giuseppe, bispo
(1812-1891): 48, 79 (90), 82 (e 105),
106 (65), 114, 182 (89), 31, 395, 396
(19).
Del Corso Mauro: 707.
Deleidi Anita: 54 (2).
Della Bona Giovanni, bispo (1814-1885):
639, 640.
Della Valle Francesco (1830-1898): 14 (e
10, 11, 13), 15 (16).
Della Volpe Francesco Salesio, card.
(1844-1916): 633.
De Luca Antonio Saverio, card. (1805-
1883): 86, 106 (65).
Demaria Vincenzo: 31.
Denegri Angela (1860-1881): 123.

73 Pages 721-730

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73.1 Page 721

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Índice onomástico 721
Denicotti: 411.
Deppert Luigi: 175 (57).
Depretis Agostinho, político (1813-
1887): 213, 400, 402, 411.
De Rosa Gabriele, historiador: 708.
De Sanctis Francesco, político (1817-
1883): 339, 409.
Desramaut Francis, historiador: 8 (e 10),
46 (195), 132 (9), 167 (23), 168 (24, 25,
26), 169 (31), 170 (32), 236 (13), 324
(27), 415 (114), 514 (8), 515 (14), 516
(17), 521 (42), 682 (e 140, 141, 142).
De Vecchi Cesare Maria di Val Cismon,
político (1884-1959): 408 (202).
De Vecchi Giovanni, maestro: 227.
Di Pietro Camillo, card. (1806-1884):
203, 204, 330, 380.
Dickson John: 640 (148), 641 (149, 150),
705.
Diekmann Herbert: 689.
Dionísio Areopagita (sec V VI): 191.
Dogliani Giuseppe, musicista (1849-
1934): 227, 228, 367.
Domingos s. Sávio (1842-1857): 216,
219, 220, 223, 370, 449, 700.
Dominici Enrichetta, b. (1829-1894): 53,
63, 69, 70.
Doreye, adv.: 641.
Doria, príncipe: 626.
Dotta Giovenale: 99 (28), 708.
Doutreloux Victor-Joseph, bispo (1837-
1901): 641, 643.
Drurart Albert: 641 (153).
Du Bourg Joseph: 520 (33), 525 (e 53).
Du Boÿs Albert (1804-1889): 347 (e 135,
136, 137, 138, 139, 140), 514, 560,
591, 682 (141).
Dufour Luigia: 560 (e 83), 571.
Dufour Oneto: 203 (34), 624 (44).
Du Gas Rosa: 373 (131), 571.
Dupanloup Antoine Félix, bispo (1802-
1878): 306, 499, 517.
Dupraz Angela: v. Giusiana Angela.
Dupraz, fam.: 209, 210.
Dupraz Giovanni Battista: 209, 210, 360,
443, 444.
Dupuy: 603 (e 115).
Duquesnay Alfred, bispo (1814-1884): 519.
Durando Celestino (1840-1907): 6, 69 (49),
205, 206 (48), 236, 397, 401, 405, 409,
438 (e 1), 439, 441, 443, 445, 447 (49),
451, 456, 479, 513, 538, 550, 560, 588,
591, 593, 613, 615, 640.
Durazzo Giacomo Filippo (1848-1874): 39
(139).
Durazzo Pallavicini Nina Teresa (1829-
1904): 19, 21.
Duros, banqueiro: 514.
Dusmet Giuseppe Benedetto, osb, arceb.,
card. (1818-1894): 627.
El Mahdi, Mohammed Ahmed (1844-
1885): 588.
Emiliani Achille: 477.
Emiliano p.: 119.
Enria Pedro (1841-1898): 642.
Enrico V di Borbone: v. Chambord Henri.
Entraigas Linarez Raúl Augustin (1901-
1977):138 (32), 380 (168).
Espiney Charles d’, médico: 315, 346
(e 129, 130, 131, 132, 133), 347, 349
(e 153), 540 (e 123), 548, 641.
Espinosa Mariano Antonio, vic. gen.,
bispo (1844-1923): 129, 138, 139, 149,
192, 378, 380 (e 169), 503, 504.
Eu d’: v. Orléans Gastone.
Eula Lorenzo, bispo (1829-1893): 166.
Faà di Bruno Francesco, fundador, b.
(1825-1888): 114 (e 94), 280.
Fabre Alessandro (1845-1923): 230, 523
(e 49).
Fabre, côn.: 202, 346, 681.
Fagnano Giuseppe, pref. ap. (1844-
1916): 149, 150, 158, 159, 374, 380,

73.2 Page 722

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722 Índice onomástico
383, 384, 385 (e 204), 469 (137), 505,
506, 582.
Farina Raffaele: 705.
Fasani Cesare († 1908 a 56 a.): 446.
Fascie Bartolomeo (1861-1937): 408 (75).
Fassati Azelia (1846-1921): 571, 631.
Fassati Domenico (1804-1878): 174, 209.
Fassati, fam.: 34, 41, 42.
Fassati Maria de Maistre (1824-1905):
34, 41 (152), 68.
Fassio Michele (1852-1936): 120, 386,
387.
Fattorini Emma: 708.
Febraro Stefano: 476 (e 12, 13), 486, 588
(54).
Feliú y Pérez Bartolomé: 604 (122).
Ferraris Lucio, canonista: 395.
Ferrè Pietro Maria, bispo (1815-1886):
35, 44, 498, 500.
Ferreira da Silva Antonio: 159 (121), 376
(142), 380 (171), 508 (159), 509 (164),
705.
Ferrettino Giovanna (1832-1881): 65, 460.
Ferrieri Innocenzo, card. (1876-1887): 275,
279, 283, 287, 288, 304 (e 120), 306, 308,
309, 310, 311, 312 (e 156, 158), 329, 330,
334 (e 73), 335, 363, 393, 394, 395, 396,
419, 458 (83, 84), 530, 549, 551, 552.
Ferté-Meun, conde de la: 134, 136.
Fessler Joseph, bispo (1813-1872): 532.
Festa Angelo (1867-1905): 469, 638, 643.
Filipe s. Neri, fundador (1515-1595):
670, 671.
Fiora Luigi: 55 (3).
Fiorani Luigi, sac.: 275, 280, 282, 283,
284, 285, 286, 287, 288, 289, 290, 304,
326, 327, 328, 329.
Fiore, adv.: 370 (111).
Fiorentino Carlo Maria: 81 (97), 708.
Fissore Celestino Matteo, arceb. (1814-
1889): 48, 94, 95, 96 (e 19, 20, 21),
256, 429.
Fissore Giuseppe, médico. (1821-1897):
559, 645, 648.
Flores Antonio, pres. do Equador (1888-
1892 [n. 1833]): 622.
Foeri Biaggio (1797-1874): 24 (59).
Font y Boter Joaquin de (1857-1916):
579, 604 (122).
Fontana Sandro: 708.
Forcade Théodor, arceb. (1816-1885): 442.
Forcheri, can.: 586.
Formento Luigi, arquiteto: 26, 27.
Fortis Alfonso, adv.: 395 (16).
Foschini Enrico (1861-1886): 477.
Fossati Antonio: 708.
Francisco s. de Sales, fundador (1567-
1622): 69, 179, 186, 187, 216, 239,
241, 256, 257, 272, 321, 351, 448, 453,
603, 636, 655, 661, 669, 670, 671, 673.
Francesconi Mario (1919-1989): 423
(156), 430 (195).
Francesia Giovanni Battista (1838-1930):
13 (2), 19, 23, 149, 160, 219 (e 113),
223 (e 128), 239, 269, 374, 478, 566
(108), 574, 651, 705.
Franchetti Domenico (1871-1960): 205
(41).
Franchi Alessandro, card. (1819-1878):
124, 142, 145, 151, 153, 154 (99), 157,
253, 279, 333, 336, 363, 377 (e 151),
505 (150).
Franco Secondo (1817-1893): 352, 450.
Franqueville Amable-Charles Franquet
de (1838-1901): 538, 539.
Fransoni Luigi, arceb. (1789-1862): 546,
709.
Franzelin Johann Baptist, s.j., teol., card.
(1816-1886): 506.
Frassinetti Giuseppe, b. (1804-1868): 57,
58 (e 10, 11, 13), 59 (e 14, 15, 16), 60,
64, 659.
Fratejacci Giovanni Battista († 1877): 105,
106.
Freppel Charles Émile, bispo (1827-
1891): 521 (e 41).
Frezia Silvio, con. (1830-1898): 22.
Frisetti Giovanni, cav.: 336.

73.3 Page 723

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Índice onomástico 723
Fumagalli Serafino (1855-1907): 515 (86).
Fumero Luigi: 230.
Furno Pietro (1858-1905): 640.
Fynn Enrique: 123 (146), 377.
Galletti Eugenio, bispo (1816-1879): 13
(3), 92, 93 (1).
Gallizia Pietro Giacinto (1662-1737): 256.
Gallo Pietro († 1920 a 70 a.): 268.
Galvagno Filippo: 35.
Gambaro Angiolo, pedagogista (1883-
1967): 706, 708.
Gambaro Cataldi Carolina: 20, 38, 225 (138).
Gambetta Léon, político (1838-1882): 371.
Garbari, fam. di Trento: 639.
Garelli Bartolomeu: 344, 347, 348, 579.
Garelli Caterina Francesca (1838-1896):
67, 70, 74.
Garelli Vincenzo, provedor (1818-1878):
32.
Garino Giovanni (1845-1908): 38, 239,
267 (131), 269.
Garrone: 209
Gasparri Pietro, card., secretário de Esta-
do (1852-1934): 518.
Gastaldi Bartolomeo, geólogo (1818-
1879): 302.
Gastaldi Lorentina: v. Mazé de la Roche.
Gastaldi Lorenzo, arceb. (1815-1883): 5,
22 (e 53), 28, 48, 53, 74, 77 (e 84), 78,
79, 80, 81 (e 99), 82 (e 103, 104), 83,
85, 87, 88, 89, 92, 93 (e 1, 3), 94 (7), 95
(15), 96, 97, 98, 99, 102, 103, 106, 109
(e 77, 79), 112, 113, 114 (e 95), 173,
174, 175 (e 61), 204, 251, 252, 278,
279, 301 (e 111), 302, 303, 305 (124,
125), 306, 309, 310, 311, 312, 313, 331,
332 (60), 334 (68), 335 (77), 336 (e 83),
337, 345, 362, 363 (e 61), 391, 393 (5,
6), 394, 395, 415, 416, 417 (e 129), 418
(131), 420, 421 (e 145, 147), 422, 423,
425, 426, 427, 428, 430 (e 193, 196),
432, 440, 513, 666, 676, 686.
Gastaldi Marianna: 302.
Gastini Carlo (1833-1902): 74, 229, 546.
Gauthier, vila: 135.
Gazelli Stanislau di Rossana, con. (1817-
1899): 47.
Gazzolo Giovanni Battista (1827-1895):
129, 138 (e 34(, 141, 152, 155, 156.
Gedda Teresa (1852-1917): 123.
Gemelli Agostino, psicólogo (1878-
1959): 708.
Genuardi Geraldo, bispo (1839-1904): 442.
Germano Carlo: 230, 557.
Ghiglini Poleri Fanny Tini (1811-1887): 21.
Ghilardi Giovanni Tommaso, bispo
(1800-1873): 30 (85).
Ghilardi Nicolò, vesc (1827-1904): 355.
Ghione Anacleto (1855-1925): 533 (87).
Ghivarello Carlo (1835-1913): 239, 249,
361, 367, 447 (49).
Giacomelli Giovanni (1820-1901): 644.
Giacomuzzi Biagio: 206.
Giannatelli Roberto: 670 (94).
Gianotti Saverio: 689.
Gignoux: 136.
Gioia Vincenzo (1854-1890): 144.
Giordani Domenico, sac.: 348, 349
(e 149, 150).
Giordano Felice (1814-1904): 690.
Giordano Lorenzo (1856-1919): 510
(167), 584, 585.
Giovanna Francesca s. Frémyot de
Chantal (1572-1641): 187, 466.
Giovannini Enrico: 257 (e 91).
Giraudi Fedele (1875-1964): 705.
Giraudo Aldo: 703, 708.
Girino O.: 22 (51).
Giriodi Carlo (1805-1878): 40.
Girolamo da Spino d’Adda: 288.
Giuseppe Benedetto s. Cottolengo,
fundador (1786-1842): 95, 207.
Giuseppe s. Cafasso (1811-1860): 59, 62,
70, 82, 342, 639, 673, 685, 686.
Giusiana Angela (1774-1844): 210, 443,
444.
Giusti Giuseppe, bispo (1814-1897):
626, 661

73.4 Page 724

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724 Índice onomástico
Goffi Tullo (1916-1996): 708.
Golzio Eurosia: 31 (98).
Golzio Felice (1807-1873): 424.
Gondi Carmes Maria (1846-1885): 34,
37, 38, 175.
Gonzáles y Días Tuñon Cefirino, arceb.,
card. (1831-1894): 481.
Gousset Tommaso, arceb., card. (1792-
1866): 502.
Gradenigo, fam.: 359.
Grazioli Valentino: 490.
Gregory Tullio: 709.
Gribaudi Giovanni, médico: 32.
Griseri Giuseppe: 660 (26).
Griva, sac.: 632.
Grosso Maria (1855-1876): 73.
Grouling de: 549.
Guala Luigi, teol. (1775-1848): 673.
Guanella Luigi, fundador, b. (1842-
1915): 96, 103 (e 52), 131, 197, 209 (e
51, 53, 54), 208 (e 59), 209, 210 (e 65,
67, 69), 211 (e 70, 71, 72, 73), 212 (e
77, 79), 256, 258, 443, 676.
Guarino Giuseppe, arceb., card. (1827-
1897): 441 (18), 442, 551.
Guasco Maurilio: 709.
Guelfi Enrico: 133 (e 16).
Guers E.: 516 (15).
Guibert Joseph Hippolyte, arceb., card.
(1802-1886): 371, 516.
Guidazio Pietro (1841-1902): 75, 206,
267, 269, 442, 534 (90).
Guigon Mario: 492 (108).
Guiol Clemente, con.: 175, 344 (118),
367, 368 (e 101), 369, 370 (e 109, 110),
371 (e 118, 120, 123), 372 (e 126, 127,
128), 373 (e 132), 413, 414 (e 102,
104), 445, 513, 549.
Guiol Louis: 513, 514.
Gusmano Calogero (1872-1835): 264
(113).
Harmel Léon (1829-1915): 521, 682
(141).
Hassun Antonio Pietro IX, patriarca,
card. († 1884): 506.
Haydn Franz Joseph, musicista (1732-
1809): 590, 618.
Henrique s., imperador (973-1024): 525.
Héraud Aimé de Chateaunef (1821-
1902): 131, 132, 134, 135, 492 (108),
549.
Hilaire Yves-Marie: 707.
Hohenlohe Gustav Adolf von, card.
(1841-1896): 204.
Hulst de Hauteroche Maurice d’ (1841-
1896): 538, 539.
Inácio de Loyola, fundador (1491-1556):
240, 671.
Insolera Italo: 483 (48).
Isabel Cristina: v. Oléans Isabel Cristina.
Itzaina John: 194 (134).
Jacicni Stefano (1886-1852): 50.
Jackson Elena (1851-1881): 123 (e 146),
193 (e 130).
Jacobini Angelo, card. (1825-1886): 550.
Jacobini Domenico, card. (1837-1900):
205, 287, 381, 504, 505, 506, 507 (e
156), 562, 587, 589.
Jacobini Ludovico, card. (1832-1887):
431.
Jacques, M.me: 373 (131), 446, 549, 571.
Jandet Angela: 69.
Janssen Johannes, sac. (1853-1898): 349,
350 (155).
Jean Baptiste s. de la Salle, fundador
(1651-1719): 661, 668.
Jemolo Arturo Carlo (1891-1981): 708.
Jerônimo s. (347ca-420): 252, 430, 448,
582.
Jerônimo s. Emiliani, fundador (1486-
1537): 661.
João Batista s.: 629 (e 86).
João Evangelista s.: 216.
Joaquim s.: 555.
Josse j.: 520.

73.5 Page 725

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Índice onomástico 725
José s. Calasanz, fundador (1557-1648):
396, 661, 668.
Jover, fam.: 598.
Juliá José: 601
Kirby Tobias, bispo (1803-1895): 287,
626, 640.
Kleutgen Joseph Wilhelm Karl, s.j., teol.
(1811-1883): 423 (157).
Kolping Adolf, educador social (1813-
1865): 350.
Kriekemans Albert, pedagogista (1906-
1985): 679.
Lacerda Pedro Maria, bispo (1830-
1890): 160, 377, 509.
Lacombe Amalie: 493 (110).
Lacordaire Henri, o. p., orador (1802-
1861): 658.
Lallemand, M.elle: 365 (78).
Lamarmora Alfonso, gen., político
(1804-1878): 368 (99).
Lanfranchi Vincenzo: 23, 46, 89.
Lansetti, senhora: 125 (157)
Lanteri Pio Brunone, fundador (1759-
1830): 552.
Lanza Giovanni, político (1810-1882):
29 (81), 46 (e 195), 47, 48 (202, 205),
49, 50.
Lanza Giovanni, sac. († 1904): 708.
Lanzoni Filippo: 478.
Lasagna Luigi, ves. (1850-1895): 123,
129, 137, 148, 153, 155, 160 (e 126),
161, 175, 181 (e 84), 353, 374, 376 (e
142, 143, 144), 377, 384, 385 (204),
480, 508, 509, 510, 584, 606, 607, 608,
618, 620, 685, 705.
Lasagni Pietro, card. (1814-1885): 336.
Lastres Juiz Francisco (1848-1918): 591,
592, 593, 594, 595 (e 82).
Latoni Francesco, bispo (1821-1880):
203 (e 37).
Laurenzi Carlo, card. (1821-1893): 626.
Lavigerie Charles Martial. arceb., card.
(1825-1892): 133, 520, 628.
Laymann Paul (1574-1635): 502.
Lázaro di Betania: 190 (129), 292.
Lazzero Giuseppe (1837-1910): 6, 73,
146, 155, 210 (e 68), 214, 220, 221,
260, 276, 284, 287, 290, 297, 302, 308,
309, 310, 311, 355, 377 (149), 419,
422, 447 (49), 504, 640, 652, 703.
Leão Magno s., papa (411ca-474): 252,
492 (108).
Leão XII, papa (1760-1829): 335.
Leão XIII, papa (1810-1903): 7, 120,
167, 193, 200, 201 (e 22), 290, 312,
315, 333, 336, 337, 338, 339, 345, 354
(e 2), 355, 359, 369, 371 (121), 377,
378, 420, 421, 422, 423, 426 (e 173),
430, 431 (199), 439, 473, 482, 484,
485, 492 (108), 493, 494 (117), 503,
505 (150), 506, 507, 531, 551, 553,
554, 563, 564, 570 (131), 609, 627,
628, 640 (e 146).
Le Carrérès Yves: 446 (45), 538 (114).
Lemoyne Giovanni Battista (1839-1916):
89 (e 137), 123, 126 (165), 212 (e 81),
213, 219 (113), 220, 223, 224, 225
(134, 136), 228, 236 (13), 245 (45),
246, 249, 268 (138), 278, 282, 287, 357,
370, 374, 415, 450, 459, 461, 462, 467,
491 (e 100, 101, 102), 508, 529 (75),
534 (e 94), 536 (100, 101), 545, 546 (e
12), 547 (16, 18), 547 (16, 18), 549, 550
(e 31, 32), 551 (e 40), 552, 553, 554,
556, 557, 558 (e 73), 567, 589, 590, 603
(116), 604 (e 123), 634 (122), 635, 636,
637 (129), 648, 665 (e 59), 701, 703.
Lenti Giulio, bispo (1824-1895): 287.
Léon Pierre (1914-1976): 708.
Leonardo s. Murialdo, fundador (1828-
1900): 564 (99), 705.
Leoncini Luigi: 425, 429.
Leonori Costantino: 345 (e 126, 127,
128), 396, 426, 458, 553.
Leto Basilio, bispo (1819-1896): 122,
620, 652.
Leuzzi Maria Cristina: 708.
Levra Umberto, historiador: 708.

73.6 Page 726

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726 Índice onomástico
Levrot Vincent: 549, 570 (e 131), 588 (e
52), 633.
Limberti Gioacchino, arceb. (1821-
1874): 474.
Lissone Giuseppe, prefeito: 12.
Lissone Sebastiano, sac.: 12.
Lluch y Garriga Augusto, arceb., card.
(1816-1882): 347, 480, 481 (34), 599.
Ló: 39.
Losana Giovanna Pietro, bispo (1793-
1873): 493 (111).
Losana, senhora: 493 (111).
Lourenço s.: 555 (59).
Louvet Clara (1832-1912):194 (134,
135), 365, 493 (e 110), 512 (e 1, 2, 3),
537 (e 104, 110), 538, 547, 560, 568,
572, 560 (85), 565 (102), 568 (115,
116, 118, 119), 569 (120, 122), 572
(143, 146), 573 (150), 597, 605 (134),
623 (43), 629 (e 81), 631, 632.
Lucini, senhora: 35 (117).
Luís s. Gonzaga (1568-1591): 217 (95).
Luís XIV (1638-1715): 521.
Luraghi Raimondo: 707.
Mac Kiernan Edward (1861-1888): 641.
Maccagno Angela (1832-1991): 57, 58,
59, 60, 65, 72.
Macey Charles (1854-1928): 641.
Machiavelli Niccolò (1469-1527): 450.
Madalena s.: 460, 468.
Maffei Francesco, sac.: 309, 312 (e 154),
332.
Maffei G.: 567.
Maggi Fannio, senhora: 586 (45), 606
(135, 136).
Magliano, senhora: 358 (23), 570 (136).
Magnasco Salvatore, arceb. (1806-1892):
20, 21, 79, 175, 500, 659.
Magone Miguel (1845-1859): 216, 449.
Mainetti Giuseppina: 472 (153).
Maistre Azelia du Plan de Seyès de
(1799-1881): 68
Maistre Eugenio de: 133, 144, 194, 198 (e
2), 203 (34), 363, 571, 573 (151), 620.
Maistre, fam.: 42, 521.
Maistre Rodolfo de (1789-1866): 68, 246.
Malvezzi Bianca: 35.
Manacorda Emiliano, bispo (1833-1909):
48, 80, 102, 442, 491, 620, 657, 660 (e
26, 27), 661 (28, 29, 30), 663 (44).
Mancini Pasquale Stanislao, jurisdicio-
nalista, político (1817-1888): 51.
Manetti Domenico (1839-1908): 328.
Manfredini Federico Maria, bispo (1792-
1882): 358.
Mantellino Giacomo: 709.
Manzoni Alessandro, escritor, poeta
(1785-1873): 450, 464.
Marchale Vittorio: 696.
Marchisio Secondo (1857-1914): 534 (92).
Marenco Giovanni, bispo (1853-1921):
184 (96), 447 (46), 451 (58), 455 (68),
475, 528 (69), 529 (e 74, 75), 530 (76,
77, 78), 531 (80, 82), 532 (83), 608 (e
149, 150, 151), 609 (153, 154), 622.
Maresca Antonio Maria (1831-1891): 7,
486.
Margherita Maria Teresa di Savoia
(1851-1926): 695.
Margherita Occhiena (1788-1856): 25, 55.
Margotti Giacomo (1823-1887): 103,
404 (e 56), 406, 407, 408, 586, 618,
627, 658.
Maria Domenica s. Mazzarello, (1837-
1881): 16, 53, 54 (e 2), 55 (3), 56, 57,
73, 91, 437, 457.
Maria Elisabetta di Sassonia († 1912),
viúva de Ferdinando di Savoia, duque
de Genova († 1855): 695.
Maria Teresa d’ Este: 526.
Marie des Anges: 628 (77).
Marietti Pietro, tip., sac. (1820-1890):
75 (72).
Marta s.: 460, 468.
Martí-Codolar Consuelo Pascual de
Bofarull (1846-1924): 601.

73.7 Page 727

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Índice onomástico 727
Martí-Codolar, fam.: 598, 601.
Martí-Codolar Luis (1843-1915): 598,
599, 601.
Martín Angel Manuel: 145 (64).
Martina Giacomo, historiador: 48 ( 204),
49 (210), 51 (e 221), 114 (95), 334
(68), 707, 709.
Martinelli Sebastiano Tommaso, card.
(1827-1888): 86, 106 (65), 206, 207.
Martini Edoardo, con. († 1884): 16, 124,
173.
Martini Maddalena (1849-1883): 118, 119.
Matini, escrivão: 20.
Martino [= Martini] Giovanni: 199.
Martorelli d’Efivaller Centurione: 20.
Masino di Mombello Ottavia: 646 (178).
Masnini Santo Giuseppe: 35, 44, 114 (91).
Masotti Ignazio, card. (1817-1888): 492,
552, 553, 554.
Matera Luigi, bispo (1820-1891): 508.
Mazé de la Roche Lorentina Gastaldi: 301.
Mazzarello Felicita (1839-1886): 65, 73,
74.
Mazzarello Petronilla (1838-1925): 60,
65, 126.
Mazzarello Teresa (1860-1937): 123.
Medolago Maria Teresa: 493 (112).
Mehler Johann Baptista (1860-1930): 350,
351 (161, 162, 163, 164, 166), 579, 612,
613.
Melegari Luigi Amadeo, político (1795-
1881): 150.
Mellano Maria Franca: 303 (112), 705,
709.
Mendre Louis: 343, 344 (117, 119, 120,
121), 345, 371, 415.
Menghini Carlo: 86, 113, 345, 426.
Menozzi Daniele: 709.
Mereghi, marquês: 487.
Mermier Pierre-Marie, fundador (1790-
1862): 649 (195).
Mermillod Gaspard, bispo (1824-1898): 134.
Miccoli Giovanni: 709.
Michaud, conde de Beauretour: 136.
Michel Ernest (1833-1896): 132 (e 9),
134, 135, 136.
Midali Mario: 55 (2), 167 (23), 168 (24,
25, 26), 169 (31), 170 (32), 705.
Migone, fam.: 201.
Migone Francesco: 201 (20).
Milanesio Domenico (1843-1922): 256,
381.
Mina: 120.
Minghelli Vaini Giovanni, prefeito
(1817-1891): 401 (36), 402 (40).
Minghetti Marco, político (1818-1886):
50, 212.
Miscio Antonio: 14 (10), 15 (18, 20), 21
(50), 474 (2).
Molinari Giacomo (n. 1852): 149, 385
(201).
Monaco La Valletta Raffaele, card.,
vigário de S. S. (1827-1896): 205, 287,
338, 482, 487.
Monateri Giuseppe (1847-1914): 205.
Montezemolo, marquesa de: 631.
Monti Luigi, fundador, b. (1825-1900):
31 (98), 280, 286, 287, 288, 290, 291,
292, 327, 328, 329, 330.
Montigny Alfred de: 492 (108), 519, 537
(e 109), 682 (141).
Moragas, fam.: 598.
Morelli Giuseppe: 696.
Moreno Luigi, bispo (1800-1878): 98,
102, 103, 114, 676.
Moretta, casa: 25, 118.
Morgádes y Gili José, bispo (1826-
1901): 600.
Morganti Pasquale, arceb. (1853-1921):
617.
Morglia Enrico: 361, 365.
Morichini Carlos Luigi, arceb., card.
(1805-1879): 204, 287, 330.
Morino, casa: 26.
Mosca Emilia (1851-1900): 69, 73, 119,
460, 470, 472.
Motto Francesco: 51 (220), 26 (72, 73),
28 (80), 46 (195), 47 (200, 201), 48

73.8 Page 728

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728 Índice onomástico
(204, 206), 49 (208, 210, 211), 50 (212,
214, 215, 216, 217, 218, 219), 76 (79),
174 (50), 238 (28), 349 (151) 446 (45),
479 (25), 581 (24), 681 (138), 696, 697,
698, 702, 703, 705.
Mouton Pierre: 603 (117).
Mun Albert de (1841-1914): 682 (141).
Mun, fam.: 682 (141).
Murialdo Roberto, teol. (1815-1883): 303,
310.
Musso Alessandro: 32.
Musso Bensa G.: 623 (43).
Musso Ermenegildo: 440.
Nai Luigi (1855-1932): 268, 269, 535.
Nalboni Giuseppe: 709.
Napoleão III, imperador (1808-1873):
130.
Nardi Francesco sac., jornalista: 655.
Nasi Luigi, con. (1821-1896): 333.
Natoli Giuseppe, político (1815-1867):
409.
Natucci Salvatore, arceb.: 55 (3).
Nédoncelle Maurice Gustave: 709.
Nerli Enrichetta Michelagnoli: 175, 203
(34), 623 (43).
Newman John Henry, card. (1801-1890):
578.
Nicolas Jean-Hervé, o. p., teol.: 674 (114).
Nicolis di Robilant: ver Robilant.
Nicotera Giovanni, político (1828-1894):
213.
Nigra: 414.
Nina Lorenzo, card. (1812-1885): 121,
200, 202 (28), 304, 329, 355, 356, 357
(e 15), 364 (e 73), 379, 381, 382, 383,
392, 419, 421 (e 149, 150), 422, 424,
425, 426 (e 174), 427, 428, 429 (e 190),
430 (e 193, 194, 197), 445, 473, 492,
506 (e 152), 507, 509, 527, 552 (e 46),
553 (e 53), 555, 561, 563, 564, 584
(e 16).
Nobel ALfred Bernhard (1833-1896): 44.
Nobili Vitelleschi, fam. (1823-1894):
626.
Nobili Vitelleschi Salvatore, arceb., card.
(1818-1875): 79, 83, 84, 85, 88 (e 129,
132), 87 (127), 94, 101, 102, 105, 106
(65), 107, 108, 252, 691.
Norfolk Henry XV, duque de (1847-1919):
493 (110), 578 (e 3), 615, 641, 648.
Norfolk Bernardo: 578.
Norfolk Flora: 578.
Notario Antonio (1855-1942): 439.
Noto Barbara: 199 (8).
Nuñez Muñoz María Fé: 591 (67).
Oberti Ernesto Giovanni (1854-1904):
480, 481 (e 37), 541 (e 129), 583.
Occelletti, fam.: 256.
Occhiena Margarida (1788-1856): 55,
604, 637.
Oddenino Andrea (1829-1890): 418,
421, 424, 427.
Olea Álvarez Pedro A.: 709.
Olive Clara: 622.
Olive, fam.: 580.
Olive Ludovico (1867-1919): 621.
Omodei Zorini Francesco: 626.
Ordóñez José Ignacio, bispo. (1829-1893):
621.
Oreglia di Santo Stefano Federico (1830-
1912): 30, 676.
Oreglia di S. Stefano Giuseppe, s.j.
(1823-1895): 331.
Oreglia di Santo Stefano Luigi, card.
(1828-1895): 287, 310, 336 (86).
Orlando Vito: 180 (80).
Orléans, fam.: 520.
Orléans Gastone, conde d’Eu (1842-
1922): 510.
Orléans Isabel Cristina di Braganza,
condessa d’Eu (1846-1921): 510
(e 166, 168).
Orléans Marguerite d’: 682 (141).
Orselli Teresa: 122.
Osbat Luciano: 709.

73.9 Page 729

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Índice onomástico 729
Oss-Mazzurana Paolo: 639.
Oyague, fam.: 682 (141).
Pace Giuseppe (1912-2000): 144 (54).
Pacotto Giuseppina (1850-1934): 121.
Paesa Pascual Rafael (1904-1978): 380
(168).
Pagani Antonio: 204, 206, 316.
Palazzini Pietro, card.: 114 (95).
Panaro Bartolomeo (1851-1918): 388.
Pane Carlo: 480.
Panico Giuffrida M.: 659 (21).
Papa Dario:
Papa Emilio Raffaele: 709.
Papes Antonio (1922-2002): 262 (107),
533 (85), 534 (95), 535 (96, 97, 98),
536 (99, 102), 703.
Pariani Oreste: 493 (111).
Parocchi Lucido Maria, card., vigário di
S. S. (1833-1903): 490, 506, 551, 563,
564, 627.
Parodi Cataldi Anna: 203, 623 (43).
Parodi Luigia: 20.
Pascual de Bofarull, fam.: 599, 601.
Pascual de Bofarull, Manuel María
(1847-1911): 598, 601.
Pascual de Bofarull, Narciso María
(1843-1902): 598.
Paseri Antonio (1859-1885): 388.
Pastor Cristina: 21 (50).
Pastore Francesca: 74, 125 (156).
Patrizi Costantino, card., vigário de S. S.
(1788-1876): 86, 106 (65), 330.
Pauliani, vila: 136.
Paulo s., apóstolo: 38, 119, 221, 222,
231, 296.
Paulo da Cruz s., fundador (1694-1775):
120.
Pavesio Vittorio: 23.
Pazzaglia Luciano, historiador: 611
(163), 709.
Pecci Gioachino, card. (1810-1903):
336; v. Leão XIII.
Pechenino Marco (1820-1899): 401, 408
(75).
Pedemonte Rosina (1839-1860): 58.
Pederzani Enrico: 22 (51).
Pedro II di Braganza, imperador (1825-
1891): 157, 510.
Pelà Benedetto (1800-1883): 359, 360.
Pelazza Andrea (1843-1905): 277, 534
(e 93).
Pelletta di Cortazzone Camillo, con.
(1811-1903): 333.
Pelletta di Cossombrato: v. Corsi di
Bosnasco.
Pellicani Antonio (1816-1893): 425, 426
(e 172), 429 (e 192).
Pellico Silvio (1789-1854): 646 (178).
Penco Gregorio: 709.
Pera Ceslao, o. p., teol. (1889-1967): 673
(109).
Perenchio, sac: 308, 309, 310, 311.
Peretto Carllo (1860-1923): 388.
Perez Francesco Paolo, político (1812-
1892): 398, 404, 405, 407 (e 68), 408
(75), 409.
Perin Agostino, sac.: 358.
Perlo Giuseppe (1838-1895): 311 (151).
Perniola Erasmo: 279 (23), 280 (24), 282
(34), 283 (35), 285 (44, 45), 286 (49),
287 (51), 288 (56, 58), 290 (68, 69, 71),
292 (77), 327 (43), 328 (46, 47), 329
(49, 50, 51, 52).
Peronino, sac.: 358 (23).
Perret Giovanni Battista: 132, 133 (e 16).
Perrot Pietro (1853-1928): 366, 367, 413.
Persi Giuseppe (1821-1887): 354.
Pestarino Domenico (1817-1874): 53,
54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61 (e 20, 24),
63, 64, 65, 66, 67, 68 (47), 69, 73, 74,
166, 246, 248, 249.
Pestarino Carlotta (1857-1925): 74, 122.
Pestarino Giuseppe, sac.: 61, 73.
Petiti Ilorione di Roreto (1790-1850): 709.
Petrocchi Massimo (1918-1991): 709.
Petrolli Alfonso , fr. Giuseppe Maria

73.10 Page 730

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730 Índice onomástico
(1845-1877): 280, 287, 288.
Peyron Amadeu (1785-1870): 85 (e 87),
428.
Peyron Amedeo, professor (1785-1870):
566.
Pezzini Girolamo (1850-1920): 328.
Philippe Jules françois, bispo (1835-
1904): 649 (195).
Piano Giovanni Battista: 605, 629, 657.
Pianori Angelo, bispo (1811-1884): 477.
Piatti Girolamo (1545-1991): 272.
Picca Juan: 706.
Piccollo Francesco (1861-1930): 268
(139), 269, 442.
Piccono Angelo (1848-1913): 607.
Pich Luciano: 23.
Pignatelli Giuseppe: 710.
Pilati Teodolinda: 619, 631.
Pio VII, papa (1742-1823): 517.
Pio IX, papa (1792-1878): 15 (14), 18,
28, 41 (156), 46, 47 (e 197, 198, 199),
48 (e 204), 49 (e 207, 210), 50, 51,
55, 74, 75 (e 73, 74), 78, 81 (e 97), 85
(115), 86, 87, 88, 95, 99 (29), 103, 107,
113, 114 (e 95), 125, 145, 151, 152,
163, 166, 172, 173, 174, 198 (e 4), 200,
220, 227, 240, 246, 253, 258, 262, 275,
277, 279, 280, 283 (e 36), 284, 286,
287 (e 51), 289 (e 64), 290, 291, 305,
312, 315, 327, 328, 333, 334, 336, 337,
341, 345, 354, 362, 363, 364, 369, 373,
385, 392, 393, 418, 421, 422, 449, 454,
482, 484, 498, 529, 531, 553, 560, 585,
625, 668, 676, 690, 693, 694, 696, 707,
709, 730.
Pio X, papa (1835-1914): 479, 664.
Pio XI, papa (1857-1939): 518, 659
(e 22), 664, 665, 666 (e 63), 668 (e 81),
669, 670 (94), 671 (e 100, 101), 672
(102, 103, 104, 105, 106, 107), 676
(e 122, 123), 677 (e 124, 126, 126), 683
(e 143), 687 (e 155), 677, 730.
Pirri Pietro (1881-1959): 47 (197, 198, 199).
Pisani Paul-Joseph (1852-1933): 538
(e 114), 539.
Piscetta Luigi (1858-1925): 267.
Pitra Jean-Baptista, card.: 506.
Piva Francesco: 709.
Place Charles-Philippe, bispo (1814-
1893): 368.
Podestà Giuseppina Cataldi: 549.
Polo Giuseppe: 479 (25, 27).
Porta Luigi († 1914 a 70 a.): 210.
Portaluppi Angelo: 673 (110).
Portaluri Luigi (1841-1925): 71.
Posada María Esther: 54 (2), 55 (3), 59
(16), 62 (28, 30, 31), 122 (135), 462
(107), 706.
Pothier Joseph, musicólogo (1835-1923):
514.
Pozzan Pietro, sac.: 445, 486.
Pozzi Placido, bispo (1819-1897): 302.
Prat-Noilly, senhora: 373 (131), 446.
Prellezo José Manuel, historiador: 15 (19),
146 (65), 155 (106), 182 (90), 208 (57),
210 (68), 228 (147, 148, 149, 150, 151),
229 (152, 153), 260 (100), 264 (111,
115), 265 (119, 120), 266 (123, 124,
125), 279 (16), 284 (40), 287 (53), 297
(98, 99), 308 (140), 377 (149), 531 (79),
556 (65), 608 (152), 611 (163), 730.
Provera Francesco (1836-1874): 8, 215,
239, 246.
Provérbio Germano: 89 (138).
Quaranta Giuseppe (1858-1947): 388.
Quintiliano Marco Fabio, reitor (35/40-
95): 348.
Quinzio Sergio (1927-1996): 665 (61),
674 (115), 676 (120).
Quisard, fam.: 193.
Quisard, senhora: 493 (110).
Rabagliati Evasio (1855-1920): 133 (e
16), 378.
Radicati Talice di Passerano Costantino,
prefeito (1812-1895): 34 (113).
Radice Luigia: 365 (78).
Raffaello Sanzio, pintor (1483-1520): 30.

74 Pages 731-740

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74.1 Page 731

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Índice onomástico 731
Rampolla Mariano, núncio, card. (1843-
1913): 591, 594 (81).
Randi Lorenzo, card. (1812-1887): 289,
304, 315, 326, 327 (e 42), 328 (e 45),
329, 330.
Rattazzi Urbano, político (1808-1873): 347.
Ratti Achille (1857-1939): 683: v. Pio XI.
Ravina Filippo (1782-1858): 94.
Rayneri Gian Antonio, pedagosista
(1809-1867): 698.
Ré Giuseppe Francesco, bispo (1848-
1933): 6.
Rebaudi Francesco, con.: 206, 207, 317 (3).
Reffo Eugenio (1843-1925): 46, 144.
Reggio Tomaso, arceb., fundador, b.
(1818-1901): 201 (e 21), 657, 659 (e
21), 660 (24, 25), 663 (43, 44).
Reggio Eugenio: 681 (138).
Remotti Taddeo (1849-1912): 385, 386,
387, 388.
Renaldi Lorenzo, bispo (1808-1873): 686.
Renouvin Pierre: 710.
Reviglio della Veneria Carlo († 1882):
361 (46), 364.
Rey-Mermet Théodule: 710
Rho Angelo, sac.: 404, 405.
Rho Gioachino, provedor: 18, 33, 253,
398 (26), 399, 401, 402, 405, 406, 410,
438 (1).
Riant, fam., condes: 549, 550, 682 (141).
Ricagni Giovanni: 681 (138).
Ricaldone Pietro, reitor-mor (1870-
1951): 689.
Riccardi Antonio (1853-1924): 65.
Riccardi di Netro Alessandro, arciv
(1080-1870): 52, 336, 402, 442, 445
(15), 449, 476, 482 (77), 484, 486, 490
(105), 492, 495, 498, 522, 530, 531,
532, 534, 572 (216).
Ricci Agnese: 74.
Ricci de Ferres Carlo (1847-1925): 35, 40,
440 (15), 525, 571.
Ricci des Ferres Feliciano (1816-1893):
132, 360 (37), 571.
Ricci des Ferres, fam.: 41, 42.
Ricci Paracciani Francesco, card. (1830-
1894): 626.
Richard François-Marie, arceb., card.
(1819-1908): 515.
Rigault Georges: 710.
Righini Angelo: 21.
Rignon Felice, prefeito: 27 (75, 76), 28
(79), 30 (86, 87), 32 (100).
Rinaldi Filippo, reitor-mor, b. (1856-
1931): 358, 365.
Rinaldi Giovanni Battista (1855-1924):
268, 269, 442, 477.
Rinaldini Alberto: 21 (50).
Rita s. de Cássia (1381-1467): 591.
Rivara Giovanni: 21.
Rizzo Emilio: 158.
Robert Jean-Louis, bispo (1819-1900):
445, 513, 548.
Robilant Luigi Nicolis di (1870-1904):
709.
Roca Julio, gen., político (1843-1914):
380, 381, 383, 506, 507 (155).
Rocca Angelo (1853-1943): 81, 313,
354, 355.
Rocca, col.: 546.
Rocca Luigi (1853-1909): 446 (e 43),
559, 573, 574, 575, 586, 588 (e 50),
589, 590 (65), 595 (82, 84), 600 (e
101), 601, 602 (110), 604 (119), 605
(126), 622, 624 (e 51, 52, 54), 625 (56),
628, 631 (99), 644, 645 (e 171), 647,
648 (190), 649 (196).
Roccia Rosanna: 22 (51), 704.
Roda Giovanni Domenico: 23.
Rodríguez Alfonso (1541-1616): 60, 68,
250, 270, 272.
Rodríguez de Coro: 591 (67).
Rodríguez Silva Juan Pedro (1856-
1935): 389 (237).
Romani Mario (1917-1975): 710.
Romeo Rosario, historiador (1924-
1987): 710.
Romero Cecilia: 8 (9), 60 (19), 115 (e
97), 529 (75), 532 (84), 621 (25), 635

74.2 Page 732

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732 Índice onomástico
(124), 636 (126), 691, 703.
Roncallo Elisa (1856-1919): 122, 127,
462.
Roncetti Cesare, bispo (1834-1881): 157.
Ronchail Giuseppe (1850-1898): 41 (156),
131, 133 (e 16), 134, 135, 136 (e 28),
263, 267 (129), 269, 295, 363 (62), 366,
367, 369, 372 (125), 412. 413 (e 100),
414 (e 104, 107), 452, 539, 570 (131).
Ronchail Enrico (1858-1933): 366.
Ronchail Giovanni Battista (1852-1878):
41 (156), 366.
Ronchail Jean Baptiste, professor: 444.
Rosa Mario: 710.
Rosa s. da Lima [Isabella Flores] (1586-
1617): 529.
Rosati Giuseppe, bispo (1799-1884): 354.
Rossaro Ignazio: 641.
Rossi Giuseppe (1849-1908): 480, 515
(11), 638.
Rossi Guido: 481 (38), 495 (120).
Rossi Pietro (1857-1907): 282.
Rostagno Giovanni Battista, canonista
(1816-1883): 303, 317, 394, 416.
Rostand Jules: 549, 574, 598.
Rostand, senhora: 373 (131).
Rota, inspetor: 32.
Rota, fam.: 122.
Rota Pietro (1861-1931): 122.
Rousseau Olivier: 710.
Roussel Louis: 371, 372 (124), 516.
Rua Michele, reitor-mor, b. (1837-1910):
5, 6, 14, 21, 23, 24, 25, 26 (71), 33, 40,
41 (e 151), 42 (162), 44 (180), 46, 55,
56, 66, 70, 71, 104 (60), 109, 110 (e
80), 116, 118, 120, 122, 124 (e 154),
125 (160), 131, 132 (10), 133 (e 15),
134, 135 (e 25), 144 (e 58), 148, 157,
160, 175 (e 58), 181 (e 83, 84), 185 (e
98), 198 (e 1), 199, 206 (e 46), 209,
214, 215, 219 (e 111), 220, 223 (e 125),
234 (1), 235 (e 2, 4), 243, 244 (44), 245,
246, 247 (52), 249, 250, 251, 253, 254,
255, 256, 257, 258, 260, 261, 269 (142),
276, 278 (e 9), 281, 287, 291 (e 74),
302, 304 (e 121), 305, 308, 309, 311,
312, 333 (e 66), 334, 355 (5), 356 (9),
357 (e 19, 21), 361 (e 44, 46), 362, 366,
367 (e 92), 368 (e 100), 369, 370, 371,
372 (e 125, 129), 373, 374, 375, 412,
422, 424, 429, 439 (e 5), 440, 442 (e
22), 444, 445 (e 38), 447 (49), 455, 459,
460, 470, 472, 479, 480, 485 (e 56),
489, 491 (e 100, 101), 493, 513, 519,
521, 525 (e 53), 527, 536, 538, 543,
549, 550, 551 (40), 553, 555, 556, 557
(e 70), 558 (e 73), 559, 561, 562, 563 (e
97), 564, 565, 571, 575, 563, 577, 580,
581, 583, 585, 586, 587, 588, 589, 591,
592, 593, 595, 598, 600, 601, 602, 605,
606, 612, 613, 625, 626, 627, 628, 631,
633, 638, 640, 641, 644, 645, 646, 647,
649, 650, 651, 652, 653, 701, 732.
Rubassa Luigia (1837-1905): 122.
Ruffino Domenico (1840-1865): 54 (1),
246, 622, 701.
Rumiano Biagio: 620 (17).
Rusconi Giulio, teol.: 356 (13).
Saccardo Pietro (1830-1903): 479.
Sacconi Carlo, card. (1808-1889): 287.
Saettone Susanna (1800-1802): 493 (111).
Saint-Seine, marquês de: 521.
Sala Antonio (1836-1995): 6, 358, 361,
447 (49), 479, 480 (30), 538, 566, 595,
639, 640, 641, 652.
Salomoni Giuseppe: 493 (111).
Salvati Lorenzo, prelado: 416.
Sammory Giovanni battista: 149.
Sanfelice Gugliemo d’Acquavella,
arceb., card. (1834-1897): 442, 527.
Sanguwski, príncipe: 134, 135.
Sani Roberto: 709.
Santana s.: 569.
Saraceno, dell’Oratorio de s. Filippo
Neri: 307.
Sardá y Salvany Félix, sac. jornalista

74.3 Page 733

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Índice onomástico 733
(1841-1916): 348, 540, 599.
Sarto Giuseppe: v. Pio X.
Sartorana Stefano Francesco: 44.
Savini Angelo: 165.
Savio Angelo (1835-1893): 23, 41 (151),
238, 361 (e 46), 487, 488, 489, 490.
Savio Benedetta (1825-1896): 62.
Sbarretti Enea, card. (1808-1884): 108,
338, 506.
Scaduto Francesco, jurista (1857-1942):
33 (109).
Scalabrini Giovanni Battista, bispo,
fundador, b. (1839-1905): 423.
Scaloni Francesco (1861-1926): 642.
Scappini Giuseppe (1848-1918): 276,
282, 287, 290, 291, 327, 328, 329.
Scaraffia Lucetta: 710.
Scarampi Fernando di Villanova: 16, 18.
Scavini Bartolomeo (1839-1918): 386
(210).
Schepens Jacques: 703.
Sciandra Giuseppe, bispo (1808-1888):
32 (104), 55, 56, 65, 66, 69, 71, 121.
Sclopis, fam.: 342.
Scoppola Pietro, historiador: 684 (147),
710.
Scotton Andrea, sac., orador (1838-
1915): 71.
Sebastiano Sanguineti: 49.
Ségur Daston de (1820-1881): 695.
Sella Quintino, político (1827-1884): 29,
485.
Semeraro Cosimo: 8 (10), 636 (126).
Serra Mario: 704.
Serra-Chopitea, fam.: 598.
Sevilla y Gener Tomás, bispo (1817-
1906): 602.
Siboni Pietro Anacleto, bispo (1812-
1877): 48, 174.
Siccardi Giuseppe, político (1802-1857):
708.
Sideri Maria Cristina: 710.
Sigismondi, fam.: 287.
Silvela Manuel, político (18030-1892):
591, 592 (e 74), 593, 594.
Simeoni Giovanni, card. (1816-1892):
253, 287, 326, 328, 335, 377, 378 (e
157), 379, 505 (e 150, 151).
Siotto Pintor Giovanni, político (1805-
1882): 403.
Sire, bispo: 517.
Smiles Samuel (1812-1904): 681 (138).
Sogaro Francesco, bispo (1839-1912): 588.
Sola Giovanni Pietro, bispo (1791-1881):
131, 134, 135.
Soldà Giuseppe: 601 (109).
Soldani Simonetta: 710.
Soldati Giuseppe, con. (1839-1886): 305.
Soleri Marcello: 402 (43).
Sorbone Enrichetta (1854-1942): 73,
119, 122, 123, 460, 462.
Spagnesi Gianfranco: 484 (54).
Spini Giorgio: 710.
Spinola Giuseppe, diplomata: 152, 160.
Spínola y Maestre Marcelo, arceb., card.,
b. (1836-1906): 152, 347, 348 (e 143,
144), 481, 598, 599.
Sporer Patricius (1600ca-1683): 502.
Spriano Paolo: 710.
Squarcina G.: 487.
Stackpoole Georgina, condessa de: 5539
(e 116), 626, 640 (e 146).
Stefani Guglielmo: 646 (178).
Stella Pietro, historiador: 5 (2), 12 (1),
54 (2), 57 (7), 62 (27), 70 (55), 166
(19), 324 (27), 664 (48, 50), 665 (60),
679 (130), 683 (145), 584 (147), 689,
706.
Stella, lazarista: 459, 468.
Strambio Annibale (1819-1881): 368 (e
101), 415
Straniero Michele: 665 (61).
Strocchi Giovanni, bispo (1824-1887): 477.
Strus’ Giuseppe: 706.
Sturla Luigi (1806-1865): 659.
Suarez Francisco, s.j., teol. (1548-1617):
395.
Sulpício Severo (360ca-420): 252.

74.4 Page 734

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734 Índice onomástico
Súñer Leandro: 598, 617.
Tagliacarne G.: 203 (34), 624.
Talamo Giuseppe, historiador: 710.
Tamietti Giovanni (1848-1920): 153,
267, 269, 359, 360 (34, 35), 460.
Taroni Paolo: 476, 477 (14).
Tejedor Carlos, político: 381.
Teresa s. de Ávila (1515-1582): 60, 125.
Terris Joseph Sébastien, bispo (1824-
1885): 365.
Terris, vigário geral: 549.
Testa Luigi, s.j.: 303.
Tettù di Camburzano Alessandra Crotti
di Costigliole († 1893): 36, 38, 40.
Thérèse s. Couderc, fundadora (1791-
1885): 514.
Tiago s., apóstolo: 500.
Timon-David Joseph, fundador (1823-
1891): 344, 368 (e 98).
Tito s.: 388.
Tito Lívio (59 a. C.-17 d. C.): 252.
Tivaroni Carlo (1843-1906): 710.
Tofoni Pellegrino, bispo (1820-1883):
63, 69, 70.
Tomás de Aquino, o.p., teol. (1224/25-
1273): 802.
Tomás s. Morus (1478-1535): 450.
Tomatis Domenico (1849-1912): 210, 374,
384 (e 197), 387, 388, 581, 582, 583
(28), 706.
Tommaso di Savoia Carignano, duque de
Genova (1854-1931): 695.
Tonello Michelangelo (1800-1879): 46.
Torlonia Leoplodo: 491 (101).
Torrell Jean-Pierre: 423 (157).
Tortone Gaetano (1814-1891): 47, 686.
Tosa o.p.: 335.
Toselli Felice (1857-1918): 269 (141).
Trabucco di Castagnetto: v. Castagnetto.
Traniello Francesco, historiador: 583
(163), 655 (3), 656 (7), 662 (42).
Treacy Marie: 62 (28).
Triboni Francesco: 35.
Trione Stefano (1856-1935): 442.
Tubaldo Igino:62 (29), 686 (152).
Tuninetti Giuseppe, historiador: 82
(103), 94 (7), 109 (79), 114 (95), 301
(111), 336 (83), 417 (129), 421 (145,
147), 655 (3), 656 (5, 6, 7), 658 (13),
662 (42), 663 (46, 47), 680 (134).
Turchi Giovanni (1838-1909): 302, 332,
334, 417.
Turi Gabriele: 710.
Turriccia Ambrogio sac.: 329.
Uguccioni, fam.: 34, 42, 43.
Uguccioni Girolama (1813-1889): 34.
35. 38. 39. 42 (e 161), 43 (e 169, 170),
119, 175, 475, 626.
Uguccioni Gherardi Tommaso (1811-
1875): 18.
Ulloa Diego, marquês: 480, 481, 541.
Umberto I di Savoia, rei da Itália (1844-
1900): 391, 400, 403, 408.
Vagliasindi Giuseppe Romeo: 441.
Valentini Eugenio (1905-1992): 270
(146), 706.
Valentino, aluno: 650.
Valfrè di Bonzo Teodoro, vesc. (1853-
1922): 583.
Vallauri fam.: 40.
Vallauri Pietro (1829-1900): 40, 41.
Vallauri Tommaso (1805-1897): 360.
Valle Carlo (1831-1895): 72.
Vallese Angela (1854-1914): 123.
Valussi Eugenio Carlo, bispo (1837-
1903): 650.
Vangelista Chiara: 710.
Vannutelli Serafino, card. (1834-1915):
525 (53).
Varaja Antonio (1849-1913): 358, 467.
Varetti Domenico Giuseppe: 21, 357, 358.
Varetto Clotilde: 357.
Varettoni, sac.: 624 (47).

74.5 Page 735

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Índice onomástico 735
Vauchez André: 708.
Velluti Zati Donato, duque de S.
Clemente, bispo: 476 (e 13), 626, 657,
661, 663.
Venturini, benfeitor: 359.
Vera Giacinto, bispo (1813-1881): 91
(146), 156, 376, 384 (e 196).
Verga Isidoro, card. (1832-1899): 423,
425, 650.
Veridicus O.: 686 (138).
Vernier Olivier: 131 (4).
Veronesi Mosè (1851-1930): 480, 650
Veronesi Raffaele, sac.: 502 (139).
Verri Carlo: 710.
Verucci Guido: 710.
Vespignani Carlo: 686.
Vespignani Ernesto, sac, arquiteto (1861-
1930): 442.
Vespignani Francesco, arquiteto (1848-
1899): 487, 488, 490, 562 (91), 583.
Vespignani Gisueppe (1854-1932): 137,
378, 379, 382, 386, 387, 388, 609 (e 152).
Vespignani Virginio, arquiteto (1808-
1882): 484.
Viale Benedetto: 412.
Viancino di Viancino Francesco (1821-
1904): 18 (31), 25 (66), 42 (158), 45,
361 (46).
Viancino di Viancino, fam.: 40, 42.
Viancino di Viancino Luigia: 42.
Vidal y Moragas Consuelo (1861-1898):
617.
Vigliani Paolo Onorato (1814-1900): 50,
51.
Viglietti Carlo (1864-1915): 8 (8), 357
(18), 469 (e 139), 471 (e 148), 544, 545,
546 (e 13), 556, 557, 573, 574, 576,
546, 554 (56), 556 (e 64), 557 (e 67,
69), 558 (74, 76), 559 (78), 565 (104,
105, 106), 573 (e 152, 155), 575 (161,
163, 164), 577 (2), 578 (3), 579 (11,
12, 13), 580 (15, 17, 20, 21, 22), 585
(36), 586 (37, 38, 43, 44), 588 (51, 55),
589 (57, 60), 590 (61, 63, 64), 592, 593
(76), 595, 597 (87, 89, 91, 92), 598 (e
93, 94, 95), 599 (96, 97), 600 (e 100,
101, 102, 103, 104, 105), 601 (107,
108), 602 (e 111, 112), 604 (118, 119,
120), 605 (125, 127, 131), 606 (137,
138), 617, 618 (e 6, 9, 10), 619 (12, 14,
16), 620 (e 18, 20, 21), 621 (e 24, 25),
622 (26, 27, 32, 34), 623 (38, 42), 624
(48, 53), 626 (e 61, 62, 63, 64), 627 (68,
70), 628 (72, 74, 76), 629 (80, 82), 630
(88, 89, 90), 632(100, 101), 633 (e 110,
111, 113, 114), 634 (119), 635, 636
(127), 637, 638 (e 133, 134, 135, 136,
137), 639(138, 139), 642 (e 154, 155),
643 (158, 159), 644 (e 161, 162, 165,
166, 167), 645 (e 168, 172), 646 (178),
647(185), 648 (e 188, 189, 191), 649 (e
195, 199), 650 (200, 202, 203), 735.
Vigna, engenheiro: 490.
Vignolo Lutati Celestino, médico: 644, 647.
Villa Tommaso, político (1832-1915): 31,
391, 440.
Villa Vittorio: 31 (97).
Villarios: v. Amat Villarios.
Villeneuve Alexis: 573.
Villeneuve, conde de: 606.
Villeneuve, fam.: 573.
Villeneuve Jeanne: 573.
Vimercati Giovanni: 473.
Vinay Valdo (1906-1990): 711.
Vincent Jacques: 365.
Vicente s. de Paula, fundador (1795-
1850): 101, 272, 520, 521, 576, 603,
650, 656, 661, 668, 671, 674.
Visintainer Simone (1852-1928): 622.
Vismara Silvio: 709.
Visone Giovanni (1814-1893): 405.
Vitelleschi, fam.: 626.
Vitelleschi: v. Nobili Vitelleschi.
Vittorino de Rambaldone da Feltre, edu-
cador (1378-1446): 348.

74.6 Page 736

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736 Índice onomástico
Vitório Emanuel II di Savoia, re (1828-
1878): 39, 47, 48, 160, 167, 194 (152),
201, 218, 242, 284, 322, 433, 563, 575.
Vogliotti Alessandro, con.: 527 (63).
Wiseman Nicholas Patrick, arceb., card.
(1802-1865): 697.
Wolff Norbert: 349 (151).
Württemberg, rainha: 597.
Zambaldi Ida: 711.
Zanardelli Giuseppe, político (1826-
1903): 213, 214 (e 86), 339, 341, 344.
Zanderigo Agostino, sac.: 358.
Zappata Giuseppe, vigário geral (1796-
1889): 26, 98 (e 26), 295, 302, 299
(103), 363.
Zarri Gabriella: 711.
Zavaglia Manica Teresa: 622 (118).
Zimniak Stanislaw: 639 (142), 706.
Zonghi Lotti Giovanni Maria (1847-
1941): 504.
Zoppi Vittorio, prefeito (1819-1907): 24
(60).

74.7 Page 737

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Índice Geral
Introdução.....................................................................................................................5
Segunda seção
O período da máxima intensidade de ação (1870-1882)...................9
Cap. 18 A expansão interregional dos colégios e a gestão das obras (1869-1874)......11
1. A expansão dos colégios (1869-1873)......................................................................12
. 1.1 Cherasco (1869-1871)........................................................................................12
. 1.2 Alassio (1870).....................................................................................................14
. 1.3 Borgo San Martino (1870).................................................................................16
. 1.4 Varazze (1871)....................................................................................................18
. 1.5 Em Gênova: de Marassi (1871) a Sampierdarena (1872)..................................19
. 1.6 Turim-Valsalice (1872/1873)..............................................................................22
. 1.7 Refundação do colégio de Lanzo........................................................................23
2. Construtor.................................................................................................................24
. 2.1 Ampliações no Oratório de Valdocco.................................................................25
. 2.2 Igreja São Segundo em Porta Nuova..................................................................26
3. Gestor e provedor das obras (1870-2874)...............................................................28
4. Governante sagaz e decidido....................................................................................32
5. Busca de beneficência e espiritualidade...................................................................35
. 5.1 Diretor espiritual dos benfeitores.......................................................................36
. 5.2 Pedinte itinerante................................................................................................39
. 5.3 Cooperadores ante litteram e “mães” e “pais” de um “filho indisciplinado”
e “dissipado”............................................................................................................41
6. Atividade literária e editorial...................................................................................44
7. Outro intermezzo de política eclesiástica (1871-1874)............................................46

74.8 Page 738

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738 Índice geral
Cap. 19. Fundação do Instituto das FMA e consolidação constitucional
dos SDB (1870-1874)...................................................................................................53
1. Convergência de duas experiências autônomas para o Instituto das FMA.............54
2. Comunidade devotada a Deus e ao próximo no mundo...........................................57
3. Dom Bosco fundador do Instituto FMA...................................................................62
4. Primeira modelação do Instituto..............................................................................66
5. O “espírito bosquiano” na ação do fundador
(agosto de 1872 – primavera de 1874).....................................................................68
6. Para a aprovação das Constituições da Sociedade Salesiana (1872-1874)............75
7. Atingindo o ponto de chegada (3 a 13 de abril de 1874).........................................83
Cap. 20. Tenaz defesa da liberdade institucional entre inseguranças
e contestações (1874-1878)..........................................................................................91
1. Dos dissensos jurisdicionais às advertências disciplinares (1874-1876)................92
1.1 Dissensos sobre a negociação............................................................................93
1.2 Difícil entendimento entre duas personalidades igualmente responsáveis........96
2. Proteção de Nossa Senhora Auxiliadora para as vocações eclesiásticas................99
3. A não obtenção dos privilégios e da faculdade das dimissórias............................104
4. Recuperação parcial, entre novas e ainda mais graves dissensões (1875-1876)..108
5. Constituições aperfeiçoadas e aprovação diocesana do Instituto das Filhas de
Maria Auxiliadora (1874-1877).............................................................................114
6. Governo formativo em perspectiva missionária (1875-1877)................................118
7. Primeira emigração para a América e migração da casa-mãe para
Nizza Monferrato (1877-1878)..............................................................................123
Cap. 21. A caminho do universalismo geográfico (1875-1877)................................129
1. Em direção ao eixo privilegiado Turim-Nice (1874-1877)....................................130
2. Sempre presente na casa-mãe da França...............................................................134
3. Implantação efetiva entre imigrados e nativos, e tensões
nas missões (1874-1876)........................................................................................137
3.1 Na contramão como protagonista....................................................................137
3.2 Lançamento e preparação febril......................................................................140
4. Entrega da missão..................................................................................................143
5. Lembranças para a missão.....................................................................................145
6. Implantação da obra americana com o padre Giovanni Cagliero.........................147
7. Extensão da ação na América................................................................................154
Cap. 22. Projeto de solidariedade católica na missão entre
os jovens (1873-1877)............................................................................................163
1. Projetos previstos ou apenas esboçados................................................................164
2. Caminhando para uma quase ordem terceira das obras........................................167

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Índice geral 739
3. Ocorrências da instituição canônica......................................................................172
4. A forma oficial e definitiva dos anos 1876/1877....................................................176
5. O Boletim Salesiano...............................................................................................180
6. A figura do Cooperador nos fatos e nas palavras..................................................185
7. Sustento financeiro e o severo preceito da esmola.................................................188
8. O prêmio prometido, temporal e eterno.................................................................191
9. Comunidade unida por fé operante, reconhecimento e amizade...........................192
Cap. 23. Artífice de comunidades juvenis vivas e vitais (1870-1877).......................197
1. Difusão de obras em 1876......................................................................................197
1.1 Vallecrosia: defesa da fé católica.....................................................................198
1.2 Em duas dioceses suburbicárias.......................................................................203
2. Padre Luigi Guanella, diretor em Trinità di Mondovì............................................207
3. Episódio de liberdade para além dos alinhamentos (agosto de 1876)..................212
4. Direção e animação das comunidades educativas.................................................214
4.1 O Oratório, modelo educativo básico..............................................................214
4.2 Cartas coletivas e individuais aos colégios......................................................219
4.3 Visitas................................................................................................................224
5. Festas juvenis em Valdocco....................................................................................226
6. Ex-alunos: salesianos pela educação recebida......................................................229
Cap. 24. Forjador de comunidades religiosas dedicadas
à educação juvenil (1865-1877).................................................................................233
1. Formação dos responsáveis de comunidades educativas.......................................234
1.1 Fazer como Dom Bosco....................................................................................234
1.2 Formação narrativa..........................................................................................235
1.3 Conferências e circulares.................................................................................239
1.4 Conselhos e “lembranças” para os diretores..................................................243
2. Formação coletiva nas Conferências Gerais..........................................................245
3. Valdocco, escola de educadores: Capítulos e Conferências..................................259
4. Formação do jovem salesiano................................................................................261
4.1 Promoção das vocações salesianas..................................................................263
4.2 Noviços.............................................................................................................263
4.3 Estudantes de filosofia e de teologia................................................................265
4.4 Direção a jovens salesianos.............................................................................266
5. Aos sócios salesianos (1875-1885).........................................................................269
5.1 Primeira edição (1875)....................................................................................269
5.2 As edições de 1877/1885..................................................................................271
Cap.25. Dom Bosco fundador no intenso 1877..........................................................275
1. Calendário sobrecarregado....................................................................................276
2. Plano unilateral para os irmãos concepcionistas
(novembro 1876 – novembro 1878).......................................................................279

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740 Índice geral
3. Preparação do Primeiro Capítulo Geral da Sociedade Salesiana.........................292
4. A revelação do preventivo e o “nosso regulamento”
(agosto-novembro de 1877)....................................................................................294
5. Episódios esparsos, prenúncios de conflito mais áspero........................................301
6. Grave recuo nos dissídios com o arcebispo...........................................................308
Cap. 26. Primeiro Capítulo Geral salesiano, entre antigos
e novos problemas (1877-1879).............................................................................315
1. Primeiro Capítulo Geral da Sociedade Salesiana..................................................315
1.1 Sucessão das discussões capitulares................................................................316
1.2 Intervenções mais significativas de Dom Bosco...............................................319
1.3 As deliberações impressas (1878)....................................................................322
2. Conclusão inesperada do encargo em relação aos irmãos concepcionistas.........326
3. Tensões e esperanças no início de um novo pontificado
(dezembro de 1877 − março de 1878)...................................................................331
4. Sistema preventivo, resposta a perguntas sociais de educação..............................337
4.1 Relatório a Francesco Crispi...........................................................................338
4.2 O sistema preventivo para famílias e institutos de educação...........................341
5. Repercussões: perfis e biografias...........................................................................342
Cap. 27. Nascimento e desenvolvimento de obras na Europa
e na América (1877-1881)......................................................................................353
1. As obras na Itália entre 1877 e 1878......................................................................354
1.1 Os salesianos em La Spezia e em Lucca..........................................................354
1.2 A fábrica de papel de Mathi.............................................................................357
1.3 Os salesianos em Este......................................................................................358
1.4 Igreja e internato de São João Evangelista em Turim......................................360
2. Outras presenças na França de salesianos e de salesianas (1877-1878)..............365
2.1 Salesianos em Navarre e Filhas de Maria Auxiliadora em Saint-Cyr.............366
2.2 Os salesianos em Marselha (1878)..................................................................368
3. Desenvolvimento das obras americanas................................................................373
3.1 Dom Bosco no ativo inspetorado do padre Francesco Bodrato e na ação do
padre Luigi Lasagna (1877-1880)...................................................................374
3.2 Inspetorado do padre Giacomo Costamagna e a divisão da inspetoria americana
(1880-1881).....................................................................................................382
3.3 Animação espiritual coletiva e individual........................................................384
Cap. 28. Pela liberdade de ação na sociedade civil e eclesiástica (1878-1882).........391
1. O caso Cays: um infortúnio com sérios resultados................................................392
2. Luta pela liberdade escolar (outubro de 1878 - dezembro de 1881)......................396
2.1 Antecedentes do Decreto de fechamento e planos de defesa............................397
2.2 Uma “controvérsia deste Oratório com o régio senhor provedor”.................401
2.3 Da polêmica jornalística às vias legais............................................................407

75 Pages 741-750

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75.1 Page 741

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Índice geral 741
3. Na França, tempestade à vista com bonança final.................................................412
4. Retorna o “nada obsta” para opúsculos marianos...............................................415
5. Explode um estranho conflito (dezembro de 1878 a dezembro de 1880)...............417
6. Entre esperanças de composição concordada e uma
“Concórdia” exigida (1881-1882)........................................................................422
Terceira seção
Tensão à maturidade e à vitalidade da missão (1878-1888).....435
Introdução.................................................................................................................435
Cap.29. Expansão da ação salesiana e assento final do Instituto
das FMA (1878-1888).............................................................................................437
1. Expansão de obras (1879-1880).............................................................................438
1.1 Na Itália............................................................................................................438
1.2 Na França.........................................................................................................443
2. Segundo Capítulo Geral da Sociedade Salesiana (1880).......................................447
3. O Instituto das FMA, das Constituições impressas até à morte
de Maria Domenica Mazzarello (1878-1881)........................................................457
4. As presenças no Instituto FMA nos anos 1881-1888.............................................462
4.1 Nos anos 1881-1884.........................................................................................462
4.2 Das Constituições de 1885 à morte do fundador.............................................467
Cap. 30. Construir, expandir e consolidar as obras juvenis (1880-1887)...................473
1. Desenvolvimento inter-regional de obras juvenis na Itália
e chegada à Espanha (1881-1882).........................................................................474
1.1 Na Itália: Florença, Faenza e Mogliano Veneto...............................................474
1.2 Irradiação na Espanha, em Utrera, em 1881...................................................480
2. Construção da Igreja do Sagrado Coração e do internato anexo em Roma.........481
3. A questão caritativa e social entre os anos 70 e 80 nas conferências
públicas (1877-1882).............................................................................................495
4. Reestruturação salesiana e eclesiástica das obras na América.............................503
4.1 Finalidade conseguida na Argentina e entrada no Chile.................................503
4.2 Projeção do Uruguai ao Brasil........................................................................509
Cap. 31. Taumaturgo em Paris e em Frohsdorf, fundador em Turim (1883-1884)....511
1. Dom Bosco educador, operador social e taumaturgo na viagem a Paris (1883)...512
2. De Paris a Frohsdorf: a política religiosa, social e educativa de Dom Bosco......522
3. Terceiro Capítulo Geral salesiano (1883)..............................................................527
4. Adendo sobre os coadjutores..................................................................................533

75.2 Page 742

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742 Índice geral
5. Os salesianos em Lille e em Paris..........................................................................537
6. Segunda obra salesiana na Espanha: Sarriá-Barcelona.......................................540
Cap. 32. Consolidar as instituições religiosas dos agentes salesianos (1883-1885)..543
1. Prenúncios de declínio físico entre 1883-1884 e novas Memórias........................544
2. Consolidação jurídica da Sociedade Salesiana.....................................................551
3. Designação e nomeação do vigário sucessor........................................................555
3.1 Prelúdios...........................................................................................................556
3.2 Nomeação do vigário e anúncio oficial ampliado............................................561
4. Espiritualidade educativa dos salesianos, religiosos e cooperadores...................565
4.1 Os religiosos salesianos...................................................................................566
4.2 Os salesianos por eleição.................................................................................568
5. Agente social e o taumaturgo novamente na França.............................................572
Cap. 33. Decadência física e indômita vitalidade (1885-1886)..................................577
1. Do Oratório a Mathi Torinese................................................................................577
2. Extraordinária vivacidade espiritual nas cartas de animação..............................581
3. Caminhando para o inevitável anúncio do padre Rua vigário sucessor................585
4. Fracasso da fundação em Madri............................................................................590
5. Caloroso abraço da Catalunha..............................................................................595
6. Retorno em família em breves etapas ....................................................................602
7. Vigilante presença no Quarto Capítulo Geral salesiano (1886)............................606
Cap. 34. Testamento para a missão e caminhada serena
para a última meta (1886-1888).................................................................................615
1. Chave interpretativa...............................................................................................616
2. Declínio progressivo entre 1886 e 1887.................................................................617
3. Ano novo e vislumbres de vitalidade renovada (1887)...........................................621
4. Última viagem a Roma...........................................................................................625
5. Intermezzo entre recolhimento e governo..............................................................630
6. Projeções no futuro.................................................................................................634
7. Obras realizadas, projetadas e previstas................................................................639
8. Última doença........................................................................................................642
9. Primeira celebração do “dies natalis” na liberdade completa.............................650
Cap. 35. Instantâneos e visão de conjunto..................................................................653
1. Traços duradouros dos ecos imediatos na imprensa..............................................654
2. Linhas de um perfil de evocações em honras fúnebres...........................................657
3. Nos documentos oficiais das etapas para a canonização......................................662
4. “Modelo admirável de santidade e de trabalho”...................................................671
5. Nem promotor da indústria nem operador de milagres.........................................674

75.3 Page 743

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Índice geral 743
6. Arauto na sociedade civil e religiosa da centralidade da idade que cresce..........676
7. O sistema preventivo como forma de vida e de relações interpessoais..................678
8. Pleno envolvimento de forças disponíveis..............................................................679
9. “Segundo às necessidades dos tempos”.................................................................681
10. O ótimo desejado e a busca do bem possível.......................................................685
Bibliografia................................................................................................................689
1. Bibliografias...........................................................................................................689
2. Escritos de Dom Bosco utilizados..........................................................................689
3. Fontes......................................................................................................................701
3.1 Crônicas manuscritas (ASC – Roma)...............................................................701
3.2. Outras fontes manuscritas...............................................................................701
3.3 Impressos..........................................................................................................702
4. Literatura específica...............................................................................................704
5. Literatura complementar........................................................................................706
Índice onomástico.....................................................................................................713
índice geral................................................................................................................737

75.4 Page 744

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Esta obra foi composta pela divisão de
produção da Editora Salesiana e impressa na
gráfica das Escolas Profissionais Salesianas.