Pietro Braido_Livro 1


Pietro Braido_Livro 1



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Dom Bosco
padre dos jovens
no século da liberdade

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Em memória dos insignes mestres
Valentino Panzarasa
e Franc Walland

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Pietro Braido
Dom Bosco
padre dos jovens
no século da liberdade
“Não o verdadeiro, mas o real, isto é, o verdadeiro com sua historicidade, com sua
solidez no devir, no tempo” (Charles Péguy)
“Recomendo ainda que não se dê grande importância aos sonhos etc. Se ajudam
o entendimento de coisas morais, ou de nossas regras, tudo bem, sejam conservados.
Caso contrário, não se dê qualquer importância a eles” (Carta a D. João Cagliero,
10 de fevereiro de 1885)
Primeiro Volume

1.4 Page 4

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Direção geral: Ailton A. dos Santos
Direção administrativa: Edson Donizetti Castilho
Coordenação editorial: Alex Criado
Equipe editorial: Luiz Eduardo Baronto
Ana Cláudia Ramacciotti Vieira
Agueda Cristina Guijarro
Deborah Quintal
Equipe de arte: Gledson Zifssak
Luciene Cardoso
Equipe de comunicação: Ana Cosenza
Elisa Rodrigues
Tradução: Geraldo Lopes e José Antenor Velho
Preparação de originais e revisão de tradução: João Luís Fedel Gonçalves
Capa: Gledson Zifssak
Diagramação: Ana Totaro
Secretaria editorial: Graciela Naliati
Impressão e acabamento: Escolas Profissionais Salesianas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Braido, Pietro
Dom Bosco, padre dos jovens no século da liberdade :
primeiro volume / Pietro Braido ; [tradução Geraldo Lopes e
José Antenor Velho]. – São Paulo : Editora Salesiana, 2008.
Título original: Don Bosco, prete dei giovani nel secolo
delle libertá.
1. João Bosco, Santo, 1815-1888 2. Santos
cristãos - Biografia I. Título.
08-05698
CDD-282.092
Índices para catálogo sistemático:
1. Santos : Igreja Católica : Biografia 282.092
Todos os direitos reservados:
Editora Salesiana
Rua Dom Bosco, 441 - Mooca
03105-020 São Paulo - SP
Fones: (11) 3274-4906 / 3274-4953
Fax: (11) 3209-4084
vendaslivros@editorasalesiana.com.br
www.editorasalesiana.com.br

1.5 Page 5

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PREFÁCIO
Dom Bosco nasce, vive e atua no século XIX que, na Itália como na Europa, escorre
no tenso confronto com os “princípios da Revolução Francesa, de 1789”: liberté,
égalité, fraternité. Trata-se de uma igualdade amplamente imperfeita, embora haja
quem a prefigure como irrestrita. A fraternidade, religiosa ou leiga, terá dificuldade de
caminhar, mas estará freqüentemente nos axiomas e nos acontecimentos. Mais evidente
será a afirmação da liberdade – teórica, embora nem sempre prática – em suas várias
expressões e interpretações: política, religiosa, social, econômica, cultural.
Pela formação, pela cultura inicial e pela mentalidade de base, Dom Bosco tem
suas raízes no ancien régime, permanecendo fiel a princípios diversos daqueles de
1789. Contudo, pela inteligência e pela menos conhecida formação e cultura, em
conformidade com “as necessidades dos tempos”, e talvez mais ainda pelas exigên-
cias de sua ação, ele acabará por demonstrar-se também homem novo e surpreen-
dentemente livre. Surge aqui a dificuldade fundamental de sintetizá-lo. Aparenta ser
uma figura contraditória. Professa-se sacerdote fiel ao papa, incondicionadamente,
e, ao mesmo tempo – como escrevia – cidadão “afeiçoado ao governo”, homem da
ordem, num Estado nitidamente leigo e com homens confessadamente laicistas e,
não raro, anticlericais. É livre em sua opção vocacional de ser “padre dos jovens”,
com obras marcantes e autônomas no interior do território diocesano e paroquial.
Livre no agir, ele acredita que acima das normas canônicas deva prevalecer, não só
na teoria, a “suprema lex” da “salus animarum”. Ele quer sua sociedade religiosa
livre de vínculos que não sejam o obséquio racional à autoridade constituída e, em
particular, a indiscutível submissão ao supremo chefe da Igreja. Ele quer suas insti-
tuições educativas livres para se constituírem e atuarem, imunes de interferências
externas de todo tipo, também dos eventuais financiadores. Devoto de sua terra –
cidade, região, pátria –, ele acaba por ser efetivamente o que era no espírito: cidadão
do mundo, especificamente daquela universal “cidade dos jovens”, que sonhava alar-
gada para além de qualquer fronteira, para a terra inteira. Entretanto, às vezes, parece
reacionário. Atribui valor eminente à obediência, que anexa à ação solidária; adere
a todas as verdades e práticas católicas; promove instituições de jovens e de adultos
fortemente estruturadas; é alérgico a qualquer tipo de contestação à ordem consti-
tuída. Prodigaliza-se pelos pobres e freqüenta os ricos; não discute a propriedade
e a riqueza, mas procura orientá-las para o bem. Não fomenta revoluções políticas
ou sociais, não as aprecia, antes as recusa abertamente. Entretanto, faz de tudo para
aumentar a sorte dos humildes, procurando prevenir os ressentimentos legítimos e as

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6 Prefácio
violências condenáveis. Promove a instrução e a cultura, mas as entende funcionais
e produtivas. Não conhece o pensamento crítico a não ser superficialmente ou em
alguma consideração apressada sobre as fontes que utiliza para compilar alguns de
seus livretos narrativos. Ama a juventude e solidariza-se com ela, mas não a põe em
conflito com os adultos, levando-a, quando muito, a identificar-se com eles, com
os valores que eles propõem e com a sabedoria que possuem. Inspiram-no em tudo
“razão, religião, amabilidade”, com as mais vivas e vibrantes aspirações dos jovens.
Justamente por esse conúbio, porém, pensa que eles precisam desenvolver-se e exal-
tar-se no interior de uma racionalidade prudente, de uma religiosidade que canaliza
e freia, de um amor temperante e responsável que disciplina e enquadra na sociedade
civil e religiosa, que deve ser aceita e servida.
Essa é a liberdade condicionada de um agente que não dispõe de visão ampla e
orgânica da realidade, que possa aproximar-se da filosofia sistemática e da teologia
reflexiva. De uma parte, ele trabalha pela felicidade dos jovens, meta que lhes
indica, propondo-se – como se verá – a libertá-los do preconceito da incompatibi-
lidade entre religião e alegria de viver, em todas as idades, da infância à velhice.
Ao mesmo tempo, é forte sua ligação com a visão teológico-moral que privilegia
os mandamentos, a lei, as normas, a ordem e os deveres com os quais a liberdade
deve confrontar-se, arriscando-se a limitar os espaços de felicidade. É tributário,
no fundo, da voluntarista liberdade de indiferença, mais do que da liberdade de
qualidade, muito afonsiano, pouco tomista.
Desse homem do século das liberdades, autênticas ou falazes, livre e fiel,
tradicional e progressista, comunicativo e reservado, ousado e reflexivo, realista e
sonhador, procura-se traçar a história com atenta preocupação e equilibrada obje-
tividade. Os acontecimentos de sua biografia não são percorridos minuciosamente.
Tenta-se individuar no devir histórico o delinear-se dos traços de sua personali-
dade, em interação contínua com a multiplicidade de acontecimentos tidos como
historicamente significativos. Procura-se, assim, abranger e ao seu ser e agir, as
instituições juvenis criadas gradualmente, a busca e formação dos colaboradores
mais imediatos, o envolvimento de grande quantidade de cooperadores, as moda-
lidades de inserção no mundo civil e eclesial, as idéias elaboradas por um guia
orgânico da atividade educativa, o sistema preventivo, que reveste todas as formas
de ação e de relação.
Para atingir tal compromisso e relizar esse plano, talvez muito ambicioso,
foram utilizadas as sínteses sobre Dom Bosco já feitas por estudiosos de grande
valor. Antes de tudo, a pesquisa pioneira de Pietro Stella, Dom Bosco nella storia
della religiosità. Os três volumes, embora elaborados numa perspectiva específica,
chegam a um perfil global essencial, que inclui a vida, a mentalidade e a espiri-
tualidade, consideradas também à luz das avaliações formuladas post mortem por
juízes exigentes.
Em segundo lugar, tem-se em conta a longa biografia de Francis Desramaut, Dom
Bosco en son temps (1815-1888), retractatio” exaustiva do vasto plano tentado pelos

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Prefácio 7
compiladores dos dezenove volumes das Memórias biográficas, Giovanni Battista
Lemoyne, Angelo Amadei, Eugenio Ceria. As inúmeras explicações e as considera-
ções particulares desses volumes estão presentes, embora nem sempre assumidas na
presente reconstrução, voltada mais a evocar de novo o essencial dos esboços biográ-
ficos, mentais e operativos, omitindo o anedótico e o acidental: mais biografia do que o
estudo de Stella, menos crônica do que a narração de Desramaut.
Roma, 24 de junho de 2002

1.8 Page 8

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1.9 Page 9

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SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AAS
AGFMA
all.
ASC
ASS
aut.
BS
Capitoli
Superiori
Capitolo
Superiore
Cost. SDB
(Motto)
Cronistoria I
Cronistoria II
DBI
Documenti
Don Bosco
nella Chiesa
Don Bosco
nella Storia
E
Em
Acta Apostolicae Sedis, Commentarium officiale. Roma, Typis
Polyglottis Vaticanis 1909 ss.
Arquivo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora (Roma)
alógrafo
Arquivo Salesiano Central (Roma)
Acta Sanctae Sedis... Typis Poliglottis Officinae S. C. de Propaganda
Fide, 1865-1909
autógrafo
Bollettino Salesiano (a partir de janeiro de 1878); Bibliofilo cattolico o
Bollettino Salesiano mensuale (de agosto a dezembro de 1877)
[G. Barberis], Capitoli Superiori ossia verbali delle radunanze che
tenne il capitolo superiore della Congregaz. di S. Francesco di Sales
cominciando dal 10 Dicembre 1875
[G. B. Lemoyne], Verbali delle riunioni del Capitolo superiore a partire
dal 14 dicembre 1883
G. Bosco, Costituzioni della Società di S. Francesco di Sales [1858]-
1875. Textos preparados por Francesco Motto. Roma, LAS 1982.
Cronistoria [dell’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice], preparada
por Giselda Capetti. Roma, Instituto FMA 1974, vol. I
Cronistoria…, 1976, vol. II
Dizionario biografico degli italiani. Roma, Istituto dell’Enciclopedia
Italiana 1960 ss.
[G. B. Lemoyne], Documenti per scrivere la storia di D. Giovanni
Bosco, dell’Oratorio di S. Francesco di Sales e della Congregazione
Salesiana, 4 vol. + 5 vol. de Apêndices [provas de tipografia com notas
e acréscimos manuscritos]
P. Braido (Ed.), Don Bosco nella Chiesa a servizio dell’umanità. Studi
e testimonianze. Roma, LAS 1987
M. Midali (Ed.), Don Bosco nella storia. Atti del 1° Congresso
Internazionale di studi su don Bosco (Università Pontificia Salesiana –
Roma, 16-20 de Janeiro de 1989). Roma, LAS 1990
Epistolario di san Giovanni Bosco, preparado por Eugenio Ceria,
4 vol. Turim, SEI 1955, 1956, 1958, 1959
G. Bosco, Epistolario. Introduzione, testi critici e note, preparado por
Francesco Motto, 3 vol. (1835-1872). Roma, LAS 1991, 1996, 1999

1.10 Page 10

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10 Siglas e abreviações
FdB
ASC, Fondo Don Bosco, Microschedatura e descrizione. Roma, 1996,
1999
FdR
ASC, Fondo don Rua, microschedatura.
Instituto FMA Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora
LC
Letture Cattoliche, Turim, março de 1853 ss.
MB
Memorie Biografiche di Don (del Beato… di San) Giovanni Bosco,
19 vol.; de 1 a 9: G. B. Lemoyne; 10: A. Amadei; de 11 a 19; E. Ceria +
1 vol. de Índices (E. Foglio). San Benigno Canadese/Turim 1898-1939
(Índice, 1948)
mcr
microficha
Memorie
F. Motto, Memorie dal 1841 al 1884-5-6 pel sac. Gio. Bosco a’suoi
dal 1841
figliuoli salesiani [Testamento espiritual], RSS 4 (1985) 73-130
MO
G. Bosco, Memorie dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, Dal 1815
al 1855, preparado por Eugênio Ceria. Turim, SEI 1946
MO
G. Bosco, Memorie dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, dal 1815
(1991)
al 1855. Introduzione, note e testo critico, preparado por Antonio da
Silva Ferreira. Roma, LAS 1991
ms/mss
manuscrito/s
OE
G. Bosco, Opere edite, prima serie: Libri e opuscoli (reprodução anas-
tática), 37 vol.; seconda serie: contributi su giornali e periodici, 1 vol.
Roma, LAS 1977-1978, 1988
orig.
original/ais
RSS
Ricerche Storiche Salesiane. Revista semestral de história religiosa e
civil. Roma, LAS/Istituto Storico Salesiano 1982 ss.

2 Pages 11-20

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2.1 Page 11

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INTRODUÇÃO
A vida de Dom Bosco revela-o essencialmente como homem de ação. Uma biografia
suficientemente fiel não pode deixar de entrelaçar todos os elementos que constituem
essa síntese: os acontecimentos existenciais pessoais, a ação em suas instituições educa-
tivas e religiosas, a mensagem que é inseparável dele e que o individualiza e distingue
nas etapas fundamentais da vida, os escritos.
Procura-se aqui esclarecer de forma muito precisa os objetivos propostos, o caráter
acentuadamente evolutivo da pesquisa, os critérios de avaliação e utilização crítica
das fontes.
1. Finalidades e objetivos
São adotados na reconstrução biográfica, antes de tudo, o método e a mentalidade
que espelhem fielmente o devir real da história de Dom Bosco. Não se parte do alto, do
já concretizado: o fundador, o santo, o ativista excepcional. Deseja-se evitar o perigo
de narrar e interpretar sua vivência, mesmo nos momentos iniciais, à luz do depois e do
desfecho. Tenta-se, porém, evocá-la novamente, no presente em devir, quando o futuro
é ainda completamente ignorado ou apenas, em fragmentos, sonhado, desejado, prefi-
gurado, preparado. A compreensão dos acontecimentos em curso não é condicionada
pela sua experiência revivida em épocas sucessivas.
Isso é essencial para Dom Bosco, pois ele mesmo ou os seus – os salesianos princi-
palmente – vendo-se ou vendo-o “fundador”, tenderam, com finalidade didática, edifi-
cante ou tranqüilizadora, a vê-lo como tal desde as origens, de resto conforme tendência
comum a certos tipos de hagiografia. O “predestinado” teria assim vivido, desde os
inícios, prelúdios mais ou menos consistentes das experiências que mais tarde teriam
definido aquilo a que realmente se dedicara. Dom Bosco, na realidade, construiu sua
vida passo a passo, visando a objetivos imediatos, necessários do ponto de vista fenome-
nológico, que somente em seguida poderão ser interpretados, quase como etapas de um
acontecimento global desenhado desde as origens. Como se verá na introdução à terceira
parte, o Dom Bosco das Crônicas dos anos 1859-1862, rememorava, nessa ótica, com
muito gosto, alguns momentos de sua infância e adolescência, fazendo deles também
instrumento de animação e formação dos jovens salesianos. As Memórias do Oratório
de S. Francisco de Sales haveriam de retomar e acentuar perspectiva análoga.
Do ponto de vista estritamente histórico, procura-se responder substancialmente a
duas questões fundamentais.

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12 Introdução
Quem é Dom Bosco em seu próprio devir? Qual o perfil que dele resulta a partir
das numerosas informações sobre os acontecimentos pessoais e institucionais, as
multíplices relações e os mais significativos projetos e realizações concretas: traços
da personalidade, temperamento, caráter, nuances, idiossincrasias e disponibilidades?
A vicissitude pessoal é, na verdade, inseparável da autoconsciência da própria missão
de apóstolo, incentivador, benfeitor e modelador das jovens gerações. Configura-se
paralelamente a mensagem que, de um lado, revela os traços da espiritualidade do padre
educador dos jovens e, de outro, o magistério de pedagogia e de vida para os colabora-
dores. Vida interior, ação, palavras, escritos, ensinamentos, diretrizes, animação fazem
uma só coisa indivisa, constitutiva de sua personalidade histórica.
Quem é Dom Bosco em relação a seu tempo? Isto é, quanto dele recebeu e quanto
lhe deu, nos dois mundos distintos e co-presentes nos quais atuou, a sociedade civil e
a Igreja? Em seu devir, por quem e pelo que foi influenciado e, ao mesmo tempo, ao
que foi refratário, por temperamento, cultura, mentalidade? Nessa linha, tenta-se fazer
emergir o que ele representava em seu tempo e para seu tempo, como cidadão, crente,
padre: o que ele ofereceu, no desenvolvimento de sua missão, nos distintos planos de
ação assistencial, caridade educativa, empenho social? Em relação às transformações
que se deram em todos os campos no século XIX, verdadeira revolução iniciada nos
decênios da Restauração e que chegou aos anos do socialismo e da explosão da questão
social? E ainda, nos variados planos da pastoral juvenil, da promoção dos valores
morais e religiosos, na criação de novas instituições religiosas educativas, nas mais
diversas formas de prevenção?
2. Evolução na biografia operante de Dom Bosco
A vida de Dom Bosco é marcada por duas etapas bem precisas, vividas cada qual
com sua própria peculiaridade. É uma realidade efetiva a se levar em conta pra quem
deseja percorrer novamente com objetividade seu itinerário biográfico, livrando-o do
perigo de uma indiscriminada salesianização institucionalizada indevida.
O divisor de águas entre as duas etapas pode ser localizado aproximadamente
no qüinqüênio 1858-1862, com prelúdios no quadriênio 1854-1857, com incertezas
jurídicas residuais de 1862 a 1869. A definição desse momento discriminador parece
importante não só para delinear a personalidade de Dom Bosco e o significado de sua
ação, como também em relação ao valor dos documentos relativos aos dois períodos
distintos.
O primeiro é o tempo do Dom Bosco menino, estudante, sacerdote, totalmente encar-
nado em sua terra e diocese, com mentalidade, perspectivas, idealizações, atividades,
consensos, colaborações e, também, com reconhecimentos públicos e privados (jornais,
revistas, cartas, avaliações de autoridades civis e religiosas) ligados a um mundo bem
determinado: Morialdo, Castelnuovo, Chieri, Turim, Piemonte. Surgem nesse tempo,
puramente episódicas e definitivamente caprichosas, perspectivas de entrada em alguma

2.3 Page 13

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Introdução 13
ordem ou congregação religiosa, ou de opção missionária. É um Dom Bosco que
se confronta com a dura realidade da vida cotidiana e, devido a sérias dificuldades
econômicas, só pode iniciar tardiamente os estudos que o encaminham à realização de
sua vocação sacerdotal pueril; que se familiariza com a cultura humanístico-retórica,
impensável para um camponês de seu nível social e econômico; que assimila com apli-
cação diligente a cultura filosófico-teológica e a formação espiritual exigidas pelo semi-
nário, integrando-as com leituras pessoais de caráter histórico-apologético, e depois,
no Pensionato eclesiástico, completa a própria formação pastoral mediante uma acultu-
ração moral inspirada no probabilismo ligoriano mediado por Cafasso.
Entretanto, chocado com a situação de algumas categorias de jovens da cidade
de Turim, faz opções sempre mais árduas e difíceis, muito concretas, em favor deles:
dedica-se à catequese, funda o Oratório, enriquece-o de iniciativas culturais e sociais,
escreve livros populares de história religiosa e de piedade, faz apologia antiprotestante,
organiza loterias, constrói uma igreja. Entra em contato com administradores públicos,
instituições beneficentes privadas, eclesiásticos e leigos, assim como com a corte e o
mundo político, revelando logo os traços de sua personalidade: a arte da captatio bene-
volentiae, da dramatização dos problemas, da proposta de remédios para a moralização
dos jovens “em perigo e perigosos” e a tutela da ordem social. A carta ao marquês
Michle di Cavour, de 13 de maio de 1846, já é uma pequena obra-prima de espírito
empreendedor e habilidade, que vai bem além da apresentação de programa educativo.
Dele falam revistas e jornais, enquanto consegue atrair muito rapidamente voluntários
e colaboradores à própria esfera de ação.
Nessa fase da vida, Dom Bosco, já propenso à fé na providência ordinária e extraor-
dinária de Deus nos fatos humanos – a história é sempre, embora em medidas diversas,
história sagrada –, está agora convencido da investidura particular de Deus em favor da
redenção da juventude. Claro indício disso é o manifesto programático de 1854, enun-
ciado na Introdução ao Plano de Regulamento do Oratório. Mas não o pensou ainda
vinculado à instituição de uma verdadeira e própria congregação religiosa.
Acrescente-se que nesse primeiro período acontece uma reviravolta que tem o seu
ápice nos primeiros dias de agosto de 1846. Naquele momento decisivo Dom Bosco,
permanecendo sempre padre diocesano, aperfeiçoa a opção embrionária pelos jovens
e pelo apostolado popular, renuncia a um possível trabalho nas estruturas paroquiais
tradicionais e, em acordo com seu arcebispo, dedica-se ao oratório, não só festivo, mas
também orfanato, associação, escola etc. Na verdade, a obra dos oratórios festivos, de
modo especial, será reconhecida juridicamente como estrutura intraeclesial pelo ordi-
nário diocesano em 31 de março de 1852.
Paralelamente ao desenvolvimento do Oratório, Dom Bosco une à consciência de
educador-pastor e animador a experiência da prevenção, que codificará mais tarde, mas
já está bem presente antes do surgimento do projeto congregacional salesiano: é expe-
riência, pois, de Dom Bosco ainda padre secular, inserido plenamente no tecido social
e religioso da cidade e da diocese de Turim.
Trata-se de história diocesana, que tem seus próprios documentos: convocações,
circulares, cartas, “referências históricas”, que precedem e são de outra natureza

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14 Introdução
daqueles realizados com finalidades especificamente diversas no segundo período da
vida. Tem início, então, o tempo do Dom Bosco aspirante a fundador de institutos reli-
giosos, fundador efetivo, religioso ele mesmo, formador de consagrados e, mais tarde,
de consagradas, que trabalha, legisla, fala e escreve enquanto tal. A questão juven-
tude, na verdade, tinha-lhe parecido muito complexa e difícil para dar por resolvida
apenas com o envolvimento esporádico e voluntarista de colaboradores flutuantes.
Cronologicamente mais breve, o período apresenta-se muito mais intenso e qualitativa-
mente relevante no plano pessoal e operativo, com sensível mudança de mentalidade,
de relações e de estilo de vida. De fato, a consciência da investidura divina numa pers-
pectiva mais ampla leva Dom Bosco, para si e para os potenciais agentes, a interpretar
de modo novo o tempo precedente: envolve-o até mesmo de significados tecnicamente
religiosos e salesianos, evocando com categorias históricas e acentuadamente provi-
dencialistas, às vezes com tendência ao miraculoso, realidades que, de fato, se tinham
desenvolvido fora dessa perspectiva. O fenômeno cresce sempre mais até o final de
sua vida, dando lugar a uma história descendente, do vértice à base, mais do que uma
história evolutiva realista, genuinamente ascendente, dos albores à realização.
3. Acenos sobre o uso das fontes
A periodização em dois tempos distintos comporta a releitura e a utilização ponde-
rada de documentos que surgiram, na maior parte, em época salesiana, destinados
pelo próprio Dom Bosco a seus religiosos. Podem-se considerar seus paradigmas as
Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, destinadas a “dar a conhecer [aos
salesianos] como o próprio Deus conduziu todas as coisas a cada momento”.1 Segundo
uma leitura menos atenta – sobre o que se dirá – o sonho dos 9/10 anos, com suas suces-
sivas interações, é interpretado como premonição do trabalho oratoriano e do encontro
com Bartolomeu Garelli, de 8 de dezembro de 1841, evocado como data oficial de
início do Oratório e da Sociedade Salesiana.2
Será comentado a seu tempo como as crônicas dos primeiros anos da década de 1860
espelhem o magistério de um fundador e formador, desejoso de incutir nos primeiros
jovens salesianos a idéia de que sua vocação nasce de um desígnio providencial de
raízes remotas: de aí o fato de deter-se nos primeiros anos, nos primeiros estudos, no
primeiro Oratório, também com elementos de premonições extraordinárias, de ilumi-
nação do alto, não excluídas intervenções punitivas por conta de opositores ou presu-
midos opositores.3
1 MO (1991), p. 30.
2 Sobre o segundo desses dois acontecimentos, oferecem-se à atenção do leitor e de sua avaliação
pessoal alguns documentos em apêndice ao volume.
3 Cf. Introdução à Parte III, § 2.2.

2.5 Page 15

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Introdução 15
É sintomático que continuem amplamente ignorados o Aceno histórico e os Acenos
históricos, respectivamente de 1854 e 1862, distintos como estilo dos Acenos histó-
ricos prepostos aos artigos das Constituições ou anexados às práticas para a aprovação
diocesana ou pontifícia da Congregação. Entretanto, são acessíveis, ao menos em parte,
aos leitores das Memórias Biográficas e, há vários anos, em edição integral, a qualquer
estudioso das coisas salesianas. Eles contêm informações muito próximas aos fatos
das Memórias do Oratório, tidas por alguns como indiscutivelmente autobiográficas
e verídicas, sempre e em todos os particulares. Não parece, porém, que se possam
menosprezar as observações avançadas alhures, sobre os limites históricos desse livro,
embora extremamente importante do ponto de vista das idéias e das mensagens.4
Apresenta-se, então, como indispensável uma crítica cuidadosa e pontual das fontes,
que não se refira exclusivamente à autenticidade, mas se confronte com os problemas
da sua gênese, funcionalidade e credibilidade histórica. Para tal verificação parece obri-
gatório levar em conta, sobretudo, a personalidade dos autores de cada documento, o
tempo e as circunstâncias de sua redação, os destinatários previstos e as finalidades
perseguidas. Isso vale em primeiro lugar para Dom Bosco, testemunha problemática
de si mesmo. Dos tantos “acenos históricos” redigidos por ele, acredita-se que devam
ser privilegiados os mais próximos aos fatos, enquanto merecem outra consideração os
que têm a finalidade de oferecer mensagens específicas, para conseguir aprovações e
autorizações ou obter concessões e favores. O tema é retomado mais extensivamente no
início da história de Dom Bosco fundador.5
É óbvio, também, que as fontes e interpretações de matriz salesiana, as mais abun-
dantes em absoluto, não comportem uma utilização exclusiva ou exorbitante, como se
devessem ser consideradas automaticamente mais objetivas e verdadeiras do que outras
não menos dignas de atenção e de verificação equilibrada.
Não cria problema o rico Epistolário, preciosa biografia paralela de Dom Bosco,
feita toda de consistência e realismo, que compensa aquele tanto de inflado que outras
documentações poderiam noticiar. Refere-se, aqui, de modo particular, a crônicas e
testemunhos surgidos em grande parte no pequeno mundo de Valdocco, devidos a reda-
tores particularmente devotos, fascinados, impressionáveis, mais disponíveis a ver em
Dom Bosco o extraordinário, do que registrar o árduo e fatigante cotidiano, as dúvidas,
os problemas, o cansaço, os limites. Para alguns deles, com efeito, o sonho pode ser
facilmente visão, a previsão mudar-se em profecia, a intuição do espírito juvenil passar
a perscrutação das consciências.
Tenham-se presentes, ainda, os documentos provenientes de testemunhas não sale-
sianas, compreendidos os opositores ou aqueles, do mundo civil ou eclesiástico, tidos
como menos favoráveis às iniciativas de Dom Bosco ou nem sempre condescendentes
com suas demandas. A biografia interessa-se deles não só enquanto propõem algumas
4 Cf. P. Braido, “Memorie del futuro”, RSS 11 (1992), p. 97-127; ver cap. 24, § 1.2.
5 Cf. Introdução à Parte III, § 2.1.

2.6 Page 16

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16 Introdução
dificuldades a superar para explicar ou justificar comportamentos e atitudes do herói,
mas antes de tudo enquanto são portadores de uma imagem e interpretação pessoal do
personagem: mais do que avaliá-las para redimensioná-las quando negativas, poderiam
ser usadas com muita vantagem para integrar e explicar seu valor.
A fim de recompor a imagem histórica de Dom Bosco é indispensável a avaliação
crítica equilibrada dos testemunhos das deposições dos processos diocesanos e apos-
tólicos para a beatificação e canonização. Acribia, ao menos igual, parece necessária
na leitura dos testemunhos contrários, avaliando as mesmas defesas de ofício que, se
podem superar vitoriosamente os obstáculos à proclamação da santidade canonizada,
não dissolvem necessariamente perplexidades e pontos de vista historiográficos discor-
dantes em relação a traços temperamentais e resultados operativos do personagem.
A bibliografia disponível é relevante. Resulta, sem dúvida, de particular proveito
a que problematiza, mas antes de tudo aquela apoiada por contatos diretos com fontes
de valor seguro. Esta pôde favorecer a individualização de aspectos da figura e da ação
de Dom Bosco, significativos para o delineamento de sua personalidade em relação a
realidades e temáticas de seu tempo. Não poucas delas são comuns a outros agentes
contemporâneos do mundo católico e civil: a questão juvenil, as soluções preventivas,
a socialidade, a cultura, o sobrenatural e sua utilização, o dinheiro e o contencioso,
as divergências e conflitos no próprio mundo eclesiástico, as orientações teológicas
e espirituais. A partir de vários pontos de vista é estimulante o que se encontra em
A canonização, no terceiro volume da obra de Pietro Stella, Dom Bosco nella storia
della religiosità cattolica6 e o que foi escrito por vários ensaístas mais recentes além
dos críticos ou detratores do passado.
Fonte particularmente preciosa, que mostra Dom Bosco interpelado e envolvido no
humilde cotidiano, é formada certamente pelo material de arquivo editado aos cuidados
de J. M. Prellezo, Don Bosco nell’Ottocento tra reale e ideale (1866-1889): docu-
menti i testemonianze.7 Dom Bosco aparece ali retratado com seus colaboradores mais
próximos em sua casa de ordinária residência, o Oratório de Valdocco. É o lugar privi-
legiado de sua vicissitude biográfica, o endereço habitual para seus correspondentes.
O governo cotidiano da grande comunidade é o campo onde amadurece e se caracteriza
seu modo de ser, que é sua ação sempre mais vasta, até mesmo supranacional, assídua,
ininterrupta, concreta, cadinho e fonte de seu próprio pensar em pequenas ou em grandes
perspectivas. O Dom Bosco mais real e verdadeiro revela-se na verdade antes e primei-
ramente na multiplicidade da ação, mais do que na elaboração de idéias universais e
sistemáticas. A trama de sua vida compõe-se com o variado entrelaçamento de traba-
lhos feitos na mais diversificada sucessão de tempos, lugares, pessoas. Na dispersão
aparente da ação intensa e múltipla exprime-se – e é o centro unificador de tudo – a fé
sapiente, que opera na caridade para a maior glória de Deus e a salvação das almas. Por
6 Roma, LAS, 1988.
7 Roma, LAS, 1992.

2.7 Page 17

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Introdução 17
isso, nesta narração biográfica não se desejaria que fosse tida como supérflua, cansativa
e pesada a superabundância e até a repetição de referências e citações. Porque esta é a
summa vitae de Dom Bosco, substanciada toda ela de situações e eventos que se sobre-
põem, e seriam inadequadamente representados por enunciados gerais, que subtraem
os dados concretos e pontuais sempre presentes em sua densa existência: mensagens
de governo e de administração, decisões sobre problemas locais, relações pessoais e
epistolares, intervenções na educação dos jovens e das pessoas consagradas que a eles
se dedicam, envolvimentos eclesiásticos e políticos, reações diante de sucessos e insu-
cessos, identificações de jovens e adultos em momentos de alegria e de dor.

2.8 Page 18

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2.9 Page 19

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Primeira Parte
de seu século para seu século
Introdução
É impossível compreender o que Dom Bosco fez em seu século e o que lhe propi-
ciou sem conhecer o quanto ele recebeu de seu século e, de algum modo, foi aos poucos
por ele provocado e plasmado.
Homem de fé atuante na caridade, ele se enraíza com intensidade crescente no
mundo real, “fiel à terra” e, ao mesmo tempo, “peregrino do Absoluto”, pela sua glória
inteiramente voltado à salvação dos jovens pobres e abandonados.
Ele mesmo, de resto, não deixa de falar e escrever em várias circunstâncias sobre
seu tempo, sobretudo em relação aos momentos mais significativos. Parece, pois,
oportuno recolher o que ele narra em seus escritos, integrando-o com anotações histó-
ricas atualizadas. Proverá, obviamente, a seqüência da pesquisa biográfica a ilustrar os
vários momentos formativos que contribuíram para plasmar a mentalidade e, portanto,
as reconstruções que Dom Bosco elabora e as interpretações – de resto não unívocas
– que formula sobre o passado histórico e sobre seu tempo: um mundo rural fundamen-
talmente imóvel e à margem das novas correntes de idéias, a escola de latinidade do
ancien régime e o Seminário de marca tridentina de Chieri, o Pensionato Eclesiástico de
Turim, respeitoso da mais tranqüilizadora ortodoxia católico-romana, as leituras predi-
letas de história eclesiástica e de apologética, de evidente dependência do séc. XVII.
A Europa do séc. XIX é produto de revoluções epocais e artífice, por sua vez, de
sua evolução, que modifica ulteriormente uma ordem antiga que delas tinha saído em
parte inviolada. Indica-se a seguir o progresso no século XIX primeiramente em relação
ao espaço geográfico e político no qual Dom Bosco inicia suas obras, do período da
Restauração aos novos equilíbrios da segunda metade do século: a península italiana
em transição política do Reino Sardo ao Reino da Itália; depois alguns acenos sobre
nações antigas próximas e alguns novos estados surgidos na América Latina, nos quais
o educador subalpino aventurou-se pessoalmente ou com suas instituições e seu eficaz
empenho diretivo e animador.

2.10 Page 20

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3 Pages 21-30

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3.1 Page 21

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Capítulo I
DA ORDEM RESTABELECIDA À VITÓRIA DO LIBERALISMO
1814 1° de novembro: abertura do Congresso de Viena
1815 9 de junho: ato final do Congresso de Viena
16 de agosto: nascimento de Giovanni Melquiorre Bosco
26 de setembro: estipulação do pacto da Santa Aliança
1831 2 de fevereiro: eleição de Gregório XVI
1846 12 de abril, Páscoa: instalação do Oratório de Dom Bosco em Valdocco, Turim.
1848 Revolução européia: 24 de fevereiro em Paris; 13 de março em Viena; 15 de
março em Berlim; 18 de março em Milão
1850 Lei Siccardi de abolição das imunidades eclesiásticas
Ruptura das relações diplomáticas entre a Santa Sé e o Estado sardo
28 de setembro: o arcebispo de Turim, dom Fransoni, é expulso do reino
1852 2 de novembro: Camillo Cavour, presidente do Conselho
1855 29 de maio: emanada a “lei contra os conventos”
1860-61 Anexação ao Estado sardo de grande parte do Estado pontifício: Legações,
Marche e Umbria
1861 26 de fevereiro: proclamado o Reino da Itália
9 de abril: Roma proclamada capital do Reino da Itália
6 de junho: morre Camillo Benso de Cavour
1865 14 de maio: transferência da capital para Florença
1866 7 de julho: lei de supressão das corporações religiosas
1867 15 de agosto: lei de liquidação dos bens eclesiásticos
1869 1° de março: aprovação pontifícia da Sociedade Salesiana
8 de dezembro: abertura do Concílio Vaticano I
1870 20 de setembro: as tropas italianas entram em Roma
Pio IX “prisioneiro” voluntário no Vaticano
1871 13 de maio: “lei das garantias”, recusada pelo papa
1876 23 de março: esquerda liberal no governo
1886 11 de fevereiro: primeira lei na Itália sobre o trabalho infantil
Dom Bosco nasce em 16 de agosto de 1815, ano que, também para a mentalidade
dos chefes de Estado reunidos no Congresso de Viena (1814-1815), real e simbolica-

3.2 Page 22

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22 Parte I: De seu século para seu século
mente coloca-se entre l’ancien régime e o novo mundo iniciado ou entrevisto pelas
revoluções que tinham acontecido, proximamente, a partir da segunda metade do século
anterior. Isso o marcará pela vida toda, numa não resolvida ambivalência de tradição e
modernidade, também ela fecunda, além de interpretações antitéticas, como a propósito
se verifica na realidade do Reino Sardo, do qual nasce cidadão.1
Ele, porém, será também capaz de perceber em parte a nova realidade histórica
que se instauraria a partir de 1847-1848, movendo-se com relativo desembaraço entre
instituições e representantes de uma ordem que muitos outros da mesma fé permane-
ceriam obstinados em considerar produto de uma “revolução ilegítima”, a revolução
liberal, a ser combatida com todos os meios: de fato, ela tinha suas raízes nos princí-
pios de liberdade e igualdade proclamados pela Revolução Francesa em 1789, fruto
maduro, segundo o modo de pensar deste, da Reforma Protestante no século XVI e do
Iluminismo no século XVIII.
1. Entre revolução e restauração
Dom Bosco, por suas origens, mentalidade e formação, não podia ter, sem dúvida,
uma percepção adequada das características conferidas em seu tempo pelas grandes
revoluções iniciadas entre os séculos XVII e XVIII: sociais, com particular relevância
na Inglaterra;2 industrial; cultural, com referência específica ao iluminismo; sociopo-
lítica (francesa e napoleônica). Porém, ainda que numa ótica limitada, próxima dos
intransigentes na linha de Joseph de Maistre,3 evocavam-lhe algumas causas e algumas
conseqüências na vida moral, religiosa, eclesial. Na História eclesiástica de 1845, ele
as individualizava especialmente em três focos: “As sociedades secretas, alguns faná-
ticos chamados iluminados, unidos aos filósofos com a pretensão de querer reformar
o mundo, produzindo em todos a igualdade e a liberdade”.4 A partir deles fora “susci-
tada”, ou seja, inspirada e promovida, a revolução, ou melhor a “perseguição” francesa,
conduzida em seu mais alto nível com Robespierre nos horrores do Terror.5 As “socie-
dades secretas” e os “iluminados” apareciam na História da Itália em papel subversivo.
1 Cf. Ombre e luci della Restaurazione: trasformazioni e continuità istituzionali nei territori
del regno di Sardegna. Atos do Encontro, Turim, 21-24 de outubro de 1991. Roma, Ministério
dos Bens Culturais e Ambientais, Escritório Central para os Bens Arquivísticos, 1997.
2 Cf. Ch. Hill, Il mondo alla rovescia: idee e movimenti rivoluzionari nell’Inghilterra del
Seicento. Turim, Einaudi, 2001.
3 São várias as famílias com as quais Dom Bosco estabelece relações duradouras de amizade,
que se referem ao grande savoiardo, entre os quais os descendentes de De Maistre e os
Fassati.
4 G. Bosco, Storia ecclesiastica ad uso delle scuole per ogni ceto di persone. Compilata dal
Sacerdote B. G... Turim, tipografia Speirani e Ferrero, 1845, p. 343; OE I 501.
5 G. Bosco, Storia ecclesiastica, p. 343-345; OE I 501-503.

3.3 Page 23

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 23
“São em geral conhecidas – escrevia – sob o nome de carbonários, francos-maçons
(Franchsmachons), jacobinos, iluminados”, com denominações diversas em vários
tempos, mas concordes quanto à finalidade: “revirar a sociedade presente, com a qual
não estão contentes, porque não encontram nela alimento conveniente à sua ambição,
nem liberdade para desafogar suas paixões”; e, para conseguir tal reviravolta, “arrancar
toda religião e toda idéia moral do coração dos homens, e abater toda autoridade reli-
giosa e civil, isto é, o Pontificado Romano e os tronos”. Elas – continuava – exerceram
grande força de atração, ao falar de “fraternidade, filantropia e coisas semelhantes”.
Na realidade levaram à Revolução Francesa, iniciada pela “classe média, ou seja,
burguesa”, “servindo-se da plebe”, realizada por esta, que se tornou “soberana”, com
os resultados funestos que dela derivaram: “Para a Revolução, o que estava acima da
sociedade acabou por baixo, e o que estava por baixo veio para cima, e assim reinou a
anarquia da ralé”. Disso, não ficou imune a Itália, onde se introduziram as sociedades
secretas, difundindo “as idéias sedutoras de liberdade, de igualdade e de reformas”,
e anunciando as conquistas militares de Napoleão.6
Entretanto, enquanto na História eclesiástica ele punha em péssima luz Voltaire e
Rousseau, corifeus dos “filósofos modernos”,7 na História da Itália também eviden-
ciava o progresso verificado no século XVIII graças à paz quase cinqüentenária na
Europa: “Isso – fazia notar – permitiu a muitos valorosos engenhos enriquecer as ciên-
cias e as artes de muitos conhecimentos úteis”.8
No entanto, a realidade da revolução industrial em suas dimensões e implicações
econômicas, sociais e culturais ficou apenas vagamente conhecida por Dom Bosco.
Isso pode ser explicado pelo fato de ela ter tido incidência limitada na Itália antes dos
últimos dois decênios do século XIX. Também a fragmentação política era uma desvan-
tagem considerável para a economia da Península, mais desenvolvida em algumas
regiões do Norte, com uma agricultura de tipo capitalista em algumas zonas, sobre-
tudo na Lombardia, e certa industrialização no setor têxtil no Lombardo-Vêneto, no
Piemonte e na Toscana.9 Dom Bosco parece não ter compreendido o fenômeno nem
mesmo na França, que ele pôde visitar frequentemente entre 1874 e 1886. Tendo-se
afirmado vigorosamente na Inglaterra entre o final do século XVIII e os inícios do
XIX, estendia-a imediatamente à Bélgica, à França e aos Estados Unidos. Em meados
do século XIX encontrava também um rápido desenvolvimento na Alemanha, que aos
poucos assumia a frente do crescimento industrial da Europa continental. Só em fins
6 G. Bosco, La storia d’Italia raccontata alla gioventù dai suoi primi abitanti sino ai nostri
giorni corredata di una Carta Geografica d’Italia. Turim, tipografia Paravia e comp., 1855
[1856], p. 455-457 OE VII 455-457.
7 Cf. G. Bosco, Storia ecclesiastica..., p. 336-339; OE I 494-497.
8 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 455, OE VII 455.
9 Cf. P Léon (ed.), Storia economica e sociale del mondo, vol. III: Le rivoluzioni (1730-1840), t.
2: L’era delle rivoluzioni. Bari, Laterza, 1980, p. 646-658.

3.4 Page 24

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24 Parte I: De seu século para seu século
do século XIX desenvolvia-se na Rússia, Japão, Argentina, Itália e nos países escandi-
navos. Foi um fenômeno complexo, com enorme impacto na sociedade, nos indivíduos,
na família, na cultura, nas atitudes e nos comportamentos.10
Em todo caso, a visão e avaliação de Dom Bosco sobre os eventos históricos são
essencialmente religiosas e morais, e genericamente sociais. Teológica, por exemplo, é
a interpretação que ele dá da complexidade dos eventos da vida de Napoleão Bonaparte:
general de exércitos na Itália (1796), cônsul (1799), promotor de concordatas com a
Igreja (1801 e 1803), imperador, que promulga o Código Civil (1804), rei da Itália
(1805), que conquista a Espanha (1808), anexa o Estado pontifício levando Pio VII ao
exílio na França (1809), e vai, fatalmente, ao encontro do final dramático, com a desas-
trosa campanha da Rússia (1812), a derrota em Lípsia, a abdicação e a residência na
ilha de Elba (1814), e, por fim a fuga e a derrota em Waterloo, o confinamento na ilha
de Santa Helena (1815), a morte (1821). Dom Bosco é levado a evidenciar, sobretudo,
os “sacrílegos” maus tratos reservados à Igreja e a seus chefes, Pio VI e Pio VII: “um
novo gênero de perseguição, que durou de 1789 a 1814”, com a inevitável punição
divina, coroada de misericórdia, pelo arrependimento sincero.11 Embora acompanhadas
de admiração pelo gênio militar, traído enfim pela ambição ilimitada, eram análogas,
como se verá, a descrição e a avaliação dos fatos confiados à História da Itália.12 Mais
adiante, o narrador pode também sublinhar, com neutralidade apenas aparente, as ambí-
guas transformações institucionais e culturais introduzidas na Europa pelo general e
seus exércitos: “Napoleão tinha muita solicitude para que as idéias revolucionárias se
expandissem mais largamente e os povos se levantassem contra seus soberanos”.13
A restauração política conduzida pelo Congresso de Viena (1814-1815) é evocada
por Dom Bosco em poucas linhas. Para ele, significava simplesmente a reintegração da
ordem anterior, “distribuir os reinos a quem eles pertenciam”, compreendendo o Estado
10 Cf. P Léon (Ed.), Storia economica e sociale del mondo, vol. IV: (Il capitalismo) 1840-
1914, t. 1: Il secolo della crescita, Bari, Laterza, 1980, p. 118-124 (“Le tre ondate di
industrializzazione”), 282-310 (“Il caso italiano”); C. M. Cipolla, (“La rivoluzione
industriale”), in: Storia economica d’Europa, dirigida por C. M. Cipolla, vol. III. Turim,
UTET, 1980, p. 1-16; V. Castronovo, La rivoluzione industriale. Bari, Laterza, 1978; T. S.
Ashton, La rivoluzione industriale (1760-1830). Bari, Laterza, 1981; E A. Toninelli (org.),
Lo sviluppo economico moderno dalla rivoluzione industriale alla crisi energetica (1750-
1973). Veneza, Marsilio, 1997; L. Chevallier, Classi lavoratrici e classi pericolose: Parigi
nella rivoluzione industriale. Bari, Laterza, 1976; V. Hunecke, Classe operaia e rivoluzione
industriale a Milano 1859-1892. Bolonha, Il Mulino, 1982; D. S. Landes, Prometeo liberato:
trasformazioni tecnologiche e sviluppo industriale nell’Europa occidentale dal 1750 ai giorni
nostri. Turim, Einaudi, 1993; V. Castronovo, Storia economica d’Italia: dall’Ottocento ai
giorni nostri. Turim, Einaudi, 1995.
11 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 350-369; OE I 508-527.
12 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 457-469; OE VII 457-469; Cf. cap. 9, § 4.
13 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 458; OE VII 458.

3.5 Page 25

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 25
da Igreja ao papa; e, “depois da repartição dos reinos”, valer-se dos poucos anos de
tranqüilidade “para reparar os males ocasionados pelas longas guerras e revoluções”.14
A “repartição dos reinos” foi sancionada em Viena com o ato final de 9 de junho
de 1815, atenta primeiramente às dinastias, segundo o princípio de (legitimidade)
imperfeitamente aplicado tanto na Itália como na Europa. Em força disso, também
João Bosco se tornava cidadão de um Estado Sardo mais extenso, que compreendia
a Sardenha, o Piemonte, o condado de Nice, a Savóia, a Ligúria da antiga República
de Gênova. Na Itália, outros três reinos punham-se ao lado do Sardo: o Lombardo-
Vêneto, as Duas Sicílias (Itália meridional e ilha), o Estado Pontifício; o grão-ducado
da Toscana e os quatro ducados de Parma e Piacenza, de Módena e Réggio, de Massa
e Carrara (que passava ao ducado de Módena e Reggio em 1831), e de Lucca, que
em 1847 unia-se ao grão-ducado da Toscana. Para a Itália, a fragmentação política,
existente há séculos, comportava também a econômica e financeira, com disparidades
relevantes de desenvolvimento e rígidas barreiras alfandegárias. Estas se revelaram
sempre mais danosas numa Europa que se movia, nas nações mais desenvolvidas, para
crescente globalização comercial, favorecida pelo mais rápido desenvolvimento das
vias de comunicação e das ferrovias.
Do ponto de vista político, o Congresso de Viena fora dominado pelas quatro grandes
potências – Rússia, Áustria, Prússia e Inglaterra –, que se tinham inspirado também no
princípio do (equilíbrio), territorial e de poder. Este visava garantir a Europa contra
grandes guerras continentais fratricidas, mas ignorava o princípio de (nacionalidade)
e, também, as idéias de (liberdade) e (igualdade) diante da lei e nas condições sociais,
proclamadas pela Revolução Francesa e difundidas em diversas regiões do continente.
Já estavam presentes substancialmente na (Declaração de Independência) dos Estados
Unidos da América, de 4 de julho de 1776.
Em sua história, Dom Bosco alinhava-se, sem o saber, com as idéias de Metternich, o
ministro austríaco líder em Viena: a liberdade não era ponto de partida, mas de chegada;
seu eixo e condição era a (ordem).15 Ao educador piemontês, autor da História da Itália,
também continuou a parecer suspeita e condenável qualquer mudança que não viesse
do alto, na legalidade e na ordem constituídas. Por outro lado, a política do Congresso
de Viena não estava tão uniformizada às posições de Metternich e dos imperadores
absolutistas da Santa Aliança, estipulada em 26 de setembro de 1815 entre os Estados,
nos quais prevaleciam as três grandes confissões cristãs, ortodoxa na Rússia, católica
na Áustria, protestante na Prússia, com a rápida e interessada adesão da Inglaterra.
No Congresso, tiveram papel determinante, explícito ou oculto, os ingleses, represen-
tantes de regime parlamentar de longa data, e os franceses, profundamente permeados
pelos princípios de 1789. Seja como for, todos os participantes concordaram sobre a
14 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 469-470, 476; OE VII 469-470, 476.
15 Cf. “Principi di governo di Metternich dopo il 1815”, in: P. Renouvin, Il secolo XIX. Dal 1815
al 1871. Roma, UNEDI, 1975, p. 441-442.

3.6 Page 26

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26 Parte I: De seu século para seu século
necessidade de combater, mesmo com intervenções armadas, as insurreições ou revo-
luções que tentassem modificar os regimes existentes, como fizeram em relação aos
movimentos insurrecionais que estouraram entre 1820 e 1822 no Reino das Duas
Sicílias, no Piemonte e na Espanha.16
Efetivamente, instauraram-se regimes absolutistas por toda a parte: na França com
Luís XVIII e Carlos X até 1830 e, na Itália, compreendendo o Piemonte, com Vittorio
Emanuel I até 1821, Carlos Félix (1822-1831) e Carlos Alberto (1831-1848), que,
como regente, concedera uma fugaz Constituição em 1822. Este, em 1848, promulgará
o Estatuto e, único soberano italiano, manterá. Entretanto, as forças de algum modo
revolucionárias organizavam-se em várias direções, voltadas não só à mudança das
instituições políticas, mas também à modernização das estruturas econômicas, sociais
e culturais: a via liberal e nacional moderada, com duas tendências diversas, a monár-
quico-constitucional e republicana; e a via democrática, radical, próxima aos jacobinos.
Atuavam, porém, para a restauração da antiga ordem os retrógrados e os conservadores,
com indivíduos e grupos, entre estes últimos, inclinados à cauta aceitação do que os
novos tempos trouxeram de saudavelmente progressivo.
2. Restauração religiosa, movimentos revolucionários e fidelidade eclesial
Na primeira parte do século XIX, a Igreja italiana é atravessada por preocupações e
ansiedades em face do passado recente e de suas conseqüências no presente, seriamente
empenhada, num primeiro momento, a reconstruir o que a revolução demolira, a recu-
perar o antigo patrimônio material, moral, espiritual, a defender o que tinha para propor
de válido a uma sociedade intensamente conturbada. Continuava inabalável “o mito da
cristandade”, modelado no tipo medieval de “sociedade cristã”, e, nela, a consciência
do papel de guia e direção da Igreja.17 “Sem cristianismo não há civilização”, “mas
sem papa não há cristianismo”, escrevia Joseph de Maistre; e incisivamente, em 1847,
Donoso Cortés: “A história da Europa é a história da civilização; a história da civilização
é a história do cristianismo; a história do cristianismo é a história da Igreja católica;
a história da Igreja católica é a história do pontificado; a história do pontificado, com
todos os seus esplendores e todas as suas maravilhas, é a história dos homens enviados
por Deus para resolver, no dia e hora marcados, os grandes problemas religiosos e
sociais, em proveito da humanidade e segundo os desígnios da Providência”.18
16 Deram-se a propósito a Conferência de Troppau em 19 de novembro de 1820, o Congresso de
Lubiana em 12 de maio de 1821, o Congresso di Verona de setembro de 1822.
17 Cf. G. Miccoli, Fra mito della cristianità e secolarizzazione: studi sul rapporto chiesa-
società nell’età contemporanea. Casale Monferrato, Marietti, 1985, p. 21-92, em particolar
as p. 21-42; D. Menozzi, La Chiesa cattolica e la secolarizzazione. Turim, Einaudi, 1993, p.
15-71.
18 Cit. de G. Miccoli, Fra mito della cristianità e secolarizzazione…, p. 31 e 39.

3.7 Page 27

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 27
Essa é a linha de fundo que acompanha as sempre mais complexas vicissitudes
do pontificado romano ao longo século XIX, simbolicamente expresso, ainda no início
século XX, pelo mote que teria compendiado as bases do programa pastoral enunciado
por Pio X em sua primeira encíclica E supremi apostolatus Cathedra, de 4 de outub­ ro
de 1902: “Restaurar todas as coisas em Cristo, de modo que Cristo esteja todo em
tudo”. A análise recorrente estava de acordo com a tese mais que secular da religião
– naturalmente, a única verdadeira, católica, portanto a Igreja – como fundamento de
toda ordem moral e civil. Daí derivava que, em sua raiz, os mal-estares e as convulsões
morais e sociais deviam ser atribuídos à “apostasia de Deus, a quem, na verdade, nada
permanece unido com a ruína”. Os males, que no início do século passado eram vistos
como originados das revoluções dos séculos XVIII e XIX, segundo Pio X ter-se-iam
perpetuado ao longo de todo o séc. XIX na “revolução” moral e civil, levados às mais
variadas manifestações da vida privada e pública pelo “abuso da liberdade”, enquanto
“se exaltavam merecidamente” “os progressos da civilização”. O remédio só podia ser
o restabelecimento dos direitos de Deus e da religião, representados e propugnados
pela Igreja com “sua doutrina”, “suas leis” e a “riqueza incomensurável de graça para a
santificação e a salvação dos homens”.19
Dom Bosco mostra-se analogamente sensível, sobretudo aos aspectos religiosos
da restauração e dos movimentos que a acompanharam na Espanha e no Reino de
Nápoles em 1820 e no Piemonte em 1821 e, mais extensos, em 1831. Escrevendo
sobre história em 1855 num Estado com regime parlamentar, ele não teme tanto os
resultados políticos quanto os possíveis contragolpes negativos sobre a realidade ecle-
sial. Preocupam-no particularmente dois fatos: sua degeneração “em espírito revolu-
cionário e irreligioso” e o desejo de alguns de, com eles, fazer “de toda a Itália um só
reino ou uma só república”, “e com isso afastar o papa de Roma e destronar todos os
reis da Itália”.20
As ênfases são diferentes quanto ao modo de pensar e realizar o desígnio de salvação,
mesmo considerando o caráter de restauração e conservação que associa a maioria, e
Dom Bosco representava uma delas digna de interesse. Para os que crêem, de fato, os
valores do Evangelho não são equiparáveis aos valores políticos propugnados pelos
protagonistas de Viena. Contudo, a leitura de sua inserção na história não é homogê-
nea.21 A leitura de Dom Bosco narrador de história corresponde em seu conteúdo à dos
papas da primeira metade do século – Pio VII (1800-1823), Leão XII (1823-1829),
19ASS 36 (1903-1904) 140-145.
20 G. Bosco, La storia d’Italia. p. 480-484; OE VII 480-484.
21 Cf. J. Schmidlin, Histoire des Papes de l’époque contemporaine, t. 1: La Papauté et les Papes
de la Restauration (1800-1846). Paris, Vitte, 1938; S. Fontana, La controrivoluzione cattolica
in Italia (1800-1830). Brescia, Morcelliana, 1968; G. Pignatelli, Aspetti della propaganda
cattolica a Roma da Pio VI a Leone XII. Roma, Istituto per la Storia del Risorgimento Italiano,
1974; A. Omodeo, Aspetti del Cattolicesimo della Restaurazione. Torino, Einaudi, 1946.

3.8 Page 28

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28 Parte I: De seu século para seu século
Pio VIII (1829-1830), Gregório XVI (1831-1846) –, que pretendem orientar com auto-
ridade a ação de recuperação e reconquista católica da sociedade. Antes, um conheci-
mento mais pontual dos documentos tê-lo-ia levado a ver como temas privilegiados
que, acima de todos, lhe estavam a peito: a condição das crianças e dos adolescentes
e o zelo e os cuidados a serem reservados para eles a fim de preservá-los da ruína da
moralidade privada e da ordem pública.22
Pio VII – narra Dom Bosco aos seus leitores –, logo que retornou da prisão em 1814,
“empregou o restante do seu pontificado para reparar os danos que as lojas maçônicas e
Bonaparte tinham ocasionado à Igreja”: promoveu em Roma “uma missão para o clero
e para o povo”, restabeleceu a Companhia de Jesus, “aprovou a associação para a obra
da propagação da fé”. Em definitivo – garantirá com otimismo teologal –, graças ao
heroísmo, seu e de seu predecessor, a “perseguição francesa, como a dos imperadores
romanos, não fez outra coisa que dar novo esplendor à Igreja de Jesus Cristo”. Viu-se,
e se verá, “sempre muito firme e triunfante a suprema autoridade do Romano Pontífice
Vigário de J. Cristo na terra e Chefe universal da sua Igreja”.23
Esquecia-se, porém, de sublinhar a obra de mediação entre o antigo e o novo dese-
jada por Pio VII com o Motu próprio Sobre a organização da administração pública,
de 6 de julho de 1816. Nele, com efeito, deviam ser incluídas “aquelas mudanças, que a
utilidade e as necessidades públicas pudessem exigir depois de tantas e extraordinárias
vicissitudes”, “percebendo Nós mesmos ainda hoje – advertia o pontífice – tantas coisas
imaginadas anteriormente, que depois melhoraram pela investigação engenhosa dos
homens”.24 Os muitos nostálgicos do ancien régime tinham-no visto como documento
sobrecarregado de princípios e normas derivados do Código Civil napoleônico.25
Na encíclica Diu satis, Dom Bosco teria encontrado o ditado bíblico a ele familiar
sobre a delicada idade adolescente: Adolescens juxta viam suam, etiam cum senuerit,
non recedet ab ea.26 Também teria podido concordar com a carta apostólica Post tam
diuturnas, de 29 de abril de 1814, a dom de Boulogne, bispo de Troyes, na qual Pio
VII deplorava que com o retorno do legítimo rei Luís XVIII, sob pressão das forças
liberais e leigas, corolário lógico dos princípios de 1789, tivesse sido concedida uma
Constituição na qual se omitia qualquer referência à religião católica. Eram depois
particularmente condenáveis os artigos que sancionavam a liberdade de culto e de cons-
ciência (art. 22) e a liberdade de imprensa (art. 23), que a experiência ensina serem
causa de corrupção dos costumes, de desordens e rebeliões nos povos.27
22 Cf. Enc. Diu satis de 15 de maio de 1800 de Pio VII, Bullarii Romani Cont. XI 23.
23 G. Bosco, Storia ecclesiastica..., p. 370-371; OE I 528-529.
24 Cf. Bullarii Romani Cont. XIV 49.
25 Cf. “Il governo provvisorio degli stati pontificii nell’anno 1815 e lo statuto del 1816”, La
Civiltà Cattolica 67 (1916), p. 404-420; M. Petrocchi, La Restaurazione, il cardinal Consalvi
e la riforma del 1816. Firenze, Le Monnier, 1941.
26 Cf. Bullarii Romani Cont. XI 23.
27 Cf. Lettres apostoliques de Pie IX, Grégoire XVI, Pie VII Encycliques, brefs, etc. Texte latin
avec traduction française... Paris, R. Roger et F. Chernoviz, 1905, p. 240-247.

3.9 Page 29

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 29
Dom Bosco dedicava menos de uma página em formato pequeno aos pontificados
de Leão XII, papa que vinha da diplomacia, de certa moderação no governo temporal,
austero no espiritual.28 Ele – informava Dom Bosco – foi generoso com os pobres e os
institutos de assistência e educação, controlava com improvisas visitas o bom funciona-
mento de hospitais e igrejas. Aprovava também a congregação religiosa piemontesa dos
Oblatos de Maria Virgem, “que tem por objetivo primário atender à pregação nas sagradas
missões e nos exercícios espirituais, como também manter pensionatos eclesiásticos”.29
Na verdade, o primeiro gesto de Leão XII para com seus eleitores fora uma concisa
Alocução feita no Consistório secreto de 17 de novembro de 1823, na qual elencava
a “inundação dos muitos males” que afligiam a Igreja: “as cruéis feridas causadas em
tempos recentes”, “os muitos inimigos aos quais deve enfrentar a fé ortodoxa”, “a
corrupção dos costumes imperante em todos os lugares”, “as inumeráveis dificuldades,
angústias e ofensas que em todos os lugares condicionam a vida da Igreja”.30
O elenco dos males seria estendido em documentos sucessivos. Na encíclica Ubi
primum, de 5 de maio de 1824, na esteira do Ensaio sobre o indiferentismo em matéria
de religião (1817) de Félicité de Lamennais, Leão XII denunciava sua matriz originária.
Era “uma seita – lamentava – que sem mérito usurpa o nome de filosofia”; que “osten-
tando o fascinante aspecto de piedade e liberalidade, professa o assim chamado tole-
rantismo ou indiferentismo e o exalta não só em campo civil, mas também nas coisas
de religião”, “uma impiedade de homens delirantes”, “mas também de sociedades, que,
rejeitando a revelação divina, professam puro deísmo, ou melhor, puro naturalismo”.
“Nestes erros eles pretendem [pretendiam] seduzir os incautos com toda espécie de
cavilações em palavras e escritos”. Acrescentavam-se as traduções da Bíblia, difundidas
em todos os lugares pela Sociedade Bíblica Mundial. Caso se tivesse querido indagar,
depois, sobre a verdadeira origem destes e de outros males, era fácil individuá-la no
“obstinado desprezo pela autoridade da Igreja”, que se refere a Pedro e a seus suces-
sores, os Romanos Pontífices. O papa concluía convidando os bispos a iluminarem os
fiéis sobre essas verdades. O “dilúvio envolve-nos – garantia – mas não nos submerge”;
“estarão ao vosso lado com seu poder os príncipes seculares, cuja causa, como atesta
a razão e a experiência, também está em jogo quando o está a da Igreja; de fato, não é
possível que se dê a César o que é de César se não se dá a Deus o que é de Deus”.31
Deve-se também a Leão XII a promulgação da reforma dos estudos universitários,
cuja revisão já se iniciara vários anos antes com Pio VII. O título já é significativo:
Methodus studiorum cum pietate coniuncta. Da formação religiosa e humana dos espí-
28 Cf. R. Colapietra, La formazione diplomatica di Leone XII. Roma, Istituto per la Storia del
Risorgimento; 1966; Id., La Chiesa tra Lamennais e Metternich. Il pontificato di Leone XII.
Brescia, Morcelliana 1963.
29 G. Bosco, Storia ecclesiastica….p. 373-374, OE I 531-532.
30 Bullarii Romani Cont. XVI 1.
31 Bullarii Romani Cont XVI 45-48.

3.10 Page 30

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30 Parte I: De seu século para seu século
ritos juvenis – estava declarado no proêmio –, “depende o progresso da religião e a
salvação do Estado”. Ela era atendida, em particular, pelas severas normas relativas à
disciplina auditorum (tit. XV, art. 158-174) e aos officia pietatis et religionis (tit. XVI,
art. 175-194).32 Eram idênticas as orientações e prescrições do Regulamento para as
escolas, promulgado no Reino Sardo em 1822, do qual João Bosco estudante faria
experiência no “colégio” de Chieri.33
Dom Bosco não acena ao breve pontificado de Pio VIII (abril de 1829 – novembro
de 1830). Recorde-se dele, um “consalviano” [relativo ao cardeal Consalvo, secretário
de Estado n.d.t.], ao menos a encíclica Traditi humilitati Nostrae, de 24 de maio de
1829. Retornavam as sombras escuras da sociedade e da cultura, em primeiro plano –
era a denúncia –, “a asquerosa maquinação dos sofistas deste tempo, que não admite
qualquer diferença entre as diversas profissões de fé”, “o sistema da indiferença das
religiões”, com o cortejo das inaceitáveis interpretações dos livros sagrados e das socie-
dades secretas propostas por homens facciosos. Era também assinalada com particular
preocupação a corrupção dos espíritos que ameaçavam os adolescentes dos ginásios
e liceus. “Deve-se deplorar, na verdade – argumentava o pontífice – que, rejeitado
o temor religioso, removida a disciplina dos costumes, contestada a santidade da sã
doutrina, pisados os direitos da autoridade sacra e civil, não haja mais reserva diante
de delito, erro ou crime”. Era urgente providenciar para “que à reta formação da juven-
tude fossem deputados homens exemplares, não só pela cultura literária, como também
pela exemplaridade da vida e da piedade”. Enfim, em meio a tanta tristeza de coisas,
convidava-se a rezar para que “florescesse em todos os lugares a santa religião e fosse
durável a verdadeira felicidade dos povos”.34
O monge camaldolense Mauro Alberto Cappellari era um purpurado próximo a
Leão XII pelo rigor moral e doutrinal, e fora feito cardeal in pectore em 21 de março
de 1825, tendo-se tornado público em 13 de março de 1826. Escolhido Prefeito da
Congregação Propaganda Fide a partir de 1° de outubro de 1826, imprimira extra-
ordinária vitalidade ao Dicastério quase extinto, dando início àquela viva estação
missionária que depois caracterizaria o seu pontificado, para o qual foi eleito em 2
de fevereiro de 1831, assumido o nome de Gregório XVI. Dom Bosco não recorda
a histórica encíclica de 15 de agosto de 1832, Mirari vos, em cuja abertura o papa
afirmava ter podido emaná-la depois de um período de agitações excepcionais. Contra
os “inimigos comuns”, ele exortava os fiéis a unir-se “na vigilância e na luta pela
salvação de todo o povo”. Devia-se “vigiar pela salvaguarda do depósito da fé”, “lutar
contra a vergonhosíssima conjura diante do celibato eclesiástico”, defender “o hono-
32 Bula Quod divina sapientia, 28 de agosto de 1824, Bullarii Romana Cont. XVI 85, 97-100;
Cf. A. Gemelli - S. Vismara, La riforma degli studi universitari negli Stati pontificii (1816-
1824). Milão, Vita e Pensiero, 1933.
33 Cf. cap. 4, § 2.
34 Bullarii Romani Cont. XVIII 17-20.

4 Pages 31-40

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4.1 Page 31

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 31
rável matrimônio cristão”. Tinha-se, sobretudo em mira “o fecundíssimo causador de
males que é o indiferentismo”, de cuja fonte jorrava “a absurda e errônea afirmação da
liberdade de consciência”. Era-lhe solidária “a péssima e nunca suficientemente detes-
tável desenfreada liberdade de imprensa, voltada a difundir, entre o vulgo, escritos
de toda espécie”. Eram também preocupantes a erosão do princípio de autoridade, a
doutrina da separação entre Estado e Igreja, e o advento de certas “associações e cate-
gorias que, aliadas com os sequazes da falsa religião, promoviam rebeliões em todos
os lugares, faziam-se porta-bandeiras de toda liberdade, perturbando a vida religiosa e
civil”.35 Com esse espírito, sentia-se obrigado a condenar Félicité de Lamennais, antes
apologeta católico contra o indiferentismo, agora seu paladino no opúsculo Paroles
d’un croyant, em desprezo da autoridade da Igreja.36
Dom Bosco detém-se, porém, na evocação dos lisonjeiros sucessos devidos à
“singular prudência” de Gregório XVI, ainda vivo quando Dom Bosco publicava a
História eclesiástica. “Seus súditos – escrevia – gozam de paz e tranqüilidade, a religião
triunfa, e o Evangelho se propaga até aos mais remotos limites da terra”.37 Efetivamente,
a intensa atividade missionária, acenada há pouco por Dom Bosco, expressou-se com
particular vigor na organização das estruturas destinadas às missões ad gentes; na ereção
de numerosos vicariatos apostólicos, sobretudo na Ásia e na Oceania; no apoio dado à
Sociedade da Propagação da Fé de Lyon, à qual dedicara a encíclica Probe nostis, e a
outras em Viena e alhures; na fundamental Instructio sobre a formação do clero indí-
gena.38 Foram também aprovados por ele os institutos religiosos das Damas do Sagrado
Coração, das Fiéis Companheiras de Jesus e da Caridade, este fundado por Antonio
Rosmini: os dois primeiros, franceses – anotava Dom Bosco com complacência –, “têm
por objeto a instrução civil e cristã das jovens solteiras”. O terceiro ocupa-se “segundo
a necessidade, nas várias partes do sagrado ministério”; os três “espalharam-se logo
pelas missões estrangeiras, onde, abençoados pelo Senhor, levam muitas almas para o
rebanho de Jesus Cristo”.39
Na segunda edição da História eclesiástica, de 1848, Dom Bosco, capelão em obras da
marquesa Barolo no biênio 1844-1846, podia falar com conhecimento de causa da apro-
vação, em 1846, por esse mesmo papa “em seus últimos dias” de dois novos institutos,
fundados pela munífica marquesa: as Irmãs de Sant’Ana, “destinadas principalmente
35 Acta Gregorii Papae XVI, vol. I. Roma, Ex Typ. Poliglotta, 1909, p. 169-174.
36 Cf. Enc. Singulari Nos, 25 de junho de 1834, Acta Gregorii, Papae XVI I 433-434. Dez anos
depois, em 25 de junho de 1844, o opúsculo era condenado como “corruptor da ordem social”
(Acta Gregorii Papae XVI III 357-359).
37 G. Bosco, Storia ecclesiastica, p. 377; OE I 535. Cf. também p. 386; OE I 544: “A religião
católica progride nas missões, e embora perseguida em alguns lugares, contudo triunfa”.
38 Cf. Acta Gregorii Papae XVI III 83-86, 453-454; C. Costantini, Gregorio XVI e le missioni,
in: Gregorio XVI, Miscellanea commemorativa, t. 2. Roma, 1948, p. 1-28.
39 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 377-379; OE I 535-537.

4.2 Page 32

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32 Parte I: De seu século para seu século
à educação da juventude e também a toda obra de caridade a que fossem chamadas pelos
bispos”, e as irmãs Penitentes de Santa Maria Madalena. Mencionava também o “Refúgio
das Transviadas que – informava por conhecimento direto – chegam espontaneamente à
vocação, e no qual se preparam aquelas que, tendo vocação, podem ser admitidas depois
no mencionado Instituto de Santa Maria Madalena”. Relatava, também, a construção em
Turim de cinco novos hospitais: São Luís, São Salvador das irmãs da Caridade, Santa
Filomena, da marquesa Barolo, “para meninas deficientes ou enfermas”, do qual Dom
Bosco fora capelão por um ano. Um quarto hospital para meninos, fundado pelo conde
Luigi Franchi de Front. Detém-se, em particular, sobre a “colossal” Obra do Cottolengo:
ali são hospitalizadas – escrevia – “1800 pessoas dos dois sexos, entre aleijados, invá-
lidos para o trabalho, ulcerosos, epiléticos, doentes de todo tipo, orfãozinhos e aban-
donados”. “Ali estão – acrescentava – muitas categorias de pessoas religiosas adidas à
direção espiritual e temporal: cada ângulo inspira caridade e fervor”.40
Os tempos de Gregório XVI coincidem com os anos da formação eclesiástica e
do primeiro apostolado sacerdotal de Dom Bosco. Lugares, programas e formas eram
necessariamente marcados por clima de restauração totalmente homóloga à secular
tradição pós-tridentina. Apoiava-se em duas colunas, que traduziam há séculos o duplo
mandamento evangélico da caridade: o primado de Deus e de sua glória e, ao mesmo
tempo, o exercício das obras de misericórdia. A isso correspondia, na formação do padre,
pastor de almas e educador dos fiéis, a aquisição da dúplice e inseparável dimensão de
base: densa vida interior e acentuada sensibilidade pastoral.41 O arcebispo de Turim, o
camaldolense Colombano Chiaveroti (1819-1831), e o sucessor Luigi Fransoni (1831-
1862) encontravam-se a esse respeito em sintonia natural com os ensinamentos dos
papas. Nem a eles se opunha as instituições civis do Reino Sardo, em boas relações com
a Igreja, aperfeiçoadas com o Acordo de 27 de março de 1841, assinado pelo rei em
2 de abril e comunicado aos bispos no dia 9. O tom da carta com que Gregório XVI
apresentava em 19 de abril o novo núncio, dom Tomaso Pasquale Gizzi, a Carlos Alberto
era um sinal eloqüente de relações substancialmente ditosas.42
Nos anos 40, a ação de Dom Bosco em favor dos jovens na cidade de Turim
inseria-se nesse contexto de paz: seria logo sobrevinda a incruenta, mas não indolor,
“revolução liberal”.
3. Aberturas à marginalização social e à prevenção nos anos 30 e 40
Dom Bosco, no Pensionato, entrava em contato com os cárceres; no Refúgio, com
o problema da prostituição feminina; nas ruas de Turim e na Generala, com os jovens
40 G. Bosco, Storia ecclesiastica ad uso delle scuole per ogni ceto di persone. 2a ed. Turim,
tipógrafos-editores Speirani e Ferrero, 1848, p. 180-182.
41 Cf. cap. 5, §1-2.
42 Acta Gregorii Papae XVI III 122.

4.3 Page 33

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 33
abandonados, periclitantes para si e perigosos para a sociedade; em experiências de ação
pastoral e social, com homens abertos aos problemas da educação infantil e popular.
Suas experiências eram fragmento de uma história antiga e nova de misérias, pobreza e
necessidades, muito mais complexa e à qual há vários decênios autoridades públicas e
iniciativas privadas industriavam-se para enfrentar. Era “a outra face” de uma realidade
longamente ignorada pela grande historiografia, mas não pelos contemporâneos, admi-
nistradores públicos, forças da ordem, estudiosos e filantropos.43
É notável o crescimento da população na capital subalpina nos anos 1814-1848
– cerca de 62% –, graças sobretudo à imigração, com 35% desse crescimento, sem
diferenças entre homens e mulheres. Não se tratava de mão-de-obra qualificada, mas
de adidos temporários à construção civil ou aos transportes, artesãos, vendedores ambu-
lantes, domésticos, massas de camponeses expulsos da miséria dos campos e dos salá-
rios de fome, entregues em grande parte à mendicância. Essa é, na cidade, justamente
a mais vistosa protagonista do mal-estar social, particularmente nos arrabaldes Pó e
Dora, tangível no miserável bairro do Moschino. Degenerava não raramente nos furtos,
nas agressões e na prostituição, também de menores. Àqueles que caíam nas mãos das
autoridades abriam-se “os lugares da piedade e do castigo”, os asilos de mortalidade
elevada e as prisões.
Em face dessas realidades, uma virada decisiva nas idéias e na legislação em campo
penal e na regulamentação do regime carcerário fora determinada no Piemonte por
influxo principalmente das idéias de Charles-Louis Montesquieu (1689-1755) e de
Cesare Beccaria (1738-1794). Com a restauração, ela acentuava-se na busca de um
equilíbrio: “Tudo melhorar e tudo conservar”. A “ciência penitenciária” deixava de ser
provinciana com o conhecimento que homens iluminados, como Carlo Ilorione Petitti
di Roreto (1790-1850) e Cesare Alfieri di Sostegno (1799-1869), industriavam-se por
adquirir por meio de viagens de estudo e leituras, assimilando e confrontando idéias e
experiências americanas e européias. Fazia sempre mais caminho a persuasão de que
à necessária punição salutar devessem unir-se reeducação e prevenção. Os meios tidos
como soberanos nos lugares de reclusão eram o isolamento noturno, o trabalho diurno
em comum, mas com a rígida regra do silêncio. A finalidade era criar “hábitos regulares,
saudáveis, sóbrios, laboriosos”, com uma vigilância contínua capaz de neutralizar o réu
43 Cf. U. Levra, L’altro volto di Torino risorgimentale 1814-1848. Turim, Comitato di Torino
dell’Istituto per la storia del Risorgimento italiano, 1988; Id., “Il bisogno, il castigo, la pietà:
Torino 1814-1848”, in G. Bracco (Ed), Torino e don Bosco I. Turim, Archivio Storico della
Città, 1989, p. 13-97; C. Felloni, R. Audisio, I giovani discoli, Ibid., p. 99-119; G. Nalbone,
Carcere e società in Piemonte (1770-1857). Santena, Fondazione Camillo Cavour, 1988; para
os efeitos sucessivos da situação desses anos, cf. R. Rosati, “Un quartiere centrale di Torino
a metà Ottocento: Po e Vanchiglia nel 1858”, Bollettino storico bibliografico subalpino 92
(1994), p. 257-281; M. Leonessa, “Delinquenza minorile in Torino alla fine dell’Ottocento”,
Bollettino storico bibliografico subalpino 92 (1994), p. 555-594.

4.4 Page 34

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34 Parte I: De seu século para seu século
e regenerar moralmente o culpável. “Devia-se adquirir o hábito do trabalho em ativi-
dades braçais, na natureza e no resultado das atividades realizadas no cárcere; instilar
o amor pela poupança na aplicação e destinação do salário, através da influência das
orações; criar hábitos profícuos morais e religiosos no uso da palavra, na educação e
na instrução”.44
Só em Turim havia prisão para mulheres, a das Forzate, entregue à marquesa Giulia
di Barolo em 1821; ela contribuíra para ali reunir as que até então estavam distribuídas
em três cárceres mistos, Senatorie, Correzionele e Torri, reservadas enfim aos homens
de todas as idades. Somente em 1845, era aberta a Generala, casa correcional para
jovens delinqüentes.45
Situam-se nesse contexto os “trabalhos apostólicos nos cárceres” do padre Cafasso
(1811-1860), profundamente radicados na memória de Dom Bosco, quando, em 30 de
outubro de 1860, fazia o discurso comemorativo do mestre na solene celebração fúnebre
na igreja de São Francisco de Sales. Ali aparece o padre dos encarcerados, que os
filantropos do tempo imaginavam: “Um homem dotado de zelo iluminado, de caridade
evangélica, de caráter firme e desenvolto, de muita atividade, de profunda doutrina e
de idade madura, como de aspecto digno e apto a conciliar confiança e respeito”.46 Não
é diferente o perfil delineado pelo orador, depois de ter considerado que os cárceres,
“esses lugares de desventura e de desventurados, são os que mais precisam do minis-
tério sacerdotal”; neles, “além de coragem, exige-se prudência, piedade e ciência toda
própria para essa espécie de gente”.47 A ação do mestre confirma em Dom Bosco a
persuasão da “força maravilhosa da santa religião católica”. Com efeito, padre Cafasso
percebera que aqueles “desventurados, ou melhor, embrutecidos” [sic], tornaram-se
assim “mais pela falta de instrução religiosa do que pela própria malícia. Por isso,
depois de lhes ter “ganhado o coração”, ali introduzira a prática religiosa, mudando as
prisões, de “confusões infernais” “em habitações de homens” e de cristãos, e conse-
guindo mudar, nos próprios condenados a morte, “o desespero em viva esperança e
inflamado amor de Deus”.48 Quase por associação de idéias, num escrito posterior de
dois anos, Dom Bosco, como se verá, levava a origem do Oratório à experiência do
cárcere, com a deletéria convivência de jovens e adultos.49 E para agir preventivamente
44 G. Nalbone, Carcere e società in Piemonte…, p. 185-186.
45 Cf. cap. 7, § 2.2.
46 C. I. Petitti di Rorero, Della condizione attuale delle carceri e dei mezzi di migliorarla.
Turim, G. Pomba e comp, 1846, in: Opere scelte, organizadas por G. M. Bravo. vol. 1, Turim,
Fondazione L. Einaudi, 1969, p. 553.
47 G. Bosco, Biografia del sacerdote Caffasso esposta in due ragionamenti funebri. Turim, tip.
G. B. Paravia e comp., 1860, p. 81; OE XII 431.
48 G. Bosco, Biografia del sacerdote Giuseppe Caffasso…, p. 84-85; OE XII 433-435.
49 Cf. [G. Bosco], Cenni storici intorno all’Oratorio di S. Francesco di Sales. Editado por
P. Braido, “Don Bosco per la gioventù povera e abbandonata in due inediti del 1854 e del
1862”, in: Id., Don Bosco nella Chiesa, p. 60-62.

4.5 Page 35

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 35
entre “os jovens mais abandonados”, ele projetava a Congregação de São Francisco de
Sales, como escrevia entre 1858 e 1859 no proêmio ao texto das Constituições.50
4. 1848: prelúdios e conseqüências
Tendo crescido em clima de restauração civil e religiosa, Dom Bosco não podia deixar
de ser tocado pela revolução política dos anos 1847–1865, sem compreender-lhe de
modo pleno o significado profundamente cultural. Tendo-se afirmada com o suceder-se
de agrupamentos politicamente mesclados, a revolução levava à definitiva prevalência
das forças liberais que mantiveram o poder até os inícios do terceiro decênio do século
XX. Associaram-se a ela a laicização progressiva do Estado, a secularização rasteira do
tecido social, a marginalização acentuada dos católicos em relação à vida política, antes
obrigada e depois desejada. Dom Bosco, em vários escritos, sublinha esses fenômenos,
segundo os contextos, em relação às vicissitudes da Igreja turinense e aos próprios orató-
rios, ou ao problema das vocações eclesiásticas, ou, em referências mais explícitas às
leis subversivas de 1855, a seu modo de conceber e gerir a Sociedade de São Francisco
de Sales, que talvez já esteja prefigurando de algum modo naquele ano.
Sobre o ano de 1848, ele escreve brevemente não só na História da Itália, como
também em documentos dos anos 70, o Aceno histórico sobre a Congregação de
São Francisco de Sales, apresentado em Roma em 1874, e as Memórias do Oratório.
A virada é, de forma ambígua, atribuída à pressão de sociedades secretas, mas no
Piemonte é atribuída à sabedoria do rei, embora com instrumentalizações indevidas
por parte de grupos libertários. Não é percebida nem evidenciada a determinante e
duradoura intervenção das elites liberais, de diferentes orientações: centro, centro-di-
reita, centro-esquerda, esquerda. Ele ignora as aberturas, mais evidentes na Lombardia,
região italiana economicamente mais desenvolvida, onde estava emergindo uma aris-
tocracia empenhada nos negócios e uma burguesia de tipo capitalista moderno, promo-
toras de desenvolvimento econômico e social, com inovações tecnológicas na indústria
têxtil, a introdução de navios a vapor para a navegação interna, a promoção de escolas
populares. Entre eles emergiam as personalidades de orientação liberal de Luigi Porro
Lambertenghi e Federico Confalonieri, este próximo política e espiritualmente de Silvio
Pellico, amigo de Dom Bosco.
Na História da Itália, Dom Bosco escreve com muito respeito sobre o rei Carlos
Alberto (1798-1849), de seu método de governo, de suas reformas atuadas, sobretudo
do apoio convicto à religião católica. É verdade que, regente em lugar do tio Carlos
Félix, “na revolução de 1821 tinha proclamado a constituição espanhola”; mas a tinha
retirado imediatamente em obséquio ao rei e às grandes potências reunidas em Lubiana,
“também porque – escreve Dom Bosco – já tinha percebido que os chefes daquele
50 Cost. SDB (Motto) 62.

4.6 Page 36

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36 Parte I: De seu século para seu século
movimento pertenciam às sociedades secretas, por isso homens não confiáveis”. Tendo
sucedido a Carlos Félix em 1831 – continua o narrador –, “seu governo foi de um
pai e não de um soberano. Todas as suas preocupações, todos os seus pensamentos
tinham a intenção de fazer reflorescer a ordem e a moralidade em seus Estados. Em
1847 publicou várias reformas em relação ao modo de administrar a justiça e governar
os seus súditos. No ano seguinte concedeu o Estatuto, com o qual todos os súditos
foram declarados iguais perante a lei pondo, porém, a Religião católica como religião
de Estado, e os demais cultos simplesmente tolerados”.51 Vieram em seguida a guerra
(1848), o armistício, novamente a guerra e a derrota, a abdicação (1849) e, poucos
meses depois, a morte, sublinhada pela piedade comovida do narrador.52
Efetivamente, Carlos Alberto, nos últimos anos de reinado, tinha-se convencido,
embora em meio a muitas hesitações, que fosse obrigação de um governo à altura dos
tempos voltar-se para a todos os progressos e descobertas em vista do maior bem dos
povos, “ser progressista no bem, exceto para fazer o mal”, como escrevia o ministro
Villamarina em 1846. Depois, sensível às expectativas que vinham da frente liberal,
em agitação após as aberturas de Pio IX, decretara em 30 de outubro de 1847 uma
primeira série de reformas, entre as quais: normas para a autoridade policial em caso
de reuniões e sobre a censura, que davam à imprensa a faculdade de tratar de assuntos
de administração pública, desde que não fossem vilipendiados a religião e seus minis-
tros, a moral, o soberano, o governo e seus magistrados, os reinantes estrangeiros,
suas famílias e seus representantes, a honra dos cidadãos privados. Em novembro, o
Magistrado da Reforma passava por uma crise em seu centralismo absolutista, com
sua transformação em Real Secretaria de Estado para a Instrução Pública e a insti-
tuição do Conselho Superior da Instrução Pública. Era titular do novo ministério
o marquês Cesare Alfieri di Sostegno, sucedido, já em 1844, no organismo prece-
dente por dom Dionisio Andrea Pasio (1781-1854), bispo de Alessandria. Em 17 de
fevereiro de 1848, o rei chegava a uma histórica decisão, conseqüente ao reconhe-
cimento público da sólida aliança dos valdenses com a monarquia sabauda, assi-
nando as Cartas patentes que sancionavam: “Os valdenses são admitidos a gozar de
todos os direitos civis e políticos de nossos súditos, a freqüentar as escolas dentro
e fora das Universidades, e a obter os graus acadêmicos. Nada, porém, é inovado
quanto ao exercício do seu culto e das escolas dirigidos por eles”. O “porém” criava
alguns problemas, mas encontraria em regime liberal, segundo o Estatuto assinado
em 4 de março, uma aplicação sempre mais larga. Ele revolucionava em muitos
pontos o ordenamento vigente, embora com algum atrito entre as diversas fórmulas:
“A Religião Católica, Apostólica e Romana é a única Religião de Estado. Os outros
cultos agora existentes são tolerados de acordo com as leis” (art. 1); “todos os reiní-
colas, qualquer que seja seu título ou grau, são iguais perante a lei. Todos gozam igual-
51 G. Bosco, La storia d’Italia .... p. 485; OE VII 485.
52 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 485-489; OE VII 485-489. Cf. mais adiante, § 5.

4.7 Page 37

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 37
mente dos direitos civis e políticos, e são admissíveis aos cargos civis e militares, salvas
as exceções determinadas pelas leis” (art. 24); “a liberdade individual é garantida”
(art. 26); “a imprensa será livre, mas uma lei reprime seus abusos” (art. 28); “é reconhe-
cido o direito de reunir-se pacificamente e sem armas”, enquanto as reuniões públicas
devem ser “autorizadas pela polícia” (art. 32).53 Seguia em 29 de março um decreto que
concedia os direitos civis aos judeus. Enfim, em 19 de junho, o parlamento aprovava
a lei, proposta por Riccardo Sineo (1805-1876), que excluía exceções no gozo dos
direitos previstos pelo art. 24 do Estatuto nos casos de diversidade de culto.
Nos anos 70, Dom Bosco, baseado na experiência conflitante de decênios de polí-
tica liberal, avaliava diversamente a concessão do Estatuto, não em si, mas em suas
conseqüências ainda em ato e grávidas de futuro incerto. Nisso, ele alinhava-se com
aqueles bispos do Reino Sardo, compreendido Fransoni, que aceitavam o Estatuto em
atitude de evangélica obediência ao soberano salvo, depois, tomarem posição contra as
conseqüentes medidas liberais.54 “Nesse ano [1848] – escrevia – os negócios políticos
e o espírito público apresentaram um drama, cuja solução ainda não se pode prever”.
De fato, “muitos pensavam que com a Constituição fosse também concedida liberdade
de fazer ao bel capricho o bem ou o mal”.
Ao promover a emancipação aos judeus e aos protestantes, também “se pretendia
que já não existisse distinção entre católicos e outras crenças. Isso era verdade na polí-
tica, mas não em fato de religião”. Diante dessa forma de indiferentismo, notava com
desgosto, leigos e eclesiásticos tinham apresentado petições a Carlos Alberto para
que concedesse a esperada emancipação que dava livre curso ao intenso proselitismo
protestante, com “grande dano à religião e à moralidade”.55 Unia-se paradoxalmente ao
culto da liberdade, com decreto de 25 de agosto de 1848, a expulsão dos jesuítas e das
Damas do Sagrado Coração do Estado Sardo.
Não menos negativo parecia a Dom Bosco o impacto sobre os jovens: “Uma espécie
de frenesi – conta – invade as mentes dos próprios jovenzinhos, que, reunindo-se em
vários pontos da cidade, pelas ruas e pelas praças, julgavam como coisa boa qualquer
afronta contra o padre ou a religião”. Agressões eram feitas também contra sua pessoa
e o próprio teólogo Borel. Era “muito difícil – anotava – domar essa juventude desen-
freada” em tal “perversão de idéias e de atitudes”.56
Ele deveria também confrontar-se com novos permanentes problemas de prevenção
relacionados com a liberdade de imprensa e, não menos, a de reunião e associação, com
53 Cf. E. Crosa, La concessione dello Statuto: Carlo Alberto e il ministro Borelli “redattore”
dello Statuto (con lettere inedite di Carlo Alberto), Turim, Istituto giuridico della R. Università
de Turim, 1936.
54 Cf. D. Menozzi, “I vescovi dalla rivoluzione all’Unità”, in: M. Rosa (Ed.), Clero e società
nell’Italia contemporanea. Roma-Bari, Laterza, 1992, p. 162-175.
55 MO (1991) 185-186.
56 MO (1991) 186-188.

4.8 Page 38

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38 Parte I: De seu século para seu século
o rápido multiplicar-se de sociedades operárias, tidas por ele, não sem exageros, como
geralmente anticlericais e irreligiosas. Em fevereiro de 1849 já acontecia a inauguração
oficial da primeira delas em Pinerolo. Em Turim, era fundada em janeiro de 1850 a
Associação dos Operários, “que tem por finalidade – anunciava em 17 de janeiro de
1850 a Gazzetta del Popolo, que a apoiara – a união e a fraternidade, o mútuo socorro
e a instrução recíproca, e assim ajudar-se e socorrer-se reciprocamente, por meio de
contribuição individual, e instruir-se nos direitos e nos deveres do bom cidadão”. Esta e
grande parte das que se sucederam eram tidas rigorosamente fora de qualquer conotação
partidária, mas não da patriótica. A relativa neutralidade era favorecida pela prevalência
da finalidade de empréstimos, previdencial e assistencial, compartilhados pelos sócios,
a qualquer corrente pertencessem: de observância católica numericamente irrelevante,
democrático-constitucional, democrático-republicana, liberal-moderada. Eram politi-
zadas, porém, as sociedades republicanas promovidas pelos mazzinianos, inspiradas
nos princípios da religião leiga reconduzidas aos ideais “Deus, Pátria, Família”, “Deus
e Humanidade”.57
5. A Igreja na revolução
Dom Bosco reserva grande espaço à nova situação da Igreja e do papa criada pela
progressiva revolução liberal na Itália. Em pleno neoguelfismo, ele aplaude a chegada
de Pio IX ao papado, que se tornou logo aceito pelos súditos, devido à anistia conce-
dida e outras medidas de modernização do governo do Estado. Dom Bosco não poupa
elogios sobre os inícios: “A veneração e o afeto de seus povos acompanham todos os
passos de Pio IX, o restante da Igreja faz eco aos devotos aplausos do Estado Romano.
Os romanos aprendem dele o verdadeiro modo de governar os povos”; “o grande
Gioberti chama de o dia mais belo de sua vida aquele em que o viu. Os próprios heré-
ticos admiram-no e louvam-no”.58 Na História da Itália, que é de 1855, o discurso
devia prosseguir em bem outra direção, ainda devido aos “amantes da revolução”,
movidos pelo “pensamento de fazer um reino tão somente expulsando da Lombardia
os austríacos que eram formidáveis rivais dos rebeldes”.59 Eram evocados mais adiante
os “gravíssimos desastres” acontecidos em Roma, com um número notável de páginas
dedicado às atribulações do Estado pontifício.60 “Um número considerável – conta
57 E. R. Papa, Origini delle società operaie: libertà di associazione e organizzazioni operaie di
mutuo soccorso in Piemonte 1848-1861. Milão, Lerici, 1967. Sobre a tradição do empréstimo
e cooperativa turinsense, cf. P. Spriano, Storia di Torino operaia e socialista da De Amicis a
Gramsci. Turim, Einaudi, 1972, p. 18-24.
58 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, 1848, p. 182.
59 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 484; OE V11484.
60 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 489 514; OE VII 489-514.

4.9 Page 39

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 39
Dom Bosco –, em sua maioria de forasteiros, acorreu a Roma para excitar o espírito de
revolta e aproveitar-se dos mesmos favores que o papa concedia para deles se valerem
em seu dano”. Eram “os mesmos que tinham posto em confusão as coisas políticas nos
vários reinos da península”.61
Os fatos de Roma, entretanto, já se tinham entrelaçado com os acontecidos na
Itália do Norte por iniciativa do Piemonte: a guerra contra a Áustria pela conquista do
Lombardo-Vêneto (24 de março – 9 de agosto de 1848); o armistício solicitado e obtido
pelo general Salasco (9 de agosto de 1848 – 12 de março de 1849); o turbulento minis-
tério democrático presidido por Vicente Gioberti (15 de dezembro de 1848 – 21 de feve-
reiro de 1849), com a tentativa, politicamente falida, de criar a unidade confederativa
da Itália mediante o acordo dos princípios moderados restaurados; o fim das repúblicas
romana e toscana, com o retorno do papa a Roma e do grão-duque à Toscana; a retomada
da guerra contra a Áustria e a derrota (23-24 de março de 1849); a imediata abdicação de
Carlos Alberto e a sucessão de Vitório Emanuel II. Quanto ao conflito sardo-austríaco,
Dom Bosco se detém brevemente, fazendo notar sobretudo a coragem dos dois Savóias,
o príncipe Eugênio e o rei Carlos Alberto, herói isolado e desafortunado, “magnânimo”
nos fatos de guerra e “sublime” na espontânea renúncia ao trono.62
Paralela é a evocação dos acontecimentos romanos. Diante da recusa do papa em
entrar em guerra contra a Áustria, ameaça-se rebelar-se contra ele e “restabelecer em
Roma um governo provisório”, para “formar um reino, ou uma república, ou qual-
quer outra espécie de governo que viesse caprichosamente à mente dos chefes dos
rebeldes”.63 Segue a narração particularizada da nomeação papal de Pellegrino Rossi
(1787-1848) como presidente do Conselho de Ministros, homem que “queria a ordem e
a observância das leis” e tratava com Nápoles, Florença e Turim para criar uma “confe-
deração de Estados Italianos”. Dessa forma, porém, entrava fatalmente em conflito com
“as sociedades secretas, conflito – nota o narrador – que acaba quase sempre com um
assassinato”,64 perpetrado, de fato, em 15 de novembro de 1848. Diante da imposição
de um ministério democrático, não restavam a Pio IX senão a fuga clandestina para o
Reino das Duas Sicílias e, de Gaeta, em 19 de fevereiro de 1849, o apelo aos príncipes
católicos para que o restabelecessem em seus Estados.65 “Porque – justifica Dom Bosco
– (...), o domínio temporal dos Papas pode-se dizer um dom feito por vários príncipes;
dom aprovado e posto sob a tutela de todos os governos católicos, e é por isso do inte-
resse de toda a cristandade que o Papa viva tranqüilo em seus Estados para que possa
exercer livremente a suprema autoridade de Vigário de Jesus Cristo”.66
61 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 489 490; OE VII 489-490.
62 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 485-489; OE VII 485-489.
63 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 490; OE VII 490.
64 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 492, 502-503; OE VII 492, 502-503.
65 Cf. G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 492-498; OE VII 492-498.
66 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 499; OE VII 499.

4.10 Page 40

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40 Parte I: De seu século para seu século
Quanto à restauração do Estado pontifício é interessante a anotação, em parte inexata,
feita por Dom Bosco, mesmo sendo um devoto sabaudo e filomonárquico, sobre os dois
soberanos – Carlos Alberto, do Reino Sardo, e Leopoldo II, do grão-ducado da Toscana –
que se recusam a participar disso: foram “ambos logo obrigados a deixar o próprio trono
e ir para o exílio”.67 Reserva, entretanto, linhas inusitadamente elevadas aos soldados
franceses em navegação para Civitavecchia em vista da libertação de Roma: “Aqueles
soldados tinham a fronte serena como o céu, o coração tranqüilo; estavam contentes e
altivos porque iam combater pela mais justa e santa entre todas as causas; iam a Roma
para abater a tirania; e, sem pensar nos perigos, pensavam na verdadeira glória”. Fazia
depois uma descrição complacente do “entusiasmo geral” com que os romanos os
acolheram em 29 de junho de 1849, na verdade mais contido de quanto ele pensasse
e escrevesse.68 Com evidente semelhança de idéias passa a falar da atuação do general
Oudinot de fazer vigorar novamente a ordem, convidando os eclesiásticos a colaborar,
pois, explicava-lhes, “a milícia e o clero são os dois grandes corpos chamados a salvar
o futuro”; “a sociedade confusa só pode encontrar força para a salvação no sentimento
religioso e no respeito da autoridade”, comenta o narrador.69 Tal princípio, segundo Dom
Bosco, encontra a mais elevada atuação com a entrada de Pio IX em Roma às quatro da
tarde de 12 de abril de 1850. “A religião católica – conclui – personificada em Pio IX
retornava a Roma, e retornava poderosa, oferecendo misericórdia à ingratidão e perdão
aos arrependidos. Finalmente a obra da restauração realizada pelas potências católicas
recolocava em seu lugar a pedra angular, o chefe da cristandade”.70
Por isso, é totalmente positivo o juízo que o narrador, homem da ordem, formula
sobre os protagonistas da restauração romana e, em seguida, da paz de Paris, de 30 de
março de 1856, à conclusão da guerra do Oriente contra a Rússia, segundo o Tratado
austro-franco-inglês de 10 de abril de 1854 e do Tratado de Turim de 1855, com a
participação de 15 mil soldados do Reino Sardo, que partiram de Gênova em 28 de
abril e em 15 de maio de 1856. “A conclusão da paz – comenta, segundo sua teologia
da história –, da qual somos quase totalmente devedores à Áustria e à França, leva-me
a fazer-vos uma observação sobre a prosperidade dessas duas potências”. Napoleão
III (1808-1873), que se tinha “esforçado para reconduzir o papa a Roma, foi aben-
çoado pelo céu. Tornou-se imperador dos franceses, e protegendo a religião faz um
grande bem àquela nação e vai elevando-a a nova glória e esplendor. Também por isso,
a Áustria foi remunerada pela Providência”. Convencido de “que favorecer a religião
é o meio mais poderoso para conservar os Estados e que o desprezo da religião é sua
ruína”, Francisco José (1830-1916, imperador desde 1848 e rei da Hungria desde 1867)
67 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 505; OE VII 505.
68 G. Bosco, La storia d’Ialia…, p. 505-506; OE VII 505 506. Cf. G. Martina, Pio IX (1846-
1850). Roma, Università Gregoriana, 1974, p. 416-418.
69 G. Bosco, La storia d’Ialia…, p. 509; OE VII 509.
70 G. Bosco, La storia d’Ialia…, p. 514; OE VII 514.

5 Pages 41-50

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5.1 Page 41

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 41
estipulava em 1855 uma concordata com a Santa Sé; por ela abolia algumas leis contra
a Igreja promulgadas por José II e concedia “à Igreja todos os favores e a proteção
que se podem desejar de um soberano verdadeiramente católico”. Eram iniciativas que
demonstravam “como a religião seja a sustentação dos tronos e a felicidade dos povos
que a honram e praticam seus preceitos”.71
Parece que ele quer dizer: não é assim no Reino Sardo, onde as medidas de liberali-
zação de 1848 já tinham comprometido o feliz Acordo de 1841. Na encíclica Nostis et
Nobiscum, de 8 de dezembro de 1849, emanada em Portici, no Reino de Nápoles, Pio IX
quisera tornar os bispos italianos partícipes de suas preocupações sobre as transforma-
ções em ato na Itália. Era um forte alarme contra aqueles “homens perdidos, inimigos
da verdade, da justiça e da honestidade”, que, em nome da licença mais desenfreada de
pensamento e de palavra, colocam tudo em ação, ou abertamente ou fraudulentamente,
para “arrancar dos fundamentos a Religião católica na Itália”.
Várias páginas eram dedicadas a rebater o que, sobretudo, se propalava entre os
fiéis para afastá-los da fé católica: que “a religião católica é um obstáculo à glória, à
grandeza e à prosperidade da Itália”, substituindo-a pelo protestantismo, que propugna
o livre exame da Escritura, e pelas “perversas doutrinas subversivas” do socialismo e
do comunismo. Tradicionais eram os remédios propostos aos bispos: instrução reli-
giosa e pregação para alimento da fé; administração da confirmação para seu reforço;
freqüência dos sacramentos da penitência e da eucaristia; pregações extraordinárias nos
tempos fortes, exercícios espirituais e missões, de modo a inocular horror pelos pecados
mais escandalosos, como blasfêmia, concubinato, inobservância dos preceitos da missa
festiva; jejum e abstinência. Atenções especiais eram reservadas aos livros e periódicos
mentirosos e ímpios e às sociedades bíblicas, já muitas vezes condenadas. Propunha-se,
além disso, como verdade capital a ser inculcada, a fidelidade à Igreja e ao sumo pontí-
fice, que, segundo o que fora definido no Concílio de Florença, é “Sucessor de Pedro,
detém o primado em toda a terra, é o verdadeiro Vigário de Cristo, Chefe da Igreja
Universal e Pai e Doutor de todos os Cristãos”. Seus mais perigosos opositores eram
os protestantes, antigos e novos, com o comunismo e o socialismo que, basea­dos nos
princípios de liberdade e igualdade contestavam o que deriva da natureza e é imutável:
a autoridade, o direito de propriedade, as diferenças dos estados de vida, de ricos e
pobres, aqueles chamados a fazer bom uso das riquezas, os pobres alegres por terem
mais fácil o caminho à salvação”.72
Não pode haver dúvida de que, em sua incondicionada solidariedade ao papa e
aos seus ensinamentos, Dom Bosco compartilhasse suas opções políticas sobre toda
a questão romana e napolitana entre 1848 e 1850.73 Ele teria podido encontrar denso
sumário delas no texto da alocução Quibus quantisque de 20 de abril de 1849,74 que
71 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 522-523; OE VII 522-523.
72 Pii IX Pontificis Maximi Acta, parte I, vol. I, p. 198-214.
73 Cf. cap. 7, § 3.
74 IX Pontificis Maximi Acta, parte I, vol. I, p. 167-194.

5.2 Page 42

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42 Parte I: De seu século para seu século
saiu em Turim num opúsculo de 1850, largamente difundido. O pontífice – baseado
nas desilusões sofridas nos anos 1846-1848 –, denunciava os homens astutos, que
visam a subverter não só o Estado Pontifício, mas também a própria religião católica.
Muitos fiéis, enganados por eles, instrumentalizaram para suas finalidades as “gene-
rosidades concedidas nos primórdios” do seu pontificado. Apesar das repetidas adver-
tências, continuaram os “tumultos populares” em prejuízo da tranqüilidade pública e
da ordem, orientando a mesma concessão da Constituição à instauração de um regime
republicano. Nessa ótica foram interpretadas de modo distorcido todas as intervenções
pontifícias dos anos 1847 e 1848. E agora, do exílio, ele via que Roma “se tornara, que
tristeza! uma selva de animais frementes”: situação que ele tivera obrigatoriamente de
sanar pelo bem dos povos do Estado com a ajuda das potências católicas capazes de dar
novamente “a perdida paz e tranqüilidade”. Haveriam de consolidá-la ao seu retorno as
necessárias medidas educativas, reeducativas e preventivas, provendo “para que – alme-
java – a virtude, a justiça e a religião triunfem em todos os lugares e tenham sempre
maior desenvolvimento”.75
6. Crescentes dissensos entre Igreja e Estado nos anos 1850-1859
Dom Bosco mostra-se mais reticente e cauteloso perante o efetivo desenrolar-se
político do Reino Sardo nos anos 50. Com as eleições de 9 de dezembro de 1849, o
ministério liberal presidido por Massimo d’Azeglio podia contar com o apoio de um
forte bloco de centro-direita. Por isso, alinhado ao Estatuto parecia óbvio e possível dar
início à política de modernização do Estado. Este, enquanto tinha em vista cancelar seus
traços confessionais, supondo em todo caso a presença do religioso no social, excluía
quer os vínculos concordatários com a Igreja, quer posições irreligiosas e anticatólicas,
na aplicação coerente dos princípios políticos de liberdade e igualdade.
Em 1850 também Dom Bosco teve que perceber o novo movimento. Em 25 de feve-
reiro, depois das tratativas infrutuosas anteriores com a Santa Sé, o ministro de Graça
e Justiça, Giuseppe Siccardi, apresentava à Câmara um projeto legislativo que buscava
imprimir decisiva reviravolta no Reino Sardo, de entidade política do ancien régime a
Estado igualitário de direito: abolição do foro eclesiástico e dos resíduos do direito de
asilo, redução de numerosas festas de preceito, obrigação de autorização governativa
para a aceitação de heranças e doações por parte de entidades eclesiásticas. Era apro-
vado pela Câmara em 9 de março e pelo Senado em 18 de abril, e assinado pelo rei no
dia seguinte.76 O núncio em Turim, dom Benedetto Antonio Antonucci (1798-1879),
75 Allocuzione di Nostro Signore Papa Pio IX del 20 aprile 1849 con in fine una esposizione
della medesima a modo di catechismo. Turim, tip. Eredi Botta, 1850, p. 7-48; Cf. G. Martina,
Pio IX (1846-1850), p. 363-364.

5.3 Page 43

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 43
requeria imediatamente os passaportes, com a conseqüente ruptura das relações diplo-
máticas entre a Santa Sé e o Reino Sardo, reino da Itália em 1861. Estas seriam somente
reatadas em 1929.
Na ocasião, Dom Bosco com toda probabilidade não precisou renegar o que tinha
escrito sobre o ministro Tanucci, secularizador no Reino de Nápoles, desaprovando a
sua atuação: “A imunidade, ó meus caros, deriva da veneração que merecem as coisas
e as pessoas sagradas”; o ministro, porém, “esforçou-se por provar que as imunidades
eram contrárias às leis civis, como se não devesse ser próprio justamente das leis civis
o uso do respeito em particular aos lugares e às coisas sagradas”.77
Com toda a probabilidade, ao escrever em 10 de julho ao padre Daniele Rademacher,
referia-se também ao recente vulnus desferido contra a imunidade no Reino Sardo.78 Foi
certamente solidário com seu arcebispo, obrigado ao exílio também por ter assumido
posição rígida contra quem, embora católico fervoroso, a lei Siccardi tinha favorecido
fortemente, Pietro De’ Rossi de Santarosa, privado da absolvição sacramental antes
da morte em 15 de agosto de 1850. A situação, porém, tornara-se ainda mais pesada
pela intransigência radical de dom Fransoni que, já em 1848, não conseguira aceitar
totalmente o novo regime constitucional com as conseqüentes liberdades de imprensa,
de consciência e de culto, e a potencial “desconfessionalização” do Estado sabaudo.
Os bispos subalpinos tinham-se empenhado em problemáticas e, afinal, estéreis tenta-
tivas de mediação entre o governo sardo, a Santa Sé e o interessado, em vista da sua
renúncia espontânea à sede episcopal e de uma eventual honrosa solução romana.79
Dom Fantini, bispo de Fossano e senador, retratava sem rodeios o drama de consci-
ência vivido por eles: “O episcopado está na alternativa entre dois males: desobedecer
ao papa ou ajudar a destruir a Religião (...). Estamos estudando algum modo de salvar
a Religião.80 A Santa Sé, porém, não prentendia sacrificar o arcebispo, que o governo
sardo queria fosse removido, e Cesari tivesse renunciado ao privilégio do foro, mas com
a condição de chegar a uma nova concordata, o que em Turim era tido como incompa-
tível com o processo de modernização leiga em ato.81
76 Cf. Legge Siccardi sull’abolizione del foro e delle immunità ecclesiastiche: tornate del
Parlamento subalpino. Turim, Cugini Pomba e C. Editori; 1850, 565 p.; Cf. M. F. Mellano, Il
caso Fransoni e la politica ecclesiastica piemontese (1848-1850). Roma, Pontificia Università
Gregoriana, 1964, p. 94-219.
77 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 446-447; OE VII 446-447. As expressões são repetidas e
estendidas em edições sucessivas.
78 Cf. cap. 7, § 3.2.
79 Cf. G. Griseri, “L’allontanamento e la mancata rinunzia di mons. Luigi Fransoni arcivescovo
di Torino”, Bollettino storico bibliografico subalpino 64 (1966), p. 375-492; M. F. Mellano,
Ricerche sulle leggi Siccardi: i rapporti tra la S. Sede, l’episcopato piemontese e il governo
sardo. Turim, Deputazione Subalpina di Storia Patria, 1973.
80 Cf. M. F. Mellano, Ricerche sulle leggi Siccardi..., p. 54.
81 Cf. G. Martina, Pio IX (1846-1850), p. 434-455.

5.4 Page 44

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44 Parte I: De seu século para seu século
À formal inobservância unilateral do Acordo de 14 de setembro de 1841 seguiam
os arbítrios da justiça sabauda que, com sentença de 15 de setembro de 1850, que se
tornou executiva no dia 28, condenava o arcebispo à expulsão do Reino. O prelado fixou
residência em Lion, permacendo ali até sua morte, em 1862. Dos vários problemas
suscitados pelo governo sabaudo Pio IX falava amargamente em duas alocuções aos
cardeais em 20 de maio e em 1° de novembro de 1850, embora esperando ainda pela
retomada plena das tratativas.82
Fato determinante para o enrijecimento da política liberal no Reino Sardo foi a
entrada, em 10 de outubro de 1850, de Camillo Cavour no terceiro ministério d’Azeglio,
como ministro da Agricultura, Comércio e Marinha, e interino das Finanças, a partir
de 19 de abril de 1851. Homem de extraordinário dinamismo e prestígio, sucedia a
d’Azeglio na presidência do Conselho em 2 de novembro de 1852. Ocupava esse cargo
até à morte, em 6 de junho de 1861, salvo o intervalo do ministério Lamarmora-Ratazzi
de 19 de julho de 1859 a 21 de janeiro de 1860. Ele dava uma virada no jogo político,
chegando à aliança do partido centro-direita, do qual era líder, com o centro-esquerda,
chefiado por Urbano Rattazzi, eleito antes presidente da Câmara, depois ministro da
Justiça e do Interior, até à demissão em 13 de janeiro de 1858, por conflito insanável
com Cavour. O “conúbio”, primeira forma de transformismo parlamentar, tendia a pôr
para fora do jogo político os católicos conservadores e os retrógrados, uma constante
na política sarda e do Reino da Itália.
Por ocasião do jubileu extraordinário de três meses, proclamado por Pio IX e regulado
pela encíclica Apostolicae Nostrae, de 1° de agosto de 1854, Dom Bosco publicava um
manual para os fiéis, no qual demonstrava que fazia suas as razões evidenciadas pela encí-
clica. Ao interlocutor, convencido de que “as coisas de religião” não andassem “tão mal”,
o padre respondia admitindo que “a Religião Católica” prosperava “mais nas missões
estrangeiras” e que se percebia um notável movimento de judeus e heréticos para a Igreja
católica, mas recordava ao mesmo tempo os males denunciados pela encíclica, dando-lhe
o texto e convidando-o a lê-la. “De muitas maneiras hoje em dia – fazia observar – a reli-
gião é desprezada em público e em privado, nos discursos, nos jornais, nos livros! Não há
coisa santa e veneranda que não seja visada e não seja censurada e zombada”.83
Outro passo decisivo para a modernização leiga do Estado e o afastamento da Igreja
era dado com a “lei contra os conventos”, de 1855.84 O projeto de lei era apresentado em
82  Cf. Pii IX Pontificis Maximi Acta, parte I, vol. I, p. 232-233 e 251-261.
83  [G. Bosco], Il giubileo e pratiche divote per la visita delle chiese. Turim, tip. dir. por P. De
Agostini, 1854, p. 30-31; OE V 508-509; Cf. encíclica Apostolicae Nostrae, Pii IX Pontificis
maximi Acta, parte. I, vol. I, p. 587-593.
84  Cf. C. Tivaroni, L’Italia degli italiani, t. I: 1849-1859. Turim, Roux Frassati, 1895, p. 383-426;
R. Romeo, Cavour e il suo tempo (1854-1861), vol. III: 1854-1861. Bari, Laterza, 1984, p.
103-141; uma excepcional e aguda síntese estimativa sobre os eventos é oferecida pelo ensaio
de F. De Giorgi, “Le congregazioni religiose dell’Ottocento e il problema dell’educazione,
Annali di storia dell’educazione e delle istituzioni scolastiche I (1994), p. 172-180.

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 45
28 de novembro de 1854 conjuntamente por Cavour, presidente do Conselho e ministro
das Finanças, e pelo ministro de Graça e Justiça Urbano Ratazzi, que poucos meses
antes entrara em boas relações justamente com Dom Bosco, beneficiando o Oratório.85
A modernização do Estado inspirava-se claramente no sistema da “separação” ou de
“jurisdicionalismo aconfessional”.86 Pio IX reagia imediatamente, em 22 de janeiro
de 1855, com uma incisiva alocução aos cardeais, publicada com um volumoso dossiê de
documentos sobre a longa série de abusos do governo subalpino em relação à Igreja
a partir de 1848.87 Lamentava os muitos atentados consumados contra a Igreja e seus
sacrossantos direitos e impunha as censuras eclesiásticas “contra os predadores e profa-
nadores das coisas sagradas, prevaricadores do poder e da liberdade eclesiástica”.88
A discussão na Câmara foi suspensa de 13 de janeiro a 14 de fevereiro pelos lutos
que se seguiram na corte sabauda: a morte da rainha-mãe Maria Teresa em 12 de janeiro
de 1855, da rainha Maria Adelaide por febre puerperal em 20 de janeiro,89 do irmão de
37 anos do rei, duque de Gênova, por definhamento, em 10 de fevereiro. Retomado o
debate, a lei era aprovada pela Câmara em 2 de março e apresentada ao Senado no dia
9. A esta altura, porém, já se colocara em movimento um complexo jogo diplomático,
que levava à singular proposta dos bispos, da qual se fazia porta-voz em 27 de abril dom
Nazari de Calabiana, bispo de Casale Monferrato e senador do Reino: fazer frente às
despesas do Estado para as côngruas dos párocos com uma soma anual de 928 mil liras,
que deveria tornar injustificável a supressão dos conventos e o confisco de seus bens.
A proposta foi obviamente recusada. Ela, de fato, acabava por transferir redutivamente
ao plano financeiro uma lei que obedecia a um projeto político liberal mais orgâ-
nico: a desconfessionalização do Estado, sua laicização e secularização, que excluía
qualquer compromisso com a Igreja.90 A lei era aprovada pelo Senado, com emenda
proposta pelo senador Des Ambrois, em 22 de maio, definitivamente pela Câmara, no
dia 28, e assinada pelo rei, no dia 29. A lei atingia todas as corporações religiosas
que não atendiam à pregação, à instrução ou à assistência dos doentes; em síntese,
eram suprimidas do Reino Sardo 34 ordens religiosas com 334 casas e 4.500 membros,
85 Cf. Em I 218 e 228; MB V 60-61.
86 Cf. G. Martina, Storia della Chiesa da Lutero ai nostri giorni, vol. III: L’età del liberalismo.
Brescia, Morcelliana, 1998, p. 84-101.
87 Pii IX Pontificis Maximi Acta, parte I, vol. II, p. 5-8; Cf. Allocuzione della Santità di Nostro
Signore Pio PP IX al Sacro Collegio nel Concistoro segreto del 22 gennaio 1855 seguìto da
una Esposizione corredata di documenti sulle incessanti cure della stessa Santità Sua a riparo
dei gravi mali da cui è afflitta la Chiesa Cattolica nel regno di Sardegna. Roma, tipografia da
Secretaria de Estado, 1855, V 285 p. Em Turim saíam imediatamente ao menos duas edições
econômicas: tip. dirigida por P. De Agostini e tip. escolar di S. Franco e filhos.
88 Pii IX Pontificis Maximi Acta, parte I, vol. XI, p. 6-7.
89 Morria após ter dado à luz a um menino, que veio a falecer em 17 de maio.
90 Cf. E. Borghese, “La crisi Calabiana secondo nuovi documenta”, Bollettino storico-
bibliografico subalpino 55 (1957) p. 425-487.

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46 Parte I: De seu século para seu século
permanecendo ainda 22 corporações com 274 casas e cerca de 4 mil regulares.91 Em 26
de julho chegava inevitável a Alocução consistorial de deploração e de cominação da
excomunhão maior e das demais censuras e penas eclesiásticas, primeiramente ao que
propuseram, aprovaram, sancionaram a lei: por primeiro os membros do governo, os
parlamentares que a tinham votado e o rei; depois os mandantes, defensores, consul-
tores, aderentes e executores.92
Escrevendo na História da Itália sobre as cinco mortes acontecidas em Casa Savoia,
Dom Bosco não estabelecia uma ligação explícita com a lei sobre os conventos, como
diversamente fazia ao português padre Daniel Rademacher; entretanto, talvez o tivesse
subentendido.93 Entretanto, em 1873-1874, quando redigia e distribuía o Aceno histó-
rico sobre a Congregação de S. Francisco de Sales, referia-se de fato ao clima que
contribuíra para preparar a aprovação da lei e o acompanhava, incluindo ali os anos
60, embora tendesse a individuar suas origens em 48. Escrevia a respeito disso sobre a
crise das vocações eclesiásticas: “Naquele ano (1848) elevou-se um espírito de agitação
contra as ordens religiosas e as Congregações Eclesiásticas; em geral, portanto, contra
o clero e todas as autoridades da Igreja. O grito de furor e desprezo pela religião trazia
consigo a conseqüência de afastar a juventude da moralidade, da piedade; portanto,
da vocação ao Estado eclesiástico. Enquanto os institutos iam aos poucos se disper-
sando, os padres eram vilipendiados, alguns colocados na prisão, outros mantidos em
presídio domiciliar; como então, humanamente falando, era possível cultivar o espírito
de vocação?”.94
7. Progressiva fratura entre intransigência católica e política liberal
O processo de unificação levava à mais profunda fratura entre Igreja e Estado italiano
depois da grave amputação do Estado pontifício nos anos 1859-1860. A mudança do
mapa político era decorrência, imprevista pela maioria, da segunda guerra da inde-
pendência contra a Áustria, levada a termo com sucesso pelos aliados piemonteses e
franceses entre junho e julho de 1859. O grão-ducado da Toscana, os ducados de Parma
e de Módena criavam governos provisórios com a presença de comissários enviados
pelo governo subalpino. À espera dos plebiscitos impunham-se dois ditadores: Bettino
91 Cf. C. Tivaroni, L’Italia degli italiani, t. I: 1849-1859, p. 425.
92 Pii IX Pontificis Maximi Acta, parate I, vol. II, p. 436-440.
93 Cf. G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 518; OE VII 518; carta ao P. Rademacher, 7 de junho de
1855, Em I 256-257; Cf. cap. 10, § 1.
94 [G. Bosco], Cenno istorico sulla Congregazione di S. Francesco di Sales e relativi schiarimenti.
Roma, Tip. Poliglotta, 1874, p. 3; OE XXV 233. Sobre a lei Siccardi e o que se seguiu em
relação a Fransoni e a Santarosa, cf. E M. Mellano, Il caso Fransoni e la politica ecclesiastica
piemontese…, p. 117-219.

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 47
Ricasoli (“o barão de ferro”) (1809-1880) na Toscana e Luigi Carlo Farini (1812-1866)
em Parma, Módena e nas Legações pontifícias da Romanha. O general Manfredo
Fanti garantia o apoio do exército sabaudo. Em 1860, os plebiscitos de 11 e 12 de
março levavam à anexação ao Reino Sardo das precedentes entidades políticas. Em
compensação, plebiscitos paralelos de 15 e 16 de abril decidiam a anexação à França do
condado de Nice e da Savóia, pactuada como contrapartida da decisiva ajuda francesa
à guerra de independência.
Há uma história familiar, transmitida pelas primeiras crônicas dos jovens colabo-
radores de Dom Bosco, que evidenciam estados de espírito e modos de pensar seus e
do Oratório, não favoráveis à política dos unificadores. Ela tocava os atos lesivos dos
direitos da Igreja, o controle estatal das escolas privadas católicas, a vigilância sobre
manifestações de solidariedade ao papa Pio IX, além de medidas contra bispos e sacer-
dotes. Dom Bosco estava envolvido nisso de muitas formas. Anotações correntes nas
crônicas de 1860 e 1861 assinalam problema nos sinos que tocara festivamente para
solenizar as anexações. Eram sinais inócuos. Mais seriamente admoestador, porém,
queria ser o registro da doença mortal que atingira o senador Zenone Luigi Quaglia
(1788-1860, 6 de abril), que em 2 de abril de 1860 presidira a primeira sessão da VII
legislatura saída das eleições de 25 de março.95 Nela Vitório Emanuel II pronunciara
um vibrante discurso, no qual se sentia a mão do redator, Luigi Carlo Farini, ministro
do interior, e do revisor, Camillo de Cavour, presidente do Conselho. O rei declamava,
entre outras coisas: “Se a autoridade eclesiástica usa armas espirituais por interesses
temporais, Eu, na segura consciência e nas tradições dos antepassados, encontrarei a
força de manter toda a liberdade civil e a minha autoridade, da qual devo prestar contas
somente a Deus e aos meus povos”.96
As crônicas também referem-se à solidariedade expressa ao papa pelos jovens dos
oratórios turinenses e, mais adiante, do plebiscito em Nice favorável à anexação à
França devido às “promessas e ameaças da França e à exortação do bispo dom Solla”.97
Pelos fins de abril as crônicas registravam que alguns piemonteses transferiram-se “ao
estado pontifício para alistar-se sob a bandeira do papa”, mas que o cardeal Antonelli
subordinava sua aceitação a uma apresentação de Dom Bosco. “Dom Bosco – está
anotado em 19 de maio – disse: creio que estamos apenas no início dos males”.98 “Dom
Bosco – acrescentava o cronista – disse que, se não intervém o braço de Deus ou a
força estrangeira, Nápoles sozinha não pode sustentar-se”.99 Estava em pleno desen-
95D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales N° 1° 1860, p. 2. Estas e outras
notícias poderiam ter sido deduzidas por Dom Bosco e pelos seus de Civiltà Cattolica 11
(1860), p. 234-237.
96 Il Parlamento dell’Unità d’Italia (1859-1861). Atti e documenti della Camera dei Deputati, 3
vol. Roma, Segretariato Generale della Camara dei Deputati, 1961, vol. I, p. 54-55.
97D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales N° 1° 1860, p. 3.
98D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales N° 1° 1860, p. 5.
99D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales N° 1° 1860, p. 10.

5.8 Page 48

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48 Parte I: De seu século para seu século
volvimento a façanha dos Mil, iniciada em 6 de maio, quando zarparam de Quarto de
Gênova duas naves com Garibaldi e seus voluntários, que se dirigiam à Sicília para
promover a sublevação contra o reino borbônico.
Em julho, no Oratório de Dom Bosco, depois de uma devassa “política”, seguida
a poucos dias de distância de uma inspeção nas escolas ginasiais,100 tinha-se a visita
do arcebispo de Pisa, Cosimo Corsi, em prisão domiciliar em Turim, de 22 de maio a
22 de julho de 1860. Em relação ao novo Estado, o cardeal assumira uma atitude reso-
luta, embora legalmente irrepreensível. Jamais aceitou a conivência entre festas civis
relativas aos novos fatos nacionais e celebrações religiosas, continuou na defesa do poder
temporal do papa e desertou do encontro com o rei em visita a Pisa. À noite de 17 de
maio recusava-se a ir a Turim para encontrar-se com o ministro da justiça, como lhe inti-
mava uma ordem formal; só se dobraria à força. À noite seguinte, a polícia o prendia e o
transferia numa viatura à capital subalpina. Tendo chegado no dia 22, era recebido pelo
teólogo Michele Angelo Vacchetta (1798-1865), que o acompanhava ao domicílio pré-
estabelecido na casa dos Padres da Missão. Segundo quanto escrevia o purpurado a Pio
IX em 11 de junho de 1860, sua linha de conduta diante do ministro da justiça Giovanni
Battista Cassinis (1806-1866) foi de não se defender, pois defender-se era materialmente
impossível, nem acusar.101 A crônica acena também à convocação a Turim do bispo de
Piacenza “para ouvir uma pregação do Bispo dos Bispos, o ministro da justiça”.102
Seguiam entre 1860 e 1861 a aquisição do Reino das Duas Sicílias para os Savóia,
também com a intervenção do exército sardo que, vindo do Norte, levava à invasão
e à sucessiva anexação das Marcas e da Úmbria, pertencentes ao Estado pontifício.
Em março de 1861 deram-se fatos determinantes para a unidade política da Itália e a
dissolução do Estado da Igreja, reduzido então apenas ao Lazio. No dia 14, a Câmara
aprovava o projeto de lei, já passado no Senado em 26 de fevereiro, que proclamava
Vitório Emanuel II rei da Itália.103 A poucos dias de distância os plebiscitos de 21 e
22 de março de 1861 sancionavam a anexação do Reino das Duas Sicílias. Enfim, no
dia 27, depois de inflamadas discussões, proteladas por três dias, a Câmara aprovava
quase unanimemente a proposta governativa de declarar Roma capital do Reino da
Itália, o que o Senado confirmava na sessão de 9 de abril.104 Era o extremo aguçar-se da
“questão romana”, dramático e dilacerante para a consciência católica.105
100 Cf. cap. 13, § 2.
101 Cf. M. Del Corso, Un vescovo nella storia: Cosimo Corsi, cardinale di Pisa. La storia di un
vescovo. Pisa, Pacini, 1988, p. 86-104.
102D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales N° 1° 1860, p. 14. Sobre a
transferência de Corsi a Turim e sobre os “mal-tratos ao clero”, cf. La Civiltà Cattolica 11
(1860), p. 740-748 e 747-748; e p. 107-108 (“Il clero carcerato in massa) e 109 (“Il cardinal
Corsi carcerato in Torino”).
103 Cf. Il Parlamento dell’Unità d’Italia (1859-1861)... I, p. 19-46.
104 Cf. Il Parlamento dell’Unità d’Italia (1859-1861)... II, p. 111-249.
105 Cf. P G. Camaiani, “Motivi e riflessi religiosi della questione romana”, in: Chiesa e religiosità
in Italia dopo l’Unità (1861-1878). Atos do quarto Congresso de História da Igreja, La Mendola
31 agosto - 5 settembre 1971. Vol. II: Relazioni, Milão, Vita e Pensiero, 1973, p. 65-128.

5.9 Page 49

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 49
Na História da Itália, a partir da edição de 1861, Dom Bosco acrescentava breves
páginas sobre a segunda guerra da independência, detendo-se na aquisição da Lombardia
pelo Piemonte, uma ampliação “muito fragilizada pela cessão da Savóia e de Nice
feita à França pelo nosso governo”. Ao restante, dedicava lacônicas linhas: “Nesse
meio tempo davam-se outros acontecimentos na Toscana, em Parma, em Módena e
na Romanha, depois em Nápoles e na Sicília, que, pela sua gravidade e porque muito
recentes, devem ser remetidos ao futuro, antes de se poder falar deles imparcialmente
e com verdade”.106 É o explicit de todas as edições, até a última com ele ainda vivo,
a décima oitava de 1887, reimpressão da edição de 1873. A partir desta, a continu-
ação é confiada a um Sumário cronológico dos principais acontecimentos da paz de
Villafranca (1859) à morte de Napoleão III (1873), separado do texto da narração histó-
rica pelos perfis biográficos de “homens célebres”, introduzidos antes da Conclusão a
partir da edição de 1859: nesta são oito, serão doze a partir de 1873. No Sumário é dado
relevo particular à encíclica Nullis certe verbis de Pio IX, de 19 de janeiro de 1860,
“para declarar ao mundo católico – está escrito – que ele não pode renunciar a qualquer
parte do seu domínio sem faltar aos seus juramentos” e para dirigir aos governantes do
Reino Sardo acusações precisas: “Excitar querelas e movimentos nas demais províncias
da Santa Sé, – injuriar a todos os católicos – debilitar os direitos de todos os Príncipes
do mundo cristão – e assentir com perniciosíssimos princípios”.107
No Oratório, também a morte de Cavour, em 16 de junho de 1861, estava relacio-
nada às ocorrências religiosas, das quais as autoridades civis ficaram ausentes pela
primeira vez: “Junho, 6. Morte de Cavour no dia e na hora em que aconteceu o milagre
do SS. Sacramento. Cai doente na vigília da festa do Corpus Christi”.108 A morte ines-
perada e rápida sancionava uma ausência bem mais realista, por outro lado não casual:
“Levou a bons e a não bons a dizerem: aqui está a mão do Senhor”, pensava o autor de
profecias do cavalheiro (Galantuomo). Era, em todo caso, matriz de profundo descon-
certo na vida política, que ficara órfã do seu enigmático mestre tecelão, que sozinho
“tinha o fio político de todos os negócios”.109
Substancialmente, porém, o pequeno reino de Dom Bosco ficava mais estranho à
ampliação da fratura entre o mundo político liberal e a maior parte do mundo católico.
Às vezes fazia-lhe eco. O “Nem eleitos nem eleitores”, lançado em 8 de janeiro de 1861
pelo teólogo Giacomo Margotti das colunas do jornal l’Armonia, na eminência das
106 G. Bosco, La storia d’Italia…. 3a ed. aumentada. Turim, tip. di L. Ferrando, 1861, p. 478.
107 G. Bosco, La storia d’Italia raccontata alla gioventù… Turim, tip. e libr. salesiana, 1887
[idêntica à edição de 1873], p. 489; OE XXXVII 489; Cf. texto da encíclia em Pii IX Pontificis
Maximi Acta, parte I, vol. III; p. 129-136.
108D. Ruffino, Cronaca. 1861 1862 1863, p. 70.
109 Il Galantuomo a’ suoi amici, in Il Galantuomo e le sue profezie. Almanacco piemontese-
lombardo pel 1862. Turim, tip. Paravia e comp, 1861, p. 71-72; OE XIII 327-328.

5.10 Page 50

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50 Parte I: De seu século para seu século
eleições do primeiro parlamento italiano, tornava-se palavra de ordem para os católicos
intransigentes, que recusavam qualquer conivência com o Estado unitário usurpador.
De sua parte, uma crônica do Oratório em 7 de julho de 1862 registrara a resposta dada
por Dom Bosco a um grupo de jovens colaboradores, que lhe colocavam a questão de
como “regular-se nestes tempos tão calamitosos”, a respeito do poder temporal do papa.
Replicava ao que dissera a alguns “democráticos” e “libertalhões” no mesmo dia: “Eu
estou com o papa, sou católico, obedeço ao papa cegamente. Se o papa dissesse aos
piemonteses ‘vinde a Roma’, então eu também diria ‘ide’; se o papa diz que a ida dos
piemonteses a Roma é um latrocínio, então eu digo o mesmo”.110
A Luigi Carlo Farini (1812-1866) é dedicada uma única notícia, datada em março
de 1863, “cai em estado de demência”,111 passando por cima do fato que no penúltimo
ministério Cavour ele fora ministro do Interior e a partir de 8 de dezembro de 1862
até 22 de março de 1863, presidente do Conselho, com Michele Amari na Instrução
(1806-1889). Dom Bosco, como se verá, tivera de tratar com ele, ministro do Interior.
Evidencia-se a partir de 1864 a Convenção entre a França e a Itália, de 15 de setembro,
sobre a retirada das tropas francesas do Estado pontifício, o empenho da Itália em
respeitá-lo, a transferência da capital a Florença, efetiva em 14 de maio de 1865. Fala-se
também da publicação, em 8 de dezembro de 1864, do Sílabo, “no qual – é anotado
– são esclarecidos os principais erros do nosso século”.112 Não se fala da encíclica
Quanta cura, que os condena, datada no mesmo dia. Dom Bosco depois citava o texto,
concluído com a proclamação de um novo Jubileu extraordinário para 1865, na segunda
edição notavelmente acrescida do opúsculo de 1854, com título ligeiramente modifi-
cado.113 Cala-se, porém, sobre fatos relevantes da história da Itália e das relações entre
Estado e Igreja, dos quais, porém, não é estranha sua vicissitude biográfica.
Após a unificação política, fora tomadas medidas lesivas aos direitos de liberdade
dos bispos e sacerdotes, agravadas no sul da Itália por ligações problemáticas com a
luta contra o “banditismo”.114 Foram dadas ordens de prisões, expulsões, expatriações
voluntárias e involuntárias, frequentemente decididas por autoridades militares sem
respeito pela legalidade, enquanto o próprio presidente do Conselho, Bettino Ricasoli,
teria preferido processos regulares. Na Itália meridional, 71 dioceses foram privadas da
presença do bispo, a começar de Nápoles, cujo arcebispo Sisto Riario Sforza (1810-1877)
110 G. Bonetti, Annali III 1862-1863, p. 20-24; Cf. G. Bosco, La storia d’Italia... 1887, p.
186-190; OE XXXVII 186-190, “Dei beni temporali della Chiesa e del dominio del Sommo
Pontefice”.
111 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1887, p. 492; OE XXXVII 492.
112 G. Bosco, La storia d’Italia..., 1887, p. 102; OE XXXVII 102; os textos da encíclica Quanta
cura e do Syllabus em Pii IX Pontificis maximi Acta, pars I, vol. III, p. 687-700, 701-717.
113 G. Bosco, Dialogi intorno all’istituzione del Giubileo colle pratiche divote per la visita delle
chiese. Turim, tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1865, p. 6-15; OE XVl 80-89.
114 Cf. mais adiante § 8.

6 Pages 51-60

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6.1 Page 51

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 51
foi obrigado a longo exílio, de 1° de agosto de 1861 a 6 de dezembro de 1866, depois de
um precedente de dois meses em 1860, imposto por Garibaldi.
Abria caminho fácil para a expulsão das respectivas sedes de bispos e sacerdotes
a vexatória lei de 18 de maio de 1866 – a Lei dos Suspeitos ou Crispina, do nome de
seu principal proponente, Francesco Crispi – com o art. 3° decisivamente capcioso:
“O Governo do Rei terá a faculdade de estabelecer, por tempo não maior de um ano, a
prisão domiciliar aos ociosos, vagabundos, criminosos e a todas as pessoas tidas como
suspeitas, segundo as indicações do Código Penal de 20 de novembro de 1859, que serão
publicadas e terão força de lei (...). As mesmas disposições serão aplicáveis às pessoas, em
relação às quais haja motivo fundado de julgar que trabalhem para restituir o antigo estado
de coisas e prejudicar de algum modo a unidade da Itália e suas livres instituições”.
Baseado nessa lei, o governo perseguia também Giambattista Casoni e Giulio Cesare
Fangarezzi, fundadores em Bolonha, em 1865, da Associação Católica Italiana para
a Defesa da Liberdade da Igreja na Itália, aprovada por Pio IX com Breve de 4 de
abril de 1866: eles conseguiram fugir e a Associação foi dissolvida. Em junho do ano
seguinte, aliás, surgia a Sociedade da Juventude Católica Italiana a partir da federação
de dois círculos juvenis, fundados um em Viterbo pelo conde Mario Fani, o outro em
Bolonha pelo doutor Giovanni Acquaderni; a Sociedade foi aprovada por Pio IX em
maio de 1868 e tornou-se um viveiro de militantes do movimento católico. Nesse meio
tempo, fora introduzido o matrimônio civil no novo Código Civil promulgado com
decreto de 15 de junho de 1865, em vigor a partir de 1° de janeiro de 1866.
Pelo final da terceira guerra de independência, era promulgada em 7 de julho de
1866 a lei de supressão das “Ordens, corporações e congregações religiosas regulares e
seculares, conservatórios e retiros”, que tinham “vida comum e caráter eclesiástico”. Ela
era entendida pelo governo e pela jurisprudência como abrangente de todas as corpo-
rações religiosas da lei de 1855. Segundo a esquerda, porém, que tinha em Pasquale
Stanislao Mancini o expoente mais extremista, os legisladores quiseram tirar também
o direito de livre associação. Essa interpretação, todavia, foi sempre considerada lesiva
dos princípios em que se apoiava o Estado liberal, e as corporações religiosas puderam
de fato continuar a viver como livres associações.115
Em 12 de outubro de 1866, porém, visando alentar as tensões com a Santa Sé, em
vista de uma solução concordada da “questão romana”, em espírito cavouriano, unida
à aspiração de uma reforma espiritual da Igreja, Ricasoli anunciava, numa circular aos
governadores civis, que se devia proceder aos apelos dos bispos afastados de suas sedes
e enviados a prisão domiciliar por vários motivos, entre os quais a “segurança geral”.
Isso foi feito em seguida à circular de 6 de novembro. Era apenas um breve intervalo
115 Cf. G. Rocca, “Istituti religiosi in Italia tra Otto e Novecento”, in: M Rosa (Ed.), Clero e
società nell’Italia contemporanea, p. 223-226; A. C. Jemolo, Chiesa e Stato in Italia negli
ultimi cento anni. Turim, Einaudi, 1963, p. 222. Dom Bosco, em vários contextos, parece
temer que a interpretação restritiva pudesse vencer.

6.2 Page 52

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52 Parte I: De seu século para seu século
de moderação liberal. Novos radicalismos eram previstos primeiramente com o enfra-
quecimento, depois com a queda do ministério Ricasoli. As eleições de 10 de março
de 1867, de fato, desestabilizavam a direita moderada e, na impossibilidade de contar
com maioria na Câmara, o governo Ricasoli demitia-se em 4 de abril. No dia 10 de
abril entrava o novo ministério de centro-esquerda, presidido por Urbano Rattazzi. Em
14 de maio era apresentado à Câmara pelo ministro Ferrara um projeto de lei sobre os
bens eclesiásticos, em linha de continuidade com o precedente. Na Câmara, porém,
não passava na Comissão. Em 14 de julho, o ministro Ferrara demitia-se e o ministério
das Finanças era assumido interinamente pelo presidente do Conselho. A Comissão
parlamentar chegava a um projeto mais radical, em harmonia com as orientações deci-
didamente anticlericais surgidas do debate realizado na Câmara sobre o problema dos
bispos das dioceses vacantes. Em 5 de julho, “tomando ato das declarações do governo,
de que, de fato, sem uma lei especial nada se pode renovar em prejuízo dos direitos e
das prerrogativas do poder civil em matéria eclesiástica”, aprovava uma moção que
excluía qualquer renúncia ao regio placet e ao exequatur.116
Após a aprovação na Câmara, em 28 de julho, e no Senado em 12 de agosto, era
promulgada em 15 de agosto a lei sobre o confisco e a liquidação do patrimônio ecle­
siástico, com exceção dos benefícios anexos à cura de almas. Ela levava “a estes resul-
tados gerais: confisco do patrimônio de todas as ordens religiosas, recolhido numa caixa
eclesiástica destinada à manutenção do clero em cura de almas; supressão de muitas
entidades eclesiásticas (capítulos das colegiadas, abadias, benefícios sem cura de almas);
conversão dos bens das entidades residuais (com exceção das paróquias, dos seminários,
das rendas episcopais) em títulos de Estado com renda fixa, sujeitos à inevitável desva-
lorização; confisco por parte do Estado de um terço dos bens convertidos; dispersão das
ordens masculinas após o confisco de suas casas por parte do governo; permissão às
monjas contemplativas de continuarem a viver em seus mosteiros até que fossem redu-
zidas ao número de seis, para em seguida serem concentradas em outras comunidades”.117
Era momento crucial da revolução burguesa e da laicização do Estado.
Quanto à seqüência dos fatos, o Sumário cronológico retomava seu registro, eviden-
ciando as metas da Itália em relação ao Estado pontifício.118 Em 3 de novembro de
1867, os voluntários sob o comando de Giuseppe Garibaldi, que penetraram no Estado
116 A respeito da história das tratativas com Roma, contada por Borgatti e por Tonello, reconstruída
nos Documenti relativi alle negoziazioni colla Corte di Roma, entretinha seus leitores o jornal
L’Unità Cattolica, n. 165, quinta-feira 18 de julho de 1867, p. 789-791; n. 166, sexta-feira 19
de julho, p. 793-794; n. 167, sábado 20 de julho, p. 798-799; n. 170, quarta-feira 24 de julho,
p. 813-814. A série de artigos fora precedida no n. 165, de 18 de julho, por um artigo sobre
“L’Unità Cattolica e la missione Tonello”, p. 789.
117 G. Martina, Storia della Chiesa. vol. III: L’età del liberalismo, p. 97-98; Cf. A. Riccardi,
“La soppressione delle corporazioni religiose e la liquidazione dell’asse ecclesiastico”, in: Il
parlamento italiano, vol. II (1866-1869). Milão, Nuova CEI, 1988, p. 219-238.
118 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1887, p. 494-495; OE XXXVII 494-495.

6.3 Page 53

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 53
da Igreja acompanhados por tropas italianas em movimento de Monterotondo a Tivoli,
eram vencidos em Mentana, perto de Roma, pelos zuavos pontifícios e pelos militares
franceses.119 O papa deplorava a atitude italiana e exaltava o heroísmo e a fé de seus
soldados.120 Seguia, com a lei de 27 de maio de 1869, a abolição da isenção de serviço
militar dos indivíduos encaminhados à vida eclesiástica; também ela era energicamente
desaprovada pelo papa.121 É brevíssimo o único aceno de Dom Bosco ao Concílio
Vaticano I: a bula de convocação de 29 de junho de 1868.122 Mais abundante, porém, é a
serie de anotações relativas à guerra franco-prussiana e aos eventos que a seguiram.123
8. Tensão entre a identificação de instrução pública e nacional e a liberdade
de gestão do ensino não estatal
A morte repentina do genial e manipulador Camillo Cavour em 6 de junho de 1861
constitui uma gravíssima desdita para o recém-nascido Estado italiano. A perda era
muito mais grave enquanto, contra a descentralização proposta pela Comissão presidida
por Marco Minghetti, ele tinha enfim optado por uma solução centralizadora da adminis-
tração do Estado. Não restava apenas “fazer os italianos”, mas a própria Itália, agregada
depois de anexações muito rápidas.124 Por outro lado, a classe política tinha um frágil
enraizamento de base, pois com o sistema eleitoral vigente apenas uma parte numerica-
mente ínfima da população tinha acesso ao voto ou se valia do direito de participar dele.
Até 1882, cada deputado era eleito com algumas centenas de votos de uma limitada elite
socioeconômica, que não podia representar adequadamente o país. Por outro lado, ela
devia medir-se com enormes problemas reais: a pacificação do território, a superação
da enorme disparidade econômica em relação aos Estados mais progredidos da Europa,
a unificação administrativa e cultural, a pobreza estrutural e a fragilidade dos balanços,
o extenso analfabetismo e a carência de cultura difusa, a heterogeneidade inicial dos
sistemas judiciário, bancário, escolar, das forças armadas e da polícia.
O atraso e a disparidade mais preocupantes, porque condicionavam na raiz qual-
quer possibilidade de desenvolvimento, acabavam por aninhar-se particularmente
no sistema da instrução pública, popular e técnica. A incapacidade de ler e escrever
atingia 75% da população em 1861: com enormes disparidades entre o Noroeste mais
119 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1887, p. 495; OE XXXVII 495.
120 Cf. encíclica de 17 de outubro de 1867, Levate Venerabiles Fratres; carta apostólica de 14
de novembro, Ex quo infestissimi hostes (Pii IX Pontificis Maximi Acta, parte I, vol. IV, p.
371-382).
121 Alocução no consistório de 25 de junho de 1869, Pii IX Pontificis Maximi Acta, parte I, vol.
V, p. 27-29.
122 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1887, p. 495; OE XXXVII 495.
123 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1887, p. 495 499; OE XXXVII 495-499.
124 Cf. L. Cafagna, Cavour. Bolonha, Il Mulino, 1999.

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54 Parte I: De seu século para seu século
evoluído, Piemonte e Lombardia, onde os homens eram 50% dos alfabetizados, e o
Centro, o Sul e as ilhas. Eram também variados os modos do sentir cultural, social e
político no interior das próprias camadas aristocráticas e burguesas, distribuídas numa
vasta gama entre conservadorismo e progressismo, este promovido pela contribuição de
técnicos que se transferiam do exterior à Itália: ao Piemonte, à Lombardia e às regiões
de Gênova e Nápoles. 125
O sistema escolar do Reino da Itália herdava aquele instaurado no Reino Sardo
devido a sucessivas reformas, diversamente concentradoras, introduzidas no Estado
sabaudo pelas leis de Carlo Bon Compagni, de 4 de outubro de 1848, de Giovanni
Lanza, de 22 de junho de 1857, e de Gabrio Casati, de 13 de novembro de 1859. A cons-
ciência do valor social e político da instrução tinha levado a advogar o sistema escolar
à direta gestão do Estado. Viu-se que com as Régias Patentes de 30 de novembro de
1847, Carlos Alberto criara o ministério da Instrução Pública. Um ano depois, a lei
apresentada por Bon Compagni sancionava o controle do ministério sobre as escolas de
todas as ordens e graus e, admitindo a faculdade de privados, associações e entidades
criarem suas escolas, obrigava-as à conformidade de endereçamentos, programas, orga-
nização didática com as geridas pelo Estado, em perspectiva virtual da unidade lingüís­
tica e cultural da Itália. Eram previstas pelo projeto de lei de 1854, não considerado,
do ministro Luigi Cibrario, “relações equilibradas de força entre centro e periferia,
público e privado”. Entretanto, “uma progressiva centralização na direção e no controle
da instrução pública, com o conseqüente reforço da autoridade ministerial”, era prevista
pelo projeto de lei sobre o Reordenamento da administração superior e da instrução
pública, apresentado por Giovanni Lanza em 23 de novembro de 1855, convertido em
lei depois de um processo disputado, em 22 de junho de 1857. “Dele deriva uma estru-
tura administrativa hierárquica e verticalista”, “os funcionários do ministério estendiam
a própria jurisdição também às escolas privadas”, aos “Seminários e Colégios epis-
copais, sob pena de não haver admissão de seus alunos aos exames e cursos junto às
escolas estatais”; a instrução religiosa também era excluída dos programas das escolas
secundárias, e dada nos colégios somente aos domingos e dias festivos.126
Com o pensamento voltado à Lombardia, já anexada, e à Emília e Toscana, próximas
de seguir-lhe a sorte, era aprovada com decreto régio de 13 de novembro de 1859 uma
nova lei apresentada pelo ministro Gabrio Casati. “O papel sempre mais incisivo da
escola na formação do ‘cidadão italiano’” levava a “reforçar o controle do Estado na
ordem administrativa da instrução pública”, “uma espécie de confraria administrativa”,
comentava sarcasticamente Domenico Berti.127 Sem dúvida, a lei introduzia uma grande
125 V. Castronovo, “La storia economica...” in Storia d’Italia, vol. IV: Dall’Unità ad oggi, t. I.
Turim, Einaudi, 1975, p. 10-14.
126 M. C. Morandini, “Da Boncompagni a Casati: la costruzione del sistema scolastico nazionale”
(1848-1861), in L. Pazzaglia e R. Sani (org.), Scuola e società nell’Italia unita: dalla Legge
Casati al Centro sinistra. Brescia, La Scuola, 2001, p. 9-26.
127 Cf. id.., p. 28-31.

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 55
novidade em relação à legislação subalpina anterior: algumas disposições garantiam
“a aplicação gradual do princípio da liberdade de ensino”, “concebido em termos de
concorrência entre escola pública e escola privada”. Entretanto, ao “princípio” impu-
nham-se limites bem definidos quer pela própria lei como também por suas atuações
práticas, menos em relação à “escola paterna” e muito mais quanto às escolas geridas
por cidadãos privados e pelas entidades locais.128
O dirigismo dos ambientes culturais e políticos piemonteses, a orientação preva-
lente na estrutura governativa, as relações conflitantes entre Estado e Igreja levavam
– em contraste com os entendimentos do próprio Casati129 – à interpretação restritiva
do art. 3° da lei, que definia os poderes do ministro da instrução pública: “Governa o
ensino público em todos os ramos”, “supervisiona o privado para tutela da moral, da
higiene, das instituições do Estado e da ordem pública”. Na prática, ela resultava escas-
samente “liberal, inspirada substancialmente mais no centralismo napoleônico do que
no inglês”.130 Isso se via particularmente em relação à instrução secundária, a começar
de seu primeiro grau constituído pelo ginásio, um tipo de instrução surgido também
no Oratório de Turim no quadriênio 1855-1859. Quanto à gestão por parte de cida-
dãos privados, era contemplada uma dupla figura jurídica: a escola paterna e o ginásio
privado. À escola paterna referiam-se os artigos 251 e 252: “A instrução secundária
que se dá no interior das famílias sob a vigilância dos pais ou de quem lhes faz legal-
mente a vez, aos filhos da família e aos filhos de seus parentes, será isenta de qualquer
vínculo de inspeção por parte do Estado” (art. 251); “a instrução de que fala o artigo
precedente será equiparada àquela que vários pais de família associados para essa fina-
lidade farão dar aos próprios filhos sob sua efetiva vigilância e sob sua responsabili-
dade comum” (art. 252). Ao ginásio privado, porém, referiam-se os artigos 246 e 247.
“É concedida a faculdade – recitava o primeiro – a todo cidadão que tenha completado 25
anos de idade e no qual concorram os requisitos morais necessários, de abrir ao público
um Estabelecimento de instrução secundária, com ou sem internato, desde que sejam
observadas as seguintes condições”, entre as quais as principais são aquelas citadas em
relação aos poderes do ministro (art. 3). O art. 247 estabelecia: “O cidadão que quiser
servir-se desta faculdade dará conhecimento com declaração por escrito de sua intenção
ao Provedor da respectiva Província. A esta declaração, na qual será indicada a cidade
e o local onde o Estabelecimento será aberto, serão anexados os programas de ensino e
os nomes dos professores com os títulos de que são munidos”; “enquanto se mantiver
nas condições acenadas no artigo anterior, não poderá ser fechado a não ser por causas
graves, em que esteja empenhada a conservação da ordem e a tutela dos princípios que
128 Cf. id., p. 31 33.
129 Cf. S. Polenghi, La politica universitaria italiana nell’età della Destra storica (1848-1876).
Brescia, La Scuola, 1993, p. 62-67.
130 Cf. M. C. Morandini, “Da Boncompagni a Casati…”, p. 33-35: o cursivo é nosso.

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56 Parte I: De seu século para seu século
governam a ordem social pública do Estado e a saúde dos alunos”. Ver-se-á que entre
as duas hipóteses Dom Bosco se moverá sempre com uma certa indeterminação forçada
e interessada. Nos anos 60, porém, ele parece pressupor a existência de fato, mais do
que legal, do ginásio como instituto privado, enquanto no quadriênio 1878-1881 prefere
organizar sua defesa atestando-se na configuração do instituto paterno.131
Contra o centralismo da lei não tiveram efeito algum nem mesmo as críticas
imediatas feitas por setores da parte liberal, que entre outras coisas tinham presentes
sistemas mais avançados vigentes em algumas regiões anexadas, particularmente na
Toscana, na vanguarda quanto à liberdade de ensino. Nem obtiveram resultados apre-
ciáveis os Regulamentos, com que Terenzio Mamiani, ministro da Instrução Pública de
21 de janeiro de 1860 de março de 1861, tentara levar à aplicação mais liberal e menos
literal da lei. Muito menos puderam chegar à aprovação os cinco projetos de lei, predis-
postos por ele, que pretendiam modificar os artigos da lei Casati sobre a liberdade de
ensino e a extensão dela às províncias anexadas que já a praticavam. Suas propostas
pretendiam inserir-se na política de descentralização em todos os campos, que tentavam
levar adiante Luigi Carlo Farini e Marco Minghetti, que se sucederam no dicastério do
Interior de 24 de março de 1860 a 1° de setembro de 1861.132
A falência da revisão da lei Casati era reflexo daquela da política de descentrali-
zação. “A falta de afirmação da linha baseada no reconhecimento da ampla autonomia
às realidades locais e na concessão aos cidadãos, famílias e associações de total liber-
dade no setor educativo foi a conseqüência lógica da prevalência de uma concepção que
individuava no Estado o principal, se não o único, fautor e garante da unidade nacional
e na Igreja, desconfiada e hostil em relação à nova realidade política, uma ameaça
para o futuro da nação em virtude de sua presença radicada no tecido social”.133 Aliás,
chamada a promover a refundação unitária radical da Itália, além da ação educativa
voltada a infundir nas massas um espírito nacional comum, a lei Casati acabou reali-
zando-a em medida e com resultados não particularmente brilhantes.134 Por outro lado,
a realização do programa devia confrontar-se também com a incomensurável penúria
de meios financeiros em todos os níveis, administrações central e locais, e de pessoal
preparado, entre conflitos ideológicos e dificuldades culturais. Disso saía privilegiada a
escola secundária em detrimento da escola popular, enquanto a lei, com certa ambigüi-
dade, sancionava o dever de os municípios darem a instrução elementar “na proporção
de suas faculdades e segundo as necessidades de seus habitantes”, obrigando-os a ter ao
menos uma escola em que fosse dada instrução elementar gratuita do grau inferior aos
meninos e outra, às meninas.135 Obrigando, depois, os pais e os que faziam suas vezes
131 Cf. cap. 13, § 2 e 28, § 1.
132 Cf. M. C. Morandini, “Da Boncompagni a Casati…”, p. 35-44.
133ID., p. 46.
134 Cf. M. C. Leuzzi, Afabetizzazione nazionale e identità civile. Un piccolo popolo per una
grande nazione (1880-1911). Roma, Anicia, 1998; S. Soldani e G. Turi, Fare gli italiani.
Scuola e cultura nell’Italia contemporanea, 2 vol. Bolonha, Il Mulino, 1993.
135 Tit. V, cap. I, art. 317 e 319.

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 57
a “procurar”, “da maneira que mais [acreditassem] conveniente”, para os filhos e filhas
“em idade de freqüentar as escolas públicas”, “a instrução ali dada”.
Às taxativas prescrições, porém, não seguiam normas precisas nem penalidades deter-
minadas para os inobservantes (art. 326). Só com a lei apresentada pelo ministro Michele
Coppino, promulgada em 15 de julho de 1877, os pais que não tivessem podido prover
com outras formas legalmente reconhecidas – “por meio de escolas privadas nos termos
dos artigos 355 e 356 da lei de 13 de novembro de 1859, ou com o ensino em família”
– estavam obrigados a enviar os meninos e as meninas, com 6 anos completos, ao curso
inferior da escola elementar do município, até aos 9 anos, chegando com a promoção
ao terceiro ano, com sanções pecuniárias para os pais inadimplentes (artigos 1° e 6).
A pedagogia positivista, embora com suas angústias teóricas, aliás, mitigadas pelas idéias
de Herbert Spencer, pelo bom senso de Aristide Gabelli e pela moderação de Saverio De
Dominicis, introduzia um sopro de novidades, solidez, sensibilidade social nos programas
e nos métodos da escola pública, com notáveis e duradouros influxos, particularmente
sobre a formação dos professores elementares.136 Embora com evidentes limites, trazia
um corretivo eficaz a certa cultura espiritualista desencarnada, fechada ao progresso cien-
tífico e técnico, particularmente aos métodos mais avançados da didática.
9. Num país desequilibrado entre atraso e progresso
Os planejamentos escolares, naturalmente, e não só eles, eram efetuados em situa­
ções de intensa disparidade econômica, cultural e estrutural entre as diversas zonas
da Península e, em particular, na região Sul; ali se concentravam as chagas sociais
mais profundas da Itália, embora subsistindo graves carências também em outras zonas:
pobreza, taxa elevada de analfabetismo, ausência de tecido industrial desenvolvido,
prepotência dos poucos razoavelmente ricos – enriquecidos ulteriormente com a aqui-
sição dos bens eclesiásticos confiscados – sobre a multidão dos pobres. Não poucas
situações pioraram com a Unificação Italiana.137
Um problema que ocupou por alguns anos as forças da ordem, e em larga medida
o jovem exército italiano, foi posto pelas insurreições em cadeia que flagelaram o Sul
da Itália, desde os primeiros dias da rápida anexação. A vasta rebelião foi definida
e apresentada como banditismo, enquanto era, na realidade, fenômeno de complexas
matrizes sociais, econômicas, largamente culturais, às vezes politicamente instrumen-
talizadas pelas faixas filoborbônicas, com o acréscimo de alguma expressão marginal
136 Cf. I. Zambaldi, Storia della scuola elementare in Italia: ordinamenti, pedagogia, didattica.
Roma, LAS, 1975, p. 259-304, 374-401.
137A. Asor Rosa, “La cultura”, in: Storia d’Italia. Vol. IV: Dall’Unità ad oggi, t. 2. Turim,
Einaudi, 1975, p. 909-925.

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58 Parte I: De seu século para seu século
de delinqüência. A rebelião armada podia representar perigo mortal diante da opinião
pública internacional e ameaça à frágil unidade interna. Por isso, a reação foi dura,
acompanhada de inumeráveis ilegalidades. A gestão da repressão aos “delinqüentes e
seus cúmplices” era reservada aos militares, em força da lei de 15 de agosto de 1863, a
“lei Pica”, do nome do proponente, o deputado da direita Giuseppe Pica (L’Aquila 1813
– Nápoles 1887), e de 28 de fevereiro de 1864 em vigor até 1865. A partir de 1866,
o fenômeno insurrecional foi-se desfazendo acabando por exprimir-se em sussurros
isolados destinados logo ao esgotamento.
Problema mais geral e duradouro foi constituído pela profunda divisão entre a Itália
e as demais nações da Europa ocidental no plano econômico, financeiro e tecnoló-
gico. Além da Inglaterra, país hegemônico, também a Bélgica, a França, a Alemanha
e algumas regiões do império dos Habsburgos estavam vivendo uma estação de grande
desenvolvimento: expansão da instrução, organização veloz de moderna rede ferroviária,
adoção de sistemas produtivos mecanizados, expansão do sistema de crédito, uma verda-
deira “revolução agronômica”, ampliação da ocupação em atividades extra-agrícolas.
“Em plena idade do ferro e do carvão, a Itália permanecia um país sem matérias-primas
essenciais e sem combustível, largamente dependente do exterior para as inovações
técnicas e a introdução de novos capitais no mercado financeiro. Seu aparelhamento
industrial era fragmentário e disperso, a meio caminho entre o estágio rural e a atividade
manufatureira; o grosso da mão-de-obra continuava a ser recrutado de maneira irregular
e sazonal entre diaristas e braçais”; “no momento da unificação a renda nacional era
menos de um terço da francesa e apenas um quarto da inglesa”; “feiras e praças cita-
dinas continuavam a prover em larga parte os tráfegos locais e a manter os contatos entre
cidade e campo, entre a montanha e a planície”.138 A modernização do Estado no plano
jurídico e legislativo teria resultado totalmente diverso caso não houvesse encontrado
um rápido confronto na modernização de suas bases reais, dando à Itália o lugar que lhe
competia no concerto das nações européias, como nação de relevantes dimensões tanto
pela extensão geográfica como pelo número de habitantes.
Do ponto de vista social, Dom Bosco não podia senão compartilhar a moderação
típica de Turim e do Piemonte nos anos 60 e sucessivos. De 1862 a 1898 a capital subal-
pina passava de 179.638 a 204.715 unidades e assistia ao primeiro desenvolvimento
industrial, com 78 mil cidadãos voltados a atividades artesanais e industriais. Estas,
aliás, não ocupavam mais que 20 mil operários de oficina. No final do século, Turim
ainda não tinha um aparelhamento industrial moderno. As condições de vida dos traba-
lhadores eram em geral duras: desemprego freqüente devido a crises cíclicas, horários
massacrantes, trabalho por empreitada, abuso da mão-de-obra feminina e infantil, em
todo caso com baixa remuneração, sobretudo entre os assalariados têxteis. Embora não
tendo um movimento operário vivo comparável ao existente em Biella e Alessândria, no
Piemonte, ou em Milão e na Emília-Romanha, em Turim o espírito associativo entre os
138 V. Castronovo, “La storia economica”, in: Storia d’Italia. Vol. IV, t. 1, p. 5-9.

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 59
trabalhadores tinha dado curso na cidade a numerosas sociedades de ajuda mútua entre
operários. Sua vasta rede era, em grande parte, arredia a tomadas de posições políticas
e distante de aderir a organizações partidárias, e formando “a ala mais conservadora do
movimento organizado”, nos congressos operários nacionais preservava de “excessos”
a tutela da burguesia e dos nobres, não imune de traços paternalistas. “Só os tipógrafos,
os empregados da construção civil (protagonistas tenazes das greves de 1872 e de
1886), os ferroviários e, em menor medida, os mecânicos unem-se em pequenas ligas
de resistência”. Não há atividade sindical nem reivindicações, mesmo sendo o viçoso
espírito associativo a matriz de desenvolvimentos futuros mais incisivos.139
Outro problema particularmente sentido pelas classes mais frágeis, em regime
liberal, foi a pressão fiscal crescente, exigida pelo déficit do balanço. Era o preço a
pagar para a organização do Estado unitário, a defesa da estabilidade social e política,
a extensão da rede ferroviária, as despesas militares, o desenvolvimento da marinha de
guerra. Acrescentava-se nos anos 60 a supérflua terceira guerra da independência. Em 8
de abril de 1866, em Berlim, entre os representantes da Itália e da Prússia fora firmado
um tratado de aliança ofensiva e defensiva. Em 20 de junho a Itália declarava guerra à
Áustria, envolvendo nela o aliado. Houve duas derrotas, por terra em Custoza, no dia
24 de junho, e em 20 de julho no mar Adriático ao redor da ilha de Lissa. A vitória dos
prussianos sobre os austríacos em Sadowa no dia 3 de julho foi decisiva. Com a assi-
natura da paz entre Prússia e Áustria em 23 de agosto e entre Itália e Áustria em 1° de
outubro, o Vêneto e a província de Mântua foram cedidos à Itália através de Napoleão
III, que entregava o Vêneto aos notáveis de Veneza. O plebiscito de 21 de outubro apro-
vava unanimemente a anexação da região ao Reino da Itália.
A pressão fiscal apoiava-se, sobretudo, nos impostos indiretos que pesavam em
primeiro lugar sobre as massas populares. Tornavam-se ainda mais pesados pela
introdução em 1866 de títulos públicos, que possibilitavam ao Estado enfrentar as
necessidades mais urgentes da balança pública com a simples impressão, nos limites
determinados, de moedas não convertíveis em ouro. Agravava a condição das classes
mais frágeis a impopular “taxa sobre a farinha”, promulgada em 7 de julho de 1868,
em vigor a partir de 1° de janeiro de 1869. O percentual de taxação partia de 2% para
o trigo, estendendo-se em ordem decrescente à aveia (1,20%), ao milho e ao centeio
(0,80%), aos demais cereais, à ervilhaca e às castanhas (0,50%). Fora desejada pelo
ministro das Finanças, o conde Luigi Cambray Digny, marido de uma benfeitora floren-
tina de Dom Bosco, a condessa Virginia Tolomei Biffi. Houve revoltas, reprimidas com
dureza. Contribuiu, sem dúvida, para alcançar em 1876 o equilíbrio que, não por acaso,
marcava o fim do longo regime da direita. A taxa sobre a farinha foi abolida para os
cereais inferiores pela lei de 25 de julho de 1879, com decorrência a partir de 1° de
agosto; para o trigo, reduzida a 1,50% pela lei de 16 de julho de 1880, com decorrência
imediata, e abolida totalmente a partir de 1° de janeiro de 1884.
139 P. Spriano, Storia di Torino operaia e socialista…, p. 3-27.

6.10 Page 60

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60 Parte I: De seu século para seu século
Evidentemente, também foram sobrecarregados intensamente os precários balanços
das instituições de Dom Bosco.
10. Da Roma conquistada aos governos da esquerda histórica (1870-1876)
Na quarta edição da História eclesiástica (1870, impressa em 1871), preparada pelo
padre Giovanni Bonetti, não sem o controle de Dom Bosco, têm relevo algumas poucas
anotações sobre a situação da Igreja no mundo, que pretendiam justificar a convocação
do Concílio Ecumênico Vaticano I. Ocorrem fórmulas antigas e novas: estas, ausentes
do léxico normal de Dom Bosco, embora não alheias a seu modo de pensar. A atenção
é voltada particularmente a fenômenos situados na Itália: “As turbulências destes
últimos tempos e os horrores que insidiosamente se tenta misturar com a religião; os
assim chamados modernos filósofos, os maus livros e jornais, as máximas políticas não
mais ouvidas, as várias formas de sociedades secretas, a maçonaria, o socialismo, os
livre pensadores, espiritistas e semelhantes”.140 Era depois redesenhado sobriamente
o Estado atual da religião. À Itália era reservada uma eloqüente concisa anotação:
“A Itália encontra-se, pois, em estado de verdadeira excitação. Os fatos são graves, e
gravíssimas as conseqüências que deles podem derivar”.141 Deve-se ter presente que a
primeira edição renovada saíra nas Leituras Católicas de novembro-dezembro de 1870.
As tropas italianas tinham entrado em Roma no dia 20 de setembro.
Aos rápidos acenos dedicados no Sumário cronológico aos fatos da guerra fran-
co-prussiana seguiam-se imediatamente os relativos à entrada do exército italiano no
Estado pontifício em 11 de setembro de 1870 e em Roma no dia 20 de setembro, depois
de uma resistência simbólica dos pontifícios, “sem grande derramamento de sangue”,
não, portanto, incruenta (houve cerca de cinqüenta mortos). “Entrada em Roma do
general Cadorna pela brecha da Porta Pia – registra o narrador –. Protesto da Santa Sé
ao corpo diplomático”, assinada pelo cardeal Antonelli. Mais solene e vibrante era a
reação de Pio IX com a encíclica Respicientes de 1° de novembro de 1870.142 Ela se
reportava a 3 de fevereiro de 1871 sobre o Projeto de Lei das garantias, “para garantir
a independência da Santa Sé”, promulgada em 13 de maio de 1871.
O narrador adverte simplesmente: “O Santo Padre recusa-se a aderir a ela”.143
Dolorosamente peremptórios e incisivos choviam os decretos de expropriação de edifí-
140 G. Bosco, Storia ecclesiastica ad uso della gioventù utile ad ogni grado di persone. 4a ed.
melhorada. Turim, tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1871, p. 362; OE XXIV 362.
141 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, 1871, p. 369, OE XXIV 369.
142 G. Bosco, Pii IX Pontificis Maximi Acta. Parte I, vol. V, p. 263-277.
143 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1887, p. 496-499; OE XXXVII 496-499. Cf. carta ao cardeal
Vigário, Costantino Patrizi, Res maximi, 15 de maio de 1871, Pii IX Pontificis Maximi Acta.
Parte I, vol. V, p. 303-305; encíclica Ubi nos arcano, 15 de maio de 1871, ibid., p. 306-316;
discurso aos cardeais, 27 de outubro de 1871, ibid., p. 352-356.

7 Pages 61-70

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7.1 Page 61

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Cap. I: Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo 61
cios e de locais, de 4 de março e de 6 e 18 de agosto de 1871, para fazer deles sede de
ministérios e de outros corpos do Estado. Depois de outros decretos análogos de 1872,
apresentara-se o projeto de lei de supressão das corporações religiosas da cidade de
Roma e sua extensão à província das leis de 1866 e 1867. Ela era aprovada pela Câmara
em 27 de maio de 1873 e pelo Senado em 17 de junho. A promulgação de 19 de junho
dava lugar ao longo e disputado procedimento de atuação, com as primeiras tomadas
de posse por parte do Estado a partir de outubro de 1873.144 Em Roma foram atin-
gidas 131 casas com cerca de 2.900 religiosos e religiosas. Dom Bosco não podia ficar
emotivamente alheio a isso, tantos eram os vínculos de amizade que o ligavam a várias
comunidades religiosas desde 1859 e mais ainda a partir de 1867. Anotou-se, contudo,
que nenhuma ordem religiosa desapareceu após as leis de 1866 e 1873. Antes, embora
tendo provocado inúmeras insatisfações imediatas, elas tiveram efeitos positivos impre-
vistos: “Dando a todos os religiosos a possibilidade de viver em comum sob a forma de
associações livres, o seu número multiplicou e favoreceu mais ainda sua atualização às
novas condições de vida”.145
Nos vinte e cinco anos de liberalismo de direita, a política italiana, não sem responsa-
bilidade da intransigência católica, fora mudando, com contradições, para posições mais
radicais. A nítida substituição da direita pela esquerda acontecia em 1876. Próximos
pela base social aos liberais tendencialmente cavourianos dos anos 60, os liberais de
esquerda eram ideologicamente diversos: a maioria era decididamente laicista e anti-
clerical, fortemente influenciados pela maçonaria, da qual faziam parte seus membros
mais representativos. Sensível reforço era obtido por eles nas eleições de novembro de
1874. Seu mais autorizado expoente, Agostino Depretis (1813-1887), num discurso de
10 de outubro de 1875, enunciava claro programa de governo: defesa do Estado laico
e luta ao clericalismo, instrução elementar obrigatória, descentralização administrativa,
diminuição e redistribuição da carga fiscal, em favor do Sul, fidelidade à monarquia. Em
março de 1876, a oposição de esquerda obrigava às demissões o ministério presidido por
Marco Minghetti. O novo governo, que Agostino Depretis fora encarregado de formar,
assumia em 25 de março inteiramente formado por homens da esquerda, representantes
de diversas correntes. Dom Bosco, por vários motivos, teria algum relacionamento com
o presidente, assim como com outros ministros: o emiliano Luigi Amedeo Melegari
(1795-1881), do Exterior, o calabrês Giovanni Nicotera (1828-1894), do Interior, o
bresciano Guiseppe Zanardelli (1826-1903), dos Trabalhos Públicos, os dois piemon-
teses Michele Coppino (1822-1901) e Benedetto Brin (1833-1898), respectivamente da
Instrução Pública e da Marinha. Todos, exceto Melegari, eram afiliados à maçonaria.
144 Cf. A. Caracciolo, Roma capitale dal Risorgimento alla crisi dello stato liberale. Roma,
Edizioni Rinascita, 1956, p. 116-120; C. M. Fiorentino, Chiesa e Stato a Roma negli anni della
Destra storica 1870-1876: il trasferimento della capitale e la soppressione delle Corporazioni
religiose. Roma, Istituto per la Storia del Risorgimento Italiano, 1996, p. 122-151, 173-251.
145 G. Rocca, “Istituti religiosi in Italia fra Otto e Novecento”, in: M. Rosa (Ed.), Clero e società
nell’Italia contemporanea, p. 230-231; Cf. p. 223-243.

7.2 Page 62

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62 Parte I: De seu século para seu século
Em 8 de outubro de 1876, Depretis abria a campanha eleitoral com um discurso
a seus eleitores de Stradella (Pavia), no qual acentuava algumas idéias agradáveis à
esquerda histórica: alargamento do sufrágio universal, instrução elementar obrigatória,
abolição da moeda não conversível em ouro, reforma tributária, eleição dos prefeitos e
dos presidentes dos conselhos provinciais, reorganização das ferrovias e dos serviços
postais marítimos, potenciação da marinha militar, estipulação de novos tratados para
tutela da indústria nacional. Os 70% de votos nas eleições de 5 de novembro deram-lhe
vitória esmagadora. A recepção do presidente do Conselho e de dois ministros no
colégio de Lanzo com a presença de Dom Bosco146 acontecia, portanto, em dias deli-
cados, a poucos meses da chegada ao poder e em período pré-eleitoral. Na verdade, os
ministérios tiveram, em geral, vida breve. Aquele apresentado em 26 de dezembro de
1877 teve que se demitir em princípios de março de 1878, envolvida por acusação de
bigamia dirigida a Crispi.147 Duas semanas antes, Dom Bosco enviara-lhe o conhecido
projeto de sistema preventivo.148
Deve-se à iniciativa de homens da esquerda, a primeira, embora tímida, lei italiana
sobre o trabalho infantil. Na verdade, os liberais moderados não se tinham revelado
particularmente sensíveis aos problemas sociais das classes subalternas e, em particular,
ao trabalho feminino e infantil. Apesar das discussões, das sindicâncias, dos projetos,
só em 31 de janeiro de 1884 Domenico Berti, ministro da Agricultura, Indústria e
Comércio no quinto ministério Depretis, apresentava um projeto de lei, extremamente
moderado devido à situação, de modo a mitigar a intransigência da oposição. O sucessor,
Bernardino Grimaldi, que assumiu o cargo em 31 de março de 1884 no sexto minis-
tério Depretis, conseguia que se rediscutisse o projeto de Berti, ulteriormente mitigado,
eliminando a parte relativa ao trabalho feminino. A lei sobre o trabalho infantil era
promulgada em 11 de fevereiro de 1886. Vetava o trabalho das crianças com menos de
9 anos, o trabalho nas minas de quem tivesse menos de 10 e o trabalho noturno aos que
tinham menos de 12 anos. Era uma solução tímida dos problemas evidenciados pelas
sindicâncias de 1876 e de 1879, sobretudo em relação ao trabalho nas indústrias têxteis
e aos pequenos “carusi” [meninos n.d.t.] das minas sicilianas de enxofre.149 Apenas em
1902 haveria a primeira lei sobre o trabalho feminino. Noutra frente, em 15 de abril de
1886, era promulgada a lei sobre o reconhecimento jurídico das sociedades de mútuo
socorro, largamente difundidas.
146 Cf. cap. 23, § 3.
147 O político siciliano casara-se com matrimônio religioso em Malta, em 1854, com Rosária
Montmasson, a quem conhecera em Turim, em 1852. Em seguida, tendo-se separado dela,
casara-se com matrimônio religioso e, em janeiro de 1878, também civil, com Lina Barbagallo.
Ele defendeu-se afirmando que o matrimônio precedente não era válido, pois fora celebrado
por um sacerdote suspenso a divinis e porque naquele tempo ainda vivia uma primeira mulher
desposada por ele na Sicília, defunta na data do matrimônio com a Barbagallo.
148 Cf. cap. 26, § 4.1.
149 Cf. F. Ronchi, “Considerazioni intorno alla legge del 1886 sul lavoro dei fanciulli”, Rassegna
Storica dei Risorgimento 7 (1990), p. 3-50.

7.3 Page 63

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Capítulo II
Resistência e mobilização católica
1833 maio: surgem em Paris as Conferências de São Vicente de Paulo
1856 26 de agosto: a festa do Sagrado Coração é estendida a toda a Igreja
1858 fevereiro-julho: aparições marianas em Lourdes
1864Daniele Comboni, em Turim para impressão do Plano de regeneração da África,
encontra-se com Dom Bosco
1865 é fundada, em Bolonha, a (Associação Católico-italiana para a Defesa da
Liberdade da Igreja na Itália)
1866 6 de novembro: S. Leonardo Murialdo assume a direção do Colégio dos
Aprendizes
1867 em Bolonha, é fundada a (Sociedade da Juventude Católica Italiana) por obra
de Mario Fani e de G. Acquaderni
1870 1o de setembro: surge em Roma a (Sociedade Primária Católica Promotora de
Boas Obras) surge em Roma a (Sociedade Primária Romana para os Interesses
Católicos)
1871 surge em Roma a (Primária Associação Católica Artística e Operária de Mútua
Caridade)
1872 surge em Roma a (Federação Piana das Sociedades Católicas)
1874 Primeiro Congresso dos Católicos Italianos em Veneza
1875 o Segundo Congresso realizado em Florença decide a constituição estável da
Obra dos Congressos
Em Alocução aos cardeais no Consistório Secreto de 22 de junho de 1868, Pio IX
manifestava a intenção de convocar um Concílio Ecumênico com início no dia 8 de
dezembro de 1869. Em 29 de junho, seguia a bula de convocação, Aeterni Patris.1
Justamente a partir de 1870, em contato com homens do Concílio Vaticano I, Dom
Bosco era levado a lançar os olhares para muito longe, a outros continentes antes que
à Europa, de preferência a lugares de missão. Poder-se-ia dizer, porém, que para ele,
devoto do papa e de tudo o que lhe dizia respeito, perto do coração e do pensamento de
1 Cf. Pii IX Pontificis Maximi Acta. Parte I, vol. IV, p. 405-405, 412-423.

7.4 Page 64

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64 Parte I: De seu século para seu século
Pio IX, também Roma, após 20 de setembro assumia para ele certo caráter de estranei-
dade, embora fosse a capital de sua pátria. Até então ele era ali acolhido como hóspede
do papa e este era o soberano. Agora, porém, aos olhos dos romanos podia ser confun-
dido, como subalpino, com um dos invasores, enquanto o sumo pontífice, que ele visi-
tava, era o rei deposto.
1. Em uma Igreja que se defende e evangeliza
No século XIX as deplorações, condenações, excomunhões estão presentes, embora
com ênfase, tensões e antinomias diversas, em um número relevante de documentos
pontifícios e sinodais, de discursos e escritos de militantes católicos mais próximos à
Santa Sé. O caráter dominante, porém, é, antes de tudo, a vontade firme de defender,
conservar e construir.2 Se a religião e a Igreja Católica, com efeito, têm essencial-
mente função salvífica, eterna e temporal, pessoal e social, é evidente que por ela o fiel
convicto sente-se empenhado a agir intensamente. O espírito preventivo e restaurador –
“recapitular [unificar e restaurar] todas as coisas em Cristo” (Ef 1,10) –, ainda que com
elementos inovadores, atravessa todo o século.3 Também no Piemonte, desde o início,
há manifestações significativas desse espírito: a reconstituição da Companhia de Jesus
em 1814; o renascimento em 1817, pelo renovado impulso de Pio Brunone Lanteri
(1759-1830), da Amizade Cristã, surgida em Turim por volta de 1780, por iniciativa
do jesuíta padre Nikolaus Diessbach (1732-1798), que se transformou em Amizade
Católica em 1818, pela proposta de Joseph de Maistre (1754-1821), regente da Grande
Chancelaria em Turim; a fundação no mesmo ano, graças aos esforços conjuntos do
próprio Lanteri e do teólogo Guala, do Colégio Eclesiástico, centro destinado à habili-
tação dos novos sacerdotes ao ministério da confissão e da pregação, fonte de difusão
da teologia moral e dos livros ascéticos e de piedade de santo Afonso Maria de Ligório;
enfim, o nascimento, por obra ainda de Lanteri, do instituto religioso dos Oblatos de
Maria Virgem, aprovado por Leão XII no dia 1º de setembro de 1826.
2 Cf. A. Gambasin, Gerarchia e laicato in Italia nel secondo Ottocento. Padova, Antenore,
1969, p. 213-232, com ampla documentação: 159-192 (Pastorale difensiva) e 192-212 (Sinodi
e associazioni nuove).
3 Cf. M. Marcocchi, “Alle radici della spiritualità di Don Bosco”, in: M. Midali (ed.) Don Bosco
nella storia, p. 157-176; P. Stella; F. Traniello, “Italie: de la restauration à l’indépendence
(1814-1860)”, in: Dictionnaire de Spiritualité, t. 7 (1971), col. 2273-2293; P. Scoppola,
(A partir de l’unification), ibid., col. 2294-2303; A. Gambasin, “Orientation spirituelle”,
ibid., col. 2303-2311; T. Goffi, La spiritualità dell’Ottocento. Bologna, Edizioni Dehoniane,
1989; M. Petrocchi, Storia della spiritualità italiana. Vol. III: Il Settecento, l’Ottocento e
il Novecento. Roma, Edizioni di Storia e Letteratura, 1979; P. Braido, Lineamenti di storia
della catechesi e dei catechismi. Leumann (Torino), Elle Di Ci, p. 365-383 (La restaurazione
religiosa: nuove iniziative di catechesi e aggiornati catechismi dottrinali).

7.5 Page 65

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 65
A Amizade Católica, cujo maior peso o culto e hábil diplomata marquês Cesare
d’Azeglio (1763-1830) carregava como secretário, juntamente com o periódico
(O Amigo da Itália), cuidava da difusão da “boa imprensa”. Os livros eram de inspi-
ração ultramontanista, professavam devoção incondicionada à Igreja e à Santa Sé (“não
conhecemos Igreja católica se não há o papa”; “manter sempre a opinião mais agradável
ao Vigário de Cristo, quando este sentimento de satisfação for conhecido”); defendiam
a infalibilidade pessoal do pontífice; sustentavam a aliança entre trono e altar (“nosso
segundo caráter é a fidelidade ao governo legítimo”, potestas a Deo est); confutavam os
“erros modernos”, entre os quais o ensino mútuo [alunos mais preparados chamados a
colaborar com o professor n.d.t.]; favoreciam a difusão, não só no Piemonte, do movi-
mento afonsiano em campo moral e na piedade;4 seguiam os endereçamentos espirituais
e devocionais dos jesuítas. Justamente pelo seu filo-jesuitismo, a Amizade fora supri-
mida por Carlos Félix em junho de 1828, mas na difusão da boa imprensa os Oblatos
continuavam sua atividade, promovendo inclusive a pregação dos exercícios espirituais
inacianos e as missões populares, inspirando-se em santo Afonso, com caráter anti-
rigorista, como acontecia no Colégio Eclesiástico, que Dom Bosco freqüentaria.
A irrupção na Igreja do “santo do século das Luzes” representava, certamente, um
fator de modernização da moral prática por uma vida ativa inspirada no dinamismo
evangélico.5 Canonizado em 1839, santo Afonso era proclamado doutor da Igreja, não
sem polêmicas, em 23 de março de 1871, com a extensão de sua festa, no sucessivo
7 de julho, a toda a Igreja. O acontecimento “constituía a solene sanção de um ende-
reçamento pastoral equidistante do laxismo e do rigorismo, solícito pela salvação de
todos, preocupado em conciliar os princípios e a ordem objetiva com o respeito pela
consciência da pessoa humana”.6
Emblematicamente, já nos anos 30, o prepósito bergamasco padre Antonio Riccardi,
em seu livro Dos meios de promover a educação religiosa em todas as classes de
pessoas,7 propugnava colocar em ação todas as possíveis iniciativas pastorais. Entre
4 Cf. A. Gambaro, Sulle orme del Lamennais in Italia. Vol. I: Il Lamennesismo a Torino.
Turim, Deputazione Subalpina di Storia Patria, 1958, p. 23-44 (l’Amicizia Cattolica), 65-105
(l’”Amico d’Italia”); G. de Rosa, Il movimento cattolico in Italia dalla restaurazione all’età
giolittiana. Bari, Laterza, 1988, p. 1-16 (Le “Amicizie cristiane”).
5 Cf. Th. Rey-Mermet, Il santo del secolo dei Lumi: Alfonso de Liguori (1696-1787). Roma,
Città Nuova, 1983; La recensione del pensiero alfonsiano nella Chiesa. Atti del congresso in
occasione del terzo centenario della nascita di S. Alfonso Maria de Liguori (Roma 5-7 marzo
1997). Roma, Collegium S. Alfonsi de Urbe, 1998.
6 G. Martina, Pio IX (1867-1878). Roma, Editrice Pontificia Università Gregoriana, 1990, p. 472.
7 Bergamo, Dalla Stamperia Mazzoleni, 1831; houve uma reimpressão ainda em 1890. Sobre
as iniciativas e instituições de pastoral educativa nos primeiros sessenta anos do século, Cf.
P. Braido, Catechesi e catechismi tra ripetizione, fedeltà e innovazione in Italia dal 1815 al
1870, in: Problemi di storia della Chiesa. Dalla Restaurazione all’unità d’Italia. Nápoles,
Dehoniane, 1885, p. 13-78.

7.6 Page 66

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66 Parte I: De seu século para seu século
estas ocupavam lugar privilegiado há mais de três decênios as missões ao povo, os
exercícios espirituais e as “conferências religiosas”, com a preocupação de chegar aos
intelectuais, ao mundo estudantil e aos grupos populares. Há decênios, o próprio Pio
IX propunha perspectivas amplas de ação análogas. Diante das provações às quais a
Igreja estava exposta a partir de vários lados, o papa declarava, no dia 20 de dezembro
de 1867, que não só existia unanimidade entre os fiéis decididos a defendê-la em todos
os lugares, com as armas, a palavra, os escritos, o testemunho, como também vinha se
desenvolvendo uma intensa obra de evangelização. Destas, ele indicava sobretudo duas
formas: a ampla ação missionária e a multiplicação de “pios institutos de extraordinária
utilidade a todas as classes e às necessidades da sociedade cristã e civil”.8
Além de argumentar com palavras sobre a fecundidade e a utilidade da “religião”,
ou seja, da fé católica, o fiel do século XIX, mais sensível às necessidades e à menta-
lidade dos tempos, devia prová-la ainda mais no âmbito da “caridade efetiva” com
o testemunho das obras: assistência aos necessitados, pobres, doentes, jovens em
perigo, órfãos, jovens de todos os níveis sociais, começando daqueles em condições
de abandono e de perigo moral e social. Muitas categorias eram freqüentemente desa-
tendidas pelas estruturas escolásticas e educativas propostas ou reconhecidas pelos
Estados, quer do ancien régime quer liberais decididos a deixar amplos espaços à
iniciativa privada, que, por outro, era lado freqüentemente vigiada. Entravam nesse
número também os asilos da infância, que Ferrante Aporti tinha pensado como
primeiro e indispensável estágio da educação e instrução do cristão e do cidadão.
Estes, contudo, não eram recebidos na ordenação escolástica do Reino Sardo e, muito
menos, na ordenação do Reino da Itália.9
2. Centralidade da paróquia
Como estrutura eclesial básica, a paróquia registra uma recuperação decisiva. Ela
havia experimentado consistente enriquecimento das próprias funções desde o início
do séc. quando, em seguida às supressões napoleônicas das corporações religiosas,
já enfraquecidas pelos regimes jurisdicionalistas do séc. XVIII, e à crise das confra-
rias, tinha se tornado, mais do que nunca, “único centro de culto e de ensino religioso,
de devoção e de obras de assistência”.10 Como se viu, a paróquia foi poupada pelos
8 Pio IX Pontificis Maximi Acta. Parte I, vol. IV, p. 383-387.
9 Cf. C. Sideri, “Ferrante Aporti e le scuole infantili in Italia”, Annali di storia dell’educazione
e delle istituzioni scolastiche 6 (1999), p. 17-43; em particular, p. 29-33; P. Braido, “Ferranti
Aporti e la grande causa della educazione primitiva del popolo, Orientamenti Pedagogici 25
(1979), p. 7-39.
10 Cf. G. Verucci, Cattolicesimo e laicismo nell’Italia contemporanea. Milão, F. Angeli, 2001,
p. 85-102.

7.7 Page 67

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 67
realizadores do confisco de 1867.11 De fato, ela foi considerada como centro mora-
lizador das massas populares. Apresentando, no dia 13 de dezembro de 1865, um
projeto de supressão das corporações religiosas e eclesiásticas, Quintino Sella (1827-
1884), ministro das Finanças, embora fascinado iluministicamente pelo mito da ciência
“contraposto científico do papado”,12 declarava: “as paróquias são a instituição eclesiás-
tica, das quais o Estado deve não só reconhecer a personalidade civil, mas ser generoso
na proteção e no favor; pois elas são a parte mais importante e melhor da hierarquia
eclesiástica, sendo o campo onde as virtudes do sacerdote são exercidas mais ampla e
utilmente: com as obras de caridade, com a palavra portadora de inefável conforto entre
as mil preocupações com que a humanidade é sobrecarregada, e com a participação,
mercê da intervenção e da bênção dos atos solenes da vida, das alegrias e das dores
da humanidade”.13 Ainda em anos de domínio da esquerda laicista e anticlerical, os
deputados Guiseppe Merzario (1830-1895) e Guiseppe Zanardelli (1826-1903) patro-
cinavam em parlamento o aumento da pensão aos párocos pobres, moralizadores do
povo. Zanardelli, convidando-os à lealdade cívica, usava termos que Dom Bosco não
ignorava, embora com diferente relação entre os termos em jogo: “Eu penso que, para
ser bom padre, é necessário ser, antes de tudo, bom cidadão”, “alegre por dar a Deus o
que é de Deus, mas de modo semelhante, de dar a César o que é de César!”.14
Em um país de economia prevalentemente agrícola, estava ainda presente a paró-
quia tradicional, saída da reforma tridentina.15 Obviamente era ideal realizado diver-
samente, em quantidade e qualidade de tratamento, nos diversos contextos regionais
e sociais. Problemas mais complexos surgiam em cidades de relevante urbanização e,
nos últimos decênios do século, em zonas de incipiente industrialização. De qualquer
modo, a pastoral católica encontrava nela seu centro privilegiado, permanecendo, aliás,
mais desequilibrada em relação aos adultos, chamados a garantir a presença dos filhos na
igreja para as funções sagradas e a instrução catequética, após a primeira iniciação cristã
em família. Lugar estrutural jurídico-territorial do sagrado, a paróquia responde a um
11 Cf. cap. 1, § 7.
12 Cf. G. Martina, “Roma, dal 20 settembre 1870 all’11 febbraio 1929”, in: L. Fiorani e A.
Prosperi (org.), Storia d’Italia. Annali Roma, la città del Papa. Vita civile e religiosa dal
giubileo di Bonifacio VIII al giubileo di papa Wojtyla. Torino, Einaudi, 2000, p. 1075-1079.
13 Atti ufficiali della Camera, Legislatura IX, 1865-66, n. 97, p. 369, citado por L’Unità Cattolica
n. 72, domingo 23 de março de 1884, p. 286.
14 Intervenções na Câmara de 22 e 23 de fevereiro de 1883 (Atti ufficiali della Camera, 1883, p.
1415 e 1441): “Una predica al clero italiano del ministro Guardasigilli Zanardelli”, L’Unità
Cattolica, n. 54, sexta, 2 de março de 1883, p.201.
15 Cf. V. Bo, Storia della parrocchia. Vol. IV: Il superamento della crisi. Roma. Dehoniane,
1992; Id., “La storia della Parrocchia”, in: Parrocchia e pastorale parrocchiale. Bolonha,
Dehoniane, 1986, p. 24-37; J. Bossy, Dalla comunità all’individuo: per una storia sociale dei
sacramenti nell’Europa moderna. Turim, Eiunaudi, 1998, p. 5-33.

7.8 Page 68

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68 Parte I: De seu século para seu século
conjunto de funções rituais, assistenciais e caritativas. Os sínodos insistem em fazer dela
o núcleo propulsor de todas as formas da vida cristã: celebração da Eucaristia, anúncio
da Palavra de Deus mediante a pregação ordinária (domingos, festas, tríduos, novenas,
quarenta horas) e extraordinária (Advento, missões paroquiais ou populares, meses de
março, maio, junho, outubro) e, além disso, os panegíricos e os sermões fúnebres,16 e o
“governo das almas”. Nela se solenizam os ritos que consagram a vida do cristão desde
o Batismo até a primeira comunhão e à Crisma, do Matrimônio aos funerais. Nela cele-
bram-se as festas rituais e as procissões, praticam-se as devoções, aprendem-se bênçãos
rituais de todos os gêneros sobre animais, colheitas, profissões, roupas, habitações, meios
de transporte, bem como contra os temporais, as tempestades, os gafanhotos etc. A seu
redor vivem as confrarias e, entrando século a dentro, constituem-se as associações de
apostolado leigo.
Para a prática religiosa, como remédio de uma progressiva desafeição, insiste-se na
santificação das festas, fonte rica de graças espirituais e materiais. Permanecem, porém,
especialmente para a missa, barreiras que constituíam, conforme a icástica imagem de
Rosmini, a chaga da mão esquerda da Santa Igreja, que é a divisão do povo em relação
ao clero no culto público. Essas barreiras eram “a fragilidade de uma vital e plena
instrução dada à plebe cristã” sobre ritos e símbolos nos quais se exprimem as celebra-
ções sagradas, e o uso da língua latina, que há muitos séculos não é mais “a língua dos
povos”. “A chaga é sanável”, acrescentava Rosmini e, segundo uma precisa concepção
eclesiológica que incluía a participação ativa dos fiéis à liturgia, o remédio só poderia
ser ministrado por um clero melhor formado, cultural e espiritualmente.17 No entanto
era preciso superar a separação propondo modos menos passivos de assistir a missa e
aos demais ritos: orações paralelas apropriadas aos vários momentos, recitação do terço
convalidada por uma tradição secular ou do ofício da Beata Virgem, uso de missais
populares, surgidos na Itália desde o final do séc. XVIII.18
É também exuberante o florescimento das devoções. O séc. XIX herda do passado a
devoção ao Sagrado Coração – é definido “o século do Sagrado Coração” –,19 acolhida
16 Cf. F. Giorgini, “La predicazione e le Missioni populari tra il 1815 e il 1870”, in: Problemi
di storia della Chiesa: dalla restaurazione all’unità d’Italia. Atti del VI Congresso di
Aggiornamento (Pescara, 6-10 de setembro de 1982). Nápoles, Dehoniane, 1985, p. 79-106.
17 Cf. A. Rosmini Serbati, Delle cinque piaghe della Santa Chiesa. Lugano, Tip. Veladini, 1848,
p. 11-30; A. Pistoia, “La parte del popolo nella liturgia secondo Rosmini”, Ephemerides
Liturgicae 86 (1972), p. 313-353.
18 Cf. E. Cattaneo, “L’inseghamento della storia sulla partecipazione del popolo cristiano al
culto della Chiesa”, in: La partecipazione dei fedeli alla Messa: dottrina e pastorale. Roma,
Centro di Azione Liturgica, 1963, p. 319-349; P. Stella, “L’Eucaristia nella spiritualità
italiana da metà Seicento ao prodromi del movimento liturgico, in: Eucaristia memoriale
del Signore e sacramento permanente. Turim-Leumann, Elle Di Ci, 1967, p. 141-182.
19 Cf. R. Aubert, Il pontificato di Pio IX (1846-1878). Turim, Editrice S.A.I.E. 1976, p. 709.

7.9 Page 69

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 69
no momento, pela parte politizada na França, com mentalidade contra-revolucionária e
intransigente e, com Pio IX, mais devido ao “reino social de Cristo”, e Leão XIII, para a
afirmação dos “direitos da autoridade universal e de poder mundial” de Cristo.20 Em 26
de agosto de 1856, a festa do Sagrado Coração é estendida à Igreja inteira e, em 19 de
agosto de 1864, acontece a beatificação de santa Margarida Maria Alacoque. Viva soli-
citude de Pio IX, antecipando Pio X, é a promoção da piedade eucarística, sustentando
a comunhão freqüente e, dentro de certos limites, a primeira comunhão das crianças.21
Segue-se novo desenvolvimento da piedade mariana, com exuberante florescimento
de congregações marianas, peregrinações aos santuários dedicados a Maria, sucesso
do “Rosário vivo” de Paulina Jericot, difusão e afirmação decisiva da prática do mês
de maio. Na França, sucedem-se as aparições marianas: em Paris, 1830, a Catarina
Labouré; em 1836, ao pároco de Nossa Senhora das Vitórias, abade Desgenettes; em 19
de setembro, no planalto de La Salette, a dois pastorinhos da Savóia; de 11 de fevereiro
a 16 de julho de 1858, dezoito vezes, a Bernardete Soubirous, em Lourdes. Em 3 de
julho de 1876, com o consenso de Pio IX, acontece a coroação da estátua da Imaculada
na presença de 34 bispos, enquanto três mil sacerdotes e cem mil fiéis aclamavam:
“Viva a Imaculada Conceição! Viva Pio IX! Viva a França Católica”.22 O século era
também caracterizado, além do acréscimo de novas festas de Cristo, de Maria Virgem
e de São José, do progressivo aumento dos santos no calendário da Igreja universal,23
favorecido igualmente pelo relevante número de beatificações e canonizações efetuadas
por Pio IX.24
O Concílio Vaticano I não parece ter exercido notável influxo nas cartas pastorais
dos bispos e na ação pastoral do clero. Foi um concílio de caráter prevalentemente
doutrinal e destinado à definição de verdades dogmáticas. A praxe dominante conser-
vava o sistema da condenação, da defensiva e da confirmação na fé do povo cristão
mediante a dispensação da palavra de Deus e da prática dos sacramentos da penitência
e da eucaristia.25 As discussões no Vaticano I sobre um tradicional “pequeno catecismo”
20 Cf. D. Menozzi, “Devozione al Sacro Cuore e instaurazione del regno sociale di Cristo: la
politicizzazione del culto nella Chiesa ottocentesca”, e F. De Giorgi, “Il culto del Sacro Cuore
di Gesù: forme spirituali, forme simboliche, forme politiche nei processi di modernizzazione”,
in E. Fattorini, (org.), Santi, culti, simboli nell’età della secolarizzazione (1815-1915).
Turim, Rosenberg e Sellier, 1997, p. 161-194 e 195-211; A. Zambarbieri, “Per la storia della
devozione al Sacro Cuore in Italia tra ‘800 e ‘900”, Rivista di storia della Chiesa in Italia
41 (1987), p. 361-432; S. Tramontin, “Movimento cattolico e devozione al Cuore di Cristo”,
Studia Patavina 35 91988), p. 37-50.
21 Cf. G. Martina, Pio IX (1851-1866), p. 707-710.
22 Cf. R. Aubert, Il pontificato di Pio IX…, p. 711-713.
23 Cf. J. Évenou, “Liturgia e culto dei santi (1815-1915)”, in E. Fattorini (org.), Santi, culti,
simboli…, p. 43-65.
24 Cf. G. Martina, Pio IX (1851-1866), p. 701-705.
25 Cf. G. Penco, Storia della Chiesa in Italia. Vol. II: Dal Concilio di Trento ai nostri giorni.
Milano, Jaca Book, 1978, p. 354-355.

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70 Parte I: De seu século para seu século
universal colocaram em clara minoria os padres que tinham procurado fazer emergir
a urgência de uma pastoral catequética mais atenta às grandes mudanças culturais em
curso nas sociedades européias mais evoluídas. A maioria, proveniente de países de
modesta ou atrasada condição socioeconômica e cultural, não era capaz de associar-se
a esse desenvolvimento.26
Ao invés, na última terceira parte do século, com o ocaso do pontificado de Pio
IX e o advento ao trono pontifício de Leão XIII, impunham-se, após lenta gestação,
os fenômenos constitutivos do “movimento litúrgico” contemporâneo: em perspec-
tiva histórico-bíblico-patrística na Alemanha27 e cultual na Inglaterra,28 seguindo a
tradição monástica beneditina na Bélgica, renovada pela abadia de Maredsous,29 na
versão especialmente musical na Alemanha e na Itália,30 e em formas articuladas na
França. Não se pode negar, é certo, as longínquas raízes postas “pelo iluminismo cató-
lico” alemão do séc. XVIII, com as destacadas personalidades do abade de St. Blasien,
Martin Gerbert (1720-1793) e de Johann Michael Sailer (1751-1832), bem como da
eclesiologia da escola de Tubinga, em particular de Johann Adam Möhler (1796-1838),
e pelo mesmo Sínodo de Pistóia, cujos “votos de reforma” “são hoje quase todos
realizados”.31 À exceção das variadas propostas “participativas” no culto, os primeiros
impulsos e as primeiras realizações concretas de caráter litúrgico em sentido estrito
devem-se à ação de dom Prosper Ghéranger (1805-1875), que, em 1833, recuperava a
abadia de Solesmes, no Maine, França, e era eleito seu abade (1840). Fundamentais,
embora discutidas, mas hoje melhor colocadas e compreendidas na controvérsia histó-
rica, são os três volumes das Institutions Liturgiques (1840-1841 e 1851). De mais
vasto impacto prático foram os dez volumes de L’Année Liturgique: “uma obra reali-
zada com o desejo de ajudar os filhos da Igreja católica a entrar nas intenções da sua
Mãe, no divino Serviço que ela oferece ao seu Esposo celeste”; a liturgia, com efeito,
26 Cf. M. Simon, Un catéchisme universel pour l’Église catholique: du Concile de Trente à nos
jours. Leuven, Leuven University Press-Peeters, 1992, XIV-461 p.
27 Cf. O. Rousseau, Histoire du mouvement liturgique: esquisse historique depuis le début du
XIXe siècle jusqu’au pontificat de Pie X. Paris, Du Cerf, 1945, p. 69-91 e 93-109.
28 Cf. id., p. 111-130; cap. VI: Le mouvement liturgique en Angleterre.
30 Cf. id., p. 151-166 (La musique sacrée et le chant grégorien); para válidas integrações, cf. E.
Cattaneo, Il culto cristiano in Occidente: note storiche. Roma, Edizioni Liturgiche, 1984, p.
452-486 (Il movimento liturgico nell’Ottocento); S. Marsili, Storia del movimento liturgico
italiano dalle origini all’enc. “Mediator Dei”(apêndice a O. Rousseau, Storia del movimento
liturgico. Lineamenti storici dagli inizi del secolo XIX fino ad oggi). Roma, Paoline, 1961,
p. 263-369.
31 Cf. B. Neunheuser; A.M. Triacca, “v. Movimento Liturgico”, in: Liturgia. Cinisello Balsamo.
Edizioni San Paolo, 2001, p. 1280-1282.

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8.1 Page 71

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 71
é “a prece da Igreja, portanto a mais agradável aos ouvidos e ao coração de Deus e,
por isso, a mais eficaz”.32 Solesmes exercitou influxos decisivos no mosteiro alemão
de Beuron, fundado em 1863, onde atuaram, em contexto cultural diverso, os irmãos
Mauro e Placido Wolter.33
Foram mais controvertidas as tentativas de harmonizar as variadas expressões da
música sacra com a aguda sensibilidade litúrgica. Elas oscilaram entre a rigidez do retorno
ao canto gregoriano, redescoberto e não univocamente reinterpretado por Ratisbona e
Solesmes, à polifonia renascentista, à abolição das orquestras e ao monopólio do órgão
ou afins, e soluções mais flexíveis, compreensíveis e produtivas pastoramente.34
Os frutos maduros do movimento seriam colhidos mais tarde. Também Dom Bosco
e seus discípulos, no presente e no futuro, foram envolvidos nas propostas de reforma,
entre elas as do setor musical, alguns mais radicalmente disponíveis e outros, a maioria,
inclinados à escrupulosa, às vezes literal, fidelidade ao fundador, não sem fenômenos
de involução.35
3. Pela liberdade da Igreja nas reviravoltas dos anos 60 e 70
Na segunda metade do século, em face das dificuldades crescentes da Igreja na
Itália, obrigada a medir-se com um mundo político voltado, com unilateral determi-
nação, à modernização do aparato político e social em sentido laicista, todos os fiéis
eram chamados a agir, com alguma melhora em relação ao passado, mas sempre com
forte subordinação às diretrizes da autoridade eclesiástica. Isso era exigido depois das
formas de indiferentismo denunciadas tantas vezes, da fúria de consistentes formas de
32 Dedicatória a D. Affre e Préface, p. X; cf. F. Brovelli, “Per uno studio de “L’Année liturgique”
di P. Guéranger: contributo alla storia del movimento liturgico”, Ephemerides Liturgiques 95
(1981), p. 145-219.
33De dom Mauro Wolter são os Praecipua ordinis monastici elementa (Bruges, 1880) e os cinco
volumes de Psallite sapienter (Freiburg, 1871-1890).
34 Cf. F. Romita, Ius musicae liturgicae: dissertatio historico-iuridica. Turim, Marietti, 1936,
p. 99-149 (Musicae liturgicae restauratio); F. Cattaneo, Il culto cristiano in Occidente...
p. 484-486; S. Marsili, “Storia del movimento liturgico italiano...” p. 270-286; F. Rainoldi,
Traditio canendi: appunti per una storia dei riti cristiani cantati. Roma. Edizioni Liturgiche,
2000, p. 463-513 (com referência às “realizações pedadógico-participativas e, em primeiro
lugar, a de João Bosco, a partir de 1847, ano da primeira edição do Jovem instruído” p. 614).
A ambivalência das posições era prefigurada também pelos dois documentos emanados pela
Sagrada Congregação dos Ritos, no dia 25 de setembro de 1884 e no dia 7 de julho de 1894: a
Ordinanza sulla Musica sacra e, mais tolerante, o Regolamento sulla musica sacra.
35 Para os anos de Dom Bosco, cf. cap. 16, § 7.

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72 Parte I: De seu século para seu século
laicismo agnóstico e irreligioso, do mais difundido anticlericalismo e ateísmo profes-
sado.36 Persuadidos a não entrar na arena política com o non expedit [não convém n.d.t.],
os católicos praticantes eram levados a se empenharem, individualmente e em formas
associativas, na ação social, na defesa dos direitos da Igreja, nas obras de caridade, como
as Conferências de São Vicente de Paulo e, decênios depois, naquelas agregadas pela
Obra dos Congressos.37 Para a animação dos leigos socialmente empenhados, deviam
sentir-se fortemente chamados os sacerdotes inspirados por um aumentado zelo apos-
tólico, que se estendia além dos limites do tradicional cuidado pastoral. Por essa razão,
afirmava-se que não devia existir separação entre o sacerdote dedicado aos cuidados de
almas, nitidamente religiosos e sacramentais, e o sacerdote consagrado ao apostolado
social, superando a artificiosa antítese que vinha intensificando-se pelo final do século
entre padres do sacramento e padres do movimento. Era uma nova configuração que
deveria estar presente no itinerário formativo dos eclesiásticos.38 A formação semina-
rística, contudo, permanecia geralmente sem alterações, e o padre social era obrigado
a plasmar-se enquanto tal no vivo da experiência pastoral, na escola de eclesiásticos e
leigos mais abertos às novas instâncias da sociedade.39
Com efeito, jamais faltara na Igreja uma minoria que aceitava a estação da liberdade
e não considerava uma fratura o fim do Estado pontifício. Antes, muitos deles tinham
desejado tal fato tanto em nome da universalidade da Igreja e da liberdade evangélica,
como da nacionalidade italiana. São conhecidos sacerdotes de prestígio, como Vicenzo
Gioberti (1801-1852), Antonio Rosmini (1797-1855), Raffaello Lambruschini (1788-
1873); leigos anticonformistas, como o literato e crítico Niccolò Tommaseo (1802-
1874), benévolo crítico da História da Itália, o político e publicista Roberto d’Azeglio
(1790-1862), o romancista e poeta Alessandro Manzoni (1785-1873), o historiador
e polígrafo Cesare Cantù (1804-1895), futuro cooperador salesiano. Entre os bispos,
destaca-se dom Geremia Bonomelli (1831-1914), que estimava Dom Bosco e chamou
36 Cf. P. Scoppola, “Laicismo e anticlericalismo”, in: Chiesa e religiosità in Italia dopo l’Unità
(1861-1878). Atti del quarto Convegno di Storia della Chiesa. La Mendola, de 31 agosto a 5
de setembro de 1971. Vol. II: Relazioni. Milão, Vita e Pensiero, 1973, p. 225-274; G. Verucci,
L’Italia laica prima e dopo l’Unità 1848-1876: anticlericalismo, libero pensiero e ateismo nella
società italiana. Bari, Laterza, 1981; Id., Cattolicesimo e laicismo nell’Italia contemporanea.
Milão, F. Angeli, 2001; P. G. Camaiani, “Valori religiosi e polemica anticlericale della Sinistra
democratica e del primo socialismo”, Rivista di storia e letteratura religiosa 20 (1984), p.
223-250.
37 Cf. G. De Rosa, Storia politica dell’Azione Cattolica in Italia. Vol. I: l’Opera dei Congressi
(1874-1904). Bari, Laterza, 1953.
38 Cf. A. Vaudagnotti, Il cardinale Agostino Richelmy: memorie biografiche e contributi alla
storia della Chiesa in Piemonte negli ultimi decenni. Turim-Roma, Marietti, 1926, p. 289-301;
A. Erba, Preti del sacramento e preti del movimento: il clero torinese tra azione cattolica e
tensioni sociali. Milano, F. Angeli, 1984.
39 Cf. M. Guasco, Storia del clero in Italia dall’Ottocento a oggi. Roma-Bari, Laterza, 1997, p.
99-126.

8.3 Page 73

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 73
os salesianos a Cremona.40
A presença dos católicos era ativa também no setor da publicação periódica, com
a rica proliferação de cotidianos ou semanários de diferentes orientações em relação à
sociedade moderna, entre a conciliação e, mais freqüentemente, a irredutível intransi-
gência.41
Dom Bosco, no conjunto de sua vida, não se alinhava, adequando-se pragmatica-
mente à evolução dos acontecimentos, embora nem sempre compartilhando seus resul-
tados, pedindo a todos liberdade para realizar a própria missão em favor da juventude.
No fundo, porém, não estava alheio ao modo de pensar que considerava que a perda do
poder temporal pudesse tornar a Igreja mais livre e sua ação pastoral mais eficaz. Ao
menos numa ocasião se pronunciou em favor de uma Igreja desatada de alguns vínculos,
ainda que prisioneira no seu chefe. “Não vos parece já um grande triunfo da Igreja –
confiava em fevereiro de 1873, em Piacenza, a alguns eclesiásticos que lamentavam
os males do tempo presente – poder ela, no atual estado de coisas, livrar-se de certos
tratados ou concordatas com vários Governos, que pretendiam eleger, eles próprios,
tanto os bispos quanto os párocos (...)? Como se vê presentemente na Itália, não vos
falta nem mesmo um Bispo, e não foi também uma boa coisa o fato de terem ido morar,
por falta de bens temporais, nos respectivos seminários? Pois assim eles puderam apro-
ximar-se de seus clérigos, falar-lhes e conhecê-los mais de perto. Eis como o Senhor
sabe tirar o bem do mal”.42 A atitude podia permitir-lhe que sua voz chegasse sem
condicionamentos, criados por solidariedades mais ou menos ocultas com personagens
da intransigência, aos diversos poderes políticos, burocráticos e financeiros.
Após a entrada do exército italiano em Roma, no dia 20 de setembro de 1870, os
católicos romanos serravam fileiras e se empenhavam mais intensamente no social,
entendido amplamente, dando vida a importantes formas associativas. Surgia, em
primeiro lugar, a Primária Sociedade Católica Promotora de Boas Obras no dia 1°
de setembro de 1870, sendo seus promotores e animadores os sacerdotes Domenico
Jacobini e Rinaldo Degiovanni. A poucas semanas de distância da Primária era criada
entre 1870 e 1871 a Sociedade Primária Romana para os Interesses Católicos, que
teve como órgão de comunicação o intransigente quotidiano La Voce della Verità,
como eram em Turim de 1863 L’Unità Cattolica, transferida a Florença em 1893, e em
Milão, a partir de 1864, L’Osservatore Romano. De uma idéia lançada pela Sociedade
40 Cf. E. Passerin d’Envrèves, rec. a A. C. Jemolo, “Scritti vari di storia religiosa e civile”,
Rivista di Storia della Chiesa in Italia 20 (1966), p. 499-509; F. Traniello, Cultura cattolica
e vita religiosa tra Ottocento e Novecento. Brescia, Morcelliana, 1991, p. 181-188; Id., “Don
Bosco e l’educazione giovanile: la ‘Storia d’Italia’”, in: F. Traniello (org.), Don Bosco nella
storia della cultura popolare. Turim, SEI, 1987, p. 81-111.
41 Cf. F. Malgeri, “La stampa quotidiana e periodica e l’editoria”, in Dizionario storico del
movimento cattolico. 1/1 I fatti e le idee. Casale Monferrato, Marietti, 1981, p. 273-295.
42 Crônica manuscrita de G. Berto, Appunti sul viaggio di D. Bosco a Roma nel 1873, p. 1-2.

8.4 Page 74

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74 Parte I: De seu século para seu século
Católica Promotora de Boas Obras, em junho de 1871, a outras associações católicas
romanas, nascia em 1872, como órgão de união de todas elas, a Federação Piana das
Sociedades Católicas, em Roma, consagrada com um Breve de Pio IX, de 23 de feve-
reiro, que desejava por meio dela uma federação nacional das obras católicas: desejo
jamais realizado. Ela teve como órgão oficial por cerca de vinte anos o L’Osservatore
Romano. Aderia-lhe por primeiro o florescente Círculo de São Pedro, fundado em 28 de
abril de 1869. Foi seu primeiro assistente eclesiástico Domenico Jacobini, o qual, tendo
tomado conhecimento das Union des Associations Ouvrières e Oeuvre des Cercles
Catholiques d’Ouvriers, surgidas na França no final de 1871, fundava a Primária
Associação Artística e Operária de Mútua Caridade, muito ativa no mundo dos apren-
dizes e dos operários, com muitas associações afiliadas, sobretudo na Itália central.
Dela era ainda assistente eclesiástico o dinâmico Domenico Jacobini, com presidente
o marquês Girolamo Cavalletti, substituído em 1876 pelo conde Francesco Vespignani,
que em 1873, entre muitas atividades caritativas da associação, tinha inserido as escolas
de artes e ofícios.43
Em outra frente, a Direção da Juventude Católica promovia o Primeiro Congresso
Católico, acontecido em Veneza, de 12 a 16 de junho de 1874. As cinco sessões
idicavam os grandes centros de interesse que polarizaram por decênios o pensamento
e a obra dos militantes católicos: obras religiosas e sociais, caridade, instrução e
educação, imprensa, arte cristã. A instrução e a educação eram tidas como os principais
setores. O mais lúcido e incisivo relator, o barão siciliano Vito d’Ondes Reggio (1811-
1885), tocando o tema do caráter absolutamente religioso da educação, declarava de
forma inequívoca que, enquanto o Estado leigo tivesse monopolizado a instrução, os
católicos opor-se-iam de forma inevitável ao ensino obrigatório, sendo “contrário aos
sagrados deveres e aos direitos do pátrio poder”.44 A tese era sustentada também em
1877, no decorrer da discussão da lei Coppino sobre a obrigação da escola elementar.
Seja a lei Casati como a Coppino, porém, reconheciam a liberdade de instituir escolas
não estatais, tanto elementares quanto secundárias. Em setembro de 1875 constituía-se
oficialmente, aprovada pelo papa, a Obra dos Congressos, quase contemporaneamente
ao nascimento da Liga Daniele O’Connell para a Liberdade de Ensino Católico na
Itália.45 Em anos sucessivos, para orientar os católicos que deviam medir-se com a
43 Cf. M. Casella, “Il cardinale Domenico Maria Jacobini” (1837-1900), Rassegna Storica
del Risorgimento 58 (1971), p. 560-567; Id., “Mons. Giacomo Radini Tedeschi, l’Opera dei
Congressi e il movimento cattolico romano (1890-1900)”, Rivista di Storia della Chiesa in
Italia 24 (1970), p. 137-139 (n.22), 153-154 (n.54), 156 (n.57).
44 Cf. Primo Congresso Cattolico italiano tenutosi in Venezia dal 12 al 16 giugno 1874. Atti, vol.
I. Bologna, tip. Felsinea, 1874, p. 97-113, com a moção congressual aprovada com “aplausos
fragorosos” e “com um entusiasmo indescritível” (p. 146); La Civiltà Cattolica sustenta a
tese em vários artigos: “Dell’insegnamento religioso nelle scuole, Dell’istruzione primaria
obbligatoria, La scuola primaria secondo le aspirazioni del liberalismo”, La Civiltà Cattolica
23 (1872) III, p. 678-688; IV, p. 6-17, (1876) III, p. 257-269.

8.5 Page 75

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 75
legislação e a regulamentação da instrução escolástica na Itália, pública e privada, era
“compilado e publicado sob a responsabilidade do Comitê Geral Permanente da Obra
dos Congressos e dos Comitês Católicos na Itália” um lúcido e preciso Manual da
legislação escolar na Itália para uso dos Comitês católicos e dos pais de família”.46
Após a brecha da Porta Pia, a fórmula “nem eleitos nem eleitores” tornava-se mais
taxativa, favorecida pelos católicos intransigentes, desatendida pelos católicos liberais.
Ela tornava-se, em março de 1871, diretriz oficial com o non expedire da Penitenciaria
Romana, traduzida em ineludível norma vinculante na resposta aos bispos italianos de
1874: Attentis omnibus circumstantiis, non expedit. O abstencionismo torna-se tema
dominante do movimento católico unido na Obra dos Congressos.
Dom Bosco mantinha-se alheio à Obra, como mantinha fora dela a Associação dos
Cooperadores Salesianos, embora alguns cooperadores participassem ativamente da
Associação. Em 6 de agosto de 1876, ao contrário, não recusava um encontro em Lanzo
com os novos governantes da esquerda,47 sofrendo mais tarde sua intransigente centrali-
zação com o decreto de fechamento, aliás praticamente evitado, do ginásio de Valdocco.48
4. Obras especializadas na ação entre os jovens
Uma das grandes preocupações dos papas, bispos e sacerdotes desde o início do
século, como se viu,49 são “as delituosas e multíplices artes com as quais, na grande tris-
teza dos tempos, os inimigos de Deus e da humanidade tentam perverter e corromper
particularmente a juventude incauta”.50 Acrescenta-se, por outro lado, certa descon-
fiança inicial em relação aos adultos já conquistados à revolução e menos ligados à
Igreja e à prática religiosa. Isso leva a privilegiar os jovens como novos protagonistas
do renascimento religioso e da renovação social, como se esse fosse um mundo virgem
a ser imunizado, protegido e equipado.
São múltiplas as instituições que se voltam para eles, classificáveis em duas categorias
45 Cf. G. De Rosa, Storia del movimento cattolico in Italia, 2 vol. Bari, Laterza, 1966; G. De Rosa,
Il movimento cattolico in Italia: dalla Restaurazione all’età giolittiana. Bari, Laterza, 1988;
L. Osbat-F. Piva (ed.), La “Giuventù Cattolica” dopo l’Unità 1868-1968. Roma, Studium,
1972; P. Scoppola, Chiesa e Stato nella storia d’Italia: storia documentaria dall’Unità alla
Repubblica. Bari, Laterza, 1967.
46 Bolonha, Presso l’Uffizio del Comitato Editore, 1883, 207 p.
47 Cf. cap. 23, § 2.
48 Cf. cap. 28, § 2.
49 Cf. cap. 1, § 2.
50 Cf. Carta Apostólica de Pio IX aos bispos das Duas Secílias Cum nuper, de 20 de janeiro de
1858, in Pii IX Pontificis Maximi Acta. Parte I, vol. III, p. 12.

8.6 Page 76

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76 Parte I: De seu século para seu século
fundamentais: estruturadas (asilos da infância, escolas primárias, secundárias, profissio-
nais) e abertas (oratórios, patronatos, associações, sociedades e círculos juvenis).
Além da França, também na Itália, sobretudo setentrional, mas não menos em
Roma, em favor da juventude masculina e feminina, em particular pobre e aban-
donada, há um pulular, ainda que desorganizado e com pedagogia não particular-
mente avançada, de escolas de todas as classes e graus, asilos da infância ou escolas
infantis, escolas profissionais, escolas primárias e secundárias, colégios, educandá-
rios.51 Ao contrário da incidência limitada, apesar de copiosa, da reflexão pedagó-
gica do espiritualismo católico e das mesmas congregações religiosas, verifica-se
vasta irradiação das respectivas práticas educativas com a finalidade de introduzir
“no centro da vida social um conjunto de modelos, valores e princípios, de alguma
forma próprios do sentimento cristão”. Efetivamente, além da paróquia, com suas
atividades pastorais específicas, e das confrarias, “as congregações religiosas, parti-
cularmente as dedicadas à formação das jovens gerações, souberam promover e
difundir um conjunto de valores cristãos e dar, embora de forma nem sempre linear
ou sem fechamentos, algumas respostas significativas às novas necessidades educa-
tivas e sociais da Península”.52
Os asilos de infância, introduzidos por Ferrante Aporti (1791-1858), assumem
particular importância, anterior a todas as outras sob o ponto de vista da prevenção,
numa Itália em que extensa faixa de crianças está privada até mesmo da instrução
elementar. Os asilos surgem com o auxílio da caridade privada, para recolher e cuidar
de crianças de dois e meio a 6 anos, de todas as classes sociais, com preferência pelas
famílias indigentes. A finalidade é infundir e difundir nelas “idéias e sentimentos
conformes aos deveres da vida doméstica, social e cristã” enquanto aprendem “os
rudimentos básicos do ato de ler, escrever e contar”. Escolas e asilos infantis difun-
diram-se rapidamente, sobretudo na Lombardia, Vêneto, Piemonte e Grão-ducado da
Toscana. São providenciais especialmente nas regiões em que havia atividades manu-
fatureiras têxteis com prevalente ocupação de mulheres, obrigadas a horários longos
e pesados, e levadas a abandonar a si mesmos os filhos ainda pequenos.53 Era um
modelo radical de prevenção, educativa e social. Na mente de Aporti era o primeiro
degrau de um sistema integral de educação escolar pública.54
51 Cf. L. Pazzaglia (org.), Chiesa e prospettive educative in Italia tra restaurazione e unificazione,
Brescia, La Scuola, 1994; R. Sani (org.), Chiesa, educazione e società nella Lombardia del
primo Ottocento: gli istituti religiosi tra impegno educativo e nuove forme di apostolato
(1815/1860). Milão, Centro Ambrosiano, 1996; R. Rocca, “Regolamenti di educandi e istituti
religiosi in Italia negli inizi dell’Ottocento al 1861”, Rivista di scienze dell’educazione 36
(1998), p. 161/342; L. Pazzaglia (org.), Cattolici, educazione e trasformazioni socio-culturali
in Italia tra Otto e Novecento, Bréscia, La Scuola, 1999.
52L. Pazzaglia, “Chiesa, società civile e educazione nell’Italia post-napoleonica”, in: L.
Pazzaglia (org.), “Chiesa e prospettive educative in Italia…, p. 54-55.
53 F. Aporti, “Relazione sugli asili d’infanzia...”, Annali universali di statistica, 85 (1845), p.
330-381; Cf. F. Della Peruta, “Infanzia e famiglia nella prima metà dell’Ottocento”, Studi
Storici 20 (1979), p. 743-746.

8.7 Page 77

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 77
Sobre o tema da prevenção a partir dos inícios da vida, o industrial filantropo inglês
Robert Owen (1771-1858), iniciador em 1809 da Infant School, já tinha declarado
que era para “prevenir os delitos” seu pedido “ao governo inglês e à nação inglesa de
unirem seus esforços para organizar um sistema de educação e instrução que tenha por
finalidade tudo que seja bom e útil para aqueles que agora são ignorantes e analfabetos,
e deter, com um sistema preventivo claro, fácil e prático, a ignorância e a pobreza,
o vício e a infelicidade que daí decorrem e que vão se estendendo rapidamente por
todo o império”.55 O assunto já fora tratado em precedência e muitas outras vezes.
Dirigindo-se sempre aos detentores do poder político e econômico, tinha insistido: “Em
lugar de punir os crimes após ter deixado que o caráter humano se formasse de forma
a cometê-los, eles adotarão somente os meios que se podem adotar para prevenir a
existência daqueles crimes: meios com os quais é possível preveni-los com a máxima
facilidade”. “Fomos educados de tal modo, que não hesitamos em dedicar anos e gastar
milhões para individuar os responsáveis dos delitos e puni-los, perseguindo objetivos
cujos resultados últimos são insignificantes em comparação a eles. Mas não demos
um passo no sentido de prevenir os delitos e diminuir os inumeráveis males que hoje
afligem o gênero humano”.56
O asilo de infância de Aporti foi acolhido também em instituições religiosas femininas,
segundo a fórmula originária, que entrou logo em composição e em conflito com outras,
em particular com o “jardim de infância” de Fröbel.57 Em 1883, o superior salesiano
Francesco Cerrutti escrevia sobre a oportunidade para a Itália de “fundir os métodos de
Aporti e de Fröbel, o que significa dizer reconduzir a pedagogia ao sistema essencialmente
italiano de Vitorino de Feltre”. Ele mesmo o fazia ao analisar e propor o Regulamento-
Programa para as escolas maternais das Filhas de Maria Auxiliadora, precedido de um
aceno histórico sobre a origem e a instituição dos internatos na Itália.58
Para a juventude de idades sucessivas à infância são particularmente inovadoras
as instituições intencionalmente orientadas não só ao apostolado religioso estrito, mas
também as iniciativas de formação cultural e humana, promovidas por meio de escolas
festivas e noturnas de alfabetização e integrativas, escolas de música e de canto, ativi-
54 Cf. C. Sideri, Ferrante Aporti: sacerdote, italiano, educatore. Biografia del fondatore delle
scuole infantile in Italia sulla base di nuova documentazione inedita. Milão, F. Angeli, 1999,
p. 350-407.
55 “Osservazioni sugli effetti del sistema industriale”, in: R. Owen, Per una nuova concezione
della società, Bari, Laterza, 1971, p.133.
56R. Owen, Per uma nuova concezione della società…, p. 23,28-29; cf. também p. 40-41, 46,
50, 52, 91.
57 Cf. T. Tomasi, L’educazione infantile tra Chiesa e Stato. Florença, Vallecchi, 1978, em particular
p. 90-94; R. S. Di Pol, “Fröbel e il Fröbelismo in Italia”, Annali di storia dell’educazione e
delle istituzioni scolastiche 6 (1999), p. 179-218.
58 S.Benigno Canavese, Tip. e Libr. Salesiana, 1885, p. 10-11. Expressões quase idênticas tinha
usado em Storia della Pedagogia in Italia dalle origini a’ giorni nostri. Turim, Tip. e Libr.
Salesiana, 1883, p. 263-265; cf. cap. 29, § 4.2.

8.8 Page 78

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78 Parte I: De seu século para seu século
dades teatrais e recreativas.59
O interesse pelas obras juvenis dá lugar também à elaboração de uma espirituali-
dade juvenil, sobretudo no seguimento do “santo dos jovens”, são Luís Gonzaga (1568-
1591). Gregório XVI estendia sua festa litúrgica à Igreja universal e foram solenes
as celebrações dos centenários de nascimento e morte. A fim de segui-lo, os jovens
eram encorajados a não considerar a vida evangélica triste, inimiga da natural falta de
preocupações, em antítese com a aspiração de ser feliz. Ecoam novamente as admoes-
tações libertadoras do mote bíblico Servite Domino in laetitia e do lema de Felipe Neri:
“Pulai, gritai à vontade, contanto que não cometais pecado”. Os jovens encontram na
Igreja e nos lugares em que se reúnem os meios para se abrirem alegremente à vida
de santidade: a oração, os sacramentos, a devoção à Virgem Imaculada, os incentivos
para o cumprimento gratificante dos deveres, a obediência tranqüilizadora que auxilia
na superação da turbulência das paixões degradantes, a caridade para com o próximo.
Quando a vida parecesse difícil, há o convite a olhar para o fim, para a felicidade
eterna, inspirando-se nos exemplos dos jovens mártires dos primeiros séculos cristãos,
Tarcísio, Pancrácio, Jovina, Lúcia, Inês.60
Os fundadores ou refundadores desse tipo de atividades e instituições freqüente-
mente acrescentavam-lhes outras, considerando-as essenciais para responder às necessi-
dades e questões diferenciadas dos jovens e adultos do povo que vivem nas mais diversas
condições materiais e espirituais. Entre estes sobressai o apostolado da (imprensa),
antídoto àquilo que era considerado o mais perigoso abuso das liberdades concedidas
em 1848, com a difusão de livros, opúsculos, periódicos irreligiosos, heréticos, anti-
clericais, subversivos, tanto mais perigosos quanto mais se estendiam à alfabetização
entre as camadas populares, à escola e à cultura na classe média. Na citada encíclica
Nostis et Nobiscum, do final de 1849, Pio IX exortava os bispos italianos a contrapor
aos livros perversos escritos de pequena mole aptos a consolidar a fé e dar instrução
salutar ao povo.61 O analfabetismo difuso era, certamente, um obstáculo.Todavia, espe-
cialmente a partir da metade do século, abria-se espaço para uma variada ação divul-
gativa popular, do tipo informativo, moral, genericamente catequético, recreativo ou
“ameno”; isso tudo por meio de almanaques, folhas volantes, opúsculos, livros, boletins
e coleções de livrinhos periódicos de diferentes tipos. Não raramente entravam mais
ou menos em polêmica aberta com as várias ideologias do momento: indiferentismo,
liberalismo, laicismo, cientificismo, protestantismo, comunismo, socialismo. Já em
1852, o periódico Civiltà Cattolica oferecia uma longa resenha de “associações”, ou
59 Cf. L. Caimi, “Il contributo educativo degli oratori e dell’associazionismo giovanile dall’unità
nazionale alla prima guerra mondiale”, in: L. Pazzaglia (org.), Cattolici, educazione e
trasformazioni socio/culturali in Italia... p. 629-696. O ensaio de Caimi é enriquecido por
numerosas indicações bibliográficas.
60 Cf. P. Stella, “Santi per giovani e santi giovani nell’Ottocento”, in E. Fattorini (org.), Santi,
culti, simboli…, p. 563-586.
61 Cf. Pii IX Pontificis Maximi Acta. Parte I, vol. I, p. 208.

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 79
seja, coleções periódicas de bons livros mediante assinatura: Biblioteca Católica (1841),
Tesouro Católico (1849), Coleção de bons livros em favor da verdade e das virtudes
(1850), Sociedade Toscana para a difusão de bons livros (Florença, 1850), Coleção de
bons livros em favor da Religião Católica (Turim, 1849), Coleção moral-ascética (Milão,
1850), Nova Coleção de obras de religião (Veneza 1826-1839), Propaganda de escritos
católicos destinados a difundir as máximas da religião cristã entre o povo (Roma,
1849), Associação Católica (Ímola, 1850) etc.62 A mesma revista, em 1853, em uma
“Correspondência” de Turim anunciava: “Deve-se distinguir por mérito das virtudes
eminentes, embora não espalhafatosas, um egrégio sacerdote de nome Dom Bosco,
que soube por muitas razões arrancar de seus inimigos uma homenagem de admiração
pelos prodígios de caridade e de beneficência para com os pobres e esquecidos filhos
do povo, do qual ele é mestre e pai. Esse digno sacerdote, junto com outros, começou a
publicar, sob o título de Leituras Católicas, uma série de pequenos opúsculos instrutivos
de religião e moral católica”.63 Multiplicam-se também as estréias e os almanaques.
A respeito disso Civiltà Cattolica comentava: “Aperta-nos vivamente o coração ver
esses erros pestilentos difundidos nas Estréias, uma vez que delas se valem os corrup-
tores da fé e do bom costume; dá-nos grande alegria o fato de descobrir que muitasdelas
alimentam as mais santas verdades e conduzem à virtude”.64 Depois, apresentando o
texto de Silvio Pellico. Presente aos jovens para a primavera e para as férias de outono
de 1861 (Nápoles, 1861), em dois pequenos volumes, escrevia: é uma coleção que tem
o mesmo escopo “das Pequenas Leituras Católicas de Bolonha, das Leituras amenas e
honestas de Módena e outras semelhantes de Sena, Turim e Roma. Isto é, ser antídoto à
pestilência de tantos livrecos envenenados que adoecem a Itália e corrompem a inocência
e a fé da idade incauta (...). Portanto, daqui para frente, virá à luz a cada dois meses, e
para o segundo volume assumirá o título de Leituras juvenis, religiosas e amenas”.65
5. Protagonistas da missão juvenil na Itália
A historiografia religiosa ocupou-se abundantemente das missões populares, reto-
madas com vigor no início do séc. XIX, como meio de recuperar a fé após impetuosas
mutações culturais, sociais e políticas.66 Mas, ainda mais vasto e permanente surgiu
um novo ou renovado tipo de missão interna à cristandade. Diversamente das missões
62 “Le associazioni cattoliche per la diffusione dei buoni libri in Italia”, La Civiltà Cattolica 3
(1852), IV, p. 681-693; “Tre altre Società per la diffusione dei buoni libri”, id., 4 (1853) I, p.
210-212.
63 “Stati Sardi (Nostra Corrispondenza”, La Civiltà Cattolica 4 (1853) II, p. 204.
64 La Civiltà Cattolica 12 (1861) II, p. 221; referia-se a Un po’ di tutto per tutti ovvero Mischianza
di molte e varie cose dilettevole et istruttive: Strenna per l’anno 1861. Ano I, 2a ed. Melhorada.
Milão, tip. e libr. Arciv. Boniardi Pogliani, in 8º, 256 p.
65 La Civiltà Cattolica 13 (1862) I, p. 216.

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80 Parte I: De seu século para seu século
populares, que se realizavam no interior das estruturas eclesiásticas canônicas, dioceses
e paróquias, essa se desenvolvia em vasta escala em certo sentido além e fora dessas
estruturas, para sujeitos que a elas não afluíam e, quiçá, não eram alcançados por elas.
Os jovens abandonados eram atraídos para reuniões em centros apropriados a eles, em
asilos, escolas e centros de formação profissional não paroquiais, em oratórios e asso-
ciações. Eram, além disso, visitados e assistidos em asilos, hospitais, cárceres, para que
a palavra e a graça do Evangelho pudessem chegar também até eles.
É extraordinário o pulular de institutos de consagrados e de consagradas, que se
multiplicam ao longo do século para dar estabilidade e continuidade a essas iniciativas.
Justamente nesse quadro, antes ou depois das leis subversivas, o séc. XIX distingue-se
pelo revigoramento das ordens e institutos religiosos existentes e pelo surgimento
de centenas de outros, masculinos e femininos: entre 1819 e 1860, perto de quarenta
congregações italianas são aprovadas pela Santa Sé. Não menos numerosas são as que
florescem e se desenvolvem em seguida.67 Em 2 de maio de 1855, Cavour fora bom
profeta, quando, durante a discussão sobre a “lei dos conventos”, replicava aos que
observavam que sancionando o princípio da liberdade de associação abriam-se as portas
à criação de um número ainda maior de congregações religiosas, como tinha acontecido
na Bélgica e na França. Na liberdade – admitia com certa amargura – haveria a possibi-
lidade de surgir congregações religiosas mais correspondentes “ao espírito e às necessi-
dades dos tempos”, agindo “dentro dos limites úteis à sociedade civil”, “no verdadeiro
interesse do Estado e da própria religião”.68 Nessas mais vastas possibilidades de ação,
as mulheres potenciam sua presença de protagonistas, congregadas ou associadas, nos
mais variados serviços assistenciais e educativos, com contribuições incisivas e dura-
douras na sociedade civil e na Igreja.69
Em Verona, em 1802, são Gaspar Bertoni (1777-1853) foi iniciador de um oratório-
recreatório em forma de “Corte mariana”. Em 1816, ele fundava a Congregação dos
Santíssimos Estigmas de N.S.J.C. (Estigmatinos).70
Não distante, em Veneza, colocavam-se mais graves problemas psicológicos, econô-
micos e sociais, como conseqüência da extinção da república, em 1797, e sua cessão ao
66 Cf. P. Braido, “Catechesi e catechismi tra ripetizione, fedeltà e innovazione…”, p. 41-43; Id.,
Lineamenti di storia della catechesi e dei catechismi, p. 360-371; G. Verucci, Cattolicesimo
e laicismo nell’Italia contemporanea, p. 109-115.
67 Cf. G. Rocca, “Le nuove fondazioni religiose femminili in Italia dal 1800 al 1860”, in:
Problemi di storia della Chiesa. Dalla restaurazione all’unità d’Italia…, p. 107-192; G.
Rocca, Riorganizzazione e sviluppo degli Istituti Religiosi dalla soppressione del 1866
a Pio XII (1939-1958), in: Problemi di storia della Chiesa. dal Vaticano I al Vaticano II.
Nápoles, Dehoniane, 1988, p. 239-294; G. Rocca (org.), “Regolamenti di educandati e istituti
religiosi…”, Rivista di Scienze dell’Educazione, p. 36 (1998), 161-342.
68 Camillo di Cavour, Discorsi parlamentari. Vol. IX. Florença, Eredi Botta, 1870, p. 274-275.
69 Cf. L. Scaraffia e G. Zarri (org.), Donne e fede: santità e vita religiosa in Italia, Roma-Bari,
Laterza, 1994, p. V-X, 366-369, 448-477.
70 Cf. N. Dalle Vedove, Vita e pensiero del beato Gaspare Bertoni agli albori dell’800 veronese.
Parte I. Roma, Postulazione Generale Stimmatini, 1975, p. 327-330.

9 Pages 81-90

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9.1 Page 81

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 81
domínio dos Habsburgos, com profunda crise da aristocracia, já não mais protagonista,
e dos próprios grupos populares. Veneza sofria não somente de sensível decréscimo
demográfico, passando, no período 1797-1821, de 145 mil habitantes a 100 mil, mas
também de profunda depressão econômica, cultural, moral. Na visita pastoral de 1821,
o patriarca Pyrker via miséria em todos os lugares, calculando a existência de 40 mil
pobres. Nesse ambiente surgiu, em 1804, por obra de dois nobres sacerdotes, Antonio
Ângelo (1772-1858) e Marco Antonio Cavanis (1774-1853), a “Escola de Caridade”,
sob o binômio caridade-educação. Era destinada a “prover gratuitamente à educação
dos filhos abandonados e daqueles que, embora tendo seus pais, estes os descuraram ou
foram impotentes para prestar-lhes a necessária assistência”. “A instrução dos jovens
– era seu programa – diz respeito a três coisas: o corpo, a inteligência e o coração; este
último, porém, é o mais importante e, portanto, é o trabalho mais essencial de uma
sábia instituição. A que serve, de fato, que o jovem seja sadio é ágil no corpo, quando é
dissoluto e corrupto no coração?”.71 A convite dos dois irmãos, em 1810, Madalena de
Canossa (1774-1835) fundava, em Veneza, uma escola análoga para as meninas.
Vivia nesses anos em Bréscia, cidade da ex-república de Veneza passada sob o
domínio dos Habsburgos, beato Ludovico Pavoni (1784-1849). Ele constatava que
Bréscia dispunha para a educação cristã dos jovens “cultos e civis de ‘uniões’, ‘congre-
gações e oratórios’”, mas deles permanecia excluída a “mais necessitada”, “abjeta e mal
vestida” classe de crianças.72 Fundava, então, uma congregação adaptada a essa classe
junto à Igreja de São Barnabé, a qual, em 1819, unia-se um oratório e, em 1821, “um
Instituto que fosse, ao mesmo tempo, família ou escola e oficina”. Em 1831, estavam
em atividade os laboratórios para arte tipográfica e clicheria, papelaria, encadernação
de livros, argentaria para vasos sagrados e móveis de igreja; e outros para pedreiros,
carpinteiros, torneiros de metal e madeira, sapateiros.73
Em Roma, era mais significativa ainda a irradiação declaradamente apostólica do
trabalho de são Vicente Pallotti (1795-1850); ele foi fundador, em 1835, e animador
em clima de restauração cristã, da Pia Sociedade do Apostolado Católico, constituída
por sacerdotes e irmãos coadjutores, com a finalidade de “promover a glória de Deus
e propagar a fé Católica com todos os meios espirituais e temporais, e reacender a
Caridade no mundo todo”.74 “Entre as muitas obras, que o Reitor poderá atribuir –
dizia a Regra –, preferirá confiar aos Clérigos e aos idôneos, experientes e zelosos
71 Cf. G. De Rosa, “I fratelli Cavanis e la società religiosa veneziana nel clima della
Restaurazione”, Ricerche di Storia Sociale e Religiosa, n. 4, jul-dez. 1973, p. 165-186; V.
Biloni, “Le libere scuole dei fratelli Cavanis”, Pedagogia e Vita, 1953, p. 397-408.
72 Organizzazione e Regolamento dei giovani sotto la protezione di S. Luigi Gonzaga eretta
nell’Oratorio di S. M. di Passione ed aggregata alla Prima Primaria del Collegio Romano, in
Raccolta ufficiale di documenti e memorie d’archivio. Bréscia, Opera Pavoniana, 1947, p. 9.
73 Regolamento del Pio Istituto eretto in Brescia... a ricovero ed educazione de’ Figli Poveri ed
Abbandonati. Bréscia, Tip. del Pio Istituto S. Barnaba, 1831, in Raccolta ufficiale..., p. 57-58.

9.2 Page 82

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82 Parte I: De seu século para seu século
Leigos: a assistência e cooperação dos Oratórios e Congregações dos Jovenzinhos,
as obras de Caridade espiritual e corporal aos enfermos nos Hospitais, a Doutrina
nas Paróquias ou nos Hospitais ou nos Cárceres ou em qualquer outro lugar em que a
necessidade for maior”.75
Uma vasta ação em favor da instrução e da educação dos grupos menos instruí­dos
era promovida através da imprensa periódica, que surgia por iniciativa de homens opera-
tivamente próximos a instituições populares, como os asilos infantis, as escolas domi-
nicais e noturnas, a escola primária. O fundador das Leituras populares (1837-1841),
Lorenzo Valerio (1810-1865),76 anunciava no primeiro número os conteúdos: “narrações
populares, das quais resulte sempre espontânea uma verdade moral e religiosa, noções
simples e fáceis de história, geografia e física, conselhos de medicina, especialmente
na parte que diz respeito à higiene”; e indicação das “instituições de beneficência”,
abundantes no Piemonte, como por exemplo, “a instituição do Advogado e Procurador
dos Pobres”, a Caixa Econômica, o Abrigo das Rosinhas, a Escola Gratuita de Desenho,
a Casa de Misericórdia das Irmãs da Caridade. Graças a elas prometiam-se preciosos
frutos morais e sociais, expressos em atitude conformista (o censor do Estado estava
vigilante!): “o amor ao trabalho, o respeito e amor para com as autoridades públicas,
o santo afeto de família”. Os artigos do periódico eram tirados em grande parte de
publicações de autores reconhecidos, quais “Lambruschini, Pestalozzi, são Francisco
de Sales, Franklin, cônego Schmid, Godwin, Srta. Edgeworth, Fénelon, Cantù,
A. Mauri, M. Sartorio, Madame Ridolfi, etc.”.77
As Leituras populares foram supressas em março de 1841 por um único artigo,
considerado excessivo por afirmar o previsível poder social das massas populares.
Em 1842, porém, Valerio conseguia retomar a iniciativa com as mais tradicionais
Leituras familiares: semanário de educação moral, cívica e religiosa, supressas, por
sua vez, em 1847. Procuraram mitigar a aspereza das diferenças sociais relembrando o
“doce nome da família”, síntese de afetos e de deveres, como paradigma de uma “pátria”
na qual “todas as classes da sociedade se vejam como solidárias e se unam em um nobre
sentimento de concórdia e fraternidade”. Por isso – prosseguia o fundador-diretor – “aos
pobres, falaremos da caridade e da benemerência dos ricos, e aos ricos, das virtudes
ignoradas, da vida laboriosa, das necessidades dos pobres, e difundiremos princípios
de caridade e de moral, os únicos que podem fazer as pessoas felizes”. Buscar-se-ia
74 V. Pallotti, Scritti apostolici minori, aos cuidados de F. Moccia. Roma, Curia Generalizia
della Società dello Apostolato Cattolico 1968, p.57-58.
75 Regola della Congregazione dei Preti e fratelli coadjutori dell’Apostolato Cattolico. “Copia
Lambruschini” 1846, aos cuidados de F. Moccia. Roma 1972, p. 76.
76 Sobre as Letture popolari (1837-1841) e as herdeiras Letture di famiglia (1842-1846), Cf. D.
Bertoni Jovine (org.), I periodici popolari del Risorgimento. Vol. I. Milão, Feltrinelli, 1959,
p. XXXVI-XLV.
77 “Due parole che possono servire di prospetto”, Letture popolari, no 1, 1837, p. 1-2.

9.3 Page 83

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 83
também a difusão dos “primeiros elementos da física, química, história natural, higiene,
tecnologia”; além disso – continuava –, “através de narrações, parábolas, apólogos,
cenas de costumes e canções populares procuraremos mostrar a todos a suma utilidade
da Instrução, da Previdência, da Associação, a necessidade e a dignidade do Trabalho,
da Educação, da santidade da Beneficência, da Moralidade, da Religião. Anotaremos
o progresso das instituições que servem para a melhoria de todas as classes e particu-
larmente das classes pobres, como são as escolas infantis, as caixas de poupança, o
ensino industrial, a instrução”.78 Para as colaborações, recorria-se ainda a contribui-
ções, já editadas, de bem quarenta autores. O periódico também herdava do precedente
o lema “A ignorância é a maior e a pior das pobrezas” e não deixava faltar informações
sobre experiências exemplares de instrução popular, escolas gratuitas de artes e ofícios,
escolas dominicais e noturnas, cursos para instrução de camponeses, iniciativas para
a educação feminina com escolas “vespertinas”, creches, escolas elementares. Além
disso, informava sobre alguns “institutos caritativos” de Turim que ofereciam instrução
profissional e técnica, como o Albergue da Virtude, o Abrigo da Caridade, o Abrigo das
Rosinhas, a Mendicidade Instruída, a Escola Gratuita de Desenho em Santa Pelágia.
Em 1846, informando sobre a Escola Noturna para Adultos iniciada em Santa Pelágia
pelos Irmãos das Escolas Cristãs, um dos colaboradores, o culto sacerdote G. F. Baruffi
(1801-1875) indicava que a primeira em Turim surgiu “há poucos anos” pela “genero-
sidade do egrégio senhor marquês Roberto d’Azeglio”.79
Em 1843, era ali publicada a obra Sobre institutos de caridade pública e instrução
primária e das prisões de Roma, de dom Carlo Morichini, futuro arcebispo e cardeal.
A obra, que continha uma relação das escolas noturnas de Roma, foi louvada várias
vezes pelo periódico. Numerosas e de antigas raízes, unidas num “Instituto” presi-
dido pelo cardeal vigário, elas acolhiam jovens aprendizes ao cair da tarde dos dias
feriais e festivos. Ali se ministravam instrução religiosa, técnicas fundamentais de ler,
escrever e contar, princípios de desenho, linear e ornamental, e de geometria aplicada
às artes.80 E, relacionada às escolas noturnas, Ottavio Gigli (1816-1876) aventurava-se
na publicação de um semanário de educação popular, O pequeno aprendiz: leituras
morais e instrutivas para servir às escolas noturnas de religião e às famílias, que teve
florescente existência, de 1º de janeiro de 1845 a outubro de 1848. Entre seus prote-
tores e colaboradores apareciam nomes importantes do clero e do patriciado romano,
entre os quais Morichini e o duque Spione Salviati, ambos, a seguir, relacionados
com Dom Bosco. Com o periódico, buscava-se dar uma contribuição à instrução e à
educação dos filhos do povo, meios capitais para prevenir “os delitos cometidos pelo
submundo”. Colocava-se ao lado da instrução dada nas escolas noturnas aos aprendizes
“que formarão uma parte muito importante da sociedade”. Os textos deveriam tratar
78 “Introduzione”, Letture di famiglia, Ano I, n. 1, 12 de março 1842, p. 1.
79 Letture di famiglia, Ano V, n. 9, 28 de fevereiro de. 1846, p. 65-67.
80 Letture di famiglia, Ano II, n. 27, 8 de julho de 1843, p. 209-212.

9.4 Page 84

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84 Parte I: De seu século para seu século
dos seguintes temas: “moralidade, higiene pública, tecnologia, vidas de benfeitores da
humanidade, história sagrada e profana, história natural, curiosidades”.81 Sobejavam,
também, informações sobre iniciativas de educação popular, escolas noturnas, escolas
festivas no Estado pontifício e alhures. O pequeno aprendiz também se serviria de
artigos originais e de contribuições de autores de leitura fácil. Além de Ottavio Gigli,
aparecem freqüentemente os nomes de Cesare Cantù, Luigi Alessandro Parravicini,
Gaspare Gozzi, Francesco Tecini, Alessandro Marchetti. Nota-se um respiro mais
amplo a partir do advento de Pio IX. Era sinal disso também o subtítulo dos últimos
dois anos (1847-48): Jornal moral, religioso e instrutivo para a educação do povo.
Em Turim, surgiam e se desenvolviam instituições ainda mais próximas àquelas
características de Dom Bosco, o oratório e as oficinas de artes e ofícios. Pioneiro dessas
obras foi o vice-pároco da Anunciação, padre Giovanni Cocchi (1813-1895) que, aspi-
rante missionário em Roma em 1839, entrou em contato com um oratório “para joven-
zinhos de condição popular” e, retornando a Turim, fundava, em 1840, o Oratório do
Anjo da Guarda, na localidade periférica e paupérrima do Moschino. Em 1841, trans-
feria-o para mais perto do centro, para Vanchiglia, com atividades religiosas, teatrais
e esportivas.82 Em 1847, criava ali escolas dominicais e noturnas para aprendizes a
partir dos 13 anos, da qual O educador publicava o Programa assinado pelos “Diretores
Sacerdotes padre Giovanni Cocchi, Vice-pároco da Anunciação e o Teólogo Roberto
Murialdo, Capelão de S. S. M. o Rei”.83
Não faltavam iniciativas que preparavam e acompanhavam uma importante reforma
introduzida nos estados sardos com a lei de 11 de setembro de 1845: o uso do sistema
métrico decimal a partir de 1º de fevereiro de 1850. Tratava-se de uma disposição para a
qual os Irmãos das Escolas Cristãs estavam particularmente preparados para enfrentar,
pois estavam enraizados na cultura escolástica francesa, onde o sistema métrico decimal
já tinha sido acolhido em força da lei de 2 de novembro de 1801. De resto, já em 1833,
no Novo Tratado de Aritmética para uso das Escolas Cristãs, destinados às escolas
primárias dirigidas por eles em Turim, tinham inserido as “Planilhas para transformar
as medidas antigas em novas e vice-versa”.84 De fato, no momento de anunciar o início,
em janeiro de 1846, das escolas noturnas para “operários e artesãos” “maiores de 16
anos”, dizia-se que se ensinaria também “o sistema métrico decimal” e “os princípios
da geometria aplicada ao desenho de artes e ofícios”, elementos culturais essenciais
na formação dos aprendizes à altura dos tempos”.85 Na iminência, pois, de entrar em
81 “Prefazione”, Artigianello, ano I, n. 1, 4 de janeiro de 1845, p. 7-8.
82 Cf. G. Casalis, Dizionario geografico, storico-statistico-commerciale…. Vol. XXI. Turim,
Maspero e Marzorati, s.d., p. 709-710; A. Castellani, Il beato Leonardo Murialdo. Vol. I.
Roma, Tip. S. Pio X, 1966, p. 85 e 156, n. 16.
83 L’Educatore, 1847, fasc. 24, p. 762-765.
84 Cf. A. Ferraris, “La diffusione e il successo delle scuole serali dei Fratelli delle Scuole
Cristiane negli Stati Sabaudi” (1845-1855), Rivista Lasalliana 62 (1995), n. 3, p. 159-160.

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 85
vigor o sistema métrico decimal, os Irmãos publicavam textos largamente difundidos,
encorajados pelo inspetor das escolas de método e das escolas primárias, Angelo Fava:
Quadro sinótico e demonstrativo dos pesos e das medidas legais do sistema métrico
decimal de 1848, Norma teórico-prática para o ensino do sistema métrico dividida em
30 lições (1849) e Pequena ajuda ao povo piemontês para conhecer sem mestre o novo
sistema de pesos e medidas (1850).86
Padre Cocchi, tomando consciência de que a assistência prestada com o oratório
festivo não resolvia o problema dos jovens com particulares dificuldades morais, fami-
liares e sociais, começava a recolher, em 1849, alguns deles, aos quais se ajuntaram
logo outros provenientes da Generala, oferecendo-lhes acolhida, alimento e possibi-
lidades de colocação no trabalho como aprendizes ou empregados. Para o indispen-
sável suporte financeiro ele fundava, em 1850, a Associação da Caridade em Favor
dos Jovens Pobres e Abandonados, da qual o teólogo Roberto Murialdo, seu mais
ativo colaborador, compilava o regulamento. Um Decreto Real, de 18 de dezembro de
1853, conferia existência legal à Associação de Caridade e ao Colégio dos Pequenos
Aprendizes, que era sua principal emanação. Sob a égide da Direção Superior, da
qual foram presidentes nos inícios, sucessivamente, o conde Anibale di Saluzzo, o
prof. Amadeo Peyron e o pedagogo Gian Antonio Rayneri, o Colégio dos Pequenos
Aprendizes estabelecia-se, em 1855, em sedes mais amplas, com oficinas internas, em
Vila Regina e, por fim, desde 1863, em um novo edifício construído em terreno cedido
pela administração oficial na Via Palestro. A direção do colégio era confiada primeira-
mente ao teólogo Tasca e, depois, ao teólogo José Berizzi. No entanto, desde 1852, o
criativo padre Cocchi tinha-se lançado na fundação de uma colônia agrícola de início
em Cavoretto, perto de Turim, transferida em 1853 a Moncucco e fechada em 1878,
com a fundação de outra em Bruere, perto de Rívoli. Em 1868, abria em Chieri um
reformatório, transferido em 1870 a Bosco Marengo (Alessandria).87
Não era, portanto, pequena nem leve a herança que são Leonardo Murialdo (1828-
1900) assumia quando, no dia 6 de novembro de 1866, aceitava a direção do Colégio
dos Pequenos Aprendizes e obras coligadas.88 Para jovens operários e estudantes
ele abria em 1878, em Turim, uma Casa-Família, e o Instituto São José em Volvera
85 Cf. G. G. Baruffi, “Scuole serali degli adulti in Santa Pelagia”, Letture di famiglia, Ano V, n.
9, 28 de fevereiro de 1846, p. 66.
86 Cf. A. Ferraris, “La diffusione e il successo delle scuole serali...”, Rivista Lasalliana 62
(1995), n. 3, p. 160-161; E. Pomatto, “1845-1995 Centocinquanta anni dall’introduzione del
sistema metrico decimale negli Stati Sabaudi”, Rivista Lasalliana 62 (1995), n. 2, p. 97-116;
e C. Verri, “I Fratelli negli Stati Sardi”, Rivista Lasalliana 47 (1980), p. 99-105; Cf. cap. 7,
§ 2.1 e 3.1.
87A fim de tornar conhecida a Obra, o presidente, ab. Amadeo Peyron redigia um lúcido
“Relatório sobre o estado do Colégio dos Pequenos Aprendizes e da colônia agrícola em
Moncucco, prontamente reproduzida em parte com vivo aplauso da Civilità cattolica: Cf.
Civiltà Cattolica 5(1854), II, p. 332-334.

9.6 Page 86

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86 Parte I: De seu século para seu século
(Turim). Não era a primeira vez, nem será a última, que são Murialdo se empenhava
em uma obra que não fora iniciada por ele. De 1857 a 1865, por insistente convite
de Dom Bosco, ele se ocupara do oratório São Luís, em Porta Nuova. E quando, em
março de 1873, decidia passar à fundação da Congregação de São José, para garantir
continuidade às obras assistenciais e educativas em atividade, fazia-o não sem pres-
sões e promessas de colaboradores próximos e de conselheiros espirituais confiáveis.
Porém, uma vez empenhado em determinada obra, ele se aplicava nela com a máxima
dedicação e perfeição. A fim de dar sólida estrutura e regulamentações pedagógicas e
espirituais às instituições juvenis e à congregação, ele empreendeu viagens na Itália
e no exterior. Da Sicília, lançou-se também à Tunísia. Visitou muitas vezes institutos de
assistência e recuperação na França, Bélgica, Holanda e Inglaterra, enquanto alimen-
tava a espiritualidade pessoal e dos seus freqüentando santuários e mosteiros. Era insa-
ciável seu desejo de conhecimentos fundados em experiências comprovadas, fruto de
excelente cultura de base, humanística, teológica e social, assimilada no período da
infância e da adolescência em um colégio dos escolápios, na Universidade de Turim
e no Seminário de São Sulpício em Paris, de 1865 a 1866. Foi ocasião propícia para
colocar-se em contato com os Patronages, as Oeuvres de Jeunesse e as sociedades cari-
tativas e sociais dos católicos transalpinos, estendendo-se para experiências análogas
até Londres e estabelecendo a própria ação educativa no estilo preventivo. Continuaria
a participar nos decênios sucessivos dos Congressos da Union des Oeuvres Catholiques
de France em Poitiers, Bordeaux, Chartres, Le Mans, visitando colégios para apren-
dizes, colônias agrícolas, reformatórios. Mais concretamente, o contato cotidiano no
Colégio dos Pequenos Aprendizes com a juventude pobre e abandonada e com grupos
de detentos provenientes da Generala, facilitava a sua inserção na Itália, com abertura,
competência e empenho crescente nas questões social e operária e nas organizações
da militância católica, em Turim e em nível regional e nacional. Com adultos e jovens
militantes, promovia a Sociedade Juvenil São José (19 de março de 1870) e a Obra da
Biblioteca Circulante Católica Turinense (em abril de 1871), confluídas em julho no
Círculo da Juventude Católica Beato Sebastiano Valfrè. Aderia prontamente à União
de Operários Católicos, chamada logo depois de União Operária Católica fundada pelo
advogado Scala e outros, em 20 de junho de 1871. Em 1876, tornava-se assistente espi-
ritual de seu Comitê Promotor e, em janeiro de 1880, membro do Conselho Central.
Cooperava também na fundação de La voce dell’operaio, continuação do precedente
periódico Le inionni operaie cattoliche, iniciado por Domenico Giraud. Em Turim, as
Uniões, apoiadas com o favor de dom Gastaldi, estabeleciam-se nas zonas periféricas
de Vanchiglia, Borgo Dora, San Salvário, Borgo Nuovo, San Donato. São Murialdo
também estava envolvido na Obra dos Congressos, de cujo Comitê Permanente Nacional
88 Cf. G. Dotta. (ed.), I verbali delle adunanze dei membri del Collegio Artigianelli di Torino
(1870-1878), Libr. Ed. Murialdo, 2002.

9.7 Page 87

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 87
foi membro de 1885 a 1891. No Congresso de Florença de 1875 ele levara em comissão
a proposta de fundar sociedades de patrocínio dos jovens que saíam das casas de
correção, semelhantes à de Turim. Em 1877, graças à intervenção pessoal do arcebispo,
difidente da Obra dos Congressos, o teólogo Leonardo Murialdo entrava no Comitê
Regional Piemontês da mesma Obra. Enquanto tal, estava ativamente presente nos três
Congressos Regionais de 1878, 1880 e 1882. No Congresso de 1880, em Mondoví, ele
fez uma conferência sobre as casas-família e sobre as colônias agrícolas. Além disso,
foi sócio-fundador da Liga O’Connel para a Liberdade de Ensino na Itália, surgida no
Congresso de Florença. Em 1883, no Congresso de Nápoles, obtinha a aprovação da
Sociedade Promotora da Boa Imprensa, iniciada em Turim com a aprovação de Gastaldi,
sob o nome de Associação para a Difusão da Imprensa Católica São Carlos Borromeu.
Por fim, após uma longa viagem de animação na Itália centro-setentrional, projetava a
Liga das Sociedades Promotoras da Imprensa, aprovado pelo cardeal Alimonda em 12
de janeiro de 1884: no dia 15 de janeiro saía o primeiro número do boletim La buona
stampa e, em fevereiro, dava início aos Comitês Femininos da Boa Imprensa.89
Um turbilhão de obras caritativas acontecia, contemporaneamente, em Nápoles,
por iniciativa do beato Ludovico da Casoria (1814-1885), franciscano dos Menores
Reformados, de inteligência exuberante e dinamismo incontido. Dom Bosco tê-lo-ia
encontrado na rápida ida de Roma a Nápoles, entre 29 e 30 de março de 1880. Nessa
ocasião conversaram sobre a criação de uma sede do beato Casoria também no bairro
Macao, em Roma, onde Dom Bosco iniciara a Igreja do Sagrado Coração.90 O frade
napolitano iniciara suas obras com a melhoria da assistência aos enfermos da família
franciscana local aparelhando uma moderna enfermaria e farmácia na casa da Palma, no
Scudillo de Capodimonte. Ali iniciaria também a Obra dos Jovens Negros. São mais de
uma centena as instituições beneficentes, masculinas e femininas criadas por ele: hospi-
tais, asilos, escolas, abrigo para doentes, para negros, para meninos e meninas órfãos ou
abandonados, para surdos-mudos, cegos, idosos pobres, jovens de condição “popular”
ou “senhoril”.91 A mais típica realização foi a dos Pequenos Mendicantes, com o ramo
colateral das Pequenas Mendicantes, recolhidos em San Pietro ad Aram, em Palma e
em outros oito centros da cidade, além de localidades periféricas de Nápoles e outras
cidades da Itália, incluindo Roma, no Macao e Esquilino, e Florença, quando ainda
era capital. Ensinava-se música em todos os lugares, que também tinham oficinas de
89 Cf. C. Catemme, “Leonardo Murialdo e il movimento operaio e sociale cattolico in Piemonte”,
in: F. N. Appendino (org.), Chiesa e società nella II metà del XIX secolo in Piemonte. Casale
Monferrato, Pietro Marietti, 1982; G. Dotta, La nascita del movimento cattolico a Torino e
l’Opera dei Congressi (1870-1891). Casale Monferrato, Piemme, 1999, p. 124-136, 164-168,
178-179, 246, 271-272, 293-305, 308-316, 323-330, 357-406.
90 G. Berto, Appunti sul viaggio di Don Bosco a Roma nel 1880, p. 12-17.
91 Cf. longo elenco delas e de outras no “Saggio introduttivo” a P. Ludovico Da Casoria,
Epistolario, editado por P. Gioachino d’Andrea. Vol. I. Nápoles, Curia Provinciale dei Frati
Minori, 1989, p. 25-34.

9.8 Page 88

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88 Parte I: De seu século para seu século
marcenaria, de entalhador, sapataria, fabricação de piano e de instrumentos de corda,
tipografia, encadernação, tecelagem, juntamente com oficinas de bordado e costura.
A tipografia dos Pequenos Mendicantes, depois Aprendizes, teve grande ressonância
por muitos decênios. Em 1864, chegou mesmo a fundar, com resultados positivos, a
Academia de Religião e Ciências, destinada aos intelectuais católicos italianos, impe-
dida, depois da segunda sessão, pelo arcebispo Sisto Riario Sforza. Como alternativa
fundava logo a revista La Carità destinada a esclarecer as relações entre ciência e fé.
Ele deu o mesmo nome “A Caridade” ao abrigo fundado em 1866 em Nápoles para a
educação das crianças da nobreza e da burguesia, do qual também foi aluno Benedetto
Croce, que deu sobre ele belo testemunho. Para sustentar as obras, além de valer-se
dos terciários franciscanos, fundou duas congregações religiosas, em 1859 os Frades
da Caridade, chamados também Frades Cinzentos, extintos em 1871, e, em 1862, as
Franciscanas Elisabetinas, chamadas Cinzentas, ainda hoje ativas na Itália e no exterior.
Com relação às iniciativas culturais, teve contato com intelectuais de toda coloração
política e vastas relações, pessoais e epistolares, mendigando em favor de suas obras
beneficentes. Destacam-se principalmente a amizade e a comunhão de idéias com o
conde umbro Paolo Campello della Spina (1829-1917), conciliarista convicto, e com
Alessandro Rossi (1819-1895), industrial do setor de lã de Schio.92
6. Da missionariedade na pátria às missões estrangeiras
No século XIX, como já apareceu, o espírito missionário vivido por muitos na pátria
manifestava-se em medida crescente na vocação à “missio ad gentes”. Era uma resposta
ao movimento convergente que vinha tanto do alto como de baixo, da ação organizadora
e animadora da hierarquia, a começar do papa Gregório XVI, e do fervor de sacerdotes
diocesanos, religiosos e fiéis: na França, Itália, Alemanha e Áustria. Em 1819, Paulina
Jaricot (1799-1862) fundava em Lyon a Obra da Propagação da Fé, aprovada pela Santa
Sé, em 1837, e recomendada por Gregório XVI com a encíclica Probe nostis, de 15 de
agosto de 1840. Em 1843, surgia também na França a Obra Missionária da Santa Infância.
A Obra da Propagação tinha desde 1825 como órgão de comunicação os Annales de la
Propagation de la Foi. Na Itália, às antigas ordens missionárias uniram-se em muitas
cidades seminários, escolas apostólicas, associações, institutos e novas congregações
masculinas, em maior número, e femininas, voltadas à ação missionária direta ou para
seu apoio: Mondovì, Gênova, Verona, Milão, Parma, Turim, Roma. Em Turim, a Obra
da Propagação da Fé era constituída, em 1824, por obra de Cesare d’Azeglio, que a
92 Cf. A. Capecelatro, La vita del P. Lodovico da Casoria. 2a ed. Roma-Tournai, Desclée,
Lefebvre e Ci, 1893, p. 392-418; cf. sobretudo o rico epistolário, editado em três tomos, sob
a responsabilidade de Gioachino d’Andrea.

9.9 Page 89

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 89
anunciava em L’amico d’Italia do mês de junho; contudo, em 1828, com a supressão
da Amizade Católica, ela também se extinguia. A Obra renascia em 1836, favorecida
por Clemente Solaro della Margherita e reconhecida oficialmente pelo rei com carta da
Grande Chancelaria, de 9 de junho de 1838, tendo larga acolhida no Estado sardo por
parte de bispos, sacerdotes e leigos, mais que em qualquer outro Estado italiano. Já a
partir de 1837, os Annales de Lyon tinham recebido permissão de entrar nos Estados
sardos. Os primeiros presidentes do Conselho diocesano foram os cônegos Pietro Riberi
(1838-1847), Ottavio Bravo (1847-1851) e Giuseppe Ortalda (1851-1880).93
Acena-se aqui somente a três pólos – Gênova, Verona, Nápoles –, nos quais se
elaboram planos significativos de ação missionária no continente africano, presa da
cobiça colonialista européia, em parte parcialmente resgatada pela paixão evangelizadora
de corajosos missionários.94 Foi pioneiro o sacerdote genovês Nicolò Olivieri (1792-
1864), que, ao redor de 1838, fundava a Pia Obra do Resgate, adquirindo nos mercados
do Cairo pequenas escravas negras, para fazê-las educar em várias casas religiosas da
França e Itália, a fim de que pudessem ser missionárias entre os próprios contemporâ-
neos. Quando depois, também padre Ludovico da Casoria, que vivia em Nápoles, come-
çava idêntica obra de resgate de jovens escravos africanos e, desde 1854, os hospedava
no colégio da Palma, padre Olivieri dedicou-se também aos meninos, que podia colocar
junto ao frade amigo. Em 1857, oferece a Olivieri sua plena colaboração padre Biaggio
Verri (1819-1884), proveniente de Milão, onde tinha manifestado seu zelo no Oratório
São Luís em Porta Comasina, sucedendo o fundador na direção da Obra de Resgate.
A idéia inspiradora das duas experiências de Gênova e Nápoles era idêntica, formulada
lapidarmente pelo padre Ludovico: “Salvar a África com a África”. Ao colégio da Palma
para os jovens negros fazia eco, em 1859, em Capodimonte, e por sugestão do padre
Olivieri, o Colégio das Jovens Negras. Para seus missionários africanos, em 1865, o
padre Ludovico obtinha da Propaganda Fide a estação de Scellal, no Egito, mas logo
abandonada em abril de 1867. Com a morte de Verri, em 1884, Leão XIII confiava ao
frade napolitano a direção da Obra do Resgate, mas sua morte, no dia 30 de março de
1885, assinalou o fim da Obra.
Em Verona,95padre Nicola Mazza (1790-1865) acreditava que era um estéril suicídio,
para os missionários europeus e para os jovens negros a ser formados, instalar-se na
África central “em meio à barbárie mais primitiva, porque não estariam seguros nem
os padres nem os jovens”. Em se querendo “propagar mais solidamente a Religião e a
93 Cf. Y. Essertel, L’aventure missionnarie lyonnaise 1815-1862. Paris, Cerf, 2001, p. 25-51;
C. Bona, La rinascita missionaria in Italia. Dalle “Amicizie” all’Opera per la propagazione
della fede. Turim. Edizioni Missioni Consolata, 1964.
94 Cf. P. Chiocchietta, “Eduxi vos de domo servitutis”; contributo alla storia della rinascita
missionaria nella Chiesa del secolo XIX”, Euntes Docete 36 (1983), p. 209-231, 361-390; 37
(1984), p. 91-119.
95 Cf. D. Cervato, “Preti veronesi e missioni nell’Ottocento”, e N. Dalle Vedove, “Le radici
dello spirito missionario a Verona”, in: Giulio Alberto Girardello (org.) Verona in missione.
Vol. I: L’Ottocento, dalla Rivoluzione francese alla prima guerra mondiale, Verona, Centro
Missionario Diocesano, 2000, p. 65-106 e 107-138.

9.10 Page 90

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90 Parte I: De seu século para seu século
Cultura Civil”, seria preciso partir de grupos de jovens africanos que fossem “embe-
bidos” pela ação de pessoas que falassem sua língua, o árabe, “de sadia e pura civili-
zação” na Europa, mais concretamente, em seus dois institutos, masculino e feminino,
existentes em Verona.96 Seriam educados, “as jovenzinhas, para serem donas de casa, e
os jovenzinhos, nas artes necessárias naqueles territórios selvagens”, e depois mandados
de volta à África, aos lugares já estabelecidos pelos sacerdotes, “para civilizar aquelas
terras”. “Será fácil – assim acreditava – que também entre eles surjam matrimônios,
casamentos muito úteis à propagação fundamental, seja da fé, seja da cultura civil.
Porque de pais e mães instruídos na religião e na civilização, com suma facilidade, será
uma e outra propagada e passada aos próprios filhos desde a infância”.97
De respiro mais amplo, a partir das idéias originárias de Mazza, apresentava-se o
Plano para a Regeneração da África, delineado em 1864 por Daniele Comboni (1831-
1881), membro do instituto religioso mazziano. O Plano foi abandonado quando,
tendo morrido o fundador, o sucessor renunciava à ação missionária. Como alternativa,
Comboni fundava em Verona, em 1867, o Instituto das Missões Africanas (aprovação
diocesana em 1871), denominado Missionários Combonianos do Coração de Jesus.
Teólogo de seu bispo dom Luigi di Canossa no Concílio Vaticano I, padre Comboni
preparava para a assembléia ecumênica um Postulatum pro Nigris Africae Centralis,
assinado por consistente grupo de Padres conciliares.98 Depois, em 1872, fundava
o Instituto das Pias Mães da Nigrizia [como os italianos chamavam a África n.d.t.]
(aprovação diocesana em 1874). No mesmo ano, Pio IX confiava aos combonianos o
Vicariato da África Central, e padre Comboni era nomeado pró-vigário apostólico, e
depois, em 1877, vigário e finalmente bispo. Morria improvisamente em Cartum no dia
9 de outubro de 1881.
Seu Plano não estava mais ligado ao “Resgate”, que se tornava cada vez mais proble-
mático desde quanto o Tratado de Paris de 1856 tinha abolido o comércio de escravos,
ainda que não acabado na prática, nem estava limitado à ação de um só instituto missio-
nário, mas era proposto à Igreja através da Propaganda Fide, que deveria ter a responsa-
bilidade sobre ele, envolvendo organicamente todos aqueles que na África pretendiam
desenvolver ação missionária. Nem o missionário europeu podia suportar ser lançado
ex abrupto no interior da África, nem o negro formado na Europa, com assimilação de
hábitos estranhos à vida africana, era o mais adequado “a promover em sua terra natal
a propagação da Fé”. Eis, portanto, o novo “Plano”, que – afirmava – “explicaria e
96 Cf. cartas a P. Geremia da Livorno, in: N. Mazza, Scritti. Editado por I. Caliaro. Verona, Casa
Editrice Mazziana, 2000, p. 38-43, 49-59, 84-86.
97 Cartas de 5 de maio 1853 ao cardeal F. G. Fransoni, prefeito da Propaganda, e do dia 22 de
janeiro de 1858 ao sucessor, cardeal A. Barnabò, in: N. Mazza, Scritti, p. 100-104, 186-190.
98 Cf. carta circular aos Padres conciliares para a apresentação do texto do “Postulato”, com
dada de 24 de junho de 1870, in: D. Comboni, Gli scritti. Roma, Missionari Comboniani,
1991, p. 709-712, 713-714.

10 Pages 91-100

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10.1 Page 91

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 91
estenderia a sua atividade sobre quase toda a África”, habitada por negros, invocando “o
auxílio e a cooperação [dos] vicariatos, prefeituras e dioceses já estabelecidas dentro”
do continente. O Plano previa: 1) “a criação de inúmeros Institutos de ambos os sexos
que deveriam abraçar toda a África”, “em lugares oportunos, à mínima distância das
regiões internas da Nigrizia, em terrenos seguros e de alguma forma civilizados, no qual
pudessem viver e atuar o europeu e o indígena africano”; 2) os institutos “deveriam
acolher rapazes e moças da raça negra com a finalidade de instruí-los na religião católica
e na civilização cristã, para criar outras associações de ambos os sexos, destinadas, cada
um por sua vez, a avançar aos poucos e estender-se pelas regiões internas da Nigrizia
para aí implantar a Fé e a civilização recebida”; 3) “para dirigir esses institutos, seriam
chamadas as Ordens religiosas e Instituições católicas masculinas e femininas, aprovadas
pela Igreja, ou reconhecidas, ou permitidas pela Sagrada Congregação de Propaganda
Fide”; 4) poderiam ser também implantados “novos Seminários para as Missões afri-
canas, modelados sobre o plano dos Seminários das Missões estrangeiras já existentes”;
5) todos os alunos de ambos os sexos deveriam receber profunda formação religiosa;
além disso, “cada um dos homens será instruído na ciência prática da agricultura e em
uma ou mais artes de primeira necessidade; e cada mulher será igualmente instruída
nos trabalhos domésticos de primeira necessidade; isso para que os primeiros se tornem
homens honestos e virtuosos, úteis e ativos; e as segundas se tornem também virtuosas
e habilidosas mães de família”; além disso, todos os responsáveis procurarão prestar
a cada ex-aluno “auxílio e conselho, para que seja posto em condição de conservar os
sadios princípios de religião e moral que lhe foram esculpidos na alma com a instrução
recebida”; 6) nos mesmos institutos, “formar-se-ão outras associações masculinas e
femininas, destinadas a transplantar-se gradativamente nas regiões da Nigrizia central,
a fim de aí iniciar e estabelecer a obra salutar do catolicismo e plantar estações, das
quais emanará a luz da religião e da civilização”: entre os jovens, “hábeis catequistas”,
mestres”, “artistas” (artesões, agricultores, médicos, enfermeiros); entre as jovens,
“hábeis instrutoras” “na religião e na moral católica” e “hábeis mestras e mulheres de
família”; 7) entre os que pertencem à classe dos catequistas buscar-se-á individuar even-
tuais disposições ao estado eclesiástico, dando-lhes, em caso positivo, por seis ou oito
anos, “instrução nas disciplinas teológicas e científicas de primeira necessidade, sufi-
cientes às necessidades e exigências daqueles países”; a promoção às ordens, contudo,
será efetuada depois de “muitos anos de comprovada consistência e castidade”, “no tiro-
cínio de uma vida exemplar e ativa e no ministério da dispensação da Palavra divina,
exercido nas já estabelecidas estações no interior da Nigrizia com severo e irrepreen-
sível celibato”; 8) “da associação das jovens negras” poderá surgir, analogamente, a
seção das Virgens da caridade”, que “constituirá a mais eleita falange da associação
feminina destinada a dirigir as escolas das meninas”; 9) “mercê do ministério impor-
tantíssimo do Clero indígena e das Virgens da Caridade, coadjuvado pela obra benéfica
dos catequistas, mestres e artistas, e das instrutoras, mestras e mulheres de família, aos
poucos serão formadas numerosas famílias católicas, e surgirão florescentes sociedades
cristãs”, e a religião católica “estenderá gradativamente seu benéfico império sobre a
vasta extensão das regiões inexploradas de toda a Nigrizia”; 10) os missionários euro-

10.2 Page 92

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92 Parte I: De seu século para seu século
peus limitar-se-ão, com “uma residência provisória, a iniciar e encaminhar as Missões
e as Cristandades; dada, porém, a maior adaptabilidade psicofísica da mulher, “alguns
Institutos regulares femininos da Europa” “poderão estabelecer-se” “nos países do inte-
rior da África menos fatais ao europeu”; 11) “com a finalidade de cultivar as inteligências
mais distintas que surgissem do setor dos Missionários indígenas, para formá-los como
hábeis e iluminados chefes das Cristandades no interior da Nigrizia, a Sociedade desti-
nada a regular o novo plano, em continuação com os progressos das suas grandes obras,
poderá fundar para esta finalidade quatro grandes Universidades Teológico-científicas”.
Estas estariam em quatro pontos ao redor da África: Argélia, Cairo, S. Dénis e uma outra
cidade importante sobre o Oceano Atlântico, eventualmente edificando nelas “grandes
estabelecimentos Artísticos de Aperfeiçoamento para jovens negros da associação dos
artistas, isto é, qualificados em ‘artes e ofícios’”. Como órgão coordenador, dever-se-ia
constituir “em uma das capitais da Europa um Comitê” coordenador, executivo e dire-
tivo, “composto por hábeis e ativos Prelados e distintos Seculares”, “dependentes da
Sagrada Congregação de Propaganda Fide”.99
Era uma perspectiva vastíssima, que superava nitidamente as soluções adotadas
em Gênova, Viena, Nápoles e pelo padre Mazza, em Verona. O Plano não foi efeti-
vado, mas prefigurava indubitavelmente um modo novo e moderno de fazer missão.100
Pôde-se escrever: “Comboni foi o profeta da África, um homem que viveu cem anos
antes que a sua profecia pudesse se realizar”.101 Mas alguém, como se verá no caso de
de Dom Bosco, recebia o seu influxo ainda no século XIX.
7. Espiritualidade da ação católica no século XIX
O catolicismo praticante transformava-se, no século XIX, com vigor renovado, em
militante, caritativo e social. Retornava o ora et labora, com intensa interação entre
as duas realidades. Tratava-se do esforço para “a maior glória de Deus e a salvação
das almas”, que estava no coração dos Exercícios de Santo Inácio. Era “a verdadeira
e sólida piedade” da qual escrevia Pierre Collot (1672-1741) a propósito da doutrina
espiritual de são Francisco de Sales.102 Era a síntese de amor afetivo e efetivo já procla-
99 Cf. Sunto del nuovo disegno della Società dei Sacri Cuori di Gesù e di Maria per la conversione
della Nigrizia proposto alla S. Congregazione di Prop. Fide da D. Daniele Comboni dell’Ist.o
Mazza, Roma, 18 settembre 1864, in: D. Comboni, Gli scritti, p. 232-242; era reapresentado
em nova edição (a quarta), em 1871, com o frontispício Piano per la rigenerazione dell’Africa
e o título Rigenerazione dell’Africa coll’Africa, in D. Comboni, Gli scritti, p. 840-852.
100 Cf. F. De Giorgi, “I missionari da Massaia a Comboni. Educatori religiosi o educatori
d’italianità?”, in: L. Pazzaglia (org.) Cattolici, educazione e trasformazioni socio-culturali in
Italia..., p. 150-164.
101A. Furioli, “L’itinéraire de Daniel Comboni”, La vie spirituelle 72 (1992), n. 702, p. 671-685.

10.3 Page 93

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 93
mado com as palavras e o exemplo por são Francisco de Sales e são Vicente de Paulo.
No ambiente piemontês, junto com são Filipe Néri, eles eram vistos como santos da
caridade cativante, expressa no zelo profuso para atrair as almas a Cristo e reconquis-
tá-las da heresia para a Igreja. Também nas novas congregações religiosas de vida ativa
a missão parece muitas vezes dominante sobre a consagração, embora sendo esta a
fonte, tornando-se caridade operativa, sobretudo no campo da assistência, da educação
e da tensão missionária: “caritativos porque religiosos”.103
No centro da sensibilidade apostólica estava o “grande negócio”, a salvação das
almas, a do outro e a própria interconectados: “Animam salvasti tuam praedestinasti”.
Essa era a espiritualidade do apostolado, que entendia a salvação como vitória espiritual
cristã, no tempo e para a eternidade, para todos, ainda que em medidas diferentes: do
grau mínimo, que é evitar o inferno, ao nível da santidade.104 Esta aparecia cada vez
menos como uma possibilidade elitista para se tornar vocação de todos, a mesma coisa
que “ser cristão” na forma mais essencial e evangélica.105 “O ideal agora é a união das
duas vidas, ativa e contemplativa”; “tema recorrente é pois o da ‘glória de Deus e o bem
das almas’. Verdadeiro programa espiritual apostólico do novo século”.106 “Nós cremos
– afirma outro estudioso – que as duas idéias profundamente dinâmicas da espirituali-
dade da primeira metade do século XIX italiano sejam encontradas (...), por um lado, no
grande tema e valor cristão do sentido e do primado da ‘Vontade de Deus’, e, por outro
lado, na particular configuração que reveste a busca da ‘caridade’”; “poderíamos resumir
na fórmula ‘a caridade na Vontade de Deus e somente na Vontade de Deus’”.107
Na primeira redação das Regras das Irmãs da Sagrada Família (1816), Leopoldina
Naudet esclarecia: “Esta nossa União ou Sociedade (...) abraça a vida mista de contem-
plação e ação, unindo a ação da obra espiritual na qual é exercida e a contemplação, de
onde nasce a boa e frutuosa ação”.108 As matrizes agostinianas e filipinas da espiritua-
lidade de Antonio Rosmini, sua aproximação da inaciana e salesiana (de São Francisco
de Sales), convergem em uma forma de vida e de ação que funde contemplação e apos-
tolado, a austeridade do monge e a suavidade e doçura do missionário.109
Com ênfases diversas, a espiritualidade era representada como entrelaçamento
indissolúvel de consagração e missão nas propostas programáticas do beato Ludovico
102 Cf. P. Collot, La vera e soda pietà spiegata da S. Francesco di Sales... Veneza, C. Zane, 1734.
103 Cf. T. Goffi, Spiritualità dell’Ottocento, p. 314, 324-331, 382-383.
104 Cf. A. Portaluppi, Dottrine spirituali. Alba, Pia Società San Paolo, 1943, p. 442-455.
105 Cf. P. Stella, “De la restauration à l’indépendance (1841-1860)”, in: Dictionnaire de
Spiritualité, t. 7, col. 2280-2281.
106 G. Penco, Storia della Chiesa in Italia. Vol. II, p. 308-309.
107 G. Moioli, “Frammenti di spiritualità nell’Italia settentrionale postunitaria”, La Scuola
Cattolica 106 (1978), p. 453-454.
108 Cit. de F. De Vivo, Spiritualità attiva nell’Ottocento veronese. Verona, Casa Editrice Mazziana,
1971, p. 314.
109 Cf. A. Rosmini, Lo spirito di S. Filippo Neri, editado por F. De Giogi. Brescia, La Scuola,
1996, CIV-56 p.

10.4 Page 94

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94 Parte I: De seu século para seu século
Pavoni. Ele queria que os seus fossem “indivíduos bem experientes, unidos ao mesmo
tempo com os vínculos do fervor religioso e guiados por ardente chama de filantropia
cristã”; “indivíduos inflamados de amor de Deus”, que “juntos se consagram de toda
forma possível à salvação do próximo, distinguindo-se marcadamente no cuidado e na
educação (...) dos pobres preteridos filhos da plebe”, “inflamados de cristã filantropia” e
“animados de infatigável zelo pela promoção da glória de Deus”.110 “Minha razão, ilumi-
nada pela fé – confessava Ludovico da Casoria no Testamento de setembro de 1877 –,
foi induzida a amar Cristo e aos pobrezinhos de Cristo, e determinou minha vontade para
trabalhar por Deus e pelo próximo. Meu espírito encontrava razão no agir e no crer”; “a
razão, iluminada pela fé, levava-me a ser ousado, caritativo, humilde e zeloso”; “o amor
de Jesus Cristo ferira meu coração, meu peito, minhas mãos, meus pés, meu corpo, e não
pedia a Deus para desafogar o meu amor no êxtase, na exaltação mística, nas visões, mas
no trabalho, nas obras, na fé, na salvação das almas”.111
Giovanni Battista Scalabrini (1839-1905), bispo de Piacenza (1876-1905) esco-
lhera como programa pastoral “o exercício da caridade generosa para com todos os
necessitados e sofredores”.112 Fundador dos Missionários e das Missionárias de São
Carlos para os migrantes – respectivamente em 1887 e 1895 –, inspirava a ação deles,
como a própria, no princípio: “Deus é caridade, e quanto mais uma alma está unida a
Deus, tanto mais é nela plenitude de caridade. Eis porque o Bispo não ama somente
a Deus, não ama somente aos irmãos, mas tudo aquilo que é digno de amor. Tudo,
repito, sem exceção. Ele ama tudo que é verdadeiro, tudo que é belo, tudo que é bom,
tudo que é santo: matéria e espírito, razão e fé, natureza e graça, civilização e religião,
Igreja e Estado, família e pátria”.113 O resultado é uma exuberante espiritualidade de
ação pastoral e missionária: “Trabalhar, fadigar-se, sacrificar-se de todas as formas
para dilatar aqui em baixo o reino de Deus e salvar as almas: pôr-se, direi assim, de
joelhos diante do mundo para implorar como uma graça a permissão de fazer-lhe o
bem, eis a única ambição do padre”.114
Tal amplitude de visão e inserção não era compartilhada por todos. Para grande
parte dos fiéis, eclesiásticos e leigos, a política não era “tarefa nem espiritual nem ecle-
110 Citado do Regolamento dell’Istituto di S. Barnaba e da introdução às Costituzioni della
Congregazione Religiosa dei Figli di Maria, in: G. Bertoldi, L’esperienza apostolica di
Lodovico Pavoni, preparado por Giuseppe Rossi. [s.l.], Congregazione dei Figli di Maria
Immacolata, 1997, p. 207-208.
111 Ludovico da Casoria, Epistolario, vol. I, p. 105-106.
112 Citado do Processo de beatificação e canonização, in: M. Francesconi, Giovanni Battista
Scalabrini vescovo di Piacenza e degli emigrati. Roma, Città Nuova, 1985, p. 433.
113 Discorso per il giubileo episcopale di Mons. Bonomelli. Cremona, 1896, p. 14-15, citado
por M. Francesconi, “La spiritualità di mons. Scalabrini”, in: G. Rosoli (org.), Scalabrini tra
vecchio e nuovo mondo. Atti del Convegno Storico Internazionale, Piacenza, 3-5 dicembre
1987, Roma, Centro Studi Emigrazione, 1989, p. 211.
114 Carta pastoral para a quaresma de 1892, Il prete cattolico. Piacenza, 1892, p. 25.

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 95
sial, da qual os cristãos devessem necessariamente preocupar-se ou interessar-se”, pois
não era “uma questão que interferisse no esforço de salvar a alma”.115 Na Itália, além
disso, com o non expedit, a abstenção política se tornava obrigação moral e preceito
eclesiástico. Ficava aberto o vasto campo do social. O empenho nesse campo, vigo-
rosamente promovido desde os inícios do séc. por Pio Brunone Lanteri e Vincenzo
Pallotti como traço essencial da espiritualidade dos leigos, ampliava enormemente seus
limites na segunda metade do século. A Sociedade do Apostolado Católico, fundada
pelo sacerdote romano, tinha como missão “convidar todos os Fiéis, dos dois sexos, de
qualquer estado, grau e condição, individualmente ou associados moralmente, para, na
perfeita observância do Preceito da Caridade com Deus e com o próximo” concorresse,
“segundo as possibilidades, na ajuda às Obras da maior glória de Deus e da salvação
das almas”.116 Era sempre, naturalmente, uma ação controlada de modo conveniente
pela autoridade eclesiástica.117 Os maiores problemas da segunda metade do século
XIX impunham a intensificação do apelo à reunião dos fiéis. Estes, porém, deviam
cuidar antes de tudo “da formação pessoal e do aperfeiçoamento interior”; tornar-se-iam
mais eficazes suas iniciativas para “a conservação da ‘civilização cristã’”, “a conquista
dos ‘afastados’”, “a defesa da liberdade da Igreja e do pontífice”.118 Sentiam-se porta-
dores no mundo de um anúncio superior de salvação, eterna e temporal, e inseridos
em estruturas eclesiais que se tornavam particularmente tranqüilizantes no plano do
governo e da doutrina: as Constituições conciliares Dei Filius, de 24 de abril de 1870, e
Pastor aeternus, de 18 de julho de 1870, coroadas culturalmente com a recuperação do
tomismo, graças à encíclica Aeterni Patris de Leão XIII, de 4 de agosto de 1879.119
8. Na América do Sul, em situações históricas inéditas
As situações políticas, culturais e religiosas da Argentina, Uruguai e Brasil, embora
diferenciadas, as próprias línguas ali faladas – castelhano e português – facilitavam
a Dom Bosco o envio de seus religiosos e uma assídua direção à distância, prudente
e produtiva, felizmente encarnada nas distintas realidades. Para enquadrá-la, parece
115 T. Goffi, La spiritualità dell’Ottocento, p. 241.
116 V. Pallotti, Manuali della Regola 1846, 1847, 1849, a cura di F. Moccia. Roma. Cúria Geral
do A. C. 1974, p. 73.
117 G. Martina, L’atteggiamente della gerarchia di fronte alle prime iniziative organizzate di
apostolado dei laici alla metà dell’Ottocento in Italia, in Spiritualità e azione del laicato
cattolico italiano, vol. I. Pádua, Editrice Antenore 1969, p. 311-357.
118 Cf. P. Brezzi, Spiritualità e socialità nella storia dell’Azione Cattolica Italiana, in Spiritualità
e azione del laicato cattolico italiano, vol. I, p. 3-16; M. Agnes, I motivi religiosi che
caratterizzano la Società della Gioventù Cattolica dal 1867 al 1874, ibid., p. 215-248.
119 Cf. G. Perini, “Aeterni Patris” (1879-1979), in “Divus Thomas” (Piacenza) 82 (1979) 3-18.

10.6 Page 96

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96 Parte I: De seu século para seu século
oportuno rápido aceno aos vários contextos.
O sonho dos primeiros evangelizadores do novo continente, no séc. XVI, de edificar
uma cristandade que fosse portadora das virtudes das comunidades primitivas logo era
redimensionado por uma Igreja estabelecida, garantia da ordem desejada pelos sobe-
ranos distantes e sempre menos missionária. Ela enrijecia-se ulteriormente pela pene-
tração, entre os séculos XVIII e XIX, das idéias do jurisdicionalismo iluminista e das
lojas maçônicas, pelo conservadorismo das elites locais e, em seguida, pelo laicismo
inspirado por grupos políticos movidos pelos princípios da Revolução Francesa.
Ficavam excluídos dos benefícios da vida social os indígenas, territorialmente margina-
lizados e abandonados à própria miséria, e os escravos importados através do lucrativo
mercado internacional. A escravidão, de fato, abolida com a independência nos outros
estados da América Latina, foi mantida no Brasil até 1888.
Uma reviravolta política epocal era determinada nos primeiros decênios do século
pela rápida obtenção da independência. Para a América espanhola, o início era favo-
recido pela “emboscada de Bayonne”, de abril de 1804, a cidade francesa para onde
Bonaparte convocara Carlos IV de Bourbon e o filho Fernando VII, aparentemente
para compor seus dissídios, mas, na realidade, para impor aos dois a renúncia ao trono
em favor de José, irmão do imperador. Nos territórios de além mar, o momento foi
propício para diversas camadas sociais buscarem, na independência política, a solução
das diferentes inquietações: esperança de melhores condições de vida nos extratos mais
humildes, impaciência em relação à burocracia vista como estranha pelas elites locais,
aspirações de liberdade nos profissionais liberais e intelectuais. Em conclusão, seria
a classe econômica e culturalmente mais forte a tirar benefício disso, apropriando-se
do poder que a monarquia não tinha sabido conservar. Os movimentos insurgentes
localizaram-se com sucesso nos vice-reinos do Rio da Prata em 1810, levando, no dia
9 de julho de 1813, à proclamação das Províncias Unidas de América del Sur, com
tensões entre Unionismo e Federalismo, e da Nova Granada, com a proclamação da
independência da Venezuela em 1811. Em 1810, acontecia também no México uma
sublevação de índios e mestiços, concluída em 1821, com o golpe de estado que levava
os crioulos ao poder. Com o retorno de Fernando VII ao trono da Espanha, parecia
que a reconquista poderia ter sucesso. Em 1817, porém, o general José de San Martín
(1778-1850), partindo da Argentina, expulsava as tropas espanholas do Chile e, em
1819, Simón Bolívar (1783-1830) libertava definitivamente a Grande Colômbia (1819),
compreendendo Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá. Apenas o Peru resistia,
porque os mestiços tinham-se aliado aos espanhóis contra os crioulos, mas chegava à
independência com as intervenções do general San Martín e de Bolívar, após a Batalha
de Ayacucho, em 1824. Enquanto Bolívar tinha constituído repúblicas autônomas, San
Martín, ao Sul, e Iturbide no México, tinham preferido o regime monárquico. Mas,
devido à intransigência espanhola, acabaram por dobrar-se ao regime republicano.
A independência do Brasil, diferentemente, acontecia de modo pacífico. Em 1808,
a dinastia portuguesa refugiara-se no Brasil. Após a revolução de 1820 no Porto, o rei
João VI de Bragança (1767-1826; rei desde 1816) retornava a Portugal (1821), deixando
no Brasil o filho, que, sob pressão das elites, proclamava-se imperador em 1822, com o

10.7 Page 97

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 97
título de Pedro I de Bragança (1798-1834). Em 1831, abdicava em favor do filho Pedro
II (1825-1891), imperador até o advento pacífico da república, em 1889.
A autonomia do Uruguai, que pertencia à Margem Oriental do Rio da Prata, acon-
teceu em 1811, pelo projeto político e social de José Gervasio Artigas (1764-1850), que
conseguiu unificar gaúchos e peões ao redor da causa da independência republicana
e derrotar os lealistas, conquistando Montevidéu. Precisou lutar depois contra espa-
nhóis, portugueses, argentinos, sucumbindo em 1820 e refugiando-se no Paraguai, onde
morreu. Anexado ao Brasil, o Uruguai reconquistava em 1825 a independência, reco-
nhecida em 1828, com particular apoio da Inglaterra.
A revolução liberal venceu em todo o continente.
A Espanha recusava-se a reconhecer os novos Estados. A seu lado, num primeiro
momento, estava França legitimista que, contudo, os reconheceria em 1833, depois da
reviravolta liberal da monarquia, em julho de 1830. A falta de reconhecimento espanhol
não só criou dificuldades nas relações internacionais, econômicas e comerciais, mas
trouxe também inúmeros problemas de ordem política, jurídica e religiosa à Santa Sé,
vinculada pelo direito de padroado eclesiástico que a Espanha pretendia conservar sobre
os territórios, que continuou a considerar como seus até 1833. Ao mesmo tempo, os
novos Estados reivindicavam relações que partissem do reconhecimento da sua efetiva
existência autônoma e, com elas, dos direitos de padroado automaticamente herdado.
As relações com a Santa Sé foram complicadas pela irrupção no tradicional mundo sul-
americano de muitas medidas de secularização, inspiradas nos princípios da Revolução
Francesa.120 Essas medidas tinham acentuações diferentes, conforme as elites regionais
e nacionais que fizeram a reorganização política e territorial das novas nações.
Quando os salesianos puseram os pés sucessivamente na Argentina (1875), Uruguai
(1876) e Brasil (1883), tais características já se tinham reforçado e consolidado, também
em força das diferentes mentalidades aí introjetadas pelo fenômeno maciço das migra-
ções européias. Nos primeiros decênios do século tinham-se ali refugiado, partindo
da Itália, emigrados “mazzinianos”, dos movimentos de 1821 e 1831. Sobretudo na
Argentina e no Uruguai, a maçonaria exerceu uma influência particularmente impor-
tante.121 A grande onda migratória verifica-se, porém, na segunda metade do século,
em particular a partir de 1870. Os países latino-americanos sofriam de densidade
demográfica muito baixa. A imigração era a solução de seus problemas internos e
externos em todos os níveis: econômico, social e político. Era determinante o fenô-
120 Cf. P. de Leturia, Relaciones entre la Santa Sede e Hispanoamérica. Roma, Apud Aedes
Universitatis Gregorianae, 1959, em particular as páginas dedicadas às duas encíclicas
legitimistas, Etsi longissimo, de Pio VII, de 13 de janeiro de 1816, embora neutralizada pela
declaração do bispo de Mérida, Rafael Lasso de la Vega, que apoiava Bolívar, e Etsi iamdiu,
de Leão XII, de 24 de setembro de 1824 (p. 95-116 e 241-271).
121 C. Vangelista, Dal vecchio al nuovo Continente: l’immigrazione in America Latina. Turim,
Paravia, 1997, p. 23-24.

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98 Parte I: De seu século para seu século
meno da monocultura ou da monoprodução. Enquanto se dedicava à produção de
gêneros alimentícios para o consumo interno, cada país especializara-se num produto
de exportação, agrícola ou mineral, segundo as reservas de cada um: a Argentina e o
Uruguai, com peles, carne bovina e cereais; o Brasil, com café e borracha, demandados
pelos países mais industrializados. A vasta exigência de mão-de-obra encontrava eco
imediato na grande oferta proveniente da Europa. Sobre 14 milhões de imigrantes euro-
peus na América Latina, de 1850 a 1930, 11 milhões aportam na Argentina, Brasil e
Uruguai. Cerca de 6 milhões na Argentina, 4,5 no Brasil, enquanto no pequeno Uruguai
os imigrantes chegam a 700 mil. A metade dos imigrantes da Argentina e do Brasil
era de italianos. A imigração italiana e espanhola elevava a população da Argentina de
1.737.000, em 1869, a 3.955.000, em 1895, criando uma harmoniosa nação multicul-
tural; enquanto os imigrantes no Brasil só tiveram influxo significativo no sul.122
Na Argentina, com a declaração de independência tinha-se proclamado também
a separação entre Estado e Igreja e, com a Constituição de 1853, chegara-se ao fede-
ralismo temperado com forte presidencialismo. Até os primeiros anos 70, a ocupação
civil do território limitava-se à periferia do Pampa. Dez anos depois, após as campanhas
militares de 1878 a 1883 contra os índios, todo o Pampa até um semicírculo de 700 quilô-
metros de raio a partir de Buenos Aires era obtido pelo poder central. Foram seus prota-
gonistas, após a presidência de Bartolomé Mitre (1862-1868) e de Domingo Faustino
Sarmiento (1868-1874), Nicolas Avellaneda (1874-1880) e Julius A. Roca (1880-1886).
Este, ministro da Guerra, entre maio e dezembro de 1868, efetuava a famosa Expedición
al desierto, etapa decisiva para a conquista de todo o território nacional até o cabo Horn
e a solução militar do problema dos indígenas, os “bárbaros”.123 Depois de sucessivas
campanhas nos primeiros anos 80, devido a uma lei de 16 de outubro de 1884, eram
criados os Territórios Nacionais de Río Negro, Chubut, Santa Cruz, Terra do Fogo.
Avellaneda, antes de deixar a presidência, em 21 de setembro de 1880, fizera proclamar
a cidade de Buenos Aires capital federal da república. Julius Roca, eleito presidente,
com o apoio de Sarmiento, grão-mestre da maçonaria, assinava, em julho de 1884, a
lei de laicização da escola, com a abolição do ensino religioso, e acompanhada, em 14
de outubro, da expulsão do delegado apostólico Luigi Matera e a ruptura das relações
diplomáticas com a Santa Sé. Estas seriam retomadas em 1900, durante o segundo
sexênio na presidência de Roca (1898-1904). O processo de modernização laica das
estruturas governativas e administrativas da república federal que caracterizava a última
terça parte do século, alimentado, sobretudo, pela inquieta Buenos Aires e iniciado com
122 Cf. C. Vangelista, “Argentina e Brasile: due paesi di immigrazione”, in: L. Operti (org.),
Sguardi sulle Americhe: per un’educazione interculturale. Turim, Bollati Boringhieri, 1995,
p. 87-92 e 103-105; C. Vangelista, Dal vecchio al nuovo continente…, p. 38-59.
123 Cf. J. E. Belza, “La expedición al desierto y el amanecer de las misiones salesianas
patagónicas”, in: J. E. Belza, La expedición al desierto y los Salesianos, 1879. [Buenos
Aires], Ediciones Don Bosco, 1979, p. 9-32.

10.9 Page 99

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 99
a presidência de Mitre, tinha-se intensificado com o presidente Sarmiento, culminando
com a subida ao poder de Julius Roca.124
O Uruguai, república democrática, precisou sustentar vitoriosas lutas com os vizi-
nhos que o assediavam. Governado por oitenta anos pelo partido colorado, da burguesia
urbana e comerciante, em oposição ao blanco, dos proprietários de terra e criadores
de gado, ele foi caracterizado por hábitos democráticos desenvolvidos e por um nível
de instrução pública excepcional em relação ao andamento médio dos outros países
da América Latina. No país, inicialmente, com pouco mais de 500 mil habitantes
autóctones, o processo de desenvolvimento sofria uma desaceleração nos três anos
sucessivos ao tratado de paz de 1872, que concluía a guerra de 1864-1870 da Tríplice
Aliança (Argentina, Brasil, Uruguai) contra o Paraguai. Iniciada com o escopo político
de substituir a ditadura do presidente do Paraguai, Francisco Solano López, por um
regime liberal, a guerra teve também ambições territoriais por parte dos três aliados.
O Paraguai saía destruído também sob o aspecto demográfico: ainda em 1888 a relação
entre homens e mulheres era de um para três. No Uruguai, de 1875 a 1886, o poder era
assumido pelos militares, apoiados pelas classes superiores dedicadas ao comércio, às
finanças, à indústria e à criação de gado. Desejava-se garantir governabilidade, estabili-
dade, legalidade, ordem, introduzindo ao mesmo tempo a reforma da escola primária e
popular. Sucediam-se na presidência Lorenzo Latorre (1876-1879), Francisco A. Vidal
(1879-1882), Máximo Santos (1882-1885), com o qual era introduzido o matrimônio
civil, e Máximo Tajes (1886-1890), que levava à supressão das corporações religiosas.
Com Tajes nascia o Banco Nacional, graças ao qual o Uruguai se subtraía à tutela do
Rio de Janeiro e de Buenos Aires, dando maior espaço aos investimentos britânicos,
em particular nas ferrovias, no transporte público e na iluminação elétrica. Do ponto
de vista da situação religiosa e eclesial, já durava decênios a controvérsia relativa aos
católicos maçons, ao avanço do racionalismo também na universidade, à gradual infil-
tração da maçonaria inspirada no deísmo naturalístico. Da parte católica, em oposição
ao Clube Universitário (1868), surgia em 1875 o Clube Católico. Ao jornal radical e
liberal, capitaneado por La Razón e El siglo, padre Rafael Yeregui contrapunha, em
1871, El Mensajero del Pueblo, e o vigário geral da diocese, Mariano Soler, instituía
o Liceu de Estudos Universitários (1877). Contemporaneamente, o salesiano padre
Lasagna fundava em Villa Colón o Colégio Pio, que seria definido “o grande abrigo da
ciência católica”. No dia 13 de julho, era erigida a diocese de Montevidéu, e o vigário
apostólico Jacinto Vera (1813-1881) tornava-se o primeiro titular. Sucedia-lhe dom
Inocêncio Yeregui (1833-1890) e, em 1891, Mariano Soler.
No Brasil imperial – sociedade monárquica, agrícola, escravista, patriarcal, oficial-
mente católica – a um decênio de política eclesiástica jurisdicionalista seguia, sobretudo
124 Cf. C. Bruno, Historia de la Iglesia in Argentina, vol. XI (1863-1880). Buenos Aires, Editorial
Don Bosco 1974, p. 59-75.

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100 Parte I: De seu século para seu século
após a Guerra da Tríplice Aliança, a tendência à separação entre Estado e Igreja; isso foi
acontecendo com a lei do não reconhecimento civil das corporações religiosas, em 1865,
com o avanço do liberalismo, da maçonaria, do positivismo e do laicismo, nos anos 70,
e enfim, o confisco dos bens eclesiásticos, nos anos 80. Tudo isto era acompanhado
da endêmica falta do clero, diocesano e religioso, pelos dotes culturais e morais nem
sempre à altura das urgências pastorais. Paralelamente, desenvolvia-se a sensibilidade
pelo problema dos escravos: sobre 9.930.478 habitantes, eles chegavam a um milhão
e meio em 1872. Em 1850, era proibida a sua importação; em 1871, era promulgada
a lei que declarava livres os nascidos de escravas (a Lei do Ventre Livre); uma lei de
1884 proclamava livres todos os escravos que tivesse atingido os 60 anos; finalmente,
no dia 13 de maio de 1888, a princesa reinante, Isabel Cristina de Bragança (1846-
1921), casada em 1864 com o francês conde d’Eu, Luis Fernando Gastão d’Orléans
(1927-1892), assinava a Lei áurea, que abolia totalmente a escravidão. Infelizmente,
a abolição não previa medidas para ajudar a passagem à liberdade. Surgiam graves
problemas também para quantos estivessem empenhados na ação assistencial e pastoral,
já sobrecarregados de trabalho em prol das diversas categorias de destinatários: resi-
dentes, imigrantes, indígenas.
Contemporaneamente, chegavam à plena maturação na sociedade as idéias republi-
canas, difundidas desde os anos 70, sobretudo entre os oficiais do exército. No dia 15
de novembro de 1889 era proclamada pacificamente a república.
9. A França entre 1875 e 1883
Dom Bosco procurava prevenir e dissipar nuvens ameaçadoras na França dos anos
1879-1880.125 A história da nação que lhe era muito próxima estava presente como
poucas em suas narrações históricas, particularmente em relação ao entrelaçamento dos
acontecimentos do Reino sardo e da Itália, bem como do Estado pontifício. O Sumário
cronológico da última edição da História da Itália traz numerosas anotações telegrá-
ficas, a partir de 1869, relativas aos “novos dissabores” entre a França e a Prússia: a
guerra que daí surgia, a derrota em Sedan, no dia 2 de setembro de 1870, a proclamação
da terceira república dois dias depois, o sangrento episódio da Comuna de Paris, com a
terrível semana de sangue, de 21 a 28 de maio de 1871; mas, também, anotações sobre
a repercussão negativa dada pelo enfraquecimento político e militar da França no fim
do Estado pontifício.126 Encontram-se ainda, por volta de 1872 e 1873, fugazes acenos
a uma improvável restauração monárquica: “Especulações sobre a fusão dos dois ramos
da Casa de França”, ou seja, entre o conde de Paris do ramo dos Orléans e o conde
125 Cf. cap. 28, § 3.
126 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1887, p. 495-499, OE XXXVII 495-499.

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 101
de Chambord, sobrinho de Carlos X de Bourbon, destronado pela revolução de julho
de 1830 e substituído pelo liberal Luis Felipe d’Orléans (1773-1850); “proclamação
do Conde de Chambord”, entrincheirado em posições absolutamente retrógradas.127
O Sumário termina com duas simples informações: a morte de Napoleão III, em 9 de
janeiro de 1873, e a abdicação de Amadeu de Savóia do trono da Espanha, em 11 de
janeiro (a ele tinha subido em 16 de novembro de 1870).128
A reconstrução não levava em conta a complexidade da história da nação transal-
pina, econômica, social e culturalmente mais complexa e evoluída que o frágil agregado
de entidades estatais e regionais recentemente reduzidas à unidade na Itália. Apesar do
intenso crescimento do mundo eclesiástico entre 1830 e 1880, continuavam persis-
tentes no tecido social francês os princípios de 1789, sobre os quais era construída a
primeira república. A revolução das comunicações, o desenvolvimento da agricultura
e a progressiva industrialização diferenciavam a sensibilidade e as mentalidades, com
a cada vez mais profunda radicalização das idéias liberais e republicanas na burguesia,
a crescente proletarização operária e o surgimento do socialismo, assim como com o
avanço do laicismo e do anticlericalismo.129
A Revolução de 1848 obrigava Luís Filipe a abdicar, propiciando o retorno da
república e da democracia política com a instituição do sufrágio universal: os elei-
tores passavam de 250 mil a 9 milhões. Depois das eleições de 23 de abril, Assembléia
Constituinte, nitidamente republicana, nomeava no lugar do governo uma Comissão
Executiva de cinco membros conservadores e anti-socialistas. A ordem de fechar os
atteliers sociaux provocava uma violenta rebelião, de 23 a 26 de junho, com o assas-
sinato também do arcebispo de Paris, Auguste Affre. Em 10 de dezembro, as eleições
conduziam Luís Bonaparte à presidência. O novo regime era bem acolhido pelo clero
e pela maioria dos católicos que trabalhavam para torná-lo moderado e tolerante, mas
enfraquecia os católicos sociais e comprometia os católicos liberais, e sobretudo tornava
mais resoluta a oposição leiga e socialista.130
Graças a tantas medidas em favor do ensino livre e da assistência social, fazia-se
mais compacto o alinhamento do clero e dos católicos conservadores e intransi-
gentes, que se engajavam de bom grado no golpe de estado do príncipe-presidente, em
2 de dezembro de 1851, prelúdio da restauração imperial aprovada pelo plebiscito de
2 de dezembro de 1852. São naturalmente compartilhadas e unificadas as iniciativas
para a defesa do papa, e destinadas à reconstituição de uma sociedade católica teocrática
127 Sobre Dom Bosco e o Conde de Chambord, Cf. cap. 31, § 2.
128 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1887, p. 499; OE XXXVII 499.
129 Cf. G. Cholvy – Y.-M. Hilaire, Histoire religieuse de la France contemporaine 1800-1880.
Toulouse, Privat, 1985, p. 313-329; J. B. Duroselle, Les débuts du catholicisme sociale
en France (1822-1870). Paris, Presses Universitaires de France, 1951; H. Rollet, L’action
sociale des catholiques en France (1871-1940). Paris, Desclée de Brouwer, 1950.
130 Cf. G. Cholvy – Y.-M. Hilaire, Histoire religieuse de la France... 1800-1880, p. 96-98.

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102 Parte I: De seu século para seu século
e ultramontana, propugnada e animada pelo “papa leigo dos gauleses”, Luís Veuillot,
e do jornal amplamente difundido L’Univers. A ele se opunha, com frágil eficácia, a
exígua minoria católica liberal, posta em gravíssimas dificuldades pelo Sílabo em 1864,
enquanto crescia em virulência a oposição republicana, democrática, laicista e anticle-
rical, sempre mais difundida graças à capilar e hábil propaganda ideológica em todos os
estratos sociais.131 Com as eleições de 1876, ela podia contar com a maioria na Câmara,
acrescida pelas eleições de 1877. As eleições de fevereiro de 1879 assinalavam a vitória
republicana também no Senado. Havia terminado a “república dos duques” do presi-
dente Mac-Mahon (1871-1879) e, no dia 5 de fevereiro, era eleito à presidência Jules
Grévy (1807-1891), com a instauração, a pleno título, da “república dos republicanos”.
Além disso, nos dirigentes e em largas faixas de militantes, ela era solidamente ocupada
pela maçonaria, enquanto se tornavam mais tangíveis o distanciamento da prática reli-
giosa dos notáveis e do mundo do trabalho – artesãos e operários da indústria – e o
avanço do positivismo científico, do livre pensamento e do anticlericalismo.132
Era o início do processo sem retorno de laicização e secularização do Estado, reso-
lutamente pilotado por homens fascinados pelos princípios de 1789 e pelo racionalismo
cientificista, que atingiria expressões extremas nos primeiros anos do séc. XX. Desde o
início, porém, atingia o cerne de todo o porvir: a formação das gerações em crescimento
na escola pública, onde se forjava o futuro da sociedade.133 Na nova era republicana e
leiga, a escola devia educar a “dar a César o que é de César”, e “tudo era de César”, ou
seja, do Estado.134 Apareciam, no giro de poucos anos, uma série de leis, promovidas,
em grande parte, pelo meticuloso Jules Ferry (1832-1893), apoiado por dois resolutos
colaboradores, Paul Bert (1853-1886) e Ferdinand Buisson (1841-1932).135 Uma lei de
9 de agosto de 1879 dispunha que, em quatro anos, cada departamento deveria dotar-se
de uma escola normal estatal para instrutores e outra para instrutoras (art. 7). Ao pessoal
religioso já se antevia grandes dificuldades quando, no precedente dia 15 de março
Jules Ferry, apresentara um projeto de lei sobre a composição das comissões de exame
dos estudantes das universidades livres. Nela, sem nenhuma lógica jurídica, havia intro-
duzido um artigo, o 7º, segundo o qual se proibia aos membros das congregações reli-
giosas não autorizadas dirigirem um instituto de ensino público ou privado, ou de neles
131 Cf. G. Cholvy – Y.-M. Hilaire, Histoire religieuse de la France... 1800-1880, p. 221-233.
132 Cf. G. Cholvy – Y.-M. Hilaire, Histoire religieuse de la France contemparaine.... 1880-1930,
Toulouse, Privat, 1986, p. 96-98.
133 Cf. G. Cholvy – Y.-M. Hilaire, Histoire religieuse de la France... 1800-1880, p. 234.
134A. Dansette, Histoire religieuse de la France contemporaine: de la Révolution à la Troisième
République. Paris, Flammarion, 1952, p. 475; Cf. M. Crubellier, L’école républicaine 1870-
1940: esquisse d’une histoire culturelle. Paris, Éditions Christian, 1993.
135 Cf. “v. Lois scolaires”, in: F. Buisson (ed.), Nouveau Dictionnaire de pédagogie et d’instruction
primaire. Paris, Hachette, 1911, p. 1093-1101, 1103-1108; A. Dansette, Histoire religieuse
de la France contemporaine: sous la Révolution à la Troisième République. Édition revue et
corrigée. Paris, Flammarion, 1952, p. 73-98.

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 103
ensinar. Aprovado pela Câmara, no dia 9 de julho, o artigo era recusado pelo Senado
em janeiro de 1880. O governo intervinha com dois decretos, de 29 de março de 1880,
que recuperavam um ordenamento do ministro da Justiça Portalis: dentro de três meses,
a Companhia de Jesus na França devia dissolver-se e abandonar os próprios institutos,
enquanto as outras congregações não autorizadas – exceto cinco: os Irmãos das Escolas
Cristãs, os Sulpicianos, os Lazaristas, os membros das Missões Estrangeiras de Paris
e os Padres do Espírito Santo – deviam pedir autorização, sob pena de dissolução.136
No dia 18 de março de 1880, Jules Ferry privava do título de universidade os cinco
ateneus instituídos pela Igreja, em 1875, e a Lei Camille Sée, de 21 de dezembro de
1880, autorizava o ministro da Instrução Pública a abrir externatos secundários femi-
ninos transformáveis em internatos; em base à lei de 26 de julho 1881, era fundada a
Escola Normal Superior de Sèvres, para a preparação dos mestres na escola secundária
pública. Outra lei, de 13 de junho de 1881, estabelecia a gratuidade absoluta do ensino
primário nas escolas e asilos públicos (art. 1). A lei de 18 de junho de 1881 impunha a
obrigação do título de habilitação ao ensino primário para os instrutores e instrutoras
das escolas públicas e livres (art. 1). Mais drástica era a lei de 28 de março de 1882,
sobre a obrigação escolar, dos seis aos treze anos completos, e a laicidade do ensino
primário, a partir dos programas e dos textos (art. 1 e 3). No dia semanal de repouso,
os pais poderiam prover à instrução religiosa dos filhos, fora dos edifícios escolares.
Nas escolas privadas, o ensino religioso era facultativo (art. 2). A lei de 30 de outubro
de 1886 radicalizava a laicidade de todas as escolas públicas, sendo admitidos a ensinar
nelas somente pessoas leigas (art. 17).137 Outras medidas eram destinadas a excluir os
sinais religiosos da vida social.138
Nos anos 70-80, a maioria dos católicos mostra-se indisposta ao regime republicano.
O catolicismo parece ligado a uma política genericamente monárquica e restauradora,
quando não reacionária, como a propugnada por Louis Veuillot e dom Louis Pie (1815-
1880), bispo de Poitiers, cardeal em 1879. Somente um terço dos bispos tinha atitude
favorável à república. Pouquíssimos eram os prelados republicanos, seguido por uma
frágil minoria de padres.139 Ficava condicionada também por isso a sensibilidade pelos
problemas sociais, inadequada à irrupção da questão operária, sobretudo nos centros
onde se concentravam as massas atraídas pelo processo de industrialização, muito mais
adiantado na França que na Itália ou na Espanha. Paris, por exemplo, dos 700 mil habi-
tantes do início do século passava, em 1881, a 2.800.000. Distante da república, uma
136A. Dansette, Histoire religieuse de la France contemporaine... Paris, Flammarion, 1952,
p. 74-84.
137 Sobre a “escola pública tornada leiga”, confira as densas páginas de Y.-M. Hilaire, in: G.
Cholvy – Y.-M. Hilaire, Histoire religieuse... 1880-1930, p. 57-59.
138A. Dansette, Histoire religieuse de la France contemporaine..., p. 95-97.
139 Cf. A. Dansette, Histoire religieuse de la France contemporaine. Sous la Troisième
République, p. 37-51

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104 Parte I: De seu século para seu século
consistente parte da cultura católica dominante não estava menos distante de todas as
demais formas de socialismo e dos debates sobre as condições reais dos trabalhadores,
das relações entre capital e trabalho e da justiça social, lançando apenas frágeis pontes ao
mundo operário e às respectivas mentalidades e linguagens. Agiam, indubitavelmente,
as Conferências de São Vicente, o Patronato dos Aprendizes, os Círculos Operários, que
a União das Associações Operárias Católicas tentava agregar, dando origem à União
das Obras Católicas da França. Todavia, muitas vezes elitistas, sobretudo no âmbito
formativo e moral, podiam parecer menos inseridas nos aspectos mais concretos e graves
postos pela revolução industrial e pelo crescente proletariado urbano.140 Leão XIII espe-
rara um alinhamento mais decidido à nova ordem republicana do Estado por parte da
Igreja da França, tanto fiéis como eclesiásticos. Procurava persuadi-los com a encíclica
Au milieu des sollicitudes, de 20 de fevereiro de 1892, com a qual convidava explicita-
mente a aceitar a constituição republicana, embora procurando influenciar na melhoria
da legislação. Mas, no momento, a operação não teve o sucesso desejado.141 Trata-se da
representação esquemática de uma situação muito mais complexa, à cuja construção
contribuíram, com incertezas, mágoas, ambigüidades e endurecimentos, todas as tendên-
cias.142 Essa era a França que Dom Bosco percorria entre os anos 1874 e 1886.
10. O mundo sociopolítico na Espanha ao redor de 1886
Também a cansativa e entusiasmada permanência de Dom Bosco, de 8 de abril a 6
de maio de 1886, em Sarrià-Barcelona acabava por contrapor ideologicamente católicos
observantes e conservadores a laicistas liberais e radicais. Pessoalmente, Dom Bosco
permaneceu totalmente alheio à polêmica dos jornais, mas sua figura e obra, e o próprio
sistema educativo, não foram ignorados por nenhuma das diferentes tendência.
Por outro lado, ele se encontrava mentalmente da parte dos que estavam posicio-
nados no fronte da genuína integridade católica, de fato unida à fé monárquica e à
ordem constituída. Antes, ao menos por certo tempo, ele tinha simpatizado com as
últimas fases do movimento carlista, que em datas sucessivas com Carlos V (1788-
1855), Carlos VI (1818-1861) e Carlos VII (1848-1909), tinha dado origem a bem três
guerras civis destinadas à restauração monárquica em sentido intransigentemente cató-
lico. As primeiras duas aconteceram nos anos 1834-1840 e em 1860, contra a rainha
Isabel, aberta ao regime constitucional instaurado com o Estatuto Real, de 1834.
Com os ministérios presididos por José Maria Queipo de Llano, conde de Toreno,
e Juan Álvares Mendizábal seguiram-se as clássicas medidas liberais de laicização do
140 Cf. P. Pierrard, Enfants et jeunes ouvriers en France (XIXe-XXe siècle). Paris. Les Éditions
Ouvrières, 1987, p. 170-195; G. Verucci, Cattolicesimo e laicismo..., p. 55-69.
141 Cf. E. Guerriero; A. Zambarbieri (org.), La Chiesa e la società industriale (1878-1922), Parte
I. Cinisello Balsamo (Milano), Edizioni Paoline, 1990, p. 337-349.
142 G. Cholvy; Y.-M. Hilaire, Histoire religieuse de la France... 1880-1930, p. 67-95.

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 105
Estado: em 4 de julho de 1835, supressão da Companhia de Jesus e apreensão de seus
bens; em 25 do mesmo mês, supressão dos mosteiros e conventos com menos de doze
professos e a relativa apreensão das propriedades; e em 11 de outubro, supressão de
grande parte das ordens e congregações religiosas. Com decreto de 19 de fevereiro, a
obra de expropriação aperfeiçoava-se com a colocação à venda de todos os bens perten-
centes às corporações suprimidas. Se não responderam às expectativas do erário, essas
medidas tiveram enorme impacto, político e social, mais do que religioso, favorecendo
sobretudo os especuladores e as classes já economicamente fortes, e aproximando-as,
em parte, às idéias liberais. Enfim, a ação reformadora era completada, em 8 de março de
1836, pelo decreto que suprimia “todos os mosteiros, conventos, colégios, congregações,
além das casas de comunidades ou instituições religiosas masculinas, inclusive aquelas
dos clérigos regulares e das quatro ordens militares e de São João de Jerusalém, exis-
tentes na península, nas ilhas adjacentes e nas possessões espanholas da África”.143
Era nítida a oposição do carlismo identificado com a causa da religião católica,
apoiado na aliança entre trono e altar. Por isso, ele envolvia mais de um em Valdocco
e, de alguma forma, também Dom Bosco. Estes viviam com particular apreensão o
“sexênio revolucionário” (1868-1874). E era particularmente apaixonada a participação
emotiva na guerra mais consistente e generalizada, combatida por Carlos VII, primei-
ramente no verão de 1869, depois no declínio do reino de Amadeu de Savóia, contra a
precária república (1873-1874), terminada em 28 de dezembro de 1874, com a restau-
ração borbônica realizada pelo filho de Isabel, Alfonso XII (1874-1885). Este assinava
em 1876 uma nova constituição, em vigor até 1931, coerente com o próprio programa:
“Católico como meus antepassados e liberal com meu século”.
Sobre os fatos, a partir de 1868, encontram-se escassas e breves anotações no citado
Sumário Cronológico da História da Itália: exílio de Isabel II na França, em 29 de
setembro de 1868 – sob pressão do liberalismo democrático burguês, em todo caso
monárquico, apoiado pelos emergentes movimentos socialista, republicano e anárquico
–; oposição da França à candidatura, apoiada pela Prússia, do príncipe de Hohenzollern
ao trono de Espanha; abdicação de Isabel, em 25 de junho de 1870, em favor do filho
Alfonso XII; em dezembro 1870, eleição ao trono da Espanha de Amadeu de Savóia
(jamais reconhecida por Pio IX); no dia 14 de abril de 1872, chamado às armas feito
por Carlos VII a seus seguidores e a todos os espanhóis; em18 de julho, atentado em
Madri contra o rei Amadeu e, em 11 de janeiro, sua abdicação ao trono;144 por fim, a
proclamação da república em fevereiro de 1873.145 Segundo os “alinhados” e os apon-
tamentos de Dom Bosco sobre sonho de Paris e Roma de 1870, o “Grande Guerreiro”
143 Cf. V. Cárcel Ortí, Politica eclesial de los gobiernos liberales españoles (1830-1840).
Pamplona, Ediciones Universidad de Navarra, 1875, p. 267-275, 285-294, 304-312; R. García
Villoslada (ed.), Historia de la Iglesia en España. Vol. V. Madrid, BAC, 1979, p. 134-145.
144 G. Bosco, La storia d’Italia..., 1887, p. 495, 498-499.

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106 Parte I: De seu século para seu século
deveria ser o rei Carlos, que, vindo do Norte (da Espanha ou da Itália), libertaria o papa
prisioneiro.146
Em 1872, indo à Espanha, a fim de se pôr como chefe de seus seguidores, que
tinham iniciado as hostilidades, acompanhado do conte Servanzi, guarda nobre de Sua
Santidade, Carlos VII visitaria o Oratório para interrogar Dom Bosco sobre a sorte que
o esperava, tendo como resposta o conselho de agir com reta intenção se quisesse ter a
bênção de Deus.147 Escrevendo de Roma, ao padre Francesia em março de 1875, Dom
Bosco acrescentava em um posfácio: “Ao padre Tomatis: parece que os Carlistas vão
adiante”.148 Naqueles dias, devia partir para Madri dom João Simeoni, nomeado, no dia
6 de abril de 1875, pró-núncio apostólico e legado a latere junto a Afonso XII em Madri,
enquanto no norte da Espanha ferviam as lutas. Ali permanecia até a nomeação como
secretário de Estado em fins de novembro 1876. Em 2 de junho, tarde da noite, entre
Dom Bosco e um grupo de fiéis colaboradores o discurso caía sobre Carlos VII e a dele-
gação de Simeoni junto a Alfonso XII. A quem observava que aquilo teria trazido muito
dano à causa carlista, Dom Bosco observava que não era assim, interpretando a seu
modo o pensamento do Santo Padre. “Este – dizia – mandava seu núncio à capital, não
já reconhecendo o governo existente, mas dirigindo-se a quem tem o poder executivo na
mão – pro tempore existente – a fim de ultimar as tratativas; contentíssimo por ultimá-las
com outros ou com Carlos VII caso fosse a Madri, ou seja, que tivesse a força executiva
na mão. E isso – acrescentava – é o verdadeiro sentido da coisa. Estando eu em Roma
neste inverno, falei várias vezes com dom Simeoni sobre isso, e tendo-lhe perguntado o
que pensava fazer em Madri, disse-me que levaria duas credenciais do Santo Padre, uma
nominatim para Afonso XII, e outra em branco, na qual poderia escrever os nomes e as
coisas que aconteceriam caso já não encontrasse Alfonso XII ou outra causa prevalente.
Eu falei sempre abertamente em favor de Carlos VII; mas vi justamente que em Roma
não se pensava como eu pensava, e tive que retornar mais circunspeto”.149 É uma interpre-
tação muito subjetiva da política pontifícia substancialmente cética em relação a Carlos
VII e favorável a Alfonso XII, embora recalcitrante em acolher a inevitável revisão da
Constituição em sentido liberal, querida por Cánovas del Castillo (1828-1897), o esta-
dista fautor da tolerância e do termo na solução dos problemas, que dominaria como
protagonista a política espanhola por mais de vinte anos.150
145 Uma rápida reevocação dos acontecimentos oferece V. Cárcel Ortì, “La revolución burguesa
(1868-74)”, in: R. García Villoslada (ed.), História de la Iglesia en España, vol. V,
p. 227-276.
146 C. Romero, I sogni di Don Bosco. Edizione critica. Turim – Leumann, Elle Di Ci, 1978, p. 25.
147 MB X 1248-1250. Carlos VII não devia ser desconhecido a Dom Bosco, se “se sabia que há
um tempo Dom Carlos tinha estado várias vezes em Roma para encontrar Dom Bosco e que,
passando por Turim para ir começar a guerra, tinha vindo ao Oratório para falar com ele” (MB
XI 127).
148 Carta de 12 de março de 1875, E II 468.
149 G. Barberis, Cronichetta, quad. 1, p. 43-44.

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Cap. II: Resistência e mobilização católica 107
O golpe de estado, em 3 de janeiro de 1874, do general anti-carlista Manuel Pavía y
Rodríguez de Albuquerque (1827-1896), seguido de incolores ministérios reacionários,
levava ao fim a asfixiada república, com o restabelecimento da monarquia e a procla-
mação do rei Alfonso XII em dezembro. Derrotado em 1876, Carlos VII era obrigado a
abandonar a Espanha. No dia 3 de janeiro de 1886, registra-se ainda a visita a Dom Bosco
– que dois meses depois iria à Espanha – de um advogado francês, que se dizia indo a
Veneza para encontrar Carlos VII. O desconhecido revelava tratar-se de restaurar na
Europa as antigas monarquias borbônicas, a começar da Espanha, e pedia-lhe conselho e
bênção da parte dos príncipes daquelas Casas. Dom Bosco declarava sua incompetência
na matéria; por outro lado não entendia fazer nada contra a França, que hospedava várias
de suas obras. Seu conselho era que, se não existisse certeza de sucesso, danos imensos
sobreviriam à Espanha. Como quer que fosse, dava sua bênção, mas num único sentido,
isto é, que fosse “feita a santa vontade de Deus em todas as coisas, e nada mais”.151
Carlos VII morria em Varese, Itália, no dia 18 de julho de 1909.
Chegando a Barcelona, Dom Bosco encontrava uma Espanha que conseguira notá-
veis vantagens do regime constitucional parlamentar moderado, instaurado em 1876 e
prosseguido, também depois da morte de Alfonso XII, “o pacificador”, com a regência
da segunda mulher, a rainha Maria Cristina de Habsburgo-Lorena. Tinha-se desenvol-
vido, de fato, vasta obra restauradora da hierarquia e do clero, sobre tudo do regular,
com florescimento excepcional dos institutos religiosos, embora acompanhada por
crescentes sinais de anticlericalismo, do qual era corifeu no plano político Práxedes
Mateo Sagasta (1825-1903), o antagonista de Cánovas del Castillo.152 Também no
plano econômico, o liberalismo tinha dado lugar a um profícuo período de expansão da
burguesia financeira e a um decisivo impulso ao desenvolvimento industrial. A expor-
tação para a França, Inglaterra e Bélgica de notáveis riquezas minerais da península
tinha favorecido o afluxo de capitais, tornando possível a construção de novos traçados
ferroviários, o desenvolvimento das comunicações e dos relacionamentos, a ampliação
da indústria têxtil catalã, e a criação e a extraordinária expansão do complexo industrial e
financeiro da Biscalha. Em vinte anos, os Bascos subiram ao primeiro lugar na indústria
pesada, nos transportes marítimos, no sistema bancário espanhol. Também Barcelona
revelou extraordinárias potencialidades financeiras, expressas na grande Exposição
Internacional de 1888 e na excepcional expansão edilícia. Naturalmente, reforçava-se
também o tradicional catalanismo, que não negava sua pertença à Espanha, mas contes-
tava a homologação da Catalunha à Castilha. No mais, já caminhava há muitos decênios
150 Cf. G. Martina, Pio IX (1867-1878), p. 335-351; P. A. Olea Álvarez, El carlismo y la iglesia
durante el último decenio del pontificado de Pío IX (1868-1878). Roma, Pontificia Università
Gregoriana, 1989, p. 217-226.
151 MB XVIII 28-29.
152 Cf. J. M. Cuenca Toribio, “El catolicismo español en la restauración”, in: R. García
Villoslada, Historia de la Iglesia, vol. V, p. 277-282.

11.8 Page 108

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108 Parte I: De seu século para seu século
na região um conspícuo movimento operário, com aberturas às doutrinas socialistas
de Bakunin, difundidas a partir de 1869 por seu discípulo Fanelli. Além disso, em
Barcelona fora fundada, em 1870, a Federação Regional da Internacional, de decla-
rada tendência anárquica. Nas regiões influenciadas por Madri, entretanto, prevalecia
a adesão ao marxismo, e à dissolução da Internacional de 1874 seguia-se, em 1879, a
fundação do Partido socialista espanhol (PSOE).153
Em 1886, Dom Bosco encontrava as forças católicas politicamente fracionadas em
várias correntes: integristas com o Silabo (Deus, Pátria, Rei), como F. Sardá y Salvany,
fundador e diretor da Revista Popular; carlistas de estreita observância (Rei, Pátria,
Deus) e carlistas moderados partidários de Jaime, filho de Carlos VII; católicos que, com
Alexandre Pidal, aceitavam o liberalismo político como mal menor; liberais católicos,
como Francisco Silvela (1845-1905) e o irmão Manuel (1830-1892), políticos militantes,
e Francisco Lastres, os últimos dois em contato com Dom Bosco desde o ano anterior;154
outros protagonistas da especificidade regional na Catalunha e nos países bascos.
153 Cf. J.Vicéns Vives, Profilo della storia di Spagna. Turim, Einaudi, 1966, p. 134-150.
154 Cf. cap. 33, § 5.

11.9 Page 109

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Segunda parte
DOM BOSCO PADRE DOS JOVENS NA IGREJA EM TURIM
Introdução
Os primeiros quarenta anos da vida de Dom Bosco, do ponto de vista civil ou ecle-
siástico, são quase totalmente relacionados à terra de origem. Ele vai querer ser padre,
enfrentará resolutamente o seu difícil itinerário, percorrerá os primeiros vinte anos, e
mais, de ministério sacerdotal como membro do clero da arquidiocese de Turim. Nesta,
ele realiza também a própria formação humana, cristã e eclesiástica: primeiramente
na escola de latinidade e no seminário de Chieri (1831-1835, 1835-1841), depois no
Pensionato Eclesiástico do teólogo Guala, em Turim.
No interior dessa vocação, com alguma aspiração transitória à vida consagrada ou
às missões, ele se inclinará para a assistência e educação da juventude, que será opção
exclusiva e definitiva em um ano bem preciso: 1846.
A vocação não ficará encerrada em si mesma. Vai se inserir numa paixão mais geral
pelo apostolado popular, voltado de modo prevalente às camadas inferiores e médias,
de onde geralmente provinham os jovens dos quais se ocupará.
Os capítulos desta Segunda Parte são polarizados, por isso, ao redor de dois temas
dominantes, a vocação popular de base e a opção juvenil. Os primeiros quatro refe-
rem-se à gênese e ao desenvolvimento de Dom Bosco padre dos jovens. Os outros
cinco tratam das vicissitudes e iniciativas assistenciais que resultam da opção educa-
tiva e pastoral, amadurecida e consumada entre a primavera e o verão de 1846 com a
fundação do Oratório de São Francisco de Sales em Turim, Valdocco.
Relaciona-se com ela a primeira repercussão e notoriedade principalmente regional
de padre especialista da educação juvenil na cidade de Turim, com um método próprio,
que apresenta todas as características do que somente depois de decênios ele mesmo
chamará de “sistema preventivo”. Emerge, também, nos traços fundamentais a espiri-
tualidade que transmite aos colaboradores e colaboradoras, estendendo-a àqueles que,
associados de modo variado, ele animará nos próximos trinta anos.
Tudo é realizado por ele em perfeita sintonia com o ordinário diocesano, a partir
da opção de trabalhar entre os jovens, dedicando-se exclusivamente a eles. Apenas nos
últimos desses vinte anos – 1841-1860 – ele irá encaminhando-se gradualmente para a
constituição da Sociedade Salesiana, como congregação de consagrados. Os primeiros

11.10 Page 110

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110 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
votos, seus e do primeiro grupo, são de 1862, o “decreto de aprovação” da Sociedade de
São Francisco de Sales chega em 1864, a aprovação pontifícia é dada em 1869.
Ainda em 3 de setembro de 1861, escrevia ao teólogo Alessandro Vogliotti, reitor do
Seminário Arquiepiscopal de Turim: “O senhor sabe que há vinte anos eu tenho sempre
trabalhado e ainda trabalho, e espero consumar a minha vida trabalhando, pela nossa
diocese, e reconheci sempre a voz de Deus na voz do superior eclesiástico”.1
1 Em I 459.

12 Pages 111-120

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12.1 Page 111

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Capítulo III
UM MENINO DO CAMPO QUE SONHA SER PADRE (1815-1831)
1815
1817
1823
1824
1825
1827
1828
1829
1830
16 de agosto: nascimento de Dom Bosco no município de Castelnuovo d’Asti
morre-lhe o pai
dezembro: Giovanni aprende a soletrar com um camponês
3 de novembro: escola em Capriglio com padre Lacqua
março: termina a escola em Capriglio; retoma-a por poucos meses a partir de
novembro
maio: sonho vocacional
Quaresma: catequese paroquial
próximo à Páscoa, a primeira comunhão
fevereiro: serviçal na casa dos Moglia, em Moncucco
outono: retorno aos Becchi
5-7 de novembro: encontra padre Calosso
21 de novembro: morte improvisa do padre Colosso
dezembro: divisão dos bens e separação de Antonio
Giovanni retoma a escola em Castelnuovo2
Num campo cultivado por gente trabalhadora e confiante na Providência, nascia
um menino que nada sabia, assim como os seus, das grandes revoluções culturais e
políticas pela liberdade em ato ou em gestação na Europa e das quais, mais tarde, não
será apenas expectador. Tendo ficado órfão de pai com menos de 2 anos, no alvorecer
da pré-adolescência acariciava o sonho de ser padre. Devia, porém, confrontar-se com
a insuficiência de meios financeiros e com o meio-irmão Antonio. Este queria todos os
familiares voltados para o trabalho, a fim de conservar e melhorar a própria condição
de pequenos proprietários e rendeiros de terra. João sempre recordará a oposição de
Antonio com dissenso não tranqüilo e com evidente insatisfação. Ao mesmo tempo,
2 Cf. com algumas correções em J. Klein - E. Valentini, “Una rettificazione cronologica delle
‘Memorie di San Giovanni Bosco’”, Salesianum 17 (1955), p. 581-610.

12.2 Page 112

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112 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
fará aparecer constantemente em primeiro plano o apoio incondicionado da mãe que,
contudo, buscava a imparcialidade e evitava até o fim o choque frontal com o filho
do falecido marido. Com a normal divisão do núcleo familiar primitivo, seguida da
chegada à maioridade de Antonio, o sonho podia concretizar-se com o início do curso
de latinidade, plataforma obrigatória dos sucessivos estudos eclesiásticos.
Nesse húmus se aprofundam as raízes psicológicas e mentais do homem e do padre:
parcimonioso com os grandes valores que haveria de ter entre as mãos, seguro e cauteloso
nos negócios, simples e prudente, hábil em tornar-se aceito e alcançar resultados, tenaz e
flexível na realização de seus projetos “para a maior glória de Deus e a salvação das almas”,
como podia ter ouvido nas pregações e instruções catequéticas e morais. Encarnava quanto
fora sentenciado por Lamartine: “Da terra trabalhada não nasce apenas o trigo, mas a cultura
toda”, a do empreendedor, do inovador, do construtor.
1. Gênese de Dom Bosco numa família camponesa
Giovanni nasce em 16 de agosto de 1815, na casa do arrendador Giacinto Biglione,
no povoado Morialdo, localidade dos Becchi, município de Castelnuovo d’Asti, diocese
de Turim, filho de Francesco Luigi (1784-1817) e Margherita Occhiena (1788-1856),
casados em 6 de junho de 1812. A data de nascimento está fixada à pág. 145 do livro
dos batizados da paróquia de Santo André, em Castelnuovo d’Asti. Ali se registra em
17 de agosto: “Giovanni Melchiorre Bosco, filho de Francesco e Margherita Occhiena,
nascido à tarde do dia anterior (“heri vespere natus”), foi solenemente batizado pelo
padre Guiseppe Festa, sendo padrinho Melchiorre Occhiena e madrinha Maddalena
Bosco, viúva de Secondo Occhiena, desta localidade”.
A família naquela data, além dos pais e do recém-nascido, completava-se com
Antonio (1808-1849), filho do primeiro casamento de Francesco, e Giuseppe Luigi,
nascido em 1813. Com eles vivia também a avó paterna, Margherita Zucca (1752-
1826). Havia ainda na casa “dois serviçais do campo”.3
Sob ameaça de um processo judicial pretendido por Biglione a causa de inadim-
plência contratual, Francesco se prevenira, para qualquer eventualidade, adquirindo, em
17 ou 18 de fevereiro de 1817, uma modesta construção disposta de depósito de feno
e estala, chamada em seguida de “casinha dos Becchi”, a “Belém salesiana”, porque
considerada erroneamente como aquela em que nascera Giovanni Melchiorre.4
3 MO (1991) 30-31. No testamento paterno os nomes dos filhos são indicados deste modo:”Giuseppe
Antonio seu filho e da falecida Margherita Cagliero, e Giuseppe Luigi, e Giovanni Melchiorre
seus outros filhos do segundo casamento, todos em partes e porções iguais, e como os mesmos
são ainda meninos, e crianças lhes providencia um tutor na pessoa da dita Margherita Ochiena,
respectiva mãe e madrasta e Giovanni Zucca, filho do falecido Giambattista seu primo”.
4 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale (1815-1870). Roma, LAS, 1980,
p. 12-15.

12.3 Page 113

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Cap. III: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 113
Francesco morria em 11 de maio de 1817.5 Giovanni estava para completar 21 meses.
O que ele descreve sobre a própria percepção da morte do pai,6 expressão de um contra-
golpe não passageiro, pode ser considerado também como sedimentação posterior de
evocações maternas e da própria progressiva tomada de consciência da condição de órfão,
sempre muito afeiçoado à mãe. Esta, por natural energia física e moral e adquirido senso
de responsabilidade, assumia solícita o papel de mãe paterna no governo firme e prudente
do já consolidado núcleo familiar. Não se subestime, porém, próxima aos pequenos
sobrinhos, a figura protetora do jovem tio Michele, sete anos mais novo que Margarida.
Ele trabalhara por cerca de vinte meses com o cunhado Francesco Bosco para integrar o
dote da irmã, que os Occhiena puderam constituir somente em pequena parte em dinheiro,
23 sobre 150 liras novas.7 Por isso, a busca da figura paterna por Giovanni em sacer-
dotes benévolos e prudentes não parece revelar-se jamais ansiosa: nesse contexto parental
sólido e solidário tal figura já deve ter sido suficientemente interiorizada.8
Três dias antes de morrer, o pai ditara o próprio testamento ao notário. Como
observa Pietro Stella, “apesar da perspectiva de perder a propriedade, Francesco Bosco
deixava terra e animais. No conjunto podia-se dizer que fora um homem respeitável no
círculo dos rendeiros da região (...). Em maio de 1817, tinha em seu nome oito lotes
de terra para pastagem, plantação ou vinha, da extensão de 272 tábuas (103,63 aras)
[antiga medida de superfície; uma ara quadrada = 100m2 n.d.t]; eram precisamente 2,73
hectares no valor de 686 liras novas. Os lotes eram fragmentados entre a localidade
dos Becchi e territórios não distantes. O depósito de feno-estala nos Gaj comprado do
Graglia [a “casinha dos Becchi”] valia 100 liras, ou seja, menos de algumas cabeças de
gado. Francesco tinha também gado bovino no valor total de 494 liras: dois bois, dois
novilhos, duas vacas, além de uma égua. O restante de seus haveres era formado por
ferramentas agrícolas, roupas, mobília e utensílios domésticos. Deixava ao todo móveis
e imóveis que chegavam a 1.131,3 liras, além dos débitos num total de 445,95 liras”.
“A parcimônia camponesa no manejo do dinheiro – adverte Pietro Stella, em referência
a um mundo não distante da mesma mentalidade futura de Dom Bosco – serve para
explicar como Francesco tivesse deixado uma quota tão conspícua de débitos. Deve-se
pensar que, seguindo justamente o sistema camponês, fosse arredio a privar-se do pouco
dinheiro que tinha e mais inclinado a pagar suas dívidas com trabalho e produtos agrí-
colas. Em anos de colheita escassa a parcomônia camponesa tornava-se corajosa defesa
das poucas reservas possuídas. Explica-se assim a rarefação, antes, e o desaparecimento
5 Segundo os atos oficiais; mas, segundo MO (1991), “em 12 de maio 1817”.
6 MO (1991) 31-32.
7 Cf. S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri 1831-1841: dieci anni che valgono una vita. Turim,
Edizioni Acclaim, 1988, p. 14.
8 Cf. G. Stickler, “Dalla perdita del padre a un progetto di paternità: studio sulla evoluzione
psicologica della personalità di don Bosco”, Rivista di Scienze dell’Educazione 25 (1987) , p.
340-345 (Il fondamento materno della personalità di don Bosco).

12.4 Page 114

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114 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
total, depois, das reservas alimentares, de 1817 até o verão de 1818, numa zona como a
de Morialdo em que era forte a cultura cerealista”.9
De fato, “em 1815, uma extraordinária carestia afligia o Piemonte, assim como toda
a Itália, conseqüência das agitações de 1814 e de condições atmosféricas que fizeram
faltar as colheitas de cereais, e perdurou em 1816 e até 1817”,10 sentida obviamente
também nas terras e na casa dos Bosco. Os preços dos cereais chegaram a alturas verti-
ginosas, precipitando no decênio sucessivo.11 Naturalmente, segundo as informações
realistas das Memórias do Oratório, mamãe Margherita proveu a casa buscando bens
de subsistência.12 Dessa forma é documentada, em 6 de julho de 1817, a despesa de
37,50 francos para “quatro heminas de trigo” e de 32 francos para 4 heminas de sorgo
[a hemina equivalia a 23 litros].13 Tem-se também notícia da “esmola habitual” para
dez missas celebradas pelo padre Giuseppe Franchetti, mestre de escola, “em sufrágio
da alma do falecido Francesco Bosco”, e da “esmola habitual de 12 liras” para vinte
missas celebradas pelo prepósito de Castelnuovo, Giuseppe Sismondo, ambas em 20 de
dezembro de 1820.14
2. Educação religiosa e moral
Quanto à educação religiosa e moral, é facilmente conjecturável que tenha sido dada
em primeiro lugar pela mãe e integrada pela freqüência precoce à igreja, na paróquia
de Castelnuovo e na capelania de Morialdo. Esclarece Stella: “As celebrações litúr-
gicas ordinárias na igreja campestre de São Pedro, povoado de Morialdo, eram apenas
no domingo pela manhã. Em 1820, devia ir ali para a celebração da missa festiva um
sacerdote de Castelnuovo. De 1823 a 1829, isto é, antes que ali se estabelecesse o padre
Giovanni Calosso, ia um sacerdote de Buttigliera”.15 De resto, não se poderia explicar o
9 P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 15-17. Stella resume o texto do
testamento apresentado integralmente por S. Caselle, Cascinali e contadini…, p. 95-100.
10 C. Tivaroni, L’Italia durante il dominio austriaco (1815-1849): T. I: L’Italia Settentrionale.
Turim-Roma, Roux e C., 1892, p. 19.
11 Cf. A. Fossati, Origini e sviluppi della carestia del 1816-1817 negli Stati Sardi di Terraferma.
Turim, Giappichelli, 1929, p. 74-121; M. Romani, Storia economica d’Italia nel secolo XIX
1815-1914. Vol. II. Milão, A. Giuffrè, 1970, p. 33-39 (Tra carestie ed abbondanza), 218-233;
sobre a estiagem e a conseqüente carestia no Piemonte, cf. L. Bulferetti; R. Luraghi,
Agricoltura, industria e commercio in Piemonte dal 1814 al 1848. Vol. III: Dal 1814 al 1848.
Turim, Istituto per la Storia del Risorgimento Italiano, 1966, p. 33-36.
12 MO (1991) 32-33.
13 Cf. S. Caselle, Cascinali e contadini…, p. 103.
14 Cf. S. Caselle, Cascinali e contadini…, p. 104-105.
15 P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 33; cf. glosas de Eugenio Valentini
nas pesquisas de Jan Klein, no artigo citado de J. Klein; E. Valentini, “Una rettificazione
cronologica…”, p. 602-607.

12.5 Page 115

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Cap. III: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 115
sonho dos 9 anos, que, razoavelmente, não era outra coisa que aspiração de ser padre, se
não houvesse um contato adequado com as realidades cristãs (a igreja, os sacerdotes...)
e boa sensibilidade religiosa, além da infância sadia e límpida. Parece também elucu-
bração contrária ao próprio sonho, embora reduzido aos conteúdos religioso-pastorais
elementares e essenciais, o que está escrito sobre a presumida prioridade cronológica,
“de vários anos”, da vocação de educador em relação a de sacerdote.16 Testemunhas de
todo críveis nos processos canônicos – exceto padre Secondo Marchisio, todos alunos
de Dom Bosco desde os primórdios do internato anexo ao primeiro oratório –, o padre
diocesano Felice Reviglio e os padre salesianos Giovanni Cagliero, Giovanni Battista
Francesia e Giulio Barberis são unânimes em afirmar a precocidade da vocação sacer-
dotal de Dom Bosco.17 O padre Barberis atestava: “Recordo ter ouvido muitas vezes
Dom Bosco dizer que ele sempre teve grande vontade de ser padre”; confirmava padre
Francesia: “Desde criança, o Servo de Deus sentia propensão ao estado eclesiástico,
e era esse o motivo pelo qual desejava estudar”.18 É eloqüente o sonho, do qual Dom
Bosco escrevia pela primeira vez em 1873 nas Memórias do Oratório, aliás, circun-
dadas por anos de reserva e distância de toda publicidade. Sobre o cepo original ele tecia
uma composição literária completa, enriquecida da experiência quase cinqüentenária.
O mandato que lhe dá o “homem venerando” é educativo-pastoral: “Põe-te imediata-
mente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude”. Confia-o, em
seguida, à mestra e esta, a Virgem Maria, mostrando-lhe o campo de trabalho, “cabritos,
cães e outros animais”, lhe disse: “Torna-te humilde [corrigido como “sadio”], forte,
robusto”.19 O educador-saltimbanco comporta-se como padre em miniatura, catequista,
pregador, guia à oração.20 Nem seria fácil imaginar que ele pudesse pensar e realizar
uma vocação educativa puramente leiga no contexto familiar e social.21
Na formação familiar e paroquial tiveram que encontrar lugar a prática das celebrações
festivas e, em casa, as orações as orações da manhã e da noite, além de tudo o que a mãe
e, talvez, também a avó, igualmente analfabeta, sabiam comunicar oralmente do cate-
cismo breve da diocese, memorizado na infância.22 Eram essas as práticas que a Doutrina
Cristã reunia na lição intitulada Exercício do cristão, presentes nos catecismos de matriz
16 Cf. J. Klein - E. Valentini, Una rettificazione cronologica..., p., 591, 595-596; F. Desramaut,
Les Memorie I de Giovanni Battista Lemoyne. Étude d’un ouvrage fondamental sur la jeunesse
de saint Jean Bosco. Lyon 1962, p. 186.
17 Positio super introductione causae. Roma, Schola Typ. Salesiana 1907, p. 81, 83, 85, 87.
18 Positio super introductione causae, p. 91 e 99.
19 MO (1991) 34-36. Aos primeiros sonhos, polarizados ao redor do primeiro, dedica plausíveis
considerações psicológicas F. Desramaut, Don Bosco fondatore, in M. Midali (preparado
por), Don Bosco Fondatore della Famiglia Salesiana. Atti del Simpósio, Roma - Salesianum,
22-26 de Janeiro de 1989. Roma, Editrice S.D.B. 1989, p. 119.
20 Cf. MO (1991) 38-39, 40-41.
21 Cf. P. Braido, Il sistema preventivo di don Bosco. Turim, PAS 1955, p. 49-55.
22 MO (1991) 34.

12.6 Page 116

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116 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
francesa e, na Itália, no Compêndio da doutrina cristã (1765), do bispo de Mondovì
Michele Casati, adotado também na arquidiocese turinense, na versão novamente proposta
em 1786, sensivelmente reelaborada pelo cardeal Vittorio Gaetano Costa. Margherita
deve ter tornado familiares aos filhos ao menos os elementos mais simples entre os tantos
sugeridos: no momento de levantar-se pela manhã, como ensinava a Doutrina, o sinal
da cruz, a elevação da mente a Deus, o Eu vos adoro; depois, pela manhã e/ou à noite o
Pai-nosso, a Ave-Maria, o Creio, os atos de fé, de esperança e de caridade; eventualmente
a consagração do trabalho, a oração antes e depois das refeições. O catecismo ensinava,
também, o que se devia rezar ao soar a Ave-Maria ou o Ângelus pela manhã, ao meio-dia
e à tarde. À noite, retornavam o Eu vos adoro adaptado, o ato de contrição, o Pai-nosso,
a Ave-Maria, etc. Eram também recomendadas as jaculatórias, a mortificação, a oração
pelos agonizantes e pelos defuntos.23 Pode-se imaginar, também, que à noite, conforme
costume difuso, a família reunida rezasse o terço.
O lar doméstico era também escola de moralidade, como escrevia um pároco
turinense, aberto às aceitáveis novidades importadas da França por Napoleão e bom
conhecedor dos camponeses de sua região: “Observei que, nas famílias dos camponeses
assíduos às instruções de Igreja, costuma reinar bom costume, concórdia, paz, caridade;
essas virtudes são muito mais valiosas e agradáveis a Deus porque se aninham em
corações livres de preconceitos do grande mundo e são acompanhadas pela vida parci-
moniosa, pobre e laboriosa, e, sem reserva, endereçadas à reta finalidade ensinada pela
religião, de honrar a Deus e conquistar a bem-aventurança eterna”.24
Os dois momentos fundamentais do desenvolvimento da prática religiosa de Giovanni
que ele vai escolher como eixos do seu sistema educativo são ainda associados, em sua
memória filial, à presença da mãe: a primeira comunhão, precedida de quatro anos
pela primeira confissão.25 Lembro-me – escreve nas Memórias – de que Ela mesma
me preparou para a primeira confissão: acompanhou-me à igreja, confessou-se antes
de mim, recomendou-me ao confessor e depois ajudou-me a fazer a ação de graças.
Continuou a ajudar-me até julgar-me capaz de, sozinho, confessar-me dignamente”.26
23 Cf. Compendio della dottrina cristiana ad uso della diocesi di Torino. Turim, Presso gli Eredi
Avondo, 1786, p. 141-146.
24 Le veglie de’ contadini cristiani. Dialoghi familiari istruttivi morali sopra le quattro parti
della dottrina cristiana ad uso, e vantaggio de’ contadini, e di altre persone, che vogliano
approfittarne. Obra do pároco e vigário forâneo de Villafranca Piemonte Félix Cecca... Turim,
Presso Borra, Prato e Paravia, 1806, Prefácio.
25 Em relação ao influxo de Mamãe Margherita sobre o filho menor, é documento significativo,
além das Memórias do Oratório, o perfil Scene morali di famiglia esposte nella vita di
Margherita Bosco. Racconto edificante ed ameno pel Sac. G. B. Lemoyne. Turim, Tip. e Libr.
Salesiana, 1886, LC 34 (1886), fasc. VI, junho, VII-188 p.; nova edição com Prefácio do
autor, Eugenio Ceria, Torino, SEI, 1956, p. 1-8; A. Fantozzi, Mamma Margherita, la madre di
don Bosco. Turim Leumann, LDC, 1992, 221 p. Sob modelo do livro de Lemoyne foi redigido
o ensaio de E. Valentini, Il Sistema Preventivo nella vita di Mamma Margherita. Turim,
LDC, 1957, 146 p.
26 MO (1991) 34.

12.7 Page 117

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Cap. III: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 117
Mais cuidadosa ainda foi a preparação à primeira comunhão, que Dom Bosco, seguindo
uma longa tradição catequética, considerou sempre “o ato mais importante da vida”.27
Chegando aos 11 anos, em vista da primeira comunhão, a mãe o enviava na Quaresma
de 1827 à catequese paroquial, que preparava os meninos para “fazer a Páscoa” pela
primeira vez. Margherita encorajava-o a uma confissão mais cuidadosa, preservava-o
de confusões e distrações, na igreja fazia com ele a preparação, acompanhava-o à
sagrada mesa e, ainda com ele, fazia a ação de graças, dava-lhe conselhos e lembranças.
“Parece-me – conclui Dom Bosco – que, desde esse dia, houve alguma melhora em
minha vida, especialmente na obediência e submissão aos outros”.28
Evidentemente as Memórias, nas intenções de Dom Bosco, eram também mensagem
e norma para educadores e educandos.
3. Os processos de instrução e aquisição de habilidades lúdicas
Quanto à instrução escolar – observa Pietro Stella – “nada de certo se sabe sobre a
infância de Dom Bosco de 1817 a 1826. Terá freqüentado por inteiro o curso elementar
inferior (que compreendia dois anos)? terá iniciado pelos 8 ou 9 anos? Em novembro
(mês do início escolar) de 1823 ou 24? Terá sido precedido por Antonio, que assina
pessoalmente os atos de batismo dos filhos, ou Antonio terá aprendido já adulto, como
aconteceu para o pai de Domingos Savio?”29
Nas Memórias do Oratório Dom Bosco conta: “assim cheguei aos 9 anos de idade.
Mamãe queria enviar-me à escola, mas estava muito embaraçada [ou embaraçado?],
uma vez que a distância da cidade de Castelnuovo era de 5 quilômetros. Meu irmão
Antonio opunha-se à minha ida ao colégio. Chegou-se então a uma solução. Durante
o inverno iria à escola do pequeno povoado de Capriglio, onde pude aprender a ler e
escrever. Meu professor era um sacerdote muito piedoso, chamado Giuseppe Delacqua
[= Lacqua]. Foi muito atencioso para comigo, interessando-se de muito bom grado pela
minha instrução e mais ainda pela minha educação cristã. Durante o verão contentaria
meu irmão, trabalhando no campo”.30 Não deve ter sido um período particularmente
longo: os trabalhos no campo, que Dom Bosco chama de verão, acabavam no outono
adiantado e recomeçavam com o início da primavera. O problema naturalmente se agra-
vava à medida que o menino se tornava adolescente.
27 Cf. por exemplo, La forza della buona educazione; curioso episodio contemporaneo per cura del
Sac. Bosco Giovanni. Turim, Tip. Paravia e comp., 1855, p. 15, 20, 21; OE VI 289, 294, 295.
28 MO (1991) 42 44.
29 P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica. Vol. I: Vita e opere. Roma, LAS,
1979 (1ª ed. 1968), p. 28, n. 10.
30 MO (1991) 34. Doméstica do padre Giuseppe Lacqua (1764-1847), mestre elementar, era
Giovanna Maria (familiarmente, Marianna) Occhiena, irmã de Margherita.

12.8 Page 118

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118 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Bem antes, porém começara a freqüentar uma “escola paralela” mais incisiva na
estruturação da personalidade de Giovanni. Era, antes de tudo, a aprendizagem dada
pelas histórias, narrações e conversas que circulavam no ambiente camponês: os fatos
do dia, as notícias difundidas entre as pessoas, as fábulas abundantes nas vigílias
noturnas, talvez pela avó ou por outros anciãos. Antes de “contar” aos outros, como
Dom Bosco refere nas Memórias do Oratório, ele, nos anos da primeira e da segunda
infância, tinha ouvido muito e assimilado, enriquecendo-se de considerável patrimônio
de sensibilidade, emoções, imagens, idéias, hábitos.
Mais determinante ainda a plasmar sua mentalidade foi, certamente, a vida campônia
e popular, portadora de cultura não só cerebral: a convivência no lar doméstico com a
mãe paterna que lhe tem predileção, a competição com o meio-irmão, fortíssima e
conflitante, se se leva em conta as recordações enraizadas e não pacificadas que registra
nas Memórias do Oratório; a participação nos trabalhos agrícolas e a contribuição
infantil para a subsistência da família; a participação com a família nos trabalhos e nas
expecta­tivas, esperanças e temores relacionados aos fenômenos meteorológicos e ao
sucesso das colheitas, certamente uma severa escola de espírito de empreendimento e,
ao mesmo tempo, de confiança na Providência: estiagem, chuva, granizo, gelo, doenças
das plantas e dos animais, balanço precário de saídas e entradas. João não corre atrás
apenas dos ninhos, mesmo se, em suas narrações como padre urbanizado e com jovens
oratorianos ou aspirantes a compromissos na “congregação dos oratórios” da cidade,
prefere falar mais de “divertimentos” do que da dura vida camponesa.
Revelam-se particularmente importantes desse ponto de vista os últimos anos da
década de 20: “serviçal no campo”, nos últimos meses de 1827 e na casa Campora,
em Buttigliera, a 4 quilômetros de distância de casa; de fevereiro de 1828 a novembro
de 1829, na casa Moglia, em Moncucco, a cerca de 15 quilômetros mais ao norte.
“Conheci na idade de 3 anos – depunha Giorgio Moglia em 8 de julho de 1894, no
Processo Informativo – o jovem Bosco de 13 anos, na ocasião e tempo em que estava
em casa de meus pais, na qualidade de serviçal no campo; o jovem Bosco esteve cerca
de dois anos em nossa casa”; “o jovem Bosco, nos dois anos em que esteve em nossa
casa, atendeu ao estudo o quanto pôde”.31 Outra testemunha idosa, Giovanni Filipello,
colega de catequese de Giovanni em Castelnuovo, fornecia ao mesmo processo dados
mais precisos e interessantes: “Conseguiu ser aceito como serviçal no campo com a
condição de o deixarem ir à escola do pároco em Moncucco enquanto deixaria de bom
grado o salário. De fato, ia a Moncucco nas horas livres junto ao pároco padre Cottino
[Francesco, 1768-1840] talvez por dois anos, fazendo muito proveito e progresso, como
me disse a família Moglia”. A título de gratificação, no final do primeiro ano, o senhor
Moglia depositava 30 liras junto à mãe, e 50 no término do serviço.32 Outros progressos
teria feito com o padre Calosso e na escolinha de Castelnuovo.
31 Copia Publica Transumpti Processus Ordinaria Auctoritate constructi in Curia Ecclesiastica
Taurinensi, fol. 782r e 785r.
32 Copia Publica Transumpti Processus… fol. 773r; Positio super virtutibus. Roma, 1920, p. 20-21.

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Cap. III: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 119
Sobressai nitidamente nas recordações de Dom Bosco e nas repetidas evocações
dos anos 60 e 70 o mundo vivido por ele como criança e adolescente como lugar da
expansão máxima das próprias potencialidades psicofísicas: paixão pelas diversões do
campo, caça aos passarinhos, competições atléticas entre companheiros, aventura nos
jogos de prestidigitação, admiração e imitação dos equilibrismos dos saltimbancos.
Para isso, a freqüência aos mercados e feiras, a curiosidade, a fome de conhecimento,
o desejo de aprender, as relações cordiais com os vizinhos, pequenos e grandes, e a
utilização de tudo para recrear, alegrar, moralizar.33
4. Encontro inesperado e decolagem suada
Dom Bosco recorda e evoca muitas vezes, vários anos antes de fixá-lo nas Memórias
do Oratório, o encontro de novembro de 1829 com o padre Giovanni Calosso (1755-
1830), há poucos meses capelão em Morialdo, como o verdadeiro início de seus estudos
regulares de latinidade. O estudante de teologia Giovanni Bonetti refere-se, numa crônica,
ao início dos estudos de Dom Bosco: “No dia 1° de julho de 1861, Dom Bosco contou
ainda no refeitório, após o almoço, a pedido de alguns de seus jovens, algumas coisas
para nos distrair, alguns episódios de sua juventude”. O protagonista relacionava os fatos
aos anos 1826-1828 e não, mais exatamente, ao biênio 1829-1830. Padre Calosso pedi-
ra-lhe para repetir alguma coisa da pregação sobre o Juízo, feita pelo pregador da Missão
em preparação ao Jubileu de duas semanas, convocado por Pio VIII, em 18 de junho
de 1829.34 O menino começou a repetir-lhe fielmente em piemontês e, no dia seguinte,
recitou-a por inteiro. O sacerdote quis absolutamente que se deixasse o menino estudar,
e tomou conta dele. “No dia seguinte à permissão de minha mãe, tomei alguns livros e
fui à casa do nosso capelão, que me fez pegar logo o Donato; e continuei a ir todos os
dias à sua aula malgrado a reclamação cotidiana de meu irmão. Fiz progressos estrepi-
tosos, naquele tempo. Recordo-me que estudei todo o Donato em vinte e seis dias, e o
sabia literalmente do começo ao fim”.35 Basta ter sob os olhos uma cópia do Donato do
tempo – árida gramática latina feita de declinações, conjugações, paradigmas e nomen-
claturas – para perceber o que possa significar sabê-lo “literalmente do começo ao fim”.36
O texto tê-lo-ia empenhado ainda em Chieri durante o ano escolar 1831-1832.
33 Cf. MO (1991) 38-42. É presumível que as Memórias do Oratório refiram fatos reais,
aumentados e idealizados de modo a se tornarem mensagem e norma de ação para os leitores
salesianos.
34 Cf. Magnum Bullarium Romanum XVIII (Roma, 1856), p. 21-23.
35 G. Bonetti, Annali I, p. 54 63; MO (1991) 44-47.
36 Cf. Donato accresciuto di nuove aggiunte e diviso in due parti approvato dall’eccellentissimo
Magistrato della Riforma. Parte prima ad uso degli studenti di sesta e quinta classe di latinità.
Turim, Dalla Stamperia Reale, 1824, 198 p.

12.10 Page 120

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120 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Com padre Calosso, Giovanni passava da cultura fundamentalmente oral, superada
com as primeiras noções de ler e escrever com padre Lacqua por volta dos 10 anos
e, depois, com o pároco de Moncucco, a uma iniciação mais orgânica dos estudos,
que continuaria em Chieri. Talvez tenha sido só a partir desse ponto que ele começou
a utilizar com certa sistematicidade as capacidades iniciais de escrever, adquirindo
sua definitiva competência. Lendo-se os inúmeros manuscritos posteriores, tem-se a
impressão de uma mão pesada, que chegou tardiamente à escrita corrente, acostumada
durante anos mais ao manejo da enxada do que da pena. De resto, enquanto freqüen-
tava padre Calosso, com a retomada dos trabalhos primaveris no campo, devido aos
protestos do meio-irmão, teve que retomar a experiência das “duas culturas”. “A ida e
a volta da escola – recorda – proporcionavam-me algum tempo para estudar. Chegado
em casa, segurava a enxada numa das mãos e na outra a gramática”.37 A união de
estudo e trabalho continuará, em certa medida, em Castelnuovo e Chieri, imposta pela
exigência de ter que integrar o que pagara em dinheiro e em natura para prover às taxas
escolares, à pensão e à subsistência.38
A morte repentina de Calosso em 21 de novembro de 183039 não anulava a decisão
irrevocável, que parece ainda mais firme pela admiração e incancelável lembrança
que conserva do mestre inesperado. O velho sacerdote não fora para ele só benfeitor
e encorajante preceptor, mas um pai, o primeiro pai espiritual e, segundo ele, excep-
cionalmente significativo para sua vida interior e a realização de sua vocação ao sacer-
dócio.40 Quarenta e cinco anos depois traçava-lhe o perfil, intencionalmente integrado
pela longa experiência e exemplar para seus padres, educadores cristãos da juventude
e promotores de vocações eclesiásticas. Antes de tudo, “abri-me inteiramente com ele
– escreve –. Manifestava-lhe prontamente qualquer palavra, pensamento e ação. Isso
muito lhe agradou, porque dessa maneira podia orientar-me com segurança no espiri-
tual e no temporal. Fiquei sabendo assim quanto vale um guia espiritual, um fiel amigo
da alma, que até então não tivera”; “a partir desse tempo comecei a perceber o que é a
vida espiritual”.41
Entre dezembro de 1829 e o verão de 1831, Giovanni freqüentava o curso elementar
na escola municipal de Castelnuovo, passando em poucos meses sob a disciplina de dois
sacerdotes professores: um mais acolhedor, Emanuele Virano, e o rude Nicolao Moglia.
A freqüência fora facilitada pela mudança radical determinada na pequena comunidade
doméstica dos Becchi. Em 1830, a chegada de Antonio à maioridade favorecia a divisão
dos bens patrimoniais. A casa dos Becchi fora dividida, com Antonio numa parte e
37 MO (1991) 48-49.
38 MO (1991) 54, 70-71.
39 Dom Bosco indica-a erroneamente em abril de 1828; MO (1991) 50-51.
40 MO (1991) 50, 51; cf. G. Stickler, Dalla perdita del padre a un progetto di paternità..., p.
351-355.
41 MO (1991) 47.

13 Pages 121-130

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13.1 Page 121

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Cap. III: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 121
Guiseppe com a mãe e o irmão na outra (a avó Margherita Zucca morrera em 1826).
Em 1831, Antonio casava-se com Anna Rosso, ocupando a casinha que fora moradia
de toda a família a partir de 1817, ali permanecendo até os anos 40, quando se trans-
feria para uma casa própria construída a cerca de 30 metros de distância. Margherita e
Giovanni, porém, acompanhavam Giuseppe, que foi como rendeiro para Sussambrino,
a 4 quilômetros ao norte dos Becchi. Em 1834, Giuseppe casava-se com Maria Calosso.
Há três anos Giovanni iniciara os cursos de latinidade na escola pública ou “colégio”
de Chieri.
Dom Bosco associava ao segundo domingo de outubro de 1830, festa da Maternidade
de Maria Santíssima, a lembrança do singular encontro diante da igreja de Morialdo
com o castenuovense de 19 anos, Giuseppe Cafasso, próximo do retorno ao seminário
para o segundo ano de teologia. O diálogo revela a diversidade de temperamentos dos
dois interlocutores: Dom Bosco é mestre em reconstruir histórias que deseja sejam
instrutivas. O piedoso clérigo fazia acenos ao jovem para que se aproximasse, pergun-
tando-lhe, sobretudo, coisas espirituais. O jovem de 15 anos respondia, convidando
enfim o interlocutor a verem juntos alguma coisa da festa da cidade. Dom Bosco
recorda ou cria duas frases lapidares do devoto seminarista: “Os espetáculos dos padres
são as funções de igreja”; “quem abraça o estado eclesiástico entrega-se ao Senhor; e
nada do mundo deve interessá-lo, a não ser o que pode redundar em maior glória de
Deus e proveito das almas”. A resposta do jovem não podia ser diversa daquela que,
padre no tempo em que escrevia, dava aos seus jovens: “Há um tempo para tudo: tempo
para ir à igreja e tempo para divertir-se”.42 Entretanto, anos depois, aquele clérigo, além
de generoso benfeitor, será o pai espiritual do jovem contestador de Morialdo, que se
tornou padre dos jovens: este que, evidentemente, dispunha de muita humildade e força
para desejar e aceitar um guia exigente a seguir, não condescendente a conduzir.
42 MO (1991) 51-52.

13.2 Page 122

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13.3 Page 123

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Capítulo IV
BASES CULTURAIS HUMANISTAS DA PERSONALIDADE
(1831-1835)
1831
1832
1833
1834
1835
3 de novembro: Giovanni inicia os estudos de latinidade no “colégio” ou
escola pública de Chieri em um ano, faz a sexta e quinta séries
inicia a quarta série completando-a com a terceira
novembro: inicia a segunda série ou ano de humanidades
primavera: pede para entrar entre os franciscanos reformados e é aceito –
ao que Giovanni não dá seqüência
novembro: inicia o ano de retórica
primavera-verão: aperfeiçoa a opção vocacional eclesiástica diocesana
No início de novembro de 1831, Giovanni Bechis punha em sua carroça e levava para
Chieri o baú com o enxoval de Giovanni Bosco com duas heminas (46 litros) de trigo e
meia de milho, como pagamento antecipado de parte da pensão a Lucia Pianta, já senhora
Matta, que em Chieri subalugava quartos para pensionistas. Nessa cidade Margherita e
Giovanni também chegavam a pé; durante a viagem, no mercado de Castelnuovo, ela
vendera um saquinho de farinha e outro de milho, para comprar livros, papel e penas
para a escola.1
Tendo saído de uma adolescência de lutas, Giovanni iniciava agora um decênio
decisivo para a estabilização dos traços básicos da personalidade. Para ela convergiam,
cultura intelectual, formação religiosa, disciplina moral, experiência espiritual profunda,
convivência amigável. Do ponto de vista do patrimônio intelectual, cultivava-se quer a
dimensão leiga, em certa medida humanista, quer a eclesiástica, decididamente clerical.
A dimensão cultural eclesiástica realizava-se na segunda metade do decênio, intensi-
ficada em nível pastoral no triênio do Pensionato Eclesiástico. Completava-se, neste e
no triênio seguinte, com o aspecto prático e ativo, que se revelará o mais característico
e adequado a seu temperamento. O decênio 1831-1841 era, todavia, de importância
relevante também para as aquisições que aguardavam o adolescente amadurecido no
1 S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri…, p. 29.

13.4 Page 124

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124 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
campo da disciplina interior, religiosa e moral, numa experiência totalmente inédita de
vida comunitária (professores, colegas, amigos), no alargamento dos contatos humanos
numa cidade que oferecia um horizonte de vida mais aberto, embora sempre provinciano
e em clima relativamente familiar. “Nos tempos dos quais escrevemos – diz-se sobre
Chieri – eram 9 mil seus habitantes. Em vinte fábricas manipulavam o algodão cerca de
4 mil operários, enquanto diversas fiações de seda empregavam outros quinhentos. Seus
mercados eram os mais notáveis do Piemonte”.2
Acrescentavam-se experiências ampliadas de vida associativa, com especial ênfase
na amizade, sentida mais em termos clássicos, aristotélicos e ciceronianos, do que
românticos, como característica do experimentar e querer valores culturais, morais e
religiosos comuns.
1. Crescimento cultural no “colégio” ou escola secundária de Chieri
Em Chieri chegava um jovem maduro, com os pés no chão, habituado ao trabalho
e ao sacrifício, empenhado na realização da própria vocação com o percurso de suas
etapas formativas preparatórias na instituição mais adequada.
Culturalmente, era uma verdadeira reviravolta. A formação clássica e humanista,
para a qual era plasmado, haveria de ter repercussões futuras publicações, nas conversas
familiares, nas cartas, nas iniciativas editoriais. Em particular, será de extrema utilidade
e atualidade quando, em 1855, Dom Bosco tiver iniciado no Oratório de Valdocco os
cursos internos do ginásio. Haveria de sê-lo ainda mais nos anos 60 e 70, quando se
acentuaria o processo de “colegialização”, particularmente da classe estudantil, do que
se falará, e, a começar da Itália, surgiriam internatos de orientação sobretudo clás-
sica: o ginásio-liceu de estilo italiano, que era difundido nos seminários de matriz pós-
tridentina, segundo o modelo da Ratio studiorum da Companhia de Jesus. Haveriam
de favorecê-lo professores muito jovens, orientados a ser bons literatos, latinistas e
helenistas, como Giovanni Battista Francesia, Celestino Durando e Giovanni Garino,
autores de bons textos escolares.3
Ao lado dessa formação, de importância perceptível, estava também a cultura
do trabalho, encarnada na vida de Dom Bosco desde a infância e ainda presente em
Chieri, com os serviços que prestava, indispensáveis ao próprio sustento, como em
1831, quando fora aprendiz de alfaiate de Giovanni Roberto em Castelnuovo, que o
tinha como pensionista.4 Em Chieri, Giovanni passou por quatro sucessivas residên-
cias, que lhe permitiram enfim, a vida adequada a um estudante em tempo integral.
2 S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri…, p. 33.
3 Cf. cap. 17, § 5.
4 MO (1991) 54.

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Cap. IV: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 125
No biênio 1831-1833, alojado junto à senhora Lucia Pianta, não podendo pagar toda
a soma mensal de 21 liras, carregava água e lenha, estendia a roupa lavada, ajudava
o filho da senhora nos estudos.5 No terceiro ano, hóspede do irmão de Lucia Pianta,
Giovanni, cafeteiro e doceiro, prestava-se para trabalhar como garçom e preparar
bebidas e doces, além de ocupar-se de várias atividades domésticas.6 Antes de alojar-se
com o senhor Pianta, parece que João tenha encontrado uma breve instalação junto ao
padeiro Michele Cavallo, cuidando de seu jumento e dormindo num ângulo da estala. O
último ano, 1834-1835, esteve numa pensão, alojado no porão por 8 liras mensais, junto
ao alfaiate Tomaso Cumino, onde também Giuseppe Cafasso estivera como pensio-
nista.7 Eram outros tantos modos de se preparar a futuros interesses relativos à instrução
artesanal e profissional dos jovens. As “duas culturas” (C. P. Snow), porém, teriam
continuado a representar para a mentalidade de Dom Bosco, pessoal e institucional-
mente, dois mundos distintos, para destinatários igualmente diversos nas condições
econômico-sociais e nas legítimas aspirações, embora em comunhão de vida e numa
sociedade amigável e ordenada, segundo indiscutida vontade providencial.
Sobre essa fase da vida, por outro lado, ele parece projetar, numa versão estudantil,
os elementos característicos da sua espiritualidade juvenil: estudo e piedade, emulação
e humildade, disciplina e alegria. Enquanto redigia as Memórias do Oratório parece que
se sobrepunham nas recordações do autor a tríade alegria, estudo, piedade, já proposta
por ele como “programa” de vida a Francesco Besucco: nas diversas fórmulas, porém,
os elementos lúdicos eram registrados com evidente condescendência.8
Em relação à organização dos estudos da escola, o Regulamento para o Reino sardo,
de 1822, estabelecia: “Serão seis as aulas de latinidade, como para o futuro, isto é:
sexta, quinta, quarta, gramática [ou terceira], humanidades e retórica”; o ensino da
“quarta e terceira deverá fazer-se sempre por dois Professores particularmente desti-
nados a esse ensino”.9 Os programas e a didática não deviam distinguir-se muito dos
previstos pelas Constituições de Sua Majestade para a Universidade de Turim e, em
particular, pela anexa Instrução sobre a maneira de ensinar nas escolas públicas dada
por ordem do magistrado da Reforma, em 7 de abril de 1871, publicada com a Nota
Régia de 12 de junho de 1872.10 Foram novamente postas em vigor por Vitório Emanuel I
com o Edito geral de 21 de maio de 1814, que cancelava todo o recente passado revo-
lucionário: “Sem considerar qualquer outra lei, serão observadas a partir da data do
5 MO (1991) 60.
6 MO (1991) 70-71.
7 Cf. S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri..., p. 24-25, 46, 79, 84-89, 121.
8 MO (1991) 61 63 (Società dell’allegria), 76-82.
9 Regie Patenti colle quali Sua Maestà approva l’annesso Regolamento per le Scuole tanto
comunali che pubbliche, e Regie. In data del 23 di luglio 1822. Turim, Dalla Stamperia Reale
[ 1822], art. 69-70, p. 26.
10 Cf. A. F. Duboin, Raccolta per ordine di materie delle leggi, provvidenze, editti, manifesti ecc. …
Vol. 16, t. XIV, 1847, p. 249-255, 1315-1324.

13.6 Page 126

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126 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
presente edito as Régias Constituições de 1770 e as demais providências emanadas
até a data de 23 de junho de 1800 pelos Nossos predecessores”.11 Os cursos da sexta
série à retórica propunham estudos gramaticais e sintáticos nos quais era absolutamente
preponderante a aquisição da língua latina – eram, de fato, “escolas de latinidade” –
com discretas noções de grego. O Regulamento de 1822 prescrevia, porém, que se
continuasse, com o ensino do latim, também o da língua italiana, almejando torná-lo
completo com a saída do Novo Método.12 Os primeiros ensinamentos tinham por obje-
tivo “ler e escrever corretamente as partes do discurso, as conjugações dos auxiliares
e dos verbos regulares e de alguns irregulares, as preposições com seus casos”.13 Após
intensa preparação gramatical e uma iniciação essencial à sintaxe, na quinta os alunos
exercitavam-se na tradução dos passos mais fáceis da antologia Excerpta e veteribus
scriptoribus. A seguir, na quarta e na terceira, passava-se à tradução com aproximações
graduais dos escritos de Cornélio, Fedro, César, Salústio, Cícero, Virgílio. Nos últimos
meses da terceira tinha início o ensino de grego, do alfabeto às cinco declinações. Ele
assumia maior consistência nos anos de humanidades e de retórica: à última etapa eram
reservadas as versões do grego para o italiano.14
Ao comentar os autores, o professor devia explicar a etimologia das palavras, as
propriedades, a elegância, os sinônimos, a criação, a mitologia, os ritos e costumes
dos antigos romanos, a métrica latina e os vários gêneros de composição poética. Na
retórica, os alunos deveriam aprender a escrever elegantemente o latim e a tratar os três
gêneros oratórios: demonstrativo, deliberativo e judiciário, seguindo os ensinamentos
de Aristóteles, Cícero, Quintiliano e Vóssio. Os temas das composições deveriam ser
tirados da história grega e romana, sobre pessoas conhecidas e sobre fatos acontecidos
ou fáceis de acontecerem. Continuava-se a alternar prosadores e poetas.15
É esse, mais ou menos, o itinerário percorrido por Giovanni Bosco de 1831 a 1835.
Sua preparação permitia que no, primeiro ano escolar 1831-1832, passasse da sexta
ou primeira gramática inferior à quinta ou segunda gramática, chegando à quarta série
ou terceira gramática no ano seguinte, continuando-a depois de poucos meses com a
terceira ou gramática superior. A respeito das promoções, o Regulamento estabelecia:
“As promoções da classe inferior à superior não poderão acontecer ordinariamente, a
não ser no final do ano escolar ou na primeira metade de novembro para as escolas infe-
riores à terceira; dando-se algum caso extraordinário, raríssimo, esperar-se-á a decisão
do magistrado ou da Deputação”.16 Os cursos seguidos por Giovanni da sexta à retórica
11 Cf. C. Tivaroni, L’Italia durante il dominio austriaco (1815-1849). T. I: L’Italia Settentrionale, p. 4.
12 Regie Patenti… Tit. IV: Della congregazione, dell’insegnamento…, Cap. II: Dell’Insegnamento,
art. 170, p. 47.
13 G. Mantellino, La scuola primaria e secondaria in Piemonte e particolarmente in Carmagnola
dal secolo XIV alla fine del secolo XIX. Carmagnola, Presso l’Autore, 1909, p. 44.
14 Cf. G. Mantellino, La scuola primaria e secondaria in Piemonte…, p. 44-45.
15 Cf. G. Mantellino, La scuola primaria e secondaria in Piemonte…, p. 42-43.
16 Regie Patenti…, Tit. IV: Della congregazione, dell’insegnamento..., Cap. III, § IV: Delle
promozioni, art. 191, p. 52.

13.7 Page 127

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Cap. IV: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 127
foram dados, na ordem, pelo teólogo Valeriano Pugnetti (ou pelo sacerdote Gioachino
Vogliasso), pelo padre Placido Valimberti, pelo clérigo Vincenzo Cima, pelo domini-
cano Giacinto Giusiana, pelo sacerdote Pietro Banaudi e pelo jovem professor padre
Giovanni Francesco Bosco.
Os cadernos escolares supérstites do estudante maduro levam, ao menos para o
primeiro ano, a alguma reserva quanto a seu nível cultural, que será depois rapida-
mente enriquecido também graças às copiosas leituras paralelas, das quais Dom Bosco
fala nas Memórias do Oratório. “Além dos deveres escolares – escreve – restando-me
muito tempo livre, eu costumava empregar uma parte dele a ler os clássicos italianos ou
latinos”.17 Ao falar do fato de “dar espetáculos públicos e privados”, conta coisas admi-
ráveis: “Como muito me ajudasse a memória, sabia de cor grande parte dos clássicos,
sobretudo poetas. Dante, Petrarca, Tasso, Parini, Monti e outros eram-me tão familiares
que deles me podia servir a meu bel-prazer, como coisa minha”.18 Refere também sobre
os meios de aproximar-se com pouco gasto dos clássicos italianos e latinos, uma espécie
de empréstimo de favor (1 soldo, ou seja, 5 centésimos cada volume) junto ao livreiro
judeu Jona Elia, e explica: “Lia cada dia um volume da Biblioteca popular. Empreguei o
ano da 4ª ginasial na leitura dos autores italianos. No ano de retórica pus-me a estudar os
clássicos latinos, e comecei a ler Cornélio Nepos, Cícero, Salústio, Quinto Cúrcio, Tito
Lívio, Cornélio Tácito, Ovídio, Virgílio, Orácio Flaco e outros”. Reconhece, porém, o
caráter lúdico e superficial da leitura,19 e é provável, dada a vasta enciclopédia referida.
O sucesso escolar nem sempre aparece como máximo. O Regulamento estabelecia:
“Ao final de cada mês [os professores] transmitirão ao Prefeito dos estudos a situação
mensal, anotando em relação a cada aluno: 1° a instrução adquirida, somando os vários
votos da decúria do mês; 2° os pontos merecidos nas aulas pelos trabalhos e o número
dos erros cometidos; 3° os pontos pelas provocações [competições escolares], mere-
cidos ou perdidos; 4° a docilidade”.20 A avaliação total servia de base para renúncia ou
redução do pagamento do minerval ou taxa escolar. Nos “Ordenamentos da Cidade de
Chieri” Giovanni Bosco aparece dispensado de pagar a taxa anual de 12 liras apenas no
ano escolar 1832-1833, enquanto no ano 1831-1832 pagou 9 liras e nos anos 1833-1834
e 1834-1835 versou a quota inteira.21
Além de representar a primeira etapa segura para o suspirado estado eclesiástico, o
curso de latinidade significava, para Giovanni, a aquisição de um patrimônio de conhe-
cimento respeitável e, sobretudo, graças à idade – entre 16 e 20 anos – e à maturidade
do julgamento, elementos básicos de um método pessoal de estudo.
17 MO (1991) 71.
18 MO (1991) 77.
19 MO (1991) 83.
20 Regie Patenti… Tit. IV: Della congregazione, dell’insegnamento… Cap. II: Dell’insegnamento,
art. 169, p. 47.
21 Cf. S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri…, p. 74.

13.8 Page 128

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128 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Muitos anos mais tarde, Dom Bosco educador, talvez preocupado em chamar a
atenção de seus jovens para as razões da piedade e da espiritualidade mais do que fazer
história, não minimizava, antes evidenciava mais que o necessário, o lado negativo do
impacto que a cultura humanista exercera em sua juventude, em Chieri. Referindo-se
ao primeiro ano de filosofia no seminário, ele escrevia: “Quanto aos estudos, deixei-me
levar por um erro que haveria de acarretar conseqüências graves, não fosse um fato
providencial a abrir-me os olhos. Habituado à leitura dos clássicos em todo o curso
secundário, acostumado às figuras enfáticas da mitologia e das fábulas dos pagãos, não
sentia gosto nas coisas ascéticas. Cheguei a convencer-me de que a boa linguagem e a
eloqüência não se conciliam com a religião. As próprias obras dos santos Padres pare-
ciam-me fruto de engenhos muito acanhados com exceção dos princípios religiosos,
que expunham com vigor e clareza”.
A leitura do De imitatione Christi teria posto fim a essa presumida crise com resul-
tados drásticos contrários à realidade efetiva: “Devo a esse livro o haver abandonado a
leitura profana”. Também aqui são evidentes no Dom Bosco das Memórias do Oratório
os intentos pedagógicos, que iam bem além do puro registro histórico dos fatos. Nos
anos 70, o narrador estava particularmente preocupado com a presença invasora de
clássicos pagãos na escola, que procura remediar com a introdução de escritores latinos
cristãos.22 Seja como for, ele confessava ter encontrado na Imitação de Cristo “mais
doutrina e moral” do que pensava ter haurido dos “grossos volumes dos clássicos
antigos”.23 No seguimento de sua vida, o clássico da espiritualidade “moderna” apare-
cerá freqüentemente entre os livros espirituais propostos para leitura cotidiana a jovens
e adultos junto com o Evangelho, a Preparação para a morte e Prática de amar a Jesus
Cristo, de santo Afonso, a Filotéia de são Francisco de Sales, as vidas dos santos.24
O seminário, sem dúvida, teria representado para o estudante que se tornou clérigo
um período de sensibilidade espiritual crescente, recolhimento mais intenso, esforço
ascético mais acentuado. Em todo caso, a escola pública de Chieri, na realidade, podia
ser considerada um pré-seminário: pela disciplina moral e religiosa e pelos resultados.
“Feito o curso de Retórica – escreve Dom Bosco –, dos 25 alunos que compunham
aquela turma, 21 abraçaram o estado eclesiástico”.25
22 Cf. cap. 17, § 5.
23 MO (1991) 106-107.
24 Cf. G. Bosco, Il giovane provveduto per la pratica de’ suoi doveri degli esercizi di cristiana
pietà... Turim, tipografia Paravia e comp., 1847, p. 18; OE II 198; Id., La chiave del paradiso
in mano al cattolico che pratica i doveri di buon cristiano. Turim, tipografia Paravia e comp.,
1856, p. 38; OE VIII 38; Id., Porta Teco Cristiano ovvero avvisi importanti intorno ai doveri
del cristiano acciocché ciascuno possa conseguire la propria salvezza nello stato in cui si
trova. Turim, Paravia e comp., 1858, p. 29; OE XI 29; Id., Il cattolico provveduto per le
pratiche di pietà con analoghe istruzioni secondo il bisogno dei tempi. Turim, tipografia
dell’Oratorio di San Francesco di Sales, 1868, p. 209; OE XIX 209.
25 MO (1991) 86.

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Cap. IV: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 129
Não se deve subestimar, porém, os limites do tipo de cultura transmitida. Ela era
confiada substancialmente a gramáticos sem amplitude da história literária e geral do
próprio classicismo e de disciplinas complementares, históricas e científicas, idôneas
para alargar os conhecimentos e suscitar um correto espírito crítico. Por outro lado,
a cultura era transmitida a um aluno que iniciava aquelas lições e se submetia àquela
didática enquanto a média dos companheiros de boa família os estava concluindo; estes
últimos, dos 16 aos 20 anos tinham a possibilidade de aplicar-se a estudos bem mais
empenhados e estimulantes, suposto que estes existissem em período de restauração
precária, fechada às inquietudes da transição para o mundo novo. Reminiscências suces-
sivas e as próprias Memórias do Oratório transmitiriam daqueles anos a imagem de um
mundo completamente fechado ao redor do colégio ou escola secundária e aos pequenos
fatos a ele relacionados, distantes dos eventos eclesiais, sociais, políticos e culturais que
preparavam tempos novos, aos quais não teria sido fácil abrir-se em seguida.
2. Disciplina moral e religiosa
Em força do Regulamento de 1822, os alunos eram inseridos estruturalmente num
ordenamento formativo global, isto é, cultural, ético e religioso ao mesmo tempo, que
ia bem além da instrução apenas. Tratava-se, além de tudo, de notável fator, embora não
único, de influxo específico da Companhia de Jesus sobre Dom Bosco. O Regulamento
espelhava o que fora adotado pelos jesuítas no colégio aberto, em 1818, em Novara e
impresso com data 7 de novembro, com o título Projeto do Colégio real de educação
em Novara sob a direção dos Padres da Companhia de Jesus: Regulamentos gerais.
Esse Projeto foi, de fato, estendido também ao colégio de Turim. Foi redigido, por
encargo do poderoso censor da Universidade, Giovanni Battista Viotti, pelos jesuítas de
Novara, que tinham à frente como prefeito dos estudos padre Luigi Taparelli d’Azeglio
(1703-1862).26 Formação cultural, moral e religiosa apareciam ali indissolúveis, como
explicitado pelas Autorizações Régias, que o tornaram operativo.27
Que o Regulamento tenha encontrado eco profundo na consciência de Dom Bosco,
evidentemente reforçada por contatos e experiências posteriores, depreende-se não
só da análise do texto, como também da recordação exata que dele conservava nos
anos 70, quando redigia as Memórias do Oratório. Unia-se ao apreço e à simpatia por
um ordenamento que apresentava não poucos traços de restauração e repressão. Isso
pode trazer algum esclarecimento sobre o aspecto típico do século XIX, também de
seu sistema preventivo, promotor de liberdade protegida não totalmente convincente.
A religião era o principal instrumento. “Neste ponto é bom lembrar que, naqueles
26 Cf. A. Lizier, Nel primo centenario del Regio convitto nazionale di Novara 1808-1908: le
Scuole di Novara ed il Liceo Convitto. Novara, G. Parzini, 1908, p. 176-181, 193-199.
27 Regie Patenti..., p. 3.

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130 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
tempos, a religião formava parte fundamental da educação”. Em seguida, acenava à
absoluta irrepreensibilidade de linguagem em campo religioso e moral e à série de
práticas cristãs dominicais. Sobre isso argumentava: “Essa disciplina severa produzia
efeitos maravilhosos. Passavam-se anos sem que se ouvisse uma blasfêmia ou má
conversa. Os alunos eram dóceis e respeitosos tanto na escola como em casa. E sucedia
muitas vezes que, em classes numerosíssimas, todos eram aprovados no fim do ano para
a classe superior. Meus companheiros da terceira, humanidades e retórica foram todos
eles sempre promovidos”.28
É evidente que, na mente amadurecida de Dom Bosco, as prescrições estavam
alinhadas de modo substancial com o cerne de seu sistema de educação, aplicado,
sobretudo, nas instituições predominantes e mais protegidas na época, que eram os
internatos e os colégios. A identidade de visão é, sem dúvida, perceptível em relação
aos princípios de religiosidade, moralidade e ordem, que inspiravam toda a vida escolar.
Mas é também perceptível em várias modalidades de aplicação: meios, práticas, meto-
dologias. Podiam ser diversas, entre um e outro sistema, algumas formas particulares de
atuação, a mentalidade, o espírito, o estilo que, em tempos mudados, revelam atenção
mais aguçada à sensibilidade juvenil e maior adequação à sua psicologia segundo prin-
cípios de racionalidade e amabilidade, de qualquer modo garantidos por uma assis-
tência solícita.
Dom Bosco faria reviver em estilo preventivo, isto é, em espírito de maior espon-
taneidade e flexibilidade, aquelas disposições desde que compartilhadas por ele como
exigência inderrogável, que com espírito repressivo eram codificadas nos títulos terceiro
e quarto do Regulamento: Das escolas públicas e das Escolas Régias e da Congregação,
do ensino, e dos exames nas escolas públicas e Régias. Dom Bosco educador mitigaria
ou, até mesmo, eliminaria várias das afirmações peremptórias do Regulamento: a visi-
bilidade e o controle da freqüência dos sacramentos da penitência e da eucaristia, e a
expulsão da escola pela falta de realização dos deveres relativos (art. 37 e 38).
Em relação aos colegiais, porém, estava certamente de acordo sobre a obrigação
de assistir, “nos dias de aula, à missa e, nos dias festivos, à congregação, e na falta
desta, às funções paroquiais” (art. 39).29 Em grande parte, porém, podia sentir-se em
sintonia com as disposições contidas em outros artigos preventivamente protetores:
“Fica rigorosamente proibido aos estudantes: nadar, entrar em teatros, jogar cartas, usar
máscaras, aceitar convites de baile, participar de qualquer jogo de rua, entrar em cafés
e outros lugares públicos, almoçar, comer e beber em hotéis ou restaurantes, deter-se
ou fazer reuniões ou conversas nos cafés, e recitar em teatros domésticos sem a licença
do Prefeito dos estudos” (art. 42); os estudantes não “poderão manter livros que não
tenham sido vendidos e permitidos” pelo prefeito dos estudos (art. 45): “os estudantes
28 MO (1991) 63-64.
29 Dom Bosco falará, às vezes, nos anos 40 - 50, de “congregação” como sinônimo de reunião
juvenil festiva ou oratório: Cf. cap. 6, § 5.2 e 10, § 2.

14 Pages 131-140

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Cap. IV: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 131
irreligiosos, de costumes depravados, incorrigíveis, culpáveis de teimosia obstinada e
escandalosa às ordens dos superiores, os réus de delito, serão exemplarmente expulsos
da escola” (art. 46).30
Igualmente compartilhadas podiam ser as exigências decisivas feitas aos profes-
sores sobre a vigilância ou assistência dos alunos: “vigiarão”, “assistirão” são os verbos
recorrentes na escola, na entrada da igreja, nas salas de aula (art. 54-57).31
Significativa era a obrigação de os estudantes participarem da congregação, reali-
dade que, pelos conteúdos, Dom Bosco acolheria em boa parte, mas que estava um
tanto distante da livre e alegre participação oratoriana, embora próxima àquela obriga-
tória nos colégios e internatos: “Todos os estudantes assistirão à santa missa nos dias
de aula” (art. 134). Como também estava prescrito: “na quaresma, em todos os dias
de aula, os estudantes intervirão no catecismo que se fará antes da hora costumeira da
escola” (art. 138).
Notam-se analogias entre as práticas de piedade introduzidas por Dom Bosco em
seus oratórios e, mais ainda, nos colégios-internatos, e as fixadas para a congregação
dos estudantes do Reino sardo. “Na congregação da manhã – estava estabelecido – será
observada a seguinte ordem: 1° leitura espiritual no quarto de hora inicial; 2° canto
do Veni Creator, 3° o noturno do ofício de Bem-aventurada Virgem, com as leituras
e o hino Ambrosiano segundo os vários tempos; 4° missa; 5° canto das ladainhas da
Bem-aventurada Virgem, para dar tempo ao celebrante Diretor e aos que comungaram
tempo oportuno de ação de graças; 6° instrução; 7° canto do Salmo Laudate Dominum
omnes etc., com o versículo e a oração por sua Sagrada Real Majestade” (art. 148). “Na
congregação da tarde será observada a seguinte ordem: 1° Leitura espiritual no quarto
de hora inicial; 2° canto das preces habituais com a recitação dos atos de fé, espe-
rança, caridade e contrição; 3° catecismo por três quartos de hora” (art. 159); e ainda:
“Os exercícios espirituais começarão na noite da sexta-feira da paixão e terminarão na
quarta-feira santa pela manhã. Na primeira noite será feita a introdução, em cada um
dos quatro dias consecutivos haverá duas meditações e duas instruções, além da récita
do ofício da Bem-aventurada Virgem e as demais funções que os Diretores espirituais
julguem convenientes. Na manhã da quarta-feira, será feito o encerramento dos exercí-
cios, com a Comunhão Pascal, para o que se pedirá licença ao Bispo”.32
Nesse clima, Giovanni fora se preparando para o sacramento da confirmação,
que ainda não recebera aos 18 anos. Dos Registros dos Crismados da paróquia de
São Martinho de Buttigliera d’Asti resulta que o jovem Giovanni Bosco [filho] de
Francesco foi ali crismado, em 4 de agosto de 1844, pelo turinense padre Giovanni
Antonio Gianotti, a partir de 15 de abril bispo eleito de Torres (Sassari), sendo padrinho
30 Regie Patent… Tit. III, cap. 1, § II: Dei doveri degli studenti in generale, p. 19-21.
31 Regie Patenti. Tit. III, cap. 1, § III: Delle obbligazioni de’ Professori, Maestri. p. 23.
32 Regie Patenti… Tit. IV, cap. I: Della Congregazione, e dei Direttori spirituali, § II. Dei Direttori
spirituali, p. 44-46.

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132 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Giuseppe Marzano e madrinha a condessa Giuseppina Melina, di Capriglio. Na solene
celebração do centenário do evento, o orador oficial, o salesiano padre Guido Favini,
sabiamente indicava o Espírito Santo com os seus dons como protagonista da ação e das
obras de Dom Bosco.33 Manifestamente ele se inspirava no profundo estudo do domini-
cano padre Ceslao Per, Os dons do Espírito Santo na alma do Beato João Bosco.34
3. Adultos confiáveis e uma rede de amizades construtivas
Por temperamento e pelas pessoas das quais era freqüentemente hóspede, Giovanni
não tinha só vida escolar: não era jovem apenas de casa, escola e igreja. Sua experiência
de vida social era também intensa num mundo mais vivo e amplo do que o formado
pelo ambiente doméstico dos Becchi. De fato, na cidade de Chieri eram-lhe oferecidas
muitas oportunidades de entrelaçar as mais variadas relações: sacerdotes e professores
particularmente acessíveis e benévolos, novos colegas de escola e de classe, jovens e
adultos encontrados fora do ambiente escolar, pessoas caridosas. Não faltavam visitas
à aldeia natal “de vez em quando”, às quintas-feiras, dia de folga – entre ida e volta era
preciso percorrer pouco mais de 20 quilômetros – e os encontros óbvios com parentes e
amigos, mais intensos e contínuos durante as férias de outono, nas quais certamente se
pode compreender alguma participação nos trabalhos do campo.35
O autor das Memórias do Oratório, fundador e formador de educadores, não deixa
de formular juízos sobre professores e educadores do colégio de Chieri. Sublinha
didaticamente suas qualidades e algum limite. Faz menção particular de três sacer-
dotes. Antes de tudo, ele recorda como “primeira pessoa conhecida” padre Eustachio
[= Placido] Valimberti (1803-1845), que lhe deu conselhos úteis para boa inserção no
novo mundo e apresentou-o ao prefeito das escolas. Parecem mais significativos os
outros dois. Um proposto intencionalmente como modelo no quadro da germinal peda-
gogia preventiva; o outro anuncia uma mais completa pedagogia da confissão e da
direção espiritual.
Professor precursor do sistema preventivo aparece padre Pietro Banaudi (1802-
1885) – por quem os alunos sentem a necessidade de celebrar a “festa do reconheci-
mento” em statu nascenti, concluída com um acontecimento lutuoso –. “O professor
Banaudi – está anotado nas Memórias do Oratório – era verdadeiro modelo dos profes-
sores. Sem jamais infligir castigo, fizera-se respeitar e amar por todos os alunos. Ele os
amava a todos quais filhos, e eles o amavam qual carinhoso pai”. Segue um perfil com
termos familiares ao léxico pedagógico do autor das Memórias. A festa que os alunos
33 Cf. “Il centenario della Cresima del Beato Don Bosco”, BS 57 (1933), n. 10, outubro, p. 292.
34 Turim, SEI, 1930.
35 MO (1991) 65.

14.3 Page 133

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Cap. IV: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 133
prepararam a seu professor é a fotocópia da “festa do reconhecimento” que se celebra
em Valdocco. “O dia – conta – foi muito agradável. Entre professor e alunos havia um
só coração, e todos procuravam a maneira de exprimir a própria alegria”.36
Outro sacerdote evocado com afeto particular é um jovem cônego de Chieri, que
continuaria a ser o confessor preferido do narrador ao longo de todo o curso de teologia,
Giuseppe Maria Maloria (1803-1857). Era, de algum modo, também seu diretor espi-
ritual, muito respeitoso, aliás, das opções vocacionais de seu assistido.37 “Para mim, o
acontecimento mais importante – recorda – foi a escolha de um confessor estável na
pessoa do teólogo Maloria”. “Acolhia-me sempre com grande bondade toda vez que o
procurava. Antes, animava-me a confessar e comungar com a maior freqüência”. “Eu
creio que devo a meu confessor não ter sido arrastado pelos colegas a certas desordens
que os jovens inexperientes têm infelizmente que lamentar nos grandes colégios”.38
Quanto a colegas e amigos, sucedem-se alguns títulos nas Memórias do Oratório
que revelam a qualidade de muitas dimensões dos relacionamentos: Os colegas –
Sociedade da alegria – Deveres cristãos – Bons companheiros e práticas de piedade;
Humanidades e Retórica – Luís Comollo; O judeu Jonas.39 Para eles convergiam inte-
resses escolares, recreativos, afetivos, autoformativos. Era esta, de modo particular, a
característica da informal “Sociedade da alegria”, nome de uma realidade não estrutu-
rada, mas viva e ativa,40 cujo estatuto não formulado era reduzido a duas sensibilidades
compartilhadas: 1) “Evitar qualquer conversa ou ação que desdiga de um bom cristão”;
2) “Exatidão no cumprimento dos deveres escolares e religiosos”.41
Entre os “realmente exemplares”, já no primeiro ano, são recordados Guglielmo
Garigliano, futuro sacerdote (1819-1902), e o bem jovem Paolo Vittorio Braja (1820-
1832). Unia-os “o recolhimento e a piedade”. Parece, porém, menos crível que lhe
dessem “bons conselhos” e mais provável que os recebessem dele, mais maduro em
anos e experiência. Surge também uma notícia, que revela um novo contato com os jesu-
ítas: “Nos dias santos, após a reunião regulamentar do colégio, íamos à igreja de Santo
Antonio [Abade], onde os jesuítas explicavam estupendamente a doutrina, enrique-
cida de exemplos que ainda recordo”;42 provavelmente, escola também de benignismo
moral. Compareciam em seguida o judeu Jona (1816-1870/73), conhecido durante o
ano de humanidades (1833-1834) e Luigi Comollo (1817-1839), que chegou a Chieri
para iniciar o ano de humanidades, quando João entrava no curso de retórica.
É interessante notar como Dom Bosco, perto dos 60 anos, fale de alguns com quem
contraíra especial amizade, usando termos e acentuações que parecem contrastar com
36 MO (1991) 71-72.
37 MO (1991) 84.
38 MO (1991) 64-65.
39 MO (1991) 59-62, 62-65, 65-70, 73-76.
40 Cf. MO (1991) 61.
41Ibid.
42 Cf. MO (1991) 62.

14.4 Page 134

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134 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
sua atitude habitual de reserva e desconfiança em relação às chamadas amizades parti-
culares. Em todo caso, ele as evoca como amizades de intensa carga espiritual, com
as mesmas finalidades pedagógicas que o tinham inspirado na redação das biografias
juvenis dos anos 1859-1864. A amizade com Comollo seria prolongada e aprofundada
no seminário,43 numa partilha de sensibilidade espiritual sempre mais elevada. Era o
encontro de um devoto submisso com um estudante volitivo, admirado e amado, por
nada conciliados perante os prepotentes, que não hesitava em agredir para defender o
fraco ofendido.44
O relacionamento adquirido no café de Giovanni Pianta com o jovem judeu “Giona”,
Jacob Levi, tinha com objetivo a conversão do amigo à fé cristã. Recebia, de fato, sole-
nemente o batismo em Santa Maria della Scala, catedral de Chieri, em 10 de agosto de
1834, mudando nome e sobrenome para Luigi Bolmida, tendo como padrinho o senhor
Giacinto Bolmida e madrinha a senhora Ottavia Maria Bertinetti, assim como o marido
insigne futura benfeitora de Dom Bosco.45 Quando Dom Bosco escrevia as Memórias
do Oratório, Luigi Bolmida talvez ainda vivesse com a família em Turim, como tintu-
reiro e tecelão.46 Nas Memórias havia uma janela aberta intencionalmente sobre o apelo
à caridade e ao apostolado, fundamento para Dom Bosco de toda amizade autêntica.
Ela fora envolvida por sincera afeição e pela partilha de gostos comuns. “Mal encon-
trava um momento livre – recorda –, vinha passá-lo em meu quarto; ficávamos a cantar,
a tocar o piano, a ler, ouvindo de bom gosto mil historietas, que lhe ia contando”.47
Esse estilo impunha-se como modelo das relações em Chieri e vinha mitigar, nas
Memórias do Oratório, aquele tanto de devocionismo moralista que podia tornar pesada
a alegria da sociedade dos amigos. Claras intenções levavam Dom Bosco a dedicar
várias páginas aos aspectos jocosos e alegres de sua vida estudantil, como atestam os
títulos de dois pequenos capítulos: ­Jogos – Prestígios – Magia – Dando explicações e
Corrida – Salto – Varinha mágica – Ponta da árvore.48
Evocando as exibições que fazia como estudante em Chieri, ele repete enfaticamente
em 1873: “Junto com meus estudos e entretenimentos diversos, como canto, piano,
declamação e teatro, aos quais me entregava com grande entusiasmo, havia aprendido
também diversos jogos. Baralho, bolinhas, malha, perna-de-pau, saltos e corrida eram
divertimentos muito gostosos, nos quais, se não era especialista, não era por certo
medíocre”; e ainda, “costumava dar muitas vezes espetáculos públicos e privados”;
“a maravilha subia de ponto nos jogos de prestidigitação”.49 Não faltava o desafio
43 MO (1991) 67-70.
44 MO (1991) 68-70.
45 Cf. S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri…, p. 95.
46 Cf. S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri…, p. 113-115.
47 MO (1991) 73.
48 MO (1991) 76-79, 80-82.
49 MO (1991) 76-77.

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Cap. IV: Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831) 135
vitorioso ao saltimbanco.50 Tudo isso é história real e fiel? Era, certamente, vontade de
indicar um estilo juvenil de vida conveniente a alegre.
4. Decisão vocacional
Nas Memórias do Oratório, Dom Bosco dramatiza as dificuldades, as dúvidas e
as ansiedades que acompanharam sua opção vocacional. Parecem trair novamente a
finalidade pedagógica que inspira as Memórias a ênfase na desorientação, o desejo
profundo de uma mão firme que lhe indicasse a vontade de Deus, a falta de um guia
espiritual mais diretivo, a decisão pela ordem franciscana quase imediatamente aban-
donada.51 Estaria muito feliz por ser para seus meninos e para os próprios jovens sale-
sianos aquele diretor clarividente e responsável, capaz de indicar com tranqüilizadora
firmeza o caminho indicado a eles por Deus, pelo qual poderia chegar facilmente à
salvação, que teria em vão desejado como estudante na idade juvenil mais madura.52
Entretanto, para Giovanni, a opção talvez não tivesse sido particularmente proble-
mática, depois de tantos anos de luta e de sacrifícios para estudar. Quanto a chegar ao
sacerdócio não deveria existir qualquer dúvida. Quando muito podia existir alguma
incerteza sobre o tipo de estado eclesiástico mais próximo às próprias aspirações espi-
rituais e, motivo não secundário, acessível às possibilidades econômicas de Margherita
e de Giuseppe. Não se entrava gratuitamente no seminário. “Essa é a verdadeira razão
pela qual Dom Bosco fora seduzido pela ordem dos franciscanos; de fato preocupa-
va-o ter que gravar sobre a Mãe o pagamento da pensão do seminário arquidiocesano”.
Dom Fransoni recebia duas pensões, “uma fixada em 27,50 liras e outra de 15 liras
mensalmente”.53 Aliás, Giovanni decidira entrar na ordem franciscana e conversava
sobre isso com os Menores Reformados de São Francisco que oficiavam a igreja de
Santa Maria della Pace, nas colinas de São Jorge. Vivia no convento padre Isidoro
Braja, tio do falecido Paolo Vittorio, amigo do requerente. Os padres franciscanos do
convento turinense de Santa Maria dos Anjos examinaram o pedido de Giovanni Bosco,
dando resposta positiva. “No ano de 1834 – registra a ata – foi aprovada a admissão ao
convento de Santa Maria dos Anjos da Ordem Reformada de São Francisco do jovem
Giovanni Bosco, nascido em Castelnuovo, batizado em 17 de agosto de 1815 e cris-
mado. Do livro II no qual são registrados os jovens postulantes à Ordem, admitidos a
50 MO (1991) 80-82.
51 MO (1991) 84-85.
52 Cf. F. Desramaut, “Autour de six logia autribués à don Bosco dans les Memorie Biografiche”,
RSS 10 (1991), p. 25-30.
53 E. Dervieux, Un secolo del Seminario Arcivescovile di Chieri 1829-1929. Chieri, Premiata
Officina Grafica Gaspare Astesano, 1929, edição extra-comercial, cit. por S. Caaselle,
Giovanni Bosco a Chieri…, p. 83.
54 Cit. de S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri…, p. 97.

14.6 Page 136

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136 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
partir do ano 1668 ao ano 1838. Brescia, perto de Rezzato”.54
Dom Bosco jamais indicou os motivos da posterior mudança de idéia e da decisão
de continuar o ano de retórica e entrar no seminário ao final dos estudos de latinidade.
Nas Memórias do Oratório fala primeiramente de um sonho, depois do confessor “que
não quis ouvir falar nem de sonho nem de frades” e o convidava a seguir “suas propen-
sões e não os conselhos dos outros”, enfim do pedido de conselho ao padre Comollo, tio
do amigo. Giovanni afirma ter seguido o parecer do padre Comollo: “Vista ele o hábito
clerical e, enquanto prosseguir nos estudos, haverá de conhecer melhor o que Deus quer
dele”; “com o recolhimento e as práticas de piedade ele superará todos os obstáculos”.55
Provavelmente tinha-o tranqüilizado, sobretudo, o apoio da mãe e do irmão, do pároco
de Castelnuovo e de outras famílias amigas.
Com uma circular de 7 de agosto de 1829, dom Chiaveroti ditara severas condições
para o entrega do hábito eclesiástico, reservando ao arcebispo o exame da vocação.
Para ser a ele admitido eram exigidos: 1) “apresentação” ou atestado da cidade ou
comunidade de nascimento ou domicílio do candidato, no qual se declarasse a situação
familiar, o patrimônio e a profissão exercida pelo pai; 2) atestado de ter completado
a retórica, porta obrigatória para aceder aos cursos de filosofia; 3) “atestado de boa
conduta, freqüência aos santos sacramentos, assistência às funções paroquiais, decla-
rando se o portador dá sinais de vocação ao estado eclesiástico”.56
O conselho municipal de Chieri, concedendo, em 28 de agosto de 1835, o ates-
tado solicitado pelo estudante Giovanni Bosco, “com a finalidade de ser admitido ao
exame para vestir o hábito clerical, ao qual aspira”, declarava: “A conduta do chamado
Giovanni foi sempre de jovem de bem, honesto, de ótimos costumes e de edificação, e
dá as melhores esperanças de sua pessoa”.57
Devido à ameaça de cólera em Turim, o exame de vocação aconteceu em setembro
em Chieri, diante do arcipreste da catedral, cônego Massimo Burzio (1777-1847), natu-
ralmente com resultado positivo.
55 MO (1991) 85.
56 Cf. A. Giraudo, Clero, seminario e società: aspetti della Restaurazione religiosa a Torino.
Roma, LAS, 1993, p. 184, n. 94.
57 Cit. de S. Caselle, Giovanni Bosco a Chieri..., p. 140.

14.7 Page 137

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Capítulo V
A FORMAÇÃO CULTURAL E ESPIRITUAL
ECLESIÁSTICA (1835-1841)
1835
1837
1840
1841
25 de outubro: vestidura clerical
3 de novembro: Giovanni entra no seminário de Chieri
tem início o biênio de estudos de filosofia
novembro: tem início o qüinqüênio de estudos de teologia
verão: preparação para o exame sobre os tratados do 4° ano de teologia
outono: supera os exames do 4° ano de teologia
é ordenado subdiácono
novembro: inicia o 5° ano do curso teológico
5 de junho, vigília da festa da Santíssima Trindade, é ordenado sacerdote na
igreja do arcebispado.
É compreensível que, retornando aos Becchi, João tivesse que se conformar ao
estilo de vida de um aspirante seminarista. “Deixei de fazer-me de saltimbanco e dedi-
quei-me às boas leituras”, escreve nas Memórias do Oratório. Obviamente ocupou-se
“com os meninos, entretendo-os com contos, agradáveis distrações e cantos sacros”,
e ensinando “também as orações cotidianas e outras coisas importantes” a alguns “já
crescidos, mas ignorantes nas verdades da fé”.1
As Memórias do Oratório deveriam estar próximas da realidade ao evocar a revi-
ravolta clerical. De fato, espelham idéias e sentimentos atestados poucos anos depois
nas pregações compostas entre o seminário e o Pensionato Eclesiástico, no testemunho
sobre Giuseppe Burzio, um clérigo do qual fora prefeito ou assistente de dormitório,2
e na biografia de Luigi Comollo.3 Era também a linha proposta por Cafasso.4 “Tomada
1 MO (1991) 86.
2 O testemunho fora enviado do Pensionato Eclesiástico em 16 de abril de 1843; Em I 49-52.
3 [G. Bosco], Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo morto nel seminario di Chieri
ammirato da tutti per le sue singolari virtù scritti da un suo collega. Turim, Tipografia
Speirani e Ferrero, 1844, 84 p.; OE I 1-84.
4 P. Braido, “Il sistema preventivo di don Bosco alle origini (1841-1862)”, RSS 14 (1995), p. 261.

14.8 Page 138

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138 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
a decisão de abraçar o estado eclesiástico e prestado o respectivo exame – continua a
narrar Dom Bosco em 1873 – ia-me preparando para aquele dia tão importante,
pois estava persuadido que da escolha do estado depende ordinariamente a salvação
eterna ou a eterna perdição”.5 João Bosco endossava o hábito eclesiástico pela mão
do pároco de Castelnuovo d’Asti, Pietro Antonio Cinzano, no dia 25 de outubro de
1835. Anota muitos decênios depois: “Depois daquele dia devia cuidar de mim mesmo.
A vida levada até então devia ser radicalmente reformada”, no espírito do regulamento
de vida que se imporia imediatamente. Os sete propósitos espelham, em parte, prescri-
ções aos estudantes contidas no régio Regulamento de 1822 para as escolas: evitar a
freqüência a uma série de lugares públicos, assim como aos jogos de prestidigitadores
e saltimbancos; praticar o recolhimento e a temperança; substituir as leituras profanas
por leituras religiosas; praticar a meditação e a leitura espiritual cotidianas; contar todos
os dias algum exemplo edificante ou máxima útil.6
Segue a referência às “memoráveis palavras” que a mãe lhe haveria de fazer às
vésperas da partida para o seminário. O verdadeiro hábito do eclesiástico era “a prática
das virtudes”; ou melhor, “prefiro ter como filho um pobre camponês, a um padre negli-
gente em seus deveres”; por ela “consagrado à Bem-aventurada Virgem” desde o nasci-
mento, era seu dever “amar os companheiros devotos de Maria” e propagar “sempre a
devoção a Nossa Senhora”.7 Margarida falava a um jovem de 20 anos, há muito fami-
liarizado com esses conceitos.
1. No seminário
O novel clérigo entrava, em 3 de novembro, no seminário de Chieri, sucursal do
de Turim para os que não visavam obter graus acadêmicos. O seminário de Turim, nas
intenções de seu fundador e organizador, o arcebispo Colombano Chiaveroti, pastor da
diocese em 1818, queria ser instituição extremamente séria, dirigida realmente a plasmar
o padre consagrado à ação pastoral. O “espírito eclesiástico” queria ser instilado através
da abundância da “divina palavra”, densamente impregnado da piedade sacerdotal, do
respeito pela igreja, da modéstia nos discursos e nas conversas, na civilidade do trato, na
aquisição de sólidas virtudes morais, particularmente a sobriedade e a castidade.8
João Bosco, jovem de 20 anos, parece sublinhar o próprio esforço com um singular
comentário à sentença que encimava a meridiana desenhada numa parede que deli-
mitava o pátio e o edifício: “Afflictis lentae, celeres gaudentibus horae. Eis – disse ao
5 MO (1991) 87.
6 MO (1991) 88-89.
7 MO (1991) 90.
8 Cf. A. Giraudo, Clero, seminario e società…, p. 155-213 (Preoccupazioni formative e
fondazione del seminario di Chieri).

14.9 Page 139

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 139
amigo [Gangliano] –, eis aí o nosso programa: vamos estar sempre alegres e o tempo
passará depressa”.9 Parece uma glosa mais adaptada a um colegial renitente do que a
um seminarista desejoso de empreender o caminho longamente almejado da auto-for-
mação. Mais verdadeira parece ser a norma de vida que ele diz ter pedido ao professor
de filosofia, o teólogo Francesco Ternavasio (1806-1886), para satisfazer aos próprios
deveres e conquistar a benevolência dos superiores (!). A resposta era lacônica e em
parte tautológica: “Uma só coisa – respondeu-me o digno sacerdote –, o cumprimento
exato do dever.10
Ao entrar no seminário, João Bosco, de fato, estava bem convicto quanto ao ser padre,
sustentado por uma fidelidade indômita mais que decenal. Sabia o quanto custara em sacri-
fício à família o estudo na escola pública e o quanto pesaria ainda o pagamento da pensão
mensal e a aquisição do necessário para os anos de seminário. Não foi por acaso que ele
aperfeiçoou a arte de pedir, tão necessária e aprimorada no futuro. Foram encontradas, rela-
tivas aos primeiros três anos de teologia, três súplicas para obter algum subsídio do Régio
Economato Geral. Os pedidos são anteriores, respectivamente, a 16 de janeiro de 1838,
12 de fevereiro de 1839 e 30 de março de 1840. As motivações eram sóbrias: na primeira,
o fato de não “ter pai e [ser] quase completamente destituído de bens” e, contudo, querer
“seguir a carreira para a qual lhe [sic] parece ser chamado por Deus”; na segunda, “não
podendo esperar qualquer ajuda dos próprios parentes, porque devem ganhar o alimento
como empregados de outros” e propondo-se a “progredir na carreira iniciada para a qual
lhe parece ser chamado claramente por Deus”; na terceira, as despesas notariais exigidas
pela constituição do patrimônio eclesiástico, que o irmão José e uma “pessoa benéfica” lhe
tornaram possível, com a finalidade “de poder perseverar no estado eclesiástico iniciado, ao
qual julga ser chamado unicamente por Deus”. Os primeiros dois pedidos foram atendidos
com 90 liras cada:11 era o montante de seis meses da pensão mínima. A “pessoa benéfica”
era Giovanni Febbraro, “filho de um cirurgião que de San Paulo Sobrito se transferira ao
centro habitado de Castelnuovo”, sócio de Giuseppe, irmão de Dom Bosco, na condução
do sítio de Sussambrino, como meeiro.12
A vida de seminário, intensa pelo suceder-se cotidiano de atividades escolares,
estudo pessoal, práticas de piedade e formação espiritual, é caracterizada, sobretudo,
pelo reencontro com Luigi Comollo, que ali entrava em 1836, e pelo encontro com o
teólogo Giovanni Borel (1801-1873), pregador dos exercícios espirituais na primavera
9 9 MO (1991) 90.
10 MO (1991) 91.
11 Cf. A. Giraudo, ‘Sacra Real Maestà’: considerazioni intorno ad alcuni inediti di don Bosco,
RSS 13 (1994), p. 270-271.
12 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 12-22, 36-38, e A. Giraudo,
‘Sacra Real Maestà’…, p. 270, n. 9; Costituzione del patrimonio ecclesiastico dalli signori
chierico Giovanni e Giuseppe fratelli Bosco e da Febbraro Giovanni. Ricevuto il 23 marzo
1840... da me Carlo Beltramo Notaio: cópia feita em 1875 pelo notário Carlos Razzini de
Buttigliera d’Asti, ASC A 0201001, FdB 74 C11-D7.

14.10 Page 140

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140 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
de 1838. A renovada familiaridade com Comollo levava a aprofundar a espiritualidade
dos dois amigos, diversos no temperamento e nas expressões de piedade, mas sempre
mais próximos da santidade exigida pela dignidade sacerdotal.13 Uniam-se ali, da parte
de Comollo, de saúde precária e de alta tensão espiritual, a aspiração sempre mais
ardente do paraíso, acentuada no decurso de uma dramática agonia, aplacada enfim,
em 2 de abril, pela morte confiante, seguida ainda do retorno fantasmagórico na noite
entre 3 e 4 de abril.14
A aspiração a um sacerdócio incondicionadamente sério podia ser posta à prova,
mas também reforçada, em João Bosco, no encontro com outros eclesiásticos durante
as férias de verão, por ocasião de festas religiosas com características mundanas.15
O aspirante ao sacerdócio encontrava logo o antídoto: “entreguei-me à vida recolhida,
e fiquei mesmo persuadido de que quem quer dar-se ao serviço do Senhor deve deixar
inteiramente os divertimentos mundanos”.16 Confirmava-o nesse caminho o encontro
singular com o teólogo Borel, descrito em breves e eficazes traços nas Memórias do
Oratório, a poucas semanas da sua morte (9 de setembro de 1873): “Entrou na sacristia
– o estudante de teologia João Bosco exercia naquele ano, 1838, o ofício de sacristão
– com ar alegre, com gracejos temperados sempre de pensamentos morais”. Tudo no
“digno sacerdote” chamava sua atenção: o modo de preparar e celebrar a missa, a popu-
laridade e o “fogo de caridade” na pregação, a maneira de administrar o sacramento da
penitência, a sabedoria no conselho, sobretudo em tema de vocação.17 É óbvio que o
perfil traçado em 1873 alarga aquele entrevisto em 1838, após as ricas experiências de
colaboração dos anos 40 e 50 e da amizade jamais interrompida.
2. Formação cultural estruturada
Quanto à formação cultural seminarística, pode surpreender, mas não muito, o que
Dom Bosco afirma trinta anos depois, contrapondo-lhe a formação dada no Pensionato
Eclesiástico: “o Pensionato Eclesiástico vem a ser um complemento dos estudos teoló-
gicos, porquanto nos seminários estuda-se somente a dogmática especulativa; na moral
estudam-se apenas as questões disputadas. Nele aprende-se a ser padre”.18
Tal é a impressão difusa entre os que saem de institutos de formação cultural.
Acreditam-se desguarnecidos das habilidades e orientações práticas exigidas pela ação,
não percebendo as estruturas mentais que lhe são dadas pelas disciplinas ensinadas na
13 MO (1991) 94-96, 100-102.
14 MO (1991) 100-104; cf. cap. 5, § 7.
15 MO (1991) 98-100.
16 MO (1991) 100.
17 MO (1991) 105-106.
18 MO (1991) 116.

15 Pages 141-150

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15.1 Page 141

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 141
escola. Certo tipo de ensino, porém, talvez tenha podido efetivamente mais encher do
que estruturar a cabeça. Nos anos 70 podia induzir Dom Bosco a uma implícita atitude
crítica diante dos que não compartilhavam seu jeito não seminarístico de formar os
clérigos salesianos e que, segundo seu modo de ver, queria isolá-los em centros de
estudos distantes dos lugares e das exigências da ação efetiva e empenhá-los em áridos
estudos livrescos. Ele, porém, não negava a necessidade de estudos filosóficos e teoló-
gicos apropriados e essenciais, embora jamais tendo exibido particular interesse pela
pura especulação.19
Dom Bosco, no fundo, só procurava evidenciar os limites reais que, em tempo de
contestação global, denunciava em termos mais drásticos padre Giacomo Perlo (1816-
1898), sacerdote empenhado no cuidado de almas, que estudara teologia no seminário
de Chieri, de 1833 a 1838. “A teologia que esperava pelos clérigos – escrevia em 1848 –,
era uma antiqualha, boa somente para o tempo de Lutero; nenhum aceno às questões
vivas e dos tempos. No seminário, eram vetados os livros dos autores de teologia mais
acreditados, e era preciso encolher-se na pobreza do pouco ditado pelo professor; de
resto, nenhuma golfada nem de literatura, nem de história, nem de qualquer outra nobre
disciplina, cujos livros foram sempre expulsos do recinto daqueles muros sagrados”.20
Sobre uma atitude do próprio João Bosco, estudante de teologia, de certo modo
contestadora, teria referido ao padre Giulio Barberis, o padre Giovanni Giacomelli
(1820-1901), seminarista a partir de 1836 e confessor do amigo desde 1873. “Dom
Bosco – era o testemunho – tinha boa memória e era muito aplicado ao estudo, mas
algumas vezes, ou melhor, não muito raro, estudava sim a lição, mas consultava também
vários autores de teologia e não estudava ad litteram como era de costume. Interrogado,
ele sabia; mas algumas vezes mudava um pouco de opinião, e demonstrava opiniões um
tanto diferentes do tratado. Recordo-me de uma vez em que o professor o repreendeu:
‘Estude o tratado ao pé da letra, como os outros’. Era uma das coisas às quais não se
adaptou senão com dificuldade”.21
De fato, seja o que for que Dom Bosco escreva sobre o período trinta e cinco anos
depois, o sexênio seminarístico foi, depois dos cursos de latinidade, o único período em
que o clérigo Bosco pôde ocupar-se plenamente de sua formação sacerdotal. Colocou
também nesse tempo as bases essenciais da própria cultura específica de padre desti-
nado ao cuidado de almas e decidido a servir-se dos próprios talentos nas futuras
19 CE [G. Bosco], Cenno istorico sulla Congregazione di S. Francesco di Sales..., p. 13-17;
OE XXV 243-247, apresentado aos cardeais da comissão consultada sobre a aprovação das
Constituições.
20 G. PERLO, Alcuni cenni sopra un nuovo ordinamento del clero... Turim, Tipografia de G.
Cassone, 1848, p. 26.
21 G. BARBERIS, Cronichetta, caderno 6, p. 37-38. O testemunho fora dado, com outros, num
encontro casual de 26 de março de 1876. Padre Giacomelli entrara no seminário para iniciar
o primeiro ano de filosofia em 1836, enquanto Dom Bosco iniciava o segundo, mas assistiam
às mesmas aulas, pois o ensino era cíclico.

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142 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
formas de apostolado, entre elas a de escritor. Ele teve que seguir escrupulosamente as
explicações dadas pelo professor nas longas horas de aulas e de aprendizagem, nova-
mente percorridas pelo repetidor na hora cotidiana dedicada ao trabalho de elucidação
e memorização ulteriores, e novamente recolocadas e rediscutidas nos “círculos” de
todos os dias. Os professores eram válidos e os autores, nos quais se inspiravam e que
eles mesmos tinham seguido nos cursos universitários de doutorado, eram em geral
sérios e importantes. Além disso, as orientações sobre o aproveitamento e os exames
eram exigentes; e o candidato, volitivo, inteligente e responsável.
De fato as Constituições do seminário de Turim, promulgadas pelo arcebispo
Chiaverotti em 1819, nasceram de visões pastorais, mas também de preocupações de
elevação cultural e espiritual, e fora desejada por ele a sede sucursal aberta em Chieri,
em 1829. O novo seminário tinha um pró-reitor como superior, e os estudos de filo-
sofia e teologia eram organizados segundo esquema análogo ao de Turim. Numa linha
homogênea, o arcebispo escrevia as Epistulae ad clerum e fazia todos os anos para
os seminaristas seus discursos de orientação formativa.22 Por vocação, o eclesiástico
era chamado a ser “luz do mundo e sal da terra”, mas como haveria de corresponder
a essa parte essencial de sua vocação sem se aplicar “seriamente no estudo? Ai de um
eclesiástico ignorante!”.23 A formação cultural era tida como inderrogável em tempos
exigentes e de restauração, e, por isso, fazia-se necessária “uma geração de eclesiás-
ticos animados de reta intenção, santos e doutos, impelidos pelo zelo pastoral”.24 Ao “ai
dos que” do arcebispo correspondia um artigo das Constituições, voltado a garantir o
estudo metódico e sério: “Depois da piedade, ao que deseja formar-se eficazmente para
um digno sacerdócio, é sumamente necessária a aplicação ao estudo. Por isso, orde-
namos que no tempo dado ao estudo cada qual esteja à sua escrivaninha e em sua cela a
estudar em voz baixa, em silêncio, para não causar perturbação aos vizinhos. No tempo
de estudo não é lícito ler qualquer outro livro que não pertença à matéria do estudo, sem
licença particular dos próprios repetidores”.25
As atividades de aprendizado cultural ocupavam, de 3 de novembro a 25 de junho,
jornadas intensas, que tinham início às 5:30 da manhã (mais cedo na primavera avan-
çada) e terminavam pelas 9:30 ou 10 horas da noite. Reservava-se ao estudo pessoal
cerca de uma hora e quinze minutos entre o levantar-se e a primeira refeição, meia hora
no início da tarde, e mais duas horas à tarde, das 17 às 19 horas. Para o aprendizado
22 Sobre estas e outras temáticas, Aldo Giraudo fez uma aprofundada pesquisa, na monografia
citada Clero, semínario e società…, resumindo em três densos capítulos a realidade do
seminário de Chieri: Preoccupazioni formative e fondazione del Seminario di Chieri (1829)
(cap. III), L’organizzazione del seminario (cap. IV), Il modello formativo (cap. V: em
particular, p. 277-288).
23A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 267 268.
24A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 188.
25 Costituzioni pel Seminario Metropolitano di Torino. 1819, pt. II, cp. III, art. 1°, in: A. Giraudo,
Clero, seminario e società..., p. 374.

15.3 Page 143

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 143
coletivo eram dedicadas, sobretudo, as duas aulas (de uma hora e quinze cada para
os estudantes de filosofia) pela manhã e uma à tarde, além dos “círculos”.26 Havendo
apenas um catedrático para filosofia e outro para teologia, o ensino das matérias era
cíclico. Da contabilidade do seminário não resulta que se usassem livros escolares.
Também de acordo com o testemunho do citado padre Perlo, segundo a tradição do
século anterior no seminário de Chieri, o professor ditava suas lições seja de filosofia
seja de teologia.27
Aconselhava-se o uso de textos impressos a quem, durante o verão, preparava o
exame de outono, como aconteceria ao clérigo Bosco. De fato, durante o terceiro ano de
teologia, amadurecia a idéia de passar do terceiro ao quinto ano, preparando os exames
das disciplinas do quarto ano no período de verão. Ele alegava ao arcebispo sua “idade
avançada de 24 anos completos”. Acolhido com benevolência, obtinha o favor soli-
citado.28 Segundo o testemunho do então vice-pároco de Castelnuovo, padre Stefano
Febbraro, os textos de exame teriam sido o De Eucharistia, do dominicano Pietro Maria
Gazzaniga (1722-1799), e o De Poenitentia, de Antonio Salasia (1731-1812).29
Quanto às repetições (“sabatinas”), as Constituições davam orientações precisas: “1.
A repetição será feita todos os dias do ano escolar, excetuado o sábado de cada semana
e o dia solene da Imaculada Conceição de Maria Virgem, e haverá, também, o círculo
todos os dias. 2. A repetição durará uma hora. A primeira meia hora será empregada na
interrogação e exposição da repetição anterior; e a segunda, na explicação e desenvol-
vimento da lição indicada para a repetição seguinte. O círculo durará meia hora e será
feito à maneira de sabatina sobre a última das questões explicadas e estudadas”.30
Esse potencial formativo-cultural conferiu certamente amplitude e fundamento mais
sólidos à visão antropológica e às concepções dogmáticas e morais de Dom Bosco, que
tinha ficado até então no nível do catecismo juvenil e da doutrina cristã aprendida no
tempo dos estudos de latinidade. As estruturas culturais básicas de Dom Bosco padre
referem-se ao tempo de seminário.
3. Biênio de filosofia
Não è fácil definir o quanto Dom Bosco tenha podido haurir do biênio filosófico.
O ensinamento era dado pelo teólogo Francesco Stefano Ternavasio. Nele “seguia-se
o programa prescrito para as escolas públicas, que compreendia os tratados de lógica e
26 Costituzioni..., in: A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 353 354.
27 Cf. A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 269-276.
28 Cf. MO (1991) 108-109.
29 Documenti XLIII 8.
30 Costituzioni, parte I, cap. V, cit. por A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 357: os art.
4 e 5 apresentam esquemas precisos sobre o desenrolar-se da semana das repetições e dos
círculos para as várias disciplinas (p. 357-358).

15.4 Page 144

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144 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
metafísica, de ética, geometria e física”.31 Das poucas páginas autobiográficas do estu-
dante Bosco, eco de lições introdutórias à filosofia, deduzem-se expressões e concep-
ções familiares a diversos sistemas, que poderiam referir-se a uma filosofia inspirada em
distantes raízes empíricas lockianas e sensistas, com consistentes correções realísticas
e espiritualistas. Nessa direção desenvolvera-se o pensamento do somasco Francesco
Soave (1743-1806). Convergia também nessa direção a obra de um moderado de grande
cultura, que o professor de Dom Bosco não podia ignorar, Giuseppe Matteo Pavesio
(1757-1800), autor de três volumes de Elementa logices... metaphysices... philosophiae
moralis ad subalpinos.32 Dom Lorenzo Gastadi, que fizera o biênio de filosofia na
Universidade de Turim nos anos 1829-1831, tivera como professor de lógica e meta-
física Giacomo Andrea Abbà (1780-1836), de orientações análogas. Este, “autor de
várias obras filosóficas, entre as quais Elementa logices et metaphysices, Turim 1829,
e Dos conhecimentos humanos, Turim 1835, continuou fundamentalmente o ensino do
predecessor”, “G. B. Benone, seguidor de Locke”. O Abbà, porém, tinha procurado
“temperar sensismo e espiritualismo, enquanto ensinava que as idéias derivavam não só
dos sentidos, mas também da alma”. Submetera à crítica também o Novo ensaio sobre a
origem das idéias, de Antonio Rosmini. Dom Gastaldi, porém, percorrendo o caminho
oposto, acabava por chegar às doutrinas rosminianas e formulava em seguida um juízo
severo e negativo sobre o ensino da filosofia recebido na universidade,33 afirmando ser
devedor à filosofia rosminiana o fato de se ter subtraído às angústias do psicologismo
e do subjetivismo.34
Parece que a filosofia de Dom Bosco assimilou em alguma medida a orientação
empírico-espiritualista, com forte acentuação ético-prática. Em seu caderno escolar
aparece uma definição disso, que certamente reproduz o que foi ditado pelo professor:
“Ciência do verdadeiro e do bom”, “buscada” “pela reta razão” “para a verdadeira
felicidade do homem porque ensina ao homem a julgar retamente as coisas e delas
bem servir-se e gozar segundo a prescrição das leis”. “Nós a dividimos em Lógica,
Metafísica, Ética”; “a Lógica e a Ética pertencem ao Espírito; a Metafísica, a todas as
coisas distintas da matéria; a Física, ao corpo. O primeiro dever da Filosofia é curar
a alma das doenças, defender para nós os direitos da razão, aumentá-la e aperfeiçoá-
la”.35 Ao traçar o perfil de Silvio Pélico, Dom Bosco definia-o “grande filósofo, poeta e
escritor”, acrescentando: “O abade Antonio Rosmini foi grande cultivador da filosofia,
que tem por finalidade fazer conhecer a verdade e guiar o homem na fuga do mal e na
prática do bem”.36
31A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 274.
32 Taurini, Ex typographia Regia, 1793-1795.
33 Cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883.Vol. I: Teologo, pubblicista, rosminiano,
vescovo di Saluzzo: 1815-1871. Casale Monferrato, Edizioni Piemme, 1983, p. 24.
34 Il Conciliatore Torinese, n. 79, 4 de julho de 1849.
35 Bosco Gioanni. Codice contenente sonetti ed altre poesie.., p. 61, ASC A 2260414, FdB 69 A1.
36 G. Bosco, La storia d’Italia raccontata alla gioventìi da’ suoi primi abitatori sino ai nostri
giorni… 2a ed. Turim, tipografia Paravia e comp., 1859, p. 466.

15.5 Page 145

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 145
Esses conceitos, em seu conjunto, parecem espelhar os conteúdos dos livros siste-
máticos do citado Pavesio, teólogo colegiado e, a partir de 1787, docente confiável de
filosofia moral no Ateneu turinense; ele tinha “a fama de douto teólogo e de verda-
deiro cristão”,37 cuja obra Institutiones philosophicae ad subalpinos foi considerada
como “testamento do ensinamento filosófico dos últimos trinta anos [do séc. XVIII] na
universidade”.38
Ao iniciar a Ontologia, ele cita particularmente “Locke, Condillac, Soave, Draghetti
e outros metafísicos mais recentes”;39 mas ocorrem também os nomes de Leibniz, Pascal,
Grotius. Ele quer garantir em sua filosofia a objetividade das idéias gerais relativas à
realidade do mundo, do homem, de Deus; e a religião – como na vida do autor, diácono,
a fé cristã – tem nela um papel privilegiado. “A missão e o fruto mais fértil da filosofia
é abrir o homem ao homem e, por assim dizer, ser seu companheiro no itinerário para
a sabedoria e a felicidade”. Por isso, a reflexão filosófica parte da “contemplação do
homem”, da harmonia de sua estrutura corpórea e de sua interioridade, ascendendo da
sensibilidade à racionalidade, através da fantasia. “A mente, inflamada por essa força,”
sobe às alturas dos céus, desce às profundidades dos abismos, observa a riqueza das
criações humanas. Vai então descobrindo a verdadeira dignidade do homem como “ser
autônomo e livre, nascido não tanto para si mesmo quanto, sobretudo, para Deus e
para os outros homens, a ponto de sentir-se religiosamente ligado ao seu Criador com
o fortíssimo vínculo da lei eterna e do parentesco da razão”. “O gênero humano inteiro
é, de fato – escrevera em páginas anteriores –, como uma só família, na qual todos os
homens são igualmente irmãos; Deus Ótimo e Máximo é, pois, o sumo imperador, ou
melhor, o pai comum”; “de aqui nasce a Religião, fundamento de todas as virtudes, e a
piedade para com Deus, com o qual é natural no homem a comunhão da razão, o paren-
tesco, a semelhança; de aqui nasce o conjunto de todos os deveres, para os quais tende
este maravilhoso animal feito para a convivência social”. Conhecer e agir são tarefas
que já Aristóteles tinha confiado ao homem; são o caminho obrigatório para a felicidade
e a imortalidade feliz. “A missão da filosofia é, pois, levar o homem a conhecer e a
agir”, por onde possa chegar à “felicidade”.40
É também interessante a relação estabelecida entre Ontologia e Teologia natural.
Depois de mostrar “o modo com que se formam todas as nossas idéias abstratas”, o
autor indica a passagem das idéias das “propriedades dos entes” à demonstração da
37 G. Casalis, Dizionario geografico storico-statistico-commerciale. Vol. XI. Turim,
G. Maspero, 1843, p. 163. Casalis dedica a Pavesio as p. 162-181 do volume. Sobre ele escreve
difusamente C. Calcaterra, I Filopatridi: scritti scelti, con prefazione sulla “Filopatria” e
pagine introduttive ai singoli autori. Turim, SEI, 1941, p. 379 432.
38 P Stella, “Giurisdizionalismo e giansenismo all’università di Torino nel secolo XVIII”,
Salesianum 20 (1958), p. 383.
39 G. M. Pavesio, Elementa metaphysices..., p. 143.
40 G. M. Pavesio, Elementa logices..., p. 1-2, 16-20, 28; sob o título Hominis contemplatio,
p. 1-30.

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146 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
existência de Deus: a ela se chega, com efeito, “com o raciocínio a partir das noções
das coisas deste universo, que se percebem com os sentidos”.41 Pavesio vale-se de três
argumentos, que são familiares à catequese e à antropologia de Dom Bosco: físico,
metafísico, histórico-moral. O argumento físico, segundo Pavesio, tem a “maior força”:
o homem, “na verdade, percebe com os sentidos a amplitude, a ordem, a disposição do
universo e a direção de todas as coisas a um fim determinado”; “isso tudo não acontece
por acaso”. O argumento metafísico é “o mais válido de todos e a ele se deverá recorrer
em última análise quando se deve tratar com os ateus, como são os céticos ou os que
se apresentam como tais”: o homem, “graças à reflexão e ao raciocínio, considera a
existência do espírito, a origem do movimento que está na natureza e a governa e a série
das causas nas coisas criadas, e avalia sua dependência e contingência”, que postula o
Absoluto e o Necessário. O argumento histórico-moral forma-se quando o homem,
caminhando ulteriormente no reto uso de suas faculdades cognoscitivas, “indaga sobre
as certezas dos homens, percorre de novo sua história e a origem dos reinos e, na iden-
tidade absolutamente extraordinária de consensos, descobre outros testemunhos, que
provam e tornam evidente a existência de Deus”.42 Quanto ao argumento “metafísico”,
Pavesio refazia-se de modo particular a Samuel Clarke, “que, de princípios evidentís-
simos, devidamente relacionados em certa ordem geométrica, deduz o quanto a razão
pode conhecer de Deus e de seus atributos”.43
Em sua futura apologética, Dom Bosco mostrar-se-ia inclinado a raciocínios
análogos, que confinavam com o bom senso e o pensamento popular, onde estupor e
admiração encontravam-se diante da ordem maravilhosa do universo, da concatenação
das causas que remetem a uma causa primeira, da universalidade da persuasão da exis-
tência de Deus e do culto a ele prestado. “Basta abrir os olhos e contemplar o que se
apresenta a nossos olhos – escreveria nos primeiros anos 50 –, para termos uma clara
idéia da existência de um Deus Criador, do qual tudo teve origem; Conservador, do
qual tudo depende. Vede este relógio? Quem o fez? (…) Não poderia fazer-se por si
mesmo? Certamente, não (...). Agora vemos este mundo, no qual existem tantas coisas
maravilhosas, diríamos que se tenha formado a si mesmo? (...). Nenhum outro pode
tê-lo formado além de Deus onipotente. Assim como para o relógio, também para o
universo é necessário admitir “Deus como causa primeira, isto é, como criador”. “Ele
é a causa primeira, sem a qual a terra não existiria”. “Ele, aquele sapientíssimo artífice,
que deu ordem e movimento a todas as coisas”. “A existência de Deus é uma verdade
tão fácil de se conhecer, que os homens de todos os tempos, de todos os lugares,
mesmo bárbaros ou incivilizados, todos tiveram conhecimento da existência de Deus,
todos prestaram algum culto a um Ser Supremo, como atestam os próprios escritores
profanos”. Enxerta-se aí, inevitável, a contribuição do sistema tradicionalista: “A idéia
41 G. M. Pavesio, Elementa metaphysices…, p. 145.
42 G. M. Pavesio, Elementa metaphysices…, p. 180-181, 185.
43 G, M. Pavesio, Elementa metaphysices…, p. 189.

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 147
universal de Divindade foi inserida, sem dúvida, no coração dos homens, pelo Criador
e claramente comunicada a Adão, primeiro homem do mundo, e por ele transmitida
de geração em geração a todos os seus descendentes. Como vimos, essa idéia torna-se
depois sensivelmente manifesta pela visão deste universo, que revela de tantas maneiras
as glórias do seu Criador”. Debruça-se, depois, novamente sobre os argumentos “meta-
físico” e “físico”, não diversos das considerações de Pavesio: “As coisas que existem
no mundo manifestam de muitas maneiras a existência de um Deus Criador, verdade
que tocamos com as mãos quando consideramos, por pouco que seja, a nós mesmos.
A estrutura admirável do corpo humano é-nos apresentada como a obra maior de um
artífice de habilidade infinita. A faculdade de pensar, julgar e querer que sentimos em
nós mesmos é outra prova da existência de Deus, pois, não podendo dar essas facul-
dades a mim mesmo, devo concluir que elas vêem de Deus. Além disso, observando a
maravilhosa união de nossa alma ao corpo, as relações de todo o homem com as coisas
que estão fora de si, as pequenas e as grandes coisas, o céu, a terra, os peixes do mar,
os animais da terra, os pássaros do ar, tudo isso diz a uma só voz: há um Deus que nos
criou; um Deus que nos conserva”.44
Dom Bosco também filosofava quando contava o “espirituoso episódio” do criador
de galinhas que confunde o incrédulo fazendo-o perder-se no árduo problema da prece-
dência do ovo ou da galinha, reservando a conclusão aos presentes, admirados com o
discurso do criador de galinhas e divertidos com a confusão do incrédulo: “Ide também
do ovo à galinha até quando quiserdes: mas devereis enfim concluir que existe um Deus
onipotente, que criou o ovo e a galinha”.45 Contava-o também aos jovens do Oratório
de Valdocco numa carta do santuário de Santo Inácio acima de Lanzo Torinese, em
22 de julho de 1864, narrando a aguerrida discussão acontecida num trem entre “dois
médicos, dois advogados, um literato e outros dois homens”, inicialmente sobre coisas
relativas à “história sagrada”. Da conversa, Dom Bosco sai, obviamente, vencedor,
como ele mesmo se proclama. Depois voa alto: “A conversa, então, foi parar na filo-
sofia, na teologia; queriam sustentar o panteísmo de Spinoza, o dualismo de Manete,
etc. etc., mas logo tiveram que desistir de suas proposições. Puseram-se, então, a fazer
tanto barulho e tanta gritaria contra a existência de Deus, que eu acreditei fosse bom
deixá-los desabafar para poder responder-lhes. Tendo-se acalmado um pouco, à maneira
de brincadeira, contei-lhes a história da galinha e do criador de galinhas; depois, inter-
roguei-os assim: - A vós, – disse a um médico, – parece que tenha sido o ovo ou a
galinha?”. Ninguém sabe responder. A solução é proposta por um viajante anônimo:
“Eu daria a galinha e o ovo a um cozinheiro para que os faça cozinhar e nos sirva de
conforto depois desta chuva. Vós, porém, senhor Doutor, ide também do ovo à galinha
44 G. Bosco, Il cattolico istruito nella sua religione. Trattenimenti di un padre di famiglia co’
suoi figliuoli secondo i bisogni del tempo. Turim, tipografia dirigida por P De Agostini, 1853.
Ponto 1, traço I: Conoscenza di Dio, p. 7-13.
45Ib., p. 8-9.

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148 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
quanto quiserdes, mas devereis concluir que há um Deus que criou o ovo ou a galinha,
de onde depois [tenha] vindo o ovo”.46
O que se pode induzir é que Dom Bosco não foi iniciado numa séria filosofia realista
e espiritualista. Sem dúvida, no ensinamento de Ternavasio não havia espaço para uma
metafísica do ser de derivação tomista ou escolástica. À relação de causa e efeito subs-
tituía-se a sucessão puramente empírica e fenomênica do antes e do depois. Em Chieri,
não nascia um filósofo, mas certamente um homem capaz de ordem e seqüencialidade
no raciocínio, aliás, habilitado a recorrer a todos os instrumentos que a eclética filosofia
eclesiástica do tempo podia oferecer-lhe para dar alguma base racional e confirmações
plausíveis ao que propunha a doutrina revelada, ilustrada pelos tratados teológicos De
Deo eiusque attributis, De Trinitate, De actibus humanis et de conscientia, entre outros.
4. Quadriênio de teologia
Do mesmo modo, não se têm informações precisas sobre textos à mão dos professores
ou por eles seguidos em relação ao ensino das disciplinas teológicas. Estas podem ser
encontradas, de alguma maneira, nos estudos feitos pelos professores na Universidade
de Turim, onde Alasia era o mestre incontestável da moral. “É preciso acrescentar que
o seminário de Chieri efetivamente possuía apenas uma modesta biblioteca, criada no
outono de 1834 com sobras de depósitos e duplicatas da biblioteca turinense e aumen-
tada, ao que parece, com apenas poucos títulos em vários anos”.47
Não aparecem nos programas a Exegese e a Hermenêutica bíblica, a História eclesiás-
tica, o Direito canônico, a Pastoral. Sabe-se, porém, quais fossem os tratados de teologia
objeto das lições, das repetições e dos círculos: De locis theologicis, de Deo eiusque attri-
butis, de Trinitate, de incarnatione, de gratia Christi, de sacramentis in genere, de baptismo
et confirmatione, de eucharistiae sacramento et sacrifício, de poenitentia, de ordine, de
actibus humanis et de conscientia, de religione, de peccatis in genere et de peccato originali,
de iustitia et iure.48 Quanto às orientações em moral e eclesiologia, escreve um estudioso
confiável: “Em síntese, nos primeiros decênios do séc. XIX, a diocese turinense oferecia
esta fisionomia: nas Faculdades de Teologia e de Leis, nos Seminários e nas Conferências
de moral, ensinava-se o probabiliorismo em relação à moral, em matéria eclesiológica
(apesar da neutralidade oficial) expunham-se teses anti-infalibilidade e também críticas
a respeito do primado. Na praxe pastoral aplicava-se o rigorismo; entre o clero, o douto
certamente, do qual provinham os bispos, eram comuns as idéias moderadamente filogali-
canas, no sentido afirmado acima” (isto é, jurisdicionalistas).49
46 Em II 60-62.
47A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 275-276.
48 48 A. Girauldo, Clero, seminario e società..., p. 275, n. 141.
49 G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. I, p. 33.

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 149
No curso de dogmática e moral, o clérigo Bosco não deve ter sido iniciado num
estudo propriamente científico da teologia. A formação teológica não parece tê-lo
levado nem mesmo a considerar um ou outro dos grandes dogmas cristãos como centro
da espiritualidade e da catequese. Sua concepção teológica gira ao redor do problema
da salvação eterna e encontra seu centro em Deus Criador, Pai e Remunerador, que
envia à humanidade o Filho, que em Jesus de Nazaré se torna o Redentor e Salvador.
Sua mentalidade cristã específica parece mais influenciada diretamente pela instrução
catequética originária e pela vivência da religiosidade popular, e reforçada cultural-
mente mais pela literatura secundária, que, sobretudo, o apaixonará e ocupará como
escritor-educador juvenil e popular: histórico-religiosa, sacra e eclesiástica, apologé-
tica, eucológica. Esta última irrompe principalmente no Jovem instruído, sem esquecer
A chave do paraíso, Vade-mécum cristão, Mês de maio.
É notável, porém, o influxo da Theologia moralis de Giuseppe Antonio Alasia, o
moralista clássico da Universidade de Turim e dos dois seminários teológicos, que
era também a plataforma do ensino da moral no próprio Pensionato Eclesiástico.
O conjunto era baseado nos conceitos fundamentais de ato humano voluntário, norma,
lei, liberdade de indiferença, consciência. Visava solucionar o conflito dos sistemas
excogitados para ajudar a tornar praticamente certa a consciência duvidosa, compondo
lei e liberdade. Alasia, argumentador firme e tratadista sistemático, e igualmente com
clara orientação pastoral, enfileirava-se numa posição probabiliorista e tuziorista.
Porquanto tenha sido induzido, no Pensionato Eclesiástico, à escola do teólogo
Luigi Guala (1775-1848) e do padre Cafasso, a aderir ao probalismo de santo Afonso
de Ligório, parece que Dom Bosco conserva alguns traços do rigorismo moderado de
Alasia em relação a vários problemas de moral. De resto, com soluções idênticas ele já
se tinha familiarizado através da aprendizagem em família e no curso de latinidade em
Chieri, com o Breve Catecismo, com o Catecismo para uso dos jovens já admitidos à
comunhão e dos adultos, contidos no já citado Compêndio da doutrina cristã para uso
da diocese de Turim, do arcebispo cardeal Gaetano Costa. O arcebispo compartilhava e
propugnava as idéias de Alasia.50 Essas obras tocavam uma gama notável de situações
e comportamentos morais: ocasiões de pecado e obrigações relativas, comportamentos
práticos relativos à observância do sexto e nono mandamentos, integridade da confissão
e dever de manifestar também os pecados duvidosos quanto à sua gravidade e ao fato de
já tê-los confessados ou não, freqüência da confissão e da comunhão.51
50 Cf. O. Favaro, Il catechismo torinese del card. Costa nella storia della catechesi italiana
(1786). Turim, Deputazione Subalpina di Storia patria, 1989, p. 117-141 (Indirizzi di teologia
morale). Sobre a Crise da teologia moral no Piemonte, sacudida pelas polêmicas entre
filojansenismo, rigorismo moderato e benignismo, com referência explícita a Alasia, cf. P.
Stella, “Crisi religiose nel primo Ottocento piemontese”, Salesianum 21 (1959), p. 53-63.
51 Cf. P. Braido, “Il sistema preventivo di don Bosco alle origini (1841-1862)”, RSS 14 (1995),
p. 258-259.

15.10 Page 150

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150 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Concluindo, do ponto de vista cultural, pode-se observar que a formação filosófica
e teológica não levou Dom Bosco à adesão crítica formal a qualquer sistema dogmático
e moral bem definido, estruturado e estruturante. Ele não sai dessa formação na posse
de um método científico de pesquisa e elaboração conceitual que o habilite, nos vários
setores, a crítica formal das fontes das quais haure. Isso o levará a aproximar-se dos
vários autores com mentalidade largamente disponível e eclética, quer quando escreve
sobre temas teológico-religiosos, quer na narração histórica, bíblica, eclesiástica, civil,
quer ainda quando se empenha na produção apologética e polêmica.
5. Preferências pela história e pela apologética militante
Na verdade, João Bosco seminarista não se deteve na cultura assimilada nos cursos
escolares. Como se viu, algum fundamento pode ser atribuído à sua conversão, por
ele sustentada, mas não se levar muito à letra, da leitura apaixonada dos clássicos ao
De imitatione Christi. O encontro foi, contudo, feliz e fecundo. Sem dúvida, corres-
pondente à sua mentalidade, revelada desde as primeiras publicações e perseguida por
decênios, é a predileção, que Dom Bosco mesmo afirma, pela história sagrada e ecle­
siástica e pela apologética. “Dediquei-me depois à leitura de Calmet, História do Antigo
e Novo Testamento – conta nas Memórias do Oratório –; de Josefo Flávio, Antiguidades
judaicas e A guerra judaica; depois monsenhor Marchetti, Reflexões sobre a religião;
e posteriormente de Frassinous [sic], Balmes, Zucconi, e muitos outros autores reli-
giosos; gostei também de ler História eclesiástica, de Fleury, ignorando então que não
convinha lê-la. Com maior fruto ainda li as obras de Cavalca, de Passavanti, de Segneri
e toda a História da Igreja, de Henrion”.52
Dom Bosco explica a abundância de leituras extra-escolares com a grande dispo-
nibilidade de tempo, graças à feliz memória e ao fato que “a leitura e explicação do
texto em aula” bastavam para satisfazer aos seus deveres. Em seu modo de dizer, ele
pôde aplicar-se também à aprendizagem de várias línguas. “Um estudo ao qual muito
me aplicava era o grego”; “foi também nesse tempo que estudei francês e elementos de
hebraico. Essas três línguas, hebraico, grego e francês, foram minhas línguas preferidas
depois do latim e do italiano”.53
O nível de conhecimento dessas línguas foi certamente desigual e não é dito que
os autores citados tenham sido lidos todos no período de seminarista ou todos integral-
mente. É provável que ele reúna num único elenco autores e livros tidos nas mãos mesmo
em anos sucessivos,54 sobretudo os que lhe serviram como subsídio direto e imediato na
composição dos livros de história religiosa, espiritualidade juvenil e apologética.
52 MO (1991) 107.
53 53 MO (1991) 108.
54 Por exemplo, a obra apologética de J. Balmes (1810-1848), El protestantismo comparado con
el catolicismo en sus relaciones con la civilización europea, em 4 tomos, saiu entre 1842 e
1844. Dela, tinha-se nos anos seguintes a edição italiana em várias cidades da península: a
mais próxima de Dom Bosco em Carmagnola (Tip. Pietro Barbiè, 1852, 2 vol.) com o título
Il protestantismo paragonato col cattolicismo nelle sue relazioni colla civiltà europea.

16 Pages 151-160

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16.1 Page 151

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 151
Fica evidente o uso de Calmet para a cronologia bíblica na História Sagrada (1847),
de Bérault Bercastel na História Eclesiástica e é provável algum influxo da Defesa do
Cristianismo de Frayssinous, na terceira edição italiana, em Turim, 1829. No livro de
Segneri, O cristão instruído, Dom Bosco inspira o título da importante obra de instrução
catequética, O Católico instruído em sua religião: entretenimentos de um pai de família
com seus filhos segundo as necessidades do tempo (1853). Enfim, em Bercastel e Fleury
e outros autores (entre os quais Fernando Zucconi, por ele citado),55 que se inspiram na
interpretação da história ilustrada pelo Discurso sobre a história universal de Bossuet,
ele se relaciona abertamente em todas as suas obras narrativas, entre elas a História da
Itália. É, como se sabe, uma interpretação da experiência humana milenar essencial-
mente teologizante, providencialista, hagiográfica e moralista.
Narrador de história, Dom Bosco tinha certamente presentes as idéias que Bercastel
enunciava na abertura da longa História do cristianismo: “A história eclesiástica tem
por objeto a fé, a disciplina e os costumes; ou seja, o princípio e os efeitos da autoridade
da Igreja, as máximas de seu governo e as várias maneiras de santificar seus membros,
as ajudas admiráveis com que o Espírito Santo a preveniu contra todos os esforços
feitos pelo inferno para romper sua unidade e macular seu candor (...). Limito-me
a tratar de seus sucessos mais luminosos; contudo, os traços de história puramente
isolados e, sobretudo, as matérias estranhas e profanas não encontrarão lugar neste
edifício majestoso”.56 “Eis a minha intenção – prosseguia –: fazer conhecer ao longo
de toda a obra a proteção do Senhor, que jamais faltou sobre seu povo, a santidade não
menos que a infalibilidade da Igreja, sua beleza igualmente e seu esplendor, mesmo
nos tempos das maiores trevas e malgrado as máculas que freqüentemente desfigu-
raram uma porção de seus membros. Nada vos podia ser de mais idôneo para nutrir ou
reanimar a fé”.57
Em seus livros, porém, Dom Bosco referia-se também a certa historiografia católica
que prefere sublinhar os “triunfos” da Igreja e do papado, induzindo a uma visão mais
otimista dos acontecimentos.58
55 Pietro Stella vê analogias entre as Lezioni sacre sopra la divina scrittura (1729) de Zucconi
e o Entretenimento III da Segunda Parte de Il cattolico istruito; mas acredita ser mais estreita
a ligação com as notas explicativas da Bíblia traduzida por Antonio Martini. Mais evidentes
pareceriam, porém, as analogias entre os Ragionamenti de Cesari sobre a vida de Cristo e
sobre os Atti degli apostoli e a Vita di San Pietro de Dom Bosco (Cf. P. Stella, Don Bosco
nella storia della religiosità cattolica I 75 e n. 81-83).
56 Storia del cristianesimo, do abade de Bérault-Bercastel, apresentada em italiano com
dissertações e notas do abade Giovanni Battista Zugno (vol. I. Turim, Tip. Cassone, Marzorati
e Vercellotti, 1831, p. 15-16).
57A. H. Bérault-Bercastel, Storia del cristianesimo, vol. I, p. 30.
58 P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica I 70-71 e n. 64-65.

16.2 Page 152

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152 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Contudo, em sua produção devocional, escrita e oral, não parece ser possível indi-
viduar prováveis traços das leituras, que diz ter feito, de livros espirituais, como os de
Cavalca e de Passavanti. Não estão ausentes ali, porém, alguns temas, talvez devidos
mais a convergências que dependências. Será observado adiante a condivisão da
presença do prodigioso na comunidade eclesial e em cada católico, que as compilações
de história já sugeriam copiosamente.
6. Formação disciplinar, moral, espiritual
O seminário era principalmente uma forma precisa, na qual se modelavam as
atitudes e os comportamentos típicos da personalidade do sacerdote. No seminário de
Chieri Dom Bosco também foi plasmado.
O componente básico era, antes de tudo, a disciplina, regulada segundo as constitui-
ções e o espírito de são Carlos Borromeo. Dom Bosco apresenta-lhe uma descrição nas
Memórias do Oratório, mais caricatural do que forçada: “Era costume visitar o reitor
e os demais superiores na chegada das férias e quando se partia para elas. Ninguém ia
falar com eles, a não ser quando chamado para receber alguma reprimenda. Um dos
superiores, por turno, vinha assistir cada semana o refeitório e os passeios, e isso era
tudo”; “se algum superior por acaso passasse no meio dos seminaristas, todos, sem
saber por que, fugiam precipitadamente para um lado ou para outro como de um cão
sarnento”.59 É a representação de um sistema formativo, qualificado do ponto de vista
do próprio estilo preventivo. Por outro lado, ela contradiz tudo o que ele mesmo escre-
veria poucos anos depois sobre os “dois sistemas” “sempre usados na educação da
juventude”. Seu sistema não espelhava exatamente aquele usado há séculos nos semi-
nários. Neles, como em tantos outros colégios, escolas públicas ou internatos, leigos
e católicos, queria-se formar o adulto maduro e responsável através de um sistema
de normas, coerentemente austeras e exigentes: fazer conhecer a lei e vigiar por sua
observância; propor os ideais e controlar a sua realização pessoal; evitar “toda familia-
ridade”, para não diminuir a força da autoridade; preferir o apelo intenso às motivações
interiores mediante sábia e firme direção espiritual, em vez de abandonar-se a formas
de assistência substitutiva e que não responsabilizasse. Ao presbítero, mesmo jovem,
ao homem todo de Deus, separado, austero, exemplar, não podia convir uma formação
feita de amabilidade ou de familiaridades gratificantes.60
Era esse o sacerdote desejado por dom Chiaveroti e fixado nas Constituições de
1819, traduzidas no Regulamento do seminário de Chieri.61
59 MO (1991) 91.
60 Cf. P. Braido, Prevenire non reprimere: il sistema educativo di don Bosco. Roma, LAS, 1999,
p. 143.
61 Cf. A. Giraudo, Clero, seminario e società…, p. 245-288 (Il modello formativo).

16.3 Page 153

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 153
Parece também fora de foco a classificação sumária dos companheiros, com referên-
cias sombrias a clérigos “perigosos”, “peste para os bons e para os maus”, “conversas
realmente más”, assim como de “livros ímpios e obscenos”.62 Deve-se ter presente,
aliás, que as primeiras anotações sobre os seminaristas e as relações com os supe-
riores são substituídas no momento de deixar o seminário, nas mesmas Memórias do
Oratório, por reminiscências mais amáveis: “De verdadeira consternação para mim foi
o dia em que tive que deixar definitivamente o seminário. Os superiores me amavam
e me haviam dado contínuos sinais de benevolência”; “estava muito afeiçoado aos
meus companheiros; pode-se dizer que eu vivia para eles, e eles viviam para mim”;
“tornou-se muito dolorosa para mim a separação de um lugar onde vivi seis anos, onde
recebi educação, ciência, espírito eclesiástico e todos os sinais de bondade e afeto que
se possam desejar”.63
O seminário fora, na realidade, um lugar de formação eclesiástica séria. A jornada
do seminarista era carregada de deveres, toda regulamentada e sem espaços para evasões
individuais: práticas de oração e meditação em comum, celebrações litúrgicas dentro
e fora do seminário, aulas, repetições, círculos, relações adultas entre súditos e supe-
riores, relações reservadas entre alunos. Dava-se a possibilidade de uma forte ligação
espiritual do aluno com seu confessor. De fato, o que era chamado padre espiritual não
tinha senão que se ocupar com a vida interior dos seminaristas, acompanhando-os em
todos os lugares e guiando-os coletivamente em todos os seus comportamentos reli-
giosos e morais, sem se esquecer da situação da saúde.
Quando, poucos anos depois da ordenação, era chamado a oferecer o perfil do semi-
narista exemplar no jovem Giuseppe Burzio, de quem fora prefeito no ano escolar 1840-
1841, Dom Bosco iniciava-o definindo o jovem como “um perfeito modelo clerical.
Demonstrava-o explicitando seus traços, que eram também os de um auto-retrato.
“Da manhã à noite não se encontrava indicação no horário a que não fosse pontualís-
simo. Dava a maior importância a cada artigo do regulamento e observava tudo com igual
exatidão e fidelidade”; “solícito, sobretudo nos deveres de estudo”, “empregava ciosa-
mente todo o tempo dedicado aos mesmos”; “maior ainda foi seu empenho na piedade”,
etc.; “usava nas recreações da maior cautela no falar e tratar com os companheiros. Depois,
da mesma forma que usava de sumo respeito para com os superiores, assim também deles
falava com grande estima”; “com quem quer que tivesse um pouco de confidência, falava
como pessoa muito ajuizada, e da mais experimentada virtude”.64 Não é diverso o semi-
narista modelo apresentado poucos meses depois nos Acenos históricos sobre a vida do
clérigo Luís Comollo, falecido no seminário de Chieri, admirado por todos pelas suas
62 MO (1991) 92.
63 Cf. MO (1991) 104-105, 110.
64 Carta de Dom Bosco “Dal Convitto di San Francesco d’Assisi, Torino, a dì 16 aprile 1843” ao
padre Felice Giordano, dos Oblatos de Maria Virgem, aos quais Burzio pertencia: Em I 49-52.

16.4 Page 154

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154 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
singulares virtudes escrito por um colega seu e proposto como “verdadeiro modelo” aos
seminaristas que vivem “no mesmo lugar e sob a mesma disciplina”.65
É uma prova documentada: a matriz disciplinar exterior tinha como finalidade
modelar a interioridade. Intervinham para reforçá-la meditações, conferências e prega-
ções, voltadas a aguçar nos jovens levitas a consciência das futuras responsabilidades
pastorais e a correspondente espiritualidade exigente e austera. Ficava envolvido por
ela, com acentuada sensibilidade, também Dom Bosco, tenha ou não sofrido a crise
quanto à predestinação, afirmada pelo padre Francesia: “Esses seus temores foram-me
confiados pelo próprio Dom Bosco”. É o testemunho dado por um salesiano da primeira
hora no Processo informativo diocesano para a causa de beatificação e canonização do
fundador: a crise teria sido superada com a ajuda do confessor que, apelando para o
Evangelho, teria insistido no si vis de Cristo: Si vis ad vitam ingredi, e comentado:
“Sua graça não te falta, basta que haja correspondência”.66 Na verdade, a obsessão da
salvação, não só dos outros, mas primeiramente a própria, foi constante na vida de Dom
Bosco, presente ainda na doença e na morte, como é documentado no caderninho das
últimas Memórias a partir de 1841, ou testamento espiritual.67
Era, de resto, o eixo da espiritualidade sacerdotal e da própria catequese cristã,
sublinhada com particular insistência também por aquele que será, depois do seminário,
o mestre de moral e conselheiro de Dom Bosco, padre Giuseppe Cafasso, em suas
Meditações e Instruções ao clero.68 Tal espiritualidade da salvação, salvação eterna,
particularmente exigente e urgente para o sacerdote, carregado de responsabilidades
pessoais e pastorais, era ulteriormente aguçada pelas reflexões oferecidas ao sacer-
dote por santo Afonso Maria de Ligório, o mestre de moral seguido no Pensionato
Eclesiástico, comentado por Alasia.69
Esses elementos serão permanentes na vida e na praxe de Dom Bosco, educador
de jovens e formador de salesianos, integrados com outros pela ampla adesão à espi-
ritualidade do amor na esteira de são Filipe Néri, são Francisco de Sales, são Vicente
de Paula, mas principalmente por uma percepção natural da sensibilidade juvenil. De
fato, no seminário de Chieri as principais comemorações, “como festas patronais dos
clérigos”, eram a Imaculada Conceição, “a maior de todas as solenidades do semi-
nário”, e são Francisco de Sales e são Luís Gonzaga, modelos de santidade clerical.
A capela do seminário era dedicada à Imaculada, “patrona principal”.70 A ela também
era dedicado o altar-mor da igreja de São Filipe, ao lado do seminário, enquanto suas
65 [G. Bosco], Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo…, p. 3.
66 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica I 63-64.
67 “Memorie dal 1841”, RSS 4 (1985), p. 125-126.
68 Cf. G. Cafasso, Meditazioni per gli esercizi spirituali al clero pubblicate per cura del Can.o
Giuseppe Allamano. Turim, Fratelli Canonica, 1893; Id., Istruzioni per esercizi spirituali al
clero pubblicate per cura del Can.o Giuseppe Allamano. Turim, Fratelli Canonica, 1893.
69 P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica I 65-66.
70A. Giraudo, Clero, seminario e società…, p. 264.

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 155
quatro capelas eram dedicadas a são Filipe, a são Carlos e ao Anjo da Guarda, a são
Francisco de Sales e a são Valentim, aos santos Apóstolos Pedro e Paulo: “Cada capela
(era) decorada com dois quadros altos 8 palmos e largos 5, que representavam algum
fato histórico dos santos acima indicados”. Eram previstas para o dia 19 de janeiro
“novena e festa de são Francisco de Sales com a missa da exposição [do Santíssimo
Sacramento] pelas 9 horas da manhã, à noite o discurso e a bênção (...); 16 de maio,
festa de são Filipe (...) com missa cantada solene e discurso, bênção à noite”.71 Para
Dom Bosco eram realidades e símbolos envolventes também numa perspectiva futura,
não sem um particular toque de salesianidade. “Na festa de são Francisco de Sales –
estabeleciam as Constituições – o estudo começa logo depois de terminada a função
e continuará até a hora da repetição, se puder acontecer, ab-rogado qualquer costume
contrário; e pela manhã, em hora conveniente, haverá a missa solene e a oração panegí-
rica recitada pelo vice-prefeito da capela”.72
7. As amizades e o início de estranhas manifestações
A seriedade e a reserva com que Dom Bosco passa sua vida seminarística resultam
do restrito círculo de amigos dos quais parece ter-se rodeado: Guglielmo Garigliano,
antigo companheiro na escola pública de Chieri, que entrou ao mesmo tempo no semi-
nário, e dois outros, que entraram no ano seguinte, Giovanni Giacomelli, confessor do
amigo célebre desde 1873 até a morte, e Luigi Comollo. A seriedade do trabalho espiri-
tual aprofundou-se particularmente nas relações com este último, ainda que continuasse
a não aprovar todas as austeridades do amigo, mas compartilhando suas convicções em
relação aos deveres do bom seminarista e às responsabilidades interiores e exteriores
da vida sacerdotal. Elas farão parte essencial da pedagogia espiritual que será defen-
dida pelo futuro educador de jovens, leigos e eclesiásticos. É indício privilegiado disso,
antes dos Acenos históricos sobre o amigo, a intensa memória Enfermidade e morte
do jovem clérigo Luís Comollo escrito pelo seu colega C. João Bosco redigida perto
da morte do amigo (2 de abril de 1839).73 Nela as conversas do moribundo, reelabo-
radas pelo redator, demonstram a comunhão de convicções. A vida cristã – dizia – é
por sua natureza preventiva. Se incerta é a hora da morte, sua chegada é certa; a vida,
portanto, não deve ser outra coisa senão “uma preparação para a morte, para o juízo”.
71 Chiesa di san Filippo in Chieri e Nota delle feste e novene che si celebrano nel corso
dell’anno nella chiesa di San Filippo Neri, cit. por A. Giraudo, Clero, seminario e società…,
p. 444-445.
72 Costituzioni, parte I, cap. II, cit. por A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 351.
73O texto foi publicado por J. Canals Pujol, “La amistad en las diversas redacciones de la vida
de Comollo escrita por san Juan Bosco: estudio diacrónico y edición del manuscrito de 1839”,
RSS 5 (1986), p. 221-262.

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156 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
De aí seguia uma lição que Dom Bosco sempre terá presente como fiel e como pastor
educador preventivo.74 O testamento espiritual do amigo era também o seu. Embora um
pouco mais luminoso do que Comollo, não é que Dom Bosco minimize substancial-
mente o temor salutar que pode acompanhar quem se aproxima do juízo de Deus, justo
e misericordioso. No Jovem instruído não hesitará em introduzir meditações e orações
vaporosas ou dissimuladas sobre a morte, o juízo, o inferno e a eternidade das penas,
além da realística Oração para a boa morte. Também nos sermões noturnos aos jovens
do Oratório não faltarão a reiterada narração de sonhos sobre os novíssimos e as recor-
rentes premonições de mortes iminentes.
Esse aspecto de seu estilo educativo talvez seja reforçado também por algum contato
com autores espirituais por ele indicados nas Memórias do Oratório: Passavanti,
Cavalca e Segneri. É conhecido o rigor moral que percorre O espelho da verdadeira
penitência (1354) do dominicano Giacomo Passavanti (1300ca.-1357), que a ele acres-
centa também um difuso tratado sobre o milagre, cuja realidade, origem, finalidade
e interpretação submete a vigilante análise teológica, depois de ter tratado longa e
severamente da dúplice “ciência diabólica”. Exigências semelhantes de vida cristã
são propostas pelas obras morais e ascéticas de Domenico Cavalca (1270ca.-1342),
também dominicano, que não é indulgente com qualquer forma de laxismo tanto na
Disciplina dos Espirituais como no Tratado das muitas [trinta] estultices que cometem
na batalha espiritual, nem O Espelho da Cruz, nem Il Pungilingua, sobre os inume-
ráveis pecados da língua, incluindo os cometidos nos “vários e dissolutos bailes e
cantigas”, os pecados “dos adivinhos e encantadores e malefícios” e “necromantes”.
O livro de medicina do coração ou Tratado da paciência, contudo, é integrado com
“um breve e devoto Tratado”, no qual, além dos mandamentos, fala-se longamente de
“remédios contra o desespero”, “de certas belas outras recomendações que nos dão
grande esperança e conforto da bondade de Deus” e, enfim, “da glória da vida eterna”.
Quanto ao célebre pregador jesuíta Paolo Segneri (1624-1694), pode-se sublinhar
particularmente no livro O incrédulo sem desculpas, precioso para a apologética de
Dom Bosco, a presença de um capítulo sobre um tema a este particularmente caro.
“O espírito de profecia – escreve o douto e piedoso jesuíta –, que se manifesta perpe-
tuamente na igreja, dá-lhe um testemunho de verdade. Se se refere à universalidade da
igreja, volto a dizer que esse dom jamais lhe será deficiente, como também qualquer
outro dom, que se diz dado gratuitamente; porque vindo estes a constituir, no dizer do
Apóstolo, o belo corpo místico dos fiéis, ordenados a servir eminentemente, não só a si,
como também ao seu próximo; seria a mesma coisa querer tirar à igreja algum desses
dons e querer deixar incompleta a igreja”.75
No interior de persuasões desse tipo pode-se colocar o pacto, que Giovanni escreve
ter estabelecido com o amigo Comollo, após a leitura de um “longo trecho da vida dos
74 Cf. P. Braido, “Il sistema preventivo di don Bosco alle origini (1841-1862)”, RSS 14 (1995), p. 259.
75 P. Segneri, L’incredulo senza scuse. Vol. II. Reggio, Pietro Fiaccadori, MDCCCXXV, p. 215.

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Cap. V: A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841) 157
santos”: “o que de nós dois morresse por primeiro trouxesse ao outro notícias de seu
estado”. O amigo teria mantido a promessa na noite seguinte à sepultura. Em meio a
“uma espécie de violento e surdo trovão ouviu-se claramente a voz de Comollo, dizendo
três vezes: Bosco, estou salvo”, causa de “medo e tão grande assombro” em vez de
serenidade e paz. O amigo biógrafo comenta: “Deus é onipotente, Deus é misericor-
dioso. Na maioria das vezes, ele não dá atenção a tratos assim; algumas vezes, porém,
em sua infinita misericórdia permite que se cumpram, como no caso presente”.76 Em
1844, concluindo a biografia do amigo com um capítulo sobre as Conseqüências de sua
morte na “mudança de moralidade acontecida nos seminaristas”, o autor observa que
“tudo isso aconteceu principalmente após duas aparições seguidas de Comollo depois
da sua morte; uma delas testemunhada pelo dormitório inteiro”,77 sinal inequívoco da
propensão de Dom Bosco, jovem e maduro, ao prodigioso.
9. À meta ardentemente desejada
O qüinqüênio de estudos teológicos tornou-se quadriênio. Nos três primeiros anos,
de fato, Dom Bosco acompanhou o ritmo regular dos cursos. No início da primavera do
terceiro, precisamente em 29 de março de 1840, ele recebia a tonsura e as quatro ordens
menores, em Turim, no oratório particular de dom Fransoni. Superados os exames dos
tratados preparados no curso de verão de 1840 em substituição à freqüência do quarto
ano, recebia o subdiaconato em 19 de setembro de 1840, sábado das quatro têmporas de
outono, na igreja do palácio episcopal dedicada à Beata Virgem Imaculada. Em 17 de
março de 1841, sábado Sitientes anterior ao domingo da Paixão, era ordenado diácono
no oratório particular do arcebispo.
Não se encontra nenhuma notícia nas Memórias do Oratório quanto à preparação
imediata ao presbiterado, recebido em 5 de junho, sábado das quatro têmporas de
Pentecostes, na igreja arquiepiscopal da Beata Virgem Imaculada. Dom Bosco, porém,
dedica-lhe rápidos acenos no início das Memórias a partir de 1841. Ele preparou-se
para a ordenação com os exercícios espirituais iniciados “na casa da Missão [em Turim],
no dia 26 de maio, festa de são Filipe Néri, 1841”. A pregação de conclusão foi sobre
o tema: “O padre não vai sozinho para o céu, nem vai sozinho para o inferno”. O orde-
nando encerrou o longo retiro com uma série de nove Resoluções, precisando: “Estas
memórias foram escritas em 1841”. A maior parte das “resoluções” foram de caráter
penitencial: fazer “passeios” só “por graves necessidades”, “ocupar rigorosamente o
tempo”, sofrer tudo para “salvar almas”, temperança na comida e na bebida, muito
76 MO (1991) 103-104.
77 [G. Bosco], Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo…, p. 76-77; OE I 76-77.

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158 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
trabalho e pouco repouso noturno, nenhum durante o dia. O quarto rezava: “A caridade
e a doçura de são Francisco de Sales guiem-me em tudo”. O oitavo referia-se à vida de
oração, o último à discrição no trato com as mulheres.78
Nos três dias sucessivos à ordenação, as missas foram celebradas como expressão de
reconhecimento a pessoas particularmente caras: no domingo da Santíssima Trindade, na
igreja de São Francisco de Assis, “onde padre Caffasso [sic! n.d.t.] era diretor de estudos”;
segunda-feira na igreja da Consolata, “para agradecer a excelsa Virgem Maria”; terça-
feira, em Chieri, “na igreja de São Domingos, onde vivia ainda meu antigo professor,
padre Giusiana” (1774-184). Em Castelnuovo, a primeira missa solene foi celebrada na
quinta-feira, 10 de junho, festa do Corpus Domini. “Cantei missa – recorda Dom Bosco
– e presidi a procissão daquela Solenidade. O pároco convidou minha família [entre
eles, presumivelmente, também Antonio] para o almoço, bem como o clero e as autori-
dades do povoado. Todos tomaram parte na alegria, pois eu era muito querido de meus
concidadãos e todos ficavam satisfeitos com tudo o que pudesse ser bom para mim.
À noitinha voltei para minha família”,79 obviamente a Giuseppe e à mãe.
Nos meses sucessivos ele colaborava com o pároco, dedicando-se particularmente
às crianças. Além disso, segundo quanto escreve o interessado, havia quem o quisesse
sem mais vice-pároco em Castelnuovo, enquanto, “os bons camponeses” do povoado
de Morialdo dobravam “o estipêndio dos capelães anteriores” desde que o tivessem
como seu capelão. Chegara, também, outra proposta: ser professor “na casa de um
senhor genovês com o salário de mil francos anuais”.80
Nenhuma dessas seguranças obteve continuidade. Seu futuro estava em outro
lugar, mesmo se ainda três anos depois se colocava novamente, por um breve tempo,
o problema da busca do próprio estado de vida.
78 “Memorie dal 1841”, RSS 4 (1985), p. 88-90.
79 MO (1991) 111.
80 MO (1991) 115-116.

16.9 Page 159

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Capítulo VI
A VIRADA TURINENSE ENTRE ACULTURAÇÃO MORAL
E EMPENHO ORATORIANO (1841-1846)
1841
1843
1844
1845
1846
verão: consulta ao padre Cafasso em vista da destinação
novembro: entra no Colégio Eclesiástico de Turim
é envolvido na catequese para jovens e adultos
3 de dezembro: composição da primeira pregação escolar
10 de junho: Dom Bosco obtém autorização para confessar
30 de novembro: última pregação composta no Colégio Eclesiástico
Acenos históricos sobre a vida do clérigo Luís Comollo
outono: capelão no “Refúgio”, à espera de sê-lo no Pequeno Hospital de
Santa Filomena
8 de dezembro: bênção da capela (oratório) do Oratório
maio-dezembro: peregrinação do Oratório de São Pedro in Vinculis aos
Moinhos Dora
verão: diretor espiritual no Pequeno Hospital
O Devoto do Anjo da Guarda e História eclesiástica para uso das escolas
janeiro: o Oratório na casa Moretta e no prado Filipe
abril: o Oratório na sede definitiva de Valdocco
agosto: despedida do Refúgio
primeiro contato oficial com a Generala
Quando em 3 de novembro de 1841 atravessava o limiar do Colégio Eclesiástico do
teólogo Guala, em Turim, para integrar a própria formação sacerdotal, Dom Bosco não
imaginava que o futuro triênio teria sido o prelúdio determinante para a reviravolta radical
de vida. Nem mesmo a entrada no Colégio, como se viu, parecera certa, dificultada por
outras perspectivas imediatas mais tranqüilizadoras. Dom Bosco conta que não teve a
coragem de escolher sozinho o próprio futuro e foi a Turim para consultar padre Cafasso,
informando sobre um fato só parcialmente crível: “desde alguns anos meu guia nas coisas
espirituais e temporais”. Parece singular que essa familiaridade não tivesse levado o guia
e o discípulo a prefigurar já anteriormente uma solução agora tão clara: “O senhor tem
necessidade de estudar moral e pregação. Recuse por ora qualquer proposta e venha ao
Colégio”.1 Seja como for, acolhendo sem hesitações o conselho dado, Dom Bosco entrava
1 MO (1991) 116.

16.10 Page 160

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160 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
num caminho que o levaria bem longe das hipóteses surgidas até então e também dos
planos recônditos do mestre. A finalidade explícita era a formação moral prática com
finalidade pastoral. Entretanto, de modo crescente, revelaram-se determinantes o impacto
com a cidade de Turim e o envolvimento na sorte de uma juventude que no futuro Dom
Bosco definiria como “pobre e abandonada”, “em perigo e perigosa”.
Em 1841, Turim não era uma novidade para ele. Fora à cidade em várias ocasiões.
Entretanto, só a partir de novembro daquele ano ela se tornava sua cidade, que dia a dia ele
aprendia a conhecer e amar na sua realidade efetiva, positiva e negativa. Turim era a capital
do Reino sardo (Piemonte, Ligúria, Sardenha, Savóia, Condado de Nice). Reinava sobre
ele um soberano absoluto, Carlos Alberto, que no último ano de vida abdicava em favor do
filho, Vitório Emanuel II (1849-1878), em clima político que tinha mudado profundamente
as relações entre os detentores do poder: o soberano, o governo e o parlamento.2 Era arce-
bispo de 1832 a 1862 (administrador apostólico de 12 de agosto de 1831 a 24 de fevereiro
de 1832) o genovês Luigi Fransoni (1789-1862), defensor rígido da antiga ordem. Turim
era cidade burocrática, rica de manufaturas e oficinas de artesanato, em expansão edilícia
e demográfica, também em razão da crescente imigração. De 1808 a 1891 os residentes
quintuplicavam passando de 65 mil a 320 mil, com aumento particularmente rápido nos
anos 1835-1864 (de 117 mil a 218 mil), com o pico mais elevado entre 1848 e 1864 (de
137 mil a 218 mil habitantes). Aumentavam ao mesmo tempo os problemas sociais, inclu-
sive a delinqüência juvenil, masculina e feminina: era a outra face da cidade.3
As solicitudes pela juventude da cidade serão predominantes em Dom Bosco.
O encontro com os jovens pobres e abandonados conjugava-se com as primeiras ativi-
dades editoriais, com destinação mais vasta. Desde os inícios, de fato, Dom Bosco teve
a sensação de que a pobreza não era só econômica. Por isso, vai amadurecendo nele a
vocação de escritor popular, logo traduzida em atos com os primeiros escritos impressos
no biênio 1844-1846, redigidos antes da posse do Oratório em Valdocco, em abril de 1846,
e da separação definitiva das obras da marquesa Barolo, em agosto do mesmo ano.
Por motivos idênticos, atividades análogas eram direcionadas aos adultos das classes
populares: pregação, imprensa periódica, livros e opúsculos catequéticos, apologéticos
e narrativos.
1. Aprendizagem pastoral no Colégio Eclesiástico
Raízes familiares e campesinas, sensibilidade social, realismo das preferências cultu-
rais, relacionamentos no mundo eclesiástico, antes de tudo com o compatriota padre
Cafasso, tudo isso predestinava Dom Bosco ao Colégio Eclesiástico, que não podia ser
nem o universitário, dirigido por Stanislao Barbero (1807-1876), nem o do seminário,
2 Cf. cap. 1, § 4 e 6.
3 Cf. cap. 1, § 3.

17 Pages 161-170

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17.1 Page 161

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 161
dirigido pelo cônego Enrico Fantolini (1779-1858). Ele entrava num colégio não douto,
mas prático, voltado à pastoral da totalidade do povo cristão, filoromano, orientado para
uma moral não elitista e severa, mas benigna e misericordiosa, ao alcance do nível ético de
todos.4 Fora fundado por dois sacerdotes, Brunone Lanteri e Luigi Guala.5 Este, reitor desde
1808 da igreja de São Francisco de Assis, dava início a um curso de teologia moral privado,
inspirado em santo Afonso. O curso ou conferência fora legalmente reconhecido em
16 de dezembro por Vitório Emanuel I, tornando-se Colégio Eclesiástico com doze alunos
sacerdotes no ano 1817-1818. Em fins de janeiro de 1834 ali entrava como aluno padre
Giuseppe Cafasso, que no outono de 1837 era admitido como repetidor.6 Com o agravar-se
da doença do teólogo Guala, no princípio do ano escolar 1843-1844, ele o sucedia na
conferência pública, mantendo ao mesmo tempo a particular, no período da tarde.
As tarefas imediatas que esperavam pelo aluno Dom Bosco estavam claramente
definidas no Regulamento, segundo as finalidades para as quais o Colégio tinha
surgido. Em vista da “necessidade de ter bons ministros na Igreja” – advertia o proêmio
–, tinha-se “reconhecido sempre como necessário aos eclesiásticos o estudo da moral
prática depois do qüinqüênio de teologia” e “algum exercício ou preparação para o
púlpito”: para isso dedicava-se “um triênio inteiro”. Com esse meio, desejava-se obviar
à “escassez de confessores que sejam principalmente hábeis para todo tipo de pessoas”
e ao perigo da “perda de espírito eclesiástico, donde muitíssimas daquelas plantas culti-
vadas com tanto esforço e despesas, que no qüinqüênio davam esperanças de ótimos
resultados, tornando-se estéreis pela falta do último cuidado”.7
O horário da jornada visava a dar espaços adequados a cada dimensão da formação:
tempos dedicados à oração individual e comunitária; horas de estudo pessoal no próprio
quarto; das onze da manhã até a hora do almoço, às doze e meia, “prova de estudo e
conferência de moral”; depois do almoço, recreação ou passeio e ainda momentos de
estudo pessoal; das 19 às 20h15 “Conferência de Moral e confissão prática”. Após o
recreio que seguia à ceia, “às 9 horas e meia, ao som do sino pequeno, silêncio e oração
em comum; exame de consciência e, depois, repouso”.8
4 Essa organização era tida como mínima, o que levava Vincenzo Gioberti, também apreciador
dos “homens respeitáveis” que trabalhavam no Colégio, a uma áspera crítica da instituição:
Cf. V. Gioberti, Il gesuita moderno. Vol. V. Milão, Bocca, 1940, p. 285-287.
5 Cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. I, p. 36.
6 José Cafasso fora ordenado sacerdote nas têmporas de setembro de 1833.
7 Regolamento del Convitto ecclesiastico compilato dal Teol. Luigi Guala, publicado por
G. Colombero, Vita del servo di Dio D. Giuseppe Cafasso, con cenni storici sul Convitto
ecclesiastico di Torino. Turim, Fratelli Canonica, 1895, p. 357-363; cf. também Regolamento
del Convitto ecclesiastico nella casa detta di s. Francesco di Torino diretto dal teologo collegiato
Luigi Guala, cópia manuscrita editada por A. Giraudo, Clero, seminario e società..., p. 392.
Na descrição da vida dos alunos utiliza-se, sobretudo, o texto publicado por Colombero, com
toda probabilidade mais próximo nos particulares à realidade vivida por Dom Bosco.
8 Regolamento del Convitto…, in: G. Colombero, Vita del servo di Dio D. Giuseppe Cafasso…,
p. 358-359.

17.2 Page 162

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162 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
As regras tendiam a modelar um eclesiástico reservado, desprendido e austero,
segundo o ditado de um cânon do Concílio de Trento, transcrito em parte no Regulamento:
“Nada dispõe os outros com mais eficácia à piedade e ao culto assíduo de Deus do que
a vida e o exemplo daqueles que se dedicaram ao ministério divino (...). É sumamente
conveniente, por isso, que os eclesiásticos chamados a compartilhar a causa do Senhor
ordenem a própria vida e os próprios costumes, de modo que, no hábito, no comporta-
mento, no caminhar, no falar e em todas as outras coisas manifestem apenas o que seja
circunspecto, comedido e religioso”; para isso, “o santo sínodo dispõe que, também
no futuro, sejam observadas (...) as providências que em outros tempos foram muitas
vezes e salutarmente estatuídos pelos sumos pontífices e pelos sagrados concílios sobre
a vida, a honestidade, o comportamento e a doutrina dos eclesiásticos; como também
sobre o dever de fugir ao luxo, às festas, aos bailes, jogos de azar e passatempos e às
desordens de todo gênero, como também aos negócios seculares”.9
Nesse sentido era prescrito, entre outras coisas: no Colégio, “observar-se-á o silêncio
em todas as horas, exceto no tempo de recreação, no qual, porém, não se elevará dema-
siadamente a voz, procurando não fazer rumor nos corredores, pelas escadas, no entrar
ou sair do quarto e principalmente no estudo, onde o silêncio deverá ser observado com
todo o rigor”; “é proibido ficar no quarto [sala] do porteiro, entreter-se com ele e com
outros empregados da casa”; “não é lícito almoçar fora do Colégio sem a licença do
Sr. Reitor”; “os Alunos usarão sempre a veste talar”; “nos passeios evitarão os lugares
muito freqüentados, sairão acompanhados de outros Alunos e ocupar-se-ão em conver-
sações úteis”; “é proibido ir a espetáculos públicos e deter-se nas casas de café”; “reco-
menda-se a alegria e o amor para com todos; desaprovam-se as amizades particulares
e a demasiada familiaridade além do aperto de mãos”; “usarão de civilidade, polidez
e caridade recíproca, refletindo que é de suma importância o hábito de conviver com
todo tipo de temperamento, o que se consegue mais facilmente adaptando-se aos outros
do que buscando virtudes nos outros”; enfim, “assim como ao longo do ano não se
teria a facilidade de participar de algum retiro espiritual, ele será concluído com os
Exercícios no Santuário de Santo Inácio, dos quais os Senhores Alunos farão o esforço
de participar”.10
A atividade primária era, obviamente, a formação cultural e prática na teologia
moral, especialmente aplicada ao ministério das confissões. A orientação era, em parte,
inovadora diante de um mundo teológico e pastoral orientado largamente em sentido
probabiliorista e rigorista, galicano e jurisdicionalista. Essa orientação estava ligava a
um movimento que se formara nos inícios do século e levaria “primeiramente à inversão
de tendência, depois, na segunda metade do século, à inversão de forças”, determinada
9 SS. Conc. Tridentini decreta, sess. XXII, de 17 de setembro de 1562, Decretum de reformatione,
can. I; cf. Regolamento del Convitto…, G. Colombero, Vita del servo di Dio D. Giuseppe Cafasso…,
p. 360.
10 Regolamento del Convitto…, in: G. Colombero, Vita del servo di Dio D. Giuseppe Cafasso…,
p. 359-361.

17.3 Page 163

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 163
pelo prevalecer da “moral afonsiana com o probabilismo e o ultramontanismo, fautor
do primado e da infalibilidade pontifícia”. Ela encontrava espaço e apoiadores, sobre-
tudo fora da universidade, em personalidades de prestígio e em algumas forças reli-
giosas, como a renascida Companhia de Jesus, as “Amizades”, Brunone Lanteri com
seus Oblatos e o teólogo Guala com o Colégio de São Francisco”.11
Dom Bosco sofreu seus relevantes influxos como sacerdote em cura de almas,
educador, fundador. A respeito do novo sacerdote, desejado por Lanteri e Guala, pôde-se
até mesmo escrever: “Os principais anéis da corrente são: são João Bosco, discípulo de
Cafasso; são José Cafasso, discípulo de Guala; Guala, discípulo de Lanteri; o servo de
Deus Pio Bruno Lanteri, discípulo de Diessbach, da Companhia de Jesus”.12
No Colégio, o texto oficial de moral era Theologia moralis in compendium redacta
ab Angelo Stuardi, de Antonio Alasia, apelidado de “Alasiotto”,13 mas o texto era reapre-
sentado e explicado em sentido afonsiano. A posição equilibrada de Cafasso tendia a
superar a antítese entre os que apoiavam o probabiliorismo de Alasia e os seguidores do
probabilismo puro. Tal posição se exprimia numa declarada fidelidade a santo Afonso
Maria de Ligório e, também, inspirava-se no grande respeito por todos, sobretudo com
sábia adequação às diversas condições espirituais e ao amor pela paz da alma, enfim
na salvação eterna de todos.14 Cafasso – escreve um biógrafo autorizado –, expostas as
opiniões legitimamente controversas, não queria que se impusesse nenhuma delas, mas
que cada qual “se apegasse às sentenças, que no caso prático redundassem na maior
glória de Deus e em vantagem do penitente”. Ele, mais ainda, declarava que “teria
mudado também a cada momento a própria maneira de ver, desde que buscasse o bem
de seus penitentes”.15
Dom Bosco parecia ecoá-lo com a resposta apenas aparentemente evasiva, que dava
em 16 de janeiro de 1864 a quem o interrogava sobre o “seu parecer sobre os sistemas
da eficácia da graça”: “estudei muito essas questões; entretanto meu sistema é aquele
que redunde na maior glória de Deus. Que me importa ter um sistema estreito e que,
depois, mande uma alma para o inferno ou que tenha um sistema largo, desde que
mande almas para o paraíso?”16 A resposta denotava estudos feitos com paixão e, ao
mesmo tempo, sua orientação prática, distante de posições teóricas desencarnadas, não
inferior ao mestre no amor das almas e de sua salvação, e na amabilidade do método.
11 G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. I, p. 33; sobre Lanteri e as Amizades, cf. cap.
II, § 1.
12 F. Bauducco, “San Giuseppe Cafasso e la Compagnia di Gesù”, Scuola Cattolica 88 (1960),
p. 294.
13A. Alasia, Theologia moralis breviori ac faciliori methodo in quatuor tomos distributa. Turim,
Paravia, 1834-1835 (2a ed.); Antonii Alasia, Theologia moralis in compendium redacta ab
Angelo Stuardi… 4 vol. Turim, Alliana e Paravia, 1836-1837.
14 Cf. L. Nicolis di Robilant, Vita del venerabile Giuseppe Cafasso confondatore del Convitto
ecclesiastico di Torino. Vol. I. Turim, Scuola Tipografica Salesiana, 1912, p. 95-111.
15L. Nicolis di Robilant, Vita del venerabile Giuseppe Cafasso…, vol. I, p. 101-102.
16D. Ruffino, Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales n. 2 1861, p. 9.

17.4 Page 164

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164 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Após dois anos de iniciação didática à prática penitencial, em 10 de junho de 1843,
superado o exame prescrito diante dos teólogos Luigi Guala e Stanislao Barbero, Dom
Bosco obtinha a licença para o exercício dos ministérios de confessor e de vice-pároco,
assinado pelo vigário geral cônego Filippo Ravina.
2. Compilador de prédicas para o povo
Quanto ao Estudo, o Regulamento aprovado por Chiaveroti dedicava dois artigos
para a habilitação à pregação. “O tempo do estudo – era estabelecido – será dividido
parte à Moral prática, parte à composição para o exercício da sagrada eloqüência e
liturgia, no modo em que será indicado a respeito”.17 Mais explícito e difuso era o
texto elaborado originariamente por Guala: “O tempo destinado ao estudo será empre-
gado primeiramente para a moral prática, depois, sendo necessário, para os tratados de
teologia dogmática e polêmica, reservando parte dele para compor o material predi-
cável, segundo a norma que será dada, e se começará da composição de meditações
para os exercícios; prefere-se esta matéria por ser a mais natural, a mais útil ao próprio
componente e a que mais se insinua por si mesma em todas as composições do púlpito
e serve particularmente para o confessionário; depois delas se comporá para as expli-
cações do evangelho e instruções” (art. 10). Além disso: “Cada um fará uma prova do
estudo feito na teologia moral uma vez por semana e da aplicação para o púlpito uma
vez por mês, no modo que lhe será proposto pelo diretor, segundo a capacidade de cada
um” (art. 12).18
A série mais rica das composições de oratória sacra de Dom Bosco que chegaram
até nós reflete essa praxe. Restam algumas delas, mais elementares e menos traba-
lhadas, compostas provavelmente no seminário, entre o subdiaconato e o diaconato,
e outras dos anos posteriores. Ao período do seminário remontam três composições
oratórias sobre a Palavra de Deus, a Paixão de Jesus, Jesus no horto, o Perdão dos
inimigos. Das redigidas no Colégio, doze são datadas pelo próprio Dom Bosco e vão de
3 de dezembro de 1841 a 30 de novembro de 1843. Outras oito, não datadas, remontam
certamente ao mesmo período, porquanto são análogas pela forma literária, estilo, erros
de linguagem e grafia.19
Em geral, elas respondem à solicitação de preparar textos a serem utilizados nos
exercícios espirituais ou missões populares. A distinção e a função da dupla série, medi-
tações e instruções, são ilustradas pelo próprio Dom Bosco numa pregação de intro-
dução. “Os santos exercícios – escrevia o virtual orador – podem ser definidos como
17 Regolamento del Convitto…, in: G. Colombero, Vita del servo di Dio D. Giuseppe Cafasso…,
361 (Pietà e Studio).
18 Regolamento del Convitto…, in: A. Giraudo, Chiesa, società e clero…, p. 395.
19 Cf. Pregações autógrafas, ASC A 225, FdB 75 E6ss.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 165
uma série de meditações e instruções feitas para mover o homem à amizade com Deus.
Tomados sob esse aspecto, eu digo que os exercícios são necessários e úteis a todos.
Primeiramente diz-se: uma série de meditações e instruções. Nelas [as meditações], se
verá qual seja o fim pelo qual o homem foi colocado neste mundo, quão grande mal
faça quando age contra este fim, quão grande mercê lhe está preparada, se satisfaz esse
fim; fazendo o contrário, verá quão horrível castigo o espera. Depois, por meio das
instruções, nós vemos quais são os fatos da vida passada, o estado presente de nossa
alma e qual seja o modo mais conveniente a cada um de tranqüilizar o estado de nossa
consciência. Pode-se encontrar outra coisa mais necessária ao homem do que esta?”20
Efetivamente, nas prédicas compostas todos os meses nos primeiros dois anos do
Colégio, como exercício homilético ou também como prática pastoral, Dom Bosco
desenvolve os assuntos indicados, refletindo suas exigências e seus estilos. É possível
relevá-lo já a partir do título. As meditações têm como tema o fim do homem, a morte
e a eternidade, os dois estandartes, Deus e o demônio, o pecado mortal, a morte
do pecador, e do justo, a misericórdia, a Paixão de Jesus, a felicidade do paraíso.
As instruções referem-se à caridade, ao perdão dos inimigos, à castidade, à palavra
de Deus, à instituição da Eucaristia, à freqüência da Santa Comunhão. Os conteúdos
antecipam aqueles que, no futuro, se tornariam temas recorrentes nas várias formas
da pastoral popular e juvenil de Dom Bosco: exercícios espirituais, exercício da boa-
morte, boas-noites, conferências, livros de piedade. É típico, por exemplo, o que ele
expunha sobre a “mercê” na meditação dos dois estandartes e dizia dos bens temporais
e eternos prometidos aos que militavam sob o estandarte de Cristo, e haveria de repetir
à distância de decênios nas conferências aos benfeitores das obras salesianas.
Elaborações escolares, as pregações evidenciam no autor algumas características:
qualidade elementar da estrutura, ausência de fantasia criadora, parcimônia do léxico,
estilo equilibrado e despojado, o eco de aprendizagens retóricas. O Dom Bosco do
futuro não haveria de distanciar-se substancialmente do padre saído de um certo tipo de
formação seminarística e eclesiástica: repetidor, compilador do ponto de vista formal,
tradicional quanto aos conteúdos teológicos e espirituais, pragmático em relação às
finalidades prefixadas e aos resultados a obter.
É um aspecto da personalidade que contrasta com seus traços criativos de homem de
ação: espírito de iniciativa, intuição das exigências da praxe, capacidade irrefreá­vel
de ação, audácia nas realizações, amplidão de perspectivas. Sobretudo nos escritos
programáticos ou de animação, quase sempre breves, essas características haveriam de
levá-lo a definições lapidares, fórmulas felizes, sínteses concretas e eficazes, pessoais,
novas: pense-se no primeiro artigo do regulamento do oratório e em sua definição, nas
“lembranças confidenciais aos diretores”, nos dois documentos sobre o sistema preven-
tivo de 1877 e 1878, nos artigos gerais do regulamento para as casas.
20 Introduzione, 2 de abril de 1842, ASC A 225, FdB 76 B11 -12.

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166 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
São, na realidade, dois aspectos distintos de um modo unitário de ser e agir, comple-
mentares e necessários. O Dom Bosco total deve ser compreendido pelos dois pólos
que o distinguem: o falar e o fazer, o escrever e o realizar. Este segundo fator poderá
ser evidenciado a partir de agora de modo todo singular. Seria, na verdade, gravemente
redutivo, até mesmo do ponto de vista histórico, esquecer a interioridade que tudo
inspira, move, unifica: humana, cristã, sacerdotal.
3. Dos catecismos ao oratório
Aquela que se tornaria uma opção irreversível a partir da segunda metade de 1846
encontrava suas primeiras expressões embrionárias no qüinqüênio 1842-1846. Depois e
além do período da cultura cultivada no silêncio do seminário, Dom Bosco, em contato
com os problemas absolutamente inéditos da capital sabauda, amadurecia a clara
intuição de ter encontrado o próprio campo de ação: a atividade apostólica, o exercício
do sacerdócio a “atuar” em situações de particular necessidade material e espiritual,
até sentir sério apelo às missões exteriores. Nenhuma outra proposta pastoral o atraía,
muito menos o trabalho como repetidor no Colégio.
Na verdade, voltar-se com predileção ao apostolado juvenil não foi em Dom Bosco
o efeito de uma conversão repentina ou localizável num episódio de premonição, uma
espécie de iluminação no caminho de Damasco. Foi fruto de evolução, consumada no
arco de meses e de anos, em contato com os fenômenos típicos de uma metrópole em
pleno desenvolvimento, como era Turim. Passo a passo vinha a predominar a atração
pelo cuidado dos jovens, sobretudo em dificuldade e em perigo, encarcerados, marginais,
imigrados. Por eles, a partir das experiências catequéticas do Colégio, sentia-se levado a
praticar formas germinais de oratório, que desejava fosse mais do que simples prática e
instrução religiosa ou escola de doutrina cristã. Era o prelúdio da opção definitiva.
Nem é sempre clara, porém, nas evocações de Dom Bosco, a distinção entre os
catecismos em São Francisco de Assis, dos quais mais que iniciador é, no princípio,
simples colaborador e depois continuador, e o oratório. Não resulta nem mesmo bem
definido seu papel – se protagonista ou associado, primeiro entre iguais – quando em
dezembro de 1844, o teólogo Borel, em nome dos colegas capelães, padre Pacchiotti
e Dom Bosco, fazia solicitação formal ao arcebispo para que permitisse a bênção de
“uma sala da casa destinada a habitação deles com acesso livre à rua pública”, transfor-
mada em “um Oratório de jovens filhos sob o patrocínio de são Francisco de Sales”.21
21 Pedido anterior a 6 de dezembro, data do decreto de autorização com delegação ao teólogo
Borel para abençoar o local (em 8 de dezembro) e a permissão de “ali celebrar a Santa Missa,
e dar a bênção com o Santíssimo Sacramento por ocasião do sacro tríduo, ou que ali se celebre
alguma solenidade” (Em I 55); cf. também D. Ruffino, Cronaca 1861, 1862, 1863, 1864, Le
doti grandi e luminose, p. 58-59.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 167
Desde então, a capela ou oratório passava a própria denominação a toda a obra juvenil,
o Oratório. Parece confirmá-lo uma carta dirigida do Refúgio, em 1846, ao marquês
Michele de Cavour, vigário de cidade, em que se sublinham mais adiante suas razões,
seus conteúdos e seu significado. “Este Catecismo – escrevia – foi iniciado há três
anos [1843] na Igreja de São Francisco de Assis, e abençoando o Senhor sua obra, os
jovens intervieram até chegarem ao número capaz de preencher o lugar. Por isso, depois
de 1844, devido ao trabalho, tendo-me estabelecido na Pia Obra do Refúgio, aqueles
bons jovenzinhos continuaram a vir aqui para sua instrução espiritual. Foi justamente
naquele tempo que, de acordo com o senhor T. Borelli e padre Pacchiotti, apresentamos
um memorial ao Senhor Arcebispo, que nos autorizou a converter uma de nossas salas
em Oratório, onde se dava o Catecismo, ouviam-se as confissões e celebrava-se a Santa
Missa para os filhos acima mencionados”.22
O oratório, entendido como lugar de prática religiosa ao redor do qual se agregam
jovens recolhidos da dispersão da rua para atividades religiosas, criativas e culturais,
não era novo em Turim, já promovido, como se disse, pelo criativo padre Cocchi.23
O termo foi sempre utilizado por Dom Bosco e pelos colegas do Refúgio, em docu-
mentos públicos e privados, para indicar as iniciativas catequéticas postas em atividade
a partir de fins de 1844, mas sobretudo de 1846, depois da posse em Valdocco. Servia
para designar “uma sociedade de jovens, que se reúnem todos os domingos e festas
num Oratório (...) para aprender o Catecismo, assistir à Santa Missa, freqüentar os
sacramentos e, às vezes, receber a bênção com o Venerável”, não sem as atividades
óbvias de tempo livre, mais ou menos significativas do ponto de vista cultural.24 Numa
carta endereçada dos Becchi ao teólogo Borel, em 11 de outubro de 1845, Dom Bosco
perguntava: “E o catecismo, foi bem?”.25 A partir da segunda metade de 1846, porém,
nas cartas ao mesmo, ocorre o termo “Oratório”: “Quantas vezes penso ao longo do dia
no Oratório!”;26 “continue, senhor Teólogo, a contar-me as coisas boas e adversas do
Oratório, e me servirão de doce entretenimento”;27 “estou muito contente que as coisas
do Oratório progridam como se esperava”.28 Será a denominação usada definitivamente
nos anos seguintes.
Numa súplica de novembro de 1849 a Vitório Emanuel II, as “reuniões” dos jovens
são remontadas ao biênio do Oratório itinerante (1844-1846), encontrando em 1846 a
sede estável. Este é, ao mesmo tempo, capela e instituição juvenil. “O sacerdote Giovanni
Bosco –escrevia – (…), no desejo de prover à necessidade dos jovens mais abando-
22 Ao marquês Michele di Cavour, 13 de março de 1846; Em I 66.
23 Cf. cap. 2, § 5.
24 Carta dos três diretores espirituais do Refúgio às autoridade municipais, anterior a 3 de julho
de 1845; Em I 57.
25 Em 160.
26 Carta de 22 de agosto de 1846; Em I 69.
27 Carta de 25/27 de agosto de 1846; Em I 70.
28 Carta de 31 de agosto de 1846; Em I 71.

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168 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
nados, começou a reuni-los nos dias festivos, às vezes num lugar, outras em outro, da
cidade, sempre com a anuência das autoridades civis e eclesiásticas. Bendizendo o
Senhor, essa obra conseguiu estabelecer-se em Valdocco, entre Porta Palazzo e Porta
Susina, um oratório sob o título de São Francisco de Sales, do qual participavam mais
de quinhentos jovens, dos quais grande parte saiu dos cárceres ou estava em risco de a
eles se encaminharem”.29
Ao público, a denominação tornava-se conhecida com a primeira grande circular
para a importante loteria em favor da igreja de São Francisco de Sales, em construção
entre 1851 e 1852. Ela, ao mesmo tempo, inaugurava de algum modo o mito de 1841,
projetando nessa data uma realidade de gênese embrionária e indistinta, que se definiu
apenas mais tarde.30 A circular, datada em 20 de dezembro de 1851, apresentava o
Oratório de São Francisco de Sales, oratório festivo e já incipiente internato, como
“modesta obra de beneficência” “iniciada há dez anos”.31
É evidente o salto histórico. Para o leitor ignaro – mas não para o efetivo expectador
de dez anos antes – o Oratório de São Francisco de Sales nascera em 1841. Nessa ótica
devia ler a carta o próprio intendente geral de Finanças, a quem o responsável da obra,
cuja assinatura – “Sac. João Bosco. Diretor do Oratório” – é precedida da de dezesseis
“administradores e recorrentes”, pedia a aprovação da “projetada Loteria”, organizada
com o desejo de “propiciar longa duração ao Oratório de São Francisco de Sales”, do
que se fazia “aceno na circular anexa”.32 Para leitores igualmente ignaros, Dom Bosco,
anos depois, faria remontar a essa data também o nascimento da mesma Sociedade
Salesiana. Era um modo de dar um atestado de antiguidade e confiabilidade a insti-
tuições que prentendia apresentar como longevas, sólidas, comprovadas e fecundas.
A isso provia com as duas introduções históricas às Constituições da Sociedade de
São Francisco de Sales já primeira redação de 1858/1859. Na primeira, falava-se da
“Congregação de São Francisco de Sales” em relação “à classe de jovens que, por
serem pobres, estão expostos a inúmeros perigos de sua salvação eterna. Esta é a fina-
lidade da congregação de São Francisco de Sales iniciada em Turim em 1841”.33 Na
segunda, narrava-se a gênese das reuniões dos jovens em 1841 e os desenvolvimentos
posteriores do Oratório, pondo tudo sob o título Origem desta Congregação.34
Com maior aderência à realidade, o próprio Dom Bosco já entregara a gênese exata
do Oratório à memória manuscrita de 1854, Aceno histórico, integrada por outra de
1862, Acenos históricos. Ele aprofundava suas raízes nos catecismos que, segundo o
29 Em I 90. Ocorrem indicações análogas num pedido de subsídios dirigido à Obra da Mendicância
Instruída, em 20 de fevereiro de 1850; Em I 95-96.
30 Bartolomeu Garelli aparece muito mais adiante. Do jovem símbolo dos primeiros oratórios,
falam os documentos do Apêndice.
31 Em I 139.
32 Carta de 9 de dezembro de 1851; Em I 136-137.
33 Const. SDB (Motto) 60.
34 Const. SDB (Motto) 62-68.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 169
Aceno histórico, o padre Cafasso (e os alunos por ele enviados) fazia “há vários anos
(...) a aprendizes de pedreiro numa salinha anexa à sacristia dessa igreja”.35 Dom Bosco
associava-se, pois, a catecismos já iniciados no Colégio antes dele, que comportavam,
segundo as disponibilidades de espaço e as exigências disciplinares, também alguma
moderada atividade recreativa. Era um tanto diverso o que escrevia no primeiro proêmio
das Constituições: “Desde o ano de 1841, o sacerdote Giovanni Bosco unia-se a outros
eclesiásticos para acolher em lugares apropriados os jovens mais abandonados da cidade
de Turim com a finalidade de entretê-los com divertimentos e, ao mesmo, dar-lhe o pão
da divina palavra”.36 Segundo esta versão, portanto, fora uma iniciativa coletiva, mas
que tinha nele o protagonista. No manuscrito Acenos histórico, de 1862, a origem dos
oratórios remontava também à freqüência aos cárceres, sua e de outros alunos, como
que complemento de quanto indicado no Aceno histórico. Da análise das causas pelas
quais tantos jovens acabam na prisão brotava a solução óbvia: “Começaram-se a dar
catequese apropriada nos cárceres desta capital e pouco depois na sacristia da igreja de
São Francisco de Assis”.37
O primeiro biógrafo confiável de Cafasso, Luigi Nicolis de Robilant (1870-1904),
oferece documentação válida, baseada em declarações de testemunhas oculares, sobre
a existência desses catecismos e a assistência também material aos jovens imigrantes
necessitados, particularmente aos limpadores de chaminés do Valle d’Aosta, tendo
como referência o mestre de Dom Bosco. Eram confiados por Cafasso aos cuidados
de três sacerdotes, teólogo Giacinto Carpano (1821-1894), Pietro Ponte (1821-1892)
e padre Giuseppe Trivero (1816-1894), que trabalhavam depois também nos oratórios
turinenses promovidos pelo discípulo.38
O empenho pastoral e beneficente do padre Cafasso pela juventude, quer pessoal
e direto, quer como formador de sacerdotes destinados ao cuidado de almas, resulta,
pois, significativo também pelo influxo que pôde ter sobre o futuro “pai e mestre dos
jovens”. Não é difícil encontrar as raízes da paixão de Dom Bosco pela salvação das
35 [G. Bosco], Cenno storico dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, in: P Braido, “Don Bosco
per la gioventù povera e abbandonata in due inediti del 1854 e del 1862”, in: Don Bosco nella
Chiesa, p. 38.
36 Const. SDB (Motto) 62.
37 [G. Bosco], Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 60-62. A mesma versão era
dada por Dom Bosco no texto redigido para a segunda edição dos cap. XIV: L’Oratório de s.
Francesco di Sales, em G. B. Lemoyne, Biografia del giovane Mazzarello Giuseppe, Turim,
Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1872, p. 65-77; cf. Apêndice.
38 Cf. L. Nicolis di Robilant, Vita del venerabile Giuseppe Cafasso confondatore del convitto
ecclesiastico di Torino. Vol. II. Turim, Scuola Tipografica Salesiana, 1912, p. 1-16. Sobre
a polêmica a respeito das prioridades dos inícios do oratório, baseada em substancial
ambigüidade de termos e espírito partidário, além do desconhecimento do oratório fundado
em 1840, não distante de Valdocco, pelo padre Giovanni Cocchi, vejam-se breves indicações
bibliográficas na edição de [G. Bosco], Aceno histórico, in: Dom Bosco na Igreja, p. 38, nota
às linhas 54-56.

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170 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
almas na formação seminarística, enriquecida no tempo do Colégio de Guala, aumen-
tada pelos conselhos e exemplos de seu diretor espiritual além de repetidor de moral,
padre Cafasso.
Para os dois responsáveis do Colégio a qualidade polarizadora de toda a espirituali-
dade sacerdotal era o zelo. Tratava-se, sem dúvida, de um magistério que, em relação a
Dom Bosco, caia num terreno predisposto desde a infância e adolescência, orientadas
precocemente à vocação eclesiástica. Ela encontrava novo alimento nas meditações e
instruções, propostas durante os exercícios espirituais que, normalmente, segundo o
regulamento, os alunos faziam ao final de cada ano no santuário de Santo Inácio acima
de Lanzo, orientado com essa finalidade por Guala desde 1814. Dom Bosco começou a
participar deles desde o primeiro ano no Colégio. Ele resumia as pregações ouvidas num
denso manuscrito de sete páginas, formato protocolo, com o título Exercícios Espirituais
feitos no Santuário de Santo Inácio junto a Lanzo iniciados em 7 de junho de 1842.
Pregadores, o Rev. P. Manini [Ferdinando Minini, Turim, 1796-1870] da Companhia de
Jesus para a instrução e do Sr. T. Guala para a meditação.39 Guala propusera os temas
clássicos: fim do homem, pecado, morte, juízo, inferno, misericórdia de Deus, Cristo
exemplo do sacerdote, meios de salvação, paraíso, amor de Deus. Padre Minini traçara
o perfil do padre santo, representante de Deus diante dos homens e dos homens diante
de Deus. Devia guardar-se da tepidez e do escândalo, praticar a continência recorrendo
aos meios positivos e negativos, dedicar-se à oração e adquirir a ciência própria de seu
estado, “atentos às circunstâncias dos tempos”, preparar com diligência as pregações
aos fiéis, inspirar-se nas virtudes do bom pastor com a mansidão e a récita digna, atenta
e devota do ofício divino; como confessor, ser padre, juiz e médico das almas; como
pastor, conjugar profunda devoção interior e dignidade de comportamento exterior na
celebração da santa missa.
O tema do zelo aparece no manuscrito, particularmente insistido na sexta jornada: “1.
Zelo das almas – muito necessário, unusquisque recuperet proximum suum secundum
virtutem suam – aos eclesiásticos foi dito, pasce agnum, que se não se faz[,] o Senhor
repetet anima pro anima – todo padre é obrigado ao [sic] zelo das almas, porque quem
vive do altar, deve servir ao altar – é o único meio para pôr ao seguro nossa alma –
qualidade do zelo, a caridade é a planta, o zelo o fruto, a caridade é o sol, o zelo é o calor
e irrigação [sic]: deve ser benigno, charitas beniga est – colhem-se mais moscas com
uma gota de mel, do que com um barril de vinagre, São Francisco de Sales – charitas
non emulatur, não é emuladora, não divisões entre os padres, não com os outros secu-
lares: in dubiis libertas, in omnibus charitas. 2. Continua. Caritas patiens, é paciente
– não é invejosa – Qualquer coisa que faças, qualquer ministério, desde que conquistes
almas para Deus – non agit perperam, não ajas em vão – ser zeloso em tempo oportuno,
mas sempre com doçura – non quaerit quae sua sunt, sed quae Jesu Christi – observar
39 Esercizi Spirituali fatti nel Santuario di S. Ignazio…; ASC A 2250601, FdB 84 A9-B3.

18 Pages 171-180

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18.1 Page 171

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 171
bem aquele dito: non questum lucrum animarum, sed questum pecuniarum – não ter
em vista o lucrum no pregar, no assumir encargos, ou qualquer outro ofício eclesiástico
– Fugir dos contratos, dos negócios, do enriquecer [sic] os parentes, do fazer pecúlio –
guarda-te da avareza”.40 Era também o pensamento de Cafasso. Para ele, o padre era o
lutador indômito contra o pecado, o maior mal do mundo, agravado pela ignorância de
sua malícia, “dano imenso, incalculável”: “este fogo, este trabalho, este zelo” “forma a
razão total, por isso a medula, a substância de nossa ajuda”.41
Quanto à responsabilidade do sacerdote em relação à salvação das almas, Dom Bosco,
como Cafasso, podia ter-se encontrado em sintonia perfeita com as indicações da Regula
Cleri de S. Salamo e M. Gelarbert, editada também em Turim, em 1762. Diferentes
fórmulas relativas à dignidade do padre, ao zelo pelas almas, à exemplaridade e à cari-
dade pastoral entrariam futuramente com freqüência nas palavras e nos escritos de Dom
Bosco. “Dionísio Areopagita afirma justamente: de todas as coisas divinas, a mais divina
é cooperar com Deus na salvação das almas”; “Senhor, que amas as almas, dá-me o amor
de Ti, de modo que possa também dizer: ‘da mihi animas’”; “antes de pregar, exercita-te
na piedade, de modo que possas mostrar-te como exemplo de boas obras. Jesus começou
a fazer e a ensinar”; “tem pureza de intenção, de modo que cada palavra seja dirigida
à glória de Deus e à salvação das almas”; na catequese às crianças e na instrução dos
pobres sejam adotadas “caridade suave, afabilidade amorosa e mansidão”.42
Ao final da experiência do Colégio, a intervenção de Cafasso seria decidida e deci-
siva na opção vocacional definitiva de Dom Bosco. Como ele mesmo confidenciou
a seus primeiros jovens colaboradores, em 7 de maio de 1861, aflorara, de fato, em
seu espírito de discípulo empreendedor uma aspiração transitória às missões exte-
riores junto com o retorno da idéia de 1834 de entrar num instituto de consagrados,
mais precisamente entre os Oblatos de Maria Virgem. A fim de habilitar-se para isso,
pusera-se a apressar-se no conhecimento de uma ou outra língua, espanhol, francês,
inglês.43 O vigilante mestre e conselheiro, porém, pôs fim ao projeto missionário: “Vá
se puder; o senhor não é capaz de andar uma milha, ou melhor, de estar por um minuto
num carro, como poderá atravessar o mar? morrerá pelo caminho”.44 E, diante da resis-
tência do aspirante aos votos religiosos, como referia mais tarde o sacerdote turinense
Giacomo Bellia, um dos primeiros hóspedes da “casa anexa” ao Oratório, os argu-
40 Esercizi Spirituali fatti nel Santuario di S. Ignazio…, p. 2; FdB 84, A10.
41 G. Cafasso, Istruzioni per esercizi spirituali al clero, p. 169-174; cf. também p. 175-182.
42 S. Salamo; M. Gelabert, Regula cleri ex sacris litteris, sanctorum Patrum monimentis
Ecclesiasticisque sanctionibus excerpta. Trivilii [Treviglio], G. B. Messaggi, 1827, t. I, p. 22,
107-109, 120, 122, 139-156.
43 Cf. D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863, p. 48; G. Barberis, Cronichetta, caderno. 3, p. 55;
P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica I 168.
44D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863, p. 48; Cf. L. Nicolis di Robilant, San Giuseppe
Cafasso confondatore del Convitto ecclesiastico di Torino, 2ª ed. revista e atualizada por
Mons. Dr. Giuseppe Cottino. Turim, Edizioni Santuario della Consolata, 1960, p. 654-655.

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172 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
mentos faziam-se mais prementes, contrapondo a qualquer outra veleidade vocacional
a evidente missão em ato: “Quem pensará agora em seus jovens? Não lhe parecia fazer
o bem trabalhando junto de seus jovens?” A conclusão não era mais que um conselho:
“Continue sua obra em favor dos jovens. É esta a vontade de Deus e não outra”:45 “O
senhor não, não irá”, foi a lacônica ordem transmitida pela crônica de Ruffino.46
Entretanto, paradoxalmente, no amadurecimento de sua vocação missionária podia
ter sido forte o influxo do próprio padre Cafasso. Um aspecto específico do zelo do
mestre dos sacerdotes turinenses foi, de fato, o interesse vivo, concreto, operativo pelas
missões e pelos missionários. Era seu correspondente e generoso benfeitor. Por outro
lado, o espírito missionário enraizava-se nas mesmas Amizades cristãs e católicas de
Lanteri e Guala, retomado vigorosamente, depois de quase um eclipse decenal, com
ampla aprovação régia em 1838.47 O próprio Dom Bosco, missionário entre os jovens,
haveria de continuar a cultivar o espírito da missus ad gentes graças ao contato com a
imprensa e com os homens, que em Turim o promoviam: os Anais da Propagação da
e o Museu das Missões Católicas e, particularmente, o cônego teólogo Giuseppe
Ortalda (1814-1880).48
Segundo Cafasso, um sacerdote da têmpera de Dom Bosco não podia ser perdido
pela diocese nem simplesmente integrado nas estruturas paroquiais, pois era talhado
para uma missão interna urgente e atual. A fim de torná-la possível, a solução mais
imediata não pôde ser outra que o Refúgio. Harmoniza-se ali o testemunho dado pelo
interessado às Memórias do Oratório, a trinta anos de distância dos fatos, quando
evoca a peremptória destinação: “Faça a trouxa e vá com o teólogo Borrelli; lá será
diretor do Pequeno Hospital de Santa Filomena; trabalhará também na obra do Refúgio.
Entretanto Deus lhe mostrará o que deve fazer pela juventude”.49 Entre outras coisas,
podia contar com a compreensão de dois sacerdotes zelosos e disponíveis, o teólogo
Giovanni Borel e o padre Sebastiano Pacchiotti, e com a reconhecida generosidade da
marquesa Giulia di Barolo, que logo entregava ao capelão, momentaneamente a mais,
600 liras de estipêndio. Ao menos no primeiro ano de residência – à espera da abertura
do Pequeno Hospital no verão de 1845 – seus compromissos no Refúgio podiam ser
facilmente conciliados com as exigências do apostolado juvenil e de uma discreta ativi-
dade literária. Ele era de ajuda aos dois capelães, e estes a ele.
45Das Memorie sul Servo di Dio Don Cafasso do padre Giacomo Bellia; ASC A 1030110, FdB
556 A7 10. o texto è transcrito na citada biografia de Cafasso de L. Nicolis di Robilant, San
Giuseppe Cafasso confondatore..., revista e atualizada por Giuseppe Cottino, p. 655.
46D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863, p. 49.
47 Cf. cap. 2, § 6.
48 P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica I 168-169.
49 MO (1991) 128.

18.3 Page 173

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 173
4. Capelão em obras da marquesa Barolo (1844-1846)
Nos escritos destinados por Dom Bosco a evocar as primeiras experiências turi-
nenses – Aceno histórico, Acenos históricos, Memórias do Oratório – as informações
são quase totalmente concentradas no tema da catequese e do oratório. Omitem-se as
notícias sobre as atividades pastorais exercidas nos primeiros anos de sacerdócio, os
lugares de pregação, em particular no biênio 1844-1846, as funções desenvolvidas e
as experiências vividas nas obras da marquesa Barolo. Contudo, não é difícil imaginar
quanta riqueza de idéias e sugestões práticas puderam levar ao encontro com perso-
nagens de elevado valor humano e espiritual como Giulia di Barolo e Silvio Pellico,
e o cotidiano contato com instituições de intensa vitalidade caritativa, voltadas à assis-
tência preventiva ou de reabilitação da mulher socialmente humilhada e moral ou fisi-
camente ferida.
4.1 No Refúgio e no Pequeno Hospital
A francesa Juliette Colbert de Maulévrier (1786-1964) tornara-se marquesa de
Barolo, casando-se em Paris, no dia 18 de agosto de 1806, com Tancredi Falletti
di Barolo (1782-1838), pertencente a uma das mais ricas famílias aristocráticas
piemontesas. Vivera a infância e a adolescência entre as ferocidades da repressão revo-
lucionária na Vandéia e o exílio com a família na Holanda e Alemanha (1790-1802).
À corte napoleônica, os dois jovens tinham-se conhecido e sentido atraídos reciproca-
mente, semelhantes pela cultura vasta e profunda, pela integridade moral, pela sensi-
bilidade social, pela fé religiosa adamantina, mais intransigente na jovem vandeana,
mesclada de aberturas liberais no marquês. Os esposos, privados do dom dos filhos,
estabeleceram-se em Turim somente em 1814. Apoiada pelo generoso marido, a
nobre mulher dedicar-se-á logo a atividades assistenciais em favor das mulheres “em
perigo” e “perigosas”. Depois de freqüentar por três anos várias prisões – Senatórias,
Correcional, das Torres –, em 1821 conseguira que o governo subalpino lhe confiasse a
superintendência da prisão feminina das Forçadas, com ampla liberdade nas aceitações.
A marquesa havia pedido e obtido de imediato a colaboração das religiosas do Instituto
de São José de Chambéry. As primeiras delas tinham chegado a Turim em 1° de
setembro de 1821, seguidas de outras à medida que as iniciativas beneficentes cres-
ciam. Em 1823, a marquesa fundava no bairro Dora a Obra Pia do Refúgio ou Casa
de Acolhida para mulheres caídas, “perigosas” na gíria, assim chamada porque posta
sob o patrocínio de “Maria SS. Refugium peccatorum”. O Refúgio e seu regulamento
foram aprovados com Régias Instruções de 7 de março e 4 de abril de 1823. Era capaz
50 Acta Gregorii papae XVI III 474-475.

18.4 Page 174

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174 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
de acolher cerca de 40 arrependidas, que o tivessem pedido livremente com a vontade
de redimir-se. Para as que desejassem um compromisso espiritual mais elevado,
abria-se em 1833 o Retiro, ou mosteiro de clausura, das Madalenas, aprovado, com
as Constituições, por Gregório XVI, em 3 de abril de 1846, com a denominação de
Instituto das Irmãs Penitentes de Santa Madalena (hoje, Filhas do Bom Pastor).50
Como superiora, tiveram até 1847 irmã Clémence Bouchet, do Instituto de São José;
a partir daquele ano tornou-se superiora uma das Madalenas. Seguiam-no: em 1841, o
Retiro das jovens arrependidas de 7 a 14 anos, chamadas de Madaleninhas; em 1845,
o Pequeno Hospital de Santa Filomena – com 60 leitos – para a instrução e terapia de
meninas e jovens aleijadas de 3 a 13 anos; em 1846, junto à casa religiosa das Irmãs
de Santana, o orfanato das Julinhas, destinado a receber algumas dezenas de pequenas
órfãs para ali serem criadas e instruídas gratuitamente até a maioridade.51
A idéia do Pequeno Hospital já surgira em 1832. Várias dificuldades e o desejo
de erigi-lo em Turim, onde a assistência médica seria mais fácil e qualificada, havia
retardado sua execução. Abria-se em 1° de agosto de 1845.52 Eram ali acolhidas
meninas pobres dos 3 aos 12 anos, às quais eram dadas instrução elementar e habili-
dades de trabalho proporcionadas à capacidade de cada uma. Era garantida também a
assis­tên­cia médica específica. A direção era confiada às Irmãs de São José, enquanto
a assistência de enfermagem, a boas senhoras assalariadas, logo substituídas pelas terci-
árias das Madalenas, que em 1851 se tornaram Oblatas de Santa Maria Madalena. Dom
Bosco foi o primeiro diretor espiritual.53
Não é possível, portanto, registrar sua presença nas instituições da marquesa Barolo,
antes como colaborador dos capelães do Refúgio, depois diretor espiritual do Pequeno
Hospital, sem pensar num conhecimento direto da situação e dos problemas da mulher,
jovem e adulta, em perigo e perigosa, ou desde a infância em condições de pobreza,
enfermidade física e dificuldade psicológica. Mais tarde, ele não teve motivo de falar
de assuntos tão delicados e complexos em documentos que tendem mais a evidenciar a
história dos catecismos e oratórios masculinos, e muito menos falar disso aos jovens sale-
sianos, que se ocupavam exclusivamente de meninos. Não deixou, contudo, de acenar às
vezes ao mundo da prostituição – próximo também do Oratório – e a alguma conversão
obtida. Na boa-noite de 6 de agosto de 1862, contava ter ouvido a confissão de uma jovem
51 Cf. R. M. Borsarelli La marchesa Giulia di Barolo e le opere assistenziali in Piemonte
nel Risorgimento. Turim, G. Chiantore, 1933; G. Chiantore, Giulia dei poveri e dei re: la
straordinaria vita della marchesa di Barolo. Cavallermaggiore, Gribaudo, 1992, 326 p.;
A. Tago, Giulia Colbert marchesa di Barolo. Piacenza, Congregação das Filhas do Bom
Pastor, 1994, 215 p.; U. Levra, L’altro volto di Torino, p. 133-139: atento mais às carências
verdadeiras ou presumidas, das obras da Barolo.
52 Dava notícia disso com incondicionado aplauso o periódico Leituras de Família 4 (1845), n.
45, 8 nov. 1846, p. 358.
53 Cf. R. M. Borsarelli, La marchesa Giulia di Barolo e le opere assistenziali…, p. 227-231; A.
Tago, Giulia Colbert…, p. 102-104.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 175
moribunda numa casa, e concluía: “Feliz aquela filha, a quem Deus concedeu tempo de
fazer a confissão. Mas seria preciso estar ali a ver as outras jovens com os cabelos em pé,
os lábios lívidos, os olhos revirados, para nos capacitarmos de que terrível flagelo seja o
pecado para quem o tem na consciência, sobretudo quando se tem a morte à frente”.54 Uma
jovem de Turim, que abandonara “a casa paterna para levar vida dissoluta”, é a protago-
nista do exemplo que Dom Bosco introduzia no Mês de maio, depois da meditação sobre
o Pecado de desonestidade.55 Gravemente enferma, reconciliava-se com Deus, por graça
da Virgem, como acontecera a outra jovem mulher, que, entretendo-se de “bom gosto com
suas companheiras de leviandade”, acabara por perder “a devoção e a inocência”.56
Esse é um aspecto de sua experiência que revela minimamente as mais vastas e
profundas impressões vividas, e não ditas, no biênio de capelão assalariado e apreciado
pela marquesa Barolo. Antes do conhecimento de documentos particulares – eloqüentes,
evidentemente ignorados por ele, mas operantes no espírito e na ação da marquesa –,
encontraram nele especial repercussão os princípios que tinham dado origem às diversas
obras: oferecer o pão da fé, fazendo-o preceder e acompanhar do pão da subsistência coti-
diana; visar à salvação das almas cuidando ao mesmo tempo dos corpos e dos corações;
reeducar amavelmente em vez de reprimir – “quando a justiça exauriu sua missão, deixe
que a caridade inicie a dela” –; libertar e recuperar, prevenindo de escravidões sempre
ameaçadoras; encaminhar a elevados níveis de perfeição humana e religiosa a partir de
qualquer situação existencial. Significava crer nos insondáveis recursos do humano e nas
misteriosas virtualidades da graça, preferindo métodos que apostassem na força do amor
mais do que na ameaça dos castigos, que chamasse às indispensáveis responsabilidades
diante de Deus e dos outros, em vez das fáceis lisonjas de miragens enganadoras. Foi,
para Dom Bosco, a primeira escola organizada, não acadêmica, do sistema preventivo.
Também por isso, parece fundada a persuasão de que dois livretes publicados entre
1845 e inícios de 1847 não sejam estranhos a essas experiências. Pensamos no Devoto
do Anjo da Guarda (1845) e no Exercício de devoção à misericórdia de Deus (1847).
A devoção ao Anjo da Guarda, além de familiar entre os Irmãos das Escolas
Cristãs,58 com os quais Dom Bosco mantinha relações de trabalho pastoral, era típica
da marquesa Barolo, ao lado da devoção a Nossa Senhora e a São José, como resulta
54 Cf. D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863 1864, p. 25-27: Os grandes e luminosos dotes.
55 G. Bosco, Il mese di maggio consacrato a Maria SS. Immacolata ad uso del popolo, Turim,
Tip. G. B. Paravia, 1858, p. 148-149; OE X 442-443.
56 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 163-164; OE X 457-458.
57 Cf. Marchesa di Barolo, Memorie, appunti, pensieri, traduzidos do francês e publicados pela
primeira vez por Giovanni Lanza, Turim, Tip. G. Speiram e filho, 1887, p. 1-49. Grandes
ressonâncias das convicções e da experiência benéfica da marquesa são encontrados no livro
de S. Pelico, La marchesa Giulia Falletti di Barolo: memorie. Torino, Tip. G. Marietti, 1864,
145 p.; uma síntese da experiência reeducativa da marquesa è oferecida por A. Tago, Giulia
Colbert..., p. 68-94.
58 Cf. G. Fornaresio, “Il culto dell’angelo custode nel pensiero e nelle opere di S. G. B. de La
Salle”, Rivista Lasalliana 59 (1992) n. 4, p. 284-299.

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176 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
também do texto das Constituições. Particularmente nos tempos de silêncio, os três
interlocutores explicitamente indicados são o Senhor, a Beatíssima Virgem e o Anjo
da Guarda.59 Parece razoável, portanto, coligar ao serviço sacerdotal prestado por Dom
Bosco no Refúgio o opúsculo dedicado a ele, publicado em 1845. O título das dez
considerações e a “Pequena Canção Espiritual” que as conclui são inspiradas em pensa-
mentos de particular ternura, que se associam facilmente aos expressos depois no opús-
culo Exercício de devoção à misericórdia de Deus. O dom do Anjo não é senão uma
divina efusão de amor: Bondade de Deus ao destinar-nos os Santos Anjos da Guarda,
Os Santos Anjos nos amam por respeito a Jesus e Maria, Benefícios cotidianos dos
Santos Anjos da Guarda, Assistência especial dos Santos Anjos, Ternura do santo Anjo
pelo pecador, Ternura que devemos ao Anjo porque ele nos ama.60
As considerações preparam o encontro místico com o Anjo da Guarda, referido
com um significativo crescendo do léxico: “o preceptor e o diretor de cada um de nós”,
“amáveis solicitudes”, “consolador amoroso”, “amorosa presença”, “cuidado amantís-
simo”, “nosso amável protetor”, “muito amável protetor”. O vértice de uma especial
delicada intimidade está na Pequena canção espiritual, a alma e o anjo. A alma (“alma”
também em sentido junguiano) enamorada inicia o diálogo com uma quadra, cujos três
primeiros versos – “Angioletto del mio Dio,/ Di te degna non son io,/ Angioletto del mio
Dio...” (“Anjo de meu Deus,/ Não sou digna de ti,/ Anjo de meu Deus...”) – retornam
invariáveis a cada réplica do amado. Com o quarto verso, porém, esgrime sentimentos
sempre novos, interroga, pede, confirma: “Che fai tu vacino a me? Non sai tu che
debol son? Io vorrei con te volar, a Maria vorrei piacer, ah Gesù dimmi dov’è, il timore
approvi tu? L’allegria m’innonda il sen, dammi il core il mio ti do” (“Que fazes tu junto
a mim?/ Não sabes o quão frágil eu sou?/ Gostaria de contigo voar,/ a Maria gostaria de
agradar,/ ah! Jesus, dize-me onde ela está,/ aprovas tu o temor?/ A alegria inunda-me
o peito,/ dá-me teu coração, o meu eu te dou”). O anjo conclui garantindo: “Prendo il
tuo, il mio tu l’hai,/ Separati non sien mai:/ Ah! formiamo un solo core/ Per colui che ci
creò” (“Tomo o teu, o meu já o tens/ Separados não estaremos jamais:/ Ah! formamos
um só coração/ Para aquele que nos criou”).61
A canção A alma e o anjo era introduzida dois anos depois na Seleção de loas
sacras do Jovem instruído, enquanto no texto era inserido apenas um breve Exercício de
devoção ao S. Anjo da Guarda com tonalidade decisivamente severa: “Não vos esque-
çais de ter cuidados para comigo, um abominável pecador”, “dignaste-vos ter tanto
cuidado desta minha pobre alma, defendei-a das insídias e dos assaltos do demônio”,
“humilhaste-vos vindo do céu à terra para empenhar vosso ministério em favor de um
ser tão vil quanto eu sou”, “benigníssimo espírito, que tantos esforços despendes para
salvar minha alma”.62
59 Costituzioni e Regole… Parte II: Direttorio spirituale, tit.. VIII: Del silenzio, p. 495.
60 [G. Bosco], Il divoto dell’Angelo custode…, Turim, Tip. Paravia e comp., 1845, 72 p.; OE I
87-158.
61 [G. Bosco], Il divoto dell’Angelo custode…, p. 61-63; OE I 147-149.
62 G. Bosco, Il giovane provveduto…, 1847, p. 124-126, 342-344; OE II 304-306, 522-524.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 177
Fortes ligações com o Refúgio e o Pequeno Hospital são também manifestadas
pelo livrinho Exercícios de devoção à misericórdia de Deus, editado a poucos meses
de distância da demissão de Dom Bosco das obras da marquesa Barolo. Não parece
arriscada a hipótese de ter sido inspirado, praticado e compilado durante o serviço
exercido nelas. Somos informados pelo primeiro biógrafo da marquesa que ela, “desde
1840, introduziu em seus institutos o assim chamado Exercício da misericórdia, a ser
praticado nos últimos sete dias de carnaval; para esse Exercício implorou e obteve
várias indulgências do Pontífice Gregório XVI”.63 Os textos relativos ao pedido e à
sua concessão por parte de Gregório XVI e Pio IX, da primavera ao verão de 1846,
ocupam as primeiras páginas do opúsculo.64 O pedido era baseado no fato de o devoto
exercício ter sido “praticado há alguns anos” nas “comunidades religiosas” existentes
“nos pios estabelecimentos de Santana e Santa Maria Madalena erigidos em Turim e
aprovados recentemente” por Sua Santidade. O exercício era “dirigido a implorar a
Divina Misericórdia, nos primeiros três dias pela conversão dos pecadores, e nos três
seguintes para agradecer-lhe pelos benefícios distribuídos”.65
As duas indulgências foram efetivamente concedidas em 16 de março de 1846 e
comunicadas com decreto de 6 de abril da Congregação das Indulgências. Em 8 de
março, Gregório XVI já tinha aprovado o Instituto das Irmãs de Santana com suas
Constituições. Fundado em 1834, tinha por finalidade “prover a classe indigente de
educação tanto da primeira infância quanto das filhas adultas nas vilas e aldeias pobres,
dispondo-se também a fazer ao próximo qualquer outro serviço de caridade conforme
seu estado, que em caso de necessidade lhes fosse ordenado pelos superiores. Não
descuidarão, por esse motivo, da cuidadosa educação das filhas que receberão em seu
próprio mosteiro, às quais, porém, jamais poderão ensinar as ciências e artes próprias de
uma educação mais elevada. Buscarão de todas as formas somente formá-las à piedade
e a tudo que possa servir para torná-las boas cristãs e boas mães de família”.66
O discurso do Exercício de devoção parte da persuasão de que “somos todos
pecadores, infelizes devido à culpa, necessitados de perdão e de graça, redimidos por
nosso Senhor com seu preciosíssimo sangue, chamados à salvação eterna”.67 Não se
nega a gravidade do pecado e o rigor da justiça, mas garante-se também o socorro da
misericórdia ao arrependimento sincero. Não sem fundamento, acredita-se que se pode
encontrar nesse livrinho, que não é original, mas compilação tirada de fontes preexis-
63 G. Lanza, La marchesa Giulia Falletti di Barolo nata Colbert. Turim, Giufo Speirani e figli,
1892, p. 179.
64 [G. Bosco], Esercizio di divozione alla misericordia di Dio. Turim, Tip. Eredi Botta [1847],
p. 3-12; OE II 73-82.
65 [G. Bosco], Esercizio di divozione alla misericordia di Dio, p. 3-4; OE II 73-74.
66 Costituzioni e Regole dell’Istituto delle Suore di S. Anna della Provvidenza, parte I, tit. I,
art. 1-2, in: Acta Gregorii Papae XVI III 477.
67 [G. Bosco], Esercizio di divozione alla misericordia di Dio, p. 14-15; OE II 84-85.

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178 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
tentes e integrada por uma longa prática devocional, as raízes da amabilidade, termo
nele recorrente sob várias formas.68
Pode-ser ter ainda algum raio de luz sobre a obra de diretor espiritual realizada por
Dom Bosco no Pequeno Hospital de Santa Filomena. Refere-se, sobretudo, à experiên­cia
da dor, que ele iluminava com uma presença encorajadora e alegre. Isso pode ser dedu-
zido deste trecho de carta endereçada dos Becchi em 17 de outubro de 1845 ao teólogo
Borel: “Recebi ontem sua carta, na qual me notificou coisas muito agradáveis; diga à
Madre Clemência que tenha coragem e que, quando for a Turim, faremos o que for
conveniente. Madre Eulália cuide-se para não cair doente. Como Madre do Hospital,
mantenha alegres nossas filinhas enfermas, às quais quando chegar darei um biscoito”.69
Pode-se deduzir, de uma carta de 1864 da Mestra das Madaleninhas, que Dom Bosco
tenha dado também alguma aula particular de aritmética.70 É também plausível o que foi
escrito sobre as prolongadas relações de Dom Bosco com o mosteiro das Madalenas.71
4.2 Do oratório itinerante à sede e à opção definitivas (1845-1846)
A abertura do Pequeno Hospital em 1° de agosto de 1845 já subtraia meses antes
aos capelães o uso de locais antes entregues ao Oratório: “Foi necessário buscar outro
lugar”, escreve Dom Bosco.72
Tinha início a peregrinação do Oratório em sedes sucessivas usadas simplesmente
só para a catequese ou só para a recreação: São Pedro in Vincoli, Moinhos Dora, casa
Moretta, prado Filipe, até o último horizonte, Valdocco. Para a missa e demais funções
sagradas, Dom Bosco acompanhava os jovens de uma a outra igreja, com a preferência por
algumas, como narra no Aceno histórico: “Nos dias festivos, levava-os a Sassi, às vezes a
Nossa Senhora. do Campo, às vezes aos capuchinhos do monte” e, às vezes a Superga.73
Em Sassi, o pároco era o amigo padre Pietro Abbondioli (1812-1893), e no Monte dos
Capuchinhos os padres reservavam a mais cordial acolhida aos meninos de Dom Bosco.
68 Cf. P. Braido, “Il sistema preventivo di don Bosco alle origini (1841-1862)”, RSS 14 (1995),
p. 265-266.
69 Em I 62. Ir. Clémence Bouchet exerceu tarefas importantes na Congregação de pertença, da
qual foi também superiora geral, e junto à Barolo, a quem ajudou na fundação das Irmãs de
Santana e das Penitentes de Santa Maria Madalena. Madre Eulália, religiosa desde 1828,
trabalhou em Turim junto às Órfãs, no Hospital de São João e nas prisões, e foi diretora das
Forçadas; a partir de 1842 foi superiora no Refugio, onde permaneceu até 1847. Foi superiora
do Pequeno Hospital no biênio 1845-1847 irmã Giacinta Madalena Bellagarda que, depois de
ter professado os votos religiosos em 1835, tornou-se professora na escola do bairro Dora e
no Refúgio (Cf. Em I 62-63, notas históricas nas linhas 13 e 14).
70 Carta a ele da irmã Madalena Teresa de 16 de dezembro de 1864; ASC A 1451610, Fdb 1581 D4 6.
71 Cf. L. Larese-Cella, Era una marchesa...: profilo storico-sociale di Giulia di Barolo. Turim,
Gastaldi, 1968, p. 54 58.
72 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 42.
73 [G. Bosco], Cenno storico..., in: Don Bosco nella Chiesa, p. 44-45; MO (1991) 141-142.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 179
A primeira parada para a catequese foi em 25 de maio de 1845 na igreja do cemi-
tério de São Pedro in Vincoli,74 não nos Moinhos Dora, como conta o próprio Dom
Bosco, já em 1854, seguido ao menos por um século pelos biógrafos.75 Não se exclui
que Dom Bosco, que já estava em relações com os Irmãos das Escolas Cristãs, tenha ido
lá no domingo, sabendo que a “congregação dos catequistas de Santa Pelágia” a tinha
utilizado, sem necessidade de autorizações particulares, por três domingos, 11, 18 e 25
de maio.76 A Contadoria da cidade, porém, havia deliberado em 23 de maio a proibição
de seu uso, notificada alguns dias depois, não em relação ao Oratório dos jovens de
Dom Bosco, mas à “congregação dos catequistas de Santa Pelágia”, que ali se reunira
para a récita do “ofício dos mortos”.77
A efêmera presença em São Pedro in Vincoli foi interrompida, segundo Dom Bosco,
também pela indelicada denúncia do capelão, o ex-capuchinho padre Giuseppe Tesio
(1777-1845), sugerida pela criada, seguida três dias depois pela morte súbita do acusa-
dor.78 Isso criava uma situação virtualmente favorável ao próprio Dom Bosco. Dava a
possibilidade aos capelães da marquesa Barolo de pôr-se em contato com as autori-
dades municipais com a finalidade de apresentar-lhes a atividade oratoriana e, em favor
dela, apoiar a nomeação de Dom Bosco como novo capelão da igreja do cemitério.
O teólogo Borel escrevia em 29 de maio à mulher do conde Bosco de Ruffino, um
dos prefeitos, pedindo-lhe para conversar com seu marido, segundo sua prudência, sobre
o pedido que Dom Bosco – “Capelão da Obra do Refúgio da Sra. Marquesa Barolo”,
“de acordo com a predita Senhora Marquesa” – estava para enviar à autoridade muni-
cipal “para ser nomeado Capelão de São Pedro in Vincoli”, a fim de utilizar o local para
continuar a obra iniciada no Refúgio.79 Do perfil traçado dos dezessete postulantes pelo
contador deduz-se que o pedido fora assinado pelo teólogo Borel, pelo padre Sebastiano
Pacchiotti e por Dom Bosco, tidos como “três sacerdotes todos muito dignos”, devotados
a uma missão “nobre e santa”. Entretanto, o redator dos perfis convidava os membros da
Contadoria a “ponderar se possa condizer com o silêncio dos túmulos, e se, quem sabe, a
74 A presença em São Pedro in Vincoli foi de tal modo fugaz que, escrevendo ao marquês
Cavour, Dom Bosco nem sequer a menciona, falando apenas da passagem do Refúgio aos
Moinhos Dora.
75 Cf. F. Motto, “L’ ‘Oratorio’ di don Basco presso il cimitero di S. Pietro in Vincoli in Torino:
una documentata ricostruzione del noto episodio”, RSS 5 (1986), p. 199-220.
76 Cf. F. Motto, “L’ ‘Oratorio’ di don Bosco…”, p. 204-206.
77 “A Contadoria – era a deliberação –, ouvidas as informações dadas sobre a reunião dos assim
chamados catequistas na capela do Cemitério de São Pedro in Vincoli, delibera que de agora
em diante seja interditado o acesso à dita capela para uso desse ofício, pedindo se for necessário
aos senhores prefeitos que ajudem a autoridade do Vigário para conter os catequistas das
numerosas [re]uniões que aí haveriam de fazer” (cit. por F. Motto, “L’ ‘Oratório’ di don
Bosco...”, p. 206).
78 MO (1991) 13-140.
79 Cf. F. Motto, “L’ ‘Oratorio’ di don Bosco…”, p. 211.

18.10 Page 180

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180 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
ligação preexistente não venha a enfraquecer a absoluta dedicação ao importante serviço
que a cidade deve ter por finalidade garantir”.80 Era escolhido um certo padre Felice
Colombo, de Avigliana, mestre de escola em Giaveno, que se obrigava à celebração da
missa festiva na capela de São Martinho, interna aos Moinhos Dora.81
Os três sacerdotes não cediam, enviando o pedido de utilização ao menos parcial
do lugar. Eles declaravam-se diretores “também de uma sociedade de meninos, que
se reúnem todo domingo e festas num Oratório sob a proteção de São Francisco de
Sales, aberto na casa onde moram, para aprender o catecismo, assistir à Santa Missa,
freqüentar os Sacramentos e, às vezes, receber a bênção com o Venerável”. O número
de jovens que chegaram a duzentos nas “últimas festas” exigia um “Oratório maior”.
Pediam, pois, para uma “obra de reconhecida grande vantagem da juventude” a autori-
zação de utilizar o “Oratório do cemitério de São Pedro in Vincoli”, “por diversos pontos
de vista muito adaptado aos exercícios de piedade que se praticam em seu Oratório”.
O pedido – segundo o teor da ata da reunião da Contadoria em 3 de julho – “foi negado
pela consideração que não parece conveniente que a Igreja adida ao cemitério fosse
destinada a outro uso, além daquele para o qual fora erigida”.82
Depois de novo pedido, porém, a Contadoria concedia ao “sacerdote Teólogo Borel
a faculdade de servir-se da Capela [sic] dos Moinhos para ali catequizar os meninos”
com a condição – explicitava – que “não seja lícito a ninguém entrar no recinto das
casas dos Moinhos e não se crie o menor impedimento à celebração da missa nos dias
festivos em proveito de todos os empregados dos Moinhos, fixando a hora da catequi-
zação do meio-dia às três”.83 Os catecismos tiveram início em 13 de julho e duraram
até dezembro. Na carta ao marquês Michele de Cavour, de 13 de março de 1846, Dom
Bosco escrevia: “Foi grande o concurso dos jovens e freqüentemente ultrapassavam os
duzentos e cinqüenta. Mas fomos também prevenidos em relação a esta Igreja pelos
Srs. Prefeitos da Cidade que devemos transferir nosso Catecismo para outro lugar no
próximo [passado] janeiro sem que nos fosse acenado o motivo”.84 Foram suas causas
os protestos da população dos Moinhos. A Deputação do decuriato, em reunião de 7
de novembro, as acolhera, e a Contadoria, em 14 de novembro, comunicara ao teólogo
Borel que a partir de janeiro não poderia mais “valer-se da capela dos Moinhos”.85
O duro inverno turinense levava Dom Bosco a nova solução. Ele alugava para os
80 F. Motto, “L’Oratorio’ di don Bosco…”, p. 212.
81 Ib., p. 213.
82 Ib., p. 214.
83 Ib., p. 215.
84 Em 166.
85 F. Motto, “L’ ‘Oratorio’ di don Bosco…”, p. 215. Em um Memoriale dell’Oratorio di S.
Francesco di Sales (1844-1849), redigido pelo teólogo Borel, editado por P. Stella, Don
Bosco nella storia economica e sociale…, p. 545-559, encontra-se a seguinte anotação: “No
domingo 9 depois de Pentecostes, 13 de julho, tomada de posse de São Martinho. No domingo
4 de Advento abandonado São Martinho” (P. Stella, Don Bosco nella storia economica e
sociale..., p. 547).

19 Pages 181-190

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19.1 Page 181

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 181
catecismos festivos vespertinos aos jovens três quartos de uma casa não distante do
Refúgio, de propriedade do padre Giovanni Antonio Moretta (1777-1847). Poucas
semanas depois, alugava também dos irmãos Pietro Antonio e Carlo Filippi um prado
cercado próximo, a leste da casa.86
A permanência na casa Moretta durou de dezembro de 1845 a abril de 1846, até que
as reclamações dos outros inquilinos da casa, que tinha vinte quartos, não permitiram
a renovação do aluguel.87 A 200 metros encontrava-se um barracão, com 15 metros de
comprimento em construção, apoiado num edifício cedido em aluguel por Francesco
Pinardi a certo Pancracio Soave, que nele tinha tentado iniciar uma fábrica de amido.
Devia ser o ponto final da longa peregrinação. Dom Bosco, em carta de 13 de março
de 1846, resumia suas últimas etapas, após a saída dos Moinhos Dora, ao marquês
Cavour: “Era grande para nós a confusão, desgostava-nos abandonar a obra iniciada
que parecia tão boa; somente Sua Excia. o Conde de Collegno, depois de falar com o
Sr., nos confortava a prosseguir. Durante o inverno fizemos um pouco em nossa casa e
um pouco em vários quartos alugados. Finalmente, nesta semana chegamos à tratativa
de um lugar com o Sr. Pinardi, com quem foi acertada a soma de 280 francos por um
grande quarto, que pode servir de Oratório, mais outros dois quartos com um ambiente
anexo”.88 Na carta a Cavour não se encontram traços da dramatização exibida por Dom
Bosco nas Memórias do Oratório.89
Em 1° de abril, Dom Bosco começava a pagar o aluguel da nova sede, graças a
substanciosas contribuições do padre Cafasso,90 para fazer dela a capela e a sacristia do
Oratório, com uma terceira sala anexa para os apetrechos de recreação. Era inaugurada
de fato no dia da Páscoa, 12 de abril. No dia seguinte, por delegação do arcebispo, o
teólogo Borel a benzia.
Os oratorianos devem ter crescido rapidamente, se, em data de 10 de agosto de
1846, o redator do Memorial registrava a despesa de 39 liras para 650 cópias dos Seis
domingos de são Luís, “distribuídas aos jovens a 6 liras o cento”.91 Entretanto, em 5 de
junho, Dom Bosco conseguira subalugar três quartos no andar de cima da casa Pinardi a
5 liras mensais, a partir de 1° de julho até 1° de janeiro de 1849. Evidentemente, chegara
86No Memoriale, citado na nota anterior, o teólogo Borel registra em 21 de fevereiro: “Compra
da porta para o campo. Fatura e provisões da porta” (P. Stella, Don Bosco nella storia
economica e sociale..., p. 546).
87No Memoriale citado, era anotado em 2 de abril: “Licenciamos o Oratório da casa Moretta e
pagamos o saldo para todo abril”. (P. Stella, in Don Bosco nella storia economica e sociale...,
p. 547).
88 Carta de 13 de março de 1846, Em I 66-67. “Quarto”, nesta e em outras cartas no futuro, tem
o significado de sala, local habitável, morada.
89 MO (1991) 153-156.
90 Cf. Memoriale dell’Oratorio..., in P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…,
p. 545-559.
91 Memoriale dell’Oratorio..., in P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 549.

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182 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
o momento de uma opção radical de residência e de vida.92
A opção exclusivamente oratoriana, de fato, vinha amadurecendo há vários meses,
também pela crescente impossibilidade de coexistência da missão entre os jovens e
o serviço de capelão no Pequeno Hospital de Santa Filomena. Entre outras coisas,
as adversidades do oratório itinerante coincidiram com as condições sempre mais
precárias da saúde de Dom Bosco. A marquesa Barolo – em Roma para a aprovação de
seus institutos religiosos – estava-lhe próximo com sensibilidade materna, servindo-se
dos bons ofícios do teólogo Borel, a quem empenhava com insistência a ocupar-se da
saúde do padre castelnuovense, admitida como precária pelo próprio interessado devido
ao excesso de trabalho.93 Em carta de 3 de janeiro de 1846, o teólogo garantia-lhe: no
dia seguinte à Epifania, Dom Bosco haveria de tomar um período de repouso.94 Mas a
permanência junto ao amigo padre Abbondioli, pároco no subúrbio turinense de Sassi,
não resolvia o problema, pois os jovens não deixavam de ir à sua procura, cansando
seus pulmões com as confissões. Dom Bosco mesmo evocava os fatos com abundância
de particulares nas Memórias do Oratório.95 “Os meninos iam confessar-se com ele e
ele os levava de volta a Turim”, escrevia em 18 de maio a marquesa ao padre Borel,
examinando a situação: louvava a obra de Dom Bosco, mas declarava que haveria de
continuar com o pagamento só “na condição de que ele se afast[asse] bastante de Turim,
para não estar na ocasião de estragar gravemente sua saúde, a qual – concluía – preo-
cupa-me tanto mais quanto mais o estimo”. “O senhor escolheu o ótimo Dom Bosco –
dissera na primeira parte da carta – e o apresentou-o a mim. Agradou-me também desde
o primeiro momento e encontrei aquele ar de recolhimento e simplicidade próprio das
almas santas”. Contudo, assinalava também o inconveniente criado pelos jovens que se
aglomeravam diante do Refúgio à espera de seu padre, com o perigo, de uma parte e de
outra, de encontros inoportunos com as “filhas de má vida”.96
Apresentava-se inevitável a Dom Bosco o corte do relacionamento “profissional”:
“Minha resposta já está pensada. A senhora tem dinheiro e com facilidade encontrará
quantos padres quiser para sua obra. O mesmo não acontece com meus pobres meninos”;
“deixarei oficialmente o cargo e me dedicarei inteiramente ao cuidado dos meninos
abandonados”.97 A marquesa não desmentiu, mesmo em seguida, a sua generosa muni-
ficência, mas sobre isso Dom Bosco não escreve nada nas Memórias do Oratório.
Nos primeiros dias de julho, retornando do Oratório ao Refúgio num domingo, ele
92 Cf. Memoriale dell’Oratorio..., in: P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…,
p. 75
93 MO (1991) 170.
94 Cf. carta do teólogo Borel; MB II 352-353.
95 MO (1991) 170-172.
96 Carta da marquesa ao teólogo Borel de 18 de maio de 1846; ASC A 1010104, cit. em MB II
463-466. Sobre Giulia Barolo e Giovanni Bosco encontram-se bons esclarecimentos em A.
Tago, Giulia Colbert..., p. 104-108.
97 MO (1991) 151.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 183
teve um desfalecimento e precisou pôr-se de cama, febril: pela gravidade, pelo decurso
e pela conclusão da doença pode-se pensar numa grave infecção pulmonar, talvez uma
broncopneumonia. Superada a séria crise, impunha-se uma longa convalescença na
aldeia natal.98 Antes de partir de Turim, nos primeiros dias de agosto, despedia-se do
Pequeno Hospital e do Refúgio, enquanto o teólogo Borel ocupava-se com o transporte
das coisas do amigo para os quartos da casa Pinardi, porquanto há semanas tinha assu-
mido o cuidado do Oratório.99
Dom Bosco, em Castelnuovo, não deixava de manter-se em contato epistolar com
ele.100 Terminada, enfim, a longa convalescença de quase três meses, em 3 de novembro
de 1846, instalava-se com a mãe na casa alugada em junho.
4.3. Encontro com um amigo admirado e discreto: Silvio Pellico (1789-1854)
Segundo os biógrafos de Dom Bosco, foi dele o pedido a Silvio Pellico (24 de junho
de 1789 – 31 de janeiro de 1854) para que escrevesse a pequena canção Angioletto del
mio Dio. O poeta teria sido autor também de outras loas sacras publicadas no Jovem
instruído: Coração de Maria que os Anjos, Uma desordem infinita (o inferno), Paraíso,
Paraiso.101 Sendo de Pellico, pertencem à produção religiosa e recreativa que o poeta
reservava para as festas de instituições particulares ou das comunidades da marquesa
Barolo, editada em grande parte em tempos distantes da morte.102 Não parece casual
que, entre as composições poéticas, haja uma delas dedicada à desconhecida mártir
santa Fortunola e que Dom Bosco dedique a ela um panegírico, talvez por ocasião de
uma festa no Refúgio ou no Pequeno Hospital.103
Colaborador e conselheiro do marquês Barolo em coisas familiares e de confiança,
confirmado em seu papel bastante particular pela marquesa depois da morte do marido,
Pellico entrava em contato com suas obras beneficentes e com os que ali trabalhavam;
98 MO (1991) 172-173.
99 Cf. E. Giraudi, L’Oratorio di Don Bosco. Inizio e progressivo sviluppo edilizio della Casa
madre dei salesiani in Torino. Turim, SEI 1935, p. 92-94.
100 Cf. cap. 7, § 1.
101 Cf. G. Bosco, Il giovane provveduto…, 1847, p. 329-330, 339-344, OE II 509-510, 519524;
MB II 133, 269, 549; VII 40.
102 Cf. S. Pellico, Inni italiani per le annuali feste della grand’opera della Propagazione della
Fede nella Diocesi di Torino. Turim, Tip. Giulio Speirani e figli 1882; Rappresentazioni
drammatiche inedite, com prefácio de Giovanni Lanza. Turim, Collegio degli Artigianelli -
Tip. e Libr. San Giuseppe 1886.
103 Cf. S. Baroni, Santa Fortunola martire... Cenni storici cor un inno di Silvio Pellico in lode
della stessa Santa. Lucca, Tip. Arciv. San Paolino 1883: o texto do louvor está também nas
Opere complete di Silvio Pellico con le Addizioni di Pietro Maroncelli alle “Mie prigioni”’:
Milão, Presso la Libreria di Dante 1857, p. 355-356; G. Bosco, Discorso per S. Fortunola V.
M., esquema ms autógrafo, ASC A 2250706, FdB 85 D 5.

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184 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
antes de tudo com a instituição mãe, o Refúgio, com os dois capelães oficiais, teólogo
Borel e padre Pacchiotti, e, a partir do outono de 1844, com Dom Bosco.
Lemoyne insiste de variados modos sobre as “relações amigáveis” entre Dom
Bosco e Pellico. Segundo ele, o novel escritor submetia os próprios escritos a Dom Bosco,
recebendo dele conselhos úteis.104 Em relação à poesia sobre os Anjos105 ele transcrevia
alguns versos num marcador de página do breviário.106 Pellico, filho da savoiarda
Margarida Tournier de Chambéry, que o tinha consagrado a são Francisco de Sales,
compartilhava com Dom Bosco uma devoção especial pelo santo da doçura. “Alegro-me
– escrevia ao dominicano padre Feraudi – que sejas amante desse dulcíssimo Santo, ao
qual uma particular devoção me foi sempre inspirada por meus pais. Ele é não só o
protetor de nosso François [o irmão jesuíta], mas quase um santo de família. Quando
criança, eu era aleijado e, depois de uma novena a ele, comecei a andar”.107
O afetuoso perfil que dele traçara Dom Bosco na segunda edição da História da
Itália, de 1859, era certamente inspirado na familiaridade com o poeta. Supunha
um conhecimento pessoal direto, além de natural comunhão de fé cristã. Ele era –
escreve o autor – “de aspecto risonho, semblante doce, afável, cheio de bondade e
condescendência no falar e no cumprimentar os amigos e conhecidos”. Depois da
experiência de Spielberg, passara os últimos vinte anos de vida “no estudo e no
exercício das virtudes”, a começar da composição da “maravilhosa obra intitu-
lada As minhas prisões”: “A pureza de estilo, a simplicidade e a sublimidade dos
conceitos morais e religiosos tornam esse livro ameno e útil a todas as pessoas de
pouca instrução. Eu vos aconselho a querer lê-lo atentamente, e dele tirareis certamente
grande van­tagem”; “ele ocupava-se muito do bem da juventude e experimentava um grande
prazer sempre que, com o conselho ou com meios pecuniários, podia encaminhar
um mendigo ao trabalho, instruir um ignorante ou cooperar com algum jovenzinho
na carreira dos estudos. Entre as coisas que disse, merece que eu vos acene sobre
uma carta escrita a um protestante quanto ao mal que os livros irreligiosos fazem
à mente imatura dos jovens”. Após a morte dos pais e do irmão, “ele aceitou com reco-
nhecimento” “a honrosa hospitalidade” que lhe ofereceram os marqueses de Barolo,
fazendo por merecendo, com uma vida passada “no estudo e na prática da religião”,
a imorredoura “veneração junto aos pósteros”.108
Em 25 de dezembro de 1845, em nome da marquesa Barolo, Sílvio Pellico escrevia
de Roma uma carta ao responsável pela secretaria da marquesa, Domenico Burdizzo,
104 Cf. MB III 314-315; IV 634; V 118.
105 Cf. S. Pellico, Opere complete…, p. 309-311.
106 MB XVIII 806.
107In Epistolario italiano, preparado por C. Durando. Turim, Tip. e Libr. Salesiana, 1877,
p. 385; cf. também a carta à irmã Josefina, citada por D. Massè, Un cattolico integrale del
Risorgimento. Roma, Edizioni Paoline, 1959, p. 203.
108 G. Bosco, La storia d’Italia…, 1859, p. 460-466.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 185
para que comunicasse ao padre Borel incumbências relativas à “fragilidade de saúde”
de Dom Bosco e à necessidade de ele se curar com algum tempo de repouso. Ela haveria
de continuar a dar-lhe “o honorário combinado”. A marquesa pedia a Borel que “comu-
nicasse essa disposição” a Dom Bosco, “induzindo-o a servir-se dela”, e que lhe encon-
trasse um substituto temporário. Através de Burdizzo, Pellico também deseja fazer com
que chegue seus cumprimentos a Dom Bosco, bem como aos dois capelães do Refúgio,
Borel e Pacchiotti,109 sinal de freqüentação não esporádica.
São também confirmações de reminiscências não efêmeras do grande amigo cató-
lico dois fatos referidos nos primeiros anos 60. O sonho contado por Dom Bosco à
noite de 31 de dezembro de 1860 continuava a sacudir as consciências dos hóspedes
do Oratório nos inícios de 1861. No sonho, os jovens eram submetidos a um exame
de consciência feito por três protagonistas de família: padre Cafasso, Silvio Pellico e
o conde Cays;110 este era o único dos três ainda vivo. Depois, as Leituras Católicas do
fim do ano traziam o escrito de Pellico Notícias sobre a beata Panásia, acompanhado
do perfil biográfico do autor, de 1859, retocado e enriquecido pela surpreendente inter-
venção polêmica do literato contra os Prolegômenos, de Gioberti (1845), a ele dedi-
cados, firmemente discordante do violento ataque aos jesuítas: “Como ótimo e corajoso
católico, ele frustra as esperanças de Vincezo Gioberti”.111
5. Da moral dos deveres ao salesianismo de Dom Bosco
A evolução das estruturas e a opção vocacional fundamental eram também sinal,
efeito e causa da formação de nova mentalidade e de aptidões inéditas. O sacerdote
pastoral tornava-se sempre mais educador, e sua pastoral, sempre mais juvenil. O semi-
nário e o Colégio Eclesiástico não lhe tinham dado uma cultura específica a respeito,
mas tinham criado nele estruturas mentais de fundo que, dada a inteligência incomum
e o realismo inato, permitiam-lhe amplas possibilidades de integrações desde os inícios
de seu trabalho entre os jovens. A evolução aparece mais visível na eclesiologia, na
seleção das devoções, nas orientações morais, radicalmente induzidas pelo Colégio e
enriquecidas com as leituras pessoais. Quanto aos métodos, o impacto com o ligorismo
e com a realidade juvenil turinense favoreciam uma aproximação substancial, mais
prática do que cultural, com o salesianismo entendido no sentido mais amplo,112 que
incluía as espiritualidades interrelacionadas filipina e vicentina.
109 Carta de 23 de dezembro de 1845, in MB VII 608.
110 Cf. D. Ruffino, Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales N° 2 1861, p. 2 5; G. Bonetti,
Memoria di alcuni fatti tratti dai fatti e dalla storia, p. 65-68 e Annali I, p. 1 6.
111 Notizie intorno alla beata Panasia pastorella valsesiana nativa di Quarona raccolte e scritte
da Silvio Pellico. Premessa una biografia dell’autore. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp. 1862,
p. 3-15.

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186 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
5.1 No âmbito da moral e da pastoral pós-tridentina
A marca da tradição pós-tridentina exprimia-se naquela mentalidade católica,
compartilhada por Dom Bosco, que se plasmava originariamente na família e na paró-
quia, através das práticas religiosas, dos sacramentos da penitência e da eucaristia, da
missa e da comunhão, da pregação, dos catecismos. Era religião e moral dos deveres,
dos dez mandamentos, dos preceitos da Igreja, das obras de misericórdia corporal e espi-
ritual. Essa mentalidade fora consolidada pela experiência teológica, moral e pastoral,
antes assimilada no seminário, depois especificada no Colégio, com claro acento benig-
nista, na escola de Guala e de Cafasso. Essa tradição perseverava mais vistosamente na
praxe da confissão e encontrava uma formação mais explícita nas biografias juvenis
publicadas entre 1859 e 1864. Mas, em seus elementos essenciais, já é visível nos
escritos dos anos 40.
Dom Bosco não sofreu o fascínio da idéia dos “dogmas geradores da piedade”. Ele
foi essencialmente um seguidor da moral ligoriana e cafassiana, baseada no binômio
lei-consciência, indiscutivelmente deontológica, muito mais necessária no momento
pedagógico. Nela, porém, integraram-se, como realização mais elevada da lei de Deus
e do dever religioso da pietas, quer a glória de Deus e a salvação das almas quer a cari-
dade ativa, explicitamente proposta como caminho privilegiado à santidade.
Podem-se encontrar seus traços fundamentais já nos Acenos históricos sobre
Comollo, de 1844, na História eclesiástica, de 1845, nos Seis domingos e novena de
são Luís Gonzaga, de 1846.
O livro sobre o amigo parece, ao mesmo tempo, memória de um passado para o
qual o autor olha com afeto e comoção, e legado exemplar para o futuro. Dedicados
Aos senhores seminaristas de Chieri, os Acenos apresentam-lhes “o exemplo das ações
virtuosas” de um companheiro, que “pode servir de modelo” no itinerário para o sacer-
dócio. Na ascética do protagonista, ocupam espaços privilegiados os valores de uma
tradição cristã secular: discrição com as “pessoas de outro sexo”, obediência, “grande
ternura pelas coisas religiosas”, “espírito de mortificação”, “mortificação exemplar de
todos os sentidos exteriores”, “exatidão no próprio dever”, “recolhimento”, “empenho
pela observância religiosa e pelas coisas de piedade”, “amor e devoção ao Santíssimo
Sacramento”; ao mesmo tempo, “humor sempre igual e alegre”, e por isso, “sempre
alegre e contente, alegrava com a doçura do falar”; “tinha no companheiro [João Bosco]
confiança especial para falar de coisas espirituais”; “nos recreios, círculos e tempos
de passeio desejava sempre discorrer sobre coisas científicas”, ou seja, sobre matérias
escolares; e no tempo de férias era “assíduo na freqüência aos Santíssimos Sacramentos,
112 De resto, foi sublinhado que “todos os opúsculos afonsianos sobre o amor divino, a começar
da Pratica di amar Gesù Cristo (1768), dependem em boa parte de são Francisco de Sales”;
e isso vale em geral para todas as suas obras ascéticas (G. De Rosa, Tempo religioso e tempo
storico. Vol. II. Roma, Edizioni di Storia e Letteratura, 1994, p. 113).

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 187
no exercício das sagradas funções, no ensino do Catecismo aos meninos na igreja”.113
Na edição de 1854, a biografia reproduzia o mesmo quadro, embora no prefácio
Ao leitor o autor a fizesse passar como “um aceno sobre a vida de um jovenzinho que,
em breve período de tempo, praticou tão belas virtudes que pode ser proposto como
modelo a qualquer fiel cristão que deseje a salvação da própria alma”. “Aqui – anun-
ciava – não há ações extraordinárias, mas tudo é feito com perfeição, como indicação
de que podemos aplicar ao jovem Comollo as palavras do Espírito Santo: Qui timet
Deum nihil negligit; Quem teme a Deus nada descuida do que possa contribuir para
avançar nos caminhos do Senhor”.114 Isso, porém, valia para metade do frágil livrinho
de 82 páginas (90 na segunda edição). Na segunda metade, o discurso prossegue com
angustiada e angustiante sucessão de notícias, análises da consciência e admoestações
diante do iminente “Juízo inapelável”: os inícios da doença e seu agravar-se, o testa-
mento espiritual, a morte, os funerais, as recordações, com fugaz aceno às “aparições
do mesmo” depois da morte.115 São significativas as reflexões severas e solenes sobre
os novíssimos, que o amigo confia ao amigo, em comum acordo; isso evidencia bem
aquele tanto de escuro que continuará na pedagogia de Dom Bosco, mesmo quando se
alimentará de alegria e carinho.
Dom Bosco, porém, não é um sistemático e continua a surpreender ainda pela sua
liberdade. Num sistema moral feito de obrigações ele introduzia com naturalidade
sapiencial, desde os primeiros escritos, o respiro solar das virtudes teologais. “Aqueles
movimentos de terna comoção – escreve sobre Comollo criança –, de doçura, de conten-
tamento pelas coisas espirituais eram efeito daquela fé viva e caridade inflamada, que
em altas doses estava enraizada em seu coração, e o guiava constantemente em todas
as suas ações”.116 “Corroborai o meu espírito com viva fé, firme esperança e inflamada
caridade”, reza o devoto do anjo da guarda.117 O entrelaçamento de virtudes teologais e
morais apresentar-se-ia muitas vezes no futuro. São Pancrácio é uma criança que “com a
obediência aos pais, o cumprimento exato dos deveres, a singular pontualidade no estudo
fazia a delícia de seus pais e era proposto como modelo aos com­panheiros”; jovem mártir,
ele mostra “viva fé, firme esperança e inflamada caridade, pelo que nenhum perigo da
vida, nem mesmo a morte mais desapiedada, pode separá-lo da caridade que se encontra
nos verdadeiros seguidores de Jesus Cristo”;118 “fé viva, humildade profunda, obediência
pronta, caridade fervorosa e generosa” coexistem em Pedro, chefe dos apóstolos.119 Nos
castos, realiza-se o encontro de todas as virtudes: “Tu os vês pacientes na miséria, cari-
113 [G. Bosco], Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo…, p. 6-39; OE I 6-39.
114 G. Bosco, Cenni sulla vita del giovane Luigi Comollo morto nel seminario di Chieri ammirato
da tutti per le sue rare vitù. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini, 1854, p. 7.
115 Cf. [G. Bosco], Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo… 1844, p. 42-77; OE I
42-77; G. Bosco, Cenni sulla vita del giovane Luigi Comollo… p. 49 88.
116 [G. Bosco], Cenni storici sulla vita del chierico Luigi Comollo…, 1844, p. 34; OE I 34.
117 Cf. [G. Bosco], Il divoto dell’Angelo custode…, p. 71; OE I 157; cf. G. Bosco, Il giovane
provveduto…, 1847, p. 124; OE II 304.

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188 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
dosos com o próximo, pacíficos diante das injúrias, resignados nas doenças, atentos aos
próprios deveres, fervorosos na oração, ansiosos da palavra de Deus. Percebes em seu
coração fé viva, firme esperança e inflamada caridade”.120 A tríade, obviamente, está
mais que presente na biografia de são Domingos Sávio.121
As duas perspectivas, moral e teologal, não encontram em Dom Bosco uma elabo-
ração refletida unitária, mas uma ou outra prevalecem segundo os diversos contextos.
Ele será visto, relativamente à graduação pedagógica, firme na exigência da obser-
vância exata das regras e leis ou na apresentação dos deveres e obrigações, mas com
acentuações de temor, ao recomendar diferentes “fugas”, mais do que incitar à aqui-
sição de virtudes fortes no confronto direto com situações árduas e arriscadas. Outros
contextos farão admirar um Dom Bosco que aprecia e valoriza em certa medida as
potencialidades positivas de que os jovens são portadores: um Dom Bosco que encoraja
o espírito de iniciativa, que não aprecia regulamentações artificiosas e supérfluas, que
anuncia o evangelho da alegria no interior da própria piedade, que incentiva ao trabalho
e ao estudo, os quais fazem crescer em dignidade e qualidade moral e social os que a
eles se entregam com esforço fiel e tenaz.
A concepção teológica e educativa de Dom Bosco encontrava outras expressões
abundantes em seu primeiro escrito mais exigente, História eclesiástica, de 1845.
A compilação supunha as leituras prediletas dos anos anteriores e, provavelmente,
também inícios de “catequese histórica” próxima a Fleury, preferida em relação à que
se limitava às noções catequéticas. Embora se servindo de Bercastel, as inspirações
básicas parecem provir de autores ultramontanos, particularmente do jesuíta padre
Jean-Nicolas Loriquet (1767-1845), segundo o qual a história eclesiástica era o caminho
“mais útil e mais idôneo para nutrir no coração dos jovens o amor e o respeito pela
religião”, ou seja, pela a Igreja Católica: “Qual objeto mais digno de nossa admiração
– interrogava-se –, que ver os combates sustentados por ela e as vitórias que obtém
continuamente? Qual nobre espetáculo vê-la sempre atacada e sempre triunfante?”.122
A centralidade do papa, desejada no prefácio, encontrará expressão completa nos
escritos apologéticos dos anos 50. Porém, já está claramente anunciada: “Certos autores
– escreve – parecem ter vergonha de falar dos Romanos Pontífices”; e é confirmada sem
ambigüidade na definição da Igreja, “congregação de todos os que professam a fé e a
doutrina de Jesus Cristo e são governados por um Chefe Supremo, que é o seu Vigário
na terra; embora a Igreja se chame ora grega, ora latina, ora galicana, ora indiana,
118 [G. Bosco], Vita di San Pancrazio martire con appendice sul Santuario a lui dedicato vicino
a Pianezza. Turim, Tip. di G. B. Paravia, 1856, p. 11 e 35; OE VIII 205 e 229.
119 G. Bosco, Vita di san Pietro Principe degli apostoli Primo Papa dopo Cristo. Turim, tip. di G. B.
Paravia e comp., 1856, fasc. XI de janeiro de 1857 das Letture Cattoliche, p. 65; OE VIII 357.
120 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 152; OE X 446.
121 Cf. cap. 10, § 8.
122 J.-N. Loriquet, Storia ecclesiastica da Gesù Cristo sino al pontificato di Gregorio XVI ad uso
delle case di educazione: traduzione dal francese con alcune aggiunte. Turim, G. Marietti,
1844, 172 p. A citação è tirada do Prefácio, p. 3.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 189
entende-se sempre a mesma Igreja católica apostólica e romana”.123
O texto, entretanto, é coerente com o que, segundo o modelo de Bercastel, é prome-
tido pelo prefácio quanto às finalidades educativas, apologéticas e catequéticas da
narração “dos fatos mais luminosos que se referem diretamente à Santa Igreja”: “Os
fatos completamente profanos ou cívicos, áridos ou menos interessantes, ou postos em
questão, eu realmente os deixei de lado, ou somente fiz menção a eles; aqueles, no entanto,
que me pareceram mais ternos e comoventes lhes [sic] tratei mais circunstancialmente,
para que não só a inteligência seja instruída, mas o coração também experimente afetos
tais que não permaneça sem grande proveito, inclusive o espiritual”. Conclui: “Parece-me
que não possa existir coisa mais necessária e que possa se tornar também mais agra-
dável do que a História, que expõe o princípio e o progresso desta religião e esclarece
como nela, em meio a tantos conflitos, tenha-se propagado e conservado”.124
São, por isso, privilegiados na narração os momentos, as pessoas e os eventos que
efetivamente expressaram os traços característicos da Igreja. Ela é una, na dependência
do papa, “Vigário de Jesus Cristo”, de quem toda decisão recebe valor e autoridade:
os mesmos concílios ecumênicos se tornaram infalíveis não tanto pela colegialidade
episcopal quanto pela ratificação papal. A Igreja é santa: escreveu-se, legitimamente,
de certa “hegemonia dos santos”. Entre os próprios papas são privilegiados os santos,
e, entre estes, emergem – além dos eremitas, monges e religiosos –, os santos da cari-
dade, ou ao menos a caridade dos santos; santa, a Igreja o é porque possui “os meios
de santificação, a doutrina e as pessoas santas”. Além disso, por ser “taumaturga”, só
nela encontram-se a realidade e a garantia da profecia e do milagre; seus santos são,
em grande parte, representados como capazes de predizer eventos, ler consciências,
realizar fatos milagrosos, o que, no entanto, é negado a todos os fundadores de outras
religiões e aos heréticos.125
São persuasões teológicas e ao mesmo tempo crenças populares compartilhadas por
Dom Bosco e que o acompanhariam por toda a vida e seriam evidenciadas em medida
crescente, associando a qualidade de apóstolo da juventude à de vidente, mas principal-
mente em sentido próprio, de homem do invisível, do sobrenatural. “Quem de coração
recorre a Deus com a oração, obtém muitas graças e também milagres”, escreveria
mais tarde na terceira edição da História sagrada.126 Ele estava firmemente convencido,
como padre e escritor, que o sobrenatural – entendido como realidade divina de graça
ou como extraordinário127 – está em casa apenas na única verdadeira religião, que é a
Igreja Católica.
Já a história do povo de Deus da antiga aliança, como Dom Bosco evidenciaria na
História sagrada, é história de eventos milagrosos e estupefacientes. A História ecle-
123 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 9 e 14; OE I 167 e 172.
124 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 9-11, 13; OE I 167-169, 171.
125 Cf. F. Molinari, “La ‘Storia ecclesiastica’ di don Bosco”, in: Don Bosco nella Chiesa,
p. 215-228.

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190 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
siástica é igualmente sagrada. A mesma História da Itália, como se verá, é história de
fatos nos quais Deus age, além da providência ordinária, mediante intervenções diretas
para além do curso normal dos eventos. O extraordinário acompanha constantemente
as vicissitudes alegres e tristes da Igreja: nas perseguições, heresias, martírio; e como
proteção dos cristãos e, ainda mais, como castigo de perseguidores, hereges, cismáticos,
incrédulos. A idéia do castigo que atinge inexorável os inimigos, ou seja, os persegui-
dores, hierarcas e rebeldes, é garantia do non praevalebunt que lhe é prometido.128
De resto, o extraordinário é sublinhado, principalmente, na vida de Cristo. Pregação
e intervenções taumatúrgicas sintetizam toda a sua vida pública: Aquele que “passa
fazendo o bem” é essencialmente um realizador de milagres,129 e “portentos inauditos”
acompanham a própria Paixão e Morte de Jesus Cristo.130
O mesmo se diz, por analogia, dos pregadores evangélicos e, inseparavelmente, da
vida dos santos. Em última análise, de todo verdadeiro católico animado por profunda
fé evangélica, fé que transporta montanhas (Mt 17,20). Em todos, virtudes e méritos
são freqüentemente associados a milagres e fatos prodigiosos. Sem estes parece que a
Palavra não resulte suficientemente persuasiva. Paulo confunde os judeus, “provando-
lhes com as Sagradas Escrituras, e mais ainda com seus milagres, que Jesus Cristo era
realmente o Messias predito pelos Profetas e enviado por Deus para ser o Salvador dos
homens”.131
A própria santidade comporta uma ligação singular, além da Palavra de Deus, com o
prodigioso. A rápida difusão da fé no mundo deve-se “primeiramente” à “inocência dos
primeiros fiéis”, a seu “desapego das coisas terrenas”, à “caridade heróica”, aos “mila-
gres que faziam na seqüência de suas palavras”.132 São assinalados como protótipos
são Gregório Taumaturgo e santo Antonio de Pádua.133 O primeiro “é comparado pelos
santos Padres a Moisés, aos Profetas pelo dom da profecia e dos milagres, aos apóstolos
pela virtude, zelo e trabalho, e especialmente pela multidão de prodígios operados por
ele”.134 A “maravilhosa pregação” de santo Antonio de Pádua atraiu multidões atin-
gidas pela “unção, ardor e dignidade, mais angélica que humana,” da palavra; “convém,
126 G. Bosco, Storia sacra... 3a ed. aumentada. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1863,
p. 119.
127O duplo significado estava presente também em Pio XI, quando afirmava que em Dom
Bosco “o sobrenatural tornara-se quase natural, o extraordinário tornara-se quase ordinário”
(Discurso de 19 de março de 1929, por ocasião da leitura do decreto sobre os milagres para
a beatificação de Dom Bosco, Discorsi di Pio XI, preparado por Domenico Bertetto. Vol. II:
1929-1933. Turim, SEI, 1960, p. 37); cf. cap. 35, § 3.4.
128 F. Molinari, “La ‘Storia ecclesiastica’ di don Bosco”, p. 207-210, 213-215.
129 Cf. G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 24-28; OE I 182-183 (entre os milagres mais
estrepitosos são recordados os de Caná e da ressurreição de Lázaro)
130 Cf. G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 31; OE I 189.
131 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 39-40; OE I 197-198. O sublinhado é nosso.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 191
porém, observar – adverte Dom Bosco – que tal pregação era acompanhada de jejum
contínuo, oração e outras penitências rigorosíssimas, e com uma multidão de milagres
que o fizeram chamar Taumaturgo, ou seja, realizador de milagres”.135 A são Bento,
“Deus concedeu o dom da profecia e fez resplender sua santidade com um grande
número de fatos admiráveis”, entre os quais a ressurreição de um noviço e a predição
da destruição do mosteiro de Montecassino”.136 O rei da Inglaterra converte-se, “tocado
pela santidade da vida e pelos milagres” dos missionários enviados por são Gregório
Magno.137 São Romualdo “tinha o dom da profecia, pelo qual previa muitas coisas
futuras, conhecia também o interior do coração, revelando nominalmente as culpas”.
Desfilam grandes figuras de taumaturgos, como são Bernardo de Cluny, são Gregório
VII, são Bernardo, são Domingos, santa Catarina de Sena, são Francisco de Paula,
são Francisco de Sales, são Vicente de Paulo, santo Afonso Maria de Ligório.138
Individuou-se, porém, nesse primeiro Dom Bosco um manifesto maniqueísmo na
visão do mundo e da história. De um lado, resplende fúlgida a Igreja Católica, com os
papas, os santos, o sobrenatural que a envolve; de outro, o “mundo”, os heresiarcas, os
autores de cismas e os promotores de revoluções. Uma ponte entre as duas realidades é,
sem dúvida, lançada pelos santos da caridade, mas é ainda precária. O trabalho poste-
rior mais vasto de Dom Bosco entre os jovens e nas obras, e o contato com homens de
toda categoria social e cultura em busca de apoios, colaborações e reconhecimentos
far-lhe-ão parecer menos profunda a fratura e mais atenuado o dualismo.139
5.2 Oratório e espírito de são Francisco de Sales
A ligação da obra dos catecismos com são Francisco de Sales foi certamente inicia-
tiva concordada entre Dom Bosco e os dois capelães do Refúgio, teólogo Borel e
padre Pacchiotti. Não é surpreendente. São Francisco de Sales estivera presente a
Dom Bosco no seminário e no Colégio Eclesiástico. Além disso, a obra da marquesa
Barolo estava particularmente ligada à figura e espiritualidade do bispo da Savóia. Nas
Constituições e Regras do Instituto das Irmãs de Santana, era estabelecido a respeito
da meditação: “As irmãs seguirão o método de são Francisco de Sales prescrito para a
meditação, na segunda parte da Introdução à vida devota”.140 Segundo as Memórias do
132 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 93-94; OE I 251-252.
133 Cf. G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 72-74 e 242 244; OE I 230-232 e 400-402.
134 Cf. G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 73; OE I 231.
135 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 243-244; OE I 401-402.
136 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 159-160; OE I 317-318.
137 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 165-166; OE I 323-324.
138 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 198, 199-200, 212, 222 e 224, 236-237 e 242, 282-284,
322, 322, 341; OE I 356, 357-358, 370, 380 e 382, 394-395 e 400, 423, 440-442, 480, 499.
139 Cf. F.Molinari, “Chiesa e mondo nella ‘Storia ecclesiastica’ di don Bosco”, in: Don Bosco
nella storia, p. 146-155.

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192 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Oratório, Dom Bosco sabia que “a marquesa Barolo tencionava fundar uma congregação
de sacerdotes sob esse título, e com essa intenção encomendara o quadro do santo”.141
À conclusão de um ensaio sobre Dom Bosco e são Francisco de Sales, Pietro
Stella coloca-se a questão: “Encontro fortuito ou identidade espiritual?” e responde:
“De quanto dissemos, resulta evidente que na primeira parte do séc. XIX o encontro com
Carlos Borromeu e Francisco de Sales era obrigatório para todo seminarista; por isso,
também para Dom Bosco. A passagem por Turim, pelo Colégio Eclesiástico e depois
pelas obras da marquesa Barolo contribuiu para amadurecer nele uma espécie de predi-
leção e transição de um Francisco de Sales modelo de pastor a um Francisco de Sales
patrono e modelo de educadores. Identidade espiritual? Diria mais: afinidade, congenia-
lidade e devoção ao santo intercessor no âmbito da religiosidade tridentina. Isso tudo
não exclui o fato de ter acontecido uma virtual abertura à espiritualidade mais específica
organizada e vivida segundo o ensinamento do santo modelo e mestre”.142 Sob esta luz
tornam-se plausíveis também as outras duas motivações aduzidas por Dom Bosco para
explicar a denominação dada ao Oratório, como orientação para os que nele trabalhavam:
assumir como protetor e modelo o santo da mansidão como educadores de jovens e como
apologistas do catolicismo contra o proselitismo protestante.143 Era o que já resultava do
perfil do apóstolo do Chablais traçado na História eclesiástica. Nela, ele recordava o que
acontecera após o Concílio de Trento: “Despertou-se vivo zelo apostólico num grande
número de operários evangélicos, os quais com seu trabalho e santidade cicatrizaram
as chagas feitas pelos heréticos à Igreja e lhe deram novamente o fervor dos tempos
primitivos. Entre eles merecem menção especial são Pio V, santa Teresa, são Carlos
Borromeu, são Filipe Néri, são Francisco de Sales, são Vicente de Paula.144 De todos, ele
sublinhava os aspectos pastoral e apologético. Estes eram retomados particularmente,
com forte acentuação missionária, no perfil reservado a são Francisco de Sales: “Levado
pela voz de Deus, que o chamava a grandes coisas, com as únicas armas da doçura e
da caridade vai ao Chablais. À vista das igrejas abatidas, dos mosteiros destruídos, das
cruzes derrubadas, inflama-se de zelo e começa seu apostolado. Os heréticos tumultuam,
insultam-no e tentam matá-lo; ele, com a paciência, as pregações, os escritos e milagres
insignes, aquieta todo tumulto, conquista os assassinos, desarma o inferno inteiro, e a fé
católica triunfa de tal modo que, em breve, só no Chablais ele reconduz mais de setenta
e dois mil hereges ao seio da verdadeira Igreja”.145
Após a bênção da capela dedicada no Refúgio ao santo savoiardo, não são poucos
140 Costituzioni e Regole. Parte II: Direttorio spirituale, tit. II, art. 491, in: Acta Gregorii papae
XVI III 491.
141 MO (1991) 132-133.
142 P. Stella, “Don Bosco e S. Francesco di Sales: incontro fortuito o identità spirituale?” in:
J. Picca e J. Strus (org.), San Francesco di Sales e i salesiani di don Bosco. Roma, LAS, 1986,
p. 157; cf. p. 139-159 e, em particular, p. 139-140, 143-144, 147-148.
143 MO (1991) 133.
144 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 305; OE 1 463.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 193
os documentos que sancionam para o futuro a denominação salesiana do Oratório. Ela
aparece logo no pedido, dirigido às autoridades municipais, para utilizar uma sede mais
ampla para “uma sociedade de meninos, os quais se reúnem todos os domingos e festas
num Oratório sob a proteção de são Francisco de Sales”.146 Celebrava-se a festa de são
Francisco de Sales, seguramente desde 1846, já que padre Borel, no Memorial do Oratório,
registrava entre as despesas do dia 1° de fevereiro “Diversos objetos para oferecer no dia
da festa de são Francisco”.147 Seguiam outros pedidos coletivos, em geral com a grafia
de Borel, endereçados ao arcebispo ou a outros, pelos “sacerdotes aplicados à instrução
dos jovens do Oratório de são Francisco de Sales, recentemente aberto em Valdocco fora
desta capital”. Em 11 de novembro de 1846, pediam ao arcebispo que pudessem erigir
“a santa prática da Via Crucis”148 e, em outra, posterior à posse de Valdocco, pediam que
pudessem reverter o oratório precedente a uso profano, a serviço do Pequeno Hospital
de Santa Filomena”;149 em fins de junho tinham-se dirigido aos prefeitos de Turim com
a finalidade de obter utensílios usados para equipar a escola festiva para muitos jovens
que desejam “aprender a ler e escrever”.150 Assinada, porém, somente pelo “Sacerdote
Giovanni Bosco” era uma carta dirigida ao arcebispo, em data anterior a 18 de dezembro
de 1847, na qual “o Sacerdote Giovanni Bosco e o senhor T. Borelli, adidos à direção
espiritual do Oratório de São Francisco de Sales, tendo aberto um novo Oratório entre a
alameda dei Platani e do R. Valentino Porta Nuova”, suplicam a dom Fransoni que “dele-
gasse o Pároco de Nossa Senhora dos Anjos para a bênção e permitisse celebrar a Santa
Missa e dar a bênção com o Santíssimo Sacramento, como já concordara para o Oratório
de São Francisco com um decreto de 6 de dezembro de 1844”.151
De particular relevo era a apresentação que Dom Bosco fazia de si e do Oratório
no início de uma súplica dirigida a Pio IX, em data anterior a 14 de dezembro de 1848,
para pedir a faculdade de distribuir a comunhão na missa de meia-noite de Natal:
“O Sacerdote João Bosco Diretor do Oratório de São Francisco de Sales em Turim
expõe humildemente a Vossa Santidade que este Oratório está erigido naquela cidade
com permissão das Autoridades Eclesiásticas e Civis, e costuma ser freqüentado por
uma piedosa reunião de Jovens, e ali não tomam parte pessoas de outro sexo”.152
A apresentação de são Francisco de Sales titular do Oratório atingia o vértice em três
145 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 321-322; OE I 479-480.
146 Pedido anterior a 3 de julho de 1845, data da resposta negativa do município (Em I 57-58).
147 Cf. Memoriale dell’Oratorio…, in: P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…,
p. 546.
148 Em I 74, ms orig. do padre Borel, sem assinatura. A resposta positiva do pró-vigário Celestino
Fissore é de 11 de novembro.
149 Carta Anterior a 5 de outubro de 1847, ms orig. do padre Borel, sem assinatura, Em I 78.
150 Carta anterior a 22 de abril de 1847, ms orig. do padre Borel, sem assinatura, Em I 75.
151 Em I 79, cópia all. com assinatura all. Aos “recorrentes sacerdotes” o arcebispo concedia “a
faculdade de ali celebrar a Santa Missa e dar a Bênção por ocasião do Tríduo Sacro, ou em
alguma outra solenidade” (Em I 79, nota à linha 11).

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194 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
súplicas dirigidas a Pio IX, todas datadas em 28 de agosto de 1850, com a finalidade
de obter indulgências, as primeiras duas, e a faculdade de benzer rosários, crucifixos e
medalhas indulgenciadas, a terceira. Ali aparecia o uso sinônimo dos termos congre-
gação e oratório. Congregação podia indicar quer os que se reuniam em cada oratório,
quer o grupo dos eclesiásticos e leigos que ali se empenhavam na promoção das várias
atividades, quer mais adequadamente, ao conjunto de uns e outros.153
“O Sacerdote Turinense Giovanni Bosco – estava escrito numa das súplicas – obse-
quiosamente expõe a Vossa Santidade ter sido legitimamente erigida naquela cidade uma
Congregação sob o título e proteção de São Francisco de Sales, da qual ele é Diretor e
que não tem outra finalidade senão instruir na religião e na piedade a juventude abando-
nada”: eram pedidas várias indulgências para os “agregados” e, enfim, uma “Indulgência
plenária de 300 dias a ser lucrada por todos os que ainda não agregados participem da
procissão que se costuma fazer no primeiro domingo de cada mês do ano em honra do
acima mencionado santo”.154 Termos idênticos para pedidos iguais eram usados para “uma
Congregação sob o título e proteção do Santo Anjo da Guarda, do qual ele é Diretor”; e
em relação à “procissão que se costuma fazer no primeiro domingo de cada mês do ano
em honra do acima citado Santo Anjo da Guarda”.155 Ainda, diretor dos três oratórios,
ele suplicava ao papa que “lhe concedesse ao menos ad triennium a faculdade de benzer
Rosários, Crucifixos e medalhas com as aplicações das Santas Indulgências”.156
Como coroamento desse período não pode passar em silêncio um santo que Dom
Bosco considerará capital em sua pedagogia espiritual juvenil, são Luís Gonzaga. Os
seis domingos e a novena de são Luís, que publicava em 1846, podem ser uma ponte
lançada para sua obra devocional e espiritual mais significativa e longeva para os
jovens, o Jovem instruído. O livro acolhia os conteúdos do pequeno opúsculo, omitindo
o Aceno sobre a vida de são Luís Gonzaga, que ocupava suas primeiras páginas.157
Antecipando o que haveria de dizer na apresentação do Jovem instruído, Dom
Bosco entendia oferecer Aos devotos de São Luís “um modelo e exemplo no qual, vos
espelhando – escrevia –, podeis criar um método de vida adequado a levar-vos à verda-
deira felicidade. São Luís é proposto como exemplo de inocência e virtude a todos, mas
especialmente à juventude”.158 O perfil biográfico decalcado na Vida breve de São Luís
Gonzaga escrita de modo renovado (Piacenza, 1829), escrito por Antonio Cesari (1760-
152 Em I 82, orig. all., sem assinatura. A “um oratório sob o título de S. Franc. de Sales” e aos
outros dois referia-se na primeira súplica, já citada (v. § 3), a Vitório Emanuel II, em data
anterior a 14 de setembro de 1849 (Em I 90, orig. all., sem assinatura).
153 Cf. Regolamento dell’oratorio di S. Francesco di Sales, pt. I, cap. I, p. 1; cap. 10, § 2.
154 Em I 109, orig. all., sem assinatura.
155 Em I 110, orig. all., sem assinatura.
156 Em I 111, orig. all., sem assinatura.
157 [G. Bosco], Le sei domeniche e la novena di san Luigi Gonzaga con un cenno sulla vita del
Santo. Turim, Tip. Speirani e Ferrero, 1846, 47 p.; cf. G. Bosco, Il giovane provveduto…,
p. 55-75.

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Cap. VI: A virada turinense entre aculturação moral e empenho oratoriano (1841-1846) 195
1828), do Oratório de São Filipe, mostrava-se extremamente exigente, e costumava
ser relembrado em seus momentos mais significativos nos dias da novena e da festa:
São Luís chora os seus pecados, Penitências de São Luís, São Luís exemplar na virtude
da pureza, São Luís desapegado dos bens da terra, Caridade de São Luís pelo próximo,
Amor de São Luís por Deus, São Luís entregou-se totalmente a Deus, São Luís modelo
na oração, Preciosa morte de São Luís, A Glória de São Luís no céu. Propunha-se
um programa completo de vida espiritual juvenil, que se tornava viável pelos vários
momentos do discurso dedicado a cada domingo: a consideração, a Jaculatória, a
Prática, a Oração “Luís santo de angélicos costumes adornado...”.
158 [G. Bosco], Le sei domeniche e la novena di san Luigi Gonzaga..., p. 7.

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Capítulo VII
A REVELAÇÃO DE DOM BOSCO EDUCADOR (1846-1850)
1845Dom Bosco e Hervé de la Croix, dos Irmãos das Escolas Cristãs
1846 13 de março: carta ao marquês Michele de Cavour
abril: o Oratório encontra um sede estável na região periférica de Turim-
Valdocco
Dom Bosco entra em contato com a prisão correcional La Generala
início de novembro: Dom Bosco estabelece-se com a mãe em Valdocco
1847 abril: surge no Oratório a Companhia de São Luís
maio: início do internato ou “casa anexa”
8 de dezembro: início do Oratório de São Luís em Porta Nuova
1848 21 de outubro: tem início O Amigo da juventude
1849 primavera-verão: a obra de Dom Bosco na opinião pública
outono: Dom Bosco recebe o Oratório do Anjo da Guarda no bairro Vanchiglia
1850 os oratórios diante do público eclesiástico e civil
Após as primeiras experiências catequéticas e oratorianas, Dom Bosco tornava-se,
na vida e na história, não só padre em atividade pastoral, pregador e confessor, mas, ao
mesmo tempo, educador e agente social em favor da juventude e do povo. Seguia-se daí
o insone ativismo assistencial, realizado segundo o sistema preventivo renovado.
A nova dimensão de fundador religioso será perfilada mais adiante. Entretanto,
quanto às características essenciais tanto pessoais como sociais, Dom Bosco educador
já se constituía e se exprimia totalmente nos dois decênios 40 e 50.
1. Ação pessoal solidária às realidades diocesana e cívica
A história dos primeiros oratórios, em particular do Oratório de São Francisco de
Sales, traz o nome de Dom Bosco, em documentos oficiais, freqüentemente unido
ao dos sacerdotes do Refúgio. às vezes, o do teólogo Borel, representante do grupo
junto ao arcebispo e às autoridades civis, aparece envolvido, ainda por muitos anos,
nos contratos de aluguel e de compra e venda relativos ao Oratório de Valdocco.1
1 Cf . P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 75-77, 84-85, 157, 590.

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198 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Não por acaso, o registro das contas entre 1844 e 1849 é mantido por Borel com o citado
Memorial do Oratório.2 A razão é simples: o teólogo Giovanni Battista Borel, até 1841,
“capelão régio”, também diretor espiritual nas Escolas de São Francisco de Paula, de
1828 a 1843, era homem de absoluta confiança da marquesa Barolo e sacerdote de
grande prestígio e autoridade junto às autoridades eclesiásticas e civis turinenses.3
Borel é, certamente, determinante no surgimento e na consolidação da iniciativa
formalmente oratoriana. Não resta dúvida, porém, que a escolha da residência em
Valdocco, o corte de relações de trabalho junto ao Pequeno Hospital, a mudança com
a mãe para a casa Pinardi marcavam a direta e exclusiva responsabilidade pessoal de
Dom Bosco sobre o Oratório de São Francisco de Sales. Isso não lhe impedia anos
depois de reconhecer que “muitos eclesiásticos, entre os quais T. Vola, T. Carpano,
P. Trivero, tomaram parte nas coisas do Oratório”.4 Um prelúdio é constituído pela assi-
natura que em 5 de outubro de 1845 pusera ao final de uma carta ao rosminiano padre
F. Puecher: “P. Giovanni Bosco. Diretor da obra do Refúgio em Turim”,5 onde “obra”
indica, além do serviço de capelão, o Oratório que chefiava no Refúgio.
As cartas enviadas ao teólogo Borel entre 11 de outubro de 1845 e 30 de setembro
de 1850 indicam em Dom Bosco o protagonista, coadjuvado por vários sacerdotes:
além de Borel e do padre Sebastiano Pacchiotti (1786-1884) colegas no Refúgio, padre
Antonio Bosio (1820-1895), “indivíduo de ótima índole e humor”,6 e, ativamente
presentes fora do núcleo originário, o padre Sebastiano Trivero, os teólogos Giovanni
Battista Vola (1806-1872), Giacinto Gioachino Carpano (1821-1894), Roberto Murialdo
(1818-1882), primo de são Leonardo, padre Pietro Ponte, capelão do Instituto Santana
da marquesa Barolo. Para alguns ele se permitia também alguma anotação. Queria do
padre Trivero um comportamento mais cativante: “Está bem que padre Trivero se preste
para o Oratório; mas esteja atento que ele trata os filhos com muita energia, e sei que
alguns já se desgostaram. O senhor faça com que o azeite tempere qualquer alimento do
nosso Oratório”.7 Pedia sermões mais breves a outro colaborador fiel: “Diga apenas ao
T. Vola que seja mais breve na pregação”.8 No ano seguinte, numa carta aos administra-
dores da Mendicância Instruída, o grupo dos que trabalhavam nos vários oratórios era
enriquecido pela explícita presença de leigos – “até agora tudo progride com a ajuda
2 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 545-559.
3 Cf. N. Cerrato, “Il teologo Giovanni Battista Borel inedito”, RSS 17 (1998), p. 151-177, em
particular, p. 162-163.
4 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 52. Quanto a Vola, referia-se
certamente a Giovanni Battista, citado também num elenco de 1862 ([G. Bosco], Cenni
storici..., in: Don Bosco nella Chiesa, p. 81), mais que ao irmão mais velho, teólogo Inácio
(1797-1858), desde 1847 capelão no mosteiro do Bom Pastor.
5 Em I 59.
6 Ao teólogo Borel, 17 de outubro de 1845; Em I 62.
7 Carta de 31 de agosto de 1846; Em I 71.
8 Ao teólogo Borel, 25 de setembro de 1849; Em I 89.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 199
de algumas pessoas caridosas, eclesiásticos e seculares” –, embora Dom Bosco indique
apenas nomes de sacerdotes “a isto particularmente dedicados”: “o S. T. Borrelli,
T. Carpano, T. Vola, P. Grassino, T. Murialdo, P. Giacomelli, T. Prof. Marengo”.9
Encontram-se nos Acenos históricos de 1862 alguns elencos mais numerosos de cola-
boradores eclesiásticos na gestão dos três oratórios turinenses redigidos por Dom Bosco,
quer para agradecer quer para induzir a renovada solidariedade. Neles mencionava de modo
particular o “benemérito” teólogo Borel, que dos oratórios “foi ali como a alma e o sustento
com o exercício do sagrado Ministério e na ajuda material e moral”, e do teólogo Baricco.10
Eram padres diocesanos apreensivos com a situação de tanta juventude, convencidos que
deviam agir com Dom Bosco numa causa que sentiam igualmente congenial à própria
sensibilidade sacerdotal e à comum pertença à Igreja local. Sobretudo no Oratório de São
Luís, como se verá, haveria de surgir algum problema desse envolvimento solidário.
A fim de “conservar a unidade de espírito, disciplina e administração” [de direção e
gestão], como escrevia nas Memórias do Oratório, Dom Bosco atestava ter compilado
muito depressa “um Regulamento” no qual “simplesmente expus o que já se praticava no
Oratório e como proceder para conseguir uma maneira uniforme de agir”. Acrescentava,
em seguida, informações generosamente aumentadas: “Este [Regulamento] sendo
impresso à parte [em 1877], cada qual poderá ler como lhe aprouver (...). Muitos bispos
e párocos pediram e estudaram este [Regulamento] e se esforçaram por introduzir a
obra dos oratórios nos povoados e cidades de suas respectivas dioceses”.11 Em relação
aos decênios precedentes não podia senão referir-se a cópias manuscritas dos responsá-
veis do oratório: de fato, conservam-se alguns desses exemplares.
Além de colaboradores, alguns são também mantenedores com subsídios finan-
ceiros. No Memorial lêem-se os nomes dos teólogos Carpano (várias vezes), Borel, Vola
e Paolo Francesco Rossi, padre Trivero, padre Pacchiotti, Fantolini, Melano, Zappata
e Bravo, os teólogos Aimeri e Berteu, o lazarista Marco Antonio Durando; também
vários nobres, homens e mulheres: o conde Bonaudi (várias vezes), o marquês Gustavo
de Cavour, a mesma marquesa Barolo (várias vezes), a condessa Valperga de Masino, a
baronesa Borsarelli. Aparece também o cônego Duprè, filho do banqueiro Giuseppe Luigi
Duprè. Registram-se profissionais liberais, negociantes, artesãos: Giuseppe Gagliardi,
Giuseppe Engelfred, Benedetto Mussa, o empresário Federico Bocca, os advogados
Molina, Claretta e Blengini, e dois “lavandeiros”.12
9 Carta de 20 de fevereiro de 1850; Em I 96. Padre Giovanni Grassino (falecido em 1902 aos 82
anos) permaneceu sempre fiel amigo de Dom Bosco; o teólogo professor Giovanni Marengo
(1811-1882) foi professor de dogmática no seminário de Turim e também em Valdocco para
os clérigos salesianos e de outras dioceses; cf. BS 6 (1882) n. 5, maio, p. 92.
10 [G. Bosco], Cenni storici... in: Don Bosco nella Chiesa, p. 69 (cf. também p. 65). O teólogo
Pietro Baricco (1819-1887) era conselheiro municipal, assessor para a instrução e vice-refeito.
11 MO (1991) 177. No proêmio às primeiras redações das Constituições salesianas ele reportava
os acontecimentos aos primeiros anos 50 (Cost. SDB [Motto] 66).
12 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 545-559.

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200 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Nos oratórios, obviamente, as atividades religiosas relativas ao próprio termo de
oratório em seu significado originário ocupavam o primeiro lugar: capela, lugar onde
acontecem celebrações, administração dos sacramentos da penitência e da eucaristia,
orações, pregações e catequese; onde se adora o Santíssimo Sacramento, se honra a
Virgem Maria e os santos; em poucas palavras, onde se acende “sempre mais a piedade
nos jovens que acorrerem em grande número”.13
Havia também atividades culturais, a começar das escolas festivas, que, segundo a
múltipla finalidade do Oratório de São Francisco de Sales, serviam para “manter nesses
dias a juventude distante do ócio e dos vícios”, desejosa de “empregar algumas horas
das festas a aprender a ler e escrever”.14
Ali as atividades recreativas e o intenso clima de festa tinham grande relevância.
Bom testemunho disso é o Memorial do Oratório, do padre Borel. É freqüente o
registro de gastos para a aquisição de objetos sacros, mas igualmente para despesas de
festas – com prevalência a de são Luís – e jogos. Ocorre frequentemente o “pagamento”
dos mais variados instrumentos e objetos para recreação ou prêmios: “objetos a dar de
presente no dia da festa de são Francisco”; “outros presentes aos jovens”; “para os jogos
em Vallino”; “para diversos jogos em Tomello”; “para diversos jogos”; “para a caixa de
jogos com chave etc.”; “para confecção da caixa de jogos”; “para sapatos, jogos, livros
etc.”; “para jogos”; “para 5 rubbi [pouco menos de 50 quilos] de griolla [pão seco]”;
“para dezenove fuzis pagos a 15 soldos cada um” [soldo = 5 centavos]; “dezenove fuzis,
pagas 10 liras”; “jogo da Graça”; “rodas para jogos”; “castanhas e tesas de mel” [tesa =
medida volumétrica]; “do teólogo Carpano para a festa de são Luís”; “café da manhã”;
“merenda”; “para o café da manhã de são João, recebido de Vola”; “recebido dos jovens
e outras pessoas para Superga”; “pago por salame, queijo e pão”; “acordeão”; “partida
[excursão, passeio campestre] a Stupinigi”; “a Vigna por um jogo de bocha”.15
Para todos os efeitos, pode ser considerada histórica a já citada carta com que em
13 de março de 1846, Dom Bosco apresentava o Oratório ao autorizado e autoritário
marquês Michele Benso de Cavour (1781-1850), Vigário da Cidade, isto é, titular da
mais alta e complexa magistratura civil, administrativa, alfandegária, policial. Na carta,
Dom Bosco revela traços pessoais típicos que o acompanharão por toda a vida: dedi-
cação à missão juvenil fora das estruturas canônicas, concepção do oratório como insti-
tuição de finalidade religiosa e humana, insistência nos valores de promoção moral e
social (“político”) da obra, capacidade de produzir envolvimento e consenso de quem
13 Carta ao arcebispo dos “Sacerdotes aplicados à instrução dos jovens do Oratório de São
Francisco de Sales recentemente aberto em Valdocco fora desta capital”, novembro de 1846;
Em I 74.
14 Carta dos “recorrentes”, teólogo Borel e Dom Bosco, aos prefeitos de Turim, Abril de 1847;
Em I 75.
15 Memorial do Oratório…, in: P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…,
p. 546-557.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 201
detém o poder. Para essa finalidade não deixava de servir-se da retórica captatio benevo-
lentiae, eficaz, sem dúvida diante de um tutor da ordem pública em regime absolutista.
A carta era, ao mesmo tempo, um verdadeiro manifesto do trabalho beneficente, da opção
juvenil, das iniciativas oratorianas, do método que ali se praticava. Esse padre dioce-
sano prefigurava assim a substância daquele trabalho que teria conservado e aperfei-
çoado, também como fundador, até o fim da vida. Ele dirigia-se à “Excelência”, a quem
reconhecia o total empenhado “em tudo que se refere à ordem pública, civil e moral”.
Isso, ele escreve, “faz com que saiba não ser desagradável uma informação sobre nosso
Catecismo, que tem em vista o bem da juventude e do qual o senhor mesmo demonstrou
muitas vezes participar”. Expunha, de modo particular, o programa educativo proposto
pelo Oratório, atraindo “nos dias festivos aqueles jovens que, abandonados a si mesmos
– precisava –, não freqüentam nenhuma Igreja para a instrução, o que se faz atraindo-os
com palavras, promessas, presentes e coisas semelhantes”. O programa estava polarizado
ao redor de quatro “princípios” tranqüilizadores: “1 Amor ao trabalho – 2 Freqüência
aos Santos Sacramentos – 3 Respeito a todo superior – 4 Fuga das más companhias”.
Já insinuados nas experiências anteriores, esses princípios tinham “produzido efeitos
admiráveis”. “O que é muito considerável – fazia notar ao tutor da ordem pública –,
visto a qualidade dos jovens, que normalmente estão na idade entre 10 e 16 anos, sem
princípios de religião e de educação, em sua maior parte presa dos vícios e próximos a
darem motivo de reclamações públicas ou de serem postos nos lugares de punição”.16
Análogos eram o programa e a insistência das finalidades educativas e sociais dos
três oratórios que surgiam na citada súplica a Vitório Emanuel II, em novembro de
1849, na qual se acenava também a “um internato contendo vinte e cinco leitos para
prover às necessidades mais urgentes desses jovens”.17
E como se encontram jovens desocupados, quer entre os oratorianos dos dias
festivos quer também entre os recolhidos no internato, não falta solicitude para empre-
gá-los como aprendizes junto a empresários, negociantes ou artesãos, e continuar a
assistência deles durante a semana, para vantagem dos patrões, dos prestadores de
serviço e dos aprendizes.18 Os Regulamentos haveriam de dar normas a esse respeito,
tanto para os oratorianos quanto para os pensionistas. A fim de garantir dignidade de
horário e de salário aos empregados, Dom Bosco se adequava à praxe seguida por insti-
tuições beneficentes turinenses de antiga data, como o Albergue da Virtude e a Obra da
Mendicância Instruída. Desta, à qual Dom Bosco recorrerá muitas vezes para subsídios,
podia conhecer facilmente o Regulamento, aprovado em 11 de julho de 1831, com
artigos de extremo interesse: a Obra “tem o cuidado de buscar para os novos Alunos
um Patrão hábil, de bons costumes e conveniente à escolha da Arte ou Ofício que cada
16 Em I 66-67.
17 Em I 90.
18 Cf. [G. Bosco], Cenno storico... e [G. Bosco), Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p.
39, 40, 79.

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202 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Aluno declarar querer iniciar; e, encontrado um Patrão, estipular o oportuno Contrato
de Aprendizagem por um tempo não superior a quatro anos, buscando nesse contrato
toda a vantagem do Aluno”; também “os dias festivos do ano devem estar, durante
o tempo do aprendizado, à sua [dos alunos] plena liberdade e disposição”. A visita
freqüente dos responsáveis da Obra garantia o respeito ao contrato e o controle do
comportamento e do rendimento do aluno.19
2. Abertura ao mundo educativo e integração pedagógica
Padre educador em Turim, Dom Bosco encontrava crescentes oportunidades de
aperfeiçoar hábitos e comportamentos e adquirir conhecimentos e capacidades úteis à
realização de sua missão específica. O encontro com os Irmãos das Escolas Cristãs, o
envolvimento com o cárcere Generala e algumas deliberações de certas expressões da
cultura pedagógica contemporânea turinense contribuíram, sem dúvida, para enrique-
cê-lo dessa nova forma de cultura.20
2.1. Encontro com um instituto de educadores profissionais
Dom Bosco dedicava seu primeiro importante livro, a História eclesiástica, ao
“Honorabilíssimo Senhor F. Hervé de la Croix, Provincial dos Irmãos D. I. D. C.”,
de 1844 a 1854 visitador dos religiosos de La Salle no Piemonte. Os Irmãos tinham
chegado a Turim em outubro de 1829, chamados a ocupar-se das escolas elementares
geridas pela Obra da Mendicância Instruída. Nos primeiros dias de fevereiro de 1830
abriam as três primeiras classes. Favorecidos pelo primeiro dos dois prefeitos, conde
Giuseppe Provana de Collegno, foram-lhes confiadas também as escolas municipais
inferiores dos dois subúrbios, Po e Dora, no ano 1831-1832, e, a partir de 1832-1833,
também as de outros bairros – Carmine, Palazzo della Città, San Carlo e San Filippo.21
A sede dos Irmãos e das primeiras escolas da Mendicância encontrava-se junto à igreja
19 Cf. G. Chiosso, “La gioventù ‘povera e abbandonata’ a torino nell’Ottocento: il caso degli
allievi-artigiani della Mendicità Istruita (1818-1861)”, in: M. Prellezo (org.), L’impegno
dell’educare, Roma, LAS, 1991, p. 398.
20 Cf. Fr. Clementino, “Fratel Hervé de la Croix secondo Visitatore della Provincia Piemontese”,
Rivista Lasalliana 3 (1936), p. 229-262.
21 Cf. C. Verri, I Fratelli delle Scuole Cristiane e la storia della scuola in Piemonte (1829-
1859): contributo alla Storia della Pedagogia del Risorgimento. Erba (Como), Casa Editrice
“Sussidi”, [1966]; Fr. U. Cremonesi, “I Fratelli entrano nelle Scuole Comunali inferiori di
Torino”, Rivista Lasalliana 45 (1978), p. 19-51; Id., “I Fratelli nelle Scuole Comunali di
Torino per una scuola popolare gratuita”, Rivista Lasalliana 45 (1978), p. 98-136.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 203
de Santa Pelágia; as municipais ficavam nos dois bairros de Moschino e da Madonna
degli Angeli próximo a San Filippo, no local dos Matadouros do bairro Dora, junto à
Porta Palatina, onde estavam edificadas as Escolas de Santa Bárbara, residência dos
Irmãos.22 “A estima e o respeito que professo a V. S. Honorabilíssima – escrevia Dom
Bosco na apresentação do livro – empenha-me a dedicar-lhe esta pequena Obra, home-
nagem única que lhe possa oferecer (...). Digne-se pois recebê-la sob a sua poderosa
proteção; não seja mais minha, mas sua, e faça com que escorra pelas mãos de quem
quiser dela se servir”.23
Será também uma forma de costumeira captatio benevolentiae, da qual Dom Bosco
é mestre, com a finalidade de obter apoio a seu escrito para uma eventual difusão
nas escolas dos Irmãos e das Irmãs de São José ou, em geral, no campo da instrução
popular. Mas é também indicação de conhecimento pessoal do destinatário e, talvez, de
certa familiaridade com ele.
De fato, em 1845, Dom Bosco não era desconhecido aos Irmãos, nem estes a ele.24
Giovanni Battista Lemoyne, segundo o testemunho de Giovanni Cagliero, credita a
Dom Bosco vários apostolados, como confessor e pregador, que remontam ao período
do Colégio Eclesiástico. Teriam sido seus beneficiários, além da igreja de São Francisco
de Assis, as prisões, o Albergue da Virtude, as Escolas dos Irmãos das Escolas Cristãs, o
Colégio de São Francisco de Paola, o Instituto das Fiéis Companheiras, irmãs e alunas,
o Retiro das Filhas do Rosário, o Instituto do Bom Pastor, aberto em 1843. Esse aposto-
lado continuaria “até depois de 1860”.25 Dom Bosco mesmo recorda nas Memórias do
Oratório de São Francisco de Sales “os muitos compromissos” “nas prisões, na Obra
Cottolengo, no Refúgio, no Oratório e nas escolas” [onde necessariamente ensinavam
os Irmãos], a deterioração de sua saúde, o repouso em Sassi, perto de Turim, as idas
e vindas dos jovens até ele. Não eram apenas os oratorianos, “mas os mesmos alunos
dos Irmãos das Escolas Cristãs”.26 A informação parece confirmada, de algum modo,
por referências concretas contidas na citada carta, de 18 de maio de 1846, da marquesa
Barolo ao teólogo Borel sobre a piora da saúde de Dom Bosco: “Enquanto ele traba-
lhava, cuspia sangue”; “o senhor, Sr. Teólogo, crê que seja pouco confessar, exortar
centenas de jovens?”27
Parece, porém, sustentável apenas em parte a posição maximalista de Alberto
22 Cf. Primo Centenario dei Fratelli delle scuole cristiane in Torino 1829-1929. Turim, R.
Rattero, 1929, p. 57-70; Fr. Clementino, “Fratel Hervé de Ia Croix…”, Rivista Lasalhana 3
(1936), p. 229-262. O jovem P. Miguel Rua freqüentou no biênio 1848-1850 nas escolas de S.
Bárbara o segundo e o terceiro ano do curso elementar complementar superior (A. Amadei, Il
servo di Dio Michele Rua. Vol. I. Turim, SEI, 1931, p. 16 e 19-20).
23 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, [p. 5-6]; OE I 163-164.
24 Cf. S. Scaglione, “Don Bosco e i Fratelli delle Scuole Cristiane: nel primo centenario della
morte di San Giovanni Bosco”, Rivista Lasalliana 55 (1988), p. 3-39.
25 Cf. G. B. Lemoyne, Vita del venerabile servo di Dio Giovanni Bosco... Vol. I. Turim, Libreria
Editrice Internazionale “Buona Stampa”, 1914 [reimpressão da primeira edição de 1911], p. 259.
26 MO (1991) 170-171.
27 Carta citada em MB II 464.

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204 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Caviglia: Dom Bosco “estudou muitíssimo” “os Métodos Lasalianos”, “chamou [os
Irmãos] de seus formadores em pedagogia”;28 o contato com eles “colocou diante de
Dom Bosco o meio de estudar os métodos pedagógicos, a conduta das Escolas e aquelas
que os filhos de La Salle chamam de doze virtudes do bom Mestre”.29 É totalmente plau-
sível, porém, que o trabalho entre os Irmãos possa ter sido frutuoso para ele no campo
das experiências educativas e das reflexões pedagógicas, favorecidas por alguma leitura
de escritos como As doze virtudes de um bom mestre, do irmão Agathon, que saiu em
tradução italiana em Turim, pela Marietti, em 1835,30 e, mais adiante, as Virtudes e
deveres de um bom mestre, do irmão Théoger.31 E certamente não ficou indiferente
diante das escolas noturnas para operários programadas por eles em 1845 e iniciadas
em janeiro de 1846, que tiveram desenvolvimento excepcional nos anos sucessivos,32 e
a outras propostas educativas e sociais de anos e lugares próximos a ele.33
Os métodos didáticos e o estilo educativo, praticados pelos Irmãos e universalmente
apreciados por administradores civis e por bispos, estavam totalmente em consonância
com aquele que Dom Bosco descreveria em 1877 como “sistema preventivo”.34 É inte-
ressante ler um dos motivos que, numa circular de 23 de agosto de 1833 aos párocos e
aos prefeitos “sobre o modo de prover ao conforto e assistência dos pobres”, Antonio
Tonduti de l’Escarène, primeiro secretário de Estado de Carlos Alberto para os Negócios
Internos, entre 1831 e 1835, levava a preferir os Irmãos das Escolas Cristãs e as Irmãs
de São José na gestão das obras de beneficência e sobretudo das escolas destinadas a
28A. Caviglia, Opere e scritti editi e inediti di “Don Bosco”. Vol. I, Parte I: Storia sacra: nota
preliminare. Turim, SEI, 1929, p. XXV, n. 1.
29 Ib., p. 6. Afirmações análogas são encontradas em G. Rigault, Histoire générale del’Institut
des frères des Écoles Chrétiennes.T. VI: L’ère du Frère Philippe: l’Institut parmi les Nations.
Paris, Librairie Plon, 1947, p. 40-41.
A primeira edição italiana da Conduite saía em Turim em 1844; Norma delle Scuole Cristiane
del Venerabile Della Salle. Turim, Tip. Musso, 1844.
30 Cf. S. Scaglione, “Secondo centenario della traduzione italiana delle ‘Douze vertus’ di Fr.
Agathon: un classico della pedagogia Lasalliana”, Rivista Lasalliana 64 (1997), p. 152-165;
Id. “Chiavi di lettura delle ‘Douze vertus d’ún bon maître’; un classico della tradizione
educativa lasalliana”, Rivista Lasalliana 60 (1993), p. 141-149.
31 Tratrou-se disso mais explicitamente no livro Il sistema preventivo di Don Bosco. Turim, P. A.
S., 1955, p. 106-115: Don Bosco, i Fratelli delle Scuole Cristiane e la pedagogia lasalliana;
cf. mais recentemente, P. Braido, Prevenire non reprimere…, p. 115-119.
32 Cf. “L’Opera della Mendicità Istruita: scuole serali per gli adulti”, Letture di famiglia 4 (1845),
p. 393-394 (a primeira notícia fora dada em Letture di famiglia de 23 de agosto, p. 268); cf.
cap. 2, n. 85 e cap. 7, § 3.1.
33 Cf. cap. 2, § 5.
34 Cf. E. Pomatto “Un Vescovo per la Scuola Cattolica. Mons. Giovanni Antonio Gianotti”,
Rivista Lasalliana 60 (1993), p. 31-32 (citação da Conduite e da Regole dell’Istituto em
edição italiana). Dom Gianotti foi bispo de Saluzzo de 1837 a 1862 e os Irmãos chegaram ali
em 1841.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 205
alunos e alunas “da classe popular e pobre”. Diversamente das “pessoas seculares”,
além da “estabilidade, regularidade de princípios e unidade de encaminhamento”,
“atesta amplamente – precisava – a amabilidade com que os mencionados Irmãos e as
mencionadas Irmãs atendem pacientemente à tediosa ocupação de ensinar meninos e
meninas. Esse grande cuidado e diligência não poderiam ser esperados de um pai e de
uma mãe que empreendessem por si só o ensinamento dos próprios filhos”.35
Dom Bosco não podia deixar de compartilhar a estima do soberano, de seus minis-
tros e de muitos bispos piemonteses pelos Irmãos na gestão das escolas. Acenou-se a
dom Gianotti, bispo de Saluzzo, e pode-se acrescentar também dom Giovanni Antonio
Odone, de Susa, ambos seus amigos.36
2.2. Contatos com uma “Casa de educação correcional”
Dom Bosco manteve contatos comprovados também com a casa de educação corre-
cional chamada “La Generala”, fundada em 1845. Nela eram “recolhidos e governados
com o método de trabalho comunitário, silêncio e segregação noturna em celas apro-
priadas os jovens condenados à pena correcional por terem agido sem discernimento,
cometendo algum crime, e os jovens mantidos encarcerados por correção paterna”.37
Pode-se considerar confiável, embora redimensionado, o que, na História do
Oratório de São Francisco de Sales, Giovanni Bonetti escrevia: “Desde quando o
Governo abriu essa Penitenciária e confiou-lhe a direção à Sociedade de São Pedro
in Vincoli, Dom Bosco conseguiu poder estar às vezes junto àqueles pobres rapazes,
dignos da mais elevada compaixão. Ele os instruía no catecismo, com a permissão do
Diretor das prisões, fazendo-lhes pregações, confessando-os (...)”.38 O narrador via aí
a ocasião para evocar a excursão de 1855,39 quando Dom Bosco teria podido alegrar
os trezentos jovens detentos com uma jornada de liberdade em Stupinigi, trazendo-os
todos de volta ao reformatório antes do cair do sol.40 Nessas dimensões, a narração do
episódio tem algo de legendário. Ele deve ser colocado no quadro do regulamento, que
35 Citado de S. Scaglione, “Un vescovo per la scuola cattolica”, Rivista Lasalliana 63 (1996),
p. 86-87; e também por E. Pomatto, “La fondazione dei Fratelli di San Vincenzo e i Fratelli
delle Scuole Cristiane”, Rivista Lasalliana 59 (1992), p. 116-118.
36 Sobre dom Odone escreve irmão Secondino Scaglione no artigo citado, “Un vescovo per la
scuola cattolica”.
37 Società Reale pel patrocinio dei giovani liberati dalla Casa d’educazione correzionale.
Turim, Bocca 1847, p. 2.
38 BS 6 (1882) n. 11, novembro, p. 180-181.
39 Os religiosos da Congregação francesa de São Pedro in Vincoli já se tinham retirado da
Generala em 1848.
40 A narração foi divulgada pela primeira vez no opúsculo Opere religiose e sociali in Italia:
memoria, do conde Carlos Conestabile. Tradução do texto francês. Pádua, Tip. del Seminario,
1878, p. 23-26.

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206 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
previa, com outros privilégios, também passeios-prêmio para os jovens da categoria
mais elevada pelo mérito, a “de honra”.41 Uma carta do cônego Charles Fissaux (1806-
1867), fundador e superior dos Irmãos da Congregação de São Pedro in Vincoli, ao
Secretário de Estado do Interior, de 22 de abril de 1846, dizia que um grupo de detentos
merecedores foi acompanhado num passeio pelos bosques de Stupinigi. O cônego
escreveu: “Os jovens divertiram-se muito e, depois de terem almoçado num pequeno
bosque, retornamos para casa sem que eu tenha tido qualquer sombra de desprazer”.42
É bem documentada, porém, a ligação particular de Dom Bosco com a Generala.
Com Régia Licença de 21 de novembro de 1846, Carlos Alberto aprovara a constituição
da “Sociedade Real para o patrocínio de jovens libertos da Casa de educação correcional”
e o relativo estatuto. Este estabelecia, entre outras coisas: “A Sociedade tem a finalidade
caritativa de preservar dos perigos de recaída os libertos da casa de educação correcional
a qualquer província pertençam, com a busca de meios para dar-lhes instrução religiosa,
cívica e profissional” (tit. I, art. 1); “a duração do patrocínio é fixada em 3 liras a partir
do dia em que o jovem sair da casa correcional” (art. 4); “a Sociedade compõe-se
de sócios operantes e sócios pagantes. As duas qualidades podem ser assumidas pelo
mesmo sócio. Os sócios operantes são os que se obrigam a assumir pessoalmente o
patrocínio dos libertados” (tit. II, art. 9); “(...) a obrigação do patrocínio restringe-se a
um único patrocinado” (art. 11); “os sócios operantes contraem a obrigação de receber
à sua saída da casa de educação correcional, de colocar, de vigiar e de socorrer com
os meios que lhes subministra a Sociedade os jovens libertados a eles confiados e de
prestar contas à Sociedade dos resultados de seus cuidados, em conformidade com a
instrução que lhes é comunicada ao assumir o ofício” (art. 13). O principal promotor da
Sociedade fora o conde Ilarione Petitti de Roreto (1790-1850), um giobertino liberal,
distante das orientações culturais e, em certo sentido, políticas e operativas dos jesuítas,
do Colégio Eclesiástico e da marquesa Barolo. Numa carta a Vincenzo Gioberti, de
10 de agosto de 1847, Petitti escrevia, definindo o cônego Fissiaux como “jesuítico”
que – esclarecia –, “no momento que se fundava a sociedade, pedia-me que conside-
rasse entre os fundadores alguns jesuítas e o célebre teólogo Guala, com alguns dos
seus. Mas eu me recusei francamente a isso, dizendo-lhe que optasse entre os jesuítas e
nós”.43 Entretanto, “o nome de Dom Bosco figura entre um dos primeiros cinqüenta e
sete subscritores da inscrição de pertença à Sociedade”,44 que atraiu homens de várias
41 Cf. C. Felloni; R. Audisio, “I giovani discoli”, in G. Bracco (ed.), Torino e Don Bosco, vol.
I, p. 116-117.
42 C. Felloni e R. Audisio, “I giovani discoli”, in G. Bracco (ed.), Torino e don Bosco, vo1. I,
p. 118. Nesta ótica podem-se colocar facilmente as breves considerações desenvolvidas por
Eugenio Ceria no Prefácio ao vol. XV das Memorie biografiche del beato Giovanni Bosco.
Turim, SEI, 1934, p. 7-8.
43 Carteggi di Vincenzo Gioberti. Vol. II: Lettere di I. Petitti di Roreto a Vincenzo Gioberti
(1841-1850). Roma, Vittoriano, 1936, p. 69-71.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 207
tendências culturais e políticas, com a prevalência de liberais moderados de fé católica.
Emergem os nomes de Cesare Alfieri di Sostegno, Cesare Balbo, Roberto d’Azeglio,
Gustavo e Camillo Cavour, Ludovico Peyretti de Condove, Luigi Provana de Collegno,
Federico Sclopis, Carlo Bon Compagni, Carlo Ignazio Giulio, Riccardo Sineo, Luigi
Franchi de Pont, Filippo Asinari de San Marzano, Antonio Piola, G. Vegezzi Ruscalla,
G. C. Bruna, G. Eandi, Ch. Fissiaux (este tinha elaborado o projeto de estatuto).45
É de 14 de agosto de 1855 uma carta do padre Vittorio Alasonatti, vice-diretor de
Dom Bosco, que documenta a aceitação no Oratório feita pelo seu superior, como
membro operante da Sociedade Real, de um jovem alfaiate saído da Generala.46
Em todo caso, em seu envolvimento com a Generala, mesmo real, embora dificil-
mente definível em suas proporções efetivas, Dom Bosco pôde sentir experimentalmente
o que significasse a existência e a possibilidade de dois sistemas de educação diversos,
repressivo e preventivo, alternativos ou complementares. A hipótese da coexistência
parecia uma realidade praticada no instituto, ao mesmo tempo penal e reeducativo.
O que era confirmado teoricamente pelos Rapports, talvez ouvidos à viva voz do
Fissiaux.47 Com efeito, segundo o relator, era missão da “Casa central de educação corre-
cional”, em relação aos “jovens delinqüentes”, “preparar-lhes um futuro melhor, salvá-los
do ambiente de naufrágio, puni-los, sem dúvida, mas principalmente corrigi-los”.48
Os meios de educação moral e religiosa eram os que também Dom Bosco já prati-
cava em parte e que haveria de introduzir em medidas sempre mais consistentes em suas
instituições juvenis. Ali estavam presentes muitos subsídios para o desenvolvimento
humano, que Dom Bosco certamente compartilhava: alfabetização, cultura, trabalho,
música, canto. Entre os vários incentivos, particularmente para o arrependimento e a
melhora, o clássico meio da emulação encontrava amplo espaço. Os detentos eram distri-
buídos em três ou quatro classes de mérito com o estímulo permanente a subirem à supe-
rior ou a não descer da classe já alcançada. A mais desejada, naturalmente, era a classe
“de honra”. Ela comportava vantagens variadas: complemento de alimentos e bebidas à
mesa, colóquios com os parentes, envio e recebimento de correspondência, autorização
44 C. Felloni e R. Audisio, I giovani discoli, in: G. Bracco (ed.), Torino e Don Bosco, vol.
I, p. 119, n. 92: “cf. AST, Sez. I, ME, Opere pie per comuni e borgate, m. 223 ult. add.,
Programma di una società caritatevole per il patrocinio dei Ditenuti liberati dalla Casa di
Educazione correttiva de 9 de julho de 1846”.
45 Cf. R. Audisio, La “Generala” di Torino: esposte, discoli, minori corrigendi (1785-1850).
Santena, Fondazione C. Cavour, 1987, p. 210-21 1.
46 MB V 228-231.
47 Cf. Rapport sur les premiers résultats obtenus dans lá Maison d’education correctionnelle
pour les jeunes détenus du Royaume de Sardaigne présenté à la réunion qui eut lieu le 7 juin
1846 pour la distribution des Prix par monsieur l’abbé Fissiaux. Turim, Imprimerie Royale,
1846; Second Rapport sur les résultats... qui eut lieu le 26 settembre 1847... par monseigneur
l’abbé Fissiaux, ibid., 1847.
48 C. Fissiaux, Rapport... 1846, p. 6-7. Para outras informações, cf. P. Braido (ed.), Don Bosco
educatore: scritti e testimonianze. Roma, LAS, 1997, p. 224-226.

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208 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
para gastar parte da retribuição na aquisição de roupas, livros, “objetos úteis”.49
Os contatos com a Generala podem ter tido um notável significado na formação de
Dom Bosco pedagogo. Mas demonstram e desenvolvem também sua singular capaci-
dade de inserir-se em iniciativas leigas que tinham como objetivo o bem da juventude
pobre e abandonada. Conhecer e fazer-se conhecer eram uma arte da qual já mostrava
possuir os fundamentos. Ele haveria bem logo de colher os frutos.
2.3 Presença na imprensa para educadores e nos jornais
Dom Bosco encontrou-se bem cedo também com algumas expressões explícitas,
tanto escritos como pessoas, da “província pedagógica”, levando a certa interação entre
esta e suas experiências educativas.50
Segundo Lemoyne, o maior biógrafo de Dom Bosco, já em setembro-outubro de
1844 Dom Bosco haveria de ter uma densa experiência formalmente pedagógica. Com
Régio Comunicado de 4 de junho de 1844, Ferrante Aporti fora chamado a Turim para
dar início a uma Escola de método normal. As aulas duraram de 26 de agosto a todo o
mês de setembro, seguidas de exames regulares. O arcebispo Fransoni, obstinadamente
contrário à iniciativa, pondo-se em grave conflito com Carlos Alberto,51 teria encarre-
gado Dom Bosco de assisti-las a fim de referir-lhe sobre a ortodoxia do ensinamento
do padre mantovano.52 Não está, porém, adequadamente documentado e precisado se e
quando ele tenha estado presente. Se tivesse efetivamente assistido a todas as aulas, não
teria podido sentir-se senão em perfeita sintonia com o fundador da escola da infância,
e Aporti poderia ser considerado por ele o primeiro pedagogo mestre de sistema preven-
tivo.53 As aulas foram publicadas no ano seguinte em diversos fascículos da revista
para professores, O Educador primário: jornal de educação e instrução elementar, que
49 C. Felloni e R. Audisio, “I giovani discoli”, in: G. Bracco (ed.), Torino e Don Bosco, vol. I,
p. 116-118; R. Audisio, La “Generala”di Torino..., p. 161, 173-180, 185-188.
50 Cf. P. Braido, “Stili di educazione popolare cristiana alle soglie del 1848”, in: Pedagogia
fra tradizione e innovazione: studi in onore di Aldo Agazzi. Milão, Vita e Pensiero, 1979,
p. 393-404.
51 Cf. A. Gambaro, “Diabolie piemontesi contro un’opera dell’Aporti”, Il Saggiatore 2 (1952),
p. 44-50. Monaldo Leopardi, no libelo Le illusioni della pubblica carità, encontrara heresias
religiosas e sociais até mesmo no pequeno Catechismo per l’infanzia (1834) do apostolado
dos asilos infantis.
52 Cf. MB II 209-223; particularmente, p. 213-214.
53 Cf. P. Braido, Prevenire non reprimere…, p. 107-110. Seria preciso submeter à revisão radical
o que as Memorie Biografiche dizem de Ferrante Aporti (MB II 209-223, VI 82). É um eco das
idéias dos católicos retrógrados do tempo, que em Turim encontraram como cabeça de fila o
arcebispo Fransoni e o conde Solaro della Margherita; este foi “ministro e primeiro secretário
de Estado para os negócios exteriores” de Carlos Alberto, de 7 de fevereiro de 1835 a 9 de
outubro de 1847 (cf. seu Memorandum storico político. Turim, Speirani e Ferrero, 1851,
p. 304-312).

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 209
Dom Bosco certamente conheceu.54
Dois anos depois, em junho de 1846, a revista popular de Lorenzo Valerio, Leituras
de família, tornava público o que se assinalava sobre a iniciativa oratoriana de Dom
Bosco em Valdocco através de um anônimo – quem é e quem pode tê-lo solicitado? –
acenando brevemente às finalidades, conteúdos e métodos. Dom Bosco era associado à
figura do padre Giovanni Cocchi, promotor de obra semelhante.55
Alguns meses antes, entretanto, numa conhecida revista para professores, já apare-
cera uma benévola recensão da História eclesiástica. Seu autor era o jovem professor
sacerdote Giuseppe Ramello (1820-1861).56 O recenseador fala do “douto e bom sacer-
dote, autor da mesma que, por modéstia, não quis honrá-la com o próprio nome”, eviden-
ciando que “o período corre simples e fácil, a língua é bastante pura, há nele às vezes a
força da eloqüência; por toda parte espalha-se uma unção, que docemente te comove e
te seduz ao bem”. É penetrante a intuição sobre a finalidade prefixada pelo autor e pelo
método: “Convencido do grande princípio educativo de que se deve iluminar a mente
para tornar bom o coração, toda a narração girou ao redor desse eixo”.57 Dom Bosco
lia, apropriava-se da feliz expressão e a incorporava no Prefácio ao sucessivo livro de
catequese narrativa, a História sagrada: “Em cada página tive sempre fixo o princípio:
iluminar a mente para tornar bom o coração, e (como se exprime um grande mestre)
popularizar o quanto se possa a ciência da Sagrada Bíblia; ela que é o fundamento
da nossa Santa Religião, enquanto contém seus dogmas e os comprova, de modo que
consiga passar, depois, da narração sagrada ao ensinamento da moral e da religião,
motivo pelo qual nenhum outro ensinamento é mais útil e importante do que esse”.58
É evidente que Dom Bosco teve em mãos o número de “L’educatore primário”, que
54 Podem-se encontrar reunidas em F. Apporti, Scritti pedagogici editi e inediti, editado por
Angiolo Gambaro. Vol. II. Turim, Edizioni Chiantore, 1945, p. 439-485.
55 Letture di famiglia 5 (1846), no 25, 20 de junho, p. 196: Scuole e solazzi domenicali pei
poveri. Carta ao Diretor das Letture.
56Na segunda metade dos anos 50, padre Ramello será censurado por dom Fransoni por suas
idéias liberalizantes: numa carta de Lyon ao cônego Fissore, o arcebispo acenava entre outras
coisas a seus artigos publicados no Istuttore del popolo, no Avenir de Nice e na Civilità
novella, periódicos abertos à conciliação da Igreja com as idéias modernas: L. Fransoni,
Epistolario: introduzione, testo critico e note, editado por M. F. Mellano. Roma, LAS, 1994,
p. 167; sobre a posição do sacerdote retornavam depois as cartas de 21 de março, cf. p. 169,
de 2 e 5 de abril, cf. p. 172 e p. 173-174, e de 1° de julho de 1858, cf. p. 222. Para uma
ulterior reflexão sobre as próprias idéias ele era confiado a Dom Bosco (carta de 7 de maio de
1858, p. 177), que no ano escolar 1857-1858 servia-se dele no ensino da gramática numa das
incipientes classes internas de Valdoco.
57 L’Educatore Primario. Giornale d’educazione ed istruzione elementare 1 (1845) no 34, 10 de
dezembro, p. 575.
58 G. Bosco, Storia sacra per uso delle scuole utile ad ogni stato di persone... Turim, Tip. Paravia
e comp., 1847, p. 7; OE III 7.

21.10 Page 210

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210 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
trazia sua recensão, mas tinha lido também o primeiro fascículo, com o editorial progra-
mático, no qual o diretor, o sacerdote natural de Biella Agostino Fecia (1803-1876),
sublinhava o verbo “popularizar”. Dom Bosco citava-o, como também acolhia a orien-
tação dada por Vincenzo Garelli (Dom Bosco escreve Varrelli) num artigo publicado
em outro fascículo intitulado Do ensino da história através de tabelas:59 “Assim como
é inculcado por muitos sábios mestres que a História Sagrada seja ensinada com a ajuda
de folhas com figuras que representam os fatos aos quais se referem, assim também
neste se provê com a inserção de várias incisões relativas aos fatos mais luminosos”.60
Ainda na recensão da Historia sagrada Dom Bosco podia encontrar o reconhe-
cimento de motivos que lhe eram certamente inatos. Vinha sob a forma de “Carta de
um mestre escola”, que assina “Sac. M. G.”.61 O recenseador confessava não conhecer
pessoalmente o autor, mas ter ouvido falar do “tanto de bem” que estava fazendo e
ter lido “vários de seus valiosos escritos”. Detinha-se, depois, a descrever a origem
experiencial do livro e individuava o “tema” central, a laboriosidade: era uma História
sagrada “verdadeiramente operosa”. Dom Bosco não podia encontrar publicidade
melhor numa revista pedagógica e de um entendedor de matérias educativas. Sobretudo,
ele via ali sintetizadas idéias fundamentais de sua ação educativa e reflexão pedagógica:
aderência à mentalidade juvenil, gênese de seus livros de história religiosa a partir da
catequese narrativa, uso de ilustrações e emergência de uma didática intuitiva e ativa,
estreitamente ligada à educação, centrada em conceitos básicos como “o estímulo à
virtude e a aversão ao vício” e, inseparável da piedade e da virtude, o trabalho, categoria
fundamental de sua espiritualidade. A forma literária era também valorizada: “o modo
de escrever é popular, mas puro e italiano, em forma de diálogo, por meio do qual o
jovem entende logo o que lê”.62
Outro texto menor, claramente escolar, era recenseado em 1849 por “Il conciliatore
torinese”, na primeira e na segunda edição.63 Tratava-se do opúsculo O sistema métrico
decimal reduzido à simplicidade, precedido das quatro primeiras operações da arit-
mética para uso dos aprendizes e da gente do campo.64 O recenseador escrevia sobre
Dom Bosco “sempre movido pelo bem da classe popular”, “cheio de verdadeira filan-
59 L’Educatore Primario 1 (1845) no 24, 30 de agosto, p. 404-407 (as tabelas foram anunciadas
no no 13, p. 208).
60 G. Bosco, Storia sacra…, p. 7-8; OE III 7-8.
61 Levantou-se a hipótese de que fosse Michele Garelli (1806-1867), irmão do futuro provedor
dos estudos em Turim, Vincenzo Garelli, benévolo para com Dom Bosco. Michele Garelli,
de Mondovì, ordenado sacerdote em 1830, manteve até a morte a atividade de professor em
escolas primárias e secundárias.
62 L’Educatore. Giornale di educazione ed istruzione 4 (1848), setembro, p. 542-543.
63 Il Conciliatore Torinese 2 (1849), 9 de junho e 29 de agosto.
64 Turim, Gio. Battista Paravia e comp. Tipografi-librai, 1849, 80 p. Após não muitas semanas
saía pelo mesmo editor a Edizione seconda migliorata ed accresciuta, reproduzida em OE
IV 1-80.

22 Pages 211-220

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22.1 Page 211

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 211
tropia, que se intitula caridade cristã”. Convidavam-se, até mesmo, “a seguir as pegadas
do senhor Dom Bosco” “aqueles aos quais está realmente a peito o progresso moral
e cívico do povo, que procuram instruí-lo com a luz da verdade e formá-lo à virtude, e
não já corrompê-lo, desmoralizá-lo, acender nele as paixões e roubar-lhe a única coisa
que possua, mas sim a simplicidade de mente e coração, e o afeto da religião”. Louvava,
enfim, a pequena obra “bem ordenada” e o método “fácil, claro e popular”.65
É, sem dúvida, significativo que do Oratório de São Francisco de Sales, oratório
festivo e internato, se tenha logo interessado também uma revista pedagógica de
alto nível, o “Giornale della Società d’Istruzione e d’Educazione”, órgão da recém-
criada “Sociedade” ou associação dos professores do Reino sardo.66 A iniciativa de
falar da obra de Dom Bosco surgira na reunião do Comitê Central da Sociedade, em
3 de maio de 1849, composto pelos representantes de todas as ordens escolares, inclu-
sive a Universidade. O Comitê estava desejoso de dar atenção aos “institutos privados
mantidos por pessoas generosas que, sem rumor e quase à sombra, servem para educar
grande número de crianças de um e outro sexo”. Foram mencionados o teólogo Della
Porta, pároco de Nossa Senhora do Carmo, padre Cocchi, vice-pároco da Anunciação,
e “o Sacerdote Dom Bosco, que – anotava-se – reúne no Oratório de São Francisco de
Sales quase 300 crianças, onde as catequiza, instrui e exercita em jogos ginásticos”.67
O encargo de escrever sobre o Oratório de Dom Bosco fora confiado a Casimiro
Danna (1806-1884), titular na Universidade de Turim da cátedra de Instituições de
Belas Letras, que mantivera por um ano (1847-1848) a cátedra de Escola Superior
de Método (chamada depois de Pedagogia); esta foi ocupada, a partir de 1848, pelo
sacerdote professor Gian Antonio Rayneri (1809-1867), um dos fundadores da
Sociedade de Instrução e Educação e seu primeiro presidente efetivo depois da presi-
dência, mais nominal que real, de Vicenzo Gioberti (1801-1852). Danna publicava dois
meses depois um relatório sintético de quanto Dom Bosco fazia em Valdocco: não era
puro elenco de fatos, mas análise pedagógica atenta das finalidades e dos métodos
compartilhados. É difícil subtrair-se à impressão de que as informações fundamen-
tais tenham tido o próprio Dom Bosco como fonte, “sacerdote – escrevia Danna –
que não posso nomear sem me sentir tomado da mais pura e profunda veneração”.
As fórmulas, de fato, são de marca claramente bosquiana: “Ele recolhe nos dias festivos,
lá naquele recinto solitário, de 400 a 500 jovens com mais de 8 anos, para afastá-los de
perigos e distrações, e instruí-los nas máximas da moral cristã. E o faz entretendo-os em
agradáveis e honestas recreações, depois de assistirem aos ritos e exercícios de reli-
65 Il Conciliatore Torinese 2 (1849), 9 de junho. Sobre o Conciliatore, cf. § 3.2.
66 Cf. G. Corallo, “La Società d’Istruzione e d’Educazione e la sua attività”, Rassegna di
Pedagogia 10 (1950), p. 3-20.
67 Giornale della Società d’Istruzione e d’Educazione 1 (1849), maio, p. 240. São nomeados
em seguida também o teólogo Borelli de Castagnole, o vigário forâneo de Busca, teólogo
Vacchetta, e o teólogo Carpano.

22.2 Page 212

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212 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
giosa piedade”. “A isca com que atrai aquela numerosíssima fileira, além do brinde
de alguma piedosa imagem, de loterias e, às vezes, de alguma pequena refeição, é o
aspecto sereno e sempre vigilante no propagar a luz da verdade e do amor recíproco
naquelas almas juvenis. Pensando no mal que evita, nos vícios que previne, nas virtudes
que semeia, no bem que frutifica, parece incrível que sua obra possa ter empecilhos e
contrariedades”.
O texto se refere às oposições de alguns párocos – reconhecidas pelo próprio Dom
Bosco68 – que temiam o afastamento dos jovens oratorianos de suas respectivas paró-
quias, os quais na realidade se sentiam estranhos a elas. O equívoco foi logo superado.
O relator não deixava de acenar à proteção do Oratório por parte de Carlos Alberto, à
abertura do Oratório de São Luís na Porta Nuova, ao fechamento do Oratório do Anjo
da Guarda, do padre Cocchi. Dedicava, em seguida, o mais belo trecho literário ao
internato: “Quando ele sabe de alguém já empobrecido pela sordidez, ou o encontra,
não o perde de vista, leva-o para sua casa, dá-lhe de comer, troca suas roupas lúridas por
novas, dá-lhe de comer pela manhã e à noite, até que lhe encontre um patrão e trabalho
capaz de propiciar-lhe sustento honroso para o futuro e poder atender com maior
segurança a educação de sua mente e seu coração. Alguns sacerdotes acorrem para os
muitos gastos exigidos por esta inestimável obra. A maior parte, porém, é sustentada
pessoalmente por este realmente ministro dAquele que se disse manso e recriador dos
espíritos aflitos”.69
Em nível local, Dom Bosco já era o que, decênios depois, apareceria em mais vastos
horizontes, nacional e internacional.
3. Desenvolvimentos do Oratório (1846-1852)
Humilde nas origens, a primeira instituição de Dom Bosco crescia lentamente como
o grão de mostarda do Evangelho. Essa instituição, porém, existia graças a um agente
de tal força interior, de fé humana e cristã tão sólida, de capacidade de envolvimento e
irradiação tão acentuada, que acabava por oferecer uma imagem de si muito mais dila-
tada do que era realmente. Teria sido igual no futuro.
3.1 Rápida decolagem de uma obra diocesana virtualmente universal
Anotações sumárias sobre isso são dadas pelo próprio Dom Bosco, que se revela
através das primeiras “memórias” do oratório, do Aceno histórico de 1854 e dos Acenos
68 Cf. [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 45; MO (1991) 141-143.
69 Giornale della Società d’Istruzione e d’Educazione 1 (1849), julho, p. 459-460.

22.3 Page 213

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 213
históricos de 1862. As informações são escassas e rápidas. A imprecisão de várias datas
nada tira a verdade da narração; revela simplesmente um homem sobrecarregado, que
podia conceder a si mesmo algum esquecimento sem importância.
“No mês de novembro [1846] – conta –, estabeleci minha morada na casa anexa ao
Oratório”.70 Ao lado do seu havia um quartinho para a mãe anciã, Margherita, campo-
nesa intrépida, que deixara os lugares queridos, o outro filho e os netos para comparti-
lhar com padre João Bosco pão, trabalho, cansaços, preocupações e a missão juvenil,
na fé e na esperança do paraíso.
De acordo com o Aceno histórico, a sistematização nos quartinhos da casa Pinardi
teria sido precedida, meses antes, do início das escolas dominicais e noturnas, com a
indicação sucessiva das matérias ensinadas: leitura, escrita, canto, história sagrada,
elementos de aritmética e de língua italiana. Delas se publicariam alguns ensaios.71
Entretanto, é extremamente árduo localizá-las no espaço e no tempo indicados: casa
Moretta, no inverno 1845-1846.72 Parece ter muito menos fundamento antecipar sua
organização formal para o final de 1844, no Refúgio.73 Não se exclui, obviamente,
formas esporádicas de alfabetização de indivíduos ou de algum precário pequeno
grupo.74 Em outra carta à Régia Obra da Mendicância Instruída, de 20 de fevereiro de
1850, Dom Bosco falava de “escolas de canto todas as noites” e de “escolas domini-
cais”, com “alguns ensaios públicos” já apresentados;75 e, ainda noutra à mesma Obra,
em 18 de novembro de 1852, falava das “escolas dominicais e noturnas já existentes
há três anos”.76 Os destinatários da Mendicância Instruída sabiam muito bem que as
primeiras escolas noturnas formalmente organizadas em Turim foram instituídas pela
mesma Obra, por proposta do Ir. Hervé de la Croix, superior provincial dos Irmãos das
Escolas Cristãs, que tinham por encargo sua gestão desde janeiro de 1846.77 Nos anos
seguintes funcionaram regularmente, de outubro a março, das 20 às 22 horas. Maior teria
sido a surpresa deles se tivessem podido ler nas Memórias do Oratório que as escolas
70 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 52.
71 Cf. [G. Bosco], Cenno storico... e Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 51-52 e 72-73.
72 MO (1991) 141 e 165.
73 MB XVII 850-858.
74 O próprio Dom Bosco dá a enteder: “Deu-se início (...) também à escola noturna quando
viemos para Valdocco”; “foram então introduzidas as escolas noturnas que, iniciadas no
Refúgio, fizeram-se com maior regularidade na casa Moretta, e melhor ainda assim que se
pôde ter morada estável em Valdocco”, MO (1991) 164 e 165.
75 Em 196.
76 Em I 173.
77 Cf. Fr. Aquilino, “Le prime scuole serali a Torino”, Rivista Lasalliana 1 (1934) n. 3,
p. 446-452; S. Scaglione, “Don Bosco e i Fratelli delle Scuole Cristiane”, Rivista Lassalliana
55 (1988), p. 18-23; A. Ferraris, “1845-1995 Centocinquantenario dell’istituzione delle
prime scuole serali in Torino ad opera dei Fratelli delle Scuole Cristiane”, Rivista Lasalliana
62 (1995), p. 18-36; Id., “La diffusione e il successo delle scuole serali dei Fratelli delle
Scuole Cristiane negli Stati Sabaudi”, ibid., p. 159-176.

22.4 Page 214

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214 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
noturnas de Dom Bosco tinham inspirado as iniciadas depois pelo município de Turim
(em 17 de dezembro de 1849),78 enquanto delas foram modelo as geridas pelos Irmãos,
aos quais foram confiadas pelo Município bem dez dessas classes.79
Tem-se notícia documentada sobre as escolas noturnas numa petição às autoridades
municipais, de abril de 1847, para obter a utilização de “carteiras, bancos ou mesas
fora de uso”, eventualmente existentes “nos depósitos das escolas da Ilma. Cidade”. Os
solicitantes eram “os Sacerdotes T. João Borel e padre João Bosco”, empenhados na
“direção espiritual dos jovens aprendizes do Oratório de São Francisco de Sales, aberto
em Valdocco, na proximidade da pia casa do Refúgio”. Seguia a indicação da razão e da
finalidade da obra: “Tendo entendido que é do desejo de muitos jovens que ali acorrem
empregar algumas horas dos dias festivos para aprender a ler e escrever, e querendo
aderir a esse desejo, que favorece a intenção de manter a juventude nesses dias longe do
ócio e dos vícios, resolveram com o conselho de pessoas sábias abrir aos mesmos uma
escola caridosa”.80 De fato, a partir de 1° de março de 1847, Dom Bosco podia dispor,
alugando-a, de toda a casa Pinardi, com a possibilidade de iniciar um embrião de inter-
nato e, segundo ele, aumentar “algumas classes de escola noturna”.81
São também documentadas, no verão de 1848, duas provas de escolas dominicais
sobre a história sagrada;82 e uma das noturnas, no terceiro domingo de Advento de
1849,83 sobre o qual também referia L’Armonia.84 Evocando, entre 1861 e 1862, os fatos
das escolas dominicais, Dom Bosco anotava que “as provas públicas que foram feitas
recompensaram aos insignes personagens, entre os quais o abade Aporti, o Prefeito da
cidade Cav. Bellono e o sr. Cav. T. Baricco”, que a elas presenciaram. O advogado Giorgio
Bellono, porém, foi prefeito de Turim de 1850 a 1852. Nas Memórias do Oratório indi-
cará entre os presentes “o célebre Abade Aporti, Boncompagni, T. Pietro Baricco, Prof.
Giuseppe [= Giovanni Antonio] Rayneri”.85 As escolas noturnas tiveram vida florecente
78 MO (1991) 169; [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 51; Cf. G.
Chiosso, “L’oratorio di Don Bosco e il rinnovamento educativo nel Piemonte carloalbertino”,
in: Don Bosco nella storia, p. 100-102.
79 Cf. B. Pasin, “I primi cinquant’anni della provincia religiosa di Torino dei F.S.C”, Rivista
Lasalliana 39 (1972) n. 1, p. 79-81; C. Verri, “I Fratelli negli Stati Sardi”, Rivista Lasalliana
47 (1980), p. 103-105; B. Magliosi, “I ‘Fratelli’ in Torino: il rinnovo della convenzione con il
Comune (1850)”, Rivista Lasalliana 47 (1980), p. 286-302 (Le scuole serali comunali affidate
ai Fratelli e l’incremento delle scuole comunali serali).
80 Carta de abril de 1847; Em I 75.
81 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 53.
82 Saggio dei figliuoli dell’Oratorio di san Francesco di Sales sopra la storia sacra dell’Antico
Testamento / 15 agosto 1848 ore 4 pomeridiane. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1848.
83 Saggio che danno i figliuoli dell’Oratorio di S. Francesco di Sales sul sistema metrico decimale
in forma di dialogo il 16 dicembre 1849 ore 2 pomeridiane. Assiste l’Ill.mo professore D. G.
Ant. Rayneri. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1849.
84 L’Armonia, 17 de dezembro de 1849; OE XXXVIII 14.
85 [G. Bosco], Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 71; MO (1991) 167.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 215
por decênios no Oratório de São Francisco de Sales, contando até 1878 com um subsídio
anual do município de 300 liras para as despesas de iluminação. Os programas esten-
diam-se à língua francesa, ao canto e à música, inclusive à aula de piano.86
Para o ano de 1847, Dom Bosco anotava outros dois fatos relevantes: a organização
da Companhia de são Luís, mãe e protótipo das demais companhias, e a fundação do
Oratório de São Luís num bairro nas margens opostas, meridionais, da cidade. “Foi
criada a companhia de São Luís – escreve – com a aprovação da autoridade eclesiástica:
providenciou-se uma estátua do santo, organizaram-se os seis domingos precedentes
à solenidade de são Luís com grande afluência. No dia da festa do Santo, o arcebispo
veio para administrar o Sacramento da crisma a um grande número de meninos, e foi
recitada uma breve comédia com canto e música”.87
Dom Bosco redigia o Regulamento da companhia, aprovado pelo arcebispo em 12 de
abril de 1847. Este constitui um documento significativo da pedagogia de Dom Bosco
para jovens de certo nível espiritual e a base invariável dos regulamentos das companhias
da Imaculada Conceição (1856), do Santíssimo Sacramento (1857) e de São José (1859).
São Luís Gonzaga era proposto como modelo de observância das prescrições de cada
artigo: “Evitar tudo que possa causar escândalo e procurar dar bom exemplo em todos
os lugares, mas especialmente na igreja” (art. 1); aproximar-se dos sacramentos da peni-
tência e da comunhão a cada quinze dias e nas maiores solenidades, pois esses são, com
efeito, “a arma com que se terá vitória segura contra o demônio” (art. 2); “fugir dos maus
companheiros como da peste, e guardar-se bem de manter conversas obscenas” (art. 3);
“usar de suma caridade com os companheiros, perdoando facilmente toda ofensa” (art.
4); fazer “grande esforço pela boa ordem do oratório, animando os demais à virtude e
a se inscreverem na companhia” (art. 5); garantir assistência espiritual e material aos
irmãos doentes (art.6); “demonstrar grande amor ao trabalho e ao cumprimento dos
próprios deveres prestando obediência exata a todos os superiores” (art. 7).88
No dia da Imaculada Conceição do mesmo ano – continua a anotar Dom Bosco –,
“foi aberto um novo Oratório na Porta Nuova, na casa Vaglienti, atualmente Turvano,
sob o título de São Luís Gonzaga”, e a direção foi confiada ao teólogo Giacinto Carpano.
Em 1849, o padre Pietro Ponte, capelão da marquesa Barolo, assumia a direção e a
exercia até 1852. Dom Bosco acrescenta que esse oratório foi administrado segundo as
mesmas normas do primeiro e em breve tornou-se numeroso.89
86 Cf. [G. Bosco], Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 72-73; MO (1991) 176, 192,
202; J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento…, p. 104, 118, 148, 159-160, 162, 193, 210-211.
No início do ano escolar 1876-1877 elas foram transferidas, com melhores resultados, para
“antes do jantar” (J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento..., p. 49).
87 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 53; MO (1991) 177-180.
88O texto deste e dos demais regulamentos é conservado em ASC E 452: Compagnie religiose,
FdB 1.869 D4-E3.
89 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 54-55.

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216 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Ainda em 1847, como se acenou, tinha início um embrião de abrigo ou internato,
que se tornou possível com a disponibilidade de um espaço maior na casa Pinardi:
“Acolheram-se dois jovens pobres, órfãos, sem profissão, rudes de religião; e assim teve
início o internato, que foi sempre crescendo”.90 Será denominado por vários anos “casa
anexa”: o oratório para externos permanecia a obra princeps. Em seguida, o internato
alcançará a mesma dignidade e interesse de Dom Bosco, de modo que o Oratório, com
“O” maiúsculo, indicará em Turim-Valdocco e em qualquer outro lugar, um complexo
educativo juvenil que incluía tanto o oratório para externos como o internato para estu-
dantes e aprendizes, órfãos ou de condição humilde. Por alguns anos, porém, a “casa
anexa” foi um simples pensionato para quem ia ao trabalho ou à escola na cidade.
Dom Bosco dava uma razão mais explícita disso nos Acenos históricos de 1862, com
algum esclarecimento, quando o pensionato se tornou colégio para internos: “Entre os
jovens que freqüentam estes oratórios encontraram-se alguns deles de tal forma pobres
e abandonados que se tornava para eles quase inútil qualquer solicitude sem um lugar
onde pudessem encontrar alojamento, alimento e roupa. Estudou-se o modo de prover
a essa necessidade com a casa anexa chamada, também, oratório de São Francisco de
Sales. Em princípio alugou-se ali uma pequena casa em 1847 e começou-se a recolher
alguns dos mais pobres. Naquele tempo, eles iam trabalhar pela cidade, retornando à
casa do Oratório para comer e dormir. A grave necessidade, porém, que se fez sentir em
várias cidades da província, determinou-nos estender a aceitação também àqueles que
não freqüentavam os oratórios de Turim”.91
A penúria de espaço nos primeiros sete anos não permitiu ir além da cifra, prova-
velmente muito generosa, que no Aceno histórico Dom Bosco indica em 1848: “1848.
O número dos filhos acolhidos chegou a quinze”.92 Somente entre 1856 e 1857 teria
chegado a uma centena, quando o pensionato já começara a ser escola para internos,
aprendizes e estudantes, modelo daqueles que surgiriam anos depois em Gênova –
Sampierdarena, Nice, Marselha, Florença, La Spezia, Roma – Sagrado Coração, Buenos
Aires, Barcelona – Sarriá, Lille.
Os anos 1848-49 deram a Dom Bosco a ocasião de manifestar um traço de sua perso-
nalidade, que não haveria de sofrer variações no futuro: a recusa de agregar-se a qualquer
90 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 53. Nas Memórias do Oratório
descreve-se como primeiro hóspede do internato “um jovem pelos 15 anos” de Valsesia, ao
qual “se acrescentou logo um outro”, MO (1991) 180-182. Dos registros resultam como
primeiros internos dois jovens turinenses, um estudante, outro aprendiz (cf. P. Stella, Don
Bosco nella storia economica e sociale, p. 175-176).
91 [G. Bosco], Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 74-75.
92 [G. Bosco], Cenno storico, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 54. Os registros fragmentados
confiados ao Repertorio domestico, redigido por Dom Bosco pelos anos 1847-1850, assinalam
modestos movimentos de hóspedes freqüentemente temporários, incluindo também padre
Carlo Palazzolo, padre Pietro Ponte, um clérigo Danusso, o clérigo Bertagna (por um mês)
(Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale..., p. 558-566).

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 217
linha política. Fazia-o ver claramente um episódio acontecido em fevereiro de 1848. Ele
qualifica em sentido bem definido a ambivalência de seu modo de evocar as mudanças
institucionais do Reino sardo naqueles anos. Com o consentimento de Carlos Aberto,
uma “Comissão cívica” empenhava-se por organizar, no dia 27 de fevereiro, uma grande
festa nacional, que pretendia envolver as instituições e as forças sociais no sustento do rei
na “espontânea” concessão do Estatuto. O grande animador da festa era o católico mili-
tante marquês Roberto d’Azeglio, que quis promover a participação também das escolas
e dos institutos de educação. 93 Não podia faltar o convite formal a Dom Bosco e aos
jovens de seus oratórios, como ele mesmo atesta com viva recordação nas Memórias do
Oratório. Perante todas as razões de conveniência ele opôs, em consciência, a persuasão
de que “aceitar significaria admitir princípios que eu julgava de funestas conseqüências”
e, diante do requerente, seu “firme propósito” de manter-se “alheio a qualquer coisa
que referis[se] à política. Jamais a favor, jamais contra. Sua “política” pretendia ser
imutavelmente assistencial e educativa: “Fazer o pouco de bem que puder aos meninos
abandonados, empregando todas as minhas forças, a fim de que se tornem bons cristãos
diante da religião, honestos cidadãos em meio à sociedade civil”.94 Era o estilo impresso
desde o início a seus oratórios. Não eram admitidos sinais militares ligados à ginástica,
muito menos a efetiva presença de exercícios militares, como, porém, acontecia com
o ousado e liberalizante padre Giovanni Cocchi. Este, com os movimentos de 1848,
incutiu seus ímpetos patrióticos nos jovens de seu Oratório, tanto que, em março do ano
seguinte, “ansiosos de passar dos exercícios aos fatos e medir-se com o inimigo”, cerca
de duzentos jovens, acompanhados pelo próprio Cocchi, fizeram uma longa marcha de
aproximação à frente de guerra, tomando o caminho de volta quando souberam da derrota
do exército sardo em Novara depois da guerra dos quatro dias (20-23 de março).95
O evento levava também a uma mudança na gestão do Oratório do Anjo da Guarda
em Vanchiglia, registrado no Aceno histórico: “Devido à guerra, o senhor padre Cocchis
fecha o Oratório do Anjo da Guarda, permanece fechado por um ano; depois, é por
nós subalugado, entrega-se sua administração [direção] ao T. Vola”.96 Os Acenos histó-
ricos de 1862 haveriam de dar uma versão levemente diferente: “Padre Cocchi já tinha
aberto ali [no bairro Vanchiglia] um Oratório, que, devido às suas outras ocupações,
teve que abandonar. Naquele mesmo lugar e quase com finalidade idêntica abria-se ao
público naquela região em 1849 o Oratório do Santo Anjo da Guarda, próximo ao Po.
A direção era confiada ao senhor T. Roberto Murialdo”.97 O oratório foi efetivamente
93 Cf. C. Pischeda e R. Roccia (preparado por), 1848. Dallo Statuto Albertino alla nuova legge
municipale. Il primo Consiglio comunale elettivo di Torino. Turim, Arquivo Histórico da
Cidade 1995.
94 MO (1991) 199-200.
95 Cf. A. Castellani, Il beato Leonardo Murialdo, vol. I, p. 406-407.
96 [G. Bosco], Cenno storico…, in Don Bosco nella Chiesa, p. 55-56.
97 [G. Bosco], Cenno storico…, in Don Bosco nella Chiesa, p. 66.

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218 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
reativado por Dom Bosco em outubro de 1849,98 em locais alugados dos advogados
Bronzini Zapelloni e Daziani, e ficou sob sua supervisão até 1871. A partir de 1867,
padre Cocchi, graças a uma herança deixada pela marquesa Barolo, iniciava outro junto
à nova paróquia de Santa Júlia.99
Uma anotação contida no Memorial redigido pelo padre Borel abre uma janela
sobre a frenética atividade de aquisições, permutas e vendas de terrenos, feitas por Dom
Bosco, para garantir espaços a futuros desenvolvimentos da obra e também para auferir
lucros em favor da existente. A pesquisa entre os documentos do cadastro conservado
no Arquivo Histórico da Cidade de Turim traz luz sobre esses dados, que revelam inte-
ressantes operações especulativas feitas por Dom Bosco a começar do biênio 1848-
1850. Em 9 de março de 1848 ele adquiria, por 11.800 liras, a Casa Moretta, com pátio,
horta e campo. No giro de um ano, de março de 1849 a junho de 1850, revendia tudo,
recebendo 14.810 liras.100 Isso permitia modestas, mas seguras ampliações: “1849.
Toda a casa Pinardi, o terreno adiante e atrás da casa, é tomada em aluguel; o espaço
da igreja é ampliado quase pela metade: o número dos jovens internos chega a trinta”,
cifra provavelmente aumentada.101
Dom Bosco procurava seguir, na condução dos negócios, mestres não só de moral
ligoriana, mas também de sagaz e correta administração de bens e de dinheiro, em
grande parte vindo de beneficência, como eram o teólogo Guala e o padre Cafasso.
Seus benfeitores sabiam desde os inícios que o dinheiro era confiado a mãos que o
teriam negociado em obras de bem, com honestidade e perícia.
3.2 Saída em campo aberto e reconhecimentos imediatos
Responsável por três oratórios, Dom Bosco fazia-se notar cada vez mais pela
opinião pública, chegando até as mais altas esferas religiosas e civis. Atingia certamente
a imaginação dos expectadores a corrida inédita de centenas de garotos, sobretudo de
condição modesta, a instituições religiosas e recreativas de um padre vindo do campo:
espetáculo de visibilidade garantida numa cidade entre 130 e 140 mil habitantes. Ao rei
Vitório Emanuel II, em novembro de 1849, ele escrevia sobre os “mais de quinhentos
98 Cf. [G. Bosco], Breve ragguaglio della festa fattasi nel distribuire il regalo di Pio IX ai giovani
degli oratorii di Torino. Turim. Tip. Eredi Borra, 1850, p. 9; OE IV 101.
99 MO (1991) 196; Cf. M. Basso, “Nel Moschino il primo oratorio torinese”, in: Santa Giulia in
Vanchiglia: storia di un quartiere. Nel 200° anniversario della nascita della marchesa Giulia
Falletti di Barolo. Turim, Cooperativa “La Grafica Nuova”, 1985, p. 64.
100 Cf. G. Bracco, “Don Bosco e le istituzioni”, in: G. Bracco (ed.), Torino e Don Bosco, vol.
I, p. 145-146. Operações semelhantes são registradas nos anos 1851, 1853-1854, 1860-1861,
1863, 1864, 1868-1870 etc. (ibid., p. 146-150).
101 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 55.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 219
jovens” que freqüentavam o Oratório de São Francisco de Sales;102 aos administradores
da Obra da Mendicância Instruída, em 20 de fevereiro de 1850, de um número, “às
vezes”, de “seiscentos a setecentos jovens dos 12 aos 20 anos que, em grande parte,
saía das prisões ou estava em perigo de ir para lá”; e de um “total de jovens dos três
Oratórios [que] chega freqüentemente a mil”.103 Ao jovem sacerdote português, padre
Daniel Rademacher, descrevendo, em 10 de julho de 1950, a festa de são Luís, cele-
brada no Oratório de São Francisco de Sales, fazia menção à crisma conferida “a cento
e cinquenta de nossos jovens”, de quinhentas comunhões, da presença de mais de mil
e seiscentos jovens às “funções da noite”.104 Um mês depois, escrevia até mesmo ao
cardeal Antonelli: “A juventude turinense, que freqüenta os oratórios em número supe-
rior a mil, tem um só coração e uma só alma no respeito devido ao Supremo Hierarca
da Igreja”.105
Entretanto, ele não trabalhava só para a publicidade. Na ação de recuperação e de
capacitação religiosa, moral e também civil da juventude, sobretudo trabalhadora, os
“pobres pequenos aprendizes”, ele sabia recorrer igualmente a meios fortes, como os
exercícios espirituais. Já em 1847 fizera a primeira experiência com os oratorianos. Fora
pregador o jovem teólogo Federico Albert (1820-1876),106 proclamado beato em 1984.
A repetição de experiência semelhante em 1848 era mais seguramente atestada pelo
próprio Dom Bosco. Ela comportara, para uma boa alíquota de cinqüenta participantes,
a permanência dia e noite nos ambientes do Oratório,107 o que foi possível pela disponi-
bilidade de toda a casa Pinardi, subalugada, em 1° de dezembro de 1846, de Pancracio
Soave, que desde março de 1847 tinha liberado também o térreo. Foram pregadores
o teólogo Giuseppe Gliemone (1820-1848), de Rivoli, e o popular teólogo Borel. Outro
curso, documentado por um elenco de participantes, aconteceria em julho de 1849.
Mais audaciosamente, Dom Bosco oferecia um grande curso de exercícios espiri-
tuais a todos os jovens da cidade nos últimos dias do mesmo ano. Para tanto conseguia
reunir os participantes na igreja da Confraria da Misericórdia, mais central e ampla
que a pequena capela Pinardi, situada na extrema periferia noroeste da cidade. Para
dar publicidade aos exercícios, compunha, fazia imprimir e difundia um Aviso sacro,
documento significativo da piedade católica empenhativa, aliás, proposta por ele a
jovens realmente imersos em regime de cristandade. Isso também lhe permita dirigir
um apaixonado apelo a “pais e mães, patrões e dirigentes de fábricas e de negócios”, a
quem tinha a peito “o bem-estar presente e futuro dos jovens”, “a porção da Sociedade
humana em que são fundadas as esperanças do presente e do futuro, a porção digna
102 Em I 90.
103 Em I 96.
104 Em I 104.
105 Em I 107.
106 Cf. MB III 221-223.
107 MO (1991) 189.

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220 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
dos cuidados mais atentos”. De fato, continuava, sendo ela “retamente educada, haverá
ordem e moralidade; caso contrário, vício e desordem”. E “somente a Religião é capaz
de começar a realizar a grande obra da verdadeira educação”, ainda mais necessária
em face dos “esforços que os maldosos fazem para insinuar máximas irreligiosas na
mente inconstante da Juventude”. Não faltava uma afetuosa chamada aos interessados
diretos: “Juventude, minha querida Juventude, delícia e pupila dos olhos divinos,
não vos importe suportar algumas contrariedades deste período para buscar o bem de
vossas almas, que jamais falhará”. Concluía com o texto italiano e latino do livro das
Lamentações 3,27, a ele particularmente caro: Bonum est viro, cum portaverit jugum
ab adolescentia sua. Seguia a indicação do horário cotidiano – o início era às 7 horas
de sábado, 22 de dezembro – e o nome de quem convidava: “P. Giovanni Bosco”.108
Também estavam envolvidos nisso sacerdotes de vanguarda: os teólogos Borsarelli,
Borel, Gastaldi e o padre Ponte.109
Um retiro fechado fora realizado em setembro de 1850 no seminário de Giaveno, a
cerca de 40 quilômetros de Turim.110 Foram admitidos a ele também jovens da pequena
cidade. De uma lista compilada por Dom Bosco os participantes deviam chegar a cento
e trinta.111 Giuseppe Brosio (1829-1883), “o soldado”, aluno e colaborador de Dom
Bosco, haveria de deixar uma descrição pitoresca do retorno, com visita à Sagra di San
Michele.112
Durante os anos da revolução política, entre 48 e 50, a ação de Dom Bosco foi cauta,
sem atenuar seu empenho de padre dos jovens e de escritor religioso para o povo,113
quando alguns dos aspectos da revolução pareceram-lhe ameaçar a fé e a prática reli-
giosa. Segundo seu parecer, esse era o caso, por exemplo, das leis sobre a liberdade
de imprensa e de emancipação dos valdenses e judeus, com a proliferação de jornais e
opúsculos lesivos à ortodoxia católica e à dignidade do clero.114
Ao mesmo tempo, estava preocupado em entrelaçar as melhores relações com o
mundo religioso e civil que o rodeava. A fim de tornar sua obra aceita, ele garantia
também serviços concretos. “Neste ano [1848] – conta – foi iniciada a escola de piano
e de órgão, e os filhos [jovens] começaram a ir cantar missas e vésperas musicadas com
as orquestras de Turim, Carignano, Chieri, Rivoli etc.”115 Esteve atento também em
108 Esercizi spirituali alla gioventù: avviso sacro. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1849; ASC
A 1760103.
109 MB III 603-607.
110 Continua a ser um documento seguro disso a carta de Dom Bosco ao teólogo Borel de 12 de
setembro de 1850; Em I 111-112.
111 O elenco era apresentado em carta selada, datada de 21 de setembro de 1850, à Obra de São
Paulo, que assumira as despesas do curso; ASC A 2220403 404, FdB 250 E1 3.
112 G. Brosio, Relazione, quad. I 28-29; ASC A 1020806, FdB 555 C3 4.
113 Cf. cap. 8.
114 Cf. cap. 1, § 4.
115 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 55.

23 Pages 221-230

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23.1 Page 221

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 221
manter boas relações com a administração municipal e com outras que contavam em
Turim. Assim se referia a quanto evocava no Aceno histórico sobre 1849 ou, melhor
ainda, sobre 1850: “O Município mandou uma comissão visitar os Oratórios e, depois
de uma carta de satisfação, ofereceu um subsídio de 600 francos. Igualmente a obra
da mendicância veio em ajuda aos Oratórios com um subsídio providencial”.116 É de
1850 o primeiro pedido documentado, já citado, de “caridosos subsídios” à Obra da
Mendicância Instruída.117 Foram-lhe destinadas mil liras. Dom Bosco acenava a isso
em novo pedido, de 18 de novembro de 1852, “lembrado ainda e reconhecido pelos
subsídios que os beneméritos Senhores da Pia Obra da Mendicância Instruída já há três
anos (...) destinavam em favor dos três Oratórios erigidos nesta cidade”.118
O fundador dos oratórios aventurava-se também no jornalismo. Contrapostos ao
anticlerical Gazetta del popolo, que saiu em 16 de junho de1848, e a outros de tendência
democrática,119 nasciam em 4 e em 15 de julho dois jornais ligados a católicos, ecle-
siásticos e leigos, de orientação cultural diversa. O primeiro, eco do sentimento entre
moderado e conservador; o segundo, próximo ao neogibelino Gioberti e a Rosmini:
L’armonia della Religione con la civilità, de início com duas edições semanais, depois
com três, e finalmente cotidiano a partir de 1855; e Il Conciliatore torinese: giornale
religioso, politico, letterario, de início com duas edições semanais, depois com três,
tinha como gerente o teólogo Lorenzo Renaldi e diretor o teólogo Lorenzo Gastaldi,
amigo e benfeitor de Dom Bosco: fechava em 28 de setembro de1849.120
Dom Bosco imitava-os em nível mais modesto, a partir de 21 de outubro de 1848,
com O amigo da juventude: jornal religioso, moral e político. De início, com três edições
semanais, foi bem logo afligido por dificuldades financeiras, como se pode deduzir de
uma circular de janeiro de 1849, distribuída para adquirir sócios mediante ações de
20, 30 ou 100 francos, com a assinatura: “Pela Direção P. Giovanni Bosco gerente”.121
Concluía sua breve vida no início de maio de 1849, fundindo-se com o L’istruttore del
popolo, que surgira em Turim, em 2 de fevereiro de 1849, com a palavra de ordem Deus
e Pátria, para salvaguarda da soberania do rei e a conciliação do povo, e encerrava no
116 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 55.
117 Carta de 20 de fevereiro de 1850; Em I 96-97.
118 Em I 172-173.
119 Cf. B. Gariglio, “La ‘Gazzetta del popolo’ nel biennio rivoluzionario”, in: Giornali e giornalisti
a Torino. Turim, Centro Studi “Cario Trabucco”, 1984, p. 11-65.
120 Cf. “‘I1 Conciliatore Torinese’ (1848-1849): un caso significativo di stampa conciliarista”, in:
Giornalismo e cultura cattolica a Torino. Aspetti storici e testimonianze fra 800 e 900. Turim,
Centro Studi “Carlo Trabucco”, 1982, p. 11-36; F. Della Peruta, “Il giornalismo dal 1847
all’Unità”, in: A. Galante Garrone; F. Della Peruta, La stampa italiana del Risorgimento.
Roma-Bari, Laterza, 1979, p. 247-569.
121 Em 183.
122 Cf. D. Bertoni Jovini (ed.), I periodici popolari del Risorgimento. Vol. I p. LXXV-LXXVI,
289-299; F. Della Peruta, “Il giornalismo dal 1847 all’Unità”, p. 327, 475-476.

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222 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
final de 1850.122 Essa fusão leva a pensar que O amigo da juventude, nascido durante
o período do armistício Salasco (9 de agosto de 1843 – 12 de março de 1849) e saído
primeiramente com um governo de moderados, com Perrone e Pinelli, e depois de
maioria democrática, presidido por Gioberti, tenha sustentado a idéia da confederação
italiana de tipo neogibelino, com a restauração do Estado Pontifício e do Grão-Ducado
da Toscana e a hegemonia militar do Piemonte sabaudo.123 De O amigo da juventude, em
todo caso, foi até agora encontrado apenas o primeiro número com o editorial assinado
“A Direção”, mas de provável matriz bosquiana. O editorialista evidencia o positivo e o
negativo da liberdade de imprensa concedida por Carlos Alberto e a ausência ainda de
um jornal popular “cujo escopo principal – afirmava – seja manter intacto e aumentado
o quanto se possa o primeiro dos bens do povo: o sincero e inviolável apego à nossa
Religião Católica, unido à verdadeira e sólida educação cristã. Dizemos verdadeira
e sólida educação cristã porque (devemos confessá-lo) nas presentes emergências o
povo, sobretudo a juventude, está sujeito a muitos preconceitos, e pode ser arrastado a
erros não ligeiros”; mais precisamente, “confirmar o povo na fé católica; mostrando-lhe
a indiscutível verdade, toda a beleza celeste e os grandíssimos bens que dela, como
de inexaurível fonte, procedem em favor dos Indivíduos e de toda a Sociedade; e, ao
mesmo tempo, instruí-lo, educá-lo na virtude (...); assim, nada se poupará neste jornal
de tudo que possa servir para iluminar o intelecto humano e melhorar o coração”.124
Sobre Dom Bosco e o Oratório, L’Armonia e Il Conciliatore, a poucos dias de
distância um do outro, faziam lisonjeiras apresentações. Em ambos os jornais, Dom
Bosco podia contar com simpatizantes e amigos: não é temerário pensar em alguma
intervenção promocional pessoal sobre a obra dos oratórios.
O Oratório – informava L’Armonia de 2 de abril de1849 – “surge há alguns anos”
“no mais pobre dos subúrbios desta metrópole, habitado quase exclusivamente por
operários, que sobrevivem com o produto de suas fadigas diárias”. É “uma dessas obras
de beneficência de que o espírito católico é fonte inexaurível”; fundada por “um zeloso
sacerdote, ansioso do bem das almas”, que “se consagrou inteiramente ao piedoso
ofício de arrancar ao vício, ao ócio e à ignorância um grande número de crianças, que,
moradoras dos arredores, em razão da pobreza ou incúria dos pais, cresciam muito
desprovidas de cultura religiosa e cívica”. Enunciavam-se em seguida as inúmeras ativi-
dades nas quais os jovens se viam envolvidos e a interessante novidade pedagógica da
presença constante de Dom Bosco entre eles, que era “para eles mestre, companheiro,
exemplo e amigo”. Não era de admirar se, com esse “método” vivo, o Oratório fosse
freqüentado “habitualmente nos dias festivos por quatrocentos jovenzinhos”, que em
vez de crescerem “na preguiça e no vício, se encaminh[v]am à virtude e ao trabalho”.
123 Cf. G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 502-503; OE VII 502-503. Cf. cap. 9, § 4.
124Do L’Amico della gioventú Dom Bosco tirava em 1858 o exemplo que acompanhava no Il
mese di Maggio a meditação sobre a Misericórdia de Deus. Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…,
p. 122-123; OE X 416- 417.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 223
O articulista, enfim, falava da vinda, em 25 de março, à casa dos jovens de dois
membros do Comitê da Obra do Óbolo de São Pedro para receber solenemente a oferta
de 35 [=33] francos.125
Alguns dias depois, em 7 de abril, não ficava aquém o Il Conciliatore torinese.
O diretor, teólogo Gastaldi, ali publicava um vibrante perfil do “Oratório de São
Francisco de Sales em Turim” e de seu animador: “Um humilde padre provido de
nenhuma riqueza senão de imensa caridade”, que há vários anos recolhia “todos os dias
festivos de quinhentos a seiscentos jovens, para instruí-los nas virtudes cristãs e torná-los
ao mesmo tempo filhos de Deus e ótimos cidadãos”. “Muito adolorado ao ver” “centenas
e centenas de crianças” expostas todos os dias festivos “em divertimentos perigosos”,
voltando depois “às casas ainda mais dissipados, irreligiosos e indóceis”, “o novo discí-
pulo de Filipe Neri” “ocupou-se em girar nos dias festivos pelos arredores de Turim, e
quantos grupos de jovens visse a brincar, aproximava-se, pedindo-lhes para participar de
suas brincadeiras; depois de ter-se confraternizado um pouco com eles, convidava-os a
continuar o jogo num lugar que ele mantinha para isso, mais adaptado para divertir-se”.
“O senhor Dom Bosco (esse é o nome deste exímio eclesiástico)” realizou um milagre:
“sua palavra tem uma virtude prodigiosa sobre o coração dessas almas”, “sua casa
é um abrigo sempre aberto a qualquer hora e para qualquer jovem que seja”. Depois de
acenar à fundação do segundo oratório “fora da porta Nuova”, concluía augurando que
o exemplo de Dom Bosco suscitasse outros sacerdotes dispostos “a seguir seus passos”,
abrindo aos jovens “os recintos sagrados, onde a piedade se circunde de brincadeiras
honestas; pois só assim se poderá curar uma das chagas mais profundas da sociedade
civil e da Igreja, que é a corrupção dos jovens”.126
No início da primavera de 1850, quando há poucas semanas dom Fransoni tinha
retornado do exílio voluntário na Suíça, que durou do final de março de 1848 até fins
de fevereiro de 1850, verificava-se um fato importante para a obra educativo-social de
Dom Bosco: “A câmara dos Senadores e o ministério – escreve ele mesmo – enviam uma
comissão para visitar os Oratórios e faz-se disso um relatório e discussão favorável”.127
Após a visita dos senadores, conde Federico Sclopis, marquês Ignazio Pallavicini e
cavalheiro Luigi Provana de Collegno, e a audição do relatório, “o Senado do Reino –
informava L’Armonia de 26 de julho de 1850 –, seguindo deliberação unânime, instava
junto ao Governo do Rei que apoiasse uma instituição tão benemérita da religião e da
sociedade”.128 Dom Bosco escrevia sobre isso também a um eclesiástico não identifi-
cado, anexando à carta “a folha da Gazzetta Piemontese, que referia “aquilo que foi dito
125 L’Armonia 2 (1849), n. 40, segunda-feira 2 de abril, p. 158-159; OE XXXVIII 11-13.
126 Il Conciliatore Torinese 2 (1849), n. 42, sábado 7 de abril.
127 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 56; cf., sem a exatidão do
historiador, MO (1991) 197.
128 L’Armonia, sexta-feira 26 de julho de 1835; trazido também em [G. Bosco], Breve ragguaglio...,
p. 22; OE IV 114; cf. carta 46, Em I 96.

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224 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
na Câmara dos senadores na última reunião de fevereiro de 1850 (v. Gazzetta pág. 24,
abaixo na primeira coluna) a respeito de nossos oratórios e dos filhos acolhidos”.129
Convém recordar que, em 8 de abril, o Senado tinha aprovado a contestada lei Siccardi:130
o senador Luigi Provana de Collegno tinha falado e votado contra, enquanto o senador
Federico Sclopis tinha intervido e votado a favor.131
Dom Bosco já tinha dado asas à sua iniciativa, chegando aos vértices da Igreja, ao
cardeal Antonelli e a Pio IX. Em março de 1849, como se viu anunciado em L’Armonia,
ele tinha-se prontamente inserido no movimento do Óbolo de São Pedro, ideado, depois
de novembro de 1848, para socorrer Pio IX, exilado em Gaeta, providenciando uma
coleta entre os jovens dos dois oratórios. Da soma recolhida – 33 francos – era feita
entrega pública aos membros do Comitê em 25 de março, domingo da Paixão, com
o discurso de um jovem e o canto do hino do papa. Em maio chegavam, através do
núncio em Turim, dom Antonucci, o agradecimento e a bênção de Pio IX e, em abril
de 1850, o cardeal Antonelli desculpava-se do atraso no envio de dois pacotes de 60
dúzias de terços, presente pessoal do papa aos jovens. Tendo Pio IX retornado a Roma,
Dom Bosco organizava, na tarde do domingo 21 de julho, uma grande reunião de
jovens dos três oratórios em Valdocco. A solene entrega do terço a cada jovem foi feita,
depois do discurso empolgado do padre André Barrera (1802-1879), dos Doutrinários,
pelo cônego Simonino e pelo orador. Seguiram-se ao discurso de um jovem orato-
riano “algumas evoluções militares” de um “grupo da milícia citadina” e o hino final,
marcado por “prolongados e festivos VIVA PIO IX, VIVA O VIGÁRIO DE JESUS
CRISTO”.132 Dom Bosco tinha pretendido transformar a cerimônia numa festa do papa,
justamente no ano da primeira grave crise entre o governo sabaudo e a Santa Sé. Em 9
de abril de1850, o rei sancionara as leis Siccardi e, no início de maio, já fora celebrado
o primeiro dos dois processos contra o arcebispo Fransoni, com a condenação a um mês
de prisão, descontado na Cittadella, de onde saíra em 2 de junho. O segundo aconteceria
em 25 de setembro, com a sentença de afastamento do reino.133
Dom Bosco não fizera mistério dos próprios sentimentos sobre os eventos político-
religiosos numa carta, de 10 de julho de 1850, ao padre Daniel Rademacher que, jovem
129 Carta de 19 de fevereiro de 1851; Em I 124.
130 Cf. cap. 1, § 6.
131 Cf. Legge Siccardi sull’abolizione del foro e delle immunità ecclesiastiche: tornate del
Parlamento subalpino, p. 443-452, 487-493.
132 [G. Bosco], Breve ragguaglio…, p. 3-27; OE IV 93-119. Dom Bosco fixava lapidarmente sua
lembrança também no Cenno storico: “O Papa afasta-se de Roma e foge para Gaeta no Reino
de Nápoles, e os filhos do Oratório fazem uma coleta; por isso, o Santo Padre fica ternamente
comovido e manda escrever uma carta de agradecimento pelo Cardeal Antonelli, e manda
sua santa bênção aos filhos do Oratório. Envia depois, de Gaeta, um pacote com 60 dúzias de
terços para os filhos do Oratório, e com grande festa se faz a solene distribuição, em 20 de
julho. V. livrete impresso naquela circunstância” ([G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco
nella Chïesa, p. 55).
133 Cf. cap. 1, § 6.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 225
padre, ajudara Dom Bosco no biênio 1846-1848. Entre outras coisas, ele pedia para que
o considerasse “sempre como padre do Oratório e da companhia de São Luís”. “Oh!
Quantas coisas haveria de dizer-lhe – continuava –. Não falo da política que bem conhe-
cerá pelos jornais; direi apenas algumas coisas relativas à religião. O Piemonte foi por
muitos séculos o benjamim da Santa Sé e um grande número de seus governantes é
venerado nos altares. O Piemonte honrou a religião e a religião foi sua glória. Agora
não é mais assim. Os três poderes são declaradamente hostis à religião. Vários jornais
desenfreados vomitam impunemente o que de ímpio e desavergonhado sabem inventar
contra tudo que se refira à religião; são poucos os dias sem que qualquer padre seja
insultado pelos velhacos. Somos, porém, muito consolados pelas bênçãos que o Senhor
derrama sobre nossos Oratórios”.134
Da mesma forma iniciava o Breve notícia acenando aos “tempos difíceis que levaram
o Soberano Hierarca da Igreja a abandonar a Santa Sé e ir para países estrangeiros”,
passando depois a descrever a iniciativa da oferta para o óbolo de São Pedro, em sintonia
com a atitude dos católicos piemonteses. Dom Bosco, de fato, muito sagazmente preci-
sava: “O Piemonte que, em todos os tempos, especialmente depois de governado pelos
Reis de Savóia, distinguiu-se pela devoção à Santa Sé, assim mostrou-se também nesta
circunstância”.135
Mas não basta. Dom Bosco quis que informações diretas sobre a festa chegassem
também em um nível mais alto. Em 28 de agosto ele enviava, com algumas cópias do
Breve notícia, uma carta do cardeal Antonelli, no qual exprimia “a grande consolação
encontrada” ao receber os “dois grandes e generosos pacotes de terços a serem distri-
buídos aos jovenzinhos que, de certo modo, a Divina providência me quis confiar”.
O coração da carta revelava as profundas convicções católicas que, no turbulento 1850,
inspiravam a vida pessoal de Dom Bosco padre, sua ação de educador cristão e, depois,
os comportamentos de seus jovens, com a dissociação aberta dos atentados, que esperava
fossem transitórios, à “ordem política e religiosa”. “A juventude turinense, em número
superior a três mil, que freqüenta os oratórios – garantia – tem um só coração e uma só
alma pelo respeito devido ao Supremo Hierarca da Igreja”; “seja o que for que se diga e
se faça para afastá-los da unidade católica, todos se recusam honrosamente, dispostos a
qualquer coisa antes que dizer ou fazer algo contrário à religião cujo chefe é o Romano
Pontífice”. Tanto que nos lugares de trabalho difundia-se a advertência: “Cale-se; não
fale mal do papa, há alguém do Oratório”. Não todos, é verdade, pensavam do mesmo
modo. Contudo – garantia – “o número dos infelizes é muito pequeno e, embora auda-
ciosos, tentem muitos caminhos para reverter toda ordem política e religiosa, contudo
parece-me que se possa nutrir firme esperança que seus esforços só produzirão efeito
passageiro, e que o Senhor, movido pelas orações dos bons, se despertará para acalmar
a borrasca e dar novamente a tranqüilidade anterior”.136
134 Em I 103-104.
135 [G. Bosco], Breve ragguaglio…, p. 3 4; OE IV 95-96.
136 Em I 107. Concluía pedindo apoio para alguns pedidos de favores espirituais implorados ao
papa (Cf. os textos das súplicas a Pio IX; Em I 109-111).

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226 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
4. Apoio ideal para a juventude e os seus amigos
Enquanto estruturava a obra que já era plenamente sua, o Oratório de São Francisco
de Sales, protótipo dos demais, Dom Bosco oferecia algumas idéias essenciais sobre a
assim chamada espiritualidade juvenil e, ao mesmo tempo, sobre a espiritualidade dos
educadores dos jovens. Convergiam para isso três livros: História sagrada, O jovem
instruído (1847) e O cristão orientado à virtude e à civilização segundo o espírito de
são Vicente de Paulo (1848).
Em 1845, o Autor mostrava-se “plenamente satisfeito” com as “Histórias” do Velho
e Novo Testamento que corriam pelas mãos dos “jovenzinhos”.137 Após um exame mais
cuidadoso declarava-se, em 1847, “decepcionado”: eram excessivamente volumosas
ou demasiado breves, nem simples nem populares, sem cronologia; encontravam-se
“em quase todas” “várias maneiras de falar apropriadas para despertar conceitos menos
puros nas mentes delicadas e frágeis dos jovenzinhos”.138 Análogo, mas agravado, teria
sido o juízo nos anos 70: “Faltava-lhes simplicidade, traziam episódios inoportunos,
perguntas longas e fora de propósito. Além disso, muitos fatos eram expostos de tal
forma que punham em perigo a inocência dos meninos. Mais, todos eles se preocu-
pavam bem pouco em ressaltar os pontos que devem servir de fundamento para as
verdades da fé. Diga-se o mesmo dos fatos que se referem ao culto externo, ao purga-
tório, à confissão, à eucaristia e semelhantes”.139
De fato, História sagrada, mais que História eclesiástica, é modelo daquela cate-
quese narrativa pela qual Dom Bosco sempre teve predileção em sua ação direta entre
os jovens. Viu-se que algumas de suas preocupações fundamentais ao escrever histó-
rias religiosas foram recebidas e compartilhadas pelos recenseadores e que ele reagiu
prontamente acolhendo algumas sugestões vindas da pedagogia piemontesa represen-
tada pelo Educatore primario. Viu-se ainda que, segundo seu parecer, a finalidade da
história sagrada devia ser catequética e moral: iluminar a inteligência e incentivar à vida
idônea.140 Entretanto, já foram individuadas e ilustradas as temáticas gerais e as idéias
catequéticas que brotavam do seu diligente trabalho, da base adequada de uma espiri-
tualidade juvenil inserida na história:141 a imagem de Deus pai, que protege seus filhos
inocentes, preserva da fome e da morte, perdoa quem se arrepende; mas também do juiz
justo dos culpados renitentes: “Se fordes sempre fiéis a ele, ele vos abençoará; se trans-
gredirdes sua lei, grandes males cairão sobre vós”;142 “o Senhor protege os inocentes e,
137 G. Bosco, Storia ecclesiastica… p. 7-8; OE I 165-166 (Prefazione).
138 G. Bosco, Storia sacra…, p. 5-6; OE III 5-6 (Prefazione).
139 MO (1991) 166-167.
140 Cf. § 2.3.
141Análise feita cuidadosamente por N. Cerrato, La catechesi di Don Bosco nella sua “Storia
sacra”. Roma, LAS, 1979, em particular p. 201-247, 291-328.
142 G. Bosco, Storia sacra…, p. 63; OE II 163.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 227
na vida presente ou futura, faz a iniqüidade resultar em dano para quem a comete”.143
O maior sinal da proximidade misericordiosa ao homem é certamente a “promessa do
Salvador” que percorre – promessa anunciada, renovada, confirmada – todo o Antigo
Testamento, chegando ao vértice em Isaias, “o profeta que, mais do que todos, falou
do futuro Messias, e com tanta clareza que, ao ler os seus escritos, parece ler a vida de
Jesus Cristo exposta no Santo Evangelho”.144 A fidelidade a Deus exprime-se na obser-
vância dos preceitos divinos e na prática das virtudes, particularmente da religião ou
piedade, da castidade, da laboriosidade, do amor e do serviço dos irmãos.
Também na História sagrada estava presente o traço que se une à História ecle-
siástica e, inevitavelmente, aos escritos sucessivos: o extraordinário e o miraculoso.
Segundo Dom Bosco, está acima das razões que nos fazem ter como inspirados “os
escritores da Bíblia”: “os milagres especialmente realizados pelos profetas” e “as profe-
cias a respeito da vinda de J. C.; e muitos outros acontecimentos que se realizaram
perfeitamente”.145 Em Caná, nosso salvador “deu início à pregação com os milagres”.146
Depois de ter tratado dos ensinamentos e das parábolas, iniciando o capítulo sobre
os milagres, o autor precisa: “As coisas que referimos até agora do nosso Salvador
far-nos-ão conhecê-lo como homem. Os milagres, depois, o manifestam como Deus;
por isso, o milagre, sendo um efeito que supera toda força criada, não pode vir senão de
Deus, que, único, é incriado e senhor de todas as coisas”.147
Esse é motivo recorrente nos escritos sucessivos, tanto em relação a Cristo como à
Igreja, da qual são indissociáveis santidade e milagres. A Igreja “é santa pela santidade
do seu chefe e fundador, que é Jesus Cristo (...); muitos santos com milagres luminosos
ilustraram-na em todos os tempos”.148 Ao contrário, “não se pode citar um Santo, nem
um milagre em todas as vidas dos heréticos, incrédulos, apóstatas”.149 O decênio 1850-
1859 será ainda enriquecido nessa direção, superado pelos sucessivos, quando o extra-
ordinário invadir com crescente vigor não só a ação catequética e educativa de Dom
Bosco, mas também a ação animadora, como fundador, dos candidatos à vida religiosa
salesiana.
O jovem instruído (1847) ilustrava com intencionalidade manifesta os conteúdos e
métodos propostos aos jovens, para que pudessem viver em plenitude a própria vocação
cristã. Mais vistosamente, era um livro de práticas de piedade idôneas a ajudá-los a
143 G. Bosco, Storia sacra…, p. 114; OE III 114.
144 G. Bosco Storia sacra…, p. 114; OE III 114.
145 G. Bosco, Storia sacra…, p. 12; OE III 12. O mesmo se diz de Jesus Cristo e dos apóstolos na
Maniera facile di imparare la storia sacra de 1855 (p. 47-48, 62); OE VI 95-96, 110.
146 G. Bosco, Storia sacra…, p. 166-167; OE III 166-167.
147 G. Bosco, Storia sacra…, p. 179 180; OE III 179-180. Sobre os milagres do Ressuscitado, cf.
p. 200; OE III 200.
148 [G. Bosco], La Chiesa Cattolica Apostolica Romana è la sola vera Chiesa di Gesù Cristo:
avvisi ai cattolici. Turim, Tip. Speirani e Ferrero, 1850, p. 11, OE IV 131.
149 [G. Bosco], Avvisi ai cattolici. Turim, Tip. dir. da P. De Agostini, 1853, p. 15; OE IV 177.

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228 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
cultivar a religiosidade e a virtude: funções sagradas, orações, meditações, leituras
espirituais, devoções. De fato, Dom Bosco apresentava-o, já nas primeiras linhas do
proêmio À juventude, como “método cristão de vida”, destinado, em harmonia com
o título, a indicar caminhos e modos para a prática de Seus Deveres, dos exercícios
de piedade cristã, para a récita do ofício da Bem-aventurada Virgem e das principais
Vésperas do ano com o acréscimo de uma seleção de cantos sacros etc.150
Esse livro pode ser considerado a partir de três aspectos: quanto ao conteúdo, quanto
à formalidade e quanto ao contexto. Em relação aos conteúdos, ele se ligava à tradição
secular da piedade cristã,151 vivida no mundo em que Dom Bosco cresceu e trabalhava,
apoiada nas bases da Oração, Sacramentos e Observâncias religiosas.152
A primeira parte traz uma série de reflexões sobre Deus e sua relação com a juven-
tude, os deveres do cristão, meditações para cada dia da semana sobre as verdades
eternas, os seis domingos em honra de são Luís Gonzaga. A segunda e a terceira partes,
com a seção conclusiva dedicada aos cantos sacros, espelham o indicado no título.
É um mundo espiritual dominado pela idéia da salvação e dos modos de realizá-la com
responsabilidade e temor. É central o tema da fuga para salvaguardar a virtude, sobre-
tudo a pureza: fuga do ócio, dos maus companheiros, das más conversas, do escândalo.
São as cautelas salvíficas que Dom Bosco assimilara do catecismo e do sucessivo estudo
da teologia moral de Antonio Alasia e de santo Afonso Maria de Ligório. As meditações
tinham por objeto principal os novíssimos, as verdades eternas, que os jovens foram e
eram ainda convidados a contemplar na vida inocente e austera de são Luís Gonzaga.
Em sua formalidade ou especificidade, o manual baseia-se em teses capitais, contra-
postas a dois “enganos” diabólicos, densamente sublinhados no discurso preliminar,
À juventude. Como confutação das astúcias do demônio, que tenta o jovem ao rela-
cionar religião e tristeza, juventude e desleixo, Dom Bosco procura demonstrar aos
jovens leitores que existe, ao contrário, perfeita congruência entre religião e alegria, e
que a juventude pode e deve ser uma idade responsável e construtiva. Não só a morte
pode vir a qualquer momento, mas, sobretudo uma juventude despreocupada, incons-
ciente e ociosa poderia, depois de uma vida dissipada e insatisfatória, comprometer
irremediavelmente a salvação eterna. De qualquer modo, sendo a juventude a pedra de
toque de toda a existência terrena, não pode existir uma autêntica idade adulta ou avan-
çada se não for preparada e construída por sérios compromissos de vida, assumidos
desde os primeiros anos. Disso evidenciam-se ou apenas acenam-se a “horizontes de
espiritualidade juvenil” significativos: as “relações especiais dos jovens com Deus”
150 G. Bosco, Il giovane provveduto…, 352 p.; OE II 183-532.
151 Cf. P. Stella, Valori spirituali nel “Giovane provveduto” di san Giovanni Bosco. Roma, PAS,
1960. Cap. I: Letteratura ascetica per la gioventù in Piemonte, p. 21-45; Cap. II: Le fonti del
giovane provveduto, p. 46-79.
152 É o título do cap. XII do segundo volume de P. Stella, Don Bosco nella storia della
religiosità cattolica. Vol. II: Mentalità religiosa e spiritualità. Turim, LAS, 1981 (1a ed.
1969), p. 275-357.

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 229
e a tensão à santidade; e a gama de virtudes específicas, como o temor e o amor de
Deus, a obediência, a pureza, o uso dos meios disponíveis. São estes a instrução cate-
quética, as práticas de piedade, as devoções, o trabalho, a diversão, o canto, o exemplo, a
escolha do estado e o “espírito de família”.153 Numa pedagogia existencial e preventiva,
os conselhos, as admoestações, os apelos à vigilância encontram expressão privilegiada
na abundante dispensação da “palavra de Deus”. “Nutrimento e alimento da alma”, ela
é freqüentemente narração bíblica, história sagrada e eclesiástica; mais freqüentemente,
porém, é identificada nas três formas clássicas: “Pregações, explicações do Evangelho
e catequese”, e outras análogas.154 Esse rico potencial de meios redundaria nos frutos
da paz da alma, da felicidade do coração, da satisfação de uma consciência reconciliada
consigo mesma, com Deus e com o próximo.155
Não era, porém, o livro de piedade que, sozinho, podia legitimar as duas teses
básicas do proêmio e garantir o cumprimento das finalidades da vida propostas aos
jovens: “Ser a consolação dos vossos pais, a honra da pátria, bons cidadãos na terra,
para ser, um dia, afortunados habitantes do céu”.156 O jovem instruído podia ser consi-
derado um “método de vida”, porque a experiência religiosa proposta por ele estava
relacionada com o sistema e estilo de vida no qual os jovens estavam imersos no coti-
diano do Oratório e em outras instituições educativas católicas semelhantes, escolas e
colégios. É bastante plausível, com efeito, que ele espelhe o sistema de piedade vivido
nas instituições complexas, mais do que no oratório festivo: um livro que, com toda
probabilidade, poucos jovens dos oratórios turinenses lessem do começo ao fim.157 Em
sua comunidade cristã, os que não tinham família encontravam as doçuras de uma casa,
a segurança da paternidade e da fraternidade na pessoa do diretor e dos educadores, a
alegria da amizade, as perspectivas de inserção significativa na sociedade, com cultura e
capacidade de trabalho digno e lucrativo. Ao mesmo tempo, o estilo geral de alegria era
garantido por infinitas manifestações que o gênio educativo sabia inventar: jogo, teatro,
excursões, música, canto. Por isso, Dom Bosco especificava o “programa de vida” em
alegria, estudo e piedade. Esse é o sistema praticado, substancialmente sem alterações,
nos decênios sucessivos nas instituições dirigidas e animadas por Dom Bosco, e por ele
confirmado em opúsculos e biografias dos anos 50 e 60. Seria errado acreditar que se
possa encontrar apenas no livro a totalidade da experiência ou um quadro exaustivo de
153 Cf. P. Stella, Valori spirituali nel “Giovane provveduto”…, p. 80-126.
154 Cf. G. Bosco, Il giovane provveduto, p. 18-19; OE II 198-199: Cose necessarie ad un
figliuolo per diventar virtuoso, art. 6° Lettura e parola d’Iddio; Regulamento da companhia da
Imaculada, art. 12, in: G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico allievo dell’Oratorio di
San Francesco di Sales... Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1859, p. 79; OE XI 229.
155 Cf. P. Stella, Valori spirituali nel “Giovane provveduto”…, p. 90-99.
156 G. Bosco, Il giovane provveduto. [p. 5]; OE XI 187.
157 Cf. F. Desramaut, “All’ascolto di don Bosco nel 1867”, in: C. Semeraro (ed.), Religiosità
popolare a misura dei giovani. “Colloqui salesiani” 13. Leumann (Turim), LDC, 1987, p. 103.

23.10 Page 230

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230 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
espiritualidade juvenil. Quanto ao uso de O jovem instruído, é provável que as medi-
tações colocadas na primeira parte fossem propostas à reflexão dos alunos dos colé-
gios e dos internatos, com a leitura de algum trecho ao final da missa cotidiana. Foi a
praxe seguida por muitos colégios ainda na primeira metade do século XX. Em relação
às orações da manhã e da noite e às que acompanhavam a celebração da missa, era
mais difundido o costume de ater-se a fórmulas propostas pelos catecismos diocesanos.
É bem provável que isso acontecesse ainda mais para os que freqüentavam o oratório
festivo.
Outro livro revelador das preferências espirituais de Dom Bosco é O cristão guiado
à virtude e à civilidade segundo o espírito de são Vicente de Paulo.158 Destinado aos
fiéis de todas as idades, falava de um padre, e Dom Bosco se espelhava nele, confir-
mando as intuições sobre a missão do “homo Dei” entre o povo e os jovens que o
tinham orientado na seleção do material para a História eclesiástica: sobretudo histó-
rias de santos, em larga medida eclesiásticos e religiosos, com presenças significativas
de leigos, e história de santos da caridade.
No livro, retocado intencionalmente por ele em relação ao trabalho originário
do padre Ansart, que em grande parte é ali reproduzido,159 emergem os dois traços do
padre, onipresente em sua biografia e em suas propostas. O padre é homem de Deus,
do sagrado, do desapego, ornado das virtudes clássicas do eclesiástico exemplar; e é, ao
mesmo tempo, homem do homem, da caridade, da partilha tanto nas atitudes fundamen-
tais como nas metodologias de ação. São Vicente de Paulo, “tirado por Deus das preocu-
pações do rebanho paterno para realizar grandes coisas, correspondeu maravilhosamente
a isso. Animado de verdadeiro espírito de caridade, não houve qualquer calamidade a
que ele não acudisse: fiéis oprimidos pela escravidão dos turcos, crianças abandonadas,
jovens desregrados, meninas em perigo, religiosas desamparadas, mulheres decaídas,
forçados, peregrinos, enfermos, artesãos inábeis ao trabalho, dementes e mendigos,
todos experimentaram os efeitos da caridade paterna de Vicente”. À sua imagem foram
reunidos em sociedade de vida comum os Padres da Missão e instituída a Congregação
das Filhas da Caridade, “que tem por finalidade primeira a assistência dos doentes nos
hospitais”. Padre “realmente admirável, transparente, por milagres e virtudes, espelho
luminoso da Igreja, esplendor da França, sustento das missões estrangeiras”.160
Não eram diversos nas intenções apostólicas e no zelo os colegas, com os quais
Dom Bosco colaborara nas prisões e nas catequeses no Colégio Eclesiástico e que
tivera como colaboradores nos oratórios. Animava-os também o espírito evangélico
158 Cf. Il cristiano guidato alla virtù ed alla civiltà secondo lo spirito di san Vincenzo de’ Paoli:
opera che può servire a consacrare il mese di luglio in onore del medesimo santo. Turim, Tip.
Paravia e comp., 1848, 288 p.; OE III 215-502.
159 Cf. D. Malfat - J. Scheppens, “Il cristiano guidato alla virtù ed alla civiltà secondo lo spirito
di San Vincenzo de’Paoli”, RSS 15 (1996), p. 273-316.
160 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 328-329; I 486-487.

24 Pages 231-240

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24.1 Page 231

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Cap. VII: A revelação de dom bosco educador (1846-1850) 231
que se fez sensível em Turim pelas figuras de são Filipe Néri, são Francisco de Sales
e são Vicente de Paulo. O livro confirmava, sobretudo, o que pairava a respeito de são
Vicente de Paulo sobre o mundo religioso subalpino. Ali atuavam seis comunidades
das Filhas da Caridade, dedicadas ao serviço dos pobres, doentes e soldados inter-
nados nos hospitais militares. Em Turim, o centro de espiritualidade sacerdotal era a
Casa dos Padres da Missão, com a destacada personalidade do beato Marco Antonio
Durando (1801-1880), fundador das Irmãs de Jesus Nazareno. São José Bento
Cottolengo instituíra na Pequena Casa da Divina Providência as Irmãs Vicentinas
para a assistência dos doentes161 e, em dezembro de 1833, fundara a Congregação
dos Irmãos de São Vicente cuja finalidade era preparar professores para as escolas
primárias da Pequena Casa e das cidades mais pobres.162
161 Cf. M. Marcocchi, “Alle radici della spiritualità di don Bosco”, in: Don Bosco nella storia,
p. 168-170; E. Valentini, “Due santi simili: Don Bosco e San Vincenzo de’ Paoli”, Palestra
del clero 57 (1978), p. 1474-1497.
162 Cf. E. Pomatto, “La fondazione dei Fratelli di San Vincenzo…”, Rivista Lasalliana 59 (1992),
p. 112-135.

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24.3 Page 233

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Capítulo VIII
AGENTE RELIGIOSO E SOCIAL
NO QUINQÜÊNIO (1849-1854)
1849
1850
1851
1852
1853
1854
início da Sociedade de Mútuo Socorro
virada apologética nos escritos de Dom Bosco
novembro-dezembro: pregador em Milão
início da ampliação do Oratório
20 de julho: colocação da pedra fundamental da igreja de São Francisco de Sales
dezembro: lançamento da primeira loteria pública
31 de março: Dom Bosco diretor-chefe dos oratórios turinenses
20 de junho: bênção solene da igreja de São Francisco de Sales
março: início das Leituras Católicas
primeiras atividades artesanais na “casa anexa” (1853-1862)
verão: a cólera em Turim
Dom Bosco é um provinciano proveniente do mundo rural. Podia ter passado inob-
servado, e até sua obra poderia reduzir-se a um evento de bairro ou, no máximo, da
cidade. Entretanto, as modalidades e o estilo da iniciativa oratoriana, chegada num
momento oportuno entre o antigo e o novo regime, a audácia do promotor e as condi-
ções favoráveis garantiam-lhe rápida instalação e repercussão surpreendente. Isso acon-
teceu em medida maior no segundo decênio.
Turim, pela condição econômica e social, pela tradição religiosa e cultural, a começar
de suas camadas superiores, estava aberta tanto à caridade oficial quanto à beneficência
privada. Eram expressões disso as antigas e novas instituições assistenciais, de que ia se
tornando símbolo a Pequena Casa da Divina Providência, fundada nos inícios de 1829,
pelo cônego Giuseppe Benedetto Cottolengo (1786-1842), reconhecida pelo rei Carlos
Alberto em 1833, e que, em 1850, hospedava mil e trezentas pessoas.
Capital de província e, ao mesmo tempo, do reino, a cidade bem organizada e reco-
lhida permitia a Dom Bosco contatos pessoais com todas as categorias de pessoas, da
casa real e da corte à aristocracia, dos ministros aos deputados e senadores do Reino
sardo, das autoridades provinciais à administração municipal, do arcebispo ao clero alto,
médio, baixo. E chegava até as camadas dos comerciantes, artesãos, do povo simples.
Isso tudo haveria de proporcionar-lhe relações intensas em todos os níveis, também
no Reino da Itália, quando se constituía como prolongamento natural do Reino sardo

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234 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
sob a égide da monarquia sabauda, e Florença e Roma tornavam-se sucessivamente
capital. Audacioso, era-lhe fácil implantar e manter as instituições desejadas, ampliar
os envolvimentos e consensos, apesar de alguma restrição momentânea e, sobretudo
dar repercussão sempre mais vasta às iniciativas, do ambiente de bairro à cidade, à
região e além.
1. Um decênio explosivo da vida de Dom Bosco
Coadjuvado por eclesiásticos e leigos entregues a colaboração zelosa nos oratórios,
Dom Bosco tornava-se de maneira crescente seu primeiro responsável, único segura-
mente no Oratório de São Francisco de Sales. Era um primado de responsabilidade e
de prestígio reconhecido pela opinião pública em vários níveis. Seria essa qualidade
e superioridade distintas, ou outra coisa, a ambição de que era tachado por alguém?
Ele mesmo se sentia obrigado a defender-se na lúcida Introdução ao Plano de
Regulamento do Oratório masculino de São Francisco de Sales em Turim na região
de Valdocco. Referindo-se à redação do Regulamento, fazia dois esclarecimentos:
“Comecei várias vezes, e sempre desisti devido às inumeráveis dificuldades que se
deviam superar”; “se alguém, talvez, encontrar expressões que pareçam demonstrar que
eu ando à procura de glória e honra, não creia nisso”.1
São Leonardo Murialdo não lera, certamente, essas linhas e outras que a seguiam,
então inéditas, quando depunha com certa reserva no Processo Informativo: “Ouvi
alguns do clero que interpretavam pouco benignamente a abertura desses Oratórios de
Dom Bosco, porque os consideravam uma obra em que ele procurava realizar a própria
ambição; a mim, porém, jamais resultou que fosse essa sua intenção, e sempre admirei
o feliz e benéfico sucesso de sua obra”.2
E por que não podia ser efeito da fé atuante de um sacerdote capaz de reagir
aos incontroláveis impulsos da vocação tenazmente perseguida? Ele concluía a
Introdução com a profissão de acalorado fervor caritativo: “Quando me entreguei a esse
setor do ministério sagrado, pretendi consagrar todos os meus esforços para a maior
glória de Deus e vantagem das almas, pretendi ocupar-me para fazer bons cida-
dãos nesta terra, a fim de que fossem depois um dia dignos habitantes do céu. Deus
ajude-me a poder continuar assim até o último respiro da minha vida. Assim seja”.3
A mesma intenção levara-o a apresentar aos jovens O jovem instruído como “um
método breve e fácil de viver”: “Posso garantir-vos – dizia-lhes à conclusão do Prefácio –:
1 [G. Bosco], Introduzione al Piano di Regolamento per l’Oratorio maschile di San Francesco
di Sales in Torino nella regione Valdocco, in: P. Braido, “Don Bosco per la gioventù povera e
abbandonata in due inediti del 1854 e del 1862”, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 37.
2 Copia Publica Transumpti Processus… fol. 1046r, testemunho de 20 de fevereiro de 1893.
3 [G. Bosco], Introduzione al Piano di Regolamento… in: Don Bosco nella Chiesa, p. 38.

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 235
encontrareis livros propostos por pessoas muito mais virtuosas e doutas do que eu, mas
dificilmente encontrareis alguém que mais do que eu vos ame em Jesus Cristo, e mais
deseje vossa verdadeira felicidade”.4
Dom Bosco estava acostumado à paciência campesina. Podia sonhar projetos
mesmo grandiosos, mas sabia que não eram realizáveis a não ser aos poucos, segundo as
reais disponibilidades de meios e de pessoas. Ao mesmo tempo, porém, para alcançar as
finalidades imaginadas, homem apaixonado e dinâmico que era, manifestava imediata-
mente uma arte quase conatural de suscitar consensos, de criar opinião pública e atrair
a beneficência, particular e social. “A arte de envolver”, da propaganda, da publicidade
haveria de acompanhá-lo pela vida inteira, distinguindo-o de outros empreendedores
do bem. É uma qualidade felizmente sublinhada. Dom Bosco tendia a dramatizar as
situações, indicando, depois, a solução em intervenções excepcionais. Na realidade, ele
conseguia atrair às suas iniciativas um grande número de pessoas, conseguindo delas
a mais compacta solidariedade. O método era posto em prática de forma exemplar, no
caso das loterias, em todas as fases: criação de uma comissão, busca dos promotores
e promotoras, apelo aos doadores de objetos, individuação dos coletores; e, a seguir,
venda dos bilhetes, adiamento da extração, sorteio; enfim, anúncio dos vencedores e,
quem sabe, a ativação de uma nova loteria menor, com o prêmio principal... vencido
pelo próprio organizador.5
Em geral, qualquer que fosse o motivo imediato da solicitação de ajuda, surgia
sempre em primeiro plano o mais idôneo a tocar a sensibilidade e o bolso: os jovens
“pobres e abandonados”, “ociosos e inconseqüentes”,6 “em perigo e perigosos”.7
Justamente o uso dessa terminologia na circular de 20 de dezembro de 1851 susci-
tava protestos entre alguns que não queriam deixar-se identificar com os desajuizados
e a tinham visto como ofensiva. Giuseppe Brosio, oratoriano daquele tempo, referia-se
a isso no citado relatório, garantindo ter participado de uma animada assembléia dos
que protestaram e ter proposto a Dom Bosco “uma respeitosa e simples lamentação
[retificação]”. “A borrasca [sic] que ameaçava formar-se aquietou-se aos poucos”.8 Na
verdade, ocorriam na circular de 20 de dezembro afirmações muito fortes, próprias para
suscitar emoções e apreensões nos potenciais benfeitores. Ela visava a obter objetos e
donativos para uma loteria destinada ao financiamento das ampliações do Oratório de
São Francisco de Sales e da construção em andamento da igreja anexa.9 Os “promo-
tores e promotoras” apresentam na abertura informações sobre o surgimento, as fina-
lidades, os destinatários do Oratório: uma “obra de beneficência” – diziam –, “voltada
4 G. Bosco, Il giovane provveduto…, [p. 5] e [7]; OE VII 5 e 7.
5 Cf. G. Bracco, “Don Bosco e la società civile”, in: Don Bosco nella storia, p. 234-235.
6 Circular de 20 de dezembro de 1851; Em I 139.
7 Ao conde Clemente Solaro della Margherita, 5 de janeiro de 1854; Em I 212.
8 G. Brosio, Relazione, quad. II 1-4; FdB 555 C7-10.
9 Cf. § 5.

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236 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
unicamente ao bem intelectual e moral daquela parte de juventude que, por incúria dos
pais, familiaridade com amigos perversos ou falta de meios, encontra-se exposta ao
perigo constante de corrupção”. Mais precisamente, eram duas as categorias de jovens
acolhidos: primeiramente os “jovens ociosos e inconseqüentes que viviam de esmola ou
de fraude pelas ruas e praças e são de peso à sociedade e freqüentemente instrumento
de todo delito”; segundo, os que se dedicavam “ao exercício das artes e atividades cita-
dinas” e “nos dias festivos” iam “consumindo no jogo e nas intemperanças o pouco de
dinheiro ganho durante a semana”.
A abertura do Oratório encontrara extraordinário sentimento de prazer por parte dos
jovens, por tudo que lhes era oferecido: possibilidade de satisfazer aos deveres religiosos
cristãos, “educação moral e cívica”, “diversões variadas que serviam para desenvolver
as forças físicas e recriar honestamente o espírito”. Além disso tinha a possibilidade de
crescimento cultural, graças aos ensinamentos básicos dados nas escolas dominicais
e, no inverno, também noturnas: “leitura, escrita, elementos de aritmética e da língua
italiana”, “uso das unidades oficiais de medidas”. A educação religiosa, moral e cívica
inspirava-se nos cânones tradicionais: “Instilar em seus corações o afeto pelos pais, a
benevolência fraterna, o respeito às autoridades, o reconhecimento aos benfeitores, o
amor ao trabalho e, acima de qualquer outra coisa, instruir suas mentes nas doutrinas
católicas e morais, afastá-los do mau caminho, infundir neles o santo temor de Deus e
habituá-los, com o tempo, à observância dos preceitos religiosos”.10
2. Consolidação e ampliação do Oratório de São Francisco de Sales
Dom Bosco acrescentava novo tijolo à construção do seu edifício assistencial-edu-
cativo com a instituição no Oratório, para os externos, de uma modesta Sociedade de
Mútuo Socorro: “Em primeiro de junho teve início a Sociedade de mútuo socorro, da
qual se vejam os estatutos no livro impresso”.11 A Sociedade começara em 1849; por
junho de 1850 era impresso o regulamento, com uma Advertência assinada por Dom
Bosco.12 O art. 18 e último estabelecia: “O presente regulamento entrará em vigor em
primeiro de julho de 1850”. Dom Bosco sentira a exigência de estar presente no mundo
dos trabalhadores da indústria e do artesanato, entre o quais, como se viu, iam-se difun-
dindo sociedades operárias de tendência liberal ou democrática.13
10 Circular de 20 de dezembro de 1851; Em I 139-140; cf. o mesmo texto publicado novamente
no opúsculo Catalogo degli oggetti offerti per la lotteria a beneficio dell’oratorio maschile di
San Francesco di Sales in Valdocco. Turim, Tip. dir. da P. De-Agostini, 1852, p. V-VII; OE IV
149-151.
11 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 57; MO (1991) 212.
12 [G. Bosco], Società di mutuo soccorso di alcuni individui della compagnia di San Luigi eretta
nell’Oratorio di San Francesco di Sales. Turim, Tip. Speirani e Ferrero, 1850, 8 p.; OE IV 83-90.
13 Cf. cap. 1, § 4.

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 237
Os cinco primeiros artigos do regulamento estabeleciam que “A finalidade desta
sociedade é prestar socorro aos companheiros que caírem doentes ou se encontrarem
carentes, porque privados involuntariamente do trabalho”. “Ninguém poderá ser admi-
tido na Sociedade se já não estiver inscrito na companhia de São Luís”. “Todo sócio
pagará um soldo [5 centavos] todos os domingos. O socorro para cada doente será de
50 centavos por dia até seu restabelecimento em perfeita saúde. Caso o enfermo venha
a ser internado em alguma Obra Pia, o socorro cessará, e só lhe será correspondido em
sua saída para o tempo da convalescença”. “Aqueles que, sem culpa própria, ficarem
privados de trabalho começarão a receber o socorro acima indicado oito dias depois de
seu desemprego”.14
Em todo caso, a preocupação principal de Dom Bosco era dar consistência e maiores
possibilidades de acolhida no Oratório de São Francisco de Sales, em sua dupla face
de internato e de oratório festivo. Era urgente um desenvolvimento edilício que permi-
tisse responder aos novos pedidos de internação. Em 1850 ele adquiria um terreno de
propriedade do seminário, situado ao sul da casa Pinardi, além da Rua Giordiniera.
Obtinha de dom Fransoni a autorização para aquisição numa audiência que lhe fora
concedida em 7 de março, na vila de Pianezza, onde residia desde 26 de fevereiro,
quando retornara do exílio suíço, à espera de aprovação para retornar a Turim. Dom
Bosco acenava a isso num bilhete ao reitor do seminário, informando-lhe ter encon-
trado o prelado “alegre e tranqüilíssimo”, como era, aliás, em seu caráter tenaz, nas
idéias e nos comportamentos.15
O contrato era estipulado em 20 de junho: pelos 3.800m2 de terreno com campo e
horta eram desembolsadas 7.500 liras. Em 19 de fevereiro de 1851, em co-propriedade
com padre Cafasso e os teólogos Borel e Roberto Murialdo, Dom Bosco adquiria a casa
e o barracão Pinardi com pátio, jardim e parte da horta, equivalente a 3.699m2 ao preço
de 28 mil liras.16 Como para os terrenos adjacentes à casa Moretta, também de quanto
adquirira entre 1850 e 1851, ele recuperava 16.835 liras com a venda, entre 1850 e
1854, de “pedaços da horta”, entre os quais um a Giovanni Battista Coriasco e outro a
Rosmini, e um “terreno possível de construir”.17
14 [G. Bosco], Società di mutuo soccorso…, p. 4-5; OE IV 86-87.
15 Cf. cartas ao cônego Alessandro Vogliotti, de 7 e 28 de março de 1850; Em I 98 e 100; sobre
as vicissitudes de Fransoni, cf. cap. 1, § 6.
16 Os terrenos e construções tinham como confinantes a leste e ao norte a casa e a horta
dos irmãos Filippi, ao sul a Rua da Giordiniera e a oeste a casa da senhora Bellezza.
Em 26 de janeiro de 1853, com 10 mil liras, Dom Bosco e padre Cafasso resgatavam
a propriedade Pinardi da co-propriedade dos teólogos Borel e Murialdo. À morte de
Cafasso, graças ao seu testamento, em 23 de junho de 1860, Dom Bosco tornava-se seu
único proprietário; cf. G. Bracco, “Don Bosco e le istituzioni”, in: G. Bracco (Ed.),
Torino e don Bosco, vol. I, p. 146-147.
17 Cf. ib., p. 145-146.

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238 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Estavam lançadas as bases para a construção, no biênio entre 1851 e 1852, da igreja
de São Francisco de Sales, situada ao lado da casa Pinardi, com a fachada voltada
para o sul. Um desabamento bloqueava só por breve tempo, em 1852, a construção
de um prolongamento a leste da casa Pinardi com braço paralelo à igreja. Nele, Dom
Bosco estabeleceria também seu escritório. O novo edifício já estava disponível em
outubro de 1853, levando ao primeiro salto no número dos hóspedes da “casa anexa”,
que chegaram a várias dezenas.
3. Pregador em Milão, hóspede do Oratório de São Luís
É de fins de 1850 a primeira viagem de Dom Bosco ao exterior, com passaporte
regular. Tem-se dela uma primeira informação sobre sua estatura, 38 onças, correspon-
dentes a 1,63m, não excessivamente baixa em relação à altura média dos italianos de
meados do século XIX.18 Fora convidado a pregar a Missão para aquisição do jubileu
na paróquia de São Simpliciano, de Milão, a mais populosa da cidade, e no Oratório de
São Luís, o mais florescente da metrópole lombarda. Ali chegava em 29 de novembro
de 1850, e a pregação se prolongava por dezoito dias. Era hóspede do padre Serafino
Allievi (1819-1891), de 32 anos, assistente do oratório fundado pelo munífico conde
Giacomo Mellerio, amigo de Rosmini, e iniciado na rua Santa Cristina, em 12 de maio
de1844. Colaborava com o assistente padre Biagio Verri, que estivera em Valdocco no
ano anterior e, em 1857, ali retornava para pedir conselhos a Dom Bosco sobre outro
encaminhamento de vida. Saía com a decisão tomada de cooperar com o genovês padre
Nicolò Olivieri na Pia Obra do Resgate das Meninas Negras da África. Com eles teria
entrado em relação mais adiante padre Daniele Comboni. Este, a partir de1864, encon-
traria Dom Bosco várias vezes, colocando-o a par de seus planos de evangelização.19
Segundo o que se transmitiu, a missão feita pelo corajoso sabaudo foi eficaz.
O sermão na paróquia sobre o juízo foi de tipo tradicional, e pretendia incutir temor
salutar e levar à conversão. Aos jovens do Oratório de São Luís pregava um tríduo,
com meditação pela manhã e à noite e a conclusão para as lembranças. Temos anota-
ções rápidas ou esquemas de tudo, concentrados em quatro páginas. O preâmbulo da
primeira pregação repassava as narrações ou sonhos sobre o perigoso caminho para
a eternidade. Seguiam-se os temas caros a ele, desenvolvidos com a costumeira cadência.
18O beato Tomaso Reggio, bispo de Ventimiglia de 1877 a 1892, que tivera ocasião de se
encontrar várias vezes com Dom Bosco, visto que em sua diocese, como se dirá mais adiante,
estava situada a obra salesiana de Vallecrosia (cf. cap. 23, § 1.1), na oração fúnebre de 1° de
março de 1888, assim o recordava: “Pequeno ou não de estatura, seu aspecto recordava o
filho do camponês” (Nelle solenni eseguie di trigesima in suffragio del sacerdote D. Giovanni
Bosco... S. Pierdarena, Tip. e Libr. Salesiana, 1888, p. 23).
19 Cf. cap. 2, § 6.

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 239
Preciosidade da alma e obrigação de tudo orientar para sua salvação: “Em se perdendo
a alma, tudo está perdido”. O grande mal do escândalo diante de Deus, dos outros, de
si mesmo. A morte, incerta quanto ao tempo e ao lugar: “Ai de quem espera para se
converter”, “pode faltar o tempo, a boa vontade, a graça”. O orador também levava em
conta as possíveis objeções: “O pensamento da morte entristece”, “ainda somos jovens”,
“há tempo”. Para todas elas, a resposta era peremptória: “Os condenados queriam fazer
assim, entretanto gritam no inferno, oh! si daretur hora”. Enfim, o retiro era iluminado
pela meditação solar sobre o paraíso. Na pregação de conclusão, o orador dava conse-
lhos e receitas para ser santo, terminando com uma “Única lembrança: Preparação para
a morte todos os meses”.20
Não menos importante, porém, foram as ligações reais e virtuais que Dom Bosco
pôde estabelecer com os milaneses. No São Luís pôde conhecer o prefeito do oratório,
cavalheiro Giovanni Brambilla: anos depois, serão encontradas em suas cartas muitas
características de sua família. Conheceu também um futuro correspondente, Giuseppe
Guenzati, comerciante de tecidos, que operava no oratório com outro colega no comércio,
Giuseppe Pedraglio. Mais incisivo foi o encontro com padre Allievi, atraído, então e
mais adiante, pela idéia integrada de oratório atuada por Dom Bosco: não só lugar de
reunião festiva, mas também escola noturna, centro de difusão de livros de leitura,
exercícios espirituais anuais; como também, oratório ferial para estudantes a fim de
ajudar “no desempenho dos deveres escolares” e no surgimento e amadurecimento da
vocação eclesiástica; enfim, internato gratuito para estudantes. Allievi chegava igual-
mente à idéia de “uma congregação dos padres do oratório” dados à gestão estável dos
oratórios da cidade.21
Ao retornar de Milão, Dom Bosco trazia consigo, a não ser que já a tivesse antes
em mãos, cópia do regulamento do Oratório de São Luís, idêntico ao protótipo de São
Carlos. Acena-se mais adiante à sua indubitável dependência estrutural em relação ao
regulamento redigido por Dom Bosco. Menos realista é pensar numa dependência de
espírito e de método na condução do oratório. O de Dom Bosco nascera há vários anos,
de modo tão vital que acabou por germinar outros dois, em contextos e com destinatá-
rios, finalidades e modalidades de gestão sensivelmente diferentes.22 São abundantes os
documentos que demonstram essa capacidade de guia e animação, segundo um estilo
bem pessoal já bem configurado antes dos encontros milaneses.23
20 1° giorno degli Esercizi dettati nell’Oratorio di San Luigi in Milano 2 dicembre 1850; ASCA
2250211, FdB 79 A9-C12.
21 Cf. os seus Pensieri de 1863, um pró-memória apresentado a don Carlo Caccia Dominioni
(1802-1867), bispo auxiliar (1855-1867), em G. Barzaghi, Tre secoli di storia e pastorale
degli Oratori milanesi. Turim-Leuman, Elle Di Ci, 1985, p. 236-238.
22 Cf. cap. 10, § 2.
23 É claro o dissenso sobre não poucos pontos de vista; cf. G. Barzaghi, Tre secoli di storia e
pastorale degli Oratori milanesi, p. 257-273; Id, “Il significato storico della presenza salesiana
nella diocesi di Milano”, Scuola Cattolica 125 (1997), p. 307-336.

24.10 Page 240

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240 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
4. Dom Bosco reconhecido diretor-chefe dos oratórios (31 de março de 1852)
Ao mesmo tempo em que na região periférica de Valdocco negociava aquisições e
vendas, Dom Bosco tinha que enfrentar certa dissidência quanto à sua responsabilidade
primeira na gestão dos três oratórios. Seu nome, com efeito, encontrava-se freqüente-
mente entrelaçado com o de assíduos colaboradores. No já citado pedido de subsídios
à Obra da Mendicância Instruída, de 20 de fevereiro de 1850, ele subscrevia a súplica
“encontrando-se na direção destes três oratórios”, depois de ter indicado os nomes de
vários sacerdotes “dedicados de modo particular” a eles.24 Em outra carta, de fevereiro
de 1851, implorava ao pontífice indulgências para os jovens “o Sacerdote Giovanni
Battista Bosco com seus companheiros Sacerdotes adidos aos Oratórios para os arte-
sãos da cidade de Turim”.25 Em julho de 1851, pediam ao arcebispo Fransoni “a facul-
dade de benzer a pedra” fundamental da igreja de São Francisco de Sales “o sacerdote
Giovanni Bosco e demais eclesiásticos encarregados dos Oratórios para os jovens”.26
Dom Bosco, sem dúvida, era conhecido por todos como único e exclusivo respon-
sável do Oratório de São Francisco de Sales, mas entre os colaboradores havia quem
estivesse provavelmente persuadido de ser ao menos co-responsável na gestão dos
outros dois. De qualquer modo, em 1851, manifestaram-se entre eles alguns descon-
tentamentos e inquietações, com alguma divergência também em relação ao método
de ação.27 O próprio são Leonardo Murialdo, no fim da vida, escrevia a seu irmão
sobre incompatibilidades entre o teólogo Roberto, seu primo, e Dom Bosco: “O Senhor
serve-se dos homens para beneficiar os homens, e serve-se dos homens também para
crucificá-los, e assim santificá-los. Queres um exemplo disso? Dom Bosco e meu primo
Teólogo Roberto Murialdo eram dois santos: pois bem, um era a cruz do outro. Dom
Bosco estava descontente com o modo de agir de Roberto no Oratório do Anjo da
Guarda, e, portanto, Roberto era a cruz para Dom Bosco; vice-versa, Dom Bosco era
cruz para Roberto com a demonstração de descontentamento com ele”.28 Mais rele-
vantes foram as impaciências do encarregado do Oratório de São Luís, padre Pietro
Ponte, e de seus colaboradores. Censuravam a Dom Bosco a excessiva autonomia no
agir, a disparidade na repartição dos recursos financeiros e dos equipamentos, a falta
de reciprocidade entre os três centros juvenis. De resto, não havia dúvida de que Dom
Bosco, embora mantendo a direção geral dos três oratórios, concentrava maior empenho
24 Em I 96-97.
25 Em I 124.
26 Em I 131.
27 Os fatos são evocados nos capítulos XXVII e XXXII-XXXIII das MB IV 309-317 e 366-386,
com a provisão de documentos do tempo, entre os quais a citada Relazione de Giuseppe
Brosio cad. II 1-4; FdB 555 C7-10.
28 Carta a Vincenzo Blotto, de 3 de dezembro de 1895, in: Leonardo Murialdo, Epistolario,
editado por A. Marengo. Vol. V Roma, Libreria Editrice Murialdana, 1973, p. 54.

25 Pages 241-250

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25.1 Page 241

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 241
no de São Francisco de Sales; antes, aumentava espaços, fazia aquisições, previa cons-
truções, com interesse crescente – com e além do oratório festivo – pela “casa anexa”.
A região de Porta Nuova e o Oratório de São Luís haveriam de ser objeto de suas aten-
ções particulares nos anos 70, com sucessos relevantes nos primeiros anos 80: ampliação
do oratório e construção da igreja de São João Evangelista e do colégio anexo.
Teólogo Borel tomava a iniciativa de sanar os dissídios. Fazia-o com o espírito,
revelado logo no início de uma carta ao padre Pietro Ponte, que se encontrava em Roma
com a marquesa Barolo e Silvio Pellico. “O bem dos Oratórios – escrevia em 23 de
outubro de 1851 – é sempre uma preocupação minha. Assim como reconhecemos que
o melhor conselho é a união entre os membros, qualquer que seja o grau, porque dessa
forma teremos Deus conosco. Por isso estejamos todos de acordo, com a ajuda Divina,
para promover esta união tão desejada, quer estreitando-nos mais entre nós nesse espí-
rito, quer tirando do caminho tudo o que a ele se oponha”. Respondia-lhe padre Ponte,
em 4 de novembro: “A união que V. R. tanto deseja entre os diretores dos Oratórios
é o que forma o objeto principal dos meus votos, e aspiro de coração pelo momento
em que, dissipadas as divergências, todos concordes poderemos seguramente esperar
mais abundante ajuda do Senhor e maior merecimento para nossos esforços. Eu creio
que a origem da desunião, que até agora se deplora entre nós, provenha do fato de não
ter um chefe a quem dirigir-se e do grande silêncio que reina; e não sou eu o único a
deplorar essa coisa. Procure V. R. remediar a esses inconvenientes e será tirada a causa
da desunião”.29
O debate esclarecia o quanto a obra dos oratórios de Turim era uma missão que estava
a peito em muitos sacerdotes diocesanos, solidários com Dom Bosco na percepção da
problemática condição juvenil e disponíveis à adoção de meios comuns para ir a seu
encontro. Entretanto, a solidariedade autêntica não podia diminuir o papel de prota-
gonista de Dom Bosco e disso estavam conscientes os colaboradores mais próximos,
a começar de Borel. Há indicações interessantes a respeito, documentadas por cartas
dos primeiros anos 50. Ao escrever a Antonio Rosmini sobre a hipótese de um “novo
edifício” para o Oratório de Valdocco, Dom Bosco usava uma fórmula singular: “Já
foram abertos vários Oratórios semelhantes em Turim, dos quais em todo caso estou à
frente”.30 Um mês depois, tratando do mesmo assunto com o colaborador próximo de
Rosmini, padre Carlo Gilardi, mostrava como o desenvolvimento edilício do Oratório
de São Francisco de Sales estivesse entrelaçado com os interesses dos outros: “Ter um
subsídio material e espiritual para os Oratórios, que a providência Divina dispôs que
fossem abertos nos três principais lados da cidade”; “o governo e a cidade propensos
à instrução pública mostram-se favoráveis aos Oratórios, e já demonstraram muitas
vezes o desejo de criar escolas cotidianas nos três oratórios, ao que não posso aderir
29 As duas cartas são trazidas em MB IV 313-315, 316-317.
30 Carta de 11 de março de 1850; Em I 99.

25.2 Page 242

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242 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
por falta de professores”.31 Numa carta ao cardeal Antonelli, de 28 de agosto de 1850,
assinava: “Sac. João Bosco. Diretor dos Oratórios da cidade próximo ao Refúgio”,
anexando diversas súplicas ao papa em vista de favores espirituais em benefício da
“Congregação” identificada com cada um deles.32 Numa das súplicas qualificava-se
ainda como “Diretor dos Oratórios sob o título do Santo Anjo da Guarda, de São Luís
Gonzaga e de São Francisco de Sales, estabelecidos em Turim para instruir a juven-
tude abandonada na religião e na piedade”.33 O título do fascículo n. 4589 existente
no Arquivo Histórico da Cidade de Turim é: Grande Chancelaria “Bosco sacerdote
Giovanni diretor de três Oratórios”. Ali se encontra, entre outras coisas, uma carta,
com que, em julho de 1851, Dom Bosco pedia a Vitório Emanuel II um subsídio
para as despesas da gestão dos três oratórios, assinando-a: “O humilde suplicante P.
Giovanni Bosco Diretor dos acima ditos Oratórios”. De Dom Bosco posto “à frente de
três reuniões de jovenzinhos, colocando-as sob o estandarte da religião, chamando-as
Oratórios, como já são Filipe Neri”, escrevia ao rei também o titular do Economato,
cônego Ottavio Moreno, apoiando o pedido de um subsídio – propunha a relevante
soma de 10 mil liras – para a construção da igreja de São Francisco de Sales.34
Em fins de março de 1852, a pedido do teólogo Borel e dos “Sacerdotes promo-
tores dos oratórios dos jovens da cidade”, chegava a aprovação do arcebispo Fransoni.
O teólogo, colaborador da primeira hora, suplicara “respeitosamente” a dom Fransoni:
primeiro, que nomeasse para cada um dos três oratórios um “Diretor espiritual”,
propondo Dom Bosco para o de São Francisco de Sales, teólogo Borel para o de São
Luís e teólogo Roberto Murialdo para o oratório do Anjo da Guarda; em segundo lugar,
que fosse “conservada a subordinação deste último ao primeiro, como se tem prati-
cado até agora”.35 A resposta do arcebispo, desde sempre bem disposto para com Dom
Bosco e a sua obra, não tardava. O texto do decreto por ele emanado demonstrava
confiança incondicionada no padre dos oratórios: “Autorização ao Diretor-Chefe dos
Oratórios de São Francisco de Sales, do Anjo da Guarda e de São Luís em Turim, em
favor do Senhor P. Giovanni Bosco. (...) Congratulamo-nos convosco, Digno Sacerdote
de Deus, que soubestes estabelecer com industriosa caridade a jamais suficientemente
recomendável Congregação dos pobres jovens no público Oratório de São Francisco de
Sales, em Valdocco; julgamos acertado testemunhar-vos através das presentes a nossa
perfeita satisfação ao deputar-vos efetivamente Diretor-Chefe espiritual do Oratório de
São Francisco de Sales, ao qual desejamos estejam unidos e dependentes os de São Luís
Gonzaga e do Santo Anjo da Guarda, para que a obra iniciada com tão felizes auspí-
31 Carta de 15 de abril de 1850; Em I 101-102.
32 Em I 108.
33 A Pio IX, 28 de agosto de 1850; Em I 109.
34 Cf. A. Giraudo, “Sacra Real Maestà”… RSS 13 (1994), p. 275, 295, 308-309.
35Arquivo da Arquidiocese de Turim, Provvisioni semplici 1852, v. 1, p. 362; o texto está
transcrito em Em I 152, nota à linha 7.

25.3 Page 243

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 243
cios progrida e amplifique-se no vínculo da caridade para a verdadeira glória de Deus
e grande edificação do próximo, confirmando-vos todas as faculdades necessárias e
oportunas ao santo escopo (...). Dado em Turim no dia trinta e um de março do ano mil
oitocentos e cinqüenta e dois. Assinado: Filippo Ravina Vigário Geral e manualmente.
Sob Balladore Chanceler. Através de cópia conforme ao original. In fede Turim 12 de
maio de 1868. Teólogo Gaudi Pró-Chanceler”.36
5. Surge uma igreja “em favor da juventude abandonada”
Dom Bosco, financeiramente, partira do nada. Edifícios e terrenos não eram de
sua propriedade, mas alugados. Em Valdocco começara logo a adquirir e ampliar.
A primeira construção relevante, por dimensões e custos em dinheiro, foi a de uma
igreja dedicada, obviamente, a São Francisco de Sales: “Primeira – escrevia a Rosmini
– elevada no Piemonte em favor da juventude abandonada”.37 Diante da multidão de
oratorianos e do número crescente de hóspedes da “casa anexa”, de fato, já era insu-
ficiente a modesta capela criada no primitivo barracão Pinardi, inicialmente com 15
metros de comprimento e 6 de largura, e depois aumentada um pouco. Dom Bosco
informava rapidamente sobre isso no Aceno histórico: “A afluência dos jovens ao
Oratório de São Francisco de Sales é extraordinária, projeta-se uma nova igreja, e em
20 de julho [1851] o cavalheiro Cotta põe sua pedra fundamental e o cônego Moreno
benze-a, com imensa multidão de povo” e inflamado discurso do padre Barrera.38
A autorização para construir fora pedida em 12 de junho ao prefeito Giorgio Bellono.
Ao projeto anexava-se, assinado por Dom Bosco e pelo engenheiro Frederico Blachier,
um “Projeto de construção de uma igreja e ampliação das construções do internato para
a juventude em perigo a erguer-se em Valdocco, território desta cidade”. O conselho
edilício dava parecer favorável para o projeto em 24 de junho e o conselho comunal
aprovava-o em 30 de junho. Em 25 de junho, também o rei manifestava sua satisfação.39
A construção era confiada ao empresário Federico Bocca, que se encontra com Blachier
entre os membros da comissão promotora da loteria organizada para fazer frente à reali-
zação do duplo projeto.
36O texto está transcrito em [G. Bosco], Notitia brevis Societatis Sancti Francisci Salesii et
nonnulla decreta ad eamdem spectantia. Turim, Tip. dell’Oratorio di San Francesco di Sales,
1868, p. 1-2; OE XVIII 573-574.
37 A Antonio Rosmini, 28 de maio de 1851; Em I 126. Analogamente, sobre o ambiente adaptado
a “oratório” para as práticas religiosas dos jovens, Dom Bosco escrevera como de “capela
destinada unicamente para jovenzinhos”, ou da “primeira capela destinada exclusivamente
à juventude”, respectivamente no Cenno storico e nos Cenni storici, in: Don Bosco nella
Chiesa, p. 42 e 63, em referência àquela organizada no Refúgio em dezembro de 1844.
38 [G. Bosco], Cenno storico..., in: Don Bosco nella Chiesa, p. 56; MO (1991) 207.
39 Cf. Em I 128.

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244 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Antes, porém, de tentar o caminho da loteria, Dom Bosco dirigira-se à beneficência,
alargando o círculo das relações com autoridades eclesiásticas e civis e com privados.
A primeira carta conhecida é a de 28 de março a Antonio Rosmini, já citada. Ao convi-
dá-lo a querer-lhe “emprestar a mão benéfica”, informava-o que a “despesa para a
igreja” fora “calculada pelo arquiteto em 30 mil francos”.40 Padre Gilardi respondia
em nome do Superior, oferecendo certo número de volumes das obras do fundador,
deixando-lhe o lucro da venda. Dom Bosco aceitava.41 Em 13 de junho recorria também
ao rei e a quem podia apoiar o pedido.42 Com parecer amplamente positivo do titular do
Régio Economato, cônego Ottavio Moreno, o soberano enviava um subsídio pessoal de
mil liras e fazia destinar 10 mil liras a serem entregues em três parcelas.43 Dom Bosco
podia encontrar na corte pessoas favoráveis às suas iniciativas benéficas, entre outras,
duas grandes e fiéis benfeitoras: a condessa Carlota Callori de Vignale e a marquesa
Maria Fassati, “damas de palácio” da rainha Maria Adelaide, duas nobres senhoras que
aparecerão frequentemente nesta história. Cartas e uma circular também eram enviadas
por ele em julho aos bispos do Piemonte.44
Trabalhos adiantados, Dom Bosco percebeu que as ofertas não eram suficientes
para fazer frente a despesas muito maiores de quanto se previra, tendo presente que se
estava realizando ao mesmo tempo a ampliação do internato. Era uma situação propícia
para atrair a atenção da opinião pública. “Nossa igreja – escrevia ao rosminiano padre
Francesco Puecher, em 22 de outubro de 1851 – chega à altura da cobertura, e neste
outono esperamos colocar as telhas. Só que o cálculo do sr. arquiteto de 20 mil francos
foi triplicado antes do final da obra”.45 Pedia, no mesmo dia, ao prefeito da cidade de
isentá-lo “de pagar a contribuição devida pela liberação da permissão de construção da
igreja e ampliação dos lugares anexos”. Da prefeitura, porém, vinha a seca instância de
“pagar a soma devida”.46
Não restava senão recorrer ao expediente, que haveria de tirá-lo do embaraço
muitas outras vezes: uma loteria. “Faltando dinheiro para a continuação da igreja –
informa ainda o Aceno histórico –, lança-se mão de uma Loteria, que se realiza no
ano seguinte, e que tem acolhida muito favorável. Recolhem-se três mil e trezentos
[precisamente, 3.251] objetos, que, deduzidas as despesas, dão o resultado líquido de
40 Em I 126.
41 Ao P. C. Gilardi, 4 de junho de 1851; Em I 127.
42 Cf. texto da carta in A. Giraudo, “Sacra Real Maestà”..., p. 296-297; e parecer favorável do
ecônomo geral de 24 de setembro de 1851, p. 308-309.
43 Cf. cartas de resposta do rei e do prefeito da casa real, duque Pasqua di San Giovanni,
assinaladas em Em I 128-129, e nota protocolar junto ao ministério de Graça e Justiça, cujo
titular era Giovanni De Foresta; Em I 132.
44 Cf. Em I 131-134.
45 Em I 134.
46 Em I 135.

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 245
26 mil francos”:47 talvez mais, pensando-se que os bilhetes distribuídos foram 99.999,
a 50 centavos cada.48
Todas as categorias de pessoas foram alcançadas, a começar das autoridades civis,
o chefe de polícia, o intendente de Finanças, o prefeito, e não só para as indispensáveis
satisfações burocráticas. Acrescentava-se o recurso a uma circular e cartas individuais a
pessoas de todas as camadas. “Aos ilustres e beneméritos senhores e às gentis senhoras”
que concorreram para o sucesso da iniciativa, Dom Bosco enviou como agradecimento
um fascículo que continha o Apelo, de 16 de janeiro de 1852 (era o texto da circular
impressa, já citada, enviada com data de 20 de dezembro de 1851), o Plano da loteria, os
elencos dos membros da comissão (20), dos promotores (46) e das promotoras (86).49
A operação loteria partira oficialmente em 9 de dezembro de 1851, data do reque-
rimento de aprovação, concedida no mesmo dia pelo intendente de Finanças, conde
Alessandro Pernati di Momo, benfeitor do Oratório. Ele haveria de aparecer entre os
“promotores” da loteria de 1857, e sua mulher, dos condes de Cacherano de Bricherasio,
como promotora. Ela figuraria como tal também na de 1865-1867, enquanto o marido
era membro da Comissão Organizadora. “Administradores e recorrentes” – os compo-
nentes da Comissão – eram sacerdotes, nobres, conselheiros municipais, profissionais
liberais, banqueiros, empresários.50 Como se viu, o apelo ou circular anexa era, na parte
inicial, uma pequena obra-prima de “pedagogia preventiva”. O número crescente dos
jovens levara à necessidade de “pôr mãos à obra em vista de um edifício mais amplo” e
à construção de uma “nova capela” maior. Não bastando os meios ordinários, os promo-
tores tinham pensado em agarrar-se a uma loteria, pedindo o donativo de qualquer
objeto que fosse de “seda, lã ou metal”, ou ainda algum “trabalho de artista renomado,
de modesto operário, de laborioso artesão, de caridosa gentil senhora”, a pôr em jogo.
Podia encorajar à colaboração “a singular benevolência com que pessoas de todas as
ordens e graus” tinham promovido e favorecido de maneiras variadas o desenvolvi-
mento do Oratório: Senado, Governo, Município, rei e rainha, “prelados e distintís-
simos personagens”.51
Com a primeira loteria, Dom Bosco conseguia habilitar-se a uma nova “profissão”,
que exercitaria depois por toda a vida: ser colocador de bilhetes de loteria, pelo correio52
47 [G. Bosco], Cenno storico..., in: Don Bosco nella Chiesa, p. 57; MO (1991) 209.
48 Cf. Verbale dell’estrazione della lotteria a benefizio dell’Oratorio maschile di San Francesco
di Sales in Valdocco, 14 luglio 1852; ASC A 0210619, FdB 399, D7-9, citado por G. Bracco,
“Don Bosco e le istituzioni”, in: Id., Torino e Don Bosco, vol. I, p. 133, n. 21.
49 Catalogo degli oggetti offerti per la lotteria a beneficio dell’oratorio maschile di San Francesco
di Sales in Valdocco. Turim, Tip. dir. da Paolo De Agostini, 1852, XVIII p.; OE IV 145-162.
50 Em I 136-139.
51 Circular de 20 de dezembro de 1851; Em I 140-141; Catalogo degli oggetti..., p. IX-X.
52 É graciosa a carta sob a forma de visita em domicílio, com relativos cumprimentos, ao
fiel amigo cônego Pietro Giuseppe De Gaudenzi (1812-1891), de Vercelli, futuro bispo de
Vigevano; Em I 141-142.

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246 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
ou, brevi manu, em encontros casuais ou visitas programadas, junto a compradores de
todos os níveis sociais. Ao bispo de Acqui, o capuchinho Modesto Contratto, enviava
200 deles, recebendo as correspondentes 100 liras; mais de dois mil bilhetes eram
aceitos e vendidos por outros bispos.53 Mil liras, fruto da “caridade de fiéis diocesanos”,
chegavam-lhe do bispo de Biella, Pietro Losana: queria ser sinal de reconhecimento
pela assistência aos jovens de sua cidade, que acorriam ao Oratório “para recrear-se,
instruir-se e santificar os dias dedicados ao Senhor”.54
Dez dias depois, Dom Bosco distribuía uma circular convidando para o exame do
aproveitamento dos alunos das escolas noturnas: apreciavam-no e estavam presentes
também Ferrante Aporti e dom Luigi Nazari di Calabiana, bispo de Casale.55 Recorria,
ao mesmo tempo, a variados personagens para os mais diversos favores: ao ministro da
Guerra, Alfonso Lamarmora, ao abade Stanislao Gazelli, esmoler da corte; ao prefeito
de Turim para obter um local espaçoso para a exposição dos donativos, uma sala junto
à igreja de São Domingos; ao tipógrafo Pietro Marietti, um dos depositários dos dona-
tivos e encarregado de sua transferência à sede da exposição; ao conde Camillo Cavour,
ministro das Finanças, para a isenção das despesas postais relativas à loteria; ao inten-
dente geral de finanças para novas perícias e repetidos adiamentos da extração, de 30
de abril a 31 de maio, a 30 de junho, enfim a 12 de julho,56 com a chegada de novos
donativos, relativas perícias e aumento do número dos bilhetes.57
O Aceno histórico registra também a rápida conclusão da igreja: “1851 [= 1852]. Em
20 de junho, dia da SS. Consolata, com grande aparato, numerosa presença de persona-
gens distintos e grande arroubo de alegria, abençoou-se a nova igreja. Realizam-se ali
pela primeira vez as sagradas funções. A poesia a seguir faz um aceno de quanto se fez
naquele dia: Como pássaro de ramo em ramo etc.58
A data da bênção fora anunciada na carta a dom Losana: “O Senhor, Monsenhor –
escrevia –, imagine a alegria e a consolação com que desde agora sou preso só ao pensar
na solenidade que acontecerá naquele dia tão suspirado”.59 Convidara para benzer a
igreja primeiramente o arcebispo de Vercelli, Alessandro d’Angennes, depois o bispo
de Ivrea, Luigi Moreno. Devido a outros compromissos, não puderam aceitar. Não
estava presente o irmão do segundo, o cônego Ottavio. O grande amigo e benfeitor
de Dom Bosco, sensível às obras turinenses de caridade, morrera em 2 de maio aos
73 anos. Realizava o rito padre Agostino Gattino (1816-1869), titular da paróquia dos
Santos Simão e Judas, em cujo território encontrava-se o Oratório. A igreja possibili-
53 A D. Modesto Contratto, 21 de maio de 1852; Em I 158.
54 A D. Pietro Losana, 4 de maio de 1852; Em I 155-156.
55 Circular de 14 de maio de 1852; Em I 157.
56 Cf. cartas de janeiro a junho de 1852; Em I 144-145, 145-146, 148-149, 150-151, 152,
154-155, 159, 163-164.
57 Em I 164.
58 [G. Bosco], Cenno storico..., in: Don Bosco nella Chiesa, p. 57.
59 Carta de 4 de maio; Em I 156.

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 247
tava celebrar as sagradas funções, embora carente de tantos indispensáveis acessórios e
alfaias. Havia o altar de são Luís, a orquestra, os candelabros, o campanário, o púlpito,
a balaustrada de mármore, o sino, o baldaquino. Providenciaram-nos benfeitores
excelentes e ricos: um rico senhor que trabalhava no Oratório de São Luís, Michele
Scanagatti, padre Cafasso, o banqueiro cavalheiro Giuseppe Luigi Duprè (… 1884), o
marquês Domenico Fassati (1804-1878), o conde Carlo Cays (1813-1882).60
A loteria de 1852 foi seguida, no triênio 1853-1855, por três outras menores.61
O forte da loteria de 1853, um engenhoso cofre de ferro não deu em nada.62 A suces-
siva de 1854 punha em disputa os prêmios que sobraram da anterior.63 Entre as peças
de valor da loteria de 1855 havia nove quadros e dois baixo-relevos. Emitiram-se
7 mil bilhetes a uma lira cada. Presidente da comissão foi o doutor Francesco Giuseppe
Vallauri, que prestava gratuitamente seu serviço de médico no Oratório. A extração
aconteceu em 12 de julho.64
6. Para a liberdade cristã, as primeiras iniciativas de prevenção apologética
(1850-1853)
Como já se viu, as liberdades concedidas no Piemonte entre fins de 1847 e os
primeiros meses de 1848, eram consideradas negativas por Dom Bosco, devido aos
abusos a que elas levaram, segundo seu modo de ver.65 Por outro lado, estando muito
próximo espiritualmente do Colégio Eclesiástico de Guala e Cafasso, vivera certamente
com participação intensa as turbulências e emoções daqueles meses, evocados a decê-
nios de distância pelo histórico da Igreja piemontesa e pelo biógrafo de Cafasso.66 Em
todo caso, alheio às nostalgias e lamentos estéreis, ele não podia deixar de se sentir
empenhado numa coisa muito simples: usar a liberdade para o bem. Em várias ocasiões
ele insistia, ao encorajar os jovens contra qualquer respeito humano, em contrapor o
simulacro de liberdade do libertino com o uso corajoso da verdadeira liberdade.
60 Cf. [G. Bosco], Cenni storici..., in: Don Bosco nella Chiesa, p. 58 59.
61 Cf. G. Bracco, Don Bosco e le istituzioni, in: Id., Torino e Don Bosco, vol. I, p. 130-138.
62 Cf. cartas ao intendente de Finanças, de 13 de fevereiro e de agosto de 1853; Em I 189 e
202-203.
63 Cf. carta ao intendente de Finanças, de 17 de janeiro de 1854, Em I 215-216; circular de 13 de
março, Em I 222-223.
64 Cf. carta ao intendente de Finanças, de 21 de novembro de 1854, Em I 238-239, e de 22 de
março de 1855, Em I 251; circular de 8 de maio, Em I 253-254; carta ao prefeito de 11 de
julho, vigília da extração, Em I 260-261; circular de 16 de julho, Em I 261-262.
65 Cf. cap. 1, § 4.
66 Cf. T. Chiuso, La Chiesa in Piemonte dal 1797 ai giorni nostri. Vol. III, cap. V: La Riforma e
lo Statuto. Prime contese e prime vittime. Turim, Giulio Speirani e figli, 1888, p. 201-251; L.
Nicolis di Robilant, Vita del Venerabile Giuseppe Cafasso…, vol. I, p. XXXIX e 182-183.

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248 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Em seus Avisos aos católicos, ao entregar três lembranças especiais à juventude,
ele escrevia: “E ao dizerem que vivemos em tempo de liberdade, por isso cada um pode
viver como quer? Nós devemos dizer que essa liberdade não é dada por Deus, mas pelos
homens, e que por isso não deve intrometer-se nas coisas de Religião; ou responder que
vivemos em tempo de liberdade; deixem-nos, então, viver como nos agrada nas questões
de Religião”.67 Era um convite à franqueza e liberdade, que após pouco tempo punha na
boca do protagonista da narração biográfica A força da boa educação. Ao amigo, que
para induzir Pedro a infligir o preceito da abstinência de carnes, apelava à nova ordem
estatutária – “Tu bem sabes que estamos em tempo de constituição, em tempo de liber-
dade; tempo em que cada um pode escrever, falar, pensar, fazer como quiser” –, o inter-
pelado replicava: “A liberdade de que falas nem sequer pode ter lugar entre as coisas
ordenadas ou proibidas pela legítima autoridade humana, quanto mais junto a Deus. No
céu não há constituição que possa revogar a lei divina (...). E, se quiserdes insistir na
palavra liberdade, façamos assim: eu vos deixo a liberdade de comer o que quiserdes,
porque não vos posso impedi-lo, e vós sereis certamente corteses em deixar-me na
liberdade de comer o que quiser”.68
A Dom Bosco, porém, preocupava especialmente o proselitismo protestante atuante
em Turim e no Piemonte, representado para ele principalmente na versão reformada
valdense, audaciosa e ativa na capital sabauda e região. Na realidade, porém, uma
grande parte da Itália era percorrida por inúmeros pregadores protestantes aderentes
ao variado fenômeno do Despertar. Eles tentavam inserir-se no movimento do
Ressurgimento nacional com a finalidade de suscitar uma reforma religiosa radical.69
A “evangelização” da Itália era vista com entusiasmo pelo protestantismo internacional,
que não economizava financiamentos às variadas iniciativas de reconversão cristã das
massas, entre as quais se acreditava estivesse em crise a tradição católica, que se estava
se tornando vulnerável com presumida decadência do papado.70 Ver-se-á mais adiante
que Dom Bosco não se deterá no Piemonte, e não se cansará de seguir a propaganda
protestante onde quer que a considere particularmente ameaçadora, e contrapor-se a ela.
É uma das razões da criação de várias obras juvenis: em Vallecrosia, em La Spezia, em
Florença, em Roma.
67 [G. Bosco] Avvisi ai cattolici. Turim, Tip. dir. da P. De Agostini, 1853, p. 27; OE IV 189.
68 G. Bosco, La forza della buona educazione, p. 60; OE VI 334.
69 Cf. G. Spini, Risorgimento e Protestanti. Turim, Claudiana, 1998 (reimpressão da edição
revista e ampliada de 1989).
70 Cf. V. Vinay, Luigi Desanctis e il movimento evangelico tra gli italiani durante il Risorgimento.
Turim, Editrice Claudiana, 1965, 369 p.; Id., “Spiritualità delle Chiese evangeliche in Italia
fra il 1861 e il 1878”, in: Chiesa e religiosità in Italia dopo l’Unità (1861-1878). Atas do IV
Encontro de História da Igreja, 1971. Relazioni II. Milão, Vita e Pensiero, 1973, p. 129-153;
P. Ricca, “Le Chiese evangeliche”, in: G. De Rosa, T. Gregory, A. Vauchez, Storia dell’Italia
religiosa. Vol. III: L’età contemporanea. Roma-Bari, Laterza, 1995, p. 407-440; M. Fincardi,
“De la crise du conformisme religieux au XIXe siècle: les conversions au protestantisme dans
une zone de la plaine du Pô”, Archives de Sciences sociales des Religions 43 (1998), n. 102
(avril-juin), p. 5-27 (com copiosas indicações bibliográficas).

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 249
A partir de 1850, na capital subalpina interessara ao problema valdense particular-
mente o bairro de Porta Nuova, região em que, em 1847, tivera início o Oratório de São
Luís. A poucas dezenas de metros, em 20 de outubro de 1851, a comunidade valdense
assistia à solene cerimônia da colocação da primeira pedra da própria igreja e, um
mês depois, Jean Pierre Meille (1817-1884) fundara o semanário La Buona Novella.71
Em Turim, era pastor da comunidade valdense Amadeo Bert (1809-1883) e evangeli-
zador Giovanni Pietro Meille (1817-1887), que Dom Bosco recordaria com Francesco
Pugno nas Memórias do Oratório.72 Bert, pastor desde 1833 da “capela das delegações
protestantes” na capital Sabauda e, desde 1849, da recém erigida paróquia valdense,
tinha publicado um notável volume sobre a história dos valdenses, “cristãos-católicos
segundo a igreja primitiva”.73 A exposição histórico-teológica da gênese evangélica da
fé valdense e dos dramáticos acontecimentos até a emancipação em 17 de fevereiro de
184874 era precedida por uma importante introdução sobre a liberdade de consciência,
de culto e de anúncio numa sociedade civil e política não autocrática.75 Ali aparecia
harmonizada a dedicação do livro ao marquês Roberto Taparelli d’Azeglio, principal
promotor da súplica ao rei Carlos Alberto para a emancipação dos valdenses e judeus,
e aos seiscentos cidadãos – eclesiásticos e leigos – que a subscreveram.76 No apên-
dice, enfim, sobressaia, entre outras, uma “Nota” com a Comparação entre algumas
doutrinas católicas romanas e a Sagrada Escritura à qual se atêm os valdenses.77
Anos depois, Dom Bosco fazia notar que, com o advento da liberdade de imprensa,
“os católicos, confiando nas leis civis que até então os tinham protegido e defendido”,
encontravam-se desarmados diante dos protestantes: enquanto estes “estavam prepa-
rados e guarnecidos de todo meio material e moral”, os católicos “possuíam algum
jornal, alguma obra clássica ou de erudição, mas nenhum jornal, nenhum livro para
colocar nas mãos do povo simples”.78 Era a porção alfabetizada do povo a mais vulne-
rável, e ainda mais desprovidos eram os jovens pobres e abandonados. A esse público
prentendia dirigir-se com seus escritos – e a seu tempo com as Leituras Católicas –,
adotando linguagem popular e estilo simples. 79 Tornava-se profissão de fé literária repe-
tida brevemente condensada no início da série das vidas dos papas: “Devo antepor que
71 Sobre o movimento evangélico e valdense de 1840 a 1860, cf. V. Vinay, Storia dei Valdesi.
Vol. III: Dal movimento evangelico italiano al movimento ecumenico (1848-1978). Turim,
Editrice Claudiana, 1980, p. 11-72.
72 MO (1991) 221.
73 Cf. A. Bert, I Valdesi, ossiano, I Cristiani cattolici secondo la chiesa primitiva abitanti le così
dette valli di Piemonte: cenni storici. Turim, Gianini e Fiore, 1849, XXXV – 498 p.
74 Cf. cap. 1, § 4.
75 Cf. A. Bert, I Valdesi…, p. I-XXXV.
76 Cf. in A. Bert, I Valdesi…, p. 459-479, onde se encontra texto da súplica ao rei, a circular de
d’Azeglio aos bispos do Reino sardo e o confronto com suas respostas. Nas Memorie dell’Oratorio,
Dom Bosco se lamentaria da iniciativa e da assinatura de “600 ilustres cidadãos, em grande número
eclesiásticos” (MO (1991) 185-186), na realidade menos de um sexto do total.
77 Cf. A. Bert, I Valdesi…, p. 399-410.
78 MO (1991) 218.
79 MO (1991) 218-219.

25.10 Page 250

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250 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
escrevo para o povo, e por isso, ao afastar qualquer requinte de estilo, qualquer dúvida
ou discussão inútil, procurarei reduzir o estilo e a matéria àquela simplicidade que
comporta a exatidão da história unida à teologia e às regras de nossa língua italiana”.80
Era um estilo, louvado depois por várias partes, como se nascesse do “gosto das coisas
fáceis”, que “sacrifica[va] qualquer ambição lícita de escritor”.81
Mais exatamente, nem por temperamento nem por cultura, Dom Bosco jamais poderia
aventurar-se por discursos abstratos e complicados. A quem quer que se referisse, não
podia adotar senão uma linguagem concreta, imediata, despojada. Como conseqüência,
a simplicidade podia ser, às vezes, simplificação das teses dos adversários e de suas
razões, e a falta de crítica na contestação e no uso das fontes, propensão à polêmica redu-
tiva e de efeito. Seus escritos podiam, quem sabe, ser perspicazes, persuasivos, tranqüi-
lizadores para fiéis que tinham necessidade mais de serem tranqüilizados e confirmados
pela ciência alheia do que aculturados e convencidos. Além disso, em relação à vis pole-
mica, Dom Bosco adequava-se ao clima do tempo, que levava as partes a precisarem e
defenderem, no encontro frontal, o que diferenciava e dividia mais do que buscar o que
unia. Era particularmente áspera a contraposição antiromana dos sacerdotes que tinham
abandonado a Igreja, provocando análogas reações do outro lado.82
O primeiro opúsculo polêmico, apologético, catequético remonta a 1850. Ilustrava
a tese A Igreja católica romana é a única verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Avisos aos
católicos. Os nossos Pastores nos unem ao Papa, o Papa nos une a Deus. Numa vintena
de páginas a fé católica era reduzida ao essencial nos pontos mais vistosamente amea-
çados pelos heréticos e acatólicos. Ressoa na abertura um alarme com o proclama: “Ao
leitor católico”: “Povos Católicos, abri os olhos, estendem-se diante de vós gravíssimas
insídias com a tentação de afastar-vos da única verdadeira, única santa Religião, a única
que se conserva na Igreja de Jesus Cristo”. Do “laço estendido aos católicos” por “muitos
maldosos” tinham colocado em guarda “de várias maneiras” os bispos e o “Vigário
de Jesus Cristo”. “Estes [os novos evangelizadores] – advertia o autor – enganam a si
mesmos e enganam aos outros; não acreditai neles. Antes, uni-vos num só coração e
numa só alma aos vossos pastores, que sempre vos ensinaram a verdade”. De fato, “onde
estiver o sucessor de são Pedro, ali estará a verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Ninguém se
encontra na verdadeira religião se não é católico, ninguém é católico sem o Papa. Nossos
pastores, e especialmente os Bispos, nos unem ao Papa, o Papa nos une a Deus”.83
80 G. Bosco, Vita di san Pietro principe degli apostoli... [fasc. XI de Janeiro de 1857 das “Letture
Cattoliche”], p. 7; OE VIII 299.
81 Cf. A. Caviglia, Opere e scritti editi e inediti di “Don Bosco”. Vol. I, parte I: Storia sacra,
p. XIII (Nota introduttiva); vol. III: La storia d’Italia. Turim, SEI, 1935, p. LXI (Discorso
introduttivo) (cf. também p. LXVI); M. Barbera, San Giovanni Bosco educatore. Turim, SEI,
1942, p. 104-105.
82 Sobre a polêmica “quase inevitável” vejam-se as observações realistas di V. Vinay, Storia dei
Valdesi, vol. III, p. 46-59.
83 [G. Bosco], La Chiesa cattolica apostolica romana…, p. 3-5; OE IV 123-125.

26 Pages 251-260

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 251
Nas páginas seguintes, sob o título Fundamentos da religião católica, era apre-
sentado um esquema apologético, que Dom Bosco jamais teria abandonado: I. Idéia
geral da verdadeira Religião; II. Uma só é a verdadeira Religião [a Igreja Católica,
a única que tem as características da Divindade: Una, Santa, Católica, Apostólica];
III. As igrejas dos Hereges não têm as características da Divindade; IV. Na Igreja
dos Hereges não há a Igreja de Jesus Cristo [os “hereges” são indiscriminadamente
“os Judeus, Maometanos, Valdenses, Protestantes, isto é, Calvinistas, e Luteranos”,
além de Valdo “Chefe dos Valdenses”]; V. Uma resposta aos Protestantes [“quando
dizem: Nós cremos em Jesus e no Evangelho, por isso estamos na verdadeira Igreja”];
VI. Convenham os Protestantes que os Católicos estão na verdadeira Igreja. Uns e
outros, se não queriam “perecer eternamente”, deviam entrar ou retornar ou perseverar
na Igreja Católica, Apostólica, Romana.84
O fascículo, retocado e ampliado, era novamente publicado como Introdução às
Leituras Católicas em 1853.85 Encontram-se pequenas modificações em todas as partes;
notavelmente ampliados, porém, são os parágrafos 2, Só uma é a verdadeira Religião, e
3, As Igrejas dos Hereges, que insistiam nas características de unidade, santidade, catoli-
cidade, apostolicidade presentes na Igreja Católica, ausentes nas demais. Completamente
novo era o título VII, Três lembranças particulares à juventude, que indicava como devia
“regular-se um jovem católico nestes tempos para não ser enganado quanto à Religião”.
Os três avisos giravam ao redor do método da fuga e da confiança no padre: “1° Fugir o
quanto possível da companhia daqueles que falam de coisas imodestas, ou procuram ridi-
cularizar a nossa Santa Religião; 2° (...) jamais entrar em discussões sobre a Religião, e se
procuram criar-vos dificuldade a esse respeito, dizei-lhes simplesmente: se estiver doente,
irei ao médico, se tiver litígios, ao advogado ou ao procurador, se precisar de remédios,
vou ao farmacêutico, em questão de Religião vou aos padres, pois são aqueles que, para
isso, estudaram as coisas de Religião. 3° Nunca leiais livros ou jornais maus”.86
O opúsculo voltava a aparecer em 1872, substancialmente inalterado em relação aos
textos de 1853, com o título Fundamentos da Religião Católica.87 Após o parágrafo 4,
porém, acrescentavam-se ao evidente eco do Concílio Vaticano I, três outros parágrafos
notáveis: Do Chefe da Igreja católica, Da Infalibilidade pontifícia, Vantagens da defi-
nição da infalibilidade pontifícia. Acentuavam ulteriormente a centralidade do papado
na Igreja. O papa é dotado de uma “autoridade absoluta, que costuma denominar-se
Primado de honra e de jurisdição, em força do que ele pode ordenar e proibir tudo que
julgar oportuno para o nosso bem espiritual e eterno”.88
84 [G. Bosco], “La Chiesa cattolica apostolica romana…”, p. 7-23; OE IV 127-143.
85 [G. Bosco], Avvisi ai cattolici, 31 p.; OE IV 165-193.
86 [G. Bosco], Avvisi ai cattolici, p. 25-27; OE IV 187-188.
87 G. Bosco, Fondamenti della cattolica religione. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1872,
43 p.; OE XXIV 503-545. Os três novos parágrafos ocupam as p. 17-31; OE XXIV 519-533.
88 G. Bosco, Fondamenti della cattolica religione, p. 18-19; OE XXIV 520-521. O poder do
papa resulta ainda mais repisado nas p. 19-20, OE XXIV 521-522, e novamente insistido na
definição da infalibilidade; cf. p. 24-25, OE XXIV 526-527.

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252 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Sintoma significativo da alteração era demonstrado pelos consistentes acréscimos
e modificações introduzidas na segunda edição da História sagrada (1853), não mais
em perguntas e respostas.89 Enquanto os elementos morais eram conservados e poten-
ciados, era transcrita uma emblemática série de textos e referências que evidenciavam
a intenção explícita do autor, além de catequética de controvérsia, diante de judeus e
protestantes. Resultava densamente sublinhada a unidade da revelação divina contida
nos dois Testamentos, reconduzida às duas afirmações fundamentais: o Messias espe-
rado veio e é Jesus Cristo, Filho de Deus; a Igreja católica é a única e legítima Igreja de
Cristo.90 A nova apresentação, perceptível pelas numerosas variantes disseminadas no
texto, era anunciada no Prefacio, fixada no título História sagrada do Novo Testamento
e na Introdução à sétima época, dedicada à história de Cristo, e na Conclusão mais
elaborada em relação à primeira edição. Ele escrevia no prefácio: “A finalidade provi-
dencial dos Livros Sagrados era manter viva nos homens a fé no Messias prometido por
Deus depois da queda de Adão; antes, toda a História Sagrada do Antigo Testamento,
podendo-se dizer uma preparação constante a esse importante acontecimento, quis, de
modo especial, notar as promessas e as profecias relativas ao futuro Redentor”.91 Era
tese explicitada e motivada na Introdução à sétima época: “Sendo a vinda do Salvador o
dogma mais importante, no qual se funda toda a nossa santa religião, será certamente de
suma utilidade recolher aqui brevemente as principais profecias que lhe dizem respeito,
observando como elas se realizaram na pessoa de Jesus Cristo”.92 Algumas delas
referiam-se à sorte do povo judeu, com insistências decididamente arcaicas. “Entre
muitas outras coisas – advertia o autor – os Profetas predisseram que os judeus seriam
reprovados por Deus por terem feito morrer o Messias e que todos os gentios, isto é,
todas as nações idólatras, teriam sido chamadas à verdadeira fé no lugar dos judeus
infiéis. Todas essas profecias foram literalmente realizadas, como todos podem ver na
história eclesiástica da qual resulta que a nação judaica, poucos anos depois da morte
do Salvador, foi totalmente dispersada, continuando ainda sem templo, sem Rei, sem
Sacerdócio”.93
No decurso do livro acentuava-se, ainda mais, em clara polêmica antiprotestante, a
instituição dos sacramentos da penitência e da eucaristia.94 Era eloqüente um acréscimo
sobre os poderes dados a são Pedro, “Apascenta meus cordeiros, apascenta minhas
ovelhas”, que reforçava o primado do papa, enfraquecendo o poder dos bispos e do
89 G. Bosco, Storia sacra per uso delle scuole utile ad ogni stato di persone arricchita di
analoghe incisioni. Compilata dal Sacerdote Giovanni Bosco. 2ª ed. modificada. Turim,
Tipografi Editori Speirani e Tortone, 1853, 200 p.
90 Cf. N. Cerrato, La catechesi di Don Bosco nella sua “Storia Sacra”; p. 71-80.
91 G. Bosco, Storia sacra…, 1853, p. 5.
92 G. Bosco, Storia sacra…, 1853, p. 145-148.
93 G. Bosco, Storia sacra…, 1853, p. 148.
94 G. Bosco, Storia sacra…, 1853, p. 191.

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 253
colégio episcopal, antecipando futuras afirmações ainda mais drásticas: “Com estas
palavras significava que Ele lhe dava [a são Pedro], e aos seus sucessores, pleno e sumo
poder não só sobre os simples fiéis, como também sobre os demais Apóstolos e minis-
tros em relação a tudo que se refira à fé e aos bons costumes, quanto a tudo que se refira
ao bem espiritual dos fiéis cristãos”. 95
Nova, enfim, era a Conclusão histórico-doutrinal, que ilustrava as três “verdades
especiais, que são o fundamento da religião” católica, obviamente: “1° a vinda do
Messias, e por isso vã a expectativa dos judeus. 2° A existência de uma Igreja divina-
mente fundada pelo Messias. 3° Essa Igreja é a Católica”, ou seja, a “Igreja de Jesus
Cristo, quer porque as verdades dos livros santos são as mesmas que se ensinam atual-
mente em nossa Igreja, quer pelo chefe visível que nos governa”.96
Os conteúdos do livro eram reapresentados pelo diligente catequista na Maneira
fácil para aprender a história sagrada para uso do povo cristão, de 1855.97
No Católico instruído, do que se falará mais amplamente no capítulo seguinte,
Dom Bosco tentava também um audacioso confronto com o mais equipado adversário,
Amadeo Bert. Ele dedicava ao livro Os Valdenses, acima recordado, quatro entreteni-
mentos rudemente críticos, em estilo de confronto aproximativo quanto à substância dos
problemas colocados e, contudo, extremamente polêmico e cáustico. Na realidade, para
uma discussão séria ele não dispunha nem de tempo suficiente nem de uma teologia
suficientemente elaborada ou de um conhecimento crítico mais aprofundado da história
da Igreja e de idéias precisas sobre as liberdades conseqüentes ao Estatuto de 1848. Um
dos quatro entretenimentos era dedicado substancialmente a desnudar a dupla série de
“mentiras” – “erros de sentido, contradições, enganos de cronologia, citações que não
existem” –, que desejariam demonstrar a má fé dos ministros valdenses: não por acaso,
o L’Armonia, ao recensear o fascículo das Leituras Católicas, trazia-os literalmente.98
A apologética pragmática de Dom Bosco, também neste caso, não buscava tanto
confutar as razões do adversário para convencê-lo de seu erro, quanto a tranqüilizar
pastoralmente os fiéis. E o fazia ilustrando as razões históricas e doutrinais que os deviam
confirmar num forte sentido de pertença à própria comunidade católica, simplificando
ao máximo as razões da parte oposta e radicalizando seus pontos fracos.99 Impelia-o a
consciência do perigo excepcional de perdição que os fiéis corriam, aliciados a aban-
donar a Igreja fora da qual não havia salvação.
95 G. Bosco, Storia sacra…, 1853, p. 192. O texto acrescentado está em cursivo.
96 G. Bosco, Storia sacra…, 1853, p. 193-194.
97 Cf. cap. 9, § 5.
98 Cf. G. Bosco, Il cattolico istruito…, parte II, entretenimento XVII e XVIII, p. 74-91; OE IV
380-397; “Bugie di Amedeo Bert, ministro valdese”, L’Armonia, 21 de junho de 1853; OE
XXXVIII 25-26.
99 Cf. P. STELLA, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica I 237; F. Desramaut, Don
Bosco en son temps…, p. 302-310.

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254 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
“Eminência! – escrevia angustiado com linguagem insólita ao cardeal Antonelli
poucos meses depois do início das Leituras Católicas –. A fera saiu de seu covil, não há
mais caçador que a aterrorize: há apenas alguns domésticos secundários que gritam a
mais não poder, mas um tétrico e sombrio alarido procura sufocar-lhes a voz. Fato está
que os protestantes estão prontos para dar início a outro templo aqui em Turim”.100 Era,
de fato, inaugurado em 15 de dezembro de 1853.
Os perigos, com algumas reações positivas, pareciam adensar-se também sobre
ele, devido à sua inquietante polêmica e à publicação das Leituras Católicas, que se
tornaram o seu principal veículo. “Fui diversas vezes insultado pelos protestantes com
escritos e com palavras e ameaças” – escrevia ao amigo cônego Pietro De Gaudenzi
–, “mas o Senhor fez com que presentemente eu seja visitado quase todos os dias por
protestantes, orientados a se fazerem elucidar sobre o que encontram nas Leituras
Católicas: mas com boa fé”.101 Mais adiante insistia ao mesmo: “As Leituras Católicas
vão bem (...), mas o pobre Dom Bosco tem o talião, e sou ameaçado terrivelmente dia e
noite: ninguém, porém, poderá fazer além do que deseja o Senhor”.102 Sobre Atentados
pessoais e agressões Dom Bosco entretém o leitor nas Memórias do Oratório.103 Chegou
a respeito disso uma notícia – comunicada pelo protagonista? – também à Civiltà
Cattolica, que anunciava o início das Leituras Católicas e informava sobre algumas
reações: “Sua empresa é abençoada pela autoridade eclesiástica e, desde sua vinda à
luz, esse fascículo de estudo despertou as iras e os temores da propaganda heterodoxa.
Dois desconhecidos foram encontrá-lo e, antes com a adulação mais exagerada, depois
com excitações a iniciar trabalhos históricos, depois ainda com a oferta de dinheiro, por
último com atrozes e sombrias ameaças de morte, aplicaram-se por duas horas inteiras
a demovê-lo da publicação das leituras católicas. Ele se manteve firme e os emissários
foram embora envergonhados”.104
7. As Leituras Católicas (1853)
Com as Leituras Católicas Dom Bosco, não sozinho, abria outra frente de luta
pacífica, que fazia caminhar, alargava e robustecia a ação de prevenção religiosa e
moral, juvenil e popular, que remontava a anos anteriores. Reservando-nos o enqua-
dramento dessa atividade no capítulo seguinte, dedicado à produção literária de Dom
Bosco nesse decênio tão intenso, acena-se aqui à sua gênese e aos envolvimentos aos
quais davam lugar.
100 Carta de 31 de maio de 1853; Em I 197.
101 Carta de 7 de abril de 1853; Em I 194.
102 Carta de 19 de Janeiro de 1854; Em I 215.
103 MO (1991) 223-227.
104 “La Civiltà Cattolica” 4 (1853), II, p. 204-205.

26.5 Page 255

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 255
Dom Bosco já se sentira interpelado pela questão de uma imprensa católica popular,
respondendo-lhe com a ambiciosa empresa do Amigo da juventude (1848-1849).105
Poucas semanas após o encerramento do jornal, uma desforra no setor era propugnada
em sede mais elevada e autorizada. Durante o Congresso dos bispos piemonteses, reali-
zado em Villanovetta, nos dias 25 a 29 de julho de 1849, decidia-se a criação de uma
comissão formada pelos bispos de Ivrea, dom Moreno, e de Mondovì, dom Ghilardi,
encarregada de elaborar o projeto de uma publicação periódica “dos melhores e mais
úteis livros eclesiásticos”. Ao mesmo tempo, o bispo de Ivrea dava “comunicação e
leitura do projeto de uma pia associação para a propagação de bons livros para os fiéis”
e “os Bispos o aprovaram plenamente e deliberaram colaborar com ela”.106
Passando rapidamente aos fatos, dom Moreno iniciava em agosto a publicação da
Coleção de bons livros em defesa da religião católica e, mais adiante, com Dom Bosco,
iniciava o projeto das Leituras Católicas, realizado a partir de março de 1853.107 Para
sua atuação, o bispo de Ivrea colocara à disposição o teólogo Francesco Valinotti, que
foi seu administrador no primeiro decênio. Sentira-se, porém, envolvido desde o prin-
cípio em primeira pessoa quer em encontros com Dom Bosco em Ivrea, quer mediante
a troca de correspondência. Ao convidar dom Moreno, em 10 de junho de 1852, para
celebrar o rito da bênção da igreja de São Francisco de Sales, Dom Bosco informa-
va-lhe: “Recebi do sr. Gallenghe [= Gallenga] o programa de nossa biblioteca, com as
modificações sabiamente feitas por ele; vindo aqui em Turim, conversaremos sobre o
que se deverá fazer ulteriormente; no início da próxima semana, enviar-lhe-ei o manus-
crito do Avisos aos católicos”. O opúsculo era a Introdução, ou fascículo zero, das
Leituras.108 Dom Moreno respondia desculpando-se por não poder aceitar o convite
devido a compromissos assumidos anteriormente, mas gostaria “muitíssimo de ler o
manuscrito” e informava a Dom Bosco que falara com vários eclesiásticos sobre a
iniciativa das Leituras e sobre tê-los visto de acordo quanto à sua necessidade e ao seu
inevitável sucesso.109 Nos inícios de julho anunciava ter-se ocupado com o manuscrito,
devolvendo-o com “uma folha de alterações e pequenos acréscimos”. Exprimia, além
disso, o desejo de “conhecer as alterações” introduzidas por Dom Bosco “no programa
dos livretes a serem impressos e divulgados todos os meses”. “Esta empresa – acrescen-
105 Cf. cap. 7, § 3.2.
106 Cf. Ata oficial, publicada por G. Tuninetti, “Alle origini delle conferenze episcopali:
Villanovetta di Saluzzo (1849)”, in: Contributi e documentazioni di storia religiosa. Cadernos
do Centro de Estudos Carlo Trabucco – 19. Turim, 1993, p. 110.
107 Sobre a incontestável cooperação entre Dom Bosco e dom Moreno na iniciativa, cf. P.
Braido, “L’educazione religiosa popolare e giovanile nelle ‘Letture Cattoliche’ di don
Bosco”, “Salesianum” 15 (1953), p. 650-655; P. Stella, Don Bosco nella storia economica
e sociale..., p. 347-368; L. Bettazzi, Obbediente in Ivrea: monsignor Luigi Moreno vescovo
dal 1848 al 1878. Turim, SEI, 1989, p. 162-201.
108 Em I 160.
109 Carta a Dom Bosco, de 12 de junho de 1852; ASC A 1422401, FdB 1549 D3-4.

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256 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
tava – interessa-me muito, muito, e peço-lhe que se ocupe dela com a maior solicitude
que puder. Desde já eu obtive a adesão de pessoas zelosas e algumas assinaram em
branco também para ajudar nas despesas”.110 Tinha, depois, o cuidado de assinalar a
Dom Bosco que outros estavam se ocupando da impressão para o exército do já orçado
opúsculo O Soldado cristão. Concluía: “A necessidade se faz sempre maior: ponhamos,
pois, as mãos na pequena Biblioteca. Com o retorno do portador, faça-nos o favor de
comunicar as alterações que me anuncia [sic] possam ocorrer no programa”.111
No mês seguinte insistia: “Espero V. S. Prezadíssima com impaciência segundo a
promessa que me fez, e espero que possamos concluir definitivamente em relação à
Biblioteca”.112 Na Relatio ad limina de 1852, dom Moreno anunciava: “Como aquilo
que se publica na Coleção de bons livros em defesa da religião católica, de que já
falei, não parece adequado à compreensão do povo, isto é, aos operários ou campo-
neses, tenho pensado em outra publicação que terá início em janeiro próximo; consis-
tirá em pequenos diálogos e tratará com linguagem comum e simples do que se refere
à Religião Católica e à vida cristã. Será publicado mensalmente um livrete em Turim,
com despesa anual não superior a 2 liras”.113 Em janeiro, pressionava Dom Bosco para
o rápido início do empreendimento: “Tudo estaria disposto para iniciar a conhecida
publicação periódica. Venho, por isso, solicitar a V. S. Revma. que organize o programa
com o cônego Vallinotti e o envie a mim prontamente, para que se possa imprimir
e distribuir. É preciso pensar numa terceira pessoa Eclesiástica, ou leiga, que ajude.
Suponho que terá feito o trabalho de ampliação dos conhecidos Avisos aos Católicos”.
“Infelizmente – observava – a propaganda protestante manifesta-se sempre mais auda-
ciosa: de nossa parte, façamos a propaganda Católica”.114
Aparece ainda mais direta sua participação na última carta conhecida, de fevereiro de
1853: “Segunda-feira – comunicava – escrevi ao Sr. Teólogo Vallinotti para comunicar
a V. S. Prezadíssima o pedido feito por alguns de publicações mais freqüentes de 24 ou
36 páginas cada vez, sem aumentar, assim, a despesa dos Associados. Comunico-lhe
agora uma idéia pessoal, que poderá participar também aos Colegas. Assim como
alguns não gostam tanto de livros, eu diria, de polêmica contra o erro, e preferem mais
as Leituras edificantes, poder-se-ia publicar alguma delas todos os meses, a fim de
satisfazer também o gosto deles”. Apresentava a hipótese de um fascículo mensal de
36 páginas com as vidas dos santos do mês ou da primeira quinzena num ano, e da
segunda no ano seguinte. Poder-se-ia inspirar também no Diário cristão publicado por
Marietti. “O manuscrito – esclarecia – de bom gosto o faria preparar aqui, sem aumentar
o trabalho ao Sr. ou aos Colegas. Conversem sobre isso, portanto, e poderá escrever-me
110 Carta a Dom Bosco, de 4 de agosto de 1852; ASC A 1432402, FdB 1549 D5-6.
111 Carta a Dom Bosco, de 16 de agosto de 1852; ASC A 1432403, FdB 1549 137.
112 Carta de Dom Bosco, de 4 de setembro de 1852; ASC A 1432404, FdB 1549 D8.
113 Citado por L. Bettazzi, Obbediente in Ivrea..., p. 176.
114 Carta a Dom Bosco, de 13 de dezembro de 1852; ASC A 1432405, FdB 1549 D9

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 257
alguma coisa a respeito na próxima semana.” Acenava, em seguida, às “respostas muito
favoráveis” recebidas por ele e à “simpatia” suscitada pelo lançamento do fascículo
zero, Avisos aos católicos. “Peço ao Sr. – argumentava – que não poupe diligência e
cautela para a próxima publicação”. Concluía: “Suponho que se colocará em relação
com o Sr. Cônego Zappata, e que este quererá prestar-se para rever com muita atenção
as coisas a serem publicadas, para que não se devam encontrar observações, ou críticas.
Como já disse, mandem também para mim os tais escritos, ou impressos, que desejam
que sejam examinados com certa urgência”.115
Na Relatio ad limina de 1861 observava: “As publicações periódicas, isto é, a
Coleção de bons livros em defesa da religião católica e a outra com o título de Leituras
Católicas, ambas fundadas por mim, a primeira em agosto de1849, a outra em janeiro
de 1852 [sic], ainda continuam, e fazem muito bem em todos os lugares, com a difusão
já de dois milhões de cópias. Continua também a outra publicação mensal Biblioteca
eclesiástica, que eu também fundei em maio de 1851”. Isso era confirmado em 1866,
antes da separação definitiva de Dom Bosco: “Continua ainda a publicação periódica
das Leituras Católicas, iniciadas em 1853 por minha iniciativa e às minhas custas.
Procurei difundir a outra coleção de livros bons em defesa da religião católica, também
por mim fundada em julho de 1849”.116
É surpreendente, ao pensar nos acontecimentos futuros, ler reconhecimento análogo
numa carta ao cardeal arcebispo de Ferrara, Luigi Vannicelli Casoni, com que Dom
Bosco fazia acompanhar uma cópia de presente das Leituras Católicas, recomendando
sua difusão: “O Revmo. D. Luigi Moreno, Bispo de Ivrea, Diretor-chefe destas Leituras,
deu-me, ele mesmo, o honroso encargo de escrever sobre este assunto a V. E. e ele teria
unido uma carta pessoal se a partida do acima dito padre Novelli possibilitasse que
fosse avisado”.117
A quarta página de capa do fascículo zero, Introdução às Leituras Católicas, de
fevereiro de 1853 – no primeiro decênio a assinatura decorria de março a fevereiro do
ano seguinte – trazia impresso o Plano de associação com as normas para assinatura.
São de certo relevo as indicações dadas no primeiro e sexto ponto: “Os livros, que se
propõem difundir, serão de estilo simples e escrita popular, e conterão matéria que se
refere exclusivamente à Religião Católica”; “nas cidades e lugares de província, as
associações recebem-nos das pessoas que são designadas pelos respectivos Ordinários
Diocesanos, a quem a Obra é de modo particular recomendada”. A quota de assinatura
anual era de 1 lira e 80 centésimos, com direito a um fascículo de 108 páginas todos os
meses ou a dois fascículos quinzenais com o mesmo número total de páginas. Em 8 de
fevereiro de 1851, o jornal L’Armonia trazia indicações análogas do livrete que servia
de introdução às Leituras Católicas, enviado como suplemento ao precedente número
115 Carta a Dom Bosco, de 10 de fevereiro de 1853; ASC A 1432406, FdB 1549 D10-11.
116 Citado por L. Bettazzi, Obbediente in Ivrea..., p. 177.
117 Carta de 19 de dezembro de 1853; Em I 209.

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258 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
do jornal, e do programa, “distribuído alguns dias antes”.118 Depois, com simpática
solidariedade, em 21 de junho, partindo da nota polêmica de Dom Bosco em O católico
instruído contra o ministro valdense Amadeo Bert, recomendava “a utilíssima asso-
ciação que, em três meses de sua vida, já reuniu cerca de quinze mil associados”.119
Na circular de 30 de outubro de 1854 era claramente declarada a finalidade de
prevenção negativa e positiva, religiosa e moral, das Leituras, antes de tudo diante
da propaganda protestante. As Leituras Católicas surgiam do fato de “ver as artes
super-refinadas usadas pelos inimigos de nossa santa religião para difundir o erro e
corromper o bom costume na população” e eram “destinadas a prevenir o povo cristão
contra as tramas que de tantas diferentes maneiras lhe armam em questão de religião”.
Dirigido ao potencial assinante ou promotor, Dom Bosco escrevia suplicante: “Talvez
V. S. ficará admirado que eu me recomende tão vivamente ao Sr. para esse assunto,
mas persuada-se de que vivemos momentos muito calamitosos para os seguidores da
religião católica. Os perigos que ameaçam pedem a colaboração e a solicitude de todos
os bons, especialmente dos eclesiásticos”.120
Por isso, era colocada em ação, em vista de uma ampla difusão, uma verdadeira
mobilização geral de pessoas, divididas quanto às tarefas em duas categorias: os
“Associados” ou assinantes e os “Correspondentes”, responsáveis pela coleta e difusão
nos centros que tivessem ofício postal capaz de distribuir os pacotes. Eles eram sensi-
bilizados a colaborar com repetidos apelos. Ao final do primeiro ano, os responsáveis
das Leituras Católicas sentiram necessidade de exprimir seu “reconhecimento aos Rev.
mos Prelados que se dignaram conceder sua proteção; aos dignos eclesiásticos nossos
irmãos que cooperaram conosco; e às almas nobres e generosas que sustentaram esta
obra com sua associação”. Sublinhava-se, também, a urgência de uma colaboração
ainda mais eficaz, recordando as finalidades defensivas e construtivas da iniciativa:
“Prover a sociedade e a religião daquele bem que uma e outra esperam dos bons nos
tempos que correm”; “deter a imoralidade, a corrupção do espírito e do coração, que
com tanto empenho e com tantos meios se tenta disseminar de maneira maior em nossa
pobre pátria, especialmente nas aldeias entre as pessoas incultas e ignorantes”; de fato
“os inimigos da Religião Católica e da Sociedade, com atividade incrível e com todos
os meios, se industriam em perverter o espírito, corromper o coração dos tíbios e dos
simples”. A conclusão era um apelo à união que, em seu estilo, anunciava a todos aquilo
que Dom Bosco haveria de repetir sempre que desejava chamar para a união os cató-
licos militantes, compreendidos os Cooperadores associados oficialmente em 1876:
“A esta obra eminentemente social e santa é necessária a união, o acordo. Unamos-nos,
pois, concordemos e atuemos energicamente. Deus abençoará nossos esforços, dará
incremento necessário às nossas obras, e teremos um dia a consolação de ver nossos
118 Cf. “Le Letture Cattoliche”, L’Armonia, 8 de fevereiro de 1853; OE XXXVIII 23.
119 “Le bugie di Amedeo Bert, ministro valdese”, L’Armonia, 21 de junho de 1853; OE XXXVIII 25.
120 Circular aos vigários gerais das dioceses, 30 de outubro de 1854; Em I 436.

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 259
inimigos, os inimigos da Fé Católica e da Sociedade, converterem-se e unirem-se a nós,
convencidos de seus erros, de suas utopias; ou, envergonhados e confusos, revolver-se
na lama da própria derrota, incapazes de continuar a fazer o mal”.121
A denúncia dos perigos e o envolvimento na colaboração repetiam-se nos apelos
distribuídos ao final do segundo ano. Numa carta ao vigário geral de Turim, em que
assinalava ter feito modificações à Doutrina Cristã da Diocese em relação à recente
definição do dogma da Imaculada, Dom Bosco lamentava que as Leituras Católicas na
cidade e na arquidiocese fossem menos difundidas que em outros lugares, pensando na
não fortuita ignorância de párocos e vigários forâneos. “Em vista dos esforços que se
fazem para propagar livros e jornais perversos”, parecia-lhe oportuna uma indicação,
ao menos ao pé da página, na carta para a Quaresma. “Compreenderá, melhor do que
eu – acrescentava com franqueza –, a quais extremos já chegamos, e para os quais ainda
corremos precipitadamente”.122 A denúncia apontava em particular a arma capital dos
corruptores, os maus livros. Eles, segundo seu dizer, especulavam “o ouro sobre as
paixões humanas em detrimento da fé e dos costumes, provocando males incalculáveis
à família e à sociedade inteira!”. Na iniciativa das Leituras Católicas – insistia –, “não
se trata de especulação livreira nem de qualquer interesse material; ela é obra de zelo, é
obra de caridade religiosa e social, é obra inteiramente moral”.123
A campanha publicitária continuava incansável nos anos sucessivos. “Trata-se –
escrevia em 1857, acrescentando uma nota de metodologia pedagógica – de instruir
e reafirmar os bons nos princípios do catolicismo; de iluminar e atrair com a amabili-
dade, com a doce caridade que era própria e característica do nosso divino Mestre, os
extraviados à prática dos deveres religiosos”, enquanto “as associações ou sociedades
protestantes gloriam-se de espalhar entre os católicos, aos milhões e milhões em seus
opúsculos, escritos que corrompem a fé e os costumes”.124 Era semelhante o conteúdo
da carta enviada ao bispo de Tortona, Giovanni Negri: “Esta nossa humilde obra não
é uma especulação livreira, nem de qualquer interesse material, mas sim uma obra de
economia social e religiosa (...). Com a finalidade, pois, de poder continuar a contrapor
Leituras instrutivas e morais aos milhares dos péssimos opúsculos e folhas que se vão
espalhando para corromper a fé e a moral nos simples, precisamos de seu utilíssimo
patrocínio e de seus sábios conselhos”.125 Além disso, Dom Bosco pedia direta e pesso-
121 Ai nostri associati, no fascículo 23-24, de 25 de fevereiro de 1854, Ai contadini: regole di
buona condotta per la gente di campagna utili a qualsiasi condizione di persone. Turim, Tip.
dir. da P. De-Agostini, 1854, p. 3-8; OE VI 41-46.
122 Ao cônego F. Ravina, 20 de dezembro de 1855; Em I 277-278.
123 Agli associati e benemeriti signori corrispondenti, no fascículo 23 e 24, 10 e 25 de fevereiro
de 1856. Libro della orazione domenicale scritto da San Cipriano. Turim, Tip. C. B. Paravia
e comp., 1856 [1855 na capa], p. 3-13.
124 La Direzione ai benemeriti corrispondenti ed ai signori associati, no fascículo de 12 de
fevereiro de 1857; G. Bosco, Due conferenze tra due ministri protestanti ed un prete cattolico
intorno al purgatório..., Turim, Tip. di G. B. Paravia e comp., 1857, p. 1-5; OE IX 21-25.
125 Carta de 30 de janeiro de 1857; Em I 315.

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260 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
almente o apoio de personagens de particular prestígio. Ao cardeal Giacomo Antonelli,
secretário de Estado, solicitava uma bênção toda especial: “Queira acrescentar um
novo traço de bondade e abençoar a associação das Leituras Católicas, abençoar a
tantos jovens desgraçados que de mil maneiras são enganados na religião, e abençoar
a mim, pobre sacerdote, que preciso mais do que todos”.126 Apelos semelhantes eram
dirigidos aos arcebispos de Ferrara, cardeal Luigi Vannicelli Casoni,127 e de Florença,
dom Gioacchino Limberti.128
Como meio de persuasão, no fascículo de setembro de 1858, O Guia da juventude
nos caminhos da salvação, de Cláudio Arvisenet, era publicada a circular que o cardeal
Costantino Patrizi, vigário do papa, enviara em 22 de maio aos bispos dos Estados
Pontifícios. Ele pedia “para que usassem da solicitude pastoral a fim de introduzi-las
em suas respectivas dioceses”. Com efeitos tranqüilizadores, ao menos no dizer de Dom
Bosco: “só nos Estados Pontifícios o número de associados atualmente chega a doze
mil”,129 cifra talvez mais esperada do que real. No início de 1861, o balanço era consi-
derado positivo: “Além de dois milhões de fascículos” difundidos “durante oito anos”,
portanto com uma média de 22 mil assinantes ou compradores por ano. Eram também
aduzidas outras motivações para levar os associados e correspondentes a redobrarem
o seu zelo. “Os livros e opúsculos” “publicados e espalhados nos últimos dois lustros
na Itália” pelos “inimigos do Catolicismo e da Sociedade” “somam mais de 3 milhões,
sem calcular os que vieram do exterior e as efemérides de toda espécie e cor!”.130
Os apelos eram acompanhados pelo elenco dos correspondentes, encarregados de
receber as associações ou assinaturas. Nota-se no decorrer dos anos uma notável fide-
lidade dos correspondentes ao próprio compromisso e um modesto aumento de nomes.
A quase totalidade era formada por sacerdotes. Em 1855 aparecem quatro leigos (entre
quais dois livreiros) e, em 1861, duas comunidades de irmãs. O jornal L’Armonia fazia
com freqüência publicidade das Leituras Católicas, dava informações relativas à assi-
natura e indicava muitas vezes alguns fascículos. O número de 4 de novembro de 1858
dava particular relevo à acima citada circular do cardeal Patrizi.
Quanto à qualidade popular das Leituras Católicas, Dom Bosco exprimia seu
pensamento ao marquês Giovanni Patrizi em relação a autores de elevado nível cultural
previstos pelo nobre interlocutor romano. “Devo prevenir-lhe em todo caso – advertia
126 Carta de 31 de maio de 1853; Em I 197-198.
127 Carta de 19 de dezembro de 1853; Em I 209.
128 Carta de 21 de janeiro de 1861; Em I 435.
129 Ai benemeriti corrispondenti ed ai benemeriti lettori delle Letture Cattoliche, no fascículo
de 7 de setembro de 1858; La guida della gioventú nelle vie della salute. Turim, Tip. G.
B. Paravia e comp., 1858, p. I-IV. Em seguida (p. V-VIII) é publicada a Circolare di Sua
Eminenza Reverendissima il Cardinale Vicario diramata per ordine di S. Santità ai vescovi ed
arcivescovi degli Stati Pontifici, a favore delle Letture Cattoliche.
130 Agli associati e corrispondenti delle Letture Cattoliche, no fascículo 11, janeiro de 1861;
Luigi Friedel, I figli virtuosi. Turim, Tip. di C. B. Paravia, 1861, p. II-III.

27 Pages 261-270

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27.1 Page 261

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 261
– que, ao se imprimir tantos livretes, será preciso preocupar-se para que os temas sejam
adaptados ao povo pela linguagem, estilo e sentimentos simples, caso contrário as asso-
ciações nascem e morrem ao mesmo tempo. Os colaboradores aos quais me acenava
não são para este tipo de trabalho. Eles estão habituados a falar à gente culta e seria uma
verdadeira raridade se chegassem a abaixar-se e fazer-se entender pelo povo”.131
Com essa sensibilidade, era natural que percebesse logo a iniciativa lançada por
um católico militante, matemático e cientista genial, o nobre beato Francesco Faá di
Bruno (1825-1888). Em 10 de novembro de 1853, L’Armonia, sob o título Almanaque
para 1854, dava esta notícia: “Da tipografia dirigida por Paulo De-Agostini vem à luz
um Almanaque Nacional, intitulado o Cavalheiro, onde estão muitas preciosas notícias
estatísticas, belos ensinamentos, muito respeito pelas coisas religiosas, quanto ao viver
social e à agricultura. Vende-se ao preço de 20 centésimos”. Em 12 de novembro acres-
centava a indicação bibliográfica exata – Almanaque nacional para o ano 1854 – e o
“índice das matérias:
Aos meus leitores
À sombra do carvalho
Festas móveis etc.
O lavrador, canção
Calendário
Seis discursos do venerando Simão
Informações estatísticas
Fatos curiosos
O valor das moedas estrangeiras em confronto Máximas morais
Regra para a cultura do bicho da seda
Principais feiras do Estado”.132
Noções de meteorologia
O almanaque não tinha nenhuma ligação com as Leituras Católicas. Numa perma-
nência para estudos em Paris nos anos 1849-51, como oficial de Estado maior, Faà
di Bruno entrara em contato com a Sociedade de São Vicente de Paula e a Obra dos
Almanaques, iniciada em 1849. Esta publicara três afortunados almanaques anuais,
muito difundidos: Almanach de l’Atelier et du Laboureur (1849), Almanach du
Laboureur (1850) e Almanach de l’Apprenti (1851). Em Turim, ele tinha como urgência
opor aos almanaques anticlericais do Fischietto e da Gazzetta del popolo um almanaque
católico inteligente e popular. A idéia, amadurecida no verão de 1853, teve atuação
rápida, graças também à colaboração do irmão agrônomo e do pároco da cidade de seu
nome, Bruno.133
131 Carta de 8 de agosto de 1858; Em I 358.
132 “Il Galantuomo: almanacco nazionale per l’anno 1854”, L’Armonia, 12 de novembro de 1853;
OE XXXVIII 26.
133 Cf. M. Cecchetto, “Francesco Faà di Bruno: agli inizi del cattolicesimo sociale in Italia: tra
apostolato laicale ed impegno sociale”, in: Francesco Faà di Bruno (1825-1888): miscellanea.
Turim, Bottega d’Erasmo, 1977, p. 392-394.

27.2 Page 262

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262 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
A iniciativa e o produto agradaram a Dom Bosco, que mandou expedir o fascículo
como estréia aos associados das Leituras Católicas. De 1854 a 1856 Faà de Bruno
morava novamente em Paris para o aprofundamento de seus estudos matemáticos,
cedendo de bom grado sua criação a Dom Bosco, que a integrava estavelmente no fluxo
das Leituras Católicas. Anunciado ainda por L’Armonia, em 25 de novembro de 1854
e em 1° de dezembro de 1855, o almanaque, além do discurso inicial do Cavalheiro aos
seus amigos, polarizado sobre a cólera, dava várias informações sobre o calendário –
festas móveis, feiras, mercados... – e curiosidades científicas, além de orientações de
vida prática: valor das moedas, receitas de bebidas alternativas ao vinho, receita para
tirar manchas de roupas, fatos curiosos, poesias, descobertas e invenções.134 Em 1° de
dezembro de 1955, o jornal turinense comentava: “É este o modo mais fácil de espalhar
em meio ao povo o conhecimento do progresso das ciências naturais. Não resta dúvida
que se exige habilidade não medíocre para tratar dessas coisas de modo adaptado ao
povo. Os escritores do Cavalheiro, porém, possuem a maravilha desse talento”.135
8. A cólera de 1854
Dom Bosco concluía o Aceno histórico com estas anotações: “1854. Esperada a
penúria das colheitas do ano, não se conseguem novos empregos (...). O custo [alto
custo, aumento] dos alimentos, a falta de trabalho, expondo muitos jovens ao perigo da
alma e do corpo; acolhem-se muitos deles em casa e seu número sobe a oitenta e seis”.136
Poucos meses depois apontaria uma causa mais grave, a cólera, com encargos finan-
ceiros que chegavam às 1.250 liras anuais para os aluguéis dos locais e outros necessá-
rios à manutenção das igrejas e das escolas noturnas de Valdocco: “Manter alguns dos
mais pobres e abandonados, cujo número neste ano chegou a noventa devido aos muitos
jovens que ficaram órfãos e abandonados na triste invasão da cólera morbus”.137
A motivação tornava-se mais dramática no ano seguinte, numa carta à mesma
Entidade e numa outra ao prefeito de Turim. Na primeira, ocorriam expressões análogas
às usadas do Aceno histórico, com aumentos ousados de cifras e despesas: “O grande
aumento dos alimentos e a falta de trabalho colocaram no mais grave risco vários jovens
abandonados e em perigo, que talvez iriam acabar mal se não fossem ajudados com
meios materiais e morais. Vários deles, cerca de cem, em grande parte daqueles que
ficaram órfãos na invasão fatal da cólera do ano passado, são acolhidos atualmente em
Valdocco, outros são igualmente ajudados da maneira que se pode; e estes ultrapassam
134 L’Armonia, 25 de novembro de 1854; OE XXXVIII, 27-28.
135 ‘Il “Galantuomo’, almanacco nazionale per il 1856”, L’Armonia, 1° de dezembro de 1855; OE
XXXVIII 30.
136 [G. Bosco ], Cenno storico..., in: Don Bosco nella Chiesa, p. 59.
137 Aos admnistradores da Real Obra da Mendicância Instruída, 13 de novembro de 1854; Em I 235.

27.3 Page 263

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Cap. VIII: Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854 263
os mil e quinhentos entre todos os Oratórios”.138 Em sua carta ao prefeito, Giovanni
Battista Notta, alargava a gama das despesas e esclarecia a entidade sobre o solici-
tado “subsídio extraordinário”: “No ano passado, na fatal invasão da cólera, a fim de
adaptar a casa atual ao ordenado estado das leis e para proteger os jovens já acolhidos,
e também para acolher os que naqueles tristes momentos ficaram órfãos, tive que fazer
uma grande despesa de mais de 10 mil francos”, coberta apenas “pela metade”.139
Efetivamente, depois das epidemias de peste nos séculos anteriores, e das recentes de
tifo e varíola, o cholera asiaticus atingia em ondas sucessivas as populações européias
e italianas do séc. XIX. Explodiam cinco sucessivas crises cruciais, nos anos 1835-37,
1849-50, 1854-56, 1865-67 e 1884-85. As de 1835-37, 1854-56 e 1865-67 foram parti-
cularmente graves em Roma, Nápoles e Palermo; nas duas últimas cidades também a de
1884-85. As epidemias de 1854-56 e de 1865-67 foram mais generalizadas. Em 1854,
a cólera, além de flagelar as regiões meridionais da península, tocava sensivelmente
também as norte-ocidentais, incluindo Gênova e Turim.140 Na capital subalpina, a cólera
explodia no verão de 1854, atingindo particularmente o bairro Dora. Foram 1.438 mortos
sobre 2.533 atingidos e a paróquia dos Santos Simão e Judas do bairro Dora, paróquia do
Oratório, teve 53% do total das mortes. O Oratório viu os jovens e adultos da Companhia
de São Luís, mais maduros e disponíveis, mobilizados para a assistência dos contagiados
do seu bairro. O L’Armonia de 16 de setembro informava os leitores sobre isso, precisando
que Dom Bosco pudera apresentar à comissão sanitária o elenco de catorze jovens que se
tinham oferecido para o trabalho. Tommaseo congratulou-se com ele escrevendo-lhe da
cidade, em 3 de outubro de 1854.141 Os sócios das conferências de São Vicente de Paula
recolheram dezenas de meninos que ficaram órfãos. Entre os acolhidos no convento dos
dominicanos estava também Pietro Enria, que, tendo ficado órfão, era depois acolhido no
Oratório e seria até a morte de Dom Bosco seu fiel enfermeiro.
Dom Bosco, obviamente, não tinha envolvido na ação direta os mais jovens, indu-
zindo-os a se empenharem de outras maneiras. Em outubro, com a cólera em vias de
remissão, Domingos Savio escrevia ao pai: “Tendo podido estar uma hora sozinho com
Dom Bosco, pois no passado nunca pude estar nem dez minutos a sós, falei-lhe de
muitas coisas, entre as quais de uma associação para garantia contra a cólera; ele me
disse que tudo está caminhando bem e que, se não fosse pelo frio que já se aprofunda,
talvez fizesse um grande estrago, e também me associou na oração”.142
138 Ao presidente da Real Obra da Mendicância Instruída, 21 de novembro de 1855; Em I 271.
Ao mesmo, enviava no mesmo dia um bilhete pessoal, motivando o pedido: “a colheita do ano
continua crítica, especialmente para o pão”; Em I 271.
139 Carta de 21 de novembro de 1855; Em I 272.
140 Cf. L. Del Panta, Le epidemie nella storia demografica italiana (secoli XIV-XIX). Turim,
Loescher, 1980, p. 226-232.
141 Cf. MB V 114-118.
142 Carta de 5 de setembro de 1855, cit. por A. Caviglia, Opere e scritti editi e inediti di “Don
Bosco”. Vol. IV: La vita di Savio Domenico e Savio Domenico e don Bosco. Studio. Turim,
SEI, 1943, p. 86-87.

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264 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Em 10 de agosto de 1854, o jornal L’Armonia – não faltava o informante mais ou
menos oculto! – já tinha sublinhado a incidência da epidemia em relação a medidas
adotadas no Oratório e suas relativas despesas. Recordava, primeiramente, o quanto
Dom Bosco fazia pelos jovens abandonados e que despesas devia enfrentar “para manter
e alojar uma centena de jovens, particularmente neste ano, em que o aumento dos víveres
se faz sentir em todos os bolsos”. Em seguida prosseguia: “Ao aproximar-se da cólera,
novas e urgentes despesas foram necessárias para limpar o local, diminuir o número dos
leitos de um mesmo lugar, e depois readaptar outros ambientes destinados a esse uso,
providenciar roupas etc.”. É evidente que o “ótimo e caridoso sacerdote” encontrava-se
“em grave penúria”. Contudo, estava “disposto a qualquer sacrifício para não abandonar
seus queridos jovens, que agora, mais do que nunca, precisa[va]m de socorro”, declaran-
do-se “devedor” aos generosos agentes de quanto pudera fazer.143 Inflamado ele mesmo
de caridade, era, com a palavra e a ação, educador crível à caridade.
Em relação à intensificação da ação assistencial após a cólera, L’Armonia, de 9 de
setembro, informava sobre a abertura no Oratório de Valdocco de uma oficina de enca-
dernação, incentivando a servir-se dela: “Além da facilidade do preço”, os comitentes
teriam cooperado “para sustentar uma Obra de beneficência pública”, “entendendo que
já foram ali acolhidos dezoito meninos que ficaram órfãos na mortal emergência da
cólera; e outros ainda serão acolhidos em breve”.144
143 “Soccorso all’Oratorio di S. Francesco di Sales”, L’Armonia, 10 de agosto de 1854; OE
XXXVIII 26-27.
144 “Aprimento di un laboratorio a benefizio di poveri”, L’Armonia, 9 de setembro de 1854; OE
XXXVIII 27

27.5 Page 265

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Capítulo IX
ENTRE OS JOVENS E O POVO COM A PALAVRA
E A IMPRENSA (1853-1859)
1853
1854
1855
1856
1857
1858
1859
O católico instruído em sua religião (LC)
março: Conversão de uma valdense
dezembro: Drama teatral: disputa entre um advogado e um ministro
protestante (LC)
março: Maneira fácil de aprender a história sagrada (LC)
junho: Conversação entre um advogado e um pároco de aldeia (LC)
novembro: A força da boa educação (LC)
História da Itália [1856]
janeiro: Vida de São Pedro (LC): tem início a série das vidas dos papas
missão popular em Viarigi (Asti) – A chave do paraíso
fins de novembro: missão popular em Saliceto Langhe (Cúneo)
21 de fevereiro – 21 de abril: primeira permanência de Dom Bosco em Roma
abril: O mês de maio (LC)
julho. Vade-mécum cristão (LC)
janeiro: Vida do jovem Domingos Sávio (LC)
Dom Bosco sabia organizar consistente mobilização de adultos em vista dos jovens.
Eles já se tornavam assim objeto de sua ação educativa e pastoral. Os adultos, sobretudo
das classes populares, viam-se ligados mais ainda aos jovens numa ação mais vasta
de defesa da fé e de promoção da vida cristã por meio de formas variadas da palavra,
falada e escrita. O decênio 1850-1859 é para Dom Bosco, escritor e editor juvenil e
popular, seguramente o mais produtivo qualitativa e quantitativamente.1
1 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica I 229-248, cap. X: Don Bosco
scrittore ed editore, Id., Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 327-368, cap. XV:
Imprese editoriali; F. Traniello (org.), Don Bosco nella storia della cultura popolare. Turim,
SEI, 1987; Don Bosco nella storia, p. 411-447, parte IV: ensaios de F. Traniello, S. Pivato, F.
Malgeri.

27.6 Page 266

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266 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Sublinham-se aqui alguns aspectos desse empenho, seguindo um percurso temá-
tico cronológico: episódios de pregação popular extraordinária; organização ideal das
Leituras Católicas e as primeiras publicações inseridas nelas (1853-1854); produção
prevalente de caráter biográfico, histórico, catequético e educativo (1855); livros com
finalidades devocionais (1856-1858); por fim, a série (da letra A à P) das vidas dos
papas, iniciada em 1856 e que se prolongará até 1865.
1. Defensor da fé e da graça
Ao convidar padre Alosonatti para compartilhar trabalho e pão no Oratório de
Valdocco, Dom Bosco encontrava uma motivação que ia além da preocupação apenas
pelos jovens. Padre Alasonatti não era pregador, mas podia ser apoio silencioso do
amigo e superior. “Fui convidado – escrevia-lhe – para ir ora nesta ora naquela cidade
para tríduos, novenas ou exercícios, mas não ouso mover-me daqui sem saber a quem
deixar minha casa. Quanto bem poderíamos fazer!”.2
Referindo-se justamente aos anos 50, seu primeiro grande biógrafo escrevia que
“muitos párocos do Piemonte desejavam tê-lo para pregar em suas igrejas” “e Dom
Bosco, podendo, jamais se recusava”.3 Restam desse serviço alguns documentos de
pregações de missões populares ou exercícios espirituais e um notável número de pane-
gíricos. Limita-se aqui a poucos acenos.
Ressonância particular teve, em janeiro de 1856, a missão de recuperação e preser-
vação da fé católica realizada em ambiente rural, em Viarigi (Asti). Ali chegara em 1847
o ex-pároco de Cimamulera, região de Novara, padre Francesco Antonio Grignaschi
(1813-1883), um visionário, removido e suspenso por seu bispo. Autopromovido como
novo messias, “nova encarnação do Filho de Deus na Igreja, para chamá-la à pureza
de seus santos princípios”, e associado a uma mulher igualmente alucinada, chamada
e propagada como “Maria Santíssima em pessoa”, com o prestígio de supostos fatos
extraordinários e ostensivo misticismo, tinha subjugado o pároco da cidade e o da vila
próxima, outros padres e fiéis, homens e mulheres. Também tinha publicado um livro,
Crux de Cruce: o Messias e a reedificação e purgação da Igreja e a conversão dos
judeus, colocado no Índice, em 21 de fevereiro de 1850. Além de alcançado pela exco-
munhão maior desde maio de 1850, fora remetido com os cúmplices à autoridade judi-
ciária, absolvido com um “não procede”, recusado em 1848 pelo Superior Tribunal
de Justiça, o qual, em 10 de março de 1849, anulava também a sucessiva sentença
de absolvição de 17 de janeiro. O processo de apelo dera-se na primeira quinzena de
julho de 1850 perante o tribunal de Casale Monferrato. A acusação era de vilipêndio
2 G. B. Francesia, Don Vittorio Alasonatti, primo prefetto della Pia Società Salesiana: cenni
biografici. S. Benigno Canavese, Tip. e Libr. Salesiana, 1898, p. 25-26; Em I 181.
3 MBV76 5.

27.7 Page 267

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 267
da religião e trapaça. Grignaschi recebia condenação de dez anos de prisão, enquanto
os outros se livraram com penas menores. A promotoria pública publicava depois
do processo um livro com as intervenções e debates até a sentença, comentando ao
fim: “Dessa forma, teve fim este processo, que restará como monumento perpétuo do
orgulho, da presunção, da fraqueza e da credulidade da natureza humana em meados
do séc. XIX!!!”.4
A cidade ficara tumultuada, com intervenção da força pública. O ardor oratório,
o zelo e a caridade do bispo diocesano, dom Filippo Artico (1798-1859) trouxeram
grandes mudanças.5 Em 1857 era iminente a saída de Grignaschi da prisão, e novo
pároco, padre Giovanni Battista Melino, achou oportuno convidar Dom Bosco e o
cônego Borsarelli di Refreddo para pregarem uma missão, com a finalidade de arrancar
ramificações residuais da absurda seqüela de erros. A pregação, a que estiveram
presentes Nossa Senhora vermelha e o Eterno pai, crédulos cidadãos subjugados pelo
visionário, foi pontuada por uma série de meditações sobre os novíssimos, entrelaçadas
com improvisas mortes reais e admoestadoras.6 Dom Bosco interessar-se-ia depois pela
recuperação do pobre padre, visitando-o na prisão de Ivrea, socorrendo-o e levando-o
à total “abjuração”, que o excomungado pronunciava perante seu bispo e duas teste-
munhas eclesiásticas autorizadas, entre as quais o teólogo Antonio Belasio, e a tornava
pública no jornal L’Armonia de 3 de julho de 1857.7 Ao sair da prisão, o padre iria
encontrar-se várias vezes com Dom Bosco no Oratório, retirando-se à vida privada na
Ligúria, miserável e isolado até a morte, 1883.8
Entretanto, em tranqüilo ambiente receptivo, realizava-se a missão popular, entre fins
de novembro e início de dezembro de 1857, em Saliceto Langhe, diocese de Mondovì.
Em Saliceto Langhe, Dom Bosco iniciava uma carta ao cônego Pio Galleani d’Agliano,
em 29 de novembro de 1857, com estas palavras: “Enquanto estou aqui em Saliceto para
pregar um curso de santos Exercícios Espirituais, dou uma olhada nas cartas a responder”.9
A viagem de Mondovì a Ceva foi rica de imprevistos, mas bem mais difícil, depois de Ceva,
partindo de Montezemolo em direção aos contrafortes dos Apeninos por estradas e trilhas
nevadas. O sucesso da pregação foi extraordinário entre a assídua população, que incitava
o eloqüente orador repetindo: “Continue! Continue!”, Cita-se a pregação mais caracte-
rística, que descrevia um imaginário itinerário da alma. Era a pregação da procissão,
ou melhor, de uma contra-procissão, que antecipava os futuros sonhos sobre o inferno.
4 Dibattimento nella causa criminale vertita davanti il Magistrato d’Appello di Casale contro il
sacerdote Francesco Antonio Grignaschi... e complici accusati di attacchi contro la religione
dello Stato e di truffa.... Casale, Tip. Corrado dirigida por Giov. Scrivano, 1850, 288 p.
5 Cf. T. Chiuso, La Chiesa in Piemonte…, vol. III, p. 310-313.
6 Cf. L’Armonia, n. 27, sexta-feira 1° de fevereiro de 1856; OE XXXVIII 30-32.
7 Cf. L’Armonia, n. 150, sexta-feira 3 de julho de 1857, p. 600.
8 Documenti V 149.
9 Em I 336.

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268 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Só uma pequena fileira encaminhava-se à porta luminosa da Jerusalém celeste; ao
contrário, estava abarrotado o cortejo que seguia, atrás do estandarte de uma estranha
figura, à porta que se abria nas muralhas escurecidas de uma tétrica prisão, através da qual
se entreviam caminhos que se aprofundavam em abismos sem retorno.10
2. Orientações ideais das Leituras Católicas
Um exame apenas sumário dos fascículos das Leituras Católicas dos primeiros
quinze anos – que dependem mais claramente da ação direta de Dom Bosco – evidencia
que o principal objetivo era a instrução e a educação religiosa e moral do povo e da juven-
tude, com particular acento no tema do antiprotestantismo, com caráter de prevenção
da fé católica.11 Símbolo e testemunho disso era a obra mais significativa do decênio
neste setor: O católico instruído em sua religião: entretenimentos de um pai de família
com seus filhos segundo as necessidades do tempo.12 Era o resultado de um projeto
ampliado durante a obra, como se depreende do plano mais limitado, pré-anunciado no
início da primeira parte.13 Trata-se de exposição popular que procura reproduzir as mais
ambiciosas dissertações teológicas e históricas “de vera religione”, “de ecclesia” e “de
historia haeresum”, e sobre apologética. A intenção preventiva era declarada expressa-
mente pelo pai aos filhos no discurso inicial: “Queridos filhos, os tempos que vivemos,
os perigos que ocorrem atualmente em questão de religião fazem-me temer intensa-
mente que, ao começardes a tratar com o mundo, vos deixeis arrastar a algum excesso,
e talvez também ao erro, com dano para vossas almas”; “por isso, desejo premunir-vos
quanto a alguns perigos do momento elucidando-vos os principais pontos de nossa
santa religião através de alguns entretenimentos”.14
O projeto era, provavelmente, excessivo para um homem assediado por mil outros
problemas, culturalmente menos preparado para um confronto de tanto empenho com
10 MB V 774-776
11 Cf. P. Braido, “L’educazione religiosa popolare e giovanile nelle Letture Cattoliche”,
p. 653-672; P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale..., p. 351-368; L.
Giovannini, Le Letture Cattoliche di don Bosco esempio di “stampa cattolica” nel secolo
XIX. Nápoles, Liguori, 1984.
12 A obra – de 111 + 340 p. – contém duas séries de entretenimentos, 12 na primeira e 42
na segunda. Saiu em seis fascículos das Leituras Católicas, alternados com outros, durante
1853: março, 10 de abril, 25 de maio, 10 e 25 de julho, 10 de setembro. A compilação é
generosamente tributária de vários autores: “Aimé é fonte do Cattolico istruito, junto com
Gerdil, Perrone, Bellarmino, Charvaz, santo Alfonso, Moore” (P. Stella, Don Bosco nella
storia della religiosità cattolica I 240, n. 33).
13 Cf. G. Bosco, Il cattolico istruito…, Oggetto di questi trattenimenti, pt. I, p. 5-6; OE IV
199-200.
14 G. Bosco, Il cattolico istruito…, Oggetto di questi trattenimenti, pt. I, p. 3-4; OE IV 197-198.

27.9 Page 269

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 269
dissidentes aguerridos e premido pelos tempos de publicação:15 um conjunto de dados
históricos e teológicos, e de documentações e interpretações que não podia deixar de
causar admiração e irritação nos homens mais preparados do outro lado. No opús-
culo publicado nas Leituras Católicas em abril de 1854, ele defendia a própria obra de
compilador, garantindo que hauria “de outros livros de maior mole, os quais – escla-
recia – na maior parte são citados ao pé da página”, e não tinha intenção de “imprimir a
mínima notícia – dizia – que se refira aos protestantes, sem ter documentos que resistam
a qualquer prova”.16 Confiava em autores que considerava cientificamente irrepreensí-
veis e estava animado por duas grandes paixões: a defesa da fé das pessoas simples,
entre outras coisas, contra formas de proselitismo invasor e agressivo, e a conversão dos
que estão em erro, sobretudo dos católicos passados à heresia.
Os entretenimentos podem ser classificados em quatro grupos. Os doze da primeira
parte retomam as temáticas da apologética clássica ou teologia fundamental: existência
de Deus e da religião, possibilidade e necessidade da revelação, sua atuação histó-
rica no Antigo Testamento, plenamente realizada no Novo em Cristo e perpetuada na
Igreja Católica. O segundo núcleo, formado pelos primeiros doze entretenimentos da
segunda parte, é dedicado à Igreja Católica, entrelaçando considerações apologéticas
e dogmáticas: o conjunto é consagrado a demonstrar que somente ela é a “Sociedade”
que conserva “a Religião de Jesus Cristo” e exibe os caracteres da Igreja fundada pelo
Salvador. Uma terceira série de catorze entretenimentos percorre a história do isla-
mismo e das confissões cristãs não-católicas, do cisma grego até as três grandes “here-
sias” modernas, luteranismo, calvinismo, anglicanismo, com particular atenção aos
valdenses. Enfim, dezesseis entretenimentos têm caráter de controvérsia, voltados a
demonstrar contra os protestantes sua infidelidade à doutrina de Jesus Cristo, as contra-
dições, as “variações” arbitrárias, a “mistura confusa” das reformas: todas convergentes
para o erro fundamental que “consiste na interpretação livre da Bíblia, que comumente
se costuma denominar espírito privado”.17
O primeiro grupo é destinado, sobretudo, aos judeus que ainda esperam o Messias, ao
passo que ele se identifica com “Jesus Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem”.18
As responsabilidades dos judeus são delineadas segundo o modelo de uma inadequada
polêmica completamente negativa. “A maioria mostrou-se obstinada e, favorecendo
os erros dos escribas e fariseus, esforçaram-se de todos os modos para que o Messias
fosse entregue à morte”. Tal obstinação foi predita pelos profetas: estes “disseram
15 Demonstram-no os mesmos erros na numeração dos entretenimentos: na primeira série são
saltados os números VII e VIII, na segunda, o número XVI.
16 Raccolta di curiosi avvenimenti contemporanei esposti dal Sac. Bosco Gioanni. Turim, Tip.
dir. por P. De-Agostini, 1854, p. 32-41; OE V 400-409.
17 G. Bosco, Il cattolico istruito..., pt. II, Entretenimento XXXIV: Errore fondamentale,
p. 245-252; OE IV 245-258.
18 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. I, Entretenimento XII [X]: Gesù Cristo vero Dio e vero
Uomo, p. 50-58; OE IV 244-252.

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270 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
claramente que, devido a esta cegueira voluntária, seriam expulsos de suas cidades,
dispersos pelas várias partes do mundo, sem rei, sem templo, sem sacerdócio”. Jesus
mesmo, “à vista do enorme deicídio que esse povo se preparava para cometer na pessoa
de quem viera para salvá-lo”, tinha predito a destruição de Jerusalém e a dispersão do
povo; mais, “neles a profecia do Evangelho torna-se verdade todos os dias, ou seja,
que esse povo vive disperso sem rei, sem templo, sem sacerdote, marcado pelo sinal da
divina reprovação”.19
O tema da Igreja Católica é central em O católico instruído, como de resto, explícito
ou implícito, o é no conjunto da educação religiosa dada por Dom Bosco aos jovens.
Ele, com efeito, mais do que teólogo ou apologista ou polemista de profissão, quer ser
pastor de almas, catequista, educador cristão. Quando escrevia, pensava no Oratório e no
povo que encontrava nas missões populares, em situação de risco diante de uma propa-
ganda protestante que, segundo ele, arrancando-os da Igreja Católica, roubava-lhes os
meios necessários à salvação, quando era certo que “a verdadeira religião conserva-se
na Igreja de Jesus Cristo, fora da qual ninguém pode se salvar”.20 Portanto, se em sua
concepção de Igreja parece dominar o aspecto estrutural, na verdade o fundamento é,
mais do que qualquer outra coisa, sua realidade salvífica, santificante, vital.
A insistência em atribuir exclusivamente à Igreja Católica as quatro “notas”
características – una, santa, católica, apostólica – não tinha apenas finalidade apolo-
gética, mas compreendia, antes de tudo, sua vigorosa afirmação como única garante
da presença permanente de Deus que, em Cristo, concede graça e salvação eterna.
A unidade é, mais do que estrutural, antes de tudo, geradora de graça. Só a Igreja
Católica possui “uma mesma fé”, “um só Batismo, um só Deus, um só Salvador que é
Jesus Cristo”, “um mesmo culto, uma só moral, um só governo”.21 Sumamente impor-
tante para a pedagogia da salvação, na mesma linha que a História eclesiástica de 1845,
era a santidade. “Jesus Cristo – afirmava peremptoriamente o autor – é por essência
própria santidade, segue-se de aí que sua Igreja deve ser toda pureza e santidade”. Não
só deve ser, mas é santa “porque está na posse dos recursos mais eficazes para santi-
ficar as almas, como são os Sacramentos, o Sacrifício da Missa, a oração pública [=
litúrgica], os conselhos evangélicos e outros”; “porque em todos os tempos e em todos
os lugares sempre houve um grande número de santos”; e – outra característica já subli-
nhada na História eclesiástica – “porque em todos os tempos Deus demonstrou com
explêndidos milagres aprovar o culto que lhe é prestado nesta Igreja”.22
Nessa luz deve ser lido tudo o que de exterior Dom Bosco escreve a respeito da
apostolicidade da Igreja, visto que tanto a estrutura quanto a santidade têm suas raízes
19 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. I, Entretenimento XIV: Cenno sopra gli Ebrei [p. 59-73],
p. 60-61, 64; OE IV 254-255, 258. Sobre o delito de “deicídio” e da conseqüente dispersão já
tinha falado na Storia ecclesiastica (1845), p. 52, 56-57; OE I 210, 214-215.
20 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento II, 85 e 86; OE IV 279 e 280.
21 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento IV 95; OE IV 289.
22 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento V 99-100; OE IV 293-294.

28 Pages 271-280

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28.1 Page 271

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 271
no mesmo Cristo, que está na origem de toda sucessão apostólica válida. Ela está
“fundada nas verdades ensinadas por J. C. e pregadas pelos Apóstolos”, e ainda hoje
por seus sucessores a eles unidos em seqüência ininterrupta.23 A característica da catoli-
cidade e da romanidade tem princípio idêntico, pois o bispo de Roma é sucessor de são
Pedro, Vigário de Jesus Cristo na terra,24 porque a Igreja Romana “crê e professa todas
as verdades ensinadas por Jesus Cristo e pelos outros Apóstolos” e, além disso, “porque
se estende desde hoje até Jesus Cristo, seu fundador”.25
Sem querer cobrir gratuitamente com etiquetas doutas uma doutrina catequética de
extrema simplicidade, é inegável que a cristologia está na base da eclesiologia. Não se
pode prescindir dela quando se quer ler corretamente os entretenimentos eclesiológicos
que tratam da hierarquia eclesiástica, da autoridade dos concílios, da Igreja e do papa,
enfim da visibilidade da Igreja e do seu chefe.
Contra a tese da invisibilidade e interioridade da Igreja, sustentada pelos protes-
tantes, é certo que Dom Bosco insiste com tal força na afirmação de sua visibili-
dade a ponto de ignorar aparentemente o aspecto do qual, porém, quer simplesmente
negar a exclusividade. “No Evangelho – escreve – a Igreja é comparada a coisas
todas visíveis. Jesus compara-a a um GRANDE EDIFÍCIO, do qual Pedro é pedra
fundamental; compara-a a uma MONTANHA, a um REINO, a um CAMPO, a uma
VINHA, a um TERRENO, a um REBANHO, coisas todas bem visíveis”;26 a “Igreja
Católica Romana” é um “edifício” “com mais de mil e oitocentos anos combatido
com os golpes mais impetuosos, mas que apesar disso mostra-se visível, sempre belo,
sempre grande e majestoso”;27 é mais simplesmente assemelhada a uma família e a
um rebanho, governado pelo “Papa, pai universal de todos os fiéis cristãos, pastor
supremo do rebanho de Cristo”.28
Não é totalmente clara a relação que Dom Bosco estabelece entre autoridade dos
concílios ecumênicos – a primeira de que fala (entretenimento IX) –, autoridade da
Igreja (entretenimento X) e autoridade do papa (entretenimentos XI e XII). Os concílios,
se “presididos” “pessoalmente ou por meio de seus legados” “e aprovados pelo Papa”,
“são infalíveis”.29 “A autoridade que os ministros da Igreja exercem no sagrado minis-
tério foi-lhes dada realmente por Jesus Cristo”; aos ministros, ou seja, “os Apóstolos e
seus sucessores”, estabelecendo-os “juizes supremos nas coisas de Religião”, ele asse-
gurou que os teria garantido contra todo perigo de erro: “Eu estarei convosco omnibus
23 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento VII, p. 107; OE IV 301.
24 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento II, p. 194; OE IV 288.
25 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento VI, p. 103; OE IV 297.
26 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XI, p. 26-28; OE IV 332-334.
27 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XI, p. 36; OE IV 342; cf. também pt.
I, Entretenimento XI, p. 26; OE IV 332.
28 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento X, p. 22; OE IV 328; sobre a Igreja-
família, Cf. pt. II, entretenimento. XII 41, OE IV 347.
29 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento IX, p. 9-10; OE IV 315-316.

28.2 Page 272

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272 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
diebus todos os dias até o fim do mundo”.30 A autoridade de ensino na Igreja reside
em seu grau máximo no papa, assim como a autoridade de governo.31 Esta, sobretudo,
parece reservada exclusivamente ao papa,32 enquanto os bispos parecem seus funcio-
nários: “Ele é isto: um pai que, ao receber as ordens de Deus, comunica-as aos Bispos,
os Bispos aos Párocos, os Párocos a nós: harmonia maravilhosa, com que um homem
da mais baixa condição pode, de certa maneira, falar com o próprio Deus e, quando
preciso, aconselhar-se com o mesmo Deus”.33 “Para Dom Bosco, está de acordo com a
natureza das coisas que a Igreja seja hierárquica, ou melhor, monárquica”,34 quase uma
monarquia teocrática.35 O governo do papa é, em definitivo, o sinal mais consistente da
visibilidade da Igreja.36
Poderia parecer que o apologeta tenha superado o pastor de almas. Entretanto, Dom
Bosco reage, perguntando a seus contraditores: “Jesus Cristo fundou a Igreja para que
pudesse dar salvação a todos os homens, mas como podem vir a ela se estiver oculta?”;37
de modo que os fiéis pudessem conhecer [e viver!] a santidade da Igreja “sem um chefe
visível que em nome de Deus, assistido por Deus, distinga a verdade do erro, o justo
do injusto?”; como poderiam “buscar um centro para conservar a mesma fé, a mesma
doutrina e reconhecer os verdadeiros sacramentos instituídos por Jesus Cristo, se faltar
um chefe, um mestre que os torne seguros disso?”.38 Na realidade, o papa não é a última
instância. O fundamento é Jesus Cristo, e a fórmula “Igreja de Jesus Cristo” ocorre
continuamente no discurso eclesiológico de Dom Bosco. É indubitável que para ele
só essa Igreja fortemente hierarquizada e piramidal está estruturalmente habilitada a
garantir a salvação, porque tem como fundador e fundamento perpétuo “um arquiteto
onipotente”, “Jesus Cristo”.39
Quase dois terços do volume são dedicados à história dos erros e à controvérsia. Não
se destinam a fazer com que os leitores conheçam as idéias dos heréticos para entrar em
diálogo com eles, mas apenas levá-los a detestá-las e a guardar-se de qualquer contato
com eles. “Devemos fugir com grande horror de sua doutrina, estar longe deles, evitar
estabelecer com eles qualquer familiaridade: rezar ao Senhor Deus a fim de que use de
31 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento X, p. 21-22; OE IV 327-328;
Entretenimento XI, p. 27; OE IV 333.
32 Cf. G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento X, p. 22; OE IV 328.
33 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. 11, Entretenimento IV, p. 96; OE IV 290.
34 P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica II 133.
35 As idéias de Dom Bosco inserem-se, menos elaboradas, em correntes teológicas já
dominantes no século XIX: Cf. Y. M. J. Congar, L’écclésiologie de la révolution française au
concile du Vatican, sous le signe de l’affirmation de l’áutorité, in: M. Nédoncelle e al (org.),
L’écclésiologie du XIXe siècle. Paris, Les Editions du Cerf, 1960, p. 90-91, cf. 95-106.
36 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XII, p. 37-47; OE IV 343-353.
37 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XI, p. 35; OE IV 341.
38 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XII, p. 39; OE IV 345.
39 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XI, p. 36; OE IV 342.

28.3 Page 273

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 273
misericórdia para com eles e os ilumine com sua graça”; “a astúcia, a malícia refinada
que usam os inimigos da religião leva a truncar qualquer familiaridade com eles”.40
A apresentação deles é, de fato, totalmente negativa e, pela informação histórica e
o vigor apologético, não se pode dizer que o autor possa ser acolhido como modelo
e mestre, porquanto o mova a indubitável paixão ecumênica do “ut unum sint”.
O primeiro entretenimento do grupo histórico é dedicado ao Islamismo, a primeira
de uma série de religiões, “que – escreve Dom Bosco – não têm as características da
divindade, e que nós chamamos de falsas religiões”. O agrupamento resulta claramente
artificial: elas “podem ser reduzidas ao judaísmo, à idolatria, ao islamismo, e às seitas
cristãs professadas por gregos cismáticos, valdenses, anglicanos e protestantes”.41
“Por Islamismo – começa – entende-se uma coleção de máximas tiradas de várias reli-
giões, que, se praticadas, chegam a destruir qualquer princípio de moralidade”. Ele
remonta a Maomé, “esse famoso impostor”, cuja “religião” “consiste numa monstruosa
mistura de judaísmo, paganismo e cristianismo” como eram praticados pelos “povos
da Arábia”, “parte judeus, parte cristãos, e outros pagãos”. Maomé – continua –, “para
iludir a todos, tomou uma parte da religião professada por eles e selecionou especial-
mente os pontos que podem favorecer melhor os prazeres sensuais”. A diferença entre
a Igreja Cristã e a Islâmica é “enorme”, com efeitos diametralmente diversos: “Enfim,
a Religião Cristã, de certo modo, torna o homem feliz neste mundo para elevá-lo aos
gozos do céu; Maomé degrada e avilta a natureza humana, e, pondo toda felicidade nos
prazeres sensuais, reduz o homem ao grau dos animais imundos”.42
Particularmente polêmicos são os capítulos dedicados aos adversários mais próximos
e tidos como mais perigosos, os valdenses. Tratam da Verdadeira origem dos Valdenses,
dos muitos sinais da Má fé dos ministros Valdenses, da Separação dos Valdenses da
Igreja de J. C.43
Quanto às raízes históricas, “com o coração afligido” pela “ignorância generalizada
das populações” e “a má conduta de alguns eclesiásticos”, que foram uma das três
causas que serviram de pretexto aos “promotores da nova reforma”, ele fala primeiro
de Lutero, depois de Calvino e Beza, e enfim do cisma anglicano.44 O desprezo pelas
pessoas é o instrumento primário para o aviltamento das doutrinas. Por isso, o pai conta
“de bom grado” aos filhos “a vida desses dois heresiarcas”, Lutero e Calvino, para que
possam “conhecer sua péssima conduta e serem capazes de julgar em que conta se deve
ter a sua doutrina”.45
40 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento X, p. 24-25; OE IV 330-331.
41 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XIII, p. 50; OE IV 356.
42 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XIII, p. 50-51, 53-56; OE IV 356-357,
359-362; cf. também G. Bosco, Storia ecclesiastica (1845), p. 173-176; OE I 331-334.
43 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimentos XV-XIX, p. 62-100; OE IV 368-406:
salta-se, na série do número XV ao número XVII.
44 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, respectivamente, Entretenimentos XXXXIII, XXIV
e Entretenimentos XXV, XXVI-XXVII, p. 101-127, 127-137 e 137-142, 142-157; OE IV
407-433, 433-443 e 443-448, 448-463.
45 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XX, p. 102; OE IV 408.

28.4 Page 274

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274 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Lutero era “homem extravagante sob todos os pontos de vista”; “possuía inteli-
gência audaciosa, espírito empreendedor, mas soberbo, ambicioso, pronto às rebeliões,
às calúnias, dado a todo vício, e especialmente à impudicícia”; “à força da hipocrisia
manteve por algum tempo escondida a perversidade do coração, e chegou a fazer-se
ordenar sacerdote”; enfim, os superiores perceberam “que ele era orgulhoso, inso-
lente, desobediente a todos, por isso foi dispensado do claustro”. Lutero, então “tirou
a máscara, abandonou o hábito religioso, fugiu do convento” e, colhendo a ocasião da
pregação das indulgências, em 1517 pôs-se “a pregar contra a Religião em que nascera,
em que fora educado e à cuja defesa tinha-se consagrado com voto solene”, “dando
depois livre curso a todas as doutrinas mais radicais”.46 Após a morte inquieta, angus-
tiada e cheia de remorsos, “sua alma teve que ir ao Juiz Supremo para prestar contas de
tantas maldades que cometeu em sua vida, e de tantas almas que, por sua culpa, foram,
e infelizmente ainda irão, à condenação eterna”.47
Não é melhor evocada a vida de Calvino. Nascido com “índole inquieta e auda-
ciosa” numa família por nada edificante, “começou a girar pelo mundo aos 14 anos de
idade, corrompeu os costumes e começou logo a viver uma vida dissoluta”. “Condenado
por um delito abominável”, inominável, foge e entrega-se aos estudos em Orléans e
Bourges. Pela ação de um luterano aderiu à heresia, tornando-se mais adiante “here-
siarca: isto é, chefe de hereges”, fazendo “nova mistura dos erros de Lutero e de outros
hereges”, “de modo que suas máximas” “podem-se ensinar não aos homens, mas aos
animais”. “Apóstolo da iniqüidade”, “em todos os lugares nos quais pôde exercer a
própria autoridade, entregou-se a toda sorte de vícios, e viveu como tirano”. A morte
foi coroamento digno de tal vida. No “terrível momento” de ter que se apresentar “ao
tribunal de Deus”, “faltou-lhe a coragem”: “invocava a Deus” e “blasfemava contra ele,
chamava os demônios”, “maldizia seus estudos e escritos, até que, reduzido seu corpo
a um formigar de vermes e chagas, que transmitiam mal cheiro insuportável, resultado
assustador e castigo justo de seus hábitos criminosos, expirou miseravelmente”.48
A cultura de Dom Bosco é rudimentar nesse campo. Usava a mesma linguagem já
na História eclesiástica em relação aos “Sacerdotes judeus, Doutores da lei, Fariseus
hipócritas, inimigos terríveis do Salvador”.49 É cultura haurida numa variada literatura
histórico-apologética não avaliada criticamente, mas simplesmente selecionada para
um público que se contenta facilmente, segundo estruturas mentais formadas através
do ensino dos manuais seminarísticos e de leituras pessoais.
46 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XX, p. 106-109; OE IV 412-415.
47 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XXI, p. 116-118; OE IV 422-424; cf.
também G. Bosco, Storia ecclesiastica (1845), p. 301-302; OE I, 459-460.
48 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XXIV, p. 128-133, 136-137; OE IV
434-439, 442-443; cf. também G. Bosco, Storia ecclesiastica (1845), p. 292, 306; OE I 450,
464.
49 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, 1845, p. 28-29, 31-32; OE I 186-187, 189-190.

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 275
A longa polêmica, porém, que chega facilmente aos limites da diatribe impiedosa,
termina com um entretenimento iluminado por seu anseio pastoral mais íntimo, que
supera nitidamente as evidentes lacunas culturais. São “duas palavras” dirigidas aos
ministros e seus fiéis. A polêmica confunde-se com o convite urgente a pensar seria-
mente na própria salvação, apelando também ao tuziorismo. Se acreditais realmente
que a Bíblia é clara – ele raciocina – e que o Espírito Santo a todos ilumina, a que
serve vossa pregação? Sobretudo se acreditais que também na igreja católica é possível
salvar-se, enquanto esta pensa que se perde quem persevera na igreja protestante, por
que não preferir a solução tida como certa quer pelos católicos quer pelos protestantes?
Brota então uma apaixonada exortação aos católicos, protestantes e pastores refor-
mados. Aos primeiros e aos segundos diz simplesmente: “Ó Católicos, vivei tranqüilos
em vossa religião, e cuidai-vos bem para não vos fazer protestantes. E vós, Protestantes,
se quiserdes garantir a eterna salvação, fazei-vos Católicos”.
Mais articulado e acalorado é o apelo aos pastores, convidando-os a tornar própria a
exortação precedente e chamando-os a refletir sobre suas tremendas responsabilidades:
“se falardes assim, fareis um grande bem a vós mesmos, e tirareis a muitos do engano.
Caso contrário, enganareis a vós mesmos, enganareis muitas almas que, incautamente,
vão escutar-vos”; e então, como podereis responder “ao Juiz Supremo, quando vos
pedir contas das almas que fizestes caminhar para longe dos caminhos da certeza do
Catolicismo, para encaminhá-las, segundo vós, pelo caminho da incerteza de salvar-se;
e, segundo todos os Católicos, por uma estrada que inevitavelmente vos conduz à eterna
perdição? Estas são palavras de um irmão vosso, que vos ama, e vos ama muito mais do
que possais acreditar. Palavra de um irmão que se oferece a si mesmo e quanto possa
ter neste mundo pelo bem das vossas almas. Todo tomado de terror e temor pela incer-
teza da salvação de vossa alma e da de vossos seguidores, elevo os olhos e as mãos ao
Céu, convidando-vos a vós e a todos os bons a pedir ao Deus das misericórdias queira a
todos iluminar com os raios de sua graça celeste; de modo que, retornando ao rebanho
paterno de Jesus Cristo, possamos dar grande alegria ao paraíso inteiro, paz às vossas
almas e fundada esperança de salvação para todos”.50
A exortação, como se verá, tornar-se-ia invocação tocante num livrete do ano
seguinte, Conversão de uma valdense.
3. Entre apologética e devoção popular (1853-1854)
O opúsculo Notícias históricas sobre o milagre do Santíssimo Sacramento, do
mesmo ano, era dirigido apenas aos católicos, embora com acento apologético.51
50 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento XLIV: Due parole ai Ministri
Protestanti, p. 331-332; OE IV 637-638.
51 [G. Bosco], Notizie storiche intorno al miracolo del SS. Sacramento avvenuto in Torino il 6
giugno 1453 con un cenno sul quarto centenario del 1853. Turim, Tip. dir. por P. De-Agostini,
1853, 48 p.; OE V I 48.

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276 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Dom Bosco dirige-se a eles já na apresentação da publicação ocasional, tocando logo
o tema do milagre, prova da exclusiva verdade da Igreja Católica: “O Senhor abençoe
todos os Turinenses e conserve todos os Católicos na Santa Fé Católica, única reli-
gião que pode apresentar verdadeiros milagres como confirmação das verdades que
professa”.52 Os milagres têm o valor de ser argumento irrefutável da verdade católica:
“Nós temos os documentos mais seguros de que, desde Jesus Cristo até nossos dias, em
todos os séculos, em todos os anos, e, podemos dizer, em todos os dias são realizados
milagres na Igreja Católica”, enquanto os protestantes não podem “mostrar-nos um
só milagre em favor de sua seita”. Condensa a argumentação num sucinto silogismo:
“Só Deus pode realizar milagres”, “estes milagres” foram realizados “somente na
religião católica”, portanto, “somente nós católicos estamos na verdadeira religião”.53
Apenas na História da Itália, Dom Bosco preocupar-se-ia em responder aos leitores
que houvessem duvidado da absoluta validade dessa argumentação, postos em crise
pelos encantamentos de “um homem extraordinário de nome Apolônio, da cidade de
Tiano”. Creio que “gostaríeis de perguntar-me: o que são os magos? Apolônio disse
a verdade?” – escreve dirigindo-se aos que estão em dúvida –. Tranqüiliza-os distin-
guindo dom divino e saber humano: “Os verdadeiros milagres e as verdadeiras profecias
só podem vir de Deus, que jamais as permite como confirmação da mentira. Quanto a
Apolônio, pois, eu creio que ele tenha podido muito bem, mesmo distante, saber a hora
da morte de Domiciano, porque era consciente e, talvez, cúmplice da conjura tramada,
informado do dia e da hora em que devia acontecer. De modo que nada de sobrenatural
aconteceu sobre os fatos do mago Apolônio”.54
O milagre turinense, porém, fora operado por Deus em vista de autênticos fins salví-
ficos. Estes são ilustrados no Diálogo entre um turinense e um forasteiro, acrescentado
às notícias históricas: “2° Para confirmar os Católicos nessa grande verdade ensinada
pela Igreja Católica; ou seja, que na Santíssima Eucaristia há realmente Corpo, Sangue,
Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, vivo e glorioso como no céu. 3°
Para dar a todos os Cristãos um argumento sensível dessa verdade contra os hereges
Valdenses, que naqueles tempos já se tinham introduzido nos vales de Luserna perto
de Pinerolo, e que negavam, como negam ainda hoje, a presença real de Jesus Cristo
na santa Eucaristia (...). Enfim, Deus dispôs que a memória desse glorioso aconteci-
mento fosse conservada e transmitida até nós com toda segurança, para que servisse aos
Turinenses como baluarte contra os assaltos da heresia, que sob especiosa, mas sempre
mentirosas formas, procura caminhar entre os católicos”.55
No opúsculo Fatos contemporâneos em forma de diálogo (1853), os juízos sobre
alguns aspectos do protestantismo ainda são sumários e cortantes. Depois da conversa
52 [G. Bosco], Notizie storiche intorno al miracolo…, p. 4; OE V 4.
53 [G. Bosco], Notizie storiche intorno al miracolo…, p. 5; OE V 5.
54 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 121-122; OE VI I 121-122.
55 [G. Bosco], Notizie storiche intorno al miracolo…, p. 26-27; OE V 26-27.

28.7 Page 277

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 277
com um ministro protestante, João vai embora murmurando sozinho: “Eu não quero
abraçar uma religião cujos ministros têm a casa cheia de mulheres e de crianças; uma
religião que não tem chefe nem tem sacramentos, não apresenta nenhuma característica
da divindade”.56 “Já ouvira falar muitas vezes – confia ao amigo Félix – que a pregação
mais poderosa dos Protestantes era o dinheiro, e jamais o pudera crer, até que tive de
fato a prova disso”.57 Não o tinha desiludido menos o despojado templo protestante:
“Existisse em suas igrejas ao menos algum objeto que pudesse inspirar devoção, como
era aquele dos Judeus! (...); nem uma cruz, nem uma estátua, nem um altar; nada enfim
daquelas coisas que moviam a devoção nas igrejas dos Judeus, e nada daquelas coisas
que, com muito mais expressão, levam a religiosos afetos nas igrejas dos Católicos”.58
Entretanto, Dom Bosco quereria persuadir os leitores de que as intenções de seu
trabalho apologético eram irênicas e conciliadoras, como ele garantia na apresentação
do Drama teatral: Disputa entre um advogado e um ministro protestante de 1853.
Depois de garantir que se apresentavam ali “fatos históricos”, ou seja, realmente acon-
tecidos, confessa: “Em tudo o que aqui se diz de Protestante, entendo excluir qualquer
alusão pessoal, tendo unicamente em vista sua doutrina e os erros nela contidos”; e
“enquanto a variedade e o entrelaçamento das coisas tornarão agradável o entreteni-
mento, o erro será também manifestado e a verdade conhecida para a maior glória de
Deus, para vantagem das almas e decoro da nossa Santa Católica Religião”.59 Com
essa finalidade, durante a ação cênica, os atores discutem sobre a fé e suas obras, o
sacramento da penitência, o papa e os bispos, “pastores secundários que, unidos num
só coração e numa só alma com o Chefe supremo da Igreja, atendem à saúde das almas
redimidas com seu sangue precioso”.60
A narração biográfica Conversão de uma valdense61, de 1854, mais que abando-
nar-se à discussão teórica, era destinada, com a mesma evocação dos fatos conflitantes
da adesão à Igreja romana da protagonista – Josefa –, a demonstrar convincentemente
a superioridade da fé católica sobre a confissão valdense. Há na Igreja alegria de viver,
comunhão fraterna, laboriosidade, porque “só na Religião Católica (...) existem as
ajudas necessárias para não se cair no pecado e os remédios oportunos para cancelá-lo,
se, por desgraça, aconteça-nos cometê-lo”; [isso se dá] com o perdão no sacramento
da penitência, a fé na presença real de Jesus Cristo na eucaristia, a veneração da bem-
56 [G. Bosco], Fatti contemporanei esposti in forma di dialogo. Turim, Tip. dir. por P. De-Agostini,
1853, p. 9-10; OE V 59-60.
57 [G. Bosco], Fatti contemporanei…, p. 15; OE V 65.
58 [G. Bosco], Fatti contemporanei…, p. 17; OE V 67.
59 [G. Bosco], Dramma. Una disputa tra un avvocato ed un ministro protestante. Turim, Tip. dir.
por P. De-Agostini, 1853, p. 3-4; OE V 103-104.
60 [G. Bosco], Dramma. Una disputa…, p. 51-53; OE V 151-153
61 [G. Bosco], Conversione di una valdese: fatto contemporaneo. Turim, Tip. dir. por P.
De-Agostini, 1854, 108 p.; OE V 249-367: são os dois primeiros fascículos do segundo ano
das Leituras Católicas (março de 1865).

28.8 Page 278

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278 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
aventurada Virgem Maria, as práticas religiosas, a certeza de estar na autêntica Igreja
dos apóstolos, cujo chefe é o papa, vigário de Jesus Cristo e sucessor de são Pedro, e a
presença discreta e tranqüilizadora do sacerdote, amavelmente paterno.
“Vossa religião tem a verdadeira confissão, os verdadeiros ministros, os verdadeiros
pastores”,62 diz, admirada, Josefa às amigas católicas. “O simples confronto do protes-
tantismo com o catolicismo – conclui Dom Bosco –, podemos dizer ter sido a luz que
fez Josefa conhecer a nulidade da religião valdense”.63 Esse é o tema do apelo final aos
católicos ao reconhecimento e à fidelidade e, sobretudo, do ardente convite aos irmãos
separados para retornarem. “A Igreja Católica – garante e esconjura – qual mãe piedosa
estende-vos os braços: vinde e retornai à religião que foi também por mil e quinhentos
anos a religião de vossos pais; vinde e retornai ao rebanho de Jesus Cristo e reuni-vos
ao Pastor Supremo (...), retornai ao rebanho que vossos antigos abandonaram”.
Súplica especial é dirigida aos “ministros, pastores valdenses e protestantes”.
Pede-lhes conversão radical à fé católica: vós “que andais a pregar que faz mal quem
abandona a própria religião, vós, segundo vossas mesmas palavras, deveis dizer aos
católicos que se cuidem bem de abandonar a religião em que nasceram e foram criados
e instruídos. Deveis dizer aos protestantes que vossos antepassados eram católicos e
que fizeram mal em abandonar o catolicismo, e que o único meio de remediar esse mal
é retornar à mesma religião que antigamente vossos antepassados abandonaram. Vós,
pois, que, melhor que os outros, conheceis essas verdades, sede os primeiros a dar bom
exemplo (...). Se assim fizerdes, reparareis a ruína eterna de tantas almas, que vos escu-
tarão, reparareis a ruína da vossa alma e vos salvareis. Coragem, pois, ó protestantes
e valdenses, e vós todos que seguis alguma reforma fora da Igreja Católica, renovai
no mundo cristão o maravilhoso espetáculo dos primitivos tempos do cristianismo, e
teremos um só coração e uma só alma. Eu, em nome de Deus, posso garantir-vos que
todos os católicos estenderão amorosos os braços para acolher-vos com alegria”.64
Nesse mesmo zelo pastoral inspiravam-se duas cartas, de alguns meses depois, a
Luigi Desanctis (1808-1869), padre religioso romano que, em 1847, tendo aderido às
idéias protestantes, abandonava a Igreja Católica e fugia para Malta, ali trabalhando
como evangelizador e iniciando intensa atividade de apologeta, sobretudo contra a
Igreja Católica. Em junho de 1849 contraía matrimônio e, em março de 1850, trans-
feria-se a Genebra. Ligado à “Église évangélique libre”, aproximava-se gradual-
mente da melhor estruturada Igreja Valdense e, em 1852, era consagrado pastor com
o mandato de transferir-se para Turim e colaborar com Meille. Aí chegava em fins de
setembro. Entretanto, devido aos conflitos com o autoritário Meille e a intransigência
do Moderador e da Távola, entrava numa atormentada crise, que o levava, em setembro
62 [G. Bosco], Conversione di una valdese, p. 17, 21, 29, 32, 37-38, 54, 65-67, OE V 275, 279,
287, 290, 295-296, 312, 323-325.
63 [G. Bosco], Conversione di una valdese, p. 103, OE V 361.
64 [G. Bosco], Conversione di una valdese, p. 105-107, OE V 363-365.

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 279
de 1854, primeiramente a apresentar, depois a retirar, sua demissão, aderindo, em todo
caso, como livre evangelizador, à Sociedade Evangélica Italiana de Turim, de orien-
tação congregacionalista. Foram meses de profundas rupturas interiores e de confrontos
apaixonados. Retornaria à confissão valdense em 1864, em Florença, onde passou os
últimos anos de vida.65
Durante a crise turinense, Dom Bosco acreditou ver o momento favorável, verda-
deiro tempo de graça, propício ao encontro com um padre que, de dissidente, se tornara
mestre de erro. Escrevia-lhe: “A partir de algumas coisas impressas nos jornais, que dão a
entender que V. S. está em desacordo com os Valdenses, levado unicamente pelo espírito
de afeto e de caridade cristã, eu o convido a vir à minha casa, se for de seu agrado. Fazer
o quê? Aquilo que nosso Senhor lhe inspirar. Terá um quarto para ficar, terá comigo uma
modesta mesa, dividirá comigo o pão e o estudo”.66 À resposta que parece abrir algum
indício de encontro, Dom Bosco replicava oferecendo-lhe “a humilde mas leal amizade”,
citando nomes de sacerdotes turinenses que estavam próximos do irmão apóstata com
igual caridade, cônego Anglesio, teólogo Borel, padre Cafasso, e propondo um encontro
no Oratório ou junto ao próprio Desanctis.67 Não se conhece a resposta, mas numa carta
ao mesmo, de 26 de maio de 1855, Dom Bosco exprimia ainda sentimentos amigáveis
de preocupação e esperança: “De seus escritos e palavras, que me fazem pressentir que
V. S. Caríssima não esteja de todo tranqüilo, esperava também uma circunstância propícia
para poder-lhe manifestar os vivos sentimentos que tenho por sua salvação eterna; e o
Sr., já que me fez o dom de sua amizade, me manifestasse face a face suas esperanças e
temores. Não já com o espírito de disputar, o que não deve existir entre os amigos, mas
de discorrer e conhecer a verdade. Estava, por isso, ansioso [sic] por revê-lo. Agora lhe
direi com sinceridade que desejo, e desejo de todo o coração, a salvação de sua alma e
que estou disposto a fazer todos os sacrifícios espirituais e temporais a fim de ajudá-lo.
Resta somente que V.S. me diga se lhe parece estar tranqüilo e de poder salvar-se; se
julga que um bom católico possa salvar-se em seu atual sistema religioso; se lhe parece
ter maiores garantias de salvação um católico ou um dissidente”.68
Antes de Dom Bosco, também irmã Assunta Canevari escrevera, no dia 29 de setembro
de 1854, a Desanctis, a quem conhecera no hospital São Bartolomeu, em Gênova, muito
zeloso no assistir aos coléricos da epidemia de 1935-37, quando o sacerdote romano
era religioso dos Clérigos Regulares Ministros dos Enfermos (camilianos). Aflita ao
saber que estava aprisionado na heresia, esconjurava-o a pensar na salvação da própria
alma e retornar ao seio da Igreja.69 Desanctis já fizera sua escolha, não totalmente clara,
65 Cf. V. Vinay, Luigi Desanctis e il movimento evangelico fra gli italiani durante il Risorgimento,
já citado; verbete “De Sanctis, Luigi”, in: Dizionario biografico degli italiani, vol. 39 (1991),
p. 313-316.
66 Carta de 17 de novembro de 1854; Em I 237.
67 Carta de 30 de novembro de 1854; Em I 239.
68 Carta de 26 de maio de 1855; Em I 254. A carta não obteve resposta.
69 Cf. E. Comba, Storia de’ Valdesi. Florença, Claudiana, 1893, p. 390.

28.10 Page 280

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280 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
segundo Dom Bosco. De fato, escrevia por aqueles dias: “De algumas correspondências
e de alguns colóquios que alguém teve com De Sanctis, fiquei sabendo que abandonou o
catolicismo não por motivos religiosos, e que por motivos realmente estranhos à religião
continua a viver no atual sistema de crença”.70
Dom Bosco retomava sua liberdade de apologeta ao fazer alvo de polêmica aquele
de quem tentara aproximar-se com amizade sincera. Tinha-o provocado a leitura de
um opúsculo contra a concepção católica do sacramento da penitência, que Desanctis
publicara em Malta em 1849 e reeditara em Pinerolo em 1852.71 Tratava-se de um tema
muito sensível para o padre dos jovens e do povo, que considerava a confissão uma das
colunas de seu sistema educativo e pastoral. Não podia calar-se e a apologia não podia
assumir senão a forma incisiva do diálogo.
A resposta saía em fascículo duplo das Leituras Católicas de junho de 1855, com
o título: Conversações entre um advogado e um pároco de aldeia sobre o sacramento
da confissão. O autor declarava na abertura que haveria de argumentar “não com a
calúnia, nem com zombarias, ou com a má fé, que – ironizava – são as armas ordi-
nárias de nossos inimigos”; e garantia que, “enquanto foi possível”, “abstivera-se de
nomear os autores e as impiedades contidas nos escritos dos inimigos da Confissão”.72
Na confutação, porém, não usava de tanta reserva em relação ao opúsculo de Desanctis,
inserido como Apêndice. Fazia-a preceder de um perfil, nada benévolo, do autor e de
uma impiedosa crítica ao Ensaio, produzido pelo “intelecto eclipsado” e pelo “coração
endurecido” de um apóstata. “Eu posso certificar ao leitor – escrevia com inusitada
crueza – que aqui não se descobre nem razão nem religião; quem fala é um homem em
delírio”; “nem isso deve causar admiração, porque, como disse, a corrupção de uma
coisa ótima torna-se péssima”: “o abismo chama outro abismo; e algo ótimo torna-se
péssimo quando se corrompe”.73
Quanto ao conteúdo, o opúsculo de Dom Bosco era a defesa extremada da centra-
lidade do sacramento da penitência para a fé: quem quer enfraquecê-la procura afastar
dela os católicos.74 Como antídoto, mais para proveito dos católicos tíbios do que para
70 Cf. Conversazioni tra un avvocato ed un curato di campagna sul sacramento della confessione
per cura del Sac. Bosco Giovanni. Turim, Tip. Paravia e comp., 1855, p. 121; OE VI 265.
71 Cf. L. Desanctis, La confessione: saggio dommatico-storico, 5a ed. Turim, Fontana 1851, 84
p.; em Pinerolo, Bodoni, 1852, 83 p., etc. Em 1892 chegava à 12a ed.
72 G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato…, p. IV-V; OE VI 148-149.
73 G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato…, p. 113-115; OE VI 257-259. Na confutação do
Saggio, Dom Bosco revela-se, em relação a Desanctis, mais agressivo que outros apologetas,
que o tinham precedido e dos quais parece depender: cf. Errori di Luigi Desanctis sul domma
della confessione del teologo Benedetto Negri. Turim, Tip. de C. A. Reviglio, 1852, 173 p.;
Sulla dottrina e disciplina della Chiesa Romana intorno al sacramento delta confèssione.
Discorso del dott. Alessandro Belli monaco cassinese in Badia di Firenze contro il Saggio
dommatico-storico di Luigi Desanctis. 2a ed. corrigida e aumentada. Florença, Tip. Galileiana,
1851, 136 p.
74 G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato…, p. III; OE VI 147.

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 281
os protestantes, “com o Evangelho e com a História na mão”, ele pretendia antes de
tudo provar “até a evidência que a necessidade da Confissão foi reconhecida pelos
próprios gentios; por ordem de Deus foi praticada pelo povo judeu; e tal prática foi
elevada pelo Salvador à dignidade de Sacramento”. Tirava daí uma fervorosa pero-
ração em favor da Igreja Católica: “Permaneçamos estreitamente unidos à religião que
foi estabelecida por Jesus Cristo, que tem por chefe visível o Romano Pontífice, seu
Vigário na terra, e que, em meio às vicissitudes dos séculos, foi sempre combatida, mas
sempre triunfou”.75
Os protagonistas do diálogo eram leigos crentes, maduros e convictos – Pedro, André
e Germano –, que enfrentavam bravamente cristãos superficiais, “novos teólogos”, em
encontros familiares ou semelhantes, nos quais “segundo o atual frenesi – escreve –,
depois de se levantar algumas questões de política, conduziu-se o discurso a coisas
de religião”. A dissertação mais elaborada é conduzida justamente por Pedro, que
desenvolve o plano demonstrativo prometido por Dom Bosco no proêmio.76 A longa
discussão, pilotada por Germano, desenvolve-se em oito conversações; estas têm por
objeto a instituição divina da confissão, praticada pelos apóstolos e seus sucessores
nos primeiros tempos da Igreja, do séc. V ao Concílio Lateranense de 1215, e deste ao
Concílio de Trento, em uso junto aos gentios e judeus, grande conforto para o cristão e
meio eficaz para fugir do mal e praticar o bem.77
De outro tom, até mesmo corrosivo, era o Aviso com que Dom Bosco precedera o
livrete Coleção de curiosos acontecimentos contemporâneos,78 seguido ao longo de
1854 por outros dois fascículos, sempre do segundo ano das Leituras Católicas, forte-
mente polêmicos: no primeiro, do jesuíta padre Giovanni Perrone, Catecismo sobre
o Protestantismo para uso do povo,79 era particularmente vivo o apêndice sobre os
Barbichas ou Valdenses; o outro, anônimo, Do comércio das consciências e da agitação
protestante na Europa,80 denunciava a venalidade da propaganda protestante. No Aviso
de apresentação da sua Coleção de curiosos acontecimentos contemporâneos, Dom
Bosco não era menos polêmico. “Julgamos – escrevia – avisar a nossos leitores sobre o
modo como os protestantes se têm demonstrado altamente indignados, sobretudo pelos
fatos que lhes dizem respeito. Eles o demonstraram com a palavra, com cartas privadas
e com seus próprios jornais públicos. Esperávamos que entrassem em questão para
fazer-nos relevar algum erro impresso por nós, mas não foi assim. Tudo o que dizem,
escrevem e publicam não foi senão um tecido de vilanias e injúrias contra as Leituras
75 G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato…, p. IV-VI; OE VI 148-150.
76 G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato…, p. 7-86; OE VI 151-230.
77 G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato…, p. 20-86; OE VI 164-230.
78 G. Bosco, Raccolta di curiosi avvenimenti contemporanei, 45 p.; OE V 369-413. Fasc. 3-4 de
abril do segundo ano das Leituras Católicas.
79 Fasc. 5 e 6 de maio, Turim, Tip. dir. por P. De-Agostini, 1854, 148 p.
80 Fasc. 13 e 14 de setembro, Turim, Tip. dir. por P. De-Agostini, 1854, 111 p.

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282 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Católicas e contra quem as escreve. A dizer injúrias e vilanias nós lhes concedemos
de bom grado a vitória, sem nos determos a dar nem mesmo uma palavra de resposta.
Porque temos mantido sempre o máximo empenho de jamais querer publicar qualquer
coisa que fosse contra a caridade que se deve usar para com qualquer homem deste
mundo. De modo que, perdoando de bom grado a todos os nossos escarnecedores,
procuraremos evitar as pessoas, mas revelar o erro onde quer que se esconda”.81
Os fatos e diálogos apresentados, além de ocupar-se da questão protestante, deplo-
ravam a posição de católicos afetos de indiferentismo, para os quais “todas as religiões
são igualmente boas para salvar-nos”. A eles opõem-se, com raciocínios alinhados com
a mais segura ortodoxia, dois crentes convictos – Juliano e João –, que retornaram ao
catolicismo, e outro, Carlos, católico incorruptível. Este, em particular, diante de arte-
sãos que lamentam as misérias do ano, a carestia que proporcionava poucos pedidos
de seus produtos, buscava sua causa na escassa moralidade e na tibieza religiosa: “Se
considero o desprezo em que são tidas as coisas de religião, o modo indigno com que se
fala do papa, dos Bispos e demais ministros da religião; se considero o modo com que
alguns católicos aplaudem a heresia, e festejam até a inauguração do templo dos protes-
tantes; se considero as coisas irreligiosas e torpes que se escrevem, imprimem e vendem
publicamente nos livros e nos jornais; se considero os furtos sacrílegos e os escárnios
que se fazem das coisas mais sagradas de nossa religião, meus bons amigos, devo dizer
que são justamente esses pecados a razão de nossas desgraças”; “o único meio de reme-
diar os nossos males está no abandono dos pecados e na entrega à virtude”.82
O opúsculo sucessivo, O jubileu e práticas devotas para a visita das igrejas,83 era
eminentemente devocional. Dom Bosco, porém, não deixava de introduzir nele referências
ao protestantismo, para dele preservar e prevenir os fiéis. O conhecimento das origens do
jubileu, “passado da sinagoga dos judeus à Igreja Católica” – escrevia – “servirá também
para confutar a acusação que os protestantes e alguns católicos fazem à Igreja Católica,
como se o Jubileu e as santas Indulgências fossem uma criação dos últimos tempos”.84
4. Livros de educação humana e cívica (1854-1855)
Dom Bosco parece atenuar, na segunda metade do decênio, o esforço de prevenir
o erro para dar mais amplo espaço à prevenção positiva e construtiva na verdade e no
81 G. Bosco, Coleção de curiosos acontecimentos contemporâneos, p. 3-4; OE V 371-372.
82 G. Bosco, Coleção de curiosos acontecimentos contemporâneos, p. 28 e 31; OE V 396 e 399.
83 Turim, tip. dir. por P. De-Agostini 1854, 64 p.; OE V 479-542. O opúscolo era publicado, com
acréscimos, no fasc. 2 (fevereio) de 1865, Turim, tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales 1865, 96
p.; e ainda em duas edições de 1875, Turim, tip. e libr. dell’Oratorio di S. Francesco di Sales
1875, 114 p.
84 [G. Bosco], Il giubileo…, p. 3-4; OE V 481-482: Cf. também, p. 30, 32, 39, 43; OE V 508,
510, 517, 521; p. 3-4; OE XXVI 189-190.

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 283
bem. Por isso, prefere promover a instrução e educação cristã, que, segundo a fórmula
a ele familiar – “bom cristão e honesto cidadão” –, comportava forte base humana,
cívica e política.
Sucediam-se livros voltados diretamente à educação moral e social, como A força da
boa educação e História da Itália; opúsculos consagrados à ilustração religiosa e cate-
quética, como Maneira fácil para aprender a história sagrada, A chave do paraíso, O
mês de maio, Vade-mécum cristão; e perfis hagiográficos como Vida de são Martinho.
Evidenciam-se, a seguir, os motivos mais significativos que brotam das várias obras,
sublinhando primeiramente o aspecto humano, cívico e político, e num segundo tempo,
o aspecto mais explicitamente cristão. Dedica-se, depois, um discurso à parte sobre as
vidas dos papas, que apresentam elementos comuns interessantes.
De educação juvenil humana e cristã, Dom Bosco tratava biograficamente no já
citado opúsculo A força da boa educação, que era o fascículo de novembro de 1855 das
Leituras Católicas. Ele espelha o mundo francês, ao qual pertence o escrito largamente
utilizado na compilação da primeira parte do livro.85 Pedro, o protagonista, graças às
solicitudes da mãe, sábia educadora cristã, que o marido não favorece, provado por uma
vida de pobreza digna e trabalho precoce em ambientes nem sempre exemplares, passa
indene entre os colegas fáceis à blasfêmia, às más conversas, ao furto, conquistando a
estima dos patrões. Aos 10 anos, no intervalo do meio-dia, freqüenta o Oratório de São
Francisco de Sales, ainda no Refúgio, para a preparação da primeira comunhão, “o ato
mais importante da vida”. Ali retorna à noite “para ouvir a explicação das coisas que,
às vezes, ele não compreendera bem ao meio-dia”, ou para “aprender a ler e escrever”.
Aos 11 anos participa do tríduo de preparação à comunhão pascal.
Pedro continua a freqüentar o Oratório nos anos seguintes, participando das diversas
atividades recreativas e religiosas. Usa O jovem instruído e participa do curso de exer-
cícios espirituais feitos em Giaveno, em setembro de 1850. É protagonista na reconci-
liação do pai com as doçuras de uma vida familiar harmoniosa. Entre seus companheiros
de trabalho pode perceber e contrapor vitoriosamente as difusas inobservâncias dos
preceitos da Igreja relativos ao jejum e à abstinência, ao repouso festivo, à obrigação da
missa e ao preceito da comunhão pascal, conquistando com isso estima e admiração.
Durante o serviço militar, que encara com espontânea consciência cívica, impõe-se
pela seriedade moral e a disponibilidade para ajudar os colegas analfabetos. Durante a
campanha da Criméia mantém-se em contato com seu diretor espiritual, mostrando-se
sempre fiel aos princípios de moralidade e de religião.86 A força da boa educação acaba
por se tornar a celebração das três instituições fundamentais, que a promovem sinergi-
camente: a família e, nela, sobretudo, a mãe, a paróquia e o oratório, casa dos jovens.
85 Cf. J. Schepens, La forza della buona educazione: étude d’ún écrit de don Bosco, J. M.
Prellezo (org.), in: L’impegno dell’educare. Roma, LAS, 1991, p. 418-433.
86 G. Bosco, La forza della buona educazione, p. 15-25, 51-59, 65-66, 93-95; OE VI 289-299,
325-333, 340-341, 367-369.

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284 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
O livro mais trabalhoso e importante do decênio, ao qual se aproximam O mês
de maio e A vida do jovem Domingos Sávio é, certamente, História da Itália.87 Mais
do que texto escolar é livro de leitura, narração histórica ágil e atraente e, ao mesmo
tempo, manual de educação religiosa, moral e social. Ali se pode igualmente perceber
na estrutura certa carga intrínseca de educação ao amor pátrio, em face de uma Itália
a cuja expressão geográfica, dos Alpes à Sicília, segundo Dom Bosco, correspondia
a unidade lingüística, religiosa, cultural, nacional e virtualmente política. A mesma
carta geográfica que acompanhou todas as edições, algumas anteriores à morte de Dom
Bosco, apresentava italianizados os nomes das cidades do sul do Tirol.88 A história
de Dom Bosco queria ser, de fato, história dos “italianos”, a começar dos primeiros
habitantes, inicialmente mais evoluídos que os próprios “primeiros romanos”, “rudes
e ferozes”, que haveriam de realizar gradualmente também a unidade da Itália, até
domesticar e assimilar os vários povos que, a começar dos gauleses, invadiram a penín-
sula. Tal assimilação foi feita em alto nível nas colônias da Magna Grécia.89
O elevado caráter educativo do livro, também nesse sentido, merecia uma recensão
extremamente positiva de Niccolò Tommaseo, em Turim de 1854 a 1859. “Tommaseo
– escreveu-se –, católico e patriota, devia simpatizar sem hesitação com um escritor
igualmente católico e patriota, embora pudessem existir entre eles alguns dissensos”:90
dissensos em nível de história crítica, reequilibrados pelos consensos prevalentes sobre
as finalidades educativas do livro e sua adequação às exigências da juventude.91
Amavelmente festivas – lícitas entre dois piemonteses, inevitavelmente filosabaudos
–, mais do que ditadas por ironia, parecem as palavras que Dom Bosco fazia acompanhar
à data numa carta ao amigo cônego Edoardo Rosaz di Susa, no dia seguinte à procla-
mação de Vitório Emanuel II rei da Itália, aprovada pelo senado em 12 de fevereiro de
1861 e pela Câmara em 14 de março: “Fossano (Cúneo), 15 de março de 1861, ano 1
do reino da Itália, dia 2”.92 Não é de admirar que, quando a Congregação Salesiana quis
obter em 1903 o reconhecimento civil do imperador Francisco José, tenha encontrado
sérias dificuldades no espírito nacional e no irredentismo, que o embaixador imperial
junto à Santa Sé e o próprio imperador tenham acreditado individuar na História da
Itália de Dom Bosco, largamente adotada nas escolas93 pelos salesianos e por outros.
87 G. Bosco, La storia d’Italia…, 588 p.; OE VII I 588.
88 Cf. a descrição da carta geográfica às p. 7-10; OE VII 7-10.
89 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 19, 24, 28-29; OE VII 19, 24, 28-29.
90 A. Lantrua, “Il Tommaseo e Don Bosco o della storia educatrice”, in: Cultura e educazione:
studi in onore di Giovanni Calò. Florença, Editrice Universitaria, 1955, p. 195.
91 Cf. N. Tommaseo, “La storia d’Italia raccontata alla gioventù dal Sacerdote G. Bosco – Torino”,
L’Istitutore 7 (1859), n° 48, sábado 26 de novembro, p. 764-765; “Ancora della Storia d’Italia scritta
dall’Ab. Bosco”, L’Istitutore 7 (1859) n° 51, sábado 17 de dezembro, p. 810-811.
92 Em I 442.
93 Cf. S. Zimniak, Salesiani nella Mitteleuropa: preistoria e storia della provincia Austro-
Ungarica della Società di S. Francesco di Sales (1868 ca. - 1919). Roma, LAS, 1997, p.
160-165.

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 285
Em todo caso, o livro era, em cada página, extraordinariamente rico de inspirações
e conteúdos éticos e religiosos, individuais e sociais. A religião, a Igreja e o papado
eram considerados o mais seguro presídio da ordem social na Itália, segundo o módulo
descrito com breves palavras por Dom Bosco na biografia de são Pedro, saída a poucos
meses de distância. Depois de falar das beneficências de Tabita, rica senhora de Jope,
Dom Bosco concluía: “Deste fato, aprendam os pobres a serem reconhecidos a quem
lhes dá esmola. Aprendam os ricos o que quer dizer ser piedosos e liberais para com os
pobres.94 Ao enunciar a finalidade e a divisão da História da Itália, o autor declarava:
“Atendo-me aos fatos acertados e mais fecundos de moralidade e ensinamentos úteis,
deixo de lado as coisas incertas, as conjecturas frívolas, as muito freqüentes citações de
autores, como também as muito elevadas discussões políticas, que são inúteis e às vezes
danosas à juventude. (...) Fiz o que pude para que meu trabalho fosse útil àquela porção
da sociedade humana que forma a esperança de um alegre futuro, a juventude. A prin-
cipal finalidade de cada página foi expor a verdade histórica, sugerir o amor à virtude, a
fuga do vício, o respeito à religião”.95 Do início ao fim do livro ocorrem “moralidades”,
como as tiradas dos eventos do herói romano Coriolano: “Este era um jovem amante
da pátria e marcadamente conhecido pelo grande respeito que tinha por sua mãe”. Teria
sido morto pelos Volscos, aos quais fora dado vingar-se do exílio sofrido injustamente
por Roma. “Esta história – concluía Dom Bosco, dirigindo-se aos jovens leitores –
ensina-nos que devemos evitar a cólera e o espírito de vingança, porque essas duas
paixões freqüentemente nos levam a tais perigos, que não é mais possível evitar, a não
ser com gravíssimo dano”.96
Entretanto, mais do que nas freqüentes admoestações moralizantes, era na moral
intrínseca à narração que se concretizava a mensagem educativa do livro. Podem ser sua
fiel expressão dois destaques, relacionados à “restauração” do Estado Pontifício depois
da breve revolucionária República romana de 1849. “Gostaria, porém, que soubésseis –
escrevia o autor, moralizando –: Pio IX, Fernando II, grão-duque da Toscana, e Carlos
Alberto, bem como todos os demais príncipes italianos, tinham a boa vontade de fazer o
bem à Itália. Mazzini e seus seguidores, por ódio aos tronos e à religião, impediram-nos
de continuar em seu trabalho, transtornando seus projetos com imenso prejuízo para os
príncipes e os povos”.97 E daí tirava então a tese: “A milícia e o clero são os dois grandes
corpos chamados a salvar o futuro (...); só no sentimento religioso e no respeito da auto-
ridade a sociedade desconcertada poderá encontrar força e salvação”.98
94 G. Bosco, Vita di San Pietro Principe degli Apostoli…, p. 104; OE VIII 396.
95 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 3 e 5; OE VII 3 e 5.
96 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 43-45; OE VII 43-45; cf. outras “moralidades” às p. 51, 53,
54, 55, 59, 71, 75, 76, 80, 83, 96, 108, 140, 142, 189, 199, 262, 268, 285, 288, 293, 297, 364,
369, 386, 446, 447.
97 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 502-503; OE VII 502-503.
98 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 509; OE VII 509.

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286 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
As duas afirmações explicitavam no evento histórico a tese que subentendia toda a
narração. Tinha por base certa concepção estratificada e imodificável da sociedade civil
e política, garantida por uma autoridade soberana que tinha em Deus seu princípio e
legitimidade, e no papado, seu modelo, resistente a qualquer veleidade revolucionária
populista. “A infalibilidade na ordem espiritual e a soberania na ordem temporal são
duas palavras perfeitamente sinônimas”, escreverá Dom Bosco, citando o livro Del
Papa, de J. de Maistre, no perfil a este dedicado: “A única diferença – continuava com
o politólogo savoiardo – está que, nas soberanias temporais, a infalibilidade é humana-
mente suposta, e na espiritual do Papa, é divinamente prometida”.99 Para Dom Bosco
fora contraprova disso a “revolução dos Gracos”. “Abandonada assim à desocupação –
narra –, a plebe começava a invejar a sorte dos ricos, desejando se apossar de seus bens,
o que era verdadeira ladroagem. Porque é justo que se sirva de seus bens quem com
meios justos e títulos os adquiriu”.100 Ele desconfiava abertamente das guerras sociais e
civis.101 “A revolução de Masaniello – advertia na seqüência da narração – não produziu
outro efeito que o derramamento de sangue, um governo tirânico, morte e exílio. Tanto
é verdade que as revoluções não fazem a felicidade dos povos”.102 Os líderes incom-
petentes de um povo não prometem nada de bom. “O céu não abençoa os rebeldes da
pátria”, escrevia do gibelino Dante Alighieri.103
Óbvio, brotava então o apelo à obediência, até mesmo à “afeição” dos súditos pelos
soberanos. Foi esse o grande benefício da mensagem evangélica – advertia –: “Era de
suma necessidade que viesse um mestre, que com a santidade de sua doutrina ensinasse
aos reinantes o modo de comandar, aos súditos, o de obedecer. Isso fez a religião de
Jesus Cristo”.104 O consenso é feito de honestidade pessoal e social, de iniciativa e labo-
riosidade: já em “tempos remotos” na Itália, “alguns se entregavam com toda solicitude
à cultura da terra, outros atendiam às artes e aos ofícios”; “cultivar a terra”, “promover
o comércio”, “aperfeiçoar as artes e os ofícios” ou a “indústria” eram atividades produ-
tivas capitais.105 Eram classificadas como boas escolas “estabelecidas para a instrução
da classe alta, e também da classe baixa do povo”.106 Todos esses fatores eram os pilares
nos quais se apoiava qualquer comunidade política pacífica, fraterna, próspera e feliz:
“A guerra não traz nenhum bem às nações”.107
Isso comportava, naturalmente, a atribuição da autoridade civil e política a gover-
nantes que tirassem a própria legitimidade da competência. “A ocupar-se do Estado –
99 G. Bosco, La storia d’Italia… 2a ed. Turim, Tip. G. B. Paravia, 1859, p. 440.
100 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 79; OE VII 79.
101 Cf. G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 84-91; OE VII 84-91.
102 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 428; OE VII 428.
103 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 300; OE VII 300.
104 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 109; OE VII 109.
105 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 22, 26 e 36; OE VII 22, 26 e 36.
106 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 22 23; OE VII 22-23.
107 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 12; OE VII 12.

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 287
declarava – são inábeis todos os que pela idade ou ocupação não adquiriram a ciência
indispensável no governo dos povos”.108 A competência, por sua vez, era, de fato,
inseparável do elevado status social e econômico. Praticamente toda sociedade bem
ordenada comportava a presença, de um lado, dos “nobres”, dos ricos e, de outra, do
povo, da “ralé” revoltosa.109 A República de Veneza, por exemplo, ao longo dos séculos
“tornara-se a mais famosa república da Itália, porque fora sempre governada pelos
nobres e jamais caíra nas mãos do povo”.110
Provava-o evocando as vicissitudes dos protagonistas da história: imperadores, reis,
chefes de repúblicas marinhas. A monarquia hereditária, contudo, era para Dom Bosco
o melhor regime. Como fiel sabaudo, ele fazia notar aos leitores: “Junto aos Romanos
[no regime imperial] faltava justamente essa lei: conosco, é lei que o filho primogênito
suceda no reino o pai defunto; essa sucessão foi tida por legítima; aprendei a respeitá-
la”.111 Não por acaso haveria de alongar-se a narrar as origens e vicissitudes da dinastia
sabauda.112
A contraprova mais próxima fora dada pela vantagem dos subversivos na Revolução
Francesa, “um extraordinário acontecimento que colocou a Europa em desordem e fez
comprovar à nossa Itália grande parte dos horrores e calamidades em que submergiu nos
tempos dos Godos, Longobardos e Normanos”. 113 Dom Bosco individuava suas raízes
num século de grande progresso nas “ciências” e nas “artes” que, no entanto, “também
deixou às sociedades secretas toda a facilidade para realizar seus projetos”. Embora
com denominações diversas – “Carbonários, Maçons (Franchs machons), Jacobinos,
Iluminados” –, a finalidade idêntica é: “revirar a sociedade presente, com que estão
descontentes, porque nela não encontram pasto conveniente à sua ambição, nem liber-
dade para desafogar suas paixões”; por isso, “esforçam-se por abater toda religião e
toda idéia moral do coração dos homens e abater toda autoridade religiosa e civil”,
mais especificamente “o Pontificado romano e o trono”; elas atraem adeptos e segui-
dores camuflando “a iniqüidade da finalidade” com as belas palavras de “fraternidade,
filantropia e semelhantes”.114 Não era uma avaliação subjetiva, mas, em termos mais
ou menos refinados, uma persuasão largamente difundida nas mais variadas faixas da
catolicidade até os altos escalões.115 Eram ainda as sociedades que tendiam a devastar a
108 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 20 21; OE VII 20-21.
109 Cf. G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 265, 411; OE VII 265, 411.
110 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 370; OE VII 370.
111 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 134; OE VII 134.
112 Cf. G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 315-331, 396, 413-417, 428-441, 479-489; OE VII
315-331, 396, 413-417, 428-441, 479-489.
113 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 454; OE VII 454.
114 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 455-456; OE VII 455-456.
115 Cf. P. Ladriére, “La Révolution française dans la doctrine politique des papes de la fin du
XVIIIe à la moitié du XXe siècle”, Archives de Sciences Sociales des Religions 33 (1988) n.
66/ 1, jul.-set., p. 87-112.

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288 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
ordem européia alcançada com o Congresso de Viena, tentando desestabilizar também
o Estado Pontifício.116 O que conseguiam com a proclamação da República romana,
logo cancelada com a “restauração” propiciada pelas tropas francesas e o retorno de Pio
IX.117 Em 1850, “a religião católica personificada em Pio IX retornava a Roma, e retor-
nava poderosa, oferecendo a misericórdia à ingratidão e o perdão aos arrependidos”.118
Os últimos eventos confirmavam as repetidas lições da história magistra vitae.
Nenhuma classe social subsiste sem a moralidade dos indivíduos, governantes e gover-
nados. Por sua vez, nenhuma ordem moral é possível se não for fundada na religião,
obviamente a religião católica, da qual o papa é o chefe, mestre ao mesmo tempo de
genuína moral e de estável convivência política.119 Analogamente, decorria que a auto-
ridade dos governantes encontrava seu fundamento último na própria religiosidade
antes que na do povo. Deus mesmo é o garante e juiz: “Deus pune a irreligião também
nos personagens mais elevados”.120 O princípio historiográfico, que remonta mais de
perto a Bousset, inspirava esta, assim como todas as histórias de Dom Bosco: Deus
pune também com intervenções extraordinárias a quem se opõe a seus planos sobre os
eventos humanos. A maior parte das admoestações morais da História da Itália obedece
a essa lei. Exemplo impressionante disso é a intervenção contra Juliano o Apóstata, que
quereria reconstruir o templo de Jerusalém: “Globos de fogo incendiaram todos os
materiais preparados”. Rebelde pertinaz, Juliano morria reconhecendo “raivosamente”:
“Venceste, Galileu; Venceste, Galileu”.121 Semelhante, não idêntico, era o pensamento
sobre o destino de Napoleão, moderado pelos sofrimentos passados no remoto exílio.
Sobre ele, o juízo de Dom Bosco revela-se articulado, entre admiração pela grandeza
de quem pusera fim à revolução e fora seu grande líder, condenação pela política perse-
cutória contra os papas e comoção pela morte cristã na solidão de Santa Helena, “um
pobre escolho do oceano Atlântico”.122
O positivo é idealmente religião e moralidade. Imoralidade, desonestidade, liberdade
entendida como rebelião, insubordinação, estas são matriz de decadência e dissolução.
A presença do papado na Itália, como na Europa, era considerada decisiva para sua
grandeza.123 Prova disso era o cativeiro dos papas em Avinhão. “A história – narra Dom
Bosco – faz-nos conhecer perfeitamente que a Itália sem Pontífice torna-se um país
116 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 475-479; OE VII 475-479.
117 Cf. G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 489-514; OE VII 489-514.
118 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 514; OE VII 514.
119 Cf. F. Traniello, Don Bosco e la Storia d’Italia, no vol. Cultura cattolica e vita religiosa
tra Ottocento e Novecento, p. 61-88; F. Traniello, Don Bosco e l’educazione giovanile: la
“Storia d’Italia” in F. Traniello, (Ed.), Don Bosco nella storia della cultura popolare, p.
81-111.
120 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 29; OE VII 29
121 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 151; OE VII 151.
122 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 457-458, 463, 465, 469; OE VII 457-458, 463, 465, 469.
123 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 375; OE VII 375.

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 289
exposto aos acontecimentos mais tristes”; “quando as desordens e discórdias obrigam
o Romano Pontífice a afastar-se de Roma, isso se torna para a Itália e para a religião
um presságio de graves males”.124 Demonstração positiva seria a chegada de Leão X
ao papado: “A Providência suscitou um homem, que a história chama com justiça de
regenerador das ciências e das artes na Itália e, podemos dizer, em toda a Europa”.
Porém, “Leão X, em meio às consolações que experimentava para a glória da Itália,
deveu sofrer muito pela heresia de Martinho Lutero”.125 Em dimensões mais vastas
tinham-lhe já evidenciado o cisma do Oriente e a queda de Constantinopla em 1453:
“Queda terrível – comenta Dom Bosco – que levou as mais belas nações do mundo à
horrível barbárie, e, por isso, aqueles que não quiseram reconhecer as legítimas auto-
ridades do sucessor de são Pedro tiveram que se submeter à bárbara opressão e à dura
escravidão dos infiéis, que se comportaram como tiranos”.126
O trabalho narrativo mais importante de Dom Bosco, como se viu, terminava com
uma nova interpretação teológica do mais recente devir histórico. Eram seus protago-
nistas os soberanos católicos Napoleão III e Francisco José, os quais Dom Bosco consi-
dera, um como organizador, o outro como árbitro da paz de Paris, de 30 de março de
1856, ao final da guerra da Criméia. A consolidação de seu poder depois da ajuda e dos
favores garantidos à Igreja demonstrava ainda uma vez “como a religião seja o sustento
dos tronos e a felicidade dos povos que a honram e purificam seus preceitos”.127
É interessante a sorte do capítulo Dos bens temporais da Igreja e do domínio do
sumo Pontífice. Dom Bosco deixou-o intacto também nas edições sucessivas à tomada
de Roma, convencido de que algum território devesse subsistir em soberana disponibi-
lidade do papa para o exercício livre da sua missão espiritual.128 O autor procura, antes
de tudo, demonstrar como natural e legítimo na história o surgimento e a formação do
Estado Pontifício.129 Estava, porém muito mais preocupado em mostrar seus benefícios
espirituais e temporais. Substancialmente, defender a autoridade do papa equivalia a
querer garantir a liberdade de ação caritativa e pastoral e, com sua salvaguarda, a da
Igreja inteira. De fato, haveria de escrever anos mais tarde: “os Papas sempre usaram
de seu poder temporal e de riquezas consideráveis que os piedosos fiéis lhe ofereceram
124 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 306, 315; OE VII 306, 315.
125 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 383; OE VII 383.
126 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 338; OE VII 338.
127 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 522-523; OE VII 522-523; cf. cap 1, § 5.
128 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 208-214; OE VII 208-214: Dei beni temporali della Chiesa
e del dominio del sommo pontefice.
129 Cf. também [G. Bosco], I Papi da san Pietro a Pio IX. Fatti storici. Turim, Tip. dell’Oratorio
di S. Franc. di Sales, 1868, cap. XIII: Donazioni fatte alla Chiesa Romana. Potere temporale
de’ Papi (p. 39-41; OE XVIII 365-367); cap. XIV: Inviolabilità e legittimità del potere
temporale del Papa. Vantaggi di questo potere temporale. Testimonianze di Bossuet, di Fleury
e di Napoleone (p. 41-44; OE XVIII 367-370); cap. XV: A che servono i beni della Chiesa
(p. 44-46; OE XVIII 370-372).

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290 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
para fazer o bem, todo tipo de bem, de todas as maneiras e sob qualquer forma (...).
Só na Igreja as classes inferiores da sociedade encontravam asilo e socorro. Os Papas
abriam as portas dos hospitais construídos com grandes despesas, graças à sua ação,
para receber os enfermos e indigentes. E, de fato, a destinação desses bens está no
espírito dos fiéis e na vontade da Igreja”.130 “A Igreja, porém, deve ser livre e, por isso,
independente no exercício de seus deveres espirituais (...). A Igreja, com seu Chefe
Supremo, foi livre e independente nos primeiros séculos, mas a custo da vida”.131 Em
conclusão, “primeiramente, é de verdadeira necessidade que o Papa more num país
livre e independente, de modo que possa livremente julgar as coisas da religião. 2° Tal
domínio temporal não só pertence aos súditos dos Estados Romanos, mas pode ser
chamado propriedade de todos os católicos que, como filhos afeiçoados, concorreram
em todos os tempos e devem ainda concorrer para conservar a liberdade e os bens do
chefe da cristandade”.132
Convém enfim recordar que, na compilação da História da Itália, Dom Bosco entrou
em contato com livros que lhe sugeriram a incisiva fórmula, de matriz política, que
sempre o acompanharia como sacerdote, educador, formador e legislador: “Fazer-se
amar, mais do que se fazer temer”.133
5. Livros de educação religiosa (1855-1858)
Uma catequese narrativa em forma de diálogo era proposta ao católico com
Maneira fácil de aprender a História Sagrada.134 Inspirava-se na reviravolta doutri-
nal-dogmática da terceira edição da História Sagrada, de 1853, da qual, segundo o
autor, era um compêndio: “Meu escopo foi dar a conhecer como estejam contidas na
Bíblia várias verdades professadas pelos católicos e negadas pelos inimigos da nossa
Religião”.135 Era uma típica catequese histórico-bíblica, como já proposta no final
do séc. XVII por Claude Fleury, com Catéchisme historique (1683), que expunha as
verdades fundamentais do dogma e da moral revelada não só de forma sistemática,
mas também como se manifestaram na revelação de Deus ao seu povo na história
narrada pelos livros sagrados.
Vida de são Martinho levava Dom Bosco a um mundo que lhe era próximo, também
porque ali colhia a essência da Igreja Católica, garantia de sua origem divina pelos
130 [G. Bosco], I papi da san Pietro a Pio IX, p. 44-45; OE XVIII 370-371.
131 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 209-210; OE VII 209-210.
132 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 213-214; OE VII 213-214.
133 Cf. P. Braido, “Il sistema preventivo di don Bosco alle origini (1841-1862)”, RSS 14 (1995),
p. 304-305.
134 Maniera facile per imparare la storia sacra ad uso del popolo cristiano per cura del sac.
Bosco Giovanni. Turim, Tip. Paravia e comp., 1855, 94 p.; OE VI 49-143.
135 G. Bosco, Maniera facile…, p. 3; OE VI 51.

30 Pages 291-300

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 291
inumeráveis milagres. No livro – prometia o autor – o leitor haveria de ver “compen-
diadas as maravilhas daquele Santo cuja veneração é tão universal”; “o Evangelho está
cheio de fatos de gênero semelhante. Contudo, o Salvador disse que seus seguidores
haveriam de realizar coisas maiores”; “encontrando-nos na religião em que se realizam
as promessas de J. C., temos um argumento certo e evidente a nos garantir que afortu-
nadamente nos encontramos em sua santa religião”.136
De ainda mais numerosos prodígios, “coisas maravilhosas”, “grandes milagres”,
apresentava-se cheia a Vida de são Pancrácio mártir,137 em que os fatos biográficos
são seguidos de dezenas de páginas dedicadas ao extraordinário e ao milagroso, que se
perpetuava, nos séculos e no presente, em seu santuário de Pianezza, perto de Turim.
“Quem quisesse tecer a série de maravilhas realizadas por são Pancrácio neste lugar –
escrevia –, e referir um a um os doentes curados, os invadidos pelo espírito maligno
libertados, os surdos que adquiriram a audição, os cegos que recuperaram a vista, os
mudos que voltaram a falar rapidamente, as febres expulsas, os coxos endireitados,
precisariam fazer vários volumes disso”.138 Já em Aviso importante, no prefácio, Dom
Bosco anunciava: “As maravilhas realizadas por esse herói cristão são tão grandes em
número e estrepitosas em si mesmas que eu precisei escolher somente algumas delas
para não fazer volumes muitos grossos”.139
Para Dom Bosco era a coisa mais natural que isso pudesse acontecer na Igreja
Católica. Dessa forma ela era elevada nitidamente acima das “demais sociedades que se
vangloriam também de serem cristãs”: elas “não têm nenhum mártir que se possa dizer
morto para confirmar a verdade de sua crença; também não possuem qualquer santo
que tenha feito milagre; ou um santuário onde se possa apontar um sinal de milagre
realizado, ou de graça recebida; essas “seitas” não têm “nem mártires, nem santos, nem
milagres, nem santuários”.140 Não faltava o renovado convite à fidelidade dos católicos
e ao retorno dos “que estão fora da verdadeira Igreja”: Deus “a todos conceda luz para
conhecer a verdade, força para perceber o erro, coragem para abandoná-lo e voltar
à grei de J. Cristo, para formar um só rebanho na terra e depois estar com ele um dia a
cantar suas misericórdias eternamente no céu”.141
Para promover uma instrução catequética católica essencial e a prática da piedade
cristã, era endereçada a compilação anônima, por ele enriquecida e retocada, A chave
do paraíso na mão do católico que pratica os deveres de bom cristão.142 Tratava-se de
136 Vita di san Martino vescovo di Tours per cura del sacerdote Bosco Giovanni. Turim, Tip.
Ribotta, 1855, p. III-VI; OE VI 391-394.
137 [G. Bosco], Vita di S. Pancrazio martire…, 96 p.; OE VIII 195-290.
138 [G. Bosco], Vita di S. Pancrazio martire…, p. 67; OE VIII 261.
139 [G. Bosco], Vita di S. Pancrazio martire…, p. 7; OE VIII 201.
140 [G. Bosco], Vita di S. Pancrazio martire…, p. 7; OE VIII 201.
141 [G. Bosco], Vita di S. Pancrazio martire…, p. 8; OE VIII 202.
142 La chiave del paradiso in mano al cattolico che pratica i doveri di buon cristiano. Turim, Tip.
Paravia e comp., 1856, 192 p.; OE VIII 1-192.

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292 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
um O jovem instruído menos volumoso e mais linear esse opúsculo, que Dom Bosco
apresentava Ao benévolo leitor com estas palavras: “Aqui encontrarás, ó leitor devoto,
um compêndio das verdades da fé católica e o modo de praticar vários exercícios de
piedade cristã com uma coleção de loas Sacras. Tudo foi tirado dos autores mais confiá­
veis: eu fiz apenas os acréscimos e variações que pareceram necessários ou oportunos
para a inteligência popular e segundo a necessidade do tempo”.143
Após Compêndio do que um cristão deve saber, crer e praticar, síntese catequé-
tica da doutrina cristã, e antes de Exercícios particulares de piedade cristã,144 eram
colocadas duas passagens, das quais a primeira, por sua brevidade e clareza, é única
na produção de Dom Bosco. Seu autor não é Dom Bosco, mas é certo que ele teve
em mãos um texto manuscrito, que reviu e retocou, apropriando-se dele. Trata-se do
Retrato do cristão, que pretende modelar a própria existência na de Cristo nesta vida,
“certo de ser um dia glorificado com Jesus Cristo no Céu, e reinar com ele eterna-
mente”. “Na vida e nas ações de um cristão – de fato – devem-se encontrar a vida e
a ações do próprio Jesus Cristo”, “de modo que o verdadeiro cristão deve dizer com
o apóstolo são Paulo: Não sou eu que vivo, mas é Jesus Cristo que vive em mim”;
“assim como” Jesus Cristo, ele será “acessível aos pobres, aos ignorantes, às crianças”,
e não arrogante; no tratar será “tudo para todos”, edificante, caridoso, doce e simples; à
imitação de Jesus, que “lavou os pés a seus apóstolos”, “considerar-se-á como o menor
dos outros e como servo de todos”; como Jesus foi submisso em Nazaré e ao Pai “até
a morte de cruz”, o cristão será obediente “a seus pais, seus patrões, seus superiores”
como a Deus, “do qual fazem as vezes”; como Jesus em Caná e Betânia, será “sóbrio,
temperante, atento às necessidades alheias”; como foi Jesus com João e Lázaro, assim
se comportará com os amigos, confiando os segredos do coração e interessando-se por
reconduzir ao estado de graça os que o tivessem perdido; será paciente nos sofrimentos
físicos e espirituais; estará “disposto a acolher com paciência qualquer perseguição,
qualquer doença, e até a morte, assim como fez Jesus Cristo”.145
O segundo trecho é tecido de Pensamentos sobre a eternidade, que chamam a
atenção do cristão para a precariedade, seriedade, responsabilidade e dignidade de sua
existência e da grandeza de seu destino: “Recorda-te, ó Cristão, que tu és homem de
eternidade. Todo momento da tua vida é uma passo para a eternidade”.146 Antes da
Coleção de loas sacras Dom Bosco acrescentava as páginas prediletas do texto de
1850, Fundamentos da religião católica, que já em 1851 havia inserido na segunda
edição de O jovem instruído.147
143 [G. Bosco], La chiave del paradiso…, p. 3; OE VIII 3.
144 [G. Bosco], La chiave del paradiso…, respectivamente p. 5-20 e 29ss; OE VIII 5-20 e 29ss.
145 [G. Bosco], La chiave del paradiso…, p. 20-23; OE VIII 20-23.
146 [G. Bosco], La chiave del paradiso…, p. 24-29; OE VIII 24-29.
147 Cf. G. Bosco, Il giovane provveduto per la pratica de’ suoi doveri…, Turim, Tip. G. B. Paravia e
comp., 1851, p. 322-332; [G. Bosco], La chiave del paradiso…, p. 171-180; OE VIII 171-180.

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 293
A melhor síntese doutrinal e vital de uma existência cristã iluminada oferecida por
Dom Bosco nesse período, e talvez em toda a sua vida, é sem dúvida representada
por O mês de maio, de caráter catequético, dogmático, soteriológico e sacramental.148
Ali são sintetizadas as verdades do Símbolo dos Apóstolos, com particular insistência
sobre a Igreja e seus pastores; são apresentados com destaque os temas da salvação, do
pecado e dos novíssimos – dedica-se a eles um total de dez meditações –; são ilustrados
com riqueza os sacramentos da penitência e da eucaristia; coloca-se em amplo relevo a
devoção mariana com o primeiro surgimento, num escrito de Dom Bosco, da invocação
de Maria Auxilium christianorum. Fala-se da Igreja “mãe amorosa”, “mãe piedosa que
com a mais amorosa solicitude vai à procura de seus filhos”, “uma família”, “mãe
terna”.149 É enunciado o princípio caro a ele: “E como tens um só Deus, uma só fé, um
só batismo, também tens uma só Igreja verdadeira, fora da qual ninguém pode salvar-
se”;150 e como ela tem um só chefe, o papa, “Pai universal de todos os cristãos”, “nós
podemos dizer que nossos párocos nos unem aos bispos, os bispos ao Papa, o papa nos
une a Deus”.151 Estes são pastores aos quais ser dóceis, mestres a escutar, guias a seguir,
ministros da graça de que valer-se.152
A meditação mais profunda talvez seja a indicada para o nono dia, sobre a Dignidade
do cristão. São-lhe dedicadas as páginas mais belas escritas por Dom Bosco sobre a
essência teologal da existência cristã iniciada com o batismo. Pode considerar-se o
fundamento teológico do esforço de conformar a própria vida a Cristo, ao que Dom
Bosco solicitava no Retrato do cristão. A meditação dá como certa a consciência da
grande dignidade de cada ser humano “pelos bens corporais” e “as preciosas qualidades
da alma criada à imagem e semelhança do próprio Criador”. Ela pretende apresentar
ao cristão principalmente as maravilhosas riquezas interiores que lhes são dadas no
sacramento do batismo. Com este, realiza-se nele uma prodigiosa metamorfose: de
“escravo do demônio e inimigo de Deus”, destinado ao inferno, a candidato ao paraíso,
“feito objeto de parcial amor por parte de Deus” e capaz de corresponder-lhe graças à
infusão das “virtudes da fé, da esperança e da caridade”. “Feito assim cristão – continua
Dom Bosco – pudeste elevar os olhos ao céu e dizer: Deus criador do céu e da terra é
também o meu Deus. Ele é meu pai, me ama e me ordena de chamá-lo com este nome.
Pai nosso, que estás nos céus. Jesus Salvador chama-me seu irmão e, como irmão, eu
pertenço a Ele, a seus méritos, à sua paixão, à sua morte, à sua glória, à sua dignidade.
Os Sacramentos instituídos por esse amoroso Salvador foram instituídos para mim.
O Paraíso que meu Jesus abriu com sua morte, abriu-o para mim e o mantém preparado
148 G. Bosco, Il mese di maggio…, 192 p.; OE X 295-486; cf. P. Stella, “I tempi e gli scritti che
prepararono Il mese di maggio di Don Bosco”, Salesianum 20 (1958), p. 648-694.
149 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 33, 34, 38, 42; OE X 327, 328, 332, 336.
150 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 35; OE X 329.
151 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 40, 45; OE X 334, 339.
152 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 46; OE X 340.

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294 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
para mim. Para que houvesse, depois, alguém que pensasse por mim, quis dar-me Deus
por pai, a Igreja por mãe, a Divina palavra por guia. Conhece, pois, agora, ó cristão, tua
grande dignidade. Agnosce, christiane, dignitatem tuam.153
À conclusão indica-se o “mais belo ornamento do cristianismo”, “a Mãe do Salvador,
Maria Santíssima”, poderíamos dizer a “Mater Ecclesiae”, a quem se reza com a invo-
cação Auxilium Christianorum, ora pro nobis.154 Ele precisa no Exemplo: “Lemos nas
ladainhas a palavra: Maria auxílio dos cristãos: Auxilium christianorum”; “o glorioso
Pio VII (...) instituiu no ano de 1815 em sua honra a festa que se chama Maria auxilia-
dora dos cristãos”.155 Recorda-se mais adiante que Maria “não é somente auxílio dos
cristãos, mas também sustento da igreja universal”.156 Ao fiel sugere-se também que
“Maria ajuda a todos os seus devotos em ponto de morte (...). Tal é também o pensa-
mento da Igreja, que chama Maria auxilium christianorum; auxílio dos cristãos”.157
Maria é, de fato, socorro também nas fragilidades individuais, como é dito num opús-
culo publicado nos mesmos meses: “se nossa fraqueza nos expõe ao freqüente perigo
de sermos vencidos, devemos seguir o exemplo de nossos maiores e recorrer Àquela
que é o auxílio dos cristãos”.158 Assiste-se ao aflorar de um título destinado a extraor-
dinários desenvolvimentos na vida de Dom Bosco e na história das instituições por ele
fundadas.
Dedicado em grande parte às grandes verdades cristãs, O mês de maio dava pouco
espaço à moral, reduzida a três temas: O pecado de desonestidade, A virtude da pureza,
O respeito humano. Pode-se notar que é forte a conexão que Dom Bosco estabelece,
numa perspectiva prevalentemente juvenil e preventiva, entre a vitória contra os pecados
de “desonestidade”, cujos males físicos e espirituais descreve em cores foscas, e a
prevenção das ocasiões – “fuga das conversas obscenas e das más leituras, das pessoas
abandonadas ao jogo, à bebida e a desordens semelhantes” –, os sacramentos da peni-
tência e da eucaristia, a “freqüência da palavra de Deus e a leituras de bons livros, o
dizer pela manhã e à noite três Ave a Maria Imaculada e beijar sua medalha”;159 e, ainda,
tomar como modelo a “Rainha das Virgens”, “tratando com pessoas que sejam amantes
dessa virtude e, especialmente, fugir das pessoas de outro sexo”; enfim, imitá-la “na
modéstia dos olhos, na sobriedade do comer e beber, na fuga dos teatros, bailes e outros
espetáculos perigosos”.160
153 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 60-62; OE X 354-356.
154 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 63-64; OE X 357-358.
155 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 64-65; OE X 358-359.
156 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 171; OE X 465.
157 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 177; OE X 471. Os dois últimos textos são reproduzidos
literalmente em Angelina o la buona fanciulla instruita nella vera divozione a Maria
Santíssima. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1860, p. 88 e 91; OE XIII 36 e 39.
158 G. Bosco, Vita del sommo pontefice san Callisto I. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1858,
p. 62; OE XI 134.
159 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 144-150; OE X 438-444.
160 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 150 154; OE X 444-448, [p. 153; OE X 447].

30.5 Page 295

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 295
Breve síntese eclesiológica e vários avisos de prevenção e crescimento moral e reli-
gioso eram oferecidos pelo opúsculo anônimo Vade-mécum cristão,161 também ele de
1858. Trata-se de uma coleção de várias séries de conselhos, com densa marca mora-
lista, no quadro de uma espiritualidade decididamente pragmática. A base dogmática
reduz-se às já conhecidas teses sobre a Igreja de Jesus Cristo, “una, santa, católica e
apostólica”, e o papa, “chefe da Igreja Católica”, sobre a salvação e os novíssimos,
e a obrigação de buscá-la com o cumprimento dos deveres do próprio estado.162 A Dom
Bosco estava a peito, sobretudo, os deveres dos vários estados, aos quais propõem
advertências apropriadas. Por isso, no discurso preliminar Ao leitor, recomenda “aos
pais, às mães, aos párocos e a todos os que se preocupam com a salvação das almas não
só lê-los, mas fazê-los ler a seus dependentes”, tendo-os como de “grande vantagem”,
“tanto nas coisas espirituais quanto nas temporais”, para as famílias cristãs. São oito
séries de avisos e lembranças: Avisos gerais aos fiéis cristãos e a um pai de família
do beato Sebastião Valfrè; Avisos particulares para os chefes de família, tirados da
Sagrada Escritura e dos Santos Padres; Lembranças especiais às pessoas de serviço;
Avisos do beato Sebastião Valfrè em duas cartas escritas a duas mães de família;
Advertências importantes às jovens sobre seus deveres particulares; Avisos especiais
para as mulheres de serviço. São expressões de uma moral prática, um tanto arcaica, de
caráter preventivo, defensivo e protetivo, para uma família patriarcal e conservadora.
Menos fechada parece a educação familiar proposta três anos depois numa pequena
obra hagiográfica sobre os santos mártires Mário, Marta, Audiface e Ábaco.163 Ricos,
inspirando-se no Evangelho, Mário e Marta “empregavam o que superabundava às suas
próprias necessidades em favor dos pobres”, inculcando nos dois filhos o santo temor
de Deus, a piedade e a fidelidade ao dever. A caridade é exercida pela família unida,
pais e filhos, assim como são enfrentados juntos o processo, a paixão, o martírio, com
cenas análogas às descritas nas páginas bíblicas dos Macabeus. “Ao longo do caminho
– conta o hagiógrafo – elevavam ardentes orações a Deus, para que, com seu poderoso
auxílio, os tornasse firmes na fé. Ao mesmo tempo exortavam-se uns aos outros a darem
intrepidamente a vida, para todos juntos irem gozar com Jesus Cristo no Céu”.164
6. A série Vidas dos papas (1856-1865)
Em janeiro de 1856, com a Vida de são Pedro, Dom Bosco inaugurava uma série de
dezesseis fascículos de biografias dos papas dos primeiros três séculos, com a inclusão
161 [G. Bosco], Porta Teco Cristiano…, 71 p.; OE XI 1-71.
162 [G. Bosco], Porta Teco Cristiano…, p. 5-7; OE XI 5-7.
163 Una famiglia di martiri ossia vita de’ santi Mario, Marta, Audiface ed Abaco e loro martírio
con appendice sul santuario ad essi dedicato presso Caselette per cura del Sacerdote Bosco
Giovanni. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1861, 96 p.; OE XIII 57-152.
164 G. Bosco, Una famiglia di martiri…, p. 39; OE XIII 95.

30.6 Page 296

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296 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
também de são Paulo, numerados com as letras do alfabeto, do A ao P. A série se concluiria
em junho de 1865 com o opúsculo sobre o Pontificado de são Eusébio e são Milcíades
(+ 314). A este se pode aproximar por analogia de estilo e finalidades o fascículo de
dezembro de 1857, dedicado às biografias de são Policarpo e santo Irineu. As vidas dos
papas brotavam, ao menos inicialmente, da pregação catequética e apologética com que
Dom Bosco entendia consolidar entre seus jovens e leitores as verdades da fé procla-
madas pela Igreja: a Igreja fundada por Jesus Cristo, o papa, os sacramentos da peni-
tência e da eucaristia, o sacerdócio, o culto católico. Elas tiravam suas verdades da tese
básica: a Igreja católica atual, romana, dirigida pelo papa, já estava toda nas origens.
A finalidade fundamental era explicitada pelo próprio Dom Bosco no proêmio à
Vida de são Pedro: “Pensei muitas vezes comigo mesmo sobre o modo de acalmar o
ódio e a aversão que alguém, nestes tempos tristes, manifesta contra os Papas e sua
autoridade. Pareceu-me meio muito eficaz o conhecimento dos fatos que se referem à
vida daqueles supremos pastores estabelecidos para fazerem as vezes de J. C. sobre a
terra e guiar nossas almas pelo caminho do Céu”; “e é com este pensamento, ó leitor
católico, que me propus empreender a narração das ações dos Sumos Pontífices que
desde J.C. governaram a Igreja até nossos dias”.165
Dessas biografias dos papas, não interessa, obviamente, a qualidade histórica. Embora
intencionado em manter-se fiel às fontes, que são em geral de segunda mão, Dom Bosco
não tem os instrumentos culturais, nem mentalidade e nem tempo para fazer-lhe um
prévio exame crítico. Resultam claras, porém, e interessantes, as intenções educativas
e catequéticas que o movem na defesa e na aculturação religiosa dos jovens e do povo:
ilustrar-lhes com fatos a verdade das doutrinas, incorporadas por ele no decurso dos
estudos escolares e graças às leituras pessoais, e propô-las à sua fé militante.
Históricas ou não, segundo a crítica, muitas são as verdades católicas que, de acordo
com o autor, as “vidas dos sumos pontífices” demonstram clara e incontestavelmente.
Há perfeita continuidade, sem fraturas, entre Cristo, Pedro, Lino, Cleto e os papas que
os seguem até os inícios do séc. IV. Com os papas e pelas virtudes dos papas, chefes
indiscutíveis e reconhecidos da Igreja, esta se mostra desde sempre una, santa, católica,
apostólica. Os papas dos três primeiros séculos são todos santos e mártires. Em geral,
uma infância, adolescência e juventude piedosa, ilibada, obediente e estudiosa predes-
tina-os ao estado eclesiástico e ao serviço pontifical. Escolhidos entre os melhores do
clero romano, eles excedem no zelo apostólico, na tensão missionária pelos pagãos, no
ardente cuidado pastoral do rebanho dos fiéis perseguidos, na caridade pelos pobres,
encarcerados e, frequentemente, na solicitude especial pela idade em crescimento.
Eles governam com sabedoria e firmeza a Igreja local e universal, promovem a liturgia
eucarística nas catacumbas e em casas particulares, administram os sacramentos da
penitência e da eucaristia. Mantêm a unidade disciplinar e doutrinal de toda a Igreja
contra heresias e cismas, e as igrejas locais recorrem a eles como última instância:
165 G. Bosco, Vita di san Pietro Principe degli apostoli…, p. 3-4, 6-7; OE VIII 295-296, 298-299.

30.7 Page 297

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Cap. IX: Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859) 297
Roma locuta, causa soluta. Nas controvérsias religiosas, dogmáticas ou disciplinares,
definem sem apelo o que é verdade e o que é falso, convocam concílios e promulgam
ou confirmam com autoridade suas deliberações.
Todos concluem com o martírio heróico ou com a dura prisão a vida inteiramente
consagrada ao serviço de Cristo e da Igreja.
De novo, é notável o espaço concedido ao extraordinário e ao prodigioso, particu-
larmente caro a Dom Bosco, como já se percebeu muitas vezes, por temperamento e
por razões apologéticas. Também nesse setor as vidas dos papas se relacionam com
o Evangelho, de modo privilegiado as duas primeiras, dedicadas a são Pedro e são
Paulo. Quanto a Pedro, o extraordinário vai do portentoso ao taumatúrgico, no âmbito
da graça sobrenatural, em seu sentido próprio. Ele manifesta-se particularmente a partir
de Pentecostes: “Aquelas chamas eram símbolo da coragem e da ardente caridade com
que os Apóstolos haveriam de entregar-se a pregação do Evangelho. Nesse momento, o
coração de Pedro torna-se completamente novo, provava em si mesmo uma coragem e
uma fé tais que as maiores empresas pareciam um nada para ele”.166
Não só o primeiro milagre, mas muitos outros vêem Pedro como protagonista.
“Todos os Apóstolos realizavam milagres (...). São Pedro, então, sobressaía-se a qual-
quer outro. Era tal a confiança que todos os fiéis tinham nele e em suas virtudes que, de
todas as partes, também de países distantes, iam a Jerusalém para serem expectadores
de seus milagres”.167 E são Pedro continuará a realizar ainda muitos milagres ao longo
dos séculos em sua basílica romana: “Quem quisesse escrever as muitas peregrinações
ali realizadas em todos os tempos, de todas as partes do mundo e de todas as camadas
de pessoas, a multidão de graças ali recebidas, os estrepitosos milagres ali realizados,
deveria escrever muitos e grossos volumes sobre eles. Nós nos contentaremos em fazer
um aceno a eles à medida que chegarmos a falar daqueles Papas em cujo pontificado
essas maravilhas foram realizadas”.168 Embora em menor medida, são citados vários
milagres também de Paulo e Barnabé.169
Os papas seguem seus passos, na vida e depois da morte, muitas vezes como sustento
dos mártires; “enquanto muitos Cristãos davam com alegria a vida pela fé, Deus, para
sustentá-los na fé e aumentar ainda mais o número dos fiéis, realizava prodígios sem
exemplo nos fatos da Igreja”.170 Durante o pontificado de Sixto II, “as maravilhas acom-
panhavam são Lourenço em todos os lugares e, enquanto estava na prisão, Deus alegra-
166 G. Bosco, Vita di san Pietro Principe degli apostoli…, p. 66; OE VIII 358.
167 G. Bosco, Vita di san Pietro Principe degli apostoli…, p. 84-85; OE VIII 376-377.
168 G. Bosco, Vita di san Pietro Principe degli apostoli…, p. 163-164; OE VIII 455-456.
169 G. Bosco, Vita di S. Paolo dottore delle genti. Turim, Tip. di G. B. Paravia, 1857, p. 17, 19, 28
30, 31, 46-47, 72, 85, 115-120, 158-161; OE IX 183, 185, 194-196, 197, 212-213, 238, 251,
281-286, 158-327.
170 G. Bosco, La persecuzione di Decio e i1 pontificato di san Cornelio I papa. Turim, Tip. G. B.
Paravia e comp., 1859, p. 28; OE XII 28.

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298 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
va-se em realizar muitos milagres, quer para dar a conhecer seu poder aos infiéis, quer
para glorificar seu santo nome na pessoa de seus mártires”.171 “Maravilhas”, “milagres”
e “prodígios” multiplicam-se ao redor do sangue e das relíquias do santo”.172
Quanto ao apostolado da imprensa, o decênio concluía-se significativamente com
os prelúdios de uma iniciativa que haveria de ter seqüência nos anos seguintes, mas
também na história de Dom Bosco e da Sociedade Salesiana. “Em 1859, ele tinha
pensado em criar uma sociedade que o coadjuvasse a contrapor à difusão dos maus
livros o maior número de bons livros que se pudesse. Escrevia, por isso, o programa de
uma Sociedade para a difusão das Leituras Católicas e outros livros católicos”.173
Depois, em 6 de março de 1860, enviava uma circular para recolher “ofertas com a
finalidade de poder distribuir bons livros nos hospitais, especialmente entre os militares.
A coisa teve sucesso: muitos maus livros foram recolhidos, e entregues às chamas, enquanto
eram substituídos por bons livros. Continua agora o esforço de propagar impressos
perversos; e muitos sacerdotes e religiosos que pregam na quaresma ou nos exercícios
espirituais, como também vários párocos e outros sacerdotes, desejando opor-se ao mal
crescente, pedem livros religiosos, ou outros objetos de devoção, que distribuiriam de
maneira útil nos catecismos e em muitas outras ocasiões; faltam-lhe, porém, meios para
adquiri-los”.174 No outono de 1866, de acordo com o pároco de Castelnuovo, ele fundava
oficialmente a Sociedade para a difusão de bons livros (1859-1860).175
171 G. Bosco, Il pontificato di san Sisto II e le glorie di san Lorenzo Martire. Turim, Tip. G. B.
Paravia e comp., 1860, p. 30; OE 298.
172 A isso se dedicam bem cinco capítulos do opúsculo de G. Bosco, Il pontificato di san Sisto
II..., p. 52-70; OE XII 320-338.
173 MB VI 487-488. Segue o texto do programa.
174 Em 1397.
175 MB VIII 487.

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Capítulo X
REGULAMENTAÇÕES INSTITUCIONAIS (1853-1859)
1842
1854
1855
1856
1857
1862
2 de abril: nasce Domingos Savio
verão: chega ao Oratório o primeiro colaborador estável, padre Vittorio Alasonatti
29 de outubro, domingo: Domenico Savio entra no Oratório
estruturação dos regulamentos do oratório e da “casa anexa”
aprovação da lei contra as ordens religiosas
outono: início das classes ginasiais internas (1855-1859)
desenvolvimento do associacionismo juvenil; as companhias
25 de novembro: morte da mãe de Dom Bosco, Margherita
6 de março: morte de Domenico Savio
loteria pública em favor dos três oratórios
outra loteria pública em favor dos três oratórios
A partir de 31 de março de 1852, Dom Bosco era oficialmente, sem qualquer dúvida, o
primeiro responsável dos três oratórios festivos turinenses. Ele afirmava-se gradualmente,
também com perfil sempre mais visível, como gestor do Oratório e casa anexa, prelúdio
dos futuros colégios para estudantes, institutos profissionais, internatos e orfanatos.
Tornava-se, ao mesmo tempo, notório apóstolo da boa imprensa com uma publicação
periódica que haveria de sobreviver por quase cem anos após sua morte. Ele surgia como
defensor da causa católica por meio da obra e dos escritos. Como também se tornava,
talvez, o padre mais conhecido nos estratos mais variados da cidade onde trabalhava.
A segunda metade do decênio via a consolidação das diversas qualificações com
atividades sempre mais reguladas: passagem da casa anexa de pensionato a internato
para aprendizes e estudantes; redação dos regulamentos do oratório e do colégio-in-
ternato; desenvolvimento do associacionismo juvenil; uma grande loteria para suporte
financeiro de obras sempre mais dispendiosas; advento e proposta de um modelo vivo
de espiritualidade juvenil de excelência, encarnado nos acontecimentos terrenos e na
biografia de são Domingos Sávio.
Além do mais, nos últimos anos do decênio, Dom Bosco começava a desenvolver a
idéia de um sodalício com algum tipo de vínculo e estável de agentes nas instituições
juvenis existentes e futuras, na forma de associação ou congregação religiosa. Era uma
virada que, em continuidade ideal com as experiências vividas até então, dava à sua
história uma dimensão diversa e, por isso, imprimia novo curso à sua biografia.

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300 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
1. Leis supressivas e vida consagrada
Poderia ser um freio ao último projeto as leis sobre a supressão das ordens religiosas
e o confisco de seus bens, discutidas e aprovadas no primeiro semestre de 1855. Dom
Bosco, porém, estava emocional e intelectualmente preparado para imaginar e projetar
organizações educativas e religiosas absolutamente livres de vínculos e controles polí-
ticos e jurídicos.
Foi ardoroso e complicado, como se viu, o debate na Câmara e no Senado do Reino
sardo sobre o projeto de lei apresentado por Cavour e Rattazzi em fins de novembro
de 1841.1 Dom Bosco sentiu-se envolvido no evento de várias formas. A ele referia-se,
embora indiretamente, primeiramente numa carta endereçada ao cônego Lorenzo
Gastaldi, que trabalhava em Liverpool como membro do Instituto da Caridade de Rosmini.
De Gastaldi, em 16 de janeiro, o jornal L’Armonia tinha publicado uma Carta de um
sacerdote turinense ao clero sardo, na qual o autorizado cônego estimulava os irmãos
a exercerem “o direito de petição reconhecido pelo Estatuto”, como acontecera na
Inglaterra em 1853, em circunstância semelhante à do Reino sardo. Exortava-os também
a rezar a Deus – motivava – para que não quisesse “punir nosso Estado, permitindo a
sanção desse projeto”.2 Antecipava a Alocução de Pio IX aos cardeais, de 22 de janeiro,
sobre a lei “declarada anticatólica pelo Supremo Hierarca, recordando seu sacrílego
furto”.3 Em carta ao amigo rosminiano, Dom Bosco não acenava ao apelo publicado
pelo L’Armonia nem fazia referência explícita ao projeto de lei, declarando-o apenas,
erroneam­ ente, já passado “na câmara eletiva”. Escrevia, porém, de “tempos calamitosís-
simos” para a religião, do rei “desoladíssimo”, mas “rodeado de gente vendida e de má
fé”, da resistência do clero. Exprimia esperança na reprovação do Senado, mas também
esperava o pior: “Se a mão de Deus, ao agravar-se sobre nós, nos permitisse alguma
desgraça, ter-se-á certamente a consolação de ter feito o que era possível”.4
Enquanto a lei estava em discussão no Senado, saía nas Leituras Católicas de abril
o fascículo com o significativo título: Os bens da Igreja: como se roubam e quais são
as conseqüências do barão de Nilinse [A. Collin de Plancy, 1793-1881], com breve
apêndice sobre os particulares acontecimentos do Piemonte.5 Uma resenha histórica,
relativa a fatos semelhantes acontecidos na Inglaterra nos séculos passados, remetia às
“vinganças do Céu”, que tinham atingido os profanadores, administradores e adqui-
rentes de bens eclesiásticos: “Alguns morreram de doença violenta; outros tiveram que
1 Cf. cap. 1, § 6.
2 “L’Armonia”, 16 de Janeiro de 1855, p. 44.
3 Cf. T. Chiuso in: La Chiesa in Piemonte dal 1797 ai giorni nostri. Vol. IV. Turim, Giulio
Speirani, 1892, p. 201-202.
4 Carta de 23 de fevereiro de 1855, Em I 248.
5 I beni della Chiesa: come si rubino e quali siamo le consequenze con breve appendice sulle
vicende particolari in Piemonte. Turim, Tip. Ribotta 1855, 83 p.

31 Pages 301-310

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31.1 Page 301

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 301
sofrer danos, ou na fortuna ou na sorte ou na vida doméstica; outros, contudo, são alve-
jados por sofrimentos, pessoalmente ou seus descendentes”.6
“Não falaremos senão com circunspeção e reserva dos acontecimentos contempo-
râneos, assim como os que têm relação com personagens vivos, visto não querermos
ofender o próximo”, prometia na Introdução. Entretanto, o apêndice sobre os acon-
tecimentos particulares do Piemonte evocava rapidamente medidas legislativas vexa-
tórias, tomadas de 1774 a 1855 contra instituições e pessoas religiosas, edifícios e
coisas consagradas, às quais respondera sempre a inevitável calamidade.7 As duas mais
recentes: em 1848, a Câmara “aprova no princípio de julho a supressão dos jesuítas, dos
oblatos e das monjas do Sagrado Coração”, e não há saída: “Ao exército piemontês na
Lombardia cabe uma terrível derrota em fins de julho”, “início” das desgraças e danos
“que todos conhecem”; em 1850, em 4 de maio, “o Arcebispo de Turim é aprisionado na
cidadela: no mesmo dia uma geada rígida seca campos, amoreiras e até mesmo algumas
árvores, ocasionando danos ao Piemonte de 15 e mais milhões”. Conclusão: “Cala-se
sobre as coisas mais recentes porque tristemente muito conhecidas de todos”. Os nume-
rosos exemplos sobre a relação culpa-castigo eram confirmados pela relação mérito e
prêmio, contrário em apenas dois eventos sem brilho.8 Nesse contexto historiográfico
poder-se-ia considerar referência implícita à atualidade o que Dom Bosco escrevia em
1855, no final de História da Itália. Sublinhava na abertura do cap. 36, sobre a época
moderna, a ordem e a segurança do Estado Pontifício depois do retorno do papa.
Evocava, porém, alguns “fatos atrozes e as grandes calamidades” de “nossas cidades”:
na ordem, o assassinato do duque de Parma, Fernando Carlos III, em 26 de março de
1854; a invasão do cholera morbus em 1854 e 1855; os gravíssimos estragos provocados
pelo criptograma nos férteis vinhedos da Itália, especialmente os do Piemonte”. A última
página do capítulo era dedicada aos lutos. O Piemonte – escrevia –, no princípio de 1855,
padeceu um infortúnio que não tem semelhante na história da Itália. No espaço de brevís-
simo tempo faltaram aos vivos cinco pessoas da Real Casa de Savóia, entre as quais a
rainha Maria Teresa, mãe de nosso augusto Soberano, e a rainha reinante Adelaide (...).
Não tinham ainda terminado as exéquias das duas rainhas quando deixou de viver o duque
de Gênova, Fernando (...). Meses antes morrera o filho do rei, e pouco depois outro ainda
fora levado à tumba”. Evitava, porém, referir-se à lei do talião e tirava uma moralidade
sob medida para os jovens, em harmonia com todo o encaminhamento do livro. “Terrível
exemplo que nos deve ensinar como a morte não repara nem na dignidade nem na riqueza
nem na idade, desde a mais tenra e florescente!”.9
Uma carta, que tinha como destinatário Daniel Rademacher, era expressão de outro
fato, não facilmente interpretável. “Terá visto nos jornais – ele escrevia duas semanas
6 Nilinse, I beni della Chiesa…, p. 66.
7 Nilinse, I beni della Chiesa…, p. 76-83.
8 Nilinse, I beni della Chiesa…, p. 82-83.
9 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 518; OE VII 518.

31.2 Page 302

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302 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
depois da promulgação da lei –, que o famoso projeto Rattazzi foi aprovado, marcado
[= assinado] e se prepara tudo para pô-lo em execução; que desconcerto! que terrível
desgosto! quantos infelizes atingidos por excomunhões”. Entretanto – acrescentava –,
“é grande número dos bons; em todas as partes fazem-se fervorosas orações”.
O texto seguinte revela novamente a familiaridade com o extraordinário: “Uma
pessoa inspirada por Deus e realmente corajosa escreveu várias vezes ao rei avisando-o
que cairiam males sobre males se não retirasse a lei fatal: manifestou-lhe e descreveu
a morte das duas Rainhas vinte dias antes; a do Duque de Gênova um mês antes; a do
filho do Rei também um mês [antes]. Antes que o Rei assinasse a lei foi-lhe escrito: – ‘Se
V. S. assinar esse decreto, assinará o fim dos Reais de Savóia e não gozará mais da saúde
de antes: terá logo a deplorar novas perdas em sua casa; neste ano graves desastres em
seus campos; grave mortalidade entre seus súditos’. – Veremos como essas coisas se
tornarão verdadeiras. Não sabemos se será a cólera, ou o tifo que há alguns dias se mani-
festou em várias cidades do Piemonte. Apesar disso o Rei, embora com mãos trêmulas,
assinou a lei, e desde então foi gravemente incomodado na saúde! Por esse motivo,
o Ministro dos negócios eclesiásticos, diz-se, está encarregado de dar o quanto antes
início às tratativas com Roma”.10 Terá sido Dom Bosco a “pessoa inspirada por Deus e
realmente corajosa”, que “escreveu várias vezes ao Rei”? Não parece plausível, embora
muitos pensem assim depois do primeiro grande biógrafo de Dom Bosco.11
Em todo caso, se assim fosse, ou se Dom Bosco fosse seu mensageiro ou, talvez, só
o simples cronista, aí surgiria um lado singular de sua personalidade e de sua concepção
religiosa: a propensão a pensar num Deus que intervém direta e tangivelmente no curso
dos fatos humanos, para admoestar ou castigar, não fugindo nem mesmo de vinganças
transversais. De um Deus que pune perseguições injustas, ele falará muito em breve,
quer por ocasião das perquirições – como interpreta – de maio-junho de 1860, quer em
14 de maio de 1862, aos salesianos reunidos para os primeiros votos, evocando o fim
de quantos tinham criado obstáculos à formação da Congregação. No caso de 1855, não
é fácil crer que Dom Bosco, tão necessitado da ajuda de todos, a começar dos pode-
rosos, ousasse um embate improviso com a corte sabauda. É mais difícil ainda imaginar
que ele pensasse poder deter com premonições visionárias um plano político vasto e
resoluto, colocado em movimento por homens incrédulos e bem determinados, que
em parte ele conhecia, e por um rei que, apesar das veleidades autoritárias, conhecia o
espaço limitado que lhe podiam conceder o Estatuto, o Parlamento e o Executivo. No
caso concreto, é evidente o falso alvo contra o qual eram endereçadas as supostas profe-
cias: podia-as criar e enviar somente algum retrógrado que ignorava os fatos de 1848 e
o fim do absolutismo régio. Os verdadeiros destinatários deveriam ser, quando muito,
os promotores da lei, primeiramente Urbano Rattazzi e Camillo Benso de Cavour, que
Dom Bosco bem conhecia, e aqueles que a teriam votado. Contudo, as ameaças de
10 Carta de 7 de junho de 1855; Em I 257.
11 Cf. Documenti V, cap. XIV e XV, p. 93-98 e 99-106; FdB 984 B5-10 e B11-C6.

31.3 Page 303

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 303
castigos de Deus não detiveram a história dos homens, muito menos legisladores que
acreditavam na bondade da causa pela qual se batiam e não estavam obrigados a crer
em supostos enviados de Deus.
Muito mais seguro, significativo e duradouro nos efeitos seria o envolvimento indireto
nas vicissitudes da lei. Isso está à base de seu papel de fundador religioso, nos recursos
positivos e nos temores e hesitações que aí se entrelaçavam. Além do estreitamento suces-
sivo das relações pessoais com Rattazzi, iniciadas já na primavera de 1854 com substan-
ciosas beneficências por parte do ministro, ele podia obter das discussões parlamentares
discretas garantias no encaminhamento dos projetos de fundação religiosa. O ministro as
havia claramente formulado durante o debate na Câmara: o atual projeto de lei – declarava
– “deixa plena e livre faculdade aos membros das comunidades religiosas de se reunirem
e entregar-se ao gênero de vida que lhes seja do agrado”, “a autoridade eclesiástica é a
que sanciona o vínculo religioso”; o efeito da lei discutida “não é impedir ao que desejar
conviver com outros, que conviva; quem quiser depender de superiores, deles dependa,
deixando-se nisso plena e absoluta liberdade a cada um”; “estes gozarão de todos os
direitos e poderão exercer todas as faculdades que cabem aos cidadãos do Estado”.12
Camillo Cavour, inflamado sustentador da “livre Igreja em Estado livre”, durante a
discussão fora ainda mais liberal que o extremista Rattazzi. “O Governo – proclamava
contra o senador Sclopis, que definia a lei não liberal – não pretende com a presente lei
vincular, reduzir, nem muito nem pouco, a liberdade dos cidadãos”; “ele não pretende
vetar de modo algum a faculdade de associar-se para viver com esta ou aquela forma reli-
giosa (...). E, na verdade, se fosse diversamente, se neste projeto de lei eu percebesse qual-
quer disposição que direta ou indiretamente tendesse a vincular a liberdade dos cidadãos,
eu me oporia resolutamente a ela”.13 Aos que objetavam, democráticos ou da esquerda,
que acreditavam ser perigoso “o princípio da liberdade de associação”, abrindo às portas
à criação “de um número de congregações religiosas muito maior do que o existente”,
respondia: “Nós não somos contrários a todas as congregações religiosas; somos contrá-
rios àquelas que não correspondem mais ao espírito e às necessidades dos tempos (...).
Pois, se as necessidades da sociedade atual dão origem a congregações religiosas, preocu-
padas em satisfazer a essas necessidades, e se essa criação se faz espontânea e livremente,
longe de ver nisso um inconveniente, nós vemos um verdadeiro progresso”.14 Tratava-se
de uma involuntária visão profética do que haveria de ser a criação na sociedade civil de
tantos institutos religiosos – entre eles o de Dom Bosco –, livres do incômodo do reco-
nhecimento legal e dos inevitáveis controles.15
12 U. Rattazzi, Discorsi parlamentari. Compilados e publicados aos cuidados de G. Scovazzi.
Roma, Eredi Botta, 1877, vol. III, p. 219-220, 234, 293.
13 Discurso à Câmara, de 2 de maio de 1855, in: Discorsi parlamentari del conte Camillo di
Cavour. Raccolti e pubblicati per ordine della camera dei deputati. Florença, Eredi Botta,
1870, vol. IX, p. 272-273.
14 Discurso de 2 de maio… C. Cavour, Discorsi parlamentari, vol. IX, p. 274.
15 Cf. cap. 1, § 9.

31.4 Page 304

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304 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
2. Governo educativo do Oratório
As grandes mudanças em movimento no Reino sardo não detinham as inicia-
tivas de Dom Bosco. O ano do surgimento das Leituras Católicas e das construções
marcava também o princípio das oficinas artesanais internas para alfaiates e sapa-
teiros. Seguiam-nas, em 1854, os encadernadores de livros e, em 1856, marceneiros e
“ebanistas” ou entalhadores. Nos últimos meses de 1861 tomava corpo a idéia de uma
tipografia, já sugerida a Dom Bosco por Antonio Rosmini em 1853.16 A autorização do
chefe de polícia de Turim era datada de 31 de dezembro e comunicada a Dom Bosco
pela autoridade de segurança pública, em 2 de janeiro de 1862. Em maio saía o primeiro
livro impresso na tipografia do Oratório de São Francisco de Sales: o opúsculo moral
do conhecido pastoralista e escritor religioso bavarense, Christoph Schmid (1768-
1854), Teófilo ou o jovem eremita, fascículo único de maio das Leituras Católicas.17
A mudança unilateral de tipografia daria origem a fortes dissídios com dom Moreno.18
Em 1862 tinha início a oficina de serralheria e, em 1864, a livraria.
Paralelamente, entre os anos escolares de 1855-1856 e 1857-1858, eram ativadas as
primeiras três classes ginasiais, em 1858-1859 a quarta e, em 1859-1860, a quinta. Entre
os alunos estudantes estavam numerosos jovens que aspiravam ao estado eclesiástico. Na
realidade, desde os últimos anos da década de 40 Dom Bosco hospedara na casa anexa
ao Oratório eclesiásticos, clérigos ou jovens encaminhados à carreira eclesiástica.19
A frenética ação ad extra não diminuía, então, o interesse educativo pelas famílias
juvenis das quais se sentia responsável em primeira pessoa e que necessitavam de sua
presença assídua, assistencial e educativa. Crescia nesses anos sua atividade de legis-
lador e formador. Redigia ou aperfeiçoava os regulamentos do Oratório e do internato
ou colégio, enriquecendo-os de um potencial educativo que se tornaria prática nas obras
juvenis futuras.
Entretanto, a partir do verão de 1854, Dom Bosco podia contar com a colaboração
de um piedoso e zeloso sacerdote, que desejava compartilhar plenamente sua vocação
educativa e, em seguida, também religiosa, além do pão e do trabalho. Ele se tornava
até a morte administrador sábio e fiel da precária economia do Oratório e tutor da
disciplina dos jovens. Era padre Vittorio Alasonatti (1812-1865), professor elementar
em Avigliana (1835-1854), sua cidade natal, a 25 quilômetros a oeste de Turim, junto à
entrada do vale de Susa. O sacerdote professor tivera várias ocasiões de conhecer Dom
16 Cf. carta de agosto de 1853, Epistolario completo di Antonio Rosmini Serbati, vol. XII. Casale
Monferrato, G. Pane 1893, p. 140.
17 Cf. Teofilo ossia il giovane romito. Racconto ameno del canonico Cristoforo Schmid Turim,
tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales 1862, LC, Anno X, fasc. III, maio, 127 p.
18 Cf. cap. 15, § 4.
19 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, cap. VIII Giovani e adulti
convittori a Valdocco, p. 175-199.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 305
Bosco em ação entre seus jovens, de passagem para Giaveno para retiros espirituais ou
para a Sagra di San Michele. Segundo padre Francesia, seu biógrafo, Dom Bosco, ainda
em 1853, o teria convidado para ir até ele. Enfim, decidia-se, deixando o velho pai, e
entrava em Valdocco na vigília da festa da Assunção de 1854.
Após a investidura eclesiástica oficial sobre os oratórios, Dom Bosco sentia-se enco-
rajado a dar mais completa forma ao relativo regulamento, tomando como modelo o
Oratório de São Francisco de Sales. Na Introdução já citada, ele declarava sua razão e
sentido: garantir conformidade de disciplina entre os diversos oratórios e unidade de espí-
rito entre os agentes. Em 1854, a redação daquele que, na primeira publicação impressa
de 1877, será denominado Regulamento para os externos pode-se considerar acabada.
Inspirava-se, sem dúvida, em modelos dos quais reproduzia, apesar de densas supressões,
a gestão complicada, jamais traduzida na prática.20 Espelha, contudo, ao menos em parte,
aquela que foi a prática habitual de Dom Bosco compilador de regulamentos ou estatutos,
jamais considerados como códigos funcionais, mas condensado das experiências vividas
nos desenvolvimentos e nas sucessivas estruturações das instituições.
Seu oratório não se originou do regulamento, tinha-o precedido de vários anos;
por isso, a utilização de regulamentos pré-existentes não podia deixar de se ressentir
das experimentações feitas espontaneamente nele. Assim iluminado, parece que se
devam atenuar algumas afirmações quanto à dependência de regulamentos anteriores
à idéia do oratório e do sistema assistencial e educativo nele seguido.21 Aparecem com
evidência diferenciações precisas no texto reescrito por Dom Bosco: “carga peculiar de
humanidade e doçura, atenção singular à psicologia juvenil, simplificação notável das
práticas religiosas, amplo espaço dado ao jogo e à recreação, vivacidade das festas e das
reuniões”.22 Pode-se deduzi-lo de um manuscrito autógrafo de 28 páginas, integradas
com uma folha solta, que fixa em termos tipicamente bosquianos o perfil do oratório; são
também numerosas e significativas as correções e acréscimos apresentados.23
O Regulamento é dividido em duas partes, respectivamente de treze e dez capítulos.
A primeira é aberta por um proêmio no qual se tem a descrição da instituição, já anun-
ciada em seus termos essenciais em textos à parte já conhecidos. O oratório não é só escola
de doutrina cristã nem só lugar de oração (“oratório”), mas também não é só “jardim de
recreação” ou “recreador” ou “escola dominical”. É tudo isso ao mesmo tempo. Quer
assim adequar-se às necessidades emergentes dos jovens e da sociedade. Em geral,
20 Citam-se as Regole dell’Oratorio di San Luigi eretto in Milano il giorno 19 Maggio 1842 in
contr.a di S. Cristina N. 2135 (título interno: Regolamento Organico, Disciplinare e Pratico
dell’Oratorio Festivo di San Luigi in P. Comasina, Contrada di S. Cristina 2135 D). O texto
está contido num grosso caderno manuscrito existente no ASC D 487: Regole di altri istituti.
21 G. Barzaghi, Tre secoli di storia e pastorale degli Oratori milanesi, p. 253-273.
22 Cf. P. Braido, Il sistema preventivo di don Bosco, 1955, p. 67-92; Id., Il sistema preventivo di
don Bosco alle origini (1841-1862), p. 283-287.
23 Regolamento dell’oratorio di S. Francesco di Sales in Valdocco; ASC D 482, fasc. 01; FdB
1955 131-135.

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306 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
propõe-se a “prover aos jovens mais abandonados de todas as vantagens cívicas, reli-
giosas e morais” possíveis: “jovens dos 12 aos 20 anos, dos quais grande parte saia
dos cárceres ou estava em perigo de a eles irem”. “O escopo deste oratório é entreter a
juventude nos dias festivos com recreação agradável e honesta depois de ter assistido às
sagradas funções de igreja”.24
À definição segue o esclarecimento de seus elementos: “Diz-se 1° Entreter a juven-
tude nos dias festivos, porque se tem em vista particularmente a juventude operária
que fica, sobretudo nos dias festivos, exposta ao ócio e às más companhias, que como
dois canais abrem caminho a toda desordem. Não se recusam, porém, estudantes que
em dias festivos ou também em dias de férias ali gostassem de intervir. 2° Agradável
e honesta recreação, adequada a recrear, não a oprimir, e adaptada aos indivíduos que
participam. 3° Depois de ter assistido às sagradas funções de igreja. O escopo primário
é a instrução moral e religiosa, a insinuação de máximas de nossa santa religião. O resto
é acessório e como um subsídio aos jovens para fazê-los participar”.
O mesmo proêmio descreve a qualidade fundamental dos que povoam o oratório,
inspirando-se no titular, são Francisco de Sales: “Este oratório é, também, colocado sob
a proteção de são Francisco de Sales para indicar que a base na qual esta congregação
se apóia, tanto entre quem comanda quanto em que obedece, deve ser a caridade e a
doçura, que são as virtudes características desse santo”.25
A primeira parte do Regulamento, consagrada aos agentes, oferece normas de
método que fazem emergir o sistema preventivo, já presente no sentir e agir de Dom
Bosco, bem antes das fórmulas. Os aspectos preventivos são muito mais acentuados do
que brotam dos textos utilizados por ele.
O reitor “deve preceder os demais encarregados na piedade, na caridade e na
paciên­cia”; “mostrar-se constantemente amigo, companheiro, irmão de todos; por isso,
encoraja sempre cada um no cumprimento dos próprios deveres como solicitação,
jamais como ordem severa”. Ele “Ouve as confissões dos que a ele se dirigem esponta-
neamente”. E “procura conquistar sua [dos jovens] estima e benevolência com doçura e
exemplaridade, esforçando-se de todas as maneiras possíveis para incutir em seus cora-
ções o amor de Deus, o respeito pelas coisas sagradas, a freqüência dos Sacramentos, a
devoção filial a Maria Santíssima e tudo o que constitui a verdadeira piedade”.26
O prefeito “é confessor ordinário dos jovens; dirá missa, dará catecismo e, se tem
capacidade, também a instrução do púlpito”; a ele é “confiado o cuidado das aulas
noturnas e dominicais”.27
Os vigilantes, “vendo alguém falhar, tagarelando ou dormindo, corrijam-no com
24 Fórmula quase idêntica encontra-se no artigo publicado em 1849 por C. Danna no Giornale
della Società d’Istruzione e d’Educazione. Poucos meses depois Dom Bosco a repetira aos
admiradores da Mendicância Instruída: “Através de agradável recreação atraída por algumas
diversões, com catecismos, instruções e canto vários se tornaram comedidos, amantes do
trabalho e da Religião” (carta de 20 de fevereiro de 1850; Em I 96).
25 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. I, p. 1.
26 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. I, art. 1, 2, 6, p. 2.
27 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. II, art. 5 e 7, p. 3.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 307
belas maneiras, movendo-se o menos possível do próprio lugar, sem jamais bater em
alguém, mesmo por motivos graves, nem mesmo ralhar com eles com palavras ásperas
e com voz alta”.28
Apelo insistente é dirigido aos catequistas, titulares de um ofício particularmente
delicado e exigente: “Vós, ó Senhores catequistas, ao ensinar o catecismo, fazeis uma
obra de grande mérito diante de Deus e diante dos homens. Diante de Deus porque
cooperais para a salvação das almas redimidas com o precioso sangue de Jesus Cristo;
diante dos homens porque vossos ouvintes abençoarão sempre vossas palavras, com
as quais lhes indicastes a vida para serem bons cidadãos e o meio para conseguirem
a vida eterna”. Seguem normas práticas pedagógico-didáticas: “Cinco minutos antes
de terminar o catecismo, ao som da sineta, contar-se-á algum breve exemplo tirado da
História Sagrada, ou da História Eclesiástica, ou expor-se-á claramente e com popu-
laridade um apólogo ou alguma comparação moral, que tende a fazer realçar a feiúra
de todo vício ou a beleza de alguma virtude em particular”; “os vícios que se devem
rebater freqüentemente são a blasfêmia, a profanação dos dias festivos, a desonesti-
dade e o furto, a falta de dor e de propósito na confissão”; “as virtudes a se mencionar
são muitas vezes: caridade com os companheiros, obediência aos superiores, amor ao
trabalho e fuga do ócio e das más companhias, freqüência da confissão e comunhão”;
“todo catequista demonstre sempre um rosto alegre e faça ver, como o é realmente,
que aquilo que ensina é de grande importância. Ao corrigir ou dar avisos use sempre
palavras que encorajam, e nunca humilhem. Louve sempre quem o merece, seja tardo
em censurar”.29
Os pacificadores têm a tarefa de “impedir brigas, discussões, blasfêmias e qualquer
outro gênero de má conversa”; “no caso de ter que fazer correções, tenha-se o cuidado
de fazê-las em particular (...) exceto se isso fosse necessário para reparar um escândalo
público”.30
São especificadas as normas relativas aos jovens e às tarefas dos reguladores da
recreação. O art. 2 reza: “As brincadeiras ou jogos permitidos são bochas, malha,
balanço, pernas-de-pau, carrossel ou passo gigante, tiro ao alvo, corda, exercícios de
ginástica, ganso, damas, xadrez, tômbola, correio ou barra rompida, mercado, e todo
outro jogo que possa contribuir à destreza do corpo”.31
É árduo o ofício dos patronos ou protetores. Eles “têm o importantíssimo encargo
de buscar emprego para os mais pobres e abandonados, e vigiar para que os aprendizes
e os artesãos que freqüentam o Oratório não fiquem junto a patrões com os quais sua
salvação eterna corra perigo”; “é também ocupação dos patronos reconduzirem para
casa os filhos que dela tivessem fugido e esforçar-se por empregar os que desejam
28 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. II, art. 5 e 7, p. 3.
29 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. 8, art. 1, 8, 11 12, 16, p. 8-10.
30 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. 9, art. 1 e 3, p. 11-12.
31 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. 11, p. 12-15.

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308 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
aprender alguma profissão, ou que estejam sem trabalho”; “terão o cuidado de anotar
nome, sobrenome e endereço dos patrões que precisem de aprendizes ou artesãos, para,
se preciso, enviar seus protegidos”; “nos contratos com os patrões, tenha-se como
primeira condição que sejam católicos e deixem o aluno em liberdade para santificar o
dia festivo”; “ao perceber que algum aluno está em lugar perigoso, cuide para que não
cometa desordens e avise o patrão, se parecer conveniente; entretanto esforce-se por
encontrar um lugar melhor para seu protegido”.32
Enfim, a todos os “empregados do oratório, recorda-se que os cargos”, “sendo todos
exercidos a título de caridade, cada um deve realizá-lo com zelo”; e são “recomendadas
calorosamente a todos” “caridade, paciência recíproca no suportar os defeitos alheios,
promover o bom nome do Oratório, dos empregados, e animar a todos à benevolência
e à confiança com o Reitor”.33 Substancialmente, qualidades e deveres espelham orien-
tações de uma tradição catequética secular, codificadas nas Constituições e regras da
companhia e escolas da doutrina cristã, de são Carlos Borromeu, publicadas em Milão
em 1585, matriz distante dos regulamentos dos oratórios modernos.34
A segunda parte também apresenta orientações significativas. Em particular, o
primeiro capítulo sobre as Condições de aceitação constitui uma integração impor-
tante ao proêmio da primeira. Ressalta-se ali novamente a singularidade bosquiana
de uma instituição destinada a desenvolver uma ação claramente preventiva em favor
de certo tipo de jovens. “1° O escopo essencial deste oratório, sendo manter a juven-
tude longe do ócio e das más companhias, particularmente nos dias festivos, é que
todos possam ser acolhidos sem excessão de grau ou condição de pessoas. 2° Aqueles,
porém, que são mais pobres, mais abandonados e mais ignorantes são preferencial-
mente acolhidos e cultivados; porque esses têm maior necessidade de assistência para
caminhar na via da salvação eterna. (...) 5º Sejam ocupados em alguma arte ou ofício,
porque o ócio ou a desocupação trazem em si todos os vícios, [sendo] portanto inútil
qualquer instrução religiosa. Quem está desocupado e deseja entregar-se ao trabalho
pode dirigir-se aos protetores, e será por eles ajudado. 6° Ao entrar neste Oratório, o
jovem deve estar persuadido intimamente de que este é um lugar de religião, no qual
se deseja unicamente fazer bons cristãos e honestos cidadãos; por isso é rigorosamente
proibido blasfemar, manter conversas contrárias aos bons costumes e contrárias à santa
religião católica. Quem cometesse essas faltas será paternalmente avisado na primeira
vez; quem não se emenda dar-se-á conhecimento ao Reitor por quem será expulso do
Oratório. 7° Mesmo os jovens rebeldes podem ser acolhidos, mas se deve [ver] bem
que não dêem escândalo e se procure que manifestem boa vontade de emendar-se e ter
32 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. 12, art. 1-2, 4-6, p. 15-16
33 Regolamento dell’oratorio..., pt. I, cap. 13, art. 1 e 4, p. 16.
34 Cf. Acta Ecclesiae Mediolanensis, ed. por A. Ratti. Vol. III. Milão 1892, col. 149-270; P.
Braido, Breve storia del “sistema preventivo”. Roma, LAS, 1993, p. 26-29.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 309
uma conduta melhor”.35
É interessante notar que o capítulo relativo à Atitude na recreação precede o capítulo
sobre a Atitude na igreja, seguido do capítulo Atitude fora do Oratório.36 Os capítulo
quinto e sexto trazem o elenco das Práticas religiosas37 e tratam dos sacramentos da
Confissão e comunhão. A propósito destes adverte-se entre outras coisas: “Considerai,
ó filhos, que os dois sustentos mais fortes na vossa caminhada pela estrada do céu são
os dois Sacramentos da confissão e da comunhão”; “cada qual se aproximará livre-
mente por amor e nunca por temor”; “eu aconselho a todos os filhos do Oratório que
façam o que diz o catecismo da Diocese de Turim, ou seja: é bom confessar-se a cada
quinze dias ou uma vez por mês”; “o confessor é amigo de vossa alma e, por isso, reco-
mendo-vos ter plena confiança nele. Contai também ao vosso confessor todo segredo
de vosso coração e ficai certos de que ele não pode revelar a mínima coisa ouvida em
confissão”; seu conselho é particularmente importante quanto “à escolha do estado”.38
Nos Acenos históricos, redigidos entre 1861 e 1862, Dom Bosco reduzia sua
concepção experiencial oratoriana a densa síntese. A coisa mais importante talvez seja
que, quando evoca e revê num piscar de olhos a experiência vivida, ele se revela mais
original e verdadeiro de quando se põe a regulamentar. Ao ter que fazer opções pontuais
acaba por enfraquecer uma realidade que em si era virtualmente mais rica e flexível
e disponível às soluções mais variadas. Por exemplo, se no texto ele propõe, sobre-
tudo, uma sólida formação religiosa e moral, na evocação da experiência concreta ele
evidencia particularmente a novidade de seu oratório, sublinhando suas três expressões
significativas: os “prêmios”, os “divertimentos”, as “boas acolhidas”, com o acréscimo
da clássica fórmula de que se apropriara por volta de 1855: “Estes Oratórios – escrevia
– podem-se definir como lugares destinados a entreter nos dias festivos os jovenzinhos
em perigo com agradável e honesta recreação depois de terem assistido às sagradas
funções da igreja. Portanto, além das igrejas há também recintos bastante espaçosos
para a recreação e locais apropriados para as aulas e para proteger os alunos das intem-
péries na estação fria ou em caso de chuva. Os meios para atrair e fazer participar são:
pequenos prêmios, divertimentos e boas acolhidas. Medalhas, imagens, fruta, alguma
refeição ou merenda; às vezes, um par de calças, de sapatos ou outra roupa para os mais
pobres; colocação no trabalho; assistência junto aos pais e aos próprios patrões. As diver-
sões são: bolas ou bochas, malha, perna-de-pau, balanço de vários tipos, passo gigante,
ginástica, exercícios militares, canto, concertos com música instrumental e vocal.
O que, porém, pode atrair mais os jovenzinhos são as boas acolhidas. Uma longa expe-
riência fez saber que o bom resultado na educação da juventude consiste especialmente
em saber fazer-nos amar para depois fazer-nos temer”.39
35 Regolamento dell’oratorio..., pt. II, cap. 1, art. 1-2, 5-7, p. 17-18.
36 Regolamento dell’oratorio..., pt. II, cap. 2-4, p. 18-21.
37 Regolamento dell’oratorio..., pt. II, cap. 5, p. 21.
38 Regolamento dell’oratorio..., pt. II, cap. 6, art. 1-3, p. 21-23.
39 [G. Bosco], Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 67-68.

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310 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
3. O Plano de Regulamento para a casa anexa
A colocação junto ao oratório, instituição aberta, da casa destinada a pequeno
pensionato operário e estudantil, transformado entre 1853 e 1859 numa instituição
completa, internato ou colégio-internato, comportava certo revigoramento e endureci-
mento do princípio preventivo e da disciplina. Esta nova face do sistema educativo seria
acentuada novamente nos decênios sucessivos com a ampliação do Oratório e o cres-
cimento da experiência colegial. Ele era codificado de modo privilegiado nas páginas
sobre o sistema preventivo de 1877 e no Regulamento para as casas da Sociedade de
São Francisco de Sales, que o acolhia.
O Plano dos anos 50 ainda trazia marcas claras do regulamento do oratório festivo,
exceto no apêndice para os estudantes, no qual timidamente emergia o outro Dom Bosco,
diretor de colégio com forte conotação de pequeno seminário e, portanto, educador de
jovens encaminhados à vida eclesiástica.
No tempo das primeiras redações do próprio Regulamento, o internato era um
simples pensionato de dimensões modestas e com a fisionomia de uma numerosa
família patriarcal, de duas a quatro dezenas de membros em 1853-54, da qual Dom
Bosco era mais paterfamilias que superior.40
O Plano de Regulamento é articulado em duas partes de nove e sete capítulos respec-
tivamente. A primeira tem também um Apêndice para os estudantes, com dois capítulos.
No proêmio à primeira parte, Finalidade desta casa, fala-se – com um léxico que retor-
nará estereotipado ainda nas conferências e nos escritos do último decênio – de jovens
oratorianos “em condição tal que tornam inúteis os meios espirituais se não se lhes
presta socorro temporal”; “já um tanto avançados na idade, órfãos ou privados da assis-
tência paterna, porque os pais não podem ou não querem cuidar deles, sem profissão,
sem instrução”; “expostos aos mais graves perigos espirituais e corporais, não se pode
impedir sua ruína se não se estende mão benéfica que os acolha e encaminhe ao trabalho,
à ordem, à religião”. A finalidade da casa era “dar refúgio aos jovens dessa condição”.41
São, então, regulamentados os vários ofícios, alguns ligados ao estilo oratoriano,
enquanto ainda há jovens que trabalham fora de casa. Por exemplo, “o protetor é um
benfeitor que assume o importantíssimo encargo de encontrar patrões para os filhos da
Casa, de vigiar para que não sejam patrões junto aos quais, ou por causa deles ou por
causa de algum companheiro, esteja em perigo sua salvação eterna”.42
40 Cf. Piano di Regolamento per la Casa annessa all’Oratorio di San Francesco di Sales, ASC
D 482, fasc. 02; FdB 1958 C2-D2; 1958 E2 - 1959 A3; 1960 B4-D9. Refere-se aqui à cópia
passada a limpo dos documentos FdB 1959 A4-D3, ou seja, ao manuscrito alógrafo com total
de 36 páginas: FdB 1959 D4 - 1960 B3.
41 Piano di Regolamento..., p. 3. No cap. 1° são esclarecidas em artigos distintos as condições
dos jovens candidatos: Accettazione, p. 4-5.
42 Piano di Regolamento..., pt. I, p. 11.

32 Pages 311-320

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32.1 Page 311

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 311
Entre Dom Bosco, padre Alasonatti e alguns jovens, Michele Rua e Giuseppe
Rocchietti já clérigos, Giovanni Battista Francesia, Giacomo Artiglia, Giovanni
Cagliero, Giuseppe Bongiovanni, estes perto de sê-lo,43 podiam-se cobrir de alguma
maneira os cargos previstos: reitor, prefeito, catequista, assistentes, protetores, chefes
de grupo, empregados (cozinheiro, servente, porteiro), mestres de arte. Mamãe
Margherita, toda atarefa nas coisas de casa, não precisava de regras! No Regulamento,
o chefe de grupo apresenta ao vivo a qualidade do bom assistente, a figura típica do
agente da prevenção educativa. Ele precede seus assistidos, não raramente da mesma
idade, “no bom exemplo”, mostrando-se “em tudo justo, exato, cheio de caridade e
temor de Deus”, e “vigia” “atentamente para impedir todo tipo de más conversas, toda
palavra, gesto ou trato e também brincadeira contrária à virtude da modéstia”.44
Segue um Apêndice para os estudantes, ou seja, aqueles “entre os filhos internos
(...) que manifestam aptidão para o estudo ou para alguma arte liberal”. Resulta daí
a imagem do que será também nos decênios sucessivos a sessão dos estudantes do
Oratório de Valdocco: um colégio e, ao mesmo tempo, pequeno seminário, perfeita-
mente realizado logo que Dom Bosco conseguir organizar em seu interior um curso
ginasial próprio. De fato, “ninguém é admitido a estudar: 1° se não tiver uma aptidão
especial ao estudo e que tenha se sobressaído nas aulas. 2° Tenha certificado de piedade
eminente (...). 3° Ninguém é admitido a estudar latim se não tiver vontade de abraçar
o estado eclesiástico, deixando-se, porém, livre de seguir sua vocação tendo feito o
curso de latinidade”.45 A realidade era confirmada pelas normas codificadas pelos dois
capítulos que regulamentavam a vida dos estudantes. Referiam-se claramente a uma
elite cultural e espiritual, à qual se acreditava dever exigir muito: tratava-se de jovens
seminaristas ou, em todo caso, privilegiados. Esse é o ambiente no qual cresceram
Domenico Savio e seus amigos.
Quanto à educação moral e religiosa, o dirigismo tornava-se total, ao menos igual
àquele vivido por Dom Bosco no seminário, com a diferença fundamental que era inte-
grado e enriquecido de elementos afetivos e alegres, que transformavam o clima, a
atmosfera humana, amigável e familiar.
Quanto à prática religiosa era prescrito: “1. Todo estudante deve demonstrar-se
modelo de virtude a todos os filhos da Casa, quer no cumprimento de seus deveres quer
na piedade. Faria realmente desonra a um estudante ocupado continuamente em coisas
de espírito ser inferior na conduta a um pequeno artesão ocupado o dia todo em pesados
trabalhos. 2. Na segunda quinta-feira de cada mês todos juntos farão o exercício da boa
morte, preparando-se alguns dias antes com alguma prática de piedade cristã. 3. Como
é recomendado que todos tenham um confessor estável, assim para os estudantes será
estabelecido um confessor, que cada qual terá o cuidado de não mudar sem comunicá-lo
43 Cf. cap. II, § 6.
44 Piano di Regolamento…, pt. I, cap. VII, art. 2 e 5, p. 12-13.
45 Piano di Regolamento…, Accettazione, p. 19-20.

32.2 Page 312

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312 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
ao Superior; e isso para certificar-se que o aluno aproxime-se dos Santos Sacramentos,
e também para que seja regularmente dirigido pelo mesmo Diretor; tendo maior neces-
sidade de cultura espiritual os que se dão ao estudo, que é todo ele trabalho de espírito.
Contudo, mais necessário ainda é ter um único confessor, para que, concluído o curso
de latinidade, ele seja capaz de julgar com fundamento sobre a própria vocação. 4. Cada
qual tenha plena confiança no confessor e lhe manifeste regularmente todo o seu inte-
rior e o siga em seus conselhos; isso é da máxima importância, porque, assim fazendo,
o confessor será capaz de dar os conselhos mais adaptados ao bem da alma”.46
O horário do estudo era condicionado pelos diversos horários das aulas externas que
se freqüentavam. A diligência e a aplicação eram controladas e avaliadas pelo assistente
e pelo decurião. O Plano de Regulamento dispunha: “Será destinado a outras ocupa-
ções” quem não lhe fosse assíduo e, chamado à atenção, não se emendasse; “quem
não tem o temor de Deus, abandone os estudos, porque trabalha em vão. A ciência não
entrará numa alma malévola, nem habitará num corpo escravo do pecado”. “A virtude
particularmente inculcada nos estudantes é a humildade. Um estudante soberbo é um
estúpido ignorante. O princípio da sabedoria é o temor de Deus (...). O princípio de todo
pecado é a soberba”.47
Prevaleciam na segunda parte os elementos disciplinares. Era, de fato, intitulada
Disciplina da Casa e estabelecia normas sobre piedade, trabalho, comportamento em
relação aos superiores e em relação aos companheiros, modéstia, comportamento
no regime da Casa e fora de casa. Também nos aprendizes era inculcado o temor de
Deus e os meios de adquiri-lo: oração, freqüência dos sacramentos da Penitência e da
Eucaristia, escuta da Palavra de Deus. Recomendava-se a escolha de um confessor
estável, ao qual “abrir todos os segredos”, assistência à missa, leitura espiritual, o
“entregar-se à virtude desde a juventude”, especial devoção ao santíssimo sacramento,
à beata Virgem, a são Francisco de Sales, a são Luís Gonzaga.48
Elementos de grande interesse eram oferecidos pelo capítulo Do trabalho:
“O homem (...) nasceu para trabalhar”; “entende-se por trabalho o cumprimento dos
deveres do próprio estado, seja de estudo, de uma arte ou ofício”; “mediante o trabalho”
é possível tornar-se “benemérito da sociedade, da religião e fazer grande bem à alma”
própria; a idade juvenil “é a primavera da vida; quem não se habitua ao trabalho durante
a juventude será, em geral, sempre um preguiçoso até a velhice, com desonra da pátria
e dos pais e, talvez, com dano irreparável da própria alma, porque o ócio traz consigo
todos os vícios”.49
46 Piano di Regolamento…, Appendice…, cap. I: Condotta religiosa degli studenti, art. 1-4,
p. 20-21.
47 Piano di Regolamento…, Appendice, cap. II: Dello studio, art. 1-3, 6-7.
48 Piano di Regolamento…, pt. II, cap. I: Della pietà, art. 1-2, 4-8, p. 23-25.
49 Piano di Regolamento…, pt. II, cap. II: Del lavoro, art. 1-6, p. 22-26.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 313
É clássico o discurso sobre a obediência, “fundamento de toda virtude de um
jovem”. Isso se traduz em exortações prementes: “Persuadi-vos de que vossos supe-
riores sentem vivamente a grave obrigação que os constringe a promover do melhor
modo vosso proveito, e que, ao vos avisar, ordenar e corrigir, não têm outra coisa em
vista que vosso bem”; “honrai-os e amai-os como aqueles que ocupam o lugar de Deus
e dos vossos pais”; “vossa obediência seja pronta, respeitosa e alegre”; “abri-lhes livre-
mente os sentimentos de vossa alma, considerando neles um pai amoroso, que deseja
vossa felicidade”.50
Não eram menos cuidadas a amizade e a fraternidade entre os jovens alunos:
“Honrai e amai vossos companheiros como outros tantos irmãos”; “amai-vos todos
reciprocamente (...), mas guardai-vos do escândalo”.51
Em relação à modéstia, é óbvio que não se identificasse só com a civilidade e a boa
educação, mas fosse considerada especialmente como salvaguarda da castidade e da
caridade. Por isso, diz-se aos jovens: é “um dos mais belos ornamentos de vossa idade”.
É recomendada primeiramente “a modéstia dos olhos; eles são as janelas pela qual o
demônio leva o pecado ao coração (...); as mãos, quando não estão ocupadas, sejam
mantidas em porte decente, e à noite, o quanto possível, sejam mantidas junto ao peito”;
“sede modestos no falar, jamais usando expressões que possam ofender a caridade e
a decência”; “procurai formar em vós uma índole mansa e constantemente regulada
segundo os princípios da modéstia cristã”.52
O jovem devia manter, mesmo fora do internato, comportamento semelhante,
segundo o capítulo Atitude fora da Casa.53 Esse capítulo e o anterior, Atitude no
regime da Casa,54 eram um espelho muito interessante sobre o que, segundo Dom
Bosco, devia ser o estilo de uma comunidade juvenil ainda não reduzida totalmente
a internato, com um vai e vem de jovens que iam ao trabalho e à escola e retornavam
em horários variados.
Concluem o corpo do Regulamento dois breves acréscimos, um mais arcaico e
outro recente, introduzidos por Dom Bosco no manuscrito alógrafo ao qual se acenou.
No primeiro são denunciados Três males dos quais se deve sumamente fugir: “1°
A blasfêmia e nomear o santo nome de Deus em vão; 2° A desonestidade; 3° o furto”.
No segundo, indicam-se Coisas proibidas com rigor na Casa: “Conservar dinheiro” e
“todo tipo de jogo a dinheiro”, “qualquer jogo em que se possa correr o risco de fazer-se
mal e do qual possa advir algo contra a modéstia”; “fumar e mascar tabaco”; “sair com
parentes ou amigos para almoçar ou comprar roupas”.55
50 Piano di Regolamento…, pt. II, cap. III: Contegno verso i superiori, art. 1-5, p. 26-27.
51 Piano di Regolamento…, pt. II, cap. IV: Contegno verso i compagni, art. 1-2, p. 27.
52 Piano di Regolamento…, pt. II, cap. V: Della modestia, art. 1, 3 4, 6, p. 28-29.
53 Piano di Regolamento…, pt. II, cap. VII, p. 33-36.
54 Piano di Regolamento…, pt. II, cap. VI, p. 30-33.
55 Piano di Regolamento…, pt. II, p. 33-35.

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314 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Na edição impressa de 1877, o Regulamento para as casas tornar-se-ia mais rico
e articulado em normas disciplinares, mas inalterado quanto às fórmulas básicas nem
mais intenso pela qualidade dos conteúdos espirituais.
4. Oratório em crescimento e lutos dolorosos
Dom Bosco, em 1856, fazia derrubar a querida casa Pinardi para substituí-la por uma
ala mais homogênea à outra paralela no lado leste. Ela tornava mais racional e com maior
capacidade o conjunto em U, que haveria de constituir o núcleo definitivo do Oratório.
Tratava-se de um edifício de dois andares, com o acréscimo de um sótão com quartos
individuais. Ele correspondia às crescentes exigências do internato, com oficinas e classes
internas em vias de atuação. Em 15 de março, Dom Bosco pedia autorização para sua cons-
trução ao prefeito Giovanni Battista Notta, encontrando-se “na necessidade de restaurar
o velho edifício anexo ao Oratório de São Francisco de Sales em Valdocco, ou seja, para
dar asilo a maior número de jovens abandonados e em perigo”; ou “concluir o trecho
de casa colocado entre a igreja e a atual casa existente”. A fim de economizar, pedia ao
prefeito que concedesse uma modificação parcial no projeto apresentado três anos antes:
“Poder fazer arcos de um quarto em vez dos sótãos já criados na construção anterior; e,
dessa forma, economizar dinheiro, cuja falta poderia impedir a execução da construção
desejada, da qual se tem verdadeira necessidade”:56 solução que lhe teria custado caro.
Mais adiante pensava também na construção, ao longo da rua transversal da Jardineira,
entre a entrada do Oratório e a igreja de São Francisco de Sales, de duas salas de aula para
uma escola elementar para cerca de 150 alunos, que entraria em função no início de 1857:
“Isso tudo – escrevia à duquesa Costanza Laval de Montmorency, em 12 de agosto de
1856 – com o único objetivo de conquistar almas para Jesus Cristo, especialmente nestes
tempos em que o demônio faz tantos esforços para arrastá-las à perdição”.57
O Oratório estava em parte “de cabeça para baixo”, “por isso – comunicava Dom
Bosco a um sacerdote que pensava entrar no Oratório com sua ajuda –, até inícios de
agosto não nos é possível oferecer-lhe um quartinho que se possa chamar um pouco
amigável”. Como primeira colaboração propunha-lhe “ocupar-se da assistência e da
contabilidade da oficina da casa e da conduta moral dos meninos junto aos respectivos
patrões da cidade”.58 Trata-se de um pequeno perfil do Oratório, internato e pensionato,
no qual “a oficina” era o único local onde se desenvolviam as incipientes atividades
artesanais de alfaiataria, sapataria, encadernação, marcenaria. Em 22 de agosto, porém,
um acidente fazia desmoronar os sótãos construídos com economia de custos,59 retar-
dando a realização dos trabalhos, mas também aumentando as despesas e, portanto,
56 Em I 285.
57 Em I 297.
58 Ao P. Estevão Pesce, 15 de julho de 1856; Em I 293.
59 Cf. a citada carta ao prefeito, de 15 de março de 1856; Em I 285.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 315
a urgência de subsídios. Dom Bosco provia a isso com duas circulares. Na primeira,
anunciava a decisão de abrir a escola diurna para meninos não escolarizados da vasta
zona em vias de povoamento ao redor de Valdocco. Enviava uma cópia dela também ao
ministro do Interior, Urbano Rattazzi, que destinava imediatamente mil liras, seguidas
de outras mil no dia seguinte, “querendo demonstrar de modo particular o interesse que
o Régio Governo toma[va] para o crescimento do Pio Instituto masculino de Valdocco
e tão bem dirigido pelo M. R. P. João Bosco”.60
Em inícios de outubro, a nova construção estava concluída com os três andares,
inclusive os sótãos com pequenos quartos individuais. Procurou-se dissipar a umidade
e garantir a rápida possibilidade de moradia com fogareiros acesos dia e noite.
Em novembro enchia-se aos poucos de novos jovens, que chegaram a cento e cinqüenta.
Ao mesmo tempo, atingiam o Oratório e, mais do que todos, a Dom Bosco vários
lutos, entre os quais, particularmente doloroso, a morte da mãe.
Em 13 de julho de 1856, morrera o grande benfeitor doutor Francesco Vallauri. Para
ele, médico cirúrgico, Dom Bosco, em 1845, pedira ao papa Gregório XVI a indul-
gência in articulo mortis.61 O médico aparecia entre os doadores para a construção
da igreja de São Francisco de Sales e, em 10 de junho de 1852, fora o prior da festa
para a bênção da igreja.62 Deixava-se envolver, depois, na loteria de 1854 e era presi-
dente da Comissão na de 1855.63 Em 11 de setembro, na igreja de São Francisco de
Sales, Dom Bosco cuidava da celebração da solene missa de sufrágio. A inscrição posta
sobre a porta de ingresso recordava-o como “prior emérito da Companhia de São Luís
Gonzaga, benfeitor insigne do Oratório de São Francisco de Sales.64 A mulher e os
filhos, padre Pedro (1828-1900) e Teresa (1831-1879), permaneceriam por toda a vida
muito amigos de Dom Bosco e generosos com suas obras.
Em 5 de novembro morria o jovem, amado e piedoso teólogo Paolo Francesco Rossi
(1828-1856), diretor do Oratório de São Luís desde 1852. Era contemporâneo e, nos anos
1847 a 1851, companheiro de estudos teológicos e amigo de são Leonardo Murialdo,
que o sucedia em 1857 na direção do São Luís. A longa evocação do jornal L’Armonia
fazia dele uma figura especular à de Dom Bosco, pelos dotes de mente e coração, pela
“solicitude pelos jovens em perigo” e pelo seu bem espiritual e corporal, assim como
pelo total desapego: “Abandonou toda idéia de emprego elevado e honorífico, toda idéia
de interesse temporal, e dando-se constantemente ao exercício da caridade pelo próximo,
especialmente pela juventude pobre, empregava toda solicitude, toda força, todo respiro
para conquistar almas a Deus”; “um benfeitor e um verdadeiro pai”.65
60 A Dom Bosco, 4 de outubro de 1856; MB V 534. A precedente é de 3 de outubro de 1856; MB
V 533.
61 A Gregório XVI, de abril de 1845; Em I 56.
62 A dom L. Moreno, de 10 de junho de 1852; Em I 160.
63 Ao intendente de Finanças, de 27 de janeiro de 1854 e 22 de março de 1855, p. 216 e 251.
64 “Funzione funebre”, L’Armonia, domingo 14 se setembro de 1856, p. 861.
65 “Necrologia del T. Francesco Rossi”, L’Armonia, 20 de novembro de 1856, p. 1095-1096; OE
XXXVIII 36-37.

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316 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
O luto, porém, que mais feria o coração de Dom Bosco era a morte, após uma
violenta pneumonia, da doce e forte mamãe Margherita Occhiena, viúva Bosco. Apesar
dos solícitos tratamentos do médico do Oratório, doutor Celso Bellingeri, às 3 horas
de 25 de novembro ela deixa seu predileto Giovanni, o filho maior Giuseppe, que a
assistiu até o fim, e muitos filhos adotivos do Oratório, que atendia há dez anos.66 Em
31 de dezembro, Dom Bosco escrevia à duquesa Costanza Laval de Montmorency:
“Os casos desagradáveis acontecidos nesta casa são o motivo pelo qual não respondi à
graciosa e devota carta que, em sua bondade, se dignava endereçar-me após a morte de
minha querida mãe”. Agradecia e garantia orações especiais. Talvez, um eco da dolo-
rosa separação da mãe eram os votos que formulava à destinatária e a si mesmo sobre
a fé e a esperança na vida futura, para a qual se voltava a oração: a senhora “possa em
tudo fazer a santíssima divina vontade em todas as suas ocupações; e, o mais tarde que a
Deus aprouver, cumprindo sua vida mortal nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria,
vá receber seu eterno galardão no Céu”; eu “possa também cumprir a santa vontade de
Deus agora e no novo ano que estamos para iniciar e por todo o tempo que o Senhor, em
sua misericórdia, quiser deixar-me neste mundo”. Concluía: “Comunico-lhe com prazer
que é ótimo o estado de saúde de nossos jovens”. “Minha tia e meu irmão também estão
melhores”.67 A tia, Giovanna Maria Occhiena, chamada Marianna, irmã três anos mais
velha de Margherita, que ficou no Oratório a ajudar Dom Bosco, morreria em 22 de
junho de 1857;68 já o irmão Giuseppe morreria em 12 de dezembro de 1862, perto dos
50 anos.
A morte da “genitora”, além das escassas notícias dadas em 1883 pelo Boletim
Salesiano, enriquecidas em 1886 por Lemoyne, colocara em maior evidência o forte
vínculo entre Dom Bosco e a mãe, aquela relação primária que lhe havia plasmado os
traços fundamentais da personalidade. Mulher equilibrada, de afetividade rica e lúcida,
ela pudera e soubera exercer sobre os filhos o papel de mãe paterna, que João expres-
saria numa missão e num estilo de ação que pode definir-se, sem jogo de palavras,
paternalmente materno. A primeira parte das Memórias do Oratório de São Francisco
de Sales é testemunho límpido da intensa recordação da mãe.69
Com o novo decênio os aumentos edilícios do Oratório ganhavam renovado impulso.
Em 16 de julho de 1860, Dom Bosco adquiria por 65 mil liras construções e terrenos
dos irmãos Filippi, situados 7 metros a leste do Oratório: até ser abatido o muro divi-
sório, em 12 de abril de 1861, o novo edifício estava ligado à casa do Oratório através
66 Cf. BS 7 (1883), n. 5, maio, p. 82-83; G. B. Lemoyne, Scene morali di famiglia esposte nella
vita di Margherita Bosco, p. 176-185.
67 Em I 1311.
68 Cf. D. Occhiena; Luigi Candelo, La vita di mamma Margherita a Capriglio. Castelnuovo
Don Bosco (Asti), ISBS, 1993, p. 30-31.
69 Cf. P. Cavaglià; M. Borsi, Solidale nell’educazione: la presenza e l’immagine della donna
in don Bosco. Roma, LAS, 1992, p. 91-103: Realtà e simbolo di una madre. Margherita
Occhiena nelle Memorie dell’Oratorio.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 317
de uma ponte, recebendo o nome de “Sicília”. Em concomitância à sistematização da
casa Filippi, era também duplicada a largura do braço paralelo do Oratório: o quarto-
escritório, habitado por Dom Bosco a partir de 1853, tornava-se antecâmara e saleta de
espera, e Dom Bosco passava ao novo quarto adjacente, com duas janelas, uma voltada
para a casa Filippi, a outra, para o lado sul sobre o pátio central.70
A possibilidade de acolher novos hóspedes aumentava muito em relação à já notável
dos anos 1858-1859: de 120 passava-se a perto de 200 alunos; no decênio sucessivo
chegava-se rapidamente a 300 e, depois, a 500/600 e mais (“cerca de 800” em 1865,
compreendendo também os adultos).
5. As associações, iniciação à caridade atuante
Junto com a regulamentação e graças a iniciativas de jovens colaboradores, a
família educativa, tanto oratoriana como colegial, prevenia o perigo da massificação
com a irrupção das companhias juvenis e de outras formas associativas. Elas surgiam
naturalmente sob a vigilante supervisão de Dom Bosco e prosperavam em força da sua
ação animadora. Fora as prevalentes finalidades devocionais, elas contribuíam em certa
medida para tornar os jovens ativos colaboradores dos educadores no próprio amadure-
cimento à liberdade adulta.
Em 1847, como se viu, surgira a Companhia de São Luís, de raízes antigas e tradi-
cionais. No quadriênio 1856-1859 constituíam-se rapidamente, no oratório e no inter-
nato, novas associações de caráter religioso e caritativo.71 Ao mesmo tempo foram-se
formando grupos empenhados em atividades coletivas, como a schola cantorum, a
banda, o grupo de teatro.
Primeira cronologicamente, a Companhia de São Luís era, pela organização e
pelas orientações espirituais, também a matriz das demais, embora visando cada uma
a distintas finalidades.72
Em 1856 surgia a Companhia ou Sociedade da Imaculada, com a participação
de vários estudantes aspirantes ao estado eclesiástico: são Domingos Sávio, animador
fervoroso,73 Giuseppe Bongiovanni (1837-1868), que a ela trazia, além da elevada
70 Cf. F. Giraudi, L’Oratorio di don Bosco..., p. 98-141.
71 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 259-269. Já no Giovane
provveduto Dom Bosco reservara algumas páginas a Avvertimenti per li giovani ascritti a
qualche Congregazione o a qualche Oratorio (p. 29-31; OE II 209-211).
72 Cf. in: ASC E 452: Compagnie religiose. Encontram-se ali os regulamentos manuscritos de
todas as companhias.
73 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico Allievo dell’Oratorio di S. Franc. di Sales
con appendice sulle grazie ottenute per sua intercessione per cura del sac. Giovanni Bosco.
5a ed. aumentada. Turim, Tip. e Libr. Salesiana, 1878, p. 78-79, n. 1.

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318 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
piedade, maior maturidade e competência literária, propícia particularmente para a
redação do Regulamento,74 e Giuseppe Rocchietti. Ela tinha caráter acentuadamente
espiritual, voltada a garantir aos sócios “o Patrocínio da Bem-aventurada Virgem
Imaculada” “para dedicar-se inteiramente a seu santo serviço”. O regulamento retomava
em grande parte o da Companhia de São Luís, compartilhando as linhas fundamentais
da espiritualidade juvenil configurada por Dom Bosco, que ficaria bem definida um
século mais tarde. A Companhia exigia, antes de tudo, inserção total dos sócios na vida
da comunidade. Isso comportava: “Observar rigorosamente as regras da casa”, “edificar
os companheiros admoestando-os e excitando-os ao bem com as palavras e mais
ainda com o bom exemplo, ocupar rigorosamente o tempo”. Era enunciado, também,
um princípio seguro de ascese prática sobre a relação entre a caridade e o binômio
obediência-castidade: “A caridade estabelece-nos na perfeição, e com a obediên­cia e a
castidade podemos adquirir esse estado que tanto nos aproxima de Deus”. Seguiam
artigos particulares que confirmavam prescrições os quais procuravam conciliar acesso
à liberdade e conformismo: “1. Como regra primária, portanto, adotaremos perfeita
obediência a nossos Superiores, aos quais nos submeteremos com confiança ilimi-
tada. 2. O cumprimento dos próprios deveres seja nossa primeira e especial ocupação
(...). 3. A caridade recíproca una nossos espíritos; ela nos fará amar indistintamente
nossos irmãos, aos quais com doçura admoestaremos quando precisarem de correção.
(...) Procuraremos evitar entre nós qualquer mínimo dissabor, suportando incômodos
e estudando entre nós a forma de manter uma perfeita harmonia, unidade de afetos e
sentimentos”. Excluíam-se práticas particulares de piedade, mas exortava-se a melhorar
as comuns: “A freqüência aos sacramentos”; “acrescentemos a devoção do Santíssimo
Rosário”; “procuraremos manifestar aos nossos superiores qualquer coisa importante
que aconteça entre nós, para garantir assim as nossas ações supondo-as [latim, suppo-
nere: submetendo-as] ao julgamento deles”.75
Em 1857 era instituída a Companhia do Santíssimo Sacramento, da qual era primeiro
diretor o devoto e fervoroso clérigo Giuseppe Bongiovanni. Ela tinha um caráter
essencialmente devocional.76 Brotava naturalmente dela o grupo do “Pequeno Clero”,
constituído em 1858 pelos “jovens mais velhos e mais exemplares” da Companhia e
particularmente consagrado a garantir o decoro das celebrações litúrgicas.
A última, Companhia de São José, era promovida entre os aprendizes em 1859 pela
ação do clérigo Giovanni Bonetti. Aos elementos devocionais e à ajuda mútua em caso
de doença, a Companhia associava um notável empenho de fidelidade ao estilo de vida
da comunidade, como era previsto pelos regulamentos da casa. Os sócios acabavam
74 Cf. Memorie biografiche di salesiani defunti raccolte e pubblicate dal Sac. G. B. Francesia. San
Benigno Canavese, Scuola Tipografica Salesiana, 1903, p. 9-60, principalmente, p. 25-26.
75 Regulamento original com a assinatura autógrafa de Dom Bosco, fol. 1r-5r; ASC E 452; FdB
1868 E2-10.
76 Regulamento, ms aut. de Dom Bosco (1857); ASC E 452; FdB 1869 E4-5.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 319
por ser os aliados dos “superiores” na realização das finalidades da instituição educa-
tiva: propunham-se “a ser sempre melhores” e “animar com o bom exemplo e com as
palavras os companheiros pelos caminhos da virtude”; empenhavam-se a “evitar tudo
que” pudesse “causar escândalo”, a “fugir como da peste dos maus companheiros, e
guardar-se bem de manter conversas obscenas”, a “usar suma caridade com os compa-
nheiros, perdoando facilmente qualquer ofensa”; a “demonstrar grande amor ao trabalho
e ao cumprimento dos próprios deveres, prestando obediência exata a todas as pessoas
superiores”; a “observar com toda exatidão as regras da casa, jamais dando sinal de
desaprovação daquilo” que “os superiores” houvessem ordenado.77
Entretanto, a Sociedade de Mútuo Socorro fundira-se com as “conferências anexas”,
ou juvenis, de São Vicente de Paula, organizadas nos três oratórios de São Francisco de
Sales, de São Luís e do Anjo da Guarda, num tempo não precisado, após a epidemia
de cólera de 1854. Eram reconhecidas como tais pelo Conselho Geral de Paris, em 11 de
maio de 1856, mas a “anexação” seria retirada sob a presidência das conferências
de São Vicente turinenses do engenheiro G. B. Ferrante (1869-1871).78 Nos primeiros
anos, sua ação foi muito reduzida, consistindo principalmente “na assistência dos jovens
na igreja e no Oratório”. Não faltaram, porém, atividades caritativas assistenciais de
certo relevo.79
Tem-se a impressão que seu espírito e suas atividades fossem próximas àquelas
estabelecidas pelo regulamento de uma Sociedade de São Vicente de Paula para os
jovens de artes, ofícios e negócios, que concluía o fascículo das Leituras Católicas de
fevereiro de 1855, A boa regra de vida para conservar os bons costumes.
A sociedade queria ser “obra exclusivamente de caridade e bons costumes” (art.1);
ela podia dividir-se em várias seções autônomas com um “vigilante ou Diretor geral”,
sacerdote ou leigo, “eleito pelos votos da seção mais antiga da cidade ou vila, ou pelos
deputados de todas as seções” (art. 3); a ela podiam inscrever-se somente jovens de
15 a 26 anos; eles, ao completarem 40 anos, “tornam-se sócios honorários e conse-
lheiros nas ocorrências graves”; era possível ter “aspirantes mais jovens”, que podiam
ser “aceitos aos 15 anos de idade” (art.5); os sócios eram obrigados à temperança e à
abstinência de bebidas alcoólicas (art.7); coisas certas eram a obrigação do repouso
festivo e a freqüência aos sacramentos ao menos cinco vezes por ano (art.8 e 9); e
todo sócio obrigava-se a contribuir todos os meses com dois soldos “para socorrer
os jovens necessitados”, “com preferência por aqueles do bairro ou da vila” (art. 10); os
membros da sociedade exercitariam também a caridade espiritual, atraindo à virtude e
às práticas de piedade os jovens que disso tivessem necessidade (art.11); para os sócios
77 Regulamento, cópia all; ASC E 452; FdB 1869 B2-6.
78 Cf. F. Motto, “Le conferenze ‘annesse’ di S. Vincenzo de’ Paoli negli oratori di don Bosco:
ruolo storico di un’esperienza educativa”, in: J. M. Prellezo, L’impegno dell’educare. Roma.
LAS, 1991, p. 472-476.
79 Cf. ib., p. 474-485.

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320 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
eram também previstas “diversões honestas em comum” (art. 12) e reuniões espirituais
ou organizativas mensais ou bimestrais (art.13).80
6. As loterias de 1857 e 1862
Embora ocupado, sobretudo na orientação educativa e espiritual dos jovens, Dom
Bosco não podia interromper a inevitável busca de beneficência e de benfeitores. Eram
interpelados os chefes de polícia da província de Turim, os prefeitos das cidades, os inten-
dentes de Finanças; banqueiros, como os Gonella e os Cotta; nobres, como os Fassati,
os Galleani d’Agliano, os Ricci des Ferres; entre os eclesiásticos, os cônegos Gastaldi
de Turim e De Gaudenzi de Novara, Antonio Rosmini e outros padres do Instituto da
Caridade; entidades de beneficência como a Régia Obra da Mendicância Instruída.
Pressionavam-no a urgência de “dar de comer aos pobres esfomeados” e, inexorável,
a “conta do padeiro”,81 a necessidade de ajuda “para tantos jovenzinhos pobres e em
perigo”.82 “Tenho toda a boa vontade – escrevia para atrair a atenção do primeiro cidadão
sobre a utilidade social das iniciativas dos oratórios – de fazer o bem à juventude mais
em perigo desta cidade, e especialmente destas redondezas, mas preciso que o senhor
me venha em ajuda com meios pecuniários”.83 “As penúrias do ano corrente” e a neces-
sidade “dos pobres e abandonados jovens” eram projetadas em novembro de 1855 ao
ministro da Guerra, general Giacomo Durando, a fim de “obter a título de subsídio alguns
objetos de vestiário que ou porque a forma ou porque muito usados não podiam mais
servir par uso das régias tropas”.84 Pedido análogo era dirigido, em 30 de setembro de
1856, ao sucessor, general Afonso Lamarmora: “Eu não peço coisas preciosas: algo para
calçar, vestir, especialmente camisas, cobertores, lençóis do modo que estiverem, gastos
e remendados, serão por mim recebidos com a máxima gratidão. Cada roupa velha farei
com que sirva para cobrir os filhos do pobre”.85 Era uma fonte generosa na qual não
deixaria de beber muitas vezes ainda no futuro, com resultados sempre positivos.
Acrescentava-se, naturalmente, o recurso ao meio que já se tornara clássico, a loteria.
Desse período são relevantes as de 1857 e 1862, semelhantes pelas razões de fundo, mas
distintas pelos lucros a se obter em proporção aos crescentes encargos financeiros.
80 La buona regola di vita per conservare la sanità: conversazioni popolari [Al Lettore – P. S.
B. Parte I. Turim, Tip. dir. por P. De-Agostini, 1855, p. 240-244.
81 Ao barão Feliciano Ricci des Ferres, 7 de maio de 1856 (Em I 288); à duquesa C. Laval de
Montmorency, 12 de agosto de 1856 (Em I 297); ao cônego P. De Gaudenzi, 8 de outubro de
1856 (Em I 306).
82 Circular de 1° de outubro de 1856; Em I 305.
83 Ao advogado G. B. Notta, prefeito de Turim de 1852 a 1861, 12 de dezembro de 1857; Em I 337.
84 Em I 268-269.
85 Em I 303; ao mesmo ainda em 14 de outubro de 1858; Em I 362-363.

33 Pages 321-330

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33.1 Page 321

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 321
Os “Catálogos” ou “Elencos” repetem grosso modo o esquema de 1852: Convite para
uma loteria de objetos – Plano de regulamento para a loteria – Membros da Comissão,
a dupla lista dos Promotores e das Promotoras. As finalidades são aumentadas: assi-
nalam-se os três oratórios, mas são sublinhados, sobretudo, os desenvolvimentos e as
necessidades do Oratório de São Francisco de Sales, com referência particular à casa
anexa e ao aumento dos hóspedes: 150 em 1857, 570 em 1862. Alongam-se, também,
de uma a outra as listas das pessoas envolvidas na organização. A loteria de 1857 tem
Comissão de 20 membros, 200 promotores e 141 promotoras;86 a de 1862, Comissão de
23 membros, 326 promotores e 208 promotoras.87
O Convite de 1857 apresenta as razões que tinham levado a Comissão a decidir pela
loteria: “A caridade do Evangelho”, “lá onde a glória de Deus e a vantagem do próximo
o exigem, não hesita em superar sua relutância e estender a mão às pessoas que fazem
o bem”. Os mesmos motivos levaram Dom Bosco a abrir os “três Oratórios masculinos
nos três principais lados” de Turim, com a intervenção de mais de três mil jovens,
atraídos pelas variadas custosas iniciativas: funções religiosas, recreações e ginástica,
aulas de leitura, escrita, canto e música, catecismos, colocação no trabalho dos jovens
desocupados e a ininterrupta assistência “que convém a um bom pai”. O Oratório de
Valdocco devia, ainda, sustentar “as escolas feriais de dia e de noite” e, especialmente,
a casa anexa ao oratório, que acolhia jovens órfãos, pobres e abandonados “em número
de mais de cento e cinqüenta”, administrando-lhes o que era preciso “para serem bons
cristãos e honestos artesãos”. Era ainda evocada a cólera, que obrigara a custosas amplia-
ções dos locais. O exemplo dos “concidadãos” e das “pessoas caridosas das províncias”
que se mobilizaram para sustentar a iniciativa teria certamente levado muitos a parti-
cipar delas, “mandando objetos destinados a servir de prêmio e adquirindo bilhetes”,
persuadidos de que, “tomando parte nessa obra de beneficência, provê-se à utilidade
pública e privada”, sendo “abençoados por Deus e pelos homens”.88
As mesmas obras e relativas necessidades aparecem no Convite para a loteria de
1862. Nele é assinalada a presença no internado de “jovens de inteligência não comum,
os quais, por outro lado, são escassos de meios materiais para progredir nos estudos”;
“estes” – esclarecia-se – “chegam geralmente a mestres-escola, outros se entregam ao
comércio, e os que têm vocação são encaminhados ao estado eclesiástico”. Com o alar-
gamento do raio de ação, os hóspedes, estudantes e artesãos, não eram mais apenas da
86 Catalogo degli oggetti posti in lotteria a favore dei giovani dei tre Oratori di San Francesco
di Sales in Valdocco, di San Luigi a Porta Nuova, del Santo Angelo Custode in Vanchiglia.
Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1857 [15 p.], p. 7-15; OE IX 9-17.
87 Elenco degli oggetti graziosamente donati a benefizio degli oratorii di S. Francesco di Sales
in Valdocco, di S. Luigi a Porta Nova e dell’Angelo custode in Vanchiglia, Turim, Tip. G.
Speirani e figli, 1862 [26 p.], p. 7-26; OE XIV 203-222.
88 Catalogo degli oggetti posti in lotteria..., p. 1-4; OE IX 3-6.

33.2 Page 322

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322 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
capital, mas provinham “em número maior” “das cidades e das vilas dos arredores”: dos
cerca de 570 moradores da casa somente 50 eram turinenses. Devia alargar-se necessa-
riamente o número também das “pessoas caridosas” que moravam fora de Turim.89
Foi muito grande e variado, nas duas loterias, o número das pessoas atingidas e
envolvidas: privados, eclesiásticos e leigos, autoridades civis e religiosas, contatadas
para simples informação ou mais frequentemente com o claro pedido de ajuda. Além
do rei Vitório Emanuel II e da família real, foram muitas as cartas enviadas aos minis-
tros do Interior, da Graça e Justiça, e da Guerra, a deputados e senadores, a autoridades
administrativas, para pedir não só autorizações ou facilidades, mas também subsídios
em dinheiro e em roupa, ou a aquisição de bilhetes da loteria.90 Entre todos, sobressai
Urbano Rattazzi, generoso no apoio e em ajudas pecuniárias. Possuem-se três cartas
de Dom Bosco a ele em 1862;91 outras são documentas em respostas do ministro ou
do ministério, com indicações freqüentes de subsídios ou pagamentos de pensões para
jovens recomendados e acolhidos.92 Em 21 de março de 1862, Dom Bosco escrevia ao
ministro, que se tornara presidente do Conselho: “Sirvo-me desta ocasião para exprimir
meu prazer que o Senhor esteja na Presidência dos Ministros. O Senhor sempre benefi-
ciou nossos pobres jovens e espero continue assim”.93 Talvez não lhe fossem totalmente
conhecidas as ambigüidades e duplicidades, das quais nascera o eclético ministério, que
havia permitido o crescimento da onda democrática galvanizada por Garibaldi em repe-
tidas aventuras, até a última, seguindo o princípio “Ou Roma ou morte!”, e detido enfim
no Aspromonte, em 29 de agosto, com as inevitáveis demissões do precário ministério
(de março – 29 de novembro de 1862).94
As duas loterias obtiveram grande sucesso: o financeiro, também excelente, não foi
o principal, superado pelos sucessos morais e publicitários. A extração dos bilhetes da
primeira aconteceu em 6 de julho de 1857, e da segunda, em 30 de setembro de 1862.
“Foi talvez o momento de maior sucesso, de mais amplo e múltiplo consenso de Turim
e do Piemonte à obra dos oratórios”.95
Confirmava-se o que fora observado. As loterias de Dom Bosco distinguiam-se das
demais turinenses e piemontesas devido à repercussão mais vasta, à multiplicidade de
prêmios, ao percentual elevado de participantes, homens e mulheres, e ao sucesso.96
89 Elenco degli oggetti..., p. 1-4; OE XIV 197-200.
90 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale..., p. 97-100 e 101-104.
91 Em I 487-488, 492-493, 527-528.
92 Cf. cartas de 1854 a 1867; Em I 218, 228, 281, 309, 327, 393, 396, 398, 497, 506, 507, 518,
539; Em II 353, 416, 643.
93 Em I 488.
94 G. Candeloro, Storia dell’Italia moderna. Vol. V. Milão, Feltrinelli, 1968, p. 179-196.
95 P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 100 e 104.
96 Cf. L. Borello, “Lotti di beneficenza in Piemonte a metà dell’Ottocento”, Studi Piemontesi
19 (1990), n. 2, novembro, p. 447-453.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 323
7. A ascensão espiritual de Domenico Savio na casa de Dom Bosco
A Vida do jovem Domenico Savio é a evocação edificante da existência de um jovem
que encarnava em sua realidade efetiva uma acabada santidade cristã própria de um
adolescente à mão de outros resolutos e audaciosos. É diversa das duas biografias suces-
sivas, de Michele Magone e Francesco Besucco, nas quais a narração é idealizada, de um
modo ou outro, sobretudo na primeira, com a intenção de tirar dela um modelo de vida
adequado à média dos jovens de origens diversas e de diferentes níveis espirituais.
A biografia de Domenico Savio (1842-1857) é, primeiramente, a narração de uma
vida real, santa segundo Dom Bosco. Tanto é verdade que ele logo recomendará aos
jovens e a outros que o invocassem a fim de obterem graças. Ainda mais, ousará falar
com a mais tranqüila naturalidade de um possível futuro reconhecimento de sua santi-
dade pela autoridade eclesiástica. “O que vos garanto – confiava aos colaboradores,
segundo uma informação de crônica de 1862 – é que teremos jovens da casa elevados à
honra dos altares. Se Domenico Savio continuar a fazer milagres assim, eu não duvido,
se ainda estiver vivo e puder impulsionar a causa, que a santa Igreja permita seu culto,
ao menos para o Oratório”.97
Quando, em 1876, Dom Bosco quiser atrair salesianos e jovens às virtudes predi-
letas, condição essencial do sucesso da Congregação e dos próprios jovens, ele fazia de
Domenico Savio seu modelo e mestre. Ser celestial, “belo como um anjo”, visitava-o,
conversava com ele com a autoridade de quem se sente porta-voz da vontade de Deus:
“Estás perto de receber severas ordens do Senhor, e ai de ti se não te esforçares por
executá-las”. Até mesmo o admoestava, afirmando que se tivesse “tido uma fé viva
como devem ter todos os ministros do Rei dos Reis”, os jovens que chegariam ao céu
graças aos oratórios haveriam de ser “mais de cem mil”. E explicando o simbolismo
fácil das flores que compunham o buquê das mãos, dava-lhe uma lição de vida espiritual
para garantir “o reino dos céus” a todos os seus “filhos de todos os tempos e condição”:
“a rosa é a caridade, a violeta a humildade, o lírio a castidade, o girassol a obediência, a
sempre-viva a perseverança, a hera a mortificação, a espiga de trigo a santa comunhão,
a genciana a penitência”.98
A biografia, vivida e descrita, é também, na realidade, rigorosamente autobiográfica
de Dom Bosco, espelho de sua espiritualidade, praticada e ensinada. A aventura espi-
ritual do aluno é, ao mesmo tempo, a vida de Dom Bosco padre educador, no papel de
guia na “história de uma alma”, segundo a mentalidade plasmada durante a formação
sacerdotal, teológica e experiencial. Os dois itinerários são entrelaçados. “Parece-me
que temos aqui um bom tecido”, diz Dom Bosco a Domenico, que lhe pergunta se o
97 G. Bonetti, Annali III 1862-1863, p. 53-54.
98 Cf. o texto, extraído do manuscrito autógrafo de Dom Bosco, in: C. Romero, Sogni di don
Bosco, p. 40-43. Em MB XII 586-596 encontra-se uma versão extremamente aumentada.

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324 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
aceita no Oratório de Turim. O menino entrega logo as partes aos protagonistas da nova
etapa de sua vida: “Eu sou, então, o tecido: o senhor seja o alfaiate; tome-me, então,
consigo e faça uma bela veste para nosso Senhor”.99
Dom Bosco, porém, intuíra logo que outro alfaiate já tinha cortado o tecido e alinha-
vado a veste: o Espírito de Jesus, ajudado por pais tementes a Deus e por sacerdotes
zelosos. “Reconheci nele um espírito totalmente de acordo com o espírito do Senhor
– conta –, e fiquei não pouco admirado considerando os trabalhos que a Graça divina
já tinha operado naquele tenro coração”.100 Ao apresentar aos “caríssimos jovens” a
biografia de Michele Magone, ele contrapunha à infância difícil de Michele a de Savio:
“Na vida de Domenico Savio observastes a virtude nascida com ele”.101
Domenico, na verdade, não provém nem da categoria nem do ambiente social dos
jovens pobres e abandonados, em perigo e perigosos, objeto primeiro do apostolado de
Dom Bosco. Domenico cresceu numa família excepcional, não pelo estrato social, mas
pela fé católica profunda e essencial, pela moralidade íntegra e laboriosidade intensa,
reforçadas na familiaridade com o mundo espiritual da paróquia. Não admira que o
garoto de 12 anos seja um jovenzinho puro, disciplinado, trabalhador, amável, enamo-
rado de Deus e da oração. O autor detém-se, não casualmente, em descrever sua infância
em sete capítulos, sublinhando-lhe a índole, os primeiros atos de virtude, a conduta
moral, a primeira comunhão, a freqüência escolar em Morialdo, em Castelnuovo d’Asti,
em Monriondo, o encontro no primeiro domingo de outubro de 1854 com o seu próximo
diretor, depois de alguns meses antes seu mestre padre Cugliero tê-lo apresentado a
Dom Bosco como “aluno digno de particular atenção pela inteligência e pela piedade”:
“Dificilmente – tinha acrescentado – haverá quem o supere em talento e virtude”.102
É significativo que já no primeiro encontro, à pergunta “o que gostaria de fazer quando
tiveres terminado o estudo do latim?”, o adolescente tenha respondido: “Se nosso Senhor
me conceder tamanha graça, desejo ardentemente abraçar o estado eclesiástico”.103
Com a entrada na casa de Dom Bosco, em ambiente juvenil saturado de delicada
humanidade e de intensa espiritualidade, o itinerário de vida tornava-se mais decidido e
99 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 35; OE XI 185. Há uma biografia menor
que sublinha o binômio: G. Favini, La stoffa e il sarto: il beato Domenico Savio presentato agli
educatori. Colle Don Bosco (Asti), Libreria Dottrina Cristiana, [1950], 58 p.; L. Castano e al.,
Domenico Savio: alunno santo di maestro santo. Milão, Scuola Grafica Salesiana, 1955, 64 p.
100 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, ibid.
101 Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele allievo dell’Oratorio di S. Francesco di
Sales per cura del Sacerdote Bosco Giovanni. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1861, p. 4;
OE XIII 158.
102 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 11-37; OE XI 161-187.
103 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 36; OE XI 186. Sobre Domenico antes
de entrar no Oratório, cf. F. M. Tinivella, “Domenico Savio al suo entrare nell’Oratorio”,
Salesianum 12 (1950), p. 248-255.

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Cap. X: Regulamentações institucionais (1853-1859) 325
veloz.104 O amor ao próximo já fora vivido nas primeiras etapas, em casa, na obediência
aos pais e no efetivo amor fraterno numa família numerosa, e entre os companheiros
de escola. No Oratório, ele qualificava-se posteriormente no programa de caridade
operante, que Dom Bosco indicava ao adolescente como essência e fundamento do
“fazer-se santo”.105 “A primeira coisa que lhe foi aconselhada para ser santo – escreve
o biógrafo – era esforçar-se por conquistar almas para Deus; pois não existe coisa mais
santa no mundo do que cooperar na salvação das almas, por cuja salvação Jesus Cristo
derramou até a última gota de seu precioso sangue”.106
A caridade operante é exercida antes de tudo com os companheiros, não só os exem-
plares, graças à sólida amizade espiritual, mas também com os recalcitrantes e difíceis,
em força de reconhecida e cativante superioridade moral. A ele, consolidado na virtude,
Dom Bosco não recomenda a fuga, como costumava fazer com os outros, mas projeta a
presença ativa e efetiva; é, por exemplo, o caso do blasfemador de 9 anos, gentilmente
recuperado. O temperamento afortunado e a amabilidade inata favoreciam a aproxi-
mação. “Seu aspecto alegre – atesta ainda Dom Bosco – e a índole viva tornavam-no
querido também aos companheiros menos amantes da piedade, de modo que todos
tinham satisfação em poder estar com ele, e aceitavam em grande parte os pareceres
que, de quando em quando, ele sugeria”.107 Ele era dos mais zelosos de “uma espécie
de sociedade”, que alguns jovens tinham criado “para entregar-se ao cultivo dos mais
rebeldes” entre os companheiros; e, devendo-se fazer um concurso entre eles em vista
de um prêmio, “ele interrogava somente os mais rebeldes”, reservando a um deles o
“pequeno prêmio”.108
Além disso, a caridade de modo completamente inédito era estendida aos infiéis,
hereges, protestantes, com particular atenção à Inglaterra. Por isso, acrescenta o
biógrafo, “lia de preferência a vida dos santos que trabalharam especialmente pela
salvação das almas. Falava com gosto dos missionários que tanto trabalhavam pelo
bem das almas em países distantes (...). Ouvi-o exclamar muitas vezes: quantas almas
esperam por nossa ajuda na Inglaterra; oh! se tivesse força e virtude gostaria de ir até
lá agora mesmo, e com as pregações e o bom exemplo gostaria de conquistá-las todas
para nosso Senhor”.109 Poderia ter sido sugestão do padre Lorenzo Gastaldi, futuro
arcebispo de Turim, então missionário do Instituto da Caridade na Inglaterra, caso ele
tenha passado pelo Oratório durante a estada na Itália, em 1856 e 1857,110 e ali tenha
104 Sobre o caminho de crescimento com Dom Bosco no Oratório há uma bibliografia qualificada:
A. Caviglia, “Savio Domenico e don Bosco”, Studio, 610 p.; M. CASOTTI, “Un alunno e
un maestro”, Salesianum 12 (1950), p. 256-267; P. STELLA, Don Bosco nella storia della
religiosità cattolica II 206-211: Domenico Savio. L’ideale realizzato.
105 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 50-51; OE XI 200-201.
106 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 53; OE XI 203.
107 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 47-48; OE XI 207-208.
108 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 59; OE XI 209.
109 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 54; OE XI 204.
110 Cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. I, p. 110-111.

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326 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
falado da situação religiosa inglesa ou tenha sido ecoado por Dom Bosco em suas falas
noturnas à comunidade de jovens e educadores.
A caridade, enfim, como se viu, tornava-se em 1856, participação fervorosa, como
co-protagonista, aos 14 anos, com Giuseppe Bongiovanni, de 20 anos, na fundação da
Companhia da Imaculada Conceição, cujos estatutos continham um programa de peda-
gogia espiritual em perfeita harmonia com o regulamento dos estudantes da casa.111
Estavam ali conexas todas as qualidades que caracterizavam, segundo a percepção
de Dom Bosco, o jovem bom e edificante, chamado a uma vocação especial e, talvez,
na imaginação ainda informe do virtual fundador, candidato à sua hipotética futura
Congregação, mas já estruturada: belas maneiras de conversar com os companheiros,
espírito de oração, freqüência aos sacramentos da penitência e da eucaristia, devoção à
Mãe de Deus, espírito de penitência, tudo sabiamente temperado pelo mestre.112 Além
disso, preocupação com as amizades espirituais fundadas na “mesma vontade de abraçar
o estado eclesiástico, com verdadeiro desejo de fazer-se santo”, paciência na doença,
pensamento confiante na morte.113 Segundo Dom Bosco, o “extraordinário” era nele,
antes de tudo, ordinário: “A vivência de sua fé, sua firme esperança e sua inflamada
caridade, e a perseverança no bem até o último respiro”.114
O biógrafo, porém, não podia eximir-se de expor também “graças especiais e alguns
fatos incomuns”, que acreditava serem totalmente semelhantes a “fatos registrados na
Bíblia e na vida dos santos”. Certos raptos dos sentidos diante do santíssimo sacra-
mento e a conversa face a face com Deus, professando-lhe incondicionado amor eterno,
denotavam, segundo quanto pensava Dom Bosco, um indubitável nível de vida mística.
“A inocência da vida – escreve –, o amor para com Deus, o desejo das coisas celestes
tinham levado a mente de Domenico a tal estado que se podia dizer habitualmente
absorto em Deus”; em tal medida que devia abandonar às vezes a recreação e reco-
lher-se em solidão. “Assaltam-me as mesmas distrações – confessava ao seu mestre – e
parece-me que o paraíso se abra sobre minha cabeça”.115
Em Domenico Savio e em seus amigos e imitadores Dom Bosco encontrava a confir-
mação da bondade de seu trabalho de educador e de seus regulamentos: não simples
instrumentos, mas código completo de vida cristã, que integrava no concreto aquilo que
em O jovem instruído chamava de “método cristão de vida”, caminho para a verdadeira
felicidade na tríplice cidade: civil, eclesial e celeste. Era o melhor coroamento de um
decênio extraordinário e rico de uma vida caracterizada, na idade entre 35 e 45 anos,
pela mais dinâmica e madura vitalidade.
111 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, cap. XVI: “La Compagnia dell’Immacolata
Concezione”, p. 7- 83; OE XI 225-233; cf. § 5.
112 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 72-75; OE XI 222-225.
113 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 57-106; OE X1 207-256.
114 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 93; OE XI 243.
115 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico…, p. 97; OE XI 249.

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Capítulo XI
PADRE E LEIGO NOVOS PARA TEMPOS
E PROBLEMAS NOVOS (1853-1862)
1853
1854
1860
1861
1862
1864
1866
1868
agosto: Fatos contemporâneos expostos em forma de diálogo (LC)
Introdução ao Plano de Regulamento do Oratório
Aceno histórico do Oratório de São Francisco de Sales
novembro-dezembro: Biografia do sacerdote Giuseppe Cafasso (LC)
setembro: Aceno biográfico sobre o jovem Michele Magone (LC)
Acenos históricos sobre o Oratório de São Francisco de Sales
julho-agosto: O pastorzinho dos Alpes… (LC)
dezembro: Valentim ou a vocação contrariada (LC)
fevereiro: Severino ou aventuras de um jovem alpino
Em fins dos anos 50 podia-se dizer definida em suas linhas essenciais a imagem de
Dom Bosco padre dos jovens pobres e abandonados, educador, renovador do oratório,
fundador do pensionato operário e estudantil, que se tornou logo colégio interno para
aprendizes e estudantes. Nele integrava-se a figura do padre católico, pastor de almas,
que se prodigalizava na pregação e nas missões populares e que de várias maneiras
procurava alcançar com a imprensa, como escritor e editor, onde sua voz não podia
chegar. Era o procurador de beneficência e o organizador de bem sucedidas loterias.
Paralelamente podiam-se considerar delineados os traços básicos do sistema educativo
e pastoral da prevenção, tanto assistencial como educativa.
Eram, na verdade, atividades centradas prevalentemente no âmbito da diocese de
Turim, na qual Dom Bosco padre estava incardinado jurídica, operativa e psicologica-
mente, e da cidade ao mesmo tempo capital da região, o Piemonte, e do reino sabaudo,
do qual ele, de modo igual, se sentia cidadão no modo de sentir, pensar e agir.
A nova história de Dom Bosco fundador abrirá horizontes muito mais vastos e
ocupará espaços mentais e reais de limites muito mais dilatados. Antes de aventurar-se
nessa nova etapa, parece conveniente deter-se por breve tempo a traçar um balanço
sumário do caminho feito até agora, já caracterizado por uma relativa completude de
realizações e de experiência biográfica.

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328 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
1. A nova face dos jovens e iniciativas inéditas
Experiência e reflexão parecem encontrar formulação privilegiada num texto de
excepcional clareza e maturidade de pensamento: um clássico, uma daquelas compo-
sições não compiladas, mas saídas como que de repente da mente, do coração e da
imaginação criadora do autor. Devia ser a Introdução ao já conhecido Regulamento
do Oratório de São Francisco de Sales, redigida por volta de 1854. Era um verdadeiro
proclama e programa, que ficou arquivado no texto e que se tornou história na reali-
dade. Eram enunciadas as temáticas fundamentais de sua consciência vocacional: a
juventude na Igreja e na sociedade, o oratório como casa sob medida para os jovens
e que a Igreja havia de adotar, a busca e o aglutinamento dos agentes necessários, as
finalidades e métodos congruentes.
A ocasião era dada por um texto do evangelho de João: “Ut filios Dei, qui erant
dispersi, congregaret in unum. Joan. C. 11 v. 52”.1 As palavras que resumem a missão
universal do “divino Salvador” parecia ao autor que se pudessem “aplicar literalmente
à juventude dos nossos dias”. Esperança da sociedade – fazia observar –, ela “não é por
si mesma de índole perversa”; antes, “ao tirar o descuido dos pais, o ócio, o desencontro
dos maus companheiros”, a que se sujeita sobretudo “nos dias festivos”, era fácil “suge-
rir-lhe” “os princípios da ordem, bom costume, respeito, religião”. Se, pois, acontece
– continuava – que existam jovens já “estragados”, eles o são “por leviandade, e não
tanto por malícia consumada”. O problema capital era o empenho de quem – escrevia –
“assuma o cuidado deles, cultive-os, guie-os à virtude, afaste-os do vício”.2
A intervenção assistencial e educativa parecia a Dom Bosco absolutamente deter-
minante no itinerário juvenil à maturidade, mediação indispensável entre as disponi-
bilidades germinais e as competências a alcançar: o respeito à ordem, a moralidade, a
socialidade e a religião.
Segundo a experiência aprofundada aos poucos, os dados básicos aplicavam-se para
Dom Bosco tanto a “aprendizes de pedreiro”, destinatários dos catecismos herdados
de Cafasso, quanto àqueles que se encontravam “freqüentando os cárceres de Turim”,
como ainda aos muitos que, por motivos econômicos e sociais, encontravam-se desam-
bientados na grande cidade, expostos aos mais variados perigos: em perigo porque
eram pobres e abandonados, “em perigo para si e perigosos para os outros”.3 Embora a
1 O sumo sacerdote Caifás dissera no sinédrio: “Não percebeis que é melhor que morra um só
homem pelo povo e do que se perca a nação inteira”. O evangelista comenta: “Ele não o disse
por si mesmo, mas sendo sumo sacerdote profetizou que Jesus devia morrer pela nação e não
pela nação apenas, mas também para reunir os filhos de Deus que estavam dispersos” (Jo
11,50-52).
2 [G. Bosco], Introduzione al Piano di Regolamento dell’Oratorio di S. Francesco di Sales…,
in: P. Braido, “Don Bosco per la gioventù povera e abbandonata in due inediti del 1854 e del
1862”, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 34-35.
3 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 39.

33.9 Page 329

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 329
condição limite, o cárcere, em vez de melhorá-los, os deixasse pior, as disponibilidades
naturais continuavam intactas.
Por isso, se estavam agora em estado de detenção ou na infelicidade do abandono,
isso acontecera “mais por falta de educação do que por maldade”, e somente a assis-
tência educativa correta os haveria de restituir à esperada felicidade. De fato – prosse-
guia –, “notou-se que aos poucos se fazia com que sentissem a dignidade do homem,
que é racional e deve providenciar o pão da vida com esforços honestos e não com
a ladroagem; apenas, enfim, fazia-se ressoar o princípio moral e religioso em suas
mentes, provavam no coração um prazer cuja razão não sabiam explicar, mas que lhes
fazia desejar ser melhores”.4
Nota-se, a respeito, uma diferença quanto à idéia de juventude pobre e abando-
nada na passagem do Aceno histórico (1853-54) aos Acenos históricos (1862). A consi-
deração de base do Aceno, num certo sentido antropológica e teológica, nos Acenos
se decompunha na visão fenomenológica de diversas categorias de jovens. A análise,
obviamente, referia-se àqueles que Dom Bosco encontrava no interior dos próprios
oratórios e em suas condições. Às primeiras formas de oratório, de fato, afluía um
público mais informe e heterogêneo, compreendido entre jovens carentes ou desejosos
de instrução catequética e da prática religiosa regular e jovens moralmente e religiosa-
mente incultos a serem “seduzidos” pela recreação e seus relativos divertimentos. Além
disso, prevalece nas lembranças a insistência sobre a pobreza e o abandono em nível
econômico e social.
Durante os anos 50, determinava-se uma virada tanto na realidade como nos
conceitos. Ela derivava da estruturação progressiva da “casa anexa” ou internato e acen-
tuava-se com sua evolução, entre os anos 1853 e 1859, de pensionato para aprendizes e
estudantes a internato com oficinas e classes internas de estudo. Por isso, Dom Bosco
excluía radicalmente a figura do correcional. Ele se atinha à prevenção entendida em
sentido mais unívoco: voltada não tanto à reeducação de delinqüentes quanto a cultivar
educativamente o maior número de jovens, normais ou mesmo em perigo. Procurava
assim abater com o tempo os sérios desvios morais e sociais ou o risco da delinqüência,
destinando a instituições apropriadas a correção, recuperação e terapia de desvios da
norma, estruturadas analogamente ao que vira fazer na Generala ou, pelo aspecto psico-
físico, no Pequeno Hospital de Santa Filomena.
Do Epistolário, sobretudo dos anos 60, resulta que Dom Bosco continuava a
acolher em Valdocco, geralmente entre os aprendizes, jovens confiados por entidades
públicas, em via normal ou nos casos de calamidades naturais, como epidemias,
terremotos etc. Na seção estudantil, porém, usava normalmente critérios de aceitação
intencionalmente seletivos. Ele mesmo o justificava, assinalando uma modificação
nas condições de admissão à casa. Ela abria-se também aos “jovens não abandonados
e não totalmente pobres”, que desejavam “ percorrer os cursos científicos [literários]
4 [G. Bosco], Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 61.

33.10 Page 330

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330 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
regulares”, que tivessem dado fundada esperança de “sucesso honroso e cristão numa
carreira científica”.5
Era o anúncio da reviravolta em ato em suas escolhas educativas. À obra primária
ele acrescentava outra, destinada a uma história mais que secular em muitas partes do
mundo, ainda notoriamente florescente e produtiva: o colégio ou internato, centros e
escolas para jovens estudantes ou aprendizes que buscam formação cultural e profis-
sional qualificada.
Chegavam os anos nos quais O chefe dos moleques tornava-se sem retorno o Diretor
do Oratório de São Francisco de Sales, como haveria de se firmar até a morte. Do
“barulho dos moleques” oratorianos que se divertiam despreocupadamente, ele mesmo
um “moleque”,6 passava à alegria mais contida dos jovens colegiais. O “moleque”
tinha, de fato, uma breve história também no léxico, concluída em 1854. O termo
ocorria pela primeira vez em 1849, numa carta ao teólogo Borel: o remetente assinava:
“Afeiçoadíssimo amigo Giovanni Bosco, chefe dos moleques”.7 Sob a simples veste
de “chefe dos moleques” recorria em cartas a pessoas de particular confiança de 1850
a 1854: padre Gilardi,8 reitor do seminário arquiepiscopal, cônego Vogliotti,9 teólogo
Abbondioli, pároco de Sassi,10 dom Moreno, bispo de Ivrea,11 cônego De Gaudenzi.12
Com o advento do internato, mais estruturado, e do respectivo ginásio, do qual era
gestor, não era o caso de continuar a brincadeira.
2. Casa dos jovens: finalidade, métodos, vida
Na Introdução ao Plano de Regulamento, Dom Bosco ousava aventurar-se
numa espécie de eclesiologia oratoriana. Os jovens – raciocinava – eram dispo-
níveis à orientação educativa; a dificuldade estava “em encontrar uma forma de
reuni-los, o seu modo de falar, moralizá-los”; pois bem, “esta foi a missão do filho
de Deus”. Continuou-a a Igreja, capaz ao longo dos séculos de “dobrar-se aos
acontecimentos dos tempos e adaptar-se à índole diversa de todos os homens”.
Em tempos modernos ela atuava com os oratórios, ou seja, “reuniões nas quais se
5 [G. Bosco], Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 76-77.
6 Ao padre Gilardi e padre Fradelizio, do Instituto da Caridade, 15 e 18 de janeiro de 1851, 29
de agosto de 1853 (Em I 120, 121, 204); ao cônego De Gaudenzi, 7 de abril de 1853 e 14 de
novembro de 1854 (Em I 194, 204, 236).
7 Carta de 20 de setembro de 1849; Em I 88.
8 Carta de 13 de julho de 1850 e 9 de maio de 1854; Em I 105 e 227.
9 Carta de 3 de dezembro de 1850; Em I 117.
10 Carta de fevereiro de 1851 e 4 de abril de 1854; Em I 122 e 224.
11 Carta de 10 de junho de 1852; Em I 161.
12 Carta de 22 de junho de 1853 e 14 de novembro de 1854; Em I 200 e 236.

34 Pages 331-340

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34.1 Page 331

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 331
entretém a juventude em agradável e honesta recreação, depois de ter assistido às
funções sagradas de igreja”.13
Homem livre, ele convidava novamente à renovação do cuidado eclesial em relação
aos jovens; e quanto ao próprio oratório, inovava sensivelmente em relação à tradição.
Ele pensava em jovens que se encontravam num mundo de mobilidade e de desen-
raizamento, por diversos motivos, sem afeições, sem amor ou distantes da Igreja, de
suas estruturas, de suas práticas e atenções. Para eles tornava-se inoperante uma ação
pastoral imutável, rígida, centrada na paróquia territorial. Criava, por isso, a hipótese
de iniciativas móveis, flexíveis, estruturas que os jovens sentissem como próprias, uma
casa inteiramente deles. Nesse sentido, o termo oratório podia estender-se a todos os
lugares ou situações capazes de corresponder às diversas formas da condição juvenil
com a mais variada multiplicidade de aproximações: objetivos, itinerários, meios e
métodos, sobretudo adultos confiáveis – “pais, irmãos, amigos” –, numa atmosfera
permeada de “razão, religião e cordialidade”.14
A figura do oratório como casa ou lugar de encontro dos jovens, para a realização
de sua vocação à felicidade autêntica, retornava muitas vezes e sob diferentes formas
desde os escritos do primeiro Dom Bosco. Nas amigas de Josefa, protagonista de
Conversão de uma valdense, a felicidade prorrompia da consciência moral e religiosa
em paz com Deus, que se traduzia também em alegria plenamente humana, espontânea
e genuína. Estava presente no indissolúvel binômio do Regulamento para os externos:
religiosidade atuante e recreação agradável. A combinação de ambas não podia senão
fascinar a jovem heterodoxa, que as via sendo vividas pelas amigas católicas e apro-
vadas pelo seu bom pároco, “um santo homem”, experimentado e prudente conselheiro.
Às jovens que dele se aproximavam, gritando alegres: “hoje é festa, não se trabalha, já
fomos ao Catecismo, à Bênção, agora que se faz noite, vamos divertir-nos um pouco”,
o pároco, concordando, ecoa no mesmo diapasão de Dom Bosco: “Fico contente que
vos divirtais”; “cada” coisa tem o seu tempo, tempo de rezar e tempo de saltar. “Estejam
atentas apenas para que vossa alegria seja honesta e que ninguém introduza conversas
más entre vós”; “diverti-vos, pois, e não esqueçais que o Senhor está presente diante
de vós em todos os lugares”. Em perspectiva religiosa, ele oferecia também uma inter-
pretação muito simples da melancolia de Josefa: “Só os Católicos podem ter a verda-
deira tranqüilidade do coração; porque só na Religião Católica existem os verdadeiros
meios adequados para obter aos homens graças e bênçãos do Senhor; existem as ajudas
necessárias para não cair em pecados, e os remédios oportunos para cancelá-los, se por
desgraça aconteça cometê-los”.15
A religião, coroada pelas compatíveis alegrias humanas, era também fonte da feli-
cidade e da harmonia que entravam na família de Pedro, o protagonista de A força da
13 [G. Bosco], Introduzione al Piano di Regolamento..., in: Don Bosco nella Chiesa, p. 35-36.
14 [G. Bosco], Introduzione al Piano di Regolamento…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 36-38.
15 G. Bosco, Conversione di una valdese, p. 15-17; OE V 272-275.

34.2 Page 332

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332 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
boa educação (1855), depois do retorno do pai à plena partilha da vida doméstica, antes
substituída muito frequentemente pela taberna. “Apesar da miséria – narra a testemunha,
diretor do Oratório –, a alegria começou a reviver na família, porque todos praticavam
a religião, fonte única da verdadeira felicidade (...). Todos assistiam aos divinos ofícios
da igreja. Depois da pregação e da bênção, o pai e os filhos iam passear e, no inverno,
passavam as noites ora em família e, às vezes, o pai com seu querido Pedro vinha aqui
entre nós passar a noite em agradável e honesta recreação, assistindo as representações,
comédias, ou coisas semelhantes que costumam acontecer em nosso Oratório nas noites
festivas de inverno”.16 “Fica sabendo que aqui nós fazemos consistir a santidade em
estar muito alegres”, declarava Domenico Savio ao amigo Camillo Gavio.17
Para Dom Bosco, a religião católica era realmente anúncio vivo da boa notícia do
Evangelho, dom da experiência concreta da salvação total.
Que o Oratório de Valdocco fosse casa da alegria, fundada e fecunda, experimenta-
va-o Michele Magone, recém-chegado.18 Foi logo, porém, uma alegria mesclada de tris-
teza, pois não tinha nem a “paz do coração” nem a “tranqüilidade de consciência”.19 O
bloqueio foi quebrado graças à confissão libertadora, seguida de uma sensível mudança
na conduta geral e, em particular, uma perceptível elevação da taxa de alegria no recreio.
“Todos os lados do amplo pátio desta casa – registra satisfeito o biógrafo – em poucos
minutos eram batidos pelos pés de nosso Magone. Não havia brinquedo em que não
fosse o primeiro. Dado, porém, o sinal para o estudo, a aula, o repouso, a refeição, a
igreja, ele interrompia tudo e corria a cumprir seus deveres. Era maravilhoso ver aquele
que era a alma do recreio e a todos mantinha em movimento, como se fosse levado por
uma máquina, encontrar-se por primeiro nos lugares onde o dever o chamava”.20
O projeto educativo inteiro, enunciado de forma lapidar, era reduzido a “apenas
três coisas”, ao jovem Francesco Besucco: “Alegria, Estudo, Piedade. Esse é o grande
programa, que sendo praticado, poderás viver feliz e fazer muito bem à tua alma”.21 Isso
era representado vivamente, sobretudo no capítulo sobre a Alegria: “Nosso Besucco,
temperando a recreação com ditos morais ou científicos, tornou-se logo modelo no
estudo e na piedade”.22
16 G. Bosco, La forza della buona educazione, p. 46-47; OE VI 320-321.
17 G. Bosco, Vita del giovanetto Savio Domenico..., p. 86; OE XI 236.
18 Cf. G. Bosco, Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele, p. 15-16; OE XIII 169-170.
19 G. Bosco, Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele, p. 16; OE XIII 170.
20 G. Bosco, Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele, p. 16-24, 29, 32, 33; OE XIII
170-178, 183, 186, 187.
21 G. Bosco, Il pastorello delle Alpi ovvero Vita del giovane Besucco Francesco d’Argentera...
Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1864, p. 90-91; OE XV 332-333.
22 G. Bosco, Il pastorello delle Alpi…, p. 93; OE XV 335. Demonstra-o nos capítulos sucessivos
“Studio e diligenza”, “La confessione”, “La santa Comunione”, “Venerazione al Santíssimo
Sacramento”, “Spirito di preghiera”, p. 94-119; OE XV 336-361.

34.3 Page 333

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 333
Quatro anos depois, em perfeito estilo oratoriano, era transportado aos primórdios
do Oratório de São Francisco de Sales o impacto do garoto de 15 anos, protagonista
de Severino ou aventuras de um jovem alpino, com a casa dos jovens. O autor, Dom
Bosco, ali descrevia intencionalmente o que atingiu imediatamente o recém-chegado:
“Neste Oratório cada qual satisfaz seus deveres religiosos, entretendo-se depois em
agradável recreação (...). Saltos, corridas, jogos de bochas, de bola, de malha, de perna
de pau, cantar, tocar, rir, brincar e mil outras diversões”. O próprio protagonista haveria
de narrar anos depois a seus atentos ouvintes: “Chegando domingo ao lugar suspirado,
fiquei estonteado. Não queria interrogar a ninguém, porque estava estático de admi-
ração como quem se encontra num mundo novo cheio de coisas curiosas, desejadas,
mas ainda não conhecidas”.23 Também no caso de Severino, a confissão astutamente
proposta pelo diretor, dava cumprimento à felicidade almejada.24
Relatórios de festas, publicados pelo jornal L’Armonia, apresentavam vivamente a
originalidade de um lugar onde os jovens, privados de tantas coisas, podiam viver as
mais variadas e simpáticas experiências, humanas e divinas, sérias e alegres, pessoais
e de grupo, em intenso clima familiar e amigável, de grande intensidade afetiva, que
os tirava do desânimo na grande cidade e na inevitável solidão. Em 29 de junho de
1851, essas experiências eram vividas no quadro de uma festa de são Luís, com grande
freqüên­cia dos sacramentos e a administração da crisma. “Nada faltou para uma sole-
nidade celebrada por uma juventude solidamente cristã – referia o jornal –. Música
de vozes juvenis e som correspondente, récitas de diálogos e coisas análogas, aparato
modesto e executado com maestria; um globo aerostático, vários rojões e fogos de arti-
fício encerravam a amena jornada. A alegria, a satisfação, a serenidade estavam escul-
pidas na face da numerosa juventude que, com pesar, deixava esse momento festivo. Foi
festa de família de mais de 1500 jovens que, entre os mais cordiais e religiosos vivas de
um só coração e uma só alma, pendiam dos lábios amantes de seu pai”.25
É improvável que o artigo seja de Dom Bosco. Não se vê nele seu estilo, mas colhia
com instintiva verdade seu projeto e pensamento.
3. Pedagogia diferencial do possível
Lugar de jovens, o oratório previa uma forte presença diretiva e promotora de
adultos, eclesiásticos e leigos: não eram tempos de autogoverno ou de autogestão. Era,
23 G. Bosco, Severino ossia avventure di un giovane alpigiano raccontate da lui medesimo ed
esposte dal sacerdote Giovanni Bosco. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1868,
p. 36-39; OE XX 36-39.
24 G. Bosco, Severino…, p. 42-45; OE XX 42-45. Cf. B. Decancq, “Severino: studio dell’opuscolo
con particolare attenzione al ‘primo oratorio’”, RSS 11 (1992), p. 221-318.
25 L’Armonia, 4 de julho de 1851; OE XXXVIII 17.

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334 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
pois, preocupação de Dom Bosco dar regras aos agentes, como acontecia na tradição
escolar, para que, antes de tudo, entre eles e graças a eles fossem garantidas “unidade
de espírito e conformidade de disciplina”. Nessa ótica, o Regulamento proposto poderia
parecer excessivamente rígido para consentir a livre e diferenciada explosão das inicia-
tivas e energias juvenis e a mesma criatividade de seus educadores. Era certamente
espelho e sinal de um tempo, de uma mentalidade e de uma cultura.
Entretanto, além das experiências reais, pode-se perceber num texto de Dom Bosco
alguma intuição da exigência de diferenciação no modo de perceber os jovens e de
conseqüentes intervenções diversificadas e, de certo modo, individualizadas. Ao final
de um período único de sua vida e quase a fixar na memória uma experiência sem
retorno, Dom Bosco, nos Acenos históricos de 1862, tentava um balanço dos primeiros
vinte anos de trabalho juvenil. Isso pode parecer surpreendente num homem que
dominara e concluíra bem os eventos com sucessivas e consistentes regulamentações.
Ao chegar, porém, a instituições estabilizadas em distintas fisionomias – oratório festivo
e cotidiano de um lado, e escola-internato de outro – não lhe permitiram esquecer as
diversas faixas de jovens que de ano em ano ali entraram. Ele mesmo, tendo partido
de elementos precários – imigrados, especialmente sazonais, e ex-detentos –, tinha
conscientemente evoluído, interpretando em sentido sempre mais flexível e amplo as
fórmulas usuais “pobres e abandonados”, “em perigo e perigosos”. Por isso, como que
a corrigir a impressão de rigidez, que podiam induzir os regulamentos e as instituições
de fato estáveis, ele projetava a possibilidade de intervenções assistenciais e educativas
mais variadas e flexíveis.
Nos Acenos históricos, Dom Bosco individuava três categorias de hóspedes do
Oratório, externos e internos: “rebeldes, dissipados e bons”. Os bons – segundo seu
modo de ver – não criavam problemas especiais; bastava-lhes aplicar as prescrições
regulamentares normais. Os rebeldes, porém, não eram simplesmente os simpáticos
“moleques” nem os “traquinas”, levemente mais problemáticos: eram jovens sem
respeito pelas normas éticas e sociais, rebeldes a toda disciplina, dissolutos, sem qual-
quer escrúpulo; em versão mais atenuada, contudo, jovens excessivamente vivos, indis-
ciplinados, intolerantes em relação à ordem e à disciplina, mais rebeldes, desaforados.
Também os dissipados, assim como são descritos, embora sendo menos rebeldes, eram
mais que traquinas ou moleques. Pois bem, em relação às distintas categorias ele previa
notáveis diferenças nos objetivos possíveis de serem alcançados, na expectativa e nas
intervenções. Com os dissipados podia-se chegar “também a certo sucesso com a apren-
dizagem, a assistência, a instrução e a ocupação”: daí não resultava sem mais o perfeito
cristão, mas provavelmente o bom cidadão, o trabalhador honesto, o homem moral
e civilmente responsável e, talvez, um mero praticante do domingo ou das grandes
festividades. Para os rebeldes, “isto é, aqueles já habituados a vagabundear, a pouco
trabalhar”, porém, eram previstos, em parte, resultados a longo prazo, disciplinando-os
“com o exercício de alguma arte, com a instrução, a ocupação, a assistência”. “Não
se tornam piores” – escrevia –, e já era um notável horizonte minimalista; “muitos
se reduzem a ter juízo, portanto a ganhar-se o pão honestamente”, e era um notável
sucesso no sentido da humanização, com a recuperação de valores temporais apreci-

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 335
áveis, preparação potencial para alguma adesão ao Evangelho, como ciência de vida
e, talvez, também de fé em Deus. Numa palavra, os programas e os tratamentos eram
graduados. De qualquer modo, havia lugar para pedagogia da esperança: a semente
lançada não haveria de ficar infrutífera; deixava-se espaço ao tempo e à graça; de fato,
“aqueles mesmos que sob a vigilância pareciam insensíveis, com o tempo dão lugar aos
bons princípios adquiridos, que mais tarde chegam a produzir efeito”. A esperança era
reforçada pelos resultados tangíveis alcançados: muitos puderam ser colocados “junto
a bons patrões, dos quais aprenderam uma profissão”; tantos outros, que fugiram da
família, a ela retornaram “mais dóceis e obedientes”; “não poucos se tornaram domés-
ticos “em famílias honestas”.26
Dom Bosco não era maximalista, não esbanjava nomenclatura religiosa: radica-
lidade, perfeição, santidade. Realista apóstolo dos jovens em perigo e perigosos, ele
sabia comedir fins e percursos educativos a cada disponibilidade à melhora. Já era bom
resultado que um rebelde não acabasse na prisão ou que, dela saindo, ali não retornasse.
Analogamente, que um moleque não se tornasse rebelde, e um rebelde delinqüente. Era
sucesso mais que apreciável se pudesse em todos inocular o amor da vida, a inserção
social espontânea, o gosto de prover ao sustento próprio e dos familiares. Na média
dos casos, porém, poder-se-ia tentar a escalada de alturas mais ousadas: à mais refi-
nada moralidade e ao sentimento religioso essencial, com o esforço constante de viver
em estado de graça, diligentemente conservada ou prontamente recuperada, ousando
também asceses corajosas em direção à montanha das bem-aventuranças em seus dife-
rentes patamares, incluído o ponto mais elevado.
Considerações semelhantes poderiam valer, proporcionalmente, para a classificação
dos jovens, introduzida nos Artigos gerais do Regulamento para as casas, em 1877.
Eram prefiguradas “índoles diversas: boa, ordinária, difícil, má”. Deve-se ter presente,
porém, que o discurso referia-se aos jovens dos colégios estudantis e dos internatos
para aprendizes, já selecionados de alguma maneira. Para eles, o tratamento diferen-
ciado reduzia-se à assistência educativa mais ou menos vigilante.27
4. Novo padre para os jovens na Igreja e na sociedade
Dom Bosco não escreveu sua própria “história de uma alma” ou “diário da
alma”. Encontra-se algo disso na já conhecida Introdução ao Plano de Regulamento
de 1854. Quando, porém, falava de sua irrevogável consagração aos jovens, traçava
também o retrato do novo padre, que a eles se propunha como pai, irmão, amigo.28
26 [G. Bosco], Cenni storici…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 78-80.
27 Cf. cap. 25, § 4.
28 [G. Bosco], Introduzione al Piano di Regolamento…, in: Don Bosco nella Chiesa…, p. 38. Cf.
cap. 8, § 1.

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336 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
A teoria tornava-se experiência vivida e modelo proposto na narração, apresentada por
ele como exemplar, do encontro com Bartolomeo Garelli na sacristia da igreja de São
Francisco de Assis. Não se trata tanto do início cronológico quanto da representação da
inauguração de um modo de encontro do padre com os jovens, no papel de adulto que
socorre, faz o bem e salva. Distingue-se claramente do adulto, “clérigo de sacristia”,
desconfiado e desdenhoso em relação ao jovem acanhado e pobre que não sabe ajudar
a missa e ousa pôr os pés num lugar reservado a pessoas familiarizadas com o sagrado.
O jovem padre, com poucas palavras essenciais, toma distância do prepotente, que
altivo o tinha interpelado com o clássico “ao senhor, o que importa?”, mas a anula,
porém, com o “jovenzinho”: “Importa muito, é um amigo meu, chamai-o imediata-
mente, preciso falar com ele”. Recuperado o fugitivo, o diálogo é envolvimento empá-
tico total, inspirado na “cordialidade”: “Meu bom amigo, como te chamas?”, “de que
cidade vens?”, “teu pai ainda vive?”, “e tua mãe?”. Trata-se justamente do jovem
símbolo: órfão aos 16 anos, não sabe ler ou escrever, ainda não fez a primeira comu-
nhão, envergonha-se de ir ao catecismo. O contato é estabelecido, e não fugazmente:
“Tu serás meu amigo”, diz o padre. Na realidade, o jovem sente que encontrou um pai,
inicia logo o ABC do catecismo e, embora “de memória lenta”, “com a assiduidade e
a atenção, em poucos meses” consegue “aprender as coisas necessárias para fazer uma
boa confissão e, pouco depois, a santa comunhão”. A história individual parece acabar,
mas na realidade prolonga-se com outros jovens “adultos” que virão depois e, com
Dom Bosco, criarão o Oratório.29 A aventura de um jovem é a história de um padre para
os jovens e com os jovens, a história de Dom Bosco com quantos haveriam de aprender
logo a compartilhar seus ideais, seus fins e seus métodos.
Bem logo, efetivamente, sua experiência pessoal, antes, ele mesmo, tornava-se para
muitos, desde os inícios, modelo admirado e seguido. Mais que perfil teórico do novo
educador dos jovens, ele propôs implicitamente a si mesmo, assim como o perceberam
os que viram de perto sua ação, a começar dos eclesiásticos, que lhes prestavam a
própria colaboração espontânea às iniciativas oratorianas.
Não só. Apesar de alguma objeção e desconfiança de párocos que se achavam
defraudados do direito de apascentar pessoalmente seu rebanho, Dom Bosco pôde
iniciar e desenvolver livremente sua obra juvenil, envolvendo muitos membros de
prestígio entre o clero turinense. Substancialmente, fora fácil persuadir que os jovens
reunidos em oratório não eram subtraídos a ninguém, pelo simples motivo que não
se sentiam pertencentes a alguém, a não ser aos padres e aos oratórios com os quais
entravam exclusivamente em contato numa cidade que lhes era estranha, desconhecida
e indiferente.30 Muito depressa vários reconheceram também que Dom Bosco era um
cativador nato, um educador excepcional de jovens. Também no futuro, os próprios
bispos ou outros eclesiásticos (Riccardi di Negro, Gastaldi, Renaldi, Tortone) que o
29 MO (1991) 121-122.
30 [G. Bosco], Cenno storico…, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 45.

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 337
haveriam de contestar como formador de clero, declaravam abertamente apreciar seu
gênio de educador dos jovens.31 Ainda mais, ele pudera contar com a incondicionada
aprovação de seu enérgico e rígido arcebispo, dom Fransoni, que não o deixaria livre
se não o tivesse conhecido como padre-guia dos oratórios, ligado à própria diocese, à
Igreja e ao papa, fiel a todos os pontos da doutrina católica, à piedade cristã tradicional,
livre de qualquer suspeita de liberalismo.
Já encontramos no papel de mediador de subsídios junto ao rei certo eclesiástico,
cônego Ottavio Moreno, que, sendo funcionário do Estado, talvez primeiro entre todos,
nos anos 1849 e 1851, perorava junto às autoridades centrais a causa de Dom Bosco
educador e agente social.32 Em suas apresentações, ele acabava por traçar, tendo Dom
Bosco como modelo, o perfil do novo padre da caridade social. Ele – escrevia – “desde
alguns anos industria-se na instrução e no acolhimento de jovens abandonados ou
rebeldes que, ao vagar ora aqui ora ali pelos bairros e avenidas da capital, fazem aquela
exposição de si que todos conhecem, e o sabem com verdadeiro horror, e com funestas
previsões, que me são corroboradas pelo que vejo e experimento de tais jovens, quando
são infelizmente presos e levados aos cárceres”; ele “faz tudo que pode”, embora
privado de “meios suficientes para as despesas mais necessárias”; por isso, “confia na
caridade cristã e igualmente na do governo”, também interessado no problema.33
A singularidade do novo educador e de sua ação era observada também pela
imprensa católica, realçada pela autoridade de L’Armonia, que se ocupara de Dom
Bosco desde os primeiros meses. O apreço e a admiração continuavam intactos, antes
cresciam, ao longo dos anos 50. O chefe dos oratórios era “um sacerdote zeloso” que
estava “a renovar” em Turim “os exemplos dos Vincenzo de Paula e dos Geronimi
Emiliani”. Ele – continuava – “é visto a tirar dos perigos das ruas e das praças todos
aqueles jovenzinhos que, abandonados a si mesmos, consumariam inutilmente, para
não dizer erradamente, o dia festivo: ele os reúne num lugar protegido para instruí-los
nas verdades religiosas, nas coisas mais necessárias para a vida social, e para entretê-los
com divertimentos honestos”.34 “É do conhecimento de todos – informava em 1851 –
com quanto zelo e com quanta caridade o sacerdote padre Giovanni Bosco se sacrifique
pela instrução e educação dos jovens da ínfima classe do povo que, em geral, vivem
abandonados a si mesmos em relação à educação”: “Quantos delitos não previne a
caridade do pio sacerdote!”.35
Acrescentavam-se também os louvores pela obra de conversão do protestantismo
ao catolicismo de adultos e jovens, e pela atividade de autor de livros populares do
“ótimo sacerdote Dom Bosco, que assim trabalha ativamente com as obras e com os
31 Cf. cap. 15, § 7; 19, § 6.
32 Cf. A. Giraudo, “Sacra Real Maestà”…, p. 267-314. Cf. cap. 8, § 4 e 5
33 A. Giraudo, “Sacra Real Maestà”…, p. 302-303. Cf. também, p. 308-310.
34 L’Armonia, 26 de julho de 1850; OE XXXVIII 15.
35 L’Armonia, 10 de agosto de 1854; OE XXXVIII 26-27.

34.8 Page 338

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338 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
escritos em benefício da classe popular” e que “recolhe freqüentemente os frutos de
seu zelo também no campo de heresia”.36 Por ocasião do sacramento da crisma a uma
massa de jovens oratorianos – referia o jornal –, “era uma consolação ver enfim o santo
homem Dom Bosco, com a simplicidade evangélica no rosto, atarefar-se continuamente
para manter em ordem tão grande multidão de povo e, contudo, em meio ao trabalho,
conservar a calma, a doçura; e, depois, seu digno companheiro padre Alasonatti,
também ele cheio de zelo, e com ele alguns membros da Sociedade de São Vicente,
todos ocupados em promover a boa música da solene cerimônia; e ainda vários Irmãos
das Escolas Cristãs, que velavam sobre os jovens que tinham levado; todas essas coisas
te dão tranqüilidade para manter-te da fé católica no Piemonte, mesmo a despeito de
todos os assaltos dos protestantes”.37
Enfim, para Dom Bosco, novo padre, não se economizavam elogios: “incansável
e tão zeloso”;38 “ótimo diretor”, “ótimo sacerdote”; “tão benemérito da juventude
cristã”.39
Era também um involuntário auto-retrato o ícone do novo padre da caridade, que
criava a esplêndida necrologia do jovem teólogo Paolo Francesco Rossi.40 “Ele –
escrevia o autor do intenso perfil – foi verdadeiro modelo de virtude e de caridade
cristã”, “um benfeitor e um verdadeiro pai”. Desde a infância revelava todos os traços
do futuro sacerdote oratoriano: “Sensível às penas e aflições alheias, mostrava para com
todos semblante plácido e sereno, cordialidade e doçura”, “com todos afável, respei-
toso, complacente, alegre”; admirado pelo “seu caráter: piedade sólida e vivo ardor
pelo estudo”. Diretor do Oratório de São Luís, “seu zelo não teve limites. Pregações,
catecismos, instruções, confissões, avisos, correções, tudo estava em ação pelos jovens
desse oratório. Aqui o teríeis a correr em busca de um patrão, para colocar um jovem
desempregado; ali, a recomendar sofrimento [= paciência] ao patrão ou diligência do
pequeno aprendiz; alhures, levar sem ostentação pão, farinha, roupas, sapatos e objetos
de todo tipo; tudo ele punha em ação, desde que pudesse confortar e melhorar a sorte de
seus semelhantes e impedir as tristes conseqüências às quais facilmente a inexperiente
juventude se deixa arrastar. Enfim, ele era tudo para todos, a fim de conquistar a todos
para Cristo”,41 que significa também conquistá-los para si mesmos, para reencontrar-se,
para realizar-se em plena humanidade.
Dom Bosco apresentava o perfil vivo do padre educador e filantropo, entregue à
juventude abandonada e em perigo, em ação preventiva, pessoal, assistencial e social,
para preservá-la do risco da delinqüência e, eventualmente, recuperá-la depois de uma
36 L’Armonia, 27 de agosto de 1855; OE XXVIII 29.
37 L’Armonia, 1 de junho de 1856; OE XXXVIII 34.
38 L’Armonia, 21 de setembro de 1858; OE XXXVIII 48.
39 L’Armonia, 8 de outubro de 1858 e 26 de fevereiro de 1859; OE XXXVIII 49, 51.
40 Cf. cap. 10, § 4.
41 L’Armonia, 20 de novembro de 1856; OE XXXVIII 36-37.

34.9 Page 339

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 339
queda. Sua cultura, claramente eclesiástica e moral, era despojada de conhecimentos
sociológicos, jurídicos e pedagógicos. E não podia identificá-lo com os muitos estu-
diosos, filantropos e educadores leigos, empenhados entre os séculos XVIII e XIX, na
pesquisa e no estudo das causas e dos remédios para o abandono e dos perigos aos quais
estava sujeita a juventude em tempos de revolução social e política. Entretanto, Dom
Bosco estava muito perto deles pela forte carga moral e, ainda mais, religiosa. Igualava-se
a eles, quando não os superava, na aguda percepção e partilha das necessidades e no
ilimitado e tenaz envolvimento operativo. Recordam-se alhures, por exemplo, Cesare
Beccaria (1738-1794), Carlo Ilarione Petitti di Roreto (1790-1850), Giuseppe Maria
Degérando (1772-1842).42 Em geral, Dom Bosco ficava na constatação e na descrição
dos aspectos problemáticos da condição juvenil. Em compensação, na ótica católica,
via mais a fundo suas causas religiosas e morais, e, sobretudo, preparava e propunha
em escala mais vasta meios, instituições e métodos resolutivos. Evidenciam-no amplas
documentações, particularmente reforçadas em muitas circunstâncias e ambientes, no
último período ativo de sua vida.43
5. Perfis de padres para tempos novos
Dom Bosco, nos anos 50, aplicava-se também em narrar histórias de padres, reais
ou idealizados, próximos a todos, jovens e adultos, que reproduziam ao vivo o ideal
salesiano e vicentino do amor “de afeto e amor de efeito” já traçado na segunda metade
dos anos 40.44
Podiam-se encontrar duas de suas versões no opúsculo, talvez compilado por ele,
talvez simplesmente retocado ou até mesmo apenas apresentado e publicado, com o
título Fatos contemporâneos expostos em forma de diálogo.45 Recomendava-o Ao leitor
dirigindo-se em particular aos educadores por vocação natural, ou seja, “aos pais e às
mães de família”.46 Diante da animosidade anticatólica e das tortuosas pregações dos
protestantes brilhava com luz solar a palavra persuasiva do padre católico. “Aqui –
narra ao amigo, Félix que se tinha libertado dos ‘laços dos Protestantes’ – tudo mudou
de aspecto: o modo fácil, afável, tranqüilo e claro com que eram desfeitas todas as
minhas dúvidas logo me mostraram que existe alguma coisa no Catolicismo que não
se encontra no Protestantismo”.47 No diálogo seguinte, um enfermo anônimo, a quem é
recusada a confissão pelo ministro protestante, que a tem como “uma fábula inventada
42 Cf. P. Braido, Prevenire non reprimere…, p. 30-41.
43 Cf. cap. 22, § 6ss; 30, § 3.
44 Cf. cap. 7, § 4.
45 Turim, Tip. dir. por P. De-Agostini, 1853, 48 p.; OE V 51-98.
46 [G. Bosco], Fatti contemporanei…, p. 3; OE V 53.
47 [G. Bosco], Fatti contemporanei…, p. 19; OE V 69.

34.10 Page 340

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340 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
pelos padres”, propõe-se mandar a mãe para chamar o antigo confessor: “Ele – explica
– sempre me quis bem e me dava ótimos conselhos; ele é uma pessoa prudente, e saberá
acertar as contas de minha alma”.48
Ainda mais marcante é a figura do padre que se esforça por recuperar Luís, um
jovem de família crente, exemplar até os 18 anos. Depois, no dizer da “mãe aflita”,
“tornou-se muito grosseiro”, “insolente, desobediente”, rebelde e ladrão em casa, leitor
de um almanaque que “contém a quintessência de quanto se possa dizer contra nossa
santa religião”. O pároco a consola, convidando-a a mandar-lhe o filho com algum
pretexto qualquer: “Em tão pouco tempo, não creio que vosso filho se tenha tornado
muito mau; conversando com ele, espero de fazê-lo retornar aos bons sentimentos.
Como ele me amava muito e sempre me ouviu com prazer, não vai querer recusar-se
a obedecer-me desta vez”.49 O encontro permite um jogo de perguntas e respostas ­– A
boa acolhida –, do qual, seja quem for o autor, é fácil intuir o tipo de padre que Dom
Bosco contempla.
O pároco interessa-se pela “salvação” do jovem e pede-lhe “um serviço impor-
tante”, “um negócio de toda confiança”: pede-lhe que diga por que já não o vê há seis
meses. Diante de respostas evasivas, chega ao ponto essencial: “Luís!... Eu sou dono
de teu coração e de tua alma há dez anos, e vais recusar-te agora a uma coisa da qual
talvez dependa tua salvação eterna? (...) Por onde andaste?”. Ao ver que o pároco o trata
“com a mesma bondade com que [o] tratava antes”, Luís confessa ter ido se “inscrever
na sociedade dos operários”, decididamente anticlerical, ter abandonado a prática reli-
giosa, ter começado a roubar também em casa, esbanjando o fruto do roubo “no jogo e
nas bagunças”. Do simples colóquio brota a repetida promessa de fidelidade perpétua:
“Teria vindo falar-lhe outras vezes, mas temia ser maltratado; agora, porém, vejo que
ainda me quer bem, por isso prometo que não o abandonarei mais”. E enfim: “Senhor
Pároco, o senhor foi o dono de meu coração e de minha alma por dez anos. Neste
momento, eu o faço novamente dono de meu coração e de minha alma, mas por toda a
vida, e espero passar o último suspiro em seus braços”.50
O pároco revelava-se homem de caridade efetiva também em relação ao protago-
nista do opúsculo A força da boa educação, com quem deve defrontar-se por ocasião
da solene primeira comunhão. Pedro, que “teria corrido o risco de estar vestido apenas
com um capote simples e remendado”, estava “vestido com os hábitos da caridade, que
o seu Pároco lhe tinha providenciado”.51
A figura do padre em seu dúplice valor, sempre presente em Dom Bosco – homem de
Deus e, ao mesmo tempo, homem da caridade, a mais humana possível, a mais concreta
–, estava extensivamente delineada nos dois discursos feitos à morte do padre Giuseppe
48 [G. Bosco], Fatti contemporanei…, p. 24 25, 28; OE V 74, 75, 78.
49 [G. Bosco], Fatti contemporanei…, p. 34-37; OE V 84-87.
50 [G. Bosco], Fatti contemporanei…, p. 38-45; OE V 88-95.
51 G. Bosco, La forza della buona educazione, p. 24-25, 31; OE VI 298-299, 305.

35 Pages 341-350

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35.1 Page 341

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 341
Cafasso, seu mestre e diretor espiritual. Os dois aspectos essenciais são evocados de
modos intencionalmente distintos nas seções centrais do primeiro discurso: Vida sacer-
dotal pública e Vida sacerdotal privada, com uma sucessão já por si mesma eloqüente.
A Vida sacerdotal privada transmitia a imagem tradicional do padre santo: “Mortificações,
penitências, abstinência, oração, jejum”; “sempre pronto a receber, consolar, aconselhar
e confessar”; “sempre sereno no rosto, afável nas palavras, sem jamais deixar trans-
parecer uma palavra ou atitude que desse qualquer sinal de impaciência”; “sempre
afável, benéfico, jamais permitia a alguém deixá-lo sem ser consolado com confortos
espirituais ou temporais”; “ele nada tinha pela humanidade, mas tudo pela caridade”.52
Dava-se, porém, precedência à Vida sacerdotal pública, às “virtudes públicas”. Estas
eram evidenciadas primeiramente pela caridade pastoral, ou seja, por todas as formas de
pregação ao povo – “tríduos, novenas, exercícios espirituais e missões ao povo” – e ao
clero – “conferências públicas e privadas” – A isso, associavam-se as múltiplas obras de
caridade, por primeiro a “solicitude que tinha especialmente pelos jovens pobres”. Entre
outras coisas – Dom Bosco recorda –, “o primeiro catequista deste nosso oratório foi o
padre Caffasso[sic], e foi seu constante promotor e benfeitor em vida e também depois
da morte”. Seguia o cortejo dos outros beneficiados: encarcerados, sacerdote e leigos,
ricos e pobres “a ele devedores, quem da ciência, quem dos meios para adquiri-la, quem
do emprego e da felicidade que goza em família, quem do ofício que exerce e do pão que
come”;53 e, além disso, os duvidosos, aflitos, agonizantes, condenados à morte. Cafasso,
enfim, fora um “grande benfeitor da humanidade”.54
O padre confessor era convidado a mostrar traços de elevada humanidade, expressa
sobretudo por meio da cordialidade, da acolhida a “toda sorte de penitentes, mas especial-
mente os jovenzinhos” para “ajudá-los” “a expor as coisas de suas consciências” e corri-
gi-los com bondade”. Ele abrira o caminho para experimentar a validade das confissões
dos anos precedentes, ponderando o estado de consciência “particularmente dos 7 aos
10, aos 12 anos”. Teria usado “de grande prudência e de grande discrição” ao interrogar
necessariamente “sobre as coisas que dizem respeito à santa virtude da modéstia”.55
Abertura sedutora revela o diretor-educador ao acolher Valentim, protagonista da
biografia homônima romanceada, apresentado ao entrar no colégio católico, que lhe
garante estudos mais sérios. O jovem é um vaidoso senhorzinho burguês do distante
século XIX: “Roupas novas e feitas com elegância, um chapeuzinho à calabresa, um
cãozinho na mão, uma correntinha brilhante no peito, um penteado que divide os cabelos
52 G. Bosco, Biografia del sacerdote Giuseppe Caffasso, p. 25-27; OE XII 375-377. Seguem
dois capítulos que insistem na imagem do padre santo: “Vita mortificata di don Caffasso” e
“Sua santa morte”, p. 29-34, 34-45; OE XX 379-384, 384-395.
53 G. Bosco, Biografa del sacerdote Giuseppe Caffasso…, p. 18-24; OE XII 368-374.
54 G. Bosco, Biografa del sacerdote Giuseppe Caffasso…, p. 44-45; OE XII 394-395.
55 G. Bosco, Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele…, p. 27-28; OE XIII 181-182.
56 G. Bosco, Valentino o la vocazione impedita: episodio contemporaneo. Turim, Tip.
dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1866, p. 20; OE XVII 198.

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342 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
alinhados”.56 Reconhece-se no diretor o novo padre, o próprio Dom Bosco: “À vista de
um rapazola com tantos ares, aquele diretor não julgou oportuno falar-lhe de religião,
mas discorreu apenas sobre passeios, corridas, ginástica, esgrima, canto, música. Essas
coisas faziam ferver o sangue nas veias ao vaidosinho aluno só de ouvir falar delas”.57
A conquista era certa. O diretor tornava-se bem cedo confessor e pai espiritual do jovem
até o desabrochar da vocação ao estado eclesiástico, que, porém o pai haveria de fazer
de tudo para impedir, chegando a confiar o filho a um corruptor.58 O fim seria o cárcere,
mas a carta que o detido escreve ao pai espiritual é ainda uma vez a celebração do padre
bom pastor, a cujos “paternos conselhos”, descontada a pena, o jovem quererá nova-
mente entregar-se como norma para toda a vida.59
6. Formador de padres para dioceses e oratórios
Em poucas mas significativas ocasiões, o arcebispo Fransoni, exilado em Lion,
pôde dar testemunhos positivos sobre Dom Bosco, padre zeloso e confiável também na
formação de futuros pastores de almas. O apóstolo da juventude de Turim não era, de
fato, segundo ele, um intelectual dos antigos conluios regalistas ou das recentes idéias
inovadoras. Em sua ação, era guiado por princípios solidamente ancorados na mais
segura tradição da Igreja. E o amor à Igreja solicitava-o e guiava-o na ocupação dos
jovens em relação à possível vocação eclesiástica. A formação que dava era inspirada
numa síntese consistente de vida de piedade e de empenho caritativo, na qual se inse-
riam vitalmente quer a formação ascética, quer a cultural, geral e específica.
Nesse sentido não faltaram sinais de confiança por parte do rígido prelado. Ele
chegava até mesmo a concessões excepcionais para os jovens acompanhados por Dom
Bosco no caminho do sacerdócio. Com efeito, desde os últimos anos 40, Dom Bosco
procurara encaminhar alguns jovens aos estudos eclesiásticos: Giacomo Bellia, Felice
Reviglio, Giuseppe Buzzetti, Carlo Gastini. Deles, dois haveriam de ser padres da
arquidiocese, um salesiano leigo, o outro primeiro organizador dos ex-alunos. Após
dois anos de estudos de latinidade, tinham vestido o hábito talar no Oratório, no dia
2 de fevereiro de 1851. Outros jovens eram aceitos em seguida, provavelmente com
a intenção mais explícita de fazer deles futuros colaboradores na obra dos Oratórios:
Giovanni Cagliero em 2 de novembro de 1851, Giovanni Battista Francesia em 22 de
junho de 1852, em 24 de setembro Michele Rua, que com Giuseppe Rocchietti recebia
a veste talar na capela do Rosário dos Becchi, em 3 de outubro. Ainda em 5 de junho de
1852, Dom Bosco reunia treze jovens, entre os quais os precedentes, exceto Rocchietti,
empenhando-os a recitar individualmente todos os domingos, por um ano, as “sete
57 G. Bosco, Valentino…, p. 20; OE XVII 198.
58 Cf. G. Bosco, Valentino…, p. 35-43; OE XVII 213-221.
59 Cf. G. Bosco, Valentino…, p. 45-51; OE XXVII 223-229.

35.3 Page 343

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 343
alegrias da Virgem Maria”. De maior compromisso era o empenho da “prova de exer-
cício prático de caridade pelo próximo”, a firmar eventualmente com voto, assumido
com Dom Bosco, em 26 de janeiro de 1854, por quatro dos mais confiáveis: Artiglia,
Cagliero, Rocchietti e Rua.60
Em outubro, chegava ao Oratório Domenico Savio, com evidente vocação eclesiás-
tica como o amigo Massaglia, assim como acontecia com Michele Magone, acolhido
no Oratório no outono de 1857. Em 23 de março de 1855, o clérigo Rua professava
em privado os votos de pobreza, castidade e obediência, na presença de Dom Bosco.
De 14 a 23 de julho de 1856, alguns clérigos acompanhavam Dom Bosco num curso
de exercícios espirituais em Santo Inácio acima de Lanzo; eram eles Rua, Rocchietti,
Giuseppe Bongiovanni, Pettiva, Momo. Em setembro e novembro vestiam o hábito
talar Giovanni Bonetti e Celestino Durando, que, com padre Rua e padre Cagliero,
estará entre os primeiros superiores da Sociedade Salesiana, que se delineava em 18
de dezembro de 1859.
O arcebispo, em 1857, confiava a Dom Bosco o professor Ramello, sacerdote a ser
recuperado, segundo ele, de idéias liberalizantes.61 Dom Bosco o tinha acolhido e fazia
dele professor de uma classe do incipiente ginásio. Não só: mesmo mantendo uma certa
óbvia rigidez em conceder favores, o prelado, embora obtorto collo, após dois pedidos
de Dom Bosco, com carta ao pró-vigário da diocese, concedia ao clérigo Francesia a
dispensa “de participar das aulas do Seminário pelos meses restantes” do ano escolar.62
Alguns meses mais tarde, manifestava ao mesmo seu desprazer de não poder aceder
aos pedidos de análoga dispensa para outros clérigos, mas acrescentava em relação a
Dom Bosco: “Desagrada-me contristá-lo, porque faz um grande bem, mas desagra-
da-me também agir mal para favorecer a seus desejos”.63 Em carta posterior, depois de
ter-se consultado com “um Eclesiástico que – diz – estimo muitíssimo”, aceitava seu
veredicto em favor dos clérigos, buscando um acordo com a própria consciência: “Feito
o confronto entre a menor vantagem aos clérigos para o estudo, com o bem realmente
grande que daí resultaria ao utilíssimo Estabelecimento, ele crê ser coisa boa conceder
o requerido favor a Dom Bosco”. O arcebispo compartilhava a opinião, mas confiava ao
vigário geral, cônego Fissore, o encargo de comunicá-lo a Dom Bosco: “Quereria, pois,
que, tendo chamado Dom Bosco, lhe dissesse ter recebido uma carta minha, na qual
Lhe disse ignorar que os conhecidos Clérigos não freqüentem as aulas, sem conceder
para isso uma permissão explícita”,64 de fato permitindo-lhes.
Entretanto, estava em gestação nesse tempo, silenciosamente, o que haveria de ser
a Sociedade de São Francisco de Sales. Era o início, embora em sua primeira fase, da
história do segundo Dom Bosco, o fundador.
60 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 262-263.
61 Ao cônego C. Fissore, 7 de junho de 1857, in: L. Fransoni, Epistolario, p. 177.
62 Ao cônego C. Fissore, 11 de fevereiro de 1858, in: L. Fransoni, Epistolario, p. 200-201.
63 Ao cônego C. Fissore, 27 de outubro de 1858, in: L. Fransoni, Epistolário, p. 237.
64Ao vigário geral C. Fissore, 3 de novembro de 1858, in: L. Fransoni, Epistolario, p. 239.

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344 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
7. Leigo militante em tempo de controvérsias religiosas
No Processo informativo para a beatificação e canonização de Dom Bosco, padre
Giovanni Turchi, aluno do Oratório em 1860, ano da perquirição na casa – em 26 de
maio –, explicava a intervenção policial com três motivos: “Seu grande e ilimitado
apego à Santa Sé”, seu surgimento em Turim em defesa dos “interesses da Sé Romana”,
enfim o fato de ter-se “tornado chefe do movimento católico no laicato turinense”.65
Na verdade, é provável que em Turim Dom Bosco já tivesse contatado e mobilizado
mais que qualquer outro padre tantas forças leigas católicas em favor de suas iniciativas
beneficentes. Não se esquece, contudo, que em Turim também outros estavam atuando
em atividades semelhantes, com notável envolvimento de eclesiásticos e leigos. Baste
recordar padre Giovanni Cocchi, teólogo Roberto Murialdo, teólogo Borsarelli e
teólogo Berizzi, predecessor do teólogo Leonardo Murialdo na gestão do Colégio dos
Artesãos.66
Em proveito dos leigos, como se viu, Dom Bosco tinha atuado com a palavra e os
escritos com dois modos de ação: em primeiro lugar, defender e “avisar” preventiva-
mente, e proteger do indiferentismo, do laicismo, da heresia; em segundo, sobretudo
em vantagem da juventude e do povo, reunir os que desejavam iniciativas de bem:
colaborar nas atividades dos oratórios, garantir-lhe suporte financeiro, participar das
loterias, assinar as Leituras Católicas e difundi-las.
As duas modalidades de ação, explícita ou implicitamente, comportavam nele um
novo modo de pensar a presença e o empenho do leigo católico na comunidade civil
e eclesial. Era a hora da ação!, pensava e proclamava com seu próprio ser e agir: uma
ação direta, incisiva e qualificada, com o incremento de competências espirituais e
culturais. Era persuasão e mensagem que afloravam dos escritos do decênio. Para a
compreensão de sua história pareceria oportuno, se não necessário, ao menos um aceno
a algumas expressões.
7.1 Agir com cultura idônea e franqueza de fé
Em tempos difíceis, o católico era chamado a assumir mentalidade nova e disponi-
bilidade inédita.
As alterações culturais eram relevantes do ponto de vista da fé tradicional: na Itália
do Ressurgimento elas apareciam inevitavelmente entrelaçadas com a sucessão dos
acontecimentos políticos. Não sem uma referência implícita aos danos derivados dos
65 Copia Publica Transumpti Processus..., deposição de 7 de outubro de 1895, fol. 2763v.
O cursivo é nosso.
66 Cf. cap. 2, § 5.

35.5 Page 345

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 345
abusos da liberdade de imprensa, Dom Bosco escrevia em 1852 ao secretário de Estado
do papa, na iminência do lançamento das Leituras Católicas: “Uma grande quantidade
de livros e jornais perversos faz-nos temer um triste futuro: os livros mais anti-reli-
giosos e obscenos são vendidos em público e oferecidos ruidosamente em cada canto
nas praças. Queira Deus ter para conosco grande misericórdia, a fim de que ao menos a
inexperiente juventude possa preservar-se do veneno da irreligiosidade”.67
Perigos idênticos, como se viu, angustiavam no ano seguinte o coração crente do
protagonista de O católico instruído.68 Com ânsia não menor, Dom Bosco apresentava
“aos pais e às mães de família” o opúsculo Fatos contemporâneos expostos em forma de
diálogo: esperava que os “fatos históricos”, por ele vistos ou ouvidos, pudessem “servir
de norma na ação e de defensivo nas circunstâncias críticas nas quais a incauta juventude,
nestes tormentosos tempos,” se encontrava.69 Também O cavalheiro para 1861 dava o
alarme sobre “duas doenças” de “efeitos terríveis”, antes “terribilíssimos”: “o indiferen-
tismo nas coisas de religião e o progresso do protestantismo”.70 Contemporaneamente,
Dom Bosco tranqüilizava o papa sobre o empenho do clero e do laicato: “Nosso clero
mantém-se até agora corajosamente firme”; “os fiéis são fervorosos; todo dia, porém,
um grande número de tíbios caminha para um apático indiferentismo, que é a maior
chaga do catolicismo em nossas cidades. Os tímidos, porém, expulsaram todo temor e
mostram-se intrépidos onde quer que ocorra mostrarem-se cristãos”.71
Para Dom Bosco, escritor de livros catequéticos e apologéticos, era evidente que o
católico militante responsável devia, antes de tudo, dispor de sólida bagagem cultural,
análoga àquela delineada por O católico instruído: como autodefesa e com evidentes fina-
lidades apostólicas. Eram duas, substancialmente, as qualidades fundamentais exigidas
do católico praticante e culturalmente equipado: em primeiro lugar, a firmíssima fé de
que a verdadeira religião encontrava-se somente na Igreja Católica e que nela residiam os
bens a comunicar aos afastados, aos que estavam em perigo e aos extraviados, para recon-
quistá-los, corroborá-los, reconvertê-los; em segundo lugar, a franca disponibilidade ao
emprego efetivo na prática cristã dos exercícios religiosos e na ação apostólica caritativa,
em todas as formas possíveis, com a prevalência das obras de misericórdia espiritual.72
Isidoro congratula-se com o advogado Roberto, que aceita a disputa com um
ministro protestante, pois “entre seus estudos legais” não esqueceu a cultura religiosa
e, em particular, “o conhecimento da Bíblia e da História Sagrada”. E enfaticamente
67 Ao cardeal G. Antonelli, 30 de novembro de 1852; Em I 175-176.
68 G. Bosco, Il cattolico istruito…, proêmio, p. 3; OE IV 197.
69 [G. Bosco], Fatti contemporanei…, “Al lettore”, p. 3; OE V 53.
70 Il Galantuomo e le sue profezie: almanacco piemontese lombardo pel 1861. Anno VIII. Turim,
Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1860, p. 4; OE XII 500.
71 A Pio IX, 10 de março de 1861; Em I 441.
72 Cf. P. Braido, “Il sistema preventivo di don Bosco alle origini (1841-1862)”, RSS 14 (1995),
p. 270.

35.6 Page 346

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346 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
sentencia: “Sois advogado, mas sois cristão católico; saibam os Protestantes, saiba-o
o mundo todo, que os advogados sabem tratar as questões dos homens, e caso seja
preciso, defender validamente a própria religião”.73
Juliano é um operário que passou do protestantismo ao catolicismo depois de sério
confronto entre as duas doutrinas. Ele mantém a mente com lucidez de argumentações
à objeção de católicos doentes de indiferentismo – “todas as religiões são boas, desde
que sejam observadas” –, até obter o consenso dos opositores: “Há um só Deus, uma
só fé, um só batismo, portanto uma só deve ser a verdadeira religião”. “Justamente por
isso – confessa Juliano – fiz todo esforço para conhecer qual fosse a verdadeira religião
e reconheci claramente que só a católica pode ser verdadeira. Abracei-a há vinte e cinco
anos; mais a estudo, mais encontro nela a verdade”.74 Pedro igualmente “tinha lido e
estudado quanto necessário a um cristão”, “mas não se sentia suficientemente instruído
para rebater as leviandades que se iam afirmando” pelos seus amigos convidados para
uma festa. Por isso, aceita de bom grado o socorro vencedor do pároco.75
7.2 As coordenadas da fé do católico
Os estudos de teologia no seminário não revolucionaram a visão da fé católica que
Giovanni Bosco tinha bem assimilado junto à família, na paróquia e no quadriênio de
estudos em Chieri. Saiu, porém, confirmada em formas racionais e sistemáticas aquela
doutrina que já os catecismos tradicionais e as catequeses freqüentadas na adolescência
adiantada lhe tinham transmitido segundo uma ordem lógica e motivada. No mesmo
nível via-se, pois, a atuar em seu apostolado juvenil e popular. São expressões disso os
escritos religiosos produzidos por ele entre 1845 e 1858, enriquecidos pelo contato com
as fontes utilizadas ao compô-los. Sua catequese histórico-narrativa é o melhor docu-
mento dos conceitos fundamentais de sua religiosidade católica pessoal e da que foi
comunicada aos jovens e ao povo. Pode-se até mesmo encontrar uma “súmula” disso no
inédito Breve catecismo das crianças para uso da diocese de Turim, de 1855.
Dele resulta um plano expositivo invariável e seus temas dominantes são facilmente
individuados: Deus; Jesus Cristo Filho de Deus encarnado e redentor; a Igreja Católica
e, indissoluvelmente, o papa, garantes da transmissão fiel e íntegra da revelação divina
ou Palavra de Deus; os sacramentos, com privilegiada proeminência do batismo, da
penitência e da eucaristia; Maria Santíssima Imaculada; a observância dos manda-
mentos fundada nas virtudes da fé, esperança e caridade, enxertadas no sólido orga-
nismo das virtudes morais. Ilustração mais difusa em relação à Revelação, à Igreja e ao
papa, além de O católico instruído (1854), são os dois escritos mais maduros de Dom
73 [G. Bosco], Dramma: una disputa…, p. 31-32; OE V 131-132.
74 G. Bosco, Raccolta di curiosi avvenimenti contemporanei, p. 11-16; OE V 379-384.
75 G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato…, p. 11-13; OE VI 155-157.

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 347
Bosco padre diocesano: A chave do paraíso (1856) e O mês de maio (1858).76 Embora
não particularmente enfocada, a fé na Trindade está solidamente presente entre os dois
“principais mistérios da fé”. O Espírito Santo também o é, catequeticamente, em relação
ao mistério da Encarnação, em Pentecostes, no sacramento da confirmação, na infalibi-
lidade da Igreja e do papa. Entretanto, nem a Trindade nem o Espírito Santo sobressaem
entre as verdades expressamente declaradas como geradoras da ação pastoral e da vida
espiritual.77
O pólo do universo religioso é Deus, com absoluta evidência, “Deus pessoal, sumo bem
que recompensa a sede de felicidade que arde no coração humano e que as criaturas não
podem apagar justamente porque o homem é feito para Deus”.78 Já a partir do catecismo
diocesano, refluído no inédito Breve catecismo, Dom Bosco tinha assimilado a riqueza de
seus traços distintivos, constantemente evocados nas variadas intervenções educativas e
pastorais e cotidianamente na oração do bom cristão. “Deus é um espírito perfeitíssimo,
Criador e Senhor do Céu e da terra”; “vê tudo, também nossos pensamentos”; “premia os
bons e castiga os maus”; é “onipotente, misericordioso e fiel”, e dá “o perdão dos pecados,
a graça de viver e morrer bem, e o Paraíso”; é “Deus de infinita bondade”, por isso digno
de “ser amado acima de todas as coisas” e razão pela qual se ama o próximo como a si
mesmo e se arrepende dos próprios pecados pelos bens perdidos e os males merecidos,
mas, sobretudo porque se ofendeu a “um Deus tão bom e tão grande”.79
Diante de Deus que se revela na Criação e misteriosamente na admirável obra da
Redenção, a atitude prioritária não pode ser senão a , pela qual “dobramos a vontade”
na adesão às verdades religiosas que se chamam mistérios. Ela está “toda apoiada na
palavra de Deus, que é eterno, imutável, e que jamais pode mudar em coisa alguma”.80
Jesus Cristo é o Messias e Salvador prometido aos “primeiros pais” para libertar a
humanidade “do poder do demônio, isto é, do pecado e da morte”. É o Filho de Deus
encarnado para redimir a humanidade do pecado original e dos pecados individuais,81
“o dogma mais importante no qual se funda toda a nossa santa religião:82 “um mistério
incompreensível à mente humana”.83
76 G. Bosco, La chiave del paradiso, p. 5-20, 29-43. São análogas as temáticas distribuídas
menos sistematicamente nos trinta e um dias de Il mese di maggio.
77 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica II 116-117. Cf. cap. 5, § 4.
78 P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica II 117; cf. Id., Valori spirituali
nel “Giovane provveduto” di san Giovanni Bosco. Roma, Scuola Grafica Borgo Ragazzi Don
Bosco, 1960, p. 97-114; J. Schepens, “Human nature in the educational outlook of St. John
Bosco”, RSS 8 (1988), p. 265-270, 285-387.
79 Cf., P. Braido, L’inedito “Breve catechismo pei fanciulli ad uso della diocesi di Torino” di
don Bosco. Roma, LAS, 1979, p. 1-30, 56.
80 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 48-50; OE X 342-344.
81 G. Bosco, Maniera facile…, p. 13; OE VI 61.
82 P. Braido, L’inedito “Breve catechismo..., p. 73.
83 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 28; OE X 28. Cf. p. 28-30; OE X 322-324.

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348 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
É capital a relação de Deus com a Igreja; em Cristo está, de fato, seu fundador.84
A Igreja única verdadeira, a Católica, “tem um mesmo culto, uma só fé, uma só moral,
um só governo”, “da qual é chefe o Romano Pontífice, a quem todos obedecem como
a um pai amoroso”. Sociedade hierárquica, ela é também comunhão: “O cristianismo
vive de um só coração e uma só alma, e é verdadeiramente uma só família composta
na mais bela harmonia, sob o governo de um só pai”,85 tendo nele a absoluta transcen-
dência e centralidade do papa.86
A Igreja Católica, com efeito, é a única definitiva e legítima depositária da “divina
revelação”, já feita a Adão e Eva e, por último, conservada fielmente pala “nação dos
judeus” na “Sagrada Bíblia”.87 A ordem de anunciar, nas pegadas dos Apóstolos, a Palavra
revelada a todas as gentes foi confiada por Cristo ao seu magistério infalível.88 Não só
do papa. É necessário que “existam outros ministros inferiores, dependentes do Papa, os
quais, com a pregação da palavra de Deus e com a administração dos Santos Sacramentos,
promovam a doutrina e a santidade nos homens”.89 De aí deriva o congruente e incisivo
apelo à escuta dirigida aos destinatários: “Sejamos, pois, dóceis às vozes dos sagrados
ministros, como as ovelhas o devem ser à voz de seu pastor. Deus no-los deu como
mestres na ciência da religião; a fim de aprendê-la, vamos então a eles, e não a mestres
mundanos. Deus no-los deu por guia no caminho do céu; sigamo-los, portanto, em seus
ensinamentos (...). Escutemo-los de bom grado nas pregações, nas instruções, nos cate-
cismos, nas explicações do Evangelho. Sigamo-los nos conselhos que nos dão quando
nos aproximamos dos Sacramentos e quando nos instruem para recebê-los dignamente;
ouçamos suas vozes como se viessem do mesmo Jesus Cristo”.90
Os leigos, porém, sendo parte constitutiva e dinâmica da Igreja, não são apenas
receptores, mas também arautos da Palavra e da fé, como testemunhas críveis de vida
cristã, ministros da caridade, promotores de ação social católica, amando a “Deus com
o emprego dos próprios braços e com o suor da própria fronte”, e retribuindo com o
“simples amor de afeto para com Deus” o “amor de efeito”,91 sem esquecer a benefi-
84 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 55; OE X 349. Cf. P. Braido, L’inedito “Breve
catechismo…, p. 76.
85 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. I, Entretenimento IV, p. 95-96 (OE IV 289-290);
Entretenimento IX, p.7 (OE IV 313).
86 G. Bosco, Maniera facile…, p. 58-61, 68-69; OE VI 106-109, 116-117; Id., Il mese di maggio.
p. 140-141; OE X 334-335.
87 Cf. G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. I, Entretenimento III, p. 21-22 (OE IV 215-216); pt.
II, Entretenimento II e III, p. 84-87 e 85-94 (OE IV 278-281 e 282-288).
88 Cf. G. Bosco, La Chiesa cattolica apostolica romana…, p. 4, 9, 11; OE IV 124, 129, 131;
Id. Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento II e III, p. 84-87 e 88-94; OE IV 278-281,
282-288.
89 G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. II, Entretenimento VIII, p. 4; OE IV 310.
90 G. Bosco, Il mese di maggio..., p. 46; OE X 340.
91 [G. Bosco], Il cristiano guidato alla virtù ed alla civiltà…, p. 40-41; OE III 254-255.

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 349
cência em favor dos pobres com “abundantes esmolas”.92 Se cultos e preparados, eles
podem ser também anunciadores da Palavra de várias formas, compreendida a catequese,
como Dom Bosco mesmo experimentou na obra dos oratórios, e válidos defensores da fé
diante de irmãos indiferentes ou tíbios, ou diante de não-católicos ou não-crentes.93
A Igreja para Dom Bosco é, de fato, sobretudo, santa e produtora de santidade.
“Santa, porque seu fundador, que é Jesus Cristo, é a fonte de toda santidade; ninguém
pode ser santo fora desta Igreja, uma vez que somente nela se ensina a verdadeira
doutrina de Jesus Cristo, nela somente se pratica sua fé e sua lei, e se administram
os Sacramentos instituídos por Ele”.94 Nos sacramentos “manifesta-se a bondade, a
sabedoria e a misericórdia de Deus”, que comunica sua graça salvífica à humani-
dade. A Igreja é sua depositária e dispensadora. Primeiro e fundamental é o batismo,
pelo qual “somos acolhidos no seio da Santa Mãe Igreja, deixamos de ser escravos
do demônio e somos feitos filhos de Deus e, por isso, herdeiros do Paraíso”.95
“A Crisma dá-nos o Espírito Santo”, “a plenitude de seus dons”, “e faz-nos perfeitos
cristãos”.96
Em sua ação pastoral, porém, Dom Bosco privilegia com a palavra e os escritos
os sacramentos da penitência e da eucaristia, essenciais para a recuperação e revitali-
zação do estado de graça, fonte e alimento de fé viva e de fervorosa caridade atuante.
Em contextos de tibieza e desafeição, além de contestação, particularmente entre os
adultos de idade mais ou menos avançada, Dom Bosco não se cansa de propor, antes
de tudo, a doutrina da penitência, com recorrentes argumentos teológicos, históricos
e pastorais.97 É habitual a insistência sobre as condições de validade e fecundidade:
exatidão do exame de consciência, ilimitada sinceridade da confissão – numa linha
prudente e responsável, confessar todas as próprias culpas, “as certas como certas,
as duvidosas como duvidosas, na maneira em que as reconhecemos”98 –, dor pelos
pecados cometidos, propósito de não cometê-los mais como verificação da autentici-
dade do arrependimento: ex fructibus eorum cognoscetis eos.99
As motivações polêmicas e apologéticas, fundamentadas na Escritura e na história,
eram reiteradas para o sacramento da eucaristia, sobretudo em caráter antiprotestante.
Daí derivava a acentuação particular da presença real de Jesus no pão e no vinho consa-
92 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 167-168; OE X 461-462.
93 Cf. cap. 7, § 1 e 9, § 3.
94 G. Bosco, Maniera facile…, p. 71; OE VI 119. Id., Il mese di maggio..., p. 34-35; OE X 328-329.
95 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 55-56; OE X 349-350. Id., Maniera facile..., p. 15; OE
VIII; cap. 9, § 5.
96 G. Bosco, Maniera facile…, p. 15-16; OE VIII 15-16. Id, Il mese di maggio..., p. 56; OE X 350.
97 Cf. “Dialogo intorno alla sacramental confessione”, in: Galantuomo... pel 1855, p. 101-120
(OE VI 15-34), e G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato ed un curato di campagna sul
sacramento della Confessione (1855), p. 11-107 (OE VI 151-251).
98 G. Bosco, Il mese di maggio..., p. 57 e 127; OE X 351 e 421.
99 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 127; OE X 421.

35.10 Page 350

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350 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
grado100 e a pronunciada valorização devocional da bênção eucarística e da visita ao
santíssimo sacramento. Eram dominantes, naturalmente, os dois eventos capitais, a
santa Missa e a santa Comunhão.101 Estas eram evocadas com singular vivacidade
com a polarização no Cenáculo e no Calvário: a missa celebrada pelo Salvador “pela
primeira vez com seus Apóstolos” na última ceia é por ele repetida na cruz “no monte
Calvário”.102 Em muitos opúsculos, os católicos tíbios ou escassamente praticantes
eram calorosamente chamados à confissão anual, à comunhão pascal e à observância do
preceito da missa festiva.103 Os mais fervorosos, porém, eram encorajados à comunhão
freqüente, até cotidiana, confortada pela presumida praxe dos primeiros cristãos.104
A excelsa figura de Maria Santíssima Imaculada, uma das duas colunas – a outra
é a eucaristia – da piedade pessoal e eclesial de Dom Bosco,105 move-se entre os dois
grandes pólos da Anunciação e do Calvário, Mãe de Deus e constituída pelo Filho
Mãe da humanidade: “Maria é mãe de Deus, Maria é nossa Mãe”; “Mãe de Deus”
e nós “todos, filhos adotivos de Maria”, “Mãe da Cabeça”, portanto “também Mãe
dos membros, que somos nós”;106 “não só auxílio dos cristãos, mas também sustento
da igreja universal”; “nossa protetora na vida presente” e “no momento da morte”.107
“Querida Mãe Virgem Maria, fazei que eu salve a minha alma”,108 é a invocação de
todos os dias do fiel.
Enfim, em antítese ao árido e simples culto protestante, Dom Bosco não só definia
a religião como o conjunto das coisas “com que os homens honram a Deus com a inte-
ligência e com o coração, como também com as palavras e as obras”. Ele demonstrava
que a grandeza e beleza superiores da religião católica eram garantidas também pelo
100 G. Bosco, Maniera facile…, p. 50-51; OE VI 98-99. Id., Vita infelice di un novello apostata,
p. 18-19; OE V 188-189. Id., Vita di S. Policarpo vescovo di Smirne e martire e del suo
discepolo S. Ireneo vescovo di Lione e martire. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1857,
p. 87-88; OE X 183-184.
101 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 134-138, 138, 139-144; OE X 428-432, 433-438.
102 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 134-135; OE X 428-429.
103 Cf. G. Bosco, Conversazioni tra un avvocato…, p. 12-13; OE VI 156-157. Id., Vita de’ sommi
pontefici S. Anacleto, S. Evaristo, S. Alessandro I. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1857,
p. 25-26; OE IX 469-470. Id., Vita de’ sommi pontefici S. Aniceto, S. Sotero, S. Eleuterio, S.
Vittore e S. Zefirino. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., p. 70; OE X 274.
104 Cf. G. Bosco, Vita de’ sommi pontefici S. Anacleto..., p. 2021, 25-26; OE IX 464-465, 469-470.
Id., Vita de’ sommi pontefici S. Aniceto..., p. 70; OE X 274. Id., Vita e martirio de’ sommi
pontefici San Lucio I e S. Stefano I. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1860, p. 61; OE XII 207.
Id., La pace della Chiesa ossia i1 pontificato di S. Eusebio e S. Melchiade ultimi martiri delle
dieci persecuzioni. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1865, p. 66; OE XVI 238.
105 Cf. cap. 14, & 5.3.
106 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 12-16; OE X 306-310.
107 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 169-177; OE X 463-472.
108 G. Bosco, La chiave del paradiso…, p. 43; OE VIII 43. Id., Il mese di maggio…, p. 182; OE
X 476.

36 Pages 351-360

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36.1 Page 351

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 351
esplendor do culto externo, que envolvia todos os “sentidos do corpo”.109 Disso deri-
vava a variedade das crenças, das devoções e dos ritos, incluindo os sufrágios pelos
defuntos e as indulgências.110
Padre da caridade ativa, Dom Bosco não podia, certamente, deter-se a ilustrar o
que é o cristianismo e quem é o cristão, mas com a palavra e a vida não deixava de
recordar aos interlocutores que não bastava “reconhecer a verdade da religião, sem
praticar seus preceitos”.111 Trata-se de uma parte inevitável do que ele chama de
Doutrina do Evangelho, compreendendo “tudo aquilo em que é necessário crer e que
devemos realizar para salvar-nos”.112 É freqüente, também com caráter antiprotestante,
a referência a são Tiago (2,17.26) e ainda mais ao Evangelho (Mt 7,21-27): a fé sem
as obras é morta.113 Enxerta-se aí o tão insistido “temor de Deus”, que significa “obsé-
quio, honra, respeito e obediência a seus mandamentos”, mas jamais separado do amor.
O bom cristão, de fato, aprendeu desde a infância que, em Deus, a misericórdia se une
com a justiça: “Deus observa nossas boas ações para compensá-las, observa igualmente
nossas más ações para puni-las”; “não podes dizer uma palavra, não podes dar um passo,
nem a mão, nem um olho, sem que Deus te veja, e mais, sem que Deus te dê a força de
agir”.114 O fiel também sabe que “as virtudes mais necessárias do cristão para salvar-se
são a fé, a esperança e a caridade”.115 Não são as únicas: “J. C. deu exemplo de todas as
virtudes e principalmente da caridade, da paciência e do zelo pela glória de seu Pai”.116
Exige-se um esforço assíduo para levar a bom termo o “importante negócio”, “único”,
“irreparável”, que é a “salvação da alma”.117 A aspiração à felicidade temporal e eterna,
o paraíso, e o esforço sério são interdependentes. Jesus Cristo “anuncia uma vida feliz
e eterna, isto é, o céu; essa felicidade, porém, ele quer que seja conquistada com nossos
109 Cf. G. Bosco, Il cattolico istruito…, pt. I, Entretenimento II, p. 13-14; OE IV 207-208. Cf. G.
Bosco, La chiave del paradiso…, p. 32; OE VIII 80.
110 Cf. [G. Bosco], Fatti contemporanei…, p. 17-18; OE V 67 68. Id., Il pontificato di S. Felice
primo e di S. Eutichiano papi e martiri. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1862,
p. 56-59; OE XIII 394-397. Id., Vita di san Martino..., 1855, p. 71-82; OE VI 459-470. Id.,
Il Giubileo e pratiche divote..., 1854, p. 32-47; OE V 510-525. Id., Due conferenze tra due
ministri protestanti ed un prete cattolico intorno al purgatorio e intorno ai suffragi dei defunti
con appendice sulle liturgie. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1857, p. 19-136; OE IX
19-136.
111 [G. Bosco], Dramma: una disputa tra un avvocato ed un ministro protestante. Turim, Tip. dir.
por P. De-Agostini, 1853, p. 66; OE V 166.
112 G. Bosco, Maniera facile…, p. 47-49; OE VI 95-97.
113 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 51-52; OE X 345-346. Id., Maniera facile..., p. 63; OE
VI 11.
114 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 107 e 73; OE X 401 e 367.
115 P. Braido, L’inedito “Breve catechismo..., p. 62.
116 G. Bosco, Maniera facile…, p. 49; OE VI 97.
117 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 81-84; OE X 375-378.

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352 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
esforços, com a prática da virtude, com a fuga do vício”.118 “Nossa verdadeira terra
prometida é o Céu”,119 “a visão de Deus”. Nela, “Ele consola os bem-aventurados com
seu olhar amável e esparge no coração deles um mar de delícias”.120
8. O leigo na vida social e política
Não seria irrelevante um adequado discurso sobre as idéias de Dom Bosco quanto
aos leigos na comunidade familiar. Elas brotam, numa perspectiva autobiográfica, já das
Memórias do Oratório e se enriquecem dos elementos espalhados principalmente nas
biografias e em escritos análogos. O caráter humano e cristão do protagonista da narração
A força da boa educação, antes que pelo sacerdote, é plasmado pelos cuidados da mãe solí-
cita e atenta. A morte da sábia “genitora” está na origem dos acontecimentos e desventuras
finais de Valentim. Pai, mãe e pároco são os primeiros educadores de valor de Francesco
Besucco, enquanto a frivolidade da figura materna incide negativamente sobre Severino,
que, em idade difícil, ficou órfão de um pai excepcional: trabalhador, crente, educador dos
próprios filhos, empreendedor, honesto, austero, estimado, enfim, “colocado entre os cida-
dãos mais ricos e reconhecidos”, “duas vezes eleito prefeito da cidade”.121
As responsabilidades dos adultos aumentavam nas mais amplas formas de vida social,
atravessada por novos fermentos, no encontro e desencontro de restauração e revolução.
Já se viu qual era a visão de sociedade expressa nos escritos de Dom Bosco dos anos
50. Ela se enraizava em idéias do Ancien Régime, evoluindo cautelosamente para uma
modesta sensibilidade democrática.122 Estavam à base dos limites e das aberturas do
incansável esmolar. Como se viu, o católico de Dom Bosco não podia amar as revoluções,
todas condenadas na História da Itália, a começar daquela dos Gracos até a “perseguição”
francesa.123 Espírito revolucionário e espírito irreligioso eram a mesma coisa.124
Numa sociedade desigual, a caridade era chamada a restabelecer certa igualdade
entre os filhos de Deus e irmãos em Cristo, sem arranhar a desigualdade estrutural básica.
Os ricos empobrecem-se, relativamente, em favor dos pobres e os pobres tornam-se
ricos, precariamente, em força da riqueza parcialmente distribuída. Era um confor-
118 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 30; OE XX 324. Cf. a consideração sobre a Preziosità del
tempo, ibid., p. 65-70; OE X 359-364.
119 G. Bosco, Maniera facile…, p. 30; OE VI 78.
120 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 161; OE X 455.
121 G. Bosco, Severino…, p. 5-11; OE XX 5-11.
122 Cf. P. Braido, Il progetto operativo di Don Bosco e l’utopia della società cristiana. Roma,
PAS, 1982, p. 10-11.
123 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 20-21, 33-34, 42-43, 80, 84-86, 88, 265, 370, 411, 428,
455-456, 476-480; OE VII (mesma numeração).
124 Cf. cap. 9, § 4.

36.3 Page 353

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 353
mar-se, em medidas redimensionadas, à sociedade cristã prefigurada nas comunidades
apostólicas, como brota das evocações do narrador, segundo as quais os “novos fiéis
formavam um só coração e uma só alma”, uma só família, na qual não existiam pobres,
porque os ricos davam parte de sua riqueza aos necessitados.125 São Leão Magno atri-
buía a desigualdade econômica a um sábio e providencial projeto divino pelo qual os
ricos e os pobres eram complementares. O rico é tal para ser capaz de socorrer o pobre,
conquistando para si, dessa forma, a glória da misericórdia e o perdão dos pecados; o
pobre é tal para obter a coroa da paciência.126 Fazia-lhe eco são Roberto Bellarmino:
“Deus quer que no mundo existam ricos e pobres”, “para que reinem entre os homens
a misericórdia e a paciência”; “se todos fossem ricos ou todos pobres no mundo não
haveria dependência recíproca”, portanto nem mesmo ordem social e caridade.127
8.1 Dignidade e tarefas dos governantes
Se Jesus Cristo trouxe uma doutrina santa para governantes e governados, era
inevitável, segundo Dom Bosco, a obrigação premente para uns e outros de viverem
a própria condição com extremo empenho moral e religioso. Aos regentes dos povos
– e, analogamente, a todos os que tinham funções públicas de autoridade, diretivas e
administrativas – ele recordava uma regra inderrogável: “Este deve ser o pensamento de
quem administra as coisas públicas: pensar e dirigir tudo com retidão e justiça, e não só
acumular riquezas para si”.128 Já se viu que essa idéia perpassa toda a História da Itália,
com um crescendo que termina por reconhecer no Estado confessional a oportunidade
de os governantes promoverem a felicidade dos povos mediante a perfeita aliança entre
moral, religião, competência e sucesso político. O livro apresentava para edificação
dos jovens leitores uma galeria completa de indivíduos, cidades e Estados que experi-
mentaram o bem-estar com tais governantes e administradores: religiosos e, por isso,
morais, e necessariamente promotores de progresso cultural, civil e econômico. Entre
os primeiros no tempo, Numa Pompílio, “justo e beneficente”, era exemplar. De um
lado, ele inculcava e promovia o exercício das atividades produtivas básicas – agricul-
tura, artesanato, comércio –, e de outro, estabelecia “em cada mês, alguns dias festivos,
nos quais o povo devia deixar qualquer trabalho para ocupar-se nas coisas relativas à
religião”.129 Diversamente, Mário e Silas, foram “homens de grande valor, mas faltou-
125 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 34; OE I 192. G. Bosco, Vita di S. Paolo apostolo…,
p. 75-76; OE IX 241-242.
126 Cf. M. Pratesi, “Introduzione”, in: Leone M., I sermoni quaresimali e sulle collette. Bologna,
Edizioni Dehoniane, 1999, p. 22-26, com indicações bibliográficas sobre a doutrina dos Padres.
127R. Bellarmini, Opera postuma. Vol. I. Roma, PUG, 1942, p. 226.
128 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 40; OE VII 40.
129 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 26; OE VII 26.

36.4 Page 354

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354 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
lhes a religião que temperasse sua ferocidade”.130 São recordados, na era cristã, pelo
desejado conúbio com a religião, “sustento dos impérios” e “felicidade dos povos”, os
imperadores Alexandre Severo131 e Graciano: este “estabelecia que só a religião católica
fosse reconhecida como religião de Estado”.132 Opostamente, a crueldade de Teodorico
demonstrava que “um rei que não possui a verdadeira religião não pode possuir nem
mesmo a verdadeira moralidade”.133 Entre os governantes religiosos, morais, corajosos
e capazes, são recordados Totila, rei dos Godos,134, e Carlos Magno, ideal perfeito de
monarca cristão.135
Para Dom Bosco, a grande inimiga da vida moral e da capacidade de governo dos
responsáveis pela vida pública é a intemperança, causa de enfraquecimento físico e
mental.136 Foram suas ilustres vítimas Antonio,137 Aníbal138 e Albuíno.139
A virtude específica do governante é, sem dúvida, a justiça. Mas, segundo a imagem
do regente da coisa pública transmitida pela história bíblica e clássica, ele deve ser mais
pai que patrão e nele o temor deve ser superado pelo amor. Dom Bosco declara: “Como
um pai governa a própria família”, assim o rei, o príncipe, o detentor do poder governa
seu povo.140 A demonstração é confiada a uma longa série de protagonistas: impera-
dores, reis, senhores, generais.141
Eram, portanto, sempre de atualidade. Apresentando o banqueiro Marco Gonella ao
amigo cônego Edoardo Rosaz de Susa, em cujo colégio o confiável benfeitor apresen-
tava-se como candidato às eleições políticas de 15 e18 de novembro de 1857, garantia:
“É certamente difícil encontrar um sujeito melhor pela firmeza, religião, independência
e beneficência”.142
8.2 Os deveres da classe “trabalhadora” da sociedade
É evidente que, para Dom Bosco, a prosperidade social depende no plano prático
de governantes hábeis, promotores e coordenadores da laboriosidade do povo, formado
130 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 88; OE VII 88.
131 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 131; OE VII 131.
132 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 154-155; OE VII 154-155.
133 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 189; OE VII 189.
134 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 192-193; OE VII 192-193.
135 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 219, 221, 222; OE VII 219, 221, 222.
136 G. Bosco, Storia sacra…, 1853, p. 113.
137 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 26; OE VII 26.
138 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 71; OE VII 71.
139 G. Bosco, La storia d Italia…, p. 199; OE VII 199.
140A expressão é aplicada a Cosimo de Médici (G. Bosco, La storia d’Italia..., p. 346; OE VII 346).
141 Cf. P. Braido (ed.), Don Bosco educatore…, p. 273-276: “Amore e timore nel processo
educativo”.
142 Carta de 1° de novembro de 1857; Em I 335-336.

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 355
por agricultores, artesãos, operários, comerciantes, sintonizados por sua vez com uma
classe dirigente solícita pelo bem público.
O recenseador da História sagrada já sublinhara nela a centralidade do trabalho.143
“O pássaro nasceu para voar, o homem para trabalhar”, enuncia uma máxima de Jó
citada por Dom Bosco em seu livro.144 Era a missão suada do homem depois do pecado
original, pois a respeito de Adão a História sagrada de 1847 afirmava: “De início,
ele foi colocado no Paraíso terrestre, lugar de delícias imensas, e abundante de toda
sorte de frutos, que nascem por si mesmos sem [qualquer] cultivo”,145 retificando na
segunda edição de 1853: “Deus, a fim de instruir-nos que devemos fugir do ócio, orde-
nara também a Adão que trabalhasse, mas por diversão e sem esforço penoso”.146 Em
seguida, o trabalho tornava-se necessidade, dever, pena, e o ócio, às vezes, ocasião de
pecado, como aconteceu com Davi.147 A laboriosidade virtuosa, muitas vezes fonte de
riqueza, que é também bênção de Deus, era característica de todos os patriarcas do
Antigo Testamento e dos santos do Novo.148
Um perfil essencial da santidade do leigo católico, de condição social humilde, era
proposto por Dom Bosco na Introdução, provavelmente sua, à Vida de santa Zita serva,
e de Santo Isidoro agricultor. Para ser santo – escrevia – não é preciso a disponibili-
dade do tempo para fazer longas orações, “ser rico para poder fazer grandes esmolas”,
nem possuir cultura “para compreender, estudar e raciocinar”; “é preciso querê-lo”.
“Operários, agricultores, artesãos, mercantes, servos e jovens se santificaram, cada um
em seu próprio estado”, com “sua fidelidade no serviço a Deus e no cumprimento dos
deveres de seu estado”.149 Análogos “avisos” para as mulheres de serviço ele propunha
no Vade-mécum cristão.150 Páginas de grande simpatia dedicava também a Giotto e a
Antonio Canova, ambos de origens humildes, que se tornaram grandes e famosos com
laboriosidade e tenacidade.151
143 “Rec. do P. M. G. [Michele Garelli]”, L’Educatore 4 (1848), p. 542.
144 “Massime morali ricavate dada Sacra Scrittura”, in: G. Bosco, Maniera facile..., p. 91; OE VI
139.
145 G. Bosco, Storia sacra…, p. 14; OE III 14.
146 G. Bosco, Storia sacra…, p. 13.
147 Cf. G. Bosco, Storia sacra…, p. 86; OE III 86.
148 Cf. G. Bosco, Storia sacra…, p. 22, 26, 31, 33, 39, 41, 49, 53-54,... 164 (“Gesú a Nazaret”);
OE I 180, 184, 189, 191, 197, 199, 207, 211-212, 322. Id., Vita di S. Giuseppe sposo di Maria
SS e padre putativo di G. Cristo... Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1867, p. 9,
12, 13, 26-27, 64 (“Gesú apprendista”), 71, 72; OE XVII 289, 292, 293, 306-307. Id., Vita di
S. Pietro Principe degli apostoli..., 1856, p. 13; OE VIII 305. Id., Vita di S. Paolo apostolo...,
p. 5-6, 63; OE IX 171-172, 229.
149 [G. Bosco], Vita di santa Zita e di sant’Isidoro contadino. Turim, Tip. dir. por P. De-Agostini,
1853, p. 6-8; OE V 176-178.
150 Cf. G. Bosco, Porta Teco Cristiano…, p. 65-66; OE XI 65-66.
151 G. Bosco, La storia d’Italia…, p. 294, 470-471; OE VII 294, 470-471.

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356 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
Dom Bosco tirava da biografia da convertida Josefa um perfil exemplar de arrojada
comerciante católica: “Sua boa conduta, o amor ao trabalho e a singular aptidão no
manejo das coisas do comércio fizeram-na capaz de buscar subsistência honesta e ter
ainda para fazer esmolas. Mediante ocupação exata do tempo, ela consegue praticar
pontualmente a santa religião católica, cujas práticas observa com fervor exemplar.
E por virtude, zelo e caridade poder-se-ia propor como modelo de virtude a todos os
verdadeiros cristãos”.152
9. Leigos e leigas para os jovens
Segundo Dom Bosco, por gênio e por vocação, educador dos jovens, a reforma
radical da sociedade exigia vigorosa ação educativa e reeducativa, que, por sua vez,
exigia audaciosa renovação moral e religiosa. Para essa finalidade, era insistente o
chamado à união, em todos os níveis, de agentes e colaboradores idôneos e generosos.
Nessa perspectiva era premente, até mesmo peremptório, desde os inícios, o recurso a
entidades públicas e privadas, comunidades e indivíduos, para subsídios e esmolas como
suporte de suas obras em favor da juventude. Ao longo de toda a existência, Dom Bosco
jamais se cansou, de fato, de sublinhar que essas entidades não eram dirigidas exclusi-
vamente ao bem pessoal dos jovens, nem mesmo unicamente para sua salvação eterna,
embora sumamente importante. Elas buscavam, ao mesmo tempo, uma declarada fina-
lidade social – eram de interesse “da utilidade pública e privada” –, a cuja realização
todos deveriam cooperar, crentes ou não crentes. A esperança de um futuro feliz para a
sociedade civil e religiosa – haveria de repetir – está na reta educação da juventude. Por
isso, como se viu, em 1857 não se acanhara de enviar bilhetes da loteria a ministros,
senadores e deputados de todas as pertenças ideológicas e políticas. Era um modo de
desafiá-los em seu próprio território. Como haveriam de recusar a cooperação para uma
obra voltada ao bem social, do qual, por profissão, eram ou se declaravam promotores?
Os destinatários tinham-no compreendido e foram muitas as respostas favoráveis,
mesmo da parte de homens alheios a qualquer simpatia clerical.153
Sobre a esmola ele manifestava, desde 1858, as idéias que o teriam inspirado por
toda a vida. Síntese delas era a meditação de título significativo, Um meio para garantir
o Paraíso, que ele colocava no final de O mês de maio. Ali ele expunha os pontos capi-
tais de sua austera posição, tida por muitos como rigorista em relação à moral corrente.
Antes de tudo, esmola era “qualquer obra de misericórdia feita ao próximo por amor de
Deus” e, por isso, fonte de salvação.154 O raio de ação era vastíssimo: coincidia substan-
cialmente na maior parte com as “obras de misericórdia espiritual e corporal”, que já na
152 G. Bosco, Conversione di una valdese, p. 99-100; OE V 357-358.
153 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale…, p. 99-100.
154 Cf. G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 164-169; OE X 459-463.

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 357
infância Dom Bosco aprendera do catecismo: “enfermos a visitar, assistir, dar atenção”;
“jovens abandonados a acolher, instruir, acolher em tua casa, se puderes, ou, ao menos,
levá-los aonde possam aprender a ciência da salvação”; “pecadores a admoestar, inde-
cisos a aconselhar, aflitos a consolar, rixas a acalmar, injúrias a perdoar”; rezar por
vivos e defuntos; “mandar às chamas livros perversos”, “difundir bons livros”; falar
“em honra da Religião Católica”.155
Nessa perspectiva, era justificado, no exemplo que segue o texto da meditação, o
convite a imitar Maria, que deu esmola ao visitar e servir Isabel e interveio ativamente
nas bodas de Caná em favor dos esposos: a Virgem Mãe haveria de ser pródiga de graças
e bênçãos “em favor daqueles que, com seus conselhos, obras, orações, esmolas, ou de
qualquer outra maneira”, tivessem feito “atos de misericórdia em favor do próximo”.156
Particularmente vinculador e exigente, na interpretação de Dom Bosco, era o preceito
evangélico de “dar aos pobres todo o supérfluo”: era questão de salvação eterna. “Por
isso – conclui –, eu te digo que são supérfluos as aquisições e aumentos de riquezas
que tens de ano em ano. Supérflua, a delicadeza que tens nos objetos de mesa, das
refeições, dos tapetes, das roupas, que poderiam servir para quem tem fome, para quem
tem sede e para cobrir os nus. Supérfluo, o luxo nas viagens, nos teatros, bailes e outros
divertimentos, onde se pode dizer que vai acabar o patrimônio dos pobres”.157 Não
haveria de faltar a mercê prometida pelo Salvador, “o cêntuplo na vida presente e uma
recompensa na vida eterna”. Ou seja, dar aos pobres era “emprestar o cem por um
também na vida presente, reservando-nos Deus a plena recompensa na outra vida”.158
O último pensamento era insinuado habitualmente por Dom Bosco aos benfeitores de
suas obras, interpretando de forma também literalmente temporal o cêntuplo de que
falam Mateus e Lucas:159 “Eis a razão pela qual se vêem tantas famílias dar esmolas
generosas em todas as partes e aumentar sempre de riquezas em riquezas e de prosperi-
dade em prosperidade. A razão é dada por Deus”: “Dai aos pobres e vos será dado: date
et dabitur vobis. Ser-vos-á dado o cêntuplo na vida presente, e a vida eterna na outra:
centuplum accipiet in hac vita et vitam aeternam possidebit”.160 Alguns declaravam-se
pessoalmente convencidos por experiência direta disso, como haveria de deixar nas
últimas Memórias, citando testemunhos do marquês Fassati e do banqueiro comen-
dador Cotta.161
É óbvio que, entre os leigos católicos militantes, ocupassem lugar privilegiado os
colaboradores na obra dos oratórios e nas escolas noturnas e festivas, os membros das
155 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 164 1 G7; OE X 458 461.
156 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 168 169; OE X 462 463.
157 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 165 166; OE X 459 460.
158 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 167; OE X 461.
159 Mt 19, 29; Lc 18, 29-30.
160 G. Bosco, Il mese di maggio…, p. 167-168; OE X 461-462.
161 “Memorie dal 1841”, RSS 4 (1985), p. 93-94.

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358 Parte II: Dom Bosco padre dos jovens na Igreja em Turim
comissões das loterias, os promotores e promotoras, os correspondentes das Leituras
Católicas, os próprios assinantes.
10. Ponto de chegada: Dom Bosco em suas várias dimensões
Ao final do decênio, a figura de Dom Bosco já emerge com extraordinária comple-
xidade de traços.
Em primeiro plano coloca-se, certamente, o inovador. É o Dom Bosco padre dos
jovens a tempo pleno, homem de ação, empreendedor, corajoso. É, em particular, um
inovador nas formas herdadas e atualizadas para encontrá-los e assisti-los. Ele enra-
íza-se fortemente, sem dúvida, na ordem constituída, eclesiástica e civil, e na mais
segura ortodoxia católica, aprovado e apoiado pelo arcebispo de adamantina fidelidade
à tradição. Ao mesmo tempo, porém, esse padre, solidamente ancorado em seu mundo,
percebe os problemas novos e vai ao encontro deles com fórmulas e modalidades perso-
nalíssimas.
É um padre totalmente consagrado à nova missão: apaixonado, esquecido de si,
assim como da segurança econômica e da saúde. Padre humilde e forte, pelos jovens
pobres e abandonados faz-se ele mesmo pobre e mendicante.
E, numa perspectiva mais vasta, padre da caridade, com predileção pelas camadas
populares, mas aberto a toda forma de intervenção salvífica para com todos indiscri-
minadamente, entre os quais nobres, ricos, autoridades administrativas e políticas.
A salvação era necessidade e possibilidade também para eles: e a caridade – também
sob a forma de esmola robusta – era um de seus caminhos. O apostolado de Dom Bosco
entre os jovens é indissolúvel, desde os primeiros anos, do apostolado entre ricos e
poderosos.
Para todos, Dom Bosco é o eclesiástico anunciador da mensagem cristã que tem
como axioma “A glória de Deus e a salvação das almas” e, como instrumento, os
recursos oferecidos pela graça e, com eles, as mais diversas iniciativas humanas, reais
e virtuais: oratórios, escolas, internatos, igrejas, edifícios, livros, pregações, bem como
os meios para sustentá-las.
É homem da criatividade e da imaginação, mas ao mesmo tempo realista, concreto,
que sabe prever, calcular, ponderar riscos e possibilidades. Por isso, a indubitável
centralidade do trabalho pessoal e institucional em favor dos jovens pobres e aban-
donados não o encerra no pequeno mundo de seu Oratório de periferia e de outros
menores germinados a partir dele. Antes, necessidades objetivas e impulso interior
projetam-no em iniciativas coligadas e integradas, e insere-o numa rede sempre mais
vasta de conhecimentos e de relações no mundo civil e eclesiástico. Criam-nas ativi-
dades urgentes e referências inevitáveis: composição e publicação de livros e opús-
culos, diversas formas de preservação da fé, pregação, difusão das Leituras Católicas,
envolvimento de sempre mais vasto público nas loterias. Para estas eram necessárias
outras atividades: os inevitáveis e variados pedidos de autorizações, a busca de promo-
tores e colaboradores, a criação de um círculo mais vasto de benfeitores e o ininterrupto
contato pessoal e epistolar com eles.

36.9 Page 359

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Cap XI: Um padre e um leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862) 359
Ao mesmo tempo, Dom Bosco não pode deixar de confrontar-se com a cultura
adquirida na escola de Chieri, no seminário e no Colégio Eclesiástico que o encerram
às vezes em esquemas mentais nitidamente anteriores a 1848. Daí deriva certa angústia
nas concepções teológicas, nas orientações morais, nas regulamentações, que parecem
contradizer aquele tanto de fantasia e de flexibilidade exigido pelos jovens aos quais
dirige a atenção. Para sua felicidade, a ação, em geral, supera a teoria. Na projeção
realizadora e na ação, iluminado pela razão e pela fé, já se entrevê sua verdadeira gran-
deza. Entretanto, em nenhum momento da reconstrução biográfica pode-se esquecer,
segundo as contingências, um ou outro dos dois pólos.
Era quase inevitável que a multiplicidade dos interesses e das perspectivas levas-
sem-no gradualmente, e prudentemente, a integrar sua qualificação de padre diocesano
com a consagração dos votos religiosos: fiel, portanto, à diocese de origem e a todas as
outras nas quais se insere – e o confirmará a seqüência da história –, de fato, de um lado
e outro do Atlântico, pessoalmente e através da ação dos membros dos institutos reli-
giosos aos quais dará vida. O mesmo haveria de pensar dos cooperadores, salesianos e
não só dos salesianos, disponíveis na Igreja, para as dioceses, para as paróquias, para as
mais variadas iniciativas católicas e civis, sobretudo em favor dos jovens.
Um último traço que já caracteriza Dom Bosco é a consolidada familiaridade com
o extraordinário, ordinário na Igreja e em seus santos. Houve muitas ocasiões de subli-
nhá-lo: Dom Bosco manifesta sensibilidade precoce pelo invisível. É, evidentemente,
antes de tudo e sobretudo, o sobrenatural que habita nele desde quando foi batizado:
o sacramento da adoção divina permite-lhe por graça viver cotidianamente na fé, na
esperança e na caridade, incessantemente alimentadas pela Palavra de Deus, pelos
sacramentos e pela oração, e vivificadas por sólidas virtudes morais.
Coloca-se em outro nível a inclinação ao extraordinário, preternatural ou mesmo
natural, vivido como presença divina gratuita com intervenções especiais: previsões,
perscrutação das consciências, premonições. No opúsculo O devoto do anjo da guarda,
ao menos um dos exemplos, o que acompanha a terceira consideração, parece brotar
da persuasão de ter sido testemunha e, de algum modo, mediador de uma experiência
direta do extraordinário. Ele escreve sobre “um fato recentemente acontecido” e sobre a
sugestão, dada a uma penitente prestes a iniciar uma longa viagem, de “recomendar-se
ao seu santo Anjo da Guarda pela boa viagem” e da incolumidade obtida por ela mila-
grosamente num acidente de estrada muito grave.162
162 [G. Bosco], Il divoto dell’angelo custode…, p. 21-22; OE I 107-108.

36.10 Page 360

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37 Pages 361-370

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37.1 Page 361

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Terceira Parte
PARA OS JOVENS DO MUNDO, DOM BOSCO FUNDADOR
Introdução
A primeira parte da vida de Dom Bosco chegou à plena atuação na realização da
vocação de padre diocesano consagrado ao apostolado juvenil e popular. A isso chegara
graças a processos educativos, intencionais ou não, que marcaram estavelmente sua
personalidade, enriquecendo-a progressivamente de traços característicos.
A primeira dimensão viera-lhe do que ele mesmo, em linguagem corrente, chamava
“pátria”: o lugar de nascimento, a família, o mundo no qual a mesma família estava
enraizada, com todas as experiências oferecidas e assimiladas, ou seja, as tradições,
o campo, o trabalho campestre, a moral, a fé.
Outros delineamentos sobrevieram a partir dos dezesseis anos: antes de tudo a cultura
escolar, particularmente a latina, retórica, visível também nas pregações, e que haveria
de cultivar e feito cultivar nas escolas e colégios para estudantes, fundados por ele.
Enriquecera-a, na formação presbiteral, a cultura assimilada no seminário e no Colégio
turinense, além das leituras pessoais destinadas a setores e finalidades específicas.
A quarta dimensão nascia da prática, do contato com uma cidade que colocava em
evidência, sobretudo, as necessidades econômicas, sociais, culturais, morais e religiosas
das gerações mais frágeis e em perigo: os jovens imigrados em busca de trabalho, os
sem trabalho, os abandonados. Surgia e desenvolvia-se o oratório, instituição aberta,
flexível, de intervenção primária, com prelúdios de uma instituição mais adequada,
a “casa anexa”, o internato, com a finalidade de resolver mais radicalmente os problemas
e responder às expectativas de uma juventude que devia ver garantido o próprio futuro
em toda a gama das ocorrências: cultural, profissional, social, moral, religiosa.
1. Reviravoltas radicais no limiar dos anos 60
Entre o final dos anos 50 e os inícios do decênio sucessivo esboçavam-se outras
duas dimensões da personalidade e da biografia de Dom Bosco, em boa parte inéditas,
que marcaram em definitivo seu destino de vida. A primeira era o prolongamento e
aperfeiçoamento, historicamente necessário, das experiências assistenciais e educativas

37.2 Page 362

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362 Parte III: Para os jovens do mundo, dom bosco fundador
precedentes, com a escolha de uma de suas formas, que se tornará fundamental e
largamente difundida. O oratório, embora válido, era instituição imperfeita, estrutural
e economicamente frágil, com balanço certo quanto às saídas, mas certamente precário
nas entradas. Além do mais, ao menos em parte, inadequada à prevenção total em favor
dos jovens mais abandonados e em maior perigo. Como ele mesmo antecipava nos
Acenos históricos, era historicamente inevitável o advento do fenômeno que Pietro
Stella sintetiza de modo feliz no termo “colegialização”. Era previsível, a partir já dos
primeiros anos, que o oratório – que se tornara também escola dominical e noturna,
escritório de colocação para desocupados e de assistência no trabalho, lugar de encontro
para os mais pobres e abandonados – devesse difundir-se em abrigos, colégios, inter-
natos para estudantes e artesãos, escolas profissionais e agrícolas. A mudança signi-
ficava integração, alargamento da ação assistencial e das propostas educativas, com
múltiplas versões práticas do sistema preventivo, já frutuosamente experimentado no
primeiro oratório e aflorado nos primeiros escritos.
Inseria-se nessa revolução a outra reviravolta, radical nos sucessos, embora gradual
nas atuações. A experiência demonstrava que o pessoal voluntário não garantia estabi-
lidade, continuidade e homogeneidade de ação, ao passo que o universo juvenil reve-
lava-se mais complexo e o abandono e a pobreza, mais extensas e articuladas. Era
conseqüência o repensamento radical relativo ao problema dos agentes, de seu status
espiritual e jurídico e de sua organização. Dom Bosco haveria de escolher, enfim,
a forma da sociedade religiosa, rodeada por outras forças associadas.
Abria-se, então, um período completamente novo de sua existência. Ao cuidado
e à extensão das obras juvenis e populares associavam-se as solicitudes e os processos
para dar vida estável às estruturas de apoio e animação: a Sociedade de São Francisco
de Sales, o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora e a União dos Cooperadores
Salesianos. Contemporânea a esta surgia, em 1875, a última grande iniciativa, a missio-
nária, de tal forma nova e imprevista, a ponto de não ser nem sequer indicada nas
Constituições, oficialmente aprovadas em 1874. De aí derivava, rapidamente, a univer-
salização dos métodos educativos e do assim chamado espírito salesiano, dando vida
a um movimento operativo e espiritual virtualmente vasto como o mundo.
É claro que a reconstrução da biografia de Dom Bosco complica-se e exige notável
esforço para não perder de vista nenhum de seus aspectos significativos. Obviamente,
resta a tarefa de conciliar o ponto de vista diacrônico com o sincrônico, unido à atenção
de evocar os eventos de forma o mais possível unitária.
O conjunto dos eventos é agrupado em três seções distintas, delimitadas mais ou
menos aos anos 1859-1870, 1869-1882, 1882-1888. O primeiro decênio vê, além da
implantação de instituições juvenis fora de Turim, o itinerário árduo que leva à apro-
vação pontifícia da Sociedade de São Francisco de Sales e o início da que se pode
definir a “epopéia de Maria Auxiliadora”. Segue o período da máxima intensidade
de ação e animação de Dom Bosco na plenitude de suas forças físicas e de iniciativa
criativa, embora, às vezes, freada por incompreensões e acontecimentos dolorosos e,
em alguma fase, dramáticos. O período chega ao vértice com a internacionalização
das obras. Na terceira sessão, percorrem-se os últimos anos de vida, tempo de conso-

37.3 Page 363

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Introdução 363
lidação, de contato tenaz com amplas fileiras de colaboradores e benfeitores, enfim,
de recolhimento, de silêncio e de paciente espera.
2. Fontes e historiografia
O patrimônio documentário sobre este período no qual haurir e sobre o qual traba-
lhar aumenta de maneira enorme. Dom Bosco está mais intensamente empenhado na
redação de documentos oficiais e oficiosos, relativos às suas obras juvenis e às insti-
tuições de suporte; torna-se sempre mais espessa a fileira das testemunhas; multipli-
cam-se as memórias e crônicas que registram os fatos e as palavras do presente bem
como as lembranças de acontecimentos passados, enquanto o epistolário se faz cada
vez mais volumoso.
Mais que um problema de seleção, põe-se a questão do valor histórico, além do
exemplar, desses testemunhos. A história vivida é complexa, embora não o seja menos
a história narrada, e quem escreve sobre Dom Bosco deve confrontar-se com ela.1
2.1 Testemunhos de Dom Bosco
Quanto à qualidade histórica dos documentos que remontam a Dom Bosco, parece
oportuno fazer ao menos quatro séries de considerações sobre outros tantos de seus
aspectos: 1) a sua relação intrínseca com o conceito de história no qual o autor se
inspira; 2) as finalidades por ele perseguidas ao redigi-los, segundo as circunstâncias
concretas e os destinatários, eclesiásticos ou leigos, crentes ou não; 3) as finalidades
de animação e formação dos membros de sua família religiosa, que ele se prefixava;
4) os objetivos e métodos de educação juvenil prefigurados por ele.2
Parece importante ter presente, antes de tudo, o conceito de história que unifica
as muitas composições que têm a finalidade de informar sobre a origem e os desen-
volvimentos de suas obras, juvenis ou congregacionais, e que, pelo título ou em seus
conteúdos, Dom Bosco entende como “aceno histórico”, “acenos históricos”, “breve
notícia”, “memórias”, “coisas a serem anotadas”. É o mesmo conceito assimilado por
ele a partir da diversificada biblioteca civil e religiosa de onde tirou os materiais para
1 Cf. Introdução geral, § 3.
2 Cf. quanto à validade e ao uso da produção editada impressa de Dom Bosco, P. Stella,
Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, I 229-248 (“Don Bosco scrittore ed editore”);
R. Farina, “Leggere don Bosco oggi: note e suggestioni metodologiche”, in: P. Braido,
La formazione permanente interpella gli Istituti religiosi. Turim-Leumann, Elle Di Ci, 1976,
p. 349-404.

37.4 Page 364

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364 Parte III: Para os jovens do mundo, dom bosco fundador
seus manuais de história sagrada, eclesiástica e da Itália. Ele depende de idéias enun-
ciadas por Bossuet, no famoso Discours su l’historie universelle: a história escrita deve
espelhar a real, que é história de Deus e história do homem, de graça e pecado, de
misericórdia e julgamento, de eleição e reprovação. Na ótica do historiador crente e
teólogo, a presença da ação providencial de Deus é formalmente prometida à Igreja, à
qual é garantida a indefectibilidade e a infalibilidade. Cristo está sempre presente nela e
sua ação é particularmente visível nos tempos mais difíceis: as perseguições do Império
Romano, a Reforma Protestante, a Revolução Francesa, as perseguições presentes, mais
ou menos ocultas. “Foi singular disposição e providência de Deus – observava Dom
Bosco a respeito das reformas do séc. XVI – que, ao mesmo tempo em que os hereges
tentavam arruinar a Igreja, surgissem esquadras de religiosos e de santos doutores que,
com muitos acontecimentos gloriosos, fizessem-na reflorescer em todas as partes do
mundo. A ordem dos Teatinos, dos Capuchinhos, dos Jesuítas (...)”.3
O Dom Bosco que não se rende às dificuldades, mais ou menos legítimas, criadas por
políticos desconfiados ou funcionários prevaricadores, ou tidos como tais, profetiza o futuro,
lê nas consciências, tem sonhos premonitórios, tem seu modo livre de apropriar-se das idéias
do De mortibus persecutorum, de Lactâncio. Sente-se imerso no “sacro”, no “sobrenatural”,
compreendido como contínua presença operante de Deus na história, visível e sensivel-
mente, Providência ordinária ou não, que se exprime na história do Antigo e do Novo
Testamento, nos papas dos primeiros séculos da Igreja e na própria história civil da Itália.
À persuasão histórica básica acrescenta-se nele uma sensibilidade particular pelo extraordi-
nário, que podia levá-lo a dar crédito fácil a revelações públicas e privadas, com previsões
de calamidades iminentes ou de preservações seguras, de perseguições ou “triunfos”, como
aconteceu quando escreveu a Pio IX pelos anos 60.4 Isso se viu, por exemplo, em 1855, por
ocasião da discussão da “lei sobre os conventos”.5
Em 12 de junho de 1859 exprimia-se com a mesma mentalidade, quando enviava
ao conde Crotti di Costigliole a “famosa profecia da Monja de Taggia em seu original”
e garantia: “As coisas ali anotadas vão-se cumprindo dia após dia; e, se todas se reali-
zarem, teremos um triste futuro”.6 Parece de grande interesse o testemunho pessoal dado
por ele numa conversação noturna, de 2 de fevereiro de 1876, a respeito da “historia da
congregação” e dos fatos extraordinários que o tinham acompanhado desde as origens.
Não o era menos a implícita fé dos cronistas, fonte não secundária das biografias de
Dom Bosco. “As outras congregações ou ordens religiosas – confidenciava – tiveram
em suas origens alguma inspiração, alguma visão, algum fato sobrenatural que deu
3 G. Bosco, Storia ecclesiastica…, p. 297; OE I 455.
4 Sobre a mentalidade religiosa de Dom Bosco quanto às diversas expressões do extraordinário,
são perspicazes e iluminadoras as páginas sobre “Storia e salvezza”, de P. Stella, in:
Don Bosco nella storia della religiosità cattolica II 59-73.
5 Cf. Carta de 7 de junho de 1855 ao padre Rademacher; Em I 257. Cf. 10, § 1.
6 Em I 378-379.

37.5 Page 365

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Introdução 365
impulso à sua fundação e garantiu seu aperfeiçoamento; para a maioria, porém, a coisa
ficou em um ou poucos desses fatos. Aqui entre nós, porém, a coisa caminha bem diver-
samente, pode-se dizer que não há nada que não seja conhecido antes. A Congregação
não deu passo sem que algum fato sobrenatural não o aconselhasse, nem mudança ou
aperfeiçoamento, ou crescimento, que não tenha sido precedido por uma ordem do
Senhor (...). Nós, por exemplo, tivemos a possibilidade de escrever antecipadamente
todas as coisas que víamos acontecer depois”.7
Não é menos relevante ao se fazer história – para os jovens e para o povo – o influxo
da finalidade pedagógica que o autor explicitamente se propunha, interpretando no
sentido mais rígido o conceito clássico de “historia magistra vitae”: quando reconstruída,
ela não só é, mas deve se tornar tal. Enunciava limpidamente esse critério numa carta
ao historiador Michele Amari, que, a respeito da História da Itália, lhe tinha dito “haver
nela coisas não verdadeiras”. “Falando a pessoa de ciência – replicava – posso dizer que
o senhor entenda não verdadeiras no modo de entendê-las; porque em relação à verdade
histórica eu tive o escrúpulo de seguir os autores mais confiáveis, tanto antigos quanto
modernos. Em relação, depois, ao modo de entender as coisas ou o espírito da história
dir-lhe-ei que entre os diversos livros impressos com meu nome incluem-se a História
Sagrada, a História Eclesiástica e a História da Itália (...). A minha finalidade, que
pode ser vista por todos em todos os capítulos, [é] difundir pensamentos morais e levar
o jovem leitor à consideração da lei divina, que obriga todos os homens à observância da
lei humana (...).8 Os fatos individuais, por hipótese, são objetivos. Mas sê-lo-á o conjunto
da história assim finalizada, portanto selecionada e dirigida, seu efetivo curso, educativo
ou que se tornou educativo, ou então deseducativo ou tido como tal?
Uma segunda série de considerações refere-se ao problema crítico posto pelos
elementos históricos incorporados por Dom Bosco nos documentos informativos diri-
gidos oficialmente a esta ou àquela autoridade. Eles são numerosos, primeiramente
os relativos à Sociedade Salesiana, sobretudo nas várias fases da aprovação, nos anos
1864, 1869 e 1874. São semelhantes a estes os pedidos de autorizações e concessões, as
defesas e contra-acusações durante os não poucos conflitos, as “exposições” e exames
apresentados a responsáveis de ofícios eclesiásticos ou civis. Pois bem, não parece
temerário advertir no redator uma propensão geral a pilotar e torcer alguns dados de fato
e outros conteúdos em função das finalidades que pretende alcançar. Além de aumentar
situações reais e dados estatísticos, ele não hesita em manejar, quando lhe ocorre, datas,
origens, desenvolvimentos e história, com a preocupação de demonstrar que aquilo que
pretende ver aprovado tem origens remotas, apresenta-se com consistência comprovada
por longa vitalidade, oferece experimentada confiabilidade. Isso aconteceu de forma
paradigmática a respeito dos inícios do Oratório, da Sociedade de São Francisco de
Sales e da União dos Cooperadores.9
7 G. Barberis, Cronichetta, cad. 4, p. 40-42.
8 Carta de maio-junho de 1863; Em I 585. O sublinhado é nosso.
9 Cf. P. Braido, “L’idea della Società Salesiana nel” Cenno istorico “del 1873/1874”, RSS 6
(1987), p. 256-260; P. Stella, Don Bosco. Bologna, Il Mulino, 2001, p. 109-111.

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366 Parte III: Para os jovens do mundo, dom bosco fundador
Da mesma marca é o que, a começar de 1858, ele diz e transmite aos seus colabora-
dores para informá-los e animá-los na vida salesiana. Também nesse nível a motivação
pedagógica resulta muitas vezes entrelaçada com a outra, tida como sobrenatural ou
francamente providencial, que reveste de modo particular as diferentes origens: seu
nascimento no dia da Assunção, o sonho dos 9 anos, os primeiros estudos, o encontro
com Bartolomeo Garelli e o início do oratório, as premonições sobre a igreja de Maria
Auxiliadora.
São análogas as idéias, persuasões e sensações que revestem a documentação sobre
a ação educativa juvenil verdadeira e própria. Tal documentação coloca sérias questões
de leitura e interpretação, quer da mentalidade de Dom Bosco quer de seu concreto
sistema de educar em Valdocco. Em todo caso, o quadro propriamente teológico ou
mesmo simplesmente catequético em que se colocam parece que deva ser mantido bem
distinto de persuasões opináveis de religiosidade popular sobre o prodigioso, com fatos
registrados como celestes por cronistas a eles particularmente sensíveis e acolhidos
por comentadores solidários. Às vezes, também se poderia criar a hipótese de um Dom
Bosco excessivamente afligido pelo estado das consciências de seus jovens, pelo perigo
da condenação deles na ausência de uma solícita reconciliação sacramental, com o pesa-
delo da exatidão contábil dos exames de consciência, da integridade e sinceridade das
confissões. Perturbado pelo perigo das confissões sacrílegas, pelo sentido de pecado,
pela iminência da morte, entendida qual guardiã ou salvaguarda do estado de graça.
É o Dom Bosco dos sonhos premonitórios, das estréias anuais, dos cumprimentos pelo
ano novo com predições de mortes, cuja confirmação é esperada, analisada, verificada
e traduzida em receios e temores, com recorrentes meditações, reflexões e “fioretti
sobre o estado da alma e o julgamento de Deus. Entre 1861 e 1862 associava-se a
isso o pensamento da própria morte: “Eu já sou velho e logo deverei ir embora para
o túmulo e apresentar-me ao Senhor com as mãos vazias”, exclamava em 10 de feve-
reiro de 1861;10 em 12 de maio confiava: “eu não penso na morte, mas faço cada coisa
como se fosse a última de minha vida”.11 Acrescentava-se ainda a convicção, expressa
muitas vezes, a começar de fevereiro de 1862, de ter sido no passado, e sê-lo ainda
agora, vítima de vexações diabólicas e não principalmente da forte tensão devida
à sobrecarga de trabalho e de preocupações.12
O cronista relacionava aquelas confidências ao fato de que naquele tempo Dom
Bosco “preparava – ou melhor, fazia preparar – um fascículo das Leituras Católicas,
intitulado O poder das trevas”.13 De fato, em setembro aparecia um opúsculo intitu-
lado O poder das trevas ou Observações dogmático-morais sobre os espíritos malé-
ficos e os homens amaldiçoados acompanhadas do relatório de uma infestação diabólica
10 Cf. G. Bonetti, Annali I 1860-1861, p. 2, 12-13.
11 D. Ruffino, Cronaca. 1861 1862 1863, p. 51.
12 Cf. G. bonetti, Annali II 1861-1862, p. 19-21, 27-28, 34-35, 46-47.
13 G. Bonetti, Annali II 1861-1862, p. 21.

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Introdução 367
acontecida no ano 1858 em Val della Torre.14 Seu autor era, a convite de Dom Bosco,
o capuchinho Carlo Filippo de Poirino, que se baseava em informações dadas por teste-
munhas oculares, sacerdotes e fiéis: orações, celebrações de missas, bênçãos foram
todas guiadas pelo pároco do lugar, teólogo Guglielmo Burzio, falecido em 14 de
dezembro de 1861, aos 47 anos. Nem Dom Bosco era autor da relação nem os exor-
cismos foram obra do padre capuchinho.15 Em referência ainda aos primeiros meses
de 1862, encontra-se na crônica de Bonetti uma informação interessante: “Nestes dias
ele fala com freqüência das misérias desta vida, da beleza do paraíso. Diz que deseja ir
logo daqui e livrar-se do incômodo de si mesmo, não ter mais forças para fazer o que
tem [de fazer] e deseja fazer etc. Nós tememos muito que logo nos abandone. Deus nos
livre dessa desgraça”.16
Quanto às orientações educativas, é óbvio que as informações dos cronistas precisam
ser colocadas num quadro cronológico e institucional mais vasto que as experiências
de Valdocco limitadas e selecionadas em determinados anos. Para uma visão completa
da pedagogia de Dom Bosco não devem ser esquecidas, harmonizando-as, tantas outras
evocações contemporâneas: as biografias dos três jovens exemplares, a carta ao padre
Rua, de fins de outubro de 1863, que se tornará as clássicas Lembranças confidenciais,
os Acenos históricos etc. Não é lícito delinear o conjunto em base a fenômenos especiais
extrapolados do cotidiano normal e descritos com tons sempre elevados. É verdade,
contudo, que, em relação à insistência sobre o tema da morte, depois de ter registrado
tantas predições mais ou menos angustiadas, padre Giovanni Battista Lemoyne reporta
em sua crônica a boa-noite de 16 de março de 1865, que Dom Bosco concluía com uma
justificação parcial: “Quando eu vier aqui anunciar que alguém há de morrer, por cari-
dade, é preciso que nos entendamos, porque há alguns que ficam assustados com esses
anúncios e escrevem aos pais para os tirarem do oratório porque Dom Bosco anuncia
sempre que alguém há de morrer (...). Mas àqueles que têm tanto medo da morte, eu
digo: Meus filhos, fazei o vosso dever, não tenhais conversas más, freqüentai os sacra-
mentos, não estimulai a gula, e a morte não vos causará medo”.17
2.2 Testemunhos dos cronistas salesianos
As testemunhas, autores de crônicas, memórias, anais, são quase todos alunos de
Dom Bosco. O único cronista – seu futuro historiador e analista –, que não pertence ao
14 La podestà delle tenebre ossia Osservazioni dommatico-morali sopra gli spirit malefici e gli
uomini malefici seguite dalla relazione di un’ infestazione diabolica avvenuta nell’anno 1858
in Val della Torre. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1862, 128 p.
15 São inexatas as indicações dadas no artigo de L. Borello, “Maggio 1850: due indemoniati nel
Santuario della Consolata a Torino”, “Bollettino Storico Bibliografico Subalpino” 86 (1988),
p. 274-275 e n. 9-10.
16 G. Bonetti, Annali II 1861-1862, p. 47-48.
17 G. B. Lemoyne, Cronaca 1864-1865, 16 de maio de 1865, p. 118.

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368 Parte III: Para os jovens do mundo, dom bosco fundador
grupo dos jovens da primeira hora, é o sacerdote genovês Giovanni Battista Lemoyne
(1839-1916): ele entrou no Oratório aos 25 anos, predisposto pela posição social e
cultura conservadora, se não retrógrada, a ser logo conquistado pela figura de Dom
Bosco e dotado de uma capacidade de idealização que igualava e superava a dos que
viveram com o fundador desde a adolescência.18
Essas testemunhas parecem associadas por sensibilidades e mentalidades análogas,
desde Giovanni Bonetti e Domenico Ruffino nos anos 1858-1865, ao padre Lemoyne a
partir dos anos 1864-1865, ao secretário de Dom Bosco, Gioachino Berto, e a Michele
Rua nos últimos anos 60 em diante, ao mestre dos noviços, Giulio Barberis, a Cesare
Chiala e Giuseppe Lazzero nos anos 70, novamente ao padre Lemoyne nos anos 80
e, enfim, ao jovem estudante de teologia, depois sacerdote, Carlo Viglietti, de 1884 a
1888. Eles parecem recolher, escrever e transmitir inspirados nas intenções expressas
pelos componentes da “sociedade” ou “comissão”, constituída em março de 1861
com a finalidade de verificar e transmitir aos pósteros as informações relativas à vida
de Dom Bosco, não só contemporânea, como também dos anos precedentes. Eles,
de resto, não faziam outra coisa senão compartilhar idéias e estados de espírito que,
em relação aos mesmos objetos, o próprio Dom Bosco pensava, fazia e comunicava.
“O decênio 1853-1863 – observa Stella – é aquele em que se têm o germe, ou levada à
plena maturação, a maior parte de suas iniciativas: já existe também o primeiro núcleo
da Congregação Salesiana (...). Começava, já então, a ser conhecido, aceito ou discu-
tido o fato de o Oratório ser objeto de particulares favores divinos. Falava-se disso
também fora do Piemonte e, por polêmica, também em folhas anticlericais. Dom Bosco
é co-responsável porque era um fato do qual também ele estava intimamente persua-
dido. O conjunto dos acontecimentos suscitou em Valdocco, nos primeiros colabora-
dores de Dom Bosco, o compromisso de não deixar cair no esquecimento as coisas
admiráveis de que eram testemunhas”.19
São interessantes as motivações que determinavam o surgimento da “comissão”.
Indica-as a Crônica do padre Ruffino que transmite seus primeiros passos: “Os grandes
e luminosos dotes que resplendem em Dom Bosco, os fatos extraordinários que aconte-
ceram nele, e que ainda hoje admiramos, o modo singular de conduzir a juventude pelos
caminhos árduos da virtude, os grandes planos que demonstra revolver na cabeça quanto
ao futuro, revelam nele algo de sobrenatural e fazem-nos prever dias muito gloriosos
para ele e para o oratório. Isso impõe-nos o estrito dever de gratidão e a obrigação de
impedir que nada daquilo que pertence a Dom Bosco caia no esquecimento e de fazer
o que estiver ao nosso alcance para conservar sua memória, para que resplendam um
dia quais luminosos fachos a iluminar o mundo todo em prol da juventude. É essa a
finalidade da sociedade criada por nós”.20
18 Cf. P. Braido; R. Arenal Llata , “Don Giovanni Battista Lemoyne ttraverso 20 lettere a don
Michele Rua”, RSS 7 (1988), p. 92-114.
19 P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica I, p. 117-118.
20 D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863 1864. “Le doti grandi e luminose”, p. 1.

37.9 Page 369

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Introdução 369
O aspecto do extraordinário parece incidir notavelmente na polarização da atenção
dos membros da sociedade, na coleta e na seleção das informações, em sua transpo-
sição em “crônicas” e “anais”. Estão, contudo, escassamente presentes ou totalmente
omitidas as informações sobre a vida ordinária do Oratório, as atividades diretivas e
administrativas de Dom Bosco, suas relações com autoridades civis e eclesiásticas,
o cotidiano em geral.
Nota-se, de 1860 a 1887, a mesma grande fome de coisas extraordinárias: predições,
sonhos, leitura de consciências. Gastam-se páginas e páginas para registrar predições
e verificar sua realização, tentando, com redações sucessivas, fazer com que as contas
dêem certo em relação ao número restrito de pessoas defuntas preditas e o mais elevado
número das que realmente morreram. Escutam-se sonhos, às vezes, denominados sem
mais de visões: isso parece óbvio também a Lemoyne desde as primeiras páginas da
Crônica, iniciada por ele poucos dias depois de chegar ao Oratório.
Estamos bem longe do juízo que o culto e prudente mestre de teologia moral,
dom Giovanni Battista Bertagna (1828-1905), bispo auxiliar de Turim, formulava no
Processo Informativo diocesano para a beatificação e canonização de Dom Bosco, seu
conterrâneo.21 Após admitir ter participado uma vez das reuniões dos “jovenzinhos”,
iniciadas “em 1843 na Sacristia da Igreja de São Francisco de Sales”, exprimia assim
quanto ao extraordinário: “Ouvi muitas vezes que o Servo de Deus fez profecias, que
lia no coração da gente, que manifestava coisas ocultas. Eu jamais tive argumento firme
para crer nessas coisas por ter visto. Dom Bosco era dotado de inteligência sutilís-
sima, embora parecesse rude; mais, estava sempre ao corrente das coisas da Casa, e
da índole e costumes dos jovens, e dos que dele se aproximavam. Não há, portanto, de
admirar que ele pudesse naturalmente prever certas coisas ocultas a outros e que fossem
por estes julgadas como profecias. Creio ser verdade, porém, que Dom Bosco tivesse
o dom sobrenatural de curar enfermos. Isso eu ouvi dele próprio na ocasião em que
estávamos os dois nos Exercícios Espirituais no Santuário de Santo Inácio acima de
Lanzo, e dizia-o a mim para aconselhar-se se devesse continuar a abençoar os doentes
com as imagens de Maria Auxiliadora e do Salvador, pois, dizia, depois das bênçãos
dadas por ele, elevava-se muito rumor pelas curas que aconteciam e que tinham fama
de prodigiosas. E eu acredito que Dom Bosco dissesse a verdade. Bem ou mal, eu achei
bom aconselhar a Dom Bosco que continuasse com suas bênçãos”.22
O teólogo Leonardo Murialdo, por cerca de vinte anos reitor do Colégio dos
Pequenos Artesãos, ao encontrar-se na França para curas termais, escrevia a quem
haveria de sucedê-lo no governo da Congregação: “Leio a vida de Dom Bosco em
21No citado Repertorio domestico está anotado: “O senhor clérigo Bertagna veio com Dom
Bosco em 2 de novembro de 1847. Pensão mensal 50 francos. Permaneceu até por volta da
Imaculada Conceição” (P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale..., p. 563).
22 Copia Publica Transumpti Processus..., fl. 239r, 245v-246r.

37.10 Page 370

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370 Parte III: Para os jovens do mundo, dom bosco fundador
francês [de d’Espiney], porque aqui se admiram que eu não esteja ao corrente do cão
cinzento de Dom Bosco e outras semelhantes coisas estranhas”.23
Em perspectiva diversa – e é preciso acrescentar os sonhos aos quais se acena
em seguida – desenrola-se toda uma hagiografia familiar, muitas vezes rica de carga
emocional, singularmente sensível ao fascínio do protagonista, ao extraordinário que o
envolve, às suas excepcionais capacidades empreendedoras, à rápida irradiação social,
com escasso conhecimento dos contextos históricos mais vastos – civis, políticos,
sociais, eclesiais – nos quais esses fenômenos familiares se desenvolvem. Quanto às
avaliações no plano doutrinal, parece que se deva dar preferência a quem, com maior
aderência à fé cristã, tenta colocar os elementos transcendentes, reais ou hipotéticos,
da vida de Dom Bosco no interior dos dinamismos da graça, com suas maravilhas –
virtudes teologais, virtudes morais infusas, dons do Espírito Santo, disponíveis a todo
batizado fiel à sua vocação –, em vez de correr o risco de uma reflexão baseada numa
mistura problemática de sobrenatural e extraordinário.24
São discutíveis, de qualquer modo, as apresentações de um Dom Bosco “sombrio”
ou “revelado”, baseadas em documentação arbitrária, completamente lacunosas e arti-
ficialmente seletivas. Elas, de fato, se concentram num presumido lado “enigmático”
ou “misterioso” da sua existência, resumido como objeto histórico, apartado, dilatando
além da medida sua efetiva consistência e significados. Chega-se a verdadeiras falsi-
ficações, inconscientemente compartilhadas e encorajadas por discípulos crédulos.25
Parece mais do que nunca necessário acolher o critério historiográfico enunciado por
um sério estudioso dos textos e contextos do Dom Bosco real: “Se é legítimo querer
evidenciar particulares aspectos da rica personalidade de Dom Bosco, continua indis-
pensável mantê-los na estrita relação com o horizonte global e as convicções básicas
de sua vida”.26 Na ação efetiva e no governo educativo, ele não é nem curandeiro, nem
visionário, nem sonhador. No horizonte global dominam incontrastáveis a perspicácia
campesina, o realismo sábio, a ousadia controlada, as iniciativas intuitivas, a fé sólida,
o lúcido inflamado amor. Não falta documentação a respeito, a começar da autobio-
grafia que são as milhares de cartas.
23Ao padre Giulio Costantino, 18 de julho de 1886, in: Leonardo Murialdo, Epistolario.
Preparado por A. Marengo. Vol. III. Turim, Libr. Editrice Murialdana, 1971, p. 170.
24 Cf. além do citado C. Pera, I doni dello Spirito Santo nell’anima del Beato Giovanni Bosco, E.
Ceria, Don Bosco con Dio. Turim, SEI, 1929, 223 p., ampliada na edição de 1947, Colle Don
Bosco,LibreriadellaDottrinaCristiana,393p.,osseguintescapítulos XVI:(“Donodelconsiglio”,
p. 282-302), XVII (“Sogni, visioni, estasi e miracoli”, p. 303-326), XVIII (“Dono di orazione”,
p. 327-349). Essa obra, contudo, é carentes de referências históricas e teológicas atualizadas
e aprofundadas.
25 Cf. por exemplo M L. Straniero, Don Bosco rivelato. Milão, Camunia, 1987, 199 p.
É desejável, porém, que as provocações do autor possam estimular o amadurecimento
historiográfico, que entre outras coisas, ajude a não confundir o sobrenatural com um eventual
preternatural ou com o parapsicológico ou, até mesmo, com o imaginário, seu e dos seus.
26 A. Giraudo, “Don Bosco travisato”, Studi Cattolici, n. 316, junho de 1987, p. 371.

38 Pages 371-380

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38.1 Page 371

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Introdução 371
3. Sonhos
Dom Bosco era narrador nato e criador fecundo de diálogos, os quais inventava,
na forma e no conteúdo. Ele mesmo definia-se “poeta”, de coisas e de palavras.
“Tu és músico, eu sou poeta de profissão”, escrevia no verão de 1876 ao padre Cagliero,
na Argentina, acenando a projetos não realizados relativos à Índia e à Austrália.27
O diálogo era muitas vezes expediente pedagógico, didático, mas refletia, antes de
tudo, uma forma mental que buscava representar com imagens a realidade concreta e
realizável, mais do que exprimi-la em conceitos. Ousou servir-se da forma de diálogo
até mesmo num documento enviado a cardeais e prelados envolvidos na aprovação das
Constituições da Sociedade Salesiana, para apresentar suas “bases um tanto diversas
daquelas das Congregações já existentes”.28
Dotado de cultura teológica, moral, histórica, hagiográfica, catequética de nível
médio, Dom Bosco não se aventura na construção de definições, esquemas e sistemas
teóricos, preferindo a história, a narração. Por isso inventa e escreve com facilidade
narrações biográficas romanceadas, e compõe e imagina diálogos e dramas. Na comu-
nicação moral, religiosa, catequética são-lhe insuficientes só as formas didáticas habi-
tuais, que se limitam a comunicar noções ou doutrinas, ou a crua parênese. Daí deriva
sua liberdade de abandonar-se à fantasia, à imaginação criadora, assim como o largo
uso de alegorias, parábolas, comparações, sonhos e visões. Ele aí se movia com muita
liberdade e não pouca fantasia, dotado como era de habilidades incomuns de prestidi-
gitador e sonhador, sensível ao oculto. Além disso, considera-se, por dom gratuito de
Deus, um iluminado, seguro da assistência particular do alto.
Nos inícios de 1862, Dom Bosco entregava uma estréia individual aos jovens do
Oratório que, garantia, vinha de Nossa Senhora. Tais textos, porém, bem podiam ser
obra sua, tão óbvios e comuns eram eles, embora, naturalmente, inspirados pela intensa
piedade mariana.
Em todo caso, Dom Bosco exortou, muitas vezes, a não dar demasiada fé aos sonhos,
prescindindo-se daqueles dos últimos anos, que costumava narrar com certa solenidade
e particular comoção aos membros do Capítulo Superior. Estes, porém, serão tratados
em separado, por pertencerem a um período particular de sua vida.29 Seu verdadeiro
pensamento está resumido na importante recomendação feita a dom Cagliero em 1885,
quando alguém de Valdocco gostava de enviar à América textos de sonhos antigos e
novos. O próprio Lemoyne, apoiador fervoroso da igualdade entre sonhos e visões
e da origem sobrenatural dos sonhos, sublinhava sobretudo seu aspecto pedagógico:
“Ele, então, expondo aos jovens vários sonhos, dos quais haveremos de falar a seu
27 E III 53-55.
28 Cf. G. Bosco, Cenno istorico sulla Congregazione di S. Francesco di Sales…, p. 10-17, OE
XXV 240-247.
29 Cf. cap. 34, § 6.

38.2 Page 372

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372 Parte III: Para os jovens do mundo, dom bosco fundador
tempo, escolhia o que lhes podia ser de maior utilidade, sendo esse o intento de quem
inspirava aquelas misteriosas revelações”.30 Mais adiante, depois de apresentar o sonho
das serpentes e da corda, comentava: “Esses sonhos representavam substancialmente
a realidade da vida e, com as palavras e a ação de Dom Bosco, manifestavam o estado
íntimo de uma, de cem comunidades, nas quais, em meio a tão preciosas virtudes,
encontram-se muitas misérias”.31
A Dom Bosco interessava, sobretudo, o impacto emotivo e a eficácia que os sonhos
podiam ter na reforma moral dos jovens e no emprego da vigilância dos próprios sale-
sianos. Por isso, eles jamais são destinados ao público, mas reservados aos hóspedes
do Oratório e de algum colégio, e aos membros da Sociedade Salesiana. Em 31 de
dezembro de 1860, depois de contar o sonho que tinha como protagonistas Giuseppe
Cafasso, Silvio Pellico e o conde Cays, Dom Bosco precisava: “Isso foi um sonho;
agora, cada qual o interprete como quiser, mas saiba dar sempre o peso que um sonho
merece. Contudo, se houver alguma coisa que possa ser útil às nossas almas, sirva-
mos-nos dela. Não gostaria, porém, que alguém fosse contá-lo lá fora. Eu vo-lo conto
porque sois meus filhos, mas não quero que o conteis a outros”.32 É uma recomen-
dação transmitida por várias crônicas em diversas circunstâncias. Por Ruffino: “Aquilo
que aqui se diz não seja propagado fora, mas conversado entre nós. Não que seja réu
de pecado quem o contasse fora, mas é melhor que fique entre nós. Conversai sobre
isso, ride também, brincai sobre isso entre vós, fazei o que quiserdes; no mais, falai
disso somente às pessoas que vos pareçam de bem”.33 Ainda Ruffino: “Dai o peso que
quiserdes a este sonho; o que vos digo é que, se acreditais plenamente nele, não causais
qualquer dano à vossa alma. Recomendo, porém, que não seja levado para fora do
oratório. A vós, eu digo tudo, até meus pecados, mas desejo que tudo seja conservado
em segredo”.34 Por Provera: “Ninguém escreva ou diga lá fora o que contarei. Falai
disso entre vós, ride, fazei tudo que quiserdes, mas entre vós”.35 E por Lemoyne: “As
coisas que eu vos conto aqui espero que não sejam ditas fora do Oratório; falai disso
entre vós o quanto quiserdes, mas fique entre nós”.36
Pode ser, então, um material útil para integrar ou, melhor, confirmar as caracterís-
ticas da mentalidade de Dom Bosco, de sua visão espiritual e de sua pedagogia. Seus
conteúdos, de resto, resultam realmente coerentes com as outras formas de expressão
e comunicação de seu pensamento – pregações, conferências, pequenos sermões da
noite, escritos –, exaltando eventualmente os aspectos existenciais e emocionais.
30 MB VI 879.
31 MB VII 243-244.
32 G. Bonetti, Memoria di alcuni fatti..., p. 68.
33 D. Ruffino, Cronaca. 1861 1862 1863, p. 2.
34 D. Ruffino, Cronaca, 1861 1862 1863 1864. “Le doti grandi e luminose”, 14 de abril de 1862,
p. 37.
35 F. Provera, Cronaca, 22 de agosto de 1862.
36 G. B. Lemoyne, Cronaca 1864-1865, 16 de janeiro de 1865, p. 76.

38.3 Page 373

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Introdução 373
Os conteúdos dos sonhos não acrescentavam conceitos incomuns à visão pastoral,
educativa, ascética e espiritual de Dom Bosco, mas representavam-nos renovados sob
a veste de acontecimentos, imagens e transfigurações, envolvidas pelo misterioso, que
produziam ressonâncias particulares na psicologia individual e coletiva dos ouvintes.
Não reflete a realidade efetiva, como escreveu um conhecido pedagogo da área alemã:
“Atinge-se aqui o ponto que oferece a chave mais importante para a compreensão da
pedagogia de Giovanni Bosco. Na vida de Dom Bosco as grandes decisões foram deter-
minadas por inspirações, visões ou sonhos, cuja origem religiosa não se pode pôr em
dúvida”.37
A indubitável relevância dos sonhos deve ser buscada alhures, ou seja, em sua impor-
tância pedagógica e pastoral: nos objetivos aos quais visava a narração e na eficácia que
a narração dos sonhos incluía. Eles eram esperados, escutados, glosados, comentados.
É natural que, junto com as predições e a leitura das consciências, viessem a ter uma
repercussão especial na psicologia juvenil e nos estupefatos colaboradores de Dom
Bosco. Deviam exercer um fascínio excepcional sobre os jovens, suscitando impressões
particularmente fortes: surpresa, admiração, comoção, temor, assim como medo, junto
com a perplexidade e a expectativa pelo que viria. Positiva e negativamente, o mistério
que os rodeava, a acreditada – de quantos? – origem sobrenatural, o colorido vivo da
narração, as fortes conotações morais de aprovação ou condenação não podiam deixar
de ter um impacto catártico e formativo.
É evidente, portanto, o proveito que se pode tirar de sua utilização com a finalidade
de uma mais rica e realista história crítica das idéias de Dom Bosco, mesmo prescin-
dindo de qualquer tomada de posição quanto a seu presumido caráter extraordinário:
entre o mito e o logos não existe solução de continuidade. Quanto à relação entre sonhos
e espiritualidade mariana, Pietro Stella observa com perspicácia: “Para o Oratório e
o círculo dos familiares de Dom Bosco uma fonte característica de devoção são os
sonhos (...). Pastorinha, guia, rainha, mãe, a Senhora dos sonhos é um dos elementos
que caracterizavam a devoção mariana do Oratório. A persuasão de Dom Bosco torna-
va-se persua­são de todos: jovens e salesianos. Dom Bosco e suas obras eram protegidos
de modo especialíssimo pela Virgem Santíssima. Nada se fizera sem prova palpável de
que a Virgem Maria interviera para sugerir soluções, aplainar dificuldades ou proteger
das insídias diabólicas. Os sonhos marianos contribuíam para dar sentido coletivo à
persuasão de que os devotos de Maria eram objeto de graças especiais: os sonhos garan-
tiam que todos e cada um dos que viviam com Dom Bosco participavam desse carisma
especial”.38 Quem está familiarizado com a teologia católica da revelação e da graça
sabe que isso tudo não precisa da prova dos sonhos, mas simplesmente da fé mais pura
e firme. Enquanto Dom Bosco narrava sonhos, o jovem teólogo M. J. Scheeben (1835-
37 E. Pöggeler, Pädagogische Visionen und Reflexionen, Bad Heilbrunn, J. Klinkhardt, 1965,
p. 85.
38 P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica II 153.

38.4 Page 374

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374 Parte III: Para os jovens do mundo, dom bosco fundador
1888) escrevia As maravilhas da graça divina (1862). Em Turim, porém, o narrador
agia como educador e, como tal, é evocado em sua realidade e em seu significado
histórico.39
Naturalmente, a historiografia de Dom Bosco não pode se esgotar no interior das
estreitezas destas discussões. O Dom Bosco da história é muito mais, bem mais em outro
lugar. É o Dom Bosco solar, realizador, construtor, em intensas e crescentes relações
com a sociedade civil e religiosa, em permanente tensão para a expansão e consolidação
de suas iniciativas juvenis e populares, no esforço tenaz de implantação e potenciação
de seus institutos religiosos e de suas obras e organismos a elas relacionados. Vê-lo e
compreendê-lo na totalidade de sua existência é tarefa árdua, necessária, fascinante.
39 Cf. M. Guasco, Don Bosco nella storia religiosa del suo tempo, in: Don Bosco e le sfide della
modernità. Turim, Centro Studi Carlo Trabucco, 1988, p. 34; A. Lenti, I sogni di don Bosco:
esame storico critico, significato e ruolo profetico missionario per l’America Latina, in:
C. Semeraro (org.), Don Bosco e Brasilia: profèzia, realtà sociale e diritto. Pádua, CEDAM,
1990, p. 85-130.

38.5 Page 375

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Primeira Seção
O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Introdução
Dom Bosco não teria jamais podido prefigurar a extensão da experiência oratoriana
originária em colégios e internatos, quiçá mesmo fora de Turim, se não tivesse logo
iniciado a pensar e a realizar o projeto de uma organização estável dos operadores.
Como teria podido garantir a continuidade e a unidade da condução e dos métodos
de novas e longínquas instituições, se já era difícil assigurá-las para os três oratório
turineses? À análogas considerações conduziam as mesmas atividades livrescas e edito-
riais, em particular as Letture Cattoliche, pelas quais ele já tinha se comprometido
ao mais alto nível no Piemonte, Ligúria, Florença, Roma. Maria Auxiliadora, com a
edificação da igreja a ela dedicada junto à casa mãe de outras instituições similares, era
certamente concebida também como natural inspiradora e protetora da nova sociedade
religiosa, ainda antes da fundação do Instituto, que teria tomado seu nome.
É um conjunto de inspirações, idéias, obras e instituições que parte de uma unidade
biográfica, que é tida sempre presente, não obstante a inevitável reconstituição analítica
dos vários acontecimentos, embora existencialmente entrelaçados.
Após anos de lenta gestação, pode-se considerar momento decisivo para o surgi-
mento da Sociedade Salesiana o período romano de 1858, ainda que sua constituição
primordial, de fato, teria acontecido em dezembro de 1859 (cap. 12); esta era precedida
pela atenção voltada sobre o desenvolvimento das primeiras estruturas colegiais e sobre
os relativos problemas (cap. 13); a ela se ligam as iniciativas para dar à Sociedade
de São Francisco de Sales uma primeira legitimação canônica e a gênese do culto e
da igreja da máxima protetora, Maria Auxiliadora, com a extensão extra-regional das
relações (cap. 14); o alargamento da atividade no interior das instituições juvenis e no
exterior, até Roma, comportava a obra de animação educativa e espiritual e a ampliação
das iniciativas culturais e editoriais, ligados a amargos incidentes conexos com as
Letture Cattoliche (cap. 15); na segunda metade do decênio, por fim, realizavam-se, no
seguimento de difíceis itinerários cruzados, dos acontecimentos capitais: a aprovação
pontifícia da Sociedade Salesiana (cap. 16) e a constituição da devoção, potencialmente
universal, a Maria Auxiliadora, que encontrava o centro de atração e propulsão na igreja
a ela consagrada em junho de 1868 (cap. 17).

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38.7 Page 377

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Capítulo XII
O prelúdio de uma reviravolta em Gênova
e em Roma (1858-1861)
1857
1858
1859
1860
maio: conversa esclarecedora com Urbano Rattazzi
encontro em Gênova e em Turim com o P. Francesco Montebruno
fevereiro, 18: parte para Gênova com o clérigo Rua
21: chegada em Roma, hóspede da família do conde Rodolfo de Maistre
23: colóquio com cardeal Gaude
março, 4: pedido de consulta a p. Pagani
9: com cardeal Gaude – audiência papal
13: carta do marquês Gustavo de Cavour
21 ou 23: audiência papal (semi-pública?)
abril, 6: audiência papal de despedida
9: pedido de audiência ao cardeal Antonelli
14-16: partida de Roma e chegada em Turim
12 de junho: carta do cardeal Antonelli a dom Tortone sobre o caso Fransoni
14: carta de Dom Bosco a Pio IX
7 de julho: reação negativa do cardeal Antonelli
4 de agosto: Dom Bosco tenta de novo junto a Camillo Cavour
18 de dezembro: primeiro núcleo da Sociedade Salesiana
outono: início da gestão do pequeno seminário de Giaveno (até 1862)
O longo decênio dos anos 50 devia concluir-se com um acontecimento de grande
significação: o encontro com o mundo católico romano, eclesiástico e leigo, e particu-
larmente decisivo, com Pio IX e com o secretário de Estado, cardeal Antonelli. Mas não
sem dificuldades transitórias em Turim.
Efetivamente, não uma finalidade só, embora dominante, conduzia em 1858 o
homem de muitas dimensões em direção da Cidade Eterna. Apaixonado pela história
eclesiástica e empenhado na catequese sobre a história dos papas, tanto falada como
escrita, favorável à Igreja e a seu Chefe, Dom Bosco desejava vivamente um cont­­a­
­t­o vivo com Roma. Ele fazia, antes de tudo, uma peregrinação. E, além disso, com o
desenvolvimento das iniciativas em favor dos jovens pobres e abandonados, por que
não devia sentir-se movido a fazer-se conhecer e ampliar o círculo de benfeitores,

38.8 Page 378

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378 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
de colaboradores, de amigos? Ele podia ainda desejar conhecer outras obras orato-
rianas existentes no centro da cristandade, escolas noturnas, abrigos, conferências de
São Vicente de Paula, e eventualmente levar alguma contribuição de sua experiência.
A isso se acrescentava a exigência de alargar os espaços de conhecimento e difusão das
Letture Cattoliche com a organização que exigia sua presença em um outro Estado – e
qual Estado! – e a solução dos problemas relativos ao serviço postal e à severa censura.
Mas, sobretudo, movia-o uma razão complexa e ardente: “a exigência de encontrar a
pessoa do papa e de receber dele sugestões em encorajamentos em ordem à obra come-
çada em Turim para a salvação dos jovens”1 e à eventual instituição de uma associação
ou congregação de eclesiásticos e leigos que garantisse a estabilidade da iniciativa
oratoriana. Esta, com efeito, não se limitava aos oratórios festivos, mas compreendia
também o abrigo, ainda mais exigente quanto à consistência do pessoal à disposição.
No decurso de sua peregrinação, às diversas motivações acrescentava-se uma outra, em
parte imprevista: uma certa mediação – por outros falida – para dar um novo pastor à
Igreja de Turim, pondo um ponto final à pratica tão demorada determinada pelo exílio
de dom Fransoni em Lion.
Dom Bosco estava plena posse de sua maturidade, 42 anos, rico de energias e de
idéias. O impacto com o mundo romano não podia estar melhor preparado e mais feliz.
Ele se hospedara em Via del Quirinale 49, no bairro de Quattro Fontane, em casa do
conde Rodolfo de Maistre (1789-1866), filho do célebre Joseph: este era pai de Maria
(1824-1905), esposa do marquês Domenico Fassati (1804-1878) desde 1847, ambos
benfeitores de Dom Bosco desde os primeiros momentos. Os de Maistre eram uma
família da inoxidável fé pontifícia. O acompanhador de Dom Bosco na Urbe foi muitas
vezes o filho do hóspede, Carlo Saverio (1832-1897). O clérigo Rua, após alguns dias,
hospedava-se junto dos Rosminianos, na Via Alessandrina, não muito distante da Via
del Quirinale. Dom Bosco tinha uma carta do conde Cays aos responsáveis das confe-
rências de São Vicente de Roma, que já era grande protetor e amigo em Turim. Cardeal
Francesco Gaude (1809-1860), membro de várias congregações romanas, era um domi-
nicado de Chieri. Além disso, Dom Bosco se correspondia com o cardeal Antonelli,
que o havia apresentado ao papa Pio IX e tinha conseguido em várias ocasiões favores
espirituais para ele e para os oratórios.
Sobre a permanência romana de Dom Bosco podem-se retirar muitas informa-
ções da crônica redigida quase inteiramente pelo clérigo Rua, mas sempre na pessoa
de seu superior.2 Este explicava em uma carta ao padre Alasonatti porque cuidava da
crônica pessoalmente ou através de seu acompanhante: “Já visitamos tantas coisas que
as pusemos por escrito diariamente para que, ao nosso retorno, possam lê-la todos os
que desejarem”.3
1 F. Motto, “Don Bosco mediatore tra Cavour e Antonelli nel 1858”, RSS 5 (1986), p. 6.
2 Cf. Viaggio a Roma 1858; ASC A 2230101, FdB 1352 E3-1354 A5.
3 Carta de 7 de março de 1858; Em I 340.

38.9 Page 379

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 379
1. A obra do padre Montebruno em Gênova
A primeira etapa da viagem conduzia os dois romeiros a Gênova, onde foram hospe-
dados no convento dominicano, junto da igreja de Santa Maria del Castello, da qual era
responsável padre Cottolengo, irmão de São Giuseppe Benedetto [José Bento], fundador
da Pequena Casa da Divina Providência. Na estação, contudo, esperava-o o cunhado
do padre Montebruno com alguns jovens, os quais – escreve o cronista, procurando
descrever o abrigo – “acolheram-nos com muita bondade e, carregando os objetos de
nossa bagagem, levaram-nos à obra dos aprendizes, que é uma casa semelhante a do
nosso oratório”.4 Padre Francesco Montebruno (1831-1895) tinha-a iniciado em 1857.
Entre 1856 e 1857, provavelmente ele tinha tido ocasião de encontrar-se com Dom Bosco
em Gênova e em Turim. Muito rapidamente surgiu a idéia, que se tornaria mais explícita
nos meses e anos sucessivos, da união dos dois institutos. Em carta de 12 de outubro de
1864, padre Montebruno chamava Dom Bosco de “pai”.5 Não faltam outras documen-
tações precedentes. Vinte dias após sua permanência em Gênova, Dom Bosco pedia e
obtinha com rescrito de Pio IX a faculdade do “Oratório privado” e de “poder aí cumprir
o preceito festivo e fazer a santa comunhão”, para a “casa de abrigo de Turim e para a
de Gênova chamada Obra dos Pequenos Artesãos, dirigida pelo sacerdote Montebruno
Francesco”.6 Já no primeiro manuscrito das Constituições da Congregação Salesiana,
o segundo proêmio, que trazia o título Origem desta Congregação, terminava com a
indicação de outras instituições que, além do Oratório de Turim, ocupavam-se de jovens
“verdadeiramente pobres e abandonados”: “Ela se realiza também em Gênova, na obra
chamada dos Jovens Artesãos, da qual é diretor sacerdote Montebruno Francesco (...).
Realiza-se ainda na cidade de Alessandria na qual, por agora, está sob a responsabili-
dade do clérigo Savio Angelo (...)”. A referência ao padre Montebruno retornava, como
nota o art. 5 do cap. 3 das Constituições, Escopo desta Sociedade, em um manuscrito
conforme um “cópia que se fizera em 1861”: “(1) O sacerdote Francesco Montebruno,
membro desta sociedade, abriu no ano de 1855 [sic] em Gênova a casa chama Obra dos
Pequenos Artesãos. Os jovens acolhidos são perto de cem, e uma outra centena participa
nos dias festivos”.7 O texto sobrevivia na versão latina em manuscritos próximos da
edição impressa de 1867, mas não estava mais presente nesta.8
Indubitavelmente, os dois padres divergiam sobre vários pontos: a mentalidade e
a cultura, uma maior tolerância disciplinar no instituto genovês, o empenho convicto
e decidido de Montebruno, a partir de novembro de 1863, no nascimento e na gestão
da revista Anais católicos, que se tornava em 1866 Revista universal, sustentada por
4 Viaggio a Roma 1858, p. 4.
5 Cf. S. Sciaccaluga, Il grande Amico d’un Santo, in “Nuovo Cittadino”, 10 marzo 1938.
6 A Pio IX, março 1858, Em I 342.
7 Cost. SDB (Motto) 28 e 76.
8 Cost. SDB (Motto) 31-32 e 76.

38.10 Page 380

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380 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
um grupo capitaneado por M. P. Salvago e M. Da Passano, inspirado pelo programa
“Católicos com o Papa, liberais com o Estatuto”, combatido, no plano religioso e político
pelos grupos intransigentes incondicionadamente fiéis ao papa, pela Civiltà Cattolica,
pelo Osservatore Cattolico, pela Unità Cattolica e por dom Magnasco, auxiliar e depois
sucessor do arcebispo dom Charvaz.9 Era, certamente, o motivo pedagógico, e político
subjacente, que movia o jovem sacerdote Lemoyne, contrário a novidades políticas,
a cortar a colaboração com o educador genovês e a trabalhar para Dom Bosco, em
outuro de 1864.10 Bem depressa teria passado também a idéia da união das duas obras
juvenis de Gênova e Turim.11
2. O encontro com “Roma sagrada”
A paixão e a curiosidade insaciável pela história da Igreja das origens moviam
o narrador da longínqua História eclesiástica e das vidas dos papas dos primeiros
três séculos a explorar todos os lugares acessíveis da Roma dos papas e dos mártires.
As visitas eram sempre guiadas por membros da família de Maistre ou por sacerdotes
e religiosos romanos, que conduziam os dois romeiros em todas as direções, impedidos
ou com menos pressa somente pelos dias chuvosos. Muitas vezes a crônica se perde em
difusas notícias histórias, arqueológicas, hagiográficas, e algumas vezes apologéticas,
como se o cronista estivesse falando à viva voz.
No dia 22 de fevereiro, após uma parada na igreja do Jesus, estava ocupado na visita
ao Pantheon e à praça adjacente. O dia seguinte foi cheíssimo: além dos encontros com
o cardeal Gaude em Santa Maria sobre Minerva e com o marquês Patrizi, próximo de
São Luís dos Franceses, dava-se lugar a uma acurada visita a São Pedro in Vincoli.
O dia 24 de fevereiro era dedicado a Santa Maria Maior. Riquíssimo de visitas a lugares
santos é o dia 25 de fevereiro: Santa Pudenziana, Santa Praedes, São João de Latrão,
o Obelisco, a Escada Santa. O dia 26 era dedicado a São Pedro, com uma descrição extre-
mamente particularizada, que trai a fé papal dos peregrinos.12 A visita era completada
uma semana depois, no dia 3 de março, tendo como premissa a passagem pelo Castelo
Sant’Angelo: a exploração era detalhada, incluindo também os subterrâneos;13 a cúpula
era objeto de uma visita à parte, guiada pelo conde Carlo de Maistre, no dia 8 de março,
completada pela visita aos museus vaticanos.14 Nos intervalos os dois peregrinos tinham
9 Cf. O. Confessore, La “Rivista Universale”. Chiesa e società civile dagli “Annali Cattolici”
alla “Rassegna Nazionale”, in Spiritualità e azione del laicato cattolico italiano, vol. I.
Padova, Antenore 1969, p. 141-176.
10 Cf. P. Braido – R. Arenal Llata, Don Giovanni Battista Lemoyne..., RSS 7 (1988) 92-94.
11 Cf. cap. 13, § 3.3.
12 A crônica dedica 8 páginas cheias, formato protocolo, a esta visita.
13 Outras seis páginas de crônica.
14 Cinco páginas de crônica.

39 Pages 381-390

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39.1 Page 381

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 381
estado, no dia 27, no Internato deTata Giovanni e, no domingo 28, com o cardealAntonelli.
No dia 1º de março passaram de Santa Maria da Vitória a Trastevere, no Internato
de São Miguel. No caminho de retorno contemplaram o Campidoglio, Aracoeli, Rupe
Tarpea e o pequenos templos pagãos adjacentes. No dia 2 de março, os peregrinos esti-
veram no cárcere Mamertino. No dia 3 de março visitavam, na parte da manhã, São
Pedro e, na parte da tarde, a igreja de Santo André, junto da qual estava o noviciado
jesuíta e o vizinho Quirinale. No dia 4 de março dirigiam-se para o sul da cidade a fim
de visitar Santa Cruz de Jerusalém, com acolhida cordial por parte do abade cisterciente,
piemontês, que lhes abria também a preciosa biblioteca. No dia 10 de março era a vez
da parte ocidental de Roma, no Gianicolo: a basílica e as catacumbas de São Pancrácio,
confiadas aos Carmelitas Descalços, São Pedro in Montorio e Ponte Sisto. Fora buscá-los
em casa, de manhã, o carmelita padre Giacinto, que os guiava na visita, descrita com
muita precisão, e os conduzia à casa. O dia 12 de março era dedicado a Santo André
della Valle, onde Dom Bosco celebrou, depois à basílica de São Gregório no Celio, à de
São João e São Paulo, oficiada pelos Passionistas (“fundados por um piemontês”, nota o
cronista), guiados pelo genovês frade Andrea. No retorno viam aos arcos de Constantino
e de Tito e São Lourenço in Lucina. No dia 13 eram recebidos por dom Alessanto
(1795-1876) da nobre família turinesa dos Asinari di San Marzano, arcebispo titular de
Éfeso, primeiro guardião da Biblioteca Vaticana, que prometia colocá-los em contato
com o célebre arqueólogo Giovanni Battista De Rossi (1822-1894).
As visitas interrompiam-se, obviamente, na semana entre 15 e 20 de março, ocupada
por Dom Bosco, por desejo do papa, comunicado por dom de Merode, na pregação dos
exercícios espirituais às detentas do cárcere das termas de Diocleciano.
Para o tempo restante não existe mais crônica. Da semana que vai do domingo
21 ao sábado 27 tem-se somente a simples indicação dos lugares visitados, sagrados
e profanos, ou de outras coisas efetuadas dia por dia. Os peregrinos andaram de um
ponto ao outro da cidade: Santa Maria in Via, Foro Traiano e lugares adjacentes, Santos
Cosme e Damião (21 de março); São Paulo fora dos muros e São Paulo nas Tre Fontane
(22 de março); o arco de Tito e de Constantino, o Coliseu (23 de março); Santo Estêvão
Rotondo, Santa Maria in Navicella (26 de março). No dia 27 de março, vigília do domingo
de Ramos, com a família De Maistre os dois turineses dirigiram-se em peregrinação
ao santuário da Senhora do Bom Conselho de Genazzano, a 40 quilômetros de Roma,
a menos 10 de Palestrina, capital da homônima diocese suburbicária. Foram acolhidos
com extrema deferência pelos Agostinianos ou Eremitas de Santo Agostino, que
tinham aí seu mosteiro. Voltaram tarde da noite, e no dia seguinte foram admitidos em
São Pedro, entre aqueles que tinham recebido as palmas das mãos de Sua Santidade.
3. Encontros romanos: conhecer e fazer-se conhecer
Em Roma, Dom Bosco alargava consideravelmente o círculo dos próprios conhe-
cimentos. Tinha, antes de tudo, um encontro de grande intensidade emotiva, persona-
líssimo, com Pio IX, decisivo para a história sucessiva. Não menos importante eram

39.2 Page 382

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382 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
os encontros com cardeais de grande relevo: Giacomo Antonelli, secretário de Estado,
Costantino Patrizi, vigário de Sua Santidade, o ancião Antonio Tosti (1776-1866),
ex-ministro das Finanzas do Estado Pontifício, bibliotecário de Santa Romana Igreja,
Francesco Gaude e Pietro Marini, ex-governador de Roma, os últimos dois desapa-
recidos muito logo, respectivamente em 1860 e em 1863; altos prelados da cúria, os
bispos Francesco Saverio de Merode, camareiro secreto, muito próximo do papa como
seu conselheiro, Edoardo Borromeo, preposto à Casa Pontifícia (em 1868 teria sido
feito cardeal), o nobre turinês Alessandro Asinari di San Marzano; religiosos de várias
ordens e congregações, em particular os padres da Civiltà Cattolica, entre os quais
Bresciani, já conhecido em Turim, e Marchi. Encontrado por acaso no dia 23 de feve-
reiro, padre Bresciani convidava os dois peregrinos a visitar Civiltà Cattolica, então
em Borgo Nuovo al Vaticano.15 Estiveram lá no dia 8 de março, após ter visitado dom
Borromeo, dirigindo-se à Piazza Scossacavalli, tendo “verdadeira alegria ao observar
que os principais sustentadores de tal publicação são piemonteses”.16 No dia 11 de
março está registrada uma visita a dom Pacca, prelado doméstico de Sua Santidade, que
seria feito cardeal em 1877.17
Também foram realizados encontros com leigos e leigas da classe nobre e burguesa:
entre estes, a princesa polonesa Potocka e as damas encontradas na missa dominical
do dia 7 de março, em Santa Maria del Popolo, onde os havia conduzido de carruagem
Filippo Canori Focardi, titular de duas lojas de artigos religiosos em Via Condotti 24 e
na Piazza di Torre Sanguigna 4. A família Canori Focardi conservaria por longos anos
relação amigável com Dom Bosco, que respondia dando os conselhos pedidos, fazen-
do-a portadora de saudações a eclesiásticos amigos e depositária dos dons oferecidos
para a rifa de 1865-67.18 Após a missa seguia-se o café da manhã no palácio da Potocka,
parente dos Sobieski. Na crônica registra-se ainda: “o resto do dia passou-se em visitas
a algumas pessoas piedosas, cujo modo de viver e de falar edificou-nos muito”.19
Com o nobre belga Francesco Saverio De Merode, Dom Bosco encontrava-se no
dia 14 de março, quando o prelado pedia-lhe, em nome do papa, que pregasse o retiro
às detentas do cárcere nas Termas de Diocleciano. Destes exercícios têm-se poucas
informações na penúltima página da crônica20.
Provavelmente os de Maistre foram o canal para o encontro de Dom Bosco com
outros membros da nobreza romana, juntamente com o conde Cays, que tinha dado a
Dom Bosco uma carta para o marquês Giovanni Patrizi, sobrinho do cardeal vigário
15 Viagio a Roma 1858, p. 16.
16 Viagio a Roma 1858, p. 55.
17 Viagio a Roma 1858, p. 65.
18 Ao jovem Guglielmo Canori Focardi, no dia 22 de fevereiro de 1862, Em I 484; a Filippo
Canori Focardi, no dia 30 de dezembro de 1864, Em II 96; circular de 12 de maio de 1866,
Em II 237; ao cav. F. Oreglia, em 31 de maio de 1866 e dezembro de 1867, Em II 251 e 459;
a C. Canton, em 3 de outubro de 1871, Em III 377.
19 Viagio a Roma 1858, p. 49-51.
20 Viagio a Roma 1858, p. 73.

39.3 Page 383

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 383
Costantino Patrizi (1788-1876) e presidente da conferência romana de São Vicente de
Paula, chamada de San Nicola, que funcionava na igreja de S. Nicolau de Tolentino.
No dia 23 de fevereiro, último dia de carnaval, o cronista anotava: “Após
o meio-dia fomos visitar o Marquês Giovanni Patrizi, sobrinho do Cardeal de tal nome,
que mora na praça chamada de San Luigi de’ Francesi. Entregamos-lhe uma carta do
Conde Cays; depois conversamos longamente sobre a sociedade de San Vincenzo em
Roma. Este senhor é um presidente dos mais animados. Ele falou-nos da existência
de quinze conferências: os meios pecuniários são abundantes (...). Consolou-nos o
fato de saber que eles estendem as solicitudes dos irmãos inclusive ao patronado dos
jovens abandonados”.21
Dom Bosco podia conhecer outros eclesiásticos e leigos por ocasião de visitas que
lhe interessavam como padre educador entre os jovens e o povo: aos abrigos de Tata
Giovanni e de San Michele em Ripa, às escolas populares e aos oratórios festivos, às
conferências juvenis “anexas” de São Vicente de Paulo, que estavam sendo criadas.
Acrescentam-se encontros dedicados às Leituras Católicas. Os vários contatos tiveram
particular incidência no futuro.
A manhã chuvosa de 27 de fevereiro foi “empregada em grande parte a escrever”.
No período da tarde, após ter passado no vicariado para obter o Celebret para Roma,
os dois romeiros visitavam o Abrigo de Tata Giovanni, em Via de Sant’Anna dos
marceneiros, “colocado sob a proteção de São Francisco de Sales e de Maria Assunta
ao céu”. Dele o cronista descreve as origens, o escopo, os jovens, o estilo de vida.
“Os abrigados chegam a cerca de cento e cinqüenta (...) Aqui nos parece ver uma cópia
de nossa casa. A hora de levantar-se, do repouso, os dormitórios comuns, a assistência,
um santo protetor para cada dormitório, e até os mesmos santos, parecendo encon-
trar-nos em nossa própria casa”.22
No período da tarde de 1º de março fez-se um primeiro contato com a maior insti-
tuto juvenil da capital, o Abrigo de San Michele em Ripa, do outro lado do Tevere.
O acompanhador era o mesmo conde Rodolfo de Maistre. Ali tiveram “uma simpática
audiência do Cardeal Tosti”, refundador e visitador da instituição.23 O purpurado, certa-
mente, tinha lido a página que Dom Bosco lhe tinha indicado na História da Itália.
Aí era colocado em evidência a resposta forte que o cardeal tinha dado aos membros
da Giunta, que foram congratular-se com ele porque não tinha acompanhado Pio IX
a Gaeta: “se eu permaneci aqui, foi por obediência e por amor ao Santo Padre, que
desejou que eu não abandonasse este estabelecimento que dá abrigo a tantos jovens
desventurados. De resto, eu sou Romano, e vós não sois. Permanecerei aqui em Roma
sem deixar-me amedrontar (...)”.24 O cardeal os convidava a uma visita mais longa no
dia 6 de março.
21 Viagio a Roma 1858, p. 16-17.
22 Viagio a Roma 1858, p. 29-30.
23 Viagio a Roma 1858, p. 32-33.
24 G. Bosco, La storia d’Italia..., p. 500; OE VII 500.

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384 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Dom Bosco e Rua lá estiveram com a família de Maistre. Após “um suntuoso café
da manhã”, o presidente do Albergue os acompanhava para uma cuidadosa visita ao
Instituto, parando sobretudo para “considerar o trabalho dos jovens”. “Como os jovens
tivessem ido almoçar ao meio dia e meio”, os visitantes “despediram-se”.25 Em carta ao
padre Alasonatti, de 7 de março, Dom Bosco escrevia: “o cardeal Tosti (...) visitou-nos e
convidou-nos para ver o Abrigo de San Michele, que tem muita analogia com nossa casa
e do qual o Prelado é Reitor. Fomos nesta manhã. Após ter-nos oferecido um dejeuné,
acompanhou-nos durante duas horas por aquele vasto Abrigo onde são acolhidos mais
de oitocentas pessoas, das quais trezentas são jovens”.26 Indubitavelmente, Dom Bosco
tinha podido conhecer e apreciar aí aspetos de vida de internato que enriqueciam sua
experiência de educador. Justamente nos passados dias de carnaval, entre janeiro e feve-
reiro, no Albergue Apostólico de San Michele, “o qual – informava um cronista – é
superintendente com tanto amor e grande sucesso o Em. Cardeal Tosti, fora apresentada
muitas vezes a opereta dramática de L. Farnese, L’Ultimo giorno di Gerusalemme,
musicada pelo maestro Ludovico Lucchesi, diretor da escola de canto do Albergue e
dos cantores da mesma escola”.27
A instrutiva visita a uma escola de caridade e a uma conferência de São Vicente
de Paula traziam ulteriores enriquecimentos, no período da tarde de segunda-feira,
1º de março. Foram conduzidos, às duas da tarde, na presença do duque Scipione
Salviati (1823-1884), figura eminente do laicado militante e desde 1874 protagonista
no Movimento Católico. Sensível aos problemas sociais, ele já aparecia no primeiro
número do Pequeno artesão de janeiro de 1845, juntamente com dom Pietro Marini,
no elenco dos “Promotores e Contribuintes” do periódico28 e imediatamente após
a tomada de Roma em 1870, teria fundado a Sociedade Primeira Romana para os
Interesses Católicos.29 A escola de caridade era “sustentada pelas conferências da
cidade de Roma”, “em um lugar chamado Santa Maria de’ Monti”. “Quando entramos
naquela escola pareceu-nos encontrar em meio a nossos jovens do oratório”, anotava
admirado o cronista. Suas impressões eram ainda positivas porque nessa escola não
havia o ensino da gramática, isto é, do latim. Era uma verdadeira escola popular: “tais
escolas de caridade devem ser essencialmente dirigidas a tirar os jovens dos perigos das
estradas, ensinar-lhes as verdades da fé sem exigir que percorram um curso de estudos
incompatível com sua condição”. Não era o último contato com as obras de caridade.
“Às quatro e um quarto o Marquês Patrizi, sobrinho do Cardeal Vigário, esperava-nos
para uma conferência de São Vicente de Paula, da qual era presidente. Fiquei muito
feliz – é a afirmação de Dom Bosco –. Após acolhida cortês por parte dos irmãos mani-
25 Viaggio a Roma 1858, p. 46-47.
26 Em I 340.
27 La Civiltà Cattolica 9 (1858), I, p. 488.
28 Cf. cap. 2, § 5.
29 Cf. cap. 2, § 3.

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 385
festaram-me o desejo que lhes dissesse algumas palavras. Eu falei estimulando-os a
promover com ardor o espírito da conferência, mas que visassem como obra especial
o patronato dos jovens pobres e abandonados. Prometeram tudo. E tendo-lhes falado
das nossas conferências anexas, acolheram a relação das mesmas com entusiasmo e
me convidaram a ir visitar as escolas noturnas e começar escolhendo alguns jovens, e a
introduzir as mesmas conferências na cidade de Roma”.30
Não era fogo de palha. Mais adiante, com referência ao sábado 13 de março, a
crônica informa: “Hoje, ao meio-dia e meia houve uma conferência na casa do Marquês
Patrizi sobre o modo de estabelecer as conferências anexas. Foram tidas em conside-
ração e anotadas as sugestões dadas com relação às mesmas. Tem-se vivo desejo de
estabelecê-las em Roma. No mesmo dia não faltava, na difusão das Leituras Católicas,
o co-envolvimento de um sacerdote piemontese, residente em Roma. “Por volta das
duas – anotou-se – fomos visitar o Senhor P. Botaudi, que mora em Ponte Sisto. Ele
é natural de Nizza Piemontese. Com ele conversamos com muito prazer, uma vez que é
pessoa muito zeloza por tudo o que diz respeito à glória de Deus e à salvação das
almas. Sistematizadas algumas coisas que diziam respeito às leituras católicas, esta-
beleceu-se tudo o que era preciso para o futuro, demonstrando querer empenhar-se
grandemente”.31
Segunda-feira, 8 de maio, após a visita à cúpula de São Pedro, Rua voltava para
casa para almoçar. “Eu – continua Dom Bosco – fiquei sozinho com o senhor Carlo
De Maistre, indivisível companheiro daquele dia. Tendo comido alguma coisa, fomos
visitar o monsenhor Borromeu mordomo de Sua Santidade. Ele acolheu-nos muito bem
e, após ter falado bastante das coisas do Piemonte e de Milão, sua pátria, anotou meu
nome, de Carlo e de Rua para colocar-nos na lista dos que desejam receber a palma do
Santo Padre no domingo de Ramos”.32 No título que resumia a crônica do dia 27 de
março encontra-se a indicação “o bilhete para a palma”, que teria efetivamente permi-
tido aos romeiros de assistir ao solene rito no dia seguinte.33
Retornando ao palácio de Maistre, os peregrinos encontravam o bilhete para a
audiên­cia privada papal do dia seguinte.
A crônica de domingo, 14 de março, traz notícias de outras visitas a oratórios
romanos. Dom Bosco encontra neles luzes e sombras: estas sobretudo por causa da
falta do tempo pleno para as funções religiosas, limitadas somente pela manhã, e à cisão
entre elemento religioso e recreativo, vividos em lugares separados um do outro.
“Hoje, domingo, celebramos missa em casa, depois fomos visitar um oratório de
jovens segundo um acordo tido com o Marquês Matrizi. A igreja onde se reúnem os
jovens é chamada Santa Maria della Quercia (...). Tendo entrado na igreja, e condu-
30 Viaggio a Roma 1858, p. 38.
31 Viaggio a Roma 1858, p. 70.
32 Viaggio a Roma 1858, p. 54.
33 Viaggio a Roma 1858, p. 75.

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386 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
zidos na sacristia assaz espaçosa, alegramo-nos pela visão de quarenta jovens. Pelo
que vimos, na vivacidade parecida com os “birichini” [moleques] do nosso oratório.
As sagradas funções acontecem toda manhã. Missa, confissão para os que estão prepa-
rados, catecismo e uma breve instrução é tudo o que aí se faz. São dois sacerdotes, um
confessa e o outro assiste. Os irmãos da sociedade de São Vicente de Paula dão cate-
cismo e dirigem as práticas de piedade (...). Na parte da tarde esses jovens vão a um outro
oratório chamado de São João dos Florentinos, lá acontecendo somente a recreação
sem as funções de Igreja (...). Se existisse algum eclesiástico que se misturasse com
eles, poderia fazer-lhes também o bem às suas almas, uma vez que há grande necessi-
dade.” Mais positiva, embora com alguma reserva, era a impressão recebida de outro
oratório, visitado com o marquês Patrizi, do outro lado do rio Tevere, atravessado de
barca. Era um oratório de jovens mais adultos, chamado da Assunta. “Aqui agradou-nos
mais – anota-se –: um jardim espaçoso e ajustado para alguma diversão, igreja próxima,
jovens adultos, cantos e sagradas funções faziam-nos sentir no nosso oratório de São
Francisco de Sales. Ficamos felizes ao ver o Diretor daquele Oratório, Abade Biondi,
fazendo instrução e interrogando os jovens mais instruídos como muitas vezes fazemos
entre nós”. As reservas dizem respeito a certa mentalidade turinesa, pouco capaz de
colher usos e particularidades romanas: “Também aqui falta alguma coisa: não existem
as funções da manhã, não se dá a bênção, o número é de cerca oitenta, enquanto o local
é capaz de acolher até quatrocentos”.34
No dia 22 de março o cronista anotava simplesmente: “Visita ao Cardeal Vigário”,
Costantino Patrizi. Intui-se facilmente que ela tenha tido entre os escopos principais a
difusão das Leituras Católicas. Os frutos não se fizeram esperar. No início do fascí-
culo de setembro dedicado à Guia da Juventude, de Claudio Arvisenet, era apresen-
tado Aos beneméritos correspondentes e aos benévolos leitores o texto da Circular de
Sua Eminência Reverendíssima o Cardeal Vigário, escrita por ordem de Sua Santidade
aos bispos e arcebispos dos Estados Pontifícios, em favor das Leituras Católicas. Era
datada de “Roma, no dia 22 de maio de 1858”.35 Por fim, o título que resumia a crônica
de 23 de março acenava a uma “Conferência para as leituras católicas”, certamente
outra reunião organizativa36.
Não se exclui que, no curso de março, Dom Bosco, atento aos acontecimentos
romanos, tenha tomado conhecimento de uma notícia de crônica, aparecida nos meses
seguintes em Civiltà Cattolica. Ela podia ter uma relação com a presumida ressurreição
de um jovem propiciada pela oração de Dom Bosco ou, talvez melhor, por ele narrada.
“No dia 16 de março – relatava na crônica de Roma a revista dos jesuítas –, celebran-
do-se na igreja do Palácio Máximo o aniversário do milagre, atribuído a São Filipe
34 Viaggio a Roma 1858, p. 71-72.
35 La Guida della giuventù nelle vie della salute. Opera di Claudio Arvisenet... Tradução do
francês. Turim, Tip. di G. B. Paravia e comp., 1858, p. I-VIII. A circular de apresentação foi
publicada em Em I 359-360; cf. cap. 8, § 7.
36 Viaggio a Roma 1858, p. 75.

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 387
Neri, da ressurreição de Paolo de’ Massimo, a Santidade de N.S. para ali se dirigiu
improvisamente durante o período da tarde”.37
4. A reviravolta aos pés do sucessor de Pedro
Não é possível acertar inteiramente tudo o que diz respeito ao motivo principal que
tenha induzido Dom Bosco a ir a Roma, isto é, o início da caminhada que teria condu-
zido à fundação da Sociedade de São Francisco de Sales. Podem-se adiantar congec-
turas, mais que certezas, sobre os aspectos essenciais: os resultados que Dom Bosco
visava obter, a preparação efetuada, a eventual existência de um prévio texto escrito de
Constituições ou Regulamentos, aquilo que Pio IX e Dom Bosco conversaram entre
si na primeira audiência de 9 de março, o número mesmo das audiências, a relação
com ele ou com eles do primeiro texto disponível das Constituições. Concordâncias e
discordâncias, certezas e dúvidas podem ser encontradas nas reconstruções mais auto-
rizadas recentemente.38
Indubitavelmente, indo a Roma, Dom Bosco pretendia ao menos obter estrada
livre para a autorização de uma forma de associação de colaboradores que garantisse
estabilidade à obra dos oratórios, ao abrigo existente, prelúdio de futuras instituições
análogas, e a outras iniciativas, como as Leituras Católicas, tão importantes. Para a
consolidação das instituições juvenis não havia necessidade de solicitações especiais.
Tinha aprendido das dificuldades que surgiam em vários tempos para obter unidade de
fins, de ação, de métodos por parte de colaboradores cheios de vontade e zelo, mas dife-
rentes pela mentalidade, estilo, estabilidade, e ocupados também em outros misteres.
Derivava daí a crise dos oratórios dos primeiros anos da década de 50. As interrogações
sobre o futuro da obra dos oratórios postos por Fransoni, Rattazzi e Pio IX reforçavam
con­vicções consolidadas e eram colocadas em evidência pelo próprio Dom Bosco, que
se valia dessa situação para uma reviravolta radical de vida.
Ademais, quanto à organização dos colaboradores em estruturas associativas apro-
priadas, é bem razoável pensar que em sua consciência se apresentassem outras hipó-
teses: uma simples associação de eclesiásticos e leigos, uma sociedade de membros
ligados ao superior com promessas ou votos privados, uma congregação religiosa
diocesana ou mesmo de direito pontifício. É provável que Dom Bosco desejasse ter
sugestões ou encorajamentos do papa sobre a última opção.
Quanto às garantias obtidas de Rattazzi, em um colóquio de maio de 1857,39 sobre
37 La Civiltà Cattolica 9 (1858), v. II, p. 103; cfr. F. Desramaut, Autour de six logia attribués à
don Bosco..., p. 30-52.
38 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, v. I, p. 142-145; F. Motto,
Don Bosco mediatore tra Cavour e Antonelli, p. 6-9; F. Desramaut, Don Bosco en son temps...,
p. 495-508.

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388 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
a possibilidade e legitimidade de formações religiosas distintas daquelas atingidas pela
“lei sobre os conventos” de 1855,40 não havia nada de insólito. Há três anos o ministro
se tornara sincero admirador e também benfeitor do Oratório e de seu diretor. De outro
lado, sobre novos eventuais “associados” ele e Cavour tinham feito declarações públicas
asseguradoras.41
Todavia, conforme se verá nos capítulos sucessivos, Dom Bosco teria continuado
a ter uma certa desconfiança e extrema cautela, prevenindo-se de vários modos: evitar
terminologias tradicionalmente conventuais, não tornar pública instituições como os
noviciados e centros de estudos religiosos, insistir sobre o caráter civil de suas comu-
nidades, jamais vinculadas a reconhecimentos legais, e sobre os direitos civis de seus
membros.
Da sucessão dos encontros romanos, prováveis ou certos, relativos à congregação,
parece razoável excluir que Dom Bosco tenha chegado a Roma com um texto que
contivesse as constituições para uma congregação religiosa. É certo, ao invés, que a
idéia dominante foi de colocar em absoluta evidência as obras existentes: os oratórios,
o internato (ou internatos, no caso que aí incluísse a obra genovesa dos Jovens Artesãos), a
imprensa popular catequética e antiprotestante, as Leituras Católicas. Presumivelmente
Dom Bosco pensava que, dos discursos sobre as obras, teria surgido inevitável
o problema de uma Congregação que as mantivesse,42 e pretendia ouvir do papa o
convite explícito para operacionalizar a forma religiosa, provavelmente já presente
na própria mente.43 Após a realização das coisas, reevocando no Aceno histórico de
1873-74 a audiência de 1858, Dom Bosco ousava tornar explícita a pergunta e ainda
mais circunstanciada a solução sugerida pelo papa.44
É significativo que, antes de chegar a Pio IX, ele tenha tido dois encontros de infor-
mação e clarificação com os cardeais Francesco Gaude e Giacomo Antonelli, e tenha
sobreposto ao exame do superior geral dos rosminianos, padre Giovanni Battista Pagani
(1806-1860), um regulamento, dificilmente precisável, relativo a uma hipotética asso-
ciação religiosa.45
Após a ida a Santa Maria sobre Minerva, no dia 22 de fevereiro, infrutuosa pela
ausência do cardeal, os peregrinos aí retornaram no dia seguinte. “Tive duas audiências
com o Cardeal Gaude”, escrevia ao padre Alasonatti.46 Foram “acolhidos com suma
39 Cf. MB V 696-697.
40 Cf. cap. 1, § 6.
41 Cf. cap. 10, § 1.
42 Conforme a historiografia das Memorie Biografiche, ainda no encontro com o papa, Dom
Bosco teria escutado a pergunta já feita por Rattazzi e o arcebispo Fransoni: que medidas
pretendia adotar para assegurar a sobrevivência de sua obra oratoriana após a própria morte?
43 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, v. I, p. 143-145.
44 Cf. G. Bosco, Cenno istorico sulla Congregazione di S. Francesco di Sales..., p. 5-7; OE
XXV, 235-237 (Pensieri del S. Padre intorno a questa pia società).
45 Cf. F. Desramaut, Don Bosco en son temps..., p. 504-507.

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 389
bondade pelo cardeal”, que os “manteve em audiência privada por cerca de uma hora
e meia”, interrogando-os, entre outras coisas, sobre os oratórios.47 Seja a ele que ao
cardeal Antonelli e, depois, ao papa, ele apresentava como homenagem a coleção enca-
dernada das Leituras Católicas. Foram recebidos pelo pontífice no período da tarde do
domingo, 28 de fevereiro. Antes de 1858 as cartas a Pio IX foram sobretudo pedidos
para obter indulgências e favores espirituais. Ao invés, as poucas endereçadas ao cardeal
Antonelli eram mais ricas, pessoais e direcionadas: informavam-no sobre a situação
dos oratórios e sobre a propaganda protestante em Turim, ou enviava a ele e ao papa,
como presente, a História da Itália.48 Era, portanto, natural que a acolhida fosse “das
mais corteses”, e muito cordial a audiência de quase duas horas. Entre outras coisas, o
cardeal “ficou muito feliz de conversar sobre as leituras católicas, a história da Itália,
os oratórios festivos, os jovens da casa e as várias categorias que aí se encontravam”.
“Terminou dizendo – nota Dom Bosco – que me anunciaria ao Santo Padre e que conse-
guiria a audiência para mim”.49 Confirmava ao padre Alasonatti: “Disse que já havia
falado com o Papa da minha chegada e que fixaria a audiência privada para mim”.50
Do dia 4 de março é datada a breve carta ao superior geral dos rosminianos, da
qual a crônica faz silêncio, importantíssima pelo conteúdo e pela referência ao cardeal
Gaude. “Tenho necessidade – pedia ao padre Giovanni Battista Pagani – que tenha
para comigo um traço de bondade: que leia o breve plano de congregação religiosa que
apresento. Eu contava somente falar deste plano com palavras; mas o Cardeal Gaude
aconselhou-me a pôr por escrito. Por isso, nestes dias procurei lembrar-me da forma
que pude sobre o modo como é praticado na casa do Oratório”.51 Do conteúdo do “breve
plano” nada restou, mas sendo “plano de congregação religiosa” – termo genérico, mas
provavelmente em evolução para um significado mais preciso – submetido ao juízo
do superior de um instituto religioso, é provável que pudesse ser um resumo do Plano
de Regulamento do Oratório de São Francisco de Sales com a relativa introdução e a
prevalência dos elementos que dizem respeito ao pessoal ligado à assistência educativa
dos jovens.52 Viu-se, a seu tempo, como era denso de significados o termo congregação
usado por Dom Bosco, o qual, além de tudo, em uma carta a Pio IX, de 28 de agosto
de 1850, o aplicava à “Congregação sob o título e proteção de São Francisco de Sales”,
designando o conjunto do pessoal adeto ao oratório ou o oratório em seu conjunto,
46 Carta do 7 de março; Em I 340.
47 Viaggio a Roma 1858, p. 15.
48 Cf. Cartas de 28 de agosto de 1850, 30 de novembro de 1852, 31 de maio de 1853, 7 de
setembro de 1856; Em I 109-111, 176-178, 197-198, 301.
49 Viaggio a Roma 1858, p. 30-31.
50 Carta de 7 de março; Em I 340.
51 Em I 339.
52 Cf. F. Motto, Don Bosco mediatore tra Cavour e Antonelli..., p. 6-7, n. 8; F. Desramaut,
Don Bosco en son temps..., p. 504.

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390 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
incluindo aí também os jovens.53
No dia 9 de março, na crônica romana, anota-se: “era este o grande dia da audiência
papal; mas antes eu tinha necessidade de falar com o cardeal Gaude”. Era, talvez, um
encontro para clarear ulteriormente as idéias sobre aquilo que deveria ter dito principal-
mente. Depois se dirigia com o clérigo Rua à audiência fixada para às 11 horas. Os dois
peregrinos foram admitidos uma hora e meia depois. Dom Bosco permanecia sobretudo
sobre temas caros, idôneos para atrair a atenção do papa sobre as próprias iniciativas
juvenis e populares. À pergunta: “no que o senhor se ocupa?” respondia: “eu me ocupo
da instrução da juventude e nas leituras católicas”; coisa que o papa entendia “como
algo útil em todos os tempos, mas hoje em dia mais que necessária”. A um certo ponto
Dom Bosco o presenteava com a coleção das Leituras Católicas, com a encadernação
feita por seus aprendizes. Quando o papa deu por concluída a audiência, Dom Bosco
pediu que ele lhe permitisse “falar algo em particular”. Tendo Rua saído, a conversa
teria recaído ainda sobre quanto se fazia nos oratórios em Turim e sobre os que agiam
entre os jovens e em favor das Leituras Católicas. “Depois – acrescenta laconicamente
Dom Bosco – passamos a tratar de alguns afazeres particulares”. “Enfim – anota ainda –,
após ter-me dado vários conselhos, eu pedi a bênção sobre todas as pessoas que, de
alguma forma, estão em contato conosco”; ele transcreveu a fórmula: “Benedictio Dei
omnipotentis Patris et Filii et Spiritus Sancti descendat super te, super socium tuum,
super tuos et super omnia opera tua, et maneat nunc et semper et semper et semper”.54
A conversa sobre a hipotética congregação não podia ir mais além de um encoraja-
mento positivo para pensá-la e experimentá-la de modo a ser plenamente dedicada a
Deus e ao próximo, tornada estável pelos votos, bem compacta ao redor do papa e do
superior. Eram idéias que correspondia perfeitamente à mentalidade e às expectativas
de Dom Bosco, um governante resoluto e diretivo. Não teria sentido pensar que, em
uma audiência pontifícia – esta ou do dia 21 de março –, o suplicante desse ao papa um
texto para ler e examinar e sobre o qual dar um parecer.55 A audiência durou, comple-
xivamente, pouco mais de meia hora; um tempo breve, mas intenso. Dom Bosco teria
feito anotar: “O Santo Padre é muito rápido em acolher os pedidos e prontíssimo em
dar as respostas, e, por isso, com ele se trata em cinco minutos as coisas que com outros
exigiria uma hora”.56
Entre todos os textos relativos à audiência de 1858, redigidos nos anos sucessivos
53 Cf. cap. 6, § 5.2 e 10. § 2.
54 Viaggio a Roma 1858, p. 56-60.
55 Parece sem fundamento o que se encontra a propósito em MB V 880-881. Para coisa do
gênero era preposta a Congregação dos Bispos e Regulares, à qual Pio IX tera mais ocasião,
também no futuro, de enviar Dom Bosco.
56 Viaggio a Roma 1858, p. 60.

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 391
por Dom Bosco, com progressiva dilatação de quanto teria dito o papa,57 parece menos
distante da realidade a súplica de 12 de fevereiro de 1864, cronologicamente próxima
do acontecimento e oficial, na qual pedia ao papa a aprovação das Constituições: “O
ano de 1858 – lembrava – quando eu tinha a feliz ventura de poder apresentar-me a
Vossa Santidade, ao entender os esforços que a heresia e a incredulidade fazia para
insinuar-se nos povos e sobretudo entre a pobre e inexperiente juventude, acolhia com
sinal de alegria a idéia de uma sociedade que tomasse cuidado dessa porção mais peri-
clitante da Grei de Cristo. A mesma Santidade Vossa dignava-se de traçar as bases, que
eu fiz todo o possível para seguir neste plano de regulamento”58.
Que Dom Bosco estivesse se apropriando da mentalidade de potencial formador
religioso, poderia ser indício a cartinha enviada de Roma ao clérigo Giovanni Battista
Anfossi, que teria professado como salesiano no triênio 1862-1864: “Como estará
Anfossi? Ele terá sem dúvida feito sempre a sua parte. Portanto perge [avanti!]. Mas
lembra-te que Dominus promisit coronam vigilantibus; e que momentaneum est quod
delectat, aeternum est quod cruciat; e que não sunt condignae passiones huius temporis
ad futuram gloriam quae revelabitur in nobis”.59
O colóquio com o papa no domingo 21 de março (ou o de terça-feira, dia 23), do
qual escreve padre Lemoyne, poderia ter efetivamente acontecido, redimensionado a
uma rápida troca de idéias no curso de uma audiência semipública.60 Ele podia ter sido
necessário por uma importante carta do marquês Gustavo Cavour, de 13 de março,
sobre um problema ao qual se voltará imediatamente. Parece pouco verossímil que Dom
Bosco tenha esperado a audiência de 6 de abril para entregá-la ao papa. Como quer que
se queira, no período da tarde desse dia deu-se o encontro desejado. Dele escrevia, no
dia 7 de abril, ao padre Alasonatti: “ontem tive a audiência com o Santo Padre e foi
um verdadeiro traço de bondade a confundir qualquer gentil-homem. Ele me concedeu
quanto lhe pedi; portanto existe também para si”.61 Dela dava testemunho também são
Leonardo Murialdo, admitido com o clérigo Rua “por obra de Dom Bosco”: “Fui teste-
munha – recordava –, nessa audiência, da familiaridade com a qual Dom Bosco era
benignamente tratado pelo Papa”.62 Ele já havia acenado a essa audiência numa carta,
57Aqui se refere em particular ao Cenno istorico della Società di San Francesco di Sales, de
1873/1874, e à introdução “Ai soci salesiani” das Constituições. O processo de amplificação
foi iniciado com uma memória manuscrita: Pio IX, reinante, em favor dessa Sociedade, de
1863/64; ASC 132 A2230202, FdB 1.924 D 9-10, MB VII 622-623.
58 Em II 37.
59 Carta de 18 de março, Em I 343: “O Senhor prometeu a coroa àqueles que encontrar no
trabalho” (Lc 12,43); “momentâneo é aquilo que deleita, é para a eternidade aquilo que faz
sofrer”; “os sofrimentos do tempo presente não são comparáveis à glória futura que se revelará
em nós” (Rm 8,18). Cf. também a carta de 18 de março ao clérigo Giovanni Turco, Em 343;
e ao jovem Giovanni Garbarino, 8 de abril de 1858, Em I 347.
60 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, v. I, p. 143-145.
61 Em I 346.

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392 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
datada de 5 de maio de 1858, ao clérigo Celestino Durando, que nos dias festivos traba-
lhava com ele no Oratório de São Luís: “Saúda-me – escrevia-lhe de Loreto – os jovens
do oratório, Rua e particularmente Dom Bosco, ao qual sou devedor do mais caro senti-
mento que pude provar em minha viagem, isto é, o de ter sido admitido na audiência
com o Santo Padre”.63
No dia seguinte Dom Bosco dirigia ao papa distintos pedidos de várias indulgências
por todos os que promoviam o canto sacro ou o praticavam, sobretudo durante o mês de
maio, e de uma espcial a se lucrar in articulo mortis para dois benfeitores dos oratórios,
o Cor. Giacinto Roasenda e o conde Carlo Cays.64
Renunciando ao pesado projeto de retornar passando por Loreto, Ancona, Veneza e
Milão, ele partia para Turim no dia 14 de abril, por via marítima entre Civitavecchia e
Gênova, chegando à capital subalpina no dia 16.
5. Relações mudadas com Roma e novidade em Turim
A longa permanência em Roma e os encontros com Pio IX davam, muito rapida-
mente, seus frutos. O primeiro era a sensível mudança nos destinatários romanos das
relações epistolares e pessoais de Dom Bosco. Embora mantendo bons relacionamentos
com o cardeal Giacomo Antonelli, em seguida ele teria privilegiado as relações epis-
tolares e, anos depois, os encontros pessoais com Pio IX, ao qual se sentia cada vez
mais vizinho, não somente para consolidar convicções eclesiológicas, mas também por
sintonia temperamental e espiritual. Em Roma, além disso, Dom Bosco havia conquis-
tado a admirada proteção do perspicaz e pio cardeal Pietro Marini (1794-1863). Tendo
retornado a Turim, Dom Bosco lhe tinha pedido a solução de alguns quesitos litúrgicos,
enviando, ao mesmo tempo, seus livros em homenagem. Respondendo no dia 27 de
julho de 1858, o cardeal declarava ter sido atingido pelas “distintas qualidades” do
padre turinês, que tinha “tido possibilidade de admirar” em Roma, tendo impresso “não
tanto na memória quanto no coração”. “E é para mim – prosseguia – um verdadeiro
prazer recordá-lo muitas vezes, não somente com meus familiares, mas também com as
outras pessoas, pois gostaria que os sacerdotes zelantes e virtuosos fossem conhecidos
por todos. Aqui encontrará as respostas aos vários quesitos que quis fazer-me com a
última carta (...). Estou sempre à disposição e pode contar com minha pessoa”.65 Dom
Bosco não esquecia e em 1860 se dirigia ao cardeal, então prefeito do Supremo Tribunal
da Assinatura, para obter a dispensa de idade para a ordenação presbiteral do padre Rua.
62 Cf. A. Castellani, Il beato Leonardo Murialdo, vol. I, p. 447-448.
63 S. Leonardo Murialdo, Epistolario. Org. por A. Marengo. Vol. I. Roma, Libreria Editrice
Murialdina, 1970, p. 31.
64 Em I 344-345.
65 MB V 928-929.

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 393
O cardeal respondia no dia 28 de abril com anexo o rescrito de dispensa.66 Ao invés, foi
longa a espera do regio placet. Padre Rua era ordenado no dia 29 de julho.
O segundo fruto da permanência romana encontrava eco efetivo no final de 1859,
circundado por extrema reserva e preparada com circunspecta determinação, em uma
ala circunscrita de hóspedes do Oratório de Valdocco. Com efeito, pelo encorajamento
de Pio IX Dom Bosco era seriamente induzido a dar conteúdos e forma à congregação
prefigurada. Dada sua qualidade de padre diocesano devia retirar de fundadores de
congregações religiosas e das respectivas constituições os princípios para a elaboração
daquele Regulamento da Sociedade de São Francisco de Sales, cuja primeira redação
foi efetuada entre 1858 e 1859.67 A composição, obviamente, fora precedida e acom-
panhada pela silenciosa e metódica construção da realidade a qual o Regulamento se
referia: seguida, enfim, do ato de nascimento da Sociedade, às nove horas do dia 18 de
dezembro de 1859.
Resta alguma documentação dessa preparação gradual, que visava a formar nos
jovens o cristão convicto e, nos clérigos, o espírito eclesiástico e o zelo pela salvação
das almas. O distanciamento de sonhos de carreira pessoal e a dedicação exclusiva ao
apostolado juvenil tomavam corpo na realidade da vida comunitária vivida no Oratório
e em cautas reflexões sobre as virtudes cristãs e religiosas da castidade e da obediência.
O clérigo Giovanni Bonetti, de 21 anos, deixava um caderno de resumos de prédicas
e de conferências feitas por Dom Bosco, de outubro de 1858 até o final de 1859, com
ulteriores reflexões. É de salientar na abertura uma preciosa pregação sobre a castidade
ou pureza e uma instrução sobre a obediência.68 Seguia, não muito distante no tempo,
uma conferência, feita aos clérigos muito tarde da noite, sobre a exemplariedade de
vida. Dom Bosco iniciava: “Agora podemos dizer que nosso ano escolástico começou;
e por isso eu desejo muito começar como fazíamos no ano passado, a entreter-me algum
momento com vocês ao menos uma vez por semana. O momento mais precioso que
nós podemos ter é a esta hora, após as orações”.69 Era coerente com quanto tinha dito,
no decurso de 1858, a lembrança particular dada aos clérigos para o novo ano, 1859:
“exemplariedade, recordando-se sempre que sou lumen Christi”.70
Não era, pois, uma surpresa para os mais vizinhos a reunião àquela hora tardia, do
dia sucessivo à festa da Imaculada Conceição de 1859. Aos presentes Dom Bosco expli-
cava sumariamente o significado de uma sociedade religiosa, voltada com vínculos
particulares à missão juvenil, e dirigia o convite, se desejassem aderir ao projeto
para iniciar o período de prova, para a próxima reunião mais empenhativa, de 18 de
dezembro, já destinada à eleição dos membros da direção. Dessa reunião resta a ata
66 Cf. Em I 401.
67 Cf. cap. 14.
68 Cf. G. Bonetti, Memoria di alcuni fatti..., p. 1-7, 10-17.
69 G. Bonetti, Memoria di alcuni fatti..., p. 17.
70 G. Bonetti, Memoria di alcuni fatti..., p. 35.

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394 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
redigida com diligente caligrafia de ex-professor de escola primária pelo único sacer-
dote entre os aderentes além de Dom Bosco, padre Vittorio Alasonatti, “prefeito que
funge de ‘secretário’”. “No ano do Senhor de mil oitocentos e cinqüenta e nove, aos
dezoito de Dezembro, – esta a ata – neste Oratório de São Francisco de Sales, no quarto
do Sacerdote Bosco Giovanni, às 9 horas da noite reuniam-se este, Sacerdote Alasonatti
Vittorio, os clérigos Savio Angelo Diacono, Rua Michele Subdiácono, Cagliero
Giovanni, Francesia Giovanni, Battista, Provera Francesco, Ghivarello Carlo, Lazzero
Giuseppe, Bonetti Gioanni, Anfossi Giovanni, Marcellino Luigi, Cerruti Francesco,
Durando Celestino, Pettiva Secondo, Rovetto Antonio, Bongiovanni Cesare Giuseppe, o
jovem Chiapale Luigi, todos com a finalidade e em um espírito de promover e conservar
o espírito de verdadeira caridade que se exige na obra dos Oratórios para a juventude
abandonada e periclitante, a qual nestes tempos calamitosos é seduzida de mil maneiras
a dano da sociedade e precipitada na empiedade e na irreligião. Agradou, portanto, aos
mesmos Congregados de erigir-se em Sociedade ou Congregação, os quais, tendo por
finalidade o auxílio mútuo para a santificação própria, e propuseram-se promover a
glória de Deus e a salvação das almas, especialmente das mais necessitadas de instrução
e de educação, e aprovado de comum consenso o desígnio proposto, feita breve oração
e invocada a luz do Espírito Santo, procediam à eleição dos membros que deveriam
constituir-se a direção da Sociedade para esta e para novas congregações [comuni-
dades ou casas] se a Deus aprouver favorecer o seu incremento.” Portanto, unânimes,
os presentes pediram a Dom Bosco, “iniciador e promotor”, para “dignar-se ocupar
o cargo de Reitor Mor”. Dom Bosco aceitava com a reserva de escolher-se o prefeito
ou vigário na pessoa do padre Alasonatti. Para os dois cargos de diretor espiritual e de
ecônomo eram eleitos respectivamente Michele Rua e Angelo Savio. Acrescentavam-se
três conselheiros: Giovanni Cagliero, Giovanni Bonetti e Carlo Ghivarello. A ata era
autenticada pelas firmas autógrafas de Don Bosco e do padre Alasonatti.71 Ao grupo
dos “adscritos” – assim serão chamados por muitos anos quantos aderiam à Sociedade e
iniciavam o período de prova, em particular o noviciado – devia ser confiada, com espe-
cial intencionalidade e particular ressonância neles, a estreia dada por Dom Bosco aos
clérigos, no dia 31 de dezembro de 1959, para o novo ano: “Recordou-lhes que tinham
sido vendidos ao Céu, e por isso não pensassem mais a esta terra, mas todo esforço
fosse o de buscar a maior glória de Deus e a salvação das almas. Recomendou-nos de
nos ajudar mutuamente a salvar a própria alma, primeiramente com o bom exemplo,
com bons conselhos, sentindo-nos felizes quando podemos impedir em algum compa-
nheiro nosso mesmo que seja um pecado venial, dando-se bons livros para ler. Em
síntese, recordando-nos o que um Santo diz: divinorum divinissimum est cooperari in
71 Verbali di Capitoli – Adunanze Capitolo Superiore, ASC D 868, p. 1-3; FdB 1873 D 9 -11.
Aos nomes dos presentes Pietro Stella acrescenta o coadjutor Giuseppe Gaia, de 35 anos (cf.
P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale..., p. 296), mas este não aparece na Ata
e nas MB VI 335.

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 395
salutem animarum”.72
Há um mês de distância, no dia 2 de fevereiro, o “Capítulo da Sociedade” “reunia-se
no quarto do Reitor” para a admissão à prova “do jovem Rossi Giuseppe”, o primeiro
coadjutor ou salesiano leigo adscrito, mas não o primeiro como professo.73 Durante
o ano de 1860, em outras reuniões, eram adscritos à Sociedade os clérigos Pietro
Capra, Paolo Albera, Giovanni Garino, Momo Gabriele, Domenico Ruffino, Frascesco
Vaschetti, Edoardo Donato.74 A carta de 11 (ou 13) de junho de 1860, que apresentava à
aprovação do arcebispo Fransoni o texto das Constituições, era assinada por 26 sócios,
entre os quais um segundo coadjutor, Giuseppe Gaia.75
Dom Bosco tinha cultivado bem o viveiro. Algumas rápidas defecções – ainda antes
de chegar aos votos – não ofuscavam o fato que desde o início aparecem os nomes das
personagens mais importantes do futuro da Congregação, entre os quais os primeiros
dois sucessores no mais alto cargo de governo da Congregação, o beato Michele Rua
e o padre Paolo Albera. No dia 21 de maio de 1861 era aceito o primeiro salesiano
“externo”, padre Giovanni Ciattino (1823-1880) da diocese de Asti, pároco de Mareto,
que em seguida teria entrado para os Padres da Missão.76
6. A diocese de Turim, o arcebispo e a Santa Sé
Outra conseqüência da estada romana foi um significativo episódio de política ecle-
siástica, na qual Dom Bosco se deixou envolver pelo sofrido amor pastoral para com a
própria diocese. Recordou-se a audiência que lhe foi concedida, no dia 28 de fevereiro
de 1858, pelo cardeal Antonelli. Não se sabe se nela tenha sido tocado o problema da
situação da diocese turinesa por causa do exílio de Fransoni em Lion. Pode-se pensar
que na audiência de 21 ou de 23 de março tenha entregue ao papa a carta recebida
poucos dias antes do marquês Gustavo de Cavour, que propunha a elevação de dom
Fransoni ao cardinalado, dando-lhe um arcebispo coadjutor com direito de sucessão.
Como quer que seja, fora esse certamente o argumento do qual Dom Bosco teria
querido falar na audiência que pedia ao secretário de Estado, com bilhete de 9 de abril,
relativo a uma segunda carta chegada de Turim. “Recebi – ele comunicava – uma carta
de Turim que gostaria de comunicar a V.E. Reverendíssima antes de partir de Roma.
72 G. Bonetti, Memoria di alcuni fatti..., p. 63.
73 Verbali di Capitoli..., p. 4; FdB 1873 D12.
74 Verbali di Capitoli..., p. 4; FdB 1873 E1-2.
75 Cfr. Cost. SDB (Motto), p. 26 e 258 (manuscrito com as assinaturas autógrafas). Uma outra carta
sucessiva (janeiro-fevereiro de 1862) trazia 31 assinaturas com o acréscimo às precedentes de
um sacerdote, um diácono, dois clérigos e um coadjutor ilustre, o cav. Federico Oreglia di S.
Stefano (Em I 632).
76 Verbali di Capitoli..., p. 6-7; FdB 1873 E2-3.

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396 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Se por acaso pudesse admitir-me a um momento de audiência, teria tal fato como favor
singularíssimo”.77 A audiência foi quase certamente concedida. Sobre o mesmo objeto
Dom Bosco era convidado a falar na audiência que Pio IX lhe concedia, quando, porém,
era já partido de Roma. Na primeira carta de agradecimento a Pio IX por quanto tinha
recebido na permanência romana, ele escrevia: “Uma coisa, porém, deixava em mim
viva tristeza após minha partida de Roma: é o fato de não ter tido tempo de apresen-
tar-me a V. S. enquanto se dignava receber-me. Creio que fosse pelo objeto que diz
respeito ao nosso arcebispo. Como quer que seja, eu continuo a recomendar à paterna
bondade de V.S. o estado deplorável desta diocese. Eu digo a V.S. aquilo que os fiéis de
Lion diziam tempos atrás a santo Eleutério, digno vosso antecessor: ‘Beatíssimo Padre,
dai paz à nossa igreja e provede às nossas necessidades’. Não estamos em estado de
aberta e sanguinosa perseguição; mas o mal vai-se propagando surda mas terrivelmente.
Os bons, pela mercê de Deus, que é ainda muito grande, gemem e não sabem o que
fazer; os malignos tornam-se cada dia mais audazes; os fracos engrossam cada dia as
filas dos transviados. E se, para o colmo das desgraças, a heresia chegasse legalmente ao
poder, eu temerei apavorantes quedas também por parte de quem, nesta diocese, cobre
sublimes cargos eclesiásticos. Eu falo no Senhor: V. S. me perdoe. Não sei se a idéia
externada pelo Sr. di Cavour possa acrescentar alguma aparência de bem junto V.S. Se
se tratasse de estabelecer um princípio, eu não teria nenhuma confiança; tratando-se
de um fato particular, pode-se esperar algum resultado, sobretudo que ele demonstra
ainda agora os mesmos desejos. Em todo caso, para evitar males certamente difíceis de
serem reparados, é preciso que V. S. provenha em alguma maneira às necessidades da
Diocese de Turim. Eu falo no Senhor”.78
Escrevia poucas palavras a Camillo di Cavour, que voltava após ter estipulado o
pacto de Plombières (22 de julho de 1858): “crio coragem para recomendar-me, pois
na multidão e na gravidades dos afazeres aos quais deve atender, não se esqueça o que
diz respeito à nossa pobre diocese. Pronto para o que sou capaz pela minha pátria e pela
minha religião”.79
Dom Bosco introduzia um breve aceno ao argumento em carta a Pio IX, datada de
fevereiro de 1859: “as coisas desta nossa diocese estão cada vez mais encalhadas: o mal
cresce. Cavour manifesta boa vontade, se fosse sincera, mas é circundado por gente triste,
que o arrasta não se sabe aonde. Somente nesta manhã me disse que quer apresentar
outros candidatos para as dioceses vacantes”. “Eu, meus jovens, meus clérigos e sacer-
dotes rezamos cada dia” por Vossa Santidade, conclui, com tom de superior religioso.80 A
“boa vontade” de Cavour movia-se no interior de sua política eclesiástica modernizadora,
baseada sobre conhecida fórmula “Igreja livre em Estado livre”; a do Vaticano era de obter,
77 Em I 348.
78 Carta de 14 de junho de 1858; Em I 352. Sublinhamos as palavras que representam
icasticamente a “Realpolitik” salvífica de Dom Bosco.
79 Carta de 4 de agosto de 1858; Em I 357.
80 Em I 368.

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 397
com a solução do “caso Fransoni”, o repensamento da política piemontesa e a estipulação
de novo concordato. O choque sobre os princípios conduzia a um rompimento. “Roma
propõe conceder para Turim um auxiliar com direito de sucessão; e Cavour pretende um
novo arcebispo com jurisdição ordinária. Roma quer o retorno de Fransoni para a sede,
para fazer a renúncia com dignidade e liberdade; Cavour não se opõe ao retorno, mas com
a condição, expressa e garantida pela Santa Sé, de que o retorno seja para fazer a renúncia
imediata. Roma sacrifica Fransoni em vista da compensação das outras vertentes” e de
“um novo concordato”; Cavour não “quer nem mesmo ouvir falar”.81
Do drama incompleto resulta uma figura de Dom Bosco bem delineada: padre
diocesano profundamente afeiçoado à própria diocese e pressionado pelas angústias da
catolicidade turinesa e piemontesa; além disso, padre inteiramente voltado à salvação
das almas, critério fundamental da sua política eclesiástica, critério esse totalmente
pragmático em relação a um fato de conseqüências dramáticas, que, a seu parecer, não
podia ser sacrificado pelas exigências de princípio, verdadeiras ou presumidas, reivin-
dicadas sobretudo pelo secretário de Estado e por dom Tortone.82
Prova do primado da salus animarum em sua consciência de padre eram também
algumas cartas romanas contemporâneas. A correspondência com o marquês Patrizi
demonstrava quanto lhe estivesse no coração manter tanto a iniciativa comum das
conferências anexas como a difusão das Leituras Católicas. Ele já fazia isso em uma
carta de Turim, de 22 de maio de 1858. “O teólogo Murialdo [trata-se de são Leonardo],
meu colega – escrevia –, comunicou-me que assistiu à Conferência da B. V. della
Quercia e que a encontrou bem organizada. Deo gratias: coragem. Recomende sempre
a coisa ao abade Biondi e ao abade Catini. Apenas esteja com os jovens da conferência
anexa, saúde-os carissimamente no Senhor dizendo-lhes que os jovens têm por eles
o maior afeto e, enquanto rezam por eles, lhes recomendam firmeza e perseverança.
Eu continuo a recomentar-lhe as Leituras Católicas (...). Eu lhe suplico de saudar e
agradecer todos aqueles bons senhores que se assumiram a proteção destes livretos”.83
Sobre as Leituras Católicas e sobre a conferência anexa retornava em uma carta, de
8 de agosto de 1858.84 Em outra, de 18 de agosto de 1862, informava e pedia: “As
nossas conferências anexas continuam alegremente em meio às dificuldades. Os frutos
são assaz satisfatórios. A conferência de Roma ainda continua?”.85 No dia 20 de junho,
na realidade a carta expedida em 24 de outubro, informava sobre o andamento dos
oratórios e sobre a propaganda protestante em Turim, terminando: “muitos sacerdotes
81 P. Pirri, Pio IX e Vittorio Emanuele II dal loro carteggio privato. Vol. II/1. Roma, PUG,
1951, p. 15; F. Motto, Don Bosco mediatore tra Cavour ed Antonelli..., p. 12. Todo o ensaio
(p. 3-20) aclara e documenta o acontecimento.
82 Vejam-se os documentos postos em apêndice ao ensaio de F. Motto, Don Bosco mediatore tra
Cavour e Antonelli..., p. 16-20.
83 Em I 349.
84 Em I 357-358.
85 Em I 515.

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398 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
e clérigos, Cavalheiro Oreglia, Conde Cays, Marquês Fassati, unem-se comigo para
oferecer-lhes cordial saudação”.86
7. Oratório para a diocese: o seminário de Giaveno
O empenho parcial de Dom Bosco, de 1860 a 1862, em uma obra fora da cidade era
por ele assumido em favor do pequeno seminário de Giaveno, pequena cidade de cerca
de 10 mil habitantes e a 37 quilômetros de Turim. O Instituto de formação eclesiástica,
antigamente ao serviço da abadia de San Michele della Chiusa, incorporado na arqui-
diocese turinesa no início do séc. XIX, sofria queda de vocações e de alunos, reduzidos
a vinte em 1859. Em nome da diocese o reitor do seminário arquiepiscopal de Turim,
cônego Alessandro Vogliotti, pedia a Dom Bosco que aceitasse a gestão. Dom Bosco
não negava um ato de solidariedade com a instituição eclesiástica a qual pertencia e
com a qual pretendia manter boas relações nesse momento em que estava dando forma
à Sociedade Salesiana. Porém, diante de algumas lentidões, no dia 5 de junho de 1860
precisava ao Vogliotti: “Esperarei o encontro de Giaveno antes de ir até Cavour”.87
A confirmação levava-o, conforme se verá, a renunciar à proposta de gestir um colégio
civil na província. Mais árdua era a questão se, em Giaveno, o pequeno seminário devesse
tornar-se também colégio civil. As tratativas tiveram que ser tortuosas, visto que dom
Fransoni, no dia 15 de julho, de Lion escrevia ao vigário geral, cônego Fissore: “Acrescente-
lhes [ao côn. Vogliotti] que, quanto ao Seminário de Giaveno, onde, pelo que vejo, as
dificuldades aumentam sempre mais, deixo que ele se arranje como puder”.88 Alguns
dias depois Dom Bosco comunicava a Vogliotti de considerar insuficiente o empenho
financiário do município. Por isso, propunha outro projeto ad experimentum por um ano:
“procurar montar um seminário unicamente para jovens que desejam o estado eclesiástico;
e, renunciando a toda tratativa com o predito Município, estar em plena liberdade com
relação aos professores, limitando-se a alguns licenciados”.89 Assim foi decidido.
Padre Giovanni Grassino (1820-1902) foi reitor durante o primeiro ano escolar.
Foram introduzidos clérigos provenientes do Oratório: Francesco Vaschetti (1840-1916),
Giovanni Boggero (1840-1866), Giuseppe Bongiovanni (1836-1868). Dom Bosco,
diretamente, ou por meio de seus colaboradores, empenhava-se em todos os níveis: as
instalações e a organização material, o envio dos jovens, a direção educativa e a gestão
escolar. Tornava-se presente com visitas no início do ano e em alguma outra rara ocasião,
atento a não interferir na ação do reitor local e na vigilância do cônego Vogliotti, que
86 Em I 586.
87 Carta de 5 de junho de 1860; Em I 405.
88 Cf. L. Fransoni, Epistolario, p. 295.
89 Carta de 18 de julho de 1860; Em I 413.

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Cap XII: O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861) 399
não via com bons olhos o excessivo vínculo do seminário com Valdocco. Obviamente a
obra era considerada diocesana, e podia tornar-se menos aceita, com o passar dos meses,
a interferência de um padre que estava percorrendo caminhos próprios no apostolado
juvenil e na estruturação de uma sociedade religiosa. Além disso, os sustentadores dos
tradicionais métodos educativos seminarísticos não podiam estar de acordo com dois
aspectos antitéticos do sistema educativo introduzido por Dom Bosco: de um lado, o
princípio da presença familiar constante dos jovens educadores entre os alunos, em parti-
cular nos momentos de tempo livre; de outro, a pressuposta sobrecarga de piedade e de
moralismo no ensinamento e no teor geral de vida, vista como de sabor “jesuítico”.
Dos malumores, já no outono de 1861, Dom Bosco informava o arcebispo. Este,
porém, se declarava impossibilitado de intervir em um sentido ou em outro: “porque no
ano anterior, quando não parecia mais possível sustentar o Seminário, e eu não sabia o
que propor, terminei por responder que se arranjassem como pudessem, enquanto eu
abandonei realmente a coisa a seu arbítrio”.90 Com o novo ano escolástico de 1861-
1862, tomava sede o novo reitor, cônego Innocenzo Arduino (1805-1880), já professor
de teologia em Chieri. Dos clérigos de Dom Bosco, Francesco Vaschetti inseria-se no
clero diocesano, enquanto Bongiovanni e Boggero reentravam no Oratório.
Dom Bosco, percebendo que seu interesse direto e suas orientações educativas
não agradavam, embora vendo aumentar notavelmente a afluência dos seminaristas,
estava já preparando sua retirada. Pode-se deduzir tal fato da carta liberatória, de
3 de setembro de 1861, ao próprio cônego Vogliotti, a quem, para o novo ano escolás-
tico, deixava de escolher os clérigos destinados a Giaveno. Não se eximia, contudo, de
deixar claro seu parecer sobre os juízos a respeito da própria condução pedagógica e da
propensão a retomar a própria liberdade: “não posso deixar de fazer-lhe uma humilde
observação, que me veio ontem, pois não quero que se diga uma coisa tanto do Oratório
como do Seminário de Giaveno, isto é, que digam Jesuítas as pessoas e Jesuitismo o
ensinamento. Não se deixe bendar os olhos desta forma; de fato, seja os bons como os
malévolos estão convencidos que tais palavras soam garantia de moralidade. Considere
o que era no ano passado o Seminário de Giaveno e o que é agora (...). Nem se pense
que eu queira imiscuir-me nas coisas de Giaveno. Não: tenho muito que fazer aqui em
Turim em todos os sentidos; desejo ardentemente que o senhor se ocupe para continue
as coisas tão bem começadas em Giaveno”.91
A retirada continuava inevitável, ainda mais com a morte do arcebispo, no dia
26 de março, e com a eleição do cônego Giuseppe Zappata como vigário capitular. Dom
Bosco poderia muito breve ocupar-se de outro colégio-pequeno seminário todo seu,
construído em Mirabello Monferrato.
90 Carta a Dom Bosco de 23 de outubro de 1861; MB VI 1042-1043.
91 Em I 458-459.

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41 Pages 401-410

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41.1 Page 401

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Capítulo XIII
Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial
(1859-1869)
1859
1860
1862
1863
1864
1865
1866
13 de novembro: leis sobre a escola italiana, de Gabrio Casati
18 de dezembro: primeiro núcleo da Sociedade Salesiana
ulteriores ampliações do Oratório
26 de maio: perquirição no Oratório
9 de junho: inspeção escolar
terceira grande rifa pública
4 de dezembro: pedido de aprovação das escolas secundárias do Oratório
como ginásio privado, concedida no dia 21 de dezembro
fim de outubro: início do colégio San Carlo em Mirabello Monferrato
outono: início do colégio São Filipe Neri em Lanzo Torinese
renúncia à associação ao Oratório do Colégio dos Jovens Artesãos, de
padre Francesco Montebruno de Gênova
defesa de um clérigo incriminado por um jovem díscolo
fevereiro: pede sem sucesso ao ministério da Instrução Pública de considerar
o ginásio de Valdocco instituto privado
O novo curso de atividade educativa de Dom Bosco colocava-se em um momento
revolucionário da condição política italiana e em uma situação instável da igreja turinesa e
piemontesa.1 As leis do Reino sardo iam aumentando, com protestos e rebeliões, em relação
ao Sul, definidos indiscriminadamente como banditismo,2 em todas as regiões anexas.
A lei que conduzia a uma reorganização geral do sistema escolar, proposta pelo
ministro Gabrio Casati e aprovada com decreto real no dia 13 de novembro de 1959,
tinha imediatas repercussões em Valdocco já em 1860.3
1 Cf. cap. 1, § 7 e § 9.
2 Cf. cap. 1, § 9.
3 Cf. cap. 1, § 8 e cap. 2, § 3.

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402 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Além disso, a partir dos primeiros anos de 1860, Dom Bosco e sua obra tinha que
se haver com ministros e funcionários provenientes, além da área do Estado sardo, de
outras partes da Itália, alguns de regiões que antes pertenciam ao Estado Pontifício.
Tornar-se-iam familiares, em medidas diferentes, os nomes de Luigi Carlo Farini,
ministro do Interior com Cavour e depois presidente do Conselho em 1862-1863,
Terenzio Mamiani, Bettino Ricasoli, presidente do Conselho depois de Cavour (1861-
1862), Francesco de Sanctis, Michele Amari, Ubaldino Peruzzi, Marco Manghetti,
ministro do Interior com Bettino Ricasoli, por poucos meses, e depois presidente do
Conselho (1863-1864), em seguida à grave doença de Farini, dimissionário no dia 22 de
março de 1863. Deve-se levar em consideração, também, Urbano Rattazzi, presidente
do Conselho de 3 de março a 29 de novembro de 1862.
Particular e análoga a todas as congregações nascentes era a situação na qual se
encontravam na arquidiocese turinense os membros da Sociedade constituída por Dom
Bosco, no dia 18 de dezembro de 1859. Eles continuavam a estar submetidos aos respec-
tivos ordinários seja em relação à formação eclesiástica, seja aos estudos seminarísticos
e à admissão às ordens sagradas. Os mesmos votos religiosos permaneciam privados
até o “decreto de colaudação”, de 23 de julho de 1864, com o qual a Congregação dos
Bispos e Religiosos “louvava e comentava” a Sociedade Salesiana como Congregação
de votos simples sob o governo do fundador, superior geral durante a vida.4 Ora, a arqui-
diocese turinesa, entre a constituição do primeiro grupo de aderentes à Sociedade de São
Francisco Sales em dezembro de 1859 e a aprovação pontifícia em 1869, vivia situações
alentadoras com relação às expectativas de Dom Bosco. De Lion o arcebispo queria
manter bem firme o governo da diocese, com a qual não podia ter uma relação pessoal
imediata e continuada. Era coadjuvado pelo indeciso vigário, cônego Filippo Ravina.
O interlocutor privilegiado de dom Fransoni, porém, era, há vários anos, o provigário,
cônego Celestino Fissore (1814-1889), simpatizante e benfeitor do Oratório de Dom
Bosco desde os inícios. Com a morte de Ravina, no dia 4 de fevereiro de 1858, ele
o sucedia no cargo. Após a morte do arcebispo, em 26 de março de 1862, não fora
eleito vigário capitular o cônego Fissore, de caráter forte, mas o experiente e moderado
cônego Giuseppe Zappata (1796-1883), mais aceito pelo governo: ele permanecia no
cargo até a transferência para Turim, em 22 de fevereiro de 1867, do bispo de Savona,
dom Alessandro Riccardi di Netro, que o quis como vigário geral. À morte do arcebispo
era reeleito vigário capitular (1870-1871) e de novo nomeado vigário geral de Dom
Gastaldi; dava as dimissões, por motivo de saúde, em 1882.
Provavelmente, a situação do governo diocesano podia permitir, entre os anos de 1859
e 1867, a Dom Bosco, bem-visto por dom Fransoni, maior liberdade para realizar seu
projeto de sociedade religiosa e favorecer a tendência sempre mais acentuada de estar com
o papa para as questões a ela atinentes. Isto, contudo, podia comportar algum apoio menor
por parte de alguns e precariedade de referências em pontos capitais da vida dos oratórios
e da incipiente sociedade religiosa. Além do que se disse a propósito de Giaveno, estavam
4 Cost. SDB (Motto) 231.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 403
em questão, sobretudo, os estudos seminarísticos dos clérigos no decurso do longo reito-
rado do cônego Alessandro Vogliotti (1844-1871) e, durante o governo dos vigários, as
ordenações, a aprovação diocesana da congregação e as mediações com Roma.
1. Valdocco
É óbvio que as maiores e mais imediatas preocupações de Dom Bosco tinham como
objeto primordial o Oratório de Valdocco, que se encaminhava para se tornar, por prece-
dência cronológica, amplitude e prestígio, a casa mãe tanto das suas obras juvenis como
da congregação religiosa. E o Oratório, por antonomásia, era o arquétipo e o centro
de irradiação de um novo tipo de obras que começavam a ter prioridade na atividade
educativa: as escolas e os aprendizes, preferivelmente organizados no interior de colé-
gios ou de internatos, com oratório anexo, festivo e quotidiano.
1.1. Valdocco, centro de realizações e inspirações
No pequeno reino de Valdocco, cada vez mais populoso e variegado, Dom Bosco
aprofundava suas solicitudes quotidianas e, juntamente, elaborava na experiência direta
suas idéias educativas.
Aquilo que mais urgia era a ampliação edilícia, condição básica para alargar os
espaços da caridade. As condições essenciais já foram dadas. Em substância, nos
primeiros anos da década de 60, além da ampliação racional dos edifícios existentes,
acrescentavam-se construções menores no simples térreo para a portaria, as escolas e
oficinas, em seguida replanificadas e substituídas: por exemplo, um pórtico recente-
mente construído era fechado e adaptado para oficina dos tipógrafos, os quais, junta-
mente com a dos marceneiros-ferreiros, também ela montada em 1862, fechava a série
das oficinas clássicas dos internatos salesianos. Em um espaço externo ao complexo
edilício existente, no lado sul, encontraria lugar a igreja de Maria Auxiliadora, cons-
truída no quinqüênio 1864-1868. Re-assentamentos acontecerão logo depois de 1869,
levando ao máximo o desenvolvimento do Oratório, enquanto vivia Dom Bosco.
Além dos jovens, hóspedes de eleição, aí encontravam acolhida, de 1860 a 1864, os
seminaristas das dioceses piemontesas, que por várias razões não dispunham, tempora-
reamente, de um seminário próprio. O grupo mais consistente provinha da diocese de
Asti, dirigida pelo vigário capitular Vitaliano Sossi, com o qual Dom Bosco mantinha
boas relações epistolares, concernentes aos acontecimentos vocacionais, formativos e
financiários dos clérigos de Asti em Valdocco.5 Outra correspondência diz respeito a
5 Cf. Cartas ao vigário capitular Antonio Vitaliano Sossi (o bispo, dom Artigo, morrera em
Roma no dia 21 de dezembro de 1859): duas atestadas, em 3 de setembro e 16 de novembro
de 1860, e três existentes, 25 de outubro de 1861, 30 de março e 4 de maio de 1863; Em I 421,
427; 366-367, 576.

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404 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
jovens de outras dioceses que desejavam fazer-se religiosos ou estar com Dom Bosco.
Entre os de Saluzzo destacam-se os nomes de Giovanni Garino, Costanzo Rinaudo,
Luigi Chiapale, Domenico Belmonte.6
De uma carta a outra de Dom Bosco dançam as cifras indicadoras do número dos
jovens acolhidos, de quantos deles cuidavam e dos outros hóspedes. Delas se pode
colher, aproximativamente, o crescimento dos habitantes da comunidade composta.
Entre 1859 1867, passa-se progressivamente dos 300 aos 400, 500, 700, 800.
“O número dos jovens da casa avizinha-se dos quinhentos”, escrevia a um pároco, no
dia 9 de novembro de 1860.7 Exatamente um ano antes, em carta a Pio IX, tinha apon-
tado cifra muito inferior: “os acolhidos somam trezentos”, especificando mais adiante
algumas categorias: “muitos eclesiásticos, que trabalham comigo no sagrado minis-
tério”, “cerca de 50 clérigos”, “perto de duzentos jovens que estudam para iniciar-se
na sagrada milícia”. Não estavam presentes os aprendizes.8 Seguia um contínuo
crescendo: “o número é de 570, sem calcular os que vêem do exterior”;9 “nesta casa
passa o número de 600”10; os acolhidos nesta casa são setecentos; destes, quinhentos
e cinqüenta aspiram ao estado eclesiástico”, uma evidente hipérbole;11 “nossa casa
aumentou no número; os acolhidos são setecentos, duas vezes mais vêem à escola,
provenientes do exterior; e não menos de três mil freqüentam os oratórios nos dias
festivos”.12 Enfim, ao salesiano leigo, cavalheiro Oreglia di San Stefano, que se encon-
trava em Roma em busca de dinheiro, anunciava: “em casa tudo caminha bem: saúde
perfeita, apetite excelente. Número além de 800”.13
No complexo, tem-se a impressão de espaços apertados para uma população mani-
festadamente redundante e heterogênea. As inspecções das autoridades sanitárias não
eram, por certo, arbitrárias ou persecutórias. Em seguida a uma destas, por parte da
Comissão Municipal de Saúde, chegavam severas admoestações do Ofício do inspetor
sanitário da cidade: “imundície das salas destinadas ao estudo e aos dormitórios”, “lixo,
restos e outras matérias” no chão dos pátios internos e nos arredores da cozinha e do
refeitório, latrinas e muros mal cheirosos e em péssimo estado, “grande aglomeração
nas salas destinadas ao estudo e às camas”, e até mesmo a presença de cinco porcos em
um local ao rés do chão, “causa permanente do desenvolvimento de miasmas”. Chamado
após segunda notificação, Dom Bosco respondia ponto por ponto da notificação, anotando
6 Cf. Cartas a Dom Giovanni Antonio Gianotti, bispo de Saluzzo, 11 de outubro de 1858, 18 de
novembro de 1861, 22 de outubro de 1862, 25 de setembro 1863 (Em I 361-362, 468, 532,
603-604); a Dom Luigi Moreno, bispo de Ivrea, 30 de dezembro de 1860 (Em I 429).
7 Em I 426.
8 Carta de 9 de novembro de 1859; Em I 387.
9 À co. C. Callori, 19 de fevereiro de 1863; Em I 483.
10 Ao marquês Giovanni Patrizi, 18 de agosto de 1862; Em I 515.
11 A Pio IX, em 13 de fevereiro de 1863; Em I 553.
12 À duqueza Melzi Sardi, 24 de fevereiro de 1863; Em I 556.
13 Carta de 18 de novembro de 1867; Em I 511.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 405
de próprio punho a segunda carta com breves frases negativas. À advertência que,
segundo os regulamentos vigentes, era absolutamente proibido ter porcos seja no local
relevado seja em chiqueiro próprio, replicava: “nenhuma lei proíbe”, pensando, talvez,
que Valdocco estivesse fora da área urbana. À afirmação: “a Comissão, no entanto, viu
com os próprios olhos os porcos caminhando no gramado e no pequeno pórtico”, reagia
secamente: “não é verdade”.14 Para ele as necessidades e as urgências estavam acima
de qualquer lei, tanto mais que pensava, não sem algum fundamento, em inspecções
causadas “por notícias hostis” difusas pelos jornais que sucumbiam à preconceituosa
Gazzetta del popolo, fortemente anticlerical. Em carta ao amigo marquês Domenico
Fassati informava e comentava: “Terá ouvido por algum jornal que, além das visitas
que o Senhor nos faz nas pessoas da casa, existem também inimigos que nos atribulam
vindos de fora. Imagine: Borella e Bottero foram encarregados pelo município a vir
visitar a nossa casa pelo estado de higiene e de moralidade. Dois preciosos modelos!”.15
Eram, efetivamente, dois médicos ligados à Gazzetta, Giovanni Battista Bottero, com
Felice Govean, o fundador em pessoa, e Alessandro Borella, um dos mais confiáveis
colaboradores.16 Aos “mal informados” e “caluniadores”, como os definia L’Unità
Cattolica, ultra-liberais propagadores das liberdades leigas, Dom Bosco não hesitava
responder exercitando, com muita desenvoltura, a própria. Dava-lhe cobertura o jornal
católico de maior autoridade, fornecendo informações todas seguras: “Nós estivemos,
por várias vezes, visitando este estabelecimento, e jamais notamos qualquer dos fatos
desabonadores”, uma constatação confirmada por nova visita. “Quanto ao número –
prosseguia o cronista –, é verdade que é grande, pois em via ordinária chega aos oito-
centos, mas o local nos parece competente”; e louvava “a previsão de Dom Bosco”, o
qual, ao escutar notícias do cólera em povoados vizinhos, “alojou em outro lugar uma
vistosa parte de seus acolhidos, estando agora o número de oitocentos reduzido a cerca
de trezentos”.17 O “agora”, naturalmente, eram as férias de verão normais.
1.2. À procura de beneficência
Estas eram, contudo, coisas de pouca monta, comparados à busca de sustento para
uma família tão vasta. Por este motivo Dom Bosco não se cansava do incessante mendigar.
Para se ter uma idéia mais concreta, ainda que aproximativa, da entidade das somas
14 Cf. G. Bracco, “Don Bosco e le istituzioni”, in: G. Bracco (ed.), Torino e Don Bosco, vol. I,
p. 152-153.
15 Ao marquês D. Fassati, em 29 de agosto de 1865; Em II 159.
16 F. Della Peruta, “Il giornalismo dal 1847 all’Unità”, in: A. Galante Garrone – F. Della
Peruta, La stampa italiana del Risorgimento, p. 348-349.
17 “Don Bosco e l’Oratorio di San Francesco di Sales”, L’Unità Cattolica, n. 201, quarta-feira,
30 de agosto de 1865, p. 844-845; OE XXXVIII 70-71.

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406 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
gastas, pedidas, oferecidas e recolhidas, pode ser útil a tentativa de atualizar o valor da
lira entre 1861 e 1888 ao euro atual. Para esta finalidade, auxiliam os coeficientes de
revalorização que são calculados e publicados periodicamente.18 Para formar-se uma
idéia aproximativa sobre o montante das somas conseguidas ou gastas por Dom Bosco,
pode-se ter presente o valor médio de uma lira italiana nos últimos três decênios da sua
vida com respeito ao euro atual: 1 lira (média do decênio 1861-1870) = 7065,9804 liras
(1999) = 3,6 euros; 1 lira (média do decênio 1871-1880) = 5839,2913 liras (1999) = 3,02
euros; 1 lira (média dos anos 1881-1888) = 6432,6398 liras (1999) = 3,32 euros.
“Nem mesmo o retirei da mão: mandei-o imediatamente ao padeiro. Deo gratias”,
escrevia Dom Bosco, em 30 de agosto de 1856, à primeira grande benfeitora, marquesa
Maria de Maistre, secundada pelo marido, marquês Domenico Fassati, agradecendo-a
pela oferta de um bilhete de 500 liras, ou seja, 1.824,64 euros. Ao mesmo tempo decla-
rava-se disponível a receber, no período da tarde, Azelia, com 10 anos, da qual parece
ter sido conselheiro espiritual por certo tempo.19 Pão e padeiro eram o íncubo funda-
mental de Dom Bosco, realidade quotidiana e símbolo de tudo quanto precisava para
levar adiante uma obra sempre mais complexa, que não contava com nenhuma fundação
ou réditos fixos. Para o pagamento urgente de “três mil francos ao padeiro” (10.948
euros], no dia 18 de abril de 1863, dirigia-se ao marquês. “É mesmo dar de comida aos
pobres famintos”, explicava, acrescentando: “no decurso do dia estarei junto de si e V.S.
me dará o que o Senhor e a Santa Virgem haverão de inspirar no coração”.20 “Passarei
esta tarde, e V.S. chame isto de pensão ou doação, para nós é sempre caridade que se
recebe com gratidão para pagar o pão consumido pelos nossos pobres jovens”, escrevia
meses depois à marquesa.21 Outra vez, à mesma tinha hipotizado a concessão da parte
do marido, em alternativa à “esmola”, de um empréstimo de 400 liras que quitara com a
entrada da loteria em curso.22 Quiçá com o dinheiro conseguido dos bilhetes adquiridos
dos dois... credores: o marquês era membro da Comissão.
Não somente o apoio à loteria, mas também o pão era o motivo do agradecimento
aos condes Carlotta e Federico Callori, os quais, desde o início da década de 50 eram
muníficentes sustentadores de todas as iniciativas de Dom Bosco. “Quantas vezes,
senhora condessa, nosso corpo de armada de pão relembra os belos dias que passamos
em Vignale!”, escrevia no retorno das alegres passeatas juvenis de outono”.23
18 Tais coeficientes podem ser conseguidos nas tabelas diárias publicadas pelos jornais e
encontradiças na internet (NdT). Desde 1º de janeiro 2002 a lira italiana foi substituída pelo
euro, com a seguinte paridade: 1 euro = 1936,27 liras.
19 Carta “Da Casa”, de 30 de agosto de 1856; do mesmo tom é a primeira carta por nós conhecida,
enviada a ela no dia 22 de dezembro de 1855 (Em I 278), para agradecer-lhe “o pão que em
sua caridade” havia concedido.
20 Ao marquês D. Fassati, no dia 18 de abril de 1863; Em I 573-574.
21 À marquesa M. Fassati, no dia 22 de dezembro de 1863; Em I 625.
22 À marquesa M. Fassati, no dia 26 de março de 1862; Em I 490.
23 À condessa C. Callori, no dia 4 de novembro de 1862; Em I 536.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 407
A audácia de Dom Bosco parecia invadir todos os espaços, terminando mesmo na
indiscrição, como é documentado humoristicamente, ao menos uma vez, por uma carta
a um fiel benfeitor e amigo, o barão Feliciano Ricci des Ferres: a ele e à mulher tinha
enviado consistentes blocos de bilhetes: “a peruca ficou para mim e eu estou contente
porque aceitou os bilhetes em favor dos nossos pobres jovens. A senhora baronesa
mandou-nos de volta os bilhetes. Pense bem: se eu me encontrar em absoluta neces-
sidade, recorrerei igualmente à sua caridade e a senhora, em sua bondade, não saberá
recusar-me. Desta forma a senhora me enviará depois dinheiro sem que eu lhe possa
dar bilhetes de Rifa (...). Receberá junto com esta carta bilhetes da Rifa N. ... Oh! que
despropósito! Já esqueceu a peruca feita para si? Perdoe a brincadeira: Deus o abençoe
e à sua piedosa consorte e me creia sempre com gratidão”.24
Mas a este “pobre pedinte”, como se definia, tudo se podia perdoar. Nem um tostão
permanecia em suas mãos: era efusão de caridade em quem pedia e em quem doava.
Quem quisesse analisar a fundo a amorevolezza do educador, da qual escrevia e falava
Dom Bosco, não poderia parar em seus aspectos afetivos, mas deveria compreendê-la
em sua inteireza, assim como a experimentavam os jovens beneficiados, antes de tudo,
com amor efetivo do tenaz e humilde esmoleiro e dos afetuosos e generosos doadores.
O ato de pedir, porém, acompanhava-se com todas as possíveis e lícitas engenho-
sidades humanas: entre estas, como se viu e se verá, além da administração trans-
parente, a luta contra os esbanjamentos, a pobreza real praticada e feita praticar, e
ainda a rifa. Atingia o máximo envolvimento a dos anos 1865-1867, a mais labo-
riosa por causa da chegada de uma conjuntura econômica negativa ligada à guerra
de 1866. Fora iniciada sob bons auspícios e altos “promotores”. “A nossa rifa
começou muito bem (...). Já temos a aprovação de uma quantidade considerável
de bilhetes”, anunciava ao Marquês Fassati.25 Em favor dela é impossível recordar
todos os inumeráveis apelos pessoais, públicos e privados, em Turim e em Roma,
as muitas cartas individuais e circulares,26 os esforços produzidos por mais de dois
anos. Era jogo de força percorrer o consueto calvário, desta vez em espaços mais
vastos: ter o consenso dos membros da Comissão, encontrar promotores e promo-
toras, recolher objetos, distribuir e fazer distribuir bilhetes, vendê-los em blocos
ou um a um, como fazia ele mesmo pessoalmente na segunda viagem a Roma.
A Pio IX, não somente pedia “sua santa bênção”, mas também que mandasse “alguma
24 Carta de 5 de setembro de 1862; Em I 522-523.
25 Carta de 4 de junho de 1865; Em II 351. Lotteria d’oggetti posta sotto la protezione delle loro
Altezze Reali il Principe Amedeo di Savoia duca d’Aosta... Il principe Eugenio di Carignano.
La principessa Maria Elisabetta di Sassonia cuhesa di Genova. Il principe Tommaso di Savoia
duca di Genova. La principessa Maria Teresa. A favore degli Oratori maschili di Valdocco,
di Porta Nuova e di Vanchiglia in torino e per l’ultimazione di una Chiesa a Valdocco. Turim,
Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1865; OE XVI 247-252.
26 Cf. em 1865, Em II 130-131; em 1866, Em II 236-237, 295-296; em 1867, 327-328, 337-338.

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408 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
doação para colocar no início do catálogo de objetos”. Atribuía ao papa a iniciativa
da mesma rifa: “deliberei recorrer ao meio que V. B. dignava-se sugerir-me por meio
de um benfeitor nosso, isto é, o de uma Rifa”.27 Não deixava de fazer publicidade no
costumeiro fascículo de propaganda, após ter falado da oferta papal de 500 liras para
a construção da igreja: “quando soube que a igreja já fora iniciada e que faltavam os
meios para a continuação, aconselhou uma Rifa e encorajou sua efetivação, mandando
por primeiro alguns objetos que estarão descritos no catálogo que se publicará mais
tarde”.28 O fascículo saído em segunda edição em 1866 colocava em evidência uma
alta mobilização de protagonistas. Os membros da Comissão eram 32, os promo-
tores 364, as promotoras 321. Os membros da Comissão estavam, substancialmente,
centralizados em Turim e o Piemonte. Os promotores, ao invés, estendiam-se por
Gênova, Milão, Florença. Em Roma se anotava Filippo Canori Focardi, com os dois
piemonteses dom Manaconda e Pietro Marietti; entre as promotoras aparecia somente
a princesa Maria Odescalchi.29
O suplicante tinha motivos para pedir, como precisava no pedido de autorização da
rifa: pagar aluguéis, financiar despesas e débitos para a construção, e sobretudo “dar
pão a um número de cerca de 800 pobres jovenzinhos” e “ultimar a construção de uma
nova igreja”, a de Maria Auxiliadora.30
2. Perquisição e inspeções escolares legais
No início do decênio o Oratório de Dom Bosco era objeto de uma perquirição poli-
cialesca, seguida por duas semanas de uma inspeção escolástica, conduzida por motivos
e com métodos de suspeitada natureza política. A reconstrução de uma e de outra,
como quer que se queira, redimensiona a dramaticidade e as amplificações da histo-
riografia salesiana sucessiva. Esta, no mais, espelhava, logo dilatando-o, um memorial
em que Dom Bosco fala indiscriminadamente de “perseguições”,31 talvez pela pressão
27 Carta de 30 de abril de 1865; Em II 128.
28 Lotteria d’oggetti posta sotto la protezione delle loro Altezze Reali... Turim, Tip. dell’Oratorio
di S. Franc. di Sales, 1865, p. 3, n.1; OE XVI 249.
29 Elenco degli oggetti graziosamente donati a beneficio degli oratori di S. Francesco di Sales
in Valdocco, di S. Luigi a Porta nuova, dell’Angelo Custode in Vanchiglia e per la costruzione
della Chiesa dedicata a Maria Ausiliatrice. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales,
1866, 23 p.; OE XVII 1-23.
30 Ao prefeito de Turim, em 15 de março de 1865; Em II 136.
31 Uma versão vistosamente acrescida dava padre Giovanni Bonetti na “Storia dell’Oratorio di
S. Francesco di Sales”, publicada em capítulos no Bollettino Salesiano 8 (1884) n. 1, janeiro,
p. 9-15; n. 3, março, p. 43-49; 9 (1885) n. 1. janeiro, p. 7-12; 10 (1886) n. 2, fevereiro,
p. 16-22; 8, agosto, p. 88-94.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 409
da proximidade dos acontecimentos e do momento histórico particular.32 No dia 1º de
janeiro de 1876, Dom Bosco revelava aos seus: “estas coisas eu também as escrevi, mas
separadamente; delas fiz dois cadernos e, tendo-as escrito, agora pude recordar todas
as particularidades”.33
Os dois acontecimentos tinham finalidade e objetos diferentes. A primeira era uma
verdadeira e própria perquisição, tendo como finalidade verificar os possíveis liames de
Dom Bosco com os inimigos do novo regime político, os que se consideravam contrários à
revolução em ato já nos anos 50 e consumada entre 1859 e 1860, com a espoliação de grande
parte do Estado Pontifício. Ela tinha como responsável, em última instância, o ministro do
Interior, Luigi Carlo Farini, no período de março a outubro de 1860. A inspeção de 9 de
junho, ao invés, tinha como referente o ministro da Instrução Pública, Terenzio Mamiani.
2.1. A perquisição de 26 de maio de 1860
Na memória Le persequisizioni [As perquisições], Dom Bosco colocava em
evidência as presuntas prevaricações, mas, em páginas menos felizes e livres de inve-
teradas crenças sobre o automatismo teológico de “culpa e castigo”, também a O fim
de algum dos nossos perquisitores.34 No final, porém, ele retirava dos acontecimentos
êxitos favoráveis, tornando-os ocasião de contatos positivos com altos representantes
do poder, conduzindo alguns “forasteiros” a saber mais sobre uma obra que lhes era
pouco conhecida.
Na realidade, a perquisição era reação a posicionamentos políticos resolutos e
francos de Dom Bosco, como jamais tivera. No dia 9 de novembro de 1859 ele tinha
enviado ao pontífice uma vibrante carta na qual, usando um plural que envolvia
“a maior parte dos eclesiásticos, e quase todos os párocos, e poderei dizer também a
maior parte dos seculares” subalpinos, declarava abertamente: “nós desaprovamos
altamente quanto nosso governo fez ou faz fazer nas Romagne; se não foi possível
impedir o mal, desaprovamos sempre, com a voz e com os escritos, o que aí se fazia”.
Na primeira pessoa passava depois a assumir tom de profeta: “Mas, Beatíssimo Padre,
eu não lhe devo esconder que a borrasca ainda não passou. Eu temo um governo que se
rege sobre a revolução; temo a cotidiana diminuição dos bons católicos; temo o grande
número de inimigos da ordem que se refugia entre nós ou vão a engrossar as filas
32 Cf. P. Braido – F. Motto, “Don Bosco tra storia e leggenda nella memoria su” Le perquisizioni,
RSS 8 (1989), p. 111-200. Aí apresenta-se em edição crítica o texto da relação em que Dom
Bosco decisivamente toma partido. Para a compreensão de sua mentalidade particular são
clarificadoras as últimas páginas com o título eloqüente “Fine di alcuni nostri perquisitori”
(Ibidem, p. 188-192).
33 G. Barberis, Cronichetta, cad. 3B, p. 47.
34 P. Braido – F. Motto, “Don Bosco tra storia e leggenda”, p. 188-192.

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410 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
dos rebeldes nas Romagne; temo, pois, Deus tenha longe tal flagelo, temo que Vossa
Santidade seja ainda maiormente molestado e talvez perseguido em não se sabe quantas
formas”.35 Quanto aos “inimigos da ordem”, evidentemente Dom Bosco condividia o
malestar municipalista difundido em Turim e em outras cidades do Reino sardo, susci-
tado pelo grande afluxo, desde o final de 1848, dos que vinham de fora ou expulsos
dos Estados dirigidos pelos regimens absolutos restaurados, tidos como portadores de
inquietudes revolucionárias e fruidores de privilégios indevidos por parte da classe
política de orientação liberal ou democrática.36
Pio IX, com um breve de 7 de janeiro de 1860, agradecia a Dom Bosco “pela filial
ligação” demonstrada “nesta grande desordem da Itália e reviravolta das coisas públicas,
e na rebelião de algumas províncias de nosso domínio temporal”; “essa rebelião, como
é por todos conhecida – prosseguia o pontífice – é provocada por incitações e maqui-
nações externas, e fomentada e sustentada por toda sorte de meios”. Dom Bosco o
fazia imprimir pela editora Paravia e difundir o texto latino e a tradução italiana em
um manifesto de 42 + 30,3 cm., republicando-o, em dúplice versão, latina e italiana, no
fascículo de abril das Leituras Católicas.37 L’Armonia de 28 de janeiro de 1860 tinha
trazido o texto italiano. Mais adiante, no dia 13 de abril de 1860, Dom Bosco enviava
ao papa os nominativos dos jovens que desejavam “oferecer seu óbulo, ou melhor,
seu centésimo para o dinheiro de São Pedro”, soma que chegaria por meio da direção
de L’Armonia. Seus jovens – confessava ao pontífice – teriam querido dar antes “um
sinal de gratidão e de veneração”; “mas os tempos eram tão tristes – continuava –, que,
para não comprometer-nos inutilmente, tivemos que nos limitar a rezar a Deus nos
ângulos de nossas casas e de nossas igrejas”. Contudo – admitia –, embora as coisas
continuem ainda em estado violento”, os jovens saíram ao descoberto, promovendo a
“subscrição para oferecer seu óbulo”. Informava, depois, sobre a situação religiosa em
Piemonte, formulando claras avaliações políticas, obscuras profecias, razões de espe-
rança: “Estamos no momento mais calamitoso. Até o momento o clero piemontês está
firme na fé, mas agora as ameaças, as promessas, as concessões de dinheiro, e o mal
exemplo do clero dos vilarejos anexos fazem temer muito para o futuro. Uma parte do
clero em algumas diocese deu sinal público de adesão à política atual; algumas corpo-
rações religiosas fizeram repetidamente a iluminação para festejar a famosa anexão.
O projeto é não somente invadir a Romagna, mas todas as outras províncias da Santa
Sé, de Nápoles, Sicília etc. (...). Portanto, Beatíssimo Padre, se consideramos o estado
das coisas apoiado no socorro humano, devemos dizer que nos avizinhamos de um
período de destruição para a fé, época de sangue para quem quer defendê-la. Todavia,
Beatíssimo Padre, alegre-se no Senhor. A Santa Virgem Imaculada prepara do céu um
grande triunfo para a Igreja. Este triunfo será para breve. É verdade que nos precederá
35 Em I 386-387.
36 Cf. G. Candeloro, Storia dell’Italia moderna. Vol. IV. Milão, Feltrinelli, 1964, p. 216-217.
37 G. Bosco, Vita e martirio de’ sommi pontefici San Lucio I..., p. IV-VII; OE XII 150-153.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 411
uma horrível catástrofe de males, mas eles serão abreviados por Deus. Nós pedimos
para que tenha fim o reino do pecado e que em toda coisa se faça a santa vontade
de Deus”. Enfim, prometia dirigir-se novamente, o mais breve possível, a Roma para
encontrar o papa – dizia – “antes que chegue o final destes dias”.38
À distância de um mês chegava a resposta do papa, confortado pela “fidelidade,
piedade e devoção” de Dom Bosco e dos jovens, e pela sua “aguda dor e luto causados
pelas celeradíssimas e sacrílegas agressões perpetradas ao Nosso domínio civil e desta
Sé Apostólica, por aqueles homens que movem feroz guerra à Igreja católica e à sua Sé,
que não hesitam pisar todos os direitos humanos e divinos”.39
Ademais, tendo chegado a Turim no dia 22 de maio, o cardeal Cosimo Corsi, arce-
bispo de Pisa, obrigado pelo governo a domicílio forçado,40 Dom Bosco fazia-lhe visita
com a duração de duas horas, na qual o cardeal lhe contava os fatos da captura e da
viagem, prometendo, no termo de sua prisão, fazer uma visita ao Oratório.41
Não se deve admirar que, em um momento de repentina transição política e da deli-
cada posição do Reino sardo, quer em nível nacional quer internacional, crescesse entre
os governantes a desconfiança em relação ao “partido reacionário” e ao clero, tidos
como potenciais fatores de instabilidade, se não de subversão, com abertas e ocultas
conivências com Roma. Dom Bosco não era uma excessão nesse fato. O quanto bastava
para a perquirição de sua habitação e de outros de segura fé filoromana.
A perquisição, efetuada por ordem do questor no período da tarde de sábado 26 de
maio de 1860, vigília de Pentecostes, entre formalidade inicial e final durou algumas
horas. O jornal L’Armonia a publicava três dias depois a ata liberatória com uma apre-
sentação irridente.42 Os documentos mais comprometedores eram conhecidos: cartas
a Roma e de Roma. Outras perquisições aconteceram em junho nas casas do cônego
Ortalda e do padre Cafasso, que morreria no dia 23.43
O conde Federico Sclopis di Salerano (1798-1878), grande jurista e homem político
piemontês, ardoroso católico aberto às idéias liberais, anotava, no dia 27 de maio, em
seu Diario segreto: “Nestes últimos dias a polícia fez perquisições, seguindo ordem
judiciária, na casa de Dom Bosco, do Cônego Ortalda, todas absolutamente sem efeito.
Atos vexatórios feitos de propósito ou sinais pueris de inquietude”.44
A inspecção não chegara a lugar nenhum; não foi encontrado nenhum corpo de delito.
38 Em I 400-401.
39 Citado por P. Braido – F. Moto, Don Bosco tra storia e leggenda, p. 119.
40 Cf. cap. 1, § 7.
41D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales nº 1º 1860, p. 7-8.
42 “Perquisizione nell’Oratorio di S. Francesco di Sales”, L’Armonia, terça-feira, 29 de maio de
1860; OE XXXVIII 53-54.
43D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales Nº 1º 1860, p. 12.
44 F. Sclopis di Salerano, Diario segreto (1859-1878), editado por P. Pietro Pirri, S.I. Turim,
Deputazione Subalpina di Storia Patria, 1959, p. 248.

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412 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
No dia 12 de junho, seguindo-se à inspeção escolar do dia 9 de junho, considerada
uma segunda perquisição, Dom Bosco escrevia a Farini e ao ministro da Instrução
Pública Mamiani duas cartas de conteúdos idênticos a respeito do aspecto político do
problema. Em ambas sublinhava a própria atividade de “vinte anos” em Turim, assegu-
rando: “jamais misturei-me em coisas políticas”, “fui sempre rigorosamente estranho à
política”; “em todo esse tempo sempre estive de acordo com o Governo”, “jamais disse,
fiz ou insinuei coisa alguma que estivesse em oposição às leis do Governo”.45 Com isso
pretendia ter esclarecido sua posição e a do Oratório com relação ao Estado unificado,
segundo o princípio de absoluta neutralidade política e de fidelidade à monarquia e às
autoridades constituídas, atestada por vinte anos de benéfica atividade em Turim, em
favor da juventude pobre e abandonada.
Como quer que se queira, Farini convidava Dom Bosco para ir ao ministério no dia
13, concluindo o colóquio – na versão do cronista – com palavras serenadoras: “Vá, pois,
tranqüilo, procure somente ficar longe da política e continue fazendo o bem aos jovens”.
É o que narra Domenico Ruffino na crônica redigida naqueles dias, naturalmente em
base a narrações familiares de Dom Bosco.46 Parcialmente redundantes aparecem as
divagações introduzidas por Dom Bosco em sua memória, para edificação dos filhos:
a hipotética conversação com o secretário geral do ministério, Guido Borromeo (e não
Silvio Spaventa), vários particulares da conversação com Farini, o entretenimento com
Cavour e Farini, a despedida cordial por parte do ministro do Interior: “Dom Bosco,
volte para casa, ocupe-se tranqüilo de seus jovens, pois o governo lhe será reconhecido
(...). Depois, apertando-me ambas as mãos: nós seremos amigos para o futuro, e o
senhor rezará também por nós”.47
2.2. Primeira inspeção escolar e visita cardinalícia
A memória de Dom Bosco prossegue a narração da perquisição com um outro título
Outras perquisições. Na realidade se tratava de inspeções escolares normais e legí-
timas. Da versão de Dom Bosco, contudo, parece que a atenção dos visitantes fosse
dirigida aos conteúdos, patrióticos ou nem tanto, dos professores, e menos aos títulos
legais dos mesmos. Porém, da carta enviada imediatamente a Terenzio Mamiami desco-
bre-se que estavam em jogo também estes. De resto, entre as condições de abertura
de “Estabelecimentos privados de Instrução secundária” estavam também as seguintes:
“Que as pessoas às quais serão confiados os diversos ensinamentos tenham respectiva-
45 Cf. Cartas do dia 12 de junho de 1860, Em I 407-408, 408-410.
46D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales Nº 1º 1860, p. 12-14, in: P.
Braido e F. Motto, Don Bosco tra storia e leggenda..., p. 196-197.
47 P. Braido e F. Motto, Don Bosco tra storia e leggenda..., p. 164-173.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 413
mente os requisitos exigidos por esta lei, para aspirar ao ensino em uma escola secundária
pública, ou títulos eqüipolentes”; “Que o Estabelecimento esteja aberto em todo tempo
às Autoridades à qual está adstrita a inspeção ordinária das escolas secundárias, como
também às pessoas para as quais o Ministério dará delegação para essa finalidade”.48
As cinco classes ginasiais que Dom Bosco abria gradualmente no Oratório de
Valdocco, de 1855-1856 a 1859-60, caíam sob o regime das três leis sucessivas: Bom
Compagni (outubro de 1848), Lanza (junho de 1857) e Casati (novembro de 1859).49 A
esta última ele devia definitivamente adequar-se, fazendo as contas com ministros da
Instrução Pública, de marcantes tendências centralizadoras, com exceção de Mamiani
e de Berti.50 De 1860 a 1867 sucediam-se no ministério: Terenzio Mamiani (21 de
janeiro de 1860 a 22 de março de 1861), Francesco de Sanctis (22 de março de 1861 a
3 de março de 1862), Pasquale S. Mancini (3 a 31 de março de 1862), Carlo Matteucci
(31 de março a 8 de dezembro de 1862), Michele Amari (8 de dezembro de 1862 a 27
de setembro de 1864), Giuseppe Natoli (27 de setembro de 1864 a 31 de dezembro de
1865), Domenico Berti (31 de dezembro de 1865 a 17 de fevereiro de 1867), Cesare
Correnti (17 de fevereiro a 10 de abril de 1867), Michele Coppino (10 de abril a 27 de
outubro de 1867).
A primeira inspeção mais documentada aconteceu em 9 de junho de 1860. Ela era
efetuada em base às precisas disposições de lei sobre o direito de supervisão sobre o
ensino privado pelo ministro da Instrução Pública “em tutela da moral, da higiene, das
instituições do Estado e da ordem pública” (art. 3). O art. 5, além disso, estabelecia que
o ministro, com seus funcionários ou seus delegados, devia vigiar sobre “as escolas e os
institutos privados de instrução e de educação” e, no caso de não “conformidade com a
lei”, podia decretar seu fechamento, embora fosse “com o prévio parecer do Conselho
Superior”. A conformidade com as leis dizia respeito, segundo o Regolamento apli-
cativo de 23 de dezembro de 1859, aos títulos legais dos professores, ao “andamento
dos estudos”, à “manutenção das disciplinas escolares” e à salvaguarda da higiene, da
moral, das instituições do Estado e do programa de estudos previsto no momento da
abertura da escola.51
Na carta a Mamiani, Dom Bosco tocava, além do motivo político, sobretudo no
problema estritamente escolar com referência somente à inspeção, definida como
“uma perquisição nas escolas, no dormitório, nos utensílios de mesa, nas entradas e
saídas, sobre a proveniência dos meios, com os quais esta obra é sustentada”. Aqui
se nota, contudo, certa ambigüidade na aceitação do princípio das escolas como
“Estabelecimento privado de Instrução secundária”. Segundo ele, seu ginário privado
pertence a uma Casa de Beneficiência e se, em linha geral, é admitida a necessidade de
48 Tit. III, cap. VIII, art. 246.1 e 3.
49 Cf. cap. 1, § 8.
50 Cf. G. Talamo, La scuola della legge Casati alla inchiesta del 1864. Milão, Giufbrè, 1960.
51 P. Braido – F. Motto, Don Bosco tra storia e leggenda..., p. 122-123.

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414 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
professores munidos de título legal, várias considerações de caráter histórico, moral e
econômico postulam por parte das autoridades escolásticas ampla tolerância e latitude
a respeito de sua posição jurídica, embora sem transigir sobre a competência cultural
e didática. Na carta defensiva, Dom Bosco colocava antes do tema escolar a precisa
afirmação: “minhas escolas não foram jamais aprovadas legalmente porque são escolas
de beneficiência”. Obviamente, começava confundindo as cartas, arrastando na mistura
ao redor de seu ginásio escolas totalmente fora da lei Casati: dominicais, noturnas,
profissionais. Nessa ótica, prosseguia: “Os Provedores, os Inspetores e os Ministros
da Instrução Pública – jamais interessados de escolas não ginasiais – eram informados
dessa situação e davam tácita aprovação com visitais pessoais, vindo assistir os exames,
como fizeram várias vezes o Cavalheiro Baricco, o Inspetor Nigra, o Cavalheiro Aporti,
e outros”. Alegava também uma carta do ministro Lanza, de 29 de abril de 1857, que
encorajava “a obra dos Oratórios e as escolas” que aí existiam. Afirmava, neste ínterim,
que já tinha dado passos para a solução legalmente mais correta: “É verdade que a lei
Casati submete o ensino a algumas formalidades, às quais eu já tinha iniciado com
aquele Ministro, que foi e é nosso insigne benfeitor. E tal coisa eu teria executado antes
que começasse o ano escolástico de 1860-61, no qual deve ser cumprida a aplicação
geral da lei, art. 379”. Terminava com expressões diretas a uma improvável “moção
dos afetos” do ministro-filósofo pesarese: “Se V.S. Il.ma, após ter lido quanto escrevi
acima, se decidisse a tomar alguma deliberação em propósito, eu não tenho dificuldade
em me submeter. Eu lhe peço humildemente apenas para que faça tal em privado, como
um pai, o qual deseja que as obras se realizem da melhor forma possível, mas não com
atos ameaçadores, que a este propósito produzem dano irreparável”.52 Da mesma forma
teria agido também nos anos sucessivos.
No entanto, Dom Bosco não tomava cuidado de presumíveis choques político-eclesiás­
ticos e procedia com liberdade evangélica. No final do mês de maio visitava o Oratório o
secretário do cardeal Corsi, acompanhado de dom Tortone e, em 4 de junho, os clérigos
do Oratório faziam visita ao cardeal.53 No dia 14 de julho, uma semana antes de retornar
para Pisa, a arcebispo mantinha a promessa de visitar o Oratório. Para Dom Bosco e para
seus jovens e colaboradores foi ocasião de fortes emoções e de liames duradouros. Ele aí
parecia um perseguido pela fé, corajoso arauto da liberdade de consciência, inimigo de
qualquer instrumentalização política da religião. Celebrou a missa logo cedinho, acom-
panhado pelos cônegos Ortalda e Allasio, e fez um pequeno sermão antes da comunhão.
Após o café da manhã – continua a crônica – “tendo-se preparado para ele um trono sob
os pórticos, o arcebispo assistiu e escutou com prazer a música e as poesias di Francesia
e Bongioanni, assim como a prosa lida por Rua, que coroou a obra na qual pedia que
se recordasse de nós e que nos protegesse junto da Santa Sé”. O cardeal prometia
empenhar-se. Dom Bosco lhe entregava pelas mãos de três jovens a coleção completa
52 Em I 407-410.
53D. Ruffino, Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales Nº 1º 1860, p. 10 e 11.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 415
das Leituras Católicas e um deles lhe pedia que as fizesse conhecidas em sua diocese.
O cardeal visitou com apreço toda a casa, bendizendo em particular a cozinha, “dizendo
O Senhor proveja abundatemente para todos”. Despedia-se às dez e meia “entre os gritos
de Viva Pio IX e Viva o Cardeal Cosimo Corsi”.54 Da “duradoura lembrança” do cardeal,
que fora ao Oratório “com o afeto de um terno pai”, Dom Bosco dava certeza em carta ao
secretário do purpurado, nos primeiros meses de 1861, prometendo: “Em todo caso, se
vai ser ainda longa a espera para ir a Toscana sem passaporte [antes de uma improvável
restauração do grão-ducado?], tenho em mente fazer uma viagem a Pisa”.55
Dom Bosco teve ainda ocasião de estabelecer cordiais e profícuas relações com
o cardeal Filippo de Angelis (1792-1877), arcebispo de Fermo, obrigado a prolon-
gado domicílio coagido em Turim desde o final de setembro de 1860 até o início de
dezembro de 1866.56 Durante a permanência em Turim – como se acenará – o purpu-
rado foi também envolvido na revisão das Constituições Salesianas.57
2.3. Inspeções, defesas, compromissos
No decurso do ano escolar 1861-1862, Dom Bosco não gozou de indesejadas aten-
ções por parte do ministério da Instrução Pública. Recebia somente uma circular do dia
28 de março de 1862, com a qual o provedor aos estudos, Matteo Muratori (1810-1893),
pedia de volta alguns módulos com informações “seja sobre o pessoal diretivo professor
e serventes deste ginásio, seja com relação ao número de alunos e ouvintes para cada
classe e à proveniência dos fundos no mesmo”. Do detalhado rendiconto resulta que
os professores eram desprovidos de títulos legais, mas existia a promessa de pô-los
em regra com as disposições de lei.58 Ao invés, um passo importante, em certo sentido
contraditório, na gestão da sua escola secundária, Dom Bosco cumpria no ano escolar
de 1862-1863. Na primeira parte dele era ao ministério da Instrução Pública, no gabi-
nete Rattazzi (31 de março a 8 de dezembro de 1862), o licenciado Carlo Matteucci.
Sucedia-o, no ministério Farini-Minghetti (8 de dezembro de 1862 a 24 de março de
1863), o historiador Amari. Francesco Selmi, que fora colaborador do ministério, justa-
mente em dezembro se tornava provedor de Estudos em Turim, onde permanecia até
o final de julho de 1864. Era funcionário tanto exigente em pedir dos professores os
títulos legais, quanto tolerante e flexível em admitir tempos razoáveis para sua aqui-
sição. A ele, no dia 4 de dezembro de 1862, Dom Bosco enviava pedido formal para
54D. Ruffino, Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales Nº 1º 1860, p. 16-18.
55 Carta ao P. Sonnino Donnini; Em I 631.
56 Sobre de Angelis, cf. DBI XXXIII (1987), p. 277-280. Laico e unilateral é o livro de G. Letti,
Fermo e il cardinale Filippo de Angelis. Roma, Soc. Ed. Dante Aleghieri, 1902, p. 231-238.
57 Cf. Cartas de Dom Bosco ao vigário geral C. Fissore, em 9 de março de 1861 (Em I 631), e
ao vigário capitular G. Zappata, 24 de março de 1863 (Em I 562).
58 Cf. Documenti VIII 98; MB VII 305.

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416 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
“aprovação regular” de suas classes ginasiais como “instituto privado segundo a norma
do Artigo 246 da Lei sobre a Instrução Pública” na qual “o Ensino” seria “conforme
os Programas e conforme as disciplinas governamentais em conformidade ao supra-
citado artigo, como – assegurava – já é praticado até agora. Apresentava, também, a
lista dos professores. Para os últimos quatro – Anfossi, Durando, Cerrutti e Francesia
– pedia “uma aprovação provisória”, reservando-se para o tempo que lhe fosse fixado
de “apresentar os mesmos ou outros, mas com todos os títulos exigidos pela Lei”. “De
passagem – notava – o escopo desta Casa é que estas escolas Ginasiais sejam uma
espécie de pequeno Seminário” para jovens de capacidade e virtude, mas “privados ou
com poucos meios de fortuna”.59 O provedor, com cortês pre-aviso a Dom Bosco, dele-
gava o doutor Vigna a “visitar o local” para o ginásio, do qual era pedida a aprovação.60
Na memória sobre as Perquisições Dom Bosco concluía um colorido diálogo com o
provedor com estas palavras: “O Decreto para as nossas escolas foi o seguinte...” [falta
o texto]; era de 21 de dezembro.61 À sucessiva exigência de apresentar um quadro esta-
tístico do Oratório, Dom Bosco introduzia anotações interessantes: a denominação do
instituto era conscientemente bifronte, para não dizer ambígua: Refúgio ou ginásio dito
Oratório de São Francisco de Sales em Valdocco. Precisava: “não é governativo, nem
equiparado aos governativos, mas foi provisoriamente aprovado pelo R. Provedor dos
estudos, com decreto de dezembro de 1862”. Declarava que os livros adotados eram
“os indicados pelos programas governativos”. Informava sobre o horário anual e diário
das lições, sobre os professores com os respectivos títulos, sobre o número dos alunos
para cada classe.62 Dom Bosco, portanto, se inseria no sistema do ginásio privado, mas
com reserva, pois ele era, ao mesmo tempo, “Refúgio” ou seja “Casa de Beneficiência”.
Não faltava, como quer que se queira, a preocupação de chegar, com várias fórmulas, à
disponibilidade de professores legalmente habilitados para obter o reconhecimento dos
ministros da Instrução Pública e dos provedores aos estudos no cargo.63 Estava anexado
juntamente o pedido de espaços de tempo para a preparação, apelando-se ao caráter
benéfico de suas prestações.
“Vossa Senhoria – escrevia ao provedor – dignar-se-á considerar o escopo benéfico
para o qual tendem essas classes. É por isso que tem como único escopo o auxílio de
pobres jovens que têm o mérito do engenho e da moralidade, mas são de fato privados,
ou quase totalmente, dos meios de fortuna para cultivar a inteligência que a divina provi-
59 Carta de 4 de dezembro de 1862; Em I 542.
60 Documenti VIII 101; FdB 996 E 3.
61 Cf. P. Braido e F. Motto, Don Bosco tra storia e leggenda..., p. 177.
62 Cf. Documento em MB VII 856-858.
63 Cf. Carta a Michele Amari, em 7 de março de 1863; Em I 558-560. Citava ainda a carta do
ministro Giovanni Lanza de 29 de abril de 1857 (n. 1585); ao reitor da Universidade de Turim,
Ercole Ricotti, no dia 14 de abril de 1863 (Em I 572); e a F. Selmi, no dia 13 de julho (Em I
588-590). Cf. P. Braido e F. Motto, Don Bosco tra storia e leggenda..., p. 125-127.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 417
dência lhes doou”.64 Era, além disso, obra socialmente útil dar gratuitamente a possibi-
lidade de qualificada elevação cultural a jovens dotados de classe humilde, que teriam
podido freqüentar os ginásios públicos. Talvez também por isso é que as relações com
o provedor aos estudos, Francesco Selmi, outrora reitor da Universidade de Modena,
após o primeiro encontro, as relações tenham sido sempre boas, até mesmo cordiais,
inspiradas na compreensão da natureza e da situação particulares do Oratório.65
Durante a gestão da providoria de Selmi – teria ficado em Turim até o verão de 1864,
sendo sucedido por um sincero admirador da obra educativa de Dom Bosco, Vincenzo
Garelli (1818-1878) – acontecia no Oratório, como em todas as escolas secundárias da
Itália, uma inspeção ministerial, realizada em Valdocco na terceira semana de abril de
1863 pelo professor Luigi Ferri, sendo chefe-divisão da Instrução Pública Luigi Stefano
Gatti. “De dois dias para cá há um encarregado do governo que visita e examina nossas
escolas e os alunos”, anunciava no post-scriptum de uma carta à Condessa Carlotta
Callori, do dia 26.66 Entre as incriminações sobressaía a pouca conformidade dos estudos
e do espírito “com as atuais instituições governativas”, a qual, segundo os críticos, era
difundida também pela História da Itália. Dom Bosco aproveitava a ocasião para obter
audiência quer do ministro do Interior, Ubaldino Peruzzi, quer do ministro da Instrução
Pública, Michele Amari. A ambos esclarecia posteriormente suas idéias em duas cartas,
das quais se conservam as minutas. Nelas confirmava a própria lealdade política e a
correição científica e pedagógica de seu fazer história. Para a acusação de que a História
da Itália não fosse “conforme o espírito que se quer”, não contrapunha teorias a Peruzzi,
e sim fatos: o livro não era texto escolar; fora escrito a convite do “Ministro da Instrução
Pública” [?], que tinha retribuído a homenagem da primeira cópia com a doação de 300
francos; após os acontecimentos dos anos 1860-62 foram feitas as oportunas modifi-
cações, como se podia ver na quarta edição; “as praças, as estradas, os cárceres, os
hospitais” nos quais agia há mais de vinte e três anos eram o testemunho mais mani-
festo da incensurabilidade de seu agir. Por isso, ele terminava pedindo ao ministro
apoio moral e auxílio, uma vez que a própria obra – escrevia – “tendia unicamente a
impedir que os jovens abandonados vão povoar os cárceres, e que os que lá estão não
consigam mais sair”. Todas essas coisas são do interesse do governo.67 Ao historiador
Michele Amari, procurava defender seu produto, distinguindo entre “verdade histórica”
das “coisas” narradas e a “forma de entendê-las”, ou seja, “o espírito da história”, que
para ele se dobrava em um escopo educativo.68 Tal modo de entendê-la – garantia –
havia-lhe assegurado somente palavras de encorajamento”.69 Em setembro, Dom Bosco
dava à marquesa Fassati o anúncio dramático, talvez conexo com a exigência da lista dos
64 A F. Selmi, outubro de 1863; Em I 609-610.
65 Cf. P. Braido e F. Motto, Don Bosco tra storia e leggenda..., p. 173-178.
66 Em I 575; cf. MB VII 244-255.
67 A U. Peruzzi, maio-junho 1863; Em I 583-584.
68 Cf. Introdução à terceira parte, § 2.1.
69 Carta de maio-junho 1863; Em I 584-585.

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418 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
professores para o próximo ano: “O demônio declarou guerra aberta a este Oratório, e
estou ameaçado de fechamento se não o conduzo à altura dos tempos para secundar o
espírito do Governo”.70 Mas desta vez o diabo não conseguia provocar danos.
O último ato dos acontecimentos escolares nos anos sessenta concluía-se com uma
carta, de fevereiro de 1866, ao ministro Domenico Berti (1820-1897), ilustre pedagogo
militante e paladino da instrução popular, avesso ao centralismo da lei Casati,71 titular da
Instrução Pública no segundo ministério Lamarmora e no segundo ministério Ricasoli,
de 31 de dezembro a 17 de fevereiro de 1867.72 Dom Bosco imprimia uma correção
à linha até então seguida, prelúdio da que seria a posição declarada no final dos anos
70. Do ginásio privado, anexo a uma casa de beneficiência, passava decididamente à
idéia da escola paterna. Ao ministro Domenico Berti escrevia a respeito do próprio
empenho há mais de vinte e cinco anos com as escolas anexas. Continuando a forçar
os tempos e a história, e ajuntando confusamente escolas noturnas, dominicais, profis-
sionais, ginasiais, assegurava ao ministro que as “escolas secundárias [do Oratório] no
passado foram sempre consideradas como obras de zelo e de caridade, por isso o Sr.
Ministro da Instrução Pública em várias ocasiões o recomendou, encorajou-o”. Citava
ainda a carta de 29 de abril de 1857, com a qual o ministro Lanza “dignava-se significar
(...) que aquele ministério desejava concorrer com todos os meios que estavam em seu
poder para que nossas escolas tivessem o maior desenvolvimento”. Os reais prove-
dores aos estudos “por mais de vinte anos” favoreceram-no “sem olhar se o maestro
fosse ou não registrado”. Somente “de alguns anos para cá” – dizia, silenciando sua
voluntária aquiescência – o Real Provedor, embora em modo assaz benévolo, consi-
derando este estabelecimento somente como público ginásio-abrigo, queria submeter
estas escolas a todas as leis e disciplinas com as quais são governados e dirigidos os
colégios públicos”. A exposição era seguida de três precisos pedidos: “1º Em consi-
deração do artigo 251 da lei da Instrução Pública (...), 2º Do artigo (...) que dispensa
as pessoas que ensinam a título gratuito às pobres crianças das escolas elementares ou
técnicas de fazer constar a sua idoneidade, 3º Em consideração também de quando
V. E. pronunciava há algum tempo na câmara dos deputados com o qual proclamava
querer conceder toda possível facilicitação à liberdade de instrução; peço, digo V. E.
queira considerar o diretor deste estabelecimento como pai dos jovens aqui abrigados,
aos quais verdadeiramente provê quanto lhes é necessário para a vida material e moral,
Que o ensino é totalmente gratuito, e administrado a jovens pobres que não têm outro
meio para estudar, Que seria um grande benefício material e moral se pudesse livre-
mente administrar a instrução secundária a estes jovens segundo sua capacidade e
necessidade. Portanto, se conceda ao Sacerdote Bosco Giovanni, diretor do Oratório
de São Francisco de Sales, coadjuvado por pessoas caridosas, de ministrar a instrução
70 Carta de 3 de setembro de 1863; Em I 599.
71 Cf. cap. 1, § 8.
72 Cf. “Berti, Domenico”, DBI IX 511-514.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 419
secundária aos pobres jovens acolhidos neste estabelecimento, em conformidade com
os artigos mencionados, isto é, dispensá-los de fazer constar sua idoneidade à autoridade
escolar” “Conforme é ministrado à mais de vinte e três anos” [acrescenta em nota].73
Com carta de 26 de fevereiro de 1866, o síndico de Turim, Filippo Galvagno, apoiava o
pedido do digno diretor do pio instituto, pedindo que o ministro se dignasse “continuar
o tratamento até então concedido, de não constrangê-lo a manter professores titulados
para a instrução secundária”.74 Berti autorizava o procedimento para que os profes-
sores em exercício continuassem, por aquele ano, a atividade didática, enquanto para o
ano sucessivo Dom Bosco deveria adequar-se à lei, confiando as classes a professores
provistos de títulos legais. No final de julho, o teólogo Barico, inspetor dos estudos
da província, pedia informações sobre professores, programas, número de alunos de
cada classe.75 Em 1869, publicando o grande volume Turim descrita, o autor falava em
dois contextos diversos do Oratório de São Francisco de Sales: “melhor que Instituto
de instrução e de educação, deve-se dizer Instituto de beneficiência”, porque os alunos
pagam uma pequeniníssima pensão, e a maior parte deles é aí mantida gratuitamente”;
“ele tornou-se um dos mais notáveis estabelecimentos de instrução popular e de bene-
ficiência de Turim. Ele, de fato, compreende: 1º Um internato de aspirantes ao estado
eclesiástico; 2º Um abrigo de jovens que fazem os estudos ginasiais; 3º Um abrigo de
aprendizes; 4º Uma escola festiva noturna; 5º Uma escola quotidiana noturna; 6º Uma
escola quotidiana diurna (...). Os estudantes ginasiais têm aulas internas”76.
Contudo, gradualmente Dom Bosco tinha aviado e teria continuado a aviar alguns
para a consecução de títulos legais.77
As primeiras freqüências regulares aos cursos universitários datam dos anos 1864-
1866. Os primeiros foram Giovanni Anfossi, depois padre diocesano, Giovanni Battista
Francesia, Francesco Cerrutti, Celestino Durando. As primeiras láureas foram conse-
guidas em 1865 pelo padre Francesia e, em 1866, pelo padre Cerrutti. Outros o seguiram
nos anos sucessivos pela láurea em letras ou em teologia. Dom Bosco fazia questão,
como evidencia também esta carta ao clérigo Cagliero, de impulsionar atitudes para a
música: “Também eu desejo que tu te ocupes do piano e do órgão; mas como a aula de
método é quase toda conforme aos estudos filosóficos, que estás cursando; como este
curso é de alguns meses, desejo que tu prefiras a metódica, gastando no piano o tempo
que agora é possível; o que faltar tu vais repor depois do exame”78.
73 Carta de fevereiro de 1866; Em II 203-204.
74 Cf. L’Oratorio di San Francesco di Sales ospizio di beneficenza: esposizione del Sacerdote
Bosco Giovanni. Turim, Tip. Salesiana, 1879, Anexo n. 4, p. 38-39; OE XXXI 294-295.
75 Em II 281-282.
76 P. Baricco, Torino descritta. Turim, Tip. G. B. Paravia e comp., 1869, p. 708 e 812.
77 Cf. por exemplo, carta ao ministro da Instrução Pública Carlo Matteucci, em 11 de novembro
de 1862; Em I 537-538.
78 Carta de 23 de julho de 1856; Em I 294.

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420 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Contudo, os laureados muitas vezes eram logo ocupados em outras tarefas, contando
com a tolerância de funcionários possibilistas com um homem que estimavam e admi-
ravam. Entre outras coisas, alguns ministérios, em particular o do Interior, eram interes-
sados no Oratório, ao qual confiavam muitas vezes jovens necessitados de assistência
e de educação.
Na memória sobre as Perquisições, Dom Bosco terminava, talvez, por não fazer
plena justiça a uma classe política constituída, geralmente, de liberais moderados,
definitivamente tolerantes. Com a Esquerda no poder, a batalha escolar teria sido bem
mais áspera.79 Mas a composição de Dom Bosco é típico produto do estilo adotado,
quando pretende escrever para a platéia um repertório de astúcias mais ou menos desco-
bertas e esperadas nas relações com homens políticos que possuíam agudez e sagácia.
Menos apropriado, pois, pode aparecer o estereótipo do inimigo predestinado a um fim
inglório. As últimas páginas sobre o fim de Gatti e de Farini são penosas e dificilmente
compatíveis com a propalada modernidade de Dom Bosco e, salvo as intenções, ainda
menos com o vínculo indissolúvel de justiça e misericórdia, ainda eivada da imagem
ancestral de Deus justiceiro. Mas, pensa Dom Bosco, quem senão ele pode defender os
mais pequenos entre os pequenos, os jovens que ele ama de predileção?
Resultam instrutivas, junto com a página introdutória, redigida por último, as
páginas colocadas quase no final, antes das páginas dedicadas às punições dos supostos
perseguidores. São as seções mais verdadeiras e válidas de toda a memória. Na intro-
dução Dom Bosco sugere de não escrever, em casos difíceis, longas promemórias, mas
de falar diretamente “com as autoridades responsáveis”: com elas e não com “os seus
subalternos”. Em geral, pois, ele adverte que, quando se tem que tratar problemas “com
pessoas do século”, se deve “acenar de leve aos motivos religiosos e relevar preferivel-
mente a honestidade das ações e das pessoas e as obras, que o mundo chama filantropia,
mas que nossa santa religião chama de caridade”.80 Enfim, como filão de toda a história,
ele se refere a normas de comportamento, que representam um traço típico do seu modo
de relacionar-se com o mundo civil e leigo. Dom Bosco enuncia um princípio que se
teria tornado quase manifesto oficial de comportamento salesiano na vigésima terceira
sessão do 1o Capítulo Geral de 1877.81 “Todas as autoridades civis, fiscais [judiciárias],
de segurança pública, do município, da Instrução Pública – informa – foram conven-
cidas que, malgrado nossa difícil posição, malgrado a tristeza dos tempos, mantendo-nos
firmes católicos, nada era ensinado entre nós que pudesse minimamente ferir ou então
urtar com as tendências, com as leis governativas. Porque temos sempre tido a firme
vontade de dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César, salva a consciência”.
Daí se deduz a norma prática de não partilhar o que ele define como “mudança radical
dos tempos”, com a passagem da completa liberdade benéfica das corporações reli-
79 Cf. cap. 28, § 1.
80 P. Braido e F. Motto, Don Bosco tra storia e legenda..., p. 143-144.
81 Cf. cap. 25, § 7.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 421
giosas às pretensões de “regular tudo com o rigor da lei”; “percebeu-se van­tajosíssima
a máxima, observada constantemente entre nós, de jamais misturar-se na política nem
pró nem contra”.82 Na realidade, pelas referências a acontecimentos políticos contidos
nas crônicas de Domenico Ruffino e de Giovanni Bonetti, tem-se a nítida impressão
de que no Oratório, em particular nas conversas com Dom Bosco, circulassem idéias
conservadoras pouco favoráveis à nova ordem. Espelhavam exatamente quanto escrevia
ao papa, como se viu acima. A batalha escolar dos anos 1878-1881será muito mais
dura, os contendentes mais determinados, os comportamentos de Dom Bosco e dos
colaboradores bem diversos daqueles aconselhados na memória redigida em outros
contextos e em tempos já superados.
3. A primeiras ramificações de Valdocco (1860-1864)
Em uma das várias cartas com as quais amava informar Pio IX sobre o desenvol-
vimento das próprias obras, em 1866, Dom Bosco oferecia um consuntivo dos jovens
recolhidos nos primeiros três colégios: São Francisco de Sales, São Carlos em Mirabello
Monferrato e São Filipe Neri em Lanzo. “Os jovens abrigados nas três casas distintas
– escrevia – são mil e duzentos, dos quais cerca de cem, a cada ano, vestem o hábito
clerical e vão, quase todos, nos seminários das respectivas dioceses. Os que têm o espí-
rito para tal ficam conosco para fazer parte da sociedade de São Francisco de Sales, que
atualmente conta com cento e dez indivíduos”.83
A simples indicação numérica tornava explícita a intenção que inspirava Dom Bosco
na promoção do desenvolvimento dos colégios: a formação cristã da classe estudantil,
a possibilidade concreta de cultivar vocações eclesiásticas e religiosas, e de individuar
e promover membros da própria sociedade religiosa.
Obviamente, toda a classe estudantil era destinatária de sua ação. A ela era oferecida
a possibilidade de estudos secundários cultural e moralmente confiáveis. Era estatuído
no texto do “Plano de regulamento para o colégio-abrigo de São Filipe Neri em Lanzo”,
fundado em 1864, passado depois também no “regolamento do colégio São Carlos
iniciado em Mirabello Monferrato no ano precedente. “Escopo deste colégio – recitava
o Plano – é a educação moral, literária e civil da juventude que aspira à carreira dos
estudos. A educação moral será dada com o ensino dos princípios e das máximas de
nossa Santa católica religião. A educação literária ou científica se estende às classes
elementares e ginasiais. Tal ensino será ministrado segundo os programas governativos
da Instrução Pública”.84
82 P. Braido e F. Motto, Don Bosco tra storia e legenda..., p. 187-188.
83 Carta de 25 de janeiro de 1866; Em II 201.
84 Piano di regolamento pel collegio-convitto di San Filippo Neri di Lanzo, ms. all. com correções
de Dom Bosco; ASC D 4820401, FdB 1966 B10-12.

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422 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
As mesmas fórmulas se encontravam em um “projeto de reabertura do colégio-
abrigo de Cavour”, de julho de 1865, do qual se falará mais adiante.
3.1 Mirabello Monferrato
Enquanto assumia as ainda incertas responsabilidades para o reflorescimento do
seminário de Giaveno, Dom Bosco estava predisposto a aproveitar o momento favorável
para implantar uma obra sua em Mirabello Monferrato, na província de Alessandria e
diocese de Casale.85 Ele podia contar com um terreno e uma modesta construção, dadas
gratuitamente por Giovanni Battista Provera, pai de Francesco, que entrou em Valdocco
em 1858 e era membro do grupo que, no dia 14 de maio, tinha emitido os primeiros
votos na sociedade de São Francisco de Sales. Quando já tinham sido lançados os
fundamentos do novo edifício, mais amplo – o empreiteiro era Giosué Buzzetti, o menor
dos irmãos Carlo e Giuseppe –, Dom Bosco acariciava a idéia de envolver também o
município, que poderia enviar os alunos das elementares e os eventuais estudantes do
ginásio. Era esse o sentido do pedido de consulta e mediação feita em dezembro de
1862 a um advogado de Casale Monferrato, que sabia ser um profissional que gozava
da confiança do síndaco da cidade.86 Ele tinha se industriado também para conseguir
o apoio de benfeitores, obtendo o empenho concreto dos muníficos condes Carlotta e
Federico Callori.87 Dessa forma, poucos dias depois ele podia recusar decididamente
as pesadas condições impostas pelas autoridades municipais, com as quais, contudo,
quis manter cordiais relações: “Em qualquer acontecimento eu conto muito com seu
apoio moral, sua benevolência, assegurando-lhes que o único escopo deste Colégio
é o de fazer o bem material e científico a quem se pode, especialmente à juventude
estudantil”.88 Efetivamente, com o apoio eficaz do bispo de Casale, dom Luigi Nazari di
Calabiana, o instituto foi erigido como “Pequeno Seminário” diocesano e como tal foi
apresentado aos párocos, aos potenciais destinatários e, não sem constantes oposições
e intensas tratativas, à provedoria dos estudos da província.89
A composição do grupo que aí começava a pôr os pés a partir de 13 de outubro
de 1863 revelava a ousadia de Dom Bosco, a confiança em seus jovens alunos, sua
85 Cf. L. Deambrogio, Le passeggiate autunnali di Don Bosco per i colli monferrini. Castelnuovo
Don Bosco, Istituto Salesiano “Bernardo Semeria”, 1975, “Periodo V: Piccolo Seminario di
San Carlo (1863)” (p. 449-463), com um apêndice de documentos (p. 490-516), entre os
quais o decreto de instituição do “Pequeno Seminário”, do bispo diocesano Luigi Nazari di
Calabiana (p. 507).
86 Ao advogado Luigi Massa, 19 de dezembro de 1862; Em I 544-545.
87 À cond. C. Callori, 5 de maio de 1863; Em I 576.
88 Ao secretário municipal G. D. Provera, 15 de maio de 1863; Em I 578-579.
89 Cf. desde os inícios, carta a Dom Calabiana, 25 de janeiro de 1864 (Em II 30-31), e ao padre
Rua, 5 de fevereiro de 1864 (Em II 34-35).

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 423
visão de futuro. O diretor Michele Rua, único sacerdote, de 26 anos,90 podia contar
com colaboradores, em grande parte, muito jovens, ainda simples clérigos: o prefeito
ou administrador-vigário, Francesco Provera, estava para completar 27 anos e seria
ordenado sacerdote no final de 1864; Giovanni Bonetti, catequista ou diretor espiritual,
de 25 anos, sacerdote em 1864 e sucessor na direção do colégio em 1865; Francesco
Cerruti, de 19 anos, sacerdote em 1866; Paolo Albera, de 18 anos, sacerdote em 1868;
e Francesco Dalmazzo, de 18 anos, sacerdote em 1868, embora professando os votos
em 1869. Acrescentavam-se, muito logo, jovens clérigos improvisados, que teriam feito
os votos trienais: F. Cuffia e D. Belmonte, em julho de 1864; A. Nasi, no início de
1866; e F. Alessio, em setembro de 1869. Em geral, a maturidade era superior à idade,
como teria demonstrado para muitos destes a precoce assunção de responsabilidade
nas obras salesianas, primeiro como diretores e depois com incumbências superiores.
Como quer que se queira, os problemas de linha e de regularização do ensino (as três
classes elementares e as cinco classes de ginásio), de ação educativa, de gestão admi-
nistrativa eram resolvidos brilhantemente graças à competência do grupo, já completa-
mente coeso no biênio da direção animadora do padre Michele Rua. A ele, entre o final
de outubro e início de novembro, Dom Bosco enviava logo duas cartas orientadoras.
A primeira, que acompanhava “uma outra pequena caravana” de jovens internos enviada
de Turim-Valdocco, era breve e de caráter prático, com uma nota de confiança e de
“liberdade”: “Ótima coisa a capela, era meu preciso desejo. Em casos desse gênero siga
adiante como melhor te parecer no Senhor”; e um augúrio para Todos os Santos: “Todos
os santos do Paraíso façam santos todos os que habitam ou habitarão essa casa”.91
A segunda dava ao neo-diretor orientações de vida espiritual para si e para os colabo-
radores, normas de governo, indicações pedagógicas, recolhidas, após breve proêmio,
sob os seguintes títulos: Contigo mesmo, Com os mestres, Com os assistentes e com
os chefes de dormitório, Com as pessoas de serviço, Com os jovens estudantes, Com
os externos.92 Revista e ampliada em 1870/1871, a carta terminava por constituir-se as
Recordações confidenciais aos diretores, que se tornavam e ainda são um dos docu-
mentos fundamentais da espiritualidade religosa e educativa de Dom Bosco.93
O colégio iniciava-se com noventa alunos, chegando logo ao máximo, quando no
início do segundo ano escolar Dom Bosco advertia o diretor: “chegando a 150, fecha”;94
ter-se-ia aceito mais. Contudo, uma sucessiva e acentuada flexão dos colegiais levava,
com o ano escolar 1870-1871, à transferência da obra a Borgo San Martino.95
90 Válida colaboradora nos trabalhos domésticos, a mãe o havia seguido a Mirabello. Giovanna
Maria Ferrero era viúva e já trabalhava no Oratório de Valdocco.
91 Carta de 28 de outubro de 1863; Em I 612-613.
92 Cf. Em I 613-617.
93 Cf. F. Motto, “I” Ricordi confidenziali ai direttori “di Don Bosco”, RSS 3 (1984), p. 125-166;
cf. cap. 24, § 1. 4.
94 Ao P. Michele Rua, em 17 de outubro de 1864; Em I 82.
95 Cf. cap. 18, § 1.3.

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424 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Das condições de aceitação, publicadas alguns anos depois, pode-se argüir que em
Mirabello podiam entrar jovens pertencentes a famílias de nivel econômico médio. Esta
situação era exigida pelos dois graus de pensão de 24 e 32 liras mensais, tendo a mais
20 liras anuais antecipadas para leito e colchão, barbeiro, tinta, lume e aquecimento,
enquanto “as despesas de lavagem de roupa, roupas pesadas e sapatos eram de respon-
sabilidade dos pais”. Tais exigências podiam tornar-se realmente pesadas para famílias
de condição médio-baixa. Para as férias de verão e de outono, após cinco anos se escla-
recia que, enquanto até então tinham sido concedidos os primeiros 15 dias de agosto
e os 15 dias precedentes ao novo ano escolar, a partir de 1868 concedia-se “um mês
seguido, de 15 de setembro a 15 de outubro”.96
3.2 Lanzo Torinese
No outono de 1864 a sociedade religiosa nascente tinha de 65 a 70 sócios, compre-
endidos os postulantes “inscritos”. Os professos – ainda com votos temporários – eram
pouco mais de quarenta, os sacerdotes dez; vários, os clérigos que não tinha ainda profes-
sado. Mas, para Dom Bosco, um organismo – indivíduo ou comunidade – se mostrava
vivo se crescia e se expandia também operativamente. Em um certo sentido, se é verda-
deiro que operari sequitur esse, para ele não era menos indubitável que esse sequitur
operari. Isto era tanto mais certo, quanto mais urgente se apresentava a exigência de
trabalhar para o bem da juventude e para a maior glória de Deus. Era a razão que, em
1864, o induzia a empenhar-se no segundo colégio fora de Turim, em Lanzo, a 32
quilômetros da capital subalpina. À primeira realização da obra convergiam o zelo do
vigário paroquial, beato Federico Albert (1820-1876), o apoio unísono das autoridades
municipais e a pronta adesão de Dom Bosco.97 A cidade contava com 2.300 habitantes.
O centro encontra-se na encruzilhada de uma rede de vales com as respectivas povoa-
ções, que podiam constituir uma potencial bacia de onde retirar número considerável
de alunos para a escola secundária. A zona era bem conhecida de Dom Bosco, porque,
como se disse, desde 1842, em cada verão ele se dirigia ao santuário de Sant’Ignazio (a
950 m de altitude) para os exercícios espirituais, promovidos e animados pelo teólogo
Guala, pelo padre Cafasso e pelo teólogo Golzio.
96 Eram publicadas em apêndice ao fasc. 9 (setembro) das Letture Cattoliche de 1868; OE XX
460-461.
97 Cf. sobre o contexto e os diversos acontecimentos, Saggio di corografia statistica e storica
delle valli di Lanzo, de Luigi Clavarino. Turim, Tip. della Gazzetta del Popolo, 1867, 304 p.; Il
santuario di sant’Ignazio di Loiola presso Lanzo Torinese descrito por um sacerdote de Turim.
Turim, P. Marietti, 1878, 90 p.; Don Bosco a Lanzo Torinese: il collegio salesiano San Filippo
Neri, com apêndice de documentos, na revista mensal Ecchi di vita collegiale. Suplemento
dedicado à beatificação de Dom Bosco, 2 a 9 de junho de 1929, p. 29-35, 110-112.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 425
Após vários decênios de relativa prosperidade, o colégio tinha sofrido uma pavo-
rosa diminuição de alunos, tanto que em 1857 fora fechado. O teólogo Albert, vigário
de Lanzo desde março de 1852, não sossegou enquanto não conseguiu retirar de Dom
Bosco o compromisso para restabelecê-lo. Ele encontrava no amigo educador um
homem empreendedor propenso mais a fazer que a esperar ofertas de espaços para
atividades em favor da juventude. Ele se lembrava, entre outras coisas, da colaboração
dada nos exercícios espirituais no Oratório em 1847. Acertada a disponibilidade de
Dom Bosco, as tratativas com o município foram rápidas. Na sessão de 23 de maio
o conselho municipal formulava um Projeto de contrato, que Dom Bosco declarava
aceitar com “algumas modificações acidentais”.98 No dia 30 de junho o conselho muni-
cipal se reunia “para deliberar sobre a proposta enviada” por Dom Bosco, presente na
discussão, “o qual, animado de filantrópicos sentimentos em vantagem da juventude
estudantil de Lanzo e Cidades circunvizinhas”, desejava a reabertura do “antigo Colégio
e Escolas segundo o programa por ele apresentado”. A seguir, vinham definidos os
termos financeiros, compreendido o minerval ou taxa anual, e os relativos à gestão dos
estudos e aos professores: “para as duas retóricas o maximum não poderá exceder 36
liras e, para as gramáticas, 30 liras. Para as escolas elementares fixa-se o maximum de
15 liras”. “Mediante tudo quanto foi dito acima, o sacerdote Bosco proverá três profes-
sores diversos para as escolas elementares, munidos dos relativos títulos, e proverá
também professores idôneos, e em número necessários para as cinco classes ginasiais”.
“A instrução das três classes elementares e ginasiais será feita segundo a disciplina e
os programas estabelecidos pelo Ministério da Instrução Pública”. “Todos os alunos
deverão uniformizar-se à disciplina e aos horários estabelecidos em cada classe”. “Para
as providências que dizem respeito ao bom êxito da moralidade e da instrução religiosa
o município remete-se à prudência do sacerdote Bosco e do senhor vigário forâneo da
cidade”.99 Em 15 de julho de 1864, a Deputação provincial aprovava a deliberação e a
capitulação. Quinze dias depois Dom Bosco enviava ao provedor dos estudos de Turim
o pedido de abrir as escolas elementares e o colégio, anexando a lista de nomes do
pessoal dirigente e docente, um elenco em grande parte fictício para uma proteção legal
igualmente formal.100 O provedor, realista e compreensivo, assinava a autorização no
dia 14 de setembro.
À parte o diretor, muito jovem, Domenico Rufino, com 24 anos e muito piedoso, e
Giacomo Costamagna, com 18 anos, ainda não professo, futuro bispo missionário, o
núcleo mais eficiente do pessoal, que aí chegava em outubro para abrir no começo de
98 Ao síndico Paolo Tessiore, 4 de junho de 1864, Em II 56.
99 Cf. Conversazioni tra D. Bosco e il Comune di Lanzo. Verbale del Consiglio Comunale – 30
Giugno 1864, com projetos prévios, ASC F 465, FdB 199 D9-E5, E6-200 A1; a ata com o
texto da convenção encontra-se também em P. Stella, Don Bosco nella storia economica e
sociale..., p. 428-430.
100A Francesco Selmi, 3 de agosto 1864, Em II 64-65.

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426 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
novembro, era constituído por indivíduos com notável experiência de vida, ainda que
só um fosse professo. Francesco Provera, que seria ordenado sacerdote em dezembro,
ocupava o cargo de prefeito. Eram professores Francesco Bodrato, viúvo de 41 anos,
professor elementar, que seria depois o primeiro inspetor salesiano na América do Sul;
Giuseppe Fagnano, com 20 anos, um ex-garibaldino, futuro prefeito apostólico da
Patagônia meridional e da Terra do Fogo; Nicolantonio Cibrario, com 24 anos; Antonio
Sala, com 28 anos, ex-diretor da propriedade paterna, futuro ecônomo geral; Pietro
Guidazio, com 23 anos, que há dois anos chegara ao Oratório, ex-marceneiro, a quem
Dom Bosco colocara para estudar. Ele se tornaria depois o fundador e organizador da
obra salesiana na Sicília. Era uma equipe de trabalhadores, mental e braçal. Eles, já no
dia de chegada, tiveram que dar provas das próprias habilidades ao consertar o velho
e mal conservado edifício. O município foi chamado para cumprir a própria parte no
contrato, não sem momentos de tensão.101
A decolagem do ginásio não foi fácil: chegava ao quadro completo de classes em
1868-1869, quando foi ativado o ginásio superior, ou seja, a quarta e quinta classe.102
Até então os colegiais tinham chegado a um máximo de 124, após os 40 do primeiro
ano.103 Dolorosamente inesperada foi a morte prematura no Oratório do diretor padre
Rufino (1840-1865), no dia 16 de julho de 1865, após violenta doença pulmonar. No
longo tempo do interregno, começado praticamente em abril, a comunidade se autogo-
vernava de forma extraordinariamente compacta. Quando padre Provera, por motivo de
saúde, foi provisoriamente repousar-se em Mirabello, Dom Bosco, sapiente conhecedor
e valorizador de seus colaboradores, confiava a comunidade a Bodrato e a Sala, os mais
velhos e experientes, embora fossem ainda clérigos não professos.104 Por todo o mês de
setembro e parte de outubro, padre G. B. Lemoyne fez as vezes de superior e assistia
na dolorosa doença padre Vittorio Alasonatti, que veio a morrer na noite entre 7 e 8 de
outubro.105 No dia 10 de novembro o sacerdote genovês, primeiro dos salesianos, fazia
os votos perpétuos. No dia 15 seguiam-no os primeiros professos temporários de 1862:
Rua, Cagliero, Francesia e Bonetti. Este era imediatamente enviado como diretor em
Lanzo,106 mas, depois de uma semana, por razões de saúde, era destinado como diretor
a Mirabello, cargo que deveria ocupar padre Lemoyne, o qual, ao invés, o substituía
no Colégio de Lanzo, onde permanecia até 1877. No dia 24 de junho de 1866, na festa
onomástica de Dom Bosco, estavam presentes um jovem representante dos compa-
nheiros e do padre Lemoyne, poeta oficial da manifestação também nos anos seguintes.
101 Cf. ao P. Ruffino, no dia 3 de fevereiro de 1865 (Em II 105) e ao prefeito, no dia 29 de abril
de 1865 (Em II 127).
102 Cf. ao provedor de Turim, V. Garelli, no dia 19 de setembro de 1868; Em II 570-571.
103 A V. Garelli, em 28 de setembro de 1868; Em II 575.
104 Cf. ao padre Provera, no dia 8 de agosto de 1865; Em II 154.
105 Cf. ao padre G. B. Lemoyne, no dia 19 de setembro de 1865; Em II 166.
106 Cf. ao vigário G. Zappata, no dia 7 de novembro de 1865; Em I 181.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 427
O diretor tinha chegado com “uma oferta em dinheiro para a nova Igreja” e um grande
pacote de “composições enviadas ao festejado pelas várias classes, indivíduos, assis-
tentes, mestres e prefeito”. Na carta de agradecimento, Dom Bosco confessava de tê-las
lido sem interrupção, salvo as que eram provocadas “por alguma lágrima de comoção”,
e recomendava amor, obediência e confiança no diretor. Terminava com um tríplice
“Viva”, para o padre Lemoyne, para os outros superiores, para todos os seus “caros
filhos de Lanzo”.107
No verão de 1868 Dom Bosco tenta obter a equiparação do ginásio às escolas
estaduais,108 mas o pedido não foi bem acolhido. Duas intervenções sucessivas para
obter o uso do edifício por quarenta anos, com o empenho de ampliar os locais assu-
mindo as despesas, podendo destarte fazer frente ao número crescente dos alunos, ou
então para ter “local adequado para as duas Retóricas e para a primeira elementar”,
não surtiam efeito positivo.109 Dom Bosco orientar-se-ia para outra solução.110
Quanto aos modelos educativos, o Instituto de Lanzo tornava-se como o de Mirabello,
a fotocópia do Oratório, com caráter colegial mais acentuado em relação à comunidade
estudantil de Valdocco. O primeiro diretor tinha deixado alguma notícia sobre a vida
do colégio em caderno de crônica intitulado Livro de experiência 1865, redigido em
Valdocco. Ele procurava reproduzir em Lanzo o quanto tinha vivido no Oratório e visto
praticar no colégio dirigido pelo padre Rua. “Em Mirabello – tinha anotado no Livro de
experiência 1864, felicitando que o Oratório, a casa modelo, fizesse escola – padre Rua
faz como aqui faz Dom Bosco. Está sempre rodeado dos jovens, e isto em parte, pelo
que parece, porque conta sempre alguma coisa curiosa. No início do ano recomendou
aos professores que não exigisse ainda tanto, não começassem logo a gritar-lhes, mas
tolerassem muito. Divertia-se ele também com os jovens após o almoço e sempre em
meio deles, cercado por muitos, cantando muito as Laudes no recreio. Os professores
assistem também em uma carteira no estudo”. Os alunos “vão passear todos juntos, dois
a dois; são em número de 90, dois assistentes os guiam, bem como um professor. Vão
às aldeias circunvizinhas e muitas vezes são convidados a ir a casa de um ou de outro
para comer ou beber. Mas padre Rua não permite ir em casa de nenhum deles, porque é
inconveniente muito grave ir a todos, e ir em casa de alguns somente ocasiona ofensa.
O padre Rua, nas festas, prega de manhã e narra a história sagrada, prega à tarde e
explica as virtudes teologais”. “Deve-se notar que, à noite, quando avisa sobre algo
errado, fá-lo sempre em modo alegre e hílare. Em Mirabello os jovens cantam cada
noite com a orquestra. Um clérigo faz a leitura do púlpito durante o mês de maio”.111
107 A G. B. Lemoyne, no dia 25 de junho de 1866; Em II 263. Outra carta-estréia era enviada ao
mesmo no dia 31 de dezembro de 1868; Em II 617-618.
108 Cf. cartas a um conselheiro municipal de Lanzo, no dia 28 de agosto de 1868 (Em II 561-562),
e ao provedor de Turim, V. Garelli, em 28 de setembro de 1868 (Em II 575-576).
109 Ao prefeito Giuseppe Droetti, no dia 2 de abril e 12 de maio de 1869; Em III 69-70, 89.
110 Cf. cap. 18, § 1.7
111D. Ruffino, Libro di sperienza 1864, p. 65-66.

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428 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
3.3 Projetos esboçados e uma breve realização
Antes e depois da ativação dos dois florescentes colégios não faltaram propostas
e projetos que, por diversos motivos, não se realizaram. Em 1862, Dom Bosco tinha
entrado em tratativas com a prefeitura de Dogliani para aí assumir a gestão do colégio
cívico e das escolas. Para concluir faltava a assinatura da convenção e o consentimento
do bispo da diocese de Mondovì, o protetor e amigo Giovanni Tommaso Ghilardi.
O enérgico dominicano não dava sua aprovação, temendo uma subtração de vocações
de seu pequeno seminário.112
Análogo ao de Lanzo era o esboço de convenção com o município de Cavour, prepa-
rada por Dom Bosco, para a desejada abertura do colégio-internato no ano escolástico
de 1865-1866, “com o único escopo de promover o bem moral e científico da juven-
tude estudantil” do lugar.113 O professor abade Amedeo Peyron, que era do lugar, havia
insistido nesse sentido. Dom Bosco tinha também pensado, como possível diretor, em
um sacerdote de Campagnola, Angelo Cantù (1839-1869), professor de matemática no
Liceu de Savona, e o contatava com carta de 17 de junho de 1865.114 A insuficiência
da contribuição do município, 8 mil liras contra as 10 mil pedidas, e o dissenso sobre
outros ônus, conduziam à rápida falência da tratativa.
Somente proposto e nem mesmo esboçado foi o discurso sobre o colégio-internato
em Occimiano, uma modesta cidadezinha a 3 quilômetros de Mirabello. A fundação era
pedida pelo marquês Da Passano que cedia o local, denominado Convento, e pelos sacer-
dotes do lugar. Mais que uma sucursal, podia ser uma alternativa a Mirabello, mas parece
que Dom Bosco não tenha nem mesmo dado início à conversa com o município.115
Em 1865 renunciava também à assunção do Instituto Genovês dos Artesãos, do
padre Francesco Montebruno. Acenava informalmente a respeito da eventualidade,
em maio de 1865, ao beato Giuseppe Frassinetti, que lhe havia pedido de implantar
em Gênova a obra do Oratório. Dom Bosco respondia: “Eu pensei por muito tempo e
parecia que as coisas fossem de pleno acordo com o padre Montebruno, mas na última
conclusão viu-se que não se podia associar um instituto de beneficiência, organizado
com Regulamento [o próprio], com um que é governado, paternamente sim, mas com
beneplácito e com meios quase assegurados”. Propunha, portanto, entre as condições
de base, que a própria obra não fizesse “concorrência ao padre Montebruno” e, se era
possível, se fizesse “uma coisa só com ele”.116 A hipótese teórica equivalia, de fato, à
quase certeza da não realização do projeto.
112 Cf. M. F. Mellano, “Don Bosco e i vescovi di Mondovì (1842-1897)”, in: Don Bosco nella
storia..., p. 476-477; MB VII 146-150.
113 Cf. texto do projeto de Convenção com a Comuna de Cavour; ASC A 2200114, FdB 1884 B1,
MB VIII 157.
114 Em II 143-144.
115 Cf. MB VIII 158-160.
116 Ao padre Giuseppe Frassinetti, 2 de maio de 1865; Em II 132.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 429
Em carta de 1867 ao amigo e benfeitor banqueiro Marco Gonella117 é documentada
a hipótese de assumir o colégio-internato de Chieri, com liceu, ginásio, curso técnico,
classes elementares. O mesmo onde, nos anos 1831-1835, Dom Bosco tinha comple-
tado o curso de latinidade. Após ter definido e relacionado suas exigências econômicas,
concluía: “De resto V. S. conhece a minha boa vontade; onde a indústria e o bem querer
podem conseguir alguma coisa para a glória de Deus, aí me coloco com todas as minhas
forças”.118 Mas a conversa deve ter parado nesse ponto.
Nos anos de 1865 a 1869, Dom Bosco podia dispor de uma sede também em Trofarello,
a 12 quilômetros ao sul de Turim, uma propriedade com uma grande cisterna, cantinas,
considerável corpo de construção, que lhe fora deixado em herança pelo padre G. A.
Franco, falecido no dia 30 de outubro de 1864, com 49 anos. Em um primeiro momento
ele entendia aliená-la, com a esperança de conseguir a conspícua soma de 24 mil liras.
Mas os pretendentes tiveram que retirar-se e Dom Bosco pensou em uma destinação
melhor. O complexo edilício foi utilizado, até o outono de 1869, como sede para os exer-
cícios espirituais dos salesianos, que foram realizados costumeiramente em dois turnos,
entre agosto e setembro ou ambos no mês de setembro, representando um momento signi-
ficativo do crescimento religioso e comunitário da Congregação.119 Com o aumento dos
sócios a sede tornou-se insuficiente, substituída pelo colégio de Lanzo, onde o dinheiro da
venda foi providencial para a construção de um edifício novo e maior.
4. Ministérios, entes públicos, jovens e Oratório
Já antes das perquisições ou inspeções, Dom Bosco entretinha multíplices relações
com as autoridades públicas, sobretudo pedidos de subsídios, aprovação de constru-
ções, autorizações relativas às rifas, convites para solenidades particulares. A perqui-
sição de 26 de maio e a inspeção de 9 de junho acabaram por aumentar-lhe o “crédito
na opinião pública”.120 Aumentaram, antes de tudo, os pedidos provenientes do outro
lado, em particular para a admissão no Oratório de jovens necessitados de abrigo e de
formação profissional e humana. Tais solicitações tornam-se especialmente relevantes
nos anos de 1860-1865. E diminuíram, embora sem deixar de existir, desde quando,
em conseqüência da Convenção entre Itália e França, de 15 de setembro de 1864,
e em força da lei de 11 de dezembro, Firenze tornou-se a capital do Reino.121 Para lá se
117 A ele são dirigidas, certamente, também as cartas de 3 e 20 de abril de 1867; Em II 347-348
e 357-358.
118Ao amigo e benfeitor, banqueiro Marco Gonella, em 20 de maio de 1867, Em II 369-370.
119 À casa e aos exercícios espirituais referem-se algumas cartas, escritas por Dom Bosco, de
julho de 1865 a setembro de 1870, Em II 148, 234-235, 271, 278, 292, 413, 433-434, 531,
568, 569; Em III 108, 126, 140, 245, 251.
120 Cf. P. Braido – F. Motto, Don Bosco tra storia e leggenda..., RSS 8 (1989) 188.

43.10 Page 430

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430 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
transferiram, no curso de 1865, as instituições centrais do Estado: casa real, ministérios,
Câmara, Senado e administrações centrais do Reino de Itália.
Com as autoridades públicas e “com pessoas do século” Dom Bosco colocava
exemplarmente em prática aquilo que ia inculcando aos seus, ciente de que sua obra
de assistência e de educação religiosamente inspiradas tinha também visível relevância
filantrôpica e social.
Em 1858 o ministro da Guerra Alfonso Lamarmora lhe recomendava a aceitação de
dois garotos. No post-scriptum de uma carta de solicitação de sapatos e uniformes mili-
tares usados, Dom Bosco assegurava: “Os dois jovens Berardi e Litardi, recomendados
por sua caridade, continuam nesta casa e são ambos direcionados a uma profissão”.122
Outra recomendação de um garoto provinha-lhe no dia 4 de fevereiro de 1860, do
Ministério do Interior, feito por Cavour, presidente do Conselho.123 Muitos eram os
jovens recomendados a Dom Bosco por esse ministério, entre 1860 e setembro de 1864,
enquanto eram titulares Luigi Carlo Farini,124 Marco Minghetti,125 Bettino Ricasoli,126
Ubaldino Peruzzi127 e o secretário geral Silvio Spaventa.128 Eram efetivos tanto o envio
de subsídios adequados como o pagamento da pensão mensal. Ao ministro Peruzzi,
Dom Bosco tinha também pedido uma intervenção, sem êxito, junto do colega da
Instrução Pública, Michele Amari, em favor das escolas do Oratório.129
Alguns exemplos evidenciam a importância naqueles anos da figura de Dom Bosco
e do seu Oratório. O ministério recomendava “calorosamente” a aceitação de um jovem
por dois anos, reservando-se “a correspondência de um soldo de 60 liras por uma só
vez”, e na mesma data pedia que outro jovem, “pobre órfão”, fosse “aí acolhido imedia-
tamente, não obstante o defeito da idade” oposto por Dom Bosco.130 “À piedosa caridade
do Sr. Sacerdote Bosco” era recomendado, com uma carta de 1º de agosto de 1860, um
jovem, “órfão de pai”, “para o efeito de conseguir a gratuidade no pio instituto de São
Francisco de Sales em Valdocco”.131 Três meses depois era a vez de outro jovem, “órfão
de pai e pertencente a pobre família desta capital”.132 Cinco dias depois era recomendado
121 Cf. cap. 1, § 7.
122 Carta de 14 de outubro de 1858; Em I 362-363.
123 Em I 396.
124 Cf. MB VI 553 (21 de maio de 1860, com subsídio de 100 liras), 574-575, 641-643, 669, 687,
1073-1074; Em I 403-405, 411-413, 414, 420, 425.
125 MB VI 774-775, 1075; traz uma série de cartas assinadas pelo secretário do Ministério G.
Borromeo, MB VI 1077-1079.
126 Em I 469, 475, 481; MB VII 106-107, 893-894.
127 Em I 545-546, 555, 564, 569, 583-584, 587, 596-597, 625-626, 627-628; MB VII 439-441,
897, 898-904.
128 Em I 604-605; Em II 66-67.
129 Cf. Cartas de 7 de março de 1863; Em I 558.
130 Carta de 25 de junho de 1860; MB VI 641-643. Cf. Em I 404-405 e 411.
131 MB VI 1073, Em I 420.

44 Pages 431-440

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44.1 Page 431

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 431
o filho de 14 anos do recorrente Pedro, o qual – comunicava o Ministério – “não tem
meios suficientes para prover o sustento próprio, o da mulher e da família, e, de outro
lado, é urgente tirar o garoto acima nomeado do ócio e de aplicá-lo ao trabalho em algum
estabelecimento”.133 No dia 12 de dezembro, a “experimentada filantropia do sacerdote
Dom Bosco” era solicitada a auxiliar um jovem de 14 anos cujo pai fora revisor da
inspeção da régia Loteria e que tinha “recentemente ficado órfão” de mãe. O ministério
dava garantias: “de qualidades pessoais e morais boas”, era digno de ser atendido, e se
empenhava em “dar as disposições necessárias para o pagamento da soma de 100 liras
uma vez, a título de subsídio”.134 Dom Bosco respondia, no dia 3 de janeiro de 1861,
a esta e a outra carta de 28 de dezembro, pedindo que dobrasse a contribuição: “estou
disposto a acolher a ambos; mas a atual posição financeira desta casa me obriga a fixar
em 200 francos cada um dos que desejam ser acolhidos; minha disposição é grande, mas
encontro-me em dificuldades”.135 No dia 19 de janeiro anunciava ter acolhido a ambos
e “colocado para aprender uma profissão mecânica”.136 Depois, no dia 2 de fevereiro de
1861 comunicava ter aceito um jovem, recomendado no dia 29 de junho passado, acres-
centando com muito tato: “Se por acaso Sua Excelência o Ministro quisesse a propósito
assinalar algum subsídio caridoso, serviria para dar o pão a nossos pobres acolhidos, que
ficariam imensamente gratos”.137 Mais adiante, em 22 de março, anunciava a aceitação
de outro jovem recomendado no dia 18 de março, porém deferida “em vista dos trabalhos
de reparação que estavam sendo realizados”.138 No dia 27 de abril, o secretário geral do
Ministério, conde Guido Borromeo (1818-1890), comunicava que na repartição de uma
soma colocada à disposição do Ministério, a fim de que fosse distribuída em favor dos
institutos piedosos da capital, 400 liras foram assinaladas ao instituto de Dom Bosco.139
Em 27 e 28 de junho eram recomendados outros dois jovens: o primeiro, órfão de ambos
os pais, de 9 anos; o outro, de 11 anos, cujo pai era “inábil ao trabalho por doença”. No
dia 3 de julho Dom Bosco respondia positivamente, ainda que nenhum dos dois tivesse
ainda 12 anos: “É verdade que [ao primeiro] falta ainda quatro anos para a idade reque-
rida; mas os favores que tenho recebido em vários momentos do Ministério da Guerra, de
onde provém o pedido, fazem com que eu tome todos os cuidados para fazer que ambos
caminhem na disciplina com os outros acolhidos”; o outro, “embora falte ainda um ano
para chegar à idade, em vista da gravidade da situação, eu o acolho igualmente”.140 São
132 Carta de 26 de outubro de 1860; MB VI 1074, Em I 425.
133 Carta de 26 de outubro de 1860; MB VI 1074, Em I 425.
134 MB VI 1075; com outra recomendação no dia 28 de dezembro; MB VI 1076.
135 Em I 432.
136 Em I 434.
137 Em I 437: a Excelência era Marco Minghetti, católico liberal.
138 MB VI 1077, Em I 443.
139 MB VI 896.

44.2 Page 432

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432 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
interessantes as anotações psicológicas contidas na carta com a qual anunciava que os
dois meninos foram acolhidos: o de 11 anos “entrou no dia 28 do mês de julho e foi colo-
cado em uma arte mecânica com escola noturna”; o segundo, “entrou no dia primeiro
do corrente agosto, porque estava verdadeiramente em jejum de instrução religiosa e
científica [analfabeto], será por algum tempo destinado à escola, buscando no entanto
alguma profissão que possa ser compatível com sua idade e inclinação. Noto somente
que ele se manifesta de índole e engenho assaz desenvolvido e precoce, uma vez que
poderia tornar-se muito cedo um famoso moleque de rua”.141 No dia 6 de agosto fora-lhe
recomendado um jovem de 14 anos, órfão de pai que fora casado com uma mulher viúva
de um certo Realini, condenado à morte. Dom Bosco, pensando que o jovem fosse filho
do justiçado, em um primeiro momento respondia negativamente, pois teria sido “certa-
mente objeto de sátiras e chacotas entre companheiros”, acrescentando: “mesmo que
sejam díscolos e abandonados, eles se acolhem igualmente, contanto que não tragam
qualquer traço que possa gerar horror e desprezo entre companheiros”.142 Aclarado o
equívoco, no dia 21 de agosto de 1861 Dom Bosco comunicava a admissão, aprovei-
tando para pedir algum subsídio para ultimar “os inúmeros trabalhos nas oficinas e nos
dormitórios”, iniciados justamente por causa da “crescente aceitação de vários jovens
em caráter de urgência”. Pedia que Borromeo intercedesse junto do ministro para uma
ou outra das hipóteses: “vir em auxílio com algum dinheiro, ou então um empréstimo
de fr. 5000 que fosse descontado com outros jovens que o Ministério pensasse enviar a
esta casa”.143 Com carta do dia 21 de novembro comunicava: Caretti “foi colocado em
uma arte com aulas em todas as tardes, segundo o grau de sua instrução. Até o presente
momento dá esperança de bom resultado”.144 Aceitando um jovem, “atendidas as neces-
sidades excepcionais nas quais versa[va] a casa”, recomendava-se à bondade de um outro
suplicante, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, “para algum subsídio”,
mas concluía: “isto digo somente como pedido, não como condição exclusiva”.145 Com
esse espírito, no dia 9 de agosto oferecia ao ministro do Interior, Giovanni Lanza, cem
lugares potenciais para órfãos do cólera que assolava a Itália.146
Em 1867, a Urbano Rattazzi, presidente do Conselho e ministro interino das
Finanças após a dimissão do ministro Ferrara, recordava que, em 1866, tinha concedido
um subsídio de 600 liras para afrontar um imposto do colégio de Mirabello Monferrato.
Agora lhe pedia que fizesse a mesma coisa para a parcela do segundo semestre do
mesmo ano.147 Rattazzi enviava-lhe um subsídio de 600 liras, como ressarcimento da
recusa de isenção por parte do seu predecessor.148 Rattazzi tinha reconfirmado a própria
140 Em I 450.
141 Em I 454-455.
142 Carta do dia 9 de agosto; Em I 455; MB VI 1079.
143 Em I 457-458.
144 Em I 469.
145 Carta do dia 14 de fevereiro de 1865; Em II 108-109.
146 Em II 155. Sobre o cólera, cf. cap. 8, § 8.
147 Carta de 5 de agosto de 1867; Em II 416.

44.3 Page 433

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 433
confiança em Dom Bosco também algum mês antes, quando o padre filantropo lhe tinha
pedido a integração da pensão para um jovem confiado pelo Ministério do Interior.149
Naturalmente Dom Bosco recebia recomendações também de benfeitores e amigos.
Curioso é a resposta ao pedido de um bispo anônimo: “Excelência Reverendíssima:
a tanto interesse nada se nega, tanto mais que a recomendação é acompanhada aos
quibus bene sonantibus, os quais, embora não sejam o motor das casas de benefici-
ência, contudo são muito oportunos, especialmente levando-se em conta os tempos que
correm. Mande pois seu recomendado quando quiser; proveja somente, se possível, do
enxoval notado à parte, e ele será logo colocado naquela arte que será mais de acordo
com suas forças e sua inclinação. Creio, porém, que será sadio e não terá nenhuma
deformidade exterior”.150
Ele dirigia pedidos de subsídio também a Vitório Emanuel II.151 Naturalmente, ao
menos uma vez por ano, por ocasião do inverno, partia a carta ao ministro da Guerra para
obter “algum objeto de vestiário, cobertas, lençóis, túnicas, japonas, calções, sapatos,
mesmo que sejam velhos e rasgados”; “cada coisa se fará ajustar e será usada para cobrir
os mais pobres filhos do povo”; “mesmo as coisas velhas, costuradas e refeitas servem
maravilhosamente para cobrir esses pobres jovenzinhos que têm precisão de tudo”.152
Existia ainda o recurso a pessoas privadas, às vezes mulheres da aristocracia, que
com rara sensibilidade remendavam roupas para os moradores da pobre casa do Oratório.
“Não posso ir fazer visita a V.S.B. como desejo – escrevia à condessa Enrichetta Bosco
Riccardi –, mas estou aí com a pessoa de Jesus Cristo escondido nessas roupas estra-
gadas que lhe envio, para que em sua caridade queira arranjá-las. É coisa sem valor no
tempo, mas espero que seja um tesouro para a eternidade”.153 “Fiz como me escreveu
– assegurava outra nobre senhora –, isto é, de não enviar algum fardo de coisas velhas e
esperar que possa depois ocupar-se com mais tranqüilidade ao retorno a Turim”.154
Deve ser notado, enfim, que o afluxo de jovens aceitos pela palavra podia reservar
alguma surpresa desagradável. Nos casos mais difíceis, insustentáveis para uma comu-
nidade heterogênea esprimida em espaços demasiado apertados, Dom Bosco previa e
praticava também a medida extrema da expulsão. Os problemas disciplinares e morais
cotidianos eram, ao invés, resolvidos com as intervenções pedagógicas normais.
Tem-se até mesmo notícia de um incidente educativo, tornado caso judiciário.
148 Cf. Carta ao ministro F. Ferrara, de 7 de junho; Em II 384-385.
149 A U. Rattazzi, de 10 de abril de 1867; Em II 353.
150 Carta do dia 18 de julho de 1861; Em I 451.
151 Carta de outubro de 1861 e de fevereiro de 1862 em favor dos clérigos pobres; Em I 461-462,
476.
152 Carta do outono de 1860 (Em I 423); de 30 de setembro de 1861 (Em I 460-461); de 26 de
setembro de 1863 (Em I 605-606); para o outono de 1862, veja-se Em I 539-540; de 20 de
outubro de 1864 (Em II 84-85); de 17 de setembro de 1867 (Em II 428-429).
153 Carta do dia 16 de maio de 1866; Em I 240.
154 Carta do dia 14 agosto 1867; Em II 417.

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434 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Sobre ele Dom Bosco escrevia uma memória de defesa ao pretor urbano de Turim, a
quem fora denunciado o clérigo Mazzarello (1832-1868) por excesso de meios disci-
plinares em relação a jovens da oficina de encadernadores e, em particular, de um
certo Carlo Boglietti. Dom Bosco redigia uma perigosa arenga jurídico-pedagógica,
que terminava por converter a defesa em acusação. Em base ao “artigo 650 do código
penal” – começava a forte argumentação – “a pretura urbana se veria introduzir no
Regime doméstico das famílias”, a quem o escrevente equiparava o Oratório, “casa
paterna”: “os pais e aqueles que lhe fazem as vezes não poderiam mais corrigir a
própria prole nem mesmo impedir uma insolência e uma insubordinação”, com “grave
dano da moralidade pública e privada”. “Além disso – continuava – para pôr freio a
certos jovens, na maioria dos casos enviados pela autoridade governativa, teve-se a
faculdade de usar todos os meios que se julgassem oportunos, e em certos casos de
pedir o braço da segurança pública, como se fez várias vezes”. Boglietti “foi muitas
vezes paternal e inutilmente avisado”, “demonstrou-se não somente incorrigível, mas
insultou, ameaçou e desprezou seu assistente, clérigo Mazzarello, perante os compa-
nheiros”, fazendo com que ficasse doente; enfim, “fugiu da casa sem nada dizer a
seus superiores”. “No entanto seus companheiros continuavam o escândalo dado, e
foi necessário mandar embora alguns, e outros, com dor, entregá-los às autoridades
da segurança pública, que os levaram para a prisão”. Como bom advogado, Dom
Bosco passava depois a fazer ao pretor suas exigências a cargo do acusador, tornado
por ele imputado. Perante “um jovem díscolo, que insulta e ameaça seus superiores”,
“parece que a autoridade pública deveria sempre vir em auxílio da autoridade privada
e não agir de outra forma”. Se se quisesse aprofundar o fato – concluía, evidenciando
conseqüências, danos e reviravoltas – se introduza pois a causa, mas com a condição
que Boglietti “introduza em causa como pessoa que possa fazer frente às despesas
exigíveis e que seja responsável das graves que talvez possam advir”. De qualquer
forma, fazia instância para que fossem reparados os danos à saúde do assistente e que
nem o Boglietti nem um tal Caneparo, “seu parente ou conselheiro”, entrassem mais
no Oratório “para renovar os atos de insubordinação e os escândalos já outras vezes
ocasionados”.155 Em janeiro de 1868, Dom Bosco comunicava ao cavalheiro Oreglia:
“Em Lanzo, no dia 22, morreu o clérigo Mazzarello, uma das mais belas flores do
nosso jardim, que Deus quis transplantar no paraíso”.156
Sobre um garoto de 16 anos, florentino e difícil, escrevia a Carlo Canton, chefe de
seção no Ministério do Exterior, no início de uma preciosa amizade: “far-se-á quanto se
pode pelo jovem Pucci e, embora tenham aparecido motivos para que fosse reenviado
à casa da mãe, por intercessão de V.S. Il.ma e caríssima, usar-se-á de ulterior paciência
e se esperará novo motivo, que procuraremos fazer quanto se pode para esconjurá-lo”. 157
“Ele é um jovem verdadeiramente arruinado pela moralidade, mas faremos quanto é
155 Carta de 18 de abril de 1865; Em II 120-122.
156 Em II 489.
157 Carta de 28 de agosto de 1868; Em II 562-563.

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Cap XIII: Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869) 435
possível”, já tinha escrito de Pucci a dom Limberti.158 Em outubro, o jovem voltava
para Florença.
Para a aceitação em Valdocco de outro jovem difícil, ditava precisas condições ao
padre Bonetti: “Eu estou pronto a recebê-lo contanto que me prometa: 1º de não dar
escândalo aos companheiros, nem com obras nem com fatos. 2º Ao mínimo escândalo
de coisas imodestas, eu sou obrigado a mandá-lo imediatamente para casa”.159
158 Carta de 8 de julho de 1868; Em II 548-549.
159 Carta de 5 de outubro de 1868; Em II 586.

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44.7 Page 437

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Capítulo XIV
Gênese da sociedade de São Francisco de Sales
sob o cetro de Maria Auxiliadora (1858-1865)
1858 Maria Auxilium Christianorum no Mês de Maio
1862 março: prodígios de Nossa Senhora Auxiliadora em Spoleto
26: morre em Lion dom Luigi Fransoni
14 de maio: profissão dos votos dos primeiros sócios
30 de maio: apólogo das duas colunas, a Auxilium Christianorum
e a eucaristia
1863 1º de fevereiro: primeira circular para a construção da igreja de Maria
Auxiliadora
13 de fevereiro: anúncio a Pio IX
10 de março: a Pio IX, as colunas da Igreja, eucaristia e Maria Auxiliadora
fim de maio: início das escavações dos fundamentos da igreja
1864 primavera: término das escavações
Breve notícia da Sociedade de São Francisco de Sales
23 de julho: “decretum laudis” da Sociedade Salesiana
1865 22 de abril: início da missão Vegezzi junto da Santa Sé sobre as dioceses
italianas vagantes
27 de abril: lançamento da pedra fundamental da igreja de Maria Auxiliadora
outubro: viagem de Dom Bosco a Lombardia e ao Vêneto
dezembro: viagem a Pisa e Florença
Com a gênese da Sociedade Salesiana não se assiste somente ao advento na Igreja
de uma nova congregação religiosa, mas também a um novo posicionamento de Dom
Bosco na Igreja e na sociedade civil. No caminho histórico dos anos 1859-1864 ele
assumia, antes de tudo, no interior da instituição que estava tomando corpo, a inédita
função de fundador, formador de religiosos, homem envolvido pelo maravilhoso. Nos
mesmos anos ele era induzido a reler o passado em projeção futura, para si e para a
nascente Sociedade de São Francisco de Sales.
Além de tudo, tal fato exigia dele verdadeira e própria requalificação cultural, com
a aquisição de conhecimentos específicos, jurídicos, organizativos e diplomáticos, além
da interiorização de uma espiritualidade específica, a ser estruturada e comunicada.

44.8 Page 438

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438 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Gradualmente o padre diocesano torna-se religioso, mestre, plasmador de comunidades
de consagrados.
Neste contexto tinha início o duro percurso que conduziria ao reconhecimento canô-
nico plenário da Sociedade: da primeira etapa, o chamado “decreto de louvor” em 1864,
à aprovação pontifícia em 1869, à aprovação das Constituições em 1874 e à consecução
dos “privilégios” em junho de 1884, após a dificuldade de 1874-1876. Não faltariam
situações difíceis, de um lado e de outro. E nos momentos cruciais tornar-se-ia inevi-
tável a forçada, e providencial, assunção de vínculos produtivos, aos quais não era de
bom tom, no imediato, conformar-se inteiramente.
A primeira parte do itinerário, entre 1858 e 1864, é narrada neste capítulo, seguido
imediatamente de outro, dedicado à fundação espiritual e pedagógica, enquanto no suces-
sivo se reevoca a segunda etapa do caminho que conduz a 1869. Contemporaneamente
vem à luz o devir da consciência dos valores religiosos em Dom Bosco e de sua trans-
missão aos membros da Sociedade no tempo da formação inicial e permanente. Os dois
aspectos fundacionais, jurídico-organizativo e espiritual, são traçados mais adiante, no
que diz respeito à contribuição de Dom Bosco na fundação do Instituto das FMA1 e, como
exclusivo protagonista, na União dos Cooperadores e das Cooperadoras salesianos.2
1. Instâncias e forças em campo
Quando, encorajado por uma carta do cardeal Giuseppe Berardi, de 27 de agosto de
1872, Dom Bosco retomava as práticas para conseguir a aprovação das Constituições
da Sociedade de São Francisco de Sales, no texto constitucional ele não tinha introdu-
zido nenhuma das mais importantes exigências feitas em várias instâncias pela Cúria
Romana. Na sessão definitiva de 31 de março de 1874, a Congregação cardinalícia
decidia que era possível “suplicar ao Santo Padre para a aprovação das propostas
Constitucionais”, mas “emendadas e completas”, a forma para fazer Dom Bosco aceitar
todos os pontos que por dez anos ele tinha recusado de modo tenazmente renitente.
Deve-se supor que, se o que era exigido em perfeita conformidade à normativa e à praxe
canônica vigente fosse acolhido antes, a aprovação teria chegado em 1869, ou mesmo
em 1868, junto à aprovação da Sociedade, com economia de penosos conflitos e de
preciosas energias.
Estava na ordem das coisas que a questão desembocasse nessa solução, mas era
também inevitável que o itinerário devesse ser tão árduo, tendo presente as firmes
persuasões de quantos se confrontaram durante o percurso a partir dos primórdios turi-
neses entre os anos de 1850 e 1860.
1 Cf. cap. 19.
2 Cf. cap. 22.

44.9 Page 439

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 439
É óbvio que, até ao reconhecimento limitado de 1864, o grupo que, em 18 de
dezembro de 1859, tinha-se constituído em Sociedade de vida comum sob a direção de
Dom Bosco e, no dia 14 de março de 1862, professava os primeiros votos privados de
pobreza, castidade e obediência, era sempre sujeito à jurisdição dos respectivos ordi-
nários diocesanos quanto aos estudos eclesiásticos, aos exames para aceder às ordens
e às cartas dimissórias para a apresentação dos ordenandos ao bispo consagrante. Dom
Bosco era seu superior somente pelo que dizia respeito ao regime interno das instituições
nas quais os sócios viviam e agiam, a disciplina, o comportamente religioso e moral, os
empenhos de trabalho e de apostolado, compatíveis para os clérigos com os seus deveres
de estudo e de preparação à vida eclesiástica coroada pelas ordens sagradas.
Nas práticas relativas seja à aprovação da Sociedade e das Constituições, seja à conse-
cução gradual de faculdades particulares, se encontram ao menos quatro instâncias.
Antes de tudo o papa, ao qual Dom Bosco gostava de recorrer diretamente muitas
vezes. Os primeiros contatos pessoais com Pio IX e a correspondência epistolar que
se seguiu imediatamente podiam ter criado no novel fundador a impressão de especial
benevolência do pontífice a seu respeito. Ele a cultivava e fazia de tudo para conservá-la
e consolidá-la, considerando Pio IX o interlocutor privilegiado sobre os problemas da
própria sociedade religiosa, até a declará-lo promotor e fundador da mesma. O papa
era generoso em conceder-lhe favores espirituais e, em vários momentos, faculdades
importantes, não havendo intenção de introduzi-las no texto constitucional. Todavia,
pelo que diz respeito aos atos mais importantes, empenhativos e definitivos, o papa,
obviamente, fazia seguir aos pedidos pessoais e às práticas o curso normal, valendo-se
da colaboração institucional das congregações romanas e dos ofícios curiais.
Deviam ser, precisamente, os órgãos da Cúria Romana os pontos de referência ordi-
nários das práticas de Dom Bosco relativas à fundação e estabilização da Sociedade
de São Francisco de Sales e, muitas vezes, às controvérsias a elas ligadas ou paralelas.
Estavam envolvidas, em primeiro lugar, a Congregação dos Bispos e dos Religiosos
e, em caso de conflitos com os bispos, a Congregação do Concílio. Os três prefeitos
da Congregação dos Bispos e Religiosos que se sucederam no itinerário seguido por
Dom Bosco para as várias aprovações foram os cardeais Angelo Quaglia (1863-1872),
Andrea Bizarri (1873-1877; secretário da Congregação de 1854 a 1863) e Innocenzo
Ferrieri (1876-1887; o primeiro ano pro-prefeito). Estiveram em contado imediato com
o requerente os secretários da Congregação Stanislao Svegliati (1863-1871), Salvatore
Nobili Vitelleschi (1871-1875), Angelo Bianchi (1877-1879), Giovanni Battista
Agnozzi (1880-1881) e Ignazio Masotti (1882-1886), todos posteriormente cardeais,
exceto Svegliati e Agnozzi.
De fronte, naturalmente, estavam os bispos e as cúrias diocesanas com diferentes
posições que dizem respeito tanto aos procedimentos e às decisões das Congregações
romanas, como aos Institutos religiosos, em particular os que se encontravam in statu
nascenti. No quadrilátero das forças sua posição podia aparecer menos definida em
relação a institutos de direito pontifício, que viessem a adquirir faculdades especiais
diretamente do pontífice ou trâmite as congregações. De outro lado, não podia ralen-
tar-se neles o sentido de responsabilidade e de vigilância sobre temas que não se referiam

44.10 Page 440

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440 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
somente ao regime interno das novas comunidades, mas aos estudos e à formação ecle-
siástica dos sócios destinados ao sacerdócio, à maior ou menor estabilidade do vínculo
religioso dos votos perpétuos dos ordenandos, à correição canônica dos procedimentos
de apresentação dos candidatos ao bispo ordenante. Dependendo dos diversos tempera-
mentos, das convicções teológico-eclesiológicas ou da formação jurídica, alguns bispos
podiam pensar que determinadas concessões aos institutos religiosos lesassem direitos
e responsabilidades inalienáveis, e achassem que certos procedimentos tendessem a
sobrepor-se à sua legítima autoridade episcopal. Deve-se recordar que Dom Bosco
teve desencontros com ordinários diocesanos particularmente preparados e exigentes,
com formação universitária, teológica e jurídica, pouco favoráveis a relações particu-
larmente diretas e privilegiadas entre autoridades romanas e Institutos religiosos. Em
Turim, condividiam tal mentalidade o vigário capitular Giuseppe Zappata (1862-1867),
o arcebispo Alessandro Riccardo di Netro (1867-1870) e o sucessor Lorenzo Gastaldi
(1871-1883).
Dom Bosco caminhava nesse mundo com escassa preparação teológica e jurídica,
sem poder ou querer contar em todos os casos com consultas sistemáticas e continuadas
de especialistas competentes e seguros. Além do mais, sobre alguns pontos conside-
rados por ele irrenunciáveis, Dom Bosco não se teria mostrado facilmente inclinado a
aceitar as indicações que lhe eram dadas por personagens competentes e benévolas e
pelos mesmos responsáveis qualificados dos escritórios romanos. Entre outras coisas,
como se viu, suas idéias eclesiológicas previam espaços limitados aos bispos e uma
concepção maximalista do primado pontifício de jurisdição e de ensinamento: portanto,
uma interpretação extensiva e a próprio favor de determinadas concessões ou decla-
rações feitas por Pio IX a viva voz.3 No plano jurídico podia responder até com certa
desenvoltura às observações, as inflexíveis “animadversiones”, que lhe eram comu-
nicadas. Dificuldade de ordem prática – a gestão das obras e a utilização de pessoal
jovem – conduziam-no alguma vez a minimizar o que lhe era pedido ou a opor razões
nem sempre adequadas, até mesmo cheias de pretextos, sobre pontos essenciais como a
necessidade de um noviciado regular, a organização dos estudos filosóficos e teológicos
em centros apropriados, a referência à autoridade diocesana sobre o acesso às ordens
sacras, a não admissão da introdução no texto constitucional de uma concessão tão
sensível como a faculdade de conceder as dimissões ad quemcumque episcopum.
Nesse entrelaçar-se de responsabilidades e competências, Dom Bosco era logo
conduzido à dura realidade. No laborioso caminho ele teria que se haver, no plano
efetivo, jurídico e formal, com uma Congregação dos Bispos e Regulares profunda-
mente renovada com relação aos primeiros decênios do século. A agregação das duas
denominações, Bispos e Regulares, tendia a se tornar sempre mais efetiva: salvaguardar
na estrutura da Igreja a responsabilidade primeira, pastoral e disciplinar, dos bispos nas
respectivas dioceses tanto em relação ao primado pontifício de jurisdição e de doutrina,
3 Cf. cap. 9, § 2.

45 Pages 441-450

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45.1 Page 441

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 441
como aos Institutos religiosos isentos e não isentos. A mesma praxe de aprovação das
congregações religiosas tinha-se estruturado em procedimentos mais formais e rígidos
com relação à executada na primeira parte do século, segundo a qual foram aprovados
os Oblatos de Maria Virgem e o Instituto da Caridade, aos quais Dom Bosco gostava
de se referir. Fazia texto em matéria a praxe que foi se codificando pouco a pouco pelo
secretário e depois prefeito da Congregação Andrea Bizarri.4
2. A não aprovação diocesana da Sociedade Salesiana
Dom Bosco não pode ou não quis, em vista de uma eventual sociedade religiosa,
agregar um núcleo significativo de colaboradores adultos, escolhendo-os entre os que
já trabalhavam nos três oratórios. O único adulto inicialmente conquistado à causa foi,
em 1854, o sacerdote de Avigliana, Vittorio Alasonatti (1812-1865), que aí ensinava
na escola primária (1835-1854), conhecido por Dom Bosco nos exercícios espirituais
de verão em Santo Inácio acima do Lanzo. Seguiam-no, mais adiante, em novembro
de 1960 o leigo Federico Oreglia di Santo Stefano (1830-1912), em outubro de 1864 o
viúvo Francesco Bodrato (1823-1880) e o sacerdote genovês Giovanni Battista Lemoyne
(1839-1916). Este, colaborador voluntário no Colégio dos Jovens Aprendizes, fundado
e dirigido pelo padre Montebruno em Gênova, deveria distanciar-se sempre mais
das idéias e práticas educativas deste, que considerava excessivamente latitudinárias.
De outro lado o diretor pensava que com jovens de precárias condições sociais e morais
se deveria proceder com longânime gradualidade de objetivos e de percursos. Ao austero
jovem sacerdote respondia: “o importante é de alisar alguma má prega ou de impedir
que se desenvolva... salvare quod perierat (...) Tende, pois, confiança e disponde-vos
a lutar com o mal até quando tiverdes que agir com os filhos de Adão de nossa raça”.
Preocupado por “não ter sabido mais nada” sobre ele, assim se mostrava em outra carta,
de 3 de outubro. Padre Lemoyne, contudo, tinha optado por um homem e um sistema de
educação mais afim com sua mentalidade e com sua sensibilidade educativa.
De qualquer modo, na gestão das obras, oratórios e internatos, Dom Bosco via-se
4 Cf. Collectanea in usum Secretariae Sacrae Congregationis Episcoporum et Regularium cura
A. Bizarri archiepiscopi Philippensis secretarii edita. Romae, ex typ. rev. Camerae Apostolicae
1863, XXX-492 p. (2a ed. 1885, XL-881 p.). De particular importância é o “Appendix prima”,
que contém o “Methodus quae a Sacra Congregatione Episcoporum et Regularium servatur
in approbandis novis institutis votorum simplicium ab A. Bizarri archiepiscopo Philippensi
secretario exposita” (p. 828-829) com várias exemplificações retiradas do provesso de
aprovação de vários institutos (p. 829-861). Do iter descrito pelo “Methodus” encontra-se
um resumo e o texto em Cost. SDB (Motto) 16 e 228. A edição é fundamental para seguir
a evolução redacional dos textos constitucionais salesianos até a publicação do texto latino
(1874) e italiano (1875).

45.2 Page 442

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442 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
na contingência de utilizar um número crescente de jovens estudantes de filosofia e de
teologia, obrigados em Turim a freqüentar contemporaneamente os cursos do seminário
arquiepiscopal. Por isso, desde os últimos anos da década de 50 seu recurso era pedir
ao arcebispo e ao reitor do seminário excessões na freqüência das lições ou imprová-
veis adaptações de horário dos mesmos. Fransoni era rígido, mas, conforme se viu,
tinha-se mostrado algumas vezes benévolo. O problema se complicava e agravava
nos anos sucessivos: primeiro com o vigário capitular Zappata e o reitor do seminário
Vogliotti, depois com o arcebispo Riccardi di Netro, enfim com o arcebispo Gastaldi, o
qual, mesmo com a Congregação já aprovada, teria desejado ver organizada em sedes
e mediante currículos apropriados a formação espiritual e cultural dos candidatos ao
sacerdote, inscritos à nova sociedade religiosa.
2.1. O texto constitucional
Não tendo experiência pessoal de vida em um instituto religioso regulado por
próprios estatutos, para a composição das Constituições da Sociedade Salesiana
Dom Bosco deveu recorrer a Regras jamais praticadas por ele. A primeira redação do
Regulamento da Congregação de São Francisco de Sales, redigido em rascunho pelo
clérigo Michele Rua entre 1858 e 1859, já mostrava clara dependência de textos consti-
tucionais de vários institutos de vida consagrada. O esquema era simples. Um proêmio
e uma breve informação sobre a Origem desta congregação precediam o texto norma-
tivo. Seguia a série, quiçá lacunosa, dos capítulos que formavam as constituições verda-
deiras e próprias: a Finalidade e a Forma da Congregação, os votos de Obediência, de
Pobreza e de Castidade, o Governo interno centrado sobre o reitor, os Outros supe-
riores, a Aceitação.
Da análise dos títulos principais podem-se individuar as fontes das quais Dom Bosco
tinha tirado, algumas delas citadas por ele mesmo no rodapé dos capítulos e artigos bem
precisos dos manuscritos sucessivos.5 Sem sombra de dúvida eram as Constituições da
Congregação dos clérigos seculares das escolas de caridade, aprovada pelo patriarca
de Veneza em 1819 e por Gregório XVI em 1836, erigida canonicamente em 1838; as
Regras do Instituto da Caridade, fundado por Antonio Rosmini em 1828, aprovado
junto com as regras no dia 20 de dezembro de 1838, com a concessão imediata da
isenção da jurisdição dos ordinários diocesanos e a faculdade para o superior conceder
5 Cf. F. Motto, Constitutiones Societatis S. Francisci Salesii: fonti letterarie dei capitoli Scopo,
Forma, Voto di obbedienza povertà e castità”, RSS 2 (1983), p. 341-384. Esta ampla pesquisa
fora precedida de um estudo sobre as fontes dos artigos concernentes ao superior da comunidade
local, baseado principalmente sobre o capítulo dedicado ao voto de obediência: F. Motto, La
figura del superiore salesiano nelle costituzioni della società di San Francesco di Sales del
1860, RSS 2 (1983), p. 3-53. Ao problema das fontes são dedicadas as páginas 6 a 23.

45.3 Page 443

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 443
as dimissões para as ordenações; as Constituições da Congregação dos Oblatos da
Beata Maria Virgem, aprovadas com o Instituto em setembro de 1826, com a concessão,
alguns dias depois, de todos e cada um dos privilégios, indulgências, isenções e facul-
dades da Congregação do Santíssimo Redentor; as Constituições da Congregação do
Santíssimo Redentor, da qual foram tirados, em grande parte, os artigos sobre os três
votos; as Constituições da Companhia de Jesus, da qual Dom Bosco retirara a fórmula
da profissão dos votos; as Regras ou Constituições Comuns da Congregação da Missão;
as Regras dos Clérigos Regulares Somascos.
A aprovação das Constituições dos Rosminianos e dos Oblatos, tendo anexa a
concessão da isenção e da faculdade das dimissões, teria dado motivo a Dom Bosco
para insistir em pedido análogo a favor da própria Sociedade, sem levar em conside-
ração a praxe mais rígida seguida por Roma na segunda metade do século. Essa teria
sido uma das causas, a principal, das cruzes padecidas no curso das conversas para a
aprovação e de seus retardamentos.
Naturalmente, Dom Bosco ter-se-ia referido a alguns destes institutos, em particular
a Congregação dos Redentoristas, a Companhia de Jesus e os Padres da Missão, não
somente para as normas legislativas, mas também na aquisição da própria cultura reli-
giosa específica e em sua transmissão aos salesianos e às salesianas.6
2.2. Etapa incompleta
Tendo chegado em 1960 a um texto constitucional considerado suficientemente
elaborado, Dom Bosco tentava o reconhecimento diocesano, enquanto não perdia
ocasião para manter relações preciosas com o próprio papa.
Já acenou-se ao grupo dos assinantes da carta enviada no dia 13 de junho de 1860
ao arcebispo Fransoni, em Lion. Ela se fazia a “humilde súplica de querer ler o anexo
plano de regulamento”, com total liberdade para “mudar, tirar, acrescentar, corrigir”,
naturalmente em vista da aprovação. Era uma disponibilidade que Dom Bosco teria
desejado professar também no futuro, em análogas circunstâncias, mesmo se o ato
prático não teria sempre estado realizado da mesma forma. Um conceito sobressaía
na carta, que teria passado inobservado mais adiante aos consultores romanos, isto é,
a profissão de alhecimento dos membros da Sociedade à ação política: “formulamos
algumas regras à guisa de sociedade religiosa, às quais, excluindo toda máxima relativa
à política, tenda unicamente a santificar seus membros, especialmente com o exercício
da caridade para com o próximo”.7
Com relação à primeira redação, o texto constitucional comportava, além de alguma
6 Cf. cap. 24, § 5.
7 Em I 406.

45.4 Page 444

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444 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
pequena modificação no texto, o acréscimo de algum artigo nos capítulos preexistentes
e a inserção de novos capítulos. O capítulo sobre o Escopo desta Sociedade acres-
centava um artigo, o 5º, sobre o cuidado das vocações eclesiásticas; o artigo sobre a
Aceitação passava de quatro para doze artigos. Apareciam nessa redação quatro novos
capítulos: Práticas de Piedade, Hábito, Fórmula dos Votos, Externos. O texto passava
de 58 para 87 artigos.
Na resposta de 7 de julho, o arcebispo assegurava ter lido o texto e manifestava a
intenção de recorrer à consulta de alguém que entendesse melhor do que ele “de tudo
quanto diz respeito à vida de comunidade”.8 Confirmava essa intenção em carta, de
15 de julho de 1860, ao vigário geral Celestino Fissore, comunicando-lhe mais coisas.
Em um volumoso “maço de papel” enviado à cúria turinesa teria encontrado também
“um projeto de regulamento para a Obra de Dom Bosco, sobre o qual – escrevia o arce-
bispo – tenho apenas uma simples observação ao § 2 do voto de castidade. As palavras
‘quem não se crê seguro etc.’ parecem-se muito secas e absolutas. Parece-me que se
deveriam modificar dizendo: ‘Quem, por experiência já adquirida, não tem fundamento
a esperar, que com o Divino auxílio conseguirá a conservar essa virtude (...) nas obras
etc.’, ou então com outra frase análoga. Além disso, antes de aprová-lo desejaria que
fosse examinado por alguma pessoa mais prática de comunidade, por exemplo, pelo Sr.
Durando e por outros”.9 Fissore executava logo o encargo, transmitindo o manuscrito
justamente ao experimentado e prestigioso superior dos lazaristas em Turim, Marco
Antonio Durando.
Nesse ínterim Dom Bosco tinha enviado uma cópia das Constituições também ao
cardeal Gaude, o qual, doente, respondia, no dia 14, que haveria de examinar pessoal-
mente mais adiante ou pediria a outros para examinar.10 Infelizmente o cardeal morria
em 14 de dezembro de 1862: teria um precioso conselheiro e amigo.
As coisas, como quer que se queira, estavam bem encaminhadas, como se pode
presumir de duas cartas do arcebispo, uma ao vigário geral e outra a Dom Bosco.
Na primeira, de 21 de agosto, recordava: “se houver observações sobre o projeto
de regulamento de Dom Bosco, haverão de comunicar-lhe, e se por acaso o mesmo
desejasse que o Decreto de aprovação fosse assinado por mim, é preciso que ele me
envie novamente, e haverá a ocasião nos dias de outubro, com o retorno dos colegiais
a Lion”.11 Em data de 12 de setembro, reencontrando uma carta de Dom Bosco de
julho ou agosto,12 ele comunicava que, “a respeito do Regulamento”, estava esperando
“resposta de Turim, uma vez que – explicava com muita cortesia –, como creio ter-lhe
escrito, fiz com que fosse examinado por eclesiásticos da Comunidade, não tendo, de
8A carta do arcebispo está publicada em MB VI 632-633.
9L. Fransoni, Epistolario, p. 294-295.
10 Cf. carta em MB VI 726.
11 Carta do dia 21 de agosto de 1860; L. Fransoni, Epistolario, p. 296.
12 Cf. Em I 420.

45.5 Page 445

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 445
resto, feito senão um pequeno relevo. Se V. S. tivesse observações a fazer sobre as varia-
ções que se fizerem, poderá propor-me livremente”.13
Também uma carta ao vigário geral, de 3 de novembro, deixava transparecer dispo-
nibilidade para com o Instituto de Dom Bosco. O arcebispo dava um testemunho posi-
tivo sobre a formação dos eclesiásticos pertencentes aos oratórios presentes e futuros
e teria desejado que também os outros bispos piemonteses condividissem esse teste-
munho. “Com relação aos jovens que estão com Dom Bosco – observava – se a Diocese
de Turim deve estar pronta para incorporá-los porque servem ao Instituto, parece-me
que também as outras Dioceses poderão fazer o mesmo. O Instituto de Dom Bosco não
é feito somente para uma Diocese, mas para todas, embora, no momento, a única casa
se encontre na diocese de Turim”.14
As pessoas chamadas à consulta não eram da mesma forma condescendentes. Duas
cartas de Fransoni de 1861 colocam em evidência complicações, algumas, certamente,
por causa das observações de Durando, de difícil identificação.15 Em março de 1861,
Dom Bosco exprimia ao vigário geral da arquidiocese a esperança de que pudesse dispor
de “algum pedacinho de tempo para dar uma olhada e, portanto, deliberar a respeito do
regulamento” da sociedade. Assegurava que, nas modificações do texto, havia levado
em consideração as observações do arcebispo, de Durando e do cardeal de Angelis.
Agora esperava a aprovação para pô-la em prática e, assim, “fazê-lo aprovado também
por Roma”16. Mas não tinha estado particularmente propenso em aceitar as observa-
ções, se se controlam as variantes dos manuscritos sucessivos e, ainda mais, se simples-
mente se lê a carta que seu arcebispo lhe enviava, no dia 23 de outubro de 1861. Dom
Fransoni se mostrava extremamente benévolo para com a obra dos oratórios, mas quanto
à “Sociedade de São Francisco de Sales”, confessa que, longe como estava, só podia
tomar consciência das dificuldades que surgiram: “Sobre a Sociedade de São Francisco
de Sales, foi-me dito que, tendo sido feitas imclusive importantes observações como,
por exemplo, de quem deva depender a Sociedade, as Regras tinham sido enviadas a
Dom Bosco para que acrescentasse e as completasse. Parece-me, como depois foi-me
referido, que tinha feito alguma concessão, mas que nelas ainda restavam muitas falhas
importantes. Parece-me prudente pedir-lhe explicação, o que farei quanto antes”.17
Mas a saúde do exilado estava declinando. Fransoni morria em 26 de março de
1862, sem ter podido assinar o decreto de aprovação diocesana do Instituto que via
13 MB VI 723.
14Ao vigário geral C. Fissore, em 11 de novembro de 1860, in: L. Fransoni, Epistolario, p. 301.
15 Não parecem individuáveis nas publicadas em MB VI 723-725, mais tardias, utilizadas pelo
arcebispo Riccardi nas “Observações” enviadas à Congregação dos Bispos e Regulares no dia 1º de
março de 1868. Cf. Cost. SDB (Motto), onde há referência a um importante e contestado acréscimo
ao 1º artigo do capítulo sobre o Escopo da Sociedade – “e também a educação do jovem clero” –,
introduzida no texto entre 1862 e 1864; cf. Cost. SDB (Motto) 29 e 72.
16 Ao cônego Celestino Fissore, em 9 de março de 1861; Em I 631.
17 Carta a Dom Bosco; ASC 1412406, FdB 1510 A11-B1.

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446 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
com simpatia. Por diversos motivos, foi uma grande desgraça para Dom Bosco. De
qualquer forma, ele se preparava para percorrer o caminho que conduzia diretamente
a Roma. Era decisão destemida que, sem a prévia aprovação por parte do ordinário
da casa-mãe do Instituto, expunha a alguma dificuldade maior. De outro lado, ele
não tinha jamais desistido nem teria omitido de apresentar ao papa a Sociedade que
estava nascendo. As cartas desses anos a Pio IX são, com efeito, uma obra de arte
de diplomacia, com a disposição de informá-lo periodicamente sobre a realidade da
Congregação, representada sempre como parte indissolúvel da obra dos oratórios,
destinada a garantir-lhe a continuidade, a estabilidade, a expansão. Disso já fazia
breve aceno em carta de fevereiro de 1859. Nela, por quanto mais diretamente preo-
cupado com a situação da diocese, assegurava ao pontífice a prece do novo grupo
apostólico que se estava formando: “Eu, meus meninos e meus clérigos e sacerdotes
rezamos cada dia a Deus para que dê a V. Santidade as graças e o conserve por muito
tempo, para o bem da Igreja”.18 Nas cartas sucessivas era sempre mais explícita a
referência aos colaboradores, constantemente solidários com as instituições juvenis.
Na carta do dia 9 de novembro de 1859, na qual deplorava a triste situação religiosa
turinesa – “nosso Arcebispo no exílio”, “os protestantes”, “a licença da carta e do
ensinamento” –, assegurava que ele e os seus (“nós”, escreve), faziam o possível “para
diminuir as conseqüências dos males. Por isso – continuava, antecipando os tempos
– “estamos unidos em uma espécie de sociedade sobretudo de eclesiásticos: fazemos
quanto se pode para difundir bons livros, e bons jornais; fazem-se pregações; dão-se
exercícios, tríduos e novenas e catecismos sempre com o objetivo de incutir os funda-
mentos de nossa religião católica e o respeito ao supremo Gerarca da cristandade”.19
As mesmas atividades apareciam já no primeiro texto constitucional entre os escopos
da Congregação nascente. Elas estavam novamente na sucessiva carta de 13 de abril
de 1860: “A religião é combatida e aviltada legalmente; não podemos defendê-la de
outra forma se não com pequenos opúsculos populares, com escolas e catecismo (...).
Meus sacerdotes, clérigos, estudantes e mestres de oficinas prostram-se todos juntos
comigo aos pés de V. S. (...)”.20 Dom Bosco ainda traçava um fosco quadro da situação
em carta de 13 de fevereiro de 1863, parcialmente resgatado por “cinco” florescentes
oratórios, povoados por mais de mil jovens, ferventes na prece pelo santo padre. Na
conclusão estava o pedido ao papa para que desse “a santa bênção a um número signi-
ficativo de sacerdotes, clérigos, leigo e jovens”.21
3. A caminho do decretum laudis (1862-1864)
18 Em I 368.
19 Em I 386-387.
20 Em I 401.
21 Em I 553-554.

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 447
No final da “prova”, um implícito noviciado, iniciado em 18 de dezembro de 1859,
o grupo dos inscritos, com alguma defecção e algumas novas adesões, tendo chegado
ao número de 23, emitia pela primeira vez os votos no dia 14 de maio de 1862. Eram
quatro sacerdotes (Dom Bosco, Alasonatti, Rua, Savio), dois coadjutores (Gaia, Oreglia
di S. Stefano) e dezessete clérigos.
Dom Bosco tinha continuado a precisar e a integrar o texto das Constituições,
deixando intactos os pontos capitais. Tinha feito alguns acréscimos inevitáveis, em
particular três capítulos: Governo religioso da Sociedade, Eleição do Reitor-Mor e
Sobre casos particulares. Os artigos passavam de 87 para 107.
Segundo Dom Bosco, tinham-se criadas as condições para pedir a Roma a apro-
vação da Sociedade e das relativas Constituições. Muito rapidamente, ele dar-se-ia
conta de como a estrada seria estreita e cheia de empecilhos. Ele ainda não tinha cons-
ciência disso quando, em maio de 1863, pedia previamente ao vigário capitular, cônego
Giuseppe Zappata, a aprovação diocesana turinesa do “projeto” da Congregação. No
pedido ele acenava às precedentes intervenções do defunto arcebispo, do vigário geral
Fissore e dos pareceres de muitos interpelados: “pessoas julgadas capazes e inteligentes
em tais matérias”, como dom Manzini, bispo de Cuneo, cardeal de Angelis, “outros e
depois outros”. Declarava ter levado em “preciosa consideração” as “reflexões” rece-
bidas, sempre com a intenção – atestava – de “aceitar um conselho que me deu muitas
vezes a anteriormente louvada Sua Excelência [o arcebispo Fransoni] e de colocar
em prática uma sugestão, antes, um plano de Sociedade sugerido e traçado por Sua
Santidade o Reinante Pio IX”. Na redação do texto – continuava, para reforçar o valor
– “eu segui em várias coisas outras sociedades já aprovadas pela Igreja e que têm uma
finalidade afim com a nossa. Tais foram, por exemplo, As Regras do Instituto Cavanis
de Veneza; do Instituto da Caridade; dos Somascos, e dos Oblatos de Maria Virgem”.
Aumentava a autoridade com a referência “à grande e variada messe evangélica” que
lourejava graças aos oratórios e que seria logo aumentada com a abertura, em outubro,
da “nova casa” de Mirabello Monferrato. Até o jogo das datas deveria concorrer a dar
prestígio de maturidade ao projeto, enviado a Fransoni já em 1858 e não – como ao
invés era – em 1860, e a experimentação das “regras” com a duração de pelos menos
“quinze anos” [de 1848/49!].22 Ao invés, ao cardeal Antonelli, no dia 12 de fevereiro,
teria escrito de forma mais real: “o regulamento foi compilado e, por cerca de seis anos,
foi posto em prática pelos membros que desejam formar esta sociedade”.23
De grande interesse aparecem as duas características do novo Instituto, evidenciadas
por ele: “Meu objetivo é estabelecer uma Sociedade que, enquanto conserva todos os
direitos civis de seus indivíduos diante da sociedade civil, em face da Igreja constitua
um verdadeiro corpo moral, ou seja, uma sociedade religiosa”.24
Não se conhece a resposta do vigário; mas deve-se ter a certeza que foi negativa.
22 Ao cônego G. Zappata, 24 de março de 1863; Em I 562-263.
23 Carta de 12 de fevereiro de 1864; Em II 36.

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448 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Segundo a praxe canônica, não parece que estivesse nas faculdades ordinárias do vigário
capitular dar uma aprovação que era reservada ao bispo.
Para apoiar o pedido de aprovação por Roma, Dom Bosco, segundo a praxe, pedia
e obtinha um certo número de cartas de recomendação de bispos benévolos. Eram os
bispos de Cuneo (Manzini, carmelita descalço), de Acqui (Contratto, capuchinho), de
Susa (Odone), de Mondovì (Ghilardi, dominicano), de Casale Monferrato (Calabiana).25
Insistia também junto do provigário geral de Turim,26 a fim de que se fizesse seu intér-
prete junto ao vigário capitular, cônego Giuseppe Zappata, que lhe enviava [o que pedia]
no dia 11 de fevereiro de 1864, na vigília do envio a Roma de toda a conversa.
No dia 12 de fevereiro confiava à pessoa de confiança, de partida para Roma, um
envelope endereçado ao cardeal Antonelli, com o pedido de “desejos entregar o regu-
lamento com os papéis relativos” “às venerandas mãos de sua Santidade”.27 Continha
a súplica a Pio IX, o texto das Constituições, as cartas comendatícias, uma folha com
Coisas a serem levadas em consideracão em torno das Constituições da Sociedade de
São Francisco de Sales, outro com breve reevocação do encontro com o papa, em 1858,
intitulado Pio IX, pontífice reinante, em favor desta Sociedade, enfim informações
sobre o crescimento dos oratórios, a posição da autoridade diocesana em relação a eles
e o pedido de aprovação da Sociedade, por hora na diocese e somente “recomendada”
pelo vigário capitular.28
No pedido ele retomava a audiência de 1858, quando o papa “acolhia de bom grado
a idéia de uma Sociedade que cuidasse preferencialmente dessa porção mais em perigo
da grei de Cristo [“a pobre e inexperiente juventude”]” e lhe “traçava as bases”, rece-
bidas no “plano de regulamento”, do qual se pedia a aprovação. Declarava também ao
papa a máxima disponibilidade para correções e modificações: “Eu peço antes de tudo
a correção, diria mesmo, a aprovação destas constituições projetadas. Portanto V. S., ou
quem se dignar deputar, corrija, acrescente, tire o que julgar conduzir a maior glória
de Deus. Eu não farei observações de nenhum modo, antes, enquanto me ofereço para
dar qualquer explicação que se julgue necessária ou oportuna, professo-me desde agora
imensamente grato com qualquer pessoa que me ajude a aperfeiçoar os estatutos desta
Sociedade e torná-los, quanto seja possível, estáveis e conformes aos princípios de
nossa santa religião católica”.29 Os fatos seguintes colocarão às claras os limites de tal
disposição diplomaticamente incondicionada.
Das Coisas a serem notadas emergiam dois pontos que constantemente acompanha-
riam Dom Bosco na repetida solicitação de aprovação e de faculdade. Antes de tudo,
ele estabelecia um estreito vínculo de continuidade, levada até à identificação entre a
24 Ao cônego G. Zappata, 24 de março de 1863; Em I 562.
25O textos encontram-se em MB VII 565 e 887-890.
26 Ao cônego A. Vogliotti, 6 e 26 de janeiro, 10 de fevereiro de 1864; Em II 29 e 32.35.
27 Carta ao cardeal Antonelli, em 12 de fevereiro de 1864; Em II 36-37.
28 Cf. toda a documentação em Documenti IX 36-40, FdB 999 E7-11; de Il regnante Pio IX a favore
di questa Società, minuta autografada de Dom Bosco em ASC A 2230202, FdB 1924 D 9-10.
29 Carta de 12 de fevereiro de 1864; Em II 37-38.

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 449
obra dos oratórios, as congregações juvenis e dos adultos adidos a elas [nos oratórios e
os mesmos oratórios], e a Sociedade Salesiana. Ela – declarava – “se se considera em si
mesma, tem por finalidade a continuação do que se faz no Oratório de São Francisco de
Sales de uns vinte anos para cá. Por isso pode-se dizer que aqui não se fez outra coisa
senão reduzir a disciplina praticada até agora nos oratórios masculinos desta cidade,
dos quais o de São Francisco de Sales é centro, a uma Constituição ordenada, conforme
o conselho do Supremo Gerarca da Igreja”.30
Em outro lugar documentou-se – e já acenou-se a isto31 – como essa estratégia ou
tática, claramente anti-histórica, tenha conduzido Dom Bosco, e juntamente com ele,
não poucos biógrafos e estudiosos, a assinalar a datas as mais disparatadas a origem
da Sociedade Salesiana, privilegiando definitivamente duas: 8 de dezembro de 1841,
no plano emocional, e 31 de março de 1852, no plano oficial. A esta segunda aderia
até mesmo, de modo ignaro ou mal informado, dom Alessandro Riccardi di Netro, há
pouco tempo arcebispo de Turim.32 A mesma data aparecia na Esposizione alla Santa
Sede, de 1878: “Em 1852 o Arcebispo de Turim aprovou o Instituto concedendo com
moto proprio todas as faculdades necessárias e oportunas ao Sacerdote Giovanni Bosco,
constituindo-o Superior e chefe da obra dos Oratórios”.33
Em segundo lugar, Dom Bosco insistia em mostrar o potencial e, depois, o efetivo
caráter interdiocesano de suas obras e da Congregação que a elas se dedicava, dedu-
zindo daí a exigência da plena jurisdição do superior geral sobre ela, sobretudo em
relação aos clérigos. Por isso, era inevitável a referência ao Instituto da Caridade e à
Congregação dos Oblatos de Maria Virgem, que nos anos 1820 e 1830 tinham conse-
guido simultaneamente a aprovação do Instituto e das Constituições e a consecução dos
privilégios, compreendida a faculdade de dar as dimissões para os ordenandos.34
No final de julho chegava o texto do decreto da Congregação dos Bispos e
Regulares, assinado, no dia 23, pelo prefeito, cardeal Angelo Quaglia, e pelo secre-
tário, Stanislao Svegliati. Era quanto Pio IX tinha aprovado na audiência concedida
ao secretário no dia 1º de julho. Nele tomava corpo, desde as primeiras linhas, a tese
da contemporaneidade das origens do oratório em 1841 e da Sociedade Salesiana: “de
aqui teve início a pia Sociedade, que recebe o nome de São Francisco de Sales, e consta
de sacerdotes, clérigos e leigos”. Eles, “além da própria santificação”, tinham com
“fim principal” prover ao bem seja temporal seja espiritual dos adolescentes, sobre-
tudo pobres”. “Esta Sociedade”, Sua Santidade, “louva e recomenda com fervorosís-
30 Cf. Cost. SDB (Motto) 229.
31 Cf. Introdução à Terceira Parte, § 2,1.
32 Cf. P. Braido, “L’idea della Società Salesiana nel Cenno Storico...”, p. 256-260.
33 Esposizione alla S. Sede dello stato morale e materiale della Pia Società di S. Francesco di
Sales nel Marzo del 1878. San Pier d’Arena, Tip. Salesiana, 1879, p. 4; OE XXXI 240.
34 Cost. SDB (Motto) 229; cf. também a carta ao vigário capitular cônego Zappata, de 24 de
março de 1863; Em I 562.

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450 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
simas expressões como Congregação de votos simples, colocada sob o governo de um
Superior Geral, salva a jurisdição dos Ordinários em norma dos sagrados Cânones e
das Constituições Apostólicas”, “postergando para um tempo mais oportuno a apro-
vação das Constituições”. Concedia, além disso, que o atual reitor-mor permanecesse
no cargo por toda a vida.35
Quanto às Constituições, não eram poucas nem secundárias as “Animadversiones”
ou “Observações” transmitidas em alegado pelo secretário. Elas espelhavam as redi-
gidas pelo consultor, o carmelita de antiga observância, padre Angelo Savini. Entre as
principais, menos agradáveis a Dom Bosco, sobressaíam as seguintes: era mais prudente
subtrair a proibição aos sócios de interessar-se pela política; não era conveniente que
fosse concedida ao superior geral a faculdade de dar aos sócios as cartas dimissórias
para as sagradas ordenações; para a fundação de novas casas e a assunção da direção
de seminários era necessário recorrer para cada caso à Santa Sé; não se podia aprovar
que pessoas estranhas (os “Externos”) fossem inscritos à Sociedade por meio da assim
chamada afiliação; a cada três anos o reitor-mor era obrigado a transmitir à Congregação
dos Bispos e Regulares um relatório sobre o estado material e pessoal disciplinar e admi-
nistrativo do próprio Instituto. Relembrava-se, além disso, a praxe segundo a qual as
congregações de sacerdotes apresentam as constituições em língua latina.
Com cartas de 25 de agosto, Dom Bosco agradecia a Pio IX e ao cardeal Quaglia,
assegurando ainda que, quanto às “observações”, teria o cuidado de “colocá-las em
obra” e enviaria o texto modificado das Constituições, “para que” o papa se dignasse
dar cumprimento a “uma obra começada sob seus santos auspícios”.36
Na realidade, não as teria aceitado tão facilmente. Bem depressa redigiria um docu-
mento, Supra animadversiones in Constitutiones, que visava impugnar a congruência
com as exigências e peculiaridades da sua Sociedade.37 O carmelita reformado dom
Manzini, que já havia visto as Constituições, pôde muito bem ter ajudado Dom Bosco
na redação da resposta às observações de padre Angelo Savini. À sua morte prematura,
em 21 de março de 1865, pela noite Dom Bosco falava dele à comunidade de Valdocco
como “um dos mais afeiçoados benfeitores” do Oratório, “um verdadeiro amigo”, e –
dizia – “era para mim como um pai”. “Todas as vezes que eu me sentia inseguro em
fazer alguma coisa – continuava –, todas as vezes que tinha necessidade de conselho, eu
me dirigia a ele, por escrito ou indo pessoamente a Cuneo, e ele me ajudava, me acon-
selhava, com pareceres de verdadeira prudência”.38 Um mês antes, exatamente, Dom
Bosco estivera hospedado por alguns dias com ele, a fim de poder desembaraçar-se sem
distúrbio dos “muitos afazeres” e da correspondência.39 Não é fantasioso pensar que o
bispo, o qual, antes de ser bispo, fora prior geral da Ordem, tenha partilhado com Dom
35 Cost. SDB (Motto) 231.
36 Em II 69 e 71: aos “santos auspícios” do papa faziam frente os “benévolos auspícios” do cardeal.
37 Cost. SDB (Motto) 232-234.
38 G. B. Lemoyne, “Cronaca 1864-1865”, p. 123-124.

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46.1 Page 451

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 451
Bosco a própria competência e experiência de vida consagrada.
4. Lineamentos espirituais da nova sociedade religiosa
Juntamente com a fundação jurídica e organizativa da Sociedade Salesiana, Dom
Bosco não tinha deixado de colocar em ação algumas iniciativas para a sua fundação
espiritual, com traços totalmente originais. Com efeito, o contexto da formação reli-
giosa dos salesianos não era distinto do mundo educativo juvenil no qual estavam inse-
ridos e agiam. Valdocco, sobretudo no grupo estudantil, era ao mesmo tempo abrigo,
colégio, pequeno seminário e comunidade de religiosos. Para esta existiam alguns
tempos e espaços nos quais se desenvolviam práticas de piedade particulares, confe-
rências e reuniões reservadas. Mas eram absolutamente prioritários a presença contínua
entre os jovens e a partilha de todas as expressões da sua vida material e espiritual.
Símbolos do crescimento e da progressiva consolidação podiam ser consideradas as
datas extraordinárias da ordenação presbiteral do padre Michele Rua, no dia 29 de julho
de 1860, e a festa da primeira missa, no dia 5 de agosto. Era também encorajador o
aumento numérico dos membros da incipiente Congregação. Discretas documentações
informam sobre o andamento anual dos professos a partir de 14 de maio de 1862: o
número dos padres, dos clérigos e dos leigos entre 1862 e 1870, as saídas e as dimissões,
a afluência dos inscritos. Dezenove, compreendido Dom Bosco, tinham participado da
fundação da Sociedade no dia 18 de dezembro de 1859; 23 professavam os votos no
dia 14 de maio de 1862; outros 86 emitiam os votos entre 1862 e 1870, elevando o
número complexivo dos professos a 109, inclusive padre Pestarino, que aparece como
professo somente a partir do primeiro catálogo impresso de 1872. No primeiro catálogo
manuscrito de 1870 eram elencados 30 professos perpétuos, 33 trienais e 42 inscritos
ou noviços. Em 1865 aparecia computado entre os membros “externos”, além do já
lembrado padre Giovanni Ciattino, padre Domenico Pestarino, que colaborava com o
pároco e era diretor espiritual das Filhas da Imaculada, grupo que em 1872 teria cons-
tituído o primeiro núcleo de professas do Instituto das FMA.40
Se o mês de outubro de 1864 trazia a Dom Bosco o presente de dois colaboradores
excepcionais, Francesco Bodrato e padre Giovanni Battista Lemoyne, seguiam-se muito
logo também acontecimentos angustiantes para a ainda exígua Sociedade e seu supe-
rior. Verificavam-se doenças, mortes e uma trágica marginalização: morriam Domenico
Ruffino (16 de julho de 1865) e Vittorio Alasonatti (7-8 de outubro de 1865). Nas
mesmas semanas padre Bartolomeo Fusero, o jovem diretor espiritual da Sociedade,
era hospistalizado no hospital psiquiátrico, onde morreria em 17 de dezembro de 1878.
39 G. B. Lemoyne, Cronaca 1864-1865, boa-noite de 24 de fevereiro de 1865, p. 105-106.
40 Cf. P. Stella, I Salesiani no volume Don Bosco nella storia economica e sociale..., p. 295-325
e 523-525.

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452 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
No dia seguinte ao final do oitavário para a consagração da igreja de Maria Auxiliadora,
no dia 17 de junho de 1868, morria o fervoroso sacerdote de 26 anos padre Giuseppe
Bongiovanni.
Havia ainda esperanças desiludidas e defeções de jovens sacerdotes como padre
Giovanni Battista Anfossi, em 1864, e de padre Giovanni Boggero, em 1866, e de
clérigos de grande valor como Alessandro Fabre e Costanzo Rinaudo, em 1866.
4.1 Os traços religioso e salesiano nas Constituições
Dom Bosco tinha construído uma discreta cultura “religiosa” específica já durante o
percurso do caminho de elaboração das Constituições. O recurso a fontes estranhas não
o impedia de conferir a elas conteúdos e inspirações exigidas pela particular qualidade
juvenil e popular da missão para a qual a Sociedade se destinava. Os próprios votos, a
consagração, embora tendo no texto uma forte e genérica marca evangélica, assumiam
uma fisionomia peculiar com relação ao tipo da missão: a obediência religiosa queria ser
compatível com as liberdades civis, a pobreza efetiva devia conciliar-se com o domínio
radical dos bens, o destacamento da castidade especializava-se na incondicionada dedi-
cação ao apostolado juvenil, ao mesmo tempo efetiva e afetiva, expansiva e controlada.
A missão era definida no primeiro artigo das Constituições sobre o escopo
da Sociedade. Na primeira redação a missão consistia em “aperfeiçoar a si mesmo
imitando o mais possível as virtudes de nosso divino Salvador”. A expressão era
progressivamente precisada: “aperfeiçoar-se a si mesmo imitando as virtudes do nosso
divino Salvador, especialmente na caridade para com os jovens pobres” (1860/1861);
“a perfeição cristã dos seus membros, cada obra de caridade espiritual e corporal para
com os jovens pobres, e também a educação do jovem clero” (1862/1864); “ut socii
simul ad perfectionem christianam nitentes, quaeque charitatis opera tum spiritualia,
tum corporalia erga adolescentes, praesertim si pauperes [pauperiores, 1874] sint,
exerceant” (1867):41 este era o texto definitivo.42
Na perspectiva do fim se construía o perfil do religioso salesiano, dedicado a obras
de caridade em favor da juventude. Derivava daí o empenho em adquirir “as virtudes
internas e externas”, “a ciência” e as habilidades apropriadas,43 a disponibilidade para
“sofrer, se for preciso, calor, frio, sede, fome, desânimo e desprezo”, se e enquanto
contribuíam para “promover a glória de Deus e o bem das almas”.44 Estava previsto
inclusive condicionamento que “a vida ativa” própria da Sociedade, consagrada à cari-
41 “O fim da Sociedade Salesiana é que os sócios, enquanto se esforçam para adquirir a perfeição
cristã, exercitem toda obra de caridade espiritual e corporal para com os jovens, especialmente
pobres”. A expressão “os mais pobres” aparece na redação sucessiva.
42 Cost. SDB (Motto) 72-73.
43 Finalidade, art. 2, Cost. SDB (Motto) 72.

46.3 Page 453

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 453
dade operativa, podia impor às medidas das “práticas em comum”.45
Sob essa luz se consideravam e praticavam os votos religiosos de obediência, pobreza
e castidade. Capital era a obediência: antes de tudo ao reitor-mor, que nas primeiras
redações do capítulo sobre o Governo interno da Sociedade concentrava em si todo
poder: era vitalício, propunha ou não a aceitação dos postulantes, assinalava a cada um
as tarefas tanto no campo espiritual como no temporal (art. 2), convocava o Capítulo e,
a cada ano, os diretores das casas para conhecer e prover às necessidades da sociedade
(art. 6), interpretava o regulamento (cap. 7),46 decidia a abertura das casas particulares e
nomeava seu diretor,47 podia dispensar das práticas de piedade estabelecidas.48
Em síntese, o reitor-mor era a cabeça de uma sociedade funcional para a ação, tanto
mais unida e centralizada internamente no superior quanto mais desligada de vínculos
externos, extraeclesiais e intraeclesiais, desejadamente isentos. É verdade que no capí-
tulo sobre a forma da Sociedade dizia-se que “todos os congregados” tinham “vida
comum ligados unicamente pelo vínculo da caridade fraterna e dos votos simples”,
que “os unia a formar um só coração e uma só alma” (art. 1). Porém, o capítulo Sobre
o Voto de obediência estatuía que o religioso devia obedecer como o Divino Salvador,
que veio não “para fazer a sua vontade, mas a do seu celeste Pai” (art. 1); que o voto
obrigava a se ocupar “apenas das coisas que o respectivo superior” tivesse “julgado de
maior glória de Deus e o bem da própria alma e da do próximo segundo o regulamento”
da “sociedade” (art. 2); que a obediência assegurava aos sócios de “estarem fazendo a
vontade de Deus”, por isso – continuava –, cada se submeta ao Superior, e o considere
em toda coisa como um pai amoroso, e obedeça-lhe inteiramente, prontamente, com
ânimo alegre e com humildade, como aquele que, nessa ação, representa a vontade do
mesmo Deus” (art. 4); ainda mais, que “cada um” tenha “grande confiança no superior,
não guardando nenhum segredo no coração” para com ele. Tenha para com ele a “cons-
ciência aberta toda vez que” julgue “ser da maior glória de Deus e o bem da própria
alma” (art. 6).49
Analogamente, o voto de pobreza era funcional para a finalidade de uma Congregação
que existia para jovens “pobres”, “pobres e abandonados”,50 sem fundações estáveis
que garantissem sua operatividade. Ela se sustentava com a beneficiência, com as even-
tuais taxas versadas pelas famílias, por privados e por entes públicos, e com o trabalho
gratuito dos sócios salesianos. Por isso o voto de pobreza era sobretudo comunitário:
admitido a posse radical dos bens, era excluída a administração pessoal dos mesmos
44 “Aceitação”, art. 12; Cost. SDB (Motto) 178.
45 “Práticas de Piedade”, art. 1; cf. para os conteúdos os art. 2-6; Cost. SDB (Motto) 182, 184.
46 Cost. SDB (Motto) 120, 126.
47 “Das casas particulares”, art. 1 e 7; Cost. SDB (Motto) 156 e 162.
48 “Práticas de piedade”, art. 7, 9; Cost. SDB (Motto) 186.
49 Cost. SDB (Motto) 92, 94, 96.
50 “Finalidade desta Congregação”, art. 1, 3, 4; Cost. SDB (Motto) 72-74.

46.4 Page 454

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454 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
e a aquisição de qualquer ganho ou coisa para si próprio: tudo devia retomar para
a comunidade.51 Existia um nexo essencial entre pobreza e vida comum, ou melhor, a
vida comum era reconduzida sobretudo pela prática da pobreza: “a observância do voto
de pobreza em nossa congregação consiste essencialmente na separação de todo bem
terreno, o que nós praticaremos com a vida comum com relação à alimentação e às
vestes, não reservando nada para o próprio uso sem o consentimento do Superior”.52
Especialmente forte era o liame entre a dedicação aos jovens e a virtude e o voto de
castidade, considerado rígido também pelo austero dom Fransoni. “Quem trata com a
juventude abandonada – afirmavam os seis intrincados artigos do capítulo – deve certa-
mente procurar enriquecer-se de todas as virtudes. Mas a virtude angélica, a virtude
certamente mais querida ao Filho de Deus, a virtude da castidade deve ser cultivada em
grau eminente” (art. 1); “quem não tem fundada esperança, que com o divino auxílio
possa conservar a virtude da pureza nas obras, nas palavras e nos pensamentos, não se
inscreva nesta congregação, porque estaria exposto aos perigos a cada passo” (art. 2);
“as palavras, mesmo os olhares indiferentes são muitas vezes interpretados de forma
errônea pelos jovens que já foram vítimas das paixões humanas. Por isso, máxima
cautela em discorrer ou tratar também de coisas indiferentes com jovens de qualquer
idade ou condição” (art. 3); fugas e cautelas eram estatuídas também com mulheres e
seculares (art. 4 e 5), com o aparato dos “meios eficazes para guardar essa virtude” (art.
6), idênticos aos que são propostos aos jovens.53
4.2 Construção interior da nascente sociedade religiosa
As primeiras crônicas oferecem dados interessantes sobre a formação religiosa
específica que Dom Bosco dava em particular aos membros potenciais ou efetivos da
Sociedade. Ela se acrescentava à preponderante formação global e experiencial que
eles interiorizavam na convivência com o superior, com os jovens assistidos e com os
clérigos seminaristas: em substância, um mundo por si mesmo plasmador.
No dia 11 de junho de 1860, Domenico Ruffino registrava um solene pacto de
missão, feito por ocasião da assinatura coletiva no final do texto das Constituições
enviado ao arcebispo Fransoni: “Fazemos entre nós a promessa de que, se por má
ventura, por razão da tristeza do tempo não se possam fazer os votos, cada um de nós,
em qualquer lugar esteja, mesmo com todos dispersos, enquanto um existir, esforçar-
se-á em promover esta sociedade, ainda que existindo somente dois, e de observar
estas regras enquanto for possível”.54 No final da primeira profissão, em 14 de maio
51 “Forma da Sociedade”, art. 1-2 e 6; Cost. SDB (Motto) 82 e 86.
52 “Do voto de pobreza”, art. 1 (1864-1867); Cost. SDB (Motto) 100.
53 “Do voto de castidade”, art. 1-6; Cost. SDB (Motto) 108, 110.

46.5 Page 455

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 455
de 1862, entre as palavras dirigidas por Dom Bosco ao grupo, algumas delineavam a
fisionomia da Sociedade à luz do escopo e das atividades. “Quem sabe o Senhor não
queira servir-se desta nossa sociedade para fazer muito bem à sua Igreja? (...) alguns
dedicados à pregação e à instrução do povo simples, outros à educação dos jovens aban-
donados; alguns a lecionar, outros a escrever e a difundir bons livros; todos, em suma,
atentos a sustentar a dignidade do Romano Pontífice e dos ministros da Igreja; quanto
bem não se fará!”.55
Ao redor desse núcleo desenvolviam-se os traços de um tipo especial de consagrado.
A base da ação era constituída pela forma comunitária, fraterna e, ao mesmo tempo,
hierárquica da vida e da ação dos sócios. Era sublinhada em uma conferência de 10 de
janeiro de 1864: “Dom Bosco leu um artigo sobre a finalidade da sociedade e depois
falou-nos muito bem do vínculo da caridade que deve unir os sócios. Fez a comparação
com o carro de Ezequias [Ezequiel] puxado por uma águia e por um boi, deduzindo daí
que aquele que tem um temperamento lento se agilize também um pouco [Dom Bosco
não parece pedir que a águia se adéqüe ao boi!]. Falou da caridade que devem usar os
que conduzem e os que obedecem”.56 A disciplina e a observância das regras tinham
função capital nesta visão. “Não se introduza nenhuma novidade em casa – insistia no
dia 6 de setembro de 1860 –; mesmo que se veja que uma coisa seria melhor de outra
forma, deixemos o melhor e fiquemos simplesmente no bom, a fim de que se evitem as
novidades e não se faça nenhuma violência nas regras da casa”.57 Tudo era inculcado e
devia ser praticado em função da finalidade, isto é, da caridade para com o próximo e
especialmente para com os jovens. “Procuremos fazer com que cada pessoa que se rela-
cione conosco – exortava no dia 27 de abril de 1861 – possa afastar-se satisfeito, e com
que cada vez que falemos com alguém seja um amigo que conquistamos, uma vez que
devemos fazer crescer o número dos amigos e diminuir o dos inimigos, pois devemos
fazer o bem a todos (...). Com relação aos jovens, devemos ter caridade usando sempre
doçura. Que não se diga jamais de nós: aquele lá é rigoroso, severo; não, que isto não
aconteça entre nós. Se temos que corrigir alguém, tomemo-lo à parte com bondade.
Façamos ver seu mal, sua desonra, o dano, a ofensa de Deus; pois, agindo de outra
forma, ele abaixará a cabeça às nossas palavras duras, tremerá, mas buscará sempre
fugir de nós, tirando pequeno proveito de tudo”.58
Podem-se entrever traços individuantes do sistema religioso e pedagógico dos reli-
giosos salesianos, já em Dom Bosco, apóstolo entre os jovens, e dos seus primeiros
com-sócios e colaboradores, que, como ele, eram padres diocesanos.
54D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales Nº 1º 1860, p. 14-15.
55 G. Bonetti, Annali III 1862-1863, p. 4-6.
56 G. Bonetti, Annali III 1862-1863, p. 13-14.
57D. Ruffino, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales Nº 1º 1860, p. 24.
58D. Ruffino, Cronacha 1861 1862 1863, p. 26.

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456 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
5. Inícios da epopéia de Maria Auxiliadora
A Igreja-santuário de Maria Auxiliadora em Turim,59 de onde partiu o movimento
devocional contemporâneo em honra de Nossa Senhora venerada sob esse título, não
tem na origem um fato extraordinário, uma aparição, um milagre de cura, uma fonte
que brota de forma prodigiosa. Na origem está a piedade, a intuição e a energia realiza-
dora de Dom Bosco, padre educador e fundador religioso, profundamente convencido
da importância da Auxilium Christianorum em tempos calamitosos para a Igreja e não
menos difíceis para a firmeza da fé de seus membros. Ela podia constituir, ao mesmo
tempo, uma singular reserva para a vida espiritual dos jovens e de seus educadores e
educadoras.
Era já o significado da devoção a Maria Imaculada Auxílio dos Cristãos, que, em
substância, Dom Bosco propunha explicitamente, como se viu, em O mês de maio60 e
em escritos próximos. Ele encerrava a vida do papa mártir são Calixto I recomendando
que se “recorresse Àquela que é o auxílio dos cristãos”, “a Santa Mãe de Deus, a grande
Virgem Maria”.61 Maria não “é somente o auxílio dos cristãos, mas é o sustentáculo
da Igreja universal”, garante mamãe Marietta, a qual, como atenta educadora da filha
Angelina, exorta-a a rezar à Mediadora de graças.62
5.1 Antecedentes
O primeiro documento que tornava conhecido ao público a intenção de edificar em
Turim uma igreja dedicada àquela que mais tarde seria chamada “a Madona de Dom
Bosco”,63 ou seja a Maria venerada sob o título de Auxilium Christianorum, era uma
circular de 1º de fevereiro de 1863. O novo lugar de culto era exigência de um popu-
loso quarteirão “de mais de vinte mil habitantes, em cujo meio não existia nem Igreja,
nem capela”.64 Dom Bosco antecipava os fatos quando, em carta de 13 de fevereiro,
anunciava a Pio IX: “somente na cidade de Turim estão em via de construção quatro
igrejas destinadas a ser paróquias, das quais uma é a Maria Auxilium Christianorum”;65
59 Cf. A primeira monografia orgânica sobre a história do edifício em: L. Borello, L’Ausiliatrice
dall’Italia al mondo. Turim, Edizioni MC, 1988.
60 Cf. cap. 9, § 5.
61 G. Bosco, Vita del sommo pontefice S. Callisto I., p. 62; OE XI 134.
62 [G. Bosco], Angelina o la buona fanciulla..., p. 87-88; OE XIII 35-36.
63 É o título do livro de um salesiano particularmente ligado ao fundador: G. B. Lemoyne, La
Madonna di Don Bosco ossia Relazione di alcune grazie concesse da Maria SS. Ausiliatrice ai
suoi divoti. “Letture Cattoliche” a. XXXIX, nº 5 (461), Turim, Libr. Salesiana, 1891, VIII-147 p.
64 Em I 550.
65 Em I 553.

46.7 Page 457

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 457
enquanto ao cardeal Antonelli, agradecendo oferta de 500 liras em nome do papa,
escrevia no dia 26 de março: “os trabalhos para esta igreja devem ser começados”.66
Mas era então somente um desejo.
O edifício nascia da necessidade assinalada pela circular, “com bastante espaço para
os adultos da vizinhança e para ser transformado em paróquia, se o superior religioso
julgasse oportuno”. Mas não era menos premente predispor uma igreja dimensionada
ao crescente número dos jovens do Oratório, para os quais já se revelava insuficiente a
Igreja de São Francisco de Sales.67
Existia muitas razões para a escolha do título, feita em um contexto histórico bem
preciso. Não faltavam, por certo, precedentes históricos que afundavam as raízes nos
séculos, que Dom Bosco, narrador de história eclesiástica, globalmente conhecia, e
outros mais próximos, que diziam respeito a Napoleão Bonaparte e Pio VII, relem-
brados em O mês de maio.68 Sua iniciativa não podia soar tão singular, quando em
Roma era familiar “a festa da Virgem Mãe de Deus invocada sob o glorioso título de
Auxilium Christianorum”, celebrada por vontade de Pio VII, “em comemoração de seu
feliz retorno a Roma, e da paz dada de novo à Igreja após a feroz perseguição à qual fora
submetida”.69 Não se pode excluir também a intenção de dar à nascente Sociedade de
São Francisco de Sales uma Patrona decorada com um título em certo sentido inédito.
O impulso imediato era dado pela divulgação, em março de 1962, de notícias sobre
uma antiga imagem de uma igreja destruída perto de Spoleto, de onde Maria Santíssima
teria dirigido a palavra a uma criança de 5 anos e diante da qual um lavrador, rezando,
teria recuperado a saúde. Os fatos atraíram imediatamente multidões de devotos diante
da imagem da Virgem. De todos os fatos enviava relação ao jornal L’Armonia, que os
publicava no dia 27 de maio. O arcebispo de Spoleto, Giovanni Battista Arnaldi, dava
à imagem o nome oficial de Auxílio dos Cristãos ou Auxilium Christianorum, conside-
rado por ele “o mais adaptado por todas as razões” com relação aos tempos calamitosos
que a Igreja atravessava, sobretudo em relação ao seu chefe. Em setembro o prelado
lançava a idéia de um grande templo que deveria ser construído na planície da Fratta.
Turim esteve entre as primeiras cidades a conhecer os fatos, respondendo com singular
entusiasmo e fervor.70 A Igreja espoletana, contudo, acabava assumindo a denominação
de Santuário de Nossa Senhora da Stella, mesmo que nas dez “Relazioni”, publicadas
66 Em I 565.
67 Em I 550.
68 Cf. cap. 9, § 5.
69 Solenne triduo alla Vergine SS. Aiuto dei Christiani (24 maggio), in “La Civiltà Cattolica” 11
(1860), vol. II 734-735. Nesta razão, colocada no contexto histórico, longínquo e imediato,
cf. P. Broccardo, Ragioni che determinarono Don Bosco alla scelta del titolo «Auxilium
Christianorum», in La vita di preghiera del religioso salesiano, Lyon, 10-11 setembre 1968,
«Colloqui sulla vita salesiana», Torino-Leumann, LDC 1969, p. 33-53.
70 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica II 163-167.

46.8 Page 458

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458 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
de 1862 a 1867, dom Arnaldi falasse sempre de Maria SS. Auxilium Christianorum. Pio
IX interessou-se vivamente pelo fato prodigioso e pelo santuário em construção desde
1862. Dom Arnaldi escrevia: “Os Católicos não distinguem a causa de Pio da causa de
Maria, a causa da Imaculada da causa do Pontífice que a definiu”.71
É, portanto, certo que, quando Dom Bosco decidia a construção da igreja turinesa,
“a espiritualidade mariana do tempo”, que, “sob a pressão dos acontecimentos políticos
e das renovadas perseguições à Igreja, era já fortemente orientada para a devoção a
Maria Santíssima Auxiliadora Patrona et Salus populi christiani, retirasse das aparições
de Spoleto seu impulso avassalador”: “os espíritos mais abertos e previdentes viram na
‘Devoção mariana de agora’ uma nova via de redenção e de salvação aberta à causa de
Deus, e a percorreram até o fim. Entre estes estava Dom Bosco”.72 É significativo que
no fascículo Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora,
compilado por ele em 1868, fosse incorporada em grande parte a primeira “Redação”
de dom Arnaldi.
5.2 A Igreja nos primeiros anos da década de 60
Em sua incondicionada solidariedade com o papa no tempo das anexações, Dom
Bosco ousava, muito depressa, prometer “um grande triunfo” da Igreja, preparado
no céu pela “Santa Virgem Imaculada”.73 Coisas funestas eram projetadas nos anos
seguintes, mas ainda com prognósticos triunfais improváveis: “A coisa que aflige de
modo maior o ânimo são os desastres que gravam sobre a Igreja universal”; “um joven-
zinho, que de alguns anos dá claros sinais de ter especiais luzes do Senhor, exprimiu-se
muitas vezes com estas palavras: Quantas tribulações magoam o paterno coração de
Pio IX. A Virgem Imaculada entrega ao Santo Padre um grande maço de rosas, mas ele
deve pegá-lo na parte onde estão espinhos mais agudos. Uma outra pessoa é do parecer
que, se o Senhor não muda seus desígnios, V. S. deverá abandonar Roma de novo;
haverá um grande bem em meio ao mal, pois povos inteiros correrão a venerar V.S.
(...). Em suma, aproximam-se acontecimentos ameaçadores, talvez inauditos na história
das nações, mas V. S. colherá sobre tudo isso o mais glorioso triunfo quando, após
conflitos muito sanguinolentos, retornará a ser tranqüilo possuidor dos seus Estados,
acolhido pelo amor dos seus povos; bendito pelo Rei e pelas nações”.74 Semelhantes
acenos encontrar-se-ão em carta de fim de ano, na qual entendia representar ao papa
“o verdadeiro estado das coisas relativamente à religião” na Itália, compreendendo três
71 Cf. P. Broccardo, “L’«Ausiliatrice di Spoleto» e Don Bosco”, in: L’Immacolata Ausiliatrice:
relazioni commemorative dell’anno mariano 1954. Turim, SEI, 1955, p. 248-249.
72 P. Broccardo, “L’«Ausiliatrice di Spoleto» e Don Bosco”, p. 251 e 263.
73 Carta de 13 de abril de 1860; Em I 401.
74 A Pio IX, em 10 de março de 1861; Em I 441.

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 459
pontos: Os protestantes, Os católicos, Os Oratórios. Dos primeiros denunciava o “inde-
fensável” proselitismo. Dos segundos evidenciava a união e o ativismo “para defender e
propagar os princípios de nossa santa religião”, somente acenando a alguns sacerdotes
em dissensão, porém “fora do Piemonte”. Dos Oratórios exaltava a multiplicação “não
somente em Turim, mas também nas vilas e nas cidades de província”. Mas nem tudo
era alegre. “Nós – relevava – encontramo-nos em um terrível conflito. O anjo das trevas
saiu para fora; o mundo encontra-se em seu poder; tudo faz para arruinar os verda-
deiros crentes. Nós combatemos, contentes de dar tudo, sofrer tudo pela santa causa do
Senhor”. Concluía, assegurando “em nome de muitos eclesiásticos e de muitos fervo-
rosos leigos” a oferta a sua santidade de “fadigas, vida e bens” e orações, para que o
Senhor fizesse “quanto antes despontar a paz em nossas cidades, para o bem dos povos
e da religião”.75 Por fim, em fevereiro, antes da notícia da construção de uma Igreja a
Maria Auxilium Christianorum, dava flashes nada consoladores: “nas nossas cidades”,
“graves acontecimentos” nas “coisas de religião e os sagrados ministros”, “pelas
costumeiras incursões dos protestantes”, “pelas ameaças e mesmo pelas opressões das
autoridades”, “pelo desvio” de alguns “colocados na guarda da casa do Senhor”, pela
“instrução a-católica da juventude nas escolas primárias e secundárias”, pelos “jornais
e os livros ímpios” que continuavam “ser impressos, multiplicados e difundidos”.
A isso se acrescentava, contudo, um crescimento do respeito e da veneração pelo papa,
a união dos bispos, também exilados e encarcerados, e a vitalidade dos oratórios.76
5.3 Duas âncoras “pendentes das duas colunas”
A carta a Pio IX de 13 fevereiro de 1863 terminava prefigurando um dos aspectos
mais característicos da devoção a Maria sob o título de Auxiliadora, ou seja, o indis-
solúvel vínculo com o culto eucarístico. “Vossa Santidade – insinuava Dom Bosco
– secunde o outro pensamento que Deus lhe inspira no coração proclamando onde
possa a veneração ao Santíssimo Sacramento e a devoção à Bem-Aventurada Virgem,
que são as duas âncoras de salvação para a mísera humanidade”.77 Semelhante refe-
rência, em previsão de “dolorosos acontecimentos”, encontrava-se na carta de 10 de
março: “a Santa Mãe Igreja deve ser de novo pressionada e aflita pelos estragos de
seus ingratos filhos. Cá entre nós se duplicam as orações, e nossa esperança está toda
em Jesus Sacramentado e em Maria Santíssima Imaculada. Espero que a divina provi-
dência prolongue os dias de V. S. e que, após pesadas borrascas, possa ver dias serenos
e de paz para a Igreja”.78
Batalhas, lugares de refúgio e vitórias sob o dúplice sinal já tinham sido apresentados
75 A Pio IX, 27 de dezembro de 1861; Em I 472-473.
76 Carta de 13 de fevereiro de 1863; Em I 553.
77 Em I 555-554.
78 A Pio IX, 10 de março de 1863; Em I 561.

46.10 Page 460

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460 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
por ele de forma imagens na boa-noite de 30 de maio de 1862 aos quinhentos ouvintes
do Oratório. Ele tinha começado inflingindo várias punições, pontuais e articuladas, a
alguns que, no dia precendente, festa da Ascensão, “sem permissão tinham escapado do
Oratório”, “pulando os muros”. Prosseguia: “vou contar para vocês um apólogo, uma
similitude: fiquem atentos e saibam compreender (...). Pensem que estão na margem
do mar e incapazes de ver com clareza senão a terra que está sob seus pés. Em toda a
superfície do mar se vê uma infinidade de navios, todos terminados por uma ponta aguda
de ferro que perfura tudo onde bate. Dessas naves, umas estão carregadas de armas, de
canhões e fuzis, e outras de livros e de matérias incendiárias. Enfim, todas perseguem
uma nave muito grande, tentando atingi-la, incendiá-la e fazer-lhe todo estrago possível.
No meio do mar imaginem ver, além disso, duas colunas muito altas: sobre uma está a
estátua da Santíssima Virgem Imaculada e embaixo a inscrição: Auxilium Christianorum.
Sobre a outra, que é ainda maior e mais alta, está uma Hóstia de grandeza proporcional
à coluna, e embaixo estão as palavras: Salus credentium. Das bases de cada coluna
caem correntes com muitas âncoras às quais podem atracar-se os navios. A nave maior é
conduzida pelo Papa e todos seus esforços são direcionados a levá-la ao meio daquelas
colunas. Mas, como falei, as demais barcas procuram, de todo modo, atingi-la e arrui-
ná-la, umas com as armas e com os bicos das proas, outras com o incêndio por meio
de livros e jornais. Mas em vão eles gastam seu esforço; toda arma e qualquer outro
meio quebra-se e afunda. Acontece, algumas vezes, que os canhões fazem um buraco
profundo aqui e ali nos francos da nave, mas basta um sopro que venha das colunas e a
nave pode continuar seu caminho. Acontece que o Papa cai uma vez, depois se levanta,
cai uma segunda vez e morre. Apenas morto, um outro ocupa imediatamente seu lugar
e conduz a nave até as colunas; lá chegando, ele a amarra fortemente com uma âncora à
coluna da Hóstia consagrada, com a outra, ata-a à coluna sobre a qual está a Imaculada
Conceição. – Então dá-se uma grande convulsão sobre toda a superfície do mar. Todas as
naves que até então tinham combatido a do Papa perdem-se, fogem, batem uma na outra.
Umas afundam e procuram afundar a outra. As que estão mais distantes mantém-se
prudentemente ao largo, até que, atingidas pelas vagas do mar revolto pelas naves que
afundam, lentamente dirigem-se ao redor da nave maior; lá chegando, atracam-se elas
também às âncoras pendentes das duas colunas e aí permanecem em perfeita calma”.
Após o conto, o narrador seguia com a explicação do apólogo, pedindo ao padre Rua,
que respondia simplesmente: “parece-me que a nave do Papa seja a Igreja (...). Ora,
aqueles que defendiam a Igreja são os bons, afeiçoados à Santa Sé; os outros, os seus
inimigos”. Dom Bosco aprovava e integrava: “as naves dos inimigos são as perseguições
que se preparam à Igreja. O que aconteceu até agora é quase nada”.79
A terceira das recordações dadas por Dom Bosco aos jovens do colégio de Mirabello
79 Carta de 5 de junho de 1862, de Cesare Chiala (1837-1876), mais tarde salesiano, a Federino
Oreglia di San Stefano, ASC A 0050401, Fdb 929 C10-DI; P. Stella, Don Bosco nella storia
della religiosità cattolica, vol. II, p. 547-554.

47 Pages 461-470

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47.1 Page 461

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 461
no dia 30 de dezembro de 1863 era a “Devoção e a freqüente intercessão a Maria
Santíssima”. Comentava: “Crede, meus filhos, eu penso de não afirmar demais dizendo
que a comunhão freqüente é uma grande coluna sobre a qual se apoia um polo do mundo;
a devoção a Maria Santíssima é a outra coluna sobre a qual se apoia o outro povo”80.
5.4 Da decisão de construir até o lançamento da pedra angular
A intenção de Dom Bosco de construir uma igreja de grandes dimensões não consti-
tuía no início obra do azar, ainda que tivesse tornado tal muito rapidamente pelo contra-
golpe financiário criado em 1865 pela transferência da capital do Reino de Turim a
Florença e pela guerra da independência de 1866. Ele superava a crise com tenácia, com
a organização das rifas, com os constantes apelos privados e públicos, com a inacredi-
tável capacidade de envolvimento sobretudo em Turim, Florença e Roma.
Já em maio de 1863 a aquisição dos terrenos e das madeiras destinadas ao fechamento
do canteiro comportaram a despesa de cerca de 4 mil liras. Os trabalhos foram comissio-
nados ao valtelinense Carlo Buzzetti, que gozava de muita confiança. Ele era irmão de
Giuseppe, que morava no Oratório, e de Josué, ele também empresário edilício.
Os trabalhos de escavação iniciaram-se no verão e no outono, completados na
primavera de 1864. Iniciara-se também o transporte de 20 mil quintais [cerca de 1.200
toneladas] de pedras de Borgone di Susa. Dom Bosco tinha obtido o transporte gratuito
do diretor geral das ferrovias, Bartolomeo Bona.81
Mais de um ano antes de apresentar ao município o projeto para a licença edilícia,
Dom Bosco tinha se afadigado, pessoalmente e com cartas, junto do prefeito para pedir
também uma sustentação financiária para a construção.82 Recebendo uma resposta
negativa, justificada pelo fato de que a Junta Municipal, por princípio, concorria
“somente para a erecção de Igrejas paroquiais”, tornava inutilmente à carga.83 O projeto
do eng­ enheiro e arquiteto Antonio Spezia, apresentado em fevereiro,84 foi aprovado
em 27 de maio, após sucessivas modificações, impostas pela Comissão de Ornato, e o
município concedeu a licença em 2 de junho de 1864.
Em março Dom Bosco tinha feito imprimir uma circular e a havia difundido na
80 Em I 629.
81 Cf. carta de janeiro de 1864; Em II 33. Em julho de 1865 pedia análogo favor ainda com êxito
positivo (cf. Em II 629).
82 Ao marquês E. Luserna di Rotà, 25 e 26 de maio de 1863; Em II 580 e 581-582. Sobre as
relações com o município de Turim em relação à construção da Igreja de Maria Auxiliadora,
Giuseppe Gracco oferece informações de primeira mão no ensaio “Don Bosco e le istituzioni”,
in: G. Bracco (ed.), Torino e Don Bosco, vol. I, p. 142-144. Vol. III: Documenti, n. VII-XII,
plantas e projetos.
83 Ao marquês E. Luserna di Rorà, 24 de dezembro de 1863; Em I 627.
84 Ao prefeito de Turim, antes de 1º de março de 1864; Em II 40.

47.2 Page 462

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462 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Itália setentrional e central, unindo a ela fichas de inscrição. No topo da circular
estavam impressas, à esquerda e à direita, em latim e em italiano, as invocações Maria
auxilium Christianorum e Tu nos ab hoste protege et mortis hora suscipe. No texto ele
se recomendava “aos devotos de Maria”, “digo dos devotos de Maria – precisava –,
porque justamente em honra da Imaculada Mãe de Jesus Cristo, sob o título de Auxilium
Christianorum, ou seja dos cristãos, surgirá este sagrado edifício”.85
A um ex-pároco, em repouco por motivo de saúde, fazia uma singular proposta: “Se o
Sr. Pievano Agliani tivesse cédulas ou capital disponível quereria cedê-lo para construir esta
igreja? O Sr. Pievano contentar-se-ia em receber o juro regular durante sua vida, e após a
morte (ao mais tarde que Deus quiser) permitirá que tal obrigação permaneça extinta?”.86
Em nota circular, de setembro de 1864, a um grupo de fiéis mais antigo, informava
sobre as dimensões da igreja, menor que a atual, resultado das notáveis ampliações
dos anos 30 do século passado: “Um benemérito engenheiro já completou o desenho,
que tem a forma de cruz latina; o espaço interno é de mil metros quadrados; a despesa
total calcula-se aproximadamente em 200 mil francos” [730 mil euros]; “as escavações
terminaram e trabalha-se com alacridade nos muros dos fundamentos, e se espera, neste
ano, chegar ao pavimento”; “os trabalhos deverão ser concluídos em três anos. Por isso,
quem não puder contribuir no presente, poderá fazê-lo mais tarde”.87
L’Unità Cattolica colocava em grande evidência a Beneficiência de Pio IX para a cons-
trução da igreja de Valdocco,88 enquanto iniciava vasta campanha para o mês de maio sob o
tema A Itália unida na devoção a Maria: “nós queremos dedicar este mês a Maria, e em meio
a uma unidade mentirosa, violenta, sanguinária, falar da verdadeira e doce unidade da Itália
em louvar e amar a grande Mãe de Deus”.89 A partir de 15 de maio o jornal propunha uma
novena de Orações pela conservação do nosso Santo Padre Pio IX, com término “no dia 24
de maio, dia que Pio VII quis fosse consagrado à Virgem Auxilium Christianorum”.90
Ao expedir pacotes de circulares ou “convites impressos” a uma benfeitora, Dom
Bosco tocava pela primeira vez o tema da contribuição para a construção da “casa” de
Maria na terra, de modo a merecer um “lugar” ou um “quarto” [ = lugar] no paraíso.
“Eu lhe envio” – escrevia – “para que os difunda e os faça frutificar para conduzir a bom
termo sua casa material neste mundo, com a certeza de que Ela, a seu tempo, pagará
generosamente preparando para si e para a sua família um belo lugar no Paraíso”.91
A um preboste emérito pedia urgentemente 2 mil liras, ou “como esmola” ou em forma
85 Circular de março de 1864; Em II 41-42.
86 Ao teól. G. Agliani (1805-1871), em 26 de julho de 1864; Em II 63-64.
87 Circular de setembro de 1864; Em II 72-73. O “benemérito engenheiro” Spezia, com efeito,
tinha declarado por escrito que renunciava a qualquer honorário.
88 L’Unità Cattolica, n. 156, domingo, 1º de maio de 1864, p. 659; e de novo no sábado, 4 de
fevereiro de 1865: ambos os textos em OE XXXVIII 68-69.
89 L’Unità Cattolica, n. 157, terça-feira, 3 de maio de 1864, p. 661.
90 L’Unità Cattolica, n. 161, domingo, 8 de maio de 1864, p. 661.
91 À condessa Pauline Crotti di Costiglione, 8 de setembro de 1864; Em II 75.

47.3 Page 463

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 463
de “empréstimo”, acrescentando: “Espero que a Santa Virgem não deixe de preparar-lhe
um bela sala no céu, pois V.S. ajudou a construir-lhe uma casa sobre a terra”.92 “Um
belo lugar no céu para si e para sua família, bem próximo da Mãe de Deus”, assegurava
também ao conde Francesco di Viancino.93 Idêntica imagem aparecia em carta à gene-
rosa marquesa Fassati. Feito aceno ao estado dos trabalhos, “já bem adiantados”, mas
ralentados “pela falta de meios” justamente “no tempo mais oportuno para trabalhar”,
propunha um financiamento com bens celestes: “se pode fazer algum empréstimo a
Nossa Senhora seria o tempo mais propício, e creio que teria juro que ultrapassaria em
muito o 5% legal”.94 A propósito de taxas de juro, no início de 1865 tinha solicitado ao
padre Domenico Pestarino para que lhe conseguisse um empréstimo de 5 mil liras, uma
vez que fazer um empréstimo em Turim não era conveniente pelos “juros exorbitantes”
que exigiam.95
No dia 24 de abril de 1865 Dom Bosco espalhava um convite com a “ordem da
função” da colocação da pedra angular da igreja, que aconteceria no início da tarde do
dia 27: “S. A. R. o príncipe Amedeo colocará a primeira pá de concreto; S. E. o Bispo
de Casale fará a função religiosa”.96 O rito foi celebrado com extraordinária solenidade,
também porque Dom Bosco fez dele um acontecimento de alto significado religioso
e político. Presenciaram-no o filho de Vitório Emanuel II, Amedeo duque de Aosta, o
prefeito, marquês Emanuele Luserna di Rorà, o governador conde Costantino Radicati
Talice di Passerano. O bispo de Casale Luigi Nazari di Calabiana, indisposto por
doença, foi substituído por dom Giovanni Odone, bispo de Susa. A banda do Oratório
saudou o duque de Aosta ao som da marcha real. O entretenimento aconteceu sobre um
tablado sustentado pelas vigas dos subterrâneos da igreja já terminados, entre tijolos
multicores, tendo como fundo de um improvisado altar de madeira a bandeira nacional
e o escudo dos Sabóia.97 Os jornais da cidade e Dom Bosco, com escritos apropriados,
fizeram eco do acontecimento festivo.98
92 Ao padre Stefano Brossa (1808-1877), carta de 17 de julho de 1865; Em II 149. Cf. também
a carta a uma senhora de Florença, de 6 de março de 1866; Em II 214.
93 Carta de 30 de março de 1866; Em II 220.
94 Carta de 21 de abril de 1866; Em II 230.
95 Carta sem data, mas dos inícios de 1865; Em II 104.
96 Em II 123.
97 À descrição do insólito aparato, padre Lemoyne dedicava notável espaço a Cronaca 1864-
1865, p. 144-145.
98 [G. Bosco], Rimembranza della funzione per la pietra angolare della chiesa sacrata a Maria
Ausiliatrice in Torino-Valdocco il giorno 27 aprile 1865. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di
Sales, 1865, 16 p.; “Chiesa dedicata a Maria Ausiliatrice in Torino-Valdocco e Rimembranza
della funzione per la pietra angolare a Maria Ausiliatrice in Torino-Valdocco”, Il Galantuomo.
Almanacco per l’anno 1866. Ano XIII. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1865, p.
32-33 e 34-46; OE XVI 476-477 e 478-490. Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica
e sociale..., p. 111.

47.4 Page 464

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464 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
6. Inserção marginal na missão Vegezzi
Justamente naqueles dias – precisamente no dia 22 de abril – o deputado turinês
Francesco Saverio Vegezzi (1805-1888), presente entre os “promotores” da rifa de
1865-67, recebia do governo italiano as instruções que deveriam guiá-lo a Roma
nas tratativas com a Santa Sé para resolver o espinhoso problema de tantas dioceses
vacantes na Itália: 108, das quais 24 arquidioceses. Muitos bispos tinham sido afas-
tados, outros tiveram que retirar-se, e os que foram indicados pelo concistório de 21 de
dezembro de 1863 para as dioceses das Marche, da Umbria e da Romagna não puderam
reentrar porque eram obrigados a recusar o juramento ao Estado italiano, uma vez que
eram tidos como bispos de “dioceses dos Estados pontifícios”. A Santa Sé queria dar às
tratativas finalidade exclusivamente religiosa, alheias a qualquer sombra de ruptura nas
questões político-territoriais.
Não existe documentação explícita sobre uma intervenção direta de Dom Bosco
nas breves tratativas, iniciadas em abril e interrompidas em fins de junho, sem nada de
concreto, se se excetua uma pequena condescendência a respeito de bispos removidos
das sedes ou aos quais não tinha sido permitido tomar posse das mesmas.99
Contudo, o testemunho do padre Lemoyne, que vivia então perto do superior
do Oratório de Valdocco,100 e vários outros indícios deporiam em favor de sua ação,
embora extremamente discreta, junto de Pio IX e do ministro do Interior, Giovanni
Lanza. Este, profundamente convencido da oportunidade de um acordo, considerava
“arcaico” o juramento exigido, distinguindo-se de não poucos colegas, os quais, por
motivos diversos e com diferente animosidade perseveram no juridicionismo tradi-
cional. O juramento, exigido por uns e não aceito pelo Vaticano, foi o escolho contra o
qual naufragou a precária tratativa.101
De qualquer modo, estavam envolvidas nesse processo certamente a paixão pastoral
e a devoção à Igreja e ao Papa, as quais Dom Bosco considerava inseparável o bem
da Itália. Angustiava-o do fundo do coração o pensamento que também perto dele, no
Piemonte, eram nove as sedes sem pastor e que na Sardenha, de onze dioceses, oito
estavam vacantes, e o arcebispo de Cagliari encontrava-se exilado desde 1850. Na carta
em que narrava ao papa a colocação da primeira pedra da igreja de Maria Auxiliadora,
não esquecia a questão que causava tanta dor a Pio IX: “Nós continuamos, Beatíssimo
Padre, a fazer de manhã e de tarde preces especiais em comum para que Deus o assista
para consertar, da melhor forma possível, o grave desastre que se faz nesse instante,
e seria mais calamitoso se devesse sofrer qualquer dilação. Quero dizer, o retorno e a
nomeação dos bispos. Todo mundo está em grande agitação pensando o que estará por
99 Cf. G. Martina, Pio IX (1851-1866), p. 82.
100 Cf. MB VIII 62-69.
101 Cf. F. Motto, “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti
in Italia al 1858 alla morte di Pio IX (1878)”, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 266-274.

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 465
fazer o Santo Padre, mas todos logo se consolam dizendo: como quer que se faça, se a
coisa é tratada pelo Papa, será sempre bem feita e aprovada por todos os fiéis”.102 Não se
exclui que tenha podido exprimir ao papa outras vezes sentimentos parecidos, substan-
cialmente favoráveis à tratativa, em particular trâmite o jovem bispo e amigo Emiliano
Manacorda (1833-1909), próximo de Pio IX e, em 1871, bispo de Fossano. São expres-
sões que poderiam justificar a afirmação de um estudioso das relações entre a Santa Sé
e o Estado italiano no quinqüênio 1861-1865, que, referindo-se à missão Vegezzi, fala
de Pio IX sendo “influenciado pelas sugestões de Dom Bosco”.103
Em análogas tratativas ter-se-ia inserido no curso da estada romana de janeiro-
março de 1867, por ocasião da missão Tonello.104
7. Viagens ao interior e ao exterior: Milão, Veneza, Florença
Nos primeiros anos da década de 60 Dom Bosco viajou com mais freqüência: em
diligência, carruagem, trem; breves e rápidas no Piemonte, prolongadas nas regiões
vizinhas. As viagens no final do quinqüênio têm uma abrangência maior, também sob
a pressão da construção da nova igreja. As cidades mais importantes atingidas foram
Milão e Veneza; esta, até o tratado de paz de 3 de outubro de 1866, ainda estava sob o
domínio augsbúrgico. Além disso, Gênova, Pisa e Florença, que desde junho de 1865
tornara-se a capital da Itália. Depois, de novo, Roma.
Data da metade do mês de outubro de 1865 a viagem a Milão e Veneza. Etapa impor-
tante era a de Lonigo (Vicenza), hóspede do conde Tommaso Mocenigo Soranzo.105 “Fui
a Lonigo – escrevia ao marquês Patrizi de Roma – falei muito de V.S. na casa de Soranzo,
onde o senhor estivera pouco antes. Que boa e santa família! Passei também em Milão e
me detive algumas horas para ver o Sr. Duque Scotti e a Sra. Duqueza Melzi, mas ambos
tinham partido para Roma”.106 Em Veneza era hóspede do padre Giuseppe Apollonio.
Ficava curioso com a cidade: “Quantas coisas – escrevia ao padre Rua – tenho que contar
das Lagunas, das Gôndolas, de San Marco, do padre Apollonio etc.!”.107 Não se têm outras
notícias, mas a amizade com o sacerdote, futuro cooperador salesiano, desde 1879 bispo
de Adria-Rovigo, permanecera inoxidável. Não deixaria de enviar-lhe uma cordial carta
de Alassio, em 1882, por ocasião da mudança para Treviso, diocese na qual era iminente
a chegada dos salesianos para gestir a colônia agrícola de Mogliano Veneto.108
102 Carta de 30 de abril de 1865; Em II 129.
103R. Mori, La questione romana (1861-1865), Firenze, Le Monnier, 1963, p. 320.
104 Cf. cap. 15, § 3.
105 Cf. carta ao padre Rua, 14 de outubro de 1865; Em II 173.
106 Carta de 23 de outubro de 1865; Em II 176.
107 Carta escrita entre 15 e 19 de outubro de 1865; Em II 175.
108 A dom G. Apollonio, 30 de setembro de 1882; E IV 175. Cf. cap. 30, § 1.1.

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466 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Em carta de 7 de fevereiro de 1866 a Giuseppe Guenzati, a quem conhecera
juntamente com Giuseppe Pedraglio em 1850 no Oratório de São Luís, Dom Bosco
anunciava: “amanhã, às 11 horas, estarei em Milão”.109 Dentro de breve tempo aí retor-
nava, com rápida visita a Monza e a Cremona.110 Dirigira-se a Milão entre setembro e
outubro, aí encontrando a condessa Luigia Barbò e a duquesa Barbara Melzi d’Eril,
com quem mantinha contato desde algum tempo.111 Ele fazia outra viagem a Milão no
final de outubro de 1867,112 parando no retorno em Casale.113 Em 1868 verificam-se
ainda duas estadas em Milão, a primeira de 9 a 11 de fevereiro, hóspede do arcebispo,
Dom Calabiana,114 e a segunda na metade de outubro.115
Em novembro de 1865 enviava a Florença e, em seguida, a Roma, o nobre cavaliere
Federico Oreglia di Santo Stefano, salesiano leigo, como missus ad omnia: a difusão
das Leituras Católicas, a colocação dos bilhetes da rifa, a coleta de ofertas para “os
acabamentos de uma igreja da qual – escrevia – tinha grande necessidade” e o cuidado
das mais variadas relações com o mundo eclesiástico e leigo.116
Era o arauto que precedia o superior. Dom Bosco não teria adiado de muito a sua
chegada. No final do ano, acompanhado do jovem secretário, clérigo Gioachino Berto
(1847-1914), chegava a Toscana, pisando pela primeira vez em Pisa e em Florença. Era
urgente e necessário criar-se mais amplas possibilidades de apoio, amizades e fontes de
beneficiência, em particular após o deslocamento do baricentro político italiano para a
metrópole toscana. Sobre a estadia em Pisa, hóspede do cardeal Cosimo Corsi, conhe-
cido quando era exilado em Turim em 1860, ele enviava ao padre Rua uma bela carta-
crônica.117 Da ida e da estada em Florença foram feitos vários anúncios e teriam seguido
informações fragmentárias imediatas ou póstumas. Na capital provisória era hóspede do
arcebispo Gioacchino Limberti (1821-1874), consagrado por Pio IX em Florença, no dia
23 de agosto de 1857, no curso da viagem pelos seus Estados: pastor iluminado, politica-
mente moderado e conciliador. A ele Dom Bosco, já em 1860, tinha pedido informações
sobre o mártir São Lourenço e sobre a igreja a ele dedicada em Florença,118 continuando
depois com uma respeitosa e amigável correspondência epistolar. Em junho de 1865,
apresentando um funcionário ministerial, declarava: “tenho muita vontade de poder
109 Em II 208.
110 Cf. carta ao cavaliere Oreglia, em 8 de março de 1866; Em II 215.
111 Cf. carta ao conde Barbò, 26 de agosto de 1866; Em II 288.
112 Cf. carta ao conde Barbò, de 9 de outubro de 1866; Em II 303.
113 Carta ao padre Provera, no final de outubro de 1867; Em II 448. Retornava a Milão no dia 25
de novembro, ficando aí 3 dias (cf. M. Rua, Cronaca, p. 343-344).
114  Em II 496.
115  Carta à condessa Luigia Barbò, em 3 de outubro de 1868; Em II 581. Cf. carta à condessa
Margherita Caccia Dominioni, 3 de outubro de 1868; Em II 581-582.
116Ao cavaliere F. Oreglia di S. Stefano, 10 de novembro de 1865; Em II 182.
117 Cf. ao padre Rua, 13 de dezembro de 1865; Em II 189.
118 Carta de 31 de março de 1860; Em I 399.

47.7 Page 467

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Cap XIV: Gênese da sociedade de São Francisco de Sales e Maria Auxiliadora (1858-1865) 467
rever pessoalmente V.S., e espero não dever esperar muito mais”.119 Em cartas sucessivas
tentava precisar a data com o oratoriano padre Giulio Metti (1816-1874):120 “na primeira
metade de novembro próximo”, prognosticava em um primeiro momento;121 “do dia 12
ao 18 espero fazer minha visita a Florença”, previa em uma carta de 6 de novembro;122
um atraso “de alguns dias, no máximo de uma semana” pensava em 12 de novembro.123
Revelava-se incerto sobre se e quando faria a viagem em carta à carmelita Irmã Teresa
Angelica del Divino Amore.124 “A semana após a festa da Imaculada Conceição”, prog-
nosticava no dia 3 de dezembro à benfeitora florentina condessa Virginia Cambray.125
A ela, em 15 de dezembro, já em Florença, anunciava algumas deslocações para o dia
seguinte: das 8 às 10 horas em São Domingos ou São Marcos junto dos dominicanos (aí
se encontrava padre Domenico Verda, ardoroso propagandista das Leituras Católicas),
às 3 e meia da tarde na casa Uguccioni e no “educandário das Irmãs da Caridade”.126 No
dia 21, próximo da partida para Turim, agradece o marquês Angelo Nobili Vitelleschi
pela visita, recomendando a distribuição dos bilhetes da rifa.127
No caminho do retorno, passava por Prato, onde visitava o orfanato Magnolfi,
acompanhado pelo padre Giustino Campolmi, secretário de dom Limberti e pratese
como ele. Do Oratório não podia faltar o cálido agradecimento ao arcebispo e ao padre
Metti. A dom Limberti acrescentava o agradecimento pela generosa hospitalidade e a
benevolência e caridade manifestadas, além da admiração pela “exemplariedade do
clero e a piedade dos Florentinos”.128 Ao padre Metti fazia o convite, em seguida asse-
cundado, para uma eventual colaboração nas Leituras Católicas.129
Uma duradoura e extraordinária conquista florentina era constituída pela família
Uguccioni. Transparece pela carta à condessa Girolama (1813-1889), de 22 de janeiro,
rica de sincero afeto e de conselhos espirituais. A ela manifestava “a santa impressão”
que tinham deixado nele “a piedade, a caridade e a cortesia dos florentinos”, sobretudo
da família e do marido, agradecendo “a Deus, que se dignou inspirar tanta coragem, fé
e firmeza na nossa religião católica”.130 Análoga era a avaliação que fazia do senador
119 A dom Gioacchino Limberti, em 20 de junho de 1865; Em II 144-145.
120 Cf. A. Cistellini, “Don Bosco e il P. Metti di Firenze”, in: L’Oratorio di S. Filippo Neri
(Roma) 25 (1968), p. 52-86.
121 Carta de 5 de outubro e de 6 e 12 de novembro de 1865; Em II 172, 180, 183.
122 Em II 180.
123 Ao padre Metti, 12 de novembro de 1865; Em II 183.
124 Carta de 22 de novembro de 1865; Em II 185.
125 Carta de 3 de dezembro de 1865; Em II 186.
126 Carta de 15 de dezembro de 1865; Em II 190.
127 Carta de 21 de dezembro de 1866; Em II 191-192.
128 Carta de 27 de dezembro de 1865; Em II 193.
129 Carta de 13 de janeiro de 1866; Em II 196.
130 Carta de 22 de janeiro de 1866; Em II 199. No dia 3 de fevereiro de 1866 anunciava ao reitor
do seminário de Florença o envio de livros adaptados “para a juventude” e lhe recomendava
em particular a difusão das Letture Cattoliche (carta ao cônego Bernardino Checcucci, 3 de
fevereiro de 1866; Em II 207).

47.8 Page 468

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468 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Giuseppe Cataldi de Gênova, onde se propunha a ir o mais rápido possível: “tanto
mais de coração – dizia – porque é um fervoroso católico, o que para mim é a coisa
mais querida do mundo”.131 Em Gênova, como em Milão,132 em Veneza, em Florença,
e depois em Roma, Dom Bosco se movia à vontade no mundo leigo e eclesiástico de
inquebrantável fé católica e filopapal, alérgico a perspectivas de transformações polí-
ticas e sociais, vistas como revolução e evasão. Além de tudo, transpirava certa espiritua­
lidade serena e serenante, delineada em traços essenciais na citada carta a Ugoccioni:
“1º Não sofra pelos seus problemas de consciência; cada coisa em seu lugar. 2º Tenha
viva fé em Jesus Sacramentado; e, quando precisar de alguma graça, peça-a com fé,
que certamente a conseguirá. 3º Reze pelo pobre Dom Bosco para que, enquanto dá
conselhos aos outros, não se esqueça das preocupações da própria salvação. De resto,
como humilde Sacerdote de Jesus Cristo eu peço ao céu saúde, graça e dias felizes para
Si, para sua família e para as famílias de suas filhas, às quais Deus conceda a verdadeira
riqueza e o santo temor de Deus”.133
À margem da rápida viagem a Florença, via Pisa, convém fazer referência a um
interrogatório, ligado à acenada, e já falida, missão Vegezzi e a um ulterior e problemá-
tico envolvimento de Dom Bosco: “Não poderiam ter também uma valência político-
religiosa a viagem de Dom Bosco a Florença antes do Natal, hóspede do arcebispo
dom Gioacchino Limberti e a parada em Pisa, junto do cardeal Corsi?”134. Não existem
elementos para solucionar a dúvida em sentido positivo. Em Florença não tinha encon-
trado mais o ministro do Interior Giovanni Lanza, que, em fins de agosto de 1865,
“irritado pelo modo como o governo tinha deixado falir a missão Vegezzi”, tinha se reti-
rado do governo.135 O sucessor no Ministério do Interior era, desde 14 de dezembro, o
deputado turinês Desiderato Chiaves (1825-1895), próximo então da centro-esquerda,
ex-redator do Fischietto, um jornal satírico, notoriamente anti-clerical. Sua aventura
ministerial, aprovada no dia 31 de dezembro no segundo gabinete Lamarmora, termina
com a crise de 20 de junho de 1866, que abria as portas para o segundo ministério
Ricasoli (20 de junho de 1866 a 10 de abril 1867). Era esse o interlocutor, ao qual Dom
Bosco pudesse confiar questões de política eclesiástica?
131 Carta a Melchiore Fantini, cônego da igreja metropolitana de Gênova, 11 de abril de 1866; Em
II 225.
132 Entre os correspondentes milaneses emergiam nos anos 60: Carolina Rivolta Guenzani, 26
de dezembro de 1867 (Em II 466); as duquesas Maria Melzi d’ Eril e Elisa Sardi Melzi d’
Eril, janeiro e 12 de abril de 1868 (Em II 468 e 523); o duque Tommaso Gallarati Scotti, 26
de fevereiro de 1864 e 19 de março de 1868 (Em II 39 e 514); a condessa Margherita Caccia
Dominioni, 4 de abril de 1868 (Em II 520).
133 A condessa Ugoccioni, 22 de janeiro de 1866; Em II 200.
134 F. Motto, “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti...”,
in: Don Bosco nella Chiesa, p. 276.
135 Cf. G. Candeloro, Storia dell’Italia moderna, vol. V, p. 274-275.

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Capítulo XV
O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia
da sociedade salesiana (1864-1869)
1862
1865
1866
1867
1868
1869
surge a controvérsia com dom Moreno sobre a propriedade das Leituras Católicas
28 de fevereiro: pedido negado da faculdade das dimissões
30 de março: pedido prematuro a Pio IX de aprovação da Sociedade Salesiana
dezembro: viagem a Florença
7 de janeiro: partida para Roma e estada até o dia 26 de fevereiro
súplica ao papa para aprovação plena da Sociedade Salesiana
janeiro-fevereiro: O Centenário de São Pedro Apóstolo com a vida do mesmo (LC)
envolvimento na “missão Tonello”
primeiro texto impresso das Constituições (em latim)
abril: censura do Centenário de São Pedro
outubro: conclusão da controvérsia sobre a propriedade das Leituras Católicas
19 de janeiro: aprovação da Sociedade salesiana do Bispo de Casale
9 de junho: consagração da Igreja de Maria Auxiliadora
2 de outubro: negada por Roma a aprovação da Sociedade Salesiana e das
Constituições
8 de janeiro: partida para Roma e terceira estada, de 15 de janeiro a 2 de março
1º de março: decreto de aprovação da Sociedade de São Francisco de Sales
setembro: último curso de exercícios espirituais dos salesianos a Trofarello
O “decreto de laudatório” de 1864, necessariamente limitado em relação às expec-
tativas não muito realistas de Dom Bosco, chegara-lhe sem contatos pessoais com os
protagonistas romanos: o papa e os titulares da Congregação dos Bispos e Regulares.
Tendo nas mãos o decreto que consagrava o ato de nascimento e existência experi-
mental da Sociedade de São Francisco de Sales, Dom Bosco lançava-se para chegar, em
seu sonho, a uma meta ambiciosa: a rápida aprovação da Sociedade e das Constituições,
com a inclusão nelas das faculdades da isenção e das dimissórias.
Para a consecução dessas finalidades foram dedicadas duas estadas em Roma. Elas
implicavam, naturalmente, também outros compromissos.

47.10 Page 470

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470 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
1. Defesa da liberdade da missão e falha adequação às exigências canônicas
(1864-1866)
De repente o caminho tornava-se árduo e tortuoso, também por causa de certa deso-
rientação de Dom Bosco a respeito do efetivo status jurídico da Congregação após o
decreto de 23 de julho de 1864 e da gradualidade dos êxitos realisticamente alcançá-
veis. Inclinado a atribuir uma dimensão ampliada ao decreto, ele insistia em pedidos
incompatíveis com a normativa e a praxe canônica vigente, dentro de uma rede de rela-
ções, encorajante em um momento, em outro frustrante: a benevolência intensamente
cultivada de Pio IX, as indicações de personagens confiáveis e perplexos, as posições
firmes dos responsáveis da Congregação dos Bispos e Regulares, e as reservas da auto-
ridade diocesana de Turim.
Impelido a realizar uma missão urgente e vasta, a salvação dos jovens, Dom Bosco
via que ela era condividida, admirada, animada e sustentada por todos: papa, bispos,
sacerdotes, autoridades civis e políticas, benfeitores e benfeitoras. Por isso, não podia
deixar de admirar-se com as resistências e presumíveis formalismos que dificultavam
e impediam uma instituição jovem e dinâmica que pretendia dedicar-se a essa missão e
necessitava das faculdades e concessões dadas alguns anos antes a institutos semelhantes
ao seu. Ele reagia consequentemente, tanto em nível de Igreja local como universal.
No dia 28 de fevereiro de 1865 pedia formalmente ao prefeito da Congregação
dos Bispos e Regulares, cardeal Angelo Quaglia, a concessão da faculdade de dar a
seus ordenandos as respectivas dimissórias ad quemcumque episcopum. Forçando o
texto do “decreto de louvor” que o confirmava “Moderator generalis”, ele se apoiava
“sobre a dúvida – escrevia – que sobredita faculdade não esteja implícita no citado
decreto, que o constituía ad instar Ordinarii”, denominação inexistente no documento.1
Na réplica, junto com o selo da Congregação, encontrava a seca resposta: “20 de março
de 1865. Não é expediente, e saiba o suplicante que o Instituto está sujeito à juris-
dição dos Ordinários segundo as disposições dos Sagrados Cânones e das Constituições
Apostólicas, conforme o decreto de 23 de julho de 1864”.2
Dom Bosco aceitava. Mas no dia 30 de março suplicava humildemente ao papa a apro-
vação pontifícia da Sociedade Salesiana. Nela, reportando-se ao decreto de louvor, escrevia
imperturbável: “No mesmo decreto estavam anexadas treze observações, que li atenta-
mente, traduzi na prática e, enquanto me pareceu possível, introduzi nas Constituições”.
Deve-se notar que no texto latino das Constituições, impresso em 1867, ainda apare-
ciam invariáveis os artigos referentes às dimissórias, à aquisição e alienação dos bens da
Sociedade, à fundação de casas particulares e à aceitação de seminários eclesiásticos.3
1 Em II 112.
2 Texto latino em MB VIII 51.
3 Cf. Regulae Societatis S. Francisci Salesii. Augustae Taurinorum, ex typis Asc. Sales, 1867;
OE XVIII 267-301.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 471
De qualquer forma, ele pedia a Pio IX que aperfeiçoasse, com a aprovação da
Sociedade Salesiana, uma obra da qual o papa tinha sido “persuasor e promotor”,
“suasor et impulsor”.4 À distância de um mês reavivava a negociação, mas com
discreta diplomacia. No texto da carta, tendo como premissa um elogio do relator, o
marquês Fassati, acenava a algumas informações precedendo o aceno ao pedido de 30
de março: a introdução do matrimônio civil da Itália, a colocação da pedra angular da
Igreja de Maria Auxiliadora, a desastrosa dilação do retorno e da nomeação dos bispos.
A seguir, assegurava que faria multiplicar as orações pela paz da Igreja e para a glória
do pontificado de Pio IX. Na parte central o aceno era preciso e finalizado: “Em março
passado enviei à congregação dos Bispos e Ordinários as constituições da Sociedade de
São Francisco de Sales, acomodadas às observações que me foram feitas. Recomendo
cada coisa à bondade paterna de Vossa Santidade, que tantas vezes experimentei.
O número dos sócios ultrapassa cem. As casas abertas até agora são sete, as regras
e a disciplina são observadas o mais humanamente é possível desejar”.5 Já no verão
passado ele havia escrito que [os sócios] ultrapassavam o centenar de membros” e
eram “quatro casas e cinco oratórios diversos”.6 As coisas não deviam andar tão tran-
quilamente, se, em julho, encontrando uma carta do dominicano padre Tosa (1812-
1891), assegurava: “ater-me-ei ao conselhos e às normas que teve a bondade de me
sugerir”:7 quais foram levados em consideração? Não parece, pois a situação não se
desbloqueava. Em janeiro de 1866, informando o santo padre sobre os oratórios e
sobre a Sociedade Salesiana, insinuava ainda: “a expectativa, por outro lado, de todos
os seus membros é dirigida à Santa Sé, suspirando pela aprovação definitiva das cons-
tituições quando e na forma que V. S. julgar redunde à maior glória de Deus e à maior
vantagem das almas”.8
Paralelamente, movimenta-se em Turim, com o intento de obter para seus clérigos –
indispensáveis colaboradores no Oratório e em Lanzo, efetivos ou potenciais membros
da Sociedade, que freqüentavam ou não os cursos do seminário e que prestavam assis-
tência nas respectivas obras e davam catecismo nos oratórios masculinos da cidade
–, além de subsídios financeiros, facilitações para as datas de exames, isenções da
fre­qüência das lições e vias diretas para a ordenação sacerdotal. Todos esses pedidos
são documentados por numerosas cartas ao reitor do seminário e pro-vigário da diocese,
cônego Alessandro Vogliotti,9 e ao vigário capitular, cônego Giuseppe Zappata.10
4 A Pio IX, em 30 de março de 1865; Em II 119.
5 A Pio IX, 30 de abril de 1865; Em II 129.
6 A Pio IX, 25 de agosto; Em II 129.
7 Carta de 21 de julho de 1865; Em II151.
8 A Pio IX, em 25 de janeiro de 1866; Em II 202.
9 Carta de 31 de janeiro, 7 de agosto, 3 de setembro de 1865 (Em II 103, 153, 161); 16, 26, 29 de
junho e 6 de setembro de 1866 (Em II 261, 264, 266 e 393); metade de junho, 3 de novembro,
7 de dezembro de 1867 (Em II 390, 449, 457); 22 de maio de 1868 (Em II 533).

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472 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
A estes Dom Bosco pedia, até mesmo, de poder organizar os estudos filosóficos e teoló-
gicos no Oratório, enviando em anexo o programa e o elenco dos professores, todos
salesianos, exceto o cônego Lorenzo Gastaldi.11 A carta de pedido era-lhe restituída
em sinal de absoluta negação.12 Dom Bosco respondia ao mitente, confessando “que a
recusa nua e crua” lhe “afligira sobremaneira” e renovando o pedido ao menos para os
estudantes de filosofia.13 Para estes foi concedido o curso interno.14
2. Em Florença e Roma por múltiplos objetivos
Em dezembro de 1866, após indecisões adiadas, Dom Bosco decidia fazer antes uma
rápida viagem a Florença, e mais tarde, em janeiro, uma mais empenhativa a Roma.
A ida a Florença era anunciada com cartas de 8 de dezembro a duas nobres senhoras
particularmente próximas de sua obra benéfica. A primeira era endereçada à condessa
Virginia Cambray Digny: “participo a V. S. B. que minha programada ida a Florença,
se Deus quiser, acontecerá na manhã de segunda-feira [10 de dezembro], no trem que
chega às 7h55. Ficarei hospedado com o senhor Arcebispo que já acolheu-me com tanta
bondade. Se a senhora condessa tem alguma pessoa doente e deseja que eu vá visitá-la,
avise-me e irei de bom grado”.15 “Se Deus quiser, estarei em Florença na segunda-feira
pela manhã; espero responder pessoalmente sua carta”, anunciava à condessa Girolama
Uguccioni.16 Datadas de Florença, nos dias 17 e 18, eram duas cartas endereçadas
respectivamente à Cambray Digny e a irmã Galeffi di Roma, Tor de’ Specchi. À primeira
escrevia: “eu parto e talvez não poderei vê-la pessoalmente” e a encorajava a levar
adiante o projeto em honra de Santana na Igreja de Maria Auxiliadora.17 Reanimava a
segunda, provavelmente em referência a alguma casa religiosa, preocupada pelas leis
sobre o confisco dos bens eclesiásticos, de 7 de julho de 1866. O “não tema nada,
reze e espere” tornava-se auspício profético positivo também para a Congregação das
Oblatas Beneditinas de Tor de’ Specchi,18 salvas porque declarada laical pelas medidas
de supressão extendidas a Roma em 1873.19 Dom Bosco permaneceu em Florença uma
semana, de 11 a 18 de março. Na agenda estavam previstas visitas a vários ministérios
10 Carta de 8 de fevereiro de 1865 (Em II 107); 12 de junho e 27 de agosto de 1866 (Em II
257-258 e 289-291).
11 Ao cônego G. Zappata, 27 de agosto de 1866 (Em II 289-291); ao cônego Vogliotti, 6 de
setembro de 1866 (Em II 293-294).
12 Cônego Vogliotti a Dom Bosco, no dia 3 de setembro de 1866; MB VIII 457.
13 Ao cônego Vogliotti, 6 de setembro de 1866; Em II 293-294.
14 Cf. MB VIII 458.
15 Carta de 8 de dezembro de 1866; Em II 315.
16 À condessa Girolama Uguccioni, em 8 de dezembro de 1866; Em II 316.
17 Em II 316.
18 À madre Maddalena Galeffi, em 18 de dezembro de 1866; Em II 317.
19 Cf. C. M. Fiorentino, Chiesa e Stato a Roma negli anni della Destra storica..., p. 265-268.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 473
para obter, por diferentes títulos, subsídios ou isenções de impostos. Apareciam depois
nomes de famílias, comunidades religiosas e pessoas às quais devia fazer visita: os
Gerini, os Bardi, os Gondi; os Fatebenefratelli e os Dominicanos (aí encontaria padre
Verda); as senhoras Saccardi, Bonamici, Ficciati e Brocchi. Devia ter um encontro
também com o presidente do Conselho, Bettino Ricasoli, sobre questões de comum
interesse do Estado italiano e da Santa Sé.20 Na quarta-feira, dia 19, pela manhã, partia
e, de Bolonha, informava ao padre Bonetti: “Eu te escrevo de Bolonha, onde fico
algumas horas; nesta noite estarei em Guastalla [em casa do bispo amigo dom Rota],
amanhã de noite estarei em Turim”.21
Eram complexos os motivos que o induziam a dirigir-se a Roma. O principal era a
tentativa de desbloquear pessoalmente as tratativas referentes à aprovação pontifícia da
Sociedade Salesiana e das Constituições. Mas era também vital sondar e promover o
mundo da beneficiência e dos consensos em favor das obras juvenis e da Igreja de Maria
Auxiliadora, a rifa, as Leituras Católicas. Partia de Turim no dia 7 de janeiro, acompanhado
pelo padre Francesia, de acordo com o que havia escrito ao padre Giuseppe Frassinetti:
“eu decidi dirigir-me [a Roma] nos primeiros dias do ano porque tenho compromisso nas
Congregações”; “dir-lhe-ei que minha partida está marcada para o dia 7 de janeiro”.22
Na cidade do papa, Dom Bosco hospedava-se no palácio, de fronte à Praça de São
Pedro in Vincoli, do conde Giovanni Vimercati, um homem doentio, ansioso e devoto
até o escrúpulo. Teria diante de si semanas intensíssimas, que padre Francesia haveria
de descrever, pouco menos de quarenta anos depois, no volume Dois meses com Dom
Bosco em Roma: memórias.23 Certamente fez contato com famílias aristocráticas de
segura fé papal: os nobres Vitelleschi, os Calderari, os Villarios, o duque Salviati, o
duque de Sora, a princesa Orsini, o duque Scotti, o príncipe Ruspoli, os Falconieri, os
condes Annibale e Anna Bentivoglio, os Aldobrandini, os Antonelli Falchi. Sobre outras
prioridades nas relações romanas, a carta escrita alguns meses depois a seu confidente,
cavaliere Federico Oreglia di S. Stefano, é ilustrativa: “certamente na minha perma-
nência em Roma não pude satisfazer a todos os meus deveres”: acenava em particular
ao tipógrafo Befani, ao senhor Fattori e a Pasquali. Mais adiante prosseguia: “V. S. sabe,
pois, que eu devia evitar certas pessoas, e freqüentar outras, porque são boas católicas
segundo nosso espírito e prontas para nos ajudar. Tais são: padre Ambrogio, abade dos
antoniani, na praça de São Pedro in Vincoli, as monjas Filipinas do Sagrado Coração
de todos os três mosteiros, de Torre de’ Specchi, o procurador geral dos Irmãos das
Escolas Cristãs, o cavaliere Giacinto Marietti, dom Manacorda, comendador Angelini,
senhor Nicoletti, gerente do Banco dos Irmãos Bertinelli, advogado Giuseppe Bertinelli
(via Del Corso, 38, está em casa às 2 horas), seu irmão canônico di Santo Eustachio,
20 Cf. F. Motto, L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti...,
in Don Bosco nella Chiesa, p. 280-281; o Autor acolhe o testemunho do P. Lemoyne, MB
Em II 318; escrevia do mesmo modo e no mesmo dia também ao P. Rua, Em II 319.
22 Carta de 27 de dezembro de 1866, Em II 321.
23 Due mesi con Don Bosco a Roma: memorie. Turim, Libreria Salesiana, 1904, 281 p.

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474 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
e seus irmãos, casa de Maistre, marquês Serluppi, condessa e conde Antonelli, dom
Fratejacci, Auditor do cardeal Vigário, o padre Geral dos dominicanos. Com estes e
com outros da sua relação tratei e fiz o que era possível. Com estes coloque-se em
relação e verá que piedade e que propensão a nos ajudar. A estes ajunto padre Lorenzo,
superior dos camaldulenses, irmão di Bertinelli: todos os de antiga relação e outros, de
muitos destes, ignoro o endereço”.24
Durante a estada romana foi particularmente intensa a distribuição dos bilhetes da
rifa, que chegava ao final. Padre Francesia pedia seu envio de Turim, pois saiam muito
rapidamente, como fumaça.25 Normalmente era Dom Bosco o mesmo distribuidor direto
dos bilhetes. Não havia tempo a perder. A extração estava fixada para o dia 1º de abril.26
Era também cordial o encontro, à base de liames duradouros, com o escolápio padre
Alessandro Checcucci, já seu conhecido, reitor do Colégio Nazareno, e com os jovens
alunos.27 A ele enviava, inclusive, quatrocentos bilhetes da rifa, “cujo provento – expli-
cava – é destinado a sustentar os pobres jovens que a divina providência me confia e a
continuar os trabalhos da igreja dedicada à Augusta Mãe do Salvador”.28 Entrementes,
assegurava ao padre Rua a lembrança constante em Valdocco: “nossos trabalhos aqui
correm bem; espero que amanhã poderei escrever uma carta a nossos queridos jovens.
Continuem rezando por Dom Bosco, que está todo ocupado com vocês”.29 Duas cartas
documentam sua presença no eremitério dos camaldulenses em Frascati, no dia 8 e 9
de fevereiro, e um convite para cear, na noite de 11 de fevereiro, no palácio do príncipe
Orazio Falconieri di Carpegna.30 De Roma enviava uma carta cordial e reconhecedora
ao conde Annibale Bentivoglio. Nela prometia uma visita e procurava tranqüilizar sua
ansiosa e jovem esposa: “no entanto digo que o Senhor deseja de si coragem e alegria;
que não pense em morrer senão quando tiver a idade de Matusalém (969), data em que
terá minha licença para se ocupar dela”.31 Ainda de Roma, no dia 26 de fevereiro fazia
expedir uma circular, datada “Turim, 1º de março de 1867”, com a qual comunicava
aos benfeitores a bênção e as indulgências obtidas em favor deles na audiência que lhe
concedeu o papa no dia 12 de fevereiro.32 Ainda de Turim haveria de continuar enviando a
Roma bilhetes da rifa a pessoas bem colocadas, que aí tinha conhecido e encontrado.33
Em Roma foram igualmente numerosas as audiências reservadas a pessoas neces-
24 Carta de 21 de maio de 1867; Em II 372-373.
25 P. Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale..., p. 115.
26 Cf. circular de 20 de janeiro de 1867; Em II 327-328.
27 Cf. carta de 5 de fevereiro de 1867; Em II 329-330.
28 Carta de 7 de fevereiro de 1867; Em II 332.
29 Carta de 5 de fevereiro de 1867; Em II 330-331.
30 Carta ao príncipe dos dias 8 e 11 de fevereiro de 1867; Em II 333 e 334.
31 Carta ao conde, no dia 16 de fevereiro de 1867; Em II 336. A condessa Lucini Bentivoglio
morria em abril de 1868.
32 Em II 337-338. Dom Bosco haverá de comunicá-las também ao padre Giovanni Tomatis, carta
do dia 29 de março de 1867; Em II 345.
33 Cf. carta ao duque Boncompagni Ludovisi, em 29 de março de 1867 (Em II 344), com
indicação de eventuais colaboradores.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 475
sitadas de auxílio e as visitas a domicílio de enfermos: daí o fato de ser considerado
como “taumaturgo” e “santo”, como escrevia com escarsa simpatia o correspondente
romano do jornal L’Opinione de Florença, no dia 2 de fevereiro.34 Na realidade, como
se ilustrará em um dos capítulos seguintes,35 em largo grupo de pessoas, tocadas pela
doença ou por outras aflições, sob o inegável aspecto eclesial-sociologico-social da
devoção a Maria Auxiliadora, tendia a prevalecer, não sem impulso de Dom Bosco, a
figura da Virgem Mãe das graças, auxílio dos cristãos nas doenças do corpo e do espí-
rito, nos perigos e nas desgraças, nas dificuldades materiais e nas angústias morais, nas
necessidades de cada um e das famílias.
3. Intermezzo de “política eclesiástica”
Depois do acenado encontro em Florença com Ricasoli, Dom Bosco se inseria em
Roma na nova fase de tratativas sobre sedes episcopais vacantes, desejadas por Pio
IX e secundadas por Vitório Emanuel, com a carta de 6 de dezembro de 1866. Muitas
sedes já tinham sido cobertas graças aos provedências governativas de 22 de outubro e
de 6 de novembro.36 Perfeitamente conformes aos projetos e à mentalidade de Ricasoli,
as tratativas começaram com a rápida chegada em Roma, no dia 10 de dezembro, do
conselheiro de Estado Michelangelo Tonello, sem ter avisado anteriormente.37 Ela se
iniciara com encontros promissores com o papa e o cardeal Antonelli. Dom Bosco
entreteve-se sobre o argumento seja com o papa e com o secretário de Estado, seja com
Tonello, a quem o presidente do Conselho, Bettino Ricasoli, tinha telegrafado: “procura
entender-se com Dom Bosco”. O mesmo Ricasoli favorecia o progresso nos colóquios,
ele que era, de 17 de fevereiro a 24 de março, titular interino do Ministério de Graça
e Justiça. Liberal moderado, aceitava como conseqüência, em regime de “Igreja livre
em Estado livre”, a renúncia ao juramento dos bispos e ao exequatur pela parte não
econômica das nomeações às sedes episcopais, mantendo firme o direito do Estado
italiano, qual representante do povo, de apresentar à Santa Sé os sujeitos que devem
ser guindados ao episcopado. Sobretudo, existia nele “uma sincera e decidida vontade
34 Citado por F. Motto, “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili
vacanti...”, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 285, n. 79, onde se relatam também correspondências
muito mais cáusticas da Gazzetta del popolo, que retirava as notícias do Corriere delle Marche
e da Perseveranza de Milão.
35 Cf. cap. 16, § 2.
36 Cf. cap. 1, § 7.
37 Sobre a missão de Michelangelo Tonello entre o final de 1866 e 1867, cf. F. Mori, Il tramonto
del potere temporale 1866-1870. Roma, Edizioni di Storia e Letteratura, 1967, p. 54-61,
77-80; F. Motto, “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili
vacanti...”, p. 276-299.

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476 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
de pôr termo ao dissídio entre o Estado e a Igreja”,38 salvaguardando ao mesmo tempo
certa intervenção do povo na nomeação dos próprios pastores. A tratativa particular,
com efeito, era colocada por ele num projeto mais vasto de solução da questão romana
e, mais imediatamente, de reconciliação com a Igreja e com o episcopado italiano.
Isso implicava, porém, junto com a abrogação dos velhos princípios jurisdicionais,
a contribuição dos bens eclesiásticos, tidos ao menos em parte como bens do povo
italiano, para o re-saneamento financeiro do Estado. Com essa intenção, no dia 17 de
janeiro, o ministro das Finanças, Antonio Scialoja, de pleno acordo com o presidente do
Conselho, apresentava à Câmara o projeto de lei sobre A liberdade da Igreja e a liqui-
dação do tesouro eclesiástico, que trazia na segunda parte o título Do tesouro eclesiás-
tico a ser dividido entre o Estado e a Igreja.39 Ele encontrava consenso entre os liberais
moderados, além dos católicos liberais e de alguns círculos eclesiásticos. Também Dom
Bosco devia estar “incerto se aprovar ou não o projeto”, se “pedir instruções em mérito
a Roma”.40 O non possumus do Vaticano e o alinhamento nessa posição da maior parte
do episcopado bloquearam a tentativa de aproximação, provocando ao mesmo tempo a
dura reação da Centro-esquerda e da Esquerda. Em 11 de fevereiro o governo perdeu o
crédito de confiança: o rei o confirmou no cargo, mas dissolveu as Câmaras, abrindo o
caminho para as eleições de 10 de março.
No entanto, no decurso das tratativas sobre a nomeação para as sedes vacantes,
Tonello apresentava várias listas de candidatos aceitos pelo governo. Pio IX ja vinha
pedindo e obtinha informações sobre vários cardeais e bispos residenciais de sua
confiança sobre candidados potenciais. Listas de bispos para o Piemonte foram apre-
sentadas ou sugeridas ao cardeal Antonelli e ao mesmo papa também por Dom Bosco,
obviamente não o único entre os consultados nem protagonista em um acontecimento
que dizia respeito a toda a Itália.41 Chegou-se, substancialmente, a listas de nomina-
tivos de bispos a ser transferidos e outros que deveriam ser eleitos, e, já no consistório
de 22 de fevereiro, o papa provia a dezessete dioceses, seguidas por outras tantas no
consistório de 17 de março. Para o Piemonte, entre os nomeados estavam Carlo Savio
em Asti, Lorenzo Gastaldi em Saluzzo, Eugenio Galletti em Albi, Andrea Formica em
Cuneo, e se fizera a trasladação para Turim do bispo de Savona, Alessandro Riccardi di
Netro.42 Em carta ao cardeal Antonelli, de 4 de abril, Dom Bosco perorava, em nome da
diocese e do município de Fossano, a solícita nomeação de seu bispo.43 No dia seguinte
38 F. Mori, Il tramonto del potere temporale..., p. 58.
39 Cf. F. Mori, Il tramonto del potere temporale..., p. 62-77; G. Candeloro, Storia dell’Italia
moderna, vol. V, p. 314-319.
40 Cf. F. Mori, Il tramonto del potere temporale..., p. 73, n. 20.
41 Cf. G. Martina, Pio IX (1867-1878), p. 9-11; 581-582; F. Motto, L’azione mediatrice di Don
Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti..., in Don Bosco nella Chiesa, p. 283-299.
42 Cf. F. Motto, L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti...,
in Don Bosco nelle Chiesa, p. 288-295.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 477
retornava sobre o argumento. Sugeria que se tomasse em consideração a posição de
dom Balma, antigo missionário na India, residente em Turim desde 1857. Comunicava
a gratidão das dioceses por alguns bispos recentemente nomeados.44 Ainda em junho,
para o consolo do papa, informava-o “como os bispos recentemente consagrados” foram
acolhidos “nas respectivas dioceses com os mais vivos sinais de estima e veneração”,
encontrando nisto um sinal do forte enraizamento do “espírito católico nas nossas
cidades – observava – embora estivessem livres de exprimir os sentimentos religiosos
do coração”.45 Mas então a missão Tonello já tinha acabado há três meses e a política
italiana se distanciava irreversivelmente de soluções concordadas da questão romana,
reevindicando além disso o direito do Estado ao Regio placet e ao exequatur.46
Na história dos exequatur ver-se-á ainda implicado Dom Bosco nos primeiros anos
da década de 70, inspirado pela política realista, mais que pela rígida defesa de princí-
pios, os quais, enquanto deixava insolúveis os graves e urgentes problemas pastorais,
aprofundava a rachadura entre Igreja e Estado na Italia.47
4. Dois incidentes
Dois episódios particulares, que produziram não leves desorientações, vieram
cruzar o ativismo de Dom Bosco na década de 60. O primeiro tinha início, imprevisi-
velmente, em maio de 1862, em torno da propriedade das Leituras Católicas, e duraria
até o outono de 1867. Ao invés, a obsessão por causa da ameaça de censura de um de
seus livros, de qualquer modo, sempre da mesma publicação periódica, se resolvia em
poucos meses do mesmo ano.
A contenda sobre a propriedade e a gestão das Leituras Católicas contrapunha Dom
Bosco a dom Luigi Moreno, bispo de Ivrea (1800-1878). A ocasião surgiu da resolução
unilateral de imprimir os fascículos na recém-nascida tipografia do Oratório. O bispo
considerou tal decisão arbitrária e, persuadido de ser co-protagonista na iniciativa e
co-proprietário da empresa editorial, por meio do vigário geral, exprimia seu dissenso
sem meios termos.
É incontestável que a idealização e a atuação do projeto tornara-se possível pelo
empenho concorde de dom Moreno e de Dom Bosco. O bispo tinha sido ao menos,
com igual mérito, co-autor com Dom Bosco do projeto, tinha assegurado a autoridade
da atuação, o apoio moral, um relevante apoio financeiro, além de ter colocado à dispo-
sição um sacerdote para o trabalho de secretaria. Comprovam tal fato as cartas do bispo
43 Em II 348.
44 Em II 349-350.
45 A Pio IX, em 26 de junho de 1867; Em II 397.
46 Cf. cap. 1, § 7.
47 Cf. cap. 18, § 7.

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478 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
a Dom Bosco nas fases iniciais das Leituras, de 4 a 16 de agosto e 13 de dezembro de
1852, a ainda de 10 de fevereiro de 1853.48 Não menos incontestável é o fato de Dom
Bosco ter trazido, seja no lançamento da iniciativa, seja na execução, conduzida ano
após ano, seja publicidade e propaganda, toda a energia de suas convicções religiosas e
educativas e o ilimitado ativismo.49 Nas Memórias do Oratório ele oferecia uma versão
absolutamente diminuta e parcial da função de dom Moreno. Ele teria chegado em
um segundo momento, sob recomendação de dom Fransoni, exilado em Lion, com a
missão de assistir a publicação “com a revisão e com a autoridade”, seguida da presu-
mível recusa do nada obsta por parte da cúria turinesa:50 uma afirmação decididamente
discordante de quanto Dom Bosco tinha escrito ao cardeal-arcebispo de Ferrara, no dia
19 de dezembro de 1853, conforme citado.51
Atingido por uma “dolorosa sensação”, Dom Bosco enviava ao teólogo Valinotti,
delegado por dom Moreno como secretário administrativo das Leituras, um firme
esclarecimento sobre a realidade. Este espelhava, mais que a realidade das origens,
convicções enraizadas em um decênio de empenho levado a cabo sem poupança de
energias. “Eu jamais pensei – confessava – que as Leituras Católicas fossem proprie-
dade de um outro. Eu fiz o programa, comecei a impressão, sempre a assisti e corrigi
com a máxima diligência: cada fascículo foi composto e redigido por mim com estilo
e linguagem adatada. Eu fui sempre responsável de tudo quanto se imprimiu. Viajei,
escrevi e fiz escrever cartas para a propagação das mesmas. A opinião pública, o mesmo
Santo Padre, em três cartas endereçadas a mim, considera-me como autor das Leituras
Católicas. Sempre juiz de quanto realizava, sempre deixei a outros, mas sob minha
responsabilidade, que foi porém transcurada, a solicitude material da expedição e da
contabilidade”.52
Passado um ano dessa decidida tomada de posição, Dom Bosco, tendo que
se defender sob um fronte totalmente diverso, parecia mudar as cartas na mesa.
O provedor dos estudos de Turim, Francesco Selmi, tinha-lhe feito notar, entre outras
coisas, como certas publicações trouxessem ensinamentos contrários à ordem política
vigente. Eram citadas História da Itália e as Leituras Católicas. Sobre estas respondia:
“As Leituras Católicas não podem ser ditas anti-políticas, uma vez que nelas não se
trata jamais de política. Se existem coisas que a alguns pareçam inexatas, isso deve
ser creditado na conta de um pobre historiador que faz o que pode para escrever a
verdade, e muitas vezes não pode satisfazer o leitor, seja porque não são de seu gosto,
48 Cf. cap. 8, § 7, e as cartas reportadas em MB IV 527-529 e 538.
49 Cf. indicações bibliográficas no cap. 8, § 7; para a mais antiga reconstrução salesiana, cf. MB
VII 150-154, 629-633; VIII 374-393.
50 Cf. MO (1991) 219-220.
51 Cf. cap. 8, § 7.
52 Carta de 10 de maio de 1862 ao teólogo Francesco Valinotti, secretário administrativo das
Leituras Católicas em nome de dom Luigi Moreno, bispo de Ivrea; Em I 496.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 479
ou quiçá porque não provenham de fontes suficientemente depuradas. Mas também
neste ponto me submeto a quanto lhe afirmei verbalmente. Atente, por outro lado, que
sou um simples colaborador das Leituras Católicas. O Escritório está em Turim, a
Direção é composta por outros indivíduos. Minha responsabilidade é a da impressão,
que serve para dar trabalho a nossos pobres jovens”.53 A auto-defesa era certamente
instrumental, mas o que teria pensado dom Moreno? A desenvolta liberdade de Dom
Bosco não pára de espantar.
Quanto à propriedade, a mediação concordada pelos dois contendentes do expe-
riente e imparcial conde Cays conduzia a um veredito favorável a Dom Bosco. No dia
22 de maio ele escrevia ao cavaliere Oreglia: “Maria Auxiliadora continua a aben-
çoar-nos, e entre outras bênçãos tive uma hoje: a solução da contenda das Leituras
Católicas. É verdade que tivemos que nos submeter a graves sacrifícios, mas agora são
definitivamente nossas”.54
Com o verão de 1866 o problema se transferia para o aspecto financeiro: o pagamento
a dom Moreno do preço da cessão da propriedade e a extinção do débito contraído com o
tipógrafo Paravia. O conde Cays continuou a paciente arbitragem, conseguindo superar
os obstáculos de substância e de forma.55 Em uma nobre carta a dom Moreno, de 3 de
abril de 1867, ele reevocava quanto já fora concordado e esclarecia o que faltava ainda,
a assinatura do bispo. Este, embora com compreensível amargura, aderia com carta de
15 de abril.56 No dia 9 de maio, Dom Bosco podia comunicar ao cavaliere Oreglia: “a
questão das Leituras Católicas chegou ao fim no sentido indicado, e isto aconteceu no
primeiro dia do mês de maio”.57 Em outubro o teólogo Valinotti colocava à disposição de
Dom Bosco os livros e os papéis que diziam respeito às Leituras Católicas.58
Em carta de abril de 1868 a dom Moreno, na qual pedia uma recomendação de
apoio ao pedido de aprovação da Sociedade Salesiana, Dom Bosco introduzia de modo
um tanto quanto simplista, pedindo ao bispo para “esquecer por um momento alguns
desprazeres passados, ocasionados por motivos materiais”.59 Para o bispo não estavam,
certamente, em jogo as razões materiais. Permaneceu irremediavelmente ferido. Não
respondeu nem essa nem as sucessivas cartas de Dom Bosco.60
Fechava-se um caso e abria-se outro. No dia 9 de maio de 1867, Dom Bosco infor-
53 Carta de 13 de julho de 1863; Em I 589.
54 Em II 244.
55 Cf. cartas de Dom Bosco ao conde Cays, no dia 25 de maio, 8 de agosto e 11 de agosto de
1866; Em II 246-247, 282-283 e 286.
56 MB VIII 289-392.
57 Em II 366.
58 Sobre o balanço geral, legal e financeiro, cf. P. Stella, Don Bosco nella storia economica e
sociale..., p. 366-368.
59 A Dom Moreno, em 15 de abril de 1868; Em II 527.
60 Cartas a Dom Moreno, de 15 de abril e 28 de maio e 11 de novembro de 1868; Em II 527-528,
538, 598.

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480 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
mava ao cavaliere Oreglia, que se encontrava em Roma, de um incidente aparentemente
imprevisto, mas moralmente mais embaraçoso. Ele o dramatizava e subitamente redi-
mensionava sua amplitude: “tentou-se colocar no índice meu livro Centenário de São
Pedro”.61 Na realidade, a Congregação do Índice limitava-se a pedir uma reedição do
livro com algumas correções. O caso, contudo, pareceu a Dom Bosco particularmente
sério para alguns motivos. Não se tratava de querela de província, mas era admoestação
deliberada, e o debate que se seguia a ela desenvolviam-se em Roma, próximo do papa,
em sua cúria. Além do mais, fora-lhe oficialmente comunicada com uma carta de 29
de abril de 1867, enviada pelo secretário da Congregação, o dominicado padre Angelo
Vincenzo Modena (1807-1870), ao novo arcebispo de Turim, dom Riccardo di Netro,
ainda antes de seu ingresso solene na diocese.62 O grave e excessivo procedimento
atingia Dom Bosco de vários lados: sua credibilidade de escritor, a eficácia de editor e
propagandista das Leituras Católicas, e, mais ainda, o prestígio de fundador e superior
de uma congregação religiosa nascente.63 Cioso de sua irrepreensibilidade e honorabili-
dade, Dom Bosco viveu os fatos com singular, e não gratuita, preocupação, unida talvez
à desproporcional tenácia na sustentação das próprias razões, mesmo quando a censura
ia rapidamente se redimensionando.
O objeto em questão foi um fascículo de 224 páginas saído nas Leituras Católicas
para o bimestre janeiro-fevereiro de 1867, com o título Centenário de São Pedro
Apóstolo, com a vida do Príncipe dos Apóstolos e um tríduo em preparação para a festa
dos santos apóstolos Pedro e Paulo. Na carta, padre Modena comunicava ao arcebispo
a decisão, tomada na Congregação cardinalícia, em 9 de abril de 1867, pela qual ele
deveria “obrigar o autor a preparar uma nova edição impressa do fascículo, em cujo
prefácio os leitores fossem advertidos que o autor tinha retratado tudo o que aí fora
considerado digno de censura, como resultado da folha alegada (reservada ao arce-
bispo) na carta”. Mais adiante acrescentava: “Aproveito ainda o direito, apresentan-
do-se-me a oportunidade, de advertir vossa excelência que outras denúncias chegarão
nestes dias a respeito de uma publicação periódica que aí se imprime com o título de
‘Leituras Católicas’. Nela se encontram, senão erros manifestos, ao menos palavras tais
ou histórias capazes de excitar, ao invés de realizar a edificação pública, os risos e as
chacotas em um século no qual a crítica se torna abusiva para desacreditar a religião
assinaladamente em questões de obras ascéticas e místicas”.64
Ao cavaliere Oreglia, Dom Bosco confiava que já em Roma pressentira falar
do assunto e “que uma pessoa muito amiga deu-lhe a razão principal”: ter tido em
Roma “preferentemente, muita familiaridade com os jesuítas”. De qualquer forma,
61 Em II 366.
62 Cf. § 5.
63 Reconstrói detalhadamente o fato F. Motto, “Il Centenario di S. Pietro “denunciato alla
Sagrada Congregazione dell’Indice: la memoria difensiva di Don Bosco”, RSS 15 (1996), p.
55-99.
64 F. Motto, “Il Centenario di S. Pietro...”, p. 85.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 481
confiava a causa e a documentação justamente ao irmão jesuíta do cavalheiro, padre
Giuseppe, de Civiltà Cattolica.65 Ao secretário da Congregação do Índice exprimia a
própria submissão incondicionada “como sacerdote católico, como diretor de obra de
beneficiên­cia pública e como escritor de algumas obras que tratavam de Religião”;66 ao
mesmo tempo alegava alguns “esclarecimentos”, que constituíam uma detalhada defesa
dos pontos contestados.67
Em cartas sucessivas continuava a servir-se de Oreglia como caminho para chegar ao
irmão, padre Giuseppe, que agia com experimentada habilidade e visão.68 No problema,
como nos relativos à aprovação da Sociedade Salesiana, Dom Bosco envolvia também o
bispo de Mondovì, o dominicano dom Ghilardi, empenhando-o a protegê-lo em Roma,
não sem uma ponta de polêmica no confronto com o Índice. “Recebo carta – infor-
mava – na qual me é assegurado que o Santo Padre teria ficado triste, pois esse caso foi
levado adiante com rigor, enquanto milhares de livros ímpios e mais ou menos cheio
de erros de religião correm em todos os ângulos, sem que ninguém deles se ocupe para
colocá-los no índice”.69 “Eu não consigo explicar-me – escrevia alguns dias depois com
clássicos anacolutos ao cardeal de Angelis –, que, enquanto se imprimem milhares de
livros nefandos e ninguém se preocupa em colocá-los no índice, eu, que não poupo
nem despesa nem fadiga para ater-me às fontes, aos autores romanos com romana apro-
vação, não obstante se proceda com tanto rigor”.70 A respeito da causa em curso, no
escrito ao papa de 26 de junho de 1867, exprimia “grave dor” pelo fato de algumas
“palavras impressas no livreto” terem sido “entendidas por alguns em sentido jamais
querido nem imaginado”, prometendo que na nova edição modificaria “sem reservas
cada coisa no sentido indicado pela sagrada congregação do Índice”.71
Em duas notas sucessivas do secretário da Congregação, obtidas com a mediação
de padre Oreglia e de dom Ghilardi, as exigências se tornaram sempre mais modestas.
Num primeiro momento elas soavam: “Deve suprimir-se. O que se narra do governador
de Antioquia (batizado com o nome de Teófilo) com relação a são Pedro. Ater-se mais
estreitamente à narração de são Lucas, na qual se fala da libertação de são Pedro do
cárcere por meio do anjo. – Parece gratuita a afirmação que são Pedro ressuscitou um
morto, sobre o qual anteriormente Simão Mago tenha feito inúteis tentativas. – Pelo
que se diz à página 217, poderia fazer suspeitar que a violação de todo mandamento
divino é a transgressão de um artigo de fé. – À página 192 deve ser supresso o período:
65 Em II 366.
66 Ao padre Modena, 21 de maio de 1867; Em II 370.
67 Ao padre Modena, 21 de maio de 1867; Em II 370. O texto dos “esclarecimentos” se encontra
em F. Motto, “Il Centenario di S. Pietro...”, p. 86-94.
68 Carta de 21 e 30 de maio, e 2, 11, 22 de junho de 1867; Em II 372 e 378, 382, 389, 395.
69 Carta de 1º de junho de 1867; Em II 381.
70 Carta de 18 de junho de 1867; Em II 392-393.
71 Carta a Pio IX, em 26 de junho de 1867; Em II 398. Já a tinha anunciada em ato a Oreglia no
dia 11 de junho; Em II 389.

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482 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
“Acredito ser de bom alvitre dar aqui de passagem um aviso a todos aqueles que se
querem escrever ou falar deste argumento [a vinda de são Pedro a Roma], de não consi-
derá-lo como ponto dogmático e religioso, e isto seja dito tanto aos católicos como aos
protestantes”.72 Por fim, no dia 25 de julho, as exigências de correção tornavam-se ainda
mais reduzidas: “À pág. 217 é indispensável corrigir o grave erro contido no período
que começa: ‘A nossa fé deve ser inteira...’ e termina nestas palavras: ‘Aquele (isto é,
que comete pecado grave) transgride um artigo de fé que o torna culpável de todos os
outros’. À pág. 192 seria melhor suprimir todo o apêndice, que é coisa supérflua em tal
obra ascética, mas se quiser mantê-lo, que se corrija a expressão errônea e repugnante
à crítica sadia e ao bom senso religioso, isto é, que a vinda de são Pedro a Roma é um
fato estranho à fé e é argumento de livre discussão”.73
Corrigido no sentido exigido, o livro era impresso com títulos diferentes em Turim e
em Roma, como se lê em uma carta ao cavaliere Oreglia: “Observe se se fez a impressão
do nosso Centenário de são Pedro e me envie uma cópia do mesmo”.74 Em Roma
aparecia com o título precedente abreviado Centenário de são Pedro apóstolo, com a
vida do príncipe dos apóstolos;75 em Turim, ao invés, saía em abril de 1868, modifi-
cado: Vida de são Pedro príncipe dos apóstolos e em tríduo em preparação à festa dos
santos apóstolos Pedro e Paulo.76
Dom Bosco concluía o episódio com um gesto de previdente sabedoria. Enviava
ao arcebispo de Turim uma carta oficial, na qual reassumia a continuação da causa,
e uma “cópia da nova edição” do livro, para que fossem conservadas no arquivo da
cúria turinesa, junto com a carta e o voto do consultor romano, “como documento da
execução dos conselhos recebidos, e da inteira e total submissão do pobre autor”.77
Sua honorabilidade devia sair dos tortuosos acontecimentos inquebravelmente confir-
mada e documentada no presente e para o futuro, para breve e longo tempo.
5. Pela aprovação plena da Sociedade Salesiana (1867-1868)
O empenho principal de Dom Bosco em Roma, todavia, ainda que com menos
publicidade, era a recolocação da prática da aprovação da Sociedade, tentada em
Turim, sem sucesso, durante os anos 1867 e 1868. Poucas são as cartas romanas de
72 MB VIII 819-820.
73 MB VIII 886.
74 Carta de 3 de janeiro de 1868; Em II 474.
75 Il Centenario di San Pietro apostolo colla vita del medesimo principe degli apostoli. Roma,
Stabilimento tipografico di G. Aureli, 1867, 175 p. Na edição não se encontram o apêndice
sobre a vinda de são Pedro a Roma e o tríduo em honra dos santos Pedro e Paulo.
76 Vita di San Pietro principe degli apostoli ed un Triduo in preparazione alla Festa dei santi
apostoli Pietro e Paolo. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1868, XVI-223.
77 A dom A. Riccardi di Netro, em 28 de dezembro de 1868; Em II 614.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 483
Dom Bosco referentes aos problemas da Congregação. Existem, contudo, documentos
oficiais e oficiosos, que dão boas informações sobre o curso das tratativas durante e
após a estada romana.
Apenas chegado em Roma, ele tinha enviado a Pio IX, que chamava ainda de
“persuasor e promotor” da Sociedade Salesiana, uma súplica em língua latina, expe-
dida de Turim, no dia 7 de janeiro de 1867, na qual pedia a aprovação plena da sua
“Sociedade Apostólica” e das relativas Constituições. Em particular, insistia sobre dois
artigos, do qual o primeiro tornar-se-ia um escolho insuperável também no futuro: “1º
Que o superior possa dar as cartas dimissórias aos sócios que tivessem professado nesta
Sociedade os votos prescritos; 2º Que os sócios possam ser admitidos às ordens menores
e maiores titulo mensae communis”.78 Obviamente, aconteceram as audiências pontifí-
cias privadas, nos dias 12 e 19 de janeiro, e ainda no dia 5 de fevereiro. Fez visitas aos
jesuítas da Civiltà Cattolica e ao Colégio Nazareno dos escolápios, encontrou cardeais
e eclesiásticos que podiam iluminá-lo e apoiá-lo, tratou com o prefeito e com o secre-
tário da Congregação dos Bispos e Regulares, cardeal Quaglia e dom Svegliati, que
acentuaram a validez das “animadversiones” de 1864.
Retornando a Turim no início de março, não deixava em paz os altos protetores de
Roma. No parecer de Dom Bosco, o problema mais urgente era a consecução da facul-
dade das dimissórias. Sobre as “constituições em geral não teve dificuldades” – escrevia
no dia 20 de março ao cardeal Antonelli, incluindo na carta cópia do “decretum laudis”.
Ao invés, tinham dificuldade de incluir nos documentos a faculdade das dimissórias.
Contudo – replicava – era coisa “dificílima, para não dizer impossível” obtê-la do bispo
de origem dos candidatos, “porque – dizia, resvalando o absurdo – temos candidatos
que pertencem a países e reinos muito longínquos, dos quais se ignora algumas vezes
o bispado de origem”. “Estando assim as coisas – concluía – eu me recomendo a V.S.
que continue sendo nosso pai. Eu não desejo outra coisa que ter uma sociedade reli-
giosa compatível com os tempos, que promova a glória de Deus e o bem da juventude
periclitante”.79
Contemporaneamente tinha pedido também ao cardeal vigário de sua santidade,
Constantino Patrizi, de interpor seus bons ofícios, anexando à carta as folhas das Super
animadversiones in Constitutiones. Este lhe comunicava ter falado com o cardeal
Quaglia, confirmando a contrariedade da Congregação dos Bispos e Regulares de
conceder o privilégio das dimissórias a um instituto simplesmente “louvado” e não
ainda aprovado, recusa que o próprio Patrizi achava “bastante razoável”.80 Na resposta
Dom Bosco afrontava simplesmente o problema da aprovação da Sociedade, lançando
78 A Pio IX, 7 de janeiro de 1867; Em II 324. A primeira parte da súplica repetia, em parte, a de
30 de março de 1866.
79 Carta de 20 de março de 1867; Em II 341. Cf. o também aceno na carta de 5 de abril de 1867;
Em II 350.
80 A Dom Bosco, em 29 de março de 1867; MB VIII 735-736.

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484 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
mão, porém, de argumentações pouco persuasivas. Poder-se-ia – argumentava de modo
destemido – considerar como aprovações diocesanas as cartas de recomendação dos
bispos. De outra parte, a aprovação do ordinário turinês traria como conseqüência –
raciocinava – que a “Congregação seria imediatamente considerada como corpo moral,
portanto sujeita a autoridade civil. Não seria assim com a aprovação pontifícia”.81 No
dia 28 de março o vigário capitular emanava uma carta de recomendação com grandes
elogios para Dom Bosco, sacerdote que dava “sempre novos ensinamentos de piedade,
de zelo e de solicitude”, e para suas instituições juvenis, mas sem nenhuma referência
à Sociedade Salesiana e ao que a ela pedira em Roma.82
Não era encorajante a carta, de 8 de abril de 1867, que lhe enviara o benévolo dom
Giuseppe Berardi, provecto diplomata, a quem se dirigira, bem como a Antonelli, com
carta de 20 de março.83 Constatando as dificuldades surgidas, o prelado lhe dirigia uma
educada chamada de atenção: “Talvez quantas vezes o senhor, que me honrou com a
comunicação de seus projetos, tivesse acreditado ser oportuno aceitar meus subordi-
nados conselhos, as coisas tivessem acontecido diversamente”. Agora – prosseguia –,
nada mais se podia fazer além de esperar o parecer do novo arcebispo de Turim e o
juízo que seria formulado “na reunião geral da Congregação dos Bispos e Religiosos,
como foi prescrito recentemente pelo Santo Padre”.84 Outros caminhos também não
foram sugeridos pelo veraz romano, dom Giovanni Battista Fratejacci, que tinha se
enfileirado sem reservas com Dom Bosco para seguir o desenvolvimento das práticas
relativas à Sociedade Salesiana. Ouvidor do cardeal Vigário Patrizi, em carta de 11
de abril de 1867, alinhava-se com as posições de seu superior. Ele tinha o mérito de
prevenir Dom Bosco sobre a mentalidade que estava se difundindo no episcopado sobre
as próprias responsabilidades inalienáveis na Igreja e sobre a função que nela tem os
institutos religiosos. Segundo a praxe romana – informava o prelado – o privilégio das
dimissórias não era dado senão depois de alguns anos da aprovação pontifícia de uma
congregação religiosa. Para todo o resto devia tornar-se benévolo o novo arcebispo,
Riccardi di Netro, eventualmente por meio de seu sucessor neo-eleito em Savona, dom
Cerruti, amigo do Fratejacci e simpatizante de Dom Bosco e de seu Instituto. Sugeria,
além disso, de esperar, antes de qualquer outro passo, a chegada em Roma dos cardeais
de Angelis e Corsi, que poderiam influenciar Pio IX favoravelmente. Continuava: “No
entanto, estarei sempre esperando os exemplares em número de doze, ou quinze das
Constituições [evidentemente as latinas e impressas], como já lhe acenei, para distri-
buí-las aos Cardeais componentes da Sagrada Congregação. A estas devem ser acres-
81 Ao cardeal C. Patrizi, no começo de abril; Em II 346.
82 É trazida em MB VIII,735.
83 Cf. Em II 640. Dom Giuseppe Berardi (1810-1878) era o braço direito do cardeal Antonelli
como substituto da Secretaria de Estado (1861-1868): foi feito cardeal no dia 13 de abril de
1868.
84A carta se encontra em MB VIII 736-737.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 485
centadas as cópias das Animadversiones e as cópias das respostas a elas”. Informava-lhe,
além disso, que a outras duas congregações de votos simples, com as constituições
não ainda formalmente aprovadas pela Santa Sé, fora “concedido o indulto de ordenar
dez ou doze clérigos, indulto que se vai prolongando e renovando cada vez”. Eram a
Congregação dos sacerdotes ditos Palotinos – “decretum laudis” em 1835, aprovada em
1904 – e a Congregação polaca dos sacerdotes da Ressurreição – “decretum laudis” em
1860, aprovação em 1888.85
Em junho, o cardeal Antonelli, excusando-se do involuntário retardamento na
resposta, referia-se a quanto já tinha escrito seu colaborador dom Berardi, condividindo
as sugestões: “No presente momento a coisa está em curso de exame junto à Sagrada
Congregação dos Bispos e Regulares, e eu não tenho no momento a dizer-lhe mais do
que já lhe foi dito por outros: podendo o senhor bem persuadir-se do empenho que tive
em chamar a especial atenção aos relevos que o senhor deduziu sobre o ponto ao qual
se referiam a carta e as folhas correspondentes”.86
Com carta de 1º de junho, Dom Bosco confiava aos bons préstimos de dom Ghilardi,
que se encontrava em Roma, as duas questões que mais o afligiam: uma transitória, a
censura do Centenário de São Pedro, que já é conhecida, e a outra substancial, a apro-
vação plena da Sociedade Salesiana. Para a solução positiva dos dois problemas ele
sugeria ligações e consultas com padre Giuseppe Oreglia, da Civiltà Cattolica, e com
dom Fratejacci.87 No dia 18 de junho pedia também um particular apoio em Roma
ao arcebispo de Fermo, cardeal de Angelis.88 Ao mesmo tempo, em carta a Pio IX,
levada por Savio e pelo padre Cagliero, ambos representantes da Sociedade Salesiana
nas festas do Centenário de São Pedro, manifestava o “desejo de renovar com o maior
respeito o pedido” de “dar sua sanção às constituições da sociedade de São Francisco de
Sales” com as “correções, variações e acréscimos” tidos como oportunos.89
Um longa carta de 10 de julho de 1867 de Fratejacci, com outras informações,
podiam suscitar em Dom Bosco esperanças e temores. O prelado romano assegurava
ter perorado a causa da aprovação da Sociedade salesiana junto de dom Ghilardi, dom
Cerruti, o cardeal vigário, o cardeal Consolini, e “com vários prelados de minha relação
e com muitos outros eclesiásticos que têm influência”. Além disso, tinha conversado
por uma hora com o cardeal de Angelis, animado de “alta estima”, “afeição cordialís-
sima” e “grande conceito” por Dom Bosco. Porém, pelo que dizia respeito às dimis-
sórias achava “de fato inútil falar-lhe”: “o Santo Padre – explicava – é contrário a tal,
igualmente o Cardeal Quaglia e Dom Svegliati, e conforme toda aparência, e mesmo
com certeza, a resposta da Sagrada Congregação será negativa”: explicava as graves
85 Carta em MB VIII 738-742.
86 Carta de 4 de junho de 1867, citada em MB VIII 766.
87 Em II 381.
88 Carta de 18 de junho de 1867; Em II 393-397.
89 Carta de 26 de junho de 1867; Em II 398.

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486 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
razões para tal, entre as quais as tensões entre ordens religiosas e bispos. Declarava-se,
pois, de acordo com o cardeal De Angelis em propor várias alternativas, entre as quais
“procurar agora quomodocumque uma aprovação da nova Sociedade de São Francisco
de Sales, mesmo sem o privilégio sobre as ordenandos”, ou então “retirar a instância
para a aprovação e remetê-la ex integro ao próximo Concílio Ecumênico”. Por fim,
pedia a Dom Bosco como agir, já que, para o momento, julgava oportuno não dar
nenhum passo junto da Congregação dos Bispos e Regulares, nem tinha distribuído os
exemplares das regras nem os distribuiria sem ter antes uma indicação de Dom Bosco.
Observava: “estes não são negócios para serem feito às pressas. É preciso, ao invés, que
Dom Bosco tenha grande ponderação e prudência para não dar passo em falso”.90
Impertérrito, Dom Bosco continuava a aprontar documentos para obter tudo da
Santa Sé: aprovação da Sociedade e das Constituições, mantendo nelas o artigo que
previa a faculdade das dimissórias ao superior. O texto das Constituições, impresso
em latim nos meses precedentes, em obséquio à última “animadversio” do Consultor e
da Congregação dos Bispos e Regulares, não se afastava substancialmente daquele ao
qual chegara em 1864: fora supresso o artigo sobre a relação dos sócios com a política,
o artigo sobre os “Externos” era posto em apêndice, foram introduzidas modificações
em base a pedidos menores. Ao invés, reapareciam invariados os artigos que diziam
respeito as dimissórias, a aquisição e a alienação dos bens da Sociedade, a fundação
de casas particulares e de seminários eclesiásticos. Dom Bosco não previa que outras
“animadversiones”, não menos pesadas que as precedentes, ajuntar-se-iam no decurso
da negociação, sobre temas capitais do noviciado e dos estudos eclesiásticos.
Não imaginava que outras dificuldades surgiriam também em Turim, com a
transferência para essa sede episcopal, decidida em 22 de fevereiro de 1867, de dom
Alessandro Riccardi di Netro (1808-1870), desde 1842 bispo de Savona e Noli. O novo
arcebispo entrava solenemente na nova sede no dia 26 de maio. Dom Bosco o consi-
derava menos dútil sobre questões de jurisdição episcopal e de autonomia de seu ainda
informe Instituto, de quanto pudesse imaginar. A formação recebida na faculdade teoló-
gica da universidade tinha plasmado o culto prelado em uma eclesiologia bem precisa,
que no Concílio Vaticano teria feito dele um decidido opositor da definição dogmática
da infalibilidade pontifícia.
Para conseguir do novo arcebispo apoio para a negociação romana em curso, Dom
Bosco tinha preparado uma Memória para a vinda de dom Riccardi. O sintético docu-
mento ilustrava três pontos: a estrutura e os fins da Sociedade de São Francisco de
Sales, suas Origens, reportadas às datas virtuais de 1841, 1846 e 1854, e o Estado atual.
“No mês de Janeiro deste ano – informava, persistente na enraizada ilusão – enviei nova
súplica ao Santo Padre, com o regulamento da Sociedade, modificado conforme as
observações dos Bispos e Regulares. Pedia-se a aprovação definitiva da Sociedade, ou
90A carta encontra-se em MB VIII 878-881.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 487
ao menos a faculdade provisória de poder ordenar com o titulo vitae communis. O Santo
Padre e a Congregação não se opuseram, mas não pareceram dispostos a conceder
este segundo favor, uma vez que não se usa conceder tal faculdade antes que uma
Sociedade seja definitivamente aprovada. Parece, por outro, que exista muita propensão
por parte do Santo Padre e dos Reverendíssimos membros dessa muitas vezes louvada
Congregação de chegar a uma aprovação regular. A Sociedade, aprovada nesse sentido,
traria consigo a faculdade das dimissórias e de poder ordenar titulo mensae communis.
O pensamento geral era de esperar a vinda do novo Arcebispo de Turim onde se encontra
a casa principal”.91
A carta comendatória, todavia condicionada, chegaria meses depois. No entanto,
já no mês de setembro o arcebispo exercitava o direito de vigilância sobre estudos
de todos os que se dirigiam ao sacerdócio, direito que, para os clérigos da Sociedade
Salesiana, não era de forma nenhuma sobreposto pelo “decretum laudis”. Em breve
carta ele comunicava a Dom Bosco as drásticas decisões sobre as modalidades dos
estudos dos clérigos do Oratório. O redator parecia ignorar a memória que lhe fora
enviada pelo destinatário, e decretava prescindindo de qualquer troca prévia de idéias
com ele sobre a situação real da obra dos oratórios. “Para meus clérigos diocesanos –
acrescentava –, não permito que lecionem ou façam repetições, ou vigiem nos dormi-
tórios ou sejam prefeitos. Esta medida, que se extende aos outros internatos, é para
favorecer os jovens e os clérigos em seus estudos e para que possam freqüentar as aulas
e as repetições. Estabeleci também de dar as Ordens Sagradas apenas aos que estão
no Seminário. Esta medida lhe será um pouco pesada, mas redundará de vantagem da
Igreja e de sua Comunidade. Quanto está exposto tive premência de notificar, para que
em tempo possa prever por si e, ao mesmo tempo, para os clérigos à maior vantagem
deles”.92
Eram medidas, em certa forma, fora da realidade. A Dom Bosco pareceram incom-
preensíveis e desorientadoras. De qualquer forma, deviam impelir com maior vigor
para a consecução da suspirada aprovação pontifícia da Sociedade. A isto, a seu ver, o
havia encorajado também dom Berardi, como escrevia ao cardeal Filippo de Angelis,
confiando-lhe as muitas interrogações que o assaltavam. “Se eu envio meus clérigos ao
seminário, onde estará o espírito e a disciplina da Sociedade? Onde conseguirei mais
de cem catequistas para outras tantas classes de crianças? Quem passa um quinqüê­nio
no Seminário terá vontade de vir a fechar-se no Oratório?”. Levando, depois, em consi-
deração certas idéias menos filopapais de algum professor, perguntava: “Posso, em
consciência, mandar estes clérigos para ter aula no Seminário? Parece-me que não.
Até agora eles foram, mas com temor de arruinar todo o espírito de nossa sociedade”.
91 Cf. o texto autógrafo de Dom Bosco com numerosas correções e variantes em ASC A 2230202,
Fdb 1925 A12-B3; impresso em MB VIII 810-811.
92A carta encontra-se em MB VIII 944-945.

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488 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Em folha anexa não poupava críticas ao arcebispo, que havia reintroduzido no seminário
professores excluídos por dom Fransoni.93 Um mês depois retificava em parte: “Parece
[sic] que as nossas coisas estejam melhorando; o professor de história eclesiástica foi
avisado e parece que tenha totalmente mudado de sistema”. Sobretudo sentia-se enco-
rajado para fazer caminhar o pedido de aprovação da Sociedade Salesiana, apoiando-o
– como considerava dom Berardi e o mesmo cardeal de Angelis – “com o maior número
de autorizadas cartas de recomendação que conseguir”.94
6. Falida a posse romana em Vigna Pia (1867-1868)
No decurso da estada romana eram abertas a Dom Bosco esperanças de inserção,
embora condicionada, da Sociedade em uma obra já existente, particularmente cara a
Pio IX. A idéia lhe agradava e ele a cultivou, até que dificuldades objetivas e, sobre-
tudo, as considerações de alguém que conhecia melhor a situação, dissuadiram-no
de levar adiante as tratativas. Os contatos tinham sido feitos por iniciativa do duque
Scipione Salviati Borghese, já conhecido em 1858. Era-lhe proposta a gestão educativa
da colônia agrícola de Vigna Pia, a duas milhas fora de Porta Portuense, nas proxi-
midades da Basílica de São Paulo, para jovens órfãos ou recomendados por benfei-
tores ou enviados pela polícia.95 A colônia tinha sido fundada no dia 8 de dezembro
de 1850, com o “peculiar pecúlio” do papa, com a “finalidade de educar cristãmente e
de fazer habituar ao trabalho jovens que ficaram órfãos, ou abandonados a si mesmos
por condenável negligência dos pais”. A alta direção da instituição era confiada a uma
Deputação nomeada pelo cardeal vigário e aprovada pelo papa. Nos primeiros anos
a direção imediata fora exercitada por religiosos da Congregação de São José.96 As
tratativas caminhavam com muita lentidão, entre incertezas e esperanças, como emerge
também de algumas cartas. “Falou com o Duque Salviati? E de Vigna Pia?”, pergun-
tava Dom Bosco ao cavaliere Oreglia no dia 18 de novembro de 1867.97 Veja se pode
enviar-me o projeto com as observações de Vigna”, insistia no início do ano, “e veremos
o que pode fazer”.98 Algum dia depois: “recebi as observações sobre o projeto de Vigna
Pia; aqui não existe nem conclusão nem proposta; estudaremos e veremos”.99 Porém,
93 Carta de 9 de janeiro de 1868; Em II 479-480.
94 Ao cardeal de Angelis, em 9 de fevereiro de 1868; Em II 496.
95 Sobre a colônia, cf. Carlo Luigi Morichini, Degli istituti di carità per la sussistenza e
l’educazione de poveri e dei prigioneri in Roma. Libri tre. Edizione Novissima. Roma,
Stabilimento Tipografico Camerale, 1870, p. 535-542.
96 Cf. quirógrafo de Pio IX ao cardeal Costantino Patrizi, vigário geral, de 22 de fevereiro de
1856, in Atti del Sommo Pontifice Pio IX... Parte II, vol. II. Roma, Tip. delle Belle Arti, 1857,
p. 305-306.
97 Em II 450.
98 Carta de 3 de janeiro de 1868; Em II 475.
99 Carta de 21 de janeiro de 1868; Em II 487.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 489
pouco depois, parecia próxima uma solução positiva: “Escrevi ao Duque Salviati para
Vigna Pia; acredito que aceitaremos; convém-nos; vá visitá-la; escute com atenção
e me escreva. Deo gratias”.100 O cavalieri Oreglia não estava entusiasmado com a
colônia seja pela ubicação, seja pelas condições edilícias. Também o irmão jesuíta,
padre Giuseppe, estava perplexo e escrevia ao padre Francesia: “Em primeiro lugar,
não tenho dificuldades a respeito de ciúmes ou invejas. Estas acompanham sempre toda
coisa boa ou má”. “A natureza, pois, da obra da Vigna Pia é tal que suscita pouca inveja.
O lugar é longe da cidade, o ar pouco sadio. Tudo é muito modesto”. “Não é obra nem
gloriosa nem cômoda, mas humilde, áspera, difícil. O lugar fica no meio do prado que
é insalubre; estarão como no deserto; não em Roma: e sim como fora de qualquer lugar
habitado. Valdocco, em comparação, é um paraíso”.101 Além disso, a gestão estaria
fortemente condicionada pela Deputação que tinha sua alta direção.102
Por fim, no dia 1º de agosto de 1868 a colônia era confiada por Pio IX aos Irmãos de
Nossa Senhora da Misericórdia, fundados na Bélgica, em Malines, pelo cônego Victor
Scheppers. Entre outro, eles tinham como válido intermediário junto do papa o belga
dom Xavier de Merode. Em viagem no centro-sul da Itália, em 1872, visitando institutos
de educação, são Leonardo Murialdo julgava positivamente a colônia e seus gestores.
“São 100 jovens”, “é bem regulada”, escrevia em 26 de maio a seu colaborador mais
próximo, padre Eugenio Reffo.103 Pode ser interessante também recolher a anotação
sobre Dom Bosco, que Murialdo introduzia poucos dias depois, em carta de Nápoles,
onde era hóspede de Ludovico da Casoria. “Só em Nápoles – observava admirado – há
doze Casas, ou Colégios ou Hospitais: é um homem mais maravilhoso que Dom Bosco.
(O Papa, a propósito, perguntou de Dom Bosco e do Cônego Anglesio)”.104
7. A imagem eclesial de Dom Bosco entre consensos e reservas (1867-1868)
Empenhado em procedimentos jurídicos e formais, Dom Bosco se encontrava mais
à vontade na tarefa premente de solicitar a mais ordinários diocesanos de cartas de reco-
mendação em favor de suas súplicas junto da Congregação dos Bispos e Regulares. A
vastidão dos consensos dá a medida de sua capacidade de relações amigáveis. Sobretudo,
confirma a sensação de que ele e sua obra tinham já adquirido fama e crédito em muitas
regiões italianas. Não faltavam, todavia, resistências e reservas de bispos vizinhos, com
conseqüências negativas imediatas.
100 Carta de 11 de fevereiro de 1868; Em II 498.
101 Cf. Em II 499; lin. 17. Em MB IX 114-115 se encontra carta do padre Giuseppe Oreglia ao
padre Francesia, de 18 de março de 1868.
102 Cf. esboço do projeto, que se encontra em MB VIII 606-607.
103 São Leonardo Murialdo, Epistolario, vol. I, p. 258-259.
104Ao padre Eugenio Reffo, no dia 4 de junho de 1872, in: S. Leonardo Murialdo, Epistolario,
vol. I, p. 163.

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490 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Para obter o maior número de cartas de recomendação, ele enviava a um bom
número de ordinários diocesanos um Aceno histórico a respeito da Sociedade de São
Francisco de Sales.105 Já em 1867 chegavam as de Giacomo Jans, bispo de Aosta (20
de junho de 1867),106 Lorenzo Gastaldi, de Saluzzo (11 de julho de 1867),107 e Antonio
Colli, de Alessandria (7 de setembro de 1867).108 As outras, numerosas, chegavam a ele
ou a Roma em 1868.
Um favor excepcional concedia, no início de 1868, o bispo amigo Pietro Maria Ferrè
(1815-1886), transladado, em 27 de março de 1867, da diocese de Pavia a de Casale
Monferrato. Não escrevia somente a carta de recomendação, mas dava também a apro-
vação diocesana da Sociedade e das respectivas Constituições. O acontecimento sucedia
a uma rápida troca de cortesias. Poucas semanas após o ingresso de Ferrè na nova diocese,
Dom Bosco respondia a uma carta cortês do bispo, encorajando-o na cumprimento da
sua missão episcopal e manifestando a esperança de poder, em breve tempo, “passar em
Casale e ter um pouco de tempo livre para tratar de coisas – dizia – que não se podem
facilmente confiar por carta”. Aproveitava a ocasião para falar da casa de Mirabello e
da Sociedade de São Francisco de Sales, acrescentando: “incluo cópia das regras para
que conheça sua finalidade, o espírito e, a seu tempo, nos possa dar paternos conselhos
que julgar melhor no Senhor”.109 Dois meses depois, mais ou menos, de acordo com o
bispo, lhe enviava pedido formal de aprovação diocesana da congregação: “Eis a V. Rev.
ma o humilde pedido que os sócios da sociedade de São Francisco de Sales fazem com
o fim de obter a aprovação diocesana de sua sociedade, se V.Ex.cia considerar que isto
redunde para maior glória de Deus. Aqui acentuo somente que o decreto [o “decretum
laudis” de 1864], do qual lhe incluo uma cópia, foi feito sobre as regras que depois
foram impressas segundo a cópia que penso ter-lhe enviado. A partir daí V.Excia pode
ter uma norma para fixar as cláusulas com as quais pretende acolher este hóspede em sua
casa, na qual já vive provisoriamente. Se for preciso, faço uma viagem a Casale quando
quiser”.110 No dia 12 de janeiro de 1868 voltava ao argumento: “Agradeço-lhe viva-
mente pelas paternas disposições que manifesta em favor de nossa sociedade. Conforme
o desejo de V.Ex.cia fiz um esboço daquilo que poderia exprimir em nosso favor em
torno das nossas constituições se julga dar uma aprovação diocesana, como foram antes
os oblatos de São Carlos, depois os oblatos de Maria. Quanto à jurisdição eclesiásticia,
creio que seja bastante limitada e explicada nos capítulos 8 e 12. Se V.Ex.cia achar
105 Cf. textos com várias destinações em ASC A 2230203: minuta do texto e assinatura autógrafa
de Dom Bosco, FdB 1924 D11-E2; ms alógrafo com assinatura autógrafa para Dom Ferrè,
FdB 1924 E3-6; impresso com referências finais à diocese de Casale, MB IX 61-64; cópia
para Dom Riccardi com anexo manuscrito autógrafo de Dom Bosco, FdB 1924 E7-12.
106 MB VIII 846-847.
107 MB VIII 876-877.
108 MB VIII 933-934.
109 Carta do dia 28 de setembro de 1867; Em II 437-438.
110 Carta de 19 de dezembro de 1867; Em II 461.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 491
necessário modificar alguma coisa, faça livremente quomodo in Domino melius judi-
caveris. Eu espero que, feita essa aprovação, V.Ex.cia terá uma sementeira de padres
dos quais poderá servir-se livremente para o trabalho”.111 O decreto de 13 de janeiro de
1868 foi redigido nos termos sugeridos por Dom Bosco: “Com o presente decreto reco-
mendamos a Sociedade que tem o nome de São Francisco de Sales e a aprovamos como
Congregação Diocesana segundo as constituições que Nos foram apresentadas. Além
disso, como é recordado pelo Decreto [o “decretum laudis”] consta constituído juridica-
mente o Superior Geral da mesma Sociedade, Nós, de boa vontade, estamos prontos a
conceder a ele todas as faculdades e privilégios, que parecerão necessários ou oportunos
para promover a maior glória de Deus e o bem da Sociedade”. Faculdades e privilégios
foram concedidos com o decreto de 4 de abril.112
Ao arcebispo de Gênova, dom Andrea Charvaz, pedia a recomendação com carta
pessoal e nela incluía o Aceno histórico, entregues na metrópole lígure pelo genovês
padre Lemoyne. A este escrevia: “Eis dois envelopes: um para o cônego Fantini. Neste
estão cartas destinadas a obter do Arcebispo de Gênova uma recomendação para a nossa
Sociedade”.113 O arcebispo de Pisa, cardeal Cosimo Corsi, em resposta a uma carta
de Dom Bosco,114 declarava-se disponível a conceder a recomendação,115 que expedia
diretamente a Roma. O vigário capitular de Acqui, Francesco Cavalleri, fazia chegar a
sua no dia 28 de fevereiro de 1868.116 Sob pedido de Dom Bosco,117 enviava no dia 6
de março uma ampla carta de recomendação o arcebispo de Ancona, cardeal Antonio
Antonucci.118 A ela seguiam-se em 1868, em datas muito próximas, muitas outras, dos
bispos Carlo Savio de Asti (4 de março),119 Felice Cantimorri de Parma (9 de abril),120
Giacomo Filippo Gentile de Novara (12 de abril),121 Carlo Macchi de Reggio Emilia (14
de abril),122 Giovanni Ghilardi de Mondovì (15 de abril),123 Antonio Colli de Alessandria
111 Carta de 12 de janeiro de 1868; Em II 464.
112 O texto dos decretos de aprovação da Sociedade, de 13 de janeiro, e de concessão das
faculdades, de 4 de abril, encontra-se em Notitia brevis Societatis Sancti Francisci Salesii
et nonnula decreta ad eamdem spectantia. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1968,
p. 9-13; OE XVIII 579-583.
113 Carta de 29 de janeiro de 1868; Em II 492-493.
114 Cf. Carta de 9 de fevereiro de 1868; Em II 496-497.
115 Carta a Dom Bosco, de 20 de fevereiro de 1868; MB IX 78.
116 MB IX 91-92.
117 Carta ao cardeal Antonucci, 10 de fevereiro de 1868; Em II 646.
118 MB IX 93-94.
119 Ao bispo tinha pedido que deixasse entrar na congregação dois de seus clérigos, que assim
desejavam (carta de 19 de dezembro de 1867, Em II 462-463). O Bispo, reconhecido por
tudo o que Dom Bosco tinha feito e fazia pelos clérigos da diocese, respondia agradecido e
acrescentava sua carta de recomendação (textos em MB IX 92-93).
120 MB IX 142-143.
121 MB IX 143-144.
122 MB IX 144-145.
123 MB IX 145-146.

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492 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
(17 de abril),124 Giulio Arrigona de Lucca (24 de abril),125 a pedido de Dom Bosco,126
cardeal Filippo de Angelis de Fermo (26 de abril),127 sob repetido pedido,128 o vigário
capitular de Susa Giuseppe Sciandra (28 de abril),129 dom Pietro Rota di Guastalla
(29 de abril),130 Raffaele Biale de Albenga (2 de maio),131 o vigário capitular de Vigevano,
Vincenzo Capelli, com o pedido de 29 de maio,132 mais adiante dom Galletti de Alba
(20 de outubro).133
Dom Bosco pedia ainda, por duas vezes, uma recomendação a dom Moreno, de
Ivrea,134 e a dom Francesco Cugini, de Modena.135 O primeiro não interrompeu o deli-
berado silêncio, enquanto o segundo se escusava de não podê-la conceder, não tendo
direto conhecimento da obra de Dom Bosco.
Dom Riccardi di Netro concedia uma recomendação condicionada e Dom Lorenzo
Renaldi, bispo de Pinerolo, alinhado com Riccardi, recusava concedê-la, dando
para tanto os motivos. As duas posições eram prelúdio da decisão da Congregação
dos Bispos e Regulares de aprovar a Sociedade Salesiana, mas não as Constituições.
O arcebispo Riccardi louvava a congregação – escrevia – para o fim “que se propõe,
e vendo o bem que ela faz principalmente recolhendo e ensinando na Santa Lei de
Deus tantos pobres jovenzinhos, que estariam abandonados e com risco de percorrer o
caminho da perdição”. Declarava de ter visto “os decretos emanados pelo Predecessor
Dom Fransoni” relativos “à Sociedade, quando se propunha apenas catequizar os jovens
nos dias festivos e reunir para iniciá-los a uma arte ou profissão”, e as palavras com
as quais, em 1864, o santo padre “lhe dava quase um princípio de aprovação”, “reco-
nhecendo-a como Congregação com votos simples sob a jurisdição dos Ordinários
Diocesanos, diferindo para tempo mais oportuno a aprovação das Constituições então
apresentadas”. Ele aprovava o que fora entendido por outros bispos e por seu antecessor,
e prosseguia: “fazemos vivas instâncias à Santa Sé para que, examinadas e corrigidas
as Constituições propostas pelo sacerdote Dom Bosco, superior geral, e que formam
hoje a base da Sociedade, se digne aprová-las e dar assim estável e definitiva existência
por parte da Igreja à sobredita Congregação, no modo e forma que a Santa Sé parecerá
124 MB IX 146-147.
125 MB IX 148-149
126 Em II 646.
127 MB IX 149-150.
128 Carta de 9 de fevereiro e 9 de março 1868; Em II 496 e 510.
129 MB IX 150.
130 MB IX 151-152.
131 MB IX 152-153.
132 Em II 539.
133 MB IX 418-419.
134 Carta de 15 de abril e 28 de maio de 1868; Em II 527 e 538.
135 Carta de 2 de março e 29 de maio de 1868; Em II 503-504 e 540.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 493
bem-visto”136. Em carta ao prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares esclarecia
ulteriormente a própria instância: 1) “a minha aprovação refere-se à Sociedade, quando
não se propunha outra finalidade que recolher e catequizar os jovens e conduzi-los a
alguma arte ou profissão”; 2) “se peço a ereção em Congregação religiosa, subordino
este pedido a uma sábia revisão e correção das Constituições a ser feita pela Santa
Sé”; 3) elencava em uma folha à parte suas observações, formuladas em base a relevos
fornecidos por um “homem experimentado e douto, estimado e apreciado por todos”,
como era Marco Antonio Durando, visitador da Missão; 4) enfim, pedia à Congregação
“que, antes de dar qualquer aprovação, se dignasse encarregar uma pessoa de fora,
piedosa, sábia, experimentada e prática em educação da juventude, para ir pessoal-
mente examinar as coisas e referi-las”.137 As principais observações, exceto a primeira,
e as sugestões elencadas em seguida encontraram consentimentos nos responsáveis da
Congregação romana: 1) eliminar “o escopo, no qual aparece ter como preferência
educar o jovem clero”; 2) precisar a figura religiosa e o estatuto jurídico dos “leigos”
da Sociedade; 3) definir “quais estudos deverão fazer os leigos e quais os clérigos”,
programa, duração, sede, modalidade, desempenho ou menos de outras ocupações;
4)ponderar bem sobre o que se estatuía dos “clérigos e sacerdotes que possuíam patri-
mônio ou bens simples”, ou seja que os terão retidos “também após os votos”: podia
constituir um “grave dano das dioceses”; 5) “os clérigos não pertencentes à Sociedade
deverão depender exclusivamente dos Ordinários”; “deve-se pois remeter os jovens que
aspiram ao Ministério Eclesiástico aos respectivos Bispos assim que recebem o hábito
clerical”; 6) dever-se-ia prover também os clérigos da Congregação do Patrimônio ecle-
siástico de forma que, se saissem ou fossem expulsos, não ficassem a cargo do bispo;
7) não está claro de que forma será efetuado o ano de tirocínio prévio à admissão na
congregação [o noviciado] dos clérigos, quiçá “misturados não somente com os sócios
leigos, mas com os jovens, com os quais os clérigos convivem hoje”. “O Colégio de
Turim é já um caos desde agora, estando misturados aprendizes, estudantes, leigos,
clérigos e sacerdotes”. Seguiam orientações particularizadas para cada artigo.138
Idêntica era, substancialmente, a posição do turinês dom Lorenzo Renaldi (1808-
1873), bispo de Pinerolo. Ele julgava ser dever seu motivar a recusa da recomendação com
uma carta ao prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares. Nela louvava incondicio-
nalmente o instancável trabalho de Dom Bosco em favor dos jovens pobres e abandonados.
Declarava-se, ao invés, de “parecer visceralmente contrário” “com relação à educação
e instrução dos clérigos” e do desejo de “fazer da sua casa” “um seminário de sacer-
dotes” para as dioceses, missão que entendia ser de exclusiva pertinência dos bispos.139
O parecer podia, talvez, tornar-se agradável a qualquer um na cúria romana, mas não
136 Carta de 7 de março de 1868, trazida em MB IX 95-96.
137 Carta de 14 de março de 1868, que se encontra em MB IX 96-97.
138Os textos encontram-se em Cost. SDB (Motto), 236-236.
139 Carta de 6 de junho de 1868; MB IX 235-236.

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494 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
quem o formulava, conhecido por suas idéias um tanto quanto independentes, comba-
tidas também no Concílio Vaticano, sobre a infalibilidade do papa.
No fronte oposto se alinhava, com carta de recomendação de 25 de julho, ende­
reçada ao prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares, o bispo de Saluzzo,
Lorenzo Gastaldi. Ele não poupava elogios ao instituto de Dom Bosco, do qual decla-
rava ter “pleno conhecimento”, tendo-o visto “nascer e progredir”. Na casa principal
de Turim e nos oratórios por ele abertos e dirigidos, o Instituto apresenta literalmente
“o mesmo espetáculo de piedade, que apresentavam em Roma os Oratórios abertos por
São Felipe”, sinal superabundante da bênção de Deus. “Esta bênção – acrescentava logo
– aparece pelas vocações ao estado eclesiástico, que aqui foram acordadas”. Isto não
teria sido possível se Dom Bosco não tivesse “formado uma Sociedade de Clérigos e
Sacerdotes” totalmente consagrados a tais obras. O declarante “viu formar-se e crescer
essa Sociedade, viu suas Regras, viu o resultado. Viu que com a observância dessas
Regras se manteve constantemente nela o espírito de obediência, submissão, humil-
dade, piedade, concórdia, paz e caridade. Encontrou sempre nos membros que formam
essa sociedade, como que uma só mente e um só coração”. Não podia, pois, deixar de
“fazer votos para que essa Sociedade, junto com as suas regras” fosse “aprovada por Sua
Santidade, e erigida à classe de Ordem religiosa, confiando – insistia – que daí adviesse
grande bem às almas, ao clero, à Igreja em geral, mas de modo especial para a juventude,
que hoje, mais do que nunca, precisa de ótimos educadores, e portanto precisa de Ordens
religiosas, que dela tomem cuidado com aquele espírito de caridade, discreção, paci-
ência, com o qual, de há muitos anos, dela cuida a Sociedade instituída e dirigida pelo Sr.
Dom Bosco”.140 Era o testemunho de Gastaldi, íntegro e idealista, como demonstraria no
futuro, querendo sem defeitos a “Congregação primitiva” amada e sustentada.
8. Um “não” à liberdade institucional ampla (junho-dezembro de 1868)
Entrementes, Dom Bosco tinha mandado imprimir um documento composto, desti-
nado aos bispos e à mesma Congregação dos Bispos e Regulares, ou seja a citada Notitia
brevis Societatis Sancti Francisci Salesii et nonnula decreta ad eamdem spectantia141.
Continha o decreto de Fransoni, de 31 de março de 1852, um breve delineamento das
origens e dos desenvolvimentos da Congregação, o “decretum laudis” de1864, os dois
decretos de 13 de janeiro e de 4 de abril do bispo de Casale, um esquemático rendi-
conto sobre o estado atual da Sociedade (quatro casas em Turim, Lanzo, Mirabello,
Trofarello, cerca de cem sócios), as cartas de recomendação dos cardeais Antonucci,
Corsi e de Angelis. Faltava somente a tanto desejada aprovação apostólica.
140 Carta de 25 de maio de 1868; MB IX 237-238.
141 Cf. n. 112.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 495
Nos primeiros dias de junho de 1868 Dom Bosco escrevia ao arcebispo de Fermo
para pedir-lhe luzes sobre a oportunidade ou não de insistir em Roma no pedido de
aprovação da Sociedade e das Constituições (“após vinte e oito anos de prova”, afir-
mava com a costumeira dilação dos tempos até 1841). “Para boa ventura – assegurava
– temos todas as dioceses, onde existem relações, propensas a beneficiar-nos e nos
deixam seus clérigos à plena disposição, para que lhes demos o cem por um”.142 No
dia 10 redigia em latim o pedido oficial ao papa de aprovação da Sociedade, elencando
as razões que o conduziam a apresentá-la, entre as quais em primeiro lugar “os vinte e
oito anos de existência desta Sociedade”. Se não se acreditasse de chegar à aprovação,
pedia que se concedesse ao menos aos sócios clérigos que tivessem “a faculdade de ser
admitidos às ordens pelo bispo de Casale, mesmo que – dizia para fugir das malhas do
direito vigente – pertençam à outra diocese. Nessa diocese, com efeito, de há muito
tempo existem um seminário de jovens e uma casa de sócios”.143
Mas em Roma devia agravar a situação de Dom Bosco o parecer sobre alguns
aspectos da formação eclesiástica vigente no Oratório, formulado por dom Gaetano
Tortone (1844-1891), fiduciário da Santa Sé em Turim. A partir de uma das “observa-
ções” de dom Riccardi, com carta de 20 de julho de 1868, o secretário da Congregação
dos Bispos e Regulares, dom Stanislao Svegliati, o tinha encarregado de fornecer “uma
exata informação sobre o andamento do Instituto em análise e especialmente no que
dizia respeito aos estudos e à educação eclesiástica dos clérigos que formam parte do
mesmo instituto”.144 Em sua relação, de 16 de agosto, Tortone, irrepreensível sacerdote
subalpino de absoluta confiança vaticana, tributava amplos louvores ao “enorme bem”
que Dom Bosco realizava em favor dos jovens; mas – acrescentava – “parece que a
mesma coisa não se possa dizer sobre o êxito dos estudos e sobre o espírito eclesiás-
tico dos clérigos que se encontram recolhidos no supra-citado Instituto”. Denunciava
o medíocre aproveitamento no estudo, mas sobretudo as “grandes dificuldades para
poder infundir nos mesmos o verdadeiro espírito eclesiástico e os princípios de boa
educação tão necessários aos sacerdotes”. Prosseguia: “o contínuo contato que têm
aqueles clérigos com outros jovens leigos do instituto, a grande familiaridade e inti-
midade com a qual se tratam entre si, conforme meu pobre parecer, não creio sejam
coisas muito aptas para formar um bom clero. Aconteceu-me, muitas vezes, de visitar
aquele Instituto nas horas de recreação e confesso que tive uma impressão bem
penosa ao ver os clérigos misturados com outros jovens que aprendem a profissão
de alfaiate, marceneiro, sapateiro etc., correndo, jogando, pulando e também dando
alguns safanões, com pouco decoro por parte de uns, com pouco ou nenhum respeito
por parte dos outros”. E como o secretário da Congregação lhe havia acenado também
o problema das dimissórias, tomava a liberdade de exprimir o próprio pensamento:
142 Carta de 2 de junho de 1868; Em II 541-542.
143 Súplica a Pio IX, em 10 de junho de 1868; Em II 545.
144 Carta reproduzida em MB IX 366-367.

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496 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
“caso Dom Bosco vier a conseguir tal graça, provar-se-ia aqui uma impressão bem
desagradável entre Clero e, principalmente, entre o cabido metropolitano. Um de seus
membros, piíssimo e zelantíssimo, que foi sabiamente nomeado pelo Arcebispo como
Prefeito e Diretor do Clero desta cidade, deplorou comigo por várias vezes os muitos
abusos dos clérigos do Instituto de Dom Bosco, acenando ainda ao grave dano que
adviria, caso os mesmos fossem subtraídos da autoridade do Ordinário”.145
No dia 7 de agosto Dom Bosco informava padre Giuseppe Oreglia da dificuldade
das dimissórias, sobre as quais – segundo as informações recebidas do cardeal Berardi
– os bispos que fizeram a carta de recomendação, “interrogados por Roma, respon-
deram todos negativamente sobre esse ponto, não se excetuando nenhum”. Em vista
de obter as dimissórias cada ano para um número determinado, pedia ao padre que
encontrasse o cardeal Berardi para ter indicações sobre os próximos passos a dar. Os
seis pedidos eram um espelho fiel da sinuosa diplomacia de Dom Bosco, e em parti-
cular as seguintes: “1º Se os Bispos que deram o parecer oposto à aprovação de nossa
regra são os da província de Turim, dos quais não foi enviada a carta de recomendação
ou se são os mesmos que a tinham feito e já enviado à Santa Sé, e isto unicamente por
norma, isto é, se devo caminhar conforme seu conselho ou, então, agir contra o que
me dizem para assegurar-me de fazer o que querem. 2º Se as coisas estão nesse pé,
se existe alguma coisa a fazer e se o apoio do Cardeal Vigário e dos Cardeais Guidi e
Consolini auxiliar neste caso ou então recomendar-me a outros”. “6º Parece ser o caso
de fazer uma viagem a Roma para dar esclarecimentos que talvez aplainem muitas
aparentes dificuldades”.146 O padre respondia dizendo ter interpelado outro jesuíta,
consultor junto à Congregação dos Bispos e Regulares. Este o tinha desaconselhado
de falar, ele diretamente, ao cardeal Berardi. Aconselhava-o, ao invés, de sugerir a
Dom Bosco que escrevesse pessoalmente ao cardeal, afim de obter diretamente, por
rescrito do Santo Padre, a faculdade de dimissões por um tempo ou por um número
determinado; a eventual concessão seria comunicada a Dom Bosco por carta com a
fórmula canônica ex audientia SS. diei, etc., concessit etc. “Este rescrito – explicava
padre Oreglia – facilmente será dado pelo Santo Padre e se poderá confirmar de ano
em ano e servirá de titolo latente para a aprovação regular da Congregação”. Repetia
um conceito muitas vezes e de várias partes ilustrado, sem êxito, a Dom Bosco: “Note
que a Congregação concede primeiro a aprovação, depois a faculdades das dimissórias
e jamais se concedem as dimissórias se não por dispensa papal; e se essa dispensa é
pedida por meio do cardeal Berardi ou outra pessoa afeiçoada, se conseguirá; mas a
Congregação se oporia assaz, se a coisa devesse passar por suas mãos”.147
Por sua vez o cardeal Patrizi informava Dom Bosco de ter intervido pessoalmente
sobre o mesmo objeto junto do Santo Padre, com o imutável resultado negativo: “Sobre
145 Carta de 6 de agosto de 1868; MB IX 367-369.
146 Carta ao padre Giuseppe Oreglia, em 7 de agosto de 1868; Em II 556-557. O itálico é do autor.
147 Carta de 16 de agosto de 1868; MB IX 373.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 497
a resposta que me deu o Santo Padre vejo que a graça implorada encontra dificul-
dade por parte dos Bispos que não se sentem de consentir nas Ordenações de seus
clérigos, sem observar quanto prescrevem os Sagrados Cânones. É tal, com efeito, a
prática constante da Santa Sé, que somente permite tais ordenações quanto o Instituto
Regular ao qual pertencem os que devem ser promovidos seja aprovado nas devidas
formas e confirmado e reconhecido para todos os efeitos de razão, como para Ordens e
Congregações Regulares”.148
Dom Bosco não se dava paz num tema que lhe era muito caro. Não seguia o proce-
dimento sugerido pelo jesuíta consultado pelo padre Oreglia e, no dia 20 de setembro,
se dirigia, em primeira pessoa, ao papa. Na espera da aprovação da Sociedade e das
Constituições, pedia, “ad decennium vel ad aliud tempus” a dúplice faculdade de cuidar
diretamente da formação dos próprios clérigos e de apresentá-los para receber as ordens
sagradas ao bispo em cuja diocese estivesse a respectiva casa.149
A negociação iniciada no dia 20 de junho chegava ao epílogo. O consultor, o carme-
lita padre Angelo Savini, no dia 22 de setembro de 1868 formulava um voto total-
mente negativo: no texto das Constituições não foram introduzidas as modificações
mais importantes pedidas em 1864; doutro lado, o Instituto contava “ainda poucos
anos de existência” e tinha difusão limitada.150 Era inevitável que, na relação ao papa
sobre a negociação em curso, o secretário da Congregação dos Bispos e Regulares,
dom Stanislao Svegliati, fizesse próprias as observações e as conclusões do consultor,
propendendo para a resposta negativa. Pertencia “à iluminada sabedoria” de sua santi-
dade a concessão das extraordinárias faculdades pedidas: a concessão das dimissórias
e a ordenação dos sócios titulo mensae communis.151 O pontífice decidia que a questão
fosse levada na Congregação plenária, mas o parecer negativo era esperado. Dom
Svegliati comunicava a Dom Bosco com carta de 2 de outubro, sublinhando a necessi-
dade de modificar substancialmente as Constituições sobre dois pontos: as dimissórias
e os estudos dos clérigos. Acrescentava duas observações, no fundo, benévolas e abertas
à esperança: “As outras coisas podem ser aprovadas com leves modificações, embora se
desejasse que todas as observações feitas em outra circunstância tivessem sido inseridas
nas sobreditas Constituições. Não posso terminar a presente sem notar-lhe brevemente
que os mesmos Bispos, que fazem oposição aos artigos relativos aos clérigos, louvam
sumamente em todo o resto seu zelo e fazem elogios do Instituto”.152
Dom Bosco informava padre Oreglia, no dia 5 de outubro, dos óbvios êxitos nega-
tivos das várias passagens, fazendo-lhe outras interrogações: “Julga bem que se coloque
alguém em torno do Santo Padre a fim de que, se aparecer a ocasião, lhe fale a propó-
148 Carta de 30 de agosto de 1868, citada em MB IX 374.
149 Súplica de 20 de setembro de 1868; Em II 572-573.
150O texto encontra-se em MB IX 376-378.
151 Citado em MB IX 375.
152 Carta de 2 de outubro de 1868; MB IX 378-379.

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498 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
sito, como Dom Ricci, ou é melhor deixar que a coisa amadureça na presença de Deus,
e no entanto, no próximo inverno, fazer uma viagem a Roma? Parece bem puxar a corda
pela outra mão, enquanto o Santo Padre não é contrário?”.153
Segundo Dom Bosco, justamente, a prática podia e devia continuar, embora mirando,
eventualmente, a objetivos mais realísticos. Pela metade de novembro empenhava-se
em uma operação prévia, que poderia agilizar os passos seguintes. Nada ganhava,
mas valia a pena tentar; não lhe faltava a coragem, nem as frustrações o deprimiam.
Aproveitando da Assembléia dos Bispos da província eclesiástica de Turim, convocada
por Dom Riccardi, ele tentava obter, enviando a cada membro cópia da Brevis notitia,
uma carta de recomendação coletiva da Assembléia. Na carta de pedido ele reevocava
os acontecimentos dos oratórios, ilustrava as razões e os primeiros desenvolvimentos
da Sociedade a eles ligada, lembrava os encorajamentos recebidos de dom Fransoni e
do papa, acenava às dificuldades para a “aprovação definitiva das Constituições”, não
por parte de Roma, mas colocadas por alguns bispos da província eclesiástica de Turim.
Especificava, em particular, problemas jurisdicionais que o angustiavam, com o desejo
de salvaguardar as exigências de uma congregação inter-diocesana quanto a membros
em ação, “feita salva a jurisdição dos bispos”, assegurava no futuro a seriedade dos
estudos, estando garantido, segundo os sagrados cânones, o encardinamento na diocese
de quantos deixassem a Congregação154. A súplica foi lida em assembléia. As posições
contrastantes levaram o arcebispo a decidir não tomá-la em consideração.
9. O “sim” à liberdade condicionada (1º de novembro de 1869)
Dom Bosco escolhia a segunda das opções que propusera ao padre Oreglia, em
5 de outubro de 1868: “fazer uma viagem a Roma no próximo inverno”.155 Anunciava-a
a dom Ghilardi, em 19 de dezembro de 1868. Nela manifestava a intenção de limi-
tar-se a um único pedido essencial: “eu pensei de remeter-me logo à carta de Dom
Svegliati e deixar que a Sagrada Congregação insira no decreto a fórmula que torne
possível a existência da Congregação e salve a jurisdição dos Ordinários”.156 No dia
7 de janeiro, véspera de sua partida, o cronista padre Rua registrava: “Dom Bosco reuniu
novamente todos os jovens da casa no estudo e despediu-se de nós, estando prestes
a dirigir-se a Roma. Disse-nos que tinha afazeres muito importantes, de grande utili-
dade para o Oratório, para tratar; pediu que nós o ajudássemos com nossas orações”.157
153 Carta ao padre Giuseppe Oreglia, no dia 5 de outubro de 1868; Em II 584.
154 Carta de meados de novembro de 1868; Em II 601-603.
155 Em II 584.
156 Carta do dia 19 de dezembro de 1868; Em II 596-597.
157 P. Braido, “Don Michele Rua precario ‘cronicista’ di Don Bosco: introduzione e testi critici”,
RSS 8 (1989), p. 353-354.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 499
No dia seguinte Dom Bosco iniciava a viagem para a Urbe passando por Florença, “comple-
tamente incógnito e sozinho”, como tinha dito antes a Pietro Marietti, que haveria de
hospedá-lo.158 Como se procurará interpretar mais adiante, esse “completamente incógnito
e sozinho” podia também ter um significado mais recôndito de quanto tivesse a privaci-
dade das negociações para a aprovação da Sociedade Salesiana. Parava na capital provi-
sória do Reino até o dia 14 de janeiro, hóspede do arcebispo Limberti. Como fazia muitas
vezes, viajando de noite longos trechos ferroviários tortuosos – somente em 1875 entraria
em funcionamento o trecho Terontola-Chiusi – chegou a Roma pela manhã do dia 15.
Tinha-o precedido em Roma uma carta de dom Gastaldi ao prefeito da Congregação
dos Bispos e Regulares. Louvava tudo de Dom Bosco e da sua obra: a Igreja dedicada
a Maria Auxiliadora, os oratórios de Turim, os colégios fora de Turim, a formação
dos clérigos e sacerdotes pertencentes à sua Sociedade. Em conclusão era “de todo
necessário” que esta fosse estável com a aprovação plena e a concessão das “graças e
isenções necessárias a toda Sociedade Religiosa”.159
A primeira semana, Dom Bosco ocupou-a em visitas a particulares e a institutos,
chegando até o Colégio dos Jesuítas em Mondragone, perto de Frascati. Sobre o que
aconteceu nas várias audiências papais e na Congregação dos Bispos e Regulares não
se têm muitas notícias. Lacônicas, sobretudo nos dias sucessivos à aprovação são as
que o padre Rua confiava à sua crônica, ainda que, alguma vez, espelhem amplificações
por causa da euforia de Dom Bosco em seu retorno: “Escreveu-nos em outra carta que
a Sociedade de São Francisco de Sales fora aprovada; que se conseguira a faculdade
de ordenar titulo mensae communis, a faculdade das dimissórias anexas não ao indi-
víduo, mas à Congregação. Comprou uma casa no Quirinale, no valor de 50 mil liras,
para ali fundar um estudantado; e isto por sugestão de Sua Santidade”.160 Padre Rua
havia entendido mal o que Dom Bosco tinha escrito como previsão, em carta do dia 26
de fevereiro de 1869.161 As informações mais difusas teriam sido fornecidas por Dom
Bosco em Turim nas conferências aos salesianos após a aprovação.
Nas duas audiências pontifícias de 23 de janeiro e de 7 de fevereiro certamente
as conversas tinham versado sobre as negociações em curso para a aprovação da
Congregação, a questão das dimissórias, a autonomia dos estudos eclesiásticos em
Valdocco, a eventual sede romana para uma obra de Dom Bosco junto da Igreja de
São Cajo, conhecida como Barberine, com mosteiro anexo, missão que fracassara.162
Sobre a questão mais importante, a Sociedade Salesiana, as cartas ao padre Rua osci-
lavam entre temores, expectativas, esperanças, certezas: “grandes dificuldades a serem
158 A padre Marietti, 1º de janeiro de 1869; Em III 35.
159 Carta de 8 de janeiro de 1869; MB IX 479.
160 P. Braido, “Don Michele Rua precario ‘cronicista’”, p. 353-358.
161 Em III 60.
162 Carta a Pio IX, 12 e 24 de fevereiro de 1869 (Em III 49-50, 58-59), ao padre Rua, no dia 26
de fevereiro de 1869 (Em III 60).
163 Carta de 23 de janeiro de 1869; Em III 42.

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500 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
superadas”;163 “as férias [o carnaval romano e o início da quaresma] interromperam os
trabalhos”;164 “as férias de carnaval interromperam meus trabalhos; sexta-feira (12) tudo
se movimentará de novo. Apareceram graves dificuldades em tudo, mas se pode dizer
que foram todas superadas com êxito muito superior à nossa expectativa”.165
Na audiência de 23 de janeiro, na qual tinha levado o óbulo de seus jovens,166 seguiria
no mesmo dia um encontro com o secretário de Estado: “nesta tarde devo encontrar-me
com o Cardeal Antonelli às seis horas”, escrevia ao barão Cappelletti, que o esperava
no palácio.167 Além de pedir ao purpurado apoio para as suspiradas aprovações, poderia
ter falado também da questão ainda aberta entre governo italiano e Vaticano, a respeito
das nomeações dos bispos.168
Poucos dias depois, sobre os estudos e a formação eclesiástica dos clérigos de
Dom Bosco entre Oratório e Seminário Arquiepiscopal, enviava uma relação, um
tanto quanto ambígüa, ao secretário da Congregação dos Bispos e Regulares, de 29 de
janeiro de 1869, o teólogo Giacomo Margotti que a tinha pedido. Ele elogiava a união
de “profunda piedade” e de “sólida doutrina” garantida pela “Instrução Eclesiástica”
“plenamente recomendável sob todos os aspectos” dada no Oratório. Declarava-se,
contudo, contrário “ao princípio de independência”. Propunha, no lugar, um acordo
claro entre Dom Bosco e o arcebispo.169
No dia 19 de fevereiro, a Congregação cardinalícia particular dava parecer favo-
rável à aprovação da Sociedade de São Francisco de Sales. O sumo pontífice a rati-
ficava e, em 1º de março de 1869, a Congregação dos Bispos e Regulares emanava o
decreto relativo. A aprovação das Constituições era diferida, condicionada à aceitação
das exigências antigas e novas que ficaram sem correção. Em compensação, ao decreto
era anexada uma decisão muito desejada: “A Sua Santidade, benignamente anuendo às
preces do sacerdote Giovanni Bosco, concede ao mesmo, como a Superior Geral da Pia
Congregação, a faculdade, válida somente para todo o próximo decênio, de conceder as
Cartas Dimissórias para receber a tonsura e as ordens, tanto menores quanto maiores,
aos alunos que foram acolhidos antes dos 14 anos em qualquer colégio ou internato
da mesma Congregação ou neles serão acolhidos no futuro, e que a seu tempo deram
o nome na sobredita Pia Congregação ou o darão no futuro”.170 A tenaz batalha pelas
dimissórias tinha obtido bons frutos, embora parciais e ad tempus.
Dom Bosco partia de Roma na meia-noite entre 2 e 3 de março e chegava em
Florença pelas 9 da manhã. Partia de novo às 23h40 do dia 4 para estar em Turim na
tarde do dia 5.
164 Carta do início de fevereiro de 1869; Em III 47.
165 Carta de Morlupo, 3 de fevereiro de 1869; Em III 48.
166 A Pio IX, 23 de janeiro de 1869; Em III 42.
167 Carta de 23 de janeiro de 1869; Em III 42.
168 Cf. F. Motto, “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti”,
in: Don Bosco nella Chiesa, p. 299-302.
169A carta encontra-se nas MB IX 498-499.
170 Cost. SDB (Motto) 239-240.

51 Pages 501-510

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51.1 Page 501

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 501
Na crônica, no dia 6 de março, padre Rua registrava: “Dom Bosco apresenta ao
Monsenhor nosso Arcebispo o decreto de aprovação da Congregação ou Sociedade de
São Francisco, com uma carta de acompanhamento expedida por Roma”; fazia seguir
um resumo do conteúdo do decreto. No domingo, 7 de março, se celebrava com grande
solenidade a festa de São Francisco de Sales: o prior da festa era o conde Francesco
Viancino e o teólogo Leonardo Murialdo presidia a missa cantada e fazia o panegírico
do santo. No período da tarde dom Balma dava a bênção eucarística. De noite Dom
Bosco reunia os membros da Sociedade e narrava os dias romanos, contando as graças
e prodígios realizados por intercessão de Maria Auxiliadora, destinatários Svegliati e
Antonelli. No dia 10 ou 11 fazia uma outra conferência sobre o tema da obediência.171
Foi vã a tentativa do procurador do rei para submeter ao exequatur o decreto de
aprovação da Sociedade. A aprovação romana era totalmente interna ao mundo reli-
gioso, e não tinha nenhum liame plausível com qualquer reconhecimento civil.172 O
tenaz jurisdicionalismo no estilo de Pasquale Stanislao Mancini não se rendia ao ditado
pelas leis eversivas de 7 de julho de 1866, sobre as corporações religiosas e o direito de
associação de livres cidadãos.
10. Entre as quintas do cenário florentino e romano
Uma carta de Dom Bosco, de 2 de novembro de 1868, e as notas de um cronista
confiável, padre Rua, o mais realista e próximo colaborador de Dom Bosco, informam
sobre relações ministeriais de Dom Bosco em Florença, entrelaçadas com fatos apenas
acenados nas páginas precedentes. A carta de 2 de novembro era dirigida ao amigo
e benfeitor Carlo Canton, chefe de secção no Ministério do Exterior. Pedia-lhe para
entregar uma “carta anexa para agradecimento” ao general Luigi Federico Menabrea
(1809-1896), desde 27 de outubro presidente do Conselho e Ministro do Exterior.
Advertia-o: “Nela existe também coisa confidencial, a qual exigirá que V.S. me dê uma
resposta, se for o caso; de resto, não se falará mais”.173
Paralelamente, padre Rua registrava em sua crônica: “Novembro. Dom Bosco
recebeu o convite do Ministro Menabrea de dirigir-se a Florença para negócios de
importância”.174 No dia 1º de janeiro de 1869 anotava: “Dom Bosco recebeu de presente
de S. M. o Rei dois ‘daini’, após ter recebido de sua parte pouco tempo antes outro
convite para dirigir-se a Florença”.175 Convém recordar que Menabrea, presidente do
171 P. Braido, “Don Michele Rua precario ‘cronicista’”, p. 356-358. Estranhamente no dia 1º
março anotava: “Aprovação da Sociedade por dez anos” (Ibidem, p. 355).
172 Cf. cartas de 8, 10, 13, 16 de junho e de 8 de outubro de 1869; MB IX 656-663.
173 Em II 591-592.
174 P. Braido, “Don Michele Rua precario ‘cronicista’”, p. 351.
175 P. Braido, “Don Michele Rua precario ‘cronicista’”, p. 352.

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502 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Conselho por vontade do soberano, era católico muito devoto à casa Savoia e ao seu rei,
do qual tinha sido ajudante de campo. Na data de 8 de janeiro o cronista resumia datos
que chegavam até os primeiros dias de março: “Partiu para Florença, onde permaneceu
oito dias, e depois dirigiu-se a Roma. Em Florença permaneceu por causa dos convites
supra-narrados, e, embora não se saiba até agora algo de preciso que tenha feito lá,
parece que tenha tido colóquios com personagens de alto escalão. Chegado a Roma,
levou vida aparentemente bem escondida para estar livre e ter mais tempo para resolver
os negócios. Escreveu-nos de lá que tinha ido para obter um e tinha conseguido dez.
No tempo de sua permanência nessa cidade correu o boato de uma nova eleição de
Bispos”.176 A crônica não fazia nenhum aceno a questões políticas.
Na semana de permanência em Florença, de 8 a 14 de janeiro, ele teve certamente
encontros com Canton e com Menabrea. Tal se pode deduzir de carta de 10 de janeiro
de 1869, do dominicano padre Verda ao cavaliere Oreglia. Dom Bosco foi acolhido
na estação de Florença por Canton e Uguccioni. No dia seguinte, padre Verda tinha
procurado Dom Bosco no arcebispado, mas não o tinha encontrado. Ele tinha saído
sozinho. Esperava encontrá-lo na casa de Canton, mas também este estava ausente.
Encontrava-se, ao invés, com Dom Bosco no pátio do edifício no qual Canton tinha
seu apartamento. “Não se pode imaginar – continuava padre Verda – sua surpresa ao
ver-me. Tomo-o pela mão e o conduzo até Canton [no Ministério], com o qual tinha
fixado várias coisas. Depois o acompanhei até padre Giulio [Metti] e o reconduzo
ao Ministério para falar com Menabrea”. No dia seguinte teria ido com Dom Bosco
almoçar com Canton. Prosseguia: “Canton tinha se oferecido para conduzir Dom Bosco
em diversos lugares”, “ele está bem e alegre, e passa pelos Ministérios”.177
Obviamente, as visitas aos palácios do poder deviam ter como escopo primário,
mas não único, o de iniciar ou reavivar conhecimentos e proteções dos políticos que
se sucediam nas freqüentes crises ministeriais, e de suscitar simpatias e subsídios
para as obras beneficentes, sobretudo para o Oratório de Turim, ao qual eram muito
freqüentemente confiados jovens de famílias necessitadas. Nas Finanças se encon-
trava o marido da senhora Cambray Digny. Com o presidente do Conselho poderia ter
falado de problemas derivantes da sempre mais difícil questão romana e de resíduos do
problema das sedes vacantes. Neste período, contudo, não se fizeram concistórios, nos
quais aparecem nomeação de bispos para dioceses do Reino da Itália. De outro lado,
os ministérios Menabrea, aflitos pela extrema fragilidade, com defecções e apoios das
várias afiliações, se concentravam quase exclusivamente no re-saneamento financiário.
As discussões sobre um modus vivendi com a Santa Sé, na mente da maioria dos parla-
mentares, eram antes um artifício para manter em banho-maria as fortes exigências da
França, na espera da não mais remota solução radical para o problema de Roma e do
resíduo do Estado Pontifício.178
176 P. Braido, “Don Michele Rua precario ‘cronicista’”, p. 354.
177 Carta contida em MB IX 482-483.
178 Para a reconstrução dos fatos e as possíveis hipóteses, cf. F. Motto, “L’azione mediatrice di Don
Bosco nella questione delle sedi vescovili vacanti”, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 299-302.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 503
Em tais circunstâncias, é inevitável levar em consideração esse Dom Bosco secreto,
que ama ficar “desconhecido” e “só”, que prepara surpresas a amigos e a nem tanto: entre
elas, seguramente a mais importante, a aprovação pontifícia da Sociedade Salesiana.
Não é caso único: é, mais do que se pensa, um estilo constante de ação e de vida.
A publicidade era reservada à mobilização necessária de pessoas e de meios em favor
do opus maius, a juventude que deve ser salva, acolhida e promovida.
11. Aprofundamento espiritual da Sociedade Salesiana
Fase importante na ação formadora de Dom Bosco se dava nos anos 1865/66-1869,
quando os salesianos podiam dispor da casa de Trofarello para a prática dos exercícios
espirituais, feitos normalmente em dois turnos entre agosto e setembro.
As poucas mas fundamentais circulares tinham o primado. Elas eram como minu-
ciosas encíclicas, que Dom Bosco enviara aos salesianos enquanto religiosos, entre
1867 a 1869.
A primeira data de 9 de junho de 1867. Em vista da esperada, mas não acontecida,
rápida aprovação definitiva da Sociedade Salesiana, ele oferecia um concentrado de
catequese elementar sobre o preciso escopo de pertença a um Instituto de vida consa-
grada: “a santificação de seus membros”. Quem aqui entra – ensinava – não o faz nem
para assegurar-se uma vida cômoda, nem para trazer alguma utilidade ao Instituto. Vida
religiosa é vida referida a Deus, “chefe, patrão, remunerador”. Por isso, “por seu amor,
cada um deve fazer-se inscrever na sociedade; por seu amor, trabalhar, obedecer, aban-
donar o que possuía no mundo para poder dizer no fim da vida ao Salvador, a quem
escolhemos por modelo: ecce nos relinquimus omnia et secuti sumus te”. O fim último
é, portanto, “fazer a si mesmo o verdadeiro bem, o bem espiritual e eterno”. Isto implica
que se abandone tudo para fazer-se discípulo do Salvador, que o siga “com a oração
e com a penitência”, e especialmente se assuma “a cruz das tribulações quotidianas”;
que o siga “até à morte, e se fosse preciso, até à morte de cruz”. “É isso que em nossa
sociedade – inculcava em seus “religiosos enquanto salesianos” – faz aquele que gasta
suas forças no sagrado ministério, no ensinamento ou outro exercício sacerdotal, até,
quem sabe, a morte violenta de cárcere, de exílio, de ferro, de água, de fogo, até o
ponto que, após ter padecido ou morto com Jesus Cristo sobre a terra, possa ir gozar
com ele no céu”. Daí retirava a incondicionada disponibilidade – “alegria e prontidão
de ânimo” – para qualquer ocupação: “ensino, estudo, trabalho, pregação, confissões,
na igreja, fora da igreja”; a ilimitada confiança nos superiores e a fraterna solidariedade
entre os membros de cada comunidade.179 “Meus queridos filhos – exortava, enfim –
179 Circular de 7 de junho de 1867, p. 385-387. Ao padre Bonetti, a pouco diretor em Mirabello,
escrevia em 20 de novembro de 1865: “Repeti as coisas que foram ditas aqui; mas observa
especialmente que ninguém aja por interesse, ou por motivo temporal, mas unicamente para
fazer uma oferta inteira de si mesmo a Deus”; Em II 184.

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504 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
tende grande confiança em vossos superiores: eles devem dar estrita conta a Deus de
vossas ações. Por isso, eles estudam vossa capacidade e vossas propensões, e dispõem
de forma compatível com as vossas forças, mas sempre como lhes parece agir para
a maior glória de Deus e a vantagem das almas. Oh! se nossos irmãos entrarem na
Sociedade com essas disposições, nossas casas se tornarão certamente um verdadeiro
paraíso terrestre. Reinará a paz e a concórdia entre os membros de cada família, e a
caridade será a veste quotidiana de quem manda e a obediência e o respeito precederão
os passos, as obras e até os pensamentos dos superiores”.180
A segunda circular data de fins de abril de 1868. Tinha como objeto “a unidade de
espírito e a unidade de administração”. A primeira era entendida como “uma delibe-
ração firme e constante de querer ou não querer coisas que o superior julga reverter
para a maior glória de Deus”, inspirada na caridade da qual falava são Paulo na 1a Carta
aos Coríntios, capítulo 13. Dele era alimento a “piedade” com as práticas: “a medi-
tação, a oração, a visita ao Santíssimo Sacramento, o exame de consciência, a leitura
espiritual”, a missa, a comunhão e a confissão freqüentes. Dom Bosco não podia, pois,
se eximir da citação do tema religioso que lhe era mais caro, a obediência, que vincu-
lava superiores e súditos com recíproca responsabilidade: o superior “procure sempre
interpretar, praticar e recomendar a observância das regras entre os seus irmãos”; estes
colocarão “em prática para com o próximo todas as coisas que o superior julgar serem
da maior glória de Deus e o bem das almas”. “A unidade de administração” – que signi-
ficava “unidade de governo” e de efetiva vida comunitária – era garantida por rígida
observância do voto de pobreza e da vida comum no uso dos bens: “exista uma só bolsa,
como deve existir uma só vontade”.181
O tema da compacidade comunitária tornava-se mais premente após a aprovação
da Congregação. Ela, como explicava na conferência de 10 ou 11 de março de 1869,
era garantida pelo superior, chamado a promover a efetiva solidariedade de pensar, de
querer, de sentir e de agir de todos. “Nós escolhemos – esclarecia – habitar in unum.
O que significa habitar in unum? Eis em poucas palavras. Devemos antes de tudo habitar
in unum corporalmente (...). Finalmente deve existir unidade de obediência”.182
A figura do superior ocupava ainda o centro da circular assinada de Montemagno,
junto dos marqueses Fassati, em 15 de agosto de 1869. A relação dos súditos com
o superior apoiava no pressuposto de que na nova congregação de direito ponti-
fício a obediência deve ser vivida em um clima todo particular. Este era baseado na
“confiança”, prescrita pelo artigo 6 do capítulo 5 da Constituição Do voto da obe­diência.
O sócio – prescrivia – “tenha grande confiança com o Superior e não lhe esconda
nenhum segredo de seu coração”. Dom Bosco retirava “duas conseqüências práticas”:
1) a obrigação do diretor de fazer aos sócios, cada mês, duas conferências, uma sobre
180 Circular de 7 de junho de 1867; Em II 387.
181 Circular de fins de abril de 1868; Em II 529-531.
182 Cf. F. Motto, “La figura del superiore salesiano”, RSS 2 (1983), p. 38.

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Cap XV: O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia da sociedade salesiana (1864-1869) 505
as Constituições e outra de conteúdo prático; 2) a obrigação do sócio de se apresentar
cada mês ao diretor para expor-lhe “o que ele julgar vantajoso para o bem da alma, e, se
tem alguma dúvida sobre a observância das regras, expor-lhe-á, pedindo os conselhos
que lhe parecem mais oportunos para seu proveito espiritual e temporal”. Na conclusão,
direcionava para enriquecimentos e aprofundamentos, a outras circulares e conferên-
cias e aos eminentes exercícios espirituais em Trofarello.183
Nos cursos de exercícios espirituais na casa de Trofarello Dom Bosco reservava
para si as chamadas Instruções, deixando a outros, salesiano ou padre diocesano, as
Meditações sobre as “máximas eternas”. Dessas práticas estão disponíveis resumos
e esquemas relativos a 1866, 1867 e, mais consistentes, a 1869.184 Em setembro de
1869 ele tratava temas que incluiam e integravam os já propostos nas circulares:
surgimento histórico na Congregação, vantagens de quem vive na Congregação
(duas instruções), os votos e a obediência, a obediência e os superiores, o voto de
pobreza, a separação dos parentes, a castidade e os meios positivos para conservá-la.
Do traçado das instruções, Dom Bosco demonstrava ter lido A verdadeira esposa de
Jesus Cristo e os Opúsculos sobre o estado religioso, de Santo Afonso Maria de Ligório
(1696-1787),185 e o Exercício da perfeição e das virtudes religiosas, terceiro volume
da obra Exercício de perfeição e virtudes cristãs, do jesuíta padre Alfonso Rodriguez
(1541-1616). No Apanhado histórico o pregador oferecia uma rápida descrição dos
fatos do Oratório e da Congregação das origens, em 1841, ao decreto de aprovação de
1º de março de 1869. As duas instruções sucessivas eram tomadas de Santo Afonso,
o qual, na linha do discurso de são Bernardo, Sobre a boa religião, em A verdadeira
esposa expunha as vantagens [temporais e espirituais] de quem vive na Congregação;
Vivit purius, cadit rarius, surgit velocius, incedit cautius, irroratur frequentius, quiescit
securius, moritur confidentius, purgatur citius, remunerator copiosius. As mesmas
considerações teriam recebido um mais longo comentário na introdução às Constituições
italianas de 1875, Aos sócios salesianos.186 Na quarta e quinta instruções, após um
rápido aceno aos votos, Dom Bosco tratava da Obediência, como virtude abrangente
183 Circular de 15 de agosto de 1869; Em III 125-126.
184 Do salesiano Gioachino Berto, que foi ordenado sacerdote em março de 1870, são conservados
três manuscritos com o título: Agosto 1866. Ricordi di D. Bosco negli Esercizi spirituali di
Trofarello (ASC A 0205103 FdB 439 E 6-7) e Esercizi del preti e chierici. Trofarello 1º
Agosto 1867. D. Bona e D. Bosco pred., quad. di 78 p., ASC A 0250103, FdB 439 E8-440
B2); Esercizi di Trofarello 1869: instruções feitas por Dom Bosco, em um caderno de 29
p., ms do padre Berto, ASC A 0250110, FdB 441 A2-C4, cópia alógrafa FdB 441 C5-D5;
Esercizi di Trofarello, ms de Don Bosco, 7 folhas formato protocolo (14 páginas) com “traços
e esboços” (como escreve no manuscrito padre Gioachino Berto), ASC A 2250604, FdB 84
B10-D1. O texto de Don Bosco é reproduzido com leves variantes em MB IX 985-993.
185 Cf. E. Valentini, “Sant’Alfonso negli insegnamenti di Don Bosco”, in: Don Bosco e
Sant’Alfonso. Pagani (Salerno), Casa Editrice Sant’Alfonso, 1972, p. 37-43.
186 Cf. cap. 24, § 5, e cap. 25, § 4.

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506 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
e totalizante, e da Obediência aos superiores, um comentário ao artigo 4 do capítulo
5 das Constituições Do Voto de Obediência. Foram tirados do Exercícios da perfeição
e das virtudes religiosas o discurso sobre a Pobreza, integrado pela instrução seguinte
sobre a separação dos Parentes, e, em parte, as considerações sobre a Castidade. Nas
duas instruções, a ela dedicadas, Dom Bosco ilustrava respectivamente os meios nega-
tivos e positivos para conservá-la. As reflexões e as pequenas cautelas propostas aos
religiosos salesianos espelhavam, com impressionante fidelidade, as experiências e as
ânsias de Dom Bosco educador de jovens. A castidade – dizia – é “necessária a todos,
mas especialmente a quem se dedica ao bem da juventude. Virtude grande!”. “Meios
negativos para conservar esta virtude. Fuga das ocasiões. Fechar as janelas: olhos”;
“orelhas. Fechar a porta: evitar as conversas com gente do mundo; com pessoas de
sexo diverso”. “Com crianças mais desenvolvidas. Grande cautela em colocar as mãos.
Nenhuma amizade particular. – Quem se entrega a Deus, fuja do mundo. Evitar o jogo,
partidas de refeições; grande respeito a si próprio”. Eram quatro as séries dos meios
positivos: “1º preces, etc., visita ao SS. Sacramento, devoção especial à B.V.; 2º fuga do
ócio, ocupações diversas; 3º confissão freqüente, confessar coisas espinhosas, também
dúbias, necessidade de um guia, freqüente comunhão, comunhão espiritual; 4º Vigiar
sobre as coisas pequenas, posição da pessoa, vestes, caminhar, sentar, repousar, brinca-
deiras etc.”.187 A Conclusão do sábado pela manhã era dedicada às três virtudes teolo-
gais, fé, esperança, caridade para com Deus e para com o próximo – “os superiores, os
irmãos, os jovens” –, com aceno à observância das Constituições e dos votos: “Zelosa
guarda e observância das regras, especialmente dos votos. Sejam neste momento os três
os guardiães das virtudes e dos perigos de nossa alma”.188
O mestre não fazia vôos de águia. Tratava-se de cultura e temperamento. Mas na
base está a convicção de que seus ouvintes não ignoravam os princípios: como funda-
mento das indicações práticas se encontrava a jamais esquecida instrução catequética
e teológica, alimentada cotidiamente pela celebração e pela escuta da santa missa, pela
récita do ofício e pela meditação das verdades eternas, renovada com a vivacidade
também emotiva no mesmo curso dos exercícios.
187As notas deixadas por Gioachino Berto, meticuloso secretário de Dom Bosco supõem que o
pregador se tenha demorado em indicações muito mais particularizadas, sobretudo quanto à
fuga, olhares, trato, conversações com “pessoas de sexo diverso” (ms Esercizi di Truffarello
1869, p. 22-26, FdB 441 B11-C3).
188 Conclusões dos Exercícios espirituais de 1869 em Trofarello: MB IX 992.

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Capítulo XVI
nascimento de um centro de religiosidade
popular e eclesial (1865-1869)
1866 23 de setembro: cerimônia da colocação do último tijolo na cúpula da Igreja
de Maria Auxiliadora
1868 maio: Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora (LC)
9 de junho: consagração, seguida de um oitavário de ritos religiosos
novembro-dezembro: Lembrança de uma solenidade em honra de Maria
Auxiliadora (LC)
1869 Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora
novembro: dissenso do arcebispo sobre a ordenação presbiteral de Giuseppe
Cagliero
1870 20 de janeiro: partida de Dom Bosco para Roma; quarta estada romana, 24
de janeiro a 22 de fevereiro
3 de julho: carta do padre Comboni a Dom Bosco
1872 5 de agosto: primeiras profissões religiosas no Instituto das FMA
1875Nascimento da Obra de Maria Auxiliadora para as vocações ao estado eclesiástico
Com certo paralelismo, ao “decretum laudis” de 23 de julho de 1864 seguia-se,
em 27 de abril de 1865, a colocação da pedra angular da igreja da que se tornaria a
Madonna di Don Bosco” e, portanto, da Sociedade Salesiana. Com as iniciativas e
as fadigas para a construção desta entrelaçavam-se as dedicadas à edificação daquela.
Pouco distantes também eram as datas conclusivas: a consagração da Igreja em 9 de
junho de 1868 e a aprovação pontifícia da Sociedade Salesiana no dia 1º de março
de 1869. Do análogo significado eclesial de ambas parece ser símbolo a estada de
Dom Bosco em Roma, de 24 de janeiro a 22 de fevereiro de 1870, de qualquer forma
próximo do excepcional acontecimento do Concílio Vaticano I e ainda mais sensível ao
apelo missionário. Obviamente, permanecia nele a constante preocupação pelo sustento
financeiro das iniciativas ordinárias e extraordinárias; agora que era confirmado como
educador, fundador, paladino da boa imprensa, apóstolo da espiritualidade mariana,
construtor e indivisivelmente incansável questionador, empenhado, entre outras coisas,
a levar a bom termo a complicada rifa.1
1 Il Galantuomo de dezembro de 1865 para 1866, já citado, tinha publicado o Piano di
Regolamento, p. 47-48; OE XVI 491-492.

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508 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
1. Progresso da construção da Igreja de Maria Auxiliadora
A sucessão das cartas de Dom Bosco para o pedido de subsídios, pode constituir
uma retomada filmada do crescimento da “casa na terra” de Nossa Senhora. No dia 4
de junho Dom Bosco comunicava ao marquês Domenico Fassati: “A Igreja de Maria
Auxiliadora já está 2 metros acima do pavimento e se trabalha com alacridade (...).
Nossa rifa está bastante bem aviada. S. A. R. o príncipe Amedeo, o príncipe Eugenio,
a duquesa de Gênova, o príncipe Tommaso e a princesa Margherita [a futura rainha,
esposa do primo Umberto I], colocaram-se eles mesmos como promotores principais. Já
temos a aprovação de uma considerável quantidade de bilhetes. Apenas terminada a dos
surdomudos (7 c.) começaremos imediatamente a preparação do espaço dos mesmos”.2
No dia 5 de julho apresentava ao cavaliere Zaverio Provana di Collegno uma lista
de materiais, cada bloco do custo – “(não se espante)”, assegurava – de “cerca de
4 mil francos [14.597 euros], talvez algum centenar a menos”, para escolher entre eles
confiando-se à sua generosidade: telhas, ripas para sustentá-las, travas para sustentar
as ripas, traves para sustentar tudo. O pagamento era a certeza de ter assegurado “bela
habitação no Céu” para ele e para os filhos Emanuele e Luigi, do mesmo modo como
ajudava “a construir a sua [de Nossa Senhora] casa sobre a terra”.3 Nos meses suces-
sivos continuava a fornecer boas notícias sobre o andamento da construção. “Nossa
igreja vai adiante, e uma parte das paredes chega à algura do teto”, informava, em 29 de
agosto, o marquês Domenico Fassati.4 “A Igreja está descoberta, e preciso que me ajude
a cobri-la”, anunciava em setembro, ao conde Cays, assegurando preces para a nora e
o netinho recém-nascido. Para cobri-la convidava-o a seguir o método sugerido por
Provana di Collegno: “recolher material” antes “que recolher dinheiro”.5 No dia 3 de
fevereiro de 1866 prognosticava otimisticamente à marquesa Maria Fassati: “os traba-
lhos da Igreja continuam e parece provável que para a festa da Imaculada Conceição se
possa celebrar nela a primeira missa”.6
Bem calculado era o exórdio da carta dirigida ao síndico para pedir a retificação da
rua Cottolengo, depois concedida: “No ano passado, na ocasião em que S. A. R. o prín-
cipe Amedeo, em companhia do Sr. prefeito que assistia, colocava a pedra fundamental
de uma nova igreja, fazia-se o pedido para que fosse retificada a via Cottolengo diante
do novo edifício”.7 À condessa Callori apresentava o problema da estátua de Maria
Auxiliadora de forma igualmente sutil. Entrava em vários argumentos, entre os quais o
de desejar um “Bom alleluia” pela Páscoa que chegava, interrompendo-se quase inci-
2 Em II 139-140.
3 Em II 146.
4 Em II 159.
5 Carta de 11 de setembro de 1864; Em II 164.
6 Em II 208.
7 Ao prefeito de Turim, 26 de fevereiro de 1866; Em II 211-212.

51.9 Page 509

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 509
dentalmente: “Esquecia-me de uma coisa. A estátua de Nossa Senhora, que deve ser
colocada na cúpula da nova igreja,” tem 4 metros de altura, a despesa é maior do que
se previa, 12 mil liras, das quais 8 mil já foram asseguradas por uma outra senhora;
não pretendia “ligar” a condessa Callori “para o restante”, a menos que Nossa Senhora
“tivesse feito nevar merengues em sua casa”.8 Ao cavaliere Federico Oreglia escrevia
contando que os quarenta pedreiros tinham sido reduzidos “ao número de oito por falta
de meios”, por causa do “tempo muito calamitoso” (era iminente a guerra contra a
Áustria, de 14 de junho a 26 de julho de 1866); “esperamos – augurava a si próprio –
que Deus dê, o quanto antes, a paz aos povos cristãos e que os súditos possam unir-se ao
redor de seus soberanos e cuidar com maior tranqüilidade da salvação da alma”.9
Os trabalhos continuavam, concentrando-se na cúpula: “vai subindo dia a dia”,
anunciava ao bispo de Novara, dom Gentile, no final de maio;10 “está num bom ponto,
mas, devido à falta de dinheiro, os trabalhos reduziram-se a quase nada”, escrevia à
condessa Uguccioni em julho.11 Enfim, com circular de 21 de setembro, convidava para
assistir, no domingo 23, à colocação do último tijolo sobre a cúpula.12
Dom Bosco acreditava estar próxima a conclusão. Em 13 de abril de 1867 dirigia-se
à irmã de Silvio Pellico, Giuseppina, residente em Chieri: se Maria Auxiliadora conti-
nuar “a conceder seus celestes favores a quem ajuda neste sagrado edifício – escrevia
–, acredito que neste ano poderemos utilizá-lo para as funções sagradas”.13 A mesma
convicção exprimia em uma circular de 15 de abril, com a qual transmitia a lista dos
números vencedores da rifa.14
Mas as paredes e a cúpula não eram ainda uma igreja. Eram necessárias mais coisas
que os “ornamentos internos”: capelas, altares, balaustradas, bancos, pinturas. Em
circular de 24 de maio referia-se, em particular, à capela dedicada aos “sacratíssimos
Corações de Jesus e de Maria”15, uma devoção que aparece em várias cartas de Dom
Bosco. Por uma declaração de recibo fica-se sabendo que os condes de Viancino tinham
doado mil liras; outras 500 oferecia a condessa para um sino.16
No curso de 1867 escrevia várias vezes que os trabalhos continuavam “com rapidez
e com a máxima satisfação”,17 que a igreja ia adiante “maravilhosamente”.18 Era interes-
sante a reflexão introduzida na carta sucessiva ao mesmo, de 22 de junho. “Chegando
8 Carta de 31 de março de 1866; Em II 221-222.
9 Em II 241-242.
10 Carta de 24 de maio de 1866; Em II 245.
11 Carta de 20 de julho de 1866; Em II 275.
12 Em II 295-296.
13 Em II 355.
14 Em II 357.
15 Em II 373-374. A elas acenava dias depois também em carta a Madre Maddalena
16 Aos condes Viancino, 1º de outubro de 1867; Em II 438-439.
17Ao cavaliere Oreglia, em 2 de junho de 1867; Em 382.
18Ao cavaliere Oreglia, 11 de junho de 1867; Em II 389.

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510 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
em Turim é preciso justamente que o façamos procurador geral do foro contencioso,
porque os padres nos escritórios dos procuradores estão fora de lugar”.19 Não obstante
a fraca quantidade das ofertas, embora multiplicadas, mais adiante se declarava “pleno
de confiança de duas coisas: que os trabalhos principais deste ano estarão concluídos
e que na próxima primavera” aconteceria a “inauguração”.20 Anunciava no dia 18 de
novembro a Oreglia outros progressos nas estruturas internas e nos móveis: “Na nova
igreja: imagem dourada de Nossa Senhora; altar-mor terminado e colocado; iniciado o
pavimento”; “o altar [da capela de Santana], doação do Sr. Conde de Bentivoglio está
em Gênova”; “a senhora Mercurelli escreve que aceita fazer a campanha menor, isto é,
a de mil francos em honra de Maria Auxiliadora”.21
Ao cavaliere Oreglia indicava ainda coisas a fazer ou a adquirir, sobretudo pessoas
às quais pedir, com a certeza “da continuação da especial proteção da Beata Virgem
Maria”: a princesa Odescalchi pelos 500 escudos “para o altar” e a condessa Calderari
para completar o pavimento; por uma “nota” de trabalhos a ser “repartida entre tantos
benfeitores”, o senhor Focardi, “a princesa Polaca [a Potocka?], muito conhecida do
padre De Lorenzi, o senhor Conti, casa Serlupi, Cavalletti, Cappelletti, Antonelli, Sora,
etc. etc.”; e madre Galeffi por uma “balaustrada”.22
2. O incansável pedir e a graça da suportação
No processo informativo diocesano para a introdução da causa de beatificação e
canonização de Dom Bosco o já citado dom Giovanni Bertagna atestava: “se contemplo
aquele trecho de sua vida, isto é, a tenacidade com a qual, algumas vezes, procurava
chegar ao seu intento, parece-me ver aí algo de humanidade. Destarte, do que fica
no primeiro momento, parece um tanto inoportuno ao pedir esmolas, algumas vezes
ansioso, e mais do que convém, para obtê-las, a ponto de prometer dons do Senhor a
quem as dava, e deixar o medo de que as coisas não andariam bem, nem à esquerda nem
à direita, se lhe negassem. Da mesma forma, alguma vez pareceu ter muita dificuldade
em abandonar a própria opinião, embora esta não possa ser por mim compreendida”.23
Efetivamente, na complexa rede de relações pessoais e epistolares de Dom Bosco
pode-se encontrar a promessa de bênçãos especiais de Deus mediante a intercessão de
Maria Auxiliadora. A graça das graças era naturalmente o viver na graça, a salvação
nesta vida e a felicidade eterna: o “empréstimo” assegurado no além, a “casa” no paraíso,
19 Em II 395.
20 À condessa G. Uguccioni, em 25 de setembro de 1867; Em II 433.
21 Em II 451.
22Ao cavaliere Oreglia, em 7 e na metade de dezembro de 1867; Em II 456 e 458-459.
23 Copia Publica Transumpti Processus..., fol. 246v.

52 Pages 511-520

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52.1 Page 511

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 511
“uma bela coroa no Céu”.24 As outras graças não eram, certamente, menos valorizadas,
sendo indicadas genericamente ou bem especificadas. Uma das mais tempestivas era a
preservação do cólera, que se espalhava em diversos países entre 1865 e 1867; muitas
vezes e mais adiante se tratava de acontecimentos extraordinários, “miraculosos”,
prometidos com a condição de seguir as práticas de piedade e de efetuar uma doação
qualquer. Este último aspecto era colocado em particular evidência por Dom Bosco no
exercício de sua missão sacerdotal junto da Igreja de Maria Auxiliadora e nas cartas a
seu enviado especial em Roma, cavaliere Oreglia, e a tantos que pediam.
Para a cura de uma “jovenzinha adoentada” propunha uma série de preces, as
quais, com alguma variante, lhe era habitual: “Durante o mês de junho rezamos cada
dia três Pater, Ave e Gloria ao santíssimo Coração de Jesus, e em honra do Santíssimo
Sacramento; três Salve a Maria Santíssima com a jaculatória Maria Auxilium
Christianorum, ora pro nobis”. E sugeria a possível oferta para “a construção de uma
igreja aqui iniciada à grande Mãe de Deus sob o título de Maria Auxiliadora”.25
O vínculo entre oração, oblação e graças era expresso em modo sempre mais convicto
e seguro, com a condição naturalmente de que o que era pedido não fosse contrário “à
maior glória de Deus”. Para obter uma graça espiritual, “mover o coração do recomen-
dado”, eram indicadas as três condições típicos: 1) a récita quotidiana de “três pater,
ave, gloria ao Santíssimo Sacramento, com três Salve Regina a Maria Auxiliadora”;
2) a comunhão quotidiana; 3) “alguma oferta para a Igreja de Maria Auxiliadora”, no
caso de obter a graça.26 Louvava a iniciativa do padre Pestarino, que pensava promover
uma “coleta do vinho” entre os agricultores de Mornese, desde que “nada fizessem por
amor a Dom Bosco, mas unicamente por amor a Maria Auxiliadora”, para que prote-
gesse e abençoasse os frutos dos campos e, em “honra de São José”, para que conse-
guisse “de Deus o dom da saúde na vida e nos assistisse na hora da morte”; assegurava,
enfim, que o que fosse recolhido seria “todo empregado para os trabalhos da nova
igreja”.27 Na intensa correspondência mantida com Federico Oreglia emerge também
alguma contrariedade sobre essa proclamada conexão entre prece, oferta e graças. Em
carta de maio de 1867 Dom Bosco tentava precisar seu pensamento e o sentido de
sua conduta no curso da recente estadia romana. “O senhor – escrevia – diga sempre
que eu jamais propalei coisas extraordinárias: eu sempre disse que Maria Santíssima
Auxiliadora concedeu e concede ainda agora graças extraordinárias aos que, de alma
forma, auxiliam na construção desta igreja. Eu sempre disse e digo: far-se-á a oferta
após ter obtido a graça, e não antes. De resto, não é possível contentar a todos, mesmo
24 Ao marquês G. Patrizi, em 12 de novembro de 1863; Em I 618.
25 À condessa Luigia Barbò, 30 de maio de 1866; Em II 250.
26 A condessa Bianca Pasetti Villani, 18 de setembro de 1867; Em II 429-430.
27 Ao padre Domenico Pestarino, em 4 de outubro de 1867; Em II 440. Cf. para o que segue carta
ao mesmo, de 3 e de 25 de dezembro; Em II 453-454, 464-465: nesta acenava os prodígios
obtivos por intercessão de Maria Auxiliadora.

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512 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
com a maior boa vontade. Devo, além de tudo, assegurar-lhe, e afirmei isso muitas
vezes ao marquês Villarios, que ao ver-me assediado de tantos e tão diversas persona-
gens, fiz, durante o tempo que estive em Roma, especiais orações para que Deus não
concedesse nada de extraordinário que fizesse falar do pobre Dom Bosco, e nisso creio
que Deus tenha me escutado”.28
De qualquer forma, ele não deixava de fazer promessas seguras, especialmente com
relação ao cólera, o qual, após a epidemia de 1854-1856, tornava a grassar violento, nos
anos 1865-1867, da Lombardia à Sicilia. O alarme aconteceu no início de 1865 com
focos em Marselha, em Gênova e em Nápoles e continuara pela difusão da epidemia
em várias províncias italianas nos anos de 1865-1866 com mais de 20 mil mortes. Entre
maio e metade de julho de 1867 infiltrava-se também em Roma, e em agosto atingia, de
forma virulenta, a pequena cidade de Albano, com a morte de ilustres personalidades
civis e eclesiásticas que aí residiam ou se encontravam em férias: entre estes a viúva de
Ferdinando II, ex-rei de Nápoles, e três dias depois o cardeal Lodovico Altieri, bispo
de Albano, que reentrara em sua sede quando a doença grassou.29 A doença fez vítimas
também no Colégio Nazareno dos Escolópios, que tinha em Albano a casa de verão.30
No dia 15 de agosto, como se sabe, era promulgada a lei de liquidação dos bens eclesi-
ásticos e nos confins do Estado Pontifício foram mortos os garibaldinos, estabelecidos
posteriormente em Mentana, no dia 3 de novembro.31
Imperturbável, Dom Bosco não hesitava em assegurar os benfeitores de Roma,
Florença, Milão, Gênova e Luca. “Não se inquietem, pois no momento não têm nada
a temer nem para a pública tranqüilidade, nem pela pessoa do Santo Padre – escrevia
à condessa Anna Bentivoglio –. Nem a senhora tema nada do cólera. De todos os que
auxiliam na construção da Igreja de Maria Santíssima Auxiliadora, ninguém será atin-
gido por doenças mortais”.32 Igualmente categórica era a promessa à nobre senhora
romana, que tinha enviado uma oferta: “quanto ao cólera, nada tema; vá a Roma, perma-
neça em Frascati, não tenha receio por si. Ninguém dos que auxiliam na construção da
Igreja de Maria Auxiliadora será vítima da doença mortal, contanto que coloque nela
a sua confiança”.33 Sobre o mal negro que tinha se desenvolvido em Roma assegurava
também à duquesa di Sora: “ninguém dentre os que tomam parte na construção da
igreja em honra de Maria Auxiliadora será vítima destes males, contanto que coloquem
sua confiança nela”.34 Era também assegurador o que escrevia à condessa Uguccioni:
28 Carta de 21 de maio de 1867; Em II 372-373. Discurso análogo teria feito no opúsculo do ano
sucessivo Rimembranza di una solennità in onore di Maria Ausiliatrice (p. 95-97; OE XXI
97-99).
29 Cf. La Civiltà Cattolica 18 (1867), vol. III, p. 609-620.
30 Cf. Carta de Dom Bosco ao padre A. Checcucci, 23 e 26 de setembro de 1867; Em II 432 e
434-436.
31 Cf. cap. 1, § 7.
32 Carta de 30 de setembro de 1866; Em II 302.
33 À baronesa Luisa Cappelletti, 22 de outubro de 1866; Em II 305.
34 Carta de 30 de julho de 1867; Em II 412.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 513
“A senhora, o seu esposo, toda a sua família, não tenham nenhum temor do cólera
que grassa na Itália. Não lhe recomendo outra coisa senão a confiança em Maria
Auxiliadora”.35
Mostrava-se extremamente decidido quando encarregava as condessas Cambray
Digny de Florença e Barbò de Milão de difundir idêntica mensagem: “para o altar de
Santana é preciso que se faça quanto pode para concluir; diga a quem concorre que
está protegido do cólera com a condição de que, aquilo que se faz, faça-se por amor de
Maria e com a confiança em Maria”;36 diga “a todos que concorreram para a construção
da nossa igreja, que não temos nenhum medo do cólera. Mesmo que vão a servir nos
Lazaretos, desde que tenham fé em Maria Auxiliadora, não lhes acontecerá nenhum
mal”.37 Idênticas garantias eram dadas ao ansioso marquês Ignazio Pallavicini: “Parece
que o cólera queira fazer-se sentir em Gênova; V.S. e sua família estejam tranqüilos,
a Santa Virgem os protegerá, tenham somente confiança nEla”.38 Enviando à senhora
Carolina Rivolta Guenzati, de Milão, uma lista de “chefes de trabalho” que ainda
faltavam, lhe prometia: “Se a senhora me ajuda, nos primeiros dias do próximo maio
consagraremos a nova igreja ao culto divino e haverá certamente um potente antídoto
contra o cólera e as outras desgraças”39. É interessante, a próposito, uma interrogação
que a destinatária fazia a Dom Bosco atrás da folha: “29 de dezembro de 1867/pergunta/
para melhor motivar os doadores peço que o senhor me responda o mais rápido possível
se o senhor me autoriza a dizer-lhes a frase que me escreveu em sua última carta: que
terão um potente antídoto contra o cólera e outras desgraças. E se isso se pode dizer
tanto aos doadores quanto a quem se preste com qualquer outro meio a subsidiar tal obra
da realização da igreja e dos ornamentos para a honra de Maria Virgem Auxiliadora”.40
A mesma questão, suscitada na escrevente pelo dissenso de vários sacerdotes, já fora
dirigido a Dom Bosco por Elisabetta Covoni, de Florença, no dia 7 de janeiro de 1866.41
A resposta afirmativa data às senhoras era confirmada a um nobre dama desconhecida:
“Quando falar com pessoas cristãs pode dizer que as pessoas que concorrerem para esta
obra de caridade têm um potente antídoto contra o cólera e contra outras desgraças que
nos ameaçam neste ano, contanto que se faça por amor de Maria e confiando nela”.42
Semelhante promessa ele havia feito ao pároco de São Leonardo em Lucca, padre
Raffaello Cianetti, conviando-o a encontrar pessoas que aceitassem o encargo de um
35 Carta de 27 de julho de 1867; Em II 408.
36 À condessa Cambray Digny, agosto de 1867; Em II 412.
37 À condessa L. Barbò, 3 de agosto de 1867; Em II 412.
38 Carta de 35 de agosto de 1867; Em II 422. A ele dava, muitas vezes, conselhos espirituais,
encorajando-o a superar ânsias e escrúpulos: carta de 24 de agosto, 9 de setembro, 30 de
outubro, 30 de dezembro de 1867; Em II 422, 423-424, 447, 467.
39 Carta de 26 de dezembro de 1867; Em II 466.
40 Cf. Em II 466, comentário do editor à linha 17.
41A carta encontra-se em MB VIII 459.
42 Carta de 3 de janeiro de 1868; Em II 471.

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514 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
dos trabalhos indicados em nota anexada à carta: “Note que Maria é uma generosa
pagante e os que fizerem oferta terão um potente antídoto contra o cólera e para outras
desgraças”.43 Análoga era a “embaixada em nome de Maria Auxiliadora”, que fazia a
todos os que, em Roma, ajudassem “a igreja”: “Maria Auxiliadora é generosa e, entre
outras formas de pagamento, terão um potente antídoto contra o cólera”.44
A mesma forma de falar valia para todas as possíveis “graças não ordinárias”. Pode-se
considerar como síntese o que Dom Bosco, no dia 14 de maio de 1866, escrevia ao cava-
leiro Oreglia, que permanecia entre Florença e Roma: “Pela igreja, vamos adiante somente
com a coleta que faz Nossa Senhora. Far-lhe-ei um aceno. Na semana passada pudemos
recolher 2 mil francos, mas é trabalho todo de Nossa Senhora”. Para confirmar citava
alguns casos nos quais estavam implicados o diretor do hospital de Cherasco, o conde
Pollone, e a duquesa Melzi, de Milão: as “ofertas por semelhantes motivos” vindas de
Chieri, Asti, Cuneo, Saluzzo, Milão, Monza, Veneza. Acrescentava: “Quando V.S. propõe
a alguém de se recomendar a Maria com alguma novena, esteja atento a três coisas:
1º Deixar de confiar absolutamente na força humana; fé em Deus; 2º O pedido apoie-se
totalmente em Jesus Sacramentado, fonte de graça, de bondade, de bênção. Apoie-se
sobre o poder de Maria que Deus quer gloficar nesse tempo sobre a terra. 3º Contudo,
coloque a condição do fiat voluntas tua e se for bem para a alma daquele que pede”.45
Escrevia-lhe na carta de 21 de maio a respeito de outra cura prodigiosa: novamente
“Maria Auxiliadora fez uma boa coleta”;46 e também de uma “esmola”, feita a propó-
sito da resolução de uma “discussão complicadíssima”, ele lhe referia na carta de
22 de maio.47 “Maria não permitirá que aconteça nenhum mal do qual se possa temer”,
repetia à condessa Uguccioni, preocupada pelos sobrinhos, ameaçados por séria doença.48
Emblemática era a carta ao mesmo cavaliere Oreglia, de 7 de dezembro de 1867,
oscilante entre profecia, narração de graça e necessidade de dinheiro: “Diga aos mora-
dores dessa cidade que não existe razão para temer; diga a todos claramente que não
existe temor de espécie alguma. Somente que se reze. O preboste vigário forâneo de
Castelnuovo d’Asti recomendou-se a Maria Auxiliadora com a costumeira promessa.
Curou-se instantaneamente de gravíssima e total surdez; o mesmo me disse uma senhora
de Savigliano. Ambos fizeram generosa oferta. Aqui fazemos quanto se pode, os ratos
não podem brincar debaixo das unhas do gato (...). Com respeito à Princesa Odescalchi,
creio que lhe tenha dado 400 escudos, e 100 a mim quando fui a Roma. E quer calcular
também estes últimos por conta do altar [da capela de São Pedro] que está sendo termi-
nado, restariam 300 escudos”.49
Mais adiante dava notícias sobre as ofertas de benfeitores romanos: “Recebemos
43 Carta de 12 de janeiro de 1868; Em II 470.
44 À madre M. M. Galleffi, em 3 de janeiro de 1868; Em II 473-474.
45 Carta de 14 de maio de 1866; Em II 238-239.
46 Em II 242.
47 Em II 244.
48 Carta de 2 de maio de 1867; Em II 364.
49 Carta de 7 de dezembro de 1867; Em II 456.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 515
1.600 francos do conde de Maistre, e outros 1.087 francos do padre Verda que a cari-
dade dos Romanos por meio de V.S. caríssima enviou para esta casa (...). Ora, resta-nos
a gratidão para com esses caridosos doadores pelos quais não deixaremos de rezar
(...) especialmente para que Maria Auxiliadora deixe longe de suas famílias o flagelo
da doença que muitos temem também neste ano”.50 Esperava ainda na caridade dos
romanos em carta sucessiva, acrescentando a notícia de uma oferta de mil francos feito
por um senhor, que “um mês atrás – escrevia – tinha vindo aqui de muletas” e “reco-
nhece sua perfeita cura por parte de Maria Auxiliadora; a ela tinha feito as costumeiras
preces com a promessa de fazer algo pela Igreja. Estes mil francos servirão para tran-
quilizar, amanhã, Busca, o qual, como se sabe, é o principal provedor das pedras da
Igreja”51. Despesas, trabalhos, preces e graças povoavam ainda a carta de 3 de março de
1868, testemunha de um frenético ativismo: “estou alegre em saber das boas notícias
que esperava. Estou mergulhado em dívidas, muitas faturas para saldar, todos os traba-
lhos para retomar; faça o que pode, mas reze com fé. Creio ser momento oportuno para
quem quer alcançar graças por Maria! Cada dia tomamos contato com uma mais como-
vente que a outra, e com esse meio vamos adiante”.52 Renovava o apelo ao cavaleiro,
que viajava com essa finalidade, atingindo também pessoas benfeitoras de Florença:
“Vindo de Roma, veja se pode permanecer ao menos alguns dias em Florença, para
estar com o Arcebispo, com a senhora Digny, com a marquesa Nerli, com Uguccioni,
padre Bianchi etc., que esperam V.S. Daqui vou dispondo as coisas: talvez farão alguma
oferta (...). A alta do preço do pão traz desolação (...). Temos enormes despesas para a
igreja: mas aqui Nossa Senhora continua a conceder com a máxima abundância graças
aos doadores, e destarte podemos continuar”.53
Os cadernos de crônica, Notícias, 1867 e Avisos, recordações, notícias de milagres,
redigidos pelo jovem secretário de Dom Bosco, Gioachino Berto, estão constelados
de graças e de prodígios. Em outra crônica está registrada a afirmação de Dom Bosco
de 3 de julho: “a igreja foi adiante por meio de graças feitas por Maria Auxiliadora”.54
3. A solene consagração e a irradiação
O final se aproximava rapidamente. No dia 25 de março de 1868 Dom Bosco anun-
ciava ao cavaleiro Orneglia a consagração da Igreja e o oitavário para a primeira quin-
zena de junho.55 Temos as cartas, enviadas a dom Ferrè, bispo de Casale Monferrato,56
de convite e de agradecimento pela rápida “condescendência em aceitar as duas prega-
50 Carta de janeiro de 1868; Em II 485-486.
51 Carta de 29 de janeiro de 1868; Em II 494.
52Ao cavaliere Oreglia, em 3 de março de 1868; Em II 505.
53Ao cavaliere Oreglia, em 10 de abril de 1868; Em II 522.
54 G. Berto, Raccolta di detti, fatti e sogni di D. Bosco, p. 13.

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516 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
ções para os dias 9 e 10 do próximo junho”.57
O opúsculo Recordação da solenidade em honra de Maria Auxiliadora58 é rico de
particulares sobre todo o ciclo de festejos. Dom Bosco quis que fosse um acontecimento
de grande repercussão religiosa e popular, mas também um fato educativo de primeira
ordem para os jovens de seus colégios e, antes de tudo, do Oratório. Nele verificou-se
“um contínuo momento de coisas e de pessoas”: “os sacerdotes, os clérigos, os jovens
do Seminário Menor de Mirabello e do colégio de Lanzo estiveram todos presentes
no Oratório de São Francisco de Sales para formar uma espécie de exército com seus
companheiros de Turim. Desta forma este estabelecimento hospedava cerca de mil
e duzentos jovens de todas as condições. Muitos destes deviam participar cantando,
tocando, ajudando nas funções religiosas, nas representações teatrais, e todos estavam
ansioso e mesmo impacientes para realizar com o máximo zelo a parte que tocava a
cada um”.59
A consagração começou às 5h30 da manhã de terça-feira, 9 de junho, e terminou às
10h30. O arcebispo a coroava com o solene pontifical, no qual era executada a nova missa
do maestro Giovanni De Vecchi. Às 17h30 cantavam-se as vésperas com o canto da espe-
tacular antífona, musicada por Cagliero, Sancta Maria succurre miseris, a três coros: o
primeiro no presbitério, com cerca de cento e cinquenta tenores e baixos, representava
a Igreja militante; o segundo na cúpula, com perto de duzentos sopranos e contraltos,
figurava os anjos, ou seja, a Igreja triunfante; o terceiro sob a orquestra, de cerca de cem
tenores e baixos, simbolizava a Igreja padecente. Na igreja enfeitada ao máximo, dom
Ferrè fazia um grandiloquente sermão sobre a majestade do culto exterior.
Entre os coletores de oblações na porta da igreja estavam também o barão Bianco di
Barbania e o conde Francesco Viancino.60 “Àquela igreja, aberta ontem – comentava o
cronista do jornal Unità Cattolica –, não falta nada, e tudo é grande como a idéia que a
concebeu e a caridade que a construiu”.61
A Recordação dedicava um capítulo às refeições: talheres, porcelanas e coisas seme-
lhantes, alimentos e bebidas com ótimos vinhos piemonteses de toda qualidade, alimentos
– mortadelas, salames, queijos, “frutos preparados, frangos, ovos, peixes e carnes; café,
chocolate, açúcar, kiffer, brioches e pães de sêmola, biscoitos” – foram oferecidos por
doadores conhecidos e desconhecidos. Um industrial de doces [Caffarel] da cidade
forneceu gratuitamente, durante todo o oitavário, biscoitos e doces de todo tipo.
Cada dia do oitavário foi marcado por três principais celebrações religiosas: de
55 Em II 515.
56 Carta de 24 de maio de 1868; Em II 535.
57 Carta de 27 de maio de 1868; Em II 537.
58 Giovanni Bosco, Rimembranza di una solennità in onore di Maria Ausiliatrice. Turim, tip.
dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, 1868, 172 p.; OE XXI 2-174.
59 G. Bosco, Rimembranza di una solennità, p. 23; OE XXI 25.
60 Cf. carta ao Viancino, de 6 de junho de 1868; Em II 543.
61 L’Unità Cattolica, n. 137, quinta-feira 11 de junho de 1868, p. 554.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 517
manhã, orações do cristão, terço, missa com sermãozinho eucarístico; às 10 horas
pontifical solene com missa polifônica; às 17 horas vésperas pontificais com discurso
de um bispo. No primeiro dia, dom Ferrè.62
Dom Ghilardi, de Mondovì, foi o mais ativo nos diversos ritos, seguido na freqüênc­ ia
por dom Gastaldi, de Saluzzo, conhecido orador, e por Galletti, de Alba, ambos grandes
admiradores e amigos de Dom Bosco.
Quinta-feira 11, solenidade do Corpus Domini, tinha a mais, às 16 horas, uma sessão
em honra de Maria Auxiliadora e a distribuição de prêmios aos jovens dos três colégios;
as vésperas eram transferidas para as 18 horas. Sábado, 13, nas vésperas pontificais
de dom Ghilardi, fazia a homilia dom Gastaldi: “ele começou exprimindo sua admi-
ração ao contemplar a nova igreja dedicada à Grande Mãe de Deus, onde antes existia
mato. Posteriormente narrou brevemente a história dos Oratórios festivos e da casa de
Valdocco, que ele viu nascer e crescer sob seus olhos. Desenvolvendo depois o escopo
dos Oratórios, e da casa anexa, falou da necessidade de dar educação religiosa à juven-
tude, educação que se pode ter somente na Igreja Católica”.63
No último dia, quarta-feira 17, às 7 horas da manhã, teve lugar um Serviço fúnebre
pelos benfeitores defuntos, com missa e discurso de dom Galletti e a conclusão com a
bênção do Santíssimo Sacramento.
Na Recordação, a crônica das celebrações religiosas é intercalada, em cada dia, com
narração de graças recebidas e de respectivas ofertas. À relação de graças extraordiná-
rias são dedicados capítulos inteiros.
No decurso do oitavário realizaram-se entrenimentos acadêmicos, de ginástica,
musicais e dramáticos, entre os quais a representação da comédia latina Fasmatonices.
No final do pequeno volume Dom Bosco se dirigia pessoalmente aos benfeitores,
para agradecer-lhes, e aos que tinham recebido graças de Maria Auxiliadora, para
convidá-los a exprimir seu reconhecimento, “contando a outros a graça recebida, ou a
promover com outro meio a devoção para com esta nossa Mãe”.64 Não omitia uma grave
advertência para manter as promessas feitas: “as preces, as mortificações, as confissões e
as comunhões, as obras de caridade”: “displicet, diz o Espírito Santo, displicet enim Deo
infideles et stulta promissio; desagrada a Deus a promessa estulta e infiel. Muitas vezes
verificou-se que a falta de fidelidade às promessas feitas foi impedimento para conse-
guir a graça desejada, e algumas vezes provocou a revogação do favor já conseguido”.
E contava o exemplo de dois casais que, tendo obtido o nascimento do herdeiro, esque-
ceram-se de fazer a própria obrigação: “Deus quis, de forma terrível, demonstrar quanto
62Os dois discursos se encontram na última parte da Rimembranza, p. 99-120, 120-152; OE
XXI 101-122; 122-254.
63 G. Bosco, Rimembranza di una solennità, p. 61; OE XXI 63.
64 Cf. G. Bosco, Rimembranza di una solennità, cap. XXVII: Una parola ai benemeriti Oblatori;
e cap. XXVIII: A quelli che hanno ottenuto grazie di Maria Ausiliatrice, p. 92-97; OE XXI
94-99.

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518 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
lhe desagradava a promessa infiel. Ambas as crianças morreram antes de alcançar um
ano de vida”. Além disso advertia sobre a possível diferença entre graça pedida e graça
recebida: “É bom lembrar que Deus concede as graças pedidas de várias formas”.65
Padre Rua, em sua crônica, registrava a continuidade da afluência do povo na nova
igreja após as festas inaugurais. “Imediatamente após houve um concurso considerável
de gente a visitar a nova igreja e a pedir graças a Maria Auxiliadora. Pode-se dizer que
não passou dia sem que chegassem mais cartas de pessoas distantes que se recomen-
davam a Maria Auxiliadora mediante as preces especialmente de Dom Bosco e de seus
filhos, como também se pode dizer que não passou dia sem que se recebessem outras
de agradecimento pelas graças obtidas. Muito grande foi novamente o concurso por
ocasião das quarenta horas que aconteceram pela metade de julho, pregadas pelo será-
fico dom Balletti, bispo de Alba”.66
Quase três meses após a consagração, Dom Bosco enviava uma circular aos benfei-
tores, na qual fazia um brevíssimo rendiconto das celebrações de junho, prometendo que
lhes enviaria o opúsculo Recordação da solenidade e, “como mendigo que tem necessi-
dade de ser vestido e alimentado”, pedia para voluntariamente ajudar a fornecer à igreja
“arredos e ornamentos” necessários para mais completa ação cultural e patoral”.67
Ainda por motivo das festas saiu um opúsculo sob o título Maravilhas da Mãe de
Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora, assinado por Dom Bosco, e por ele
compilado com materiais preparados por Giulio Barberis, Giovanni Battista Francesia,
Gioacchino Berto e Giuseppe Bongiovanni. O opúsculo continha uma história da
devoção a Maria Auxiliadora e da Igreja que acabara de ser construída, e acrescentava
em poucas páginas as preces rituais para a consagração e a relação de cinco graças
obtidas por intercessão de Maria Auxiliadora.68
Idealmente unido com estes dois opúsculos e destinada a tornar conhecidos os fatos
taumatúrgicos que aconteceram ao redor da Igreja de Maria Auxiliadora está um volumoso
opúsculo que Dom Bosco publicava após sete anos, contestado dois anos após ter saído
a reimpressão, pelo Arcebispo Gastaldi: Maria Auxiliadora, com a coleta de algumas
graças alcançadas nos primeiros sete anos da consagração da Igreja a ela dedicada em
Turim, sob a responsabilidade do sacerdote Giovanni Bosco.69 Interessante é o prefácio,
no qual se fala do crescente concurso de fiéis ao santuário de Maria Auxiliadora, trazendo
65 G. Bosco, Rimembranza di una solennità, p. 96-97; OE XXI 98-99.
66 P. Braido, “Don Michele Rua ‘cronacista’”, p. 349.
67 Carta de 7 de setembro de 1868; Em II 565-566.
68 Maraviglie della Madre di Dio invocata sotto il titolo di Maria Ausiliatrice Raccolte dal
Sacerdote Giovanni Bosco. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di Sales, 1868, 184 p.; LC a
XXVI, nº 11 e 12, OE XX 192-376.
69 Maria Ausiliatrice col racconto di alcune grazie ottenute nel primo settenio dalla consacrazione
della Chiesa a Lei dedicata in Torino. Turim, Tip. e lib. dell’Oratorio di S. Francesco di Sales,
1875, 320 p.; “Letture Cattoliche” a. XXIII, nº 5; OE XXVI 304-624. Reimpressão em 1877;
cf. cap. 25, § 7.

52.9 Page 519

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 519
uma previsão singular: “este transporte e recurso a Maria Auxilium Christianorum vai
crescendo cada dia em meio ao povo fiel, e dá motivo para pronunciar que virá um
tempo no qual todo bom cristão, junto com a devoção ao Santíssimo Sacramento e ao
Sagrado Coração de Jesus, se gloriará de professar uma terníssima devoção a Maria
Auxiliadora”,70 identificação que Dom Bosco transferia aos cooperadores salesianos:
viria um tempo no qual ser bom cristão equivaleria a ser cooperador salesiano.
4. Centro que atrai preces, graças e ofertas
“Terminada a solenidade e o Oitavário para a consagração da nova Igreja – escrevia
Dom Bosco – deu-se notícia ao Sumo Pontífice, como a insígne benfeitor, incluindo
na carta algumas medalhas comemorativas”. O papa respondia com carta de 23 de
setembro, estabelecendo um liame entre os solenes ritos turinenses e a proteção de
Maria Auxiliadora sobre a Igreja impiamente agredida: “nós somos da opinião que tal
não aconteceu sem o concurso divino, isto é, enquanto se renovava pelos ímpios terrível
guerra contra a Igreja Católica, se celebrou com novas honras a celeste padroeira com
o título de Auxílio dos Cristãos. De fato, nós, sob sua proteção, nutrimos confiança de
que, protegidos pela divina providência, seremos liberados dos males que pesam sobre
nós, e sairemos incólumes dos nossos inimigos”.71
Vimos quanta capacidade de irradiação Dom Bosco conseguiu imprimir à devoção
de Maria Auxiliadora, ligada pelas origens aos fatos de Spoleto, mas profundamente
diversa nos desenvolvimentos. Como em Spoleto, Dom Bosco publicava graças assi-
naladas pelos fiéis e o santuário de Turim tornava-se meta de peregrinações e lugar de
exposição de ex-votos trazidos pelos fiéis agradecidos. Aí se celebrava com renovada
solenidade o mês de maio, e a novena e festa de Maria Auxiliadora faziam aumentar o
número dos devotos, que afluíam de todas as partes. Além disso, o templo da Auxiliadora
tornava-se gradualmente centro de irradiação mundial da devoção sob esse nome a partir
de 1875, quando se iniciava a celebrar aí a função de adeus aos salesianos, e de 1877,
também das Filhas de Maria Auxiliadora, que partiam para as missões. O grande quadro
do Lorenzoni tornava-se imagem conhecida em todas as partes da terra, dando um senti-
mento de segurança, de força e de vitória nas batalhas da fé.72
O santuário, enfim, continuava a aparecer como centro de graças, invocadas e difun-
didas, como se vê pelas cartas escritas por Dom Bosco, de junho de 1869 a dezembro
de 1872, e que continuam a ecoar nos anos posteriores. Nelas, depois do nome de Deus,
o de Maria está mais presente, no centro do costumeiro entrelaçar-se de pedido, atendi-
70 G. Bosco, Maria Ausiliatrice col racconto di alcune grazie, p. 5; OE XXVIII 453.
71 Cf. G. Bosco, Rimembranza di una solennità, p. 7-11; OE XXI 9-13.
72 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, vol. II, p. 170-175.

52.10 Page 520

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520 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
mento e beneficiência, algumas vezes em aparente relação de do ut des, elevado, porém,
ao nível da fé e da conformidade com a vontade de Deus. “Maria é potente e rica: não
se deixará, certamente, vencer em generosidade pela sua devota”, escrevia a um jovem
clérigo em resposta à oferta de uma “pessoa piedosa”.73 É obvio que a Virgem Maria,
Mediadora de graça, aí compareça, com força não menor, na mediação de graças, sejam
temporais ou espirituais. Alguma vez, era citada explicitamente associada ao Filho,
como também era ligada ao Filho divino nas cartas de pedido de subsídios por parte
de Dom Bosco, nos agradecimentos, na saudação: “Este é o pedido que lhe faço por
amor do Senhor e em nome de Maria Auxiliadora”.74 São perto de uma centena, nesses
anos, as cartas que restam, nas quais Dom Bosco assegura aos que pediam, benfeitores
e benfeitoras, suas preces, bem como a dos salesianos e dos jovens, tanto ordinárias
como extraordinárias, em solenidades particulares ou na Igreja ou no altar de Maria
Auxiliadora, convidando seus interlocutores a unir-se a essas preces.75
Porém – rebatia – era essencial que não se esquecesse as promessas. Permitia-se
recordá-las à condessa Emma Brancadoro, de Fermoi, alegre pelo nascimento da menina
que tanto desejava. A condessa, contudo, não tinha necessidade de avisos para mostrar-se
largamente disponível a saldar o débido além de qualquer medida.76 A carta sucessiva,
com efeito, iniciava com palavras de grande complacência: “Bendigo a Deus que, junto
com as riquezas, lhe conceda uma graça muito grande: destacar-se das mesmas”; “seu
sacrifício é generoso, e são justamente essas privações que nos merecem graças espe-
ciais junto de Deus”.77 “Deus concedeu muitas graças aos que prometeram fazer alguma
oferta para a continuação dos trabalhos da Igreja aqui dedicada a Maria Auxiliadora”,
assegurava a uma benfeitora;78 “se unimos a fé às obras [a esmola, as ofertas] estamos
certos de que seremos atendidos”, “a Santa Virgem pagará dignamente”, repetia a uma
outra.79 Dom Bosco exprimia certeza, “exceto – precisava ainda – se for a graça contrária
à vontade do Céu”, ou então “só a esperança”, “mas quem espera em Deus jamais se
desiludirá”.80 Enquanto agradecia o duque Tommaso Gallarati Scotti pela notável oferta
de 200 liras, assegurava preces quotidianas “no altar de Maria Auxiliadora”, para que
o Senhor se dignasse “largamente recompensá-lo”, também com abundante colheita.
73 Ao clérigo B, Giuganino, de 2 de janeiro de 1869; Em III 36.
74A cavaliere E. Ferrero Lamarmora, 4 de agosto de 1869; Em III 119.
75 Cf. Em III 101, 105, 106, 109, 110, 116, 120, 121, 127, 133, 136, 137, 143, 147, 156, 163,
173, 192, 194, 196, 199, 206, 209, 212, 226, 231, 233, 252, 260, 265-266, 271, 272, 273, 274,
276, 277, 284, 289, 294, 317, 327, 328, 329, 330, 333, 336, 338, 346, 348, 356, 357, 359, 365,
376, 378, 386, 388, 389, 394, 399, 402, 403, 409, 414-415, 435, 436, 445, 451, 457, 458, 462,
463, 464, 465, 466, 470, 475, 496.
76 À condessa E. Brancadoro, 14 de novembro de 1871; Em III 385-386.
77 À condessa E. Brancadoro, 2 de dezembro de 1871; Em III 388.
78 À senhora R. Gnecco, 14 de abril de 1869; Em III 71.
79 À senhora M. Cataldi Spinola, 5 de julho de 1869; Em III 109.
80 À senhora C. Gambaro Cataldi, 5 de julho de 1869; Em III 110

53 Pages 521-530

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 521
Esperando de qualquer modo a colheita, Dom Bosco confessava ficar “resignado” mesmo
com outro êxito: “se, contudo, em sua imensa bondade, Deus julgasse mudar a terra em
diamantes e, ao invés de coisas temporais, concedesse bênçãos espirituais, também neste
caso bendirei a santa mão do Senhor”.81 Em carta sucessiva, agradecendo uma oferta
muito generosa, 800 liras, assegurava orações por mais intenções: “por algumas graças
espirituais” das quais o duque sentia “necessidade”; para que “Deus misericordioso”
abençoasse sua “família”, e “todos” crescessem “no santo temor de Deus”; esperando
“na mesma bondade do Senhor – concluía – que os frutos de seus campos estejam no
futuro livres dos divinos flagelos e que a chuva de granizo não prejudique mais os frutos,
que podem antes ser considerados renda dos pobres, mais que de E.V.”.82
O cêntuplo do qual se fala nos evangelhos sinóticos, em geral parece proposto por
Dom Bosco em modo bastante literal, além da interpretação escatológica de Mateus e,
às vezes, também da indeterminada, que diz respeito ao presente, de Marcos e Lucas.83
Aos benfeitores ressoavam muitas vezes expressões como estas: Deus “conceda a
todos o cêntuplo da caridade que me fazem”. “Deus conceda quanto fazem por estes
pobres jovenzinhos; a santa Virgem pagará a todos sua parte”,84 “tendo a promessa
do cêntuplo também nesta vida”;85 “farei todo o possível para que sua obra fruti-
fique o cêntuplo coram Deo et coram hominibus”;86 “Deus lhe concederá o cêntuplo
prometido no Santo Evangelho; cêntuplo com as bênçãos espirituais e temporais”.87
Os “atos generosos” “não podem ser certamente esquecidos por Deus, e [não] obter
também na vida presente o cêntuplo prometido pelo Salvador no Santo Evangelho”.88
A mercê pelas ofertas dadas, porém, previa ainda bens maiores: “O Senhor rico de
graça a abençoe e lhe conceda saúde estável com longos anos de vida feliz, e com o
precioso dom da perseverança no bem”.89 “Eu agradeço – escrevia à nobre senhora de
Milão – e peço a Deus que lhe dê o cêntuplo, especialmente com a paz do coração, com
o abundância de graças e com a perseverança no bem, e com a glória do céu”.90
5. A Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora
Organizador nato, Dom Bosco não deixava o culto de Maria Auxiliadora ser fruto
somente de devoção espontânea. Dava-lhe a estabilidade de associação que dela tomava
o nome. Os testemunhos diretos viram nesta instituição uma das iniciativas mais
81 Carta de 10 de maio de 1869; Em III 88.
82 Ao duque T. Gallarati Scotti, 24 de junho de 1869; Em III 100-101.
83 Cf. Mt 19,29; Mc 10,30; Lc 18,30.
84 A M. M. Galeffi, 20 de fevereiro e 25 de março de 1869; Em III 56 e 57.
85 À M. M. Galeffi, 21 de setembro de 1869; Em III 136.
86 À condessa C. Callori, 15 de maio de 1870; Em III 208.
87 Ao barão F. Ricci des Ferres, 23 de julho de 1870; Em III 221.
88 À condessa Emma Brancadoro, 2 de dezembro de 1871; Em III 388.
89 À senhora G. De Camilli, 1º de março de 1872; Em III 404.
90 Carta de 24 de maio de 1872; Em III 435.

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522 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
queridas por Dom Bosco e de mais vasta repercussão após a das duas congregações
religiosas e da associação dos cooperadores.91
Ele mesmo traçava as origens no fascículo Associação dos Devotos de Maria
Auxiliadora, canonicamente erigida na Igreja a Ela dedicada em Turim, com resumo
histórico sobre esse título.92 Após a apresentação Ao leitor, alguns pequenos capítulos
reevocavam a história do título Auxiliadora, desde a bíblia até à batalha de Lepando
(1571), à libertação de Viena (1683) e, por fim, à instituição da festa por parte de Pio VII
(1814).93 Breves páginas eram dedicadas à Devoção a Maria Auxiliadora em Munique
e Turim e aos favores espirituais concedidos por Pio IX ao santuário turinês.94 Seguiam
documentos relativos à aprovação canônica da Associação. O primeiro era de abril de
1869, a Súplica de Dom Bosco ao arcebispo de Turim, “para a aprovação canônica da
Associação”. Nela pedia que “tomasse em benigna consideração” o “piedoso projeto”
e que examinasse os Estatutos e – professando a costumeira ilimitada disponibilidade
– “acrescentasse, tirasse, mudasse” o que julgasse oportuno, “com todas as cláusulas”
“julgadas mais oportunas para promover as glórias da Augusta Rainha do Céu e o bem
das almas”. A aprovação de dom Riccardi de 18 de abril era benévola e generosa, em
sintonia com o breve de 16 de março, com o qual Pio IX tinha concedido à erigenda
Associação amplas indulgências que valiam por dez anos.95 A última parte do fascículo
continha o texto do estatuto, uma longa série de preces e práticas devotas com a indi-
cação das relativas indulgências, breve catequese Das indulgências em geral e o decreto
de 22 de maio de 1868, com o qual Pio IX concedia a indulgência plenária a todos os
que “religiosamente” tivessem visitado “a Igreja de Turim, dedicada a Maria Virgem
Imaculada sob o título de Maria Auxiliadora, na festa titular da mesma igreja ou em um
dos dias precedentes”.96
Como estava habituado a dizer na apresentação de importantes documentos, Dom
Bosco atribuía a origem da Associação a “repetidos pedidos” provenientes “de todas
as partes e de pessoas de toda idade e de toda condição”, durante e após a construção e
a consagração da igreja. Pensava-se a associados “os quais unidos no mesmo espírito
de oração e de piedade se entregassem à grande Mãe do Salvador, invocada com o belo
91 Cf. Testemunho do P. Gioachino Berto e de Dom Giovanni Cagliero no processo canônico
de beatificação e canonização: S. C. SS. Rituum, Positio super Introd. Causae, Summarium
(Romae 1907), p. 384s e 412.
92 G. Bosco, Associazione de’ Divoti di Maria Ausialitrice canonicamente eratta nella Chiesa
a Lei dedicata in Torino con ragguaglio storico su questo titolo. Turim, Tip. dell’Oratorio di
San Francesco di Sales, 1869, 96 p.; OE XXI 339-434.
93 G. Bosco, Associazione de’ divoti di Maria Ausiliatrice, p. 3-24; OE XXI 341-362.
94 G. Bosco, Associazione de’ divoti di Maria Ausiliatrice, p. 24-31; OE XXI 362-369.
95 G. Bosco, Associazione de’ divoti di Maria Ausiliatrice, p. 32-47; OE XXI 370-385.
96 G. Bosco, Associazione de’ divoti di Maria Ausiliatrice, p. 48-95; OE XXI 386-433.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 523
título de Auxiliadora dos Cristãos”.97
Também nessa circunstância Dom Bosco afirmava imediatamente que os esta-
tutos não eram obra de arte em organicidade doutrinal e jurídica, mas brilhavam
pela imediatez e praticidade. Retornava o estreito liame que costumeiramente ele
estabelecia entre a devoção a Maria Santíssima e a Jesus presente no Santíssimo
Sacramento da Eucaristia. A matéria era dividida em três títulos, o primeiro sem
indicação: o escopo e os meios, as vantagens espirituais, a aceitação. A inscrição
era aberta a todos, sem particulares condições (Aceitação, art. 1-3).98 Aos associados
eram propostos os seguintes objetivos: o zelo para crescer na piedade, na espirituali-
dade e no culto, e “promover as glórias da divina Mãe do Salvador” (art. 1); “dilatar
a devoção à Bem-Aventurada Virgem e a veneração a Jesus Sacramentado” (art. 2),
fazendo o esforço “com palavras, com conselho, com as obras e com a autoridade para
promover o decoro e a devoção nas novenas, festas e solenidades que são realizadas
no decorrer do ano em honra de Beata Virgem Maria e do Santíssimo Sacramento”
(art. 3); além disso, favorecer “a difusão dos bons livros, imagens, medalhas, folhetos,
participar e recomendar a participação nas procissões em honra de Maria Santíssima
e do Santíssimo Sacramento, a freqüente comunhão, a assistência à santa Missa, o
acompanhamento do Viático” (art. 4); ter “o máximo cuidado por si e as pessoas”
“dependentes para impedir a blasfêmia e qualquer modo de falar contrário à religião e
pelo que diz respeito retirar qualquer obstáculo que possa impedir a santificação dos
dias festivos” (art. 5). Os meios eram indicados no contexto de intensa vida de piedade
pessoal: “Confessar-se e comungar cada quinze dias ou uma vez por mês participar
cada dia da Santa Missa, se a obrigação do próprio estado permitir” (art. 6); eram suge-
ridas, aos simples fiéis, jaculatórias apropriadas pela manhã e pela tarde, e, aos sacer-
dotes, a intenção de rezar na santa missa por todos os agregados a essa pia Associação:
“essas preces – sublinhava – servirão como vínculo para unir todos os associados em
um só coração e em uma só alma para dar a devida honra a Jesus escondido na Santa
Eucaristia e à augusta sua Mãe, e para participar de todas as obras de piedade que
cada Associado deverá realizar”.99 Os últimos oito artigos, com o título Vantagens
espirituais, proviam com largueza ao crescimento espiritual dos associados, fazendo
“comunhão de todas as boas obras”, de preces e de indulgências.100
Para maior difusão da Associação, Dom Bosco obteve sua ereção à Arquiconfraria,
com a faculdade de agregar-se associações semelhantes, já existentes ou que viessem a
ser erigidas. Pio IX concedia tal faculdade com o breve Sodalitia Fidelium, de 5 de abril
de 1870, o qual, contudo, limitava a faculdade de agregação à arquidiocese de Turim.
Com o breve Expositium Nobis, de 2 de março de 1877, a faculdade foi estendida a todas
97 G. Bosco, Associazione de’ divoti di Maria Ausiliatrice, p. 3; OE XXI 341.
98 G. Bosco, Associazione de’ divoti di Maria Ausiliatrice, p. 54-55; OE XXI 392-393.
99 G. Bosco, Associazione de’ divoti di Maria Ausiliatrice, p. 48-50; OE XXI 386-388.
100 G. Bosco, Associazione de’ divoti di Maria Ausiliatrice, p. 50-53; OE XXI 388-391.

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524 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
as dioceses do Piemonte. Após a morte de Dom Bosco, Leão XIII, antes com o breve
Admotae Nobis preces, de 25 de junho de 1889, com o qual concedia a faculdade de
agregação de todas as associações semelhantes “erigidas ou a serem eretas em qualquer
igreja ou oratório público pertencente à Sociedade salesiana e qualquer lugar se encon-
trem”, e, depois, com o breve Cum multa de 19 de janeiro de 1894, pelo qual conferia
perpetuamente ao reitor-mor dos salesianos e aos seus sucessores a faculdade de poder
“válida e licitamente erigir outras associações do mesmo nome e instituto em qualquer
lugar onde existam casas e igrejas da Congregação e as erigidas associações agregadas
à sobredita Arquiconfraria. Dois anos depois, com o breve Sodalitas, de 25 de fevereiro
de 1896, concedia ao reitor-mor e aos seus sucessores a faculdade de “agregar à mesma
Arquiconfraria”, existente na Igreja de Maria Auxiliadora em Turim, outras associações
da mesma finalidade e teor em qualquer igreja ou diocese elas estiverem canonica-
mente erigidas”. Por fim, a Sagrada Congregação dos Religiosos, com o rescrito de
31 de julho de 1913, dava ao reitor-mor o privilégio de poder erigir canonicamente
as Associações dos Devotos de Maria Auxiliadora também nas casas do Instituto das
FMA e de agregá-las à primária de Turim.101
6. A festa popular do dia 24 de maio em Valdocco
A devoção a Maria Auxiliadora encontrava forte repercussão também entre os jovens
do Oratório de Valdocco. Além de celebrar a festa, como nos outros colégios e orató-
rios, eles eram envolvidos cada ano em um 24 de maio todo especial. A ocorrência, com
efeito, os unia à multidão dos peregrinos em uma grande festa popular, ainda que, com
o correr dos anos, os superiores responsáveis pela disciplina acreditassem necessária
uma progressiva redução dos espaços de liberdade: o preço pago pelo crescimento da
colegialização e da relativa prevenção.
É instrutivo a respeito o material oferecido pelo volume já citado, da autoria de José
Manuel Prellezo, Valdocco nell’Ottocento tra reale e ideale, que desvela traços de vida
do Oratório, tais como emergem das reuniões dos superiores-educadores. Neles aparece
quase todo ano o problema da novena e da festa de Maria Auxiliadora a ser preparada
ou criticamente reexaminada para propor a eliminação de abusos ou a introdução de
melhorias para o ano sucessivo. As atas das reuniões trazem à luz atitudes, cautelas,
progressos, avaliados atentamente pela presença, geralmente mais moral que física, de
Dom Bosco, que jamais deixa sua responsabilidade de “reitor”.
Na reunião do Capítulo de 24 de abril de 1869, em preparação da primeira solene
101 Cf. A. Stickler, “L’Associazione dei Divoti di Maria Ausiliatrice”, in: L’Immacolata
Ausiliatrice, p. 301-304.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 525
festa de Maria Auxiliadora após a consagração da Igreja, foi decidido consagrar
o mês de Maria com uma função mais solene às 7h30 da tarde. Dom Bosco apro-
vava e estabelecia que se substituísse a leitura tradicional por uma breve pregação.102
Em outras reuniões, tidas no mês de maio, falava-se da novena e se estabelecia o grupo
dos encarregados da preparação de tudo o que era necessário para as várias manifesta-
ções e para sua gestão: a acolhida dos hóspedes, o bufê, o palco para o teatro, os fogos
de artifícios, a corrida de saco, a apresentação de ginástica.103
No dia 25 de maio – conta a ata – “fez-se a avaliação da festa e notou-se que saiu
bem, com satisfação de todos. Somente houve alguma observação a fazer para que
sirva de norma para outras festas semelhantes”. Decidiu-se fazer a celebração do
mês de maio de 23 de abril a 24 de maio e, para a festa, mudar alguns jogos; “encar-
regar um assistente para que assegure a disciplina entre os cantores e os músicos”;
controlar a mistura do vinho e fazer a distribuição de cerveja mais ordenada; deli-
mitar melhor os espaços reservados aos jovens internos e os colocados à disposição
do pessoal externo.104
Problemas análogos foram tratados na reunião de 18 de maio de 1873. Determinaram-se
os responsáveis dos vários serviços “na igreja, no recreio, na feira, no bufê, nos refeitó-
rios etc.”, retomou-se o problema dos espaços “separados” para os jovens e para o povo
e se estabeleceram barreiras mais nítidas. Por causa da mesma exigência “preventiva”
renovou-se a “absoluta proibição” aos jovens de irem ao bufê dos externos.105 Ainda ao
ano de 1873 referia-se a seguinte lista de problemas registrados em outro lugar: “Festa
de Maria Auxiliadora. Lugar para dormir. Alimentos quotidianos. Bilhetes de banco
[o “banco” interno para os jovens do Oratório]. Alguém para manter a disciplina entre
os músicos, cantores e tocadores. Como fazer passar tais dias aos jovens externos [do
oratório festivo], e aos da casa? Onde colocar os jovens na Igreja? Recomendação para
não comer demais. Um padre ou um clérigo atenda a feira”.106
“Distribuição do pessoal e advertências para a festa de Maria Auxiliadora” eram
objeto de discussões também em vista da festa de 1875.107 A ata das reuniões do
Capítulo de 19, 20 e 21 de maio é minuciosa. Caminhava-se para um crescente controle
dos jovens, tidos num pátio separado dos “forasteiros” por meio de uma “cerca”, e
estabelecia-se um “bufê exclusivamente para os jovens”. Seguia-se uma longa lista de
serviços e de encarregados para cada um deles: na igreja e nos coros; para conduzir
os peregrinos para o café da manhã; os vigilantes nas portas e no interior da igreja;
assistentes dos músicos na igreja e no estudo; os assistentes para a feira, para a qual se
prevêem oito bancas com respectivos responsáveis; os encarregados dos dois bufês, um
102 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 155.
103 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 155.
104 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 155-156.
105 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 177-178.
106 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 184.
107 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 199-200.

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526 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
para os externos, outro para os internos; café na prefeitura para as pessoas de respeito,
com quatro serventes; cozinha e refeitórios, para os forasteiros, os clérigos, os músicos;
e outros “serviços especiais”.108
O número dos encarregados, operadores e serventes aumentava de ano para ano.
A lista das coisas e dos responsáveis de 1876 previa, além disso, reuniões no mês de
maio e oferecia imagem viva do afluxo a uma festa sempre mais participada: os seis
mil “folhetos sagrados” espalhados, os serviços mais variados; havia necessidade de
“ajudantes do prefeito da sacristia”: ao registro das missas e ao registro das assinaturas
e das esmolas; assistentes aos coros da igreja; “responsáveis aos padres que vinham de
fora para levá-los às refeições”; “guardas” na porta central e nas laterais, respectiva-
mente ao menos seis e quatro que se sucediam cada duas horas; “assistentes da feira”,
os dois “provedores”, Rossi (encarregado da dispensa) e Barale (livraria), com cerca de
quatorze serventes, escolhidos “entre os mais confiáveis entre estudantes e aprendizes”;
assistentes e serventes das refeições dos forasteiros, para a mesa dos clérigos, ao almoço
solene na biblioteca, à refeição dos músicos; das seis às sete responsáveis do bufê para
os externos e outro tanto para o bufê dos internos; encarregados da luminárias no fim do
dia.109 Ocupando-se da mesma festa, no dia 22 os capitulares tinham também o projeto
de utilizar o sagrado da igreja, isto é, o espaço entre o portal de entrada e a grade que
o delimitava da via que estava adiante, colocando aí dez ou doze bancas de venda de
objetos de diferentes gêneros; “e ver se não se pode estender por cima uma lona”.110
Em sucessivas reuniões eram tomadas em consideração sobretudo os aspectos reli-
giosos da festa. Na reunião de 1877 louvava-se a piedade dos aprendizes, muito mais
numerosos que os estudantes à mesa eucarística durante a novena. Da solenidade do
dia 24 registrava-se: “cantou-se a missa de Rossini. A execução foi bem interpretada
[avaliada] pelos inteligentes, e aplaudidas de modo especial as duas fugas. As vésperas,
o hino Saepe dum Christi, Tantum ergo, produção de Dom Cagliero. Saiu tudo bem.
A esmola recolhida na Igreja: cerca de mil liras. Muitas pessoas vindas de cidades
distantes. Hospedados na casa, entre os dos nossos colégios e forasteiros, n. 45. Durante
a novena Dom Bosco tinha cada manhã, na sacristia, um bom número de pessoas para
abençoar. No dia 24 e 25 tinha a sacristia cheia”. Do dia 25 é recordado o tradicional
“Serviço fúnebre para os irmãos da Arquiconfraria defuntos. Ainda que fosse um dia
ferial, os fiéis participavam nas missas como nos domingos, e talvez ainda mais”.111
De maio de 1878 é consignado na memória “o grande concurso de gente”, quer na
novena quer na festa. Ao pontifical das 10 horas de dom Eula, bispo de Novara, “execu-
tou-se com ótimo resultado a missa em seis partes, de Dom Cagliero, chamada de
Santa Cecília: perto de duzentos executores entre jovens e adultos. As vésperas foram
108 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 202-206.
109 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 115-118.
110 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 214-215.
111 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 55-56.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 527
também pontificadas pelo sobredito Bispo. Após as vésperas cantou-se a antífona Sancta
Maria a três coros, porém, neste ano, não mais divididos, mas todos reunidos sobre a
orquestra”. “Com todos esses aparatos, a igreja cheia de gente dava um imponente
aspecto da função”. Segue uma anotação particularmente interessante. “Na vigília deste
ano começou a ter participação de forasteiros. Vieram peregrinações da Lombadia e do
Novarese, com a intenção de cumprir suas devoções”.112
A partir de 1869, próximo da festa de Maria Auxiliadora, deu-se início às duas distintas
conferências dos cooperadores e das cooperadoras de Turim: eram somente quarenta os
primeiros, no dia 20 de maio, e duzentas as senhoras, no dia 23. No dia 24 o tempo esteve
ruim: “choveu todo o dia; mesmo assim, a igreja esteve sempre cheia de gente”.113
Para a solenidade de 1886 estava simplesmente anotado: “vejam-se as descrições
desta festa que se encontram nos anos antecedentes; nenhuma delas superou o bom
êxito conseguido neste ano”.114
A epopéia de Maria Auxiliadora continuava na devoção, feita por meio de invo-
cações, de entrega, de agradecimentos ininterruptos. Uma documentação evocadora e
clássica era a dos numerosíssimos ex-voto e corações de prata oferecidos. Estes, porém,
foram todos destruídos, excesso uns quinze, por ocasião dos trabalhos de ampliação
do santuário entre 1935 e 1938.115 Mas outro testemunho, de grande significado ecle-
sial, Dom Bosco teria dado à Virgem Auxiliadora em 1875, quando colocava sob sua
proteção materna uma iniciativa que lhe era caríssima, a Obra de Maria Auxiliadora
pelas vocações ao estado eclesiástico.116
7. Entre religiosidade popular e piedade litúrgica
Acolhida a definição do séc. XIX como “gnadenloses Jahrhundert”, rico de energias
materiais mas pobre de espiritualidade, e por isso “século carente de graça”, o bene-
ditino Burkhard Neunheuser escrevia: nele “veio a encontrar-se também a Igreja, uma
Igreja que vai procurando traçar seu caminho em correntes dignas de admiração, bem
que elas, em última análise, não conduzam a resultados verdadeiramente resolutivos.
Na França existe a obra maravilhosa de homens como De Maistre, Chateaubriand,
Lamennais, Montalembert, Lacordaire, Ozanam etc.; na Inglaterra, Oxford, Newman;
na Alemanha, Görres, Tübingen com J. A. Möhler; na Itália, os Papas, Manzoni,
Rosmini, A Escola Romana, Dom Bosco e os outros santos de Turim etc. É no âmbito
dessas tendências que deve ser vista a situação geral da piedade cristã. Existe grande
112 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 66-67.
113 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 79.
114 J. M. Prellezo, Valdocco nell’Ottocento, p. 93.
115 Cf. o ensaio de L. Borello, “Gli ex-voto per il santuário dell’Ausiliatrice in Torino”, Studi
Piemontesi 22 (1993), n. 1, março, p. 119-125.
116 Cf. cap. 20, § 2.

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528 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
santidade, fazem-se muitos esforços; tudo isto, porém, se concretiza antes de tudo
no aumento de muitas “devoções”, com conseqüentes visões parciais do mistério da
salvação e com uma situação litúrgica um tanto quanto ‘passiva’”.117
Do que se viu até agora e com particular referência ao vértice real e simbólico atin-
gido pelas festas celebradas no interior e ao redor da igreja da Auxiliadora, a relação
de Dom Bosco com a “restauração litúrgica” contemporânea parece mais complexa.
Indubitavelmente, não se vê Dom Bosco formalmente inserido no movimento litúrgico
italiano do séc. XIX ou empenhado em doutas declarações sobre a música sagrada. Mas
o homem do Ancien Régime, segundo a formação, pretende ser contemporâneo dos
jovens pobres e abandonados e do povo, adequando-se o mais possível à sua mentalidade
e sensibilidade com os fatos e a palavra, falada e escrita. E como crê firmemente que a
religião é o fundamento último do edifício educativo, sente que ela se torna fator efetivo
de crescimento e de salvação desde que não seja corpo separado de sua experiência exis-
tencial. Por isso, a seu modo, faz de tudo para que as manifestações da piedade católica,
pública e privada, litúrgica e devocional, entrem em várias maneiras na sensibilidade,
no coração e no espírito de cada um e dos grupos: nenhuma separação, portanto, mas
participação e máximo envolvimento mental, emotivo e prático. “A freqüente confissão,
a freqüente comunhão e a missa cotidiana são as colunas que devem reger um edifício
educativo”, era o fundamento. Daí brotava um límpido colorário: “jamais irritar ou obrigar
os jovens a freqüentar os santos sacramentos, mas colocar-lhes as comodidades para que
aproveitem deles. Nos casos de exercícios espirituais, tríduos, novenas, pregações, cate-
cismos, faça-se de forma a relevar a beleza, a grande, a santidade da Religião que propõe
meios tão fáceis, tão úteis à sociedade civil, à tranqüilidade do coração e à salvação da
alma como justamente são os santos Sacramentos. Dessa forma as crianças ficam espon-
taneamente encorajadas a tais práticas de piedade, delas participando de boa vontade”.118
A liturgia sagrada, feita de ritos, de cantos e de música, entrelaça-se com a liturgia do
trabalho e do tempo livre: “dê-se ampla faculdade de saltar, correr, gritar à vontade.
A ginástica, a música, a declamação, o teatro, os passeios são meios muito eficazes para
se obter a disciplina e ajudar a moralidade e a santidade”.119 A liturgia é fenômeno global,
celebrado em uma comunidade na qual os alunos encontram reconstituída a família que
não tiveram, que perderam ou da qual estão longe. Ela parece evidenciar-se com tona-
lidades particularmente altas, especialmente – mas não exclusivamente – nas principais
festas do ciclo litúrgico em versão salesiana: Imaculada, Natal, São Francisco de Sales,
Quaresma, São José, Semana Santa, Páscoa, Maria Auxiliadora, Pentecostes, São Luís
117 B. Neunheuser, Storia della liturgia attraverso le epoche culturali. Roma, Edizioni Liturgiche,
1983, p. 131-132.
118 “Il sistema preventivo nella educazione della giuventù”, in: Inaugurazione del patronato di
S. Pietro in Nizza a Mare. Scopo del medesimo esposto dal sacerdote Giovani Bosco con
appendice sul sistema preventivo nella educazionen della giuventù. Turim, Tipografia e
Libreria Salesiana, 1877, p. 54 e 56; OE XXVIII 432, 434.
119 “Il sistema preventivo nella educazione della giuventù”, p. 54; OE XXVIII 432.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 529
Gonzaga, o honomástico de Dom Bosco na festa de São João Batista, seu presumível
patrono, São Pedro e São Paulo, Assunção.120
Já em 1846, a marquesa Giulia di Barolo agradecia Dom Bosco de ter introduzido
em seus institutos “o canto das laudes sagradas, o canto firme, a música, a aritmé-
tica e também o sistema métrico”.121 A piedade, nas principais expressões litúrgicas –
missa, vésperas, ofício da Beata Virgem, bênção do Santíssimo Sacramento – e extra-
litúrgicas, era ainda mais bem cuidada nas instituições juvenis que teria fundado,
nos oratórios e nos colégios. “Pela manhã [dos dias festivos] – estava prescrito no
Regulamento para os externos – canta-se o Ofício da Beata Virgem Maria em voz coral,
com excessão dos Hinos, Lições, Te Deum e Benedictus, que se cantam segundo as
regras do canto firme. Nas festas solenes canta-se tudo em canto Gregoriano. À tarde
cantam-se as Vésperas”.122 “Nas solenidades maiores – estabelecia o Regulamento para
as casas –, onde se pode, haverá música vocal com orquestra; nas festas ordinárias
haverá canto gregoriano com órgão ou harmônio”.123 Não se deve esquecer que, durante
a primeira estada em Roma, Dom Bosco, “no vivo desejo de promover e os cantos
espirituais em honra a Deus, à Beata Virgem, aos Santos do povo cristão”, pedia a Pio
IX, obtendo-o imediatamente por escrito, diversas indulgências para que, em público
ou em privado, pudesse cantar ou gratuitamente ensinar “cantos sacros” aprovados pela
autoridade eclesiástica.124
Destes e de outros dados parece lícito qualificar “como ‘litúrgica’ a piedade prática,
transmitida e inculcada por Dom Bosco, “uma piedade inspirada fundamentalmente nas
celebrações litúrgicas, ainda que com acentuações de elementos devocionais”.125 Do
120 Cf., com alguma integração, F. Desramaut, “La festa salesiana ai tempi di Don Bosco”, in: C.
Semeraro (org.), La festa nell’esperienza giovanile del mondo salesiano. Leumann (Turim),
LDC, 1988, p. 79-99.
121 MO (1991) 150.
122 Regolamento dell’Oratorio di S. Francesco di Sales per gli esterni, pt. I, cap. XI, art. 5.
Turim, Tipografia Salesiana, 1877, p. 22; OE XXIX 52. Cf. também pt. II, cap. VI (Pratiche
religiose), p. 36; OE XXIX 66.
123 Regolamento per le case della Società di S. Francesco di Sales, pt. I, cap. III, art. 14, p. 27;
OE XXIX 123.
124 Cf. súplica de 7 de abril de 1858; Em I 344. O rescrito, em G. Bosco, Il mese di maggio, p.
187; OE X 481
125 Cf. A. Cuva, “La pietà liturgica di Don Bosco”, Salesianum 50 (1988), p. 51-74 (citação
retirada da p. 71); A. Cuva, “La formazione liturgica dei salesiani di Don Bosco dalle origini
fino al 1959. Rassegna documentaria”. RSS 16 (1997), p. 393-412, (para o tempo de Dom
Bosco, p. 394-397). Na mesma linha, com diversas interessantíssimas anotações, F. Rainoldi,
Sentieri della musica sacra: dall’Ottocento al Concilio Vaticano II. Documentazione su
ideologie e prassi. Roma, Edizioni Liturgiche, 1996, p. 64-245 (com referência também à
circular de 1º de novembro de 1890, na qual o padre Rua escreve sobre o “canto da Igreja” e
em particular do “gregoriano”, praticado e propugnado por Dom Bosco: Lettere circolari di
Don Michele Rua ai salesiani. Turim, S.A.I.D. – Buona Stampa, 1910, p. 50-52).

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530 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
“espírito litúrgico” de Dom Bosco padre Pietro Ricaldone encontrava indúbias provas
nos seguintes elementos: a intensa piedade eucarística, a instituição do Pequeno Clero,
o cuidado da música e do canto gregoriano, a indicação em O jovem instruído do modo
de “assistir a Santa Missa” e de se “aproximar dignamente” do sacramento da confissão
e da comunhão, a solicitude pelo decoro dos lugares de culto, a exortação ao conheci-
mento e à prática dignitosa das cerimônias, o estudo para tornar esplêndidas, fascinantes,
edificantes as celebrações festivas.126 Para conseguir tal finalidade aparece também
constante o empenho para promover a música coral, a constituição de capelas musicais
juvenis, afinadas por uma boa formação específica e, portanto, capazes de exprimir
música de qualidade. No Oratório e em outras obras encontrava espaço próprio desde
os inícios uma especial Escola de Música, que no Oratório de Turim era incluída muito
depressa nos programas das escolas noturnas. Deve-se ainda recordar nesse setor uma
florescente atividade editorial. Em conclusão, parece plausível reter que Dom Bosco,
embora sem idéias refletidamente elaboradas ou enunciados teóricos, tenha trazido uma
notável contribuição para aplainar o caminho para a reforma da música sagrada na Itália
no séc. XIX.127
8. Uma ordenação nos limites da transgressão
O feliz acabamento da construção da Igreja dedicada a Maria Auxiliadora, o ubertoso
florescimento da espiritualidade mariana que daí brotava e, a seguir, a alegria da apro-
vação da Sociedade, dilatada na percepção de Dom Bosco, mais modesta na realidade,
eram pertubados no final de 1869 por um sério incidente com dom Riccardi di Netro.
O diácono Giuseppe Cagliero (1847-1874), que entrara no Oratório em 1859, e não
era ainda professo, fazia pedido ao arcebispo para ser ordenado sacerdote. Obviamente
foi-lhe perguntado a que título devesse sê-lo, como diocesano ou como membro da
Sociedade Salesiana. Em carta ao arcebispo, Cagliero declarava sua opção salesiana,128
e no dia 12 de novembro fazia os votos. No dia seguinte era destinado à casa de
Mirabello e, no dia 14, era ordenado sacerdote em Casale por dom Pietro Ferrè. Em
carta a Dom Bosco, dom Riccardi dizia ter sabido com “enorme surpresa” da orde-
126 Cf. P. Ricaldone, “La visita canonica alle case salesiane”. Atti del Capitolo Superiore, 20
(1939), n. 94, julho-agosto, p. 157; P. Ricaldone, La pietà: vita di pietà, l’Eucaristia, il
Sacro Cuore. Colle Don Bosco (Asti), Libreria Dottrina Cristiana, 1955, p. 409-410. O jovem
instruído, como “discreta tentativa de fazer participar, no clima da época, à vida espiritual e
litúrgica da Igreja católica”, dedica penetrantes reflexões J. Schepens, “Il ‘Giovane Provveduto’
di Don Bosco: manuale di religiosità popolare?”, in: C. Semeraro (org.), Religiosità popolare
a misura dei giovani. Leumann (Turim), LDC, 1987, p. 138-152.
127 Cf. J. Gregur, Don Bosco und das “Movimento Ceciliano”, RSS 16 (1997) 265-306.
128 Carta de 6 de novembro de 1869, transcrita em MB IX 751.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 531
nação acontecida, declarando-a juridicamente ilícita e de fato injustificada. O superior
de Cagliero deveria ter endereçado as cartas dimissórias a ele, que estava presente na
diocese e preparado para fazer ordenações no mesmo mês de novembro. Advertia que
Dom Bosco, Cagliero e o bispo de Casale tinham incorrido nas penas canônicas indi-
cadas por Clemente VIII e Bento XIV.129 A inflação era verdadeiramente grave. Dom
Bosco procurava justificar-se, não sem alguma dramatização, em forma objetivamente
ofensiva, circunstância que terminava por se mostrar temível e inaceitável ao arcebispo,
além do mais, aventurando-se em sutis interpretações jurídicas. Encerrava, contudo,
pedindo “benigna complacência” e assegurando a fiel execução no futuro da “vontade”
do arcebispo: expressão infeliz, esta última, pois se tratava, na realidade, de prescrições
canônicas objetivas que deviam ser observadas acima de qualquer “vontade”.130 No
mesmo dia, 28 de novembro, dom Riccardii partia para Roma a fim de participar do
Concílio Ecumênico. De Roma escrevia uma carta firme e grave, na qual declarava que
não bastava pedir perdão a ele: os três culpados, ao invés, deviam recorrer “à Santa Sé
para a oportuna absolvição” das censuras previstas no direito. “Eu não nego – precisava
muito corretamente – que V.S. pudesse enviar o clérigo Cagliero a Mirabello, mas com
as cartas exigidas pelos sagrados cânones, e não antes de ter recorrido à minha Cúria para
a dispensa de idade”. Mandando a Mirabello para que fosse ordenado no dia seguinte,
fora da própria arquidiocese, quando nela eram iminentes as ordenações sacerdotais,
era uma contravenção às leis da Igreja. “Era – prosseguia –, um burlar-se do Bispo, do
qual se subtrai in fraudem legis um clérigo que lhe estava sujeito até poucos dias antes,
tanto mais que o atraso das ordenações na diocese eram de apenas uma semana. Tanto
é verdade ter sido mandado in fraudem legis, que imediatamente após a Ordenação
retornou a Turim”. Contra eventuais preconceitos e medos cultivados em suas relações
Valdocco, ele professava o máximo respeito pela liberdade de escolha com dos que
tivessem querido aderir à Sociedade Salesiana: “Não sei – declarava – o que seus alunos
devessem temer, uma vez que todas as minhas instâncias não eram dirigidas a eles a fim
de saber [somente para saber] quem quisesse ou não estar sujeito ao Arcebispo, sem ter
nem mesmo dito uma palavra que pudesse mostrar o desejo de tirar da Congregação
aqueles aos quais fosse dado o desejo de a ela pertencer”. Concluía nobremente: “De
resto, lhe repito que eu não escrevi somente para queixar-me, mas para que pudessem
prover para a absolvição das censuras nas quais incorreram. Quanto a mim, estou feliz
em perdoar tudo e em desejar que no futuro não haja mais novos desencontros”.131
Tinha cumprido o dever de consciência de bispo responsável e correto. Os outros que
cumprissem o próprio.
Dom Bosco buscava iluminar-se junto ao cônego Celestino Fissore. Não se conhece
129 Carta do arcebispo no dia 26 de novembro de 1869, in MB IX 752-753.
130 Carta de 28 de novembro de 1869. in MB IX 753-754.
131 Carta de 8 de dezembro de 1869, transcrita em MB IX 755-756.

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532 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
o seguimento do penoso incidente, retomado em 1881 pelo arcebispo Gastaldi no
âmbito do processo romano relativo à suspensão do padre Bonetti.132
Dom Alessandro Riccardi di Netro participava do Concílio em condições de saúde
bastante precárias. Enfileirado com os anti-infalibilistas – entre os “sardo-piemonteses”
encontrava solidários Losana, Moreno, Renaldi, Calabiana, Biale (Albenga), Montixi
(Iglesias) –, deixava Roma na primeira metade de abril. Morria na sede em 16 de
novembro de 1870.
9. Em Roma com respiro ecumênico e o pensamento nos jovens
Para Roma e, de alguma forma, para o Concílio, encaminhou-se também Dom Bosco.
Fortalecido pela aprovação pontifícia da Congregação e pela consolidada familiaridade
com o mundo eclesiástico e civil romano, adquirida nas longas permanências de janeiro-
março de 1867 e 1869, achava seria útil sua presença, precisando-a quem sabe no lugar
as oportunidades, em base às ocorrências. A bula Aeterni Patris, de 29 de junho, tinha
estabelecido a abertura do Concílio para o dia 8 de dezembro. Dom Bosco tinha tomado
em consideração a possibilidade de nela participar como superior geral de uma congre-
gação religiosa de direito pontifício. Neste sentido tinha pedido “um esclarecimento”
ao secretário do Concílio, dom Joseph Fessler. “Não queria faltar a alguma coisa que
redundasse em obséquio da Santa Sé – assegurava –, como nem mesmo queria falar
de coisas nas quais não devesse misturar-me”.133 Obviamente a resposta era negativa.
A participação era reservada aos superiores das ordens religiosas com votos solenes.134
Em caso positivo, o Concílio teria encontrado em Dom Bosco um dos mais acesos
sustentadores quer do pequeno catecismo único para toda a Igreja quer da definibilidade
e da efetiva definição da infalibilidade do romano pontífice, compreendida em termos
mais absolutos. Dois de seus livros recentes, publicados em fevereiro e em agosto de
1869 na série das Leituras Católicas, redigidos com a colaboração do sempre solidário
padre Bonetti, só radicalizavam o primado de jurisdição e de magistério – “a suma
autoridade, a plenitude dos poderes sobre toda a Igreja” –, que já emergiam dos escritos
apologéticos dos anos 50. “Do Papa – escrevia no fascículo de fevereiro – recebem
os bispos imediatamente toda a jurisdição e a faculdade de exercitar os ministérios
episcopais”.135 “Ele – insistia – é o vice-regente de Deus na terra para tudo o que diz
respeito à glória do mesmo Deus e a salvação eterna das almas”.136 “Ele – insistia – é o
132 Cf. cap. 28, § 6.
133 Carta de 22 de novembro de 1869; Em III 153.
134 As palavras do rescrito, em seguimento do texto da carta de 22 de novembro, são reproduzidas
nos Atti del Consiglio Generale, n. 314, julho-setembro de 1985, p. 56.
135 G. Bosco, La Chiesa Cattolica e la sua gerarchia. Turim, Tip. dell’Oratorio di S. Franc. di
Sales, 1869, p. 77; OE XXI 264.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 533
vice-regente de Deus na terra em tudo o que diz respeito à glória de Deus e à salvação
eterna das almas”.137 No fascículo de agosto eram solucionadas no mesmo sentido as
questões históricas relativas à infalibilidade e às objeções colocadas tradicionalmente.
“Mas pelo progresso da ciência – explicava seguro ao objetor que se rendia –, pela paci-
ência de doutos engenhos foi em seguida colocada na devida luz a verdade, e hoje quem
afirmasse o contrário mostrar-se-ia ou ignorante ou malicioso” [de má fé].138
Todavia, a tais certezas catequéticas, dilatadas pela verbosidade retórica do padre
Bonetti, contrapunham-se nas preocupações de Dom Bosco, em sua imaginação e em
seus sonhos, a sensação da precariedade da situação histórica do papa rei e do Estado
Pontifício, ameaçado pela determinação dos políticos italianos de tornar efetiva a já
chegada proclamação de Roma capital do Reino da Itália e pelas tentativas da vontade
protetora da França. Idéias, temores e ânsias se coagulavam no sonho apocalíptico
pluritemático de 5 de janeiro de 1870, sobre a destruição de Paris, mas também sobre
o papa e sobre o Concílio, que teria arrancado “ a cabeça da Hidra do erro”; sobre os
flagelos que atingiriam a Itália, em particular a carestia espiritual e material; sobre
Roma destinada a passar do velho soberano paterno ao regime “do terror, do medo e da
desolação”. Às sombrias previsões, porém, contrapunha-se a certeza de que “a Augusta
Rainha do Céu” estava presente. “A potência do Senhor – assegurava o vaticínio –
está em suas mãos: espanta como a neve seus inimigos; reveste o Venerando Velho de
todas as suas antigas vestes”. E após “um violento temporal – prosseguia –, o Grande
Ministro verá a Esposa de seu Rei vestida festivamente. Em todo o mundo aparecerá um
sol tão luminoso como jamais aconteceu, desde as chamas do Cenáculo até hoje, nem
jamais se verá até o final dos dias”.139 A “profecia” não foi “comunicada no dia 12 de
fevereiro de 1870 ao Santo Padre”, como foi escrito no título, mas transmitida prova-
velmente ao cardeal Giuseppe Berardi, em carta de 29 de outubro de 1870: “a folha
aqui escrita – precisava Dom Bosco, partilhando os conteúdos – veio de uma pessoa
que já demonstrou outras vezes ter luzes sobrenaturais; eu a tinha comigo neste inverno
em Roma. Já disse algumas coisas de passagem ao Santo Padre; não ousei deixar-lhe
o escrito. Agora que na sua bondade me diz de falar claro, positivo e definitivo, tomo
coragem de transmiti-la”.140 Em 1872, Civiltà Cattolica a inseria, sem indicar a fonte,
ao relembrar uma secular tradição apocalíptica centrada sobre desgraças que deveriam
cair sobre o “Reino da França, predestinado por Deus à defesa da Igreja de Cristo”, caso
136 G. Bosco, La Chiesa Cattolica e la sua gerarchia, p. 80; OE XXI 264.
137 G. Bosco, La Chiesa Cattolica e la sua gerarchia, p. 80; OE XXI 264.
138 G. Bosco, I Concili generali e la Chiesa cattolica: conversazioni tra un paroco e un giovane
parochiano. Turim, Tip. dell`Orat. di S. Franc. di Sales, 1869, p. 61; OE XXII 61. Cf. Os
diálogos II e IV sobre a superioridade do papa sobre o Concílio e sobre o Concílio Vaticano I,
p. 39-79, 133-166; OE II 39-79, 133-166.
139 C. Romero, I sogni di Don Bosco, p. 20-24.
140 Em III 267-268.

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534 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
ele tivesse apostatado da sua missão.141
Dom Bosco partia de Turim, sozinho, no dia 20 de janeiro, parava dois dias em
Florença, e chegava em Roma na tarde do dia 24. Hospedou-se em casa da senhora
Rosa Mercurelli, em Via Pedacchia, aos pés do Campidoglio, onde já se encontrava o
amigo dom Emiliano Manacorda, bispo de Fossano.
Uma das primeiras incumbências foi apresentar e ilustrar ao cardeal Quaglia,
prefeito da Congregação dos Bispos e Religiosos, a relação trienal sobre o Estado da Pia
Sociedade Salesiana.142 É presumível que tenha feito uma visita de obséquio a seu arce-
bispo, dom Riccardi di Netro. É certa, ao invés, a visita ao amigo dom Gastaldi, hospe-
dado na Canônica Vaticana. A este, padre Rua tinha sido encarregado em carta do dia 27
de janeiro, de enviar “cem cópias do livreto A cura d’Ars, cem do outro intitulado Sobre
a autoridade do Pontífice Romano. Eram dois fascículos publicados anos antes, na série
das Leituras Católicas.143 Deve-se observar que o que Gastaldi, já em 1863, escrevia
sobre a autoridade do papa e, em particular, sobre sua infalibilidade,144 era premissa
totalmente homogênea com suas muitas e difusas intervenções no Concílio Vaticano
I em favor da definição dogmática.145 Sobre o argumento não era necessária nenhuma
obra de persuasão por parte de Dom Bosco, que antes já tinha se solidarizado com o
amigo bispo, de temperamento forte, encorajando-o a prosseguir no caminho esco-
lhido.146 No dia 23 de janeiro, com efeito, Gastaldi já tinha manifestado, com extrema
clareza, ao cardeal Filippo de Angelis, presidente do Concílio, sua firme convicção e
disponibilidade para difundir seja o dogma da infalibilidade seja sua definição na aula
conciliar. Nela, contudo, o bispo se diferenciava do padre amigo em pedir que no docu-
mento conciliar fossem fixadas relações mais calibradas entre o sumo pontífice e os
bispos. Ao cardeal de Angelis, Gastaldi propunha que, na definição de infalibilidade do
141 La Civiltà Cattolica, fasc. 525, abril de 1872, p. 299-300.
142 Cf. o texto da conferência, obtida por Dom Bosco no dia 7 de março no Oratório, em apêndice
ao artigo de F. Desramaut, “Le récit de l’audicence pontificale du 12 février 1879 dans les
Memorie biografiche de don Bosco”, RSS 6 (1987), p. 101.
143 Cf. Cenni storici sulla vita del Sacerdote Giovanni Maria Vianney Parroco d’Ars raccolti
dal Sac. Can. Lorenzo Gastaldi, Teologo Collegiato, Tip. dell’ Oratorio di S. Franc. di Sales,
1863, LC, fasc. 3 e 4, maio e junho de 1863, 192 p.; Sull’autorità del Romano Pontefice.
Istruzione catechistica del sacerdote Lorenzo Gastaldi Teologo Collegiato e Canonico Onor.
della SS. Trinità, ibid. 1864, LC, fasc. 11 e 12, jan. e fev. de 1864, 184 p.
144L. Gastaldi, Sull’autorità del Romano Pontefice, p. 61-93. Mas já em carta aberta de Rugby,
(Inglaterra) de 26 de outubro de 1858, à escola de Rosmini ele considerava a infalibilidade
pontifícia “matéria próxima de definição dogmática”: ela foi publicada em Apologista 2
(1858), n. 50, p. 694-695 (cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. I, p. 129-130.
145 Cf. de Gastaldi comunicações ao cardeal de Angelis, presidente do Concílio, de 23 de janeiro
1870, e proposta ao cardeal Patrizi de 19 de fevereiro (Mansi LI, p. 670-671), o discurso de
30 de maio e as intervenções esclarecedoras de 11 de junho e de 2 de julho (Mansi LII, p.
327-337, 607-617, 1034-1038).
146 G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883, vol. I, p. 197-198.

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 535
papa, se evitasse o uso de termos “seorsim, separatim ab episcopis, personaliter, incon-
sultis episcopis” e se adotasse a terminologia essencial “ex cathedra, supra universam
ecclesiam”, e “anathema” a quem tivesse recusado o assentimento “vel sola mentis”.
Porém, exprimia ainda o desejo que, no esquema sobre a Igreja, a propósito dos bispos,
se afirmasse explicitamente que “eles são junto com o sumo pontífice juízes nas coisas
da fé” (ou fórmulas semelhantes), não somente no Concílio Ecumênico, mas também
residindo nas próprias sedes.147
Esperando a audiência papal, Dom Bosco pedia o enriquecimento e a extensão das
indulgências já concedidas aos fiéis agregados na Associação dos Devotos de Maria
Auxiliadora: o que foi acolhido quase totalmente.148
No dia 27 de janeiro concluía a carta ao padre Rua: “Espero os livros para o Papa,
e a música para o cardeal Antonelli e o card. Berardi”.149 Poucos dias depois, delineava
ao mesmo a condição espiritual dos jovens do Oratório e comunicava: “Recebi em
bom estado os livros para o Santo Padre. Espero poder apresentar-lhe o mais rápido
possível”.150 Eram as coleções das Leituras Católicas e da Biblioteca da Juventude
Italiana, que teria apresentado em homenagem ao papa na audiência de 8 de fevereiro
pela manhã. Acentuava, em termos entusiastas, em carta do mesmo dia ao padre Bonetti
e ao padre Rua: “Chego agora da audiência com o Papa, que me acolheu com tal bene-
volência que não posso descrever”, escrevia ao primeiro;151 ao padre Rua: “Hoje estive
com o Santo Padre. Ele não podia acolher-me de modo melhor. Não posso descrever
tudo: mas comunica aos membros de nossa congregação que temos grandes motivos
para nos alegrar no Senhor. Mas continuem a rezar; contarei tudo quando voltar”.152
Ao padre Francesia dizia mais: “Ontem estive com o Santo Padre e tu tiveste boa
parte. Acolhida muito cordial. Agradou-lhe vivamente a oferta da coleção das Leituras
Católicas e da Biblioteca (...). Pois são muitas e graves coisas que dizem respeito ao
bem de nossa congregação que não estimo deva escrever”. Acrescentava saudações de
pessoas de Roma conhecidas do destinatário desde 1867: dom Manacorda, condessa
Isabella Calderari, a família dos nobres Vitelleschi, madre Galeffi das Oblatas de Tor
de’ Specchi, marquesa Fanny Amat Villarios, Rosa Mercurelli.153 Em 12 de fevereiro, ao
padre Rua repetia as informaçoes dadas no dia 8, com a esperança que tivesse recebido
a carta que escrevera no calor da emoção no dia antes da audiência. “Agora acrescenta –
integrava – que fui à audiência do Santo Padre, que me acolheu com amabilidade inex-
primível. Agradou-se, falou, riu e louvou muito a publicação das Leituras Católicas e
147 Mansi LI, p. 670. Sobre toda a ação de Dom Bosco com relação ao Vaticano I, cf. F. Desramaut,
“Don Bosco et l’Église au temps de Vatican I”, Salesianum 60 (1998), p. 505-520.
148 Cf. carta a Pio IX, antes de 4 de fevereiro de 1870; Em III 172.
149 Em III 168.
150 Em III 169-170.
151 Ao padre Bonetti, 8 de fevereiro de 1870; Em III 173.
152 Ao padre Rua, no dia 8 de fevereiro de 1870; Em III 175.
153 Ao padre Francesia, 9 de fevereiro de 1870; Em III 178-179.

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536 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
da Biblioteca, e animou-nos a continuar. Há mais coisas que não convém confiar à carta.
Direi somente que temos muitos motivos para estar contentes”. Mais adiante dizia ainda:
“As coisas de nossa congregação vão muito bem. Continuem a rezar”.154 Em todas elas
havia informações particularizadas sobre indulgências e graças dispensadas pelo papa
aos salesianos e aos benfeitores. A estes comunicava as notícias por meio de circular.155
A alguns fazia distintamente: no dia 8 de fevereiro à marquesa Gondi e a p. Metti, no
dia 9 à condessa C. Callori.156
É natural que na audiência de 8 de fevereiro a conversa tocasse também no Concílio
e no tema da infalibilidade, também porque na coleção das Leituras Católicas ofere-
cidas em maio se encontravam os fascículos relativos à Igreja, à hierarquia católica, à
autoridade papal e à infalibilidade. O papa – contava Dom Bosco na conferência aos
salesianos, de 7 de março – “fez-me em seguida algumas das principais objeções da
história Eclesiástica a respeito da infalibilidade do Papa”. E às respostas de Dom Bosco,
acrescentava: “Não lhe parece possível dar início a um curso de História Eclesiástica,
na qual fosse desenvolvido o espírito que o senhor manifestou ao responder-me tais
objeções, que são o verme da História”.157 O tempo havia se esgotado, mas os argu-
mentos não. Por isso o papa esperava Dom Bosco “para outra audiência pela tarde”.
Não faltaram notícias e concessões importantes. O papa “falou muito” da Sociedade
Salesiana, informando Dom Bosco que em uma sessão do Concílio o bispo de Parma –
era o capuchinho Felice Cantimorri, que morria aos 60 anos no dia 28 de julho – tinha-a
indicado como Congregação moderna e florescente e dom Ghilardi fora encarregado
de transmitir. O papa, depois, concedia os favores espirituais pedidos e propunha como
possível lugar de sede dos salesianos em Roma a igreja de São Giovanni della Pigna e
o edifício anexo.158
A resposta de agradecimento ao papa foi dada por Dom Bosco, após visita ao
pequeno artístico complexo, na audiência semi-pública de 15 de fevereito. No dia 16
escrevia ao padre Rua: “ontem estive na audiência do Papa; fixou-nos uma casa; mas ele
acha-a pequena e quereria dar-nos uma maior”; estranhamente no início da carta era de
outro parecer: “a abertura de uma casa com uma pequena mas bela igreja pode-se julgar
coisa pacífica para o próximo outono”.159 No dia seguinte escrevia a respeito ao padre
Bonetti dando o fato como coisa certa: “No futuro, quando vieres a Roma, encontrarás
à tua disposição uma casa com uma estupenda pequena igreja. O resto te digo verbal-
mente. Silêncio e alegre”. De modo semelhante ao padre Lemoyne, sempre em 17 de
fevereiro: “pois uma pequena casa quando vieres a Roma, e também uma estupenda
154 Em III 180.
155 Circ. s.d.; Em III 176-177.
156 Em III 174-175 e 177-178.
157 F. Desramaut, “Les récits de l’audience pontificale”, p. 102.
158 F. Desramaut, “Les récits de l’audience pontificale”, p. 102-103.
159 Em III 183-184.

54.7 Page 537

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Cap XVI: Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869) 537
pequena igreja para celebrar a santa missa”.160 Sobre a audiência semi-pública falava
o padre Lorenzo Piccatti (1813-1888), prior em Malanghero, no Canavese, a 16 quilô-
metros de Turim, uma vez que pôde participar dela graças a Dom Bosco. “Para Dom
Bosco – notava – a parada fora mais longa e mostrou a todos, que se admiravam, como
lhe fosse bem querido”. Sublinhava também “a estima e a devoção” que gozava Dom
Bosco em Roma por parte de pessoas de todas as classes, do papa aos “burgueses de
toda categoria, de toda condição”. Informava também a respeito de uma viagem impro-
visa de Dom Bosco, “para visitar um doente a quinze milhas distante de Roma”.161
Na Urbe Dom Bosco referia ainda de ter falado “com diversos Bispos, que tendo
sentido falar no Concílio” da Sociedade Salesiana, pediam a abertura de obra em sua
diocese. A resposta só podia ser negativa, “não por falta de meios materiais” – obser-
vava –, “mas por falta de pessoas”.162
Era a última vez que Dom Bosco se encontrava na capital do Estado da Igreja. Em
18 de julho no Concílio Vaticano I era promulgada a Constituição Dogmática Pastor
aeternus sobre a Igreja, com a proclamação da infalibilidade pontifícia. No dia 19, a
França declarava guerra contra a Prússia. Em 5 de agosto eram repatriadas as tropas fran-
cesas deslocadas no Estado Pontifício. Entre 30 de agosto e 2 de setembro consumava-se
a desintegração do exército francês em Sedan. Em 20 de setembro as tropas italianas
entravam em Roma, assinalando o fim do Estado Pontifício. Com a Carta Apostólica
Postquam Dei munere, de 20 de outubro, Pio IX sancionava a suspensão do Concílio.
Em 1871 Pio IX recusava a “lei das Garantias” do Estado Italiano, de 13 de maio,
protestando oficialmente com a encíclica Ubi nos arcano Dei, de 15 de maio de 1871, e
declarando-se “prisioneiro no Vaticano”.163 No entanto, em 29 de janeiro, a França tinha
concordado o armistício com a Prússia. Entre 18 e 28 de maio seguiam os sangrentos
dias da Comuna, abafados pelo governo de Adolphe Thiers, presságio do advento da
Terceira República, em 30 de janeiro de 1875.164 No dia 16 de junho Dom Bosco escrevia
pedindo à superiora geral das Fiéis Companheiras, madre Eudosia Babin, que tinha
enviado a conspícua oferta de 600 francos, uma relação dos fatos que tinham conduzido,
no começo da revolução, à preservação das casa do Instituto de Paris. Ela teria sido
conservada “como monumento das glórias de Maria”. Informava: “Creio que seja bom
notar que, apenas se iniciaram os desastres da França, quando os males ameaçavam
Paris, deu-se início a preces particulares dos jovens no altar de Maria A. e continuaram
até o cessar do perigo, quando se cantou um solene Te Deum em agradecimento”.165
Dom Bosco viveu substancialmente às margens do momento histórico altamente
dramático na Igreja e na Europa. Mesmo no decurso da estada romana, o envolvimento
160 Em III 185-186.
161 Carta a um amigo de 16 de fevereiro de 1879; MB IX 822.
162 F. Desramaut, “Les récits de l’audience pontificale”, p. 104.
163 Cf. cap. 1, § 10.
164 Cf. cap. 2, § 9.
165 Em III 337-338.

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538 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
muito limitado nos fatos do Concílio tinha-o deixado quase inteiramente livre para dedi-
car-se à missão primária: os jovens das várias comunidades educativas e a congregação
religiosa que deles se ocupava, sem esquecer alguns problemas financeiros ligados à
sua subsistência. À missão, interna e no exterior, era dedicado o espaço bem maior das
cartas endereçadas aos diretores. Em todas elas falava desde os últimos dias de janeiro da
data do retorno, da festa de são Francisco de Sales, que devia ser celebrada no domingo
sucessivo, do encontro com os diretores do Oratório para as costumeiras reuniões ou
conferências, da “comemoração” também à mesa, com a qual alegrar os alunos.166
Tal comportamento era devido simplesmente ao fato de que ele estava fortemente
convencido que esta era para ele e para os seus o caminho real a ser percorrido para
o bem da Igreja e a regeneração da sociedade: a educação da juventude, com desejos
provavelmente crescidos de mundos mais vastos, preferivelmente para os espaços
missionários que se delineavam no horizonte.
166 Cf. Em III 168, 170, 173, 176, 179, 180, 183, 185, 186.

54.9 Page 539

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Capítulo XVII
Impulsos para o crescimento pedagógico,
espiritual e cultural (1861-1870)
1861
1863
1864
1866
1868
1869
1875
setembro: Pequena biografia do jovem Miguel Magone (LC)
outubro: primeiro núcleo das Recordações confidenciais aos diretores
julho-agosto: O pastorzinho dos Alpes: a vida do jovem Francisco Besucco (LC)
janeiro: A casa da fortuna
início da coleção Selecta ex Latinis Scriptoribus ad Usum Scholarum
dezembro: Valentim: a vocação impedida (LC)
fevereiro: Severino: aventuras de um jovem dos Alpes (LC)
janeiro: início da Biblioteca da Juventude Italiana
20 de setembro: o cav. Federico Oreglia deixa o Oratório
Selecta ex Latinis Scriptoribus
Indubitavelmente verificou-se uma reviravolta com as novas categorias de jovens
dos quais Dom Bosco vai se ocupando em diferentes instituições, desde o cárcere, onde
tinha encontrado jovens particularmente pobres e abandonados, até os próprios cate-
cismos e oratórios, freqüentados por um público bastante heterogêneo, entre os quais
muitos encontravam-se desenraizados de suas origens e perdidos na metrópole. Essa
reviravolta se acentuava no interior do Oratório de Valdocco, quando à forma oratoriana
se somavam gradualmente as do pensionato, do internato, do colégio e, em parte, do
pequeno seminário. Nessa comunidade, sobretudo, se desenvolvia a ação assistencial e
animadora de Dom Bosco e iam se elaborando principalmente suas idéias, tornando-se
pouco a pouco sistema. Tudo isto mexia com a fisionomia dos jovens, que gradual-
mente iam povoando diversas instituições, com a prevalência das mais estruturadas.
1. Metodologia preventiva entre colégio e pequeno seminário
Efetivamente, as orientações educativas e as diferentes indicações pedagógicas, ao
menos tendencialmente, espelhavam principalmente o mundo juvenil do Oratório de
Valdocco e dos dois colégios iniciados nos anos de 1863-1864, e depois os que seriam

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540 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
abertos, de 1869 a 1872, em Cherasco, Alassio, Varazze, Marassi, Sampierdarena, Turim
Valsalice. Embora com traços comuns básicos, tal fato exigia tratamentos diversamente
qualificados. A maior variedade de hóspedes se concentrava no Oratório de Valdocco:
artesãos que se habilitavam no exercício de suas artes, jovens que pelos dotes morais e
intelectuais davam esperança em um “sucesso honroso e cristão” nos estudos, jovens
de boa família que realizavam os estudos primários e secundários normais, estudantes
aspirantes ao estado eclesiástico, clérigos que se dirigiam ao sacerdócio.
Ao Oratório, entendido em sua parte estudantil também como pequeno seminário,
mais que no complexo todo, referia-se o jornal Gazzetta del popolo de 31 de maio de
1860, julgando a obra por ocasião da perquisição: “O Fisco procedeu a uma perqui-
sição ao conhecido Dom Bosco, diretor de uma ninhada de pequenos em Valdocco, e
diz que nada tenha sido encontrado de comprometedor. E não basta ao Fisco a História
da Itália desse moderno padre Loriquet para convencê-lo quanto possa ser perigoso tal
preceptor?”.
A vida interna do Oratório, vista através das primeiras Crônicas – e da própria
biografia de Domingos Sávio – poderia oferecer algum apoio a semelhantes impres-
sões em jornalistas abertamente laicistas e anti-clericais.1 Efetivamente os cronistas
dos anos 60, clérigos ou sacerdotes do Oratório, além de referir-se aos acontecimentos
do internato mais que do oratório festivo, parecem estar particularmente atraídos pelo
ideal do pequeno seminário e acabam por perceber, narrar e interpretar os fatos sobre-
tudo dentro dessa ótica. Os conceitos básicos eram comuns a todos os estados, mesmo
que, de fato, as expectativas, os meios e as medidas educativas eram mais voltados aos
estudantes, com particular atenção aos que, no final do curso, aspiravam ao clericado.
São significativas, a propósito, as cifras dadas sobre os que passavam ao seminário
arquiepiscopal de Turim, sem contar os que podiam entrar em outros seminários ou em
ordens e congregações religiosas. Entre 1861 e 1872 a relação dos jovens provenientes
do Oratório sobre o total dos aspirantes ao clericado no seminário turinês foi a seguinte:
48/85, 42/71, 44/72, 23/48, 34/58; 26/60, 18/45, 4/51, 14/32, 16/48, 11/42, 10/32.2
O centro das convicções religiosas instiladas nos jovens era indubitavelmente
ocupado pelo conhecido tema da salvação, condicionado pela vida de graça. Para
conservá-la, ou recuperá-la no caso de se encontrar no pecado, dois tipos de intervenção
eram considerados essenciais. Era inculcada, antes de tudo, a séria meditação dos
novíssimos, morte, juízo, inferno e paraíso, a única em condição de induzir ao salutar
temor capaz de acordar do torpor espiritual sob a insígnia do stote parati evangélico:
1 Mais irreverente era o corte do qual se refere F. Motto, “La Vita del giovanetto Savio Domenico:
un beffardo commento de Il Cittadino di Asti del 1860”, RSS 8 (1839), p. 369-377.
2 Cf. G. Tuninetti, Lorenzo Gastaldi 1815-1883. Vol. II: Arcivescovo di Torino. Casale
Monferrato, Piemme, 1988, p. 391-392. Para os anos 1855-1880, calcula em 316 A. Nicola,
Seminario e seminaristi nella Torino dell’Ottocento: assetto economico ed estrazione sociale
del clero. Casale Monferrato, Piemme, 2001, p. 35, 38.

55 Pages 541-550

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55.1 Page 541

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 541
“Mantenhamo-nos todos preparados, para que a morte, chegando até nós, encontre-nos
tranqüilamente preparados para a eternidade”: esse é o modo de expressar-se muito
comum de Dom Bosco.3 A partir dos últimos anos da década de 50 não há final de
ano no qual Dom Bosco não retorne sobre a fugacidade do tempo, a certeza da morte
e a incerteza da hora, e não acrescente uma pregação sobre determinadas mortes, que
algumas testemunhas procuravam depois individuar entre as muitas que aconteciam.
Daí deriva a urgência de um acurado exame de consciência e a coragem de vencer a
vergonha que conduzissem à confissão sincera e íntegra dos próprios pecados, em parti-
cular daqueles contra a castidade, os mais vergonhosos e causadores de mal-estar.
Esses e outros conceitos análogos ocorrem nos sonhos que desde os anos 50 marcam
as falas noturnas de Dom Bosco e fazem dele um preocupado e perspicaz leitor de
consciências: a cena das mesas dispostas sobre patamares ascendentes, o passeio ao
paraíso, as dez colinas, a inundação e a canoa, o caminho da perdição e o inferno, o
gorila que sufoca a garganta e o cadeado, estes símbolos do escondimento na confissão,
com diferenças de atitude, de situações espirituais e de destinos. “Ó queridos jovens,
eu me horrorizo só de pensar, eu não acreditava que existissem tantas consciências tão
desordenadas quanto existissem naqueles chagados e deitados – era o comentário de
Dom Bosco no sonho de 30 de dezembro de 1860, tendo como protagonistas Cafasso,
Pellico, Cays e, sobretudo, os jovens chamados diante de um tribunal muito autoritário
para depor sobre o próprio estado de consciência –. Eu asseguro a você que passei
noites e dias terríveis. Louvo os que já pensaram em ajustar a própria consciência, mas
muitos outros ainda não pensaram nisso. E dizendo estas coisas Dom Bosco se comovia
e grossas lágrimas lhe caíam dos olhos”.4 Mais atingidos eram os jovens pecadores
que tinham ouvido suas palavras, como anotava nos dias seguintes o cronista: “Muitos
jovens ficaram pesarosos e perturbados, vários se prepararam para fazer confissão geral,
muitíssimos desejaram falar com Dom Bosco, o qual disse a todos coisas muito impor-
tantes do interior da própria consciência”; “os aprendizes continuam a fazer a confissão
geral”. Tanto o narrador quanto Dom Bosco parecem mais atentos à utilidade espiritual
imediata que às repercussões psicológicas e à autenticidade da “conversão”: “naquele
sonho eu conheci o estado de consciência de todos os jovens, o estado presente e muito
também o futuro (...). Eu tive maior conhecimento por esse sonho do que adquiri em
todo o tempo no qual estudei teologia”.5
A consecução de êxitos salvíficos predominava também nas leituras dos estados
de consciência e nas predições de morte, registradas por Domenico Ruffino no arco de
tempo entre 1861 e 1864. “Dom Bosco – anotava Ruffino – chamou um jovem em seu
quarto, dizendo-lhe assim: eu vi nesta noite a morte que andava para dar-te um terrível
3 G. Bonetti, Annali II 1861-1862, p. 3-4.
4D. Ruffino, Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales Nº 2 1861, p. 5-6.
5D. Ruffino, Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales Nº 2 1861, 12 e 15 de janeiro de
1861, p. 5-8.

55.2 Page 542

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542 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
golpe, e eu corri logo para pará-la; mas ela disse, voltando-se para mim: para que deixar
viver alguém que abusa tanto das graças do Senhor! Mas depois eu a esconjurei a
deixar-te, e ela deixou-te”.6 à comunidade reunida para as orações costumeiras na noite
de 16 de junho de 1864 revelava preocupantes condições de almas em perigo: “Nesta
manhã vocês fizeram o exercício da boa morte e eu fiquei contente até o momento em
que vocês estiveram na Igreja; mas quando vocês sairam da igreja, não mais, porque
então vi muitos sairem com o nariz de porco. Isto significa que vários não fizeram o
exercício da boa morte ou o fizeram mal”.7
As predições de morte criavam algum problema, mas Dom Bosco se justificava.
“Portanto, algum outro quererá morrer?” – era a interrogação que ele colocava em 11
de janeiro de 1864, a dois dias da morte de Francesco Besucco. Ora, há um que deseja
ir terminar o carnaval no paraíso. Alguns se chateiam quando eu digo estas coisas e
queriam que eu as dissesse somente ao interessado, de tal forma que ele se prepararia,
enquanto os outros estariam tranqüilos. Mas não, eu não cumpriria meu dever se não
lhes dissesse tais coisas. Algumas vezes eu sei que alguém deve morrer e não sei quem
seja, outras vezes eu sei quem é, não convém dizê-lo”.8 Em 4 de fevereiro repetia: “Eu
não deveria dizer ainda uma coisa; mas é necessário que eu faça meu dever. Antes da
Páscoa há jovens da casa que querem ir para o céu; e são em número plural”.9
Lemoyne, o mais fiel dos coletores destas coisas, narra uma boa noite que é quase
uma síntese do pensamento de Dom Bosco sobre o estote parati, sob o sinal da morte
sempre ameaçadora e do antigo tentador: “há duas espécies de morte, improvisa
e repentina. Improvisa é quando ela vem e nós não estamos preparados; repentina,
quando nos surpreende preparados. Venha, pois, a morte repentina, mas Deus nos livre
da improvisa. Meus filhinhos, se chegasse agora a morte, vocês estariam preparados?
Espero que a maior parte esteja. Alguns, desgraçadamente não, pois estão em pecado
mortal. Se esses contemplassem a horrível imagem que têm nas costas, ficariam horro-
rizados. Já há algum tempo eu quero adverti-los, e até agora tenho aguardado espe-
rando que se convertessem, mas agora esperarei somente alguns dias e os advertirei.
Se quisesse, poderia fazer-lhes um aceno, e um por um, mas em público não. Estejam
certos de que lhes falarei em particular. O demônio, meus queridos, gira ao redor de
vocês procurando devorá-los. Ele vem por trás, e agora está muito próximo, e neste
momento procurar fazê-los cair...” Contudo, um motivo superior de esperança elevava
os corações: a presença da “bela mãe, Maria”, “a qual – assegurava Dom Bosco – lhes
estende a mão e sustenta-os, de modo que seja impossível sua queda”.10 A um certo
6D. Ruffino, Cronache dell’Oratorio di S. Francesco di Sales Nº 2 1861, p. 6 (12 de janeiro);
cf. também do mesmo a crônica 1861 1862 1863 1864 Le doti grandi e luminose, p. 7-8 (29
de dezembro de 1863), 13-14 (9 e 11 de janeiro de 1864), 15 e 28-29 (4 e 25 de fevereiro
de 1864), 53-54 (15 de junho de 1864). Não dizem menos as crônicas paralelas de Giovanni
Bonetti e a de Lemoyne que recobre o ano escolástico 1864-1865.
7D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863 1864 Le doti grandi e luminose, p. 56.
8D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863 1864 Le doti grandi e luminose, p. 14.
9D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863 1864 Le doti grandi e luminose, p. 15.
10 G. B. Lemoyne, Cronaca 1864-1865, 2 de janeiro de 1865, p. 65-66.

55.3 Page 543

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 543
ponto, porém, ele prestava atenção, novamente, ao mal-estar de muitos e manifestava
o propósito de não falar mais nada: “daqui para a frente não falarei mais nada; não
avisarei mais. Mas aos que têm tanto medo da morte eu digo: meus filhos, cumpram o
próprio dever, não tenham conversas más, freqüentem os sacramentos, não satisfaçam
a gula, e a morte não os assustará”.11
Mas, além das sombras e dos claro-escuros, o Oratório mostrava outra face: as recre-
ações, os jogos, a alegria, o carnaval. Era o sinal de ulteriores propostas positivas de
convivência familiar, propedêutica para uma vida rica de futuro. “Ontem – anunciava
em 8 de janeiro de 1865 – começou o carnaval. Quero que vocês também tenham um
carnaval alegre (...). Quero que acrescentem um carnaval espiritual ao corporal”.12
Entre os temas salientes nas boas-noites apareciam os do estudo e dos meios para
torná-lo frutuoso, da disciplina e da indisciplina, do furto, da imoralidade. Em certos
períodos mais reflexivos durante o ano escolástico era, invés, dominante o tema da
vocação e dos meios para individuá-la. O tema das pessoas às quais dirigir-se para pedir
um conselho era central; entre eles principalmente o confessor.13 Recordava também a
vocação comum a todos, o amor, a caridade, porque – ensinava – “o Senhor colocou-nos
no mundo para os outros”.14
As tempéries do ambiente, mais seletivo para a parte estudantil, era dada também
pelo posicionamento firme diante de fatos que superavam o nível de tolerância de uma
comunidade juvenil normal. Diante de situações-limite, as exortações podiam tornar-se
admoestações resolutas, ameaças de suspensão e de expulsões. A impudicícia escanda-
losa podia se tornar intolerável, bem como o furto reiterado, a aplicação insuficiente
ao estudo de quem gozava do privilégio de gratuidade, a aberta e continuada infração
da disciplina. É natural que Lemoyne, que não concordava com Montebruno, consi-
derado muito liberal na matéria, registre com particular cuidado essas situações.15
A novena da Imaculada era considerada, em Valdocco, como o momento ideal para uma
decisão séria, como declarava o próprio Dom Bosco: “As Novenas e tríduos são sempre
funestos”; “a razão está no fato de que Nossa Senhora quer a casa limpa, e com efeito,
após o Natal, quase vinte jovens saíram da casa, sem ser mandados”.16
O problema da demissão da casa aparece também em várias cartas nas quais Dom
Bosco fala de jovens que eram enviados de volta “para sua origem”, mesmo que fossem
recomendados por benfeitores e amigos, como o barão Feliciano Ricci de Ferres e o
11 G. B. Lemoyne, Cronaca 1864-1865, 16 de março de 1864, p. 118.
12 G. B. Lemoyne, Cronaca 1864-1865, 8 de janeiro de 1865, p. 67.
13 G. B. Lemoyne, Cronaca 1864-1865, 5, 10, 12 de dezembro de 1864, p. 38-46.
14 G. Bonetti, Annali II 1861-1862, p. 48-48.
15 Cf. G. B. Lemoyne, Cronaca 1864-1865, de dezembro de 1864 a março de 1865, p. 47-48,
55-56, 94-97, 119-122.
16D. Ruffino, Cronaca 1861 1862 1863, p. 53 e 95.

55.4 Page 544

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544 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
cônego De Gaudenzi.17 Concedia-se uma excessão para o sobrinho do grande protetor,
dom Ghilardi, bispo de Mondovì: “Este bom jovem, antes que viesse aqui, tinha
contraído certos hábitos que non expedit nomear. Aqui chegando, como era constante-
mente assistido, não podia secundar seus caprichos; além disso, alguns companheiros
de seu grupo foram mandados embora da casa e ele encontrou-se sem apoio. Agora
começou a dizer que não lhe agradava, ora por um motivo, ora por outro. No momento
ele goza da boa saúde; mas diz que está um pouco adoentado (...). O impedimento da
respiração, da qual se lamenta, se é verdade (pois não quer ir ao médico), eu atribuo ao
hábito acima descrito. Por causa dessa forma de agir tive forte reclamações dos assis-
tentes, e alguns de seus companheiros vieram reclamar comigo por serem molestados
a propósito do acima referido. Se V.Ex.cia, sem tocar no que acabei de lhe escrever,
quisesse tocar na origem de seus males físicos ou morais, acredito que seja oportuno.
Quando ao resto, faremos para ele tudo o que está em nosso alcance”.18
É evidente que Dom Bosco condividisse a tese largamente difundida, conforme
antigas idéias, representadas em perspectiva médica no séc. XVII pelo doutor Simon
André Tissot (1728-1797), em livro saído em várias edições italianas, também no século
seguinte, O onanismo: dissertações sobre as doenças derivadas das poluções noturnas,
sobre as inevitáveis doenças causadas pela masturbação quando se torna hábito vicioso.
Semelhantes pecados “abreviam a vida”, tinha escrito, baseando-se no testemunho dos
médicos, na meditação sobre o Pecado de desonestidade em o Mês de maio.19
Para dar claro e eficaz timbre preventivo protetor aos colégios, Dom Bosco enviava
uma circular, de abril de 1868. Com ela comunicava aos interessados a decisão de reduzir
as férias só a um mês, de 15 de setembro a 15 de outubro. Ao mesmo tempo declarava
ter tomado tal decisão “após reiterados pedidos de pais de família muito respeitáveis e
após muitos convites de pessoas experimentadas na educação da juventude”.20
2. Escritos pedagógicos, biográficos e doutrinais nos anos 60
As biografias clássicas de Dom Bosco – já se falou sobre a de Domingos Sávio
– de Miguel Magone e de Francisco Besucco representavam o modelo e, em certa
medida, a realidade do mundo moral e espiritual de Valdocco, assim como era
expresso pelas crônicas, com atenção especial para a parte estudantil. De resto, o
17 Cf. por exemplo, ao cônego De Gaudenzi, no dia 5 de junho de 1857 e ao barão Feliciano
Ricci des Ferres, no dia 5 de junho de 1857 e 3 de novembro de 1859 (Em I 324 e 385):
trata-se de jovens expulsos por sairem clandestinamente de noite ou por indisciplina.
18 Carta de 7 de abril de 1861; Em I 446.
19 G. Bosco, Il mese di maggio, p. 144-145; OE X 438-439.
20 Em II 517-518.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 545
cronista dá esta informação: “Dom Bosco disse: há jovens que são, na piedade, supe-
riores a Domingos Sávio”.21
Jovens dessa envergadura eram propostos nas duas biografias, naturalmente depu-
radas dos elementos contingentes, internos ao oratório – predições, espera do aconte-
cimento, sonhos etc. –, de forma a tornar mais adequadas ao mundo externo. Numa
perspectiva de futuro a forte idealização pode ter favorecido quem tenha buscado
elaborar a assim chamada pedagogia espiritual de Dom Bosco a apartir das biografias.
A mais alta expressão dessa pedagogia se encontra na análise da biografia de Domingos
Sávio.22 Não se pode esquecer, contudo, que essa literatura, além de pagar um conspícuo
tributo ao estilo hagiográfico do tempo, espelhava, na realidade, a particular condição
de dois protagonistas, aspirantes ao sacerdócio. Poucos meses após sua chegada no
Oratório, Magone teria querido emitir “o voto de fazer-se padre e de conservar a perpétua
castidade” e Dom Bosco não o contrariava de todo, aconselhando-o a limitar-se “a uma
simples promessa de abraçar o estado eclesiástico, até que no final dos cursos de lati-
nidade [aparecessem] claros sinais de que o mesmo fosse chamado”.23 Análoga era a
de Besucco, aceito no Oratório pela recomendação do pároco, que esperava “fazer dele
um ministro do Senhor”, um operário de sua “vinha”. Isto foi logo abertamente decla-
rado a Dom Bosco pelo interessado: “o meu grande desejo é de poder abraçar o estado
eclesiástico”.24 Com respeito a eles, portanto, nas respectivas vidas vividas e escritas
Dom Bosco se exprimia como diretor espiritual de candidatos à vida eclesiástica, talvez
virtualmente salesiana, mais que como padre dos jovens considerados em sua generali-
dade e nas condições as mais disparatadas.25
A menos distante da média dos jovens, com exclusão dos difíceis ou díscolos, parece
ser a biografia de Magone, que oferecia na sucessão dos capítulos etapas essenciais de
vida espiritual juvenil: Dificuldade e reforma moral (cap. III); Confessa-se e começa
a freqüentar os sacramentos (cap. IV); Uma palavra à juventude [sobre a confissão]
(cap. V); Sua solicitude exemplar nas práticas de piedade (cap. VI); Pontualidade nos
deveres (cap. VII); Sua devoção pela beata Virgem Maria (cap. VIII); Sua solicitude e
suas práticas para conservar a virtude da castidade (cap. I); Bonitos gestos de cari-
dade para com o próximo (cap. X); Fatos e ditos espertos de Magone (cap. XI); Sua
preparação para a morte (cap. XIII).26
21D. Ruffino, Cronache dell’Oratorio di San Francesco di Sales Nº 2 1861, p. 6.
22 Cf. A. Caviglia, “La vita di Besucco Francesco scritta da Don Bosco”, Salesianum 10 (1948),
p. 103-113; ID., “Un documento inesplorato. La vita di Besucco Francesco scritta da Don
Bosco e il suo contesto spirituale”, Salesianum 10 (1948), p. 257-287, 641-672; 11 (1949),
p. 122-145; 288-319; ID., “Il ‘Magone Michele’ na classica esperienza educativa: studio”,
Salesianum 11 (1949), p. 451-481; 588-614; C. Colli, Pedagogia spirituale di Don Bosco e
spirito salesiano: abbozzo di sintesi. Roma, LAS, 1982.
23 G. Bosco, Cenno biografico sul giovanetto Michele, p. 42; OE XIII 196.
24 G. Bosco, Il pastorello delle Alpi, p. 74, 77, 87; OE XV 316, 319, 329.
25 Cf. 11, § 3.
26 Cenno biografico del giovanetto Magone Michele, p. 16-22; OE XIII 170-22.

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546 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
A biografia de Francesco Besucco, que entrou no Oratório no início de agosto de
1863, era prolixa e, em boa parte, dedicada à primeira infância e à educação recebida
na família e na paróquia da região montanhosa de Argentera. Os capítulos XVI-XXXI
eram dedicados aos poucos meses vividos no Oratório, os últimos da existência. Os
títulos atraiçoam o léxico típico de Dom Bosco: Teor de vida no Oratório (cap. XVI);
Estudo e diligência (cap. XVIII); A confissão (cap. XIX); A Santa Comunhão (cap.
XX), Visita ao Santíssimo Sacramento (cap. XXI); Suas penitências (cap.XXII); Fatos
e ditos especiais (cap. XXIII)27.
A pedagogia espiritual de Dom Bosco, contudo, justamente porque era dirigida
à juventude pobre e abandonada, geralmente se encontrava diante de jovens necessi-
tados – segundo ele – de uma “reforma moral” mais empenhativa. Estava orientada,
antes de tudo, à recuperação, à defesa, à conservação e ao desenvolvimento da vida
da graça, considerada como o máximo bem do jovem cristão, sinônimo de santidade
substancial, garantia de vida feliz no tempo e além do tempo. A guerra ao pecado, em
suas variadas formas, era fundamental, sendo relevante a relativa ao campo sexual,
que poderia tornar-se matriz de uma vida infeliz e, mais tragicamente, a antecâmera
da temida condenação eterna.28 O cuidado da graça podia desenvolver-se nos graus
mais elevados, percorridos pelos jovens mais predispostos, em uma forte tensão à santi-
dade, semelhante e próxima a dos santos canonizados. Por isso, o itinerário espiritual
de Magone e de Besucco, como o de cada jovem pleno de vontade, começava com a
confissão geral destinada a sanar na raiz as confissões passadas eventualmente inválidas
ou sacrílegas, ou à verificação de um bom estado de saúde sobre o qual se poderia tran-
qüilamente construir. Na continuação da construção tinha papel importante o confessor
estável ou o confessor também diretor espiritual, que era, por força das coisas e depois
por princípio, o mesmo diretor da comunidade educativa.29 A vida de graça deveria
envolver todo o programa de vida, reassumido no trinômio alegria, estudo-trabalho e
piedade.30 A síntese era registrada por Giovanni Bonetti em maio de 1862, como forma
habitual de falar de Dom Bosco: “Dom Bosco costuma dizer aos jovens do Oratório
que deseja deles três coisas: alegria, trabalho e piedade. Repete com freqüência o dito
de são Felipe Neri a seus jovens: quanto é tempo, corram, saltem, divirtam-se o quanto
querem, mas, por caridade, não cometam pecado”.31
Resultava daí uma intensa prática religiosa baseada sobre alguns princípios sólidos:
prece individual e comunitária, freqüência dos sacramentos da confissão e da eucaristia,
27 G. Bosco, Il pastorello delle Alpi, p. 85-129; OE XV 327-271.
28 Cf. J. Guerra, El concepto de pecado a la luz de Don Bosco: análisis de las principales
biografias juveniles escritas por el Santo. Roma, LAS, 1987.
29O diretor do instituto é declarado confessor ordinário na comunidade juvenil e religiosa nos
Ricordi confidenziali ai direttori de 1871/1872: cf. F. Motto, “I” Ricordi confidenziali ai
direttori, RSS 3 (1984), p. 156.
30 Cf. cap. 11, § 2.
31 G. Bonetti, Annali II 1861-1862, p. 77.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 547
missa quotidiana, especial devoção a Maria Imaculada e Auxiliadora, e aos santos, são
Luiz para todos os jovens, são José sobretudo para os aprendizes, são Francisco de Sales
para educandos e educadores. Em nível de empenho moral eram inculcados a fuga do
ócio e das más companhias, a familiaridade com os bons, a exatidão no cumprimento
dos deveres de estudo ou de trabalho, a pontualidade na observância do regulamento
da casa, código prático com toda a gama dos preceitos divinos e humanos sobre os
deveres para com Deus, para com os outros e para consigo mesmo. Atenção particular
era reservada “à pureza”, inseparável da mortificação dos sentidos. No vértice era posto
o exercício da caridade manifestada no zelo pela salvação das almas, a começar pela
dos próprios companheiros, no mútuo auxílio e nas boas maneiras. A seriedade dos
deveres, antes que diminuir, teria dilatado os espaços da alegria e jovialidade, fruto de
uma consciência livre do pecado, em harmonia com Deus, consigo mesmo e com os
“superiores”. O temor de Deus tinha a missão de ser o custode de todo o edifício espi-
ritual, alimentado pelo constante pensamento dos novíssimos – memorare novissima
tua et in aeternum non peccabis –: de forma mais imediata e sensível o pensamento
da morte, que podia chegar a qualquer momento, e do juízo sem apelo; de modo mais
positivo o do paraíso, meta esperada do jovem cristão que tinha Jesus como amigo, e
como mãe, a Virgem Maria.
Uma primeira reflexão pedagógia sobre os responsáveis primários da ação formativa
pode ser a carta que, como já se falou, Dom Bosco escrevia ao padre Rua, neo-diretor
de Mirabello, entre outubro e novembro de 1863, traçando-lhe o perfil ideal do respon-
sável de uma comunidade religiosa educadora, guia e sapiente animador de seus cola-
boradores.32 O perfil era precedido e seguido pelo implícito auto-retrato do fundador
do Oratório, diretor das coisas materiais e espirituais, intuitivo, prudente e amoroso
conselheiro espiritual de Domingos Sávio, Miguel Magone e Francisco Besucco; a
seguir, do protagonista de Valentino: a vocação impedida e de Severino: aventuras
de um jovem dos Alpes. As sugestões do “terno pai que abre seu coração a um de seus
mais caros filhos”, padre Rua, encontram o centro de gravidade no princípio “Procura
fazer-te amar antes de te fazeres temido”, que se exprimia imediatamente no colorário
“As tuas solicitudes sejam todas dirigidas ao bem espiritual, sanitário e científico dos
jovens que a divina providência te confia”. Seguiam indicações que confirmavam os
traços de um governo intensamente familiar: atenção às exigências dos ensinamentos e
aos deveres morais (“fujam da amizade particular e da parcialidade entre seus alunos”),
estendita também aos assistentes: “a todos dirás que se esforcem para impedir as más
conversas, afastar todo livro, escrito, imagem, pintura, hic scientia est, e qualquer coisa
que coloque em perigo a rainha das virtudes, a pureza”. Outra recomendação dizia
respeito “à familiaridade nos recreios”: “faze o que puderes para passar em meio aos
jovens todo o tempo da recreação, e procura dizer ao ouvido alguma palavra afetuosa,
que tu sabes quando é o momento oportuno. Esse é o grande segredo, que te torna dono
32 Cf. cap. 13, § 3.1.

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548 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
do coração dos jovens”. O crescimento destes para a liberdade responsável é o que
visava a interessante anotação sobre a característica das “companhias juvenis”: “Inicia
a sociedade da Imaculada Conceição; contudo, tu serás somente promotor e não diretor;
considera a companhia como obra dos jovens”.33
O comportamento do confessor no momento em que o jovem abria-lhe a própria
consciência merecia particular relevo. De um lado, Dom Bosco exortava com “ardor”
a confiar-se ao confessor com absoluta sinceridade, assegurando que “confessor é um
pai”, “amigo da alma”, devendo observar o mais rigoroso segredo. Mas com igual
paixão esconjurava os confessores a “acolher com amorevolezza toda espécie de peni-
tente, mas especialmente os jovens”, a “entrar em confidência” com eles, indagando
sobre o estado da própria consciência tanto no presente, quanto em relação às confis-
sões passadas.34 Na biografia de Francesco Besucco as indicações eram mais limitadas:
exortava os jovens a “querer fazer logo a escolha de um confessor estável”; exortava os
confessores “a inculcar com zelo a freqüente confissão”, a insistir “sobre a grande utili-
dade da escolha de um confessor”, a “recordar sempre o grande segredo da confissão”35.
Em Valentino a teoria tornava-se narração de uma engenhosa metodologia para ganhar
mente e coração do jovem e conduzi-lo a convicta prática religiosa e sacramental.36 Um
piedoso estratagema do diretor do Oratório para atrair um jovem à confissão era descrito
em Severino. Por fim, chegando ao epílogo de sua aventurosa caminhada biográfica de
ex-oratoriano, “o antigo amigo da alma” estava de novo ao lado com “amorevolezza
para com o “filho” reencontrado, o qual, com a confissão sacramental, readquiria calma
e felicidade.37
3. Cartas aos jovens
Dom Bosco difundia análogos endereçamentos pedagógicos na reflexão ocasional
confiada às cartas, individuais e coletivas, que costuma enviar a jovens pertencentes a
famílias amigas. Aí se encontravam motivos praticamente idênticos, fossem os jovens
de qualquer idade ou condição: fugir das más companhias; evitar ou sobrevoar as
leituras que pudessem perturbar o coração; cumprir os próprios deveres; acreditar que
“o maior tesouro é a graça de Deus”, “a primeira riqueza, o santo temor de Deus”;38
viver na alegria, mas “verdadeira”, “a de uma consciência livre do pecado”; “fugir dos
33 Em I 613-616.
34 Cf. G. Bosco, Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele, p. 24-29; OE XIII 178-183.
35 G. Bosco, Il pastorello delle Alpi, p. 102-105; OE XV 344-347.
36 G. Bosco, Valentino, cap. IV: Nuovo Collegio. Ritorna alla pietà, p. 19-25; OE XII 197-203.
37 G. Bosco, Severino, p. 43-45, 162-168; OE XX 43-45, 162-168.
38Ao nobre jovem de 19 anos, Ottavio Bosco di Ruffino, no dia 11 de agosto de 1859 (Em I
381-382) e 9 de janeiro de 1861 (Em I 433-434); a um aprendiz ex-oratoriano de 18 anos, no
dia 29 de janeiro de 1860 e 15 de julho de 1863 (Em I 395 e 390-391).

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 549
maus e fazer-se amigo dos bons”;39 ao mesmo tempo, firmeza na fé, freqüência dos
“sacramentos da Confissão e da Comunhão”, devoção a Maria Santíssima.40 Idênticos
aos que distribuía com abundância a seus alunos internos eram os “avisos” repetida-
mente dados ao marquesinho Emanuele Fassati quando tinha 9, depois 11, 14 e 16 anos:
“obediência exata” aos pais e superiores, “pontualidade no cumprimento dos deveres”,
“estimar altamente as coisas de devoção”, procurar “colocar em prática os conselhos do
confessor”, fugir do ócio e dos companheiros de más conversas, boa vontade e tenácia
na aplicação ao estudo, vigilância no percurso “da idade mais perigosa, mas também a
mais bela da vida” (os 16 anos).41 Os “fundamentais” “três efes”, isto é, fuga do ócio,
fuga dos companheiros e freqüência dos sacramentos, eram recomendados a Gregorio
Cavalchini Garofoli de Tortona quando tinha 14 anos.42 A confissão quinzenal, ou ao
menos mensal, e a leitura espiritual era o que indicava programaticamente ao jovem
universitário de 20 anos, Giulio Cesare, filho dos condes Carlotta e Federico Callori.43
As considerações feitas nas cartas coletivas aos jovens dos colégios, o Oratório,
Mirabello e Lanzo, não eram diferentes, ainda que mais estruturadas e articuladas.
Aos alunos internos do Oratório, no quadriênio 1861-1864 endereçava sempre uma
carta de Santo Ignazio sopra Lanzo, onde se dirigia para os exercícios espirituais. Mais
que propor programas, fazia referência a situações problemáticas que ele conhecia ou
que intuía, fazendo crer que estivesse vendo à distância.44 “Dom Bosco te vê”, podia ser
um tormento para alguns: presente ou ausente o diretor, alguém podia sentir-se vigiado
e “assistido”, segundo uma versão não fraca de prevenção educativa. “Estive visitando
o Oratório e encontrei um pouco de bem e um pouco de mal”, escrevia. Denunciava
“lobos rapaces” que giravam entre os companheiros, outros a vaguejar livremente em
lugares secretos da casa, outros ainda a “sairem na manhã de domingo e perderem uma
parte das funções religiosas”. Dizia-se indignado que “alguns no tempo das funções da
tarde tenham fugido pra ir nadar”, e exclamava: “Pobres jovens! Quão pouco pensam
em suas almas!” “Vi ainda – continuava – muitos jovens que tinham uma serpente enro-
dilhada no corpo e que estava para picar a garganta. Alguns destes choravam dizendo:
Inique egimus. Outros riam cantando: Fecimus hoc, quid accidit nobis? No entanto,
presos pela garganta, quase lhes faltava a respiração. Hoje vejo o demônio que faz
muito estrago com o ócio”.45 Em 1863, escrevendo de Oropa aos jovens estudantes,
39 Ao jovem de 18 anos S. Rossetti, 25 de julho 1860; Em I 415.
40 Ao jovem militar S. Rostagno, 5 de setembro de 1860; Em I 422. Cf. também carta de 29 de
outubro de 1860; Em I 425.
41 Carta de 8 de setembro de 1861, 1 de outubro de 1863, 1º de junho 1866, 14 de setembro
de 1868; Em I 459-460, 607; Em II 253, 567-568. O jovem, provavelmente reprimido e
deprimido, morria aos 22 anos em maio de 1874, afogado, não casualmente, em um lago da
Savoia.
42 Carta de 1º de junhho de 1866; Em II 252.
43 Carta de 6 de setembro de 1867; Em II 426.
44 Carta de 23 de julho de 1861; Em I 452-453.
45 Carta de 21 de julho de 1862; Em I 510-511.

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550 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
perguntava-se: “Sim, porque não posso ter meus queridos filhos aqui, conduzi-los todos
aos pés de Maria, oferecê-los a Ela, colocar todos sob sua potente proteção, fazê-los
todos Domingos Sávio, outros tantos são Luiz”46.
Aos jovens do Colégio de Mirabello Monferrato, que tinha visitado menos de
dois meses depois da abertura, escrevia em 30 de dezembro de 1863, confirmando a
costumeira visão à distância das situações positivas e negativas. Dava, por fim, três
“lembranças”: “fuga do ócio”, “freqüente comunhão”, “devoção e freqüente recurso a
Maria Santíssima”; o segundo e o terceiro, as “duas colunas” sobre as quais apoiam os
“dois polos” do mundo. Não faltava um pós-escrito sobre a constante predição de fim
de ano a respeito dos que deveriam morrer. “P.S. Estejam tranqüilos sobre o jovem que
devia partir para a eternidade; era Luigi Prete. Mas notem que as partidas de nossos
jovens são sempre dois a dois; portanto há outro companheiro que deseja segui-lo na
pátria dos bem-aventurados”.47 Igualmente admoestadora era a carta de início de julho
de 1864, com o anúncio de uma visita, na qual Dom Bosco se propunha falar “em
público” de coisas que sabia serem agradáveis e “privadamente das nada agradáveis”,
“no ouvido, para partir os chifres do demônio que desejava tornar-se mestre e patrão
de alguns”. E declarava: “em meio a tudo isso, não se aflijam: eu transito entre vocês
como pai, amigo e irmão; dêem-me o coração nas mãos somente por alguns instantes,
depois estaremos todos contentes”: “vocês, pela paz e pela graça do Senhor”, e “eu, que
terei a grata e suspirada consolação de vê-los todos na amizade com Deus criador”.48
Em seguida, a poucos dias das férias, ele dava uma série de normas de vida espiritual e
de boa educação para se prepararem e para vivenciá-las: limpar “a consciência com um
firme propósito de querer conservá-la assim até o retorno”; saudar em nome de Dom
Bosco e dos outros superiores os parentes, o pároco e eventuais benfeitores; “fazer
em casa a costumeira meditação, missa e leitura quotidiana” como no colégio, e “a
mesma freqüência na confissão e comunhão”; não dizer nem escutar más conversas,
imitar são Luiz, evitar “as más leituras como um veneno mortal para a alma”; “voltar
sem perder a graça do Senhor”. Concluía: “De resto, repousem, estejam alegres, riam,
cantem, passeiem e façam o tudo o que agradar, contanto que não cometam pecados.
Boas férias, meus caros filhos, e bom retorno das mesmas”.49 Ainda ao diretor padre
Giovanni Bonetti, no dia 30 de dezembro de 1868, formulava a estréia para os jovens
nestes termos: “Promovam a comunhão freqüente com as obras e com as palavras”.
Análoga era a estréia enviada ao padre Lemoyne para os jovens de Lanzo: “com as
palavras e com as obras promovam a santa comunhão e a devoção a Maria Santíssima”.
46 Carta de 6 de agosto de 1863; Em I 594.
47 Em I 628-630.
48 Aos “queridos filhos de Mirabello”, início de julho de 1864; Em II 58-59. No Epistolario de
Eugenio Ceria ela é colocada em julho de 1867; Em I 482-483.
49 Aos “queridos filhos de Mirabello”, 26 de julho de 1866; Em II 280-281. “Recordações” semelhantes
teria dado em carta aos jovens de Lanzo, em 26 de julho de 1867; Em II 407-408.

56 Pages 551-560

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56.1 Page 551

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 551
A ele pessoalmente, por fim, indicava três argumentos para tratar de preferência no
curso do ano: “1º Evitar as más conversas e as más leituras. 2º Evitar os companheiros
dissipados ou que dão maus conselhos. 3º Fuga do ócio e prática de todas as coisas que
possam contribuir para conservar a santa virtude da modéstia”.50
Muitos dos temas se concentravam em carta do início de fevereiro de 1870, escrita
de Roma ao padre Rua, vice-diretor do Oratório. “Meu pensamento – escrevia – voa
sempre onde tenho meu coração em Jesus Cristo: os queridos filhos do Oratório. Muitas
vezes durante o dia vou fazer-lhes visita”. E a “visita” concretizava-se em um diagnós-
tico sobre o estado moral dos jovens: tantos têm na mão uma “rosa fragrante ou um lírio
cândido”, alguns “tinham a forma de porcos”, muitos “tinham na boca uma monstruosa
serpente, a qual deixava cair baba imunda e veneno mortal”, com o escrito “na fronte
corrumpunt bonos mores colloquia prava”.51 Semelhante “visita” fazia ao jovens de
Lanzo em 11 de fevereiro. A boa “afeição” o induzia a denunciar quanto tinha visto: as
artes que o demônio usava para o dano espiritual dele. Estes eram os comandos: tornar
nulas as confissões com a esterilidade dos propósitos e conduzi-los às más conversa-
ções, “uma semente que produz maravilhosos frutos”. Tinha, pois, retirado do demônio
o segredo sobre seus maiores “inimigos”: a freqüente comunhão, “a devoção a Maria”
e “a observância dos propósitos que se fazem na confissão”.52
4. Pela cultura popular e pelas Leituras Católicas
Naturalmente, Dom Bosco continuava a atividade de escritor e editor no decênio,
dedicando a mesma solicitude pela continuação e difusão das Leituras Católicas, com
atenção maior às regiões recentemente anexadas ao Reino da Itália. A cultura popular,
religiosa e de entretenimento, continuava um de seus principais cuidados e, em base
às Constituições, tornava-se um dos fins operativos primários da Sociedade de São
Francisco de Sales. Com a implantação da tipografia em Valdocco, a atividade de
estampa e de edição se intensificava, com uma livraria em progressivo desenvolvimento
por obra do dinâmico diretor, senhor Federico Oreglia di Santo Stefano, religioso sale-
siano leigo.
Significativamente, “com a extensão do reino sardo à Lombardia” para 1860
O gentil-homem mudava o subtítulo, tornando-se “Almanaque piemontês-lombardo
para o ano bisexto 1860”, conservando-o nos dois anos sucessivos. Tinha depois o
ascético subtítulo “Almanaque para 1863”, atualizando-se com o correr dos anos, sem
conotações políticas anti-temporalistas, em “Estréia oferecida aos católicos italianos:
Almanaque do ano bissexto de 1864”, “Almanaque Nacional para o ano de 1865:
50 Cartas de 30 e 31 de dezembro de 1868; Em II 616-618.
51 Em III 170.
52 Aos jovens do colégio de Lanzo, 11 de fevereiro de 1871; Em III 308.

56.2 Page 552

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552 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Estréia oferecida aos católicos italianos”, “Almanaque para o ano de 1866: Estréia
oferecida aos Associados às Leituras Católicas”, o subtítulo dos anos sucessivos.
A partir de janeiro de 1866, o prazo da assinatura das Leituras Católicas coincidia com
o ano solar, inaugurando o novo curso com o trabalho teatral de Dom Bosco: A casa
da fortuna: representação dramática. Aos assinantes de 1865, os meses de janeiro e
fevereiro eram cobertos por um pequeno volume sobre A blasfemia.
A atividade editorial de Dom Bosco se estendia a vários gêneros: a continuação das
vidas dos papas (1860-1865); as biografias do padre Cafasso (1860), Magone (1861)
e Besucco (1864); as narrações biográficas de Valentino (1866), Severino (1868) e
Angelina, a orfãzinha dos Apeninos (1869); as hagiografias de martírios (1861), de duas
irmãs beatas (1862, 1865), de são José (1867), de são João Batista (1868); narrações
amenas (1862, 1864, 1868); os primeiros fascículos dedicados a Maria Auxiliadora
(1868, 1869); além do livro contestado sobre o Centenário de São Pedro (1867) e a
compilação sobre os Concílios gerais e a Igreja Católica (1869).
Além disso, na Tipografia Editora do Oratório de São Francisco de Sales, a partir
de 1864, começavam a ser publicadas as composições musicais de dom Cagliero e, em
1866, os trabalhos teatrais do filipino florentino padre Giulio Metti.
Pelas Leituras Católicas nos anos 60 Dom Bosco continuava a operar em primeira
pessoa como eficiente centro de promoção e propaganda, envolvendo de todas as
formas os correspondentes e contratando as personagens mais variadas. Também em
Roma, ocupado nas práticas para a aprovação da Sociedade Salesiana, na coleta de
dinheiro para a construção da Igreja de Maria Auxiliadora e para as obras juvenis,
em intervenções de política eclesiástica e na busca de uma sede romana, desenvolvia
juntamente a função de captador e de promotor livreiro. De antiga e recente data eram
os destinatários de seu exuberante evangélico “batei e vos será aberto”. Entre estes
estavam a paciente condessa Carlotta Callori: “foram-me trazidos até os fascículos do
jornal Des Bons Exemples, que já entreguei a um de meus padres para que vá fazendo
escolha de quanto pode ser adaptado para as Leituras Católicas”;53 um correspon-
dente anônimo de Tortona: “faça um milhão de associados às Leituras Católicas”;54
o padre Canobbio, barnabita, do Colégio Carlo Alberto de Moncalieri: “sinto com
prazer que procura o modo de difundir as Leituras Católicas. Bravo, continue.
A coisa seria verdadeiramente útil se pudesse disseminá-as por Moncalieri, onde sei
que chegam muitos impressos irreligiosos e quase nenhum bom”;55 o conde E. Crotti
di Costigliole: “P.S. recomendo-lhe a difusão das Leituras Católicas”;56 o beato padre
Giuseppe Frassinetti: “recebi o recibo de 454,40 francos do primeiro semestre para as
Leituras Católicas. Terá as cópias no número indicado no correr desta semana”;57 o
bispo de Mondovì, Ghilardi, a quem foi pedido de continuar “a proteção das Leituras
53 Carta de 4 de novembro de 1862; Em I 536.
54 Carta de 5 de abril de 1859; Em I 374.
55 Carta de 15 de abril de 1859; Em I 375.
56 Carta de 12 de junho de 1859; Em I 379.
57 Carta de 23 de setembro de 1860; Em I 422.

56.3 Page 553

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 553
Católicas”;58 o exilado arcebispo de Turim;59 o preboste padre Modini: “P.S. Faça asso-
ciados às Leituras Católicas”;60 cônego Bernardino Checcucci, reitor do seminário de
Florença: “Faça tudo o que puder para difundi-las”;61 o escolápio padre Alessandro
Checcucci: “Recomendo-lhe o mais que posso a difusão das Leituras Católicas entre
os seus alunos”;62 padre Raffaele Cianetti, de Lucca: “procure aumentar em 10 mil
os associados às Leituras Católicas;63 padre Bertini, de Lucca: “recomendo-lhe de
modo particular as Leituras Católicas, que foi obra inteiramente sua em Lucca. Agora
procure sustentá-las. Acredito que padre Cianetti não deixará de ajudar o senhor”; o
próprio padre Cianetti, que tornou-se pároco, a quem escrevia: “outra coisa a respeito
das Leituras Católicas. Agora que está no sagrado ministério pode com maior facili-
dade promovê-las e recomendá-las”64; dois diretores salesianos: “recomendem-se e
proponham as Leituras Católicas, e nas cartas, onde lhes parecer bem, coloque-se
um folheto ilustrativo”;65 o clérigo A. Rigoli: “faze muitos assinantes das Leituras
Católicas”.66
Dom Bosco enviava circulares a bispos e vigários capitulares: em 20 de janeiro de
1863, talvez para retomar oficialmente o contato com a hierarquia após a separação de
dom Moreno;67 em 8 de fevereiro, para reativar a propaganda;68 ao secretário do bispo
de Modena, para propor a constituição de um centro de coleta de assinaturas.69
Tentava difusão mais intensiva em Florença e na Toscana, por meio do scolópio
padre Sforzini70 e do arcebispo Limberti, sobretudo com propósito anti-protestante e em
proveito do “baixo povo”. Os valdenses tinham transferido para Florença a Tipografia
Editora Claudiana.71 A difusão nos campos da Toscana era recomendada à marquesa
Elisabetta Seyssel Sommariva72 e às outras nobres benfeitoras.73
58 Carta de 7 de abril de 1861; Em I 446.
59 Carta de 15 de outubro; Em I 462.
60 Carta de 25 de abril de 1865; Em II 124.
61 Carta de 13 de fevereiro de 1866; Em II 207. A senhor Oreglia, 3 de janeiro de 1868; Em II
474.
62 Carta de 3 de janeiro de 1868; Em II 473.
63 Carta de 20 de julho de 1866; Em II 274.
64 Carta de 2 de janeiro de 1868 ao padre Bertini e ao padre Cianetti; Em II 469-470.
65 Ao padre Bonetti e ao padre Lemoyne, 7 e 8 de janeiro de 1868; Em II, 476-477.
66 Carta de 18 de março de 1872; Em III 408.
67 Em I 548-549.
68 Em II 106-107.
69 Ao padre P. Curti, 24 de maio de 1868; Em II 534.
70 Cartas de 26 de fevereiro de 1860 (Em I 396) e 11 de março de 1860 (Em I 398).
71 Cartas de 31 de março de 1860 (Em I 399), 21 de janeiro e 18 de junho 1861 (Em I 435 e
448-449), 25 de março de 1862 (Em I 489).
72 Carta de outubro de 1861; Em I 467.
73 À condessa V. Cambray Digny, em 10 de agosto de 1865; Em II 157.

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554 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Ao mesmo tempo não deixava em paz o senhor Oreglia, diretor da Tipografia Livraria
do Oratório, seu legado ad omnia, entre os quais “a difusão das Leituras Católicas” em
Florença e Roma.74
Mantinha ao corrente o próprio Pio IX: “Depois de muitos distúrbios, no presente
estão em paz e me deixam livremente trabalhar pelos meus jovens e pela impressão das
Leituras Católicas;75 “As Leituras Católicas continuam e os assinantes ultrapassam 12
mil, e parece que sejam lidas com ansiedade. É este o décimo quarto ano do começo
da sua publicação e ainda se publicam”.76 Por elas tornava pública o favor do papa e
do cardeal vigário:77 “as Leituras Católicas tem a tiragem de quinze mil fascículos por
mês; a Biblioteca dos clássicos italianos, cinco mil”, informava ao papa.78
5. No mundo da escola e da cultura
A progressiva fundação de escolas secundárias e dos respectivos colégios-internatos
abria novo campo de empenho cultural em benefício de um público, sobretudo católico,
mais vasto: a produção didática e paradidática, em especial no setor das línguas e lite-
raturas italiana, latina e grega.79
A este fim, enquanto trabalhava pela liberdade de ensino, Dom Bosco exortava os
professores mais apreciados e capazes a qualificar-se com a preparação de textos esco-
lares, comentários de autores latinos, edições de textos clássicos italianos, dicionários.
Era também uma exigência imposta pelos novos programas introduzidos na escola
com a Itália unificada. Assim, em 1866, tendo como responsável o neo-laureado padre
Francesia e contando com a colaboração de Tommaso Vallauri, da Universidade de
Turim, nascia a coleção Selecta ex latinis scriptoribus in usum scholarum. No primeiro
biênio a coleção atingiu vinte e quatro títulos, colocando-se no nível das outras prin-
cipais editoras escolares turinesas, Loescher e Paravia. A partir de 1869, a coleção
acolheu também obras destinadas aos liceus. Em 1884 era atualizada quanto aos textos
críticos adotados e ao tipo dos comentários, ampliando o arco dos colaboradores e dos
destinatários, escolas privadas e públicas. A atividade continuou com ritmo intensifi-
cado nos anos sucessivos até atingir, em 1910, os setenta e cinco mil volumes.80
74 Cartas do dia 10 de novembro de 1865 (Em II 182) e janeiro 1868 (Em II 489).
75 Carta de 10 de março de 1861; Em I 441.
76 Carta de 25 de janeiro de 1866; Em I 202.
77 Circular de 25 de janeiro de 1868; Em II 490-491.
78 Carta de 14 de abril de 1871; Em III 323.
79 Cf. P. Zolli, “San Giovanni Bosco e la lingua italiana”, in: F. Traniello (org.), Don Bosco
nella storia della cultura popolare, p. 113-141; G. Proverbio, “La scuola di Don Bosco e
l’insegnamento del latino (1850-1900)”, ibid., p. 143-185.
80 Cf. G. Proverbio, “La scuola di Don Bosco e l’insegnamento del latino (1850-1900)”, in: F.
Traniello (org.), Don Bosco nella storia della cultura popolare, p. 173-178.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 555
Em meados dos anos 70, Dom Bosco insistia para que o jovem sacerdote Giovanni
Tamietti, laureado em 1872, desse início a uma nova coleção, Selecta ex christianis latinis
scriptoribus in usum scholarum. Respondia à necessidade de colocar lado a lado o uso
dos clássicos latinos pagãos e a leitura de autores cristãos, considerados não inferiores aos
primeiros pelo aspecto linguístico, superiores pelos conteúdos. Dom Bosco sofria, certa-
mente, o influxo das idéias, largamente difundidas e disicutidas, do padre J.-J. Gaume
(1802-1879), extremamente desconfiado sobre o uso dos clássicos latinos nos seminários
e nos institutos católicos de educação. O combativo padre francês permanecia insatisfeito
até mesmo com a encíclica de Pio IX Inter multiplices, de 21 de março de 1853, que tinha
buscado reequilibrar os fortes contrastes na França entre os bispos e reitores de seminá-
rios. Na mesmo linha, Dom Bosco manifestava abertamente o consentimento das idéias
expostas pelo padre Antonio Belasio no volume Da verdadeira escola para reavivar a
sociedade.81 Os Selecta deviam contribuir para tornar menos pagã e mais cristã a escola,
transmitindo a classicidade nas duas versões. Os volumes, preparados “com cuidado e
diligência especial”, editados com “notas (...) preparadas por pessoas que se sobressaem
em ciência e moral”, e vendidos “por preço muito módico”, eram destinados “àquela parte
da sociedade que pode ser o fundamento de um alegre ou triste futuro religioso e civil”.
O encarregado da coleção, Giovanni Tamietti, iniciou-a com sua edição escolar da obra
de são Jerônimo De viris illustribus Liber singularis, Vitae s. Pauli eremitae, S. Hilarionis
eremitae, Malchi monaci et epistolae selectae cum adnotationibus I. Tamietti.82
Na apresentação da coleção, assinada por Dom Bosco, afirma-se que os autores
cristãos dos primeiros séculos depois de Cristo não tinham nada que invejar dos outros
quanto à arte retórica. E, uma vez que muitos escritores da Roma pagã deixavam muito
a desejar quanto aos costumes, à genuína humanidade e à própria noção de Deus criador
e providente, era conveniente que os jovens alunos pudessem valer-se de guias que
não atraiçoem a fé e lhes forneçam sapientíssimos argumentos para serem opostos aos
perversos preceitos dos antigos.83
Em data de 3 de setembro de 1867, padre Rua fixava na sua Crônica esta notícia:
“Tomado pela dor de ver o imenso mal que se está fazendo, principalmente à juventude
estudante, por meio da leitura dos maus livros, surgiu o projeto de fazer uma associação
dos livros bons e clássicos, imprimindo um por mês; e no dia de hoje foi até o Prof.
D. Picco, pessoa piedosa e muito prática de jovens e de livros, para amadurecer com
ele tal projeto”.84 Era a primeira intuição daquela que seria a Biblioteca da Juventude
Italiana, “publicação mensal”, que “tinha por escopo publicar os textos de língua, sejam
81 Carta de 6 de novembro de 1873; E 317-318. O volume também foi editado pela Tipografia e
Livraria Salesiana, em 1875.
82 Augustae Taurinorum, ex Officina Asceterii Salesiani; 1875.
83 Cf. S. Hieronymi De viris illustribus, p. 3-4. Respondiam às idéias de Dom Bosco sobre
autores latinos clássicos e cristãos,
84 P. Braido, “Don Michele Rua precario ‘cronacista’”, p. 342.

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556 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
antigos ou modernos, que de mais de perto” podiam “ser úteis à juventude culta”. “Para
conseguir superar tal empresa – se precisava – foi instituída uma sociedade de bene-
méritos célebres professores e doutores em letras, os quais se propõem 1º recolher e
publicar os melhores clássicos da nossa língua italiana reduzidos à ortografia moderna,
para que se possam ser lidos com mais facilidade e compreendidos pelo jovem leitor.
2º Entre estes preferir aqueles que, pela amenidade de matéria e pureza de língua estão
mais próximos do projeto”.85 A coleção iniciou-se com o primeiro número em janeiro
de 1869 e se concluía com o fascículo 204 de dezembro de 1885. O jornal L’Unità
Cattolica fez extraordinária publicidade da coleção, anunciando com antecedência seu
começo e informando, nos primeiros anos, a saída dos vários volumes.
Outro fundamental interesse, de valor educativo e didático ao mesmo tempo, tinha
por objeto novos dicionários, que, para a salvaguarda da moralidade da juventude, subs-
tituissem os que estavam usando. Dom Bosco era fervoroso promotor desse projeto
junto com dois salesianos e um professor amigo. Primeiro saía o volume do latim para
o italiano, o Lexicon latino-italicum a Coelestino Durando in usum scholarum concinn-
natum.86 Em 1876 aparecia o do italiano ao latim, Vocabulário italiano-latim compi-
lado para uso das escolas.87 Em 1887-1888 chegariam à quinta edição “aumentada
e corrigida”. Em 1882, por sugestão de Dom Bosco os dois tomos de 1872 e 1876
foram publicados em único volume, simplificado.88 Era destinado em particular às duas
primeiras classes ginasiais, chamado nas casas salesianas “o Mandosio de Durando”.89
Em 1876 saía também o Vocabulário italiano-grego pelo sacerdote teólogo Marco
Pechenino, professor no R. Ginásio Cavour de Turim.90 Três anos depois aparecia o
Novo dicionário da língua italiana a serviço da juventude, compilado com a ajuda
dos melhores lexógrafos, pelo sacerdote prof. Francesco Cerruti, doutor em letras, com
o acréscimo de dois elencos, um com as palavras e os modos errados mais comuns, o
outro com locuções e provérbios italianos mais elegantes.91 Justamente Cerruti, diretor
85 Storia della letteratura italiana... pel cavaliere Giuseppe Maffei compendiata ad uso della
giuventù. Turim, Tip. dell’Orat. di S. Franc. di Sales, 1869, segunda e terceira página de capa.
86Augustae Taurinorum, ex officina Asceterii salesiani 1872. Recensão em Civiltà Cattolica, a.
XXIV, s. VIII, vol. IX, 1872, p. 581.
87 Vocabolario italiano-latino compilato ad uso delle scuole. Turim, Tip. dell’Oratorio di
S. Francesco di Sales 1876. Recensão em Civiltà Cattolica, a. XVII, s. IX, vol. IX, 1876,
p. 599-600.
88 C. Durando, Nuovo vocabolario latino-italiano e italiano-latino ad uso degli alunni delle scuole
ginnasiali e specialmente dei principianti. Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1882.
89 O jesuíta romano Carlo Mandosio (1682-1736) tinha publicado um vocabulário do gênero
em Modena em 1736, reeditado em Veneza em 1751, completamente renovado pelo confrade
bergamasco Girolamo Tiraboschi (1731-1794); ele teve várias edições também em Turim.
90 Vocabolario italiano-greco. Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1876. Recensão em Civiltà
Cattolica 27 (1876), vol. III, p. 78.
91 Nuovo Dizionario della lingua italiana in servizio della giuventù, compilato sulla scorta
dei migliori lessicografi. Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1879. Recensão em Civiltà
Cattolica 31 (1880), vol. I, 1880, p. 329.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 557
do ginásio liceu de Alassio, em total sintonia com as idéias de Dom Bosco, tocava de
propósito a tecla da moralidade ou decência da linguagem. “Primeiramente – obser-
vava – não é desconhecido a alguns que, se muitos e apreciados vocabulários da língua
italiana foram compilados, até o presente momento, são raríssimos os que, pela mora-
lidade, podem estar nas mãos de um jovem de bons costumes, de tal forma que possa
folheá-lo inoffenso pede (...). Contudo, quem, por pouco que reflita sobre o doloroso
nitimur in vetitum e conhece sobretudo a índole ardente e o ânimo apaixonado da juven-
tude, pronta a deixar-se atraiçoar pelas aparências exteriores, sabe que nesse ponto
as precauções nunca são demais. Todo escritor, no ato de empunhar a caneta, deveria
seriamente meditar o maxima debetur puero reverentia de Juvenal”.92
Pela imagem que Dom Bosco podia dar de sua ação e da ação dos seus ao mundo da
escola e da cultura, deve-se também assinalar as atividades extra-escolares, as acade-
mias com exibição de composições escolhidas em língua italiana e as comédias latinas.
Nelas interviam, por convite, convidados do mundo civil e eclesiástico e professores da
universidade e das escolas públicas da cidade, que escreviam as comédias latinas em
elegante latim. Pode-se recordar, em 11 de abril de 1861, a comédia Minerval, do jesuíta
padre Palumbo, reapresentada no dia 23 de maio e retomada no ano seguinte, no dia 22
de junho, quando intervieram muitos “exímios literatos”. Em 14 de maio de 1864 era
representada Phasmatonices ou Vencedor dos espectros, de dom C. M. Rosini, ex-bispo
de Pozzuoli, pela qual o jornal L’Armonia louvava o “Senhor Dom Bosco”, que, “em
meio a tão grande pobreza dos estudos clássicos (...) os promove com tanto zelo”. A
peça foi reproposta em 18 de maio de 1865, com o título latino Larvarum victor. Em
27 de junho de 1866 era a vez de Alearia. Em maio foi representado um outro texto de
C. M. Rosini, Deceptores decepti: foi apreciada por dois ilustres latinistas Tommaso
Vallauri e Vincenzo Lanfranchi, com muitos prelados, Lorenzo Gastaldi, Formica
Calabiana e professores do seminário e de ginásios-liceus da cidade. De outra comédia,
representada no dia 16 de março de 1867, escrevia ainda o jornal L’Unità Cattolica,
assinalando a presença de três bispos, Gastaldi de Saluzzo, Galletti de Alba e Formica
de Cuneo, além de “muitos professores das universidades, dos liceus e dos ginásios”,
“maravilhados pelo modo como jovens espertos e inteligentes souberam representar
sua parte”. “Também o canto executado – acrescentava – obteve o aplauso dos nume-
rosos e inteligentes assistentes, os quais deram suas mais sinceras congratulações a
quem, com tanto amor e capacidade, dirige essa querida juventude”.93 Em 1868, com
a reapresentação da comédia Phasmatonices fechava-se o primeiro período áureo das
récitas latinas em Valdocco. Elas seriam retomadas em 1876.
92  F. Cerruti, Nuovo dizionario..., Turim, Tipografia e Libreria Salesiana, 1886, p. III-X. A
prevalência das finalidades éticas e educativas sobre as culturais era acentuado pelo Cerruti
também no seu Disegno di storia della letteratura italiana ad uso de’ licei (Turim, Tipografia
Salesiana, 1887), p. 7-8.
93 L’Unità Cattolica, 19 de março de 186; OE XXXVIII 77.

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558 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
6. Fragmentos de cotidiano em cartas familiares
A presença quotidiana de Dom Bosco no interior de sua grande família emerge prin-
cipalmente do epistolário, ainda que em grande parte projetado ao exterior: além dos
jovens e dos colaboradores dos colégios, o cerco sempre mais vasto de benfeitores e
sustentadores, não raramente tornados amigos e familiares. Como seria a história de
Dom Bosco, qual seria sua verdade, se ignorasse os infinitos fatos cotidianos que contri-
buem para compor e desvelar a que foi, com alusões bíblicas, “sabedoria e inteligência
muito grande, e um coração vasto como a areia que está na praia do mar”?94
Particularmente espontâneas e delicadas são as breves cartas à marquesinha Azelia
Fassati (1846-1921), desde 1871 esposa do barão Carlo Ricci de Ferres, filho de
Feliciano.95 Enviava-lhe pequena imagem, desejando-lhe “saúde e graça”;96 aceitava
o seu convite e da família para a festa da Assunção em Montemagno;97 agradecia o
que fizera para o palácio Fassati em Turim e a conviada para a representação teatral
de Epifania;98 dizia-se disponível para receber a mãe em Valdocco no domingo, 22 de
abril;99 enviava-lhe “um faisão que acabara de receber”, augurando-se que a ajudasse
“a adquirir força para passar todo o ano feliz”;100 prometia de celebrar logo, segundo a
intenção sua e de “mamã”, em dias consecutivos, as três missas pedidas.101
Não eram poucos, naturalmente, os momentos dedicados à finança, como quando
combinava com um antigo benfeitor o empréstimo de 2 mil liras, que deviam ser resti-
tuídas após um ano.102 Para restituí-las103 não restava senão dirigir-se ao fiel padre Rua:
podia, “se não dar-lhas, ao menos emprestá-las ao pobre papá?”; ou, de outra forma,
recomendar-se a seu nome “ao caro papá Provera?”.104 Uma dificuldade análoga, talvez,
tirava-lhe “o prazer”, no dia 16 de maio, de “gozar da amena companhia da respeitável
família” dos condes Ridicati Talice di Passerano, desejando “bom apetite e boa noite a
todos”, sem esquecer na oração o filho militar que partia para o lugar de destinação.105
Os sujeitos mais diversos sucediam-se no tempo: a invocação das bênçãos de Deus
sobre um generoso cônego turinês que o ajudava “a tirar os pobres jovens dos perigos
para reconduzi-los e mantê-los no caminho da salvação”;106 no início do outono,
94 1 Rs 4,29 (= 5,9).
95 Cf. cartas de 14 de julho de 1857 e 15 de agosto de 1862; Em I 327, 514.
96  À A. Fassati, em 25 de março de 1864; Em II 45.
97 À A. Fassati, em 8 e 10 de agosto; Em II 67-68.
98 À A. Fassati, em 5 de janeiro de 1865; Em II 100.
99 À A. Fassati, em 18 de abril de 1866; Em II 229.
100 À A. Fassati, em 2 de janeiro de 1867; Em II 323.
101 À A. Fassati, em 10 de agosto de 1868; Em II 558.
102 Ao barão F. Ricci des Ferres, maio de 1864; Em II 48-49.
103 Ao barão F. Ricci des Ferres, 28 de abril de 1865; Em II 126.
104 Ao padre Rua, 11 de maio de 1865; Em II 134.
105 À condessa M. L. Radicati, 16 de maio de 1864; Em II 50.
106 Ao cônego B. Peyron, 28 de maio de 1864; Em II 51.

56.9 Page 559

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 559
o convite para continuar no magisitério a um seu neo-sacerdote, desejoso de continuar
o doutorado em teologia: ambos os empenhos podiam ser conciliados;107 o renovado
pedido ao prefeito de Turim para prolongar até o Oratório a rede hídrica minicipal;108
o anúncio desde Mornese à marquesa Fassati de que se encontrava empenhado no clás-
sico passeio outonal dos jovens, o mais longo, com destino final na Ligúria, pedindo
desculpas por não ter feito uma visita por causa de problemas “acontecidos na capital”,109
isto é, os tumultos que eclodiram em Turim nos dias 20 a 22 de setembro de 1864, após
a transferência da capital para Florença.
Ao padre Rua dava orientações rigidamente contábeis para os estudantes de Mirabello:
“devolvê-los aos pais se não podem pagar”.110 Um mês depois, ao padre Bonetti, adoe-
cido, traçava uma sóbria regra de vida espiritual, com dispensa do breviário até a Páscoa
e muito repouso.111 Várias cartas eram endereçadas ao pro-vigário geral e ao vigário
capitular da diocese para obter descontos sobre somas devidas ao seminário para clérigos
que aí estudavam ou ter subsídios-pensões para clérigos residentes no Oratório.112
“O homem propõe, Deus dispõe”, escrevia a um pároco, desculpando-se de não
poder manter o empenho de um panegírico por causa de um “incômodo de estômago” e
devido à grave doença de seu colaborador na economia, padre Alasonatti, que morreria
no dia 17 de outubro.113 Estava angustiado pelas sérias enfermidades de salesianos de
peso e pela crônica penúria de dinheiro. Pressionado pelo pagamento devido ao “mestre
de obra da Igreja”, suplicava a um benfeitor de versar a oblação prometida,114 enquanto
informava ao padre Rua e à condessa Callori, esta não sem um pedido de auxílio, sobre
condições de saúde de pessoal precioso: padre Bongiovanni, padre Proverra, que melho-
rara, “padre Fusero, padre Ruffino, padre Alasonatti muito mal”;115 “nestes momentos
imagine-se quantas despesas, quantos distúrbios, quantas incumbências caíram sobre
as costas de Dom Bosco. Não se pense que ele esteja abatido; cansado e nada mais”.
“O Senhor deu, mudou, tirou no tempo que lhe é agradável; seja sempre bendito seu
santo nome”.116 Não se esquecera, porém, de dedicar alegres rimas ao latinista professor
Vincenzo Lanfranchi pelo seu onomástico.117
107 Ao padre Bonetti, 21 de maio de 1864 e 29 de setembro de 1864; Em II 78.
108 A Emanuele Luserna di Rorà, em fins de setembro de 1864; Em II 79.
109 À marquesa M. Fassati, em 9 de outubro de 1864; Em II 81.
110 Carta de 17 de outubro de 1864; Em II 82.
111 Carta de novembro de 1864; Em II 86-87.
112 Ao cônego Vogliotti, 1 de outubro de 1864 e 31 de janeiro de 1865 (Em II 80 e 103); ao cônego
Zappata, em 8 de fevereiro de 1865 (Em II 107); ao cônego Vogliotti, em 3 de setembro de 1865
(Em II 161); ao cônego Zappata, 12 de junho de 1866 (Em II 257); ao cônego Vogliotti, 15 e 26
de junho de 1866 (Em II 261 e 264); ao cônego Vogliotti, 22 de maio de 1868 (Em II 533).
113 Ao padre Angelo Modini, 25 de abril de 1865; Em II 123-124.
114 Carta de 2 de julho de 1865; Em II 145.
115 Ao padre Rua, julho de 1865; Em II 148.
116 À condessa Callori, 24 de julho de 1865; Em II 152.
117 Carta de 19 de julho de 1865; Em II 150.

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560 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
No dia 9 de agosto, data digna de nota para a família salesiana, anunciava ao padre
Rua a sua transferência para o Oratório, que seria sua casa até à morte, em 1910: “No
final da próxima semana irei, si Dominus dederit, a Mirabello com o propósito de
trazer-te comigo. Ajusta as coisas de modo que não haja dificuldades”.118 Começava uma
condivisão de cuidados, de operosa dedicação à missão juvenil comum e de caminho
espiritual que jamais acabaria. Dom Bosco podia afrontar com maior desenvoltura os
acontecimentos cotidianos, pequenos e grandes, alegres e tristes.
No dia 11 de setembro enviava felicitações ao conde Cays pelo nascimento da neta,
e preces para a mãe.119 E, miscens gaudia fletibus, poucos dias depois recordava ao
padre Rua de pagar uma prestação de mil liras que vencia.120 No início do novo ano não
faltava o convite “para o pequeno entrenimento teatral”, que os jovens da casa oferece-
riam “no domingo de tarde (7), às seis e meia”.121
No dia 14 de maio de 1866 dava informações de casa ao senhor Oreglia, indício de
uma presença solícita e atenta a pessoas e coisas: a tipografia ia adiante, padre Durando
não estava bem, padre Francesia o suplia, padre Bonetti estava momentaneamente em
família, vários jovens tinham sido convocados pelo exército, um dos quais entre os gari-
baldinos, e outros queriam segui-lo. A saúde em casa era boa.122 Assumia uma decidida
posição em relação a um tal Morelli, “estudante todo democrático da Universidade”,
que tinha protestado contra publicação no jornal Unità Cattolica, sem conhecimento do
pai, Giuseppe, ex-prefeito de Caselle, de uma graça que este obtivera por intercessão de
Maria Auxiliadora e assinada.123 Morelli (pai) mandava publicar no jornal breve nota,
na qual declarava “não ser obra sua a dita publicação, mas de pessoa de quem, por deli-
cadeza, declinava o nome”, Dom Bosco, obviamente.124 Este dava uma versão diferente
do fato ao senhor Oreglia: Morelli tinha permitido por escrito a publicação.125 Por isso
não se dava por vencido e, em 1º de junho, anunciava ao mesmo Oreglia que reimpri-
miria a relação no fascículo de julho das Leituras Católicas, e assim fez.126 Se estivesse
convencido que estavam em jogo a glória de Deus e da Virgem e, mais tangivelmente, a
probidade e credibilidade pessoal, Dom Bosco agia imperturbável.
No dia 31 de maio comunicava ao senhor Oreglia notícias tristes e alegres: a morte,
em família, do jovem sapateiro Gili, o restabelecimento do padre Durando, a quem o
Estado tinha conferido, finalmente, o diploma de laurea, a boa saúde de todos;127 quinze
118 Carta de 9 de agosto de 1965; Em II 156.
119 Ao conde Cays; Em II 163-164.
120 Ao padre Rua, 18 de setembro de 1865; Em II 165.
121 Bilhete-convite de 5 de janeiro de 1866; Em II 195.
122 Em II 238.
123 Ao senhor Oreglia, em 22 de maio; Em II 243-244. A relação aparecera em Unità Cattolica,
1866, no 101, domingo 29 de abril, p. 519 sob o título “Viva Maria Auxiliadora!”.
124 L’Unità Cattolica 1886, no 116
125 Carta de 22 de maio de 1866; Em II 243-244.
126 Em II 254.
127 Carta de 31 de maio de 1866; Em II 251.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 561
dias depois anunciava a retomada do tráfico ferroviário, reservado por alguns dias, ao
transporte das tropas, e dava notícia de jovens chamados às armas,128 pela guerra de
1866, breve e inglória, porém lucrativa.129
Pensava também no passeio outonal de cerca de cinquenta jovens, escrevendo
ao conde Constantino Radicati Talice de Passerano para uma eventual hospedagem
na cidade: “é verdade que dormiriam sobre palha. Mas é sempre um distúrbio e uma
despesa para V.S. e para a sua família. Se V.S. diz-me sim, está feito; de resto, seja tudo
como cortesia e não se fala mais senão de uma visita que fará Dom Bosco”.130
Nos primeiros dois meses de 1867, como sabemos, encontramos Dom Bosco
em Roma, para encaminhar a negociação para a aprovação da Sociedade Salesiana.
A primeira carta familiar ao Oratório era para o bibliotecário, clérigo Giulio Barberis,
encarregado de procurar alguns livros sobre os valdeses, muni-los do carimbo do
Oratório e enviá-los ao padre Perrone;131 outras duas eram endereçadas ao padre Rua
sobre o punctum dolens das finanças, sua especialidade: “padre Francesia te escre-
verá sobre nossas coisas: eu falo somente das tuas coisas, do dinheiro”; o restante da
carta versava sobre somas para enviar e repartir entre credores pacientes: 6.800 liras ao
médico do Oratório, Dr. Gribaudi, 2 mil ao empresário Buzzetti, 4 mil ao “padeiro”.
Não ficava só no dinheiro, embora sempre importante: o centro de seu pensamento e de
seu coração era ocupado por outros protagonistas. “Mas tu – protestava amavelmente
– não me dás notícias da entrada, nem da saída dos jovens, se saudáveis, se doentes,
vivos ou mortos! Dispõe do domingo daqui há quinze para podermos fazer uma estu-
penda festa de são Francisco de Sales”.132 Para o empresário amigo, Carlo Buzzetti, ele
deixava mais adiante um consciencioso e verdadeiro atestado de “comprovação de seus
trabalhos e de louvor de sua retidão”.133
No dia 9 de maio, ao senhor Oreglia, talvez ainda em Florença,134 fornecia notícias
sobre a própria saúde – “minha saúde é bastante boa, com exceção das vertigens que
se fazem sentir com maior freqüência” – e sobre a morte de três jovens e de um sale-
siano coadjutor, prevendo o de outros. Pedia-lhe também para ir a Roma visitar o padre
Emidio Ruggieri, autor de um livreto das Leituras Católicas, advertindo por norma: “é
pessoa piedosa, mas precisa incensá-la”.135 Dez dias depois informava-o de uma curiosa
visita, tanto recomendada à invasiva consorte de Rattazzi: “Hoje esteve aqui a Princesa
128 Carta de 15 de junho de 1866; Em II 258-259.
129 Cf. cap. 1, § 9.
130 Carta de 26 de setembro de 1866; Em II 298.
131 Carta de Roma de 20 de janeiro de 1867; Em II 326.
132 Cartas de 5 e 13 de fevereiro de 1867; Em II 330-331 e 335.
133 Turim, 7 de abril de 1867; Em II 351.
134 A dom Limberti, em 22 de abril de 1867; Em II 362. À condessa Uguccioni, 10 de maio de
1867; Em II 368.
135 Em II 366.

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562 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Solms, esposa do ministro Rattazzi. Visitou toda a casa e mostrou-se muito contente.
Prometeu mares e montes, veremos. Em junho escutará ressoar o piemontês em todas
as vias de Roma. Uma imensa multidão se prepara para ir aí”.136 A visita da simpática
e veraz parisiense Maria Letizia Wyse Bonaparte (1833-1902) certamente não poderia
acrescentar muito às simpatias florentinas por Dom Bosco. Muitos eram os problemas
e as antipatias por ela suscitados na capital.137
Seguiam-se, à breve distância, outras notícias interessantes. A primeira dizia respeito
ao médico milanês Serafino Biffi (1822-1899), um dos promotores da rifa em anda-
mento, que estava visitando institutos de beneficiência e que, no volume Reformados
para os jovens, publicado postumamente em 1902, apresentava um retrato substancial-
mente objetivo do Instituto Bosco de Turim.138 “O Dr. Biffi – comunicava ao senhor
Oreglia – acaba de chegar no Oratório; pergunta por ti e te envia saudações e sinais
de amizade. Nesta manhã o bispo de Aosta celebrou a missa; nesta tarde o bispo de
Mondovì faz o encerramento do mês de Maria”.139
Gracioso era o início de uma carta a Pietro Marietti, que hospedava em Roma o senhor
Oreglia: “se fosse um pássaro gostaria de fazer-lhe ao menos uma visita. Este momento
seria inoportuno, pois quando se tem o tesouro em casa não se presta atenção ao ferrolho
ou à madeira trabalhada; contudo poderia eu também aproveitar por algum momento a
presença do nobre hóspede [o senhor Oreglia]. O meu objetivo é observar que ele coma,
que beba e que durma. Se não se presta atenção ele não faz nem uma coisa nem outra”.140
Estava compondo o Severino, que sairia no ano seguinte, e escrevia ao padre Rua que
lhe enviasse o Bricherasio, em casa do conde de Viancino, “o volume do Casalis onde
está o artigo Luserna”. Acrescentava: “eu estou bem, e escrevo cartas para agradecer e
procurar”.141 Poucos dias depois aconselhava padre Pestarino para que refletisse antes
de aceitar eventualmente a direção em Gênova de um instituto para aspirantes ao sacer-
dócio, projetado pelo padre Frassinetti: expor a ele as dificuldades e, antes de concluir
definitivamente, dar “uma chegada em Turim”: “rezaremos, falaremos, faremos nossas
reflexões, pois enquanto houver coragem e boa vontade não fracassaremos”.142 “Até
agora pude escrever várias cartas, mas não recebi nada”, anunciava de Strevi ao padre
Rua, em 20 de agosto de 1867.143 “Até o momento, dinheiro em esperança, mas nada na
bolsa”, afirmava uma semana depois da província de Cremona.144
Escrevia também uma carta ao padre Checcucci, atestando a própria participação ao
136 Ao senhor Oreglia, 21 de maio de 1867; Em II 373.
137 Cf. Il parlamento italiano. Vol. I: 1861-1865. Milão, Nuova CEI, 1988, p. 331, 338-339.
138 Cf. S. Biffi, Riformatori pei giovani, Milano, U. Hoepli, 1902, p. 117-119.
139 Carta de 30 de maio de 1867; Em II 378.
140 Carta de 21 de junho de 1867; Em II 394.
141 Carta de 31 de julho de 1867; Em II 411.
142 Carta do início de agosto de 1867; Em II 413.
143 Em II 421.
144 Ao padre Rua, 18 de setembro de 1867; Em II 430-431.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 563
drama do cólera, de excepcional virulência em Albano: “Adoramos a santa vontade de
Deus, mas alegramo-nos no Senhor que prova o ouro com o fogo. Por isso, após este fato
doloroso o seu colégio haverá de receber uma grande bênção”.145 Em novembro, com
singular desapego, tranqüilizava o pai do padre Eugenio Reffo, que tinha a intenção de
adquirir estabelecimentos deixados em herança a Dom Bosco pelo pároco de Scalengue
(1811-1866), porém contestados por parentes do doador: “a lite está em ato; eu jamais
pedi alguma coisa, uma vez que a mim nada chegou”; “de minha parte pretendo deixar
o teu pai totalmente de consciência livre; leve em consideração a justiça”.146
A visita a Mornese, de 9 a 13 de dezembro de 1867, rica de frutos materiais e espiri-
tuais, deteriorava sua saúde. “Minha saúde – comunicava ao padre Pestarino – está um
pouco combalida por causa do mal-estar que tive em Mornese com o prolongamento
dos vômitos; agora estou melhor, exceto uma leve rouquidão, que espero desapareça em
breve, à medida que vá melhorando”.147 Sobre “alguns abalos na saúde e nas ocupações”,
tinha escrito também ao senhor Oreglia, dando notícias pouco alegres sobre pessoas e
finanças do Oratório e abandonando-se a sombrias previsões “proféticas” para 1868:
“fome, sede, mortes, e talvez também guerra serão o programa deste ano”.148
Com o ano de 1868, enviava felicitações e encorajamentos ao padre Salvatore
Bertini, nomeado reitor de São Leonardo, em Lucca, e a seu pároco, padre Raffaele
Cianetti, convidando-o a Turim: “os tempos estão difíceis; mas Deus não cessará de
estar sempre conosco”.149 No dia 3 de janeiro desculpava-se de não poder ir almoçar em
casa Bosco di Ruffino para saudar Ottavio que partia, por causa da “neve que caiu e que
está caindo densamente”150. A lista das “misérias que crescem horrivelmente”, em um
inverno excepcionalmente duro, retornava em várias cartas de janeiro: “o pão custa 70
centésimos o quilo; cerca de 12 mil francos ao mês e temos dois meses atrasados; meio
metro de neve com frio intenso, com metade dos jovens com roupa de verão”;151 “temos
que fazer todos os esforços para ir adiante nestes anos de grave miséria. No ano passado,
nestes dias, o pão custava 26 centésimos o quilo; agora está fixado a 50, de tal modo que
o padre Rua, cada mês, ao invés de pagar 5 mil deve pensar em 9 mil; ademais, Lanzo e
Mirabello estão perdendo nas pensões, e se se pensa aumentá-las, os jovens se retiram.
Aqui a metade dos jovens se veste com roupa de verão”.152 Ao cavaliere Oreglia, em
uma carta redigida dois dias depois, era pródigo de notícias de família, que davam uma
imagem espectral de sua casa: “Recebemos 1600 francos do conde de Maistre e outros
145 Ao padre Checcucci, 23 de setembro de 1867; Em II 432.
146 Carta de 16 de novembro de 1867; Em II 450.
147 Ao padre Pestarino, 25 de dezembro de 1867; Em II 465.
148 Carta de dezembro de 1867; Em II 455 e 458.
149 Carta de 2 de janeiro de 1868; Em II 469. Em data idêntica congratulava-se também com o
padre Raffaelo Cianetti, pároco da mesma igreja; Em II 470.
150 A O. Bosco di Ruffino, 3 de janeiro de 1868; Em II 472.
151Ao cavaliere Oreglia, 3 janeiro de 1868; Em II 474-475.
152 À condessa Callori, 10 de janeiro de 1868; Em II 482.

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564 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
108 do padre Verda, que a caridade dos Romanos por meio de V.S. caríssima enviou
para esta casa. Nós dividimos imediatamente entre os nossos credores mais urgentes,
entre os quais Avvezzana”, fornecedor de papel para a tipografia. “Aqui – prosseguia –
continuamos sob um frio muito intenso; hoje chegou a 18 graus [sob zero]; malgrado
o fogo da estufa [sic], o gelo não pôde derreter-se. Atrasamos a hora de levantar-se dos
jovens e, como a maior parte ainda se veste como no verão, cada um vestiu-se com
duas camisas, malha, pulover, dois pares de meia, capotes militares; outros enrolam
os cobertores no corpo durante todo o dia e parecem os mascarados do carnaval (...).
Em meio a tantas calamidades nossos jovens estão alegres e há vários meses não temos
ninguém na enfermaria. Deo gratias”. No dia seguinte, concluía: “Hoje 13 o frio está
a 21 graus [sob zero], neve de 60 centímetros, nenhum jovem doente”;153 “nenhum
doente em casa; apetite superlativo; o grissino custa 80 centésimos o quilo. O frio
amainou. Tivemos cerca de 1 metro de neve, que no momento está se dissolvendo”.154
Uma semana depois devia repetir-se: “na casa, nenhum doente; o mesmo se diga em
Lanzo e Mirabello. O frio recuou e nesta manhã atingia os 14 graus [sob zero]. Os
médicos dizem que este frio purifica o ar e trará saúde, mas no entanto triplicou a
mortalidade em Turim”.155 Mais adiante a temperatura subia, mas não no nível das
finanças: “Tempo belo, frio desaparecendo, estamos na primavera, e V.S. sempre em
Roma. Porém, não me lamento, porque nos manda caridade (...). Eu estou afogado nas
despesas, muitas notas para pagar, todos os trabalhos para serem retomados; faça o que
pode, mas reze com fé”; em compensação, “toda a casa goza de saúde e lhe desejam
todo bem. Não se esqueça da meditação pela manhã”.156 Na carta ao cavaliere Oreglia,
próximo de retornar de Roma, dava notícias ainda mais alarmantes sobre o tema do
alimento cotidiano: “o encarecimento do pão coloca-nos na desolação. Entre Lanzo,
Mirabello e Turim, cada mês são perto de 12 mil francos só de pão”.157
Com a duqueza Elisa Sardi Melzi d’Eril alegrava-se que o príncipe Gonzaga tivesse
“recebido os santos sacramentos”. A “consoladora notícia” fora-lhe comunicada pelo
“bom amigo Guenzati”,158 à cuja consorte, em carta de 21 de março de 1867, tinha asse-
gurado preces “pelo doente que lhe recomendava”.159
Uma carta, escrita à condessa Callori, no dia 13 de abril, dia de Páscoa, era desti-
nada a atingir a impossível convivência entre beneficiência e reconhecimento: “Vejo
que não posso chegar ao empate; mas ao menos suplicarei por um benigno perdão, ou
uma sanatória que V.S. não quererá recusar-me nestes dias”.160
153 Carta de 13 de janeiro de 1868; Em II 485-486.
154Ao cavaliere Oreglia, 21 de janeiro de 1868; Em II 487-488.
155Ao cavaliere Oreglia, 29 de janeiro de 1868; Em II 494.
156 Carta de 3 de março de 1868; Em II 504-505.
157 Carta de 10 de abril de 1868; Em II 522.
158 Carta de 12 de abril de 1868; Em II 523.
159 À Rosa Guenzi, 21 de março de 1867; Em II 342.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 565
Em julho aceitava um convite a Cumiana, não o primeiro nem o último, do benéfico
cavaliere Zaverio Provana di Collegno, convidando por sua vez a ele e os dois filhos ao
Oratório; a recusa do nobre teria comportado – no dizer do barão Bianco di Barbania,
conforme acentuava o escrevente – “uma multa de cem Napoleões” [cerca de 7.400
euros], que o mesmo Dom Bosco iria, sem dúvida, descontar!”.161
Depois solicitava a aceleração de uma tratativa, já encaminhada ao município, para
a sistematização viária ao redor do Oratório, indispensável para o cumprimento de
construções urgentes.162
No dia 9 de setembro, sedento de dinheiro, devia dar ao ecônomo de Mirabello,
padre Provera, um atestado sobre a primazia no doar: “Tu és verdadeiramente gene-
roso, mas me envie dinheiro mau, uma vez que não parou um instante na casa. Teria
necessidade que em cada nossa casa existisse um padre Provera. Aqui gozamos de
saúde; tribulações não faltam. Neste momento tenho o ofício da Alta Polícia com o
procurador do rei em meu quarto”, talvez para esclarecimentos sobre algum hóspede
do Oratório.163 Depois anunciava ao senhor Oreglia os dois cursos de exercícios espiri-
tuais de setembro em Troffarello. Informava-lhe sobre a lenta convalescência do padre
Rua, atingido na semana anterior por uma gravíssima peritonite.164 Das condições de
saúde do padre Rua escrevia também ao conde Viancino, declinando forçadamente
“o gentil convite para ir passar alguns dias de carnaval”, isto é, de repouso.165 Mais
adiante enviava um singular bilhete ao conde Constantino Radicati, postergando
somente de pouco a visita: “Não posso ir pessoalmente, por isso mando uma lebre que
fará a minha parte. Eu espero de poder alcançar este animalzinho quando esteja em
condição melhor [à mesa!]. Que a brincadeira lhe seja agradável; Deus lhe conceda
todo bem”.166 À condessa Callori insinuava: “padre Bonetti escreverá ao senhor conde
Callori para que passe um dia em Mirabello. Se V.S. não se importa de almoçar ao
meio dia, não gostaria de fazer-lhe companhia? Isto seria certamente em louvor de são
Carlos”.167 À mesma condessa, no dia de Natal, escrevia uma breve mas densa carta de
agradecimento pelos votos recebidos. Prometia-lhe preces para o “último dia do ano”,
anunciava-lhe a iminente “viagem a Roma”, mas antes um “dia em Casale”, informa-
va-a sobre a missa da meia-noite: “Esta noite foi uma grande festa, cantaram-se os
assim chamados coros dos anjos, com os pastores. Três missas, igreja abarrotada de
160 Em II 524. Anunciava-lhe, entre outras coisas, a impressão de Il Cattolico Provveduto (Em II
525), do qual lhe enviaria uma cópia no final do mês (carta de 30 de abril de 1868; Em II 528).
161 Carta de 10 de julho de 1868; Em II 550-551.
162 Ao prefeito F. Galvagno, agosto e fim de setembro de 1868; Em II 553-555 e 577-578.
163 Em II 567.
164 Carta de 16 de setembro; Em II 568-569. Cf. também carta à marquesa Fassati de 18 de
setembro de 1868; Em II 569-570.
165 Carta de 30 de setembro de 18668; Em II 579.
166 Carta de 4 de novembro de 1868; Em II 595.
167 Carta de 9 de novembro de 1968; Em II 597.

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566 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
gente, comunhão numerosíssima. Deo gratias”.168
A fadiga cotidiana previa também a defesa acirrada do dinheiro duramente adquirido.
Entre as várias formas estavam as tentativas de anular ou mitigar, no dia 1º de janeiro
de 1869, os efeitos da exigente lei da farinha, encaminhada para aprovação, em seguida
dos precedentes colegas das Finanças, pelo ministro L. G. Cambray Digny, marido da
condessa Virginia.169 Dom Bosco esperava obter alguma redução.170 No dia 25 de junho
pedia, prudentemente, à mulher do ministro que se intercedesse junto dele, o qual, em
Florença, quiçá, lhe “tinha feito esperar” “um subsídio que correspondesse mais ou
menos ao imposto” devido complexivamente, “cerca de dez mil francos” [36.493 euro],
para os 1250 jovens dos quais se encarregava.171 Um subsídio, que a condessa dizia
“tênue”, chegava, e Dom Bosco agradecia.172 Tendo caído, em dezembro, o ministro
Menabrea, com o governo Giovanni Lanza, de 14 de dezembro de 1869, voltava às
Finanças o austero Quintino Stella. A ele Dom Bosco fazia saber que a taxa sobre o
“moído” incidia com um acréscimo de 12 mil liras ao ano sobre o precário balancete e
manifestava a esperança que, se não fosse dado um perdão “total, que fosse ao menos
parcial”. As “nada prósperas condições do erário” obrigavam o ministro a dar, no dia
17 de setembro, uma resposta negativa.173 Um ano depois se mobilizava ainda, por ter
dados concretos, em vista de um eventual novo pedido.174
Duas curiosas propostas quase sérias saíam de sua fértil fantasia de frade procurador.
No proscrito de uma carta ao velho cavaliere Edoardo Ferrero Lamarmora (1800-1875)
reservava alegremente mais que um cantinho no testamento: “tome Dom Bosco por seu
sobrinho e a sua herança estará assegurada. Sit venia dictis175. Mais concreto e imediato
era “um pensamento”, “um projeto” proposto ao mais conhecido fabricante de velas de
Lanzo, Biaggio Foeri (1797-1874): “um legado de sua parte quando Deus o chamar ao
paraíso” – escrevia –, teria servido a Dom Bosco de garantia junto a pessoas dispostas
a emprestar-lhe e outras a pagar os juros.176 Reiterava o convite no ano seguinte, valen-
do-se do pensamento de santo Agostinho, segundo o qual “aquele que salva uma alma
coloca em segurança a própria”.177
168 Carta de 25 de dezembro de 1868; Em II 612.
169 Sobre a lei do “macinato”, cf. cap. I, § 9.
170 Cf. Carta ao padre Rua, desde “Florença, às 6 horas do dia 14 de janeiro de 1869”; Em III 39.
171 Em III 102.
172 À condessa V. Cambray Digny, 6 de agosto de 1869; Em III 121.
173 A Q. Stella, 15 de agosto de 1870; Em III 236-237.
174 Ao padre Rua, 13 de setembro de 1871; Em III 371.
175 Carta de 7 de setembro de 1870; Em III 245.
176 Carta de 15 de fevereiro de 1871; Em III 312.
177 Carta de 13 de março de 1872; Em III 406.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 567
7. Mestre de fé operante na caridade
As cartas descrevem fatos e obras, fins e objetivos, projetos e atuações, às vezes com
visão corriqueira. É o Dom Bosco do dia-a-dia, em sua casa, não mítico, mas “extraor-
dinário no ordinário”, como o delineou em várias ocasiões, admirado e complacente,
o papa Pio IX, um involuntário biógrafo de excepcional intuição. A correspondência
revela dele, por bom tempo fechado no pequeno reino de Valdocco, intenções altas e
significados mais que terrenos, o sentido de vida, a alma, a razão. Não é difícil atingir
a raiz, a fonte: é a fé religiosa, teologal, verdadeiramente sobrenatural, completamente
essencial, elementar, radicalmente catequética, integrada na maior parte por elementos
populares quanto à crença no extraordinário, com algum transbordamento no oracu-
lar.178 Nessa fé se encontram encarnadas as perguntas e respostas do catecismo apren-
dido como criançca: “Por que Deus nos criou? Para conhecê-lo, amá-lo e servi-lo nesta
vida e depois gozar para sempre de sua presença na Pátria celeste”. “Como devemos
amá-lo e servi-lo nesta vida? Com a observância dos seus mandamentos e o ende-
reçamento de nossas ações para sua honra e glória”.179 No Breve Catecismo para os
pequenos, que em 1855 Dom Bosco tinha preparado para a publicação, que jamais
se deu, se encontrava uma fórmula quase idêntica: “Deus me criou para conhecê-lo,
amá-lo e servi-lo nesta vida, e por este meio ir gozar para sempre na pátria celeste”.180
O primeiro artigo das Constituições sobre o escopo da Sociedade de São Francisco
de Sales distanciava-se, talvez, dessa fonte literária e espiritual? Dela brotava a cari-
dade do fazer, o evangelho das “obras de misericórdia”, espiritual e corporal: o amor
efetivo do próximo e a “salvação” das almas e dos corpos, expressão da total dedicação
amorosa que busca a “maior glória de Deus”.
Fé e confiança eram a atitude habitual que brotava das cartas que apenas desfo-
lhamos: por exemplo, para as doenças que assediavam a Congregação nascente em
homens importantes, o consenso do “Sic Domino placet”;181 “veremos o que Deus quer”;
“somos postos à dura prova, mas temos coragem; após a tempestade espero serenidade
e calma”;182 “eu me encontro em um momento, no qual tenho grande necessidade de luz
e força; ajude-me com as suas preces, e me recomende também às almas santas que são
de seu conhecimento”; “reze por esta casa, a qual, de um lado, tem muitas bênçãos, de
178 Cf. por exemplo, pouco adiante, as cartas de agosto a dezembro de 1867 ao marquês senador
Ignazio Pallavicini.
179 É o texto do Breve catechismo promulgado juntamente ao Catechismo maior, no Compendio
della dottrina cristiana ad uso della diocesi di Torino (1786) pelo cardeal Vittorio Gaetano
Costa, arcebispo de Turim.
180 P. Braido, L’inedito Breve catechismo pei fanciulli ad uso della diocesi di Torino di Don
Bosco. Roma, LAS, 1979, p. 56.
181 Ao padre Rua, 11 de maio de 1865; Em II 134-135.
182 Ao padre Rua, julho de 1865; Em II 148.

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568 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
outra, tem muitas cruzes. Em todo caso, seja feita a vontade do Senhor”.183 Dom Bosco
condividia plenamente o que podia sentir qualquer sacerdote piedoso e qualquer cristão
de sólidos princípios: “Continuemos a rezar; o Senhor está conosco, não tememos. O
paraíso superará tudo”;184 “a vida cristã é vida de fé”;185 de todos, também do padre em
pessoa: “Reze pelo pobre Dom Bosco para que, enquanto dá preceitos aos outros, não
descuide as exigências de sua eterna salvação”.186 Fazendo referência sobre a grave
enfermidade de um íntegro militante católico, o conde Vittorio di Camburzano (28 de
agosto 1815-17 agosto 1867), fazia esta consideração: “É preciso mesmo dizer que o
Senhor tem seus fins. Creio que deseja mandar graves tribulações a esta santa família
para preparar-lhe o devido prêmio sem nem mesmo tocar o purgatório”.187 Também a
seu procurador, de dinheiro e de relações frutíferas, senhor Oreglia, não deixava de
lembrar pensamentos de eternidade: “Coragem, caro nobre, combatamos: não estamos
sozinhos, Deus está conosco; a vida é breve, os espinhos do tempo são flores para a
eternidade”.188
A mesma espiritualidade da fé e das obras transmitia com o exemplo e a palavra a
benfeitores e benfeitoras. Nela estavam envolvidos os abastados, muitas vezes aristo-
cratas, convidados ao serviço da esmola em favor do mundo dos pobres, complemen-
tares em uma ordem social natural e providencialmente estratificada. Nesta fase da
vida, porém, nas relações com o universo dos ricos, ele não tinha ainda a desenvolta
liberdade de pensamento e de palavra do último decênio, que o conduziria a insistir
com sempre maior franqueza sobre o dever da esmola, quase em termos de verda-
deira justiça social. Nos últimos anos de 60 era simplesmente um padre procurador
– talvez mesmo porta-voz e agente de Nossa Senhora “pedinte” –, que personificava
perfeitamente a natureza e a função social do pobre: aquele que aceitava a própria
condição, embora procurando melhorá-la, de qualquer modo não além da medida, que
pedia na necessidade, que recebia com reconhecimento, que agradecia, também com a
oração, a quem tinha beneficiado, e que fazia frutificar os dons recebidos. Ao mesmo
tempo, respeitava e honrava o rico, a quem ajudava, ao dar esmola, a cumprir a própria
missão: servir Cristo no pobre, contribuir à própria elevação moral e profissional,
para realizar, também nas inevitáveis provas, o objetivo comum, a salvação temporal
e eterna. Recordava isso ao conde Pio Galleani d’Agliano (1816-1889), benfeitor de
antiga data, ao menos desde 1855. Estava sempre perto nas dificuldades financeiras e o
reconfortava quanto “às coisas que perturbavam um pouco as realidades de sua família”
e que impediam as antigas beneficiências: “V.S. não se perturbe, tenha paciência. Nosso
183 À condessa Callori, 24 de julho e 31 de agosto 1865; Em II 152 e 160.
184 Ao romano Filippo Canori Focardi, 30 de dezembro de 1864; Em II 96.
185 À condessa M. Caccia Dominioni, 3 de outubro de 1868; Em II 582.
186 À condessa G. Uguccioni, 22 de janeiro de 1866; Em II 200.
187 Ao marquês D. Fassati, 4 de junho de 1865; Em II 139.
188 Carta de 5 de outubro de 1868; Em II 583.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 569
paraíso não é aqui, nem os bens fugazes da terra podem tornar-nos felizes. Sei que em
seu coração o senhor diz: Não poderei mais fazer a beneficiência que fazia antigamente.
É verdade, mas o Senhor pagará igualmente sua boa vontade”.189 “Deus o abençoe,
senhor conde – retomava um mês depois –, doe-lhe saúde, graça e paciência. Per ardua
transimus, sed magna haereditas nos expectat”; “tenha coragem, senhor conde, non
habemos hic manentem civitatem sed futuram inquirimus. Deus não nos abandonará;
as cruzes que nos envia são presságio de que nos quer no caminho do Paraíso”.190 “Eu
me recomendo à sua caridade – era o pedido de pronto socorro a um dos mais fiéis
benfeitores – para que faça o que puder nesta necessidade excepcional; é mesmo dar de
comida aos pobres que têm fome; Deus o abençoe e dê a todos saúde e graça, com um
belo presente na pátria dos bem-aventurados”.191 À condessa Uguccioni dava conselhos
espirituais, prometendo orações e desejando o bem: “Por fim, como humilde Sacerdote
de Jesus Cristo eu peço para si saúde e graça do céu e dias felizes, bem como à sua
família e às famílias das suas filhas, para que o Senhor dê a todas a verdadeira riqueza,
o santo temor de Deus”.192 Era augúrio-programa, que concluía também a carta à
condessa Anna Bentivoglio: “Pedimos a Santa Virgem Imaculada para que nos obtenha
de Deus a graça de ser constantes em seu santo serviço no tempo e nos torne depois um
dia todos felizes na eternidade”.193 Ao marido, da antiga nobre família dos Bentivoglio,
senhores de Bologna, angustiado, recordava: “Compreendo que sua posição é grave,
mas aceite a palavra, Deus nos criou para ele, nos quer com ele; portanto, se para conse-
guir tal finalidade temos que fazer grandes sacrifícios, são grandes os tesouros que nos
preparamos para a eternidade”.194 Um incidente acontecido à condessa Uguccioni – lhe
recordava – era uma “desgraça”, mas também uma prova, uma visita, ainda que “dolo-
rosa”, do Senhor.195 A uma senhora romana, cuja jovem irmã morrera de cólera, a quem
tinha escrito há pouco menos de um mês,196 não podia, senão, falar do temor de Deus,
da conformidade com sua santa vontade, da esperança: “devemos ter fixa na mente a
palavra do Salvador, que diz: estote parati, estejam preparados”.197
Ao invés, ao ancião marquês genovês, senador Ignazio Pallavicini (1800-1871),
o Dom Bosco da profecia e do mistério incluía, numa breve missiva, um “bilhete”,
o qual lhe fora “forçado” enviar pela terceira vez. O ambíguo estilo oracular criava
inevitáveis angústias em um homem piedoso, benéfico e apreensivo: “Dia de Páscoa,
Visitação de Maria Santíssima, Festa da Assunção. Diga a meu servo Ignazio que não
189 Carta de 28 de setembro de 1864; Em II 77.
190 Carta de 20 de outubro e 9 de novembro de 1864; Em II 85 e 87.
191 Ao marquês D. Fassati, em 18 de abril de 1865; Em II 120.
192 Carta de 22 de janeiro de 1866; Em II 200.
193 Carta de 8 de junho de 1866; Em II 255.
194 Ao conde Annibale Bentivoglio, 29 de setembro de 1866; Em II 300.
195 Cartas de 27 de julho e de 18 de agosto de 1867; Em II 408 e 419.
196 À marquesa Costanza Lepri, 27 de junho de 1867; Em II 400-401.
197 À marquesa Adelaide Lepri, 8 de abril de 1867; Em II 417.

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570 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
tema morrer de morte improvisa; viva sempre tranqüilo de dia e de noite. Freqüente,
ou melhor, se alimente mais freqüentemente das carnes Sacratíssimas do Filho Divino,
promova o mais possível o espírito de paz em família, de tal forma que, após sua morte,
não nasçam os sinais da discórdia. Disponha das coisas temporais agora, para evitar
as angústias se devesse esperar a morte, que se aproxima a passos largos”.198 Em carta
sucessiva, tentava dar esclarecimentos: “O que lhe escrevi em agosto não é nem amea-
çador nem para breve; mas é tudo amável e preventivo”. Seguia uma espécie de exame
de consciência sobre três temas “si próprio, os seus, as suas coisas”, com um corres-
pondente programa de vida,199 nada leve para uma pessoa que, como o próprio Dom
Bosco teria reconhecido alguns meses depois, andava “envelhecendo em idade” com os
respectivos “incômodos da saúde”.200
Em face das máximas eternas, a profissão e o ensino da fé se tornavam mais essen-
ciais. Ao anúncio da morte de Luigi Cambray Digny (1843-1869), o filho mais velho da
condessa Virginia, oficial do exército, Dom Bosco assegurava as orações dos alunos de
Valdocco, exprimindo a esperança que o jovem tivesse “expirado na graça e na mise-
ricórdia do Senhor”. Propunha, ao mesmo tempo, uma séria reflexão sobre a “terrível
lição a respeito do nada de cada coisa terrena: idade, robustez, posição gloriosa, carreira
esplêndida”; o verdadeiro valor era a graça, já início da vida eterna: “Deus nos ajude a
passar na santa graça todos os dias da nossa vida e a encontrar-nos em paz com ele nos
últimos momentos da vida”.201 À condessa Callori relembrava a assistência espiritual por
ele prestada ao filho Giulio Cesare (1847-1870), e depois da morte, acontecida em 5 de
março, confortava-a com difusas informações sobre sentimentos cristãos do filho e um
forte pensamento de fé: “Dominus dedit, Dominus abstulit, sic Domino placuit, sic factum
est; sit nomen Domini benedictum”.202 A “beata eternidade” era “a verdadeira recom-
pensa”, as espinhas que se tornavam rosas, o cumprimento da felicidade e do amor.203 Mas
entrementes ele pedia orações aos correspondentes, a fim de que, pela misericórdia do
Senhor, a chegada da eterna bem-aventurança não faltasse à sua “pobre alma”.204
198 Carta de 24 de agosto de 1867; Em II 422.
199 Ao senador marquês Ignazio Pallavicini, setembro de 1867; Em II 423-424.
200 Ao senador marquês Ignazio Pallavicini, 30 de outubro e 30 de dezembro de 1867; Em II 447
e 467.
201 Carta de 2 de maio de 1869; Em III 79.
202 À condessa C. Callori, 1º e 6 de março de 1870; Em III 189-192.
203 A dom Guadalupi, 19 de fevereiro de 1869 (Em III 54); à condessa V. Cambray Digny, 2 de
maio de 1869 (Em III 79); ao padre Serra, 1º de outubro de 1869 (Em III 142); a F. Nicoletti,
20 de junho de 1870 (Em III 218); circular de 12 de outubro de 1870 (Em III 262); à condessa
A. Tettù de Camburzano, em 16 de outubro 1870 (Em III 263).
204Ao cavaliere P. Marietti, 5 de maio de 1869 (Em III 84); à condessa L. Viancino, 14 de junho
de 1869 (Em III 98); ao padre A. Guerra, em 6 de junho de 1869 (Em III 95); ao duque T.
Gallarati Scotti, 24 de junho 1869 (Em III 101); à condessa G. Uguccioni, 15 de abril de 1870,
(Em III 199); à condessa C. Callori, 27 de julho e 3 de agosto de 1870 (Em III 233 e 235); à
marquesa C. M. Gondi, 3 de dezembro de 1870 (Em III 274); à condessa V. Cambray Digny,
22 de janeiro de 1871 (Em III 294); à condessa G. Uguccioni, 30 de abril de 1871 (Em III
328); ao P. G. Bonetti, 13 de junho de 1871 (Em III 337).

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 571
Fé e obras: síntese dinâmica, que nascia de uma visão global da existência, voltada
para o céu e, todavia, solidamente ancorada à terra, com deveres a serem cumpridos,
provas a afrontar, sofrimentos a serem oferecidos, legítimas alegrias para se gozar,
o prêmio eterno para esperar, merecer e receber. À condessa Luigia Barbò escrevia:
“Deus deu os médicos às pessoas e nós fazemos bem em seguir seus conselhos. De
outro lado, não deixarei de rezar por sua filha para que Deus lhe dê de novo a saúde dos
olhos, a conserve em sua viagem e a restitua sã e salva à casa paterna”.205 Nas cartas de
Dom Bosco se encontram constantemente associados o augúrio de saúde e prosperidade
terrena e o pedido de “copiosas bênçãos da Beata Virgem Maria nas coisas espirituais
e também temporais”, mercê divina da caridade benéfica.206 A dúplice série de dons é
desejada e invocada para todos os correspondentes, leigos e eclesiásticos: “santidade
e graça”, “santidade e copiosas bênçãos do céu”, “santidade e temor de Deus com a
perseverança no bem”, “longos anos e vida feliz”, “longos anos de vida feliz”, “longa
vida e dias felizes”, “todo bem do céu”, “santidade e graça para viver felizes e salvar-se
eternamente”, “a graça de viver felizes no santo temor de Deus”, “todo bem espiritual
e temporal”, “longos anos de vida feliz e o santo dom da perseverança”, “santidade
duradoura e longos anos de vida feliz”, “saúde estável, longos anos de vida feliz com
o precioso dom da perseverança no bem”.207 “Deus, que rico em graças recompensa
largamente um copo d’água dado em seu nome – dizia com uma referência que tornaria
ainda mais familiar nos anos 70 e 80 –, lhe conceda vida feliz e derrame sobre V.S.
copiosas bênçãos”.208
Para reforçar a esperança da consecução de tantos bens, ele utilizava abundante-
mente a invocação das bênçãos de Deus. A fórmula “Deus, o Senhor, te abençoe”,
conclui centenas de cartas.209 “Não deixarei de pedir ao piedoso Deus para que digna-
mente o recompense com celestes bênçãos no tempo, e o torne um dia plenamente feliz
na beata eternidade”, terminava uma circular.210 “Deus o abençoe, as suas fadigas, e lhe
conceda saúde estável e o dom da perseverança”, desejava cumulativamente ao teólogo
Pietro Raffaele Abbondioli.211
205 Carta de 26 de agosto de 1866; Em II 268.
206 Cf. circular de março de 1864; Em II 42.
207 Por exemplo, de junho de 1864 a dezembro de 1872, Em II 55, 64, 67, 76, 90, 94, 95, 106,
114, 115, 136, 138, 140, 144, 161, 169, 179, 193, 223, 246, 299, 368, 396, 419, 446, 594; Em
III 41, 57, 77, 80, 83, 110, 119, 120, 128, 129, 134, 137, 142, 143, 153, 160, 170, 177, 179,
190, 199, 218, 227, 235, 271, 285, 289, 296, 305, 317, 329, 347, 356, 359, 400, 401, 404, 434,
447, 452, 453, 457, 458, 470, 473, 492, 502.
208 Circular de fim de abril de 1865; Em II 131-132.
209 Por exemplo, de julho de 1864 a agosto de 1868, com um visível aumento nos anos sucessivos;
Em II 14, 239, 240, 244, 273, 287, 312, 330, 332, 339, 352, 358, 366, 414, 453, 503, 509, 558.
De janeiro de 1869 a dezembro de 1871, Em III, com pouco menos de duzentas citações.
210 Circular de 1º de março de 1867; Em II 338. Cf. cavaliere Marco Gonella, 3 de abril de 1867
(Em II 348) e circular de 15 de abril de 1867 (Em II 356).
211 Carta de 28 de agosto de 1868; Em II 561.

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572 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
Eram preces e invocações, mas não sem as obras, precisamente para a glória de
Deus e a salvação das almas, a fórmula que resumia a fé, a esperança e a caridade de
Dom Bosco. Em um momento no qual estava empenhado em dar uma nova face ao
antigo Oratório de São Luís e procurava dinheiro, referindo-se em termos dramáticos
aos “pobres jovenzinhos” que tinham quer ser retirados das “garras da heresia”, ele
urgia o auxílio do marquês Antonio Gerini, de Florença, citando o hipotético texto
do Pseudo-Areopagita: “V.S. pode aplicar a si as palavras do areopagita: Divinorum
Divinissimum est ad salutem animarum Deo cooperari”.212 Tudo o que fazia e pedia,
ele queria que respondesse ao critério da glória de Deus ou da maior glória de Deus:
o trabalho educativo,213 o início das novas obras,214 a reabilitação de um sacerdote,215
o pedido de compreensão e de indulgência,216 os pedidos de esmolas e o agradeci-
mento pelo recebimento,217 as súplicas para a consecução de autorização e faculdade,218
a promoção das vocações religiosas, a justa escolha, a animação à observância,219 o
conselho nas dificuldades e controvérsias.220
8. O sofrido abandono de um colaborador “piedoso e empreendedor”
O primeiro decênio salesiano se fechava com o abandono de quem foi chamado “o
braço direito de Dom Bosco”, na condução da tipografia e da livraria de Valdocco, na
difusão das Leituras Católicas e da primeira editora salesiana, na promoção das rifas
de 1862 e de 1865-67, na ampliação e animação da rede de beneficiência em Roma,
em Florença e em Milão.221 Com a consagração da Igreja de Maria Auxiliadora e o
212 Carta de 5 de maio de 1869; Em III 83. Cf. também cartas à Società delle Dame Romane, 3 de
fevereiro de 1869 (Em III 55); ao duque T. Gallarati Scotti, 1º de maio de 1869 (Em III 77);
ao cavaliere G. Brambilla, 3 de maio de 1869 (Em III 80); circular de 5 de maio de 1869 (Em
III 81-82); circular de 24 de novembro de 1869 (Em III 155).
213 Ao padre Belmonte, 22 de setembro de 1869 (Em III 138) [“fazer o bem a quem pode, o mal a
ninguém. Vigilância em tudo”]; ao padre G. B. Lemoyne, 31 de janeiro de 1871 (Em III 300),
enviando o texto dos “Ricordi confidenziali”.
214 A dom E. Galletti, 2 de outubro de 1869 (Em III 143); ao padre G. B. Lemoyne, 9 de maio de
1870 (Em III 207).
215 A dom L. Tosi, 26 de novembro de 1869; Em III 157.
216 A dom A. Riccardi di Netro, em 28 de novembro de 1869; Em III 160.
217 À condessa C. Callori, em 28 de abril, 13 de julho e 3 de agosto de 1870 (Em III 204, 226,
235); a um conde, 23 de janeiro de 1871 (Em III 296).
218 A Pio IX, em 20 de agosto de 1870; Em III 239.
219 À Madre E. Babin, em 9 de novembro de 1870; Em III 269.
220 Ao marquês G. Durazzo, em 9 de dezembro de 1870 (Em III 277); ao padre R. Cianetti, 18 de
julho de 1871 (Em III 348); a um padre capuchinho lígure, 15 de setembro de 1871 (Em III 372).
221 BS 36 (1912) n. 2, fevereiro, p. 62-63.

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 573
luminoso seguimento o cavaliere Oreglia di Santo Stefano podia considerar realizada
a própria missão na Sociedade Salesiana. Nela, após ter entrado no Oratório em 1860,
tinha professado os votos temporários em 14 de maio de 1862 e os perpétuos em 8 de
dezembro de 1865. Durante o ano de 1869 chegava à maturação nele a aspiração ao
sacerdócio, talvez desejada por tantos anos, premente nos últimos, de qualquer modo a
ser realizado sempre no estado religioso, em um instituto de maior rigor, a Companhia
de Jesus, na qual já se encontrava, como sabemos, o irmão, padre Giuseppe. De outro
lado, podia tornar-se insatisfatória uma vocação de religioso leigo em uma congregação
que não se tinha ainda adequadamente elaborada no plano conceitual nem se realizada
com suficiente visibilidade em nível prático. Nela, enquanto tal, ele podia sentir-se
cultural e psicologicamente isolado, ao mesmo tempo em que era exigido para tarefas
mais heterogêneas, de caráter administrativo, promocional e relacional, que, além disso,
tinham-no obrigado a prolongar ausências da casa religiosa.
Dom Bosco devia ter tido algum vislumbre da crise desse homem de sua máxima
confiança desde o início do ano de 1868, quando o cavaliere estava em Roma. No dia
13 de janeiro convidava-o a retornar a Valdocco para a festa de São Francisco de Sales,
“na qual – escrevia – tenho o prazer de ver reunida toda a nossa família”.222 “Sempre
se pergunta de V.S.”, repetia uma semana depois.223 “Não sabemos mais nada a seu
respeito”, insistia no dia seguinte, exprimindo a esperança de que estaria em Turim para
São Francisco de Sales.224 Na carta sucessiva de 29 de janeiro se declarava de acordo
com o cavaliere, que considerava oportuna a própria permanência em Roma, mas não
conseguia esconder alguma apreensão. A carta, com efeito, terminava com expressões
singulares, sob a sua pena, dirigidas a um salesiano: “No entanto, caro senhor Cavaliere,
esteja seguro que na casa nós conservamos a mais profunda afeição pelo senhor, e desde
que V. S. partiu para Roma eu não tenho jamais esquecido de recomendar cada dia, na
santa missa, sua saúde e o bem de sua alma, e assim continuarei até que Deus nos ajude
a ser verdadeiros amigos na terra e companheiros um dia da verdadeira felicidade no
céu. V.S. não se esqueça de fazer cada dia a santa meditação e a leitura espiritual”.225
Mais preocupada era uma alusão da carta de 3 de março: “Muitos estão a dizer que
V.S. permanecerá em Roma e eu digo que não; mas a todo momento se pergunta por
V.S.”.226 Obtinha, enfim, após outras insistências, que o cavaliere estivesse presente
no Oratório para a preparação da consagração da igreja de Maria Auxiliadora, provi-
denciando o retorno para o dia 1º de maio.227 Ao irmão do cavaliere, padre Giuseppe,
escrevia enigmático em 7 de agosto: “Federico partiu para a Sardenha; como V.S. sabe,
sei que chegou e nada mais. Chega neste momento sem que se esperasse; está muito
222 Em II 485.
223 Carta de 21 de janeiro de 1868; Em II 488.
224 Carta de 22 de janeiro de 1868; Em II 489.
225Ao cavaliere Oreglia, 29 de janeiro 1868; Em II 494-495.
226 Em II 505.
227 Cf. carta de 25 de março e de 3 e 10 de abril de 1868; Em II 515, 518-519, 522.

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574 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
bem e o saúda”.228 Durante o primeiro curso de exercícios espirituais em Trofarello,
convidava seu religioso para o segundo, que começaria em 21 de setembro: “creio que
será uma ótima coisa que V.S. possa também vir; por que há mais coisas a serem tratadas
pelas quais seria muito conveniente que V.S. também aqui se encontrasse. Se for preciso,
poderá retornar depois para Milão”.229 Em 5 de outubro, escrevia quer o padre Giuseppe
Oreglia quer ao cavaliere. “Seu irmão Federico estabeleceu-se definitivamente em Turim
e goza perfeita saúde”, informava.230 “Coragem, caro cavaliere – exortava significativa-
mente na conclusão da carta a Federico –, combatamos! Não estamos sozinhos, Deus
está conosco; a vida é breve, os espinhos do tempo são flores para a eternidade”.231
Nos meses seguintes, sem palavras, o cavaliere dava seguimento à sua decisão.
A separação acontecia de forma digna e nobre. Era, ao contrário, profundamente
sofrida e enfrontada com singular severidade por Dom Bosco, que sentiu o fato como
uma grave derrota de sua jovem Sociedade diante da opinião pública e possível causa
de desorientação e de imitação no interior. Ele quis uma partida “tácita e secreta”, coisa
que o interessado executou com absoluto escrúpulo em 20 de setembro de 1869.232
A Dom Bosco desagradou, certamente, também o fato de não ter podido discutir face
a face. A ele o cavaliere endereçava três cartas, de conteúdo idêntico, para o padre
Rua, o padre Lazzero e o padre Lemoyne, deixando ao superior plena faculdade de
“entregá-las, retê-las ou destruí-las”. Desejava que se soubesse que pelo seu abandono
ninguém poderia fazer qualquer juízo negativo sobre a Sociedade que deixava, “uma
Congregação impregnada com tanta doçura que tornava todo vínculo e liame muito
fácil e leve, como se não existisse”.233
Devoto de Dom Bosco, que lhe permaneceu para sempre modelo incomparável, foi
constantemente muito amigo dos salesianos.
9. Aproximação das missões e encontros com Daniele Comboni
A sensibilidade de Dom Bosco pelas missões nos anos 70, como se viu, tinha raízes
longínquas. A ação exercitada sobre ele para dissuadi-lo das missões externas e antepor
a elas a missão juvenil em Turim não lhe tinha extinto o desejo pelos que jaziam ainda
na sombra da morte e em perigo de eterna perdição. Animador do espírito missio-
nário na metrópole subalpina, como já recordamos, era o cônego Giuseppe Ortalda.234
Em 1852 ele tinha organizado uma rifa em favor das missões e, para 1858, uma grande
228 Em II 557.
229Ao cavaliere Oreglia di S. Stefano, 16 de setembro de 1868; Em II 568.
230 Ao padre Giuseppe Oreglia, 5 de outubro de 1868; Em II 585.
231Ao cavaliere Oreglia de S. Stefano, 5 de outubro de 1868; Em II 583.
232 Cf. a distinta carta a Dom Bosco em MB IX 715-717.
233 Cf. MB IX 715-718.
234 Cf. cap. 2, § 6, § 3.

58.5 Page 575

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 575
Exposição das Missões Católicas. Ela tinha como órgão oficial, desde 15 de dezembro
de 1857, o periódico Exposição em favor das Missões Católicas, que em 1860 tomou
o título de Museu das Missões.235 Do fervor missionário difundido no mundo de Dom
Bosco era eloquente testemunho o Relação dos missionários apostólicos sardos espa-
lhados nas missões exteriores das cinco partes do mundo, publicado em 1857 pelo
mesmo cônego Ortalda: eram 68 em 1841, 221 em 1843, 234 em 1853, 603 em 1857.
Ele teve também a idéia de um pequeno seminário das missões, de breve vida (1859-
1863), reproposto em 1869 sob a forma de Escola Apostólica.236 Também o bispo
de Mondovì, dom Ghilardi (1800-1873), fundava em 1867 o Colégio Nacional dos
Sacerdotes Seculares para as Missões Estrangeiras, dotado em 1868 de uma tipografia
de segunda mão, adquirida pelo cav. Oreglia para o Oratório, por 8.500 liras, e logo
passada ao bispo pelo preço de 16 mil.237 No opúsculo Advertências para a conser-
vação da fé na Itália lia-se: “Propriedade em favor do colégio das missões estrangeiras
de Mondovì”. O Colégio Nacional não sobreviveu à morte do bispo.238
Em 1864 o cônego Ortalda fora também o veículo mais ou menos ocasional para as
relações duradouras de Dom Bosco com o grande missionário beato Daniele Comboni
(1831-1881).239 Em agosto, padre Comboni, então do Instituto do padre Nicola Mazza,
tinha se dirigido a Turim para colaborar com o cônego Ortalda na compilação de um
elenco dos missionários italianos que agiam no exterior, acrescentando também os das
Três Venezas, a ser apresentado ao Senado do Reino de Itália, a fim de que não aprovasse
a lei sobre a aboliação da isenção do serviço militar dos clérigos. Contemporaneamente
entrava em contato com Dom Bosco pela recuperação moral da senhora sarda de 25
anos, Antonieta Manca, que em Turim era uma das favoritas de Vitório Emanuel II.
Comboni podia contar com a colaboração da condessa Gloria, que lhe fora indicada
por Dom Bosco. A condessa tinha tomado sob a própria proteção e acolhido em sua
vila La Manca, na espera de reenviá-la à mãe e ao marido.240 Turim era para Comboni
a primeira etapa da viagem de animação missionária e de apresentação do seu Plano
para a Regeneração da África em Lion, Paris, Colônia, Londres. À capital subalpina
voltava nos primeiros dias de dezembro, hóspede do Oratório, para efetuar a primeira
235 Em 1883 o periódico era adquirido pelo beato Francesco Faà di Bruno, que o dirigiu até à morte,
em 1888. De 1889 passava à direção das Missões Exteriores de Milão, sobrevivendo até 1901.
236 Cf. S. Beltrami, L’Opera della Propagazione della Fede in Italia. Roma, Pontificia Unione
Missionaria del Clero, 1961, p. 27-39, 67-100.
237 Cf. a continuação do episódio no cap. 18, § 3.
238 Cf. C. Bona, “Un secolo di movimento missionario in Piemonte”, in: F. N. Appendino (ed.),
Chiesa e società nella II metà del XIX secolo in Piemonte, p. 265-269.
239 Sobre as relações de Dom Bosco com Daniele Comboni, cf. P. Chiocchetta, San Giovanni
Bosco, mons. Daniele Comboni e le iniziative missionarie per l’Africa Centrale (1857-1881),
Salesianum 50 (1988), p. 171-190.
240 Carta do padre Comboni ao bispo de Verona, Luigi Canossa, de 14 de agosto de 1864, in: D.
Comboni, Gli scritti, p. 227-229.

58.6 Page 576

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576 Parte III: 1a Seção: O primeiro decênio do fundador (1859-1870)
edição impressa do Plano para a conversão da África Negra proposto à Congregação
da Propaganda Fide pela Tipografia Falletti. Em Valdocco tinha falado aos jovens,
suscitando entusiasmo pelas missões, e Dom Bosco tinha certamente colocado a par
de seu desígnio missionário pela África Central.241 Dom Bosco terminava por condi-
vidir com ele a impostação e as idéias, colocando-as em prática em seu futuro projeto
patagônico.242 Dom Bosco tinha provocado um encontro com Comboni em Lonigo, na
casa dos condes Soranzo, durante uma viagem no Vêneto, em outubro de 1865, como
se deduz da carta de 24 desse mês, do padre veronês a seu bispo, Luigi di Canossa
(1809-1900). “Dom Bosco, o santo de Turim – escrevia admirado –, telegrafou-me para
Veneza desde Lonigo. Estive lá com ele, durante todo um dia, em casa da condessa
Soranzo. Eu o induzi a pemanecer meio dia em Verona para apresentá-lo a V.S., seguro
que provaria suma consolação. Mantém gratuitamente 1.200 pessoas: cada ano dá à
Igreja sessenta sacerdotes, e muitos missionários; tem confidência com Deus, e faz
milagres, e muitas vezes conhece os mais recônditos pensamentos dos outros. Mas
que quer? Percebendo que ia retardar um dia, solicitado também por um telégrafo que
lhe chegou por mim, partiu ontem para Turim”.243 Revia Dom Bosco em Turim, nos
primeiros dias de janeiro de 1869, como resulta de um testemunho do teólogo Teodoro
Dalfi.244 Nos exercícios espirituais de Trofarello, em 17 de setembro de 1869, era lida
à mesa uma “longa carta” a Dom Bosco “do missionário padre Comboni, que estava
preparando no Grande Cairo o local para um instituto que os Salesianos deveriam esta-
belecer no Egito para as Missões de África”.245
Na estada romana de janeiro-fevereiro de 1870, é provável que Dom Bosco tenha se
encontrado com ele, que aí estava nas vestes de teólogo do bispo de Verona. A conversa
deva ter caído sobre o projeto de um instituto no Egito. Em 3 de julho de 1870, o genial
missionário escrevia a Dom Bosco, pedindo-lhe uma colaboração original, repleta
de fecundo futuro. “Compreendendo a fundo seu coração e suas santas intenções –
escrevia –, venho fazer-lhe um pedido”: pedia que colocasse à disposição dois ou três
sacerdotes, ou mesmo mais, com quatro ou cinco mestres de arte e catequistas; condu-
zidos e estabelecidos em seu Instituto no Cairo, daria a eles “conveniente autonomia” e
os prepararia até que “pudessem, a seu tempo, dirigir uma missão especial na Nigrizia
Central, a ser confiada exclusivamente ao Instituto Bosco de Turim”.246 Da resposta
Dom Bosco encarregava o padre Rua, que anotava: “Respondeu-se no dia 14/7-70 que,
241 Cf. D. Comboni, Gli scritti, p. 232-242: reproduz-se o texto manuscrito de 1864, precedente à
edição impressa, p. 240-272 (1871).
242 Cf. J. Borrego, “Estrategia misionera de Don Bosco”, in: Don Bosco nella Chiesa, p. 151-152.
243D. Comboni, Gli scritti, p. 342.
244 Cf. P. Chiocchetta, San Giovanni Bosco, mons. D. Comboni, p. 178-181.
245 MB IX 711.
246 Cf. P. Chiocchetta, San Giovanni Bosco, mons. D. Comboni, p. 188. O texto da carta encontra-se
em D. Comboni, Gli scritti, p. 714-715.

58.7 Page 577

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Cap XVII: Impulsos para o crescimento pedagógico, espiritual e cultural (1861-1870) 577
por ora, não se pode enviá-los, mas serão aceitos nas mais favoráveis condições os
jovens que nos recomendarem”.247
À carta de 3 de julho Comboni tinha acrescentado um pós-escrito do seguinte teor:
“Espero que terá recebido o meu Postulatum ao Concílio pro Nigris Africae Centralis”:
tinha-o apresentado, em 24 de junho, ao Concílio Vaticano I, assinado por dezenas de
Padres248. A suspensão do Concílio tornou nulo o apaixonado apelo. Comboni dava
corpo nos dois anos sucessivos aos Institutos das Missões para a África Negra e das
Pias Madres da África Negra.
As relações com Dom Bosco continuaram. O último encontro aconteceu em Turim,
em clima de grande festa, no dia 24 de maio de 1880, um ano antes da morte prema-
tura e repentina do grande bispo missionário. Dom Comboni celebrava pontificalmente
na Igreja de Maria Auxiliadora a missa e as vésperas, inflamando os presentes com
a palavra calorosa e sonora. Circundavam-no “um dos mais corajosos apóstolos dos
nossos tempos”, “um mártir da fé” – como escrevia o Bolettim Salesiano –, além de
sacerdotes, pequeno clero, jovens, a multidão que lotava o templo. À tarde o bispo dava
a tradicional boa-noite, que se transformou em ardente apelo às missões: “Coragem,
salesianos, preparai-vos para a grande obra; um olhar para a Patagônia, o outro para a
África Negra; uma mão à primeira, a outra à segunda”.249
247 Cf. P. Chiocchetta, San Giovanni Bosco, mons. D. Comboni, p. 188.
248 Cf. em D. Comboni, Gli scritti, p. 709-712, 713-714, a circular para obter a assinatura dos
Padres e o texto do Postulatum.
249 BS 4 (1880) n. 6, junho, p. 4-5 e 7. O Bollettino Salesiano de novembro de 1881 fazia para ele
um comovido necrológio.

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58.9 Page 579

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Apêndice
A pluriforme origem do Oratório e o jovem
símbolo dos primeiros hóspedes
Nos ditos e nos escritos de Dom Bosco encontram-se muitas figuras de jovens exem-
plares, hóspedes reais ou ideais do seu “oratório” nas diversas versões, “jardim de
recreação”, lugar de encontro festivo, internato, colégio. Entre os protagonistas dos
vários escritos aparece diferente a relação entre personagem real e sua representação
narrativa: uma substancial identidade pode ser encontrada, não sem idealizações, nas
biografias de Domingos Sávio e de Francisco Besucco; menos estreito se mostra o
liame entre realidade e imagem na representação da figura emblemática de Miguel
Magone; sem dúvida mais evanescente e indefinível, oscilando entre objetividade e
invenção, no caso nas narrações biográfico-instrutivas que têm como protagonistas
Pedro, em Poder da boa educação, Valentino: a vocação impedida e Severino: as aven-
turas de um jovem dos Alpes. A historia de Bartolomeo Garelli encontra-se toda ela
no episódio narrado nas Memórias do Oratório. A pesquisa anagráfica não indivi-
duou ainda a origem, o meio e o termo do protagonista. No jovem encontrado na festa
da Imaculada, Dom Bosco parece querer simbolizar, em uma narração relativamente
tardia, todos os jovens – entre os quais aqueles que lhe foram confiados pelo padre
Cafasso – encontrados em datas diversas em suas primeiras experiências de benefi-
cência turinesas. Com esse jovem, além disso, ele pretende sublinhar a singularidade
dos inícios do oratório, da dúplice origem, terrena e celeste, ele mesmo símbolo de
diversas formas de convivências juvenis, enfim, de um movimento para os jovens e dos
jovens, sem limites espaciais e temporais. Dessa dimensão biográfica indeterminada
parecem eco as documentações que dizem respeito ao adolescente que chega por acaso
à sacristia da Igreja de São Francisco de Assis. É, ao invés, rica a significação ideal
e exemplar do episódio, seja para o oratório, seja para os jovens que o buscam e os
adultos que aí agem, em particular graças ao padre que é o protagonista. Este, porém,
dará o primado a uma mais excelsa protagonista ao insistir que o fato acontece na festa
da Imaculada Conceição.
Carta ao Vigário da Cidade, marquês Michele Benso di Cavour
Turim, 13 de março de 1846 (Em I 66)
[1846] “Este Catecismo teve início há três anos na Igreja de São Francisco de
Assis, e abençoando o Senhor a sua obra, os jovens chegaram até o número que o lugar

58.10 Page 580

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580 Apêndice
comportava. Acontece que, no ano de 1844, por razão de emprego, fui morar na Pia
Obra do Refúgio, e esses bons jovenzinhos continuaram a vir aqui para a instrução espi-
ritual. Foi justamente quando, de acordo com o senhor T. Borelli e o padre Pacchiotti,
apresentamos uma memória ao Arcebispo, que nos autorizou a converter nossa habi-
tação em Oratório, onde se fazia o Catecismo, ouviam-se as confissões, celebrava-se a
missa para esses filhos”.
Giovanni (s.) Bosco
[1854] Cenno storico dell1Oratorio di S. Francesco di Sales, in: P. Braido, Don
Bosco per la giuventù povera e abbandonata.
[p. 38-39] “Este Oratório, ou reunião de jovens nos dias festivos, começou na igreja
de São Francisco de Assis. O senhor padre Caffasso, já há alguns anos, nos dias festivos,
todo domingo dava catecismos aos jovens pedreiros em um pequeno ambiente anexo à
sacristia dessa igreja. O acúmulo de ocupações desse Sacerdote fez com que interrom-
pesse este exercício que lhe era tão querido. Eu o retomei em fins de 1841, e comecei
reunindo no mesmo lugar dois jovens adultos, gravemente necessitados de instrução
religiosa. A eles se uniram outros e, no decorrer de 1841, o número chegou a vinte, e
mesmo a vinte e cinco. Esses inícios fizeram-me conhecer duas verdades muito impor-
tantes: em geral, a juventude não é má por si mesma; e normalmente ela se torna tal no
contato com tristes, e esses mesmos tristes, separados uns dos outros, são susceptíveis
de grandes mudanças morais!”.1
Giovanni (s.) Bosco
[1862] Cenni storici intorno all’Oratorio di S. Francesco di Sales, in: P. Braido,
Don Bosco per la giuventù povera e abbandonata.
[p. 60-62] “A idéia dos Oratórios nasceu da freqüência dos cárceres desta cidade.
Nesses lugares de miséria espiritual e temporal encontravam-se muitos jovenzinhos na
idade florescente, de inteligência desenvolvida, de bom coração, capazes de ser a conso-
lação das famílias e a honra da pátria; e, contudo, estavam lá fechados, aviltados, feito
opróprio da sociedade. Ponderando atentamente as razões dessa desventura, pode-se
conhecer que normalmente eram infelizes mais por falta de educação que malvadeza.
Notou-se, além disso, que pouco a pouco se lhes fazia sentir a dignidade do ser humano,
que é dotado de razão e deve procurar-se o pão da vida com honestas fadigas, e não
com o latrocínio, e apenas se lhes fazia ressoar o princípio moral e religioso em suas
mentes, experimentavam no coração uma alegria da qual não sabiam dar razão, mas que
lhes fazia desejar ser melhores. De fato, muitos mudavam conduta no próprio cárcere, e
outros, apenas saídos, viviam de forma a não mais precisarem nele retornar.
1Deve-se notar que o padre Giuseppe Cafasso (1811-1860) está vivo e em atividade enquanto
Dom Bosco redige o Cenno storico.

59 Pages 581-590

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59.1 Page 581

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A pluriforme origem do Oratório e o jovem símbolo dos primeiros hóspedes 581
Então confirmou-se com os fatos que esses jovens tinham se tornado infelizes por
falta de instrução moral e religiosa, e que esses dois meios educativos eram os que
podiam, eficazmente, cooperar para conservar bons quando se eram tais e de reduzir e
fazer sentido aos díscolos quando tivessem saído daquele lugar de punição.
Para se atingir esses propósitos começaram a se dar catecismos apropriados nos
cárceres desta capital e, a seguir, na sacristia da igreja de São Francisco de Assis; e
depois deu-se início aos encontros festivos. Para esses momentos eram convidados
os que saíam dos cárceres e os que, durante a semana, perambulavam pelas praças,
nas estradas e também nas oficinas. Narrações morais e religiosas, cantos de hinos
sagrados, pequenos presentes, alguns jogos, esses eram os meios que se usavam para
entretê-los nos dias festivos.
Corria o ano de 1841 e os jovens que participavam eram, em média, cerca de setenta
(...)”.
Ruffino Domenico, Cronache dell’oratorio di S. Francesco di Sales, Nº 1 1860.
[p. 28-30] “Origine dell’Oratorio. L’anno Dom Bosco encontrava-se no Convitto de
São Francisco. No dia da festa da Imaculada Conceição ele se preparava para celebrar
a Santa Missa, quando um jovem de cerca 17 ou 18 anos estava próximo na sacristia
esperando para escutar a Santa Missa.
O sacristão perguntou-lhe se queria ajudar a missa; ele respondeu: não sei. O sacristão
pegou um pedaço de pau e deu-lhe duas bordoadas na cabeça, gritando para que não
ficasse lá. Vendo isto, Dom Bosco perguntou-lhe: por que ages assim? Ele disse – o
senhor o conhece? – Sim, eu o conheço, ele é meu amigo; embora o conhecesse a partir
do momento em que o vira. Vem aqui, disse então o sacristão. Dom Bosco quer falar-te.
O jovem aproximou-se. Dom Bosco lhe perguntou se já tinha escutado a missa. – Não,
respondeu. – Então vai, assiste-a com devoção, após a missa voltarás; tenho um convite
a fazer-te. Termina a missa, e o jovem apresenta-se a Dom Bosco na sacristia. Este lhe
perguntou: como te chamas? – N. N. – Sabes ler? – Não – Sabes cantar? – Não – sabes
assobiar? O jovem começou a rir. – Dize-me, já fizeste a primeira comunhão? – Não –
Pois bem, hoje a tal hora, volte aqui e te ensinarei: Assim se fez. À tarde ele veio ter uma
lição, mas antes de começar fizeram os dois uma prece a Nossa Senhora Imaculada para
que dispusesse aquele jovem a bem aprender as coisas necessárias e dispusesse todos
os outros que tivessem necessidade a vir com ele para aprender. Assim aconteceu. Em
breve o Convitto ficou pequeno. Veio para o Refúgio no dia da Imaculada Conceição.
Mudou-se para outro lugar no dia da Imaculada Conceição. Naquele dia, anos depois,
formou-se o desígnio de construir uma nova Igreja, agora existente. Naquele dia, anos
depois, se fizeram os projetos de várias rifas etc.”
Ruffino Domenico, [Cronaca] 1861 1862 1863 1864 Le doti grandi e luminose
[aproximadamente 1864]
[p. 61] “Um padre do Convitto (padre Cavallero di Carmagnola) conversando narrou
o início do oratório de São Francisco de Assis do seguinte modo: padre Cafasso, um dia,
pediu a um jovem que lhe ajudasse a Santa Missa. O jovem respondeu que não sabia, e o
padre Cafasso o faz retornar depois para ensinar-lhe. A este ajuntou-se um outro. Mas o

59.2 Page 582

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582 Apêndice
padre Cafasso, não podendo ocupar-se disto, confiou o cuidado a Dom Bosco: este
aumentou o número de seus alunos”.
Lemoyne Giovanni Battista
[1870] “L’Oratorio di s. Francesco di Sales”, in: G. B. Lemoyne, Biografia del
giovane Mazzarello Giuseppe. Turim, Tipografia do Oratorio de San Francesco di Sales,
1870, cap. XIV.
[p. 78-79] “Antes que eu narre a entrada de nosso Giuseppe no Oratório de São
Francisco de Sales, será bom ao leitor que eu faça um pequeno resumo da história dessa
casa, da qual talvez já tenha ouvido falar.
Desde o ano de 1841 o Sacerdote Giovanni Bosco, vendo como a juventude, espe-
cialmente operária, precisasse de ser encaminhada ao cumprimento dos deveres do
Cristão e afastada dos perigos que costuma encontrar nos dias de festa, tinha manifes-
tado o vivo desejo de consagrar toda a sua vida ao bem dos jovens, fundando orató-
rios festivos nos centros mais populosos da cidade de Turim. O exemplo de são Felipe
Neri em Roma o encorajava e exortava na grande empresa. Sem nenhum meio humano,
confiando somente na Divina Providência, e por conselho do célebre padre Cafasso, pôs
mãos à obra. Na manhã de domingo saiu pela cidade e, tendo encontrado alguns jovens
que jogavam, convidou-os a segui-lo. Após entretê-los com alguns pequenos presentes
e com os bons modos, fez-lhes prometer que no domingo seguinte viriam a encontrá-lo
em casa. Prometia-lhes um pequeno prêmio a quem dentre eles trouxesse outros compa-
nheiros. Tendo recolhido destarte um certo número pensou no local para instruí-los e
recreá-los. Mas logo no início começaram as dificuldades. Recolhidos no Refúgio, na
via Cottolengo, um quarto servia de capela e a rua, de lugar de recreação (...)”.
Lemoyne Giovanni Battista
[1872] “L’Oratorio di s. Francesco di Sales”, in: G. B. Lemoyne, Biografia del
giovane Mazzarello Giuseppe. 2a ed. Turim, Tipografia do Oratorio de San Francesco
di Sales, 1872, cap. XIV [+]
[p. 65-67]“Antes que eu narre a entrada de nosso Giuseppe no Oratório de São
Francisco de Sales, será bom ao leitor que eu faça um pequeno resumo da história dessa
casa, da qual talvez já tenha ouvido falar.
O sacerdote Giovanni Bosco, freqüentando os cárceres de Turim, com amargo senti-
mento notava que certos jovens, com aparência de bom caráter, saídos dos cárceres, em
breve eram de novo para lá reconduzidos, mas sempre com o aumento de novos compa-
nheiros. Ponderando bem as razões de tal desventura com o célebre e santo sacerdote
padre Giuseppe Cafasso, julgou-se ser a causa principal o abandono no qual tantos
jovens se encontram nos dias festivos e o fato de estarem privados de patrões honestos
durante a semana. A tal coisa batalhou o sacerdote G. Bosco.
No dia da Imaculada Conceição, no ano de 1841, começou a recolher alguns dos
mais abandonados na igreja de São Francisco de Assis; a estes se ajuntaram outros e
depois outros, os quais convidava durante a semana e apostava para o dia de domingo.
Enquanto os entretinha em catecismos, cantos de hinos sagrados, distraía-os com

59.3 Page 583

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A pluriforme origem do Oratório e o jovem símbolo dos primeiros hóspedes 583
contos amenos e os alegrava com pequenos presentes e com agradáveis recreações.
Procurava ao mesmo tempo todos os meios possíveis para que nenhum de seus alunos
permanecesse privado de patrão onde trabalhar nos dias da semana. A coisa saiu muito
bem. Viu-se que os bons se conservavam bons, e os periclitantes, sem que percebessem,
eram afastados do mau caminho. Com o número crescendo, não sendo mais compatível
com o lugar inicial, o Oratório foi transferido perto da Obra do Refúgio, onde Dom
Bosco foi exercitar-se com a missão de Diretor. Aqui o Oratório teve um extraordinário
desenvolvimento e as crianças acorriam a centenas. Mas quantas provas tiveram que
suportar! (...)”.
[+] Exceto alguma ligeira variante, o novo texto [Inc O sacerdote Giovanni Bosco...
expl tiveram que sustentar!] depende inteiramente de Dom Bosco, que interveio com
uma cópia do opúsculo na primeira edição, acrescentanto em particular ao capítulo XIV
dois folhetos manuscritos com o texto mudado; datáveis, portanto, entre 1871 e 1872.
Em 1873 inicia-se a redação das Memórias do Oratório de São Francisco de Sales com
uma ulterior versão dos inícios.
Giovanni (s.) Bosco
[1873] Memorie dell’Oratorio di San Francesco di Sales. Introduzione, note e testo
critico a cura di A. Da Silva Ferreira, Roma, LAS, 1991.
[Segunda década] 12º A festa da Imaculada Conceição e o princípio do Oratório
festivo.
[p. 121-122] (...) No dia solene da Imaculada Conceição de Maria (8 de dezembro
de 1841), na hora estabelecida, eu me encontrava me paramentando para celebrar a
santa missa. O clérigo da sacristia, Giuseppe Comotti, vendo um jovem em um canto
convida-o para que me venha ajudar na missa. Não sei, ele respondeu todo mortificado.
Vem, replicou o outro, quero que tu sirvas a missa. – Não sei, replicou o jobem, jamais
ajudei missa. – Incompetente que és, disse o clérigo da sacristia furioso, se não sabes
ajudar a missa, por que vens à sacristia? Dizendo isto, toma o cabo do espanador, e
bate nos ombros e na cabeça do pobrezinho. Enquanto o outro corria: Que fazes, gritei
alto, por que batê-lo com tal fúria, o quê ele fez? – Porque vem à sacristia se não sabe
ajudar a missa? – Mas tu agiste mal. – O que importa ao senhor? – Importa muito, é
um amigo, chama-o de novo, tenho necessidade de falar-lhe. – Tuder, tuder, põe-se a
chamar; correndo-lhe atrás, e assegurando-lhe melhor tratamento trouxe-mo de volta.
Ele aproximou-se tremendo e chorando pelos golpes recebidos. Já escutaste a missa?
disse-lhe com amorevolezza que me era possível. – Não, respondeu ele. – Vem pois
escutá-la; depois terei o prazer de falar-te de uma coisa que te agradará. Prometeu-me.
Era meu desejo mitigar a aflição daquele pobrezinho e não deixá-lo com aquela sinistra
impressão para com os responsáveis daquela sacristia. Celebrada a santa missa e tendo
feito o devido agradecimentno, conduzi o meu candidato a um ângulo. Com rosto alegre
e assegurando-lhe que não mais tivesse medo das bastonadas, comecei a interrogá-lo
assim: (...). – Meu bom amigo, como te chamas? – Meu nome é Bartolomeo Garelli. –
De onde és? – De Asti – O teu pai está vivo? – Não, meu pai já morreu. – E tua mãe?

59.4 Page 584

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584 Apêndice
– Também minha mãe já morreu. – Quantos anos tens? – Tenho dezesseis. – Sabes ler
e escrever? – Não sei nada. – Já fizeste a s. comunhão? – Ainda não. – Já te confes-
saste? – Sim, mas quando era pequeno. – Agora freqüentas o catecismno? – Não tenho
coragem. – Por que? – Porque os meus companheiros menores estão no catecismo; e eu
tão grande não sei nada. Por isso tenho vergonha de freqüentar aquelas aulas. – Se eu
te desse aula à parte, virias escutá-las? – Viria com muito prazer. – Virias com prazer
neste ambiente? – Virei com muito prazer, contanto que não me batam. – Esteja tran-
qüilo, que ninguém te maltratará. Antes, tu serás meu amigo e o caso me diz respeito
e a nenhum outro. Quando queres que comecemos o nosso catecismo? – Quando o
senhor quiser. – Esta tarde? – Sim – Queres mesmo agora? – Sim, também agora com
muito prazer. Levantei-me e fiz o sinal da S. Cruz para começar, mas o meu aluno nada
fazia porque não sabia fazê-lo. Naquele primeiro catecismo entreti-me com ele para que
aprendesse a fazer o sinal da Cruz e conhecer Deus Criador e o fim pelo qual nos criou.
Embora com dificuldade de memorizar, contudo com assiduidade e com atenção, em
poucas festas, conseguiu aprender as coisas necessárias para fazer uma boa confissão e
pouco depois a santa comunhão.
A este primeiro aluno se acrescentaram alguns outros e no decurso daquele inverno
limitei-me a alguns adultos que tinham necessidade de catecismo especial e sobretudo
para aqueles que saíram dos cárceres”.

59.5 Page 585

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INDICE OnomÁstico
Abaco: 295.
Abbà Giacomo Andrea (1780-1836):
144.
Abbondioli Pietro Raffaele (1812-1893):
178, 182, 330, 571.
Acquaderni Giovanni (1839-1922): 51,
63.
Adão: 147, 252, 348, 355, 441.
Affre Dionigi Augusto: (1793-1848):
71(32), 101.
Agathon fr. (J. Gonlieu) (1731-1798): 204
(e 30).
Agliani Giuseppe (1805-1871): 462
(e 86).
Agnes Mário: 95 (118).
Agnozzi Giovanni Battista: 439.
Agostinho s. Aurélio (354-430): 566.
Aimé Albert (sec. XVII): 268 (12).
Aimeri, teol.: 199.
Alasia G. Antonio (1731-1812): 148, 149
(e 50), 154, 163 (e 13), 228.
Alasonatti Vittorio (1812-1865): 204,
266 (e 2), 299, 305, 311, 338, 378, 384,
389, 391, 394, 426, 441, 447, 452, 559.
Albera Paolo (1845-1921): 395, 423.
Albert Federico, b. (1820-1876): 219,
424.
Albuíno († 572/73): 354.
Aldobrandini, fam.: 473.
Alessio Felice: 423.
Alexandre Severo (208-235): 354.
Alfieri di Sostegno Cesare (1799-1869):
33, 36, 207.
Afonso Maria s. de’ (1696-1787): 64, 65
(e 5), 128, 149,154, 161, 163, 191, 228,
268 (12), 505 (182).
Afonso XII di Borbone, rei da Espanha
(1857-1885): 105, 106, 107.
Alimonda Gaetano (1818-1891): 87.
Allamano Giuseppe (1851-1926): 157
(68).
Allasio: 414.
Allievi Serafim (1819-1891): 238, 239.
Altieri Lodovico, card. (1805-1867):
512.
Álvares Mendizábal Juan: 105.
Amadei Angelo: 7, 10, 203 (22).
Amari Michele, historiador, político
(1806-1889): 50, 365, 402, 413, 415,
416 (63), 417, 430.
Amat Villarios Fanny (1814-1882): 535.
Ambrogio, ab.: 473.
Amedeo di Savoia, príncipe (1845-
1890): 253, 258, 407, 428, 463, 508.
Andrea, fra.: 381.
Anfossi Giovanni Battista (1840-1913):
391, 394, 416, 419, 452.
Angennes Alessandro d’ (1781-1869):
246.
Anglesio Luigi (1803-1881): 279, 489.
Annibale (247-182 a.C.): 473, 474, 569.
Ansart André-Joseph (1723-1790ca.):
230.
Antonelli Giacomo, cardeal (1806-1876):
47, 60, 61, 219, 224 (e 132), 225, 254,
260, 345 (67), 377, 378, 381, 382, 388,
389, 392, 395, 447, 448 (e 27), 457,
475, 476, 483, 484 (e 83), 485, 500,
501, 535.
Antonelli, conde, fam.: 474, 510.
Antonelli Falchi, fam.: 473.
Antonio Marco, gen. romano (83ca-30 a.
C.): 354.
Antonio de Pádua (1195-1231): 191.
Antonucci Benedetto Antonio, cardeal.
(1798-1879): 43, 224, 491 (117), 495.
Apollonio Giuseppe, vesc. (1829-1903):
465 (e 108).
Apolônio, da cidade de Tiano (4a C.-97
ca d. C.): 276.
Aporti Ferrante (1791-1858): 66 (e 9),
76 (e 53), 77 (e 54), 208 (e 51,53), 214,
246, 414.
Appendino Felippo Natale: 87 (89), 575

59.6 Page 586

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586 Índice onomástico
(238).
Aquilino fr.: 213 (77).
Arduino Innocenzo (1805-1880): 399.
Arenal Llata Rogélio 368 (18), 380 (10).
Aristóteles, filósofo (384-322 a. C.): 126,
145.
Arnaldi Giovanni Battista, vesc.
(1806-1867): 457, 458.
Artico Filippo, vesc. (1798-1859): 267,
403 (5)
Artigas José Gervasio, político
(1764-1850): 97.
Artiglia Giacomo: 311, 343.
Arvisenet Cláudio (1775-1831): 260, 386
(e 35).
Ashton T. S.: 24 (10).
Asinari di San Marzano Alessandro,
vesc. (1795-1876): 381, 382.
Asinari de San Marzano Filippo: 207.
Asor Rosa Alberto: 57 (137).
Aubert Roger, 68 (19), 69 (22).
Audiface s.: 295 (e 163).
Audisio Roberto: 33 (43), 206 (41, 42),
207 (44, 45), 208 (49).
Avellaneda Nicolas, político: 98.
Avvezzana: 564.
Azeglio Cesare Taparelli d’ (1763-1830):
65, 89.
Azeglio Luigi Taparelli d’ (1793-1862):
129.
Azeglio Massimo Taparelli d’: 42, 44.
Azeglio Roberto Taparelli d’
(1790-1862): 72, 83, 207, 217, 249 (e 76).
Babin Eudosia, sr (1822-1894) 537, 572
(219).
Bakunin Michael Aleksandrivic
(1814-1876): 108.
Balbo Cesare (1789-1853): 207.
Balladore Giovanni Antonio
(1794-1882): 243.
Balma Giovanni Antonio, arc.
(1717-1881): 477, 501.
Balmes Jaime, filósofo (1810-1848): 150
(e 54).
Banaudi Pietro (1802-1885): 127, 132.
Barale Pietro (1846-1934): 526.
Barbagallo Lina: 62 (147).
Barbania: ver Bianco di B.
Barbera Mário (1877-1944): 250 (81).
Barberis Giulio (1847-1927): 9, 106
(149), 115, 141 (e 21), 171 (43), 365
(7), 368, 409 (33), 518, 561.
Barbero Stanislao (1807-1876): 160,
164.
Barbò Luigia (1803-1870): 466 (e 111,
112, 115), 511 (25), 513 (e 37), 571.
(e 37), 571.
Bardi, fam.: 473.
Baricco Pietro (1819-1877): 199 (e 10),
214, 414, 419 (76).
Barnabé s.: 297.
Barnabò Alessandro, cardeal (1801-
1874): 90 (97).
Barolo Giulia Falletti di (1785-1864):
31, 32, 34, 160, 172, 173, 174 (e
51,53), 175 (e 57), 176, 177 (e 63), 178
(69,71), 179, 182 (e 96), 183, 184, 185,
192, 198, 199, 203, 206, 215, 218 (e
99), 241, 529.
Barolo Tancredi Falletti de (1782-1838):
172.
Baroni S.: 183 (103).
Barrera André (1802-1879): 224, 243.
Baruffi Giuseppe Filippo (1801-1875):
83, 85 (85).
Barzaghi Gioachino: 239 (21,23), 305
(21).
Basso Marino: 218 (99).
Bauducco Francesco M.: 163 (12).
Beccaria Cesare, criminólogo (1738-
1794) 33, 339.
Bechis Giovanni: 123.
Befani, cav.: 473.
Belasio Antonio (1813-1889): 267, 555.
Bellagarda Giacinta Madalena, sr.: 178
(69).
Bellezza Teresa Caterina Novo: 237(16).

59.7 Page 587

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Índice onomástico 587
Bellia Giacomo (1834-1908): 171 (e 45),
342.
Bellingeri Celso († 1891): 316.
Bellono Giorgio († 1854): 214, 243.
Belmonte Domenico (1843-1901): 404,
423, 572 (213).
Beltrami Silvio: 575 (236).
Beltramo Carlo: 139 (12).
Belza Juan Esteban (1918-1989): 98
(123).
Benone Giovanni Battista (1788-1841):
144.
Bentivoglio Anna Lucini († 1868): 473,
474 (31), 512, 569.
Bentivoglio Annibale (1842-1890):474,
510, 569 (194).
Bentivoglio, fam.: 569.
Bento s. da Norcia (480ca-546): 191.
Bento XVI, papa (1675-1758): 531.
Berardi, aluno: 430.
Berardi Giuseppe, cardeal. (1810-1878):
438, 484 (e 83), 485, 487, 488, 496, 533,
535.
Bérault-Bercastel Antoine Henri
(1720-1794): 151 (e 56, 57).
Bercastel: ver Bérault-Bercastel.
Berizzi Pier José (1824-1873): 85, 344.
Bernardete s. Soubirous (1844-1873): 69.
Bernardo s. de Clairvaux (1090-1153): 191,
505.
Bernardo s. de Cluny (850ca-927): 191.
Bert Amadeu (1809-1883): 249 (e 73,
75, 76, 77), 253 (98), 258 (e 119).
Bert Paul, político (1853-1886): 102.
Bertagna Giovanni Battista, teol., vesc.
(1828-1905) 216 (92), 369 (e 21), 510.
Bertetto Domenico (1914-1988): 190
(127).
Berteu Agostino, can. (1828-1913): 199.
Berti Domenico, político (1820-1897):
54, 62, 413, 418 (e 72), 419.
Bertinelli, irmãos: 473.
Bertinelli Giuseppe: 473.
Bertinelli Lorenzo: 474.
Bertinetti Ottavia Maria: 134.
Bertini Salvatore († 1892): 553 (e 64),
563.
Berto Gioachino (1847-1914): 73 (42),
87 (90), 368, 466, 505 (184), 506 (187),
515
(e 54), 518, 522 (91).
Bertoldi Giuliano (1946-1996): 94 (110).
Bertoni Jovine Dina, pedagogista
(1898-1970): 82 (76), 221 (122).
Besucco Francesco (1850-1864): 125,
323, 332 (e 21), 352, 539, 542, 544,
545 (e 22), 546, 547, 548, 552, 579
Bettazzi Luigi, vesc.: 255 (107), 256
(113), 257 (116).
Beza, Bèze Théodore de (1519-1605):
273.
Biale Raffaele di Albenga, vesc.
(1785-1877): 492, 532
Bianchi Angelo (1817-1897): 439.
Bianchi, p: 515
Bianco di Barbania Carlo Giacinto
(1803-1878): 516, 565.
Biffi Serafino (1822-1899): 562 (e 138).
Biglione Giacinto: 112.
Biondi Alessandro: 386, 397.
Bizarri Andrea Giuseppe, cardeal.
(1802-1877): 439, 441 (e 4).
Blachier Frederico: 243.
Blengini Matteo, avv.: 199.
Blotto Vincenzo: 240 (28).
Bo Vincenzo: 67 (15)
Bocca Federico: 199, 243.
Bodrato Francesco (1823-1880): 426,
441, 451.
Boggero Giovanni (1840-1866): 398,
399, 452.
Boglietti Carlo, aluno: 434.
Bolívar Simón: (1783-1830): 96.
Bolmida Giacinto: 134.
Bolmida Luigi: 134.
Bona Bartolomeu (1793-1876): 89 (93),
461.
Bona Candido: 575 (238).

59.8 Page 588

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588 Índice onomástico
Bonamici: 505.
Bonaudi: 199.
Bon Compagni Carlo, político (1804-
1880): 59, 207.
Boncompagni Ludovisi Rodolfo, duca di
Sora: 214, 474 (33).
Bonetti Giovanni (1838-1891): 50 (110),
60, 119 (e 35), 185 (110), 205, 318, 323
(97), 343, 366 (10,12,13), 367 (e 16),
368, 372 (32), 393 (e 68, 69, 70), 394,
395 (72), 408 (31), 418, 423, 426, 435,
455 (55, 56), 473, 503 (179), 532, 533,
535 (e 151), 536, 541 (3), 542 (6), 543
(14), 546 (e 31), 550, 553 (65), 559
(e 107), 560, 565, 570 (204).
Bongiovanni Giuseppe (1837-1868): 311,
317, 318, 326, 343, 394, 398, 399, 452,
518, 559.
Bonomelli Geremia, vesc. (1831-1914):
73.
Borel Giovanni Battista (1801-1914):
139, 166 (e 21), 167, 172, 179, 180
(e 85), 181 (e 86), 182 (e 96), 183, 184,
185, 191, 193 (e 148, 149, 150), 196,
197, 198 (e 3, 6, 8), 199, 200 (14), 203,
214, 218, 220 (e 110), 237 (e 16), 241,
242.
Borella Alessandro (1813-1868): 405.
Borelli [Borel] Michele (1804-1869):
211 (67).
Borello Luciana: 322 (96), 367 (15), 456
(59), 527 (115).
Borgam Francesco (1818-1885) 52
(116).
Borgi Giovanni (1732-1798): 381, 383.
Borrego Jesús: 576 (242).
Borromeo Edoardo: 385.
Borromeo Guido (1818-1890): 412, 430
(125), 431, 432.
Borsarelli Rosa Maria: 174 (51,53), 199.
Borsarelli di Rifredo Carl’Antonio
(1797-1876): 267, 344.
Borsarelli di Rifredo Luisa († 1851):
199.
Borsi Mara: 316 (69).
Bosco Antonio (1808-1849): 111, 112 (e
3), 117, 120, 121, 158.
Bosco di Ruffino, fam.: 179, 563.
Bosco di Ruffino Ottavio 1840-1909):
548 (38), 563 (150).
Bosco Francesco Luigi (1784-1817):
112, 113, 114, 127.
Bosco Giovanni Francesco, teol., prof.
univ.: 127.
Bosco Guiseppe Luigi (1813-1862): 112
(e 3), 121, 134, 139, 158, 316.
Bosco Maddalena (1773-1861): 112.
Bosco Riccardi Enrichetta: 433.
Bosio Antonio († 1880): 198.
Bossuet Jacques Bénigne, vesc.
(1627-1704): 151, 364.
Bossy John: 67 (15).
Botaudi: 385.
Bottero Giovanni Battista (1822-1897):
405.
Bouchet Clémence: 174, 178 (69).
Boulogne Étienne Antoine de, vesc.
(1747-1825): 28.
Bracco Giuseppe: 33 (43), 206 (41,42),
207 (44), 208 (49), 218 (100), 235 (5),
237 (16), 245 (48), 247 (61) 405 (14),
461 (82).
Braido Pietro: 15 (4), 34 (49), 64 (3), 65
(7), 66 (9), 80 (66), 115 (21), 137 (4),
149 (51), 152 (60), 156 (74), 178 (68),
204 (31), 207 (48), 208 (50, 53), 234
(1), 255 (107), 268 (11), 290 (133), 305
(22), 308 (34), 328 (2), 339 (42), 345
(72), 347 (79, 82), 348 (84), 351 (115),
352 (122), 354 (141), 363 (499), 365
(9), 368 (18), 380 (10), 409 (32, 34),
411 (39), 412 (46, 47), 413 (51), 416
(61, 63), 417 (65), 420 (80), 421 (82),
429 (120), 449 (32), 498 (157), 499
(160), 501 (171, 174, 175), 502 (176),
518 (66), 555 (84), 567 (180), 580.
Braja Isidoro: 135.
Braja Paolo Vittorio (1820-1832): 133.
Brambilla Giovanni: 239, 572(212).

59.9 Page 589

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Índice onomástico 589
Brancadoro Emma: 520 (e 76,77), 521
(88).
Bravo Gian Mario: 34 (46).
Bravo Ottavio, can. (1793-1872): 89,
199.
Bresciani Antonio, s. j., romanziere
(1798-1862): 382.
Brezzi Paolo: 95 (118).
Brin Benedetto (1833-1898): 61.
Brocardo Pietro: 457 (69), 458 (71, 72).
Brocchi: 473.
Bronzini Zapelloni Alessandro: 218.
Brosio Antonio (1829-1883): 220 (e
112), 235 (e 8), 240 (27).
Brossa Stefano (1808-1883): 463 (92)
Brovelli Franco: 71 (32).
Bruna Giuseppe Carlo: 207.
Bruno Caytano, storico: 99 (124).
Bruno s., fundador (1035ca-1101):
Buisson Ferdinand (1841-1932): 102 (e
135).
Bulferetti Luigi: 114 (11).
Burdizzo Domingos: 185.
Burzio Gugliemo: 367.
Burzio Giuseppe (1822-1842): 137, 153.
Burzio Massimo (1777-1847): 136
Busca: 515
Buzzetti Carlo (1829-1891): 461, 561.
Buzzetti Giosué (1841-1902): 422.
Buzzetti Giuseppe (1832-1891): 342.
Caccia Dominioni Carlo (1802-1867):
239 (21).
Caccia Dominioni Margherita: 466
(115), 468 (132), 568 (185).
Cacherano de Bricherasio, fam.: 245.
Cadorna Taffaele, gen. (1815-1897): 60.
Cafagna Luigi: 53 (124).
Cagliero João, vesc., cardeal (1838-1926):
3, 115, 203, 311, 342, 343, 371, 394,
419, 426, 485, 522 (21), 526, 531, 552.
Cagliero Giuseppe (1847-1874): 507,
516, 530.
Caifa: 328 (1).
Caimi Luciano: 78 (59).
Calabiana Luigi Nazari di, arciv.
(1808-1893): 45 (e 90), 246, 422 (e 85,
89), 448, 463, 466, 532, 557.
Calcaterra Carlo (1184-1952): 145 (37).
Calderari, fam.: 473
Calderari Isabella (1844-1879): 510, 535.
Callisto I s., papa († 222).
Callori Carlotta (1827-1914):244, 404
(9), 406 (e 23), 417, 521 (86), 422 (87),
508, 509, 536, 552, 559 (e 116), 563
(152), 564, 565, 568(183), 570 (e 202,
204), 572 (217).
Callori Federico (1814-1890): 406, 422,
549, 565.
Callori Giulio Cesare (1847-1870): 549,
570.
Calmet Augustin (1672-1757): 150, 151.
Calosso Giovanni (1755-1830): 111,
114, 118, 119, 120.
Calosso Maria: 121.
Calvino Giovanni (1509-1564): 273,
274.
Camaiani Pier Giorgio: 48 (105), 72
(36).
Cambray Digny Luigi (1843-1869): 570.
Cambray Digny Luigi Guglielmo, políti-
co (1820-1906): 59, 472, 566.
Cambray Digny Virginia Tolmei Biffi
(1822-1909): 467, 472, 502, 513 (e 36),
553 (73), 566 (172), 570 (203, 204).
Camburzano Alessandra Tettù: 570
(203).
Camburzano Vittorio di: 568.
Campello della Spina Paolo (1829-
1917): 88
Campolmi Giustino: 467
Campora, fam.: 118
Canals Pujol Juan (1929-1995): 155 (72).
Candelo Luigi: 316 (68)
Candeloro Giorgio: 322 (94), 410 (36),
468 (135), 476 (39).
Canepara: 434.
Canevari Assunta: 279.
Canobbio Francesco Salesio (1825-1906):

59.10 Page 590

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590 Índice onomástico
552.
Canori Focardi Filippo: 382 (e18), 408,
568 (184).
Canori Focardi Guglielmo: 382 (18).
Canossa Luigi, vesc. (1809-1900): 90,
576, 575 (240).
Canova Antonio, escultor (1757-1822):
355.
Cánovas del Castillo Antonio, político
(1828-1897): 106, 107.
Cantimorri Felice, vesc. (1811-1870):
491, 536.
Canton Carlo: 382 (18), 434, 501, 502.
Cantù Angelo: 428.
Cantù Cesare, escritor (1804-1895): 72,
82, 84.
Capecelatro Alfonso, arciv., card.
(1824-1912): 88 (92).
Capelli Vincenzo, vesc. (1823-1890):
492.
Capetti Giselda (1896-1989): 9.
Cappellari Mauro Alberto: ver Gregório
XVI.
Cappelletti, fam.: 510.
Cappelletti Filippo: 500.
Cappelletti Luisa: 512 (33).
Capra Pietro: 395.
Caracciolo Alberto: 61 (144).
Cárcel Ortí Vicente: 105 (143), 106
(145).
Caretti, aluno: 432.
Carlos Alberto di Savoria Carignano, rei
de Sardenha (1798-1849): 26, 32, 35,
36, 39, 40, 54, 204, 206, 208 (e 53),
212, 222, 233, 249, 285.
Carlos Félix di Savoia (1822-1831): 26,
35, 36,65.
Carlos Fernando III (1823-1854): 301.
Carlo Filippo de Poirino, capp.: 367.
Carlos IV de Bourbon (1757-1836): 96
Carlos Magno, imperador: 354.
Carlos Borromeu, arciv., card.
(1538-1584): 152, 192, 308
Carlos X di Borbone (1757-1836): 26, 101.
Carlos V Isidro di Borbone (1788-1855):
104.
Carlos VI di Borbone (1818-1861): 104.
Carlos VII di Borbone (1848-1909): 104,
105, 106 (e 147), 107, 108.
Carpano Giacinto (1821-1894): 169, 198,
199, 200, 211 (67), 215.
Casalis Goffredo (1781-1856): 84 (82),
145 (37), 562.
Casati Gabrio, político (1798-1873):54
(e 126), 55 (e 130), 56 (132), 401, 413.
Casati Michele, vesc. (1699-1782): 116.
Casella Mario: 74 (43).
Caselle S. (1914-1992): 113 (7), 114 (9,
13, 14), 123 (1), 124 (2), 125 (7), 127
(21), 134 (45, 46), 135 (54), 136 (57).
Casoni Giambattista (1830-1919): 51
Casoria Ludovico da, b., fundador
(1814-1885): 87 (e 91), 88 (92), 89, 94
(e 111), 489.
Casotti Mário: 325 (104).
Cassinis Giovanni Batista, político: 48
Castellani Armando (1914-1968): 84
(82), 217 (95) 382 (62).
Castronovo Valerio: 24 (10), 54 (125), 58
(138).
Cataldi Guiseppe: 468.
Cataldi Spinola Maria: 520 (79).
Catarina s. de Sena (1347-1380): 191.
Catarina Labouré (1806-1876): 69.
Catemme Cesare: 87 (89).
Catini: 397.
Cattaneo Enrico: 68 (18).
Cavagliá Piera: 316 (69).
Cavalca Domenico: 150, 152, 156.
Cavalchini Garofoli Gregorio: 549.
Cavalleri Francesco: 491.
Cavallero: 581.
Cavalletti, fam.: 510.
Cavalletti Girolamo: 74.
Cavallo Michele: 125.
Cavanis Antonio Ângelo (1772-1858):
81.
Cavanis Marco Antonio (1774-1853): 81.

60 Pages 591-600

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60.1 Page 591

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Índice onomástico 591
Caviglia Alberto (1868-1943): 204 (28),
250 (81), 263 (142), 317 (104), 545
(22).
Cavour Camillo Benso di, político
(1810-1861): 21, 33 ( 43), 44, 45, 47,
49, 50, 53, 80 (e 68), 207 (e 45), 246,
300, 302, 303 (e 13, 14), 379, 388, 396,
397, 398, 402, 412, 422, 430.
Cavour Gustavo Benso di, político
(1806-1864): 199, 207, 391, 395, 396,
397.
Cavour Michele Benso di, político
(1781-1850): 13, 167 (22), 179 (74),
180, 181, 192, 197, 200, 578.
Cays Carlo (1813-1882): 192, 247, 372,
378, 382, 383, 392, 398, 479 (e 55),
508, 541, 560 (e 119).
Cecca Fèlix: 116 (24).
Cecchetto Mario: 261 (133).
Ceria Eugenio (1870-1957): 7, 9, 10, 116
(25), 206 (42), 370 (24), 550 (48).
Cerrato Natale: 198 (3),226 (141), 252
(90).
Cerruti Francesco (1844-1917): 394,
423, 556, 557 (92).
Cerruti Giovanni Battista, vesc. (1813-
1879): 484, 485.
Cervato Dario: 89 (95).
César Gaio Giulio (100-44 a. C.): 126.
Cesari Antonio: 151 (55), 195.
Chambord Henri de Borbone: 101(e
127).
Charvaz Andrea, arciv. (1793-1879): 268
(12), 380, 491.
Chateaubriand François René de (1768-
1848): 527.
Checcucci Alessandro (1803-1892): 474,
512 (30), 553, 563 (e 145).
Checcucci Bernardino, can. (1820-1892):
467 (130), 553.
Chevallier Louis: 24 (10).
Chiala César: 368, 460 (79).
Chiapale Luigi: 394, 404.
Chiaveroti Colombano, arciv.
(1754-1831): 32, 136, 138, 152, 164.
Chiaves Desiderato, político
(1825-1895): 468.
Chiocchetta Pietro: 89 (94).
Chiosso Giorgio: 202 (19), 214 (78).
Chiuso Tomaso: 247 (66), 267 (5), 300
(3).
Cholvy Gérard: 101 (129, 130), 102
(131, 132, 133), 103, 104 (142).
Cianetti Raffaelle: 513, 553 (e 65) , 563
(e 149), 572 (220).
Ciattino Giovanni (1823-1880): 395,
451.
Cibrario Luís, político (1802-1870): 54.
Cibrario Nicolantonio (1839-1917): 426.
Cícero Marco Tullio (106-43 a. C.):
126,127.
Cima Vincenzo: 127.
Cinzano Pietro Antonio: 138.
Cipolla Carlo Maria: 24 (10).
Cistellini Antonio: 467 (120).
Clarke Samuel, filósofo: 146.
Clavarino Luigi: 427 (97).
Clemente VIII: 531
Clementino fr.: 202 (20), 203 (22).
Cleto s., papa: 296.
Cocchi João: 84, 85, 167, 169 (38), 209,
211, 212, 217, 218, 344.
Colapietra Raffaele: 29 (28).
Collegno, conde de: 181.
Colli Giacomo Antonio, vesc. (1811-
1872): 490, 491.
Colli Carlo: 545 (22).
Collin de Plancy Jacques-Albin (1793-
1881): 300.
Collot Pierre (1672ca-1741): 93 (e 102).
Colombero Giacomo: 161 (7, 9), 162 (9,
10), 164 (17).
Colombo Felice: 180.
Comba Emilio (1839-1904): 279 (69).
Comollo Giuseppe (1467-1843): 136.
Comollo Luigi (1817-1839): 133, 134,
137 (e 3), 139, 140, 153, 154 (65) 155
(e 73), 156, 157 (e 77), 159, 186, 187 (e

60.2 Page 592

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592 Índice onomástico
113, 114, 115, 116).
Comotti Giuseppe: 583.
Condillac Étienne Bonnot de (1714-
1780): 145.
Conestabile della Staffa Carlos (1854-
1882): 205 (40).
Confalonieri Frederico: 35.
Confessore Ornela: 380 (9).
Congar Yves-Marie, card. (1904-1995):
272 (35).
Consolini Domenico, card. (1806-1884):
485, 496.
Conti, sig.: 510.
Contratto Modesto: 246 (e 53), 448.
Coppino Michele, político: 57, 61,74, 413.
Corallo Gino: 211 (66).
Coriasco Giovanni Batista: 237.
Coriolano Gneco Marzio (V sec. a. C.):
285
Cornélio Nepos (99ca-31ca a. C.): 126,
127
Correnti Cesare, político: 413.
Corsi Cosimo, arciv., card. (1798-1870):
48 (e 101, 102), 411, 414, 415, 466,
468, 484, 491, 494.
Cosimo I de Medici (1519-1574): 354
(140).
Costa Vittorio Gaetano, arciv., card.
(1737-1796): 116, 149 (e 50), 567
(179).
Costamagna Giacomo, vesc. (1846-
1921): 425.
Costantini Celso, vesc.: 31 (38).
Costantino Giulio: 370 (23).
Cotta Giuseppe Antonio: 243, 357.
Cottino Francesco (1768-1840): 118.
Cottino Giuseppe: 171 (44), 172 (45).
Cottolengo, o.p.: 380.
Covoni Elisabetta: 536.
Cremonesi U.: 202 (21).
Crispi Francesco, político (1818-1901):
51, 62.
Croce Benedetto, filósofo (1866-1901):
88.
Crosa Emilio: 37 (53).
Crotti di Costigliole Eduardo
(1799-1870): 364, 552.
Crotti di Costiglione Pauline: 462 (91).
Crubellier Maurice: 102 (134).
Cuenca Toribio José Manuel: 107 (152).
Cuffia Francesco: 423.
Cugini Francesco: 492.
Cugliero Giuseppe (1808-1880): 324.
Cumino Tomaso: 125.
Curti Prospero: 553 (69).
Cúrcio Quinto (sec. I): 127.
Cuva Armando: 529 (125).
D’Andrea Gioachino: 87 (91), 88 (92).
Dalfi Teodoro (1817-1895): 576.
Dalle Vedove Nello: 80 (70), 89 (92).
Dalmazzo Francesco (1845-1895): 423.
Daniele s. Comboni, vesc., fundador
(1831-1881): 63, 90, 92 (99, 100, 101),
238, 574, 575 (e 239, 240), 576 (241,
243, 244, 246), 577 (e 247, 248).
Danna Casimiro: 211, 306 (24).
Dansette Adrien: 102 (134, 135), 103
(136, 138, 139).
Dante Alighieri, poeta (1265-1321): 127,
286.
Danusso Giuseppe: 216 (92).
Da Passano Manfredo: 380, 428.
Davi (sec.X-IX a. C.): 355.
Daziani Ludovico (1809-1864): 218.
Deambrogio Luigi (1912-1976): 422 (85).
De Angelis Filippo, arciv., card. (1792-
1877): 415 (e 156), 445, 447, 481, 484,
485, 486, 487, 488 (e 94), 492, 494,
534 (e 145), 535.
De Camilli G.: 521 (89)
Decancq Bart: 333 (23).
De Dominics Saverio, pedagogista
(1846-1930): 57.
De Foresta Giovanni, político (1799-
1872): 244 (43).
De Gaudenzi Pedro Giuseppe, vesc.
(1812-1891): 254, 320 (e 81), 330 (e 6),
544 (e 17).
Degérando Giuseppe Maria (1772-1842):

60.3 Page 593

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Índice onomástico 593
339.
De Giorgi Fulvio: 44 (84), 69 (20), 92
(100).
Degiovanni Rinaldo: 73.
Del Corso Mauro: 48 (101).
Della Peruta Franco: 221 (120, 122), 405
(16).
Della Porta Carlo: 211.
De Lorenzi Francesco (1832-1875): 510.
Del Panta Lorenzo: 263 (140).
Depretis Agostinho, político (1813-
1887): 61, 62.
De Rosa Gabriele, storico: 65 (4), 72
(37), 75 (45), 81 (71), 186 (112), 248
(70).
De Rossi Giovanni Battista (1822-1894):
381.
Dervieux E.: 135 (53).
Des Ambrois Nevâche Luigi (1807-
1874): 45.
De Sanctis Francesco, literário, político
(1817-1883): 402, 413.
Desanctis Luís (1808-1869): 248 (70),
278, 279 (e 65), 280 (e 71, 73).
De Vecchi Giovanni, Maestro: 516.
De Vivo Francesco:
Desgenettes: 69
Desramaut Francis: 6, 7, 115 (16, 19),
135 (52), 229 (157), 253 (99), 387 (37,
38), 388 (45), 389 (45), 528 (52), 529
(120), 534 (142), 535 (147), 536 (157,
158) 537 (162).
Diessbach Nikolaus (1732-1798): 64,
163.
Diocleziano Gaio Valerio, imperador
(247 ca-313):
Dionísio Areopagita (sec V-VI): 171.
Di Pol Redi Sante: 92 (57).
Dominico s. Savio (1842-1857): 188,
191, 263 (e 142), 265, 284, 299, 311,
323, 324 (e 99, 100, 102, 103), 325
(104 105, 106, 107, 108, 109), 326 (e
111, 112, 113, 114, 115), 317 (e 73),
332, (e 17), 343, 540, 544, 545, 547,
550 (e 1).
Donato Edoardo: 395.
Donato Elio (sec. IV): 119.
Donnini Sonnino: 415 (55).
Donoso Cortés Juan, político (1809-
1853): 26.
Dotta Giovenale: 86 (88), 87 (89).
Draghetti: 145.
Droetti Giuseppe: 427 (109).
Duboin Felice A.: 125 (10).
Duprè Giacinto: 199
Duprè Giuseppe Luigi Duprè († 1884):
199, 247.
Durando Celestino (1840-1907): 124,
184 (107), 343, 392, 394, 416, 419, 556
(e 88), 560.
Durando Giacomo, gen. (1807-1894): 320.
Durando Marco Antonio, fundador, b.
(1801-1880): 199, 231, 444, 445, 493.
Durazzo Giacomo (1848-1870): 572
(220).
Duroselle Jean-Baptista: 101 (129).
Eandi Giovanni: 207.
Edgeworth Mary, escritora (1767-1849):
82.
Eleutero s., papa: 396.
Engelfred Michele: 199.
Enria Pedro (1841-1898): 263.
Entrèves: v. Passerin d’Entrèves.
Erba Achille: 72 (38).
Escarène Antonio Tonduti d’ (1771-
1856): 204.
Espiney Charles d’ (1824-1891): 370.
Essertel Yannick: 89 (93).
Eu d’: v. Orléans Gaston.
Eugenio di Savoia Carignano (1816-
1888): 407 (25), 508.
Eulália sr. (Pastori Genoveffa): 178 (e 69).
Évenou J.: 69 (23).
Ezequias (sec. VII-VI a. C.), profeta:
455.
Faà di Bruno Francesco, b. (1825-1888):

60.4 Page 594

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594 Índice onomástico
261 (e 133), 262, 575 (235).
Fabre Alessandro (1845-1923): 452.
Fagnano Giuseppe, pref. ap.
(1844-1916): 426.
Falconieri di Carpegna Orazio: 474.
Falconieri, família: 473.
Fanelli Giuseppe, político (1827-1877):
108.
Fangarezzi Giulio Cesare (1815-1871):
51.
Fani Mario (1845-1869): 51, 63.
Fantini Carlo Giacinto: 43
Fantini Melchiore: 468 (131), 491.
Fantolini Enrico (1779-1858): 161, 199.
Fantozzi Aldo (1915-1991): 116 (25).
Farina Raffaele: 363 (2).
Farini Luigi Carlo (1812-1866): 47, 50,
56, 402, 409, 412, 415, 420, 430.
Farnese Luigi: 384.
Fassati Azelia (1846-1921): 558 (e 96,
97, 98, 99, 100, 101).
Fassati Domenico (1804-1878): 247,
357, 378, 398, 405 (e 15), 406 (e 20),
407, 471, 508, 568 (187), 569 (191).
Fassati Emanuele (1852-1874): 549.
Fassati, fam.: 22(3), 320, 558.
Fassati Maria de Maistre (1824-1905):
244, 417, 406 (21, 22), 463, 508, 559
(e 109), 565 (164).
Fattori: 473.
Fattorini Emma: 69 (20, 23), 78 (60).
Fava Angelo: 85.
Favaro Oreste: 149 (50).
Favini Guido Fiorenzo (1898-1983):
132, 324 (99).
Febbraro Stefano: 143.
Febbraro Giovanni: 139 (e 12).
Fecia Agostinho (1803-1876): 210.
Fedro (I sec.): 126.
Felloni Claudio: 33 (43), 206 (41,42),
207 (44), 208 (49).
Fénelon de Salignac François, vesc.
(1651-1715): 82.
Feraudi o.p.: 184.
Ferdinando II di Borbone (1810-1859):
512.
Fernando Carlos III di Borbone-Parma:
301.
Fernando II di Borbone (1810-1859):
Fernando II d’Asburgo (1793-1875):
285.
Fernando VII de Bourbon (1784-1833): 96.
Ferrante Giovanni Battista: 319
Ferrara Francesco, político: 52, 432, 433
(148).
Ferraris Lucio, canonista: 213 (77).
Ferraris Amelia: 84 (84), 85 (86).
Ferrè Pietro Maria, vesc. (1815-1886):
490 ( e 105), 515, 516, 517, 530.
Ferreira Da Silva Antonio: 10, 583.
Ferrero Giovanna Maria, ved. Rua: 423
(90).
Ferrero Lamarmora Edoardo
(1800-1875): 520 (74), 566.
Ferri Luigi: 417.
Ferrieri Innocenzo, card. (1876-1887): 439.
Ferry Jules, político (1832-1893): 102,
103.
Fessler Joseph, vesc. (1813-1872): 532.
Festa Giuseppe, sac.: 112.
Ficciati, fam.: 473.
Filipello Giovanni: 118.
Fillippi Pietro Antonio: 181, 237 (16),
316, 317.
Fillippi Carlo: 181, 237 (16), 316, 317.
Filippo da Poirino: v. Carlo Filippo.
Filipe s. Neri, fundador (1515-1595):
78, 223, 242, 387, 401, 421, 546, 582.
Fincardi Marco: 248 (70).
Fiorani Luigi: 67 (12).
Fiorentino Carlo: 61 (144), 472 (19).
Fissiaux Charles, fundador (1806-1867):
206, 207 (e 47, 48).
Fissore Celestino: 193 (148), 209 (56),
343 (e 61, 62, 63, 64), 398, 402, 415
(57), 444, 445 (14, 16), 447, 532
Fleury Claude: 150, 151, 188, 290.
Foeri Biaggio (1797-1874): 566.

60.5 Page 595

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Índice onomástico 595
Foglio Ernesto (1891-1947): 10.
Fontana Sandro: 27 (21).
Formica Andrea: 476, 557.
Fornaresio Pier Giovanni: 175 (58).
Fassati Antonio: 114 (11).
Fradelizio Giuseppe Antonio: 330 (6).
Francisco s. de Sales, fundador
(1416-1507): 191.
Francisco s. de Assis, fundador
(1182-1326): 135.
Francisco s. de Sales, vesc., fundador
(1567-1622): 82, 93, 109, 116, 128,
154, 184, 186 (112), 191, 192, 193,
194, 231, 243, 306, 312, 319, 383, 528,
538, 573.
Francisco José d’Asburgo, imperador
(1830-1916): 40, 284, 289.
Francesconi Mario: 94 (112, 113).
Francesia Giovanni Battista (1838-1930):
106, 115, 124 (e 2), 154, 305, 311, 318
(74), 342, 343, 394, 414, 416, 419, 426,
473, 474, 489 (e 101), 518, 535 ( e153),
554, 560, 561.
Franchetti Giuseppe: 114.
Franchi Luigi de Front: 32, 207.
Franco Giovanni Antonio (1815-1864):
429.
Franklin Benjamin (1706-1790): 82.
Fransoni Luigi, arciv (1789-1862): 21,
32, 37, 43 (e 76, 79), 46 (94), 135, 157,
160, 193, 208 (e 53), 209 (56), 223,
224, 237 (e 15), 240, 242, 337, 342,
343 (61, 62, 63, 64), 377, 378, 387, 388
(42), 395, 397, 398 (e 88), 402, 437,
442, 443, 444 (9, 11), 445 (e 14), 446,
447, 454, 478, 488, 492, 494, 498.
Fransoni Giacomo Filippo, card.
(1775-1856): 96 (97).
Frassinetti Giuseppe, b. (1804-1868):
428 (e 116), 473, 552, 562
Fratejacci Giovanni Battista († 1877): 474,
484, 485.
Frayssinous Denys (1765-1841): 151.
Friedel Luigi: 260 (130).
Fröbel Friedrich (1782-1852): 77 (e 57).
Furioli Antonio: 92 (101).
Fusero Bartolomeu: 452, 559.
Gabelli Aristide, pedagogista
(1830-1891): 57.
Gagliardi Giuseppe: 199.
Gaia Giuseppe (1824-1892): 394 (71),
395, 447.
Galante Garrone Alessandro: 221 (120),
405 (16).
Galeffi Maddalena (1810-1876): 472
(e 18), 510, 521 (84, 85), 535.
Gallarati Scotti Tommaso (1819-1905):
468 (132), 520, 521 (82), 570 (204),
572 (212).
Galleani d’Agliano Pio (1816-1889):
267, 568.
Galleani, fam.: 320
Gallenga: 255.
Galletti Eugenio, vesc. (1816-1879):
476, 492, 520, 557, 572 (214).
Galvagno Filippo: 419, 565 (162).
Gambaro Angiolo, storico (1883-1967):
65 (4), 208 (51), 209 (54).
Gambaro Cataldi Carolina, storico: 520
(80).
Gambasin Angelo: 64 (2, 3).
Garbarino Giovanni: 391 (51).
Garcia Villoslada Ricardo, storico (1900-
1991): 105 (143), 106 (145), 107 (152).
Garelli Bartolomeu: 14, 168 (30), 336,
366, 579, 583
Garelli Michele (1806-1867): 210 (61),
355 (143).
Garelli Vincenzo (1818-1878): 210 (e
61), 417, 426 (102, 103), 427 (108).
Garibaldi Giuseppe (1807-1878): 48, 51,
52, 322
Garigliano Guglielmo (1819-1902): 133,
155
Gariglio Bartolo: 221 (119).

60.6 Page 596

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596 Índice onomástico
Garino Giovanni (1845-1908): 124, 395,
404.
Gaspar s. Bertoni, fundador (1777-1853):
80 (e 70).
Gastaldi Lorenzo, arciv. (1815-1883):
86, 87, 144 (e 33), 148 (49), 161 (5),
163 (11), 178 (71), 220, 221, 223, 300,
320, 325 (e 110), 336, 402, 440, 442,
472, 476, 490, 494, 499, 517, 518, 532,
534 (e 143, 144, 145, 146), 535, 540
(2), 557.
Gastini Carlo (1833-1902): 342.
Gatti Luigi Stefano: 417, 420.
Gattino Agostino (1816-1869): 246.
Gaude Francesco, cardeal (1809-1860):
377, 378, 380, 382, 388, 389, 390, 444.
Gaudi Angelo (1806-1878): 243.
Gaume Jean-Joseph (1802-1855): 555.
Gavio Camillo (1839-1855): 332.
Gazelli Stanislau di Rossana, can. (1817-
1899): 246.
Gazzaniga Pietro Maria (1722-1799): 143.
Gelabert Melchior: 171 (42).
Gemelli Agostino, psicólogo (1878-
1959): 30 (32).
Gentile Giacomo Filippo, vesc.
(1809-1875): 491, 509.
Gerbert Martin, ab. (1720-1793): 70.
Gerdil Giacinto Sigismondo, cardeal: 268
(12).
Geremia da Livorno: 90 (96).
Gerini Antonio: 572.
Gerini, família: 473.
Ghilardi Giovanni Tommaso, vesc.
(1800-1873): 255, 428, 448, 481, 485,
491, 498, 517, 536, 544, 552, 575.
Ghivarello Carlo (1835-1913): 394.
Giacinto p.: 381.
Giacomelli Giovanni (1820-1901): 141
(e 21), 155, 199.
Gianotti Giovanni Antonio: 131, 204
(34), 205, 404 (6).
Gigli Otávio (1816-1876): 83, 84.
Gilardi Carlo (1835-1913): 241, 244
(e 41), 330 (e 6).
Gili: 560.
Gioberti Vincenzo, filósofo, político
(1801-1852): 38, 39, 72, 161 (4), 185,
206 (e 43), 211, 221, 222.
Giordano Felice (1814-1904): 153 (64).
Giorgini Fabiano: 68 (16).
Giotto Vespignano, pintor (1267 ca-1337):
355.
Giovanni Luigi: 268 (11).
Girardello Giulio Alberto: 89 (95).
Giraud Domenico: 86.
Giraudi Fedele (1875-1964): 317 (70).
Giraudo Aldo: 136 (56), 138 (8), 139 (11,
12), 142 (22, 23, 24, 25), 143 (26, 27,
30), 144 (31), 148 (47), 152 (61), 154
(70), 155 (71, 72), 161 (7), 164 (18), 242
(34), 244 (42), 337 (32, 33), 370 (26).
Girolamo s. (347ca-420): 556 (89).
Girolamo s. Miani (1486-1537):
Giuganino Bartolomeo Tommaso: 520
(73).
Giulio Carlo Ignazio: 207.
Giuseppe Benedetto s. Cottolengo,
fundador (1786-1842): 231, 233, 379.
Giuseppe s. Cafasso (1811-1860): 121,
125, 154, 161 (e 7, 8), 162 (9, 10), 163
(12, 14, 15), 164 (17), 169 (38), 171
(44), 172 (45), 247 (66), 327, 340, 372,
580 (1), 582.
Giusiana Giacinto (1774-1844): 127,
158.
Gizzi Tomoso Pasquale, card., segr. di
Stato (1787-1849): 32.
Gliemone Giuseppe (1820-1848): 219.
Gloria, condessa: 575.
Gnecco Rosa († 1896): 520 (78).
Godwin Mary: 82.
Goffi Tullo (1916-1996): 64 (3), 93
(103), 95 (115).
Golzio Felice (1807-1873): 424.
Gondi Carmes Maria (1846-1885): 536,
570 (204).
Gondi, fam.: 473.

60.7 Page 597

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Índice onomástico 597
Gonella, fam.: 320.
Gonella Marco Guglielmo: 354, 429 (e
118), 571 (210).
Gonzaga, príncipe: 564,
Görres Johann Joseph, litterato (1776-
1848): 527.
Govean Felice: 405.
Gozzi Gaspare (1718-1786): 84.
Gracco Gaio Sempronio (154-121 a.C.):
352.
Gracco Tiberio Sempronio (161-133
a.C.): 352.
Grassino Giovanni (1820-1902): 199 (e
9), 398.
Graça Jogo da: 200.
Gregório Magno: 191.
Gregório Taumaturgo: 191.
Gregório VII, papa: 191.
Gregório XVI, papa: 21, 28, 30, 31, 32,
78, 88, 177, 315 (e 61), 381, 442.
Gregory Tullio: 248 (70)
Gregur Josip: 530.
Grévy Jules (1807-1891): 102.
Gribaudi Giovanni, dr.: 561.
Grignaschi Francesco Antonio: 266, 267
(e 4).
Grimaldi Bermardino (1839-1897): 62.
Griseri Giuseppe: 43.
Grotius Ugo, jurista: 145.
Guadalupi Domenico: 570 (203).
Guala Luigi (1775-1848): 64, 109, 145,
149, 159, 161 (e 7), 163, 169, 170, 172,
186, 206, 218, 247, 424.
Guasco Maurilio: 72 (39), 374 (39).
Guenzati Giuseppe: 239, 466, 564.
Guenzati Rosa:
Guenzi Rosa: 564 (159).
Guéranger Prosper (1801-1877): 71 (32).
Guerra Almerico (1833-1900): 570 (204).
Guerra Jesús: 546 (28).
Guerriero Elio: 104 (141).
Guidazio Pietro (1841-1902): 426.
Guidi Filippo Maria, card. (1815-1879):
496
Henrion Mathieu Auguste (1805-1862):
150.
Hervé de la Croix (1796-1873): 197, 202,
213.
Hilaire Yves-Marie: 101 (129, 130), 102
(131, 132, 133), 103 (137), 104 (142).
Hill Christopher: 22 (2).
Hunecke Volker: 24 (10).
Inês s.: († 251): 78.
Isabel s.: 357.
Isabel Cristina ver: Orléans Isabel
Isabel II di Borbone (1830-1904): 104,
105.
Jacobini Domenico, card. (1837-1900):
73, 74.
Jaime di Borbone (1870-1931): 108.
Jans Giacomo (1813-1872): 490.
Jaricot Paulina (1799-1862): 88.
Jean-Baptiste de la Salle, fundador
(1651-1719): 204.
Jemolo Arturo Carlo (1891-1981): 51
(115), 73 (40).
Jó: 355.
João Batista s.: 529, 560.
João Evangelista s.: 241.
João VI de Bragança rei (1767-1826): 97.
Jona Elia: 127.
Jona o Giona: v. Levi Jacob
José Cafasso: 13, 34, 121, 125, 137, 149,
154, 159, 160, 161, 163, 168, 169, 170,
171, 172, 181, 185, 186, 218, 237, 247,
279, 327, 328, 340, 341, 372, 411, 424,
541, 552, 579, 580, 581, 582.
Josefa: 356.
Josefo Flávio (37ca-103): 150.
Jovina s.: 78.
Juliano Flavio Claudio, imperador (331-
363): 288.
Juvenal Decimo Giunio, poeta (50/65-
140): 557.
Klein Jan: 111 (2), 114 (15), 115 (16).
Lacordaire Henri, oratore (1802-1861):

60.8 Page 598

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598 Índice onomástico
527.
Lacqua Giuseppe: 111, 117 ( e 30), 120.
Lactâncio Cecilio Firmano (sec. IV): 364.
Ladrière Paul: 287 (115).
Lamarmora Alfonso, gen. (1804-1878):
44, 246, 320, 418, 430, 468.
Lamartine Alphonse de, escritor
(1790-1869): 112.
Lambertenghi: v. Porro L.
Lambruschini Raffaello (1788-1873):
72, 82.
Lamennais Huges Félicité de
(1782-1854): 29, 31, 527.
Landes David: 24 (10).
Lanfranchi Vincenzo: 557, 559.
Lanteri Pio Brunone (1759-1830): 64,
95, 161, 163 (e 11), 172.
Lantrua Antonio: 284 (90).
Lanza Giovanni, político (1810-1882):
54, 413, 414, 416 (63), 418, 432, 464,
468, 566
Lanza Giovanni, sac. († 1904): 175 (57),
177, 183 (102).
Larese-Cella Luigia: 178.
Lasagna Luigi, ves. (1850-1895): 99.
Lasso de la Vega Rafael: 97 (120).
Latorre Lorenzo: 99.
Laval de Montmorency Constanzia: 314,
316, 320 (81).
Lázaro di Betania: 190 (129), 292.
Lazzero Giuseppe: 368, 394, 574.
Leão Magno s., papa (411ca-474): 353.
Leão X, papa (1475-1521): 289.
Leão XII, papa (1760-1829): 27, 29, 30,
64, 97 (120).
Leão XIII, papa (1810-1903): 69, 70, 89,
95, 104, 524.
Leibniz Gottfried Wilhelm, filósofo
(1646-1716): 145.
Lemoyne Giovanni Battista (1839-1916):
7, 9, 10, 115 (16), 116 (25), 169 (37),
184, 203 (e 25), 208, 316 (e 66), 367
(e 17), 368 (e 18), 369, 371, 372 (e 36),
380 (e 10), 391, 426 (e 105), 427
(e 107), 441, 450 (38), 451 (e 39), 464,
456 (63), 463 (97), 473 (20), 491, 537,
542 (e 6, 10), 543 (e 11, 12, 13, 15),
550, 553 (63), 572 (213, 214), 574, 582.
Lenti Arthur: 374 (39).
Léon Pierre (1914-1976): 23 (9), 24 (10).
Leonardo Murialdo, fundador
(1828-1900): 63, 84 (82), 85, 87 (e 89),
198, 217 (95), 234, 240, 315, 344, 369,
370 (23), 391, 392 (62, 63), 397, 489
(e 103), 501, 513, 563.
Leonessa Manuela: 33 (43).
Leopardi Monaldo (1776-1847): 208
(51).
Leopoldo II da Toscana (1797-1870): 40.
Lepri Adelaide: 569 (197).
Lepri Costanza: 569 (196).
Letti Giuseppe: 415 (56).
Leturia Pedro de (1891-1955): 97 (120).
Leuzzi Maria Cristina: 56 (134).
Levi Jacob: 134.; v. também Bolmida
Luigi.
Levra Umberto: 33 (43), 174 (51).
Limberti Gioacchino, arcebispo
(1821-1874): 260, 435, 466, 467
(e 119), 468, 499, 553, 561 (134).
Lino s. papa (sec. I): 296.
Litardi, aluno: 430.
Lívio: v. Tito Lívio.
Lizier Augusto: 129 (26).
Locke John, filósofo (1632-1674): 144,
145.
Loescher, editora: 554.
Lorenzoni Tommaso, pintor (1824-
1901): 519.
Loriquet João-Nicolau (1767-1845): 188
(e 122), 540.
Losana João Pedro, vesc. (1793-1837):
246, 532.
Lourenço s. († 258): 298, 466.
Lucas s., evangelista: 357, 481, 521.
Lucchesi Ludovico: 384.
Lúcia s. (283ca-304): 78.
Luis Felipe d’Orléans (1773-1850): 101.
Luís s. Gonzaga (1568-1591): 78, 154,

60.9 Page 599

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Índice onomástico 599
186, 194, 195, 215, 228, 242, 312, 315,
529.
Luís XVIII di Borbone, rei (1755-1824):
26, 28.
Luraghi Raimondo: 114 (11).
Luserna di Rorà Emanuel (1817-1873):
461 (82, 83), 463, 559 (108).
Lutero Martinho (1483-1546): 141, 273,
274, 289.
Mac-Mahon Patrice Maurice de, gen.
(1871-1879): 102.
Macchi Carlo: 491.
Madalena s. de Canossa, fondatrice
(1774-1835): 81.
Maddalena Teresa sr.: 178 (69).
Maffei Giuseppe: 556 (85).
Magliosi B.: 214 (79).
Magnasco Salvatore, arciv. (1806-1892):
380.
Magone Michele (1845-1859): 323, 324,
327, 332, 343, 539, 544, 545, 546, 547,
552, 579.
Maistre Carlo Saveria de (1832-1897):
380, 385.
Maistre, família de: 22 (3), 380, 381,
382, 384, 385, 474.
Maistre Joseph de, politologo (1754-1821):
22, 26, 64, 286.
Maistre Maria de: 406; v. também
Fassati Maria.
Maistre Rodolfo de (1789-1866): 377,
378, 383, 515.
Malfat Daniel: 230 (159).
Malgeri Francesco: 73 (41), 265 (1).
Maloria Giuseppe Maria (1803-1857):
133.
Mamiani della Rovere Terenzio, filósofo,
político (1799-1885): 56, 402, 409,
412, 413.
Manacorda Emiliano, vesc. (1833-1909):
465, 473, 534, 535.
Manca Antonieta: 575.
Mancini Pasquale Stanislao, político
(1817-1888): 51, 413, 501.
Mandosio Carlo (1682-1736): 556 (e 89).
Manete = Mani (216-277): 147.
Mansi Giovanni Domenico: 534 (145),
535 (147).
Mantellino Giacomo: 126 (13, 14, 15).
Manzini Clemente, vesc. (1803-1865):
447, 448, 450.
Manzoni Alessandro, escritor, poeta
(1785-1873): 72, 527.
Maomé (570ca-632): 273.
Marcellino Luigi: 394.
Marchetti Alessandro: 84.
Marchetti Giovanni (1753-1829): 150.
Marchi Giuseppe (1795-1860): 382.
Marchisio Secondo (1857-1914): 115
Marcocchi Massimo: 64 (3), 231 (161).
Marcos s., evangelista: 521
Marengo Aldo: 240 (28), 270 (23), 392
(63).
Marengo Giovanni: 199 (e 9)
Margherita di Savoia: 508.
Margotti Giacomo (1823-1887): 49, 500.
Maria Adelaide d’Asburgo Lorena, rai-
nha (1822-1855): 45, 244, 301.
Maria Cristina de Absburgo-Lorena,
rainha: 107.
Maria Elisabetta di Sassonia , duquesa de
Genova: 407 (25)
Maria Teresa d’ Asburgo Lorena
(1801-1855): 45, 301.
Marietti: 408
Marietti Giacinto, tip.: 473
Marietti Pedro, tip., sac. (1820-1890): 87
(89), 408, 499 (158), 562, 570 (204).
Marini Pietro (1794-1863): 382, 384,
392.
Mário Gaio, gen. (157-86 a. C.): 353.
Mário s.: 295.
Marsili Salvatore (1910-1983): 70 (30),
71 (34).
Marta s.: 295.
Martina Giacomo: 40 (68), 42 (75), 43

60.10 Page 600

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600 Índice onomástico
(81), 45 (86), 52 (117), 65 (6), 67 (12),
69 (21, 24), 95 (117), 107 (150), 464
(99), 476 (41).
Martini Antonio: 151 (55).
Marzano Giuseppe: 132.
Masaniello, Tommaso Aniello (1620-
1647): 286.
Masotti Ignazio, card. (1882-1886): 439.
Massa Luigi: 422 (86)
Massaglia Giovanni (1838-1856): 343.
Massè Domenico: 184 (107).
Massimo Paolo de’: 387.
Matera Luigi, vesc. (1820-1891): 98.
Mateus s., evangelista: 357, 521.
Matteucci Carlo, cientista: 413, 415, 419
(77).
Mauri Achille: 82.
Mazza Nicola, fundador (1790-1865):
89, 90 (e 96, 97), 92 (e 99), 575.
Mazzarello Giuseppe (1832-1868): 434.
Mazzini Giuseppe, político (1805-1872):
285.
Meille Jean Pierre (1817-1884): 249,
278.
Melano Giovani (1773-1857): 199.
Melegari Luigi Amadeo, político
(1805-1881): 61.
Melina Giuseppina: 132.
Melino Giovanni Battista: 267.
Mellano Maria Franca: 43 (76, 79, 80),
209 (56), 428 (112).
Mellerio Giacomo: 238.
Melzi d’Eril Barbara: 465, 466, 514.
Melzi d’ Eril Maria: 468 (132).
Menabrea Luigi Federico, gen., político
(1809-1896): 501, 502, 566.
Menozzi Daniel: 26 (17), 37 (54), 69
(20).
Mercurelli Rosa: 510, 534, 535.
Merode Francesco Saverio de
(1824-1892): 381, 382, 489.
Merzario Gisueppe, político
(1830-1895): 67.
Metternich-Winneburg Klemens, político
(1773-1859): 25.
Metti Giulio: 467 (e 120), 502, 536, 552.
Miccoli Giovanni: 26 (17, 18).
Midali Mario: 9, 115 (19).
Minghetti Marco, político (1818-1886):
53, 56, 61, 415, 430, 431 (137).
Minini Ferdinando (1796-1870): 170.
Mitre Bartolomé, político (1862-1868):
98, 99.
Moccia Francesco: 82 (74, 75), 95 (116).
Mocenigo Soranzo, fam.: 465.
Modena Angelo Vicenzo: 480, 481 (66,
67).
Modini Angelo (1826-1911): 553, 559
(113).
Moglia fam.: 111, 118.
Moglia Giorgio: 118.
Moglia Luigi Nicolao (1796-1839): 120.
Möhler Johann Adam, teol. (1796-1838):
70, 527.
Moioli Giovanni (1931-1984): 93 (107).
Moisés: 191.
Molina: 199.
Molinari Franco, storico (1928-1991)
189 (125), 190 (128), 191 (139).
Momo Gabriele: 343, 395.
Montalembert Charles de, político: 527.
Montebruno Francesco (1831-1895):
377, 379, 401, 428, 441, 543.
Montesquieu Charles-Louis de, politolo-
go (1689-1755): 33
Monti Vincenzo, poeta (1754-1828): 127.
Montixi Giovanni Battista, vesc.
(1798-1884): 532.
Montmasson Rosária: 62 (147).
Moore Tommaso: 268 (12).
Morandini Maria Cristina: 54 (126), 55
(130), 56 (132).
Morelli Giuseppe: 560.
Moreno Luigi, vesc. (1800-1878):246,
255 (e 107), 256, 257, 304, 315 (62),
330, 404 (6), 469, 477, 478 (e 52), 479
(e 59, 60), 492, 532, 553.
Moreno Ottacio, vesc. (1779-1852): 242,

61 Pages 601-610

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61.1 Page 601

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Índice onomástico 601
243, 244, 337.
Moretta Giovanni Antonio: 159, 178, 181
(e 87), 213 (e 74), 218, 237.
Mori Renato: 465 (103), 475 (37), 476
(38, 39, 40).
Morichini Carlos Luigi, arciv., card.
(1805-1879): 83, 488 (95).
Motto Francisco: 9, 10, 179
(75,76,77,79), 180 (80, 85), 319 (78),
378 (1), 387 (38), 389 (52), 397 (81,
82), 409 (32, 34), 412 (46, 47), 413
(51), 416 (61, 63), 417 (65), 420 (80),
421 (82), 423 (93), 429 (120), 468
(134), 442 (5), 464 (101), 473 (20), 475
(34, 37), 476 (41, 42), 480 (63, 64), 481
(67), 500 (168), 502 (178), 504 (182),
540 (1), 546 (29).
Muratori Matteo (1810-1893): 415
Murialdo Roberto (1815-1882): 84, 85,
198, 199, 217, 237 (e 16), 240, 242, 344.
Mussa Bento: 199
Nalbone Giuseppe: 33 (43), 34 (44).
Napoleão Bonaparte, gen., imperador
(1769-1821): 23, 24, 116, 288, 457.
Napoleão III, imperador (1808-1873):
40, 49, 59, 101, 289.
Nasi Angelo: 423.
Natoli Giuseppe, político (1815-1867):
413.
Naudet Leopoldina: 93.
Negri Giovanni: 259.
Nerli Enrichetta: 515.
Neunheuser Burkhard: 70 (31), 528 (117).
Newman John Henry, card. (1801-1890):
527.
Nicola Antonio: 540 (2).
Nicoletti Francesco: 473, 570 (203).
Nicolis: ver Robilant.
Nicotera Giovanni (1828-1894): 61.
Nigra: 414.
Nilinse: ver Collin de Plancy.
Nobili Vitelleschi Angelo (1823-1894):
467.
Nobile Vitelleschi, familia: 473, 535.
Nobili Vitelleschi Salvatore, arciv., card.
(1818-1875): 439
Notta João Batista: 263, 314, 320
Numa Pompílio: 353.
Occhiena Diego: 316 (68).
Occhiena Giovanna Maria, Marianna
(1785-1857): 316.
Occhiena Margarida (1788-1856): 112
(e 3), 113, 117, 116 (e 25), 117 (e30),
123, 135, 138, 213, 299, 316 (e 66, 68,
69).
Occhiena Melchiorre: 112.
Occhiena Michele: 113.
Occhiena Segundo: 112.
Odescalchi Maria: 408
Odescalchi Sofia C. Branicki: 510, 514.
Odone: 463
Odone Giovanni Antonio, vesc.
(1794-1866): 205 (e 36), 463.
Olea Álvarez P.A.: 107 (150).
Olivieri Nicolò (1792-1864): 89, 238.
Omodeo Ádolfo (1889-1946): 27 (21).
Ondes Reggio Vito d’, político
(1811-1885): 74.
Operti Laura: 98 (122).
Orácio Flaco (65-8 a. C.): 127.
Oreglia di S. Stefano Federico
(1830-1912): 382 (18), 395 (75), 398,
404, 434, 441, 447, 460 (79), 466 (e
110, 116), 473, 479, 480, 481 (e 71),
482, 488, 489, 496, 497, 498, 502, 509
(e 17, 18), 510 (e 22), 511, 514, 515
(52, 53), 539, 551, 553 (61), 554, 560
(e 123), 561, 562 (e 136), 563 (e 151),
564 (e 154, 155), 565, 568, 573 (e 225),
574 (229, 230, 231), 575.
Oreglia di S. Stefano Giuseppe
(1823-1895): 485, 489 (101), 496
(e 146), 498 (153), 574.
Orléans Isabel Cristina di Braganza d’
(1846-1921): 100.
Orléans Luis Fernando Gastão, conde

61.2 Page 602

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602 Índice onomástico
d”Eu (1842-1922): 100.
Orsini princesa: 473.
Ortalda Giuseppe (1814-1880): 89, 172,
411, 414, 574, 575.
Osbat Luciano: 75 (45).
Ovídio Publio Nasone (43 a. C.-18ca d.
C.): 127.
Owen Robert (1771-1858): 77 (e 55, 56).
Ozanam Frédèric, b. (1813-1853): 527.
Pacca Bartolomeo: 382.
Pacchiotti Sebastiano (1786-1884): 166,
167, 172, 179, 184, 185, 192, 198, 199,
580.
Pagani Giovanni Battista (1806-1860):
377, 388, 389.
Palazzolo Carlo (1801-1885): 216 (92).
Pallavicini Ignazio (1800-1871): 223,
513, 567 (178), 569, 570 (199, 200).
Palumbo Luigi (1820-1868): 557.
Pancrácio s.: 78.
Papa Emilio Raffaele: 38 (57).
Paravia, editor: 554.
Parini Giuseppe, poeta (1729-1799): 127.
Parravicini Luigi Alexandre, escritor
(1799-1880): 84.
Pascal Blaise, matemático, filósofo
(1623-1662): 145.
Pasetti Villani Bianca: 511 (26).
Pasin B.: 214 (79).
Pasio Dionisio Andrea, vesc.
(1781-1854): 36
Pasqua di S. Giovanni: 244 (43).
Pasquali, cav.: 473.
Passavanti Jacopo (1300ca.-1357): 150,
152, 156.
Passerin d’ Envrèves: 73 (40).
Patrizi Constantino, vicario di S.S., card.
(1788-1876): 60 (143), 260, 382, 383,
386, 483, 484 (e 81), 488, 496, 534
(145).
Patrizi Giovanni, marquês (1798-1876):
260, 380, 382, 383, 384, 385, 386, 397,
404 (10), 465, 511 (24).
Paulo di Tarso s.: 296, 297.
Pavesio Giuseppe Matteo: 144, 145
(e 37, 39, 40), 146 (e 41, 42, 43), 147
Pavía y Rodríguez de Albuquerque, gen.
(1827-1896): 107.
Pavoni Ludovico, fundador, b.
(1784-1849): 81, 94 (e 110)
Pazzaglia Luciano: 54 (126), 76 (51, 52),
78 (59), 92 (100).
Pechenino Marco (1820-1899): 556.
Pedraglio Gisueppe: 239, 466.
Pedro Allievo: 283.
Pedro s., Apóstolo:155, 188, 296, 297,
485, 486.
Pedro I di Braganza, imperador
(1798-1834): 97.
Pedro II di Braganza, imperador
(1825-1891): 97.
Péguy Charles, escritor (1873-1914): 3.
Pellico Francesco (1802-1884): 184.
Pellico Giuseppina (1798-1874): 184
(107), 509.
Pellico Sílvio, escritor (1789-1854): 35,
79, 183 ( e 102, 103),184 (e 105), 185
(e 111), 188, 260, 362, 509.
Penco Gregorio: 69 (25), 93 (106).
Pera Ceslao, teol. (1889-1967): 370 (24).
Perini Giuseppe: 95 (119).
Perlo Giacomo (1816-1898): 141 (e 20),
143.
Pernati di Momo Alessandro: 245.
Perrone Ettore di S. Martino: 222
Perrone Giovanni, teol. (1794-1876): 268
(12), 281, 561.
Peruzzi Ubaldino, político (1822-1891):
402, 417 (e 67), 430.
Pesce Estevão: 314 (58).
Pestalozzi Enrico, pedagogista (1746-
1827): 82.
Pestarino Domenico (1817-1874): 451,
463, 511 (e 27), 562, 563 (e147).
Petitti Ilorione di Roreto (1790-1850):
33, 34 (46), 206 (e 43), 339.
Petrarca Francesco, poeta (1304-1374):
131.

61.3 Page 603

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Índice onomástico 603
Petrocchi Massimo (1918-1991): 28
(25), 64 (3).
Pettiva Secondo: 343, 394.
Peyretti Ludovico de Condove: 207.
Peyron Amadeu (1785-1870): 85 (e 87),
428.
Peyron Bernardino (1779-1865): 558
(106).
Pianta Giovanni: 125, 134.
Pianta Lucia ved. Matta (1783-1851):
123, 125.
Pica Giuseppe, poliítico (1813-1887): 58.
Picca Juan: 192 (142).
Piccatti Lorenzo (1813-1888): 537.
Picco Matteo (1812-1880): 555.
Pidal Alexandre, político (1846-1913):
108.
Pie Louis, vesc., card. (1815-1880): 103.
Pierrard Pierre: 104 (140).
Pignatelli: 27
Pinardi Francesco, casa: 181, 183, 198,
213, 214, 216, 218, 219, 237 (e 16),
238, 243, 314.
Pinelli Pier Dionigi, político
(1804-1852): 222.
Pio V, papa (1504-1572): 192.
Pio VII: 24, 27, 28 (e 22), 29 (120), 97,
294, 457, 462, 522.
Pio VIII, papa (1829-1830): 28, 30, 119
Pio IX: 21, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43,
44, 45, 47, 48, 49, 51, 60, 63, 65, 66,
68, 69, 70, 74, 75, 78, 84, 90, 105, 107,
177, 193, 194, 218, 224, 225, 242, 285,
288, 289, 290, 300, 345, 364, 377, 378,
379, 381, 383, 387, 388, 389, 390, 391,
392, 393, 396, 397, 404, 407, 410, 415,
421, 437, 439, 440, 446, 447, 448, 449,
450, 456, 458, 459, 462, 464, 465, 466,
469, 470, 471, 475, 476, 477, 481, 483,
484, 485, 488, 489, 495, 499, 500, 522,
523, 534, 537, 554, 555, 567, 572
Pio X, papa (1835-1914): 27, 69.
Piola Antonio: 207
Pirri Pietro, storico (1881-1959): 397
(87), 411 (44).
Pischeda Luigi: 217 (93).
Pistoia Alessandro: 68 (17).
Piva Francesco: 75 (45).
Pivato Stefano: 265 (1).
Pöggeler Franz: 373 (37).
Polenghi Simonetta: 55 (129).
Pollone Nomis Antonio: 514.
Pomatto Elio fr.: 85 (86), 204 (34), 205
(35), 231 (162).
Ponte Pietro (1821-1892): 169, 198, 215,
220, 216 (92), 240, 241.
Porro Lambertenghi Luigi (1780-1860):
35.
Portaluppi Angelo: 93 (104).
Potocka: 382, 510.
Pratesi Marco: 353 (126).
Prellezo José Manuel: 16, 202 (19), 215
(86), 283 (85), 319 (78), 524, 525 (102,
103, 104, 105, 106, 107), 526 (108,
109, 110, 111), 527 (112, 113, 114);
Prete Luigi: 550.
Prosperi Adriano: 67 (12).
Provana de Collegno Emanuele: 508.
Provana de Collegno Giuseppe
(1785-1854): 202.
Provana de Collegno Luigi (1786-1854),
207, 223, 508.
Provana de Collegno Luigi Saverio
(1826-1900): 508, 565.
Provera Francesco (1836-1874): 394,
423, 426 (e 104), 466 (113), 565.
Provera Giovanni Battista: 422, 558.
Provera Giovanni Domenico: 422 (88).
Proverbio Germano: 554 (79, 80).
Pucci, aluno: 434, 435.
Puecher Francisco (1809-1869): 198,
244.
Pugnetti Valeriano (1806-1868): 127.
Pyrker Ladislao, patriarca (1772-1847):
81.
Quaglia Angelo, card. (1802-1872): 439,
449, 450, 470, 483, 485, 534.
Quaglia Zenone Luigi: 47.
Queipo de Llano José Maria, político:

61.4 Page 604

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604 Índice onomástico
105.
Quintiliano Marco Fabio: 126.
Rademacher Daniel (1822-1880): 43, 46
(e 93).
Radicati Talice di Passerano Costantino
(1812-1895): 463, 561, 565.
Radicati Talice di Passerano Maria
Luigia: 558 (105).
Rainoldi Felice: 71 (34), 529 (125).
Ramello Giuseppe (1820-1861): 209
(e 56).
Rattazzi Urbano, político (1808-1873):
44, 52, 300, 302, 303 (e 12), 315, 322,
377, 387, 388 (e 42), 402, 415, 432,
433 (e 149), 561, 562.
Ravina Filippo (1782-1858): 164, 243,
259 (122), 402
Rayneri Gian Antonio, pedagosista
(1809-1867): 85, 211.
Razzini Carlos: 139 (12).
Realini aluno: 432.
Reffo Eugenio (1843-1925): 489 (e 104),
563.
Reggio Tomaso, arciv., fundador, b.
(1818-1901): 238 (18).
Renaldi Lorenzo, vesc. (1808-1873):
221, 336, 492, 493, 532.
Renouvin Pierre: 25 (15).
Reviglio Felice (1831-1902): 115, 342.
Rey-Mermet Théodule: 65 (5).
Riario Sforza Sisto, arciv, card.
(1810-1877): 50.
Riberi Pietro, can. (1791-1847): 89.
Ricaldone Pietro, rettor maggiore
(1870-1951): 530 (e 126).
Ricasoli Bettino, político (1809-1880):
47, 50, 51, 52, 402, 418, 468, 473, 475.
Ricca Paolo: 248 (70).
Riccardi Antonio (1788-1844): 65.
Riccardi di Netro Alessandro, arciv
(1080-1870): 52, 336, 402, 442, 445
(15), 449, 476, 482 (77), 484, 486, 490
(105), 492, 495, 498, 522, 530, 531,
532, 534, 572 (216).
Ricci família des Ferres: 320.
Ricci de Ferres Carlo (1847-1925): 558.
Ricci des Ferres Feliciano: 320 (81),
407, 521 (87), 543, 544 (17), 558 (e
102, 103).
Ricci Paracciani Francesco, card.
(1830-1894): 498.
Ricotti Ercole, storico (1816-1883): 416
(63).
Ridolfi M.e: 82.
Rigoli Angelo (1852-1932): 553.
Rinaudo Costanzo, storico (1847-1937):
404, 452.
Rivolta Guenzati Carolina: 468 (132),
513.
Roasenda del Melle Giacinto: 392.
Roberto s. Bellarmino, arciv., card.
(1542-1621): 268 (12), 353 (e 127).
Roberto Giovanni: 124.
Robilant Luigi Nicolis di (1870-1904):
163 (14, 15), 169 (38), 171 (44), 172
(45), 247 (66).
Roca Julius, gen., político (1843-1914):
98, 99.
Rocca Giancarlo: 51 (115), 61 (145), 76
(51), 80 (67).
Rocchietti Giuseppe (1836-1876): 311,
318, 342, 343.
Roccia Rosanna: 217 (93)
Rodriguez Alfonso (1541-1616): 505.
Rollet Henri: 101 (129).
Romani Mario (1917-1975): 114 (11).
Romeo Rosario, storico (1924-1987): 44
(84).
Romero Cecilia: 106 (146), 323 (98),
533 (139).
Romita Fiorenzo: 71 (34).
Romualdo s., fundador (952ca-1027):
191.
Ronchi Filippo: 62 (149).
Rosa Mario: 37 (54), 51 (115), 61 (145).
Rosati Roberta: 33 (43).
Rosaz Edoardo, vesc., fundador

61.5 Page 605

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Índice onomástico 605
(1830-1903): 284, 354.
Rosini Carlo Maria, vesc. (1748-1836):
557.
Rosmini Serbati Antonio, filósofo,
fundador (1797-1855): 68 (e 17), 72, 93
(e 109), 144, 221, 237, 237, 238, 241,
243 (e 37), 244, 304 (e 16), 320, 442,
527, 534 (144).
Rosoli Gianfranco (1938-1999): 94 (113).
Rossetti Stefano: 549 (39).
Rossi Alessandro, industrial
(1819-1895): 88.
Rossi Paolo Francesco (1828-1856): 199.
Rossi Giuseppe: 395, 526.
Rossi Paolo Francisco: 199, 315, 338.
Rossi Pellegrino, político (1787-1848):
39.
Rosso Anna: 121.
Rostagno Severino: 549 (40).
Rota Pietro, vesc. (1805-1890): 473, 492.
Rousseau: 70 (27, 30).
Rovetto Antonio: 394.
Rua Michele, rettor maggiore, b.
(1837-1910): 203 (22), 311, 342, 343,
367, 368, 377, 378, 384, 385, 390, 391,
392, 393, 394, 395, 414, 422, 423, 426,
427, 442, 447, 451, 460, 465, 466 (e
117), 473 (20), 474, 498, 499 (e 162),
501, 502, 518, 529 (125), 533, 534,
535 (e 151), 536, 547, 551, 555, 558
(e 104), 559 (e 115), 560 (e 120), 561,
562 (e 144), 563, 565, 566 (170, 174),
567 (181, 182), 574, 576.
Ruffino Domenico (1840-1865): 47 (95,
97, 98, 99), 48 (102), 49 (108), 163
(16), 166 (21), 171 (43, 44), 172 (e 46),
175 (54), 185 (110), 366 (11), 368 (e
20), 372 (e 34), 395, 411 (41, 43), 412
(e 46), 414 (53), 415 (54), 421, 426
(e 101), 452, 454, 455(54, 57, 58), 541
(e 4, 5), 542 (6, 7, 8, 9), 543 (16), 545
(21), 548, 559, 581.
Ruggieri Emidio: 561.
Ruspoli Emanuele (1838-1899): 473.
Saccardi Ernesto (1850-1866): 473.
Sagasta Práxedes Mateo, político
(1825-1903): 107.
Sailer Johann Michael, teol., vesc.
(1751-1832): 70.
Sala Antonio (1836-1895): 426.
Salamo Simon: 171.
Salasco Carlo Canera di, gen.
(1796-1866): 39, 222.
Salústio Crispo Caio (86-35-ca a C.):
126, 127.
Saluzzo, conde de: 85.
Salvago Paris Maria: 380.
Salviati Scipione (1823-1892): 83, 384,
473, 488, 489.
San Martín José, gen., político
(1778-1850): 96.
Sani Roberto: 54 (126)
Santarosa Pietro De’Rosso di, político
(1805-1850): 43, 46 (94).
Santos Máximo, político (1836-1888):
99.
Sardá y Salvany Félix (1841-1916): 108.
Sardi Melzi d’Eril Elisa: 468 (132), 564.
Sarmiento Domingo Faustino, político
(1811-1888): 98, 99.
Sartorio Michele: 82
Savini Angelo: 450, 497
Savio Angelo (1835-1893): 379, 394,
447, 497.
Savio Carlo (1811-1881): 476, 491.
Scaglione Secondino fr.: 203 (24), 204
(30), 205 (35, 36), 213 (77).
Scala Stefano (1848-1923): 86.
Scalabrini Giovanni Battista, vesc.
fundador, b. (1839-1905): 94.
Scanagatti Luigi Michele: 247.
Scaraffia Lucetta: 80 (69).
Scheeben Matthias Joseph, teol.
(1835-1888): 373.
Schepens Jacques: 230 (159), 283 (85),

61.6 Page 606

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606 Índice onomástico
347 (78), 530 (126).
Scheppers Victor Cornelius, fundador
(1802-1872): 489.
Schmid Christiph, can. (1768-1854): 82,
304.
Schmidlin Joseph: 27 (21)
Sciaccaluga Stefano: 379 (5)
Scialoja Antonio, economista, político
(1817-1877): 476.
Sciandra Giuseppe, vesc. (1808-1888):
492.
Sclopis di Salerano Federico, político:
207, 223, 224, 411 (e 44)
Scoppola Pietro, storico: 64 (3), 72 (36),
75 (45).
Scotti, duque: 473.
Scovazzi Giovanni: 303 (12).
Sée Camille, político: 103.
Segneri Paolo, orador (1624-1694): 150,
151, 156 (e 75).
Sella Quintino, político (1827-1884): 67,
566 (e 173).
Selmi Francesco (1817-1881): 415, 416
(63), 417 (e 64), 425 (100), 478.
Semeraro Cosimo: 229 (157), 374 (39),
529 (120), 530 (126).
Serlupi, fam.: 474, 510.
Serra Annibale: 570 (203).
Servanzi: 106.
Severino, aluno: 352, 579.
Seyssel Sommariva Elisabetta: 553.
Sforzini Paolo (1808-1865): 553.
Siccardi Giuseppe, político (1802-1857):
21, 42, 43, 46 (94), 224.
Siccardi C.: 174 (51).
Sideri: 66 (9), 77 (54).
Silas Lucio Cornelio, político (138-78 a.
C.): 353.
Silvela Francisco, político (1845-1905):
108.
Silvela Manuel, político (18030-1892):
108.
Simão Mago: 481.
Simeoni João, card. (1816-1892): 106.
Simon Maurice: 70 (26).
Simonino Giuseppe Eligio, can. (1822-
1870): 224.
Sineo Riccardo, político (1805-1876):
207.
Sismondo Giuseppe (1771-1826): 114.
Sixto II, papa († 258): 298.
Snow Charles Percy (1905-1980): 125.
Soave Francesco, filósofo, escritor
(1743-1806): 144, 145.
Soave Pancracio: 181, 219.
Sobieski: 382.
Solano López Francisco, político: 99.
Solaro della Margherita, político
(1792-1869): 208 (53), 235 (7).
Soldani Simonetta: 56 (134).
Soler Mariano, vesc. (1846-1908): 99.
Solla Giovanni Pietro, vesc. (1791-
1881): 47.
Solms Wyse Bonaparte M. Letizia
(1833-1902): 562.
Sora, duque: v. Boncompagni Ludovisi.
Sora, fam.: 510.
Soranzo, fam.: 576.
Sossi Vitaliano, vic. cap. († 1891): 403
(e 5).
Spaventa Sílvio, político (1822-1893):
412, 430.
Spencer Herbert, filósofo (1820-1903):
57.
Spezia Antonio († 1892): 461, 462 (87).
Spini Giorgio, storico: 248 (69).
Spinoza Baruch, filósofo: 147.
Spriano: 38 (57), 59 (139).
Stella Pietro, storico: 6, 7, 16, 64 (3), 68
(18), 78 (60), 93 (105), 112 (4), 113,
114 (e 9, 15), 117 (e 29), 139 (12), 145
(38), 151 (55), 151 (58), 154 (66, 69),
171 (43), 172 (48), 180 (85), 181 (86,
87, 90, 91), 192 (e 142), 193 (147),
197 (1), 198 (2), 199 (12), 200 (15),
216 (90, 92), 228 (151, 152), 229 (153,
155), 253 (99), 255 (107), 265 (1), 268
(11, 12), 272 (34), 293 (148), 304 (19),

61.7 Page 607

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Índice onomástico 607
317 (71), 322 (90, 95), 325 (104), 343
(60), 347 (77, 78), 356 (156), 362, 363
(2), 364 (4), 365 (9), 368 (19), 369
(21), 373 (38), 388 (43), 391 (60), 394
(71), 425 (99), 451 (40), 457 (70), 460
(79), 463 (98), 474 (25), 479 (58), 519
(72).
Stickler Gertrud: 113 (8), 120 (40).
Stickler Alfons, card: 524 (101).
Straniero Michele L.: 370 (25).
Strus’ Josef: 192 (142).
Svegliati Stanislao: 439, 449, 483, 485,
495, 497, 501.
Tabita: 285.
Tácito Cornélio, storico: 127.
Tago Ave: 174 (51, 53), 175 (57), 182
(96).
Tajes Máximo, político: 99.
Talamo Giuseppe: 413 (50).
Tamietti Giovanni (1848-1920): 555.
Tanucci Bernardo, político (1698-1783):
43.
Tarcísio s.: 78.
Tasca Giacinto (1825-1897): 85.
Tasso Torquato, poeta (1544-1595): 127.
Tata Giovanni: v. Borgi Giovanni.
Tecini Francesco: 84.
Teodorico, rei (454ca-526): 354.
Teófilo d’Antiochia: 481.
Teresa Angelica: 467.
Teresa s. D’Avila, fondatrice (1515-
1582): 192.
Ternavasio Francesco (1806-1886): 139,
143, 148
Tesio Giuseppe (1777-1845): 179.
Tessiore Paolo: 425 (98).
Tettú di Camburzano: v. Camburzano
Alessandra
Théoger Victor: 204.
Thiers Adolphe, político: 537.
Tiago s. apostolo: 351.
Tinivella Felicissimo, vesc.: 324 (103).
Tiraboschi Stefano (1731-1794): 556
(89).
Tissot Simon André (1728-1797): 544.
Tito Lívio (59 a. C.-17 d. C.): 127.
Tivaroni Carlo (1843-1906): 114 (10),
126 (11).
Tolomei Biffi Virginia: v. Cambray Dig-
ny Virginia.
Tomasi Tina: 77 (57).
Tomatis Domenico (1849-1912): 474 (32).
Tomatis Giovanni (1805-1884): 106.
Tommaseo Niccolò, scritore
(1802-1874): 72.
Tommaso di Savoia: 407 (25), 508.
Tonduti Antonio: v. Escarène.
Tonello: 52 (116), 465, 469, 475 (e 37),
475, 476.
Toninelli Pier Angelo: 24 (10)
Tortone Gaetano (1814-1891): 336, 377,
397, 414, 495.
Tosa o.p.: 471.
Tosi Luigi: 572 (215).
Tosti Antonio, card. (1776-1866): 382,
383, 384.
Totila, rei (†532): 354.
Tournier Margarida: 184.
Tramontin Silvio, storico (1917-1997):
69 (20).
Traniello: 64 (3), 73 (40), 265 (1), 288
(119), 554 (79, 80).
Triacca Achille (1935-2002): 70 (31).
Trivero Giuseppe (1816-1894): 169, 198,
199.
Tuninetti: 144 (33), 148 (49), 161 (5),
255 (106), 325 (110), 534 (144, 146),
540 (2).
Turchi Giovanni (1838-1909): 354, 391
(59).
Turi Gabriele: 56 (134).
Turvano Giuseppe: 215.
Uguccioni Gherardi Tommaso
(1811-1875): 502, 510 (20), 561 (134).
Umberto I di Savoia, re (1844-1900):
508.
Vacchetta Michele Angelo (1798-1865):

61.8 Page 608

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608 Índice onomástico
48.
Vaglienti: 215.
Valentini Eugenio (1905-1992): 111 (2),
114 (15), 115 (16), 116 (25), 231 (161),
505 (185).
Valentim, aluno: 352, 579.
Valentim s.: 155
Valerio Lorenzo: 82, 209.
Valfrè Sebastiano, b. (1629-1710): 86.
Valimberti Placido(1803-1848): 127,
132.
Valinotti Francesco (1813-1873): 255,
478 (e 52), 479.
Vallauri Francesco Giuseppe: 247, 315.
Vallauri Pedro (1829-1900): 315.
Vallauri Teresa (1831-1879): 315.
Vallauri Tommaso (1805-1897): 554, 557
Vallino: 200.
Valperga Sofia di Masino: 199.
Vangelista: 97 (121), 98 (122).
Vannicelli Casoni Luigi, arciv.,card.
(1801-1877): 257, 260.
Varrelli: v. Garelli Vincezo.
Vaschetti Francesco (1840-916): 395,
398, 399.
Vauchez André: 248 (70).
Vaudagnotti Attilio, can. (1889-1982):
72 (38).
Vegezzi Francesco Saverio (1805-1888):
437, 464, 468.
Vegezzi Ruscalla Giovenale: 207.
Vera Jacinto, vesc. (1813-1881): 99.
Verda Domencico, o. p.: 467, 473, 502,
515, 564
Verri Biagio (1819-1884): 89, 238.
Verri Carlo: 202 (21), 214 (79).
Verucci Guido: 66 (10), 72 (36), 80 (66),
104 (140).
Vespignani Francesco (1848-1899): 74.
Veuillot Luís (1813-1883): 102, 103.
Viancino di Viancino Francesco (1821-
1904): 463, 501, 509 (e 16), 516 (e 60),
562, 565, 570 (204).
Viancino di Viancino Luigia Barel di
Sant’Albano (1826-1893): 570 (204).
Vicéns Vives Jaime (1910-1960): 108
(153).
Vicente de Paulo, fundador (1581-1660):
93, 154, 191, 192, 230, 231, 319, 337.
Vidal Francisco, político: 99.
Viglietti Carlo (1864-1915): 368.
Vigna: 41.
Villamarina Emanuele Pes di, político
(1777-1852): 36.
Villarios, fam.: 473.
Villarios Amat: v. Amat Villarios.
Vimercati Giovanni: 473.
Vinay Valdo (1906-1990): 248 (70), 249
(71), 250 (82), 279 (65).
Vincenzo s. Pallotti, fundador
(1795-1850): 81, 82 (74), 95 (e 116)
Viotti Giovanni Battista: 129.
Virano Emanuele: 120.
Virgílio Publio Marone, poeta (70-19ca.
a. C.): 126, 127.
Vismara Silvio: 30 (32).
Vitorino Rambaldone da Feltre, educador
(1378-1446): 77.
Vitório Emanuel I di Savoia, re
(1759-1824): 26, 161.
Vitório Emanuel II di Savoia, re (1828-
1878): 39, 47, 48, 160, 167, 194 (152),
201, 218, 242, 284, 322, 433, 563, 575.
Vitório Emanuel III di Savoia, re (1869-
1947): 39.
Vogliasso Gioachino: 127.
Vogliotti: 110, 237 (15), 330, 398, 399,
403, 442, 448 (26), 472 (e 11, 12, 13),
559 (112).
Vola Giovanni Battista (1806-1972): 198
(e 4), 199, 200, 217.
Vola Ignazio (1796-1858): 198 (e 4)
Voltaire François-Marie Arouet de, filó-
sofo (1694-1878): 23.
Vóssio [= Voss] Gerhard Johannes
(1577-1649): 126.

61.9 Page 609

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Índice onomástico 609
Wolter Mauro (1825-1890): 71
Wolter Placido (1828-1908): 71 (e 33)
Yeregui Rafael: 99.
Zambaldi Ida: 57 (136).
Zambarbieri Annibale: 69 (20), 104 (141).
Zanardelli Giuseppe, político
(1826-1903): 61, 67.
Zappata Giuseppe, can. (1796-1883):
199, 257, 402, 415, 426, 440, 442, 447
(e 22), 448 (e 24), 449 (34), 472 (e 11),
559 (112).
Zarri Gabriella: 80 (69).
Zimniak Stanislaw: 284 (93).
Zolli Paolo: 554 (79).
Zucca Giovanni: 112 (3).
Zucca Margherita (1752-1826): 112,
121.
Zucconi Fernando (1647-1732): 150, 151
(e 55).
Zugno Giambattista: 151 (56)

61.10 Page 610

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62 Pages 611-620

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62.1 Page 611

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Índice Geral
Prefácio..........................................................................................................................5
Siglas e abreviações......................................................................................................9
Introdução...................................................................................................................11
1. Finalidades e objetivos.............................................................................................11
2. Evolução na biografia operante de Dom Bosco.......................................................12
3. Acenos sobre o uso das fontes..................................................................................14
Primeira Parte
De seu século para seu século................................................................19
Introdução...................................................................................................................19
Cap. 1. Da ordem restabelecida à vitória do liberalismo..............................................21
1. Entre revolução e restauração..................................................................................22
2. Restauração religiosa, movimentos revolucionários e fidelidade eclesial...............26
3. Aberturas à marginalização social e à prevenção nos anos 30 e 40........................32
4. 1848: prelúdios e conseqüências..............................................................................35
5. A Igreja na revolução...............................................................................................38
6. Crescentes dissensos entre Igreja e Estado nos anos 1850-1859.............................42
7. Progressiva fratura entre intransigência católica e política liberal........................46
8. Tensão entre a identificação de instrução pública e nacional e a
. liberdade de gestão do ensino não estatal...............................................................53
9. Num país desequilibrado entre atraso e progresso..................................................57
10. Da Roma conquistada aos governos da esquerda histórica (1870-1876).............60

62.2 Page 612

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612 Índice geral
Cap. 2 Resistência e mobilização católica....................................................................63
1. Em uma Igreja que se defende e evangeliza.............................................................64
2. Centralidade da paróquia.........................................................................................66
3. Pela liberdade da Igreja nas reviravoltas dos anos 60 e 70.....................................71
4. Obras especializadas na ação entre os jovens.........................................................75
5. Protagonistas da missão juvenil na Itália................................................................79
6. Da missionariedade na pátria às missões estrangeiras...........................................88
7. Espiritualidade da ação católica no século XIX......................................................92
8. Na América do Sul, em situações históricas inéditas...............................................95
9. A França entre 1875 e 1883...................................................................................100
10. O mundo sociopolítico na Espanha ao redor de 1886.........................................104
Segunda parte
DOM BOSCO PADRE DOS JOVENS NA IGREJA EM TURIM........................09
Introdução.................................................................................................................109
Cap 3. Um menino do campo que sonha ser padre (1815-1831)...............................111
1. Gênese de Dom Bosco numa família camponesa...................................................112
2. Educação religiosa e moral....................................................................................114
3. Os processos de instrução e aquisição de habilidades lúdicas..............................117
4. Encontro inesperado e decolagem suada...............................................................119
Cap. 4. Bases culturais humanistas da personalidade (1831-1835)............................123
1. Crescimento cultural no “colégio” ou escola secundária de Chieri.....................124
2. Disciplina moral e religiosa...................................................................................129
3. Adultos confiáveis e uma rede de amizades construtivas.......................................132
4. Decisão vocacional................................................................................................135
Cap. 5. A formação cultural e espiritual eclesiástica (1835-1841).............................137
1. No seminário..........................................................................................................138
2. Formação cultural estruturada...............................................................................140
3. Biênio de filosofia...................................................................................................143
4. Quadriênio de teologia...........................................................................................148
5. Preferências pela história e pela apologética militante.........................................150
6. Formação disciplinar, moral, espiritual.................................................................152
7. As amizades e o início de estranhas manifestações...............................................155
9. À meta ardentemente desejada...............................................................................157

62.3 Page 613

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Índice geral 613
Cap. 6. A virada turinense entre aculturação moral
. e empenho oratoriano (1841-1846)..........................................................................159
1. Aprendizagem pastoral no Colégio Eclesiástico....................................................160
2. Compilador de prédicas para o povo.....................................................................164
3. Dos catecismos ao oratório....................................................................................166
4. Capelão em obras da marquesa Barolo (1844-1846)............................................173
4.1 No Refúgio e no Pequeno Hospital...................................................................173
4.2 Do oratório itinerante à sede e à opção definitivas (1845-1846)....................178
4.3. Encontro com um amigo admirado e discreto: Silvio Pellico (1789-1854)....183
5. Da moral dos deveres ao salesianismo de Dom Bosco..........................................185
5.1 No âmbito da moral e da pastoral pós-tridentina............................................186
5.2 Oratório e espírito de são Francisco de Sales.................................................191
Cap. 7. A revelação de dom bosco educador (1846-1850).........................................197
1. Ação pessoal solidária às realidades diocesana e cívica.......................................197
2. Abertura ao mundo educativo e integração pedagógica........................................202
2.1. Encontro com um instituto de educadores profissionais.................................202
2.2. Contatos com uma “Casa de educação correcional”.....................................205
2.3 Presença na imprensa para educadores e nos jornais.....................................208
3. Desenvolvimentos do Oratório (1846-1852)..........................................................212
3.1 Rápida decolagem de uma obra diocesana virtualmente universal.................212
3.2 Saída em campo aberto e reconhecimentos imediatos.....................................218
4. Apoio ideal para a juventude e os seus amigos......................................................226
Cap. 8. Agente religioso e social no quinqüênio 1849-1854......................................233
1. Um decênio explosivo da vida de Dom Bosco........................................................234
2. Consolidação e ampliação do Oratório de São Francisco de Sales......................236
3. Pregador em Milão, hóspede do Oratório de São Luís..........................................238
4. Dom Bosco reconhecido diretor-chefe dos oratórios (31 de março de 1852)........240
5. Surge uma igreja “em favor da juventude abandonada”.......................................243
6. Para a liberdade cristã, as primeiras iniciativas
de prevenção apologética (1850-1853)..................................................................247
7. As Leituras Católicas (1853)..................................................................................254
8. A cólera de 1854.....................................................................................................262
Cap 9. Entre os jovens e o povo com a palavra e a imprensa (1853-1859)................265
1. Defensor da fé e da graça.......................................................................................266
2. Orientações ideais das Leituras Católicas.............................................................268
3. Entre apologética e devoção popular (1853-1854)................................................275
4. Livros de educação humana e cívica (1854-1855).................................................282
5. Livros de educação religiosa (1855-1858).............................................................290
6. A série Vidas dos papas (1856-1865).....................................................................295

62.4 Page 614

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614 Índice geral
Cap. 10. Regulamentações institucionaiS (1853-1859)..............................................299
1. Leis supressivas e vida consagrada........................................................................300
2. Governo educativo do Oratório.............................................................................304
3. O Plano de Regulamento para a casa anexa..........................................................310
4. Oratório em crescimento e lutos dolorosos............................................................314
5. As associações, iniciação à caridade atuante........................................................317
6. As loterias de 1857 e 1862.....................................................................................320
7. A ascensão espiritual de Domenico Savio na casa de Dom Bosco........................323
Cap. 11. Padre e leigo novos para tempos e problemas novos (1853-1862)..............327
1. A nova face dos jovens e iniciativas inéditas.........................................................328
2. Casa dos jovens: finalidade, métodos, vida............................................................330
3. Pedagogia diferencial do possível..........................................................................333
4. Novo padre para os jovens na Igreja e na sociedade.............................................335
5. Perfis de padres para tempos novos.......................................................................339
6. Formador de padres para dioceses e oratórios......................................................342
7. Leigo militante em tempo de controvérsias religiosas...........................................344
7.1 Agir com cultura idônea e franqueza de fé.......................................................344
7.2 As coordenadas da fé do católico.....................................................................346
8. O leigo na vida social e política.............................................................................352
8.1 Dignidade e tarefas dos governantes...............................................................353
8.2 Os deveres da classe “trabalhadora” da sociedade........................................354
9. Leigos e leigas para os jovens................................................................................356
10. Ponto de chegada: Dom Bosco em suas várias dimensões..................................358
Terceira Parte
PARA OS JOVENS DO MUNDO, DOM BOSCO FUNDADOR .......................361
Introdução.................................................................................................................361
1. Reviravoltas radicais no limiar dos anos 60..........................................................361
2. Fontes e historiografia............................................................................................363
2.1 Testemunhos de Dom Bosco.............................................................................363
2.2 Testemunhos dos cronistas salesianos..............................................................367
3. Sonhos.....................................................................................................................371
Primeira Seção
O primeiro decênio do fundador (1859-1870)........................................................375
Introdução.................................................................................................................375
Cap. 12. O prelúdio de uma reviravolta em Gênova e em Roma (1858-1861)..........377
1. A obra do padre Montebruno em Gênova..............................................................379

62.5 Page 615

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Índice geral 615
2. O encontro com “Roma sagrada”..........................................................................380
3. Encontros romanos: conhecer e fazer-se conhecer................................................381
4. A reviravolta aos pés do sucessor de Pedro............................................................387
5. Relações mudadas com Roma e novidade em Turim..............................................392
6. A diocese de Turim, o arcebispo e a Santa Sé........................................................395
7. Oratório para a diocese: o seminário de Giaveno.................................................398
Cap. 13. Primeiros desenvolvimentos do sistema colegial (1859-1869)....................401
1. Valdocco..................................................................................................................403
1.1. Valdocco, centro de realizações e inspirações.................................................403
1.2. À procura de beneficência...............................................................................405
2. Perquisição e inspeções escolares legais................................................................408
2.1. A perquisição de 26 de maio de 1860..............................................................409
2.2. Primeira inspeção escolar e visita cardinalícia..............................................412
2.3. Inspeções, defesas, compromissos...................................................................415
3. A primeiras ramificações de Valdocco (1860-1864)...............................................421
3.1 Mirabello Monferrato.......................................................................................422
3.2 Lanzo Torinese..................................................................................................424
3.3 Projetos esboçados e uma breve realização.....................................................428
4. Ministérios, entes públicos, jovens e Oratório.......................................................429
Cap. 14. Gênese da sociedade de São Francisco de Sales
. sob o cetro de Maria Auxiliadora (1858-1865)........................................................437
1. Instâncias e forças em campo.................................................................................438
2. A não aprovação diocesana da Sociedade Salesiana.............................................441
2.1. O texto constitucional......................................................................................442
2.2. Etapa incompleta.............................................................................................443
3. A caminho do decretum laudis (1862-1864)..........................................................447
4. Lineamentos espirituais da nova sociedade religiosa............................................451
4.1 Os traços religioso e salesiano nas Constituições...........................................452
4.2 Construção interior da nascente sociedade religiosa......................................454
5. Inícios da epopéia de Maria Auxiliadora...............................................................456
5.1 Antecedentes.....................................................................................................456
5.2 A Igreja nos primeiros anos da década de 60..................................................458
5.3 Duas âncoras “pendentes das duas colunas”..................................................459
5.4 Da decisão de construir até o lançamento da pedra angular..........................461
6. Inserção marginal na missão Vegezzi.....................................................................464
7. Viagens ao interior e ao exterior: Milão, Veneza, Florença...................................465
Cap 15. O tortuoso caminho até a aprovação pontifícia
da sociedade salesiana (1864-1869)........................................................................469
1. Defesa da liberdade da missão e falha adequação às
. exigências canônicas (1864-1866).........................................................................470

62.6 Page 616

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616 Índice geral
2. Em Florença e Roma por múltiplos objetivos........................................................472
3. Intermezzo de “política eclesiástica”....................................................................475
4. Dois incidentes.......................................................................................................477
5. Pela aprovação plena da Sociedade Salesiana (1867-1868).................................482
6. Falida a posse romana em Vigna Pia (1867-1868)................................................488
7. A imagem eclesial de Dom Bosco entre consensos e reservas (1867-1868)..........489
8. Um “não” à liberdade institucional ampla (junho-dezembro de 1868)................494
9. O “sim” à liberdade condicionada (1º de novembro de 1869)..............................498
10. Entre as quintas do cenário florentino e romano.................................................501
11. Aprofundamento espiritual da Sociedade Salesiana............................................503
Cap 16. Nascimento de um centro de religiosidade popular e eclesial (1865-1869).... 507
1. Progresso da construção da Igreja de Maria Auxiliadora.....................................508
2. O incansável pedir e a graça da suportação..........................................................510
3. A solene consagração e a irradiação.....................................................................515
4. Centro que atrai preces, graças e ofertas...............................................................519
5. A Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora..................................................521
6. A festa popular do dia 24 de maio em Valdocco....................................................524
7. Entre religiosidade popular e piedade litúrgica.....................................................527
8. Uma ordenação nos limites da transgressão..........................................................530
9. Em Roma com respiro ecumênico e o pensamento nos jovens...............................532
Cap. 17. Impulsos para o crescimento pedagógico,
. espiritual e cultural (1861-1870).............................................................................539
1. Metodologia preventiva entre colégio e pequeno seminário..................................539
2. Escritos pedagógicos, biográficos e doutrinais nos anos 60..................................544
3. Cartas aos jovens...................................................................................................548
4. Pela cultura popular e pelas Leituras Católicas....................................................551
5. No mundo da escola e da cultura...........................................................................554
6. Fragmentos de cotidiano em cartas familiares......................................................558
7. Mestre de fé operante na caridade.........................................................................567
8. O sofrido abandono de um colaborador “piedoso e empreendedor”....................572
9. Aproximação das missões e encontros com Daniele Comboni..............................574
Apêndice: A pluriforme origem do Oratório e o jovem símbolo
dos primeiros hóspede..............................................................................................579
Índice Onomástico....................................................................................................585
Índice geral................................................................................................................611