Sistema Preventivo|OS valores mais significativos do SP

Congresso Internacional sobre Sistema Preventivo e Direitos Humanos

Roma 2-6 de janeiro de 2009


Os valores mais significativos do Sistema Preventivo

J.M. Petitclerc



Introdução


O Sistema Preventivo de Dom Bosco ainda será atual para uma juventude que, em nossas sociedades modernas, vive com dificuldade a própria condição? Alguns entre nossos educadores são cético quanto à ideia de um educador do século 19, e padre, ser capaz de dar, do ponto de vista pedagógico, uma resposta adequada neste momento.

A situação socioeconômica dos nossos países no alvorecer no século 21 é tão diversa daquela de Turim no século 19, contudo as duas épocas são caracterizadas por um elemento comum, que é o de ser uma sociedade em crise. Nos tempos de Dom Bosco passava-se da sociedade agrícola à industrial, da sociedade rural à urbana, da sociedade monárquica à republicada. Hoje, também vivemos um período de crise, marcado por mudanças importantes no plano econômico, tecnológico e cultural. Estamos a entrar numa sociedade que os economistas e sociólogos qualificam de pós-industrial ou pós-moderna. E, como em todas as épocas de crise social, o problema crucial é transmitir pontos de referência: os problemas dos jovens são sempre mais evidentes, sobretudo os ligados aos fenômenos migratórios.

Todos os períodos de profunda mutação são marcados por fortes turbulências para os jovens que se interrogam sobre o próprio futuro, sobretudo os que são psicologicamente mais frágeis e, entre estes, os que vivem em situações de exclusão social.

A intuição genial de Dom Bosco, que continua muito atual na sociedade de hoje, consistiu em saber decodificar os fenômenos de violência que observava nas periferias de Turim como sintomas evidentes da deficiência educativa.

Não podemos esquecer que muitas vezes a violência é, de fato, o modo mais natural de administrar um conflito, de exprimir uma raiva. Não é natural, porém, mas fruto da educação, o convívio, a paz, o estabelecimento de relações respeitosas diante de quem é diferente de nós.

O problema prioritário que as nossas sociedades modernas devem enfrentar é a educação. Esta foi a intuição de Dom Bosco no século 19. Recordemos as palavras que ele pronunciou em Paris em sua viagem triunfal de 1883: "Não demoreis em ocupar-vos dos jovens, caso contrário eles não tardarão em ocupar-se de vós!"

Nos períodos caracterizados pela incerteza e a perda de confiança nas instituições tradicionais, a autoridade do educador baseia-se não tanto no mandato quanto na sua credibilidade perante os jovens. Era essa a convicção de João Bosco, que fundamenta todo o seu Sistema Preventivo na qualidade da relação adulto-jovem. É esse o eixo principal do projeto pedagógico do "Valdocco" na França, que atua ações de prevenção entre os jovens em dificuldade das periferias de Paris e Lyon.

Não nos esqueçamos de que hoje, como nos tempos de Dom Bosco, os elementos caracterizadores da juventude são três:

  • perda de confiança diante dos adultos

  • angústia quanto ao futuro

  • dificuldades encontradas durante o processo de socialização.

Os elementos fundamentais do Sistema Preventivo, que continua a ser tão significativo nestes tempos de crise, são: restabelecer o papel da autoridade mediante a elaboração de uma relação educativa baseada na confiança, ser testemunhas de esperança a fim de permitir ao jovem projetar-se para o futuro, fazer com que se façam experiências educativas de convivência entre jovens e adultos, colocando-nos em jogo nessa aliança.

Detenhamo-nos agora nesses três valores da pedagogia salesiana: confiança, esperança, aliança.



1) A pedagogia da confiança

Sem confiança não há educação. Este é o princípio que está na base do sistema educativo de Dom Bosco. Só se pode fundamentar o conceito de autoridade através de uma relação de confiança entre o jovem e o educador.

Os estudos atuais, centrados no tema da capacidade de se recobrar facilmente, confirmam que a capacidade de transformação de um jovem, caído em comportamentos recidivos, está ligada ao encontro com um adulto que soube dirigir para ele um olhar de confiança, libertando-o do próprio passado.

Como instaurar essa confiança? Dom Bosco, longe de recomendar uma técnica educativa, responde apenas "com o afeto". É ele o educador do século 19 que, depois de todas as correntes pedagógicas hiper-racionalistas do século das luzes, reabilitou a esfera afetiva no interior da relação educativa.

A experiência ensina que a esfera afetiva é constitutiva de qualquer relação humana. Dessa forma, em vez de excluí-la no interior da relação educativa, ele aconselha ao educador a sabê-la administrar para instaurar um clima de confiança. "Sem afeto não há confiança. Sem confiança não há educação". É essa, hoje como ontem, a melhor síntese do pensamento educativo de Dom Bosco.

Uma educação baseada na confiança é uma educação baseada na razão. O educador age de maneira razoável, convencido sempre de que o jovem é dotado de razão, capaz de compreender onde estão os seus interesses. O Sistema Preventivo baseia-se nessa convicção.

Qualquer que seja o comportamento de um jovem, porquanto inadequado e errado possa parecer à primeira vista, em se tratando de um jovem envolvido na deliquência, na dependência das drogas, ou em outros tipos de comportamentos de risco, ele sempre tem algumas razões para adotar determinado comportamento. Não digo, com certeza, que ele tenha razão, pois pode fazer mal a si mesmo e aos outros, mas tem as suas razões. E, enquanto o educador não tiver decifrado essas razões, é justamente a resposta do educador que corre o risco de ser errada, insuficiente ou inadequada.

Há, como nos diz Dom Bosco, dois modos de educar uma criança:

  • a dissuasão, que é o método repressivo, fundado no medo da punição,

  • a persuasão, que é o método preventivo, inteiramente fundado no respeito dos direitos humanos da criança.

A educação fundada na confiança baseia-se numa fé sólida na educabilidade da criança, quaisquer que sejam as dificuldades que a cercam. Crer nos jovens significa ter todo jovem, qualquer que sejam as suas pobrezas, como uma oportunidade de crescimento para o grupo e não como um peso. De fato, a bem pensar, é sempre o jovem em dificuldade que faz o educador progredir em sua arte pedagógica: o jovem obriga-o a questionar-se, a colocar-se continuamente em jogo.



2) A pedagogia da esperança

A tese transmitida por Dom Bosco aos seus discípulos merece ser compreendida: "O salesiano jamais se lamenta do próprio tempo". Não se trata de lamentar-se, mas de ajudar os jovens a utilizarem todos os vetores do progresso para uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais vivível.

É muito importante nas situações que vivemos ensinar à criança, ao adolescente, saber admirar-se diante da beleza, do progresso! É preciso, certamente, colocá-lo em guarda quanto aos possíveis desvios do uso inconveniente do progresso. Mas deve-se ter atenção para que ao colocá-lo em guarda não se bloqueie nele a faculdade de admirar-se diante do que vai surgindo.

"Faz mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que cresce", diz o provérbio africano. É tempo, para o moral dos nossos jovens, de não oprimi-los constantemente com o rumor das árvores que caem, o que a mídia faz largamente, mas sabê-los abrir à beleza da germinação. É esta atenção ao processo de germinação que caracteriza o olhar de Dom Bosco sobre os jovens. A história da semente, chamada a ser uma grande árvore, é sem dúvida a mais bela parábola sobre a educação.

Há três categorias de homens e mulheres comparáveis à semente. Primeiramente, há os que não veem na semente outra coisa que a semente (perspectiva limitada!). Depois, há os que ao ver a semente, não fazem outra coisa senão sonhar a árvore (mas os grandes idealistas, sonhando, correm o grande risco de destruir a semente). Enfim, os que veem a relação entre a semente e a árvore. Estes, então, ficam atentos ao terreno. Educar segundo Dom Bosco, significa oferecer o melhor terreno para permitir à criança enraizar-se na herança familiar, social, cultural, com a finalidade de abrir-se como novo sujeito.

E é a alegria, sempre segundo Dom Bosco, que melhor caracteriza um terreno. Grande parte da arte educativa consiste em saber instaurar ao seu redor um clima de paz e de alegre serenidade. A alegria é necessária para o desenvolvimento da criança. Uma infância triste é uma condenação para nós. Parece-nos que a alegria é o componente essencial do clima educativo salesiano. Entretanto, trata-se sempre menos de uma conquista (nada soa mais falso do que os comportamentos daqueles que são alegres por dever) e mais de um fruto: a alegria está sempre presente em superabundância naqueles que vivem na verdade e no amor.

Ver no jovem tanto a criança que ainda é quanto o adulto que é chamado a ser; este é o olhar de João Bosco sobre os jovens, a única maneira de respeitar o direito da criança a crescer. Não se trata nem de mantê-la para sempre em estado infantil, nem de considerá-la um adulto em miniatura.

Desenvolver um projeto que leve em conta a criança, a sua realidade atual e a sua potencialidade do adulto de amanhã, significa tanto "dar-lhe segurança" quanto "responsabilizá-lo". A arte do pedagogo salesiano está na articulação sadia entre essas duas linhas de força.

Aquilo de que mais padecem os jovens em dificuldade é a falta de segurança! Os bairros das nossas cidades onde reina a maior insegurança, não serão talvez aqueles nos quais os jovens se sentem mais inseguros em relação ao próprio futuro?

Dar segurança... é saber exprimir o caráter incondicional do afeto que nos liga ao jovem... Mas, ao mesmo tempo, é ser também garantidor de um conjunto de regras que permaneçam apesar das tentativas de transgressão da adolescência...

Dar segurança é, enfim, ajudar o jovem a fazer memória do sucesso. O drama de muitos jovens que abandonam a escola, é que a instituição lhes ensina apenas a recordar a falência, e isso gera a perda de confiança em si, e a perda de confiança em si leva de novo à falência.

Essa espiral só pode ser rompida ao fazer experimentar o sucesso. Trata-se sempre de focalizar o saber fazer do jovem, voltar a atenção sobre o que ele sabe fazer, convidando-o a progredir. Não será esta, quem sabe, a mensagem deixada por Dom Bosco ao narrar o primeiro encontro com Bartolomeu Garelli?

Dar segurança, mas também responsabilizar, pois só se aprende a ser responsável exercendo responsabilidades. Muitos adolescentes de hoje sofrem justamente por não terem a possibilidade de exercer qualquer responsabilidade real no interior da sociedade, e isso é particularmente verdade para os jovens em situação de exclusão social. Não nos admiremos, pois, das suas atitudes de fuga! O maior drama da exclusão está no sentimento de inutilidade social que ela gera. O que um grande número de jovens precisa é não tanto encontrar adultos que lhes ofereçam a própria ajuda, mas adultos capazes de dizer: "Preciso de você". Dom Bosco gostava de dizer aos seus jovens no boa-noite: "Sem a ajuda de vocês, eu nada poderia fazer". Desde o início da sua obra educativa, ele teve a ideia de responsabilizar os mais velhos em relação aos mais jovens.



3) A pedagogia da aliança

Num mundo marcado pela tendência dos jovens a viverem apenas entre eles e pela dificuldade de relação entre as gerações, Dom Bosco recomenda a pedagogia da aliança.

Não se trata de fazer para, mas com o jovem, considerado não só como destinatário, mas companheiro da ação educativa. "Preciso que nos ponhamos de acordo...", era o que Dom Bosco gostava de dizer no boa-noite. É este o segredo de uma pedagogia fundada no respeito dos direitos da criança.

Para estabelecer uma relação desse tipo com os jovens, é preciso que o educador consiga encontrar a sua justa posição. Ele deve estar suficientemente próximo para não ser indiferente, e suficientemente distante para não ser considerado indiferenciado.

A arte educativa consiste essencialmente em conseguir encontrar o ponto de equilíbrio entre a boa distância e a boa proximidade em relação ao jovem. Uma das grandes dificuldades educativas, porém – eis porque parece ser em Dom Bosco mais arte do que ciência –, é que a boa distância e a boa proximidade a estabelecer com os jovens dependem de cada indivíduo.

Recordemos que o importante em termos de educação, e mais ainda em relação aos jovens afetivamente carentes, não é a intenção que colocamos no gesto, mas a percepção que a criança tem dela; isso exige fundamentalmente da parte do educador uma grande prudência.

Dom Bosco gostava de repetir aos seus educadores: "Não basta amar os jovens; é importante que eles se sintam amados". Em outros termos, a coisa essencial, a mais importante, é a percepção da criança. Este grande educador, considerado na tradição eclesial como "Pai e Mestre da Juventude" nos é apresentado com frequência, no imaginário popular, com os traços de um equilibrista. Contudo, foi preciso certo tempo para compreender o peso dessa apresentação. Ela evoca, decerto, o período da adolescência, quando Joãozinho brincava de saltimbanco para reunir os amigos. Entretanto há também uma representação simbólica: a arte de educar, não será talvez, como a arte do saltimbanco?

Saber dizer sim, mas também saber dizer não; estar suficientemente próximo, mas também suficientemente distante; dar segurança, mas também responsabilizar. Trata-se sempre de uma questão de equilíbrio.

É preciso que se crie aliança não só com o jovem, mas também com o grupo de jovens. Viver o grupo, não como peso, mas como possibilidade, em vista do processo de socialização. Diante do grupo, o educador tem às vezes a tendência de só perceber a soma das relações individuais, enquanto se trata de fazer interagir os membros do grupo entre si. João Bosco, homem de inegável talento de ator, sabia tornar-se aliado do grupo e ver a dinâmica do grupo não como elemento de peso, mas instrumento para desenvolver a responsabilidade de uns em relação aos outros. Pensemos de modo particular na herança das companhias.

Trata-se, enfim, de também construir uma aliança entre os adultos envolvidos na educação do jovem. Na última carta enviada aos diretores antes da morte, Dom Bosco mostrou-se muito atento à qualidade das ligações entre os membros da comunidade educativa. O primeiro direito da criança é, sem dúvida, a coerência dos adultos que caminham com ela em seu itinerário de crescimento. É frequente estabelecer uma ligação entre o nível de violência de uma criança ou de um adolescente e o nível da incoerência dos adultos que os acompanham!



Conclusão

Concluo emprestando as palavras de Jean Duvallet, antigo companheiro do Abbé Pierre, que assim se dirige aos jovens salesianos:

"Vocês têm obras, colégios, oratórios para jovens, mas um único tesouro: a pedagogia de Dom Bosco. Arrisquem tudo, que são apenas meios, mas salvem a pedagogia. Vinte anos de ministério na reeducação obrigam-me a dizer-lhes: sejam responsáveis por esse tesouro.

Num mundo no qual os homens e os jovens são esmigalhados, dissecados, triturados, classificados, psicanalisados; no qual as crianças e os homens são utilizados como objetos de experimentações e matérias primas, o Senhor confiou-lhes uma pedagogia na qual triunfa o respeito pelo jovem, pela sua grandeza e pela sua fragilidade, pela sua dignidade de filho de Deus. Conservem-na, rejuvenesçam-na, enriqueçam-na de todas as descobertas modernas, adaptem-na aos seus jovens maltratados num modo como jamais Dom Bosco vira... mas, por caridade, conservem-na. Mudem tudo, percam suas casas, se for o caso; que importa? Conservem para nós, porém, este tesouro: o modo de João Bosco amar e salvar os jovens, que bate em milhares de corações".


O P. Jean-Marie Peticlerc é salesiano, atual diretor da Comunidade Domingos Sávio, de Lyon, França.

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