Congresso Internazionale Sistema Preventivo e Diritti Umani, Roma 2 À“ 6 Gennaio 2009 - 1 -


Congresso Internazionale Sistema Preventivo e Diritti Umani, Roma 2 À“ 6 Gennaio 2009 - 1 -

Congresso Internacional sobre Sistema Preventivo e Direitos Humanos

Roma 2-6 de janeiro de 2009



Educar aos e pelos Direitos Humanos


Carola Carazzone1


Espero que possa contribuir com alguma provocação para o debate que se dará sobre tema tão envolvente quanto atual da educação aos e pelos direitos humanos como um dos instrumentos atuais da Pastoral Juvenil (não certamente o único, mas um dos instrumentos hoje mais eficazes).

Há 150 anos a Família Salesiana trabalha em 130 Países pela promoção e proteção daqueles que hoje os juristas definem como os direitos das crianças e dos adolescentes, especialmente, segundo a opção preferencial salesiana, dos mais pobres e vulneráveis.

São muitos, muitíssimos os Salesianos cotidianamente empenhados pelo direito das crianças e dos adolescentes, a fim de dar-lhes dignidade e voz e romper o círculo vicioso entre pobreza, violações de direitos humanos, subdesenvolvimento. Quem sabe sem jamais ter aprofundado as convenções, declarações e resoluções das Nações Unidas ou das Organizações regionais para os direitos humanos, mas simplesmente a amar e educar à maneira de Dom Bosco.

Contudo, o desafio apaixonante, educativo e social, que o Reitor-Mor nos lançou com a Estreia para 2008,2 e que desejamos enfrentar com este Congresso Internacional e com o caminho que partirá destas exposições ainda é mais amplo e refere-se a todas as obras salesianas: escolas, oratórios, paróquias, e não só às obras que se ocupam da marginalização.

Como Família Salesiana, de fato, o desafio centra-se para nós na prevenção, no rompimento do círculo vicioso que perpetua as contínuas violações dos direitos humanos e da dignidade da pessoa, na promoção de uma cultura popular difusa de direitos humanos, capaz de sair das salas dos juristas e dos filósofos do direito para fazer-se patrimônio da humanidade.

O desafio para nós é educar os jovens à participação, à justiça, à solidariedade e ao empenho e à responsabilidade individual e social para o desenvolvimento humano, a serem sujeitos ativos de cidadania responsável, cidadania que não é mais ius soli ou ius sanguinis, mas universal.

É um desafio pedagógico e educativo ao próprio carisma salesiano.

O que significa hoje para a Família Salesiana formar o cidadão honesto?

O que significa hoje educar para a cidadania mundial responsável e solidária, que tenha a peito as sortes da sociedade e da humanidade já globalizada?

Pretendo intervir, então, sobre o tema da educação aos e pelos direitos humanos como via privilegiada de atuação do Sistema Preventivo e da formação integral atual de bons cristãos e honestos cidadãos provocando a vossa atenção sobre três questões preliminares:

  • Qual o significado de pelos direitos humanos

  • Por que educar aos e pelos direitos humanos

  • Como educar aos e pelos direitos humanos



1. Qual o significado de pelos direitos humanos



Para entender o longo caminho que leva ao reconhecimento internacional dos direitos humanos, o Professor Papisca usa uma metáfora, a de um rio cuja água ao correr debaixo de compactas superfícies rochosas encontra um modo de emergir.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos; isso foi o ponto de partida e não certamente de chegada, e exprime a emersão, em sede internacional, do que foi amadurecido e conquistado com reflexões, lutas e testemunhos ao longo dos séculos, ou melhor, de milênios, em muitas diversas culturas e civilizações para a afirmação da dignidade da pessoa humana.

É a dignidade, absoluta e sem condições, da pessoa humana, o centro, o coração, a razão de ser dos direitos humanos, fundamento – como afirma o preâmbulo da Declaração Universal – da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Os direitos humanos são as garantias universais, invioláveis e indisponíveis postas recentemente (em relação à história da humanidade) acima da soberania do Estado, como baluarte e salvaguarda da dignidade de toda pessoa "sem distinção alguma de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outro gênero, de origem nacional ou social, de riqueza, nascimento ou outra condição".3

Quais são, então, essas garantias, quais são os direitos humanos?

Hoje, infelizmente, assistimos ao abuso dessa locução – "direitos humanos" – que saiu do debate restrito dos juristas e filósofos para suscitar o interesse de uma opinião pública alargada, mas em relação à qual ainda atualmente reina muita confusão.

Hoje, infelizmente muitos tendo lido, quem sabe com dificuldade a Declaração Universal e sem jamais ter aprofundado alguma coisa sobre os direitos humanos, falam muito de "direitos humanos" e confundem direitos humanos com meros direitos subjetivos4 ou mascaram, por ignorância ou, pior ainda, por dolo, como direitos humanos arrogâncias, privilégios, caprichos, reivindicações do supérfluo, luxos, simples interesses, às vezes também de parte.

A locução também é usada por alguns Estados para reivindicar a legitimidade de intervenções militares ou da guerra "ética" na luta ao terrorismo; por cidadãos de Países ricos para invocar a proteção dos próprios direitos de consumidores; por Países da União Europeia para negar ajuda a Países pobres que os violam; por Chefes de Governo autocráticos para sustentar que os direitos humanos são a nova justificativa do colonialismo do Ocidente e exigir a não ingerência nos assim chamados negócios internos; pela mídia para captar com a violência a discreta atenção de uma opinião pública muitas vezes volúvel e superficial.

O risco preocupante é que, diante da complexidade das muitas ramificações e da fragmentação do direito internacional em relação aos direitos humanos (atualmente são 130 as fontes jurídicas primárias a respeito) perca-se de vista o valor do conjunto e, ao mesmo tempo, de cada uma das partes.

A afirmação de um direito internacional dos direitos humanos embateu-se e embate-se em todos os continentes não só com os fortes impulsos da soberania nacional e defesa da não ingerência nos negócios internos, como também com contrastantes interesses políticos, geopolíticos e, sobretudo, econômicos.

Os direitos humanos vão incidir sobre o status quo, as estruturas do poder e os estilos de vida dominantes; eles são o meio atual mais poderoso à nossa disposição para a promoção e proteção dos mais vulneráveis, sobretudo, os mais jovens, mais fracos, mais carentes.

A história dos direitos humanos é uma história de lutas: é a história das lutas da humanidade pela dignidade e a liberdade.

Certamente, veja-se bem, não se trata de qualquer liberdade.

Quando falamos de direitos humanos referimo-nos apenas e somente às liberdades fundamentais para a dignidade da pessoa – inherent rights and fundamental freedoms – que podemos exemplificar com um dos grandes pais da Declaração Universal, Delano Roosevelt: liberdade de palavra, de credo, de oportunidades e liberdade do medo.

Toda convenção, todo acordo internacional, todo órgão deputado à promoção ou à proteção de um ou mais direitos humanos foi uma conquista, o resultado de um processo de consultas, pressões, compromissos que durou anos, às vezes decênios e mobilizou o trabalho, os recursos não só de intelectuais, como também de consideráveis movimentos de pessoas.

Ao se olhar para a história dos direitos humanos em perspectiva diacrônica não se pode deixar de notar que os progressos feitos a partir de 1990 provavelmente não eram nem sequer possíveis de esperar até a queda do muro de Berlim.

Em 1990 só 10% dos Países do mundo tinham ratificado as então seis principais Convenções Internacionais para os direitos humanos; em 2008, esse número aumentou de modo espetacular, chegando a quase metade de todos os Países, com cinco das Convenções fundamentais ratificadas por mais de 160 Países.

Muitíssimos Países do Leste, depois da queda do muro de Berlim, também inseriram os direitos humanos nas próprias Constituições nacionais, como acontecera anteriormente em muitos países afro-asiáticos, quando alcançaram a independências dos regimes coloniais.

Muitos Países introduziram, nos anos mais recentes, a educação aos direitos humanos nos programas escolares e criaram novas instituições para promover os direitos humanos e enfrentar as suas violações: autoridades garantes, comissões nacionais independentes, ombudspersons, defensores civis.

Os anos 90 também viram a instituição dos Tribunais Penais Internacionais para a ex-Jugoslávia e Ruanda, e em 2000 foi criada a Corte Especial para Serra Leoa, em 2003, o Tribunal Especial para o Camboja e, em 1º de julho de 2002, após meio século de campanhas pela sua instituição, entrou em vigor a Corte Penal Internacional Permanente.

Sendo verdade que não se pode deixar de levar em conta esses resultados, é o grito – aonde é ao menos grito e não silêncio ensurdecedor – das maciças violações da dignidade e das liberdades da pessoa que ressoa todos os dias nos quatro cantos da terra.

Grito de um bilhão e cem milhões de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia; dos 2,8 bilhões de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia; dos 200 milhões que não têm acesso à água potável e dos 2,6 bilhões que não têm acesso a qualquer tipo de cuidados médicos; dos 854 milhões de pessoas adultas analfabetas;5 dos 25 milhões de pessoas internally displaced (obrigadas a refugiar-se no interior do próprio País),6 de uma em três mulheres no mundo, que sofreu alguma violência.7



1.1. Dois significados irrenunciáveis para os direitos humanos

Muitos Países adotam com frequência políticas fictícias dos direitos humanos, porque seletivas e dicotômicas: alguns direitos sim, outros não; para alguns grupos vulneráveis sim, para outros não; reconhecimento teórico talvez, efetiva justificabilidade – com as consequentes restrições também em termos de soberania nacional – quase nunca. Não existem Países ou sociedades imunes.

Justamente os Países que se autodefinem como "democracia avançada" adotam sempre com mais frequência políticas de direitos humanos que podemos definir "de dois pesos e duas medidas" (tecnicamente double standard). "A Comunidade internacional deve individualizar novos modos e meios de remover os obstáculos atuais e enfrentar os desafios para a plena realização de todos os direitos humanos e eliminar a violação contínua dos direitos humanos ainda existentes no mundo".8

É este o desafio sobre os direitos humanos: como garantir a efetividade prática dos direitos abstratamente proclamados? O que fazer para eliminar a violação contínua dos direitos humanos que ainda existe no mundo? O que fazer para preveni-la? Quais as mudanças de pensamento e de ação a propor para pôr fim aos insucessos de hoje?



1.2. Indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos: civis, culturais, econômicos, políticos e sociais.

Os direitos humanos são inerentes à pessoa humana, como se fosse inscritos em seu DNA. O Estado não os concede, não os atribui, mas limita-se a reconhecê-los. Os direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais são todos igualmente necessários para a dignidade e a liberdade de qualquer ser humano. A pessoa humana é una: alma e corpo, espírito e matéria, em sua integralidade indissolúvel.

Entretanto, por cinquenta anos, os Países socialistas sustentaram que era necessário cancelar os direitos civis e políticos para promover os direitos econômicos e sociais; enquanto isso, alguns Países do bloco ocidental afirmaram o oposto, que era necessário suprimir os direitos econômicos e sociais para garantir os direitos civis e políticos.

Hoje já não é possível justificar a velha dicotomia da guerra fria e, como ainda acontece em muitos países, a violação dos direitos civis e políticos para promover os direitos econômicos e sociais ou viceversa, enquanto uns só podem ser efetivamente gozados quando se dispõe, ao mesmo tempo, também dos outros.

Os direitos humanos são, de fato, indivisíveis enquanto no centro deles está a pessoa humana, com o seu direito inviolável de viver uma vida digna em todas as dimensões: civil, cultural, econômica, política e social.

Os direitos humanos são também interdependentes, no sentido que os direitos civis e políticos, sem os direitos econômicos e sociais são vazios e viceversa. Entre realização dos direitos civis e políticos e realização dos direitos econômicos e sociais não há relação de subordinação, mas de reciprocidade vital. Eles alimentam-se reciprocamente ativando um círculo virtuoso e anulam-se reciprocamente pondo em movimento um círculo vicioso.

Contudo, indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos ainda são palavras, extremamente distantes da realidade dos fatos, conceitos abstratos em relação à atualidade. Ainda hoje direitos humanos significam pelo ius positum muito frequentemente apenas direitos civis e políticos.

Em nível mundial, mesmo em sede de Nações Unidas, aguça-se sempre mais a fratura entre os Países, numa visão de ambos os lados sempre mais incompleta dos direitos humanos e da indivisibilidade e integralidade da pessoa; alguns Países que gozam de um bom nível de desenvolvimento econômico desejam conservar o status quo e os Países pobres reivindicam com insistência o direito ao desenvolvimento e a alguns direitos econômicos, sociais e culturais. Uma opinião pública (ou, visto por outro lado, um eleitorado) que na Europa e na América do Norte se proclama muito sensível aos direitos humanos, na realidade o é só em vista de alguns direitos civis e políticos.

De fato, é cômodo apontar o dedo para os Países nos quais as mulheres são impedidas de denunciar as violências sexuais sofridas; e, ao mesmo tempo, fazer de conta que o degrado ambiental não nos diga respeito ou que a dramática indigência da maior parte das pessoas no mundo não exista ou não dependa dos nossos modelos de produção e consumo e dos nossos estilos de vida. É igualmente cômodo proclamar-se paladinos dos direitos humanos sempre que não se refiram aos imigrantes e aos que pedem asilo ou cooperação para o desenvolvimento.



1.3. Uma responsabilidade comum a assumir

Servir-se da linguagem dos direitos humanos apresenta benefícios notáveis, mas pode servir também para fáceis instrumentalizações.

São muitos os benefícios trazidos pelo uso da linguagem dos direitos humanos como instrumento de mudança social para que cada pessoa em cada canto da terra possa gozar de uma vida digna e livre. Os direitos humanos no novo contexto globalizado são um instrumento capaz de ultrapassar os limites nacionais restritos para pôr limites e objetivos comuns, criar alianças e estratégias e mobilizar recursos humanos e econômicos.

Entretanto, dizíamos, a linguagem dos direitos humanos torna-se perigosa ou falsa e desviante se não for integrada com deveres e responsabilidades, pessoais e sociais. Juridicamente, só existem direitos relacionados a deveres, caso contrário são expectativas, interesses, sentimentos que aquecem o coração.

Se, em relação aos próprios direitos, se está pronto a compilar uma longuíssima lista e a chamar de direitos, ou ainda pior, de direitos humanos, simples interesses enquanto no que se refere aos direitos dos outros, não se está disposto a reconhecer nem mesmo as responsabilidades e os deveres correspondentes aos direitos vitais mais basilares, será melhor, provavelmente evitar falar de direitos humanos.

A perspectiva dos direitos humanos é, de fato, inclusiva por sua mesma natureza: todos os direitos humanos para todos. Responsabilidade de todos e de cada um: personalismo comunitário e humanismo integral.

Os direitos das crianças, das mulheres, das minorias, das pessoas portadoras de deficiência não são direitos "especiais". Toda pessoa humana tem o direito de gozar de todos os direitos fundamentais e o Estado, a comunidade, os demais indivíduos têm o dever de trabalhar para garantir ao indivíduo o melhor contentamento possível, levando em conta a sua especialidade e a sua diversidade.

É imprescindível e urgente superar a exclusividade da responsabilidade estatal e identificar as responsabilidades de todos os atores: institucionais, econômicos e sociais capazes de influir na efetiva realização dos direitos humanos. No novo contexto globalizado, a responsabilidade estatal é, hoje, indispensável, mas não suficiente. A exclusividade da perspectiva indivíduo-Estado, herdada do iluminismo europeu e norteamericano dos séculos 18 e 19, que ainda tanto caracteriza os mecanismos atuais de promoção e proteção dos direitos humanos é insuficiente.

Hoje, portanto, é preciso um sistema muito mais diferenciado de responsabilidade (responsabilidade comum diferenciada) para a promoção e a proteção dos direitos humanos que envolva, além dos Estados, também as organizações globais e instituições financeiras internacionais (Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional), empresas, organizações não governativas, mídias, escolas, comunidades, família, indivíduos: todos eles atores capazes de ter um impacto imenso no efetivo gozo dos direitos humanos.



2. Porque educar aos e para os direitos humanos



Antes de tudo porque, como nos exorta o Reitor-Mor, queremos educar os jovens aos e pelos direitos humanos com a finalidade de construir um mundo novo, "mais justo, mais honesto, mas saudável"; e também porque facilmente a educação atual é uma educação de mercado a serviço da manutenção do status quo que continua, na era da globalização, a concentrar a riqueza sempre mais em poucas mãos, pessoas, grupos ou Países, e socializar a pobreza.

"Drama da humanidade moderna – ensina-nos o Reitor-Mor9 – é a fratura entre educação e sociedade, o desnível entre escola e cidadania". A educação salesiana deve ser, porém, "uma educação aos valores, promotora e criadora de cidadania responsável".

O Reitor-Mor fala-nos de educação humanizadora e de pastoral de compromisso, afirmando que a proposta educativa alterocultural salesiana, por uma cultura de justiça, solidariedade, mudança das estruturas, embora nascendo da opção preferencial pelos mais pobres, deve considerar todas as obras salesianas e não se reduzir às obras da marginalização.

Em segundo lugar, queremos educar os jovens aos e pelos direitos humanos porque a família salesiana educa todos os anos milhões de jovens e tem uma representatividade mundial única, incomparável em relação a qualquer outra agência educativa, por ter voz em capítulo em nível mundial na promoção dos direitos humanos.

Colaborando com outras agências, a Família Salesiana é capaz de ter um impacto determinante e colaborar de modo significativo com contribuições inovadoras e próprias do carisma salesiano. Sabemos, com efeito, que a questão da educação aos direitos humanos é uma questão muito recente. O direito internacional dos direitos humanos foi lento no reconhecer a educação aos direitos humanos como fim e meio precípuo de desenvolvimento humano e instrumento primário e irrenunciável de prevenção.10

A educação foi considerada por muito tempo, como mera instrução, como questão de acesso, ou questão de quantidade e não de qualidade, e não uma questão de direitos humanos em si.

Por muito tempo, também a perspectiva do movimento pelos direitos humanos foi com frequência "punitiva": denunciar as violações depois de já terem sido cometidas.

Ora, a denúncia das violações dos direitos humanos é seguramente uma arma fundamental à disposição das organizações não governativas, associações, dos indivíduos; e, com maior razão hoje, devido à era da informação que o permite pelas novas tecnologias (blog, chat, fórum online); mas também pelo computador e pelo acesso à internet, sendo possível aderir a campanhas internacionais, movimentos, apelos em favor dos direitos humanos.

A denúncia pode servir, às vezes, para salvar a vida da vítima. A denúncia pode ser útil também para sensibilizar novas pessoas, gente comum que normalmente não se interessaria pelas temáticas dos direitos humanos. Penso nas grandes campanhas contra o uso de crianças soldados, contra a pena de morte nas quais o papel da opinião pública foi fundamental.

Denunciar é um instrumento vital não só ex post para proteger direitos já violados, fazer justiça, mas também ex ante para promover os direitos humanos, sensibilizar para prevenir as violações. A questão, porém, é que a exclusividade da perspectiva da denúncia, que caracterizou até os tempos mais recentes muito da ação pelos direitos humanos, pode ser redutiva.

De fato, é preciso difundir a cultura dos direitos humanos, educar para os direitos humanos, persuadir, além de proibir; prevenir, além de curar. Até agora foram investidos recursos irrisórios na prevenção, na educação escolar e extraescolar aos direitos humanos. Mesmo as organizações não governativas só recentemente começaram a investir recursos para a educação aos direitos humanos. A Família Salesiana pode dar uma contribuição única e insubstituível à proposta preventiva, à educação preventiva aos e pelos direitos humanos.



3. Como educar aos e pelos direitos humanos



Uma educação que não fosse além da descrição das situações de injustiça mundial e de violações dos direitos humanos, seria inevitavelmente cúmplice dessa injustiça. A educação aos direitos não pode se limitar a tornar passivamente conhecidos os direitos humanos, mas deve ser uma educação não só AOS, mas também PELOS direitos humanos, deve levar ao compromisso, à solidariedade, à ação. A finalidade não é, decerto, contemplação abstrata dos valores, mas sua encarnação; deve ser educação orientada à ação, ao gesto, à tomada de posição, de responsabilidade, à análise crítica, ao pensar, ao informar-se, relativizando as informações recebidas dos jornais, das mídias; é uma educação que deve ser permanente e cotidiana.

A educação aos e pelos direitos humanos, em sua visão evolutiva e não estática, de fato não é e nem pode ser revelação de uma verdade imóvel e imutável, mas diálogo, confronto que, tendo a peito o contexto internacional e a situação mundial,11 é atualizado e contextualizado na realidade local.

Nesta perspectiva, a educação aos direitos humanos deve ser necessariamente multidimensional e caracterizar-se como educação integral e permanente à cidadania ativa e responsável, capaz de unir o descritivo ao prescritivo, o saber ao ser, e integrar transmissão do saber e formação da personalidade. Sobre esses fundamentos, a educação aos e pelos direitos humanos deve compreender, como escreve o Reitor-Mor no Comentário à Estreia, ao menos três dimensões:

  • a dimensão cognitiva (conhecer, pensar criticamente, conceitualizar, julgar; Dom Bosco diria razão),

  • a dimensão afetiva (provar, fazer experiência, empatia; Dom Bosco diria cordialidade),

  • a dimensão volitiva comportamental ativa (fazer opções e ações, pôr em ato comportamentos orientados; Dom Bosco diria religião).



3.1. Educação aos e pelos direitos humanos e não ensino

Se entendermos por ensino uma atividade didática de tipo tradicional no qual apenas um, o professor, tem algo a ensinar, e todos os outros (estudantes, alunos) têm apenas que escutar e aprender, os direitos humanos não se ensinam: aos direitos humanos educa-se.

Os direitos humanos não se ensinam de cima para baixo, assim como não se impõem. Aos direitos humanos educa-se (do latim e-ducere); os direitos humanos se transmitem e se aprendem se considerarmos que existe nessas palavras um espaço para o confronto recíproco, o diálogo e a reelaboração pessoal.

Os direitos humanos ainda são uma matéria para adidos aos trabalhos que, esporadicamente saltam às honras (ou desonras) da crônica para depois, pouco depois, desaparecerem e retornarem ao recinto das salas de juristas e filósofos do direito.

A educação aos direitos humanos deve sair do âmbito restrito de competência de juristas e advogados, sem qualquer aspiração interdisciplinar, para ser patrimônio de todos, de quem quer que se sinta pronto a abrir-se ao diálogo intercultural, e sustentá-lo, buscando seu fundamento nos direitos humanos.

A educação aos direitos humanos é uma educação em todos os níveis e em todos os contextos sociais. Todos, crianças, jovens, adolescentes, adultos podem ser educados ao valor ético dos direitos humanos e aos seus efeitos práticos sobre o viver social.

Cada qual, mesmo um jovem (pense-se nos instrumentos oferecidos pela assim chamada peer to peer education, educação entre pares) pode ser, por vez, educador de direitos humanos e seu promotor. A educação aos direitos humanos foi entendida no passado (e o é às vezes ainda hoje) como educação cívica na escola.

Tal perspectiva é extremamente limitada e limitante ao menos por quatro razões: a) enquanto autorreferência em relação ao próprio contexto; b) enquanto reduzida muitas vezes a um ensino meramente cognitivo e teórico-normativo de uma matéria tida apenas como jurídica ou filosófica, com o ensino dos direitos humanos ancorado ainda nas normas jurídicas; c) enquanto limitada aos adultos, capaz de no máximo chegar às crianças e adolescentes; d) enquanto limitada ao ambiente escolar.

Hoje, muitas pesquisas confirmam os limites dessa aproximação tradicional (civic learning) baseada apenas no conhecimento das instituições políticas e da sua história e exigem uma aproximação mais ampla, sócio-civic learning, que estimule à experiência prática, à aceitação de responsabilidades e à participação, aproximação que tem muitos elementos em comum com o estilo educativo salesiano.



3.2. Interdisciplinaridade e integralidade da educação aos e pelos direitos humanos

Os direitos humanos não são apenas uma matéria jurídica ou filosófica; eles são uma matéria interdisciplinar. Na escola, podem ser explicados e discutidos no âmbito de numerosas matérias: história, geografia, línguas estrangeiras, literatura, biologia, música, economia. Os direitos humanos deveriam fazer parte integrante da formação e atualização dos professores para que eles próprios possam reelaborá-los e transmiti-los numa aproximação multidisciplinar como leit motive transversal (ainstreaming) no interior das diversas matérias.

Isso, entretanto, continua ainda muito longe de acontecer, e os direitos humanos ainda são matéria de cunho especial, não transversal, mesmo em nível universitário. A educação aos direitos humanos em nível escolar, depois, embora fundamental, não cobre, nem poderá jamais cobrir, a multiplicidade dos possíveis caminhos a percorrer para a difusão da cultura dos direitos humanos.

Organizações não governativas, associações, oratórios, centros sociais, centros de agregação juvenil, centros diurnos podem realizar um papel chave na educação aos e pelos direitos humanos.

A solução excelente seria uma verdadeira educação integral aos direitos humanos, que coloque lado a lado elementos formais, elementos não formais e elementos informais, uma educação integral que envolva âmbitos escolares e extra-escolares.

A educação integral pelos direitos humanos supera a dimensão meramente jurídica e cognitiva, para favorecer a passagem do conhecimento à interiorização, ao empenho e à aceitação de responsabilidades.

De fato, pode-se dizer que a educação à cidadania, à democracia, à paz através dos direitos humanos envolve todos os ambientes educativos e articula-se em três fases sucessivas:

  • a primeira é o conhecimento dos próprios direitos, dos próprios deveres e dos valores que os embasam;

  • a segunda é a reflexão pessoal, a interiorização desses valores e direitos;

  • a terceira é aprender a praticá-los e aprender a defender os próprios direitos e os direitos alheios.



3.3. Educação permanente para uma cultura popular difusa dos direitos humanos

Falar, então, de educação permanente para uma cultura dos direitos humanos significa educar a empenhar-se pelas causas e questões que se levantarão dia a dia na vida cotidiana em nível local e em nível internacional.

É importante, de fato, sublinhar o aspecto sistemático relacionado com o conceito de cultura. Não se trata de inserções esporádicas, mas de princípios éticos coerentes, interdependentes, que devem produzir oportunos conhecimentos, habilidade, hábitos, afirmações não estéreis, mas ações.

Hoje, educar significa também ensinar à pessoa a autoeducar-se sem parar num ambiente cultural fluido e numa sociedade em constante evolução. De aqui a necessidade daquela que se define educação permanente. A Família Salesiana tem, talvez, como nenhuma outra agência formativa, os instrumentos pedagógicos assio-práticos para chegar à mente e ao coração do jovem, a capacidade de alternar aprofundamentos e experiências práticas, por meio da utilização de técnicas multidimensionais: teatro, música, esporte, concursos artísticos, discussão de filme, participação, voluntariado.

Hoje, a Família Salesiana tem também à disposição as novas tecnologias, tão envolventes para os jovens, e a possibilidade de propor fórum online, blog, chat sobre os temas dos direitos humanos. A Assembleia das Nações Unidas declarou 2009 o "ano internacional do aprendizado dos direitos humanos". A Família Salesiana pode dar uma contribuição muito significativa a esta causa.



A caminhada dos direitos humanos: uma cronologia


1945

Instituição da Organização das Nações Unidas (ONU)

Nasce a Liga Árabe

1946

Nascem o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (depois Banco Mundial)

É instituída a Comissão para os Direitos Humanos das Nações Unidas

Nasce a UNICEF

1948

Aprovação pela Assembléia Geral da ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Nasce a Organização dos Estados Americanos (OEA)

Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem

1949

Nasce o Conselho da Europa

Guerras de libertação nacional na Ásia e África

1950

Alguns Países obtêm a independência

Estados Unidos: movimento pelos direitos civis e políticos contra a segregação racial.

Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos

1954

Comissão Europeia dos Direitos Humanos

1955

Conferência de Bandung, na qual 29 Estados africanos e asiáticos condenam o colonialismo, a discriminação racial, o armamento atômico e avança reivindicações por uma cooperação pacífica pelo desenvolvimento.

1957

Comunidade Econômica Europeia (CEE) e o EURATOM

1959

Instituição da Corte Europeia dos Direitos Humanos

Criação da Comissão Interamericana para os Direitos Humanos

Continuam as guerras de libertação nacional nos Países ainda sob domínio colonial. As lutas levam gradualmente à independência e à autodeterminação em muitos Países.

Os movimentos feministas pedem paridade de direitos e oportunidades.

1960

Primeira sessão da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos

1963

É fundada a Organização para a Unidade Africana

1965

Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção ONU para a eliminação de todas as formas de discriminação racial.

1966

Aprovação pela Assembleia Geral do Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos.

Aprovação pela Assembleia Geral do Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais.

1968

Teerã, primeira conferência mundial sobre os Direitos Humanos.

1969

Aprovação da Convenção Americana dos Direitos Humanos

1973

Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção Internacional para a eliminação e punição do crime de apartheid.

1976

Amnesty International vence o Nobel para a paz.

1979

Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção ONU para a eliminação de toda forma de discriminação contra as mulheres (CEDAW).

Entra em função a Corte Interamericana para os Direitos Humanos.

1981

É aprovada a Carta africana dos direitos humanos e dos povos.

1983

É fundada a Organização Árabe para os direitos humanos.

1984

Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção ONU contra a tortura e outras punições cruéis, desumanas ou degradantes.

1985

É instituído o Comitê ONU para os direitos econômicos, sociais e culturais.

1986

É aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre o direito ao desenvolvimento.

1988

É instituída a Comissão africana para os direitos humanos e dos povos.

Adoção do protocolo adicional à Convenção Americana dos Direitos Humanos (Protocolo de San Salvador).

1989

Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção ONU sobre os direitos da infância e da adolescência (CRC).

Queda do muro de Berlim.

Massacre da Praça Tienanmen.

1990

Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção sobre os direitos dos trabalhadores imigrantes e dos membros de suas famílias.

1993

Conferência Mundial sobre os direitos humanos de Viena.

Instituição do Alto Comissariado para os direitos humanos das Nações Unidas.

Instituição dos Tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para Ruanda.

1994

Conferência mundial sobre a população e desenvolvimento no Cairo.

Fim da segregação racial na África do Sul.

Convenção Interamericana para prevenir, sancionar e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará).

1988

É aprovado o Estatuto da Corte Penal Internacional Permanente para os crimes de guerra, de genocídio e contra a humanidade.

1999

Conflito Nato – República Jugoslávia no Kosovo; guerra na Chechênia e em Timor Leste.

É aprovado o Protocolo Opcional para a CEDAW que permite o recurso individual.

2000

São aprovados os dois Protocolos Opcionais contra o uso de crianças soldado e contra o abuso sexual e a prostituição de menores na CRC.

É instituída a Corte Penal Especial para Serra Leoa.

2001

Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas relacionadas com a Intolerância, Durban.

2002

Em vigor o Estatuto da Corte Penal Internacional Permanente para os crimes de guerra, de genocídio e contra a humanidade.

2003

15 de fevereiro: manifestação mundial pela paz da qual participam, segundo a CNN, 110 milhões de pessoas em mais de 600 cidades do Planeta.

2004

Entra em vigor o Protocolo opcional à Carta africana dos direitos da pessoa e dos povos para a constituição de uma Corte africana dos direitos humanos.

A Liga dos Estados Árabes adota a Carta árabe dos direitos humanos.

2006

O novo Conselho dos Direitos Humanos da ONU substitui a Comissão dos direitos humanos.

Adoção pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção ONU sobre os Direitos das Pessoas portadoras de deficiência.

Adoção pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado.

2008

Entra em vigor a Convenção ONU sobre os direitos das pessoas com desabilidades e o Protocolo opcional.

Entra em vigor a Carta árabe dos direitos humanos.

Adoção pelo Conselho para os Direitos Humanos das Nações Unidas do Protocolo Opcional que permite o recurso individual




As Convenções fundamentais das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos


Convenção

Adotada

Entrada

em vigor

Estados

participantes

Convenção Internacional para a eliminação de todas as formas de discriminação racial



1965


1969


173

Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos


1966

1976

161

Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais



1966


1976


157

Convenção Internacional para a eliminação de toda forma de discriminação em relação à mulher



1979


1981


185

Convenção Internacional contra a tortura e qualquer outra forma de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante



1984


1987


145

Convenção Internacional para os direitos da infância e da adolescência



1989


1990


193

Convenção Internacional para a Proteção dos Direitos de todos os trabalhadores imigrantes e de suas famílias


1990



2003


35

Convenção Internacional sobre os Direitos das pessoas com desabilidades



2006


2008


20

Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado



2006

Ainda não entrou em vigor


4



SISTEMA EUROPEU


UNIÃO EUROPEIA (UE)

27 Estados membros

www.europa.eu

- Comissão

- Parlamento Europeu

- Conselho da União Europeia

- Mediador Europeu

- Agência da UE para os direitos fundamentais

- Corte de justiça das Comunidades europeias


CONSELHO DA EUROPA (COE)

47 Estados membros


www.coe.int

- Corte europeia para os direitos humanos

- Comissário para os direitos humanos

- Assembleia parlamentar

- Comitê dos ministros

- Congresso dos poderes locais e regionais

- Secretário Geral (Direção geral Direitos Humanos)

- Comitê europeu para os direitos sociais


ORGANIZAÇÃO PARA A SEGURANÇA E A COOPERAÇÃO NA EUROPA (OSCE)

56 Estados membros

www.osce.org

- Escritório para a Democracia e os Direitos Humanos (ODIHR)

- Alto Comissário para as minorias nacionais

- Secretariado (escritórios específicos)


UNIÃO AFRICANA (UA)



53 Estados membros


www.african-union.org

- Corte africana dos direitos do homem e dos povos

- Comissão dos direitos do homem e dos povos

-Parlamento pan-africano

- Conselho paz e segurança




ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA)


34 Estados membros


www.oas.org

- Corte interamericana dos direitos humanos

- Comissão interamericana dos direitos humanos

- Instituto interamericano dos direitos humanos



Sistemas regionais embrionais ou nos quais não existe um sistema orgânico de garantia dos Direitos Humanos

LIGA DOS ESTADOS ÁRABES


22 Estados membros


www.arableacueonline.org

- Carta árabe dos Direitos Humanos

- Comitê dos Direitos Humanos

- Conselho da Liga Árabe



ORGANIZAÇÃO DA CONFERÊNCIA ISLÂMICA


57 Estados membros


www.oic-oci.org

- Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã



ASSOCIAÇÃO DAS NAÇÕES DO SUDESTE ASIÁTICO

(ASEAN)


10 Estados membros

www.aseansec.org


- Carta da ASEAN (20 de novembro de 2007) com referência aos Direitos Humanos e à constituição de um futuro órgão específico de tutela.





O sistema para os Direitos Humanos das Nações Unidas


CONSELHO DE SEGURANÇA

SECRETARIADO

GERAL

1

▲back to top

2 MECANISMOS DOS

▲back to top