ACG 424 Rinnovato impegno per la disciplina religiosa POR.docx

2. ORIENTAÇÕES E DIRETRIZES



2.1. Empenho renovado pela disciplina religiosa


P. Francesco CEREDA

Vigário do Reitor-Mor



As Constituições afirmam que ao Vigário do Reitor-Mor “é confiado de modo especial”, além da atenção à vida religiosa, também “o cuidado da disciplina religiosa”.1 A partir deste ditado constitucional, interroguei-me sobre o que entender atualmente por disciplina religiosa e qual o empenho a promover sobre ela na Congregação. Isso é requerido, entre outras coisas, pelo projeto do Reitor-Mor e do Conselho Geral para 2014-2020 que, com efeito, pede para “responsabilizar Inspetores e Inspetorias no cuidado da disciplina religiosa, favorecendo a cultura da fidelidade vocacional e de prevenção das faltas de disciplina religiosa”.

Vida e disciplina religiosa não são realidades separadas, mas são realidades que se integram reciprocamente. A vida religiosa não pode subsistir sem a disciplina religiosa e esta última não tem sentido sem a primeira. O testemunho autêntico da vida consagrada requer, de fato, um constante empenho pela disciplina e, vice-versa, a disciplina tem por finalidade mostrar o fascínio da vida consagrada. A vida consagrada é o tesouro escondido no campo e a pérola de valor inestimável; a disciplina religiosa, por sua vez, é o investimento que se deve fazer para obtê-los, vendendo tudo.2

Cresceu nestes anos na Congregação a consciência da identidade da vida consagrada salesiana. Ela é “memória viva do modo de existir e agir de Jesus”3 nos passos de Dom Bosco. Esta identidade é vista em nosso Capitulo Geral 27 em sua relevância testemunhal e é aprofundada na tríplice dimensão mística, profética e diaconal. A vida consagrada salesiana é sempre mais compreendida e vivida na totalidade dos seus aspectos como “confessio Trinitatis”, “signum fraternitatis” e “servitium caritatis”;4 e o salesiano está mais ciente da necessidade de empenhar-se para ser místico no Espírito, profeta da fraternidade e servo dos jovens.

Entretanto, ainda deve crescer o sentido e a prática da disciplina religiosa. Atualmente, as Inspetorias esforçam-se por viver a fidelidade vocacional e prevenir as faltas de disciplina religiosa; têm maior cuidado no acompanhamento dos irmãos que passam por dificuldades na vivência da vocação salesiana; procuram resolver as situações irregulares. Por isso, há atualmente uma sensibilidade maior diante da vida consagrada vivida autenticamente e sente-se, então, a necessidade de retomar um renovado empenho pela disciplina religiosa.5


1. Discipulado e disciplina


A palavra “disciplina”, do verbo latino “discere”, significa aprendizagem, treinamento, instrução, tirocínio. A “disciplina” é necessária em todos os setores e âmbitos da vida: na escola e no trabalho, na família e no escritório, no esporte e nas relações sociais. Para aprender música, um trabalho artesanal ou uma língua estrangeira, o “discípulo” deve respeitar algumas regras, seguir os conselhos e as correções de quem o instrui, submeter-se a um exercício que comporta repetição, esforço, sacrifício, paciência, perseverança. Inicialmente, a disciplina é sobretudo uma prática exterior, mas aos poucos é interiorizada até tornar-se autodisciplina e estilo de vida.

Também na vida de fé há um itinerário de aprendizagem e uma disciplina que o acompanha. No Evangelho, o discípulo de Jesus é apresentado como aquele que sabe estar sentado aos pés do Mestre abrindo os ouvidos ao seu ensinamento para, depois, caminhar atrás d’Ele acompanhando fielmente os seus passos. Entretanto, na escola de Jesus não se aprende apenas uma visão do mundo ou uma sabedoria religiosa. Ele é, com efeito, um Mestre especial, porque o conteúdo do seu ensinamento coincide com a sua pessoa. Ele mesmo é a Palavra a acolher, Palavra que é caminho, verdade e vida. A “disciplina” que se aprende de Jesus é, portanto, uma iniciação ao mistério de Deus, ao qual Ele dá acesso, permitindo ao discípulo viver não só como Ele, mas n’Ele.

Jesus, que diante dos seus ouvintes fala com autoridade e age com poder, no íntimo da sua consciência vive uma atitude de profunda obediência ao Pai e de plena docilidade ao Espírito Santo. Enquanto diz “aprendei de mim”, ele próprio se deixa conduzir plenamente pelo caminho de uma entrega exigente, até o dom de Si na cruz. É por isso que a carta aos Hebreus chega a afirmar com ousadia que “mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência por aquilo que Ele sofreu”.6 Nesta obediência filial, Jesus convida a entrar aqueles que o seguem, e quem não assume as exigências deste apelo não pode ser seu discípulo.7 Portanto, não é possível discipulado sem disciplina.

À luz destas considerações, podemos compreender que a natureza mais autêntica da disciplina cristã, da qual a disciplina religiosa é expressão particular, deve ser encontrada no dinamismo trinitário de obediência e glorificação que Jesus viveu na sua Páscoa de morte e ressurreição. Chamando-nos ao seu seguimento e propondo-nos a paradoxal disciplina de vida que ela comporta, Jesus inicia-nos na vivência de filhos que acolhem com gratidão e humildade a soberania de Deus e caminham não mais sob o peso da carne, mas no poder vivificante do Espírito. O núcleo profundo da disciplina religiosa está, portanto, no docibilis a Spiritu Sancto, como compreendera o venerável P. José Quadrio, que assumiu este título como programa de vida.

A disciplina religiosa é, pois, parte essencial do nosso “discipulado” no seguimento de Jesus. Este “discipulado”, porém, não visa apenas a nossa santificação. A Igreja recorda que “a alguns, [...] pelo bem de todos, Deus dá o dom de uma mais íntima sequela de Cristo na sua pobreza, castidade e obediência”.8 E o reafirma na Exortação apostólica Vita Consecrata, dizendo que: “aqueles que seguem os conselhos evangélicos, ao mesmo tempo que procuram a santidade para si mesmos, propõem, por assim dizer, uma ‘terapia espiritual’ para a humanidade, porque recusam a idolatria da criatura e tornam de algum modo visível o Deus vivo. A vida consagrada, especialmente em tempos difíceis, é uma bênção para a vida humana e para a própria vida eclesial”.9 Com efeito, a disciplina religiosa é inerente à vida consagrada que abate os ídolos do prazer, da posse e do poder, e testemunha Deus ao mundo como o único Absoluto que basta por si só.


2. Empenho formativo pela disciplina religiosa


É difícil aceitar as consequências que derivam em nível pessoal e comunitário da visão evangélica do discipulado e da disciplina. A sequela do Senhor Jesus realiza-se, realmente, sempre em meio a contextos históricos bem definidos, nos quais são difusos outros estilos de vida, modelos concorrenciais em relação ao evangelho, prioridades diferentes segundo as quais “disciplinar” a própria existência. Por exemplo, na sociedade consumista prevalece a cultura da complacência, do que retribui no mesmo instante e dá satisfação imediata; quem cresce neste contexto acha difícil compreender o sentido do sacrifício, da renúncia, da perseverança. Em outras culturas, porém, o peso das convenções sociais e o exercício paternalista da autoridade podem levar à observância formal e a um estilo formativo incapaz de promover a responsabilidade pessoal.

A assimilação da disciplina religiosa consolida-se no tempo e requer um esforço constante de formação. A perda de sentido da própria identidade como pessoa consagrada, a superficialidade da vida espiritual e o enfraquecimento da paixão apostólica levam com frequência à vida desordenada ou à observância apenas exterior. A disciplina religiosa é sinal e instrumento da vitalidade de uma Congregação religiosa. Sem disciplina religiosa correm-se grandes riscos: a oração torna-se intermitente, a prática dos conselhos evangélico minimalista, a vida comunitária frágil, o apostolado entre os jovens sem ardor. Em particular, a falta de vida fraterna fomenta o individualismo: o irmão afasta-se da comunidade, vive no próprio mundo, desliza gradualmente para a mediocridade e o aburguesamento, evita a ascese e busca a vida fácil.

Na formação não é suficiente transmitir o entusiasmo pelos ideais do apostolado salesiano ou apelar genericamente para o senso de responsabilidade que todo adulto deveria possuir. A verdadeira adesão ao Senhor Jesus exige a aceitação concreta de um estilo de vida coerente, do qual é importante compreender as motivações profundas e para o qual é necessário treinar-se com empenho. Aquilo que São Paulo afirma na primeira carta aos Coríntios, comparando a vida cristã a uma corrida no estádio, refere-se também a nós. Assim como os atletas se preparam para a competição, a fim de poderem vencer o prêmio, assim também nós precisamos de uma formação e de uma disciplina que nos habilitem à missão: “Todo atleta se impõe todo tipo de disciplina. Eles assim procedem, para conseguirem uma coroa corruptível. Quanto a nós, buscamos uma coroa incorruptível”.10

Entre as atitudes difusas na sociedade atual que hoje desafiam de modo mais intenso a disciplina religiosa, induzindo à lógica da mundanidade espiritual muitas vezes denunciada pelo Papa Francisco, podem-se assinalar em particular três aspectos, aos quais na formação inicial e permanente é necessário dar atenção especial: a busca da autorrealização, o individualismo e o espontaneísmo. Obviamente, não é possível desenvolver aqui um discurso adequado sobre cada um deles. É fácil, contudo, compreender que eles se referem respectivamente ao modo de entender a liberdade pessoal nas relações com Deus, com os outros e consigo mesmos.

A busca narcisista da autorrealização opõe-se à lógica evangélica da entrega de si e do dom gratuito; não aceita a dinâmica pascal segundo a qual só se encontra a vida perdendo-a e entregando-a. Ela estimula a autorreferência; leva a avaliar a validade das escolhas segundo a gratificação imediata, o êxito pessoal e o sucesso, e não a partir da fé e da fecundidade do sacrifício feito com amor e por amor. Ela enfraquece a disponibilidade para se deixar guiar por Deus, o sentido da renúncia motivada pelo amor, o empenho pelos aspectos da missão que não são gratificantes, mas exigem um trabalho humilde, escondido, gratuito.

O individualismo, por sua vez, favorece o curvar-se sobre si e a escassa compreensão das dinâmicas comunitárias. A vida de comunidade é entendida de modo instrumental, como contexto ou como pano de fundo para o protagonismo pessoal, e não como lugar da experiência de Deus e condição da fecundidade pastoral. Esta atitude, infelizmente muito difusa também entre nós, constitui uma distorção da justa estima pela autonomia e iniciativa pessoal, que encontram seu espaço vital na comunhão com os irmãos e não numa presumida autossuficiência.

O espontaneísmo, enfim, é um aspecto da cultura contemporânea que, na sua sede de genuinidade e na recusa das convenções, tende a confundir liberdade e espontaneidade, considerando autênticas e válidas apenas as opções que acontecem sem esforço e rapidamente. Esquece-se, assim, que a verdadeira liberdade é fruto de um longo caminho de libertação do próprio egoísmo e de uma paciente aprendizagem da capacidade de escolher o que corresponde ao verdadeiro bem. O espontaneísmo leva, por exemplo, à ilusão de poder fazer um verdadeiro itinerário de oração sem o sério empenho de fidelidade aos tempos de oração, sem a constância de seguir um método para a meditação, sem respeito aos momentos de silêncio. No âmbito apostólico, ilude que se possa ser educador sem aprender pacientemente a arte salesiana da assistência; confunde a criatividade e a flexibilidade com um estilo de ação superficial, que não reflete, nem programa e revê; faz viver segundo uma constante improvisação, descuidada dos itinerários e dos processos educativos.


3. Sentido espiritual das normas

O discipulado de Jesus e a própria estrutura da liberdade humana exigem, como se disse, uma disciplina que regule a existência, subtraindo-a aos riscos da improvisação. Ela deve ajudar a traduzir o dom divino da vocação em comportamentos práticos coerentes, que sejam compartilhados na própria Congregação de pertença e sejam reconhecíveis e testemunháveis diante de todos. A disciplina religiosa tem uma fundamental função pedagógica e formativa.

Para que esta forma de vida seja possível, é necessário que a Congregação tenha, além de documentos e textos que inspirem, também regras que traduzam de modo normativo as exigências da vocação comum. Vincular-se à sua observância é um componente da profissão religiosa que não pode ser subvalorizada, nem reduzida a motivações puramente organizativas. A lei não é o fundamento da fé, mas recorda e concretiza o modo de acolher o dom da graça divina.

A observância das regras na vida consagrada é uma questão espiritual. Só o amor, com efeito, sabe colher o espírito da lei, que nenhuma letra sozinha poderá jamais substituir. Amor e lei não se excluem e não se confundem, mas se evocam reciprocamente. Quem ama não despreza a lei de Deus, em suas expressões mais elevadas, como são as contidas na Escritura, e nas suas múltiplas traduções históricas, como são os ensinamentos da Igreja, as regras do fundador, as constituições da própria Congregação religiosa.

Além do valor pedagógico e formativo, a lei tem também uma segunda função que, embora subordinada à primeira, não é menos importante. É a função de proteger a comunidade de abusos e desvios. Se nenhuma norma jamais poderá transmitir plenamente o fascínio da graça, que deve ser encontrado no evento do chamado e no testemunho de quem a vive, sua função é, de todos os modos, indicar com clareza os contornos fora dos quais não se está mais no itinerário do carisma e no caminho da santidade. A lei deve alertar em relação aos desvios, apontar os perigos, indicar os comportamentos que não são compatíveis com a identidade de uma família espiritual e atraiçoam o seu espirito. Justamente nesta época em que a comunidade eclesial sofreu tanto pelos graves escândalos de alguns de seus membros, torna-se de novo possível reconhecer que a norma disciplinar constitui, também nos seus aspectos mais severos e coercitivos, um dom que não se pode subestimar.

O Papa Bento XVI, na homilia da festa do Sagrado Coração no encerramento do ano sacerdotal propôs uma reflexão corajosa sobre este ponto. Ele afirmou: “Vemos hoje que não se trata de amor, quando se toleram comportamentos indignos da vida sacerdotal”.11 Também em sua dimensão de controle e coerção a disciplina é importante: enquanto houver em nós as concupiscências, é providencial que haja mandamentos que nos ajudem a reconhecê-las e combatê-las, fosse embora com a ameaça de coerção para algumas transgressões graves.

As regras da vida religiosa, portanto, das mais severas e solenes às mais simples e sapienciais, não podem ser desvalorizadas e transcuradas. Embora não sendo o fundamento da vocação consagrada, elas são fruto de uma sabedoria consolidada. Quem ama realmente o Senhor Jesus e o carisma do fundador, sabe valorizá-las pelo que são: uma ajuda preciosa para a liberdade. Quem, contudo, as seguisse perfeitamente, mas sem disposição interior do coração, que é dada pelo amor, na verdade só dissimularia observá-las.

São diversos os conteúdos da disciplina religiosa e as fontes nas quais ela bebe.12 Um primeiro conteúdo é constituído pelo Magistério da Igreja; como parte da nossa disciplina seguimos as orientações que nos são dadas de diversas formas: o Código de Direito Canônico, as orientações do Vaticano II, os ensinamentos e as decisões do Papa, os documentos emanados pela Santa Sé... As Constituições e Regulamentos são uma segunda referência; encontramos aí um programa ascético original, feito de comportamentos e atitudes, sensibilidades e aspirações, qualidades morais e virtudes, que tornam reconhecível o consagrado como pertencente a uma determinada Congregação. Os Capítulos Gerais são outra fonte de disciplina religiosa; eles são um exercício de discernimento para descobrir o que o Espírito indica num determinado momento histórico. Os Superiores, enfim, ajudam o irmão e as comunidades a conhecerem a vontade de Deus; faz parte da disciplina religiosa o colóquio fraterno, que requer abertura e confiança de cada irmão e disponibilidade e acolhida do diretor; como também a obediência às decisões e disposições dos superiores, e a participação ativa dos irmãos nos encontros em nível local e inspetorial.


4. Carisma salesiano e disciplina religiosa


Cada fundador deixou aos seus filhos espirituais, juntamente com o fascínio da sua santidade e o arrojo da sua missão, também uma visão peculiar da disciplina religiosa, coerente com as características do próprio carisma. Também Dom Bosco, sob a inspiração do Espírito, elaborou a sua concepção de disciplina religiosa; ela, contudo, deve ser encontrada, antes ainda de nos seus ensinamentos, no exemplo da sua vida. Ele sempre cultivou, para si e para os outros, uma forte pedagogia do domínio de si; dessa forma, é possível ser ascetas do cotidiano.

Embora a imagem pública de Dom Bosco seja marcada por uma alegria fascinante, há, contudo, na sua experiência pessoal uma presença consistente do componente de luta e de sacrifício que é parte constitutiva da dinâmica pascal. Isso é claramente testemunhado por aqueles que o conheceram de perto. Dom Bosco expressou essa visão, por exemplo, no sonho do caramanchão de rosas: a sua vida parece bela aos olhos de todos, mas as rosas inevitavelmente apresentam espinhos escondidos, pelos quais só é possível atravessar com o combate espiritual da obediência e da mortificação. Àqueles que iniciaram a vida salesiana ele diz neste sonho: “Quem quiser caminhar agradavelmente sobre as rosas, volte atrás: os demais me sigam”.13

Diversos testemunhos dos primeiros salesianos convergem na demonstração de que Dom Bosco teve uma disciplina de vida muito rigorosa e que as renúncias heroicas às quais se submetia nasciam do seu ardor pela missão apostólica. A austeridade não era nele uma dimensão que se acrescentasse à dedicação pastoral vinda do exterior, mas a condição interior para poder vivê-la. Nesse sentido, ele individuou o núcleo da disciplina salesiana no lema “trabalho e temperança”, entendendo-os numa lógica intensamente apostólica: o trabalho é o serviço de Deus e dos jovens nas formas exigidas pela obediência; a temperança é a renúncia a tudo que se lhe oponha.

É a lógica do “da mihi animas, cetera tolle”, que as nossas Constituições refletem no artigo 18: o salesiano “não busca penitências extraordinárias, mas aceita as exigências diárias e as renúncias da vida apostólica; está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, as fadigas e o desprezo, sempre que se trate da glória de Deus e da salvação das almas”.14 De modo semelhante recorda-se no artigo 71 a afirmação de Dom Bosco: “Em vez de fazer obras de penitência, fazei as da obediência”.15 O salesiano vive a mística do trabalho e do “da mihi animas” e a ascese da temperança e do “cetera tolle”; uma não pode existir sem a outra.

A disciplina religiosa para Dom Bosco consiste na observância da Regra. Por isso, ele insiste na adesão concreta às Constituições: “A observância das nossas regras custa esforço [...]. Meus caros, será que desejamos ir ao paraíso numa carruagem? Nós nos fizemos religiosos não para nos deleitarmos, mas para sofrer e buscar merecimentos para a outra vida; consagramo-nos a Deus não para mandar, mas para obedecer; não para apegar-nos às criaturas, mas para praticar a caridade para com o próximo movidos somente pelo amor de Deus; não para ter uma vida confortável, mas para sermos pobres com Jesus Cristo, sofrermos com Jesus Cristo sobre a terra para sermos dignos da sua glória no céu”.16

Já em sua primeira circular, escrevera claramente: “Primeiro objeto da nossa Sociedade é a santificação dos seus membros. Por isso, ao entrar, cada um despoje-se de qualquer outro pensamento, qualquer outra solicitude. Quem entrasse para gozar uma vida tranquila, ter comodidade [...], ele teria um fim distorcido e não seria mais aquele ‘sequere me’ do Salvador, pois seguiria a própria utilidade temporal, não o bem da alma [...]. Nós colocamos como base a palavra do Salvador que diz: [...] ‘Quem quiser ser meu discípulo [...] siga-me com a oração, com a penitência e especialmente renegue-se a si mesmo, tome a cruz das tribulações cotidianas e siga-me’ [...]. Mas, até quando? Até a morte e, se fosse necessário, também uma morte de cruz”.17

Como se vê, a disciplina religiosa descrita por Dom Bosco é um eco fiel do evangelho, com o fascínio e o escândalo das suas exigências paradoxais. Dom Bosco a propõe com a doçura de quem fez do sistema preventivo uma verdadeira espiritualidade e entende facilitar nos irmãos a prática do bem com a benevolência, mais do que limitar-se a reprimir os abusos. Esta amorevolezza paterna e respeitosa não é, porém, superficial ou laxista; exprime sobretudo a convicção de que se deve atrair pela via do bem com a bondade e com a força do exemplo, mais do que com a constrição e a imposição, com a medicina da misericórdia, mais do que com as armas do rigor.18


Conclusão


Como Congregação temos hoje condições favoráveis para assumir uma visão positiva e um empenho renovado pela disciplina religiosa. A promoção da cultura da fidelidade vocacional, a prevenção das faltas de disciplina religiosa e a solução das situações irregulares favorecem certamente essa acolhida; por outro lado, isso continua a ser um grande desafio.

Devido à fragilidade e às fraquezas podemos, às vezes, encontrar-nos diante de faltas de disciplina religiosa, relativas à oração, aos conselhos evangélicos, à vida comunitária, ao trabalho apostólico ou à economia. Trata-se, então, de exercer da parte de todos, especialmente de quem realiza o serviço de autoridade, a vigilância sobre os comportamentos e os estilos de vida de irmãos e comunidades mediante o acompanhamento e a correção fraterna. Os casos de faltas graves de disciplina, como por exemplo, os “delicta graviora”, exigem, porém, ser censurados e intervir prontamente; nessas situações, a responsabilidade é séria e devemos dar maior atenção para garantir o bem pessoal e espiritual dos irmãos, evitar o dano que estes comportamentos provocam a outras pessoas e evitar o descrédito sobre a Congregação e a sua ação.

Por isso, assumamos juntos, como Congregação, o empenho pela disciplina religiosa com espírito renovado e cheio de consciência: podemos superar então os riscos que ameaçam também hoje a nossa vocação e viver em plenitude a vida consagrada salesiana.

1 Const. 134.

2 Cf. Mt 13,44-45.

3 JOÃO PAULO II, Vita consecrate, Cidade do Vaticano Vaticano 1996, n. 22.

4 Cf. Ibidem.

5 É importante retomar o que o Reitor-Mor P. Egídio Viganò já propusera numa carta e que o seu Vigário P. Gaetano Scrivo explicitara numa orientação operativa. Veja-se: E. VIGANÒ, Renovado empenho na disciplina religiosa, in “Atos do Conselho Geral” n. 293, Roma 1979. Vejam-se também outras duas de suas cartas: Dom Bosco santo, in “Atos do Conselho Geral” n. 310. Roma 1983; Vigiai, cingidos os rins e as lâmpadas acesas, in “Atos do Conselho Geral” n. 348, Roma 1994. Veja-se ainda: G. SCRIVO, Conteúdos da disciplina religiosa, in “Atos do Conselho Geral” n. 293, Roma 1979.

6 Hb 5,8.

7 Lc 14,26-27.33.

8 CIVCSVA, A vida religiosa no ensinamento da Igreja. Os seus elementos essenciais nos Institutos entregues às obras de apostolado, Roma 1983, 7.

9 JOÃO PAULO II, Vita consecrata, 87.

10 Cf. 1Cor 9, 24-27.

11 BENTO XVI, Homilia da Solenidade do Sagrado Coração, Cidade do Vaticano, 11 de junho de 2010.

12 O P. Gaetano Scrivo, Vigário do Reitor-Mor, explicitara os conteúdos da disciplina religiosa numa orientação operativa; ver: G. SCRIVO, Conteúdos da disciplina religiosa, in “Atos do Conselho Geral”, n. 293, Roma 1979.

13 MB III, 34

14 Const. 18.

15 Const. 71. Cf. MB XIII, 89.

16 MB XVII, 15-17.

17 MB VIII, 828-829.

18 JOÃO XXIII, Gaudet Mater Ecclesia, Discurso de abertura do Concílio Vaticano II, 12 de outubro de 1962, 2.

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