José Luís Carreño Etxeandia SDB (1905-1986): Um Esboço


JOSÉ LUIS CARREÑO ETXEANDÍA, SDB (1905-1986)

UM ESBOÇO 


Ivo Coelho, SDB

 

 

José Luis Carreño Etxeandía (1905-1986) foi descrito por Joseph Thekkedath como “o salesiano mais querido no sul da Índia” da primeira parte do século XX.1 Carreño viveu na Índia, Goa –quando era colónia portuguesa–, Filipinas e Espanha, e em todos estes países ainda encontramos salesianos que dele conservam gratas recordações. O mais parecido que temos a uma biografia é José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios”, a substanciosa carta mortuária escrita por José Antonio Rico.2 “Desejo que em breve surja quem seja capaz de escrever uma boa biografia deste salesiano excecional”, diz Rico no fim da sua carta. Mais de 30 anos depois, esse desejo ainda não se cumpriu. Oxalá o seja em breve.3

1 Prelúdio: Primeiros anos no País Basco (1905-1913) 

 

José Luis Carreño Etxeandía nasceu em Bilbao, Espanha, a 23 de outubro de 1905, filho de Rogelio Carreño e Teresa Etxeandía. A Espanha de 1905 era uma monarquia constitucional. O nacionalismo basco acabava de emergir em finais do século XIX e o Partido Nacionalista Basco havia sido fundado em 1895.

José Luís foi batizado em 28 de outubro de 1905 na igreja paroquial de Santo Antão Abade. Conservou sempre um profundo apreço pelo sacramento do Batismo: “Nascer é já o primeiro sinal do amor de Deus.  Ele quer que existamos. E espera que O amemos. Mas o momento de existir quase totalmente é o do Batismo”.4

Rogelio e Teresa também foram abençoados com três filhas, Itziar, Mari-Teresa e Garbiñe5. É Itziar que José Luís menciona com mais frequência nos seus últimos escritos autobiográficos.6 Casou com o célebre artista e escultor basco Jorge de Oteiza Embil (1908-2003), e finalmente, a convite do seu irmão, instalou-se com seu marido em Alzuza.7

Quando aita (pai), Rogelio Carreño, foi para Buenos Aires com a esperança de poder manter melhor os filhos,8 a família saiu de Bilbao e transferiu-se para a casa solarenga em Villaro ‘bajo el Gorbea’.9 Naquele momento havia três famílias a habitar no caserón de Chichirri, com 13 primos e um total de 17 membros. Chefiava a casa a avó Pascuala Iruarrízaga, a quem José Luis recorda com muito carinho. Pascuala era o que o livro dos Provérbios chama ESCHET KHAIL, mulher de valor – ¿mulierem fortem quis inveniet? (Prov 31:10): a encarnação de uma matriarca vasca, uma mulher simples que reinava sobre a sua numerosa casa com autoridade indiscutível e dignidade tranquila, serenidade imperturbável e bondade imensa.10 

O menino estava próximo de sua amatxu (mãe), que lhe ensinou a ler –“aos quatro anos já sabia ler”, recorda–11 e iniciou-o na fé e num amor especial ao Senhor Eucarístico. “Uma manhã”, recorda num dos seus livros, “levou-me consigo a minha jovem mãe a ouvir missa… ‘Repara’, disse-me. ‘Daqui a pouco, o sacedote vai levantar uma rodinha branca. Aquilo é Jesus Cristo.’ De facto, pouco depois tocou uma campainha. E, segurada na penumbra pelas mãos do sacerdote, foi-se elevando devagarinho aquela roda branca. Certamente dei então um grito muito agudo, porque imediatamente uma mão suave me tapou a boca… Mas aquela rodinha já me havia ficado gravada na alma para toda a vida. Foi a minha revelação pessoal e privada do mistério da transubstanciação”.12 “Quando o abraço eucarístico acontece muito cedo na vida, a alma fica marcada por Ele para sempre”, acrescenta Carreño.13

Mas a tragédia estava ao virar da esquina. A querida amatxu de José Luís estaba doente, e os médicos decidiram enviá-la para Urquiola onde o clima era melhor. Nunca regressou. “Uns meses mais tarde, a minha mãe, que me havia preparado para receber Jesus, foi para Céu”.14 Era a ano de 1913 e José Luís tinha 8 anos. Lá para o final da da sua vida, escrevendo as suas memórias por insistência dos seus amigos, a recordação dessa perda ainda estava fresca: “Haviam já passado mais de dez dias e o impacto da terrível orfandade não me largava. Sentado no amplo patamar das escadas, não cessava de repetir a chorar: ‘Porque te foste amatxu?’”.15 

Com amatxu falecidaaita na longínqua Argentina, José Luís encontrou consolação na avó Pascuala. Dela recebeu não só o carinho de que necessitava, mas também o amor pelo euskera, considerando que a sua mãe não falava euskera.16 Foi um amor argamassado com moderação salesiana, como revela esta recordação da triste época posterior à morte de sua mãe:

 

Quando a avó Pascuala me via mais deprimido e triste, chamava-me, fazia-me reclinar a cabeça junto dos seus pés, enxugava-me as meias, aquecia-me os meus congelados de humidade e de frio e adormecia-me com a doçura das suas antigas palavras euzkéricas [bascas]:


Ené, Josetxu! Biotxa! Lastán ederra!”

Kuitádua! Sé otxa!”


Até que a minha cabecita se afundava no oásis do sono e do esquecimento.

Sempre acreditei que o euskera [basco] se havia feito para o bálsamo da ternura. Nunca para o ranger “Errebolúzisa, Erreconbérsisa”…17 

 

E com amor à língua, houve também um intenso amor à terra:

 

Oh vales de Biscaia! Vi o Canion Valley do Colorado e os paradisíacos vales das encostas dos Himalaias e dos Andes, mas nunca encontrei émulo algum para a vossa formosura.

Mal se saía da Capital do Ferro, uma imponente armada como que de embarcações de nuvens branquíssimas sulcava à vontade o puríssimo azul dos céus infinitos.

Ali [em Bilbao] falavam-me de Deus.

Aqui era Deus que nos falava.

Regatinhos a cantar brincando com as pedras arredondadas de seus leitos. Prados de intensa verdura repletos de pérolas de orvalho. De um lado, montes a desgrenhar-se em cascatas de ramagem em direção ao largo vale. Do outro, cortes de brancura que cega como marfins colossais. Vaquinhas a pastar mansamente no suculento tapete dos prados. Balidos de ovelhas. Festival de milhentos regatos cheios de barbos. Riachinhos a rebentar de caranguejos.

Haverá na criação coisa mais bela do que estes nossos vales? 18


Como mulher prática que era, a avó Pascuala decidiu meter o menino, órfão de mãe, num internato dirigido por religiosos. Primeiro tentou nos jesuítas de Durango e, não havendo conseguido, recorreu aos salesianos de Barakaldo, que era nesse momento a sua única obra no País Basco. Aqui teve melhor sorte.

Anos depois, quando um arcebispo indiano lhe perguntou como não havia caído sob o feitiço dos jesuítas, proveniente como era da terra de Inácio de Loyola, Carreño respondeu assim:


- Pois, verá, senhor Arcebispo, a razão é muito simples. Em 1913 morreu a minha santa mãe. Meu pai estava então na Argentina tratando de mandar prata para os seus filhos. E quando a minha mãe foi para o Céu, aquela mulher valente que era a minha avó Pascuala, decidiu meter-me num internato…

Naqueles tempos, o País Basco era um feudo inaciano, sobretudo no campo educativo. Onde iria bater aquela mulher valente, senão às portas de um internato jesuíta? Não sei o que se teria passado dentro. Só recordo que a vi sair meneando a sua nobre cabeça prateada. Não havia necessidade de mo dizer: ‘Com a prata que aitatxu (papá) manda aquele internato era demasiado para nós'.

Mas também não esquecerei como de outra vez a vi em amável discussão com uma figura paternal, forte e sorridente. Era o padre Ramón Zabalo. Vê-se que falavam da admissão do rapaz. Vi como ela tirava da sua bolsa um montãozinho daquelas vistosas e reluzentes moedas dos nossos tempos e as colocava em cima da mesa e vi como o padre Ramón a convencia a que voltasse a metê-las na sua bolsa de aldeã. Daquela conversa nada sei; só sei que, passados poucos das, eu estava como interno no colégio de Alta de Santander.

E…, senhor Arcebispo: desde então, quer dizer, dede 1913, estou a comer o pão de Dom Bosco. 19


Neste ponto interveio um bispo jesuíta: “E pelo que vemos, não está arrependido disso”.

Carreño continua:

 

  • Há muito mais por trás desta historieta, Excelência, – disse-lhe –. Estando com Dom Bosco, posso dedicar-me ao trabalho mais querido ao coração de Deus: fazer o bem aos seus pobrezinhos e pequeninos. Hoje por hoje, tenho de arranjar arroz para centenas deles – melhor diria – milhares de boquitas com bom apetite. E esse é um desporto mais agradável do que redigir Atas. Há outras Ordens que prendem uma pessoa a estudar toda a vida uns calhamaços que… Valerão muito? Tudo o que eles digam de bom sabê-lo-emos um dia lendo-o na Essência de Deus. Dom Bosco, pelo contrário, lança-nos a trabalhar pelos necessitados, um desporto que não se pode praticar no Céu. E assim sucede, senhor Bispo, que quando o meu bom amigo o P. Varin S. J., o santo administrador da sua Universidade de Loyola, não sabe onde meter os orfãozinhos do seu jardineiro, que morreu há pouco, mos traz a mim que, graças a Deus, tenho onde encaixá-los. …

Para um pequenito que acabava de perder sua mãe (outubro), magro consolo seria o de ser encerrado num internato longínquo. E eu passaria dias inteiros a chorar, na obscuridade do patamar das escadas naquele casarão de Villario, a dialogar com a amatxu (mamã) ausente: – Porque te foste embora? Porque te foste embora?

Só mais tarde uma pessoa se dá conta dos grandes e misericordiosos desígnios de Deus. Eu nunca havia entrado num ‘internato’. Acabava de atravessar o umbral de uma bela, grande, radiantemente alegre família, que ia ser minha para sempre. 20

2 Primeira experiência salesiana: Santander (1913-1917) 

 

José Luís entrou no colégio ou internato salesiano de Santander em novembro de 1913. A sua estadia ali coincidiu praticamente com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mas os efeitos dessa guerra não se sentiram já que Espanha se manteve neutral, como também em grande medida fez durante a Segunda Guerra Mundial.

O colégio salesiano de Santander havia sido fundado em 1907, pelo que apenas contava seis anos quando José Luís ali chegou; mas o menino órfão de mãe teve a bênção de encontrar salesianos

que ele mesmo qualificou de extraordinários, a começar pelo diretor, José Pujol Fábrega.21 

Tocou-me como mestre um santo coadjutor, o senhor Miguel Blanco…. Tinha o título de mestre; mas era mesmo um mestre de verdade”, recorda Carreño. Recorda especialmente un ato de delicadeza e amabilidade por parte do senhor Miguel, algo que ele mesmo imitaria em anos posteriores:


Mas o que me ficou gravado na alma é a recordação das manhãs de inverno. Por muito tarde que nos levantássemos – o que nunca acontecia – seria sempre cedo demais para um pequenito de oito anos. Não sei se as mantas da casa não eram quentes bastante, mas eu enrolava-me como um novelo dentro daquela praça de touros da minha cama, no grande salão, sem aquecimento, do dormitório. Pois bem, de manhã, despertava quentinho e descansado debaixo das minhas mantas…, cobertas por grosso sobretudo. Era o sobretudo do meu mestre senhor Miguel! 22


Foi no colégio salesiano de Santander que José Luís conheceu também o padre Marcelino Olaechea Loizaga (1889-1972), mais tarde bispo de Pamplona e arcebispo de Valência. Olaechea converteu-se em seu pai e amigo: “aquele homem extraordinário… foi depois meu Diretor em Carabanchel, meu Provincial em Barcelona, meu mentor no momento de me lançar nas Missões, e meu Pai toda a vida”.23

Em Santander, o amor ao Senhor Eucarístico plantado por sua mãe encontrou bom terreno e floresceu:

 

Naquele mesmo ano a casa de Dom Bosco abriu-me as portas. Um novo lar, todo ele cimentado sobre a ‘rodinha branca’ debaixo do manto azul da Virgem Mãe Maria Auxiliadora.

A vivência eucarística ia ser desde agora a atmosfera de toda uma vida, coletiva e individual.

E, por outro lado, ao desenvolver-se a mente do pequeno, iria pouco a pouco descobrindo na rodinha branca nada menos que as ‘insondáveis riquezas da Omnipotência, da Sabedoria e do Amor de Deus’, d’Aquele que ‘sendo infinitamente sábio, não soube que mais nos dar; omnipotente, não conseguiu dar-nos nada mais alto; riquíssimo, já não Lhe restou nada maior a entregar-nos’…24 

Entrar na casa de Dom Bosco era já instalar-se permanentemente dentro da zona de gravitação da Presença Real.

Depressa uma pessoa se dava conta de que a ‘rodinha branca’ era aqui o eixo de tudo.

Primeiro Santander, depois Campello, depois Carabanchel, depois Sarriá, depois Gerona… depois o Oriente… Tudo igual. …

E não se tratava de uma experiência mais ou menos mística: é uma realidade que se vive desde a entrada. Primeiro, a missa quotidiana… A capela sempre aberta e acessível a quem quiser. A visita depois do almoço, como um hábito natural inveterado. As orações da noite, diante do sacrário, com a ‘boa noite’ no fim, familiar e amena, de um seu representante: o Diretor…

Uma casa sem isso, não seria uma Casa de Dom Bosco.25

 

Santander era, com efeito, tudo o que deveria ser uma casa de Dom Bosco, uma casa para rapazes que não eram nada fáceis, como podemos supor pelas engraçadas recordações que Carreño conta:

 

Quando passei para a Terceira classe tocou-me como professor um clérigo dinâmico e corpulento que se chamava nada menos que senhor José Lasaga. Ele e Marcelino Olaechea, o jovem Conselheiro e Disciplinador, eram as duas torres de fortaleza que asseguravam a ordem naquela turbamulta, variopinta e por vezes turbulenta, que era aquele internato. Porque, ainda uma pessoa não tinha o dente do siso – nem os outros – não tardava a dar-se conta de que, se faltassem aqueles Reverendos mocetões guardiões da ordem, teríamos ali uma mini-república antecipada.

Parece que a “Diputación Foral de Vizcaya” confiava naquele tempo aos Salesianos de Santander alguns dos seus casos “juvenis” para ver se o Sistema Preventivo – ou repressivo que fosse – os endireitava. E às vezes era preciso usar os dois.

De vez em quando fugia um bando inteiro deles, por vezes, mais de uma dúzia. E, ao cabo de alguns dias, já caçados e presos pela Guardia Civil, víamo-los voltar cabisbaixos e humilhados, como cativos remanentes de um exército derrotado.

Havia-os que, segundo corria de boca em boca, com ares de lenda de Sierra Morena, tinham puxado por uma navalha dessas de ponta de cabra para algum clérigo menos robusto: - Se você voltar a dar um bofetão ao meu irmão!…

Havia-os – tinha-os visto eu – que metiam a sua novela no livro de orações e depois abriam e fachavam a boca desmesuradamente como se estivessem a rezar a todos os Santos mais surdos do Santoral, enquanto que o da sua devoção era Dick Turpin ou Búfalo Bill ou até o Conde de Montecristo.

Havia-os – vi-os eu também – ao avistar um pássaro na quinta do outro lado da estrada, da sala de aula no segundo piso, gritavam: ‘olha, um tordo!, e agarrando o primeiro tinteiro que apanhavam atiravam-lhe com ele com toda a força.

E também houve – isso vi-o eu uma vez, e fiquei horrorizado para sempre – quem, ao receber uma carta de sua mãe, estando a jogar a pelota basca, teve esta reação: – Bah!, coisas da velha!, exclamou –, e rasgou-o em mil pedaços perante o horror dos que presenciámos o sacrilégio. Com aqueles rapazolas de Bilbao havia que ter um par de tirateimas como o senhor José e o senhor Marcelino.

Quando algum daqueles rapazões atrevidos perdia as estribeiras, e de repente ressoava pelo pátio uma solene bofetada e víamos o senhor José ou o senhor Marcelino ao lado em atitude justiceira, e a onda em expansão se difundia em forma de silêncio reverente e progressivo, sabíamos que a paz estava assegurada: ‘A ordem reina em Varsóvia’. E, no entanto, creio que o senhor Marcelino e o senhor José, esses dois homens, e por essa orden, foram os mais queridos entre nós. 26

Para as faltas de índole intelectual havia castigos mais sofisticados. Se um aluno havia borrado o caderno ou errado clamorosamente os problemas, tinha de andar atrás nas filas da sua turma, com o caderno aberto de par em par para espetáculo de todos. Claro que se um curioso das turmas inferiores se aproximava demasiado para examinar de perto aquela vergonha, de certeza que apanhava uma estalada, fornecida pelo cabo de rancheiros, que ainda tinha uma ponta de honra a defender.

Ao que falava no estudo, regra geral, sancionava-se escrevendo cinquenta ou cem vezes: ‘Não falarei no estudo’. E como os verdadeiros génios da economia sobretudo em tempos de crise, começaram a aparecer editores clandestinos, que vendiam duzentos ‘não falarei no estudo’ por um cartucho de amêndoas surripiadas ou três contos de Calleja; e, se a letra fosse boa, até por uma dúzia de bolachas da merenda ou uma novela Dick Turpin. No entanto, por vezes, sucedia que quando se havia adquirido – sabe Deus com que sacrifício – duzentos ou trezentos “não falarei no estudo” para futuras sanções, a autoridade sancionadora nos dizia: “Vais trazer-me cem ‘No estudo não falarei’”. A primeira amarga experiência de desvalorização do papel moeda! 27


Todavia nesta multidão heterogénea de jovens rufias, a fé ainda fez a sua entrada silenciosa. Carreño tem coisas bonitas a dizer, por exemplo, de Maria honrada com o título de “Auxílio dos cristãos”.


Maria Auxiliadora foi a palavra mais repetida e mais doce que ouvimos naqueles anos de despreocupada meninice.

‘É Maria Auxiliadora – o doce farol do mar’ Quem escreveu esta quadra?… Porque ela é autóctone. Não é uma mera tradução de um italiano, como foram as mais sofisticadas delas. Esta brotou do coração aqui em Espanha a algum amante de Maria Santíssima. Haverá sido o padre Rinaldi? Ninguém soube dizer-mo. Mas é espontânea e terna essa quadra, que bastaria para imortalizar o simples trovador. Algo assim, em divino, como a endecha 'Ojos claros, serenos', em humano, de Gutiérrez de Cetina. Não sei como soará a um rapaz de Ciudad Real – ponho por isso do ‘Farol do mar’. Talvez assim como um moinho sem aspas. Mas para nós cantábricos, para os que ouvimos o rugido dos ventos fortes nas noites de inverno, para os que abrimos respeitosamente o postigo para espreitar através dos vidros fustigados pela chuva, aquela luta cósmica dos elementos; para os que contemplávamos aterrados como rangiam as árvores de ramos despidos, ao dobrar-se sob o chicote implacável dos ventos de furacão, e adivinhávamos, por de trás daquelas falésias gigantescas, os saltos desesperados, altíssimos, mas impotentes das ondas,… aquele raio de luz imperturbável, sereno, intermitente, mas rítmico e pontual, que continuva a brotar do Farol à beira do abismo, tinha uma força e uma pureza, e uma mensagem tão impresionantes… No meio daquelas tempestades era, simplesmente, ‘doce’.28 


Com o tempo, a fé que havia entrado silenciosamente dá o seu próprio fruto doce, porque a misericórdia de Deus não conhece limites. Carreño continua:

 

Uns cinquenta anos haviam passado desde aqueles tempos do Alta, quando, prófugo das Missões, me encontrava em Madrid, a tratar de imprimir um livro. As dificuldades tipográficas eram tais que somente a intervenção de uns amigos meus, técnicos de Bilbao, conseguiu superá-las. Acabava eu de voltar de Bilbao e de chegar à SEI (Madrid), quando uns minutos depois tocou o telefone.

É para ti. É de Bilbao.

Mas, como! Se acabo de chegar de lá. Ainda nem abri a mala. Era uma voz amiga.

Lembras-te de N.N. que diz que foi teu colega em Santander?

Pois claro que sim…, embora haja 50 anos que não nos vemos.

Está doente. Muito doente. Está quase a morrer de cancro. Os amigos sabemos que está afastado da Igreja. Mas ele diz que não se confessa a ninguém…, a não ser ao arcebispo Mons. Olaechea, ou a um antigo companheiro, José Luís Carreño.

Pois não é preciso que mo digas duas vezes.

Apanhei um comboio da noite e, na manhã seguinte, apresentei-me em sua casa.

Sentei-me na cama dele e começámos a conversar como se nos tivéssemos visto ontem…; um ontem de meio século. Ali estávamos os dois a conversar.

Escuta, e lembras-te quando?

E tu lembras-te como?…

E lembras-te de quando cantávamos: ‘É Maria Auxiliadora o doce farol do mar’?…



Fecharam-se os seus olhos para não embaciar, com outra visão qualquer, a ténue luz longínqua da recordação…, e para, quando terminou, com um supremo esforço de vontade aquilo de… ‘É o amor da minha alma – desde que eu soube amar’…, caíam pelas suas faces grandes lágrimas silenciosas.

Sai por um momento, menina – disse eu à sua mulher –, e quando entrou de novo dei-lhe um recado:

Dizes ao pároco de Santo Antão que lhe traga o Santíssimo amanhã, já que eu tenho de partir imediatamente.

Depois ausentei-me de Espanha por algum tempo; e quando voltei a perguntar pelo meu companheiro, já quase se tinham esquecido dele, pobrezinho! Não passamos de uma espuma fugaz sobre as ondas para os homens, não para Ela, ‘Aquela que na minha meninice – meus passos guiou’. Ela sabe quanto custámos ao outro Filho mais velho. Há quadras que condensam uma vida.29

3 Discernir a vocação salesiana: Campello (1917-1921) 

 

Em setembro de 1917, com quase 12 anos, José Luís entrou no aspirantado salesiano de Campello.30 Como sucedeu isto? “Aquele verdadeiro santo de provincial, padre José Binelli,31 disse-me um dia: — Porque não vens comigo a ver Campello? Se gostares, ficas; se não, voltas. E assim começou um amor à primeira vista”. De modo que os inícios da vocação salesiana foram simples. “Naqueles tempos não se costumava falar muito de Dom Bosco nem se havia devorado tanta tecnologia salesiana, ascético-pedagógica-pastoral… No entanto para nós um padre Binelli era um Dom Bosco, sem referir o padre Rinaldi, um perfeito general, mas que de vez em quando nos visitava deixando-nos um ar sobrenatural, como quando visitavam a tenda de Abraão os mensageiros de Javé”.32

Foi assim que o jovem vasco se encontrou no aspirantado de Campello. Tratava-se de uma viagem de 1000 km, de Santander no Cantábrico até Campello no Mediterrâneo, mas José Luís recorda-se dela como “nada mais que uma mudança de meteorologia”, porque ambos os lugares eram casa, e em ambos havia salesianos que eram pais e amigos.33

Os aspirantados estiveram sempre próximos do coração de Carreño. “Uma congregação como a nossa e para a qual nos preparávamos em Campello”, escreveu mais tarde, “é uma pléiade de homens de Deus, a cujo amor vão conduzindo gerações inteiras mediante o apostolado da educação cristã… esses homens devem ser, por isso, muito superiores em tudo, principalmente no refinamento do seu espírito. E, portanto, em todos os Campellos do mundo, deve dar-se a todos o melhor do melhor”.34 

Num dos seus últimos escritos, Carreño revela que a sua decisão de ser salesiano não esteve isenta de dificuldades, derivadas principalmente do facto de seu pai tentar que ele fosse para a Argentina, onde “me tinha preparado um potrinho branco com o qual poderia cavalgar a trote pelas Pampas”. 35 Nas suas cartas, aita recordava constantemente a seu filho que o seu primeiro dever, ao escolher o seu futuro, era obter a bênção de seu pai. José Luís estava perplexo e por isso, durante as férias de Campello, decidiu ir a Limpias para encontrar uma resposta. Nos anos de 1918-1920, o centro da discussão nacional e religiosa era o Cristo de Limpias, de quem se dizia que movia os olhos. Milhares de pessoas acudiram em massa para presenciar este fenómeno, embora também houvesse outras que se mostrassem céticas. José Luís recorda o condutor corpulento e ruidoso que se recusava a entrar na igreja sem antes haver tomado um boa chávena de café e um prato de salsichas e batatas fritas. O seu interesse era diferente: “Se lhe vir mover os olhos, tenho vocação. Se não, vou tomar posse do meu pony branco”. Porém, durante três horas de jejum rigoroso, espera tensa e atenção ansiosa, não viu absolutamente nada que pudesse considerar-se sobrenatural. Todavia, regressado a Bilbao, o jovem recebeu uma chamada telefónica do padre Alessandro Battaini, diretor de Campello, convidando-o a acompanhá-lo no caminho de regresso ao aspirantado. No comboio, no meio de uma discussão sobre a sua experiência em Limpias, recebeu um profundo e paternal conselho do padre Battaini:

 

A vocação não está à mercê de um pestanejo. É algo mais sério: Deus convida sem te obrigar. Se aceitas entregar a tua vida a Deus, Ele abraça-te com alegria. Se preferes seguir outro rumo de vida cristã, ele respeita a tua liberdade e continua a amar-te. A vocação é 50% graça de Deus e 50% cooperação tua. Esquece essa historieta dos olhos.36


Foi um conselho maravilhosamente sensato de um sábio filho de Dom Bosco. De modo que José Luís tomou uma decisão livre e em 1921 entrou no noviciado salesiano de Carabanchel Alto em Madrid .37 Fez a sua profissão a 25 de julho de 1922, sem ter completado ainda 17 anos.

Todavia Rogelio Carreño ainda não se havia rendido. Pouco depois da sua profissão, informaram José Luís de que um seu tio havia visitado a casa salesiana de Barakaldo com uma carta de seu pai indicando a José Luís, ainda menor de idade, que partisse para Buenos Aires. Para consegui-lo, o tio José havia sido autorizado a apresentar uma denúncia no Tribunal de Guardia: “busca, captura, ordem de marcha e, naturalmente, exclaustração”. Com o padre Marcelino Olaechea, José Luís partiu para Bilbao, mas conseguiu sempre evitar o tio José, que não deixou de voltar a aparecer em Barakaldo, assessorado por um advogado e um oficial de justiça. Contudo, na receção, o tio José deparou-se com um salesiano que o informou de que o “senhor José Luís” era membro de uma Congregação de direito pontifício que gozava de isenção da lei; e que, se queriam discutir alguma coisa, podiam entrar em contacto com o Tribunal da Rota de Madrid. Enredar-se com a Sacra Rota Romana não era, naqueles tempos, coisa fácil, pelo que o advogado sabiamente decidiu fazer marcha a trás, e ali parece haver chegado ao fim a questão argentina.38 

Face aos comentários depreciativos anteriores sobre a tecnologia salesiana ascético-pedagógico-pastoral, vale a pena ler os comentários de Carreño sobre o discernimento vocacional, cheios do seu fino sentido de humor e de sua profunda fé. O discernimento vocacional não é uma simples opção Hamletiana de uma de duas. Se todas as circunstâncias da sua vida houvessem sido introduzidas no melhor computador disponível, deveria haver respondido: “Olha, rapaz: já estou farto disto. Faz o que te der na realíssima gana".39 E foi isso o que de facto sucedeu: José Luís escutou o seu coração. Na pequena igreja da casa salesiana de Barakaldo, fala de Cristo que lhe diz: ‘Bom, rapaz: que é que decidiu a tua libérrima vontade? Ficas comigo ou também tu queres ir-te embora?’ E vieram-me então aos lábios as palavras de S. Pedro em Cafarnaúm: “Senhor, a quem iríamos nós? Só Tu tens palavras de vida eterna”.

 

Não sei como soariam aquelas palavras nas margens do lago de Tiberíades. Mas sei muito bem o rico conteúdo que tiveram na margem esquerda da Ria de Baracaldo: o destino da minha vida ficou até ao fim identificado com o programa de Cristo: levar o Reino aos pobres, anunciar aos povos a palavra de Vida, oferecer o perdão aos transviados, acolher e elevar os órfãos, multiplicar o arroz para as massas, transvasar a nossa gozosa visão da vida para os escravos resignados do karma ou do Destino, encarnar a compaixão e o amor de um salvador crucificado e sacramentado, difundir a sua mensagem radiante de perenidade da palavra escrita e impressa… Era possível uma resposta semelhante nos lábios de uma pitonisa, nas reviravoltas de uma moeda lançada ao ar, no incerto pestanejar de uns mansos olhos na penumbra, nas opiniões dos juristas, nas salsichas fritas de um condutor, na aprazível beleza de um potrinho branco à espera do seu dono? Creio que o meu monólogo de Baracaldo foi o mais transcendental da minha vida.40


Este longo relato do discernimento vocacional de Carreño ajuda-nos a discernir o essencial e permanentemente válido do seu evidente entusiasmo pelo aspirantado de Campello: o espírito de família; salesianos que foram pais, irmãos e amigos; acompanhamento comunitário e pessoal que permita aos jovens tocar e ser tocados por Cristo e sua Mãe; a amável palavra paternal no momento oportuno; paciência alicerçada na confiança na capacidade dos jovens para tomar decisões livres…. Deus trino dirige suave e pacientemente a sinfonia das nossas vidas com seus acordes e discórdias, chamando, enviando e levando tudo a bom termo. Homens como Carreño tocaram o mistério e puderam discernir as suas pegadas nos caprichos da sua própria vida.

4 Primeira formação salesiana (1922-1932) 

 

O noviciado, como dissemos, fê-lo em Carabanchel Alto em 1921-1922, com o P. António Castilla como mestre de noviços. Vale a pena inserir o cenário do fim de noviciado que Rico relata pela luz que projeta sobre José Luís:

 

Tudo leva a supor o crescimento espiritual daquela alma escolhida. Com o seu bom humor e a sua sincera humildade, conta que, no fim daqueles doze meses, o Mestre, no solene escrutínio final, presidido pelos Provinciais da Céltica e da Tarraconense, lhe perguntou: ‘E queres se perfeito?” – Bom… eu, a dizer a verdade, … isso de perfeito…’. Continua ele a narrar: ‘Imaginem a inquietação daquele santo varão ao ver que um dos seus discípulos, doutrinado por ele durante trezentos e sessenta e cinco dias canónicos daquela laboriosa tarefa do noviciado, impregnado dos mais nobres ideais que um ser humano pode nutrir, não era capaz à hora da verdade de formular um vibrante SIM!!! que fizesse levantar dos seus assentos senatoriais, como que impelidos por uma mola, toda aquela augusta assembleia. Trezentos e sessenta e cinco dias desperdiçados em vão por um insuspeito recalcitrante! Que fracasso!

Foi então que o padre Marcelino Olaechea, Provincial de Barcelona, me lançou um cabo de urgência: Mas vamos ver; estás disposto a fazer tudo o que te mandar de acordo com as Regras? – ‘Claro que sim’. Bom, basta isso. Desaparece, gandulo!

E saí sem haver dado o SIM! de coração. E pareceu-me sentir um suspiro de alívio na sala. E é que aquilo de ‘perfeito’ assentava-me tão mal já então! Haveria sido uma hipocrisia atribuir-me tais marcas olímpicas inatingíveis! … Perfeito eu! … Ah! Isso sim: tive em contrapartida o privilégio de oferecer o Sacrifício salvador da Eucaristia durante mais de meio século, e estar sempre com Cristo, e renovar-me espiritualmente em seu Sangue. Mas ‘perfeito’… Ah! Isso sim, até os mais grotescamente imperfeitos, maltratados, derrotados, que estamos muito longe de haver cumprido toda a lei, estamos prontos a gritar: ‘Com Cristo, SIM!!!: téleios é o que vai até ao fim do caminho… a coxear talvez, mas com Cristo!41 

 

Não perfeito, mas sempre com Cristo. Assim se via José Luís a si mesmo. Ter-se-ia sentido à vontade com a diatribe de Marko Rupnik contra uma formação religiosa que busca a perfeição dos indivíduos. Tal perfeição está ligada ao individualismo atómico derivado de Descartes. A missão do batizado, ao invés, tem que ver com as pessoas em comunhão, consiste em ser uma revelação do Pai, como o Filho é a revelação do Pai.42 Cristo era tudo, para Carreño, era o SINAL, o Sacramento, do Pai; e ele mesmo cresceu até se converter cada vez mais num sinal e portador do amor de Deus.43 Um desgosto intuitivo pela perfeição abstrata e um amor deslumbrantemente claro por Cristo: estes são elementos essenciais na vida deste grande salesiano.

Ao noviciado seguiram-se dois anos de estudos filosóficos (1922-1924) em Sarriá, em Barcelona. O P. Marcelino Olaechea era então provincial da recém-ereta província de Barcelona. Sarriá converteu-se no noviciado da nova província, pelo que em 1924 encontramos José Luís a iniciar o seu tirocínio na mesma casa, como “assistente de noviços” do (Beato) P. António Martín Hernández (1885-1936). Em 1928 o noviciado foi transferido para Gerona, com o P. Eugénio Magni (1899-1980) como novo mestre de noviços. Carreño continuou como “assistente de noviços”, mas também iniciou estudos teológicos em preparação para o sacerdócio, além de encontrar tempo para escrever todos os meses para o Mensajerito de María Auxiliadora.44 O jovem salesiano parece haver deixado marca. Encontramos o P. Pedro Escursell Marsá (1897-1982) a escrever em 1928 ao P. Pedro Ricaldone (1870-1951), então Prefeito Geral:

 

Neste momento fala comigo um dos clérigos modelo da Casa, formador do pessoal desta Província, e diz que há tempo que pediu para ir para as missões e está quase desesperado porque vê que nunca o chamam; é um grande rapaz e de grande valor moral e intelectualmente falando. Chama-se José Luís Carreño e está à tua disposição; de forma que pode comunicar o que lhe pareça. O seu gosto, diz serem as missões do Oriente e em particular a de Krishnagar. Este clérigo está a fazer agora o quatriénio prático.45

 

Após breve passagem pelo serviço militar, José Luís fez a sua profissão perpétua em Gerona no dia 11 de dezembro de 1828. Os estudos de teologia prosseguiram até 1932 e, em 21 de maio de 1932, foi ordenado sacerdote em Gerona por Mons. Josep Vila Martínez (1866-1932), tomando como lema as palavras de S. Paulo: Omnia Christus – Cristo é tudo (Col 3,11).

5 Missionário na Índia (1933-1951) 

 

Em 1925 o P. Marcelino Olaechea havia sido transferido para Madrid (SMA) como provincial, e o seu lugar na provincia de Tarragona (SBA) foi ocupado pelo P. (hoje Beato) José Calasanz Marqués, a quem José Luís expressou o seu desejo de ser missionário.46 O bom do P. Calasanz não estava interessado em permitir que o seu jovem e talentoso irmão fosse para as missões depois da sua ordenação sacerdotal.

Todavia, em vésperas da sua ordenação em 1932, José Luís escreveu diretamente ao Reitor-Mor, P. Pedro Ricaldone, oferecendo-se incondicionalmente para ir para as missões, embora expressando a sua preferência pela Índia:


Amadíssimo Padre:

Em vésperas da minha ordenação sacerdotal, dirijo-me a V. Revª, em primeiro lugar, para lhe agradecer como primeiro Representante da Congregação, por tudo quanto a minha Mãe a Congregação fez por mim.

E, em segundo lugar, para me oferecer totalmente aos meus Superiores para trabalhar nas Missões, segundo os meus desejos e orações desde há onze anos e segundo o pedido que já lhe dirigi há sete.

Só lhe rogo como a um Pai que ao indicar o meu lugar de ação missionária tenha em conta a minha fragilidade. Não tenho medo de bolcheviques nem de piratas, só de mim mesmo.

Igualmente lhe declaro também a minha decidida preferência pelas missões da Ásia. Mas estou disposto a ir para qualquer recanto do mundo que a obediência me depare.47 

 

O P. Ricaldone acabava de ser eleito Reitor-Mor, mas havia passado quase toda a sua vida em Espanha, até que foi eleito membro do Conselho Superior salesiano em 1922. Aceitou de imediato a oferta do jovem sacerdote. “Quando, finalmente, chegaram ordens de partir”, escreve Carreño, “o bom do Padre Calasanz submeteu-se; todavia, num último gesto de carinhosa oposição, murmurou: Muito bem, irás para as Missões, mas nunca serás missionário. E, quando me voltei a protestar, ele acrescentou: Mas não te preocupes, tu formarás muitos outros missionários”. Rico comenta: “A vida e as atividades missionárias do Padre Carreño demostrarão em grande parte a verdade da ‘profecia’ do mártir Padre Calasanz.48

 

5.1 O subcontinente indiano na década de 1930 

 

Quando Carreño chegou em 1933, a maior parte do subcontinente indiano havia estado debaixo do domínio britânico desde 1858. Também havia pequeñas partes da costa oeste que eram governadas pelos portugueses: o Estado da Índia ou Índia Portuguesa constava de Goa e dos pequenos territórios de Damão, Diu, Dadra e Nagar Haveli ao norte de Bombaim.

Dentro da Igreja Católica havia três ritos neste momento: o rito siro-malabar com origens na missão do Apóstolo São Tomé, o rito latino trazido pelos missionários dominicanos e franciscanos no século XIII e em grande medida pelos missionários asociados às façanhas coloniais portuguesas na Índia no século XVI, e o rito siro-malankara estabelecido em 1930, quando uma parte da Igreja ortodoxa siro-malankara entrou em comunhão com a Igreja Católica. Na década de 1930, os dois ritos orientais estavam presentes principalmente nos Reinos de Cochin e Travancore, que hoje constituem o estado indiano de Kerala. 

A presença histórica dos portugueses em Goa e noutras partes da Índia significou que havia duas jurisdições no rito latino da Igreja Católica na Índia, usualmente referidas como Padroado, com Portugal a usufruir dos direitos patronais em toda a Índia e Propaganda que representa a jurisdição direta da Santa Sé através da Propaganda Fide (Congregação para a Evangelização dos Povos). A dupla jurisdição foi abolida por um acordo entre Roma e Portugal em 1928. No entanto, só em 1950, no novo contexto de independência da Índia, o Padroado se limitou aos enclaves portugueses no subcontinente indiano.49

Os salesianos foram recebidos na Índia pela diocese do Padroado de Meliapor (Mylapore) no sul da Índia, no atual estado de Tamil Nadu. Chegaram em 1906 e começaram a trabalhar em Thanjavur (Tanjore) nesse ano e em Meliapor, perto de Madrasta, em 1909, mas retiraram-se desta diocese em 1928 por razões que Thekkedath explica habilmente. Por então, haviam aceitado a missão de Assam e haviam começado o trabalho ali em 1922, ficando também desta maneira sob a jurisdição da Propaganda.50 

Segundo o "Database Storico Anagrafico", a primeira província salesiana da Índia foi criada em 1926. O salesiano Louis Mathias (1887-1965) havia sido nomeado prefeito apostólico de Assam em 1922,51 e foi provincial de facto até à transferência para a sede de Madrasta em 1935.52

O ‘Sul’ constituiu-se como visitadoria em 1932 ou 1933, sendo nomeado superior o P. Eligio Cinato (1898-1964). Em 1934, o sul da Índia converteu-se numa província sob o patrocínio do apóstolo São Tomé, com Cinato como primeiro provincial .53 No campo eclesiástico, em 1928 o salesiano Eugene Mederlet (1867-1934) foi nomeado arcebispo da arquidiocese de Propaganda de Madrasta. Mederlet morreu em 1934 e Mathias encarregou-se em 1935. A atual Arquidiocese de Madrasta e Meliapor formou-se em 1952 mediante fusão das primeiras dioceses de Propaganda Padroado.

 

5.2 Mestre de noviços em Tirupattur (1933-1943) 

 

Foi com este complexo cenário político e eclesiástico que Carreño se deparou. Inicialmente foi designado catequista ou socius do novo noviciado no sul da Índia, enquando um companheiro seu,

Amanzio Andrei (1897-1962), iria ser mestre de noviços.54 Carreño e Andrei passaram um ano (1932-1933) em Cowley, Oxford, no Reino Unido, a aprender inglês. Os problemas começaram, no entanto, ao cruzar o Canal da Mancha: “Efetivamente, mal os dois missionários novatos cruzámos o Canal da Mancha para passar uns meses na Inglaterra e começar a mastigar o inglês, o meu companheiro enjoou como um cachorrito de pelo comprido a sulcar aquelas águas revoltas, de

Dieppe a Newhaven, e a sua fibra missionária começou a tremer só ao pensamento da grande viagem marítima que o esperava". Mesmo assim, o valente P. Amanzio dedicou-se a aprender inglês com grande determinação, até ao ponto de estudar o dicionário de cor e, no processo, causar certo estrago na autoestima do seu companheiro: “E eu, que sempre fui um desordenado incorrigível, e que sempre senti uma supersticiosa admiração por essas mentes tenazmente metódicas, senti-me pequenino naquele momento e fechei-me num reverente silêncio”. De forma que quando os dois aspirantes a missionários haviam chegado a Génova, o sonho missionário do P. Amanzio já se havia desvanecido. “E assim sucedeu que o manto caiu sobre os meus ombros, e fui eu que tive de aguentar com o nosso primeiro seminário na Índia do Sul.”55 E assim foi como a profecia do P. Calazanz começou a cumprir-se.56 

Carreño zarpou de Génova e desembarcou em Bombaim em junho de 1933.57 Como já indicámos, o sul da Índia acabava de se constituir numa visitadoria, com Eligio Cinato como superior. Carreño gostaria de ir diretamente para Madrasta, porém Mathias queria que ele visitasse primeiro Shillong, e foi para lá. Passava o tempo a estudar tamil e a preparar-se para o exame de confissão. Foi então que chegou uma carta do Prefeito Geral, P. Pietro Berruti (1885-1950), pedindo a Carreño que ocupasse o cargo de mestre de noviços no Sul. Ainda não tinha 28 anos, e como a idade requerida para um mestre de noviços era de 35 anos, havia que obter um indulto apostólico.58 

O primeiro noviciado salesiano no sul da Índia começou em Tirupattur em dezembro de 1933. Sabemos que Carreño, acompanhado por Cinato, chegou a Tirupattur em 2 de dezembro de 1933, e os noviços chegaram uma semana depois. No entanto, o noviciado não se estabeleceu canonicamente até 2 de fevereiro de 1934, pelo que a profissão do primeiro grupo de noviços teve lugar em 29 janeiro de 1935, como explica Thekkedath.59 

Os noviços eram na sua maioria novos missionários de diferentes países europeus. O primeiro grupo era constituído por 10 noviços, 6 deles europeus e 4 indianos.60 A vida não era fácil: o P. Cinato advertiu que “em todas as casas havia pobreza absoluta, para não dizer miséria; mas, em compensação, muito bom ânimo e santa alegria” .61 O bom ânimo, disse, devia-se em grande medida ao P. Carreño. Conseguiu que os seus noviços “se enamorassem do Coração de Jesus e… se entregassem por completo a Ele” .62

Cuidou de nós como um pai”, recorda Mons. Hubert D'Rosario (1919-1994). “Sentimo-nos atraídos por ele e procurámos imitá-lo… Inculcou-nos valores duradouros... Foi um mestre brilhante, um pregador convincente... Estávamos sempre ansiosos por escutar as suas conferências, as conferências que ele costumava preparar tão bem. Fomos conquistados pelo seu coração paternal. Alegria, amor, paz e esperança era o que se respirava naquela casa… Aquela casa era como o céu".63

Hubert era filho do chefe da estação de Tirupattur. Ao inteirar-se de que Carreño estava em processo de estabelecer a missão, o senhor Rosário havia prometido enviar “dois soldados”. Os dois soldados eram os seus dois filhos, Hubert e Mervin, e o P. Carreño decidiu sabiamente deixá-los jogar futebol. Os rapazes rapidamente se tornaram amigos do missionário. Quando Hubert estava pronto para ir para a universidade, recorreu a Carreño pedindo ajuda para aprender francês. Carreño ajudou-o com aulas, mas depressa passou ao tema do latim, e em seguida à questão do sacerdócio: de que serve estudar latim se não te fazes sacerdote? Mal Hubert lhe disse que sim, logo Carreño o fez subir para a sua motocicleta e correu a buscar a autorização de seu pai. “Não foi preciso demasiado tempo para persuadir o seu pai, que era um magnífico cavalheiro cristão, de que Deus não podia haver abençoado o seu lar com um tesouro maior”.64 Hubert D'Rosario finalmente chegou a ser bispo de Dibrugarh (1966-1969) e arcebispo de Shillong-Gauhati (1969-1994). É o fundador das Irmãs da Visitação de Dom Bosco (VSDB), um dos grupos membros da Família Salesiana.

A bondade de Carreño é proverbial. O P. Joseph Vaz contava-me amiúde como o seu mestre de noviços o havia notado a tiritar durante uma das conferências diárias.65 “Espera um momento, homem”, disse Carreño, e saiu. Pouco depois regressou com uma camisola azul para Joe, que notou que estava estranhamente quente. Recordou logo que o seu mestre de noviços usava uma camisola azul debaixo da batina. Agora já não a tinha. Carreño tinha dado a sua própria camisola. O exemplo de Miguel Blanco tinha chegado ao fundo do seu coração.

Outra história é narrada por um irmão indiano:


São muitos os testemunhos que circulam pelas Províncias do Sul da Índia, especialmente entre as gerações mais idosas, que ilustram amplamente a bondade, a amabilidade e o profundo espírito religioso de Carreño. Uma dessas histórias refere-se a um brâmane: o velho brâmane viajava numa carruagem de comboio de terceira classe apinhada de gente em meados do verão. Quando o comboio parava numa estação importante, as pessoas saíam a correr e a beber água ou bebidas frescas e a comer alguma coisa. O brâmane, que tinha dificuldade em deslocar-se, estava sentado numa ponta da carruagem, incapaz de abrir passagem à cotovelada e regressar depressa após um rápido refrigério. Pelo que tinha fome e muita sede. Numa determinada estação, o P. Carreño abriu passagem e conseguiu um coco tenro para o ancião. O velho brâmane ficou tão feliz que disse ao sacerdote estrangeiro: ‘És um verdadeiro seguidor de Jesus Cristo.’ O P. Carreño guardava este panegírico do brâmane como o maior elogio que jamais havia recebido na sua vida!66


 Luigi Di Fiore (1921-1989), outro dos noviços de Carreño e depois provincial de Madrasta, diz: “Certamente a herança mais preciosa que o padre Carreño nos transmitiu foi o espírito salesiano nas suas caraterísticas essenciais: sede pela salvação das almas, caridade fraterna, espírito de família feito de oração, laboriosidade, alegria, são otimismo, de acolhimento e de hospitalidade”.67 O historiador P. Thekkedath escreve: “[Carreño] era o coração e alma dessa casa que se transformou também numa casa para estudantes de filosofia, tão depressa como os noviços professaram em princípios de 1935” .68 O P. Berruti, Prefeito Geral, escreveu depois de uma visita em 1937 que a casa de Tirupattur era extremamente pobre, mas cheia de regozijo e alegria, e que a alma da casa era o jovem diretor, P. Carreño, alegre, inteligente e muito ativo. O P. Antoine Candela (1878-1961), conselheiro de escolas profissionais, não duvidava em chamar tesouro ao P. Carreño.69

 

5.3 Provincial do Sul da Índia (1943-1951) 

 

Já indicámos que em 1934 foi criada a segunda província salesiana na Índia, com sua casa provincial em Vellore, o P. Eligio Cinato como provincial e um punhado de casas e presenças: as casas canonicamente eretas de Madrasta, Vellore e Bombaim, e outras presenças, paróquias e estações missionárias em Madrasta e no North Arcot.70 Quando o arcebispo Eugène Mederlet morreu repentinamente em 1934, Louis Mathias foi nomeado arcebispo de Madrasta em seu lugar.

Em 1939, a Índia britânica começou a sentir os ecos da Segunda Guerra Mundial. Para 1942, todos os estrangeiros, incluídos os missionários, que pertenciam a países em guerra com a Grã-Bretanha, haviam sido internados em campos em diferentes partes do país.71 Como Carreño pertencia a um país neutral, não foi molestado, e inclusivamente pôde ser intermediário dos seus companheiros perante as autoridades. Em 1943 recebeu uma mensagem pela Rádio Vaticano de que ocuparia o lugar de Cinato, que havia sido internado, como provincial da província do Sul.72 Ao mesmo tempo, o arcebispo Mathias convidou-o para seu Vigário Geral, conferindo-lhe o título de ‘Monsenhor’ segundo o costume da época. 73

Em 1945, Carreño foi nomeado oficialmente provincial,74 cargo que exerceu de 1945 a 1951. Um dos seus primeiros atos foi consagrar a província ao Sagrado Coração de Jesus. Muitos salesianos estavam convencidos de que o extraordinário crescimento da província se devia a este ato.75 Os centros salesianos duplicaram sob a direção do P. Carreño: casas de formação em Kotagiri (1946, noviciado e filosofado) e Poonamallee (1947, seminário diocesano); trabalha para jovens em Nagercoil (1947, internato), Panjim – Goa (1947, orfanato e escola técnica), Valpoi – Goa (1948, paróquia, oratório e escola técnica76), Madrasta (1950, escola técnica), Uriurkuppam (1950, escola agrícola) e Yercaud (1950).77 Um dos atos de maior alcance de Carreño foi iniciar uma escola universitária na remota aldeia 'dalit' de Tirupattur.78 O Sacred Heart College passou a transformar todo o distrito. Por outro lado, também teve de se retirar de duas novas fundações – Carmel High School, em Nagercoil (1947-1950) e St Joseph's English High School, em Trivandrum – talvez pela precipitação com que as tinha aceitado, como sugere Di Fiore.79

Carreño foi talentoso na recolha de fundos. Durante o seu mandato como provincial e também mais tarde, viajou várias vezes pela Europa, comunicando a sua mensagem a torto e a direito e pedindo ajuda para as obras apostólicas.80

O P. Thomas Panakezham (1930-), conselheiro geral para a região da Ásia de 1977 a 1996, recorda o amor de Carreño pelos pobres: “Tinha um grande amor aos pobres; quando regressava de uma viagem de motocicleta à Casa Provincial tornava-se interessante ver como os rapazes corriam ao seu encontro. Levava sempre alguma coisa nos bolsos para os presentear: rebuçados, estampas, medalhas”.81

Como provincial, o P. Carreño participou no XVI Capítulo Geral Salesiano (1947) que se celebrou em Valdocco, Turim. Aqui teve uma intervenção memorável: “Tornámos pequeno Dom Bosco… As nossas obras não atendem à juventude mais necessitada; fazemos demasiados cálculos; confiamos menos na Providência do que Dom Bosco…”. As suas palavras tiveram impacto. O Reitor-Mor, P. Ricaldone, pediu a todos os provinciais que lhe enviassem uma informação sobre o assunto.82

Um dos dons de Carreño foi a sua capacidade para conseguir que os salesianos se oferecessem como voluntários para as missões. Podemos vislumbrar um pouco o seu encanto pelo que escreve Orlando González González:

 

O que agora me leva a escrever-lhe é que, em 1944, 46 estudantes de filosofia [da casa de Gerona] escreveram ao famoso missionário da Índia, e então Vigário-Geral em Madrasta, padre José Luis Carreño; e queria partilhar consigo um fragmento magnífico da resposta que ele lhes deu, com a frescura que sempre o caraterizou:


Sois 46! Quando me enviareis um grupo?

E agora em confiança: tomastes a sério isso das missões? Porque sim, sim, espero alguns de vós por aqui.

Se os vossos superiores consentem que troqueis correspondência comigo, que se saiba desde agora que a minha correspondência será subversiva.

Mas que conste que os que venham para aqui têm de ser rapazes com coração de apóstolo (nada de aventuras, nem de sonhos, nem de sentimentalismos), com um grande desejo de fazer triunfar N. S. Jesus Cristo – preparados, porque temos de nos confrontar com uma civilização antiquíssima, com Brâmanes mais expertos que ratos e de grande preparação cultural, com línguas intrincadas e de riquíssima literatura – e fortes e humildes como os queria Nossa Senhora no primeiro sonho de João Bosco”.83 

 

Entre os atraídos pelo zelo e a paixão contangiantes de Carreño estavam Josip Maria Zubizarreta Aramendi (1930-2012), Ignacio Rubio Moreno (1921-1983), José María Armiñana Pascual (1929-1987), José María Dieste López (1926-1986), Jesús Jiménez, Manuel Albizuri Arocena (1925-1982), Jaime Aguilar Valenciano (1925-1971), Eugenio Ojer Buil (1926-) e Alfredo Marzo Remírez (1935-).84 Aqui está o testemunho de Marzo, que se encontra na Índia desde 1953:


Embora não se visse fisicamente pelas ruas de Madrasta, o padre Carreño (Carreño Swami), como as pessoas costumavam chamar-lhe, estava presente na boca e no coração da gente pobre. A escola de Basin Bridge, St. Joseph Technical School de Madrasta e as escolas e colégios salesianos nas principais cidades do Sul da Índia, foram e são testemunhas da visão profética deste homem de Deus que transbordava de alegria, de entusiasmo e de vitalidade em todo o seu ser.

Humilde com os humildes, sempre pronto a escutar, levou a então incipiente Província Salesiana de Madrasta pelo caminho da expansão e da fecundidade espiritual, no meio de muitas e grandes dificuldades.

O padre José Luis Carreño, guiado pelo Espírito, transbordava humanidade. Ele foi o “homem” que na sua passagem por Espanha, lá pelos anos 40 e 50, contagiava pequenos e grandes e entusiasmava com o seu sorriso e as suas palavras sedutoras, a todos os que encontrava à sua passagem. Os seus cânticos, os seus poemas, as suas conferências, a sua alegria e entusiasmo eram como um rio que transborda e leva à sua frente tudo o que encontra no seu camino… Aquele rio transbordante, aquele torvelinho imparável que me levaram a mim e a muitos como eu, para terras de Missão, à Índia milenar, a trabalhar com o padre José Luis Carreño, em favor dos pobres e dos jovens mais necessitados e ajudá-los a viver uma vida mais digna e mais humana… O padre José Luis Carreño que sonhava, como Dom Bosco, em fazer bem aos jovens, mas por meio de outros jovens como eles, de tez morena, que falassem a sua mesma língua e que entendessem na perfeição o modo de ser e de agir.

Foi ele que fez rezar, cantar e propagar a oração ao Sagrado Coração de Jesus pedindo vocações: “Cor Iesu Sacratissimum… ut bonos et dignos operarios Piae Salesianorum Societati mittere et in ea conservare digneris”. “Sagrado Coração de Jesus, dignai-vos enviar à Pia Sociedade Salesiana bons e dignos operários e conservá-los nela”.

Foi ele que começou a campanha para contactar, chamar, receber e formar os novos jovens autóctones que pouco a pouco tomariam as rédeas da Congregação nessa parcela predileta do Jardim salesiano.85 

 

 

5.4 Indianização do rosto de Dom Bosco 

 

Como Marzo assinalou, foi Carreño o grande responsável por “indianizar” o rosto dos salesianos na Índia, buscando recrutas locais em vez de depender unicamente dos missionários. Este foi um movimento audaz. A maioria das restantes congregações internacionais havia tardado anos, se não séculos, a começar a aceitar vocações locais.86

Em 1943, quando Carreño se encarregou da província, só havia cerca de uma dezena de salesianos indianos. Entre os que estavam em formação inicial havia 20 estudantes de teologia em

Tirupattur, 5 estudantes de filosofia, e nenhum noviço.87 Com o início da Segunda Guerra Mundial em 1939 e o bloqueio do Canal de Suez, cessou o fluxo de missionários da Europa. Que se poderia fazer? Carreño teve a brilhante ideia de ir a Kerala em busca de vocações. Kerala tinha uma longa tradição cristã, uma fé intensa e maravilhosas famílias católicas, e foi aqui que havia de se lançar a rede. “Hoje em dia”, escreve o bom do missionário em 1965, “aumentaram até aos quinhentos; e o total dos nossos seminaristas, incluindo os que frequentam os seminários menores [aspirantados] deve ser perto do milhar”. Começou a visitar paróquias e escolas, falando de Dom Bosco e da necessidade de salvar almas, atraindo com a sua simplicidade e júbilo, a sua presença alegre e a sua música. “Desta maneira começou aquela insólita emigração: um fiozinho ao princípio, uma torrente depois; mais tarde, uma verdadeira maré.  Atualmente (1965) temos quase DUAS DÚZIAS DE SEMINÁRIOS SALESIANOS NA ÍNDIA”.88 

Nem toda a gente esteve de acordó com as ideias de Carreño, mas a sua passagem em busca das vocações locais resultou ser providencial. Não só cessou o fluxo de missionários europeus durante a Segunda Guerra Mundial, mas, além disso, 136 salesianos pertencentes às nações em guerra com a Grã-Bretanha foram metidos em campos de concentração,89 deixando só uns 6 no campo de trabalho. E quando, em 1947, a Índia conseguiu a independência, o novo governo rapidamente adotou a política de não conceder vistos aos novos missionários estrangeiros.90

O impulso de Carreño pelas vocações locais é, segundo Thekkedath, o seu contributo mais duradouro para a Índia salesiana. Havia começado o aspirantado em Tirupattur em 1943. Ao princípio, os aspirantes eram todos estudantes que haviam terminado o ensino secundário, mas o número nunca chegou a 40 durante vários anos. Em 1945-46, Carreño começou a recrutar rapazes mais novos que ainda andavam na escola secundária, e em breve o número subiu para 200. Não faltaram as críticas, mas Carreño agarrou a ideia, com a ajuda do P. John Med (1916-2011), diretor dos aspirantes, e a ajuda económica do P. Aurelio Maschio (1909-1996).91 “Se os salesianos na Índia somam hoje mais de dois mil, o mérito desse crescimento deve-se às políticas impulsionadas prlo P. Carreño” .92

As cartas do P. Carreño aos Superiores de Roma revelam um apego filial ao centro da Congregação. A própria província desfrutou de um período de paz e união de corações. Em suas cartas para Roma, o arcebispo Louis Mathias, o padre Maschio, o padre Vincenzo Scuderi (1902-1982) e outros não duvidaram em atribuir este estado de coisas à ação do P. Carreño.93

Na Igreja local também houve apreço. Carreño foi designado por Mathias para ajudar como secretário no Sínodo da Igreja na Índia, Birmânia e Ceilão de 1950.94 O P. Archimede Pianazzi (1906-2000) informa que conquistou a admiração de muitos pelo seu “latim ciceroniano”.95 

 

5.5 Últimos anos na Índia 

 

As diferenças entre Mathias e Carreño foram até certo ponto documentadas por Thekkedath. Os maiores desacordos parecem ter surgido especialmente no último ano de Carreño como provincial. Um deles referia-se à forma de abordar a disciplina religiosa salesiana. “Mons. Mathias defendeu os castigos duros e humilhantes para os culpados de má conduta grave, enquanto que o padre Carreño advoga um procedimento mais suave. Algumas das sanções canónicas propostas pelo arcebispo nem pareciam ser legalmente sustentáveis. Num caso, o P. Carreño advertiu que se o interessado apelasse para Roma, era provável que a pena fosse declarada ilegal”. Isto, de facto, foi o que sucedeu no caso de um sacerdote diocesano: o arcebispo viu-se obrigado a retratar-se.96

Segundo Pianazzi, o ponto de rotura foi quando Carreño, como Vigário Geral, celebrou solenemente, na catedral, as núpcias de um salesiano coadjutor que havia saído da Congregação: depois disto, Mons. Mathias já não quis ter Carreño como seu Vigário Geral.97

Também ouvi a história de um sacerdote salesiano de Chennai que havia saído da Congregação. O P. Carreño descobriu onde vivia e foi ter com ele. Ao ver que não havia ninguém em casa, escondeu-se perto da porta e esperou. Passado algum tempo apareceu o padre, mas logo que ouviu Carreño chamá-lo pelo nome, entrou a correr em casa e fechou a porta. O P. Carreño aproximou-se da porta e disse: “Podes fechar a porta ao P. Carreño, mas não podes fechá-la ao Sagrado Coração de Jesus”. Diz-se que finalmente o sacerdote encontrou o seu caminho para a Austrália, onde retomou o exercício do ministério e morreu sacerdote.

Mathias e Carreño eram de caráter completamente diferente, indica o P. Pianazzi,98 e o arcebispo não era dos que tomavam as coisas em brincadeira. Uma das consequências foi a sua “decidida oposição” à criação de uma escola separada para coadjutores em Lu Ville em Madrasta. A vocação do salesiano coadjutor era um tema muito próximo do coração do P. Carreño. Numa circular de 1948 insistia em que a vocação do salesiano coadjutor se cultivasse com tanto zelo e cuidado como a dos aspirantes ao sacerdócio. Iniciou a escola para os salesianos coadjutores em Tirupattur em 1948-49, e em 1950-51 quis transferi-la para Lu Ville em Madrasta. O plano, todavia, deparou-se com a oposição do arcebispo Mathias, que insistiu em que os aspirantes a coadjutores fossem enviados juntamente com os outros rapazes para Basin Bridge. Por fim, o projeto fracassou.99

Não é improvável que também houvesse uma espécie de sobreposição entre a autoridade do provincial e a do arcebispo salesiano. Também pareceria que os superiores de Turim estavam de acordo, pelo menos de certa maneira, com o arcebispo. O P. Albino Fedrigotti (1902-1986), que visitou a província do Sul da Índia em nome do Reitor-Mor em 1949-1950, escreveu que o P. Carreño era “um excelente religioso, um homem de grande coração, mas demasiado poeta. Gostaria de salvar toda a Índia num instante. Conseguiu infundir entusiasmo em todos e em tudo, mas foi menos cuidadoso na organização e na disciplina. Fez demasiadas mudanças de pessoal e foi demasiado indulgente na seleção de candidatos e na admissão de pessoas à profissão e às Ordens”. No entanto, o visitador também parece ter acrescentado que “o espírito da província era muito bom e a observância florescente”.100

Não é que Mons. Mathias não apreciasse o P. Carreño. Na sua correspondência, por exemplo, encontramo-lo a dizer a Carreño como o encantava ler as suas cartas cheias de otimismo e de entusiasmo. Todavia, depois da discussão, parece que houve duras cartas do arcebispo, às quais o provincial respondeu com humildade, como assinala Thekkedath.101 O livro de Carreño,

Singladuras indias, contém um capítulo sobre Mons Mathias intitulado “O Capitão”, que revela uma estima sincera e profunda pelo arcebispo.102

A acusação de mau administrador parece haver permanecido – Carreño também o comenta com suave humor nos seus últimos escritos autobiográficos103 –, mas foi rotundamente negada por um homem como o P. Maschio, a quem ninguém podia acusar de haver sido um mau administrador.104 Contudo, não há dúvida de que Carreño foi um visionário e inovador que tendeu a adiantar-se ao seu tempo. Algumas das suas ideias, como a de levar voluntários não salesianos para terras de missão, foram mal vistas pelas autoridades centrais da Congregação nesse momento, mas agora estão a ser promovidas ativamente por todos.105

No fim do seu sexénio oficial como provincial (1945-1951), foi-lhe pedido que terminasse o seu serviço e voltasse para Espanha para se encarregar dos Salesianos Cooperadores. Terá sido esta a verdadeira razão pela qual se lhe pediu que deixasse a Índia ao fim de 18 anos? Rico, que no momento de redigir a carta mortuária era conselheiro geral da Região Ibérica, não tenta responder a esta pergunta, embora admita que a nova obediência foi difícil.106 Thekkedath, ao invés, dá-nos uma resposta. É evidente que o arcebispo Mathias havia escrito para Turim dizendo que Carreño não devia continuar como provincial, baseando-se na debilidade em conduzir a disciplina religiosa e em haver sobrecarregado de dívidas a província, e sugerindo que se enviasse Carreño a substituir Scuderi em Goa.107 No fim, Ricaldone e o seu conselho aceitaram as sugestões do arcebispo, decidiram nomear provincial o padre Pianazzi e pedir a Carreño que se encarregasse dos Cooperadores em Espanha durante uns anos, antes de regressar às missões.108 “A notícia de que o P. Carreño não ia continuar como provincial do sul da Índia foi um choque para o Conselho [provincial]”, diz Thekkedath, e deu origem a uma avalanche de cartas de alguns deles ao Reitor-Mor.109 Quanto ao próprio arcebispo, Thekkedath fala de “uma ou duas cartas mordazes”, incluindo por finais de julho de 1951, a humilde resposta de Carreño, e a profissão que Mathias faz do seu amor e estima por ele: “Tem por certo que sempre te amo, ainda que ladre”110 É difícil interpretar, no entanto, outra carta de Mathias a Carreño, desta vez quando Carreño já está a caminho de Bombaim, rumo à Europa: “Madrasta parece deserta… Não me parece certo que tenham podido roubar-te de entre nós”. 111 O arcebispo estava consciente de que a transferência de Carreño “havia causado uma grande impressão” e que o próprio Carreño “teve muita pena de sair da Índia”. Esforça-se por negar que tivesse sido ele o responsável pela mudança: “Sabe muito bem que não tive nada a fazer nem a dizer sobre a sua nova obediência”.112

Com o inegável apreço pelas capacidades pessoais de Carreño, poderíamos dizer com verdade, portanto, que tinha sido ‘expulso’ da Índia em 1951. Pela sua parte, tinha aceitado obedecer alegre e feliz, seguindo o que o mesmo Reitor-Mor escreveu a Mathias.113 De Alfredo Marzo, porém, temos a sugestão de outro motivo também: Com o tempo, o padre Carreño deu-se conta de que talvez a sua imagen como Superior da Congregação Salesiana e a sua grande paternidade fizesse um pouco de sombra a Mons. Mathias, e o padre Carreño optou pelo Evangelho que diz: ‘É melhor que ele cresça e que eu me faça mais pequeno’.”114 Não podemos determinar com exatidão a validade desta sugestão. O que sabemos é que, em Singladuras indias, Carreño presta uma calorosa homenagem a Mons. Mathias.115 [112]

6 Primeiro interlúdio espanhol (1951-1952) 

 

Em todo o caso, em 1951 encontramos Carreño em Espanha, a fazer um estudo dos Salesianos Cooperadores. Mergulhou nesta nova e inesperada tarefa com o entusiasmo habitual, visitando um grande número de casas salesianas e grupos de Cooperadores para fazer uma ideia da situação.

O ‘parecer’ de Carreño encontra-se numa carta de 4 de abril de 1952 dirigida ao novo Reitor-Mor, P. Renato Ziggiotti (1892-1983), e outra no mesmo dia ao P. Albino Fedrigotti, então vigário do Reitor-Mor, na qual fala da situação e sugere remédios. Assinala que os Cooperadores estavam mal organizados e que eram poucos: só 15.000 (!!). A razão disto, segundo ele, é que o Cooperador é visto só como um benfeitor, alguém que dá um contributo mensal. A culpa, sugere, é que os salesianos reduziram Dom Bosco, o maior fazedor de milagres da Igreja desde os tempos apostólicos, ao nível de um entre os muitos fundadores de Congregações dedicadas ao ensino. O trabalho salesiano fechou-se entre os muros das escolas e os salesianos, diz, estão a converter-se em pessoas insensíveis às grandes correntes da Igreja. Viu Cooperadores em alguns lugares a dirigir até sete Oratórios festivos, ao passo que os salesianos não têm nenhum. O católico pensante pergunta-se se não somos nós, seus filhos, os responsáveis por reduzir a estatura de Dom Bosco. E se muitos jovens salesianos optam pelas missões, é acaso porque a vida religiosa salesiana em Espanha carece desse elemento que mais os fascinava quando seguiam Dom Bosco, o apostolado? Carreño continua a sugerir que os Cooperadores são os ‘salesianos externos’ com os quais Dom Bosco havia sonhado, que deveriam trabalhar no mesmo campo que os Salesianos, e que assim o bem se multiplicaria tanto que começaríamos a entender a grandeza da missão de Dom Bosco.116

Carreño passa depois a novas formas de organização dos Cooperadores. Não basta enviar um salesiano idoso a suas casas a receber um contributo mensal. Não basta enviar um pobre ex-missionário – como ele – a distribuir folhetos e a fazer conferências. Também não basta pressionar os diretores, que já estão sobrecarregados, a fazer mais. O que falta é ‘dotar os salesianos externos’ de casas que os acolham, onde possam ler, rezar, refletir, atualizar-se doutrinalmente, fazer os seus retiros… “Nestas Casas para Salesianos externos poder-se-ia concentrar e dirigir a legião de apóstolos leigos que a Igreja necessita. Enche-me de alegria ver por toda a parte, viajando por Espanha, milhares de jovens que passam os domingos nos subúrbios a dar catecismo; mas entristece-me ver que nesta grande cruzada nós somos, com raríssimas exceções, os grandes ausentes. COMO TORNÁMOS PEQUENO O MAIOR TAUMATURGO DA IGREJA, DOM BOSCO!"117

A resposta do novo Reitor-Mor a esta apaixonada súplica não foi, infelizmente, muito favorável. Recordou a Carreño que ele (Ziggiotti) não era Ricaldone. Carreño não deveria tentar introduzir novidades nas Constituições, deveria deixar o “prurido de reforma”. Ele estava a tentar aproveitar-se da sua condição de missionário e ex-provincial, e seria um perigo para a unidade da Congregação se persistisse nas suas ideias.118

Foi este assunto que levou os superiores a pedir a Carreño que saísse de Espanha e fosse para Goa? Sabemos que, já em 1951, Mons. Mathias havia sugerido tal movimento.119 De todos os modos, Pianazzi afirma ter sido ele quem solicitou, na sua qualidade de provincial do sul da Índia, que Carreño fosse enviado como diretor para Goa.120

Goa Dourada (1952-1960) 

 

Como provincial, Carreño envolveu-se profunda e diretamente nos inícios do trabalho em Goa. Pelo que escreve, pareceria que se tinham recebido vários convites da própria Goa, e que se tinham feito várias tentativas infrutuosas para obter a autorização dos Superiores de Turim: “Muitas vezes se convidou os Salesianos a iniciar algumas instituições em GOA e o convite se tinha encontrado invariavelmente com outra resposta estereotipada: ‘Não temos pessoal.’” 121 

Todavia, foi a Segunda Guerra Mundial que proporcionou uma oportunidade:


Era necessário que Nossa Senhora interviesse para levar os Salesianos não para algum lugar encantador e escondido no interior do país, mas diretamente ao coração e capital de Goa para o bem-estar desta juventude. E, ao que parece, dado que Nossa Santíssima Senhora não está obrigada por objeções contra os métodos maquiavélicos, fez uso das ‘condições de guerra’ na Índia.122


Quais foram os muitos convites recebidos pelos salesianos? E quais foram os “métodos maquiavélicos” e as objeções aos mesmos a que alude Carreño? As respostas seriam sem dúvida novos contributos para a história do trabalho salesiano em Goa e para a própria biografia de Carreño. Mas, em resumo, no fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, a alguns dos salesianos prisioneiros, os que tinham causado problemas aos britânicos nos campos de concentração, não se lhes permitiu ficar na Índia britânica, e alguns deles converteram-se nos pioneiros do trabalho em Goa.

A ideia de ir para Goa – o Estado da Índia, ou simplesmente Índia Portuguesa – tinha estado a germinar na mente do P. Vincenzo Scuderi já durante o seu internamento em Purandarh, e poderia havê-la partilhado com o P. Carreño.123 O P. Carreño tinha feito todo o possível para reter Scuderi e os outros na Índia britânica, e inclusivamente tinha ido a Nova Delhi para interceder junto do vice-rei, mas o governo de Sua Majestade não quis escutar. "Muito bem, senhores”, disse o P. Carreño. “Estes homens vieram para a Índia a servir Jesus Cristo. Vocês não os querem na Índia britância, irão para a Índia portuguesa”.124 Acompanhado pelo P. Aurelio Maschio, foi a Goa para se encontrar com o patriarca, José da Costa Nunes, que recebeu os salesianos de braços abertos, encarregou-se dos vistos necessários , e ajudou os Salesianos a alugar uma casa na ‘Cidade de Goa’, como se conhecia então Panjim.125 Foi assim que, a 4 de abril de 1946, entrou em Goa um grupo de 7 salesianos dirigido pelo P. Scuderi.126 Havia autorização de Turim para esta nova obra? O assunto não parece claro, embora sem dúvida os superiores em breve se tenham dado conta disso, como se depreende da correspondência Scuderi, Ravalico e outros com Turim.127 

Em 1951, após cinco operações a hérnias e um surto de febre tifoide, o padre Scuderi foi para a Europa descansar. No entanto, a casa de Panjim também tinha sofrido sérias divisões e mal-entendidos entre os irmãos, e o P. Scuderi não tinha conseguido sanar as divisões, pelo que os superiores decidiram pedir-lhe que permanecesse na Europa e que enviasse o P. Carreño em seu lugar.128

Ao P. Carreño que tinha estado na Europa durante aproximadamente um ano, como vimos, foi pedido que fosse para Goa como diretor da casa de Panjim. Chegou em outubro de 1952 e permaneceu em Goa até 1960, segundo Thekkedath, um período de 8 anos.129 "Goa era… amor à primeira vista", escreveu Carreño em Urdimbre en el telar.130 Era o único recanto da Ásia continental em que os católicos eram mais de 50% da população, com um sacerdote por cada 600 cristãos, campos, colinas e casas dominados pela cruz, e famílias com profundos ideais cristãos. “Goa tinha a mais animadora fonte de energia que um missionário pode esperar, depois da Eucaristia que nos sustenta e da nossa Mãe celestial que nos mima: e era o corpo incorrupto de S. Francisco Xavier. Estes sagrados despojos, aos quais Pio XII chamou ‘o maior tesouro da Ásia’ guardavam-se numa urna de prata na Basílica do ‘Bom Jesus’”.131

O trabalho em Goa tinha-se ampliado para incluir duas escolas técnicas, uma escola secundária e uma escola primária; duas igrejas públicas, uma delas em Panjim dedicada à Virgem peregrina de Fátima; o cuidado de mais de 600 meninos pobres; as tipografias, a “Hora Católica” na emissora de rádio do governo; e o trabalho pelas vocações.132

Tudo isto requeria dinheiro e os salesianos eram desesperadamente pobres. De forma que, em novembro de 1953, Carreño fez uma viagem à Venezuela e Cuba em busca de fundos para uma futura escola técnica com “Engenharia Mecânica” e secções de tipografia.133 Também tratou de resolver o problema do pessoal qualificado conseguindo dois salesianos coadjutores de Espanha, e enviando alguns jovens de Goa para Espanha a fim de se formarem.134 Dois dos livros de Carreño, Dios en un espejo e El retrato de Cristo, foram impressos na nova Tipografia Dom Bosco.135

O internato de Panjim teve 300 rapazes durante a direção de Carreño, a maioria deles gratuitos. Circulam histórias sobre como alguns dos mais irrequietos se escapavam de noite para ver filmes no vizinho “Cinema Nacional”, e como Carreño, quando encontrava as suas camas vazias, ele mesmo fazia manequins para que os “malfeitores” não fossem descobertos por algum «assistente» atento. Quando os cinéfilos se inteiravam disto pelos seus companheiros, dirigiam-se envergonhados ao diretor. Foi a forma de Carreño encontrar um caminho para os seus corações e ganhar a sua confiança.136

Valerian Pereira informa:

 

O P. Carreño tinha especial predileção pelos pequenos que vinham de famílias pobres. Quanto mais pobre se era, maior era a sua bondade paternal para com essa pessoa. Numa ocasião, um menino aproximou-se do P. Carreño a chorar informando que o seu tio tinha chegado para o levar para sua casa, já que seu pai acabava de morrer no hospital. O P. Carreño chorou e passado algum tempo acompanhou o pequeno e o seu tio a sua casa para consolar a família. Ali, enquanto rezava pelo descanso da alma do homem, voltou a chorar. Antes de deixar a casa do pequeno apertou-o a si e disse-lhe: ‘Ninguém deveria ter a experiência de perder o pai numa tenra idade, mas a Providência de Deus é maior do que a minha pobre compreensão de tal realidade.’ Um jovem que assistiu a tudo em casa e que se tinha dado conta dos factos contou-os aos seus companheiros e ao seu chefe no trabalho. O chefe sentiu-se comovido pela caridade e pela humanidade do P. Carreño e visitou-o pessoalmente para lhe assegurar que dali em diante seria o patrocinador anónimo do pequeno que tinha perdido seu pai. Ao pequeno, por sua vez, correu bem a vida e continuou a visitar o oratório muito depois dos seus maravilhosos dias como aluno e interno salesiano.137


Entre os internos também havia alguns aspirantes, e destes saíram salesianos como Albano D'Mello (1931-2009), Romulo Noronha (1944-2016), Anthony Byron D'Silva (1943-2020), Elias Dias (1942-2020), Chrysologus D'Cunha (1942-), Thomas Fernandes (1943) Amarildes Sigmaringa (1948-).138 O sonho de Carreño era montar um aspirantado separado, mas mais tarde.

A procura crescente exigia a ampliação das instalações. Com muita dificuldade e com a ajuda de uma subvenção do governador geral, ampliou-se a secção do internato, acrescentou-se um novo refeitório para os rapazes e também uma residência para os irmãos. Com certa dificuldade e muita determinação, Carreño também conseguiu que o governo alterasse os seus planos de adquirir boa parte da propriedade da casa de Panjim. Ao ser repreendido pela sua intransigência frente ao governador geral, a resposta de Carreño é própria dele: “É por isso mesmo que estou a falar com tanta confiança, sabendo que é com o pai que falo e nos há-de compreender.”.139

Os aldeãos ainda contam histórias sobre o árduo trabalho e o sacrifício de Carreño, se bem que algumas damas da classe alta de Panjim parecem ter-se escandalizado ao encontrar o Senhor Diretor empoleirado no teto de batina, a fazer reparações. E eu ouvi pessoalmente alguns dos primeiros salesianos de Goa a narrar, de lágrimas nos olhos, como, quando o dinheiro e a comida escasseavam, Carreño e outros se apresentavam no Centro Médico do lado para dar sangue a fim de poder comprar arroz e bolas de futebol e mais algumas coisas com as poucas rupias que recebiam.140 Os Salesianos deram literalmente o seu sangue pelos seus rapazes.

Carreño tinha boa relação com o patriarca, José Vieira Alvernaz, que tinha conhecido como bispo de Cochin quando ele mesmo era provincial da Índia do Sul e Vigário Geral da arquidiocese de Madrasta. Sabendo que Carreño tinha sido secretário do Sínodo da Igreja da Índia,141 o patriarca nomeou-o secretário do Sínodo Diocesano. Com o objetivo de promover a literatura religiosa em konkani, a língua local de Goa, Carreño foi nomeado presidente da Liga dos Escritores Católicos em Concani (Asociação de Escritores Católicos de Konkani). Também foi membro da junta da Ação Católica na arquidiocese e professor de Catequese na Escola Normal que preparava os professores para as escolas primárias. Ao terminar o Ano Mariano, foi-lhe pedido que falasse ao Instituto Académico Vasco da Gama de Goa. Com frequência se lhe pedia que pregasse retiros ao clero e seminaristas da arquidiocese. 142 Eu mesmo ouvi que a animação espiritual de Carreño do clero religioso e diocesano foi muito apreciada.143 Joseph Vaz, noviço de Carreño e depois irmão em Panjim, refere mesmo ter visto o seu diretor em levitação, como aqui faço constar em palavras de Valerian Pereira:

 

Tanto as crianças como os fiéis leigos que vinham a Panjim rezar sabiam que o P. Carreño era um homem de oração. Muitos dos leigos eram vistos a confessar-se ao P. Carreño ou procurando a sua guia espiritiual ou a sua bênção. Profundamente perturbado por certo acontecimento no oratório, o P. Joseph Vaz decidiu encontrar-se com o P. Carreño depois das orações da noite e buscar a sua guia. Chamou à sua porta, mas não houve resposta. Como a porta estava entreaberta, assomou-se e ficou estupefacto ao ver o P. Carreño em êxtase orante, levitando levemente e em profundo colóquio com Deus. O P. Joseph Vaz … [disse] que se lhe tornou difícil partilhar esta experiência com os outros receando que eles não acreditassem e como demonstração de respeito pelo seu diretor. Agora, ao partilhar a memória deste grande missionário, sentiu-se movido pelo Espírito a honrar a sua memória com esta revelação.144

 

7.1 Entre duas províncias 

 

Um relatório enviado por Armando da Costa Monteiro, provincial de Portugal, ao Reitor-Mor, Renatto Ziggiotti, proporciona uma informação vital para compreender a presença salesiana em Goa.145

Monteiro começa por mencionar o bom trabalho e o espírito dos Salesianos, nomeando-os a todos e muito especialmente “o ativo e dinâmico P. Carreño, para-raios da Obra salesiana nesse Estado”.146 O patriarca, informa, elogiou o trabalho dos salesianos, dizendo que ele gozava da estima de toda a gente de Goa.

O provincial passa a falar da Concordata e do Acordo Missionário de 1940 entre a Santa Sé e o governo português. Graças a este último, a província salesiana portuguesa tinha sido reconhecida como uma Corporação Missionária, com todos os direitos a subsídios para a formação e para as viagens dos missionários. No entanto, isto também significava que todas as casas de missão nos territórios do ultramar de Portugal tinham que depender do provincial de Lisboa, e que o superior das casas de missão tinha de ser de nacionalidade portuguesa. A presença de salesianos dependentes do provincial de Madrasta foi, portanto, um problema, como também, talvez, a nacionalidade do diretor, se bem que Monteiro não o diga.147

Monteiro logo manifesta a sua própria opinião como provincial. Muito do que diz baseia-se no que lhe disseram em confidência as autoridades civis e eclesiásticas de Goa e que, por delicadeza, não se tinha dito aos superiores não portugueses. Estes últimos, portanto, só podiam ter uma visão parcial da situação. Além disso, não tinham tido o cuidado de se manter em contacto com as autoridades, tinham descuidado certos trâmites e inclusive tinham dito “que não tinham nada a ver com estas autoridades”.148 À luz de algumas críticas, orais e escritas, o patriarca tinha sido interrogado mais de uma vez pelo Ministro do Ultramar sobre a unidade dos salesianos. Este Ministério tinha chegado inclusive a chamar aos salesianos “os maiores inimigos de Portugal em Goa.149 Especialmente depois das tensões de 1954, quando os enclaves portugueses de Drada e Nagar Haveli foram invadidos pela União Indiana, o governo não estava contente com o envio de salesianos indianos para Goa. Dada a gravidade da situação, portanto, o patriarca recomendou o envio de pessoal português e a incorporação de Goa na província de Portugal, seguindo o exemplo dos jesuítas. Igualmente, o governador geral também tinha expressado a Monteiro a sua esperança de que Goa se integrasse na província portuguesa no espírito da Concordata.

Durante a sua visita, Monteiro parece ter conhecido John Med, provincial de Madrasta. Med informa que se sentiu ofendido pela visita do provincial português e que não entendia a situação de Goa e os problemas que estava a causar à província portuguesa. Quando lhe aconselharam que enviasse para Goa os salesianos de Goa em lugar dos indianos, respondeu que era ele quem dava as ordens. Quando Monteiro insinuou que os Superiores poderiam decidir unir Goa à província portuguesa, a resposta de Med foi categórica: “Não posso permitir um corte na minha província”.150

O relatório de Monteiro deixa calro que, enquanto a Obra Salesiana de Goa permaneceu sob a jurisdição da província do Sul da Índia, se encontrava numa situação anómala. A esta luz, não é de estranhar que, já em 1949, se encontre uma carta do Diretor Geral da Educação –nas colónias– a pedir ao provincial da província portuguesa que regularize a situação das obras salesianas de Goa, integrando-as no província portuguesa.

Cabe assinalar que Agenor Vieira Pontes (1895-1985), que precedeu Monteiro como provincial, já tinha iniciado o assunto com Carreño. Na sua carta, Pontes sugere que os clérigos de Goa sejam enviados para Portugal para o estudo da filosofia, e talvez também alguns sacerdotes de Goa durante uns meses; isto seria considerado favoravelmente pelo Ministério do Ultramar. Assinala que a Concordata não previa que os superiores nas missões fossem estrangeiros. Pede a Carreño uma lista das atividades para poder enviar o relatório anual obrigatório ao Ministério. Contudo, não vai tão longe que chegue a sugerir a integração de Goa na província portuguesa, devido a questões de distância e dispersão. Se, no entanto, Goa pudesse aceitar alguns irmãos portugueses, isso ajudaria. Diz que ele (Pontes) tinha falado com Pianazzi, o provincial do Sul da Índia, em Turim, sobre o assunto, mas sem resultados concretos.

Agora, em resposta ao informe de Monteiro, Turim decidia aceitar a proposta de nomear um diretor português para Goa, mas ainda não sentia a necessidade de integrar Goa na província portuguesa. “Os Superiores são de parecer de que por agora se dê este primeiro passo; as autoridades gostarão de ver o superior português e muitos inconvenientes serão evitados”.151

O que se segue é uma espécie de comédia de erros. Manuel Júlio Pinho de Bastos foi nomeado diretor de Panjim.152 Em 24 de março de 1960, Monteiro escreve a Fedrigotti agradecendo-lhe a carta de nomeação de Pinho e a do P. Puddu comunicando a decisão dos Superiores de transferir Goa para a sua província, embora não esperasse uma decisão rápida.153 No mesmo dia, Monteiro comunica a notícia também a Carreño em Goa. Diz que Carreño poderia passar as suas férias em Espanha depois da chegada do novo diretor, e que quando regressasse poderia encarregar-se do aspirantado em Goa.154 No dia 29 de março de 1960, porém, Fedrigotti responde apressadamente a Monteiro, negando que Goa tivesse passado para Portugal:


Não sei o que te deu a indicação de que Goa devia passar para a tua Província; talvez o Sr. Pe. Puddo tenha entendido mal uma discussão que tivemos sobre esse assunto. Mas devo assegurar-te que por agora os Superiores entendem que Goa continue sob a jurisdição da Província da Índia. As razões compreende-las facilmente também tu: a mudança de diretor é já uma mudança considerável. Além disso naquelas duas casas há, como sabes, vários irmãos da Província da Índia do Sul, que naturalmente se sentem ainda ligados à sua província de origem, pelo menos sentimentalmente. Devemos por isso dar os passos devagar”.155

 

Carreño, que não tinha forma de se inteirar deste esclarecimento, responde com grande alegria a Monteiro. Em particular, tinha-lhe doído, diz, a sugestão de Fedrigotti de transferir o aspirantado para Bombaim, mas agora está muito contente com a preocupação de Monteiro pelo aspirantado, e aceitará o pedido para se encarregar dele.156

Monteiro, ao invés, responde a Fedrigotti dizendo que a sua carta o tinha deixado muito perturbado. Puddu não só tinha falado da decisão dos Superiores de inserir Goa na província portuguesa, mas que também se tinha referido, na carta de nomeação de Pinho, à casa de Goa como pertencente à “Provincia Lusitaniensis”. O P. Borra,157 numa visita canónica à província, tinha confirmado ele mesmo a notícia, pelo que ele e o seu conselho a tinham comunicado à província e a Carreño e aos irmãos de Goa. No entanto, o mais grave foi que o governador de Goa, o patriarca e o governo português se tinham inteirado. Agora não se podia falar de um erro por parte dos Superiores; o assunto poderia chegar mesmo à Santa Sé. Portanto, espera que os Superiores revejam a sua decisão e confirmem o que Puddu tinha escrito.158

Turim confirmou de facto o que Puddu tinha escrito e, portanto, autorizou oficialmente a passagem da Obra de Goa para a província portuguesa? Pareceria que sim, embora a evidência que tenho seja só indireta. Uma pista é que Carreño escreve a Monteiro em 29 de julho de 1961 de Los Angeles, pedindo autorização para prolongar a sua estadia nos Estados Unidos e perguntando-lhe se tinha decidido onde colocar o novo aspirantado, em Betim ou em Vasco da Gama, etc.159 Outra é que Caetano Lobo, na sua “Goa Salesiana”, fala da “inesperada notícia” de que Goa tinha sido integrada na província de Portugal, algo que Med, o provincial de Madrasta, encontrou muito difícil de aceitar.160 Uma vez mais, Monteiro escreve ao Patriarca José Alvernaz: “Como todos desejavam, as obras slesianas da Índia portuguesa integraram-se nesta província não só oficialmente mas também salesianamente”.161 Finalmente, as crónicas de Panjim de 1959-60 estão assinadas por “Armando Monteiro, Prov[incial]”, em 6 de junho de 1960.162 Em algum momento de 1960, portanto, a Obra Salesiana de Goa ficou sob a jurisdição da província portuguesa, colocando-a assim dentro dos termos e espírito da Concordata e do Acordo Missionário, com benefícios óbvios e concretos, em absoluto pertinentes.


7.2 Entre Nehru e Salazar 

 

Se a Obra Salesiana de Goa se encontrava entre a província da Índia do Sul e a província portuguesa, Carreño viu-se de repente entre a União Indiana e a Índia Portuguesa, “entre Nehru e Salazar”, como o expressou um jornalista,163 e este é outro ponto interessante da sua biografia.

Rico informa que em 1960 o governo português honrou Carreño con um reconhecimento oficial.164 Provavelmente se esteja a referir a uma ordenança publicada pelo Governador Geral Manuel António Vassal e Silva no Boletim Oficial elogiando o trabalho realizado por Carreño.165 Caetano Lobo comenta que Carreño era pessoa grata tanto para Portugal como para a Índia porque, na ausência do cônsul, se tinha interessado pelos prisioneiros satyagrahi durante o período 1955-59.166 O próprio Rico informa que quando o governo indiano cortou as relações diplomáticas com Portugal pela questão de Goa, Carreño foi chamado pelo Primeiro Ministro, Jawaharlal Nehru, para servir de intermediário na libertação dos prisioneiros indianos de Goa.167

Alguns pormenores mais sobre este assunto estão disponíveis graças a um jornal português de 1977 que publicou extratos do que até então era um segredo classificado: o próprio informe de Carreño ao governador geral de Goa sobre a sua reunião com Nehru. 168

Em agosto de 1947, a Índia tornou-se independente da Grã-Bretanha, e em janeiro de 1950 promulgada a Constituição e declarada a república. Nessa altura, vários dos estados principescos tinham aderido à União Indiana, mas faltava a questão dos territórios portugueses no subcontinente indiano. Em agosto de 1954, centenas de satyagrahis indianos tinham entrado em vários pontos de Goa, como parte de um movimiento em curso para a integração de Goa na União Indiana. Segundo RN Sakshena, muitas dessas pessoas foram assassinadas pelas Forças armadas portuguesas.169 Contudo, pareceria que um número muito maior foi encarcerado em Goa.170 A Índia cortou relações diplomáticas e impôs um bloqueio económico, congelando os fundos portugueses na Índia e impossibilitando as transações financeiras.171

Carreño esteve, como dissemos, profundamente envolvido no cuidado dos satyagrahis entrados em Goa, até ao ponto de criar amizades próximas com alguns deles.172 No entanto, também estava preocupado com os efeitos do bloqueio económico na gente comum de Goa. No seu informe sw 13 de novembro de 1956 escreve:

 

Há uns meses, servindo-me da pouca autoridade que me dava o facto de ser encarregado dos presos políticos indianos, tinha escrito uma carta bastante dura ao senhor Ashok Mehta do Ministério das Relações Exteriores do Governo da Índia (mas residente em Bombaim), protestando contra as injustiças provocadas pelo bloqueio económico de Goa e, sobretudo, a injusta retenção das pensões de milhares de goeses.173

 

O ministro respondeu convidando Carreño a ir a Bombaim e depois a Delhi, onde, tal como sucedeu, o própio Nehru queria avistar-se com ele. Era o dia 29 de outubro de 1956. Segundo Pianazzi, o facto de Carreño ter assumido a cidadania indiana, outorgava-lhe uma posição especial perante Nehru, que o tinha em grande estima.174 Nehru agradeceu por tudo o que Carreño estava a fazer pelos presos políticos indianos. Lamentou que o governo português não tivesse apreciado os seus esforços – de Nehru – para deter o movimento da satyagraha à custa de se tornar impopular entre a sua própria gente. Todavia estava interessado em conseguir a libertação dos satyagrahis indianos. Carreño indicou que o que não era possível na esfera política, poderia ser possível através da mediação da Igreja Católica; no entanto, também insistiu em que se levantasse o bloqueio económico, já que estava a causar angústia a centenas de goeses de baixa condição. Nehru disse que ficaria feliz se a Igreja pudesse mediar, mas não prometeu nada em relação a levantar o bloqueio.

A participação de Carreño neste assunto mereceu investigação. Vê-se claramente que a sua preocupação não estava limitada pelas fronteiras políticas ou nacionais: tinha feito todo o possível para cuidar dos priosioneiros políticos indianos em Goa, e estava da mesma forma profundamente preocupado com os efeitos do bloqueio económico aos goeses de baixa condição. Sobre a questão da continuada presença portuguesa em Goa e sobre as possíveis respostas indianas, é mais ambíguo:


- Sr. Nehru, há que confessar, que a questão de Goa está actualmente em ponto morto. A União Indiana não parece dar-se conta do que Goa representa para Portugal. A Índia Portuguesa encontra-se tão incrustada na sua história, mas suas glórias, na sua literatura, no seu máximo poema, no seu património espiritual, que não existe qualquer esperança em convencer os portugueses de que podem abandonar este território, sem atraiçoar os seus mais sagrados deveres para com a Pátria. Não se compare Goa com Pondicherry. Aqui, não estão em jogo interesses económicos: trata-se do dever de um povo de defender um património sacro. Acredite, Portugal não cederá. Por outro lado, a União Indiana não admite outra solução, que não seja obrigar Portugal a abandonar Goa. E, como a U. I. não quer pegar em armas, parece ter perdido toda a esperança de conquistar a cidadela da consciência portuguesa. Havendo encerrado as suas delegações, temos aqui um ponto morto. Devemos permanecer assim para sempre?


E outra vez:

 

- Qualquer pessoa honrada lhe dirá, sr. Nehru, que este bloqueio é um fracasso total. Este bloqueio nem sequer arranha o Governo português ou o seu Exército. Porque se obstina a União Indiana em envolver-se com o povo goês?

- Até do ponto de vista político, o bloqueio é um fracasso: o único objectivo que V. Exas, alcançaram foi aproximar mais os goeses de Portugal. Têm toda a razão para dizer: “Portugal é a nossa mãe; a União Indiana nos trata como nossa madrasta.”175


Segundo Carreño, Nehru escutou-o em silêncio “de cabeça baixa como um leão cansado.” Tal como havia falado perante o governador geral de Goa, também agora se tinha expressado diante do primeiro ministro da Índia. O medo não era uma emoção que tivesse interiorizado durante a sua educação. “Nunca se me falou de MEDO”, escreve sobre a sua infância “E quanto agradeci isso depois durante a vida! Medo de quê? De quem? Para quê? Não era eu filho de Deus e irmão de Jesus Cristo?"176 

Mas voltemos ao conteúdo da intervenção. Carreño simplesmente representa aqui as convicções portuguesas ou reflete as suas? O autor do Expresso de 1977 chega ao ponto de sugerir que o bom do sacerdote atuava como agente duplo, se bem que talvez só de maneira involuntária e sem pretendê-lo explicitamente. Rico informa que o diálogo entre Carreño e Nehru terminou com Carreño dizendo: “Senhor Ministro, eu não sou diplomata” e Nehru respondendo: “Não, padre. O senhor é um homem sincero".177 Poderíamos dizer que Carreño certamente apreciava os benefícios do domínio português para o trabalho dos salesianos, mas que ele não era dos que deixavam deter seu coração pelas fronteiras políticas.

A missão de Carreño só teve um êxito parcial. Levou a solicitude de Nehru a Bangalore, onde se reunia a Conferência dos Bispos Católicos da Índia: "O Primeiro Ministro deseja que a Igreja Católica se empenhe em obter a amnistia para os prisioneiros políticos indianos em Goa".178 Quatro meses depois, a Goa portuguesa concedeu a amnistia desejada. A Índia de Nehru, por sua parte, não ofereceu nada em troca e, segundo Rico, "Goa sofreu injustamente".179 Segundo Pianazzi, isto levou a uma disputa entre Carreño e Nehru, com a consequente renúncia à sua cidadania indiana.180

As crónicas de Panjim contêm informação sobre outro incidente que revela a atitude política de Carreño.181 A ocasião foi a tomada indiana dos enclaves portugueses de Dadra e Nagar Haveli em 1954. Em julho de 1954, celebrou-se em Goa o Dia dos 'Heróis de Dadra', em que participaram os alunos da Escola Dom Bosco como membros da Mocidade Portuguesa (Juventude Portuguesa).182 Em outubro de 1954, o Dr. Sócrates da Costa convocou uma reunião de todos os diretores em que lhes pediu que assinassem um manifesto “Saibam quantos este documento virem”, de protesto contra a Índia por tentar fundir Goa com a Índia. O P. Caetano Lobo, diretor da escola salesiana, foi o único dos presentes que se negou a assinar, dizendo que tinha de consultar o seu superior, o P. Carreño. O Dr. Sócrates insistiu em conhecer a opinião de Carreño, pelo que Carreño enviou uma resposta a Lobo que é uma maravilha de bom senso e de astúcia evangélica:

 

Em primeiro lugar, somos ministros de Jesus Cristo e benfeitores dos meninos pobres. É necessário que toda a gente o saiba.

Pois bem, não há dúvida de que, pelo bem da religião, é muito melhor que Goa continue a ser portuguesa, quer como província do ultramar ou como membro de uma União Lusitana. E digo isto não como ibérico que sou, mas como sacerdote católico que está a presenciar o curso dos acontecimentos na União Indiana. Enquanto que o governo português tem sido o nosso melhor e mais generoso benfeitor em Goa, o governo de Bombaim, com sua Lei de Confiança Pública, tem estado a assumir o controlo, se não roubando diretamente, propiedades eclesiásticas, como todos sabem.

Todavia na manifestação pública das nossas convicções políticas são-nos impostos dois limites

a) pela nossa disciplina religiosa

b) pelo nosso dever de caridade.

(E repare que eu nunca invoco a virtude da ‘prudência’, pela qual sinto muito pouca simpatia!)

Você, P. Lobo, tem o seu voto de obediência. Pode ser enviado de novo pelo seu Superior Provincial às casas de Shillong, Dibrugarh, Kotagiri... onde trabalhou antes. Se você, P. Lobo, assinasse um manifesto público nas circunstâncias atuais, não só iria contra a norma das nossas Constituições que nos pede não só que sejamos apolíticos, mas suprapolíticos (‘a nossa política é a do Pai Nosso’, dizia Dom Bosco), mas que lhe tornaria impossível cumprir o seu voto de obediência. Suponha que o P. Provincial chama o P. Lobo a Madrasta para um Retiro, renovação de votos, ser diretor do colégio… quando o Padre chegasse a Castle Rock, poderiam dizer-lhe como ao Sr. Virgincar: 'Assinaste um manifesto público: por favor regressa'.

Eu pessoalmente ficaria muito feliz, porque isso significaria que o P. Lobo ficaria connosco em Goa para sempre: mas, objetivamente, não parece canonicamente correto.183


Carreño continua a mencionar “uma razão ainda mais forte” relacionada com o facto de que a maioria dos meninos pobres da escola tem familiares na Índia próxima ou na África inglesa, mas, infelizmente, as crónicas não contêm a segunda página da carta. De todos os modos, o cronista (provavelmente o mesmo Lobo) diz que a carta foi mostrada ao Dr. Da Costa, que por sua vez a mostrou ao patriarca e provavelmente também ao governdaor geral. Além disso, uma lista de 249 nomes de ‘filiados’ – provavelmente os estudantes – que tinham assinado o documento em questão, enviado à Mocidade, e com isso o assunto parece ter ficado encerrado. “Era uma situação delicada, mas deixava claro a todos que os salesianos, pelas suas Constituições, devem ser não só apolíticos mas suprapolíticos”, comenta a crónica.184 Carreño manifesta-se como pró-português ou pelo menos como alguém que aprecia o que o governo português estava a fazer pela Obra Salesiana, mas também como o superior sábio (não prudente!) que é capaz de ter em conta o panorama geral. Cuidou dos prisioneiros indianos satyagrahi, mas também pôde dialogar audazmente com as autoridades indianas. Foi apreciado por Nehru, mas também recebeu, à sua saída de Goa, um reconhecimento oficial do governo português e uma homenagem pública em que participaram as máximas autoridades, tanto civis como eclesiásticas. Carreño soube dar a Deus o que era de Deus, e aos vários Césares o que lhes correspondia.

 

7.3 Un projeto por terminar: o aspirantado de Betim 


Outro elemento interessante na estadia de Carreño em Goa é o projeto do aspirantado de Betim.

No sul da Índia, Carreño tinha procurado vocações principalmente na vigorosa e antiga igreja de Kerala. Goa, deu-se conta, era outra preciosa mina de vocações.

Ao princípio, os aspirantes faziam simplesmente parte do internato em Panjim junto com outros rapazes, como já indiquei. Em 1955 tomou-se a decisão de separar os aspirantes do resto. Ao princípio destinou-se-lhes o “Alpendre III”, e em 1956 o edifício da escola secundária, e a escola foi transferida para o edifício central. O provincial da Índia do Sul, Pianazzi, encarregou logo Caetano Lobo do aspirantado, sob a direção de Carreño.185

Todavia o sonho de Carreño era instalar um aspirantado à parte.186 A ideia é já mencionada pelo Provincial de Portugal a Carreño em 1952: se os salesianos de Goa pudessem instalar o aspirantado e o noviciado no convento de S. Caetano em Velha Goa, a província portuguesa encarregar-se-ia dos estudos filosóficos dos clérigos.187 No entanto, nem toda a gente esteve de acordo com a ideia de criar um aspirantado independente. O provincial de Madrasta – queixa-se Monteiro a Fedrigotti em 1959 – queria, de facto, fechar o aspirantado de Goa.188 Pareceria que durante a sua visita extraordinária a Goa daquele ano o mesmo Fedrigotti sugeriu – segundo Carreño – que aquele aspirantado fosse transferido para Bombaim.189 No entanto, em 1960, como vimos, Goa passou para a província portuguesa, onde o projeto do aspirantado encontrou um apoio entusiasta. Esta, de facto, é uma das primeiras coisas que Monteiro menciona a Carreño na sua carta de 24 de março de 1960 comunicando a notícia da mudança de jurisdição e da nomeação de Pinho como novo diretor de Panjim. De facto, pede a Carreño que assuma a direção do aspirantado depois de regresar das férias em Espanha.190 Carreño, claramente aliviado de que o projeto estivesse em marcha, responde que ficaria feliz em aceitar: “Como se recordará, na minha última carta a V.R. deplorava o facto de o Sr. Pe. Fedrigotti se enclinar a enviar o Aspirantado para Bombaim, e isso me havia cravado um espinho na alma; mas quando recebi a sua carta e vi que a sua primeira preocupação era precisamente a do Aspirantado, encheu-se-me a alma de esperança e de alegria. Deo gratias. Agora parto contente e disposto a trabalhar também na promoção vocacional; creio que se conseguir angariar alguns milhares de dólares para o nosso seminário menor, o próprio Governo estaria disposto a dar-nos outro tanto…”.191

Carreño partiu de Goa para Espanha provavelmente em princípios de junho de 1960, após a chegada do novo diretor. Em fevereiro de 1961 encontramo-lo ainda em Espanha. Escrevendo a Pianazzi, agora membro do Conselho Superior de Turim, agradece-lhe “esta maravilhosa festa”, dizendo que chegou ali a tempo para o 75º aniversário da visita de Dom Bosco a essa cidade.192 Informa que ainda está no processo de publicar as suas Marian Meditations, que serviriam na sua campanha de recolha de fundos para o projeto do aspirantado em Goa. Depois acrescenta com espantosa presciência: “Mesmo que eu não voltasse para Goa, que consolação seria para mim saber que um novo centro de vocações continuaria a multiplicar o bem...".193

Em março de 1961, o bom do missionário encontra-se nos estados Unidos, a trabalhar numa paróquia rural enquanto prepara a campanha de recolha de fundos. Tinha esperança de que o P. Michael Murray o ajudasse,194 mas tal não foi possível porque os superiores locais o tinham enviado para outro lugar. No entanto, escreve a Monteiro que Murray está ansioso por regressar às missões: por que não pedir ao Reitor-Mor ou a Bellido, seu vigário, que o enviem para o novo aspirantado de Goa ?195

Em julho de 1961, encontramos Carreño a escrever a Monteiro a partir de Don Bosco Tech, South San Gabriel, California. Está dececionado por Turim não permitir que Marray volte para a Índia: “É uma negativa amarga, mas uma vez que a obediência se pronunciou, aceito com espírito de fé. Fiat voluntas Dei!"196 Continua a pedir um adiamento da sua estadia para recolher mais fundos, comenta vários pormenores sobre a construção do edifício para o aspirantado, pergunta se Monteiro tinha decidido instalar o projeto em Betim ou Vasco da Gama, e sugere que o provincial solicite ao governo português uma construção substancial.197

Em novembro de 1961 começa a discussão sobre a transferência de Carreño de Goa para as Filipinas. Fedrigotti escreve a Monteiro dizendo-lhe que Carreño não teve nenhum problema em aceitar a mudança, mas que só estava a pedir uns meses para completar a recolha de fundos para Goa, o que talvez implique que, nesse momento, ainda estivesse nos Estados Unidos.

Fedrigotti continua a dizer que o dinheiro recolhido para o aspirantado de Goa deve destinar-se a esse fim, como tem vindo a insistir o próprio Carreño. “Mesmo que primeiro deseje construir o colégio, deve assegurar-se de encontrar dinheiro para o aspirantado. Mas o perigo é que não haja dinheiro… creio que está de acordo que aquele aspirantado é urgente."198

Em dezembro de 1961, todavia, Goa é absorvida na União Indiana e as coisas mudam por completo, também para o projeto aspirantado. De Barcelona, Carreño escreve a Monteiro dizendo-lhe que Fedrigotti lhe disse que entregasse o dinheiro recolhido ao P. John Med, provincial da província do Sul da Índia,199 "já que os aspirantes goeses serão mantidos por ele”.  Carreño não está nada contente com esta reviravolta das coisas: “Deixa-me de muito mau humor todo este negócio,” diz, porque é uma violação da intenção dos doadores e de quem pede as doações.200

Os arquivos da província do Sul da Índia provavelmente contêm mais pormenores sobre o projeto do aspirantado neste momento. O que está claro é que o aspirantado não chegou a ser construído em Betim, mas que continuou de diferentes modos no mesmo Panjim.


7.4 Saída de Goa (1960) 

 

Já vimos que, como parte do esforço por situar a obra em Goa dentro dos termos da Concordata, se pediu a Carreño que terminasse o seu serviço como diretor em maio de 1960, embora o seu (terceiro) mandato devesse expirar só em 15 de agosto de 1961.201 É provável que, após a homenagem pública e a despedida que lhe prestaram em Panjim, ficasse para receber o novo diretor e o provincial que o acompanhava, e que partisse de Goa em princpios de junho. No entanto, ainda há uma certa ambiguidade quanto à saída: foi temporária ou definitiva?

Vimos que, pelo menos segundo Lobo, já em 1959, durante a visita canónica, Fedrigotti tinha dito que Carreño deixasse Goa no ano seguinte e fosse descansar para Espanha, após o que poderia ir para os Estados Unidos angariar fundos para o aspirantado proposto para Betim.202 Talvez já os superiores de Turim estivessem a pensar no modo de “regularizar” a situação de Goa no espírito da Concordata.

No entanto, seria útil ter em conta uma carta muito contundente de Fedrigotti a Carreño, 15 de fevereiro de 1957:

 Queres que te diga o meu parecer sobre algumas das tuas cartas? Sei como amas a Congregação e Dom Bosco; e isto livra-te de um juízo mais severo. Mas acredita também que, talvez sem te dares conta, as tuas cartas por vezes são ofensivas a respeito dos superiores: dir-se-ia que estes [os superiores] não percebem nada e que não cumprem o seu dever.

Quando fazes uma proposta, dir-se-ia que só existe aquilo em todo o mundo salesiano, e então todos devem movimentar-se para a executar. Dizes outra de cabo de esquadra: as debilidades que motivaram a tua carta, no teu entender, seriam ‘indiretamente consequência do desafeto que encontrámos’: como se aquelas debilidades não fossem já de há muitos anos, mesmo anteriores à minha visita à Índia!…

Era isto que queria dizer-te. Perdoar-me-ás se deitei pouco açúcar. Quando precisares de dizer alguma coisa, és sempre livre de o fazer, e até de desabafar; mas deves fazê-lo de modo que, quando se introduzir a tua causa de beatificação, não haja demasiadas dificuldades a superar.…203

 

Não pude encontrar a resposta de Carreño a esta carta, mas o facto de ter feito uma cópia dela e a ter enviado a Monteiro é em si mesmo de certa importância, se bem que a razão imediata provavelmente tenha estado relacionada com a sugestão de Fedrigotti de enviar os aspirantes de Goa para o noviciado em Portugal. Além disso, há o facto de Carreño agradecer a Monteiro a sua resposta: “Muito obrigado pela tua amável cartinha de 5.3.57 que me deu uma injeção de alento, porque a verdade é que recebemos tanta cacetada de toda a parte, incluindo naturalmente dos nossos queridos Superiores…”204

De todos os modos, sabemos que Carreño aceitou de muito boa vontade o fim antecipado da sua direção. Em lugar de terminar em agosto de 1961, terminará em maio de 1960, antes do início do ano letivo em Goa. Em maio de 1960, de facto, temos uma homenagem bastante bem documentada e solene a Carreño por parte das autoridades civis e eclesiásticas de Goa. Nos discursos que chegaram até nós, como também no Reconhecimento Oficial do Governador Geral publicado uns dias depois, não se menciona a sua saída de Goa.205 Contudo, outros documentos falam da homenagem como uma “despedida” por motivo da viagem de Carreño à Europa, e o Aitarachem Vachop contém cinco poemas doridos de simpatizantes e exalunos,206 mas tudo isto não indica necessariamente uma saída definitiva de Goa. Sabemos que Monteiro, o provincial de Portugal, visitou Goa em maio-junho de 1960, para acompanhar o novo diretor, Pinho, mas também talvez porque Turim, finalmente, tinha sancionado a passagem de Goa para a Província portuguesa.207 Conjeturámos que Carreño foi para Espanha em fins de maio ou princípios de junho de 1960.208 Vimos que em fevereiro de 1961 ainda estava em Espanha, e que dali seguiu, provavelmente em finais de março de 1961, para os Estados Unidos na sua tarefa de angariação de fundos para o novo aspirantado de Goa.209 

Como já indicámos, em novembro de 1961, dá-se uma mudança significativa: Monteiro recebe uma carta de Fedrigotti dizendo que Carreño seria transferido para fora de Goa, provavelmente para Manila:

 


Preciso de te pedir um sacrifício. O cardeal de Manila que tem confiança cega nos salesianos, pediu-nos com a maior insistência um salesiano para colocar à frente do seu Centro Católico, obra de suma importância para a capital das Filipinas. Pusemos os olhos no P. Carreño que, além de outros belos dotes, fala as duas línguas necessárias nas Filipinas, inglês e espanhol. Já lhe escrevi e ele não tem dificuldade em aceitar este encargo; só pede alguns meses para completar a sua promoção vocacional em Goa.210

O bom do provincial fica abalado – “esta carta deu-me um grande choque” – e na sua longa resposta pede ao superior que não leve por diante os seus planos. Carreño era muito estimado pelas autoridades eclesiásticas e civis, como tinha ficado claro na homenagem de maio de 1960. Estava envolvido na angariação de fundos para o aspirantado, e a província de Portugal não tinha mais ninguém com essa capacidade. Durante a sua visita a Goa, o Governador Geral e o Patriarca fizeram-lhe prometer que Carreño regressaria. “Respondi, baseando-me na sua carta de março do ano passado, que podiam estar seguros de que o desejo de Sua Excelência coincidia com o dos Superiores”.211

Monteiro continua a assinalar que alguns salesianos tinham desafiado Carreño por defender o respeito às autoridades estabelecidas. Pois bem, se não voltasse, pareceria que os superiores ou estavam a defender estes salesianos, ou estavam a deixar-se enganar. Também poderia parecer que os salesianos portugueses queriam despedir Carreño: “E eu, como todos os salesianos portugueses que conheço, sentir-me-ia muito ofendido por este tipo de calúnias, porque o admiramos imensamente e lhe estamos muito agradecidos."212 O provincial fala depois do aspirantado: gostaria que o dinheiro angariado por Carreño se destinasse exclusivamente ao novo edifício, e tinha dito ao novo director, Pinho, que logo que Carreño voltasse devia começar a construção. Tinha a intenção, com a aprovação do seu conselho, de nomear Carreño diretor deste aspirantado; isto tinha sido comunicado ao próprio Carreño e também a Pinho e a outros. “Por todas estas razões, espero que os Superiores não o levem e encontrem alguém em Hong Kong, onde há abundância de pessoal, por exemplo, o P. Pomati, para a missão que o cardeal de Manila quer encomendar aos salesianos."213

À longa e apaixonada carta de Monteiro não há resposta de Fedrigotti. A ação militar indiana começou a 11 de dezembro de 1961, um dia depois da carta do provincial, e terminou a 19 de dezembro de 1961 com a anexação de Goa. O provincial esteve em Roma, a participar no Primeiro Congresso Internacional de Vocações Religiosas. Da sua carta de 22 de dezembro 1961 a Carreño, fica claro que está consternado, incomodado e preocupado com Goa, os irmãos e a gente dali e, ao mesmo tempo, triste pela falta de simpatia por Portugal nos círculos da Igreja:

 

A minha impressão na Itália, onde assisti ao Primero Congresso Internacional de Vocações Religiosas, é que a mentalidade geral, ao menos no caso de Portugal, é a mesma que a dos comunistas. Pois só estes (e os socialistas) atacam frontalmente o nosso governo e a posição portuguesa. E a grande maioria dos sacerdotes apoiou esta posição.214


Todavia, evidentemente, Monteiro também continua a lidar com a possibilidade de perder Carreño. Revela que tinha ido a Turim – precisamente em 19 de dezembro de 1961 – para se encontrar com os Superiores e discutir com eles não só a nova situação de Goa, mas também a de Carreño:

 

E vamos ao seu caso e aos problemas que suscita.

Mando-lhe cópia duma carta que enviei ao Sr. Pe. Fedrigotti para ver o meu estado de espírito ao saber a triste notícia de que no-lo queriam roubar. Fui a Turim dia 19 do corrente a saudar os superiores e trazer normas para a nova situação, criada pelo bárbaro ataque indiano à obra salesiana em Goa. Em princípio disseram-me para deixar tudo como está, mas os senhores hindus da capital indiana estarão de acordo? Não vão mandar sair os salesianos portugueses e alguns europeus? Vou escrever ao Pe. Med para saber através dele algumas notícias. Pois através dos nossos correios por enquanto nada é possível.

Insisti com o Sr. Pe Fedrigotti para V. Rev.cia nos vir ajudar em África, pois vamos abrir em breve casa em Luanda. Mas ele que estava disposto a ceder para Goa, se tudo continuar como até há dias, disse-me que para a Índia V. Rev.cia não podia ir por ter defendido a posição portuguesa em Goa e que eles, Superiores, já o tinham prometido ao Cardeal de Manila. Não pode calcular quanto me custa esta perda. O Conselho Inspectorial também se associou a mim para o defender. E estou muito arrependido não o ter chamado em fins de Outubro ou princípios de Novembro, dando-lhe momentaneamente um cargo até à solução de outros problemas. A minha intenção era que fosse em Março-Abril para Goa preparar o novo ano lectivo como Director do Aspirantado. Daqui iria outro padre português que juntamente com o Pe. Casti ajudariam V. Rev.cia, pois o Pe. Corcoran não tem feitio para a vida de comunidade em todos os caracteres. Agora que fazer? Fiat voluntas Dei.215

 

A visita de Monteiro a Turim explica, talvez, por que não há uma resposta oficial à sua carta de protesto de 10 de dezembro de 1961 a Fedrigotti. É bom saber que Fedrigotti estava, de facto, disposto a mudar de opinião e deixar Carreño em Goa. O novo status político do território, no entanto, complicou as coisas, especialmente porque Carreño foi considerado um defensor da posição portuguesa em Goa. Também havia a promessa feita ao cardeal de Manila. Ou talvez fosse simplesmente que as coisas funcionaram de tal maneira que foi muito conveniente tirar Carreño de Goa e levá-lo para as Filipinas.

Curiosamente, também há uma carta de Fedrigotti em Turim a Monteiro datada de 4 de janeiro de 1962, que reconhece a comunicação por telegrama deste último e dá instruções sobre os passos a seguir na nova situação.


Há uns días recebemos o seu telegrama com notícias de Goa. Graças a Deus que não houve maiores problemas. O P. Pinho também me escreveu: pobre homem, está consternado e desanimado pela reviravolta dos acontecimentos; gostaria de se ir embora de imediato; mas temos de fazer as coisas com calma. Ele [ao invés] já enviou um telegrama ao P. Med pedindo-lhe em nome dos superiores (sic!) que visite Goa para ver a situação por si mesmo. [Mas] parece-me que não há necessidade disso.

Pelo contrário, e aqui também deves ajudar, devemos esperar e ver como reage o governo português; destituir [o nosso] pessoal português de imediato seria considerar a invasão de Goa como um facto consumado e as suas autoridades poderiam interpretá-lo erroneamente.216 

 

Naturalmente, Fedrigotti não menciona em absoluto Carreño. Isso também é agora um facto consumado. “Que podemos fazer agora? Fiat voluntas Dei”, tinha dito Monteiro.

A saída de Carreño de Goa em 1960 resultou ser, potanto, a sua saída definitiva. Thekkedath

tem razão quando indica 1952-1960 como as datas da estadia de Carreño em Goa.217

As homenagens públicas prestadas em maio de 1960 foram, de facto, se não intencionalmente, a despedida definitiva de um homem que realmente tinha amado Goa. Entre as mensagens que nos chegaram, destaca-se o reconhecimento oficial feito pelo governador geral:

 

Elogiamos o Rev. José Carreño pelo magnífico labor realizado em Goa durante os seus oito anos de permanente e incansável atividade a favor dos meninos mais desfavorecidos, aos quais tratou de oferecer, junto com cuidados, comida e alojamento, condições de vida que lhes tornariam possível enfrentar a vida com maior otimismo e esperança.

Graças à dedicação incansável do ilustre Padre salesiano, foi possível que algumas centenas de jovens se convertessem em homens capazes de estar à altura de uma missão na terra muito diferente da que haveria sido, se tivessem crescido no precário estado em que se encontravam antes de ser colocados sob a proteção da magnífica obra dos Salesianos.

Para o tornar possível, à custa de muitos sacrifícios por parte deste missionário, prepararam-se algumas instalações importantes… que já são hoje um elemento valioso nas atividades desta cidade, juntamente com o enorme alcance na formação moral, espiritual e profissional destas centenas de rapazes, os homens de amanhã, sobre os quais deve basear-se cada vez com mais força a estrutura mesma desta província portuguesa do ultramar.

O Governador Geral compraz-se em fazer constar oficial e publicamente a sua alta estima pela figura simples, humilde e dinâmica do ilustre missionário que é o Reverendo Padre José Carreño, fruto da devoção ilimitada à Santa Causa à qual dedicou todas as forças e a inteligência com que Deus o abençoou.

 

Rico também informa de uma excelente homenagem "dos irmãos portugueses", que agora sabemos ter sido escrita em Lisboa após a morte de Carreño:

 

O arranque do Oratório de Panjim, com Liceu, Escola Profissional, Centro Juvenil, à parte de outros Oratórios; o começo do Aspirantado anexo ao internato para os rapazes mais abandonados; o incremento da devoção a Maria Auxiliadora e a Dom Bosco, a colaboração com o clero local e o prestígio salesiano alcançado, são provas evidentes do valor do inolvidável Padre Carreño. Para os irmãos jovens era um pai que abraça sempre os filhos nas suas dificuldades.218

 

Mais comovente, no entanto, é o que nos mostra esta homenagem sobre os sentimentos dos jovens:

 

E os alunos, quando ele terminou o seu mandato em 1960 como Diretor de Panjim e estava para voltar para a Europa, exclamavam inconsoláveis: ‘Se soubéssemos que não voltaria, não o deixaríamos ir. Iríamos todos ao aeroporto’ …219

 

Entre o sul da Índia e Goa, Carreño havia passado quase trinta anos na Índia. Marzo escreve: “As 11 Províncias da Obra Salesiana, o florescer das vocações autóctones em toda a Índia são o maior monumento ao grande coração do Padre Carreño para quem o mundo era pequeno e para quem a Igreja e Dom Bosco foram os maiores amores da sua vida como Pai, Profeta e visionário da Obra salesiana na Índia”.220

8 Segundo interlúdio espanhol – e os Estados Unidos (1960-1961) 

 

Chegado a Espanha em princípios de junho de 1960, Carreño, como vimos, encontrava-se certamente em Barcelona em fevereiro de 1961, a trabalhar num livro de meditações marianas em inglês, para ser distribuído aos benfeitores dos Estados Unidos.221 Sabemos com segurança que estava em New Rochelle ou seus arredores em finais de março de 1961. Em 29 de julho de 1961 escreve a Monteiro a perguntar-lhe se devia prolongar a sua estadia para angariar mais fundos, comenta os pormenores sobre o novo edifício de aspirantado em Betim, e fala com entusiasmo sobre “a melhor escola técnica do mundo salesiano” em Los Ángeles, onde os superiores gostariam de receber os aspirantes a irmãos coadjutores de Goa. “O futuro da nossa Goa Salesiana é muito risonho”, exclama, e logo acrescenta: ​​“Pena que eu já seja velho e cansado!”.222 Apenas tinha 55 anos. À sua frente esperava-o uma curta estadia nas Filipinas e depois uma muito longa em Espanha.

9 Curta estadia nas Filipinas (1962-1965)

 

O P. Carreño esteve só quatro anos nas Filipinas (1962-1965), mas também aqui deixou uma marca indelével, “um contributo incomensurável e crucial para a presença salesiana nas Filipinas” nas palavras do historiador salesiano Nestor Impelido.223

Vimos como, em novembro de 1961, os superiores de Turim haviam começado a pensar em enviar Carreño para as Filipinas a fim de atender um pedido do cardeal de Manila de que um salesiano dirigisse o seu Centro Catequético. De facto, Carreño foi para as Filipinas para asumir o cargo de mestre de noviços. Celestino Lingad informa que o P. Carlos Braga, agora Servo de Deus,224 se tinha encontrado com Carreño na basílica do Tibidabo em Barcelona, e ficou tão impressionado com ele, que o tinha convidado “a ir para Manila e dar uma mão aos salesianos que trabalham na Visitadoria das Filipinas.”225 Braga era, nesse momento, superior da recém-ereta visitadoria filipina. Como era seu costume, Carreño começou logo a angariar fundos para as vocações e para a formação na sua nova terra de missão. Em 25 de março de 1962, parece ter começado a sua viagem para Manila,226 chegando em abril de 1962.227 A caminho das Filipinas, deteve-se em Bombaim para visitar Goa e o sul da Índia, viagem que descreve pormenorizadamente no seu libro Singladuras indias.228 

 

9.1 Mestre de noviços em Mutinlupa, Pampanga e Canlubang 

 

Os salesianos tinham chegado às Filipinas “por mero acaso”: os comunistas de Mao Tse Tung tinham-nos expulsado da China, e precisavam de um lugar para onde ir. As primeiras casas foram abertas em 1951 em Tarlac e Victorias. Numa carta publicada em Urdimbre en el telar, fazemos uma ideia da situação dos católicos nas Filipinas e do sentimento de Carreño a tal respeito:

 

Aquelas Filipinas que eram quase 100% católicas quando a Espanha se retirou, hoje não são mais do que em 80%. E se assim continuarmos, haverá que resignar-se a ver uma nação apenas 50% católica dentro de vinte anos. Do milhão de bebés que Deus nos manda em cada ano, uns duzentos mil não se batizam… porque não há sacerdotes! Quer dizer, há uns quantos: metade dos que tem somente a Índia, apesar de as Filipinas terem duas vezes e meia mais do que toda a Ásia… Estive 30 anos na Índia; mas hoje dou graças a Deus por me ter enviado a queimar os últimos cartuchos nas Filipinas.229


Em Mutinlupa começou o primeiro grupo de 10 noviços (1962-1963) guiados pelo P. Carreño. Carreño havia substituído como mestre de noviços o P. Vincenzo Ricaldone (1897-1975), sobrinho do P. Pedro Ricaldone.230 O tirocinante ou "assistente de noviços" foi Valeriano Barbero.231 Dois meses depois, o noviciado transferia-se para a casa de San Fernando, Pampanga, a uns 98 km ao norte de Manila,232 onde o diretor era o P. Godfrey Roozen (1912-1997), um missionário holandês que tinha trabalhado na China e depois tinha tentado iniciar uma fundação na Indonésia.233 Dos 10 noviços que começaram, 4 emitiram a profissão em 31 de maio de 1963 e um em 17 de junho de 1963 nas mãos do P. Carlo Braga. Ao ver que tinham professado tão poucos, alguns irmãos queixaram-se de que o P. Carreño era demasiado liberal. O testemunho do P. Barbero, no entanto, dá-nos uma visão preciosa de Carreño formador: os que o deixaram, em sua opinião, eram os que não estavam destinados à vocação salesiana.234

Uns dias depois da primeira profissão, o noviciado transferiu-se para um novo lugar em Canlubang, na província de Laguna, a uns 40 kilómetros de Manila. A propriedade tinha sido doada pelo presidente do Tribunal Supremo José Yulo, grande amigo e benfeitor do padre Braga, e tinha-se construído um edifício no local. Em 1964 Carreño foi nomeado diretor da nova casa, sendo simultaneamente mestre de noviços.235 De 1962 a 1965, três grupos de noviços – um total de 33 – passaram pelas suas mãos.236 Em 1965, todavia, mesmo antes de terminar o seu mandato como diretor, regressou a Espanha, por razões que em seguida comentaremos.

O P. Giovanni Benna guarda maravilhosas recordações deste período em que o P. Carreño e ele praticamente fundaram a obra salesiana em Canlubang. O P. Benna tinha vindo de Itália quando era jovem sacerdote e tinha sido destinado a Canlubang. Recorda ter perguntado ao P. Carreño se poderia fazer algum apostolado com os jovens dos muitos bairros que rodeavam a casa, e como o P. Carreño o animou com entusiasmo, apesar dos receios de alguns irmãos idosos de que os jovens candidatos perdessem a vocação. Também recorda como o P. Carreño simplesmente lhe confiava toda a casa nas mãos e ia aos Estados Unidos em busca dos fundos de que se necessitava com urgência para a construção da casa.237 O P. Carreño por sua vez descreveu Benna como um salesiano de grande valor, com espírito de sacrifício, bem preparado e zeloso.238

Em Espanha, Carreño tinha fundado a Associação VOFISA (Vocações Filipinas Salesianas) com o fim de angariar fundos para a animação e formação vocacional nas Filipinas.239 Como sempre, a distribuição dos seus próprios livros desempenhou um papel-chave nesta captação de fundos.240 

O P. José Bernacer, salesiano espanhol que foi tabalhar para Canlubang, como formador durante o último ano do P. Carreño nas Filipnas, disse que Carreño sofria pelo choque de mentalidades com os salesianos provenientes da China, mas que nunca foi dos que desanimavam. Cheio de humanidade, entusiasmo, otimismo e salesianidade, soube fazer-se amar por todos os irmãos jovens.241

Como sempre, Carreño era o homem dos sonhos e das visões. Depressa se convenceu de que os salesianos filipinos recém-professos não deveriam ser enviados para Hong Kong para realizar o filosofado, e que a visitadoria deveria ter o seu próprio centro de estudos filosóficos que também poderia ser uma faculdade universitária capaz de lhes proporcionar a certificação necessária para lecionar nas escolas.242 A sua ideia era preparar não só os salesianos coadjutores, mas também os clérigos e sacerdotes para lecionar nas escolas técnicas e profissionais .243 Convencido de que os salesianos podiam fazer no Oriente o que os beneditinos tinham feito no Ocidente, tinha promovido e estabelecido escolas profissionais e agrícolas na Índia,244 e agora estava a impulsionar a mesma ideia nas Filipinas.


9.2 A controvérsia de ‘Hong Kong’e o ‘seminário universitário’ em Canlubang 

 

O primeiro aspirantado tinha sido iniciado em 1953 pelo padre Luigi Ferrari (Barbieri) (1908-1990) em Mandaluyong, no antigo Seminário Conciliar de Manila entregue pelo arcebispo de Manila aos salesianos. Depois de alguns anos foi transferido para a escola salesiana de Victorias na ilha de Negros. Contudo, os pais de aspirantes da ilha de Lução mostraram-se renitentes a enviar os seus filhos para tão longe, pelo que em 1962 o P. Carlo Braga, superior da visitadoria, transferiu o aspirantado para o colégio salesiano de San Fernando, Pampanga.245

Quanto ao noviciado, após vários inícios em falso em Mandaluyong (1954) e Victorias (1955), começou em 1956 em Mutinlupa, ao sul de Manila, como vimos, numa casa de campo arrendada por um benfeitor. Os primeiros 8 noviços fizeram a sua profissão em 1957. Em princípios de 1962 o noviciado foi transferido temporariamente para a escola de San Fernando, Pampanga, enquanto se construía uma casa para tal fim em Canlubang.246

O P. Mário Acquistapace (1906-2002), provincial da província China-Filipinas, havia começado a explorar várias opções de estudos filosóficos para os filipinos recém-professos: a província de Lyon em França, os Estados Unidos, a casa de formação em Cheung Chau – Hong Kong, a casa salesiana de Mandaluyong – Manila. Em junho de 1957, os superiores de Turim aprovaram o plano para manter os novos professos em Manila. O P. Acquistapace decidiu manter os pós-noviços por enquanto em Mutinlupa, a cargo do P. Ferdinando Rossotto.247 No entanto, a escolha do P. Rossotto não foi feliz, pelo que para o seu segundo ano os pós-noviços foram enviados para Cheung Chau, onde se juntaram a outros das zonas de China-Vietnam e Japão-Coreia. O mesmo P. Braga se deu conta de que esta solução era problemática por várias razões; uma delas era que voltariam sem um título reconhecido nas Filipinas, algo de que precisavam se iam lecionar nas escolas.248

Por isso, quando Carreño estava em san Fernando como mestre de noviços em 1962, os jovens clérigos tinham ido para Hong Kong desde 1958. Todavia, em 1962 os superiores de Turim tomaram a decisão de que a casa de Cheung Chau em Hong Kong seria a comunidade internacional de estudantes de filosofía no Leste da Ásia.249 Bem depressa, como já dissemos, Carreño se convenceu de que os neo-professos não deveriam ir para Hong Kong, e que a visitadoria deveria criar o seu próprio “seminário universitário”. Para isso manteve uma longa correspondência com o conselheiro geral dos estudos, P. Archimede Pianazzi, com o vigário do Reitor-Mor, P. Albino Fedrigotti, e com o próprio Reitor-Mor, P. Renato Ziggiotti. O intercâmbio é uma leitura interessante e projeta luz não só sobre o regresso de Carreño à sua Espanha natal em 1965, mas também sobre a sua pessoa. Certamente foi um poeta e um visionário, mas também podia ser forte nos seus juízos e persistente no diálogo. Recordamos aqui 7 cartas do período de 1963 a 1965.

A primeira é escrita de San Fernando a 8 de fevereiro de 1963 e é dirigida ao P. Pianazzi. Dos 7 clérigos que foram para Hong Kong, assinala Carreño, 4 regressaram com tuberculose. Além disso, depois de ali passar 3 anos, regressaram sem o título (o “papelito”) que lhes permitiria lecionar nos cinco colégios da visitadoria. Pior ainda, um clérigo regressou com um título falsificado. Enviar os salesianos jovens filipinos para Hong Kong, disse Carreño, equivalia a enganá-los, diferentemente da Índia, seria fácil montar uma escola de filosofía nas Filipinas, dado que o governo era favorável. Ele mesmo estava disposto a ir à Espanha e à Índia para encontrar os professores e formadores necessários. O pecado original da obra salesiana nas Filipinas foi que havia iniciado per accidens, “como uma saída”, porque os missionários salesianos tinham sido expulsos da China comunista e necessitavam de encontrar alguma coisa que fazer.250 Estes missionários, incluído o P. Braga, continuavam vinculados à China, e foi isto que os levou a insistir em enviar salesianos jovens para Hong Kong. ​​Quando ele disse que os irmãos jovens filipinos deveriam permanecer nas Filipinas, a resposta foi: "Como podemos fazer isto aos nossos irmãos de Hong Kong?"251

Nesta carta de 8 de fevereiro de 1963, Carreño atrevera-se a pedir a Pianazzi que enviasse como profesor de cálculo, química e espanhol o coadjutor Julio Ferrer.252 Ferrer seria uma grande ajuda para o colégio e, além disso, estava a ser lamentavelmente subutilizado em Tirupattur. Da carta de Carreño a Pianazzi datada de 5 de fevereiro de 1963, entendemos que este último não tinha acedido a este pedido. Carreño expressa o seu pesar e acrescenta: “Não digo com amargura, Don Pianazzi, embora seja inevitável aos 57 anos, sentir um nova e subtil veia de amarga ironia no corpo: se você tivesse dito que sim, haveria sido a segunda vez, nestes trinta anos, que os Superiores do C[onselho] S[uperior] – exceto o R[eitor]-M[or] – me haveriam dito que sim. Estou muito acostumado à reação de Turim às minhas – quixotesco de mim! – já muitas propostas: ‘outro poema que nos envia o P. Carreño!'”253

Em fevereiro de 1963 houve uma visita provincial durante a qual o P. Braga parece ter dito a Carreño que os clérigos já não seriam enviados para Hong Kong. Uns dias depois, pelo contrário, o P. Roozen, diretor de Carreño, recebeu uma carta do P. Braga a informá-lo de que os clérigos, de facto, seriam enviados para Hong Kong. Isto parece ter provocado uma carta de Carreño a Braga, dizendo que o superior tinha estado a enganar os jovens irmãos e suas famílias e os interesses da Congregação nas Filipinas.254 Esta era uma acusação dura, e Carreño tentou explicar-se numa carta de 4 de março de 1963 ao P. Fedrigotti. Primeiro preparou as suas razões para não querer enviar os clérigos para Hong Kong. Não poderiam ver os seus pais durante três anos. É provável que 50% deles regresse com tuberculose. Voltariam sem um título reconhecido nas Filipinas. Sem saber chinês, não poderiam fazer apostolado em Cheung Chau, e de todos os modos,

quantos oratórios havia nessa pequena ilha? Pior, também tinha ouvido comentários depreciativos dos irmãos – missionários e em grande parte europeus – no sentido de que os filipinos eram simplesmente pagãos batizados, ao passo que os chineses eran naturalmente cristãos mesmo sem ter sido batizados. O P. Braga, disse, tinha sacrificado os intereses dos salesianos filipinos devido aos seus vínculos com a China. Nunca se tinha tornado realmente “filipino”. Isto, acrescentou, era só uma hipótese, mas pensava que não estava equivocado, porque ele mesmo tinha sido enganado várias vezes desde que tinha chegado às Filipinas. Pior ainda, sentia-se culpado de ser agora parte do engano aos jovens salesianos, pelo que amiúde havia pensado em voltar para Madrid. Mas havia outra razão pela qual se sentia culpado: explicava aos noviços que Dom Bosco tinha dado a vida pela juventude pobre e abandonada, porém a sua impressão era que os salesianos das Filipinas não estavam a trabalhar relamente pelos pobres. Seria melhor se os superiores enviassem outro e santo mestre de noviços em seu lugar. Carreño terminou indicando que tinha partilhado respeitosamente todos estes pensamentos com o P. Braga, a quem considerava um grande, santo e humilde salesiano. Mas era precisamente para proteger o P. Braga que escrevia como fez, para que a história o não acusasse mais tarde de haver atraiçoado a confiança que os filipinos, e especialmente os salesianos jovens, tinham depositado em Dom Bosco.255 

Aproximadamente duas semanas depois, a 17 de março de 1963, Carreño escreveu a Pianazzi, enviando-lhe uma cópia da sua carta a Fedrigotti que, noutro contexto, reconheceu, poderia ter sido considerada um protesto. Repetiu o que tinha dito a Fedrigotti: que a ideia de voltar para Madrid ganhava força de dia para dia, para evitar a possibilidade de passar à crítica aberta e à quase rebelião. Para ele, era triste que a Congregação se tivesse estabelecido nas Filipinas como uma “sucursal” da China. Havia uma grande falta de ideais. Sempre que falava dos jovens pobres e abandonados, sentia um desgosto tão forte que tinha a tentação de dizer aos jovens filipinos que não se deixassem enganar, e que teria sido melhor para eles unir-se à Sociedade do Verbo Divino.256 Terminou a carta repetindo o seu pedido de lhe ser permitido regressar à Espanha, revelando no tratamento que está muito consciente da consideração em que era tido em Turim:


Sei, mais ou menos, que a minha carta não mudará muito as coisas, porque sei por experiência que a minha correspondência está pré-classificada em Turim como poética. Mas pelo menos cumpri o meu dever. E, em segundo lugar, convencerá os Superiores a enviar um Mestre de noviços que seja santo… e também um pouco ingénuo. Uma vez que ele tenha chegado, se isto não desgostar os Superiores, pedirei humildemente para voltar para os meus: não se vem para as missões sem um ideal, ainda que se lhe chame poesia. Se só se trata de “salvar a alma” ou talvez de “estar bem”, peço que me permitam salvar a minha alma em Madrid, onde também sempre passei bem. Viverei com o remorso de ter abandonado o mais belo campo de apostolado [que jamais tinha visto]: mas aqui serei um rebelde.257

 

Um escrito posterior projeta mais luz sobre o que lhe sucedia no coração. Pianazzi tinha-o informado sobre a má impressão que lhe tinham causado as suas “arengas” durante a sua recente viagem pelo sul da Índia: os irmãos sentiam que estava a tratar de arruinar a Índia, devido à sua tentativa de levar o coadjutor Ferrer para as Filipinas. O comentário de Carreño revela estar pesaroso, se não ferido, pela falta de gratidão dos irmãos da Índia:

 

De Yercaud escreviam-me: “Dentro em breve, serão ordenados 21 sacerdotes para esta província e irão para o tirocínio 17 clérigos”, todos para a província de Madrasta! Esses sacerdotes são os que deixei como latinistas… nesses dias em que costumava fazer incursões no Malabar [para procurar vocações]. E agora o nosso pedido, ao começar, de um coadjutor para levantar uma Casa de Formação, equivale a querer arruinar a Índia! … Se isto não sabe à amargura da ingratidão, é pelo menos amnésia. Quanto mais agradecidos demonstraram estar os meus pobrezinhos de Goa!258


Numa carta de 10 de abril de 1963 a Fedrigotti, Carreño agradece-lhe a garantia de que em breve cessaria o desmazelo em relação aos salesianos filipinos e a tibieza para com eles. Depois informa da resposta (bastante contundente) de Pianazzi no sentido de que o novo mestre de noviços teria sido nomeado e que, tão depressa como chegasse, Carreño poderia regressar à Espanha:

 

O P. Pianazzi também me respondeu. Devo dizer, contudo, que ao escrever-lhe como encarregado dos estudos, lhe tinha acrescentado também que sentia que a minha atitude começava a ser interpretada aqui como uma espécie de rebelião –“estes da Índia”… “estes recém-chegados” … ou, pior ainda, “estes espanhóis”… – Por isso lhe tinha manifestado que, tendo sido sempre um partidário incondicional da “autoridade” – talvez devesse ter acrescentado “da autoridade salesiana”, porque é certo que com a “autoridade diocesana” me meti em muitos sarilhos –, lamentaria muito dar o mau exemplo da rebelião, não podendo por outro lado calar-me e não dizer nada; portanto, pedia que enviassem um santo mestre de noviços; a cuja chegada pediria regressar a Espanha antes que escandalizar toda a província. E o P. Pianazzi respondeu-me então “logo que chegue, podes regressar a Espanha.”259

 

Dado que o ano de noviciado terminaria em 31 de maio, Carreño passou a pedir “um último favor”: regressar à Espanha via Estados Unidos, para angariar dinheiro para construir a Capela de Canlubang. Sucede que Carreño já tinha recebido, da Cúria da diocese de Newark, uma soma de 25.000$ para a construção da Capela, mas que este dinheiro se tinha utilizado para completar a construção da Casa de Formação. Agora sentia-se obrigado em consciência a encontrar dinheiro para construir a Capela. Tinha 20.000 cópias de uma segunda edição das Marian Meditations, e ao distribuí-las nos Estados Unidos esperava angariar a soma requerida.260 Mesmo quando o consideravam um rebelde, Carreño continuava a amar “esta terra amada”: Filipinas.

Carreño enviou cópia desta carta a Pianazzi no mesmo dia 10 de abril de 1963. Na sua nota disse:


Desta vez desaparecerei definitivamente na minha Cordilheira Cantábrica, e não darei mais problemas a ninguém. Não escondo que me vai custar deixar esta terra, de que uma pessoa se enamora apaixonadamente à primeira vista – sobretudo se o missionário é espanhol – mas já estou acostumado a dar este tipo de comoções a este velho coração.261


Entretanto, a visitadoria tinha-se convertido numa província, e foi nomeado o primeiro provincial: P. Alfredo Cogliandro (1911-1992), que antes tinha estado na Índia e acabava de terminar o seu mandato como provincial nos Estados Unidos. O P. Carreño inteirou-se de que o P. Cogliandro já tinha autorizado a ida dos novos clérigos professos para Hong Kong, mesmo antes de que pudesse vir às Filipinas e sem ter falado com os formadores. Talvez a ordem tivesse vindo dos superiores de Turim? Decidiu, portanto, escrever ao mesmo Reitor-Mor, e fê-lo em 5 de setembro de 1963, pedindo ao P. Ziggiotti que interviesse no assunto. Se o problema era a falta de professores de filosofia nas Filipinas, estava disposto a buscar alguns na Europa. De todos os modos, enviar clérigos para Hong Kong foi uma enorme perda de tempo, já que regressavam sem qualquer título para lecionar. Além disso, nas Filipinas os menores precisavam do consentimento de seus pais para sair do país, mas era fácil intimidar os pais em nome de Deus. E depois, porque privar os jovens clérigos de ver as suas mães? Porque castigar seus pais privando-os de ver seus filhos? E porque enganá-los com a esperança que tinham posto na Congregação? Carreño terminou a sua carta pedindo ao Reitor-Mor que o mudasse e que se colocasse em seu lugar outro mestre de noviços.262

Em notas no verso da carta, provavelmente a pedido do próprio Reitor-Mor, o P. Pianazzi dizia que o P. Carreño estava a exagerar o seu caso. Foi calunioso dizer que os clérigos que foram para

Cheung Chau contraíram a tuberculose. Por outro lado, era certo que os professores eram fracos em inglês e não tinham títulos em filosofia. Também era certo que os títulos britânicos concedidos em Hong Kong não eram reconhecidos nas Filipinas. No entanto, Pianazzi indicou que a visitadoria das Filipinas não contava com pessoal para levar por diante uma casa de estudos filosóficos. Manila oferecia boas possibilidades no que respeita aos professores, mas Canlubang ficava demasiado longe de Manila, e na mesma Manila não havia nenhuma casa salesiana que pudesse acolher os estudantes.263

Impelido não informa sobre a resposta do P. Ziggiotti, mas comenta: “Mais tarde Turim escutaria a proposta do P. Carreño de ter uma faculdade para os salesianos nas Filipinas. Todavia, nesse momento, já estava decidido a regressar à sua Espanha natal”.264

 

9.3 O ‘seminário universitário’ de Canlubang 

 

Quando começou exatamente o “seminário universitário” em Canlubang? Impelido insinua que isto sucedeu já em 1963, com o primeiro grupo de noviços de Carreño, os que professaram em 1963.265 Nas suas artas o próprio Carreño fala de começar em junho de 1963.266 Pareceria que ele se havia “descuidado” intencionalmente de que os noviços tirassem os seus passaportes, pelo que se teve de pôr em marcha o “seminário”, ou pelo menos isso é o que diz o P. Philip Lazatin, segundo o que ouviu do P. Celestino Lingad e outros.267

No seminário universitário de Canlubang, os jovens salesianos filipinos estudaram filosofia e também obtiveram um título que lhes permitiria lecionar não só matérias académicas, mas também técnicas.268 Carreño tinha visitado o Departamento de Educação em Manila para ver os cursos que ofereciam, e tinha escolhido Licenciatura em Ciências da Educação (BSE) e Licenciatura em Ciências da Educação Industrial (BSIE), num momento em que todos os seminários universitários nas Filipinas, tanto diocesanos como religiosos, ofereciam só a Licenciatura em Filosofia (AB Filosofia). O seu raciocínio era que uma “AB Filosofia” seria inútil nas escolas secundárias salesianas académicas e técnicas.269

 

Em frente do monte Maquiling e a 22 kms do vulcão Taal…, entre canaviais de cana do açúcar, surge o nosso primeiro Seminário Filipino em Canlubang. Não será o último, se Deus quiser! … se bem que… para mim, talvez sim. Inaugurámo-lo em 1963. Quer dizer, foi conseguido em dois anos e meio de fadigas … e isso sem recursos oficiais nem ajuda de qualquer entidade! Isto mostra-nos que há Alguém que tem mais pressa do que nós de preparar sacerdotes para esta doce terra cristã atraiçoada. Quem é ela? A mesmíssima que um dia se inclinou ao ouvido do Bom mestre para lhe sussurrar: Não têm vinho!, e a que hoje lhe deve estar a repetir todos os dias: Não têm sacerdotes! Olha esses milhões de meninos inocentes, essas doces e boas mãezinhas, esses lares humildes, esses camponeses simples que há três gerações eram todos cristãos, graças aos missionários espanhóis… Hoje, pelo contrário, nem sequer podem receber-Te na Santíssima Eucaristia porque não há sacerdotes! Anda, meu Filho: ajuda os teus ministros a multiplicar as vocações.270

 

De modo que o “seminário universitário” arrancou em junho de 1963, e o primeiro grupo de jovens pós-noviços, ao que parece, fez um curso “duplo” que consistia em estudos filosóficos eclesiásticos e na BSE. Conseguiu-se dispor de mestres qualificados das localidades circundantes, mas Carreño conseguiu também que um Irmão De La Salle americano viesse todas as semanas da cidade de Lipa, Batangas, a uns 29 km de distância, para lecionar inglês.271 Como ele mesmo havia insinuado, e nós vimos, em abril de 1963 já se tinha aceitado o seu pedido de regressar a Espanha.272 Carreño não viu os primeiros frutos do seu projeto: os primeiros graduados receberam o título de BSE ou BSIE em princpíos de 1967, momento em que ele já tinha saído das Filipinas.273

Na sua carta –5 de setembro de 1963– ao Reitor-Mor, o P. Carreño também tinha sugerido que o P. Bellido enviasse uns 20 noviços da Europa, como tinha feito uma vez para a Índia.274 Semelhante injeção de jovens clérigos da Europa proporcionaria sangue fresco. Poderiam aprender facilmente não só inglês, mas também a língua local. Inclusivamente poderiam obter a cidadania filipina se desejassem. E, ao estudar no seminário universitário, estariam capacitados para lecionar em qualquer escola filipina. Finalmente, uma mistura de clérigos locais e estrangeiros seria uma vantagem para todos.275 Este desejo encontrou um ouvido atento em Turim, e os jovens clérigos começaram a chegar de Itália a Canlubang para o estudo da filosofia.

No entanto, o acordo não durou muito devido às tribulações da Igreja na Europa no período imediatamente posterior ao Vaticano II e à subsequente diminuição de vocações.276

O P. Cogliandro, que ao princípio tinha oferecido resistência ao projeto do seminário universitário, mais tarde viu o caráter sábio de tal iniciativa.277 De facto, em 10 de julho de 1964 escreve ao P. Fedrigotti, dizendo que o P. Carreño estava a fazer um bom trabalho como mestre de noviços e superior do Don Bosco Seminary College, Canlubang, e que esperavam ter uns 50 jovens salesianos, entre noviços e estudantes de filosofia, em agosto de 1964.278

 

9.4 Últimos anos nas Filipinas 


Não temos muita informação sobre os últimos anos de Carreño nas Filipinas. Contudo, o incidente seguinte proporciona uma visão mais profunda da generosidade do seu caráter. O Capítulo Provincial tinha eleito o P. Carreño como delegado ao Capítulo Geral 19 (1965), mas viu que o P. Braga, que já tinha terminado o seu mandato como superior da visitadoria, estava interessado em ir ao Capítulo, e cedeu-lhe o seu lugar. O P. Braga, naquele momento, era confessor em San Fernando, Pampanga.279

O terceiro e último grupo de noviços de Carreño professou em 16 de julho de 1965. O padre

Giuliano Carpella, um irmão cedido por Hong Kong, parece ter chegado em julho de 1965 ou um ano depois, em 14 de agosto de 1966, para assumir o cargo de mestre de noviços.280 Dado que se tinha decidido que os aspirantes procedentes de San Fernando cursariam dois anos de faculdade e só depois começariam o noviciado, este ficou suspenso por dois anos. Pediu-se ao P. Carpella que ocupasse o lugar de professor de música e de latim. Passou a ser mestre de noviços quando se retomou o noviciado em 1967.281

Carreño saiu de Canlubang e tomou o voo rumo a Espanha em 24 de julho de 1965.282 Em 12 de outubro de 1965, escreve de Espanha a Fedrigotti dizendo que estava de férias. Envia as suas filiais saudações ao vigário do Reitor-Mor, informando de que estava a fazer o que podia pelo “seminário universitário” de Canlubang, pedindo fundos aos benfeitores para construir os edifícios necessários. Por sua parte, recordou aos superiores que enviassem irmãos para melhorar o trabalho ali.283

Então, partiu Carreño definitivamente das Filipinas em julho de 1965? Não se sabe ao certo. Celestino Lingad opina que partiu em princípios de 1966, ao passo que Rico e Thekkedath dizem que permaneceu até 1967.284 Todavia, as crónicas do noviciado de Canlubang rezam que o P. Provincial – Cogliandro – assumiu o cargo de director em funções após a partida de Carreño para Madrid em 25 de julho de 1965, e da chegada de Carpella a Canlubang em 29 de julho de 1965.285 Um coisa é certa: José Luis Carreño tinha amado esta sua terceira terra de missão como tinha amado a Índia e Goa e, porventura, mais ainda. “Estive 30 anos na Índia; mas hoje dou graças a Deus por me ter enviado a queimar os últimos cartuchos nas Filipinas”.286

10 Conclusão: Últimos anos em Espanha (1965-1986) 

 

Regressado a Espanha, encontramos Carreño inscrito nos anos 1968-1969 como membro da comunidade da Casa Provincial “Casa Don Bosco” em Madrid. Segundo Rico, trabalhou na Central Catequística Salesiana, onde continuou a escrever livros e a pregar retiros, que muitos salesianos recordaram como os melhores de suas vidas. Deste período temos Perlas, Urdimbre en el telar (edição espanhola), e Salmos al Viento –todo o Saltério em verso– a que depois ele pôs música e gravou em discos de longa duração.287  O Carreño que acreditava que íamos obter toda a sabedoria que necessitamos não do estudo dos livros, mas na Essência de Deus no céu, foi sem dúvida prolífico escritor.288

Muitos em Espanha recordam Carreño a visitar diferentes casas salesianas, entusiasmando os jovens com o seu entusiasmo missionário, cânticos e música. Eugenio Ojer, por exemplo, relata a siguinte canção:

 

Si le veis con la barba florida,

si le veis tostadito del sol,

dadle todos cordial acogida

porque es un misionero español. (Bis)  

 

Ya ha llegado el misionero,

ya llegó de tierra extraña, 

y por fin cruzó el mar fiero

para ver el sol de España.

Una santa viejecita,

su retorno esperará:

Ya no llores, mujer; olvida tu ayer

que al fin ha vuelto ya.

 

Oh juventud, te vas

No volverás jamás;

Antes que pases 

me iré a Madrás.289

 

Mais tarde, talvez em 1970, Carreño partiu para os Estados Unidos, onde trabalhou durante algum tempo na Procura de Missões em New Rochelle.290

Sabemos ao certo que fez uma viagem à Índia, a convite de Mons. Hubert D'Rosario, em novembro-dezembro de 1970: Singladuras Indias é um diário de viagem das suas visitas a Bombaim, Goa, Nova Delhi, Assam, Calcutá, Madrasta, North Arcor e Bangalore.291 O livro intitulou-se originalmente Adiós a la India, como puede ver-se no prefácio do arcebispo Olaechea; mas, como indica o próprio Carreño, mudou-se para Singladuras indias a instâncias de seus irmãos missionários.292

De regresso a Espanha em 1971, voltamos a encontrá-lo na Casa Provincial de Madrid. Em 1972 está em Zaragoza, em 1973 em Valência e em 1974 em Pamplona.293 Parece ter repartido o seu tempo entre o seu grande amigo Mons. Olaechea em Valência, suas irmãs e cunhado –o escultor Jorge Oteiza– e a Procura de Misiones de Madrid.294

Foi durante a sua estadia em Pamplona que Carreño pensou em montar, em Alzuza, perto de Pamplona, o Hogar del Misionero, uma casa para missionários regressados das missões. Talvez também o Hogar estivesse destinado a ser um seminário para vocações de adultos que seriam missionários na América Latina, como diz o mesmo Carreño em Singladuras indias.295

A partir de 1974, segundo Rico, Carreño preferiu viver no próprio Hogar. O Elenco cataloga-o como membro da comunidade de Pamplona até 1977; em 1977 estabeleceu-se no Hogar de Alzuza como comunidade independente com 7 irmãos, se bem que nunca ereta canonicamente. A partir de 1881, Carreño ficou como o único salesiano em Alzuza, pelo que em 1982 o Hogar parece ter sido posto novamente sob a jurisdição da casa de Pamplona, ainda que Carreño continuasse a viver ali até 1985; depois, no último ano da sua vida, voltou para Pamplona.296 Segundo Eugenio Ojer, Carreño ia todos os domingos a Pamplona almoçar com a comunidade, mas pouco a pouco foi-se distanciando, provavelmente pelas muitas discussões que as suas visitas ocasionavam. Havia já uma grande distância entre o missionário acostumado a atrair grandes multidões de jovens e os novos tipos de jovens que frequentavam os oratórios salesianos de Navarra.297

Segundo Ángel Miranda Regojo, SDB (1938-), Mari Paz e Javier Azcárraga, um casal de Vizcaia, chegaram a Alzuza para ajudar Jorge e Itziar Oteiza e finalmente também Carreño.298 O escultor e sua esposa tinham vindo viver em Alzuza, por sugestão de Carreño; a sua casa é agora o Museu de Jorge Oteiza.299 No própio Hogar  havia duas jovens chinesas, Shiu-Chin e Margaret, como também um amigo de Carreño, Eugenio Ojer Buil.300 Eugenio vivia no Hogar em 1978-1979, ajudando Carreño de diversas formas, e foi a ele que Carreño confiou a destruição da sua correspondência pessoal.301 Finalmente casou com Shiu-Chin. Por sugestão sua, Carreño tinha convidado a irmã de Shiu-Chin, Margaret, para o Hogar. Margaret Peng, que tinha estado a trabalhar numa agência de viagens em Calcutá, foi recebida calorosamente por Carreño e converteu-se na filha que nunca teve, ajudando-o não só no serviço doméstico, mas também, o mais importante, a dactilografar os livros que continuava a idealizar em sua cabeça.302

Michael Murray, cuja ajuda Carreño tinha tentado conseguir nos Estados Unidos para os seus esforços de angariação de fundos, uniu-se à comunidade salesiana de Pamplona em 1979 e parece ter vivido com Carreño no Hogar.303 Parece que a sua situação se tinha regularizado só em 1979, provavelmente graças aos esforços do P. Carreño.304 

Ocasionalmente, salesianos da Índia e Filipinas visitariam também o antigo missionário.305 Valeriano Barbero visitou-o no verão de 1965, pouco depois do seu regresso das Filipinas, e informa que o encontrou algo abatido.306 Lingad visitou-o primeiro em Pamplona no verão de 1983 e depois em Alzuza.307

Mari Paz –que era sobrina de Carreño– e Jorge Azcárraga cuidaram dele com muito carinho e generosidade. Rico assinala que o ancião nunca usou lençóis, e preferiu dormir envolto numa manta, era a sua forma de continuar a viver a pobre vida de um missionário. As portas da casa estavam sempre abertas: quem chegava tinha direito a entrar, comer e dormir ali, e falar com Carreño. Todavia, muito poucos missionários aproveitaram o Hogar, e isto seguramente foi uma causa de sofrimento para Carreño. Mais tarde acrescentou uma ala para retiros e animação juvenil. Grande parte do seu tempo dedicava-o a ler e a escrever.308 Costumava queixar-se de que os salesianos tinham esquecido o apostolado da boa imprensa de Dom Bosco para a gente simples.309

O ancião missionário sempre tinha sido um prolífico escritor de livros populares. Alguns deles, como G in M (God in a Mirror), que imprimiu na tipografia de Dom Bosco Panjim, eram apologéticos.310 Muitos eram religiosos. A maioria foi, porém, com o humilde propósito de angariar fundos para as missões e especialmente para as necessidades de formação. Em Urdimbre en el telar, depois de contar com humor as muitas e variadas formas usadas pelos missionários para angariar fundos, Carreño conclui: “No que me diz respeito, nunca fui capaz de igualar aqueles magos das finanças apostólicas, e sempre me encontrei entre os zagueiros de tipo menos imaginativo, de modo que por fim tive de optar por imprimir livros…”.311  

Carreño não só escreveu, mas também animou outros a escrever; prova disso é a sua eleição como patrocinador da associação de escritores Konkani em Goa durante a sua estadia ali.

Carreño estava especialmente interessado no Santo Sudário. Segundo Ojer, regressou a Espanha com três projetos em mente: criar uma casa para os missionários, encontrar vocações na Polónia para a América do Sul e promover o culto do Santo Sudário. Dos três, teve mais sucesso no último. Participou em Congressos internacionais sobre o Santo Sudário e, segundo Ojer, escreveu um livro depois de cada um deles -daí saíram os seus cinco livros sobre o Santo Sudário-. Muitos eruditos e outros interessados no Santo Sudário viajaram até Alzuza para discutir, trocar impressões e examinar a cópia em tamanho real do Santo Sudário e outra recordações relacionadas, como a moeda cunhada por Pôncio Pilatos que Carreño tinha obtido graças aos bons ofícios de um amigo nos Estados Unidos.312 Um jesuíta descreveu Carreño como o melhor ‘divulgador científico’ do Santo Sudário em Espanha,313 e um dos seus amigos, J.J. Benítez, publicaría El Enviado logo depois de uma maratónica sessão noturna com o ancião missionáro.314

Carreño também foi poeta e músico. É-lhe amplamente atribuído o belo hino latino Cor Iesu Sacratissimum",315 e também "Siam Salesiani" / "Somos Salesianos". Entre os seus temas mais populares na Índia está "Kotagiri on the mountain, Tirupattur on the plain" cantada com uma melodia popular espanhola. O P. Giovanni Benna recorda também a prodigiosa memória do P. Carreño: sabia recitar de cor cantos inteiros da Divina Commedia

Sobre as relações de Carreño com as autoridades da Congregação Salesiana, o salesiano Ángel Miranda diz: “A relação de José Luis com os que guiavam a Congregação não foi muito pacífica… Era profundamente salesiano, mas com um sentido comum e uma criatividade que ultrapassou horizontes mais ou menos ‘limitados’…”.316 No entanto, em Alzuza, Carreño teve a sorte de receber a visita de dois reitores-mores: Luigi Ricceri e Egidio Viganò, este último em 1985, quando a saúde de Carreño já era delicada.317 Segundo Ojer, um deles, quando lhe foi pedida uma bênção, parece ter dito: “Abençoo-te, mas não o teu trabalho".318

Chama a atenção o facto de, nos 21 anos da sua última estadia em Espanha, nunca ter sido confiado um cargo a Carreño, nem sequer a nível local, nem ter sido nomeado para nenhuma casa de formação. Foi porque ele se negou ou porque nunca se lhe perguntou? A sua chegada a Espanha em 1965 coincidiu com a conclusão do Reitorado de Ziggiotti (Reitor-Mor de 1952 a 1965) e o início do mandato de Luigi Ricceri (Reitor-Mor de 1965 a 1977), mas não devemos esquecer que Ricceri era membro do Conselho Geral desde 1950, pelo que teria estado ao par das discussões sobre Carreño.

21 anos depois do seu regresso das Filipinas, José Luis Carreño faleceu em Pamplona na festa do Corpus Christi, a 29 de maio de 1986, aos 81 anos de idade. A pedido seu, tinha sido levado para a enfermaria de Martí Codolar, Barcelona. A crónica da casa regista a sua chegada em 5 de agosto de 1983, mas parece que só permaneceu ali uns meses.319

Em 1982, nas bodas de ouro da sua ordenação sacerdotal, o venerável missionário tinha escrito na sua estampa de recordação: "Se há 50 anos o lema do jovem ‘presbítero’ foi 'Omnia Christus’, hoje, estupefacto, o velho soldado esculpilo-ia com barras de ouro maciço, porque, em verdade, CRISTO É TUDO”.320

A carta mortuária foi redigida por José Antonio Rico (1924-2008), ex-provincial de Madrid e conselheiro geral para a Região Ibérica de 1977 a 1990.321

Archimede Pianazzi, apesar das suas divergências em relação a Carreño, prestou-lhe uma homenagem entusiasta: era um dos salesianos mais admiráveis que tinha conhecido; tinha infundido um espírito de maravilhosa caridade na província de Madrasta; nunca se lhe ouviu falar mal de ninguém, nem sequer dos que o tinham feito sofrer, como Mons. Mathias.322

Luigi Di Fiore disse que Carreño, como seu mestre de noviços e provincial, tinha encarnado a benignitas et humanitas do Senhor e que era um exemplo de superior salesiano segundo o coração de Dom Bosco, um homem capaz de transmitir o espírito salesiano. Muitas vocações se tinham salvo graças a ele, e muitos salesianos estavam orgulhosos de se chamar seus filhos, ele mesmo entre eles.323

O arcebispo Hubert D'Rosario descreveu o seu mestre de noviços como “natural, honesto, exigente, zeloso, entusiasta, trabalhador e espiritual”, um homem com um entusiasmo contagiante pela sua vocação que transmitiu a seus filhos espirituais e companheiros de trabalho.324

A única nota discordante vem de Basilio Bustillo (1907-1998) que, depois de ter descrito

Carreño como um salesiano modelo e um missiónário incansável com o coração em Deus, diz que esta vida perfeita foi manchada por um epílogo triste, o de uma incompreensível falta de entendimento da realidade da vida religiosa.325 Trata-se de uma alusão a que Carreño, após o seu regresso a Espanha, não tinha sido capaz de se integrar na província e tinha optado por viver só no Hogar do Missionário?


11 Codicilo 

 

Temos de estar agradecidos a Maripaz Azcárraga por conservar os três escritos autobiográficos tardios de seu tio a que nos referimos de vez em quando, e agora pela última vez.

Claramente, o velho missionário começa a escrever o seu “Codicilo” sem vontade e só perante a insistência de seus irmãos e amigos: “Quando vais escrever as tuas memórias?”. “Tens uma obrigação para connosco. Tudo isso que às vezes nos contas deveria estar compilado num livro. Não fazê-lo é um pecado grave de omissão!”. Está totalmente de acordo com o grande Dr. Samuel Johnson em que a melhor pessoa para escrever uma biografia é precisamente aquela sobre a qual se está a escrever. “Mas… meus queridos e ingénuos amigos”, acrescenta, esqueceis que o mais importante de uma biografia é simplesmente o que não se pode nem se deve contar!”.326

Advertiu-nos, portanto, de que não esperemos ouvir falar sobre certas coisas –"as mais interessantes"– nestas notas. De facto, as memórias nunca foram mais além dos anos de discernimento vocacional, mas inclusivamente se o tivessem feito, é duvidoso que o ancião tivesse revelado muito sobre os tempos convulsos na Índia, Goa, Filipinas, Espanha. Não lhe interessa “contar factos”. Prefere contar com humilde gratidão a obra da Providência sobre a grande tela da vida, e saboreámos um pouco disto na história da sua vocação.

Também é interessante a aversão declarada pelos solilóquios e a decisão de escrever numa espécie de diálogo contínuo com “Pepe”, que represente os muitos irmãos e amigos de toda a sua vida: companheiros das suas aflições, sócios da suas empresas, testemunhas mudas dos seus fracassos, executores dos seus programas, irmãos queridos… .327 Talvez Carreño não se tenha dado conta, mas a rejeição do monólogo solipsista em favor do diálogo foi uma opção profundamente cristã, já que a vida que Cristo nos dá é uma vida de comunhão.328

Chama-me a atenção o que Carreño diz ou deixa de dizer sobre o seu pai e a sua mãe. O amor pela amatxu brota da pluma mesmo aos 80 anos, tal como a perda contida nessas palavras abrasadoras com termina o “Codicilo”: “Porque te foste, amatxu?”329 A relação com o aita, ao invés, é mais complexa: na narração é respeitoso como sempre, mas sempre sóbrio, e não há encómios do tipo dos muitos que dedica à sua amada amatxu e à sua venerada avó. Teve isto algum efeito sobre o homem e sobre o seu apostolado? Teve a sorte de ter encontrado salesianos como Marcelino Olaechea e Alejandro Battaini, que se converteram em seus pais, e sabemos que ele mesmo foi aita de muitos salesianos na Índia e Goa, Filipinas e Espanha.330 Porventura as repetidas divergências com os ‘superiores’ têm algo a ver com o ‘choque’ prematuro com o aita? Só podemos especular. Todavia não posso deixar de recordar Joseph Vaz relatando uma frase sua dos anos de Alzuza: "Homem, os superiores hoje já não são pais”.

Carreño diz mais de uma vez que naqueles primeiros tempos, em Santander e Campello – mais ou menos a segunda década do século XX – não era habitual falar muito de Dom Bosco, mas que os superiores eram Dom Bosco para os jovens. Poderíamos dizer isto do mesmo Carreño: converteu-se em Dom Bosco para os seus irmãos e para os jovens. Inspirando-se em Bento XVI,

José Luis Plascencia assinalou que a amorevolezza salesiana não é só ágape mas também eros: é amor que não se contenta com ficar-se “na generalidade”, mas que sabe chegar à ‘particularidade’ da pessoa.331 Assim amava Dom Bosco. Assim foi capaz de amar Carreño. Por isso temos o fenómeno de tantos irmãos que recordam o formador, superior e missionário com tão profundo afeto. O seu não era um amor geral por todos, nem sequer um desejo de trabalhar para as missões. Pôde tocar as pessoas como indivíduos no concreto das suas vidas, suas famílias e suas culturas. Nisto é um modelo destacado num mundo cada vez mais multicultural. Di Fiore tinha dito que, se lhe deixassem escolher o epitáfio da sepultura de Carreño, diria: Dilectus Deo et hominibus – Amado de Deus e dos homens!332 

Por outro lado, apesar do calor com que tantos falam de José Luis Carreño Etxeandía, se não me engano, ninguém levantou sequer a questão de uma causa de canonização. A canonização implica uma prática destacada das virtudes. Poderíamos dizer que Carreño se destacou na prática da fé, da esperança e da caridade? Tornou-se mais forte a “veia da amargura”, que menciona na sua carta a Pianazzi, nos 21 anos que passou “de regresso a casa”, “prófugo das Missões”, quando podia ter estado a fazer maravilhas na Índia, nas Filipinas, em todo o mundo? Sinceramente, espero que não, e seguindo o teor dos seus escritos finais, creio que não.

Mas talvez, como diz Marko Rupnik, são horas de deixar de se preocupar com a perfeição individual. Se na vida consagrada não se trata tanto da perfeição individual como de revelar o Outro, a única pergunta real é: José Luis Carreño revelou o Outro? Permitiu que o amor de Deus de Deus fluísse para aqueles que o rodeavam, inclusive para aqueles que não eram fáceis ou lhe fizeram mal? Foi sinal e portador do amor de Deus aos jovens, aos seus irmãos e a muitas pessoas que Deus colocou no seu caminho? Esta é a única pregunta. E a resposta, para mim, não admite qualquer dúvida.


 

 

(Roma, 27 de junho 2021)

1 Joseph Thekkedath, A History of the Salesians of Don Bosco in India from the beginning up to 1951-52 (Bangalore: Kristu Jyoti Publications, 2005) 1375. (Joseph Thekkedathu [1928-2019], eminente historiador da Igreja na Índia, foi provincial de Bangalore [INK] de 1984 a 1990.) O apelido materno de Carreño é às vezes escrito, inclusive pelo próprio Carreño, como Echeandía o Echandía.

2 José Antonio Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios (Pamplona: Instituto Politécnico Salesiano, 1986). (José Antonio Rico Rico [1924-2008] foi provincial de Madrid de 1972 a 1977 e conselheiro geral para a região ibérica de 1977 a 1990). O meu pequeno contributo baseia-se principalmente em Rico, Joseph Thekkedath e Nestor Impelido, bem como noutro material de arquivo que pude ter entre mãos. Um grande agradecimento a José Aníbal Mendonça, provincial de Portugal, por me enviar material valioso dos arquivos da provincia, como também a Thomas Anchukandom, Hendry Selvaraj, Joaquim Lobo, Mathias D'Cunha e Vinod Mascarenhas por outro material de arquivo. Cabe destacar três manuscritos autobiográficos tardios que se se conservaram graças a Maripaz Azcárraga:

Codicilo”, “Santander”, “Campello” e “La casa de Barakaldo en la historia de José Luis”. Por outro lado, as numerosas publicações de Carreño merecem ser mais bem estudadas pela informação que proporcionam sobre o autor. Também quero agradecer a muitas pessoas que partilharam generosamente as suas recordações e outra informação: Eugenio Ojer, Mari Paz Azcárraga, Ángel Miranda Regojo, Jesús Arambarri, Orlando González González, José Antonio Hernández, Alfredo Marzo, Celestino Lingad, Valeriano Barbero, Philip Lazatin, Danilo Torres, Jordi Latorre, Timothy Zak, Michael Mendl. Não hesitei em fazer uso dos seus testemunhos. 

3 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 28. No momento de escrever este artigo, Thomas Anchukandom, diretor do Istituto Storico Salesiano, Roma, também se dedica felizmente a preparar uma biografia de Carreño. O meu pequeno contributo surge de um profundo interesse pessoal e de longa data pelo tema, e não pretende seguir todas as normas da história académica, ainda que na medida do possível procure ser exato.

4 José Luis Carreño Etxeandía, “Codicilo” MS 11-12, e também 12-13, 19-20.

5 Ver Carreño, “Codicilo” MS 28 y “La casa de Barakaldo en la historia de José Luis” (MS de 18 pp. datado el 21 de febrero de 1985) 4.

6 Ver Carreño, “Codicilo” MS 22-23, 31, 37.

7 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 23. Ver também https://www.homines.com/arte_xx/crono_jorge_oteiza/index.htm (18.03.2020). Itziar morreu em 1991 em Alzuza, Espanha. 

8 Ver Carreño, “Codicilo” MS 48.

9 Ver Carreño, “Codicilo” MS 49-50.

10 Cf. Carreño, “Codicilo” MS 53-54. Pascuala, conta Carreño, tinha um trabalho humilde nos antigos banhos de Villario, a que nunca pensou em renunciar (ver MS 38).

11 Carreño, “Codicilo” MS 22.

12 José Luis Carreño, El pan que Cristo nos dio. Vivencias al resplandor de la lamparita roja (Madrid: Editorial CCS, 1985) 11-12.

13 Carreño, El pan 14.

14 Citado en Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 3. 

15 Carreño, “Codicilo”MS 60. O estilo de Carreño recorda a narração comovente e contida do escritor francês Marcel Pagnol sobre a morte de sua mãe em Le château de ma mère: “Cinq ans plus tard, je marchais derrière une voiture noire…. J'étais vêtu de noir, et la main du petit Paul serrait la mienne de toutes ses forces. On emportait notre mère pour toujours". (Editions de Fallois, [2004] 213)

16 “Codicilo” MS 24: “'Ama' nunca me disse uma palavra em euzkera, e sem esquecer que os seus Etxeandías vinham de Bilbao, Zamudio, Arrigorriaga…".

17 Ver “Bajo el Gorbea” MS 57-58.

18 “Bajo el Gorbea” MS 49-50.

19 JL Carreño, “Relación New Rochelle - New (26.2.1976)”, José Luis Bastarrica, Los Salesianos en Santander (Pamplona: Ediciónes Don Bosco, 1981) 134-135. Ver também Carreño, “La Casa de Barakaldo en la Historia de José Luis” MS 1.

20 Carreño, “La Casa de Barakaldo en la Historia de José Luis” MS 1. Ver también Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 135-136. Mas que diferente esta leitura da de Pagnol no outro lado dos Pirenéus! Panhol, depois de falar com moderação sobre a morte prematura de sua amada mãe, com o irmão Paul e a amiga Lili, acrescenta: “Telle est la vie des hommes. Quelques joies, très vite effacées par d'inoubliables chagrins”. (Le château de ma mère 214)

21 José Pujol Fábrega (nascido em 1882) foi diretor de Santander de 1911 a 1921. Deixou a Congregação e passou para o clero diocesano em 1942. Ver Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 137.

22 Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 138. Miguel Blanco Fernández nasceu em 1890 e morreu como missionário em Jauareté, Brasil, em 1968.

23 Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 142.

24 Carreño, El pan 16-17.

25 Carreño, El pan 19-20.

26 Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 139-140.

27 Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 144.

28 Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 145.

29 Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 145-146.

30 Ver Carreño, “Campello” MS 4.

31 Giuseppe Binelli nasceu em 1877 e morreu em 1935. Foi provincial da província de Madrid de 1915 a 1925.

32 Carreño, “Campello” MS 3.

33 Ver Carreño, “Campello” MS 3.

34 Carreño, citado en Ambrosio Díaz Rivas, Los Salesianos en Campello. 1907-1982 (Valencia: Inspectoría salesiana de San José, 1983) 61.

35 José Luis Carreño, “La casa de Barakaldo en la historia de José Luis” (manuscrito de 18 págs. de 21 de febrero de 1985) 4.

36 Carreño, “La casa de Barakaldo en la historia de José Luis” MS 6-7.

37 Seu mestre de noviços foi o P. António Castilla (1874-1928).

38 Carreño, “La casa de Barakaldo en la historia de José Luis” MS 7-11.

39 Carreño, “La casa de Barakaldo en la historia de José Luis” MS 15.

40 Carreño, “La casa de Barakaldo en la historia de José Luis” MS 15-16.

41 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 5-6.

42 Veja-se Marko I. Rupnik , "E se l'evangelizzazione chiedesse una novità nella vita consacrata?" a https://www.youtube.com/watch?v=SOtf0ui_Iyo&feature=youtu.be (a 1 de setembro de 2020). 

43 Omnia Christus, Cristo é tudo (Col 3,11)” foi o lema da sua ordenação sacerdotal, algo que ele pôde reafirmar com alegria nas bodas de ouro dessa ordenação. No seu funeral, a comunidade de Pamplona decidiu distribuir aquela que foi considerada uma das suas melhores obras: La Señal (1983), cuja última frase é esta: “O nosso destino é Deus. E a Deus vai-se por Cristo Ressuscitado, o Último, o Consolador, o Perene SINAL… Lá, no fim, Deus espera de braços abertos os seus filhos pródigos”. Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 2-3.

44 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 7. 

45 Escursell-Ricaldone, 1928, citado em Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 7. Ricaldone, nascido em 1870, foi prefeito geral de 1922-1932 e Reitor-Mor desde 1932 até à sua morte em 1951. 

46 Arlegui Suescun 18.


47 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 8.

48 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 9. Ver também Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020. 

49 Ver Thekkedath, History 6-7.

50 Ver Thekkedath, History 17-19 (chegada a Tanjore), 73-82 (saída de Tanjore), 92-101 (chegada a Shillong).

51 Thekkedath, History 108.

52 Ver Thekkedath, History 12: “Até esse ano [1934] o prefeito apostólico de Assam e o salesiano provincial da Índia era uma e a mesma pessoa, a saber, Mons. Mathias".

53 Ver Thekkedath, History 476-477, 481-482. Cinato foi provincial desde 1934 até 1945.

54 Ver José Luis Carreño, Urdimbre en el telar (narra un misionero) (Madrid: VOFISA, 1965) 14; e Thekkedath, History 519. Carreño refere-se ao seu companheiro como 'Padre Amancio'.

55 Carreño, Urdimbre en el telar 15.

56 Carreño, Urdimbre en el telar 15.

57 Se a Carreño se atribui “Proa hacia el Sur”, temos alguns pormenores da viagem: teve lugar no “Victoria”, na semana posterior à festa de Maria Auxiliadora (24 de maio), e atravessou o Canal de Suez a caminho de Bombaim. O artigo poderia ter sido publicado em Acción Salesiana (Valencia) n ° 37 (1946-47).

58 Thekkedath, History 521.

59 Thekkedath, History 519-521. Segundo os documentos do Archivio Salesiano Centrale (ASC), a data de nomeação de Carreño como diretor de Tirupattur foi 1 de dezembro de 1934. Foi confirmado para um segundo triénio (1 de fevereiro de 1938 a 1941) em 1 de fevereiro de 1938.

60 Thekkedath, History 520. Os indianos incluíam Edward Rego, Eleuterio Fernandes, A. Bagavantha Raju e Lazarus.

61 Thekkedath, History 531.

62 Thekkedath, History 1375.

63 Citado em Thekkedath, History 1375.

64 Carreño, Urdimbre 28Lingad recorda Carreño a contar-lhes a história de Hubert D'Rosario no noviciado (Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020).

65 Joseph Vaz (1920-2007) pertencia à província salesiana de Mumbai (INB).

66 [Thomas Pamparel?], “P. José Carreño SDB (1905-1986)”. O texto dactilografado de 5 páginas foi recebido de Maria Arokiam Kanaga.

67 Testemunho de Luigi Di Fiore (ASC D978).

68 Joseph Thekkedath, “The Starting and Consolidation of the First Salesian Work in Bombay (1928-1950),” The Memory of the Salesian Province of Bombay 1928-1998, ed. Peter Gonsalves (Matunga: Province Information Office, Don Bosco Provincial House, 1998) 36n99.

69 Thekkedath, History 1376.

70 Ver Thekkedath, History capítulos 16-19.

71 Véase Thekkedath, History capítulo 21.

72 JL Carreño, Urdimbre (1) (Madrid: CCS, 1995) 31, citado em Arlegui Suescun 21. (Esta é uma nova edição de Urdimbre en el telar 1965, publicada agora em pelo menos quatro brochuras diferentes.) Thekkedath, no entanto, fala de uma carta lida já em 8 de dezembro do ano anterior, 1942, a dar a notícia da nomeação do P. Carreño como provincial em funções (Thekkedath, History 548). Provavelmente tratava-se de um ‘acordo’ que entraria em vigor em caso de internamento do P. Cinato. Uns dias depois chegou a notícia da ordem de internamento. Quando Cinato e outros salesianos italianos partiram para o campo de Deoli, em 2 de janeiro de 1943, Carreño assumiu o cargo de provincial em funções (ver Thekkedath, History 548 y 783).

73 Thekkedath, History 548 e Arlegui Suescun 21.

74 Véase Thekkedath, History 790-791: a carta do P. Berruti em 5 de fevereiro de 1945 anexando o documento oficial de nomeação não chegou à Índia. Foi Mons. Mathias que, em 19 de março de 1945, anunciou a nomeação aos irmãos.

75 Thekkedath, History 1376.

76 Thekkedath, History 754-760.

77 Retirei Bombaim desta lista, porque o P. Maschio comprou o terreno de Matunga e construiu os edifícios em princípios dos anos quarenta, antes de o P. Carreño ter sido nomeado provincial em funções (1943).

78 Ver Thekkedath, History 934-944. A Universidade de Madrasta outorgou-lhe o reconhecimento da escola preparatória em 1952 (Thekkedath, History 938-939). ‘'Dalit' significa 'pobre', e na atualidade refere-se geralmente às comunidades da Índia que estão excluídas do sistema das quatro castas.

79 “Quem viu este grande florescimento de obras com pessoal escasso e nem sempre qualificado, ficará maravilhado como foi possível fazer tanto em tão pouco tempo. A resposta encontra-se noutra grande qualidade do P. Carreño. Como Dom Bosco, ele sabia valorizar ao máximo as pessoas que estavam à sua volta. Acreditava no dito: ‘lança-os à água e aprenderão a nadar’. É verdade que isto lhe deu também aborrecimentos e falhanços como quando em cinco anos teve de fechar duas grandes escolas que havia aceitado talvez sem ponderar suficientemente as possíveis implicações e dificuldades”. Testemunho de L. Di Fiore (ASC D798). As duas escolas foram aceites em 1947. Os Salesianos retiraram-se de Nagercoil em 1950 e de Trivandrum em 1951. Para mais pormenores, ver Thekkedath, History capítulo 29.

80 A conta que havia aberto em Espanha era conhecida como MISALMA (Misiones Salesianas de Madrás).

81 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 27. 

82 Citado en Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 14-15. 

83 Orlando González González para mim, correio eletrónico de 25 de maio de 2020.

84 Arlegui Suescun 21.

85 A. Marzo - J. Arlegui, Barcelona, ​​04.11.2012, citado em Arlegui Suescun 19-10. Com respeito ao hino Cor Iesu Sacratissimum, ver mais abaixo n. 314.

86 Ver, por exemplo, Leonard Fernando, “Jesuits and India” (publicação online 2016) 11

(https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199935420.001.0001/oxfordhb-9780199935420-e-59 como de 09/13/20 ), sobre os jesuítas na Índia:

 

Hoje, a maioria dos membros destas Províncias e Regiões [jesuítas] são indianos, e em algumas delas quase todos são indianos, embora nem todos sejam da sua área de missão. Mas na ‘antiga’ Companhia, não se fomentaram as vocações indianas à Companhia de Jesus. Entre 1542 e 1773 só houve um jesuita indiano Pedro Luis de Kollam, Kerala. Pedro Luís começou o seu noviciado em Goa em 1561, que durou três anos e meio. Emitiu os votos em 1565 e foi ordenado como primeiro jesuíta indiano por volta de 1575. Depois da sua morte em 1596, nenhum outro indiano foi admitido na ‘antiga’ Companhia de Jesus.

Na Companhia de Jesus restaurada, porém, as coisas eram diferentes. A Missão Maduré teve vocações indianas desde a década de 1860, e a Missão Italiana em Mangalore e Calicut teve vocações nos dez anos seguintes à sua fundação. Em finais da década de 1890, poucos anos após a sua chegada, os missionários da Missão Ranchi recrutaram vocações locais de convertidos da primeira geração. Esta política de recrutamento de indianos como jesuítas aumentou o número de jesuítas em cada missão / província, o que lhe permitiu expandir a Igreja em áreas novas e maiores.


87 Thekkedath, History 1377.

88 Citado em Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 13. 

89 P. Cinato, provincial do Sul da Índia, que não tinha sido obrigado ao internamento no campo de concentração, pediu voluntariamente para ser internado a fim de poder acompanhar os seus irmãos e compartilhar os seus sofrimentos. No campo de concentração, escreve Carreño a Ricaldone em 1945, tinham podido organizar os processos de formação. Desde o início da guerra, foram ordenados 48 para a província do Norte e 65 para o Sul. Ver Carreño-Ricaldone, citado em Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 15-16.

90 Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 13.

91 Thekkedath, History 1377.

92 Thekkedath, History 1379. A região da Ásia Meridional hoje (setembro 2020) com uns 2770 irmãos, a maior parte dos quais está na Índia.

93 Thekkedath, History 1377-78.

94 Ver Carreño, “Relación New Rochelle”, Bastarrica 134; testemunho de A. Pianazzi, 6 de julho de 1986 (ASC D978); e também 29 de maio. P. José Carreño. 1905-1986”, pág. 114 (artigo de 3 páginas conservado na ASC, escrito provavelmente pouco depois da morte de Carreño, e quase de certeza publicado na província do INM mencionada na primeira linha. A peça contém extratos dos testemunhos dos padres A. Pianazzi, L. Di Fiore, Basilio Bustillo e outros, muitos dos quais também se conservam na ASC). Carreño diz que lhe pediram que fosse um dos quatro secretários – se bem que por fim dois não apareceram e a maior parte do trabalho parece ter recaído sobre o próprio Carreño. Thekkedath fala do “Conselho Plenário de Bangalore” em que Carreño foi um dos secretários, dado o seu excecional domínio do latim (Thekkedath, History 830).

95 Testemunho de Pianazzi (ASC D978). Assim o confirma o próprio Carreño (ver Bastarrica 134): um dos arcebispos participantes dirigiu-se a ele como “ciceronianus noster”. Não há dúvida de que Carreño foi um grande cultor do latim: ver, por exemplo, Carreño “Campello” MS 7-9; o testemunho de Basilio Bustillo (ASC D978); e também uma breve carta de 1 de agosto de 1964 de Carreño a Pianazzi queixando-se de um erro em latim por parte do Ateneo Pontificio Salesiano, então recém-confiado com o cuidado e guarda da língua latina: “Chegaram-nos quase ao mesmo tempo o documento papal que faz da Congregação Salesiana a guarda da pura latinidade e a imagem anexa contendo no reverso a palavra de ordem do RM da Congregação Salesiana e no anverso este insulto à latinidade ‘docete omncreaturae'!!” (ASC D978)

96 Thekkedath, History 1373; cf. Também 1373, 1373-73.

97 “Inteligentíssimo, não era, porém, administrador, mas literato e poeta e foi nisto que surgiu um malentendido com Mons. Mathias, que era precisamente o contrário. Ocasião especial do malentendido foi que um coadjutor saiu [da Congregação] e o padre Carreño celebrou solenemente as núpcias (ele provincial e Vigário Geral) na catedral. Mons. Mathias, então, não quis que ele continuasse a ser Vigário Geral. (O facto tinha ocorrido na ausência do Arcebispo)” Testemunho de A. Pianazzi, 7 de julho de 1986, ASC D798.

98 Citado em Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 13-14. 

99 Thekkedath, History 1373-74.

100 Thekkedath, History 1378-79.

101 Ver Thekkedath, History 1378-79.

102 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 14. 

103 Ver Carreño, “Codicilo” MS 30-34 onde começa: “Do que ninguém poderá acusar-me, querido Pepe, é que eu tenha sido um bom administrador já desde as minhas primeiras missangas”, e continua a narrar um incidente divertido da sua infância quando trocou um objeto valioso de sua casa por uma coisa insignificante de que precisava.

104 Thekkedath, History 1379.

105 Thekkedath, History 1379.

106 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 16. Mas ver “29 de mayo. José Carreño. 1905-1986” (citado en n94), pág. 114: “Em 1951, o P. Ricaldone enviou-o [a Carreño] a Espanha para organizar o movimento dos Salesianos Cooperadores. Ao cabo de dezoito anos na Índia, esta obediência foi difícil para ele, mas pôs todo o seu entusiasmo no novo trabalho”.

107 Thekkedath, History 854, 861-862.

108 Ver Ricaldone-Candela, 18 de julho de 1951 (ASC F 188), citado em Thekkedath, History 865-866.

109 Thekkedath, History 857-860, 867-868.

110 Mathias-Carreño, 31.07.1951, citado en Thekkedath, History 869; ver 868-869.

111 Mathias-Carreño, 29.08.1951 (??), citado en Thekkedath, History 869.

112 Mathias-Pianazzi, 04.09.1951, citado en Thekkedath, History 870.

113 Ricaldone-Mathias, 14 de setembro de 1951, citado em Thekkedath, History 871.

114 Alfredo Marzo, Relación a J. Arlegui, Barcelona, 4-11-2012, citado em José Arlegui Suescun, "Perfil de Don José Luis Carreño Etxeandía (1905-1986): Sacerdote misionero salesiano" (inédito, mas publicado em inglês: "José Luis Carreño Etxeandia (1905-1986): Salesian Missionary Priest," Bosco Udayam: A Journal of Salesian Spirituality 45/3 (2015) 12-25.

115 JL Carreño, Singladuras indias (Madrid: CCS, 1974) 195 y 201.

116 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 17.

117 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 18. 

118 Carreño-Fedrigotti, Pamplona, ​​4 de abril de 1951; Ziggiotti-Carreño, Turín, 22 de abril de 1952. Veja-se Nestor Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus: A Salesian in the Philippines (1962-1965)”, conferência feita no Seminário da Ásia Oriental sobre História Salesiana - ‘Relevant Figures of the 20th Century in East Asia,’ 12 de fevereiro de 2019, Ban Than Phraphon, Sam Phran, Tailandia (inédito) 16.

119 Ver Thekkedath, History 854.

120 Testimonio de Pianazzi (ASC D978).

121 Carreño, A Brief History of the Province of St Thomas the Apostle, Madras 31.

122 “It was necessary that Our Lady should interfere in order to bring the Salesians not to some delightful, hidden spot in the up-country, but straightaway to the heart and capital of Goa for the welfare of this youth. And seemingly since Our Blessed Lady is not bound by objections against Machiavellian methods, she made use of ‘War conditions’ in India.” Joseph Carreño, A Brief History of the Province of St Thomas the Apostle, Madras [Madrasta: ciclostilado, 1982 – cópia na biblioteca do Istituto Storico Salesiano, Roma] 30.

123 Thekkedath, History 38.

124 Rico José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 18. Ver também Thekkedath, History 39, que explica como Carreño e os salesianos encontraram um caloroso acolhimento em Goa.

125 Caetano Lobo, “Goa Salesiana” 4 (dactilografado de 13 págs. Data de 1961, arquivo POR, com nota “recebido 29-XI-1961”).

126 Para um relato dos inícios da obra em Goa, ver Carreño, A Brief History of the Province of St Thomas the Apostle, Madras 29-33; Giuseppe Moja, “How wonderful thy ways, O Lord! An eye-witness account of the first Salesian presence in Goa,” The Memory of the Salesian Province of Bombay 1928-1998 37-54; e Thekkedath, History capítulo 22. Segundo Moja 52, o trabalho em Panjim tinha começado em 1946 com a aprovação tácita do provincial, que nesse momento era Carreño. O que provavelmente Moja quer dizer é que não houve autorização oficial de Turim. A sanatio parece ter sido concedida algum tempo depois da visita de Fedrigotti a Goa em 1949. Fedrigotti, segundo Moja, tinha chegado com a intenção de fechar a obra.

127 Ver Thekkedath, History 718ff.

128 Thekkedath, History 1382. Ver também o testemunho de Pianazzi (ASC D978).

129 Thekkedath, “The Starting and Consolidation of the First Salesian Work in Bombay (1928-1950)”, 36n99. As crónicas de Panjim indicam a data: 23 de outubro de 1952.

130 Carreño, Urdimbre en el telar 251. Lingad recorda que Carreño estava a escrever este livro quando era seu mestre de noviços (1962-1963) e que todos os dias lia um capítulo aos noviços. (Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020).

131 Carreño, Urdimbre en el telar 253.

132 Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 18-19. 

133 Ver Crónicas de Panjim, anotação de 14 de novembro de 1953, e Lobo, “Goa Salesiana” 9.

134 Lobo, “Goa Salesiana” 9. A escola foi benzida em 22 de dezembro de 1954 pelo Reitor-Mor, Renato Ziggiotti, durante a sua visita a Goa, na presença do patriarca, José Vieira Alvernaz, o governador geral, Bernardo Guedes, e o provincial, A. Pianazzi.

135 Lobo, “Goa Salesiana” 10. Lobo informa que God in a Mirror recebeu uma boa referência na publicação jesuíta Clergy Monthly.

136 Vivian Andrews, extraindo da sua memória o que os salesianos mais idosos tinham partilhado com ele (nota para mim de 2 de setembro de 2020).

137 Valerian Pereira, correio eletrónico para mim de 2 de setembro de 2020, reportando o que Joseph Vaz disse num evento em Divyadaan: Instituto Salesiano de Filosofia, Nashik - Índia em 1997. Valerian Pereira, SDB (1969-) pertence à província de Mumbai (INB) e atualmente está a tirar um doutoramento na área de história salesiana.

138 “1946: Panjim”, The Memory of the Salesian Province of Bombay 1928-1998, ed. Peter Gonsalves (Matunga – Mumbai: Province Information Office, 1998) 106.

139 Lobo, “Goa Salesiana” 9-10.

140 Ouvi isto de Romulo Noronha e Thomas Fernandez. Aqui está também o testemunho de Joseph Vaz segundo informa Valerian Pereira (correio eletrónico para mim de 2 de setembro de 2020):

 

O P. Carreño, sabendo que se acabavam os víveres e tendo sido informado pelo Ecónomo que restava muito pouco dinheiro no banco, decidiu fazer o que Dom Bosco fazia tantas vezes pelos seus rapazes. Ele (o P. Carreño) passou uma hora em oração antes da celebração da Sagrada Eucaristia. Pouco depois da Missa, pediu aos meninos que passassem 15 minutos a rezar por uma intenção especial. Depois foi ao Hospital Municipal para dar sangue e regressou com dinheiro suficiente para comprar provisões para as duas semanas seguintes. O P. Joseph Vaz, que costumava ajudar o Ecónomo da Casa, sabia que o diretor (Carreño) repetia este cenário mais vezes. Ele sabia que ao dar o seu sangue era um imitador de Jesus Cristo, que nos redimiu na cruz pelo derramamento do seu sangue.


141 Ver n.94 supra.

142 Lobo, “Goa Salesiana” 11.

143 Na conversa com o P. Nascimento Mascarenhas (1940-2008) da arquidiocese de Goa. Alguns dos pormenores antes mencionados podem provavelmente ser confirmados nos Anuários arquidiocesanos: recordo que o P. Nascimento me mostrou alguns deles.

144 Valerian Pereira, correio eletrónico para mim de 2 de setembro de 2020. Vaz falou num evento organizado em Divyadaan, Nashik - Índia em 1997.

145 O informe de 5 páginas, datado de 24 de outubro de 1959, foi escrito a pedido do Reitor-Mor, e vai acompanahdo de uma carta de Monteiro com data de 30 de novembro de 1959. Armando da Costa Monteiro (1919-2005) foi provincial da província salesiana de Portugal (POR) de 1956 a 1964 e visitou Goa duas vezes. A primeira visita foi de 21 de janeiro a 12 de fevereiro de 1959, e a segunda de maio a junho de 1960. Veja-se o seu informe a Ziggiotti 2, e também a sua carta aos irmãos de Goa após os acontecimentos de 1961

(Monteiro - “Irmãos de Goa,” Lisboa, 4 de maio de 1962). Na sua carta ao patriarca de Goa declara explicitamente a sua intenção de acompanhar o novo diretor, Pinho, a Goa, depois de meados de maio de 1960: ver Monteiro-Alvernaz, Vila do Conde, 19 de abril de 1960 (Arquivo POR).

146 “[O] ativo e dinâmico D. Carreno, para-raios da Obra Salesiana naquele Estado”. (Informe Monteiro 24 de outubro de 1959, 1)

147 Ver Direção Geral do Ensino - Superior da Província Portuguesa da Pia Sociedade Salesiana, 5 de março de 1949 (Arquivo POR).

148 “Não raramente a culpa foi dos Superiores por não terem entrado em contacto direto com estas autoridades, evitando também os cumprimentos protocolares e até declarando que eles não têm nada a ver com estas autoridades”. (Informe Monteiro 24 de outubro de 1959, 2)

149 “A Direção Geral do Ministério do Ultramar afirmou ao P. Dr. Joaquim Santos, dominicano, Professor do Angélico de Roma, que está em Goa desde há dois anos para organizar [sic] o Instituto Superior, ‘que os maiores inimigos de Portugal em Goa, são os Salesianos.” (Informe Monteiro 24 de outubro de 1959, 3)

150 “Como resposta a estas minhas reflexões… respondeu-me precisamente: ‘não posso permetir um corte na minha Província’.” (Informe Monteiro 24 de outubro de 1959, 4) Até agora, do informe Monteiro a Ziggiotti (24 de outubro de 1959).

151 “Os Superiores são de parecer que se dê por agora este primeiro passo; as autoridades verão bem o superior português e muitos inconvenientes serão assim evitados”. Fedrigotti-Monteiro, Turim, 30 de dezembro de 1959 (Arquivos de POR). Curiosamente, também há uma carta manuscrita de Ziggiotti a Monteiro de 14 de fevereiro de 1960 dizendo que tinha de se resolver a questão de Goa, mas que como Fedrigotti e Pianazzi estavam ausentes, não podia tomar uma decisão de imediato.

152 A primeira opção tinha recaído em Carlos Reis da Silva (n. 1919, secularizado em 1987), missionário português na Namaacha, Moçambique, que tinha manifestado a sua incapacidade para assumir o cargo de diretor. Ver Fedrigotti-Reis, n.d., e Reis-Ziggiotti, Namaacha, 22 de janeiro de 1960 (Arquivos POR).

153 Monteiro-Fedrigotti, Lisboa, 24 de março de 1960 (Arquivos POR).

154 Monteiro- Carreño, Lisboa, 24 de março de 1960.

155 Fedrigotti-Monteiro, Turim, 29 de março de 1960 (Arquivos POR). É isto que, de facto, Fedrigotti tinha escrito a Reis, enquanto buscava um substituto para Carreño: “entender-nos-emos com o Provincial da Índia Sul, sob o qual é melhor por agora que permaneça a obra de Goa. Mais tarde ver-se-á” (Fedrigotti-Reis, n.d. mas antes da resposta de Reis de 22 de janeiro de 1960).

156 Carreño-Monteiro, Goa, 1 de abril de 1960 (Arquivos POR).

157 Guido Borra (1896-1981), membro do Conselho Superior de 1958 a 1967.

158 Monteiro-Fedrigotti, Lisboa, 4 de abril de 1960 (Arquivos POR).

159 Carreño-Monteiro, Los Ángeles, 29 de julho de 1961 (Arquivos POR).

160 Lobo, “Goa Salesiana” 12.

161 “Como era desejo de todos, as Obras Salesianas da Índia Portuguesa estão integradas nesta Província não só oficialmente mas também salesianamente.” Monteiro-Alvernaz, Vila do Conde, 19 de abril de 1960. Na sua visita seguinte em maio de 1960, o provincial diz que poderiam concretizar os pormenores da integração da obra salesiana [na província de Portugal] no espírito da Concordata. Veja-se também Monteiro-Pinho, 14 de abril de 1960, onde discute assuntos relacionados com a casa [de Panjim] e declara que não se oporia a que nenhum irmão quisesse regressar à provincia de Madrasta, mas que teria de fazer acertos para os substituir.

162 Crónicas de Panjim 1959-60 17: “visto 6-6-1960 / P. Armando Monteiro / Prov[incial]. "

163 Ver mais abaixo, n161.

164 Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 19. 

165 Ver “Governo-Geral. Repartição do Gabinete. Portaria”, Boletim Oficial II.21 de 26 de maio de 1960. Também se publicou cópia da portaria em Aitarachem Vachop, año XVIII, n. 22 (5 de junho de 1960). (Arquivos POR)

166 “O Sr. Governador Geral Vassalo e Silva publicou uma portaria no Bol[etim] Of[icial] louvando o trabalho realizado por Mons. Carreño. Tinha ele sido a 'persona grata' a Portugal e à India, na falta do cônsul, interessando-se dos presos 'satyagrahis' (1955-59”. Lobo, “Goa Salesiana” 12.

167 Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 19. 

168 João Carreira Bom, “Missionário salesiano entre Nehru e Salazar. Como um 'agente duplo' pode ter jeito para a literatura”, Expresso (16 de Julho de 1977) 5-R. Não tive acesso à “Relación de mi visita a la Unión Indiana” de Carreño.

169 RN Sakshena, Goa: Into the Mainstream (Abhinav Publications, 2003) 30. Em 1930, quando o Dr. Tristão de Bragança Cunha estabeleceu o Comité do Congresso de Goa e o filiou no Congresso Nacional da Índia, o movimento pela libertação de Goa adotou a desobediência civil não violenta ou satyagraha. A satyagraha ofereceu-se pela primeira vez em 1946 dentro de Goa, o que provocou a repressão dos portugueses e a deportação de alguns líderes de Goa para prisões no estrangeiro. Em junho de 1954, ao invés, vários satyagrahis entraram em Goa provenientes da Índia e foram presos. Em agosto de 1954, centenas de pessoas de toda a Índia decidiram entrar no território de Goa. O governo da Índia declarou que não era a favor de tal iniciativa, dizendo que a satyagraha neste caso deveria ser oferecida pelos próprios goeses em lugar dos indianos. A satyagraha, porém, continuou, com um número de satyagrahis entrando em Goa de vários pontos. Segundo Sakshena, muitos deles foram assassinados pelas forças armadas portuguesas. (Sakshena 28-31)

170 Ver Carreira Bom.

171 Ver Carreira Bom. Sakshena só fala da suspensão do serviço de circulação postal entre a Índia e a Goa Portuguesa.

172 Em Carreño-Pianazzi, a 23 de março de 1962, Carreño fala da sua amizade com o chefe do Partido Socialista de Praja e também com o chefe do Partido Comunista de Bengala: ambos eram ex-prisioneiros em Goa “e, portanto, meus filhos espirituais” e espera obter ajuda deles para conseguir autorização do governo indiano para visitar Goa. Veja-se também Carreño-Monteiro, 3 de março de 1962.

173 “Há alguns meses, servindo-me da pouca autoridade que me dava o facto de ser encarregado dos presos políticos indianos, tinha escrito uma carta bastante dura ao sr. Ashok Mehta, do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Governo da Índia (mas residente em Bombaim), a protestar contra as injustiças contidas no bloqueio económico a Goa e, sobretudo, na injusta retenção das pensões de milhares de goeses.” Carreño, citado em Carreira Bom. A “Relação” está fechada em 13 de novembro de 1956.

174 Ver o testemunho de Pianazzi, 6 de julho de 1986 (ASC D978). ASC 22 B015 descreve Carreño como “residente em Goa” e “cidadão indiano naturalizado”: ​​cf. Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 1. Apoiando-se no Archivo Dom Bosco de Panjim, Thomas Anchukandom indicou-me que, na sua carta ao Chanceler, Cúria Patriarcal de Goa, datada de 21 de janeiro de 1958, Carreño dá a sua cidadania como espanhola.

175 Carreño citado em Carreira Bom.

176 Carreño, “Codicilo” MS 23.

177 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 19. A obra de Carreira Bom não o contém, provavelmente porque só reporta extratos do informe de Carreño.

178 Carreño, Singladuras indias 296.

179 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 19. À luz do informe de Carreño, o ‘injustamente’ aqui refere-se provavelmente ao sofrimento causado aos goeses de baixa condição pelo bloqueio económico, e não à questão colonial em geral.

180 Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 19, e testemunho de Pianazzi (ASC D978).

181 Crónicas de Panjim, outubro de 1954 3-6.

182 A Mocidade Portuguesa foi uma organização juvenil portuguesa fundada pelo regime português de direita em 1936, inspirada na Opera Nazionale Balilla fascista italiana e nas Juventudes Hitlerianas nazis.

A filiação era obrigatória entre os 7 e os 14 anos e voluntária até aos 25. As crónicas de Panjim estão repletas de referências às atividades da Mocidade, obviamente obrigatórias para a maioria dos alunos da escola.

183 Crónicas de Panjim, outubro de 1945.

184 “It was a delicate situation but it made clear to all that Salesians by their Constitution are to be not only a-political but supra-political.” Crónicas de Panjim, octubre de 1954 4.

185 Lobo, “Goa Salesiana” 11.

186 “Necessitamos urgentemente de construir o nosso Aspirantado; e há que tomar uma decisão quanto antes: cada ano que passa é quase uma centena de vocações que perdemos.” Carreño-Monteiro, Goa, 26 de março de 1957.

187 Pontes-Carreño, Lisboa, 13 de novembro de 1952. De facto, quando se tornou difícil enviar os aspirantes

para o noviciado na Índia, em 1955 enviaram-se três para Portugal, sendo o bilhete pago pelo governo, e mais quatro em 1960. Na sua carta ao provincial de POR (Carreño-Monteiro, 26 de março de 1957, Arquivo de POR), Carreño fala de 4 candidatos a enviar para o noviciado em Manique: 3 para o sacerdócio (José Maria Barreto, José Virgílio Coutinho, Albano de Melo) e um como coadjutor (António da Silva). Isto fez-se com o apoio do prefeito geral (ver Fedrigotti-Carreño, 15 de fevereiro de 1957 e 20 de maio de 1957). Escrevendo em julho de 1962, Lobo enumera os seguintes que fizeram o seu noviciado em Portugal:

Cl. Albano de Melo; Cl. José M. Barreto; Coad. António da Silva; Cl. Rómulo Noronha; Cl. Óscar de Souza; Cl. Armando de Souza; Coad. Casimiro Sequeira; Cl. Alexandre Faria; Cl. Fremioth Viegas; Coad. Frank Bragança; e o P. Olívio Miranda (“D. Bosco - Goa: Umas datas na Crónica. Julho 1962” 3, Arquivo POR).

188 Monteiro-Fedrigotti, 18 de junho de 1959.

189 Carreño-Monteiro, Goa, 1 de abril de 1960. Por outro lado, Lobo informa que, durante essa visita, Fedrigotti pediu a Carreño que primeiro descansasse em Espanha, e depois que fosse para os Estados Unidos a fim de angariar fundos para a construção de um novo edifício para o aspirantado. Ver “Goa Salesiana” (1961) 12.

190 Monteiro-Carreño, Lisboa, 24 de março de 1960. Lobo indica que foi com a autorização de Armando da Costa Monteiro, provincial de Portugal de 1956 a 1964, que Carreño tinha planeado estabelecer um aspirantado em Betim do outro lado do rio Mandovi em Panjim. (Lobo, “Goa Salesiana” 11-12) “D. Bosco - Goa. Umas datas na Crónica. Julho 1962 ”3 (arquivos de POR) fala do sonho de Carreño e do provincial de POR, Armando da Costa Monteiro (1919-2005), de construir um aspirantado em Betim.

191 Carreño-Monteiro, Goa, 1 de abril de 1960.

192 Dom Bosco visitou Barcelona em abril-maio de 1886.

193 Carreño-Pianazzi, 6 de fevereiro de 1961 (ASC D978).

194 Michael Stephen Murray (1899-1981) foi um salesiano irlandês pertencente à província das Filipinas que tinha abandonado a Congregação em 1975 e passado algum tempo nos Estados Unidos em situação irregular antes de regressar à Congregação. Carreño tinha pedido ajuda a Pianazzi: ver Carreño-Pianazzi 6 de fevereiro de 1961: “A segunda parte do pedido é a seguinte: o meu velho amigo P. Murray poderia ser-me de enorme ajuda - deveria dizer que eu poderia ajudá-lo um tanto – no aproximar-se dos amigos". Murray e Carreño figuram como membros da comunidade de Makati nas Filipinas nos anos 1966-1968, segundo informação proporcionada por Jose Antonio Hernández baseada nos “Elencos da Congregação”, mas isto deve ser verificado. Todavia, até onde sabemos, Carreño abandonou as Filipinas em 1965: ver a secção 9.4 a seguir. 

195 Carreño-Monteiro, New Rochelle, 27 de março de 1961.

196 Ver Carreño-Monteiro, South San Gabriel, 29 de julho de 1961 (Arquivo de POR). Nesse momento ainda não se tinha decidido se situar o aspirantado em Betim ou em Vasco da Gama.

197 Carreño-Monteiro, South San Gabriel, 29 de julho de 1961.

198 “Esta segunda solução, parece responder à tua intenção de construir primeiro o colégio; mas apresenta também o perigo de gastar o dinheiro e de ficar sem ele para o aspirantado! Creio que estás consciente de que o aspirantado em Goa deve fazer-se quanto antes…”. Fedrigotti-Monteiro, 28 de novembro de 1961.

199 Med foi provincial de 1958 a 1964.

200 Ver Carreño-Monteiro, 3 de março de 1962 (arquivo de POR).

201 A conceção de um terceiro mandato, com a necessária autorização da Santa Sé, está datada de 16 de julho de 1958, e o documento declara explicitamente que este prazo terminará em 15 de agosto de 1961 (ASC).

202 Ver Lobo, “Goa Salesiana” 12: “Em 1959 pelo fatigante trabalho realizado, o Sr. Pe. Fedrigotti, Prefeito Geral da nossa Sociedade, após a sua visita canónica, achou que Mons. Carreño devia repousar um pouco na Espanha, e podendo depois ir à América a angariar dinheiro para construir um edifício à parte para a aspirantado.” As crónicas de Panjim 1959-60 3 indicam que a visita foi em agosto de 1959. Escrevendo a Reis como possível substituto de Carreño, Fedrigotti diz que Carreño está a terminar o seu mandato como diretor, e necessita de descansar, porque depois de anos de grandes responsabilidades em cima os nervos estão desgastados. “Entendemos conceder-lhe este repouso; depois do qual se ocuparia de propaganda em Espanha e noutros países para angariar fundos para a construção… de edifícios modernos para a escola de Goa…”

203 Fedrigotti-Carreño, 15 de fevereiro de 1957 (segundo a cópia enviada por Carreño para Portugal, provavelmente a Monteiro, no Arquivo POR)

204 Carreño -Monteiro, Goa, 26 de março de 1957.

205 Ver os discursos do Patriarca Dom José Alvernaz e do Dr. Caetano Dias, Presidente da Câmara Municipal de Goa em “Homenagem significativa e merecida”, O Heraldo (17 de maio de 1960) 2 págs. Ver também “Governo-Geral. Repartição do Gabinete. Portaria”, Boletim Oficial II.21 (26 de maio de 1960) 393, reimpreso como “Governo-Geral. Repartição do Gabinete. Portaria” em Aitarachem Vachop, ano XVIII, nº 22 (5 de junho de 1960). (Todos os documentos dos arquivos de POR.)

206 Ver “Homenagem de Despedida”, [português], Aitarachem Vachop, ano XVII, núm. 20 (15 de maio de 1960) 1. A segunda intervenção, “Pe. Carreño Bapa Amchia [P. Carreño, nosso pai]” está em Konkani, a língua nativa de Goa, e começa assim: “Ho mhoino soronk amcho mogacho Pe. José Carreño, Goaim Salesian Padrincho Superior, Europak veta [Em finais deste mês o nosso querido P. José Carreño, Superior dos Padres Salesianos em Goa, vai para a Europa]”: ibid. 3. O terceiro, intitulado “Pe. Carreño”, contém 5 poemas en Konkani de várias pessoas: ibid. Ver também Lobo, “Goa Salesiana” 11. O artigo do Diário de Goa, “Mons. Carreño” (29 de maio de 1960) assinala que Carreño terminaría em breve o seu mandato como superior dos Salesianos em Goa. (Todos os documentos dos arquivos de POR.)

207 Para a visita de Monteiro, ver Monteiro-Fedrigotti, 10 de dezembro de 1961, e também Monteiro- “Irmãos de Goa”, 4 de maio de 1962 (ambos nos Arquivos de POR). No breve período que Goa pertenceu à província portuguesa, 1960-1962, cinco salesianos portugueses trabalharam em Goa: o P. Manuel Júlio Pinho de Bastos (1926-1989), diretor; o P. David Bernardo (1934-), catequista; José Basílio, tirocinante; Coadj. Manuel Martins, enfermeiro; e Coad. Manuel Duarte, encarregado do Oratório festivo (ver Caetano Lobo, “D. Bosco - Goa. Umas datas na Crónica. Julho 1962” dos arquivos de POR).

208 Lobo fala da sua partida “nos princípios de 1960” (“Goa Salesiana” 12).

209 Ver Carreño- Pianazzi, Barcelona, ​​6 de fevereiro de 1961: Carreño escreve de Barcelona e diz que chegou a tempo para o 75º aniversario da visita de Dom Bosco a essa cidade em abril-maio de 1886; Carreño-Monteiro, New Rochelle, 27 de março de 1961 (onde agradece ao provincial por ter ido ao aeroporto com os irmãos goeses; presumivelmente Carreño tinha visitado Lisboa a caminho dos Estados Unidos, pelo que os irmãos goeses são provavelmente os que estavam a estudar ou a trabalhar em Portugal); e Carreño-Monteiro, Los Ángeles, 29 de julho de 1961 (ambos nos Arquivos de POR). O facto de pedir a Monteiro uma decisão sobre o prolongamento da sua estadia nos Estados Unidos significa que ainda estava sob a autoridade do provincial de POR.

210 Fedrigotti-Monteiro, Turim, 28 de novembro de 1961 (Arquivos de POR).

211 Monteiro-Fedrigotti, 10 de dezembro de 1961.

212 “E eu, bem como todos os salesianos portugueses que o conhecem, porque o admiramos imenso e lhe estamos muito gratos, sentimo-nos humilhados, se amanhã nos voltassem a fazer esta calúnia.” (Monteiro-Fedrigotti, 10 de dezembro 1961, 2)

213 Monteiro-Fedrigotti, 10 de dezembro de 1961, 2.

214 A minha impressão em Itália onde fui assistir ao I congresso Internacional de vocações religiosas, é que a mentalidade geral, ao menos no caso português, é igual à dos comunistas. Pois só estes (e os socialistas) é que atacam de frente o nosso governo e a posição portuguesa.” (Monteiro-Carreño, 22 de dezembro de 1961) Se os sacerdotes (irmãos salesianos?) de Roma não são compreensivos, Monteiro espera que os de Goa sejam mais compreensivos: “E se Portugal sofre na sua carne, não tememos menos pelo que irá acontecer aos bons católicos goeses num futuro próximo. Oxalá os padres de Goa saibam estar à altura de compreender que a Igreja também sofre um rude golpe. Refiro-me aos jovens. Pois os de idade não se deixarão ir nas promessas de Neru. / E a nobre obra? Como andei e ando apreensivo pela sorte dos irmãos e dos aspirantes e alunos. E as obras em construção e o futuro aspirantado? Creio, isto está seguro, que o Governo de Nova Delli não vai ter a generosidade do nosso. Mas confiemos em Deus e na Virgem Auxiliadora.”

215 Monteiro-Carreño, 22 de dezembro 1961.

216 Fedrigotti-Monteiro, 4 de janeiro de 1962. Pinho e David abandonaram Goa em 6 de julho de 1962, deixando o P. Giuseppe Moja como diretor em funções (ver Caetano Lobo, “D. Bosco - Goa. Umas datas na Crónica. Julho 1962” do Arquivo de POR). Note-se que as datas do diretorado de Pinho se dão erroneamente como 1960-1963 pelo "Database Storico Salesiano", e como 1959-1961 em “1946: Panjim,” The Memory of the Salesian Province of Bombay 1928-1998.

217 Thekkedath, “The Starting and Consolidation of the First Salesian Work in Bombay (1928-1950)”, 36n99. Esta longa discussão sobre a saída de Carreño de Goa por certo será interessante especialmente para os de Goa, porque o material de arquivo toca um momento crítico na história recente de Goa: a ação militar indiana e a anexação de Goa e o fim da Goa Portuguesa. Não posso resistir a incluir aqui uma história que me contou Giuseppe Casti (Tocco) (1931-), que foi catequista e perfeito em Panjim de 1958 a 1965 e, portanto, também durante os transcendentais acontecimentos de dezembro de 1961. Casti narra que todos os internos foram despedidos de casa, deixando atrás de si só o temível P. Giuseppe Moja (1915-2009) junto com (o manso) P. Casti (ele mesmo). Moja tinha duas pistolas, uma algo mais eficaz que a outra. Depois de se intrincheirar, os dois salesianos colocaram-se com as suas armas atrás da porta e esperaram que chegassem os soldados indianos. De facto, passado algum tempo, houve uma forte pancada. Moja: “Tenta entrar e verás o que te acontece”. Uma voz do outro lado: “Abra a porta, Padre. Sou um ex-aluno de Dom Bosco, e o meu comandante enviou-me para proteger a casa”. Então abriram-se as portas e o exército indiano assegurou-se de que Dom Bosco Panjim não sofresse de nenhum modo.

218 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 19. Esta peça, escrita após a norte de Carreño, pode ser vista no Arquivo de POR: “Mons. José Luis Carreño”, 1 dactilografado pág. dt. 1986: “O arranque do Oratório de Pangim com Liceu, Escola Profissional, Centro juvenil – além doutros Oratórios; o lançamento do aspirantado anexo ao internato para os rapazes mais desfavorecidos, o incremento da devoção a Mãe Auxiliadora e a D. Bosco, afora a colaboração com o clero local e o prestígio Salesiano alcançado são provas indesmentíveis. Para os irmãos jovens era um pai que abraça sempre os filhos nas dificuldades. A um nosso clérigo que desabafou as lutas e erros da assistência diz-lhe com amplexo paternal: – ‘coragem, meu irmão; eu também passei por essas provas”.

219 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 19. “E os alunos, quando ele terminou o seu mandato em 1960, veio à Europa e depois foi às Filipinas, exclamavam inconsoláveis: – ‘Se soubéssemos que ele não voltava, não o deixaríamos partir. Iríamos todos ao Aeroporto’.” (Mons. José Luis Carreño”, 1 mecanografiado p. dt. 1986, Arquivo POR)

220 Citado em Arlegui Suescun 22.

221 Carreño-Pianazzi, 6 de fevereiro de 1961 (ASC D978).

222 Carreño-Monteiro, 29 de julho de 1961 (Arquivo de POR). A escola em questão é o Instituto Técnico Don Bosco, Rosemead, Califórnia, na diocese de Los Ángeles.

223 Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 1. Baseei-me muito na obra de Impelido, mas, com acesso à correspondência original, algumas citações são minhas.

224 Carlo Braga (1889-1971) trabalhou na China desde 1924 até 1953. Em 1953 foi enviado para as Filipinas como diretor de Victorias. Em 1955 foi nomeado delegado do provincial da China para as Filipinas. Em 1958, quando as Filipinas se converteram em Visitadoria, foi nomeado seu primeiro Superior.

225 Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020.

226 ASC 22 B015 Promação das vocações, VOFISA (= Vocações Filipinas Salesianas), citado em Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 6. Ver Carreño-Monteiro, 3 de março de 1962, onde espera partir para Manila uma vez que receba o visto necessário. Ver carta de Carreño a Pianazzi (23 de março de 1962, de Madrid) onde escreve que partirá para Manila, dv., 25 de março de 1962.

227 Lingad recorda a chegada de Carreño ao aspirantado de Victorias, Negros Occidental, em abril de 1962 (ver Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020).

228 Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 20. A intenção de realizar esta visita é anunciada em Carreño-Pianazzi a 23 de março de 1962, e a visita em si confirma-se numa referência em Carreño, Singladuras indias 37: “A minha última visita a Goa tinha sido em 1962, quando ainda havia milhares de soldados e prisioneiros portugueses nos campos de concentração…. / Encontrava-me então em Bombaim, de passagem para as Filipinas…” Na sua carta de 17 de março de 1963 a Pianazzi, Carreño refere-se a uma viagem recente pelo sul da Índia: “Poucos dias depois da sua carta, em que me informava da má impressão deixada ‘pelas minhas arengas’ na minha passagem pelo Sul da Índia, e de como o meu pedido de ter um coadjutor de TPT [Tirupattur] se tomasse como um querer arruinar a Índia…”

229 Carreño, Urdimbre en el telar 319-320.

230 Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 6.

231 Valeriano Barbero (1938-), várias vezes delegado provincial de Papua Nova Guiné, trabalhou como tirocinante com Carreño em Mutinlupa e mais tarde em San Fernando e em Canlubang. Reporta ele que a casa de Mutinlupa tinha dois pisos: no rés-do-chão a capela, o refeitório e vários armazéns, e no primeiro piso o dormitório, o estudo e um pequeno quarto que servia também de escritório do mestre de noviços. Os melhores ovos das poucas aves de capoeira enviavam-se aos benfeitores de Makati, o resto era para a comunidade; e o mesmo sucedia com as mangas. A alimentação era cara, e até os banhos eram racionados, porque tinham de pagar a água da bomba. O jovem assistente de noviços (Barbero) tentou mudar as coisas, e Carreño não se intrometeu. Foi uma época de mudanças, do anterior mestre de noviços, Vincenzo Ricaldone, para o novo (Carreño), e da mentalidade 'chinesa' dos salesianos que tinham sido missionários na China, para a mentalidade mais aberta de Carreño. Ver Barbero-Coelho, correio eletrónico de 18 de abril de 2020.

232 Lingad assinala que o noviciado começou em 30 de maio de 1962 em Mutinlupa (ver Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020).

233 Ver Carreño-Pianazzi, 8 de janeiro de 1963 e Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 7.

234 “Alguém criticou o P. Carreño de ser tão liberal no seu modo de ser, que dois ou três noviços não fizeram a profissão. Depois de casa roubada, compreendi quem eram os que não fizeram a profissão e foram convidados a sair: os orgulhosos, os que estavam mesmo cheios de si, e quem era mais mulher do que homem. Tipos de pessoas estas que o P. Carreño não podia digerir, ainda que apresentados ao noviciado por santos confrades”. Barbero-Coelho 18 de abril de 2020.

235 Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 6-7. A data de nomeação nos documentos da ASC é 7 de abril de 1964, e estabelece-se que o prazo termina em 15 de agosto de 1967.

236 10 em 1962-1963, dos quais 5 professaram; 8 em 1963-1964, dos quais 7 professaram; 15 em 1964-1965, dos quais 14 professaram. Segundo um estudo realizado por Philip Lazatin (província do FIS, Filipinas) em 2019, 9 deles perseveravam: José Ferrer, Genaro Gegantoni, Celestino Lingad (professaram em 1963); Aguedo Palomo (professou em 1964); Jaime Carmona, Vicente Cervania, Emiliano Santos, Hilario Tamonan, Danilo Torres (professaram em 1965).

237 Das conversas com o P. Benna em 2018. Ver também Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 17. P. Giovanni Benna (nascido en 1933, Chieri, Itália; falecido em Valdocco, 2018), missionário nas Filipinas de 1961 a 1998, e, no seu regresso a Itália, a cargo da capelania filipina, San Giovanni Evangelista, Turim, de 1998 a 2018.

238 Carreño-Fedrigotti, Madrid, 12 de outubro de 1965. Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 16-17.

239 Ver Rico, Carreño Etxeandía Obrero de Dios 21. As ASC contêm duas páginas manuscritas, possivelmente de Carreño, com timbre de VOFISA, uma espécie de chamamento aos benfeitores.  

240 Ver Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020.

241 Testemunho de P. José Bernacer, citado em Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 18. Ver também Barbero-Coelho, correio eletrónico de 18 de abril de 2020: “A sua mentalidade indiana não se revia na chinesa, por ele descrita como um ser aprisionado pela Grande Muralha”. José Luis Bernacer Valor (1937-), deixou definitivamente a Congregação Salesiana em 2002.

242 Lingad informa que, pouco antes do final do seu ano de noviciado (quer dizer, antes de junho de 1963), o P. Braga veio a San Fernando a ver o P. Carreño, dizendo-lhe “que preparasse os rapazes [noviços]” para a filosofia em Cheung Chau, Hong Kong. O P. Carreño parece ter objetado de imediato: “O quê? Enviar os nossos jovens para a terra de Confúcio a estudar filosofia escolástica?… Olhe, padre, agora mesmo, porque tem a batina, pode fazer o que quiser na sua própria escola. Mas aproxima-se o tempo em que nem nas suas próprias escolas [poderão fazer] nada sem o papelito – o título!” De facto, Leo Drona, mais tarde bispo, havia regressado com o título de Hong Kong em matemáticas e Felicisimo Juan em física, mas estes não foram reconhecidos como válidos nas Filipinas. (Ver Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020).

243 Ver Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 8 e o testemunho de Luigi Di Fiore citado em Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 18.

244 Ver o testemunho de Di Fiore (ASC D978).

245 Ver Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963): 'Dove la nostra opera vi era nata… già adulta”, Ricerche Storiche Salesiane 23/2 (2004) 451-452.

246 ASC F163 Filippine: Corrispondenza (Cogliandro-Fedrigotti, Makati, 4 de octubre de 1963); ver Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 452.

247 O P. Ferdinando Rossotto (nascido em 1920) saiu da Congregação em 1959 para se incardinar numa diocese.

248 Ver Nestor Impelido, Salesians in the Philippines: Establishment and development from delegation to Province (1951-1963), Studi: Istituto Storico Salesiano, Roma, 24 (Roma: LAS, 2007) 284, e Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 5n29.

249 Impelido, Salesians in the Philippines 285.

250 A frase tinha sido efectivamente utilizada por Braga escrevendo ao Reitor-Mor, P. Ricaldone: "é necessário ter já uma saída”. ASC F158 Cina: Corrispondenza (Braga-Ricaldone, Hong Kong, 29 de marzo de 1951). Citado en Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 442n69.

251 “Como poderemos cometer esta injustiça para com os de Hong Kong?” Carreño-Pianazzi, San Fernando, 8 de janeiro de 1963; ver Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 7-9.

252 O coadjutor Julio Ferrer Mora (nascido en 1921) finalmente deixou a Congregação, em 1966.

253 Carreño-Pianazzi, San Fernando, 5 de fevereiro de 1963.

254 Esta carta é mencionada em Carreño-Fedrigotti, San Fernando, 4 de março de 1963. Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 9-12.

255 Ver Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 9-10, 12.

256 “À exceção de Cebu, que começou como uma obra para meninos da rua, mas que depois se converteu numa escola, a maioria das obras salesianas nas Filipinas começaram como escolas”. Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 441.

257 Carreño-Pianazzi, 17 de março de 1963 (ver também Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 12-13):


Sò [sic], poco più o meno, che la mia lettera non altererà molto le cose, perché conosco per esperienza che la mia corrispondenza è pre-classificata a Torino tra lo stile poetico. Ma almeno ho fatto il mio dovere. E, in secondo luogo, convincerà i Superiori a mandare un Maestro di Novizi che sia santo… e alquanto ingenuo anche. Arrivato il quale, se questo non è dare un dispiacere ai Superiori, chiederò umilmente di ritornare tra i miei: in missione non si viene che con un ideale, anche se lo si chiama poesia. Se si tratta soltanto di ‘salvarsi l’anima’ o forse di ‘passarla bene’, che mi lascino andare a salvarmi l’anima a Madrid, dove l’ho passato sempre molto bene anche. Rimarrò col rimorso di aver abbandonato il più bel campo di apostolato: ma qui sarei un ribelle.


258 Carreño-Pianazzi, 17 de março de 1963:


Pochi giorni dopo la Sua lettera… mi scrivevano da Yercaud: ‘fra poco saranno ordinati 21 sacerdoti per quest’Ispettoria e usciranno al tirocinio 17 chierici’ soltanto per l’Ispettoria di Madras! Quei sacerdoti sono quei che io lasciai latinisti… in quei tempi in cui andavo a fare delle razzie nel Malabar. E adesso il chiedere noi, in questi inizi, un coadiutore per metter su una Casa di Formazione, è un voler rovinare l’India! … Se questo non sa di amarezza di ingratitudine, è almeno un amnesia. Quanto più grati si son dimostrati i miei poverini di Goa!


259 Carreño-Fedrigotti, San Fernando, 10 de abril de 1963:


Anche il Sig. Don Pianazzi mi ha risposto. Devo avvertire, però, che scrivendo a lui come all’incaricato degli studii, avevo aggiunto anche che sentivo che il mio atteggiamento cominciava ad interpretarsi qui un po’ come ribellione (‘questi dall’India’… ‘questi nuovi arrivati’… o, peggio ancora, ‘questi spagnuoli’…). Gli avevo manifestato dunque che essendo stato io sempre un incondizionato dell’autorità (forse avrei dovuto aggiungere ‘dell’autorità salesiana’, perché invero coll’autorità ‘diocesana’ mi so azzuffatto parecchio), sarei molto dolente di dare cattivo esempio di ribellione, non potendo d’altra parte starmi zitto del tutto; pregavo dunque che mandassero un santo Maestro di Novizi; arrivato il quale chiederei il ritorno in Spagna piuttosto che scandalizzare tutta un Ispettoria. E il Sig. Don Pianazzi mi rispose dunque ‘quando agli arrivi, ritorni pure nella Spagna’.


260 Carreño-Fedrigotti, San Fernando, 10 de abril de 1963. Ver Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 14.

261 “Questa volta sparirò sul serio tra i miei monti Cantabri, e non darò più noia a nessuno. Non nascondo che mi costerà un po' lasciare questa terra, che si ama appassionatamente a prima vista – sopra tutto se il missionario è spagnolo – ma ormai sono allenato a dare strappi simili a questo vecchio cuore.” Carreño-Pianazzi, San Fernando, 10 de abril de 1963.

262 Carreño-Ziggiotti, Canlubang, 5 de setembro de 1963. Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 14-16.

263 Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 15-16.

264 Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 16.

265 Impelido fala dos primeiros salesianos filipinos que nunca saíram das Filipinas para a sua formação inicial, e menciona o P. Celestino Lingad e o P. Genaro Gegantoni, que pertenciam ao sexto grupo de noviços (o primeiro de Carreño), P. Aguedo Palomo do 7º grupo (segundo de Carreño). Ver “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 430 e n6. Lingad confirma-o em Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020. Segundo o “Database Storico Anagrafico” da Congregação Salesiana, a 'atividade' do que se converteria no “Canlubang – Pós-noviciado” (dedicado ao Sagrado Coração de Jesus) começou a 12 de agosto de 1963. A casa foi ereta canonicamente em 15 de maio de 1964.

266 Veja-se Carreño-Pianazzi, San Fernando Pampanga, 5 de fevereiro de 1963. Veja-se também Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020.

267 Ver Lazatin-Coelho, correio eletrónico de 9 de março de 2020.

268 Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 20.

269 Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020.

270 Citado em Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 21-22. 

271 Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020.

272 Ver acima, secção 9.2.

273 Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020.

274 Modesto Bellido (1902-1993), conselheiro geral encarregado das missões. Ver Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 448.

275 Carreño-Ziggiotti, Canlubang, 5 de setembro de 1963. Ver Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 455.

276 Pietro Uras, Giuseppe Zucchelli e Ovidio Zaccheddu chegaram em 1964. Os outros tinham chegado antes como tirocinantes (Felice Furlan, Giuliano Venturini, Pierluigi Zuffetti, Giovanni Arienti), mas praticamente todos eles regressaram a Itália para os seus estudos teológicos. Ver Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 455.

277 Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 454.

278 ASC F163 Filippine: Corrispondenza (Cogliandro-Fedrigotti, San Fernando, 10 de julio de 1964), citado en Impelido, “The Salesians in the Philippines (1951-1963)” 455.

279 Ver ASC F163 Filippine: Corrispondenza (Cogliandro-Ziggiotti, Makati, 9 de diciembre de 1963), citado em Nestor Impelido, "The Salesians in the Philippines (1951-1963)" 448. O próprio Cogliandro escreve que o confessor [Braga] estava ansioso por participar no Capítulo Geral desde que o eleito lhe cedesse o lugar.

280 As datas são ambas da crónica da casa, agora no noviciado de Lawaan, Cebu City (obrigado a Philip Lazatin por esta informação).

281 Entrevista telefónica de Néstor Impelido con Danilo Torres, Superior de Tuloy sa Don Bosco Street Children Village, Manila, 24 de março de 2020. Esta informação poderia ser verificada nos arquivos de FIN e com a crónica da casa de Canlubang – pós-noviciado.

282 Veja-se Braga-Massimino, 29 de julho de 1965, em Carlo Braga. Lettere scelte, ed. Remo Bracchi (Roma: LAS, 2017) 749-750). O P. Braga, ao regressar do Capítulo Geral 19, informa que o P. Carreño saiu de Manila no dia anterior à sua chegada a Roma. Braga havia chegado a Manila em 25 de julho de 1965, pelo que Carreño deve ter partido em 24 de julho de 1965. (Agradeço a Nestor Impelido esta referência). Isto também é confirmado pelas crónicas do noviciado (obrigado a Philip Lazatin por esta informação).

283 Carreño-Fedrigotti, Madrid, 12 de outubro de 1965. Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 16-17.

284 Veja-se Lingad-Coelho, correio eletrónico e anexos de 27 de março de 2020; Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 20; e Thekkedath, “The Starting and Consolidation of the First Salesian Work in Bombay (1928-1950)”, 36n99. Rico e Thekkedath apoiam-se talvez no documento de nomeação de Carreño como diretor de Canlubang, que estabelece que o seu primeiro mandato terminaria a 15 de agosto de 1967. 

285 Ver Crónicas do noviciado de Canlubang (atualmente no noviciado de Lawaan; informação proporcionada por Philip Lazatin), entradas de 24, 26 e 29 de julho de 1965.

286 Carreño, Urdimbre en el telar 321. Vejam-se as duas páginas não datadas escritas em papel timbrado de VOFISA (Vocaciones Filipinas Salesianas) que apresentam duas direções, Madrid e Canlubang (ASC D978). Posto que Carreño se apresenta como Diretor de Canlubang, são certamente de 1964 em diante. No seu testemunho, Pianazzi escreve: “Uma coisa que observei nele: amou sempre o lugar para onde foi enviado… Quando foi para Madrasta, a missão de Madrasta era a melhor do mundo e (a brincar) desvalorizava o Assam e Goa. Quando foi para Goa, não havia nada no mundo melhor do que Goa. Quando foi para as Filipinas… passou pela Província enaltecendo as Filipinas e convidando a que fossem da Índia para lá”.

287 Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 23. 

288 Ver Bastarrica 134: “Obrigado, P. Carreño. Mantenho a sã e justa intenção de te deixar dizer tudo quanto quiseres, pois sei que com isso darás uma valiosa prenda ao leitor, e a mim aliviar-me-ás do peso de tanto pensar para delinear esta história, que nos teus lábios e na tua pluma adquire uma singular beleza e até poesia!”

289 Ver Ojer, “José Luis Carreño Etxeandía”, que me enviou em 12 de abril de 2020. 

290 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 23. Segundo o Elenco (da província de Madrid?), foi em 1970 (informação fornecida por José Antonio Hernández). O contributo de Carreño para o livro de Bastarrica sobre Santander, datada de 26 de fevereiro de 1976, escreve-o de New Rochelle: “Já prestes a terminar a minha estadia americana...” (Carreño, “Relação New Rochelle”, Bastarrica 134; veja-se também Bastarrica na mesma página, o que indica que Careño escreve de New Rochelle), mas como Carreño foi várias vezes aos Estados Unidos em busca de fundos, não é possível tirar nenhuma conclusão disto.

291 José Luis Carreño Etxeandía, Singladuras indias (Madrid: Central Catequística Salesiana, 1974). Se bem que os capítulos contenham indicações sobre dias e meses, o ano (1970) aparece só de maneira informal na p. 4 e com o mapa da Índia na página anterior ao índice. A informação de que Carreño tenha sido convidado por Mons. Huberto D'Rosario é dada por Ignacio Rubio no interior da capa de alguns exemplares do livro.

292 Veja-se Carreño, Singladuras indias 1-2.

293 Informação dada por José Antonio Hernández dos “Elencos da Congregação Salesiana”.

294 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 23. 

295 O arcebispo Olaechea tinha pedido fundos para um seminário de vocações adultas que seriam apóstolos na América Latina. Numa nota, Carreño diz: "esse ‘Hogar’ para Vocações Adultas Missionárias… já existe ... e chama-se HOGAR DEL MISIONERO, Alzuza (Navarra)". (Singladuras indias 2)

296 Entre os salesianos que conviveram com Carreño estavam Michael Murray (1978-1980) e Eugenio Ojer (1978-1979). Ver informação proporcionada por José Antonio Hernández dos “Elencos da Congregação Salesiana”.

297 “Don José Luis continua em contacto com os salesianos de Pamplona e vem todos os domingos almoçar com a Comunidade. Mas pouco a pouco distancia-se. Tem por vezes fortes discussões com eles e quase sempre fica com fome, pois, uns mais e outros menos, todos têm alguma pergunta para este homem sábio que vive na montanha. E eles sabem que o estilo salesiano do missionário que arrastava massas de jovens não é o mesmo que o dos pátios salesianos de Navarra, onde algumas vezes se ouvem blasfémias. Isso disse-mo a mim, com muita dor.” Ojer, “José Luis Carreño Etxeandía”, 12 de abril de 2020.

298 Miranda indica que Maripaz Azcárraga tem um manuscrito do P. Carreño: “Diz-me Mari Paz que tem o original de algo que estava a escrever sobre as suas vivências…” (Ángel Miranda Regojo - José Antonio Hernández, correio eletrónico de 18 de março de 2020). Este manuscrito é o material autobiográfico mencionado acima na n 2.

299 Ángel Miranda Regojo - Francisco Santos, correio eletrónico de 19 de março de 2020. Ojer comenta: sem intenção disso, Oteiza tinha colocado assim a pequena localidade de Alzuza no mapa de Navarra.  Ver “José Luis Carreño Etxeandía” (12 de abril de 2020).

300 Eugenio Ojer Buil (1926-) fez a primeira profissão como salesiano em 1943 e, sendo enviado como missionário para a Índia, foi ordenado em Shillong em 1953. Saiu da Congregação em 1986.

301 “Don Luis mandou queimar o seu arquivo de correspondência com o Conselho Geral, etc…” (Ángel Miranda Regojo - José Antonio Hernández, correio eletrónico de 18 de março de 2020). “Eugenio Ojer era o homem de confiança de Don Carreño, quando foi salesiano e depois de deixar a Congregação. Como diz Ángel Miranda, don Carreño confiou-lhe a destruição”. (José Antonio Hernández - Ivo Coelho, correio eletrónico de 18 de março de 2020). "Vivem os dois [Ojer e sua mulher] e continuam em contacto com a presença salesiana, um pouco como 'administradores' dos donativos que Alfredo Marco, missionário navarro na Índia, procura." (Ángel Miranda Regojo - Francisco Santos, correio eletrónico de 19 de março de 2020). Há, portanto, verdade na história que amiúde se conta sobre Carreño a queimar sacos de cartas depois da visita de um salesiano indiano que quis escrever a sua biografia e tinha pedido a sua correspondência. O salesiano em questão foi, imagino eu, Thomas Pamparel (1930-2016).

302 Margaret logo emigrou para a Austrália, para onde pôde levar a sua mãe e irmãos. Veja-se Ojer, “José Luis Carreño Etxeandía”, 12 de abril de 2020.

303 Assim o confirma também Ojer, “José Luis Carreño Etxeandía”, 12 de abril de 2020.

304 Ver “Database Storico Anagrafico” da Congregação Salesiana, de 27 de março de 2020, e também a informação recebida de Nestor Impelido.

305 Ver Ojer, “José Luis Carreño Etxeandía”, 12 de abril de 2020.

306 “Encontrei-o a última vez em Espanha no verão de 1965. Parecia-me um pouco abatido. Tinha deixado as Filipinas ou tinha sido mandado embora porque, como dizia um Superior de Turim, ‘o P. Carreño é um poeta’ que vivia fora da realidade? Ou porque era uma pessoa nascida demasiado cedo para o seu tempo e portanto incomodava?” Barbero-Coelho, 18 de abril de 2020.

307 Lingad-Coelho, correio electrónico e anexos de 27 de março de 2020.

308 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 23-24. 

309 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 26. 

310 José Luis Carreño, G in M (God in a Mirror). An Anthology of God's Fingerprints, God's Blueprints and God's Blood Stains. Goa: Dom Bosco Escola de Artes Gráficas, 1958.

311 Carreño, Urdimbre en el telar 21.

312 No “Codicilo” MS 13 Carreño menciona a moeda que tinha sido colocada sobre os olhos de Jesus morto.

313 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 25. 

314 Ojer, “José Luis Carreño Etxeandía”, 12 de abril de 2020. Ver JJ Benitez, Un as en la manga de Dios, que tem a dedicatória: “À memória de José Luis Carreño, que me levou pela mão (pacientemente) naqueles anos setenta". E de novo Benítez: “Fui o último a imaginar o que ia representar aquele encontro com José Luis Carreño e com a imagen do Santo Sudário. Um encontro casual? Em absoluto. Daí nasceria um dos meus grandes objetivos: investigar e difundir a vida e o pensamento de Jesus de Nazaré. E foi aquele sábio navarro –o salesiano José Luis Carreño– que me proporcionou o batismo de fogo. Que Deus o abençoe”.

315 Os Atti del Capitolo Superiore della Pia Società Salesiana Anno 17, n. 78 (24 de novembro de 1936) 65-66 falam deste hino como composto pelo padre Francesco Cerruti (1844-1917) e abençoado por Dom Rua no seu leito de morte. Segundo a carta do provincial de INM, a oração “foi musicalizada pelo P. Alfred Schupp SDB em Tirupattur e foi cantada pela primeira vez durante a solene Missa Pontifícia para a consagração do altar-mor da igreja de Tirupattur em 30 de junho de 1943”. Ver KM Jose, “Recordando el Sagrado Corazón de Jesús con motivo de las Bodas de Platino de la Consagración de la Provincia INM”, Circular Provincial [de la provincia INM] INM-KMJ-CIR 16 / 06-2018 - junio ​​2018. Thekkedath parece confirmá-lo: ver Thekkedath, History 898.

316 “Sai che il raporto di José Luis con el staf direttivo della Congregazione non é stato molto pacifico ... Salesiano a fondo! ma con un senso comune e una capacitá creativa que superava horizonti piú o meno, anche, 'limitati' …” Ángel Miranda Regojo - Ivo Coelho, email de 20.03.2020 (Não tentei corrigir o italiano aqui). 

317 Ver Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 26. Ricceri (1901-1989) foi Reitor-Mor de 1965 a 1977 e Viganò (1920-1995) de 1977 a 1995. 

318 Ojer, “José Luis Carreño Etxeandía”, 12 de abril de 2020.

319 Crónica Casa Martí-Codolar (obrigado a Jordi Latorre Castillo por esta informação). Ver Jordi La Torre - Ivo Coelho, correio eletrónico del 6.04.2020: “Conheci o padre Carreño já doente, nos meses em que se encontrava a recuperar na antiga enfermaria de Martí-Codolar. Naquele tempo era eu estudante de teologia e ajudante de biblioteca. O padre Carreño, mal se levantava da cama, pedia-me volumes da revista Razón y Fe dos jesuítas... e quando lhe levava volumes para ler e me devolvia os volumes já lidos dizia sempre: ‘…sabes, Jordi, não se escreve nada de novo. Quanto se diz hoje, já tinha sido dito antes!’. / Connosco só esteve alguns meses em recuperação, enquanto se preparava um espaço adequado para ele em Pamplona. Naquele tempo a Província de Bilbao não tinha ainda uma enfermaria provincial; depois instalou-se uma em Logroño. O padre Carreño de MCO foi transferido para Pamplona onde faleceu dois anos mais tarde”. Veja-se também Ángel Miranda Regojo - Ivo Coelho, correio elecrónico de 6.04.2020, que confirma que Carreño tinha pedido para ir para a enfermaria de Martí Codolar, mas que em breve tinha regressado a Pamplona. 

320 Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios 8.

321 José Antonio Rico, José Luis Carreño Etxeandía Obrero de Dios (Pamplona: Instituto Politécnico Salesiano, 1986). 

322 Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 18.

323 Ver Testemunho de L. Di Fiore (ASC D978), e Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 17-18.

324 Impelido, “Father Jose Luis Carreño – Dilectus Deo et hominibus” 18-19.

325 " Yo nada más sentiría que el precioso cuadro de una vida toda de Dios quedase manchado con el triste epílogo –cargado de poesía, sí– de una incomprensible falta de entendimiento de la realidad de la vida religiosa." Testemunho de Basilio Bustillo 4 (ASC D978). Bustillo foi companheiro de Carreño em Campello: “Conheci-o em 1918, em Campello… Era um rapaz que chamava a atenção dos companheiros: Pela sua franca simpatia, a sua grande bondade e o seu muito saber”. (Ibid)

326 Carreño, “Codicilo” MS 4.

327 Carreño, “Codicilo” MS 5-6.

328 Ver Marko I. Rupnik e Maria Campatelli, “Vedo un ramo di mandorlo”. Riflessioni sulla vita religiosa (Roma: Lipa, 2015) 19.

329 Carreño, “Codicilo” MS 60.

330 Veja-se, por exemplo, o que Carreño diz de passagem, comentando o seu uso da palavra basca aita: “Suponho que não haverá necessidade de traduzir esta palavra para castelhano, havendo ainda no Oriente missionários que me começam as suas cartas com a híbrida expressão de carinho ‘Meu querido aita’”. (“Codicilo” MS 13).

331 Veja-se José Luis Plascencia Moncayo, Witnesses of the Love of God: Theological and Spiritual Reflections on the Preventive System of Don Bosco (Bengaluru: Kristu Jyoti Publications, 2018) 119-122.

332 Testemunho de Di Fiore (ASC D978).