Bakaru Rowatsu's (noticias misionarias)| 04


Missão Salesiana de Mato Grosso

ANIMAÇÃO MISSIONÁRIA INSPETORIAL

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO INDÍGENA

Av. Tamandaré, 6000 - Jd. Seminário

Caixa Postal 100 - UCDB

79.117-900 Campo Grande MS

Fone (067) 312-3600 / 3731 Fax (067) 312-3301

E-mail: lachnitt@ucdb.br








Coordenação: Delegado Inspetorial de Animação Missionária:

Pe. Georg Lachnitt SDB





Digitação e Diagramação: Georg Lachnitt





Impressão: Mariza Etelvina Rosa Irala

Centro de Documentação Indígena

UCDB - Campo Grande MS




Capa:

BAKARU, palavra Bororo, significa: o que se conta, notícia

ROWATSU'U, palavra Xavante, significa: o que se conta amplamente, notícia

Apresentação

Este último número de 2003 das NOTÍCIAS MISSIONÁRIAS nos põe ao par de acontecimentos significativos da pastoral missionária entre os indígenas.

Foi retomada a reflexão mais sistemática sobre a Educação Escolar Indígena, por meio de um encontro em Merúri. Podemos alegrar-nos com os avanços feitos nos últimos anos, também beneficiados pela legislação, pela reflexão do CIMI e outras entidades. Muito porém falta para que uma escola em uma aldeia indígena não tenha apenas traços de um rosto indígena, mas seja em verdade uma escola indígena.

Depois de tempos difíceis e com necessidade de mudanças radicais, o CIMI-MS volta a tomar rumo e, através de um encontro construtivo em todos os sentidos, definir sua atuação em favor dos povos indígenas.

O Curso de Agentes de Pastoral Xavante foi realizado em São Marcos, com novos participantes de Areões, e também antigos ausentes. Que voltem na próxima vez! A reflexão respondeu às expectativas dos participantes, também com a valiosa participação de anciãos indígenas.

Apesar de ter eleito sua nova coordenação Regional, o CIMI-MT se viu na urgência de definir sua atuação sem o coordenador eleito, Felício Fritsch, que por motivos graves de saúde apresentou sua renúncia. Foi articulada assim uma participação mais efetiva dos membros da Ampliada na coordenação do Regional.

Continua a relfexão sobre cultura, agora a 3ª, que está sendo lida com atenção por muitos. Só atenção! Todas essas reflexões apresentam visões parciais de fenômeno imenso da cultura humana. Mais adiante, alguns dados serão definidos com mais precisão.

Acompanhamos os Xavante de Marãiwatsédé com sentimentos de solidariedade, vendo que a justiça humana, apesar de ter preenchidos todos os pré-requisitos ainda chega nem a praticar a justiça de acordo com a Constituição de 1988. É uma espera ativa cheia de esperança, que também exige sacrifícios.

Um Feliz Ano Novo cheio de muita Animação Missionária e nova criatividade missionária.


Pe. Georg Lachnitt SDB

1. Equipe de Reflexão sobre Educação Escolar Indígena

No dia 07 de dezembro foi realizado em Merúri um primeiro encontro de Reflexão sobre Educação Escolar Indígena, conforme decisão no Encontro dos Missionários em setembro passado.

Participaram do encontro os seguinte: Pe. Eloir, Pe. Ochoa, Ir. Elza, Me. Tarley, Prof. Xavante Sílvio de Sangradouro, Ir. Cleide, Pe. Giaccaria, Nellina, Pe. Miguel Gaya, Ir. Felícia e Pe. Georg. Para um encontro de pessoas interessadas na reflexão, um belo grupo para deslanchar a reflexão!

1) Num primeiro momento, cada pessoa pôde apresentar sua própria reflexão sobre o tema.

Pe. Georg, partindo do livro de Magda Soares, Linguagem e Escola - Uma perspectiva social, falou da finalidade de toda educação, e portanto também da educação escolar, de introduzir e conformar os indivíduos nos esquemas da sociedade, para reproduzir e garantir a sobrevivência da sociedade. Assim, antes dos anos 60, o governo oferecia em Rio de Janeiro escola aos futuros funcionários, necessários para garantir o funcionamento das repartições governamentias. Com a abertura da escola à população em geral nos anos 60, o sistema escolar utilizado mostrou-se inadequada às classes mais pobres e do interior. Como resultado, houve um excessivo número de desistências e reprovações, marginalizando mais uma vez as populações carentes. Por isso, a autora exige uma escola mais adequada às condições sociais e de conhecimentos de grande parte da nova clientela na escola.

Nos anos 70, a FUNAI tomou propósito de inserir, pela escola, os indígenas na sociedade nacional. Tentativa frustrada. Nos anos 90 um conhecido sociólogo julgou ter chegado o fim das sociedades indígenas, uma vez que a escola começou a ser oferecida em todas as aldeias indígenas. Nada disso aconteceu.

Pelo contrário. Hoje o grande esforço é inserir as escola nos sistemas educativos de cada povo, com sua língua própria, conhecimentos tradicionais e enriquecidos com o saber universal da humanidade. A escola nas aldeias novamente deve servir para inserir cada pessoas nos esquemas sociais, familiares, religiosos e econômicos da própria sociedade.

Pe. Eloir, refletiu que não se trata de criar novas estruturas escolares, mas de insistir em tentativas de uma escola mais próxima à vida real e cultural de cada povo.

Me. Tarley comentou a construção de um processo mais participativo na escola de Sangradouro. O novo papel do missionário deve orientar-se para uma assessoria qualificada das escolas indígenas. Nes­tes dias houve a formatura de duas turmas em Sangradouro, o que foi comemorado com as características simbólicas próprias da cultura Xavante. Comentou ainda a criação de uma "FUNAI Estadual" em Cuiabá, presidida pelo professor aposentado Sardinha. Esse novo órgão, embora sem fundamento legal, pretende estadualizar certas funções, como a questão territorial, assistência e encaminhar parcerias e arrendamentos das terras indígenas.

Pe. Miguel verifica um certo processo em andamento de "encostar" os missionários, isto é, afastá-los das aldeias indígenas. Na UNEMT que oferece formação para docentes aos indígenas, esse discurso é aberto e muito agressivo. Por sua vez, compete a nós hoje oprientar os indígenas para os cursos universitários e acompanhá-los durante o tempo letivo.

Prof. Sílvio, falou da simpatia pelo ensino com novas tecnologias. Constata que na universidade há gente contrária aos missionários e que levam para a aldeias os discurso ouvidos. O desafio é como se comportar diante desse novo desafio. Há ainda uma tentativa de impor uma religião longe da vida real, e que não haja catequese.

Ir. Felícia comentou que no município de Campinápolis há 40 escolas, das quais 32 são indígenas. Por parte da secretaria municipal, o atendimento é muito precário, para não dizer, inexistente. Ninguém verifica o funcionamento das escolas "in loco". Há apenas escolas de 1ª à 4ª sérias nas aldeias. Quando chegam a São Pedro para a 5ª série, ainda não são suficientemente alfabetizados. Agora pedem da 5ª à 8ª séries em várias aldeias e pedem apoio e acompanhamento dos missionários e missionárias. Falta ainda um currículo mais adequado. Da nossa parte, exige-se promover um diálogo na escola com a própria sociedade e também com a sociedade não-indígena envolvente, sobre a questão indígena. Com a formatura da primeiro turma na 8ª série em São Pedro, começa agora uma nova turma, totalmente assumida por professores Xavante. Já há pedidos de criar o 2º grau na mesma aldeia onde residem as Irmãs. Foram feitos os primeiros contatos com a atual coordenadora do setor de educação indígena em Cuiabá, Terezinha Furtado. Diante dos resultados exíguos alcançados pelos professores não-indígenas, urge os próprios indígenas assumirem a escola na própria aldeia. A Ir. Genoveva dedicou maior atenção aos alunos vindos de outras escolas em aldeias e também da cidade, onde houve muitas desistência devido à falta de assimilação das propostas.

Ir. Elza comentou o desafio dos estudantes universitários. De Barra do Bugres os estudantes voltam revoltados contra a instituição missionária. Lá estão envolvidos na produção de textos e dua publicação.

Pe. Giaccaria constata que na região Parabubure e Kuluene não há aulas, por tantas razões. Mas não faltam os diários preenchidos e os professores são fiéis para receberem seu salário de professores. Um caso particular é Areões, onde a prefeitura de Nova Nazaré assumiu com garra as escolas indígenas (só há um escola "branca" contra 10 indígenas). Os materiais indígenas são bons, mas falta uma introdução como utilizá-los. Pe. Giaccaria propôs então uma contribuição da Mis­são, através do Me. Tarley e professores indígenas que cursam os cursos universitários. Ir. Genoveva também participou num des­ses encontros e falou da experiência da escola em São Pedro com os professores de 5ª à 8ª séries. Num encontro a cada dois mêses os próprios indígenas falam de sua experiência no uso dos materiais didáticos por eles produzidos no tempo de magistério. Experiência valiosa esta que começa mostrar seus resultados. E agora d prefeitura de Canarana deseja também beneficiar-se desta experiência. Naturalmente, mais uma vez há indícios de que a UNE­MAT quer apropriar-se desta iniciativa.

Pe. Ochoa falou que os professores estão inseridos em sua cultura e utilizam a própria língua na escola.


2) Num segundo momento, procurou-se identificar alguns aspectos citados para aprofundá-los um pouco mais.

Há dois níveis: o 1º é interno, na própria aldeia e cultura; o 2º é externo: há uma apropriação pelos indígenas. Isso deixa algumas dúvidas.

O paradigma para a escola não é mais o missionário, mas o Estado.

Nosso espaço novo é diferente do passado: é no dia a dia nas aldeias, onde somos desafiados a prestar nossa assessoria às escolas.

A dificuldade está em como orientá-los.


3) Num terceiro momento, foram apresentados alguns encaminhamento.

a) Continuamos a afirmar nosso compromisso com os povos indígenas;

b) nossa missão hoje consiste na assessoria, nas aldeias;

c) Um Centro Cultural promovido pode ser um instrumento significativo para exercer nossa missão;

d) Devem retomar maiores contatos com os adultos e anciãos, portadores da cultura e autoridades verdadeiras nas aldeias;

e) Novos espaços de exercer influência são as associações ;

f) Fazer-se presente nas repartições governamentais em assuntos de educação escolar indígena, sobretudo no Núcleo de Educação Indígenas, atualmente coordenado por Terezinha Furtado.

O Animador Missionário ficou encarregado de visitar as comunidades missionária no início de fevereiro para reflexão nas bases missionárias. No dia 12 de maio de 2004, de manhã haverá e reunião da Pastoral Indígena Diocesana e de tarde o grupo de reflexão sobre educação escolar indígena se encontrará novamente em Barra do Garças.


2. CIMI-MS em Assembléia

Depois de mais de um ano, os de intervalo, tendo superado os momentos difíceis de divisão, os companheiros e as companheiras que se identificam com o CIMI se reuniram para tentar o esforço de reorganizar o regional. Fizeram-se presentes representantes da Pastoral Indígena das dioceses de Campo Grande, as Irmãs Lauritas Francisca, Aida e Dolores; de Dourados, Pe. Edson, Eliseu, Angelita e as Irmãs Anari, Ramona e Lucinda, Orlando; de Jardim, as Irmãs Lauritas Librada, Luz Dary e Francis, Pe. Joselito, da Articulação da Sede Jorge Vieira, Alberto e Pe. Georg, e o assessor Antônio Brand, do Projeto Caarapó da UCDB e que nos anos 80 por oito anos foi secretário do CIMI-Nacional.

Um belo grupo de gente comprometida com a causa indígena na Igreja, que trabalhou serenamente e com espírito fraterno descrevendo, num primeiro momento, os avanços, as dificuldades encontradas e os desafios; num segundo momento, com a ajuda do assessor, tentando delinear mais sistematicamente os mesmos; num terceiro momento foram apontadas as prioridades e, a partir delas, foram definidas as atividades emergentes para os próximos meses.

Como introdução, Jorge apresentou um breve relato retrospectivo das atividades desenvolvidas no Regional. Depois disso, cada equipe de diocese contou dos avanços da:

A realidade em que vivemos

Avanços

- Dourados: organização das comunidades (plantação de horta: Juti e Caarapó); presença do CIMI na Aty Guassu; famílias indígenas: confiança e amizade entre si; diminuição da desnutrição entre as crianças, com a atuação da Pastoral da Criança; intercâmbio entre as aldeias de Dourados e Caarapó; implantação de cota para indígenas em Curso Superior; Unicef/Programa Kaiowá-Guarani: oficinas com professores e lideranças sobre crianças e adolescentes Kaiowá-Guarani.

- Jardim: Pastoral de Conjunto - Diocese, paróquias e CIMI; interesse das lideranças para trabalhos articulados; acompanhamento do CIMI - participação de Jorge na equipe: acompanhamento de Dom Bruno à Pastoral Indigenista; participação do Pe. Joselito na equipe.

- Campo Grande: apoio do arcebispo e párocos; acolhida dos indígenas ao trabalho da equipe; Pastoral da Criança das próprias comunidades; cursos de costura, horta e auto-sustentação; contato com órgãos públicos; despertar das comunidades para a necessidade de se organizarem: continuidade do trabalho deas irmãs.

- Sede Regional: quebra do isolamento do CIMI; recuperação da credibilidade, junto à sociedade, Igreja, povos indígenas e cooperação internacional; trabalho do formação com as comunidades e missionários sobre direitos indígenas, história e inculturação; apoio à luta para a permanência na terra (Taquara); apoio de Dom Bruno, apoio do CIMI à Aty Guassu - tmou um novo rumo com a participação dos rezadores.


Dificuldades

- Campo Grande: politicagem nas aldeias; falta de articulação com o CIMI; equipe não conhece os direitos indígenas; falta de recursos econômicos; veículo velho; divisão entre os indígenas; falta de assistência da FUNASA aos índios das aldeias urbanas; falta de apoio dos membros da igreja local; projetos centralizados nas lideranças.

- Jardim: poucas pessoas no trabalho; falta de envolvimento dos párocos; apoio à formação; influências externas; falta de articulação entre as comunidades; inconstância das lideranças; politicagem; falta de recursos financeiros; interferência das igrejas pentecostais; distância entre as aldeias.

Sede Regional: falta de recursos financeiros; ações judiciais contra os ex ; e ações trabalhistas movidas contra o CIMI ; foco de resistência eclesial ao CIMI: Frei Álido e seu grupo imobiliza o trabalho do CIMI na região da fronteira cooptando lidernaças indígenas.

- Dourados: falta de recursos financeiros; postural pastoral do bispo; muitas reuniões para questões administrativas/judiciais desestimularam os membros da equipe.

Desafios

- Dourados: pastoral de conjunto; ter uma pessoa de referência do CIMI articular o trabalho; as paróquias reconhecerem o trabalho com os indígenas; articular as forças que estão trabalhando nas aldeias; intercâmbio entre as aldeias.

- Jardim: união das comunidades; aclturação dos jovens; articular o trabalho com as paróquias; participação das lideranças indígenas da igreja católica nas questões sociais; retomar o trabalho da Pastoral da Criança nas aldeias indígenas.

- Campo Grande: criar uma maior consciência dos párocos sobre a realidade indígena na paróquia; formação da equipe missionária e das comunidades indígenas; governo reconhecer os direitos dos índios que moram na cidade; criação de escolas indígenas.

O assessor: uma visão da conjuntura e síntese

Principais questões que emergem dos relatos:

1. a realidade dos povos indígenas

2. o trabalho do CIMI

3. o CIMI e sua relação com a Igreja.

1. Realidade indígena no Mato Grosso do Sul:

Avanços: intercâmbio entre as comunidades e lideranças; aliança na luta pela terra, diminuição da desnutrição, que consiste na falta de alimento.

Dificuldades: divisão entre os Terena; inconstância e politicagem no repasse de informação entre as lideranças Kaiowá e Guiarani; ações judiciais contra as comunidades indígenas.

Desafios: articular internamente as comunidades indígenas e forças aliadas; fortalecimento das organizações tradicionais; a situação dos jovens e crianças; assistência dos órgãos públicos.

Em Nível externo: FUNAI e fazendeiros investem na manipulação das lideranças.

Em Nível interno: criação de associações no modelo administrativo da sociedade ocidental, com objetivo financeiro e incentivando os inteesses individuais.

Por fim, o assessor sublinhou os desafios e as perspectivas da política indigenista do governo Lula.

Depois da discussão de grupos mistos, foram delineados os seguintes elementos:

Regional: superar as dificuldades, organizar novas equipes; ampliar a participação nas igrejas local e diocesana.

Prioridades: Terra e auto-sustentação; formação e organização; alianças: igreja e movimentos sociais.

Atividades:

1- Terra: Encontros por povo e interétnico

2- Formação: Terena: continuidade do estudo sobre direitos indígenas; Kaiowá-Guarani: estudo nas áreas de conflito; indígenas urbanos: encontro local e religional; missionários: encontro trimestral.

3- Aliança: Fórum da Terra; Semana dos Povos indígenas; articular o trabalho com a Pastoral da Criança.

OBS: Todas as atividades devem ter como eixo orientador a terra.

Calendário 2004:

Regional: Estudo: 29-30 de março; como assembléia regional e estudo: 21-23 de junho; estudo: 20-21 de setembro; avaliação e planejamento: 06-07 de dezembro.

Coordenação Ampliada: Pe. Georg e Jorge Vieira e mais um(a) representante por equipe diocesana: Dourados; Pe. Erson; Campo Grande: Ir. Francisca; Jardim: Ir. Librada. - Reuniões da mesma: 04 de fevereiro às 9:00 hs na Sede.

Esse foi um belo encontro e também foi festejado com um churrasco fraterno na Chácara São Vicente. Valeu! Parabens!


3. Curso de Agentes de Pastoral Xavante

De 08 a 12 de dezembro foi realizado em São Marcos o Curso de Formação de Agen­tes de Pastoral,­ com 22 participantes de São Mar­cos e antigas aldeias vizinhas, 12 participantes de Água Branca e A­reões. Os agentes das aldeias recentemente saídas de São Marcos e os de Sangradouro não puderam com­parecer.

No dia 08 de manhã, o Pe. Aquilino começou com uma reflexão e diálogo sobre Conjuntura, como ela é percebida pelos Xavante. Nisso a situação de seus parentes, acampados em Marãiwatsédé para ocupar sua terra original e impedidos por, indevidamente chamadados, posseiros. depois de 15 anos de espera decidiram agora proceder a ocupar seus direitos le­galmente reconhecidos. Os projetos de parceiria, ultimamente feitos entre o Governador de Mato Grosso e algumas aldeias de Sangradouro para o plantio soja, depois de abafar o assassinato do Xavante Jo­aquim, mereceu comentários.

De tarde, O Pe. Giaccaria refletiu com os participantes sobre a partilha, em sentido antropológico amplo e depois como isso se dá na tradição cultural do Povo Xavante. Os anciãos presentes deram valiosa contribuição.

No dia 09 de manhã, a Ir. Cleide apresentou sua reflexão sobre sacrifícios e ofer­tas no Antigo Testamento. A ritualização desse fatos e seu significado profundamente religiosos foram ressaltados.

De Tarde, o Pe. Jorge apresentou um relato sobre a tradição religiosa judaica do BERAKÁ, a ceia realizada no âmbito familiar, presidida pelo pai ou outro indicado e seus elementos rituais, sobre o pão e o vinho, para iniciar e concluir a solene ação de graças.

No dia 10 de manhã, O Pe. Aquilino refletiu com os cursistas elementos da inculturação da vida cristã e da liturgia.

De tarde, a Ir. Cleide completou a sua reflexão do dia anterior e o Pe. Giaccaria, pro sua vez, continuou o diálogo sobre a partilha.

No dia 11 de manhã, o Pe. Jorge fez, com os cursistas, um estudo dos elementos constitutivos da eucaristia cristã, a referência com a ceia judáica que por um tempo marcou a liturgia cristã, e os respectivos significados de Ação de Graças de Louvor a Deus e a Comunhão.

De tarde, o Pe. Aquilino apresentou uma síntese do encontro e discutiu elementos relevantes com participação ativa dos cursistas.

Por fim, o Pe. Giaccaria trabalhou com os cursistas na avaliação e levantou temas a serem aprofundados num próximo encontro.

Um evento precioso para os participantes e os missionários.


4. Reunião Emergencial da Coordenação Ampliada do CIMI-MT

Em julho deste ano, foi eleito como Coordenador Regional do CIMI-MT o Pe. Felício Fritsch SJ. Pouco tempo depois ele foi novamente acometido pela malária, ainda não adequadamente curada. Após discernimento com os diversos responsáveis, ele formalizou a sua renúncia. Esse fato obrigou os membros da Coordenação Amplida a tomar novas decisões para dar continuidade às atividades da Sede em Cuiabá. Para isso Eden, Secretário Executivo Nacional do CIMI, veio também de Brasília.

Momento importante são sempre os informes das bases, que cada representante das equipes costuma trazer.

Na sede em Cuiabá, com a saída de Felício, Maristela ficou quase sozinho, com a secretária Edina. Isso torna a sede sensível aos contínuos assaltos, como aconteceu nos últimos tempos. Arruda está para transferir-se para a sede no fim do ano.

Além das muitas demandas dos diversos setores, como educação escolar, saúde, fundiária, há os trabalhos de elaborar os projetos, com Arruda e seu encaminhamento, para as respectivas agências. Práticamente a sede está sem dinheiro.

Precisa fazer-se presente nos momentos importantes na região.

Houve discussão sobre uma presença, pelo menos temporária, de outros membros da Ampliada junto a Maristela e Arruda para reforçar a presença na sede. Decisões amarradas foram as seguintes:

Toda segunda-feira há reunião da equipe da sede.

Cada 1º semana por mês, um membro da ampliada, por turno, estará na sede. E foi feito um plano para isso.

Há vários possíveis candidatos para participar do CIMI, mas ainda não há uma política de aproximação mas decisiva.

Na Casa da Chapada há atualmente um funcionário contratado para cuidar da casa. Há pro­blemas no uso do veículo, para fins particulares e quanto a postura de ter passado de auxiliar simpes e único funcionário. É preciso registrar por escrito as competências e limites das atividades contratuais.

Há muitas cooperações financeiras informais, pessoais. Um muito obrigado! Foi lançada a proposta de cada missionário e funcionário contribuir com R$ 10,00 por mês para o fundo do CIMI. Falta definir a modalidade de repassar os valores. Parece melhor que seja por iniciativa pessoal do que por cobrança. Pode-se programar uma visita às instituições religiosas de Cuiabá para solicitar cooperação.

A respeito da existência e do funcionamento das diferentes articulações há discussões. Cada articulação tem seu movimento próprio. Pensa-se nm único grupo junto à diretoria para promover a reflexão sobre os diversos temas.

Quanto à Semana dos Povos indígenas, o material respectivo estará nas sedes regionais até fim de janeiro.

Por fim, foram divulgadas as datas da programação 2004 em geral e, dependendo disso, a agenda do CIMI-MT regional.


5. O que é Cultura (III)

Continuamos a reflexão sobre cultura, como se deu na seqüência da história do pensamento humano. Uma posição adotada leva a questioná-la para, em seguida, dar uma nova interpretação dos fenômenos culturais.

Da Crítica ao Difusionismo resulta o Funcionalismo

A crítica ao difusionismo veio por Bronislaw Malinowski (1884-1942) que é a figura-chave do funcionalismo, juntamente com Radcliffe-Brown, pertencentes à corrente da Antropologia Social Britânica.1 Esta teoria consiste na compreensão clara da natureza dos fenômenos culturais. Sustenta Malinowski que toda a cultura viva é um conjunto funcional e integrado, análogo a um organismo, e que nenhuma parte pode ser entendida a não ser em relação com o seu conjunto. O funcionamento de um rasgo cultural dentro do sistema total de uma cultura explica e revela a sua verdadeira identidade. Determinado elemento cultural deve ser entendido não quanto à sua origem, histórica ou difusional, mas quanto ao relacionamento dele no conjunto do sistema a que pertence atualmente.2

Malinowski, como acima referido, é figura principal da escola de Antropologia Social Britânica e teve como continuador principal a A. R. Radcliffe-Brown (1881-1955). Este definiu suas pesquisas ao redor das funções sociais e estrutura social.3 Já de antemão pode-se afirmar que o funcionalismo não surgiu do nada, mas na origem tem laços estreitos com a teoria da evo­lução, de que foi desvincular-se decididamente.4

De acordo com Malinowski, cultura é o conjunto integral de instituições em parte autônomas, em parte coordenadas (...). Cada cultura deve sua integridade e sua auto-suficiência ao fato de que satisfaz toda a gama de necessidades básicas, instrumentais e integrativas.5

Antes de entrar no emaranhado da discussão funcionalista, torna-se necessário estabelecer as bases pelo menos etimológicas de alguns termos-chave mais usados.

1) "Estrutura" é palavra que vem do verbo transitivo latino stru­ere que significa 1o dispor em pilhas ou em camadas, empilhar, levantar, 2o erigir, construir, edificar e 3o em sentido figurativo tramar, preparar, maquinar. O particípio passado struc­tum então indica a ação concluída de struere, e o substantivo structura significa o objeto levantado, construído, erigido, preparado, portanto, construção, e­strutura, e em sentido figurativo, arranjo de palavras (na frase para produzir um ritmo).6

2) "Sistema" vem do grego σύστημα que é uma composição de συν-ίστημι. Este verbo significa colocar de pé junto com, impelir com, fixar com, instituir junto com. Assim sendo, σ­ύστημα significa conjunto, totalidade, multidão, conjunto de doutrinas.7 Em outras palavras, significa integração de elementos constituindo um conjunto funcional ou racional. Quando esses elementos são leis e princípios, sua integração constitui um sistema científico ou filosófico.8

3) É necessário, porém, distinguir entre "sistemas sociais" e "sociedades". As sociedades são grupos de indivíduos que vivem e trabalham juntos, enquanto que sistemas sociais consistem em padrões ideais, reciprocamente ajustados, de acordo com os quais as atitudes e o comportamento dos membros da sociedade se organizam.9

4) "Instituição" provém igualmente do latim, do verbo transitivo instituere = instatuere que significa 1o colocar, por em ou sobre, 2o estabelecer, instituir, dispor, construir, 3o formar, instruir, ensinar, educar, 4o ordenar, mandar, regular, organizar, 5o começar, empreender. O particípio passado institutum então indica a ação concluída de instituere e institutio significa 1o vendedor, negociante 2o instrução, ensino, educação, formação 3o método, sistema, doutrina, escola, seita.10

"Instituição" significa, por isso, arranjo, disposição, sistema. Termo extremamente vago para designar qualquer forma de organização da vida e da atividade coletiva dotada de uma certa fixidez, seja estatutária, seja meramente consuetudinária (...). São valiosas (as instituições) na sua missão de congregar homens dentro de conceitos que regulam e canalizam a vida social.11

A instituição é regida por um "estatuto", que consiste na idéia da instituição como mantida por seus membros definida pela comunidade. A função é o papel dessa instituição dentro do esquema total da cultura, como definida pelo sociólogo que investiga uma cultura primitiva ou desenvolvida.12

5) O substantivo "padrão" vem do latim patronus, pater, e significa modelo, elemento representativo. Em linguagem vulgar representa qualquer objeto que sirva de modelo. Geralmente os homens pautam sua vida por um padrão cuja perfeição ou valor pretendem copiar ou alcançar. Em sociologia, como tradução do termo inglês pattern, significa modelos formais constantes, de comportamento individual e coletivo.

Para compreender a noção de "Padrão Cultural", ainda de acordo com a mesma fonte, é útil partir de seus elementos: os traços culturais que são as menores unidades culturais observáveis, a objetivação mais simples de uma idéia; eles, porém, não se encontram isolados, mas se relacionam com outros traços, num conjunto típico chamado complexo cultural; os traços estão para os complexos, como as letras para as palavras. Uma determinada associação de complexos culturais c­onstitui um padrão cultural, pela identidade de condutas individuais e pela uniformidade de criações do grupo.13

6) Malinowski define a "função" como uma relação existente entre qualquer realidade cultural e uma necessidade humana, tanto básica como derivada. Para ele, a função se define como satisfação de uma necessidade por uma atividade na qual os seres humanos cooperam.14

Para isso requer-se ainda outro princípio com o qual podemos concretamente integrar qualquer fase de comportamento cultural: o conceito de "organização". Kaplan não só se limita ao relacionamento, mas fala de uma contribuição para a manutenção e estabilidade e para a própria sobrevivência do "organismo". Para ele, todos os sistemas culturais têm certos requisitos funcionais, condições necessárias de existência, ou necessidades (...) que devem ser encontrados de algum modo para que o sistema continue como uma empresa contínua. (...) se essas necessidades funcionais sistêmicas não são encontradas, o sistema irá desintegrar-se (...) ou irá mudar para algum outro tipo de sistema.15

O termo relevante aqui é "sistêmico", expressando assim a interdependência dessas necessidades com o tipo de organização que as provocou; um elemento não subsiste sem o outro. Todo o sistema cultural sobrevive graças a esta interdependência e o todo está ameaçado com cada uma de suas partes integrantes ameaçadas. Não existem traços isolados e casuais.16

Após estas delimitações mais etimológicas, voltemos ao fun­cionalismo que, segundo Radcliffe-Brown, consiste numa metodologia de exploração da interdependência para isolar conceptualmente os sistemas e suas partes, pois, de fato, só existem totalmente in­terdependentes. Esta própria interdependência é o alvo das pesquisas, definível como instituições, normas ou padrões de comportamento.17

Fica evidente que o funcionalismo, muito mais do que estabelecer princípios genéricos aprioristicamente, parte da análise de sociedades concretas com todos os seus sistemas culturais, os quais posteriormente podem ser comparados com os de o­utras sociedades, mas sempre permanecem, cada um, um complexo original e inigualável.

Malinowski apresenta um elenco ordenado sobre a cultura e suas funções:

a) A cultura é essencialmente uma aparelhagem instrumental pela qual o homem é colocado numa posição melhor para lidar com os problemas específicos concretos que se lhe deparam em seu ambiente, no curso da satisfação de suas necessidades.

b) É um sistema de objetos, atividades e atitudes, no qual cada ponto existe como meio para um fim.

c) É uma integral na qual os vários elementos são interdependentes.

d) Essas atividades, atitudes e objetos são organizados em torno de tarefas importantes e vitais, em instituições tais como a família, o clã, a comunidade local, legal e atividade educacional.

e) É realidade dinâmica (...) a cultura pode ser analisada numa série de aspectos tais como educação, controle social, economia, sistemas de conhecimento, crenças e moralidade, e também modos de expressão criadora e artística.18

Um estudo mais detalhado de alguns destes elementos segue mais adiante. Por ora apenas estes delineamentos genéricos sobre o funcionalismo.


A Volta do Evolucionismo mas vigoroso

O evolucionismo tinha servido para tentar explicar o fato das mudanças culturais. Mas sobretudo com as teorias do difusionismo aliado ao funcionalismo, o evolucionismo perdeu de importância e entrou em decadência.

As descobertas paleontológicas e o espírito sintetizador de Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), unindo vários campos da antropologia geral, fizeram-no reviver com toda a pujança. A teoria evolucionista foi enriquecida pela pesquisa científica para produzir explicações científicas do fato das mudanças. Tratava-se pois de deduzir os elementos relacionados e envolvidos nas transformções constatadas enquanto mantenedores dos sistemas das realidades culturais.19 O homem deve ser considerado como parte integrante da natureza, mais ainda, como elemento absolutamente essencial do fenômeno da evolução. Este fenômeno tem que ser aceito como uma ampla globalidade, em que todos os elementos parciais participam, cada um de uma maneira peculiar, da globalidade da realidade existente. Em particular, Chardin, embora não fosse nada publicado antes de sua morte, a não ser posteriormente por seus discípulos, descreve cinco fenômenos que explicam o crescimento contínuo, pois para ele evolução é crescimento ou ascenção permanente.

1. A unidade. O cosmos está mergulhado radicalmente na unidade dentro do espaço e do tempo. O mundo material e espiritual formam profunda unidade, pois todos os elementos estão combinados visceralmente.

2. A orientação. O processo de evolução está gerando novidade, diversidade, formas superiores de organização, e isto de uma maneira irreversível. Nisso as propriedades espirituais tendem a manifestar-se e impor-se sempre mais às propriedades materiais.

3. A existência de pontos críticos. Constatam-se dois:

a) a origem da vida: momento em que a matéria se torna capaz de se reproduzir a si mesma, e

b) a origem do homem: momento em que aparece a reflexão e a cultura, sobrepondo-se à evolução biológica.

4. O esgotamento. Os tipos intermediários da evolução se enfraquecem de tal modo que se multiplicam numa infinidade de espécies, enquanto que o homem, dentro de algumas variantes, se impõe como espécie única no seu gênero.

5. A hominização. A vida animal progrediu até a vida humana, que se caracteriza por uma paulatina convergência do gênero humano, a socialização e a unificação cultural.20

As descobertas recentes da paleontologia e também da micro-biologia parecem dar razão à teoria neo-evolucionista. Portanto, segundo esta teoria, o que existe, o homem e a natureza, não está envolvido numa simples mudança biológica e cultural permanente, mas num irreversível crescimento e numa unificação progressiva finalizante.

Neste sentido, o neo-evolucionismo pretende explicar decididamente a origem da humanidade e, junto com ela, a origem da cultura, e justificar o permanente aperfeiçoamento de todas as culturas, sendo encabeçado pelas culturas progredidas e civilizadas.


Uma Teoria Original: o Estruturalismo

Constatamos, de fato, a existência de estruturas na vida humana, em geral, e na vida social. Constatar o fato, entretanto, não significa definí-lo de maneira indutiva a ponto de estabelecer abstrações teóricas.21 Mais ainda, apesar da tentativa acima de definir certos termos-chave, persiste uma situação de certa ambiguidade entre os termos de estrutura, forma, sistema, essência, modelo, esquema, organismo, pautas e diversos outros termos. Todos esses termos representam justamente tentativas no sentido de explicar os fatos constatados.22 Importa pois, muito mais do que estabelecer, deduzir as regras subjacentes aos fatos constatados de organização, de sistematização etc. E é isso que se propõe o estruturalismo que tem como mentor inteletual a Claude Lévi-Strauss (1908-), que lhe imprimiu sua visão pessoal original, nem sempre em tudo compartilhada por seus discípulos e muito menos ainda por antropólogos fora do seu ambiente de pesquisas e teorização.23

Lévi-Strauss, que no dizer de um discípulo seu, Edmund Leach, é um antropólogo discutido, de difícil entendimento, por sua complexidade e audaciosa originalidade. Ele dá uma interpretação estruturalista da cultura em geral. Em seu estudo As Estruturas Elementares do Parentesco ele aprofunda a organização familiar de uma sociedade e postula a exogamia como fundamento da sociedade, por ser este o elemento característico da passagem da natureza para a cultura.24

Muito mais do que partir de fatos empíricos pesquisados, Lévi-Strauss pretende verificar a existência de estruturas teóricas presentes em outros níveis, também na organização social etc. prescindindo do fato da tê-las constatado. Estas estruturas ou modelos, de certa maneira, são pré-existentes no espírito humano e são aplicadas às realidades concretas.25 Com isso seria possível capacitar a qualquer um predizer (por exemplo) sua conduta com um alto grau de probabilidade, mesmo que não com certeza absoluta.26 Não é por nada que Kaplan chama o trabalho de Lévi-Strauss de ultra-racionalismo como forma não muito produtiva de explicar a realidade empírica.27

Ele detém-se mais pormenorizadamente na questão da linguagem e, dentro dela, na questão da interpretação estruturalista do mito. Neste sentido o estruturalismo será estudado mais a fundo na questão semiótica mais abaixo e na questão da religiosidade indígena original.

Freedmann elenca três dificuldades inerentes à interpretação do estruturalismo de Lévi-Strauss:

1a é o arbítrio aparente das estruturas deduzidas e a ausência de critério para escolher a melhor das diversas estruturas postuladas pelos diferentes analistas;

2a ... o problema do tempo. (...) as transformações podem operar através do tempo e do espaço sem consideração de continuidade temporal e cultural.

3a ... segundo esta concepção, os homens não progridem. O que eles eram no começo continuaram a sê-lo, visto que só se diferem pelo acidental.28

Não há dúvidas que com isso, constatando, por exemplo, a complexidade com que povos primitivos organizarem sua vida familiar, ele equipara tais etnias com as progredidas e civilizadas de hoje, em nada as considerando inferiores ou mais atrasadas. Com isso, de certa maneira, ele resiste a idéias evolucionistas da humanidade e também valoriza cada etnia em sua originalidade.

Outra dificuldade se relaciona com as transformações lógicas, dentro do esquema teórico dele, pelas quais ele passa dos princípios estruturais básicos às variações no desempenho cultural.29 Como entender essa passagem? Freedmann, no entanto, ressalva que, apesar das críticas, não se pode resistir à impressão de que se trata de uma das mais fascinantes das formulações modernas, e que, se elas não convencem, têm pelo menos a vantagem de captar e estimular maravilhosamente o espírito.30 Esta naturalmente é uma avaliação que atribui pouca consistência ao estruturalismo.

Lévi-Strauss faz consistir a antropologia numa avaliação das pesquisas como metodologia e teoria científica para estudar fenômenos empíricos culturais.31 Ele se baseia em parte na evolução cultural unilinear de Bastian de difícil comprovação.32 Com suas pesquisas de campo entre os australianos primitivos e sua ampla presença nas pesquisas entre os indígenas do Brasil, por seus discípulos, ele é mestre com método de pesquisas etnográficas e suas análises etnológicas, sempre dentro da visão estruturalista.33

Há diversas tentativas de interpretação das teorias estruturalistas de Lévi-Strauss, seja pelo já citado Leach, como por outro continuador seu com pensamento original, Geertz, seja ainda Freedmann, Kaplan e diversos outros.34

Lévi-Strauss considera seu trabalho científico como uma teoria científica que pretende explicar os fenômenos empíricos culturais.35 Como ninguém tem acesso às estruturas profundas, toda a teoria consiste em inferências de dados empíricos. Estes porém sempre se apresentam, não tanto como dados ideais, mas como dados concretos do desempenho cultural, que incluem variantes individuais e grupais.

A partir dos dados empíricos ele deduz conclusões genéricas sobre o processo mental ou os padrões lógicos de determinada cultura. Embora possa haver pequenas variantes, o processo mental global é idêntico, pois ele também admite a unidade psíquica fundamental da humanidade.36 Esta unidade se manifesta nos sistemas culturais, como, por exemplo, nos sistemas de parentesco, nos mitos e nas crenças e demais aspectos da cultura. É nesses sistemas que se declara a ordenação lógica da mente humana na vida real.37

Leach, acima citado, diverge em alguns pontos do seu mestre e aprofunda alguns aspectos particulares. Partindo, por exemplo, do sistema verbal de comunicação, altamente estruturado, ele deduz sistemas de comunicação não-verbais, à semelhança dos sistemas verbais de determinada cultura.

As dimensões semiótico-simbólicas das culturas, em seu aspecto estruturalista, serão tratadas mais adiante.38

Existem ainda tantas outras descrições e tentativas de definição de cultura, como, por exemplo, aquela de Clyde Kluckhohn, citada por Geertz, de uma abrangência de nada menos de vinte e sete páginas.39 Igualmente significativa, dentro de uma visão sistêmica, é aquela citada por Pinkus, definindo-a como o conjunto de noções, codificadas de forma coletiva e social, que permitem a certo grupo humano enfrentar e resolver os problemas de vida que a própria sociedade previu com esses modelos de comportamento.40

Existe pois uma imensidade de abordagens do tema da cultura, das quais foram elencadas acima as principais. Depois dessas pinceladas sucintas sobre a história da antropologia cultural, seguem alguns elementos básicos mais sintetizados para deduzir algumas conclusões importantes sobre o estudo em questão. O campo da Antropologia Cultural, embora como acima afirmado seja um campo recente da ciência, constitui-se no entanto num campo significativo e amplo para pesquisas.


6. Marãiwatsédé, Terra Indígena Xavante sem Xavante

Síntese do Informe do CIMI nº 592 e 593

Há muitas notícias veiculadas pelos jornais a respeito da retomada da Terra Indígena Marãiwatsédé, nos municípios de Alto da Boa Vista MT e São Félix do Araguaia MT. Como nem todas as notícias publicadas têm procedência confirmada, pensamos afirmar alguns dados de referência, que sirvam para uma visão mais objetiva diante de tudo o que está sendo divulgado.

Há 37 anos, esse grupo de Xavante foi removido de sua área e, depois de visitar algumas aldeias, escolheu ficar em São Marcos. Na verdade, o lugar que tinha sobrado para eles, ao instalar uma grande fazenda, era impróprio para a sua sobrevivência.

Dentro de todo o movimento de restituir aos Xavante pelo menos uma parte de suas áreas tradicionais, também esse grupo, depois de todos os outros, conseguiu, com apoio de várias instituições, afirmar seus direitos.

A área de 168.000 ha foi reconhecida e a demarcação decretada pelo Ministro da Justiça aos 30 de setembro de 1993. Seguiu-se o tempo de contestação e reclamação dos direitos e foram feitas as devidas indenização aos "donos" daquela área. Em 1998 foi realizada a homologação e o registro.

Ficou apenas pendente a desocupação da área por parte de posseiros. Aliás, esses somente apareceram quando se deu início ao processo de reconhecimento e demarcação da área.

Os Xavante, durante os anos que passaram, aguardaram pacientemente o desfecho de todo o processo, confiando nos procedimento governamentais. Cansados de esperar pela justiça, que aliás tinha vetada a entrada dos indígena à área, "por motivo de evitar o conflito com os posseiros", aos 12 de novembro passado, uns 400 indígenas se postaram na beira da estrada, por onde uma ponte dá acesso à área. Os posseiros, armados, tentavam a qualquer custo impedir a entrada dos índios.

Aos 02 de dezembro, em Brasília, os caciques Xavante foram recebidos pelo Ministro da Justiça. Após ouvir o relato emocionado dos caciques Xavante, Simão e Damião, Márcio Thomaz Bastos, afirmou que o órgão e a FUNAI não medirão esforços para lhes garantir o direito à Terra Indígena Marãiwatsédé, reconhecida como tradicionalmente dos indígenas, demarcada, homologada e registrada em cartório e na Secretaria de Patrimônio da União.

"Até o final do governo o compromisso é demarcar e homologar todas as terras indígenas. Nesta questão, vocês têm todo o direito. Foi feita a portaria, demarcada, homologada e registrada. Nós precisamos agora confiar na FUNAI para que ela continue essa missão junto com vocês e faça os entendimentos necessários junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e ao Superior Tribunal de Justiça, para que o MDA, através do Incra, consiga retirar os posseiros e que o juiz decida logo a questão. Isso porque aquela terra é de vocês e não pode ser tomada e não vai ser tomada de vocês", concluíu o ministro ao agradecer a presença dos indígenas (cf. site da FUNAI).

No dia 09 de dezembro, o presidente da República em exercício, José Alencar, e representantes da FUNAI, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Ministro do Desenvolvimento Agrário, Ministro da Justiça e Ministério Público Federal, estiveram reunidos com o Governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, posseiros e seus advogados. Da reunião não participaram os protagonistas da história - os Xavante.

O objetivo da audiência era encontrar uma solução pacífica para garantir o retorno dos Xavante às suas terras e a retirada dos posseiros. A proposta feita pelo presidente em exercício - José Alencar, aos invasores - de os índios entrarem em parte da área - não foi aceita pelos posseiros. Segundo a imprensa local, José Alencar condicionou o fracasso das negociações à não participação dos índios.

Uma nova decisão judicial teria impedida a ocupação da área, por parte dos Xavante. Tendo terminado os trabalhos da roça, durante o mês de dezembro, muitos Xavante estão se dirigindo ao lugar para reforçar a reclamação dos direitos. - Aliás, situação estranha, a de os donos regalmente reconhecidos não poderem ocupar e tomar posse de sua terra! -

7. Agenda

05-31 de janeiro - mais uma etapa na formação de docentes de ensino básico, na UCDB em Campo Grande

08-09 de janeiro, em Barra do Garças, encontro de novos missionários que desejam participar da formação oferecida pelo CIMI

10-31 de janeiro - Curso de formação básica do CIMI, em Luziânia

12 de janeiro a 07 de fevereiro - Em Barra do Bugres, mais uma etapa na formação de docentes de ensino básico em escolas indígenas

04 de fevereiro - Encontro da Coordenação Ampliada do CIMI-MS, em Campo Grande

16 de fevereiro - Reflexão sobre Educação Escolar indígena, Escola de Merúri

1Cf. Luis Campos MARTINEZ, Utopia somos nosotros - antropologia, p. 25, 128; cf. ainda Reinholdo Aloysio ULLMANN, Antropologia: O homem e a cultura, p. 21.

2Cf. Luis Campos MARTINEZ, Utopia somos nosotros - antropologia, p. 128; cf. ainda: David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p. 92.

3Luis Campos MARTINEZ, Utopia somos nosotros - antropologia, p. 25.

4Cf. Maurice FREEDMAN, Antropologia social e cultural, p. 157.

5Bronislaw MALINOWSKI, Uma teoria científica da cultura, p. 46.

6Ernesto FARIA, Dicionário escolar latino-português, verbete struere e structura. ainda: Fernando Bastos de ÁVILA, Pequena enciclopédia de moral e civismo, verbete estrutura social.

7Isidro PEREIRA, Dicionário greco-português e português-grego, verbetes σύστημα e συν-ίστημι.

8Fernando Bastos de ÁVILA, Pequena enciclopédia de moral e civismo, verbete sistema.

9Cf. Ralph LINTON, O homem, uma introdução à antropologia, p. 115.

10Ernesto FARIA, Dicionário escolar latino-português, verbete instituere, institutio.

11Fernando Bastos de ÁVILA, Pequena enciclopédia de moral e civismo, verbete instituição.

12Bronislaw MALINOWSKI, Uma teoria científica da cultura, p. 53.

13Fernando Bastos de ÁVILA, Pequena enciclopédia de moral e civismo, verbete padrão, padrão cultural.

14Bronislaw MALINOWSKI, Uma teoria científica da cultura, p. 44.

15David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p. 92.

16Cf. ibid. p. 90; cf. também: Bronislaw MALINOWSKI, Uma teoria científica da cultura, p. 59.

17Cf. David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p. 90-91, onde ele cita KINGSLEY, Davis; cf. ibid. p. 154-155, onde ele cita Radcliffe-Brown.

18Cf. Bronislaw MALINOWSKI, Uma teoria científica da cultura, p. 140; cf. ainda toda questão do funcionalismo na síntese de Aldo Natale TERRIN, in: NDL p. 115-120.

19Cf. David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p. 88-89.

20Cf. Luis Campos MARTINEZ, Utopia somos nosotros - antropologia, p.37-40.

21Cf. Claude LÉVI-STRAUSS, Antropologia estrutural, p. 314 ss.

22Cf. ibid. p. 148-151.

23Cf. Reinholdo Aloysio ULLMANN, Antropologia: O homem e a cultura, p. 25; cf. também David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p. 253.

24Cf. Claude LÉVI-STRAUSS, As estruturas elementares do Parentesco, antropologia 9, Vozes, Petrópolis 1982 2a ed; cf. ainda Paulo MENEZES, As origens da cultura, p. 26 ss.

25Cf. Claude LÉVI-STRAUSS, Antropologia estrutural, p. 314-320.

26Ralph LINTON, Cultura y personalidad, p. 34.

27Cf. David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p. 266.

28Cf. Maurice FREEDMAN, Antropologia social e cultural, p. 172.

29Cf. David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p. 226.

30Cf. Maurice FREEDMAN, Antropologia social e cultural, p. 174.

31Cf. David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p.242,252-266.

32Cf. Reinholdo Aloysio ULLMANN, Antropologia: O homem e a cultura, p. 95-96.

33Cf. Luis Campos MARTINEZ, Utopia somos nosotros - antropologia, p. 130.

34Cf. Edmund LEACH, As idéias de Lévi-Strauss, cf. Clifford GEERTZ, A interpretação das culturas; cf. Maurice FREEDMAN, Antropologia social e cultural, p. 168-174; cf. David KAPLAN, e Robert A. MANNERS, Teoria da cultura, p. 252-267.

35Ibid. p. 264.

36Cf. ibid. p. 261-262.

37Cf. ibid. p. 252.

38Já tendo concluído este estudo, chega-me às mãos um novo aprofundamento sobre o estruturalismo, de autoria de Umberto ECO, A estrutura ausente, que em outra ocasião poderia enriquecer significativamente a reflexão sobre o citado tema.

39Cf. Clifford GEERTZ, A interpretação das culturas, p. 14.

40Cf. Lucio PINKUS, O mito de Maria, uma abordagem simbólica, p. 19.