2014|pt|01: Para mim, Deus sempre foi um bom papai

A ESPIRITUALIDADE SALESIANA

PASCUAL CHÁVEZ VILLANUEVA



PARA MIM, DEUS SEMPRE FOI UM BOM PAPAI


Uma premissa necessária


Entre as muitas coisas que escrevi, procurarás em vão um diário espiritual, uma descrição do meu itinerário íntimo, uma autobiografia como reflexo da minha espiritualidade. Não era o meu estilo.

Talvez, devido à natural discrição, própria dos agricultores, provavelmente pela formação que recebera, não me sentia levado a abrir-me, certamente porque preferia no meu coração a lembrança de muitas experiências, de lutas e de conquistas apostólicas, em vez de manifestá-las em público.

Por isso, não encontrarás nos meus livros e conversas nem confidências nem testemunhos sobre a minha relação pessoal com Deus e o seu mistério.

Contudo, posso garantir-te que toda a minha existência nasceu, cresceu e desenvolveu-se num contato íntimo com o sobrenatural. Se o mundo foi o meu banco de prova, a fé foi a minha resposta de crente. Costumava afirmar: “Em meio às provas mais duras é preciso ter grande fé em Deus”. Isso eu dizia aos outros. Primeiramente, a mim mesmo.


As certezas que me sustentaram


Sempre fui guiado por uma certeza: sempre senti em tudo uma confirmação do alto. Embora ciente dos meus limites, sentia arder no meu coração o ardor do servo bíblico, a vocação do profeta que sabe não poder subtrair-se à vontade divina. Embora, quando falava dos meus “sonhos”, jamais tenha usado o termo bíblico de “anunciação”, sempre acreditei que fossem autênticos avisos do alto a avaliar com prudente humildade e escuta confiante. Quando, nos anos da minha plena maturidade eu relia minha experiência apostólica, sentia em mim uma espécie de vertigem, de admiração evangélica, que me fazia exclamar: “Era um pobre padre, sozinho, abandonado por todos, pior do que sozinho, porque era desprezado e perseguido; tinha um vago pensamento de fazer o bem... Parecia, então, um sonho o pensamento do pobre padre, contudo Deus realizou, cumpriu os desejos daquele pobrezinho. Como as coisas aconteceram, eu só saberia vos contar. Por mim, não sei explicar. Isto, porém, eu sei: Deus o desejava”.

E eu encorajava os meus primeiros Salesianos, que educara desde crianças: “O Senhor espera coisas grandiosas de vós: eu as vejo claramente... Deus começou e dará seguimento às suas obras, das quais todos vós participareis... O Senhor é Aquele que começou as coisas. Ele mesmo deu-lhes início e o desenvolvimento que têm. Ele, com o passar dos anos, as sustentará. Ele as conduzirá a cumprimento. Deus está pronto para fazer estas grandes coisas... Uma só coisa ele pede de nós: que não sejamos indignos da sua grande bondade e misericórdia”.

Eu me deixava guiar por uma frase ouvida muitas vezes dos lábios de minha mãe: “Estamos nas mãos do Senhor, que é o melhor dos pais, que vigia continuamente para o nosso bem, e sabe o que é e o que não é melhor para nós”.

Era preciso uma boa dose de fé, de coragem e de abandono à Providência do Senhor; esta não me faltava, embora tenha confessado no final da vida: “Se eu tivesse tido cem vezes mais fé, teria feito cem vezes mais do que fiz”.

Eu enfrentava a vida com todos os desafios que ela me apresentava com serena e filial confiança no Senhor. Aos meus jovens, escrevia em 1847 no livro de oração e formação cristã que eu chamara de O Jovem Instruído e que se revelava um autêntico best-seller por ter acertado no estilo e no conteúdo: “Não estás no mundo apenas para gozar, para ficar rico, para comer, beber e dormir, como fazem os animais, mas a tua finalidade é amar o teu Deus”. Descrevia o cristão como “um viajante a caminho do Céu”. Para mim, o Senhor e o Céu equivaliam-se substancialmente. De fato, queria os meus jovens “felizes no tempo e na eternidade”. Quando falava de Deus como “Pai misericordioso e providente”, a minha oração mudava de tom: em geral, a minha oração era simples e cordial, sem excessivos efeitos vocais. Mas quando pronunciava as palavras Pai nosso, eu as dizia com uma tonalidade que – e os presentes o referiam com muita simplicidade – atraiçoava um incomum arrebatamento do coração. Eu chorara a morte de meu papai Francisco com aquela inocente e lancinante dor que só uma criança que ainda não completara dois anos de idade é capaz de manifestar. Aquela morte tinha-me introduzido no mistério de um Deus que jamais abandona seus filhos. E desde os primeiros anos de vida dirigi-me a Ele como um pai bom e misericordioso. Sempre sugeria: “Deponhamos a nossa confiança em Deus e vamos adiante”. Minha confiança fazia-me dizer: “Para obter um bom resultado quando não se tem os meios, é preciso pôr-se ao trabalho com a mais total confiança no Senhor”.


Um empenho para sempre


Desejo revelar-te algo do meu mundo interior. Talvez seja um dos raríssimos raios de luz no qual me revelei. Faço-o com as mesmas palavras escritas em 1854. “Quando me entreguei a esta parte do sagrado ministério entendi consagrar todos os meus esforços para a maior glória de Deus e em vantagem das almas, entendi trabalhar para formar bons cidadãos nesta terra, para que fossem depois um dia dignos habitantes do Céu. Deus ajude-me a poder continuar até o último alento da minha vida. Assim seja”.

São palavras empenhativas que se tornaram o programa definitivo de toda a minha existência, ao qual jamais falhei. Tanto é verdade que, na apresentação do livro O Jovem Instruído, eu podia fazer uma afirmação muito corajosa, mas principalmente verdadeira: “Meus caros, eu vos amo a todos de coração, e basta serdes jovens, para que eu vos ame muito, e vos posso garantir que encontrareis livros propositivos de pessoas muito mais virtuosas e mais doutas do que eu, mas dificilmente podereis encontrar quem mais do que eu vos ame em Jesus Cristo, e que deseje a vossa verdadeira felicidade”.

Eu me comprometia para sempre pela causa dos jovens, embora vivesse historicamente um momento de grande incerteza. Pouco antes (estamos em julho de 1846) eu sofrera um colapso físico, que me levara à beira da morte; depois, após um breve período de convalescência passado nos Becchi, retornara a Turim. Lá houve um diálogo tenso e difícil coma boa Marquesa Barolo. Pois bem, fico contente de poder repetir hoje a minha clara tomada de posição de então feita à generosa benfeitora (que me amava como o filho que jamais pudera ter), o meu “sim” oficial e definitivo, o meu “credo” em favor dos jovens. Ainda hoje, quando vejo a Congregação dilatada e presente em mais de 130 nações: “A minha vida está consagrada ao bem da juventude. Agradeço-lhe as ofertas que me faz, mas não posso afastar-me do caminho que a Providência me traçou”. E sem qualquer apoio humano eu me abandonara “àquilo que Deus teria disposto para mim”. Entregava-me a Deus, Aquele que sempre fora o meu bom “papai”.