351-400|pt|359 Teve compaixão deles

Juan Edmundo Vecchi



«Teve compaixão deles» (Mc 6,34)

Novas pobrezas, missão salesiana e significatividade



Atos do Conselho Geral

Ano LXXVIII – abril-junho, 1997

N. 359



1. O novo cenário do nosso trabalho educativo. – 1.1. Uma opção da Igreja. – 1.2. O nosso caminho de reflexão. – 1.3. Iniciativas concretas. 2. Olhando para o futuro: uma releitura cristã da realidade. – 2.1. Aprofundar as inspirações. – 2.2. A pobreza do educador salesiano. – 2.3. Fazer a opção pelos jovens pobres. – 2.4. A nossa preocupação: educar. – 2.5. Promover uma nova cultura. – 2.6. Evangelizar a partir dos últimos. – 3. Conclusão.



Roma, 30 de março de 1997

Páscoa da Ressurreição


Queridos irmãos,



escrevo-lhes sob a impressão da Páscoa da Ressurreição. Ela oferece-nos neste ano uma singular oportunidade de fixar os olhos em Jesus Cristo, conforme o caminho proposto pela Igreja em vista do Jubileu de 2000.

À luz lançada da sua figura propus-me comentar um ponto da nossa programação: buscar uma maior significatividade, colocando-nos mais decididamente a serviços dos jovens pobres.

O capítulo quarto das Constituições abre-se com uma citação do evangelho de Marcos: «Viu uma grande multidão e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas» (Mc 6,34).

No Evangelho, é prelúdio e motivação para a multiplicação dos pães. Nas Constituições, introduz o discurso sobre os destinatários da nossa missão.

A evocação bíblica oferece um ícone eloquente: uma multidão com fome e cansada, a comoção de Jesus ao contemplá-la, o desafio aos apóstolos para que resolvam o problema, a declaração de impossibilidade da parte deles, a multiplicação miraculosa do alimento anteriormente insuficiente.

Para nós é uma chave de leitura pastoral da atual realidade juvenil e da missão a ser realizada com ela.

Ligada à imagem de Deus Bom Pastor, tirada do profeta Ezequiel e colocada na introdução ao capítulo primeiro das Constituições, recorda-nos que «na leitura do Evangelho somos mais sensíveis a certos traços da figura do Senhor: (...) a predileção pelos pequenos e pelos pobres; a solicitude no pregar, curar, salvar por causa da urgência do Reino que vem; a atitude do Bom Pastor que conquista com a mansidão e o dom de si».1

Cada pincelada adquire então um significado extremamente real. Existe hoje uma multidão de adultos e de jovens que se move desorientada à espera de um sinal de solidariedade, carentes dos bens fundamentais para a vida. Para ela dirige-se a compaixão de Jesus que vai além de um sentimento humano. Exprime o coração misericordioso de Deus, a sua decisão pela felicidade e a vida de cada homem.

Confia então o problema aos seus discípulos. Eles devem pensar no assunto, superando o sentimento de inadequação diante das dimensões do fenômeno, procurando os recursos disponíveis e dando-lhes a capacidade multiplicadora do amor.

A narração evangélica tem indicações interessantes quanto às atitudes que os discípulos de Cristo devem ter diante das necessidades humanas, espirituais ou materiais, e quanto aos caminhos para enfrentá-las: iluminar a consciência com a Palavra e construir solidariedade.

Há também uma lógica original no cálculo e no emprego dos recursos. Eles multiplicam-se ao infinito onde as relações entre as pessoas e com as coisas são reconstruídas à luz do gesto eucarístico.



1. O novo cenário do nosso trabalho educativo



Os contextos em que trabalhamos vão-se modificando sob os nossos olhos. Os fatores econômicos, sociais e culturais estão determinando uma nova configuração das sociedades. Variam, portanto, ao menos parcialmente, as urgências da nossa missão: os sujeitos a preferir, as mensagens evangélicas a difundir e os programas educativos a conservar.

O cenário é marcado por um fenômeno: a pobreza. Não se trata só da condição de alguns; é o drama da humanidade; ainda mais que material, é um drama espiritual. Em nível mundial a pobreza apresenta dimensões trágicas e os seus efeitos são devastadores sobre pessoas e povos. Com razão, as mais altas autoridades científicas e religiosas têm-nas repetidamente denunciado.

As imagens dessa pobreza entram às vezes em nossas casas pela televisão, suscitando sentimentos de compaixão e levantando discussões salutares. Basta pensar na fome, «um escândalo que está durando muito», «que compromete o presente e o futuro de um povo» e «está destruindo a vida» segundo o último documento relativo ao assunto, oferecido pelo Pontifício Conselho “Cor unum”.2 Ou o êxodo de milhares de refugiados, vítimas de contraposições raciais, discriminação religiosa e rivalidade estimulada com arte. Ou ainda a urbanização precária sem condições mínimas de trabalho, casa, serviços e participação civil, que constitui o fenômeno da marginalização citadina.

Acrescentem-se a imigração ou o trabalho infantil, as servidões de vários gêneros, a situação das mulheres em muitos contextos, a exploração dos mais fracos, e teremos um quadro com tintas escuras, mas ainda incompleto dos sofrimentos humanos.

A pobreza surge hoje debaixo de muitíssimas formas, mais numerosas do que no passado. Fala-se, com razão, de pobrezas no plural, classificando-as em antigas e novas. Evidencia-se assim que algumas surgiram e estenderam-se recentemente. Estão, de fato, relacionadas com as atuais condições de vida: parecem, portanto, menos conhecidas em suas causas e mais expostas a juízos moralistas e a fáceis acusações de culpa.

Acrescentam-se hoje à falta de meios econômicos indispensáveis para a vida, que foi sempre tida como a principal forma de indigência, outras manifestações em que esse fator não é o principal ou o gerador: deficiências no ambiente familiar, falência da escola, desemprego, as várias dependências, a delinquência, a vida na rua. Não se devem também desvalorizar a falta de razões para viver, a falta de perspectivas humanas e espirituais, que desembocam em fenômenos conhecidos de compensação e evasão.

Contam-se também entre os pobres, nas sociedades mais avançadas e complexas, aqueles que ficam à margem das crescentes exigências de preparação cultural e técnica ou que se encontram na impossibilidade de satisfazer necessidades muito sentidas: identidade, normal inserção social, comunicação pessoal significativa, tempo livre, necessidade de formação, participação em projetos de amplo respiro.

Essa multiplicidade de formas torna a pobreza um fato universal. Mesmo as sociedades opulentas e tecnologicamente progredidas as incubam e desenvolvem como resultado residual do seu próprio sistema. Basta percorrer as ruas de uma cidade para ser atingido pelas suas manifestações.

Existe uma inter-relação entre algumas formas de pobreza e o nosso estilo de vida. O mundo tornou-se interdependente no bem e no mal. A desocupação atual, o empobrecimento de muitos e a consequente redução das possibilidades educativas dependem do sistema econômico e de produção, que tem muitas qualidades, mas não certamente a de colocar a pessoa no centro, nem de pensar no bem-estar mínimo indispensável para todos. Novas tragédias, que atingem grandes grupos de maneira quase anônima em diversas zonas do planeta, têm origem nas políticas econômicas e culturais de uma parte do mundo. Pense-se no fenômeno da dívida externa de alguns países, sobre o que também a Igreja quis dar a sua palavra.

Existem quantidades de exemplos, ao alcance das mãos, que confirmam essa interdependência. O prolongar-se de situações limites devem-se certamente à falta de solidariedade social, à lentidão em definir e realizar os recíprocos deveres e direitos entre os povos num mundo unificado, que tarda em definir planos possíveis de desenvolvimento com recursos que certamente existem e se desperdiçam.

Segundo o parecer dos observadores e como confirmam as estatísticas, as pobrezas no mundo não estão em diminuição, mas aumentam, sobretudo nas zonas depressas. 1996 foi o ano dedicado à erradicação da miséria. Pois bem, terminou com uma constatação amarga. A miséria reproduz-se na mesma medida em que se procura resolvê-la através de intervenções setoriais de dinheiro e de assistência.

Notava a Centesimus Annus que «...no mundo, apesar do progresso técnico-econômico, a pobreza ameaça assumir formas gigantescas. Existe nos países ocidentais a pobreza multiforme dos grupos marginalizados, dos idosos e doentes, das vítimas do consumismo e, mais ainda, a de tantos refugiados e imigrados; perfilam-se crises dramáticas no horizonte dos países em vias de desenvolvimento, se não forem tomadas em tempo algumas medidas coordenadas internacionalmente».3

Todas as formas de miséria bloqueiam e podem chegar a destruir as reservas educativas da pessoa. Atingem-nos de forma particular as que comprometem as possibilidades de crescimento dos jovens, embora reconhecendo que não são e não podem ser tratados como fenômenos isolados e autônomos.

As pobrezas juvenis, com que nos encontramos diariamente, têm como causa a indigência econômica, as carências educativas e culturais, a precariedade familiar, a exploração ignóbil por parte de terceiros, a discriminação racial, o emprego abusivo como mão-de-obra, o despreparo para o trabalho, as várias dependências, o fechamento de horizontes que sufoca a vida, a deviação, a solidão afetiva. A essas pobrezas dirigimos o olhar atento como o campo de trabalho que o Senhor nos indicou.

O que mais impressiona é a difusão de uma insatisfação de fundo que serpeia entre os jovens levando-os a formas de marginalidade e renúncia ao crescimento. O risco ameaça a todos, a tal ponto que o CG23 indicou a pobreza como um dos principais desafios à nossa missão, justamente em relação à educação dos jovens à fé. «A condição social de pobreza interpela e desafia qualquer homem de boa vontade. A impossibilidade ou a grande dificuldade prática de realizar-se como pessoas, não podendo usufruir das condições mínimas para um desenvolvimento adequado, colocam sérias questões».4 «Quem, como discípulo de Cristo, contempla essa realidade com os próprios olhos e sente-a com o próprio coração é chamado a ter compaixão dessas situações e a ser solidário com quem as padece».5 «Observando a condição social de pobreza com os olhos de Dom Bosco e constatando o quanto ela arruína tantos jovens, cujo horizonte de vida limita-se à busca do imediato para sobreviver ou a um ideal vazio de sentido, sentimo-nos desafiados a tornar mais consistente e solidária a presença salesiana entre os pobres».6



1.1. Uma opção da Igreja



O amor da Igreja pelos pobres pertence à sua constante tradição.7 Demonstram-no figuras de santos e santas, obras e institutos religiosos. Numerosos leigos também fizeram disso um empenho de vida no âmbito privado e público.

Sempre surgiram pessoas carismáticas, na comunidade cristã em contextos de grande miséria, que enfrentaram as chagas sociais mais difusas com iniciativas oportunas. Conseguiram ao mesmo tempo acudir a quase todas as categorias de pobres próprias de seu tempo: indigentes, iletrados, abandonados, reduzidos a escravidão, encarcerados.

Não poucos deles fundaram comunidades preparadas na vertente espiritual e operativa para ir ao encontro das necessidades dos pobres com projetos de grande dimensão. Passaram à história como grandes testemunhas do Evangelho e entre seus anunciadores mais eloquentes.

Uma visão mais crítica da sociedade colocou às claras ao surgir a questão social os mecanismos geradores de miséria. A Igreja denunciou então os modelos de organização econômica, social e política que menosprezam o valor da pessoa, espoliam-na do direito aos bens necessários para uma vida plenamente humana e expandem a miséria e a marginalização.

O magistério social fez-se mais constante após o Concílio, não só pelas dimensões que a pobreza ia tomando e pela percepção então evidente de suas causas, como também pela nova consciência que amadurecia na Igreja sobre o seu testemunho e missão.

São cinco as cartas encíclicas relacionadas aos problemas do trabalho e das relações entre as nações, que enfrentam as questões mais graves do subdesenvolvimento: Populorum progressio (1967), Octogesima adveniens (1971), Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987), Centesimus annus (1991). Acrescente-se a elas o Sínodo dos Bispos sobre a justiça (1971) e as declarações de importantes reuniões continentais.

A expressão “opção preferencial” pelos pobres foi ganhando terreno no contexto dessa sensibilização geral. Não é tanto uma recomendação de caridade individual, mas um critério de organização da pastoral da Igreja.

Propusera-a o Concílio junto com numerosas indicações dirigidas aos cristãos, aos Bispos e aos presbíteros. Apresento uma passagem que tem abundantes referências. Lemos no decreto que fala do ministério sacerdotal: «Embora sejam levados a servir a todos, aos presbíteros são confiados de modo especial os pobres e os mais fracos, aos quais o mesmo Senhor quis demonstrar-se particularmente unido e cuja evangelização apontou como sinal da obra messiânica».8

Foi a Terceira Conferência Latino-americana de Puebla que cunhou a expressão “opção fundamental”, explicitando o seu significado e aplicações pastorais. Após a leitura evangélica da realidade do continente e o discernimento do papel que correspondia à Igreja na situação como portadora da boa nova, declarava: «Afirmamos a necessidade de conversão de toda a Igreja à opção preferencial pelos pobres, em vista de sua libertação integral».9

Desde então a opção pelos pobres e as palavras que a exprimem difundiram-se em todos os contextos. Lemos num dos últimos documentos da Conferência Episcopal Italiana, alinhado aos anteriores: «O amor preferencial pelos pobres revela-se como uma dimensão necessária da nossa espiritualidade. Com os últimos e com os marginalizados poderemos todos recuperar um gênero diverso de vida».10

Encontramo-la também em muitos escritos recentes da Igreja universal. Valha por todos o n. 42 da Sollicitudo rei socialis: «A opção ou amor preferencial pelos pobres é uma opção ou forma especial de primado no exercício da caridade cristã, testemunhada por toda a tradição da Igreja (...). Hoje, atendida a dimensão mundial assumida pela questão social, esse amor preferencial, com as decisões que nos inspira, não pode deixar de abraçar as imensas multidões de famintos, mendicantes, de sem-teto, sem assistência médica e sobretudo sem esperança de um futuro melhor».11

Essa opção é particularmente recomendada aos religiosos que de fato representam de maneira mais imediata, pela radicalidade da sequela, o amor da Igreja e do Cristo pelos pobres e têm sobre ela uma tradição rica de iniciativas: «A opção pelos pobres faz parte da dinâmica mesma do amor vivido segundo Cristo. O que comporta para cada instituto, segundo o carisma específico, a adoção de um estilo de vida tanto pessoal como comunitário, humilde e austero. Fortes desse testemunho vivido, as pessoas consagradas poderão, de modo consoante à própria opção de vida e permanecendo livres diante das ideologias políticas, denunciar as injustiças que são cometidas contra tantos filhos e filhas de Deus, e empenhar-se na promoção da justiça no ambiente social em que trabalham».12

Ao abrir-se a fase da nova evangelização, insiste-se sobre a opção pelos últimos com múltiplas modulações. Sublinhou-se que ela abre a estrada ao anúncio, concretiza o seu sentido e por ela é iluminada.

O coração da nova evangelização é o Evangelho da caridade que assume os problemas e as situações humanas necessitadas da força transformadora do amor. E de uma caridade que se expresse no imediato, mas sobretudo empenhe-se num projeto social e cultural de vasta e longa duração em que a pessoa seja sempre considerada segundo a sua vocação e dignidade, à luz de quanto nos foi revelado em Cristo.

Mesmo correndo o risco de superabundar, não quero deixar de recordar como a opção pelos pobres integra o programa eclesial para o jubileu de 2000. «Nesta perspectiva, recordando que Jesus veio para evangelizar os pobres (Mt 11,5; Lc 7,22), como deixar de sublinhar mais decididamente a opção preferencial da Igreja pelos pobres e os marginalizados? Deve-se, antes, dizer que o empenho pela justiça e pela paz num mundo como o nosso, marcado por tantos conflitos e intoleráveis desigualdades sociais e econômicas, é um aspecto qualificador da preparação e da celebração do Jubileu. Assim, no espírito do Livro do Levítico (Lv 25,8-28) os cristãos deverão fazer-se voz de todos os pobres do mundo».13

O longo processo de reflexão teve também o efeito de esclarecer o sentido da opção preferencial pelos pobres. Ela não comporta nenhuma exclusão, nem desatenção a quem quer que seja, mas exprime o envolvimento de toda a Igreja no momento histórico pelo qual passa o mundo. Não é paralela nem justaposta à evangelização, que será sempre a primeira e mais original tarefa da Igreja; mas entendida no interior do anúncio de Cristo conforme a elucidação de Paulo VI na Evangelii nuntiandi.14

Não pertence só a alguns, mas é assumida pela Igreja. Não deve ser realizada com polarizações, mas na comunhão. Não pode ser instrumentalizada no protagonismo de pessoas e grupos, mas levada avante através da complementaridade de dons, serviços e projetos.



1.2. O nosso caminho de reflexão



A Congregação não ficou indiferente diante das novas manifestações da pobreza em geral e particularmente dos sinais de insatisfação da juventude. Está sempre viva em sua memória a imagem de Dom Bosco, capaz também como Jesus, de comover-se profundamente perante as misérias dos jovens.

Ressoam em sua consciência as expressões com que Dom Bosco mostra suas reações diante dos jovens da prisão: «Observar as multidões de jovenzinhos entre 12 e 18 anos, todos com saúde, robustos, de inteligência desperta; mas vê-los lá inoperantes, mordiscados pelos insetos, necessitados de pão espiritual e temporal foi algo que me deixou horrorizado».15

A partir dessa experiência teve início uma nova figura de sacerdote para os jovens, teve origem um novo tipo de obra educativa, foi criado um novo ambiente de educação, imaginaram-se caminhos de crescimento à medida dos jovens, a ponto de o nome de Dom Bosco unir-se hoje a alguns modelos de obras e a um estilo de educação mesmo que nem sempre tenha sido ele o primeiro a concebê-los.16

É quanto parece afirmado por Ele mesmo quando comenta: «Ocorreu-me na ocasião que vários deles retornavam àquele lugar porque abandonados a si mesmos. Quem sabe, dizia comigo mesmo, se esses jovens tivessem um amigo lá fora, que se preocupasse com eles, os assistisse e instruísse na religião nos dias festivos, quem sabe se não ficariam longe da ruína ou ao menos diminuiria o número daqueles que retornam à prisão? Comuniquei esse pensamento ao P. Cafasso e, com seu conselho e com suas luzes, pus-me a estudar o modo de realizá-lo».17

É clara desde então a opção pela prevenção e, como sua forma completa, a opção pela educação inspirada no critério preventivo, ou seja, atenta ao desenvolvimento das energias que habilitam a pessoa a emergir dos condicionamentos que a vida pode trazer, capaz de antecipar experiências gravemente negativas em que estariam comprometidos os recursos do sujeito ou, seja como for, comportaria para ele um desperdício inútil e doloroso de energias.

O problema dos jovens, procurados e aproximados por ele em seguida, foi transmitido na tradição oral e institucional da Congregação e ultimamente também estudado com rigor histórico. As conclusões convergentes podem ajudar a iluminar situações humanas atuais e as opções exigidas por elas.

O campo juvenil amplo permanece sempre a opção fundamental para Dom Bosco. A preferência pelos pobres, abandonados, desamparados, necessitados, em perigo vai assumindo um sentido variegado à medida que Dom Bosco deve confrontar-se com novas necessidades.

No momento de maior desenvolvimento, a sua obra volta-se a uma faixa de juventude comum, com recursos humanos intactos, mas com necessidades do ponto de vista econômico, em vista de uma sua conveniente promoção humana e cristã; a uma faixa de jovens também de classe média e popular “de índole particularmente boa” e com piedade, candidatos “à carreira eclesiástica” ou base exemplar para suas instituições; a uma pequena margem de travessos de diversas tipologias, para os quais pensa que seja sempre preferível a intervenção preventiva.

Pode-se fazer, em certa medida, uma obra de recuperação e reeducação também num ambiente educativo juvenil e feito de propostas, permeado de razão, fé e carinho. Por isso, Dom Bosco recusou-se a aceitar casas correcionais, como eram pensadas e administradas no seu tempo. Sempre pensou, porém, que a obra de recuperação e reeducação devesse acontecer através do conjunto de elementos que compõem em sua totalidade o Sistema preventivo na tríplice valência racional, religiosa, afetiva.18

Dom Bosco apresenta o seu sistema educativo como o mais adequado à reeducação dos jovens tocados pela delinquência ou, em todo caso, gravemente marginalizados. O que se reflete em suas palavras e escritos aos cooperadores, autoridades públicas, ex-alunos quando os convida a colaborarem na educação da juventude, especialmente mais pobre e abandonada; para libertar tantas crianças da ruína material e moral dos cárceres, da corrupção dos costumes e da perda da fé19.

Relevou-se, ultimamente, a dimensão e o valor amplamente social da intervenção de Dom Bosco, que não deve ser encerrado em ambientes educativos exclusivos ou específicos. E não só para que haja a regeneração e o “bem-estar da sociedade civil” em suas intenções e para que sejam interessadas as mais variadas instâncias que tenham a ver com o social e o político na obra de educação-promoção da juventude. Mas também para que os mesmos programas educativos não se restrinjam aos perfis habituais e se desenvolvam livremente com novidade em amplos âmbitos sociais. Pense-se na relação com o mundo do trabalho, nos contratos, no tempo livre, na promoção da instrução e cultura popular.

Dom Bosco faz-se promotor ou pelo menos sonhador de vastos projetos sociais de prevenção e de assistência.20

As Constituições, que orientam o nosso comportamento como indivíduos e ainda mais o desenvolvimento do projeto comunitário, reproduziram essas convicções de Dom Bosco no capítulo sobre os destinatários da nossa missão. Eles são sucessivamente apresentados: os jovens, especialmente os mais pobres; os jovens que se encaminham ao trabalho; os que dão esperanças de vocação. Sobre os jovens mais pobres diz-se que são os primeiros e principais destinatários da nossa missão em vista dos quais «trabalhamos especialmente nos lugares de mais grave pobreza».21

É claro que os jovens pobres, indicados como primeiros e principais destinatários da missão salesiana, não estão no texto constitucional simplesmente ao lado de outras categorias indicadas, mas em seu centro, irradiando um significado em cuja luz são entendidas as demais especificações do campo ao qual nos sentimos chamados. Assim como o aceno aos jovens não se coloca no mesmo nível, mas como referência motivadora do nosso empenho pelos adultos das camadas populares.

A missão salesiana tem assim uma definição unitária, não uma lista indiferenciada de possibilidades. Ela move-se a partir de uma opção que explica o tipo e a intensidade da caridade pastoral que nos é exigida e, com o mesmo espírito, estende-se a outros círculos mais amplos.

Mais tarde, e em vista da nova realidade, indicaram-se nos Regulamentos gerais os diversos tipos de pobreza às quais queremos responder com o nosso serviço educativo: «sobretudo dos jovens que, por causa da pobreza econômica, social e cultural, às vezes extrema, não têm possibilidade de êxito; dos jovens pobres no plano afetivo, moral e espiritual e, por isso, expostos à indiferença, ao ateísmo e à delinquência; dos jovens que vivem à margem da sociedade e da Igreja».22 Percebe-se assim o alargamento das pobrezas nas sociedades complexas, em que com frequência as diversas formas se acumulam e condicionam mutuamente, criando situações fortemente desumanizadoras.

Sugere-se também uma ductilidade de aproximações e de estruturas educativas segundo as necessidades daqueles aos quais se dedicam. Permanece como referência permanente o modelo “oratoriano”23 como ambiente de acolhida, atento à relação pessoal, aberto a todas as atividades e formas de expressão adequadas à situação do jovem, organizado «segundo um projeto de promoção integral do homem, orientado para Cristo, homem perfeito».24



1.3. Iniciativas concretas



Os últimos tempos comportaram-nos uma lenta, mas constante evolução em muitos sentidos a respeito da opção pelos mais pobres. A marginalização e a insatisfação juvenil são mais conhecidas e acompanhadas com maior atenção; suas manifestações são melhor compreendidas e se dá mais atenção às causas.

Contribuíram para a difusão desse conhecimento as recomendações dos Capítulos gerais, o hábito do planejamento, a divulgação de pesquisas específicas e algumas iniciativas, como o observatório da condição juvenil, os cursos de pedagogia social, os encontros sobre o tema da insatisfação, as várias pesquisas feitas por nós num raio imediato ou amplo.

Esclareceram-se as valências, os graus e as formas complementares da prevenção como também o sentido salesiano da preventividade, que não exclui a recuperação dos sujeitos já atingidos pelas consequências da marginalidade e da insatisfação, mas é também proposta como forma excelente de despertar seus recursos ainda sadios e conter a deterioração definitiva.

O Reitor-Mor desejou-o confirmar no final do CG22: «A caridade pastoral vivida por Dom Bosco estimula-nos a caminhar em direção aos jovens mais necessitados, que correm perigos particulares, tanto no terceiro mundo como nas sociedades de consumo. Dom Bosco ensina-nos que a força educativa do Sistema preventivo está também na capacidade de recuperação dos jovens desencaminhados que conservam recursos de bondade e na prevenção de desenvolvimentos piores quando já se encaminham pela estrada da deviação».25

Os Capítulos gerais estimularam continuamente um maior espírito empreendedor e a audácia de iniciativas que exprimissem a nossa solidariedade com as diversas formas de pobreza. Após a proposta das novas presenças nos ambientes de marginalização enunciadas pelo CGS2026 e confirmadas no CG21,27 uma orientação operativa do CG2228 pede às inspetorias que «retornem aos jovens, ao seu mundo, às suas necessidades, à sua pobreza. Deem-lhes uma real prioridade, manifestada na renovada presença educativa, espiritual e afetiva. Procurem fazer a opção corajosa de caminhar na direção dos mais pobres recolocando eventualmente as nossas presenças onde maior for a pobreza».29

O CG23 insistiu no convite à inserção mais decidida entre os mais pobres. Depois de apresentar a pobreza como um dos desafios que, pela sua gravidade, urgência e amplitude interpela mais diretamente as comunidades, pede a cada inspetoria que individualize novas e urgentes frentes de trabalho, principalmente entre os jovens que têm maior dificuldade, criando para eles alguma presença como “sinal” da nossa caminhada em direção aos jovens mais afastados.30

É preciso acrescentar outro dado ao esclarecimento dos conceitos de prevenção e preventividade, ao maior conhecimento da insatisfação juvenil, à orientação insistente dos Capítulos gerais. Verifica-se nas inspetorias algum movimento em direção aos jovens pobres. Em todos os lugares foram dadas respostas criativas como parte de um projeto possível de recolocação. As inspetorias, de acordo com o contexto, visaram alcançar os jovens que vivem nas ruas, colocar-se em zonas urbanas de miséria generalizada, resolver o problema do abandono escolar com itinerários educativos alternativos, assistir os jovens encarcerados, trabalhar no âmbito da toxicomania com formas de prevenção, acolhida e acompanhamento em vista da recuperação.

O número total dessas iniciativas é decididamente consistente. Aumentaram também no sexênio passado.

Algumas apresentam um novo modelo do ponto de vista pedagógico e salesiano, apoiado pela competência de profissionais e levado adiante com tenacidade. Assim também, embora com volume modesto de iniciativas, temos dado a nossa contribuição de reflexão pedagógica e social inspirada no Sistema Preventivo sobre algumas formas de desvios.

Relevem-se o influxo dessas iniciativas em outros ambientes de educação da inspetoria e o maior conhecimento da insatisfação juvenil que levam a ele, como também a incidência que têm no contexto social e na opinião pública.

O CG24 insistiu sobre a sua capacidade de convocação e envolvimento dos leigos. «A reflexão comum, - diz - o projeto compartilhado e a relação com os leigos são experiências positivas sobretudo nas assim chamadas novas presenças, surgidas como resposta ágil e imediata aos problemas criados pela insatisfação juvenil, pela marginalização, etc. Desenvolvem-se também nessas sedes as melhores formas de participação e de voluntariado».31

É preciso acrescentar que se dão respostas parciais às várias formas de marginalização e de insatisfação também nas demais presenças educativas. Basta visitar alguns de nossos centros de formação profissional e oratórios para convencer-se disso. Neles, não só se faz uma eficaz primeira prevenção, como também encontram acolhida, interlocutores e propostas adolescentes e jovens que já correm o risco de desorientação.

Ultrapassada em quase todos os lugares a polêmica que opunha os diversos tipos de presença e superada a forma excessivamente individual pelas quais algumas dessas obras eram consideradas como herança de alguns irmãos, que talvez tenham tido o mérito de desejá-las e iniciá-las, vai-se notando em todos os lugares uma acolhida mais decidida por parte das inspetorias e, portanto, uma maior integração das iniciativas e dos irmãos que trabalham no projeto inspetorial.



2. Olhando para o futuro: uma releitura cristã da realidade



Contemplando a multidão, os discípulos aproximam-se de Jesus e dizem-lhe. «O lugar é deserto e a hora já avançou. Despede-os, para que vão aos sítios e aldeias dos arredores comprar para si o que comer». Era uma observação de bom senso, de gente comum, e ao mesmo tempo um modo de fugir do problema, de não se preocupar com ele.

Jesus responde: «Dai-lhes vós mesmos de comer».32 Afirma com isso que o problema lhes diz respeito. Surpreende os discípulos com tal orientação. Eles levam em consideração a indicação de Jesus, mas concluem logo que lhes é impossível realizá-la. A multidão é muito numerosa e não existem os meios. Também esse é frequentemente o nosso sentimento e conclusão.

Não compreendem a intenção de Jesus. Pensam no muito de que precisariam e de que não dispõem. Jesus, porém, conta com o pouco que podem colocar à disposição. Para ele a solução não depende da quantidade inicial de alimento.

A extensão da pobreza tem de fato raízes profundas. Há certamente as raízes pessoais. São de quem sofre a insatisfação e a marginalização e dos que estão mais estritamente ligados à sua vida e ao seu crescimento.

Mesmo em contextos abastados as condições favoráveis de desenvolvimento tornam-se vãs quando as disposições pessoais são carentes. Vice-versa, reforçados os recursos que existem nas pessoas, elas conseguem abrir uma passagem nos ambientes fortemente condicionantes produzindo neles transformações significativas na ordem das relações, da sociabilidade e da participação. Voltar-se às pessoas e às suas motivações é, pois, uma indicação sempre válida.

É verdade, porém, que o desenvolvimento pessoal é favorecido ou dificultado, chegando a tocar a impossibilidade concreta, por causas culturais, ligadas à mentalidade que predomina no ambiente e que determina comportamentos, avaliações, modalidades de vida e de relações.

Insistiu-se nos últimos anos sobre a urgência de trabalhar por uma cultura que reconheça a dignidade de cada pessoa, reforce a solidariedade em todos os ambientes e em todas as formas, garanta o bem e o direito à educação para todos, não ceda mentalmente a preconceitos ou a cômodas avaliações sumárias e não caia na armadilha do individualismo e do consumismo. Só assim poder-se-á refazer o tecido social e torná-lo mais humano.

A mesma insistência permeia o ensinamento ético e social da Igreja. É muito estimulante para nós porque relaciona o empenho de promoção humana, que realizamos através da educação-evangelização, ao âmbito mais amplo onde são possíveis outras iniciativas. Combina, pois, com aquilo que herdamos de Dom Bosco e que nos é sugerido pelas Constituições, lá onde referem-se às nossas presenças entre as camadas populares e à nossa ação através da comunicação social.

Às causas enraizadas nos indivíduos e na mentalidade comum é preciso, porém, acrescentar e talvez antepor pelo seu peso, as causas estruturais.

Elas agem simultaneamente sobre muitas pessoas em âmbitos muito extensos e com mecanismos muito poderosos. Têm, portanto, a capacidade ímpar de impor uma situação, modos de pensamento e estilos de vida, regenerando ou prolongando a marginalização relacionada com eles. Fenômenos como o da fome, da miséria, dos conflitos prolongados, da exploração de mão-de-obra, da devastação dos recursos naturais são suficiente para dar uma ideia deles.

A reflexão deve servir-nos não tanto para retornar às denúncias oportunistas, mas para organizar corretamente, mesmo que em pequena dimensão, o trabalho de educação e de evangelização. Não se educa a não ser levando a tomar consciência do mundo em que vivemos.

Vai-se repetindo há alguns anos que nos encontramos diante de um fenômeno de empobrecimento mais do que de simples pobreza. Não se trata de uma etapa transitória, um acidente de percurso, uma consequência do passado; mas do resultado das atuais estruturas econômicas, sociais e políticas, embora reconhecendo que outras causas influem no aumento da pobreza.33

O cenário foi-se deteriorando também com a prevalência de um modelo econômico único e universal. A lógica que se vai impondo através dele é que a produção de bens se move sob a marca do lucro e não deve ser regulada por exigências do justo desenvolvimento social que inclua a todos.

Entre seus efeitos mais graves estão o afrouxamento e até mesmo a decomposição da solidariedade social, a redução da pessoa a indivíduo incapaz de possuir, produzir e comprar.

O modelo de homem é de fato centrado mais no ter do que no ser. Como conseqüência faz estrada o costume consumista: trabalhar para ter, ter para adquirir, adquirir para consumir.



2.1. Aprofundar as inspirações



O entrelaçamento descrito acima indica que qualquer solução é precária e insuficiente caso não se tenha em vista o coração do homem: ao nosso coração de discípulos chamados a assumir a compaixão e a lógica de Jesus; ao coração dos jovens dos quais queremos nos aproximar; ao coração dos que se referem a Cristo como seguidores ou admiradores; ao coração de quem possui bens materiais, de inteligência ou competência; ao coração de quem deve decidir sobre orientações sociais e políticas.

É o que sugere o gesto de Jesus. A quantidade virá e superará a necessidade se existirem os que colocam seus pães e seus peixes à disposição do Senhor.

A mesma mensagem vem-nos dos lugares e dos aspectos do nosso carisma.

O nosso carisma nasceu nos Becchi com a vocação de Dom Bosco. A casucha natal recopia o ícone da multiplicação ao colocarmos como seu fundo a carta geográfica das obras salesianas espalhadas hoje pelo mundo. Ali, num ambiente de real, embora digna pobreza, João Bosco colocou à disposição do Senhor aquilo que tinha: a sua vida.

Experimentou a angústia econômica na realização de estudos e sonhos. Submeteu-se à prova do trabalho sob um patrão. Ao mesmo tempo sentiu a solidariedade da comunidade humana e cristã e, sobretudo, o apoio dos sacerdotes. Com encorajamento e modesta contribuição econômica eles levaram a Jesus o garoto dos pães e dos peixes, que hoje chegam à multidão.

A nossa obra é fruto de graça e genialidade, mas também de solidariedade humilde e quase anônima.

O lugar espiritual da missão é o Oratório, iniciado sem lugar fixo, alojado num galpão, desenvolvido naquilo que é hoje Valdocco. Dom Bosco assim escreve sobre ele: «Em geral o Oratório era composto de canteiros, estucadores, calceteiros, cortadores de pedra e outros que vinham de lugares distantes. Não sendo práticos nem de igrejas nem de companheiros estavam expostos aos perigos da perversão, especialmente nos dias festivos».34 A nossa origem e a preferência do nosso Pai são continuamente lembradas quando nos interrogam sobre a atual insatisfação juvenil.

A nossa pedagogia nasceu do encontro com os jovens pobres, com as suas características de conteúdo e método, com a figura de um educador que vai além do papel institucional e é para os jovens amigo e pai. Padre Caviglia define-a como uma “pedagogia para o jovem pobre”.

A partir da situação dos jovens pobres foram sugeridos as iniciativas e os programas que atravessam a nossa história: o oratório, as escolas profissionais, o pensionato-família. Dom Bosco repete-o quando apresenta a história da Congregação nas “Memórias do Oratório”, no seu Testamento. Parece natural que para renovar-se se parta novamente deles.

Fonte inspiradora é sempre a caridade pastoral, difundida pelo Espírito no batismo e no chamado à vida salesiana; mas a busca, o encontro e a partilha da vida com os jovens pobres são a “circunstância providencial”, a mediação indispensável no surgimento e na concretização progressiva da nossa missão; é a experiência do amor gratuito e correspondido, da salvação vivida, do retorno à vida.

Dom Bosco, no contato com os jovens pobres, descobre suas riquezas interiores, suas potencialidades, sua dignidade inata, sentida e desejada. Cada jovem traz pessoalmente as marcas do amor de Deus no desejo de vida, na inteligência e no coração. A pobreza, que os impede de crescerem como pessoas e filhos de Deus, é um apelo e um desafio a restituir-lhes a consciência do próprio valor e a fazer desabrochar os dons com que o Senhor os enriqueceu.

Dom Bosco concebe o seu serviço sacerdotal como trabalho educativo para fazer brotar recursos escondidos, para fazer emergir traços que parecem cancelados, a ponto de levar os jovens a um nível satisfatório de vida humana e cristã; ou melhor, à santidade. Revela-lhes a face do Deus de Jesus, um Deus que se preocupa com os pássaros e com as flores, que não quer que se perca um só dos pequenos, que não espera o retorno da ovelha perdida, mas sai à sua procura, que é tomado de profunda compaixão diante de cada situação humana de dor despertando a esperança.

Para ele isso é uma autêntica experiência de Deus, descoberto com admiração e narrado com alegria em sua paternidade providente; é a mesma experiência de Jesus que se surpreende com o Pai, que manteve ocultas as coisas do Reino aos sábios e prudentes e as quis revelar aos pequenos,35 experiência que leva a entender e afirmar o valor de cada jovem além das aparências, porque seus anjos estão continuamente na presença do Pai.

Os jovens pobres foram, e o são ainda, um dom para os salesianos. O retorno a eles haverá de fazer-nos recuperar o traço central da nossa espiritualidade e da nossa práxis pedagógica: a relação de amizade que cria correspondência e desejo de crescer.

Hoje é preciso ir de novo para além das estruturas estabelecidas, além das coisas a serem dadas; é preciso sair, fazer um êxodo mental e pedagógico para a relação, a presença, a participação.

Essa é a atitude fundamental com que o Sistema Preventivo realiza em termos educativos a sequela de Jesus que plantou a sua tenda entre nós, veio buscar e salvar o que estava perdido, misturou-se com os publicanos e sentou-se à mesa com os pecadores, aproximou-se dos pobres e doentes e faz desses gestos os sinais da sua missão de salvação.

O Reino de Deus manifesta-se, cresce e realiza-se entre os pobres porque se trata de uma relação gratuita que Jesus estabelece e renova com aqueles que não acreditam ter qualquer mérito nem diante da sociedade nem diante de Deus.

Às vezes preocupamo-nos muito com o que podemos dar ou com o que nos falta para agir, a ponto de sermos incapazes de descobrir as riquezas que existem nos jovens, que eles podem fazer frutificar, com as quais nós mesmos somos enriquecidos. O Sistema Preventivo leva-nos a esvaziar-nos de nós mesmos e acolher os dons oferecidos pelo Senhor, sobretudo naqueles que são mais necessitados e aparentemente menos dignos.



2.2. A pobreza do educador salesiano



O comentário anterior leva-nos a refletir sobre a pobreza do educador salesiano. Antes ainda que nas normas sobre o uso do dinheiro e das coisas, ela refere-se aos bens nos quais colocamos a nossa esperança e felicidade. Bem-aventurados os pobres!

É um dom do Espírito que nos faz capazes de comunhão. Consiste numa profunda necessidade de Deus e dos irmãos. Brota da experiência do amor de Deus e da resposta a Ele na abertura aos outros. À sua luz os bens materiais resultam funcionais e secundários. Quem encontrou o sentido da vida no amor não precisa apegar-se às coisas para ser feliz, embora sirva-se delas com liberdade.

O Deus de Jesus, sendo suficiente à própria felicidade, fez-se pobre para enriquecer-nos. É um Deus que escolhe aqueles que sentem a própria insuficiência e os enche de bens porque o seu ser é doar. É o Deus que, antes e mais fortemente do que nós, quer que os pobres tenham a vida, e vem ao nosso encontro nos jovens mais necessitados para oferecer-nos o dom da sua presença e a participação no seu amor.

Conscientes de que tudo o que somos é um dom e que os outros, embora pobres, têm algo com que nos enriquecer, olhamo-los e aproximamo-nos deles com gratidão e expectativa, favorecemos a sua expressão, oferecemos espaços à participação, mesmo que seja limitada e imperfeita, não nos consideramos livres das misérias humanas, colaboramos com senso de humildade do crescimento de sua vida, alegramo-nos com o surgimento de energias e horizontes que vão atingindo sobretudo os mais pequenos e os últimos. Sabemos que aquilo que recebemos deles e de Deus é mais do que damos.

Essa visão caracteriza a nossa oração que assim se torna simples, confiante e concreta;36 centrada na ação de graças por aquilo que Deus nos deu gratuitamente e pela vida dos jovens; oração que nos dispõe a compartilhar, dando e recebendo deles;37 que exprime e desenvolve em nós a necessidade de Deus sem o qual nada podemos fazer38 e nos leva a perceber o Reino que vai crescendo entre aqueles que acolhem a Deus, tenham ou não a abundância de bens.

Convencidos de que fazemos a Cristo o que lhes fazemos, empenhemo-nos em trabalhar profissionalmente, servindo-nos com liberdade do que a ciência e a técnica colocam à nossa disposição. Imponhamo-nos uma formação contínua a fim de responder adequadamente às novas situações de pobreza, atuemos com coragem formas novas de agregação e busca de recursos a serviço dos pobres e procuremos organizar mais cuidadosamente a nossa administração.

Mantenhamos, ao mesmo tempo, um estilo de vida simples, ou melhor, austero, sem ceder ao desejo da posse ilimitada de coisas ou de comodidades. Era o que aconselhava Dom Bosco aos primeiros missionários: «Fazei que o mundo conheça que sois pobres, no vestuário, no alimento, na habitação e sereis ricos diante de Deus, e conquistareis o coração dos homens». Mesmo no trabalho coloquemos a nossa confiança nos meios pobres da amizade e do relacionamento mais do que defender-nos dentro da organização.

Esta espiritualidade haverá de ajudar-nos a viver uma outra atitude característica do nosso Pai: a confiança na Providência. A pobreza de Dom Bosco foi severa, atenta ao Reino de Deus e à sua justiça e também industriosa, a serviço dos jovens. Sabia começar com pouco, motivar a colaboração e orientar corretamente o uso do dinheiro com finalidade educativa. Pedia e esperava, mas não ficava emaranhado na busca de meios.

Numa cultura caracterizada pela excessiva preocupação da própria segurança, sobretudo material, devemos ser sinais de liberdade evangélica, preocupando-nos primeiramente com as pessoas e com o Evangelho, seguros de que o Senhor nos ajudará a encontrar os recursos de que precisamos. Começaram assim todas as nossas presenças e assim tiveram origem as grandes empresas da Congregação.



2.3. Fazer a opção dos jovens pobres



As novas pobrezas deverão encontrar os salesianos sensíveis, capazes de perceber o peso negativo que exercem sobre os jovens e prontos a intervirem como fez Dom Bosco com a pobreza do seu tempo.

A resposta positiva já é realidade em muitos lugares, mas a pergunta de Cristo relança a todos o “desafio carismático” de maneira simples e direta. Quantos pães e peixes podeis e quereis colocar à disposição?

O CG23 reconhecia que as presenças diretamente orientadas aos jovens em dificuldade têm uma forte incidência multiplicadora: são pontos de referência e de promoção da solidariedade, recebem a aprovação geral, conseguem coagular multíplices colaborações, criam mentalidade solidária no povo e obtêm o apoio da sociedade.39

Como estender mais essas áreas de solidariedade?

Tenhamos em vista primeiramente os irmãos e as comunidades. Há que se difundir conhecimentos, há que se afinar sensibilidades, há que se infundir confiança e coragem, há que se despertar a originalidade carismática.

Não será pouco se todos numa inspetoria ou comunidade conseguirem perceber o valor, a profundidade e as manifestações atuais da insatisfação juvenil no próprio contexto como um risco iminente sobre todos os adolescentes e jovens, que explode em algumas faixas mais fracas e expostas.

Não terá sido pouco quando se superarem as acusações, a estigmatização dos desvios juvenis e se renovar a confiança nos recursos do jovem e em seu desejo de reconstruir-se. Carinho, razão, religião são ainda vencedores quando conseguimos ser seus mediadores eficazes.

O salesiano pode reviver assim o estilo de Dom Bosco, derrubando as barreiras da desconfiança, ajudando a superar os preconceitos e dando oportunidades ao encontro fecundo. Isso levará à inserção espiritual e física no mundo real dos jovens.

Não me detenho a explicitar o que essa inserção exige e as transformações que opera: o encontro quotidiano com esses jovens e suas situações de insatisfação produzirão nas comunidades estímulos renovados para uma fé vivida como realidade salvífica e transformadora da história. Levá-las-á a viverem o serviço educativo com mais simplicidade e criatividade.

Sem esse movimento espiritual e físico de aproximação da pobreza torna-se difícil uma resposta mais consistente ao desafio da marginalização juvenil. O conhecimento e a aproximação tendem à partilha do que temos por graça, do que os jovens suportam, do que gostariam de atingir, do caminho que pensam poder fazer. Quanto isso exija de despojamento pessoal e de acolhida dos sentimentos de Jesus, Bom Pastor, podem-no dizer somente aqueles que o experimentaram.

Há depois outro passo a dar, desafiador e complementar: elaborar um projeto inspetorial para a marginalização juvenil que envolva as comunidades. A realidade da insatisfação juvenil e o risco da marginalização devem ser levados em consideração em todas as presenças.

Deveriam levar a evidenciar conteúdos e modalidades educativas na linha de uma prevenção mais atenta e atualizada; a animar o território em vista da corresponsabilidade de instituições e famílias, em vista da qualidade dos relacionamentos e da vida.

Poderiam também levar a privilegiar em cada obra a acolhida mais numerosa de garotos e jovens “em perigo”, que possam ser mantidos distantes dos desvios com programas apropriados e um ambiente educativo de apoio.

De qualquer forma haverão de tornar atento o olhar dos educadores sobre os sintomas iniciais ou ainda latentes de insatisfação e sobre as primeiras manifestações de abandono à marginalização.

Além dessa atenção geral, é preciso criar algumas iniciativas e destacar grupos que trabalhem no próprio ambiente da marginalização entre os sujeitos alcançados por ela.

Essas presenças, superada a contraposição ou o sentido de algo extraordinário, ajudarão todas as comunidades no conhecimento e tratamento da insatisfação e a manter vivo o estilo do Sistema preventivo.



2.4. A nossa preocupação: educar



As pobrezas e a marginalização não constituem um fenômeno puramente econômico, mas uma realidade que toca a consciência das pessoas e desafia a mentalidade da sociedade. A educação é, pois, um elemento fundamental para sua prevenção e sua superação e é também a contribuição mais específica e original que podemos dar como salesianos.

Educar significa acolher, dar novamente a palavra e compreender. Ou seja, ajudar cada um a reencontrar a si mesmo; acompanhar com paciência num caminho de recuperação de valores e de confiança em si. Comporta reconstruir as razões para viver.

O ensinamento sistemático é um caminho importante para a prevenção e a superação da pobreza e da insatisfação que nos leva ao encontro com a integridade da pessoa; o anonimato institucional ou apenas a relação de conhecimento não realiza as finalidades da educação.

Educar hoje, pede-nos uma renovada capacidade de diálogo, mas também de proposta. É preciso alcançar as pessoas e aquilo que questiona ou desafia suas vidas; é preciso envolver em experiências que ajudem a perceber o sentido do esforço quotidiano, voltar-se para uma proposta rica de interesses e solidamente ancorada no que é fundamental e que, enquanto oferece instrumentos fundamentais para o sustento da própria vida, torna capazes de agir como sujeitos responsáveis em todas as circunstâncias.

Emergem na educação algumas urgências. O CG23 indicava a constelação vida-amor-consciência-solidariedade como desafio ao nosso trabalho também de evangelização.40

Considerava-a um dos aspectos a serem cuidados em cada um de nossos programas educativos e indicava também seus principais horizontes: enraizar o valor da pessoa e da sua inviolabilidade através de relações, convicções e experiências, acima dos bens materiais e de qualquer estrutura ou organização, para que se habilitem a fazer opções autônomas diante dos pesados mecanismos de manipulação e avaliem corretamente as situações inumanas; orientar os jovens ao conhecimento adequado da complexa realidade cultural e sociopolítica, começando da mais próxima e quotidiana para chegar às instituições e aos modelos socioeconômicos que têm influxo determinante sobre o bem comum; envolver os jovens dos ambientes de pobreza e dos contextos de bem-estar em iniciativas que exigem solidariedade, para que aprendam a carregar os sofrimentos dos outros e a colaborar em sua superação.

O programa enunciado é uma prevenção eficaz contra dependências e estímulos negativos, oferece indicações para a caminhada de recuperação e ao mesmo tempo exige o envolvimento dos jovens que puderam se manter livres ou superaram os riscos das diversas pobrezas. A nós, compete traduzi-lo em gestos quotidianos.



2.5. Promover uma nova cultura



As pobrezas nascem e difundem-se num mundo intercomunicante e interdependente. A avaliação que se faz delas, as esperanças de superá-las que se possam despertar, as formas concretas de empenhar-se, estão relacionadas com o modo de pensar e reagir das pessoas, dos grupos e de toda a sociedade.

Isso é percebido quando se raciocina sobre o uso dos bens, sobre as relações entre indivíduos e entre povos, sobre os sentimentos para com os diferentes, sobre o modo de enfrentar os desvios e as transgressões.

O esforço contra a marginalização será tão eficaz quanto mais penetrar e transformar o conjunto de percepções e sentimentos que configuram o pensamento e a conduta de uma sociedade ou de grupos ativos em seu interior. Não é suficiente, pois, um trabalho de ajuda e assistência em favor dos indivíduos, embora isso seja importante.

Exige-se um trabalho de animação social, que suscite mudanças de critérios e modos de ver através de gestos e ações. Esses gestos e ações criam novas formas de relação e modelos de conduta que encarnam valores diversos daqueles que regem grande parte dos nossos hábitos, como o individualismo possessivo, a satisfação de interesses pessoais, a condenação de quem sofre dependências, o abandono dos mais fracos.

Trata-se de promover a cultura do outro, da sobriedade no estilo de vida e de consumo, da disponibilidade em compartilhar gratuitamente, da justiça entendida como atenção ao direito de todos à dignidade da vida e, mais diretamente, de envolver pessoas e instituições numa obra de ampla prevenção, de acolhida e de apoio de quem dela tem necessidade.

Nossos ambientes educativos podem ser centros de elaboração e pontos de irradiação dessa cultura quanto à família, os grupos, o bairro, os círculos e instituições correlatas e, através da comunicação social, as sociedades em geral.

Existem alguns movimentos e iniciativas que, embora minoritários, têm uma forte incidência porque exprimem relações novas e antecipam critérios novos de solidariedade: a associação privada para o comércio justo e solidário, o movimento de famílias que se empenham em viver com o suficiente evitando as despesas supérfluas, o voluntariado.

São esses alguns modelos de vida promovidos por círculos cristãos, no contexto da nova cultura social, que se empenham em viver segundo o evangelho e não segundo os estímulos do consumismo. Situações variadas e agregações semelhantes podem ser criadas nesse sentido.

Elas acabam por agir em rede e conseguem propor-se como interlocutores, materialmente frágeis, mas moralmente fortes, diante de organismos e instituições políticas e econômicas. Mais importante ainda, conseguem multiplicar os projetos de ajuda e as presenças de participação e solidariedade.

Esse é um campo onde nós salesianos, organização internacional, com múltiplos recursos e com um rico patrimônio espiritual, temos grandes possibilidades e ao mesmo tempo importante responsabilidade. Devemos fazer um esforço de pedagogia coletiva para oferecer caminhos e projetos concretos, nos quais envolver-nos como humilde vanguarda evangélica, com muita gente disposta a assumir junto um estilo de vida solidária e generosa.



2.6. Evangelizar a partir dos últimos



A ação salesiana, em qualquer ambiente se desenvolva, compreende sempre o anúncio de Cristo, a solicitude pela salvação eterna da pessoa. Em toda iniciativa de prevenção, formação e recuperação, ela é sempre a intenção e o desejo principal, embora deva ser possivelmente explicitada à medida que os sujeitos vão se tornando capazes. Desejamos que ouçam Deus Pai, que conheçam Jesus Cristo, e acreditamos também que se encontram, na proposta de fé nele, insuspeitas energias para a construção da personalidade e para o desenvolvimento integral.

O CG23, apresentando as características do itinerário de fé que nós salesianos fazemos com os jovens, afirma que se devem privilegiar os últimos e sempre partir novamente deles como condição para chegar a todos. «Colocar-se ao lado dos últimos e dos mais pobres - diz - determinará não só o início da caminhada, mas qualquer etapa posterior, até as últimas», porque os mais adiantados são convidados a «apoiar com o próprio testemunho e ação o passo de quantos estão iniciando».41

Trata-se, novamente, de uma indicação autorizada sobre o lugar significativo onde colocar-se: entre os últimos segundo os critérios humanos.

O anúncio da salvação aos pobres é o sinal por excelência do Reino e, como conseqüência, a dimensão mais profunda da nossa missão educativa. Conhecer e relacionar-se pessoalmente com Jesus Cristo não é um privilégio dos jovens mais empenhados ou protegidos, mas um dom a ser oferecido a todos e desde os primeiros passos. Se Cristo quis dar-se aos mais pobres e necessitados, e manifestou-o durante a sua existência terrena, nós não podemos retardar a descoberta do seu dom.

A evangelização começa certamente com o encontro, capaz de assumir o sofrimento e a esperança do jovem, de apoiar a sua vontade de retomar-se, de aproximar-se dos sinais de Deus e da Igreja. A salvação é anunciada e realizada quando se cria uma situação em que o jovem é libertado daquilo que condicionava de modo negativo o melhor de sua vida; quando em contato com pessoas, que lhe demonstram amor desinteressado, descobre o valor e as possibilidades da vida.

O contato quotidiano com adultos capazes de criar clima de família, relação de amizade que infunde interesse pelos jovens e espaço à sua responsabilidade, bondade e firmeza, exigência e compreensão, torna-se testemunho capaz de suscitar admiração e despertar o melhor que trazem dentro de si. Surgem assim questões que oferecem oportunidade ao anúncio na medida da compreensão de cada jovem.

A primeira centelha do caminho de fé deve ser em seguida cuidada e desenvolvida com paciência e perseverança, visando sempre o positivo que existe no jovem e na força interior da consciência; servindo-se da experiência do grupo e do ambiente; seguros da energia de retomada que vem da oração e dos sacramentos. Sobre isso deve-se reler e traduzir na prática o sentimento de Dom Bosco sobre o valor da fé e da consciência no caminho de recuperação dos jovens.

Fala-se na Igreja de nova evangelização. As explicitações sublinham que a “novidade” está no testemunho da caridade, no anúncio de Cristo no coração da vida e da cultura atual e no movimento em direção aos distantes.

A nossa contribuição pode consistir justamente em experimentar e propor processos de evangelização em situações juvenis particularmente difíceis.



3. Conclusão



Jesus «perguntou-lhes: “Quantos pães tendes? Ide ver”. Tendo verificado, responderam: “Cinco, e dois peixes”. E ele ordenou que acomodassem todos em grupos sobre a relva verde. Eles se estenderam em fileiras de cem e de cinquenta. Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, e erguendo os olhos para o céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e dava-os aos discípulos para que os oferecessem ao povo. Repartiu também os dois peixes entre todos. Todos eles comeram e ficaram saciados. E recolheram-se os pedaços, que enchiam doze cestos, e também o restante dos peixes».42

A presença do Senhor torna-se milagre de solidariedade para que o povo tenha pão em abundância. Ele põe os seus discípulos em movimento para que procurem os recursos disponíveis. Cria uma verdadeira fraternidade que leva à participação e desemboca na comunhão. Assim o dinamismo, iniciado com um sentimento de compaixão, transforma-se em ações que enchem de vida os necessitados com a Palavra que ilumina e com o Pão que sustenta. O pouco basta para todos, ou melhor, sobra.

É a nossa tarefa e a nossa esperança: lançar sementes e multiplicar. Por isso colocamos na programação do sexênio a significatividade como centro da atenção.43 Ela brota dos lugares, do espírito e do estilo com que realizamos a nossa missão e oferecemos o nosso testemunho, recolocação e redistribuição dos recursos.

Os elementos, de onde emana significatividade, são: manifestação incondicional da caridade evangélica, capacidade de “salvar” aqueles que os homens abandonam à própria sorte, desejo de dar vida e esperança, eficácia na proposta de fé, força de agregação pela qual pessoas de boa vontade unem-se no bem, capacidade de fazer amadurecer mentalidades e relações na linha do Reino.

Muitas iniciativas são “boas”, mas nem todas falam com a mesma eloquência, realismo e verdade. Muitas obras podem ser de alguma utilidade, mas nem todas expressam o Evangelho, o amor de Deus semeado no coração dos crentes com a mesma rapidez e profundidade. Muitas intervenções parecem aceitáveis, funcionais à sociedade em que vivemos, mas algumas são fortemente “evangelizadoras” e proféticas. A presença entre os jovens mais necessitados está entre estas. Sabemos o quanto cada inspetoria está fazendo e quanto seria ainda preciso fazer se a disponibilidade de pessoal o permitisse.

A contemplação e o apelo da multiplicação dos pães sirvam de inspiração e critério para um decidido movimento em direção aos jovens mais pobres, mesmo na eventual precariedade de recursos.

Maria Santíssima, que na Anunciação se colocou à disposição do Senhor, também nos ajude a estarmos prontos para a obra de salvação que nasce no coração misericordioso de Deus.



P. Juan E. Vecchi

Reitor-Mor



1 Const. 11

2 Cf. Pontifício Conselho «Cor Unum», A fome do mundo, um desafio para todos, o desenvolvimento solidário, 1996.

3 CA 57

4 CG23, 78

5 Ib. 79

6 Ib. 80

7 Cf. CA 57

8 PO 6

9 Puebla n. 1134; Cf. n. 1134-1165

10 Con il dono della carità entro la storia. La Chiesa in Italia dopo il Convegno di Palermo. Nota da CEI n. 34-35

11 SRS 42

12 Ib. 82

13 TMA 51

14 Cf. EN 32

15 Bosco G., Memorie dell'Oratorio, ed. preparada por Ferreira, A., LAS Roma 1992, pág. 104

16 Cf. Stella P., Don Bosco nella storia..., Vol. I, pág. 106-112

17 Bosco G., Memorie dell'Oratorio, ed. preparada por Ferreira, A., LAS Roma 1992, pág. 104

18 Cf. Braido P., Poveri e abbandonati, pericolanti e pericolosi: pedagogia, assistenza, socialità ed esperienza preventiva di Don Bosco. In Annali di storia dell'educazione, 1996, Vol. 3 p. 185

19 Cf. Braido P., ib. pág. 190

20 Cf. Braido P., ib. pág. 183-236

21 Const. 26

22 Reg. 1

23 Cf. Const. 41

24 Const. 31

25 CG22, 72

26 CGS20, 39-44.515.181.619

27 Cf. CG21, 158-159

28 Cf. CG22, 6

29 ib. 6

30 Cf. CG23, 230

31 CG24, 20

32 Mc 6,37

33 Puebla, n. 30

34 Bosco G., Memorie dell'Oratorio, ed. preparada por Ferreira A., LAS Roma 1992, pág. 104

35 Lc 10,21

36 Const. 86

37 Ib. 95

38 Ib. 12

39 Cf. CG23, 290

40 Cf. CG23, 182-214

41 Cf. Ib. 105

42 Mc 6,38-43

43 Cf. ACG 358, p. 49-50

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