301-350|pt|339 - Há ainda bom terreno para semear


Viganò Egídio



HA AINDA BOM TERRENO PARA SEMEAR



Atos do Conselho Geral

Ano LXXIII – janeiro-março, 1992

N. 339





Introdução — Os 150 anos de Bartolomeu Garelli — Um insistente apelo do CG23: fé e vocação — A vocação e as vocações — Nova perspectiva da pastoral juvenil — Desafios do contexto atual — Despertar do transcendente e itinerários que devem ser elaborados — Ser comunidade que apresenta proposta — “Personalizar” o itinerário de fé — Cuidar das experiências de amadurecimento — Saber chamar e acompanhar — Conclusão: os primeiros responsáveis.





Roma, Solenidade da Imaculada,

8 de dezembro de 1991





Queridos irmãos,



uma saudação cordial também dos mem­bros do Conselho Geral. Voltamos, faz algu­mas semanas, da Terra Santa onde vivemos uma profunda experiência de contemplação da história da salvação num curso especial de exercícios espirituais.

Comemoravam-se os 100 anos da presen­ça salesiana na Palestina. Participamos das celebrações dos irmãos (SDB) e das irmãs (FMA) daquelas Inspetorias tão provadas e ao mesmo tempo tão beneméritas. Rezamos por todas as comunidades e cada um dos irmãos, enquanto nos emergíamos no misté­rio da Encarnação (com Maria e com José) e nos sentíamos envolvidos nos eventos pascais da paixão e morte de Jesus, da sua ressurreição e do dom pentecostal do Espí­rito.

Retornamos cheios dos sentimentos de Cristo e renovados na vontade de empenhar-nos na sua missão na história.

Quanto haveria de meditar, que satisfa­ção não experimentaria o nosso querido pai Dom Bosco por uma experiência tão intensa na terra da sagrada Família e dos Apóstolos, se, quando ia a Roma, visitava com extraor­dinário interesse os testemunhos dos mártires cristãos e o lugar da tumba de S. Pedro. Seu primeiro sucessor, o beato Miguel Rua, duas vezes peregrinou pela Terra Santa (1895 e 1908) em atitude de gratidão e em busca de um impulso seguro para o futuro da Congre­gação.

Nós também nos sentimos na Terra Santa como representantes de toda a Família de Dom Bosco. A conferência da cidadania ho­norária de Belém ao Reitor-Mor e à Madre Geral foi como um gesto simbólico que nos une a todos mais intimamente com a raiz davídica do Senhor.

De minha parte, pedi para a Congregação, em Belém, no templo da Natividade, o dom de saber renovar eficazmente a dimensão voca­cional da nossa pastoral.

A Terra Santa é a pátria da mais docu­mentada e rica história de vocações. Deus empreendeu sua aventura na humanidade privilegiando estas regiões. Chamou numerosos colaboradores tão diferentes uns dos outros: patriarcas, guias, profetas, juízes, reis, sacerdotes, heróis, homens e mulheres para missões concretas. Chamou-os em todas as idades, do seio materno (como João Batista) à idade adulta (como os doze Apóstolos e Saulo de Tarso).

Em Belém, em Nazaré e em Jerusalém, era estimulante meditar a exortação do Se­nhor: a messe é grande e os operários são poucos, pedi insistentemente ao senhor da messe que aumente o número dos operários.1 É sugestivo pensar que justamente Jesus é o primeiro operário da vinha, sempre à procura de colaboradores; é Ele que na parábola do semeador nos ensinou que parte da semente caiu em bom terreno e frutificou. Devemos mesmo reconhecer que há sempre no decorrer dos séculos e, pois, também hoje entre nós, terreno bom onde pode frutificar a semente lançada pelo Senhor, sempre vivo e ativo na sua Igreja.



Os 150 anos de Bartolomeu Garelli



Neste 8 de dezembro, solenidade da Ima­culada Conceição, estive em Turim para comemorar o 150º aniversário daquele humilde evento que Dom Bosco considerou como o início da Obra dos Oratórios.

Esteve sempre convencido de que na origem desta Obra deu-se a maternal intervenção da Virgem Maria. Ela tudo fez, dirá mais tarde. Por intercessão de Maria, o encontro de Bartolomeu Garelli com Dom Bosco foi como o pequeno grão de mostarda de um flórido carisma na Igreja. Um carisma que, entre outras coisas, confia a Nossa Senhora toda a orientação vocacional dos jovens; Ela guiou o próprio Dom Bosco na fundação de uma Congregação com o en­volvimento de vocações jovens: os 22 que em 14 de maio de 1862 fizeram com ele os primeiros votos salesianos são a melhor pro­va histórica da dimensão vocacional, am­parada por Maria, presente em todo o devir salesiano. Dom Bosco dedicou-se intensa­mente às vocações não somente para a Obra dos Oratórios, mas para toda a Igreja nos seus diferentes ministérios, carismas e serviços.

Na sua indefesa atividade vocacional, o nosso Fundador foi também original e criativo, sobretudo no amadurecimento dos candi­datos. Organizou também o cultivo das cha­madas “vocações tardias”; não obstante as numerosas dificuldades encontradas (também por parte de D. Gastaldi), instituiu a OMA (Obra de Maria Auxiliadora) precisamente para cultivar as vocações de jovens de idade mais madura. Felipe Rinaldi, vocação adulta, tornou-se ao depois um ótimo formador delas. Os tempos, é certo, estão hoje muito mu­dados, mas jamais nos abandonam nem a criatividade do Espírito do Senhor nem a ajuda maternal de Maria: o semeador conti­nua sempre a deitar sementes em terra boa.



Um insistente apelo do CG23: fé e vocação



O último Capítulo Geral apresentou-nos a fé com energia de vida e como vértice da nossa atividade educativa, vivificada e coro­ada por um clima de espiritualidade.

Uma deliberação capitular lembra-nos que “o caminho de fé dos jovens exige que a comunidade salesiana dê particular atenção à sua orientação vocacional”.2

O texto fala do “caminho de fé dos jovens” na sua unidade e integralidade, ou seja, de todo o caminho, considerando-o em cada fase da atividade educativa; se em alguma etapa do percurso viesse a faltar a orientação vo­cacional, ficaria ela marginalizada de fato da autenticidade do nosso educar na fé.

Desde muito tempo o tema das vocações tem sido objeto de atenta reflexão por parte dos nossos Capítulos Gerais. O Reitor-Mor P. Luís Ricceri dedicou-lhe uma carta circular.3 ­Sobretudo o CG214 apresentou uma síntese válida ainda hoje: e, seguindo uma de suas indicações,5 o Dicastério para a pastoral juvenil ofereceu às Inspetorias, em 1982, um oportuno subsídio.

A originalidade do CG23 é a de ter inse­rido a dimensão vocacional no caminho de fé dos jovens e de haver concebido o mesmo caminho como uma resposta gradual e progressiva a um chamado pessoal. Pensemos nas quatro áreas indicadas pelo Capítulo; elas são simultâneas, ainda que com diferentes destaques e intensidade. Pois bem, cada uma delas faz apelos vocacionais, ao passo que a quarta área, a do empenho pelo Reino, se concentra explicitamente no apelo vocacio­nal, como condição indispensável de autenti­cidade de todo o caminho.

Assim, desde o início da educação da fé, a atenção volta-se pedagogicamente para a di­mensão vocacional: os passos que o jovem vai dando em direção da maturidade humana (primeira área), as metas que vai percorrendo no seu conhecimento e participação no mistério de Cristo (segunda área), a sua inserção gradual na própria vida da Igreja (terceira área) deveriam levá-lo ao interesse pessoal pelo Reino (quarta área) “empenhando a própria vida pela causa de Deus, salvador do homem”.6

O processo vocacional não é um momento “último”, “casual”, “elitista”, “excepcional”, mas o eixo principal de todo o caminho, em cada uma de suas etapas.



A vocação e as vocações



E útil lembrar, conquanto de maneira sucinta, que na origem da vida de fé está o sacramento do Batismo. Ele pressupõe uma opção fundamental por Cristo e um envolvimento no projeto operativo do seu Reino.

O Concílio Vaticano II fez emergir a ver­dade batismal da vocação comum de todo o Povo de Deus, promovendo uma como revi­ravolta copernicana na maneira de conceber a realidade da vocação. Esta, com efeito, deve ser considerada pensando antes de tudo no plano global de Deus para salvar o homem. Na base encontra-se Cristo e a sua Igreja com a missão de conduzir a humanidade para a meta da salvação: a construção do Reino.

O sacramento do Batismo incorpora a Cristo e à Igreja, investindo cada cristão na grande vocação do Povo de Deus. Ser leigo, tornar-se padre e fazer-se religioso significa assumir uma maneira especial de se colocar a serviço da vocação comum e colaborar na missão da Igreja. Todas as “vocações” estão radicadas na única “vocação” fundamental e por ela são iluminadas. Isto tem especial importância para a construção do projeto da nossa pastoral vocacional.

Quando falamos de “vocações”, decerto nos referimos especialmente às dos vários grupos de vida consagrada, do sacerdócio ministerial ou de um laicato explícita e concretamente empenhado. Se de um lado não basta, para cuidar dessas vocações, apresen­tar somente a vocação batismal de fundo, pois se deve fazer compreender a indispensa­bilidade de ministérios, de testemunhos e de serviços precisamente para poder realizar a missão comum, por outro lado, porém, é precisamente no Batismo — sacramento da fé — que se encontra a razão substancial de toda vocação cristã, e é de aí — ou seja, do cuidado da comum vocação cristã — que se deve projetar toda a atividade em favor das vocações. Em outras palavras: para nós, o cuidado das vocações inclui-se constitutivamente na própria pastoral juvenil, com a qual entendemos educar os jovens na verdadeira fé cristã. Ninguém pode educar um jovem na fé sem desenvolver nele a vocação funda­mental do Batismo.

Podemos também ir além e afirmar que a existência de cada pessoa é uma vocação. Cria­da para viver “à imagem e semelhança de Deus”, a pessoa é chamada a colaborar, em comunhão de destino, com os outros homens numa histó­ria que leva todo o mundo à meta do Reino.

O Concílio aprofundou os conceitos de “mundo” e de “Igreja”, superando a dicotomia entre “profano” e “sagrado”. Mundo e Igreja convergem numa única história orientada, de fato, à construção do Reino; não são mutuamente estranhos, mas se unem (embora em si um seja profundamente diferente da outra) numa existência histórica concreta e comum; o mundo à maneira de “massa”, a Igreja à maneira de “fermento”. “A Igreja – afirma o Concílio –, enquanto ela mesma ajuda o mundo e dele recebe muitas coisas, tende a um só fim: que venha o Reino de Deus e seja instaurada a salvação de toda a humanidade”.7

Nessa visão conciliar, pode-se afirmar que a Igreja (com sua vocação cristã) é para o mundo, mas também que o mundo (com sua vocação humana) é para a Igreja. Por diferen­tes razões, é claro. Distinguindo, com efeito, na Igreja seu duplo aspecto de “instituição de salvação” e de “início do Reino”, deve-se reco­nhecer que como “instituição de salvação” a Igreja é totalmente para o mundo — ou seja, está voltada operativamente para a salvação do homem —; mas que, como “incoação do Reino”, a Igreja é a verdadeira meta à qual tende o devir do mundo, todo ele encaminhado historicamente para uma nova criação.

Assim a dimensão vocacional numa váli­da educação cristã tende simultaneamente a desenvolver tanto o significado humano da existência de uma pessoa como o seu ingresso na órbita da fé mediante o Batismo e os compromissos ulteriores.

Por isso, a vocação e as vocações cristãs especiais não são estranhas ou antitéticas à vocação existencial da pessoa; são, antes, uma sua explicitação qualificada para um resultado positivo da história. Ser “cristão” e, depois, tornar-se “padre”, ou “consagrado” para teste­munhar as bem-aventuranças, ou “leigo” par­ticularmente engajado, significa realizar uma tarefa vital da Igreja a serviço do mundo para atingir a grande meta do Reino.

A vocação do Povo de Deus e as vocações específicas que põem em ação seus dinamis­mos aparecem objetivamente e, na história, não como uma fuga do campo de batalha ou uma alienação, mas como um empenho dos mais responsáveis pela vitória do bem; não são um refúgio antimundano para salvar a própria alma, mas a colaboração generosa com Cristo para levar o homem à plenitude das suas potencialidades. O mundo sem Cristo levaria à derrocada global da história; a vocação e as vocações nasceram para evitá-la. Não há nada mais precioso para o decurso da história humana do que a vocação de Cristo e as vocações dos seus discípulos.



Nova perspectiva da pastoral juvenil



Se olharmos para Dom Bosco e para as finalidades estabelecidas para a nossa Con­gregação, veremos que a perspectiva voca­cional está no centro das preocupações educativas. De fato, as Constituições dizem que “cultivamos de modo particular as vocações apostólicas”8 como uma das finalidades que guiam a missão salesiana.

Ao tratar dos nossos “destinatários”, afirmam que entre os jovens privilegiados pela missão salesiana estão os que apresentam germes de vocação apostólica;9 além disso, dizem ser a orientação vocacional indispensável nos planos educativos como conteúdo e serviço a todos os jovens.10

O CG23 considera justamente a “comunidade salesiana” como sujeito global do trabalho vocacional; ela envolve cada um dos irmãos em comunhão operativa com o Inspetor e o Diretor, segundo um acurado projeto educativo-pastoral em nível inspetorial e lo­cal. É um projeto de pastoral juvenil para a educação da fé, todo impregnado de uma eficaz orientação vocacional.

É evidente que, ao enfrentar hoje os pro­blemas da “nova evangelização” e da “nova educação”, haverá que considerar não poucas novidades na elaboração do projeto de pastoral juvenil e também da orientação vocacional; por isso é necessário dedicar-lhe atenção e tempo, com desvelo e predileção.

Não basta continuar simplesmente com a metodologia pastoral do passado; há urgên­cia de nova reflexão comunitária e de inte­ligente criatividade na busca de iniciativas no campo vocacional. Pode-se dizer que a medida de uma verdadeira pastoral juvenil é a sua consistência vocacional! Se não se formar a vocação cristã comum nem se cul­tivarem vocações especiais para o seu serviço, tornar-se-á estéril toda a educação dos jovens na fé!

Vê-se, então, que é mais do que urgente, entre nós, que nos dediquemos ao cultivo das vocações específicas para os grupos da Família Salesiana, de modo especial das que se ori­entam para nossa Congregação: de clérigos e de coadjutores. A parábola do semeador deve abrir-nos o coração à esperança.

Surgiram, é bem verdade, novas e nume­rosas dificuldades, mas também consoladores motivos de recuperação. Os tempos tornaram-se particularmente difíceis, mas o poder do Espírito do Senhor é mais forte que as difi­culdades; e nós com toda a razão chamamos a Virgem Auxiliadora de “a Senhora dos tem­pos difíceis”.

Vamos ver em que sentido o horizonte se tornou mais escuro hoje para as possibilidades vocacionais.



Desafios do contexto atual



Não duvidar que existem hoje contex­tos que tornam difícil o nascimento e o crescimento das vocações. um emaranhado de condicionamentos negativos, mesmo que acompanhado de novas possibilidades, que exige nossa atenção comunitária e a criação de um projeto de ação sistemática — não apenas ocasional — para respostas novas e apropriadas, que não sejam apenas repetições de modalidades que perderam incisividade.

Os contextos são diversificados segundo as regiões, mas convém não esquecer que vai crescendo, um pouco por toda a parte, um tipo de cultura com notas universais. Algumas dificuldades que em breve vamos enumerar estarão presentes mais num do que noutro lugar, mas a consideração delas leva em toda a parte a reflexões úteis na elaboração de um projeto para a orientação vocacional.



Começamos pela secularização da soci­edade, que se espalha como mancha de óleo no mundo.

Até agora, muitas expressões sociais e culturais estavam impregnadas de uma dimensão religiosa. Foi crescendo, entretanto, a irrelevância social do que é religioso, que torna mais difíceis e longos os ritmos da maturação da fé, quer como conhecimento dos seus conteúdos, quer, ainda mais, como prá­tica de vida.

Ser cristãos — ou seja, viver a opção batismal — numa sociedade pluralista torna-se socialmente uma modalidade entre tantas outras, com o mesmo direito de cidadania. Pode surgir, então, um clima de relativismo, de ofuscamento dos ideais tradicionais, de perda do sentido da vida. Muitos jovens parecem flutuar à deriva num barco sem bússola. Perdem a perspectiva do transcen­dente, que é o alicerce da fé, e se fecham em pequenas respostas sobre o sentido da vida, absolutamente insuficientes para os grandes anseios do coração humano. As próprias res­postas que a ciência entende oferecer-lhes tornam-se carentes na ótica da busca de significado, porque não se referem à finalida­de última da vida e ao sentido global da história.

Urge fazer sentir a necessidade de experi­ências de silêncio e de reflexão, de escuta do mistério e de oração, de encontro com os eventos verdadeiramente significativos da existência para meditá-los nos profundos refolhos do espírito.



Outra dificuldade é provocada pela multiplicidade das mensagens, com abundância de propostas, fundadas em concepções filosóficas e religiosas diversas, somada a uma aceleração das mudanças em quase to­dos os campos do social: política, economia, ciência, ética, estilos de vida. A apresentação de tantas mensagens, contrastantes até, tor­na particularmente difícil o discernimento vocacional. Segue-se uma concepção de liber­dade como “possibilidade nunca fechada de novas opções”, que traz consigo uma marcante indecisão ante opções definitivas; é fácil, tal­vez, a generosidade por tempos limitados, mas se torna verdadeiramente pesado o “para sempre”, porque as contínuas transformações poderiam reservar outras novidades mais apetecíveis à escolha.

Nesta atmosfera móvel podem dar-se duas reações extremas: em muitos o “indiferentismo” — porque nenhum ideal se­ria objetivamente entusiasmante —; e em alguns a atitude de reação quase visceral denominada “fundamentalismo” — ou seja, uma sofreguidão por recuperar as certezas perdidas, mediante a afirmação voluntarista de antigas modalidades de julgamento — sem abertura às exigências objetivas dos sinais dos tempos.

Nem o indiferentismo nem o fundamenta­lismo são um clima favorável a uma orientação vocacional salesiana.



Outra dificuldade ainda é constituída pelo dado cultural do prolongamento da idade juvenil, em virtude do qual costumam ser adiadas as decisões pessoais. As fases tradicionais da iniciação cristã, consideradas ontem como momentos privilegiados para um proje­to pessoal de fé, são, não poucas vezes, coloca­das em tempos inadequados e insuficientes. De feito, as situações que determinam a orientação na vida (ingresso no mundo do trabalho, universidade, etc.) ocorrem mais além da adolescência, numa idade mais avan­çada. As experiências e os conteúdos evangé­licos da iniciação cristã conservam absoluta­mente toda a sua importância, mas já não cobrem, pelo menos sistematicamente, a ida­de juvenil. Destarte, os “jovens” de certo modo não são acompanhados de maneira específica justamente quando se acham ainda em plena evolução, nos anos em que se dispõem a fazer opções existenciais.

Eles têm, por outro lado, um nível cultu­ral mais elevado, tanto no campo dos estudos como nas experiências, pelo que precisam de um acompanhamento mais adequado e, além do mais, oportunamente diversificado.

Por isso, o discurso da orientação vocacio­nal deve ser muito mais consistente e convin­cente, o testemunho mais nítido, as propostas mais concretamente válidas. E isto certamen­te desafia a capacidade das nossas comunida­des de dialogar com os jovens para o amadu­recimento da fé em projetos de vida.



Outra questão que pode também impli­car dificuldades parte de um fato de per si muito positivo, mas nem sempre iluminado plenamente nos seus significados. E o que poderíamos chamar dos temas geradores: são valores novos que soem entusiasmar hoje os jovens, como a paz, a solidariedade, a justiça, a ecologia, a mundialidade, a subjetividade, etc. Eles abrem um horizonte fascinante, mas que poderia interessar a consciência somente com perspectivas horizontais, favorecendo uma atitude de temporalismo que se torna presa fácil de instrumentalizações, de modas, de ideologias, que em prazo não muito longo provocam desilusão e mal-estar.

A orientação vocacional não deve fugir desses “temas geradores”, mas deve saber iluminá-los com o valor supremo e absoluto em que se ancora toda opção de fé. É indispensável vincular estes temas à pessoa de Cristo, o único verdadeiro Libertador: sua ressurreição, que o faz Senhor da história, é a maior novidade de todos os tempos.



Não há esquecer, por fim, entre as dificuldades atuais, uma disseminada perda de apreço social (pelo menos no ocidente) em relação às vocações eclesiásticas. A crise sacerdotal e religiosa destes últimos decênios introduziu, em vários ambientes, desafeição e suspeitas. Nossas comunidades também nem sempre apresentaram um semblante acolhe­dor e apostólico, não proclamaram com clare­za e entusiasmo a identidade do próprio projeto evangélico de vida, não souberam propor espaços de protagonismo ao empenho cristão dos jovens.

Por isso a relação com a vocação e as vocações em vez de ser envolvente tornou-se até fraca, menos propositiva, chegando a converter-se, mais de uma vez, em silenciosa passividade.

É evidente que, neste caso, é mister reagir com todas as forças: converter-se. Sem teste­munho de vida, qualquer cuidado válido das vocações morrerá.

Desta maneira, a multiplicidade das dificuldades e dos problemas vem indicar-nos a urgência e indispensabilidade de atenta e nova reflexão comunitária sobre a orientação vocacional para, depois, saber elaborar itine­rários concretos de acompanhamento, que devem ser continuamente submetidos a ava­liações.



O despertar do transcendente e itinerários que devem ser elaborados



As dificuldades não são poucas, mas há também sinais promissores de retomada. O horizonte religioso dos jovens está assinalan­do um despertar e novas possibilidades. Não é uma retomada universal nem totalmente clara; apresenta-se marcada por certa ambi­valência, mas se abre de forma crescente à busca de um horizonte de transcendência. O evento Czestokowa (agosto de 1991) foi sig­nificativo e é promessa de multiplicação de uma juventude que descobre com entusiasmo contagiante o mistério de Cristo.

Cresce entre não poucos jovens a estima da experiência religiosa, como qualidade no­bre da existência humana. Ela se mostra, é verdade, fortemente subjetivada, mas é uma abertura preciosa à transcendência.

Intensifica-se também uma constante procura de sentido que se manifesta sobretudo em grupos bem unidos e bem motivados; isto estimula também em outros a disponibilida­de para momentos de reflexão e espirituali­dade. É sempre mais partilhada a partici­pação em iniciativas de solidariedade de vá­rios tipos, também de caráter apostólico. Vê-se, em suma, que se está espalhando um clima de novidades abertas ao Evangelho. Ele traz consigo, de forma quase conatural e, pois, facilmente aceita, um conjunto de in­terrogações vitais justamente sobre o sentido da vida.

Nesse clima, não é difícil inserir o tema da orientação vocacional. Não são poucos os jovens que se deixam interpelar, e se a pro­posta é introduzida com sensibilidade e simpatia para as novidades positivas acima in­dicadas, desperta verdadeiro interesse.

É também possível pensar que a atual crise das vocações esteja ela mesma ligada aos sinais dos tempos e seja, portanto, per­mitida por nosso Senhor a fim de despertar nas comunidades cristãs uma dinâmica de conversão, de criatividade e de inovação que adapte o cultivo das vocações aos desafios socioculturais.

Nenhuma concessão, pois, ao descompromisso nem ao desânimo, mas von­tade de intensificar a orientação vocacional dentro de uma pastoral juvenil renovada, centrada em objetivos apropriados aos tem­pos!

Alguns pontos de referência sugeridos pela situação religiosa que estamos vivendo e que devem ser privilegiados são os seguintes:

a apresentação do mistério de Cristo como valor histórico central, acessível a cada um mediante uma vida inspirada nos valores evangélicos de amor, serviço, austeridade, universalidade;

o atrativo da experiência fraterna de grupo, como um modo de introduzir-se na comunhão eclesial;

o apreço para com ideais de serviço como a opção preferencial pelos pobres, a busca da justiça, a coragem da não-violência, as iniciativas pela paz, etc.;

o desejo de protagonismo com a assunção de responsabilidades concretas visando a projetos socialmente úteis;

a experiência do voluntariado com as suas exigências de organização e de sacrifício.

A possibilidade de propor com eficácia aos jovens de hoje um compromisso cristão que deve ser desenvolvido num itinerário voca­cional está ligada, antes do mais, à nossa genuína espiritualidade, como pessoas e como comunidade, de maneira que exprima de forma transparente o valor da vida em Cristo. De aí derivará a qualidade da educação dos jovens na fé, ao que será preciso acrescentar um cuidado atento e constante para com os que demonstram sinais de vocação especial.

Espiritualidade”, “qualidade pastoral” e “acompanhamento vocacional” são três aspectos necessários e inseparáveis. Vindo a faltar um só deles, o itinerário vocacional se torna estéril.

Parece-me, por isso, oportuno indicar al­guns pontos práticos que exigem nas casas um esforço renovado a fim de aplicar conve­nientemente as diretrizes do último Capítulo Geral.

Para tanto, porém, será mister, antes do mais, ter presentes alguns princípios fundamentais, que constituem a constelação ori­entadora de todo empenho vocacional.

O primeiro de todos é que qualquer voca­ção é iniciativa de Deus e dom do seu amor. Deve-se, pois, apoiar toda a ação na oração, sem jamais esquecer sua natureza “espiri­tual”.

À iniciativa de Deus é preciso acrescen­tar a indispensável parte ativa do jovem em todo o processo vocacional. É ele, pessoalmen­te, o sujeito do diálogo com o Senhor e das decisões que se devem tomar. De aí a impor­tância de saber iluminar a sua liberdade e promover sua capacidade de reflexão e busca.

E ainda a necessidade de apropriadas mediações educativas, tanto de pessoas como da comunidade. Propor e chamar pelo nome é próprio do bom educador que sente ser medi­ação escolhida por Deus para revelar ao jovem um nobre projeto.

Estes princípios devem ser considerados atentamente no caminho vocacional que se quer percorrer junto com os jovens. Eles convidam a nos dedicarmos, pessoal e comunitariamente, à cuidadosa revisão da orientação vocacional na pastoral juvenil das obras.

Eis, então, alguns pontos concretos sobre os quais deve concentrar-se a atenção e a elaboração de projetos.



Ser comunidade que apresenta proposta



Um primeiro ponto é o sublinhado vigoro­samente pelo CG23: a comunidade salesiana como “sinal” e “escola de fé” e “centro de comunhão e participação”. Ela é, concreta­mente, o lugar e a forma de vida a que é convidado o jovem vocacionável. E uma me­diação privilegiada. Torna-se, no seu dia-a-dia, apelo que ajuda a ouvir de perto, a acolher e interpretar o chamado interior do Senhor. Oferece ao jovem referências concretas para realizar o seu desejo de doação. Põe à sua disposição um tecido de relacionamentos, impregnados de trato familiar e de empenho, e um ambiente de partilha em que o jovem pode viver e desenvolver melhor a própria fé, sentir o fascínio atraente da missão, conse­guindo outrossim compreender que os defei­tos, dos outros e próprios, não são obstáculo à realização de um projeto de vida autentica­mente vinculado a Cristo e evidentemente eficaz para fazer o bem.

Mas a comunidade não pode ser somente um “tema” para ser tratado com os jovens quando se fala de vocação; deve ser uma realidade viva e partilhada. Vem de aí a necessidade de cultivar muitas modalidades concretas das nossas expressões comunitári­as, religiosas e apostólicas. Para tal fim, conviria insistir em vários aspectos da con­vivência salesiana já abundantemente ex­postos em outros documentos: não será difícil voltar a considerá-los em comunidade, so­bretudo o da espiritualidade.11 Destacamos aqui apenas alguns.

Um primeiro aspecto que deve ser consi­derado com concretude renovadora é o de concentrar a atenção sobre o que caracteriza a nossa comunidade, ou seja, sobre a vitalidade da missão juvenil. A comunidade é chamada a criar e animar um “ambiente” e uma mais ampla “comunidade educativa” onde os jovens entram em contato entre si e com adultos cristãos que têm consciência da opção batismal, ou seja, da vocação como Povo de Deus. O ambiente se tornará terreno fértil para as sementes de vocações particu­lares se envolver os jovens na participação ativa na missão comum de todos na Igreja, oferecendo possibilidades de diálogo sobre os problemas da evangelização hoje, qualificando-se com iniciativas capazes de fazer uma síntese entre crescimento humano e compro­misso cristão, e propondo-se como centro de agregação e irradiação no território para criar solidariedade e sentir-se protagonistas diante de necessidades concretas. Entra aqui em jogo a participação na vida da Igreja local (paróquia, diocese, conferência episcopal), que projeta a missão de Cristo sobre todos os habitantes do território e também sobre co­rajosas iniciativas missionárias. No ambien­te eclesial local, o convite de compromissos vocacionais específicos encontra uma ex­pressão mais compreensível e uma atenção mais disponível. Falam as suas propostas de bem para com os vizinhos e os distantes, falam as suas mensagens sobre o sentido da vida, falam também as experiências religio­sas de oração, meditação e ardor apostólico, falam os seus lugares de encontro, os seus sinais, as pessoas que a representam.

Não é difícil, assim, fazer uma compara­ção entre a força de apelo da Igreja e outras sugestões mundanas, cuja validade na busca de sentido é objetivamente irrelevante. A Igreja supre e remedeia os limites de teste­munho e de incisividade apostólica dos edu­cadores. Os jovens descobrem que no mistério global da Igreja há uma energia de vida maior do que a que expressam os vários agentes. Sentir e agir com a Igreja é, pois, no que diz respeito aos fins vocacionais, um caminho de grande eficácia que deve ser levado em consideração nas nossas comunidades.

Não poucas casas, pelo menos nestes últi­mos anos, fizeram uma experiência positiva ao acolher algum jovem vocacionável que passa a partilhar a oração comunitária, a corresponsabilidade apostólica, a fraternidade, a alegria de viver como salesiano. Trata-se de uma iniciativa tomada também por outras congregações, masculinas e femininas, contemplativas e ativas. Ela não pode evi­dentemente ser proposta como primeira fase do processo vocacional. Mas é certamente oportuna para aqueles que já manifestam intenções precisas e capacidade, e mostram poder participar de maneira responsável de um estilo comunitário de convivência. Isto ajuda também a dar a medida do confronto e da revisão a que se devem submeter as comunidades.

Em suma, somos convidados a ver na própria comunidade o sulco, o húmus em que se deita e germina a semente das vocações. O jovem vê nos gestos da comunidade e nas atitudes dos seus membros, nos valores que ela exprime, na sua tensão apostólica e, sobretudo, na sua espiritualidade de seguimento do Cristo, as substâncias nutritivas que ga­rantem um crescimento vigoroso e sereno dos germes do batismo.



Personalizar” o itinerário de fé



A graça do Batismo traz dentro de si por conaturalidade o dinamismo vocacional, mesmo o das vocações especiais. A própria fé é vocação: Deus chama, e o batizado respon­de. Há dom e acolhida, convite e aceitação, proposta e projeto.

Esse diálogo de fé vai tomando expressão concreta à proporção que o crente vai aden­trando a própria existência e se incumbe da história da salvação. De aí brotam os motivos e a energia para as opções mais radicais de compromisso. Quando a fé batismal não é cuidada e não vai amadurecendo, não só é descurada a vocação, mas nem sequer flo­rescem as vocações.

Mas quais as condições de nascimento, manutenção e crescimento da fé nos jovens de hoje? Já indicamos alguns fenômenos que lhe dificultam o amadurecimento.

O CG23 vê a resposta a esta complexa situação num “caminho” gradual que ponha em comunicação contínua a vida dos jovens e o sentido da fé. O documento capitular inspira-se no ícone de Emaús: caminhar em compa­nhia de Jesus.

A imagem do caminho sugere a elabora­ção de itinerários nos quais se inclua um acompanhamento pessoal, sobretudo para os jovens mais adiantados no amadurecimento da fé. É necessário que os valores e as propostas sejam interiorizados por eles de modo que se tornem, a partir do íntimo dos seus corações, “luz” clara para se orientarem e “energia” verdadeira para progredirem. Encetar um caminho significa tomar em consideração os pontos de partida de cada um dos sujeitos, mas também não se deter em metas intermédias ou mínimas ao alcance de todos. Exige, ao invés, sentir-se empenhados em progredir sempre mais com quem tem forças, apresentando novas metas até uma espiritualidade pessoal sólida e coerente.

A fim de “personalizar” um itinerário, dever-se-á fazer interagir no ambiente tanto as propostas de base para os que começam como as mais exigentes, conforme as possibilidades das pessoas e dos grupos.

Não faltam, por vezes, nas nossas pre­senças, apelos explicitamente vocacionais, quem sabe até abundantes, mas a resposta é pequena, ao passo que se podem ver outras experiências eclesiais com melhores resulta­dos. Uma chave para superar a esterilidade é certamente a “personalização” do crescimen­to da fé. Quando não se predispõe e não se acompanha a pessoa para que ouça a voz do Senhor, as propostas e as mediações se tor­nam ininterpretáveis. Eis por que considera­mos urgente verificar a consistência da edu­cação da fé que oferecemos aos jovens. E preciso ir mais além do trabalho de massa (conquanto válido e indispensável) e acom­panhar cada um de acordo com o nível que atingiu.

A diversidade de progresso dos jovens neste caminho requer um diálogo concreto com cada um de nós. Devemos procurar que se desenvolva o mais possível. Ele é vital em todo o sentido: como batizado que dialoga com Cristo, como protagonista das próprias deci­sões, como observador inteligente em busca de discernimento. Propor um itinerário é ajudar a passar do desejo vago e da primeira informação sobre a fé à iniciação sistemática do mistério de Cristo e da Igreja, e desta a uma espiritualidade concreta e orgânica.

Personalizar” significa também envolver de maneira mais direta, passando de valores evangélicos em geral à responsabilidade de contato e de diálogo com Cristo, até a uma verdadeira amizade com Ele e à partilha consciente, conquanto gradual, com sua mis­são no mundo.

Justamente na perspectiva de ajudar a percorrer um itinerário para a fé madura, urge dar mais importância à experiência sacramental com Cristo para pôr sólidos fundamentos de convicções e atitudes evangéli­cas.

As vocações especiais nascem de uma “opção por Deus”; por vezes e excepcionalmente ela pode ser instantânea como um raio, mas normalmente é calma e prolongada, seguindo um processo lento e maturativo.

Requer-se o esforço pedagógico de ilumi­nar o jovem com a Palavra de Deus, com a experiência dos sacramentos, com o contato de comunhão com outros crentes. Isso implica planejamento de oração, purificação ascética, vida eucarística.

A generosidade espontânea, a vontade de consumir-se pelos outros, a simpatia pelos valores evangélicos podem logo esgotar-se caso não sejam integrados num itinerário pessoal coerente, que leve a colocar o mistério de Cristo no centro da própria existência.

Se, por conseguinte, é verdade que um itinerário de orientação vocacional compreende vários aspectos, todos eles importantes para uma resposta plenamente consciente, é igualmente verdade que o segredo de tudo está no encaminhar a liberdade do jovem para crescer numa espiritualidade conscien­te.

Aqui é que não se devem absolutamente errar os cálculos e onde se devem concentrar os esforços da comunidade e de cada educa­dor.



Cuidar das experiências de amadurecimento



A avaliação dos esforços vocacionais feitos na Congregação nos últimos anos revela que ao longo do caminho de fé se encontram momentos particularmente fecundos: são como oásis benéficos, como estações de reabasteci­mento, como cimos de montanha de onde se descortinam panoramas novos. Os jovens le­vados a eles descobrem de maneira mais incisiva as características de um projeto de vida com Cristo e se sentem atraídos pela beleza, pela novidade e pela profundidade. Tais momentos constituem uma espécie de ermo, um como deserto, longe dos ruídos da cidade, onde é mais fácil encontrar “experiên­cias fortes” que atingem a pessoa profunda­mente. Agradavam a Jesus também e aos seus discípulos. Respondem ao desejo, por parte dos jovens, de ter contato direto com o transcendente, de lançar o olhar ao imenso firmamento do céu muito acima das luzes de néon e dos letreiros de propaganda das ruas da cidade.

Na carta circular sobre “Carisma e ora­ção”,12 eu sublinhava como os Movimentos eclesiais atraem pela capacidade de envolvimento pessoal, de empenho de fé e de partilha consciente. O balanço do Movimento juvenil salesiano animado pela nossa espiritualidade também é objetivamente positivo nesse sen­tido. Será mister saber incrementar as ex­periências de amadurecimento, dando profundida­de e consistência aos elementos que as cons­tituem e fazendo com que tenham sequência na vida e não se limitem a intervalos espo­rádicos.

Vamos lembrar algumas destas experiên­cias de amadurecimento.



Uma delas é, decerto, a que se chama “escola de oração”: aprender a ouvir a Deus e a dialogar com Ele. A oração e a oração mental são expressão genuína da fé. Fazem passar da periferia da própria existência ao interior da vida, onde a pessoa encontra a si própria, descobre o significado da própria subjetividade com a sua dimensão transcendente e social. Não se trata de tirar importância às práticas de oração no conjun­to do ambiente, mas de fazer emergir a indispensabilidade de um aprendizado e de uma experiência vivida e sentida de forma pessoal.

É certamente um bem que tais experiên­cias de oração e as escolas da Palavra estejam se multiplicando entre a juventude. Trata-se de tempos, de lugares, de grupos que servem para abrir-se à voz do Espírito que habita em nós, para aprender as diversas formas de diálogo com o Senhor, e sentir-se impregna­dos da verdade de salvação. Os jovens os procuram como ocasião privilegiada de sínte­se interior e aprofundamento de sentido.

Desses momentos, bem preparados, flui um sinal positivo de fecundidade vocacional. Em mais de um caso, a própria temática desses momentos pode ser explicitamente vocacional, também no sentido da radica­lidade evangélica. Da oração passa-se espontaneamente ao diálogo de discernimento e à direção espiritual. Desta sorte, os centros de oração se tornam também, de fato, centros de orientação vocacional em complementaridade com as demais iniciativas do caminho.



O cultivo atento dos “tempos fortes” é também particularmente de amadurecimento. Ele está bem próximo às escolas de oração, mas se distingue delas. É mais tradicional entre nós e costuma ser experiência de conversão e retoma­da. Os frutos das casas de retiro ou de espiritualidade juvenil, que surgiram nos últi­mos decênios em muitas Inspetorias, foram muitos e encorajadores, sobretudo quando es­sas casas foram organizadas não simplesmente como lugares de hospitalidade, mas como cen­tros espirituais com uma equipe eficiente de orientação, de oração e de especial celebração da revisão de vida para a reconciliação. Elas oferecem, de modo particular, o aprofundamen­to e a frequência do sacramento da penitência, que exerce extraordinária importância na orien­tação vocacional.



Outra experiência de amadurecimento se en­contra em iniciativas várias de serviço e de apostolado. Se, superando a tentação do sim­ples ativismo, elas forem tomadas por moti­vações de fé e de solidariedade evangélica, abrem os jovens às grandes necessidades do povo e da Igreja e fazem perceber a força do amor de que Cristo deu testemunho.



Também a animação de ambientes ou de atividades, os vários empenhos de tipo cultu­ral e social, o voluntariado na pátria ou no estrangeiro, a colaboração nas missões, etc. são oportunidades e estímulos para uma reflexão sobre o empenho da própria existên­cia com aberturas de fraternidade. Em todas estas iniciativas, o acompanhamento pedagó­gico e espiritual é indispensável se se quiser que seu exercício se torne processo de cresci­mento e não se esgote numa generosidade transitória.


Importante iniciativa de amadurecimento é a do “grupo”: é uma experiência privilegiada, que assu­me também algumas das iniciativas anterio­res e as coloca num contexto de partilha, de protagonismo de conjunto e corresponsabilidade.

Os grupos podem ser de tipo diferente, mas devem estar repassados de uma atmosfera espiritual; vale a pena apresentar como particularmente fecundo, entre nós, os do Movimento juvenil salesiano e dos Jovens Cooperadores. As estatísticas confirmam o que já se observa a olhos vistos sobre a incidência da experiência de grupo no que respeita ao nascer das vocações. Não, porém, como dizia, de qualquer grupo, mas dos que desenvolvem a consciência de pertença, sen­tido de eclesialidade, radicação na fé e tensão apostólica.

Convergem, de fato, na atividade desses grupos diversos fatores de amadurecimento vocacional. O ver e julgar juntos, o realizar atividades bem organizadas criam um hábito de atenção e de discernimento. A ação apostólica, especial­mente, treina para a doação, põe em contato com as situações dos necessitados. O encontro pessoal com os animadores (padres, religiosos, leigos e os próprios jovens mais responsáveis) fortalece a possibilidade de escolha.

Todo grupo empenhado torna-se, desta sorte, “vocacional”, não somente em sentido geral por cultivar a pertença e a participação ativa na opção batismal, mas também em sentido específico porque oferece itinerários de esclarecimento e de experiência inicial.

Não foi por acaso que o CG23 dedicou uma orientação operacional em favor do “grupo”,13 destacando a incidência da dimensão associativa sobre o amadurecimento da fé.14

É preciso agir neste campo. Nele se re­cupera um aspecto oratoriano vital da nossa pastoral juvenil.



Saber chamar e acompanhar



O testemunho silencioso e o convite im­plícito nem sempre são suficientes para despertar as vocações. O testemunho de Jesus era muito transparente, seu fascínio era grande, entretanto Ele lançou o apelo direto e a proposta pessoal a cada um dos apóstolos.

O Papa e as sugestões do magistério dos Pastores falam explicitamente da “coragem de chamar”. Também o nosso CG21 já convidava a “ter a coragem de apresentar aos jovens também as vocações de maior empenho”.15

Houve, lamentavelmente, e talvez persis­ta ainda em alguns a dúvida ou a negligência de querer expressar abertamente, de forma oportuna, o convite pessoal. Deixar de fazê-lo torna-se de fato um pernicioso “silêncio vocacional”. Poder-se-ia também falar de co­vardia ou inconsciência em relação ao próprio ministério, porque um jovem cristão tem objetivamente o direito de conhecer as pro­postas vocacionais da Igreja. Costuma-se dar como desculpa dessa atitude acomodada o respeito pela liberdade: as decisões vocacio­nais deveriam amadurecer sozinhas. Mas isto é uma racionalização irresponsável. Je­sus e a Igreja não ensinam assim. Lembremos também os convites concretos que Dom Bosco fazia e a sua dedicação incansável em atender as confissões dos seus jovens, especialmente das últimas classes, mesmo quando já idoso e doente. Pensemos na forma extraordinária com a qual Dom Bosco chamou Felipe Rinaldi; um caso excepcional, certamente, que revela, entretanto, uma sua metodologia ordinária a respeito, empregada sempre com agudo dis­cernimento.

A coragem de chamar provém da fé, da paternidade espiritual, da convicção da beleza e da indispensabilidade da missão de Cristo na história, do conhecimento íntimo do can­didato. “Chamar” é a nobre atitude de quem oferece um grande valor, de quem se preocupa em elevar a maturação do jovem convidado, de quem se sente preocupado com o maior bem da sociedade e da Igreja.

Essa coragem já se expressa, de forma genérica, numa atividade vocacional orgâni­ca, que se tornou parte viva da pastoral juvenil. Ela se dirige num primeiro movimento a todos, mas tende de fato a concentrar progressivamente a atenção e os cuidados diferenciados com aqueles que demonstrarem sinais específicos.

Neste sentido nos orienta o CG23 quando indica16 as fases do crescimento vocacional do jovem: descobrimento dos próprios recursos,17 treinamento para a generosidade,18 anúncio vocacional,19 proposta explícita,20 discernimento21 inicial.22

O apelo à coragem da proposta é dirigido não somente ao Diretor, mas também aos irmãos. Supõe em cada um vigilante obser­vância e familiar convivência para descobrir os sinais do chamado e saber iniciar (ou fazer iniciar) um diálogo pessoal. “Não tenham medo de chamar”, disse-nos o Papa. A nova estação vocacional está marcada por um cli­ma de lealdade cristã e de franqueza em apresentar aos jovens as vocações de especial empenho. Muitos deles não conseguiriam in­terpretar a voz do Senhor se não fossem ajudados com uma proposta explícita. Hoje, infelizmente, a desinformação a respeito do sacerdócio ministerial, da vida consagrada e de outras formas de especial empenho torna difícil um conhecimento objetivo da sua im­portância social e eclesial. Podem parecer aos jovens como distantes de sua existência e até estranhas à cultura emergente. Assim, mui­tas disposições generosas ficam sem se ma­nifestar, mesmo diante de testemunhos muito válidos. Por isso é necessário mostrar de maneira convincente os espaços e os modos que garantem a extraordinária validez das vocações especiais para o futuro e fazê-las reflorescer.

Prescindir da proposta seria uma forma ultrapassada de renúncia ao próprio ministério pastoral e educativo. O Senhor coloca no nosso caminho meninos e jovens com admi­ráveis disposições, já cultivadas — mais de uma vez — pela família e amadurecidas na primeira catequese. Uma amizade educativa, uma convivência de busca, um pedido de direção espiritual, a partilha de algum com­promisso apostólico colocam-nos na invejável oportunidade de coroar a obra com uma adequada proposta pessoal.



À coragem da proposta é preciso, depois, acrescentar o cultivo e a programação de um “acompanhamento” constante e amigável. No documento final do 2º Congresso internacio­nal para a vocações (1981) se afirma que “quando um jovem ou uma pessoa adulta adverte o chamado divino e pediu e recebeu conselho, sente a necessidade e a utilidade de uma ajuda e de um guia para encontrar com clareza cada vez maior seu caminho e segui-lo: é o problema do acompanhamento”.

Além de organizar, onde possível, ambi­entes particularmente adequados (aspirantados renovados, comunidades-proposta, etc.), tornou-se sempre mais indispensável (às ve­zes como única possibilidade, por causa de certas exigências locais, culturais, familiares, idade e circunstâncias) o acompanhamento pessoal antes do pré-noviciado.

Os critérios adequados a este serviço de­vem ser combinados e partilhados comunitariamente, para evitar o risco de arbitrariedade e de individualismo sobre aspectos que são substanciais no desenvolvimento de uma vo­cação.

Deve-se procurar a convergência e o acordo sobretudo em atenção a três exigências: a autenticidade e a consistência das motivações, o enfoque correto da vida espiritual e a capacidade de relações. Seguir critérios di­vergentes na resposta a essas exigências será prejudicial — antes ou depois — ao amadure­cimento vocacional de tipo salesiano.

O acompanhamento deverá também aju­dar a superar os eventuais limites da formação cristã de base que em vários candidatos pode mostrar-se falha, quer do ponto de vista dos conhecimentos necessários quer do da prática cristã de vida. Um acompanhamento sadio saberá também fazer superar a perniciosa tendência a adiar continuamente a própria decisão; a volubilidade e a indecisão — tão fáceis hoje — levam insensivelmente ao abandono das metas.

Numa palavra, o acompanhamento é ta­refa delicada, mas muito incisiva. Com ele é que se consolidam alguns dinamismos-chave para o processo vocacional ulterior.

Na elaboração inspetorial do Projeto educativo-pastoral, convirá confiar um espa­ço também aos critérios que devem guiar a pedagogia do acompanhamento, os objetivos colimados e a gradualidade do roteiro que se deve seguir.





Conclusão: os primeiros responsáveis



Ao concluir estas reflexões, vejo a impor­tância, queridos irmãos, de acrescentar ainda uma palavra sobre três fatores que se mostram vitais para a nossa pastoral vocacional: o papel do Inspetor, a responsabi­lidade do Diretor e o contato com a família dos candidatos.

No papel do Inspetor (com o seu Conse­lho), o exercício do ministério pastoral está ligado conaturalmente com o empenho vocacional. É, de fato, aspecto vital da sua animação e governo garantir o futuro do carisma, preparar novas levas de recrutas, regenerar os recursos de pessoal. Seria muito pernicioso que o seu ministério se limitasse apenas a pensar como empregar as forças já existentes, sem calcular se as frentes e os tipos de trabalho estão habilitados a gerar outras.

A preocupação relativa às vocações não pode tornar-se marginal no exercício do go­verno. Deve, ao contrário, ser objeto de apro­fundamento e de medidas concretas que incidam de fato sobre as comunidades locais, sobre as pessoas dos irmãos e sobre o funcio­namento das obras. Trata-se de converter as comunidades e os irmãos em “animadores”. A capacidade de animar é o sinal mais expres­sivo da renovação conciliar da missão, dos ministérios e dos carismas. Graças à prática da animação, abriu-se uma nova fase na Igreja, nos Institutos religiosos, nos Movi­mentos, nas Associações e nos Grupos. Seria verdadeiramente incompreensível que isso não se verificasse nas nossas presenças.

Trata-se de motivar os irmãos e as comunidades, de estimulá-los e prepará-los a fim de que cada um saiba desenvolver, no seu campo de trabalho, uma obra de orientação; de apoiar com subsídios as iniciativas vocacionais; de relançar a presença da dire­ção espiritual e o exercício do ministério das confissões; de programar uma formação permanente visando a uma maior qualificação pastoral.



A responsabilidade do Diretor está bem definida pelo CG21: “Em nível local, o primeiro responsável pela animação vocacional é o Diretor, justamente pela sua função de guia da comunidade. Ele deve promover, num clima de fé e oração, um escrutínio vocacional periódico”.23

Ele se esforça por envolver de fato toda a comunidade, de acordo com as incumbências de cada um dos irmãos. Não se trata de delegar alguém, mas de corresponsabilizar cada um, explicitando um plano comum, fa­zendo assimilar critérios de discernimento, combinando formas de atuação e indicando o tipo e a gradualidade da sua ação pessoal. Preocupar-se-á em seguir com atenção a esco­lha e a coordenação das iniciativas dos jo­vens, cuidando do seu sentido e finalidades, preocupando-se em não deixar faltar as que promovem a orientação vocacional.

Seria imprudente e imprevidente que também o Diretor e sua comunidade pensassem somente no funcionamento e na amplia­ção da obra, deixando predominar setores menos influentes no amadurecimento juvenil do sentido cristão da vida.

Prende-se ao cargo de Diretor, de modo particular, a sua capacidade e disponibilidade para a conversa pessoal com os jovens, sobretudo com os mais maduros e com os que dão sinais de serem chamados. “O Diretor – afirma o Capítulo – tome a peito o encontro pessoal com os jovens, particularmente com aqueles cujo caminho está chegando a uma decisão importante de vida”.24

É deveras um convite a recuperar as modalidades pedagógicas próprias do Siste­ma Preventivo e da figura “pastoral” que Dom Bosco queria para o Diretor.



Por fim, o contato com a família dos candidatos tem peculiar importância no acompanhamento dos jovens encaminhados para a vocação salesiana. Os pais são, de per si, os primeiros responsáveis da vocação dos filhos. Em nível de pastoral juvenil, em geral já se está agindo na Igreja num plano de maior complementaridade com a pastoral familiar; lembrava-o a exortação apostólica “Familiaris consortio” (especialmente n. 74).

O empenho pelo funcionamento, em nossas presenças, da “comunidade educativa” e do “Projeto leigos” (em favor sobretudo de tantos Cooperadores e Ex-alunos) também convidam a sintonizar mais e constantemen­te a pastoral juvenil com a pastoral familiar.

Num clima de maior coordenação, fruto da eclesiologia conciliar de comunhão que tanto custa ainda fazer crescer, ganha especial relevo vocacional o conhecimento, o contato, o diálogo com as famílias dos candidatos. Aprofundam-se suas motivações, descobrem-se também algumas dolorosas dificuldades, mas, sobretudo, procura-se promover a radi­cação familiar da vocação justamente no ambiente onde desabrochou a batismal. Com este contato intensificam-se a qualidade e cooperação e evitam-se as surpresas. O estilo de vida dos pais, sua ação educativa e seu testemunho são deveras o melhor terreno para uma vocação salesiana. A paternidade e maternidade cristã são um dos objetivos pri­vilegiados da pastoral da Igreja hoje. Quan­tas vocações não nasceram e nascem precisa­mente no seio das famílias que têm fé! Com razão, a pastoral vocacional preocupa-se tam­bém, em comunhão com os esforços da Igreja local, em ajudar seriamente as famílias em sua renovada consciência cristã e em sua tarefa educativa.

Lançar iniciativas neste sentido, pro­mover a fé dos pais interessados, introduzi-los na órbita do nosso carisma, lembrar e desenvolver quanto afirma Dom Bosco em seu favor, é certamente um campo fecundo que se deve tomar em maior consideração.

Hoje cresce a necessidade de ajudar as famílias para que sejam capazes de se opor ao subtil clima secularista que vai crescendo na sociedade. Somente uma pastoral mais ampla e de cooperação serve para cultivar os rebentos, ricos de promessas, que se estão apresentando cada vez mais numerosos nesta primavera da Igreja. O Evangelho, ensinando-nos embora que os filhos não são propriedade dos pais, proclama que eles são um dom de Deus, confia­do primordialmente a eles para a renovação da sociedade mediante a missão de Cristo. Tam­bém Jesus, o Verbo encarnado, foi confiado, para o bem de todos, a uma santa família.

Olhemos com admiração para José e Ma­ria, invoquemo-los com confiança e constância. Eles são, sem dúvida, os principais intercessores para mais eficaz pastoral voca­cional. Confiemos a ela as necessidades atu­ais da Igreja e do mundo, falemos com eles da imensidade da messe, das crescentes neces­sidades educativas da juventude, agradeçamos a eles quanto já fizeram em favor do carisma de Dom Bosco, e peçamos-lhes com insistência que nos ajudem a aumentar a qualidade e o número dos operários da vinha.

O documento conclusivo do já lembrado Congresso internacional de 1981 chama a Virgem Maria “mediadora de vocações”, “modelo de toda pessoa chamada”, “Mãe de todas as vocações”.

Um especial recurso a Ela, queridos ir­mãos, esteja na base e no centro da renovação da nossa pastoral vocacional.

Desejo a todos um frutuoso ano novo em operante esperança. O Evangelho garante-nos que “algumas sementes caíram em terreno bom; as sementes germinaram, cresceram e deram fruto”.25

Dediquemo-nos, pois, a cultivar melhor o terreno bom.

A todos, os melhores votos de mais nu­merosas vocações.

Com afeto no Senhor,


P. Egídio Viganò

1 Cf. Mt 9,37.

2 CG23, 247.

3 ACS 273, janeiro-março 1974.

4 CG21, 106-119.

5 Ib. 119d.

6 Cf. CG23, 149ss.

7 Gaudium et Spes, 45.

8 Const. 6.

9 Const. 28.

10 Const. 32; cf. Regul. 16-17.

11 Cf. ACG 334, outubro-dezembro 1990

12 ACG 338, outubro-dezembro 1991.

13 CG23, 274-383.

14 Ib., 143-145.

15 CG21, 113e.

16 CG23, 151-156.

17 Ib., 151.

18 Ib., 152.

19 Ib., 153.

20 Ib., 154.

21 Ib., 155.

22 Ib., 156.

23 CG21, 114.

24 CG23, 287.

25 Mc 4,8ss.

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