301-350|pt|318 - Aos Cooperadores Salesianos

Viganò Egídio



[A ASSOCIAÇÃO DOS COOPERADOS SALESIANOS]



AOS COOPERADORES SALESIANOS



Atos do Conselho Geral

Ano LXVII – julho-setembro, 1986

N. 318





Roma, Festa do S. Coração, 1986



Queridos Cooperadores e Cooperadoras,



no dia 24 de maio p.p., solenidade de Nossa Senhora Auxilia­dora, promulguei o texto renovado do vosso “Regulamento de vida apostólica”, em Turim, na Basílica de Valdocco, repleta de povo; foi um acontecimento mui significativo e cheio de esperança. O documento, fruto de muita oração e trabalho, assegura à vossa Associação a identidade salesiana e eclesial para inserir-se com atualidade na preparação do terceiro milênio da Fé cristã.

Com a aprovação pontifícia do vosso Regulamento conclui-se a obra de consolidação pós-conciliar das três grandes colunas da Família Salesiana colocadas por Dom Bosco: os Salesianos, as Filhas de Maria Auxiliadora, os Cooperadores. Serão assim juntos e com audácia apostólica os principais portadores da vocação salesiana para o futuro.

A promulgação deste Regulamento adquire, neste contexto, uma dimensão histórica não indiferente.

Tomar consciência (vós, nós salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora) significa compreender a peculiar responsabilidade a que nos chamou o Espírito de Deus neste último quartel do século.



1. À LUZ DO ITINERÁRIO DE DOM BOSCO FUNDADOR



Por que se quis viver o Regulamento redigido pelo próprio Dom Bosco?

Pensando ao sentido de Igreja, à ânsia constante de laboriosidade e a capacidade de adaptação aos tempos do nosso Funda­dor podemos dizer que, se ele estivesse vivo hoje, teria sido o primeiro a querer este trabalho de reelaboração.



Importância da reelaboração do Regulamento



Dom Bosco de fato possuía a sensibilidade das mudanças na sociedade e na Igreja e intuía, em sintonia com o Espírito, a futu­ra tarefa que estava encerrada em seu carisma ao nascer. Estava convencido de que a roupagem que ele podia dar no século pas­sado à vitalidade de um dom eclesial tão necessário era uma espécie de “rascunho” inicial, rico de vitalidade própria, mas ne­cessitado, nos planos da Providência, de ser “passado a limpo”.1 Tinha a consciência do Fundador que estava para dar vida a uma Família espiritual destinada a crescer, a se desenvolver e a permanecer nos séculos.

Ele foi suscitado por Deus nos inícios de uma nova época histórica. Percebia os sinais iniciais de mudança da civilização rural: uma nova modalidade de cidades, uma diferente organiza­ção do trabalho, um remanejamento de toda a sociedade, o início de um concreto protagonismo popular e intuía, mesmo que vela­damente, o primeiro movimento das forças sociais que exigiam desde então alguns critérios e compromissos pastorais inéditos. Aparecia cada dia mais a necessidade de se olhar para os jovens pobres e abandonados e às classes populares; nas mudanças apenas iniciadas estava claro o perigo para a sua fé cristã que poderia e deveria ser, no entanto, um fermento para a nova socie­dade. Por isso chamou perto de si os Cooperadores, infundindo-lhes um espírito apostólico novo.

Um ideal apostólico, portanto, que exige por sua própria característica o de se adaptar às contínuas mudanças e às situa­ções em sintonia com a evolução dos tempos e com as orientações do Papa e dos Pastores da Igreja.

No Vaticano II o Santo Padre e os Bispos do mundo todo, reunidos por quatro anos em Concílio, reestudaram e aprofunda­ram a identidade e a missão da Igreja como resposta aos desafios da nossa época. Os pastores definiram os princípios de identidade e as orientações para a ação: apareceu uma eclesiologia renovada, que exige dos cristãos repensar profundamente a própria vocação no Povo de Deus para o mundo, revendo em particular os minis­térios, os carismas, as tarefas.

Eis porque também cada Grupo da Família Salesiana teve que reelaborar os documentos fundamentais da própria natureza caris­mática. De acordo com a nova perspectiva conciliar era necessário repensar seriamente a vocação batismal de todos os fiéis e o signi­ficado eclesial do carisma das várias Famílias espirituais; dois aspectos, estes, particularmente importantes exatamente para a vossa Associação.

Ser católico” hoje exige uma forte consciência de discípu­lo, aberta a todos no diálogo, mas portadora de uma identidade cristã marcante e de uma corajosa formação ao testemunho na sociedade.

Sentir-se inserido” num concreto carisma da Igreja exige, ainda, compartilhar a índole específica projetada pelo Fundador para renová-la de acordo com os valores dos sinais dos tempos.

Eis o porquê de tão minucioso trabalho de reelaboração do primeiro Regulamento escrito pelo próprio Fundador para vós.



O itinerário do discernimento fundacional



No começo, os grupos fundamentais daquela que hoje cha­mamos “Família Salesiana” se apresentavam como uma peque­nina semente lançada na terra, que ainda não brotara e não se desenvolvera.

Dom Bosco iniciou com a ideia insistente da missão juvenil e da necessidade de ter permanentemente muitos colaboradores: “seja uma congregação, seja o que se quiser: eu preciso ter ora­tórios, capelas, igrejas, catecismos, escolas, e sem pessoal a mim devotado nada posso fazer”.2

Em seu coração sacerdotal estavam os problemas da juven­tude necessitada e a religiosidade e a fé das classes populares. Sentia-se chamado e convidado por Deus para suscitar um movi­mento de pessoas comprometidas com ele para enfrentar com coragem tantos problemas. As canseiras do discernimento levaram-no pouco por vez a perceber claramente sua vocação de “Fundador”; a tarefa não foi fácil. Começou cheio de confiança na Providência e colocou a serviço desta causa todas as suas capacidades.

Soube assim desenvolver as potencialidades presentes na se­mente inicial. Somente depois de trinta anos, no arco de tempo que vai desde 1841 a 1878, passando primeiro sob o compromisso diocesano, alcançou após muitas canseiras o nível mundial de um carisma da Igreja Universal. Do primeiro embrião “Congregação de São Francisco de Sales”, aprovada pelo Arcebispo de Turim Dom Franzoni, até a fundação dos seus três grupos consagrados e seculares, existe todo um processo de crescimento e de esclarecimento para alcançar um espírito comum, uma missão comum, e uma corresponsabilidade apostólica comum. Todos os Coopera­dores e Cooperadoras, Filhas de Maria Auxiliadora e Salesianos são chamados e convidados “juntos” a promover “um vasto mo­vimento de pessoas que, de várias maneiras, trabalham em favor da salvação da juventude”.3

Dom Bosco, em seu trabalho, sempre procurou a colaboração dos leigos. Por isso, quando não conseguiu realizar o projeto sobre os “sócios externos” agregados à Sociedade de São Fran­cisco de Sales, que teria gostado de inserir nas Constituições dos Salesianos, dedicou-se a elaborar (a partir de 1874) um novo e mais amplo projeto a ser apresentado aos bons católicos para realizar o bem.

Apresentado ao Papa Pio IX o seu esboço, notou o Santo Padre, com certo espanto, que nele havia só a preocupação pelos homens e não pelas mulheres (Dom Bosco de fato estava projetando para as mulheres uma Associação própria, agregada ao Instituto das FMA);4 compreendeu imediatamente a vital impor­tância daquilo que lhe objetara o Papa: “As mulheres sempre tiveram uma parte principal nas obras de caridade, na própria Igreja e na conversão dos povos. Elas são benfeitoras e criativas em sustentar as obras de caridade também por inclinação natural, mais do que os homens. Excluindo-as, o senhor afastaria o maior dos auxílios”.5 Dom Bosco aceitou a preciosa e prática indicação do Sumo Pontífice, e mais tarde pôde aquilatar as grandes vanta­gens tendo desenvolvido neste sentido a “Pia União”.

É preciso reconhecer que Pio IX teve uma esclarecida e de­terminante participação em toda fundação, seja dos Salesianos, seja das Filhas de Maria Auxiliadora, bem como dos Cooperado­res. O próprio Dom Bosco, enviando a primeira saudação ao Papa Leão XIII recém-eleito, afirmava: “Esta congregação (e conhece­mos a amplitude de significado que esta palavra tinha para ele) foi aconselhada, dirigida, aprovada, pelo Papa Pio IX da grata memória”.6

O nosso Fundador desejava que os Cooperadores fossem uma “Associação de obras pias”, ou uma “União cristã para a difu­são do bem”, intimamente unida a ele; devia ser uma espécie de “terceira ordem” dos antigos, com a diferença que naquelas propunha-se a perfeição cristã no exercício da piedade; aqui tem-se por finalidade principal a vida ativa, no exercício da cari­dade para com o próximo especialmente em favor da juventude necessitada”.7

Este projeto carismático amadureceu finalmente no Regula­mento de 1876 e nas iniciativas que o acompanharam e se segui­ram.

Assim o projeto de Dom Bosco se expressa, em síntese inte­gral e de maneira articulada, mas complementar, na Congregação dos Salesianos, no Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora e na Associação dos Cooperadores. Os três documentos fundamentais descrevem a identidade e a natureza própria de cada grupo; to­mados em conjunto constituem o itinerário prático que o Funda­dor foi seguindo para assegurar o futuro da “Obra dos Oratórios”, iniciada em Turim em 1841.

No Regulamento de Dom Bosco está expressa a indispensável presença de vós, Cooperadores, no carisma salesiano; insere-se na íntima união com a Congregação Salesiana (e também com as FMA) num sincero e profundo espírito de Família (“um só cora­ção e uma só alma”), cultivando todos juntos um sentido dinâ­mico de Igreja, com sincero afeto e concreta adesão ao magistério do Papa e dos Bispos.

No ano seguinte, no mês de agosto de 1877, Dom Bosco iniciava a publicação do Boletim Salesiano, como meio de infor­mação, vínculo de união, estímulo à criatividade na caridade e instrumento particularmente apto a fazer crescer a vossa Asso­ciação.

Após a publicação do Regulamento, é preciso incrementar vitalmente a Associação e formar cada vez mais a mentalidade dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora para que se­jam entusiastas admiradores. Na conferência anual de 1877, Dom Bosco observava: “A Obra dos Cooperadores Salesianos mal e mal começou e muitos já aderiram. Ver-se-á o grande desenvol­vimento... Estabeleceu-se, a este propósito, publicar um Boletim que será como o jornal da Congregação (diríamos, hoje, “da Família”), porque serão muitas as coisas que será necessário comu­nicar aos Cooperadores. Se agora são cem Cooperadores, o seu número aumentará a milhares e milhares, e se hoje somos mil, no futuro seremos milhões... Procuremos tornar conhecida esta obra, ela é vontade de Deus”.8

Também no 1° Capítulo Geral9 a quarta das 26 Conferências Gerais foi dedicada aos Cooperadores: “uma associação para nós importantíssima, braço direito da nossa Congregação (a quem não esqueçamos, estavam agregadas também as FMA). Os Coopera­dores Salesianos e as Cooperadoras nada mais são do que bons cristãos que, vivendo no seio de suas famílias, mantêm no meio do mundo o espírito da Congregação de São Francisco de Sales”.10

Estabelecia, portanto, que os “Diretores e em geral todos os sócios salesianos (e FMA) se esforcem para aumentar o número dos Cooperadores”.11

Também aos párocos salesianos recomendava que uma das solicitações na relação com o povo devia ser favorecer a Associa­ção dos Cooperadores Salesianos.12

E a Associação cresceu tanto que já em 1880 Dom Bosco podia dizer numa conferência em Borgo San Martino: “Desde 1876 até hoje os Cooperadores cresceram até o número de três mil, e estão aumentando cada vez mais”.13

À morte de Dom Bosco (como se lê no decreto para instaurar o processo de canonização) eram quase oitenta mil (MB 19, 242).

Podemos ver, portanto, um longo itinerário14 de experiências do Espírito Santo através do qual Dom Bosco buscou paciente­mente discernir o plano projetado por Deus; acertou finalmente o caminho definitivo, depois de ter enveredado em outros que se revelaram não praticáveis.

Permaneceram constantes, porém, algumas componentes que constituem a estrutura fundamental da vossa Associação: um sentido social e operacional da própria catolicidade recebida como dom através dos sacramentos do batismo e da crisma; uma mis­são eclesial e cívica a serviço da juventude necessitada; um cui­dado inteligente e corajoso da fé popular numa época de profun­das mudanças; um peculiar método pastoral e a importância dos vínculos de união com a Sociedade de São Francisco de Sales e de comunhão com o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora para viver genuinamente o espírito evangélico característico.

Trata-se como podeis ver, de uma autêntica participação à vocação salesiana: sois corresponsáveis conosco da vitalidade do projeto do Fundador no mundo.15

Dom Bosco, hoje, teria aperfeiçoado o seu projeto consideran­do atentamente a eclesiologia conciliar renovada sobretudo com relação à secularidade. É exatamente o que se buscou fazer nestes anos, condensando a reflexão vossa e nossa na reelaboração deste “Regulamento de vida apostólica”.



A grande vitalidade do carisma



Para viver plenamente a vocação salesiana é necessário conhe­cer e assumir os valores vitais das suas origens, do seu cresci­mento, da sua atualidade eclesial e das suas perspectivas de fu­turo. Não se pode excluir um sério conhecimento não só da vida do Fundador, mas também da história posterior da sua Família espiritual, procurando descobrir nos acontecimentos do passado aquelas contribuições que enriqueceram e impulsionaram a cami­nhada como especial docilidade ao Doador do carisma. O Espírito Santo é sempre original, não se sabe de onde vem e para onde vai, mas faz crescer e amadurecer, pode-se entrar em sintonia com Ele através da escuta na oração e um iluminado discerni­mento.

Se olharmos para a vida do nosso Fundador podemos ter uma ideia do trabalho que requer uma verdadeira docilidade. Com razão falou-se que Dom Bosco se apresentava (também, e sobre­tudo, para os amigos) como um “mistério”, porque plenamente aberto ao Espírito de Deus, que não desvendava (nem a ele ime­diatamente) de onde viesse e para onde o conduzisse. Em todo caso era clara a intuição global manifestada com símbolos elo­quentes desde o sonho dos nove anos, muitas vezes lembrado por ele e meditado já na idade madura: o campo e o método de ação, a dedicação inteligente e generosa, a necessidade de colabo­radores para realizar e prolongar uma missão tão necessária. Ele teve, porém, que realizar um longo trabalho de discernimento, antes de tudo “pessoal” — até individualizar com clareza a sua vocação de Fundador —, e depois “fundacional” para dar uma dimensão concreta e uma organização válida à sua Família espi­ritual. Passou assim por diferentes etapas de esclarecimento até poder dar uma identidade e uma estrutura própria, antes aos Salesianos, depois às Filhas de Maria Auxiliadora, e, finalmente, a vós, Cooperadores.

Os três grupos portadores principais do seu carisma foram convidados pelo Vaticano II a imitar o Fundador, ficando abertos, em conformidade com sua natureza histórica e eclesial, às exigên­cias do pleno desenvolvimento do Corpo de Cristo.16

A vossa Associação, reconhecida já virtualmente presente nas primeiras origens do Oratório (o Decreto de aprovação de 9 de maio de 1986 lembra a figura exemplar de mamãe Margarida),17 recebeu do Concílio Vaticano II uma nova vitalidade. A experiên­cia e o trabalho de ontem devem servir para iluminar aquela fidelidade dinâmica que é necessária hoje, num tempo de reno­vação que comporta uma sincera adesão às origens e uma cuida­dosa adaptação aos novos tempos.

É preciso, sem dúvida, cuidar da Associação e o novo texto do Regulamento apresenta as estruturas fundamentais. Mas esse é só um aspecto, podemos assim dizer, instrumental. O que deve preocupar a vós é a vitalidade do carisma, ou seja, daquela energia de caridade que sabe repropor o ardor, a criatividade, a genero­sidade e o incansável dinamismo apostólico de Dom Bosco, de mamãe Margarida e dos primeiros colaboradores de Valdocco.

O caminho para alcançar esta revitalização passa, sobretudo, através do coração de cada uma das vossas pessoas: o dom do Espírito Santo é para o homem interior. Os valores evangélicos apresentados no Regulamento renovado precisam ser “personali­zados”. Os portadores de um carisma na Igreja são sempre as “pessoas” que ouviram o chamado do Senhor, feito “por nome” e com o “tu” de predileção que dá início a uma aliança de vida numa alegre e fiel amizade; por isso toda pessoa sente-se com­prometida em fazer frutificar na Igreja o dom recebido. O coração de todo Cooperador e de toda Cooperadora é depositário de uma aliança de salvação, é enriquecido por uma graça especial que o torna participante do poder do Espírito do Senhor, e sente-se envolvido e habilitado a trabalhar na história colaborando na importante missão eclesial confiada a Dom Bosco.

Trata-se, portanto, de reavivar e fortalecer vossas pessoas e de cuidar de tudo aquilo que constitui a alma da Associação e lhe dê vida e dinamismo.



Responsabilidade dos animadores



O rejuvenescimento das pessoas e desta alma exige dois polos de referência a serem revistos continuamente para viver um dina­mismo fecundo: um é o patrimônio espiritual herdado do Funda­dor, o outro é a resposta profética a ser dada diante dos questionamentos socioculturais.

Isto devem lembrar sobretudo os animadores da vossa Asso­ciação, ou seja, os Cooperadores dirigentes e os Inspetores e as Inspetoras e os Delegados SDB e FMA, mas também todos os Cooperadores e Cooperadoras.

O futuro da Associação está muito ligado a uma compreensão atualizada, realística e renovada do dom apostólico feito por Deus através de Dom Bosco à Igreja.

Os animadores, portanto, a qualquer grupo salesiano que per­tençam, devem ter consciência da caminhada feita por Dom Bosco em sua vocação de Fundador, e conhecer integralmente (não so­mente por aquilo que se refere ao próprio grupo) a verdadeira dimensão do carisma a ele confiado. Vós, Cooperadores e Coope­radoras, sois parte viva e essencial do mesmo, porque ele con­siderou realizada a sua obra só após a fundação de vossa “Pia União”. Em sua mente e em seu coração vos considerava irmãos e irmãs “externos”. É bonito ver como começava uma circular, em janeiro de 1881, aos Cooperadores e às Cooperadoras: “Com coração agradecido, me apresento a vós, ó respeitáveis irmãos e irmãs em Cristo Jesus”.18

Para Dom Bosco, a expressão “como uma Terceira Ordem”, com que apresentava a modalidade da vossa Associação, tinha um significado próprio que focaliza um aspecto original, porque, afirmando simplesmente “como uma” Terceira Ordem, queria indicar a vossa distinção das antigas Terceiras Ordens, que se orientavam para a vida de piedade, enquanto que a vossa Associação fora fundada para expressar os compromissos do Batismo e da Cris­ma em obras de caridade concretas especialmente em favor da juventude.19

Mais além desta denominação (que nunca fora usada oficial­mente na tradição salesiana, porque nem os Salesianos, nem as Filhas de Maria Auxiliadora são chamados e 2ª Ordem), existe a realidade de uma missão comum concreta a ser realizada “jun­tos”, unindo todas as forças disponíveis.



2. ASPECTOS ESSENCIAIS DA VOSSA IDENTIDADE DE

SECULARES SALESIANOS



Dom Bosco buscou envolver, como já vimos, o maior número de pessoas para realizar sua vasta missão; considerou preciosa a colaboração dos membros do clero diocesano pela sua conhecida competência na animação dos outros; mas apostou sobre um gran­de número de leigos. Ele queria acordar o “espírito católico”,20 e queria fazer entender a todos a premente “necessidade que existe hoje para que os bons cristãos se unam entre si com a finalidade de promover o bem e combater o mal, pois a união faz a força”;21 procurava traduzir a religiosidade dos cristãos e o seu sentido de oração em obras de caridade: “hoje, além de rezar, que nunca deve falhar — dizia —, é preciso trabalhar, trabalhar intensamen­te, para não ir ao encontro do fracasso”,22 em outras palavras, pretendia “sacudir os cristãos do torpor, para lhes infundir a energia da caridade”.23



A energia da caridade entre os leigos



A missão de Dom Bosco exigia muitos compromissos leigos, vinculados sobretudo à educação da juventude popular para me­lhorar a sociedade: “Quereis fazer algo de bom? — dizia aos Cooperadores. Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa santa? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa santíssima? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa divina? Educai a juventude. Aliás (como diziam os Padres), esta, entre as coisas divinas, é diviníssima”.24

Esta Associação — afirmava ainda — tem por finalidade unir os bons cristãos e realizar o bem na sociedade civil”.25

É exatamente neste campo que há uma projeção na Igreja, sobretudo após o Vaticano II. Hoje a consciência do leigo, como membro ativo do povo cristão, tem muito mais luzes do que no século passado e lhe foram abertos novos e vastos horizontes sociais e eclesiais.

Portanto, a vossa Associação necessita aprofundar e assimi­lar cada vez mais a doutrina conciliar sobre o leigo; os compro­missos do sacerdócio batismal e da crisma, a inserção na Igreja local, os desafios que as mudanças socioculturais apresentam para a fé, o ensinamento do Magistério sobre as tarefas temporais, o testemunho cristão na família, os valores de uma autêntica laicidade bem diferente de desvios do laicismo etc.

Os meios indispensáveis para promover esta consciência são aqueles comuns a todo bom cristão: a escuta da Palavra de Deus, a reflexão sobre os seus conteúdos, os textos do Vaticano II, as orientações pastorais do Papa e dos Bispos; o exercício de oração cotidiana e uma adequada frequência aos sacramentos da Euca­ristia e Penitência; a aceitação do Mistério da Cruz, sobretudo naquelas situações da vida que exigem consciência e coragem na ascese; a dedicação a uma atividade apostólica qualquer.

Em particular é indispensável cuidar, através de uma com­petente escola de animação, aqueles aspectos que caracterizam a “espiritualidade laical” enquanto tal.

Podemos lembrar, entre os aspectos mais significativos dessa espiritualidade, os seguintes:

A animação cristã dos compromissos temporais que per­tence especificamente à missão do leigo, seja na família, seja no campo cultural e social. Ele deve sentir-se ao mesmo tempo “cidadão” e “cristão”, traduzindo a sua fé no Cristo num cons­tante esforço de transformação do mundo.

  • Uma sensibilidade, alimentada pela fé, que leve o leigo a discernir continuamente os sinais dos tempos, em comunhão com a Igreja local, e a tomar parte ativa e autenticamente cristã no atual processo de “libertação social”, diferenciado segundo as situações concretas em que vive. O leigo é chamado a colaborar para fazer crescer uma cultura mais verdadeira, uma civilização do trabalho mais justo, uma solidariedade humana mais univer­sal: tarefa essa muito importante para todo o Povo de Deus (a ser vivida em diferentes vocações).

  • A atenta consideração do “cotidiano”, no conjunto do seu caráter secular, que oferece à caridade do leigo um campo ines­gotável, também se escondido e modesto, de um verdadeiro e prático testemunho evangélico; assim ele pode ser sinal, num mun­do que passa, do ressurgimento da vitalidade da esperança cristã.

  • O cuidado diligente da própria “profissionalidade”, de tudo aquilo que se refere ao seu reto exercício e ao seu contínuo aper­feiçoamento, que dê à vida do leigo a tonalidade concreta de sua participação na missão da Igreja “penetrando e aperfeiçoando a ordem das realidades temporais com o espírito evangélico”.26

  • Por fim, a consciência cada vez mais explícita daquilo que afirma o Concílio: “as circunstâncias atuais reclamam deles um apostolado mais intenso e mais amplo”,27 também no campo específico da evangelização e santificação que lhes apresenta “muitíssimas ocasiões” muito mais do simples “testemunho de vida”.28 Neste sentido o Vaticano II sublinhou a importância para os leigos de uma forma associativa de apostolado: “de fato as associações são o sustento dos próprios membros e os formam para o apostolado, dispõem bem e guiam suas ações apostólicas para que possam esperar frutos abundantes”.29

E é aqui que aparece, como mediação evangélica de síntese, a preciosa herança do estilo original de vida cristã experimentado e deixado para vós, Cooperadores e Cooperadoras, por Dom Bosco através do seu “espírito salesiano”. A “espiritualidade leiga” in­dica, de maneira ainda genérica, um conjunto de aspectos a serem cuidados; isto pode ser feito de diferentes modos. O “espírito salesiano”, no entanto, sugere uma maneira típica e já experimen­tada de realizá-lo.



O espírito salesiano de Dom Bosco



Guiado pelo Espírito Santo — diz o texto do vosso Regula­mento renovado —, Dom Bosco viveu e transmitiu aos membros da sua Família um estilo original de vida e de ação: o espírito salesiano.

É uma típica experiência evangélica que caracteriza e dá uma tonalidade concreta à presença e ação no mundo, às relações com os irmãos e com Deus. Tem sua fonte no próprio coração de Cristo, alimenta-se do apostolado e da oração, e envolve toda a vida, tornando-a um testemunho de amor.

O Cooperador faz seu este espírito como presente de Deus à sua Igreja e o faz frutificar em sua condição secular que o caracteriza.30

Neste artigo encontra-se o ponto alto dos vossos compromis­sos de formação salesiana. O amor cristão é uma experiência de vida que não pode ser identificada simplesmente com uma dou­trina e nem com uma espiritualidade genérica. Exprime-se e vive-se numa síntese concreta bem definida.

Quando o Regulamento fala de “espírito salesiano” pretende descrever os traços característicos da experiência evangélica já experimentada na escola de Dom Bosco como peculiar estilo de vida, síntese de critérios, de juízo e metodologia de ação. Não é uma análise intelectual das relações com Deus e o próximo, e nem a apresentação doutrinal da espiritualidade de um estado ou de um ministério, mas a descrição dos traços espirituais que caracterizam a vocação salesiana; considera atentamente os aspec­tos visíveis e práticos que a distinguem na tela da vida (ou seja, a sua tipologia), relevando alguns pontos, de modo a poder indi­vidualizar uma fisionomia espiritual própria.

Como a natureza humana, comum a todos em sua essência, manifesta-se com traços físicos particulares, de maneira análoga a vida batismal apresenta modelos de santidade com características individuais próprias, dando origem a diferentes escolas espiri­tuais. Nelas a “espiritualidade” de um ministério ou de um estado de vida é envolvida de fato por um “espírito” concreto, como ex­pressão típica do seguimento de Cristo.

Entre nós, “Família de Dom Bosco”, no centro do comum “espírito salesiano” confluem de fato diferentes “espiritualidades”: laical, sacerdotal, religiosa, conjugal, de consagração secular etc.

Dom Bosco dizia exatamente que vós, Cooperadores, viveis e testemunhais “no mundo” o espírito de que os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora estão animados em sua “vida consa­grada”. De fato, vós sois chamados a viver o mesmo espírito de Dom Bosco na condição secular que vos é própria. A vossa tarefa vocacional consiste em saber encarnar os valores gerais da espi­ritualidade laical (se sois leigos) ou sacerdotal e diaconal (se sois sacerdotes ou diáconos seculares) no estilo característico de santidade e no método de ação do carisma de Dom Bosco. É um espírito de comunhão que não viveis sozinhos, ou de maneira independente, mas, sim como membros de uma Associação que assegura a cada um a identidade, a vitalidade, o apoio, a revisão, a alegria e a esperança de uma profunda fraternidade evangélica: “unidos com um só coração e uma só alma” — diz o Regulamen­to —, “vivem em comunhão fraterna, com os vínculos característicos do espírito de Dom Bosco”.31

O mesmo Direito Canônico, após ter afirmado, falando das Associações como a vossa, que se trata de fiéis que “vivem no mundo e participam do espírito de um Instituto religioso”,32 exor­ta estes Institutos de vida consagrada a “terem uma particular solicitude para que sejam permeados do genuíno espírito da sua Família”.33

Este “espírito” é uma componente vital do carisma do Fun­dador. É, na nossa Família, uma harmonia de forças interiores, que torna aptos a realizar a missão, que vai aperfeiçoando a ótica especial com a qual se julga a realidade, que desenvolve uma sensibilidade típica diante dos problemas juvenis e populares, que fortalecem uma mentalidade equilibrada e positiva, que sente a beleza de ter nascido e a predileção em terem sido chamados pelo nome, que comporta sobretudo o crescimento numa jubilosa con­templação do mistério de Deus: do Pai de misericórdia que por amor cria e perdoa, do Filho Redentor que por amor se encarna e se sacrifica, do Espírito Consolador que por amor transforma e santifica.

Assim, o espírito de Dom Bosco aparece também em sua luz de dom precioso a toda a Igreja.

Supondo, portanto, que na raiz da vossa consciência associativa esteja o “espírito salesiano”, deveis cuidar do dinamismo interior que dele nasce porque é alma da vossa Associação.

O Regulamento apresenta antes de tudo, como condição fundamental deste espírito, um tipo peculiar de “vida de fé” que seja verdadeiramente “comprometida” no cotidiano. Tal condição comporta atitudes características.

A primeira é a de “sentir Deus como um Pai e Amor que salva; (de encontrar) em Jesus Cristo o Filho Unigênito (que é) o Apóstolo perfeito do Pai; (e de viver) na intimidade com o Espírito Santo (que é poderoso) Animador do Povo de Deus no mundo”.34 Ou seja: um tipo de vida interior que encontra em Deus mesmo o impulso para uma intensa atividade salvífica: o ardor do apostolado, “da mihi animas”! É esta a raiz ou “o aspec­to mais profundo da vossa vocação: ser verdadeiros “Cooperado­res de Deus” na realização do vosso plano de salvação”.35

A segunda atitude é a de se sentir chamado e enviado a uma missão concreta: a de “contribuir para a salvação da juventude”,36 comprometendo-se “na mesma missão juvenil e popular de Dom Bosco”.37

Portanto, todo Cooperador, exatamente pela sua experiência interior do Mistério de Deus, vive uma fé comprometida que o torna “intimamente solidário com o mundo em que vive e em que é chamado a ser luz e fermento. Acredita nas qualidades interiores do homem; compartilha os valores da mesma cultura; aceita as novidades com sentido crítico cristão, integrando na sua vida “tudo aquilo que for bom”, especialmente se aceito entre os jovens”.38

Eis porque no centro do espírito salesiano está, qual “impulso místico”, aquela caridade pastoral que leva a trabalhar incansa­velmente para Deus. Dom Bosco a sintetizou e expressou na frase: “Da mihi animas, cetera tolle”, e a testemunhou eminentemente “tornando presente entre os jovens o amor misericordioso de Deus Pai, a caridade salvadora do Cristo Pastor, e o fogo do Espírito que renova a terra”.39

Dom Bosco, ainda, quis revestir esta operosidade apostó­lica de uma bondade simples, cordial e alegre; ou seja, de um estilo de vida e de ação que “tende a suscitar relações de confian­ça e de amizade, para criar ao redor de si um clima de família feito de simplicidade e afeto. (Todo Cooperador) é um constru­tor de paz que através do diálogo procura o esclarecimento e o acordo”.40 É esta uma característica verdadeiramente distintiva do espírito de Dom Bosco; ele mesmo quis dar a este seu estilo o qualificativo de “salesiano” porque tinha em São Francisco de Sales um “modelo de amabilidade, de zelo apostólico e de verda­deiro humanismo”.41

Projetou-o na vida prática através daquela maneira de agir entre os jovens que ele chamou “Sistema Preventivo”: o seu estilo de ação, chamado também “método da bondade”, porque

“— utiliza a persuasão e não a imposição, e continuamente faz apelo ao interior da pessoa, tornando-a progressivamente res­ponsável em seu crescimento;

  • acredita na ação invisível da graça no coração de cada pessoa e no valor educativo da experiência de fé;

  • confiando na força transformadora do amor, procura che­gar ao coração, e ser amado com maturidade e transparência”.42

Esta bondade manifesta-se num clima de jubilosa esperança, que suscita simpatia, infunde otimismo e promove a alegria. É uma expressão de júbilo interior que nasce da dimensão pascal da fé cristã, portadora da novidade máxima, em sintonia com as inclinações da psicologia juvenil.

Unida com o “impulso místico” da caridade pastoral tra­duzida em bondade, existe, no nosso espírito, uma exigente “me­todologia ascética”; enriquecida pelo sorriso de um rosto alegre. Dom Bosco expressou-a com um binómio bem realístico, “trabalho e temperança”.43 Esta metodologia traz consigo uma verdadeira ascese da ação, vivida com constância entre os cansaços e as difi­culdades da vida cotidiana; é a cruz pessoal a ser carregada como livres cireneus. Ela está acompanhada por uma disciplina cons­tante e vigilante para o domínio das próprias inclinações e paixões até alcançar aquele equilíbrio de eficaz moderação de si na con­duta e de sábia crítica diante das ideologias do ambiente, como expressão de ativa prudência cristã.

No espírito salesiano “ascética” e “mística” estão mutuamente unidas, como diz a 2a carta de São Pedro: “Empenhai todos os vossos esforços para acrescentar à vossa fé o bom procedimento, ao bom procedimento a ciência; esforçai-vos também por unir à ciência o autodomínio, ao autodomínio a constância, à constân­cia a piedade, à piedade a estima fraterna e à estima fraterna o amor”.44

Para salvaguardar e desenvolver este “espírito” (descrito no capítulo 4° do vosso Regulamento) Dom Bosco reconheceu em sua experiência uma ininterrupta proteção mariana, não somente porque pôde verificar “a intervenção materna de Maria”45 nos inícios de sua vocação e em todo o seu desenvolvimento, para considerá-la sempre sua “Mãe e Mestra”; mas sobretudo porque mais universalmente, na mesma história da salvação, ela, “coope­rou de maneira única na obra do Salvador e não deixa de cooperar como mãe e Auxiliadora do Povo Cristão”.46 Um motivo particular, pois, por um traço tão característico deste espírito é que a carida­de pastoral da vossa Associação consiste na “imitação da solici­tude materna de Maria, que intercede em favor do Cooperador e o ajuda cotidianamente em sua tarefa de testemunho”,47 de fato Auxiliadora é “com sua presença viva”, a “Mestra da Família Salesiana”.48



3.PARA UMA REVITALIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO



A solene promulgação do Regulamento constitui certamente, queridos Cooperadores e Cooperadoras, um acontecimento que exige uma revitalização da Associação. Gostaria aqui de reunir algumas sugestões operacionais que vos ajudem a formular alguns propósitos práticos.



Algumas sugestões operacionais



A primeira de todas é, evidentemente, a de estudar, inte­riorizar e pôr em prática os conteúdos desse vosso projeto de uma vida apostólica. É uma tarefa de formação permanente em benefício de uma mais profunda interioridade espiritual, de característica secular,49 capaz de penetrar a vida cotidiana (feita de relações familiares, profissionais, culturais, sociais e eclesiais) com os valores evangélicos do espírito salesiano. É necessário, hoje mais do que nunca, reforçar o “homem interior”. Uma tarefa, portanto, que sirva para a identidade cristã de cada um, mas tam­bém como estímulo para a mesma Associação e para toda Família Salesiana.

Esta tarefa deve estar acompanhada por uma particular atenção a tudo aquilo que o Vaticano II proclamou sobre a ”secularidade”, e, de maneira particular, sobre a vocação e a missão do “leigo” na Igreja. A doutrina conciliar requer hoje uma cons­ciência mais ampla e mais corajosa do “sentir-se católico” no mundo pluralista e eivado pela terrível tentação da imanência temporalista. O materialismo que caracteriza o nosso tempo em grandes regiões do mundo se apresenta com aquele terrível “peca­do contra o Espírito Santo” que não tem perdão.

A esse propósito o Papa em sua última encíclica “Dominum et Vivificantem” afirma que numa mentalidade materialista, “o horizonte dos valores e das finalidades do agir está estritamente unido à interpretação como “matéria” de toda a realidade (apresenta-se assim como) o desenvolvimento sistemático e coerente daquela “resistência” e oposição, denunciadas por São Paulo com as palavras “a carne tem desejos contrários ao espírito”.50

É uma missão que o católico hoje não pode renunciar a de proclamar e testemunhar a presença ativa do Espírito Santo na história e seus valores vivos e transformadores da vida pessoal, familiar e social.

Ainda mais, o crescimento interior traz necessariamente consigo, para um Cooperador Salesiano, a revisão e a intensifica­ção das próprias iniciativas apostólicas. Aparece, portanto, o apelo a renovar o próprio testemunho de apostolado: na família,51 no matrimónio,52 no ambiente de vida e trabalho,53 na realidade social,54 nas obras salesianas, “especialmente nos Oratórios, nos Centros Juvenis, na Escola”.55 As estruturas dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora oferecem um campo bem concreto e organizado para as iniciativas apostólicas. Neste sentido gostaria de lembrar, sobretudo aos mais jovens, o ambiente do Volunta­riado missionário, tão vasto e atual.

Em cada situação, o Cooperador deve sentir-se envolvido com responsabilidade pessoal e espírito de iniciativa para realizar a missão comum “de acordo com suas capacidades e possibilida­des”. Assim, cada um enriquecerá a Associação, e, portanto, a Fa­mília Salesiana, com um crescimento de identidade:

“— os Cooperadores adultos e anciãos trazem — diz o novo texto do vosso Regulamento — a riqueza de uma experiência ma­dura e de uma longa fidelidade;

  • os Cooperadores jovens, portadores do dinamismo das novas gerações, concorrem à missão comum com sua própria sensibilidade e dedicação;

  • os Cooperadores experimentados pela dor e impossibilita­dos a desenvolver uma atividade, fazem frutificar o apostolado de todos com o oferecimento do seu sofrimento e oração;

  • os Cooperadores sacerdotes e diáconos, cuja presença é utilíssima, oferecem o serviço do próprio ministério especial­mente para a formação e para a animação”.56

Um aspecto particularmente necessário a ser cuidado em profundidade e fidelidade ao Magistério é o do ensinamento social da Igreja. Ele é de grande atualidade; é delicado e complexo; é desconhecido ou manipulado com muita facilidade. No entanto está na raiz do compromisso cristão para a renovação da socie­dade e para lançar os alicerces de uma civilização do amor.

Nesse ensino dos Pastores encontram-se os princípios funda­mentais, os critérios de juízo e as diretrizes de ação com vistas ao urgente compromisso de transformação cultural que comporta a educação das pessoas, a solidariedade dos povos, a humanização integral de trabalho. Encontramos uma síntese feliz destas orien­tações no capítulo 5° da recente Instrução vaticana sobre a “Liberdade cristã e libertação”.57

O artigo 11 do vosso Regulamento expressa sinteticamente a atitude do Cooperador diante dessas exigências eclesiais. Também se a Associação, enquanto tal, “permanece alheia a toda política partidária”, todavia interessa-se por uma séria formação de seus membros neste aspecto; de fato, “intervém corajosamente, seguin­do as diretrizes da Igreja local, para promover e para defender os valores humanos e cristãos. Ilumina e estimula cada um dos Cooperadores a assumirem responsavelmente os próprios com­promissos na sociedade”.58

Outro campo de ação em que a Família Salesiana se comprometeu a crescer, na fidelidade a Dom Bosco, é o da Comu­nicação Social, sobretudo com vistas à educação da juventude e da consciência cristã das classes populares. É preciso hoje que vós, Cooperadores, estejais presentes no vasto mundo dos “meios” de comunicação social, especialmente onde se definem planos e programas que atingem pontos estratégicos para a reta formação das consciências. Sendo a comunicação um dos caminhos mais incisivos de fato, na nova cultura que está emergindo (porque influi fortemente sobre a opinião pública e sobre a estruturação da cidade do homem), dever-se-ia cuidar muito a profissionalidade e a presença daqueles, entre vós, que estão qualificados neste campo.

O Regulamento considera o trabalho dos Cooperadores neste campo como uma “atividade típica” a ser preferida: de fato, o trabalho na comunicação social cria cultura e apresenta modelos de vida entre o povo”.59

Por fim, gostaria de lembrar, como aspecto operacional a ser privilegiado, o de intensificar as boas relações, a comunhão fraterna e colaboração entre os outros Grupos da Família Salesia­na.60 Isso se obtém através do conhecimento e a informação recíproca, o mútuo auxílio espiritual e formativo, e o envolvimento nos compromissos apostólicos comuns.61

Neste sentido devem ser mais bem cuidados também os serviços informativos destinados a fazer circular experiências, notícias, testemunhos, iniciativas que estimulem e elevem o desempenho espiritual e apostólico de todos. Em particular deveis favorecer constantemente nas várias nações a difusão e promoção do “Bo­letim Salesiano”, que Dom Bosco uniu aos Cooperadores e ao seu apostolado.

O incremento de um sentido mais vivo das exigências de comunhão e de colaboração da Família Salesiana será de benefício para a Igreja, sobretudo para as Igrejas particulares em que vivem os vários grupos.

De fato, o nosso sentido renovado de Família Salesiana não é o de construir uma “igrejinha”, mas sim de sermos “juntos” a expressão do verdadeiro carisma de Dom Bosco, ou seja, um dom mais autêntico e mais eficaz a ser apresentado salesianamente à Igreja local.



Movimento espiritual



Ainda um aspecto.

Li e reli a última encíclica “Dominum et Vivificantem”, do nosso Papa João Paulo II. É uma das meditações mais profundas e mais lúcidas que nos orienta a perceber como está intimamente inserido o “Mistério” de Deus na história dos homens através da presença vivificante do Espírito Santo.

O Espírito do Senhor nos faz conhecer as inclinações da “carne” e do “espírito” muito acima das miopias ideológicas na moda e nos dá o poder do amor como único e eficaz motor do verdadeiro dever humano, libertando-nos dos diferentes deter­minismos nascidos do materialismo. Lendo a encíclica podereis colher melhor os conteúdos dos dois lados da luta entre o bem e o mal, assim como aparecem na atual sociedade: o da “vida do Espírito” e do pecado “contra o Espírito”.

O Papa convida todos a revigorar “o homem interior”, viven­do desde já o grande Jubileu, com o qual a Igreja celebrará a chegada do ano Dois Mil. Trata-se de despertar uma sensibilidade escatológica que deu uma mais viva esperança ao nosso tempo histórico marcado pelo próximo início do terceiro milênio do Cristianismo. O homem é o caminho da Igreja, mas o é enquanto homem interior, porque “Deus transforma o mundo humano no seu interior, a partir dos corações e das consciências”;62 eis por­que a Igreja é, na verdade, “o coração da humanidade”.63

O Papa Paulo VI nos lembra que desde os tempos do Vatica­no II “nós estamos vivendo na Igreja um momento privilegiado do Espírito. Procura-se em tudo conhecê-lo melhor. Há felicidade em estar sob sua orientação. Une-se ao seu redor e deixa-se guiar por Ele”.64

O Espírito Santo é exatamente, o portador de um “novo início” de uma nova “criação”, do “homem”: apresenta-se como Aquele que é Senhor e dá a vida, e que “com admirável providência dirige o desenrolar dos tempos e renova a face da terra”.65

A nossa Família Salesiana está convencida da presença vivi­ficante do Espírito nas origens da própria vocação; ainda mais considerou os compromissos pós-conciliares destes últimos dois decênios (em que foram reelaborados os textos fundamentais da identidade dos três grupos fundados por Dom Bosco) como um caminho de docilidade ao Espírito Santo que nos visitou para que atualizássemos e promovêssemos o carisma por Ele dado ao nosso Fundador.

Sentimo-nos assim interpelados pelo Espírito Criador a re­lançar juntos um verdadeiro “Movimento espiritual”, ou seja, uma nova maneira de viver a nossa vocação comum que se alicerce numa mais autêntica interioridade apostólica, que dê preferência a uma mais atual criatividade pastoral, que incida mais social­mente na promoção da juventude e na evangelização das culturas e das classes populares, que sinta mais universalmente o anseio missionário, que reanime a coragem e a alegria de pertencer a uma Igreja católica em diálogo ecumênico.

Na minha carta sobre a Família Salesiana do mês de fevereiro de 1982 utilizei dois advérbios, “adiante” e “juntos”, como lema que nos devia guiar na busca de alguns objetivos de renovação. Penso que a expressão “Movimento espiritual” interpela exatamente este lema, enquanto sintetiza e expressa com mais força o que nos propomos reavivar; isto é, a “vida no Espírito”, para cada pessoa individualmente ou para qualquer um dos grupos; queremos que a nossa vocação venha testemunhada com mais profunda interioridade, com mais fraternidade e comunhão, com mais ágil dinamismo, com mais criatividade pastoral, com uma presença mais atraente e envolvente entre os jovens, e com mais presença social.

Por isso é indispensável a todos uma autêntica docilidade ao Espírito Santo, à sua presença animadora e aos resultados da visita que nos fez nos trabalhos de reelaboração das nossas car­teiras de identidade.

Não pretendemos nos organizar em grupos compactos e ba­rulhentos (também se gostamos da algazarra dos jovens), mas desejamos ser operadores competentes de uma vida autentica­mente cristã na realidade concreta, também se modesta, das nos­sas presenças locais, que são na verdade numerosas e presentes em todos os continentes.

A Família Salesiana, representada como movimento espiri­tual,66 proclamará assim a atualidade do carisma de Dom Bosco hoje e no futuro. Um verdadeiro carisma se caracteriza — como afirma o documento “Mutuae Relationes” — por uma contínua verificação da fidelidade a Deus, de docilidade ao seu Espírito, de atenção inteligente às circunstâncias, de visão aguda para per­ceber os sinais dos tempos, de uma sincera vontade de inserção na Igreja, de subordinação à sagrada Hierarquia, de ardor nas iniciativas, de constância na doação, de humildade para enfrentar os contratempos”.67

Dom Bosco estimulava cada Cooperador e cada Cooperadora a ser verdadeiramente “católico”, de uma fé convicta e vivida, corajoso e arrojado: “Não temas! Deus está com a Igreja em todos os dias até o fim dos tempos: os maus é que devem tremer diante dos bons, e não os bons diante dos maus”;68 “Lutemos com o Papa pela causa da Igreja, que é a de Deus! Sejamos corajosos! Trabalhemos com o coração! Deus saberá nos recompensar como um bom patrão. A eternidade será bem longa para descansar”.69



4. A PRESENÇA VIVA DA AUXILIADORA



Queridos Cooperadores, eis-nos chegados à conclusão. O es­tudo e a interiorização do novo texto do vosso Regulamento de vida apostólica deve assinalar o começo de uma nova etapa na vida da Associação. Ajudar-nos-ão na oração, nas iniciativas de serviço e de organização, na tarefa de formação e naquelas tão necessá­rias da promoção vocacional. O nosso Conselheiro para a Família Salesiana e a Vigária Geral das Filhas de Maria Auxiliadora já estão interessados e dispostos a capacitar animadores e animadoras para esta nova etapa de crescimento. Enquanto isso, de­positemos toda a nossa confiança na Virgem Auxiliadora, Mãe da Igreja; estamos convencidos de sua presença viva e a invoca­mos frequentemente;70 entregamo-nos a Ela como a Mestra e a Intercessora materna, sempre presente.

No dia 23 de maio de 1884, vigília da Festa de Nossa Senhora Auxiliadora, Dom Bosco fez uma palestra aos Cooperadores na basílica de Valdocco em Turim: “Já perto do fim dos meus dias — disse — fico imensamente feliz ao ver que os favores de Maria, em vez de diminuir, aumentam cada vez mais e em toda parte. Todos os dias, ora deste, ora daquele lugar também distante, recebo cartas contando graças extraordinárias recebidas pela in­tercessão de Maria Auxiliadora. E os Cooperadores e as Cooperadoras são os instrumentos de que se utiliza Deus para propagar cada vez mais a glória de sua Mãe. Vós todos deveis estar felizes e depositar a mais alta estima na proteção de Maria”.71

O novo texto do Regulamento foi entregue a alguns dos vos­sos representantes no passado dia 24 de maio exatamente na basí­lica de Valdocco, como se chegasse até vós pelas mãos de Nossa Senhora. “É certamente significativa e de grande importância — afirma o decreto de promulgação — a data deste ato solene. O Santo Padre João Paulo II, dirigindo-se aos membros do Con­gresso Mundial, representantes dos Cooperadores Salesianos do mundo todo, os exortou vivamente a se valer “das sugestões e da maternal inspiração de Maria SS. Auxiliadora, vossa especial e poderosa Padroeira”.72

Confiai, portanto, em Maria Auxiliadora, comprometei-vos e esperai!

Os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora rezam por vós e vos acompanham.

Eu vos recomendo a Dom Bosco e vos abençoo, enquanto admiro o vosso testemunho e vos agradeço pelos múltiplos e fecundos compromissos.

Com vivo afeto no Senhor,



1 Cf. MB 11, 309; 12, 99.

2 MB 3, 454.

3 Const., SDB 5.

4 MB 11, 73; 12, 84.

5 MB 11, 73-74.

6 MB 13, 485.

7 Regul. Dom Bosco, c. III.

8 MB 13, 81.

9 Lanzo, setembro de 1877.

10 “Opere edite”, v. 39, p. 468

11 Ibidem, p. 469.

12 Cf. Regulamento para as Paróquias: MB 18, 697.

13 MB 14, 543.

14 Cf. G. Favini, “II camino di una grande idea”, LDC, Torino, 1962.

15 Cf. Regul. 5.

16 Cf. MR 11.

17 Cf. Regul. P. 10.

18 B. S. Janeiro de 1881, p. 103.

19 N.B.: É útil lembrar que o código de 1917 distinguia as “Terceiras Ordens” dedicadas à vida de piedade (can. 702, § 1) das “Irmandades” dedicadas ao culto público (can. 707, § 2) e das “Pias Uniões ou Sodalícios” dedicados às obras de caridade (can. 707, § 1). O novo código, no entanto, atribui um significado mais amplo e compreensivo das Terceiras Ordens, como associações públicas de fiéis (can. 303; 677, § 2; 298 - 320), por isso o atual Decreto de aprovação do vosso Regulamento usa este termo.

20 Favini, “Don Bosco e l’apostolato dei laici”, SEI, Torino, 1952, p. 85.

21 Ibidem, p. 79.

22 Ibidem, 79.

23 Regul. 50.

24 MB 13, 629.

25 MB 16, 21.

26 AA 5.

27 AA 1.

28 AA 6.

29 AA 18.

30 Regul. 26.

31 Regul. 19, 1.

32 Can. 303.

33 Can. 677. § 2.

34 Cf. Regul. 27.

35 Regul. 27, 3.

36 Regul. 1.

37 Regul. 3.

38 Regul. 29, 1.

39 Regul. 28, 1.

40 Regul. 31, 2.

41 Regul. 28, 2.

42 Regul. 15.

43 Cf. Regul. 30, 3.

44 2Pd 1, 5ss.

45 Regul. 1, 1.

46 Regul. 27, 2.

47 Regul. 28, 2.

48 Regul. 35, 1.

49 Cf. Regul. 7.

50 DeV. 56.

51 Regul. 8.

52 Regul. 9.

53 Regul. 10.

54 Regul. 11.

55 Regul. 16 e 17.

56 Regul. 20, 3.

57 Congregação para a Doutrina da Fé, 22 de março de 1986.

58 Regul. 11, 2.

59 Regul. 16, 1.

60 Regul. 5.

61 Regul. 22, 1.

62 DeV 59.

63 DeV 67.

64 EN 75.

65 GS 26.

66 Cf. Const. SDB, 5.

67 MR 12.

68 MB 6, 482.

69 MB 7, 164.

70 Cf. Regul. 35, 1.

71 MB 17, 149.

72 Regul. Decreto de promulgação.